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JULIANA ROQUELE SCHOFFEN
GÊNEROS DO DISCURSO E PARÂMETROS DE
AVALIAÇÃO DE PROFICIÊNCIA EM PORTUGUÊS COMO
LÍNGUA ESTRANGEIRA NO EXAME CELPE-BRAS
PORTO ALEGRE
2009
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
INSTITUTO DE LETRAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS
ÁREA: ESTUDOS DA LINGUAGEM
ESPECIALIDADE: LINGÜÍSTICA APLICADA
LINHA DE PESQUISA: AQUISIÇÃO DE LINGUAGEM
GÊNEROS DO DISCURSO E PARÂMETROS DE
AVALIAÇÃO DE PROFICIÊNCIA EM PORTUGUÊS COMO
LÍNGUA ESTRANGEIRA NO EXAME CELPE-BRAS
JULIANA ROQUELE SCHOFFEN
ORIENTADORA: PROFA. DRA. MARGARETE SCHLATTER
Tese de Doutorado em Lingüística Aplicada,
apresentada como requisito parcial para a
obtenção do título de Doutor pelo Programa
de Pós-Graduação em Letras da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul.
PORTO ALEGRE
2009
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AGRADECIMENTOS
Aos meus pais, Roque e Jurandira, e ao meu irmão Júlio, pelo exemplo e incentivo constante,
por terem sido a base sólida na qual me formei como ser humano, e por me mostrarem que,
sobre essa base, toda construção é possível.
Ao Alexandre, por me fazer crescer com seu amor, pela parceria incondicional em todos os
momentos, transformando comigo os desafios em conquistas, e por saber e demonstrar que
amor é liberdade e não prisão. Ao somarmos nossos dois projetos de vida já não temos mais
dois projetos, nem um, mas quantos nossos sonhos puderem alcançar.
À Professora Dra. Margarete Schlatter, por todo o caminho construído ao longo desses dez
anos de trabalho conjunto, e por todas as oportunidades de crescer e me desenvolver como
profissional e como ser humano.
Ao professor Dr. Valdir Flores, por ter apontado caminhos quando eles eram ainda muito
distantes, e pela generosidade com que partilha seus conhecimentos.
À professora Dra. Luciene Simões, pela leitura atenta do texto da qualificação, que fez surgir
questionamentos necessários para os rumos deste trabalho.
Às colegas que construíram junto comigo essa busca no caminho do conhecimento, em
especial a Melissa Santos Fortes, Letícia Soares Bortolini, Letícia Grubert dos Santos, Maíra
da Silva Gomes, Cristina Marques Uflacker, Simone Paula Kunrath, Graziela Hoerbe
Andrighetti e Gabriela da Silva Bulla, por todas as discussões e por todos os momentos de
crescimento conjunto.
A todos os colegas professores do Programa de Português para Estrangeiros da UFRGS
durante os últimos dez anos, pelas possibilidades de aprender, ensinar e realmente co-
construir conhecimento.
4
A todos os meus amigos que, de uma forma ou de outra, foram a sustentação que eu precisava
no caminho de construção desta tese.
À Universidade Federal do Rio Grande do Sul, pela qualificada formação oferecida desde a
graduação.
À Secretaria de Educação Superior do Ministério da Educação do Brasil e à Comissão
Técnica do exame Celpe-Bras, pelas oportunidades de aprendizado na participação das
elaborações, aplicações e correções do exame, e por terem disponibilizado os dados
analisados neste trabalho.
5
RESUMO
Para que um exame de proficiência em língua estrangeira possa ser considerado válido para
determinados usos, é necessário que a visão de proficiência subjacente ao instrumento de
avaliação e ao processo de correção seja coerente com o construto teórico explicitado pelo
exame. O objetivo deste trabalho é analisar a validade de construto da avaliação de
compreensão oral, leitura e produção escrita do exame Celpe-Bras, verificando a noção de
proficiência operacionalizada na Parte Coletiva do exame, e apontar caminhos para o aumento
dessa validade. Analisamos, para tanto, as tarefas e as grades de avaliação da prova aplicada
no primeiro semestre de 2006, e também 181 textos produzidos pelos candidatos em resposta
a essas tarefas. A análise mostrou que os critérios norteadores da definição dos pontos de
corte para os níveis de proficiência avaliados foram a recuperação de informações do texto-
base e a adequação lexical e gramatical, muitas vezes desvinculadas dos demais aspectos
avaliados. A avaliação da compreensão deu-se de forma relativamente autônoma em relação à
avaliação da produção, e os recursos lingüísticos foram muitas vezes avaliados dissociados da
sua contribuição para o cumprimento do propósito comunicativo, revelando limitações na
operacionalização do conceito de uso da linguagem por não conseguir relacionar todos os
componentes do contexto de recepção e de produção sugeridos pela tarefa na grade de
avaliação e no processo de correção. A partir da perspectiva bakhtiniana de linguagem –
segundo a qual a comunicação é organizada através de gêneros do discurso, com base nas
relações axiológicas estabelecidas entre os interlocutores em determinado contexto de
produção –, propomos novos parâmetros de avaliação para a Parte Coletiva do exame Celpe-
Bras, os quais buscam uma avaliação holística e integrada das práticas de compreensão e
produção (conforme defendido pelo exame) a partir da configuração da interlocução no texto.
A testagem desses novos parâmetros revelou uma tendência de aumento no número de textos
considerados proficientes em relação à avaliação feita com base na grade de avaliação do
exame Celpe-Bras, por aceitar uma variedade maior de leituras dos contextos de recepção e de
produção dos textos propostos pelas tarefas. Esse resultado é conseqüência de uma avaliação
que busca compreender o texto em sua singularidade a partir da interlocução nele
configurada, para então avaliar, a partir dessa interlocução, quais e quantas informações e
recursos lingüísticos seriam necessários para cumprir o propósito do texto dentro do contexto
de produção solicitado. Nesse sentido, a proficiência é compreendida como capacidade de
produzir enunciados adequados dentro de determinados gêneros do discurso, configurando a
interlocução de maneira adequada ao contexto de produção e ao propósito comunicativo, e
sua avaliação somente será válida se levar em conta a relação entre todos os aspectos que vão
determinar a atualização do propósito de comunicação e da relação entre os participantes em
diferentes contextos de comunicação.
6
ABSTRACT
To be considered valid for certain purposes, the vision of proficiency underlying to the
assessment instrument and the grading process of a proficiency exam in a foreign language
must be coherent with the theoretical construct explicited by the exam. The aim of this work
is to analyze the construct validity of the listening, reading, and writing assessment of Celpe-
Bras exam, verifying what notion of proficiency is operationalized in the Collective Part of
the exam, and indicate directions for the improvement of this validity. We have analyzed, for
such purpose, the tasks and rating scales of the exam administered in the first semester of
2006, and also 181 texts produced by the candidates in response to these tasks. The analysis
has shown that the guiding criteria for the definition of cut points for the proficiency levels
examined have been retrieval of information from the base text and lexical and grammatical
adequacy, in many cases unconnected with the other aspects assessed. Comprehension
assessment has been done in a relatively autonomous way with respect to production
assessment, and the linguistic resources have in many cases been assessed dissociated from
their contribution to the accomplishment of the communicative purpose, revealing limitations
on the operationalization of the language use concept by not being able to relate all the
components of the reception and production context suggested by the task in the rating scale
and the grading process. Based on the Bakhtinian perspective of language – according to
which communication is organized through speech genres, based upon the axiological
relations established between the interlocutors in a given production context –, we propose
new assessment parameters for the Collective Part of the Celpe-Bras exam, which pursue an
integrated holistic assessment of the comprehension and production practices (as advocated
by the exam) from the configuration of the interlocution in the text. The testing of these new
parameters has revealed a tendency of increase in the number of texts considered proficient
with respect to the assessment based on the Celpe-Bras exam rating scale, by accepting a
larger variety of readings of the reception and production contexts of the texts proposed by the
tasks. This result is a consequence of an assessment which aims at understanding the text in
its singularity from the interlocution configured in it, to then assess, from this interlocution,
what and how many pieces of information and linguistic resources would be necessary to
accomplish the purpose of the text within the required production context. In this sense,
proficiency is understood as the ability to produce adequate utterances within certain speech
genres, configuring the interlocution in a manner adequate to the production context and the
communicative purpose, and its assessment will only be valid if the latter takes into account
the relation among all the aspects which will determine the updating of the communicative
purpose and the relation among the participants in different communication contexts.
7
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 10
1. AVALIAÇÃO DE PROFICIÊNCIA EM LÍNGUA ESTRANGEIRA ........................ 15
1.1. Breve histórico da avaliação de proficiência em língua estrangeira ......................... 15
1.1.1. O período pré-científico ................................................................................................ 16
1.1.2. As teorias estruturalistas norte-americanas ................................................................... 16
1.1.3. Competência Lingüística e Competência Comunicativa .............................................. 17
1.1.4. A proficiência comunicativa ......................................................................................... 19
1.2. Praticidade, Confiabilidade, Validade e Efeitos Retroativos ..................................... 23
1.3. Avaliação de desempenho .............................................................................................. 28
1.3.1. Procedimentos avaliativos analíticos e holísticos ......................................................... 30
1.3.2. Grades de avaliação ...................................................................................................... 32
2. O EXAME CELPE-BRAS ............................................................................................... 35
2.1. Características do exame Celpe-Bras ........................................................................... 35
2.2. A avaliação escrita do exame Celpe-Bras .................................................................... 37
2.2.1. O eixo Adequação Contextual nas grades de avaliação da Parte Coletiva ................... 40
2.3. Características das tarefas e das grades de avaliação ................................................ 42
2.3.1. As tarefas ....................................................................................................................... 43
2.3.2. As grades de avaliação .................................................................................................. 45
3. A AVALIAÇÃO DE DESEMPENHO DO EXAME CELPE-BRAS ........................... 48
3.1. A avaliação da Parte Coletiva de 2006-1 e o construto do exame .............................. 49
3.1.1. Tarefa I .......................................................................................................................... 49
3.1.2. Tarefa II ......................................................................................................................... 56
3.1.3. Tarefa III ....................................................................................................................... 61
3.1.4. Tarefa IV ....................................................................................................................... 65
3.2. Reflexões sobre a noção de proficiência do exame Celpe-Bras .................................. 70
4. A VISÃO DE LINGUAGEM DO CÍRCULO DE BAKHTIN ...................................... 75
4.1. O estudo da linguagem no plano do enunciado ........................................................... 76
4.2. O dialogismo ................................................................................................................... 82
4.3. A importância dos gêneros do discurso ........................................................................ 90
4.4. O conceito de proficiência derivado da visão de linguagem adotada ...................... 101
4.5. Como avaliar proficiência segundo essa visão de linguagem ................................... 102
5. AVALIAÇÃO DE PROFICIÊNCIA SOB A PERSPECTIVA DOS GÊNEROS DO
DISCURSO .......................................................................................................................... 106
5.1. Proficiência como configuração adequada da interlocução dentro do gênero
solicitado .............................................................................................................................. 106
8
5.2. Inseparabilidade entre recursos lingüísticos e práticas interacionais ..................... 116
5.3. Avaliação integrada das práticas de compreensão e produção ............................... 122
5.4. A proposta de um novo paradigma de avaliação....................................................... 132
5.4.1. Da necessidade de novos parâmetros de avaliação para o exame Celpe-Bras ............ 132
5.4.2. Os gêneros do discurso envolvidos na avaliação da Parte Coletiva do exame
Celpe-Bras ............................................................................................................................. 134
5.4.3. Implicações da visão de linguagem adotada para a avaliação de proficiência ........... 138
5.4.4. Proposta e operacionalização de novos parâmetros de avaliação .............................. 143
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................. 161
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................................. 171
ANEXO 1 – Grades de avaliação ....................................................................................... 179
ANEXO 2 – Textos-base ..................................................................................................... 188
9
TABELAS
Tabela 1 – Características dos Textos da Tarefa I ............................................................. 50
Tabela 2 - Características dos Textos da Tarefa II ............................................................ 57
Tabela 3 – Características dos Textos da Tarefa III .......................................................... 62
Tabela 4 – Características dos Textos da Tarefa IV .......................................................... 66
Tabela 5 – Comparação entre a avaliação do exame Celpe-Bras e a avaliação segundo os
parâmetros propostos neste trabalho ................................................................................ 160
10
INTRODUÇÃO
O exame Celpe-Bras, Certificado de Proficiência em Língua Portuguesa para
Estrangeiros, é desenvolvido e outorgado pelo Ministério da Educação do Brasil. Aplicado em
instituições no Brasil e no exterior, o exame é exigido por universidades brasileiras para
ingresso em cursos de graduação e de pós-graduação e por órgãos e conselhos de classe para a
revalidação de diplomas obtidos no exterior por profissionais estrangeiros. Tendo sido
aplicado pela primeira vez em 1998 para 127 candidatos em 5 postos no Brasil (UFPE,
UFRGS, UFRJ, UnB, Unicamp) e em 3 postos no exterior (Argentina, Paraguai e Uruguai)
(Schlatter et al, no prelo), hoje o exame é aplicado para mais de 4.000 candidatos por ano em
21 postos aplicadores no Brasil e 45 no exterior (28 países). Devido a essa crescente procura e
aos usos que tem no Brasil e no exterior, o Celpe-Bras pode ser considerado como um exame
de alta relevância (high-stakes), o que torna fundamental que seu desenvolvimento seja
acompanhado por pesquisas sobre a validade e a confiabilidade dos diversos aspectos
envolvidos no sistema de avaliação, tais como os níveis de proficiência certificados pelo
exame, as condições de aplicação, a elaboração das tarefas, o sistema de correção e as grades
de avaliação, entre outros, bem como dos efeitos retroativos que o exame vem gerando no
ensino. Em 2003, quando comecei a delinear meu projeto de doutorado, foi essa a motivação
deste trabalho, que pretendia contribuir para a discussão acerca da validade da avaliação do
exame e propor possíveis caminhos para aumentar essa validade.
Estou pessoalmente envolvida com o exame Celpe-Bras desde 1998, quando comecei
a dar aulas no Programa de Português para Estrangeiros da UFRGS e precisava desenvolver
material didático e preparar os alunos para fazer o exame. No ano 2000, participei pela
primeira vez da aplicação e elaborei meu projeto de mestrado, que versava sobre a avaliação
oral dos falantes de espanhol no exame. A partir de 2001, passei a atuar como corretora do
exame e, desde 2003, a participar também dos processos de elaboração da prova e de ajuste da
grade de correção. Desde março de 2008, integro a Comissão Técnica do Celpe-Bras. Esta
tese, portanto, reflete parte de todo esse envolvimento.
Este não é um trabalho isolado, mas uma produção de um grupo de pesquisadores,
orientados pela Profa. Dra. Margarete Schlatter, que há vários anos vêm trabalhando na
11
investigação da validade do exame. São produções deste grupo de pesquisadores, além do
presente trabalho, as dissertações de mestrado de Sidi (2002), Schoffen (2003), Yan (2008) e
Gomes (em preparação) e a tese de doutorado de Fortes (em preparação), além do projeto de
pesquisa “Celpe-Bras/Parte Coletiva: ponto de corte dos níveis de certificação (Nível
Intermediário) e não certificação (Nível Básico)”, desenvolvido no Instituto de Letras da
UFRGS desde 2003, que já teve como resultados diversos trabalhos apresentados no Salão de
Iniciação Científica da UFRGS e em seminários e congressos da área
1
2
.
Por ser resultado de um processo de pesquisa que envolveu várias etapas de discussões
em grupo de pesquisa
3
4
e em disciplinas desenvolvidas neste Programa de Pós-Graduação,
este trabalho sofreu várias mudanças de rumo durante seu percurso. Cada mudança de rumo
mostra um momento do amadurecimento do trabalho do grupo de pesquisa e do meu próprio
amadurecimento pessoal. No esboço inicial deste projeto, ainda em 2003, a intenção era
refinar os descritores da grade de avaliação da Parte Coletiva do exame, no sentido de torná-la
mais confiável. Surgiu assim a idéia de desenvolver uma grade analítica. Durante o
andamento da pesquisa, percebemos que gêneros discursivos diferentes influenciavam de
formas diferentes o processo de “moldagem” da grade de avaliação para cada tarefa. Nesse
sentido, achei que seria importante estudar as características dos diferentes gêneros para,
assim, analisar as grades e verificar se essas características tinham reflexos nas grades de
avaliação. Essa foi a motivação inicial da busca pela leitura dos textos do Círculo de Bakhtin:
caracterizar os diferentes gêneros para então podermos verificar sua influência nas grades de
avaliação do exame.
1
Apresentações no SIC: A descrição do ponto de corte entre certificação e não certificação do exame Celpe-Bras
(Santos et al, 2004); O papel da adequação contextual (gênero discursivo) no ponto de corte entre certificação e
não certificação do exame Celpe-Bras (Bortolini et al, 2005); Critérios para a avaliação de compreensão e
produção de texto no exame Celpe-Bras (Bortolini et al, 2006); Critérios para a avaliação de níveis de
complexidade em tarefas de leitura e produção de texto no exame Celpe-Bras (Nunes e Schlatter, 2007); Tarefas
de leitura e produção de texto no exame celpe-bras: o papel das relações dialógicas na definição de critérios de
correção (Carvalho et al, 2008).
2
Outros trabalhos do grupo de pesquisa Português/Língua Estrangeira da UFRGS relacionados ao exame Celpe-
Bras são as dissertações de mestrado de Ohlweiler (2006), Santos (2007), Yan (2008) e Ye (em preparação) e os
trabalhos de conclusão de curso de Santos (2004), Costa (2005), Carvalho (2007) e Kraemer (2008).
3
Participaram ao longo desses anos da pesquisa coordenada pela Profa. Dra. Margarete Schlatter sobre o exame
Celpe-Bras: Walkiria Ayres Sidi, Juliana Roquele Schoffen, Melissa Santos Fortes, Letícia Soares Bortolini,
Letícia Grubert dos Santos, Maíra da Silva Gomes, Camila Dilli Nunes, Simone da Costa Carvalho e Michele
Saraiva Carilo.
4
Além do grupo de pesquisa da UFRGS, existe no Brasil outro pólo de pesquisa sobre o exame Celpe-Bras, na
Unicamp, coordenado pela Profa. Dra. Matilde V. R. Scaramucci, dentro do projeto (CNPq, 2005-2008)
“Impactos sociais da avaliação em contextos de ensino/aprendizagem de língua estrangeira/segunda língua
(Português e Inglês)”, e mais recentemente (CNPq, 2008-2011) “Validade e impactos sociais da avaliação em
contextos de línguas diversos (Português LM/L2 e Inglês LE)”. Discussões e trocas entre os participantes dos
dois grupos de pesquisa também contribuíram para a elaboração deste trabalho. Schlatter et al (no prelo) faz um
levantamento de outras pesquisas sobre o exame Celpe-Bras (concluídas ou em andamento).
12
A compreensão que tínhamos da noção de gênero era, nesse momento, claramente
diferente da compreensão que temos desta noção hoje. Durante o processo de apropriação da
perspectiva teórica do Círculo de Bakhtin, o objeto da pesquisa foi mudando. Ao passar a
entender os textos analisados no plano do enunciado, percebi que uma grade analítica não
seria capaz de dar conta das relações estabelecidas nessa perspectiva, porque avalia
separadamente elementos que, no uso da linguagem, necessariamente ocorrem juntos e se
influenciam mutuamente. O desenvolvimento dessa grade analítica foi, então, a primeira idéia
a ser abandonada. A seguir, pelo entendimento da relação sempre dialógica do enunciado, e
pelo entendimento de que é a interlocução que legitima o propósito e as demais relações que
vão se estabelecer em cada texto de forma singular, foi abandonada a idéia de investigar a
“moldagem” da grade, já que relacionar as características dos diversos gêneros não mais
parecia fazer sentido, uma vez que cada enunciado atualiza o gênero de forma singular,
segundo as relações que estabelece dentro do contexto de produção.
Cheguei ao momento da qualificação com um trabalho que possuía um cunho mais
didático do que investigativo. Como minhas propostas de refinar a grade de avaliação
existente tinham sido abandonadas ao longo do caminho, meu trabalho era, naquele momento,
basicamente uma descrição de como as grades eram operacionalizadas no processo de
avaliação. Foi a partir da banca de qualificação
5
e da continuação do estudo e da pesquisa
sobre a perspectiva do Círculo que a mudança mais radical de rumo aconteceu. Por estar tão
envolvida com os dados analisados, por ter participado dos processos de elaboração das
tarefas e ajuste da grade de correção da amostra, e ter sido coordenadora de equipe no
processo de correção, era para mim (e para todos nós, envolvidos no grupo de pesquisa) muito
difícil descolar a análise que eu fazia dos dados das impressões que eu já tinha sobre esses
dados e das várias análises e discussões de que eles tinham sido objeto durante esses
processos. Ao ser questionada pela banca de qualificação sobre por que eu não apresentava a
“minha” proposta de avaliação para o exame, foi muito difícil, trabalhoso e demorado
entender que a avaliação do exame, que eu considerava também “minha” em parte, por todo o
envolvimento descrito acima, pudesse não dar conta de todas as questões que entram em jogo
quando se adota uma perspectiva bakhtiniana de linguagem.
Por ser um exame que pretende avaliar proficiência através do desempenho dos
candidatos em tarefas que simulam contextos autênticos de uso da língua, o Manual do
5
Agradeço a leitura atenta e as orientações da Profa. Dra. Luciene Juliano Simões e do Prof. Dr. Valdir do
Nascimento Flores, que contribuíram com sugestões esclarecedoras para redirecionar o estudo até então
desenvolvido.
13
Candidato do exame Celpe-Bras diz que “a prática da linguagem tem que levar em conta o
contexto, o propósito e o(s) interlocutor(es) envolvido(s) na interação com o texto” (Brasil,
2006, p. 3). Ao definir proficiência como “uso adequado da língua para desempenhar ações no
mundo” (Brasil, 2006, p. 3), propondo-se dessa forma a avaliar a língua em uso, entendemos
que a avaliação no exame precise se utilizar de critérios que sejam capazes de avaliar a
adequação dos enunciados dentro dos contextos de produção simulados nas tarefas.
Ao analisarmos a grade de avaliação da parte escrita do exame Celpe-Bras, a princípio
reconhecemos nela critérios importantes para avaliar o uso da língua dentro de um contexto
de produção, pois a grade avalia, no eixo de Adequação Contextual, o interlocutor
configurado no texto e o cumprimento do propósito comunicativo a partir do uso de recursos
informacionais. Essa era minha análise no momento da qualificação. O que eu só passei a ver
depois é que, apesar de avaliar esses critérios, a operacionalização da grade não demonstra
tanta integração entre eles como eu previa. Ao fazer um esforço no sentido de me distanciar
dos dados e da avaliação feita no exame, pude perceber que, para refletir uma perspectiva
bakhtiniana, faltava à avaliação do exame exatamente formas mais efetivas de avaliar de
forma integrada e holística todos esses elementos, de acordo com as relações que cada texto
singularmente estabelece com os enunciados anteriores, o interlocutor e o contexto em que é
produzido. Faltava, também, a capacidade de singularizar a avaliação para as relações
estabelecidas segundo a interlocução configurada em cada texto. Foi ao conseguir finalmente
esse distanciamento necessário para enxergar que faltavam coisas à avaliação do exame, de
acordo com uma perspectiva bakhtiniana, que pude então elaborar a “minha” proposta,
apresentada neste trabalho.
Para poder propor, é preciso primeiro descrever como funciona o que já acontece.
Nesse sentido, apresento, no primeiro capítulo, um breve histórico da avaliação de
proficiência em língua estrangeira, discutindo os conceitos de praticidade, validade,
confiabilidade e efeitos retroativos, e também os procedimentos utilizados para a avaliação de
desempenho. No segundo capítulo, apresento o exame Celpe-Bras e suas características. Ao
apresentar mais detalhadamente a avaliação escrita do exame, descrevo como se dá o processo
de correção e discuto as grades de avaliação que fazem parte desse processo, principalmente
os critérios Formato, Interlocutor, Propósito e Informações, que são os responsáveis pela
avaliação da Adequação Contextual na grade de avaliação utilizada pelo exame. No terceiro
capítulo, procedo à análise da avaliação dos textos da amostra, e reflito sobre a noção de
proficiência que parece estar subjacente à avaliação da forma como acontece hoje. No
capítulo quatro, apresento e discuto a visão de linguagem do Círculo de Bakhtin, uma
14
alternativa que julguei produtiva para a definição de parâmetros para a avaliação da língua em
uso. O quinto capítulo traz a discussão das asserções que esta tese propõe, em especial a
proposição de novos parâmetros de avaliação para o exame. As considerações finais retomam
os resultados do trabalho, e apontam para a necessidade de novas pesquisas para que seja
possível utilizar os parâmetros aqui propostos em uma avaliação de larga escala.
15
1. AVALIAÇÃO DE PROFICIÊNCIA EM LÍNGUA ESTRANGEIRA
Neste capítulo, será apresentado um breve panorama dos estudos sobre avaliação em
língua estrangeira. Iniciaremos com um histórico da avaliação de proficiência, mostrando
como os testes seguiram as teorias sobre ensino e aprendizagem de línguas ao longo dos anos.
A seguir, destacaremos os critérios de praticidade, confiabilidade e validade que precisam ser
observados para que um processo de avaliação seja bem sucedido, e trataremos também da
importância dos efeitos retroativos dos exames de larga escala. Por fim, apresentaremos
procedimentos utilizados para avaliação de desempenho e discutiremos a importância das
grades no processo de avaliação.
1.1. Breve histórico da avaliação de proficiência em língua estrangeira
Segundo Brown (1993), percebamos ou não, nós avaliamos
6
todos os dias, em
virtualmente todos os esforços cognitivos que fazemos. Carroll (1968, p. 46) define teste
como “um procedimento feito para elicitar determinado comportamento, do qual pode-se
fazer inferências sobre certas características de um indivíduo”
7
. Esse conceito é, de certa
maneira, retomado por Brown (1993), quando o autor diz que um teste é um método de medir
a habilidade ou conhecimento de uma pessoa em determinada área.
Existem testes para quase todas as áreas do conhecimento humano, e esses testes
podem ser de naturezas bastante diferentes. Quase todos os testes, indiferentemente da área de
conhecimento que estejam medindo, usam a linguagem como instrumento de avaliação. É em
uma determinada língua que são dadas as instruções do teste, formuladas as questões, e, na
maioria das vezes, também as respostas. Mas quando o teste em questão é um teste de
proficiência lingüística, esse uso da linguagem como instrumento dificulta a definição do que
está sendo testado.
6
Neste trabalho as palavras avaliação e testagem são empregadas como sinônimas.
7
As traduções das citações originariamente em inglês são de minha responsabilidade.
16
Testar proficiência em uma determinada língua é, por isso, uma tarefa complexa. Em
testes de outras áreas usa-se a língua para medir os conhecimentos do candidato sobre
determinado assunto (física ou geografia, por exemplo). Nesses casos, a língua é o
instrumento, não o objeto da testagem. Já nos testes de língua, usa-se a própria língua para
medir a proficiência lingüística. A língua é o instrumento e é também o objeto em si. A
seguir, veremos como a prática de avaliação de línguas passou por transformações ao longo
do tempo
8
.
1.1.1. O período pré-científico
Antes da década de 1950, eram muito raros os estudos na área de avaliação de língua
estrangeira. Como o ensino de língua em si não era considerado uma disciplina independente
(fazia parte das chamadas ciências humanas), tamm a avaliação das línguas não era objeto
de estudos mais específicos. Spolsky (1995) chama esse período dos estudos sobre testagem
de língua de “período pré-científico”.
1.1.2. As teorias estruturalistas norte-americanas
Foi a partir da década de 50 e das teorias estruturalistas norte-americanas que o ensino
de língua estrangeira passou a ser considerado uma disciplina em si, e muitos estudos
começaram a surgir na área de aquisição de linguagem. O estruturalismo foi, assim, a primeira
corrente teórica a se preocupar cientificamente com os estudos da linguagem, e foi também a
primeira escola a pensar cientificamente em testes de língua e a buscar a definição de
proficiência.
Nessa época, as línguas eram vistas como um inventário de componentes isolados
(como gramática e vocabulário) e de habilidades (ouvir, falar, ler e escrever) (ver Bachman e
Cohen, 1998). A aquisição de uma língua estrangeira se dava, pensava-se, através da
formação de hábitos, e era a automatização desses hábitos que formava a proficiência.
Segundo Vollmer (1983), devido à grande influência da teoria lingüística do estruturalismo,
durante muito tempo os estudos lingüísticos aceitaram, sem grande discussão, que ser
proficiente em uma língua significava conhecer os seus elementos e ter automatizado
diferentes formas de colocá-los em uso. Nesse sentido, podemos dizer que a escola
8
Em Schoffen (2003), apresentei uma descrição do desempenho de candidatos falantes de espanhol na avaliação
oral do exame Celpe-Bras em cada um dos níveis de certificação, apontando as características da sua
proficiência. Retomo aqui o histórico de avaliação de proficiência em língua estrangeira apresentado naquele
trabalho, relacionando-o com outros trabalhos que focalizam o construto de uso de linguagem subjacente ao
exame Celpe-Bras.
17
estruturalista forneceu um dos primeiros arcabouços teóricos para a definição de proficiência.
De acordo com essa visão, aprender uma língua estrangeira ou ser proficiente nessa língua
pressupunha dominar seus elementos (Fries, 1945; Lado, 1961).
Assim como a aquisição de língua estrangeira e o conceito de proficiência foram
diretamente influenciados pelos estudos estruturalistas, também os estudos na área de
avaliação de língua eram, nessa época, subordinados a essa teoria. Uma vez que a língua era
vista como um conjunto de vários elementos diferentes, os estudos de Lado (1957, 1961)
argumentavam que era possível medir cada um desses elementos. Conhecimento de
vocabulário, pronúncia, gramática, e também as habilidades de ler, escrever, ouvir e falar
eram testadas em separado, e a produção e a compreensão eram vistas como habilidades
distintas. Em vista disso, na maioria das vezes os testes de língua baseados nessa teoria não
apresentavam atividades contextualizadas; ao contrário, os itens lingüísticos eram testados
independentemente do contexto e da sua relação com os demais.
Também por essa separação entre os níveis lingüísticos, e por causa da procura por
testes confiáveis e práticos, criou-se a tradição de testes de língua objetivos, muito confiáveis
e fáceis de serem aplicados e avaliados (pontuados). Esses testes consistem, em sua maioria,
em atividades nas quais o candidato não necessita criar uma resposta nova, mas apenas
classificar como certas ou erradas alternativas já existentes. Nesse tipo de teste, são bastante
comuns tarefas (na maioria das vezes descontextualizadas) de múltipla escolha, preencher
lacunas ou de verdadeiro ou falso, que aceitam apenas uma resposta correta. Esse método, por
sua objetividade de correção e por medir as habilidades separadamente, é chamado método de
itens isolados.
Os testes de itens isolados foram construídos baseados na crença de que a língua podia
ser desmembrada em suas partes componentes e cada parte podia ser adequadamente testada
(Brown, 1993). Por ser extremamente prático e confiável, esse método ainda é usado hoje em
dia, combinado com tarefas mais globais, em muitos testes de proficiência disponíveis no
mercado, como os exames Michigan e Toefl.
1.1.3. Competência Lingüística e Competência Comunicativa
Em 1965, Chomsky apresenta o conceito de competência lingüística, que seria baseada
em um falante-ouvinte ideal de uma comunidade de fala homogênea, que domina a sua língua
perfeitamente. A teoria lingüística proposta por Chomsky não está preocupada com limitações
da memória, distrações, mudanças de atenção e interesse e erros na aplicação do
conhecimento da língua no desempenho real, situações que ele chama de “condições
18
gramaticalmente irrelevantes”. Segundo o autor, a propriedade mais característica do
comportamento lingüístico é que ele é inovativo. Todo falante nativo de uma língua tem
internalizada uma gramática gerativa, descrita como “um sistema de regras que pode ser
usado em novas combinações para formar novas sentenças e que permite a integração
semântica das mesmas” (Chomsky, 1973, p. 32).
Essa definição de competência lingüística proposta por Chomsky encontra oposição
quando Hymes propõe o termo “competência comunicativa”. Segundo Hymes, “existem
regras de uso sem as quais as regras da gramática seriam inúteis” (Hymes, 1972, p. 278). Para
ele, as condições de produção das sentenças, bem como o propósito e o lugar social que elas
expressam são regidos por regras tão rígidas e importantes quanto as regras da gramática
descritas por Chomsky.
Segundo Widdowson (1989), a diferença entre Chomsky e Hymes está no fato de que
a lingüística de Hymes está centrada no uso da linguagem, enquanto a de Chomsky não está.
Para o autor, a noção de competência de Chomsky é o conhecimento de algo muito mais
abstrato que o uso da linguagem: é o conhecimento do sistema de regras, parâmetros e
princípios ou configurações mentais para os quais a linguagem simplesmente serve de
evidência. Widdowson diz ainda que Chomsky vê competência como conhecimento
gramatical, um estado mental abaixo do nível do uso da linguagem. Competência não é,
necessariamente, segundo essa visão, habilidade para fazer alguma coisa. Para Hymes (1972),
ao contrário, competência seria a habilidade para usar a linguagem.
A partir da idéia de competência comunicativa, inicia-se nos estudos lingüísticos uma
corrente bastante forte de estudos da pragmática e da sociolingüística, e começa-se a perceber
que não é possível ser proficiente em uma língua sem ser proficiente no seu uso. A partir daí,
a pesquisa na área de avaliação de língua começou a procurar formas de incluir o “uso” da
língua em contexto nos testes, e iniciou-se a procura por testes de proficiência que
apresentassem tarefas mais contextualizadas e que permitissem ao candidato respostas menos
restritas do que as que os testes de itens isolados permitiam até então.
Os estudos na área da competência comunicativa levaram os lingüistas a acreditar que
“o todo comunicativo era consideravelmente maior que a soma dos seus elementos
lingüísticos” (Clark 1983, p. 432). Essa crença levou os estudos lingüísticos a se preocuparem
mais com a língua como um todo e a dar mais valor ao seu uso em contexto, ao contrário do
que acontecia antes, quando o uso era praticamente renegado. Essa corrente de pesquisas na
área de avaliação foi chamada por Brown (1993) de “integrativa-sociolingüística”.
19
A abordagem dos itens isolados obviamente encontrou críticas quando começou a era
do “integrativo-sociolinguístico” e sua ênfase na comunicação, autenticidade e contexto. A
crítica veio largamente de Oller (1979), que argumentava que competência lingüística era uma
gama unificada de habilidades interacionais que não poderiam ser separadas. Pensava-se que
competência comunicativa seria tão global e requereria tal integração (daí o termo avaliação
“integrativa”) que não poderia ser capturada em testes somados de gramática, leitura,
vocabulário e outros itens isolados da língua. “Se itens isolados separam as habilidades
lingüísticas, os testes integrativos os unem de novo. Enquanto itens isolados tentam testar
conhecimento de língua um pouco de cada vez, os testes integrativos tentam avaliar uma
capacidade do aprendiz de usar todas as partes ao mesmo tempo” (Oller, 1979, p. 37).
Foi nessa época que surgiu a hipótese da proficiência unitária, que propunha a visão da
proficiência como sendo indivisível. Segundo essa hipótese, vocabulário, gramática,
fonologia, bem como as quatro habilidades de ler, escrever, ouvir e falar não poderiam ser
separadas. Essa hipótese foi largamente defendida por Oller (1979), que argumentava que
existiria uma proficiência lingüística global que a soma de todos os itens isolados não
chegaria a atingir.
A hipótese da proficiência unitária foi bastante contestada por outros teóricos, como
Farhady (1982), que evidenciavam que era possível a um aprendiz, dependendo da sua língua
materna, grau de estudo ou campo de interesse, ter um aproveitamento muito melhor em
algumas habilidades do que em outras. Segundo esses autores, a proficiência não seria
formada por um todo unitário, mas por habilidades que, integradas, dariam condições à pessoa
de interagir na língua.
1.1.4. A proficiência comunicativa
A partir do conceito de competência proposto por Chomsky (1965), e, mais tarde, do
conceito de competência comunicativa proposto por Hymes (1972), teve início nos estudos
lingüísticos uma nova representação de proficiência, que leva em conta fatores comunicativos,
socioculturais e situacionais. Bachman (1990) descreve habilidade lingüística comunicativa
como consistindo de conhecimento (ou competência) e capacidade para implementar ou
executar essa competência em uso comunicativo da língua apropriado e contextualizado.
Os estudos chamados “comunicativos” foram, a partir do final dos anos 70, muito
importantes na área de aquisição e descrição da linguagem, tomando, quase que totalmente, o
lugar dos estudos estruturalistas que dominavam até então. Vários modelos de competência
comunicativa já foram propostos, sendo que um dos mais conhecidos, o de Canale e Swain
20
(1980) e Canale (1983), conclui que não é provável que a competência comunicativa possa ser
reduzida a apenas uma dimensão global de proficiência lingüística. Segundo esse modelo, a
competência comunicativa é dividida em (pelo menos) três dimensões diferentes:
competência gramatical (que inclui léxico, morfologia, sintaxe e fonologia), competência
sociolingüística (que consiste de regras socioculturais e discursivas que regulam o uso da
língua) e competência estratégica (estratégias de comunicação verbal e não verbal que entram
em ação para compensar eventuais problemas na comunicação).
Ser proficiente em uma língua estrangeira, segundo Widdowson (1991), significa mais
do que compreender, ler, falar e escrever orações nessa língua. Significa também saber
utilizar essas orações de modo a conseguir o efeito comunicativo desejado. Também segundo
o autor, nas interações sociais em nossa vida cotidiana, “geralmente se exige que usemos o
nosso conhecimento do sistema lingüístico com o objetivo de obter algum tipo de efeito
comunicativo. Isso equivale a dizer que geralmente se exige que produzamos exemplos de uso
da linguagem” (Widdowson, 1991, p. 16 – grifo do autor). Sendo assim, o que um falante
precisa para ser proficiente não é somente conhecer o sistema abstrato da língua, mas saber
como usá-la adequadamente em determinada situação.
Nessa mesma linha, Clark (2000, p. 49) afirma que “a linguagem é usada para fazer
coisas”. Para o autor, “o uso da linguagem é realmente uma forma de ação conjunta, que é
aquela ação levada a cabo por um grupo de pessoas agindo em coordenação uma com a
outra”. Sendo assim, o que um falante precisa para ser proficiente é mais do que conhecer o
sistema abstrato da língua; é saber como usá-la adequadamente em determinada situação,
como pedir uma informação, agradecer um favor, negociar o valor de uma mercadoria ou
interpretar as explicações do professor em uma aula, por exemplo.
Seguindo essa visão de proficiência, e acreditando-se que as práticas
9
lingüísticas de
compreensão e produção funcionam de maneira integrada em situações reais, não é suficiente
que um teste de proficiência meça essas práticas lingüísticas do candidato descontextualizadas
do seu contexto de uso. Um exame assim poderia certificar como proficiente um candidato
que apenas tem conhecimento abstrato da língua, mas que não é de fato proficiente em
situações de uso da linguagem.
Se a partir da década de 70 os métodos de ensino de língua, em sua grande maioria,
foram influenciados pelos estudos comunicativos e a ênfase passou a ser a comunicação, a
prática de avaliação também foi influenciada por esses estudos e os testes, que antes eram em
9
Neste trabalho, optamos por utilizar o termo “práticas” ao invés de “habilidades”, por entendermos que esse
termo reflete melhor a dimensão social da compreensão e da produção na linguagem.
21
sua maioria objetivos (de itens isolados), passaram a contemplar também o uso da língua em
situações de comunicação.
Segundo Brown (1993), um teste comunicativo deve exigir que o candidato use a
língua dentro de um contexto apropriado. Além disso, ainda segundo o autor, para um teste
ser chamado de comunicativo é necessário que ele teste o aprendiz em uma variedade de
funções da linguagem. Os testes comunicativos devem medir uma gama variada de
habilidades lingüísticas – incluindo conhecimento de coesão, funções da linguagem e
conhecimentos sociolingüísticos.
As teorias comunicativas de aquisição de segunda língua foram, ao longo do tempo,
percebendo a importância da interação para a aprendizagem. A hipótese interacionista de
Michael Long (1981, 1983) parecia apresentar uma preocupação dos estudiosos dessa área
com questões de uso da linguagem. Wagner (1996), no entanto, faz uma severa crítica ao
modelo de uso da linguagem e à compreensão do processo interacional que a área de
Aquisição de Segunda Língua empregava (a esse respeito, ver também Firth, 1996, Firth &
Wagner, 1997 e Firth & Wagner, 1998). A partir daí, enquanto alguns estudos de aquisição de
segunda língua voltaram-se novamente para a psicolingüística, buscando verificar a “interação
intrapessoal” (Ellis, 2000), outros estudos, como Markee (2000), buscaram contribuições da
Análise da Conversa Etnometodológica e passaram a usar a interação como foco de suas
pesquisas, entendendo interação como construção conjunta da ação social (Schlatter, Garcez e
Scaramucci, 2004).
A área de avaliação de língua estrangeira também passou a usar a noção de “uso da
linguagem” para a definição de proficiência. Segundo Schlatter, Garcez e Scaramucci (2004,
p. 356) “com base no conceito de uso da linguagem como uma ação conjunta dos
participantes com um propósito social, o conceito de proficiência lingüística/sucesso muda de
conhecimento metalingüístico e domínio do sistema para uso adequado da língua para
desempenhar ações no mundo”. Nesse sentido, ao tentar aproximar suas tarefas a situações de
uso da linguagem fora do ambiente de avaliação, os testes de desempenho precisam levar em
conta os contextos de uso, os participantes envolvidos e os propósitos desses participantes.
Foi esse o caso do exame Celpe-Bras que, desde o seu início, preocupou-se com o
contexto de uso da linguagem proposto em suas tarefas, e considerava que os textos
produzidos pelos candidatos, pertencendo a determinados gêneros do discurso, deveriam ser
adequados aos interlocutores envolvidos e ao propósito comunicativo solicitado. Essa
adequação, segundo o exame, fazia parte da proficiência a ser demonstrada pelos candidatos.
22
A partir da necessidade imposta pelo exame de os candidatos produzirem textos
adequados ao gênero, este trabalho buscou a leitura da obra do Círculo de Bakhtin para tentar
caracterizar os diferentes gêneros e poder verificar sua influência na avaliação de proficiência
feita pelo exame. A partir das idéias do Círculo e da noção de que todo enunciado é produzido
por um sujeito do discurso, dentro de um determinado gênero e em um determinado contexto
de produção, entendemos que os textos precisam ser entendidos no plano da enunciação.
Propomos, então, neste trabalho, uma visão de proficiência como configuração adequada da
interlocução no texto dentro de um gênero do discurso e de um contexto de produção
específico. Proficiência, nesse sentido, deixa de ser a demonstração do conhecimento de
regras e formas lingüísticas e passa a ser o uso adequado dessas regras e formas em contexto,
de acordo com a interlocução configurada dentro do gênero solicitado.
Como vimos, o conceito de proficiência lingüística já foi objeto de desacordo entre
muitos estudiosos e ainda necessita de definições mais claras. Vollmer (1983, p. 152) diz que
depois de vários anos de investigação, o que ainda se pode dizer sobre proficiência é que ela é
o que os testes de proficiência medem. E os testes de proficiência acabam por medir aquilo
que os seus elaboradores querem que eles meçam, baseados nas teorias lingüísticas em que
acreditam, e de acordo com as definições de língua e linguagem em que acreditam.
Por essa razão, Bachman (1990) acredita que todos os testes de língua devem ser
baseados em uma definição clara das habilidades lingüísticas. Nessa mesma linha, Scaramucci
(2000) afirma que as divergências maiores não residem na interpretação do termo
proficiência, mas nas concepções “do que é saber uma língua” que o termo representa. Ao se
elaborar um teste, é muito importante definir o que se entende por “saber uma língua”, porque
a maneira como definimos as habilidades está intimamente relacionada com as características
do teste que vamos usar.
No caso do exame Celpe-Bras, objeto deste estudo, o construto que o exame quer
testar está explicitado no Manual do Candidato (Brasil, 2006) a partir das especificações do
exame. Segundo o Manual (Brasil, 2006, p. 3), “um exame de proficiência é aquele que tem
objetivos de avaliação e conteúdo definidos com base nas necessidades de uso da língua-
alvo”. O conceito de proficiência expresso no manual do exame consiste no “uso adequado da
língua para desempenhar ações no mundo”. Esse conceito revela uma visão de linguagem
como “ação conjunta de participantes com um propósito social”, que para ser implementada
tem de levar em conta “o contexto, o propósito e o(s) interlocutor(es) envolvido(s) na
interação com o texto” (Brasil, 2006, p. 3).
Nesse sentido, segundo o Manual do Candidato,
23
A avaliação envolve a compreensão e a produção de forma integrada. A
compreensão é avaliada considerando-se a adequação e a relevância da produção do
candidato em resposta ao texto oral ou escrito. Quando se considera proficiência
como uso adequado da linguagem para praticar ações, o essencial para a avaliação
da produção textual oral ou escrita é o aspecto comunicativo, isto é, a adequação ao
contexto. Isso quer dizer que, mesmo que apresente coesão e adequação lingüística,
a produção será julgada como inadequada se não cumprir o que foi solicitado na
tarefa. (Brasil, 2006, p. 6)
Dessa forma, ao relacionar a adequação do desempenho dos candidatos ao contexto de
uso da língua no qual a tarefa que vai medir esse desempenho está inserida, o construto
explicitado no exame Celpe-Bras mostra que proficiência “implica efetivamente agir
mediante o uso da linguagem” (Brasil, 2006, p. 6).
Neste trabalho, faremos uma análise da noção de proficiência subjacente às grades de
avaliação de compreensão oral e escrita e produção escrita do exame Celpe-Bras, mostrando
os critérios responsáveis pela distinção dos pontos de corte entre os níveis de certificação na
avaliação do exame, e de que forma esses critérios se relacionam com o construto explicitado
no Manual do Candidato, apontando caminhos para que essa relação se torne mais estreita.
1.2. Praticidade, Confiabilidade, Validade e Efeitos Retroativos
Além da definição clara das habilidades lingüísticas que um exame de proficiência vai
avaliar, outros critérios também precisam ser levados em conta na elaboração de um teste. Em
primeiro lugar, um teste precisa ser prático – existem limitações financeiras e restrições de
tempo, então é importante que o teste seja fácil de administrar, pontuar e interpretar. A
praticidade depende de aspectos como tempo disponível, número de candidatos,
disponibilidade de avaliadores e disponibilidade financeira. Um teste que exija entrevista
individual, por exemplo, pode ser considerado prático se o número de candidatos for pequeno
ou se existirem vários avaliadores, mas certamente será impraticável se forem muitos os
candidatos e um só o avaliador.
Outro aspecto importante para um teste é a confiabilidade. A confiabilidade de um
teste reside em minimizar os efeitos na avaliação dos fatores externos ao teste, fazendo com
que a habilidade lingüística do candidato seja avaliada de maneira uniforme. Existem vários
fatores que podem afetar o desempenho do candidato em um teste e assim provocar equívocos
na avaliação da habilidade lingüística comunicativa. Dentre esses fatores está o cansaço do
candidato ou do avaliador, o conhecimento ou desconhecimento de determinado tópico, a
24
discrepância de referenciais teóricos entre os avaliadores, a preferência ou aptidão pessoal
para um determinado tipo de teste, bem como o conhecimento ou desconhecimento do
contexto e do formato da avaliação. Quanto menos esses fatores afetarem a avaliação de um
teste, maior importância terá no teste o domínio das habilidades lingüísticas que queremos
medir e, conseqüentemente, maior a confiabilidade dos escores do teste (Schlatter et al, 2005).
Para que possamos diminuir o efeito dos fatores externos, no entanto, é necessária uma
especificação cuidadosa e analítica do instrumento e das grades de avaliação. Segundo Brown
e Bailey (1984), essa especificação maior pode aumentar significativamente a confiabilidade
do teste. Também a uniformidade das condições de aplicação e um treinamento uniforme de
todos os avaliadores, bem como pesquisas que pretendam descrever o funcionamento da grade
de avaliação podem colaborar sensivelmente para o aumento da confiabilidade do exame, uma
vez que dessa forma os avaliadores terão a oportunidade de compreender melhor as grades e o
próprio instrumento de avaliação. Nesse sentido, este trabalho visa a contribuir para uma
maior compreensão do funcionamento da grade de avaliação, propiciando assim aos
avaliadores uma maior clareza dos descritores e das categorias presentes na grade.
Mas segundo Bachman (1990), o critério mais importante a ser considerado nos
processos de desenvolvimento, interpretação e uso de um teste não deve ser se os seus escores
são confiáveis, mas se a interpretação e o uso que fazemos desses escores são válidos. Para o
autor, quando aumentamos a confiabilidade das nossas medições, estamos também
satisfazendo uma condição necessária para a validade: para o escore de um teste ser válido, é
necessário que ele seja primeiro confiável.
O conceito tradicional de validade, baseado em Lado (1961), diz que um teste é válido
na medida que mede o que deve medir. Esse conceito tem sido ampliado a partir dos anos
noventa, passando a levar em conta não somente o quanto os testes medem aquilo que
pretendem medir, mas também as inferências feitas com base nos resultados desses testes e os
usos futuros dos seus resultados (ver Messick, 1989; Bachman, 1990; Hughes, 1989; Brown,
2004).
Um dos aspectos importantes para determinar a validade de um teste é a relação entre
o conteúdo que o teste pretende avaliar e o conteúdo que ele efetivamente avalia. Esse
aspecto, chamado de validade de conteúdo (Fulcher, 1999; Hughes, 1989; McNamara, 2000;
Brown, 2004), define-se pelo quanto as tarefas que o teste propõe são representativas do
conteúdo ou das habilidades sobre as quais o teste quer arbitrar valor (Brown, 1993). Um teste
que tem como objetivo fazer inferências sobre a capacidade de um candidato de produzir
textos acadêmicos em língua estrangeira, por exemplo, terá mais validade de conteúdo se
25
apresentar tarefas que exijam do candidato a produção de um texto escrito do que se
apresentar questões sobre aspectos lingüísticos isolados (gramática, pontuação). Assim, tem
validade de conteúdo um teste que avalia amostras de conteúdo que permitam fazer
inferências sobre o desempenho do candidato em relação aos conhecimentos e habilidades
que o teste se propunha a avaliar (Brown, 2004; Hughes, 1989; Bachman, 1988).
Outro aspecto da validade é o que os estudiosos chamam de validade de face, para a
qual é importante que o teste pareça avaliar aquilo que pretende avaliar (Hughes, 1989,
Brown, 2004). A validade de face (ou validade aparente) é medida pelo julgamento dos
usuários de um teste sobre quanto o instrumento de avaliação parece estar avaliando os
conhecimentos ou habilidades que ele se propõe a avaliar. Para McNamara (2000), a validade
de face está intimamente ligada às expectativas dos usuários do teste, então quanto mais o
teste corresponder às expectativas de seus usuários, maior será a sua validade de face. Brown
(2004) destaca também a existência de uma estreita relação entre validade de face e validade
de conteúdo, uma vez que quanto mais o teste for uma amostra do conteúdo a ser testado,
maiores as chances da sua validade de face ser percebida. Segundo Brown (1993), a validade
de face é importante do ponto de vista dos candidatos que se submetem ao teste, pois estes se
sentem mais seguros com relação à validade do teste se puderem perceber uma relação entre
as tarefas propostas e o construto que o teste diz medir.
Um terceiro aspecto da validade de um teste é a validade de construto, que diz respeito
a como um teste define aquilo que quer medir, relacionando as tarefas apresentadas à
definição teórica do objeto a ser medido (Bachman, 1988). Dessa forma, se entendemos
proficiência escrita em uma língua estrangeira como a capacidade de produzir textos
adequados ao contexto e ao interlocutor, de modo a atingir satisfatoriamente o seu propósito
comunicativo, por exemplo, esse construto deverá ser revelado através das tarefas do teste.
Testes diferentes costumam, portanto, ser operacionalizações de construtos diferentes
(Schlatter et al, 2005; Davidson, Hudson e Lynch, 1985). Uma avaliação da produção oral
feita apenas através de exercícios de pronúncia, por exemplo, revela um construto de
proficiência desvinculado do propósito comunicativo e do contexto de uso (para ser bem
sucedido ao contar uma piada em uma língua estrangeira, por exemplo, o domínio da
pronúncia é apenas um dos conhecimentos necessários, talvez menos importante do que a
entonação de humor, tão necessária para esse propósito).
Também relacionadas à validade de construto estão as interpretações e inferências que
podemos fazer sobre o desempenho de um candidato a partir de seus resultados em um teste
(Bachman e Palmer, 1996). O construto, segundo os autores, é a definição teórica que serve
26
de base para a elaboração de um teste e para a interpretação dos resultados proporcionados
pelo mesmo. Dessa forma, para os autores, validade de construto diz respeito a em que
medida podemos interpretar o resultado de um teste como indicador das habilidades que
queremos avaliar.
Um outro aspecto diz respeito à validade de critério, ou “quanto os resultados de uma
avaliação estão de acordo com os resultados de outra que tenha como base os mesmos
critérios” (Schlatter et al, 2005, p. 16). Para Brown (2004, p. 24), a validade de critério está
relacionada a uma das seguintes categorias: validade paralela (concurrent validity) e validade
preditiva. A validade paralela é configurada quando os resultados de um teste são
confirmados pelo desempenho do candidato em outra situação além do teste em si. A validade
de um exame de final de semestre em um curso de língua estrangeira, por exemplo, pode ser
confirmada pela demonstração de proficiência semelhante do candidato em uma situação real
de uso da língua. A validade preditiva, por sua vez, torna-se importante em casos nos quais a
intenção da avaliação não é somente medir o desempenho do candidato por si só, mas avaliar
(e tentar prever) as chances de o candidato ser bem-sucedido em determinadas tarefas no
futuro, como é o caso de testes de proficiência para admissão em um emprego, por exemplo.
A validade preditiva, por dizer respeito às inferências que podemos fazer sobre as
situações para as quais os candidatos estão aptos, com base no resultado dos testes, é muito
importante para testes de proficiência em língua estrangeira, já que esses testes são usados,
muitas vezes, como definidores do ingresso ou não do candidato em um determinado curso ou
empresa. Exames de desempenho como o Celpe-Bras, por exemplo, em que “não se busca
aferir conhecimentos a respeito da língua, por meio de questões sobre a gramática e o
vocabulário, mas sim a capacidade de uso dessa língua” e em que “a competência do
candidato é avaliada pelo seu desempenho em tarefas que se assemelham a situações da vida
real” (Brasil, 2006, p. 4), pretendem predizer que o candidato é proficiente em língua
portuguesa para realizar um curso universitário ou trabalhar no Brasil, objetivo de muitos
candidatos que se submetem a esse exame.
Segundo Bachman (1990), a interpretação e o uso que fazemos do desempenho nos
testes podem não ser igualmente válidos para todas as habilidades e em todos os contextos.
Isso quer dizer que um teste só pode ser considerado válido dentro de um determinado
contexto e em determinadas circunstâncias. Um teste que apresenta apenas tarefas de
compreensão de leitura ou de gramática, por exemplo, não pode ser considerado válido para
definir habilidade de fluência oral. Tamm um teste que se propõe a verificar as habilidades
27
lingüísticas de candidatos adultos com um certo grau de estudo (caso do Toefl e do Celpe-
Bras, por exemplo) não será válido se for aplicado em crianças.
Outro aspecto importante, ressaltado por McNamara (2000) e Brown (2004), é a
validade de impacto (consequential validity). Toda avaliação provoca conseqüências diversas
nos contextos educacionais em que é praticada, e a validade de impacto diz respeito a essas
conseqüências. Esse impacto dos testes nos materiais de ensino e na prática de sala de aula é
chamado de efeito retroativo (washback effect) (Hughes, 1989).
Os defensores dos testes comunicativos de desempenho, nesse mesmo sentido,
apontam o efeito retroativo como um dos grandes argumentos para a adoção desses testes.
Segundo Frederiksen e Collins (1989) e Taylor (2005), a adoção de testes de desempenho
teria como conseqüência um ensino direcionado para a preparação dos alunos para as tarefas
presentes nesses testes, e assim, indiretamente, os alunos seriam também preparados para usar
a língua em situações reais de comunicação, devido à semelhança entre as tarefas desses testes
e as situações reais de uso da língua. Nesse sentido, Ohlweiler (2006) apresenta uma
descrição de efeitos positivos do exame Celpe-Bras no contexto de ensino de português como
língua estrangeira na Venezuela, mostrando a importância que o exame teve para uma
mudança no currículo e no material didático utilizados no Instituto Cultural Brasileiro
Venezuelano, na intenção de ajustar-se ao construto de “uso da linguagem” explicitado no
Manual do exame.
Aproximar o ensino em sala de aula das situações reais de uso da língua, considerado
por Frederiksen e Collins (1989) e Taylor (2005) como um dos efeitos retroativos positivos
dos testes de desempenho, se opõe às conseqüências dos testes cujas tarefas estão
relacionadas apenas indiretamente ao desempenho lingüístico esperado dos candidatos, como
os testes de múltipla escolha, por exemplo. Esses testes desencadeariam um efeito retroativo
negativo, fazendo com que professores e alunos centrassem seus esforços fundamentalmente
na preparação para o teste, e não no desenvolvimento do desempenho das práticas lingüísticas
em si.
Apesar de ser bastante comentado na teoria sobre avaliação, existem ainda poucos
estudos que comprovem esse efeito retroativo positivo dos testes de desempenho nos
contextos educacionais. Scaramucci (1999b) relata que, algumas vezes, a influência de um
teste pode afetar o objeto do ensino (o que é ensinado), mas não se refletir na metodologia
utilizada (como é ensinado). Segundo a autora, outros fatores existentes na escola, na
educação e na sociedade exercem sua influência sobre o que é ensinado e como se ensina na
sala de aula, fazendo com que o objeto de ensino e a metodologia utilizada não sejam
28
explicados unicamente a partir das características do exame para o qual o ensino prepara. Os
efeitos retroativos seriam sentidos de diferentes formas por professores diferentes, por
comunidades de alunos diferentes e por contextos educacionais com objetivos diferentes.
Não é possível, dessa forma, pensar em efeito retroativo de uma maneira determinista,
imaginando que um bom teste tenha influência positiva imediata no ensino em sala de aula.
Outros fatores, além do instrumento em si, parecem também ser muito importantes para a
determinação do conteúdo e do método de ensino, como a formação do professor, a crença
dos alunos e do próprio professor na possibilidade ou não de aprovação no exame, o currículo
proposto e a crença dos sujeitos envolvidos do que seja ensinar e aprender uma língua
estrangeira. Para Scaramucci, é necessário relativizar os efeitos retroativos conseguidos com
os testes de desempenho, porque “inovações educacionais não são conseguidas automática e
unicamente, através da implementação de propostas direcionadoras e exames externos”
(Scaramucci, 1999b, p. 18). Scaramucci (2004a) enfatiza a existência de efeitos retroativos,
mas deixa claro que ainda não há uma teoria satisfatória que explique como eles ocorrem. O
aprimoramento dos testes é um fator necessário para que haja melhoras na prática de ensino
em sala de aula, mas não é o único, já que vários outros fatores estão envolvidos nesse
contexto.
O presente estudo tem o objetivo de analisar as grades de avaliação escrita do exame
Celpe-Bras para verificar a validade do exame em relação ao construto que se propõe a testar
e apontar caminhos para o aumento dessa validade, uma vez que a validade do instrumento de
avaliação é, segundo Schlatter, Garcez e Scaramucci (2004), um dos fatores que pode
potencializar as chances de efeito retroativo positivo de um exame.
1.3. Avaliação de desempenho
Para Turner e Upshur (2002), entre as mudanças mais promissoras na avaliação em
segunda língua nos últimos vinte anos está o crescimento do uso de testes de desempenho,
que apresentam tarefas que requerem que os candidatos realmente produzam língua escrita ou
falada. Em contraste com os testes de itens isolados, que requerem que os candidatos
respondam a perguntas escolhendo entre várias alternativas, os testes em que os candidatos
precisam produzir na língua oferecem a promessa de uma descrição mais completa e
complexa da habilidade do candidato para usar a língua. Mas o cumprimento dessa promessa
29
depende largamente da qualidade do procedimento utilizado para avaliar as respostas dos
candidatos, isto é, da escala de avaliação.
McNamara (1996, p. 32) considera muito importante a determinação dos critérios
segundo os quais a avaliação do exame será feita. Segundo Clark (1972, p. 128, apud
McNamara, 1996, p. 32), a base conceitual da avaliação de proficiência não é (ou não é
somente) o procedimento de exigir demonstrações da proficiência do candidato, o teste em si,
mas são os critérios de desempenho nas escalas de avaliação através das quais o desempenho
é julgado. Para o autor, a visão que o teste tem de língua e proficiência lingüística está,
inevitavelmente, descrita na escala de avaliação utilizada. Dessa forma, segundo McNamara
(1996, p. 32), ainda que os exames não façam referência explícita a nenhuma teoria, a posição
teórica fica implícita nos critérios pelos quais os avaliadores fazem os seus julgamentos.
Segundo McNamara (1996), a avaliação nos testes de desempenho necessariamente
envolve julgamentos subjetivos. Para o autor, isso é apropriado: a avaliação de qualquer
desempenho humano complexo muito dificilmente pode ser feita automaticamente.
Julgamentos que envolvem subjetividade vão inevitavelmente ser complexos e envolver atos
de interpretação por parte do avaliador, e então estar sujeitos à discordância. Para identificar e
quantificar a extensão de discordância entre os avaliadores, e para reduzi-la a níveis
aceitáveis, o autor propõe três procedimentos importantes a serem tomados quando do
processo de avaliação (McNamara 1996, p. 117):
1- o uso de descrições de desempenho (grades de avaliação) cuidadosamente formuladas
para cada nível de avaliação possível, incluindo exemplos ilustrativos das
características do desempenho em cada nível;
2- treinamento cuidadoso dos avaliadores no uso dos procedimentos de avaliação;
3- avaliação de cada candidato mais de uma vez e adoção de procedimentos para lidar
com a discrepância que possa surgir.
Essa necessidade de reduzir a subjetividade da avaliação nos testes que avaliam
desempenho afeta diretamente as escalas de avaliação. Quanto mais precisos e restritos forem
os descritores dessas escalas, mais uniforme e pontual será a avaliação, aumentando assim,
conseqüentemente, a confiabilidade do exame. É importante, tamm, estudos que descrevam
como funciona a grade de avaliação na prática, mostrando quais são os critérios privilegiados.
Para dar conta dessa necessidade, o presente estudo faz uma análise da grade de
avaliação da Parte Coletiva do exame Celpe-Bras, mostrando os critérios que se revelam mais
definidores do ponto de corte entre os níveis avaliados e a relação disso com o construto
explicitado no Manual do exame.
30
1.3.1. Procedimentos avaliativos analíticos e holísticos
As escalas de avaliação dos testes de desempenho são esquemas de pontuação que
incluem descrições dos diferentes níveis de língua em um continuum, normalmente do não
uso de determinadas práticas lingüísticas até o nível mais alto de uso dessas práticas. O
processo de avaliação da qualidade das amostras lingüísticas obtidas envolve combiná-las
com as descrições da escala e definir um grau para o candidato de acordo com essa escala.
Nos processos de avaliação de testes de desempenho, dois tipos de avaliação têm sido
bastante utilizados para aferir a capacidade de produção escrita e oral do candidato: a
avaliação holística e a avaliação analítica. Ao referir-se à avaliação escrita, Weigle (2002, p.
112) afirma que “a avaliação holística consiste na atribuição de uma única nota para um texto
baseada na impressão geral desse texto. Em uma sessão de avaliação holística típica, cada
texto é lido rapidamente e então julgado através de uma escala que apresenta os critérios de
avaliação”.
A avaliação holística tem sido, segundo Weigle (2002), a mais usada por exames
comunicativos de desempenho e tem, para a autora, várias características positivas. Além da
praticidade (é mais fácil, mais rápido e, conseqüentemente, mais barato ler um texto uma
única vez para atribuir-lhe uma nota global do que ler o mesmo texto várias vezes para
atribuir-lhe diversas notas para várias categorias diferentes), a avaliação holística concentra a
atenção do leitor nos pontos positivos do texto, e não no que está “errado”. Dessa forma, os
candidatos recebem uma nota pelo que conseguem fazer bem na sua produção, e não por suas
deficiências. Também, segundo White (1984, apud Weigle 2002) a avaliação holística é mais
válida do que a analítica, uma vez que tenta reproduzir, ainda que parcialmente, a relação que
um leitor real tem com o ‘todo’ do texto em situações reais de leitura.
A avaliação holística, por outro lado, também pode apresentar desvantagens. Segundo
Weigle (2002), entre as principais desvantagens da avaliação holística está o fato de ela não
produzir um diagnóstico preciso das diversas práticas do candidato (especialmente em
contextos de segunda língua, em que sabemos que as práticas não são sempre desenvolvidas
simultaneamente). Por não produzir um diagnóstico preciso, a avaliação holística também não
costuma tornar possível um feedback das habilidades que ainda precisam ser mais
desenvolvidas pelo candidato.
Outro problema da avaliação holística é a confiabilidade. Por ser mais subjetiva do que
a avaliação analítica, já que implica em o avaliador dar uma nota a partir da sua “impressão
31
geral” do texto, a avaliação holística requer mais cuidado e treinamento mais criterioso dos
avaliadores para que se possa ter resultados confiáveis.
Na avaliação analítica, segundo Weigle (2002, p. 114), “os textos são avaliados sob
vários aspectos ao invés de receberem uma nota só”. A avaliação analítica fornece, dessa
forma, informações mais detalhadas sobre o desempenho dos candidatos. Além disso, para a
autora, esse tipo de avaliação seria mais “fácil” de ser compreendida e assimilada por
avaliadores inexperientes, pois é mais simples atribuir uma nota para cada categoria de
avaliação do que atribuir uma nota só ao conjunto do texto. A avaliação analítica é, no
entanto, por demandar várias leituras do mesmo texto e a decisão de várias notas para as
diferentes categorias de avaliação, mais demorada (e portanto mais cara) do que a avaliação
holística.
A confiabilidade da avaliação analítica parece, segundo Hoffman e Holden (1997), ser
maior do que a da avaliação holística. Para os autores, a confiabilidade de uma avaliação
aumenta na medida em que se avaliam mais características da produção de um candidato.
Avaliar as partes componentes de um texto, atribuindo um grau para cada uma dessas
características constituintes ao invés de atribuir uma nota só ao conjunto do texto resultaria,
segundo os autores, em maior confiabilidade da avaliação final.
Na avaliação analítica o avaliador deve atribuir uma nota a cada um dos itens da grade
de avaliação, independentemente um do outro. Assim, se em um texto, por exemplo, a
estrutura de parágrafos for boa mas a pontuação for péssima, é possível que o avaliador
atribua a nota máxima no quesito estrutura de parágrafos e a nota mínima em pontuação
(Schlatter et al, 2005). A maioria dos quesitos avaliados não deveriam influenciar nem ser
influenciados pelos demais quesitos da grade, recebendo assim uma avaliação própria. O fato
dos quesitos receberem uma avaliação independente, sem receberem influência dos demais,
não significa, evidentemente, que eles não estejam, muitas vezes, sobrepostos, isto é, que
diversos quesitos não acabem levando em consideração os mesmos aspectos para a avaliação.
Na avaliação analítica, os avaliadores devem se preocupar mais com as partes
constituintes do texto (pois são elas que devem ser avaliadas) e menos com a totalidade da
expressão escrita do candidato. A avaliação analítica caracteriza-se, assim, por tirar do
avaliador a responsabilidade de atribuir uma nota geral ao texto, fazendo com que ele seja
somente responsável por apontar as qualidades e deficiências desse texto. A nota do candidato
é atribuída, posteriormente, pela soma das notas atribuídas pelo avaliador aos vários quesitos
analisados, submetidos a um cálculo baseado nos pesos que cada um dos quesitos tem para a
avaliação, de acordo com os critérios que são coerentes com o construto do exame.
32
Como veremos mais adiante, o exame Celpe-Bras, segundo o seu Manual, não tem
como objetivo fazer um diagnóstico da proficiência do candidato em cada habilidade
isoladamente, mas testar as habilidades de forma integrada para medir a proficiência dos
candidatos em situações de uso da língua. Nesse sentido, o exame adota para a parte escrita
uma avaliação holística, com o objetivo de priorizar a validade, já que, como vimos, apesar de
ser mais confiável, a avaliação analítica acaba, por avaliar as partes constituintes do texto,
tornando-se menos válida do ponto de vista da avaliação do texto como um todo. Mais adiante
apresentaremos as características dos procedimentos de avaliação escrita do exame Celpe-
Bras, e também das situações em que procedimentos holísticos e analíticos são usados de
forma complementar (Parte Individual do exame Celpe-Bras).
1.3.2. Grades de avaliação
Como vimos, as grades de avaliação utilizadas pelos testes de desempenho costumam
trazer descrições dos diferentes níveis de proficiência no uso da língua. No processo de
avaliação, os textos avaliados são comparados com essas descrições, buscando-se assim
definir um nível para o candidato de acordo com a grade.
Para Kunnan (1999), a primeira preocupação de um exame deve ser se a sua grade de
avaliação tem igual validade para diferentes candidatos ou grupos de candidatos definidos por
características como idade, gênero, raça/etnia, língua e cultura. Em outras palavras, a
preocupação primeira deve ser a clarificação dos instrumentos de avaliação. Essa clarificação
dos instrumentos de avaliação pode ser entendida como uma descrição mais fina do
desempenho esperado pelos candidatos em cada nível de proficiência certificado, e tamm
por exemplos de cada nível de proficiência que possam ser usados em treinamentos para os
avaliadores. Quanto mais finos e mais bem descritos forem os descritores da escala de
avaliação, menor é a probabilidade de os avaliadores enfrentarem dificuldades na avaliação do
desempenho do candidato. Clarificando os instrumentos de avaliação estamos, assim,
aumentando a confiabilidade do exame.
Brindley (1998) discute a existência de tipos diferentes de grades de avaliação. O
primeiro tipo de grade apresentado pelo autor são as grades baseadas no comportamento
(behaviorally based), que tentam definir as habilidades lingüísticas globalmente, em termos de
características de desempenho na “vida real”. Essas grades costumam ser holísticas e têm tido
grande influência nas práticas de avaliação de língua estrangeira por serem usadas como guia
para a avaliação de proficiência por instrumentos como o American Concil on the Teaching of
Foreign Languages e o Interagency Language Roundtable (ver ACTFL, 1986, e IRT, 1985).
33
O segundo tipo de grade que Brindley (1998) apresenta compõe-se das grades derivadas de
um modelo teórico das habilidades que estão sendo avaliadas, e utiliza descritores analíticos
dos vários componentes da habilidade lingüística. Segundo Brindley, independente do tipo de
grade adotada, é importante que o exame tenha consciência do construto que está sendo
testado em cada nível. Para o autor, “grades diferentes enfocam aspectos diferentes do uso da
linguagem e portanto usam critérios diferentes para descreverem os níveis” (Brindley, 1998,
p. 115).
Segundo Turner (1998), a validação (descrição dos parâmetros) das grades de
avaliação dos testes de proficiência em geral acontece somente depois de aplicado o exame.
Para a autora, um dos maiores problemas dessas grades é o fato de os descritores não terem
sido baseados empiricamente. Fulcher (1996, apud Turner, 1998) propõe que a escala de
avaliação seja desenvolvida empiricamente, isto é, baseada em exemplos reais dos textos a
serem avaliados. Dos resultados da sua pesquisa, ele concluiu que as escalas baseadas
empiricamente podem ser mais específicas e informativas para o examinador, e, assim,
permitem uma uniformidade maior da avaliação do que as grades baseadas somente na
opinião de especialistas ou na teoria. Isso significa, por exemplo, que ao invés de o critério
“coesão” ser determinado pela teoria ou pela opinião dos especialistas do que seja um texto
coeso, deveriam ser usados na sua determinação exemplos concretos de textos coesos ou com
diferentes graus de problemas de coesão, fazendo assim com que o avaliador “veja” nos
próprios textos a definição do critério que está sendo usado pelo exame.
Fulcher (1996, p. 228, apud Turner, 1998) diz que “até que os pesquisadores estudem
seriamente a validação das grades de avaliação dos testes, o problema da indeterminação e da
ininterpretabilidade dessas grades vai permanecer”. É no sentido de auxiliar na melhor
compreensão e refinamento dos parâmetros de avaliação do exame Celpe-Bras que se justifica
o presente estudo. Ao propor uma avaliação que leve em conta as relações estabelecidas pelos
interagentes no contexto de comunicação, é nosso intuito possibilitar aos avaliadores um
maior entendimento acerca do que o exame se propõe a testar com relação ao uso da língua
em situações de comunicação.
Neste capítulo apresentamos um histórico da avaliação de proficiência em língua
estrangeira, e discutimos a importância dos critérios de praticidade, validade e confiabilidade
para a avaliação, bem como os efeitos retroativos que podem advir dos procedimentos de
avaliação utilizados. Discutimos também as diferenças entre as grades de avaliação e de que
forma essas diferenças podem influenciar na avaliação dos candidatos. No próximo capítulo,
34
procederemos a uma descrição da avaliação do exame Celpe-Bras, apresentando as tarefas e
as grades de avaliação utilizadas na aplicação 2006-1 do exame.
35
2. O EXAME CELPE-BRAS
O exame Celpe-Bras é o Certificado de Proficiência em Língua Portuguesa para
Estrangeiros, desenvolvido pelo Ministério da Educação do Brasil. O exame começou a ser
aplicado sistematicamente em 1998, e atualmente possui 21 instituições credenciadas no
Brasil e 45 no exterior
10
, onde é aplicado duas vezes ao ano, em abril e outubro.
2.1. Características do exame Celpe-Bras
O Celpe-Bras foi proposto, desde o seu início, para ser um exame de proficiência com
base comunicativa (Schlatter, 1996). Para Scaramucci (1995), uma avaliação comunicativa é
aquela centrada no desenvolvimento de uma habilidade de expressão ou de uma competência
de uso, que requer muito mais do que a manipulação de formas e de regras lingüísticas, mas o
conhecimento também de regras de comunicação, de forma que sejam não apenas
gramaticalmente corretas, mas socialmente adequadas.
Segundo Scaramucci (1999a), as principais características do exame Celpe-Bras são a
ênfase na comunicação/interação e a utilização de conteúdos autênticos ou contextualizados.
Para McNamara (1996, p.43), um exame dessa natureza não é um teste estritamente
lingüístico. Segundo o autor, a característica definidora de um teste de proficiência nesses
moldes é que o aprendiz precisa demonstrar não somente conhecimento da língua, mas
habilidade no uso desse conhecimento em cenários que sejam de alguma maneira
comunicativos. Um teste assim pode requerer uma demonstração de conhecimento, mas vai
demandar também demonstração de habilidade no desempenho.
O exame Celpe-Bras foi proposto, como já foi dito, para avaliar a proficiência em
Língua Portuguesa não através da medição de conhecimento gramatical ou de conhecimento
específico de vocabulário, mas através da capacidade de agir no mundo em situações
similares às reais, possíveis de acontecer com pessoas que utilizam a língua portuguesa para
10
Informação retirada de http://portal.mec.gov.br/sesu/arquivos/pdf/CelpeBras/inst_credcelp.pdf – Acessado em
10-12-08.
36
se comunicar – é, portanto, um teste de desempenho, e, nesse sentido, avalia as práticas de
compreensão e produção oral através de uma entrevista e as práticas de compreensão oral,
leitura e produção escrita através de tarefas. Segundo o Manual do Candidato (Brasil, 2006, p.
5) “a tarefa é um convite para agir no mundo, um convite para o uso da linguagem com um
propósito social. Em outras palavras, uma tarefa envolve basicamente uma ação, com um
propósito, direcionada a um ou mais interlocutores”.
O exame Celpe-Bras é composto de duas partes: uma coletiva, com duração de duas
horas e meia, e outra individual, que dura 20 minutos. A Parte Individual consiste de uma
interação entre o candidato e o entrevistador a partir de atividades e interesses mencionados
pelo candidato no questionário de inscrição e a partir de textos curtos, fotos ou cartuns,
denominados elementos provocadores (Brasil, 2006). Na Parte Coletiva, os candidatos
respondem por escrito a quatro diferentes tarefas a partir da compreensão de textos escritos,
de um trecho de vídeo e de uma gravação em áudio. A Parte Individual é avaliada
independentemente por dois avaliadores, que utilizam grades distintas, uma holística
(entrevistador) e outra analítica (observador). Na Parte Coletiva, cada texto dos quatro
produzidos pelo candidato é avaliado também independentemente por dois avaliadores, que
utilizam a mesma grade. A discrepância aceita pelo exame é de dois pontos (numa escala de
seis). Uma discrepância maior do que dois pontos implica revisão da avaliação. Depois de
resolvidas as discrepâncias, é feita uma média aritmética de todas as tarefas da Parte Coletiva.
Por meio de um único exame, o Celpe-Bras avalia seis níveis de proficiência:
Iniciante, Básico, Intermediário, Intermediário Superior, Avançado e Avançado Superior,
sendo que a certificação é concedida a partir do nível Intermediário. A certificação está
condicionada a um equilíbrio no desempenho em ambas as partes do exame. Isso significa que
o desempenho final do candidato corresponde ao menor nível alcançado nas duas partes do
exame – coletiva e individual (Coura Sobrinho, 2006). Se um candidato, por exemplo, receber
avaliação correspondente ao certificado Intermediário Superior na Parte Individual, mas
receber avaliação correspondente ao certificado Intermediário na Parte Coletiva, ele receberá
o certificado Intermediário, já que o Celpe-Bras certifica a proficiência de forma global e,
neste caso, o candidato ainda não alcançou o mesmo nível de desempenho na produção
escrita. Também, se um candidato receber avaliação correspondente ao certificado
Intermediário na Parte Individual, e receber avaliação correspondente ao certificado
Avançado na Parte Coletiva, ele receberá o certificado Intermediário, considerando que a
qualidade da produção oral do candidato é inferior à qualidade da sua produção escrita.
37
Uma característica do exame Celpe-Bras é avaliar de forma integrada as práticas de
compreensão e produção oral, e de leitura e produção escrita. Na Parte Coletiva, foco deste
trabalho, o exame solicita que os candidatos produzam seus textos baseados na leitura de
textos e na compreensão de segmentos de áudio ou vídeo. É nesses segmentos (textos-base)
que o candidato deve buscar as informações necessárias para produzir o seu texto a fim de
realizar a tarefa pedida. Os candidatos são solicitados a produzirem quatro textos diferentes
em resposta às tarefas propostas, necessitando, para cada um dos textos, demonstrar
compreensão não só da tarefa, mas também do texto escrito ou do segmento de áudio ou vídeo
que a acompanha (ver análise detalhada das tarefas no próximo capítulo). De acordo com o
Manual do Candidato do Exame Celpe-Bras (Brasil, 2006), a diferença entre os níveis
avaliados espelha a qualidade do desempenho nas tarefas de compreensão e produção textual
(oral e escrita) em três aspectos: adequação ao contexto (texto adequado ao formato e
interlocutor solicitado, que cumpre o propósito da tarefa e utiliza para isso as informações do
texto-base), adequação discursiva (coesão e coerência) e adequação lingüística (adequação e
riqueza de vocabulário e de estruturas gramaticais).
2.2. A avaliação escrita do exame Celpe-Bras
A avaliação escrita do exame Celpe-Bras, com duração total de duas horas e trinta
minutos, se dá através de quatro tarefas que englobam compreensão oral e escrita e produção
de texto. A primeira tarefa, com duração proposta de 25 minutos, tem como insumo um trecho
de vídeo. A segunda tarefa, também com duração proposta de 25 minutos, tem como insumo
um segmento de áudio. Já a terceira e a quarta tarefas, com duração proposta de uma hora e
quarenta minutos para as duas, têm como insumo textos escritos.
Como vimos, a avaliação escrita do exame se propõe a avaliar de forma integrada as
práticas de compreensão e de produção do candidato. Dessa forma, as tarefas têm o intuito de
levar o candidato a selecionar, dentre as diversas informações presentes no insumo, aquelas
relevantes para cumprir a tarefa proposta, descartando as que não são relevantes. Assim, para
cumprir a tarefa proposta é necessário que o candidato, além de ser capaz de decodificar as
informações presentes no texto-base, também seja capaz de relacioná-las ao seu conhecimento
prévio e o conhecimento prévio que ele antevê em seu interlocutor, selecioná-las e organizá-
las de acordo com o uso que está sendo solicitado na tarefa (propósito e interlocutor da
produção textual exigida). Levando o candidato a reagir ao texto-base através de uma resposta
38
coerente com a situação de comunicação em foco, o exame tem o objetivo de testar a
capacidade do candidato de agir no mundo com a língua portuguesa, e não somente sua
capacidade de decodificar informações nessa língua. Por exemplo, para dar conta de uma
tarefa como ler uma reportagem sobre um projeto social em determinada comunidade e
escrever uma carta a empresários do bairro solicitando patrocínio para o referido projeto,
entende-se que o indivíduo precisa mais do que compreender as informações presentes no
texto; ele terá que selecionar as informações mais adequadas ao seu propósito (convencer os
empresários a investir no projeto) e, adequando seu texto ao interlocutor selecionado, utilizar
essas informações de maneira a fazer com que o seu texto cumpra o propósito apresentado
pela tarefa da melhor maneira possível.
Para o procedimento da correção da Parte Coletiva do exame Celpe-Bras, todos os
postos aplicadores enviam as provas escritas para o Ministério da Educação, em Brasília, que
forma, para a correção, uma comissão de professores com experiência na área de ensino de
Português como Língua Estrangeira (PLE), provenientes de diversas regiões geográficas do
Brasil, na maioria das vezes vinculados a instituições credenciadas para aplicar o exame
(Coura-Sobrinho, 2006)
11
.
Antes da correção propriamente dita, as provas são desidentificadas, as tarefas são
separadas e agrupadas e os textos são colocados em ordem numérica, divididos em pacotes de
quinze textos cada. É formada então uma amostra representativa dos textos de cada tarefa
(cerca de 40 textos, provenientes de diversos postos aplicadores), que servirá para o ajuste da
grade de correção inicial, proposta pela Comissão Técnica com base nas tarefas do exame.
Uma pequena equipe de corretores especialistas (professores com larga experiência no ensino
de PLE e na aplicação e correção do exame), no mínimo dois por tarefa, procede então à
testagem e ao ajuste da grade de avaliação
12
, levando em consideração os textos produzidos
pelos candidatos
13
.
Os textos produzidos na Parte Coletiva são avaliados a partir de uma grade de
avaliação proposta pela Comissão Técnica para cada uma das tarefas. Essa grade avalia
Adequação Contextual (o propósito, o interlocutor, as informações necessárias para cumprir a
tarefa – que precisam ser selecionadas do texto base –, e o formato adequado ao gênero
11
A partir da aplicação do exame de 2007/2, a correção das provas é feita a distância, através de sistema
eletrônico do Cespe/UNB.
12
A partir da aplicação do exame de 2007/2, apenas a Comissão Técnica procede à testagem e ao ajuste da grade
de avaliação.
13
Os procedimentos de correção relatados aqui foram acompanhados por mim de 2001 a 2007, período em que
participei dos processos de ajuste da grade e de correção como corretora e/ou coordenadora de equipe de
correção do exame.
39
solicitado), Adequação Discursiva (coesão e coerência) e Adequação Lingüística (adequação
lexical e gramatical). Para cada um desses aspectos há uma descrição do desempenho
esperado em cada nível, levando em conta as características da amostra corrigida no ajuste da
grade. Apesar de a grade estar dividida nesses três eixos (Adequação Contextual, Adequação
Discursiva e Adequação Lingüística), a avaliação que os corretores fazem do texto resulta em
uma nota holística. Não é pedido ao corretor que atribua uma nota separada para cada um dos
itens; a tarefa do corretor é a de relacionar a produção do candidato à descrição da grade de
avaliação que melhor reflete essa produção (ver as grades de avaliação das tarefas discutidas
neste trabalho no Anexo 1). Por testar as práticas de compreensão e produção de forma
integrada e pontuá-las com uma única nota, não é possível dar um retorno preciso aos
candidatos sobre o seu desempenho em cada prática de maneira isolada.
A grade de avaliação de cada tarefa é ajustada antes da correção a partir de uma
amostra de textos, para que as expectativas da comissão elaboradora do exame possam ser
readequadas aos textos efetivamente produzidos pelos candidatos. Após o ajuste da grade de
correção, é feito o treinamento dos avaliadores
14
. Formam-se então quatro equipes de
corretores – a participação de profissionais com experiência no ensino de PLE provenientes
de diversas regiões geográficas do país tem o intuito de formar multiplicadores dos
pressupostos teóricos subjacentes ao exame –, cada equipe ficando responsável pela correção
de uma tarefa. Os corretores são então expostos a textos que foram identificados pelos
avaliadores que fizeram o ajuste da grade como típicos de cada nível de avaliação ou que
estejam no limite entre dois níveis. Esses textos são então avaliados e discutidos pelo grupo,
buscando-se assim afinar os critérios de correção utilizados pelos avaliadores, de modo a
tornar a avaliação mais uniforme.
Cada texto produzido pelo candidato (de um total de quatro textos) é avaliado de
forma independente por dois avaliadores, que utilizam a mesma grade de correção. Como já
foi dito, aceita-se uma discrepância de até dois pontos (de uma escala de seis) nessa avaliação;
acima de dois pontos o texto volta para a equipe para ser reavaliado
15
, provocando entre os
corretores da equipe uma discussão sobre a interpretação dos critérios da grade, com vistas a
manter a uniformidade do uso dos descritores, o que contribui para a confiabilidade dos
resultados.
14
A partir da aplicação do exame de 2007/2, também o treinamento dos avaliadores é feito a distância.
15
A partir da aplicação do exame de 2007/2, o texto com notas discrepantes é reavaliado somente pelo
coordenador da equipe.
40
2.2.1. O eixo Adequação Contextual nas grades de avaliação da Parte Coletiva
A grade de avaliação da parte escrita do exame Celpe-Bras, como já vimos, está
dividida em três eixos: Adequação Contextual, Adequação Discursiva e Adequação
Lingüística. A Adequação Contextual se subdivide em Interlocutor, Formato, Propósito e
Informações. A Adequação Discursiva diz respeito a coesão e coerência e a Adequação
Lingüística a questões de léxico e gramática.
Embora na grade de avaliação os critérios sejam apresentados de forma separada, isso
não significa, como já vimos anteriormente, que cada critério receba uma pontuação. Os
critérios são considerados em conjunto para a avaliação final (avaliação holística). A partir
desses critérios, o avaliador procura “encaixar” o texto avaliado na grade, atribuindo o nível
cuja descrição mais se aproxima do texto avaliado.
No Anexo 1 encontram-se as quatro grades de avaliação utilizadas para a correção
escrita do exame Celpe-Bras aplicado em abril de 2006, juntamente com a tarefa proposta.
Por ser o eixo mais complexo da grade e o responsável por abarcar a avaliação de uso da
linguagem em situações de comunicação, descreveremos a seguir os aspectos que compõem a
Adequação Contextual das grades focalizadas neste trabalho.
a) Formato
Dizem respeito ao formato as marcas formais do texto (abertura e fechamento do
texto, endereçamento, estruturação em parágrafos, organização da informação). As
características formais de um texto, o formato em si, seriam, segundo Charaudeau (2004, p.
18-19), “somente traços caracterizadores que trariam aos textos propriedades específicas e
não traços definitórios que trazem aos textos propriedades constituintes” (grifo do autor). A
configuração textual está, então, estritamente relacionada ao produto final, e é delimitada
pelas restrições discursivas, as quais, por sua vez, são definidas pelas restrições situacionais.
Isso significa que a configuração textual está a serviço das restrições discursivas e situacionais
e só faz sentido relacionada a elas, não podendo, então, sustentar-se como uma categoria
isolada. A importância da configuração textual para a construção do gênero é que ela está em
circulação no mundo sempre relacionada a quem escreve, para quem, para que e o que
escreve. Não inventamos o formato de um texto a cada vez que escrevemos, mas buscamos
em nossa memória discursiva estruturações que dêem conta dessas relações.
Nas tarefas analisadas em nossa amostra, os formatos requisitados foram: Tarefa I –
texto de apresentação para guia (com título ou não); Tarefa II – carta aberta (com vocativo e
41
fechamento, ou com título e apresentando marcas de interlocução ao longo do texto – autor e
destinatário); Tarefa III – e-mail; Tarefa IV – texto argumentativo para quadro de avisos.
b) Interlocutor
Segundo Bakhtin (2003, p. 301), uma das características constitutivas do enunciado é
seu delineamento de acordo com o destinatário. A forma como o falante percebe e representa
para si os seus destinatários está diretamente relacionada ao estilo e à composição do
enunciado.
Em nossa amostra, foram os seguintes os interlocutores requisitados: Tarefa I –
público em geral; Tarefa II – moradores do bairro; Tarefa III – amiga que come somente
alimentos naturais; Tarefa IV – colegas da empresa que leiam o quadro de avisos.
c) Propósito
No exame Celpe-Bras, a “vontade discursiva do falante” (Bakhtin, 2003, p. 281) está
explicitada na tarefa através de uma proposta relativa à função do texto, ou seja, é a tarefa que
vai delimitar a motivação da escrita, o propósito do texto que o candidato deve produzir.
As tarefas analisadas neste trabalho apresentavam os seguintes propósitos: Tarefa I –
apresentar a Fundação Darcy Ribeiro e seu fundador; Tarefa II – estimular famílias a se
cadastrarem no projeto Famílias Acolhedoras; Tarefa III – alertar sobre os mitos a respeito
dos alimentos naturais; Tarefa IV – estimular a discussão sobre uma decisão tomada pelo
Tribunal Superior do Trabalho e argumentar contra essa decisão.
d) Informações
As informações dizem respeito à avaliação da compreensão oral e de leitura, que são
testadas de forma integrada com a produção. Para mostrar adequação neste critério, é
necessário selecionar as informações mais relevantes para o cumprimento da tarefa e
apropriar-se delas de maneira coerente com o propósito, organizando-as no texto produzido de
forma a contemplar o que era solicitado pela tarefa.
A partir da análise realizada neste trabalho, poderemos ver que as informações, em
algumas tarefas, como na Tarefa IV, podem delimitar o propósito, já que a grade não o
considera cumprido plenamente sem que as informações necessárias sejam utilizadas. Em
outras tarefas, a relação entre propósito e informações não é tão estreita, pois mesmo não
fazendo uso de todas as informações necessárias, segundo a grade, é possível que o propósito
seja cumprido. Algumas vezes as informações podem determinar também o interlocutor,
42
como na Tarefa III, já que uma determinada informação pode ser importante para configurar
ou não o interlocutor esperado.
2.3. Características das tarefas e das grades de avaliação
Com o objetivo de analisar como o exame Celpe-Bras operacionaliza o construto de
uso da linguagem no processo de avaliação, foram analisadas neste trabalho as quatro tarefas
da aplicação do exame Celpe-Bras de abril de 2006 e suas respectivas grades de avaliação.
Foram também analisados 181 textos produzidos pelos candidatos nessa mesma aplicação,
sendo 44 textos da Tarefa I, 46 textos da Tarefa II, 46 textos da Tarefa III e 45 textos da
Tarefa IV. Os textos analisados compuseram a amostra utilizada para o processo de ajuste da
grade de avaliação, já descrito anteriormente. A seleção da amostra baseou-se no fato de que
as notas atribuídas aos textos foram notas de consenso, discutidas e aceitas por todos os
avaliadores envolvidos no processo. Pesou para a seleção da amostra também o fato de, na
maioria das tarefas, a amostra apresentar pelo menos um texto correspondente a cada nível
avaliado e o fato de esses textos terem sido utilizados para o treinamento dos avaliadores, ou
seja, os textos analisados são textos que foram considerados por toda a equipe como
parâmetro na avaliação.
A seguir, serão apresentadas as tarefas e as grades do exame aplicado em abril de
2006, que compõem a amostra selecionada.
2.3.1. As tarefas
a) Tarefa I
Na Tarefa I do Exame Celpe-Bras aplicado em abril de 2006 (Anexo 1 – folha 1), os
candidatos assistiram a um vídeo
16
sobre a Fundação Darcy Ribeiro, a qual era apresentada
pela presidente da Fundação, Tatiana Memória. A partir desse vídeo, era proposta a seguinte
tarefa: “Imagine que você tenha sido convidado para fazer um texto de apresentação da
Fundação Darcy Ribeiro, para ser publicado em um guia sobre centros culturais do Rio de
16
As transcrições do vídeo da Tarefa I e do áudio da Tarefa II, bem como os textos das Tarefas III e IV, estão
nos anexos.
43
Janeiro. Seu texto deverá conter informações sobre Darcy Ribeiro e sobre a criação e
objetivos da Fundação” (grifos no original).
A resposta esperada nesta tarefa (grade de avaliação, Anexo 1 – folhas 1 e 2) era um
texto de apresentação que seria publicado em um guia cultural (formato), dirigido ao público
em geral (interlocutor), apresentando a Fundação Darcy Ribeiro e seu fundador (propósito).
Para cumprir a Adequação Contextual desta tarefa, segundo a grade de avaliação, o texto
deveria usar algumas das principais informações apresentadas no vídeo sobre a Fundação (foi
criada por Darci Ribeiro em 1996, com o objetivo de dar continuidade ao trabalho de Darcy e
a suas idéias de educação e antropologia, e de disponibilizar seus livros para o público), além
de selecionar algumas das informações relativas à vida de Darcy Ribeiro (era antropólogo,
educador e escritor, nasceu em MG no ano de 1922; desejava a imortalidade e por isso criou a
Fundação Darcy Ribeiro em 1996; acreditava no trabalho e muito pouco na caridade, pois
com o trabalho o povo teria dignidade e auto-suficiência; não acreditava em filantropia).
b) Tarefa II
Na Tarefa II (Anexo 1 – folha 3), os candidatos ouviram um trecho de uma entrevista
de um programa da rádio Revista CBN cujo tema era a divulgação do programa “Famílias
Acolhedoras”, desenvolvido por uma organização não-governamental (ONG). A partir dessa
audição, era proposta ao candidato a seguinte tarefa: “Convencido/a da importância do
projeto, escreva uma carta aberta aos moradores de seu bairro, estimulando o cadastramento
de famílias acolhedoras. Sua carta deverá explicar o que é e como funciona o projeto e quais
são as motivações das famílias que dele participam” (grifos no original).
Como resposta a esta tarefa, era esperada (grade de avaliação, Anexo 1 – folhas 3 e 4)
uma carta (formato), dirigida aos moradores do bairro do candidato (interlocutor),
estimulando-os a cadastrar a sua família no projeto (propósito). Para isso, a carta deveria
selecionar, dentre as informações do áudio, algumas que explicassem o que é o projeto
(projeto alternativo de acolhimento familiar: famílias acolhedoras/guardiãs – para crianças em
risco social e pessoal), como funciona o projeto (conselho tutelar, ONG ou órgão público
detecta/encaminha crianças e cadastra famílias acolhedoras; a situação é provisória) e as
motivações das famílias que dele participam (subsídio financeiro, solidariedade, gosto por
criança, educação, filiação, casa cheia).
c) Tarefa III
44
A Tarefa III (Anexo 1 – folha 5) apresentava como texto-base uma reportagem da
Revista Época intitulada “Você sabe o que está comendo?”, cujo tema são os mitos aos quais
estão expostas as pessoas que se alimentam exclusivamente com alimentos naturais, produtos
não-industrializados, produtos light e diet e que não comem carne. A partir desse texto, foi
proposta ao candidato a seguinte tarefa: “Com base na reportagem da Revista ÉPOCA, de 25
de julho de 2005, escreva um e-mail a uma amiga que consome apenas alimentos naturais,
alertando-a sobre os mitos a respeito desse tipo de alimentação” (grifos no original).
Nesta tarefa (grade de avaliação, Anexo 1 – folhas 5 e 6), era esperado que o candidato
produzisse um e-mail (formato), para uma amiga que somente se alimenta com produtos
naturais (interlocutor), alertando-a sobre os mitos desse tipo de alimentação (propósito). Para
cumprir a adequação contextual da tarefa, era necessário que o texto trouxesse as duas
informações disponíveis no texto-base sobre os mitos de quem somente come alimentos
orgânicos (não há consenso científico das vantagens do consumo de alimentos orgânicos; uma
boa higienização dos produtos não-orgânicos garante eliminação de resíduos tóxicos), ou três
informações relacionadas ou aos mitos sobre os alimentos orgânicos referidos acima ou ao
consumo de produtos industrializados (a população de países em que há o consumo de
produtos industrializados tem uma longevidade invejável; gorduras e açúcares são
encontrados não apenas em produtos industrializados, mas em qualquer tipo de alimento), ou
ainda à informação associada com a não ingestão de carnes (verduras, legumes e frutas
também possuem substâncias prejudiciais – de gordura a compostos cancerígenos). As
informações dos mitos sobre alimentos orgânicos e alimentos industrializados e o fato de
verduras, legumes e frutas também possuírem substâncias prejudiciais justificariam o alerta
feito pela amiga, e eram consideradas imprescindíveis na grade de correção.
As informações concernentes exclusivamente ao mito sobre o consumo de produtos
light e diet, ao fato de que os anúncios de TV e dicas da vovó confundem o consumidor, além
de informações específicas em relação ao consumo de carne e seus benefícios foram
consideradas pela grade de avaliação como informações periféricas (grade de avaliação,
Anexo 1 – folhas 5 e 6).
d) Tarefa IV
A Tarefa IV (Anexo 1 – folha 7) apresentava como texto-base um texto da revista
Você S.A. que falava sobre o hábito das empresas de controlarem o e-mail dos funcionários e
mencionava uma decisão do Tribunal Superior do Trabalho que autorizou as empresas a
agirem dessa maneira. A partir desse texto, era proposta a seguinte tarefa: “Com o intuito de
45
estimular a discussão sobre a decisão do Tribunal Superior do Trabalho (TST) apresentada na
reportagem da Revista Você S.A. (junho de 2005), escreva um texto para ser afixado no
quadro de avisos de sua empresa, argumentando contra a invasão de privacidade” (grifos
no original).
Nesta tarefa era esperado (grade de avaliação, Anexo 1 – folhas 7 e 8) que o candidato
produzisse um texto possível de ser publicado em um quadro de avisos de uma empresa
(formato), cujos interlocutores fossem colegas de trabalho e/ou chefes (interlocutor),
estimulando a discussão sobre a decisão tomada pelo Tribunal Superior do Trabalho e
argumentando contra essa decisão (propósito). Para cumprir a Adequação Contextual da
tarefa, segundo a grade, era necessário que o texto trouxesse o conteúdo informativo geral
tratado no texto-base (falasse de invasão de privacidade e de empresas que controlam os
funcionários), mencionasse a decisão do TST, sobre a qual ele deveria estimular a discussão, e
argumentasse contra a invasão de privacidade.
2.3.2. As grades de avaliação
Como exposto nas seções anteriores, a avaliação escrita do exame Celpe-Bras resulta
em uma nota holística, baseada em uma grade de avaliação dividida em três eixos. Por serem
os critérios da Adequação Contextual (Formato, Interlocutor, Propósito e Informações) os
responsáveis para que um texto desempenhe adequadamente a ação proposta pela tarefa, são
também eles os primeiros a serem aplicados ao texto no processo de correção. Um texto
adequado contextualmente, assim, passa então a ter seu nível de proficiência definido pela sua
capacidade de organizar e utilizar recursos discursivos e lingüísticos. Um texto que não é
contextualmente adequado, no entanto, por mais que utilize recursos lingüísticos variados,
não será classificado como Intermediário, nível mínimo para a certificação. Na prática, isso
significa que a Adequação Contextual, no processo de correção, é aplicada ao texto antes da
Adequação Discursiva e da Adequação Lingüística. Essa ordem de aplicação dos critérios
apresentados na grade faz com que o nível de proficiência determinado pela Adequação
Contextual só possa ser diminuído ao se levar em conta os recursos discursivos e lingüísticos
presentes no texto, não sendo possível elevar o nível avaliado na Adequação Contextual por
conta desses recursos. Essa ordem também reflete a priorização da função que o texto
desempenha no contexto de produção proposto ao invés da sua adequação composicional e
lingüística por si só. Nesse sentido, podemos observar também que para os níveis certificados,
46
é exigido que o texto cumpra pelo menos parcialmente o critério Adequação Contextual. Um
texto que apresenta inadequação neste eixo é considerado Básico ou Iniciante
17
.
O eixo da Adequação Contextual, como já vimos, engloba os critérios Interlocutor,
Formato, Propósito e Informações. Esses critérios, em geral, aparecem separados na grade
para uma melhor visualização dos aspectos que devem ser focalizados na correção. Nas
grades das quatro tarefas analisadas aqui, no entanto, os critérios Interlocutor e Formato
aparecem juntos, perfazendo apenas uma categoria. Os critérios Propósito e Informações
aparecem isolados, perfazendo uma categoria cada, nas grades das Tarefas II, III e IV. Na
grade da Tarefa I, entretanto, esses dois critérios aparecem juntos, como uma única categoria.
Na Tarefa II vemos, ainda, o critério Autor aparecendo na primeira categoria, junto a
Interlocutor e Formato. Nas demais tarefas esse critério não aparece. Em minha experiência
como participante do processo de ajuste da grade, pude observar que esses ajustes na
descrição das grades eram feitos a partir das características das tarefas e da amostra de textos
considerada. Nesse sentido, a combinação dos aspectos focalizados (ou sua descrição em
separado) e a explicitação (ou não) de detalhes têm como objetivo orientar os corretores para
características das tarefas, conferindo mais uniformidade ao processo. O critério autor, por
exemplo, aparece na grade da Tarefa II porque se tornou relevante para o cumprimento da
tarefa.
A categoria que engloba Interlocutor e Formato requer, nas Tarefas I, III e IV,
adequação para os níveis Avançado Superior e Avançado, aceitando adequação parcial a
partir do nível Intermediário Superior. Na Tarefa II, no entanto, a adequação parcial é aceita a
partir do nível Avançado. Na Tarefa I, Interlocutor e Formato inadequados aparecem somente
no nível Iniciante, enquanto nas demais tarefas a inadequação ao Interlocutor e ao Formato
aparecem já desde o nível Básico. O peso dos critérios é ajustado à tarefa e à amostra de
textos analisada. Discutiremos essa questão mais adiante, no capítulo 3.
O critério Propósito requer, em todas as tarefas, adequação nos níveis Avançado
Superior e Avançado, admitindo adequação parcial a partir do nível Intermediário Superior. A
inadequação aparece a partir do nível Básico. O critério Propósito é bastante variado nas
diferentes tarefas do exame, e requer uma descrição precisa para cada tarefa. Algumas vezes o
propósito é mais amplo (alertar, como na Tarefa III), outras vezes mais específico (estimular a
discussão sobre determinada decisão do tribunal, como na Tarefa IV).
17
O certificado é conferido somente a partir do nível Intermediário. Os níveis Iniciante e Básico não recebem
certificado.
47
Na Tarefa I, o critério propósito vem, na grade, acompanhado das informações, sendo
que, nessa tarefa, no mínimo 4 informações são necessárias para os níveis Avançado Superior
e Avançado, e 3 informações para os níveis Intermediário e Intermediário Superior
(aceitando-se, a partir desses níveis, também algumas inadequações nas informações). Na
Tarefa I, então, para ser considerado plenamente adequado nessa categoria, o candidato
precisa cumprir o propósito e utilizar no mínimo 4 informações adequadas.
Em todas as tarefas, o critério Informações está descrito detalhadamente na grade. O
número de informações exigidas varia muito conforme o texto ou segmento de áudio ou vídeo
que serve de base para a tarefa, mas varia, principalmente, de acordo com a natureza da tarefa.
Na Tarefa I, por exemplo, cujo propósito era apresentar Darcy Ribeiro e a fundação que leva
seu nome, no mínimo 4 informações eram necessárias, segundo a grade, para a realização
plena da tarefa. Já na tarefa IV, apenas duas informações eram necessárias, sendo que a mais
relevante era uma delas, que, no entendimento da comissão que elaborou a grade de correção,
estava diretamente relacionada ao propósito, como veremos mais adiante.
Tanto o eixo Adequação Discursiva, que engloba Clareza e Coesão, quanto o eixo
Adequação Lingüística, que engloba Adequação Lexical e Gramatical, sofrem uma gradação
dos níveis Avançado Superior até Iniciante. Essa gradação, que permanece igual nas grades de
todas as tarefas, é subjetiva, já que critérios como “texto muito bem desenvolvido”, “texto
pouco desenvolvido”, “alguns problemas”, “muitos problemas” ou “problemas graves” não
podem ser mensurados objetivamente e seu sentido varia de acordo com o gênero discursivo,
com a extensão do texto (que também está relacionada ao gênero) e com a formação do
corretor. Para ajustar esses critérios entre os avaliadores, o exame Celpe-Bras conta, antes da
correção, com um treinamento pelo qual passam todos os corretores, conforme visto
anteriormente. Nesse treinamento, os avaliadores são expostos a textos de diferentes níveis, e
os critérios de avaliação são discutidos para orientar os corretores a levarem em consideração
os pressupostos do exame.
Como vimos, as tarefas e as grades de avaliação da Parte Coletiva do exame Celpe-
Bras utilizam como critérios aspectos que compõem o contexto proposto pela tarefa
(propósito e informações, interlocutor, formato), apontados no Manual do Candidato (Brasil,
p. 3) como necessários de serem considerados no uso da linguagem. No próximo capítulo,
apresentaremos a análise da operacionalização das grades de avaliação, discutindo os critérios
que se mostram responsáveis pelos pontos de corte entre os níveis avaliados e verificando,
através do uso da grade, o construto subjacente à avaliação da Parte Coletiva do exame.
48
3. A AVALIAÇÃO DE DESEMPENHO DO EXAME CELPE-BRAS
Com o objetivo de verificar o construto subjacente ao uso das grades na avaliação da
Parte Coletiva, apresentaremos neste capítulo a análise realizada das quatro tarefas da
aplicação do exame Celpe-Bras de abril de 2006, descritas no capítulo anterior. A análise foi
feita a partir das grades de correção do exame e das notas atribuídas aos textos pela equipe de
corretores responsável pelo ajuste da grade.
Por ter sido nosso interesse verificar a operacionalização do construto “uso da
linguagem” na avaliação da Parte Coletiva do exame, foi necessário recorrigir os textos da
amostra (para recuperar o que motivou a nota final), marcando para cada aspecto do eixo
Adequação Contextual (Formato, Interlocutor, Propósito e Informações) se eles estavam
adequados, parcialmente adequados ou inadequados aos contextos de produção e recepção
propostos nas tarefas. A Adequação Discursiva (coesão e coerência) e a Adequação
Lingüística (gramática e léxico) também foram objeto da análise, mas não foram
desmembradas.
Colaboraram comigo para esta análise outras três corretoras do exame Celpe-Bras de
2006-1
18
. Cada corretora fez parte da equipe de correção de uma das tarefas analisadas, sendo
que as corretoras das tarefas I, III e IV também participaram do processo de ajuste da grade e
atuaram como coordenadoras de equipe no processo de correção. No momento da análise, as
participantes da pesquisa recuperaram as discussões feitas nos processos de ajuste da grade
(motivações para o nível atribuído a cada texto) e de correção e analisaram os textos de
acordo com os critérios da grade de avaliação, apontando a adequação, adequação parcial ou
inadequação dos textos a cada critério separadamente. Partes desta análise foram objeto
também da pesquisa de iniciação científica desenvolvida por Letícia Soares Bortolini entre
2005 e 2007, com a colaboração de alguns dos participantes do grupo de pesquisa (Bortolini
18
Agradeço a valiosa colaboração de Letícia Soares Bortolini, Letícia Grubert dos Santos e Cristina Marques
Uflacker.
49
et al, 2005; Bortolini et al, 2006
19
). Os apontamentos feitos pelas participantes foram
operacionalizados por mim nas tabelas 1, 2, 3 e 4, que serão apresentadas neste capítulo.
3.1. A avaliação da Parte Coletiva de 2006-1 e o construto do exame
3.1.1. Tarefa I
Da Tarefa I do exame Celpe-Bras de abril de 2006 foram analisados 44 textos, dos
quais 7 foram classificados como Avançado Superior, 6 como Avançado, 11 como
Intermediário Superior, 9 como Intermediário, 9 como Básico e 2 como Iniciante. A grade de
avaliação utilizada para esta tarefa (Anexo 1 – folhas 1 e 2) serviu de base para a nossa
análise, e a adequação dos textos aos critérios analisados pode ser verificada na tabela de
análise da tarefa (Tabela 1).
19
Trabalho apresentado no XVIII Salão de Iniciação Científica da UFRGS com o título “Critérios para a
avaliação de compreensão e produção de texto no exame Celpe-Bras” (Bortolini, L.; Santos; L.; Schoffen, J.;
Schlatter, M., 2006).
Tabela 1 – Características dos textos da Tarefa I
Avançado Superior Avançado Intermediário Superior
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24
Formato + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + +
Interloc + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + +
Propósito + + + + + + + + + + + + + + + + + - + + + - + +
Informações + + + + + + + + + + + + + + + - - - - - + - + +
Coesão e Coerência + + + + + + + - - - - - - - - + - - - - - - -
Ad. Lex.e Gram. + + + + + + + - + + - - - + + + - + - - - - -
Intermediário Básico Iniciante
25 26 27 28 29 30 31 32 33 34 35 36 37 38 39 40 41 42 43 44
Formato + - + +
+ + + - + + + + + + + + -
Interloc + + + +
+ + + + + + + + + + + + + + -
Propósito - + + +
- - - - + + + - - + + +
Informações - - - -
- - - - + - - - +
Coesão e Coerência - - -
- - - -
Ad. Lex. e Gram. - + -
- - - - -
Legenda:
+ Adequado
- Parcialmente Adequado
Em branco Inadequado
51
Na Tarefa I, vemos que os critérios Formato e Interlocutor não são definidores para o
nivelamento dos textos, já que, conforme nossa análise, esses critérios são adequados na
maior parte dos textos. Os critérios mais decisivos para a distinção dos níveis foram, como
podemos ver na tabela acima, os critérios Informações (às vezes combinadas com o propósito
e, em geral, também com os outros eixos), Coesão e Coerência (Adequação Discursiva) e
Adequação Lexical e Gramatical (Adequação Lingüística), na medida em que percebemos
uma gradação de adequação a esses critérios nos níveis avaliados pelo exame (mais
adequação nos níveis avançados e menos adequação nos níveis Intermediário Superior,
Intermediário e Básico, gradativamente). Podemos ver que a distinção entre Avançado
Superior e Avançado é feita pelos eixos Adequação Discursiva e Adequação Lingüística e
que, nos níveis intermediários, é exigido pelo menos a adequação parcial para o eixo
Adequação Contextual. A partir do nível Intermediário Superior, dos aspectos considerados
no eixo Adequação Contextual, a falta de informações (ou informações equivocadas), às
vezes combinadas com o propósito e, em geral, também com os outros eixos, como já vimos,
caracteriza os diferentes níveis de proficiência.
O texto I.16, abaixo, é um exemplo que mostra como o critério Informações é usado
para a distinção dos níveis nesta tarefa. Segundo a grade de avaliação desta tarefa, para um
texto ser classificado no nível Avançado ou Avançado Superior, era necessário que esse texto
recuperasse quatro informações do texto base. Vemos que o texto abaixo recupera
explicitamente três informações: a apresentação de Darcy Ribeiro e os objetivos da fundação,
quando diz “O antropólogo, escritor e educador brasileiro, Darcy Ribeiro, deu nome a esta
fundação cuja principal intenção é trabalhar na área da antropologia e promover as suas
idéias” e “Darcy Ribeiro nasce em Minas Gerais, em 1922”, e o fato de Darcy acreditar no
trabalho e não em filantropia, quando diz “A base da sua obra constituem idéias
antropológicas e não filantrópicas. Ribeiro está muito interessado no trabalho porque é
indispensável para que o povo seja autosuficiente e tenha diguinidade”. O texto, no entanto,
não estabelece uma relação direta entre Darcy Ribeiro desejar a imortalidade e fundar a
Fundação que leva o seu nome. Por essa relação não estar expressa no texto, esse texto foi
considerado parcialmente adequado ao critério Informações, e portanto foi classificado como
Intermediário Superior, não como Avançado, apesar de o texto produzido estar adequado às
demais exigências do gênero solicitado pela tarefa, inclusive cumprindo o propósito proposto.
52
Texto I.16
A Fundação Darcy Ribeiro
O antropólogo, escritor e educador brasileiro, Darcy Ribeiro, deu nome a esta fundação
cuja principal intenção é trabalhar na área da antropologia e promover as suas idéias.
Darcy Ribeiro nasce em Minas Gerais, em 1922. Ele se dedica à literatura e
especialmente à identidade brasileira. A sua obra tão diversificada contêm livros como
“Maíra”, “Os indios e a civilização”, “ A Fundação do Brasil” e “O povo brasileiro”.
Há poucos escritores brasileiros que actuaram em tantas áreas e escreveram tantas
obras. Na sua obra, Darcy Ribeiro mostra também um grande interesse pela
imortalidade. A base da sua obra constituem idéias antropológicas e não filantrópicas.
Ribeiro está muito interessado no trabalho porque é indispensável para que o povo seja
autosuficiente e tenha diguinidade. No século XX foi criado a Fundação Darcy Ribeiro
para continuar trabalhando nas idéias dele e para promover a sua obra. Sem o empenho
e a enorme dedicação de um equipe o trabalho da Fundação que nunca recebeu valor
nenhum não seria possível. A Fundação não consegue fins comerciais mas sim quer
promover a obra e as idéias do famoso antropólogo e escritor brasileiro Darcy Ribeiro.
No texto I.21, podemos ver como os eixos Adequação Discursiva e Adequação
Lingüística são usados para definir os níveis nesta tarefa. Como podemos ver, esse texto é um
texto que se insere no gênero discursivo proposto na tarefa, cumpre o propósito solicitado e
traz todas as informações exigidas pela grade de avaliação. Por apresentar, no entanto,
algumas inadequações de coesão e de adequação lexical e gramatical, este texto foi
classificado como Intermediário Superior (apesar de as inadequações presentes no texto não
interferirem na configuração da interlocução no texto, como veremos mais adiante no capítulo
5).
Texto I.21
Visite o Centro Cultural Fundação Darcy Ribeiro e confera quem foi um dos antropólogos
mais estudosos da educação e da antropología da civilização no Brasil.
Darcy Ribeiro, nascido em Minas Gerais (1992), autor de “MAIRA”, “DIARIOS
INDIOS” e muitas outras obras nas áreas mais diversificadas, ele tinha sonhos que
desejaba realisar. Em 1996 creiou a Fundação que leva o seu nome com a intençao de
trabalhar principalmente educação, suas obras literarias porque achava melhor dar ao
povo trabalho com educação para ganhar autosuficiência. Na fundação, a equipe que ai
trabalha não pretende fazer filantropia e muita pouca caridade, as soluções e os
emprendimentos são decições da equipe, consensuadas na criatividade de corpo e alma de
todos.
O enorme edifício conta com dois andares, restaurantes, salas bem equipadas com
multimedias que facilitam um trabalho de enorme dedicação.
Como podemos ver na Tabela 1, a capacidade de recuperar do vídeo as informações
que eram exigidas para cumprir o propósito de apresentar Darcy Ribeiro e a Fundação, às
vezes tendo conseqüências para o cumprimento do propósito (neste caso também
parcialmente atingido), às vezes não (o propósito ainda assim é cumprido), foi um critério
que, combinado com a Adequação Discursiva e Lingüística, estabeleceu pontos de corte para
53
a distinção entre os níveis nesta tarefa. Vemos, assim, que a capacidade de recuperação de um
determinado número de informações e a adequação do texto à norma culta escrita podem ser
usados de forma dissociada dos demais aspectos que compõem o gênero exigido nesta tarefa
para delimitar os níveis de proficiência.
A Tarefa I apresenta na grade de avaliação os critérios Formato e Interlocutor
agrupados em uma só categoria. Para esta tarefa, a junção dos critérios Formato e Interlocutor
parece ser produtiva para a avaliação, porque, como podemos ver na Tabela 1, a grande
maioria dos textos (39 de 44) apresentaram igual adequação para os critérios formato e
interlocutor. No texto abaixo, vemos um exemplo de como Formato e Interlocutor, nesta
tarefa, estão relacionados:
Texto I.4
Fundação Darcy Ribeiro: um caminho para a imortalidade
Fundada em 1996, a Fundação Darcy Ribeiro tem como objetivo principal dar
continuidade ao trabalho do escritor, educador e antropólogo: Darcy Ribeiro, nascido
em 1922 em Minas Gerais.
Darcy tinha o sonho de conseguir a imortalidade. O autor de obras como: O povo
brasileiro e María tem, como poucos no Brasil, um grande número de obras dos mais
diversos temas. Suas obras e idéias serão continuadas por uma equipe de pessoas que
trabalharam com Darcy após voltar do exílio.
A fundação, com direitos privados, não tem fins filantrôpicos, pois, o proprio
Darcy, não acreditava na filantropía e sim no trabalho, ele tinha a ideia de que o maior
benefício sería oferecer ao povo trabalho e não caridade.
Uma boa opção cultural sería visitar o prédio onde a fundação mantém os cuidados
dos livros e obras literárias de Darcy Ribeiro.
O texto acima é um texto adequado ao formato solicitado pela tarefa, que era um texto
de apresentação para um guia. O texto também é adequado ao interlocutor solicitado, uma vez
que se dirige ao público em geral, sem marcas de autoria em primeira pessoa ou marcas de
interlocução direta com algum leitor específico.
Em apenas 5 textos da Tarefa 1 os critérios Formato e Interlocutor apresentam
adequação diferente e, nesses casos, o Interlocutor mantém-se adequado, visto que a tarefa
solicita que o candidato escreva para o público em geral. Abaixo, temos um exemplo de texto
em que o Interlocutor mantém-se adequado, mas o Formato apresenta interferência do
formato notícia:
54
Texto I.40
Darcy Ribeiro éra um antropologo, educador e escritor, nascido em Minas Gerais
em 1922. Ele há escribido muitos libros como diarios indios, Maira, Os indios e a
civilizaçao, O povo brasileiro e Estudos de Antropologia
Numa entrevista com Tatiana Memória, Presidente da Fundação Darcy Ribeiro, ele
nos dice que um deseo dele é l’immortalidade e la Fundação creada em 1996 foi creada
pra mantener l’educaçao de antropologia e com apoyo de duos governos. A Fundaçao
continua l’idea dele porque mantem os livros dele a disposiçao de toudos. Também
la posibilidade de conseguir suas obras nas universidades porque estam diversificadas
nas varias areas.
Tatiana Memoria tambem explica que a Fundaçao no tem intençao filantropica e se
basa muito poco na caridade, mais ele quere dar ao povo libertade e autosoficiencia
com o trabalho.
A fundaçao tem salon multvideo, dos atores e restaurante entre outros cosas, e sua
travalho é enorme na educaçao e as metas som alcanzadas com um travalho do equipo.
Em fim, a fundaçao continua as ideas de Darcy Ribeiro.
No texto apresentado acima, podemos ver que há inadequações quanto ao formato
solicitado, uma vez que a estrutura composicional do texto se parece mais com um resumo de
uma notícia, devido às referências à entrevista com Tatiana Memória, do que com um texto
de apresentação para um guia. De acordo com a grade de avaliação, em virtude dessa
inadequação, combinada com as inadequações lingüísticas apresentadas, esse texto é
classificado como Básico.
De todos os textos analisados para esta tarefa, apenas 1 mostrou inadequação ao
Interlocutor, como podemos ver abaixo:
Texto I.44
Campinas, 26 de abril de 2006.
Caro, Povo Brasileiro
É motivo de orgulho para mim fazer à apresentação de uma pessoa ilustre
como é Darcy Ribeiro
Mineiro, nascido 1922, Educador, Antropologo e escritor de obras maravilhosas que
realizaram o seu sonho de immortalidade porque atravez de estas ficou na nossa
memória e na de muitas outras pessoas, que têm o grande privilegio de leer elas.
Alem de nos dar suas obras Darcy Ribeiro, dejo para nós perpetuar su inmortalidade
uma fundação sem fin lucrativos que incentiva o trabalho no qual ele acreditava, esta
entidade estimula o trabalho educativo e o amor por à antropologia que foi a paixão do
Darcy Ribeiro.
No texto apresentado acima, vemos que o interlocutor selecionado não é adequado
segundo a grade de avaliação, já que o texto é endereçado ao “Caro, Povo Brasileiro”, e não
aos leitores de um guia sobre centros culturais. O formato do texto também não é considerado
adequado pela grade, já que o autor diz ser motivo de orgulho para ele fazer a apresentação de
uma pessoa ilustre, assumindo a responsabilidade enunciativa e usando o verbo na primeira
55
pessoa do singular, o que não corresponde às expectativas da grade em relação a um texto de
apresentação para um guia de centros culturais. Se pensarmos, contudo, em uma interpretação
mais ampla para “guia de centros culturais”, que contemplasse um guia que trouxesse
personalidades conhecidas na sociedade brasileira apresentando seu centro cultural preferido,
esse texto poderia, então, ser considerado adequado ao formato. Mais adiante (Capítulo 5),
veremos como essa interpretação mais ampla poderia ser legitimada pela tarefa, considerando
que a tarefa sugere que o candidato foi convidado para fazer o texto de apresentação da
Fundação.
Na Tarefa I, os critérios Propósito e Informações também aparecem agrupados na
grade de avaliação, perfazendo uma categoria só e indicando a necessidade do uso das
informações do texto-base para cumprir o propósito de apresentação da Fundação de forma
adequada. Em nossa análise (ver Tabela 1), no entanto, vemos que 14 textos não apresentam
igual adequação a esses critérios, isto é, demonstram adequação ao Propósito e adequação
parcial às Informações, ou demonstram adequação parcial ao Propósito e não demonstram
adequação às Informações. A partir daí podemos depreender que, na Tarefa I, nem sempre é
necessário apresentar todas as Informações exigidas pela grade para cumprir o Propósito,
como podemos verificar no texto abaixo:
Texto I.28
Fundação Darcy Ribeiro
Darcy Ribeiro foi um antropólogo, educador que desejava a inmortalidade; o que
levo da sua institução um centro de trabalho educativo e antropologico, pois ele era
educador, antropólogo e escritor.
A fundação é uma instituição sim fins de lucros e não filantropica. Ela recibe ajuda
de dois governos. A intenção da fundação é no desenvolvimento na área educativae
antropológica. Eu estou seguro que você ficará admirado com os grandes trabalhos da
fundação para o cressimento da cultura no Brasil.
Rui Souza.
20
No texto acima, que foi classificado como Intermediário, podemos ver que o propósito
de apresentar a Fundação Darcy Ribeiro é cumprido, apesar de o texto não apresentar a
informação de que Darcy Ribeiro acreditava no trabalho e não na caridade, que era exigida
pela grade. Vemos, então, que essa junção não parece ter sido produtiva para a avaliação nesta
tarefa, porque um texto pode ser adequado ao propósito mesmo não apresentando todas as
informações exigidas na grade. Nesse sentido, a orientação da grade para cumprir plenamente
20
Em todos os textos nos quais aparecem marcas que possam remeter a informações pessoais dos seus autores,
essas marcas foram alteradas para preservar a identidade dos candidatos.
56
o eixo Adequação Contextual é exigir a capacidade de recuperação de informações
(compreensão) a partir de uma decisão arbitrária que não leva em conta a especificidade de
cada texto, conforme veremos mais adiante.
3.1.2. Tarefa II
Da Tarefa II do exame Celpe-Bras de abril de 2006 foram analisados 46 textos, dos
quais 6 foram classificados como Avançado Superior, 11 como Avançado, 13 como
Intermediário Superior, 9 como Intermediário e 7 como Básico. A grade de avaliação utilizada
para esta tarefa (Anexo 1 – folhas 3 e 4) serviu de base para a nossa análise, e a adequação
dos textos às categorias de análise pode ser verificada na tabela de análise da tarefa (Tabela
2).
Tabela 2 – Características dos textos da Tarefa II
Avançado Super. Avançado Intermediário Superior
1 2 3 4 5 6 78 91011121314151617 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30
Formato + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + - - +
Interlocutor + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + - - +
Autor + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + - - +
Propósito + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + - +
Informações + + + + + + - + - - + + - - + - - - + + - - - + + - - - - +
Coesão e
Coerência
+ + + + + + + + - + - - - - - + + - - - - - - - - + + - - +
Ad. Lexical
e Gramatic.
+ + + + + + + - - - - - + + - + - - - - - - - - - + + + - -
Intermediário Básico
31 32 33 34 35 36 37 38 39 40 41 42 43 44 45 46
Formato
+ + + + + + + + + + + + + + -
Interlocutor
+ + + + + + + + + + + + + -
Autor
+ + + + + + + + + + + + + -
Propósito
+ + + + + + + + + + + -
Informações
- - - - - - - - + - - -
Coesão e Coerência
- - + + - + - - - - + + -
Adeq. Lexical e Gramatical
- - + + - - - - + -
Legenda:
+ Adequado
- Parcialmente Adequado
Em branco Inadequado
58
Na Tarefa II, vemos que os critérios Formato, Interlocutor, Autor e Propósito não são
definidores para o nivelamento dos textos, já que, conforme nossa análise, esses critérios são
adequados em 41 dos 46 textos analisados. Do eixo Adequação Contextual, o critério
Informações, em geral combinado com os outros dois eixos (Adequação Discursiva e
Adequação Lingüística), parece ser, nesta tarefa, o critério mais decisivo para o nível de
desempenho dos candidatos, já que percebemos que a adequação nesses critérios diminui
gradativamente nos níveis Avançado, Intermediário Superior, Intermediário e Básico.
Podemos ver que a distinção entre Avançado Superior e Avançado já é feita pelo critério
Informações e pelos eixos Adequação Discursiva e Adequação Lingüística. Os níveis
intermediários se distinguem pouco em relação a esses critérios e o nível Básico, de uma
forma geral, apresenta maior concentração de inadequações em diferentes critérios em cada
texto.
O texto II.34 é um exemplo de como as informações são usadas na definição dos
níveis na Tarefa II. Para ser adequado no critério Informações, os textos produzidos pela
Tarefa II precisavam dizer o que é o projeto Famílias Acolhedoras, dizer que o Conselho
Tutelar detecta as crianças com problemas e as encaminha às famílias, que essa situação é
provisória, e apresentar as motivações que as famílias têm para participar do projeto, que são
o subsídio financeiro recebido, o interesse pela solidariedade e o fato de gostarem de crianças.
Apesar de ser um texto que escreve uma carta aberta aos moradores do bairro (apresentando
local e data, e endereçando o texto “Aos moradores de Itabuna”) e conclamando os moradores
a se juntar às ONGs para ajudar no desenvolvimento social, o texto II.34 é classificado no
nível Intermediário por não apresentar todas as informações exigidas pela grade de avaliação.
Texto II.34
Salvador, Bahia
26/04/06
Aos moradores de Itabuna
As ONGs, não são simplesmente, essas organizações das quais muitos não sabemos
o seu funcionamento, todos nós já ouvimos falar ou sentimos na nossa pele.
Muitas vezes caminhando pela rua, vemos crianças e adolescentes sozinhos, as
vezes sem ropa e com muita fome. Agora gostaria de perguntar, quantos de nós já
ajudou alguns deles?
Há muitas famílias, chamadas famílias acolhedoras, que ajudam a essas crianças,
que por algum motivo têm risco de continuar morando com a sua família de origem, até
essa família sair da crise. Se nós não ajudamos essos adolescentes nesse momento, ele
tomará outro caminho que com certeza traerá conseqüências para nossa comunidade.
Por isso em conjunto podemos fazer a diferença.
Se cada um de nós fizesse algo por essas crianças e jovens, estaríamos fazendo por
nós. Por favor, eu Raul Bandeira, morador de Itabuna, estou pedindo que se juntem a
nossas ONGs e ajudemos com nosso desenvolvimento social.
59
Como podemos ver, o texto II.34 diz o que fazem as famílias acolhedoras, diz que a
situação é provisória e dá a entender que a motivação para se tornar uma família acolhedora é
a solidariedade, ainda que não use essa palavra explicitamente. Segundo a grade de avaliação,
no entanto, para ser classificado nos níveis Intermediário Superior e Avançados era necessário
que o texto, além de apresentar a solidariedade como motivação para participar do programa
Famílias Acolhedoras, também mencionasse outra motivação. Por não apresentar outra
motivação além da solidariedade, o texto II.34 foi classificado como Intermediário.
O texto II.25 é um exemplo de como os eixos Adequação Discursiva e Adequação
Lingüística são usados para a definição dos níveis na Tarefa II. Esse texto, como podemos
ver, é adequado ao formato, interlocutor, propósito e informações mas, por apresentar
algumas inadequações de coesão e em relação à norma culta escrita, não foi classificado no
nível Avançado.
Texto II.25
Caros vizinhos:
Escrevo para vocês com a intenção de informar sobre o projeto de “Famílias
acolhedoras” que eu gostaria que vocês considerassem participar nele.
Há muitos meninos e adolescentes em situação de risco social ou pessoal e que por
algúm motivo não podem viver com suas famílias.
Este projeto social está encabeçado por Claudia Cabral quem fala que o
acolhemento familiar é uma alternativa para amelhorar e ajudar aos meninos cujas
famílias têm situações difícieis. Este projeto tem uma lista de famílias cadastradas que
acolhem aos meninos e têm sempre contato com o equipe. As crianças não deixam de
ter contato com suas famílias mas voltam com elas até a situação delas tenha
amelhorado ou seja normal. O seja, as crianças ficam provisoriamente nas casas das
famílias acolhedoras.
Regularmente as famílias acolhedoras são famílias que gostam da educação e que
têm um sentido da solidariedade.
Obrigado,
Leonardo Trentín Ramos
Como podemos ver, também na Tarefa II a recuperação das informações do áudio e a
produção de um texto adequado à norma culta podem ser usados de forma dissociada dos
demais aspectos que compõem o gênero exigido nesta tarefa para a delimitação dos níveis.
A Tarefa II apresenta na grade de avaliação os critérios Formato e Interlocutor
agrupados, juntamente com o critério Autor, que não costuma vir explicitado na grade. Para
esta tarefa, parece que a junção dos critérios Formato, Interlocutor e Autor na grade foi
produtiva para a avaliação porque, como podemos ver na Tabela 2, 45 dos 46 textos
apresentaram igual adequação aos critérios interlocutor, autor e formato (a única exceção foi o
texto II.44, que escreve um texto adequado ao formato mas seleciona como interlocutores
60
vizinhos que tenham problemas na família e não recupera as informações exigidas do texto-
base).
No texto abaixo, temos um exemplo de como os critérios Formato, Interlocutor e
Autor cumprem as exigências da grade:
Texto II.4
São Paulo, 26 de abril de 2006
Prezados moradores do Bairro Centro
Convencida da importância de apoiar as crianças e jovens que não podem viver
com a família gostaría de informa-lhes a respeito de um projeto de acolhimento
familiar, já difundido no mundo tudo, uma alternativa que ajudaria a muitos jovens e
crianças do Brasil nesta situação.
O projeto propõe que aquela família que goste de crianças e esteja interessada em
ter a casa cheia, educar as crianças, assim como motivada em relação à solidariedade,
receba e cuide essas crianças ou adolescentes, já detetados pelo conselho tutelar, por
um período determinado até que a família original possa té-las novamente. Obviamente
não é uma adopção. A família acolhedora, além de estar em contato com a equipe do
poder público que acompanha a criança recebe um subsídio financeiro para a educação
e a oportunidade de abrir um espaço na sua casa para que uma criança com situação de
risco social e pessoal possa ser apoiada.
Convido vocês a se cadastrar e participar do programa. As crianças são o futuro do
mundo.
Atenciosamente,
Carla Lopes e família.
No texto apresentado acima, vemos que o formato adequado (com abertura
endereçando os moradores do bairro) parece auxiliar na construção da interlocução, já que
quando o texto diz que “gostaria de informa-lhes a respeito de um projeto de acolhimento
familiar”, fica claro a quem o pronome “-lhes” se dirige, pelo fato de o texto ter sido
endereçado aos moradores do bairro. O autor explicitado, além de adequar-se ao formato,
também reforça a interlocução, na medida em que quando diz “Convido vocês a se cadastrar e
participar do programa”, o autor assume para si a responsabilidade enunciativa utilizando um
verbo na primeira pessoa do singular, responsabilidade essa que não poderia ser assumida se o
autor não estivesse expresso no texto. Podemos ver também que a contextualização das
informações do texto-base é bem feita, o que confere maior consistência à interlocução
configurada no texto. No capítulo 5, discutiremos como esses aspectos podem ser melhor
relacionados numa grade de avaliação.
61
3.1.3. Tarefa III
Da Tarefa III do exame Celpe-Bras de abril de 2006 foram analisados 46 textos, dos
quais 2 foram classificados como Avançado Superior, 4 como Avançado, 6 como
Intermediário Superior, 23 como Intermediário, 9 como Básico e 1 como Iniciante. 1 texto
estava em Branco. A grade de avaliação utilizada para esta tarefa (Anexo 1 – folhas 5 e 6)
serviu de base para a nossa análise, e a adequação dos textos às categorias de análise pode ser
verificada na tabela de análise da tarefa (Tabela 3).
O que mais chama a atenção em nossa análise da Tarefa III é o número pequeno de
textos classificados como Avançado Superior (2), como Avançado (4) e como Intermediário
Superior (6), em comparação às outras três tarefas. Nesta tarefa, a grande maioria dos textos
foi classificada no nível Intermediário (23). Ao analisarmos os resultados da análise dos
textos, na Tabela 3, novamente podemos ver como o critério Informações é usado para a
definição dos níveis atribuídos aos textos nesta tarefa: embora praticamente todos os textos
cumpram os aspectos formato, interlocutor e propósito, as informações completas foram
exigidas para os níveis Avançados; no nível Intermediário Superior poderiam estar
incompletas e, a partir do nível Intermediário, ausentes.
Tabela 3 – Características dos textos da Tarefa III
Avançado
Superior
Avançado Intermediário Superior Intermediário
1 2 3 4 5 6 78 910111213 14 15
16 17 18 19
20 21 22 23 24 25 26 27
Formato + + +++++ + + + + + + + + + + + + + + + + + + + +
Interlocutor + + +++++- +- - + + - + + + + + + + + + - + + +
Propósito + + +++++ + + + + + + + - + + - + + + + + + + - +
Informações + + +++++ + - - - - - - + - - - + +
Coesão e
Coerência
+ + - + - + - + - + + + + + + - - + + + - + + + - +
Ad. Lexical e
Gramatic.
+ + - - + - - + + + + + - - + - + + - + + + + - + +
cópia
Intermediário Básico Iniciante Branco
28 29 30 31 32 33 34 35 36 37 38 39 40 41 42 43 44 45 46
Formato + + + + + + + + + + + + + + + + +
Interlocutor + + + + + + + + + + -
- -
+ + +
Propósito + + + + + + + +
-
+ + + +
+ + +
Informações
-
Coesão e Coerên + - -
-
+
-
+ +
- -
+
- - - -
+ +
Ad. Lex. e Gram. + + + +
+
- -
+ + +
- -
+
cópia
Legenda:
+ Adequado
- Parcialmente Adequado
Em branco Inadequado
63
A Tarefa III, como vimos, solicitava que o candidato escrevesse um e-mail para uma
amiga que come somente alimentos naturais, alertando-a sobre os mitos a respeito desse tipo
de alimentação com base na reportagem da Revista Época. Essa reportagem apresenta mitos
relacionados à alimentação vegetariana, aos alimentos orgânicos, aos alimentos
industrializados e aos produtos light e diet. A grade de avaliação desta tarefa (Anexo 1 –
folhas 5 e 6), no entanto, entendeu como “alimentos naturais” preferencialmente os alimentos
orgânicos, e privilegiou os textos que apresentavam informações sobre esse grupo de
alimentos. Além disso, a grade exigiu, para o cumprimento da tarefa, que o texto produzido
pelo candidato recuperasse um determinado número (3) de informações do texto-base para ser
considerado plenamente adequado. Os candidatos que tiveram outra leitura do enunciado da
tarefa, entendendo que os demais mitos apresentados na reportagem também estavam
relacionados à alimentação natural, tiveram seus textos classificados em um nível baixo, da
mesma forma que os candidatos que construíram a interlocução em seu texto baseando-se em
poucas informações do texto-base.
Pelo fato de a grade exigir um número grande de informações para que o texto fosse
considerado adequado nesse critério, os critérios Propósito e Informações, na Tarefa III, não
apresentam uma relação muito estreita. Pela análise realizada, verificamos que é possível que
um texto cumpra o propósito solicitado pela tarefa mesmo sem apresentar todas as
informações exigidas na grade de avaliação. O texto abaixo é um exemplo de texto adequado
ao propósito (alertar a amiga sobre os mitos a respeito da alimentação natural) mas apenas
parcialmente adequado às informações exigidas na grade:
Texto III.12
Márcia,
Quero dar algumas dicas para você em relação à alimentação que você tem.
Hoje está muito na moda falar de alimentos transgênicos, orgânicos, con gordura, com
muita açúcar etc. Com o objetivo de longevidade. Bom Márcia, tém muitas mentiras
nesse respeito porque sempre falam as coisas boas e nunca as ruims.
Sei que você gosta de alimentos naturais mas olha só, em paises onde as pessoas
consomem alimentos com muito conservante, tem uma longevidade invejável. Ou seja,
tem produtos com conservantes que são confiáveis.
Acontece uma coisa parecida com os produtos orgânicos. Ainda não está provado
cientificamente que esse tipo de produtos seja melhor.
Márcia, as modas variam com os anos e é possível que daqui a pouco todo mundo fale
de comer gorduras e açúcar que nem nossos avós.
Beijo
Anderson
O texto acima, como podemos ver, é um texto que explicita a interlocução, sendo
adequado ao gênero discursivo solicitado pela tarefa. As informações recuperadas pelo texto,
64
de que em países onde se come alimentos com muitos conservantes a longevidade é invejável,
e de que não está provado cientificamente a vantagem dos produtos orgânicos parecem,
dentro das relações construídas pelo texto produzido, suficientes para cumprir o propósito de
alertar a amiga sobre os mitos a respeito da alimentação que ela tem. O fato de apresentar
somente duas informações do texto-base, no entanto, faz com que esse texto seja classificado
como Intermediário Superior, já que, para ser classificado nos níveis Avançado ou Avançado
Superior, o texto deveria recuperar ao menos três informações do texto-base.
Os resultados da Tarefa III mostram também que os critérios Formato, Interlocutor e
Propósito não são, na maior parte dos casos, definidores para o nivelamento dos textos, já que,
conforme nossa análise, esses critérios são adequados na maior parte dos textos. O critério
Informações, ao contrário, parece ser o critério mais decisivo para a definição do nível de
desempenho dos candidatos, já que grande parte dos textos foi classificada no nível
Intermediário por apresentar problemas de adequação apenas nesse critério.
Vemos, nesta tarefa, que a interpretação da grade sobre o que sejam “alimentos
naturais” e a exigência da recuperação de determinado número e tipo de informações do
texto-base excluem dos níveis mais altos de certificação textos que, no nosso entender,
poderiam ser considerados adequados levando-se em consideração a situação comunicativa
proposta pela tarefa. Cremos que tenham sido as decisões tomadas no momento do ajuste da
grade a respeito do que seria imprescindível e do que seria periférico para cumprir a tarefa o
principal fator responsável pela distinção dos níveis na Tarefa III, decisões essas que não
parecem ter levado em conta suficientemente o contexto de produção sugerido, conforme
veremos mais adiante.
Considerando que a grande maioria dos textos cumpre com os requisitos referentes a
Formato, Interlocutor e Propósito, nesta tarefa o critério Informações foi também o principal
responsável por fazer com que os textos fossem nivelados como Intermediários (23 dos 45
textos aqui analisados foram classificados nesse nível). A grade de avaliação da tarefa, como
vimos, apresenta uma interpretação bastante restrita a respeito de quais das informações
presentes no texto podem ou não ser utilizadas para alertar uma amiga sobre os mitos a
respeito dos alimentos naturais. Pelo fato de a grade exigir no mínimo 3 das informações
consideradas imprescindíveis para que o texto fosse classificado como plenamente adequado
nesse critério (podendo, dessa forma, ser nivelado para os níveis Avançado Superior e
Avançado) e 2 informações imprescindíveis para que o texto pudesse ser considerado
parcialmente adequado e pudesse ser classificado como Intermediário Superior, o critério
Informações foi responsável pela classificação de um número grande de textos no nível
65
Intermediário, no qual era aceita a apresentação de apenas uma informação considerada
imprescindível ou duas informações consideradas periféricas pela grade.
Entendemos que, nesta tarefa, o enunciado pode ter contribuído para a restrição
operada pela grade em relação às informações preferidas. Parece que o objetivo da tarefa era
fazer o candidato selecionar apenas as informações sobre alimentos orgânicos, fazendo com
que a seleção adequada das informações no texto fosse parte da tarefa de leitura. O enunciado
da tarefa, no entanto, não foi adequado a esse propósito, pois a expressão “alimentos
naturais”, no lugar de “alimentos orgânicos”, permitiu outras leituras que não a esperada. Se
para referir-se a “alimentos naturais” foi aceito na grade apenas alimentos orgânicos e não
industrializados, essa restrição não parece ter sido feita pelos candidatos, que se referiram a
“alimentos naturais” de forma mais ampla, incluindo aí a alimentação vegetariana e os
alimentos consumidos por quem está de dieta. O ajuste da grade, nesse sentido, apesar de
aceitar informações sobre outros tipos de alimentos que não os orgânicos, não conseguiu se
desvencilhar suficientemente das expectativas prévias para incluir nos níveis avançados textos
que fizeram outra leitura do enunciado ou que utilizaram um número pequeno de informações
do texto-base.
Vemos que, novamente nesta tarefa, demonstrar compreensão, a partir da recuperação
e explicitação de determinadas informações do texto-base sem relacioná-las aos demais
aspectos que compõem o gênero proposto, foi fundamental para a definição dos níveis de
proficiência. Essa exigência não leva em conta a singularidade das relações construídas por
cada texto para realizar a ação proposta na tarefa. Em vários textos, como nos exemplos que
vimos das tarefas I, II e III, essas relações não exigiriam a explicitação de um grande número
de informações do texto-base para que o texto produzido pudesse ser considerado adequado
contextualmente.
3.1.4. Tarefa IV
Da Tarefa IV do exame Celpe-Bras aplicado em abril de 2006, foram analisados 45
textos, dos quais 6 foram classificados como Avançado Superior, 9 como Avançado, 13 como
Intermediário Superior, 8 como Intermediário, 5 como Básico e 1 como Iniciante. 3 textos
estavam em branco. A grade de avaliação utilizada para esta tarefa (Anexo 1 – folhas 7 e 8)
serviu de base para a nossa análise, e a adequação dos textos às categorias de análise pode ser
verificada na tabela de análise da tarefa (Tabela 4).
Tabela 4 – Características dos textos da Tarefa IV
Avançado Superior Avançado Intermediário Superior
1 2 3 4 5 6 78 910111213141516 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28
Formato + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + - - +
Interlocutor + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + - - +
Propósito + + + + + + + + + + + + + + + - - - - - - - - + + + - -
Informações + + + + + + + + + + + + + + + - - - - - - - - + + + - -
Coes e coer + + + + + + + + + + + - - - + - + + + + + + - - + + + +
Lex e gram + + + + + + + - - - - + + - + + + + + + + + + + - + + +
Legenda:
+ Adequado
- Parcialmente Adequado
Em branco Inadequado
Intermediário Básico Inic Branco
29 30 31 32 33 34 35 36 37 38 39 40 41 42 43 44 45
Formato + + + + + + + + + + + +
Interlocutor + + + + + + + + + + + +
Propósito - - - - - + - - - -
Informações + - - - - + - - - +
Coes e coer + - + + + + + - + - -
Lex e gram - + + + + - + - + + -
cópia
67
Também na Tarefa IV, vemos que os critérios Formato e Interlocutor não são
definidores para o nivelamento dos textos, já que, conforme nossa análise, esses critérios são
adequados na maior parte dos textos. Os critérios Formato e Interlocutor foram considerados
inadequados apenas em dois textos (um que foi classificado como Básico e outro que foi
classificado como Iniciante), os quais também apresentavam várias inadequações em relação
a outros critérios. O critério Propósito, nesta tarefa, está atrelado ao critério Informações
(embora os dois critérios estejam separados na grade), pois, com exceção dos textos IV.29 e
IV.41, que são considerados parcialmente adequados ao Propósito embora sejam adequados
às Informações, em todos os demais textos a adequação aos dois critérios mostrou-se
uniforme. Nesta tarefa, a distinção entre Avançado Superior e Avançado é feita pelos eixos
Adequação Discursiva e Adequação Lingüística e, a partir do nível Intermediário Superior,
pela recuperação de informações do texto-base combinada com a adequação ao propósito.
A grade de avaliação da Tarefa IV exigiu, para o nível Avançado Superior, menção
explícita à decisão do TST que permitiu que as empresas vasculhassem os e-mails dos
funcionários. Para o nível Avançado essa menção também deveria existir, ainda que implícita.
Qualquer texto que não apresentasse essa informação poderia ser classificado, no máximo,
como Intermediário Superior. Os textos que não apresentassem essa informação, além de não
serem considerados adequados ao critério Informações, como já dissemos, também não eram
adequados em relação ao propósito, que pressupôs a necessidade de menção à decisão do TST
para estimular a discussão sobre ela. Alguns textos, exatamente por causa dessas exigências,
foram considerados apenas parcialmente adequados tanto ao critério Informações quanto ao
critério Propósito, como é o caso do texto a seguir:
Texto IV.19
Estimados colegas:
Hoje, vivemos num mundo, onde o uso e abuso dos médios e da tecnologia está
presente em todos os âmbitos.
Você ve câmeras de segurança por onde andar, o seu telefone no serviço
restringido, e agora o nosso e-mail! É verdade, nós sabemos do mal uso dado por
muitos de nossos colegas, mas, também estamos cientes de que passamos e ficamos
muitas horas trabalhando e precisamos descontrair, por exemplo na hora do almoço
escrevendo uma carta para aquele amigo que mora longe, o checando aquele e-mail do
banco com informações das nossas conta, o mesmo, para ficar informado das minhas
atividades fora da empresa.
Eu não gosto ninguém mexendo no meu correio; nas minhas saudades, no meu
dinheiro, na minha vida. Eu peço para aqueles que não utilizam corretamente este
médio, pensar um pouquinho nos prejuiços que esta atitude causa a todo mundo.
E peço para os altos funcionários da empresa estar cientes de que, nós damos todo
no trabalho, mas temos a nossa vida e queremos que ela seja respeitada.
68
Neste texto, vemos que as decisões tomadas no momento do ajuste da grade parecem
não dar conta de todas as leituras possíveis do enunciado da tarefa, já que o interlocutor
previsto pela grade é um interlocutor necessariamente desconhecedor da decisão do TST
sobre o direito das empresas de verificarem os e-mails dos funcionários. É com base nessa
interpretação que entendemos que a grade só aceita como adequados às Informações e ao
Propósito textos que mencionem essa decisão (explicitamente para o nível Avançado Superior
e implicitamente para o nível Avançado). Dessa forma, textos que configuram um interlocutor
que tem conhecimento da decisão, e portanto não precisa ser informado dela, como o texto
acima, não foram, na avaliação do exame Celpe-Bras, considerados adequados ao critério
Informações e portanto também, segundo a grade, não cumpriram o propósito
adequadamente.
Apesar de não mencionar a decisão do TST, poderíamos dizer que o texto IV.19
contextualiza a questão, falando que as empresas estão invadindo a privacidade dos
funcionários, e argumenta claramente contra a invasão de privacidade. O texto constrói o
interlocutor como não ignorante quanto à questão da decisão do TST quando diz “Você ve
câmeras de segurança por onde andar, o seu telefone no serviço restringido, e agora o nosso e-
mail!”. Esse texto apresenta adequação a todas as outras categorias avaliadas pela grade,
exceto Propósito e Informações. Trata-se, a nosso ver, de um bom texto, bem construído e
argumentado, que estabelece relações entre quem escreve (que se posiciona claramente no
texto) e seu interlocutor, e que recupera a leitura do texto-base em seus argumentos. O que
separa o texto analisado dos níveis mais altos de proficiência é a menção de uma informação
específica (a decisão do TST) que foi selecionada como imprescindível para o cumprimento
do propósito da tarefa. Ao analisarmos a tarefa, vemos que a situação proposta parece dar
margem para outras possibilidades de construção da interlocução, diferentes daquela
contemplada na grade.
Pelos critérios Propósito e Informações estarem relacionados na Tarefa IV, apenas 2
textos, dos 45 analisados, têm diferenças de adequação a esses critérios. Um desses textos é o
texto IV.41 abaixo, que é considerado inadequado ao Formato e ao Interlocutor, e apenas
parcialmente adequado ao Propósito, apesar de ser considerado adequado às Informações.
69
Texto IV.41
Sou trabalhadora, e me dirijo ao Tribunal Superior do Trabalho (TST). Por razões
de respeito e privacidade.
Câmeras de Segurança nos corredores, crachá eletrônico, controle de ligações; tudo
bem, estamos aguentando.
Agora vasculhar o correio eletrônico de todo munto do escritorio e uma invasão
mais que desrrespeitabel e inmoral.
Que nos devem respeito, é um mínimo de privasidad é, sim
Certamente todos devemos ter e usar um e-mail profissional para fins somente de
trabalho, ónde o funcionario se compromete na empreça e para pára ela.
Me oponho e exijo ser ávisado pela empresa sobre a invasão de privacidade, quero
ser afixado no cuadro de avisos da empresa onde estiver trabalhando.
E como pessoa não deixo de ser cidadã por estar em uma empressa.
Privacidade e un direito de todos; se o T.S.J. deu aval para as empresas vigiarem e-
mails dos empregados tambén está desrespeitando a moral de cada trabalhador.
Respeito ou manipulação.
O texto acima, de acordo com a grade de avaliação da Tarefa IV, apresenta
inadequação ao interlocutor, já que se dirige ao Tribunal Superior do Trabalho, e não aos
colegas de empresa. O formato do texto, assim, também fica comprometido, porque seu início
sugere um texto de reclamação para o Tribunal. Também o propósito, de acordo com a grade,
está parcialmente adequado. Se entendermos, no entanto, que, no contexto de comunicação
proposto, qualquer texto afixado em um quadro de avisos da empresa terá como prováveis
leitores os colegas de trabalho, a restrição de formato, interlocutor e propósito feita pela grade
pode ser pouco justificável, conforme veremos mais adiante.
No texto abaixo (IV.29), novamente temos diferença de adequação entre os critérios
Propósito e Informações. De acordo com a grade, este texto, apesar de recuperar todas as
informações exigidas, não argumenta contra a invasão de privacidade:
Texto IV.29
Privacidade no E-mail?
Você acha que a empresa vasculha os seus e-mails? Voce poderia ser demitido por usar
o e-mail para escrever os amigos?
Acredite ou não, tudo isso pode acontecer nesta empresa. Ainda mais, um juiz decideu
que o e-mail pode ser “justa causa” para o despido.
Um funcionário do HSBC Seguros foi demitido a causa dos e-mails.
Mais uma vez, a empresa é o Big Brother que controla tudo, e os empregados
perdimos a privacidade.
O texto acima, apesar de apresentar todas as informações solicitadas pela grade,
inclusive a informação sobre a decisão do TST, não foi considerado, na avaliação do exame
Celpe-Bras, totalmente adequado ao Propósito, já que se limita a descrever os fatos, sem usar
argumentos contra a invasão de privacidade. Vemos, neste texto, que a interpretação restrita
do contexto de produção da tarefa faz com que o texto seja considerado parcialmente
70
adequado ao propósito por apenas apresentar os fatos. No entanto, se nos propusermos a
pensar o texto enquanto resultado do estabelecimento de uma rede de relações entre
enunciador, interlocutores e contexto de uso da linguagem, como defendemos mais adiante, o
texto acima poderia ser considerado como adequado para estimular a discussão sobre a
decisão do TST. A noção de argumentação utilizada na avaliação parece, desta forma, estar
desvinculada do contexto de produção proposto na tarefa.
Assim como na Tarefa III, o fato de a grade não contemplar possibilidades de
construção da interlocução diferentes da esperada fez com que vários textos que parecem ser
adequados à tarefa proposta não atingissem os níveis avançados. Nesse sentido, a noção de
proficiência efetivamente avaliada, de realizar ações no mundo pelo uso da língua, parece
novamente remeter à recuperação de informações, muitas vezes desvinculada do contexto de
produção proposto.
3.2. Reflexões sobre a noção de proficiência do exame Celpe-Bras
Considerando que, em geral, nas quatro tarefas avaliadas, os critérios Formato e
Interlocutor (e em algumas também Autor e Propósito) são cumpridos na maioria dos textos,
vimos que o critério Informações, por vezes combinado com o Propósito e muitas vezes
combinado com os dois outros eixos, é usado como um critério importante para a distinção
entre os níveis atribuídos aos textos. Essa conclusão vai ao encontro dos resultados da
pesquisa “Critérios para a avaliação de compreensão e produção de texto no exame Celpe-
Bras” (Bortolini et al, 2006), que já apontavam para o uso do critério Informações como
responsável pelos pontos de corte entre os níveis de certificação na avaliação escrita do exame
Celpe-Bras.
O fato de as informações, muitas vezes de forma desvinculada dos demais aspectos
que compõem o gênero, tomarem essa importância na avaliação mostra que as condições de
produção para o cumprimento da tarefa parecem, algumas vezes, ficar em segundo plano na
avaliação do exame, uma vez que o número de informações exigidas para cada nível e quais
informações são consideradas fundamentais para a adequação do texto à tarefa solicitada são
decisões tomadas pela equipe de avaliadores com base em uma amostra e sem considerar a
singularidade das relações estabelecidas em cada texto. Dessa forma, um texto que configura
adequadamente o interlocutor e cumpre o propósito solicitado, realizando assim a ação
proposta na tarefa, pode não ser considerado proficiente por não recuperar determinadas
71
informações do texto-base, ainda que o texto cumpra a tarefa com as informações que utiliza.
Em alguns textos, mais recuperação de informações pode significar a construção de um texto
mais consistente e uma interlocução melhor definida. Em outros casos, no entanto, essa
relação pode não se estabelecer, pois outros argumentos podem ser levantados ou a
interlocução pode ser construída através de outros mecanismos, como, por exemplo, a relação
com o suporte que será utilizado.
Por a decisão das informações que devem ser recuperadas em cada tarefa ser uma
decisão que não leva em consideração a singularidade do enunciado em cada texto e as
relações aí estabelecidas, um texto que constrói adequadamente a interlocução a partir apenas
de algumas das informações presentes no texto-base porque singulariza a relação interlocutiva
de uma forma não esperada, apesar de autorizada pelo enunciado da tarefa, corre o risco de
ser considerado menos proficiente do que um texto que constrói a interlocução de forma não
tão adequada, mas que demonstra maior compreensão através da recuperação e explicitação
de informações do texto-base.
Entendemos que o fato de a grade de avaliação permitir a definição dos pontos de
corte pela recuperação de informações do texto-base, sem relacioná-las necessariamente com
os demais aspectos que compõem o gênero, é limitador para o exame, na medida em que
desconsidera a singularidade do texto produzido e a possibilidade de um texto ser bem
construído para um determinado contexto de produção a partir de um número pequeno de
informações. Da forma como está na grade de avaliação, a necessidade de recuperar
informações do texto-base pode ser desvinculada do contexto de produção, o qual define o
que é necessário dizer em cada texto específico a partir das relações construídas no próprio
texto. Embora a compreensão esteja contextualizada através de uma tarefa que explicita um
propósito de uso das informações dos textos-base, a visão de compreensão que transparece
nas grades de avaliação do exame Celpe-Bras parece estar mais centrada na recuperação da
informação em si, e menos no uso dessas informações na teia de relações estabelecida em
cada texto avaliado.
O objetivo de avaliar as práticas de compreensão e produção de forma integrada
parece criar, no exame Celpe-Bras, a necessidade de explicitação da compreensão na forma de
recuperação de informações dos textos-base. Essa avaliação, do nosso ponto de vista, não
parece considerar as práticas de forma integrada de fato, se a compreensão é desvinculada do
contexto de produção e é, assim, avaliada “separadamente”. A demonstração da compreensão,
segundo as exigências da grade de avaliação do exame, se dá pela recuperação explícita de
algumas informações do texto-base, enquanto a demonstração da produção escrita se dá pela
72
construção de um texto adequado ao interlocutor, ao formato, ao propósito da tarefa e também
às exigências da norma culta. Pensamos que, para uma avaliação integrada das práticas de
compreensão e produção, seria necessário que o contexto de produção construído pela tarefa
justificasse a necessidade da explicitação de determinadas informações ou as considerasse
como pressupostas se assim indicadas no texto produzido. Precisaríamos de tarefas em que a
explicitação da compreensão fosse de fato necessária para a produção do texto, e não apenas
uma forma de demonstrar que o texto-base foi compreendido.
Avaliar compreensão oral, leitura e produção escrita de forma integrada, como se
propõe a fazer o exame Celpe-Bras, parece estar associado a avaliar o uso que é feito das
informações recuperadas dos textos-base para a construção de um novo texto. Embora o
exame se proponha a isso através das tarefas que elabora, associando sempre o propósito da
escrita com um propósito de compreensão, a forma como a grade de avaliação é usada hoje
não parece dar conta dessa visão. Nesse sentido, estabelecer a recuperação de um número
mínimo de informações ou uma preferência por algumas é contraproducente, pois, como
vimos, restringe a noção de “usar a língua para desempenhar ações no mundo” a uma visão
ainda autônoma de compreensão oral, leitura e produção escrita. Essa visão mostra-se
autônoma também porque, embora o exame explicite nas tarefas as condições de recepção e
produção dos textos, a grade de avaliação restringe as interpretações possíveis dessas
condições de recepção e produção sem levar em conta todos os aspectos que podem atualizar
essas condições.
O exame Celpe-Bras, ao propor uma avaliação holística, busca avaliar de forma
conjunta as práticas interacionais e o uso dos recursos lingüísticos. O fato de a grade utilizada
ser separada em três eixos, porém, parece limitar essa possibilidade de avaliação, na medida
em que permite analisar separadamente essas questões, que não podem ser separadas no uso
da linguagem. Ao apresentar essa divisão, a grade permite que entendamos que é possível um
texto ser plenamente adequado contextualmente, cumprindo portanto a tarefa de forma
adequada, mas não ser adequado discursiva e lingüisticamente, demonstrando um nível mais
baixo de proficiência. Esse entendimento do que é ou não adequado contextualmente,
independente dos recursos lingüísticos usados para realizar o propósito, parece demonstrar
uma distinção entre “língua” e “uso” que não parece ser coerente com os pressupostos do
exame.
Se ser proficiente, na visão do exame Celpe-Bras, significa capacidade de “uso da
língua para desempenhar ações no mundo” (Brasil, 2006, p.3), entendemos que a definição do
que é ou não adequado contextualmente deve estar relacionado de forma mais orgânica ao uso
73
adequado dos recursos lingüísticos para desempenhar as habilidades solicitadas na tarefa para
o contexto de produção proposto. Dessa forma, um texto que não demonstra adequação
lingüística não seria capaz de, em determinados contextos, adequar-se ao interlocutor ou
cumprir o propósito de forma adequada. Se, no entanto, as inadequações lingüísticas
demonstradas pelo texto não o impedem de cumprir adequadamente a tarefa, isso significa
que não se mostram relevantes para o “uso da língua para desempenhar ações” naquele
contexto, e portanto não deveriam ser consideradas como critério para avaliar o nível de
proficiência do candidato de forma desvinculada.
Nesse sentido, embora a avaliação seja holística, ainda assim entendemos que a
divisão da grade em três eixos, separando a Adequação Contextual da Adequação Discursiva
e da Adequação Lingüística, pode gerar um entendimento de que essas questões são
separáveis no uso da linguagem. Embora o treinamento dos avaliadores no exame Celpe-Bras
sempre tenha tentado direcionar a interpretação da grade para que os recursos lingüísticos
fossem avaliados na medida da sua contribuição ou não para o cumprimento da tarefa, o fato
de a grade apresentá-los em eixos separados permite que um texto seja avaliado como
Avançado Superior na Adequação Contextual e possa ter seu nível diminuído para “Básico”
após a avaliação da Adequação Lingüística. Por esta razão (e considerando também que, por
ser uma avaliação holística, não há o objetivo de fornecer um diagnóstico das diferentes
práticas para o candidato), entendemos que a separação desses eixos na grade não contribui
para a visão de proficiência de uso da língua portuguesa, como defendido pelo exame Celpe-
Bras.
A partir da análise realizada, vemos que a noção de proficiência revelada pela forma
como a grade de avaliação do exame Celpe-Bras é operacionalizada, embora utilize critérios
relacionados ao contexto de produção, permite ainda a separação entre esses componentes e
parece, portanto, ser influenciada por uma visão de compreensão como recuperação de
informações e de escrita como adequação de recursos lingüísticos. Essa visão de compreensão
e produção revelada pela grade de avaliação do exame Celpe-Bras gera um problema de
validade para a avaliação do exame, se tomarmos por base a visão de linguagem explicitada
no Manual (Brasil, p. 3), de “ação conjunta de participantes com um propósito social”,
segundo a qual “a prática da linguagem tem de levar em conta o contexto, o propósito e o(s)
interlocutor(es) envolvido(s) na interação com o texto”. Vemos, dessa forma, que a grade de
avaliação utilizada para a avaliação escrita do exame Celpe-Bras, embora sensível às
condições de produção do texto solicitado, o que muitos exames de proficiência em língua
74
estrangeira não parecem abarcar, não consegue dar conta da relação entre esses aspectos e,
portanto, da variedade possível e da singularidade do uso da língua nos contextos avaliados.
Entendemos, portanto, ser necessária a elaboração de uma nova grade de avaliação
para a Parte Coletiva do exame Celpe-Bras, que contemple de forma mais adequada a visão
de proficiência do exame
21
. Acreditamos que, para poder avaliar proficiência segundo essa
visão, seja necessário considerar em cada texto as redes de relações construídas para o
cumprimento do propósito interlocutivo dentro do contexto de comunicação proposto na
tarefa, observando cada texto na sua singularidade e considerando todos os elementos
envolvidos no uso da linguagem de forma relacionada. No próximo capítulo, apresentaremos
um percurso teórico possível para dar conta dessa visão de linguagem, que entende como
proficiente um texto que usa a língua adequadamente para realizar ações no mundo.
21
Segundo Schlatter et al (no prelo, nota 11), “o conceito de gênero discursivo não está explicitado nos manuais
do exame Celpe-Bras, mas as especificações do exame mencionam e listam diferentes “gêneros do discurso” e as
características das tarefas da Parte Coletiva do exame apontam para essa orientação”.
75
4. A VISÃO DE LINGUAGEM DO CÍRCULO DE BAKHTIN
É através do uso da linguagem que as relações humanas são estabelecidas. É sob essa
perspectiva que este trabalho se insere no campo dos estudos da linguagem. Acreditamos que
é através da linguagem, da enunciação, que nos constituímos e constituímos os outros
enquanto sujeitos. Nesse sentido, entendemos que estudar e avaliar proficiência em
determinada língua pressupõe estudar e avaliar o uso que se faz dessa língua, os interlocutores
envolvidos, o contexto em que a interação ocorre e os propósitos que guiam esse uso.
Mostramos até aqui neste trabalho que, para ser fiel aos seus pressupostos, o Exame
Celpe-Bras precisa de critérios de avaliação que sejam capazes de avaliar de forma integrada
as práticas de compreensão e produção e que permitam avaliar o uso real da linguagem sem
dissociá-lo das formas da língua, uma vez que os critérios utilizados até então, como vimos,
apresentam diferenças em relação aos pressupostos teóricos do exame. Buscamos, então, um
percurso teórico que nos propiciasse pensar em avaliação de proficiência em língua
estrangeira em relação ao uso, entendendo os textos como enunciados e levando em conta a
interlocução e o propósito comunicativo como parte integrante e definidora da proficiência
dos falantes.
Apresentaremos então, neste capítulo, as idéias propostas pelo Círculo de Bakhtin
22
,
que propõe o estudo do enunciado como objeto necessário para entender a comunicação
verbal e os sentidos construídos a partir dela. Na primeira seção, discutiremos a concepção de
linguagem do Círculo e a necessidade de estudar a linguagem considerando mais do que as
formas lingüísticas. A seguir, apresentaremos a noção de dialogismo, central para o
entendimento dos enunciados e de sua constituição. Discutiremos também a noção de gênero
do discurso, que nos parece ser a noção mais completa e adequada para dar conta da avaliação
segundo os pressupostos do exame Celpe-Bras. Por fim, construiremos uma noção de
22
Grupo de intelectuais russos que se reuniu regularmente entre 1919 e 1929, do qual faziam parte, entre outros,
Pavel N. Medvedev, Valentin N. Voloshinov e Mikhail M. Bakhtin. Neste trabalho, sempre que fizermos
referência a um de seus componentes, é às idéias do Círculo que estaremos nos referindo. Algumas das obras
publicadas pelos componentes do Círculo têm a autoria disputada, mas não vamos nos ater a essa disputa por ela
não dizer respeito diretamente aos objetivos deste trabalho. As citações de todas as obras serão feitas conforme a
edição brasileira.
76
proficiência segundo a teoria apresentada, e tentaremos apontar caminhos que possibilitem a
avaliação dentro dessa perspectiva.
4.1. O estudo da linguagem no plano do enunciado
Bakhtin entende que todas as relações humanas acontecem através da linguagem. Para
o autor, “ser significa se comunicar, significa ser para o outro e, pelo outro, ser para si
mesmo” (Bakhtin, 2008, p. 322). Segundo Bakhtin (2003, p. 282-283), “a língua materna –
sua composição vocabular e sua estrutura gramatical – não chega ao nosso conhecimento a
partir de dicionários e gramáticas mas de enunciações concretas que nós mesmos ouvimos e
nós mesmos reproduzimos na comunicação discursiva viva com as pessoas que nos rodeiam”,
ou seja, aprendemos nossa língua através da interação com outras pessoas.
Para Bakhtin (2003, p. 261), “todos os diversos campos da atividade humana estão
ligados ao uso da linguagem”. Ainda segundo o autor, “a língua, a palavra são quase tudo na
vida humana” (Bakhtin, 2003, p. 324). Nesse sentido, é a linguagem que regula as práticas
sociais e as põe em prática. É nos enunciados concretos da comunicação verbal que serão
construídos os valores e sentidos de uma determinada comunidade, histórica e socialmente
constituídos. Dessa forma, Bakhtin coloca o enunciado como a questão central a ser abordada
pelos estudos da linguagem, como a real unidade da comunicação discursiva. Por Bakhtin ser
filósofo e não lingüista, e não estar diretamente preocupado em estudar a língua enquanto
sistema, como fazia a ciência lingüística de sua época, esta afirmação tem uma abrangência
maior, já que, para o autor, o estudo do enunciado concreto deve ser preocupação de todas as
ciências humanas. Se é nos enunciados que são refletidos os valores e as práticas de uma
sociedade, todos os estudos que pretendam dar conta de descrever ou apresentar as práticas
sociais desenvolvidas nessa comunidade devem também levar em conta a língua.
Ao falar de estudos da linguagem, no entanto, Bakhtin faz uma distinção básica entre
“língua”, enquanto objeto da lingüística da época, e “enunciado”
23
. Para Bakhtin (2003, p.
23
Existe uma flutuação terminológica grande nas obras do Círculo, em parte porque os autores pareciam gostar
de variar os termos, em parte porque as traduções não foram capazes de delimitar termos precisos e utilizaram,
algumas vezes, termos diferentes para referir o mesmo conceito e, outras vezes, o mesmo termo para referir
conceitos diferentes. É o que acontece com os termos “enunciado” e “enunciação”, que são usados, nas obras do
Círculo, com várias acepções. Isso pode ter acontecido porque cada edição brasileira tem um tradutor diferente,
ou ainda porque alguns textos foram traduzidos diretamente do russo enquanto outros foram traduzidos do
francês e, outros ainda, do inglês. Neste trabalho, chamaremos de “enunciado” ao produto do discurso, que se
opõe à “oração”, e de “enunciação” à atividade de produção de enunciados dentro de um contexto de produção
específico, com propósitos e interlocutores determinados.
77
275), “o discurso só pode existir de fato na forma de enunciações concretas de determinados
falantes, sujeitos do discurso. O discurso sempre está fundido em forma de enunciado
pertencente a um determinado sujeito do discurso, e fora dessa forma não pode existir”. Desse
modo, vemos que, no pensamento de Bakhtin, é o enunciado que é capaz de trazer o sistema
da língua para o mundo, e é só através do enunciado que os sujeitos se constituem como tal. É
aí que Bakhtin se diferencia dos estudos lingüísticos feitos em sua época. Ao centrar seu foco
na linguagem e dizer que é somente através da palavra enunciada e da interação verbal que a
língua tem sua ‘realidade fundamental’ (Bakhtin, 2006, p. 127), o autor faz questão de
diferenciar a “língua” em si, como Saussure e os demais lingüistas da época a estudavam, do
enunciado, que não era objeto do estudo da lingüística de então. Segundo Rodrigues (2005),
para Bakhtin “o enunciado, como uma totalidade discursiva, não pode ser considerado como
unidade do último e superior nível do sistema da língua, pois forma parte de um mundo
totalmente diferente, o das relações dialógicas, que não podem ser equiparadas às relações
lingüísticas dos elementos no sistema da língua” (Rodrigues, 2005, p. 157). O autor considera,
assim, o enunciado, e não a oração, como a unidade da comunicação discursiva, já que a
oração seria um conjunto de formas relacionadas apenas no plano sintático da língua e não
teria relação com o sujeito falante.
O objeto de interesse de Bakhtin é o discurso, não a língua em si. Isso está explicitado
na explicação do autor sobre a razão de ter denominado um capítulo da sua obra Problemas da
Poética de Dostoievski (Bakhtin, 2008) de O discurso em Dostoievski: “temos em vista o
discurso, isto é, a língua em sua totalidade concreta e viva, e não língua como o objeto
específico da lingüística, obtido por meio de uma abstração totalmente legítima e necessária
de vários aspectos da vida concreta da palavra” (Bakhtin, 2008, p. 181).
Para Bakhtin, a língua não é um “sistema”, mas uma gama de enunciados dialógicos.
Segundo o autor, aprendemos a língua através de enunciados concretos, não através de regras
e normas: “a consciência do falante não se orienta pelo sistema da língua, mas pelo novo, pelo
irrepetível do enunciado, pelo concreto de sua singularidade, pelo seu horizonte social
avaliativo” (Bakhtin, 2003). Dessa forma, não é o “sistema” da língua que organiza a
consciência do falante e suas relações com o mundo, mas a eventualidade do enunciado, que
terá um novo autor, sempre em processo dialógico e axiológico, isto é, constituindo-se sempre
como resposta a enunciados anteriores a partir de uma rede de valores estabelecida por eles e
em relação a eles. É o evento do enunciado que dará condições de atribuir-se sentido a ele, e
não as palavras em si. O sentido atribuído ao enunciado é sempre novo e irrepetível, porque o
interlocutor nunca é o mesmo e o falante também está sempre assumindo um novo papel
78
social. Segundo Faraco (2003), o Círculo parte da asserção de que a realidade fundamental da
linguagem é o fenômeno social da interação verbal. Nesse sentido, para o autor, “a linguagem
verbal não é vista primordialmente como sistema formal, mas como atividade, como um
conjunto de práticas socioculturais – que têm formatos relativamente estáveis (concretizam-se
em diferentes gêneros do discurso) e estão atravessadas por diferentes posições avaliativas
sociais (concretizam diferentes vozes sociais)” (Faraco, 2003, p. 105-106).
Na obra do Círculo, repetidas vezes é afirmado que a linguagem é indicial
24
, isto é,
que “para o locutor, a forma lingüística não tem importância enquanto sinal estável e sempre
igual a si mesmo, mas somente enquanto signo sempre variável e flexível”
(Bakhtin/Volochínov, 2006
25
, p. 95). É somente na situação de enunciação, considerados
todos os elementos implicados nessa situação e as características constitutivas do enunciado,
que se pode atribuir sentido às formas da língua. Essas formas, fora do contexto de uso, não
passam de um inventário desconexo e sem sentido: “o sistema lingüístico é produto de uma
reflexão sobre a língua, reflexão que não procede da consciência do locutor nativo e que não
serve aos propósitos imediatos da comunicação” (Bakhtin/Volochínov, 2006, p. 95). Para o
locutor, “o centro de gravidade da língua não reside na conformidade à norma da forma
utilizada, mas na nova significação que essa forma adquire no contexto
(Bakhtin/Volochínov, 2006, p. 96).
Segundo o Círculo, ainda, os signos lingüísticos não são sinais fixos, mas itens que
recebem orientações novas a cada momento de enunciação. O sentido da palavra é, sob esse
entendimento, “totalmente determinado por seu contexto. De fato, há tantas significações
possíveis quantos contextos possíveis” (Bakhtin/Volochínov, 2006, p. 109). São essas
orientações novas as responsáveis pela significação, não o significado estável do signo
enquanto sinal dentro de um sistema sincrônico. Essas orientações novas, atribuídas sempre
em contexto, são as responsáveis pela evolução da significação na língua:
O elemento que torna a forma lingüística um signo não é sua identidade como sinal,
mas sua mobilidade específica; da mesma forma que aquilo que constitui a
descodificação da forma lingüística não é o reconhecimento do sinal, mas a
compreensão da palavra no seu sentido particular, isto é, a apreensão da orientação
24
Abeledo (2008) também apresenta e discute esse conceito, baseada em Garfinkel (1967) e Heritage (1984).
Segundo a autora, “não só dependem de determinações contextuais elementos como pronomes pessoais ou as
palavras dêiticas, mas qualquer expressão lingüística” (Abeledo, 2008, p. 46). Outro texto que discute a
indicialidade da linguagem é o texto de Reddy (2000), que ilustra, através da metáfora dos construtores de
instrumentos, a necessidade de negociação contínua e situada para atribuir sentido ao que está sendo dito e para o
sucesso da comunicação (questionando o modelo cibernético de comunicação).
25
Optamos por fazer referência assim à obra Marxismo e Filosofia da Linguagem porque, na edição brasileira, a
autoria é atribuída da seguinte forma: Mikhail Bakhtin (Volochínov).
79
que é conferida à palavra por um contexto e uma situação precisos, uma orientação
no sentido da evolução e não do imobilismo. (Bakhtin/Volochínov, 2006, p. 97)
Na obra Marxismo e Filosofia da Linguagem (Bakhtin/Volochínov, 2006) é feita uma
dura crítica à concepção sincrônica de estudo da língua, e é dito que não existe esse momento,
fora da história e da cronologia humanas, em que se possa fazer uma descrição do “sistema”
da língua, já que “o sistema sincrônico da língua só existe do ponto de vista da consciência
subjetiva do locutor de uma dada comunidade lingüística num dado momento da história”
(Bakhtin/Volochínov, 2006, p. 94). Segundo Flores e Teixeira (2005, p. 48), “a proposta do
filósofo é ver a língua imersa na realidade enunciativa concreta, servindo aos propósitos
comunicacionais do locutor. Para ele, não importa a forma lingüística invariável, mas sua
função em um dado contexto”. A oração em si, como ‘forma lingüística’, não tem sentido,
visto que o sentido só se dá no contexto da comunicação, com enunciador e interlocutor
específicos, com um determinado propósito e num determinado momento histórico.
Segundo Teixeira (2006), Bakhtin revolucionou o pensamento dos estudos
lingüísticos, uma vez que tirou a sintaxe da posição central de estudo e retirou da frase o posto
de unidade fundamental, tornando a enunciação, com todas as suas características
interlocutivas e situacionais, o objeto dos estudos da linguagem. Para a autora,
Bakhtin elabora uma teoria da enunciação a partir da qual todas as categorias
lingüísticas fundamentais podem ser revistas como pontos que inscrevem
constitutivamente a presença do outro no um. Sua originalidade está na articulação
que permite entre o social e a subjetividade através da enunciação. (Teixeira, 2006,
p. 231)
Bakhtin, dessa forma, separa o estudo da oração (as relações entre os elementos
lingüísticos) do estudo do enunciado (as relações axiológicas entre as pessoas e com o
mundo). Ao primeiro estudo chama de lingüística, enquanto ao segundo chama de
translingüística ou metalingüística. Bakhtin não nega a importância do estudo da lingüística,
ao contrário, apresenta a lingüística como sendo base para o estudo da metalingüística; no
entanto, considera a lingüística insuficiente para o estudo da comunicação verbal em si, que
engloba muito mais do que palavras ou relações gramaticais. O autor afirma que as duas
ciências têm objetos diferentes e métodos próprios, mas que uma de forma alguma exclui a
outra:
As pesquisas metalingüísticas, evidentemente, não podem ignorar a lingüística e
devem aplicar os seus resultados. A lingüística e a metalingüística estudam um
mesmo fenômeno concreto, muito complexo e multifacético – o discurso, mas
80
estudam sob diferentes aspectos e diferentes ângulos de visão. Devem completar-se
mutuamente e não fundir-se. (Bakhtin, 2008, p. 207)
Flores e Teixeira (2005) explicitam essa diferença entre as duas ciências, dizendo que,
na idéia do Círculo,
A lingüística estuda a linguagem na sua generalidade, como algo que torna possível
a comunicação dialógica, ao passo que a metalingüística ocupa-se do que ele chama
de relações dialógicas, relações essas que não podem ser estabelecidas por critérios
genuinamente lingüísticos, porque, embora pertençam ao campo do discurso, não
fazem parte de um campo puramente lingüístico de seu estudo. O autor vê uma
complementação entre os dois níveis, afirmando a necessidade de recorrer à língua
para dar conta do discurso
. (Flores e Teixeira, 2005, p. 54)
Ainda segundo Flores e Teixeira (2005), Bakhtin não está interessado no estudo da
estrutura da língua em si, mas no estudo da
(...) significação do evento enunciativo, em especial no que diz respeito aos efeitos
de sentido das relações dialógicas que aí têm lugar. Em sua concepção, o sentido se
define no ato de materialização das relações lógicas em relações dialógicas, o que
implica reconhecer que a semantização da língua ocorre na enunciação. (Flores e
Teixeira, 2005, p. 54-55)
Bakhtin está, assim, interessado na enunciação, no uso concreto da linguagem, na constituição
da interlocução, em determinado momento e com determinado propósito.
Para Souza (2002, p. 75), o objeto de estudo da Metalingüística proposta pelo Círculo
de Bakhtin seriam as relações dialógicas. Essas relações, que, para Bakhtin, são marcadas por
uma profunda originalidade, estariam fora da língua (seriam extralingüísticas), mas ao mesmo
tempo não poderiam ser separadas da língua enquanto fenômeno concreto, visto que “a
linguagem vive apenas na comunicação dialógica daqueles que a usam”. Para Bakhtin (2008,
p. 158), “é precisamente essa comunicação dialógica que constitui o verdadeiro campo da
vida da linguagem”. É por se situar no campo do discurso (uso da língua em situações
concretas de comunicação), que é por natureza dialógico, que as relações dialógicas “devem
ser estudadas pela metalingüística, que ultrapassa os limites da lingüística e possui objeto
autônomo e tarefas próprias (Bakhtin, 2008, p. 159)”. Para Bakhtin, essas relações possuem
elementos constitutivos que “só podem ser enunciados completos (ou considerados
completos, ou ainda potencialmente completos) por trás dos quais está (e pelos quais se
expressa) um sujeito real ou potencial, o autor do determinado enunciado” (Bakhtin, 2008, p.
354).
81
Segundo Souza (2002), a abordagem de estudo da linguagem sugerida por Bakhtin é
diferente da abordagem da lingüística de Saussure, que não permitia perceber as relações
dialógicas, pois via a língua como algo estático e a analisava através de procedimentos
puramente formais. Para Bakhtin, entender a linguagem dialogicamente é olhá-la como um
acontecimento social realizado através da interação verbal de enunciados envolvidos num
processo dialógico de alternância dos sujeitos. Para Souza (2002, p. 75), são tarefas da
metalingüística o estudo da forma e da função do enunciado e o estudo da palavra de outrem,
que Bakhtin diz ser “a orientação da palavra entre palavras, a sensação distinta da palavra do
outro e os diversos meios de reagir diante dela” (Bakhtin, 2008, p. 176). O estudo dos gêneros
do discurso é, assim, objeto da metalingüística, já que esta deveria ser responsável por estudar
as intrincadas relações interpessoais que são constituintes do gênero.
Na concepção do Círculo, são os valores sociais que organizam a forma e a entonação
dos enunciados. Dentro de um grupo social alguns desses valores já não precisam mais ser
enunciados, por serem conhecidos de todos os indivíduos como os valores que norteiam todas
as relações dentro daquela sociedade:
Na verdade, os principais valores sociais, que enraízam imediatamente nas
particularidades da vida econômica do grupo social dado não são mais enunciados:
eles entram na carne e no sangue de todos os representantes deste grupo; eles
organizam as ações e condutas das pessoas; eles são de algum modo soldados às
coisas e aos fenômenos correspondentes; é por isso que eles não requerem uma
formulação verbal particular. (Voloshinov, 1981 [1926], p. 193, apud Souza, 2002,
p. 87)
Todo evento de interação está sempre relacionado e tem seus sentidos atribuídos em
relação aos valores da situação social em que acontece. Segundo Faraco (2003, p. 106), é a
situação que condiciona os atos de dizer e sua significação. Isso significa que o que dizemos e
como dizemos está diretamente relacionado com o papel social que exercemos e o meio social
em que estamos inseridos naquela situação de comunicação específica. Isso significa dizer
também que as palavras não possuem significados por si só. Os ‘sentidos’ das palavras são
atribuídos sempre no enunciado, e resultam dos valores a elas atribuídos pelo contexto da
enunciação, pelo falante, pelo ouvinte e pelo gênero discursivo em que são utilizadas. Não
existem palavras neutras, as palavras sempre estão impregnadas de conteúdo axiológico. De
acordo com Flores e Teixeira (2005, p. 48-49), “a palavra em estado de dicionário não é uma
realidade da qual o falante se vale para os seus propósitos comunicacionais”. Essa é também a
idéia de Bakhtin (2006):
82
(...) na realidade não são palavras o que pronunciamos ou escutamos, mas verdades
ou mentiras, coisas boas ou más, importantes ou triviais, agradáveis ou
desagradáveis, etc. A palavra sempre está carregada de um conteúdo ou de um
sentido ideológico ou vivencial. É assim que compreendemos as palavras e somente
reagimos àquelas que despertam em nós ressonâncias ideológicas ou concernentes à
vida. (Bakhtin, 2006, p. 98-99)
Para Bakhtin, toda palavra é axiologicamente relacionada às outras palavras e ao
mundo. Nesse sentido, “viver significa tomar uma posição axiológica a cada momento,
significa posicionar-se em relação a valores. Vivemos e agimos, portanto, num mundo
saturado de valores, no interior do qual cada um dos nossos atos é um gesto axiologicamente
responsivo num processo incessante e contínuo” (Faraco, 2003, p. 23).
A palavra sempre refrata o mundo, e essa refração se dá através dos valores em jogo
no contexto de uso dessa palavra. Na linguagem não existe reflexão: tudo o que produzimos
verbalmente sobre o mundo é refração dele, e é a partir dessa refração que outros o refratarão
a seguir. Segundo Faraco, “nenhuma palavra reflete seu objeto de forma totalmente acurada
(‘objetiva’), nenhuma palavra é a fotografia daquilo que ela significa. O signo, portanto,
sempre refrata o mundo” (Faraco, 2003, p. 69).
4.2. O dialogismo
Para Bakhtin e seu Círculo, como vimos, não existem palavras nem enunciados
neutros, o sentido das palavras e enunciados só pode ser atribuído em determinado contexto e
por determinados interlocutores, e é sempre resultado de um processo axiológico. A grande
questão que Bakhtin põe, então, quando relaciona atribuição de sentido na língua à questão
axiológica, é o fato de que o enunciado é sempre resposta a um enunciado anterior, e traz em
si, obrigatoriamente, um julgamento de valor em relação a esse enunciado anterior.
Para Bakhtin, não existe enunciado sem resposta. É a possibilidade da resposta, do
diálogo, que cria o enunciado. É essa a razão do enunciado nunca poder ser neutro e ser
sempre ideológico. As palavras e os enunciados que usamos estão sempre impregnados das
idéias dos outros, a quem nosso enunciado está respondendo.
Para o Círculo de Bakhtin, “enunciar é responder” (Voloshinov, 1928, apud Faraco,
2003, p. 71). Dessa forma, todo enunciado é uma resposta a enunciados anteriores, de forma
dialógica. Da mesma forma, o enunciado “não só responde como se põe para uma resposta”
(Voloshinov, 1928, p. 43, apud Faraco, 2003, p. 71), isto é, além de responder a enunciados
83
anteriores, o enunciado proferido estará provocando, em face do caráter dialógico, respostas a
si próprio. Sendo assim, um texto nunca é um início, sempre se coloca como continuação de
um diálogo. O leitor ou ouvinte precisa ser entendido como uma pessoa que também teve (ou
não) acesso aos enunciados anteriores que o enunciado em questão está respondendo, porque
esse conhecimento ou desconhecimento terá efetiva importância para o enunciado em
questão. Essa interlocução dialógica, com os leitores e com os outros enunciados, precisa ficar
clara no texto, para que seja possível perceber quais respostas seriam possíveis para o
enunciado em questão. A compreensão, portanto, segundo Faraco (2003), é um processo ativo
(já que tem de lidar com o novo e não com o recorrente do enunciado) em que se opõe “à
palavra do locutor uma contrapalavra (Bakhtin, 2006, p. 102)”.
O enunciado, sob esse ponto de vista, nunca é o primeiro, é sempre resposta a
enunciados anteriores. Para Bakhtin (2003),
(...) cada enunciado isolado é um elo na cadeia da comunicação discursiva. Ele tem
limites precisos, determinados pela alternância dos sujeitos do discurso (dos
falantes), mas no âmbito desses limites o enunciado, como a mônada de Leibniz,
reflete o processo do discurso, os enunciados do outro, e antes de tudo os elos
precedentes da cadeia (às vezes os mais imediatos, e vez por outra até os muito
distantes – os campos da comunicação cultural). (Bakhtin, 2003, p. 299)
Também as esferas da comunicação não são pela primeira vez instaladas por um
determinado enunciado, já que
O objeto do discurso do falante, seja esse objeto qual for, não se torna pela primeira
vez objeto do discurso em um dado enunciado, e um dado falante não é o primeiro
a falar sobre ele. O objeto, por assim dizer, já está ressalvado, contestado, elucidado
e avaliado de diferentes modos; nele se cruzam, convergem e divergem diferentes
pontos de vista, visões de mundo, correntes. (Bakhtin, 2003, p. 299-300)
Por estabelecer o enunciado como sendo sempre uma resposta a enunciados anteriores,
a grande contribuição do Círculo de Bakhtin para os estudos da linguagem diz mesmo
respeito ao dialogismo. Segundo Flores e Teixeira (2005), vários usos se tem feito das idéias
de Bakhtin, mas existe um elemento compartilhado por todos os usos: “o princípio do
dialogismo subjaz a todas as utilizações que se faz da teoria” (Flores e Teixeira, 2005, p. 46).
Ao dizer que os enunciados estão sempre respondendo a enunciados anteriores e se colocando
como endereço das respostas dos enunciados posteriores, Bakhtin entende a linguagem como
a grande reguladora das práticas sociais da sociedade, já que é através da linguagem que nos
relacionamos com as expectativas culturais e históricas que regulam nossa vida em
84
comunidade. Os enunciados são, nesse entendimento, sempre responsivos, isto é, sempre
estabelecem relação de resposta a enunciados anteriores. Para Flores e Teixeira (2005),
(...) ao criticar o privilégio da descrição formal, estática e normativa em detrimento
do mutável; a desvinculação da palavra do contexto histórico real de utilização; o
estudo das enunciações monológicas isoladas de maneira imanente e a descrição
sincrônica desligada da evolução da língua, Bakhtin (Volochínov) mostra sua
concepção de enunciação como produto da interação entre dois indivíduos
socialmente organizados, mesmo que o interlocutor seja uma virtualidade
representativa da comunidade na qual está inserido o locutor, e propõe, dessa
forma, a idéia de interação verbal realizada por meio da enunciação. A unidade
fundamental da língua passa, assim, a ser o diálogo, entendido não somente no
sentido aritmético do termo, mas como toda a comunicação verbal, independente do
tipo. (Flores e Teixeira, 2005, p. 49)
No entendimento do Círculo, a interlocução é fundamental para que haja enunciação.
A figura do interlocutor é determinante para o enunciado, que não pode existir sem um
endereçamento concreto. Nesse sentido, para Bakhtin/Volochínov (2006),
A enunciação é o produto da interação de dois indivíduos socialmente organizados
e, mesmo que não haja um interlocutor real, este pode ser substituído pelo
representante médio do grupo social ao qual pertence o locutor. A palavra dirige-se
a um interlocutor: ela é função da pessoa desse interlocutor: variará se se tratar de
uma pessoa do mesmo grupo social ou não, se esta for inferior ou superior na
hierarquia social, se estiver ligada ao locutor por laços sociais mais ou menos
estreitos (pai, mãe, marido, etc.). Não pode haver interlocutor abstrato; não
teríamos linguagem comum com tal interlocutor, nem no sentido próprio nem no
figurado. (Bakhtin/Volochínov, 2006, p. 116)
Apesar de construir reflexões profundas sobre a interlocução, entendida e valorizada
pelo falante no momento da enunciação, na visão de Teixeira (2006), Bakhtin não formula
propriamente uma teoria do sujeito, pois sua visão a esse respeito
(...) emerge e se sustenta na enunciação, entendida como um processo em que o eu
se institui através do outro e como outro do outro, sendo pela inter-relação entre
dialogismo e alteridade que se pode tentar cercar a questão da subjetividade em
Bakhtin. (Teixeira, 2006, p. 229)
Bakhtin também não descreve o sujeito em si, uma vez que “o dialogismo bakhtiniano
se fundamenta na negação da possibilidade de conhecer o sujeito fora do discurso que ele
produz (Dahlet, 1997:72), pois ele só pode ser apreendido na linguagem a partir da realidade
das vozes de seu discurso” (Teixeira, 2006, p. 229). Dessa forma, segundo Teixeira (2006),
Bakhtin opõe a noção de sujeito ao “eu penso” cartesiano, pois, para Bakhtin, “o sujeito não
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pode ser objeto de teoria a não ser sob a condição de ser da linguagem” (Teixeira, 2006, p.
229).
No entendimento de Rodrigues (2005, p. 171), “a autoria não se refere à pessoa física
(empírica), mas a uma posição de autoria inscrita no próprio gênero; refere-se a uma “postura
de autor”, com sua responsabilidade discursiva. A autoria do enunciado singular investe a
concepção da autoria do seu gênero”. É nesse sentido que Faraco (2003) argumenta que, para
Bakhtin, “o princípio constitutivo maior do mundo real do ato realizado é precisamente a
contraposição concreta eu/outro” (Faraco, 2003, p. 22). É a relação que o falante estabelece
com o interlocutor, para quem o enunciado é dirigido, que determina grande parte do sentido
dos enunciados. Se toda palavra é dialógica, se sempre existe um “outro”, mesmo que esse
“outro” seja uma idealização cultural e não uma pessoa, esse “outro” atua diretamente na
construção do “eu”, já que “eu” não existo sem o “outro”, e mais, “eu” só existo na relação
que construo com o “outro”. Além de ser fundamental para a construção da identidade do
falante, também é o “outro” e a relação estabelecida pelo falante com esse “outro” que vai
determinar o que é dito e como isso é dito em determinado contexto de comunicação. Em
outras palavras, o enunciado é moldado para o “outro”. O “outro”, aqui, pode ser uma pessoa,
mas pode ser também os enunciados anteriores que vão regular o meu discurso.
Dialogismo em Bakhtin não está necessariamente relacionado a diálogo face-a-face.
Para Faraco (2003), o diálogo é sempre a relação entre enunciados e suas configurações
axiológicas, e não a simples relação entre dois seres humanos ou entre dois elementos do
sistema lingüístico, como preposições e verbos. Entendendo que relações dialógicas são
estabelecidas entre enunciados, Faraco diz ainda que “quaisquer enunciados, se postos lado a
lado no plano do sentido, acabam por estabelecer relação dialógica” (Faraco, 2003, p. 63).
Segundo Bakhtin (2003):
(...) por sua precisão e simplicidade, o diálogo é a forma clássica de comunicação
discursiva. Cada réplica, por mais breve e fragmentária que seja, possui uma
conclusibilidade específica ao exprimir certa posição do falante que suscita
resposta, em relação à qual se pode assumir uma posição responsiva. ... Ao mesmo
tempo, as réplicas são interligadas. (Bakhtin, 2003, p. 275).
Para Bakhtin (2003), os enunciados sempre estabelecem relações dialógicas com
outros enunciados, e “cada enunciado é pleno de ecos e ressonâncias de outros enunciados
com os quais está ligado pela identidade da esfera de comunicação discursiva” (Bakhtin,
2003, p. 297). Para o autor, o enunciado deve ser visto, antes de mais nada, como uma
resposta a enunciados precedentes dentro do mesmo gênero: “ele os rejeita, confirma,
86
completa, baseia-se neles, subentende-os como conhecidos, de certo modo os leva em conta”
(Bakhtin, 2003, p. 297). A leitura que Souza (2002) faz dessas afirmações é de que essas
relações dialógicas estariam intrinsecamente relacionadas ao gênero do enunciado:
(...) no acontecimento único e não reiterável do enunciado concreto há uma
interação orgânica entre o gênero do discurso ao qual ele pertence e a sua natureza
dialógica, seja do ponto de vista do micro-diálogo – diálogo interior, do diálogo na
presença de interlocutores, ou do grande diálogo, onde todo ato verbal humano
pode ser colocado em relação dialógica. É no interior do gênero do discurso
determinado que o enunciado concreto ocupa uma posição definida em relação a
um determinado tema. (Souza, 2002, p. 108)
Essas relações dialógicas, no entanto, acontecem apenas no plano do discurso, no
processo de comunicação discursiva. Por serem características constituintes dos enunciados, é
impossível que essas relações ocorram no plano da oração ou das formas da língua, já que
(...) aquelas relações que existem entre as réplicas do diálogo – as relações de
pergunta-resposta, afirmação-objeção, afirmação-concordância, proposta-aceitação,
ordem-execução, etc. – são impossíveis entre unidades da língua (palavras e
orações), quer no sistema da língua (no corte vertical), quer no interior do
enunciado (no corte horizontal). Essas relações específicas entre as réplicas do
diálogo são apenas modalidades das relações específicas entre as enunciações
plenas no processo de comunicação discursiva. Essas relações só são possíveis
entre enunciações de diferentes sujeitos do discurso, pressupõem outros (em relação
ao falante) membros da comunicação discursiva. Essas relações entre enunciações
plenas não se prestam à gramaticalização, uma vez que, reiteremos, não são
possíveis entre unidades da língua, e isso tanto no sistema da língua quanto no
interior do enunciado. (Bakhtin, 2003, p. 275-276)
Como já vimos, os enunciados são, dentro dessa perspectiva, sempre uma resposta, um
posicionamento axiológico em relação a outros enunciados. Nesses termos, não é só o que é
dito no enunciado que se constitui como uma resposta, mas também como é dito o que é dito,
as relações utilizadas para se chegar à forma material do texto. O enunciado não é somente
resposta ao que vem antes, ele também se constitui como o endereço das respostas dos
enunciados que vêm depois. A partir do momento da enunciação, o enunciado passa a ser
mais um elo da comunicação discursiva, ao qual os futuros enunciados responderão. Para
Bakhtin (2003),
O enunciado não está ligado apenas aos elos precedentes mas tamm aos
subseqüentes da comunicação discursiva. Quando o enunciado é criado por um
falante, tais elos ainda não existem. Desde o início, porém, o enunciado se constrói
levando em conta as atitudes responsivas, em prol das quais ele, em essência, é
criado. O papel dos outros, para quem se constrói o enunciado, é excepcionalmente
grande, como já sabemos. Já dissemos que esses outros, para os quais o meu
pensamento pela primeira vez se torna um pensamento real (e deste modo também
87
para mim mesmo), não são ouvintes passivos mas participantes ativos da
comunicação discursiva. Desde o início o falante aguarda a resposta deles, espera
uma ativa compreensão responsiva. É como se todo enunciado se construísse ao
encontro dessa resposta. (Bakhtin, 2003, p. 301)
O que o falante espera não é um ouvinte passivo, ao contrário, quem fala espera
respostas. Essas respostas podem ser enunciadas verbalmente, ou em ações, ou em
comentários a outros. Nesse sentido, o falante constrói o seu enunciado com um interlocutor
em mente, esse interlocutor de quem ele espera a resposta. Bakhtin (2003) afirma que
(...) um traço essencial (constitutivo) do enunciado é o seu direcionamento a
alguém, o seu endereçamento. À diferença das unidades significativas da língua –
palavras e orações –, que são impessoais, de ninguém e a ninguém estão
endereçadas, o enunciado tem autor (e, respectivamente, expressão, do que já
falamos) e destinatário. (Bakhtin, 2003, p. 301)
Nesse sentido, é o destinatário do enunciado e as relações que o falante estabelece com
ele que vão configurar o enunciado e o gênero em que ele estará inserido. Ainda para Bakhtin
(2003, p. 301), “cada gênero do discurso em cada campo da comunicação discursiva tem a sua
concepção típica de destinatário que o determina como gênero”.
Também as práticas de compreensão e de produção aparecem imbricadas na noção de
gênero que aqui apresentamos. É a partir da compreensão (dos textos e do mundo) que se dá a
produção, e uma não existiria sem a outra. O que o falante diz não é algo primeiro, mas é
sempre uma resposta ao que lhe foi dito, por outra pessoa ou pelo mundo e suas relações. A
fala sempre é resposta, isto é, sempre é uma atitude responsiva à fala de outros. Nenhum
falante parte do início, está sempre dando continuidade a um diálogo que não se encerra em si
mesmo. Da mesma forma, as palavras do falante serão alvo de respostas dos enunciados dos
outros. Segundo Flores e Teixeira (2005, p. 51), no Círculo “a compreensão é tomada como
uma forma de diálogo, o que implica o reconhecimento da interação do locutor e do receptor
no processo de instituição do sentido”.
Se produzir enunciados é uma atitude dialógica e axiológica, atitude ativa da vontade e
consciência do falante, a compreensão, da mesma forma, é entendida pelo Círculo como
dialógica, axiológica e ativa. Para Faraco (2003), a compreensão não seria “mera
experienciação psicológica da ação dos outros, mas uma atividade dialógica que, diante de um
texto, gera outro(s) texto(s)”. Compreender, então, não seria um ato passivo (um mero
reconhecimento), “mas uma réplica ativa, uma resposta, uma tomada de decisão diante do
texto” (Faraco, 2003, p. 42).
88
Para Bakhtin (2003), nenhuma parte do processo de interlocução é passiva, por isso
não faz sentido esquematizar a comunicação verbal com um falante que utiliza processos
ativos e um ouvinte que utiliza processos passivos. Para o autor,
(...) o ouvinte, ao perceber e compreender o significado (lingüístico) do discurso,
ocupa simultaneamente a ele uma posição responsiva: concorda ou discorda dele
(total ou parcialmente), completa-o, aplica-o, prepara-se para usá-lo, etc.; essa
posição responsiva do ouvinte se forma ao longo de todo o processo de
compreensão e audição desde o seu início, às vezes literalmente a partir da primeira
palavra do falante. Toda compreensão da fala viva, do enunciado vivo é de natureza
ativamente responsiva (embora o grau desse ativismo seja bastante diverso); toda
compreensão é prenhe de resposta, e nessa ou naquela forma a gera
obrigatoriamente; o ouvinte se torna falante. A compreensão passiva do significado
do discurso ouvido é apenas um momento abstrato da compreensão ativamente
responsiva real e plena, que se atualiza na subseqüente resposta em voz real alta.
(Bakhtin, 2003, p. 271)
Com essa idéia de que o ouvinte é sempre um participante ativo da interlocução,
Bakhtin associa a compreensão à produção, uma vez que quem compreende também produz
significado a partir do que compreende, ao posicionar-se axiologicamente em relação ao que
está ouvindo. Essa postura responsiva do ouvinte ou leitor nos remete novamente à natureza
dialógica dos enunciados, na medida em que estes são avaliados e “respondidos” pelo ouvinte,
se não verbalmente, através de seu posicionamento e de sua conduta. Assim como não existe
enunciado neutro, também não existe resposta neutra a um enunciado. A compreensão nunca
é neutra, ela sempre é ativa e sempre está permeada de uma gama de valores que a colocam
em pé de igualdade com o enunciado primeiro. Mesmo que a resposta verbal não seja
subseqüente ao enunciado, ela existe concretamente, e será aplicada em algum tempo. Para
Bakhtin (2003),
(...) toda compreensão plena real é ativamente responsiva e não é senão uma fase
inicial preparatória da resposta (seja qual for a forma em que ela se dê). O próprio
falante está determinado precisamente a essa compreensão ativamente responsiva:
ele não espera uma compreensão passiva, por assim dizer, que apenas duble o seu
pensamento em voz alheia, mas uma resposta, uma concordância, uma participação,
uma objeção, uma execução, etc. (os diferentes gêneros discursivos pressupõem
diferentes diretrizes de objetivos, projetos de discurso dos falantes ou escreventes).
O empenho em tornar inteligível a sua fala é apenas o momento abstrato do projeto
concreto e pleno de discurso do falante. Ademais, todo falante é por si mesmo um
respondente em maior ou menor grau: porque ele não é o primeiro falante, o
primeiro a ter violado o eterno silêncio do universo, e pressupõe não só a existência
do sistema da língua que usa mas também de alguns enunciados antecedentes – dos
seus e alheios – com os quais o seu enunciado entra nessas ou naquelas relações
(baseia-se neles, polemiza com eles, simplesmente os pressupõe já conhecidos do
ouvinte). Cada enunciado é um elo na corrente complexamente organizada de
outros enunciados. (Bakhtin, 2003, p. 272)
89
Segundo Bakhtin, o que a lingüística (como ele chama o estudo das formas da língua)
faz, ao definir o ouvinte como responsável por um processo de compreensão passiva, é
enfraquecer o papel ativo do outro no processo de comunicação discursiva. Como momento
abstrato do ato da compreensão responsiva ativa, essa esquematização é justificável, mas
causa problema quando é entendida como o fenômeno pleno, concreto e real da compreensão.
Na lingüística, segundo o entendimento de Bakhtin, é isso o que acontece, já que esses
esquemas não são completados por alusões a uma maior complexidade do fenômeno da
compreensão.
A compreensão ativa e responsiva ao enunciado, no entanto, só ocorre em relação ao
enunciado acabado. Segundo Bakhtin, “alguma conclusibilidade é necessária para que se
possa responder ao enunciado” (Bakhtin, 2003, p. 280). Isso significa, para o autor, que
compreender lingüisticamente uma oração, decodificar o sistema lingüístico, não é suficiente
para que um enunciado possa suscitar uma resposta:
(...) uma oração absolutamente compreensível e acabada, se é oração e não
enunciado constituído por uma oração, não pode suscitar atitude responsiva: isso é
compreensível mas ainda não é tudo. Esse tudo – indício da inteireza do enunciado
– não se presta a uma definição nem gramática nem abstrato-semântica. (Bakhtin,
2003, p. 280)
A partir disso, a questão que se põe então é a da definição dos limites do enunciado.
Como saber onde acaba um enunciado e inicia outro? Para Bakhtin, os limites do enunciado
como unidade da comunicação discursiva seriam definidos pela alternância dos sujeitos do
discurso.
Todo enunciado – da réplica sucinta (monovocal) do diálogo cotidiano ao grande
romance ou tratado científico – tem, por assim dizer, um princípio absoluto e um
fim absoluto: antes do seu início, os enunciados dos outros; depois do seu término,
os enunciados responsivos de outros (ou ao menos uma compreensão ativamente
responsiva silenciosa do outro ou, por último, uma ação responsiva baseada nessa
compreensão). O falante termina o seu enunciado para passar a palavra ao outro ou
dar lugar à sua compreensão ativamente responsiva. O enunciado não é uma
unidade convencional, mas uma unidade real, precisamente delimitada da
alternância dos sujeitos do discurso, a qual termina com a transmissão da palavra ao
outro, por mais silencioso que seja o “dixi” percebido pelos ouvintes [como sinal]
de que o falante terminou. (Bakhtin, 2003, p. 275)
Para Bakhtin, segundo esse ponto de vista, são três os elementos que determinam a
conclusão do enunciado e asseguram a possibilidade de resposta (ou de compreensão
responsiva): “1) exauribilidade do objeto e do sentido; 2) projeto de discurso ou vontade de
90
discurso do falante; 3) formas típicas composicionais e de gênero do acabamento” (Bakhtin,
2003, p. 280-281).
Segundo Bakhtin, os limites do enunciado são, em grande parte, dados pelo propósito
que o falante tem na interlocução, já que “em cada enunciado – da réplica monovocal do
cotidiano às grandes e complexas obras de ciência ou de literatura – abrangemos,
interpretamos, sentimos a intenção discursiva de discurso ou a vontade discursiva do falante,
que determina o todo do enunciado, o seu volume e as suas fronteiras” (Bakhtin, 2003, p.
281). A vontade do falante é fundamental para a composição do enunciado:
(...) a vontade discursiva do falante se realiza antes de tudo na escolha de um certo
gênero de discurso. Essa escolha é determinada pela especificidade de um dado
campo da comunicação discursiva, por considerações semântico-objetais
(temáticas), pela situação concreta da comunicação discursiva, pela composição
pessoal dos seus participantes, etc. A intenção discursiva do falante, com toda a sua
individualidade e subjetividade, é em seguida aplicada e adaptada ao gênero
escolhido, constitui-se e desenvolve-se em uma determinada forma de gênero. Tais
gêneros existem antes de tudo em todos os gêneros mais multiformes da
comunicação oral cotidiana, inclusive do gênero mais familiar e do mais íntimo.
(Bakhtin, 2003, p. 282)
Vemos, dessa forma, que, na visão do Círculo de Bakhtin, a língua se organiza através
de gêneros, e são eles os responsáveis pela organização do uso que é feito dela, uma vez que
abarcam os interlocutores envolvidos no propósito de enunciação e os propósitos
comunicativos desses interlocutores.
4.3. A importância dos gêneros do discurso
Para Bakhtin, são os gêneros do discurso que organizam nossa comunicação, uma vez
que “falamos apenas através de determinados gêneros do discurso, isto é, todos os nossos
enunciados possuem formas relativamente estáveis e típicas de construção do todo” (Bakhtin,
2003, p. 282). Os gêneros, assim, são entendidos como conjuntos de textos que compartilham
as funções de organização da comunicação dentro de determinada esfera da atividade humana,
e não apenas como um conjunto de textos que têm determinadas propriedades formais em
comum. Isso significa dizer que, na ótica do Círculo de Bakhtin, os gêneros são entendidos
pelo viés da produção, não do produto (da forma do texto acabado).
Segundo o conceito bakhtiniano de gênero, centrado no dialogismo, não é possível que
somente a forma, a função ou mesmo o suporte determinem um gênero, visto ser o gênero o
91
somatório das relações dialógicas estabelecidas em um determinado contexto de
comunicação, em que se relacionam o falante, o ouvinte, o propósito do enunciado e a esfera
da atividade humana em que a comunicação ocorre. A forma é, então, resultado dessas
relações, e não definidora do gênero, tanto quanto apenas a função sozinha ou o suporte
sozinho não podem sê-lo.
Para Bakhtin, gênero não é, então, somente o produto final da relação dialógica (o
texto final pronto), mas é parte do processo dessa relação. É atras dos gêneros que nos
pomos a dialogar com outros enunciados. Sob essa perspectiva, não é possível ver o gênero
como um produto final cujas características podem ser apreendidas em uma classificação
fechada. Bakhtin relaciona os tipos relativamente estáveis de enunciados (gêneros) e as
funções que realizam na comunicação às esferas da atividade humana em que são usados e
“para que” são usados. Se sempre quando falamos o fazemos em uma determinada esfera da
atividade humana através de determinados gêneros, percebemos que esses gêneros são
condicionados pela esfera em que estão inseridos e pela maneira como o falante se posiciona
dentro dessa esfera. Falar, então, faz parte do agir, não é apenas uma soma de regras
gramaticais e de vocabulário: “envolver-se em uma determinada esfera da atividade implica
desenvolver também um domínio dos gêneros que lhe são peculiares. Em outras palavras,
aprender os modos sociais de fazer é também aprender os modos sociais de dizer” (Faraco,
2003, p. 116).
Como, para Bakhtin, a ação humana está sempre relacionada ao uso da língua, e
usamos a língua em diferentes esferas da atividade humana, o uso da língua vai ser marcado
pelas necessidades e características de cada esfera. Se os gêneros estão necessariamente
relacionados à esfera da atividade humana em que são utilizados, saber usar os gêneros de
uma esfera de comunicação não significa de forma alguma saber usar os gêneros de outra
esfera. Conhecimento de gramática e vocabulário de uma língua também não garantem esse
domínio, já que para conhecer e saber usar onero é necessário estar ou supor-se envolvido
de alguma forma na esfera da atividade social da qual ele faz parte.
Saber usar uma gama diversificada de gêneros, nesse sentido, é importante para
ampliar nossas oportunidades de participação na sociedade. Pessoas com bastante experiência
em gêneros de uma determinada esfera da atividade social, como as pautas jornalísticas, por
exemplo, podem apresentar dificuldades ao se deparar com gêneros com os quais não estão
acostumadas, como artigos científicos e discussões acadêmicas. Em relação a esses gêneros,
além de não saber compô-los, é possível que o falante também não saiba responder a eles.
92
Nesse sentido, é necessário ao falante alguma experiência com o gênero para que
possa compreendê-lo e enunciar nele de forma ativa. Para Bakhtin (2003),
(...) quanto melhor dominamos os gêneros tanto mais livremente os empregamos,
tanto mais plena e nitidamente descobrimos neles a nossa individualidade (onde
isso é possível e necessário), refletimos de modo mais flexível e sutil a situação
singular da comunicação; em suma, realizamos de modo mais acabado o nosso livre
projeto de discurso. (Bakhtin, 2003, p. 284)
É nessa linha que segue Machado, quando diz que “quanto maior o conhecimento das
formas discursivas maior a liberdade de uso dos gêneros: isso também é manifestação de uma
postura ativa do usuário da língua para efeitos comunicativos e expressivos” (Machado, 2005,
p. 158). Ainda segundo a autora, essa própria postura do falante em relação ao gênero, que ela
chama de “entoação expressiva”, está sempre no plano do enunciado e não pode ser cogitada
fora dele, já que, segundo ela, “é isso que confere ao gênero discursivo o caráter não de uma
forma lingüística, mas de uma forma enunciativa que depende muito mais do contexto
comunicativo e da cultura do que da própria palavra” (Machado, 2005, p. 158).
Para Bakhtin, é o gênero que guia o falante no processo discursivo. Os gêneros
funcionam como parâmetros para o falante, que deve, para usá-los, partir da posição social e
histórica que ocupa e para quem dirige o seu enunciado, como esse interlocutor o vê, e
também o propósito do seu enunciado, o que vai ser dito e como vai ser dito. Para Bakhtin
(2003, p. 304), “sem levar em conta a relação do falante com o outro e seus enunciados
(presentes e antecipáveis), é impossível compreender o gênero ou estilo do discurso”. São os
gêneros que vão regular essas relações e relacioná-las em textos, já que os gêneros são
conjuntos de textos que compartilham as funções de organização da comunicação dentro de
determinada esfera da atividade humana. São também os gêneros que guiam as expectativas
do ouvinte em relação à extensão do texto, ao que vai ser dito e aos propósitos que o falante
pode ter com esse texto, à relação que o falante estabelece entre si próprio e quem o ouve, e
também quanto às possibilidades de resposta. Segundo Rodrigues (2005, p. 166), “ao se
relacionar com o discurso alheio, o interlocutor, desde o início, infere o gênero do enunciado
e, dessa forma, as propriedades genéricas em questão já constituem índices indispensáveis à
constituição do sentido do enunciado”.
Por ser o gênero o regulador das relações na comunicação, a construção do enunciado
dentro de determinado gênero não pode ser entendida apenas como organização e combinação
das formas da língua. Além do conhecimento dessas formas, para que possa participar
qualificadamente da interação verbal, é necessário que o falante tenha tido experiência com os
93
gêneros do discurso a serem utilizados. Bakhtin sempre reforça a questão de que falamos
através de gêneros e não somente através do “sistema” da língua. Sem conhecer os gêneros, a
comunicação seria impossível, já que
(...) ao falante não são dadas apenas as formas da língua nacional (a composição
vocabular e a estrutura gramatical) obrigatórias para ele, mas também as formas de
enunciado para ele obrigatórias, isto é, os gêneros do discurso: estes são tão
indispensáveis para a compreensão mútua quanto as formas da língua. (Bakhtin,
2003, p. 285)
Apesar de serem “bem mais mutáveis, flexíveis e plásticos” (Bakhtin, 2003, p. 285) do
que as formas da língua, os gêneros são tão importantes para a construção dos enunciados
quanto essas formas, porque têm para o falante um sentido normativo, ele não pode criá-los
no momento da enunciação. Nesse sentido, um enunciado não pode mesmo ser entendido
como uma combinação simples de regras do “sistema” da língua, já que é sempre regulado
pelas práticas sociais e o falante, a despeito da sua singularidade e do seu caráter criativo, não
pode desconsiderar totalmente essas práticas na situação de uso.
É aí que surge a grande crítica de Bakhtin a Saussure, uma vez que o lingüista
genebrino entende que existe um “sistema” social da língua, que é independente do uso.
Podemos ver o teor dessa crítica quando Bakhtin (2003) afirma que
A imensa maioria dos lingüistas, se não na teoria, na prática está na mesma posição:
vêem no enunciado apenas uma combinação individual de formas puramente da
língua (léxicas e gramaticais), e na prática não enxergam nem estudam nela
nenhuma outra forma normativa. O desconhecimento dos gêneros do discurso como
formas relativamente estáveis e normativas de enunciado deveria levar
necessariamente os lingüistas à já referida confusão do enunciado com a oração,
deveria levar a uma situação (que, é verdade, nunca foi defendida coerentemente)
em que os nossos discursos só se moldam em formas estáveis de oração que nos
foram dadas; no entanto, o número de tais orações interligadas que pronunciamos
seguidamente e o momento em que paramos (terminamos) são assunto que se deixa
ao pleno arbítrio da vontade individual de discurso do falante ou ao capricho de um
mítico “fluxo da fala”. Quando escolhemos um determinado tipo de oração, não o
escolhemos apenas para uma oração, não o fazemos por considerarmos o que
queremos exprimir com determinada oração; escolhemos um tipo de oração do
ponto de vista do enunciado inteiro que se apresenta à nossa imaginação discursiva
e determina a nossa escolha. A concepção sobre a forma do conjunto do enunciado,
isto é, sobre um determinado gênero do discurso, guia-nos no processo do nosso
discurso. A idéia do enunciado em seu conjunto pode, é verdade, exigir para sua
realização apenas uma oração, mas pode exigi-las em grande número. O gênero
escolhido nos sugere os tipos e os seus vínculos composicionais. (Bakhtin, 2003, p.
285-286)
Podemos ver que, para Bakhtin, só enunciamos através dos gêneros, e são eles, tanto
quanto o “sistema” da língua, os responsáveis por regular a nossa prática verbal. Na medida
94
em que o enunciado só se concretiza na materialização do contexto de comunicação, e esse
contexto é único e dependente dos interlocutores, do momento histórico e da esfera de
comunicação em que se encontram, o gênero também, da mesma forma, só se materializa no
contexto, e suas características são sempre adaptadas a cada contexto de produção.
Na perspectiva do Círculo, todo o processo de comunicação e as relações dialógicas aí
implicadas estão no plano do discurso, e se materializam concretamente no enunciado. O
enunciado é único e irrepetível, e é constituído de três elementos básicos: tema, estilo e
construção composicional. O tema não é o assunto específico de que um texto trata, mas “um
domínio de sentido de que se ocupa o gênero” (Fiorin, 2006, p. 62). As cartas de amor, por
exemplo, versam sobre o conteúdo temático das relações amorosas, embora cada uma delas
possa tratar de um assunto específico. As aulas versam sobre o conteúdo temático de um
programa de curso, mas cada uma enfoca um tópico desse programa. O estilo diz respeito à
seleção dos recursos lingüísticos a serem utilizados, feita a partir das relações estabelecidas na
interlocução configurada no enunciado. Já a construção composicional está relacionada à
forma de organização do texto e às informações que se fazem necessárias para a construção
do sentido dentro das relações estabelecidas na interlocução configurada.
O enunciado, como vimos, não se repete, pois reflete as relações estabelecidas na
interlocução dentro de um contexto de produção e de um momento sócio-histórico, sempre de
forma singular. Como elo da comunicação discursiva, porém, o enunciado partilha
características comuns a outros enunciados daquele contexto. Essas características comuns
dos enunciados são as “formas relativamente estáveis e típicas de construção do todo” a que
se refere Bakhtin (2003, p. 282), que se constituem como gêneros. Os gêneros não são, no
entanto, apenas um conjunto de textos que têm determinadas propriedades formais em
comum, mas conjuntos de textos que compartilham as funções de organização da
comunicação dentro de determinada esfera da atividade humana.
Os gêneros, com seus propósitos discursivos, revelam as características das suas
esferas de utilização. São os gêneros que permitem um tratamento mais ou menos exaustivo
do objeto e do sentido na interação. Nesse sentido, existem diferentes tipos de gêneros,
utilizados pelas diferentes esferas da comunicação humana. Cada gênero se molda de uma
determinada maneira à esfera em que é utilizado, mas nem todos os gêneros absorvem as
regras dessa esfera da mesma forma. Segundo Bakhtin, não devemos minimizar a grande
heterogeneidade dos gêneros discursivos. O autor divide, por isso, os gêneros do discurso das
diferentes esferas da atividade humana em primários e secundários.
95
Os gêneros primários são, segundo Bakhtin, gêneros simples, relacionados às esferas
cotidianas da atividade humana, formados nas condições da comunicação discursiva imediata,
enquanto os gêneros secundários são complexos, e surgem nas esferas mais complexas e
relativamente organizadas. Como exemplos de gêneros secundários, Bakhtin apresenta os
romances, gêneros publicísticos e pesquisas científicas. Segundo o autor (Bakhtin, 2003), no
processo de sua formação os gêneros secundários incorporam e reelaboram os gêneros
primários, e esses últimos, ao integrarem os gêneros mais complexos, se transformam e
adquirem caráter especial, passando a integrar a realidade e a relacionar-se com ela apenas
através do gênero secundário ao qual foi incorporado.
Para Rodrigues (2005), além da diferença colocada por Bakhtin entre gêneros
primários e secundários, existe ainda uma outra diferença entre os estilos dos gêneros, que
podem ser mais ou menos flexíveis:
(...) o estilo do gênero diz respeito ao uso típico dos recursos lexicais fraseológicos
e gramaticais da língua. O estilo de um enunciado particular pode ser mais bem
compreendido ao se considerar a sua natureza genérica. Os estilos individuais, bem
como os de língua, são estilos dos gêneros. Todo enunciado, por ser individual,
pode absorver um estilo particular, mas nem todos os gêneros são capazes de
absorvê-lo da mesma maneira. (Rodrigues, 2005, p. 168)
Os gêneros que podem absorver mais desse estilo individual, segundo o autor, são os
gêneros da literatura, ou gêneros mais “livres”, como os da publicidade, por exemplo. Já os
gêneros das ordens militares, dos textos legais e dos rituais religiosos, muito pouco podem
absorver da individualidade dos enunciados. Temos, então, gêneros mais fixos e gêneros mais
abertos a mudanças. Os gêneros primários, por serem da esfera do cotidiano, costumam ser
mais flexíveis, enquanto alguns gêneros secundários, por surgirem “nas condições da
comunicação cultural mais “complexa”, no âmbito das ideologias formalizadas e
especializadas” (Rodrigues, 2005, p. 169), tendem a ser mais estáveis e menos sujeitos a
mudanças.
Segundo Souza (2002, p. 105), “é importante observar que a presença do gênero
primário no gênero secundário implica uma representação, visto que o primeiro fenômeno é
um fenômeno da vida cotidiana, e o segundo, da vida de um determinado gênero secundário –
romance, discurso científico, discurso religioso, etc”. Os gêneros secundários, então, simulam
a comunicação verbal, ou seja, o diálogo, e os gêneros primários do discurso no que se refere
à posição responsiva do enunciado. Ainda segundo Souza (2002, p. 106), “todas as
particularidades constitutivas do enunciado concreto funcionam tanto para a análise do gênero
96
primário como do gênero secundário, e permitem colocar no mesmo terreno comum tanto os
enunciados concretos pertencentes a um ou outro gênero”. Nesse sentido, consideramos que
também no contexto de produção analisado neste trabalho existe uma representação, já que o
exame Celpe-Bras, enquanto prova de proficiência, constitui-se como um gênero secundário,
e as tarefas que os candidatos devem cumprir dentro desse exame entram nele como gêneros
primários, que só podem ter seu sentido construído dentro da vida do gênero secundário do
qual fazem parte.
A palavra gênero, dentro dos estudos da linguagem, esteve primeiro, historicamente,
ligada aos gêneros da literatura. Nesse sentido, durante muito tempo classificou-se os gêneros
de textos como “comédia”, “drama”, “epopéia”, etc., relacionando-os sempre às formas do
texto literário. Na obra do Círculo de Bakhtin, vemos que também está dividido em gêneros o
uso da linguagem em outras esferas da vida humana que não a arte, sendo os gêneros
definidos como “tipos relativamente estáveis de enunciados” (Bakhtin, 2003, p. 262). O termo
gênero, além de diferenciar os textos literários, passou, a partir da obra do Círculo, a ter
também o papel de caracterizar textos não-artísticos de acordo com as seqüências lingüísticas
predominantes. Durante alguns anos, então, o uso da linguagem foi dividido em “gênero
argumentativo”, “gênero narrativo”, “gênero expositivo”, etc., de acordo com as seqüências
de recursos lingüísticos que predominavam em cada texto.
Mais recentemente, alguns estudiosos da linguagem perceberam que a definição
bakhtiniana de gênero englobava mais do que seqüências lingüísticas, principalmente no que
diz respeito às relações dialógicas que Bakhtin coloca como objeto de estudo. Nesse sentido,
se o gênero é algo maior, em que são estabelecidas as relações dialógicas, as seqüências
lingüísticas que nos auxiliam a narrar, argumentar, etc., são relativamente típicas e nos
ajudam a compor o texto dos diversos gêneros. Chamamos essas seqüências, então, não mais
de “gênero de texto”, mas sim de “tipo textual”. Para Marcuschi (2002, p. 27), “entre as
características básicas dos tipos textuais está o fato de eles serem definidos por seus traços
lingüísticos predominantes. Por isso, um tipo textual é dado por um conjunto de traços que
formam uma seqüência e não um texto”. Ainda segundo o autor, ao se classificar um texto
como narrativo, descritivo ou argumentativo, não se está nomeando o gênero e sim o
predomínio de um tipo de seqüências lingüísticas.
No texto “Os gêneros do discurso”, Bakhtin (2003) define os gêneros como tipos
relativamente estáveis de enunciados ou formas relativamente estáveis e normativas do
enunciado. Segundo Rodrigues (2005), essa é a relação que o autor estabelece entre os
gêneros e os enunciados (olhando os gêneros a partir da sua historicidade, não enquanto
97
unidades convencionais). Bakhtin, dessa forma, atribui aos gêneros a mesma natureza social,
discursiva e dialógica dos enunciados, ao tomá-los como seus tipos históricos. No entanto,
segundo Rodrigues,
(...) é essa a definição de gêneros que mais corre riscos de provocar uma visão
reducionista quando não articulada e compreendida no contexto dos estudos do
Círculo, devido ao significado mais corrente que os termos enunciado e tipo têm na
área da lingüística. Uma leitura “rápida” poderia, por exemplo, articular esse
conceito ao das seqüências textuais de Adam (1992): um gênero seria formado por
vários tipos de texto (seqüências / enunciados). Entretanto, a noção de enunciado do
Círculo (por exemplo, um romance é um enunciado) não avaliza essa leitura.
(Rodrigues, 2005, p. 163)
26
Segundo Rodrigues (2005, p. 164), se analisarmos o desenvolvimento conceitual dos
gêneros em Bakhtin, entenderemos que a sua noção de gênero como tipo de enunciado não é a
das seqüências textuais, mas “uma tipificação social dos enunciados que apresentam certos
traços (regularidades) comuns, que se constituíram historicamente nas atividades humanas,
em uma situação de interação relativamente estável, e que é reconhecida pelos falantes”. Para
Bakhtin, os gêneros são históricos e concretos, não entidades abstratas, mas são também
“impessoais”, pois, ao contrário dos enunciados, não são individuais e irrepetíveis. Essa
impessoalidade dos gêneros não justifica, no entanto, que eles possam ser distinguidos apenas
pelas suas propriedades formais. Não é a forma em si que define o gênero (mesmo que os
gêneros mais estabilizados possam ser “reconhecidos” por características textuais e
lingüísticas típicas), mas todas as relações implicadas na situação de enunciação. Gênero,
dessa forma, não pode ser entendido como conjunto de seqüências lingüísticas, chamadas por
Marcuschi (2002) de tipos de texto. Apesar de alguns gêneros terem por características o
predomínio dessa ou daquela seqüência, não são esses tipos, de nenhuma forma, que irão
caracterizar o gênero, já que, na noção Bakhtiniana de gênero, estão presentes também as
relações dialógicas que determinam os enunciados.
Quanto à definição dos tipos de textos, Bronckart (2003) diz que
(...) enquanto, devido à sua relação de interdependência com as atividades humanas,
os gêneros são múltiplos, e até mesmo em número infinito, os segmentos que
entram em sua composição (segmentos de relato, de argumentação, de diálogo, etc.)
26
Também Rojo (2005) considera problemático que o texto “Os gêneros do discurso” (Bakhtin, 2003) tenha sido
tomado como a base para a definição da noção de gênero. Para a autora, esse texto é uma formalização explícita
mas incompleta das idéias que estavam disponíveis nas obras do Círculo desde o início, e, na sua opinião, obras
anteriores a essa dizem mais sobre o que são e como funcionam os gêneros de forma mais aprofundada e
complexa. Entre essas obras, a autora destaca “Discurso na vida e discurso na arte” (Voloshinov, 1926) e
“Marxismo e Filosofia da Linguagem” (Bakhtin/Volochínov, 1929).
98
são em número finito, podendo, ao menos parcialmente, ser identificados por suas
características lingüísticas específicas. Essas duas propriedades parecem estar
estreitamente relacionadas, pois, se as espécies de segmentos são em número
limitado, isso se deve ao fato de atualizarem subconjuntos de recursos de uma
língua natural, que são finitos ou limitados. Esses diferentes segmentos que entram
na composição de um gênero são produto de um trabalho particular de semiotização
ou de colocação em forma discursiva e é por essa razão que serão chamados de
discursos, de agora em diante. Na medida em que apresentam fortes regularidades
de estruturação lingüística, consideraremos que pertencem ao domínio dos tipos;
portanto, utilizaremos a expressão tipo de discurso para designá-los, em vez da
expressão tipo textual. (Bronckart, 2003, p. 75-76)
A partir desse entendimento, faz-se necessário discutir a própria terminologia utilizada
pelos pesquisadores que estudam gêneros. A noção de gênero elaborada pelo Círculo de
Bakhtin, como já vimos, acaba, por questões de tradução e também de evolução da própria
obra, não sendo clara e suficientemente precisa nos termos que apresenta. Dessa forma, em
português temos duas correntes de estudos de gêneros
27
: alguns pesquisadores colocam-se
como estudiosos de “gêneros textuais”, enquanto outros acabam por se manter mais fiéis à
terminologia apresentada na obra do Círculo e compõem a corrente dos estudos dos “gêneros
do discurso” ou “gêneros discursivos”. Entendemos, então, como bastante pertinente o
questionamento de Rojo (2005), que pensamos seja também o questionamento de vários
estudiosos desse campo:
Será que quando enunciamos, aparentemente indiferentemente, as designações
gêneros do discurso (ou discursivos) ou gêneros textuais (ou de texto) estamos
significando o mesmo objeto teórico ou objetos, ao menos, semelhantes? (Rojo,
2005, p. 186)
Para Rojo (2005, p. 185), os estudos dos gêneros do discurso estão mais centrados na
descrição das situações de enunciação em seus aspectos sócio-históricos, enquanto os estudos
dos gêneros textuais centram-se sobre a descrição da composição e da materialidade
lingüística. Para tanto, as duas correntes de estudo recorrem a diferentes autores e conceitos e
selecionam diferentes categorias de análise
28
. Os trabalhos de gêneros do discurso tendem a
selecionar os aspectos da materialidade lingüística determinados pelos parâmetros da situação
de enunciação, apenas ressaltando as marcas lingüísticas que produzem significações e temas
relevantes no discurso. Já os estudos de gêneros textuais tendem a descrever a estrutura ou
27
Segundo Rojo e Bronckart, isso acontece também nas traduções em francês.
28
Na corrente dos estudos de gêneros do discurso, podemos mencionar o próprio Bakthin e seu Círculo, e
também Holquist, Charaudeau, Faraco e Tezza, entre outros. Como estudiosos dos gêneros textuais, temos, entre
outros, Bronckart, Adam, Swales, Dolz, Schnewly e Marcuschi.
99
forma composicional (tipos, protótipos, seqüências típicas, etc.), afastando-se, assim, da
noção bakhtiniana de gênero.
Poderíamos entender, então, que o “texto”, como é analisado pelos estudiosos dos
gêneros textuais, seria uma unidade do “sistema” da língua, que pode ser classificado e
apresentado a partir das suas características formais. Já o estudo dos gêneros do discurso diz
respeito aos enunciados proferidos em determinado contexto de comunicação de uma dada
esfera da atividade humana, o que seria, para Bakhtin, o objeto central da metalingüística,
ciência que estuda, além do “sistema da língua”, também as relações dialógicas presentes no
momento da enunciação.
Segundo Rojo (2005), no estudo dos gêneros textuais existe uma finalidade descritiva
textual que distancia seus métodos do método sociológico bakhtiniano. Para a autora, em
Adam (1999), para quem “discurso é texto mais contexto”, essa finalidade – encarada como a
do lingüista textual – é mais clara e conscientemente defendida. Em Bronckart (2003), é
atribuída maior importância ao contexto sociossubjetivo e material de produção dos discursos,
mas a descrição lingüístico-textual também recebe considerável atenção. Já em Marcuschi
(2002), tipos e gêneros de texto são diferenciados, mas a ênfase é na descrição dos tipos
componentes de determinados gêneros. Para Rojo (2005), na teoria dos gêneros textuais,
gênero
(...) nunca é visto como um universal concreto decorrente das relações sociais e
regulador das interações e discursos configurados em enunciados ou textos, mas
como uma designação convencionada, uma “noção” que recobre uma família de
similaridades e que se encontra “representada” no conhecimento dos agentes como
um modelo canônico. (Rojo, 2005, p. 193-194)
Já para os estudos de gêneros do discurso, que seguem a linha apontada por Bakhtin
para o entendimento dos gêneros, não são as similaridades formais que importam na
compreensão dos gêneros, mas as relações estabelecidas entre os participantes da situação de
interlocução:
(...) são elementos fundamentais desta situação social mais imediata os parceiros
da interlocução: o locutor e seu interlocutor, ou horizonte/auditório social, a que a
palavra do locutor se dirige. São as relações sociais, institucionais e interpessoais
desta parceria, vistas a partir do foco da apreciação valorativa do locutor, que
determinam muitos aspectos temáticos, composicionais e estilísticos do texto ou
discurso. (Rojo, 2005, p. 197)
Entendidos dessa forma, os gêneros dizem respeito às relações que se estabelecem
entre os interlocutores em um determinado campo de uso da linguagem. Essas relações,
100
segundo Rojo (2005, p. 217) “são estruturadas e determinadas pelas formas de organização e
de distribuição dos lugares sociais nas diferentes instituições e situações sociais de produção
dos discursos”. Dessa forma, vemos a importância da interlocução para a constituição do
gênero. Essa interlocução vai se definir dentro de diferentes lugares sociais, que
Bakhtin/Volochínov (2006) chamam de “esferas comunicativas”, e que estariam divididas em
dois grandes estratos:
(...) as esferas do cotidiano (familiares, íntimas, comunitárias, etc.), onde circula a
ideologia do cotidiano, e as esferas dos sistemas ideológicos constituídos (da moral
social, da ciência, da arte, da religião, da política, da imprensa, etc.). Em cada uma
destas esferas comunicativas, os parceiros da enunciação podem ocupar
determinados lugares sociais – e não outros – e estabelecer certas relações
hierárquicas e interpessoais – e não outras; selecionar e abordar certos temas – e
não outros; adotar certas finalidades ou intenções comunicativas – e não outras, a
partir de apreciações valorativas sobre o tema e sobre a parceria. (Rojo, 2005, p.
197)
Ainda segundo Rojo (2005), é o discurso utilizado em cada uma dessas esferas que
cristaliza historicamente um conjunto de gêneros como os mais apropriados para serem
utilizados nesses lugares e nessas relações de interlocução, viabilizando assim regularidades
nas práticas sociais de linguagem. Esses gêneros irão refletir um conjunto de temas e de
relações presentes nas esferas das quais fazem parte.
Segundo Rojo (2005), as três dimensões essenciais e indissociáveis dos gêneros do
discurso, apresentadas por Bakhtin, que são, como já vimos, o tema, o estilo e a construção
composicional, são determinadas pelos parâmetros do contexto de produção dos enunciados e
pela relação axiológica que o locutor estabelece com o tema e o interlocutor do seu discurso.
Nesse entendimento, diferente do que se entende nas abordagens de estudo dos gêneros
textuais, “os gêneros e os enunciados a eles pertencentes não podem ser compreendidos,
produzidos ou conhecidos sem referência aos elementos de sua situação de produção” (Rojo,
2005, p. 196). Qualquer que seja o aspecto do enunciado considerado, então, “ele será
determinado pelas condições reais da enunciação em questão, isto é, antes de tudo pela
situação social mais imediata” (Bakhtin/Volochínov, 2006, p. 116).
Aqui neste trabalho, optamos por nos filiar à perspectiva do Círculo de Bakhtin,
segundo a qual os gêneros estão intimamente relacionados com as esferas da atividade
humana de que fazem parte. Nesse sentido, entendemos que os gêneros do discurso sejam
reflexos e refrações do processo de relações dialógicas estabelecidas dentro dessas esferas da
atividade humana e necessitem ser entendidos como processos, não como produtos. Dessa
forma, optamos por utilizar aqui a terminologia “gêneros do discurso”, não apenas para
101
seguirmos as traduções brasileiras de Bakhtin e seu Círculo, mas por considerarmos que
existe diferença entre essa corrente teórica e as correntes de estudos dos gêneros textuais.
4.4. O conceito de proficiência derivado da visão de linguagem adotada
Segundo a perspectiva teórica que apresentamos, “ser significa se comunicar, significa
ser para o outro e, pelo outro, ser para si mesmo” (Bakhtin, 2008, p. 322). É essa forma de
entender a linguagem, sempre dialógica, que define também a nossa visão de proficiência. Se
é nos enunciados concretos da comunicação verbal que são construídos os valores de uma
determinada comunidade, também é no uso dos enunciados que pode ou não ser demonstrada
a proficiência.
Para o Círculo de Bakhtin, como vimos, a linguagem é sempre indicial, já que “para o
locutor, a forma lingüística não tem importância enquanto sinal estável e sempre igual a si
mesmo, mas somente enquanto signo sempre variável e flexível” (Bakhtin/Volochínov, 2006,
p. 95). Se a língua é sempre indicial, ser proficiente nessa língua significa conhecer os
processos de indicialização e de significação próprios dessa língua. Se é somente dentro de
um determinado contexto que se pode atribuir sentido às formas da língua, também é somente
dentro de um determinado contexto que é possível demonstrar proficiência. Para o nosso
entendimento de proficiência, assim como para o estudo da linguagem segundo Bakhtin, o
importante é “ver a língua imersa na realidade enunciativa concreta, servindo aos propósitos
comunicacionais do locutor. ... não importa a forma lingüística invariável, mas sua função em
um dado contexto” (Flores e Teixeira, 2005, p. 48).
Dessa forma, é na relação com o contexto e com o interlocutor que a proficiência pode
ser demonstrada. Segundo Bakhtin/Volochínov,
A palavra dirige-se a um interlocutor: ela é função da pessoa desse interlocutor:
variará se se tratar de uma pessoa do mesmo grupo social ou não, se esta for
inferior ou superior na hierarquia social, se estiver ligada ao locutor por laços
sociais mais ou menos estreitos (pai, mãe, marido, etc.). (Bakhtin/Volochínov,
2006, p. 116)
Também, na visão de linguagem do Círculo, são os gêneros do discurso que
organizam nossa comunicação, pois “falamos apenas através de determinados gêneros do
discurso, isto é, todos os nossos enunciados possuem formas relativamente estáveis e típicas
de construção do todo” (Bakhtin, 2003, p. 282). Se os gêneros do discurso “são tão
102
indispensáveis para a compreensão mútua quanto as formas da língua” (Bakhtin, 2003, p.
285), entendemos, então, que ser proficiente em determinada língua é ser capaz de produzir
enunciados adequados dentro de determinados gêneros do discurso, configurando a
interlocução de maneira adequada ao contexto de produção e ao propósito comunicativo
29
.
Vemos que a definição de proficiência que aqui apresentamos, decorrente da visão de
linguagem do Círculo de Bakhtin, vai ao encontro da definição apresentada pelo manual do
exame Celpe-Bras, que é “uso adequado da língua para desempenhar ações no mundo”
(Brasil, 2006, p. 3). A questão que se põe, a partir de então, é como um sistema de avaliação
poderia dar conta dessa definição, já que o sistema de avaliação utilizado pelo exame Celpe-
Bras, como vimos, não é totalmente coerente com essa visão.
4.5. Como avaliar proficiência segundo essa visão de linguagem
Primeiramente, para ser coerente com essa visão de proficiência que apresentamos, é
preciso pensar a avaliação do uso, não das formas da língua. Para avaliar proficiência dentro
dessa visão de linguagem, é preciso avaliar os enunciados, porque nas orações não estão
presentes as relações dialógicas, que só acontecem no plano do discurso, no processo de
comunicação discursiva, e são, como vimos, determinantes para a proficiência. Também, se
são os gêneros do discurso que organizam o uso da linguagem, avaliar proficiência passa
necessariamente por avaliar a compreensão e a produção de gêneros nessa língua.
Gênero do discurso, por tudo que vimos acima, consiste em muito mais do que o
formato do texto, que pode ser nomeado: carta, e-mail, aula expositiva, reportagem de jornal,
panfleto, etc. A relação de gênero inclui em si própria toda a rede intricada de relações que
contribuem para compor o gênero: as esferas de atividades humanas, o autor, sua
individualidade e seu lugar no mundo, e o interlocutor, sua posição no mundo e em relação ao
autor, vão determinar como o texto será composto, quais informações irão aparecer e quais
não irão, e como a disposição dessas informações e as relações entre elas deverão ser
estabelecidas através de recursos lingüísticos. A relação entre todos esses elementos compõe o
gênero, que engloba uma materialidade textual que pode ser nomeada, mas que não traz em
seu nome (“carta”, “palestra”, etc.) todas as relações estabelecidas até chegar-se a ela.
29
Neste trabalho, não fazemos um histórico da noção de proficiência nos estudos da linguagem porque optamos
por limitar nossa definição de proficiência à perspectiva teórica aqui adotada. Para uma compreensão mais ampla
do termo, ver Scaramucci (2000), Bachman e Palmer (1996) e Hymes (1972).
103
Para avaliar a partir da noção de proficiência que adotamos, é preciso um sistema de
avaliação que dê conta de todas as relações estabelecidas entre os interlocutores e os
enunciados dentro de um determinado contexto de produção. Nesse sentido, entendemos que
um sistema de avaliação que considere a linguagem de uma perspectiva Bakhtiniana deva
fazer o percurso proposto por Rojo (2005) para a análise dos gêneros, segundo o qual
(...) aqueles que adotam a perspectiva dos gêneros do discurso partirão sempre de
uma análise em detalhe dos aspectos sócio-históricos da situação enunciativa,
privilegiando, sobretudo, a vontade enunciativa do locutor – isto é, sua finalidade,
mas também e principalmente sua apreciação valorativa sobre seu(s)
interlocutor(es) e tema(s) discursivos – e, a partir desta análise, buscarão as marcas
lingüísticas (formas do texto/enunciado/ e da língua – composição e estilo) que
refletem, no enunciado/texto, esses aspectos da situação. Isso configura não uma
análise exaustiva das propriedades do texto e de suas formas de composição
(gramática) – buscando as invariantes do gênero –, mas uma descrição do
texto/enunciado pertencente ao gênero ligada sobretudo às maneiras (inclusive
lingüísticas) de configurar a significação. (Rojo, 2005, p. 199)
Vemos, então, que, segundo essa visão, a construção do gênero está muito mais
centrada na configuração da interlocução do que nas marcas lingüísticas e formais presentes
no texto. Se ser proficiente, então, é ser um membro competente de uma comunidade
lingüística, capaz de construir gêneros adequados para participar de situações de enunciação
em diferentes esferas de uso da linguagem, podemos entender, dessa forma, que proficiência
é, em grande medida, capacidade de configurar adequadamente a interlocução dentro de um
contexto de comunicação específico. Ao avaliarmos proficiência, então, o que precisa ser
avaliado é a capacidade de configurar a interlocução nos enunciados dentro de um gênero e de
um contexto de produção específico, uma vez que todas as demais relações no texto vão ser
estabelecidas a partir da interlocução configurada.
Para usar adequadamente a linguagem dentro dos gêneros do discurso nas diversas
esferas da atividade humana, é necessário que as práticas de compreensão e produção sejam
adequadamente utilizadas. Na medida em que os enunciados produzidos são sempre uma
resposta a enunciados anteriores, o uso da linguagem sempre integra essas práticas, e no uso
não é possível dissociá-las. Ser proficiente em determinada língua, segundo essa visão,
implica compreender e produzir enunciados nessa língua. Dessa forma, para avaliar
proficiência de forma coerente com a definição adotada, é preciso um sistema que possibilite
avaliar as práticas de compreensão e produção de forma integrada, entendendo a compreensão
como parte ativa da produção, dentro de um processo dialógico.
A avaliação que pretendemos neste trabalho propor para o exame Celpe-Bras tem a
intenção de ser uma proposta de avaliação que vai ao encontro da visão de linguagem
104
apresentada pelo Círculo de Bakhtin. Em nosso entendimento, um exame que se proponha a
avaliar proficiência enquanto “uso da linguagem para realizar ações no mundo” (Brasil, 2006,
p. 3) precisa, necessariamente, de um sistema de avaliação que dê conta das relações
estabelecidas na situação e refletidas no texto, sempre no sentido situação vontade
enunciativa do locutor (essa vontade aparece na finalidade ou propósito do texto, mas também
e principalmente na apreciação valorativa do falante sobre seu interlocutor e tema discursivo)
marcas lingüísticas de composição e estilo que refletem no enunciado essas marcas da
situação.
Avaliar segundo uma perspectiva Bakhtiniana de linguagem pressupõe também
entender e aceitar que cada enunciado é único e irrepetível e, dessa forma, cada enunciado
precisa ser avaliado dentro da sua singularidade. Não é possível, então, uma grade de
avaliação que seja comum e fixa para todos os textos, porque cada texto, como enunciado,
estabelece relações diferentes dentro do contexto de comunicação em que é produzido. Cada
enunciado configura a interlocução de maneira única, e é a partir dessa interlocução que todas
as outras relações vão se estabelecer. Para avaliar segundo essa perspectiva, portanto, é
preciso usar um sistema de avaliação que seja genérico o suficiente para ser capaz de se
adaptar para cada texto, singularizando-se e singularizando a avaliação de modo a dar conta
das relações únicas e irrepetíveis estabelecidas pelo enunciado. Cada elemento avaliado no
texto, então (o cumprimento ou não do propósito da tarefa e os recursos lingüísticos e
informacionais utilizados para tal) deve se reportar à questão da constituição da interlocução
na singularidade de cada texto, o que significa dizer que cada texto, por ser um enunciado
único e irrepetível que reflete no momento da enunciação relações axiológicas únicas com os
enunciados com os quais estabelece relações dialógicas, também terá para sua avaliação um
paradigma único, que dará conta daquelas relações únicas estabelecidas por aquele texto com
aquele(s) interlocutor(es). O ato de avaliação coloca-se, assim, como um ato de enunciação,
na medida em que o avaliador necessariamente responde ao texto através do seu processo de
compreensão ativa, permeado pela sua rede de valores e pelas suas expectativas em relação a
um texto de prova de proficiência, ajustando para cada texto os parâmetros de avaliação para
que possam contemplar as relações estabelecidas em cada texto individualmente.
Na avaliação que proporemos para o exame Celpe-Bras no próximo capítulo, portanto,
todas as relações presentes (a relação que o autor estabelece com o interlocutor e com a
situação em si, a vontade discursiva do falante e os recursos lingüísticos utilizados para
compor o texto final) precisam ser avaliadas conjuntamente, uma vez que contribuem de
forma conjunta para a significação do texto e seu enquadramento no gênero que representa.
105
Não pensamos que seja possível, nesta avaliação, um olhar analítico, que dissocie as práticas
interacionais demonstradas dos recursos lingüísticos utilizados, pois o entendimento de
proficiência que temos, a partir das idéias do Círculo de Bakhtin apresentadas acima, diz
respeito à ampliação da participação e da constituição enquanto sujeito nos diversos contextos
de uso da linguagem, e não somente ao domínio de formas e regras da língua.
106
5. AVALIAÇÃO DE PROFICIÊNCIA SOB A PERSPECTIVA DOS
GÊNEROS DO DISCURSO
Segundo o entendimento de proficiência que aqui apresentamos, derivado da
perspectiva de linguagem do Círculo de Bakhtin, ser proficiente é ser um membro competente
de uma comunidade lingüística, capaz de construir gêneros adequados para participar de
situações de enunciação em diferentes esferas de uso da linguagem. Nesse sentido, a avaliação
da proficiência, como vimos, deve levar em conta as práticas de compreensão e produção de
forma integrada para a configuração da interlocução adequada ao gênero solicitado, bem
como deve avaliar os recursos lingüísticos na medida da sua contribuição para a configuração
dessa interlocução. Neste capítulo, relacionaremos a noção de proficiência apresentada com a
avaliação do exame Celpe-Bras, propondo direcionamentos para uma avaliação de
proficiência que considere a perspectiva dialógica do enunciado dentro dos gêneros do
discurso.
5.1. Proficiência como configuração adequada da interlocução dentro do gênero
solicitado
Para o Círculo de Bakhtin, como vimos, o entendimento da linguagem passa pelo
entendimento da sua natureza dialógica. Nesse sentido, a linguagem é um acontecimento
social, que se realiza através da interação verbal de enunciados, dada a partir da alternância de
sujeitos do discurso. Os enunciados, assim, são sempre responsivos em relação aos
enunciados que os precedem. Nessa perspectiva, entendemos que todo enunciado é produzido
por um sujeito do discurso, dentro de um determinado gênero e em um determinado contexto
de produção, constituindo interlocução com os enunciados anteriormente construídos. A
configuração da interlocução no enunciado, dessa forma, é produto das relações axiológicas e
de sentido produzidas pelo enunciador em relação aos enunciados aos quais está respondendo,
uma vez que “ele os rejeita, confirma, completa, baseia-se neles, subentende-os como
conhecidos, de certo modo os leva em conta” (Bakhtin, 2003, p. 297). Nesse sentido, é a
107
configuração da interlocução que vai ser responsável por determinar os recursos que serão
acionados no enunciado, de forma a estabelecer adequadamente a relação dialógica com os
demais enunciados na cadeia da comunicação discursiva. Em última análise, é a configuração
adequada da interlocução que vai fazer com que o enunciado produzido possa ser entendido
como aceitável e adequado em um determinado gênero dentro de um determinado contexto de
comunicação, e é essa interlocução constituída no enunciado que irá legitimar as respostas
que serão produzidas ao enunciado em questão por outros sujeitos do discurso.
Desse entendimento dialógico da linguagem, podemos depreender uma visão de
proficiência como sendo “capacidade de configurar adequadamente a interlocução nos
enunciados dentro de um gênero e de um contexto de produção específico e em resposta a
enunciados anteriores”. Nesse sentido, podemos entender que um texto demonstra maior ou
menor grau de proficiência na medida em que configura a interlocução de forma mais ou
menos adequada a um determinado contexto de produção, utilizando para tanto os recursos
necessários ou historicamente preferíveis dentro do gênero no qual o texto se insere. Avaliar
proficiência, nesse sentido, passa necessariamente por avaliar a configuração da interlocução
a partir dos recursos utilizados pelo enunciador para fazê-lo, em resposta a um enunciado
anterior dentro de um gênero do discurso.
A partir da perspectiva teórica adotada neste trabalho, a visão de proficiência em
língua escrita está centrada na configuração da interlocução no texto. Para a avaliação de
proficiência, segundo essa perspectiva, todos os critérios avaliados (uso de informações, uso
de recursos lingüísticos, composição do texto) seriam avaliados na medida da sua
contribuição para a configuração da interlocução em cada texto singularmente.
No exame Celpe-Bras, como vimos, o candidato deve demonstrar proficiência a partir
da produção de textos escritos em resposta a quatro tarefas propostas pela prova. A partir da
visão de proficiência explicitada acima, propomos que o grau de adequação da interlocução
configurada nos textos produzidos, a partir de recursos historicamente preferíveis dentro do
gênero e do contexto de produção solicitados, seja o critério para a definição dos níveis de
proficiência.
O texto apresentado abaixo é um exemplo de configuração clara e consistente da
interlocução dentro do contexto de produção e do gênero solicitados na tarefa. A tarefa IV, já
analisada, pedia aos candidatos que, com o intuito de estimular a discussão sobre a decisão do
Tribunal Superior do Trabalho, escrevessem um texto argumentando contra a invasão de
108
privacidade para ser afixado no quadro de avisos da empresa. O texto IV.2
30
, como vemos,
configura adequadamente essa interlocução. O texto dirige-se diretamente aos colegas,
inclusive com um vocativo endereçando o texto. O texto inicia contextualizando a questão
sobre a qual se propõe a falar, e legitima essa contextualização com uma pergunta aos
colegas, pressupondo que nem todos estejam a par do fato. As informações retiradas do texto-
base são utilizadas de forma consistente para contextualizar a situação para os colegas de
trabalho e para sustentar a posição defendida pelo autor do texto, que, inclusive, expressa sua
indignação com o ocorrido, como podemos ver nos trechos “Pessoal, isso é um abuso!”, e
“qual é o próximo passo? Vasculhar nossas carteiras?”. O texto termina incitando os colegas a
agirem contra a invasão de privacidade.
Texto IV.2
Colegas,
Vocês são cientes de que somos espionados no nosso ambiente laboral?
Com a desculpa de controlar eventuais improdutividades, riscos de vírus e de
defender a segurança informática, as corporações vigiam cada vez mais seus
empregados. O Tribunal Superior do Trabalho abriu um precedente nefasto ao
autorizar e legitimar a violação do correio eletrônico no escritório. Pessoal, isso
é um abuso! A privacidade é um direito fudamental garantido pelas leis.
Câmeras de segurança, crachá eletrônico, controle de e-mails e ligações...
qual é o próximo passo? Vasculhar nossas carteiras? Sejamos cidadões, façamos
valer nossos direitos e fiquemos de olho no Big Brother Corporativo! Se nós
permitirmos uma invasão dessas, quem sabe o que nos espera?
NÃO À INVASÃO DA PRIVACIDADE NO ESCRITÓRIO!
Esse texto, como podemos ver, demonstra proficiência, se entendermos proficiência
como sendo capacidade de configurar adequadamente a interlocução dentro de um contexto
de comunicação e de um gênero discursivo determinado. É um texto que utiliza recursos
lingüísticos, informacionais e de contextualização adequados para um texto afixado por um
funcionário em um quadro de avisos de uma empresa. O texto não se limita a expor o
problema, mas preocupa-se inclusive em estimular os leitores a tomarem uma atitude frente
ao caso, que ele considera absurdo. Na avaliação feita pelo exame Celpe-Bras, esse texto teve
sua proficiência avaliada como Avançado Superior.
O texto abaixo (III.44) também é um texto que configura clara e adequadamente a
interlocução dentro do gênero proposto pela tarefa à qual responde. A tarefa III solicitava aos
candidatos que escrevessem um e-mail a uma amiga que consome apenas alimentos naturais,
alertando-a sobre os mitos a respeito desse tipo de alimentação. O texto abaixo, como vemos,
30
O número em romanos indica a tarefa a que o texto pertence.
109
configura adequadamente essa interlocução. A interlocução configurada no texto é muito
próxima (íntima), tanto que o texto inicia saudando a amiga informalmente e chamando-a de
“lindinha”. A seguir, é mencionado o motivo do texto estar sendo escrito, o que legitima o
propósito de escrita configurado. Como o texto é escrito para uma amiga próxima, o texto
pode pressupor informações compartilhadas entre os interlocutores, como, por exemplo, o
fato de a amiga para quem o e-mail é escrito cuidar da alimentação e só consumir alimentos
naturais. Quando diz “ontem eu estava lendo uma revista e lembrei de você na hora”, o texto
aciona esse conhecimento compartilhado pelos interlocutores, já que a interlocutora
configurada no texto deve entender o porquê de uma reportagem sobre alimentação fazer a
amiga lembrar dela na hora. Quando o texto diz “tem que saber que não sempre os alimentos
naturais são os melhores”, o texto está cumprindo o propósito de alertar a amiga sobre os
mitos relacionados aos alimentos naturais. Apesar de apresentar só um desses mitos, em
forma de dica “Você sabia que pode ter uma boa dieta com uma higienização dos productos
não-orgánicos? pois é, você pode conseguir isso sim.”, a autora do texto reforça seu tom de
alerta em relação a esses mitos, e remete o leitor ao fato de que outros mitos são apresentados
na reportagem quando diz que “Amanhã eu levo a revista ao trabalho para estar melhor
informada.”. Ao terminar com “Então, a gente conversa amanhã”, a autora indica que tem
mais a dizer para a amiga, mas que isso será feito no dia seguinte, a partir da leitura da
reportagem, e não por e-mail. O e-mail serviu só para contar que havia lido a reportagem e
chamar a atenção da amiga sobre o assunto, que será discutido ao vivo posteriormente.
Texto III.44
Oi lindinha, como vai?
Ontem eu estava lendo uma revista e lembrei de você na hora. Porque em ela
havia uma reportagem que fala de alimentação e sei que você cuida muito dela
mas tem que saber que não sempre os alimentos naturais são os melhores.
Você sabia que pode ter uma boa dieta com uma higienização dos productos
não-orgánicos? pois é, você pode conseguir isso sim.
Amanhã eu levo a revista ao trabalho para estar melhor informada.
Realmente eu acho que devería alimentar-se melhor, você é magrinha demais.
Então, a gente conversa amanha, fica com Deus, beijão e até mais.
Bel.
Para a interlocução configurada no texto III.44, os recursos lingüísticos utilizados são
adequados dentro do gênero no qual o texto se insere, que é configurado para um interlocutor
próximo e de relação simétrica (amigo) e informal. Também para a interlocução configurada
no texto, as informações utilizadas são suficientes para contextualizar a questão e alertar a
amiga. Segundo a visão de proficiência adotada neste trabalho, portanto, esse texto seria um
110
texto proficiente, porque configura adequadamente a interlocução dentro do gênero solicitado,
usando para tanto recursos lingüísticos e informacionais adequados. Na avaliação do exame
Celpe-Bras, contudo, o texto em questão foi considerado como Básico, porque não recupera
informações suficientes do texto-base. Como vimos, os recursos informacionais utilizados
colaboram para a consistência da interlocução configurada, e inclusive apontam para uma
futura leitura do texto-base pela amiga a fim de ampliar a discussão sobre o assunto em outro
gênero que não o e-mail. A necessidade de recuperar mais informações, portanto, não é uma
necessidade criada pela interlocução configurada neste texto, que se inclui no gênero e-mail
informal e no contexto de produção proposto na tarefa (e-mail alertando amiga sobre os mitos
da alimentação natural). Como a grade de correção do exame Celpe-Bras opera com
expectativas fixas e comuns para todos os textos, independentemente da interlocução
configurada em cada texto singularmente, há na grade desta tarefa a exigência de recuperação
de um determinado número de informações, que não é cumprida pelo texto em questão.
Vemos, assim, que a correção privilegiou, no intuito de verificar a leitura, a recuperação de
informações, mas sem levar em conta a interlocução, excluindo da certificação, dessa forma,
um texto que, segundo a visão aqui defendida, é proficiente.
No texto III.10, vemos que a interlocução é clara e adequadamente configurada
segundo o propósito da tarefa (alertar amiga que consome apenas alimentos naturais para os
mitos a respeito desse tipo de alimentação), mencionando inclusive conversas prévias que a
autora teve com a interlocutora, que legitimam o propósito de escrita do texto. O texto
recontextualiza adequadamente informações do texto-base, inclusive mencionando a
reportagem lida, encadeando-a com a conversa prévia entre as interlocutoras, de forma a
alertar a amiga para os riscos da alimentação natural. O tom de alerta perpassa o texto,
aparecendo em marcas lingüísticas como “viu?” e “me poupe, né?”. A linguagem utilizada é
bastante informal, adequada à interlocução configurada. Também a estruturação do texto, em
um só bloco e sem parágrafos, é adequada para o gênero e-mail informal, que é um gênero
pouco estável em termos de marcas fixas ou formais de estruturação. Em um outro gênero, a
estruturação textual poderia ser considerada problemática, mas considerando o gênero
solicitado e produzido, essa estruturação pode ser considerada adequada à interlocução
configurada.
Na avaliação do exame Celpe-Bras, o texto abaixo foi classificado como Intermediário
Superior porque não menciona explicitamente que a amiga consome alimentos naturais.
Dentro do contexto de produção proposto, entendemos que essa interlocução esteja adequada,
uma vez que a familiaridade entre os interlocutores justifica pressupor que tanto a
111
enunciadora quanto a amiga a quem o e-mail se destina sabem qual o tipo de alimentação
seguido pela amiga, então essa informação não precisa ser recuperada no texto. Segundo a
avaliação do exame, no entanto, o interlocutor não foi considerado totalmente adequado neste
texto. A grade do exame, como vimos, apresenta uma interpretação bastante restrita do
enunciado dessa tarefa, entendendo “alimentos naturais” somente como “alimentos
orgânicos”, não legitimando, dessa forma, textos que configuram a interlocução com amigas
que sejam vegetarianas ou que estejam de dieta. Em nosso entendimento, restringir dessa
forma a interpretação do enunciado exclui outras interpretações possíveis da expressão
“alimentos naturais” (por exemplo, “alimentos vegetarianos” e “alimentos para quem está de
dieta”). De acordo com uma visão bakhtiniana de uso da linguagem, a interpretação do
enunciado deve ser avaliada a partir de cada texto individualmente, já que, como vimos, cada
texto estabelece relações dentro de si mesmo e entre texto e contexto que vão legitimar ou não
a leitura feita do enunciado da tarefa, a partir da interlocução configurada. Criar expectativas
comuns a todos os textos, sem considerar cada texto em sua singularidade, e excluir outras
leituras possíveis do enunciado, diferentes das previstas inicialmente, não é coerente com uma
visão de proficiência centrada na adequação das práticas sociais mediadas pelo uso da
linguagem. O texto III.10, segundo a visão de proficiência que apresentamos, seria um texto
Avançado Superior.
Texto III.10
Olá Melania, tudo bem? Querida, hoje lembrei de nossa conversa do sábado
sobre as dietas. Li na revista Época uma reportagem sobre os mitos do
alimentação “saudável”. Muitas das supostas verdades a respeito do quê comer e
como fazê-lo são freqüentemente fruto de enganos, manipulação midiática e até
de interesses políticos, viu? Por exemplo, a moda dos produtos “naturais” sem
agrotóxicos é um exagero que não tem fundamentos científicos sólidos. Na
verdade, não é preciso pagar o triplo por esses alimentos, quando se pode lavar
os vegetais bem para tirar qualquer resíduo indesejável. Além do mais, não se
pode viver só de alface!! As carnes, além de serem fonte das protèínas de melhor
valor biológico, contêm nutrientes fundamentais como o ferro e a vitamina B12.
Quanto aos produtos “light”, também podem ser um engano. Não basta não
consumir açúcar ou sódio para emagrecer e viver mais, tem que ficar esperta às
embalagens para saber o real valor calórico do alimento e a quantidade e
qualidade das gorduras. Finalmente, aquela paranóia de não comprar nada
industrial... me poupe, né? =) Será que os países industrializados têm uma saúde
tão ruim assim? Já desejaríamos nós ficar perto deles no que diz respeito à
expectativa de vida. Enfim, tudo é propaganda, minha amica. Falando em dietas,
vamos caminhar amanhã?
Abraço, Jurema.
O texto I.44 é também um texto que configura a interlocução proposta na tarefa. A
tarefa I solicitava que os candidatos imaginassem que tinham sido convidados para fazer um
112
texto de apresentação da Fundação Darcy Ribeiro, para ser publicado em um guia sobre
centros culturais do Rio de Janeiro. O texto abaixo configura o enunciador como alguém que
foi convidado para escrever um texto de apresentação para um guia, inclusive justificando
isso no início do texto, dizendo “É motivo de orgulho para mim fazer à apresentação”. Essa
interlocução configurada é uma leitura possível do enunciado da tarefa: é legítimo que uma
pessoa convidada para escrever um texto de apresentação para um guia faça comentários
como o que aparece no início do texto, já que teria sido convidada por ter um papel relevante
e que lhe confere autoridade naquele contexto, o que justificaria o convite.
Texto I.44
Campinas, 26 de abril de 2006.
Caro, Povo Brasileiro
É motivo de orgulho para mim fazer à apresentação de uma pessoa
ilustre como é Darcy Ribeiro
Mineiro, nascido 1922, Educador, Antropologo e escritor de obras maravilhosas
que realizaram o seu sonho de immortalidade porque atravez de estas ficou na
nossa memória e na de muitas outras pessoas, que têm o grande privilegio de leer
elas.
Alem de nos dar suas obras Darcy Ribeiro, dejo para nós perpetuar su
inmortalidade uma fundação sem fin lucrativos que incentiva o trabalho no qual
ele acreditava, esta entidade estimula o trabalho educativo e o amor por à
antropologia que foi a paixão do Darcy Ribeiro.
O fato de o texto I.44 apresentar a data da escrita e estar endereçado ao “Caro, Povo
Brasileiro” não faz com que o texto fuja ao gênero proposto na tarefa, porque entendemos
que, em um guia de apresentação de centros culturais que convida personalidades importantes
para escreverem a apresentação dos centros, como parece ser o suporte configurado por esse
texto, os textos podem apresentar esse formato, com marcas de explicitação de autoria e a
data em que foi escrito. Nesse sentido, no entanto, o fato de o texto não apresentar a
assinatura do seu autor, que, pela relação de interlocução configurada, deveria estar presente
para legitimar a apresentação inicial, enfraquece a consistência da interlocução, na medida em
que a interlocução configurada centra-se na importância do autor em relação ao texto que está
escrevendo. Ao não assinar o texto, a interlocução configurada perde consistência, já que
alguém só é convidado para escrever um texto de apresentação para um guia se é uma
personalidade importante para a instituição que vai ser apresentada, e nesse caso o seu nome é
muito importante. O fato de o texto não ser assinado não invalida a interlocução constituída
nem impede que o texto cumpra o propósito interlocutivo solicitado na tarefa, mas enfraquece
a interlocução.
113
O texto I.44 seria então, segundo a configuração da sua interlocução, não mais um
texto Avançado Superior, mas um texto Avançado, por conta desse enfraquecimento na
interlocução. Na avaliação do exame Celpe-Bras esse texto foi classificado como Iniciante,
porque não se encaixava no formato do gênero solicitado, e teve seu interlocutor e propósito
considerados inadequados. Vemos, no entanto, que as decisões tomadas pela grade do exame
não contemplavam a leitura que o candidato fez do enunciado da Tarefa, que, como vimos,
permite esse posicionamento pessoal do autor no texto. As relações estabelecidas
singularmente dentro desse texto fazem com que sejam adequados tanto a demonstração de
orgulho do autor quanto o fato de ele dizer que vai “fazer a apresentação de uma pessoa
ilustre como é Darcy Ribeiro”, já que é a partir das informações de Darcy Ribeiro que o autor
justifica a apresentação que faz da Fundação, que era o propósito solicitado pela tarefa.
Vemos também que, segundo a grade de avaliação do exame Celpe-Bras, o texto I.44
não apresenta as informações consideradas necessárias para ser um texto Avançado. Nesse
texto, vemos que as informações utilizadas dão conta da apresentação proposta, dentro da
interlocução configurada e com as características do gênero que o texto constitui. Nesse caso,
temos um exemplo em que a decisão a priori do conteúdo informativo a ser exigido na grade
de avaliação é um problema, já que cada texto é único e singular, e é dessa forma que
constitui as relações que vão exigir ou não o uso de determinadas informações. Nas relações
estabelecidas neste texto, vemos que a assinatura do autor é uma informação que faz falta,
porque seria importante para legitimar a interlocução nele estabelecida. Já as outras
informações do texto-base que são exigidas na grade de avaliação do exame Celpe-Bras
(como o fato de Darcy Ribeiro acreditar muito pouco na caridade e a Fundação manter seus
livros à disposição), não parecem, pelas relações estabelecidas internamente no texto, fazer
falta para a apresentação da Fundação, já que o texto fala de Darcy Ribeiro como educador e
antropólogo, e diz que a Fundação perpetua a sua imortalidade porque estimula o trabalho
educativo e o amor à antropologia, explicitando, dessa forma, a relação entre Darcy Ribeiro e
a Fundação apresentada, cumprindo, assim, a solicitação do enunciado da tarefa.
O texto abaixo (IV.42) é um texto que não parece configurar a interlocução. O texto
não apresenta um interlocutor explícito nem tampouco faz menção implícita aos possíveis
leitores. O texto é todo escrito de forma impessoal e fala de uma empresa que não parece ser a
empresa onde o autor do texto trabalha, mas uma empresa genérica, inclusive no plural, como
em “somente os gerentes delas companhias posser ter acceso ao Internet”. As inadequações
lingüísticas apresentadas pelo texto também interferem no estabelecimento da interlocução,
porque o leitor acaba por não saber se o que o texto faz é descrever algo que já acontece na
114
empresa ou propor uma possibilidade, quando diz “De essa forma a companhia e os
trabalhadores possem ter límpio seus nombres”, nem explica o que significaria ter o nome
limpo (no caso da empresa e do funcionário) em relação ao que escreve.
Texto IV. 42
Agora há uma forma de ter e-mails nos trabalhos que é mas segura: primero
é que somente se posse reubir e mandar os mensagems elos trabalhadores desde
la folha de la companhia que é distribuida a toudos os trasbalhadores. Esta folha
posse se-ver por Internet, mais para entrar a determinadas trabalhos os usuairos
devem ter um codigo especial. Alem somente os gerentes delas companhias
posser ter acceso ao Internet (les outros trabalhadores tenem acceso ao intranet),
mais si eles entram é para saver cassos en relativos a la oficina.
Por outro lado, há uma oficina de computadoras na companhia que possa
revisar a organizaçae: en caso de notar que alguem envia mensajes como
mulheres nuas será castigado, mais si eles somente les-recibem, no há de castigo.
De essa forma a companhia e os trabalhadores possem ter límpio seus
nombres porque o ambiente de trabalho é livre.
Este texto, como podemos ver, não é adequado em relação ao gênero proposto,
porque, ao não configurar a interlocução, dificulta a possibilidade do leitor de atribuir sentidos
ao que está escrito para cumprir o propósito interlocutivo solicitado (estimular a discussão
sobre invasão de privacidade) no contexto de produção previsto na tarefa (texto escrito por
um funcionário para ser afixado no quadro de avisos da empresa). Por não configurar
interlocução, não consideramos o texto IV.42 como proficiente.
O texto abaixo (IV.16) é um texto no qual a interlocução configura-se de forma
bastante fraca. A partir do contexto de produção proposto na tarefa, um texto argumentativo
sem interlocução explícita poderia ser considerado adequado, desde que relacionasse esse
contexto de produção ao texto de forma a configurar a interlocução com os colegas de
trabalho e cumprir o propósito interlocutivo de estimular a discussão. Apesar de, em alguns
momentos, o texto fazer menção a sua relação com os leitores, colocando-os de certa forma
como participantes do texto, como nos trechos “somos pessoas adultas e não necessitamos,
pressões ou que violenten nossos direitos para corregir alguma atitude errada” e “hoje é nossa
privacidade e amanhã?”, em outros momentos o texto parece referir-se ao tema de forma
genérica e distante, como em “Essa é a situação que gera o aval para que as empresas
vigiarem e-mails dos empregado” e “Há que tentar soluções razonáveis e que não incomodem
ao conjunto dos empregados já que não todos incurvam na falta, e deven sentir-se intimidados
e observados o tempo tudo.”. Nesses trechos, parece que o autor está falando do tema de
forma genérica, não dentro da sua empresa para estimular a discussão entre os seus colegas.
115
Texto IV. 16
Há direitos que devem ser respeitados entre eles o direito à privasidade
garantido além pela constituição a todo ser humano. Ter a sensação que o tempo
tudo alguém está respirando na nuca, no trabalho não é produtivo, a
incomodidade se sentir-se observado ou à espera de fazer algo mal.
Essa é a situação que gera o aval para que as empresas vigiarem e-mails dos
empregado. Há outras maneiras de fazer algum tipo de controle como a
experiência nos Estados Unidos da assinatura de um termo de compromisso no
ato da contratatação, nele o funcionário se compromete a usar seu e-mail para
fins de trabalho.
Este é um bom exemplo de tentar dar solução algum problema sem perder a
confiança nos empregados, além de tudo somos pessoas adultas e não
necessitamos, pressões ou que violenten nossos direitos para corregir alguma
atitude errada. Pelo exposto até aquí podemos dizer que a privacidade é um
direito irrenunciável e deve ser defendido, hoje é nossa privacidade e amanhã?..
Há que tentar soluções razonáveis e que não incomodem ao conjunto dos
empregados já que não todos incurvam na falta, e deven sentir-se intimidados e
observados o tempo tudo.
O texto IV.16 também apresenta inadequações lingüísticas que interferem na
configuração da interlocução. Na primeira frase do texto temos um exemplo disso: a
dificuldade em recuperar a função da palavra “além”, na frase “Há direitos que devem ser
respeitados entre eles o direito à privasidade garantido além pela constituição a todo ser
humano” pode se tornar um obstáculo para o leitor. A seguir, a primeira frase do segundo
parágrafo, “Essa é a situação que gera o aval para que as empresas vigiarem e-mails dos
empregado.”, cria uma incoerência no texto, já que contradiz a frase “Ter a sensação que o
tempo tudo alguém está respirando na nuca, no trabalho não é produtivo” que vem
imediatamente antes e é retomada como referente do pronome “Essa” que inicia o segundo
parágrafo. Também no final do texto a inadequação no uso dos recursos lingüísticos cria
incoerência na significação do texto, na frase “Há que tentar soluções razonáveis e que não
incomodem ao conjunto dos empregados já que não todos incurvam na falta, e deven sentir-se
intimidados e observados o tempo tudo.”. A não repetição do “não” antes do verbo “deven”
faz com que o que o texto acabe afirmando é que todos os funcionários devem se sentir
intimidados e observados o tempo todo.
Pelos problemas apresentados pelo texto IV.16 na configuração da interlocução,
acreditamos que esse texto se inclua no nível básico de proficiência. Na avaliação do exame
Celpe-Bras, no entanto, este texto foi avaliado como Intermediário Superior, provavelmente
por ter utilizado várias informações do texto-base.
116
5.2. Inseparabilidade entre recursos lingüísticos e práticas interacionais
Como vimos, para o Círculo de Bakhtin, a visão de língua não é de um sistema de
regras e normas, mas de uma gama de enunciados dialógicos. A aprendizagem de uma língua,
nessa perspectiva, se dá através de enunciados concretos que pertencem a gêneros discursivos
específicos, e não a partir de regras de gramática e listas de vocabulário. É o evento do
enunciado o responsável pela atribuição de sentido, não as palavras em si. A linguagem é
sempre indicial, ou seja, não está presa a significados fixos e estáveis, ao contrário, atribui aos
seus índices (os signos lingüísticos) sempre sentidos diferentes, a partir do contexto do
enunciado concreto. É nesse sentido que, segundo o Círculo, “a forma lingüística não tem
importância enquanto sinal estável e sempre igual a si mesmo, mas somente enquanto signo
sempre variável e flexível. ... o centro de gravidade da língua não reside na conformidade à
norma da forma utilizada, mas na nova significação que essa forma adquire no contexto”
(Bakhtin/Volochínov, 2006, p. 95). Segundo Flores e Teixeira (2005, p. 48), para Bakhtin
“não importa a forma lingüística invariável, mas sua função em um dado contexto”. É nesse
sentido que entendemos que os recursos lingüísticos, no uso da linguagem, servem para
configurar e sustentar a interlocução dentro de determinado contexto de produção.
Pensar proficiência em língua estrangeira, segundo essa visão, implica entender que os
recursos lingüísticos estão “a serviço” da interlocução, isto é, articulando as relações
contextuais e interlocutivas à materialidade lingüística para a produção de um texto dentro de
determinado gênero. Proficiência é, dessa perspectiva, mais do que uma soma de regras de
gramática e vocabulário ou um inventário de signos. Proficiência é a capacidade de agir na
língua, e um falante é mais ou menos proficiente na medida em que suas ações são mais ou
menos adequadas aos contextos de produção em que atua. Avaliar proficiência então, segundo
esse entendimento, passa ao largo da avaliação do uso “correto” dos recursos lingüísticos
enquanto formas estáticas, mas deve se centrar na avaliação da “adequação” no uso desses
recursos para configurar a interlocução em um contexto de produção específico.
A partir do entendimento de proficiência como uso da linguagem para cumprir
determinados propósitos comunicativos, como vimos, a determinação do nível de proficiência
se dá pela realização ou não do propósito de forma mais ou menos preferível dentro do
contexto de produção do texto. Dessa forma, os recursos lingüísticos devem ser avaliados na
medida em que permitem ou não a realização do propósito de forma mais ou menos preferível
dentro do gênero e do contexto de produção previsto.
117
Em alguns textos em que as inadequações lingüísticas existem mas não impedem a
realização dos propósitos de comunicação, como vimos, o exame Celpe-Bras atua como
exame de “língua”, sem levar em conta o uso. Se o Celpe-Bras tem interesse em avaliar uso
de norma culta em língua portuguesa, é necessário que explicite isso no Manual e use para
tanto tarefas que legitimem o uso desses recursos, solicitando, por exemplo, a produção de
gêneros mais estáveis e historicamente convencionados.
Como já dissemos, se adotarmos uma perspectiva bakhtiniana de gênero do discurso,
entendemos que a avaliação de proficiência deva, no exame Celpe-Bras, estar centrada na
demonstração de capacidade de configurar a interlocução adequadamente dentro dos gêneros
propostos nas quatro tarefas. Nesse sentido, entendemos que a avaliação da adequação no uso
dos recursos lingüísticos deva estar sempre relacionada às possibilidades de configuração de
interlocução que esses recursos proporcionam ao candidato. Desse ponto de vista, não faz
sentido a avaliação dos recursos lingüísticos ser um item separado da avaliação das práticas
interacionais, como é feito na grade de avaliação do exame Celpe-Bras. Se é no uso da
linguagem que esses recursos vão se mostrar mais ou menos adequados, avaliá-los só faz
sentido na medida em que permitem ou não ao texto estabelecer relações de interlocução
adequadas ao gênero e ao contexto.
O texto abaixo (IV.41), como podemos ver, é um texto que configura a interlocução
dentro do gênero discursivo proposto na tarefa (texto para ser afixado no quadro de avisos da
empresa), mas essa interlocução não se mostra clara e adequada porque existem no texto
inadequações lingüísticas que impedem a adequada recontextualização de algumas
informações, o que confunde o leitor. Um exemplo disso está no trecho “me oponho e exijo
ser avisado pela empresa sobre a invasão de privacidade, quero ser afixado no cuadro de
avisos da empresa onde estiver trabalhando”, em que o texto parece não distinguir o suporte
em que ele mesmo será veiculado (quadro de avisos da empresa) da relação entre a empresa
avisar os empregados de que está vigiando os e-mails e colocar esse aviso no quadro de
avisos.
Mesmo que não comprometam totalmente a compreensão do texto, as inadequações no
uso dos recursos lingüísticos prejudicam a interlocução, em virtude de constituírem algumas
seqüências textuais cuja interpretação só pode se dar a partir de inferências feitas pelos
leitores, inferências essas que podem não se confirmar no restante do texto, como acontece no
início do texto, em que aparece a afirmação “me dirijo ao Tribunal Superior do Trabalho”.
Esse trecho abre o texto fazendo o leitor imaginar que o mesmo é uma carta para o TST,
inferência que não se confirma ao longo do texto, quando é dito que o autor exige ser avisado
118
pela empresa da invasão de privacidade. As inadequações lingüísticas também parecem se
traduzir em problemas de coesão e estrutura textual, como no trecho “que nos devem respeito,
é um mínimo de privasidad é, sim”, que contribuem para tornar a interlocução menos
consistente porque exigem que o leitor contribua com inferências que preencham lacunas
deixadas pelo texto.
O gênero produzido no texto, apesar dos problemas na configuração da interlocução,
não parece ser totalmente inadequado ao solicitado pelo enunciado da tarefa, mesmo que esse
texto apresente um formato diferente dos textos produzidos pelos demais candidatos. O fato
de, no início, o texto se parecer com uma carta para o TST, não impede que ele ainda assim
respeite as condições de produção propostas na tarefa, visto que mesmo uma carta ao
Tribunal poderia ser afixada em um quadro de avisos da empresa e cumprir o propósito de
estimular a discussão sobre invasão de privacidade. Neste caso, o suporte selecionado
contribui em muito para a significação do texto, já que qualquer texto que for afixado em um
quadro de avisos, independente do seu formato, pode estimular a discussão dos colegas sobre
determinado assunto. É dentro desse contexto de produção específico que o texto cumpre o
propósito de argumentar contra a invasão de privacidade (e faz isso recontextualizando
adequadamente informações retiradas do texto-base): “Câmeras de Segurança nos corredores,
crachá eletrônico, controle de ligações; tudo bem, estamos aguentando; como pessoa não
deixo de ser cidadã por estar em uma empressa”, estimulando, dessa forma, a discussão sobre
a decisão tomada pelo TST, mesmo que, como vimos, dentro de uma interlocução
inconsistente.
Texto IV.41
Sou trabalhadora, e me dirijo ao Tribunal Superior do Trabalho (TST). Por
razões de respeito e privacidade.
Câmeras de Segurança nos corredores, crachá eletrônico, controle de
ligações; tudo bem, estamos aguentando.
Agora vasculhar o correio eletrônico de todo munto do escritorio e uma
invasão mais que desrrespeitabel e inmoral.
Que nos devem respeito, é um mínimo de privasidad é, sim
Certamente todos devemos ter e usar um e-mail profissional para fins
somente de trabalho, ónde o funcionário se compromete na empreça e para pára
ela.
Me oponho e exijo ser ávisado pela empresa sobre a invasão de privacidade,
quero ser afixado no cuadro de avisos da empresa onde estiver trabalhando.
E como pessoa não deixo de ser cidadã por estar em uma empressa.
Privacidade e un direito de todos; se o T.S.J. deu aval para as empresas
vigiarem e-mails dos empregados tambén está desrespeitando a moral de cada
trabalhador.
Respeito ou manipulação.
119
O texto acima, apesar de apresentar inadequações lingüísticas que, além dos
problemas de coesão e estruturação do texto já mencionados, se refletem também em
inadequações de pontuação e ortografia, é capaz de configurar em parte a interlocução e
produzir um texto adequado ao gênero solicitado na tarefa (texto para ser afixado no quadro
de avisos da empresa). Como a tarefa não estabelece o tipo de empresa em que o autor do
texto trabalha e nem descreve o nível de formação desse autor, é legítimo prever que, em um
contexto como esse, trabalhadores afixem em quadros de empresas textos que possuam
inadequações. Entendemos que essas inadequações devam ser avaliadas somente na medida
em que se refletem na dificuldade de configurar a interlocução. Se o exame Celpe-Bras tem
como objetivo testar letramento em Língua Portuguesa, o que é legítimo para um exame de
proficiência em língua estrangeira que certifica candidatos com pretensões acadêmicas e
profissionais no Brasil, como já dissemos, esse objetivo deveria ser mais claramente
explicitado no Manual do Candidato, e deveria estar refletido em tarefas que propusessem
contextos de produção em que esse letramento precisasse ser demonstrado. Se, no entanto, a
proposta é testar o uso da língua em diferentes práticas sociais, entendemos que é o contexto
de produção proposto que deve guiar a adequação ao gênero do texto produzido. Segundo
esses critérios, então, entendemos o texto IV.41 como um texto Intermediário, e não Básico,
como foi classificado na avaliação do exame.
No texto abaixo (IV. 25), a interlocução parece ser constituída na relação entre as
marcas lingüísticas e o contexto de produção do texto. É o fato de estar afixado em um quadro
de avisos que completa as marcas utilizadas no texto e torna a interlocução consistente. Além
de ser endereçado aos “Prezdos Collegos”, o texto apresenta também conjugações dos verbos
na primeira pessoa do plural (“temos”, “queremos”) e pronomes (“informar-nos”) que o
relaciona com os leitores. Por ser um texto bastante expositivo e recontextualizar muitas
informações do texto-base, grande parte do texto não apresenta marcas lingüísticas de
interlocução explícita, mas as marcas presentes são suficientes para configurar a interlocução
adequadamente.
O texto, como vimos, cumpre o propósito interlocutivo e para isso recontextualiza
informações suficientes. Foi o fato de existirem, neste texto, várias inadequações lingüísticas
em relação à norma culta escrita que o fez, na avaliação do exame Celpe-Bras, ser classificado
como um texto de nível Intermediário Superior, e não Avançado. As limitações lingüísticas,
no caso deste texto, no entanto, não impedem que as relações estabelecidas na configuração
da interlocução sejam suficientes e consistentes. Dessa forma, se entendemos proficiência em
escrita como sendo capacidade de configurar adequadamente a interlocução para cumprir com
120
o propósito interlocutivo desejado dentro de um gênero específico, este texto demonstra
proficiência em nível Avançado Superior.
Texto IV.25
Prezdos Collegos
No mês passado, o Tribunal Superior do Trabalho autorizou as corporações de
vasculhar o correio eletrônico de todo mundo do escritório. Isto não é aceitável!
É uma deçisão contra os direitos dos empregados. Temos o direito de
privacidade, e queremos ficar com este direito. É verdade que haja alguns
collegas que visitam sites que não tenham relação com a atividade profissional.
Mas só são alguns, e se não pode suspectar todos os empregados a causa dos
alguns. Esse invasão de privacidade criar uma atmosféra em que não há
confiança, e isto cria improdutividade. Se as empresas têm medo dum vírus, eles
podem informar-nos (por exemplo em cursos) dos tipos de mails que não
devemos aceitar. Eles também podem bloque alguns sites com conteúdo
pornográfico, etc.
Há soluções menos hostil para resolver esse problema. O empregado pode
assinar um termo de compromisso no ato da contratação, em que ele se
compromete a usar seu e-mail profissional para fins somente de trabalho. Seria
uma solução com que haveria mais segurança e confiança, uma combinação que
cria produtividade.
Caso semelhante parece ter acontecido com o texto III.7, a seguir. O texto configura
adequadamente a interlocução dentro do gênero discursivo proposto (e-mail para a amiga que
só come alimentos naturais) e cumpre com o propósito interlocutivo de alertar a amiga para
os mitos dos alimentos naturais, mas apresenta algumas inadequações em relação à norma
culta escrita (menos ainda que no texto acima). Por conta dessas inadequações, este texto
também foi avaliado no exame Celpe-Bras como Intermediário Superior, e não Avançado.
Por não impedirem a configuração da interlocução e não interferirem no cumprimento do
propósito interlocutivo, consideramos o texto abaixo também proficiente em nível Avançado
Superior.
Texto III.7
Querida Ana:
Tudo bem? Já faz algum tempo que nos ouvimos.
Ontem eu li um artigo sobre a alimentaçõa natural e imediatamente eu
lembrei de você. Os assim chamados alimentos saudáveis não sempre cumprem
o que prometem.
Você soube que a carne contêm ferro e vitamina B12 que são indispensáveis
para a nossa saúde? Quem come somente produtos vegetários corre o risco de
não ter certos alimentos dos quais o corpo necessita.
Um outro mito a respeito da alimentação saudável é que temos de evitar
produtos industrializados mas os habitantes dos países industrializados atingem
121
uma idade média de cerca 80 anos! Os produtos não podem ser tão ruins para a
saúde!
Uma vez você me disse que compra muitos produtos diet. Faça atenção! Se
um produto é diet não quer dizer que não contêm nem açúcar nem gorduras mas
só que não contêm um ingrediente específico. Para não engordar é melhor
verificar todos os ingredientes.
Enfim, a sua convinção que só frutas orgânicas são boas para a saúde não há
nenhuma base científica. Talvez tenha que pensar uma outra vez sobre a sua
alimentação tão “saudável”. Na minha opinião a coisa melhor é não exagerar o
que tem a ver com os alimentos naturais. De vez em quando, o nosso corpo
necessita também de carne!
Um grande abraço,
Marcela
No nosso entendimento, a partir de uma perspectiva Bakhtiniana de uso da linguagem,
os recursos lingüísticos não devem ser avaliados de forma separada das práticas interacionais,
isto é, eles devem ser considerados na medida em que permitem a configuração da
interlocução com o objetivo de cumprir determinado propósito interlocutivo de forma mais ou
menos preferível em determinado contexto. É somente dentro do contexto que se pode saber
quais recursos são preferidos, na medida em que eles são definidos situadamente pelos
interlocutores. Nesse sentido, entendemos que a preferência por determinados recursos
lingüísticos utilizados pode se tornar mais (ou menos) flexível em diferentes tarefas. No texto
III.7, vemos que o uso da expressão “Faça atenção!”, por não ser uma expressão típica da
língua portuguesa, pode revelar a identidade de quem escreve como sendo um falante com
pouca socialização em língua portuguesa, mas isso não vai de encontro às expectativas do
contexto de produção – e-mail para amigo. Em outras tarefas, no entanto, como na Tarefa I,
por exemplo, que solicitava ao candidato que escrevesse um texto de apresentação para um
guia, e portanto apresentava preferência por um uso mais padronizado da língua, o uso da
expressão “Faça atenção!” poderia ser considerado menos preferido. Também Abeledo
(2008), partindo de uma perspectiva etnometodológica, afirma que a compreensão não se dá
pela equivalência entre signos lingüísticos e significados definidos, mas somente pelas
relações estabelecidas pelos participantes no momento do uso da linguagem.
Vemos, dessa forma, que só a partir das relações estabelecidas entre os participantes
no momento da interação podemos considerar os recursos lingüísticos como adequados ou
não à situação de uso. Se esses recursos permitem o cumprimento do propósito na
interlocução constituída, como nos textos IV.25 e III.7, devem ser considerados adequados.
Se proficiência é capacidade de usar a língua para cumprir os propósitos comunicativos em
determinados contextos de produção e com determinados interlocutores, e esses textos estão
cumprindo os seus propósitos, eles são adequados e, portanto, proficientes.
122
Entendemos que as avaliações feitas dos textos IV.25 e III.7 no exame Celpe-Bras
tenham levado em consideração as inadequações lingüísticas apresentadas pelos textos em
relação à norma culta escrita. As tarefas propostas, no entanto, não propunham contextos de
produção para os textos em que o uso da norma culta fosse exigido. Dentro dos gêneros
propostos, podemos certamente criar condições para que um trabalhador afixe no quadro de
avisos da empresa um texto com limitações relativas ao uso da norma culta escrita, ou escreva
um e-mail para uma amiga sem atentar à norma culta. Ao não definir a empresa em que o
autor do texto deveria trabalhar nem a formação ou grau de escolaridade que deveria possuir,
as tarefas abrem a possibilidade para que textos que apresentam inadequações à norma culta
sejam adequados ao gênero proposto. Se é objetivo do exame avaliar letramento na norma
culta, seria importante que as tarefas solicitassem que os candidatos produzissem textos em
que o contexto de produção exigisse essa norma. Ao selecionar gêneros não tão estáveis ou
que não exigem o uso da norma culta para a sua produção, entendemos que, numa perspectiva
de participação social em diferentes contextos, os parâmetros de avaliação não devem
privilegiar o uso dessa norma de forma independente do contexto de produção.
Por se tratar de uma situação de avaliação de proficiência em língua estrangeira,
porém, que historicamente usa critérios lingüísticos fixos como critério de definição entre os
níveis avaliados, é importante que o exame Celpe-Bras explicite mais claramente no Manual a
sua preferência pela avaliação de “uso” da linguagem. Para avaliar de acordo com a
perspectiva apresentada neste trabalho, é necessário que o exame se preocupe com o que os
interlocutores tornam relevante no momento da interação para cada nível de certificação, não
com questões formais independentes da interação, como os tempos verbais utilizados em cada
nível, por exemplo. Uma avaliação nos termos aqui propostos, por enfocar a adequação das
práticas de compreensão e produção dentro dos gêneros discursivos solicitados, vai ao
encontro do construto do exame, que pretende avaliar proficiência no uso da língua em
situações de comunicação.
5.3. Avaliação integrada das práticas de compreensão e produção
Na avaliação escrita do exame Celpe-Bras, o candidato precisa produzir quatro textos
diferentes, em resposta a quatro tarefas que se propõem a testar compreensão oral e de leitura
e produção escrita de forma integrada. Cada tarefa propõe um contexto de produção, um
interlocutor e um propósito específicos. É dentro desse contexto de produção que o candidato
123
deverá produzir o seu texto, inserindo-o dentro do gênero legitimado pelo contexto para dar
conta da interlocução estabelecida.
Para o Círculo de Bakhtin, os gêneros compartilham a função de organização da
comunicação dentro de determinada esfera da atividade humana. Não são um conjunto de
textos com determinadas propriedades formais em comum, mas a natureza da relação
dialógica e a função que realizam na comunicação que constroem esses textos. Nesse sentido,
é a relação de interlocução que vai legitimar o uso dos recursos lingüísticos, composicionais e
de contextualização que compõem o gênero. Esses recursos não são usados por acaso, mas
para configurar adequadamente a interlocução dentro do contexto de produção.
Para produzir um texto que configure adequadamente a interlocução dentro de um
determinado contexto de produção, é necessário fazer uso de certos recursos informacionais
que vão tornar consistente a interlocução configurada e contribuir para o cumprimento do
propósito interlocutivo do texto. Para isso, é necessário que o autor do texto demonstre estar
de alguma forma envolvido na atividade da qual o gênero faz parte. O texto precisa, então,
para legitimar a interlocução configurada e o propósito a que o texto se propõe, acionar
recursos informacionais para dar conta da esfera de comunicação envolvida. Quanto mais
contextualizados e adequados esses recursos, mais consistente será a interlocução.
Como vimos anteriormente, a recuperação de informações do texto-base da tarefa é
um critério definidor importante do ponto de corte entre os níveis certificados no exame
Celpe-Bras. Com base na análise de uma amostra de textos (ajuste da grade), a grade de
avaliação do exame prevê as informações que considera obrigatórias para os textos, e é essa
decisão que define, em grande medida, os níveis de proficiência, mais do que o cumprimento
do propósito ou a consistência da interlocução. Entendemos que um exame que tem como
objetivo avaliar de forma integrada a compreensão oral e escrita e a produção escrita tenha
que definir pontos de corte em relação à compreensão. No entanto, a recuperação de
informações do texto-base exigida na grade não está necessariamente ligada à configuração da
interlocução. Dessa forma, textos que constroem adequadamente a interlocução mas que não
recuperam um determinado número de informações podem ser classificados na avaliação do
exame com um nível inferior ao de outros textos em que a interlocução não é tão consistente,
mas que recuperam um grande número de informações.
A visão de proficiência em leitura e compreensão oral demonstrada na grade do exame
Celpe-Bras, como vimos, está diretamente relacionada à recuperação de informações. A partir
da perspectiva teórica adotada neste trabalho, a recuperação das informações, assim como o
uso dos recursos lingüísticos, deve ser avaliada na medida da sua contribuição para a
124
configuração da interlocução no texto produzido e na medida em que tornam mais consistente
o propósito do texto, a partir da interlocução configurada, de forma mais ou menos preferível
dentro do contexto de produção.
O texto a seguir (IV.29) é um texto que configura clara e adequadamente a
interlocução dentro do gênero discursivo proposto na tarefa. O texto dirige-se diretamente aos
colegas, através do pronome “você” e de outras formas de marcação de interlocução, como
“acredite ou não”, e as informações recontextualizadas, embora poucas, são suficientes para
que esse interlocutor configurado cumpra com o propósito do texto de argumentar contra a
invasão de privacidade dentro do contexto de produção desse texto, já que ele está afixado no
quadro de avisos da empresa. O interlocutor configurado neste texto não é necessariamente
um interlocutor que compartilha com o autor informações sobre as novidades relacionadas à
invasão de privacidade, tanto que o texto menciona que “um juiz decideu que o e-mail pode
ser “justa causa” para o despido. Um funcionário do HSBC Seguros foi demitido a causa dos
e-mails”. Essa informação, relacionada às perguntas propostas no início do texto, realizam o
propósito interlocutivo do texto, que é argumentar contra a invasão de privacidade. A
discussão sobre o assunto é também estimulada pela última frase do texto, que representa
resignação mas pode ser entendida, dentro do contexto de produção do texto, como um
estímulo à discussão.
Texto IV.29
Privacidade no E-mail?
Você acha que a empresa vasculha os seus e-mails? Você poderia ser demitido
por usar o e-mail para escrever os amigos?
Acredite ou não, tudo isso pode acontecer nesta empresa. Ainda mais, um juiz
decideu que o e-mail pode ser “justa causa” para o despido.
Um funcionário do HSBC Seguros foi demitido a causa dos e-mails.
Mais uma vez, a empresa é o Big Brother que controla tudo, e os
empregados perdimos a privacidade.
Esse texto é um exemplo de que, em um exame que pressupõe a construção de uma
interlocução no texto, é limitada a possibilidade de definir, a partir da tarefa proposta,
expectativas de recuperação de determinadas informações comuns e exigidas para todos os
textos, porque são as relações estabelecidas por cada texto individualmente que fazem com
que essas informações sejam necessárias ou não para a reconstrução do sentido por parte do
interlocutor configurado pelo texto em questão. Neste caso, poderíamos dizer que essas
relações dão conta do propósito interlocutivo do texto dentro da interlocução configurada,
sem que seja necessário recontextualizar muitas informações do texto-base da tarefa. Se
125
entendemos proficiência como capacidade de configurar consistentemente um interlocutor de
modo a produzir um texto que se insira em determinado gênero com o objetivo de cumprir
com determinado propósito dentro de um determinado contexto de produção, o texto IV.29
seria considerado Avançado Superior. Por recuperar um número pequeno de informações do
texto-base da tarefa, segundo a avaliação do exame Celpe-Bras este texto não cumpriu
adequadamente o propósito, tendo sido classificado como um texto de nível Intermediário.
O texto III.12 também configura adequadamente a interlocução. O texto é endereçado
a uma amiga, e inicia diretamente expondo o propósito de escrita do e-mail, dizendo “quero
dar algumas dicas para você em relação à alimentação que você tem”. O texto configura,
portanto, a interlocutora como uma amiga que tem uma alimentação conhecida do autor, e
que vai receber deste dicas sobre o assunto. Durante o texto, o autor ainda retoma o nome da
amiga como vocativo, nos trechos “Bom Márcia, tém muitas mentiras nesse respeito” e
“Márcia, as modas variam com os anos”, mostrando proximidade e informalidade na
linguagem e aproximando seu texto ao uso da língua falada, recursos que consideramos
adequados ao gênero de e-mail informal para amiga solicitado na tarefa. O texto ainda se
preocupa em reforçar o propósito, dizendo “sei que você gosta de alimentos naturais”,
explicitando que a amiga gosta desse tipo de alimentos e legitimando assim as dicas que está
dando sobre o assunto.
Texto III.12
Márcia,
Quero dar algumas dicas para você em relação à alimentação que você tem.
Hoje está muito na moda falar de alimentos transgênicos, orgânicos, con
gordura, com muita açúcar etc. Com o objetivo de longevidade. Bom Márcia,
tém muitas mentiras nesse respeito porque sempre falam as coisas boas e nunca
as ruims.
Sei que você gosta de alimentos naturais mas olha só, em paises onde as pessoas
consomem alimentos com muito conservante, tem uma longevidade invejável.
Ou seja, tem produtos com conservantes que são confiáveis.
Acontece uma coisa parecida com os produtos orgânicos. Ainda não está
provado cientificamente que esse tipo de produtos seja melhor.
Márcia, as modas variam com os anos e é possível que daqui a pouco todo
mundo fale de comer gorduras e açúcar que nem nossos avós.
Beijo
Anderson
Como podemos ver, o texto usa duas informações do texto-base da tarefa, que são
contextualizadas de acordo com a interlocução configurada. Ao dizer que está na moda falar
sobre alimentação natural, e que sabe que a amiga gosta desses alimentos, o texto diz que
“tém muitas mentiras nesse respeito porque sempre falam as coisas boas e nunca as ruims”. É
126
nesse contexto que ele introduz as informações recuperadas do texto-base, dizendo que “em
paises onde as pessoas consomem alimentos com muito conservante, tem uma longevidade
invejável”, concluindo a relação entre as afirmações apresentadas dizendo “Ou seja, tem
produtos com conservantes que são confiáveis”. O texto segue contextualizando as
informações que usa, de forma a tornar sua argumentação mais consistente. A seguir, diz que
“Acontece uma coisa parecida com os produtos orgânicos. Ainda não está provado
cientificamente que esse tipo de produtos seja melhor”. Vemos, portanto, que as informações
recontextualizadas são usadas de forma coerente e coesa no texto III.12 para dar consistência
à interlocução configurada e cumprir com o propósito interlocutivo de alertar a amiga para os
mitos em relação aos alimentos naturais.
Se a interlocução é adequadamente configurada no texto, como vimos, no nosso
entendimento o texto III.12 é um texto que demonstra proficiência em nível Avançado
Superior. No nosso entendimento, não há, nas relações estabelecidas nesse texto, nenhuma
demonstração de que falta alguma informação para que o texto esteja completo. Ao contrário,
as informações utilizadas parecem dar conta da interlocução configurada, legitimando o
propósito do texto e inclusive relacionando essas informações recuperadas, já que, ao dizer
“Márcia, as modas variam com os anos” para concluir seu texto, o autor recupera a razão de
introduzir as dicas, que ele expressou no trecho “Hoje está muito na moda falar de alimentos
transgênicos, orgânicos, con gordura, com muita açúcar etc.”. Dentro das relações
estabelecidas internamente no texto e entre o texto e o contexto de produção, não parece então
faltar nenhuma informação para a configuração da interlocução.
Segundo a avaliação do exame Celpe-Bras, no entanto, esse texto não recupera todas
as informações exigidas. Por recuperar apenas dois contra-argumentos em relação ao
consumo de alimentos orgânicos e industrializados, o texto foi classificado como
Intermediário Superior, pois para atingir o nível Avançado a exigência da grade era de
recuperação de ao menos três contra-argumentos. Como vimos, essa exigência, fixa para
todos os textos, não parece dar conta da avaliação deste texto singular. Vemos, assim, que a
avaliação de compreensão no exame Celpe-Bras parece estar centrada na recuperação de
informações, não necessariamente na utilização que se faz dessas informações para configurar
adequadamente a interlocução dentro de um texto que cumpra com o propósito interlocutivo
solicitado. Isso parece refletir uma visão de proficiência em leitura e compreensão oral como
“capacidade de recuperar informações”, diferente da visão de proficiência que propomos
neste trabalho.
127
O texto IV.18 também é um texto que configura a interlocução clara e adequadamente,
embora não seja endereçado aos colegas nem use a primeira pessoa do plural para incitá-los a
participar da interlocução. No caso deste texto, a interlocução é configurada em boa parte
pelo contexto, porque o fato de ser um texto para um quadro de avisos faz com que não haja
necessidade de designação do interlocutor por meio de sujeitos na primeira pessoa do plural
ou de pronomes ou vocativos. O texto abaixo, como podemos ver, é um texto argumentativo
sem marcas de interlocução explícita, mas dentro das relações singulares estabelecidas no
texto e entre o texto e o contexto de produção, a interlocução é construída de forma
consistente.
Texto IV.18
Privacidade é um direito
A privacidade é um direito que toda pessoa tem. Agora as empresas estão
querendo tirar este direito aos trabalhadores controlando cada movimento que
eles fazem no computador argumentando o mal uso deles, especificamente no
uso de correio e Internet.
Vasculhar nos emails é falta de privacidade, mesmo que o funcionário se
comprometa a usar seu e-mail profissional para fins somente de trabalho, a
empresa não devería ler os correios.
É aceitável o uso de um software que controle os anexos dos e-mail, os .exe,
.pps, spam, etc, mas não é aceito que cada email seja lido porque fazer isto seria
simplesmente falta de etica profissional.
O texto IV.18, como podemos ver, recontextualiza as informações do texto-base
apropriadamente, relacionando-as para sustentar a posição do autor de modo a cumprir com o
propósito interlocutivo solicitado pela tarefa. O uso das informações do texto-base são os
argumentos que sustentam o texto, que se constitui de frases afirmativas, como “A
privacidade é um direito que a pessoa tem”, e “vasculhar nos emails é falta de privacidade”,
seguidas de sustentação argumentativa, como “agora as empresas estão querendo tirar este
direito aos trabalhadores controlando cada movimento que eles fazem no computador
argumentando o mal uso deles”, “mesmo que o funcionário se comprometa a usar seu e-mail
profissional para fins somente de trabalho, a empresa não devería ler os correios” e “É
aceitável o uso de um software que controle os anexos dos e-mail, ...mas não é aceito que
cada email seja lido porque fazer isso seria simplesmente falta de etica profissional”.
De acordo com a perspectiva aqui adotada, avaliamos esse texto como Avançado
Superior, por configurar adequadamente a interlocução e utilizar para isso informações
suficientes a fim de cumprir com seu propósito interlocutivo. O texto, pelas relações
estabelecidas, recontextualiza informações suficientes do texto-base para configurar
128
adequadamente a interlocução, ainda que não recupere explicitamente a informação da
decisão tomada pelo TST, que era exigida como obrigatória na grade do exame Celpe-Bras
para que o texto fosse classificado como Avançado. Vemos, no entanto, que essa informação
pode ser recuperada no contexto de produção do texto a partir da frase “Agora as empresas
estão querendo tirar este direito aos trabalhadores controlando cada movimento que eles
fazem no computador”. O “Agora”, associado ao verbo no presente contínuo “estão
querendo”, demonstra que surgiu algum fato novo em relação ao assunto, o que motivou o
autor a escrever o texto. Nesse texto, o interlocutor está sendo configurado não como um
interlocutor ignorante da decisão tomada pelo TST, mas como um interlocutor que pode
recuperar essa informação a partir das marcas lingüísticas apresentadas no texto. Para
legitimar a recuperação dessa informação, seria necessário explicitar, no enunciado da tarefa,
o interlocutor como “quem não ouviu falar da decisão do TST” ou incluir “noticiar essa
decisão” no propósito solicitado.
No texto a seguir (IV.19), a interlocução também está adequadamente configurada. O
texto tem um interlocutor explícito, “Estimados colegas”, ao qual está endereçado, e se dirige
explicitamente aos colegas pedindo que, se não utilizam adequadamente o e-mail, pensem nos
prejuízos que isso traz para todo mundo. O texto termina fazendo um pedido aos altos
funcionários da empresa, usando verbos na primeira pessoa do plural para sustentar seu
pedido, dizendo “nós damos todo no trabalho, nós temos a nossa vida e queremos que ela seja
respeitada”, representando assim os demais funcionários da empresa ao escrever o texto.
O texto cumpre consistentemente o propósito comunicativo proposto na tarefa,
recontextualizando para tanto informações do texto-base que se mostram necessárias para
colocar a questão e posicionar-se em relação a ela. Este texto também não menciona
explicitamente a decisão tomada pelo TST, mas essa informação não parece ser necessária
dentro das relações estabelecidas pelo texto, já que ele parece configurar interlocutores
cientes dessa decisão, como podemos ver na menção “e agora o nosso e-mail”, feita no
segundo parágrafo, que pode ser considerado como uma forma de retomar uma informação
conhecida de todos os interlocutores configurados. O texto, dessa forma, apesar de não
recontextualizar essa informação explicitamente, faz referência a ela, cumprindo então o
propósito de estimular a discussão sobre a decisão do TST. Esse texto seria, na perspectiva
aqui adotada, um texto Avançado Superior.
129
Texto IV.19
Estimados colegas:
Hoje, vivemos num mundo, onde o uso e abuso dos médios e da tecnologia
está presente em todos os âmbitos.
Você ve câmeras de segurança por onde andar, o seu telefone no serviço
restringido, e agora o nosso e-mail! É verdade, nós sabemos do mal uso dado por
muitos de nossos colegas, mas, também estamos cientes de que passamos e
ficamos muitas horas trabalhando e precisamos descontrair, por exemplo na hora
do almoço escrevendo uma carta para aquele amigo que mora longe, o checando
aquele e-mail do banco com informações das nossas conta, o mesmo, para ficar
informado das minhas atividades fora da empresa.
Eu não gosto ninguém mexendo no meu correio; nas minhas saudades, no
meu dinheiro, na minha vida. Eu peço para aqueles que não utilizam
corretamente este médio, pensar um pouquinho nos prejuiços que esta atitude
causa a todo mundo.
E peço para os altos funcionários da empresa estar cientes de que, nós damos
todo no tabalho, mas temos a nossa vida e queremos que ela seja respeitada.
Tanto o texto IV.18 quanto o texto IV.19 foram classificados como Intermediário
Superior na avaliação do exame Celpe-Bras, por não mencionarem a decisão tomada pelo
TST permitindo às empresas vigiar os e-mails dos funcionários, que era exigida pela grade
para os textos poderem ser classificados como avançados. Como vimos, uma vez que a
interlocução configurada estabelece um interlocutor que tem informações sobre essa decisão,
e cumpre o propósito argumentativo a partir dos conhecimentos do interlocutor, nesses textos
esta informação torna-se pressuposta, o que não justifica sua inclusão. No caso desses textos,
a exigência de recuperação de uma informação específica foi, no nosso entendimento,
prejudicial para a avaliação, já que textos que se mostraram adequados ao gênero e propósito
solicitados na tarefa acabaram recebendo um nível baixo de certificação. Nesse sentido, a
partir de uma visão bakhtiniana de uso da linguagem, não entendemos ser possível ter
expectativas de recuperação de informações que sejam comuns a todos os textos, visto que
cada texto, em sua singularidade, estabelece relações que exigem ou não a recuperação de
determinadas informações para o cumprimento do propósito interlocutivo dentro do gênero
no qual se insere.
O texto abaixo (II.28), como vemos, é um texto que se insere no gênero discursivo
proposto na tarefa (carta aberta), mas não recontextualiza adequadamente algumas
informações que, segundo as relações estabelecidas dentro do próprio texto, seriam
necessárias para a adequada configuração da interlocução. O fato de não dar conta das
relações que o próprio texto estabelece torna a interlocução configurada no texto pouco
consistente.
130
Texto II.28
Gostaria muito de contar para vocês, o que a Claudia Cabral como diretora
executiva duma ONG, está fazendo pelas crianças e jovens que já não podem
viver com a família.
O projeto ajuda crianças e jovems afastadas da família e procura outra
família temporária até o problema se resolver. Claro que para ter essa
possivilidade, a família tém que estar cadastrada como família acolhedora e terá
a ajuda de um equipe de pessoas para ver o desenvolvimento da criança, quem
não perderá contato com a família original.
Para quem gosta de ajudar à sociedade, a oportunidade é ótima e ainda você
recebe subsídio financiero para a educação da criança.
Aproveite a oportunidade de ser solidário
Vemos que no texto II.28 o autor do texto não se apresenta aos leitores, mas inicia o
texto dizendo “gostaria muito de contar para vocês”, como se os leitores já soubessem quem
está escrevendo. Para começar assim, a pessoa que escreve precisaria ser conhecida dos
leitores, mas o texto não apresenta marcas que mostrem isso. O texto também introduz
Cláudia Cabral sem apresentações, como se os leitores a conhecessem, dizendo “o que a
Claudia Cabral como diretora executiva duma ONG, está fazendo pelas crianças e jovens que
já não podem viver com a família”. O fato de usar o artigo definido “a” antes de “Cláudia
Cabral” faz com que entendamos que os leitores já devam saber quem ela é, mas o texto não
mostra outras marcas que contemplem essa expectativa. Dessa forma, o artigo indefinido
“uma” (“duma”), referindo-se à ONG dirigida por Cláudia Cabral, contradiz a expectativa
criada, já que, se os leitores não sabem quem é Claudia Cabral, seria necessário dizer o nome
da ONG que ela dirige. Como essa informação não é recontextualizada pelo texto em questão,
a interlocução fica prejudicada, pois já não sabemos quem está escrevendo e nem tampouco
quem é a pessoa ou a ONG à qual o texto está se referindo. Dessa forma, a interlocução
configurada pelo texto mostra-se pouco consistente, fazendo assim com que o cumprimento
do propósito do texto também fique prejudicado.
O texto II.28 é um exemplo de que às vezes o texto não é capaz de utilizar
informações suficientes para dar conta das relações que ele mesmo tenta estabelecer. Nesse
texto, como vimos, informações do autor do texto e do nome da ONG responsável pelo
programa seriam relevantes para configurar adequadamente a interlocução, mas não são
utilizadas no texto. Essas informações não eram exigidas na grade de avaliação do exame
Celpe-Bras, mas mostram-se, a partir das relações estabelecidas por esse texto de forma
singular, muito mais relevantes para a configuração da interlocução nesse texto específico do
que outras informações que eram exigidas pela grade. Nesse sentido é que entendemos que a
exigência do uso de informações para realizar a tarefa dentro do gênero discursivo proposto
131
deva ser avaliada somente a partir das relações estabelecidas dentro da singularidade de cada
texto. Uma grade que exija um determinado número de informações recuperadas,
independente da interlocução construída em cada texto específico, não reflete o construto de
uso da linguagem na perspectiva aqui apresentada.
Como vimos, segundo o entendimento de proficiência exposto neste trabalho, a
exigência de recuperação de informações só faz sentido dentro das relações do texto singular
que está sendo avaliado. Não é produtivo, nesse sentido, termos uma grade de avaliação com
exigências fixas para todos os textos, determinando quais e quantas informações devem ser
recuperadas. No exame Celpe-Bras, no entanto, temos um complicador que limita essa
questão: o exame se propõe a testar compreensão e produção de forma integrada, e a
avaliação da compreensão só se dá a partir do seu reflexo na produção escrita dos candidatos.
É por buscar avaliar o uso da linguagem não em orações isoladas, mas dentro de enunciados,
que o exame Celpe-Bras propõe, nas suas tarefas, a integração entre compreensão e produção
na avaliação de língua estrangeira. A avaliação integrada das práticas é um recurso que
aproxima o exame de situações reais de uso da linguagem, já que, na vida cotidiana, usamos o
tempo todo as práticas de compreensão e produção de forma integrada. Em uma situação de
avaliação, no entanto, isso pode se tornar problemático, na medida em que queremos exigir
demonstração de compreensão por parte do candidato, e isso se reflete em exigências de
recuperação de informações que não são legitimadas pela tarefa proposta.
Entendemos que, para que a avaliação das práticas de compreensão e produção se dê
de forma integrada, é necessário primeiro ter claro o que se quer avaliar em termos de
compreensão. Como vimos, as tarefas que o exame Celpe-Bras propõem criam contextos de
produção que possibilitam a testagem da compreensão de uma forma mais geral, através da
produção de textos que tenham um propósito relacionado ao texto-base. É o enunciado da
tarefa que determina o gênero do texto que será produzido pelo candidato, e que constrói as
expectativas de compreensão e produção segundo as quais o texto produzido deverá ser
avaliado. Muitas vezes, no entanto, a recuperação de informações específicas do texto base
não é legitimada pela tarefa proposta, como vimos nas tarefas analisadas. Se queremos testar a
compreensão de informações específicas, é necessário apresentar ao candidato tarefas cujos
contextos de produção legitimem a necessidade do uso dessas informações. O que pensamos
não ser adequado é o que temos hoje: uma tarefa que, para ser adequadamente cumprida, não
justifica suficientemente a recuperação de informações específicas, e uma grade de avaliação
na qual a recuperação dessas informações é definidora dos níveis de proficiência dos
candidatos. Entendemos, portanto, que, para aumentar a validade do exame, é necessário,
132
após definir os objetivos de compreensão, buscar formas legítimas de fazer isso. Se a tarefa
criar um contexto de produção em que a recuperação de alguma informação específica do
texto-base seja imprescindível, aí sim ela poderá ser exigida na avaliação, mas ainda assim,
somente dentro das relações estabelecidas na singularidade de cada texto, e na medida em que
é usada para configurar consistentemente a interlocução dentro do texto produzido. Avaliar o
uso integrado das práticas de compreensão oral e escrita e de produção escrita requer, então,
tarefas que legitimem essa integração.
5.4. A proposta de um novo paradigma de avaliação
Em uma perspectiva Bakhtiniana de linguagem, em que a língua é entendida como
sendo indicial, só é possível pensar avaliação de proficiência dentro das características e
singularidades de cada texto avaliado. Nesse sentido, entendendo a língua como sempre
dialógica, as leituras possíveis dos enunciados das tarefas devem ser avaliadas quanto à sua
adequação na singularidade de cada texto. Também a recuperação de informações e o uso de
recursos lingüísticos devem ser avaliados somente dentro das relações estabelecidas na
singularidade de cada texto.
Para contemplar essa avaliação proposta, pensamos não ser adequada uma grade de
avaliação com descritores que representem exigências informacionais e lingüísticas iguais
para todos os textos. Para avaliar de acordo com a perspectiva bakhtiniana de linguagem,
consideramos que o mais adequado seria a utilização de parâmetros de avaliação que possam
ser atualizados a cada momento de avaliação, ou seja, que sejam genéricos o suficiente para
poderem tornar-se singulares o suficiente para a avaliação das relações estabelecidas por cada
texto singular em cada momento de avaliação.
5.4.1. Da necessidade de novos parâmetros de avaliação para o exame Celpe-Bras
A visão de proficiência expressa no manual do exame Celpe-Bras, como já vimos, é a
de uso adequado da língua para desempenhar ações no mundo (Brasil, 2006, p. 3). Para dar
conta dessa visão, as tarefas do exame se propõem a avaliar a compreensão e a produção oral
e escrita de forma integrada. As tarefas, nesse sentido, “visam a criar oportunidades de ação
no mundo em diferentes situações sociais, com base no conceito de uso da linguagem como
uma ação conjunta dos participantes com um propósito social” (Schlatter et al, no prelo, p.
12), a fim de avaliar a “participação cada vez maior e mais ampla em uma comunidade
133
através do uso da língua em diferentes situações comunicativas” (Schlatter e Schoffen, em
preparação). Para dar conta dessa proposta, o exame adota uma avaliação de desempenho, na
qual os instrumentos de avaliação colocam para os candidatos situações nas quais eles
precisam usar seus conhecimentos de maneira direta e semelhante ao que fariam em situações
reais.
Ao adotar uma avaliação de desempenho, como vimos, o exame Celpe-Bras se propõe
a avaliar o uso da língua dentro de enunciados, no plano do discurso, e não somente nas
orações, no plano da operacionalização do sistema da língua. Essa posição do exame vai ao
encontro do entendimento de que é no plano do discurso que as enunciações na sociedade
acontecem, e é nesse plano que somos ou não proficientes. Construir orações em determinada
língua, sem utilizá-las adequadamente no discurso, não garante proficiência.
É por buscar avaliar o uso da linguagem na enunciação que o exame Celpe-Bras
propõe, nas suas tarefas, a integração entre compreensão e produção na avaliação de língua
estrangeira. Em situações reais de uso da linguagem, as práticas de compreensão e produção
costumam ser usadas de forma integrada, já que lemos ou ouvimos algo com determinado
propósito, e é a partir desse propósito que nos posicionamos frente ao que estamos
compreendendo. Além da integração das práticas de compreensão oral e escrita e produção
escrita, o exame simula um contexto de produção para cada texto solicitado em cada tarefa,
contexto esse que vai guiar o propósito de leitura e compreensão oral solicitado e relacioná-lo
ao propósito da produção escrita. É no enunciado da tarefa que são delineadas as
características do gênero discursivo do texto que deve ser produzido pelo candidato. A tarefa,
assim, constrói expectativas de compreensão e de produção (previsão de determinada
construção composicional), segundo as quais o texto produzido será avaliado.
Nesse sentido, é importante, para ser adequado às tarefas do exame, que os textos
produzidos pelos candidatos demonstrem adequação aos contextos de produção sugeridos nos
enunciados, isto é, sejam adequados aos gêneros discursivos propostos. Mas avaliar a
produção através de gêneros discursivos, por entendermos os gêneros como parte do processo
da relação dialógica, e não somente como o produto final dessa relação, significa exatamente
avaliar as relações estabelecidas pelo texto produzido com o contexto de produção, não
apenas o produto final do texto acabado. Para tanto, entendemos que todas as relações
estabelecidas no texto, como o uso de recursos informacionais e lingüísticos para o
cumprimento do propósito solicitado, devam ser avaliadas somente dentro da sua importância
para a configuração da interlocução expressa no próprio texto. Nesse sentido, a adequação ou
não adequação do texto ao que foi solicitado na tarefa não poderiam ser determinadas a priori,
134
mas precisariam ser analisadas singularmente a partir das relações que estiverem sendo
estabelecidas em cada texto individualmente.
O fato de o exame Celpe-Bras propor uma avaliação baseada em gêneros do discurso
significa um grande avanço em relação a testes de itens isolados e a outros testes que se
propõem a avaliar compreensão e produção descontextualizadamente. Segundo os
pressupostos que embasam o exame, a língua é vista como meio de interação social, e não
somente como “sistema”. Nesse sentido, é importante salientar que os parâmetros de
avaliação propostos neste trabalho só são possíveis dentro de um exame como o Celpe-Bras,
que utiliza tarefas para testar o uso da linguagem e no qual o candidato não precisa selecionar
o seu nível de proficiência a priori. A perspectiva de avaliação adotada pelo exame, nesse
sentido, propõe, encaixado no gênero “avaliação de proficiência”, o uso da língua em
situações que poderíamos vivenciar, isto é, contextos de uso da linguagem em que nos
engajamos utilizando mais ou menos recursos lingüísticos e informacionais para cumprir
nossos propósitos interlocutivos.
Os critérios de avaliação do exame Celpe-Bras, como vimos, já se afastavam da noção
de “erro” (julgamento baseado em normas abstratas e descontextualizadas) para se aproximar
da noção de “adequação” (julgamento baseado no contexto de comunicação proposto). A
grade de avaliação da parte escrita do exame Celpe-Bras, no entanto, embora sensível a vários
aspectos do gênero da tarefa proposta, por refletir decisões tomadas fora do âmbito da
eventualidade do texto, como vimos, não se mostra, no nosso entendimento, adequada para
dar conta do evento singular do enunciado. É na tentativa de contemplar essa necessidade e de
colaborar para a construção de uma avaliação mais relacionada com a visão de linguagem que
aqui adotamos que pretendemos propor novos parâmetros de avaliação para a parte coletiva
do exame.
5.4.2. Os gêneros do discurso envolvidos na avaliação da Parte Coletiva do exame Celpe-
Bras
Conforme vimos anteriormente, a avaliação da Parte Coletiva do exame Celpe-Bras
constitui-se de quatro tarefas que integram compreensão (oral e escrita) e produção escrita.
Cada uma dessas tarefas propõe um contexto de comunicação específico, sugere uma relação
de interlocução e solicita a produção de um texto de um determinado gênero discursivo. É a
partir desses critérios que vai se dar a avaliação da adequação ou não do texto produzido à
tarefa proposta, já que, segundo Schlatter e Schoffen (em preparação), por determinar os
elementos constituintes do gênero (o contexto de comunicação, apresentado através de um
135
texto e de uma instrução de (re)ação ao texto, um lugar de enunciação, o propósito do falante,
o interlocutor para quem se dirige o texto e o formato segundo o qual os enunciados serão
constituídos, que resulta da relação entre os primeiros), a tarefa fornece os critérios de
avaliação do gênero discursivo.
Como vimos anteriormente, na perspectiva do Círculo de Bakhtin os enunciados são
sempre uma resposta, um posicionamento axiológico em relação a enunciados anteriores.
Nesses termos, não é só o que é dito que se constitui como uma resposta, mas também como
isso é dito e as relações estabelecidas no enunciado até se chegar ao produto final do texto.
Isso implica que o texto produzido para a tarefa sempre é também uma resposta ao enunciado
da tarefa, e é a partir das relações que vão ser estabelecidas no texto-resposta que será
revelada a leitura feita do enunciado. Dessa forma, o sistema de avaliação dos textos
produzidos em resposta às tarefas precisa contemplar o gênero solicitado em cada tarefa
proposta.
Retomando a perspectiva do Círculo de Bakhtin sobre gênero discursivo, em que este
não é somente o produto final da relação dialógica (o texto final pronto), mas parte do
processo dessa relação, os elementos que o constituem não podem ser listados desconectados
do seu contexto de produção. Bakhtin (2003) relaciona os gêneros e as funções que esses
gêneros desempenham na comunicação às esferas da atividade humana em que são usados e
ao propósito para o qual são usados. Os gêneros, dessa forma, são sempre condicionados pela
esfera da atividade humana em que estão inseridos e pelo posicionamento do falante dentro
dessa esfera.
Para serem considerados adequados em relação às tarefas do exame, então, os textos
produzidos pelos candidatos precisam demonstrar adequação ao contexto e às esferas de uso
da linguagem propostas nos enunciados das tarefas, ainda que essa adequação, segundo a
perspectiva teórica aqui adotada, deva ser avaliada singularmente em cada texto, considerando
como cada texto individualmente atualiza o sistema da língua para dar conta das suas
necessidades de uso situado.
Mas para pensarmos a avaliação escrita do exame Celpe-Bras, antes de considerarmos
os gêneros discursivos propostos pelas tarefas, primeiramente precisamos considerar que os
textos produzidos pelo candidato fazem parte de um gênero secundário existente e operante
no mundo real, que é o gênero prova de proficiência em língua estrangeira. Conforme vimos,
segundo Bakhtin (2003), os gêneros secundários podem incorporar e reelaborar os gêneros
primários em sua constituição. Esses, quando passam a fazer parte dos gêneros secundários,
se transformam e adquirem caráter especial, passando a integrar a realidade e a relacionar-se
136
com ela apenas através do gênero secundário ao qual foram incorporados. Acreditamos que é
dessa forma que os textos produzidos em resposta às tarefas do exame Celpe-Bras integram o
gênero prova de proficiência em LE, já que é para as relações estabelecidas dentro desse
gênero secundário que candidatos e avaliadores estão orientados, e é dentro desse gênero que
o nível de proficiência do candidato será estabelecido. Somente a partir da compreensão de
que todos os textos produzidos em resposta ao exame fazem, na verdade, parte do gênero
prova de proficiência, é que podemos pensar em uma avaliação que considere os gêneros dos
textos solicitados pelas tarefas do exame.
Nos textos produzidos pelos candidatos em resposta às tarefas do exame Celpe-Bras, é
dentro do gênero prova de proficiência que as relações axiológicas e de interlocução vão ser
estabelecidas. Somente após o reconhecimento dessa relação dialógica entre candidato e
avaliador, então, e do que isso implica em termos de construção de um texto, é que pode ser
estabelecida a interlocução dentro da simulação proposta pelo enunciado da tarefa. O
candidato então se coloca no papel do autor do texto (posição enunciativa sugerida pelo
enunciado da tarefa) e configura um interlocutor para esse texto (também sugerido pelo
enunciado). Essa relação entre enunciador e interlocutor do texto é que vai determinar o que é
ou não importante para a composição do texto em termos de recursos informacionais e
lingüísticos para dar conta do gênero sugerido.
No processo de avaliação do texto, a leitura que é produzida pelos avaliadores leva
necessariamente em consideração as identidades de avaliador e candidato no estabelecimento
da relação dialógica da prova de proficiência, já que é para dar conta desse gênero que os
textos são produzidos e toda a situação é colocada. Essa relação, somente a partir daí, será
perpassada pela relação de simulação proposta na tarefa, em que o candidato precisa colocar-
se no papel do autor de texto que estabelece uma relação dialógica com o interlocutor
sugerido pelo enunciado e, dentro dessa relação, configurar seu texto conforme as relações e
recursos necessários legitimados por ela, de forma a cumprir um determinado propósito. O
avaliador do texto, dessa forma, também precisa colocar-se no papel do interlocutor
configurado pelo texto, para assim avaliar a relação estabelecida pelo texto e o cumprimento
do propósito solicitado.
A avaliação dos textos dos candidatos, então, precisa necessariamente considerar o
estabelecimento da interlocução no texto em dois níveis: num primeiro nível, dentro do
gênero sugerido pela tarefa (entendido aqui como gênero primário, por fazer parte do gênero
secundário prova de proficiência), levando-se aí em consideração a configuração da
interlocução proposta pelo enunciado da tarefa e o desenvolvimento do texto para dar conta
137
dessa interlocução. Num segundo nível, o texto do candidato precisa ser avaliado dentro do
gênero prova de proficiência em língua estrangeira, sendo que a relação dialógica estabelecida
aí é, então, entre candidato e avaliador. É nessa relação que o texto do candidato será julgado
como adequado ou não para receber certificação dentro do gênero prova de proficiência. Da
mesma forma que um diálogo num romance só tem o seu sentido completo dentro do gênero
romance e das relações que se estabelecem nesse gênero, também os textos produzidos pelos
candidatos no exame Celpe-Bras só terão sentido completo dentro do gênero prova de
proficiência, e é segundo esse gênero que serão avaliados como representativos dos diferentes
níveis de proficiência avaliados.
A avaliação dentro do gênero prova de proficiência está necessariamente relacionada
com o construto do exame. Provas de proficiência cujo construto seja a capacidade de
conjugar verbos em língua estrangeira terão uma avaliação que teste essa capacidade. Como o
construto do exame Celpe-Bras, segundo o Manual do exame (Brasil, 2006), é o uso da
linguagem, e o exame propõe tarefas que simulem contextos de produção nos quais os textos
devam se inserir em determinados gêneros do discurso, entendemos que a avaliação do gênero
prova de proficiência, nesse exame, deva estar necessariamente relacionada ao gêneros
propostos nas tarefas, e deva ser feita a partir de parâmetros que levem em consideração os
contextos de produção dos gêneros primários solicitados nas tarefas.
As tarefas de compreensão oral, leitura e produção escrita do exame Celpe-Bras, como
já vimos, simulam contextos de produção nos quais os candidatos precisam assumir
determinado papel enunciativo e escrever para um interlocutor também determinado,
caracterizando-se, dentro do exame, como um gênero primário. Essa aproximação das tarefas
do exame às situações de uso da linguagem representa uma busca pela validade, já que,
segundo Douglas (2000, p. 46), “para se comunicar, um usuário da língua precisa saber o que
está acontecendo, onde ele ou ela está, com quem ele ou ela está se comunicando, qual é o seu
papel, qual é o assunto tratado”. Segundo o autor, ainda, é importante que os exames se
certifiquem de que o domínio discursivo pretendido está claramente sinalizado para o
candidato no enunciado das tarefas (Douglas, 2000, p. 46), o que torna mais válida a tentativa
de avaliar proficiência em situações similares às situações cotidianas de uso da língua, nas
quais o falante está inserido em um contexto de produção e tem mais chances de produzir
enunciados adequados a esse contexto.
Na tentativa de avaliar os textos produzidos pelo candidato tanto segundo o gênero
prova de proficiência quanto segundo os gêneros primários solicitados pelas tarefas,
entendemos que uma grade de avaliação fixa pode gerar problemas, na medida em que não
138
permite a adequação dos critérios ao texto produzido de forma singular. Nesse sentido,
propomos aqui parâmetros de avaliação do gênero secundário, que levem em consideração o
construto do exame (uso da linguagem), mas que possam ser singularizados na avaliação de
cada texto do gênero primário, para dar conta dos gêneros primários e secundário avaliados no
exame Celpe-Bras. Enquanto gênero prova de proficiência, o exame pode propor parâmetros
de avaliação que o avaliador, respeitando sua identidade de avaliador de uma prova de
proficiência, terá autonomia para singularizar para cada texto avaliado dentro do gênero
primário solicitado na tarefa. Para essa avaliação, o avaliador precisa assumir a identidade do
interlocutor proposto na tarefa e configurado em cada texto de forma singular. Dessa forma, é
o avaliador que, ciente do contexto de produção e do construto do exame, poderá adequar os
parâmetros para avaliar o gênero primário, já que ele se colocará como interlocutor nesse
gênero. Ele não deixa de ser avaliador, mas se colocará no papel do interlocutor do gênero
primário, ajustando os parâmetros para cada texto individualmente.
5.4.3. Implicações da visão de linguagem adotada para a avaliação de proficiência
Com base no que foi exposto acima, entendemos que avaliar levando em consideração
a perspectiva de gênero do discurso do Círculo de Bakhtin significa que cada texto deve ser
considerado em sua singularidade, a partir das relações dialógicas que estabelece e da
interlocução que configura, dentro do gênero no qual se constrói. Para dar conta dessas
relações, é importante que os parâmetros de avaliação permitam que os critérios sejam
atualizados no momento da avaliação, a partir das relações estabelecidas dentro de cada texto,
individualmente, já que, segundo a perspectiva adotada, o enunciado é sempre único e
singular, e como tal precisa ter parâmetros de avaliação que dêem conta dessa singularidade.
Segundo uma perspectiva bakhtiniana de linguagem, em um contexto de avaliação
como o exame Celpe-Bras, entendemos que a grade de avaliação deva permitir o
reconhecimento das relações estabelecidas no texto. Segundo essa perspectiva, não seria
interessante o uso de uma grade em que os papéis de autor e interlocutor estejam definidos a
priori, como é a grade do exame hoje. Da mesma forma, também as informações que devem
ser selecionadas e mesmo o formato do texto não deveriam estar definidos por uma grade que
não contemplasse a singularidade do enunciado. É somente na singularidade de cada texto que
as relações dialógicas estabelecidas poderão ser avaliadas, e é somente dentro dessas relações
que as informações utilizadas e o formato do texto produzido poderão ter sua adequação
reconhecida.
139
No exame Celpe-Bras, no entanto, um complicador se impõe, já que o exame propõe
tarefas que integram compreensão e produção, e a recuperação da compreensão oral ou escrita
também precisa ser avaliada na produção do candidato. A esse respeito propomos que a
recuperação das informações seja considerada segundo critérios que sejam atualizados a cada
texto individualmente, para que demonstrem a construção ou não de um texto adequado ao
gênero proposto a partir da relação dialógica estabelecida. Para dar conta dessa avaliação,
então, acreditamos que seria interessante adotar procedimentos de avaliação que
considerassem o todo da situação comunicativa proposta na tarefa de forma holística, para que
o texto produzido pelo candidato fosse avaliado como pertencente a esse gênero, a partir da
relação de interlocução específica que se estabelece.
Com base em minha experiência como corretora do exame Celpe-Bras desde 2001,
acompanhei por vários anos a prática de definir as leituras possíveis do enunciado da tarefa e
determinar quais e quantas informações seriam necessárias para o cumprimento adequado do
propósito. Essa prática ajusta a grade de correção com base em uma amostra de textos
produzidos pelos candidatos, e a partir daí determina o que deve ser ou não considerado
adequado pela grade em relação à tarefa. Segundo a visão de linguagem do Círculo de
Bakhtin, no entanto, entendemos que o ajuste da grade não colabora tanto quanto se
imaginava para o processo de avaliação. Ajustar a grade segundo uma amostra de textos para
selecionar critérios adequados para avaliar cada tarefa não prepara a grade para dar conta da
singularidade e eventualidade de cada texto que irá aparecer na correção. O fato de se ler uma
amostra de textos para selecionar critérios que sejam adequados a esses textos não pode nos
levar a pressupor que esses critérios serão adequados para avaliar um outro texto, não
contemplado pela amostra. Para que o ajuste da grade desse conta dessa visão de linguagem,
seria importante usar nesse processo todos os textos a serem avaliados, o que seria inviável
em um exame de larga escala como o Celpe-Bras. É preciso, então, pensar em outros critérios
de avaliação que nos permitam levar em conta a visão de linguagem utilizada sem deixar de
considerar as implicações que isso teria para um exame com mais de dois mil candidatos a
cada aplicação.
Por o enunciado ser único e eventual, e por entedermos que a língua é radicalmente
indicial, acreditamos, como já dissemos, que, segundo a perspectiva bakhtiniana de
linguagem, a avaliação da produção escrita precisa levar em consideração a eventualidade do
enunciado. Levar isso em conta significa, então, que o enunciado precisa ser avaliado dentro
das relações estabelecidas por ele com os participantes e o contexto do qual faz parte. Por
considerar todas essas relações, em um exame de proficiência como o Celpe-Bras, que se
140
propõe a avaliar o uso da língua em diferentes gêneros do discurso, uma avaliação baseada em
parâmetros que se atualizem para as características constituintes de cada texto singularmente,
segundo nosso entendimento, se mostraria mais adequada do que uma avaliação baseada em
uma grade de avaliação que seja fixa e igual para todos os textos.
Propor parâmetros de avaliação que não sejam fixos como os descritores de uma grade
mas que, ao contrário, sejam atualizáveis a cada correção de cada texto singularmente,
significa propor uma avaliação que procure dar conta da eventualidade e irrepetibilidade do
enunciado e da indicialidade da linguagem, já que é impossível transferir para outro texto as
relações estabelecidas dentro de um texto singular. Entendemos que essa avaliação por
parâmetros, por levar em consideração a eventualidade do enunciado, que é sempre único e
estabelece sempre relações dialógicas e axiológicas diferentes, se aproxime mais de uma visão
bakhtiniana de linguagem do que uma avaliação feita a partir de uma grade de avaliação fixa e
igual para todos os textos, já que “a forma lingüística não tem importância enquanto sinal
estável e sempre igual a si mesmo, mas somente enquanto signo sempre variável e flexível”
(Bakhtin, 2006, p. 96).
É nesse sentido que entendemos que os parâmetros de avaliação de um exame de
proficiência que tem como construto testar o uso da linguagem não possam ser fixos, estáveis
para todos os textos avaliados. Nossa proposta para a avaliação do exame Celpe-Bras, então, é
de que a avaliação seja feita a partir de parâmetros de avaliação atualizáveis para cada texto, e
não mais a partir de uma grade fixa. Pensamos que, para dar conta de uma avaliação com base
em uma visão bakhtiniana de linguagem, os parâmetros de avaliação devam ser genéricos o
suficiente para poderem se tornar singulares o suficiente a ponto de avaliar cada texto de
forma individual, considerando as relações estabelecidas na singularidade do texto avaliado.
Transformar uma grade de avaliação em parâmetros de avaliação tem várias
implicações. Uma dessas implicações é a de que, utilizando-se parâmetros atualizáveis a cada
avaliação, deixa de existir um modelo com descritores para cada nível de proficiência no qual
possamos “encaixar” os textos avaliados. Ao contrário, precisamos treinar os avaliadores para
atualizarem adequadamente os parâmetros propostos na avaliação de cada texto singular, sem,
no entanto, deixarem de considerar as expectativas do exame em relação aos níveis de
proficiência avaliados.
Como vimos acima, para avaliar os textos produzidos na parte coletiva do exame
Celpe-Bras é preciso considerar que se está avaliando textos que pertencem aos gêneros
propostos pelas tarefas, mas que ao mesmo tempo se inserem em outro gênero secundário, a
prova de proficiência. Os parâmetros de avaliação que propomos aqui, portanto, pretendem
141
dar conta da relação dialógica e contextual sugerida na tarefa e também da relação
estabelecida no gênero prova de proficiência. Dentro do contexto sugerido pela tarefa, é
preciso que os parâmetros sejam atualizados no sentido da configuração da interlocução
proposta pelo enunciado. Para que essa configuração possa ser bem estabelecida, é importante
que o enunciado da tarefa explicite quem deve escrever para quem, em uma interlocução que
seja legitimada pelo contexto sugerido. Quanto mais explícitos forem os papéis interlocutivos
no enunciado, menos inferências serão necessárias para que a interlocução se estabeleça e,
portanto, maior será a possibilidade de ação dos participantes levando em conta os
pressupostos compartilhados, o que poderia contribuir para a validade do exame.
A partir da configuração da interlocução em cada texto avaliado, os parâmetros de
avaliação devem ser atualizados para verificar se todos os recursos utilizados no texto são
efetivamente legitimados por essa relação e trabalham para ajudar a construí-la
adequadamente dentro do gênero discursivo proposto pela tarefa. É dentro desse paradigma
que a compreensão dos textos-base deverá ser avaliada na tarefa, a partir da construção de um
texto adequado ao gênero solicitado, que utiliza (ou não) os recursos necessários para dar
conta do cumprimento do propósito sugerido. Não deve ser exigida, a priori, a recuperação de
informações específicas do texto-base. A recuperação dessas informações pode ou não se
tornar importante dentro da configuração de cada texto, e só aí pode ser determinada a sua
exigência.
Também para a avaliação do uso dos recursos lingüísticos e coesivos em língua
portuguesa, entendemos que os parâmetros de avaliação devem ser atualizados dentro da
singularidade do texto. É preciso levar em consideração, a partir da relação interlocutiva
configurada, quais recursos se mostram necessários e importantes para a configuração dessa
relação. A avaliação dos recursos lingüísticos, assim, não deve ser dissociada da avaliação das
práticas interacionais, já que entendemos que “usar a linguagem significa desempenhar ações
em diferentes contextos, utilizando para isso recursos lingüísticos que são constituintes da
ação, entendendo que, para cada contexto, em cada evento e de acordo com os participantes
envolvidos, existem recursos lingüísticos preferidos para o cumprimento daquele propósito
naquele contexto” (Schoffen e Fortes, em preparação). Nesse sentido, podemos nos utilizar
das conclusões de Abeledo (2008, p. 170) que, em relação aos métodos de fazer aprendizagem
de vocabulário em LE, diz que “os participantes não buscam apenas manterem a
intersubjetividade, mas também se orientam para a relevância de fazê-lo utilizando os
recursos lingüísticos da língua estrangeira de forma aceitável e preferível”. Dessa forma, é de
acordo com o que seria considerado preferível pelos participantes em cada contexto de
142
interação que os recursos lingüísticos deveriam ser avaliados, não segundo expectativas
definidas fora da singularidade de cada texto.
A seguir, apresentaremos os parâmetros desenvolvidos para a avaliação das tarefas
escritas do exame Celpe-Bras, respeitando a avaliação de seis níveis de proficiência efetuada
pelo exame. Os parâmetros propostos não são específicos para uma determinada tarefa, ao
contrário, foram pensados para serem utilizados para a avaliação de todas as tarefas escritas.
Por serem parâmetros, e não uma grade fixa, devem ser atualizados pelo avaliador a cada
evento de avaliação, considerando a interlocução configurada e as relações estabelecidas em
cada texto avaliado, de forma única e singular.
143
5.4.4. Proposta e operacionalização de novos parâmetros de avaliação
Parâmetros de Avaliação*
5- Configura clara e adequadamente a interlocução dentro do gênero discursivo proposto na
tarefa, produzindo um texto que recontextualiza apropriadamente as informações necessárias
para cumprir o propósito interlocutivo de forma consistente.
4- Configura a interlocução dentro do gênero discursivo proposto na tarefa, produzindo um
texto que recontextualiza de forma incompleta as informações necessárias para cumprir o
propósito interlocutivo, o que enfraquece a consistência da interlocução.
3- A configuração da interlocução é pouco consistente porque não recontextualiza ou
recontextualiza de forma confusa informações que seriam necessárias para que o texto
cumprisse o propósito dentro do contexto de produção sugerido, apesar de o texto se inserir
dentro do gênero discursivo proposto na tarefa.
2- Configura a interlocução de forma não consistente, podendo apresentar trechos do texto
que não dão conta dessa interlocução ou que remetem a um interlocutor diferente. A relação
entre o propósito do texto e a interlocução configurada não é clara, porque não recontextualiza
informações que seriam necessárias para a configuração da interlocução ou porque não
relaciona claramente essas informações, criando seqüências textuais que não são coerentes
com a interlocução configurada. O texto pode apresentar características de outros gêneros que
não o proposto na tarefa.
1- Não configura interlocução. Remete-se ao tema, mas o contexto de produção e o gênero
discursivo proposto não são considerados.
0- Remete-se a outro interlocutor. OU Fala de outro assunto. OU A produção é insuficiente
para a avaliação.
* Os recursos lingüísticos e coesivos utilizados para a construção do texto devem ser
compatíveis com a interlocução configurada.
144
Nos parâmetros de avaliação aqui apresentados, como podemos ver, a configuração da
interlocução dentro do gênero discursivo proposto constitui-se como o elemento mais
importante para a avaliação do texto produzido em um exame de proficiência cujo construto é
o uso da linguagem. Entendemos por configuração adequada da interlocução a relação
estabelecida entre o autor do texto, o interlocutor para quem o texto está sendo escrito e o
propósito com o qual o texto está sendo escrito. É para a configuração da interlocução, dentro
do gênero discursivo proposto na tarefa, que o candidato precisa demonstrar compreensão do
texto-base, recontextualizando as informações que se fizerem necessárias pelas relações
estabelecidas por cada texto singularmente, de forma apropriada à interlocução configurada
para cumprir o propósito interlocutivo solicitado. Para fazer isso, o candidato precisa,
necessariamente, acionar recursos lingüísticos e coesivos em língua portuguesa, não
necessariamente “corretos” segundo a gramática, mas adequados ao contexto de produção
sugerido e capazes de promover a intercompreensão com o interlocutor configurado.
A seguir, apresentaremos uma discussão da operacionalização dos parâmetros
propostos por este trabalho na avaliação de alguns dos textos que compõem nosso corpus. Os
textos são apresentados de acordo com o nível de avaliação atribuído.
Nível 0
Remete-se a outro interlocutor. OU Fala de outro assunto. OU A produção é insuficiente
para a avaliação.
Em nossa amostra, o único texto que se encaixa nos parâmetros propostos para o nível
0 é o texto III.45, que está inacabado. O texto parece iniciar dentro do gênero solicitado pela
tarefa, mas não é concluído.
Texto III. 45
Campinas, 26 abril 2006
Cara, Cláudia
Oi, Cláudia faz tanto tempo que agente não se vê Sinto tanta saudade de nosso
tempo de falcudade aqueles dias de estudos, aulas e festas juntas. Cláudia soube
pela minha mãe que estas fazendo um regimer muito estrito só a base de certos
Apesar de não termos em nossa amostra nenhum exemplo de texto concluído que seja
representativo dos parâmetros propostos para o nível 0, entendemos que este nível pode ser
relevante para a avaliação, já que a experiência de correção de provas do exame nos diz que é
145
possível o aparecimento de textos completos que tenham esse perfil, ou seja, que direcionem
seu texto para um interlocutor diferente do solicitado na tarefa ou que tratem de um tema
diferente do tema solicitado.
Nível 1
Não configura interlocução. Remete-se ao tema, mas o contexto de produção e o gênero
discursivo proposto não são considerados.
Entendemos que o texto IV.42 é um texto que não configura a interlocução, uma vez
que não deixa transparecer em nenhum momento do texto para quem está escrevendo e não
faz menção nem implícita aos possíveis leitores. O texto não faz referência a nenhuma
empresa específica, mas a uma empresa genérica, que é referida no plural, como em “somente
os gerentes delas companhias posser ter acceso ao Internet”. O texto ainda apresenta
inadequações lingüísticas que interferem na configuração da interlocução, porque não deixam
claro se o que o texto faz é descrever uma coisa que já acontece na empresa ou propor uma
possibilidade, quando diz “De essa forma a companhia e os trabalhadores possem ter límpio
seus nombres”, nem explica o que significaria ter o nome limpo (no caso da empresa e do
funcionário) em relação ao que escreve.
Para o contexto de produção proposto pela tarefa, de texto para ser colocado no quadro
de avisos da empresa, o texto não é adequado, pois embora consista num texto argumentativo,
não configura interlocução e, portanto, não considera o gênero discursivo proposto.
Entendemos, assim, que o texto IV.42 seja um exemplo de texto representativo do nível
básico de proficiência.
Texto IV. 42
Agora há uma forma de ter e-mails nos trabalhos que é mas segura: primero
é que somente se posse reubir e mandar os mensagems elos trabalhadores desde
la folha de la companhia que é distribuida a toudos os trasbalhadores. Esta folha
posse se-ver por Internet, mais para entrar a determinadas trabalhos os usuairos
devem ter um codigo especial. Alem somente os gerentes delas companhias
posser ter acceso ao Internet (les outros trabalhadores tenem acceso ao intranet),
mais si eles entram é para saver cassos en relativos a la oficina.
Por outro lado, há uma oficina de computadoras na companhia que possa
revisar a organizaçae: en caso de notar que alguem envia mensajes como
mulheres nuas será castigado, mais si eles somente les-recibem, no há de castigo.
De essa forma a companhia e os trabalhadores possem ter límpio seus
nombres porque o ambiente de trabalho é livre.
146
O texto IV.16 também é um texto aqui considerado como básico por não configurar a
interlocução, porque não relaciona em nenhum momento o que está dizendo com o contexto
de produção em que o texto está sendo escrito. Apesar de, em alguns momentos, o texto fazer
menção a sua relação com os leitores, colocando-os de certa forma como participantes do
texto, como nos trechos “somos pessoas adultas e não necessitamos, pressões ou que
violenten nossos direitos para corregir alguma atitude errada” e “hoje é nossa privacidade e
amanhã?”, em outros momentos o texto parece referir-se ao tema de forma genérica e
distante, como em “Essa é a situação que gera o aval para que as empresas vigiarem e-mails
dos empregado” e “Há que tentar soluções razonáveis e que não incomodem ao conjunto dos
empregados já que não todos incurvam na falta, e deven sentir-se intimidados e observados o
tempo tudo.”. Nesses trechos, o tema é tratado de maneira geral, sem configurar interlocução.
As inadequações lingüísticas apresentadas pelo texto IV.16 também interferem na
configuração da interlocução. Conforme já analisamos anteriormente, na primeira frase do
texto temos um exemplo desses problemas, já que a palavra “além”, na frase “Há direitos que
devem ser respeitados entre eles o direito à privasidade garantido além pela constituição a
todo ser humano” dificulta a compreensão da frase por parte do leitor. A primeira frase do
segundo parágrafo, “Essa é a situação que gera o aval para que as empresas vigiarem e-mails
dos empregado.”, cria uma incoerência no texto, já que contradiz a frase “Ter a sensação que
o tempo tudo alguém está respirando na nuca, no trabalho não é produtivo”, que vem
imediatamente antes e é retomada como referente do pronome “Essa” que inicia o segundo
parágrafo. Também no final do texto, como já vimos na seção 5.1 acima, a inadequação no
uso dos recursos lingüísticos cria incoerência na significação do texto, na frase “Há que tentar
soluções razonáveis e que não incomodem ao conjunto dos empregados já que não todos
incurvam na falta, e deven sentir-se intimidados e observados o tempo tudo.”. A não repetição
do “não” antes do verbo “deven” faz com que o texto afirme que todos os funcionários devem
se sentir intimidados e observados o tempo todo.
Por não configurar a interlocução de maneira adequada, entendemos que o texto IV.16
também seja um exemplo de texto que reflete um nível Básico de proficiência.
Texto IV. 16
Há direitos que devem ser respeitados entre eles o direito à privasidade
garantido além pela constituição a todo ser humano. Ter a sensação que o tempo
tudo alguém está respirando na nuca, no trabalho não é produtivo, a
incomodidade se sentir-se observado ou à espera de fazer algo mal.
Essa é a situação que gera o aval para que as empresas vigiarem e-mails dos
empregado. Há outras maneiras de fazer algum tipo de controle como a
147
experiência nos Estados Unidos da assinatura de um termo de compromisso no
ato da contratatação, nele o funcionário se compromete a usar seu e-mail para
fins de trabalho.
Este é um bom exemplo de tentar dar solução algum problema sem perder a
confiança nos empregados, além de tudo somos pessoas adultas e não
necessitamos, pressões ou que violenten nossos direitos para corregir alguma
atitude errada. Pelo exposto até aquí podemos dizer que a privacidade é um
direito irrenunciável e deve ser defendido, hoje é nossa privacidade e amanhã?..
Há que tentar soluções razonáveis e que não incomodem ao conjunto dos
empregados já que não todos incurvam na falta, e deven sentir-se intimidados e
observados o tempo tudo.
Nível 2
Configura a interlocução de forma não consistente, podendo apresentar trechos do texto que
não dão conta dessa interlocução ou que remetem a um interlocutor diferente. A relação
entre o propósito do texto e a interlocução configurada não é clara, porque não
recontextualiza informações que seriam necessárias para a configuração da interlocução ou
porque não relaciona claramente essas informações, criando seqüências textuais que não são
coerentes com a interlocução configurada. O texto pode apresentar características de outros
gêneros que não o proposto na tarefa.
O texto a seguir é, segundo os parâmetros propostos, um texto nível 2, porque
configura a interlocução solicitada na tarefa (e-mail para a amiga), mas apresenta vários
trechos que não se relacionam com a interlocução configurada. A interlocução é configurada
adequadamente nos três primeiros parágrafos do texto, no último e no fechamento, em que
temos a configuração de um e-mail entre amigas. O propósito interlocutivo do texto, no trecho
constituído pelo quarto, quinto e sexto parágrafos, no entanto, parece se inserir melhor no
gênero resumo do que no gênero e-mail de alerta para a amiga, estabelecendo uma relação
fraca com a interlocução configurada. Admitimos que essa questão possa ser controversa, já
que a configuração da interlocução em um e-mail para um amigo pode variar muito de um
texto para outro e de um contexto para outro. Por ser um gênero muito pouco estável, o e-mail
pode apresentar diferentes formas de configuração da interlocução ao longo do texto, e não é
possível determinar a priori quais são mais ou menos preferidas; somente o contexto e o
propósito interlocutivo do texto poderão determinar essa preferência. No texto III.26, no
entanto, entendemos que a diferença entre a interlocução configurada nos parágrafos que
resumem a informação do texto-base, em relação aos outros parágrafos, faz com que o texto
não apresente a unidade necessária para a demonstração de proficiência em nível avançado.
148
Entendemos, então, que o texto III. 26 seja um texto representante do nível Intermediário de
proficiência.
Texto III. 26
Bom dia, tudo bem ...?
Há muitos dias que a gente não se-ve. Temos que combinar nesta semana e pôr
os assuntos ao dia.
Estou te escrevendo porque ontem lí um artigo na revista “Época” e fiquei
impressionado. É um artigo que fala dos mitos dos que os consumidores somos
vítimas, em relação à alimentação.
Primeramente fala da importância das carnes. As carnes são as principais fontes
de ferro e de vitamina B12. As proteínas encontradas nas carnes dificilmente são
obtidas consumindo vegetais. Alem disso, os vegetais e legumes tambem tem
alimentos prejudiciais.
Em seguida fala dos alimentos orgânicos. Segundo o artigo, muitos dos
beneficios deste tipo de alimentos tambem podem se-conseguir com uma
higienização adequada dos produtos não-organicos.
Depois fala dos produtos industrializados. Segundo o artigo, o maior perigo são
os produtos ricos em gordura e açúcares, e isso não é só para esses productos.
Finalmente fala do mito dos produtos light. O importante não é se um produto
tem açúcar, é se é rico em gorduras.
Acho que existem muitos mitos em relação à alimentação provavelmente
difundidos pelas multinacionães, e a publicidad
Devemos nos-informar melhor... não achas?
Beijos!!!
Adri
O texto I.40 também não recontextualiza adequadamente várias informações que
utiliza, o que gera pouca relação entre o propósito do texto e a interlocução configurada. O
texto menciona uma entrevista com Tatiana Memória sem apresentá-la, parecendo configurar
um interlocutor que também assistiu ao vídeo-base da tarefa. Essa, no entanto, não era a
interlocução solicitada pela tarefa, já que havia sido pedido que o candidato fizesse um texto
de apresentação para um guia de centros culturais. Pressupondo que em um guia não se
esperaria que o leitor compartilhasse de informações que foram veiculadas em uma entrevista
assistida pelo autor do texto, temos aqui um exemplo de como a falta de contextualização de
algumas informações pode comprometer a construção da interlocução. Há também, em alguns
trechos do texto, características de outros gêneros que não o proposto na tarefa, como
podemos ver no penúltimo parágrafo, que se aproxima de um texto de notícia ou resumo do
vídeo mais do que de um texto de apresentação para um guia. O texto I.40, então, tamm
estaria inserido no nível Intermediário de proficiência.
149
Texto I.40
Darcy Ribeiro éra um antropologo, educador e escritor, nascido em Minas
Gerais em 1922. Ele há escribido muitos libros como diarios indios, Maira, Os
indios e a civilizaçao, O povo brasileiro e Estudos de Antropologia
Numa entrevista com Tatiana Memória, Presidente da Fundação Darcy
Ribeiro, ele nos dice que um deseo dele é l’immortalidade e la Fundação creada
em 1996 foi creada pra mantener l’educaçao de antropologia e com apoyo de
duos governos. A Fundaçao continua l’idea dele porque mantem os livros dele a
disposiçao de toudos. Também há la posibilidade de conseguir suas obras nas
universidades porque estam diversificadas nas varias areas.
Tatiana Memoria tambem explica que a Fundaçao no tem intençao
filantropica e se basa muito poco na caridade, mais ele quere dar ao povo
libertade e autosoficiencia com o trabalho.
A fundaçao tem salon multvideo, dos atores e restaurante entre outros cosas,
e sua travalho é enorme na educaçao e as metas som alcanzadas com um
travalho do equipo. Em fim, a fundaçao continua as ideas de Darcy Ribeiro.
O texto IV.41 também é um texto cuja interlocução é configurada de forma
inconsistente em virtude das inadequações lingüísticas apresentadas, que impedem a
recontextualização de algumas informações importantes e tornam o texto confuso. Um
exemplo disso está no trecho “me oponho e exijo ser avisado pela empresa sobre a invasão de
privacidade, quero ser afixado no cuadro de avisos da empresa onde estiver trabalhando”, em
que o texto mistura o contexto de produção e o suporte que a tarefa propõe para o texto
produzido, que é o de texto para quadro de avisos, com a relação entre a empresa avisar os
empregados de que está vigiando os e-mails e colocar esse aviso no quadro de avisos.
Em algumas seqüências textuais apresentadas neste texto, o leitor é levado a fazer
inferências que acabam por não se confirmar no restante do texto. Um exemplo disso é a
afirmação “me dirijo ao Tribunal Superior do Trabalho”, no início do texto. Esse trecho abre o
texto fazendo o leitor imaginar que o mesmo é uma carta para o TST, inferência que não se
confirma ao longo do texto. As inadequações lingüísticas também interferem na coesão e na
estrutura textual, como no trecho “que nos devem respeito, é um mínimo de privasidad é,
sim”, tornando a interlocução menos consistente porque guiam pouco as inferências que o
leitor precisa fazer para compreender o texto.
Texto IV.41
Sou trabalhadora, e me dirijo ao Tribunal Superior do Trabalho (TST). Por
razões de respeito e privacidade.
Câmeras de Segurança nos corredores, crachá eletrônico, controle de
ligações; tudo bem, estamos aguentando.
Agora vasculhar o correio eletrônico de todo munto do escritorio e uma
invasão mais que desrrespeitabel e inmoral.
Que nos devem respeito, é um mínimo de privasidad é, sim
150
Certamente todos devemos ter e usar um e-mail profissional para fins
somente de trabalho, ónde o funcionário se compromete na empreça e para pára
ela.
Me oponho e exijo ser ávisado pela empresa sobre a invasão de privacidade,
quero ser afixado no cuadro de avisos da empresa onde estiver trabalhando.
E como pessoa não deixo de ser cidadã por estar em uma empressa.
Privacidade e un direito de todos; se o T.S.J. deu aval para as empresas
vigiarem e-mails dos empregados tambén está desrespeitando a moral de cada
trabalhador.
Respeito ou manipulação.
Nível 3
A configuração da interlocução é pouco consistente porque não recontextualiza ou
recontextualiza de forma confusa informações que seriam necessárias para que o texto
cumprisse o propósito dentro do contexto de produção sugerido, apesar de o texto se inserir
dentro do gênero discursivo proposto na tarefa.
O texto II.28, apesar de estar inserido no gênero discursivo proposto na tarefa (carta
aberta aos moradores do bairro), não recontextualiza adequadamente algumas informações, o
que acaba tornando a interlocução pouco consistente. Como já analisamos anteriormente, o
autor do texto não se apresenta aos leitores, mas inicia o texto dizendo “gostaria muito de
contar para vocês...”, como se os leitores já soubessem quem está escrevendo. Para começar
assim, a pessoa que escreve precisaria ser conhecida dos leitores, mas o texto não apresenta
marcas que mostrem isso. O texto também introduz Cláudia Cabral sem apresentações, como
se os leitores a conhecessem, dizendo “o que a Claudia Cabral como diretora executiva duma
ONG, está fazendo pelas crianças e jovens que já não podem viver com a família”. O fato de
usar o artigo definido antes de “Cláudia Cabral” faz com que entendamos que os leitores já
devam saber quem ela é, mas o texto não mostra outras marcas que contemplem essa
expectativa; ao contrário, o artigo indefinido “uma” (“duma”), referindo-se à ONG dirigida
por Cláudia Cabral, contradiz o pressuposto de que ela é conhecida. Como essa informação
não é recontextualizada pelo texto em questão, a interlocução fica prejudicada, pois já não
sabemos quem está escrevendo e nem tampouco quem é a pessoa ou a ONG à qual o texto
está se referindo. Dessa forma, a interlocução configurada pelo texto acaba sendo pouco
consistente, fazendo assim com que o cumprimento do propósito do texto também fique
prejudicado. Entendemos, então, que o texto II.28 é um texto representativo do nível
Intermediário Superior de proficiência.
151
Texto II.28
Gostaria muito de contar para vocês, o que a Claudia Cabral como diretora
executiva duma ONG, está fazendo pelas crianças e jovens que já não podem
viver com a família.
O projeto ajuda crianças e jovems afastadas da família e procura outra
família temporária até o problema se resolver. Claro que para ter essa
possivilidade, a família tém que estar cadastrada como família acolhedora e terá
a ajuda de um equipe de pessoas para ver o desenvolvimento da criança, quem
não perderá contato com a família original.
Para quem gosta de ajudar à sociedade, a oportunidade é ótima e ainda você
recebe subsídio financiero para a educação da criança.
Aproveite a oportunidade de ser solidário
O texto III.40 também está inserido no gênero discursivo proposto pela tarefa (e-mail
para amiga), mas recontextualiza de forma confusa algumas informações, o que torna a
interlocução pouco consistente. Ao dizer “aproveitando na oportunidade comunicarme
contigo e saubendo que estas com mais de 4 quilos según a resposta do nutricionista”, o texto
estabelece uma interlocução confusa. Quando o texto diz que “Por isso e bom ouvir e olhear
certas informações para levar um ritmo de vida com muita saúde sim ter em conta aqueles
mitos que podem ser perjudiciais para nossa saude”, ao não dizer de quais informações es
falando e nem a quais mitos está se referindo, o texto não recontextualiza informações que
seriam necessárias para cumprir seu propósito de alertar a amiga. Tendo isso em vista,
acreditamos que o texto III.40 seja representativo do nível Intermediário Superior de
proficiência.
Texto III.40
Amiga Anita Olá como vai você? aproveitando na oportunidade de
comunicarme contigo e saubendo que estas com mais de 4 quilos según a
resposta do nutricionista te digo: que ví uma reportagem da Revista Época, que
dize que para consumir alimentos deve-se ter em conta: o valor energético ou
calorico e a quantidade de gorduras totais.
Porque se você consume só alimentos vegetais não e indicador de uma boa
alimentação nim garantiza um ótimo funcionamento de todo o organismo. Por
isso e bom ouvir e olhear certas informações para levar um ritmo de vida com
muita saúde sim ter em conta aqueles mitos que podem ser perjudiciais para
nossa saude.
Me despido de você
até logo.
Liliana.
152
Nível 4
Configura a interlocução dentro do gênero discursivo proposto na tarefa, produzindo um
texto que recontextualiza de forma incompleta as informações necessárias para cumprir o
propósito interlocutivo, o que enfraquece a consistência da interlocução.
O texto I.44 é um texto que configura a interlocução proposta na tarefa, como se
tivesse realmente sido convidado para escrever o texto de apresentação para um guia,
inclusive justificando isso no início do texto, dizendo “É motivo de orgulho para mim fazer à
apresentação”. Essa interlocução configurada é uma leitura possível do enunciado da tarefa.
Se pensarmos nesse contexto de produção, é legítimo que uma pessoa convidada para
escrever um texto de apresentação para um guia faça comentários como o que aparece no
início do texto, já que teria sido convidada exatamente por ter importância ou alguma relação
relevante com o órgão ou a pessoa que vai apresentar.
Como já vimos anteriormente, o fato de o texto I.44 apresentar a data da escrita e estar
endereçado ao “Caro, Povo Brasileiro” não faz com que o texto fuja ao gênero proposto na
tarefa, porque entendemos que, em um guia de apresentação de centros culturais que convida
personalidades importantes para escreverem a apresentação dos centros, como parece ser o
suporte configurado pelo texto apresentado, os textos podem apresentar esse formato, com
marcas de explicitação de autoria e a data em que foi escrito. Nesse sentido, no entanto, o fato
de o texto não apresentar a assinatura do autor do texto, que, pela relação de interlocução
configurada, deveria estar presente para legitimar a apresentação inicial, enfraquece a
consistência da interlocução, na medida em que a interlocução configurada centra-se na
importância do autor em relação ao texto que está escrevendo. A falta dessa assinatura, no
entanto, não invalida a interlocução constituída, nem impede que o texto cumpra com o
propósito interlocutivo solicitado na tarefa.
As relações estabelecidas singularmente dentro deste texto, a partir da leitura que ele
faz do enunciado, que permite o posicionamento pessoal do autor no texto, fazem com que
sejam adequados tanto a demonstração de orgulho do autor quanto o fato de ele dizer que vai
“fazer a apresentação de uma pessoa ilustre como é Darcy Ribeiro”, já que é a partir das
informações de Darcy Ribeiro que o autor justifica a apresentação que faz da Fundação, que
era o propósito solicitado pela tarefa. Neste texto, vemos que as informações que são
recontextualizadas dão conta da apresentação proposta, dentro da interlocução configurada e
com as características do gênero que o texto constitui. Já a assinatura do autor, como vimos, é
uma informação que faz falta, porque seria importante para legitimar a interlocução
153
estabelecida no texto. Pela falta dessa informação, que prejudica a configuração da
interlocução, entendemos que o texto I.44 é representativo do nível Avançado de proficiência.
Texto I.44
Campinas, 26 de abril de 2006.
Caro, Povo Brasileiro
É motivo de orgulho para mim fazer à apresentação de uma pessoa
ilustre como é Darcy Ribeiro
Mineiro, nascido 1922, Educador, Antropologo e escritor de obras maravilhosas
que realizaram o seu sonho de immortalidade porque atravez de estas ficou na
nossa memória e na de muitas outras pessoas, que têm o grande privilegio de leer
elas.
Alem de nos dar suas obras Darcy Ribeiro, dejo para nós perpetuar su
inmortalidade uma fundação sem fin lucrativos que incentiva o trabalho no qual
ele acreditava, esta entidade estimula o trabalho educativo e o amor por à
antropologia que foi a paixão do Darcy Ribeiro.
O texto III.39 configura a interlocução dentro do gênero discursivo proposto na tarefa
(e-mail para a amiga) com o propósito de alertar a amiga, tanto que esse é o “Assunto” do e-
mail. O e-mail começa com “Aténção” e dirige-se diretamente à amiga, dizendo que sabe que
ela pratica dietas e consome alimentos light, diet e orgânicos. A partir daí o texto já começa a
alertar a amiga, dizendo que ela “deveria saber que eles não são tam inofensivos como
parecem”. O segundo parágrafo do texto traz uma oração isolada, separada do parágrafo
anterior, mas que, para ter seu sentido completo, deveria fazer parte da frase anterior, já que
“todos” não tem um referente possível dentro do parágrafo, e parece recuperar como referente
“alimentos que se dizem light, diet, organicos”, na primeira linha do texto. Também “eles”,
no terceiro parágrafo, parece recuperar esse mesmo referente, já que quando o texto diz “Não
esqueça de ler com muita atenção a informação que eles têm em seu rótulo”, contextualmente
entendemos que “eles” se refere a “alimentos”. A última frase do texto traz um problema de
contextualização da informação que prejudica a interlocução, quando diz “para mais
informação procurei a Revista Época publicada na data 25 de julho de 2005”. Nesse trecho, o
que o autor parece querer dizer é que a amiga deve procurar a revista se quiser ler mais
informações, mas o uso do verbo na primeira pessoa do singular do pretérito perfeito,
“procurei”, afirma que foi o autor quem procurou a revista para obter mais informações sobre
o assunto, o que não se justifica pelo que ele diz anteriormente no e-mail. Por isso,
entendemos que o texto III.39 é representativo do nível Avançado de proficiência.
154
Texto III.39
De: Juan Pablo Leon Senti < [email protected]m >
Enviado: quarta-feira, 26 de abril de 2006 9:30
Para: Silvana Rodrigues < silvan10@bol.com >
Assunto: alerta
Aténção
Amiga, como você é praticante de dietas, é consome alimentos que se dizem
light, diet, organicos, deveria saber que eles não são tam inofensivos como
parecem.
todos poderiam oferecer algúm tipo de risco à saúde, todos têm vantagém e
desvantagém ao consumo humano.
Não esqueça de ler com muita atenção a informação que eles têm em seu rotulo.
Nem sempre o que se come diet pelo exemplo é o ideal para perder peso, porque
é rico em gorduras. para mais informação procurei a Revista Época publicada na
data 25 de julho de 2005.
beijos.
Nível 5
Configura clara e adequadamente a interlocução dentro do gênero discursivo proposto na
tarefa, produzindo um texto que recontextualiza apropriadamente as informações necessárias
para cumprir o propósito interlocutivo de forma consistente.
O texto IV.1 é um texto que configura clara e adequadamente a interlocução. O texto
se dirige diretamente aos colegas, apresentando no título, inclusive, o pronome possessivo na
primeira pessoa do plural (“Nossa Privacidade”), recontextualizando para tanto informações
relevantes do texto-base que o autor compartilha com os colegas e adicionando sua opinião
pessoal (“não é justa a decisão do Tribunal Superior do Trabalho onde autoriza as empresas
ficarem de olho nos nossos e-mails, computador etc”), usando para isso os verbos na primeira
pessoa do plural (“passamos muitas horas dentro da empresa”, “precisamos ter contato com a
família”, “tentemos fazer”) para dirigir-se diretamente aos interlocutores.
O propósito interlocutivo proposto na tarefa é cumprido de forma consistente, já que o
texto argumenta contra a invasão de privacidade, posicionando-se explicitamente e
justificando sua posição (“passamos muitos horas dentro da empresa e precisamos ter contato
com família, amigos”; “se os funcionários trabalham num ambiente aconsegante, contentes e
a relação com os seres é boa, o resultado do trabalho é melhor”) e dando inclusive sugestão
para contornar o problema (“as empresas deveriam colocar um filtro para os virus não
entrarem”). O texto termina ainda incitando os colegas a fazerem alguma coisa para mudar a
situação (“tentemos fazer do nosso trabalho um lugar onde gostemos de ficar muito tempo”).
155
Esse texto, segundo nosso entendimento, seria representativo do nível Avançado Superior de
proficiência.
Texto IV.1
Nossa Privacidade
Não é justa a decisão do Tribunal Superior do Trabalho onde autoriza às
empresas ficarem de olho nos nossos e-mails, computador, etc.
Acho uma invasão de privacidade porque passamos muitos horas dentro da
empresa e precisamos ter contato com família, amigos etc durante esse tempo.
Além disso, se os funcionários trabalham num ambiente aconsegante, contentes
e a relação com os seres é boa, o resultado do trabalho é melhor.
As empresas deveriam colocar um filtro para os virus não entrarem, mas não
acho perjudicial para ninguém receber um e-mail pessoal ou uma brincadeira ou
uma foto da minha família para colocar na tela.
Tentemos fazer do nosso trabalho um lugar onde gostemos de ficar muito tempo.
O texto IV.2 também configura a interlocução de forma clara e consistente. O texto
dirige-se diretamente aos colegas, inclusive com um vocativo endereçando o texto. As
informações retiradas do texto-base são recontextualizadas adequadamente de forma a
sustentar a posição defendida pelo autor do texto, que expressa sua indignação com o
ocorrido, como podemos ver nos trechos “Pessoal, isso é um abuso!”, e “qual é o próximo
passo? Vasculhar nossas carteiras?”. No último parágrafo, o texto incita os colegas a agirem
contra a invasão de privacidade (“Sejamos cidadões, façamos valer nossos direitos e
fiquemos de olho no Big Brother Corporativo! Se nós permitirmos uma invasão dessas, quem
sabe o que nos espera?”). Por ser um texto que configura adequadamente a interlocução,
inclusive estimulando os leitores a se posicionarem em relação à questão exposta, entendemos
que este texto seja representativo do nível Avançado Superior de proficiência.
Texto IV.2
Colegas,
Vocês são cientes de que somos espionados no nosso ambiente laboral?
Com a desculpa de controlar eventuais improdutividades, riscos de vírus e de
defender a segurança informática, as corporações vigiam cada vez mais seus
empregados. O Tribunal Superior do Trabalho abriu um precedente nefasto ao
autorizar e legitimar a violação do correio eletrônico no escritório. Pessoal, isso
é um abuso! A privacidade é um direito fudamental garantido pelas leis.
Câmeras de segurança, crachá eletrônico, controle de e-mails e ligações...
qual é o próximo passo? Vasculhar nossas carteiras? Sejamos cidadões, façamos
valer nossos direitos e fiquemos de olho no Big Brother Corporativo! Se nós
permitirmos uma invasão dessas, quem sabe o que nos espera?
NÃO À INVASÃO DA PRIVACIDADE NO ESCRITÓRIO!
156
O texto IV.25 é um texto que também configura bem a interlocução, ainda que
apresente algumas inadequações lingüísticas. Essas, no entanto, não interferem na
constituição da interlocução.
A interlocução neste texto parece ser constituída na relação entre as marcas
lingüísticas e o contexto de produção do texto. É o fato de estar afixado em um quadro de
avisos que completa as marcas utilizadas no texto e torna a interlocução consistente. Além de
ser endereçado aos “Prezdos Collegos”, o texto apresenta também conjugações dos verbos na
primeira pessoa do plural (“temos”, “queremos”) e pronomes (“informar-nos”) que o
relacionam com os leitores. Por ser um texto bastante expositivo e recontextualizar muitas
informações do texto-base, grande parte do texto não apresenta marcas lingüísticas de
interlocução explícita, mas as marcas presentes são suficientes para configurar a interlocução
adequadamente.
O texto, como vimos, cumpre o propósito interlocutivo e recontextualiza para tanto
informações suficientes. As inadequações lingüísticas, no caso deste texto, não impedem que
as relações estabelecidas na configuração da interlocução sejam suficientes e consistentes.
Dessa forma, entendemos que este texto seja representativo do nível Avançado Superior de
proficiência.
Texto IV.25
Prezdos Collegos
No mês passado, o Tribunal Superior do Trabalho autorizou as corporações de
vasculhar o correio eletrônico de todo mundo do escritório. Isto não é aceitável!
É uma deçisão contra os direitos dos empregados. Temos o direito de
privacidade, e queremos ficar com este direito. É verdade que haja alguns
collegas que visitam sites que não tenham relação com a atividade profissional.
Mas só são alguns, e se não pode suspectar todos os empregados a causa dos
alguns. Esse invasão de privacidade criar uma atmosféra em que não há
confiança, e isto cria improdutividade. Se as empresas têm medo dum vírus, eles
podem informar-nos (por exemplo em cursos) dos tipos de mails que não
devemos aceitar. Eles também podem bloque alguns sites com conteúdo
pornográfico, etc.
Há soluções menos hostil para resolver esse problema. O empregado pode
assinar um termo de compromisso no ato da contratação, em que ele se
compromete a usar seu e-mail profissional para fins somente de trabalho. Seria
uma solução com que haveria mais segurança e confiança, uma combinação que
cria produtividade.
O texto III.7 também configura adequadamente a interlocução dentro do gênero
discursivo proposto (e-mail para a amiga que só come alimentos naturais) e cumpre com o
propósito interlocutivo de alertar a amiga para os mitos dos alimentos naturais. O fato de o
157
texto apresentar algumas inadequações lingüísticas não impede a adequada configuração da
interlocução e não interfere no cumprimento do propósito interlocutivo do texto. Entendemos,
então, que o texto III.7 também é um texto que demonstra proficiência em nível Avançado
Superior.
Texto III.7
Querida Ana:
Tudo bem? Já faz algum tempo que nos ouvimos.
Ontem eu li um artigo sobre a alimentação natural e imediatamente eu
lembrei de você. Os assim chamados alimentos saudáveis não sempre cumprem
o que prometem.
Você soube que a carne contêm ferro e vitamina B12 que são indispensáveis
para a nossa saúde? Quem come somente produtos vegetários corre o risco de
não ter certos alimentos dos quais o corpo necessita.
Um outro mito a respeito da alimentação saudável é que temos de evitar
produtos industrializados mas os habitantes dos países industrializados atingem
uma idade média de cerca 80 anos! Os produtos não podem ser tão ruins para a
saúde!
Uma vez você me disse que compra muitos produtos diet. Faça atenção! Se
um produto é diet não quer dizer que não contêm nem açúcar nem gorduras mas
só que não contêm um ingrediente específico. Para não engordar é melhor
verificar todos os ingredientes.
Enfim, a sua convinção que só frutas orgânicas são boas para a saúde não há
nenhuma base científica. Talvez tenha que pensar uma outra vez sobre a sua
alimentação tão “saudável”. Na minha opinião a coisa melhor é não exagerar o
que tem a ver com os alimentos naturais. De vez em quando, o nosso corpo
necessita também de carne!
Um grande abraço,
Marcela
O texto III.15 configura adequadamente a interlocução, constituindo uma relação de
proximidade com a amiga para a qual está escrevendo, inclusive legitimando o propósito com
informações contextuais (“já discutimos várias vezes sobre a alimentação “correta””) e
mencionando o artigo lido (“estou escrevendo porque li um artigo sobre um assunto que
conhecemos bem”). O texto recontextualiza adequadamente as informações que são
necessárias para cumprir com o propósito de alertar a amiga sobre os mitos dos alimentos
naturais. O texto não apresenta nenhuma estrutura lingüística de “alerta”, mas só o fato de
escrever um e-mail para uma amiga sobre o assunto, dizendo que leu uma reportagem e que já
conversaram várias vezes sobre o assunto, faz com que o contexto de produção do texto seja
suficiente para que o texto seja considerado um alerta, mesmo que não diga explicitamente
isso. O texto III.15, então, é também representativo do nível Avançado Superior de
proficiência.
158
Texto III.15
Oi Hideko?
Tudo bem? Olha, eu estou escrevendo porque li um artigo sobre um assunto que
conhecemos bem! Já discutimos várias vezes sobre a alimentação “correta”. De
acordo com o artigo, há muitos mitos nessa área. Você consome apenas
alimentos naturais, mas ainda não há consenso científico sobre as vantagens
nutricionais desse tipo de alimentação. Se há uma higienização adequada dos
produtos não orgânicos, pode-se eliminar a maior parte dos resíduos defensivos
agrículas. E os produtos que inclui substâncias que tornam os produtos mais
duráveis, saborosos e atraentes não são tão ruim como você sempre diz. Pelo
menos a população de países industrializados, que consome muitos desses
produtos, tem uma longevidade maior do que em outros países do mundo.
Bom, escrevi bastante agora. Vamos discutir hoje a noite.
Bom apetite :-)
Beijinhos
Mattheus
Os parâmetros apresentados neste trabalho, como vimos, têm como ponto central de
demonstração de proficiência a capacidade de configurar adequadamente a interlocução no
texto. É a gradação da consistência da interlocução que é responsável pela definição do ponto
de corte entre os níveis avaliados, não mais a utilização de recursos lingüísticos ou a
recuperação de informações. Entendemos que, com uma avaliação por parâmetros, a validade
de um exame de proficiência que tem como construto o “uso da língua para fazer ações no
mundo”, como é o Celpe-Bras, seria aumentada, já que essa avaliação tornaria possível
adequar as exigências e expectativas da avaliação para cada enunciado de forma singular, da
mesma forma como acontece em situações de uso da linguagem fora de um exame de
proficiência.
O fato de os parâmetros serem atualizados a cada texto, se aumenta a validade do
exame, pode também diminuir sua confiabilidade, já que se deixa de ter exigências fixas para
a avaliação de cada nível de proficiência, o que exige necessariamente maior treinamento
para garantir a coesão entre os avaliadores. Se lidamos com uma noção de proficiência em
que o pressuposto é exatamente a variabilidade, é necessário mantermos esse pressuposto na
avaliação, e procurar, então, mecanismos para lidar com a diferença que possa surgir.
Entendemos, no entanto, que a subjetividade sempre se faz presente em qualquer avaliação de
desempenho, e que os mecanismos já utilizados pelo exame Celpe-Bras para diminuir os
efeitos da subjetividade na avaliação, como o treinamento dos corretores, a dupla correção e a
discussão das notas discrepantes, possam contribuir para a manutenção dos índices de
confiabilidade presentes no exame.
159
Na tabelas abaixo, podemos ver o reflexo da diferença entre a avaliação dos textos
feita pelo exame Celpe-Bras e a avaliação feita com base nos parâmetros propostos neste
trabalho. Como vemos, em 9 dos 15 textos apresentados o nível de certificação atribuído com
base nos parâmetros propostos foi maior do que o nível atribuído na avaliação do exame
Celpe-Bras. Em 5 textos o nível de certificação permaneceu o mesmo e em 1 texto o nível de
certificação diminuiu. Podemos, dessa forma, sugerir que, ao utilizar a configuração da
interlocução como critério em parâmetros que reúnem todos os aspectos em um mesmo
descritor holístico, a tendência é que tenhamos um aumento no número de textos
considerados proficientes em relação ao número que tínhamos quando a avaliação era feita
com base nos critérios usados separadamente (embora em uma avaliação holística) e que
permitia o foco da avaliação nas expectativas de uso de recursos lingüísticos e de recuperação
de informações que não eram solicitadas explicitamente pelo enunciado da tarefa.
Pensamos que esse aumento no número de textos considerados proficientes seja
coerente com a visão de linguagem adotada neste trabalho, já que, mesmo que os gêneros
sejam “tipos relativamente estáveis de enunciados” (Bakhtin, 2003:262), cada enunciado
individual é único e irrepetível, isto é, no uso da linguagem, a variabilidade é a regra. Dessa
forma, parece fazer sentido também que, na avaliação de proficiência como “capacidade de
configurar adequadamente a interlocução nos enunciados dentro de um gênero e de um
contexto de produção específico e em resposta a enunciados anteriores”, exista uma grande
variedade de possibilidades para essa configuração da interlocução nos enunciados, e isso se
reflita em um maior número de textos considerados proficientes.
Tabela 5 - Comparação entre a avaliação do exame Celpe-Bras e a avaliação segundo os
parâmetros propostos neste trabalho
Avaliação do exame Celpe-Bras
Iniciante III.45 IV.42 I.44
Básico I.40 IV.41 III.40 III.39
Intermediário III.26 III.15
Intermediário Superior IV.16 II.28 IV.25 III.7
Avançado
Níveis de
certificação
Avançado Superior IV.1 IV.2
Avaliação segundo os parâmetros propostos neste trabalho
Iniciante III.45
Básico IV.42 IV.16
Intermediário III.26 I.40 IV.41
Intermediário Superior II.28 III.40
Avançado I.44 III.39
Níveis de
certificação
Avançado Superior IV.1 IV.2 IV.25 III.7 III.15
Legenda:
+ Adequado
- Parcialmente Adequado
Em branco Inadequado
161
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho teve como principal objetivo analisar a validade de construto da Parte
Coletiva do exame Celpe-Bras, isto é, investigar como as tarefas e a grade de avaliação do
exame operacionalizam a visão de compreensão e de produção de texto na avaliação para
verificar de que forma cumprem o objetivo de testar a língua em uso, expresso no Manual do
Candidato (Brasil, 2006, p. 3), e também apontar caminhos para o aumento da validade de
construto do exame. Com esse propósito, analisamos as quatro tarefas da Parte Coletiva da
aplicação de 2006-1 e 181 textos produzidos pelos candidatos em resposta a essas tarefas, os
quais compuseram a amostra para o ajuste da grade de avaliação. Nossa análise enfocou a
operacionalização do construto na avaliação, o que, nas tarefas, implicou na análise dos
componentes do enunciado, verificando como esse enunciado estabelecia os contextos de
produção e recepção propostos para o texto solicitado. Nas grades de avaliação, analisamos
como os critérios foram descritos, e verificamos quais desses critérios eram responsáveis
pelos pontos de corte entre os níveis avaliados e de que forma esses critérios eram
considerados de forma integrada ou independente pela grade.
Através desta análise, verificamos que:
a) tanto as tarefas como as grades de avaliação da Parte Coletiva levam em conta os
aspectos apontados no Manual do Candidato como determinantes para a avaliação “com base
em uma visão de linguagem como uma ação conjunta de participantes com um propósito
social” (Brasil, 2006, p. 3), na medida em que explicitam os interlocutores e os propósitos de
compreensão e de escrita, que juntos definem o contexto de recepção e de produção dos textos
que compõem o exame (texto-base e texto a ser produzido pelo candidato). Nesse sentido,
poderíamos afirmar que o exame considera para a avaliação de proficiência em língua
portuguesa a noção de gênero do discurso, como proposto por Schlatter et al (no prelo);
b) embora as tarefas e as grades de correção apresentem os aspectos constituintes do
gênero do discurso, os critérios usados para a definição dos pontos de corte entre os níveis de
proficiência avaliados são a recuperação de informações do texto-base da tarefa e a adequação
lexical e gramatical, muitas vezes aplicados de forma desvinculada dos demais aspectos do
gênero em questão. Se, por um lado, poderíamos inferir desse resultado que os aspectos
162
interlocutor, propósito e formato não são produtivos para a distinção da maioria dos níveis do
exame porque grande parte dos candidatos cumpre com esses requisitos (por terem vivenciado
situações semelhantes ou por conhecerem suficientemente o formato do exame e saberem o
que se espera deles), a ênfase que a recuperação de informações do texto-base da tarefa e a
adequação lexical e gramatical tomam na avaliação revela uma dificuldade de operacionalizar
a relação existente entre os aspectos que compõem o gênero quando da correção do exame, já
que entendemos que tanto a compreensão do texto-base quanto os aspectos lingüísticos são
fundamentais para a composição do gênero do texto a ser construído;
c) a compreensão é avaliada como a recuperação necessária de informações do texto-
base, sendo que a grade explicita o número de informações que devem ser recuperadas e a
preferência por algumas informações específicas, de forma relativamente desvinculada das
condições de recepção e de produção dos textos. Na medida em que não considera a
singularização que o texto produz desses contextos no momento da enunciação (as relações
estabelecidas pelo texto entre a interlocução configurada e o propósito comunicativo),
podemos afirmar que a compreensão é vista na avaliação do exame Celpe-Bras como um
processo relativamente autônomo em relação à produção, pois a grade de avaliação restringe
as leituras e produções possíveis a partir de algumas interpretações (e não todas as possíveis)
das condições de produção e recepção explicitadas na tarefa;
d) por avaliar a Adequação Contextual, a Adequação Discursiva e a Adequação
Lingüística em eixos distintos, a grade de avaliação do exame Celpe-Bras permite o
entendimento de que os recursos lingüísticos são relativamente autônomos em relação aos
contextos de produção e de recepção dos textos nos quais são operacionalizados. Isso pode
sugerir uma compreensão de proficiência em escrita como adequação de recursos lingüísticos
(se considerarmos que os aspectos que compõem o gênero do discurso foram pelo menos
parcialmente contemplados no texto do candidato), porque, como vimos em nossa análise, o
uso da grade como é hoje permite o entendimento de que é possível um texto ser adequado
contextualmente mas não ser adequado lexical e gramaticalmente. Por outro lado, poderia se
supor também que um texto possa ser adequado lexical e gramaticalmente sem, no entanto,
cumprir a função que deve desempenhar na situação de comunicação proposta. Essa
separação indica uma compreensão de “adequado” desvinculada do contexto de produção
proposto (talvez ainda associada a uma tradição avaliativa do que é “correto/incorreto” de
acordo com parâmetros mais abstratos). Na visão de uso da linguagem defendida pelo exame,
essa separação não parece fazer sentido, já que a proficiência é resultado da relação entre
163
todos esses aspectos, isto é, de como o conteúdo informacional e a materialidade lingüística
atualizam o propósito de comunicação e a relação entre os participantes.
Entendendo que a noção de gênero do discurso pode (e deve) ser usada como unidade
para a operacionalização do construto uso da língua para desempenhar ações no mundo, pois,
segundo Bakhtin (2003, p. 282), “todos os nossos enunciados possuem formas relativamente
estáveis e típicas de construção do todo”, e entendendo que os gêneros compartilham as
funções de organização da comunicação dentro das diversas esferas da atividade humana,
buscamos uma perspectiva teórica que pudesse embasar uma proposta de operacionalização
do construto do exame que desse conta, na grade de avaliação dos textos dos candidatos, das
condições de recepção e de produção sugeridas nas tarefas do exame. A partir da perspectiva
teórica do Círculo de Bakhtin, que propõe o estudo da língua no plano do enunciado,
discutimos as noções de dialogismo e de gêneros do discurso, e construímos uma definição de
proficiência como “capacidade de produzir enunciados adequados dentro de determinados
gêneros do discurso, configurando a interlocução de maneira adequada ao contexto de
produção e ao propósito comunicativo”.
Nossa análise apontou uma inconsistência na validade de construto na avaliação de
compreensão oral, leitura e produção escrita do exame Celpe-Bras, se entendermos uso
adequado da língua para desempenhar ações no mundo (como definido no Manual do
Exame) como levar em conta as relações estabelecidas pelos interlocutores e seus propósitos
comunicativos dentro das condições de produção e recepção dos textos. Entendemos então
que, para operacionalizar a visão de linguagem e de proficiência expressa no Manual, as
grades de correção precisam ser remodeladas, de modo a integrar todos os critérios a serem
avaliados no momento da correção, a partir da configuração adequada da interlocução no
texto, ao invés de separá-los em itens e em eixos (embora em uma avaliação holística), como
faz a grade do exame hoje, permitindo, assim, que a recuperação das informações do texto-
base e o uso de recursos lingüísticos atuem isoladamente como critérios definidores de pontos
de corte na definição dos níveis de proficiência.
Entendendo gêneros como conjuntos de textos que compartilham as funções de
organização da comunicação dentro das diversas esferas da atividade humana, é dentro dos
gêneros do discurso que a interlocução vai se estabelecer nos enunciados. Segundo a
perspectiva bakhtiniana, o enunciado é único e sempre singular. Dessa forma, também a
avaliação dos textos, entendidos como enunciados, precisa ser suficientemente singular para
poder avaliar as relações estabelecidas em cada texto de forma individual. Para permitir ao
exame Celpe-Bras a avaliação dessas relações estabelecidas por cada texto de forma singular,
164
acreditamos que seja necessário o uso de parâmetros de avaliação que possibilitem ao
avaliador singularizar esses parâmetros para cada texto individualmente. Nesse sentido,
entendemos não ser adequado exigir de todos os textos a recuperação de um número fixo de
informações ou de determinada informação em especial. O avaliador precisa, primeiro,
compreender o texto em sua singularidade a partir da interlocução nele configurada, para
então avaliar, a partir dessa interlocução, quais e quantas informações seriam necessárias para
cumprir o propósito do texto dentro do contexto de produção solicitado, e os recursos
lingüísticos que seriam adequados à interlocução configurada.
Propusemos, neste trabalho, novos parâmetros de avaliação que, segundo o nosso
entendimento, são capazes de avaliar proficiência em português como língua estrangeira de
forma a contribuir para a validade da operacionalização do construto de “uso da linguagem
(levando em conta o contexto, o propósito e o(s) interlocutor(es) envolvido(s) na interação
com o texto, conforme explicitado no Manual do Exame), que necessariamente engloba as
práticas de compreensão e de produção e não dissocia as práticas interacionais demonstradas
dos recursos lingüísticos utilizados para participar delas. Nesses parâmetros, propusemos
descritores holísticos que integram os aspectos constituintes do gênero, e podem ser
singularizados pelo avaliador para dar conta das relações estabelecidas na eventualidade de
cada texto, pois, segundo nosso entendimento, é somente na singularidade de cada texto que
as relações dialógicas estabelecidas poderão ser avaliadas, e é somente dentro dessas relações
que o conteúdo informativo trazido pelo texto e os recursos lingüísticos utilizados poderão ter
sua adequação reconhecida, já que, a partir de uma perspectiva bakhtiniana de linguagem, o
enunciado só pode ser avaliado dentro das relações estabelecidas por ele com os participantes
e o contexto do qual faz parte. É nesse sentido que entendemos que, para uma avaliação que
tenha por construto o uso da linguagem, a utilização de parâmetros atualizáveis para a
avaliação de cada texto individualmente é mais produtiva do que a avaliação baseada em uma
grade com critérios fixos e iguais para todos os textos.
A partir dos parâmetros propostos neste trabalho, procedemos à recorreção de alguns
dos textos previamente analisados, para demonstrar como seria possível uma avaliação
segundo esses parâmetros e as possíveis implicações dessa avaliação. A partir dessa análise,
constatamos que, ao utilizarmos os parâmetros holísticos que buscam avaliar a proficiência a
partir da configuração da interlocução no texto e das relações estabelecidas a partir dessa
interlocução, a tendência é um aumento no número de textos considerados proficientes em
relação à avaliação com base na grade do exame Celpe-Bras, que, por apresentar os critérios
de avaliação separadamente, permitia que a expectativa de recuperação de informações e a
165
adequação no uso de recursos lingüísticos orientassem a avaliação dos textos. Essa mudança
dos níveis atribuídos aos textos parece operacionalizar de forma mais válida uma noção de
proficiência como “capacidade de configurar adequadamente a interlocução nos enunciados
dentro de um gênero e de um contexto de produção específico e em resposta a enunciados
anteriores”, pois aceita uma variedade maior de leituras do contexto de produção e de
recepção dos textos proposto pelas tarefas.
Pensamos que esse aumento no número de textos considerados proficientes seja
coerente com a visão de linguagem adotada neste trabalho, já que, mesmo que os gêneros
sejam “tipos relativamente estáveis de enunciados” (Bakhtin, 2003:262), cada enunciado
individual é único e irrepetível, isto é, no uso da linguagem, a variabilidade é a regra. Dessa
forma, é desejável que, na avaliação de proficiência como “capacidade de configurar
adequadamente a interlocução nos enunciados dentro de um gênero e de um contexto de
produção específico e em resposta a enunciados anteriores”, exista uma grande variedade de
possibilidades para essa configuração da interlocução nos enunciados, e isso se reflita em um
maior número de textos considerados proficientes.
Na operacionalização dos parâmetros propostos, entendemos que as práticas de
compreensão e de produção são avaliadas de forma integrada, já que o parâmetro para a
adequação das informações recontextualizadas no texto produzido passa a ser a relação
dessas informações com a interlocução configurada na produção. Também a visão de
proficiência em escrita, ao considerar o uso do conteúdo informacional e dos recursos
lingüísticos e discursivos para a configuração da interlocução no texto produzido, se orienta
para avaliar esses aspectos somente na medida em que contribuem (ou não) para configurar a
interlocução, e não de forma isolada.
Segundo Schlatter et al (no prelo, p. 13), as características do exame Celpe-Bras
“podem ser associadas com uma avaliação que busca analisar o quanto o candidato transita
em diferentes contextos orais e escritos, com vistas a atuar como cidadão que pode participar
de atividades complexas do mundo contemporâneo”. Para isso, o exame solicita tarefas nas
quais os candidatos precisam usar a língua portuguesa em situações que simulam contextos de
produção autênticos. Para Bakhtin (2003), como vimos, saber usar os gêneros de uma esfera
de comunicação não significa saber usar os gêneros de outra esfera. Para conhecer e saber
usar um gênero do discurso é necessário de alguma forma envolver-se na esfera da atividade
social da qual ele faz parte. Nesse sentido, entendemos que seria importante para o exame
Celpe-Bras uma definição de que esferas da atividade humana estão mais relacionadas com os
objetivos do exame e devem, portanto, ser privilegiadas na situação de avaliação. Como
166
grande parte dos candidatos ao exame precisa da certificação para desempenhar atividades
acadêmicas ou profissionais no Brasil, talvez fosse interessante privilegiar no momento de
avaliação gêneros dessas esferas, de modo a que as inferências feitas a respeito da proficiência
dos candidatos ao exame pudessem ser mais relacionadas aos contextos de uso da linguagem
a que esses candidatos serão efetivamente expostos posteriormente e dos quais terão que
participar. Nesse sentido, entendemos que a avaliação escrita do exame Celpe-Bras deva
privilegiar gêneros secundários, que segundo Bakhtin (2003), são gêneros mais complexos e
surgem nas esferas mais complexas e relativamente organizadas da atividade humana.
Também para a validade e a confiabilidade da avaliação, consideramos mais adequado
para o exame Celpe-Bras que os gêneros solicitados pelas tarefas sejam gêneros secundários,
que tendem a ser mais estáveis e menos sujeitos a mudanças por fazerem parte da
comunicação cultural mais complexa e estarem inseridos no âmbito das ideologias
formalizadas e especializadas (Rodrigues, 2005), permitindo assim a delimitação de
parâmetros de avaliação mais válidos por se aproximarem mais dos parâmetros existentes em
contextos autênticos “mais estáveis” de uso da linguagem. Os gêneros secundários podem,
dessa forma, ter suas características apreendidas e descritas mais facilmente que os gêneros
primários que, por serem da esfera do cotidiano, costumam ser mais flexíveis e mais sujeitos a
mudanças nas relações neles estabelecidas situadamente. A maior dificuldade em prever o que
seria mais (ou menos) adequado para os gêneros primários (principalmente os mais familiares
e íntimos), potencializada pela simulação proposta pela tarefa, pode resultar na necessidade de
ampliação das interpretações possíveis para os parâmetros de avaliação para a tarefa proposta,
já que, por ser muito aberta à variabilidade nas relações de interlocução que podem se
estabelecer, a constituição do texto pode resultar em um conjunto pouco estável de
características, o que poderia diminuir a confiabilidade dos resultados. Por outro lado,
pensamos que os parâmetros aqui propostos poderiam dar conta também dessas
singularidades, já que partem sempre da interlocução configurada em cada evento
comunicativo. No entanto, considerando os usos do Celpe-Bras (principalmente para fins
acadêmicos e profissionais, como já vimos) cabe refletir sobre a possibilidade de orientar a
elaboração de tarefas para contextos comunicativos que sejam semelhantes aos que os
candidatos irão enfrentar.
Nesse sentido, pensamos que, para aumentar a validade do exame, seria recomendável
que o exame Celpe-Bras avaliasse o uso da linguagem dentro de esferas menos familiares da
atividade humana, que exijam maior proficiência em situações de interação complexa na
língua estrangeira, em práticas sociais de leitura e escrita, assumindo-se assim como um
167
exame de letramento – entendendo letramento como o “estado ou condição de quem não só
sabe ler e escrever, mas exerce as práticas sociais de leitura e de escrita que circulam na
sociedade (...), conjugando-as com as práticas sociais de interação oral” (Soares, 1999, p. 3).
Os gêneros secundários, por muitas vezes necessitarem de contextos mais fixos para
ocorrerem, também podem implicar o uso de recursos lingüísticos mais estáveis e
formalizados, já que esses gêneros não costumam adaptar-se tão facilmente ao estilo
individual, apresentando na maioria das vezes características típicas do gênero, como textos
da esfera acadêmica, por exemplo. Nos gêneros primários, ao contrário, quanto mais familiar
for a interlocução proposta, maior o número de contornos pessoais possíveis, maior a variação
e maior as possibilidades de respostas na avaliação, já que o seu contexto de produção e as
relações entre autor e interlocutor são menos fixas e menos previsíveis do que nos gêneros
secundários.
Também os propósitos de compreensão dos textos-base apresentados pelas tarefas
contribuiriam mais para a validade do exame se buscassem maior legitimidade de uso das
informações trazidas por esses textos para a produção do texto exigido, isto é, se o propósito
de compreensão fosse legitimado de forma ainda mais consistente pelo propósito da escrita.
Segundo Schlatter e Schoffen (em preparação), compreender é (re)agir de acordo com a
expectativa criada pelo gênero discursivo, e envolve decodificar, participar, usar e analisar o
texto para poder inserir-se de modo mais pleno e participativo na sociedade. Nesse sentido,
uma tarefa que propõe que se escreva um texto para a seção “cartas do leitor” de uma revista,
discutindo um determinado texto publicado na mesma revista, apresenta um propósito de
leitura legitimado pelo propósito de escrita solicitado. Uma tarefa, no entanto, que pede para
que os candidatos escrevam um texto sobre determinado assunto para ser publicado em uma
revista de divulgação científica como se eles fossem especialistas nesse assunto, a partir
apenas das informações apresentadas em um trecho de áudio ou vídeo, tem o propósito de
compreensão pouco legitimado pelo propósito da escrita, já que um “trecho” de um texto
parece ser insuficiente para autorizar a configuração da interlocução “especialista e leigo”
dentro do contexto de produção sugerido e trazer o conteúdo informacional necessário para
atualizar essa interlocução de forma adequada.
Se a intenção é avaliar o uso da língua em contextos de produção que se assemelham a
contextos autênticos, a partir de parâmetros que considerem a singularidade do enunciado
dentro desse contexto, entendemos que as práticas de produção e compreensão oral e escrita,
segundo a perspectiva aqui apresentada, devam ser avaliadas de forma integrada. Na
avaliação realizada pelo exame Celpe-Bras, como vimos, essa integração não acontece de
168
forma satisfatória, pois a compreensão é avaliada em termos de recuperação da informação
muitas vezes desvinculada do contexto de recepção e produção sugerido pelas tarefas.
Para uma avaliação que permitisse a integração das práticas de compreensão e
produção de forma semelhante ao que ocorre em contextos autênticos de uso da língua, nas
tarefas solicitadas a compreensão exigida deveria ser possível de ser demonstrada porque é
necessário que assim seja para configurar a interlocução nas condições de produção propostas.
Nesse sentido, o enunciado da tarefa também precisaria explicitar essas condições mais do
que faz hoje. Para avaliarmos adequadamente a configuração da interlocução no texto, é
necessário que o enunciado dê mais informações sobre os interlocutores e os demais aspectos
que compõem o contexto de produção em que o texto deve se inserir. Quanto mais claro e
explícito for o enunciado, maior deverá ser a coincidência na singularização dos parâmetros
no momento da produção do texto pelos candidatos e da avaliação desse texto pelos
corretores. Vemos, então, que além da grade de avaliação, também as tarefas do exame
precisam se adequar à visão de proficiência que se quer avaliar.
Entendemos que, por ser um exame de larga escala com grande importância para o
ensino de Português como língua estrangeira, é fundamental que o construto do exame seja
explicitado de forma mais clara e que os critérios de avaliação sejam coerentes com esse
construto para que os efeitos retroativos do Celpe-Bras no ensino, na preparação dos
candidatos e na formação de professores possam ser benéficos. Segundo Schlatter et al (no
prelo), uma das principais motivações para as características e o formato do exame Celpe-
Bras foi justamente o seu potencial de impacto no ensino de PLE. Por ser um exame que se
propõe a testar a língua em uso, esperava-se, com base nas características do exame, que
também os materiais didáticos e as metodologias de ensino passassem a se orientar para o uso
ao invés de trabalharem somente com as formas da língua. Ainda segundo Schlatter et al (no
prelo), estudos sobre os efeitos retroativos do exame Celpe-Bras no ensino de PLE têm
mostrado uma mudança gradual (embora parcial) nas metodologias de ensino, que parecem
criar mais oportunidades de uso da linguagem e práticas de vários gêneros orais e escritos nas
aulas, assim como de materiais didáticos que incluem textos autênticos (ver Scaramucci,
2004a e 2004b; Scaramucci & Rodrigues, 2004). Além de Ohlweiler (2006), que, como
vimos, discute como o exame alterou a abordagem de ensino e de avaliação no contexto do
Instituto Cultural Brasil Venezuela, aproximando-o do construto do exame, também Yan
(2008), na mesma direção do exame, propõe materiais didáticos para o ensino de PLE
baseados na noção de gênero do discurso, e Santos (2007) e Costa (2005) analisam as
repercussões do construto do exame em testes de nivelamento (no Programa de Português
169
para Estrangeiros da UFRGS) e de rendimento (no Instituto Brasileiro-Equatoriano de
Cultura), respectivamente.
Adequar a avaliação do exame Celpe-Bras ao construto de “uso da linguagem” que ele
se propõe a avaliar, levando em conta o contexto, o propósito e o(s) interlocutor(es)
envolvido(s) na interação com o texto, conforme explicitado no Manual do Exame, implica
não dissociar as práticas interacionais demonstradas dos recursos lingüísticos utilizados para
participar delas. Essa não-dissociação entre as práticas interacionais e os recursos lingüísticos
também pode trazer benefícios em termos de efeitos retroativos do exame em contextos
educacionais, já que, segundo Schlatter, Garcez e Scaramucci (2004, p. 372), a “qualidade do
instrumento de avaliação, o que envolve a validade em seus vários aspectos e a coerência
desse instrumento com o construto que busca operacionalizar” é um fator importante para
aumentar as chances de efeitos retroativos positivos de um instrumento de avaliação.
Entendemos que deve ser constante a preocupação dos exames de proficiência com os
efeitos retroativos por eles estabelecidos, já que esses exames, muitas vezes, como já
dissemos, acabam tendo o papel de modeladores do ensino e do que se discute sobre a língua.
Nesse sentido, pensamos ser de fundamental importância uma preocupação política com os
rumos dos exames de proficiência, e políticas lingüísticas que incentivem e estimulem a
pesquisa na área de avaliação, de forma a que os exames de proficiência possam ter sua
validade justificada e compreendida nos contextos em que são usados.
Sabemos que uma avaliação como a proposta neste trabalho implica um investimento
maior de tempo e de recursos financeiros para treinar os avaliadores. Como os parâmetros
aqui propostos precisam ser atualizados a cada momento de avaliação a partir das relações
estabelecidas no próprio texto que está sendo avaliado, é de fundamental importância que os
avaliadores tenham clareza sobre o construto que estão avaliando.
A subjetividade está claramente presente na avaliação que propomos, mas não
entendemos isso como algo negativo, ao contrário. Do nosso ponto de vista, a subjetividade
está sempre presente nas relações humanas, e não é possível excluí-la de nenhum processo de
avaliação. Nesse sentido, preferimos assumi-la como parte integrante do processo e utilizar
mecanismos como a dupla correção e a discussão das notas discrepantes para lidar com as
diferenças de avaliação que possam advir dessa subjetividade. Pensamos, dessa forma, estar
mantendo os índices de confiabilidade do exame, mas aumentando a validade, na medida em
que a avaliação pode tornar-se mais coerente com o construto que o exame se propõe a avaliar
e com os usos a que se destinam os resultados do exame.
170
Sabemos que este trabalho é apenas o início de uma caminhada. Para que os
parâmetros aqui propostos possam ser implementados em um exame de larga escala como o
Celpe-Bras, é preciso que outras pesquisas sejam realizadas, no sentido de validar esses
parâmetros e refiná-los para a distinção dos níveis de proficiência que o exame certifica. É
necessário, também, criar uma sistemática de treinamento dos avaliadores para o uso desses
parâmetros, já que, como dissemos, os avaliadores precisam estar cientes da visão de
proficiência que deverá ser avaliada. Também estudos sobre os enunciados das tarefas, para
verificar como os enunciados podem tornar mais válida uma avaliação da configuração da
interlocução no texto, seriam importantes.
Embora o caminho pela frente seja longo, pensamos ter contribuído, com este
trabalho, para a área de avaliação de proficiência em língua estrangeira, ao propormos
parâmetros de avaliação que consideram a configuração da interlocução como critério de
avaliação dentro da singularidade das relações estabelecidas por cada texto, aqui entendido
como enunciado. Ao deixarmos de lado critérios de avaliação fixos e iguais para todos os
textos, pensamos estar nos aproximando mais das relações axiológicas estabelecidas quando
usamos a língua para desempenhar ações no mundo em contextos autênticos, já que, nesses
contextos, os critérios para a adequação dos enunciados nunca são fixos, ao contrário, são
estabelecidos sempre em contexto.
Do ponto onde iniciamos este trabalho, em 2004, até o ponto onde estamos hoje, o
caminho de construção desta pesquisa foi longo e cheio de curvas, implicou idas e vindas,
transposição de obstáculos, desistências e recomeços. Não temos aqui a pretensão de dizer
que este trabalho é um ponto de chegada, ao contrário, sabemos que esta é somente mais uma
etapa do caminho, que será seguida por novos estágios, retornos e retomadas. Da mesma
forma como a língua é sempre indicial e os sentidos só podem ser atribuídos dentro das
relações dialógicas estabelecidas em determinado contexto, também a leitura deste trabalho
passa pelas relações que ele estabelece com outros trabalhos e outros contextos, e também
com os caminhos que aponta. Nesse sentido, esta tese marca um momento na trajetória de
uma pesquisa que tem buscado compreender os desafios de uma avaliação de desempenho
com características que reflitam (ou refratem!) uma perspectiva contemporânea, preocupada
em contribuir para um ensino de línguas que priorize a criticidade e a flexibilidade para saber
agir em múltiplos e variados contextos.
171
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Mestrado, PPG-Letras – UFRGS, em preparação.
179
ANEXO 1 – Grades de avaliação
180
181
182
183
184
185
186
187
188
ANEXO 2 – Textos-base
189
Texto-base Tarefa I – vídeo
Informações escritas no vídeo:
Darcy Ribeiro
Nascido em MG em 1922
Antropólogo, educador e escritor
Capas de livros mostradas:
Diários índios
Maíra
UNB: invenção e descaminhos
Os índios e a civilização
A invenção do Brasil
O povo Brasileiro
Transcrição da fala de Tatiana Memória:
O grande desejo da vida do Darcy era ser imortal. Ele desejava demais a imortalidade. Na
impossibilidade de conseguir isso, ele criou em 1996 a Fundação Darcy Ribeiro com o objetivo
principal de continuar trabalhando as idéias dele, as obras dele. Ele se considerava um homem de
fazimentos e era. Eu acho que poucos intelectuais brasileiros tiveram uma atuação tão diversificada
em tantas áreas e foram capazes de executar tanta coisa, tantas obras quanto ele foi. Ele teve um
apoio indispensável pra que isso tudo acontecesse que foi o apoio dos dois governos Brizola. A
Fundação foi criada com a intenção de trabalhar principalmente educação, antropologia, as obras
literárias dele, manter os livros dele, principalmente, à disposição. Ele não teve nenhuma intenção
filantrópica. Ele não pretendeu com a fundação exercer nenhuma atividade filantrópica. O Darcy
acreditava principalmente no trabalho, e muito pouco na caridade. Ele achava que o indispensável era
dar ao povo trabalho, porque com trabalho o povo teria dignidade e auto-suficiência. A Fundação é
uma instituição de direito privado, sem fins lucrativos. Ela nunca recebeu valor nenhum em termos
de doação. Tudo o que a fundação é hoje, esse prédio em que ela ta instalada, com dois andares, com
restaurante, com salão multimídia, tudo isso foi conquistado com o trabalho de uma equipe que
acredita realmente que é preciso realizar alguma coisa, que trabalha com uma enorme dedicação. São
quase todas elas aqui dentro pessoas que trabalharam com o Darcy depois que ele voltou do exílio.
190
Texto-base Tarefa II - áudio
Rodrigo: Você ouvinte do Revista CBN sabe do número de crianças e adolescentes com o que é
chamada situação de risco social ou pessoal. São jovens e crianças que por algum motivo
não podem viver com a família. Bom, numa situação como essa, num primeiro momento
nós pensaríamos que a solução seria um orfanato, até que uma família se interessasse pela
adoção. Mas há uma alternativa muito interessante pra isso: são as famílias acolhedoras. Se
você quer saber exatamente como elas funcionam, eu convido você a ouvir conosco aqui o
nosso papo com a Cláudia Cabral, ela que é diretora executiva da ONG Terra dos Homens.
Cláudia, muito boa tarde, como vai?
Cláudia: Boa tarde, Rodrigo, tudo bem.
Rodrigo: Ô Cláudia, eu queria começar te pedindo pra explicar exatamente o que é isso, como ela
funciona?
Cláudia: Rodrigo, é assim, o acolhimento familiar é um tipo de alternativa pra criança assim que
precisa estar afastada da família já difundida no mundo todo. É quando uma criança está
numa situação de risco o conselho tutelar detecta a situação, precisa tirar a criança da
família, e em vez de colocar ela numa instituição, já teria uma lista de famílias cadastradas,
que são famílias acolhedoras, ou famílias guardiãs, e essas famílias ficam digamos que em
contato com uma equipe, que é uma equipe do poder público, que acompanha a colocação
dessas crianças nessas famílias por um tempo provisório, sempre em contato com a família
de origem até que ela volte a ter o contato com a sua família quando reverter a situação
inicial.
Rodrigo: Então quer dizer que não é adoção, é por um período determinado, enfim, até que a família
original possa receber de volta essa criança ou esse adolescente, né?
Cláudia: É, ela fica provisoriamente, ela tem consciência disso, ela faz isso por opção, ela abre um
espaço na sua casa, normalmente, tem muitas famílias acolhedoras que já receberam várias
crianças, e essas famílias têm consciência de que o papel delas é apoiar a criança por aquele
período.
Rodrigo: Ô Cláudia, o que a família acolhedora ganha acolhendo essa criança, esse adolescente, em
casa?
Cláudia: O projeto prevê sempre um subsídio financeiro de apoio pra educação da criança, e essas
famílias elas têm diversas motivações, né cada caso é um caso, mas na maioria das vezes
são pessoas que gostam, né, de uma casa cheia, gostam de afiliação, de crianças, de
educação, e têm sempre esse espaço aberto. E é claro que tem sempre um lado de muita
solidariedade.
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Texto-base Tarefa III
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Texto-base Tarefa IV
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