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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA
CENTRO DE CIÊNCIAS EXATAS E DA NATUREZA
DEPARTAMENTO DE SISTEMÁTICA E ECOLOGIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS BIOLÓGICAS
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO EM ZOOLOGIA
INTERAÇÕES SOCIAIS, USO DO HABITAT E ESTRUTURA
POPULACIONAL DO TUBARÃO-LIMÃO, NEGAPRION
BREVIROSTRIS (POEY, 1868), NO ARQUIPÉLAGO DE
FERNANDO DE NORONHA (PE)
DANILO DE PAULA RADA
João Pessoa
2010
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DANILO DE PAULA RADA
INTERAÇÕES SOCIAIS, USO DO HABITAT E ESTRUTURA POPULACIONAL
DO TUBARÃO-LIMÃO, NEGAPRION BREVIROSTRIS (POEY, 1868), NO
ARQUIPÉLAGO DE FERNANDO DE NORONHA (PE)
João Pessoa
2010
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
graduação em Ciências Biológicas Área de
Concentração em Zoologia da Universidade
Federal da Paraíba, como requisito parcial para
a obtenção do título de Mestre.
Orientador: Dr. RICARDO DE SOUZA ROSA
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DANILO DE PAULA RADA
INTERAÇÕES SOCIAIS, USO DO HABITAT E ESTRUTURA POPULACIONAL
DO TUBARÃO-LIMÃO, NEGAPRION BREVIROSTRIS (POEY, 1868), NO
ARQUIPÉLAGO DE FERNANDO DE NORONHA (PE)
BANCA EXAMINADORA
____________________________________
Prof. Dr. Ricardo de Souza Rosa
Universidade Federal da Paraíba, PB
____________________________________
Prof. Dr. Ricardo Clapis Garla
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, RN
____________________________________
Prof. Dr. Paulo Guilherme Vasconcelos de Oliveira
Universidade Federal Rural de Pernambuco, PE
____________________________________
Prof. Dr. Alexandre Ramlo Torre Palma
Universidade Federal da Paraíba, PB
____________________________________
Prof. Dr. Alfredo Ricardo Langguth Bonino
Universidade Federal da Paraíba, PB
j
"Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo."
[Fernando Pessoa]
i
Agradecimentos
Agradeço primeiramente à minha família, por me darem liberdade de escolha sobre qual
caminho trilhar no campo profissional. Isso foi fundamental para que eu pudesse estar
plenamente satisfeito, tendo não somente o contato com a natureza, mas tentando
compreendê-la diariamente.
Sou muito grato a vocês, pai e mãe, por me apoiarem sempre, principalmente na época
da graduação e no mestrado, período em que nos distanciamos fisicamente mas, de certa
forma, fortalecemos nossos laços afetivos! Devo muito a vocês por chegar onde estou
hoje!
Agradeço aos meus irmãos, Natinho, Trigo e Éric por terem me apoiado e me fazerem
crescer pessoalmente e profissionalmente, cada qual da sua maneira.
Agradeço ao meu orientador, Ricardo Rosa, pelos ensinamentos, pela confiança em
mim depositada e pela oportunidade da realização de um sonho pessoal e profissional
(pesquisar tubarões).
Reconheço o esforço dos meus professores (da graduação e pós-graduação) ao me
ensinarem a refletir e instigarem em mim a busca pelo conhecimento.
Agradeço à Thais pela força e apoio moral em diversas situações nestes 2 anos.
Agradeço a todos amigos da pós-graduação pela amizade e carinho com que sempre me
trataram. Especialmente ao Gui e Gabi por me acolherem em sua casa no início dessa
jornada! Aos “figuras” Hugo, Pilatti, Luana, Baiano, Marcinha e agregados que
moraram comigo durante minha estada em João Pessoa e riram e choraram comigo em
diversos momentos! Aos meus “irmãos” em Jampa, Hugo, Newton, Rudy, Gui e Jana
pela amizade, bebedeiras e ensinamentos teórico-práticos! À Manu pelo carinho,
exemplo e “encheções de saco”. À Ana Rita pela força no momento final da dissertação
e à Ludmilla e Pâmela pelos esclarecimentos estatísticos e amizade!
Ao ICM-Bio pela concessão da licença de pesquisa e aos seus funcionários pelo apoio
nas questões burocráticas e logísticas, especialmente ao Tadeu.
À Administração do Distrito Estadual de Fernando de Noronha pelas resoluções das
questões burocráticas.
A todos que me auxiliaram nos trabalhos de campo e tornaram possível a realização
deste trabalho: Luciana, Hugo, Paulo, Juliana, Marcinha e Sanjay, além das ajudas
eventuais (e imprescindíveis) da Jéssica, Maurício, Tom e Chuck. Ao Léo pela amizade,
valiosas contribuições, mergulhos e disponibilização das fotos.
ii
A todos amigos de Noronha que tornaram a estadia na ilha suportável e mais agradável,
especialmente às meninas do Golfinho Rotador e galera do Tamar. Às empresas de
mergulho Águas Claras, Atlantis e Noronha Divers pelos mergulhos autônomos.
À Creuza e professor Gilson, do Laboratório de Hidrologia pelas análises das amostras
de água e aos professores Daniel Mesquita e Luiz Lopez pelo tratamento estatístico dos
dados. Ao professor Antônio Souto pelas sugestões no tratamento dos dados sobre os
comportamentos sociais. Ao professor Tarcísio pelo empréstimo de material e auxilio
nos cálculos da correnteza.
Aos membros da banca, pelas valiosas contribuições, críticas e sugestões para melhorar
a qualidade deste trabalho.
A todos meu muitíssimo obrigado, de coração!
iii
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO GERAL .............................................................................................1
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................... 4
CAPÍTULO 1 ESTRUTURA POPULACIONAL E USO DO HABITAT DE
NEGAPRION BREVIROSTRIS PARA O ARQUIPÉLAGO DE FERNANDO DE
NORONHA (PE) ........................................................................................................... 6
RESUMO ...................................................................................................................... 7
ABSTRACT .................................................................................................................. 8
INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 9
JUSTIFICATIVA ....................................................................................................... 13
OBJETIVOS ................................................................................................................ 13
OBJETIVO GERAL ......................................................................................... 13
OBJETIVOS ESPECÍFICOS ........................................................................... 13
METODOLOGIA ....................................................................................................... 14
ÁREA DE ESTUDO ........................................................................................ 14
COLETA DE DADOS ..................................................................................... 22
ANÁLISES ESTATÍSTICAS .......................................................................... 26
RESULTADOS ........................................................................................................... 27
ESTRUTURA POPULACIONAL .................................................................. 28
USO DO HABITAT ........................................................................................ 30
DISCUSSÃO .............................................................................................................. 41
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................... 49
iv
CAPÍTULO 2 INTERAÇÕES SOCIAIS DE NEGAPRION BREVIROSTRIS NO
ARQUIPÉLAGO DE FERNANDO DE NORONHA (PE) ...................................... 55
RESUMO ..................................................................................................................... 56
ABSTRACT ................................................................................................................ 57
INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 58
JUSTIFICATIVA ....................................................................................................... 60
OBJETIVOS ................................................................................................................ 60
OBJETIVO GERAL ......................................................................................... 60
OBJETIVOS ESPECÍFICOS ........................................................................... 60
METODOLOGIA ....................................................................................................... 61
RESULTADOS ........................................................................................................... 63
DADOS QUALITATIVOS ............................................................................. 64
DADOS QUANTITATIVOS .......................................................................... 68
DISCUSSÃO ............................................................................................................... 71
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................... 77
CONCLUSÕES .......................................................................................................... 81
APÊNDICES .............................................................................................................. 82
v
ÍNDICE DE FIGURAS
3
16
18
21
24
24
28
31
34
38
38
39
39
40
48
62
65
67
[u1] Comentário: Se vc elaborou esses
desenhos, poderia escanea-los em preto e
branco ao invés de tons de cinza.
vi
ÍNDICE DE TABELAS
29
29
33
35
36
37
69
69
70
vii
ÍNDICE DE APÊNDICES
APÊNDICE I
NEONATOS COM MARCAS NATURAIS ................................................................................... 82
NEONATOS COM MARCA ARTIFICIAL (ANZOL) ...................................................................... 85
APÊNDICE II
COMPORTAMENTO GREGÁRIO EM RA .................................................................................. 86
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1
Introdução Geral
Os peixes cartilaginosos (Chondrichthyes) habitam nossos oceanos milhões
de anos. O registro fóssil mais antigo que se tem conhecimento data do período
Ordoviciano, aproximadamente 455 milhões de anos (Nelson, 2006). A evolução
atuou fortemente ao longo destes anos, extinguindo várias espécies ou até mesmo
ordens inteiras (e.g. Cladoselachiformes, Orodontiformes, Xenacanthiformes, entre
outras). Atualmente a classe Chondrichthyes é dividida em duas subclasses:
Holocephalii (quimeras) e Elasmobranchii (tubarões e raias). Os Elasmobranchii, por
sua vez, são divididos em três infraclasses, Cladoselachimorpha, Xenacanthimorpha e
Euselachii, das quais apenas a última contém representantes viventes (Nelson, 2006).
Apesar da filogenia deste último grupo ainda permanecer um pouco confusa, Nelson
(2006) opta por utilizar, dentro dos Euselachii, o termo “divisão” Neoselachii,
compreendendo duas subdivisões: Selachii (tubarões) e Batoidea (raias). Há
aproximadamente 403 espécies de tubarões descritas, as quais estão distribuídas em 106
gêneros, 34 famílias e nove ordens (Nelson, 2006).
A espécie-alvo deste trabalho, o tubarão- limão, Negaprion brevirostris,
pertence à família Carcharhinidae, ordem Carcharhiniformes (Figura 1) e é
caracterizada como uma espécie ativa, demersal, que pode se aventurar ao mar aberto
com finalidades migratórias, tendo sido encontrada em profundidades de até 92 metros
(Compagno, 1984; Nelson, 2006).
A distribuição conhecida de N. brevirostris abrange as regiões tropicais e
subtropicais dos oceanos Atlântico Ocidental e Oriental e do Pacífico Oriental. No
oceano Atlântico Ocidental, distribui-se originalmente de Nova Jersey, Estados Unidos,
até o sudeste do Brasil (Compagno, 1984). As plataformas insulares do Arquipélago de
Fernando de Noronha e Atol das Rocas constituem os principais centros de abundância
da espécie, ao lado da região do Caribe e das Bahamas (Figueiredo, 1977; Compagno,
2001).
Seu modo de reprodução é vivíparo e deste modo se comporta como uma
espécie K-estrategista, apresentando um ciclo de vida longo, lenta taxa de crescimento,
maturidade sexual tardia (média de 12 anos), ciclo de reprodução bianual e, por fim,
baixa fecundidade, dando à luz 4 a 18 filhotes por progênie, estes com tamanho médio
2
de aproximadamente 60cm. O adulto não raramente ultrapassa os 3m. de comprimento
total, sendo as fêmeas ligeiramente maiores que os machos (Compagno, 1984; Brown &
Gruber, 1988; Cortés, 2000; Feldheim et al., 2002). Outro fenômeno interessante é a
ocorrência de poliandria durante a época de acasalamento. A fêmea é capaz de estocar
esperma de diferentes machos, produzindo, assim, filhotes com múltipla paternidade.
Tal evento traz benefícios à progenitora e à prole (Feldheim et al., 2002; Feldheim et
al., 2004), visto que esta, por possuir maior diversidade genética provavelmente
apresenta organismos que responderão de forma diferenciada às dinâmicas ambientais,
com alguns indivíduos apresentando maior fitness que outros.
Assim como os demais Carcharhinidae, o tubarão-limão é carnívoro oportunista,
ocupando os níveis tróficos mais altos da cadeia alimentar e possuindo poucos
predadores naturais, sendo mais vulneráveis nos estágios iniciais de desenvolvimento
(Gruber, 1982). Estudos de Schmidt (1986) e Cortés & Gruber (1990) realizados na
costa do Estado da Flórida (EUA) descrevem os peixes teleósteos como sendo os itens
alimentares dominantes, podendo ser responsáveis por até 88% da dieta de N.
brevirostris. Sob condições naturais, o tubarão-limão é canibal e, segundo Cortés &
Gruber (1990) os elasmobrânquios compõem aproximadamente 7% da dieta dos adultos
de N. brevirostris. Em concordância com tais dados, um estudo recente desenvolvido na
Reserva Biológica do Atol das Rocas (RN, Brasil) pelo Dr. Ricardo Rosa demonstrou
que teleósteos respondem por grande parte da dieta de jovens de N. brevirostris,
seguidos por invertebrados, principalmente crustáceos (dados não publicados).
Justamente por serem enquadrados como predadores de topo de cadeia, os
tubarões desempenham um importante papel na manutenção do equilíbrio ecológico
marinho. Eles regulam diretamente a densidade populacional de suas principais presas,
e indiretamente de outros organismos posicionados em níveis tróficos subseqüentes, ou
seja, de espécies que são potencialmente fontes alimentares de suas presas. A
distribuição de várias espécies também é influenciada pela simples presença de tubarões
no local (Griffin et al, 2008). Muitas espécies alteram seu uso do habitat e áreas de
atividade se o risco de serem predadas é alto. Estas modificações refletem-se
sucessivamente em um “efeito-cascata” ao longo do ecossistema, e pode-se afirmar que
os tubarões, ao menos os de grande porte, exercem certa influência na estruturação da
comunidade (Griffin et al, 2008). Assim, a pesca predatória de tubarões não
representa uma ameaça à sobrevivência destes elasmobrânquios como também é
3
responsável por um desequilíbrio de proporções desastrosas no ecossistema marinho
como um todo. (Griffin et al, 2008).
O gerenciamento pesqueiro e a criação e implementação de Unidades de
Conservação, são medidas efetivas e fundamentais para a reposição dos estoques
populacionais de elasmobrânquios (Chapman et al., 2009). A espécie-alvo deste estudo,
o Negaprion brevirostris (tubarão-limão), é considerada vulnerável na América do Sul
(IUCN, 2006) e há uma carência de dados sobre sua biologia geral e comportamental no
Arquipélago de Fernando de Noronha, importante área de berçário da espécie no
Atlântico Sul (Garla et al., 2008). Desta forma, os objetivos deste trabalho abordam a
estruturação populacional, uso do habitat e comportamentos sociais de N. brevirostris
em Fernando de Noronha, visando levantar dados que possam auxiliar na elaboração de
planos de manejo mais eficazes, potencializando as ações conservacionistas na região.
Figura 1. Exemplar de tubarão-limão, Negaprion brevirostris, observado no Buraco da Raquel,
Fernando de Noronha.
4
Referências bibliográficas
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brevirostris, using tetracycline validated vertebral centra. Copeia. 1988: 747-753.
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Feldheim, K.A.; Gruber, S.H. Ashley M.V. 2004. Reconstruction of parental
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Figueiredo, J.L. 1977. Manual de peixes marinhos do Sudeste do Brasil. I. Introdução
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Garla, R.C.; Garcia Jr., J.; Veras, L.B. & Lopes, N.P. 2008. Fernando de Noronha as an
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5
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Griffin, E.; Miller, K.L., Freitas, B. & Hirshfield, M. 2008. Predators as prey: why
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Nelson, J. S. 2006. Fishes of the world. 4th. Ed. New Jersey. John Wiley & Sons, Inc.
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Schmidt, T. W. 1986. Food of young juvenile lemon sharks, Negaprion brevirostris
(Poey), near Sand Key, Western Florida Bay. Flor. Scient. 49: 7-10.
6
CAPÍTULO 1
Estrutura populacional e uso do habitat de Negaprion brevirostris
para o Arquipélago de Fernando de Noronha (PE)
7
ESTRUTURA POPULACIONAL E USO DO HABITAT DE TUBARÕES-LIMÃO,
NEGAPRION BREVIROSTRIS, NO ARQUIPÉLAGO DE FERNANDO DE
NORONHA.
RESUMO
A estrutura populacional e o uso do habitat de Negaprion brevirostris foram verificados
ao longo de cinco expedições para o arquipélago de Fernando de Noronha, utilizando-se
três metodologias diferentes: busca ativa, transecções e observações terrestres a partir de
um ponto elevado. A estruturação etária configurou-se pela predominância de jovens,
seguidos de subadultos, neonatos e adultos. A razão sexual foi fortemente enviesada a
favor das fêmeas, sugerindo segregação sexual. Os neonatos geralmente foram
observados agregados, em profundidades atingindo no máximo 1,5 m. A análise de
covariância (ANCOVA) indicou que o mero de avistagens de tubarões se relacionou
com o local, a temperatura e a profundidade. De modo geral, os tubarões jovens e
subadultos preferiram águas quentes e rasas, com um temperatura ótima de 27º C e uma
profundidade menor que 6 m. O local com maior número de avistamentos foi o Buraco
da Raquel. Não foi encontrada uma preferência por substrato rochoso ou arenoso e a
região do porto foi evitada, provavelmente pela antropização da área. A presença dos
tubarões em águas rasas indica fidelidade ao local e, talvez uma forma de se evitar os
predadores. A maior quantidade de tubarões observados nas áreas sem interferências
humanas revela a importância e necessidade da criação e implementação de áreas
marinhas protegidas.
8
POPULATION STRUCTURE AND HABITAT USE OF LEMON SHARKS,
NEGAPRION BREVIROSTRIS, AT FERNANDO DE NORONHA ARCHIPELAGO.
ABSTRACT
The population structure and habitat use of Negaprion brevirostris were verified
through five expeditions to Fernando de Noronha archipelago. To achieve this we used
three different methodologies: active search, strip transects and terrestrial observations
from an elevated point. The age structure configuration revealed that young sharks are
predominant, followed by subadults, adults and neonates. The sex ratio was strongly
female skewed, what suggest sexual segregation. Neonates were frequently observed in
groups and always at 1.5 m maximum depth. An analysis of covariance (ANCOVA)
was performed and we verified that shark‟s sightings were correlated to site,
temperature and depth. In general, young and subadults sharks preferred shallow and
warmer waters, with an optimum temperature around 27 º C and depths of less than 6 m.
The greatest number of shark‟s sightings took place at Buraco da Raquel. Lemon sharks
did not choose between rocky or sandy substrates but they avoided the harbor region,
probably because the anthropogenic development. The presence of sharks in nearshore
environments indicates that their site attachment and, perhaps, predator avoidance.
Sharks were mostly observed at non-human interference areas, what reveals the
magnitude need for creation and implementation of marine protected areas.
9
Introdução
Presentes nos quatro oceanos de nosso planeta, os tubarões são considerados
cosmopolitas, sendo encontrados tanto em mar-aberto (espécies pelágicas) quanto em
plataformas continentais e insulares (espécies costeiras). O tubarão-limão, Negaprion
brevirostris, tem hábitos costeiros e pode ser encontrado nos Oceanos Atlântico e
Pacifico Oriental (Compagno, 1984; Nelson, 2006).
Segundo Castro (1993), muitas espécies de elasmobrânquios utilizam baías e
estuários rasos como locais de reprodução. Tais localidades muitas vezes funcionam
também como áreas de berçário, oferecendo, através de recifes de corais e mangues,
refúgio e proteção contra predadores, além de proverem alimento, garantindo assim a
sobrevivência e o desenvolvimento dos jovens de diversas populações de
elasmobrânquios.
A utilização de berçários e a fidelidade dos jovens ao local de nascimento é
comum em Negaprion brevirostris e as áreas mais estudadas, no oeste do Oceano
Atlântico, são a de Bimini, nas Bahamas e o Atol das Rocas, situado na região nordeste
da costa brasileira (Morrissey & Gruber, 1993b; Edrén & Gruber, 2005; Freitas et al.,
2006; Wetherbee et al., 2007).
Áreas de berçário, por garantirem o nascimento de jovens e prover condições
para sua sobrevivência e crescimento, assomando-se a isso a fidelidade dos indivíduos
de N. brevirostris ao local, são consideradas críticas para a reposição dos estoques e
sobrevivência da espécie como um todo. Dessa forma, é imprescindível que tais habitats
sejam identificados e preservados (Camhi et al., 1998).
Estudos recentes de Garla et al. (2008) confirmam o Arquipélago de Fernando
de Noronha como área de berçário para o tubarão-limão. A continuação de pesquisas no
local é necessária e o presente trabalho vem investigar alguns parâmetros populacionais,
aspectos comportamentais e uso do habitat pela espécie em questão.
A expressão “uso do habitat por parte de uma espécie deve ser empregada
quando não se conhece uma seleção ativa do habitat, confirmada por padrões de
movimentação dos indivíduos (Kramer et al., 1997). Diversos estudos têm aplicado
10
técnicas de telemetria para monitorar tubarões e identificar padrões de movimentação,
áreas de vida (“home-range”) e áreas centrais (“core-areas”) dentro desta última.
(Rechisky & Wetherbee, 2003; Heupel et al., 2004; Édren & Gruber, 2005; Johnson et
al., 2009). Fazendo-se um mapeamento da área de estudo com relação a diferentes
variáveis (tipo de substrato, vegetação dominante, distância da costa, profundidade,
temperatura, salinidade, etc) e plotando neste mapa os pontos referentes à localização
dos tubarões, é possível evidenciar os habitats preferenciais da espécie em questão, para
aquele momento, naquela região (Morrissey & Gruber, 1993b; Campana & Joyce, 2004;
Johnson et al., 2009). A investigação do uso do habitat por tubarões-limão através da
telemetria é recorrente na região de Bimini, nas Bahamas (Gruber et al., 1988; Correia
et al., 1995), mas é raramente utilizada em trabalhos no Atlântico Sul, que se munem de
metodologias alternativas para atingir tal objetivo (Oliveira, 2001, Garcia, 2010).
A escolha de determinado habitat por indivíduos de uma espécie geralmente é
resultado da alta disponibilidade de recursos naquele local (alimento, abrigo, parceiro
sexual, ausência de predadores, entre outros) o que confere maior valor adaptativo aos
que fazem uso de tal local (Pough, 2003; Ricklefs, 2003). Como dito acima, a seleção
de habitat pode ser percebida por padrões de movimentação e de utilização do espaço
por parte da espécie estudada, o que, consequentemente, nos ajuda a entender um pouco
mais sobre sua ecologia comportamental (Itzkowitz, 1991 apud Morrissey & Gruber
1993b).
Gruber et al. (1988) e Morrissey & Gruber (1993b) analisaram algumas
variáveis suspeitas de influenciarem na seleção do habitat e nos padrões de atividade
pelo tubarão-limão em Bimini, Bahamas. Os resultados obtidos indicam que a
temperatura, profundidade e tipo de substrato estão relacionados com a escolha do
habitat pelo tubarão-limão, especialmente dos neonatos e jovens. Wetherbee et al.
(2007) constataram que o regime de marés, associado à profundidade, influi nos padrões
de movimentação e comportamento de jovens de N. brevirostris em Atol das Rocas
(RN).
No intuito de elucidar o uso do habitat por integrantes de N. brevirostris no
Arquipélago de Fernando de Noronha, foram analisados alguns dados físico-químicos e
biológicos dos locais de amostragens, esclarecidos no tópico „Metodologia‟.
A necessidade de preservar os tubarões vai além da noção de resguardar
11
determinada espécie da extinção. Segundo Griffin et al. (2008) os tubarões exercem
influência na estruturação de comunidades marinhas e o equilíbrio ecológico dos
oceanos depende enormemente deles.
Nelson (2006) aponta a importância dos peixes como fonte alimentar para o ser
humano e cita que algumas atividades antrópicas têm causado efeitos negativos ao meio
ambiente, provocando ameaças à biodiversidade marinha.
A exploração humana dos recursos pesqueiros cresceu enormemente no fim do
século passado e algumas implicações dessas ações desenfreadas sobre os peixes,
especialmente sobre os elasmobrânquios, são demonstradas por Baum et al. (2003). Tal
estudo reúne dados sobre a pesca exploratória no noroeste do Oceano Atlântico, e os
resultados alcançados pelos pesquisadores indicam um declínio nas populações de
varias espécies de tubarões em um período relativamente curto de tempo.
Por serem predadores de topo de cadeia, a remoção dos tubarões do ecossistema
tem conseqüências consideráveis, como aumento imprevisível das populações de suas
principais presas (teleósteos e invertebrados) e de espécies que não são suas presas
diretas (Wetherbee et al., 1990; Musick, 2004).
No Brasil, não dados oficiais sobre atividades pesqueiras envolvendo
Negaprion brevirostris, entretanto, há indícios de amplas capturas da espécie pela pesca
intensiva no Oceano Atlântico Ocidental, o que causa uma depleção nos estoques e é
uma das razões pela qual a espécie encontra-se na lista da IUCN, sob o status de quase
ameaçada (NT) no Oceano Atlântico Ocidental como um todo, e vulnerável na América
do Sul (IUCN, 2006). No Brasil, seu status de ameaça foi indicado por Rosa (1997) e
oficialmente reconhecido pela Instrução Normativa MMA n.05/2004.
Segundo Musick (2004), a pesca direta é uma das causas do declínio de muitas
espécies de elasmobrânquios abaixo do nível de resiliência, mas a mortalidade advinda
da pesca inespecífica (“bycatch”), ou seja, a captura de diversas espécies que não
estavam sendo visadas é muita alta e pode responder por parcelas significativas no
declínio de algumas espécies, o que parece ser o caso do tubarão limão, ao menos em
território nacional. Conseqüentemente, a pesca sem manejo pode causar, em poucos
anos, uma baixa no estoque (população) que, devido às características reprodutivas
12
intrínsecas da espécie, pode levar décadas para se recompor acima do nível no qual seja
viável a pesca sustentável (Baum et al., 2003; Musick, 2004).
O desenvolvimento urbano em áreas costeiras também afeta negativamente o
ecossistema marinho, alterando as taxas de sedimentação e liberando poluentes no mar
(Jennings et al., 2008; Knip et al., 2010). Jennings et al. (2008) constataram um
declínio nas taxas de crescimento e de sobrevivência de neonatos de N. brevirostris
durante a construção de um resort em Bimini, Bahamas.
O fechamento de empresas de pesca locais e a implementação de áreas marinhas
protegidas, especialmente em áreas de berçário, são algumas medidas que podem
mitigar os efeitos deletérios da pesca por aumentar a chance de sobrevivência dos
filhotes e proteger tubarões maiores, que se concentram em regiões costeiras, próximos
a suas áreas natais (Garla, 2003; Chapman et al., 2009). O investimento em programas
de educação ambiental que alerte as pessoas sobre a frágil natureza das populações de
elasmobrânquios também são medidas válidas para incrementar a eficiência da
conservação dos tubarões.
13
Justificativa do estudo
Segundo Abdulla (2004), a identificação e mapeamento de habitats utilizados
por uma espécie, além de estudos sobre sua biologia geral, ecologia e dinâmica
populacional são indispensáveis para se elaborar um plano de manejo e definir medidas
de conservação eficientes para a espécie em questão. Além disto, a atual classificação
do tubarão-limão na lista vermelha da IUCN e a reconhecida importância mundial do
Arquipélago de Fernando de Noronha na manutenção da biodiversidade marinha, bem
como a carência de dados envolvendo N. brevirostris em tal área, justifica a escolha do
local de estudo e os objetivos a serem elucidados no decorrer da pesquisa, visando
recolher uma gama de dados necessários para o planejamento e criação futuros de um
plano de recuperação para a espécie estudada.
Objetivo Geral
Reunir dados ecológicos do tubarão-limão, Negaprion brevirostris, em Fernando
de Noronha importante área de berçário para a espécie no Atlântico Sul visando
complementar as informações bio-ecológicas existentes, auxiliando assim na
elaboração de um futuro Plano de Recuperação.
Objetivos Específicos
1. Verificar a estrutura da população de N. brevirostris em Fernando de Noronha;
2. Analisar o uso do habitat de indivíduos N. brevirostris de diferentes classes
etárias em áreas especificas de Fernando de Noronha.
14
Metodologia
Área de estudo
O Arquipélago de Fernando de Noronha originou-se por ações vulcânicas, que
resultaram na formação de 21 ilhas, ilhotas e rochedos, sendo Fernando de Noronha a
maior ilha, com uma área de 18,4 km
2
, largura máxima de 3,5 km e perímetro de 60 km.
Esta corresponde ao topo de um dos cones vulcânicos da Cordilheira Dorsal Meso-
Atlântica, cuja base de 74 km de largura está situada a 4000 m de profundidade
(Teixeira et al., 2003). Tal arquipélago está localizado entre as coordenadas 3˚ 54‟ S e
32˚ 25‟ W e dista aproximadamente 360 km de Natal (RN) e 545 km de Recife (PE).
A área do arquipélago está sob ão da Corrente Sul Equatorial, responsável
pelas águas quentes (26-27˚C) e salinidade em torno de 36. A Corrente Equatorial
Atlântica também exerce uma pequena influência na hidrodinâmica do arquipélago.
(Eston et al., 1986).
O clima na região é tropical com duas estações bem definidas: uma chuvosa de
março a julho e uma seca de agosto a fevereiro. A pluviosidade média anual é de 1300
mm, podendo atingir valores inferiores a 500 mm e superiores a 2000 mm anuais. A
temperatura atmosférica média anual é de 27
o
C (Teixeira et al., 2003).
Os ventos alísios predominam durante a maior parte do ano, soprando na direção
E,SE e, portanto, atingindo a face barlavento (ou “Mar de Fora”, voltado para o
continente africano), resultando em águas revoltas nesta região durante a maior parte do
ano. Porém, entre novembro e março ocorre uma mudança no regime de ventos que
passam a soprar na direção W, SW e WSW (Eston et al., 1986).
Durante toda esta época são freqüentes os períodos de fortes ondulações na face
sotavento do arquipélago (“Mar de Dentro”, voltado para o continente americano) e de
calmaria no Mar de Fora (Eston et al., 1986; Teixeira et al., 2003).
Segundo Soto (2001), o arquipélago abriga 167 espécies de peixes, sendo 25 de
elasmobrânquios e 142 de teleósteos. O autor cita ainda quatro espécies endêmicas:
Stegastes rocasensis, Xyrichtys incandescens, Starksia sp. e Lythrypnus sp.
15
A partir de 1986, o Governo Federal declarou o território de Fernando de
Noronha Área de Proteção Ambiental (APA) e, dois anos mais tarde, foi criado o
Parque Nacional de Fernando de Noronha (PARNAMAR), cuja área de 112,7 km
2
,
abrange aproximadamente 70% da ilha principal, as demais ilhas e a área marinha até
50m de profundidade em quase todo o entorno do arquipélago (Mitraud, 2001; IBAMA,
2008).
Para a execução do presente estudo, os pontos de amostragens (Figura 1.1)
foram selecionados em quatro locais na face barlavento (“Mar de Fora”) da ilha
principal, os quais são denominados Enseada dos Tubarões, Buraco da Raquel (interna e
externamente à barreira de recifes), Caieira e Atalaia. Uma quinta localidade, a Praia de
Santo Antônio (por se tratar de uma região portuária, será referida apenas como Porto),
a qual está situada na face sotavento (“Mar de Dentro”) da ilha também foi amostrada.
Os pontos de coleta de dados foram assim escolhidos pela viabilidade de acesso,
características de substrato semelhantes (entre as subáreas) e por apresentarem
diferentes níveis de proteção relativos a ações humanas, compreendendo desde o acesso
liberado de turistas e embarcações (região portuária), passando por locais com acesso
controlado (Piscina do Atalaia) e culminando com regiões de acesso restrito, permitido
apenas para pesquisa científica (Enseada dos Tubarões, Buraco da Raquel e Caieira). A
caracterização qualitativa das áreas foi feita através de mergulhos livres (apnéia) e
envolveu a descrição do substrato, cobertura bêntica e potenciais presas do N.
brevirostris (teleósteos, crustáceos e moluscos).
16
Figura 1.1 Representação das áreas amostradas em Fernando de Noronha. A visão panorâmica
do Arquipélago; B Porto; C áreas amostradas: Δ = Enseada dos Tubarões, = Buraco da
Raquel, Θ = Caieira; D Piscina do Atalaia. Traço amarelo = transecto de 120m; Traço
vermelho = local de busca ativa dos neonatos. Modificado de Google Earth.
17
Em todas as áreas, exceto a Enseada dos Tubarões, foi realizada a busca ativa
por neonatos em locais rasos, adjacentes à praia (Figura 1.2). A caracterização destas
áreas é descrita a seguir. Os locais de busca ativa acompanham a letra N” ao final das
siglas, por referirem-se exclusivamente aos pontos de avistagens dos neonatos.
Atalaia (AN)
Substrato inconsolidado, com algumas pequenas colônias de corais. um cabeço de
recife aproximadamente na metade da piscina, o qual é recoberto por corais, esponjas e
microalgas. Uma barreira de recife isola o local do mar durante a baixa-mar e abriga
grande quantidade de vida marinha. De forma geral, a fauna no local é rica, com
presença de anêmonas, ascídias, poliquetas, ofiuróides, ouriços-brancos, polvos e
lagostas, além dos corais e espojas já citados. Teleósteos abundantes, inclusive no
estágio juvenil.
Buraco da Raquel (RN)
Substrato consolidado, rochas nuas ou recobertas por macroalgas, mas raramente com
colônias de corais fixadas. Muitas macroalgas suspensas, comprometendo a
visibilidade. Local fica totalmente exposto durante a baixa-mar. Poucos teleósteos
presentes, geralmente Abudefduf saxatilis.
Caieira (CN)
Substrato ecótone, predominantemente arenoso. Poucas rochas nuas ou recobertas por
microalgas. Geralmente com sedimento em suspensão devido à ação das ondas. Poucos
teleósteos presentes, geralmente Abudefduf saxatilis.
18
Porto (PN)
Substrato ecótone, predominantemente rochoso. Rochas nuas, recobertas por microalgas
ou colônias de corais. Outros organismos incrustantes ausentes. Teleósteos presentes.
Por vezes observou-se pequenos cardumes de sardinha, Harengula sp.
Figura 1.2. Fotos dos locais de busca ativa para neonatos. A AT; B RN; C CN; D PN.
A
C
B
D
19
As áreas Buraco da Raquel, Caieira e Porto foram dividas em duas subáreas, de
acordo com o tipo de substrato predominante, onde foram realizados transectos (120 x
6m; exceção para a subárea Porto de substrato arenoso,com transeções de 60 x 6m) para
verificar a utilização destes ambientes pelos tubarões-limão. A caracterização das
subáreas é descrita a seguir. Tais subáreas acompanham as letras “A” ou “R” em suas
siglas, referindo-se aos substratos Arenoso e Rochoso, respectivamente (Figura 1.3).
Buraco da Raquel “Arenoso” (RA)
Substrato inconsolidado, predominantemente arenoso, com um banco de macroalgas em
uma das extremidades. Uma grande barreira de recife, que ultrapassa os limites do
transecto, protege o local da ação mecânica das ondas e o separa do outro ponto de
amostragem, o Buraco da Raquel “Rochoso”. Invertebrados incrustantes presentes
apenas na barreira de recife. Teleósteos presentes ao longo da transecção, mas não são
tão abundantes.
Buraco da Raquel “Rochoso” (RR)
Substrato consolidado, recoberto em sua maior parte por macroalgas. Poucas rochas
nuas ou recobertas por microalgas, além de algas calcárias presente. Apresenta
formações (protuberâncias) rochosas de extensões e alturas variadas que abrigam grande
diversidade de invertebrados marinhos, como corais, esponjas, ascídias, anêmonas,
poliquetas e ouriços-brancos. Teleósteos abundantes.
Caieira “Arenoso” (CA)
Substrato incosolidado, totalmente arenoso, contendo poucos tufos de macroalgas.
Organismos incrustantes são inexistentes. Teleósteos raramente encontrados,
geralmente apenas de passagem no local.
20
Caieira “Rochoso” (CR)
Substrato consolidado, recoberto por corais e por macro e microalgas. Algas calcarias
presentes. Apresenta quatro principais “cabeços” de recife totalmente submersos, com
varias reentrâncias onde se fixam abundantes colônias de esponjas, corais e ascídias.
Ambiente parcialmente protegido da ação mecânica das ondas por uma grande
formação rochosa exposta (“Pedra da Lancha”). Teleósteos abundantes.
Porto “Arenoso” (PA)
Substrato inconsolidado, predominantemente arenoso, contendo esparsos “tufos” de
macroalgas, poucas e pequenas rochas nuas ou recobertas por microalgas. Raramente
algas calcárias presentes e pequenas colônias de corais. Teleósteos abundantes.
Porto “Rochoso” (PR)
Substrato consolidado, com rochas nuas ou geralmente recobertas por macro e
microalgas. Apresenta muitas reentrâncias, nas quais nota-se a fixação de vários
invertebrados, como colônias de esponjas, corais, anêmonas e ascídias. Alguns ouriços-
brancos, algas calcárias e corais pétreos também foram notados. Polvos e teleósteos
abundantes.
21
Figura 1.3. Fotos dos locais de amostragem. A RA (detalhe para a barreira de recife ao fundo); B RR;
C CA; D CR; E PA; F PR; G-H ET (na preamar e baixamar, respectivamente).
A
B
C
D
E
F
H
G
22
Para o local Enseada dos Tubarões (Figura 1.3), devido às características
geográficas da área, optou-se por utilizar uma metodologia diferente, na qual os
tubarões eram observados de fora da água. A caracterização desta área é descrita a
seguir.
Enseada dos Tubarões (ET)
Apresenta uma área de aproximadamente 5200m
2
. Local de águas rasas (profundidade
máxima de 1,5m), é enormemente influenciado pelo regime de marés, permanecendo
com boa parte de sua área totalmente exposta durante os picos da maré baixa. Há apenas
um ponto de conexão com o mar e o acesso à enseada é possível somente durante a
preamar. O substrato é ecótone, porém predominam rochas recobertas por microalgas
ou por grandes colônias de corais e esponjas. Nota-se a presença de muitas reentrâncias
ao longo de todo o substrato consolidado, as quais servem de abrigos a diversos
teleósteos e invertebrados. Algas calcárias, ascídias e anêmonas também são
encontradas. Poucos tufos de macroalgas e rochas nuas. Teleósteos abundantes.
Coleta de dados
Para se tomar conhecimento da estrutura populacional de N. brevirostris, além
de provável seleção de habitats por seus indivíduos, foram realizados três tipos de
amostragens: busca ativa, transecções e observação terrestre em ponto fixo (esta última
apenas na Enseada dos Tubarões).
As amostragens de busca ativa visaram exclusivamente os indivíduos neonatos e
foram realizadas através de mergulhos livres (apnéia) em quatro áreas, sempre
adjacentes a praia, com larguras e comprimentos máximos de cinco e quarenta metros,
respectivamente. Notou-se a presença de marcas naturais nos neonatos e, portanto, foi
realizado o registro fotográfico do maior número de indivíduos possível.
23
As localidades Buraco da Raquel, Caieira e Porto foram divididas em duas
subáreas, de acordo com o tipo de substrato (ver “Área de estudo”). Em cada uma destas
regiões foram realizadas, em apnéias, transecções de 120m por 6m, resultando em uma
área de 720m
2
por transecção. Deve-se ressaltar que a área do Porto com substrato
arenoso (PA) não se estendia o suficiente para comportar uma transecção de 120m e,
portanto, para esta localidade foram realizados transecções de 60m de comprimento,
totalizando uma área de 360m
2
.
Para a delimitação inicial das transecções foi utilizado um GPS portátil. À
medida que o pesquisador se familiarizava com os locais de coleta de dados, foram
definidos pontos de referências em terra ou subaquáticos para guiar o mesmo,
assegurando que as transecções fossem realizadas sempre no mesmo local e o tamanho
das áreas mantido constante. Cada transecção foi aplicado paralelamente à praia.
O local “Enseada dos Tubarões” apresenta regiões muito rasas e a utilização de
transecções neste local é inviável. Entretanto, por se tratar de uma área relativamente
pequena e de águas claras, é possível observar os tubarões a partir do ambiente terrestre.
Assim, optou-se por realizar uma amostragem terrestre de ponto fixo, a partir de uma
elevação natural (Figura 1.4).
Com a finalidade de melhor orientar o pesquisador em termos espaciais, foi
realizada uma divisão da Enseada dos Tubarões em quatro quadrantes, conforme
esquematizado na figura 1.5.
Durante o emprego destas metodologias, foi feita a contagem e estimativa do
comprimento total dos tubarões-limão avistados. A sexagem dos tubarões (verificada
pela presença dos clásperes nos machos) é dificultada nos neonatos sem a captura dos
mesmos e impossível de ser verificada através da observação terrestre. Assim, a
determinação do sexo foi executada para os animais observados durante as
transecções.
24
Figura 1.4. Amostragens de N. brevirostris na Enseada dos Tubarões através de observação
terrestre em ponto fixo.
Figura 1.5. Esquema da divisão dos quadrantes da Enseada dos Tubarões (foto). PF = Ponto
Fixo de observação; E/S = Entrada / Saída da enseada.
I
II
III
IV
PF
E/S
25
O comprimento total (CT) é tomado no sentido ântero-posterior do animal,
compreendendo desde a extremidade anterior do focinho até a extremidade do lobo
superior da nadadeira caudal. O CT dos animais foi estimado visualmente, que o
método proposto não prevê a captura de exemplares. Tais estimativas não são exatas,
porém se adequam à metodologia vigente, tendo em vista que os indivíduos estão
separados em quatro classes etárias, de acordo com seu tamanho: neonatos (abaixo de
65 cm) jovens (entre 65 e 150 cm), sub-adultos (entre 150 e 220 cm) e adultos (acima de
220 cm). Tal definição teve embasamento na literatura (Sundström & Gruber, 1998;
Wetherbee et al., 2007; Garla et al., 2008; Lucifora et al., 2009).
Para se verificar o uso do habitat no presente estudo, é necessário primeiramente
caracterizar fisica, quimica e biologicamente os locais de amostragem. Dessa forma, em
todas as áreas amostrais foram estimadas a profundidade e transparência horizontal da
água (THA) e medidos a velocidade da corrente (obtida com o auxílio de um
fluxômetro) e temperatura superficial da água, além das concentrações de fosfato,
nitrato, nitrito e amônia (analisados laboratorialmente após coletas de amostras de
água). Tais dados foram coletados para cada visita aos locais de amostragem, de forma
aleatória ao longo dos transectos e de maneira padronizada na ET, sempre no quadrante
III, previamente identificado como de maior concentração e permanência dos indivíduos
dentro da enseada.
Finalmente, foi registrada a disponibilidade de recursos alimentares (moluscos,
crustáceos e teleósteos) para a espécie-alvo e citadas a fauna e flora sésseis locais (ver
“Área de Estudo”). Os dados ambientais foram cruzados com os dados referentes ao N.
brevirostris para verificar se as variáveis medidas influenciam na utilização mais
intensa de determinados habitas em relação a outros.
Todos os dados, exceto os obtidos pela observação terrestre de ponto fixo e os
advindos das análises das amostras de água, foram anotados submersamente, em uma
prancheta de pvc e posteriormente compilados em um micro-computador portátil. Uma
câmera fotográfica digital subaquática foi utilizada para registro dos animais e de seus
eventuais comportamentos. Um banco de imagens para foto-identificação de filhotes foi
iniciado (Apêndice I) e poderá nortear pesquisadores em investigações futuras que
envolvam este objetivo. Durante o estudo, todas as operações práticas foram auxiliadas
por pesquisadores e mergulhadores experientes.
26
Análises estatísticas
A população foi estruturada de acordo com a razão sexual e as diferentes classes
de tamanho (estruturação etária) dos tubarões avistados. A aquisição simultânea destes
dados só foi possível durante a utilização das transecções e, portanto, durante as análises
estatísticas, apenas os dados advindos dessa metodologia foram considerados para
atingir o objetivo 1. O teste do Qui-Quadrado (X
2
) de aderência foi utilizado em duas
ocasiões, na primeira para verificar se havia diferenças entre o número de machos e
fêmeas observados, e na segunda para verificar se havia diferenças entre o número de
indivíduos distribuídos nas quatro classes etárias estipuladas. Para ambas análises
estabeleceu-se um nível de significância de 5% (p = 0.05).
Para analisar o uso do habitat foram utilizados dados das três metodologias
empregadas. Entretanto, os dados advindos da busca ativa foram analisados apenas
descritivamente, enquanto os dados relativos às transecções e observações terrestres
(inclusive os dados ambientais) foram tratados estatisticamente através de uma Análise
de Co-variância (ANCOVA), assumindo-se um nível de significância de 5% (p = 0.05).
Deve-se ressaltar que devido às diferenças metodológicas e do tamanho das áreas
amostradas, as análises estatísticas foram realizadas independentemente em cada
metodologia.
Os locais amostrados nas transecções e a ET apresentaram áreas e esforço
amostral distintos. Para permitir as comparações do número de tubarões avistados entre
as áreas de transecto e a ET, é necessário padronizar o número de avistagens de acordo
com o tamanho das áreas amostradas (“Avistagem relativa”-Avr.). A padronização
seguiu a seguinte fórmula:
Avr. = média de avistagem / área,
onde a média de avistagem é calculada pelo:
número absoluto de avistagens / esforço amostral
27
Resultados
As atividades foram desenvolvidas em maio, agosto e outubro de 2009 e janeiro
e março de 2010, perfazendo 60 dias de amostragem, com tempo total de observações
igual a 165,8 horas. Deste total, 23,4 horas referem-se à busca ativa, 33,7 horas à
amostragem terrestre em ponto fixo e 108,7 horas às transecções.
Todas as classes de tamanho de tubarões-limão foram evidenciadas,
configurando a predominância dos jovens, seguidos por subadultos, neonatos e adultos.
Os neonatos, porém, foram observados apenas durante os meses de janeiro de março de
2010.
Por questões de padronização, ao analisar (estatisticamente) a estrutura da
população foram considerados apenas os dados provenientes da amostragem das
transecções, pois esta foi a única metodologia que permitiu a coleta de dados etários e
sexuais simultaneamente.
28
Estrutura populacional
O esforço amostral para as transecções foi padronizado com relação ao tempo
despendido em cada subárea, obtendo-se valores médios de 18,1 1,08) horas por
localidade (Figura 1.6).
Figura 1.6. Esforço amostral (horas) para locais das transecções.
Durante as transecções foram contabilizadas 106 avistagens, não sendo
encontrado nenhum indivíduo neonato e apenas dois adultos, ambos para a subárea RA.
A ausência de neonatos e o baixo número de adultos não permitiram que estas classes
etárias fossem incluídas na execução do teste de Qui-Quadrado (X
2
), que apontou
diferença significativa entre o número de indivíduos jovens e subadultos (X
2
=15.385; p
< 0.0001). Os jovens foram maioria e responderam por aproximadamente 68% da
população observada ao longo das transecções. (Tabela 1.1)
29
Tabela 1.1. Comprimento Total (CT) de 106 tubarões-limão, N. brevirostris, obtidos via
transecções realizadas entre maio de 2009 e abril de 2010 no Arquipélago de Fernando de
Noronha (dados organizados em intervalos de classe).
CT (cm)
F
Fr
50 65
-
-
66 150
72
0,6792
151 220
32
0,3019
221 350
2
0,0189
106
1,00
A determinação do sexo foi possível em 73% dos tubarões observados,
conforme destaca a tabela 1.2. Dentre os 29 indivíduos que não tiveram seu sexo
determinado, 23 eram jovens e, dentre estes, 21 tinham CT menor ou igual a 120 cm.
Tabela 1.2. Razão sexual dos indivíduos de N. brevirostris observados via transecções, ao longo
de cinco períodos amostrais no Arquipélago de Fernando de Noronha.
Sexo
F
Fr
Machos
5
0,0472
Fêmeas
72
0,6792
Não-identificados
29
0,2736
106
1,00
30
Considerando apenas os animais sexados, verificou-se através do teste de Qui-
Quadrado que uma diferença significativa entre o número de machos e fêmeas (X
2
=
58.299; p < 0.0001). Os machos raramente foram observados e isso resultou em uma
razão sexual desproporcional de aproximadamente 14:1 em favor das fêmeas.
Os dois tubarões adultos observados eram fêmeas. Ambas apresentavam o
mesmo tamanho corpóreo (aproximadamente 230 cm CT) e uma delas, observada em
janeiro de 2010, continha marcas de mordidas pelo corpo, enquanto a outra, observada
em outubro de 2009, apresentava a região abdominal dilatada, o que indica estado
gestante.
Uso do habitat
A busca ativa revelou-se a melhor alternativa para encontrar os neonatos, os
quais foram avistados em todas as áreas em que a metodologia foi aplicada, porém
apenas durante os meses de janeiro e março de 2010.
A constatação de neonatos solitários ocorreu em apenas 26,3% das vezes em que
foram observados. A agregação de indivíduos ocorreu em todos os locais, excetuando-
se a Caieira, e pôde-se perceber grupos de até catorze animais para o Porto, seis para o
Atalaia e três para o Buraco da Raquel, em profundidades que variaram entre 0,3 a 1,5
metro (Figura 1.7). Por vezes foi constatada a execução de interações sociais, como
Natação em Círculos (NC) e “Follow the Leader” (FL), mas devido à restrita
visibilidade horizontal subaquática e rápida locomoção dos tubarões, não foi possível
cronometrar tais comportamentos. As descrições detalhadas destes comportamentos
podem ser conferidas no tópico “Resultados” do capítulo 2.
31
Figura 1.7. Formação gregária de neonatos de N. brevirostris, na região portuária de Fernando
de Noronha.
A observação mais detalhada dos neonatos permitiu o reconhecimento de
algumas marcas naturais, como deformação do ápice do lobo superior da nadadeira
caudal, má formação em uma das fendas branquiais e, principalmente, manchas escuras,
de variados tamanhos, espalhadas pelo corpo dos animais. Apenas uma marca artificial
foi notada, proveniente de um anzol enganchado à boca do animal (Apêndice 1). Os
animais que apresentavam estas marcas foram fotografados e a memorização destes
padrões permitiu o reconhecimento destes animais em campo. Através disso, foi
possível a constatação de dois fatos interessantes: 1) os grupos foram observados
sempre nos mesmos locais; 2) os grupos eram formados essencialmente pelos mesmos
tubarões.
32
O fluxo de indivíduos ocorreu, visto que o tamanho dos grupos variou em
diversos eventos amostrais, porém a presença repetitiva dos mesmos tubarões nos
mesmos grupos e a não-observação do mesmo indivíduo em grupos diferentes nos
sugere que , pelo menos, quatro grupos de diferentes tamanhos e que não se
comunicam entre si.
Foram observados 34 neonatos, dos quais 12 puderam ser identificados
visualmente. Os indivíduos identificados não foram recontados em observações
posteriores, para diminuir o erro de superestimação em animais desta classe etária. Por
terem sido observados em uma menor quantidade de eventos amostrais que as demais
classes etárias, não foram realizadas estatísticas para analisar o uso do habitat dos
neonatos. Entretanto, os valores médios ± desvio padrão das variáveis contínuas, bem
como o número de eventos amostrais podem ser constatados na tabela 1.3.
Durante as observações terrestres para a ET foram visualizados sete neonatos,
sempre solitários e percebidos apenas na ausência de tubarões maiores. O tipo de
metodologia empregada não permite uma observação detalhada dos animais, o que torna
especulativas as inferências de que estes animais seriam os mesmos que estavam no
local BRN em outras ocasiões, dada a proximidade das duas áreas.
O comportamento gregário foi detectado em indivíduos das outras três faixas
etárias, porém apenas para os locais ET e RA. Nesta primeira localidade a formação de
grupos e de interações sociais entre os tubarões foi corriqueira, inclusive entre
indivíduos de classes etárias diferentes (ver Resultados, Capítulo 2). Já para a subárea
RA, as agregações ocorreram em menor quantidade, quando os indivíduos geralmente
se encontravam em repouso. O tamanho dos grupos também foi menor, sendo
constatado um máximo de três indivíduos juntos. Entretanto, Leonardo B. Veras (com.
pessoal) registrou, em março de 2010, um grupo com até oito indivíduos descansando
no local (Figura 1.8). É necessário evidenciar que, dentre todas as localidades
amostradas, apenas RA apresentou tubarões-limão (jovens e subadultos) repousando
sobre o substrato. Os registros fotográficos do comportamento gregário podem ser
consultados no Apêndice II.
33
Tabela 1.3. Estatística descritiva das variáveis abióticas contínuas de acordo com as localidades. Os valores amostrados estão apresentados como a média ±
desvio padrão e máximo mínimo. n = número de eventos amostrais; Temp = Temperatura; Prof = Profundidade; THA = Transparência Horizontal da
Água; Corr = Correnteza.
Localidade
Temp (
o
C)
Prof (m)
THA (m)
Corr (cm/s)
PR
(n = 38)
27.0 ± 1.8 (22 30)
2.4 ± 0.8 (1.5 4.5)
2.8 ± 1.1 (1.5 6.5)
1.1 ± 1.2 (0.1 5.6)
PA
(n = 34)
27.4 ± 1.3 (25 29)
2.3 ± 0.5 (1.5 3.5)
2.9 ± 0.9 (1.5 4)
0.4 ± 0.2 (0.1 0.9)
RR
(n = 35)
28.4 ± 1.1 (26 30)
5.3 ± 1.1 (3.5 - 7.5)
4.8 ± 2.1 (2 -8)
2.7 ± 1.8 (0.7 - 6.6)
RA
(n = 39)
27.3 ± 1.2 (26 31)
2.5 ± 0.6 (1.5 5)
5.6 ± 1.6 (2.5 8)
1.4 ± 1.1 (0.3 - 3.8)
CR
(n = 35)
28.0 ± 1.3 (26 30)
3.6 ± 0.7 (2 5)
4.8 ± 1.8 (2 10)
2.1 ± 0.9 (0.4 - 7.2)
CA
(n = 35)
28.7 ± 1.3 (26 31)
10.1 ± 1.3 (8 12)
7.0 ± 3.1 (2.5 13)
3.1 ± 1.3 (1.0 - 5.2)
ET
(n = 36)
29.2 ± 1.8 (26 33)
0.6 ± 0.1 (0.4 - 0.9)
-
1.1 ± 0.8 (0.2 4.0)
ATN
(n = 7)
30.6 ± 1.9 (28.5 - 33)
0.4 ± 0.1 (0.2 0.5)
9.4 ± 3.4 (5 13)
0.2 ± 0.1 (0.1 2.0)
PON
(n = 8)
27.7 ± 1.7 (25 31)
1.2 ± 0.2 (1 1.5)
2.4 ± 0.7 (2 4)
1.1 ± 1.4 (0.1 5.6)
BRN
(n = 5)
30.0 ± 1.0 (29 31)
0.4 ± 0.1 (0.3 0.5)
3.7 ± 2.2 (1.5 7)
2.8 ± 2.1 (0.5 5.6)
CAN
(n = 2)
30.0 ± 0.0 (30 30)
0.4 ± 0.2 (0.2 0.6)
1.0 ± 0.0 (1 1)
5.2 ± 0.8 (4.7 6.1)
34
Figura 1.8. Grupo de N. brevirostris repousando sobre o substrato na subárea RA. Fonte:
Leonardo B. Veras.
A Enseada dos Tubarões revelou-se um sítio amplamente utilizado por N.
brevirostris, o que pôde ser comprovado pela visualização de 163 espécimes no local.
Entretanto, estes dados devem ser analisados com cautela, pois este local possui uma
área maior e foi despendido um maior esforço amostral (5200 m
2
; 33,7 horas) do que
para as áreas de transecto (720 m
2
; 18,1 horas).
Visando uma padronização entre o esforço amostral e o tamanho das áreas (para
permitir a comparação do número de avistagens de tubarões em diferentes locais) foi
calculada a “Avistagem relativa” (Avr) (Tabela 1.4).
35
Tabela 1.4. Avistagem relativa (avistagem / h / m
2
) de N. brevirostris para diferentes áreas
amostradas no Arquipélago de Fernando de Noronha.
Local
No. absoluto
de avistagens
Esforço
amostral
(horas)
No. de
avistagens /
hora
Área
amostrada
(m
2
)
Avistagem
relativa
(Avr)
PR
7
19.1
0.4
720
0.0005
PA
0
17.1
0.0
360
0.0000
RR
13
17.5
0.8
720
0.0011
RA
67
19.8
3.4
720
0.0047
CR
19
17.7
1.1
720
0.0015
CA
0
17.4
0.0
720
0.0000
ET
163
33.7
4.8
5200
0.0009
Os dados provenientes da Avr nos revelam que a área RA foi a mais utilizada
(54% da Avr), apresentando a três vezes mais tubarões que a segunda área mais
utilizada, a CR (17,2% da Avr). Quando considerados o esforço amostral e a área de
amostragem, a região da ET fica em quarto lugar, à frente apenas de PR e das áreas em
que não foram observados nenhum tubarão ao longo de todo o estudo (PA e CA). O
número de tubarões observados na ET variou entre um e catorze dentre os diferentes
eventos amostrais.
Por terem sido aplicadas duas metodologias diferentes, optou-se por aplicar
testes estatísticos independentes para cada tipo de amostragem (transecções e
observação terrestre).
As variáveis ambientais analisadas foram as mesmas para as duas metodologias,
com exceção da variável contínua “THA” e das categóricas “tipo de substrato” e
“local”, que não puderam ser aplicadas para ET. A primeira não foi mensurada porque
não foram realizados mergulhos no local; a segunda porque a enseada não apresenta
características físicas que permitam a divisão da área de acordo com o tipo de substrato
e a terceira porque não outras áreas similares para permitir comparações. Assim, a
36
ANCOVA realizada para a ET visa somente a comparação entre o número de avistagens
de tubarões e as variáveis ambientais mensuradas dentro do mesmo local, entre dias
diferentes (eventos amostrais distintos).
Os resultados da ANCOVA para a ET indicaram que as variáveis ambientais
analisadas não influenciaram a quantidade de avistagens de tubarões entre diferentes
eventos amostrais (Tabela 1.5).
Tabela 1.5. Resultado do teste da ANCOVA para o local Enseada dos Tubarões (ET).
Variáveis ambientais
Valor de F
Valor de p
Temperatura
0.2131
0.6488
Profundidade
0.1622
0.6909
Correnteza
0.0002
0.9873
Estação do ano
0.2671
0.6104
As análises laboratoriais das amostras de água revelaram que as variáveis
químicas (amônia, fosfato, nitrato e nitrito) estavam concentrações tão baixas que os
aparelhos não conseguiram detectá-las. Assim, elas foram descartadas e apenas as
seguintes variáveis ambientais foram analisadas nas áreas das transecções: temperatura,
profundidade, correnteza e THA, além das variáveis categóricas “local” (Buraco da
Raquel, Caieira, Porto) e tipo de substrato (arenoso e rochoso). Visando investigar os
efeitos dessas variáveis na variável dependente (número de avistagens), foi executada
novamente uma Análise de Co-variância (ANCOVA), desta vez para as áreas onde
foram realizadas as transecções.
Os resultados da ANCOVA demonstram que as variáveis temperatura,
profundidade e local influenciaram significativamente na avistagem de tubarões (Tabela
1.6). Apesar de não ter sido verificado tubarões em duas subáreas com substrato arenoso
(CA e PA), o teste apontou que o tipo de substrato não exerce influência no número de
tubarões observados.
37
Tabela 1.6. Resultado do teste da ANCOVA para as seis subáreas em que foram executadas as
transecções.
Variáveis ambientais
Valor de F
Valor de p
Temperatura
4.5562
0.0348
Profundidade
8.4380
0.0043
THA
0.9869
0.3225
Correnteza
0.5551
0.4577
Local
9.4243
0.0001
Substrato
0.4752
0.4919
O raciocínio que a temperatura e a profundidade podem estar relacionadas é
coerente, porém não pode ser aplicado para o presente estudo, pois a temperatura foi
mensurada sempre na superfície da água. Desta forma, é possível analisar estas
variáveis de forma independente.
A maioria dos tubarões foi observada em uma faixa de temperatura ótima,
próxima aos 27º C. Os valores extremos apresentaram baixa ou nenhuma avistagem,
correspondendo aos locais PA, PR e CA. (Figuras 1.9 e 1.10).
De modo geral, os tubarões se concentraram em águas rasas, com 80% dos
indivíduos avistados em profundidades de até 3,5m, e 100% dos animais observados em
profundidades menores que 6m (Figuras 1.11 e 1.12).
38
Figura 1.9. Número de avistagens de N. brevirostris de acordo com a temperatura (º C).
Figura 1.10. Média ± desvio padrão da temperatura (ºC) por subáreas das transecções.
39
Figura 1.11. Número de avistagens de N. brevirostris de acordo com a profundidade (m).
Figura 1.12. Média ± desvio padrão da profundidade (m) para cada local de amostragem.
40
Notou-se que o tipo de substrato não influencia a quantidade de tubarões
avistados. Porém, quando se analisa os locais (Buraco da Raquel, Caieira e Porto), os
resultados demonstram que 75% dos indivíduos foram avistados no BR, 18% na Caieira
e 7% na região portuária (Figura 1.13).
Figura 1.13. Distribuição da quantidade de N. brevirostris avistados por local de amostragem.
A subárea RA apresentou profundidade e temperatura médias de 2,5 m e 27,3º
C, respectivamente (Tabela 1.5), sendo o local com maior mero de avistagens de N.
brevirostris (n = 67). A região portuária, por sua vez, mesmo sendo constatados valores
médios similares para estas variáveis, respondeu pelo menor sucesso de avistamentos (n
= 7).
0,75
0,07
0,18
41
Discussão
Ao longo de todo o período amostral, foram encontrados tubarões de todas as
classes de tamanho, sendo os jovens mais abundantes, seguidos por subadultos,
neonatos e adultos. Estes resultados estão de acordo com Garla (2003), que verificou
que os indivíduos jovens compuseram aproximadamente 80% das capturas.
As baixas proporções de neonatos aqui encontradas são esperadas, pois os
mesmos estão restritos ao período de parto para a espécie, o qual se estende de
novembro a abril para o arquipélago de Fernando de Noronha (Garla et al., 2008).
Igualmente, o baixo número de adultos observados é compreensível, visto que os
tubarões deste porte apresentam um padrão de movimentação mais nômade, realizando
excursões a águas mais profundas e, por vezes, migração (Gruber et al., 1988; Feldheim
et al., 2001). o sucesso de observação dos jovens de N. brevirostris se deve ao fato
destes animais apresentarem uma área de vida (“home-range”) mais restrita, com
fidelidade ao local de nascimento (Wetherbee et al., 2007).
Inesperadamente, as observações subaquáticas através de transecções revelaram
uma grande quantidade de fêmeas em relação aos machos. Embora não nos seja
permitido constatar se os animais observados eram indivíduos diferentes, o fato de se
encontrar tubarões fêmeas em praticamente todas as amostragens sugere que pode haver
uma segregação sexual na população de Fernando de Noronha. O enviesamento da
razão sexual a favor das fêmeas é comum em outras espécies de tubarões, inclusive
dentre os Carcharhinidae (Klimley, 1987; Rodriguez-Cabello et al., 2007; Bansemer &
Bennett, 2009).
A segregação sexual nos tubarões pode ocorrer por diversos motivos. Knip et al.
(2010) sugerem que fêmeas maduras podem se utilizar de águas mais rasas como forma
de se refugiar de machos mais agressivos durante a época de acasalamento. Klimley
(1987) evidencia que fêmeas imaturas de Sphyrna lewini se deslocam para ambientes
pelágicos e aumentam seu sucesso alimentar, adquirindo um crescimento mais rápido e
atingindo a maturidade sexual na mesma idade que os machos, porém com maior
tamanho corpóreo. Feldheim et al. (2002) apontam que os machos podem apresentar
maior dispersão que as fêmeas a partir de uma certa idade, e a diminuição da quantidade
42
de machos dentro das classes de tamanho maiores poderia refletir em desvios da razão
sexual.
A maioria dos trabalhos envolvendo N. brevirostris, no entanto, aponta uma
razão sexual de 1:1 e não cita diferenças na taxa de crescimento entre os sexos
(Springer, 1940; Oliveira, 2001; Garla, 2003). Assim, embora improvável, não se pode
descartar a possibilidade que a diferença na proporção sexual observada neste estudo
seja resultante de erros de amostragem, nos quais os indivíduos machos teriam sido
classificados como fêmeas devido ao fato destes serem jovens e apresentarem os
clásperes ainda pouco desenvolvidos.
A determinação do sexo dos indivíduos é crucial para nos informar sobre como a
população está estruturada, ou seja, a razão sexual apresenta-se como um dado
importante no monitoramento de uma população ao longo do tempo, pois conhecendo-
se a biologia reprodutiva da espécie (maturação sexual tardia e baixa progênie por
fêmea) e a situação atual de ameaça devido à pesca intensiva, torna-se essencial
determinar se a proporção sexual está sofrendo desequilíbrios ao longo do tempo, o que
acabaria prejudicando o encontro de parceiros sexuais e, consequentemente, a
capacidade intrínseca da população de repor seu estoque e manter-se em quantidade
relativamente constante. (Feldheim et al., 2002)
A amostragem terrestre de ponto fixo, aplicada na ET, apesar de impossibilitar a
verificação do sexo nos indivíduos, permitiu a observação dos tubarões por um maior
período de tempo, com a vantagem de não interferir no comportamento dos mesmos
(Nelson, 1977). Entretanto, justamente por esta região apresentar uma área maior que as
áreas de transecções e por haver ali um esforço amostral desigual, fez-se necessário uma
correção do número de indivíduos avistados, a qual foi obtida a partir do cálculo da
Avistagem Relativa (Avr).
Apesar de verificada uma baixa Avr na ET (à frente apenas da região portuária e
CA), o uso quase diário e a agregação de indivíduos de todas classes etárias no local
sobrepujam sua importância. Aparentemente ET não é utilizado como uma área de
alimentação pelos tubarões-limão, pois foram observados apenas três eventos
predatórios e Rosa e Gruber, em 1998 (com. pessoal) não obtiveram sucesso na atração
destes tubarões com uso de iscas ali. Apesar disto, os poucos neonatos avistados no
local se limitaram às porções mais rasas da ET e, sabendo-se que o canibalismo está
43
presente na espécie (Morrissey & Gruber, 1993b), este comportamento foi considerado
como uma tática anti-predatória.
Os neonatos também foram observados em outros locais do arquipélago, porém
sempre em águas rasas, com menos de 1,5 m de profundidade. Este padrão
provavelmente reflete uma menor predação dos neonatos e é amplamente citado para N.
brevirostris (Garla, 2003; Pikitch et al., 2005; Wetherbee et al., 2007), sendo também
conhecido em outras espécies de tubarões (Rechisky & Wetherbee, 2003; Heupel et al.,
2004; Conrath & Musick 2008).
Diversos trabalhos apontam ainda que em Bimini, uma área de berçário para a
espécie nas Bahamas, os neonatos se associam a raízes de mangues como forma de
aumentar sua proteção a predadores (Gruber, 1982; Gruber et al., 1988; Morrissey &
Gruber, 1993b). Em Fernando de Noronha, no entanto, a única área de mangue presente
é pequena e apresenta uma comunicação intermitente com o mar, estabelecida apenas
durante os meses chuvosos. Esta área, portanto, não garante a proteção dos neonatos e é
provável que o regime de marés, assim como ocorre para o Atol das Rocas, exerça
grande influência na distribuição dos tubarões desta classe etária (Wetherbee et al.,
2007).
Outra maneira de maximizar a proteção contra predadores é através da formação
de grupos (Garcia, 2010). Segundo Heithaus (2004) ao agregarem-se, os indivíduos
aumentam as chances de detectar predadores e diminuem o risco individual de serem
predados, devido ao efeito da diluição. Garla (2003) observou grupos de até onze
neonatos nas piscinas da Caieira e neste estudo, em mais de 70% das vezes em que
foram avistados, os neonatos encontravam-se agregados.
O reconhecimento de alguns neonatos através de marcas naturais e a observação
constante destes indivíduos sempre nos mesmos grupos nos indica que há um certo grau
de reconhecimento individual e que isto pode ser resultado de constantes interações
sociais entre estes tubarões (Guttridge et al., 2009; Guttridge et al., 2010).
A observação dos mesmos grupos, sempre nos mesmos locais, sugere que há, ao
menos, quatro grupos diferentes, sendo os maiores aqueles formados no Porto e na
Atalaia. Embora Sundstrom et al. (2001) reporte que os neonatos possam se
movimentar entre os grupos, diversos trabalhos apontam que animais deste porte
44
apresentam uma reduzida área de vida, utilizando pequenas porções dentro da área de
berçário (Morrissey & Gruber, 1993b; Heupel et al. 2004; Wetherbee et al, 2007). É
possível que os neonatos observados nas águas rasas do Buraco da Raquel se desloquem
para dentro da Enseada dos Tubarões, devido à proximidade das áreas. Entretanto, é
pouco provável que estes animais utilizem a região praieira da Caieira, pois uma
barreira física (costão rochoso) entre as duas localidades e a única forma de contorná-la
é passando por uma barreta próximo ao local RA, onde foram avistados o maior número
de tubarões jovens e subadultos, potenciais predadores dos neonatos. O grupo do Porto,
porém, provavelmente se desloca para regiões próximas, como a praia da Biboca, pois
os seus componentes não foram avistados diariamente no local.
Gruber et al. (1988) e Wetherbee et al. (2007) evidenciaram que N. brevirostris
amplia sua movimentação conforme cresce, mas continua concentrando suas atividades
na área de berçário ou próximas a ela. Alguns estudos reportam que os tubarões-limão
se utilizam da área de berçário por longo período de tempo, provavelmente até
atingirem a maturidade sexual (Gruber, 1982; Correia et al., 1995). De fato, Chapman et
al. (2009) encontraram que a maioria dos tubarões com até 180 cm (CT) capturados em
Bimini nasceram no local. Apesar da ausência de estudos que comprovem este padrão
para Fernando de Noronha, é provável que os tubarões (jovens e subadultos) aqui
observados tenham este local como sua área natal e ainda restrinjam suas atividades às
águas rasas, visto que 100% dos tubarões foram encontrados em profundidades menores
que 6 m.
Ao atingirem a idade adulta, os tubarões-limão assumem hábitos mais nômades,
se deslocando águas mais profundas e realizando migrações (Gruber et al., 1988;
Feldheim et al., 2001). Este padrão de movimentação se relaciona com mudanças no
hábito alimentar, envolvendo a busca por presas mais valorosas energeticamente,
geralmente peixes pelágicos (Cortés & Gruber, 1990; Wetherbee et al., 1990). O
tubarão-limão é considerado filopátrico, ou seja, as fêmeas migram longas distâncias
para darem à luz em águas rasas, no local onde nasceram (Feldheim et al., 2004; Knip et
al., 2010). A constatação de uma fêmea gestante em RA indica o potencial deste local
como área de parturição. Da mesma forma, a observação de uma fêmea com cicatrizes
recentes de acasalamento sugere que a cópula destes animais pode ocorrer no entorno
do arquipélago.
45
Os resultados deste trabalho sugerem, portanto, que a população de N.
brevirostris em Fernando de Noronha está distribuída em classes etárias segregadas
espacialmente. Os neonatos são observados bem próximos à margem ou em piscinas
naturais, em profundidades inferiores a 1,5 m, enquanto os jovens e subadultos se
distribuem em locais cuja profundidade não ultrapassa os 6m. Os adultos, por terem
sido raramente observados, provavelmente habitam regiões mais abertas e mais longes
da costa, retornando às águas rasas para eventos de parturição. Este padrão é encontrado
em outras populações (Morrissey & Gruber, 1993b; Wetherbee et al., 2007) e em outras
espécies de tubarões (Garla, 2003; Rechisky & Wetherbee, 2003; Heupel et al., 2004) e
provavelmente está relacionado à diminuição da competição intra-específica por
recursos e à menor pressão de predação sobre os animais menores (Gruber et al., 1988;
Bethea et al., 2004).
Outra variável ambiental constantemente relatada como influente na
determinação do uso do habitat por tubarões é a temperatura da água (Sundstrom et al.,
2001; Simpfendorfer & Heupel, 2004; Knip et al., 2010). Segundo Campana & Joyce
(2004), alguns Lamnidae conseguem manter, por algum tempo, sua temperatura
corpórea um pouco acima da temperatura ambiente e isso lhes permite explorar águas
mais frias, onde a competição inter-específica por alimento é menos acirrada e Carey et
al. (1982) sugerem que o tubarão-branco, Carcharodon carcharias, pode utilizar
termoclinas para se orientar durante deslocamentos.
Alguns trabalhos envolvendo N. brevirostris relatam que os indivíduos jovens
preferem águas mais quentes, com temperaturas em torno de 30º C (Morrissey &
Gruber, 1993b; Garla et al., 2008). No presente estudo, estes valores foram alcançados
apenas nas regiões onde se encontravam os neonatos e, embora exista a possibilidade de
que estes animais estariam adquirindo vantagens fisiológicas, otimizando sua
performance metabólica através da termorregulação (Morrissey & Gruber, 1993b;
Sundstrom & Gruber, 1998), é impossível determinar se a utilização destes locais
ocorreu devido às temperaturas mais altas ou às menores profundidades.
Neste estudo, a maioria das avistagens dos indivíduos jovens e subadultos
ocorreu quando a temperatura superficial da água estava em torno de 27 a 28º C e
contrastam com os resultados obtidos por Reyier et al. (2008), que encontraram a maior
abundância de indivíduos em águas mais frias, entre 18 e 22º C. Isto demonstra
46
claramente que uma tolerância da espécie a esta variável e que uma plasticidade
de comportamentos entre diferentes populações, cujas causas podem envolver outras
variáveis ambientais, bióticas ou abióticas (Barker et al., 2005; Knip et al., 2010).
Ao realizar investigações in situ é necessário ter a percepção que um
ecossistema é algo extremamente complexo, com muitas variáveis relacionadas entre si
(Ricklefs, 2003). Neste trabalho, algumas variáveis foram analisadas quantitativamente,
outras qualitativamente e outras foram apenas citadas. A discussão que se segue aborda
o uso do habitat pelo N. brevirostris englobando uma gama de variáveis conjuntamente.
O teste da ANCOVA apontou que não há preferência do tipo de substrato
(arenoso ou rochoso) pelo N. brevirostris, o que está de acordo com Morrissey &
Gruber (1993b). Este resultado, entretanto, provavelmente é reflexo de uma grande
abundância de tubarões na localidade RA, visto que nas demais regiões com substrato
arenoso (PA e CA) não foram observados tubarões. Garcia (2010) também não avistou
N. brevirostris na única região de substrato arenoso em que o mesmo realizou
amostragens.
A caracterização das áreas demonstra que em CA os peixes teleósteos,
potenciais presas de N. brevirostris, são escassos e encontrados em menor quantidade
que em RA. Além disso, a região CA é totalmente aberta e mais profunda, expondo
consideravelmente os tubarões jovens a predadores. A observação de um tubarão-tigre,
Galeocerdo cuvier (aprox. 200 cm CT), no local confirma a presença de predadores em
áreas próximas. Alguns autores atribuem que a utilização de determinadas áreas é
relacionada à disponibilidade de alimento e ao risco inerente de predação (Heithaus,
2004; Simpfendorfer & Heupel, 2004; Garcia, 2010) e, como em CA a oferta de
alimento é baixa e a exposição a predadores é alta, espera-se que este local seja pouco
explorado pelos tubarões.
Assim como observado por Garla (2003), o local RA apresentou-se como o mais
utilizado pelos tubarões, com 67 avistagens de N. brevirostris, e as razões para isso
provavelmente emergem do fato desta região possuir águas rasas e calmas. Uma grande
barreira de recifes protege a área da ação mecânica das ondas, promovendo as condições
necessárias para que os tubarões permaneçam estáticos, junto ao substrato. A freqüência
em que foram notados tubarões inativos no local, inclusive em grupos, nos permite
47
supor que esta é uma importante área de descanso para N. brevirostris em Fernando de
Noronha.
A região portuária, como um todo, obteve um baixo índice de avistagens e
provavelmente isto é decorrente do grau de antropização da área, uma vez que, por fazer
parte de uma área de proteção ambiental (APA), o turismo e o fluxo de embarcações são
liberados no local. Garla (2003) relata que além do tubarão-limão, outras duas espécies
de tubarões, Carcharhinus perezi e Ginglymostoma cirratum, raramente utilizaram o
local e relaciona isto com a pesca de crustáceos e moluscos na região. De maneira
similar, Carrier & Pratt (1998) apontam que áreas antigamente utilizadas por G.
cirratum em Florida Keys não são mais freqüentadas por estes animais e que este fato
coincidiu com o aumento da urbanização costeira e uso de embarcações no local.
A observação do maior grupo de neonatos exatamente nesta região, bem
próximo à costa e em meio a turistas pode parecer paradoxal com o discutido acima.
Entretanto, é provável que a presença constante de presas, juntamente com a ausência
de tubarões maiores na região estimulem o uso destas áreas pelos neonatos. De fato,
Garcia (2010) encontrou que estas variáveis são críticas na distribuição de jovens de N.
brevirostris em Fernando de Noronha.
Os resultados demonstram claramente que houve uma diferença no número de
tubarões observados entre as áreas pertencentes à APA (Porto) e aquelas pertencentes ao
Parque Nacional (Buraco da Raquel e Caieira). A maior quantidade de tubarões
observados nas áreas do Parque, cuja ação antrópica é restrita apenas a pesquisas
científicas, ressalta a importância e a necessidade da criação de Áreas Marinhas
Protegidas (AMPs).
Knip et al. (2010) argumentam que é necessário aumentar nosso conhecimento
sobre como espécies marinhas utilizam ambientes costeiros para que a implementação
de medidas de conservação sejam mais efetivas.
O uso do habitat por parte de uma espécie é algo complexo e que varia entre
populações de diferentes regiões. Embora este estudo tenha abordado o tema, a restrição
da amostragem a poucos locais em Fernando de Noronha e o curto espaço de tempo em
que foram realizadas as investigações nos permite abordar a questão apenas de forma
introdutória. Pesquisas futuras com monitoramento via telemetria devem esclarecer
48
padrões de movimentação e definição de áreas de vida para a espécie dentro do
arquipélago de Fernando de Noronha. A captura destes animais permitirá a
determinação do sexo de forma mais acurada, a fim de confirmar se a população está
segregada sexualmente.
Apesar da implementação de áreas de conservação e proibição da pesca de
tubarões em Fernando de Noronha, é possível perceber que ao menos a pesca acidental
(“bycatch”) destes elasmobrânquios ainda persiste, como pôde ser evidenciado pela
presença de um neonato com um anzol à boca e documentação de capturas por outros
pesquisadores (J. Garcia Jr., com. pessoal) (Figura 1.14). Uma maior quantidade de
pesquisas científicas no arquipélago e o investimento em ações de educação ambiental,
como palestras, mini-cursos e oficinas, visando tanto os ilhéus quanto os turistas são
ações fundamentais para aumentar a eficiência de outras medidas conservacionistas.
Figura 1.14. Pesca de neonatos de N. brevirostris ocorrida em janeiro de 2003, em Fernando de
Noronha. Fonte: Rodrigo Coluchi.
49
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55
Capítulo 2
Interações sociais de Negaprion brevirostris no Arquipélago de
Fernando de Noronha (PE)
56
INTERAÇÕES SOCIAIS DO TUBARÃO-LIMÃO, NEGAPRION BREVIROSTRIS
(POEY, 1868), EM UMA ILHA TROPICAL DO SUL DO OCEANO ATLÂNTICO.
RESUMO
O comportamento de agregação, fenômeno comum em muitos animais, também está
presente em algumas espécies de tubarões e estudos demonstram que uma
organização social bastante complexa. Apesar disso, pouca informação sobre o assunto
está disponível na literatura. O presente estudo investigou, entre 2009 e 2010, as
interações sociais de tubarões limão, Negaprion brevirostris (Poey, 1868) (CT 60 220
cm), na Enseada dos Tubarões, uma pequena baía de águas rasas localizada no
Arquipélago de Fernando de Noronha, Pernambuco, Brasil. Através de 33,7 horas de
observações terrestres em um ponto fixo elevado, foram contabilizadas 163 avistagens
de tubarões, em sua maioria jovens.Foram identificados e cronometrados três tipos de
comportamento social: Natação Paralela (NP), Natação em Círculos (NC) e “Follow the
Leader” (FL). Um outro tipo de comportamento, Natação Errante (NE), também foi
verificado e cronometrado, mas foi considerado simplesmente uma agregação e não
uma interação social, visto que os indivíduos apenas se juntavam na baía, mas não se
organizavam de uma maneira coordenada para exibir um comportamento social. Os
resultados demonstraram que os animais se agregaram durante 43,4% do tempo de
observação. Ao longo do tempo em que permaneceram juntos, o comportamento NE foi
o mais comum (65,2%), porém dentre os comportamentos sociais, FL apresentou-se
como o mais freqüente e com maior duração (25%), seguido por NP (5,8%) e
finalmente NC (4%). Apesar do comportamento NC ter sido o menos frequente, foi o de
maior duração relativa (duração/freqüência do comportamento). O mero máximo de
indivíduos que executaram os comportamentos foi quatro, seis e oito, para NP, FL e
NC, respectivamente. Uma abordagem qualitativa, com descrições detalhadas de cada
comportamento também foi realizada. As possíveis causas que justificariam o
comportamento gregário na região ainda não estão claras, mas provavelmente
envolvem comunicação social.
57
SOCIAL INTERACTIONS OF THE LEMON SHARK, NEGAPRION BREVIROSTRIS
(POEY, 1868), IN A TROPICAL ISLAND OF THE SOUTH ATLANTIC OCEAN.
ABSTRACT
The aggregation behavior, a widespread phenomenon in animals, is present in some
shark species, in which studies have demonstrated a complex social organization.
Nevertheless, little information on this subject is available in the literature. The present
study investigated, between 2009-2010, the social interactions of lemon sharks,
Negaprion brevirostris (Poey, 1868) (80220 cm TL), at Enseada dos Tubarões, a small
bay with shallow waters located at Fernando de Noronha Archipelago, Pernambuco,
Brazil. After 33.7 hours of terrestrial observations from an elevated fixed point, 163
sharks, mostly juveniles, were reported and three different social behaviors could be
identified and timed, as follow: Parallel Swimming (PS), Circle Swimming (CS) and
Follow the Leader (FL). Another behavior, named Loose Aggregation (LA) was
verified and timed, but was considered a kind of aggregation, and not a social
interaction, since individuals just gathered at the bay, but did not organize themselves in
a coordinate manner to exhibit a social behavior. Our results demonstrated that lemon
sharks were aggregated during 43.4% of the total observation time. When sharks were
together, LA was the most common behavior (65.2%), but when only social behaviors
were considered, FL was the most frequent and the one with the highest duration (25%),
followed by PS (5.8%) and by CS (4%). Despite CS being the least frequent behavior, it
was the one with the longest relative duration (duration per behavior frequency). The
maximum number of individuals per behavior was four, six and eight for PS, FL and
CS, respectively. A qualitative approach with detailed descriptions for each behavior
was also performed. The possible causes that would justify the aggregation behavior at
this bay are not totally clear, but hypotetically, social communication may be involved.
58
Introdução
A convivência em grupos é um fenômeno comum dentre os tubarões (Myrberg
& Gruber, 1974; McKibben & Nelson, 1986; Sundstrom et al., 2001; Bansemer &
Bennett, 2009). Apesar dessa convivência trazer algumas desvantagens para o grupo,
como maior exposição a parasitas e aumento da competição intra-específica (Souto,
2005; Garcia, 2010); os benefícios adquiridos são compensatórios. Dentre as vantagens
pode-se citar o maior sucesso predatório e reprodutivo (pela facilidade de localização de
presas e de encontro de parceiros sexuais), comunicação social, orientação de
navegação e diminuição do risco individual de ser predado (Gruber et al., 1988;
Sundström et al., 2001; Guttridge et al., 2009).
Poucos estudos abordando estas vertentes são executados, sobretudo pela
dificuldade de observação dos animais in situ, devido à grande mobilidade dos tubarões,
vasta área oceânica e, muitas vezes, limitada visibilidade subaquática. (Heithaus et al.,
2001; Sundström et al., 2001; Heupel & Simpfendorfer, 2005). A observação destes
comportamentos em cativeiro também é prejudicada devido aos empecilhos logísticos e
financeiros para criação e manutenção de tanques grandes o suficiente para abrigar
vários tubarões (Gruber & Myrberg, 1977; Nelson, 1977), além do possível estresse e
modificação de comportamento dos animais em ambientes ex situ (Souto, 2005).
O desenvolvimento de novas tecnologias com aplicação prática no campo
biológico foi fundamental para a realização de estudos comportamentais em tubarões.
Exemplos envolvem a utilização de câmeras fixadas em animais (“crittercam”) e
monitoramento de tubarões marcados com transmissores (Nelson, 1977; McKibben &
Nelson, 1986; Correa et al., 1995; Heithaus et al., 2001). Na telemetria passiva os
satélites ou receptores acústicos fixados em pontos-chave no mar (próximos à linha
costeira) recebem e gravam os sinais emitidos pelos transmissores, enquanto que na
telemetria ativa geralmente utiliza-se uma embarcação (com um hidrofone portátil) que
ronda determinada área à procura de um animal marcado e passa a segui-lo (Voegeli et
al., 2001). Atualmente, diversos estudos fazem uso da telemetria para investigar
comportamentos de caráter social em elasmobrânquios. (Gruber, 1982; McKibben &
Nelson, 1986, Economakis & Lobel, 1998). Entretanto, este método é falho em
determinar com acurácia o posicionamento dos tubarões e proporciona apenas uma
59
visão indireta das interações (Heithaus et al., 2001; Guttridge et al., 2010).
Informações mais refinadas como hierarquia social, eventos copulatórios e interações
inter-específicas somente são obtidas quando métodos de observação direta são também
aplicados. (Gruber & Myrberg, 1977; Nelson, 1977; Heithaus et al., 2001; Guttridge et
al., 2010).
Uma adaptação nas técnicas de telemetria para suprir a imprecisão relativa ao
posicionamento dos tubarões (indispensável ao examinar comportamentos sociais)
prevê a fixação, em tubarões, de dispositivos que transmitam e recebam sinais
concomitantemente. Guttridge et al. (2010) testaram a técnica em N. brevirostris (80 -
90 cm CT) de Bimini, Bahamas. Diversos estudos realizados no local para esta espécie
apontam alta fidelidade de tubarões jovens em áreas relativamente pequenas (Gruber et
al., 1988; Correa et al., 1995; Edrén & Gruber, 2005). A par destas informações, os
autores instalaram também, em locais estratégicos, receptores fixos ao substrato, cuja
finalidade era comprovar onde exatamente as interações ocorriam.
O uso da telemetria, associada a outras técnicas, permitiu explorar e conhecer
um pouco mais sobre a história de vida de alguns tubarões. É amplamente aceito, por
exemplo, que algumas espécies de tubarões apresentam segregações ontogenéticas e
sexuais quanto ao uso do habitat e, consequentemente, mostram variação nas
composições de suas dietas (Economakis & Lobel, 1998; Sundström et al., 2001). Estes
fatores, por sua vez, podem influenciar a formação de grupos, que têm como parâmetro
o tamanho ou sexo dos indivíduos.
Interações inter-específicas também são passíveis de ocorrência entre espécies
que dividem o mesmo habitat. Estudos apontam que o tubarão-limão, Negaprion
brevirostris pode interagir com outros elasmobrânquios, como raia-manteiga, Dasyatis
americana, e o tubarão-lixa, Ginglymostoma cirratum, em diversas ocasiões, porém a
extensão dessas interações permanece desconhecida (Gruber et al., 1988; Guttridge et
al., 2009).
Apesar da recente intensificação das pesquisas envolvendo tubarões, ainda
muitas lacunas no conhecimento envolvendo comportamentos gregários e interações
sociais, principalmente no que diz respeito à estruturação dos grupos e dos mecanismos
que determinam a agregação. (Nelson, 1977; Heupel & Simpfendorfer 2005; Guttridge
et al., 2009; Guttridge et al., 2010). Ainda, a maioria dos estudos envolvendo interações
60
sociais entre tubarões abordam a questão apenas de um ponto de vista qualitativo
(McKibben & Nelson, 1986; Oliveira, 2001; Garcia, 2010). O presente trabalho, no
entanto, descreve qualitativa e quantitativamente os diferentes tipos de interações
sociais desenvolvidos pelos tubarões-limão na Enseada dos Tubarões, Fernando de
Noronha (PE).
Justificativa do estudo
Os tubarões apresentam-se como um grupo relativamente desconhecido em
termos de sua biologia comportamental. Estudos demonstram que algumas espécies são
capazes de interagir socialmente, de forma complexa, porém pouco investigada
(Sundström et al., 2001; Childlow et al., 2005). O estudo aqui desenvolvido visa reunir
dados quantitativos e qualitativos dos diferentes tipos de interações sociais entre
integrantes da população de N. brevirostris de Fernando de Noronha, ampliando o
conhecimento sobre a espécie.
Objetivo Geral
Descrever de forma qualitativa e quantitativa os diferentes comportamentos de
interação social dos tubarões-limão, a partir de observações terrestres em um ponto fixo
e superior ao nível do mar, na localidade Enseada dos Tubarões, em Fernando de
Noronha (PE).
Objetivos Específicos
1. Descrever qualitativamente os comportamentos de agregação e interação social
dos indivíduos de N. brevirostris;
2. Quantificar a freqüência de ocorrência e a duração dos comportamentos de
agregação e interação social dos indivíduos de N. brevirostris .
61
Metodologia
A coleta dos dados de agregação e das interações sociais foi realizada apenas
para a localidade Enseada dos Tubarões. Por ser um local de águas rasas e transparentes,
apresentando uma área relativamente pequena (ver “Área de Estudo”, capítulo 1) e
apenas um ponto de ligação com o mar, foi possível a utilização de observações
terrestres, a partir de um ponto fixo e superior ao nível do mar.
Inicialmente utilizou-se a técnica de amostragem ad libitum (Altmann, 1974;
Souto, 2005), possibilitando identificar e definir os principais tipos de comportamentos
realizados pelos tubarões.
Posteriormente, utilizou-se a amostragem de todas as ocorrências (Altmann,
1974; Souto, 2005) para aquisição dos dados quantitativos (freqüência e tempo de
duração dos comportamentos, número e tamanho dos animais envolvidos) e qualitativos
dos comportamentos. A não identificação dos indivíduos não é empecilho para realizar
este tipo de amostragem, uma vez que a técnica foca na exibição do comportamento e
não no indivíduo. Outra vantagem do método é que ele permite que se registrem
comportamentos que ocorram simultaneamente (Altmann, 1974).
Ao executar este tipo de amostragem, foi anotado o tempo que os pesquisadores
despendiam em cada visita à enseada (Tempo de Observação) e o tempo em que os
tubarões permaneciam na enseada (Tempo de Avistagem). Segundo Altmann (1974),
não é necessário padronizar um tempo de amostragem ao utilizar a técnica de todas as
ocorrências. Assim, o Tempo de Observação variou e a amostragem foi abortada
quando as condições naturais não eram propícias (maré baixa, nebulosidade, chuva e
formação de ondas). O Tempo de Avistagem foi delimitado pela presença de dois ou
mais tubarões-limão na área, que o objetivo é analisar as interações sociais desta
espécie.
Para minimizar os erros de amostragem por superestimação, quando um
comportamento de interesse do pesquisador (definido na amostragem ad libitum) se
iniciava, ele só era contabilizado se tivesse uma duração igual ou maior que dez
segundos. Este valor é arbitrário e foi escolhido como forma de minimizar as chances de
que tal comportamento estivesse ocorrendo ao acaso.
62
A sequência de ocorrência dos comportamentos foi anotada. Posteriormente, foi
realizada uma análise de agrupamento (“cluster”) para ilustrar quais comportamentos
estariam mais próximos e, assim, tentar identificar possíveis padrões comportamentais.
Com a finalidade de melhor orientar o pesquisador em termos espaciais, foi
realizada uma divisão da Enseada dos Tubarões em quatro quadrantes, conforme
esquematizado na figura 2.1.
Figura 2.1. Esquema da divisão dos quadrantes da Enseada dos Tubarões (foto). PF = Ponto
Fixo de observação; E/S = Entrada / Saída da enseada.
I
II
III
IV
PF
E/S
63
Um binóculo e óculos escuros com lentes polarizadas foram utilizados para
auxiliar a avistagem dos tubarões. O comprimento total (CT) dos mesmos foi estimado
visualmente (ver “Coleta de dados”, capítulo 1) e a divisão das classes etárias estipulada
no capítulo 1 foi mantida.
Uma filmadora digital SONY (SR-45) foi utilizada, na última expedição, para
registro das atividades dos animais. Ao longo de toda a amostragem um segundo
pesquisador anotou os dados em um caderno de campo, enquanto o primeiro fazia as
observações e cronometragem dos comportamentos dos tubarões.
Resultados
As atividades foram desenvolvidas em maio, agosto e outubro de 2009 e janeiro
e março de 2010, perfazendo 38 dias de amostragem, com tempo total de observação da
enseada igual a 33,7 horas.
Os tubarões foram vistos na enseada somente no intervalo entre o pico da ma
cheia e até três horas depois, quando a mesma atingia seus valores intermediários.
Os poucos neonatos observados na ET (n = 7) se encontravam solitários e foram
notados apenas na ausência de tubarões maiores, geralmente quando o nível da água
estava muito baixo e o acesso à enseada pelos tubarões maiores ficava comprometido.
Em contrapartida, os tubarões jovens e subadultos agregaram e interagiram entre si. A
presença de tubarões adultos (n = 2, CT = 220 cm) na enseada foi observada em apenas
uma ocasião e notou-se que eles interagiam normalmente com os tubarões das demais
classes de tamanho, porém geralmente liderando os comportamentos, ou seja, definindo
o tipo e a duração da interação social a ser desenvolvida.
Para uma análise mais elaborada a respeito das interações sociais entre os
indivíduos da espécie em questão, os dados provenientes das observações terrestres em
ponto fixo foram separados em duas categorias: qualitativos e quantitativos.
64
Dados qualitativos:
Ao longo das amostragens ad libitum, foram verificados rios tipos de
comportamentos, que são descritos a seguir.
Em três ocasiões observou-se que alguns tubarões, solitários ou em grupos com
até três indivíduos, apresentaram uma explosão natatória de curta duração
(aproximadamente dois segundos),possivelmente associada a eventos predatórios.
O comportamento de concessão de passagem foi detectado apenas duas vezes.
Esta conduta envolve dois animais em rota de colisão frontal e, quando a distância entre
eles é pequena, ocorre uma mudança abrupta de direção de um dos integrantes
(denominado subordinado) enquanto o outro (denominado dominante) segue
normalmente sua rota inicial.
Apenas uma agressão foi verificada e sucedeu-se quando dois tubarões
(aproximadamente com 150 e 180 cm de CT) se encontravam em rota de colisão frontal.
O menor indivíduo aparentemente desferiu uma mordida rápida no tubarão ligeiramente
maior, que mudou rapidamente de direção, acelerando seu deslocamento por
aproximadamente cinco segundos e deixou a enseada. Este embate provavelmente
resultou da discordância entre os dois animais sobre a concessão de passagem.
Um fato curioso observado em apenas cinco ocasiões envolveu o que
denominamos de “Exposição Ventral” Ao apresentar este comportamento, o tubarão
executava uma semi-rotação em torno de seu próprio eixo, expondo parcial ou
totalmente o seu ventre enquanto seu flanco direito aparentemente roçava o substrato.
Esta performance não ultrapassou um segundo de duração e as causas para execução
deste comportamento permanecem desconhecidas.
Várias vezes notou-se a agregação de indivíduos em grupos de tamanho
variável, nos quais os mesmos não interagiam (Natação Errante), mas permaneciam
próximos uns dos outros (“loose agregation”), ou interagiam entre si de diferentes
formas, ora nadando lado a lado (Natação Paralela NP), ora em fila indiana (“Follow
the Leader” – FL), ora formando rculos, de diferentes proporções (Natação em
Círculos NC) (Figura 2.2). Por terem sido os mais freqüentes, estes quatro
comportamentos foram selecionados para análises quantitativas, através da metodologia
de amostragem de todas as ocorrências.
65
Figura 2.2. Esquemas dos comportamentos observados na Enseada dos Tubarões. A Natação
Errante (NE); B Natação em Círculos (NC); C Follow the Leader (FL); D Natação
Paralela (NP).
D
C
B
A
[u2] Comentário: Se vc elaborou esses
desenhos, poderia escanea-los em preto e
branco ao invés de tons de cinza.
66
A maioria dos tubarões que utilizaram a enseada eram jovens ou subadultos, mas
não se notou uma tendência de formação de grupos por classe de tamanho; ao contrário,
em várias situações os indivíduos destas duas classes etárias interagiram, com os
maiores geralmente iniciando e indo à frente do resto do grupo nas interações em FL e
NC.
Apesar de não ter sido estabelecido um padrão, notou-se várias vezes que
indivíduos que se encontravam em NC finalizavam este tipo de comportamento e
davam início ao comportamento de FL, seguido de NP até chegarem ao nível de NE.
Poucas vezes notou-se a transferência da formação em círculo (NC) para NP
diretamente e não foi observado nenhum evento em que os indivíduos finalizavam a NC
e saíam em NE (Figura 2.3).
Observou-se que freqüentemente a formação FL, talvez por ter sido o tipo de
interação mais comum, se desfazia em NP e culminava em NE. O inverso, ou seja,
passarem de NP a FL também foi observado, porém em menor frequência, sendo o mais
comum os animais saírem de NE e se juntarem em FL diretamente. Entretanto, o tipo de
interação NC foi sempre precedido por animais que se encontravam em FL. (Figura 2.3)
Quando o número de tubarões na enseada era relativamente alto, ou os
indivíduos se concentravam em áreas pequenas, era comum que a ação de algum animal
em NE interferisse em algum tipo de interação social. Assim, por vezes notou-se um
grupo que estava em FL desvencilhar-se em NP devido a outro tubarão (solitário) ter
atravessado perpendicularmente tal formação. Nesse caso, deve-se ressaltar que a
mudança de comportamento não ocorreu de forma natural, como descrito acima, mas
devido a intervenções de outros animais e, justamente por isso, não foram
contabilizados durante a realização da análise de cluster.
Outro acontecimento bastante comum envolvia a entrada de outros indivíduos,
de tamanho variado, nos três tipos de interações, porém sendo bem menos freqüente sua
inserção quando executavam NP. A adição de outros tubarões ao grupo pré-formado
geralmente seguia um padrão para FL, com os indivíduos “extras” se inserindo no final
da fila, mas o mesmo não ocorria durante as formações em círculo, onde não havia uma
ordem de entrada respeitada pelos mesmos.
67
Figura 2.3. Representação das sequências dos comportamentos observados na Enseada dos
Tubarões. A Esquema das interações. As setas ilustram apenas a sequência, sem referências à
intensidade de ocorrência. B Gráfico de distâncias resultante da análise de cluster.
A
B
68
Um fato curioso, observado apenas duas vezes, envolveu a mudança de posições
dos tubarões dentro da formação FL, ambas ocorridas da mesma maneira. Para citar um
dos casos, o terceiro tubarão da fila, se juntava ao segundo em NP e assim que o
primeiro tubarão virava para uma direção propícia, o animal que estava por dentro
(havia saído da terceira posição) conseguia re-entrar na fila, agora na segunda posição.
Por fim, em algumas ocasiões (n = 8), observou-se que o segundo indivíduo em
FL se desvencilhava do primeiro e seguia seu caminho próprio, sendo seguido pelos
demais ocupantes da fila. Dessa forma o animal que estava na segunda posição assumia
a liderança e o antigo “líder” passava a executar a NE.
Dados quantitativos:
Ao longo de 33,7 horas de amostragem, foram constatadas 163 avistagens de
tubarões-limão, sendo a grande maioria indivíduos jovens (Tabela 2.1). Também foram
registrados o tempo de observação da área, bem como o tempo de avistagem de
indivíduos e dos principais tipos de comportamento, envolvendo interações sociais (FL,
NC, NP) ou não (NE). Tais dados se encontram disponíveis na tabela 2.2.
Como o objetivo aqui estipulado é analisar o comportamento gregário e os tipos
de interações sociais (intra-específica), fica evidente que a cronometragem de cada tipo
de comportamento somente ocorreu na presença de, no mínimo, dois exemplares de N.
brevirostris observados simultaneamente. O maior número de indivíduos por evento
amostral ocorreu em outubro, quando foram registrados catorze tubarões-limão e três
tubarões-lixa (Ginglymostoma cirratum) no local. Não foi verificada a presença do
tubarão cabeça-de-cesto (Carcharhinus perezi), na enseada, apesar de o mesmo ser
bastante abundante no entorno do Arquipélago. Todos os comportamentos, bem como
sua duração, foram registrados sempre pelo mesmo pesquisador.
69
Tabela 2.1. Número de avistagens de N. brevirostris (separados em classes etárias) na Enseada
dos Tubarões durante três períodos amostrais.
Data
Neonatos
Jovens
Subadultos
Adultos
TOTAL
Out/2009
-
45
3
-
48
Jan/2010
4
43
11
2
60
Mar/2010
3
43
9
-
55
7
131
23
2
163
Os tubarões estiveram presentes (e agregados) em 43,3% (T. Avi/ T. Obs) do
tempo total de duração do censo terrestre. Excluindo-se o tempo destinado à natação
errante (T. Avi NE), chegamos à conclusão que os indivíduos interagiram entre si
durante 34,7% do tempo de avistagem dos animais.
Tabela 2.2. Tempo (em min) de observação aérea dos comportamentos de interações sociais na
Enseada dos Tubarões durante três períodos amostrais. FL = Follow the Leader; NC = Natação
em Círculos; NE = Natação Errante; NP = Natação Paralela; T Avi = Tempo de Avistagem; T
Obs = Tempo de Observação.
Data
T. Obs
T. Avi
NE
FL
NP
NC
Out/2009
610
290
175,6
56,5
35,2
22,7
Jan/2010
820
287
180,2
89,6
10,1
7,2
Mar/2010
590
299
215,7
72,6
5,9
5,1
2020
876
571,5
218,7
51,2
35
70
Os dados indicam que na maior parte do tempo os indivíduos permaneceram
agregados, mas não interagiram (NE). Ao apresentarem comportamento de interação
social, o mais comum foi FL, seguido de NP e NC (Tabela 2.3). O comportamento de
NC foi o menos freqüente, porém o de maior duração relativa (duração por freqüência
da interação).
Tabela. 2.3. Frequência (F) e Frequência relativa (Fr) dos três tipos de comportamentos sociais
observados na Enseada dos Tubarões.
Comportamento social
F
Fr
FL
291
0.6100
NP
130
0.2725
NC
56
0.1174
Durante a execução destes três tipos de comportamento, formaram-se grupos de
até oito indivíduos para NC, seis para FL e quatro para NP. O CT para os integrantes
destes grupos variou entre 80 e 220 cm.
Os poucos exemplares de neonatos observados na Enseada dos Tubarões
estavam presentes no local apenas na ausência dos indivíduos maiores. Entretanto, por
se encontrarem solitários não foram incluídos nos dados de interação social.
[u3] Comentário: Para mim não ficou
claro o que significa
71
Discussão
A amostragem terrestre em ponto fixo mostrou-se bastante eficiente para a
observação dos indivíduos na Enseada dos Tubarões, uma baía com águas rasas,
habitada principalmente por N. brevirostris, mas também com relatos da presença do
tubarão-lixa (Ginglymostoma cirratum) e do tubarão cabeça-de-cesto (Carcharhinus
perezi), principais espécies de tubarões residentes no Arquipélago (Garla, 2003). As
observações revelaram um total de 163 N. brevirostris, porém um mero bem menor
de G. cirratum (apenas três indivíduos), e nenhum C. perezi.
Em um trabalho recente, Garla et al. (2008) descrevem agregações de até 12
indivíduos jovens de tubarão-limão em outra localidade do arquipélago, mas não
discutem tal observação. No presente estudo foi constatada uma agregação de até
catorze tubarões-limão nesta enseada, durante um período de aproximadamente uma
hora. Este montante de dados, somado à agregação quase diária dos tubarões no local,
indica que a Enseada dos Tubarões é uma área importante e provavelmente fundamental
em algum momento na história de vida do N. brevirostris em Fernando de Noronha.
A utilização da enseada pelos tubarões é altamente dependente do regime de
marés. Durante a baixa-mar grande parte da enseada fica completamente exposta,
formação de pequenas piscinas naturais e o único canal de ligação com o mar fica
inacessível. Dessa forma, as amostragens se concentraram sempre em horários próximos
à preamar e em nenhum momento foi verificada a presença de tubarões na área após a
comunicação da enseada com o mar ser interrompida. Heupel et al. (2003) sugerem que
os tubarões são sensíveis à mudanças na pressão hidrostática e este pode ser o principal
mecanismo que alerta os tubarões a deixarem a enseada antes de ficarem presos nela.
A divisão da Enseada dos Tubarões em quatro quadrantes teve por finalidade
distinguir os locais em que os indivíduos passariam a maior parte do tempo. Os dados
revelaram que os tubarões utilizavam principalmente os quadrantes II e III, com várias
excursões ao ponto central da enseada, justamente nos arredores da intersecção dos
quatro quadrantes. Entretanto, a visualização de indivíduos no quadrante I (onde está
localizado o único ponto de acesso à enseada) revelou-se extremamente complicada na
prática. Parte disso se deve ao fato de este ser o quadrante com maior profundidade (em
72
média, 1,4m) e de estar localizado à maior distância do ponto escolhido para
observação. A visualização dos animais no quadrante IV, embora um pouco melhor do
que no quadrante I, também foi comprometida, principalmente por apresentar um
substrato rochoso, sobre o qual a detecção de um tubarão é dificultada devido à ausência
de contraste entre ambos, pois os tubarões apresentam uma coloração dorsal
acinzentada.
Apesar dos problemas acima citados, foi possível notar claramente os indivíduos
nos quadrantes II e III. Tal visualização permitiu enumerar e estimar o tamanho de cada
animal separadamente, além de registrar os tipos, freqüência e duração dos diferentes
comportamentos exibidos.
Muitos estudos que citam a formação de grupos em tubarões utilizam
simplesmente observações subaquáticas ou telemetria (Gruber et al., 1988; Economakis
& Lobel, 1998; Chidlow et al., 2005). Guttridge et al., 2009 discutem que com este tipo
de metodologia não há como diferenciar se o que ocorre é simplesmente uma agregação
ou formação de grupos sociais.
Heupel & Simpfendorfer (2005) definem comportamento gregário quando os
animais são atraídos a um local especifico devido a um recurso comum (e.g.
disponibilidade de presas, abrigos, etc) e geralmente agem de maneira independente,
enquanto que as interações sociais são definidas quando os animais são atraídos em
relação a seus co-específicos, com algum nível organizacional presente.
Guttridge et al., 2009 estudaram jovens de N. brevirostris em cativeiro e
concluíram que esta espécie de tubarão é altamente sociável. No presente estudo é
possível identificar formações gregárias (NE) para a Enseada dos Tubarões, além de
interações de caráter social (NP, NC e FL), onde os tubarões estão claramente atraídos
entre si e executam conjuntamente comportamentos que apresentam um padrão em sua
formação.
A agregação é um fenômeno comum para algumas espécies de tubarões e alguns
comportamentos de interação social já foram citados para N. brevirostris (Gruber, 1982;
Gruber et al., 1988; Correa et al., 1995; Oliveira, 2001; Garla et al., 2008; Guttridge et
al., 2009; Garcia, 2010), outros carcarinídeos e lamnídeos (Myrberg & Gruber, 1974;
McKibben & Nelson, 1986; Economakis & Lobel, 1998; Sundström et al., 2001;
73
Heupel & Simpfendorfer, 2005). Todavia, tais interações sociais geralmente são
descritas apenas de forma qualitativa (Myrberg & Gruber, 1974; Oliveira, 2001; Garcia,
2010).
Neste trabalho, porém, uma abordagem quantitativa também foi realizada, de
forma a complementar os dados qualitativos aqui gerados. Com base na revisão da
literatura, este é o primeiro estudo abordando a duração das interações sociais para N.
brevirostris em ambiente natural.
Nossos resultados demonstram que na em 34,7% do tempo em que estiveram
juntos, os tubarões desenvolveram algum comportamento de cunho social. Este dado
reforça os trabalhos de Guttridge et al. (2009) e de Garcia (2010) e sugere que uma
complexidade por trás da execução destes comportamentos, provavelmente ligada à
comunicação social.
Dentre as interações sociais (NC, NP e FL), o comportamento FL foi o mais
comum, respondendo por 61% das ocorrências e 71% do tempo de execução. Segundo
Veras (comunicação pessoal), tal comportamento também ocorre em outras localidades
no Arquipélago e apresenta-se como um modo de deslocamento comum quando
formação de grupos de N. brevirostris. McKibben & Nelson (1986) mencionam que o
deslocamento em fila indiana traz vantagens hidrodinâmicas aos tubarões por diminuir o
atrito com a água.
O comportamento NC foi o menos freqüente, apesar de ter sido considerado o
de maior duração relativa (duração por freqüência de interação). Provavelmente isto está
ligado ao número maior de indivíduos executando este comportamento, formando
círculos relativamente grandes (estimou-se diâmetros de até quinze metros), nos quais
uma volta completa chegou a demorar até dois minutos completos.
Em um trabalho recente, Garcia (2010) destaca três tipos de interações intra-
específicas envolvendo jovens de tubarões-limão: Conceder passagem, Circular e
Seguir; além de um quarto comportamento, Patrulhar (aqui denominado Natação
Errante). Segundo o autor, o comportamento de NE foi o mais freqüente (n=788)
enquanto que o comportamento de conceder passagem foi raramente observado (n = 3).
Tais dados estão de acordo com nosso estudo, porém, houve uma grande diferença no
número de registros dos demais comportamentos (NC e FL).
74
Em 500 horas de incursões subaquáticas, Garcia (2010) contabilizou oitenta
ocorrências para o comportamento FL, envolvendo até cinco indivíduos. Da mesma
forma, o comportamento NC é citado em apenas cinco ocasiões, sendo executado por
dois ou três tubarões. Nossos dados demonstram claramente que estes comportamentos
são mais freqüentes e que a metodologia aplicada pelo autor não é a mais indicada para
este tipo de estudo. Entretanto, as causas que motivam estes comportamentos ainda são
especulativas e é possível que o ambiente exerça alguma influência. Assim, não se pode
desconsiderar a hipótese que a diferença no mero de ocorrências destes
comportamentos seja, ao menos em parte, devido às diferentes localidades investigadas
(Praia da Biboca, em Garcia, 2010; Enseada dos Tubarões, presente estudo).
Gruber et al. (1988) observaram os comportamentos de NE, FL e NC em
subadultos e adultos de N. brevirostris, com formações contendo acima de 9 indivíduos.
A impressão que os autores tiveram foi que tal comportamento refletia algum tipo de
orientação entre os animais. Esta explicação, todavia, parece não se encaixar para os
comportamentos executados na Enseada dos Tubarões, uma vez que o local é pequeno,
raso e fechado, apresentando apenas um canal de comunicação com o mar.
Alguns estudos sugerem que interações sociais podem estar relacionadas com
maior eficiência predatória (Heupel & Simpfendorfer, 2005) ou apresentar conotações
sexuais (Myrberg & Gruber; 1974; McKibben & Nelson, 1986). Estas reflexões, apesar
de coerentes, não se aplicam para a Enseada dos Tubarões. A observação de apenas três
eventos predatórios em 33,7 horas de observação, juntamente com o insucesso de Rosa
& Gruber, em 1998 (dados não publicados), ao colocarem iscas no local para captura
dos tubarões, indicam que esta enseada não é utilizada, ao menos primariamente, como
local de alimentação dos indivíduos de N. brevirostris.
Sundström et al. (2001) citam a formação em círculos de tubarões próxima a
passagens entre blocos de recifes, argumentando que o fluxo de água no local poderia
trazer possíveis presas. Tal explicação não é plausível para os dados coletados na
Enseada dos Tubarões, lugar de águas relativamente tranqüilas e com ocorrência de NC
principalmente no quadrante III, longe do canal de acesso à enseada.
A observação de animais maiores à frente dos grupos e algumas disputas pelo
segundo lugar poderiam estar relacionadas a possíveis tentativas de cópula, entretanto, a
ocorrência dos comportamentos de interação social ao longo de todo o ano, envolvendo
[u4] Comentário: Podseria citar que
também não foram observados
comportamentos sexiais, patra justificar a
afirmativa acima. Poderia reunir tudo isso
num mesmo parágrafo.
75
principalmente indivíduos imaturos sexualmente, minimiza as chances de que tais
interações, dentro da Enseada, ocorram com finalidades reprodutivas.
Uma quarta hipótese consideraria que a enseada, por apresentar áreas mais rasas,
teria águas mais quentes, possibilitando aos tubarões elevarem seu metabolismo
naturalmente e realocarem a energia economizada para seu crescimento plástico e
estrutural. Economakis & Lobel (1998) e Morrissey & Gruber (1993a) indicam que os
tubarões poderiam adquirir vantagens adaptativas através da termorregulação passiva.
Esta especulação, porém, apenas explicaria a utilização da enseada pelos tubarões, mas
não esclareceria o porquê da execução dos comportamentos de interações sociais.
A explicação mais coerente para a execução destes comportamentos sociais vem
do campo da psicobiologia. Guttridge et al. (2010) conduziram estudos com telemetria
em jovens de N. brevirostris (80 90 cm CT) e observaram que um indivíduo interagiu
mais frequentemente com dois tubarões dentro de um grupo com nove animais. Do
mesmo modo, Rada et al. (em preparação) identificaram alguns neonatos de tubarão-
limão através de marcas naturais e constatou a presença de três grupos distintos, cujos
integrantes eram essencialmente os mesmos. A partir destes dados, pode-se inferir que
um certo grau de reconhecimento individual para o N. brevirostris, mesmo dentre os
animais mais jovens.
Garcia (2010) sugere que as interações sociais permitiriam aos seus executantes
obter informações uns sobre os outros, o que, por sua vez, poderia resultar no
estabelecimento de alguma organização social dos componentes. Segundo o autor, ao
executarem a NC os tubarões poderiam identificar uns aos outros e comparar seus
tamanhos. A organização social seria refletida durante através do comportamento FL,
com os indivíduos maiores exibindo a liderança.
Estas hipóteses se aplicam às observações realizadas neste trabalho. Ainda mais,
a NP geralmente precedendo a execução de FL, também poderia ser uma maneira dos
animais compararem seus tamanhos corpóreos e definir suas posições ao longo de uma
formação em fila.
A alta freqüência de ocorrência do FL neste estudo pode ser vista como uma
forma de reforçar uma organização social previamente definida. Contudo, estas
inferências devem ser tratadas com cautela, pois em muitas amostragens foi observada a
76
execução de FL sem a prévia execução de NC ou NP e não é conhecido se os tubarões
que habitam a Enseada dos Tubarões são sempre os mesmos. Da mesma forma, não foi
constatado um padrão, e sim uma tendência dos animais maiores liderarem os
comportamentos, pois houve casos em que tubarões menores encabeçaram a formação
em fila.
Finalmente, Guttridge et al. (2009) reportam que, nos estágios iniciais da vida
dos tubarões-limão, a fidelidade ao local de nascimento, pequenas áreas de vida
geralmente sobrepostas e a tendência dos mesmos de se agregarem podem promover
associações que persistam por um tempo. Assumindo que estes animais apresentam
certo grau de reconhecimento individual, é possível que os tubarões observados na ET
sejam parte de um ou alguns grupos específicos. Pesquisas futuras no local, utilizando
telemetria acústica passiva podem esclarecer este aspecto, além de permitir estruturar
melhor os grupos e verificar a existência de hierarquias sociais. Outros estudos
certamente aumentarão a compreensão sobre as causas determinantes das interações
sociais para N. brevirostris em Fernando de Noronha.
77
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Wetherbee, B.M.; Gruber, S.H. & Rosa, R.S. 2007. Movements patterns of juvenile
lemons sharks, Negaprion brevirostris, within Atol das Rocas, Brazil: a nursery
characterized by tidal extremes. Mar. Ecol. Prog. Ser. 343: 283-293.
81
Conclusões
A estruturação etária de Negaprion brevirostris configurou-se pela
predominância de jovens, seguidos de subadultos, neonatos e adultos.
A razão sexual foi enviesada a favor das fêmeas, o que indica uma segregação
sexual compreendendo os indivíduos jovens e subadultos.
uma segregação espacial de acordo com o desenvolvimento ontogenético. Os
neonatos foram observados em águas mais quentes e rasas, com profundidade
máxima de 1,5m. Os jovens e subadultos foram avistados em locais cuja
profundidade não excedeu 6m.
A observação de uma fêmea em estágio avançado de gestação e a constatação de
neonatos poucos meses depois confirma o arquipélago de Fernando de Noronha
como área de parturição e de berçário para N. brevirostris.
O local Buraco da Raquel, especificamente a subárea RA, foi responsável pelo
maior número de avistagens de N. brevirostris. A presença de vários tubarões
inativos suporta a hipótese de que esta seja uma área de descanso para a espécie.
O baixo número de N. brevirostris observados na região portuária sugere que
estes tubarões evitam o local, provavelmente pelo grau de antropização da área,
com fluxo constante de embarcações.
O reconhecimento de alguns neonatos através de marcas naturais permitiu inferir
a presença de quatro grupos distintos, compostos essencialmente pelos mesmos
indivíduos, o que demonstra haver um grau de reconhecimento individual entre
os tubarões.
N. brevirostris é uma espécie sociável, o que pode ser constatado por agregações
de até catorze indivíduos na Enseada dos Tubarões e exibição de
comportamentos sociais, como Natação em Círculos, Natação em Paralelo e
“Follow the Leader”.
82
Apêndice I
Neonatos com marcas naturais
83
84
85
Neonato com marca artificial anzol (mesmo indivíduo)
86
Apêndice II
Comportamento gregário em RA
87
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