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Não conhecemos lei alguma que qualificasse como tal o filho nascido do coito de uma
escrava solteira com seu senhor, então, também solteiro.
“Pelo direito pátrio anterior só podiam ser reconhecidos por seus pais os filhos
naturais propriamente ditos ou in specie , também conhecidos pela designação filhos
simplesmente naturais, que eram os nascidos de pessoas entre as quais não havia
impedimento que obstasse ao casamento, ao tempo da concepção ou nascimento. Não
podiam, pois, ser reconhecidos os filhos adulterinos, os incestuosos e os [?]”.
(Hermenegildo de Barros, Direito das (?) nº 256, pág. 415).
Vê-se, pois, que no domínio do nosso direito antigo [?] á República, somente não
podiam ser reconhecidos pelos pais filhos espúrios, isto é, os adulterinos, os
incestuosos e os sacrílegos, que desapareceram com a organização pública da
[República]. Pelo direito vigente, embora contrário as tendências da moderna [?] a
proibição: os filhos incestuosos e adulterinos não podem ser reconhecidos (C. Civil,
art. 358). Ora, si assim era época em que Manoel Tostes (1881) reconheceu, por
escritura publica, ser Albino Tostes seu filho, nascido anteriormente ao casamento
que contraiu, em 1871, com a suplicante, filho oriundo exsoluto et soluto, porque não
havia lei que proibisse o casamento do senhor com a escrava, - é fora de dúvida que
válido foi, e é, esse reconhecimento. Não havia, como não há atualmente,
incesto união entre parentes proibidos de casar. Logo, o filho nascido do coito de
escrava solteira com seu senhor, também solteiro, não era um filho incestuoso.
No regime da lei de 2 de setembro de 1847, já citada, os efeitos do reconhecimento
consistiam em trazer legalmente o filho natural a família do pai, de modo que a este
podia não só pedir alimentos, como também suceder ab intestato – (Lafayette, obs.
Cit. §130). Aos efeitos sucessivos, porem, a cit. lei, de 1847, por uma restrição
importante, no caso de concorrência do filho natural reconhecido – com irmãos
consangüíneos legítimos: só o reconhecimento por escritura pública anterior ao
casamento é que dava ao filho natural direito de concorrer com os legítimos – a
herança do pai comum. Donde, si o reconhecimento era posterior, muito embora
estivesse o pai em estado de viúves e nesse estado é que lhe tivesse vindo o filho
natural, o reconhecimento gozava de todos os efeitos decorrentes do acto, menos dos
sucessivos, - si houvesse de concorrer com irmãos consangüíneos legítimos (T. freitas,
Consolidação, art. 212, nota 7 e art. 962, nota 10, Pereira de Carvalho, notas ao § 32
das Primeiras Linhas; Ramalho, Instit. Orphãos, § 15 e nota 91) Mas essa restrição
não se aplica a Albino Gabriel Tostes. Este, embora reconhecido na constância do
casamento de seu pai com a suplicante, não concorre à herança com irmãos
consangüíneos legítimos, - é o único descendente de Antonio Manoel Tostes, havido
por este de uma mulher solteira, embora escrava, com quem nenhum impedimento
tinha para casar. Isto posto, mando que se admita o dito Albino Gabriel Tostes à
sucessão de seu pai, ora aberta.
Fica, assim, indeferido o requerimento da viúva, cabeça de casal e inventariante, - D.
Amélia de Almeida Tostes a fls. 11.
Prossiga-se, escolhendo e indicando as partes o avaliador que a lei lhes dá o direito
de escolher.
Registre-se o inventário.
Juiz de Fora, 12 de julho de 1919.
César Franco
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Já havia se passado 31 anos da abolição da escravidão no Brasil, mas o discurso
empregado pela viúva e seu advogado para vetar a participação de Albino à herança de seu
pai denota um preconceito para com o herdeiro. No final do século XIX, a estrutura da
sociedade brasileira havia passado por diversas transformações como o fim do regime
escravista (1888), a implantação de um novo sistema político - República (1889) –, a
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AHUFJF: Inventário post-mortem. ID: 2678, cx. 325 B. p. 13.