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loucos da sociedade, privando-os de liberdade e autonomia, o que confirma Garsonet (apud
AMARANTE)
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ao afirmar que a medicina exercia uma autoridade exorbitante, um despotismo
sem limites, maior até que o poder exercido sobre os negros no período colonial.
A loucura, que até então era objeto de estudo da filosofia, é apropriada pelo discurso
médico, passando a ser denominada “doença mental”. Criaram então os hospícios, que abrigavam
pessoas consideradas perigosas à população, aquelas que atentavam, principalmente, contra a
moral pública, retirando-lhe a condição de cidadão, privando-o de participar da sociedade. O
tratamento moral destinado aos loucos, inspirados pela França, permite também comparar as
semelhanças entre os dois países no que diz respeito ao exercício da cidadania do louco. Foucault
faz esta articulação ao trabalhar com a concepção ou modelo de sociedade onde o louco não se
encaixava. A loucura, que durante tempos existia na sociedade, foi patologizada pela ciência e
legada à marginalização social. “Um saber de tipo médico sobre a loucura que a considera como
doença mental e uma prática com a finalidade de curá-la por um tratamento físico moral só se
constituem em determinado momento da história”, afirma Machado
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. E o louco, como insensato,
insano, privado da razão e da liberdade, é confiando em instituições psiquiátricas. O internamento
foi uma resposta à crise econômica que afetou o mundo ocidental, lembra Foucault: “diminuição
dos salários, desemprego, escassez de moeda”
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. Insinua aqui, portanto, que a loucura não foi
institucionalizada apenas pela sua patologia, mas pela incapacidade do louco em acompanhar o
ritmo da sociedade, por transgredir as normas sociais.
Surgiram então, no século XVII, os espaços de internamento, chamados Hospitais
Gerais, onde eram recolhidos os marginalizados, pervertidos, miseráveis, delinqüentes, loucos e
outros, por meio de cartas régias ou prisões arbitrárias. Esta instituição – Hospital Geral – mais
tarde tornava-se a instituição médica. Estes espaços inauguravam o nascimento da psiquiatria,
permitindo a medicina psiquiátrica conhecer e “tratar” a loucura.
No final do século XVIII, Pinel
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, exerceu grande influência sobre o pensamento
francês, ao considerar a loucura como rompimento com a realidade, fundando a clínica onde a
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AMARANTE, P.D.C. O Homem e a serpente: outras histórias da loucura e a psiquiatria. Rio de Janeiro: Fiocruz,
1996.
11
MACHADO, Roberto et al. Danação da Norma: a medicina social e constituição da psiquiatria no Brasil. Rio de
Janeiro: Graal, 1985, p. 375
12
FOUCAULT, Michel. História da Loucura. São Paulo: Editora Perspectiva, 2007, p. 66
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Nota: Philippe Pinel, médico e filósofo francês, pioneiro no tratamento dos doentes mentais. Médico-chefe do
Asilo de Bicêtre, libertou as correntes que prendiam alguns doentes mentais, tratando-os como doentes normais, e
aplicando choques elétricos em caso de crises de violência e agressividade. Considerou as doenças mentais como