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na popula€‚o local
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, era certo que havia homens que ainda dominavam as t…cnicas
ancestrais sobre como se adquirir essa forma de poder, que era mediada pelos Estados
de Realidade Incomum (ERI), ou simplesmente transe.
O que faz todo o estudo de Casta™eda adquirir outro rumo … justamente o que
Dom Juan entende sobre o estudo dessas plantas de poder: para este, n‚o se tratava de
uma compila€‚o de conhecimentos alheios transmitidos por via oral, estudar as plantas
de poder era antes de mais nada adentrar no caminho que conduzia um ser humano
comum a se tornar um homem de conhecimento
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, criando uma rela€‚o com os seres de
esp•rito
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que Dom Juan chamava de aliado. Para tanto, era imprescind•vel que o
estudioso vivenciasse
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as experi‰ncias advindas com o contato com essa noosfera
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. E
estados de realidade n‚o comum. No contexto do conhecimento de Dom Juan eram considerados reais,
embora sua realidade fosse diferenciada da realidade comum.Œ (Casta™eda, s/d: 24)
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Todos os informantes preliminares de Casta™eda manifestavam certa descren€a quanto ƒ exist‰ncia dos
brujos/diableros (xam‚s) em tempos recentes. Entretanto, esse descr…dito n‚o era absoluto, como o
pr†prio Casta™eda facilmente p„de perceber, como lhe diz Dona Luz, uma informante do referido
antrop†logo: ‹Dizem que n‚o hŠ mais diableros, mas eu duvido, pois um membro da fam•lia de um
diablero tem de aprender o que o diablero sabe. Os diableros t‰m suas pr†prias leis, e uma delas … que o
diablero tem de ensinar seus segredos a um membro de sua fam•lia.Œ (Casta™eda, s/d: 21)
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Termo pelo qual Dom Juan referia-se aos xam‚s. Vale acrescentar que ao contrŠrio do que uma certa
tradi€‚o no interior da antropologia deixa entrever, tornar-se um homem de conhecimento n‚o consiste
em dominar uma s…rie de t…cnicas medicinais, ou mesmo como lidar com amuletos e objetos que
operariam nas pessoas. Na verdade, o homem de conhecimento … aquele que segue uma s…rie de passos
rumo ao contato com os aliados, isto …, os seres de esp•rito que est‚o associados a determinadas formas de
poder, como se v‰ nas seguintes palavras de Dom Juan: ‹Ma•z-pinto, cristais e penas s‚o simples
brinquedos, comparados com um aliado Ž disse ele. Ž Esses objetos de poder s† s‚o necessŠrios quando o
homem n‚o tem um aliado. • uma perda de tempo procurŠ-los, especialmente no seu caso.Œ (Casta™eda,
s/d: 27)
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Entendo esse termo no sentido aplicado por Edgar Morin, como se v‰ a seguir: ‹Assim, produtos dos
esp•ritos/c…rebros dentro de uma cultura, retroagem de maneira dominadora sobre esses esp•ritos/c…rebros
e essa cultura. Produzidos por mortais, tornam-se imortais e regem o destino dos homens, capazes mesmo
de oferecer-lhes a imortalidade em troca de obedi‰ncia e de amor. Certamente os deuses n‚o s‚o
realmente imortais: a vida deles depende da vida da comunidade dos fi…is. Se os homens morrem, os
deuses tamb…m morrem.Œ (Morin, 1998: 152).
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‹[Dom Juan] disse que aprender por conversas era n‚o s† uma perda de tempo, como ainda uma
estupidez, pois aprender era a tarefa mais dif•cil que o homem poderia empreenderŒ (Casta™eda, s/d: 54)
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Aplico esse termo no sentido de Morin, para quem hŠ vida no mundo das id…ias. Vida que brota a partir
dos c…rebros individuais, a partir de condi€•es socioculturais dadas, instaurando-se como produto e
instrumento do conhecimento (Morin, 1998: 137). Esses seres assim gestados - e n‚o pensemos em um
tipo ‹fantasmag†ricoŒ de exist‰ncia Ž ir‚o relacionar-se entre si e com os homens. Formam um
verdadeiro reino vivo ƒ parte: nas palavras de Morin, comp•em uma noosfera. E para aqueles que
duvidam disso, Morin irŠ aclarar a natureza dessa exist‰ncia: ‹A noosfera … povoada de seres
materialmente enraizados, mas de natureza espiritual. Lembremos que a pr†pria mat…ria … muito pouco
material, pois um Štomo tem 99% de vazio, e as part•culas que o constituem tem uma materialidade
amb•gua.) do mesmo modo que a informa€‚o tem sempre um suporte f•sico/energ…tico, embora
permanecendo imaterial, o mito, o deus, a id…ia, t‰m um suporte f•sico/energ…tico nos c…rebros humanos e
concretizam-se a partir da materialidade das trocas qu•mico-el…tricas do c…rebro, dos sons das palavras,
das inscri€•es. Disp•em, sobretudo, de um suporte biol†gico constitu•do por esses mesmos c…rebros e …
isso que lhes insuflarŠ uma vida pr†pria.Œ (Morin, 1998: 147).