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demanda, e sua capacidade associativa de construir, deslocar e conjugar imagens,
memórias e discursos.
Por uma via distinta daquelas assumidas, por exemplo, por Macunaíma,
Memórias do Cárcere, Os Sertões ou Grande Sertão: Veredas; e moldada basicamente a
partir da técnica de collages
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, Invenção do Mar se nos mostra como um ensaio estetizado
de reinterpretação do Brasil que se institui com a elaboração e o aprimoramento de
recursos de inter e intratexto, pautados fundamentalmente na evocação da voz de outros
poetas e no livre trânsito entre prosa e verso. Logo, muito mais do que uma escritura que se
serve exclusivamente da construção esquemática ou recriação mítica do Brasil, o poema
nos parece empenhado em propor uma reinvenção contemporânea do próprio gênero épico,
ainda que consoante ao feito camoniano também registre comprometidamente a imagem de
um povo, a fim de inscrevê-la na história da humanidade.
O poema de Gerardo Mello Mourão desconstrói o que há de limítrofe entre a
narrativa de ficção e o princípio fundacional da matéria épica, aliando, por conseguinte, o
real imaginário, criado literariamente pela substância romanesca, ao substrato da junção
entre o real histórico e o real maravilhoso
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. Dessa coalizão, emerge uma narrativa de
ficção que opera não simplesmente com a proposta de tangenciar a realidade ficcional, mas
sim com o intuito de problematizar e rediscutir a nossa própria historiografia, e também as
competências e as habilidades levantadas pelos gêneros literários. Essas noções, distintivas
em inúmeros aspectos, mas semelhantes em outros tantos, integram juntamente com outros
elementos ainda mais específicos, um corpo teórico-crítico que possibilita a tomada da
poesia épica contemporânea como uma dimensão interposta pelo signo da ficção.
Assim, na condição de lentes através das quais o homem vê e interpreta o
mundo, a literatura e a história empenham-se na construção simbólica e itinerante de
diferentes níveis de realidade, embora sejamos cônscios de que os registros da
historiografia institucional como se sabe, há muito, são somente as versões dos que
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Segundo Maria Beatriz de Medeiros em Arte em pesquisa: especificidades (2004), collage (Do francês:
coller, a cola) é uma obra de arte formal, principalmente nas artes visuais, fabricada a partir de uma
assembléia de formas diferentes, criando assim um novo conjunto. A utilização desta técnica fez a sua
aparição entre pinturas a óleo do início do século XX como uma forma de arte inovadora, uma novidade. É
importante lembrar que mesmo tendo nascido a partir da dinâmica das artes visuais, o termo collage também
representa a livre associação de fontes, influências, imagens e fragmentos que operam na constituição de
diferentes linguagens literárias.
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Dentre as muitas discussões sobre realismo maravilho, optamos adotar em nossa pesquisa as reflexões
apresentadas por Alejo Carpentier no prefácio a O reino deste mundo (1985), quando o autor aborda a própria
história da América Latina, em especial sua experiência com o vodu durante a revolução haitiana, como
manancial para o processo de transfiguração de realidades objetivas e materiais.