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pouquíssimo alcance, mas sua derrapagem no panfleto não ocorre neste livro,
aparecendo, unicamente, na ―Cartilha‖, de Anatomias (1967).
Neste contexto, é proveitoso discutir a posição dessa poesia e para quem ela se
dirige. José Paulo certamente não nutriria, até mesmo por sua conhecida aversão ao
deslumbramento (e também porque, sendo editor, sabia da diminuta comercialização da
poesia), algum projeto de atingir as massas; mas isso não fez com que para ele o leitor
fosse algo desprezível. À época da escrita de Epigramas, o estatuto concretista já
vigorava com larga repercussão, e sabe-se que em decorrência disso a poesia brasileira
enclausurou-se na tenda dos leitores especializados, cheios dos imprescindíveis
esquemas teóricos para a decodificação do literário. Paes nega essa tendência, e a sua
formação intelectual extra-universitária explica a manutenção de seu vínculo com o
leitor e a resistência a algumas propostas da vanguarda do século XX, as quais, sob a
chancela da novidade, deram à história da arte ocidental incontáveis páginas histéricas e
estéreis.
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Ainda sobre a crítica de João Biella, ―Poética‖, citado acima, é por ele visto
como um poema que não se coaduna com a autêntica estética paesiana. Ao comentar a
persona poética que fala através dos versos, diz que ela ―acredita em dualidade e não
sabe a ambiguidade‖ (2008, p. 43). Também aqui uma observação é necessária. O
pensamento maniqueísta, esse, sim, muito presente nos panfletos, concebe uma divisão
entre mal e bem de maneira dificilmente aplicável à vida com tanta precisão. Como
falamos de questões políticas, entre marxistas (e quaisquer outros ―istas‖) ortodoxos, é
regra atribuir a si e a seus correligionários a estampa do bem, da virtude e da correção,
ao passo que o outro, o capitalista (ou o a ele simpatizante) é o retrógrado, deficiente de
compreensão e de caráter, nocivo à humanidade.
Seguindo a lógica, os arautos da sociedade igualitária acreditam ser a sua via a
única pela qual a reforma coletiva terá trajetória viável e autêntica. Presenciando um
recital de poesia durante a comemoração do aniversário de um jornal comunista carioca
em 2001, o qual fora aberto por Moacyr Félix, pude perceber que em todas as
manifestações havia a ideia de um mundo doente a mortificar as classes pobres, mas
uma reversão era possível, e ela emergiria da revolução empreendida pelo proletariado,
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―[...] eu sempre tive em mente o leitor e procurei, na medida do possível, chegar a
um grau, não digo de clareza, mas de acessibilidade que pudesse para a poesia o
leitor não-poeta‖, diz o poeta em entrevista a Carlos Felipe Moisés. ―Meia palavra
inteira‖. In: http://www.revista.agulha.nom.br/cfmo01.html.