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O reconhecimento do estado de filiação constitui direito personalíssimo,
indisponível e imprescritível, que pode ser exercitado sem qualquer restrição, em
face dos pais ou seus herdeiros.
O princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, estabelecido no art. 1º,
inc. III, da CF/88, como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil,
traz em seu bojo o direito à identidade biológica e pessoal.
Caracteriza violação ao princípio da dignidade da pessoa humana cercear o direito
de conhecimento da origem genética, respeitando-se, por conseguinte, a necessidade
psicológica de se conhecer a verdade biológica.
A investigante não pode ser penalizada pela conduta irrefletida dos pais biológicos,
tampouco pela omissão dos pais registrais, apenas sanada, na hipótese, quando
aquela já contava com 50 anos de idade. Não se pode, portanto, corroborar a
ilicitude perpetrada, tanto pelos pais que registraram a investigante, como pelos pais
que a conceberam e não quiseram ou não puderam dar-lhe o alento e o amparo
decorrentes dos laços de sangue conjugados aos de afeto.
Dessa forma, conquanto tenha a investigante sido acolhida em lar “adotivo” e
usufruído de uma relação sócio-afetiva, nada lhe retira o direito, em havendo sua
insurgência ao tomar conhecimento de sua real história, de ter acesso à sua verdade
biológica que lhe foi usurpada, desde o nascimento até a idade madura. Presente o
dissenso, portanto, prevalecerá o direito ao reconhecimento do vínculo biológico.
Nas questões em que presente a dissociação entre os vínculos familiares biológico e
sócioafetivo, nas quais seja o Poder Judiciário chamado a se posicionar, deve o
julgador, ao decidir, atentar de forma acurada para as peculiaridades do processo,
cujos desdobramentos devem pautar as decisões.Recurso especial provido.
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Na vertente de buscar também a solução que melhor tutele a dignidade da
pessoa humana o Tribunal de Justiça do Paraná decidiu:
“Adoção à Brasileira” - Confronto entre a verdade biológica e a sócioafetiva –
Procedência. Decisão Reformada.
No confronto entre a verdade biológica, atestada em exame de DNA, e a verdade
sócioafetiva, decorrente da denominada ‘adoção à brasileira’ (isto é, da situação de
um casal ter registrado, com outro nome, menor, como se deles filho fosse) e que
perdura por quase quarenta anos, há de prevalecer a situação que melhor tutele a
dignidade da pessoa humana. A paternidade sócioafetiva, estando baseada na
tendência de personificação do direito civil, vê a família como instrumento de
realização do ser humano; aniquilar a pessoa, apagando-lhe todo o histórico de vida
e condição social, em razão de aspectos formais inerentes à irregular ‘adoção à
brasileira’, não tutelaria a dignidade humana, nem faria justiça ao caso concreto,
mas, ao contrário, por critérios meramente formais, proteger-se-ia as artimanhas, os
ilícitos e as negligências utilizadas em benefício do próprio apelado.
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Superior Tribunal de Justiça, REsp 833712 / RS; Ministra NANCY ANDRIGHI, DJ 04.06.2007.