86
completa, baseia-se neles, subentende-os como conhecidos, de certo modo os leva em conta”
(Bakhtin, 2003, p. 297). A leitura que Souza (2002) faz dessas afirmações é de que essas
relações dialógicas estariam intrinsecamente relacionadas ao gênero do enunciado:
(...) no acontecimento único e não reiterável do enunciado concreto há uma
interação orgânica entre o gênero do discurso ao qual ele pertence e a sua natureza
dialógica, seja do ponto de vista do micro-diálogo – diálogo interior, do diálogo na
presença de interlocutores, ou do grande diálogo, onde todo ato verbal humano
pode ser colocado em relação dialógica. É no interior do gênero do discurso
determinado que o enunciado concreto ocupa uma posição definida em relação a
um determinado tema. (Souza, 2002, p. 108)
Essas relações dialógicas, no entanto, acontecem apenas no plano do discurso, no
processo de comunicação discursiva. Por serem características constituintes dos enunciados, é
impossível que essas relações ocorram no plano da oração ou das formas da língua, já que
(...) aquelas relações que existem entre as réplicas do diálogo – as relações de
pergunta-resposta, afirmação-objeção, afirmação-concordância, proposta-aceitação,
ordem-execução, etc. – são impossíveis entre unidades da língua (palavras e
orações), quer no sistema da língua (no corte vertical), quer no interior do
enunciado (no corte horizontal). Essas relações específicas entre as réplicas do
diálogo são apenas modalidades das relações específicas entre as enunciações
plenas no processo de comunicação discursiva. Essas relações só são possíveis
entre enunciações de diferentes sujeitos do discurso, pressupõem outros (em relação
ao falante) membros da comunicação discursiva. Essas relações entre enunciações
plenas não se prestam à gramaticalização, uma vez que, reiteremos, não são
possíveis entre unidades da língua, e isso tanto no sistema da língua quanto no
interior do enunciado. (Bakhtin, 2003, p. 275-276)
Como já vimos, os enunciados são, dentro dessa perspectiva, sempre uma resposta, um
posicionamento axiológico em relação a outros enunciados. Nesses termos, não é só o que é
dito no enunciado que se constitui como uma resposta, mas também como é dito o que é dito,
as relações utilizadas para se chegar à forma material do texto. O enunciado não é somente
resposta ao que vem antes, ele também se constitui como o endereço das respostas dos
enunciados que vêm depois. A partir do momento da enunciação, o enunciado passa a ser
mais um elo da comunicação discursiva, ao qual os futuros enunciados responderão. Para
Bakhtin (2003),
O enunciado não está ligado apenas aos elos precedentes mas também aos
subseqüentes da comunicação discursiva. Quando o enunciado é criado por um
falante, tais elos ainda não existem. Desde o início, porém, o enunciado se constrói
levando em conta as atitudes responsivas, em prol das quais ele, em essência, é
criado. O papel dos outros, para quem se constrói o enunciado, é excepcionalmente
grande, como já sabemos. Já dissemos que esses outros, para os quais o meu
pensamento pela primeira vez se torna um pensamento real (e deste modo também