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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE
MARIA BEATRIZ RÜEGGER DE ALBUQUERQUE
FOTOGRAFIA: CONSCIÊNCIA DA LINGUAGEM
CASA DA FOTOGRAFIA DE DIADEMA, UM ESTUDO DE CASO
SÃO PAULO
2010
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2
MARIA BEATRIZ RÜEGGER DE ALBUQUERQUE
FOTOGRAFIA: CONSCIÊNCIA DA LINGUAGEM
CASA DA FOTOGRAFIA DE DIADEMA, UM ESTUDO DE CASO
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Educação, Arte e História da Cultura
da Universidade Presbiteriana Mackenzie, como
requisito parcial à obtenção do título de Mestre em
Educação, Arte e História da Cultura.
Orientador: Prof. Dr. Marcos Rizolli
SÃO PAULO
2010
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A345f Albuquerque, Maria Beatriz Rüegger de.
Fotografia: consciência da linguagem: Casa da Fotografia de
Diadema, um estudo de caso / Maria Beatriz Rüegger de
Albuquerque 2010.
264 f. ; 30 cm
Dissertação (Mestrado em Educação, Arte e História da
Cultura) - Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo,
2010.
Bibliografia: f. 211-219.
1. Semiótica. 2. Linguagem fotográfica. 3.
Interdisciplinaridade. 4. Ensino de fotografia. 5. Políticas
públicas I. Título.
CDD 401.41
3
MARIA BEATRIZ RÜEGGER DE ALBUQUERQUE
FOTOGRAFIA: CONSCIÊNCIA DA LINGUAGEM
CASA DA FOTOGRAFIA DE DIADEMA, UM ESTUDO DE CASO
Dissertação apresentada à Universidade Presbiteriana
Mackenzie como requisito parcial para a obtenção do
título de Mestre em Educação, Arte e História da
Cultura
Aprovado em
BANCA EXAMINADORA
__________________________________________________________
Prof. Dr. Marcos Rizolli
__________________________________________________________
Profa. Dra. Ingrid Hötte Ambrogi
Universidade Presbiteriana Mackenzie
___________________________________________________________
Profa. Dra. Elizabeth Leone Gandini Romero
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
4
Aos alunos da Casa da Fotografia de Diadema
5
O presente estudo foi realizado com o apoio financeiro do
INSTITUTO PRESBITERIANO MACKENZIE, entidade
educacional voltada para o desenvolvimento científico e
tecnológico, por intermédio do MackPesquisa.
6
AGRADECIMENTOS
À Universidade Presbiteriana Mackenzie, pela bolsa de estudos integral, indispensável para
que este trabalho pudesse ser realizado.
Ao MackPesquisa, pela subvenção da reserva técnica.
À Profª. Dra. Esmeralda Rizzo, diretora do Centro de Comunicações e Letras, pelo apoio.
Ao Prof. Dr. Marcos Rizolli, por sua disponibilidade, estímulo e, sobretudo, pela orientação
precisa com que conduziu as reflexões teóricas deste trabalho.
Em especial a:
Rozélia Medeiros
Elisabeth Leone Gandini Romero
Ingrid Hötte Ambrogi
Maria Elisa Vercesi de Albuquerque
Mariza de Fátima Reis
Regina Buongermino
Ana Lúcia de Souza Lopes
A todos os que de alguma forma contribuíram para a realização deste trabalho:
Alunos de Jornalismo Turma D1 de 2007
Bebete Viegas
Branca de Oliveira
Dulce Carneiro
Fábio Cotrim Meirelles
Francisco Pimenta
Frederico Vicente Rüegger de Albuquerque
Glaucia Padilha
Guga Abreu
Gustavo Silveira
Jairo Casoy
João Lucílio Rüegger de Albuquerque
José Maurício Conrado Moreira da Silva
Marcelo Ribeiro
Mardilene Damazia da Costa
Maria do Carmo Propheta Marques
Maria Inês Martins Ladeira
Mariana Vercesi de Albuquerque
Marta de Betânia Juliano
Renata Pacheco Forato
Roberto Juliano
Professores do curso de pós graduação:
Educação, Arte e História da Cultura, UPM - 2008
Selma Regina Balduino Santiago
Zilda Cotrim
E a minha família,
Helcio, Heloisa, Francisco, Felipe e Gabriela
7
RESUMO
Este trabalho é uma reflexão sobre a experiência pedagógica interdisciplinar como
transformadora das trajetórias individuais, tendo como modelo o curso de fotografia,
realizado na Casa da Fotografia em Diadema, São Paulo, sob a ótica de teóricos da
Educação, da Cultura e da Filosofia. O curso de fotografia foi uma das atividades do
projeto cultural Cidadania se faz com Arte, financiado pelo poder blico. Trata-se
da estratégia pedagógica de se trabalhar com experiências e exemplos concretos,
com o objetivo de ensinar fotografia como técnica e forma de expressão e linguagem
visual. A análise tem como base a aplicação e comparação de conceitos do método
pedagógico de Paulo Freire e de elementos fundamentais da teoria semiótica de
Charles Sanders Peirce, em especial o conceito de abdução.
Palavras chaves: linguagem fotográfica, semiótica, interdisciplinaridade, ensino de
fotografia, políticas públicas.
8
ABSTRACT
This work is a reflection of the interdisciplinary pedagogical experience as individual
trajectories transforming, having as a model the photography course held at the
House of Photography in Diadema, São Paulo, from the perspective of theorists of
education, culture and philosophy.
The photography course was one of the activities of the cultural project Citizenship is
Done with Art, funded by the government. This is the teaching strategy of working
with concrete examples and experiences, aiming to teach photography as a
technique and a way of expression as well as visual language. The analysis is based
on the application and comparison of concepts of the pedagogical method of Paulo
Freire, and key elements of the semiotic theory of Charles Sanders Peirce, especially
the concept of abduction.
Keywords: photographic language, semiotics, interdisciplinary, photography teaching,
public policies.
9
LISTA DE IMAGENS
1. Espaço 1....................................................................................................................... 15
2. Foto Montagem............................................................................................................. 21
3. Histórico da violência.................................................................................................... 25
4. Laboratório da Casa da Fotografia................................................................................ 30
5. Pátio externo................................................................................................................. 31
6. Sala de aula.................................................................................................................. 31
7. Espaço 2....................................................................................................................... 37
8. Rembrandt - O Retorno do Filho Pródigo..................................................................... 40
9. _________ - Saskia Uylenburgh................................................................................... 40
10. ________ - Supper at Emmaus.................................................................................. 40
11. ________ - Lição de Anatomia................................................................................... 40
12. ________ - Auto-Retrato............................................................................................. 40
13. Frans Hals - Retrato de um jovem casal (detalhe)...................................................... 41
14. _________- Casamento de Isaac Massa e Beatriz van der Laen.............................. 41
15. Frans Post - Igreja e Mosteiro de Igarassú, Pernambuco, Brasil................................ 41
16. Jacob Cats - Outono Paisagem com Arco-Íris............................................................ 41
17. Anatomia do olho........................................................................................................ 44
18. Imagem invertida......................................................................................................... 45
19. Cubatão....................................................................................................................... 53
20. Reconstituição do templo de Jerusalem..................................................................... 61
21. O Rei Offa em Santo Albans....................................................................................... 61
22. Alegorias das Virtudes e dos Vícios............................................................................ 62
23. Igreja do Espírito Santo............................................................................................... 63
24. Ilustração - Wolfram Gothe......................................................................................... 64
25. Arcos Arizona...............................................................................................................64
26. Ilustração - Daniel Chandler........................................................................................ 64
27. Carolina Cotton Mill..................................................................................................... 64
28. A Santíssima Trindade, a Virgem, São João e os doares.......................................... 65
29. Gravura representando visão imóvel de cópia de objeto........................................... 67
30. Visão imóvel do objeto através de vidro quadriculado................................................ 68
31. Tavolleta...................................................................................................................... 68
32. Primeira ilustração publicada, 1545............................................................................ 69
33. Grande Câmera Escura, 1646.....................................................................................69
34. Câmera Escura em forma de mesa, 1769.................................................................. 69
35. Câmera Escura tipo caixa, 1750................................................................................. 69
36. Câmera Escura de mesa, 1820................................................................................... 69
37. Jardim Botânico de São Paulo 1................................................................................. 74
38. Jardim Botânico de São Paulo 2................................................................................. 74
39. São Paulo 1................................................................................................................. 75
40. Paranapiacaba 1......................................................................................................... 75
41. São Paulo 2................................................................................................................. 75
42. Paranapiacaba 2......................................................................................................... 75
43. São Paulo 3............................................................................................................... 76
44. São Paulo 4................................................................................................................ 76
45. São Paulo 5................................................................................................................. 77
46. Paranapiacaba 3......................................................................................................... 77
47. Paranapiacaba 4......................................................................................................... 78
48. Jardim Botânico de São Paulo 3................................................................................. 78
49. Hip-Hop 1.................................................................................................................... 79
50. Balé 1.......................................................................................................................... 80
10
51. Arte circense 1............................................................................................................ 80
52. Arte circense 2............................................................................................................ 80
53. Teatro 1....................................................................................................................... 81
54. Balé 2.......................................................................................................................... 82
55. Orquestra.................................................................................................................... 83
56. Colégio Assunção (Paris) - pátio interno..................................................................... 86
57. Me. Maria Eugenia Milleret - fundadora...................................................................... 86
58. Baudelaire - 1855 - 1858............................................................................................. 87
59. Convite 1..................................................................................................................... 88
60. Convite 2..................................................................................................................... 89
61. Aberturas lentas do obturador.................................................................................... 94
62. Aberturas acima de 1/60............................................................................................. 94
63. Exposições rápidas..................................................................................................... 97
64. Exposições lentas....................................................................................................... 97
65. Exposição lenta 2........................................................................................................ 97
66. Exposição lenta 3........................................................................................................ 97
67. Imagem sem pessoas - séc. XIX................................................................................. 98
68. Primeira pessoa registrada em uma fotografia........................................................... 98
69. Registro do instantâneo.............................................................................................. 99
70. Registro do instantâneo 2, 3 e 4................................................................................. 99
71. Sistema geocêntrico.................................................................................................... 100
72. Sistema heliocêntrico.................................................................................................. 100
73. Luz estroboscópica 1.................................................................................................. 101
74. Luz estroboscópica 2.................................................................................................. 101
75. Tiro 1........................................................................................................................... 102
76. Tiro 2........................................................................................................................... 102
77. Coroa - splash 1.......................................................................................................... 102
78. Splash 2...................................................................................................................... 102
79. Movimento 1................................................................................................................ 103
80. Movimento 2................................................................................................................ 103
81. Movimento 3................................................................................................................ 103
82. Movimento 4................................................................................................................ 103
83. Movimento 5................................................................................................................ 103
84. Movimento 6................................................................................................................ 103
85. Movimento 7................................................................................................................ 103
86. Movimento 8................................................................................................................ 103
87. Movimento 9................................................................................................................ 103
88. Movimento 10.............................................................................................................. 105
89. Movimento 11.............................................................................................................. 105
90. Movimento 12.............................................................................................................. 106
91. Movimento 13 - Banda................................................................................................ 107
92. Movimento 14 - Hip-Hop..............................................................................................108
93. Movimento 15 - Hip-Hop............................................................................................. 109
94. Movimento 16.............................................................................................................. 110
95. Movimento 17.............................................................................................................. 110
96. Movimento 18 - Balé................................................................................................... 111
97. Movimento 19 - Teatro................................................................................................ 111
98. Corpo e Alma.............................................................................................................. 112
99. Observando através da lente...................................................................................... 112
100. A inversão................................................................................................................. 113
101. O espelho.................................................................................................................. 113
102. Variações do diafragma............................................................................................ 114
103. Aberturas do diafragma............................................................................................. 114
104. Subexposição e Superexposição.............................................................................. 115
11
105. Exposição correta...................................................................................................... 116
106. Óculos Manuais......................................................................................................... 122
107. Olho míope................................................................................................................ 123
108. Comparações de bitolas............................................................................................ 124
109. Comparações de aberturas....................................................................................... 124
110. Ilusão de óptica 1...................................................................................................... 127
111. Ilusão de óptica 2...................................................................................................... 127
112. A profundidade de campo na prática........................................................................ 129
113. Aparelho ocular......................................................................................................... 130
114. A moça e o muro de tijolos........................................................................................ 131
115. Dulce Carneiro.......................................................................................................... 132
116. Igor Stravinsky........................................................................................................... 133
117. Marrocos................................................................................................................... 134
118. Flor............................................................................................................................ 135
119. Natureza morta 1....................................................................................................... 136
120. Natureza morta 2....................................................................................................... 136
121. Natureza morta 3....................................................................................................... 137
122. Natureza morta 4....................................................................................................... 137
123. Flor 1......................................................................................................................... 138
124. Flor 2………………………………………………………………………………………... 138
125. Janela….................................................................................................................... 138
126. pin-hole 1………………............................................................................................. 139
127. pin-hole 2................................................................................................................... 140
128. pin-hole 3................................................................................................................... 140
129. pin-hole 4................................................................................................................... 140
130. pin-hole 5................................................................................................................... 140
131. Distância Focal.......................................................................................................... 141
132. Ângulos de visão das diferentes distâncias focais................................................... 143
132. Observação dos diferentes tipos de objetivas........................................................... 147
133. Greenfield, Indiana, USA........................................................................................... 148
134. Alicante, Espanha..................................................................................................... 148
135. Livorno, Itália............................................................................................................. 148
136. Áquila degli Abruzzi, Itália......................................................................................... 149
137. Muro de Berlin, Alemanha......................................................................................... 149
138. Hyeres, França.......................................................................................................... 149
139. Brie, França............................................................................................................... 149
140. Simigne-la-Rotonde................................................................................................... 149
141. Nu.............................................................................................................................. 151
142. Oca, São Paulo......................................................................................................... 152
143. Bienal, São Paulo...................................................................................................... 152
144. Futebol 1................................................................................................................... 153
145. Futebol 2................................................................................................................... 153
146. Futebol 3 ................................................................................................................... 153
147. Futebol 4................................................................................................................... 153
148. Vinho 1...................................................................................................................... 154
149. Vinho 2...................................................................................................................... 154
150. Picasso...................................................................................................................... 155
151. Andy Warhol.............................................................................................................. 155
152. Retrato 1.................................................................................................................... 156
153. Retrato 2.................................................................................................................... 157
154. Retrato 3.................................................................................................................... 158
155. Retrato 4.................................................................................................................... 158
156. Retrato 5.................................................................................................................... 159
157. Museu do Louvre....................................................................................................... 162
158. Aeroporto de Frankfurt.............................................................................................. 162
12
159. A parede branca........................................................................................................ 164
160. A abertura 1............................................................................................................... 164
161. A abertura 2............................................................................................................... 165
162. A parede preta........................................................................................................... 166
163. O flash embutido....................................................................................................... 167
164. A luz refletida............................................................................................................. 168
165. Luz e sombra 1.......................................................................................................... 169
166. Luz e sombra 2.......................................................................................................... 170
167. Luz e sombra 3.......................................................................................................... 171
168. Luz e sombra 4.......................................................................................................... 172
169. Luz e sombra 5.......................................................................................................... 172
170. Luz e sombra 6.......................................................................................................... 173
171. Luz e sombra 7.......................................................................................................... 173
172. Luz e sombra 8.......................................................................................................... 174
173. Luz e sombra 9.......................................................................................................... 175
174. Espaço 3................................................................................................................... 178
175. Espaço 4 ................................................................................................................... 178
176. Espaço 5................................................................................................................... 178
177. Espaço 6 ................................................................................................................... 178
178. Espaço 7................................................................................................................... 178
179. Espaço 8................................................................................................................... 178
180. Solo de Marte............................................................................................................ 179
181. Solo da Terra............................................................................................................. 179
182. Solo de Marte - Vista aérea....................................................................................... 180
183. Muro da Universidade Presbiteriana Mackenzie....................................................... 180
184. Le Gras - Châlons sur Saône.................................................................................... 184
185. Copia Contato........................................................................................................... 186
186. Trabalhos iniciais dos alunos do 1º semestre em Fotografia.................................... 190
187. A Virgem do Prado.................................................................................................... 192
188. As múltiplas escolhas, antes da tomada das fotos................................................... 193
189. Korda com a seqüência de fotogramas..................................................................... 194
190. Corte Integral............................................................................................................. 194
191. Corte Parcial.............................................................................................................. 194
192.Álbum de Família....................................................................................................... 195
193. Palácio do Planalto.................................................................................................... 195
194. co_autoria.................................................................................................................. 196
195. Espaço 9................................................................................................................... 200
196. Espaço 10................................................................................................................. 211
197. Espaço 11................................................................................................................. 220
198. Espaço 12................................................................................................................. 247
Apesar de todos os esforços de pesquisa, não foi possível identificar a autoria de
grande parte das imagens fotografadas pelos alunos da Casa da Fotografia de Diadema,
reproduzidas nesta dissertação.
Há um compromisso desta pesquisadora de continuamente, tentar identificar os
autores, a fim de creditar as devidas autorias.
13
SUMÁRIO
1 - Considerações Iniciais................................................................................... 15
1.1 Da Prática Profissional a um Projeto Pedagógico........................................... 16
2 - A Casa da Fotografia de Diadema: Do Projeto à Realização...................... 21
2.1 Políticas Públicas: Um Projeto......................................................................... 25
2.2 Um Projeto de Ensino de Fotografia: A Realização........................................ 29
2.3 A Organização: O Corpo Docente e de Apoio, a Divulgação e a Formação... 33
3 - Corpo a Corpo: O Curso................................................................................ 37
3.1 Fixando o Olhar - O Olhar Cultural ................................................................. 38
3.2 Pontos de Vista - A Pupila .............................................................................. 41
3.2.1 Vermelho Verdade - Referência Indicial e Referência Icônica .................... 47
3.2.2 Gesto Imaginação - A Mimese..................................................................... 55
3.3 Olhando para Trás - A História ...................................................................... 59
3.4 O Corpo e a Alma - A Máquina........................................................................ 90
3.4.1 Vendo e Ouvindo o Movimento - O Obturador............................................. 93
3.4.2 Os Olhos da Alma: A Objetiva ..................................................................... 112
3.4.2.1 O Olho Míope - Diafragma......................................................................... 119
3.4.2.2 O Olhar Mediado - Tipos de Objetivas...................................................... 139
3.5 Lendo a Luz - O Fotômetro ............................................................................. 160
3.6 A Revelação - O Laboratório........................................................................... 181
3.7 Imagens do Instante - O Corte........................................................................ 188
4 - Considerações Finais.....................................................................................200
14
4.1 Tu ja Le............................................................................................................ 201
5- Referências...................................................................................................... 211
6 - Apêndice.......................................................................................................... 220
6.1 Entrevistas....................................................................................................... 221
7 - Anexos............................................................................................................ 247
15
1 - CONSIDERAÇÕES INICIAIS
1. Espaço 1 foto: Suzana Albuquerque
16
1.1 DA PRÁTICA PROFISSIONAL A UM PROJETO PEDAGÓGICO
Os deuses criam-nos muitas surpresas: o esperado não se cumpre,
e ao inesperado um deus abre o caminho
Eurípedes
A partir de uma experiência no campo do ensino da fotografia, esta pesquisa
é fruto de uma reflexão acerca das transformações do aprendiz por meio da arte e
da tecnologia em contexto interdisciplinar. Trata-se da criação da Casa da
Fotografia, no Município de Diadema - São Paulo, em 1998, cujos resultados,
inesperados, deixaram marcas até os dias de hoje.
Essa experiência foi enriquecedora cultural e emocionalmente para todos:
alunos, professores e, em especial, para a autora desta dissertação, cuja
experiência até então se restringia às esferas artísticas, culturais e editoriais da
Fotografia. Embora a atuação pedagógica fosse algo ainda não vivenciado, as bases
da escolha para esta área foram preparadas pelos ensinamentos de professores
como Walter Zanini, Regina Silveira, Raphael Buongermino Netto, Tomoshigue
Kusumo e Júlio Plaza, entre outros, durante o curso de graduação em Artes
Plásticas, realizado na Fundação Armando Álvares Penteado - FAAP, entre 1974 e
1978. O embrião da futura professora estava gerado na convivência com aqueles
mestres.
As oportunidades profissionais, de início, fortaleceram as atividades artístico-
culturais. Como assistente da fotógrafa Dulce Carneiro, (1974/1981) foi possível
acompanhar a realização de fotos de arquitetura, entre as quais projetos de Oscar
Niemeyer e do paisagista Burle Marx, para revistas internacionais como Architetural
Digest (Condé Nast Publications, Hollywood, USA).
O exercício profissional, entretanto, caminhou para a área editorial, em que
foram desenvolvidos projetos como free-lance e como colaboradora mensal nas
principais editoras do país, dentre as quais se destacam: Abril, Três, Alto Astral e
Globo, bem como a produção fotográfica para assessorias de imprensa e coberturas
de eventos, nas áreas de tecnologia, medicina e política. Mas a aproximação com a
arte permaneceu presente, com a produção de portfólios, capas e miolos de livros
17
para inúmeros artistas plásticos como Regina Silveira, Carmela Gross, Cláudio Tozzi
e Franz Weissmann, além de catálogos para instituições como Paço das Artes e
Museu de Arte Moderna de São Paulo. Também fez parte dessa fase a produção de
ensaios para alguns arquitetos como, por exemplo, o acompanhamento fotográfico
da construção do Centro Cultural São Paulo, projetado por Eurico Prado Lopes
(1980/1982).
Outras atividades relevantes foram a participação em equipes de pesquisa no
IDART (1977/1979), no departamento de documentação artística da Secretaria
Municipal de Cultura e a atuação como fotógrafa na Secretária de Estado da Cultura
(1988/1991) e nos programas de manutenção e expansão da rede física das escolas
estaduais da Fundação para o Desenvolvimento da Educação, FDE, (1991/1994) do
governo estadual paulista.
Essa prática profissional diversificada não incluía, no entanto, o ensinar
Fotografia, apesar de possuir conhecimento cnico para isso. A experiência iria
acontecer em meados de 1998, a convite do Departamento de Cultura do Município
de Diadema, para criar e desenvolver o projeto Casa da Fotografia, cujo objetivo
principal era oferecer cursos profissionalizantes. Este convite representou um
grande desafio para quem vinha da experiência acumulada no campo da execução e
da produção da fotografia.
O curso de fotografia fez parte de um grande projeto cultural, Cidadania se faz
com Arte, que pretendia atrair algumas das seis mil vagas abertas nas áreas de
teatro, dança, música, artes plásticas e vídeo, todas gratuitas, financiadas pelo
Poder Público.
Para se ter um parâmetro do impacto social desse projeto, pode-se tomar
como base o censo da época: ―na 12ª cidade que mais arrecada ICMS no Estado,
dois terços dos 380 mil moradores não ganham além de cinco salários mínimos‖.
(MARCOCCIA, 2000, p. 64). Naquele momento, a determinação política do governo
municipal de Diadema foi fundamental para a realização de uma política cultural
desse porte que, diga-se de passagem, não tinha cunho assistencialista.
As linhas pedagógicas e metodológicas baseadas, sobretudo, na prática
como fotógrafa, foram o grande desafio na organização do curso da Casa da
Fotografia. A metodologia aplicada subdividiu-se nos seguintes itens:
1 - aulas teóricas;
18
2 - aulas práticas, com realização de exercícios de conteúdo interdisciplinar
em sala de aula, externos e laboratoriais;
3 - atividades extra classe: exposições anuais dos alunos e de fotógrafos
convidados, passeios culturais, debates e conferências em caravanas
culturais promovidos pelo projeto cultural Cidadania se faz com Arte.
A compreensão desse processo e dos mecanismos que ali atuaram, no
entanto, poderia ser atingida por meio de um estudo sistematizado e ampliado. A
proposta aqui é relatar a experiência da Casa da Fotografia, como um estudo de
caso, e refletir sob a ótica de teóricos da Educação, da Cultura e da Filosofia sobre
sua abrangência e contribuição.
O trabalho pretende discorrer sobre a experiência e a prática que levaram a
resultados importantes do ponto de vista do aprendizado e dos reflexos sociais
imediatos e, dez anos depois, observar como se encontram atualmente aqueles que
foram seus alunos, pois a questão que se pretende discutir é se cursos
profissionalizantes e interdisciplinares de produção de linguagem relacionados à
fotografia são capazes de promover seus participantes, na medida em que lhes
proporcionam um novo conhecimento, ascensão cultural, social e econômica.
A hipótese levantada nesta pesquisa é que a experiência pedagógica da Casa
da Fotografia foi transformadora das trajetórias de seus participantes sob três pontos
de vista:
1 - aumento da auto-estima;
2 - consciência da conjuntura sócio-econômica;
3 - descoberta de novos atalhos profissionais para atingir a cidadania.
O corpus deste trabalho fundamenta-se nas fotos do curso de Diadema,
embora muitas tenham se perdido nesses dez anos devido à falta de maior
sistematização dos arquivos de época
1
; na bagagem de experiências adquiridas ao
longo do processo e, também, nos depoimentos de alguns daqueles que
participaram da criação e realização da Casa da Fotografia.
Usar o recurso da história oral permitiu que os testemunhos de cidadãos
comuns fizessem parte integrante deste trabalho. Aqui, toma-se como referência a
proposta do historiador José Carlos Sebe Bom Meihy, para a realização desta
pesquisa:
1
As fotografias utilizadas são parte da exposição realizada pelos alunos no ano 2000.
19
Como pressuposto, a história oral implica uma percepção do passado
como algo que tem continuidade hoje e cujo processo histórico não está
acabado. A presença do passado no presente imediato das pessoas é a
razão de ser da história oral. Nesta medida, a história oral não só oferece
uma mudança para o conceito de história, mas, mais do que isto, garante
sentido social à vida de depoentes e leitores que passam a entender a
sequência histórica e a sentirem-se parte do contexto em que vivem.
(MEIHY,1996, p.10)
O método desse processo tem como ponto de partida a elaboração cuidadosa
e indutiva dos principais tópicos da reconstituição dos fatos que serviriam de base às
perguntas das futuras entrevistas, pois, nas palavras de Meihy (1996, p.51), "sem a
existência de um projeto articulado as entrevistas tendem a se perder, padecendo de
capacidade de respostas aos problemas a que se destinam‖.
Três categorias de colaboradores
2
foram selecionadas para as entrevistas:
1 - gestores da Secretaria de Cultura de Diadema diretamente envolvidos
no projeto da Casa da Fotografia: diretora de cultura, professor, agente cultural;
2 - alunos que se tornaram profissionais na área;
3 - egressos que, apesar de não seguirem a carreira, utilizaram os
conhecimentos adquiridos.
O processo das estrevistas dessa história oral temática seguiu o roteiro
sugerido por Meihy: gravação individual dos depoimentos, transcrição das fitas,
conferência com o depoente, autorização para uso e publicação dos resultados.
Com esta experiência, uma nova vertente profissional se configurou para a
autora deste trabalho, e permanece até hoje: ensinar a linguagem e a técnica
fotográficas. Atualmente, essa atividade se desenvolve como docente na
Universidade Presbiteriana Mackenzie, nos cursos de Jornalismo e de Publicidade.
Por considerar essa dissertação a evolução de uma experiência que se
originou com as oficinas de Diadema e com o intuito de fazer conexões, serão
apresentadas também, ao longo desta pesquisa, fotografias realizadas pelos alunos
da Universidade, a fim de evidenciar que o processo de aprendizagem, embora
realizado em circunstâncias ecomicas e culturais diversas, possui características
comuns.
A procura de fundamentação teórica encontrou fortes ressonâncias nos
modelos pedagógicos do método de Paulo Freire
3
e no conceito de abdução de
2
Colaboradores: ―nome dado aos depoentes que m seu papel mudado, deixando de ser meros
informantes, atores, objeto de pesquisa‖. (MEIHY, 1996. p.67).
20
Charles Sanders Peirce
4
, interpretado por Maria Lúcia Santaella, Philippe Dubois,
Marcos Rizolli e Ivo Ibri.
Quanto aos teóricos da Fotografia, citados nos conteúdos das aulas, foram
utilizados os mesmos que serviram de apoio ao curso da Casa da Fotografia, com a
intenção de reproduzir nesta dissertação um conteúdo muito próximo do recebido
pelos alunos. Destacam-se, entre eles, Arlindo Machado, Michael Busselle, Boris
Kossoy e Claudio Kubrusly.
3
Paulo Freire (Recife, 1921 - São Paulo, 1997). Educador e filósofo. Considerado um dos mais
importantes pensadores da história da pedagogia mundial. Destacou-se, acima de tudo, por seus
programas de alfabetização de adultos. Crítico do sistema tradicional de ensino, criou um método
próprio para a alfabetização.
Ler segundo Freire, não é caminhar sobre letras, mas interpretar o mundo
e poder lançar sua palavra sobre ele, interferir no mundo pela ação.
Ler é tomar consciência. A leitura é antes de tudo uma interpretação do
mundo em que se vive.
Mas não é ler. É também representá-lo pela linguagem escrita. Falar
sobre ele, interpretá-lo, escrevê-lo. Ler e escrever, dentro desta
perspectiva, é também libertar-se. Leitura e escrita como prática de
liberdade. (ALMEIDA, Fernando José, 2009, p. 26)
4
Charles Sanders Peirce (Cambridge, 1839 - Milford, 1914 - USA). Filósofo e cientista. Doutorado em
Química pela Universidade de Harvard. Foi professor de filosofia nesta universidade e o fundador do
Pragmatismo e da ciência dos signos, a semiótica.
O Pragmatismo pode ser sucintamente entendido como sendo, de certo
modo, um expediente que por sua vez significa um ―meio de sair de um
embaraço, de vencer uma dificuldade, de lograr bom êxito em alguma
coisa‖ (Weiszflog, 1998, p. 922). Por um lado, o expediente certamente tem
sua utilidade prática; e, por outro, trata-se de uma regra ou de uma fórmula
para lidar com questões que demandam uma solução. No final das contas,
um expediente transmite a idéia de um método para abordar os problemas.
{...} O pragmatismo de Peirce é de natureza intelectualista; e se há
referência à prática, trata-se de prática racional isto é, relativa à
otimização da economia do raciocínio proporcionada pela lógica. Esse
ponto é a chave para o entendimento do pensamento peirceano.
(KINOUCHI, Renato, 2007, pp. 215, 216)
A Semiótica ou gica, por outro lado, tem por função classificar e
descrever todos os tipos de signos logicamente possíveis. (SANTAELLA,
2009, p. 29)
21
2 - A CASA DA FOTOGRAFIA DE DIADEMA:
DO PROJETO À REALIZAÇÃO
2. Foto Montagem foto: Beatriz Albuquerque
22
Atrocaducapacaustiduplielastifeliferofugahistoriloqua
lubrimendimultipliorgani
periodiplastipubli
rapareciprorustisagasimplitenavelo
veravivaunivora
cidade
city
cité
Augusto de Campos
A cidade é Diadema.
Localizada a 17 km do marco zero da cidade de São Paulo (capital de
Estado), é um dos 39 municípios que compõem a Região Metropolitana de São
Paulo - RMSP, a maior e mais populosa do Brasil, sua estimativa populacional
segundo IBGE/2008 é de 19,6 milhões de habitantes, assentados em uma área de
7.943,818 km².
Inserida na região do Grande ABCD, tradicional pólo industrial brasileiro,
composto pelas cidades de Santo André, São Bernardo do Campo, São Caetano do
Sul, Diadema, Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra que, juntas, somam
aproximadamente 2,5 milhões de habitantes.
Diadema, com área de 30 km
2
, representa 4,94% de todo o território do ABCD
paulista e 0,01% do território estadual.
Possui 395.000 habitantes, com uma
população ativa de 215.000 trabalhadores (IBGE/2008).
Segundo o Índice de Desenvolvimento Humano IDH da Organização das
Nações Unidas ONU, desenvolvido pelo Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento Humano PNUD, o município ocupa uma posição intermediária
entre os mais altos e os mais baixos índices comparativos do IDH no ranking
decrescente do Atlas do Desenvolvimento do PNUD de 2000.
23
Índices Comparativos entre os Municípios de Diadema e São Caetano do Sul,
considerado o maior índice de IDH do Brasil em 2000.
DIADEMA
SÃO CAETANO
IDH-RENDA
0,721
0,896
IDH-LONGIVIDADE
0,749
0,886
IDH-EDUCAÇÃO
0,901
0,975
Ranking Decrescente do IDH do Brasil PNUD 2000 - Fonte: IBGE/2008
O PNUD varia de 0,00 (zero) até 0,499 (considerado) baixo
0,500 até 0,799 (considerado) médio
0,800 até 0,999 (considerado) alto
Diadema está 100% ocupada. O município possui, em média, 10m² de
área verde por habitante, a maior parte dela concentrada ao sul, dentro da área
delimitada como de Proteção e Recuperação aos Mananciais (APRM). Os demais
bairros apresentam índices inferiores, que variam de 1m² a 6 por habitante.
Com localização estratégica entre o litoral paulista e a Vila de São Paulo de
Piratininga, a Vila de Diadema, no século XVIII, foi fundada pelos jesuítas
portugueses que subiram a serra, vindos de São Vicente, para catequizar os índios
da região. Nesse período também serviu de rota para os Bandeirantes na busca de
ouro no sertão de Embu.
Com essas bandeiras, pequenos povoados foram se formando para dar
sustentação aos tropeiros e suas comitivas, como Vila Nossa Senhora da
Conceição, primeiro nome de Diadema, Bom Jesus de Piraporinha, Taboão e
Eldorado. Estes povoados que passaram a ser Distrito de São Bernardo, em 1948,
permaneceram estagnados, apesar da construção da Represa Billings em 1925, que
atraiu imigrantes alemães em busca de lazer, e da Rodovia Anchieta em 1947.
Diadema, mesmo muito próxima da Capital, que em 1950 estava em plena
efervescência industrial, não foi beneficiada no desenvolvimento da economia local
como ocorreu com São Caetano do Sul, Santo André e Mauá, cidades localizadas
ao longo da ferrovia Santos-Jundiaí, principal via de circulação de mercadorias até a
década de 40. O município vai realmente se expandir economicamente após
1950, quando o sistema de escoamento da produção, feito até então pelos eixos
ferroviários, entra em declínio e o governo passa a usar os circuitos rodoviários.
24
Nessa década, grandes indústrias multinacionais, do setor automobilístico,
como a Volkswagen, Willys/Ford, Mercedes Benz e Scania começaram a se instalar
às margens da Via Anchieta, em São Bernardo do Campo. Para atender a produção
automotiva, novas indústrias voltadas para o setor de autopeças e de embalagens
foram se instalando na cidade.
As transformações ocorridas a partir desse período na região do ABCD fazem
com que Diadema se ressinta do isolamento, pois lhe couberam apenas as
indústrias de pequeno e médio porte e, principalmente, da falta de infra-estrutura e
serviços básicos. Assim, a separação de São Bernardo do Campo e a elevação a
município seria a única forma de acelerar seu desenvolvimento.
Baseado nessa carência de infra-estrutura dos bairros que formavam o
município houve um movimento de emancipação potica aprovado em 1958, pela
Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo. Com a vitória da emancipação, em
1960, foram empossados o primeiro prefeito e vereadores.
Nas décadas de 70 e 80 a expansão industrial do Grande ABCD incluiu
Diadema no berço do sindicalismo brasileiro, formado por uma mão de obra ativa e
participativa a ponto de envolver a cidade como um todo nas greves históricas,
quando milhares de metalúrgicos da região, entre eles Luiz Inácio Lula da Silva, hoje
presidente da República, cruzaram os braços por salários mais justos, melhores
condições de trabalho e liberdades políticas.
A metalurgia e as indústrias de cosméticos e de plásticos atualmente são os
principais pólos econômicos da cidade. Ainda assim, apesar do predomínio do
número de empregos no setor industrial, na última década aconteceu uma pequena
mudança no panorama econômico do município. De 1995 a 2000 houve um
crescimento nos setores de serviços e comércio em concorrência com a diminuição
progressiva dos empregos ocupados na indústria.
Desde 2001, Diadema vem crescendo e ampliando os segmentos instalados
no município. O surgimento do Pólo de Cosméticos reúne mais de 100 empresas do
setor e gera mais de 11 mil empregos diretos e indiretos; por esse motivo Diadema
acumula as funções de parte atuante do pólo industrial localizado ao sul e sudeste
da Região Metropolitana de São Paulo e de cidade dormitório, como fornecedora de
mão de obra para a região do ABCD e São Paulo.
Apesar desse aquecimento econômico, no final da década de 90 Diadema foi
considerada a mais violenta de todas as cidades do País e campeã de uma
25
estarrecedora estatística que a colocava como o município com maior número de
homicídios do Brasil
.
A situação dos jovens diademenses era dramática e exigia atenção
especial da Prefeitura, pois a juventude se defrontava diretamente com a
violência social crescente e a desintegração familiar, sem ter acesso às
atividades culturais restritas às classes mais abastadas. (CARDOSO, 1990,
p.210)
3. Histórico de violência. Rudge Ramos Jornal, 9.11.2007
2.1 POLÍTICAS PÚBLICAS: UM PROJETO
Contrariando esse trágico cenário social, entre os anos de 1997 e 2000 a
cidade foi palco de um rio e bem sucedido projeto cultural na área de políticas
públicas, intitulado Cidadania se faz com Arte. A Potica cultural é definida por
Teixeira Coelho
5
(1999, p. 293) como sendo:
(...) uma ciência da organização das estruturas culturais, a política cultural
é entendida habitualmente como programa de intervenções realizadas pelo
Estado, instituições civis, entidades privadas ou grupos comunitários com o
objetivo de satisfazer as necessidades culturais da população e promover o
desenvolvimento de suas representações simbólicas.
5
Teixeira Coelho Pesquisador e Professor da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de
São Pulo, coordenador do Observatório de Políticas Culturais.
26
Marta de Betânia Juliano
6
, em 1997, foi convidada para assumir a direção do
Departamento de Cultura, com o objetivo de efetivá-lo.
Betânia, que vinha de uma experiência bem sucedida na Secretaria de Estado
da Cultura de São Paulo, com a implementação da Universidade Livre de Música
Tom Jobim
7
, viu nessa oportunidade uma forma de desenvolver em Diadema
iniciativa parecida.
O novo projeto criou e concretizou vários cleos que transcendiam os
conteúdos programáticos das antigas oficinas onde se ensinava apenas o sico.
Incluíam atividades artísticas específicas em cursos com programas objetivados em
três estágios: iniciação, intermediário e avançado. Em função desse processo foram
inauguradas a Casa da Música, a Casa do Hip-Hop, a Companhia de Danças (criada
anteriormente, em 1995) mantida e reestruturada, a Casa da Fotografia e os Centros
de Artes Visuais e Artes Cênicas e Literatura. Somados, esses locais ofereciam seis
mil vagas gratuitas, incluindo todo o material de aprendizado.
Em entrevista para esta pesquisa, realizada em dezembro de 2008, Betânia
fala a respeito das circunstâncias críticas para organizar esse mero excessivo de
alunos:
Distribuir seis mil vagas na educação formal, que é pasteurizada, é fácil. O difícil é
trabalhar esse número em um programa amplo e diversificado como o de Diadema. Hoje
digo que conseguimos o milagre da duplicação dos grupos artísticos no município.
A linha pedagógica voltada para a educação artística integral abrangia a
sensibilização para a arte, delineando desde as iniciações básicas até as práticas e
teorias profissionais. Esse programa acreditava que o cerne de qualquer política
pública deveria passar necessariamente por uma forte potica na área de formação.
A ação cultural necessita, portanto, priorizar a formação e a informação na busca da
inversão dos processos excludentes, democratizando dessa forma o acesso aos
bens culturais, entendidos por Teixeira Coelho como: ―intervenções diretas de ação
6
Marta de Betânia Juliano, advogada com especialização em Administração Pública.
7
A Universidade Livre de Música (ULM), localizada em São Paulo, é um dos principais núcleos de
ensino profissionalizante de música do país. Fundada em 1989, a ULM teve como primeiro reitor e
presidente do Conselho o maestro Antonio Carlos Jobim, hoje tem 3.000 alunos atendidos
gratuitamente.
27
cultural no processo cultural propriamente dito (construção de centros culturais,
apoio a manifestações culturais específicas, etc.‖ (COELHO, 1999, p.293).
Para ensinar, 80 oficineiros (nome dado aos professores) foram contratados.
Na acepção de Coelho (1999, p.282), "oficineiro é aquele que sistematicamente
exerce as funções de orientador ou professor desses cursos‖.
Na mesma entrevista, Betânia define como foi feita a escolha desses
professores:
Em minha opinião o profissional certo para ensinar novas formas de linguagem à
população carente é aquele profissional de ponta, que via de regra trabalha para as elites.
E assim, fez. Além destes profissionais, qualificados em suas respectivas
áreas, toda a estrutura de cada curso incluía também o trabalho de agentes culturais
que atuavam junto aos alunos, mediados pelas coordenações. Suas ações
coincidiram com a afirmação de Coelho (1999, p. 42):
O agente cultural organiza exposições, mostras e palestras, prepara
catálogos e folhetos, realiza pesquisas de tendências, estimula indivíduos e
grupos para a auto-expressão, faz enfim a ponte entre a produção cultural
e seus possíveis públicos.
Alguns exemplos são bem significativos para demonstrar como a criação
desses núcleos expandiu e qualificou com excelência essas oficinas.
A Revista "Livre Mercado" (abril 2000, pp. 64 a 70), que deu matéria de capa
ao projeto, intitulada: "Diadema é a Capital da Cultura", cita que a Casa da Música,
após dois anos de sua criação (dezembro de 1997), contava com mil crianças e
jovens inscritos: 250 iniciantes e 750 cursando o estágio avançado. Nesse peodo,
criou uma banda, orquestra sinfônica, grupos de câmera e corais; apesar das
dificuldades econômicas, 70% dos alunos haviam comprado seu próprio
instrumento, numa demonstração de engajamento.
No mesmo caminho e primeira do gênero criada pelo poder público, a Casa
do Hip Hop foi indicada ao Prêmio Hutúz, a mais importante premiação do hip-hop
nacional. Considerada ainda referência internacional pelo trabalho social que realiza,
em junho de 2008, sob a orientação de Nino Brown, a Casa do Hip Hop participou
da "II Conferência Internacional Pensar e Agir; Práticas para a Inclusão de Crianças
e Jovens de Territórios Vulneráveis", realizada em Portugal com participação do
Reino Unido, Alemanha, Bélgica e Espanha.
28
por esses acanhados exemplos aqui representados, fica claro que o
Cidadania se faz com Arte não foi um ação datada, mas pelo contrário, frutificou ao
longo dos anos.
Voltando à época de sua implantação, vê-se que Betânia foi fiel ao conceito
de que um projeto deve atender a população e, no caso específico de Diadema,
cumprir seu papel inicial, que era a do morador deixar de ser platéia para ser o
artista‖, priorizando, portanto, em seus eventos culturais a presença do artista local.
Em câmbio de artistas famosos se apresentarem na cidade, eram os próprios alunos
que se transformavam em atração e platéia ao mesmo tempo; uns assistindo aos
outros, numa verdadeira troca de arte e revelação de múltiplos talentos. Essa
proposta coincide com a proposta de Paulo Freire (1980, p. 91) a respeito da ação
cultural autêntica:
O papel fundamental dos que estão comprometidos numa ação cultural
para a conscientização o é propriamente falar sobre como construir uma
idéia libertadora, mas convidar os homens a captar com seu espírito a
verdade de sua própria realidade.
Segundo a Diretora de Cultura, o segredo do sucesso dessa iniciativa foi a
insistência em fazer com que as pessoas se apropriassem, se identificassem e
acreditassem na ação.
Na dança, por exemplo, o projeto de figurino envolvia não apenas alunos, como pais
e mães. Todos centrados no mesmo objetivo. para ter uma idéia, o Teatro Clara Nunes
(teatro da cidade) passou a ter uma frequência diferente. Quando você leva artistas, peças e
exposições sem fazer este trabalho interno com a população, a frequência é diferente. Você
via os pais aplaudindo os filhos que estavam no palco. Isto em todos os projetos. Você
que um projeto deste atrai não apenas a família como toda a comunidade, insere todos num
mesmo ideal.
Estes espetáculos, aqui exemplificados no balé, aconteceram em todos os
programas. Disseminaram-se na cidade apresentações de Hip Hop, concertos
musicais, exposições de fotografia, saraus literários, peças teatrais, entre outros.
Concluindo, a criação e interação desses 26 espaços públicos de produção e
divulgação artística, independentes entre si, mas interligados como um todo gerou
uma espécie de rizoma na cidade, conceito este, definido por Gilles Deleuze e Félix
Guattari (1995, p.14):
29
{...} que determina a eliminação de uma raiz principal, de um ponto de
partida, essa seria substituída por raízes múltiplas, ou secundárias, novas
raízes que vão se agregando e que dão origem a um grande
desenvolvimento, formando uma obra total.
Todos esses núcleos de cultura produziam e formavam novos e
independentes projetos, voltados para um único fim: a "obra total", que era o fazer, o
ensinar e o aprender pela arte.
Assim, como todos os núcleos aqui citados, foi criada a Casa da Fotografia,
estudo de caso, deste trabalho.
2.2 UM PROJETO DE ENSINO DE FOTOGRAFIA: A REALIZAÇÃO
Inaugurada em janeiro de 1999, a Casa da Fotografia de Diadema teve sua
sede localizada no Centro Cultural Inamar, na Avenida Antônio Sylvio Cunha Bueno,
1322, no bairro Jardim Inamar, ao lado da Rodovia dos Imigrantes, com rápido
acesso tanto à cidade de São Paulo como ao litoral.
Esse bairro, cujo nome é de procedência indígena (aroma agradável), foi
loteado em 1966 para abrigar grande parte dos moradores da antiga favela do
Vergueiro, desocupada pela Prefeitura de São Paulo, no início dos anos 60. A
origem de sua população, portanto, é extremamente humilde.
O Centro Cultural Inamar integra em seu espaço, até os dias de hoje, além
da Casa da Fotografia, uma quadra esportiva, para uso dos moradores locais; uma
das bibliotecas do município, com capacidade para 60 usuários, mantendo um
movimento anual de mais de vinte mil pessoas e o Observatório Municipal de
Diadema (OMD), o sexto maior do estado. Esse observatório confere ao Centro uma
fachada arquitetônica muito peculiar, podendo ser vista amesmo por aqueles que
passam pela Rodovia dos Imigrantes. Seu telescópio está instalado numa torre de
três andares, com 9 metros de altura, a 830 metros de altitude; e a cúpula trazida ao
Brasil pela Ordem dos Beneditinos de São Paulo para o Observatório de São Bento,
extinto na década de 50, é composta de estrutura de aço e revestimento externo de
cobre.
.
30
Havia por parte do Departamento de Cultura o interesse de que todos os
Centros fossem acolhedores, belos e bem equipados. Para tanto, engenheiros e
técnicos da prefeitura foram escalados para executar as reformas necessárias às
adequações.
A Casa da Fotografia, instalada entre o Observatório e a Biblioteca, recebeu
reformas de ajustes técnicos, segundo as exigências e necessidades do ensino da
Fotografia. Na parte externa, ao lado do Observatório, foi construído o laboratório
para revelações e ampliações de cópias em preto e branco, composto por duas
bancadas de concreto, uma com divisórias de madeira que abrigavam 10
ampliadores 35 mm e outra de inox, para as bandejas de revelação e água circular.
No lado oposto a elas ficavam as secadoras para papéis e filmes. Realizaram-se
também projetos de iluminação: uma luz de segurança para cada ampliador e três
na bancada das águas; e por fim o de ventilação, necessário para a circulação do ar,
que com o uso fica impregnado dos odores e resíduos das químicas.
4. Laboratório da Casa da Fotografia fotos: Beatriz Albuquerque
31
O pátio externo, também reformado, era utilizado nas práticas com a luz
natural, enquanto, para as aulas teórico-expositivas, foram aproveitadas duas
amplas salas que receberam cortinas pretas, em função das aulas em que as
fotografias eram realizadas com flashes eletrônicos.
5. Pátio externo - 6. Sala de aula fotos: Beatriz Albuquerque
Contava também com um espaçoso vão livre, utilizado como galeria de
exposições, apresentações e realizações de fotografias de grande porte, como as de
hip-hop e arte circense.
32
Os materiais utilizados para a realização deste programa eram de duas
naturezas: permanentes e descartáveis.
DESCARTÁVEIS
Papéis fotográficos
Filmes em latas para rebobinar: Tri-X (ISSO 400) e Plus- X (ISO100)
Químicas: reveladores Dektol (papel) e D76 (filmes)
Ácido acético
Fixador
Material de escritório
PERMANENTES
04 Câmeras analógicas profissionais 35 mm - Pentax e Nikon
04 Objetivas 18/70 mm
02 Teleobjetivas 105 mm e 135 mm
01 Fotômetro eletrônico Minolta
02 Tripés de câmera
05 Cabeças de flashes eletrônicos Artec e seus acessórios
04 Guarda-chuvas (branco e prata)
01 Snoot
04 Panelas de tamanhos variados
02 Hazys
08 Tripés para flashes
15 Fios de rede
05 Fios de sincronismo
10 Ampliadores
10 Objetivas
10 Condensadores
08 Tanques inox para revelação de negativos
20 Aspirais 35 mm inox
13 Lanternas de segurança Kodak
12 Banheiras plásticas de tamanhos variados
02 Câmeras para secar filme e papel
01 Exaustor
01 Tanque inox de bancada
33
2.3 A ORGANIZAÇÃO: O CORPO DOCENTE E DE APOIO, A DIVULGAÇÃO E A
FORMAÇÃO DAS CLASSES
O que temos que aprender a fazer aprendemos fazendo
Aristóteles
O corpo docente era composto por três fotógrafos profissionais: Guga Abreu,
Paulo Alvarenga e por esta pesquisadora, Beatriz Albuquerque, que exercia também
a função de coordenadora, e um agente cultural, Edison de Simone, figura
importante no decorrer do processo. Havia, ainda, uma secretária e o pessoal de
limpeza e segurança.
Após a etapa de divulgação do curso, teve início o processo seletivo, cujos
critérios obrigatórios eram ser morador do Município e ter idade acima de 14 anos.
As matrículas foram realizadas por ordem de chegada. Robeilton Santos de Moraes,
ex-aluno, assim se expressa em entrevista realizada para este projeto em dezembro
de 2008:
Caminhoneiro de profissão, sempre gostei de filmar. Sabia alguma coisa de vídeo, a
bem da verdade de forma amadora, mas não tinha nenhum conhecimento de fotografia. É
lógico que quando soube do curso fiquei tão empolgado que cheguei ao local da inscrição
às 5h30 da manhã achando que seria o primeiro a ser atendido. Que santa ingenuidade a
minha achar que eu me interessaria por um curso gratuito, com equipamento disponível
para as aulas e do nível deste, como pude constatar mais tarde. Quando cheguei lá, já havia
duas pessoas na minha frente.
Em 1999, mais de 150 pessoas fizeram as inscrições e 100 alunos foram
matriculados, com 25% de desistência no decorrer do ano. Em 2000, 100 matrículas,
com apenas 5% de desistência, e 40 candidatos na lista de espera. Os excedentes
ingressavam no lugar daqueles que desistiam até o segundo mês do início do
período letivo, pois após oito semanas e dezesseis horas perdidas, tornava-se
inviável acompanhar o programa.
As salas com cinco turmas eram compostas por 20 alunos, subdivididas nas
atividades práticas, como no uso do laboratório. As aulas, com duas horas de
duração, duas vezes por semana para cada grupo, eram ministradas às segundas e
34
quartas feiras, além de aos bados com três horas/aula; nos horários matutino,
vespertino e noturno, durante a semana e aos sábados pela manhã. O curso seguia
o calendário escolar, com férias no mês de julho e recesso em janeiro.
Paralelamente à realização da estrutura básica, foram elaborados o método e
a composição do conteúdo programático, cujos objetivos principais eram: ser um
curso interdisciplinar e profissionalizante.
Duas questões básicas determinaram a realização deste curso: a primeira era
como ensinar Fotografia, essa complexa cnica de fixar e reproduzir imagens que
envolve a ótica, a química, a física, a matemática, a criação e a imaginação a alunos
que, em sua grande maioria, nunca tinham tido contato com essa linguagem; e a
segunda, como envolvê-los ―nessa apaixonante aventura que é a busca do saber‖
(MORIN, 2005, p. 499).
Quando as fichas de inscrições com os dados pessoais dos alunos foram
analisadas, ficou claro que se tratava de um grupo absolutamente heterogêneo;
assemelhava-se na educação formal, às classes multisseriadas
8
. As idades
variavam de 14 a 63 anos. A escolaridade era também bastante diversa; havia office
boys, torneiros mecânicos, funcionários da prefeitura, alunos cursando o ensino
médio e donas de casa com apenas o ensino fundamental, enfim um verdadeiro
universo de naturezas distintas.
Contando que o conteúdo programático seria igual para todos, manter
estimulados, no mesmo ambiente, alunos de diferentes idades, ritmos e níveis
culturais, com apenas um único professor, tornou-se um desafio metodológico.
Com o intuito de quebrar esse paradigma, quatro ações estratégicas foram
observadas e realizadas. Estas ações são importantes, para obtenção do êxito,
como se pode observar nas palavras de Paulo Freire (1980, p. 91): "pela ausência
de uma análise do meio cultural, corre-se o perigo de realizar uma educação pré-
fabricada, portanto, inoperante, que não está adaptada ao homem concreto a que se
destina".
1) Estabelecer um justo número de alunos por classe, com o máximo de 20
pessoas para as aulas teóricas e 10 para as práticas, com dois professores
trabalhando simultaneamente. Essa medida, depois comprovada ao longo do
8
Situação em que o professor trabalha na mesma sala de aula, com várias séries simultaneamente.
35
processo, ofereceu aos estudantes a oportunidade de desfrutar um aprendizado
mais cooperativo e personalizado.
2) Analisar o perfil do corpo discente a fim de estabelecer conexões entre o
conteúdo cognitivo e a realidade local, como recurso e estratégia de aprendizado -
os inscritos, em sua grande maioria, eram moradores da periferia.
3) Os professores procuraram observar, pesquisar e analisar a cultura do
bairro com seus sons, expressões, afinidades, tensões e dispersões, a fim de
conduzir os alunos a ser parte ativa na construção desse conhecimento.
4) Usar o cooperativismo como estratégia de motivação, dividindo as turmas
em grupos ou duplas, sem perder a singularidade que constitui cada indivíduo do
grupo.
Depois de uma minuciosa observação dos professores em salas de aula, os
grupos eram escolhidos. A estratégia consistia em mesclar estudantes com
dificuldades de absorção com aqueles que se apropriavam dos conteúdos com mais
presteza. Essa ação também se mostrou virtuosa. No início essas combinações não
ajudaram no desenvolvimento daqueles que aprendiam mais lentamente, como
também promoveram a cooperação e laços afetivos. Depois de firmados os elos de
empatia, eram os próprios alunos que determinavam seus pares.
Os professores também, em decorrência desses olhares atentos, dos
diálogos, que segundo Paulo Freire (1998, p.79), são um ato de criação‖, ou mesmo
no pouco falar e no muito ouvir, assumiram cada vez mais a participação
responsável que os envolvia com o programa. Veja-se uma percepção desta
experiência, nas palavras de Guga Abreu:
Participar deste projeto da Casa da Fotografia foi uma experiência que mudou minha
forma de ver a vida. Fui contratado para ser professor de fotografia, mas quem acabou
aprendendo fui eu.
Essa interação entre professor e aluno ―é um fator determinante no
rendimento e na estimulação criativa"
9
(La Torre, 1995, p.84). A troca harmoniosa
pode contagiar, sobretudo, o professor que, por força da motivação, acaba se
apropriando de métodos indiretos, por vezes insólitos como o que, por muitas vezes,
ocorreu nesse processo.
9
Tradução livre da pesquisadora
36
Em lugar de professor, com tradições fortemente "doadoras", o
Coordenador de debates. (...) Em lugar de aulas discursivas, o diálogo. Em
lugar de aluno com tradições passivas, o participante de grupo. Em lugar
de pontos e de programas alienados, programação compacta, "reduzida" e
"codificada" em unidades de aprendizado. (FREIRE, 1983, p. 103)
Depois de estabelecido que os conteúdos deveriam ser transmitidos de forma
sistematizada e clara, três procedimentos foram observados com rigor:
1) Elencar os conteúdos em estágios de complexidade a serem superados
gradativamente.
2) Contextualizar os conteúdos tanto na vida ordinária quanto na produção
sofisticada de cultura.
3) Criar experimentos indisciplinares, como forma de investigar e conhecer os
conteúdos programáticos.
37
3 - O CORPO A CORPO: O CURSO
7. Espaço 2 foto: Mariana Lanfranchi
38
3. 1 FIXANDO O OLHAR
Conhecer é clarear a vista, como se o saber permitisse, enfim, olhar
Marilena Chauí
Um dos vícios do ofício de fotógrafo é olhar para o que está diante de si e
dessa primeira impressão muitas vezes ver surgir a compreensão sobre qual direção
deve seguir, para lidar com a diversidade das situações. Observando o quão
heterogêneos eram os grupos de alunos, surgiu a necessidade de pensar em um
procedimento que fosse capaz de manter o interesse de todos dentro de suas
diferenças. assim seria possível transformá-los em fotógrafos, cada qual o
fotógrafo que pudesse ser, mas todos dominando as habilidades mínimas para
realizar uma imagem fotográfica, compreendida em sua linguagem e expressão.
Por outro lado, o fato de todos estarem reunidos na mesma sala com o
propósito em comum de aprender era uma base da qual se podia partir, utilizando a
força e capacidade de cada um para contribuir na conquista coletiva.
Quando se entende um processo, para acompanhar um raciocínio é
recomendável que se formulem as perguntas corretas para se chegar a hipóteses
válidas. No processo pedagógico, pela prática, chegou-se a um método para ensinar
fotografia, em grande parte apoiado na atividade de fotografar, que começa muito
antes do click e segue bem adiante da revelação.
Quanto à teoria, partiu-se do princípio de que quando esta fizesse sentido
aos alunos seria conhecida e aplicada para fundamentar e enriquecer o trabalho
prático já desenvolvido.
Foi fácil perceber que dar as respostas não seria um bom caminho, mas sim
fazer os alunos chegarem juntos a elas - todos falando, todos contribuindo, todos
participando. Neste método, cabe ao professor apenas conduzir, o tempo todo
fazendo perguntas, provocando, um processo bem semelhante à velha maiêutica
socrática
10
. O objetivo não era buscar verdades universais, mas conceber, por si
10
Maiêutica: (do grego: maieutikós) - Uma das formas pedagógicas do método socrático, que
consiste em multiplicar as perguntas a fim de obter, por indução dos casos particulares e concretos,
um conceito geral do objeto em estudo.
39
mesmos, uma nova idéia, uma nova opinião sobre verdades na Fotografia, através
de questões simples, cotidianas, inseridas dentro de alguns contextos determinados.
Nesse sentido, as concepções de Paulo Freire seguem a mesma direção,
pois considerava na participação ativa dos alunos nos conteúdos fundamental para a
aprendizagem.
Uma análise exata das relações professor-aluno em todos os níveis, na
escola ou fora dela, revela seu caráter essencialmente narrativo. Esta
relação supõe um sujeito narrador: o professor, e supõe objetos pacientes
que escutam: os alunos. O conteúdo, seja de valores ou de dimensões
empíricas da realidade, tem tendência a converter-se em algo sem vida e a
petrificar-se uma vez enunciado. A educação padece da doença da
narração.
O professor fala da realidade como se esta fosse sem movimento, estática,
separada em compartimentos e previsível; ou então fala de um tema
estranho à experiência existencial dos estudantes: nesse caso sua tarefa é
"encher" os alunos de conteúdo da narração, conteúdo alheio à realidade,
separado da totalidade que a gerou e poderia dar-lhe sentido. (FREIRE,
1980, pp. 78,79)
Como na visão de Paulo Freire (1980, p. 81) o projeto pedagógico da Casa da
Fotografia acreditou em uma educação crítica, problematizada, "acumulativa" em
que as pessoas são seres em devir, "inacabados, incompletos em uma realidade
igualmente inacabada e juntamente com ela"; ou seja, não se pode saber tudo sobre
a fotografia, sobre a natureza da luz, ou as funções sociais da imagem fotográfica,
porque tudo está em processo e construção, numa relação concreta com estas
realidades, que é possível fora de uma "concepção bancária de educação" em
que "o conhecimento é um dom concedido por aqueles que se consideram como
seus possuidores àqueles que eles consideram que nada sabem" (FREIRE, 1980, p.
79). Como fotógrafa, como professora e como pessoa tem-se tanto a ensinar quanto
a aprender, talvez mais.
Nesse conjunto apoiou-se a prática e agora se apóia a elaboração teórica
desta dissertação, que tentará abstrair possíveis valores gerais sobre a experiência.
De forma equivalente ao que foi proposto aos alunos tenta-se aplicar o mesmo
processo aos pressupostos desta pesquisa, pois segundo a definição de abstração,
trata-se do "processo através do qual, partindo de dados sensíveis, se produz o
inteligível ou universal, ou então o ato com que se isolam alguns aspectos
relevantes de um objeto, ou de uma experiência complexa" (CARCHIA e D'ANGELO,
1999, p.17). Não seria possível proceder de maneira diferente para manter
coerência com as escolhas iniciais que se demonstraram corretas.
40
A introdução do curso da Casa da Fotografia se dava pelos alunos contando
suas experiências e escolhas, bem como o relato sobre minha vida profissional e
como havia chegado a Diadema. Iniciava minha fala, contando uma história pessoal,
com a intenção de relacioná-la no futuro ao nosso objeto de estudo.
Sou casada com um geógrafo. Quando fazemos nossas costumeiras viagens
pelo Brasil, muitas vezes ele chama minha atenção para algum ponto da paisagem:
Veja aquele terreno basáltico. Eu olho, e vejo apenas uma montanha. Mais adiante
outro comentário a respeito de um relevo de cuestas. Novamente olho, mas
infelizmente continuo vendo apenas montanhas. Em outro momento, desta vez em
visita ao museu Rijks, em Amsterdã, enquanto apreciávamos os quadros em tons
sóbrios e cores contidas de Rembrandt, olhei de relance, e vi, no final da outra sala,
um pequeno quadro de paisagem, com um céu de intenso azul tropical que
imediatamente me remeteu ao céu brasileiro. Apontei o quadro para ele, que a
princípio teve dificuldade em localizar a obra, apesar dela, mesmo pequena, se
destacar muito em relação a todos os outros quadros que também retratavam céus.
Nesta fala aos alunos, depois de localizar geograficamente a Holanda
esclarecia à classe, que nos Países Baixos o céu, na maior parte do ano, é de um
azul acinzentado, por isso tal diferença saltava aos olhos: aos meus olhos, de
fotógrafa, não aos dele de geógrafo. Ao nos aproximarmos, constatamos que, de
fato, tratava-se de uma paisagem da cidade de Recife, pintada por Frans Post.
Para facilitar a compreensão dos alunos, ao final desta história, mostrava as
imagens a que me referia e localizava de forma curta Rembrandt e Post na história
da pintura.
8. 9. 10. 11. 12. Rembrandt
11
11
8. O Retorno do Filho Pródigo, 1662, 9. Saskia Uylenburgh, 1633, 10. Supper at Emmaus, 1648,
11. Lição de Anatomia, 1632, 12. Auto-Retrato, 1659 (VAN RIJN, Rembrandt).
Página seguinte: 13. Retrato de um jovem casal (detalhe), 1666, 14. Casamento de Isaac Massa e
Beatriz van der Laen, 1622 (HALS, Frans); 14. Igreja e Mosteiro de Igarassú, Pernambuco, Brasil,
1662 (POST, Frans); 15. Outono Paisagem com Arco-Íris, 1779 (CATS, Jacob).
41
13. Frans Hals 14. Frans Hals 15. Frans Post 16. Jacob Cats
Concluía a analogia desses acontecimentos pessoais com o curso,
esclarecendo que o motivo pelo qual eu não relacionava os diferentes tons do
marrom na natureza e ele ser indiferente às matizes do azul na pintura, dava-se pelo
fato de ambos não possuírem o conhecimento em cada uma das áreas, que
envolviam as cores em suas mensagens e informações. Eu compreendia os azuis
com olhos treinados na linguagem visual das artes plásticas e da fotografia,
enquanto ele, geógrafo, estudioso da terra, identificava nos marrons seus
significados concretos do solo.
O que se pretendia nesta fala era demonstrar, que "o ver vai além do simples
enxergar" e que "a percepção é um processo de capacitação" (DONDIS, 2007, pp.
227 e 137). Que o ver no sentido de compreender é cultural e que este curso (que
agora se iniciava) tinha como aspiração instrumentá-los nesta nova linguagem, a
Fotografia.
3.2 PONTOS DE VISTA: A PUPILA
O vento é o mesmo. Mas sua resposta é diferente em cada folha
Cecília Meireles
É impossível conceber qualquer estudo ou aprendizado da Fotografia sem
refletir a respeito de seu elemento essencial, sua matéria prima, que é a luz. Tão
primordial é a luz para a fotografia que ela aparece contida em seu próprio nome
(photo = luz). Far-se-á alusão a ela ao longo de todas as atuações. Para iniciar o
42
conhecimento de suas implicações nas imagens fotográficas, optou-se por começar
as aulas expondo algumas das funções do aparelho da visão, os olhos, pois são
eles que permitem captá-la, emitindo-a ao cérebro que, por sua vez, elabora e
compreende o mundo das imagens.
Os psicólogos da percepção são unânimes em afirmar que a maioria
absoluta das informações que o homem moderno recebe lhe vem por
imagens {...} Sabe-se que a relação do olho com cérebro é íntima,
estrutural. Sistema nervoso central e órgãos visuais externos estão ligados
pelos nervos óticos, de tal sorte que a estrutura celular da retina nada mais
é que uma expansão diferenciada da estrutura celular do cérebro (BOSI,
1989, p. 65).
O que é a pupila? Com essa questão iniciavam-se as considerações acima.
Apesar do estudo de anatomia fazer parte dos conteúdos da biologia e da
física no ensino médio, os alunos não sabiam defini-la (isso ocorre também nas
aulas da Universidade). As maiorias das respostas eram estapafúrdias, simplistas,
insólitas e outras, entretanto, quase poéticas: - a pupila é uma espécie de espelho
que reflete todas as coisas do mundo. Essa definição remete a Leonardo da Vinci
(1987, p. 11) quando definiu a alma do pintor: "o espírito do pintor deve fazer-se
semelhante a um espelho que adota a cor do que olha e se enche de tantas
imagens quantas coisas tiverem diante de si".
Para que os alunos chegassem à resposta correta por meio de suas próprias
conexões, eu, em tom instigante, com um dos braços esticado e com dois dedos
apontados em posição bifurcada afirmava que todos, sem exceção, (o que era
confirmado em seguida), tinham sido fotografados com aqueles medonhos "olhos
vermelhos de vampiro".
Os arquétipos os remetiam a duas reações imediatas, expressadas na
maioria das vezes por risos. A primeira era que eles próprios se reconheciam
naquelas fotos, faziam parte delas, portanto agregados ao conteúdo da aula. A
segunda consistia em uma estranha exclamação por parte de alguns deles: Que
horror! Eu não tenho essa cara de vampiro! Ao fazerem esse tipo de declaração,
estes alunos pareciam não separar suas imagens reais das representações
imagéticas da fotografia. Era como se naquele momento lhes fosse atribuído, de
fato, a aparência vampiresca ou, ainda, o que é mais perturbador é como se a
fotografia fosse mais verdadeira que a realidade de não ser um vampiro.
43
Voltando ao fato de que muitas fotografias realmente saem com esses
esquisitos olhos vermelhos, o mais interessante nesse caso é constatar que dois
pontos foram enfocados com muita distinção: todos conseguiam ver mentalmente as
imagens de suas fotos, (já que nenhuma fotografia estava fisicamente presente em
sala de aula), como também houve aqueles que enxergavam além, para não dizer
"enxergaram o am", quando reconheceram, em si mesmos, as imagens
inexistentes de vampiros; e mais, com expressão de repulsa, falavam como se
impregnados de sua identidade maligna que, por sua vez, é produto do nosso
imaginário.
Retomando, até esse ponto duas questões permaneciam sem respostas:
- O que é a pupila e por que ficam vermelhas em determinadas fotos?
Na tentativa de conduzi-los na busca indutiva, que tinha como fim a mesma
causa, relembrei com a classe a antiga brincadeira (conhecida por todos), em que a
palma da mão iluminada por baixo com uma lanterna, em ambiente escuro, fica toda
vermelha.
- O por quê da cor vermelha? Questionava eu.
As respostas apareciam com facilidade:
- Por causa do sangue que corre em nossas veias.
- E o que torna possível esse fenômeno? O que o provoca?
Logo vinha a resposta que parecia ser a mais verdadeira: - A luz.
- Sim, é a luz da lanterna que passa através da transparência de nossa pele,
iluminando, portanto o sangue que é da cor vermelha.
Constatada a competência da luz, voltava-se à questão da pupila, no sentido
de relacioná-la com o exemplo da mão vermelha.
- Por que a menina dos olhos é escura, negra, preta? (a repetição era
proposital com o intento de salientar a negritude).
- Existe alguma fonte de luz dentro das nossas cabeças?
Com a unânime negativa as interrogativas prosseguiam.
- Como vemos pelo lado de fora, uma caverna, um nel, um poço, sem luz
em seus interiores?
Alguém sempre respondia corretamente que era pela falta da luz.
Determinado, então, que a ausência da luz é o breu, as relações finalmente
se estabeleciam.
44
- Qual seria então a semelhança da pupila escura, com um túnel escuro, um
buraco escuro, um poço escuro?
Finalmente, todos juntos definiam esse buraco escuro que é a pupila
12
como o
orifício responsável pela passagem da luz do meio exterior para o sistema ocular, e
que por ser uma pequena abertura sua aparência é preta porque uma pequena
fração de toda a luz que entra no globo ocular consegue sair.
17. Anatomia do olho
Interrompendo os questionamentos, relacionava-se esse pequeno furo a outra
importante qualidade física da visão - a inversão das imagens.
12
Pupila (termo oriundo do latim, pupilla - diminutivo de pupa, menina) é a parte do olho, como um
orifício de diâmetro regulável, que está situada entre a córnea e o cristalino e no centro da íris,
responsável pela passagem da luz do meio exterior até os órgãos sensoriais da retina. Localiza-se
na parte média do olho, ou úvea, e tem por função regular a quantidade de luz que passa para a
retina.
O tamanho da pupila é controlado pela constrição e dilatação involuntária da íris, para controlar a
intensidade da passagem de luz, por reflexo. No homem numa claridade normal, a pupila tem um
diâmetro de 3 a 4 milímetros; em grande luminosidade o diâmetro chega a medir 1,5 mm.; no escuro,
pode atingir o diâmetro de 8 mm. O estreitamento da pupila resulta numa maior gama focal, miose
(diminuição do diâmetro da pupila), ao passo que, com pouca luz, ocorre a midríase (aumento do
diâmetro da pupila).
45
Concluía-se que esta inversão é consequência da essência da luz
13
pois,
graças a sua propagação retilínea, ao passar pelo diâmetro da pupila as imagens
projetadas são formadas de ponta cabeça, para depois serem interpretadas
corretamente pelo cérebro, ou seja, "aparentemente a posição normal é algo que
podemos sentir, mas não podemos ver diretamente" (MCLUHAN, 1964, p.217).
18. Imagem invertida
Discutido e compreendido esse fenômeno, faltava apenas esclarecer a
primeira questão: o porquê dos olhos vermelhos.
Como será observado, o uso da imaginação como instrumento de reflexão,
será parte fundamental deste trabalho. Utilizando então deste recurso, iniciava-se
um novo exercício simbólico.
Comunicava que entre minhas mãos havia uma máquina fotográfica, munida
de flash, ambos imaginários. Em seguida me posicionava como se estivesse
segurando a câmera e questionava se todos, sem exceção, estavam enxergando o
aparelho. Depois de um breve momento, entre realidade e ficção, toda a classe
visualizava a câmera.
Compunha-se à partir daí uma cena gestual, quase teatrais. Saía da minha
posição de professora para me transformar em fotógrafa, com toda a linguagem
corporal que essa profissão exige: diante do aluno/modelo, ligeiramente inclinada,
13
A luz atravessa a córnea, o humor aquoso, a pupila, o cristalino e o humor vítreo, chegando à retina, onde é
transformada em estímulos elétricos, os quais são enviados ao cérebro através do nervo óptico. O cérebro,
inverte e interpreta as informações recebidas e as armazena na memória.
46
colocava a câmera em frente a seu rosto. Ambos posicionados, eu descrevia
oralmente o passo a passo da foto, que hipoteticamente seria realizada.
Seguindo o modelo estratégico proposto no início, de ilustrar a teoria por meio
de exemplos, esta era uma das formas de realizar mais e mais a percepção mental,
abstrata, para facilitar a compreensão dos valores ou conceitos gerais do
entendimento do que é o ato de fotografar no sentido intelectual.
A cena:
Solicitava ao aluno/modelo para que olhasse bem no centro da objetiva (a
lente era apontada, para que todos a vissem), e concomitante aos gestos ia
descrevendo o que eu estava enxergando pelo visor da máquina:
- O corte é próximo aos ombros, quase uma foto 3X4.
Salientava a posição do flash, acoplado na parte de cima da câmera, bem na
direção do rosto do aluno/modelo e avisava que no momento do click, - ele
dispararia iluminando o motivo. Duas ou três fotos eram tiradas.
Interrompendo a cena eu perguntava:
- O que foi iluminado pelo flash, quando bati as fotos?
- O rosto do aluno/modelo, era a resposta.
Eu continuava questionando.
- Se o rosto foi iluminado, podemos afirmar que tudo o que está contido nele,
como por exemplo, o nariz, a boca, os olhos...receberam a luz?
Concluído que sim, prosseguíamos:
- Se pensarmos exclusivamente nos olhos, podemos deduzir que a pupila, o
orifício também foi iluminado?
A resposta dessa questão levava os alunos, por insight, a compreender o
fenômeno de ambas as questões iniciais: que por meio de exposição luminosa, ou
seja, sob a ação da luz, tal como na o vermelha, o fundo do olho, visto pelo
orifício da pupila, com suas artérias vermelhas (porque cheias de sangue) tornavam-
se visíveis. A origem do fenômeno é, portanto, a mesma: a cor vermelha na imagem
fotográfica é provocada pela iluminação do sangue.
Essas primeiras deduções a respeito da luz constituíriam a essência do
trabalho futuro.
Duas questões, entretanto, merecem especial consideração a respeito desta
aula. A primeira diz respeito à presença do vermelho como efeito fotográfico. A
47
segunda refere-se à gestualidade usual no ato de fotografar, utilizada como recurso
demonstrativo em sala de aula.
3.2.1. VERMELHO VERDADE: REFERÊNCIA INDICIAL E REFERÊNCIA ICÔNICA
Daí que, diante de ícones, costumamos dizer: "Parece uma
escada..." "Não". "Parece uma cachoeira..." "Não". "Parece uma
montanha..." e assim por diante, sempre no nível do parecer.
Aquilo que só aparece, parece.
Lúcia Santaella
Ciente da necessidade de ensinar a fotografia como uma forma de expressão
e linguagem visual, e o apenas como uma técnica de reprodução mecânica de
aparências, o esforço pedagógico foi realizado usando como estratégia
comparações entre exemplos concretos. Para isso duas imagens foram utilizadas e
relacionadas; por um lado a representação dos olhos de vampiro, cujo vermelho foi
provocado pela entrada da luz direta sobre sua realidade física e, por outro, a
fotografia de uma fábrica na cidade de Cubatão, cujo vermelho foi incitado pelo
comportamento de uma determinada luz sob o efeito de um determinado filme, ou
seja, o motivo é outro.
Tais comparações têm como objetivo esclarecer ao aluno a vivacidade da
linguagem fotográfica que se transforma se regenera e se reinventa a cada instante,
de acordo com a intenção do fotógrafo e suas escolhas de ordem técnica.
Esta conduta vai ao encontro tanto dos conceitos criados e desenvolvidos na
pedagogia de Paulo Freire, quanto de elementos fundamentais da teoria semiótica
norte americana de Charles Sanders Peirce. A utilização dessa estratégia de
comparação, que permeou todo o curso, concorreu, ao final, para estabelecer um
modo pprio de ensinar. Nisto encontrou-se respaldo na teoria destes dois autores
na medida em que ambos partem do fato de que sempre um repertório anterior e
um contexto comum ao professor e aos alunos, base sobre a qual se pode e se deve
trabalhar. Paulo Freire assim define esta historicidade do conhecimento:
48
Ao ser produzido, o conhecimento novo supera outro que antes foi novo e
se fez velho e se "dispõe" a ser ultrapassado por outro amanhã. Daí que
seja tão fundamental conhecer o conhecimento existente quanto saber que
estamos abertos e aptos à produção do conhecimento ainda não existente.
Ensinar, aprender e pesquisar lida com esses dois movimentos do ciclo
gnosiológico: o em que se ensina e se aprende o conhecimento já existente
e o em que se trabalha a produção do conhecimento ainda não existente. A
"dodiscência" - docência-discência - e a pesquisa, indicotomizáveis, são
assim práticas requeridas por estes momentos do ciclo gnosiológico.
(FREIRE, 2009, p. 28)
Antes, porém, de prosseguir esta análise, a necessidade de se expor
brevemente alguns conceitos empregados, em particular a teoria Semiótica de
Peirce.
A Semiótica de Peirce é um campo de conhecimento de vasta aplicação e
que se sabe, até mesmo do ponto de vista de seu próprio criador, está sempre em
desenvolvimento. É uma teoria lógica que se aplica às linguagens em geral e que
tem como peculiaridade basear-se no conceito fundador de Signo Triádico.
A importância de se trabalhar tais conceitos semióticos nesta análise reside
na consciência de que a fotografia é mais do que uma técnica. É uma forma de
relação e representação do mundo, portanto uma linguagem. Como tal deve ser
aprendida. Nesta perspectiva se pode observar com certa facilidade a presença de
três elementos constantes em todos os processos que serão descritos.
Para Peirce, ―Semiótica é a ciência dos signos e dos processos significativos
(semiose) na natureza e na cultura‖ (SANTAELLA, 1995, p.19). Em outras palavras
―é a teoria do conhecimento contínuo do universo na mente humana‖ (idem, 2009,
p.25).
De acordo com esse pensamento, o Signo, ou representamen, é um veículo
que comunica à mente algo do exterior, ou seja, ―representa‖ uma idéia, alguma
coisa que vale como tal.
O signo é uma coisa que representa uma outra coisa: seu objeto. Ele
pode funcionar como signo se carregar esse poder de representar,
substituir uma outra coisa diferente dele. Ora, o signo não é o objeto. Ele
apenas esta no lugar do objeto, portanto, ele pode representar esse
objeto de um certo modo e numa certa capacidade. Por exemplo: a palavra
casa, a pintura de uma casa, o desenho de uma casa, a fotografia de uma
casa, o esboço de uma casa, um filme de uma casa, a planta baixa de uma
casa, a maquete de uma casa, ou mesmo o seu olhar para uma casa, são
todos signos do objeto casa. Não são a própria casa, nem a idéia geral que
temos de casa. Substituem-na, apenas, cada um deles de um certo modo
que depende da natureza do próprio signo. A natureza de uma fotografia
não é a mesma de uma planta baixa. (SANTAELLA, 2009, p.25)
49
O Signo peirceano é triádico porque entende que a relação que se estabelece
entre o pensamento humano e o mundo se sempre mediada por um terceiro
elemento, o signo ou representação, e não de forma imediata. Dizendo de outro
modo, a mente humana não se relaciona diretamente com a alteridade, mas sim por
meio de uma representação, ou seja, pensamos utilizando signos, que o a
materialidade do pensamento. Existe um mundo, uma consciência, ou mente e um
signo que representa o mundo para esta consciência - uma idéia de mundo, em que
uma destas formas possíveis de representação é a imagem fotográfica.
Diante destas considerações, parece possível, aqui, aproximar-se da
metodologia de Paulo Freire que, por sua vez, parte do princípio de que ler é uma
interpretação do mundo.
Os conceitos da semiótica peirceana encontram sua real importância quando
são reconhecidas e aplicadas nas análises das experiências cotidianas. Muitas
vezes é nesse processo que se apreendem seus significados e alcança-se a
complexidade de suas proposições. Sem dúvida mesmo não tendo consciência na
época, esses conceitos que agora têm se apresentado, em decorrência dos estudos
teóricos realizados para esta dissertação, Signo e linguagem, ou seja, a dimensão
semiótica, sempre fizeram parte integrante das relações estabelecidas em sala de
aula. Nesta medida, eles continuamente foram se tornando mais e mais claros,
como na demonstração a seguir.
A primeira intenção será a de esclarecer os porquês do vermelho dos olhos
na linguagem fotográfica, que em sua primeira hipótese foi pensado como
possibilidade factual de olhos de vampiro.
As lendas e mitos em torno da figura dos vampiros muito permeiam o
imaginário. As mais antigas referências desta entidade mitológica, que se alimenta
de sangue humano, são encontradas no Antigo Egito, ou seja, mais de três mil
anos. Como todos os fenômenos
14
, ao longo da história esse arquétipo, de feitio
independente, imigrou para a Europa e Oriente Médio, miscigenando-se com as
diversas religiões e culturas locais, deixando dessa forma suas marcas nos campos
da literatura, da filosofia e das artes.
14
Para Peirce ―fenômeno é qualquer coisa que aparece à mente, seja ela meramente sonhada,
imaginada, concebida, vislumbrada, alucinada... Um devaneio, um cheiro, uma idéia geral e abstrata
da ciência... Enfim, qualquer coisa‖ (PEIRCE apud SANTAELLA, 1995, p.16).
50
Tome-se a mais moderna de suas versões para o cinema - o filme Twilight,
"Crepúsculo‖ em português, baseado no livro de Stephenie Meyer. A estória do
filme, estreado em dezembro de 2008, é o recontar de Romeu e Julieta, do amor
impossível entre uma adolescente humana (Bella) e um eternamente jovem e
sedutor vampiro (Edward). Embora o enredo tenha em si pouco interesse,
momentos no filme que são muito especiais para esta reflexão.
O primeiro é quando a jovem, profundamente apaixonada, dedica-se à
leitura de um livro místico, o qual descreve as qualidades físicas dos vampiros que
habitam a região onde vive. A partir daí, hipóteses
15
nascidas de relações icônicas
16
e indiciais
17
começam a ser levantas e, por meio de associações e comparações, ela
deduz que Edward é um deles.
O diálogo seguinte a esta descoberta é assim constituído:
Eu sei que você é um vampiro, pois sua pele é branca, suas mãos são
geladas e seus olhos mudam de cor.
Voltando à sala de aula, a idéia de olhos vermelhos relacionados à imagem
de vampiros foi passada por mim e como as pessoas têm este arquétipo vivo em
suas cabeças, a comparação foi recebida pelos alunos como uma hipótese
plausível. Trata-se de uma explicação plausível exatamente porque compreende
uma intersecção verdadeira entre o universo da linguagem, da ficção e o universo
real, dos fatos existenciais.
Outro fator, de ordem cultural, contribuiu na mesma direção: o paradigma
estético dos vampiros mudou a partir do romantismo, sua aparência que antes era
animalesca, passou a ser humana e mais do que isso, sedutora - Brad Pitt foi
vampiro no cinema. Ora, se os vampiros modernos têm a aparência humana,
portanto passível de ser confundida com nossa própria imagem, e se uma das
características para detectá-los são os olhos vermelhos, exatamente iguais aos das
imagens fotográficas, e, ainda, se na fotografia sempre existe um referente real, (ou
15
Hipótese é, segundo a teoria de Peirce, um primeiro raciocínio, uma mera possibilidade de
explicação, em que as relações são estabelecidas como resultado de uma associação livre entre
qualidades de sensação.
16
Um ícone é um signo que remete ao objeto que ele denota simplesmente em virtude das
características que ele possui, quer esse objeto exista realmente, quer não (Peirce, CP. 2.247 apud
Philippe Dubois, 2006 p. 63).
17
Os índices são signos cuja relação com seus objetos consiste numa correspondência de fato
(Peirce, CP. 1.558 apud Philippe Dubois, 2006 p. 62).
51
seja, alguém que posa de fato), podemos considerar a hipótese levantada: Eu não
sou vampiro, também hipótese plausível, e mais sob o ponto de vista da lenda, do
arquétipo da pressuposição - até mesmo verdadeira.
Seguindo a sequência da cena:
Diante das declarações reveladoras de sua condição, o também apaixonado
Edward suplica que ela fuja, pois sendo um vampiro ele poderia matá-la. A garota,
no entanto se recusa ir embora, alegando não acreditar nessa possibilidade.
Você não acredita, porque você acredita em mentiras. Diz Edward.
Essa fala soa completamente sem nexo dentro do enredo a que o filme se
propõe - a existência de vampiros - pois ela joga o expectador para fora da realidade
mitológica da fita. Ora, se Bella acredita em mentiras e ela acredita em vampiros, na
dedução deste silogismo vampiros são mentiras, portanto - vampiros não existem.
Se essa fala é uma gafe no contexto do filme, para a sala de aula ela é reveladora.
Mesmo não tendo usado este exemplo específico foi exatamente esta a minha
atitude na época: jogá-los para fora da hipótese mitológica, demonstrando que, nas
fotografias nas quais os olhos apareciam vermelhos, a causa era outra, a origem era
um deslize técnico e isso significa que a resposta correta, neste caso particular,
estava relacionada ao comportamento da luz na fotografia. A explicação, portanto, é
fundamentalmente de ordem técnica, de leis que regem a natureza técnica da
fotografia.
Mas pelo fato da fotografia também se tratar de processo semiótico ou de
linguagem, na qual os significados podem variar de acordo com a relação
simbólica
18
desejada, será esse mesmo conhecimento técnico que permitirá ver o
outro lado da moeda. A saber, se o objetivo é fotografar alguém que represente de
fato a figura de vampiro, esse mesmo erro técnico transformar-se-á em acerto, pois
o fotografado teos mesmo olhos vermelhos tal qual o arquétipo que vem à mente
do observador. Nisto consiste a importância de reconhecer que o aprendizado
técnico deva ser vinculado à linguagem, pois é assim que se opera na realidade.
Dois outros pontos relevantes do filme acontecem nas cenas em que os
vampiros do mal, embora lindos e yuppies como Edward, resolvem atacar a heroína.
18
Um símbolo é um signo que remete ao objeto que ele denota em virtude de uma lei, normalmente
uma associação de idéias gerais, que determina a interpretação do símbolo por referência a esse
objeto. É, portanto, ele próprio um tipo geral ou uma lei (Peirce, CP. 2.249 apud Philippe Dubois,
2006 p. 64).
52
Neste momento todos têm seus olhos invadidos pela cor vermelha. Esta qualidade
icônica é imposta indicialmente, para que o expectador não tenha nenhuma vida
de que aqueles belos jovens, mesmo lindos na apancia, são em realidade
vampiros.
Na mesma direção, a cena final é toda filmada em preto e branco, a cor
aparecendo apenas e tão somente em uma maçã vermelha, estabelecendo desta
forma uma relação entre gerais, entre qualidades gerais que exprimem uma
totalidade das emoções e relações estéticas de todo o filme, portanto todos os seus
simbolismos.
Nestas duas cenas, assim como na fotografia de olhos vermelhos, que
inspirou toda esta reflexão, é a cor em sua representação restrita ou geral em
termos de linguagem que transmite a informação de algo que se quer demonstrar.
ainda um último diálogo que fecha esse raciocínio: Edward tomando Bella nos
braços alça vôo ao topo de uma árvore. Isso não existe, diz a menina, a que Edward
responde: No meu mundo existe. Como neste diálogo, foi a existência de um mundo
próprio das representações fotográficas que, desde o início do curso, tentou-se
evidenciar aos alunos.
Estabelecer, portanto, relação de comparação denota uma relação indicial,
pois é uma forma de demonstração que coloca em confronto duas idéias e cria a
possibilidade de que, a partir dessas analogias, novas idéias e hipóteses explicativas
surjam.
Décio Pignatari citava em suas aulas, "que quem sabe ler e escrever é
bilíngue". Considere-se, aqui, que as apropriações dos códigos da cnica
fotográfica transformam o ver do fotógrafo em um olhar bilíngue.
O que isso quer dizer? Que o fotógrafo muda de canal, assim como o
bilíngue, quando se apropria de outra língua, em outras palavras ele a fotografia
com os olhos da câmera. O conhecimento da técnica permite antecipar e recortar
mentalmente a imagem que será fotografada, "quem a imagem cnica parece
ver seu significado, embora indiretamente" (FLUSSER, 2002, p.14), em outras
palavras, enxergar no presente aquilo que ainda será futuro e que, depois do click,
por ironia, transformar-se-á em um eterno passado.
Cabe aqui a comparação, mesmo não partilhando de sua genialidade, com a
lenda de Michelangelo quando perguntado como fizera a escultura de Davi com
aproximadamente 4,5 em um bloco de mármore: "foi cil, fiquei um bom tempo
53
olhando o mármore até nele enxergar o Davi. peguei o martelo e o cinzel e tirei
tudo o que não era Davi" (CORTELLA, 2006, p.69).
Para esclarecer o que são estes dois mundos - o que vemos e o que a câmera
vê - recorre-se a um segundo exemplo, ainda no uso comparativo do vermelho.
19. Cubatão 10. foto: Beatriz Albuquerque
A foto acima foi realizada para um catálogo de Saúde Ambiental e
Desenvolvimento Sustentável, para a Associação Inter-Americana de Engenharia
Sanitária e Saúde Ambiental. Todo esse trabalho versava, a respeito da poluição
que o planeta vem sofrendo nas últimas décadas, portanto as fotografias precisavam
passar essa informação.
O que se via antes do momento do click? Uma fábrica branca, três chaminés
expelindo fumaça cinza e a paisagem ao fundo contornada pelo céu de um azul
também cinzento. Os superlativos das proporções tanto da indústria, quanto da
fumaça eram muito convenientes, mas a qualidade plástica da imagem era
lamentável, pois as cores vistas consistiam apenas de brancos e cinzas pálidos, ou
seja, uma realidade visual insuficiente para expressar ou representar a idéia de
poluição e a gravidade de suas consequências.
54
O que fazer, então, por meio da fotografia, para se obter a mesma força de
denúncia possível em um texto? Utilizar o conhecimento técnico, que passará a ser
chamado aqui de o "olhar da câmera".
Compreenda-se, então, como tecnicamente foi resolvido o problema.
Havia, na ocasião, um componente fundamental que permitiu fotografar
segundo a intenção da pauta: a iluminação da fábrica.
A hora era a de final da tarde, quase noite e por isso toda a fábrica se
encontrava iluminada com o que seria a matéria prima do fotógrafo - luzes de
tungstênio - vulgarmente chamadas de luzes quentes. Tanto nas máquinas
analógicas como nas digitais, a proporção do branco é balanceada
19
de acordo com
a temperatura da cor. O que isso significa especificamente nessa foto de Cubatão?
Ao usar um filme de luz natural, (5.000K) em um lugar todo iluminado por luzes de
tungstênio (3.200K), a cor foi balanceada incorretamente, puxando toda a área
iluminada para uma tonalidade vermelho alaranjada. E foi exatamente isso o que
aconteceu: a fábrica, juntamente com as chaminés sob o efeito da luz quente, ficou
vermelha; e o céu, quase noturno, portanto também fora da temperatura do filme
(luz/dia), apresentou na fotografia a cor roxa e não a azul escuro acinzentado, como
se via.
Foto mentirosa? Talvez, sim. Informação mentirosa? Não. Essa foi a forma de
escrever com a luz a informação de poluição.
As possibilidades de o fotógrafo interferir na imagem e - portanto na
configuração própria do assunto no contexto da realidade - existem
desde a invenção da fotografia. Dramatizando ou valorizando
esteticamente os cenários, deformando a aparência de seus
retratados, alterando o realismo físico da natureza e das coisas,
omitindo ou introduzindo detalhes, o fotógrafo sempre manipulou
seus temas de alguma forma. {...} Entre o assunto e sua imagem
materializada ocorreu uma sucessão de interferências ao nível da
expressão que alteraram a informação primeira. (KOSSOY, 2002,
p.30)
Sob essa perspectiva, pode-se considerar a fotografia muito próxima da
definição de arte, como na visão de Picasso que considerava a arte a mentira que
nos permite conhecer a verdade. Ou ainda, nas palavras de Mcluhan (1964 p.216):
19
Em fotografia, balanço de cores ou balanço do branco se refere aos ajustes que são efetuados pelo
fotógrafo, na câmera fotográfica, para se obter imagens com fidelidade de cores próxima àquelas que
os objetos apresentam sob iluminação ideal. Nas câmeras analógicas estes ajustes são feitos com
filmes compatíveis com um determinado tipo de luz, ou ainda com filtros corretivos. Nas digitais há um
componente próprio para executar essas mudanças.
55
"com a fotografia, os homens descobriram como fazer reportagem visual sem
sintaxe".
Para concluir: O que se viu antes de realizar a fotografia não foi a fábrica
vermelha. O que se viu e o que fez foi interpretar antecipadamente a
linguagem/código visual da máquina, visualizando a priore, com os olhos da mente,
como ela, a câmera, executaria a idéia de poluição desejada. A partir desta leitura
técnica, foi possível criar o vermelho representando a poluição, além de indicá-lo de
forma compulsória a seus referentes, no caso a indústria, a fumaça e a natureza.
Esta foi, portanto, uma das formas encontradas para em sala de aula, aos
poucos e ao longo do curso, ligar de maneira inalienável técnica e linguagem.
3.2.2 GESTO IMAGINAÇÃO: A MIMESE
20
Mentimos com a boca, mas os gestos denunciam a verdade
Friedrich Nietzsche
Os exercícios de abstração, através da utilização de gestos miméticos,
parecem ser condição necessária e indispensável para a compreensão das funções
de cada equipamento utilizado no processo fotográfico. A observação dos gestos do
fotógrafo, de sua busca e esforço quando olha através da câmera, funciona como
um treino, uma preparação do aluno para o entendimento das informações sicas
do ato de fotografar. O conjunto dos gestos do fotógrafo despido dos objetos
concretos, no caso a câmera, reconhecíveis como uma forma humana de
expressão, possibilita aos alunos a presença da natureza familiar da linguagem
fotográfica, estilizada nas mímicas do professor.
20
Do gr. mímesis, imitação (imitatio, em latim), designa a ação ou faculdade de imitar; cópia,
reprodução ou representação da natureza, o que constitui, na filosofia aristotélica, o fundamento de
toda a arte. Heródoto foi o primeiro a utilizar o conceito e Aristófanes, em Tesmofórias (411), o
aplica. O fenômeno não é exclusivo do processo artístico, pois toda atividade humana inclui
procedimentos miméticos como a dança, a aprendizagem de línguas, os rituais religiosos, a prática
desportiva, o domínio das novas tecnologias etc. Por esta razão, Aristóteles defendia que era a
mímesis que nos distinguia dos animais. (E-Dicionário de Termos Literários, edição e organização
Carlos Ceia)
56
Flusser (1994, p. 101) considera o gesto tão importante que em seu livro
"Gesten" convida o leitor a fazer parte de uma estória, em que cria uma situação
única em uma cena que reúne o fotógrafo, o modelo e o observador, (assim como foi
realizado em sala de aula, onde o fotógrafo era a professora, o modelo, um dos
alunos e o observador, o resto da classe. Sua intenção era demonstrar que quando
o espectador faz parte deste processo, o ver se torna reflexivo, ou seja, que ser
reflexivo é compreender o significado por análise comparativa.
Esta visão de nós mesmos em uma situação (esse ver "reflexivo" ou
"crítico") é característica de nosso estar no mundo: nós estamos no mundo
e o vemos, o "sabemos". Quando nós e o homem do aparelho nos
encontramos sobre essa base, não é que vemos a situação "melhor",
unicamente a vemos de maneira intersubjetiva e de uma maneira
intersubjetiva nos vemos a nós mesmos, pessoalmente. (Idem, ibidem ps.
103 e 104)
Foi desta forma que a classe teve a visão da entrada da luz nos olhos do
aluno/modelo quando observaram, na gestualidade das mãos da professora, a
simulação do percurso da luz saindo do flash (que por sua vez, assim também foi
representado). O que ocorreu nesta cena em que foram dramatizadas as ações em
um teatro de aprendizado, coincide com o que diz Flusser (Idem, ibidem, p. 100)
quando define ser o gesto o primeiro passo para o entendimento da Fotografia: "A
investigação do gesto de fotografar parece ser um passo prévio e necessário para o
estudo da fotografia em si mesma.
Acredita-se, aqui, que quando os alunos veem os gestos da professora
atuando como fotógrafa eles identificam nela um gesto humano, uma linguagem e
forma de expressão familiar, por isso plausíveis de reconhecimento.
O homem do aparelho sabe o que faz, e nós podemos percebê-lo se
observarmos seus gestos. Essa é a razão pela qual é necessário
descrever seus gestos com conceitos filosóficos (reflexivos). Qualquer
outra forma de descrição seria desafortunada, por não ser capaz de
captar a essência reflexiva e autoconsciente do gesto. (FLUSSER,
1994, p. 104)
21
21
Todas as citações são traduções livres da pesquisadora lidas na versão espanhola Los gestos,
fenomenologia y comunicación (Barcelona: Herder, 1994). Edição original alemã com o título "Gesten:
Versuch einer Phänomenologie" (Bollmann Verlag, Düsseldorf y Bensheim, 1991)
57
Estes pensamentos vêm ao encontro dos conceitos propostos por este
trabalho, quando afirma que o ato de fotografar está intimamente ligado à percepção
dos elementos gerais da própria linguagem fotográfica. Ver antes é quase a mesma
coisa que conhecer, porque conhecer (no sentido científico) é ser capaz de pré-ver
supondo, portanto, quais serão os possíveis comportamentos e resultados futuros
dos fatos no caso presente os da fotografia, mais especificamente de sua natureza
técnica, que significa ensinar a ter o olhar da máquina, ser capaz de pré-ver como
ela enxerga e registra.
Isso se deve ao fato de que o gesto de fotografar é um gesto de ver. Ou, o
que no mesmo, é o gesto que pensadores antigos chamavam de
theoria, uma vez que denominavam Idea, a imagem que se deriva do
gesto. (FLUSSER, 1994, p. 104)
O conhecimento desta forma passa a ser reconhecimento, pois no momento
em que gestos são praticamente mímicas - expressão do pensamento ou
representação teatral por meio de gestos - o aprender transforma-se em um imitar,
ou seja, tomar conhecimento por meio de comparações observadas entre formas,
movimentos e sons gerados pelo outro e os previamente conhecidos, sem a
imposição de sentidos gerados pela presença de objetos concretos.
O que se quer materializar, tornar palpável na imaginação, e, portanto na
imagem mental, é a pura estrutura das funções, das ações que levam a produzir a
imagem fotográfica. Na medida em que se tira de cena aquilo que na filosofia é
chamado de misturas adventícias (retirada dos acessórios), ficam desnudadas no
gesto mimético a ação e as ferramentas do fotografar. O que isso significa? Que
quando se subtraem da cena os objetos reais que servem de âncora ou de entrave
para a imaginação (a imagem antecipada), propicia-se a quebra, a abertura de
espaço como primeiro exercício para o conhecimento dos aparatos, para as
informações rudimentares e fundamentais desta nova linguagem que é a fotografia.
Em síntese, o gesto motivado e intencional passa a ser o próprio gesto que
representa o processo fotográfico, o fotografar.
A colocação de Flusser acerca da familiaridade que o gesto propicia na
relação intersubjetiva, na teoria semiótica de Charles Peirce encontra ao mesmo
tempo ressonância e maior profundidade quando estabelece as diferenças entre os
aspectos indiciais e simbólicos da ação de fotografar. Isto ocorre porque Peirce,
58
partindo da mesma visão dos fatos, passa para além da caracterização da relação
intersubjetiva que é uma categoria psicológica a familiaridade, para a dimensão
das categorias lógicas, a natureza icônica, indicial e simbólica da linguagem
fotográfica.
O gesto de fotografar, como uma representação mimética, ou seja, sem a
presença da máquina fotográfica, enfatiza o caráter indicial, que indica, aponta
melhor para a relação com a ação de fotografar (como conceito geral) e o mais,
ou apenas, para a existência concreta daquela (determinada) máquina, que quando
concretamente vista, muitas vezes, ao invés de facilitar a compreensão da idéia
geral, cria um preconceito sobre a sua verdadeira natureza funcional, que fica
ancorada, aprisionada na aparente complexidade do aparelho.
Se, em Flusser, a cena única onde o gesto de fotografar envolvendo a
presença de todos para gerar a compreensão e o aprendizado significa criar um
ambiente psicológico favorável, a análise semiótica entende o mesmo procedimento
porém em outros termos: a gestualidade mimética corresponde a um ambiente de
geração de relações abdutivas, inferências destituídas do medo de errar, livres,
porém de natureza lógica, propícias e bem-vindas por não precisarem se adequar a
regras ou explicações dadas como certas e preconcebidas como verdadeiras.
O que isso significa? Para Peirce este estágio do aprendizado corresponde ao
processo cognitivo em que os raciocínios têm a natureza da Abdução, que "inicia-se
dos fatos sem, em princípio, ter qualquer particular teoria em vista, embora seja
motivada pelo sentimento de que uma teoria é necessária para explicar os fatos
surpreendentes {...} a Abdução busca uma teoria.‖ (CP, 7.218 apud IBRI, 1992,
p.115).
Neste ambiente cognitivo, em que as informações novas precisam ser
aprendidas, é natural que surjam hipóteses explicativas para cada fato
surpreendente, as explicações possíveis são geradas como idéias espontâneas,
sugestões, que têm justamente a forma lógica dos raciocínios abdutivos. Muitas
vezes são explicações erradas, mas certamente caminham em direção às
verdadeiras, pois, segundo a teoria peirceana, é dessa maneira que os processos de
descoberta se realizam, e, portanto, também a aprendizagem.
59
3.2 OLHANDO PARA TRÁS - A HISTÓRIA
Não mais imponho uma fotografia, eu a sugiro e deixo as pessoas
caminharem com ela
Robert Doisneau
A visão da câmera, embora similar quanto à inversão e à recepção dos raios
luminosos, em seu resultado final, difere da visão humana, como se pode verificar
na representação da foto de Cubatão, em que olho e máquina viram a fábrica e a
natureza em situações distintas. Compreendidas estas relações, eram estabelecidas
novas comparações, desta vez entre aparelhos, ou seja, entre a mera fotográfica
e a câmera escura, seu instrumento primordial, mas, para tanto, houve a
necessidade de voltar no tempo, à História.
Nesse estágio, foi preciso enfrentar um dos pontos nevrálgicos do curso:
alunos, com diferentes escolaridades, reunidos em uma mesma sala. Como falar da
fotografia, que teve uma de suas raízes no Renascimento, termo que significa
nascer novamente ou ressurgir, e que essa idéia ganhou força na Itália desde os
tempos de Giotto? Como localizar na história Brunelleschi e Masaccio, que
definitivamente criaram uma nova cultura do olhar, presentes até hoje, nas
representações da ilusão tridimensional nas superfícies planas da fotografia? Como
colocar no espaço e no tempo a Revolução Industrial, cujo ambiente sócio
econômico favoreceu a mecanização dos sistemas de produção dando o grande
salto tecnológico das máquinas, incluindo a fotográfica?
Uma das respostas para estas questões angustiantes que envolviam o
método de ensino foi, na época, encontrada no prefácio do livro A História da Arte de
Ernst Hans Gombrich (1979, p. 1).
Este livro destina-se a todos os que sentem a necessidade de alguma
primeira orientação num estranho e fascinante campo. {...} Ao escrevê-lo,
pensei, sobretudo, nos leitores adolescentes que tinham acabado de
descobrir por si mesmos o mundo da arte. Mas nunca pensei que livros
para jovens devam ser diferentes dos destinados a adultos, exceto pelo
fato de terem que contar com a mais exigente classe de críticos - críticos
que rapidamente desmascaram e se indignam com qualquer indício de
jargão pretensioso ou sentimentalismo espúrio. {...} Esforcei-me
sinceramente por evitar essas armadilhas e usar uma linguagem simples,
60
correndo o risco de parecer displicente ou um tanto amadorista. Por outro
lado não evitei as dificuldades de pensamento. (GOMBRICH, 1979, p. 1)
E foi com estas intenções que se voltou à História, à história humana,
independente das biografias individuais que a constituem como um todo, para iniciar
as primeiras conexões da fotografia com outras linguagens, que por sua vez também
são um produto social e coletivo, portanto igualmente históricos.
Para tanto, considerou-se que a forma mais apropriada seria introduzir
paulatinamente esses novos conceitos, ao longo de todo o curso, a fim de que não
se tornassem difíceis demais para os principiantes.
Uma das condições básicas para o aprendizado era voltar ao Renascimento
para explicar sua relação com os princípios da câmera escura. Decidiu-se partir de
um marco histórico conhecido, mesmo por aqueles que só possuíam o ensino
fundamental - o "descobrimento" do Brasil datado no ano de 1500
22
. Elegeu-se,
portanto, esta data como ponto de partida tanto para o retorno a séculos passados,
como para os subsequentes; para isso foram levantados alguns conceitos da pintura
européia cuja civilização não se desenvolveu da mesma forma que a dos povos
indígenas aqui encontrados.
Dois aspectos dessa atividade artística particularmente interessavam: a ilusão
de profundidade através da modelação da luz e sombra e o estudo das mudanças
da perspectiva, mote central que desencadeou as bases ópticas da fotografia.
Partíu-se da pintura medieval que em seu princípio era predominantemente
bidimensional, pois retratava seus personagens mudando-lhes apenas o tamanho,
de acordo com sua importância e simbolismo (divino ou humano) e o de acordo
com suas posições espaciais relacionadas à tela e ao olho do espectador.
Os pintores tinham aprendido essa arte de ajustar as figuras a um padrão
da tradição medieval.{...} Os artistas medievais dispunham os símbolos das
histórias sagradas de forma a ignorarem o formato e as proporções reais
das coisas e esquecerem completamente problemas de espaço.
(GOMBRICH, 1979, p. 161)
22
Da mesma forma, como adiante, tomar-se como ponto de partida um determinado marco
numérico, o angulo das objetivas normais, para classificar as demais objetivas (p. 144).
61
20. Reconstituição do templo de Jerusalém - 1097
Ilustração da tradução francesa da Histoire d'Outremer de Guilherme de Tiro
23
21. O Rei Offa em Santo Albans - 1260 Matthew Paris
24
23
Guilherme de Tiro (Jerusalém, 1130 - 1184). Arcebispo de Tiro, Líbano, de 1175 a 1184.
Historiador das Cruzadas na Idade Média.
24
Matthew Paris (Inglaterra 1200 - 1259) . Monge beneditino da Abadia de Santo Albano. Iluminador,
cartógrafo e historiador.
62
Foi Giotto
25
que, por volta de 1306, mudou a concepção deste tipo de pintura,
quando realizou os afrescos da Cappella dell'Arena, em Pádua, na Itália, dando o
primeiro passo para substituir a hierarquia simbólica pela hierarquia espacial.
22. Alegorias das Virtudes e dos Vícios - 1306 Giotto di Bondone
É fácil ver a semelhança entre essas nobres figuras e as obras dos
escultores góticos. Mas não são estátuas. São pinturas que reproduzem a
ilusão de estátuas. Vemos os escorços, as modelações das faces e dos
pescoços, as sombras profundas nas pregas flutuantes das vestes. Nada
que se parecesse com isso tinha sido feito em mil anos. Giotto redescobria
a arte de criar a ilusão de profundidade em uma superfície plana. {...} Ela
capacitou-o a modificar toda a concepção da pintura. Em vez de usar os
métodos da escrita pictórica, pôde criar a ilusão de que a história sagrada
estava acontecendo diante de nossos próprios olhos. (GOMBRICH, 1979,
p. 151)
26
Ou ainda em relação à representação espacial como se observa nas palavras
de Panofsky (1999, p.53):
As obras de Duccio e de Giotto abriram caminho à conquista do princípio
Medieval de representação. A representação de um espaço interior
fechado, apercebido, claramente, como corpo vazio, implica mais que a
consolidação dos objetos. Com efeito, o seu significado é o de uma
revolução no que respeita à avaliação formal da superfície de
representação. Esta superfície não se limita agora à parede ou ao painel
em que se inscrevem as formas de objetos e figuras isolados. Ela retoma o
plano transparente, através do qual se pretende que acreditemos estar a
contemplar um espaço, mesmo que este espaço esteja limitado por todos
os lados. (PANOFSKY, 1999, p. 53)
25
Giotto, (Florença 1266 - 1337). Pintor e arquiteto. Representou em sua obra uma visão humanista
de mundo (santos com ares humanos). É considerado o elo entre o renascimento e a pintura
medieval e a bizantina e pioneiro na introdução do espaço tridimensional na pintura européia.
26
Esta citação foi passada para o plural, pois em Gombrich a análise é feita, apenas, na pintura A Fé,
primeiro quadro da sequência.
63
Essa sensação do real e da ilusão espacial de profundidade atinge no século
seguinte um "método pelo qual a natureza podia ser representada em um quadro
com exatidão quase científica" (GOMBRICH, 1979, p.178). Trata-se dos princípios
matemáticos da perspectiva linear, baseados na geometria euclidiana, introduzidos
pelo arquiteto florentino, Filippo Brunelleschi
27
. Esta nova forma de representação,
estabelecia na prática o conceito de ponto de fuga e a relação entre os tamanhos
dos objetos, reproduzindo, desta maneira, maior "autenticidade" tridimensional nos
planos bidimensionais.
Por um lado, a perspectiva submete o fenômeno artístico a leis constantes
e, até, de uma exatidão matemática {...} Em primeiro lugar, todas as
perpendiculares ou "ortogonais" se encontram no chamado ponto de fuga
central, que é determinado pela perpendicular tirada a partir do olho para o
plano do quadro. Em segundo lugar, todas as paralelas, independente das
direções que tomem, possuem um ponto de vista comum. Se estiverem
num plano horizontal, o seu ponto de fuga estará sempre naquilo que se
designa por horizonte, ou seja, na linha horizontal que atravessa o ponto de
fuga central. Além disso, se as linhas paralelas formarem um ângulo de 45
graus com o plano do quadro, a distância existente entre o seu ponto de
fuga e o ponto de fuga central igualará a distância que vai do olho ao plano
do quadro. Por fim, a considerar que as dimensões iguais diminuem
progressivamente, à medida que se o seu afastamento no espaço.
Desde modo, se considerarmos que se conhece o ponto de partida do
olhar, será possível calcular qualquer parcela do quadro, a partir da que a
antecede ou da que se lhe seguir . (PANOFSKY, 1999, pp. 32, 63)
28
23...Igreja do Espírito Santo 1434 - 1442 Florença ....................................................................... .................. Brunelleschi
27
Filippo Brunelleschi (Florença, 1377 - 1446). Arquiteto. Projetou, em 1434, a cúpula da catedral de
Santa Maria del Fiore, que foi a primeira cúpula de grandes dimensões, sobre base octogonal,
erguida na Itália, desde a Antiguidade. São seus também outros importantes projetos da arquitetura
renascentista italiana: o Hospital dos Inocentes, o Palácio Pitti e as igrejas de São Lourenço e Santo
Espírito, todos edificados em Florença, Itália.
28
Grifos desta pesquisadora
64
Se uma das definições da perspectiva é ser a ilusão que a percepção visual
fabrica para compreender a profundidade, volume e distância dos objetos, a
perspectiva linear, ou perspectiva artificial, assim denominada pelo historiador Leon
Battista Alberti
29
, trouxe à civilização ocidental, presente até os dias de hoje, uma
nova maneira de olhar a iconografia bidimensional, seja ela pintura ou fotografia
30
.
24. Ilustração: Wolfram Gothe 2003 25. Arcos Arizona - 1968 foto: Ansel Adams
26. Ilustração: Daniel Chandler 27. Carolina Cotton Mill USA - 1908 foto: Lewis W. Hine
29
Leon Battista Alberti (Genova 1404 - Roma 1472). Arquiteto, escultor, músico, pintor e escultor, é
considerado o mais importante teórico da arte humanista do Renascimento.
Autor da primeira análise científica da perspectiva, exposta em seu livro Della Pintura - 1435.
Entre suas obras de arquitetura, estão o palácio Rucellai, Florença (1451), igrejas de o Francisco,
Rimini (1447), Santa Andrea e São Sebastião, Mântua (1470).
30
Estabeleceu-se como limite, aqui, introduzir a perspectiva artificial somente como representação
espacial, para localizá-la especificamente na futura relação com a fotografia, embora seja impossível
dissociá-la dos acontecimentos históricos, visto que as representações artísticas são manifestações
do coletivo.
65
"Para o homem do Renascimento a perspectiva artificialis significou o
descobrimento de um sistema de representação "objetivo" e "científico" e, portanto,
absolutamente "fiel" ao espaço real visto pelo homem" (Machado, 1984, p.64). Com
a introdução desta representação ilusionista, a pintura passa a compartilhar com a
arquitetura e a escultura, "a matemática, a geometria, a volumetria e a percepção"
(RIZOLLI, 2005, p. 36), permitindo desta forma um novo realismo, "próximo da
natureza visível", como se pode observar nas palavras de Panofsky (1994, p.49)
As concepções artísticas do Renascimento, em oposição às da Idade
Média, têm, portanto como característica o fato de que, de certo modo, elas
arrancam o objeto do mundo interior da representação subjetiva e o situam
num ―mundo exterior‖ solidamente estabelecido; também dispõem entre o
sujeito e o objeto (como o faz na prática a ―perspectiva‖) uma distância que
ao mesmo tempo reifica o objeto e personifica o sujeito.
Uma das primeiras obras realizadas com o uso desta geometria, de ponto de
fuga único, foi pintada por Masaccio. Trata-se do mural da igreja Santa Maria
Nevella, em Florença, cuja única figura que escapa a suas leis é a imagem de Deus
Pai, que envolve o Cristo crucificado, ainda fruto da representação simbólica da
hierarquia divina e não da espacial.
28. A Santíssima Trindade, a Virgem, São João e os doares - 1427 Masaccio
66
Alguns pontos desta perspectiva são particularmente interessantes em sala
de aula, devido a suas estreitas ligações com a Fotografia. Estes temas, expostos
agora como tópicos, serão tratados, ao longo desta dissertação, de acordo com os
aprendizados técnicos e de linguagens desenvolvidos pelos alunos, principalmente
em suas relações comparativas entre a visão da câmera e a dos olhos.
1 - A perspectiva central é mais um dos métodos de representação.
Não é nem melhor, nem pior que o espaço bidimensional dos egípcios, ou
o sistema de paralelas em um cubo oblíquo empregados, pelos japoneses.
Cada uma destas soluções é igualmente completa e perfeita e é
diferente das outras no conceito específico de representação de mundo.
Considerada deste ponto de vista, a perspectiva central é um assunto
inerente à pintura. É um produto da imaginação visual, um método
acessível para organizar as formas em um meio determinado
31
.
(ARNHEIM, 1962, p. 235)
Aceitando, portanto que a perspectiva artificial é "um produto da imaginação
visual de um determinado meio", concluiu-se que tanto a pintura renascentista, como
a fotografia, sua herdeira, como será constatado ao longo desta dissertação, ao se
apropriarem desta organização visual, divulgam representações mediadas por ela, e
que ainda e, sobretudo, são decorrentes de condicionamentos sociais, geográficos e
históricos, uma vez que "durante quase cinco séculos, as necessidades figurativas
da civilização ocidental foram satisfeitas por este sistema de representação plástica
do espaço conhecido como perspectiva artificialis" (MACHADO, 1984, p.63). Ou
seja, ela se tornou um hábito para o homem ocidental.
Sob outro ângulo (relacionado à inversão da imagem, tanto dos olhos, como a
das câmeras), Mcluhan (1964, p. 217) também demonstra, em um desconcertante
exemplo, esta tradição cultural a que chamamos de hábito, hábito de percepção.
Nada diverte mais um esquimó do que ver o homem branco torcer o
pescoço para ver as fotos de uma revista pregadas nas paredes do iglu.
Isto porque o esquimó, tal como a criança antes de aprender a ler em linha,
não tem a necessidade de ver as figuras em posição normal. {...} As provas
de que os nativos não percebem em perspectiva e nem em terceira
dimensão parecem ameaçar a imagem do ego e da estrutura ocidental,
como muitos descobrirão depois de uma viagem aos laboratórios de
Percepção Ames da Universidade do Estado de Ohio. Este laboratório é
montado para revelar as várias ilusões que criamos para nós mesmos
naquilo que consideramos ser a percepção visual "normal".
31
Todas as traduções de Arnheim são traduções livres da pesquisadora.
67
2 - A perspectiva central é um método mecânico de reprodução da natureza, pois
diferentes pessoas, sob o mesmo ponto de vista, que conheçam esta técnica, são
capazes de repetir imageticamente a mesma angulação e proporção de um
determinado objeto.
Não foi uma mera casualidade que a perspectiva central foi descoberta
poucos anos depois da impressão das primeiras gravuras em madeira, na
Europa. O registro na madeira significou para a mente européia o princípio
quase completo da moderna reprodução mecânica. Até então toda
reprodução era fruto da imaginação criadora. Mas a impressão é uma
réplica mecânica da matriz da madeira. ((ARNHEIM, 1962, p. 235)
3 - A perspectiva artificial implica na "cópia da realidade" vista de maneira unilocular
e imóvel.
Para que a perspectiva central e unilocular do renascimento pudesse
aparecer como representação "natural" do mundo, vários aspectos da
percepção tiveram de ser censurados. O primeiro pressuposto dessa
modalidade de representação é a existência de um olho único, imóvel e
abstrato, sem o qual as projeções retilíneas convergentes seriam absurdas.
(MACHADO, 1984, pp. 66,67)
Para facilitar a observação deste olho imóvel e único, Brunelleschi, Alberti e
Dürer
32
inventaram dispositivos ópticos que permitiram, por meio mecânico, a
transferências de imagens.
29. Gravura representando visão imóvel de cópia de objeto Dürer
O desenhista olhava com um olho e através de um furo, que assegurava
um ponto de observação inalterável. (ARNHEIM, 1962, p. 235)
32
Albrecht Dürer, Nuremberg, Alemanha, 1471-1528. Pintor, gravador e ilustrador. Mestre da
xilogravura, técnica de reprodução que utiliza madeira como matriz. Principais obras: Adão e Eva
(1507), A Ascensão da Virgem (1509), Adoração da Trindade por todos os Santos (1511) e sua
famosa gravura do Rinoceronte (1515). Criador de máquinas para desenhar por meio da perspectiva
artificial.
68
30. Visão imóvel do objeto através de vidro quadriculado Alberti
Utilizando um vidro quadriculado, perpendicular à mesa de trabalho, o
desenho era realizado sobre um papel também quadriculado. A observação
do objeto era vista sempre a partir de um único ponto de vista e com um
dos olhos fechados.
31. Tavolleta Brunelleschi
Em um quadro com um pequeno furo e um espelho, adequadamente
colocado, era possível ver a pintura do objeto sobreposta à realidade deste
mesmo objeto.
Os códigos pictóricos da perspectiva artificial, de fato, prepararam o campo
para o advento da câmera fotográfica e consequentemente para uma das definições
da própria Fotografia, como se pode observar nas palavras de McLuhan (1970,
p.11): "a fotografia é a mecanização da pintura em perspectiva e do olho preso".
Pode-se constatar essa afirmação nos três exemplos anteriores, pois todos
partiam da observação imóvel, através de um orifício único, tal qual a lente das
câmeras, mesmo no apetrecho de Alberti, cujo orifício não estava no instrumento,
mas no artifício de se usar um único olho para a visualização, sendo o furo único,
portanto, o da pupila; e, na tavolleta de Brunelleschi, em que o espelho, objeto
usado para reproduzir e inverter as imagens - artifício também utilizado nas
69
máquinas fotográficas colocava o artista em atitude semelhante ao gesto do
fotógrafo.
Foi, porém, a câmera obscura o instrumento que englobou e facilitou a
reprodução desta forma de representação, cujo princípio era conhecido desde a
antiguidade. A câmera escura pode ser qualquer compartimento fechado que
contenha um pequeno orifício, no centro de uma de suas paredes, receptor da luz
vinda de um objeto externo, a qual, graças ao seu princípio de propagação retilínea,
atravessa este orifício, penetrando em seu interior, projetando a imagem invertida da
cena, em seu lado oposto.
32. Primeira ilustração publicada, 1545 33. Grande Câmera Escura, 1646
34. Câmera Escura em forma de mesa, 1769 35. Câmera Escura tipo caixa, 1750 36. Câmera Escura de mesa, 1820
Havia, portanto, um paradoxo a ser resolvido nestes instrumentos, pois
quanto maior o furo para a entrada de luz, menor era a qualidade da imagem
projetada. Este problema foi parcialmente solucionado ao ser acoplado ao orifício,
70
um sistema óptico de lentes
33
. Em 1550, Girolano Cardano
34
indicou o uso da lente
biconvexa, permitindo desta forma maior nitidez em aberturas maiores, ou seja, com
a reflexão de imagens mais claras e nítidas.
Tal avanço fez com que a câmera escura se difundisse entre os pintores, por
ser um instrumento que facilitava a cópia da natureza, aumentando ainda mais a
ilusão de realidade, proposta esta que dominou a arte nos séculos subsequentes.
Esta foi inventada por pintores e para pintores: sua finalidade era facilitar a
realização de uma pintura que pretende ser reprodução dos fenômenos;
graças a ela, escreve Giovanni Battista della Porta
35
, em 1588, "alguém
que ignore a arte do pintor poderá desenhar com a ajuda de um lápis ou de
uma caneta a imagem de qualquer objeto" (SOULAGES, 2010, p. 294)
Foi, porém, Daniel Barbaro que, ao publicar seu livro A prática da Perspectiva
(1568), demonstrou que a variação do diâmetro do orifício melhorava a nitidez da
imagem. Desta forma, ao se instalar este novo sistema junto às lentes, criava-se o
primeiro diafragma
36
(presente nas objetivas das câmeras fotográficas), que permitia
a nitidez de dois ou mais objetos em diferentes distâncias, ou seja, quanto mais
fechado o furo, maior profundidade focal. O aprimoramento das lentes passou,
então, a ser o ponto crucial na área de pesquisa deste instrumento.
A partir deste marco, pode-se considerar resolvido todo o princípio óptico das
câmeras fotográficas, pois a perspectiva artificial, que representa imagens "próximas
à realidade", está presente nas máquinas quando a convergência dos raios
luminosos se encontra em um ponto único; e a câmera fotográfica lacrada à luz, tal
qual a câmera escura, permite sua entrada apenas pelo orifício de suas lentes, que
por sua vez controlam em ambos os casos, a quantidade e foco.
O que faltava era fixar estas imagens, intento decorrente de inúmeras
pesquisas anteriores, mas apenas conseguido por Niépce
37
, quando realizou, em
33
As características destas lentes, que são as mesmas que compõem as objetivas das câmeras
fotográficas, serão vistas paulatinamente ao longo do processo de aprendizagem.
34
Girolano Cardano (1501-1576). Médico, físico e matemático. Foi o primeiro a introduzir as idéias
gerais da teoria das equações algébricas.
35
Giovanni Battista della Porta (1535-1615). Escritor, popularizou a versão melhorada da câmera
escura.
36
O diafragma das câmeras fotográficas será descrito detalhadamente no tópico 3.4.2.
37
Joseph Nicéphore Niépce (1765-1833). Oficial da marinha francesa, retirou-se do exército para
dedicar-se a pesquisas técnicas. Sócio de Daguerre nos estudos para fixação da imagem fotográfica.
71
1826, a primeira imagem inalterável, produzida pela ação direta da luz do sol e da
química (heliografia). Contudo, esse sistema era inadequado para a fotografia trivial.
O resultado decisivo deste intento deve-se a Daguerre
38
que expôs sua
descoberta em 1839, na Academia Francesa de Ciências. Em vista das dificuldades
encontradas na patente, Daguerre foi indenizado pelo Estado, e a descoberta
depositada em domínio blico, "com isso, foram criadas as condições para um
desenvolvimento contínuo e acelerado" (BENJAMIN, 2008, p.91).
Até então, todo o processo que eclodiu na descoberta da fotografia estava
intimamente ligado à pintura, semelhança essa que passa a existir também em seus
objetos, os daguerreótipos, visto que, como as obras de arte, eram peças únicas,
"não raro, guardados em estojos como jóias" (idem, ibidem, p.91).
Foi William Henry Fox Talbot
39
que, por volta de 1840, transformou essas
peças únicas em reproduções fotográficas, ao criar os primeiros negativos que,
assim como as gravuras em metal ou em madeira, produziam infinitas cópias a partir
de uma única matriz.
Embora, o lançamento dos daguerreótipos, promovido com inteligência,
criasse a fotografia, foi um inglês, Fox Talbot, que inventou o primeiro
sistema simples para a produção de um número indeterminado de cópias,
a partir da chapa exposta, lançando assim as verdadeiras bases para o
desenvolvimento desse veículo de comunicação. (BUSSELLE, 1977, p.
31)
O método que Talbot concebeu foi o de imprimir positivos, quimicamente,
a partir de negativos, de modo a obter imagens exatas e repetitíveis.
Removeu-se, desta forma, o entrave que dificultava os botânicos gregos e
seus sucessores. Desde as suas origens, a maior parte das ciências via-
se impedida de progredir pela falta de um adequado meio não-verbal de
transmitir informação. Hoje, até a física subatômica não poderia
desenvolver-se sem a fotografia. (MCLUHAN, 1964, p. 218)
38
Louis-Jacques Daguerre (1787-1851). Pintor, químico e cenógrafo. Criador do diorama, espetáculo
composto de painéis translúcidos, que produziam efeitos de fusão tridimensional, através da
iluminação.
Após a morte de Niépce, (1837) Daguerre inventou a daguerreotipia processo que consistia em fixar
em solução de sal de cozinha chapas de cobre, sensibilizadas com prata e tratadas com vapores de
iodo, desta forma revelava a imagem latente, expondo-a à ação de mercúrio aquecido. A exposição
variava de 15 a 30 minutos. As primeiras imagens eram invertidas, de má qualidade e pouco
contraste. A sensibilidade das chapas foi aumentada, graças ao uso de brometo de prata como
acelerador e a posição da imagem corrigida com o acréscimo de prisma à objetiva. (BUSSELLE,
1977, pp. 30, 31). O objeto criado por este processo chama-se daguerreótipo.
39
Talbot (1800-1877) Escritor, cientista e pioneiro da fotografia, criou o negativo fotográfico. Em 1844
publicou The pencil of Nature, o primeiro livro do mundo ilustrado com fotografias. Editado em seis
volumes, com um total de 24 imagens, continha a explicação detalhada de seus trabalhos,
estabelecendo padrões de qualidade para a imagem. (www.cotianet.com.br/photo/)
72
Ao longo deste processo, entretanto, um fato novo ocorre: a fotografia passa
a diferir da pintura, ao substituir o fazer manual pelos procedimentos da química, da
mecânica e da óptica e, ao ser patenteada, em uma academia de ciências, cria a
celeuma entre ser Arte ou Ciência, como se pode constatar nas palavras de
Francesca Alinovi e Gabriel Bauret.
O nascimento da fotografia baseia-se num equívoco estranho que tem a
ver com sua dupla natureza de arte mecânica: o de ser um instrumento
preciso e infalível como uma ciência e ao mesmo tempo, inexata {...} como
a arte. A fotografia, em outras palavras, encarna a forma híbrida de uma
―arte exata‖ e, ao mesmo tempo, de uma ―ciência artística‖, o que não tem
equivalentes na história do pensamento ocidental. (ALINOVI apud FABRIS,
1988, p.173)
Desde que a fotografia existe, não cessaram de relacioná-la com a pintura
{...} Os fotógrafos do século XIX quiseram ser reconhecidos como artistas,
apesar desta reivindicação nem sempre agradar aos críticos da época,
como Baudelaire
40
, que sustentava tratar-se de uma arte fria e mecânica,
sem alma, incapaz de suscitar emoção. A tal ponto que a história da
fotografia é, de certo modo, caracterizada pelo reconhecimento progressivo
de uma forma de expressão artística no seu todo. {...} Hoje, a famosa
pergunta aqui evocada {...} deixou de ter razão de existir, pois os
fotógrafos têm seu lugar nos museus. {...} No entanto, as imagens não se
libertaram totalmente da influência da pintura, entre outras coisas pelo fato
de que se tem tendência a pendurá-las na parede, como se faz aos
quadros. (BAURET, 1992, p. 76)
No curso de Diadema, em vez de tratar de uma possível ou até discutível
natureza da fotografia, se artística ou científica, optou-se por trabalhar, como dito
aqui, naquilo que as reúne, na expressão do pensamento - a Linguagem. Nesse
sentido, cabe observar as considerações de Dráuzio Varella
41
.
40
O Retrato de uma face velada e a fotografia (carta enviada por Baudelaire a Nadar em 16/05/1859).
Em matéria de pintura e estatuária, o Credo atual das pessoas de sociedade, principalmente na
França (e não acredito que alguém ouse afirmar o contrário) é o seguinte: "Acredito na natureza e só
acredito na natureza (há boas razões para isso). Acho que a arte é e só pode ser a reprodução exata
da natureza (...). Assim, a indústria que nos desse um resultado idêntico à natureza seria a arte
absoluta." Um Deus vingador acolheu favoravelmente os desejos dessa multidão. Daguerre foi seu
Messias. E então ela disse para si: "Como a fotografia nos proporciona todas as garantias desejáveis
de exatidão (eles acreditam nisso, os insensatos!), a arte é a fotografia." A partir desse momento, a
sociedade imunda precipitou-se, como um único Narciso, para contemplar sua imagem trivial no
metal. Uma loucura, um fanatismo extraordinário apoderou-se de todos esses novos adoradores do
sol. (apud DUBOIS, 2006, p.27)
41
Dráuzio Varella (São Paulo, 1943). Médico oncologista e escritor
73
A ciência encanta o homem tanto quanto a arte. Se considerarmos a
criatividade humana como o ato pelo qual a informação disponível é
disposta de uma forma jamais imaginada, que diferença existe entre a
ciência e a criatividade artística?
Um guidão de bicicleta se transforma em chifre de boi, numa escultura de
Picasso, por meio de um processo intelectual indistinguível daquele que
Newton empregou para interpretar a queda de uma maçã como resultado
da força de atração que a gravidade exerce sobre os corpos celestes.
(Folha de São Paulo, Ilustrada, matéria Prêmio Nobel, 10/10/2009, p.E 12)
Outro ponto que converge basicamente para a mesma direção está no cerne
da própria fotografia, como se pode verificar nas palavras de Santaella e Kossoy:
uma multiplicidade de aspectos pelos quais a fotografia pode ser
abordada, numa gama que se estende desde o ponto de vista puramente
material e técnico, visando a mera descrição da máquina e dos potenciais
do dispositivo em si, até atingir, num outro extremo mais abstrato, uma
filosofia da fotografia, que busca explorar, entre outras questões, a
fotografia como forma de representação e conhecimento do mundo.
(SANTAELLA, 2001, p.115)
O mundo tornou-se de certa forma "familiar" após o advento da fotografia; o
homem passou a ter um conhecimento mais preciso e amplo de outras
realidades que lhe eram, até aquele momento, transmitidas unicamente
pela tradição escrita, verbal e pictórica. Com o advento da fotografia e,
mais tarde, com o desenvolvimento da indústria gráfica, que possibilitou a
multiplicação da imagem fotográfica em quantidades cada vez maiores
através da via impressa, iniciou-se um novo processo de conhecimento do
mundo, porém de um mundo em detalhe, posto que fragmentário em
termos visuais e, portanto, contextuais. {...} O mundo tornou-se, assim,
portátil e ilustrado. (KOSSOY, 1989, p. 15)
E, se ainda sob outro aspecto, embora sempre sob o ponto de vista da
representação, verifica-se que a fotografia requer em seu estudo um
empreendimento interdisciplinar, visto que faz parte da história da imagem, da
história do homem primordialmente cultural, portanto da antropologia, da sociologia,
da pedagogia, das ciências exatas, do ambiente e do corpo (ROMERO, 2009).
Se a interdisciplinaridade implica na relação entre várias disciplinas ou áreas
do conhecimento, o que seria um curso convencional de fotografia, de técnicas do
olhar e técnicas laboratoriais teve suas aulas invadidas por outras formas de
linguagem, justamente para expandir a noção do ato fotográfico, provocando, desta
maneira, outras experiências destinadas a alterar os paradigmas metodológicos. De
outro modo, promoveu a troca de experiências interdisciplinares.
Isso se deve em grande parte aos conteúdos de extensão, incluídos na Casa
da Fotografia, tais como: caravanas culturais que consistiam em visitas a
74
importantes exposições de fotografia e museus; passeios fotográficos a diferentes
cidades e, ainda, realização de trabalhos de permuta com alunos de outros cursos
do programa, como hip-hop, dança, música, teatro, circo e literatura (cada
participante que se deixava fotografar recebia em troca três fotos 18X24). Havia,
desta forma, uma sinergia entre o ensinar, o aprender, o fotografar e o posar dos
modelos.
Esta visão multifacetada da realidade ou do objeto dinâmico
42
se constituiu,
portanto, no processo interdisciplinar do curso, em que diferentes grupos, com suas
características próprias de linguagem, representavam cada um a seu modo uma
mesma realidade. Além disso, quando se ensinou fotografia, essas outras formas de
expressão também serviram, em sala de aula, de referência e repertório para
ampliação do conteúdo das técnicas e linguagens, como se pode verificar nas
imagens a seguir, realizadas pelos alunos, e nos anexos deste trabalho que contêm
os programas dos passeios fotográficos e das exposições visitadas.
37. Jardim Botânico de São Paulo 1 38. Jardim Botânico de São Paulo 2
fotos: alunos da Casa da Fotografia
42
Como visto neste trabalho, a estrutura global da significação de Peirce é triádica, ou seja, três
elementos inter-relacionados: o signo, seu objeto ou referente e um interpretante. Um significado
inteligível ou cognitivo requer os três termos. O signo se refere a seu objeto para uma interpretação.
O signo significa seu objeto através de uma interpretação. Ao mesmo tempo, a interpretação requer
um signo referindo-se a seu objeto.
Existe uma distinção entre objetos pré interpretados e interpretados, ou seja, entre o que Peirce
chamou de objetos dinâmicos e objetos imediatos {...} De um lado o objeto dinâmico, ou seja, "a
coisa" iniciante a ser interpretada. Do outro, há o objeto imediato. Este é o objeto dinâmico
interpretado.
Um modo útil de evitar confusão é substituir o termo "objeto" por "referente". Quando isso é feito,
pode ser argumentado que objetos dinâmicos até para signos que são ficções. (HAUSMAN, Carl.
Conferência: A Semiótica de Charles Peirce aplicada à percepção: o papel dos objetos dinâmicos na
interpretação perceptual. Encontro Internacional sobre Pragmatismo. Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, 2010).
75
39. São Paulo 1 40. Paranapiacaba 1
41. São Paulo 2 42. Paranapiacaba 2 fotos: Alunos da Casa da Fotografia
76
43. São Paulo 3
44. São Paulo 4 fotos: Alunos da Casa da Fotografia
77
45. São Paulo 5 :
46. Paranapiacaba 3 fotos: Alunos da Casa da Fotografia
78
47. Paranapiacaba 4 foto: Alunos da Casa da Fotografia
48. Jardim Botânico de São Paulo 3 foto: Célio Silva
79
49. Hip-Hop 1 - alunos da Casa do Hip-Hop foto: Suely Tiozzo
80
50. Balé 1 - alunas da Companhia de Danças foto:
51. Arte circense 1 - alunas do Centro de Artes Cênicas 52. Arte circense 2 Fotos: Alunos da Casa da Fotografia
81
.
53. Teatro 1 - aluna do Centro de Artes Cênicas foto: Agnaldo Pecoraro
82
54. Balé 2 - aluna da Companhia de Danças foto: Alunos da Casa da Fotografia
83
55. Orquestra - aluna da Casa da Música foto: Mardilene Damazia da Costa
84
Essa troca de conhecimento interdisciplinar de ensino não só permitiu ao
curso relacionar a história da pintura à fotografia, como também vincular os
conteúdos teóricos e as saídas culturais à realidade próxima, "pois se o sentido do
interdisciplinar precisa ser redimensionado quando se trata do saber teórico, ele
precisa ser construído quando se trata do fazer prático‖ (SEVERINO, A. J., 2001,
p.41).
Ao longo do processo do curso de fotografia, estabeleceram-se relações de
proximidade tanto com os principais fotógrafos dos séculos XIX e XX, quanto com os
diferentes segmentos da própria fotografia, como retratos, fotojornalismo e
publicidade. Entretanto sabe-se que é impossível esgotar todos os nomes e temas
estudados sem criar uma exaustiva lista bibliográfica. Portanto, neste trabalho,
optou-se por apresentar um exemplo de modelo adotado no curso, apoiado
exclusivamente na associação entre fotógrafos e termas.
Ao estudar, por exemplo, Henri Cartier-Bresson
43
, ligava-se seu nome a
outros importantes fotógrafos da fotojornalismo tanto internacionais como nacionais:
de Bresson partia-se para seu sócio Robert Capa
44
que por sua vez era relacionado
a Nick Ut
45
e este ainda nos conduzia a Roger Fenton
46
e a Alberto Korda
47
. Na
continuação relacionávamos a Magnum, a fotógrafos brasileiros, como Sebastião
43
Henri Cartier-Bresson (França - 1908 - 2004). Um dos mais importantes fotógrafos do século XX. É
considerado o pioneiro do foto-jornalismo contemporâneo, ao lado de Robert Capa. Em 1947 criou a
Agência Magnum, cooperativa onde os fotógrafos associados decidiam os rumos dos trabalhos
realizados. Contratado pelas revistas Life, Harper's Bazaar e Vogue, documentou o cotidiano de
vários países da Europa, Estados Unidos, China e Índia. Foi o primeiro fotógrafo ocidental a
fotografar a União Soviética. Em 1950, seu livro Images à La Sauvette, foi publicado em inglês com o
título The Decisive Moment, termo que permanece ligado a seu nome e a todo seu trabalho.
44
Robert Capa (Hungria 1913 - Vietnã 1954). Fotógrafo de Guerra cobriu as mais importantes
guerras da primeira metade do século XX, entre outras: a Guerra Civil Espanhola e a Segunda
Guerra Mundial. Em junho de 1944 participou do desembarque da Normandia, o Dia D. Foi sócio de
Bresson na Magnum.
45
Nick Ut (Vietnã -1963). Ganhador do Prêmio Pulitzer por sua foto ícone, realizada em Tang Bang,
vilarejo ao sul do Vietnã, que mostra crianças correndo ao serem gravemente queimadas pela bomba
de napalm.
46
Roger Fenton (Inglaterra - 1819 - 1869). Considerado o primeiro fotógrafo de guerra, por seu
trabalho na Guerra da Criméia.
47
Alberto Korda (Cuba - 1928 - França - 2001). Fotógrafo oficial de Fidel Castro. Fez a fotografia de
Che Guevara, ícone da fotografia do século XX, uma das imagens mais reproduzidas em todo o
mundo.
85
Salgado
48
e com a agência F4 de Fotojornalismo, fundada em 1979, por Nair
Benedicto
49
, Juca Martins
50
, Ricardo Malta
51
e Delfim Martins
52
que, nos mesmos
moldes da agência francesa, tinha como foco o jornalismo fotográfico autoral e
independente; e deste fato ainda, partia-se para outros fotógrafos, aatingir novas
áreas da fotografia, todas elas relacionadas e utilizadas, no ensino de novas
técnicas e linguagens.
As idas às exposições complementavam essa corrente do saber, como se
pode constatar nas palavras dos ex-alunos, Claudio Tibúrcio e Robeilton Santos de
Moraes.
O interessante é que o curso não se restringia à sala de aula ou ao laboratório. Nós
íamos a exposições de arte, fomos à Pinacoteca, ao Museu de Arte Moderna de São Paulo.
De família humilde, eu nunca tinha ido a esses lugares. É um passeio pelo mundo.
Teve ainda a descoberta da história da fotografia nas exposições que visitamos. Eu
fiquei maravilhado com tudo que vimos. As fotos do Sebastião Salgado, em Êxodos. Eu saí
muito mal de lá, foi muito triste ver a realidade por meio dessas imagens. Mas depois você
descobre que a fotografia também serve para isto, para mostrar as coisas ruins, denunciar,
documentar a história.
Dentre as exposições visitadas, citam-se, a seguir, duas fortemente ligadas à
história da fotografia.
48
Sebastião Salgado (Minas Gerais, Brasil - 1944). Radicado em Paris desde a década de 70, é um
dos mais respeitados e premiados fotojornalistas da atualidade. Ligado a organizações humanitárias
como o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), a Organização Mundial da Saúde
(OMS) e a ONG Médico sem Fronteiras, entre outras. Economista de formação, iniciou sua carreira
de fotógrafo 1973, em Paris, trabalhando com as agências Sygma foto, Gamma e Magnum Photos,
até 1994, quando criou sua própria agência Imagens Amazonas, exclusivamente para sua obra.
49
Nair Benedicto (São Paulo, Brasil - 1940). Tem trabalhos publicados nas revistas: Veja, IstoÉ,
Marie Claire, Claudia, Ícaro, Vaccance, Stern, Paris-Match, BBC-Ilustré, Zoom, NewsWeek, Time,
GeoMagazine, SouthMagazine, Nuova Ecologia, Ecos, Science, Figaro Magazine.
Como delegada pela UNICEF, entre 1988 a 1989, registrou a situação da criança e da mulher na
América Latina.
Suas fotografias integram os acervos do MoMa, de Nova Iorque, do Smithsonian Institute, em
Washington, do MAM/RJ e da Coleção Masp-Pirelli.
Em 1991 desligou-se da F4 para fundar a N Imagens.
50
Juca Martins (Portugal - 1949). Fotógrafo profissional desde 1970 fez reportagens para revistas
nacionais e internacionais. Ganhador dos prêmios: Esso de Fotografia (Brasil), Prêmio Internacional
Nikon (Japão) e Vladimir Herzog de Direitos Humanos (Brasil). Ao se desligar da F4, criou a agência
Olhar Imagem.
51
Ricardo Malta (Rio de Janeiro, Brasil - 1956). Foi colaborador das principais publicações nacionais
e internacionais, como Time, Newsweek Photo, The New York Times e National Geographic.
52
Delfim Martins (Portugal - 1951). No início da carreira dedicou-se a trabalhos de documentação
social. Atualmente trabalha com fotografias de agricultura do Estado de São Paulo.
86
Em 1999, esta pesquisadora, que estudou por 15 anos no Colégio Assunção,
de origem francesa, foi convidada para restaurar e reproduzir, em papel,
daguerreótipos do colégio de Paris (matriz da congregação, fundado em 1839,
portanto, no mesmo ano da descoberta da fotografia), encontrados no sótão da
escola de São Paulo. Deste trabalho resultou uma exposição
53
. Essa experiência
teve dupla importância pois, como ex-aluna e fotógrafa, realizar este trabalho foi
recebido como um prêmio ao afeto e à profissão, e como professora, a satisfação de
propiciar aos alunos, a oportunidade de ter em mãos estas "jóias" raras e originais,
que desencadearam todo o princípio da fotografia moderna.
56. Colégio Assunção (Paris) - pátio interno - Daguerreótipos (anônimos) 57. Me. Maria Eugenia Milleret - fundadora
54
A outra exposição importante nesse contexto foi a de Félix Nadar
55
, realizada
na Pinacoteca do Estado de São Paulo, em que um dos retratos era do poeta
53
Ver anexos
54
Citações da fundadora do Colégio Assunção relacionadas à educação que encontram ressonância
com as linhas de pensamento de Paulo Freire e Charles S. Peirce: ―A liberdade de espírito é uma das
características da educação". "A educação consiste em desenvolver a inteligência e o caráter pela
verdade". "Rezar não é tudo: temos que rezar em ação". "Educar é transformar o mundo‖
55
Félix Nadar (Paris 1820 - 1910). Caricaturista, jornalista e fotógrafo. Em 1850 abriu um estúdio em
Paris, frequentado pela intelectualidade parisiense. O local foi palco, em 1874, da primeira exposição
dos impressionistas que mostraram suas obras fora do Salão dos Recusados, entre eles: Monet,
Renoir e zanne. Ao tirar a primeira foto nas alturas, vista de um balcão, patenteou a fotografia
aérea na cartografia. Por causa desse evento, o caricaturista Daumier dez uma litografia satírica que
mostrava Nadar fotografando no balcão, com o título: Nadar elevando a fotografia à altura da Arte.
Importante retratista, fotografou o poeta Baudelaire, o pintor Delacroix, o escritor Théophile Gautier, a
atriz Sara Bernhardt, entre outros.
87
Charles Baudelaire que, embora crítico contumaz da fotografia, não resistiu a ela,
tendo sido fotografado inúmeras vezes por Nadar e, mais do que isso, tentou
persuadir sua mãe a fazer o mesmo.
58. Baudelaire - 1855 - 1858 fotos: Felix Nadar
Carta de Baudelaire a sua mãe - 1865
Eu gostaria muito de ter o teu retrato. É uma idéia que se apoderou de
mim. Existe um fotógrafo excelente em Havre. Mas temo que isso não seja
possível no momento. Eu teria de estar presente. Tu não entendes disso, e
todos os fotógrafos, mesmo os excelentes, m manias ridículas:
consideram uma boa imagem a imagem em que todas as verrugas, todas
as rugas, todos os defeitos, todas as trivialidades do rosto tornam-se muito
visíveis, muito exageradas: quanto mais a imagem for dura, mais ficam
satisfeitos. Ademais, gostaria que o rosto tivesse pelo menos a dimensão
de uma ou duas polegadas. Só em Paris há quem saiba fazer o que
desejo, ou seja, um retrato exato, mas com flou de um desenho. Enfim,
vamos pensar nisso, não é? (BAUDELAIRE, apud DUBOIS, 2006, p. 54)
Em síntese, o que se procurou fazer no curso foi aliar teoria e prática, sem a
preocupação de estabelecer um cronograma curricular rigoroso. Subsequentemente
a uma apresentação sobre a História da Fotografia visitava-se uma exposição ou
convidava-se um fotógrafo para apresentar seu trabalho no espaço destinado para
este fim, sem que necessariamente houvesse um estreito paralelo entre o momento
histórico estudado e o tema. Com isso, foi possível propiciar aos alunos a
oportunidade de organizar, editar, montar e exibir seus próprios trabalhos, nas
exposições da Casa da Fotografia, ao final de cada curso, inclusive com divulgação
na imprensa.
88
59. Convite 1 Projeto Gráfico: Rozélia Medeiros
89
60. Convite 2
90
3.4. O CORPO E A ALMA: A MÁQUINA
A natureza que fala à câmera não é a mesma que fala ao olhar: é outra
Walter Benjamin
Vista a câmera escura, sua importância para a história e descoberta da
fotografia, e sua relação com o aparelho ocular, iniciava-se agora uma nova fase: o
aprendizado técnico dos equipamentos, fundamentado no manuseio efetivo das
câmeras, dos aparelhos de iluminação e dos processos químicos de revelação e
ampliação, imprescindíveis para esta reflexão.
Obviamente não se pode reproduzir aqui, com detalhes, todas as descrições
de manuseios e técnicas de cada aparato fotográfico exposto ao longo do curso,
mas sim ressaltar, em alguns pontos, parte deles.
O primeiro aparelho visto foi a câmera, que é o dispositivo responsável pela
produção das imagens técnicas: as fotografias. É importante observar as
considerações de Santaella e Nöth, quando tratam da importância deste aparato:
Desde as imagens nas cavernas, desde o aparecimento das diferentes
formas de escritura e, especialmente, desde a invenção do código
alfabético até a realidade virtual no mundo de hoje, salta à vista a aventura
humana incessante e crescente de encontrar meios de produção e meios
de armazenamento de signos e linguagens cada vez mais resistentes e
imperecíveis. Sob esse aspecto o advento da câmera fotográfica foi um
marco decisivo. O negativo como fonte de infinitas cópias, inclusive a cópia
do próprio negativo, inaugurou a era das "máquinas fantásticas", ou seja,
das máquinas cada vez mais capazes de gerar signos indestrutíveis, numa
nítida busca do eterno, como se, na durabilidade dos signos, o perene
pudesse se vingar da perversidade da vida perecível. (SANTAELLA,
NÖTH, 1997, p.138)
Voltando à História será possível observar que o astro-físico François Arago
56
em 1839, ao defender a descoberta de Daguerre na Câmera dos deputados em
Paris, também cita o valor desse aparelho:
56
François Jean Dominique Arago 1786 - 1853. Físico, astrônomo e político francês. Ocupou o cargo
de primeiro-ministro da França, em 1848.
91
Quando os inventores de um novo instrumento o aplicam à observação da
natureza, o que eles esperam da descoberta é sempre uma pequena
fração das descobertas sucessivas, em cuja origem está o instrumento.
(ARAGO, apud BENJAMIN, 2008, p.93)
Arlindo Machado (1984, p. 11) apresenta outro ponto de vista, o ideológico:
As câmeras são aparelhos que constroem as suas próprias configurações
simbólicas, de outra forma bem diferenciadas dos objetos e seres que
povoam o mundo; mais exatamente, elas fabricam "simulacros", figuras
autônomas que significam as coisas mais que as reproduzem. Nos
domínios da figuração automática, o mundo imediato das impressões
luminosas passa a ser trabalhado pelo código: isso quer dizer que ao invés
de exprimir passivamente a presença pura e simples das coisas, as
câmeras constroem representações, como de resto ocorre em qualquer
sistema simbólico. Porém com uma diferença fundamental {...}: uma vez
que a imagem processada tecnicamente se impõe como entidade "objetiva"
e "transparente", ela parece dispensar o receptor do esforço da
decodificação e do deciframento. É exatamente nesse ponto que as mídias
mecânicas e eletrônicas do nosso tempo se tornam o terreno privilegiado
das formações ideológicas: o fetiche de sua "objetividade", no qual se
acham mergulhadas massas inteiras de espectadores, é a máscara formal
que oculta a intenção formadora que está na base de toda significação.
É possível então, considerar que a câmera fotográfica não foi o marco
decisivo para a leitura de novos valores ideológicos, como também, aproveitando
aqui a visão de Flusser (1985, p. 25), foi determinante para os avanços tecnológicos
de toda a família de aparelhos produtores de imagens.
O aparelho fotográfico pode servir de modelo para todos os aparelhos
característicos da atualidade e do futuro imediato. Analisá-lo é método
eficaz para captar o essencial de todos os aparelhos, desde os gigantescos
(como os administrativos) até os minúsculos (como os chips), que se
instalam por toda parte. Pode-se perfeitamente supor que todos os traços
aparelhísticos já estão prefigurados no aparelho fotográfico, aparentemente
tão inócuo e "primitivo".
Como dito anteriormente, durante o curso procurou-se, de alguma forma,
caminhar entre estas duas searas. Ora encontrando ressonâncias em conceitos
intelectuais e ideológicos, que parecem estar de fato contidos no signo fotográfico, e
ora, por tratar-se de um aprendizado profissionalizante, voltando unicamente os
esforços às características físicas de seus instrumentos; decifrando seus códigos,
entendidos aqui como sistemas de regras; ou ainda como se ve a seguir, às
semelhanças e diferenças entre as imagens produzidas pela câmera e pela visão
humana, por se considerar esta última relação elemento facilitador na compreensão
do processo.
92
Em seu livro Tudo sobre Fotografia, Michael Busselle, fala a respeito desta
analogia iniciando seu texto, porém, com a negação da mesma, assim como
Arnheim o fez:
Talvez o fato de maior importância a ser reconhecido pelo fotógrafo seja o
de sua máquina funcionar de maneira totalmente diferente da do olho
humano. Até certo ponto, pode-se estabelecer um paralelo entre ambos. A
pálpebra corresponde ao obturador; a córnea e a lente do olho trabalham
em conjunto, focalizando as imagens sobre a retina fotossensível; a íris
controla a quantidade de luz que penetra no olho e ainda coopera com o
cristalino para produzir uma imagem clara e bem-definida, atuando
exatamente como o diafragma de uma câmera. A retina assemelha-se ao
filme fotográfico, pois contém substâncias químicas, e estas são
modificadas pela luz de diferentes comprimentos de ondas. Neste ponto,
porém, termina a analogia. (BUSSELLE, 1977, p.10)
Houve um momento em que se descreveu a experiência visual por
analogia ao processo físico. Quanto ao ato visual, se supunha que a psique
se comportava de forma muito semelhante a uma câmera fotográfica. {...}
descobriu-se que a visão está muito distante de ser um artefato de registro
mecânico. Em primeiro lugar, a visão não é uma mera recepção passiva. O
mundo das imagens não se estampa simplesmente sobre um órgão
fielmente sensitivo. Mas, ao observar um objeto saímos ao seu encontro.
Movemo-nos através do espaço alçando um dedo invisível, transladamo-
nos a lugares distantes onde se encontram as coisas, tocamo-las,
apreendemo-las, examinamos sua superfície, estimamos seus limites,
exploramos sua textura. É uma ocupação eminentemente ativa.
{...} A visão difere, pois, da câmera fotográfica dado que consiste em uma
exploração ativa antes que um registro passivo. É altamente seletiva, o
só porque se concentra no que lhe chama atenção, se não também por seu
modo de entrar em contato com qualquer objeto. A câmera registra com
igual fidelidade todos os detalhes; não sucede o mesmo com a visão.
(ARNHEIM, 1962, pp. 26,27)
Separar a natureza desses dois olhares: o da máquina, que recorta, distorce,
desfoca e, sobretudo, guarda na memória, e o dos olhos que enxergam por
varredura, dando a sensação de tudo ver, deu início a este estudo.
A primeira impressão ao entregar as câmeras aos alunos foi a de que eles
ficaram com certo receio de pegá-las. Mas muito rapidamente o aparelho seria para
eles um instrumento de manuseio acessível, um prolongamento dos olhos, das
mãos e do pensamento.
Felizmente ao longo do curso esse receio foi superado, como se verifica nas
palavras do professor Guga Abreu.
93
Tudo era muito novo. Alguns tinham medo de quebrar o equipamento e serem
responsabilizados. Com o tempo foram ficando mais seguros. Como podiam usá-los fora do
curso, o medo ia desaparecendo e no lugar vinha a autoconfiança.
Quebrada de certa forma a barreira inicial partiu-se para o conhecimento do
corpo da câmera, localizando e verificando suas funções: a do visor, da alavanca de
transporte do filme, do disparador, do marcador de exposições, da sapata
57
de
contato do flash, do marcador da sensibilidade do filme e do botão para rebobiná-lo;
até chegarmos a uma das partes mais importantes que são o obturador, dispositivo
que será apresentado a seguir, e as objetivas.
3.4.1 VENDO E OUVINDO O MOVIMENTO: O OBTURADOR
No movimento da borboleta o movimento é que se move
Alberto Caeiro
O Obturador é o sistema mecânico constituído de uma cortina, lâminas ou
outro tipo de cobertura móvel que abre e fecha, usado para controlar o tempo da
ação da luz por um período determinado, sobre a emulsão sensível que é o filme (ou
o sensor nas câmeras digitais).
Como sempre, para facilitar, iniciava-se o aprendizado pela via dos sentidos.
O primeiro foi o da visão, pois "a vista é de todos os nossos sentidos aquele que nos
faz adquirir mais conhecimentos e que nos faz descobrir mais diferenças"
(ARISTOTELES, apud CHAUI, 1989, p. 38). Todavia, se observará no exercício a
seguir, pelo fato de confiar cegamente em seus olhos, mais do que em qualquer
outra percepção, muitas vezes o homem se torna presa fácil de seus enganos.
57
Sapata: Suporte de metal, localizado no topo do corpo da câmara, que fixa o flash e permite a
ligação eletrônica de sincronia com o obturador.
94
Com a câmera aberta, os alunos olhavam a cortina abrir e fechar em todas
suas diferentes velocidades. Na velocidade de 1 segundo
58
, (foto 61) o movimento
da cortina era facilmente observado.
61. Aberturas lentas do obturador 62. Aberturas acima de 1/60 fotos: Beatriz Albuquerque
No entanto, conforme a velocidade ia aumentando, a visão era obrigada a
ficar mais atenta. Foi possível enxergar a cortina se abrir até a velocidade
aproximada de 1/60; a partir daí os olhos não captam mais seus movimentos (foto
62).
A sensação, então, é que ela não está se abrindo. Para a realidade da
máquina, entretanto, esses movimentos estão sendo realizados.
Nesse ponto, demonstrava-se a distinção entre as duas visões: - A câmera
e registra esses rápidos movimentos do obturador, enquanto as pessoas apenas
sabem que eles estão acontecendo. Este processo é muito semelhante ao
mecanismo da visão, (de ponta cabeça) citado por Macluhan, pois igualmente,
sabe-se da inversão sem que, no entanto se possa de fato -la diretamente.
O passo seguinte consistia na troca da visão pela audição, ou seja,
compreender os movimentos mecânicos do obturador pelos sons.
58
Tempos de exposição do obturador que podem variar de acordo com o aparelho - 1 s, 1/2 s, 1/4 s,
1/8 s, 1/15 s, 1/30 s, 1/60 s, 1/125 s, 1/250 s, 1/500 s, 1/1000 s, 1/2000 s, 1/4000 s, 1/8000 s, B (de
bulb) ou T (de time) = (tempos indeterminados)
95
Os alunos não veriam mais a cortina se abrir, mas escutariam essas
aberturas, tal qual o subtítulo usado por Mcluhan: "Um Olho por um Ouvido"
(MCLUHAN, 1964, p.100).
Por contar somente com quatro câmeras, quatro eram os alunos que ficavam
responsáveis pelos disparos. Nesse momento, como na sica, o silêncio é
imprescindível. Eu me convertia em maestrina, e, ao sinal de minha batuta, todos,
em uníssono, deveriam, com a mesma velocidade do obturador, acionar o click.
As diferentes velocidades produzem diferentes ruídos. Aqui o ouvir era tão
indispensável quanto o ver.
Depois de compreendidos os sentidos dos sons do obturador, os alunos,
realizavam suas primeiras fotos sem câmera (processo este que também será usado
mais adiante em outro contexto, de forma real, no laboratório, na criação de
fotogramas
59
).
Como nas aulas anteriores, era proposto que um deles ficasse na frente na
classe, segurando nas mãos novamente uma máquina imaginária, por meio da qual
seriam feitas várias fotos da professora.
O tempo da fotografia não era medido pelo relógio: cada segundo era
delimitado pela expressão "um papagaio" (o que na realidade equivale mesmo a um
segundo). Esta artimanha era usada para que nenhum instrumento existisse
concretamente. Tudo teria que ser visto e percebido à luz da imaginação, da
reflexão, do pensamento.
No início falar "um papagaio", "dois papagaios", "três papagaios"... provocava
muitas risadas. Essas gargalhadas eram incorporadas, pois deixavam os alunos
mais relaxados e desarmados para absorverem as novas informações. No final de
cada curso, para realizar, sem cronômetro, fotos de longa exposição, todos usavam
esse recurso sem nenhum estranhamento, sem nenhuma risada; pelo contrário,
permaneciam concentrados na contagem dos "papagaios", exigida pelo fotômetro.
Para demarcar o início da foto, o aluno/fotógrafo deveria usar a palavra clack,
(onomatopéia do barulho da câmera quando a cortina abre e fecha) e no intervalo
contar "os papagaios". Enquanto isso, (por exemplo, numa foto de 15 segundos,
contados em "papagaios") eu ficava andando, até o final do tempo. Quando
59
Fotograma serve igualmente para denominar as fotografias obtidas sem o auxílio da câmera,
através da colocação de um objeto opaco ou translúcido diretamente sobre o material fotossensível.
96
terminava, perguntava à classe o que tinha acontecido. O processo se repetia, até
todos perceberem que durante todo aquele tempo, eu estava sendo fotografada e
todos meus movimentos registrados.
O tempo para realizar as fotografias ia gradativamente diminuindo e quando
se tornava impossível a contagem, por ser rápida demais, o disparo era determinado
por uma palma que me brecava, estivesse eu na posição em que estivesse, ou seja,
congelava meus movimentos.
Visualmente era isso o que se ouvia:
Em outras palavras: ouvir é ver.
Pouca atenção prestamos à relação que espontanemente fazemos entre
ver e falar {...} Assim como não nos demoramos na relação entre ver e
escutar quando, em vez de "escute!", dizemos "olhe aqui". Relações que
estabelecemos quando chamamos aos profetas - aqueles que recebem e
proferem uma palavra divina - videntes, sem indagarmos por que ouviriam
vendo. (CHAUI, 1989, p.32)
Esses exercícios visuais/auditivos se ocupam em criar imagens diferentes no
espaço-tempo, onde todos os pormenores apresentariam um significado a ser
apreendido.
Depois deste processo os alunos descreviam as fotografias realizadas:
As de rápida exposição eram facilmente esboçadas, porque os movimentos
brecados, interrompidos, eram vistos com clareza (foto 63), mas, nas de longo
tempo, todos, sem exceção, me viram apenas andando, ou seja, não sabiam
descrever como era minha aparência nessas fotos. Para que compreendessem por
meio de imagens, inúmeros slides de fotos em movimento eram apresentados,
mostrando como o obturador (foto 64) enxergava estes percursos.
Explicava-se que isso se deve ao fato de que a visão é dinâmica. Os olhos
acompanham as cenas sem interrupções, por contiguidade; distintos das objetivas
que produzem imagens estáticas e ao mesmo tempo fragmentadas, para cada
tempo de exposição. Com o obturador sincronizado para longas exposições, as
97
imagens tornam-se visões inéditas, borradas, muitas vezes abstratas, insólitas ou
mesmo inexistentes em relação ao seu referente (foto 65), pois marcam no filme a
trajetória de infindáveis movimentos, tanto os determinados pelo tempo da abertura
da cortina quanto pelos do objeto fotografado, por esse motivo suas combinações
são intermináveis e de certa forma aleatórias.
63. Exposições rápidas 64. Exposições lentas 1
65. Exposição lenta 2 66. Exposição lenta 3 fotos: Beatriz Albuquerque
A compreensão dos movimentos do obturador fez com que entendessem
outros dois pontos de vista da relação máquina/olho: o primeiro, explicava o porquê
das imagens do início do século XIX serem desprovidas de pessoas, tema refletido
em sala de aula, quando se viu a História da Fotografia; assim como no exemplo da
(foto 66), em que o referente não tem nenhuma fixação no filme (ou sensor) por
passar rápido demais em relação ao tempo de exposição.
Observe-se Kubrusly a esse respeito:
98
O homem só não foi o primeiro tema da fotografia por razões técnicas. {...}
Mesmo com os primeiros daguerreótipos - 12 anos mais tarde
60
era
impraticável fotografar pessoas. Nas cenas de rua, elas desapareciam
como tudo o que se movia, diluídas pelas longas exposições. As ruas
estavam sempre desertas nas fotografias que eram feitas, contudo, nas
horas de mais movimento. (KUBRUSLY, 1983, p.37)
67. Imagem sem pessoas - séc. XIX Anônimo
O primeiro ser humano a aparecer em uma fotografia absolutamente
inconsciente de sua condição de "modelo", e mesmo para o fotógrafo sua
imagem deve ter sido surpresa. Daguerre se preparava para fotografar, do
alto de um boulevard parisiense. Um homem para numa esquina e decide
engraxar os sapatos, sem saber que será a primeira "vítima da objetiva".
(Idem, ibidem, p.38)
68. Primeira pessoa registrada em uma fotografia foto: Louis Jaques Mandé Daguerre
60
12 anos após a primeira foto realizada por Niépce -1827.
99
Faltava um elemento decisivo: um tempo de exposição tão curto que por si
só paralisasse os movimentos {...} Faltava o instantâneo (KUBRUSLY,
1983, p.40)
Faltava o - Olhe o passarinho!
__________________________________
69. Registro do instantâneo 1 foto: Alfonso Paz
Talvez pareça caricata a forma como se apresenta aqui o congelar dos
movimentos no obturador. Convém, portanto salientar que ela é absolutamente
intencional; assim como quando apresentado aos alunos nas fotografias de Cartier-
Bresson. Era a visualização "do instante decisivo", do aqui e agora imposto tanto
pela visão do movimento obturador como do instante de decisão do fotógrafo:
simples, fácil de ver e de compreender.
70. Registro do instantâneo 2, 3 e 4 . fotos: Henri Cartier-Bresson
100
O segundo ponto foi constatar que esse instantâneo só foi possível graças ao
avanço tecnológico dos aparelhos, pois se no início da fotografia os deslocamentos
não se inscreviam nas películas, lentas demais para registrá-los, por outro lado tal
avanço promoveu o aperfeiçoamento das emulsões cada vez mais rápidas
permitindo desta forma tornar o instante do movimento imobilizado, muitas vezes
capturado no apogeu de seu percurso.
Se Galileu Galilei no século XVII, com suas lentes telescópicas, registrou em
seus diagramas o movimento do universo, tornando visível o invisível, por outro lado,
no século XX cita-se como exemplo para revelar esses "aspectos surpreendentes do
movimento, que o olho não pode perceber" (KUBRUSLY, 1983, p.40), o engenheiro
e fotógrafo americano Harold Edgerton
61
, que preparou o caminho para o flash
eletrônico moderno (aparelho utilizado pelos alunos ao longo do curso),
desenvolvendo a fotografia estroboscópica, cuja técnica consiste em captar e
representar a ação cinética em fases distintas.
71. Sistema geocêntrico 72. Sistema heliocêntrico Galileu Galilei
61
Harold Eugene Edgerton 1903-1990. Engenheiro-elétrico foi professor do Massachusetts Institute
of Tecnology (MIT). Pioneiro da fotografia de alta velocidade.
101
.
73. Luz estroboscópica 1
74. Luz estroboscópica 2 Fotos: Harold Edgerton
Edgerton produziu imagens que não apenas serviram para mostrar esse
universo impossível aos olhos, mas, por sua precisão imagética, contribuíram
sobremaneira às comunidades científicas artísticas e filosóficas
62
.
62
- Desenvolveu um flash super poderoso para uso de fotografia aérea de reconhecimento noturno,
utilizado no Dia D (1944).
- A intensidade de suas luzes estroboscópicas é utilizada para uso comercial em aparelhos que
vão desde faróis até máquinas copiadoras.
- Colaborou com Jacques-Yves Cousteau para a realização de fotos iluminadas em águas
profundas.
102
75. Tiro 1 76. Tiro 2
Também desenvolveu a técnica do splash (fotos 28. 29), onomatopéia do
barulho da batida na água. Algumas de suas fotografias eram realizadas em tempo
de exposição, provocadas pela luz do flash inferior a 1 / 10. 000 de um segundo.
Não se pode sequer imaginar o que isso significa em termos de visão real. a
máquina, só o flash podem compreender e ver tal ligeireza.
77. Coroa - splash 1 78. fotos: splash 2 fotos: Harold Eugene Edgerton
Sua "Coroa" (gota de leite) foi destaque na primeira exposição de fotografia
em 1937, no Museu de Arte Moderna de Nova York. Era a Fotografia colocando
seus pés nos museus: a reprodução lado a lado da obra única.
103
Provocadas pelo obturador ou pelo uso do flash visualizavam-se em classe
várias imagens relacionadas ao tema.
79. Movimento 1 Nuno Sacramento 80. Movimento 2 Jil Norberto 81. Movimento 3 Nuno André Monteiro
82. Movimento 4 Miguel Oliveira 83. Movimento 5 Valter 84. Movimento 6 João Manuel P. Ferreira
85. Movimento 7 Jorge Alfar 86. Movimento 8 Mico 87. Movimento 9 Daniel Camacho
Concluía-se que o movimento nas imagens torna o ato fotográfico um
processo de múltiplas escolhas e possibilidades sujeitas, entretanto, às normas do
aparelho, "os recursos e limitações da técnica deixam suas marcas na obra,
independente da vontade dos artistas" (KUBRUSLY, 1983, p.40). De outro modo:
não se tem total autonomia nas escolhas por se estar sempre sujeito aos códigos da
máquina, que no curso foram denominados de "a visão da câmera", enquanto
Flusser os chamou de "programação" e convencionados por Machado como
"ideológicos".
104
Embora parte da competência das imagens fotográficas pertença à
programação do aparelho, de seu conjunto de regras de operação, constituindo
desta forma a realidade técnica da Fotografia, outra questão era merecedora de
reflexão: a câmera fotográfica não trabalha seus códigos por conta própria como as
máquinas de linha de montagem que reproduzem sempre o mesmo objeto, pregos,
por exemplo; é preciso, portanto, a ação do fotógrafo para programá-la, logicamente
dentro dos limites permitidos por suas leis.
Como visto anteriormente nesta dissertação, evidenciava-se a necessidade
do conhecimento cnico para desenvolver qualquer trabalho de criação nesta
linguagem, pois sem ele corre-se o risco de se tornar refém dos ditames da
máquina. Não adianta construir qualquer idéia de imagem se não se sabe como
realizá-la. Isso ocorre quando são utilizadas câmeras amadoras automáticas: ao
fotógrafo resta escolher o recorte do assunto e a máquina se encarrega do resto,
com suas medidas de luz, nem sempre assertivas (nas altas luzes ou no contra luz,
a câmera automática faz a média entre os claros e escuros), por isso tantas vezes
decepcionante; muito parecido, aliás, ao que Eastman nos falou em 1888, em seu
slogan da Kodak: "Você aperta o botão e nós fazemos o resto".
Paulo Freire quando trata do aprendizado cnico da língua diz que "o que
importa, no dia em que põe o nesse terreno novo, é a descoberta do mecanismo
das combinações fonêmicas" (FREIRE, 1980, p. 47). Na linguagem técnica da
fotografia acontece exatamente isso: quando se descobrem os mecanismos que na
fotografia trabalham sempre em sincronia, obtêm-se as infindáveis combinações e
escolhas, não de fonemas como na linguagem verbal, mas as combinações
imagéticas da linguagem visual.
Tão importante quanto o conhecimento da técnica é a tomada de consciência
de que a câmera é uma ferramenta da vontade do fotógrafo e que afora suas regras
(objetivas, visor, obturador etc.), a máquina não tem nenhuma possibilidade de
escolha nos temas e nas relações conceituais das imagens que ela própria registra.
A produção da obra fotográfica diz respeito ao conjunto de mecanismos
internos do processo de construção da representação, concebido conforme
uma certa intenção, construído e materializado cultural, estética/ideológica
e tecnicamente, de acordo com a visão particular de mundo do fotógrafo.
(KOSSOY, 2002, p. 42)
105
A máquina fotográfica é uma máquina produtora de signos, de
representações, portanto, é uma máquina semiótica. Ela própria é uma codificação
da inteligência humana, que a desenvolveu como uma extensão, ao modo da
colocação de Mcluhan, que entende as máquinas como prolongamentos de
capacidades humanas, de sua percepção e inteligência imagética, sígnica, no caso
da Fotografia. A máquina fotográfica é uma das formas do pensamento, da
inteligência codificada em processos óticos, mecânicos e fotoquímicos integrados.
Nada mais natural, portanto, que o fotógrafo se valha dessa interação como recurso
para explorar sua inteligência imagética, trabalhando em colaboração com ela; tão
evidente nos distintos usos do obturador, como se pode observar nos exercícios a
seguir, realizados pelos alunos da Casa da Fotografia.
88. Movimento 10 89. Movimento 11 fotos: Ailton Vieira de Castro
106
90. Movimento 12 foto: Aluno da Casa da Fotografia
107
91. Movimento 13 - Banda - alunos da Casa da Música foto: Aluno da Casa da Fotografia
108
92. Movimento 14 - Hip-Hop - alunos da Casa do Hip-Hop foto: Eleonai Gonçalves
109
93. Movimento 15 - Hip-Hop - alunos da Casa do Hip-Hop foto: Robeilton Santos de Moraes
110
94. Movimento 16
95. Movimento 17 fotos: Elizeu Oliveira
111
96. Movimento 18 - Balé - Professora da Casa da Dança fotos: Janete Barros
97. Movimento 19 - Teatro - Aluno Artes Cênicas foto: Agnaldo Pecoraro
112
3.4.2 OS OLHOS DA ALMA: A OBJETIVA
Ler se lê nos dedos não nos olhos
que os olhos são mais dados
a segredos
Paulo Leminski
Pode-se dizer que a objetiva
63
é a alma da câmera fotográfica. Retirá-la do
corpo da máquina foi a primeira tarefa.
Separados corpo e alma (foto 98), pedia-se aos alunos que posicionassem a
lente em direção ao rosto do colega ao lado e olhassem através dela (foto 99). Este
momento era especial, cheio de exclamações e risos, porque o que viam eram as
imagens dos companheiros de cabeça para baixo. Estes risinhos inadvertidos,
alheios, de canto de boca significavam muito, pois indicavam a compreensão dos
processos percorridos até agora.
98. Corpo e Alma 99. Observando através da lente
Era como se "em algum lugar de um lugar, onde o avesso do inverso começa
a ver e ficar" (LEMINSKI, 1987, p. 22) lhes permitisse segurar a visão da pupila e da
caixa preta, entre suas mãos;
63
A objetiva é o dispositivo ótico composto por um conjunto de lentes que permite a passagem da luz,
cujos raios são desviados de maneira ordenada, formando as imagens quando estas incidem sobre o
filme, ou o sensor nas meras digitais. É responsável também pela angulação do enquadramento,
focalização e pelo diafragma.
113
100. A inversão
Em seguida identificavam o espelho, que instalado no corpo da máquina
cumpre a função de nosso cérebro na inversão das imagens.
101. O espelho fotos: Beatriz Albuquerque
Continuando neste corpo a corpo, e novamente com a lente nas mãos, os
alunos deveriam agora posicioná-la contra a parede branca da classe, abrindo e
114
fechando o anel do diafragma
64
a fim de observar as diferentes aberturas dos
números f.
102. Variações do diafragma fotos: Beatriz Albuquerque
103. Aberturas do diafragma As aberturas e velocidades, em geral, obedecem a uma sequência padrão:
Quanto maior o número, menor a abertura. A passagem de um número-f
para outro constitui um "ponto" e indica que a luminosidade da imagem foi
duplicada ou reduzida à metade. As velocidades do obturador também são
calibradas de modo tal que cada uma delas equivale - com exatidão, ou
com uma aproximação máxima - à metade da duração da velocidade
imediatamente inferior a ela. Portanto, se depois de fechar um ponto da
abertura o fotógrafo dobrasse a velocidade do obturador, a exposição
líquida permaneceria inalterada.
Exemplificando: a combinação de 1/60 segundo com f 8 resulta em uma
exposição idêntica àquela obtida com 1/30 segundo e f 11. (BUSSELLE,
1977, p.10)
64
Diafragma é o dispositivo presente normalmente no interior da lente, ou no corpo da câmera,
responsável por regular a quantidade de luz que passará pela lente e que irá registrar a imagem no
filme ou no sensor. Nas câmeras profissionais, a abertura do diafragma é medida pelo valor "f", ou
pontos. Quanto menor esse valor, mais aberto está o diafragma. Cada valor de f tem o dobro de área
do próximo valor. Por exemplo: f = 1.4, 2, 2.8, 4, 5.6, 8, 11, 16, 22, 32, 45, 64). É tamm o sistema
responsável pela profundidade de campo.
115
Em outras palavras o obturador e o diafragma, trabalham juntos no controle
da exata quantidade de luz recebida pelos filmes ou sensores, isto é: para que
determinada foto não receba menos luz (subexposição) ou mais luz do que o
necessário (superexposição).
104. Subexposição e Superexposição fotos: Helcio Cremonese
Tem-se aí uma das questões mais intrincadas e fundamentais no aprendizado
da Fotografia.
Para facilitar o entendimento destas noções complexas, optou-se pelo recurso
a uma metáfora em que a questão da quantidade de luz na fotografia é comparada
ao preparo de uma receita culinária com perfeição.
Uma cozinheira premiada no Concurso Internacional de Gastronomia, em
Paris, revelou o segredo do ponto exato da massa de sua torta de palmito: o tempo
de cozimento deveria estar em sincronia com a temperatura do forno, ou seja, calor
de 100 graus para exatos 20 minutos.
O problema proposto para a classe era o seguinte: o forno da referida
cozinheira está com defeito, acendendo apenas em duas temperaturas, 200° e 400°.
Como obter o mesmo sucesso com sua receita?
Por se tratar de uma questão bastante simples, as respostas corretas foram
imediatas: a 200° ele deveria diminuir o tempo para 10 minutos e a 400°, para 5
minutos.
Concluíamos então, em conjunto, que a sentença matemática criada por eles
era verdadeira:
116
Era verdade que se os tempos fossem diminuídos proporcionalmente ao
aumento das temperaturas, a torta seguiria em seu segredo de ponto exato (nem
queimada nem crua): perfeita.
Ainda na continuação da aula de culinária, outra questão deveria ser
concluída: a do paladar.
Para aqueles que sabiam cozinhar, a resposta correta, para a questão da
mudança dos sabores causada pelos diferentes tempos e temperaturas, aparecia
prontamente. Para os demais, era preciso explicar tais alterações descrevendo, com
riqueza de detalhes, a diferença do sabor do feijão, por exemplo, quando feito em
fogo brando, cozido devagarzinho, do daquele feito rapidamente na pressão.
Concluía-se então, a segunda verdade: os sabores das comidas se modificam ou se
tornam diferente com a variação das temperaturas e dos tempos de cozimento,
assim como vão variar o aspecto das imagens nas diferentes aberturas e
velocidades.
Eram convidados então, a deixar a "cozinha" e voltar à sala de aula a fim de
refletir a respeito das relações entre diafragma/obturador observadas sob a ótica
dessas duas verdades culinárias que acabavam de ser estabelecidas.
A primeira tarefa seria determinar o tal ponto exato na fotografia em que as
imagens saem perfeitas (foto 105), isto é, nem claras nem escuras, como nos
exemplos demonstrados nas fotos da página anterior assim como as tortas, também
perfeitas, nem queimadas nem cruas.
105. Exposição correta foto: Helcio Cremonese
117
Como saber o ponto exato de quantidade de luz que cada fotografia
merece, seria a nova investigação.
Para responder a essa pergunta, continuava-se questionando a classe sobre
o que aconteceria se fossem apagadas as luzes e fechadas todas as cortinas pretas
da sala, deixando apenas uma fresta de luz entrar por debaixo da porta e pelo
buraco da fechadura. Concluíam que de início não se enxergaria nada, mas que,
após alguns segundos, seria possível ver na penumbra graças à pequena
quantidade de luz que entrava pelos vãos.
Explicava-se que isso se deve ao fato da adaptação de nossos olhos à luz, ou
seja, que seu diafragma (a pupila) abre e fecha automaticamente dependendo da
maior ou menor quantidade de luz a que é exposto. Em outras palavras: que nos
primeiros momentos da escuridão não se conseguiria ver nada porque as pupilas
ainda não estavam totalmente abertas, o que aconteceria em seguida, quando se
visualizassem os objetos na meia luz; e que o inverso também era verdadeiro, pois
sempre se sente incômodo, fechando ou colocando as mãos sobre os olhos, ao sair
de um ambiente escuro para outro com muita claridade.
Aqui também se explica, no exemplo visto, o da foto dos olhos vermelhos
de vampiro, porque as máquinas amadoras modernas acendem uma forte luz antes
do click (nos manuais vem escrito: para evitar olhos vermelhos). As novas
tecnologias tentam justamente isso, fechar as pupilas em decorrência dessa luz
primeira, para depois de fechadas soltar a luz do flash.
Ora, se os olhos se adaptam às diferentes intensidades de luz não são,
portanto, um aparelho confiável para essa medição precisa exigida pela Fotografia.
Existe embutido na maioria das câmeras ou fora delas, um aparelho chamado
fotômetro
65
(que será visto mais adiante), que se ocupa dessas medidas com
exatidão.
Por ser ainda prematuro o aprendizado deste instrumento, era explicado de
modo superficial, apenas para que soubessem que seria ele o responsável pelas
medidas precisas da quantidade de luz realizadas pela relação diafragma/obturador.
Eram colocados então, no quadro negro, todos os números referentes a esses dois
dispositivos e pedia-se aos alunos que, além de anotarem, os identificassem na
65
Fotômetro - aparelho que mede a densidade da luz.
118
câmera: o diafragma (D) é encontrado no anel da objetiva e o obturador (O), ao lado
do botão do disparador.
Para facilitar a visualização do leitor, serão deixados de lado os meios pontos
do diafragma demonstrados aqui até o diafragma 32 (em algumas objetivas chegam
a abertura 64). Na graduação do obturador o registro dos movimentos será
considerado somente até 1/1000 (atingem a velocidade 1/8000).
D f: 1.4 - 2 - 2.8 - 4 - 5.6 - 8 - 11 - 16 - 22 - 32
O B /T - 1' - 1/2 - 1/4 - 1/8 - 1/15 - 1/30 - 1/60 - 1/125 - 1/250 - 1/500 - 1/1000
Com um fotômetro imaginário, media-se a luz em um determinado aluno e
perguntava-se o que o fotômetro havia registrado, explicando que essa referência
era aleatória e bastaria, portanto, que ele falasse quaisquer números do diafragma e
do obturador, para servir de ponto de partida. E assim foi feito
66
:
D f: 1.4 - 2 - 2.8 - 4 - 5.6 - 8 - 11 - 16 - 22 - 32
O B /T - 1' - 1/2 - 1/4 - 1/8 - 1/15 - 1/30 - 1/60 - 1/125 - 1/250 - 1/500 - 1/1000
Em seguida, pedia-se, a outro aluno que colocasse na mera real (embora
sem filme) os números correspondentes e fotografasse o colega em quem foi
"medida a luz". Tirada a foto (imaginária) perguntava-se à classe como ela havia
saído em relação ao tempo de exposição, isto é, se estava correta (nem clara nem
escura). Não era de imediato que as respostas apareciam. Insistia-se no fato que
era preciso confiar nas medidas do fotômetro. Aí, sim, concluíam que a foto
realizada com f 5,6 (diafragma) e 1/125 (obturador) estava perfeita, em seu ponto
exato de luz.
Prosseguia-se com as hipóteses pedindo à outra pessoa novo número, desta
vez só o do obturador: a velocidade 1/8 foi a escolhida.
D. f: 1.4 - 2 - 2.8 - 4 - 5.6 - 8 - 11 - 16 - 22 - 32
O. B /T - 1' - 1/2 - 1/4 - 1/8 - 1/15 - 1/30 - 1/60 - 1/125 - 1/250 - 1/500 - 1/1000
Ora, tendo sido concluído que era verdade que tanto na receita da torta, como
na relação diafragma/obturador valia a congruência de um para um para se manter o
ponto exato e, se na foto acima, avançaram-se quatro pontos, ou seja, deixou-se a
66
Os números escolhidos estão assinalados em vermelho.
119
cortina aberta por mais tempo e como consequência maior entrada luz; seria preciso
na mesma relação dos quatro pontos fechar a objetiva (diafragma menor), para
manter a equivalência.
D. f: 1.4 - 2 - 2.8 - 4 - 5.6 - 8 - 11 - 16 - 22 - 32
O. : B /T - 1' - 1/2 - 1/4 - 1/8 - 1/15 - 1/30 - 1/60 - 1/125 - 1/250 - 1/500 - 1/1000
Desta forma, inúmeras fotos imaginárias foram tiradas em diferentes escalas,
sempre seguindo a relação exata dos pontos, ou seja: mantendo as exigências dos
códigos da câmera. Isso significa que quando se duplica a quantidade de luz que
passa pelo diâmetro do diafragma (representado pela escala dos meros f), deve-
se reduzir sempre o tempo de exposição do obturador pela metade, mantendo,
desta forma, a exposição constante ou vice-versa. É a lei da reciprocidade.
Nesse ponto do curso, os alunos sabiam que, além do ponto exato, as
diferentes velocidades do obturador, provocavam imagens distintas. O próximo
assunto seria outro fator que também concorre para essas mudanças imagéticas,
que são as provocadas pelas alterações do diâmetro do diafragma, a que se chama
profundidade de campo, nossa segunda verdade.
3.4.2.1. O OLHO MÍOPE: DIAFRAGMA
Meus olhos nunca me enganam, mentindo-me sempre
La Fontaine
Os elementos ópticos das câmeras fotográficas, como vistos anteriormente,
em sua origem foram concebidos para produzir a ilusão de profundidade baseada
nas leis de espaço da geometria euclidiana, em que todo o campo figurativo é
representado de forma límpida e nítida, buscando com isso "justamente perpetuar a
impressão de "realidade" que a ele está associado" (MACHADO, 1984, p. 65);
refletindo, a seguir, sobre como as condições técnicas do diafragma que, por vezes,
anulam zonas inteiras de nitidez, interferem no ideal desta perspectiva, quebrando
120
sua integridade e criando, ele próprio, o diafragma (com suas diferentes aberturas),
novas ilusões de profundidade e tridimensionalidade.
É sabido que, no seu uso convencional, a fotografia é sempre invocada
para simular uma continuidade absoluta do espaço, desde o primeiro plano
da cena até o ponto de fuga, ou seja, para permitir uma projeção integral
do espaço codificado pela perspectiva. {...} Nem é preciso insistir que o
foco representa a mais evidente ruptura da continuidade da projeção
perspectiva, na medida em que seleciona na profundidade da cena uma
zona de nitidez, deixando o restante do espaço longitudinal borrado como
uma mancha indistinta, o desfocado. (MACHADO, 1984, pp. 116, 117)
Esta extensão longitudinal que permanece nítida sempre baseada na visão da
câmera em relação a seu objeto chama-se Profundidade de Campo.
Complementando, são as zonas próximas ao objeto focado, que também conservam
a nitidez, tanto as que estão à frente quanto as que estão atrás desse ponto.
O objeto nítido é definido pelo mecanismo do foco enquanto as partes que
permanecem bem definidas, além dele, são determinadas pela profundidade de
campo. Estes dois itens, portanto, foco e profundidade de campo, definem a nitidez
das imagens.
Tecnicamente, a profundidade varia de acordo com certas determinantes:
1) pela variação das aberturas do diafragma: quanto mais fechadas as
aberturas, maior será a profundidade de campo;
2) pelas diferentes distâncias focais das objetivas: as objetivas mais curtas
(grandes angulares) possuem maior profundidade de campo que as demais; essa
diferença é mais perceptível nas lentes longas (teleobjetivas) cuja profundidade de
campo é menor
67
;
3) deliberação do ponto de foco: maior profundidade quanto mais o foco
estiver próximo do infinito;
4) iluminação: a profundidade de campo vai variar de acordo com a
intensidade da luz. Quanto mais potente for a luz, maior será a profundidade.
Assim como no aprendizado do obturador, o primeiro passo foi localizar a
escala de profundidade de campo na objetiva. Na maioria delas está em um anel
conjugado ao anel do foco.
Como sempre, para passar as informações deste novo dispositivo, iniciava-se
com perguntas:
67
Os diferentes tipos de objetivas serão vistos no próximo tema.
121
- Por que enxergamos melhor de dia?
- Porque existe mais luz.
- E o que acontece com nossa pupila, com o excesso de luz?
Isto eles já sabiam muito bem.
- A pupila fecha.
- Qual seria então a relação entre ver melhor ou pior, de acordo com a
abertura da pupila?
A resposta, inicialmente, permanecia no ar, pois interrompia-se o curso desta
reflexão, selecionando dentre os alunos, pessoas míopes. Iniciava-se, desta forma,
um novo teatro de aprendizagem com o intuito de fazê-los sentir nos próprios olhos
o que o olho da máquina sente. Eram convidados para junto comigo, também míope
ir ao fundo da classe, onde eram retirados os óculos a fim de ler o que estava escrito
na camiseta do aluno à frente, agora bem distante. Neste momento, sem exceção,
todos os míopes apertavam os olhos para tentar a leitura, exatamente como o
significado de seu nome - miopia do grego: olho fechado. Apesar deste esforço,
ninguém conseguiu ler.
Depois de explicar como os míopes
68
enxergam, pedia-se à classe que
observasse a constrição involuntária de nossos olhos, quando sem óculos.
Em um exemplo quase caricatural, imitava-se aquela adolescente, linda (mas
míope), que havia perdido suas lentes de contato justamente no dia da grande festa;
e ela linda, arrumada, maquiada se recusava, é claro! - a usar os óculos, pois
acredita-se que, óculos em mulheres é sinal de feiúra - pelo menos é esta uma das
escolhas que o cinema, a televisão ou mesmo a fotografia fazem para representar a
fealdade de uma mulher, colocando-lhes uns óculos sobre o nariz.
Na continuação, a menina, linda e "cega", ia para a festa. Ora acenando para
desconhecidos, ora deixando de sorrir para os amigos e, o que é pior, todo o tempo
de olhos apertados e cabeça para a frente, como que querendo chegar mais perto
de alguém ou de algo. Esquisita, aérea, deselegante? Não, míope.
68
A miopia é a condição visual que focaliza a luz dos objetos antes que ela alcance a retina, em
consequência de uma curvatura corneana acentuada ou comprimento do olho além do normal. Os
míopes enxergam bem os objetos que estão perto, mas são incapazes de focá-los à distância; por
esse motivo freqüentemente apertam os olhos para ver melhor de longe. Para corrigir este defeito
refrativo utilizam-se lentes negativas (divergentes), Desta forma, os raios são divergidos levando o
foco da imagem para trás, exatamente na retina.
122
Se a miopia, fisicamente, significa a visão curta de uma pessoa, em seu
sentido figurado é o da visão de uma pessoa pouco inteligente e perspicaz e com
esse gancho outra história havia para contar:
Estava eu, certa vez em um ponto de ônibus (míope e sem óculos, portanto
semi-cega) quando perguntei para uma senhora ao lado qual o nome do ônibus que
estava chegando.
- Ai, minha filha, eu "também" não sei ler. O que fazer em um momento como
esse? Rir, como todos riram em sala de aula? Não. Agradeci à senhora e
imediatamente coloquei meus óculos manuais. Com eles enxerguei o destino, entrei
no ônibus e segui meu caminho.
106. Óculos Manuais foto: Beatriz Albuquerque
A seguir os alunos míopes foram convidados para a também colocar seus
óculos/gesto ou óculos manuais, como queiram, para ler as inscrições na camiseta.
O resultado foi surpreendente. Todos leram; não com a mesma qualidade das lentes
corretivas de seus próprios óculos, mas com a visão suficientemente melhorada.
Aqueles que possuíam um grau mais acentuado de miopia chegaram um ou dois
passos a frente e também leram.
Qual o objetivo desta demonstração? Responder a pergunta que ainda
permanecia sem conclusão, ou seja, a relação da visão melhorada ou piorada, de
acordo com a abertura da pupila. Se a característica da miopia é projetar as imagens
123
antes da retina
69
, mais especificamente antes da fóvea central
70
, que é a porção em
que se forma o ponto focal dos raios paralelos que penetram no olho, ou seja, nos
100% do foco das pessoas emetropes (visão normal); e se os míopes, para corrigir
este defeito refrativo, necessitam de lentes divergentes ou negativas para desviar e
prolongar estes raios luminosos até a fóvea, ficava claro que, ao usar
óculos/manuais, simulavam com este gesto as lentes corretivas, divergindo da
mesma forma, os raios para a paralela central do foco, tornando a visão nitidamente
melhorada, ou seja, com maior profundidade de campo (aumento de nitidez no
campo longitudinal).
107. Olho míope Simulação livre da pesquisadora
69
Retina: É a camada que envolve internamente ¾ partes do globo ocular e tem papel
importantíssimo na visão. É ela composta de milhares de células sensíveis à luz, conhecidas como
fotossensoras. Estas células são: os Cones (pertinentes à visão em cores) e Bastonetes (que
proporcionam a visão em preto e branco e visão noturna). A retina oferece uma acuidade visual de
apenas 10% que é uma visão deficiente, obtida quando se somente a maior letra do quadro de
ópticos.
70
Fóvea Central: Localizada no fundo da retina, ligeiramente para o lado temporal é a parte
responsável pelo foco. Um ponto muito pequeno, de 3 mm de largura por 2 mm de altura. Fora da
fóvea a acuidade visual vai gradativamente perdendo a eficiência, à medida que a concentração de
cones vai reduzindo. Basicamente, a fóvea é composta de três cones que possibilitam a percepção
das cores.
124
A próxima empreitada foi apresentar as seguintes relações estabelecidas
entre a visão dos olhos míopes, a visão das câmeras escuras (orifício único com
diafragmas variados) assim como das objetivas das câmeras fotográficas.
se verificou que nos três casos, valia a premissa de que quanto maior o
diâmetro do diafragma, mais iluminado é o objeto projetado, como se na
ilustração 108, cuja entrada de luz é comparada à saída de água em torneiras de
maior ou menor bitola.
108. Comparações de bitolas
f/2 f/2.8 f/4 f/5.6 f/8 f/11 f/16 f/22
109. Comparações de aberturas
Se na câmera escura, a problemática dos orifícios maiores, foi propulsora das
pesquisas das lentes no século XVI, uma vez que as imagens mais iluminadas eram
desfocadas e, ao contrário, as de orifícios menores dificultavam sobremaneira o
trabalho dos pintores, pois, embora projetassem imagens mais nítidas, eram tênues
e escuras; ficava estabelecido que tanto na câmera escura, como na câmera
fotográfica, os orifícios mais abertos vêem de forma análoga aos míopes quando
estão com seus óculos/gesto, pois estes também perdem a percepção da
tridimensionalidade, ao fecharem um dos olhos, produzindo desta forma, a mesma
visão mono-ocular. Nessa hora pedia-se que todos tapassem um dos olhos, para
que sentissem a perda desta percepção.
125
Há, porém, uma grande diferença entre o funcionamento dos olhos e o dos
equipamentos: enquanto nos olhos míopes a zona de nitidez é delimitada pela
proximidade do referente, nas objetivas esta zona nítida é designada pela
proximidade do ponto focal, isto é, pela relação entre o diâmetro da abertura e a
distância focal da objetiva. Em outras palavras: na máquina, se for considerada a
imagem em seu plano longitudinal, quando colocamos o foco no último plano, por
exemplo, esta será a zona mais nítida e isto ocorre sucessivamente quando se
muda o ponto focal para a área central ou frontal as zonas de nitidez mudam
automaticamente.
Para facilitar a apresentação deste conteúdo, em virtude de sua complexidade
técnica, as objetivas abertas foram apelidadas de lentes míopes; objetiva aberta
equivale à curta profundidade de campo, como curta é a visão dos míopes.
Com a percepção de que os alunos apresentavam inúmeras dificuldades para
memorizar e fazer as relações da profundidade de campo em sua forma geral, hoje,
na Universidade, este ensino foi aprimorado, com a solicitação de exercícios
semanais, que consistem em escolher uma fotografia de revista ou jornal, dar-lhe um
título, para que pensem no conteúdo das imagens e, baseados nas tabelas, devem,
pela observação, dizer em números f a velocidade do obturador e o tipo de objetiva.
Esta prática, em doses homeopáticas, tem se mostrado muito promissora.
Na continuação, estabelecia-se e conferia-se, por meio de inúmeros exemplos
de fotografias projetadas em slides, que o inverso do processo também era
verdadeiro, ou seja, que conforme se fecha cada ponto dos números f, as imagens,
gradativamente, adquirem maior profundidade de campo, até chegar à nitidez de
todos os planos que equivale ao diafragma fechado.
Todas estas relações de semelhanças estabelecidas, até aqui, entre o olho
míope, a máquina e o olho emetrope são, entretanto, analogias utilizadas
exclusivamente como forma de estratégia pedagógica. Justamente neste ponto, o
das alterações do diafragma, assim como as observadas no obturador, é que se
encontram as mais profundas diferenças entre a visão da máquina e a humana,
diferenças estas que por vezes nos são despercebidas.
Dois pontos básicos salientam estas diferenças: O primeiro está relacionado
ao sistema focal dos olhos, que pode induzir ao erro de confundi-lo com o diafragma
fechado das objetivas, cujas cenas também aparecem inteiramente nítidas.
126
Nesta questão, o paralelo correto se com os olhos míopes e o diafragma
aberto e não com a profundidade de campo fechada. O homem de maneira
análoga a estes, pois tanto o olho quanto o diafragma totalmente aberto, cada um a
seu modo, enxergam apenas um único plano nítido, a partir de um ponto de foco
determinado.
Isto se deve ao cristalino (lente transparente e flexível) que em uma corrida
frenética acompanha os movimentos dos olhos na busca pelo foco. É este tecido
muscular que, através da sua variação dióptrica, conhecida como acomodação,
permite a visão nítida em todas as distâncias, ou seja, quando se olha para perto, o
cristalino torna-se convergente aumentando o seu poder de refração e quando se
olha para longe, torna-se menos convergente. A saber, vê-se um plano focado de
cada vez, mas sem se dar conta disto. Para a percepção do indivíduo tudo está
sempre nítido, pois os movimentos oculares precisos e complexos revelam e
transmitem as imagens focadas, praticamente em tempo real.
Em sala de aula exercitou-se esta realidade, pedindo aos alunos que
colocassem uma de suas mãos em frente ao rosto do colega ao lado e percebessem
que, ao fixar o olhar na mão, o rosto do companheiro ficava fora de foco e vice-
versa. O interessante é observar que não se consegue focar dois planos ao mesmo
tempo e é justamente esta agilidade visual que faz a pessoa ver sempre tudo em
foco.
Essa ilusão, a do foco permanente, pode evidenciar o quanto os olhos são
presas fáceis desses efeitos ilusórios por meio de exemplos simples e conhecidos,
que a Gestalt
71
tão bem demonstrou. Entendendo-se por feitos ilusórios como o
"engano dos sentidos ou da mente que faz tomar a aparência pela realidade"
(LAROUSSE CULTURAL, 1998, p. 3085). A ilusão de óptica aplica-se a todas as
ilusões que enganam o sistema visual, com "relação à forma, às dimensões e à cor
dos objetos" (idem LC). Algumas são de carácter fisiológico, outras de carácter
cognitivo.
71
Gestalt: A teoria criada pelos psicólogos alemães Max Wertheimer (1880-1943), Wolfgang Köhler
(1887-1967) e Kurt Koffka (1886-1940), nos princípios do século XX. Funda-se na idéia de que o todo
é mais do que a simples soma de suas partes.
Percepção absorvida como uma totalidade pelo indivíduo, mais do que uma justaposição das partes.
(LAROUSSE CULTURAL, 1998, p. 2703).
127
110. Ilusão de óptica 1 111. Ilusão de óptica 2
As linhas horizontais da figura 110 que na realidade são retas e parecem
curvas em função do outro desenho que são os raios projetados pelo círculo central.
Esta visão distorcida se deve ao fato de não conseguirmos ver, ao mesmo tempo, os
dois desenhos. (Se o leitor fizer um teste e fixar os olhos apenas nas linhas verticais,
abstraindo o segundo desenho, verá que de fato elas são retas e paralelas).
A respeito da figura 111, Gombrich (2007, p. 5) considera:
Tomemos o simples truque de desenho que passou das páginas do
semanário humorístico Die Fliegenden Blätter para os seminários de
filosofia. Podemos ver a figura seja como coelho ou como pato. É fácil
descobrir as duas interpretações. Difícil é descrever o que acontece
quando mudamos de uma para outra. É claro que não temos a ilusão de
estar em face de um "verdadeiro" pato ou coelho. A forma no papelo se
parece tanto assim com nenhum dos dois animais. E, todavia, não
dúvida de que ela se transforma de algum modo sutil quando o bico do
pato torna-se orelhas de coelho e evidencia um ponto antes negligenciado,
como a boca do coelho. {...} A ilusão, conforme descobrimos, é difícil de
descrever ou analisar, porque embora possamos estar intelectualmente
cônscios do fato de que qualquer experiência deva ser uma ilusão, não
podemos, a bem dizer, observar a nós mesmos tendo uma ilusão.
Mesmo conscientes dos enganos destas ardilosas mágicas visuais, não se
consegue evitá-las ou isolá-las, pois como diz Gombrich: "Não posso comer um
pedaço do bolo e ter o bolo inteiro. Não posso fazer uso de uma ilusão e observá-la
ao mesmo tempo" (GOMBRICH E. H., 2007, p. 5).
128
Nas objetivas a ocorrência é outra. Nelas, de fato, a nitidez, a partir do ponto
de foco, aumenta nos planos longitudinais, quando está com o diafragma
fechado, pelo tipo de objetiva ou pela maior distância do referente em relação à
câmera. Por outro lado, as objetivas quando em na baixa profundidade, diferente
dos olhos que não conseguem se fixar no desfoque, registram e fixam este desfoque
tornando-o visível
72
, como se pode conferir nas tabelas abaixo.
As três primeiras colunas (imagem 52) mostram como a profundidade de
campo aumenta, conforme o modelo se afasta da câmera, e não se altera o
tamanho da abertura. As duas últimas colunas indicam que a profundidade
de campo sofre um aumento significativo, quando a lente é fechada,
ficando a objetiva focalizada em uma determinada distância. Com uma
abertura e distância constantes, as objetivas com distâncias focais maiores
mais uma vez reduzem a profundidade de campo. (BUSSELLE, 1977, p.4)
112. A profundidade de campo na prática
O segundo ponto destas diferenças diz respeito à tridimensionalidade, que na
fotografia está intimamente ligada à perspectiva artificial. Esta forma matemática e
precisa de representação do espaço que buscava perpetuar a impressão de
realidade tridimensional a partir de uma superfície plana se constituiu, na verdade,
em uma criação mental e abstrata, pois pressupõe um mecanismo de visão imóvel e
72
Será demonstrado no próximo tema que dependendo do tipo de objetiva estas qualidades são mais
ou menos salientadas.
129
mono-ocular, ignorando o movimento e a curvatura do campo visual, como elucida
Arlindo Machado (1984, p.68), resumindo Panofsky.
(...) sabe-se que o olho tem ele próprio uma forma esférica e, portanto os
dados luminosos do "exterior" são projetados o sobre uma superfície
plana como na pintura, mas sobre uma curvatura côncava: isso por si
distingue a realidade percebida pela retina da realidade construída pela
perspectiva renascentista ou pela câmera fotográfica, sua herdeira. O
incômodo fenômeno das "deformações laterais" (agigantamento dos
ângulos formados pelas retas convergentes nas bordas do quadro), que a
fotografia nos tornou familiar e que embaraçou os teóricos da perspectiva
no Renascimento, nasce dessa contradição entre a projeção plana da
perspectiva e a percepção curvilínea do aparelho ocular.
Além de esféricos e em movimento, vê-se com dois olhos justamente no
inverso das câmeras, tanto a escura como a fotográfica. Essa determinante é a que
permite a percepção tridimensional, pois vê-se a mesma imagem, por ângulos
diferentes. Em outras palavras, cada olho uma coisa que adequadamente
combinadas são processadas no cérebro como todo, como observado na ilustração
a seguir.
113. Aparelho ocular
Cabia neste estágio do curso uma nova questão:
130
Sendo a fotografia uma imagem plana, bidimensional, como representá-la na
terceira dimensão sentida pelos olhos?
Primeiro, aceitando o fato de que esta representação tridimensional é o modo
peculiar pelo qual a fotografia reconstitui esta dimensão perdida, pois trabalhando
apropriadamente a profundidade de campo, seja escalonando os planos quando a
câmera trabalha com a alta profundidade de campo, seja na ilusão de distâncias
entre os objetos provocadas pelo desfoque, ela difere da forma humana
tridimensional de ver e representar o mundo, similar em certos aspectos, mas não
igual.
Estas diferenças e similitudes de representação que resultam da
correspondência entre a natureza fisiológica do olho humano, em sua interpretação
de leis físicas da ótica, tanto quanto na sua tradução para as funções técnica da
máquina fotográfica, serviram de intróito, abrindo o espaço de investigação e análise
no campo da linguagem fotográfica.
Para isso foram executados inúmeros exercícios, pois como diz Paulo Freire,
"não se pode chegar à conscientização crítica apenas pelo esforço intelectual, mas
também pela práxis: pela autêntica união da ação e da reflexão" (FREIRE, 1985
p.92). Os exercícios consistiam em verificar, na prática, o comportamento do
diafragma e do foco que trabalham a profundidade de campo e que, quando
articulados em pelo menos três planos permitem ao fotógrafo uma série de opções
estéticas, ora utilizando o foco pontual na baixa profundidade para privilegiar seu
objeto e destruir simultaneamente o resto do ambiente com o desfoque, quebrando
com esta prática a continuidade dos espaços; ora fechando o diafragma, que neste
estado reproduz planos com igual valor, pois as imagens permanecem nítidas em
sua totalidade.
Cada tópico investigado foi progressivamente somado ao conjunto de
informações necessárias para o domínio desta linguagem. Cada qual analisa a
questão fotográfica segundo um aspecto que se presta a produzir informações e
mesmo poéticas, apropriadas para as ideias desejadas pelo fotógrafo. Isto está no
cerne das informações fundamentais que os alunos devem assimilar para ganhar
autonomia como fotógrafos. Foram selecionadas, aqui, quatro imagens fotográficas
que exemplificam características diferentes e que abrem possibilidades sígnicas
diferentes, todas relativas à profundidade de campo.
131
114. A moça e o muro de tijolos foto: Murray Riss -1967
Nesta imagem, o recurso simples, embora subversivo, da profundidade de
campo de desfocar o rosto e realçar pela nitidez o muro ao fundo, ao mesmo tempo
em que surpreende o observador, revela uma característica central da fotografia,
que é a do diafragma aberto. Neste caso, ela é utilizada como a propriedade técnica
para exprimir uma estratégia que a linguagem pode utilizar como função de
estranhamento. Ao subverter a ordem esperada na figuração de um Retrato, em que
a figura deve prevalecer sobre o fundo, estabelece-se um impacto, um
estranhamento, diante daquilo que se espera deste tipo de imagem ou signo.
Quebrar o hábito estabelecido pela experiência e conhecimento anterior - ter o foco
no rosto do retratado - facilita, em termos pedagógicos, a compreensão da função da
profundidade de campo como recurso fotográfico como fuão expressiva e
comunicativa. Ainda segundo a Teoria da Informação, a redundância é o inverso
proporcional da informação, o que vem ao encontro da idéia de que quebrar o fluxo
redundante do conhecido ou esperado corresponde de fato ao surgimento da
informação nova ou da descoberta. Aprender significa descobrir, conhecer.
132
115. Dulce Carneiro foto: Beatriz Albuquerque -1978
no retrato da fotógrafa Dulce Carneiro outros aspectos da profundidade de
campo se tornam relevantes, em duas estratégias de linguagem. Os três planos, em
corte longitudinal são explorados, de modo a criar um "sanduíche", em que o
primeiro e o terceiro planos, sem nitidez focal, têm como recheio, no plano
intermediário, o rosto retratado, cuja nitidez realça a qualidade, privilegia o "sabor"
da poética pretendida.
Ainda neste mesmo recurso, o perfil convexo do rosto cria uma rima visual
com o perfil do elemento no primeiro plano, a saber, aquele que se desenvolve do
meio para a direita da imagem em linha convexa invertida criando uma similaridade
metafórica com o desenho de uma lente virtual. Sutil, mas altamente informativo
sobre a plasticidade da imagem fotográfica.
Também está em diálogo explícito com a profundidade de campo a escolha
da fotógrafa de posicionar a modelo, com o olhar transversal ao eixo longitudinal da
133
perspectiva científica, que prevalece nos retratos. Este deslocamento do olhar
comenta criticamente esta ilusão de tridimensionalidade, acentuada pelo fato de que
é o retrato fotográfico de uma fotógrafa, sendo retratada sem encarar o ponto de
vista da máquina, mas pelo contrário olhando fora do campo da imagem.
116. Igor Stravinsky foto: Arnold Newman - 1946
Em Stravinsky ao piano, fica evidente como a profundidade de campo, como
característica da imagem fotográfica, pode e é utilizada como elemento de
linguagem para produzir a idéia desejada pelo fotógrafo. Nesse caso ela é levada a
um de seus extremos: a sucessão de planos que se desenvolve do primeiro até o
limite do foco infinito é colapsada na bidimensionalidade fotográfica que coloca tudo
em foco além de todos os elementos, pianista, fundo e piano encontram-se
achatados no mesmo plano, pelo artifício da lente teleobjetiva. Isso evidencia o
plano infinito, a dimensão do foco infinito, em que a realidade tridimensional tem
menor importância como função de linguagem.
Esta plasticidade gerada pela anulação da profundidade realça um único
plano - o bidimensional da imagem fotográfica - em detrimento dos outros, que, em
sucessão, representam o espaço real.
O pianista e o piano, no mesmo plano focal e longitudinal, revelam em termos
de linguagem suas importâncias equivalentes, criando, desta forma, a unidade de
134
composição e informação desejadas pelo fotógrafo. Essa equivalência entre ambos
é mais uma vez reforçada pela rima visual que surge pela semelhança entre o
desenho do braço, com a mão apoiada na caba, e a forma da calda do piano.
Prevalecem assim ritmo, composição, simetrias e temporalidade, que correspondem
às qualidades expressas neste retrato.
117. Marrocos foto: Cecil Beaton - 1937
Esta foto, em termos das propriedades da profundidade de campo, é um
exemplo preciso da idealidade máxima que inspirou a própria invenção da fotografia.
O foco total implementado à cena, com os planos escalonados, atende ao moldes e
ao paradigma original da perspectiva renascentista que, na sua concepção científica
e registro de mundo, estabelece um ponto de fuga central em direção ao qual todos
os planos apontam e se alinham em foco, criando o artifício do que idealmente seria
a visão natural.
135
Neste artifício criado pela profundidade de campo, ajustada no plano infinito,
transcende-se a própria noção de realidade, levando a partir daí todos a enxergarem
o espaço como se assim fosse a visão natural. Imagens como esta fazem o
espectador esquecer, por exemplo, que ela foi registrada a partir de um único orifício
e ou pela mediação de uma determinada objetiva; enfim a ele a sensação de
realidade e de similaridade, compatíveis com a varredura de sua própria visão.
A credibilidade cienfica, o verdadeiro real foi grandemente influenciado pela
possibilidade desta técnica fotográfica. Passou-se a enxergar o mundo
fotograficamente, porque assim ele é lembrado e descrito.
A partir destes dados realizados sobretudo por meio de uma metodologia
comparativa, fechava-se o ciclo de compreensão que envolve a idéia da Fotografia
ser uma imagem bi-dimensional, e que a profundidade de campo é exatamente a
função técnica e de linguagem que elabora e argumenta sobre a natureza da
terceira dimensão longitudinal do espaço real fotografado.
A seguir, imagens dos trabalhos realizados em aula.
118. Flor 1 foto: Alunos da Casa da Fotografia
136
119. Natureza morta 1
120. Natureza morta 2 fotos: Alunos da Casa da Fotografia
137
121. Natureza morta 3
122. Natureza morta 4 fotos: Alunos da Casa da Fotografia
138
123. Flor 2 124. Fósforos fotos: Alunos da Casa da Fotografia
25. Janela foto: Bruno M. C. Galvão
139
3.4.2.2. O OLHAR MEDIADO: TIPOS DE OBJETIVAS
Se suas fotos não são boas o suficiente, você não está perto o suficiente
Robert Capa
Aquilo, que no princípio era um mero orifício em uma caixa preta por onde
passava a luz para impregnar um substrato e gravar a imagem carregada pela luz de
fora para dentro, transformou-se em diafragmas, em lentes e em objetivas ao longo
do desenvolvimento tecnológico, aumentando desta forma as possibilidades de
regulagem dessa operação. Em última análise e em alguma medida, as objetivas
não deixam de se equivaler àquela abertura original.
Se um pequeno orifício em uma caixa preta é o suficiente para a operação
fotográfica embrionária e eficaz como se pode constatar nos pin-holes
73
(fotos a
seguir), verifica-se que as características óticas das lentes são por consequência a
base primeira e fundamental para os princípios elementares desta linguagem.
126. pin-hole 1 foto: Kerry Lu
73
Pin-hole: As câmeras pin-hole não possuem objetivas. Têm em seu lugar um minúsculo orifício por
onde a luz é captada para o seu interior. A designação tem por base o inglês, pin-hole, "buraco de
alfinete". Para se produzir uma imagem razoavelmente nítida, o orifício deve ser na ordem de 5 mm,
ou menos. O resultado são imagens únicas.
140
127. pin-hole 2 foto: Steven Gosling 128. pin-hole 3 foto: William Sadovsky
129. pin-hole 2 foto: Steven Gosling 130. pin-hole 3 foto: William Sadovsky
As demandas iniciais de nitidez e amplitude de visão, além de precisão do
registro que inclui também a permanência e precisão da imagem, se desenvolveram
141
a ponto de dar lugar à grande complexidade de recursos de linguagem e expressão.
A escolha de determinada objetiva define, portanto, um destino possível para as
imagens fotográficas pretendidas.
se constatou neste trabalho que as objetivas são os dispositivos ópticos
responsáveis pela focalização da imagem no material sensível que são o filme ou o
sensor digital das câmeras fotográficas, e pelo controle da intensidade da luz que
passa através de seus diafragmas, permitindo maior ou menor exposição, e, ainda
por um terceiro aspecto, a distância focal, (medida em milímetros) que é o ponto de
encontro entre o centro óptico da lente e o da imagem projetada; de outro modo:
quando a imagem entra na câmera, ocorre sua inversão e é desse ponto até o
plano do filme que medimos esta distância.
131. Distância Focal
Sua função é a de controlar o tamanho das imagens ou seu grau de
ampliação e a definição dos ângulos de visão que corresponde ao fragmento da
cena incluida na imagem. As objetivas são, portanto, a interface entre a cena e o
filme fotográfico (idem no sensor das digitais). "Regra geral, quanto mais espessa e
curva a superfície de uma lente, maior sua capacidade de desviar a luz"
(BUSSELLE, 1977, p.42), portanto as ampliações e ângulos de visão variam
segundo os diferentes tipos de objetivas, que basicamente são as objetivas
normais ou padrão, as teleobjetivas e as grandes angulares.
A objetiva normal é assim chamada porque a imagem projetada por ela tem a
distorção perspectiva muito próxima da distorção perspectiva do olho humano. É
semelhante à nossa visual monocular, de aproximadamente 45º, grau quase idêntico
142
à diagonal do formato do negativo 35 mm
74
. Nas câmeras formato 135
75
, as
objetivas normais são as de 50 mm a 55 mm.
As objetivas grande-angulares são todas aquelas cujas distâncias focais são
inferiores a 50 mm no mesmo formato de filme. São assim chamadas, pois
apresentam um grande ângulo de campo visual, superior a 70º. Essas objetivas de
curta distância focal "possuem uma grande profundidade de campo, permitindo que
tanto o primeiro plano quanto o fundo muito distante sejam mantidos em foco ao
mesmo tempo" (BUSSELLE, 1977, p.43). Outra caractestica marcante são as
deformações causadas pela amplitude dos ângulos: os objetos próximos ao centro
aparecem maiores do que os da periferia do enquadramento, provocando uma
aparência arredondada; quando exacerbadas, por exemplo, nas objetivas abaixo de
21 mm, ocasionam distorções extremadas curvando as linhas retas horizontais e
verticais. Estas distorções aumentam pela proximidade do referente e quando
fotografadas fora do prumo das paralelas da imagem.
As teleobjetivas são indicadas para fotografar objetos distantes, devido ao seu
pequeno ângulo de visão (30º ou menos). Suas distâncias focais são maiores que as
da objetiva normal do mesmo formato de filme. Em decorrência destes ângulos, as
imagens produzidas por elas são ampliadas, isto é, as distâncias relativas entre os
objetos se tornam menores e, como consequência destas ampliações, um
aparente achatamento dos planos. Possuem menor profundidade de campo se
comparadas com outras objetivas na mesma abertura do diafragma. Diferentes das
grandes angulares e menos que as objetivas padrão não apresentam distorções da
forma nos objetos próximos.
Todas as objetivas podem ser do tipo macro. Essas lentes são especialmente
projetadas para fotografias em close-up, isto é, com focalização de objetos mais
próximos. Estas imagens podem ser aumentadas aproximadamente em até cerca de
dez vezes seu tamanho natural (entre 1:1 e 10:1 de ampliação).
Descreveram-se aaqui as objetivas de focal fixa. ainda as chamadas
zoom
76
, que permitem distâncias focais variáveis. Estas são igualmente divididas em
famílias, em função de suas distâncias focais. Podem abranger, por exemplo: de 28
74
Em um filme de 35 mm, cada imagem é de 36 x 24 mm.
75
O termo 135 foi introduzido pela Kodak em 1934 como uma designação para cartucho de filme 35
mm.
76
A lente zoom: conjunto mecânico de elementos de lente com a capacidade de variar o comprimento
focal (e, portanto, o ângulo de visão), em oposição a uma distância focal fixa.
143
a 50mm, de 35 a 70 mm, de 50 a 135 mm, de 80 a 200 mm, sendo que algumas
também apresentam o recurso de macro.
132. Ângulos de visão das diferentes distâncias focais
77
Quando se olha uma fotografia, portanto, ela foi olhada por uma lente o
olhar foi intermediado. A objetiva fotográfica, desta forma, é por excelência o meio,
inclusive material, através do qual ocorre a intermediação entre a informação
externa e o universo estrito da representação, o resultado fotográfico. As qualidades
das objetivas estão presentes na imagem e os seus indícios, até mesmo como
vestígios, compõem o próprio referente fotografado. Assim, por exemplo, quando se
pode enxergar a luz do flash registrada no reflexo.
As máquinas de uso comum, automáticas, em sua grande maioria têm como
elemento óptico mediador as grandes-angulares. Isso se deve principalmente ao fato
de que a maior parte dos parâmetros fotográficos a ser considerados, para que se
chegue a uma imagem fotográfica razoável, vêm resolvidos, embarcados, como
se diz no dialeto informático. De outro modo, essas objetivas possuem artifícios
77
Imagem modificada pela pesquisadora.
144
facilitadores para os fotógrafos amadores, como se viu anteriormente: rápida
focalização, grande profundidade de campo e maior ângulo de visão, o que permite
maior agilidade na hora de fotografar. Isto transparece no ponto central da
dificuldade de compreensão e também no desafio de ensinar, pois todas essas
facilidades concorrem no sentido de não permitir a consciência da linguagem, do
processo de registro e representação. Não se tem, por fim, consciência da própria
mediação que é exercida pela lente.
Ao ensinar Fotografia uma boa opção é a estratégia de desautomatizar, em
termos de percepção, o olhar desatento, mal acostumado, com que as pessoas, pela
banalidade do convívio desenvolveram em relação às imagens, em especial a
fotográfica. Atualmente, caneta fotografa, telefone fotografa, enfim, todos e tudo,
além das câmeras, fotografam. Nas lojas de departamento, que ampliam fotos em
uma hora, pode-se observar nos balcões de vendas tudo o que há, de mais comum,
trivial e ordinário. Para esse contexto, a filósofa Suzan Sontag, com humor ou pavor,
fez a seguinte declaração: ―hoje tudo existe para terminar numa foto‖ (SONTAG,
2004 p.35).
Em entrevista concedida ao jornal Folha de o Paulo, a socióloga argentina
Beatriz Sarlo
78
também se refere a essa banalização imagética quando questionada
se a máquina fotográfica não intimidava as pessoas, visto que, ao longo de quatro
anos, ela percorreu a cidade de Buenos Aires, fotografando os temas de seu livro La
Ciudad Vista.
Parecia-me que andar pelas ruas que rodeiam as favelas com um caderno
de anotações e uma caneta na mão é muito mais exótico do que ter uma
câmera digital um intelectual carrega consigo um caderno de notas
com uma caneta. A câmera me distanciava menos que o caderno. (FOLHA
DE S. PAULO, 7/7/2009, p.4)
Outro ponto que também corrobora para esse olhar desatento é o fato de se
acreditar na falsa certeza de que uma fotografia é uma representação fiel de seu
referente, portanto da realidade. Tal ponto de vista, compactuado por Roland
78
Beatriz Sarlo: Crítica literária dedicada ao estudo da literatura, análises e história cultural, culturas
urbanas e novas configurações da dimensão simbólica do social e professora de Literatura por vinte
anos na Universidade de Buenos Aires, com passagens por universidades americanas como
Columbia e Berkeley.
145
Barthes, é visível em seu livro a Câmara Clara e em seu artigo a Mensagem
Fotográfica publicado no número inicial da revista Communications:
{...} o Referente da Fotografia não é o mesmo que o dos outros sistemas
de representação. Chamo de "referente fotográfico", não a coisa
factualmente real a que se remete uma imagem ou signo, mas a coisa
necessariamente real que foi colocada diante da objetiva, sem a qual não
haveria fotografia (1980, pp. 114 e 115).
Tal foto, com efeito, jamais se distingue de seu referente (do que ela
representa (Idem, ibidem, p. 14).
Em suma, o referente adere (Idem, ibidem, p.16).
Qual é o conteúdo da mensagem fotográfica? O que a fotografia transmite?
Por definição, a própria cena, o real literal. Do objeto para sua imagem,
existe decerto redução: de proporção, de perspectiva e de cor. Mas essa
redução não é em momento algum uma transformação (no sentido
matemático do termo). Para passar do real em unidades e constituir essas
unidades em signos substancialmente diferentes do objeto que dão para
ler, entre esse objeto e sua imagem, não é em absoluto necessário dispor
uma etapa, ou seja, um código; decerto a imagem não é o real; mas ela é
pelo menos seu analogon perfeito, e é precisamente essa perfeição
analógica que, diante do senso comum, define a fotografia. Assim aparece
a condição particular da imagem fotográfica: é uma mensagem sem código
(BARTHES apud DUBOIS, 2006, p. 36).
Santaella (1997, p.112) chama essa atitude de o "paradoxo fotográfico de
Barthes". Essa postura também é revista por Arlindo Machado:
Claro que a construção de uma imagem na superfície da película depende
sempre de um referente que posa diante da mera, pois o aparato
fotográfico não pode gerar uma imagem a partir dos seus próprios meios.
Mas não se pode daí tirar a conclusão de que a imagem fotográfica seja
apenas a fixação do seu "reflexo" e, por conseqüência, o correspondente
mais exato e fiel do modelo que o gerou.
{...} Barthes sentencia: sem o referente não há fotografia; mas nós
poderíamos completar: só com o referente muito menos. Se não existir a
câmera escura, a lente com seu poder organizador dos raios luminosos,
um diafragma rigorosamente aberto como manda a análise de luz operada
pelo fotômetro, um obturador com velocidade compatível com a abertura do
diafragma e a sensibilidade da película, se não houver ainda uma fonte de
luz natural ou artificial modelando o referente e um operador regendo tudo
isso, não haverá foto, muito embora o referente possa estar disponível.
(MACHADO, 1984, p.39)
Ao concordar com as posições de Santaella e Machado concluí-se que a lente
além de ser fisicamente a mediação entre o mundo fotografado externo e a
interioridade da imagem, também é o elemento material para onde convergem as
operações semióticas básicas, pois é por meio de suas características e
propriedades que se pode estabelecer um paralelo com aquilo que se define como o
146
fundamento de um signo, ou seja, com aquele que é o primeiro dos três elementos
que compõem um signo. Os outros são o objeto e o interpretante. O fundamento de
um signo é definido pelos aspectos ou propriedades que habilitam o signo a
funcionar como tal. Dito de outra maneira, fundamento de um signo é a qualidade
semiótica do signo em si mesmo: o modo pelo qual ele está capacitado para
representar seu objeto. Uma palavra, por exemplo, não é capaz de representar
alguma coisa do mesmo modo que uma imagem e vice-versa. O mundo fotografado
será, portanto, representado em cada imagem fotográfica, segundo as
características que cada objetiva propicia. Perante um mesmo objeto ou cena a
imagem resultante será diferente se for realizada com uma lente grande angular ou
com uma teleobjetiva. A qualidade da própria lente implica no resultado final.
Como meios intermediários entre o fotografado e a imagem fotográfica as
objetivas parecem ocupar, na relação triádica ou semiótica básica, o lugar e o papel
do signo em si mesmo, ou seja, se constituem como o próprio fundamento, as
qualidades que as tornam capazes de produzir um tipo de representação ou
imagem. Cada qual pode produzir qualidades plásticas específicas como resultado
de características físicas e propriedades óticas diferentes.
As deformações provocadas pela grande-angular, a aproximação e nitidez
possíveis para uma teleobjetiva e a normalidade da objetiva padrão, resultam da
combinação de cada uma dessas dimensões, pois leis gerais da ótica regem a
estrutura e desempenho de cada uma e são limitadas por suas características
específicas, uma teleobjetiva não pode capturar um espaço amplo, no sentido
angular. Dessa combinação resultam características ou propriedades, que as tornam
capazes de produzir imagens com certas qualidades de representação.
A aplicação direta destas análises em sala de aula deve ser no sentido de
validar o desenvolvimento da capacidade de leitura visual e de domínio das
propriedades de linguagem, na compreensão das características das lentes, como
um contexto fundamental para o entendimento da fotografia como técnica e como
meio de expressão.
Tanto no curso de Diadema como, atualmente, na universidade, o objetivo
comum tem sido transformar os alunos em bons leitores visuais em fotografia,
desenvolvendo sua capacidade de interpretar imagens fotográficas a partir do
aprendizado dos elementos básicos desta linguagem.
147
As objetivas exprimem o que de essencial como operação de linguagem
fotográfica, deste modo a escolha foi apresentar de forma direta e prática suas
qualidades, portanto, seu estudo, ao contrário do que se fez em outras reflexões,
não começava com perguntas, mas com a prática.
Com as câmeras em mãos, pedia-se aos alunos que permanecessem
sentados, sempre na mesma posição e observassem o enquadramento de seus pés,
variando segundo os diferentes tipos de objetivas.
132. Observação dos diferentes tipos de objetivas fotos: Beatriz Albuquerque
Num primeiro momento, a aproximação e o afastamento dos ângulos, de
acordo com as trocas era o que mais se evidenciava, porém sabe-se que cada uma
delas carrega em si muito mais informações do que o simples ir e vir dos planos.
Iniciava-se a tarefa descrevendo as qualidades ópticas das objetivas normais,
para em seguida relacioná-las em termos expressivos ou de linguagem aos
trabalhos de Cartier-Bresson, visto que durante toda sua atividade fotográfica ele
nunca usou outra objetiva que não fosse essa.
A escolha ideológica e estética de Bresson se justifica porque ele transmite a
sensação de se estar, de fato, observando as cenas, no próprio lugar do fotógrafo,
pois como possuem a perspectiva muito próxima do campo visual, suas imagens
148
não apresentam nem o hiper foco e deformações das grandes angulares e nem o
achatamento dos planos promovidos pelas teleobjetivas.
Embora os efeitos produzidos pelas grandes angulares façam delas as que
mais se aproximam do devaneio da linguagem surrealista, Bresson, contemporâneo
deste movimento, criou estas situações não pela escolha da lente apropriada, mas
pela fatia do acaso das cenas eleitas. Em suas imagens, o lado onírico e fantástico
da vida real é recortado e não pré-fabricado como clama a pintura surrealista.
133. Greenfield, Indiana, USA - 1960 fotos: Henry Cartie-Bresson
134. Alicante, Espanha - 1933 135. Livorno, Itália - 1933
149
Ainda em comparação com as grandes angulares que abrem e deformam as
perspectivas, a pouca distorção da objetiva normal permitiu às composições de
Bresson, mesmo trabalhando com o instantâneo, um extremo rigor geométrico de
linhas e planos, constantes em toda sua obra, como se pode observar nas imagens
abaixo:
136. Áquila degli Abruzzi, Itália - 1952 137. Muro de Berlin, Alemanha - 1962 139. Brie, França - 1968
138. Hyeres, França - 1932 140. Simigne-la-Rotonde, França - 1969
Outra característica da normal é a distância física que ela estabelece, por seu
ângulo, entre o fotógrafo e o objeto, criando desta forma uma relação concomitante
de opostos entre o longe e o perto. O fotógrafo Tuca Vieira
79
avalia essa ocorrência
nos trabalhos de Bresson: "Sempre com a lente 50 milímetros, ele cria uma relação
entre a intromissão e a indiferença. Cartier-Bresson não se mete na cena, mas
também não fica exatamente ausente" (Revista Bravo, 09/2009, p.35). Este estar
longe e perto ao mesmo tempo estabelece uma relação oposta ao comportamento
das teleobjetivas, que dependendo de seu grau, permitem uma grande distância
entre a cena e o fotógrafo.
79
Tuca Vieira: Formado em Letras pela Universidade de São Paulo e estudou fotografia com Cláudio
Feijó, Eduardo Castanho, André Douek, Nair Benedicto e Eder Chiodetto. Vencedor do Prêmio Folha
de jornalismo - categoria fotografia (2003) e do Prêmio Grupo Nordeste de Fotografia - categoria
profissional (2005). Faz parte da equipe de fotografia do jornal Folha de S. Paulo desde 2002, onde
desenvolvendo, entre outros, temas como a cidade, a paisagem urbana, arquitetura e urbanismo. É
autor, em parceria com o jornalista Marcelo Coelho, do livro As Cidades do Brasil.
150
Robert Capa, na mesma linha de Bresson, fotografou além da Guerra Civil
Chinesa, a II Guerra Mundial e a Guerra da Indochina, com lentes normais. Nesta
última, talvez na ânsia de conseguir "a boa foto", foi morto ao pisar em uma mina.
No plano das hipóteses, é possível supor que, se Capa utilizasse uma
teleobjetiva, suas fotos pareceriam suficientemente próximas da cena
80
e ele estaria
longe o bastante para não ser atingido.
Na seqüência partia-se para as grandes-angulares.
Espaços amplos solicitam estas objetivas porque existe uma correspondência
entre as qualidades que definem um e outro, a grandeza angular. Nosso ângulo de
visão encontra formas de ajuste para a percepção de paisagens, por exemplo. Essa
amplitude e profundidade focal são justamente as características que uma objetiva
grande angular igualmente possui para capturá-las. Se sob esse ponto de vista
estas objetivas cumprem de forma adequada sua função, por outro, dependendo do
ponto de vista do fotógrafo, elas deformam consideravelmente "a "normalidade" da
representação convencional" (MACHADO, 1984. p. 134).
Atualmente na Universidade, mostro um exemplo bem conhecido de todos
para ilustrar e enfatizar esta característica expressiva da grande-angular. É a foto de
minha nova carteira de identidade que erroneamente foi feita com esta objetiva e na
qual minha aparência está deformada, justamente em uma fotografia que deveria ser
o mais próximo possível do meu rosto, que representa minha identidade para
efeitos de confirmação. Sob esse aspecto, podemos considerá-la como uma
alteração da relação indicial, e, mais do que isso, como uma fusão entre dois
aspectos do objeto do signo, o da minha aparência e o da objetiva. Para efeitos da
imagem final que é o signo considerado, a objetiva representada pela deformação foi
incorporada como parte do objeto, ou seja, é a qualidade da imagem deformada
através da lente.
Nas fotos de Bill Brandt e de Bebete Viegas, pode-se considerar dois usos
distintos desse conjunto de lentes. Em todas elas nota-se a extrema profundidade de
campo, que sua intermediação óptica se "em um espaço perspectivo a um
golpe de vista" (MACHADO, 1984. p. 140), qualidade esta impossível para a visão
humana, como já se viu aqui.
80
Ver epígrafe deste tema.
151
No nu de Bill Brant, outra característica visível se apresenta provocada pela
proximidade da câmera com o referente. Intensificada pela posição fora do prumo,
(tanto faz abaixo, acima ou nas laterais), essas anomalias aparecem com maior
força, visto que estas objetivas agigantam de forma descomunal o primeiro plano,
quando utilizadas nestas condições.
141. Nu - 1953 foto: Bill Brandt
De forma oposta, trabalhou a fotógrafa Bebete Viegas. Distante o bastante de
seus objetos, e com a mera centralizada na altura e no nível paralelo correto das
imagens, minimizou, deste modo, as deformações típicas das grandes angulares,
que aparecem mais evidenciadas nas colunas ligeiramente abertas na imagem do
prédio da Bienal de São Paulo.
152
142. Oca, São Paulo - 1997
143. Bienal, São Paulo - 1997 fotos: Bebete Viegas
Estes trabalhos avivam, portanto, dois pontos básicos do processo de
aprendizagem: o primeiro é o da impossibilidade de fotografar, sem que a aderência
das qualidades próprias de cada objetiva apareça estampada nas imagens, mesmo
que diluídas, como se observa nas fotos acima. O outro se refere à vontade do
fotógrafo que, ao conhecer os procedimentos cnicos, fica livre e consciente para
escolher e determinar a linguagem desejada.
As objetivas longas ou teleobjetivas, como vistas aqui, são propícias para
fotografar retratos por não apresentar distorções nos objetos próximos, e ainda para
153
o registro correto, quando o fotógrafo não pode estar junto de seu fotografado, como
no caso das fotografias esportivas.
Nas fotos de futebol, por exemplo, este apelo à memória visual coletiva
funciona como elemento facilitador, pois é possível considerar que a grande maioria
viu na televisão, no cinema ou no próprio campo, por uma vez ao menos,
fotógrafos desta área em ação, munidos com suas grandes objetivas, muitas vezes
acopladas a um mono pé, dado o seu peso.
Um dos primeiros pontos observados é o de sua menor profundidade de
campo, provocada pelo achatamento dos planos. Esta qualidade fica evidente
quando jogadores e blico aparecem na mesma imagem, pois sabemos que,
embora as arquibancadas apareçam coladas à ação do jogo, estão, em realidade,
fisicamente bastantes distantes.
144. Futebol 1 foto: Nelson Almeida 145. Futebol 2 fotos: Agence France--Presse AFP
146. Futebol 3 foto: Daniel Augusto Jr 147. Futebol 4 foto: Getty Images
O achatamento dos planos chamado por Machado de "um estranho efeito de
amontoamento" (1984, p. 138), acompanhado da pouca profundidade de campo
154
faz desta objetiva a intermediação perfeita para fotografias publicitárias. Isto se
deve à incessante procura de nossos olhos pelo foco, que automaticamente
impulsiona nosso olhar para o referente nítido, no caso o produto a ser
comercializado, conferindo-lhe desta forma maior valor, como se pode observar
nos trabalhos do fotógrafo Keith Saunderts
81
.
148. Vinho 1 149. Vinho 2 fotos:Keith Saunderts
Por fim, a pouca deformação da forma lhe confere o status da objetiva mais
apropriada para a realização de retratos, visto que seus fotografados são
registrados com grande semelhança a seus próprios semblantes. Talvez esta seja
a causa de atualmente ainda permanecer a aproximação ao antigo discurso do
início do século XIX, que atribuía à fotografia o efeito de realidade dada sua
analogia com o objeto real, ou seja, mimética por essência.
81
Keith Saunderts:
Fotógrafo Publicitário, baseado em Sydney, Austrália. São seus clientes: De Beers,
Southcorp, Berry Brothers & Rudd, Sydney Opera House, a Royal Opera House, Shell International, Sydney
Symphony Orchestra e EMI Records.
155
Trata-se aqui do primeiro discurso (e primário) sobre a fotografia. Esse
discurso já está colocado por inteiro desde o início do século XIX (sabe-se
que o nascimento da prática fotográfica foi acompanhado de imediato por
um número impressionante de discursos de escolta). Embora comportasse
declarações muitas vezes contraditórias e até polêmicas - ora de um
pessimismo obscuro, ora francamente entusiastas-, o conjunto de toda
essa discussão, de toda essa metalinguagem nem por isso deixava de
compartilhar uma concepção geral bastante comum: quer se seja contra,
quer a favor, a fotografia nelas é considerada como a imitação mais
perfeita da realidade. (DUBOIS, 2006, p. 27)
Em trecho da extensa matéria publicada em de maio de 1839, no Jornal
do Commercio, do Rio de Janeiro que fala a respeito da descoberta de Daguerre,
pode-se ter uma idéia deste pensamento de época:
{...} Mas, o que he certo, apesar de todo esse desconto, he que estas
cópias são tão extremadas, e tem hum tal relevo e tamanha verdade,
como não se pode imaginar sem as ter visto. A delicadeza dos traços, a
pureza das formas, a exatidão e harmonia dos tons, a perspectiva aérea, o
primor das miudezas, isso tudo se representa com a suprema perfeição. A
lente, mal sim terrível das melhores obras de desenho, que em todas
encontra senões e desares inevitáveis para a arte, gire quanto quiser
sobre estas figuras, fite nellas, quanto tempo lhe agradar, o seu olho
inexorável, desesperar-se-ha de o descobrir senão perfeições, depois
perfeições e sempre em tudo perfeições. Não porque nos espantemos:
a luz, a propria luz foi a pintora.
Do pai da luz crearão divindade ás artes os fabuladores da Grécia; da
fabula fez historia o engenho mais creador de nossa idade. Estas gravuras
abertas pelo buril dos raios luminosos, estas estampas baixadas, porque
assim o digamos, do céu, mostrou-as o Sr. Daguerre aos Srs. Arago, Biot,
Humboldt e outros, que todos ficarão suspensos e enfeitiçados. (JORNAL
DO COMMERCIO, apud KOSSOY, 1980, p.10)
150. Picasso foto: Irving Penn 151. Andy Warhol foto: Richard Avedon
156
152. Retrato 1 foto: Alunos da Casa da Fotografia
157
153. Retrato 2 foto: Alunos da Casa da Fotografia
158
154. Retrato 3 foto: Alunos da Casa da Fotografia
155. Retrato 4 foto: Marcos Roberto da Silva
159
156. Retrato 5 foto: Diego Cunha
Levantadas todas estas considerações, a respeito da natureza óptica das
diversas objetivas, tornando evidente que, para efeitos de qualquer imagem final, o
referente, ou o objeto desses signos inclui como realidade a presença destes
elementos semióticos, partia-se para o estudo das medidas matemáticas da luz na
Fotografia, realizadas pelo fotômetro.
160
3.5 LENDO A LUZ - O FOTÕMETRO
Eu consigo ver a imagem antes, só pelas medidas do fotômetro
Robeilton de Moraes (ex-aluno da Casa da Fotografia)
Neste tópico, será abordado um dos pontos mais complexos no processo de
aprendizagem da fotografia. Trata-se da compreensão e interpretação da luz medida
pelo fotômetro.
Antes, pom de tratar desse instrumento, cuja função é a de medir a
quantidade de luz incidente sobre um objeto, ou refletida a partir dele, a
necessidade de se expor certos aspectos do comportamento da luz na fotografia.
A Luz, matéria prima deste aprendizado, é a faixa do espectro de radiação
eletromagnética cujos comprimentos de onda
82
são visíveis ao olho humano. Esta
correspondência visível situa-se entre as radiações infravermelhas (porção invisível
do espectro eletromagnético) e as radiações ultravioletas (comprimento de onda
menor que a da luz visível). Suas fontes são divididas em dois grandes grupos: as
naturais e artificiais.
A luz natural, como o próprio nome indica, provém do sol, que incide direta
ou indiretamente no assunto e cujas qualidades (cor e intensidade) variam de
acordo com as variações térmicas e da posição de incisão dos raios (distintos
horários). A saber: tome-se uma foto com contraste suave feita com luz natural.
Este efeito, entre outros, pode ser obtido, por exemplo, pelo filtro das nuvens em
dias nublados, ou ainda pelos raios inclinados das manhãs e das tardes que
produzem luzes menos contrastadas. Mas, ou por serem filtradas ou pelas
interferências suaves dos ângulos de incidência, outra característica se apresenta -
a temperatura da cor
83
. Esta incide diretamente no matiz dos filmes coloridos ou na
82
Em física, é a distância entre valores repetidos num padrão de onda.
Onda é uma perturbação oscilante de alguma grandeza física no espaço e periódica no tempo.
83
Temperatura de Cor - Terminologia usada pelos fotógrafos e cineastas, para indicar a cor da luz, e
não seu comprimento de onda. Expressa a aparência de cor da luz emitida pela fonte de luz. A sua
unidade de medida é o Kelvin (K), qualidade relativa das fontes luminosas que podem variar entre
2000ºK até mais de 10000º. Quanto mais alta a temperatura de cor, mais clara é a tonalidade de cor
da luz. Quando se fala em luz quente ou fria, não se esta fazendo referência ao calor físico da
lâmpada, e sim à tonalidade de cor que ela apresenta ao ambiente.
161
gradação de cinzas nos filmes preto e branco, portanto, tais variações criam então,
qualidades únicas para cada imagem.
Se de outro modo, a mesma fotografia for feita com a luz do sol a pino, serão
obtidas diferentes resultados com outras temperaturas de cor. Nesta situação, as
diferenças de claros e escuros são mais acentuadas, aumentado, por este motivo,
o contraste, o volume e a saturação das cores. O resultado obtido será, portanto, o
de imagens completamente diferentes das primeiras.
O que isso significa em termos de linguagem? Que fotografias realizadas
com luz natural estão sujeitas a infindáveis escolhas que resultam em diferentes
conceitos visuais (como em todas as demais funções vistas neste trabalho), pois
além das próprias alterações naturais que a luz sofre ao longo do dia, outros
fatores concorrem para essa pluralidade. Em termos semióticos, é possível
entender que cada imagem tem seu próprio referente luminoso, ou que cada signo
tem sua luz objeto. Observem-se uns poucos exemplos dessa pluralidade:
1) A mistura da luz/dia preenchida com a luz do flash, muito comum em
retratos feitos com luz a pino ou em contra luz.
2) O uso de rebatedores como espelhos, ou qualquer tipo de superfície
branca, prateada, dourada, ou ainda de qualquer cor desejada, que puxam a luz de
um determinado ponto para outro, tingindo seus objetos.
3) Os difusores que são acessórios translúcidos capazes de suavizar as altas
luzes.
4) Todos os tipos de filtros, colocados na frente das objetivas. Para citarmos
apenas um, existem os polarizadores
84
usados em fotos de natureza ou em
superfícies lisas como vidro e metal, nas fachadas de arquitetura.
Listar estas possíveis alterações fotográficas de maneira ilimitada poderia
corroborar uma das máximas da semiótica pela qual o signo é sempre diferente de
seu objeto, visto que o objeto é a coisa e o signo é sua representação, pois um
signo pode representar seu objeto em algumas de suas qualidades e não em
todas, senão ele seria o próprio objeto.
84
A luz natural vibra ou oscila em todas as direções, portanto despolarizada. Sua filtragem polarizada
faz com que a luz oscile somente em uma direção.
Durante o dia, isto ocorre através da reflexão da luz do sol em superfícies lisas e brilhantes. A luz
polarizada é visível, mas o olho humano não a distingue.
162
Essas diferenças também ocorrem nas luzes artificiais, como se explicita a
seguir.
As luzes artificiais são todas as outras luzes. As variações de temperaturas
são suas determinantes na cor da fotografia. Isso se deve ao espectro irregular
emitido por estas diferentes fontes luminosas. Observando, como exemplo as
lâmpadas de tungstênio e fluorescentes, constata-se que as primeiras (já citadas
aqui na iluminação da foto da fábrica de Cubatão) são chamadas de luz quente, pois
sua temperatura produz tonalidades avermelhadas, enquanto as fluorescentes, ou
lâmpadas frias, puxam a aparência para os azuis e verdes. Essas distinções são
feitas em relação à luz branca, que é a luz natural, emitida pelo sol em céu aberto ao
meio dia.
Estas tonalidades podem ser facilmente observadas nas fotos 157 e 158. O
Louvre, fotografado à noite, e cuja única iluminação eram as lâmpadas quentes,
ficou totalmente tingido de vermelhos, amarelos e laranjas, enquanto o aeroporto de
Frankfurt, iluminado com lâmpadas frias, é pintado de azul, com a ressalva de um
pequeno bolsão de luzes quentes. Da mesma forma, como se observou nos
exemplos da luz natural, são possíveis, ao fotógrafo, inúmeros ajustes de graus,
cores e intensidades.
157. Museu do Louvre Foto: Ricardo Agostinho 158. Aeroporto de Frankfurt foto: Ana Vilar
Esta multiplicidade de escolhas funciona de forma similar à das letras, na
constituição de sílabas e palavras, pois sendo apenas vinte e cinco no alfabeto
ocidental possibilitam combinações diversas e em vários idiomas. Respeitando a
metodologia do curso, os alunos visualizavam, por meio de slides, fotografias
163
relacionadas ao tema e, a partir do conhecimento adquirido, passavam a realizar
seus próprios trabalhos.
Existe, porém, um paradoxo entre a gama de luzes e suas medidas visto que
estas são exatas, matemáticas e únicas, e para se estabelecer tais correlações o
uso do fotômetro é indispensável.
Inicialmente os alunos fotografavam utilizando apenas o fotômetro interno das
Pentax e Nikon
85
(câmeras utilizadas no curso). O fotômetro destas máquinas
quando acionado indica, por meio de um pequeno gráfico de luzes tricolor, verde,
vermelho e amarelo, a luminosidade da imagem real. Localizadas no lado esquerdo
interno do visor, a vermelha sinaliza o excesso de luz, a verde a correta exposição e
a amarela sua falta. Neste estágio do aprendizado a exposição correta era mais
reconhecida pela cor do que compreendida em suas manifestações técnicas. A
qualidade icônica (relação de semelhança) deste tipo de leitura serviu de elemento
facilitador, pois se for considerada a visão de Peirce, quando afirma que ―o único
modo de se comunicar diretamente uma idéia é por meio de ícones‖ (CP, 2.278
apud LÉVY, 1998, p.5), era esta, portanto, a maneira mais fácil e básica para o
início deste conhecimento específico.
Sob o ponto de vista pedagógico esse tipo de leitura foi fundamental, visto
que por um lado provocou um clima de entusiasmo, pois os acertos eram maiores
que os enganos e, por outro, as intrincadas relações numéricas desta operação
puderam ser apreendidas conforme o andamento das aulas e a aquisão de novas
informações e analogias.
Ler a luz pelo fotômetro é literalmente transformar números em luz e sombra,
pois antes de ser uma imagem visível, é uma realidade numérica. É ver mentalmente
a luz que pinta os corpos enquanto as sombras lhes promovem a ilusão de volume;
é ver, portanto, a terceira dimensão das formas. É ver, por números, tons e cores em
suas diferentes intensidades. Ler a luz pelo fotômetro promove literalmente a
abstração e o prever. É o momento em que o ato de fotografar mais se parece com
o de pintar, já que em ambos os casos atribuem-se valores às diferentes tonalidades
e matizes. Comparam-se tons.
Em um determinado dia, depois de exaustivos exercícios de aprendizado do
uso deste aparelho e inserido o uso do fotômetro manual, eu entrava na classe,
85
A representação da fotometria varia de acordo com a marca da câmera.
164
que tinha suas paredes pintadas de branco, colocava um dos alunos sentado em
destaque, bem distante da parede, o iluminava com um único flash eletrônico e
pedia aos demais que descrevessem a cena vista pela câmera, presa em um tripé a
frente do modelo.
159. A parede branca foto: Beatriz Albuquerque
E o que viam era exatamente o que o leitor está vendo na foto acima: uma
pessoa iluminada com um flash lateral posicionado um pouco acima de sua cabeça,
com uma parede branca ao fundo.
Em seguida, media com o fotômetro manual a luz na aluna e mostrava seus
valores à classe: 125 de velocidade com diafragma f 22.
160. A abertura1 - Foto: obturador. 1/125 - abertura para a aluna f 22
165
Simulávamos a foto para em seguida constatar que a garota havia saído
perfeita em termos de luz, ou seja, nem clara nem escura, no ponto exato, pois
havíamos seguido exatamente as recomendações do fotômetro.
Realizado esse passo, comunicava à classe que havíamos cometido um
lapso, pois esquecendo de medir a luz da parede ao fundo, que ela também fazia
parte do quadro.
Medida a luz na parede, obtivemos os seguintes resultados: 1/125 e 5.6.
161. A abertura 2 - Foto: obturador 1/125 (o mesmo da foto anterior)- abertura para a parede f 5.6
Com destas informações, afirmei à classe que a modelo havia saído muito
bem e que sua figura aparecia destacada ao fundo da parede preta.
A afirmação acima causou grande estranheza e um silêncio geral se instalou
na classe.
Com fleuma continuei medindo a luz de ambas, garantindo que de fato, a
parede era preta. Fiz este gesto duas, três, dez, trinta vezes, e a cada vez
perguntava: - Quem está vendo a parede preta?
166
Até que em um determinado momento alguém falou: - Eu vi a parede preta. E
daí por diante outro e mais outro e mais outro ainda, até que todos finalmente viram
a parede preta.
162. A parede preta. fotos: Beatriz Albuquerque
O que era ver a parede preta na fotografia, se de fato ela estava pintada de
branco e é assim que era percebida? É ver com os olhos do fotômetro que, por sua
vez, como o olho da câmera. É o prever imagético desencadeado pelo
conhecimento da técnica, a que tantas vezes nos referimos aqui.
De outro modo, considere-se a foto da parede preta, segundo as densidades
de luzes que incidiram sobre ela: havia uma única fonte de luz (flash eletrônico),
direcionada apenas e tão somente para a aluna. A parede ao fundo, distante da
modelo, recebia, desta forma, uma carga mínima da luz desse flash. Sua brancura,
ou seja, sua iluminação, a que era vista e percebida por todos, vinha na realidade
das janelas da classe e das luzes frias localizadas no teto. A intensidade da luz da
janela somada à lâmpada da sala era infinitamente menor que a do flash, portanto
causa e efeito, de sua negritude em relação à modelo. Em outras palavras: era a
falta de luz percebida apenas pelos mecanismos fotográficos.
Concluía-se também, que na vida cotidiana o fator parede preta era
exatamente o que acontecia com fotos registradas em quinas amadoras, com
167
seus flashes embutidos e de luz direta, visto que esta perde sua força conforme
caminha em ambientes pouco iluminados, deixando apenas o primeiro plano visível,
conforme se observa na imagem a seguir.
163. O flash embutido foto: Helcio Cremonese
Descoberto tecnicamente o motivo do evento, outra questão se apresentava:
Como fotografar exatamente o que se via. A aluna iluminada em seu tom de
pele correto e a parede branca ao fundo. Refletindo em conjunto chegava-se a uma
única hipótese: - Ambas deveriam receber a mesma carga de luz:
1) Ao optar pelo diafragma f 22, para a aluna e parede conservando a
velocidade do obturador 1/125, não haveria outra saída a não ser colocar duas
cabeças de flashes ao fundo (para que a luz ficasse homogênea), onde a densidade
somada de ambos desse f 22
86
, nunca menor, pois desta forma os cinzas começam
a aparecer. Esta opção corresponde exatamente à realização da foto 159, em que a
modelo aparece com a parede branca ao fundo.
2) A outra hipótese, opção pelo diafragma f 5.6: = Velocidade 1/125 - abertura
5.6 para aluna e parede, seria ou diminuir a carga do flash para f 5.6: (luz
correspondente à iluminação ambiente, em cuja intensidade não se pode interferir)
ou afastá-lo até esta medida. Desta forma seriam utilizadas as três luzes: a da
janela, a das lâmpadas para a parede e a do flash para a modelo.
86
Para se obter um fundo impecavelmente branco, muitas das vezes, os fotógrafos optam por
estourar um ponto de luz, o que nesse caso levaria para o diafragma 32, com foto realizada com
diafragma 22. Em outras palavras, engana-se o fotômetro.
168
Uma observação necessária: como se trabalhava com filme preto e branco,
mesmo utilizando luzes de diferentes temperaturas (flash, luz fria e luz natural), não
se corria nenhum risco no matiz da foto. Em um filme cor, ao contrário, a luz fria
provocaria um tom azul esverdeado, menos intenso, mas semelhante à imagem do
aeroporto de Frankfurt (foto 158). E se ainda se quisesse corrigir este desvio da cor,
bastaria colocar um filtro âmbar (cor quente) na frente da objetiva, corrigindo desta
forma os tons frios.
Estas referências servem para provar que, em fotografia, as realizações
sempre podem se apresentar sob diferentes contornos de acordo com as escolhas
técnicas. Observe-se como um detalhe técnico tão simples (folha de isopor
rebatendo a luz) pode modificar consideravelmente o resultado final da imagem.
164. A luz refletida fotos: Beatriz Albuquerque
Cientes destes novos conhecimentos, os alunos iniciavam uma série de
exercícios, tanto externos como internos, com os diversos tipos de iluminação. No
estúdio utilizavam-se os flashes eletrônicos com seus diferentes acessórios que ora
conduziam a luz de forma direta, ora rebatida. Essa prática evidenciava que na
fotografia, assim como na pintura, a combinação entre luz e sombra é a responsável
pelo volume e forma dos corpos, "a luz pinta os corpos; a sombra promove o
volume; a luz e a sombra explicam a forma dos corpos" (PARRAMÓN, 1984, p. 147).
169
165. Luz e sombra 1 foto: Alunos da Casa da Fotografia
170
166. Luz e sombra 2 foto: Ivans G. Colombini
171
167. Luz e sombra 3 foto: Alunos da Casa da Fotografia
172
168. Luz e sombra 4 foto: Alessandra Scatolin
169. Luz e sombra 5 foto: Alunos da Casa da Fotografia
173
170. Luz e sombra 6
171. Luz e sombra 7 fotos: Alunos da Casa da Fotografia
174
172. Luz e sombra 8 fotos: Guga Abreu
175
173. Luz e sombra 9 foto: Camila Ribeiro
Como não se pode demonstrar, aqui, todos os exercícios contemplados
especificamente com o estudo da luz. Optou-se, então, por explicar com mais
detalhe, um deles que, por sua simplicidade, evidencia o que de fato se busca
desenvolver em sala de aula.
Aprimorando esse aprendizado, o da leitura do fotômetro, e testando o grau
de abstração que esse ato exige, anos depois, na Universidade Presbiteriana
Mackenzie, foram acrescentadas propostas de trabalhos que nitidamente
demonstram essas habilidades de compreensão e abstração por parte dos alunos.
O exercício a seguir, cujo tema era "Fotografias do Espaço Sideral", foi
proposto em 2007, ao final de quase um ano de curso, aos alunos da Faculdade de
Jornalismo.
O tema causou uma enorme perplexidade na turma, por propor um objetivo
aparentemente impossível como este. Explicou-se aos alunos que poderiam
realizar as fotos baseados unicamente nos recursos disponíveis a partir dos
conhecimentos técnicos adquiridos.
Stephen Hawking afirmou que ―o mundo mudou bem mais nos últimos cem
anos do que em qualquer século anterior, não por doutrinas políticas ou econômicas,
mas por causa do imenso progresso tecnológico possibilitado pelos avanços da
176
ciência básica‖. (HAWKING, 2001, p. 26)
87
. Completando esse pensamento, foi
lembrado à classe que historicamente esta é a geração digital, com amplo acesso a
filmes e fotos espaciais provindos deste avanço tecnológico e que, portanto, neste
contexto e fundamentando-se nestas informações imagéticas, que são as
lembranças e composições mentais, seriam construídas suas próprias imagens do
universo, primeiro como imaginadas mentalmente e, a seguir, com os recursos de
manipulação da luz, seus efeitos visuais e óticos, seriam representadas em
fotografias.
Nesse ponto do programa e pelas respostas positivas ao processo de
aprendizado, sem dúvida eles enfrentariam o desafio, como de fato assim o fizeram,
pois conheciam a tecnologia das câmeras, o comportamento da luz dominada pela
leitura do fotômetro e, mais, possuíam noções de cortes e dos efeitos estéticos
promovidos pelas diferentes objetivas. Enfim, literalmente, enxergavam por
antecipação, em função de todo o treinamento que haviam recebido. Caso
contrário esse trabalho tornar-se-ia inviável, visto que todo ele, na realidade, foi
desenvolvido e realizado nas paredes brancas, com o auxílio de uma única fonte de
luz (flash eletrônico com snoot)
88
e nos pátios da Universidade.
Na visão de Júlio Plaza (1987, p. 109), a utilização da tecnologia da máquina
e dos equipamentos de iluminação ―transcende da simples reprodução, para uma
nova produção‖. Essa compreensão cria as condições necessárias para a realização
da proposta:
A transposição de um signo estético num meio determinado para outro
meio tecnológico deve obedecer aos recursos normativos (signos de lei) do
novo suporte, seus sistemas de notação. Não parece ser outra coisa que
Gombrich pretendeu expressar quando afirma: ―O artista não pode
expressar mais do que seu meio é capaz de traduzir‖. Assim todo suporte
declara e impõe suas leis que conformam a mensagem.
A operação de passagem da linguagem de um meio para outro implica em
consciência tradutora capaz de perscrutar não apenas os meandros da
natureza do novo suporte, seu potencial e limites, mas, a partir disso, dar o
salto qualitativo, isto é, passar da mera reprodução para a produção.
87
Stephen Hawking nasceu no aniversário da morte de Galileu, em 1942, e ocupa a cadeira
lucasiana de Matemática na Universidade de Cambridge, que em tempos anteriores foi de Isaac
Newton. Visto por amplos setores como o mais brilhante físico teórico desde Einstein, Hawking
também é autor de Black Holes and Baby Universes, uma coleção de ensaios publicada em 1993,
além de diversos artigos e livros científicos (HAWKING, 2001, contra capa).
88
Snoot - acessório em forma de cone, usado em flash eletrônico para reproduzir luz pontual.
177
Muito embora nessa citação o autor se refira especificamente ao signo
estético e ao processo artístico, de modo amplo se aplica a toda operação semiótica,
de signos em geral, quando se trata de transposição de um meio tecnológico a
outro, de um suporte a outro. São operações de linguagem, que implicam de forma
inerente em produção de signos novos e não de mera reprodução.
Os alunos criaram então suas próprias representações imagéticas do espaço
sideral sem tirar os s do chão, pois foi a imaginação de cada um que viajou no
tempo e no espaço, encontrando desta maneira possíveis representações que
iconicamente remetiam aos objetos reais.
Entenda-se, aqui, como imagens espaciais as que se assemelham às fotos
enviadas pelas Agências de Pesquisas Espaciais. Baseados então nestas imagens
que entendemos como verdadeiras, mas que, na realidade, são representações
capturadas e transmitidas por um terceiro olhar, a dos olhos tecnológicos das
sondas e dos telescópios espaciais, os alunos realizaram parte deste trabalho nas
paredes da sala de aula, posicionando a luz sobre a parede branca de tal forma que,
depois de fotometrada, conseguiram ver mentalmente aquilo que em breve seriam
as imagens das fotografias.
Neste ponto do processo, eles enxergavam efetivamente apenas uma parede
branca, enquanto os olhos do fotômetro viam a imagem real da foto que
consequentemente era registrada pela câmera fotográfica. Esta imagem registrada
pela câmera e vista pelo fotômetro se assemelhava à imagem do universo sideral
que, por sua vez, só existia na imaginação dos alunos.
Depois do click, os estudantes permaneceram vendo apenas a parede
branca, enquanto a câmera registrava a imagem latente da foto (ou da imaginação
do universo), que se tornaria objeto físico, real e com volume, promovido pela
escala cromática, depois de quimicamente processada. Realizado esse processo, o
de revelação e de ampliação, puderam finalmente ver as fotografias que existiam
apenas mentalmente.
A seguir alguns resultados deste trabalho realizados nas paredes da sala de
aula, cujas fotos 174, 176, 178 e 179 foram feitas com flash com snoot em parede
branca e as fotos 175 e 177 também com snoot, cuja luz projetava a sombra de um
pingente transparente na parede branca.
178
174. Espaço 3 foto: Mariana Lanfranchi 175. Espaço 4 foto:Gabriel Tedde
176. Espaço 4 foto: Elaine Souza 177. Espaço 5 foto: Newton Silva
:
178. Espaço 6 foto Marcela Marques 179. Espaço 7 foto: Mariana Lanfranchi
Depois das fotos prontas, selecionou-se uma série de fotografias espaciais
feitas pela NASA
89
· para, em sala de aula, criar um trabalho único. As semelhanças,
como nos exemplos a seguir, eram o evidentes que intrigaram e confundiram o
imaginário de todos.
89
National Aeronautics and Space Administration, NASA.
179
Se em tom de ironia, fossem invertidos os créditos destas imagens, talvez
para o leitor esta troca passasse despercebida, dada a similaridade visual do solo
destes dois planetas.
180. Solo de Marte
foto: VIKING, Lander 1, National Aeronautics and Space Administration, NASA
181. Solo da Terra - Pátio da Universidade Presbiteriana Mackenzie foto: Isabel Terya
Observe-se a seguir, como essa confusão imagética pode se tornar irônica
por sua própria natureza!
180
Na foto 182, que na realidade é uma montanha em Marte, enxerga-se um
rosto humano, criado ilusoriamente pela luz da fotografia. E, inversamente, na foto
183 realizada no muro da Universidade, vê-se um pequeno ET, (figura aceita, como
tal em nosso imaginário).
182. Solo de Marte - Vista aérea foto: VIKING I, NASA
183. Muro da Universidade Presbiteriana Mackenzie foto: Newton Silva
Como se observou ao longo deste tópico, é a Luz, em suas diferentes
manifestações, a responsável pelas aparências na imagem fotográfica. Ela é a
própria matéria da imagem. Visto desta forma, o fotômetro, que é o aparelho que
registra essas manifestações luminosas, não pode ser considerado um mero sensor
da luz, mas do ponto de vista da fotografia é diretamente o instrumento que registra
181
essas formas e qualidades, a imagem visual. Sua função corresponde, na máquina,
ao trato dessa natureza fundamental, a luz, que é a própria materialidade da imagem
fotográfica. É o responsável, portanto, pelas informações que levam à produção da
linguagem fotográfica, da sua própria escritura. Daí a importância de seu
aprendizado e uso.
Imagens visuais, como são as fotográficas, são gravuras de luz. A visualidade
é a manifestação fenomênica das modulações da luz. Signos visuais que o
imagens plásticas tendem a expressar, como aparências que são, alto grau de
iconicidade, ou seja, prestam-se a atuar como signo simplesmente por comungarem
qualidades com seus possíveis, hipotéticos, imaginados ou imagináveis objetos. A
leitura antecipada pelo fotômetro permite interpretações que podem se relacionar de
forma concreta com aquelas imagens mentais e são possíveis à imaginação, à
ficção. A partir deste processo nascem as imagens fotográficas palpáveis, que
servem para representar as qualidades, as idéias mentalmente imaginadas.
A seguir se feita a análise das funções do Laboratório, justamente o
momento em que as imagens se revelam, se tornam materiais, palpáveis, dando
início a um novo encadeamento de signos, que são as semioses, as ações do signo,
originadas em cada imagem fotográfica revelada.
3.6. A REVELAÇÃO - O LABORATÓRIO
A alquimia fotográfica vai metamorfosear a luz em cor. É isso, o trafego,
o intercâmbio, o desprendimento, o "milagre da transubstanciação"
Philippe Dubois
Se nesta dissertação o Laboratório para revelação e ampliação em preto e
branco, aparece como um dos últimos tópicos abordados, na organização do curso,
entretanto, foi a primeira iniciativa realizada, pois acredita-se que, se os alunos
trabalhassem dentro deste universo, compreenderiam de forma mais eficaz o
processo da linguagem fotográfica como um todo.
182
Foi muito bom. Aprendi a rebobinar o filme numa câmera escura, a revelar, ampliar e
a editar meu próprio trabalho. Sinto que o uso de filmes, torna o aprendizado mais reflexivo.
Foi a melhor maneira para compreender as verdadeiras técnicas da fotografia.
Claudio Tibúrcio
O laboratório é o espaço onde todos os princípios básicos da Fotografia se
apresentam e convergem para produzir a imagem final. Ele próprio é uma câmera
escura, que por sua vez agrega as químicas responsáveis pelas revelações e
ampliações, além dos componentes óticos e de luz que fazem parte dos
ampliadores. A função do ampliador é fornecer luz para iluminar o negativo. Possui
uma lente, com diferentes diafragmas, como as câmeras, para focalizá-lo sobre o
papel fotográfico virgem, dando-lhe ao mesmo tempo o grau de aumento (ou
redução) desejado. Duas lentes plano-convexas (condensadores) asseguram que
a luz projetada mantenha-se paralela e uniforme.
É, portanto, uma oficina de trabalho, palavra esta contida em seu próprio
nome Laboratório, contexto coletivo que promove o compartilhamento solidário de
seus integrantes, visto que implica a manipulação dos equipamentos e das químicas
de forma cuidadosa e respeitosa. Este partilhar acontece também no acender da luz
branca, necessária para a visualização final das fotografias, que pode ser
acionada depois da última imagem fixada, ou seja, cada um espera pelo todo e por
todos. Sem contar que a iluminação ambiente, composta apenas pelas luzes
vermelhas e mortiças das lanternas de segurança
90
, também induz à calma e ao
diálogo. Por iniciativa dos próprios alunos, talvez sugestionados pelo contexto, no
laboratório havia um toca fitas, cujo som era selecionado por eles. Desta forma,
acontecia um compartilhar do conhecimento de modo prazeroso e ético.
Os processos realizados dentro de um laboratório de fotografia se subdividem
em dois estágios. O primeiro consiste na revelação dos filmes que até então, contêm
registrada, nas suas emulsões, as imagens latentes, geradas pela exposição da luz.
A revelação é o processo que transforma a imagem latente registrada no filme
fotográfico em imagem visivel por meio de processo químico. Tais reações químicas
são influenciadas pela qualidade do filme e do revelador (agente químico),
concentração e diluição, temperatura, agitação e tempo. O processo completo inclui:
interrupção do revelador, fixação, lavagem e secagem dos negativos.
Aqui está um dos aparentes paradoxos da fotografia: se para fotografar
precisamos de luz, da irradiação do objeto, para a revelação necessitamos do seu
90
A lâmpada vermelha ilumina o laboratório sem danificar os materiais fotossensíveis.
183
avesso, necessitamos do breu (ausência de luz), pois os filmes sensibilizados com a
prata não admitem sua presença neste ponto do processo. A revelação faz-se em
câmera escura.
A luz é, portanto, o que é necessário ao surgimento da imagem, mas é
também o que pode fazê-la desaparecer, apagá-la, eliminá-la por inteiro: é
preciso se proteger dela tanto quanto procurá-la. Em suma, o corpo
fotográfico nasce e morre na luz e pela luz. (DUBOIS, 2006, p.221)
A luz é, além da matéria física, a matéria semiótica do objeto e do
interpretante do signo imagem. Sua manifestação é o contínuo semiótico que liga o
referente fotográfico inicial (o objeto) com sua atualização nas imagens finais
reveladas (interpretantes), que são os signos da imagem latente original, registrada
no negativo.
Aproximadamente após dois meses da iniciação do curso, os alunos
entravam no laboratório.
Os exercícios de revelação dos negativos começavam com o treinamento
tátil, com filmes inutilizados, aproveitados somente para esse fim, até todos estarem
aptos para o processo real, isto é: quando os filmes originais seriam retirados das
bobinas, cortados e enrolados nas aspirais. É um processo delicado, pois qualquer
manobra mal feita pode inutilizá-los para sempre. Tudo na mais absoluta escuridão.
Aqui, entrava novamente a mudança dos sentidos. Para todos que enxergamos é a
ruptura total da visão. A luz que faz ver era agora substituída pelo tato, pela audição.
O som passava a ser o segundo aliado. O negativo produz um ruído específico
enquanto corre nas aspirais. É preciso colocá-lo perto do ouvido e escutar seu
chiado. É realmente um chiado, é preciso ser onomatopaico, como vimos ao longo
deste trabalho. O barulho correto é chiiiiiiiiii. também o ir e vir da bobina,
manobra que igualmente confirma a certeza do bom andamento do processo.
Esse procedimento de alteração da percepção foi fundamental quando no
trabalho da fotometria, em que números eram substituídos por escalas de cinzas e a
visão pela mentalização.
Ensaio geral vida real - revelavam-se os filmes - que se transformavam em
negativos, nas matrizes reprodutoras das imagens eleitas e registradas por eles.
Realizado esse procedimento, partia-se para o aprendizado das ampliações que são
as imagens negativas transformadas em positivas quando passadas para o papel e
que, por sua vez, são possíveis de serem multiplicadas ao infinito, similares àquelas
184
"que a prensa manual, e mais tarde mecânica, havia trazido para a linguagem
escrita" (SANTAELLA, 2001, p. 123).
A revelação no papel se de forma análoga ao negativo, apresentando,
porém uma característica diferente, como se constata nas palavras de Busselle:
A emulsão
91
do papel fotográfico é basicamente a mesma existente nos
filmes comuns, salvo pelo fato de ser sensível a apenas uma parte do
espectro colorido, e essa característica permite o uso de uma lâmpada de
segurança. Conseqüentemente, o papel é processado em banheiras sem
tampa, e não nos tanques velados à luz, necessários aos filmes. Assim
pode-se observar o aparecimento da imagem ocorrido durante a revelação.
(BUSSELLE, 1977, p.174)
Voltando à história, aquele instante em que Niépce viu pela primeira vez a
imagem revelada e fixada deve ter sido o intenso, tão sóbrio, como intensa e
sóbria era a fotografia que representava a vista da janela do sótão de sua casa de
campo em Le Gras.
184. Le Gras - Châlons sur Saône França - 1826 foto: Niépce
91
O material sensível utilizado atualmente compõe-se de duas camadas básicas: uma emulsão (sais
de prata sensíveis à luz, suspensos em gelatina) aplicada sobre uma base transparente
(normalmente feita de acetato). A despeito de décadas de processo, o processo fotográfico continua
subordinado, ainda hoje, à ação da luz sobre sais de prata, ou - em termos mais exatos - sobre os
haletos de prata.
Quando atinge o filme, a luz afeta a estrutura básica dos haletos de prata - cada um dos grãos -
existentes no interior da camada da gelatina. Quanto maior a quantidade de luz que atinge essa
camada, maior o número de grãos afetados (BUSSELLE, 1977, p. 38).
185
Roland Barthes descreve esse momento, o da visualização da primeira
imagem, com tal intensidade e vigor, que o retira do planeta, da órbita, do pegar do
homem:
{...} ele sabia, no entanto, que estava face a face com um mutante (um
marciano pode parecer com um homem); sua consciência colocava o
objeto encontrado fora de qualquer analogia, como o ectoplasma ―do que
fora‖: nem imagem, nem real, um ser novo, verdadeiramente: um real que
não se pode mais tocar. (BARTHES, 2003, p. 130)
A escolha do método pelo antigo processo preto e branco tem, portanto,
razão de ser: preto e branco, presença e ausência de luz, zero e um. Este bit de
informação torna claro um fundamento lógico e objetivo da idéia da construção da
imagem. Esta simplificação é de fato interessante para a lógica pedagógica do
ensino da fotografia, pois, ao invés de ser tomada como obsoleta ou redutora, ela
em realidade é reveladora, pois "o trabalho de escrita fotográfica tem uma realidade
e uma espessura tanto mais perceptíveis quando assenta na convenção e na
abstração do preto e branco" (BAURET, 1992, p. 81).
A princípio, no momento da ampliação, do negativo revelado, acontece o
que se pode chamar de o instante da surpresa, do deslumbramento, do sobressalto:
é a imagem aparecendo no branco absoluto do papel, surgindo devagarzinho, se
revelando aos olhos, como naquela primeira vez; não da mesma forma física, mas
causando impacto parecido ao descrito por Barthes.
Na maioria das vezes, não em Diadema, como atualmente na
Universidade percebe-se esse arrebatamento nos alunos e, por incrível que pareça,
depois de tantos anos, continuo compartilhando esta emoção (palavra quase
emulsão), pois apesar de conhecer os bastidores deste processo físico-químico,
essa visão, a do nascimento da imagem, parece sempre mágica, a que de outro
modo também falou Walter Benjamin da imagem fotográfica, ao afirmar que "a
técnica mais exata pode dar às suas criações um valor mágico que um quadro
nunca mais terá para nós" (BENJAMIN, 2008, p. 94).
Ao trabalhar no laboratório, o aluno transforma-se em laboratorista, isto é, no
ator que representa sua obra, que a interpreta, pois as ampliações são feitas uma a
uma; debaixo de testes de tonalidade, de diluições químicas, de controles de
temperatura, enfim, é o ofício do artesão vinculado ao tecnológico. Quem executa
o processo, entende o processo.
186
Entre o negativo revelado e a ampliação das cópias, acontece um hiato
fundamental deste procedimento - a edição das fotos - realizada por meio das
provas de contato que é o espaço onde se tem a visão geral do trabalho, onde com
uma lupa ele examina e analisa cada fotograma. É a hora da escolha, da decisão.
185. pia Contato fotos: Beatriz Albuquerque
Editar sua própria produção envolve os saberes apreendidos, como se vê nas
palavras de Kossoy (2002, p.42):
A produção da obra fotográfica diz respeito ao conjunto de mecanismos
internos do processo de construção da representação, concebido conforme
uma determinada intenção, construído e materializado cultural,
estético/ideológica e tecnicamente, de acordo com a visão particular de
mundo do fotógrafo.
Esta é a hora em que os afluentes devem desemborcar no mesmo mar: para
o aluno a edição é a hora da crítica reflexiva, da consciência do inacabado, da
tomada de decisões, do separar o joio do trigo, que implica no descartar. Nesses
aspectos cada fotograma é único. De outro modo, considera Robeilton de Moraes:
187
Os professores diziam que para a grande maioria dos trabalhos realizados, inclusive
por grandes profissionais, só uma porcentagem das fotos era usada. O resto você descarta.
Para o professor, compartilhar a edição com os alunos deve conjugar rigor e
respeito aos saberes do aluno, para que as críticas não tenham caráter de ruptura,
mas de superação.
A superação e não a ruptura se dá na medida em que a curiosidade
ingênua, sem deixar de ser curiosidade, se criticiza. Ao criticizar-se,
tornando-se então curiosidade epistemológica, metodicamente
"rigorizando-se" na sua aproximação ao objeto, conota seus achados de
maior exatidão.
{...} o pensamento certo que supera o ingênuo tem que ser produzido pelo
próprio aprendiz em comunhão com o professor formador. {...} É pensando
criticamente a prática de hoje ou de ontem que se pode melhorar a próxima
prática. (FREIRE, 2009, pp. 31 e 39)
Compartilhando o conhecimento como uma ação ética, de linguagem de
encadeamento lógico, o professor chega a seu objetivo maior - a transmissão do
conhecimento como um instrumento no processo de libertação e desenvolvimento
de consciência crítica do aluno. Estas situações podem ser observadas nas palavras
de Robeilton Santos de Moraes e Diego Cunha:
Lembro que uma vez um professor me falou sobre a questão da luz e do
enquadramento: agora acabou a época da inocência. Nunca mais você vai olhar um filme
como você olhava até pouco tempo atrás. Você vai ver de outra maneira, Eu nunca mais
esqueci.
Outro diferencial era a liberdade de escolher o tema do trabalho que íamos
desenvolver e ainda com a liberdade para errar quantas vezes fosse preciso.
A edição que gera as ampliações finais, como toda operação da linguagem
fotográfica, começa como se viu, antes mesmo do momento do click, do ato de
fotografar, com a escolha da luz, das objetivas, dos cortes dos enquadramentos, e
evolui até aquilo que se pode chamar, importando de outros universos, de pós-
produção, quando a partir da revelação do negativo e ampliação em cópias, chega-
se a uma imagem-objeto, palpável, não mais latente, que vai possibilitar infindáveis
semioses e processamentos. Principalmente o pprio refinamento da percepção e
leitura visual de quem domina o processo fotográfico e a cultura fotográfica que dele
decorre.
188
3.7 IMAGENS DO INSTANTE - O CORTE
A foto é uma fatia do espaço bem como do tempo
Susan Sontag
Dentre as questões mais complexas no processo de aprendizado da
Fotografia, algumas das quais expostas ao longo deste trabalho, o tema do corte,
da escolha dos ângulos, a ser tratado neste tópico, que à primeira vista parece ser o
mais simples, revela-se, na realidade da sala de aula, a prática mais lenta e difícil de
ser assimilada pelos alunos.
Refletindo a respeito desta questão, percebe-se que ela tem uma razão de ser,
pois estando o corte diretamente relacionado ao momento do click, ele aglutina em si
todas as eleições anteriores, ou seja, a prévia escolha dos temas, dos filmes, das
objetivas e dos tipos e medidas da luz. É, portanto, a consolidação da ação, que
encerra em si o próprio ato fotográfico.
O corte tem relação com as operações simbólicas genuínas de linguagem em
função das informações transmitidas, a comunicação das idéias e os valores
estéticos que carreiam o teor afetivo e emocional da imagem. Nisto, por exemplo, se
inclui a atualização do passado, por meio da excitação da memória, que é feita pela
imagem congelada na fotografia.
Tanto em Diadema, quanto na Universidade, o início da prática do
enquadramento procedeu de forma absolutamente igual. O que isso quer dizer? Que
a princípio a grande maioria dos alunos colocava o referente ou seu objeto de
interesse no centro da imagem, como se pode verificar nas fotos da página 190. Esse
fato, novamente confirmado, havia chamado a atenção na Casa da Fotografia. É
provável que essa centralização intuitiva aconteça motivada por alguns fatores tais
como a falta de prática, tanto relacionada à tecnologia dos aparelhos quanto ao seu
manuseio, além de eventos de ordem cultural e emocional.
As câmeras amadoras, com suas operações programadas para funcionar
automaticamente, permitem que seus usuários se preocupem apenas e tão somente
com o enquadramento, como se viu anteriormente. Se esta ação tivesse um som
seria -pum: olhou-emoldurou-clicou. Embora essa sequência nem sempre garanta
189
um bom resultado, ela ao menos assegura ao operador o não se ocupar por
antecipação, ou seja, a pré-ocupação necessária quando se usam câmeras
profissionais.
Muitas manobras o exigidas entre a preparação e o instante do click. É
possível comparar o início deste aprendizado, aos motoristas principiantes, quando
se encontram dirigindo em dias chuvosos, na hora do rush e, para piorar, em ruas
íngremes. A aflição é grande! São tantos fatores a ponderar. Os espelhinhos
retrovisores, por exemplo, para que lado olhar? Como se não bastasse um, são dois.
E a embreagem, como controlar? Bem que poderia ser diferente, mas não é. A
embreagem funciona em relação direta com o breque. Se solta antes do tempo, o
carro vai para trás, se não, é o breque que pula e faz o carro morrer. Jamais
conversar nesse momento, o pensar está voltado apenas para os procedimentos
mecânicos do carro, para que tudo certo até que o percurso termine. E assim é
também com as câmeras profissionais. de se pensar meticulosamente em tudo
nesse começo.
Com a câmera em punho, parte o fotógrafo principiante: verifica a
sensibilidade do filme, se o ISO
92
estiver alterado todo o trabalho será perdido.
Escolhe a objetiva, fica na dúvida, se grande angular, teleobjetiva ou normal. Por fim
decide- se, mas sem muita convicção. E a luz? Essa, o fotômetro indica. Pensa no
diafragma cujo efeito é a profundidade de campo. O obturador, sim ele trabalha junto
com a abertura da lente, mas e o resultado? O resultado é o movimento. Será que a
fotografia vai tremer? Será que eu vou tremer? Tudo certo? Sim, tudo certo.
Relaxamento total, porque agora ele vai fazer a única coisa que julga ser
fácil. Afinal apertar o botão do disparador é fato que ele domina com perfeição,
sempre dominou, pois fez esse movimento mais de mil vezes em sua câmera
amadora. Parte então à procura do referente. E para sua surpresa, es ele, bem
no meio de seu visor. Depois de tanta tensão, nenhuma dúvida lhe ocorre nesse
momento, pois além da presença, seu objeto está ali, centralizado. Culturalmente,
92
ISO (International Organization for Standardization) é a fusão dos sistemas ASA (American
Standards Association, americano) e DIN (Deutsches Institut für Normung, alemão). Esse sistema
de classificação da sensibilidade do filme é aritmético: por exemplo, um filme de ISO 400 é duas
vezes mais rápido do que um de ISO 200, exigindo metade da exposição. Por outro lado, tem
metade da velocidade de um filme de ISO 800, necessitando do dobro da exposição deste. Quanto
maior o número ISO, maior a sensibilidade, e maiores são os grãos dos brometos de prata,
resultando numa imagem com pouca resolução.
A sensibilidade dos filmes mais comuns são: ISO 32, 50, 64, 100, 125, 160, 200, 400, 800, 1600 e
3200.
190
ele sabe que aquele que brilha é o centro das atenções, que quem está no centro do
pódio é o vencedor. Ele próprio agora um vencedor, Luz, câmara, ação - Click.
186. Trabalhos iniciais dos alunos do 1º semestre em Fotografia - Universidade Presbiteriana Mackenzie
Se com esta apresentação ligeira do devir de todo um processo fotográfico
pretende-se demonstrar que o corte, importante recurso de linguagem que é, deve
ser construído de forma lógica, ideológica, assim como todas as outras operações
anteriores: luz, objetiva, obturador, diafragma, também componentes da linguagem;
pois de outro modo corre-se o risco deste procedimento ser um quase ato aleatório,
como se vê na maioria dos desempenhos amadores.
Se o aprendiz necessita de um tempo próprio para automatizar os métodos
que antecedem o corte; o corte por sua vez é ele próprio constituidor de um tempo,
pois seja qual for o referente que o motiva, é sempre ele que unificará a imagem em
um determinado contingente temporal e espacial.
Fisicamente, o corte visível nas câmeras 35 mm é feito pelo visor de formato
retangular. O olhar do senso comum está acostumado a enxergar sem que nenhum
obstáculo se sobreponha a sua frente. Olhar através do visor constitui um
aprendizado, uma mudança de hábito. No início a observação do quadro parece
acontecer parcialmente, como se o aluno/fotógrafo estivesse com viseiras. Pode-
se identificar esse fenômeno, pela quantidade de objetos que aparecem nas
imagens, alheios ao interesse da informação. Em uma classe de iniciantes da
Universidade contaram-se no conjunto das fotos apresentadas 72 latas de lixo em
cena. Elas brotavam indiscriminadamente em retratos, em fotos de arquitetura da
191
escola, nas quadras de esportes, enfim em qualquer lugar, sem que eles
percebessem sua presença, na hora de fotografar. depois de vistas no geral dos
trabalhos, tomaram consciência de sua existência.
Se, como diz Arnheim (1962, pp. 306, 307), "o movimento é o mais intenso
foco visual da atenção" e "o tempo é a dimensão da mudança‖ é a partir destas
reflexões críticas, como no exemplo acima, que o principiante começa a afinar e a
aguçar seu olhar, construindo desta maneira uma imagem mais adequada às suas
idéias de linguagem. Olhar, portanto, através damera é um comportamento
aprendido. O olhar atento é construído, é um processo lógico, consciente, passível
de controle e auto-correção, portanto científico.
Se as possibilidades em fotografia são infinitas, essa conduta, a da atenção,
vai aos poucos se ampliando e solidificando também em relação aos demais
procedimentos que constituem a imagem como um todo.
Se foram observadas até aqui alguns comportamentos do aluno em relação
ao corte, veja-se agora como ele próprio, o corte, se comporta em relação ao ato e à
linguagem fotográfica.
O fundamento do corte é que ele estabelece uma relação indissociável com o
espaço e o tempo. Serão abordados aspectos desta questão, iniciando a reflexão
pela incisão física do fotograma, que em termos temporais e espaciais é feita em um
único gesto, no apertar do disparador, assim como, por inteiro será revelado. Esse
traço de sincronismo, por exemplo, distingue radicalmente a fotografia da pintura,
pois o espaço da pintura corresponde ao espaço da tela, preenchida camada por
camada, em um tempo determinado pelo pintor, enquanto o quadro da fotografia
delimitado pelo visor retira a um só instante uma fatia da realidade existente e
contínua.
Ali onde o fotógrafo corta, o pintor compõe; ali onde a película fotossensível
recebe a imagem (mesmo que seja latente) de uma só vez por toda a
superfície e sem que o operador nada possa fazer para mudar durante o
processo (apenas o tempo de exposição), a tela a ser pintada pode
receber progressivamente a imagem que vem lentamente nela se constituir,
toque por toque e linha por linha, com paradas, movimentos de recuo e
aproximação, no controle de centímetro por centímetro da superfície, com
esboços, rascunhos, correções, retomadas, retoques em suma, com a
possibilidade de o pintor modificar a cada instante o processo de inscrição
da imagem. Para o fotógrafo, apenas uma opção a fazer, opção única,
global e que é irremediável. Pois uma vez dado o golpe (o corte), tudo está
dito, inscrito, fixado. (DUBOIS, 2006, p.167)
Enquanto ao pintor é permitido o arrependimento, ou novas escolhas durante
192
o processo, o arrependimento do fotógrafo requer sempre um novo click, uma
nova escolha, resultado do caráter inalienável da indicialidade. Para se pincelar uma
nova luz ou ajeitar um determinado ângulo, é preciso um novo disparo. Não é dada,
portanto, à imagem fotográfica a possibilidade do pentimento
93
.
187. A Virgem do Prado - 15005 -. Rafael Museu Kunsthistorisches - Viena - Reprodução (GOMBRICH, 1979, pp. 15, 16)
93
Pentimento: À medida que o tempo passa a tinta velha em uma tela muitas vezes se torna
transparente. Quando isso acontece é possível ver em alguns quadros, as linhas originais: através de
um vestido de mulher surge uma árvore; uma criança dá lugar a um cachorro e um grande barco não
está mais em mar aberto. Isso se chama pentimento, porque o pintor se arrependeu, mudou de idéia.
Talvez se pudesse dizer que a antiga concepção, substituída por uma imagem ulterior, é uma forma
de ver, e ver de novo, mais tarde. (HELLMAN, 1980, p. 1)
193
Se ao signo fotográfico não é dada nenhuma possibilidade de mudança, pois
sua essência de imagem do instante permanecerá eternamente solidificada no
tempo e no espaço depois da tomada, pois o referente, qualquer que seja a "coisa"
fotografada é, em última análise, o instante. A foto é o instantâneo. Ao fotógrafo,
entretanto cabe ainda um volver. O arrependimento do fotógrafo será fruto de muitos
cortes de edição, realizados posteriormente, depois do filme revelado, visualizado no
positivo, na prova de contato
94
·, em que cortes integrais e ou parciais tomam a forma
de escolhas. O domínio pleno das operações genuínas de linguagem.
É nesse espaço de tempo que o fotógrafo transforma o instante do ato
fotográfico em continuum; como se no posterior da edição o próprio tempo lhe
concedesse o que anteriormente só cedeu ao pintor.
188. As múltiplas escolhas, antes da tomada das fotos. Reprodução alterada para preto e branco (BUSSELLE, 1977, p 10).
Denominam-se, aqui, corte integral a edição de um ou vários fotogramas,
escolhidos por inteiro, dentre o geral do trabalho, em que a sobra das imagens é
considerada o resto, o lixo do fotógrafo (às vezes maior que a própria produção); e
corte parcial aquele obtido na hora da ampliação, quando são censuradas partes
dessas imagens editadas que não interessam ou interferem no resultado final da
plástica e/ou da informação desejadas.
Para facilitar o entendimento, apresentam-se nas fotografias da página a
seguir estes dois modos de edição realizados na famosa fotografia O Guerrilheiro
94
Prova de Contato: Todas as tiras de negativos são colocadas lado a lado em uma única folha de
papel fotográfico para serem positivadas em conjunto. Esse procedimento permite ao fotógrafo ver
seu trabalho de forma global.
194
Heróico, de Alberto Korda cujo corte fez parte integral da imagem divulgada em todo
o mundo.
189. Korda com a seqüência de fotogramas foto: Marcos Lopez - Cuba, 1996
190. Corte Integral - escolha da foto a ser ampliada entre os diversos fotogramas
191. Corte Parcial: corte delimitado no contato e realizado na hora da ampliação
195
Tanto os recortes impostos pelas câmeras como os realizados na hora das
ampliações demandam igualmente do fotógrafo um novo olhar que vai além da
simples observação. Requer um olhar interno, ideológico, cultural.
muitos fotógrafos que enfatizam esse recurso ideológico e simbólico
contido no corte. Tomem-se como exemplo os trabalhos do fotógrafo Luís
Humberto
95
cujas fotos são apresentadas em sala de aula, com a intenção de
demonstrar como seus enquadramentos insólitos questionam a idéia maniqueísta do
certo e do errado, induzindo desta forma o aluno a assumir, sem receio, suas
próprias identidades plásticas, além do acesso a análises menos convencionais e
mais conceituais, questões fundamentais na leitura da linguagem fotográfica.
192. Álbum de Família 193. Palácio do Planalto - 1979 fotos: Luís Humberto
Arlindo Machado ao analisar a foto do Planalto demonstra essa interpretação
de linguagem, em que o recorte e o ângulo são ideologicamente orientados.
A foto de Luís Humberto, tirada no Palácio do Planalto em 1979, mostra
uma fila de bajuladores cumprimentando alguém que provavelmente é o
presidente Figueiredo - mas não se pode dizer com segurança porque as
cabeças foram decapitadas pelo recorte do quadro. Degolados os pescoços
a cena perde o referencial histórico imediato, mas em compensação ganha
um sentido novo, propositalmente introjetado na foto através do
enquadramento insólito; ela advém de uma caricatura mordaz da
subserviência ao poder. (MACHADO, 1984, pp. 78 e 79)
95
Luís Humberto Martins - Rio de Janeiro, 1934 - Arquiteto, foi co-fundador da Universidade de
Brasília (1962), onde lecionou fotografia. Fotógrafo desde 1966. Trabalhou nas revistas Realidade,
Veja e Isto é. Foi diretor de arte e editor de fotografia do Jornal de Brasília. Recebeu o prêmio Nikon
Photo Contest International, Tóquio, Japão (1975) e o Prêmio Augusto Rodrigues de Fotografia da
Info-Funarte e Universidade Santa Úrsula, Rio de Janeiro (1989). Desenvolve trabalho de expressão
pessoal e escreve ensaios teóricos sobre fotografia.
196
E é justamente esse outro olhar, que torna ambos - tanto a imagem fotográfica
em si, quanto o espectador (no caso o aluno) - interpretantes de novos conceitos,
significados simbólicos, idéias que surgem para além daqueles que são diretamente
presentes na representação figurativa das imagens.
Veja-se, entretanto, como estes cortes físicos e espaciais, são de fato
indissociáveis, na fotografia, do corte temporal. Para exemplificar essa relação foi
escolhida a obra co_autoria
96
da artista plástica Rozélia Medeiros, posando grávida
de seu primeiro filho para o marido, pai e fotógrafo das cenas, resultando daí a
poética do título do trabalho.
194. co_autoria fotos: Pedro Tavares de Lima - 1981
96
Trabalho publicado em site da Universidade de São Paulo - (http://www.multiplicidades.art.br./)
197
Tentando estabelecer uma síntese descritiva desta experiência fotográfica,
muito a dizer: de imediato o que salta aos olhos nesta obra é o da inversão do uso
da prova de contato, utilizada, aqui, como o original do trabalho e não no seu uso
comum de rascunho. Quando a artista faz esse gesto é como se ela retirasse do
fotógrafo parte de seu próprio tempo, que é o tempo da escolha, da edição. Além
disso, ao aglutinar todos os fotogramas a um tempo de tomada, ela subverte o
próprio ato fotográfico que consiste no registro de imagens singulares, fotografadas
uma a uma, em seus instantes únicos.
Mas se for eliminada a intenção da artista e voltando à tira dos fotogramas
(recortados, portanto editados do geral do trabalho) ver-se-á que os signos
fotográficos estão ali, intactos, únicos, paralisados no tempo e no espaço, ou seja,
não perderam suas características básicas, mas sim adquiriram um adendo, uma
nova leitura, um novo interpretante, signo subsequente no encadeamento do
processo semiótico característico de todos os signos, ou seja, a semiose ou ação do
signo e, como tal, também o fotográfico.
Outro estranhamento que se apresenta visível é o envelhecimento do papel
fotográfico que passou pelo tempo evolutivo, pois "não há matéria que possa resistir
à corrosão do tempo" (SANTAELLA, 2001, p. 82), comparado à imagem congelada
dos referentes, que permaneceram e permanecerão em eterna gravidez, jovens para
sempre, visto que "na foto, alguma coisa se pôs diante do pequeno orifício e
permaneceu para sempre" (BARTHES, 1981, p.117).
A fotografia, observada por esse ângulo, "abandona o tempo crônico, real,
evolutivo, o tempo que passa como um rio, nosso tempo de seres humanos inscritos
na duração, para entrar numa temporalidade nova, separada e simbólica" (DUBOIS,
2006, p.168). Logicamente, esta prova de contato poderia ter sido refeita, o que
remontaria a uma nova leitura, visto que tanto a representação das imagens e o
papel estariam igualmente preservados. Esse refazer que independe do tempo da
tomada é outra característica fundamental do universo fotográfico.
Talvez o traço mais revolucionário, que marcou o salto de transformação da
fotografia em relação às imagens produzidas manualmente, não se encontra
tanto na mediação do aparelho interpondo-se entre o fotógrafo e a realidade
a ser registrada, nem na automatização do ato que esse aparelho permitiu,
mas na possibilidade de multiplicação infinita de fotos a partir de uma matriz
reprodutora, o negativo. (SANTAELLA, 2001, p. 123)
198
Ao observar o primeiro fotograma detectam-se dois tipos do corte ocorrendo
simultaneamente. o eles: o determinado pelo obturador e o registrado pelo visor.
O obturador operado em baixa velocidade não brecou o movimento das mãos,
nitidamente borradas, nem o deslocamento da perna, que aparece ligeiramente
tremida em decorrência da ação. Se por um lado podemos sentir claramente essa
locomoção do referente, por outro esse "movimento do movimento" foi literalmente
petrificado pelo corte do visor na hora do disparo.
ainda outro tipo de ação do movimento, desta vez provocado pelos cortes
sequenciais das imagens como se fossem fotogramas de cinema, em as cenas,
filmadas quadro a quadro, são posteriormente deslizadas na projeção, evocando
desta forma a percepção do movimento. Essa sensação cinematográfica é dada
também pela postura da artista modelo, que em nenhum momento encara a
máquina, pois como salienta Dubois (2006, p. 182): "no cinema o que se chama de
"olhar para a câmera" quase foi banido dos usos tradicionais {...} o risco (desse tipo
de olhar) é romper o universo fechado da ficção, marcar no campo a presença do
operador".
199
Se no cinema, assim como na fotografia, a presença do sujeito da enunciação
(do operador) está sempre fora da cena, nesse caso, inversamente, ela está contida
no último fotograma, inserida pelo reflexo do espelho. Ao entrar em cena, o fotógrafo
que até então era apenas uma presença indicial, passa a ser uma representação
"real" dentro da imagem, assim como todo o extra-quadro, antes censurado pelo
corte do visor, torna-se agora visível nas roupas penduradas no cabide. Essa ação
do fotógrafo, não só registrou o próprio ato fotográfico, levandocontemplação seu
exato contra campo, ou seja, sua própria enunciação, captada na ação que a
constitui, maneira de operar, no mesmo instante, a ida e volta do sujeito ao objeto"
(DUBOIS, 2006, p.198), como também provocou uma nova ação no tempo, pois se
até esse momento ele estava fisicamente ausente, passa agora a ser integrante
deste outro tempo, do tempo consolidado, que não mais evolui, que é o tempo da
imagem.
Neste último fotograma ainda uma condição técnica, a do diafragma, que
deve ser observada, como na questão do obturador trabalhando em baixa
200
velocidade no primeiro quadro. Se, em termos de linguagem, nesse caso a
linguagem do afeto, o fotógrafo que em tempo era o pai e o marido desejou também
se incluir na imagem, por causa de uma limitação técnica, esse seu gesto que seria
de inclusão passou a ser de exclusão, pois ao se projetar no cenário, ele excluiu
não só pelo ângulo, mas pelo desfoque as figuras principais da cena, que são mãe e
filho (este, até então, apenas indicializado pelo volume da barriga).
Considere-se tecnicamente a situação do desfoque neste fotograma: o ponto
focal nas imagens refletidas nos espelhos não se encontra em sua superfície
física
97
, mas sim duas vezes da distância de seu objeto, por esse motivo o foco foi
jogado para trás (duas vezes distante do fotógrafo e provavelmente uma vez e meia
da mãe). Com o diafragma aberto
98
, o que prevalece é o código do aparelho que
nessa situação produz uma imagem de curta distância focal, resultando, portanto
foco em apenas um dos planos. De outro modo: se o primeiro plano (a mãe)
entrasse no foco, a imagem do fotógrafo no espelho (plano de fundo) sairia
desfocada e vice-versa.
Aqui uma última leitura deste trabalho, conjugada a um último gesto
ideológico e intelectual do fotógrafo que, ao abaixar a câmera no momento do click,
privilegia o seu rosto no reflexo do espelho e não a máquina; e ainda contido nesse
mesmo gesto está o fato de que ele, mesmo sem enxergar a futura imagem (visto
que a câmera não está diante de seus olhos) pode prever, por antecipação, seu
registro final, sendo esta uma das intenções básicas que permearam toda esta
proposta de ensino, onde as idéias, códigos e razões técnicas se entrelaçam nas
bases desta atitude.
97
Não se tratará aqui das inúmeras questões filosóficas que envolvem o espelho na imagem
fotográfica, nem em questões de ordem da física que explicam as distintas distâncias focais nos
diferentes tipos de espelhos sejam eles planos ou esféricos.
98
Relação obturador/diafragma: velocidade lenta conjugada à maior abertura da objetiva, obtém
como resultado maior entrada de luz no fotograma.
201
4 - CONSIDERÕES FINAIS
195. Espaço 9 foto: Paula Ramos
202
4.1 TU JA LE
dois modos de bloquear o caminho do conhecimento:
presumir a impossibilidade de se conhecer a verdade ou
assumir que a verdade já é conhecida
Charles Sanders Peirce
Essa dissertação é resultado de uma dupla experiência, a primeira, de caráter
prático, foi o curso de fotografia realizado em Diadema, e a segunda, de base
reflexiva, foi a análise deste curso, que resultou na grande aventura de encontrar os
conceitos e idéias gerais concebidos por outros autores que descrevem com grande
aproximação o que realmente ocorreu no processo de descoberta da fotografia,
pelos alunos, como instrumento de representação e atuação no mundo. Paulo Freire
com sua metodologia pedagógica crítica e libertadora e Charles Sanders Peirce com
o conceito de abdução, que sintetiza todo o modo como a inteligência cognitiva
humana lida com o surpreendente, com o novo, com o desconhecido. Tais
concepções, em conjunto são capazes de explicar e propor objetivamente ações às
quais se devem os sucessos desse tipo de empreitada.
Contextualizar, ter disponibilidade afetiva e curiosidade foi o que se procurou
tanto na primeira quanto na segunda experiência e foi a confirmação principal do
modelo conceitual aplicado.
Enquanto em Peirce encontrou-se uma prática que se expressa num método,
abdução, em Freire, encontrou-se um método que se expressa numa prática,
alfabetização. Ambos se encontram num mesmo paradigma. Ambos são
pragmáticos.
Para Peirce isto se configura especialmente na forma do que ele chama de
Inferências Abdutivas, ou Abdução, instância dos processos inteligentes nos quais o
novo, o indeterminado, tem lugar e as idéias ou hipóteses explicativas iniciais se
formam.
Pensar ou raciocinar abdutivamente (ou criativamente) é inerente à condição
humana, inclusive essencial à sobrevivência, por isso se entende que é uma prática
não aprendida, é instintiva, na visão de Peirce. Já, saber ler implica em
aprendizagem, em assimilação metódica de conhecimento organizado, que exige o
203
desenvolvimento de habilidades estabelecidas em modelos gerais, aos quais um
método é inerente.
O comportamento da inteligência humana nos processos de descoberta (e
portanto de aprendizagem), o modo como o pensamento se organiza, como o
raciocínio se processa nos atos criativos e cognitivos, é caracteristicamente
abdutivo. A lógica se traduz num método científico, que deve possuir o caráter geral
do fazer científico. Quando se aprende se está fazendo descobertas e, portanto,
ciência.
Segundo Rizolli (2005, p. 172), no escopo da teoria peirceana a ―Abdução é
razão criativa, movimento semiótico que concebe, observa e explica a peculiar
capacidade humana de reagir criativamente aos desafios da natureza, da mente e
da cultura‖. Nesta colocação sucinta, tudo o que é fundamental saber sobre este
conceito está contemplado, e muito embora, em geral, seja habito associar
criatividade apenas aos processos artísticos, fica fácil compreender que no âmbito
do conceito peirceano de abdução se encontram todos os processos criativos,
científicos, vitais e, portanto, de aprendizagem, que é o caso presente.
O fato de ser razão criativa significa que ―o conceito de abdução é original,
pelo fato de ser o único argumento que inicia uma idéia nova (Peirce, CP 296, apud
Rizolli, 2005, p. 172). O termo original tem dupla conotação, pois se refere ao fato de
que é um processo, raciocínio que origina, é origem de algo inédito, e também ao
fato de que a própria concepção de abdução é original, em relação aos seus
conceitos pares. E, sendo um movimento semiótico, define sua condição estrutural
como um tipo peculiar de semiose, ou um tipo de ação de signo, uma dinâmica
lógica.
Apoiado em sua doutrina fenomenológica, Peirce organiza todo o seu
pensamento em relações tricotômicas, desde as três categorias universais,
passando pelo signo triádico, base de sua semiótica, com três relatos: Signo
(Fundamento), Objeto e Interpretante, até chegar aos três tipos de raciocínios:
abdutivo, indutivo e dedutivo, que fazem parte da fundamentação teórica deste
trabalho. Segundo Santaella (1995, p. 192), posteriormente esses raciocínios foram
integrados como estágios interdependentes da investigação científica.
Toda investigação, de qualquer espécie que seja, nasce da observação de
algum fenômeno surpreendente, alguma experiência que frustra uma
expectativa ou rompe um hábito de expectativa (CP.469). No momento em
que o bito de um pensamento ou crença é interrompido, o objetivo é
204
chegar a outro hábito ou crença que se prove estável, quer dizer, que evite
a surpresa e que estabeleça um novo hábito que o seja frustrado. Essa
atividade de passagem da dúvida à crença {...} Peirce chamou de
investigação. Depois de 1900, {...} tipos de inferência ou raciocínio -
abdução, indução e dedução - passaram a ser considerados como estágios
interconectados da investigação. Todos os três estão alicerçados na idéia
de uma hipótese que é inventada ou proposta pela abdução e que pretende
dar conta do fato surpreendente. A dedução tem por tarefa explicar a
hipótese, deduzindo dela consequências necessárias e permitindo que a
hipótese seja testada. A indução testa a hipótese. {...} Peirce dizia que a
indução avalia a hipótese. (SANTAELLA, 2004. pp. 167,168)
Como a análise aqui realizada é sobre um processo de aprendizagem, o tipo
de raciocínio em que se apoiou foi o Abdutivo, pois é o mais importante nos
processos de ensino e aprendizagem, pelo simples fato de que aquilo que ainda não
se sabe ou conhece sempre é algo novo a ser interpretado, para ser assimilado.
Este processo cognitivo tanto mais será enriquecido quanto mais a liberdade de
criar, sugerir hipóteses explicativas fuja justamente de uma postura educativa
―bancária‖, como diz Freire.
Como é fato sabido, para Peirce todo pensamento se por meio de signos, a
inferência abdutiva ou abdução é um tipo de signo, um dos três tipos de argumento.
Pode-se associar o significado comum de argumento a uma explicação que está
sendo defendida como possivelmente válida sobre algo que é proposto.
Pois bem, uma abdução argumenta apresentando uma similaridade entre
fatos representados como um ícone e alguma explicação conclusiva que, embora
ainda sem ser reconhecida, poderia ser verdadeira, mas sobre o que não pode
afirmar positivamente (cf. CP 1.96, 1997, p. 30).
Esse processo de estabelecer relações por similaridade e levantar hipóteses
explicativas, pode até, inicialmente, parecer inverossímil, como ficou evidente na
explicação do efeito do vermelho nos olhos como sendo fotos de olhos de vampiro,
mas são, na realidade, as bases das explicações futuras e conclusivas.
Em suma, é simultaneamente uma forma lógica, rigorosa, mas também livre e
criativa de buscar respostas verdadeiras. Quando se diz que uma abdução é um
pensamento lógico, é porque se trata já de um primeiro movimento semiótico, dentro
do âmbito de controle da razão lógica, mesmo sendo fruto do instinto, egresso do
universo das qualidades de sentimentos, de sugestões e meras possibilidades de
idéias, afinal uma abdução apresenta relações icônicas, similaridades.
205
A abdução foi concebida como o tipo de inferência que descreve a forma pela
qual o pensamento se movimenta para gerar novas idéias ou também aprender algo
desconhecido por uma determinada consciência. Como diz Rizolli (2005, p.171):
A atenção particular aos detalhes da experiência, proposta por Peirce,
força-nos à aproximação do seu conceito de abdução - faculdade instintiva
e fonte de descobertas humanas que surge, enquanto hipótese, das
contínuas formas de cognição. Vale dizer:
"Em qualquer momento que tenhamos um pensamento, estará presente na
consciência algum sentimento, imagem ou concepção, ou outra
representação, que serve como um signo.‖ (SANTAELLA, op. cit, p. 46)
Nesta citação, dois aspectos são importantes sublinhar. Primeiro, trata-se de
uma faculdade instintiva, ou seja, é um instinto de um ser dotado de razão
consciente. O ser humano, segundo Peirce, é dotado, de forma instintiva, dessa
capacidade de adivinhar corretamente, escolher a razão apropriada para um
conjunto de fatos surpreendentes ou para qualquer fato isolado que desperte
curiosidade (SANTAELLA, 2004, p. 104). O segundo aspecto importante a ser
considerado é que a expressão efetiva desse instinto ou capacidade se na forma
de uma representação, seja ela um sentimento, imagem ou concepção, mas sempre
uma mediação lógica. O instinto humano que se manifesta nos processos abdutivos
se expressa como relações sígnicas, representações do mundo e das idéias, da
relação entre os dois.
Em síntese, o processo de descoberta e apropriação de conhecimento da
forma como a pedagogia de Freire entende é similar e se desenvolve como um
processo abdutivo, sendo possível dizer que seu método é um método que privilegia
e fomenta esta forma de raciocínio como a legítima responsável pelo sucesso na
alfabetização e no desenvolvimento de uma consciência autônoma e crítica.
Reforçando este entendimento, é importante dizer que instinto não é algo de
caráter individual, assim como também não é a linguagem ou representações. São
ontologicamente coletivos e ambientais. Senão vejamos: Santaellla (2004, pp.105,
106) citando Peirce, dizendo que Instinto é reagir de forma adequada às condições
ambientais. No homem a reação adequada é a reação criativa que se volta não
para a satisfação do indivíduo em si, mas para a coletividade. [...] Do começo ao fim,
do vegetal até o homem, para Peirce o instinto é social.‖
A capacidade abdutiva é instintiva no ser humano e se expressa no coletivo,
na identidade coletiva. Capacidade que pode ser oprimida, mas não expropriada.
206
Tal como nos processos abdutivos, o método de Paulo Freire tem como
princípio fundamental trabalhar com o pensamento vivo, o conhecimento vivo, em
estado dinâmico, portanto no contexto em que ele se desenvolve. Isso
necessariamente leva a estados concretos e à experimentação dos processos em
que as relações semióticas e mais diretamente as simbólicas e semânticas ocorrem.
A aplicação do método Freire parte da experimentação sensível e inata da realidade
circundante para, através da interação com esses elementos, selecionar as
referências que facilitem o processo de aprendizagem das formas de representação
escrita, códigos que devem ser aprendidos na alfabetização.
Como exemplo deste todo, que emprestou seu nome para essas
considerações, apresenta-se a situação de um primeiro dia de aula, em uma turma
de alfabetização para adultos, portanto, no início "das descobertas dos mecanismos
da formação das palavras de uma língua silábica como o português que repousa
sobre combinações fonéticas" (FREIRE, 1985, pp 45, 46). Segundo o autor, esses
mecanismos devem ser assumidos pelos alunos de forma crítica e não pela
memorização, pois esta é a única forma de se apropriar de um novo conhecimento.
O Método:
Desde o primeiro dia, se põe com grande facilidade a criar palavras com as
combinações fonéticas postas a sua disposição, graças à separação de
uma palavra como três sílabas.
Tomando a palavra tijolo como a primeira palavra geradora na situação‖
de uma obra em construção. Depois do debate da situação sob todos os
aspectos possíveis, estabelece-se a relação semântica entre as palavras e
o objeto representado por ela.
A palavra visualizada na situação apresenta-se imediatamente depois sem
o objeto. Logo, em sílabas: ti - jo - lo.
À visualização das partes segue o reconhecimento das famílias fonéticas.
A partir da sílaba ti, conduz-se o grupo a reconhecer toda a família fonética
que resulta da combinação da consoante inicial com as outras vogais.
Depois, o grupo, ao descobrir a segunda família pela visualização de ―jo‖,
chega finalmente ao reconhecimento da terceira. Quando se projeta a
família fonética, o grupo reconhece somente a sílaba da palavra
visualizada: ta te ti to tu, ja je ji jo ju, la le li lo lu.
Tendo reconhecido a sílaba ti da palavra geradora tijolo, o grupo compara
estas sílabas com outras, o que leva a descobrir que, se é verdade que
começam da mesma maneira, no entanto, não podem chamar-se todas ti.
O processo é idêntico para as sílabas jo e lo e suas famílias. Uma vez feito
o reconhecimento de cada família fonética, os exercícios de leitura fixam as
sílabas novas.
207
Abordamos neste momento o estágio decisivo, o da apresentação
simultânea das três famílias na ficha de descobrimento.
ta te ti to tu
ja je ji jo ju
la le li lo lu
Depois de uma leitura horizontal e uma vertical, começa a síntese oral. Um
a um, todos criam palavras com combinações possíveis: luta, lajota, jato,
juta, lote, tela, etc. Alguns, utilizando a vogal de uma das sílabas, unindo-a
a outra e acrescentando uma consoante, formam uma palavra.
Ao final da aula, uma história comovente: um analfabeto de Brasília, em sua
primeira tarde de alfabetização, compôs uma frase tu ja le, que em bom
português seria: ‖tu já lês‖.
O ocorrido neste processo de aprendizagem visto, pela visão de Peirce, foi
um insight ou abdução que é um argumento por comparação entre qualidades.
Um Argumento originário, ou Abdução, é um argumento que apresenta
fatos em suas Premissas que apresentam uma similaridade com o fato
enunciado na Conclusão, mas que poderiam perfeitamente ser verdadeiro
sem que esta última também o fosse, mas ainda sem ser reconhecida; de
tal modo que não somos levados a afirmar positivamente a Conclusão, mas
apenas inclinados a admiti-la como representando um fato do qual os fatos
da Premissa constituem um Ícone. (CP 1.96 , 1997, p. 30)
Portanto, associações por similaridade, o levantamento de hipóteses e o
conhecimento prévio contextualizado aparecem tanto nas abduções quanto no
método de alfabetização.
Na verdade, os raciocínios abdutivos são modificações da consciência ou
inferências e tal como foram compreendidos pela teoria peirciana, descrevem o
estágio lógico criativo de todo processo cognitivo, sendo particularmente definidores
na alfabetização. Por outro lado, nos adultos a dificuldade para apreender aumenta,
uma vez que seus hábitos mentais ou regularidades que correspondem ao
conhecimento prévio o mais estratificados, e a disponibilidade natural para
experiências novas comprometidas. Tanto que se torna necessário um esforço maior
para reativar este estado de espírito, estas modificações da consciência.
208
Ao observar as escolhas e a elaboração do método Freire, é possível
estabelecer a relação entre o modelo do processo abdutivo implementado a uma
prática pedagógica. Na primeira fase, nomeada como ―a descoberta do universo
vocabular‖, as chamadas palavras geradoras que virão a ser o gérmen da
alfabetização e utilizadas como ponto de partida (segunda fase) - são estabelecidas
como resultados do exercício comum de educadores e aprendizes, para reconhecer
os valores, sensíveis, sensoriais, emocionais que depreendem da percepção do
contexto existencial.
―Quero aprender a ler e a escrever disse um analfabeto de Recife para
deixar de ser a sombra dos outros(Freire,1985, p. 42). Nesta forma singela, revela-
se uma estranha compreensão poética do poder da consciência da linguagem, do
conhecimento das formas de representação na própria configuração da identidade
pessoal e coletiva. Esta consciência ele tem, não precisa aprender, vem de uma
combinação inata entre instinto, razão e experiência, que se enquadra perfeitamente
na definição conceitual de abdução.
Riqueza silábica, dificuldades fonéticas (em ordem crescente) e conteúdo
prático da palavra são critérios a serem atendidos na escolha das palavras
geradoras. São critérios que reúnem alta combinação percentual de elementos
sintáticos (fonéticos, silábicos, etc.), semânticos (representação e significados) e
pragmáticos (poder de conscientização). Na perspectiva da teoria peirciana, pode-se
traçar uma linha transversal nestes critérios e revelar um aspecto comum de
natureza qualitativa que ilumina todas as relações de representação e interpretação
de valores e conteúdos, aspectos qualitativo-icônicos e de vínculos indiciais, que são
constituintes das representações simbólicas, a escrita, por exemplo.
A fotografia é, também, uma forma de registro, de gravura, e, portanto, uma
escritura, uma linguagem. Ensinar a ler e escrever não é essencialmente diferente
de ensinar fotografar. Tem em comum exigir praticamente as mesmas capacidades
e habilidades básicas, em particular, a capacidade de pensar e aprender abdutiva ou
criativamente.
A proposição de selecionar uma Palavra Geradora é similar à estratégia da
visualização da Parede Preta, durante a aula de fotometria, como foi descrito
anteriormente. Ambas as experiências se valem da capacidade abdutiva de gerar
hipóteses explicativas, contextualizadas na ação direta, concreta, sensível da
experiência pessoal e coletiva dos envolvidos no processo educativo. Essa
209
similaridade serve como argumento e comprovação teórica da validade dessa
proposta pedagógica, uma vez que o resultado e a validade prática se encontram na
resposta dos alunos, na modificação da realidade de cada um a partir do curso de
fotografia.
É possível afirmar que a fotografia é um processo semiótico - processo lógico
de ações regidas por leis e regras de execução que observadas levam a resultados,
ou seja, às imagens fotográficas. Tanto para Freire quanto para Peirce, razão,
vontade e sensibilidade são constituintes equivalentes na inteligência. Deste modo,
é possível concluir que, para Peirce, toda a relação com o mundo se de forma
mediada e que o acesso, em especial ao conhecimento, se por meio de
pensamentos, vontades e sentimentos, na sua condição de signo.
Quando se trata então de Fotografia, um processo de produção de imagens,
mais evidente isso se torna. Ensinar fotografia, portanto, é ensinar a processar essa
linguagem, a pensar fotograficamente.
Talvez se possa pensar na fotografia como uma forma particular de
pensamento, de manifestação do pensamento, tanto que o seu surgimento como
meio de representação e de expressão do mundo impactou todos os sistemas
organizados de pensamento ou conhecimento, desde sua vizinha imediata, a
pintura, até as fronteiras últimas do pensamento geral e abstrato, que é a filosofia.
Seguindo esta linha de raciocínio, sabe-se que ensinar uma linguagem, um
determinado código, é ensinar uma lógica, que sendo lógica é também
necessariamente criativa, pois uma está contida na outra. Certamente, além de ser
um processo lógico é também criativo em todos os níveis, dos técnicos aos
estéticos. Não importa se é uma fotografia artística ou documental, jornalística ou de
visualização científica. Todos os casos envolvem uma percepção e um
entendimento criativos. Sabe-se que não se pode ensinar criatividade, ou alguém a
ser criativo, diretamente. O que se pode e deve fazer é favorecer, propiciar esta
condição criativa. Tanto na perspectiva de Freire, quanto na de Peirce isto está
presente.
Quanto às considerações finais que devem responder ao objetivo e as
hipóteses desta dissertação, optou-se por entregá-las às falas dos participantes
desta empreitada.
A questão é se cursos profissionalizantes e interdisciplinares de produção de
linguagem, relacionados à fotografia, são capazes de promover seus participantes
210
na medida em que lhes proporcionam um novo conhecimento, ascensão cultural,
social e econômica, levantando a hipótese sob três pontos de vista:
1 - aumento da auto-estima;
2 - consciência da conjuntura sócio-econômica;
3 - descoberta de novos atalhos profissionais para atingir a cidadania.
Quantas vezes não ouvi relatos deles de que suas vidas haviam mudado
radicalmente, que novos caminhos e esperanças se mostravam no dia-a-dia após o curso.
{...} Mexeu, principalmente, com a auto-estima de todos. Na época tivemos a oportunidade
de fotografar estas pessoas que chegavam cabisbaixas. Tempos depois a imagem era
outra. O que se via era uma pessoa com a auto-estima elevada, alguém que recuperou a
dignidade. Eles sabiam que aquilo ali não era um faz-de-conta. Que tinha que ser feito com
qualidade e que isto dependia deles também. E não na fotografia. Isto acontecia em
todas as oficinas. A mudança era muito visível. Marta de Betânia Juliano
Fui um privilegiado em formar parte da minha personalidade entre pessoas de tão
bom caráter e humanas. Diego Cunha
Foi assim que descobri que tinha o mundo a meus pés para fotografar. Coisas que
antes não enxergava, não dava valor. Ailton Vieira de Castro
O Diego, na época um garoto de uns 14, 15 anos, é um exemplo disto: ele morava
num local violento e convivia de perto com o crime. Mas optou pela fotografia, pela vida
pacífica e produtiva. O Célio é outro exemplo. Funcionário de um jornal de bairro ele hoje é
o fotógrafo do veículo. Guga Abreu
Morava perto do Jardim Inamar e soube do curso. Até então era um garoto comum
de uma comunidade violenta que não via muito futuro pela frente. {...} O curso foi um grande
salto na minha vida profissional. Ele me permitiu uma nova identidade cultural. Diego Cunha
Eu já tinha feito um curso de vídeo. Sempre tive muita vontade de fazer um curso de
fotografia. Mas não tinha condições de pagar. E de repente lá estava eu aprendendo
técnicas básicas e importantes para ser um bom fotógrafo. Robeilton Santos de Moraes
E mais importante, o curso era gratuito. Uma forma, de muitos como eu, de ter
acesso à fotografia, às técnicas fotográficas e, porque não a uma profissão? No curso tinha
gente de todas as profissões: pedreiros, donas-de-casa, jardineiro, etc. Aldemir Leonardo
Teixeira
Para mim foi uma oportunidade ímpar dentro da minha trajetória profissional. Não foi
simplesmente uma linguagem a mais. Foi muito mais do que isso. Aprendi a respeitar as
artes visuais, a relação da fotografia com a pintura. Acrescentou muito. Hoje vejo a função
de agente cultural com outros olhos. Edson de Simone
211
Nunca mais parei com a fotografia. Participei e ainda participo de vários projetos
envolvendo a comunidade. Um deles foi o Olhar com Arte, do Projeto Redes de Ponto de
Cultura, do Ministério da Cultura. Trabalhei num projeto com crianças especiais com
Síndrome de Down na Escola Municipal de Educação Básica Especial, Rolando
Ramacciotti, em São Bernardo do Campo. Ensinei técnicas de fotografia tanto em preto e
branco como em cor. Fiquei três meses com eles. Atualmente participo de um projeto da
ONG ETC Educação, Trabalho e Cidadania que atende meninos que moram sobre um
aterro de lixo no Parque Santo André. Estou com uma exposição de pássaros no Centro
Cultural de Diadema. Sou ou não privilegiado? Trabalho naquilo que mais gosto e ainda
posso fazer um pouco por estas pessoas da comunidade. Ailton Vieira de Castro
O curso da Casa da Fotografia era tudo o que eu queria para conseguir minha
promoção no Jornal do Cambuci e Aclimação onde trabalho muitos anos. Comecei de
baixo, como entregador do semanário de casa em casa. Com o passar do tempo fui
promovido a office-boy, auxiliar de escritório e foto copista. Antes de fazer o curso e antes
de ser promovido a fotógrafo, meu salário era de cerca de cinco mínimos. {...} Hoje como
fotógrafo no jornal estou ganhando muito melhor. Além disso, posso fazer trabalhos para
outros veículos e também em casamentos, aniversários, fotos para site. Célio Silva
Quando tivemos de fotografar modelos, juro que me senti um artista de verdade. São
coisas que você na televisão. E eu de repente um reles bancário fotografando uma
modelo famosa. Cláudio Tibúrcio
O curso de fotografia me ajudou muito no trabalho que eu desenvolvo com vídeo. {...}
Acabo olhando no vídeo com o olhar de uma máquina fotográfica. Um acrescenta e auxilia o
outro. Este olhar diferente que eu tenho veio da fotografia. Robeilton Santos de Moraes
fiz aniversários e muitos free-lances para jornais como o Jornal de Diadema,
Notícia Regional de Diadema, Repórter Diário de Santo André, União do ABC de São
Bernardo do Campo, Jornal Imprensa Brasil. Jerônimo Expósito Filho
Muitos ex-alunos partiram para o lance profissional da coisa fazendo casamentos,
eventos, books, entre outras. {...} A importância de se continuar o curso de fotografia é que a
população de Diadema pôde ter uma oportunidade a mais de se profissionalizar, de crescer.
Aldemir Leonardo Teixeira.
99
Com o advento das novas tecnologias digitais, principalmente as ocorridas
nestes últimos dez anos, época do início do curso de Fotografia em Diadema, uma
nova pergunta se estabelece.
Será que, assim como a alfabetização liberta o homem de sua condição de
oprimido e a fotografia libertou a pintura da obrigatoriedade da mimese, deixando
aflorar sua verdadeira vocação expressiva, não será, agora, a fotografia digital
libertadora da própria fotografia, nesse mesmo sentido, modificando e ampliando
suas possibilidades de linguagens?
Responder esta pergunta é um desafio para novas pesquisas.
99
Entrevistas na integra, no apêndice deste trabalho.
212
5 - REFERÊNCIAS
196. Espaço 10 foto: Elaine Souza
213
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2009.
221
6- APÊNDICE
197. Espaço 11 Foto: Newton Silva
222
6.1 ENTREVISTAS
1. Marta de Betânia Juliano
Entrevista Realizada em 03/set./2008.
Marta de Betânia Juliano, advogada com especialização em Administração Pública, ex-
diretora do departamento de Cultura de Diadema, foi assessora especial do Secretário de
Estado da Cultura Fernando Morais; coordenadora de Projetos Especiais da Fundação para
o Desenvolvimento da Educação (FDE), órgão ligado à Secretaria de Estado da Educação;
chefe de gabinete na Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo; diretora de Cultura da
prefeitura de Santo André; e, atualmente, assessora da Secretaria de Educação de Taboão
da Serra, onde implantou o projeto “Fazendo Arte na Escola".
Quando em 1997, me convidaram para assumir o departamento de Cultura da
prefeitura de Diadema não resisti e aceitei de imediato. O objetivo era colocar em pé
o projeto Cidadania se faz com Arte. Vinha de uma excelente experiência na
Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo com a criação da Universidade Livre
de Música Tom Jobim e vi que podia desenvolver em Diadema projeto semelhante a
este que propiciava o acesso e oportunidades iguais a todos os cidadãos brasileiros.
Logo que assumi, montamos um projeto de excelência em arte, com metas
profissionalizantes, que iam muito além das oficinas que aconteciam em toda a
cidade. Criamos vários núcleos como a Casa da Fotografia, Artes Cênicas, Casa do
Hip Hop, Artes Visuais, Casa da Música, entre outros.
A experiência da Casa da Fotografia em Diadema mostrou aquilo em que eu
sempre acreditei: que mesmo na esfera pública quando se trabalha com integridade,
com agentes profissionais competentes, o resultado disto é uma mobilização
envolvendo toda a sociedade local. Foi isto o que aconteceu em Diadema. As
pessoas, sem exceção, se mobilizaram em torno do projeto.
Quando o implantamos a procura foi tão grande que tivemos que organizar
seis mil vagas em várias turmas. Não foi fácil. Trabalhar seis mil alunos na educação
formal que é pasteurizada é cil. O difícil é trabalhar este número de pessoas num
projeto amplo e diversificado como o de Diadema. Hoje digo que conseguimos o
milagre da duplicação dos grupos artísticos no município de Diadema.
O núcleo de qualquer política pública passa necessariamente por uma política
forte na área de formação. Sempre que penso em ação cultural, penso na
223
priorização das ações de formação, porque acredito que na formação você pode
inverter processos e, principalmente, democratizar o acesso a bens culturais. E mais
do que isto, sem esquecer-se da informação, já que uma coisa depende e se
completa à outra.
Quando pensamos em levar esta linguagem para Diadema, pensamos em
fazer isto com toda a força e responsabilidade que ela exige; fazer um trabalho de
desmistificação, criar condições de acesso e este acesso passava sem dúvida pela
adoção da prefeitura de medidas práticas como a construção do laboratório, a
aquisição de equipamentos para os alunos trabalharem, senão fica mais uma vez a
política do faz-de-conta. A mobilização é um fator bastante importante.
Imagine uma pessoa que jamais teve acesso a um equipamento fotográfico
de repente ter à sua disposição um laboratório - na época bastante razoável,
profissionais de primeira linha, acesso aos principais equipamentos culturais do
ABCD e de São Paulo e a exposições de fotógrafos renomados, a nata da
fotografia? Foi isto que aconteceu ali.
Nós estamos acostumados a ouvir falar em arte enquanto inclusão social,
mas muitas vezes estes processos são aleatórios, ou dentro de um ranço elitista, ou
seja, inacessível, como é o caso da fotografia, que via de regra é uma linguagem
elitista. Os cursos são cassimos. Raramente você verifica a presença de um curso
de fotografia de qualidade dentro das políticas públicas. E quando isto acontece
muitas vezes são aplicados de forma incipiente. É muito comum você ver nas
escolas a fotografia sendo ensinada de forma lúdica, primitiva. Basicamente a única
coisa que aprendem é como transformar latinhas em câmeras fotográficas.
Na área da música, por exemplo, os gestores se contentam em levar para a
periferia um curso de música em que se trabalham instrumentos simples como o
violão, o cavaquinho e a percussão. Por que não incluir na aprendizagem todos os
instrumentos que formam uma orquestra? Em Diadema, levamos para a periferia
violino, piano, oboé, viola caipira, entre outros. Trabalhamos a sica como um
todo, em toda a sua amplitude com aula de técnica vocal do ponto de vista erudito e
popular, aulas de teoria, todos os instrumentos, um verdadeiro centro de formação.
Não ficava naquela mesmice que é a criança ou o adolescente decorar a partitura e
pronto.
Outro exemplo foi a dança. Quando trabalhamos dança, não nos limitamos
apenas à dança de salão e outras mais comuns. Nós ensinamos o balé clássico, a
224
dança contemporânea, a popular e a dança para portadores de necessidades
especiais. Acredito que uma política pública que pretenda ser inclusiva tem que
trabalhar com todas as linguagens como foi o caso da arte circense, do vídeo, da
literatura, entre outras. Quando você faz isto, o resultado é imediato. As pessoas
começam a compreender que esses programas não são favores do Estado, que eles
têm direito enquanto cidadãos que pagam seus impostos. Sempre deixamos muito
claro que tudo aquilo estava sendo financiado com recursos da própria população,
pelos impostos, para que eles pudessem abraçar e defender seus trabalhos não
enquanto idéia de A, B, C ou D, mas como uma política de direito de todos.
Mais do que isso é fazer com que a arte, que é uma manifestação tão
importante, possa promover no cidadão esta transformação, a educação do olhar,
principalmente. Não para trabalhar arte sem trabalhar a questão da estética. Via
de regra as pessoas são burocratas da cultura. E o que se via em Diadema era um
trabalho de mobilização envolvendo os oficinandos e os oficineiros, tudo isso muito
vinculado à questão da qualidade. No caso da fotografia, por exemplo, se tivesse
sido uma Casa da Fotografia qualquer, os efeitos não teriam sido os mesmos.
Quando se pensa em qualidade, tem que se pensar grande ao escolher o
profissional. Não é qualquer artista que tem sensibilidade suficiente para ensinar
essas linguagens para uma população invisível, que sempre viveu à margem da
sociedade, que não tem acesso aos principais equipamentos de cultura.
O profissional tem que se identificar com essa comunidade; tem que ter no
mínimo conhecimento e compreensão do outro lado. Há muitos municípios que
acham que formar agentes multiplicadores na área da cultura é o suficiente para
formar e informar o cidadão. Não acredito muito nisto. Acredito que esta pessoa
pode vir a ser um agente dentro do processo. Em minha opinião, o profissional certo
para ensinar novas formas de linguagem à população carente é aquele profissional
de ponta, que via de regra trabalha para as elites.
Um exemplo disso foi a escolhe da professora de fotografia, uma pessoa
absolutamente perfeccionista. Uma artista na verdadeira concepção da palavra.
Nem mesmo ela tinha noção de sua capacidade de ensinar. Quando fiz o convite,
ela relutou em aceitar porque achava que não ia conseguir, que nunca tinha feito
aquilo, tinha dúvidas se chegaria a resultados positivos. Eu insisti muito e falei que
toda sua aptidão estava guardada dentro, escondidinha e que ela descobriria isto
quando colocasse em prática tudo o que sabia. E foi isto o que aconteceu. Diadema
225
foi talvez o lugar privilegiado onde ela deixou falar mais alto a artista que ela é. A
gente às vezes não se conta de coisas que estão latentes e por escolha ou
obrigação não se dá o direito de experimentar.
Estas pessoas tiveram a oportunidade de transformar suas vidas. No caso da
fotografia, as visitas a exposições abriam novos horizontes e, assim, os talentos que
estavam latentes foram se incorporando ao processo.
Quantas vezes o ouvi relatos deles de que suas vidas haviam mudado
radicalmente, que novos caminhos e esperanças se mostravam no dia-a-dia após o
curso. Isto não só na questão da educação do olhar como na questão social que é o
reconhecimento, o cidadão que sai do anonimato, que se transforma no
protagonista. Eu sempre insisti muito nisto, sair um pouco da platéia e ser
protagonista de alguma forma. Eu acho que eles sentiram e assimilaram bem essa
diretriz do projeto. Eles se reconheceram em alguém que viam de longe, na
televisão ou no cinema.
Mexeu, principalmente, com a auto-estima de todos. Na época tivemos a
oportunidade de fotografar estas pessoas que chegavam cabisbaixas. Tempos
depois a imagem era outra. O que se via era uma pessoa com a auto-estima
elevada, alguém que recuperou a dignidade. Eles sabiam que aquilo ali não era um
faz-de-conta. Que tinha que ser feito com qualidade e que isto dependia deles
também. E não só na fotografia. Isto acontecia em todas as oficinas. A mudança era
muito visível.
O segredo do sucesso do projeto foi a insistência em fazer com que as
pessoas se apropriassem, se identificassem e acreditassem. A metodologia aplicada
no curso de fotografia, por exemplo, era discutida por todos os envolvidos: diretoria,
professor e alunos. Não podemos esquecer que o processo de criação envolve a
todos: professor e alunos. Este projeto foi um laboratório em Diadema. Até então,
nenhuma potica pública havia levado a arte de forma o profunda para a
população. Isto pode ser muito comum em instituições privadas como o SENAC, por
exemplo, que trabalha com vários tipos de público.
Na área da dança foi desenvolvido um projeto de figurino que envolvia pais e
mães. para ter uma idéia, o Teatro Clara Nunes passou a ter uma frequência
diferente. Quando se levam artistas, peças e exposições sem fazer este trabalho
interno com a população, a frequência é diferente. Você via os pais aplaudindo os
filhos que estavam no palco. Isto em todos os projetos. Você que um projeto
226
deste atrai não apenas a família como toda a comunidade, insere todos num mesmo
ideal.
Eu até faço um paralelo com a educação, acho que o grande fracasso da
educação brasileira está no fato da escola ter expurgado a arte. No fundo, você
transforma o equipamento escolar num equipamento de mera escolarização. A
grande maioria dos indivíduos está sendo formada dentro dessas escolas sem
nenhuma conexão com as linguagens artísticas. Eu não acredito nesses processos.
227
2. Guga Abreu
Entrevista Realizada em 06/set./2008.
Luiz Carlos Graziano de Moraes e Abreu, 34 anos, fotógrafo,
casado.
Participar deste projeto da Casa da Fotografia foi uma experiência que mudou
minha forma de ver a vida. Fui contratado para ser professor de fotografia, mas
quem acabou aprendendo fui eu. Conheci um lado do mundo que eu desconhecia.
Pessoas dignas que viviam na periferia, vizinhas da violência, da pobreza, mas com
muita vontade de aprender uma profissão. Essa postura desmistifica aquilo que
dizem que quando é de graça a pessoa não dá valor.
Enquanto ensinava a técnica a eles, eles me ensinavam o outro lado da vida,
a privação, a falta de oportunidades. Todos tinham muito interesse pelas aulas,
levavam as atividades muito mais a sério.
Tudo era diferente em Diadema. nós formamos um grupo de amigos,
íamos a bares e restaurantes juntos, nos divertíamos, dávamos muita risada. Estes
passeios eram muito significativos e contribuíram muito para o sucesso do curso
como um todo. A cada exposição ou mostra que visitávamos também era um novo
horizonte que se abria.
Lógico que isto era fruto da seriedade dos alunos e nossa como professores.
Quando começamos, observamos muito, ouvimos muito. A coordenadora que era
também professora, sempre incentivava e cobrava essa postura. para ter uma
idéia, o laboratório foi construído exclusivamente para este curso, e tudo sob o olhar
atento da professora, que antes de qualquer coisa era conhecedora dessa prática na
fotografia. Fora o conhecimento específico, ela sabia como contagiar e despertar o
interesse dos alunos. Tinha um jeito especial de aguçar a curiosidade e despertar o
interesse. O amor pelas pessoas, o todo pedagógico tranquilo, a paciência. Isso
ela transmitiu para nós, os outros professores.
Sempre procurávamos uma forma facilitadora para que os alunos
assimilassem as técnicas. Essa seriedade e generosidade foram fatores facilitadores
em todo o processo de aprendizado. Afinal técnica é física, química e matemática.
228
Eles apesar de serem frutos de um ambiente muitas vezes violento e carente,
demonstravam um grande interesse e respeito pelo curso. O Diego, na época um
garoto de uns 14, 15 anos, é um exemplo disto: ele morava num local violento e
convivia de perto com o crime. Mas optou pela fotografia, pela vida pacífica e
produtiva. O Célio é outro exemplo. Funcionário de um jornal de bairro ele hoje é o
fotógrafo do veículo. Havia também pessoas que fotografavam e dominavam uma
parte das técnicas e que, com o curso, desabrocharam e, sobretudo se capacitaram
melhor. Não é à toa que o resultado desse trabalho superou as expectativas tanto no
sentido da informação como da aprendizagem da fotografia e da arte. Você via no
rosto deles a vontade de aprender. Isto ficou claro quando chegou à parte do
fotômetro, da luz, do enquadramento, eles ficavam fascinados, mas não assustados.
Tudo era muito novo. Alguns tinham medo de quebrar o equipamento e serem
responsabilizados. Com o tempo foram ficando mais seguros. Como podiam usá-los
fora do curso, o medo ia desaparecendo e no lugar vinha a autoconfiança.
O comportamento ético foi outra coisa que me chamou muito a atenção. A
Casa da Fotografia, no final do segundo ano do curso, foi assaltada. Levaram parte
dos equipamentos. Os alunos ficavam indignados, tristes e decepcionados. Como se
aquele bem fosse deles e não patrimônio público.
Quando misturamos as oficinas de dança, hip hop, modelos, para eles
fotografarem foi a gota d’água que faltava para se sentirem realizados. Essa foi mais
uma atitude ousada da professora. Misturar hip hop com violino; dançarina com
grafismo; ator com modelo. Foi fantástico! Quando um sarau acontecia na cidade, lá
estávamos nós, com a turma, inventando um jeito de fotografar.
Era incrível a reação deles. Pessoas simples e carentes se sentiam
orgulhosas por fotografar outros alunos como eles. Todos se sentiam importantes.
Eles se orgulhavam do nível técnico e imagético de seus trabalhos. Do mesmo modo
foram ótimas as aulas no laboratório. Todas as classes, sem exceção, participaram
intensamente dessa atividade; no começo com dificuldade e no final ampliando com
muita qualidade, inclusive o material das exposições. A parte da edição das
fotografias também foi fundamental nesse processo. A visão minuciosa no conta-fio,
na procura do que havia de melhor em cada trabalho e o não ter medo de jogar o
lixo fora, ajudou na mudança do olhar.
Ensinávamos a cnica, mas sem influenciar em seus trabalhos. Eles faziam
aquilo que queriam, da forma como queriam.
229
A partir do momento em que descobriam que podiam fazer tudo sozinhos,
partiam para trabalhos fora do curso, sempre contando com a infra-estrutura local e
traziam para a gente ver. No encerramento de cada curso era realizada uma
exposição com o trabalho de cada um deles. Esta era a prova de que realmente
eles aprenderam.
230
3. Edison de Simone
Entrevista Realizada em 21/set./2008.
Edison de Simone, 51 anos, casado, filha de 16 anos, agente cultural do Teatro Clara Nunes
de Diadema.
A fotografia mudou minha vida. Até o início do curso eu era um agente cultural
que o entendia nada de fotografia. Para mim foi uma oportunidade ímpar dentro
da minha trajetória profissional. Não foi simplesmente uma linguagem a mais. Foi
muito mais do que isso. Aprendi a respeitar as artes visuais, a relação da fotografia
com a pintura. Acrescentou muito. Hoje vejo a função de agente cultural com outros
olhos.
Como agente cultural, era responsável pela organização das caravanas para
exposições, mostra de pinturas, museu, além de fazer as inscrições dos alunos. Eu
selecionava os lugares e com os professores escolhia o que iríamos visitar. Como
aluno do curso tive a oportunidade de aprender o princípio básico da fotografia, do
click, a medida de luz, enquadramento, foco e revelação e ampliação. Aprendi a usar
o fotômetro, uma ferramenta importantíssima na técnica da fotografia.
Foi muito bom como experiência. Além de exercitar o olhar, tive a
oportunidade de conhecer um pouco mais da cultura da cidade onde vivo como as
oficinas culturais de dança, hip hop, arte circense, música, teatro. Esta experiência
em especial foi muito enriquecedora. Uma oportunidade não só de colocar na prática
aquilo que você aprende como de conhecer outros tipos de arte. Você tem um
panorama do que acontece na cidade na questão das artes populares.
Depois do curso passei a ver e a entender a fotografia sob outra ótica, como
linguagem, como história. Não apenas como uma foto pendurada na parede.
Comecei a observar o que está além da imagem, a compreender todo o trabalho
nela expresso. É como um ímã. Quando você descobre isto, a vontade é cada vez
maior de conhecer os mistérios da fotografia. Hoje, ir a exposições é mais do que
uma obrigação, é um prazer. Vou sempre. No próprio teatro onde trabalho sempre
tem exposições, inclusive de fotografia.
231
4. Ailton Vieira de Castro
Entrevista Realizada em 18/set./2008.
Ailton Vieira de Castro, 50 anos, é pai de dois filhos e ajudou a criar os três filhos da ex-
mulher. Ex-metalúrgico tem o segundo grau completo.
Quando me inscrevi no curso estava vivendo um momento muito difícil de
desemprego, de separação e de ter que morar de favor na casa da minha ex-mulher.
Sempre fotografei. Tinha um conhecimento básico, mas quase nada de cnica. Era
autodidata.
Até então fotografava casamento, aniversário, eventos. Queria aprender
mais, talvez até fazer da fotografia uma profissão. Mas o que aconteceu depois
desse curso era muito mais do que eu desejava. Entrar em contato com o processo
de fotografia como o enquadramento, a medida de luz, a revelação e ampliação no
papel é uma experiência única. Mudou a minha maneira de ver o mundo, a forma de
olhar as coisas à minha volta.
Durante as aulas nós podíamos escolher o tema para fotografar. Comecei a
usar algumas técnicas que não conhecia. Até então só fotografava com flash.
Descobri o fotômetro de mão. Antes dele tinha usado o fotômetro da máquina.
Não sabia da possibilidade de puxar o filme, o conseguia fotografar as pessoas
em movimento. Aprendi que posso puxar o filme e abrir mão do flash.
Tudo isto aconteceu na prática durante as aulas em que tínhamos que
fotografar o grupo de Hip Hop, os grupos de dança, teatro, circo, entre outros. É
muito enriquecedor entender a diferença de fotografar objetos e pessoas. Objeto
você pode mudar de lugar e colocar na posição que quiser. pessoas, você tem
que perceber detalhes como olhar, expressão, sorriso.
Foi assim que descobri que tinha o mundo a meus pés para fotografar. Coisas
que antes não enxergava, não dava valor. Tanto que hoje sou muito requisitado para
fotografar eventos de danças.
Tudo isto abriu novos horizontes, novos caminhos para mim. De aluno eu
passei a professor na Casa da Fotografia. Minha turma cresceu tanto que tive que
dividir em duas.. Financeiramente não ganho muito, pois o salário da prefeitura é
232
muito baixo. Mas vale a pena, porque é o que eu gosto de fazer, principalmente por
ser uma comunidade pobre e carente. E também de passar para os alunos tudo
aquilo que aprendi aqui.
A fotografia tem esse poder de transformar as pessoas. tirei pessoas das
ruas, do vício. Tenho alunos que trabalham em estúdio, jornal, publicidade. Nunca
mais fotografei casamento, festas. Hoje fotografo o que gosto e com a máquina
no manual, pois posso construir a imagem que eu desejo. Tenho a digital e sei
operar, porque quem sabe mexer na analógica tira de letra a digital.
Nunca mais parei com a fotografia. Participei e ainda participo de vários
projetos envolvendo a comunidade. Um deles foi o Olhar com Arte, do Projeto Redes
de Ponto de Cultura, do Ministério da Cultura. Trabalhei num projeto com crianças
especiais com Síndrome de Down na Escola Municipal de Educação Básica
Especial, Rolando Ramacciotti, em São Bernardo do Campo. Ensinei técnicas de
fotografia tanto em preto e branco como em cor. Fiquei três meses com eles.
Atualmente participo de um projeto da ONG ETC Educação, Trabalho e Cidadania
que atende meninos que moram sobre um aterro de lixo no Parque Santo And.
Estou com uma exposição de pássaros no Centro Cultural de Diadema. Sou ou não
privilegiado? Trabalho naquilo que mais gosto e ainda posso fazer um pouco por
estas pessoas da comunidade.
233
5. Célio Silva
Entrevista Realizada em 30/set./2008.
Célio Silva, 37 anos, fotógrafo do Jornal do Cambuci e Aclimação, casado, dois filhos. Foi
premiado com uma máquina Cannon 3000 no concurso de fotografia da Bianca
Produções.
O curso da Casa da Fotografia era tudo o que eu queria para conseguir
minha promoção no Jornal do Cambuci e Aclimação onde trabalho muitos anos.
Comecei de baixo, como entregador do semanário de casa em casa. Com o passar
do tempo fui promovido a office-boy, auxiliar de escritório e foto copista. Antes de
fazer o curso e antes de ser promovido a fotógrafo, meu salário era de cerca de
cinco mínimos.
Foi uma vida muito difícil. Para chegar ao trabalho levava quase três horas.
Eram várias conduções de Diadema até o Cambuci. Mas nunca desanimei. Hoje
tenho uma moto e chego mais rápido no jornal. Sempre gostei de fotografia e
trabalhando num jornal tive a chance de ter contato com os equipamentos. Apesar
de não saber as técnicas, sempre li muito sobre o assunto.
Quando soube do curso pela minha mulher que é professora, não vacilei em
me inscrever. Ainda mais um curso gratuito. Queria muito aprender tudo sobre foto e
conseguir meu lugar no jornal como fotógrafo. Outra vantagem do curso, aliás, raras
em escolas particulares, é que a prefeitura cedia o equipamento para a gente
trabalhar mesmo fora do horário de aula.
Eu havia feito outros dois cursos na Fuji, mas nada comparável com este
de Diadema. O grupo era muito coeso e todos tinham muita sede de aprender e
aproveitar ao máximo as aulas. Éramos todos curiosos. A cada aula era uma nova
experiência. Além disso, tem a coisa da amizade. Formamos um grupo muito unido
tanto dentro como fora do curso. Íamos a bares, restaurantes, exposições. Ainda
hoje nos reunimos.
As exposições foram um capítulo à parte na minha vida. Já tinha ido a
algumas. que desta vez o olhar é diferente. Você as coisas de uma forma
mais crítica e técnica. Votem uma visão muito mais ampla da fotografia como
234
arte. Você olha aquelas imagens e fica divagando e viajando no tempo e imaginando
como teria sido para aquele fotógrafo fazer uma foto tão rica em detalhes numa
época em que não existia tecnologia de ponta como hoje.
As aulas práticas eram ótimas. Tivemos a oportunidade de fazer todo o
processo fotográfico desde o enquadramento, medida de luz com o fotômetro aa
revelação e ampliação no laboratório. Usar flash e fotômetro foi uma novidade para
mim. Fomos descobrindo pouco a pouco a técnica da fotografia. Na época não tinha
noção de ISO, movimento, luz. Não sabia, por exemplo, como fotografar eliminando
o fundo mesmo vendo o fundo, isto é, usando o desfoque bem acentuado, que é o
uso da profundidade de campo. Aprendi diferentes formas de fotografar. Aprendi que
com a luz podemos simular um ambiente externo mesmo estando num ambiente
interno. Só quem fez o curso sabe do que estou falando.
Mudei a forma do meu olhar. Hoje consigo ver beleza no feio. Não olho com o
olhar de simples espectador. Olho com olhar técnico, crítico. Olho e penso em como
vai ficar a foto. Você muda o olhar.
Sempre adorei fotografar em preto e branco. Acho que para todos foi uma
aprendizagem diferente. O grupo estava tão envolvido com o curso que chegamos a
fazer vaquinha para comprar filme rebobinado. Tinha a coisa humana. Não era um
mero trabalho. Amadureci muito não apenas como pessoa, mas também
culturalmente.
Mais enriquecedor ainda foi a experiência que tivemos com as outras oficinas
de Diadema como o hip hop, a dança, modelos. Aprendi a fotografar modelos que é
uma coisa muito difícil porque a necessidade de se procurar o melhor ângulo,
acertar a luz, nem sempre propícia, ter agilidade que é fundamental no meu
trabalho, em jornalismo. O objeto você pode mover e fazer o que quiser, o tempo é
outro.
Realmente foi vital ter passado pela Casa da Fotografia. Hoje como fotógrafo
no jornal estou ganhando muito melhor. Além disso, posso fazer trabalhos para
outros veículos e também em casamentos, aniversários, fotos para site.
235
6. Cláudio Tibúrcio
Entrevista Realizada em 07/out./2008.
Cláudio Tibúrcio, 63, ex-bancário, aposentado.
A única coisa que eu sabia de fotografia era apertar o botão da máquina.
Quando soube do curso não resisti e me inscrevi. Queria conhecer mais, aprender
as técnicas. Era a chance que eu esperava. Curso de qualidade e ainda gratuito.
Nesta época eu era gerente da Nossa Caixa em Diadema.
Foi muito bom. Aprendi a rebobinar o filme numa câmera escura, a revelar,
ampliar e a editar meu próprio trabalho. Sinto que o uso de filme, torna o
aprendizado mais reflexivo. Foi a melhor maneira para compreender as verdadeiras
técnicas da fotografia. Nem sabia que existia fotômetro. Manejar este equipamento
para regular a luz foi super importante. Avaliar as distâncias focais, enquadrar,
editar, tantas coisas novas que eu aprendi. Quando tivemos de fotografar modelos,
juro que me senti um artista de verdade. São coisas que você na televisão. E
eu de repente um reles bancário fotografando uma modelo famosa. Nesta hora eu
dei graças a Deus de ter aprendido pelo menos algumas técnicas fotográficas
porque este tipo de trabalho exige que você conheça um pouco da relação da luz,
enquadramento, profundidade. É um mundo diferente.
O interessante é que o curso não se restringia à sala de aula ou ao
laboratório. Nós íamos a exposições de arte, fomos à Pinacoteca, ao Museu de Arte
Moderna de São Paulo. De família humilde, eu nunca tinha ido a esses lugares. É
um passeio pelo mundo. Tudo chama a atenção. É um novo conhecimento, na
realidade é um novo mundo e você acaba se apaixonando.
Aprender a fotografar foi ótimo também para devanear. Você se coloca atrás
da câmera e fica imaginando como o fotógrafo conseguiu fazer aquilo. Depois desta
experiência, nada mais foi como antes. Você olha as imagens com outros olhos. Por
exemplo, os ensaios da National Geografic ou aquela foto da menina queimada no
Vietnã que é maravilhosa, apesar de trágica. Passei a prestar mais atenção nos
detalhes e viajar no tempo. Não tem melhor escola para conhecer o mundo. Hoje eu
não folheio apenas uma revista. Analiso a foto, a informação, a linguagem. Eu olho
as pessoas, um pássaro, uma flor com outra visão, com a visão de um fotógrafo que
236
vai guardar aquele momento para sempre. Vou sempre a exposições no Banco do
Brasil, na Caixa Econômica Federal, no MASP, onde der vou.
A fotografia para mim atualmente é um hobby, mas um hobby com muito
profissionalismo. Uso máquina digital. Para quem aprendeu na analógica, fazer fotos
com qualidade na digital é moleza. Sinto que o uso de filmes torna o aprendizado
mais reflexivo. Foi a melhor maneira para compreender as verdadeiras técnicas da
fotografia. Na digital se der errado é só apagar.
237
7. Diego Cunha
Entrevista Realizada em 18/out./2008.
Diego Cunha, 23, fotógrafo, casado, um filho.
Tem coisas que a gente não sabe explicar. Morava perto do Jardim Inamar e
soube do curso. Até então era um garoto comum de uma comunidade violenta que
não via muito futuro pela frente. Não sabia nada de fotografia. Mas sem saber
estava ligado à arte porque desenhava, fazia ilustração. Era um curioso.
Quando comecei a aprender as técnicas de fotografia fiquei maravilhado.
Fiquei fissionado pela parte do laboratório. Era o mascote da turma. Aprendi os
conceitos básicos da fotografia, o manuseio da máquina, estúdio, laboratório,
ampliação, revelação, olhar, luz, todo o processo fotográfico, a história da fotografia.
Nunca tinha usado um fotômetro. É muito interessante ver o que você pode fazer
com este equipamento.
Nesta época tive a chance de fazer um curso no SENAC paralelamente ao de
Diadema. O bom disto é que percebi como os dois se diferenciavam. No SENAC era
mais o lado teórico. No de Diadema tínhamos mais espaço para aprender o lado
prático da fotografia, para aplicar e aprimorar as técnicas. Até a teoria parecia ser
mais fácil de compreender.
Outro diferencial era a liberdade de escolher o tema do trabalho que íamos
desenvolver e ainda com a liberdade para errar quantas vezes fosse preciso. A
professora era um estímulo para todos s. Talvez até pela própria paixão que ela
tinha pela fotografia, pela experiência. A gente sentia isto. Ela passava para os
alunos esta paixão.
Uma experiência marcante foi fotografar o grupo de hip hop. Nunca tinha visto
nada parecido. Era uma experiência casada, você no mesmo nível dos profissionais
que admira. Foi muito importante. Fotografar pessoas exige do fotógrafo maior
coordenação entre luz, movimento, enfoque.
E o clima na sala de aula! Eu nunca vi nada igual. Foi um privilegiado em
formar parte da minha personalidade entre pessoas de o bom caráter e humanas.
Na época nos tornamos uma família. Fiz muitos amigos que mantenho até hoje.
238
Sempre fui a exposições de fotografia. Mas depois do curso é que eu percebi
como as coisas ficaram diferentes. Depois do curso vou com mais sede de
conhecimento. Olho as fotos, percebo as técnicas utilizadas, as dificuldades que o
fotógrafo teve ao fazer aquele trabalho, vejo com um olhar mais crítico. Antes eu não
alcançava esses detalhes. Olhar o trabalho destes artistas é muito bom, é um ganho
a mais em conhecimento e ainda ajuda você a criar a sua própria identidade como
fotógrafo; muitas vezes utilizo essas novas referências em meus trabalhos. Ainda
vou muito a exposições.
Depois do curso trabalhei no comércio e fazia minhas fotografias
paralelamente. Hoje trabalho na secretaria de Cultura de Diadema. Cuido do
laboratório e faço as fotos dos eventos da prefeitura. Também tive a chance de dar
aula de fotografia para a Secretaria de Educação de Diadema. Sou funcionário
terceirizado da prefeitura e ganho por volta de R$ 500 fixos mais os eventos. É um
ramo que você não fica sem trabalho e sem dinheiro. Sempre tem alguma coisa.
O curso foi um grande salto na minha vida profissional. Ele me permitiu uma
nova identidade cultural. Antigamente fazia fotos simples, fotos de família, de
reuniões de amigos. Hoje é opção e profissão. Eu nunca mais parei. Fiz outros
cursos na Escola de Fotografia de São Paulo, no SESC Pompéia e Vila Mariana. Sei
que minha trajetória ainda será longa.
239
8. Robeilton Santos de Moraes
Entrevista Realizada em 23/out./2008.
Robeilton Santos de Moraes, 41 anos, cinegrafista e caminhoneiro, casado, dois filhos.
Caminhoneiro de profissão sempre gostei de filmar. Sabia alguma coisa de
vídeo, a bem da verdade de forma amadora, mas não tinha nenhum conhecimento
de fotografia. É lógico que quando soube do curso fiquei tão empolgado que cheguei
ao local da inscrição às 5h30 da manhã achando que seria o primeiro a ser atendido.
Que santa ingenuidade a minha achar que eu me interessaria por um
curso gratuito, com equipamento disponível para as aulas e do nível deste como
pude constatar mais tarde. Quando cheguei lá, havia duas pessoas na minha
frente.
Eu tinha feito um curso de vídeo. Sempre tive muita vontade de fazer um
curso de fotografia. Mas não tinha condições de pagar. E de repente estava eu
aprendendo técnicas básicas e importantes para ser um bom fotógrafo.
O curso todo foi uma caixinha de surpresas. Logo no início me surpreendi
com a professora, uma fotógrafa com 23 anos de experiência na área que havia
trabalhado em várias editoras. Sempre achei que os fotógrafos eram uma gente
esnobe. aparece aquela mulher, baixinha, de óculos, bem humorada. Isto me
cativou logo de início. Normalmente eles têm aquela empáfia. Mas foi totalmente ao
contrário. Ficamos muito amigos, todos do curso, de sair para jantar, comer pizza,
tomar chope. Criamos um laço de amizade muito forte. Hoje sei que o elo de tudo
isto foi a fotografia.
A primeira coisa que se aprende na fotografia é educar o olhar. Os
professores insistiam muito para que não tivéssemos vergonha de perguntar. Era
para perguntar, até entender. Que encarasse a máquina sem medo de errar. Eles
nos mandavam fazer e repetir quantas vezes fosse necessário. Sempre diziam que
para a grande maioria dos trabalhos realizados, inclusive por grandes profissionais
só uma porcentagem das fotos eram usadas. O resto você descarta.
Era muito bom porque tínhamos autonomia tanto para usar os equipamentos
como para escolher o tema. Isto foi muito importante no resultado final de cada
240
aluno. Outra experiência interessante foi quando tivemos que fotografar uma modelo
nua. No início ficamos com vergonha, mas depois o envolvimento com a foto e com
a luz (usamos projetor de slides que lançava imagens sobre o corpo da modelo),
foram tão grandes que todos se concentram única e exclusivamente na realização
do trabalho.
O fotômetro foi outra coisa surpreendente. Graças a esse equipamento pude
aprimorar meu trabalho de cinegrafista. Eu uso muito o fotômetro, é uma rotina
medir a intensidade da luz no ambiente e ai conseguir bons filmes. Eu consigo ver a
imagem antes, só pelas medidas do fotômetro.
A gente descobre que a máquina faz aquilo que você manda. Se você faz
a leitura da luz errada ou enquadra errado vai ter uma foto ruim. Lembro que uma
vez um professor me falou sobre a questão da luz e do enquadramento: agora
acabou a época da inocência. Nunca mais você vai olhar um filme como você olhava
até pouco tempo atrás. Você vai ver de outra maneira. Eu nunca mais esqueci.
O curso de fotografia me ajudou muito no trabalho que eu desenvolvo com
vídeo. Uso muito as técnicas que aprendi no curso, principalmente a do
enquadramento, que até para mim era uma coisa secundária. Com a máquina
fotográfica você tem que ver a foto antes do click, ver como vai ficar. Hoje eu uso
este recurso para filmar. O vídeo é uma consequência da fotografia. Acabo olhando
no vídeo com o olhar de uma máquina fotográfica. Um acrescenta e auxilia o outro.
Este olhar diferente que eu tenho veio da fotografia.
Teve ainda a descoberta da história da fotografia nas exposições que
visitamos. Eu fiquei maravilhado com tudo que vimos. As fotos do Sebastião
Salgado, em Êxodos. Eu saí muito mal de lá, foi muito triste ver a realidade por
meio dessas imagens. Mas depois você descobre que a fotografia também serve
para isto, para mostrar as coisas ruins, denunciar, documentar a história. Quando se
ultrapassa esta fase, você passa a olhar a foto sob o olhar técnico, fica imaginando
como o fotógrafo conseguiu fazer aquilo, em que momento, em que velocidade ele
bateu a foto. Eu gosto muito de foto documental, de fotojornalismo, do imediato.
Nunca mais fiz outro curso de fotografia. Mas tenho certeza de que não perdi
nada. Na época do curso, um colega foi fazer paralelamente um curso do SENAC.
Ele pagava R$ 400,00 e ainda tinha que levar o material. No final descobriu que não
tinha aprendido nada. Que o que ele sabia foi graças ao curso de Diadema.
241
Nós até tentamos montar um núcleo de fotografia, mas mudou o governo e
não deu certo. Uma das minhas fotos, a de uma negra com turbante, foi premiada na
Amostra de Arte de Diadema no quesito fotografia. Todo o trabalho que fazíamos
durante o curso ficava no acervo da escola. Esta foto sumiu do arquivo. São coisas
que a gente não consegue explicar.
Eu ainda sou caminhoneiro, mas também sou cinegrafista autônomo para
uma produtora. De vez em quando faço um still. Sempre estou fotografando. Mesmo
como hobby procuro manter ativo o que aprendi no curso.
242
9. Jerônimo Exposto Filho
Entrevista Realizada em 09/nov./2008.
Jerônimo Exposto Filho, 73 anos, metalúrgico aposentado.
Aprender a fotografar a priori foi uma novidade, coisa que eu jamais pensava.
Sempre tive quina fotográfica, mas não entendia nada da parte cnica. A única
coisa que eu sabia era apertar o botão. Não sabia como focar, muito menos medir a
luz ou ver a profundidade de campo.
No curso aprendi a relação entre o obturador e o diafragma, ISO, a usar o
fotômetro. Aprendi tudo. Não sabia nada. Tenho uma câmera digital dois anos.
Mas gosto muito mais de fotografar em máquina analógica, ela é bem superior à
digital. Com a digital fica mais fácil, mas por outro lado deixa a gente preguiçoso.
fiz aniversários e muitos free-lances para jornais como o Jornal de
Diadema, Notícia Regional de Diadema, Repórter Diário de Santo André, União do
ABC de São Bernardo do Campo, Jornal Imprensa Brasil. Todos estes trabalhos
com máquina digital. Casamentos sempre faço com um parceiro porque acho difícil
fotografar sozinho este tipo de evento. Tudo que faço é porque gosto e tenho tempo
para fazer. O dinheiro é um complemento a mais. O que entra é lucro.
Sempre me interessei por tudo que se relaciona à arte. Fui a muitas
exposições. Mas descobri realmente o valor destes trabalhos depois que fiz o
curso. Eu sempre ia para os lugares e nunca reparava nas coisas a minha volta.
Depois do curso consigo enxergar coisas que não via antes. Sem contar nos mais
de 50 amigos que fiz nesse período. Tem gente que eu vejo até hoje.
Participei de duas exposições: Bichos do zoológico de Itatiba. A outra foi uma
exposição patrocinada por uma empresa. Fotografei esgoto a céu aberto. Ganhei um
diploma e um curso de informática. Fiz outros cursos na Fuji e um na UNIP.
243
10. Aldemir Leonardo Teixeira
Entrevista realizada em 05/julho/2009.
Aldemir Leonardo Teixeira, 45, solteiro. Formado em Ciências
Sociais com mestrado em Antropologia pela PUC (SP).
Sempre gostei de fotografia - talvez até por eu ser sociólogo de formação,
mas nunca tive oportunidade de fazer um curso, uma faculdade ou alguma coisa do
gênero. Até então a minha experiência nesta área era a de um curioso que
aproveitava a função de educador social para fotografar as atividades do projeto
―Meninos e meninas de rua‖, de uma ONG de São Bernardo do Campo. Na ONG eu
fotografava todas as atividades do projeto, mas sempre voltado para o lado social,
da questão da favela.
Mais ou menos em 2000, soube através de um amigo, o Ailton, da Casa da
Fotografia, sobre o projeto da prefeitura de Diadema. Fiquei super animado e corri
para fazer minha inscrição. Afinal, não é todo dia que o poder público oferece
gratuitamente uma oportunidade de profissionalização para a comunidade. Quando
cheguei estava acontecendo a segunda mostra fotográfica totalmente produzida
pelos alunos. A minha primeira impressão quando vi aquelas imagens, mais de 60
fotos na parede, foi de espanto com a qualidade do trabalho, com a questão do preto
e branco que sempre me fascinou.
Como não consegui vaga para o primeiro semestre, me inscrevi para o
segundo. A professora nesta época era a Beatriz Albuquerque. Tive muita sorte de
ter tido aulas com ela, porque logo depois, com a mudança de governo, ela não ia
mais ficar no projeto. No final deu tudo certo, porque quem a substituiu foi o Guga
Abreu.
Até então, fotografia era uma coisa inacessível, inimaginável, não para
mim como para muitos moradores de Diadema. Surpreendi-me não apenas com a
qualidade dos profissionais envolvidos no projeto, mas também e, principalmente,
com o laboratório de revelação e ampliação em preto e branco, pois os
equipamentos eram todos de primeira linha. E, mais importante, o curso era gratuito.
Uma forma de muitos como eu, ter acesso à fotografia, às cnicas fotográficas e,
244
por que não a uma profissão? No curso tinha gente de todas as profissões:
pedreiros, donas-de-casa, jardineiro etc.
Dediquei-me ao máximo para me atualizar e principalmente me informar
sobre o assunto. Às vezes eu ficava o dia todo com o Ailton no laboratório,
aprendendo as técnicas. Até então o que eu sabia era o que lia nos livros. Sempre
fui muito curioso e lia muito sobre fotografia. Com isto e mais o que aprendi no curso
e com o Ailton, consegui me aperfeiçoar bastante. Aprendi técnicas fotográficas que
eu jamais imaginava que existissem como, por exemplo, o uso da câmera
profissional, a questão da luz, da fotometragem, entre outras.
A Casa da Fotografia tem uma história, uma origem. A idéia de fazer a Casa
da Fotografia e os outros núcleos partiu da Betânia. Ela tinha desenvolvido um
projeto semelhante em São Paulo, na secretaria da Cultura, com muito sucesso. Foi
ela quem trouxe a equipe. E assim como em São Paulo, o Projeto Inamar se tornou
uma referência não apenas em Diadema, mas em todo o Estado e até fora do país.
Essa qualidade foi confirmada inclusive por ex-alunos do projeto. O Diego, um
colega, foi fazer um curso no SENAC e saiu de sabendo aquilo que aprendeu no
curso em Diadema. Muitos ex-alunos partiram para o lance profissional da coisa
fazendo casamentos, eventos, books, entre outras. Eu, por exemplo, dou aula de
fotografia, mas não trabalho como fotógrafo profissional porque minha área é
ciências sociais, antropologia como um todo.
No final do segundo semestre de 2003, mandei um projeto para a prefeitura e
consegui uma turma de 30 alunos do projeto ―Adolescente Aprendiz‖. Como o
trabalho evoluiu bem, me ofereceram aulas no Centro de Referência da Juventude.
De para nunca mais fiquei sem aulas. Não ganho nem um salário mínimo para
dar aula. É porque gosto muito do que faço. De 2004 até 2009 eu nunca fiquei sem
trabalho. A ONG contrata e paga os funcionários.
A importância de se continuar o curso de fotografia é que a população de
Diadema pôde ter uma oportunidade a mais de se profissionalizar, de crescer.
Embora o mundo esteja se tornando cada vez mais digital, e com isto tudo ficando
fácil demais, é importante ter noção da fotografia analógica. Vejo a fotografia como
um instrumento muito importante, sociologicamente ela me interessa muito.
245
11. Ivans G. Colombini
Entrevista Realizada em 17/nov./2008.
Ivans G. Colombini, 46, casado, engenheiro elétrico
Eu vi um panfleto falando sobre o curso e não resisti. Não tinha noção
alguma de fotografia e resolvi que era o momento para aprender. Mas, para minha
surpresa não aprendi como passei a gostar mais ainda de foto. O curso foi ótimo
e superou minha expectativa. Principalmente pelo gabarito dos professores, e da
professora uma experiente fotógrafa.
Com ela não foi difícil aprender as funções da máquina mecânica, dos flashes
eletrônicos de estúdio, medir luz com o fotômetro, a luz pontual e a luz do ambiente.
Aprendi revelação, banhos de filme, tempo. O curso não deixou a desejar para
nenhum curso tipo SENAC ou outro particular.
Descobri que luz é tudo em fotografia. Aprendemos todos os macetes para
fazer fotos em estúdio. Gosto muito de luz natural. Mas com o fotômetro compreendi
como calibrar a luz de acordo com o que desejava. Uma das minhas fotos, que na
época saiu nos jornais, demonstra isso. Montei a luz dura e dramática, conforme o
tema. Isso é muito compensador quando se o resultado do trabalho. É você no
comando. Usar o fotômetro e flash de estúdio ajudou muito no meu
aperfeiçoamento. Tanto que a primeira coisa que eu fiz quando terminei o curso foi
comprar um fotômetro analógico da mesma marca Minolta que usávamos nas aulas.
Tenho uma câmera digital, mas uso mais a mecânica para fotografar preto e branco.
A questão do enquadramento era difícil. Não enquadrava direito. Usava lente
50 milímetros. Precisava me aproximar das pessoas e isto era um problema. A dica
dos professores neste momento foi muito importante. Eles não se cansavam de falar
que em fotografia não se pode ficar inibido, que tem que chegar perto do
fotografado. É uma experiência inesquecível e te outro horizonte. Você passa a
valorizar mais as coisas. Muda a maneira de olhar, fica diferente.
Acredito que o mais importante foi aprender em uma máquina mecânica. Ao
contrário da digital, você tem que estar atento ao olhar, tem que saber o que vai
fazer. Não pode chegar apenas e apertar o botão. A câmera tem suas regras, mas é
246
é totalmente burra para escolher qualquer coisa. Você tem que comandar, regular a
velocidade, a luz, a profundidade.
Este curso mudou toda a concepção que eu tinha da fotografia. Hoje sei o que
e como vou fotografar, tem que haver um embasamento teórico e técnico e o
conhecimento da ferramenta, da máquina. Parte destas descobertas eu devo às idas
a exposições. Hoje, quando vou a mostras, olho com outra visão. Não o olhar
relacionado à idéia da imagem, do tema, mas também com o olhar da técnica.
Analiso a foto, luz, profundidade. É muito melhor hoje.
Tive oportunidade de fazer outros cursos fora de Diadema. A diferença na
qualidade foi visível; a começar pelo ambiente da classe que era muito frio, muito
impessoal. O da Casa da Fotografia tinha aquela coisa do contato humano. E o fato
do grupo ser pequeno foi altamente produtivo. Além de que era um clima ótimo. Nós
nos tornamos amigos. Sinto muita saudade.
Continuo na minha profissão de engenheiro elétrico, mas a fotografia sempre
será meu grande prazer, minha realização pessoal. Faço alguns eventos.
Geralmente são amigos. Mas gosto mesmo é de fotos de obras de arquitetura, de
construções antigas. Tanto que voltei para as salas de aula e estou fazendo
faculdade de engenharia hidráulica e saneamento ambiental. E as fotos são minhas
companheiras neste novo caminho. Faço todo tipo de fotografia porque pretendo
publicar um livro referência do curso de hidráulica.
247
7 - ANEXOS
198. Espaço 12 Foto: Caroline Cruz
248
Parte da programação dos cursos e do material publicado na imprensa
249
250
Novembro/1999
251
252
253
254
Março/2000
O ESTADO DE S. PAULO, Caderno Seu Bairro - Jardins, 3/9/1999 - Ano 5 - N° 285
255
Agosto/1999
Junho/2000
256
Março e abril/ 1999
257
Abril/2000
258
Maio/ 1999
259
Maio/ 2000
260
Novembro de 2000
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