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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS
FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS E FILOSOFIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
Cileide Alves Cunha
AVAL DO PASSADO: IRIS REZENDE - MEMÓRIA E POLÍTICA
(1958–1982)
GOIÂNIA
2008
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Termo de Ciência e de Autorização para Disponibilizar as Teses e Dissertações Ele-
trônicas (TEDE) na Biblioteca Digital da UFG
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ás–UFG a disponibilizar gratuitamente através da Biblioteca Digital de Teses e Dissertações
– BDTD/UFG, sem ressarcimento dos direitos autorais, de acordo com a Lei nº 9610/98,
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download, a título de divulgação da produção científica brasileira, a partir desta data.
1. Identificação do material bibliográfico: [ X ] Dissertação [ ] Tese
2. Identificação da Tese ou Dissertação
Autor(a): Cileide Aves Cunha
CPF: E-mail: cileide.alves@gmail.com
Seu e-mail pode ser disponibilizado na página? [ X ]Sim [ ] Não
Vínculo Empre-
gatício do autor
Editora do Jornal O POPULAR, da empresa J. Câmara & Irmãos S.A.
Agência de fomento: Sigla:
País: UF: CNPJ:
Título: Aval do passado: Iris Rezende - Memória e Política (1958–1982)
Palavras-chave: Iris Rezende; memória; política goiana
Título em outra língua: Past endorses: Iris Rezende – Memory and politics (1958—1982)
Palavras-chave em outra língua: Iris Rezende; memory; goiana politics
Área de concentração: Culturas, Fronteiras e Identidades
Data defesa: (29/09/2008)
Programa de Pós-Graduação: História da Faculdade de Ciências Humanas e Filosofia
Orientador(a): Noé Freire Sandes
CPF: E-mail: [email protected]
Co-orientador(a):
CPF: E-mail:
3. Informações de acesso ao documento:
Liberação para disponibilização?
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________________________________________ Data: ____ / ____ / _____
Assinatura do (a) autor(a)
1
Em caso de restrição, esta poderá ser mantida por até um ano a partir da data de defesa. A extensão deste prazo
suscita justificativa junto à coordenação do curso. Todo resumo e metadados ficarão sempre disponibilizados.
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Cileide Alves Cunha
AVAL DO PASSADO: IRIS REZENDE - MEMÓRIA E POLÍTICA
(1958–1982)
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em História da Faculdade de
Ciências Humanas e Filosofia da Universidade
Federal de Goiás, para obtenção do grau de
mestre em História.
Área de Concentração: Culturas, Fronteiras e
Identidades.
Linha de pesquisa: História, Memória e
Imaginários Sociais.
Orientador: Prof. Dr. Noé Freire Sandes.
GOIÂNIA
2008
Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)
(GPT/BC/UFG)
Cunha, Cileide Alves.
C572a Aval do passado: Iris Rezende - memória e política (1958-1982)
[manuscrito] / Cileide Alves Cunha. – 2008.
198f.
Orientador: Prof. Dr. Noé Freire Sandes.
Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Goiás, Fa-
culdade de Ciências Humanas e Filosofia, 2008.
.
Bibliografia: f.192-198.
Anexos.
1. Machado, Iris Rezende – História 2. Machado, Iris Rezende –
Memória e política – 1958-1982 I. 3. Goiás (Estado) – Política e
governo I. Sandes, Noé FreireII. Universidade Federal de Goiás,
Faculdade de Ciências Humanas e Filosofia III. Título.
CDU: 94(817.3)”1958-1982”
Aval do passado: Iris Rezende - memória e política (1958–1982)
Dissertação defendida pelo Programa de Pós-Graduação em História, nível
mestrado, da Faculdade de Ciências Humanas e Filosofia da Universidade Federal de
Goiás, aprovada em _______ de ______________ de ______ pela banca examinadora
constituída pelos seguintes professores:
_______________________________________________
Prof. Dr. Noé Freire Sandes
Presidente
_______________________________________________
Profª. Drª. Janaina Passos Amado Baptista de Figueiredo
Examinadora
_______________________________________________
Prof. Dr. João Alberto da Costa Pinto
Examinador
_______________________________________________
Prof. Dr. Élio Cantalício Serpa
Suplente
GOIÂNIA
2008
“O passado é o que não passa, o que
nunca termina de passar, o que segue passando
todo o tempo. Não é algo que fica para trás: é
algo que pesa, atua, intervém no presente. Uma
espécie de fantasma que volta. Convivemos todo
o tempo com o passado, falamos com espectros,
coabitamos com mortos, noivas que
abandonamos ou que nos abandonaram, histórias
que acreditávamos acabadas. Não só recordamos
o passado: vivemos com ele, dentro dele, contra
ele.”
Alan Pauls, escritor argentino,
autor do romance El Pasado
(Barcelona, Espanha. Editorial Anagrama, 2003)
em entrevista
ao caderno Magazine, do j
ornal O Popular. Goiânia, 4 de
julho de 2007.
Agradecimentos
No dia em que me inscrevi na seleção do Programa de Pós-Graduação em
História da Faculdade de Ciências Humanas e Filosofia da UFG, já tinha tomado a
decisão de ouvir as memórias de Iris Rezende. Pensava apenas em escrever sua
biografia, fora da academia. Fernando, meu companheiro de todos os momentos,
ponderou que eu deveria procurar ajuda na universidade. Argumentou, com o bom
senso que lhe é peculiar, que a academia me prepararia para escutar Iris Rezende, me
daria base teórica e, conseqüentemente, me amadureceria para enfrentar um projeto
como este.
É a Fernando, portanto, meu primeiro agradecimento, pois talvez sem seu
estímulo não teria nem sequer pensado na academia. Minha filha Bárbara foi a primeira
pessoa com quem conversei sobre a sugestão de Fernando. Fazer um curso de mestrado
e trabalhar ao mesmo tempo, ainda mais em uma profissão como a minha, que não
respeita feriado nem fins de semana, significaria diminuir o já escasso tempo que
dedicamos uma a outra. Bárbara não só concordou, como me estimulou a estudar e foi
meu esteio nos momentos mais difíceis, quando parecia impossível fazer tudo ao
mesmo tempo.
Agradeço, carinhosamente, a meus editores-chefes: primeiro, a Isanulfo
Cordeiro e, depois, a João Unes, que concordaram que eu dedicasse algumas tardes às
aulas na universidade, e ao diretor de Jornalismo da Organização Jaime Câmara, Luiz
Fernando Rocha Lima, que não opôs obstáculo a este projeto. A meus colegas
jornalistas da Redação do jornal O Popular, agradeço a paciência de me ouvir, enquanto
eu organizava minhas idéias fruto do trabalho de investigação. À colega Rosângela
Chaves, meu agradecimento pela revisão cuidadosa e a Wolney Unes por sua
contribuição.
A Iris Rezende Machado, devo um especial agradecimento, por ter concordado
em me confiar suas memórias para este projeto, despendendo tempo em sua apertada
agenda de gestor público. Contei também com a generosa contribuição de seus
assessores Rodrigo Czepak, de Imprensa, e Gilmar Ramos, chefe de Gabinete, que me
encaixaram na sua agenda. Fundamental também os depoimentos de Flávio Peixoto da
Silveira, Nion Albernaz, Vilmar Rocha, Jackson Abrão e Hamilton Carneiro. Eles me
ajudaram a compreender as lacunas surgidas durante o trabalho.
Agradeço a orientação tranqüila e a paciência de meu orientador, Noé Freire
Sandes, que aceitou o desafio de trabalhar com uma jornalista, uma categoria
profissional que, parodiando Weber, sofre de arrogância e prepotência como uma
“moléstia ocupacional”. Por fim, agradecimentos à minha mãe, Dinorá, o esteio que me
trouxe até aqui, às minhas irmãs Cilaine, sempre pronta a ouvir minhas dúvidas, Suzi e
Raquel, por compreenderem minhas ausências nos encontros de família e o meu estresse
pelo excesso de trabalho e à d. Maria, pela tolerância no silêncio da fazenda enquanto
escrevia este texto.
Resumo
Esta dissertação de mestrado é um esforço de investigação para compreender
como Iris Rezende Machado, que estreou na política em 1958, estruturou sua liderança,
com duração e suporte para resistir ao tempo. A fonte principal desta investigação é o
testemunho oral: as entrevistas de Iris Rezende constituem a base para a análise de sua
trajetória. Elas foram cotejadas com depoimentos de pessoas que testemunharam seu
trabalho, com arquivos de jornais e com a literatura sobre a política goiana.
Foram realizadas quase duas dezenas de entrevistas com Iris Rezende,
perfazendo cerca de 30 horas de gravação. Suas memórias ajudaram a compreender não
apenas sua trajetória, também deram acesso à memória coletiva de seu grupo político.
Suas lembranças se entrelaçam com a de outros agentes do campo político,
possibilitando a compreenção da memória desse grupo, liderado por Pedro Ludovico
Texeira por quase cinco décadas.
Iris começou sua carreira na oposição ao ludoviquismo, mas se aproximou
dele, ao pressentir que político que ambiciona construir uma longa carreira deve
participar de um grupo forte. A escuta de sua vida permitiu compreender sua vocação
para a política, a estruturação de sua carreira, sua profissionalização e sua relação com
aliados e adversários. Ajudou ainda a entender como a mentalidade de modernização e
de reestruturação administrativa do Estado – bandeiras dos revolucionários de 30 e
marcas das gestões de Ludovico – foi transmitida aos agentes de seu campo político,
entre eles Iris, que reivindicou sua inserção na transição da memória à história, como
elo entre a ação político-adminitrativa de Pedro Ludovico e as ações do mesmo grupo
após a morte de Ludovico.
O primeiro capítulo faz uma discussão teórica sobre memória, o ato de lembrar
e de esquecer, a história oral e, por fim, a estruturação de uma carreira política. Iris
narra suas memórias no segundo capítulo. No terceiro, retomo a narrativa de Iris para
submetê-la à interpretação histórica.
Abstract
This dissertation is an investigation effort in order to aprehend the way Iris
Rezende Machado – who started his political life in 1958 – structured a political
leadership to endure time. The main source of this research is the oral statement: the
interviews with Iris Rezende are the departure point to analyse his political path. All
data collected in the interviews were crosschecked with statement of eyewitnesses,
newspaper archives and other studies about politics in Goiás.
Almost twenty interviews with Iris Rezende were carried out, amounting a
total of 30 hours recording time. His memories help the understanding not only of his
political path but also gave way to the collective memory of his political group. His
memories weave with those of other political agents, thus allowing the understanding of
the memory of the group, whose leader was Pedro Ludovico Teixeira for almost five
decades.
Iris started his career in opposition to Ludovico, but moved on to support him
when he realized a politican who wishes to build a lasting career has to be part of a
strong group. Listening to his life allowed the understanding of his political inclination,
his professionality and his relation to allies and opposition. It also helped understading
how his mentality towards the modernization and administrative reorganization of
Goiás – policy of the revolutionary of the 30es and Ludovico´s motto – has been
transmitted to the agents of his political field, among which Iris, who claims his
insertion in the transition from memory to history, as a link between Ludovico´s
political and administrative actions and the actions of the same group after Ludovico.
The first chapter proposes a theoretical discussion about memory, the act of
recalling and forgetting, oral history and also the organization of a political career. Iris
tells his memories in the second chapter. In the third chapter, I take up Iris´ memories to
interpret them historically.
Sumário
Introdução ........................................................................................................................10
Capítulo I
O jogo da memória: o aval do passado..........................................................................14
1.1 –A memória e suas armadilhas.........................................................................................14
1.2 – Um projeto de história oral............................................................................................27
1.3 – Carreira política, opção de uma vida............................................................................35
Capítulo II
Iris narra a sua história ..................................................................................................44
2.1 – A descoberta da política.................................................................................................44
2.2 – A dura vida na roça........................................................................................................47
2.3 – O aprendizado no movimento estudantil......................................................................54
2.4 – A estréia nas urnas .........................................................................................................64
2.5 – A adesão ao ludoviquismo..............................................................................................71
2.6 – Os passos rumo à prefeitura..........................................................................................78
2.7 – Prefeitura, laboratório político e administrativo.........................................................88
2.8 – O caçador e a caça: sobrevivendo ao golpe militar ...................................................104
2.9 – Cassação: a vida fora da política e o retorno .............................................................116
Capítulo III
A grande aprendizagem: da herança modernizadora à consagração popular..........122
3.1 – A disputa pelo passado.................................................................................................122
3.2 – A revolução de 1930 e o espólio de Pedro Ludovico Teixeira...................................127
3.3 – A adesão a um grupo político ......................................................................................137
3.4 – A descoberta dos adversários ......................................................................................153
3.5 – A prefeitura: exame de admissão................................................................................158
3.6 – Imagem e política: entre o demagogo e o líder popular............................................166
3.7 – A prova de fogo: a cassação, a espera e a consolidação de uma herança
política.....................................................................................................................................177
Conclusão .........................................................................................................................185
Referências .......................................................................................................................192
Anexos...............................................................................................................................199
Termos de consentimento .....................................................................................................199
Introdução
A idéia de realizar este projeto de pesquisa surgiu em 30 de dezembro de
2004. No final da manhã daquele dia, véspera da comemoração do ano-novo, encontrei-
me com o então prefeito eleito de Goiânia, Iris Rezende, na sede da Stylus Publicidade,
para uma entrevista ao jornal O Popular. Ele, que tomaria posse dois dias depois,
acabara de anunciar seu secretariado, numa coletiva à imprensa. Estava ainda tomado
pela euforia da vitória sobre o prefeito Pedro Wilson (PT), derrotado na pretensão de
reeleger-se. A expectativa de quatro anos de poder na Prefeitura de Goiânia mudou sua
vida. A solidão dos dois anos anteriores – em 2002, ele havia perdido a reeleição para
senador, ficando sem mandato eletivo – já era passado. Sua presença na agência de
publicidade movimentou o prédio. Candidatos, eleitos e derrotados, lideranças políticas,
assessores, colaboradores da campanha eleitoral assediavam-no.
A entrevista era para um artigo de minha autoria a ser publicado no Popular
na primeira segunda-feira depois da posse. Abordaria seu retorno, depois de duas
derrotas consecutivas (em 1998 e em 2002), o que, aparentemente, havia colocado um
ponto final em sua carreira. A conversa, na sala de reunião da agência, durou mais de
duas horas e teve por testemunha apenas seu assessor de imprensa, Rodrigo Czepak.
Iris Rezende não se limitou ao tema da entrevista. Dava a impressão de que
tinha necessidade de falar. Deixei-o à vontade. Ele voltou ao passado. Evocou
lembranças antigas, do início da carreira política e fatos marcantes em sua trajetória. A
disputa em 1982 pelo governo de Goiás, do “cassado contra o ‘cassador’” – referência
ao ex-governador Otávio Lage, seu adversário naquela eleição, que teve participação
decisiva na cassação de seu mandato de prefeito de Goiânia em 1969. O rompimento
com Henrique Santillo (governador entre 1987–1990), a derrota eleitoral em 1998.
Iris narrava suas memórias espontaneamente, demonstrando uma necessidade
de fazer uma reescrita de sua vida, de encontrar um significado para o que vivera. Já
havia entrevistado-o em várias oportunidades. Mas aquela entrevista não me saía da
cabeça. Encontrei uma pessoa pronta para narrar suas memórias, mas estaria eu pronta
para escutá-lo? E qual o significado da minha escuta? A partir desse dia comecei a
pensar em transformar meu desejo de entrevistar esse político com tão destacada
presença em Goiás em tema de uma pesquisa que me permitisse refletir justamente
11
sobre a trajetória política dele. Enfim, tratava-se de acompanhar a trajetória de um
homem que saiu da roça para sagrar-se como líder político, identificar como esse trajeto
foi construído.
Dediquei 2005 a me preparar para o ingresso na universidade. Somente em 16
de novembro de 2006, quando o curso de mestrado já ia adiantado, procurei Iris
Rezende para expor meu projeto. Encontramo-nos em seu gabinete no Paço Municipal,
o único de nossos encontros em seu local de trabalho, às 8h15, para o café da manhã.
Expliquei-lhe a proposta, e ele imediatamente começou a evocar as lembranças antigas.
Como eu percebera cerca de dois anos antes, falar era uma necessidade, por razões que
exponho no primeiro capítulo.
Iris Rezende aceitou de pronto a minha proposta e prometeu dedicar um tempo
em sua agenda para as entrevistas gravadas. A primeira ocorreu cerca de 15 dias depois
dessa conversa no Paço Municipal. Um imprevisto, a cirurgia na próstata a que foi
submetido no início de janeiro de 2007, interrompeu nossas conversas. O segundo
encontro só aconteceu em fevereiro, dois meses depois do anterior. O terceiro foi em
abril, na sede da Stylus Publicidade, após ele gravar um comercial da prefeitura. Iris
queria falar, mas isso ainda não era sua prioridade.
Só a partir do quarto encontro ele tomou gosto pelo projeto. Passou a reservar
todas as tardes das segundas-feiras para as entrevistas, sempre em seu apartamento, no
Setor Oeste. As conversas começavam às 15h30, sem tempo para terminar. Em geral,
seguiam até perto das 19 horas. Foram quase 30 horas de entrevistas gravadas, em 18
encontros entre dezembro de 2006 e fevereiro de 2008. Esse material é a fonte principal
deste trabalho de pesquisa. Mas não o único. Paralelamente, entrevistei políticos e
assessores mais próximos de Iris Rezende, fontes que ajudaram a explicar sua
personalidade e seu comportamento político. A literatura existente sobre a política
goiana no período de atuação de Iris Rezende, isto é, a partir da década de 50, ajudou a
recompor o cenário político no qual ele se movimentou. Essas informações serão a
estaca de sustentação da narrativa sobre o objeto desta pesquisa.
Esta dissertação investigou a trajetória política de Iris Rezende. Meu propósito
foi traçar seu perfil político, a partir de um recorte de sua carreira: de 1958, ano de sua
primeira eleição, a 1982, quando foi candidato a governador na primeira eleição, dez
anos depois da cassação e suspensão de seus direitos políticos. Este recorte justifica-se
porque marca sua entrada no campo político (1958), ainda como um mero agente, até
12
sagrar-se líder do grupo político, o subcampo (1982). Ao eleger-se governador, assume
não apenas o comando do Estado, mas a liderança do grupo político seguidor de Pedro
Ludovico Teixeira.
Parto de três premissas para explicar sua ascensão: a construção de uma
liderança carismática, com uma forte ligação com as camadas populares, que lhe rendeu
popularidade e, conseqüentemente, votações recordes; a construção de uma liderança
política e partidária tradicional, inspirada no estilo de Pedro Ludovico; e a construção da
identidade de bom administrador, esta inspirada no governo de Mauro Borges Teixeira.
Dedico o primeiro capítulo a uma discussão mais teórica: as razões que
levaram Iris Rezende a relatar suas memórias, como se deu esse processo, o cuidado
com as técnicas da história oral e, por fim, um debate sobre a construção de uma
trajetória política. As lembranças de Iris estão no segundo capítulo. Na edição do relato
autobiográfico privilegiei o recorte da pesquisa (1958–1982), sem fechar as portas para
outros períodos e acontecimentos que surgiram imbricados em sua fala por meio de uma
tecedura entre presente e passado. A história narrada por Iris, contada na terceira pessoa,
não respeita ordem cronológica. Segue o fluxo de seu raciocínio, às vezes mantendo
uma seqüência de fatos, às vezes intercalando por eventos e análises que um fato do
presente provocou sobre suas lembranças ou sobre a sua narrativa, em um ziguezague
entre passado, presente e futuro.
No terceiro capítulo, retorno à narrativa de Iris Rezende com base em outras
fontes. Sua narrativa é submetida à crítica histórica no sentido específico de entender
sua própria construção. Na entrevista, percebi que Iris narrava não apenas sua trajetória,
mas a de um grupo que dirigiu o Estado desde 1930. Iris consolidava a imagem de uma
revolução conservadora responsável pela modernização do Estado, dirigida,
inicialmente, por Pedro Ludovico Teixeira. Refletir sobre a negociação entre a memória
individual e a do grupo foi a estratégia que adotei para avistar o processo de formação
de uma liderança que firmou sua marca, seu jeito e seu nome na história política de
Goiás.
A pesquisa incide justamente neste ponto: como um personagem conserva e
mantém sua presença na política por mais de 50 anos, resistindo à cassação, a
perseguições e derrotas. O problema se amplia com a escuta atenta. Ao lado da imagem
do líder carismático que se fez sozinho, emergem um grupo político, uma memória
13
firmada na vivência, nos exemplos, na palavra. E também o oposto: conflitos,
rompimentos e disputas.
Capítulo I
O jogo da memória: o aval do passado
1.1 –A memória e suas armadilhas
“Qual a forma predominante de memória de um dado indivíduo?” A pergunta
de Ecléa Bosi (1987, p. 29) é bem apropriada para este início de discussão sobre a
elaboração de um perfil biográfico construído com base na memória de seu
protagonista. O personagem deste trabalho, Iris Rezende Machado, 74 anos, nasceu em
Cristianópolis, em 22 de dezembro de 1933. Completa 50 anos de carreira política em
2008, a maioria deles como personagem central da cena política goiana.
A resposta à pergunta de Bosi é complexa e dificilmente conseguiremos
respondê-la por completo, mesmo com a ajuda de pensadores que já se debruçaram
sobre o estudo da memória. O propósito deste capítulo é delinear um caminho, dentre
vários, para compreender a elaboração e a construção da memória política do objeto
desta pesquisa. O ponto de partida é a formulação de Ecléa Bosi para sua própria
pergunta: “O único modo de sabê-lo é levar o sujeito a fazer sua autobiografia. A
narração da própria vida é o testemunho mais eloqüente dos modos que a pessoa tem de
lembrar. É a sua memória” (1987, p. 29).
A fonte principal deste trabalho de pesquisa são as memórias de Iris Rezende
Machado, que aceitou narrar sua própria vida. Falou com entusiasmo de recordações
que lhe agradavam e com visível tristeza, até constrangimento, daquelas que o fizeram
sofrer. Fez um longo e difícil exercício em busca de lembranças de fatos e de eventos
relevantes que marcaram não apenas sua vida pessoal, como também a cena política
goiana no período em que foi um dos protagonistas. Suas lembranças surgem de sua
própria construção, são reconstituídas por seu olhar, o que as diferem das de outros
atores sociais que com ele compartilharam os mesmos fatos.
As dificuldades de um trabalho com este propósito estão nas armadilhas que
surgem naturalmente no decorrer de uma pesquisa calcada na memória. Ginzburg
propõe uma alternativa para fugir do dualismo que comumente surge em um trabalho
dessa natureza: “As fontes não são nem janelas escancaradas, como acreditam os
positivistas, nem muros que obstruem a visão, como pensam os céticos: no máximo
15
poderíamos compará-las a espelhos deformados. A análise da distorção específica de
qualquer fonte implica já um elemento construtivo” (2002, p. 44).
Ao pesquisador cabe analisar a imagem deformada desse espelho. A voz do
objeto da pesquisa constrói sua própria narrativa, que se transforma em matéria-prima
para a análise. O pesquisador, então, inclui sua fala como ferramenta da reconstrução
dessa história, entendida como a narração de fatos notáveis de sua vida. Serão, portanto,
duas vozes apenas.
O discurso de quem lembra constrói um romance de sua vida, para
concordarmos com a escritora espanhola Rosa Montero. Ela afirma que cada ser
humano é um romancista, autor de um “romance único”, que é sua própria existência.
Cada um de nós “inventa” sua própria lembrança, “inventa-se a si mesmo”, porque a sua
“identidade reside na memória, no relato de sua biografia” (Montero, 2004, p.8).
Um romance não brota do nada na cabeça de seu autor. Todo ficcionista cria
suas histórias com base em vivências pessoais, em experiências acumuladas na própria
memória e na de seu grupo social. Ele busca no cotidiano a matéria-prima de sua obra.
Com o “romancista da própria vida” não é diferente. Suas memórias, mesmo que
“inventadas”, também surgem de construções pessoais e coletivas.
Em Halbwachs (2006), a memória é sempre coletiva. Não nos lembramos da
primeira infância, diz, porque não éramos um “ente social”, isto é, porque não nos
relacionávamos em grupo e, portanto, não podemos contar com a memória desse grupo
para construir a nossa própria.
A memória individual é, para o autor, um “ponto de vista sobre a memória
coletiva”, e esse ponto de vista muda dependendo do lugar que a pessoa ocupa em
determinado momento de sua vida. Esse lugar também muda “segundo as relações que
mantenho com outros ambientes” (2006, p. 69). Reside aí outro aspecto importante da
memória: sua mutação de acordo com o tempo e com o grupo com o qual se relaciona a
pessoa que lembra. Então, “lembrar não é reviver, mas refazer, reconstruir, repensar
com imagens e idéias de hoje as experiências do passado”. Ao reconstruir o passado, a
pessoa cria sua própria história, a sua ficção sobre o fato lembrado.
O indivíduo que lembra não é o mesmo que presenciou ou protagonizou os
fatos. Isso é muito claro na narração que Iris Rezende faz de seu passado, agora com a
maturidade de quem completa seu cinqüentenário de carreira política. Ele sempre deixa
16
escapar uma análise do fato durante sua narração, como se seu ponto de vista atual
dirigisse a narrativa. Relata o fato como o enxerga a partir do lugar em que se encontra
neste momento. É esse ponto de vista que dá mais relevo a um fato e menos a um outro.
Mesmo sofrendo influência do grupo e sendo construída com base nas relações
da pessoa que lembra com o seu grupo, a memória pode ser individual. Esta surge da
construção de cada indivíduo inserido em um grupo, sendo diferente da memória dos
outros membros do mesmo grupo. É individual, porém, como é memória partilhada, é
também negociada. Uma das preocupações deste trabalho, ao investigar o relato
autobiográfico de Iris Rezende, é identificar sua própria memória, sem se esquecer da
influência de seu grupo sobre ela, para poder compreendê-la.
Isso implica relacionar a memória do narrador com os acontecimentos
contemporâneos aos fatos relembrados. O sujeito da história não pode ser visto
isoladamente, como um herói que construiu tudo sozinho, nem ser tratado como mero
fruto das estruturas políticas, econômicas e sociais, como se os fatos históricos
ocorressem independentemente das percepções e das intenções dos personagens neles
envolvidos. Le Goff propõe em seu São Luís (1999, p. 21) pensar o personagem, no
caso Luis IX, como um “sujeito ‘globalizante’, em torno do qual se organiza todo o
campo da pesquisa”. “Ora, que objeto mais e melhor que uma personagem cristaliza em
torno de si o conjunto de seu meio e o conjunto dos domínios que o historiador traça no
campo do saber histórico?”
A memória de Iris apóia-se nos fatos e eventos por ele vividos e na sua
construção narrativa desses acontecimentos. Para reconstruí-los ele sai de seu dia-a-dia,
mergulha em seu passado e refaz lembranças que ganham novo sentido na narrativa
atual. As entrevistas para esta pesquisa ocorreram nos momentos em que ele pôde
dedicar-se com mais tempo a seu passado. No início, houve longos intervalos entre as
entrevistas. Elas nunca ocorreram em seu gabinete de trabalho, no Paço Municipal. A
maioria realizou-se em sua casa, em um isolamento que lhe permitia desligar-se da
rotina de trabalho, para se voltar inteiro ao passado.
Com o passar do tempo, percebi que os longos intervalos entre as primeiras
entrevistas não decorreram apenas de sua dificuldade de conciliar sua movimentada
agenda com o seu compromisso com esta pesquisadora. O determinante foi seu
desinteresse nos momentos iniciais das entrevistas. Iris estava interessado em narrar
suas memórias, por razões que conheceremos adiante, mas ainda não era sua prioridade
17
emocional. Racionalmente tomara a decisão, mas não emocionalmente. Restou-me
aguardar o tempo certo para que as questões levantadas fossem respondidas pelo
entrevistado.
Contar uma história modifica as emoções e captura o sujeito para a narrativa.
O ato narrativo envolveu Iris e despertou seu desejo de falar sobre si mesmo. Ele quis
contar sua história e contou. O desejo de acertar as contas com o passado surgiu no
momento preciso em que retornou à vida pública com a clareza que estava fechando um
ciclo. Vale lembrar que sua trajetória política esteve em ascensão entre 1958 (sua
primeira vitória eleitoral) e 1998 (sua primeira derrota). A partir de 98, entrou em
declínio. Sua vitória em 2004 proporcionou-lhe a oportunidade de resgatar sua trajetória
de liderança e interromper o ostracismo a que estivera submetido.
Sua narrativa mudou a partir dessa captura. Suas lembranças anteriores a essa
fase foram burocráticas. Falava como se estivesse narrando a vida de um conhecido,
como se o sujeito de suas lembranças fosse uma terceira pessoa. Recordava-se de
pessoas (e de seus nomes completos), de suas ligações de parentesco (relacionava-as a
pai, sogro, filho, irmão, como um modo patriarcal de organizar o mundo), de datas,
locais e detalhes de acontecimentos, como se descrevesse uma enciclopédia. Depois de
seu envolvimento com o ato narrativo, sua descrição ganhou novos elementos. A
interpretação dos fatos, uma tentativa de compreender os rumos de sua vida e dar um
sentido a ela, incorporou-se a seu discurso.
Na quinta entrevista,
1
realizada apenas um dia depois da quarta, ele
emocionou-se ao lembrar do envolvimento da população no mutirão de construção de
mil casas populares em apenas um dia, realizado em Goiânia em seu primeiro governo
(1983–1986), a ponto de chorar. A demonstração de fragilidade constrangeu-o, afinal
Iris é de uma geração de homens treinados a não chorar. Precisou de alguns minutos
para se recuperar. Tomou um café para controlar a voz embargada. Na seqüência, reagiu
como se quisesse restaurar a imagem de homem forte e valente, em um contraponto à
fragilidade anterior. Referiu-se a um episódio em que teria demonstrado coragem e
1
O irmão mais velho de Iris, o empresário Orlando Alves Carneiro, morreu em 26 de junho de 2006, aos
75 anos, de complicações provocadas por um câncer de próstata contra o qual lutou por sete anos. A
quinta entrevista para esta pesquisa ocorreu no dia em que completou um ano de sua morte, em
26/6/2007, fato lembrado por Iris. Naquela ocasião, ele já havia organizado sua agenda para me receber
todas às segundas-feiras, às 15h30 em seu apartamento, compromisso que manteve religiosamente.
18
valentia. Narrou seu primeiro encontro, como governador de Goiás, em 1983, com o
então presidente da República, João Batista Figueiredo. Iris era do PMDB. Elegera-se
fazendo campanha contra a ditadura, corporificada naquele momento por Figueiredo, o
último presidente militar da era autoritária, de 1964 a 1985.
O encontro, segundo Iris, foi tenso. Figueiredo nem se levantou da cadeira
para recebê-lo em seu gabinete, no terceiro andar do Palácio do Planalto. Sentado atrás
da mesa, sem olhá-lo de frente, o presidente reagiu com mau humor ao pedido do
visitante para uma parceria administrativa entre o Estado e a União, alegando
perseguição do governo peemedebista a seus companheiros do PDS em Goiás. Iris conta
que reagiu à situação, elevando o tom de voz e partindo para o ataque. A tática de
defesa, diz, surtiu efeito e o mal-humorado presidente deu lugar a um outro mais gentil,
que ao final do encontro chegou a acompanhá-lo até a ante-sala de seu gabinete para se
despedirem. Essa lembrança ajudou-o a recuperar o autocontrole.
Esse episódio ajuda a mostrar o papel do presente no processo de
reminiscência. A lembrança reconstrói o passado com a ajuda de “dados tomados de
empréstimos ao presente” e também “preparados por outras reconstruções feitas em
épocas anteriores e de onde a imagem de outrora já saiu bastante alterada” (Halbwachs,
2006, p. 91). No caso relatado anteriormente, o presente, isto é, o sentimento de
fragilidade, tornou-se a faísca que acendeu a outra lembrança, sua coragem de enfrentar
o rancoroso presidente-militar. O desejo de Iris Rezende de narrar o “romance” de sua
vida brotou assim, de “dados emprestados do presente”, como veremos a seguir.
Em outras épocas de sua vida, quando apenas as vitórias eleitorais lhe faziam
companhia, Iris Rezende foi procurado por um jornalista e, depois, por um escritor com
a proposta de escrever sua biografia. Ele não rechaçou a idéia, mas ela não se
concretizou sob a justificativa de falta de tempo, dele ou do futuro biógrafo. Ele não
percebeu, entretanto, que as razões não eram de ordem prática.
Com uma carreira em alta, no auge de seu poder político, não sentia naquele
momento desejo de dar sentido à sua carreira e, conseqüentemente, à sua vida. Essa
necessidade costuma surgir em ocasiões de perda. “O gesto autobiográfico tornou-se
uma das mais procuradas formas de workshops terapêuticos, na medida em que promete
uma cura das experiências traumáticas da perda pela memória” (Feitosa, 2002, p. 55).
19
O insucesso bateu à porta de Iris Rezende em 1998, quando perdeu sua
primeira eleição que parecia ganha, na véspera, para o pouco conhecido candidato
Marconi Perillo (PSDB). A derrota colocou em xeque um poder político até então
inquestionável. Ainda assim lhe restaram quatro anos de mandato de senador e uma
forte liderança política em Goiás. Só que a derrota apresentou-se a ele novamente quatro
anos depois, deixando seqüelas maiores ainda do que da primeira vez. Em 2002, Iris
Rezende não se reelegeu para o Senado: ficou sem mandato, e sua força política foi
fortemente abalada.
Desta vez ele sentiu a força de todas as perdas reunidas: a derrota de 1998, a
desconstrução de seu nome e o de sua família com o escândalo do Caso Caixego,
2
explorado por Marconi Perillo, e a nova derrota de 2002, esta com o agravante de deixá-
lo sem cargo, depois de 19 anos de mandatos ininterruptos. Iris sentiu-se um perdedor
em 2002, sentimento que só havia experimentado uma única vez em sua vida, em
outubro de 1969, quando teve o mandato de prefeito de Goiânia cassado no auge de sua
popularidade e com a carreira em ascensão.
Sua primeira reação com a derrota de 2002 foi isolar-se da cena política.
Decidiu dedicar-se às suas fazendas e plantar soja. Enquanto a plantação crescia, Iris
reorganizava-se. Colhida a safra, saiu do isolamento e voltou para Goiânia, ainda sem se
2
Em 1990 o presidente Fernando Collor de Mello (1990–1992) decretou a liquidação extrajudicial da
Caixa Econômica do Estado de Goiás (Caixego). Um grupo de 124 ex-funcionários entrou na Justiça
reivindicando direitos trabalhistas. Ganharam o direito de receber R$ 14 milhões, mas fizeram um acordo
com o governo, ex-sócio majoritário do banco, e aceitaram receber R$ 5 milhões. Só que foram sacados
R$ 10 milhões da conta bancária da Caixego no BEG. Esse fato aconteceu às vésperas da eleição estadual
de 1998. O Ministério Público Federal acusou o ex-liquidante Edivaldo Barbosa de sacar o dinheiro e
passar R$ 5 milhões para Otoniel Machado Carneiro, irmão de Iris Rezende, para usar na campanha
eleitoral. A Justiça aceitou o processo com acusações a oito pessoas: os advogados Valdemar Zaiden,
Élcio Berquó Curado Brum, Antônio Muniz Nóbrega e Leonardo Staccianini; o ex-procurador-geral do
Estado Gil Alberto Rezende; o ex-subprocurador Isaías Carlos da Silva; Otoniel e o ex-liquidante. Em
março de 1999, Edivaldo e Otoniel tiveram a prisão preventiva decretada pela Justiça Federal. O irmão de
Iris sentiu-se mal com a notícia, foi hospitalizado e não chegou a ser preso porque o pedido de prisão foi
revogado pela instância superior antes de ele deixar o hospital. Posteriormente, o Superior Tribunal de
Justiça considerou que a competência para julgar o caso era da Justiça estadual. O processo ainda aguarda
julgamento. A defesa de Otoniel nega a acusação e alega que o dinheiro ficou com o advogado Valdemar
Zaiden. Em março de 2000, foram depositados secretamente R$ 5 milhões na conta da Caixego em uma
agência em Brasília. As investigações do escândalo, que ficou conhecido como Caso Caixego,
começaram depois da posse de Marconi Perillo, que venceu Iris em 1998. O caso transformou-se em
escândalo político-eleitoral e foi amplamente usado contra Iris Rezende e o PMDB. Iris voltou para a
política, mas Otoniel Machado não se recuperou do baque. Ele e seu sócio venderam o Hospital
Samaritano, conservando apenas o prédio. A saúde de Otoniel nunca mais se recuperou: ele sofre de mal
de Alzheimer e de depressão, perdeu a memória e está incapacitado para o trabalho. Iris tem certeza de
que a origem da doença foi o escândalo do Caso Caixego. Ele entende que Otoniel não estava preparado
para “a violência da política”, diferentemente dele, Iris, que se preparou para isso, durante sua vida
(entrevista em 28/1/2008).
20
decidir a voltar à política. Depois de alguns contatos com pessoas comuns, veio a
decisão: as derrotas não colocariam um ponto final em sua carreira política.
Recomeçou do zero, elegendo-se presidente do diretório regional do PMDB
em 2003. O segundo passo, no ano seguinte, foi participar de nova disputa eleitoral.
Como em 1965, candidatou-se a prefeito de Goiânia. Atrás desse projeto eleitoral, não
apenas a idéia de voltar ao poder, mas, principalmente, o objetivo de reassumir o
controle de sua própria história de vida. Em nosso primeiro encontro para conversar
sobre este projeto de pesquisa, Iris Rezende deixou escapar uma angústia que muito o
incomodava: sentia que a narração dos fatos ocorridos em sua vida a partir de 1998,
quando começou sua série de derrotas, passara a ser de Marconi Perillo. Temia que, pela
voz de seu adversário, fosse escrito um final melancólico para sua carreira política, com
destaque para os escândalos político-eleitorais e para os erros administrativos de seu
governo e do PMDB.
3
O retorno à vida pública, pela porta da Prefeitura de Goiânia, possibilitou-lhe
recuperar a voz e, conseqüentemente, a narrativa de sua vida política. Uma “vontade de
poder”, não uma “vontade de verdade” – como bem destaca Feitosa (2002, p. 57) a
respeito do que move o sujeito que opta pelo discurso autobiográfico –, guiou o gesto de
resgate autobiográfico de Iris Rezende. Com essa atitude, ele procura retirar seu passado
do cativeiro, resgatá-lo do poder alheio, representada por seus adversários na política
goiana que escreviam um novo desfecho para sua carreira.
O desejo de redimir sua história de vida é latente em Iris Rezende, mas há nele
outro desejo consciente. Quer também deixar um “exemplo”, um ensinamento político
aos jovens que pretendem fazer carreira política. Regina Fabrini em Das linhas incertas
onde a vida se inserta (1996), afirma que os “heróis homéricos” só poderiam alcançar a
imortalidade através da escrita poética. Baseando-se nessa idéia, a autora cria um
conceito para o “homem homérico”, cujo traço primordial é a “preocupação com a
opinião da posteridade para manter em alta conta seu nome e sua memória” (1996, p.
70-71). Este é o desejo de Iris Rezende: ser reconhecido pela posteridade.
3
Cabe aqui uma explicação adicional sobre a preocupação de Iris: seu projeto político de voltar às
disputas eleitorais em 2004, depois de duas grandes derrotas, visou recuperar o controle de sua própria
história, esta entendida como a sucessão dos fatos ocorridos ao longo de sua carreira política, com a
pretensão de exercer algum controle sobre a história futura, esta agora compreendida como uma forma de
conhecimento.
21
Jacques Le Goff, no ensaio “Memória” (2003, p. 419-476), escolheu uma frase
de Leroi-Gourhan que sintetiza com precisão sua pesquisa que cobre desde a “memória
ética nas sociedades sem escritas, ditas ‘selvagens’”, passa pela memória, da oralidade à
escrita, da Pré-História à Antiguidade, pela Idade Média, pela Renascença até chegar à
contemporaneidade de nossos dias: “A partir do Homo sapiens, a constituição de um
aparato da memória social domina todos os problemas da evolução humana” (2003, p.
469).
Le Goff relata esforços de povos de várias épocas para educar a memória
(mnemotécnicas), difundi-la e preservá-la. Segundo relata, no Oriente Antigo, por
exemplo, as inscrições comemorativas multiplicaram os monumentos como as estelas e
os obeliscos, “nos quais os reis quiseram imortalizar seus feitos através de
representações figuradas [...]” (2003, p. 427).
A preservação da memória por meio de monumentos foi o recurso da época,
no início da escrita – quando ainda se testavam suportes para a escrita em osso, pele,
folhas de palmeiras, para só depois chegar ao papel, segundo a pesquisa de Le Goff. As
formas mudaram, mas o interessante desse exemplo do autor é o esforço do homem para
se manter vivo à posteridade.
Pierre Nora afirma que a procura por “lugares de memória” está ligada ao
momento particular de nossa história. “Fala-se tanto em memória porque ela não existe
mais”, diz, para adiante afirmar que “o sentimento de continuidade torna-se residual aos
locais. Há locais de memória porque não há mais meios de memória” (Nora, 1993, p. 7).
Para Nora, memória e história opõem-se. A primeira é vida, está viva, em evolução,
aberta à dialética da lembrança e do esquecimento. Já a história “é a reconstrução
sempre problemática e incompleta do que não existe mais”, ela é a “[...] representação
do passado” (Nora, 1993, p. 9).
O ideal de posteridade comum também a Iris Rezende foi ameaçado com o
risco de esfacelamento de sua carreira a partir de 1998. Isso o levou a procurar um lugar
de memória
4
. Esse lugar é socialmente construído. O indivíduo pode até mesmo buscar
4
Pierre Nora chama de “lugares de memória” os museus, bibliotecas, arquivos, cemitérios, coleções,
festas, aniversários, tratados, processos verbais, monumentos, santuários etc. São, enfim, todos os
“marcos testemunhas de uma outra era, das ilusões de eternidade”. É nesse sentido que aproveito a idéia
de Nora. A autobiografia para Iris é como um “lugar de memória”. É neste “lugar” que ele pretende fazer
a “representação do passado” de que nos fala Nora.
22
perpetuar-se no tempo, mas somente o reconhecimento social e o culto ao passado é que
transformam o empreendimento memorial em lugar. “Desde que haja rastro, distância,
mediação, não estamos mais dentro da verdadeira memória, mas dentro da história”
(1993, p. 9). Iris aceitou narrar suas lembranças para um projeto de pesquisa sobre as
suas memórias movido por essa “vontade de poder” de colocar sua carreira política
dentro da história.
“A memória é um elemento essencial do que se costuma chamar identidade,
individual ou coletiva, cuja busca é uma das atividades fundamentais dos indivíduos e
das sociedades de hoje, na febre e na angústia”, diz Le Goff (2003, p. 469, grifo do
autor). Em um momento particular de angústia, Iris Rezende começa a procurar sua
identidade perdida nas derrotas eleitorais: até 1998 era o principal líder político da
história contemporânea do Estado; a partir daquele ano, nasce a imagem, lapidada por
seus adversários, de um político decadente, preso a um passado e a um fazer político
anacrônico.
Como “elemento essencial” de sua identidade, a memória pessoal dos fatos
vividos lhe dará o rumo para se reencontrar novamente na identidade perdida. Mesmo
que de forma inconsciente, Iris Rezende percebeu que a imagem que começou a ser
construída sobre sua carreira enterraria um passado político que só conheceu vitórias. A
imagem pública a respeito de sua pessoa divide-se em duas fases.
A primeira começou a ser esculpida a dedo no início de sua militância política,
há mais de 50 anos, pelo movimento estudantil. É um período de vitórias marcado por
dois momentos fortes: a administração “revolucionária”, segundo suas palavras, na
prefeitura de Goiânia, interrompida pela cassação, no auge de sua popularidade, em
1969; e o retorno à atividade política com a vitória fragorosa para governador de Goiás,
em 1982.
Essa fase lapidou a imagem de um Iris Rezende poderoso, popular, de um bom
administrador público. Uma imagem reconhecida por gerações que sustentaram
eleitoralmente sua carreira até 1998. A derrota desse ano marca o início da segunda fase
de sua carreira, já não mais de vitórias, mas de perdas e danos.
Gerações pós-1998 não conheceram a imagem de um político vitorioso. Elas
começaram a formar uma opinião a respeito de Iris alimentadas por informações de seus
rivais. Começou a surgir uma imagem pública bem diversa da anterior. A
23
movimentação de Iris Rezende a partir de sua eleição para prefeito, em 2004, visou,
entre outros motivos, interferir na construção dessa imagem pelas novas gerações de
eleitores. Dois movimentos estimularam seu retorno à cena política: um interno, de
busca da identidade perdida através da reescrita de seu passado, recuperando a memória
dos bons tempos vividos; e outro externo, para interferir na construção de sua imagem
pública.
Esse segundo movimento, voltando a Feitosa (2002), é alimentado por um
claro sentimento de “vontade de poder”. “Não se biografa em vão”, diz Jonaedson
Carino (1999, p. 153). Biografa-se com intenções claras, como “exaltar, criticar,
demolir, descobrir, renegar, apologizar, reabilitar, santificar, dessacralizar”. Para Iris, a
biografia representa reabilitação e, para tanto, ele decide ser pró-ativo: volta às urnas,
vence e reassume a narração de sua carreira.
Le Goff destaca o papel desempenhado pela memória coletiva na evolução das
sociedades. Segundo ele, “[...] a memória coletiva faz parte das grandes questões das
sociedades desenvolvidas e das sociedades em vias de desenvolvimento, das classes
dominantes e das classes dominadas, lutando, todas pelo poder ou pela vida, pela
sobrevivência e pela promoção” (2003, p. 469). O que nos interessa nessas observações
de Le Goff a respeito da luta pelo poder, tendo como ponto de partida a construção da
memória coletiva, é sua afirmação de que “a memória coletiva é não somente uma
conquista é também um objetivo de poder”.
As sociedades sem memória coletiva, objeto de análise do autor, sucumbem.
Transpondo para o indivíduo, que é o que nos interessa neste estudo, a ausência de
memória de uma vida inserida na memória coletiva pode representar o esquecimento
desse indivíduo pelas sociedades futuras. Cair no esquecimento ou existir a partir da
construção de uma memória indesejada são ameaças reais ao desejo de poder de um
“herói homérico”.
Se como, diz Le Goff, “a memória, na qual cresce a história, que por sua vez a
alimenta, procura salvar o passado para servir ao presente e ao futuro” (2003, p. 471),
Iris Rezende utiliza-se de suas lembranças dos tempos vividos para salvar seu passado
e, conseqüentemente, servir ao seu presente e, principalmente, a seu futuro. Ele luta pelo
poder de escolher a imagem de uma carreira política de sucesso e, com isso, apagar a de
derrotas.
24
Alessandri Portelli afirma que mesmo a memória coletiva é gerada
individualmente – pois “pessoas, e não grupos, se lembram” (2006, p.127). Essa
memória só se torna coletiva, diz, quando abstraída e separada do individual: “No mito
e no folclore (uma história para muitas pessoas), na delegação (uma pessoa para muitas
histórias), nas instituições (escola, Igreja, Estado, partido)”. Esses três tipos de memória
formam a memória coletiva, que, para Portelli, é mediatizada “por ideologias, senso
comum e instituições”.
Um mito, diz, não é necessariamente uma história inventada, ou falsa. É “uma
história que se torna significativa na medida em que amplia o significado de um
acontecimento individual (factual ou não), transformando-o na formalização simbólica e
narrativa das auto-representações partilhadas por uma cultura” (2006, p. 120-121). Iris
Rezende tenta interferir na narrativa pública que se constrói a seu respeito, em especial
das novas gerações que pouco o conhecem, nos três tipos de memória identificados por
Portelli: no mito (narra sua história para servir de exemplo para muitas pessoas), na
delegação (uma pessoa com muitas histórias e experiências de vida) e nas instituições
(os órgãos públicos em que ocupou cargos e, para o futuro, sua expectativa de poder).
Como narrador de sua própria história de vida, Iris luta pelo poder de passar
uma borracha sobre a memória indesejada, construída individualmente e difundida
coletivamente, para colocá-la na categoria das inverdades. Se a memória não é a
reprodução intacta de fatos vividos, mas a percepção desses fatos por quem os lembra, e
esse lembrar muda dependendo do momento da vida de quem lembra, ele quer empurrar
a memória indesejada para o vão do esquecimento. Impede assim que ela seja vista
como o motor de sua história, mas apenas como um momento ruim, passageiro.
A luta pela reconstrução do passado de nosso candidato a “herói homérico” é
uma luta pela anulação da representação de sua história pessoal que passou a ser feita a
partir de 1998. A reconstrução da carreira e a decisão de narrar suas memórias para um
projeto de biografia surgem como uma oportunidade para “bloquear o trabalho de
esquecimento, fixar um estado de coisas, imortalizar a morte, materializar o material
[...], prender o máximo de sentido num mínimo de sinais e isso os torna apaixonantes:
que os lugares de memória só vivem de sua aptidão para a metamorfose, no incessante
ressaltar de seus significados e no silvado imprevisível de suas ramificações” (Nora,
1993, p.22).
25
A memória selecionada, mediada por Iris, é a sua ferramenta nesse processo de
reconstrução. Isso indica que o ouvinte de suas lembranças vai trabalhar com uma
memória que é “frágil e enganadora” (Le Goff). O mesmo Le Goff busca uma pergunta
de André Breton, em seus Carnets, apropriada a essa discussão: “E se a memória mais
não fosse que um produto da imaginação?” (2003, p. 465). É também Le Goff quem
lembra os estudos de Freud sobre a memória e sua grande contribuição em especial
sobre a “censura da memória”.
A possibilidade de a memória ser produto da imaginação e de ser censurada é
relevante quando se pensa nela como matéria-prima de reconstrução do passado. A
memória vulnerável à imaginação aproxima quem lembra de um ficcionista, de acordo
com a escritora Rosa Montero, pois, como diz, cada ser humano é um romancista de si
próprio. Há ainda a autocensura, que esconde fatos que incomodam ou que não passam
pelo crivo da censura.
Luiz Costa Lima também aceita a idéia de que a pessoa faz uma ficção sobre a
própria vida. A essa ficção ele nomeia de memorialismo. Para compreender a
ficção/memorialismo de Lima, um breve retorno à teoria do autor sobre o que é ser uma
pessoa. O ser humano nasce biologicamente imaturo para a vida em espécie. Então, a
convivência social será marcada pela constituição da persona, que “não nasce do útero
senão que da sociedade” (s/d, p. 43). Esta só se concretizará pela “assunção de papéis”.
“É pelos papéis que a persona se socializa e se vê a si mesma e aos outros como dotados
de certo perfil, com direito pois a um tratamento diferenciado” (s/d, p. 43).
O sujeito cria a persona, e esta assume papéis que interpreta em cada situação
de sua vida. Pelo par persona–papel, segundo Lima, cada um de nós cria uma “janela”
pela qual entra em contato com o mundo. Essa janela, para Lima, tem uma estrada de
mão única: “Diante dela, deixa de trafegar o que não entra em seu ângulo de visão;
assim sendo, o mundo da persona é antes um mundo sonhado do que visto” (s/d, p. 53).
Por essa janela, entra a luz que ilumina o foco da visão da persona, que bloqueia a
reflexão, apaga a contradição, deixando no máximo “o desacordo, o surpreendente, o
inesperado”. Este, diz, é o discurso próprio do memorialista.
Para o autor, o memorialismo é “produto direto e imediato da ótica da
persona”, é uma “ficção naturalizada, isto é, uma ficção (sobre a própria vida) que,
entretanto, se entende como registro da verdade” (s/d, p. 53). O memorialista que se
recusa a uma “subversão interna” produzirá uma “ficção ingênua” sobre si próprio. E
26
como promover essa subversão? Lima propõe o caminho do ensaio para que a obra do
memorialista deixe de estar a serviço da persona, aquela que só enxerga o mundo pela
janela. Essa obra seria alcançada por meio de um “ziguezague entre as duas vias
oblíquas” formadas nos lados da série persona–papel–memorialismo. Para o autor, uma
memória pode assumir a “dicção do ensaio” quando “[...] em vez de privilegiar sua
janela, o memorialista recua e se distancia de si próprio, para que se veja nesse
intervalo” (s/d, p. 55), para que enxergue além da janela. Iris não foge à regra: faz um
romance ingênuo de si próprio. Ele narra uma história linear, com coerência, sentido, e
se coloca sempre como protagonista de todos acontecimentos dos quais participou.
Apenas em poucas ocasiões consegue distanciar-se do seu passado com olhar crítico.
Esses momentos ocorreram quando foi confrontado com informações que ampliaram
seu ângulo de visão, além de sua própria janela.
Por vias diferentes, Lima e Montero comungam do pensamento de que a
memória escrita pode ser apenas um romance, “ingênuo”, sobre a própria pessoa que
lembra. O diferencial apontado por Lima é o caminho para escapar da janela construída
pelo par persona–papel de cada memorialista para ter uma visão mais ampla e crítica
sobre o personagem. O próprio Lima observa que o afastamento de si próprio é
doloroso, nem sempre possível de ser alcançado. Só se a pessoa decide retirar de si as
máscaras que ela construiu ao longo de sua vida. A meu ver, isso ocorre com a ajuda da
psicanálise, em um processo longo, de muita dor. A pessoa que narra sua memória não
está interessa em retirar suas máscaras. O que ela quer é construir sua própria história,
que acredita ser o “retrato da verdade”. Ela está a ponto de escrever um “romance
ingênuo” de si próprio.
Iris Rezende há muito assumiu o papel de memorialista. Ele já se colocou
diante de sua janela, e narra as lembranças iluminadas pela luz que entra por ela. Age
como ficcionista (ou memorialista) de si próprio e dificilmente conseguirá se distanciar
muito dessa janela, a não ser nas exceções apontadas anteriormente. Narra apenas o que
enxerga de sua persona–papel.
Esta pesquisa enfrentará um desafio: distanciar-se da janela de onde saem as
lembranças do narrador, para fazer uma releitura dessas lembranças. O desafio deste
trabalho será enxergar este memorialista à distância, não apenas de seus momentos de
júbilos, mas também pelo “amálgama das contradições”, pelas suas ambigüidades e,
claro, também por suas vitórias. Afinal, “o ensaio [...] pode principiar dentro das
27
próprias memórias, nascido da quebra de solidariedade do memorialista com o
memorizado” (Lima, s/d, p. 56). A narrativa biográfica de Iris, portanto, é a janela da
qual se observa como persona: narrativa da sua imagem de homem público. Como o
historiador lida com essa narrativa como fonte? Interessa, sobretudo, o problema. Qual
problema? Compreender a permanência do poder de Iris Rezende em Goiás por cinco
décadas, a construção da imagem do homem público e a própria noção de homem
público e de sua vocação política em meio a uma sociedade marcada pela presença do
poder oligárquico.
1.2 – Um projeto de história oral
A fonte desta investigação é o testemunho oral. As entrevistas de Iris Rezende
constituem a base para a análise da trajetória individual, dos eventos e dos processos
históricos construídos com sua ajuda ao longo de um período de sua carreira política. O
conjunto das entrevistas, realizadas em mais de um ano, forma um documento único,
fruto do diálogo entre ele e esta pesquisadora, “entre sujeito e objeto da pesquisa”, sem
a mediação de terceiros.
Marieta de Moraes Ferreira e Janaína Amado, organizadoras de Usos &
abusos da história oral (2006), argumentam, com base na contribuição de vários
autores, que o diálogo entre entrevistador e entrevistado “leva o historiador a afastar-se
de interpretações fundadas numa rígida separação entre sujeito/objeto de pesquisa, e a
buscar caminhos alternativos de interpretação”.
Por isso, a interpretação deste trabalho pretende se diferenciar das pesquisas
convencionais, de confrontar fontes e documentos e de busca por dados inéditos. Como
observam as duas autoras citadas, aqui a interpretação buscará elementos e perspectivas
incomuns em outras práticas históricas como a subjetividade, as emoções, os detalhes, o
cotidiano e até o “saber indiciário” (Ginzburg, 1989).
Marieta Ferreira e Janaína Amado estão entre os defensores da história oral
não só como uma técnica de trabalho, mas como uma metodologia de pesquisa. Para
elas, a história oral, como todas as metodologias, “apenas estabelece e ordena
procedimentos de trabalho [...], funcionando como ponte entre teoria e prática”. Mas
ressalvam que, na teoria, esta modalidade da história apenas suscita, jamais soluciona
28
problemas (2006, p. XVI). As respostas virão da própria teoria da história, preparada
para pensar e formular conceitos sobre a pesquisa histórica.
Neste estudo, a história oral será tratada como um método de pesquisa, mas
sem deixar de ser considerada como técnica: a melhor forma de gravar um depoimento;
como o pesquisador deve conduzir o diálogo com seu entrevistado; qual deve ser o
tempo ideal de conversa; as técnicas mais apropriadas de degravação de entrevistas, sem
perder de vista que toda “transcrição, mesmo bem feita, é uma forma de interpretação”
(Tourtier-Bonazzi, 2006, p. 239). As técnicas de lembrança e o esquecimento
apresentaram-se como problemática neste trabalho.
O tempo de duração aconselhável de uma entrevista é de duas horas, segundo
Tourtier-Bonazzi. Uma conversa em profundidade exige concentração do entrevistado e
leva o entrevistador à tensão. O primeiro concentra-se em relembrar fatos antigos à luz
de sua visão de momento, para lutar contra o esquecimento – tanto o espontâneo como
aquele fruto da autocensura – e confronta-se com dores não curadas; o segundo
concentra-se para se fazer um bom ouvinte e para caminhar na linha tênue que separa
uma intervenção oportuna de outra desastrosa que interrompe o entrevistado em um
momento importante de uma lembrança, que depois poderá lhe escapar.
Descobri na prática que o tempo de entrevista sugerido por Tourtier-Bonazzi
não pode ser rígido. Esse tempo deve ser determinado menos pelo entrevistador e suas
regras e mais pelo entrevistado. Este emite sinais de esgotamento, de depressão, de
excitação etc., sentimentos que devem nortear o entrevistador. A primeira entrevista de
Iris Rezende
5
para esta pesquisa ilustra essa situação. Era um sábado, às 9h30, e nos
encontrávamos (apenas ele, seu assessor de imprensa e eu) em seu apartamento, na Rua
1, no Edifício Solar dos Buritis, no Setor Oeste. Iris estava de folga, coisa rara na rotina
intensa de trabalho que ele se impõe, sem quase nunca conservar sábados e feriados
livres. Estava bem-humorado e falante. Propus-lhe um roteiro genérico: começar a
narrar a história de sua carreira política. Ele escolheu voltar à infância, às lembranças da
família, da religião, da vida trabalhosa na fazenda na pequena Cristianópolis da década
de 50, da mudança para Goiânia, da iniciação política na “escola” do movimento
estudantil.
5
Entrevista em 2/12/2006.
29
As lembranças animaram-no. Falou sem parar. Preocupada em não perder o
controle da entrevista, fiz várias interrupções. Na transcrição, posteriormente, percebi
que a maioria delas tinha sido inoportuna, pois cortara raciocínios que ficaram
prejudicados. Detectei também outra falha em minha técnica de entrevista: a tentativa
de encerrá-la ao completar as duas horas aconselháveis. Ao meio-dia, depois de mais de
duas horas e meia de conversa, duas delas gravadas, desliguei o gravador,
argumentando que ele deveria estar cansado.
Na realidade, eu estava cansada, não ele. Iris encontrava-se em estado de
alerta, continuando a falar. Religuei o gravador, mais dois minutos de conversa, quando
propus, pela segunda vez, interromper a entrevista, já desligando o gravador.
Novamente ele desconheceu minha sugestão e meu gesto e continuou a falar,
obrigando-me a religar o aparelho pela terceira vez, trecho que ficou com 37 minutos e
46 segundos. Só então consegui convencê-lo a parar. As três gravações somaram 2
horas, 38 minutos e 16 segundos, mas ele falou por muito mais tempo, das 9h30 até
perto das 13 horas. Todavia, nem tudo foi gravado em razão de minha ansiedade.
Rosenthal questiona ao pesquisador que trabalha com autobiografias escritas,
ou com transcrições obtidas de relatos históricos de vida, se ele suspeita se esse material
poderá ser uma distorção de fatos objetivos e se, então, tenta “tapar os buracos” para
encontrar o “mundo real por trás das palavras”. Para o autor, essa disputa entre “texto” e
“vida” em busca de uma realidade social que se supõe “independente da experiência de
vida e da estruturação simbólica, implicando a busca unilateral de uma realidade ‘por
trás’ do texto” (2006, 193-194), leva o pesquisador a deixar de analisar a história de
vida como unidade em si mesma. Para ele, isso produz resultados decepcionantes. “Só
passa a ser interessante quando descobrimos que a realidade que procuramos lá está
aqui” (2006, p. 194, grifo do autor).
Rosenthal observa que é comum ao entrevistador tentar ordenar o “caos” de
uma narrativa, baseada em multiplicidade de acontecimentos e de experiências que
parecem dissociados uns dos outros. A primeira preocupação do entrevistador é induzir
o entrevistado a promover associações, a organizar a sua estrutura narrativa. Ele critica
essa postura, pois considera que as testemunhas, ao narrar suas experiências durante
horas seguidas, elaboram um conjunto que “se encaixa”. “Em outras palavras, cada
relato individual tem uma significação funcional para o quadro completo” (2006, p.
195).
30
Ele discorda da suposição segundo a qual a pessoa que lembra constrói esse
quadro conscientemente no momento da entrevista, pois isso exigiria uma enorme
concentração, esforço e, conseqüentemente, cansaço. Todavia, o que se vê na maioria
das conversas com o narrador de suas memórias, a exemplo do que ocorreu comigo
durante a primeira entrevista com Iris Rezende, são entrevistados alertas, falando por
horas seguidas, enquanto o entrevistador se cansa de ouvir. Ele entende que uma
história de vida não é uma “cadeia atomística de experiências” com significados criados
no momento da exposição a partir de uma “estrutura de significação biográfica” (2006,
p. 195).
Rosenthal acredita que essa “textura de significado” do biografado está sujeita
ao “fluxo de vida”. É formada com base na “inter-relação entre os modelos de
planificação e interpretação da vida ‘normal’ existentes e pré-fabricados socialmente e
os acontecimentos e as experiências de maior relevância biográfica e sua sucessivas
reinterpretações” (2006, p. 196). Resumindo, diz, a ordem que se pode descobrir em
uma história de vida é proporcionada pela relação do “mundo” e do “eu”.
À luz dessas idéias, percebi que meu comportamento, durante a primeira
entrevista, foi completamente equivocado. Cometi todos os erros que Rosenthal sugere
evitar. Impedi que Iris construísse sua narrativa partindo de fatos e acontecimentos
lembrados por meio de sua própria narrativa. Não percebi que nos momentos em que ele
saltava de um episódio a outro, muitas vezes pulando anos, ou até um intervalo de
décadas, significava que, para ele, havia conexão entre os elementos,
independentemente do período. Interpretei isso como uma desordem de raciocínio, o tal
do “caos”, e imediatamente interrompia-o para restaurar a ordem.
Outras vezes fazia a interrupção porque seu relato não combinava com o meu
próprio modo de ver os fatos, sem perceber que o que ele dizia relacionava-se com o
contexto dos fatos por ele apresentados. Descobri, então, ouvindo a entrevista
posteriormente, que o caos estava na minha ação. As interrupções desnecessárias, a
ansiedade em tentar dar rumo à conversa, o que me levava a me concentrar mais em
meus pensamentos e, conseqüentemente, a me abstrair das palavras do entrevistado,
enfim, uma série de procedimentos me deixaram exausta. Mudei de tática. A partir daí,
sem o rigor das duas horas de duração, deixei o próprio Iris fazer o seu tempo.
O tempo do encontro seguinte a este foi menor em função da agenda de Iris,
apenas 52 minutos. Naquela tarde, novamente em seu apartamento, conduzi-o a falar
31
sobre a condição financeira de sua família depois da mudança de Cristianópolis para
Goiânia. Esse assunto trouxe ao centro da conversa seu irmão Orlando, morto
recentemente, e isso o sensibilizou. Nesse dia ele falou apenas do irmão, apresentando-o
como o empresário da família, a pessoa que dirigiu os negócios de seu pai, Filostro
Carneiro Machado – o laticínio Jerivá, em Goiânia e, depois, uma filial em Anicuns, e
posteriormente o frigorífico Vera Cruz, em Goiânia. Iris emocionou-se, exaltou as
qualidades do irmão como empresário e como a pessoa que lhe deu o suporte financeiro
para atuar na política. Deixei-o à vontade, assim como nos demais encontros. Neste dia,
não eu, mas a agenda interrompeu a conversa.
Estabeleci uma rotina de abrir as entrevistas do ponto interrompido no
encontro anterior, deixando-o conduzir sua narrativa. Minhas interrupções ficaram mais
proveitosas, apenas em caso de necessidade, como um nome não revelado, uma data
esquecida, um fato não muito claro, e na seqüência de sua narrativa, sem tentar quebrar-
lhe a própria ordem. Seu discurso perdeu, então, a linearidade. Antes, levado por minhas
intervenções, ele contava os fatos encadeados pelas datas dos acontecimentos. Depois,
sua narrativa deixou de ser diacrônica: o tempo já não era mais linear, prevaleceu a
pluralidade temporal. As histórias não mais foram narradas como se passado, presente e
futuro tivessem ocorrido nessa seqüência, mas com a inter-relação entre os três tempos.
Fazer entrevistas é lidar com as lembranças e com toda a sua problemática: o
esquecimento, a lembrança parcial, a confusão entre o fato acontecido e o que se
acredita ter acontecido, a reprodução do que se ouviu dizer tomado como fato etc. A
técnica de entrevista é fundamental para a obtenção de um bom material de trabalho,
conforme observa o jornalista Sergio Vilas Boas (2002). Apoiando-se no historiador
Paul Thompson, ele afirma haver equivalência “entre as práticas do historiador oral e do
repórter investigativo” (p. 62).
Há algumas qualidades essenciais que o entrevistador bem-sucedido deve possuir: interesse e
respeito pelos outros como pessoas e flexibilidade nas reações em relação a eles; capacidade
de demonstrar compreensão e simpatia pela opinião deles; e, acima de tudo, disposição para
ficar calado e escutar. Quem não consegue parar de falar, nem resistir à tentação de discordar
do informante ou de lhe impor suas próprias idéias, irá obter informações que, ou são inúteis,
ou positivamente enganosas. (Thompson, 1992, p. 254).
O autor defende uma entrevista completamente livre quando se quer não
apenas informações ou evidências, mas também conhecer o modo como a pessoa fala
sobre a própria vida, “[...] como a ordena, a que dá destaque, o que deixa de lado, as
palavras que escolhe, é que são importantes para a compreensão de qualquer entrevista;
32
mas para esse fim essas coisas se tornam o texto fundamental a ser estudado”. (1992, p.
258). Thompson ressalva, contundo que a entrevista não pode ser completamente livre
quando se buscam fatos e evidências.
Profissional dedicada ao ensino e à pesquisa em comunicação social, Cremilda
Medina também propõe algo parecido, uma entrevista aberta: “Eis algumas das
possibilidades de enriquecimento informativo da entrevista aberta, sem a camisa-de-
força do questionário fechado: o centro do diálogo se desloca para o entrevistado;
ocorre liberação e desbloqueamento na situação inter-humana e esta relação tem
condições de fluir; atinge-se a auto-elucidação” (2004, p. 11). Vilas Boas completa:
“Não se faz história oral, jornalismo literário ou livro-reportagem por telefone ou outro
meio que anule a relação direta. O encontro humano é fundamental e se encaixa
perfeitamente em um projeto biográfico” (2002, p. 64).
Às observações dos dois estudiosos acrescento outras minhas, resultado de
minha experiência profissional de 20 anos de jornalismo. Um entrevistador deve
começar a entrevista por temas amenos, por assuntos mais fáceis, para deixar o
entrevistado à vontade; deve evitar perguntas diretas sobre temas constrangedores; o
caminho indireto é o mais acessível aos temas que constrangem o entrevistado, pois vai
preparando e envolvendo a pessoa para chegar onde ele não gostaria de chegar; deve,
por fim, escolher a hora, o dia e os lugares certos. No começo, as entrevistas com Iris
Rezende foram realizadas com longos intervalos entre uma e outra exatamente porque
preferi esperar mais tempo para uma conversa mais proveitosa do que entrevistá-lo em
momentos inadequados.
A transcrição das entrevistas é outra parte importante do trabalho de pesquisa.
Solicitei a um profissional a transcrição da primeira entrevista de Iris Rezende.
Pretendia não despender meu próprio tempo nesse trabalho, que é longo, repetitivo e
muito cansativo. Ao ler o texto que surgiu da transcrição das mais de duas horas
daquela primeira entrevista, assustei-me: não parecia a mesma conversa da qual
participara. Era imensa a diferença entre a conversa e o texto, o que me levou a entender
com clareza o que Tourtier-Bonazzi quis dizer ao afirmar que a transcrição é uma forma
de interpretação.
Assim como o autor faz a diferença entre o pesquisador/entrevistador e o
arquivista/entrevistador (2006. p. 238), há uma grande diferença entre a transcrição feita
por uma pessoa ausente da entrevista ou por alguém que dela participou. A transcrição
33
por quem ouviu segue o ritmo da fala. Naquela transcrição, a entonação, a ênfase, as
pausas, por dúvidas ou por emoção, a ironia, o riso, a repetição perderam-se em uma
pontuação que inventou outra conversa. Refiz essa transcrição por inteiro, o que me deu
muito mais trabalho do que se tivesse feito tudo sozinha. As demais entrevistas foram
transcritas por mim.
Mesmo assim, não desprezei o áudio no momento de escrever o texto final,
pois, ao ouvi-lo para fazer a transcrição, compreendi por que Tourtier-Bonazzi disse que
“o fato de ler em vez de ouvir priva o historiador de muitas contribuições da forma oral”
(2006, p. 239). Como diz o autor, “a voz possui uma carga emocional e um poder de
evocação incomparáveis”, características ainda pouco exploradas nos estudos históricos,
e que podem dar uma grande contribuição às pesquisas do mundo contemporâneo,
período fortemente influenciado pelo som e pela imagem.
Se, como lembra Danièle Voldman (2006. p. 248), a história oral é qualquer
método que utiliza palavras gravadas, sendo a voz dessa história a fonte oral, este
trabalho de pesquisa pode então ser incluído na categoria de história oral. A narrativa de
Iris Rezende ganha o status de “testemunho-sujeito”, isto é, uma pessoa que se dá um
papel histórico (2006, p. 259-260). Como tal, ele narra não os acontecimentos do
passado e, sim, como corretamente afirma Grele (2006, p. 276), o que e como nesse
momento ele lembra ou pensa que foi sua vida nos 50 anos anteriores. Há uma
“conexão” e um “entrelaçamento” de uma pluralidade de memórias (Passerini, 2006, p.
212) no tempo em que se vive e a partir do qual se relatam as experiências do passado.
Ser questionado no presente sobre memórias do passado coloca a fonte diante
de situações absolutamente novas, em especial quando ela é cobrada a explicar ou a
analisar acontecimentos passados. Iris exprimia surpresa, com exclamações do tipo
“nunca pensei nisso antes!”, diante de perguntas que o confrontavam com seus próprios
atos. Isso acontece, de acordo com Grele, porque nossas entrevistas “obrigam as pessoas
a tornar suas vidas algo novo do ponto de vista antropológico” (2006. p. 276).
Todos esses fatos são relevantes e foram considerados neste trabalho de
pesquisa ao analisar os relatos de sua fonte, sem perder de vista que a pessoa que narra
não fala a verdade, mas a sua verdade; que ela é sincera “em virtude ‘da posição em que
fala’” (Voldman, 2006, p. 264). Sob esse ponto de vista, Voldman diz que não se pode
desesperar com falsos ou maus testemunhos, pois, se há culpado, este é o historiador. A
34
ele não cabe apenas desclassificar um depoimento, mas entender “por que e em que o
sujeito se presta a transformações, deformações e transposições”.
O depoimento de Iris Rezende para esta pesquisa não será, portanto,
classificado de falso ou de verdadeiro. Será tratado como sua memória atual sobre fatos
do passado, sujeita a transformações, deformações; como o depoimento de alguém que
seleciona lembranças, seja para minimizar os efeitos e recordações tristes de momentos
de conflitos e de tensões, seja para esconder situações constrangedoras ou para diminuir
a importância de seus próprios erros e dos acertos de adversários políticos. A opção por
esse estilo é clara na narração de Iris Rezende.
Sua versão dos fatos resume-se à parte pública, ao lado formal. Ele omite
detalhes e episódios paralelos que contribuíram para que o fato narrado tivesse um
desfecho e não outro. Arrancar-lhe uma revelação foi muito difícil. Uma atitude que é
bem própria de seu comportamento. Iris é sempre formal. Seus amigos costumam dizer
que ele dificilmente faz uma piada, que tem dificuldade para entender uma ironia, pois
leva a vida sempre ao pé da letra, de forma rígida, disciplinada, sem concessão a
metáforas.
Um Iris desconfiado, sempre “armado”, demorou a fazer concessões e a narrar
episódios relevantes para a compreensão de fatos, a sair do lugar-comum. Isso obriga o
estudioso de sua vida a fazer o que propõe Roger Chartier: identificar, além de seu
discurso, “formas de rememoração e de utilização do passado”; estudar o passado
incorporado no presente; fazer a articulação entre o que o autor chama de a “parte
voluntária e consciente da ação dos homens e os fatores ignorados que a circunscrevem
e a limitam” (2006, p. 216). Todas essas tarefas são atribuições de um historiador do
tempo presente.
“O não-dito, a hesitação, o silêncio, a repetição desnecessária, o lapso, e a
associação” (Voldman, 2006, p. 38), preocupações que devem ser consideradas em todo
processo de análise do discurso de uma fonte oral, são marcantes no discurso de Iris.
Esses recursos de linguagem não apenas escondem o que ele não consegue ou não quer
dizer, são também o seu “modo de dizer”. Por isso, compreendê-los são fundamentais
para preencher as lacunas de seu discurso.
35
1.3 – Carreira política, opção de uma vida
A escolha da memória de um político como objeto de pesquisa não é apenas
um desafio natural de qualquer pesquisa calcada na memória, em função de suas já
discutidas fragilidades, como as dúvidas sobre sua confiabilidade. Enveredar-se pela
memória de um político por meio de suas lembranças pode possibilitar ao historiador do
presente investigar a memória coletiva de seu grupo político. A memória de Iris
Rezende não é individual; ela entrelaça-se com a de outros agentes do campo político e
dá acesso à memória do grupo político do qual ele fez parte nos últimos 50 anos.
Entendo, como Pena (2004), que o relato autobiográfico não é o espelho de
uma suposta realidade, mas no máximo a “reconstrução dela”, um “efeito do real”. Iris
fez a sua reinterpretação do passado com os elementos que dispunha no presente. Nesse
exercício prático, abriu mão da linearidade temporal, substituindo-a pela
simultaneidade: no momento em que lembrou acontecimentos do passado, trouxe-os por
meio da narrativa para o presente. O passado torna-se presente, pela lembrança, na
narrativa.
“A memória só é memória no esquecimento ou no segredo, pois quando
acionada também se torna discurso. Por este raciocínio, a memória não substitui o
passado, apenas mostra que ele falta” (2004, p. 23). A perspectiva de uma “memória em
segredo” nada significa para o historiador, pois não se pode ter acesso a ela, da mesma
forma que a memória esquecida. São fontes inacessíveis. Portanto, a memória se
apresenta como discurso no ato de narrar.
Desta forma, este trabalho também resvalará na história do tempo presente,
6
que as lembranças de Iris Rezende não vão separar passado do presente. Aliás, ele terá
uma visão modificada dos acontecimentos do passado não apenas porque os enxerga
pela lente do presente, mas também porque sua trajetória política não está guardada em
um baú de lembranças. Ela prossegue, mesmo que ele já não seja a mesma pessoa de 50
anos atrás, mudado que foi por experiências e contingências da vida.
Jornalistas, historiadores, sociólogos e politólogos são os principais
interessados na história do tempo presente. Apesar da relação pouco amistosa entre os
6
A fronteira que separa a história do passado da história do tempo presente não é facilmente delimitada.
Ver essa discussão em CHAUVEAU, Agnès e TÉTARD, Philippe (Orgs.). Questões para a história do
tempo presente. Tradução de Ilka Stern Cohen. Bauru (SP): Edusc, 1999.
36
dois primeiros – o repórter tem sido visto pelo historiador como um “Sísifo do
efêmero”, que escreve para o esquecimento, e o historiador como quem se move no
“papel do sábio moderno” –, é do encontro “provocador” e “frutífero” “entre
historiadores sedentos de atualidade e jornalistas em busca de legitimidade histórica”
(Rioux, 1999, p.119) que a história do tempo presente ganha terreno.
Independentemente de quem a faz, o fato é que aquele que escreve a história
do presente pode ser tanto testemunha quanto historiador, mas sem ignorar o rigor
científico da empreitada.
7
O pesquisador pode igualmente ser ator, já que estará em
relação direta com seu tema pela narrativa de seu entrevistado. Ser um bom ouvinte é
fundamental para estimular o dom de um narrador. Benjamin (1994) já nos mostrou
que, quando desaparece o “dom de ouvir”, desaparece a “comunidade dos ouvintes” e,
com eles, o dom de narrar, uma ameaça dos tempos modernos à narrativa, que perde
espaço para a informação. A entrevista ideal forma “laços de amizade” (Bosi, 2003),
porque a relação entre pesquisador e pesquisado não é efêmera e é da qualidade desse
vínculo que dependerá a qualidade da entrevista.
Se não fosse assim, a entrevista teria algo semelhante ao fenômeno da mais-valia, uma
apropriação indébita do tempo e do fôlego do outro. Narrador e ouvinte irão participar de uma
aventura comum e provocarão, no final, um sentimento de gratidão pelo que ocorreu: o
ouvinte, pelo que aprendeu; o narrador, pelo justo orgulho de ter um passado tão digno de
rememorar quanto o das pessoas ditas importantes (Bosi, 2003, p. 60-61).
Esse percurso ao longo da história do tempo passado/presente pela narrativa de
Iris Rezende visa conhecer sua trajetória política, como ele construiu a carreira que
iniciou no movimento estudantil e que, aos 22 anos de idade, decidiu que seria sua
opção de vida. “Só posso escrever o que sou. E se os personagens se comportam de
modo diferente é porque não sou só um.” A frase do escritor Graciliano Ramos indica a
dimensão da empreitada de uma narrativa autobiográfica, para conhecer não apenas um,
mas a soma de vários personagens que compõem a subjetividade de uma pessoa. Um
sujeito é fracionado, assume papéis distintos em momentos diferentes de sua vida.
7
Espera-se do pesquisador da história do tempo presente quatro atitudes: ler o presente com profundidade
histórica suficiente e pertinente; manifestar quanto as suas fontes o espírito crítico de todos os
historiadores, segundo os métodos adaptados a suas fontes; não se contentar em descrever e contar, mas
se esforçar para explicar; tentar hierarquizar os fatos, distinguir o incidente do fato significativo e
importante, fazer do acontecimento aquilo que permitirá aos historiadores do passado reconhecê-lo (Le
Goff, 1999, p. 101–102).
37
As relações com outras pessoas, o padrão de vida cotidiana, a relação com o
mundo em que vive; o exercício profissional e a relação que ele estabelece no mundo do
trabalho; a natureza do desenvolvimento e a estrutura da personalidade durante a
infância, tanto pela educação formal quanto pela informal transmitida nas relações
familiares; o encontro com o mundo, compreendido ou incompreendido, formam um
sujeito multifacetado. O sujeito da pós-modernidade é fragmentado, com identidade em
mutação (Hall, 2006).
8
Este assume fragmentos de identidade em locais diferentes que
não se unificam em um “eu” coerente.
Entre os fragmentos que compõem a identidade de Iris Rezende, um é
preponderante, o Iris político. Nesse aspecto, ele lembra mais o “sujeito sociológico” de
Hall, que interage com a sociedade, mas que mantém um núcleo, uma essência em sua
identidade, em função de sua opção pela política. Em sua longa narrativa, vale repetir,
fundamental para as análises deste trabalho, ele deixa muito claro que a política é a sua
vida, que esta sempre esteve em primeiro lugar, até mesmo em relação à família: “Não
fui um bom marido e um bom pai”. Iris não se casou jovem, mas aos 32 anos. Foi a
política que colocou Iris Araújo, a mulher com que se casaria, no meio de seu caminho.
Ele a conheceu em um evento social do qual participou por ser vereador. Mesmo casado
e pai de três filhos, ele se dedicou muito mais integralmente à política do que à família.
Por isso, para chegar mais perto do perfil biográfico de Iris Rezende, não será
equívoco percorrê-lo por seu traço principal, a carreira política. É o que esta pesquisa se
propõe a fazer, atenta aos riscos de uma investigação baseada em um relato de vida, que
é o de apresentar esse relato como uma sucessão de acontecimentos históricos
(Bourdieu, 2006), que considera uma vida como um todo, como um conjunto coerente e
ordenado, orientado, que pode ser entendido como “uma expressão unitária de uma
‘intenção’ subjetiva e objetiva de um projeto”; que relata os acontecimentos de uma
vida como se desenrolassem em sucessão cronológica; em que sujeito (investigador) e
objeto da biografia (investigado) têm o mesmo interesse em aceitar o “postulado do
sentido da existência narrada” (grifo do autor), objetivando dar “um sentido”, “extrair
uma lógica”, estabelecer uma “consistência e constância” a uma vida.
8
Hall apresenta três concepções de identidade: “o sujeito do iluminismo” baseava-se em uma concepção
de ser humano centrado, unificado e dotado de razão e de consciência. “O sujeito sociológico” mantém
um núcleo ou essência, mas já tem sua identidade formada pela interação entre o “eu” e a sociedade. O
“sujeito pós-moderno” fragmentou suas identidades (2006, p. 10–18).
38
A vida não é assim. O “real é descontínuo”, os fatos surgem de forma
imprevisível, fora de propósito, aleatoriamente. A vida tratada linearmente, como se
fosse uma história coerente de uma seqüência de acontecimentos, é para Bourdieu
“conformar-se com a ilusão retórica”, com a “criação artificial de sentido” (2006, p.
184–185). Levi propõe que a historiografia discuta a biografia a partir dos seguintes
contrapontos: relação entre normas e práticas; indivíduo e grupo; determinismo e
liberdade e racionalidade absoluta e racionalidade limitada (2006, 179). O autor levanta
uma discussão, que também aparece em Bourdieu, sobre o limite da ação do indivíduo,
e propõe um esquema que privilegia a atuação do grupo sobre o indivíduo e esvazia a
relação entre eles. Assim, Levi abre espaço para as especificidades do sujeito, aceita-o
como ator ativo, mesmo que como fruto de uma construção social.
Bourdieu propõe o conhecimento do “espaço social” por onde se deslocam os
“acontecimentos biográficos”. Para compreender uma trajetória, diz, é preciso conhecer
esse campo no qual ela se desenrolou e “o conjunto das relações objetivas que uniram o
agente considerado [...] ao conjunto dos outros agentes envolvidos no mesmo campo e
confrontados com o mesmo espaço dos possíveis” (2006, p. 190). Essa construção
prévia é condição para a compreensão da trajetória de vida. Tanto Levi quanto
Bourdieu, mesmo destacando a questão da individualidade, enfatizam as condições
sociais.
Iris Rezende construiu uma carreira política aos moldes das carreiras
estruturadas no campo político
9
brasileiro: uma carreira hierarquizada, com formato
piramidal (Miguel, 2003). Começou pelo cargo de vereador, a posição eletiva de menor
prestígio político e na base da pirâmide, para em seguida subir em direção ao topo
elegendo-se deputado estadual, prefeito de Goiânia, governador (dois mandatos) e
senador, mandatos intercalados com os cargos de ministro, da Agricultura (1986–1989)
e da Justiça (1997–1998). Ele almejou chegar ao alto da pirâmide, no cargo de
presidente da República, projeto barrado por sua derrota para Ulysses Guimarães e
9
O campo político, um conceito de Bourdieu, é um sistema de relações sociais, um “lugar de
concorrência pelo poder”, concorrência que se faz pelo direito de falar e de agir em nome da maioria. “O
campo político é o lugar em que se geram, na concorrência entre os agentes que se acham nele
envolvidos, produtos políticos, problemas, programas, análises, comentários, conceitos, acontecimentos,
entre os quais os cidadãos comuns, reduzidos ao estatuto de ‘consumidores’, devem escolher, com
probabilidades de mal-entendido tanto maiores quanto mais afastados estão do lugar de produção” (1989,
p. 164).
39
Waldyr Pires na convenção que escolheu o candidato do PMDB à Presidência da
República para a eleição de 1989.
“Notável, saído de um lento processo de ascensão social, fiel a seus vínculos
provincianos, sua carreira política seguiu com uma regularidade exemplar todas as
etapas do cursus honorum do Estado republicano. Sua ascensão ao poder foi feita sem
pressa, sem manifestação de ambição intempestiva e no mais estrito respeito às
instituições estabelecidas.” Essa descrição poderia ter sido feita para a carreira de Iris,
mas é de Girardet (1987, p. 67) sobre Antoine Pinay,
10
um “herói da normalidade”,
segundo o autor.
Iris Rezende construiu uma carreira que Girardet denominaria de “normal”.
Como o Pinay percebido por Girardet, Iris sempre se apresentou como um homem
simples, saído do meio do povo, dando a idéia de um “homem qualquer” quando se
misturava à população. Circulava entre os eleitores vestido como eles, em mangas de
camisa. Quando se elegeu vereador, em 1958, ficou satisfeitíssimo ao conceder sua
primeira entrevista a um jornal (Folha de Goiaz) como o vereador mais votado da
“história de Goiânia”, pois era um estudante não habituado ao mundo que se
descortinava com sua eleição.
Suas primeiras fotos públicas são a imagem do provincianismo: ele aparece ao
lado do pai, Filostro, e da mãe, Genoveva, e ao lado do repórter (não identificado pelo
jornal) na segunda foto na capa da Folha, ilustrando essa primeira entrevista (Folha de
Goiaz, 2/11/58, p.1). No dia da posse como vereador, sentiu-se embaraçado. Chegou à
solenidade com a melhor roupa de um estudante: camisa abotoada até em cima e de
paletó, diferente da calça. Encontrou outros vereadores elegantíssimos e engravatados
(Revista Realidade, 1966, p. 22).
Era em tudo um homem médio, seguindo a descrição de Girardet sobre Pinay.
Médio na origem social: filho de mãe dona de casa e pai oleiro e depois produtor rural;
médio na carreira política: começou como a média de seus colegas, pelos cargos mais
baixos, que, em seu caso, ainda incluiu o grêmio estudantil, antes do primeiro posto na
base da pirâmide. Como um homem médio ele se iguala ao cidadão, que se reconhece
nele. Além de disso, uma particularidade de sua geração o aproximou ainda mais da
10
Pinay foi primeiro-ministro da França, entre março de 1952 e janeiro de 1953.
40
população: ele e milhares de goianos de sua época viveram a experiência de migrar da
cidade pequena para a capital em busca de estudo e de oportunidade de trabalho. Como
a maioria, ele foi um “estrangeiro” em Goiânia, uma cidade formada por “forasteiros”.
11
Iris não é o político das teorias, das discussões ideológicas entre direita e
esquerda, de debates sobre sistema e regime de governo. É um político prático. Seu
objetivo é construir obras, realizar projetos que interfiram diretamente na vida da
população. Assumiu administrações públicas (prefeitura de Goiânia, governo do Estado)
com a ambição de “recolocar a casa em ordem”, propiciar o retorno à normalidade
administrativa, com pagamento em dia dos salários de funcionários e de fornecedores e
retomada de investimentos públicos.
Ele é o retorno à estabilidade administrativa; o político por vocação que faz
política para chegar à administração pública. É um executor, não um parlamentar. Os
mandatos no Parlamento (vereador, deputado estadual e senador) foram trampolins para
o Executivo. Iris Rezende também não é um doutrinador; é representativo de certo estilo
de vida dos goianos: conservador, trabalhador e madrugador, como boa parte de seus
contemporâneos.
Sua formação política também seguiu a normalidade, como nos mostra um
percurso pelo espaço social por onde circulou, o campo político e o subcampo (o partido
político). Bourdieu (1989) nos informa que a ação política é monopólio dos
profissionais, exercida no campo político e seus subcampos, e com regras próprias para
quem quer aderir a esse jogo. Os que almejam tornar-se um profissional da política
precisam passar por uma “iniciação”, a fim de adquirir “competência específica” para
entrar no campo com alguma probabilidade de sucesso nesse jogo.
A acumulação de “corpus de saberes específicos” inclui desenvolver as
habilidades de tribuno, necessárias na relação com o público; de debatedor, para as
relações com os demais profissionais; conhecimentos sobre a conjuntura, como dados
econômicos, além de conhecimento do trabalho político produzido pelos profissionais
do presente e do passado, a história política do seu campo. Fundamental, nesse “rito de
passagem”, é ter o “domínio prático” (grifo do autor) da luta política no campo, que é
ao mesmo tempo campo de luta e campo de forças políticas. Isso significa conhecer os
11
Até a o censo populacional do IBGE de 1995, mais de 50% da população de Goiânia não havia nascido
na cidade, e, destes, a maioria veio do interior do Estado.
41
discursos políticos, entender o que pode ser dito e o que é indizível; o que é pensável e
impensável e, claro, compreender o indizível e o impensável do discurso do
concorrente.
Aprender a dominar um partido faz parte das regras do jogo político. Quem
domina essa habilidade conseguirá “impor seus interesses de mandatário como sendo os
interesses de seus mandantes”. Bourdieu destaca o aprendizado sobre as tomadas de
decisões. Com o “sentido prático” das tomadas de decisões, adquirido graças ao
domínio do espaço e das tomadas de posição atuais e potenciais, o agente tem condições
de “escolher” as posições “convenientes e convencionadas” e evitar as
comprometedoras. Esse sentido do jogo político que permite ao político prever as
tomadas de posição dos outros e se tornar previsível é a base para a lealdade.
Previsíveis, eles se tornam dignos de confiança, prontos para desempenhar, sem
traições, o papel que lhes cabe na estrutura do espaço do jogo. Essa adesão, que
Bourdieu considera “fundamental”, é a exigência mais absoluta feita pelo jogo político.
Com esses saberes e competências, o político vai formar e ampliar seu capital político,
12
ter sua legitimidade reconhecida para agir na política, para representar um grupo de
pessoas, tanto os eleitores quanto os membros do partido (1989, p. 164–173).
As diretrizes de Bourdieu para a atuação no campo político nos ajudam a
iluminar a trajetória de Iris Rezende pelo campo e pelo subcampo da política goiana.
Iris trilhou um percurso parecido com o identificado por Bourdieu para sair da condição
de aspirante para a de profissional da política. Seu treinamento começou no grêmio
estudantil, como representante de classe. Nessa época, ele encantou-se com os cursos de
oratória, e, antes de disputar as eleições estudantis, exercitava-se falando em público nas
reuniões e nos encontros estaduais dos grêmios. Chegou a ter um “orientador” de
oratória, um amigo seu, Domiciano de Faria, anotava os erros de seus discursos e depois
os corrigia em particular, conforme Iris revela em entrevista no segundo capítulo. Nessa
fase, Iris se esforçava não só para aprender a discursar, mas também a corrigir vícios da
linguagem da roça, da qual se envergonhava.
12
Capital político, também um conceito de Bourdieu, é uma forma de capital simbólico, firmado no
“crédito”, na “crença” e no “reconhecimento” conquistados pelo político. Bourdieu distigue os seguintes
tipos de capital político: capital delegado, originário do próprio campo político, da notoriedade adquirida
por mandatos eletivos anteriores, e o capital convertido, a popularidade conseguida em outros campos e
transferida para a política, como fazem os radialistas, os artistas e os cantores. O capital heróico é uma
variação do capital convertido, que é um capital pessoal, “produto de uma acumulação lenta e contínua”,
o capital que, segundo o autor, Weber chamou de “carisma” (1989, p. 187–194).
42
Quando disputou a eleição para vereador, já se sentia um orador, habilidade
que ele se orgulha de dominar bem. Além de aprimorar sua linguagem e ter
autocontrole, Iris desenvolveu sua própria técnica para prender a atenção e encantar seu
público. Ele identifica os interesses do grupo para o qual vai discursar, para depois
escolher o conteúdo da fala. Em uma eleição estadual, por exemplo, ele fará um
discurso para Goiânia diferente do destinado a Inhumas. Ele usará de “perspicácia e
psicologia” para descobrir o que sensibilizará o público de cada cidade e, na mesma
cidade, de cada bairro. Uma técnica que ele aperfeiçoou com maestria, principalmente
para os comícios.
Em entrevista para esta pesquisa, o publicitário Hamilton Carneiro
13
afirma
que Iris modifica-se sobre um palanque: “Ele se emociona, se entusiasma, gesticula, e
emociona o público”. Carneiro conta que Iris faz uma “varredura do público” enquanto
outros oradores falam: observa todas as pessoas até onde o olhar alcança. Na sua hora
de falar, diferentemente dos outros políticos que olham para a multidão, ele mira
individualmente cada pessoa que identificou na platéia; olha em seu olho enquanto fala,
para criar um elo com o ouvinte. Durante o discurso, ele vai perseguindo cada olhar.
Segundo Carneiro, ele não fala para o coletivo, mas para o indivíduo.
14
Iris adquiriu outras competências para ampliar seu espaço no campo e no
subcampo políticos. Seguiu passo por passo, em um “lento processo de ascensão social”
e “fiel a seus vínculos provincianos”, sem atropelos, como fica explícito em sua
narrativa, registrada no segundo capítulo. A oratória, a filiação a um partido, a troca de
partido, uma única vez em toda a sua carreira, por perceber que precisava de um abrigo
com raízes fortes, as estratégias para a sobrevivência política, como a aproximação com
a família Ludovico, e a construção de uma identidade política formam o “corpus de
saberes específicos” que o transformaram em um profissional da política goiana e o
ajudaram a construir seu capital político.
O objetivo deste trabalho é iluminar a trajetória política de Iris Rezende: sua
vocação para a política, sua inserção no campo político e a escolha de um subcampo
13
O publicitário Hamilton Carneiro, da Stylus Publicidade, dirigiu a propaganda eleitoral no rádio e TV
de 30 campanhas eleitorais em Goiás, Tocantins e Distrito Federal. Começou com a de Iris Rezende para
governador, em 1982. Desde então, só não produziu uma campanha de Iris, para a reeleição ao Senado,
em 2002. Sua agência guarda um acervo com 5 mil fitas só de gravações das campanhas de Iris Rezende.
14
Entrevista em 7/1/2008.
43
para exercer sua vocação, primeiro com um agente, posteriormente como porta-voz
desse subcampo; a construção de sua imagem de homem público, com a difusão da
marca de administrador eficiente; seu estilo popular de se relacionar com o eleitor e de
administrar, simbolizado pelos mutirões – presentes em suas gestões desde o primeiro
cargo executivo na prefeitura de Goiânia, na década de 60, até hoje. Enfim, entender
como ocorreu a inserção e a permanência de Iris na política goiana nestas cinco
décadas.
Seu primeiro mandato de prefeito, 1966–1969, foi o laboratório das práticas
que, depois, aperfeiçoou em outras gestões: o mutirão de limpeza dos bairros (realizado
às pressas no início de seu governo para dar uma satisfação à sociedade impaciente pelo
início de obras, e também para suprir a falta de mão-de-obra da prefeitura para grandes
tarefas), a construção de obras em ritmo acelerado (na época ele asfaltou os principais
bairros da cidade, como os Setores Oeste, Sul, Aeroporto, Bairro Popular, urbanizou
praças, e abriu novas avenidas), a exibição pelas ruas da cidade, em carreatas
barulhentas, de equipamentos públicos adquiridos para a cidade (como os brinquedos
que importou dos Estados Unidos e da Alemanha para o Parque Mutirama em 1969) e a
realização de grandes festas de inaugurações (como o banquete que tomou conta dos 2
quilômetros duplicados da Avenida Anhanguera, em Campinas) são gestos bem
pensados de construção de sua imagem de homem público.
Acredito que, ao investigar o percurso da trajetória política de Iris Rezende,
não estou priorizando o indivíduo em detrimento do campo social, mas usando o
indivíduo para conhecer o espaço social em que ele atuou e o modus operandi de seu
grupo político, que ele também adota para sobreviver no grupo e na política.
Capítulo II
Iris narra a sua história
2.1 – A descoberta da política
Iris Rezende Machado se considera político por vocação. Ele conta que
percebeu essa aptidão para a política aos 22 anos de idade. A militância estudantil
entrou em sua vida antes disso, em 1950, seu primeiro ano escolar em Goiânia. No
primeiro dia de aula na Escola Técnica de Goiânia, um rapaz entrou em sua sala para
convidar os novatos a escolher um representante da classe para o grêmio da escola.
Informou que voltaria no dia seguinte, para a escolha. Iris cursava o ginásio e, no dia
seguinte, ainda sem saber bem o que fazia um representante de classe e muito menos um
grêmio, candidatou-se. E ganhou.
Como representante de classe, participou de reuniões e de congressos dos
estudantes secundaristas. Fazia discursos, mas ainda não tinha consciência sobre o que
essas atividades representariam em sua vida. Quatro anos mais tarde, ele já sabia o que
era o movimento estudantil. Estudava em dois colégios: Liceu de Goiânia onde cursava
o preparatório para o vestibular, e na Escola Técnica de Comércio de Campinas, onde
fazia contabilidade. Já era uma liderança estudantil e se elegeu presidente dos grêmios
dos dois colégios, o Literário Castro Alves, da Escola Técnica, e o Félix de Bulhões, do
Liceu.
Recém-chegado do interior, ele tinha complexo de ser um rapaz da roça. A
mudança para Campinas, em 1949, um bairro que mantinha características de cidade
interiorana, e a escolha da Escola Técnica de Goiânia para cursar o ginásio, composta
majoritariamente por estudantes que, como ele, também vieram do interior do Estado,
ajudaram em sua adaptação da vida rural para a vida urbana. Iris acredita que se tivesse
chegado em Goiânia e fosse direto para o Colégio Liceu, sem a fase de transição na
escola em que fez o ginásio, “teria sucumbido.” Campinas e a Escola Técnica de
Goiânia representaram um rito de passagem em sua vida.
Ainda sem pensar na política como profissão, Iris pediu ajuda ao amigo
Domiciano de Faria, interiorano como ele, para ajudá-lo em sua transformação em um
cidadão urbano. Iris discursava nas reuniões do grêmio, ainda como representante de
45
classe, e nos congressos de estudantes secundaristas, enquanto Domiciano o
acompanhava, com caneta e papel na mão. Anotava os erros de gramática e de
linguagem do orador. Depois repassava suas anotações com Iris e indicava o melhor
jeito de falar.
Sua linguagem estava impregnada de expressões e do vocabulário do homem
do campo, que aprendeu em Cristianópolis, em especial dos 7 anos aos 16 anos de
idade, quando ele morou na Fazenda Canastra. “A minha preocupação com a correção
da linguagem era em função de uma responsabilidade que instintivamente eu assumi
como representante de classe, junto ao grêmio, [eu] tinha de falar.”
15
Aos 22 anos, Iris
já se sentia mais maduro e aí suas decisões eram menos instintivas. “Quando me elegi
presidente dos dois grêmios, eu falei: minha vocação não é medicina, minha vocação é
política. No terceiro ano do científico e do técnico é que eu decidi fazer Direito e fui
aprender latim.”
16
Escolheu o curso de Direito porque o considerava mais apropriado a
um político profissional.
O que é vocação, para Iris Rezende? É um dom divino, uma graça que
determinada pessoa recebe na vida. Dá como exemplo o talento de artistas, escritores,
pintores, cantores que, como ele, não saberão explicar onde e como aprenderam suas
artes.
É o caso de d. Belkiss [Carneiro]. Ela podia dizer: “foi minha avó [ela era neta da pianista
Nhanhá do Couto] que era pianista e cuidou de mim.” E se a Belkiss não fosse a Belkiss, a avó
dela daria conta? Não daria. Eu acho que é uma questão de dom. É uma questão de vocação.
Eu entendo isso como uma perfeição da natureza.
17
Se a pessoa não tem dom e não gosta de determinada atividade, não vai se
destacar no que faz nem será feliz, acredita. “Você pode notar: se a pessoa não gosta de
música, não adianta o pai querer forçar o filho, e assim na vida de um modo geral.”
18
Como o dom é, para ele, uma graça divina, Iris acredita que a sua vida política só tem
explicação no aspecto espiritual. “Eu nasci com esse dom, eu nasci para gostar de gente,
conseqüentemente, para gostar de política, e gostar de administrar.”
19
15
Entrevista em 28/1/2008.
16
Entrevista em 18/6/2008.
17
Entrevista em 26/6/2008.
18
Entrevista em 2/12/202006.
19
Entrevista em 16/7/2008.
46
Iris Rezende age e fala sobre sua vocação para a política colocando-se entre
os que vivem “para” a política, no sentido weberiano.
20
No começo de sua carreira, ele
dependia do salário para sobreviver. A renda era uma conseqüência de sua escolha, não
o que o motivou a fazer política.
Eu não pratico a política por interesse; eu não usufruto do poder que Deus e o povo me
colocaram nas mãos, nunca usufruí. Nunca. Eu pratico a política por vocação, por ideal. A
minha realização é o que eu faço de bem na política. E tanto que o seguinte: eu perdi a eleição
[1998 e 2002] e o que mudou na minha vida pessoal, na vida da minha família? Nada, mudou
nada. Chegou a ter um governo que eu fiquei morando em minha casa. Eu nunca tive vaidade.
Você nunca viu batedor na frente de carro meu para me conduzir para algum lugar. A minha
determinação é mudar a vida dos outros. É transformar e eu consegui isso.
21
Ele tem plena convicção de que sua vocação para a política é para cumprir
uma missão:
Eu [...] entendo que eu nasci em uma comunidade, cuja sustentação era a Bíblia, para eu ter
um sentimento mais profundo de Cristo, para eu ter um respeito maior pelas coisas e pelas
pessoas, mais responsabilidade no comportamento, no trato de vida. Eu vivi aquele sofrimento
na vida rural para eu conhecer um lado da vida que há bem pouco tempo era o de quase toda a
população de Goiás, a dureza do rurícola, do lavrador, aquele que fica em contato com a
chuva, o sol, os espinhos, os insetos. Então, eu comecei assim e depois venho para uma cidade
maior, conhecendo o drama de milhares e milhares de goianos, que é o de sair da roça para a
capital, a fase de adaptação.
22
O pai de Iris, Filostro Carneiro Machado, apoiou a primeira eleição do filho
para vereador, em 1958. Em 1962, na disputa para deputado estadual, foi contra.
Chamou o filho e ordenou que ele não disputasse a eleição. Iris era solteiro, morava
com os pais e fora educado para obedecer às ordens paternas. Filostro argumentou que
seus irmãos estavam encaminhados na vida, estavam trabalhando e ganhando dinheiro,
e reclamou que Iris não se envolvia com o trabalho, “era só política, política.” “Aí eu
lhe desobedeci.”
23
Três anos mais tarde, Iris começava a campanha para prefeito e,
novamente, o pai o chamou para uma conversa. Acompanhado do filho Orlando,
Filostro tentou convencê-lo a desistir da carreira política. Nesse dia, o pai revelou que
doara para Iris 5% de sua cota no Frigorífico Vera Cruz, a empresa familiar comprada
por Orlando. Novamente, Filostro deu uma ordem ao filho: ele devia abandonar a
política e assumir uma diretoria no frigorífico.
20
De acordo com Weber, há dois modos pelos quais um político pode fazer da política sua principal
vocação: “viver ‘para’ a política ou viver ‘da’ política” (1982, p. 105).
21
Entrevista em 27/8/2008.
22
Entrevista em 2/12/202006.
23
Entrevista em 18/6/2007.
47
Aí eu disse: “Pai, não tem outra explicação a minha presença na política, senão uma coisa de
Deus. Olha, eu já desobedeci ao senhor uma vez e vou desobedecer uma segunda vez. Eu não
vou deixar não.” “Mas você não vai ganhar nunca do Juca [Ludovico].”
24
“Mas eu pelo menos
estou me candidatando e posso ganhar também.” Nesse dia, eu falei: “Olha, pai, eu estou
pensando em me casar e se o senhor quiser me ajudar, arrumando uma casa para mim.” Ele
não me falou nada, mas depois o meu irmão me levou para ver uma casa lá na [Rua] São
Paulo para ver se servia. Era uma casa novinha, mas pequenininha. Eu falei “serve” e fiquei
feliz. Bom, ganhei a eleição. Aí ele não conversou mais comigo desde que eu lhe desobedeci.
Fui candidato a deputado e ele não tinha assunto comigo. Eu chegava, falava “bênção, pai”, e
ele “Deus te abençoe.”
25
Seu pai cortou as relações com ele por quase quatro anos, nos três anos em que
foi deputado – ele se elegeu prefeito no terceiro ano do mandato – e nos dez primeiros
meses de prefeito.
Tínhamos o costume de ir à igreja todos os domingos de manhã. Todos os filhos tinham de
passar na casa dele. Quem quisesse almoçar, almoçava, quem quisesse almoçar em outro lugar
tinha de passar lá antes, na Vila Coimbra. Um domingo, eu fui o primeiro a chegar e ele disse:
“Você não está gastando mais do que a prefeitura pode?” Eu falei “não pai, estou sendo até
muito cuidadoso.” [...] “É, mas tome cuidado, tome cuidado.” Eu disse: “o senhor não quer dar
uma saidinha comigo? O senhor não tem idéia do que eu estou fazendo.” [...] Saímos e eu
mostrei o barracão lá da prefeitura que eu estava fazendo, já estava asfaltando o Setor Oeste.
“Aqui, pai, nós estamos asfaltando uma rua por dia. Antes asfaltavam uma rua por ano, agora
fazemos uma por dia.” Na quarta-feira, a minha mãe me liga e diz: “Iris, seu pai está te
chamando para você ir com ele na fazenda de Guapó, agora à tarde para você descansar um
pouquinho.” Eu não podia ir. Mandei cancelar as audiências, isso era mais ou menos meio-dia,
e fui. Passamos a tarde. Aí acabou.
26
A opção de desobedecer ao pai e seguir a carreira política deixou Iris
dependente do salário de agente político. Ele sobreviveu da política durante 11 anos:
três anos com o salário de vereador; três anos com o salário de deputado estadual, e
quatro anos com o salário de prefeito de Goiânia.
2.2 – A dura vida na roça
24
Juca Ludovico foi adversário de Iris Rezende na disputa pela prefeitura de Goiânia, em 1966.
25
Entrevista, ibidem. A narrativa de Iris Rezende em todas as entrevistas é permeada por diálogos. Ele
reproduz conversas, antigas ou recentes, na forma dialogal, refazendo as falas de seus interlocutores. Levi
(2006) diz que o diálogo é “um meio eficaz de construir uma narrativa que dê conta dos elementos
contraditórios que constituem a identidade de um indivíduo e das diferentes representações que dele se
possa ter conforme os pontos de vista e as épocas.” Lembra que Rousseau utilizou-se desse recurso em
sua autobiografia diante da impossibilidade de contar a história de uma vida “sem que fosse deformada ou
alterada.” Ao optar pelo diálogo, Iris pode estar criando uma forma de comunicação “menos equívoca”,
“uma forma de restituir ao sujeito sua individualidade complexa” (2006, p. 168-172).
26
Entrevista em 18/6/2007.
48
Iris Rezende Machado chegou a Goiânia no último ano da década de 40,
quando sua população já alcançara 50 mil habitantes.
27
A capital era uma cidade em
rápida expansão populacional e carente de infra-estrutura urbana. A atividade política
também começava a experimentar ares mudancistas, com a entrada de novos atores
políticos, como estudantes, operários e trabalhadores rurais.
Iris e sua família também passavam por um processo de transformação,
comum a muitas famílias naqueles tempos. A mudança de Cristianópolis, um distrito de
Pires do Rio, para Goiânia, em 1949, aconteceu neste contexto de início da alteração no
perfil político e econômico de Goiás. A família buscava oportunidades de crescimento
econômico na expansão capitalista do Estado, e Goiânia foi o destino natural. A crise na
pecuária teve influência direta na decisão do pai de Iris, Filostro Carneiro Machado, de
vender a fazenda em Cristianópolis para buscar alternativas de investimento e de
educação para os filhos na nova capital. Uma crise na produção do gado zebu
28
assustou
Filostro, que já estava pressionado pelos filhos mais velhos que queriam estudar em
Goiânia.
Filostro colocou a fazenda à venda e alugou uma casa para a família na Rua
Rio Verde, em Campinas. Ele e a mulher, Genoveva Rezende Carneiro, ficariam mais
um ano em Cristianópolis para vender as terras, o gado e receber o dinheiro da venda de
tijolos e de telhas, que produziam na olaria instalada na fazenda. Os cinco filhos
moraram um ano na casa da Rua Rio Verde, aos cuidados da avó paterna, Isabelina
Limírio Machado. Filostro vendeu a Fazenda Canastra, de cerca de 120 alqueires em
uma faixa de terra fértil na Serra da Canastra, em Cristianópolis, e parte de seu rebanho.
27
De acordo com o Censo Demográfico do Estado de Goiás de 1950, do Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística (IBGE), Goiânia contava com 53.389 habitantes, já uma população superior aos 50 mil para a
qual a cidade fora planejada pelo arquiteto Attílio Correia Lima, 17 anos antes. Informação disponível na
biblioteca digital do site www.ibge.gov.br
. Pesquisa realizada em 15/1/2008.
28
Iris recorda-se de uma quebradeira entre fazendeiros do sul de Goiás e do Triângulo Mineiro, que
investiram na criação de gado zebu. A crise mobilizou lideranças pecuaristas, governo e Congresso
Nacional. Em 14 de julho de 1947, o Senado aprovou projeto de lei concedendo moratória aos pecuaristas
(O Popular, 17/7/47, p. 1). No ano seguinte, em 14 de outubro, novamente o Senado altera a lei em vigor
mudando prazos para pagamento de dívidas e liberando o rebanho do penhor (O Popular, 17/10/48, p. 1).
O mesmo jornal publicou várias reportagens em 1947 e em 1948 sobre os pecuaristas goianos “a braços
ultimamente com uma crise sem precedentes em nossa história” (O Popular, 25/6/47, p. 3). Segundo Iris,
seu pai não estava entre os fazendeiros endividados, mas a crise assustara-o.
49
A transferência para Goiânia deixava para trás um período da vida da família
na Fazenda Canastra que os dois filhos mais velhos (Orlando e Iris) dificilmente
esqueceriam:
O papai foi tomado de uma ambição exagerada em que nós meninos de oito, nove anos
tínhamos que levantar às 4 horas da manhã, na época da seca e na época da chuva. Eu entendo
que aquilo para mim foi muito bom, mas eu não tenho saudades da minha infância. Aquela era
uma região muito fria [...]. Quando a gente ia moer cana tinha de levantar à meia-noite; para ir
para a olaria tinha de levantar às 4 horas da manhã, naquele frio danado, buscar cavalo no
pasto, caindo geada. Na época da chuva, levantar de madrugada para tirar leite, naquele barro
doido. [...]. Bom, era uma época em que o papai vendia lenha para duas fábricas de laticínio,
vendia tijolo e telha para a região inteira.
29
Iris Rezende Machado nasceu em 22 de dezembro de 1933 em uma casa na
Rua do Meio, como era chamada uma das três ruas de Cristianópolis. Ele é o segundo
de cinco filhos. O primeiro é Orlando Alves Carneiro, apenas um ano e 10 meses mais
velho que Iris; três anos depois de Iris nasceu Jairo Machado Carneiro. Otoniel
Machado Carneiro é dois anos mais novo que Jairo e Iracema Carneiro Zago, a caçula,
dois anos mais nova que Otoniel.
Quando Iris nasceu, seu pai não tinha fazenda. Ele sustentava a família
fabricando tijolos e telhas em terras arrendadas de Sebastião Tubertino. Ia e voltava do
trabalho de bicicleta todos os dias. As boas lembranças de criança que Iris conserva são
desse período. Sua infância
30
foi curtíssima, durou até os seis, sete anos, quando ainda
morava na cidade. Ele recorda-se que os irmãos e ele construíam os próprios
brinquedos. Colecionavam sabugos de milho, vermelhos e brancos, para fazer juntas de
canga de boi, faziam carrinho, usando a lobeira pequena (fruta do Cerrado, apreciada
pelo lobo) como roda do automóvel, e currais.
Aos poucos, Filostro foi comprando glebas de terra até formar a fazenda, para
onde a família se mudou quando Iris tinha entre sete e oito anos. A memória não o ajuda
a precisar essa data. Ele mal se lembra da mudança, mas nunca mais se esqueceria do
período seguinte, que só terminou em 1949, com a transferência da família para
Goiânia. Acabaram as brincadeiras e a infância. Ele e Orlando, com menos de 9 anos,
começavam a levar uma vida de adulto na Fazenda Canastra.
29
Entrevista em 12/2/2007.
30
Uso o termo infância no sentido que é entendido atualmente, isto é, com a proibição, por lei, do
trabalho infantil e garantia de permanência na escola e do direito de brincar.
50
O dia para os pequenos começava às 4 horas da manhã, com um café
reforçado na cozinha da casa que seu pai construíra na fazenda. Os dois meninos –
posteriormente Jairo se juntou a eles – e os peões que trabalhavam na olaria, com o
rebanho e, no período das chuvas, na lavoura, tomavam juntos o café da manhã. Havia
várias opções para o desjejum. Mexido com a sobra do jantar do dia anterior, feito em
excesso para sobrar para o café da manhã, leite, queijo, biscoito, bolo, mané-pelado,
pão-de-queijo, biscoito de queijo, biscoito de polvilho, conhecido na região como fofão.
“Na roça tem muita fartura.” O grupo se dividia para as três frentes de trabalho. Na
seca, os meninos iam direto para a olaria e, no período chuvoso, começavam o dia no
curral. Até as 7 horas, ajudavam a tirar o leite das vacas, a desnatar e a fazer o creme,
vendido para os laticínios. Do curral, Iris e Orlando passavam no pasto para pegar o
burro. O trabalho continuava na olaria. O animal era levado para puxar a pipa, uma
moenda usada para moer o barro.
[...] o barro do barreiro não tinha liga. Você deixa um buraco junto da moenda, joga água [no
barro] e aquilo passa por um amaciamento [...]. De manhã ele está no ponto. Aí você vai
jogando com pá, vai jogando, o burro moendo, e vai saindo o barro amassado, pronto para
aquela massa perfeita, aquela liga. Põe aquilo no carrinho, mais ou menos uns 40 quilos, leva
para o terreiro. Você faz aquela fila de monte de barro. Tudo é calculado, de forma que vai
fazendo e estendendo no terreno, vai trazendo a banca, o monte de barro. Quando o sol saía,
nós já tínhamos feito 600 tijolos, 700 tijolos.
31
Orlando e Iris tinham tarefas distintas. Orlando preparava o barro, cortava o
tijolo e Iris “laceava”, isto é, colocava o barro na fôrma, passava o arame e cortava.
Depois, levava o tijolo para o terreiro e tirava a fôrma para secar. “Tem o ponto certo do
barro, depende de muita experiência. O tempo vai transformando o cara num operário
apto. Não é qualquer pessoa que fabrica tijolo e telha.”
32
O almoço chegava em
31
Entrevista, ibidem.
32
Entrevista, ibidem. Na primeira entrevista para esta pesquisa, Iris resumiu como foi sua vida na
fazenda. Relatou as tarefas diárias, reclamou do tempo e do esforço de trabalho excessivos impostos às
crianças e que seu pai fora “tomado de uma ambição exagerada.” Em nosso 16º encontro, realizado mais
de um ano depois do primeiro, provoquei-o a recuperar em detalhes as lembranças desse período. Em
uma conversa que durou quase uma hora e meia, ele descreveu as casas onde morou na cidade, a mudança
para a roça e detalhou o trabalho diário na fazenda. Suas respostas eram sempre curtas, às vezes
lacônicas. Foi um dos temas que mais precisei intervir, fazendo muitas perguntas, para dar continuidade
às lembranças e impedir que elas fossem interrompidas por seu silêncio. Parecia que ele não tinha
interesse naquelas lembranças, que eram dolorosas. A transcrição desta entrevista revelou que a maioria
das respostas tinha apenas duas ou três linhas, diferentemente dos assuntos que o empolgam, como suas
administrações, sobre os quais fala compulsivamente. As lembranças da infância na roça não lhe são
prazerosas, e ele dá a impressão de não querer recordá-las. Na primeira entrevista, chegou a dizer que não
tinha saudade daquele período e que, depois da mudança para Goiânia, sua vida virou um “piquenique.”
Apesar de evitar as recordações, nesse dia ele falou de tudo, mesmo em respostas curtas. Ele não se
esqueceu porque foram anos difíceis, que marcariam profundamente sua vida.
51
gamelas, às 9 horas da manhã. Os irmãos trabalhavam na olaria até por volta das 14
horas, quando chegava a merenda: queijo frito com açúcar, canjica com leite, canjica
socada com amendoim, arroz-doce. Depois do lanche, os meninos e os peões
empilhavam as telhas e tijolos fabricados no dia. A hora mais difícil era quando a
produção ia para o forno.
Para mim é o pior serviço que eu já fiz, pior do que empunhar enxada o dia inteiro na roça.
Primeiro o seguinte: a base de tudo aquilo é um pó. Você faz uma base na mesa para passar na
fôrma e ela não pregar. É uma areia fina, na qual você mistura cinza, tirada do forno que
queimava o tijolo e a telha. Misturava aquela cinza com areia fina para passar na fôrma. O
vento jogava cinza em seu rosto; trem de louco, de doido. Era aquele trabalho até de tarde.
Das 2 às 5 horas era empilhando. Uma vez por semana estava queimando no forno. Queimava
a produção de uma semana, 2 mil tijolos. Na queimada tinha de ficar um peão a noite inteira.
Normalmente o papai não nos deixava. De duas em duas horas tem de renovar a madeira para
não diminuir o calor.
33
Outra atividade econômica da fazenda era a engorda de porcos. A Fazenda
Canastra engordava uma média de cem capados. A alimentação dos animais também era
responsabilidade dos meninos. A jornada terminava às 18 horas, depois de 13 horas
seguidas de trabalho. O jantar era em casa, acompanhado da família e de todos os peões.
O único e curto momento de lazer ocorria depois do jantar. A família reunia-se na sala
para ouvir o rádio. Os meninos não resistiam por muito tempo. Logo caíam no sono. A
mãe carregava-os para a cama para uma noite de aproximadamente nove horas de sono.
“Escurecia, e às sete e meia estávamos dormindo.”
Essa rotina repetiu-se dos 7 anos aos 16 anos em sua vida. “Neste período eu
nunca me levantei depois das 4 horas da manhã.” E marcou a formação de sua
personalidade. “Eu acho que se a minha infância não tivesse sido como foi, eu não era o
homem determinado que sou. Eu sempre achei que a vida é trabalho.”
34
Iris admite ser
obcecado por trabalhar. Não tem hobby. Aliás, tem um: “Meu hobby é a política.”
Como a política é seu trabalho, seu hobby é o trabalho. A rotina de 13 horas diárias de
lida na fazenda, na idade de formação de sua personalidade, e o exemplo do pai foram
decisivos. Ao ouvir a pergunta se, quando jovem, ele gostava de praticar esporte,
passear, ele ficou em silêncio por um bom tempo antes de responder:
Interessante, uma vez uma pessoa me perguntou: “De que gosta seu pai?” Eu disse: “Ele só
gosta de trabalhar.” Impressionante, a vaidade de meu pai – eu acho que transferiu um
pouquinho para mim – era ser reconhecido como um realizador, trabalhador. Papai foi um
lutador. [...] Papai trabalhava demais. Ele usava três cavalos durante o dia, andando em tudo,
33
Entrevista, ibidem.
34
Entrevista em 11/1/2008.
52
tudo. Meu irmão mais velho também era assim [...]. Na verdade eu nunca tive tempo de ter um
hobby na vida. Nunca tive uma diversão. Nunca fui freqüentador de clubes. Eu já tentei muito
aprender a pescar e não consegui [risos].
35
Ele também não aprendeu a jogar futebol, como os meninos de sua idade. Até
tentou, quando estudava na Escola Técnica. Recorda-se que testou várias posições em
campo até o dia em que foi jogar no gol. “Aí eu levei uma bolada na boca do estômago
e nunca mais quis aquilo [risos].”
36
Essa sua característica é muito conhecida por quem
convive com ele intimamente. Flávio Peixoto da Silveira o conheceu na campanha
eleitoral de 1965. Iris era candidato a prefeito de Goiânia e seu pai, Peixoto da Silveira,
candidato a governador pelo PSD. Foi um contato superficial, pois Flávio tinha 19 anos
de idade, e depois se mudou para os Estados Unidos e em seguida para a Inglaterra para
estudar. Em 1980, quando já preparava sua candidatura a governador, Iris convidou
Flávio para trabalhar com ele. Os dois estiveram juntos até 2007, quando Flávio deixou
a Secretaria de Governo da Prefeitura de Goiânia.
37
Iris é um fazendeiro, mas ele não tem muito interesse por fazenda; ele que me desculpe, mas
eu não acho o Iris um fazendeiro. Não o vejo interessado por cinema, por teatro. Ele é um
homem que nasceu pra política [...]. Ele é um homem que não consegue ficar duas, três horas
jogando conversa fora, falando sobre futebol, contando uma piada, ele é um homem muito
serio.
38
Ele viajou muito, a maioria das vezes a trabalho, ou, como ele diz, em
“viagens de conhecimento.” Foram poucas as viagens de férias com a família. Lembra-
se de uma vez que reuniu sua mulher, os filhos o irmão, Otoniel, e seguiram de carro
35
Entrevista em 4/12/2007.
36
Entrevista, ibidem.
37
Flávio Peixoto da Silveira estudava na UnB, quando a universidade foi invadida pelos militares em
1968. Ele então se mudou para os Estados Unidos para estudar inglês e acabou ficando lá por quatro anos.
Formou-se em Economia pela Universidade de São Francisco, na Califórnia. De volta ao Brasil, trabalhou
na Terracap, em Brasília, e depois foi aprovado em concurso para professor na UFG. Lecionou por três
anos e foi para a Inglaterra fazer pós-graduação em planejamento urbano e regional. Em 1980, foi
trabalhar na campanha de Iris para governador. Com a vitória, em 1982, assumiu a Secretaria de
Planejamento do Estado. Depois, por indicação de Iris, foi ministro do Desenvolvimento Urbano e Meio
Ambiente do governo do presidente José Sarney. Flávio sempre acompanhou Iris em suas campanhas
eleitorais – ocupou novamente a Secretária de Planejamento no segundo governo de Iris (1991–1994),
mas desta vez por apenas dois anos, pois deixou a equipe por desavenças com Otoniel Machado Carneiro,
na época secretário de Governo. Esteve novamente com Iris nas campanhas de 1998 e de 2002, nas duas
derrotas, e em 2004, quando Iris se elegeu prefeito de Goiânia. Flávio foi secretário de Governo do
município de janeiro de 2005 até março de 2007. Na eleição de 2006, seu filho Thiago Peixoto elegeu-se
deputado estadual. Divergências entre Thiago e Iris na eleição para presidente da Assembléia Legislativa,
em fevereiro de 2007, levaram Flávio a deixar o cargo na Prefeitura. Mesmo afastado do governo, Flávio
diz não ter mágoas de Iris e que mantém com ele os laços de amizade, tanto que, em 2008, seu filho
Thiago assumiu a secretaria que foi ocupada por ele na Prefeitura.
38
Entrevista de Flávio Peixoto para esta pesquisadora, em 5/9/2007, concedida em sua casa, no Jardins
Viena, em Goiânia.
53
para Belo Horizonte, depois foram pela Rio–Bahia em direção a Salvador. Passaram
dois dias em cada capital do Nordeste, viajando sempre pela costa. Foram até São Luís,
no Maranhão. Só não passaram pelo Piauí. Iris acha que essa foi a última viagem de
férias com a família.
Diferentemente de boa parte dos brasileiros que escolhe a praia como destino
de férias, Iris não gosta de sentar-se na areia, expor-se ao sol. “A água salgada e o sol
me dão alergia; começo a me coçar. Eu ia pra praia e ficava só debaixo da sombrinha.
Saía um pouquinho e ficava com água até aqui [aponta para o pescoço], para não pegar
sol.” Ele aproveitou algumas viagens ao exterior a trabalho para levar a família. Como
não gosta de lazer, e seu único hobby é o trabalho, ou seja, a política, Iris faz uma
autocrítica como pai e como marido:
Hoje eu reconheço: eu não fui bom esposo nem bom pai. Eu vivia era a política. Enquanto os
pais viajavam todo ano para a praia, eu não saía. Enquanto um pai ficava horas com os filhos,
eu nunca fiquei. Quando eu fui cassado aí veio a realidade cruel: eu tinha que vencer na vida
particular e não tinha a mínima noção. Para você ter uma idéia eu tinha uma casa que tive de
vender, porque era financiada. E o medo de não dar conta? O meu pai tinha razão [risos]. Aí
foi outra atribulação.
39
Iris ri de si próprio ao admitir que o envolvimento diuturno com a política
impediu-o até de namorar. “Fui me casar com 31 anos. E eu relacionado, presidente de
dois grêmios. Ao invés de namorar, ficava envolvido com o grêmio” [risos]. Foi em
função da política que ele conheceu sua mulher. Iris recorda-se daquele dia em detalhes.
Vereador, candidato a deputado estadual, ele era padrinho de casamento de Gerusé Pires
Marinho. A noiva era de uma família tradicional de Campinas, que morava em uma casa
antiga na Rua Jaraguá, perto do Colégio Santa Clara. Lembra-se de que as casas antigas
do bairro tinham quatro quartos com as portas voltadas para uma grande sala central.
Havia mais de 15 pessoas nessa sala, entre padrinhos e convidados, aguardando a
chegada do juiz para a cerimônia do casamento civil. De repente, Iris ouviu uma voz, de
dentro de um dos quartos, por meio de uma porta semifechada, gritando:
“Oh, Iris, vem cá.” Eu mais do que solícito, candidato [risos], me levanto, empurro a porta e
dou de cara com mulheres de sutiã; as mulheres gritaram e eu fiquei dos mais desapontado.
“Isso não é brincadeira que se faz.” Criou aquele ambiente horrível. Daí a pouco vem a mãe da
noiva justificar que não foi comigo, que tinha uma moça lá com o mesmo nome. Daí a pouco
ela me apresenta a Iris. Interessante. Conversamos ali: “Oh, vamos continuar a conversa no
39
Entrevista em 4/12/2007.
54
casamento à noite”, e aí começou o namoro. Daquele dia a dois anos nós estávamos casados.
Namoramos dois anos...
40
Iris passou a adolescência e o início da vida adulta dedicado à escola, à
política estudantil e depois ao mandato de vereador. Ele chegou a Goiânia aos 16 anos e
organizou sua vida como se fosse um adulto. Sua primeira providência foi estudar no
curso preparatório da professora Edna Roure para a prova de admissão no curso ginasial
da Escola Técnica de Goiânia. Aos 17 anos de idade, defasado cerca de quatro anos de
escolaridade em relação aos jovens de sua idade, foi aprovado no teste e admitido no
curso técnico em Aparelhos Elétricos e Telecomunicação, em tempo integral. No
segundo ano do ginásio, decidiu cursar o científico no Liceu de Goiânia, indicado para
vestibulandos que, como ele, queriam estudar medicina.
Como estava em uma escola técnica, Iris sabia que não estava suficientemente
preparado para ser admitido no concorrido científico do Liceu. Novamente buscou
reforço em aulas particulares, dessa vez de inglês, francês e história geral, disciplinas
que não constavam do currículo do curso técnico. Estudava o dia inteiro na Escola
Técnica e, à noite, ia para as aulas particulares, na Avenida Goiás. Passou dois dos
quatro anos do ginásio chegando em casa às 22 horas. Prestou o exame no Liceu e
passou.
No segundo ano do científico, decidiu estudar contabilidade, à noite, na Escola
Técnica de Comércio de Campinas. Iris acha que fez isso porque era um rapaz inquieto.
“Para que dois cursos? Fui fazer técnico em contabilidade e científico. Depois vem
aquela fase, dois grêmios. [...] Aí é que acabou a minha vida.”
41
Ele pensava em se
tornar técnico em contabilidade para abrir um escritório no Rio de Janeiro, destino dos
estudantes goianos que faziam medicina, com o propósito de financiar seus estudos na
faculdade.
2.3 – O aprendizado no movimento estudantil
40
Entrevista, ibidem
41
Entrevista, ibidem.
55
Iris Rezende começou a engatinhar na política em uma época em que havia
dois lados: ou aliado do maior líder político da época, Pedro Ludovico Teixeira, ou seu
adversário. Seu batismo político ocorreu em 1950, na Escola Técnica de Goiânia. Ele
interessou-se pela política estudantil na segunda semana de aula. O presidente do
grêmio estudantil da Escola Técnica de Goiânia entrou em sua sala para informar que
haveria eleição para representante de classe. No dia seguinte, retornou para promover a
eleição. Cinco alunos, Iris entre eles, candidataram-se. A votação foi aberta e Iris
venceu sua primeira disputa. Era ainda um estudante ingênuo que nada conhecia sobre
política. Participava das reuniões do grêmio como representante de classe, mas gostava
mesmo dos cursos de oratória promovidos pela entidade e de participar dos congressos
estudantis. No segundo ano, elegeu-se representante da Escola Técnica de Goiânia ao
congresso estadual em Anápolis.
A política estudantil secundarista era muito atuante, muito forte. Havia os congressos
nacionais secundaristas, eu ia a todos. Fui a Natal em um avião da FAB. De vez em quando
arranjava isso. Na época da Escola Técnica Federal eu participava dos congressos estaduais.
Eram eleitos cinco representantes do Estado para o [congresso] nacional. Eu me lembro que
nós fizemos encontros estaduais em Anápolis, Goiânia, Morrinhos, Catalão. Em Catalão fui
escolhido para ser, pela primeira vez, congressista nacional. Fui pra Natal.
42
Seu interesse pelo movimento estudantil o levou a ser presença constante nos
eventos da entidade. Em 1952, ele integrou uma das sete chapas que se candidataram ao
grêmio da Escola Técnica de Goiânia. O livro de atas
43
dos anos de 1952 e 1953 do
Grêmio Lítero-Teatral registra sua participação em praticamente todas as reuniões. Seu
nome aparece pedindo a palavra para opinar sobre os temas em debate ou quando
nomeado membro de comissões para comandar atividades na escola.
No segundo ano do Liceu e no primeiro na escola de Campinas, Iris elege-se
presidente dos dois grêmios ao mesmo tempo, o Castro Alves, da Escola Técnica de
Comércio de Campinas, e o Félix de Bulhões, do Liceu de Goiânia. Novamente uma
rotina intensa, como a que ele viveu na roça: estudava em dois turnos nos dois cursos do
ensino médio e presidia os dois grêmios. O movimento estudantil era vibrante na década
de 50. Repercutia o momento nacional de redemocratização do País. “A juventude
brasileira atravessava um período de afirmações, de conquistas e de participação efetiva
na vida do País; a voz estudantil podia ser ouvida e as lideranças estudantis
42
Entrevista em 2/12/202006.
43
Esse livro-ata encontra-se no arquivo pessoal de Iris Rezende e foi um presente de Edmilson Gomes da
Silveira Júnior, ex-presidente da União Goiana dos Estudantes.
56
despontavam espontaneamente”, afirmou anos depois Rubens Carneiro dos Santos
(Lyra, 1991, p. 31–32), diretor da Escola Técnica de Comércio de Campinas quando Iris
elegeu-se presidente do Grêmio Literário Castro Alves.
Iris firmava-se como líder estudantil. Na política, Pedro Ludovico
desincompatibilizava-se do governo do Estado, para o qual fora eleito em 1950, para
disputar uma cadeira no Senado. Na política estudantil, Iris caminhava próximo da
oposição porque os jovens eram contra o governo, em especial o ludoviquismo:
Estudante normalmente era contra o Pedro Ludovico, principalmente os estudantes políticos,
porque [ele] era governo. Ele foi interventor durante 15 anos; reprimia a imprensa, então era
muito difícil você, um estudante com compreensão política, ou com entendimento político...
[ser favorável a ele.].
44
Depois que trocou o curso de Medicina pelo de Direito, para seguir a carreira
política, sua militância estudantil continuou ativa. Iris lembra que sua atuação à frente
dos dois grêmios não era politizada, no sentido de envolver as entidades que dirigia no
debate político e ideológico que tomara corpo na época, mas voltado à realização de
benefícios e à promoção de eventos que fossem de interesse dos estudantes. “Eu
disputei com o pessoal [da esquerda], mas meu objetivo era outro, era fazer.”
45
Rubens
Carneiro dos Santos confirma que o mandato de Iris no grêmio da escola de Campinas
voltou-se para “[...] uma série de realizações que marcaram época: programas cívicos,
recreativos, esportivos e culturais.”
“[Iris] notabilizou-se por revolucionar os grêmios estudantis e os diretórios
acadêmicos a que presidiu, transformando-os em instrumentos de bem-estar,
principalmente para estudantes humildes”, escreveu o jornalista Domiciano de Faria
46
(Lyra, 1991, p. 35-36) que o conheceu em 1950, ambos chegados do interior: Iris, de
Cristianópolis e Domiciano, de Cavalcante. Já nessa época, Iris assumiu a liderança do
movimento estudantil, “revelando uma personalidade forte e traços marcantes [...],
44
Entrevista em 2/12/2006.
45
Ao eleger-se presidente do grêmio do Liceu de Goiânia, Iris derrotou João Rosa, candidato do grupo
formado pelo hoje delegado aposentado Miguel Batista e pelo advogado Olinto Meirelles, na época
líderes estudantis de esquerda.
46
O jornalista Domiciano de Faria foi um dos grandes amigos de Iris Rezende. Eles se conheceram em
1950, na Escola Técnica de Goiânia, depois continuaram colegas no Colégio Liceu e na Faculdade de
Direito. Mantiveram uma grande amizade até a morte do jornalista, em janeiro de 2004. Domiciano
construiu carreira de jornalista no jornal O Popular: primeiro manteve a coluna política Notas e fatos,
depois foi editor-chefe do jornal até chegar ao cargo de diretor de Jornalismo da Organização Jaime
Câmara.
57
traços de comando, às vezes conciliadores, às vezes enérgicos e autoritários” (Lyra,
1991, p. 35). Ele promovia congressos estaduais e nacionais, concurso de oratória,
conferências e editava os jornais das escolas. Responsabilizou-se até pela organização
do desfile de 7 de Setembro da escola de Campinas.
Na presidência do grêmio do Colégio Liceu, Iris descobriu que a entidade
fundara uma cooperativa de estudantes para ter acesso a um recurso da Secretaria de
Educação. “Era coisa [a criação da cooperativa] desses estudantes esquerdistas, uma
maneira de ter dinheiro, mas [eles] não conseguiram [receber o repasse].”
47
O secretário
de Educação era José Feliciano Ferreira, um político conhecido no Estado, que se
elegeria governador pelo PSD em 1958, quando a diretoria do grêmio conseguiu
regularizar a cooperativa e torná-la apta a receber a verba do Estado. O grêmio passou,
então, a ter dinheiro em caixa.
Iris decidiu usar o recurso para comprar livros e tecidos para o uniforme dos
alunos do Liceu, duas despesas que pesavam no orçamento dos estudantes. Procurou a
direção do colégio para negociar a redução da lista de livros didáticos adotados pela
escola – cada professor podia indicar vários autores para a mesma disciplina. A direção
da escola convidou Iris a participar de uma assembléia de professores e ele saiu de lá
com a redução da lista a, no máximo, dois autores por disciplina.
Tudo acertado, partiu para São Paulo. Ele comprou uma grande quantidade de
livros e muitas peças de tricoline, bege e branco, as cores do uniforme do Colégio
Liceu. Alugou um caminhão e despachou a mercadoria para Goiânia. Quase um ano
depois de empossado – o mandato de presidente no Liceu era de um ano –, Iris montava
uma feira no pátio do colégio para vender livros e tecidos a preço de custo a seus
colegas. Logo depois, outra novidade fez muito sucesso entre os estudantes: um
programa de auditório de rádio, transmitido do pátio do Colégio Liceu pela Rádio Brasil
Central, emissora que na época pertencia ao senador Coimbra Bueno.
A escola e depois o movimento estudantil possibilitaram a Iris conhecer muita
gente. Jerônimo Coimbra Bueno foi um deles. Eles se conheceram em dezembro de
1953, quando Iris e seus colegas convidaram Coimbra para ser paraninfo de sua turma
de formandos. Engenheiro e construtor de Goiânia, Coimbra era oposição a Pedro
47
Entrevista em 2/12/2006.
58
Ludovico e se preparava para sua segunda campanha ao Senado, no ano seguinte.
48
O
discernimento político de Iris nessa época foi insuficiente para perceber o interesse
eleitoral do candidato a senador, quando este aceitou não só ser o paraninfo da turma,
mas fez mais. Financiou os ternos dos estudantes carentes, que não podiam participar da
solenidade por falta de roupa adequada, organizou um baile no Jóquei Clube e ainda
levou duas autoridades ao evento. A primeira foi o ministro da Educação, Antônio
Balbino, um baiano que deixou o governo de Vargas em julho de 1954 para disputar, e
vencer, a eleição para governador da Bahia. A outra surpresa da noite foi Galeno
Paranhos, que disputaria em junho do ano seguinte o cargo de governador de Goiás pela
UDN–PSP, na coligação de Coimbra Bueno. Ainda parecia só um acaso, mas o fato era
que Iris Rezende estava começando a colocar um pé na política partidária puxado pelas
mãos dos adversários de Pedro Ludovico.
Quase dois anos depois dessa formatura, Iris era presidente do Grêmio Félix
de Bulhões e Coimbra senador e dono da Rádio Brasil Central, quando se eles
reencontraram. Iris pediu ao senador um horário na grade de programação de sua
emissora para seus colegas do Liceu produzirem um programa de auditório. Saiu do
encontro com duas horas, aos sábados, para os estudantes cantar, declamar e fazer testes
de oratória.
Paralelamente à vida estudantil do filho, seu pai, Filostro, dava os primeiros
passos para se estabelecer financeiramente em Goiânia. Passado o primeiro ano da
mudança dos filhos, ele e sua mulher concluíram a transferência dos negócios para a
capital. Em Goiânia, Filostro decidiu alugar a Fazenda Dourados, em Guapó, para
abrigar o gado que restara da Fazenda Canastra.
A Fazenda Dourados era de João Cândido Oliveira, pai do Joveny Cândido. Eles combinaram
que o papai formaria um cafezal na fazenda como pagamento do aluguel. O papai era um
homem muito trabalhador. Ele, um cunhado, Benjamim Siqueira, o Orlando e mais dois peões
que vieram com ele de Cristianópolis derrubaram a mata e formaram o cafezal. O papai cortou
a lenha e espalhou-a por mais de um quilômetro na rodovia de Rio Verde. Havia uma lenharia
na casa que a gente alugava em Campinas e ele passou um ano vendendo a lenha retirada da
fazenda do João Cândido. Naquela época todo mundo precisava comprar lenha. Era igual a
comprar gás hoje. Ele vendeu tudo.
49
48
Coimbra foi governador entre 1947 e 1950, deixou o governo no final do mandato, em 1950, para
disputar a eleição para senador, mas perdeu para Domingos N. Velasco (PSD–PSB). Em 1954, ele
concorreu novamente ao Senado e dessa vez elegeu-se.
49
Entrevista em 26/11/2007.
59
Iris considera que seu pai tinha “faro para os negócios”, era “muito
trabalhador” e “movido pela ambição exagerada”, características que o motivaram a
montar empresas na cidade. Começou com uma fábrica de móveis e uma máquina de
beneficiar arroz e café. Pouco tempo depois, trocou-as por um laticínio, que comandou
por oito anos com dois sócios e os filhos Orlando e Jairo, que ajudavam na
administração. Orlando administrava o laticínio de Goiânia e Jairo cuidava do segundo,
instalado posteriormente em Anicuns. Por sugestão de Orlando, a família decidiu vender
sua cota nos laticínios para investir em um negócio que parecia mais promissor. Foi
quando comprou o Frigorífico Vera Cruz.
A vida de Iris em Goiânia mudou muito em comparação com a da fazenda, e
para melhor. “Esse foi o momento alto de nossa vida: do meu irmão mais velho
[Orlando], do Jairo, do Otoniel e da Iracema.” Iris não trabalhava como na fazenda,
apesar de o pai não lhe dar folga. Filostro era austero, e exigia que os filhos
trabalhassem. Estudando o dia inteiro e envolvido com o movimento estudantil, Iris era
o único dos três mais velhos que não trabalhava. “Ele repetia que todo mundo que
vendeu fazenda no interior e mudou-se para a cidade ficou pobre.”
50
Movido por essa
angústia, o pai pressionou Iris a arrumar um emprego.
Um dia saí a pé da minha casa na [Rua] Rio Verde e fui contando as esquinas até chegar à
[Avenida] 24 de Outubro. Era para eu não me perder na nova cidade. Virei à esquerda na 24 e
segui até a Praça Joaquim Lúcio de um lado da rua. Depois voltei pela outra calçada. Parei em
todas as lojas pedindo emprego. Fui bem tratado em duas delas, pelo gerente das Casas
Pernambucanas e pelo dono da Eletromecânica [Ignacy Goldfeld], pai desses meninos da
Govesa [Hugo Godfeld]. Mas não consegui nada. Até que parei em uma obra onde hoje é a
Igreja Santo Antônio e me ofereceram o serviço de servente de pedreiro.
51
Nessa época, Iris se preparava para admissão na Escola Técnica de Goiânia, no
curso da professora Edna de Roure. As aulas particulares duravam sete meses e eram
apenas à noite. Ele tinha tempo de sobra, aceitou a oferta de servente de pedreiro e
trabalhou por um mês. Foi a única experiência, e curta, de trabalho duro, que lembrava
os tempos da roça. Depois, foi vendedor temporário durante as festas de fim de ano na
Casa da Sogra, uma loja de tecidos em Campinas, e, posteriormente, passou a ajudar o
pai na fábrica de laticínios, mas só nas férias. Quando morava na fazenda, Iris
trabalhava 13 horas por dia, de segunda a sábado, e 4 horas no domingo (tirando leite
das vacas). Agora se dava ao luxo de trabalhar apenas nas férias.
50
Entrevista, ibidem.
51
Entrevista, ibidem.
60
“Depois que eu deixei a roça tudo passou quase a ser um piquenique, tudo
ficou mais fácil.”
52
Seus irmãos Orlando e Jairo não continuaram os estudos. Optaram
por trabalhar com o pai. Em uma época em que muita gente começava a ganhar a vida
em Goiânia, a família Machado vê a prosperidade econômica chegar aos poucos.
Aí entra um momento muito importante do sucesso da família, que foi a compra do frigorífico
[Vera Cruz]. [...] O Orlando assumiu a liderança dos negócios e tudo que fazia era em nome
do frigorífico. [...] Todos nós tínhamos uma participação ali. Papai botou uma porcentagem
para mim, para a Iracema e para o Otoniel. O Jairo já tinha entrado com um capital no Vera
Cruz; o Orlando, naquela altura já tinha uma grande participação. [...] O Orlando, em vez de
formar um capital pessoal para ele, não, ele foi fortalecendo o frigorífico. Tanto é que esse
minério de Catalão, o Orlando podia ter entrado lá em nome de sua pessoa física, mas ele
botou o frigorífico como dono.
53
Orlando administrava o frigorífico, e Jairo comprava gado pelo interior do
Estado para o abate. A aquisição do frigorífico levou à compra de uma fazenda nas
proximidades de Goiânia, para receber o gado, que naquela época chegava tocado das
fazendas do interior. Enquanto a família prosperava economicamente, Iris mantinha-se
afastado do trabalho na iniciativa privada, primeiro pelos estudos e, depois, pela
política. Seus dois irmãos mais novos também estudavam. Otoniel prestou vestibular
para medicina no Rio de Janeiro e não foi aprovado. Voltou para Goiânia, prestou e
passou no primeiro vestibular da Faculdade de Medicina de Goiás, fundada em abril de
1960. Iracema estudou como interna no Colégio Carlota Camper, uma escola de
americanos em Lavras (MG).
Iris inicia sua militância política no movimento estudantil imbuído do conceito
de que as instituições eram responsáveis pela promoção do bem-estar da comunidade,
de tudo carente em Goiás. “Eu era do trabalho, não [me] envolvia com política de
direita, esquerda, não dava tempo. Fazendo dois cursos, cuidando de dois grêmios, tanta
52
Entrevista de 12/2/2007.
53
Entrevista, ibidem. Com a falta de energia elétrica e as dificuldades de uma economia ainda de
subsistência, que se manteve em Goiás até meados da década de 70, não havia frigoríficos no Estado para
abate e exportação da carne bovina. Os frigoríficos mais próximos ficavam em Barretos e em Araçatuba
(SP). Segundo o Sindicato de Carnes de Goiás, os três frigoríficos pioneiros no Estado foram Matingo
(Matadouro Industrial de Goiás), o Frigoiás, em Anápolis, e o Vera Cruz, em Goiânia. Orlando Alves
Carneiro, que segundo Iris tinha vocação para o empreendedorismo, entrou no negócio sem o pai – que
não havia concordado com sua proposta de comprar o frigorífico – em 1962. Começou como gerente,
depois comprou a empresa em sociedade com Reginaldo Zavaghia. Eles se desentenderam e Orlando
comprou a parte do sócio com o pai e irmãos. O frigorífico se revelou um grande negócio e ficou com a
família até 1979, quando Orlando entendeu que o mercado de carne estava retraído. Nesse ano, o Vera
Cruz passou ao comando de um grupo paulista, o Boivi (Galli, 2006).
61
coisa pra eu fazer. Não tinha como ficar participando daquelas reuniões, na calada da
noite, que a esquerda realizava.”
54
Os partidos de oposição a Pedro Ludovico perceberam o potencial de Iris
Rezende. Seu primeiro contato com os políticos aconteceu por acaso, na formatura, em
1953, quando ele conheceu Coimbra Bueno e Galeno Paranhos. Meses depois, já na
campanha eleitoral de 1954, Galeno foi atrás de Iris, o jovem orador que ouvira
discursar em nome dos formandos do ginásio da Escola Técnica de Goiânia.
Galeno, um ex-pessedista e dissidente de Pedro Ludovico, era candidato a
governador pela coligação UDN–PSP, e convidou Iris a fazer campanha com ele junto à
juventude. Iris aceitou, pois era simpático à oposição. A amizade de Galeno com seu
pai, Filostro Carneiro, também pesou em sua decisão de ajudar o candidato da UDN.
“Meu pai era amigo do Galeno, um deputado por Catalão. Foi ele quem apresentou um
projeto de lei no Congresso Nacional dando moratória aos fazendeiros
55
durante a
quebradeira do gado zebu.”
56
Iris estreou na campanha eleitoral de 54, ao ir às ruas
pedir votos dos estudantes para o candidato da UDN. Começou perdendo, pois Galeno
foi derrotado por José Ludovico de Almeida (PSD–PTB), em uma disputa apertada cujo
resultado foi questionado na Justiça Eleitoral.
57
Três meses antes dessa eleição, Iris recebera e recusara o convite do presidente
da UDN, Dante Ungarelli, para se filiar ao partido e disputar um mandato de vereador.
Ele alegou que não tinha se preparado para entrar no pleito. “Você vê que eu tinha juízo.
Olha, para um moço do interior, que estava há quatro, cinco anos em Goiânia, ser
convidado por um partido importante pra ser candidato a vereador e não aceitar! Eu
tinha juízo.”
58
54
Entrevista de 2/12/2006.
55
Galeno Paranhos (PSD–GO) apresentou dois projetos de lei na Câmara dos Deputados tratando do
tema: o PL 1305/1949, de 7 de janeiro de 1949, dispondo sobre pagamento dos débitos dos criadores e
recriadores de gado bovino, e o PL 1338/1949, de 14 de fevereiro de 1949, concedendo anistia aos
criadores e recriadores de gado bovino. Ambos os projetos foram arquivados em fevereiro de 1950,
segundo informações da biblioteca eletrônica da Câmara dos Deputados no site www.camara.gov.br
.
Pesquisa realizada em 11/12/2007.
56
Entrevista em 26/11/2007.
57
Ver mais informações sobre a disputa judicial questionando o resultado da eleição de 1954 para
governador em Campos (2004, p. 33.) e em Aquino (2005, p. 252).
58
Entrevista, ibidem.
62
Esse “moço do interior” não tinha formação política nem ideológica, apenas a
mesma simpatia natural dos estudantes da época pela oposição. Na política estudantil,
ele não era de esquerda nem de direita. Elegeu-se presidente do grêmio do Liceu contra
os líderes esquerdistas, mas sem se declarar de direita. Essa indefinição ideológica ele
conservaria por toda sua carreira política. “Eu tenho o que é bom da esquerda e o que é
bom da direita”, vangloria-se, sem modéstia, passados quase 50 anos de sua estréia na
militância partidária. E explica sua posição:
De esquerda, porque eu defendo o poder como instrumento de busca de qualidade de vida para
os pequenos. Normalmente, a tendência da esquerda foi essa, defender os interesses dos
desassistidos, os interesses dos que se consideram órfãos da atenção do poder. O que a
esquerda sempre defendeu? A reforma agrária. Eu defendo também. O Estado como
instrumento que proporcione educação, que proporcione saúde, eu também [...].
E mais adiante explica o que ele acha ter da direita:
É você não inibir o cidadão quanto à possibilidade de progredir na vida, de aumentar seus
bens, de buscar dias melhores para a sua vida, para sua família [...]. O socialismo absoluto tira
esse espírito de competitividade das pessoas. Eu pergunto, uma empresa privada que constrói
apartamentos, não desempenha melhor do que uma empresa pública?
59
Iris lembra que fez política estudantil em uma época em que “o estudante
evoluído tinha de optar pela esquerda.”
60
Além disso, ele se considerava uma pessoa
“atrevida e determinada” nessa fase da juventude, características que, observa, poderiam
tê-lo aproximado naturalmente dos comunistas. Só que um drama vivido pela família de
sua mãe, em meados da década de 20, e também a orientação religiosa e conservadora
que recebeu da Igreja Cristã Evangélica, deixaram marcas em sua formação que, no
futuro, o afastaram do comunismo.
Iris lembra-se de que cresceu ouvindo, repetidas vezes, os relatos sobre o
assassinato de seu tio Lucas Vieira Rezende, irmão de sua mãe, Genoveva Rezende
Carneiro. Lucas morava com a família em uma fazenda em Santa Cruz, próximo de
Cristianópolis. Segundo essa versão, um dia ele foi a cavalo à cidade, acompanhado do
irmão caçula, Beraldino Vieira, de apenas oito anos de idade, comprar remédio para sua
mulher. No caminho os dois irmãos encontraram-se com um grupo de homens armados
que seriam soldados de Luiz Carlos Prestes.
61
De acordo com esses relatos, os homens
59
Entrevista em 18/06/2007.
60
Entrevista em 26/11/2007.
61
A Coluna Prestes passou por Goiás em duas ocasiões: em 1925, marchando em direção ao Norte do
País, e no final de 1926, voltando rumo ao exílio na Bolívia. A violência de soldados de Prestes contra
moradores das regiões por onde a coluna marchou foi investigada pela jornalista Eliane Brum em uma
63
exigiram que Lucas Vieira Rezende integrasse a coluna. Ele teria se recusado, alegando
que precisava ir à cidade comprar remédio para sua mulher, que estava doente. Diante
da negativa, um dos homens atirou em Lucas. Beraldino testemunhou o assassinato. Ele
conseguiu fugir para contar essa versão à família. Lucas Vieira Rezende deixou a
mulher e dois filhos, Jessé e Isolina.
“Eu não fui [comunista] porque eu tinha consciência de que o Partido
Comunista era ligado a Luiz Carlos Prestes [...]. Fui apaixonado pelos pobres e então eu
devia ter sido comunista. Por que não fui? Por isso. Outro fato: a Igreja Evangélica não
aceitava comunista.”
62
A Igreja Cristã Evangélica, freqüentada pelas famílias materna e
paterna de Iris e, depois, por sua própria família, identifica-se com uma linha histórico-
conservadora, que adota os pressupostos da Reforma Protestante
de 1517,
especialmente a salvação efetuada exclusivamente pela graça de Deus, sem nenhum
mérito humano, mediante a fé no sacrifício expiatório de Jesus Cristo. Apesar de ter
sido criado em uma comunidade evangélica, um padre visitava a fazenda de seu pai uma
vez por mês para celebrar missa, porque a população rural era católica. “Eu aprendi
desde cedo, desde menino, a respeitar as autoridades religiosas. [...] Aprendi a tomar
bênção do padre, e do pastor.”
63
Essa miscelânea deixou o político Iris sem ideologia política. Ele age por
intuição, ou por vocação, como prefere. A combinação de valores contraditórios levou-o
a acreditar que um partido pode defender teses de direita ou de esquerda. Mas, acima
dessas teses, “que muitas vezes são subjetivas”, os partidos devem ter compromisso
pessoal com o eleitorado, principalmente por ser o Brasil um país de muitas carências
sociais. “Um político tem de buscar o partido cujas lideranças têm compromissos
populares.” Ele conseguiu fazer política conciliando essas contradições sem se sentir
obrigado a optar por um lado. Aprendeu a conciliar em vez de enfrentar as diferenças,
estilo que marcou toda a sua trajetória política: a de pedir bênção ao padre e ao pastor.
reportagem especial para o jornal Zero Hora, de Porto Alegre, e depois publicada no livro Coluna Prestes
– O avesso da lenda (Editora Artes e Ofícios, 1994). Eliane refez, 70 anos depois, os 25 mil quilômetros
percorridos pela Coluna Prestes e encontrou testemunhas que narraram o lado obscuro dos viajantes, com
relatos de saques, estupros e até assassinatos.
62
Entrevista em 26/11/2007.
63
Entrevista 26/6/2007.
64
2.4 – A estréia nas urnas
Em 1958, quando assinou sua primeira ficha de filiação partidária, ele era
apenas um jovem estudante da Faculdade de Direito que fazia oposição a Pedro
Ludovico Teixeira, mas também sem afeições à UDN. “Fui para o PTB, porque o
partido não estava coligado com o PSD. Eu era anti-Ludovico. A UDN era uma elite
intelectual de Goiás.”
64
A UDN surgiu no cenário partidário brasileiro reunindo em suas
fileiras uma heterogeneidade de líderes que tinham em comum o sentimento de
oposição à ditadura de Getúlio Vargas durante o Estado Novo. Um dos fundadores da
UDN em Goiás, em 1945, foi um líder da esquerda democrática, Domingos Neto de
Velasco.
Em sua origem, a UDN era um movimento a favor da liberdade e de denúncia
contra a ditadura. A exemplo do que ocorrera nacionalmente, a seção goiana abarcou
também forças políticas antagônicas entre si. Eram os grupos alijados do poder depois
de 1930, com a ascensão de Pedro Ludovico Teixeira: desde grupos oligárquicos, como
as famílias Caiado e Jalles Machado (Fernandes, 2005) a dissidentes do ludoviquismo,
caso de Domingos Velasco. Ao analisar a história da UDN em Goiás durante o período
da redemocratização pós-Estado Novo, Fernandes afirma que a divisão em partido rural
para classificar o PSD em partido urbano e de classe média para a UDN, como registra a
literatura nacional, esconde as especificidades regionais de ambos. Em Goiás, diz o
autor, não há essa dicotomia, pois ambos são igualmente oligárquicos (Fernandes, 2005,
p. 62).
Iris Rezende não tinha vínculos políticos, econômicos ou sociais com as duas
oligarquias. Seu pai, Filostro Carneiro Machado, nasceu em Caldas Novas e sua mãe,
Genoveva Rezende Carneiro, em Morrinhos. Eles conheceram-se em uma convenção da
Igreja Cristã Evangélica, fundada por canadenses e ingleses no início do século XX, na
região sudeste do Estado.
65
Casaram-se e foram viver em Cristianópolis, na época um
64
Entrevista em 26/11/2007.
65
A origem da Igreja Cristã Evangélica do Brasil (Iceb) foi em Toronto, no Canadá. Jovens crentes
reuniram-se com a missão de evangelizar a América do Sul. Começaram pela Argentina. Depois
chegaram ao Brasil, estabelecendo-se em Carolina, no Maranhão. A primeira igreja no Brasil foi a Igreja
Cristã Paulistana, fundada em 1901 pelo canadense Reginaldo Young. O engenheiro Frederico C. Glass,
que trabalhou com Young, auxiliado pelos brasileiros Ricardo José do Vale e Joaquim Portilho,
estabeleceu-se no sudeste de Goiás no início do século XX: em Catalão (1902) e em Santa Cruz de Goiás
65
vilarejo no município de Pires do Rio. Filostro começou sua vida profissional
fabricando telhas e tijolos, depois comprou a Fazenda Canastra, ampliou suas atividades
econômicas rurais, com a produção agrícola, e por fim diversificou os negócios com a
mudança para Goiânia. Começou do zero, sem estrutura econômica da família a apoiá-
lo.
A avó paterna de Iris, Isabelina Limírio Machado, ficou viúva muito jovem.
Ela e o marido eram proprietários da Fazenda Andorinha, em Caldas Novas. Depois que
ficou viúva, Isabelina vendeu a propriedade para se mudar para Cristianópolis, onde os
filhos já estavam morando, incluindo Filostro Carneiro. A família vivia na vila. Aos
poucos, cada filho de Isabelina foi comprando seus pedaços de terra. Eram pequenos
proprietários, sem força política ou econômica na região. Apenas dois tios de Iris
chegaram próximos da política. Arthur Braga, casado com uma irmã de sua mãe, e
Eliseu Machado Carneiro, irmão de seu pai. Os dois eram da UDN. Eliseu disputou, e
perdeu, a eleição para vereador em Pires do Rio. “Papai não votou no tio Eliseu, porque
ele não gostava da UDN, ele era do PSD.”
66
Filostro Carneiro foi membro do
subdiretório do PSD em Cristianópolis.
Iris Rezende foi criado dentro da rígida educação dos missionários ingleses. A
decisão de trazer os filhos para estudar em Goiânia teve um empurrãozinho da Igreja
Cristã Evangélica de Cristianópolis. Orlando e Iris estudaram em uma escola montada
na casa paroquial até concluírem o correspondente à primeira fase do ensino
fundamental. A partir daí, já não havia escola para eles no vilarejo, e o pastor incentivou
Filostro a oferecer condições para os meninos continuarem a estudar. Iris acredita que
os missionários evangélicos influenciaram não apenas a formação de sua personalidade,
mas a de toda a comunidade local. A rigidez na disciplina, a preocupação em trabalhar
muito para crescer na vida e o valor à educação, princípios defendidos pelos
missionários ingleses, marcaram a região onde ele nasceu:
O nível de vida da população de Cristianópolis naquela época era diferenciado. Primeiro,
porque era a única comunidade no Brasil em que todo mundo sabia ler. [...] porque o crente
(1904). Em função de perseguições religiosas, a igreja de Santa Cruz foi transferida para Gameleira, uma
terra doada pelo fazendeiro José Pereira Faustino, convertido ao Evangelho, para abrigar os perseguidos à
nova religião e formar uma comunidade evangélica. Gameleira foi o primeiro nome de Cristianópolis. Em
1906, Glass foi com a família para a cidade de Goiás, onde fundou a igreja. Informações do portal
www.iceb.com.br
. pesquisa realizada em 15/03/2008.
66
Entrevista em 26/11/2007.
66
tinha de saber ler, para ler a Bíblia. Cristianópolis era um centro de referência na moda. As
mulheres eram as mais bem vestidas da região. Era uma coisa interessante.
Ele identifica em si muitas influências dos missionários:
Essa tara minha por horário! Isso vem da meninice. Ninguém podia chegar atrasado na igreja,
ninguém podia chegar atrasado na escola um segundo; horário é horário. Influência desses
ingleses. [...] Na minha igreja só se batiza depois que a pessoa tem consciência do ato, então é
com 15, 16 anos. Eu vim a ser batizado por um desses missionários, aqui em Campinas, o
reverendo Archibald Tipplo. A igreja aqui
67
ainda estava sob o domínio dessa missão
evangelizadora.
68
A estabilidade econômico-financeira da família foi construída aos poucos pelo
pai, Filostro, “tomado de uma ambição muito grande”, e, depois, com a ajuda
fundamental de Orlando e de Jairo. A pouca formação política Iris adquirira nas
reuniões do movimento estudantil, onde treinava oratória, e depois dirigindo os dois
grêmios na escola de Campinas e no Liceu. Era evangélico em uma época em que o
catolicismo era quase unanimidade em Goiás e militante do movimento estudantil em
um tempo em que os secundaristas formavam-se como novos atores políticos. Tudo isso
tendo como cenário os anos dourados: o período do Plano de Metas de Juscelino
Kubitschek e de grande inquietação na produção cultural brasileira, que produziu a
Bossa Nova, em 1958, ano em que Iris disputou e venceu sua primeira eleição.
Iris viveu na roça até os 15 anos, sem manter vínculo com a elite oligárquica
goiana, majoritariamente rural. Ele era de outra geração, era muito jovem. Apesar de ter
nascido na roça e de conservar os costumes rurais, ele retrataria os anseios de sua
geração, que se urbanizava e começava a cortar o cordão umbilical com a economia
exclusivamente agrária para iniciar a modernização econômica do Estado. Com esse
perfil, escolheu seu primeiro partido: nem UDN nem PSD, filiou-se ao PTB.
Deslumbrou-se ao receber a visita de João Goulart
69
à sede da União Goiana dos
Estudantes Secundaristas (Uges), em Campinas, quando era seu presidente. Jango era
vice-presidente da República, na admiistração de Juscelino Kubitschek, e presidente
nacional do PTB, partido com base política no sindicalismo e influência no Ministério
do Trabalho. Iris já decidira ser candidato a vereador, e a visita levou-o a escolher o
PTB, que, àquela altura, estava rompido com o PSD em Goiás, ao qual Iris fazia
67
Ele refere-se à Igreja Cristã Evangélica de Campinas, que completou 70 anos em 2007 e a qual
freqüenta até hoje.
68
Entrevista em 12/2/2007.
69
A Folha de Goiaz de 7/7/58 informa da visita de João Goulart a Goiânia, agendada para os dias 17 e 18
de julho.
67
oposição, e coligado à UDN, partido que ele ajudara na campanha de 54. A visita de
Jango carimbou seu passaporte para a política partidária:
Eu fiquei deslumbrado com aquilo, com o Jango. Ele era muito simpático, uma pessoa
carismática. Então, eu não esqueci aquele gesto. [...]. “Ele dá uma atenção pra gente, ah, eu
vou para o PTB”. Então, eu procurei o pessoal do PTB. Na época, Olegário Moreira Borges
era presidente do PTB municipal, eu disse: “Eu quero filiar, porque quero ser candidato a
vereador.” Quando eu quis, eu fui, e me filiei. Por que o PTB? Porque o PTB estava rompido
com o PSD, pela primeira vez, nunca o PTB se separou, e estava coligado com a UDN. Me
candidatei a vereador. Tinha aquela mania do pessoal procurar partidos fracos, naquele tempo
tinha isso, também, mas no PTB havia dois cobrões, dois líderes locais fortes, o Boaventura
[Moreira] de Andrade e o Arthur Macedo, que não perdiam eleição. Então, eu vou disputar
com eles, e ao final tive uma votação muito boa.
70
O rompimento entre PTB e PSD ocorreu em 1958. Nesse ano, os trabalhistas
uniram-se à UDN e ao PSP, formando a coligação oposicionista que lançou a
candidatura de César da Cunha Bastos a governador. Iris havia começado sua militância
partidária na oposição quatro anos antes, fazendo campanha para Galeno e permaneceu
oposicionista em 1958, quando disputa sua primeira eleição parlamentar. Cursando o
segundo ano de Direito, ele candidata-se a vereador.
A eleição de 3 de outubro de 1958 foi tumultuada, não apenas pela natural
polêmica entre governo e oposição, mas porque a Justiça Eleitoral decidira que o eleitor
teria de ir duas vezes à cabine de votação. Na primeira, levava as cédulas para votar nos
candidatos majoritários: governador e vice; senador; prefeito e vice-prefeito. Na
segunda, depositava os envelopes, conhecidos como sobrecartas, contendo as cédulas,
que já traziam de casa, dos candidatos proporcionais: deputado federal, deputado
estadual e vereador. As cédulas eram distribuídas pelos candidatos durante a campanha.
O processo de votação foi lento, confundiu e irritou o eleitor, e atrasou a votação,
provocando grandes filas e confusão nas seções eleitorais.
71
Em 1958, Goiânia tinha 40 mil eleitores e o Estado, 326.976.
72
Os jornais da
época faziam uma cobertura tímida da disputa eleitoral. O noticiário ficava em torno dos
cargos majoritários. Nos meses que antecedem a eleição, os dois principais jornais de
Goiânia, Folha de Goiaz e O Popular, publicaram notícias apenas dos candidatos que já
70
Entrevista em 2/12/06
71
A Folha de Goiaz de 5/10/58, dois dias depois do pleito, informava no título de sua reportagem de
capa: “O povo, com paciência, votou: pleito confuso.”
72
Informações da Folha de Goiaz, em 7/7/58. Na edição de 18/9/58, o jornal informa o número de
eleitores de todos os Estados brasileiros e que houve redução do eleitorado em 1958 em comparação com
a eleição anterior, em 1955. O eleitorado total do Brasil caíra de 15,243 milhões para 13,769 milhões.
68
tinham mandato eletivo. Nem mesmo a campanha de Jaime Câmara (PSD) a prefeito de
Goiânia foi exceção em seu próprio jornal, O Popular. As notícias sobre vereadores e o
prefeito só surgem depois dos votos apurados.
Jaime Câmara elege-se prefeito com 10.806 votos,
73
mas o PSD não fez a
maioria dos 17 vereadores. A Câmara ficou com a seguinte composição: cinco
vereadores do PSD; três do PSP; três do PTB; três do PTN; dois da UDN; e um
vereador do PSB.
74
Segundo a ata de apuração da Justiça Eleitoral, Iris foi o mais
votado e recebeu 1.548 votos. O segundo mais votado, Nion Albernaz, teve 892 votos.
A votação foi uma surpresa, em uma época em que Boaventura Moreira de Andrade era
considerado um “fenômeno popular da Vila Nova” e havia “candidatos do gabarito do
jornalista e advogado José Luiz Bittencourt e do professor Nion Albernaz”, como
escreveu o ex-deputado Eurico Barbosa, que conheceu Iris Rezende em 1963, quando
ambos foram empossados deputados estaduais (Lyra, 1991, p. 17). O “fenômeno” da
Vila Nova recebeu apenas 568 votos.
Conhecido apenas no movimento estudantil e no bairro onde morava, em
Campinas, Iris Rezende chamou a atenção da Folha de Goiaz por ter sido o vereador
mais votado. Na sua edição dominical de 2 de novembro de 1958, a Folha destaca em
sua capa: “Conta como foi eleito: o edil mais votado em toda história de Goiânia.” A
reportagem começa na capa, ilustrada por duas fotos, uma de Iris Rezende com o
repórter, que não é identificado, e outra dele cercado pelos pais Filostro Carneiro
Machado e Genoveva Rezende Carneiro.
A reportagem afirma que Iris é um “político revelação”, que foi “a maior
surpresa” do pleito goianiense de 1958 pela “mais elevada [votação] em toda a história
política de Goiânia e talvez de Goiás.”
75
Nessa entrevista, Iris já demonstrava pouco
vínculo com o partido que o elegera. Ao responder qual o segredo de sua votação,
73
Ata final com o resultado oficial da eleição de 1958 em Goiânia disponível no arquivo geral do
Tribunal Regional Eleitoral (TRE), em Goiânia.
74
Foram eleitos em 1958 os seguintes vereadores: José Barbosa Reis, Brasil Limongi, José Monteiro do
Espírito Santo, José Benedito Pinheiro e Felisberto Pereira Braga (PSD); Perseu Matias, Tabajara
Francisco Povoa e José Luiz Bittencourt (PSP). Iris Rezende Machado, Boaventura Moreira Andrade e
Gabriel Elias Neto (PTB); Nion Albernaz, Evaristo Martins e João Afonso Sobrinho (PTN); Heli
Mesquita e José Rodrigues Naves Júnior (UDN) e Antônio Barreto de Araújo (PSB). Ver votações
individuais na ata final com o resultado oficial da eleição de 1958 em Goiânia disponível no arquivo geral
do Tribunal Regional Eleitoral (TRE), em Goiânia.
75
Entrevista à Folha de Goiaz em 2/11/58.
69
apontou dois fatores: que ninguém [o eleitor] encarou o partido em sua eleição, embora
se considerasse com “espírito trabalhista”, e ainda os votos que recebera em Campinas,
sua base eleitoral: “Foram 1.323 votos em Campinas e 224 em Goiânia.” Destacou
também como motivos de seu sucesso “seu dom de oratória e facilidade de falar
diretamente com o povo”, sua origem no movimento estudantil e o desejo de renovação
do eleitor goianiense.
A entrevista foi concedida na casa da família, no número 405, da Rua Bonfim,
em Campinas. O recém-eleito vereador tinha 24 anos de idade. Seu pai, Filostro, é
identificado como industrial, que fala do filho com orgulho: “Nunca fui político e meu
filho vive para a política. Sei que aprendeu a lidar com a política nos meios
estudantis.”
76
A reportagem revela o estilo popular de Iris: “Sua casa está sempre cheia
de pessoas. (....) Ele recebe visitas como um grande político.” Ao descrever Iris, o
jornalista percebe um traço de sua característica que iria acompanhá-lo sempre: “[...] de
bigode fino, quase imberbe, de gestos largos, que fala muito com os braços e anda
sempre esportivamente trajado. É acessível, tratável, risonho e afável.” O uso dos braços
para auxiliá-lo nos discursos é até hoje uma marca de Iris e foi percebida por seu
adversário, Alfredo Nasser, anos depois dessa primeira eleição. Em artigo, Nasser
ironiza que Iris faz “do braço uma batuta” (O Popular, 18/11/64).
Iris elegeu-se vereador, a oposição fez maioria na Câmara de Goiânia, mas
perdeu a eleição para prefeito com a derrota do candidato Públio de Souza (PSP–PTB–
UDN) para Jaime Câmara (PSD). Com a maior bancada, a oposição tinha direito a
eleger o presidente da Câmara. A quarta legislatura teve três presidentes: Iris Rezende,
em 1959 e 1960 (ele ficou por dois mandatos), Nion Albernaz (PTN) e Antônio Barreto
de Araújo (PSB).
Iris recorda-se de que sua eleição para presidente da Câmara, em 1959, foi
quase um acaso. Ele conta que os candidatos a presidente eram Tabajara Pólvora e José
Luiz Bittencourt, ambos do PSP. “O Tabajara e o Bittencourt [...] quase se
engalfinhavam. Aí alguém sugeriu: ‘Por que não botamos o Iris? Ele foi o mais votado!’
O Bittencourt era da extrema direita, o Tabajara da extrema esquerda, era comunista
declarado.”
77
Iris considera que foi indicado para entrar no páreo porque não tinha
76
Entrevista, ibidem.
77
Entrevista em 2/12/2006
70
ligações político-ideológicas com nenhum dos lados. Não era de direita nem de
esquerda.
A Câmara de Goiânia funcionava no Edifício Inhumas, na Rua 7, esquina com
a Avenida Anhanguera, no Centro. Iris recorda-se de que o espaço era acanhado, “um
cubículo”, e que a imagem do Legislativo estava desgastada. “A Folha de Goiaz dizia
todo o dia que não dava número: “Câmara Municipal, falta de coro”
,
78
diz referindo-se
ao título do jornal que fez um trocadilho com a falta de quórum nas sessões. Ele conta
que reuniu os 17 vereadores e que decidiram tomar três providências para combater o
desgaste.
Combinaram o comparecimento de todos os vereadores às sessões e o corte do
ponto de quem não comparecesse. Trataram também do “excesso de servidores.” Ele
prometeu não exonerar ninguém, mas ganhou apoio para exigir presença dos
funcionários no trabalho. “Chamei o diretor logo depois da reunião e disse: ‘Olha, agora
todo mundo tem de assinar ponto, e só pode sair aqui da Câmara no horário de
expediente com a sua ordem, por escrito. Se você der ordem pra alguém sair sem ser a
serviço, eu tiro você...’”
79
Por fim, pediu apoio para reduzir a concessão de títulos de
cidadão goianiense. A homenagem estava desmoralizada, porque era concedida a todo
mundo, bastava “a família dele [do homenageado] ter 20 votos.” Ficou decidido que o
projeto de lei precisava ter assinatura da maioria dos vereadores para ser apresentado.
Iris tinha projetos políticos futuros, não pretendia continuar apenas como
vereador. Como fez nos grêmios, ele lembra que assumiu a Câmara com a idéia de fazer
um trabalho que se sobressaísse. A presidência da Câmara era sua primeira função
executiva e marcou seu primeiro embate com os servidores públicos, fato que se
repetiria em outros cargos que ocupou. Ele alega que quando assumiu a presidência, a
maioria dos funcionários da Câmara tinha dois empregos e que muitos pediram
demissão depois que cobrou a presença no trabalho em tempo integral. “Por isso que
eles falam que eu não gosto de funcionário. Não é que eu não gosto, o que não aceitava
eram aqueles filhos de vereadores, eleitos há quatro mandatos, ex-vereadores, aquela
coisa, acabamos com aquilo. Na Assembléia fizemos do mesmo jeito.”
80
78
Entrevista, ibidem.
79
Entrevista, ibidem.
80
Entrevista, ibidem.
71
2.5 – A adesão ao ludoviquismo
Ainda exercendo o mandato de vereador, o comprometimento de Iris Rezende
com o PTB durou tanto quanto o afastamento deste do PSD. O PTB voltou a aliar-se ao
ludoviquismo em 1960, na eleição de Mauro Borges a governador. O desinteresse de
Iris Rezende pelo trabalhismo foi diretamente proporcional a sua aproximação com o
PSD. Iris justifica esse afastamento, alegando decepção com as nomeações pelo partido
dos dirigentes para os institutos de previdência. Na época, o PTB getulista controlava os
órgãos federais de assistência médica e de aposentadoria dos trabalhadores: os IAPC
(dos comerciários), Iapetc (dos transportadores) e Iapi (dos industriários).
Iris relembra que foi convidado a participar de reunião com os principais
líderes petebistas para discutir a indicação dos dirigentes desses institutos por ser
presidente da Câmara de Goiânia:
Eu saí de lá escandalizado, escandalizado. Falei pra eles, “eu me acostumei na política
estudantil e vou lhes confessar: eu pensava que os políticos fossem diferentes, eu não volto
mais em reunião do partido.” [...] Foi tudo por causa de cargos; brigavam, quase iam aos
tapas. Eu não vi ninguém ali defender: “nós temos que lutar no governo federal, para isso para
Goiás, para aquilo.” No fim a decepção, nunca mais voltei em reunião do PTB.
81
Paralelamente, ele começava a se aproximar do PSD pelas mãos do prefeito
Jaime Câmara. Como presidente do Legislativo, se relacionava mais estreitamente com
o prefeito. Foi Jaime Câmara quem apresentou Iris a Pedro Ludovico, a quem tanto
criticara durante sua militância no movimento estudantil e no início de sua carreira na
política.
Um dia o Jaime disse: “Olha, eu queria levar você ao Pedro Ludovico. Você precisa mudar
sua concepção. O dr. Pedro não é isso que se fala.” E hoje eu penso que não era mesmo. Você
vê como é que criam na cabeça de um estudante a idéia a respeito de uma pessoa. Eu fico
pensando como criaram idéia distorcida a meu respeito junto aos estudantes.
82
Iris era um quadro político em formação e autônomo. Não se vinculara aos
partidos tradicionais, mas tinha ambições políticas. O PSD se recuperava da crise que o
dividiu em 1957, quando da tentativa de aprovação de projeto de lei que prorrogava o
81
Entrevista, ibidem.
82
Entrevista, ibidem
72
mandato do governador José Ludovico de Almeida.
83
A vitória de José Feliciano
Ferreira (PSD), em outubro de 1958, foi fragorosa: 52% contra 39,5% do candidato da
UDN–PSP, César da Cunha Bastos (Campos, 2004, p. 89). Coube ao governo de José
Feliciano (1959–1960) recuperar a força hegemônica do PSD (Aquino, 2005).
Iris Rezende acompanhava esses acontecimentos da presidência à frente da
Câmara de Goiânia. Em 1960 aceitou o convite de Jaime Câmara para visitar o líder do
PSD.
A casa do dr. Pedro à noite era uma romaria. Líder político que vinha do interior pra resolver
problema em Goiânia obrigatoriamente tinha de passar pela casa do dr. Pedro. Era aquela
manifestação de consideração e de obediência. [...] Mas nesse dia, eu notei, que ele largou
todo mundo e ficou comigo conversando mais de meia hora. [...] A primeira vez. Ele era um
político excepcional. Bem, aquilo me cativou.
84
Iris teve outros encontros com Pedro Ludovico, também “superficiais” como o
primeiro. Ele afirma ter sido a mulher de Pedro Ludovico, Gercina Borges Teixeira,
quem o aproximou do líder político do PSD. Na campanha de Mauro Borges a
governador, em 1960, ela pediu a Iris, principal liderança de Campinas, para
acompanhá-la “de casa em casa” para pedir voto a seu filho. Ele lembra que Gercina
Borges temia que Mauro repetisse as votações dos candidatos de Pedro Ludovico em
Campinas. Segundo Iris, a população do bairro “era contra mesmo” os candidatos do
PSD, porque Campinas abriu mão de ser cidade, virou bairro e não recebeu retorno do
governo por meio de investimento em infra-estrutura. “De repente virou um centro de
prostituição; não tinha asfalto, não tinha esgoto, não tinha nada. Tudo era construído em
Goiânia; eu que consegui água e esgoto com o [governador José] Feliciano. Mas aquele
descuido... A preocupação era construir a cidade [Goiânia].”
85
Outro fato que, segundo narra, ainda dificultava a campanha de Mauro era a
popularidade em Campinas de Juca Ludovico, adversário de Mauro na eleição de 1960.
83
Em 1956, a Assembléia Legislativa aprova projeto de reforma constitucional, com apenas dois votos de
deputados do PSD, fazendo coincidir o mandato do governador e do prefeito com o do presidente da
República. A segunda votação ocorre em 1957. No entanto, o senador Domingo N. Velasco recorre ao
Supremo Tribunal Federal, que considerou inconstitucionais dois artigos do projeto. O acordo que visava
prorrogar o mandato do governador Juca Ludovico teve apoio da UDN, aliança que provou uma crise que
posteriormente levou Juca a romper com Pedro Ludovico e a deixar o PSD (Campos, 2004, p. 37). Ver
também Aquino, 2005.
84
Entrevista em 2/12/2006.
85
Entrevista, ibidem.
73
Para Iris, essa liderança, foi construída pelo próprio Pedro quando ele e Juca ainda eram
aliados.
O dr. Pedro tinha uma tara pelo Juca. Era primo dele. [Juca] era um bom administrador, um
homem de bem, foi secretário da Fazenda. [O governo] ia construir a Usina do Rochedo, era o
Juca, que como secretário da Fazenda, ia construir. Ninguém era nomeado no Estado se não
passasse pelo Juca. Era o dr. Pedro que fazia, mas o cara era nomeado ficava devendo para o
Juca.
86
Iris parou seu carro, um Ford 41, às 7 horas da manhã na porta da casa de d.
Gercina, na Rua 26, no Centro de Goiânia, no dia seguinte ao seu pedido. Encontrou a
mulher de Pedro pronta, a sua espera. Os dois foram sozinhos para Campinas. Iris
estacionou o carro no Posto Amazônia, na esquina da José Hermano com a Avenida
Anhanguera, na época chamada de Marechal Floriano. Iris descreve as visitas, que
começaram pelas casas nas imediações do posto, e relembra os nomes de todos os
moradores. Antes de bater à porta das casas, ele informava a d. Gercina os nomes dos
moradores e contava uma breve história de cada um. Começaram pela casa de Sandoval
e de d. Catarina; atravessaram a rua para visitar o Artur, o homem que enrolava gerador
de automóvel. Iris contou a d. Gercina que Artur teve uma filha depois de muitos anos
de casado e que a menina era o encanto do casal. “Entramos, veio uma mulher, uma
mulher até bonita, ela [Gercina] logo de cara olha pra menina: ‘Mas que coisa linda,
essa menina’, e eu observando aquilo. Bom, aí fomos, entramos na outra, a casa do
Trajano.” Antes de entrar, Iris informou quem era a família:
O seu Trajano tem todos os filhos e filhas empregados no governo, e é tudo contra o dr. Pedro.
[...] Tudo aqui vai votar pro Juca. [...] O seu Trajano já foi delegado de polícia de Palmeiras,
agora os filhos estão tudo empregados. É o Trajaninho, a Inês, e tal. Fomos chegando [...] aí
vem seu Trajano, vem a esposa. “Eu trouxe a dona Gercina aqui pra visitar os senhores.” Aí
ela falou: “Ô Trajano eu vim aqui, pra lhe fazer um pedido pra você apoiar o Mauro. O Juca
não merece o voto de vocês não, porque quem nomeou sua família foi o Pedro, de forma que
eu faço questão.”
87
Iris recorda-se bem do roteiro daquela manhã em Campinas. Os dois
começaram pela Avenida Anhanguera e foram descendo até chegar à Avenida
Maranhão, que hoje chama-se Castelo Branco. Subiram pela Maranhão até a Jaraguá, e
visitaram as casas dos dois lados da rua até a Mato Grosso. Seguiram pela Rua Mato
Grosso até a Rua José Hermano; desceram a Jaraguá mais um quarteirão para entrar na
Rua Paraíba e daí de novo para a José Hermano, voltando pelo lado contrário da ida e
86
Entrevista, ibidem.
87
Entrevista, ibidem.
74
descendo a Jaraguá. Ao meio-dia chegaram à Pensão Amazonas, ao lado do posto. Iris
acha que visitaram umas cem casas. Antes de deixar o posto, Iris lembra-se de que foi
completar o tanque de gasolina de seu carro.
Fui pagar e ela queria pagar. Eu falei: “Não faça isso, não faça que a senhora. me aborrece.”
Chegamos na casa dela, e ela pediu para eu descer. Eu falei “dona Gercina eu tenho que correr
em casa, tomar um banho, e ir pra Câmara.” “Não, entra aqui um pouquinho.” Descemos,
chegamos na sala, e ela chamou o dr. Pedro. Ele desceu, e ela falou: “Pedro, eu chamei o Iris
aqui pra falar pra você perto dele. Hoje eu conheci um político diferente. Toda eleição nossa
eu vou pra Campinas. Um dia com o dr. Bezerra, outro dia com o Tocafundo, outro dia com
dr. Egídio, outro dia com dr. Alberto. A gente ia em uma casa, pegava o carro, andava dois
quarteirões, parava noutra casa. Acabava e a gente deixava o bairro todo contra, porque
visitava uns e não visitava outros. Hoje eu e o Iris entramos em mais de cem casas. Ele
conhece as fraquezas, o sentimentos de cada família. Eu nunca vi isso, o carinho e o respeito
que o povo tem por ele. Pedro e tem mais: todo mundo quer explorar a gente em toda eleição,
ele não aceitou que eu pagasse a gasolina. E você pode ir agora, porque eu queria que o Pedro
sentisse quem é, que soubesse quem é você.” Bom, o Mauro Borges pela primeira vez ganhou
em Campinas.
88
Iris guardou esse dia em detalhes, porque acha que ele foi importante em sua
carreira. Foi quando ele ganhou a confiança da mulher de Pedro Ludovico e, a partir daí,
aproximou-se da família. Ao final da campanha, já estava próximo do PSD, mas sua
filiação ocorreria depois da posse de Mauro Borges, em 1961, quando recebeu o convite
de Jaime Câmara. Como tinha ambição política, concluiu que precisava de um partido
forte: “E entendi que líder que quer fazer carreira política, que vislumbra horizontes
mais amplos, tem de ir para partido grande. Porque o partido grande já tem estrutura,
tem militância.”
89
O PSD era esse partido: hegemônico em Goiás, estruturado em todos
os municípios.
Sem ligações políticas com nenhuma das alas tradicionais do partido, ainda
contaminado pela irreverência do movimento estudantil, ele entusiasmou-se com o
estilo do governador e elegeu Mauro como exemplo a seguir. “Mauro Borges assumiu, e
tudo mudou [...], contrariando o próprio pai em alguns sentidos.”
90
Em 1961, aos 28
anos de idade, Iris enxerga em Mauro uma nova forma de fazer política. Para ele, a
imagem do governo era de criatividade e de modernização. Nessa época, ele se
preparava para ser candidato a deputado estadual em 1962.
88
Entrevista, ibidem.
89
Entrevista, ibidem.
90
Entrevista em 17/4/2007.
75
Em 1958, sua eleição surpreendeu não apenas por ter recebido a votação “mais
elevada em toda a história política de Goiânia e talvez de Goiás”,
91
mas porque um
político pouco conhecido foi o mais votado. Em 1962 foi diferente. Iris já era
conhecido, assim também como seu projeto de construir uma longa carreira política. Na
entrevista que concedera à Folha, em 2 de novembro de 1958, ele avisara que “já
trabalhava para o próximo pleito.” E completou: “Se Deus ajudar que eu corresponda à
expectativa do meu povo, disputarei posto elevado, pois as massas estão confiantes na
mocidade e, conseqüentemente, procuram destruir os velhos políticos e velhas
mentalidades.”
92
Quatro anos depois dessa declaração, Iris já estava próximo de um “velho
político”, Pedro Ludovico Teixeira, e de um partido oligárquico, o PSD. A mudança de
lado não prejudicou sua carreira. Iris acredita que Mauro Borges não conhecia seu
potencial eleitoral. Ele recorda-se que, dois dias antes da eleição, o governador
convidou-o para ir a Cristianópolis inaugurar a rede de transmissão de energia elétrica
da Usina do Rochedo para o município. No caminho, Mauro lhe informa-o de que o
governo fizera uma pesquisa e que, segundo esta, se o PSD elegesse 24 deputados
estaduais Iris estaria entre os eleitos. “Mas não arranja uma colocação melhor pra mim
não, governador. Por que 24? [risos].”
93
Iris conta que sempre evitou abrir a guarda, mesmo diante de aliados políticos,
temendo fornecer informações que pudessem ser usadas contra si próprio, uma
característica que, diz, mantém nesses 50 anos de atividade política. É ainda mais
cauteloso quando está às vésperas de uma eleição e diante de um governador, pois este
sempre tem suas preferências eleitorais e muito poder de ação. Naquele dia, entretanto,
foi diferente. Ele correu um risco, mas calculado.
Eu pensei: naquele dia ele [Mauro] ia passar a noite em Ipameri, não tinha como voltar
voando. O que ele podia me estragar no penúltimo dia de eleição? Não tinha mais comício,
não tinha nada. Ah, eu não vou ser humilhado não. Aí falei: “Governador, a sua pesquisa está
errada.” “Por quê?” “Oh, se eu não for o primeiro mais votado, eu vou ser o segundo.” “Como
Iris? Essa cédula única acabou com você”
94
. “Não, mas mesmo assim, se não fosse essa cédula
única, eu ia ter voto era pra quatro, pra cinco [deputados].”
95
91
Folha de Goiaz, 2/11/58.
92
Folha, idibem.
93
Entrevista 2/12/2006.
94
A Justiça Eleitoral mudou naquele ano o processo de votação para os cargos proporcionais. Antes, o
eleitor levava a cédula do candidato para a cabine e colocava-a nas sobrecartas distribuídas pelos
76
A pesquisa de Mauro estava errada e a intuição do novo pessedista, correta.
Iris foi o mais votado. Recebeu 10.188 votos, suficientes não apenas para elegê-lo,
como também para ajudar na eleição de outro deputado, pois ele ultrapassou o quociente
eleitoral, o número mínimo de votos que um partido precisava para eleger o primeiro
parlamentar, que foi 8.440. “Eu me candidatei a deputado estadual com a idéia fixa de
ser candidato a prefeito de Goiânia.”
96
Na eleição para deputado estadual repetiu o
desempenho de 1958: foi o deputado estadual mais votado de Goiás. O segundo
deputado mais votado foi Walteno Cunha, com 7.863 votos
97
. Walteno, político de
Catalão, advogado, foi secretário de Administração do governo de Mauro Borges,
quando teve seus direitos políticos cassados por dez anos, em 9 de abril de 1964.
Reportagem do Popular
98
, com o título “Iris surge como ‘fenômeno eleitoral
da política goiana’”, demonstrou surpresa com a votação de Iris. O partido também se
surpreendeu, “porque ele era um político novo e não disputou a reeleição para
vereador.” Segundo o jornal, Iris teve “um recorde de votação para deputado estadual
em toda a história política de Goiás, ultrapassando o próprio quociente eleitoral de
8.440 votos.” Em duas eleições consecutivas, para vereador, em 1958, e para deputado
estadual, em 1962, as votações de Iris foram recordes, por isso O Popular arriscou uma
previsão: afirmou que Iris era um “político de futuro que desponta como autêntico
fenômeno eleitoral.”
Nessa entrevista ao jornal, o deputado recém-eleito usa argumentos parecidos
com os da entrevista de 1958 à Folha de Goiaz para explicar seu sucesso eleitoral.
Destaca suas “ligações com as massas populares”, com quem teria “raízes profundas”, e
disse que sua votação foi fruto de sua atuação como vereador, pois desde que fora eleito
dedicou todo o seu tempo ao trabalho, com prejuízo de suas atividades particulares.
mesários. Em 1962, a Justiça decidiu que o eleitor devia escrever o nome ou o número do candidato na
cédula oficial. A decisão foi tomada pouco tempo antes da eleição. Iris conta que teve muita dificuldade
para ensinar seus eleitores a escrever seu número (1.019) ou seu nome corretamente.
95
Entrevista em 2/12/2006.
96
Entrevista em 17/4/2007.
97
Resultado oficial da eleição de 1962 divulgado pela Justiça Eleitoral em 15/11/62 e publicado pelo
jornal O Popular em 17/11/62. Pedro Ludovico elegeu-se senador com 197.707 votos. Nessa eleição
foram eleitos governadores de 11 Estados (São Paulo, Espírito Santo, Rio de Janeiro, Sergipe, Bahia,
Pernambuco, Ceará, Piauí, Amazonas, Guanabara e Rio Grande do Sul.), 409 deputados federais, 45
senadores, deputados estaduais e vereadores em todo o País.
98
O Popular 18/11/62, p. 3.
77
Considerou que sua atuação parlamentar em Goiânia teve repercussão nas cidades mais
próximas da capital, onde foi bem votado. “Foi o anseio de renovação. Apresentei-me
aos eleitores com um programa novo, novas idéias e novos projetos políticos.”
O jornal informa que os eleitores visitavam Iris em casa e todos eram
recebidos, costume que mantinha desde que se elegera vereador. Como tinha dito
anteriormente a Mauro Borges, Iris também declarou ao Popular que “esperava esse
auspicioso resultado” e novamente revelou que tinha projeto político futuro, sem,
contudo, confirmar se seria candidato a prefeito de Goiânia em 1965. “É prematuro falar
de 1965. É certo que não penso em reeleição.” Uma nota publicada pelo mesmo jornal
em 26 de outubro, antes de a Justiça totalizar a apuração da votação de 1962, mas com a
eleição de Iris já confirmada, informava que o resultado “o colocava como candidato a
prefeito em 1965.”
Iris conta que iniciou seu mandato de deputado estadual sem chamar muita
atenção dos colegas.
A minha primeira preocupação era alcançar respeitabilidade dos deputados. Todos entendiam
que eu ia chegar ali petulante por ser vereador de Goiânia, eleito deputado mais votado. Todo
início de legislatura, isso acontece. Até hoje, muitos querem ser o primeiro a apresentar
requerimento, projetos, fazer os primeiros discursos. Eu fiquei na Assembléia buscando
relacionamento, conversando com parlamentares. Eu fiquei, aproximadamente, uns quatro
meses sem fazer pronunciamento, sem fazer questão de ordem, acompanhando.[...] Pela
votação que eu tive, por ser de Goiânia, imaginavam que eu fosse chegar ali metendo os pés
pelas mãos. Eu não tive essa preocupação. Primeiramente de respeito e de humildade.
99
O líder do Governo e do PSD na Assembléia Legislativa – na época um só
deputado liderava o partido e o governo – era o experiente deputado Sebastião Arantes.
Passados alguns meses da posse, Iris recorda-se que o líder da oposição, o deputado
Olinto Meirelles, fez uma crítica contundente à família Ludovico. Depois de ouvi-lo,
Iris pediu a seu líder para defender o governo e ganhou a palavra para seu primeiro
discurso:
Foi uma tarde que eu considero até de inspiração. Pelo fato de, em tantos meses, eu não ter
mostrado o tom de minha voz; quando anunciaram a minha palavra, os funcionários ali no
plenário, os deputados que estavam vieram e, modéstia à parte, eu fui feliz. Fiz uma defesa do
trabalho, da família do dr. Pedro, o que ele representou e representava para o Estado. Eu deixei
toda a Assembléia como que... realizada pela minha exposição a respeito do que a família
fazia em Goiás, antes por Pedro Ludovico e depois por Mauro Borges.
100
99
Entrevista em 17/4/2007.
100
Entrevista, ibidem.
78
Iris já se tornara, portanto, um governista convicto e agora defensor das
críticas que ele próprio ajudara a fazer à família Ludovico quando militava no
movimento estudantil. Naquele dia, Olinto Meirelles acusou a família de envolvimento
com terras devolutas do Estado e de favorecimento dos Ludovico no poder. Pouco dias
depois, Sebastião Arantes foi nomeado secretário da Fazenda de Mauro Borges, abrindo
a vaga de líder do Governo e do PSD. Iris decidiu disputar a indicação de líder, que na
época era decidida em votação da bancada, e elegeu-se. Ficou na liderança em 1963 e
em 1964.
2.6 – Os passos rumo à prefeitura
Exercendo essas funções, Iris foi criando as condições políticas tanto com a
bancada quanto com o governador para dar o próximo passo, eleger-se presidente da
Assembléia. Ele presidiu a casa entre 16 de abril de 1964 e 20 de abril de 1965. O cargo
colocou-o no centro dos tensos acontecimentos políticos em Goiás nesse período. Iris
assumiu a presidência poucos dias depois do golpe militar de 31 de março de 1964 e, de
lá, acompanhou o longo processo que culminou com a deposição de Mauro Borges, em
26 de novembro, e com a eleição indireta, em janeiro, do novo governador. O coronel
Carlos de Meira Matos comandou o Estado interinamente por dois meses, até a eleição
indireta de seu substituto, o marechal Ribas Júnior.
A Assembléia manteve-se em convocação extraordinária após o período
regimental de trabalhos em função da intervenção federal. Em 7 de janeiro, 40 dias
depois da queda de Mauro, o Legislativo votou a vacância do cargo de governador e
arquivou todos os inquéritos policiais militares (IPMs) contra Mauro. A mesma sessão
declarou a vacância do cargo de vice-governador – o vice Rezende Monteiro (PTB)
renunciou, optando pelo mandato de deputado federal. Iris relembra-se do encontro que
os 24 deputados estaduais do PSD tiveram, antes dessa sessão, com o presidente da
República, o marechal Humberto de Alencar Castello Branco, em Brasília, para discutir
a indicação do novo governador:
O Castello fez um apelo interessante: “Eu não decretei a intervenção em Goiás até que não
tive como resistir mais, as coisas foram tomando um rumo. Agora eu os chamei aqui para
pedir a compreensão de vocês. Eu não vou indicar um adversário de vocês em Goiás. Eu
escolhi um nome e quero trazer a apreciação de vocês, para ser governador nesse período, para
79
complementar o mandato do Mauro. Um homem que foi meu professor, sensato, competente.”
E fez ali uma apologia da pessoa, que era o general, o marechal Ribas Júnior.
101
Iris conta que Castello Branco prometeu que Ribas levaria “a paz a Goiás, para
apaziguar a família goiana.” E relembra que os deputados voltaram ao Estado e
relataram a conversa a Pedro Ludovico e às lideranças do PSD, que decidiram aceitar a
indicação de Ribas, a respeito de quem o presidente assumiu a responsabilidade de que
“não seria um instrumento de vindita, de perseguição ou de promoção de quem quer que
seja”, segundo o relato de Iris.
102
Às 22 horas de 7 de janeiro de 1965, a Assembléia presidida por Iris Rezende
elegeu o marechal Emílio Rodrigues Ribas Júnior a governador e Almir Turisco, a vice-
governador. Turisco era do PSD e foi indicado pelo partido, em um acordo com o
Palácio do Planalto, pois, apesar de sua lealdade partidária, era ideologicamente
conservador e por isso mais próximo da filosofia dos militares (Rocha, 2004, p. 106).
Os dois completariam o mandato de Mauro, de cinco anos, que só venceria em 1965.
Até esse desfecho, Goiás vivera um tenso período político, marcado pela
disputa entre PSD e UDN, que se alinhou à linha dura dos militares para conseguir a
deposição de Mauro Borges. Em O Golpe em Goiás, (2004) Souza informa que a
deposição de Mauro encerrou a crise política instalada no Estado desde 1962, com a
disputa entre os dois partidos. Como presidente da Assembléia, Iris testemunhou vários
episódios dessa crise. Um, em particular, considera determinante para a consolidação de
sua carreira política e para estreitar seu relacionamento com a família Ludovico, que ele
construía lentamente desde 1960, quando atendeu ao convite de Gercina Borges
Teixeira para fazer campanha para o filho Mauro Borges em Campinas.
O episódio foi um encontro, em meados de junho de 1964, com o general Luiz
Carneiro de Castro e Silva. Iris fora chamado pelo governador ao Palácio das
Esmeraldas, num domingo, por volta das 15 horas, para informá-lo de que o general
estava em Goiânia. Castro e Silva havia visitado o governador e o presidente do
Tribunal de Justiça, o desembargador Geraldo Bonfim de Freitas. Iris recorda-se de
Mauro contar-lhe que nem ele nem o desembargador entenderam o real motivo da
visita. O governador informou-o de que o general também queria encontrar-se com o
101
Entrevista em 17/4/2007.
102
Entrevista, ibidem.
80
presidente da Assembléia Legislativa e que ele comprometeu-se a localizar Iris,
alegando que ele morava longe, e pedir-lhe que o procurasse no hotel onde se
hospedara.
Iris lembra-se das instruções que recebeu de Mauro. Este lhe pediu para
descobrir qual a missão do general em Goiânia – o governador disse que já havia ligado
para São Paulo e Brasília, mas não conseguira descobrir nada – e que depois voltasse
para lhe narrar o encontro. Iris foi a pé do Palácio das Esmeraldas até o Hotel
Bandeirantes, na Rua 3, Centro, onde o general estava hospedado. Encontrou um
procurador da República na recepção do hotel, que o acompanhou ao encontro do
general. Castro e Silva foi direto ao assunto. Disse a Iris que estava em Goiás para fazer
um trabalho de interesse da República. Segundo esse relato, o general afirmou que a
“revolução” não aceitava comunista no governo e que o governador de Goiás estava
voltado para “esse lado comunista e subversivo.” Pediu o apoio de Iris, como presidente
da Assembléia: “Ele queria a minha colaboração para promover o impedimento do
Mauro.”
103
Iris conta que decidiu argumentar com o general, apontando as qualidades
do governador.
General, eu não era político ligado à família do dr. Pedro. Eu entendia que era um sistema já
ultrapassado de política e que as pessoas ligadas ao governo não eram fiscalizadas pelo Fisco,
que as pessoas que cometiam delitos, condenadas, sempre tinham oportunidade de não ir às
prisões. Eu era um líder estudantil revoltado com isso. O Mauro assumiu o governo e mudou
tudo. Por esse motivo eu entrei no PSD, pela atuação do Mauro. E não tem nada de
subversivo, de comunista. Seu apoio a Brizola foi pela legalidade, pois político tem de
defender a lei. [...] O senhor nunca vai encontrar em mim uma mentira. Eu falo o que tenho
segurança de estar falando.
104
Iris conta que o general reclamou por ele não querer colaborar e ainda lhe
pediu para convocar pessoalmente os deputados para um encontro reservado com ele
para que conversasse com todos. “Eu falei: ‘general agora já sei das suas pretensões, e
já disse que não vou colaborar, não vou convocar a reunião. Se o senhor quiser,
convoque cada um, mas sob a minha coordenação eu não vou colaborar.’”
105
Segundo
Iris, naquela mesma noite o general Castro e Silva reuniu-se com lideranças expressivas
da UDN e do PSP para procurar outra alternativa à deposição de Mauro, um processo
que só se encerraria com a intervenção federal cinco meses depois.
103
Entrevista em 28/1/2008.
104
Entrevista em 28/1/2008. Mas Iris também narrou esse encontro na entrevista de 17/4/2007.
105
Entrevista em 28/1/2008.
81
Iris avalia que se tivesse cumprido as ordens do general e reunido os
deputados para abrir o processo de impeachment de Mauro, o que era esperado pelos
militares, sua carreira teria tomado outro rumo. Ele tem convicção de que naquele dia,
com 30 anos de idade, foi “consciente de uma situação” e que se tivesse se submetido
ou se “acovardado” estaria “num momento de declínio” em sua carreira. “Aquela hora
foi decisiva em minha vida.” Iris acha que não era comum um jovem parlamentar
enfrentar um general que estava em Goiás em missão representando o “sistema político”
autoritário do País. Avalia que sua resistência à ordem de Castro e Silva deveu-se a sua
origem política, diferente da origem da maioria dos colegas do PSD. “Eu fui moldado,
politicamente, no meio estudantil. Estudante às vezes é meio atrevido, até
inconseqüente.”
106
Iris relembra que voltou a pé do Hotel Bandeirantes até o Palácio das
Esmeraldas e relatou a Mauro toda a conversa com o general, deixando-o
profundamente surpreso: “Eu notava isso pelo semblante dele.”
107
O governador, então,
decidiu convocar uma reunião do secretariado para o outro dia, às 8 horas, e pediu a
presença de Iris.
E foi a hora que nunca me esqueci. Mauro então me disse: “Iris eu não tenho sido correto com
você.” “Por que, governador? Eu não tenho queixas.” “Não, não tenho, não. Eu sei que você
quer ser prefeito de Goiânia e eu estou alimentando a candidatura do Rodolfo.”
108
Rodolfo Costa e Silva era presidente da Saneago. Iris acredita que a intenção
de Mauro com essa candidatura era modernizar a administração pública. “Ele [Mauro]
era um esquerdista”
109
. Pedro Ludovico tinha outra preferência e sua escolha expõe as
diferenças políticas entre pai e filho. De acordo com as lembranças de Iris, enquanto
Mauro buscava um técnico, o velho líder alimentava a candidatura de um político
tradicional, Jerônimo Pinheiro de Abreu, conhecido como Pinheirinho de Abreu.
Pinheirinho era de Itaberaí, onde fora vereador. Foi deputado por dois mandatos,
presidente da Assembléia Legislativa (1957–1958), membro da executiva estadual do
PSD e presidente do diretório metropolitano do partido. Ele foi o primeiro presidente da
106
Entrevista em 17/4/2007.
107
Entrevista em 28/1/2008
108
Entrevista, ibidem.
109
Entrevista em 4/7/2007.
82
Caesgo, cargo que dirigiu até 1964.
110
Pedro Ludovico indicava os presidentes dos
diretórios e quando Pinheirinho de Abreu assumiu a direção do partido em Goiânia Iris
entendeu que ele era o candidato de Pedro a prefeito da capital.
Saía candidato [a prefeito] quem o presidente do diretório quisesse. [...] Eu até procurei o dr.
Pedro e perguntei: “Dr. Pedro, o senhor tem uma definição sobre essa questão de candidatura à
prefeitura de Goiânia?” Ele disse: “Não.” “Mas o senhor botou o diretório nas mãos do
Pinheiro de Abreu.” “Mas isso é só até passar a eleição.”
111
O candidato a prefeito era escolhido pelos presidentes dos subdiretórios. Nessa
época, segundo Iris, Pinheiro de Abreu estava trabalhando contra sua candidatura. Ele
lembra que o presidente do subdiretório da Vila Nova manifestou apoio a seu nome, e
foi imediatamente destituído do cargo pelo presidente do diretório metropolitano. Até
essa ocasião, estava claro para Iris que sua candidatura enfrentava resistências internas
no PSD. Sua situação só mudou naquela noite, depois de seu encontro com o general
Castro e Silva, quando Mauro Borges lhe confessou que não estava sendo correto com
ele.
Ele então me disse: “Eu vou falar com o meu pai” (quer dizer que eu não era candidato de
nenhum deles, né?). Eu respondi: “O senhor fale com o Evaristo”, o vereador Evaristo
Martins, (ele era muito chegado a eles, acho que foi o dr. Pedro quem o criou). “Por quê?”
“Porque o Evaristo fica aí fuxicando com o Pinheirinho.” No dia seguinte, o Evaristo estava lá
[no Palácio]. Estava ali na entrada, não sei se ainda tem esse toalete ao lado do salão onde é a
reunião, e Mauro disse: “O candidato nosso agora é o Iris, é o Iris. Não tem outro, não” [Iris
fala cochichando, imitando o tom de Mauro Borges]. “É o Iris, não tem outro não, é ele.”
112
Iris acredita que só foi definitivamente aceito pelos Ludovico com essa
demonstração de lealdade, ao recusar-se a cumprir a determinação do general Castro e
Silva. Antes disso, sentiu que não tinha a preferência no grupo político. “Eu era um
chegante, sem tradição de família política. Eu era uma semente que nascia. Ele
110
Iris relatou na entrevista concedida em 2/12/2006 que Mauro Borges o chamou em sua casa, na Rua 7,
Centro, logo depois de sua vitória para governador, para lhe convidá-lo a presidir a Caesgo. O pedido
para levar Iris para o governo partiu de sua mãe, d. Gercina, que era grata pela ajuda de Iris na eleição do
filho. Iris recusou o convite e disse ao governador que não pretendia ir para o governo a fim de se dedicar
à campanha a deputado estadual. Uns cinco meses depois de sua posse, Mauro telefonou-lhe, num
domingo, dizendo que iria em sua casa para conversarem. Iris era solteiro e morava com os pais, em
Campinas. Ele recorda-se de que o governador chegou em um Landau preto e o convidou para tomarem
um chope. Os dois foram até o Bar do Alceu e novamente Mauro convidou-o para integrar seu governo.
Disse que mandaria um projeto de lei à Assembléia Legislativa criando a Secretaria do Trabalho e que
pretendia indicá-lo, pois tinha preferência por um petebista na pasta. Novamente, Iris recusou o convite,
pelo mesmo motivo. Mauro, então, fez-lhe um pedido: “Você vai lá na minha mãe, amanhã, e fala pra ela
que eu já chamei você pra duas posições importantes no meu governo e você não aceitou, porque ela não
me dá descanso.” Iris conta que explicou sua decisão a Gercina Borges.
111
Entrevista em 28/1/2008.
112
Entrevista, ibidem.
83
[Pinheiro de Abreu] vinha da política de Itaberaí, era do PSD, tinha ligações
familiares.”
113
A falta de tradição política foi inicialmente um empecilho a sua carreira,
mas Iris admite que, posteriormente, foi um ponto positivo. Ele considera que estreou
na política em uma época em que havia três correntes: uma ligada à UDN, uma ligada
ao PSD e a terceira, ainda incipiente, que era a política de esquerda, mais comum no
movimento estudantil.
Para Iris, sua eleição para vereador em 1958 não ocorreu por nenhuma dessas
três correntes, porque o PTB, apesar de ter sido apêndice do PSD, estava coligado com
a oposição. O rompimento foi temporário – os dois partidos se aliaram novamente em
1960 –, mas ainda assim foi suficiente para Iris não se considerar um vereador
ludoviquista. Ele observa que o PTB não tinha lideranças trabalhistas expressivas, como
o PSD e a UDN. “Não tinha o chefão para dizer sim ou não; eram líderes mais
esparsos.”
114
Na sua opinião a votação recorde para vereador que obteve despertou a
atenção não só dos políticos, mas lhe deu credibilidade para passos seguintes. A eleição
para deputado estadual, novamente como campeão de votos, ajudou-o a “angariar
respeitabilidade política.” “Quando me candidatei a prefeito, a minha candidatura não
era a de um qualquer. Era a do vereador e a do deputado mais votado em duas eleições
sucessivas. Eu entrei com credibilidade eleitoral junto à própria comunidade.”
115
Sua
origem política nessa “possível terceira via”, segundo suas palavras, tornou-o simpático
à classe política:
Eu não era alvo da ira da UDN, porque tinha feito campanha para Galeno Paranhos, para
César Bastos, duas candidaturas a governador, uma em 54 e a outra em 58. Mas quando eu
senti que, para galgar posições elevadas eu tinha de ter respaldo de partido grande, corri e fui
para o PSD. E fui, exatamente pela impressão positiva que o governo Mauro deixava. Aquilo
coincidia muito com meus ideais de estudante, de mudança.
116
Iris alimentou uma relação paradoxal com as correntes políticas. Ao mesmo
tempo em que se firmava como deputado combativo do PSD e líder do governo de
Mauro Borges, mantinha boas relações com os oposicionistas e com os militares. O
marechal Ribas Júnior foi uma dos primeiros militares de quem ele se aproximou. Iris o
conheceu no Rio de Janeiro, antes de sua posse, quando acompanhou um grupo de
113
Entrevista, ibidem.
114
Entrevista, ibidem.
115
Entrevista, ibidem.
116
Entrevista, ibidem.
84
deputados que foi comunicá-lo sobre o acordo do PSD com o presidente Castello
Branco para sua eleição indireta a governador. Iris relembra que, depois da posse de
Ribas, e na condição de presidente da Assembléia, ia regularmente às solenidades no
Palácio Esmeraldas.
Em uma dessas visitas, ele diz que ouviu referências negativas de Ribas Júnior
a Mauro Borges e conta que reagiu: “Mauro é uma figura política que precisava ser
referência política nacional”
117
. Iris conta que, posteriormente, soube que Ribas Júnior
relatou a um grupo de deputados da UDN que havia feito a mesma provocação a outros
deputados do PSD e que ele teria sido o único a contestá-lo “com veemência e até com
fúria.” Segundo esse relato reproduzido por Iris, o marechal teria dito que, quando
deixasse o governo esperava ser defendido da mesma forma por um deputado.
Iris recorda-se das vezes em que foi ao Palácio das Esmeraldas para pedir o
cumprimento da promessa de Castello Branco de que não haveria perseguição política
no Estado. Uma vez ele reclamou que a casa de Pedro Ludovico estava sendo vigiada 24
horas por dia e que a polícia anotava os nomes de seus visitantes. Segundo Iris, no dia
seguinte à reclamação, a polícia retirou o cerco. Em outra ocasião, ele voltou ao Palácio
em nome de uma comissão de 200 mulheres e mães de políticos investigados pelos
inquéritos policiais militares (IPMs). Eles foram intimados a depor em Juiz de Fora
(MG), e as mulheres temiam que não voltassem, já que na época as prisões
assombravam os familiares de militantes políticos de oposição ao regime militar. Iris
solicitou que os interrogatórios ocorressem em Goiânia e garante que foi novamente
atendido.
Iris afirma que se tornou amigo de Ribas Júnior. “Ele perdeu o único filho em
alto-mar, quando o navio desapareceu. Muitos dizem que o marechal viu na minha cara
a cara de seu filho. Pois é, ele se tornou meu amigo.”
118
O relacionamento respeitoso
entre Iris e Ribas Júnior não foi uma exceção em sua convivência com integrantes do
regime militar. Ele cultivou um relacionamento amigável com os militares até mesmo
depois de sua cassação, em 1969. “Era um relacionamento institucional. Em nenhum
momento eu compactuei com eles.”
119
117
Entrevista, ibidem.
118
Entrevista, ibidem.
119
Entrevista, ibidem.
85
Nessa época, Iris era deputado estadual da oposição e integrava o grupo de
Pedro Ludovico Teixeira. Foi nessa condição que ele disputou a Prefeitura de Goiânia.
A eleição para governador, senador, deputado federal, estadual e prefeito ocorreu em 3
outubro de 1965, quando os militares estavammais de um ano no poder. Iris avalia
que o PSD passou por uma crise profunda após a deposição de Mauro. “Depois que o
Mauro saiu do governo, descontrolou tudo, aí não havia mais oposição [à ditadura
militar]. Ninguém nem queria ser candidato a prefeito, nada.”
120
Ele acha que “todo
mundo foi tomado de covardia.” “Eu sempre fui atrevido. Não tinha medo de perder
mandato nem de ser preso. Se eu tivesse medo de perder mandato não tinha enfrentado
esse general lá no hotel.”
121
A campanha de 1965 ocorreu sob forte pressão dos militares a favor das
candidaturas governistas: Otávio Lage, para governador; Coimbra Bueno, para senador,
e Juca Ludovico para prefeito de Goiânia, pelos partidos aliados ao governo militar. O
PSD demorou a escolher seu candidato a governador. Iris Rezende saiu à frente e
confirmou sua candidatura a prefeito de Goiânia em um pronunciamento na TV em 10
de julho. O candidato a governador preferido do senador Pedro Ludovico era Peixoto da
Silveira, mas ele sofria restrições nos meios militares e no próprio PSD. Castello
preferia José Feliciano, porque Peixoto não tinha “trânsito nos meios
revolucionários.”
122
Parte do PSD também preferia outro candidato, Gerson de Castro
Costa, mas Pedro bateu o martelo a favor de Peixoto.
A campanha de Otávio Lage começara há quase um mês e recebia ampla
cobertura dos jornais, quando o PSD realizou sua convenção, em 26 de julho. Peixoto
venceu a disputa interna contra o deputado Castro Costa. Em seu primeiro discurso
como candidato, proclamou sua fidelidade à “revolução” e garantiu que não era “anti-
revolucionário”
123
. Pedro Ludovico conclamou seus correligionários em seu discurso ao
final da convenção a um comportamento moderado na campanha, mas aproveitou para
repetir suas denúncias de pressões eleitorais. A oposição pisava em ovos: temia uma
120
Entrevista em 28/1/2008.
121
Entrevista, ibidem.
122
O Popular, 18/7/65.
123
O Popular, 27/7/65.
86
campanha mais ofensiva que confrontasse os militares, mas ao mesmo tempo sabia que,
para vencer, precisava firmar-se como oposição ao regime militar.
Iris reclamou dessa dubiedade política e atribui a ela a derrota de Peixoto da
Silveira. Lembra que até então era impossível derrotar um candidato de Pedro
Ludovico. Para ele, o PSD só perdeu – 1965 registrou a segunda derrota do
ludoviquismo; antes o grupo só havia perdido em 1947, com a vitória de Coimbra
Bueno sobre Juca Ludovico –, porque não teve coragem de criticar a ditadura. Uma
análise dos resultados das urnas reforça essa impressão. Otávio Lage elegeu-se
governador com 180.962 votos (50,58%) contra 176.809 (49,41%) de Peixoto da
Silveira, uma diferença de apenas 4.153 votos (1,17%)
124
. A oposição perdeu o governo
por uma pequena diferença, mas elegeu seu candidato a senador e ainda Iris a prefeito
de Goiânia. “Eu tacava o sarrafo [na ditadura militar] nos bairros e fui eleito. Eu ganhei
em Goiânia do Juca Ludovico com quase 10 mil votos de frente em um eleitorado
relativamente pequeno.”
125
João de Abreu elegeu-se senador com 161.001 votos contra
134.938 de Coimbra Bueno.
Iris venceu Juca Ludovico por uma diferença de 8.260 votos. Recebeu 29.912
votos (61,6%) contra 18.652 (38,4%) de Juca. Peixoto da Silveira ganhou de Otávio em
Goiânia com frente de 6.323 votos, vitória justificada na época por ser a capital
“considerada o principal reduto eleitoral pessedista”
126
.
José Ludovico de Almeida tinha 59 anos de idade e Iris, 32 anos, quando se
enfrentaram nas urnas. A diferença de 28 anos entre eles indica que os governistas
escolheram um político experiente, antigo conhecido da população, para enfrentar o
PSD. Iris vinha de duas bem-sucedidas eleições, para vereador e para deputado estadual,
mas seu currículo era o de um iniciante, se comparado ao de seu adversário. Juca
começou sua carreira em 1933, coincidentemente o ano em que Iris nasceu. Foi prefeito,
124
Resultado oficial da eleição divulgado pelo Popular em 25 de outubro de 1965. No dia seguinte,
apenas três semanas depois da eleição, Castello Branco decreta o Ato Institucional nº 2, transferindo ao
Congresso Nacional o poder de eleger o presidente da República e reabrindo o ciclo punitivo extinto em
1964.
125
Entrevista em 28/1/2008.
126
Resultado oficial publicado pelo Popular em 6/10/65, p. 3. Esta justificativa para a derrota de Otávio
em Goiânia é do jornal.
87
deputado, secretário da Fazenda e governador.
127
Ex-aliado de Pedro Ludovico, Juca
estava filiado ao PSP em 1965.
Iris revela-se impressionado com a forma como sua vida encontrou-se com a
de Juca Ludovico. E não apenas pelo significado do ano de 1933 na vida de ambos. Os
dois se cruzaram pela primeira vez quando Iris ainda era um menino de 13 anos de
idade. O ano era 1946. Ele não consegue precisar a data, mas se recorda que seu pai
decidiu, num domingo, ir com a família a um comício em Cristianópolis. A eleição para
governador seria em janeiro de 1947 e as campanhas de Coimbra Bueno (Forças
Coligadas de Goiás, incluindo a UDN) e de Juca Ludovico (PSD) corriam os
municípios. A família interrompeu a lida no campo e foi ao vilarejo receber o candidato
do PSD, partido de Filostro. Após o comício, o líder político local, o farmacêutico
Sandoval Prudente, ofereceu um churrasco aos eleitores, como era praxe na época. O
público seguiu para o churrasco, menos Iris, que se desvencilhou dos amigos de sua
idade ao descobrir que Juca Ludovico ia almoçar na casa de Sandoval. O número de
convidados para o almoço era restrito, e Iris não estava entre eles. Menino não podia
nem chegar perto.
Num determinado momento eu aproveitei o descuido do subdelegado, que era o porteiro, e
entrei. Daí a pouco me expulsaram. Eu fico imaginando por que, se todos os meninos da
minha idade estavam no churrasco com refrigerante e carne à vontade, eu estava lá beirando
político. E vieram as coincidências da vida. [...] Dezenove anos depois, olha eu disputando a
eleição em Goiânia com aquele homem que vi quando menino.
128
Iris entende que a escolha de Juca pelo partido governista para enfrentá-lo em
1965 foi estratégica: “Quando o pessoal da ditadura sentiu que eu estava muito forte
como candidato a prefeito, intimaram o dr. Juca a vir se candidatar.”
129
Juca Ludovico
montou uma estrutura forte para a disputa. Começou pela escolha do candidato a vice-
prefeito. Seu partido promoveu uma eleição entre as famílias de Campinas para
selecionar um nome popular no bairro, que era a principal base eleitoral de Iris. O
escolhido foi Livertino Leão Sobrinho
130
, um coronel da reserva que tinha sido
127
Juca Ludovico começou sua carreira em 1933, elegendo-se deputado estadual. Em 1938, no Estado
Novo, foi nomeado prefeito de Itaberaí. Foi secretário da Fazenda em 1940, quando Pedro Ludovico era
interventor. Em 1947 disputou e perdeu para Coimbra Bueno a eleição para governador. Voltou à
Secretaria da Fazenda entre 1951 e 1954, quando Pedro era novamente governador e, finalmente, ganhou
a eleição para governador em 1954 pelo PSD.
128
Entrevista em 2/12/2006.
129
Entrevista, ibidem.
130
O Popular, 17/7/65, p. 2.
88
secretário de Governo de Coimbra Bueno e prefeito de Corumbaíba. A estratégia de
agradar o eleitorado de Campinas não surtiu o efeito esperado. Iris recebeu 5.932 votos
(63,78%) na 2ª Zona Eleitoral, correspondente à região de Campinas, e Juca, 3.369
votos (36,22%),
131
diferença maior do que a do resultado geral (61,6% para Iris contra
38,4% de Juca).
A campanha de Juca também atacou por outro flanco. Iris era reconhecido
como um jovem político. Para se contrapor a isso, o movimento Juventude Libertadora,
presidido por Genésio Vieira de Barros, que no ano seguinte assumiria um cargo no
governo de Otávio Lage, publicou um Manifesto à Mocidade (O Popular, 3/7/65, p. 1)
pedindo votos aos candidatos governistas. O manifesto dirigido à juventude tinha o
propósito de conquistar o voto dos eleitores com a mesma idade do candidato do PSD.
“Iris enfrentou, sabendo ele e o seu staff que tinha uma vantagem muito grande sobre o
velho político [Juca]: era um moço, onde a maioria dos eleitores também era de moços”
(Revista Realidade, 1966, p. 24).
Iris acredita que as estratégias de seus adversários foram insuficientes por
conta de seu discurso de resistência à ditadura militar.
Eu falava na liberdade, que a prefeitura seria um instrumento na luta pela redemocratização. E
faça-se justiça a Ribas Júnior: ele não interferiu na política municipal nem na campanha
estadual. A ação na campanha era do próprio general da 11ª Região. Bom, ganhei a eleição e
logo vem o fim dos partidos. Vêm duas instituições políticas para efeito de registro de
candidaturas, uma do governo e outra da oposição, a Arena e o MDB. Eles [os militares] não
acreditaram que uma instituição política de oposição se constituiria. Daí a dez meses, eu na
prefeitura, veio a eleição para vereador. Eram 17 vereadores e nós elegemos todos.
132
2.7 – Prefeitura, laboratório político e administrativo
O Censo do IBGE de 1960 registrou em Goiânia uma população de 151.013
habitantes. O Censo de 1970, 380.773. A população cresceu vertiginosamente naquela
década: 152%. Iris elegeu-se no meio da década, quando a cidade assistia a esse
crescimento veloz: mais pessoas, mais demandas e uma prefeitura que não conseguia
131
Mapa totalizador da 1ª Junta Apuradora da 2ª Zona Eleitoral de Goiânia – Arquivo do Cartório
Eleitoral da 1ª Zona em Goiânia.
132
Entrevista em 17/4/2007. Na realidade Iris comete um equívoco: o MDB elegeu 12 vereadores e a
Arena, 5, para a 6ª Legislatura (1967–1970), segundo a Revista Câmara Municipal, p. 21.
89
responder com agilidade às necessidades que se multiplicavam. O prefeito Hélio de
Brito (UDN) foi antecessor de Iris. Ele governou a cidade entre 1961 e 1965, um
período de grandes dificuldades políticas e financeiras no município.
A Prefeitura de Goiânia não tinha autonomia administrativa até o governo de
Hélio de Brito. “O Estado administrava Goiânia do Lago das Rosas para cá [ele
concedia esta entrevista no Setor Oeste]. Até os cemitérios eram administrados pelo
Estado. A prefeitura só mexia em Campinas, e como não havia nada [recursos],
Campinas ficava lá, abandonada.”
133
Hélio de Brito defendeu a emancipação político-
administrativa de Goiânia da tutela do Estado durante sua campanha eleitoral. Eleito,
Brito enviou ofício ao governador Mauro Borges solicitando a emancipação. “O Mauro
assinou um decreto transferido à Prefeitura todos os serviços, mas não transferiu o
recurso e o dr. Hélio enfrentou muitas dificuldades.”
134
Os problemas da cidade não apareceram na cobertura da campanha eleitoral
feita pela imprensa, comprometida com os candidatos da UDN. Um artigo de Alfredo
Nasser “A cidade que acabou” (O Popular, 17/8/65), é a única referência ao tema, assim
mesmo para minimizá-lo. O deputado federal em campanha à reeleição ironiza as
críticas da oposição e defende o prefeito da UDN, seu aliado político. Ele admite que a
cidade tinha problemas, mas responsabiliza o governo estadual, pois Goiânia ficara sob
a tutela do governo desde sua fundação, em 1933, até sua emancipação administrativa já
no governo de Mauro Borges, na década de 60, longo período comandada pelo PSD.
Independentemente do embate político, o fato é que os problemas existiam. Se
a imprensa foi omissa durante a campanha, ela falava abertamente deles três anos antes
da eleição, antes do golpe militar. A leitura de algumas edições de jornais de 1962
revela as dificuldades da cidade e de seu prefeito, Hélio de Brito. Com o título “Nas
ruas da cidade” (29/3/62), O Popular informa: “Motivo de desalento: buracos, bancos
quebrados, lâmpadas queimadas, pistas asfálticas destruídas, sujeira na cidade.” A foto
de lixo espalhado em plena Avenida Paranaíba ilustra o texto, confirmado o “aspecto de
Goiânia abandonada.”
A coluna Notas e Fatos do Popular, assinada pelo jornalista Domiciano de
Faria, tratava os problemas da cidade com bom humor. Em uma edição, um quadrado
133
Entrevista, ibidem.
134
Entrevista, ibidem.
90
preto, no formato de uma foto, ilustra a seguinte legenda: “Vista de Campinas à noite”
(30/3/62). Em outro dia, um texto ironizava: “O editor-chefe [o jornalista Wagner de
Góes] pediu uma reportagem sobre buracos. E não foi nada difícil ao repórter encher a
página. Logo em Goiânia, gente” (13/3/62). Todos esses problemas foram agravados
pelo crescimento vertiginoso da cidade.
Iris tomou posse em janeiro de 1966 no mesmo dia em que começariam a ser
distribuídas as cobranças dos impostos predial e territorial urbanos (IPTU e ITU). Sua
primeira decisão foi mandar recolher os talões. Iris conta que inspirando-se em Mauro
Borges, se imbuiu da mesma coragem que percebera nele para tomar medidas
impopulares e decidiu revisar os valores do IPTU e do ITU. Foi um trabalho lento, que
levou entre 40 e 50 dias, porque era tudo feito a mão. “Revisamos tudo: Goiânia,
Campinas, Vila Coimbra, esses setores mais ricos. Esqueci os setores pobres.
Aumentamos mesmo [ele coloca ênfase na palavra mesmo]. Quando saíram esses talões
foi aquele grito, parece que Goiânia ia acabar.”
135
As reclamações chegaram ao ouvido do chefe político do PSD, o senador
Pedro Ludovico Teixeira, que mandou chamar o prefeito para tirar satisfação.
Ele me disse: “Ô Iris, você exagerou na dose de aumento desse imposto.” Eu falei: “Dr. Pedro
esse sofrimento, esse vexame do dr. Hélio [de Brito] foi pela falta de coragem de cobrar
imposto, porque o Mauro deu autonomia à administração, mas não deu dinheiro para a
prefeitura. Eu não vou esperar que o governo carregue a prefeitura para mim. Não adianta,
então eu tenho que cobrar mesmo.” “Mas Iris, modere, aí.” “Dr. Pedro, o senhor recebeu
algum pobre aqui reclamando, sua casa é cheia também de pobres?” “Não.” “Pois quem está
reclamando, enchendo a sua cabeça, é o seu cunhado (que era dono do prédio de
eletromecânica), é fulano, é beltrano.” Falei os nomes [das pessoas] do relacionamento dele.
Eu tive coragem de aumentar no primeiro ano; tive coragem de aumentar no segundo
também.
136
A pressão foi tão forte que Iris afirma que teria recuado se fosse uma pessoa
fraca. Ele acha que, se tivesse voltado atrás, sua administração teria sido arrasada,
“porque ficaria sem recursos para fazer os investimentos que a cidade reclamava.” No
segundo ano, ele aumentou os impostos novamente e teve outra vez de prestar contas a
Pedro Ludovico. “Dr. Pedro não deu, foi insuficiente [o aumento das alíquotas], mas
não vou aumentar mais, dou minha palavra.”
137
Iris calcula que, quando foi cassado,
90% da população de Goiânia sentiu, “ou mais ou menos”, pois “foi um momento de
135
Entrevista em 14/9/2007.
136
Entrevista, ibidem.
137
Entrevista em 20/2/2008.
91
absoluta decepção e de tristeza”, mas que, nos primeiros meses de sua administração,
“se tivessem feito uma pesquisa eu não teria sido eleito nem vereador. Então o líder tem
de ter atitude, convicção do que decide, tem de enfrentar.”
138
A medida repercutiu no caixa do Tesouro municipal. Uma nota na coluna
“Notas e Fatos” revelou que a prefeitura conseguira elevar “a arrecadação de 220
milhões (fevereiro) para 685 milhões (abril)” (O Popular, 26/6/66). Não havia pesquisa,
mas Iris conta ter percebido na época que a repercussão negativa do aumento de
impostos, a falta de recursos para resolver os problemas mais urgentes da cidade e os
salários atrasados do funcionalismo desgastaram sua imagem.
Foi quando eu senti que precisava convocar o povo ao trabalho para ajudar a prefeitura. Me
lembrei dos mutirões, do meio em que eu passei a infância, vivendo aquilo, o trabalho
participativo. Idealizei então fazer o primeiro mutirão. [Houve] muita reserva por parte de
alguns auxiliares, temendo que aquilo não pegaria na cidade. Eu entendia, por outro lado, que
grande parte da população de Goiânia era oriunda do meio rural. Fizemos o primeiro, foi um
sucesso; fizemos o segundo, o terceiro e despertou a atenção nacional.
139
O objetivo de Iris com os mutirões era mostrar serviço, ganhar tempo, e
popularidade, até que a prefeitura tivesse recurso para investir em obras. “Nós
começamos com aquele trabalho, aquilo foi crescendo, crescendo, até que a prefeitura
tivesse algum dinheiro para começar alguma coisa.”
140
Era mais do que uma estratégia
administrativa para resolver problemas imediatos de bairros carentes de toda infra-
estrutura. Era uma estratégia política: ele misturava-se ao povo para conquistar apoio e
se fortalecer politicamente enquanto a prefeitura angariava recursos para iniciar as obras
físicas e atender às demandas da cidade. Sua intuição surtiu efeito, e os próprios
adversários começaram a se incomodar com os mutirões.
Começou uma campanha política. Segundo Iris, seus adversários tentaram
conquistar apoio dos militares com argumentos muito em voga na época: “Mutirão era
coisa de comunista [...], coisa do [Francisco] Julião lá do Pernambuco, de Fidel
Castro.”
141
Preocupado, “porque na época não tinha pecha maior para destacar um
cidadão no regime militar do que a pecha de comunista”, Iris decidiu visitar o 10º
Batalhão de Caçadores. Era sua segunda visita ao 10º BC depois de eleito. A primeira
138
Entrevista, ibidem.
139
Entrevista em 4/7/2007.
140
Entrevista em 25/6/2008.
141
Entrevista em 17/4/2007.
92
ocorrera antes da posse por convocação do comando militar. Ele tinha sido chamado
porque o prefeito Hélio de Brito reclamou de sua interferência na Câmara de Goiânia
para impedir a aprovação de um projeto de lei. Hélio de Brito chegou a anunciar que,
em represália a essa interferência, pediria ao Ministério da Justiça para fechar
provisoriamente a Câmara de Goiânia com base no AI-2, decretado na última semana de
outubro (O Popular, 4/11/65). O prefeito não tomou essa atitude, mas procurou socorro
no 10ª BC. O comando convocou o vereador Luiz Sampaio, presidente da Câmara e
aliado de Iris, e determinou que os vereadores aprovassem a mensagem do prefeito. O
presidente ouviu a ordem e, antes de cumpri-la relatou o episódio ao prefeito eleito.
Aí eu fui lá [no 10º BC] e ele me disse que eu não podia interferir na Câmara, porque eu ainda
não era o prefeito. Com muita calma eu disse: “Coronel, isso é uma questão de interpretação.
O senhor chama um soldado daqueles ali (a gente estava diante de uma janela) e diz ‘amanhã
você vai tomar conta daquele jipe.’ Se ele presta, se ele tem responsabilidade ele já passa a ter
ciúmes do jipe, antes de pegar no volante. Assim sou eu. Eu não fui eleito prefeito para
brincar. Eu já estou com ciúmes da prefeitura (...).” Chamei o Luiz Sampaio e agi.
142
Iris acha que teve facilidade para convencer os militares em várias ocasiões,
porque sabe dialogar. “Ele viu que eu não estava tremendo para ninguém.” A segunda
visita ao 10º BC foi para reclamar da “campanha injustificável” contra o mutirão. “Eu
estou na prefeitura não é para desenvolver ideologia política alguma. O senhor poderia
colocar um paradeiro nisso.” Para deixar claro que seu objetivo não era ideológico, mas
administrativo, ele pediu ao comandante que enviasse soldados para ajudar nos
mutirões.
Aí ele disse assim, eu nunca me esqueço: “Olha eu fui criado na roça, vivi também
conhecendo os mutirões. Agora o senhor evite os discursos.” Eu disse “discurso só tem um, o
meu, de agradecimento. E o senhor podia mandar uns soldados.” E ele mandou uns 20
soldados, uma roçadeira. Eu o convidei a aparecer lá e almoçar com a gente. O coronel acabou
entrando na fila comigo, comendo em prato de papelão, talher de plástico. [...] Castro Filho
[relações-públicas da prefeitura] tinha um programa na TV, filmou o coronel. Aquilo mexeu
com a cidade e não encheram mais a minha paciência.
143
A popularidade que Iris começara a construir não passou despercebida ao
governo estadual. O governo de Otávio Lage alimentou a esperança de que ele ia aderir
à Arena. “No governo [de Otávio Lage] já não subestima a capacidade de mobilização e
a popularidade de Iris, até já se lhe enaltece os méritos do político hábil, que está se
revelando. O governo está aberto a negociações com Iris e Iris também está disposto a
negociar” (O Popular, 18/6/66).
142
Entrevista, ibidem.
143
Entrevista, ibidem.
93
Apesar dessa informação, na mesma edição havia uma reclamação sobre a
“indefinição de Iris” que, supostamente, queria apoio do governo estadual e federal
“sem a correspondência de um compromisso de natureza política.” A correspondência
era a adesão à Arena. “Eu comecei a receber mensageiros do governo federal.”
144
O
governador Otávio Lage também fez a sua parte nesse processo de cooptação. Em 20 de
junho de 1966, ele visitou Iris na prefeitura para retribuir duas visitas dele ao Palácio
das Esmeraldas. Iris recebeu bem o governador, pois diz que fora educado a respeitar as
autoridades e também pelo seu estilo de evitar o enfrentamento direto. Mas continuou a
dizer não aos convites de mudança partidária, só que sem provocar os interlocutores.
Paralelamente, dedicava-se ao que mais lhe interessava, a administração da
cidade, pois, planejara seu futuro político a partir do trabalho que desempenharia na
prefeitura. Seis meses depois de empossado, a prefeitura começa a investir em obras.
Em 4 de junho, Iris promoveu uma festa que começou às 9 horas da manhã e se
estendeu até as 22 horas para inaugurar a sede provisória da Prefeitura de Goiânia,
instalada onde hoje é a Praça do Trabalhador. O prédio tinha 2 mil m
2
e foi construído
em 84 dias. “É provisório, mas é a melhor sede que a prefeitura já teve” (O Popular,
5/6/66). Na inauguração, pela manhã, que teve a presença dos senadores Pedro
Ludovico Teixeira e João de Abreu, e de cerca de “5 mil pessoas”, Iris citou o nome de
todas as empresas que doaram material de construção para a obra. “O custo do prédio,
graças à colaboração oferecida por diversas firmas comerciais e industriais, foi a tal
ponto reduzido que, somente com a economia de aluguéis feita até agora, ficou pago o
preço da sede provisória” (Oásis, 1967, p. 17).
O próximo passo era iniciar a principal meta de Iris, a pavimentação asfáltica.
Na primeira entrevista ao Popular depois de diplomado prefeito, em 5 de janeiro de
1965, Iris anunciou que concentraria nessa meta a maior “soma de esforços, criando
inclusive uma autarquia, a Pavicap”, para fugir da burocracia da Secretaria de Obras. O
vice-prefeito Gabriel Elias Neto, concluiu a entrevista, prometendo asfaltar toda a
cidade em cinco anos de gestão e Campinas, em dois anos. “Eu descobri que a
prefeitura poderia cobrar o custo total do asfalto. Comecei a fazer reunião de rua em
144
Entrevista, ibidem.
94
rua, pegava o compromisso [do proprietário do imóvel] de pagar à vista e a prefeitura,
que asfaltava uma rua por ano, passou a asfaltar uma rua por dia.”
145
Para asfaltar uma rua por dia, Iris revela que começou a planejar o
cumprimento dessa promessa antes de ser empossado. Ele recorda-se da visita a Goiânia
do presidente do Banco Hipotecário de Minas, Vicente Araújo, que também era dono do
Banco Mercantil de Minas Gerais. Como prefeito eleito, ele conseguiu um espaço na
agenda do banqueiro para um encontro reservado, à noite, depois que ele cumpriu toda a
sua agenda. O futuro prefeito levou o presidente do banco para conhecer os bairros
nobres da cidade, todos sem asfalto, e apresentou-lhe seu projeto de criar a Pavicap, a
autarquia que administraria o asfaltamento e receberia o pagamento dos moradores. Iris
explicou a Vicente Araújo que precisava de capital, porque nem todo mundo poderia
pagar pelo asfalto. “Ele me perguntou: ‘quanto o senhor precisa?’ ‘De 1 milhão e 500
mil. Se o senhor me ajudar, eu ponho todo o dinheiro da prefeitura em seu banco.’”
146
Iris lembra-se de que Vicente Araújo prometeu ajudá-lo, mas lhe passou
algumas instruções. O primeiro passo era encaminhar projeto de lei à Câmara
Municipal, propondo a criação da empresa. Depois, Iris deveria fazer a mesma proposta
a outros bancos, incluindo o Banco Mercantil de Minas Gerais. Vicente Araújo era um
político da UDN, ligado ao governador mineiro Magalhães Pinto, relacionamento que
lhe rendeu a presidência do Banco Hipotecário de Minas, uma instituição do Estado de
Minas Gerais, e queria evitar que seus companheiros de partido reclamassem que estava
ajudando um prefeito eleito pelo PSD.
Pra você ver, era uma pessoa experimentada. [...] Então, ele me disse: “você chama todos e, se
quiserem, bem, vamos dividir; se não quiserem, eu faço sozinho.” Eu fiz como ele mandou.
Ninguém estava sabendo o que eu estava aprontando. Encaminhei à Câmara [o projeto]. Fiz a
reunião [com os bancos]. Dois gerentes se dispuseram a ajudar. Três, mas um ofereceu tão
pouco... O gerente do Banco Bandeirantes, Claudito Meirelles, que tinha um prestígio muito
grande na diretoria do banco, disse: “olha, a metade você pode deixar para nós.” Aí eu fui a
Belo Horizonte e disse [ao Vicente Araújo], “o Banco Bandeirantes se dispôs a ajudar com a
metade, agora a outra metade...” Aí ele chamou a diretoria e disse: “deixa esse dinheiro à
disposição do Iris.”
147
Iris encaminhou à Câmara o projeto de lei criando a Superintendência de
Pavimentação e Obras da Capital (Pavicap) logo após sua posse, em 4 de fevereiro de
145
Entrevista em 17/4/2007.
146
Entrevista em 25/6/2007.
147
Entrevista, ibidem.
95
1966. Em seguida, procurou a Corterra, a mesma empresa que asfaltara a 5ª Avenida na
gestão de Hélio de Brito. Entre seus sócios, estava o engenheiro Oton Nascimento,
secretário de Planejamento de Otávio Lage. Sua intenção era iniciar rapidamente a
pavimentação das ruas e esse fato político ficou pequeno diante de sua urgência. Iris
conta que mandou conferir o contrato anterior, para saber se a empresa poderia
prosseguir com as obras da prefeitura, e depois se reuniu com os sócios.
Quero saber se vocês estão dispostos a enfrentar comigo a pavimentação da cidade, porque eu
quero asfaltar Goiânia inteira. Aí vira o Oton, muito tranqüilo, e diz: “Prefeito, até que topar,
nós topamos, mas e dinheiro para nos pagar?.” “Vocês não se preocupem com isso. Entregou a
medição [do asfalto], dois, três ou quatro dias a prefeitura conferiu, está tudo certinho, vocês
receberão.” “Mas onde você vai arranjar dinheiro?” “Não se preocupem, eu tenho dinheiro, eu
vou reunir [os moradores], muita gente vai pagar à vista (eu não tinha feito reunião, não).”
“Mas olha, prefeito, nós temos de comprar muita máquina para fazer o que você está
pensando.” “Comprem as máquinas.”
148
Só então Iris iniciou as reuniões com os proprietários dos imóveis. Começou
pelo Setor Oeste. Eram quatro por noite. Ele reunia os moradores de uma rua em uma
das casas e informava do projeto e do custo do asfalto. Iris contou que pedia 50% do
pagamento à vista; parcelava em seis vezes pra quem não podia pagar à vista e dava
10% de desconto para quem pagava 100% à vista. Ele enumera: o asfalto começou pelo
Setor Oeste, depois foi para o Setor Sul, o Setor Aeroporto. Aí partiu para Campinas,
Vila Coimbra. Em seguida vieram a Vila Nova, Nova Vila e o Setor Universitário.
Em 32 anos de existência, Goiânia recebera 1 milhão de m
2
de asfalto; em um ano de ritmo de
mutirão recebeu 200 mil metros. E com mais um ano terá mais 300 mil. Dois anos serão iguais
a 50% de 32 [anos]. Ao final de seu governo, Goiânia terá o dobro de asfalto que possuía antes
que ele iniciasse seu trabalho incansável [...] Em uma administração far-se-á mais asfalto que
em toda a existência desta cidade. (Oásis, 1967, pp. 14–15).
A prefeitura abriu outras frentes de obras: urbanização de praças, construção
de moradias populares, do Parque Mutirama, a duplicação da Avenida Anhanguera,
entre a Avenida 24 de Outubro e o Dergo. Entre as praças que construiu, Iris se orgulha
especialmente da Universitária. Ele diz que encomendou o projeto ao arquiteto Eurico
Godói, um de seus importantes auxiliares. Passaram por ele os projetos do Parque
Mutirama e das casas do mutirão de moradia,
149
construídas no primeiro governo de Iris
148
Entrevista, ibidem.
149
Iris demonstra prazer em falar sobre as coisas de que se orgulha. Nessas ocasiões, fala
compulsivamente, emenda uma história na outra e deslancha uma narrativa buscando eventos, que a
princípio parecem não ter nexo com o assunto, mas que aos poucos vai fazendo sentido. Seu relato sobre
o dia em que o governo fez o mutirão das mil casas em Goiânia entrou na conversa por acaso. Ele
comentava sobre sua equipe na Prefeitura de Goiânia na gestão de 1966, quando se lembrou de Eurico
Godói, um arquiteto que o acompanhou desde aquela época. Iris emocionou-se ao se lembrar dele,
96
(1983–1986), além da Praça Universitária. As faculdades começavam a se instalar no
Setor Universitário e Iris achava que isso era um diferencial do bairro, que merecia uma
praça diferente. “‘Eurico, temos de fazer uma praça aqui que seja exemplo para o Brasil
e que o tempo não a transforme em algo obsoleto, que ela tenha um traço diferente’.
Você pega aquele projeto [da Praça Universitária]: é o que existe de mais moderno.
Você sobe e desce do mesmo lado da pista.”
150
A praça tem uma mão de trânsito no
sentido anti-horário e uma mão em uma via interna no sentido horário.
Para construir a Praça Universitária e abrir as avenidas no bairro, o prefeito
teve de desocupar uma invasão, com mais de mil moradores. Esta não era a única. Iris
recorda-se de que quando assumiu a prefeitura havia invasão na beira dos córregos, em
áreas públicas, como no Lago das Rosas e em frente à Pecuária. “A cidade, que tinha
ruas planejadas até onde havia só mato, foi ficando cheia de favelas, de gente vinda do
Norte ou da zona rural” (Realidade, p. 26). Iris conta que procurou três imobiliárias para
conseguir ajuda para abrigar os moradores retirados da invasão da Praça Universitária:
A do Coimbra Bueno, que era administrada pelo Costinha (José Costa Arantes), a do [Elias]
Bufáiçal e tinha uma outra. Eram três, três ou quatro existentes na época e pedi mil lotes para
abrigar o pessoal da Praça Universitária. “Oh, se vocês não quiserem doar eu vou instituir
imposto sobre o loteamento e vou tirar o dinheiro dos impostos.” Eu sei que deram, não
resistiram muito, deram a escritura direto para as pessoas. Eu mandava o nome [do
beneficiado] para a imobiliária e dava o dinheiro para ajudar a construir a casa. E assim fomos
retirando e construindo a praça. Retiramos dali, do Lago das Rosas.
151
Iris considera que esse foi um momento importante em sua trajetória
administrativa, por ter tido discernimento de pôr um fim nas moradias precárias
existentes em várias partes da cidade. “Por que eu enxerguei naquela época, há 40 anos,
os malefícios de uma favela? Quer dizer, eu, jovem ainda, já me irritava com aquela
promiscuidade de uma favela.”
152
Ele acha que teve essa percepção em função de sua
formação cristã. A escolha da palavra “promiscuidade” para se referir às relações entre
as pessoas nas favelas pode ter relação com a formação moralista que recebeu da igreja.
admitindo que foi um grande auxiliar. Recordando-se de Eurico, ele lembrou-se do mutirão da moradia, e
daí partiu para narrar como foi aquele dia. As lembranças de Eurico e de como o povo atendeu a seu
chamado para participar do mutirão que ergueu mil casas em um dia deixaram Iris frágil. Ele chorou pela
segunda vez. A primeira foi quando falou sobre o irmão Orlando, no dia em que completava um ano de
sua morte. Iris tenta ser racional no comando administrativo, mas, como toda liderança carismática, tem
um forte componente irracional (Weber, 1994).
150
Entrevista em 26/6/2007.
151
Entrevista, ibidem.
152
Entrevista, ibidem.
97
Nesse momento, não foi apenas a pobreza, as péssimas condições de moradia que
chamaram a atenção do jovem prefeito, mas crianças, moças e rapazes vivendo muito
próximos uns dos outros, sem privacidade, fundamental para o recato, que lhe era tão
caro.
Para enfrentar esse problema, Iris conta que criou a Cooperativa Municipal de
Habitação (Cohab). Os recursos para a construção de conjuntos habitacionais populares
eram do Banco Nacional de Habitação (BNH), criado pelo governo de João Goulart e
mantido pelos militares. Começou construindo 500 casas na Vila Redenção. Naquela
época só havia um conjunto habitacional em Goiânia, na Praça do Cruzeiro, mas com
menos de cem casas.
Em uma segunda etapa, relembra, foram construídas mais 1,1 mil casas na
Vila Redenção. Depois, a Vila União, com quase 2 mil casas, seguida da Vila Alvorada,
próxima da Vila União, com mais ou menos 400 casas, e a Vila Canaã, com cerca de
mil casas. “Foi aquele sucesso; acabamos praticamente com todas as favelas. E Goiânia
até hoje vem se mantendo livre dessa chaga. [...] Evitamos a favelização de Goiânia.”
153
Iris fala sem modéstia que sua geração precisa entender uma coisa: “Eu sempre estive
enxergando à frente quilômetros, em relação aos outros, inclusive na política.”
154
Além das obras e da construção de moradias populares para a “desfavelização”
da cidade, ele conta que descobriu que o BNH tinha uma linha de crédito para a
elaboração de planos diretores para cidades acima de 200 mil habitantes. Goiânia não
tinha ainda um plano diretor. Ele abriu uma licitação internacional, exigência legal,
porque o dinheiro era externo. A prefeitura criou o Instituto de Planejamento para
executar o plano, mas, em seguida, Iris foi cassado e ele não chegou a sair do papel.
Iris considera que realizou uma “administração revolucionária” na gestão
1966–1969, espalhando várias obras pela cidade. Todavia, além de realizar as obras, ele
não se descuidou de mostrar o que fez. Sempre divulgou suas ações político-
administrativas. Inaugurações de obras sempre foram acompanhadas de ruidosas festas.
Caso da duplicação da Avenida Anhanguera, um trecho de 2 quilômetros entre o Dergo
e a Avenida 24 de Outubro, em Campinas.
153
Entrevista, ibidem.
154
Entrevista, ibidem.
98
A prefeitura mobilizou empresários, que doaram cavaletes e tábuas para
formar uma mesa gigante, e a população, que doou comida e bebida para um banquete.
A marcenaria da prefeitura montou as mesas nos 2 quilômetros da nova pista. Os
moradores da região organizaram 14 comitês para arrecadar alimentos e bebidas e para
cuidar da organização do banquete. A inauguração ocorreu no dia 24 de outubro. A
programação começou às 19 horas, com o corte da fita e a bênção do bispo auxiliar de
Goiânia, d. Antônio Ribeiro de Oliveira e se estendeu até as 22 horas, com “grandioso
espetáculo em que se dará a apresentação de fogos de artifícios”, segundo o panfleto
que foi distribuído pela cidade.
O panfleto dizia: “Os chefes de quarteirões têm o prazer de convidar o prezado
amigo e dignos familiares para participarem do grande banquete comunitário, que os
moradores da Nova Anhanguera oferecerão ao senhor prefeito Iris Rezende Machado,
quando da inauguração daquela monumental avenida.”
155
A coisa mais difícil foi eu atravessar a avenida em cima de um jipe. Nós fechamos o trânsito
de todas as ruas que cortam a avenida e não tinha nem como passar um cachorro. Olhe, não sei
hoje, eu tenho a impressão que estavam 300 mil, 400 mil pessoas. Nunca vi tanta gente. Aí
não precisa dizer que o banquete não durou [risos].
156
Iris foi cassado em 17 de outubro de 1969, às vésperas da inauguração do
Mutirama, prevista para 24 de outubro. Esse fato ficou na lembrança das pessoas e não
por acaso. O nome Mutirama, outro projeto que passou pelas mãos de Eurico Godói,
nasceu da junção das palavras mutirão e autorama. Todos os passos de construção do
primeiro parque infantil de Goiânia foram bem divulgados. Iris teve a idéia do parque
ao visitar a Disneylândia, a convite do governo norte-americano. Encantou-se e pediu a
Eurico Godói para criar algo similar.
Não havia alguns brinquedos no Brasil. O trenzinho veio dos Estados Unidos e
os trilhos, da Alemanha. Iris lembra-se de que teve de fazer o desembaraço alfandegário
no Porto de Santos em silêncio, para evitar boicote da UDN, que controlava a
burocracia do Estado. “No dia em que chegaram esses brinquedos [risos] fizemos um
desfile [...] pela cidade, foi criando aquele ambiente. Sete dias antes da inauguração vem
155
Transcrição do texto de um exemplar do panfleto que faz parte do acervo pessoal de Iris Rezende.
156
Entrevista em 26/6/2007.
99
a minha cassação [...]. Por isso a cidade se chocou. Chocou. Goiânia, olhe...”
[silêncio].
157
Iris admite que um administrador só tem sucesso se montar uma boa equipe
para lhe dar sustentação administrativa e política. “Aí está o grande segredo de um
governo, seja ele municipal, estadual ou federal. Para mim [os assessores] são os bois de
carro. O carreiro é o coordenador, mas se você não tem bois de carro bons eles não
arrastam o carro.”
158
Ele se considera “muito criterioso” para escolher uma pessoa com
“motivação para crescer ou até para conservar o nome de bom político.” Não vê como
um problema um auxiliar com projeto eleitoral. Aliás, “pelo contrário, se ele tem
pretensão, se esforça mais ainda porque quer se consolidar.”
Montar sua equipe lhe deu trabalho em 1965, antes da posse. Naquela época, o
diretório do PSD elaborava a lista com seus indicados para os cargos nas prefeituras e
no governo e encaminhava-a ao chefe político, o senador Pedro Ludovico. A assinatura
de Pedro no documento era a palavra final: o prefeito tinha de acatar os nomes
indicados pelo partido. Pedro apadrinhava as indicações dos diretórios, que em
retribuição, eram leais a sua liderança. Mauro Borges foi o primeiro a romper com essa
tradição, e o fez porque era filho do chefe político, o único com liberdade para enfrentar
o pai. Nomeou quadros administrativos fora das indicações do PSD para um governo
inovador que buscava a racionalidade administrativa e a execução de um plano de
metas.
Iris tinha ambições administrativas e conta que quis repetir a ousadia de
Mauro. Ele lembra que recebeu a lista de secretariáveis do PSD – com o visto de Pedro
Ludovico – 30 dias depois de eleito. Na relação, informa, constavam os nomes de
pessoas como Venerando de Freitas, o primeiro prefeito da cidade, Alípio Gonçalves,
que já tinha sido secretário do Estado, Arquimedes Pereira Lima, entre outros. Ele conta
que não fez comentário e, em silêncio, foi estudar outros nomes. Buscou Nion Albernaz,
professor de matemática, que tinha sido seu colega na Câmara Municipal, para ser o
secretário de Finanças. Da Câmara, ele também tirou Perseu Matias. Lembrou-se de
José Pereira, um engenheiro que tinha sido seu colega na Escola Técnica de Comércio
de Campinas, mas era pouco conhecido na política; de Ueste de Oliveira, assessor
157
Entrevista, ibidem.
158
Entrevista em 28/1/2008.
100
jurídico que tinha sido colega de sua mulher, Iris Araújo, na Celg; de Eurico Godói, o
arquiteto que achava solução para todas as suas idéias. Foi atrás do professor Rubens
Carneiro, o diretor da Escola Técnica de Comércio de Campinas, onde Iris fez o curso
de contabilidade, para presidir a Pavicap.
[Eram] pessoas simples, competentes, ágeis. O Zé Pereira trabalhava dia e noite. Um dia eu
me deparo com ele lavando a Avenida Anhanguera às 3 horas da madrugada. Já tinham me
dito que o Zé estava lavando rua de madrugada. Um dia ia voltando de um compromisso, uma
festa qualquer, passei lá e vi. “Mas Zé, que loucura é essa, lavar rua de madrugada!” “Não, é
que eu tenho insônia; eu tenho que trabalhar.” Mas o Zé era um gênio. Eurico Godói. Esse eu
falo sem que seja ofensa a quem quer que seja: o dia que o Eurico morreu saiu um pedaço do
meu corpo administrativo. Ele era um homem que resolvia as coisas.
159
Com essa lista montada, Iris conta que procurou Pedro Ludovico. Mostrou-lhe
a ata do diretório subscrita por ele e disse-lhe que aqueles nomes não atenderiam a seu
projeto administrativo.
Como eu prefeito, menino, um jovem, vou repreender um homem como Geraldo Rodrigues
dos Santos, que me indicaram para secretário de Obras [...]? Como eu vou repreender a figura
mais respeitada da política de Goiânia, que é o Venerando de Freitas Borges? Não tenho
condições. Eu tenho de trabalhar com uma equipe da minha geração que eu tenha ascendência
sobre ela para exigir, porque se nós não pegarmos essa prefeitura e trabalharmos de dia e de
noite, de sábado a domingo (eu já estava com o mutirão na cabeça) vai ser o maior fiasco do
senhor aqui dentro. Aí ele disse: “Você já pensou se eu negasse um visto em uma ata dessa
para fulano, beltrano? Eles não me perdoariam. Mas você tem liberdade para escolher o
secretariado. Você apenas faz o seguinte, atente para pessoas que sejam honestas no
governo.”
160
Iris diz que se sentiu aliviado, e estimulado a revelar sua própria lista. A
maioria era desconhecida do senador. Ele teve de contar a história de cada um, inclusive
suas relações de parentesco para o senador saber a origem política da pessoa. Segundo
Iris, Pedro Ludovico fez apenas uma referência negativa à família de um dos indicados,
mas garante que essa pessoa foi nomeada, porque conseguiu demover a resistência do
senador com a ajuda de seu filho Paulo Borges.
161
“Você vê que eu tive a humildade e
o juízo de discutir com ele. Se eu não tivesse feito aquilo eu poderia ter criado um
problema com ele.”
162
Iris aprendeu com essa equipe que uma boa assessoria é
fundamental e reconhece: “Eu tinha boa assessoria, eu tinha.”
163
159
Entrevista em 26/6/2007.
160
Entrevista em 14/9/2007.
161
Iris pediu sigilo sobre o nome dessa pessoa.
162
Entrevista, ibidem.
163
Entrevista, ibidem.
101
Ele afirma que uma pessoa com muito conhecimento técnico em uma área
nem sempre tem facilidade de administrar. “Não adianta um bom engenheiro em uma
Secretaria de Obras se ele não é capaz de administrar.” Ele prefere o oposto: alguém
com capacidade de liderança, mas sem conhecimento técnico na área.
A primeira coisa que essa pessoa vai fazer é escolher um especialista e colocar do seu lado.
Então a competência [do governador ou prefeito] se mostra no momento em que ele vai
compor a equipe. Se ele escolhe um cidadão que não é da área, mas capaz de montar uma boa
equipe para esta área, vai embora. Quando eu indiquei o professor Rubens Carneiro para a
Pavicap, o Crea [Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura] [...] entrou na Justiça [...].
Eu disse não, e na diretoria técnica botei um engenheiro. E ganhei [na Justiça]. Eles me
perguntaram: “Iris, por que não um engenheiro, mas o Rubens Carneiro?” “Porque o Rubens
está provado por dez engenheiros. Ele não era capaz de ficar parado um minuto. Dirigindo a
escola, dava para a gente ver se o cara dá conta de alguma coisa.” Foi aquele show, show, um
professor.
164
Ele admite que é centralizador. Seus auxiliares têm autonomia para
desenvolver projetos, mas só os executam com a concordância do chefe. Para ele, essa é
uma centralização “que dá certo.” Iris não se importa com as críticas ao seu centralismo
(que, segundo ele, partem dos intelectuais), porque ele não se elegeu prefeito ou
governador “para atender esses teóricos da política, esses sociólogos da administração
pública.” O povo o elege, diz, para resultado, coisa que “sempre” mostrou. “Eu nunca
fui eleito governador ou prefeito para preocupar com meu comportamento com auxiliar.
Quando eu convido uma pessoa para me ajudar eu já digo ‘olha, eu sou assim, comigo
não tem férias, não tem domingo, eu quero viver tudo’. Eu quero dar palpite em tudo,
dia e noite.”
165
Iris sente-se injustiçado por não ser reconhecido como um administrador
eficiente. Ele entende o poder público “como um instrumento de busca de bem-estar
social”, “como instrumento de luta, de realização”.
Fui prefeito a primeira [vez], governador duas vezes, estou hoje na prefeitura. [...] A minha
política é a do trabalho. Por quê? Porque eu comecei a minha vida pública como prefeito e
como vereador no Estado que estava a precisar de tudo quanto era infra-estrutura. Goiânia não
tinha infra-estrutura quase nenhuma na área de urbanização. O Estado não tinha estrada, não
tinha energia rural, não tinha escola suficiente, não tinha hospital. Para você ter uma idéia,
quando eu fui governador eu construí mil salas de aula em um mês, não tinha uma criança fora
de sala de aula por falta de espaço. Então eu entendia que o Estado tem de proporcionar
ensino, o Estado tem de proporcionar saúde. Eu tenho um mérito muito grande no
desenvolvimento de Goiás, os adversários da gente relutam, mas...
166
164
Entrevista em 16/7/2007.
165
Entrevista, ibidem.
166
Entrevista em 17/4/2007.
102
Iris considera que não é político de “retórica em administração”, pois sua
prioridade sempre foi construir infra-estrutura. Ele acha que “tem sido bem-sucedido”
em suas administrações, porque é um “homem racional, prático.” Iris é da geração dos
políticos do nacional-estatismo, mas como tudo em sua vida, não tem posições
inflexíveis sobre o tema. “Se eu entendesse que a privatização de tudo fosse importante
para o povo eu privatizaria, mas eu entendo que certas coisas não podem ser
privatizadas.”
167
Iris orienta-se por convicções pessoais e não políticas ou ideológicas.
Segundo essas convicções, alguns serviços são mais bem feitos pelo poder público
(limpeza pública, por exemplo) e outros pela iniciativa privada (transporte coletivo).
Eu também não sou radical nessa questão que tudo deve ser feito pelo poder público. Acho
que o poder público deve transferir responsabilidade. Mas aquilo que, no momento, o que é
feito pelo poder público fica mais em conta, por que não fazer? Eu assumi o governo em 1983
sempre em dificuldade, cinco meses [de salário] de atraso. Durante uma semana fui
observando: olha, o que se gasta aqui com empresas de segurança, de limpeza. Imediatamente
dispensei as empresas que faziam segurança dos prédios públicos e coloquei a Polícia Militar.
Retirei todas as empresas que ficavam limpando, conservando e coloquei o Estado. Naquela
época tinha uma facilidade que não precisava de concurso. E passei com isso, já de imediato, a
economizar milhões.
168
Iris justifica essa sua flexibilidade ideológica com a seguinte afirmação:
Quando eu sou favorável às teses capitalistas são aquelas que representam mais garantias à
população; quando eu sou favorável às teses mais de esquerda é porque estou convencido que
aquele sistema é melhor para o povo. E é o que devagarzinho o Brasil vai entendendo, os
países desenvolvidos vão entendendo, que nós não podemos jungir os interesses do povo com
uma ideologia política de esquerda e de direita.
169
Ele justifica sua habilidade administrativa da mesma forma que explica sua
vocação para a política: é um dom.
Conduzir a administração pública com o mesmo zelo com que se conduz a administração
privada. Porque é comum, o cidadão não faz na empresa dele [e quando] ele assume a
administração pública lá ele faz. Por quê? Eu sempre tive isso: na administração privada a
gente sempre economiza água, energia, telefone, gasolina; não colocamos nosso carro onde ele
pode estragar. Por que na administração pública pode? Eu sempre entendi que a coisa pública
deve ser tratada como a coisa privada.
170
À exceção de sua rápida passagem pelo PTB, em sua estréia na política, Iris
nunca mudou de partido. Resistiu às investidas dos militares para que ele trocasse o
MDB pela Arena, quando era prefeito, até que foi cassado. Iris conta que em 1989 foi
167
Entrevista em 18/6/2007.
168
Entrevista em 9/7/2007.
169
Entrevista em 18/6/2007.
170
Entrevista em 9/7/2007.
103
sondado novamente a mudar de partido. Ela acabara de perder a convenção do PMDB
para Ulysses Guimarães, escolhido o candidato a presidente da República, e conta que
foi procurado na mesma noite pelo então presidente José Sarney e pelo ministro das
Comunicações, Antônio Carlos Magalhães, para que fosse candidato a presidente por
outra legenda. Ele recusou a proposta: “Eu ia me violentar, saindo no PMDB. Eu me
violentaria.”
171
Iris ficou no PSD até sua extinção, depois se filiou ao MDB até este
virar PMDB.
Ele sabe que não precisa presidir o diretório regional para ter controle sobre o
partido, basta exercer autoridade sobre a estrutura partidária. E isso ele faz mantendo-se
como expectativa de poder para seus seguidores. Ele mesmo só foi presidente do PMDB
em 2003, depois que já estava sem mandato, e por pouco tempo, até se eleger prefeito
de Goiânia, em 2004. A liderança de um partido, em sua opinião, é mantida com a
expectativa ou a realização do poder e com algo mais. Segundo ele, o líder partidário
precisa da confiança dos membros da direção. Um diretório estadual é composto por
mais de cem pessoas: 45 titulares, os suplentes e os delegados.
É claro que eu sempre tive influência, é claro que o partido existe como ferramenta em busca
do poder. O partido que não busca o poder não tem sentido. Poder é a ferramenta para ele
executar seus projetos. É claro que sendo prefeito, depois governador, me proporcionava voz
ativa, porque eu tinha contato com todas as lideranças. Eu sempre fui de uma liberalidade
extraordinária, sempre.
172
Iris não aceita as críticas internas de que é controlador e que ofusca outras
lideranças. Para se defender, afirma que apoiou ou lançou candidaturas de muitos
peemedebistas, caso de Henrique Santillo, que disputou o governo em 1986; de Sandro
Mabel, candidato a prefeito de Goiânia, em 1992, quando era um recém-chegado ao
PMDB; de Luiz Bittencourt, também a prefeito de Goiânia, em 1996, vencendo na
convenção o deputado Barbosa Neto, “que praticamente nasceu dentro do partido.” “Eu
nunca tive grupo, meu grupo sempre foi o partido. Tinha o grupo do fulano, do sicrano,
eu não; meu grupo é todo mundo.”
173
171
Entrevista em 16/7/2007.
172
Entrevista em 28/1/2008.
173
Entrevista, ibidem. Como Iris Rezende se considera um político vocacionado ele entende que deve ser
unanimidade no partido. Daí essa afirmação de que o tem grupo, seu grupo, nessa sua concepção, é o
partido. Só que há divergências internas, inclusive questionando seu comando, mas ele não as considera,
pois se coloca em uma posição acima disso.
104
Com 50 anos de experiência política, Iris teoriza sobre como deve ser um
político e o que ele deve fazer para manter sua liderança. Conquistar respeito e
credibilidade tanto no meio político, incluindo o próprio partido, e na sociedade por
meio de suas ações políticas e administrativas. Um político deve também ser leal a seus
companheiros, pois, do contrário, não vai longe, perde a confiança de todos. Político
sozinho também nada faz. Ele precisa de seguidores, e só uma pessoa leal montará um
grupo político. Precisa ser solidário para não perder companheiros. Deve ter disposição
para a luta e transmitir essa disposição a seus seguidores. É fundamental a um líder
político, afirma Iris, ter atitude, mesmo que essa atitude contrarie seu grupo ou seu
partido.
O que acontece que muita gente não entende na política? O que o povo quer em um líder? O
que cada companheiro quer de seus companheiros, um agrupamento de liderança, o que esse
agrupamento quer uns dos outros: confiança, segurança, lealdade. Ele quer se sentir seguro
integrando aquele grupo. Na proporção que uns vãos se manifestando com mais disposição de
coordenação, o que ele precisa? Precisa que todos passem a acreditar em sua liderança, em sua
qualidade de líder e isso se transmite ao povo. O que o povo quer do líder? O povo quer que
no momento em que ele está descansando em sua cama, ou vendo televisão que tenha alguém
cuidando do seu destino. O que envolve isso, a segurança do líder. Essa atitude é necessária.
Às vezes as pessoas não sabem, mas foi o que eu sempre procurei inspirar.
174
2.8 – O caçador e a caça: sobrevivendo ao golpe militar
O “show” administrativo, sua popularidade em ascensão, a resistência em
aderir à Arena e seu projeto de ser candidato a governador na eleição de 1970 pelo
MDB criaram, aos poucos, as condições políticas que levariam à cassação de seu
mandato em 1969. A tentativa de aproximação com Otávio Lage parou na
“radicalização” da política da época, segundo suas palavras. Iris lembra-se de que
marcou sua posse na prefeitura para as 10 horas a fim de que pudesse assistir à de
Otávio, à tarde. “Eu assumi a prefeitura procurando mostrar o máximo de respeito,
porque eu sempre fui respeitoso.”
175
Passados três meses da posse, ele pediu audiência
ao governador. Foi ao Palácio acompanhado do concunhado de Otávio, o professor
Jerônimo Geraldo de Queiroz, que tinha sido seu professor na Faculdade de Direito.
174
Entrevista, ibidem.
175
Entrevista em 17/4/2007.
105
Iris conta que informou a Otávio que o marechal Ribas Júnior havia autorizado
o asfaltamento de 1 milhão de metros de rua em Goiânia na gestão de Hélio de Brito. O
Estado já havia construído 500 mil metros e ele solicitou, então, a liberação dos 500 mil
metros restantes. Iris diz que propôs a Otávio que os dois trabalhassem juntos. “O
senhor não é relacionado em Goiânia, não é amado em Goiânia, mas acho que,
institucionalmente, nosso relacionamento será bom para mim e para o senhor”
176
Ele também pediu ajuda a Otávio para atender a um “compromisso de honra”
com Campinas: tirar o meretrício do bairro. “Aquilo dava um complexo nos
campineiros de matar. À noite lá enchia de homem, de mulher. Então, a Segurança
Pública estabeleceu que toda casa de meretrício tinha de ter uma lâmpada vermelha na
porta. Meu Deus do céu, aquilo lá vermelhou quase tudo! [risos].”
177
Ele então propôs a
seguinte parceria a Otávio: o governo construiria postos de saúde, uma delegacia de
polícia; a prefeitura faria o asfalto e proibiria o funcionamento das casas de prostituição.
Informa ter esclarecido a Otávio que não promoveria a UDN no bairro, mas prometeu
ajudar o governador a ser “amado” pelos campineiros.
Iris disse que Otávio foi receptivo e pediu para ele preparar alguns projetos.
Conta que, quando voltou com os projetos, sentiu o governador frio. Iris entendeu o que
aconteceu depois que se encontrou com um conhecido, Edmundo Leite. Este lhe contou
que lideranças da UDN reagiram contra sua proposta de parceria administrativa e ainda
teriam ironizado o governador, afirmando que até ele teria caído na conversa de Iris. Foi
em retribuição a essas duas visitas que Otávio foi conhecer a sede provisória da
prefeitura em junho de 1966, quando o governo ainda tinha esperança em uma
aproximação política.
Aos poucos, entretanto, a separação foi inevitável. Iris lembra-se do primeiro
choque entre eles. Otávio tinha solicitado ao prefeito para retirar uma feira livre,
realizada duas vezes por semana na porta do Palácio das Esmeraldas, ao lado do
Tribunal de Contas. Iris conta que atendeu ao pedido e transferiu a feira para a Rua 83.
Na ocasião, ele tinha decidido construir uma praça suspensa onde era o Mercado
Central, na Rua 4, com estacionamento subterrâneo. Já tinha assinado o decreto
tornando a área de utilidade pública, quando os comerciantes do mercado reagiram. Eles
176
Entrevista, ibidem.
177
Entrevista, ibidem.
106
descobriram que a área pertencia ao Estado e pediram ao governador para não permitir a
mudança.
Dois amigos de Iris entre os comerciantes foram direto à prefeitura contar-lhe
a conversa e a promessa do governador de manter o mercado no local. Iris lembra-se de
que, na semana anterior ele tinha recebido uma comissão de moradoras da Rua 83 para
reclamar da transferência da feira.
Aí eu chamei o chefe da feira e disse: “Olha, você vai trazer os feirantes para me pedirem para
eu voltar para onde era.” No dia seguinte eu meti a feira lá no quintal do Palácio. Aí ele ligou:
“mas prefeito, o pessoal da feira voltou.” “Governador, o senhor garantiu para o povo do
mercado que eles não sairão de lá enquanto o senhor for governador; eu estava num desgaste
grande com os feirantes e eu trouxe eles de volta para consertar o desgaste, e nós ficarmos
equilibrados.”
178
Assim foi o relacionamento entre Otávio e Iris, até a cassação de seu mandato,
em 1969. Iris lembra que começou a receber mensageiros do governo para mudar de
partido logo depois que os mutirões começaram a fazer sucesso. Ele conta que foram
vários, e nunca se esqueceu do último mensageiro, o coronel Nogueira Vaz, comandante
da 11ª Região Militar. Ele o recebeu na prefeitura.
Só o meu gabinete era fechado, o resto da prefeitura ficava num galpão. Ele disse: “O senhor
recebeu três emissários do presidente [da República] para entrar na Arena.” Naquela altura, o
presidente da Arena já era Juca Ludovico, que foi meu adversário. Ele disse: “Eu devo
adiantar ao senhor [...] que quem não estiver na Arena não terá água.” Eu, com muita calma,
disse: “Olha, eu me fiz político na política estudantil, onde a gente discursa nas reuniões do
grêmio, defendendo verdade, democracia. Eu não tenho como entrar em uma instituição que
tem como princípio defender um governo revolucionário, um governo de arbítrio. General,
vou dizer para o senhor, eu sei que eu vou passar a seco, mas eu vou fazê-lo com
tranqüilidade.” Eu fiz aquilo consciente.
179
Iris não perdia o foco em sua sobrevivência política e, para isso, transitava por
uma linha tênue entre uma postura de oposicionista, mas sem desagradar aos militares.
Naquele dia, ele disse mais um não, apesar da clara ameaça, porque sentia que pior para
seu futuro político não era ficar “sem água”, era mudar de lado.
Você acha que eu cheguei aonde cheguei se tivesse falseado com a verdade, com os
princípios, com tudo aquilo que eu defendi nos dias de ditadura? Nunca. Na Assembléia, como
presidente, é que eu me consolidei como líder em Goiás justamente pelas minhas posições
prudentes [põe ênfase na palavra prudente], conseqüentes, mas firmes.
180
178
Entrevista, ibidem.
179
Entrevista, ibidem.
180
Entrevista, ibidem.
107
Ele conta que seus assessores tentaram convencê-lo a ceder à pressão dos
militares. Eles redigiram um manifesto, para ser enviado a Brasília, em que ele
informava sua adesão. Iris garante que nunca chegou a assinar o documento, que teria,
inclusive, recebido o carimbo com seu nome. A cópia desse manifesto apareceu na pré-
campanha eleitoral de 1982. Em janeiro daquele ano, a TV Anhanguera promoveu um
debate entre o então prefeito Índio do Brasil Artiaga e Iris Rezende, pré-candidato a
governador pelo PMDB. Iris fazia campanha eleitoral desfiando duras críticas à ditadura
militar. Para tentar desmoralizá-lo, Índio exibiu no ar cópia desse documento do final da
década de 60 e acusou-o de adesista. Na época, a TV Anhanguera ainda não media a
audiência de sua programação por meio de pesquisas, mas Jackson Abrão, diretor de
Jornalismo da emissora, recorda-se de que o debate mobilizou a cidade, pois foi o
primeiro debate político na TV brasileira depois do início da abertura política, que
começou com a anistia em 1979. “Parecia clima de Copa do Mundo”, relembra o
jornalista em entrevista a esta pesquisadora.
181
Iris defendeu-se alegando que carimbo
não era assinatura e garantiu que o documento nunca foi enviado.
O clima político não lhe era favorável, mas Iris não imaginava que corria risco
de perder o mandato. Ele dedicava-se à administração da prefeitura, fazia propaganda
das obras que espalhava pela cidade com o intuito de se cacifar para disputar, pelo
MDB, a eleição para governador em 1970. Sua ambição política incomodou seus
adversários. Iris acha que uma visita que fez a Uruana foi a cartada final no processo
que culminou com sua cassação. Ele já estava com a campanha nas ruas. Eram
calendários, cartazes e santinhos com os slogans “Iris eleito, povo satisfeito” e “Bom
para 70.” Esse santinho trazia a foto de Iris na frente e, no verso, a imagem de um
machado sobre o mapa de Goiás, em verde e amarelo, impressos abaixo de um arco-íris.
Diferentemente de hoje, a legislação eleitoral não fazia restrições ao início da
campanha.
Iris não se lembra da data exata, mas conta que o deputado Anapolino de Faria
convidou-o a ir à festa de aniversário de Uruana.
182
Recorda-se de que resistiu ao
convite, pois imaginou que o governador estaria na cidade para as comemorações
181
Entrevista em 3/7/2008, em sua sala na TV Anhanguera.
182
Uruana faz aniversário em 20 de julho. Como a visita foi antes da cassação de Iris e quando ele já
estava em campanha para a eleição estadual de 1970, esse episódio deve ter ocorrido em 20 de julho de
1969.
108
oficiais do aniversário e queria evitar enfrentamento público. O deputado insistiu,
garantiu que o Otávio não estaria lá, e foram. Quando o avião estava pronto para posar,
o comandante informou que o governador estava no aeroporto. “Eu quase bati no
Anapolino. ‘Olha, aí, Anapolino, você me bota em uma fria. Olha o povão que está aí, e
os nossos companheiros serão só uns gatos pingados. Toca em frente, vamos para
Ceres, deixa esse povo sair, depois a gente vai lá cumprimentar o presidente do
diretório’.”
183
Mais tarde eles voltaram a Uruana, desceram no aeroporto e encontraram o
presidente do diretório e uma comitiva de peemedebistas. Segundo Iris, o dirigente
contou-lhe que o MDB havia levado muita gente ao aeroporto para recebê-lo. Quando o
governador desceu, não havia ninguém do governo para recepcioná-lo, somente o
presidente do MDB. Aí o governador, segundo esse relato, voltou para o avião e ficou
esperando seu pessoal.
Coincidiu que a casa do presidente do diretório ficava distante um quarteirão da casa do
prefeito. O Otávio lá, com umas 20 pessoas e umas 2 mil pessoas na casa do presidente do
diretório. Tiveram que me tirar de dentro da casa, subir no muro para falar, para o povo não
arrebentar tudo [falou com muita ênfase]. O Otávio Lage chega em Goiânia e na segunda-
feira... A minha vida mudou ali.
184
Iris tentava neutralizar as reações da UDN mantendo uma política de boa
vizinhança como o comando do Exército em Goiás. Reagia a algumas medidas dos
militares, mas mantinha o diálogo. “Eu tinha um entendimento, um equilíbrio, uma
sensatez que enfrentar a ditadura não era ficar insultando, como se eu fosse uma mosca
em torno de um elefante, não era. Eu tinha que mostrar que era um governo, um
governo democrático.”
185
Essa estratégia o deixou bem com os militares, mas suas
ações administrativas e políticas, a conseqüente popularidade, e sua ambição eleitoral
levaram a Arena a declarar guerra contra ele. “Eles tentaram a minha cassação com o
[presidente] Costa e Silva. Umas três ou quatro vezes anunciaram a minha cassação.
Quando Costa e Silva adoeceu, e assumiram os três ministros, Otávio Lage assinou um
manifesto e levou aos ministros. Ele negava, mas depois chegou às minhas mãos a cópia
desse documento.”
186
183
Entrevista, ibidem.
184
Entrevista, ibidem.
185
Entrevista, ibidem.
186
Entrevista, ibidem
109
O presidente Costa e Silva ficou doente em meados de agosto de 1969. Ele foi
afastado do cargo assim que os militares perceberam seu estado de saúde – ele tinha
sofrido uma isquemia cerebral. Um golpe dentro do golpe impediu a posse do vice-
presidente, Pedro Aleixo. Em 31 de agosto, uma junta militar assumiu a Presidência da
República. A cassação de Iris ocorreu depois da licença de Costa e Silva e foi assinada
pela junta militar. O novo presidente, Garrastazu Médici assumiu 13 dias depois de sua
cassação, em 30 de outubro de 1969.
As tentativas de cassar Iris são anteriores à doença e ao afastamento de Costa e
Silva. Em 2 de junho de 1969, o governador Otávio Lage encaminhou o ofício nº
148/69 ao ministro da Justiça, Luiz Antônio da Gama e Silva.
187
No documento, de três
laudas e com o carimbo de confidencial, Otávio diz que se limitaria “ao
encaminhamento de documentos, fazendo ligeiras observações, mas sem formular
qualquer pedido a respeito.” O governador afirma que deixava a critério do ministro as
medidas que considerasse convenientes.
O governador, então, informa que Iris era candidato oposicionista,
“virtualmente lançado e já em plena campanha eleitoral” a sua sucessão no governo e
diz que, mesmo assim, não o anima “nenhum radicalismo político-partidário.” Apesar
disso, afirma que Iris “tem se pautado por normas condenáveis e divergentes dos
princípios e objetivos revolucionários” nas questões políticas, sociais e até
administrativas.
Relata que ele é “pródigo em discursos em comícios, na imprensa, no rádio e
na televisão”, mas sem nunca dizer “uma palavra de solidariedade à revolução.” “Ao
contrário, cercado sempre de assessores audaciosos, e aparentemente indefinidos, mas
na verdade, afinados com a corrente anti-revolucionária, encarna o senhor Iris Rezende
Machado a esperança de retorno à filosofia e aos sistemas administrativos proscritos
pela revolução.” O governador informa que Iris mantém contato permanente com os
políticos cassados e que é “fiel e doce às orientações do senador Pedro Ludovico
Teixeira.”
O ofício informa ao ministro Luiz Gama que Iris mantém, na prefeitura, ex-
assessores de Mauro Borges, entre eles Sebastião Arantes, e chega ao ponto central do
187
A cópia desse ofício foi publicada pelo Popular em 7/10/1995, às vésperas da cassação de Iris
completar 16 anos.
110
documento: “Com eles e outros elementos arrebanhados em áreas contaminadas pela
pregação subversiva, montou o esquema de sua campanha para governador, já em
desenvolvimento desde 1966.” Otávio afirma que a administração municipal está toda
voltada para esse projeto. “Tudo converge, com exclusiva preocupação para as eleições
estaduais de 1970. Nos círculos oposicionistas e anti-revolucionários, a candidatura do
senhor Iris Rezende Machado é difundida com elevada carga de propósitos revanchistas
e subversivos.” O governador reclama ainda que correligionários de Iris espalhavam
pelo Estado que a candidatura dele era estimulada “sorrateiramente por autoridades
militares de escalões intermediários.”
Otávio diz que poderia incluir na documentação que acompanha seu ofício
muitos outros fatos “como corrupção em alta escala”, mas explica por que não o faz:
“Entretanto, as naturais reservas de meu governo, por se tratar de adversário político, e
as barreiras defensivas criadas pelos órgãos competentes da prefeitura, não nos
permitiram penetrar nos meandros da administração do senhor Iris Rezende Machado
para a coleta de provas.”
Em entrevista ao Popular 30 anos depois de enviar esse ofício ao ministro da
Justiça Luiz Gama, publicada pelo jornal junto à cópia do ofício, Otávio Lage reafirmou
não ter pedido a cassação dos direitos políticos de Iris. Declarou que a Comissão
Especial de Investigação (CEI) recebia denúncias, até de populares, e que ele as
encaminhava ao Ministério da Justiça. Segundo Otávio, na ficha de Iris só havia
informações considerando-o “demagogo.” O prefeito, afirmou, não era considerado
subversivo, era amigo pessoal do comandante do 10º BC e não foi punido por
corrupção. Documentos que um ex-agente do CEI repassou ao Popular revelaram que,
em dezembro do ano anterior, Otávio havia encaminhado outro relatório com denúncias
das atividades políticas e administrativas de seu adversário ao militares em Brasília.
Cinco meses depois do ofício de Otávio ao ministro Gama Silva, em 17 de
outubro de 1969, Iris foi cassado mesmo não representando os ideais “subversivos” e
“anti-revolucionários”, o que reforça a hipótese de que a punição, em seu caso, foi
política e ocorreu pelo temor da Arena de crescimento de sua candidatura à sucessão do
governador. Foi um ato político-eleitoral.
Iris garante que não guardou mágoa de Otávio. Primeiro, porque diz que “não
sabe odiar ninguém.” Segundo, porque entende tudo que ele fez como parte de uma luta
política. Olhando os fatos retrospectivamente, ele afirma que entendeu tudo aquilo
111
como “jus sperniandi”, ou seja, “o direito que ele tinha de espernear para acabar com
seus adversários”, para ele, uma coisa normal da política, que até hoje é assim: “Se o
cara não tem defeito o adversário põe, inventa as coisas.”
188
Na época, entretanto, ele
admite que ficou “extremamente revoltado” quando recebeu a notícia do decreto de
cassação. “Cheguei a ficar durante algum tempo emburrado com Deus, porque eu sou
muito temente a ele. Pensei:
Uai, eu tomado de ideal, só pensava na administração, querendo fazer mais, o melhor, até hoje
é do meu feitio, você vê, eu pego o poder e o que eu quero? É fazer mais que os outros, fazer
melhor que os outros, servir melhor que os outros; é ser mais amigo dos pobres do que os
outros; é isso. [...] Mas naquele auge, o Estado inteiro vibrando com meu trabalho. [...] Ele me
cassou, contribuiu para minha cassação, formalizou o pedido que depois foi mostrado à
sociedade. Mas era uma luta na época, era luta política. Eu era um entrave na vida dele,
porque eu ia ganhar a eleição [para governador, em 1970]. Ia ganhar tranqüilo, com 80%. Me
cassaram e daí a uns dias acabaram com a eleição para governador. Eu entendia aquilo como
uma luta. Eu era um adversário, sob o aspecto eleitoral, perigoso, porque eu vinha de vitória
sobre vitória.
189
Iris confessa que só entendeu a “injustiça divina” quando o governo acabou
com a eleição direta para governador, marcada para o ano seguinte a sua cassação:
190
“De repente, pouco mais de um mês depois, vem um ato acabando com a eleição para
governador. Se eu não tivesse sido cassado, ia disputar o quê? Deputado, senador, num
regime de arbítrio onde deputado não podia falar nada. Se fala no dia seguinte é
cassado. Então eu ia ser medíocre.”
191
A censura impediu esclarecimentos sobre a cassação de Iris Rezende. Uma
nota na capa do Popular, com o título “Ministros cassam prefeito de Goiânia, fazia
apenas a comunicação do fato. A Folha de Goiaz abriu sua edição de 18 de outubro de
1969 com a manchete “Cassados Iris e mais 13, mas, apesar do destaque da notícia na
capa, a informação também não passou de um mero comunicado sem reportagem
interna. Curiosamente, no Popular do dia 17, quando a cassação era assinada
188
Entrevista em 4/7/2007.
189
Entrevista, ibidem.
190
O Ato Institucional nº 3, de fevereiro de 1966, fixou eleições indiretas para governador, vice-
governador, prefeito e vice-prefeito das capitais. Só que a Constituição de 1967 definiu, em seu artigo
175, das Disposições Transitórias, a primeira eleição geral de deputados e a parcial de senadores, assim
como a dos governadores e vice-governadores, para 15 de novembro de 1970. A Emenda Constitucional
nº 1, de 17 de outubro de 1969, mudou novamente a regra: o artigo 189 determinou que a eleição do
próximo ano para governador fosse indireta, realizada em sessão pública e mediante votação nominal,
pelo sufrágio de um colégio eleitoral constituído pelas respectivas Assembléias Legislativas e que o
colégio eleitoral se reuniria em 3 de outubro de 1970. Publicada no Diário Oficial da União em 20 de
outubro, a emenda acabou com a eleição direta para governador três dias depois da cassação de Iris.
191
Entrevista, ibidem.
112
silenciosamente, Iris declarara ao jornal que seria candidato pelo MDB. Depois da
cassação, os jornais só trataram do processo de escolha e nomeação do futuro prefeito,
Leonino Caiado, empossado em 23 de outubro.
Iris Rezende ficou sabendo que estava cassado e com os direitos políticos
suspensos por dez anos na tarde daquela sexta-feira, dia 17. Ele despachava na
prefeitura quando recebeu um telefonema do jornalista e amigo Domiciano de Faria.
Chegara um telex à redação do Popular informando a decisão. Iris ouviu a informação
do amigo, mas duvidou, porque já havia circulado a mesma notícia outras vezes. Mais
tarde Domiciano voltou a ligar: o programa Voz do Brasil, transmitido em cadeia
nacional de rádio, havia confirmado a informação. Iris recorda-se de que passava das 20
horas.
Ele deixou seu gabinete e foi direto para o 10º BC. O comandante estava em
reunião e sua mulher recebeu o prefeito recém-cassado. Quando o coronel veio falar
com ele, Iris diz que fez o seguinte pedido: “Coronel, eu só quero do senhor uma coisa,
que não permita que o governo do Estado me humilhe, porque eles vão me humilhar,
eles vão praticar arbitrariedades comigo.”
192
O coronel tranqüilizou-o, pediu para que
fosse para sua casa e informou-o de que sua rua já estava cheia de gente. Iris morava na
Rua Pará, em Campinas. Dois quarteirões antes de sua casa, o carro não teve mais como
seguir adiante. Ele desceu e chegou a pé. “Ali estava uma multidão. Cheguei em casa,
fui para a sala, a minha casa tinha duas entradas. As pessoas entravam por uma porta,
me cumprimentavam e saíam pela outra. Até hoje eu não me esqueço daquele quadro
[risos], eu não perdi a calma nem um segundo.”
193
Já eram 2 horas da manhã e sua casa ainda estava cheia de gente, quando caiu
uma chuva muito grossa. As pessoas foram saindo, e Iris conta que o alpendre ficou
coberto de títulos de eleitor rasgados. No dia seguinte estava prevista a inauguração da
Praça Santos Dumont (Praça do Avião) e começou uma reação no Setor Aeroporto. Iris
diz que foi até lá conter as pessoas.
O presidente da Subcomissão Geral de Investigação soltou uma nota oficial, tão chocada ficou
a cidade, esclarecendo que o prefeito Iris Rezende não foi cassado por corrupção, não foi
cassado por ingerência da subcomissão, porque nada existe contra ele naquela comissão.
192
Entrevista em 17/4/2007.
193
Entrevista, ibidem.
113
Soltou essa nota. Eu passei a respeitar ele; ele foi um homem corajoso, porque ele só via
trabalho meu aqui, não via envolvimento meu com qualquer ato de subversão.
194
No domingo à noite, Iris relata que foi chamado ao 10º BC para uma conversa
com o coronel José de Lima Castro, o coronel Fleury e o capitão Fleury. Eles disseram a
Iris que tinham duas perguntas a lhe fazer. Perguntaram por que ele se recusara a
nomear um coronel do Exército para um cargo na prefeitura, ao tomar posse, em 1966, e
se ele tinha ido ao Rio de Janeiro hipotecar apoio à candidatura do general Albuquerque
de Lima, que disputou a sucessão de Costa e Silva com Médici. Iris respondeu que foi
procurado por um militar, na solenidade de posse de Otávio como governador, com o
pedido para nomear seu irmão para um cargo na prefeitura e que respondeu que não
tinha como fazer nomeações. Confirmou a visita ao general Albuquerque, no Rio, mas
disse que não fora hipotecar apoio a sua candidatura.
Iris lembra-se de que foi uma denúncia de corrupção na Cohab que o
aproximou do general Albuquerque, ministro do Interior de Costa e Silva. A Cohab
estava construindo a primeira etapa da Vila Redenção e já estavam prontos os projetos
para a segunda etapa e para a construção da Vila União. Segundo a denúncia, um
funcionário da Cohab teria pedido propina a uma das cinco firmas que ganharam a
concorrência para a segunda etapa da Vila Redenção.
Quando começou um movimento na Assembléia, na Câmara [de Goiânia] e na Câmara dos
Deputados. Na Câmara, o Pedro Besteira; na Assembléia um deputado da UDN, e na Câmara
dos Deputados, o Lisboa Machado, denunciando corrupção na Cohab. E isso saiu publicado
nos jornais do Rio e de São Paulo. Isso foi em uma quinta-feira. Na sexta sai nos jornais. O
Pedro Besteira vinha falando aquilo, mas naquele dia falaram e deram publicidade nacional.
195
Iris disse que tomou providências rápidas, porque pressentia a gravidade do
momento. Instaurou uma comissão de sindicância, suspendeu a diretoria da Cohab até a
conclusão das investigações e assinou um decreto determinando a prisão administrativa
do servidor João Braga, suspeito de ser o autor do pedido. Segundo Iris, João Braga foi
funcionário do BNH e veio para Goiânia para ajudar na implantação da Cohab. Nion
Albernaz era presidente da empresa e secretário de Finanças do município. A suspensão
da diretoria incomodou Nion, e ele pediu seu afastamento também da secretaria, que foi
ocupada por seu chefe de gabinete, Ovídio de Angelis.
194
Entrevista, ibidem.
195
Entrevista em 18/6/2008.
114
Na mesma noite da publicação da denúncia pela imprensa nacional, Iris disse
que um avião da FAB desceu em Goiânia com uma comissão de investigadores do
Ministério do Interior e do BNH. Iris conhecia o funcionário do BNH designado para a
investigação. Ele estivera em Goiânia outras vezes para fiscalizar o andamento das
obras da Vila Redenção. “Você veja, como Deus conduz as coisas. Um dia chamei esse
cara, mostrei-lhe a [Vila] Redenção, levei-o para almoçar em casa. Acho que ele ficou
um tanto quanto impressionado, a minha casinha pequenininha, aquela conversa simples
ali no almoço.”
196
No dia seguinte à chegada da comissão, o secretário Perseu Matias localizou
Iris pela manhã, em uma obra, para informá-lo da presença da comissão do governo
federal em Goiânia. Iris foi até a Cohab, reuniu-se com os interventores e disse:
“Tem o ditado que onde existe fumaça existe fogo, pode até ter uma ameaça de fogo, mas não
se praticou corrupção aqui. O que existe é tentativa e o resto é politiquice e os senhores não
transformem sua presença em Goiânia num ato político [...], porque aí a minha reação será a
reação de um homem injustiçado. [...] Vocês abram tudo, os senhores estão livres. As medidas
que eu tinha que tomar, eu já as tomei. Agora se as minhas não serviram e os senhores vieram,
amanhã as dos senhores não vão servir mais, de forma que os senhores façam a coisa certa.”
197
Segundo Iris, feito o pedido, ele deixou a sala e já estava na porta do elevador
quando foi abordado pelo funcionário do BNH que participava da comissão de
investigação. Ele o convidou para descerem a escada a fim de terem tempo de
conversar. O funcionário informou a Iris que sua situação estava muito séria no
Ministério do Interior. Segundo o relato que Iris ouviu, o ministro Albuquerque Lima
teria ficado nervoso ao ler, pela manhã, a notícia da denúncia na imprensa. Em seguida,
o ministro teria recebido um telefonema do governador de Goiás, dizendo que “a
revolução está desmoralizada aqui em Goiás”, com “prefeito praticando corrupção e
ninguém tomando providência.” Segundo o funcionário, o ministro chamou-o e a seus
colegas, repetiu o que acabara de contar a Iris e mandou que fossem a Goiânia, sem nem
passar em casa para pegar roupa.
“A ordem era para prender o senhor” “E por que vocês não me prenderam?” “O assessor
jurídico do ministério disse para o ministro que nós não temos competência para prender um
prefeito. E ele [Albuquerque Lima] disse ‘não importa, prenda depois a Justiça solta, mas nós
temos de dar uma satisfação ao povo.” Desse tipo, o Albuquerque Lima. “Mas e por que vocês
não me prenderam?” “É porque quando chegamos aqui no hotel, tomamos conhecimento que
o senhor já tinha prendido gente, tinha destituído, tinha nomeado intervenção lá para a Cohab.
“Você imagina, questão de horas, de horas. “Aí o presidente da comissão telefonou para o
196
Entrevista, ibidem.
197
Entrevista, ibidem.
115
ministro daqui, às 11 horas da noite, quando nós chegamos no hotel e contou para ele. “Olha,
então a história do governador não está bem contada, vocês vão com mais cautela’. “Mas o
senhor não comenta que eu estou lhe contando.”
198
Iris guardou segredo, mas foi tomar providências para se manter no cargo. No
dia seguinte, viajou para o Rio de Janeiro, sem revelar o motivo da viagem. Pediu ao
deputado federal Anísio Rocha que marcasse uma audiência com o ministro
Albuquerque. Iris informou ao ministro as providências que tomara para apurar a
denúncia e lhe pediu o seguinte: “Eu quero que o senhor designe o SNI, porque eu acho
que eu mereço isso dessa República, para fazer lá este levantamento para o senhor ver o
que estão preparando contra mim.”
199
Iris relata que no dia seguinte recebeu um
telefonema de Anísio de Souza com a seguinte informação: “Olha, a sua encomenda já
foi e já deve ter chegado aí ontem, quando muito hoje.”
A providência, segundo Iris, permitiu uma investigação isenta. Posteriormente,
Iris recebeu do presidente do BNH, Mário Trindade, no Rio, a informação de que as
investigações não confirmaram a denúncia e que os recursos seriam liberados para a
continuação das obras dos conjuntos habitacionais. Iris conta que no mesmo dia voltou
ao ministério e disse a Albuquerque Lima:
Ministro, eu vim aqui porque encontrei na vida um homem que respeita a dignidade dos
outros. O senhor tinha tudo para me triturar, levando em conta o sistema político que nós
vivemos, mas o senhor me dispensou sua consideração. Talvez o senhor tenha percebido o
sofrimento estampado em meu rosto naquele dia em que vim aqui. [...] Quero falar para o
senhor uma coisa: se eu morrer antes do senhor, o senhor tenha a certeza de que eu morri
agradecido ao senhor, sou grato. Se o senhor morrer antes, morra sabendo que eu vou chorar a
sua morte.
200
Segundo Iris, o ministro o convidou a jantar em sua casa naquela noite. A
partir desse dia, ele visitava o general Albuquerque Lima todas as vezes que ia ao Rio
de Janeiro. Para seu azar, uma dessas visitas ocorreu no dia em que a Vila Militar se
insurgiu contra a escolha do presidente da República, por isso Iris teve de prestar
esclarecimentos sobre esse encontro aos coronéis Lima Castro e Fleury e ao capitão
Fleury no domingo, dois dias depois de sua cassação, ao ser chamado ao 10º Batalhão
de Caçadores.
198
Entrevista, ibidem.
199
Entrevista, ibidem.
200
Entrevista, ibidem.
116
Feitos os esclarecimentos, os três militares revelaram a Iris que na noite de
sexta (17 de outubro) para sábado, eles haviam reunido os oficiais superiores de Goiás
para avaliar sua cassação. Decidiram, então, redigir um manifesto, que foi levado pelo
coronel Fleury ao general Dióscoro Gonçalves do Vale, general da 11ª Região Militar e
do Comando Militar de Brasília. O manifesto pedia a retificação do decreto de cassação
com a exclusão de seu nome. Segundo o relato de Iris, os militares disseram ter
mostrado ao comando que o prefeito utilizava “o poder para o trabalho, exclusivamente
para trabalho.”
O general Dióscoro pediu então esclarecimentos sobre esses dois fatos e
autorizou a retificação da cassação de Iris, caso suas explicações convencessem os três
militares. Como eles se convenceram com as justificativas, o coronel Costa Lima
orientou Iris a voltar à prefeitura no dia seguinte, mas sem dar entrevista. Mandou sua
assessoria afirmar que ele estava lá “‘por ordem militar’.”
Então, eu reassumi a prefeitura. Aquilo foi um negócio inédito, foi um zunzunzum. Naquela
época tinha um sistema de comunicação, a imprensa já falava com o Rio e São Paulo com uma
certa rapidez, por meio de telex. Daí a pouco começou a chegar jatinho com jornalistas, isso
na segunda. Na terça-feira a imprensa nacional situa a minha volta como um ato de rebeldia do
10º BC. Aí me chamaram lá na terça à noite, fiquei na prefeitura segunda e terça, e contaram
essa história. Chamaram o Dióscoro lá [em Brasília] e disseram “nós não vamos ter tempo de
explicar essa retificação. Os ministros acham que deve deixar isso para o Médici resolver.” O
Médici ia tomar posse daí a uns dois, três dias. De forma que não teve meio.
201
A reação dos militares em Goiás e a retificação da cassação de Iris não
chegaram às páginas dos jornais. Na terça-feira (21 de outubro), a Folha publica uma
explicação diferente para o fato de Iris ter trabalhando no dia anterior: “Iris passou o dia
nas frentes de obras porque não recebeu a comunicação oficial [da cassação] das
autoridades.” Àquela altura, a cassação estava consumada e Iris começava outra fase em
sua vida, fora da política, mas não longe do povo.
2.9 – Cassação: a vida fora da política e o retorno
201
Entrevista ibidem.
117
A cassação, em outubro de 1969, foi um trauma, não só político, mas também
financeiro e provocou mudanças na vida de Iris. Sem salário, ele lembrou-se do pai: não
tinha meios para viver fora da política. Antes da cassação ele havia trocado a casa da
Rua São Paulo por uma financiada, na Rua Pará. Vendeu essa casa, porque disse que
não tinha mais salário para pagar as prestações, e alugou outra na Rua 91-C, no Setor
Sul. Depois de 20 anos, Iris mudava-se de Campinas para “morar em Goiânia”, como os
campineiros se referiam à região central da cidade. Lembra-se de que ficou sem nada e
entendeu as preocupações de seu pai.
Em outubro de 1969, ele estava casado com Iris Araújo e era pai de Cristiano,
com menos de três anos de idade (ele nasceu em 24 de dezembro de 1966), de Ana
Paula, com um ano de idade (ela é de 12 outubro de 1968), e sua mulher estava grávida
da caçula, Adriana, que nasceria sete meses depois da cassação, em maio de 1970. Iris
levou um ano para começar a ganhar seu próprio dinheiro. Enquanto isso, sobreviveu da
mesada do irmão, Orlando.
A primeira providência de Orlando, depois da cassação, foi organizar férias
para o irmão e sua família. Arrumou a casa de um amigo no Rio de Janeiro, onde Iris
passou 15 dias. Ele recorda-se de que em seguida, no seu aniversário, em 22 de
dezembro de 1969, foi convidado por um grupo de comerciantes da Rua José Hermano,
para uma festa na chácara de Odilon Soares, em Trindade. O grupo descobrira que o ex-
prefeito andava de ônibus e resolveu dar-lhe um carro zero-quilômetro de presente. Era
um Fusca verde. “Eu não sabia, quando cheguei lá tiraram o pano e me entregaram as
chaves. Foi aquela choradeira.”
202
Todo mês, Iris buscava a mesada no frigorífico. Um dia ele encontrou Orlando
nervoso, reclamando que o irmão estava gastando muito. “Moço! Saí caladinho, desci,
peguei o carro, parei uns três quarteirões depois, na Vila Bethel, chorei, chorei, chorei.
Mas que coisa! Eu já complexado, vivendo as expensas dele, e não estava gastando
nada. Acho que era o dia mesmo. Mas, passou.”
203
Quando Iris chegou em casa, o
envelope com o dinheiro já estava lá.
Bacharel em Direito há oito anos, mas sem nunca ter exercido a profissão, ele
tinha de decidir o que fazer para sustentar sua família. Depois de vários convites,
202
Entrevista em 4/7/2007.
203
Entrevista, idibem.
118
decidiu abrir um escritório de advocacia. Reuniu um grupo de advogados experientes:
dois desembargadores aposentados, Everaldo de Souza e Hamilton Velasco, e um ex-
colega de Assembléia Legislativa, o ex-deputado Nígel Guido Spencieri e fundaram o
escritório Serviço Jurídico Associado. Ao grupo juntaram-se dois advogados recém-
formados, Paulo César Barbosa de Lima e Charife Oscar Abrão. Os quatro sócios
pagavam 5% das causas aos dois advogados e dividiam o restante do lucro entre eles.
Iris não optou pela área criminal por acaso. “Por que eu escolhi a advocacia
criminal naquela época? Era para eu ter a oportunidade de falar ao povo nos júris. Eu
era um político inveterado. Dez anos [de cassação]; eu vou voltar, como aconteceu.”
204
À frente dos júris ele falaria ao povo, para manter acesa a memória dos eleitores durante
os dez anos da cassação, mas em uma atividade legal.
Quando eu chegava no interior para fazer um júri, a cidade toda ia para a porta do Fórum. Em
muitos locais eles colocavam alto-falante, para transmitir para o povo, para o povo não
aglomerar dentro do Fórum. Mas eu sempre tive uma cautela: pegar uma defesa que eu podia
colocar meu coração nela. Eu entendia que a pessoa teve a sua razão ali no ato, que nós
chamamos de legítima defesa. É possível que eu tenha feito mais de cem júris, com uma
condenação apenas.
205
Como advogado, ele contava com a proteção da OAB no exercício da
profissão e aproveitava as defesas nos tribunais de júri para criticar o governo. “No júri,
eu tinha meu direito de falar assegurado e, nessa hora, nas teses que defendia eu tacava
o sarrafo no governo.”
206
Iris aproveitava para criticar o Estado, na figura de seu
representantes no júri, o promotor de justiça:
[Eu] dizia agora vem o Estado, esse poder constituído para defender os interesses coletivos da
sociedade, através do promotor, pedir a condenação do fulano. Esse Estado, esse governo que
está aí não tem moral para pedir condenação de ninguém. [...] Então eu aproveitava e fazia
oposição também.
207
Nessa altura, Iris diz que já enxergava o outro lado de sua cassação. “Não foi
de todo mal”, reconhece, pois ela lhe permitiu advogar e ganhar dinheiro, uma
preocupação que sempre acompanhou seu pai, Filostro. O escritório lhe possibilitou
ganhos fora do setor público. Nos cerca de dez anos em que manteve o escritório, Iris
afirma que formou um patrimônio: comprou fazenda em Britânia, construiu sua casa na
204
Entrevista em 28/1/2008.
205
Entrevista em 4/7/2007.
206
Entrevista, ibidem.
207
Entrevista, ibidem.
119
Rua 38, no Setor Marista, adquiriu uma área (três lotes) de Mauro Borges, em uma
entrada de quadra no Setor Capuava, que posteriormente vendeu para dar entrada no
apartamento onde ele vive hoje, na Rua 1, no Setor Oeste.
A cassação me proporcionou: fazer o meu pé-de-meia. Quase 80% do que tenho hoje adquiri
naquela época. Olha, o que minha cassação está significando: oportunidade para eu ganhar
dinheiro. Quando está terminando a minha cassação, restitui-se o direito de eleição para
governador.
208
Iris acredita na ajuda divina de novo. Lembra que foi cassado quando se sentia
pronto para disputar e vencer a eleição de 1970, só que em seguida a ditadura acabou
com as eleições diretas para governador. Em 1979, quando venceu o período de sua
cassação, começou o processo de abertura política que devolveria ao eleitor o direito de
eleger o governador. E vai enumerando outras coincidências ou, como prefere, “uma
engrenagem mecânica perfeita.” Em 1982, ele finalmente se candidata. Seu adversário,
do PDS, representante da ditadura militar que se esvaía naquele momento, era Brasílio
Caiado, candidato do então governador Ary Valadão. Otávio Lage estava em Goianésia
cuidando de suas empresas.
Uma semana antes da convenção, Brasílio estava consagrado, Otávio vem para cá e se declara
candidato; foi uma convenção que terminou lá pela meia-noite e o Otávio ganha do Brasílio.
Ganhou do governador, que era Ary Valadão. Ganhou, para quê? Por quê? Para que o povo
fizesse justiça com as suas próprias mãos contra aquele que me cassou. Não tem outra
explicação.
209
Iris explica tudo que ocorreu em sua vida “por este lado espiritual.”
O PMDB tinha três pré-candidatos a governador após a redemocratização: o
senador Henrique Santillo, o ex-governador Mauro Borges, também vítima do arbítrio,
e Iris, que despontou como o candidato natural. E não por graça divina, mas por sua
popularidade, que ele alimentou quando estava cassado em “mais de cem júris” que
realizou pelo Estado; pelo seu trabalho de reconstrução do MDB, que se transformou
em PMDB, e no qual ele entrou de cabeça logo que expirou sua cassação, em outubro
1979, e, por fim, porque cassado no auge de sua popularidade, Iris virou símbolo das
vítimas da ditadura. Sua candidatura despontou em 1982 como um processo natural de
reparação de uma injustiça.
208
Entrevista, ibidem.
209
Entrevista, ibidem.
120
Ele conta que, nos dez anos em que ficou cassado, evitou fazer política, mas
não se distanciou das lideranças partidárias. “Eu era muito visitado. Meu escritório,
depois das cinco horas, era um burburinho de companheiros.”
210
Aproveitou também o
ostracismo político para se aproximar de Pedro Ludovico. “Fui uma das pessoas a privar
até da intimidade do dr. Pedro nos últimos anos de sua vida. [...] Toda semana eu saía
do escritório em uma tarde e ia na casa dele. Ficava lá uma, duas horas conversando.
Normalmente na sexta-feira. Eu bebi muita experiência do dr. Pedro.”
211
Iris se declarou candidato assim que venceu sua cassação, ainda em 79. Mauro
e Santillo também anunciaram suas pretensões. Em 1981, ele desfez a sociedade no
escritório de advocacia para se dedicar integralmente à política. A reconstrução do
partido, segundo seu relato, lhe consumiu “dois anos de intenso trabalho.” Seu papel,
nesse momento, era identificar as pessoas com potencial para ser candidato a prefeito e
deputado estadual e federal pelo Estado afora. “O MDB no interior tinha acabado. Ficou
desse tamanhinho [mostra o dedo indicador bem próximo do polegar].”
212
Ele, então, começou a apurar, entre seus conhecidos, nomes de pessoas de
destaque em cada município. Depois arrumava um pretexto para visitar a cidade,
encontrar-se com a pessoa e convidá-la a ser candidato em 1982. Ele cita dois casos.
Uma vez, pediu a seu colega de escritório, o advogado Paulo César Barbosa de Lima,
213
a sugestão de um nome em Paraúna. Este se lembrou de Vicente Coelho, dono de
cartório. Paulo César planejou um encontro, que a Vicente pareceu casual, durante uma
pescaria na fazenda de um cliente do escritório de advocacia. Vicente aceitou o convite
de Iris e se elegeu prefeito. O mesmo aconteceu em Iporá, onde Iris pediu a um amigo
para arrumar um casamento para ele ser padrinho na cidade, oportunidade em que
conheceu o médico José Antônio, que também aceitou ser candidato, se elegeu prefeito
e, depois, deputado estadual.
Aí é que vem a liderança, você precisa ter olho clínico. Chegar em uma cidade e saber quem
impõe respeitabilidade, credibilidade num projeto político. Muitas vezes você arranja um cara
desclassificado, que não tem respeitabilidade de ninguém, um conquistador barato. Têm
210
Entrevista, ibidem.
211
Entrevista, ibidem.
212
Entrevista, ibidem.
213
O advogado Paulo Barbosa, informa Iris, morreu em um acidente de carro perto de Jandaia, ao voltar
de sua fazenda em Jaraguá.
121
desses tipos todos. Então eu ia na mosca. E assim eu fui durante dois anos, três anos
preparando artesanalmente a eleição de 1982.
214
Iris lembra-se de que Mauro Borges aceitou bem sua candidatura a
governador. Segundo ele, Mauro o procurou, disse-lhe que sentia que os companheiros
de partido e o povo preferiam-no e que ele seria candidato a senador pela sublegenda.
Na época, Lázaro Barbosa era senador e candidato nato à reeleição, mas a legislação
permitia outra candidatura pela sublegenda. “Eu apoiei o Mauro. Ele saiu, como eu saí,
enxotado do poder. O Lázaro tinha sido senador oito anos, era a vez do Mauro.”
215
A relação com Henrique Santillo foi tumultuada. O senador não aceitou a
candidatura de Iris, saiu do PMDB e filiou-se ao PT, com seu grupo que incluía
Joaquim Roriz e o empresário Onofre Quinan. A aventura durou pouco tempo. Logo, o
grupo voltou ao PMDB, Santillo articulou uma aliança com Iris e indicou Quinan para
ser candidato a vice-governador. Iris admite que, nessa época, tinha uma relação muito
mais próxima de Mauro do que de Santillo. Ele ainda nutria pelo filho de Pedro
Ludovico o mesmo respeito e admiração da época em que ele fez um governo
“inovador” em Goiás.
Com apoio dos dois, Iris realizou em 1982 seu projeto político, abortado em
1969, de se eleger governador de Goiás. Ele tomou posse em março de 1983, iniciando
uma nova fase política em sua carreira: a de líder do grupo político que foi comandado
por quase cinco décadas por Pedro Ludovico Teixeira. A eleição de 1982 consolidou
essa liderança, que ele confirmaria no exercício do poder. Santillo e Mauro, que
chegaram a ameaçar seu projeto na volta da redemocratização, não ficaram no PMDB.
Mauro foi o primeiro a romper com Iris. A separação consumou-se em 1986, quando ele
disputou e perdeu a eleição para governador para Henrique Santillo, o candidato
apoiado por Iris. O rompimento com Santillo ocorreu três anos depois, em 1989. Iris
tornou-se então o principal líder do PMDB, como Pedro Ludovico foi, no passado, do
PSD.
214
Entrevista em 4/7/2007.
215
Entrevista, ibidem.
Capítulo III
A grande aprendizagem: da herança modernizadora à
consagração popular
3.1 – A disputa pelo passado
A tarde daquela quinta-feira estava quase no fim quando o casarão da Rua 26,
no Centro de Goiânia, começou a receber um movimento incomum. Políticos foram
chegando aos poucos, à medida que uma notícia se espalhava. Entre eles, Iris Rezende
Machado recebia a confirmação: Pedro Ludovico Teixeira acabara de morrer de infarto
fulminante, apenas um mês depois de outro ataque no coração que o deixara alguns dias
no hospital. Ele morreu às 16h45 daquele 16 de agosto de 1979, seis dias antes de o
Congresso Nacional aprovar a Lei da Anistia, que lhe daria liberdade para voltar à
atividade política.
O corpo do líder político foi velado no saguão da Assembléia Legislativa.
Uma multidão compareceu ao local. O livro de presença recebeu 10 mil assinaturas. O
sepultamento no Cemitério Santana, sexta-feira, no mesmo jazigo onde estava enterrada
sua mulher, Gercina Borges Teixeira, morta em 22 de novembro de 1976, levou cerca
de 15 mil pessoas ao cemitério (O Popular, 18/8/79, p. 5). A cidade estava consternada
com a morte de seu fundador. Pedro Ludovico morreu perto de completar 88 anos – ele
nasceu em 23 de outubro de 1891 – e dedicou 38 anos deles à política. Sua carreira fora
interrompida à força, quando era senador e vice-presidente do Senado, pela cassação de
seu mandato pelo Ato Institucional nº 15, de 26 de fevereiro de 1969, baixado pela junta
militar que governou o Brasil entre o afastamento do presidente Costa e Silva,
provocado por sua doença, e a eleição de seu sucessor, Garrastazu Médici. Por dez anos
ele deixou o palco principal da política goiana, onde fora hegemônico, e moveu-se
discretamente como líder informal da oposição. Sua morte pôs fim a quase 50 anos de
atividade política.
Antes de o corpo chegar ao saguão da Assembléia, Iris declarara aos jornais O
Popular e Folha de Goiaz que acabara de morrer “o maior estadista de toda a história
política de Goiás”. Iris estava cassado, como Pedro, mas tinha idade, saúde e planos
para voltar à política a partir de outubro, quando encerravam os dez anos da suspensão
123
de seus direitos políticos decretada com a cassação de seu mandato, em 17 de outubro
de 1969.
Um homem extremamente exemplar pela coragem cívica, pelo respeito pela coisa pública e
pelas grandes obras, como a construção de Goiânia, um marco no desenvolvimento de Goiás.
Administrativa e politicamente, Goiás conhece duas fases: antes e depois de Pedro Ludovico.
Ele foi um exemplo de honestidade, de fidelidade aos companheiros políticos; na
administração pública, construindo [sic] orgulho na população de Goiânia, tanto [na de] agora
como na futura. (O Popular, 17/8/79, p. 3).
O sepultamento, às 16 horas da sexta-feira, reuniu os principais nomes do
MDB em Goiás, políticos que viveram sob a liderança de Pedro Ludovico. Antes de o
corpo descer à sepultura ao som do tango La cumparsita, um desejo de Pedro, falaram
os senadores Henrique Santillo e Lázaro Barbosa, representando o Senado, o deputado
estadual Walteno Araújo, pela Assembléia Legislativa, Paulo Campos, ex-deputado e
também um político cassado, e Iris Rezende, em seu nome e em nome “de todos os
companheiros do silêncio imposto pelo arbítrio”. (O Popular, 18/8/79, p. 5).
O MDB, partido de oposição ao regime militar, já estava em plena atividade
política, organizando-se para os futuros embates eleitorais. Um dia antes da morte de
Pedro Ludovico, o partido tinha transformado os eventos de inauguração de obras da
prefeitura de Cristalina em um grande encontro político da oposição, com a presença do
ex-governador Mauro Borges e do ex-prefeito Iris Rezende. Os dois discursaram. Iris
criticou o governo militar, que deixava a população revoltada “porque poucos
enriqueceram e muitos ficaram pobres”. Mauro Borges destacou a importância da
unidade oposicionista “principalmente pelas reconquistas das liberdades políticas.” (O
Popular, 16/8/79, p. 8).
Na mesma edição em que revelava a morte de Pedro Ludovico, O Popular fez
um retrospecto de suas últimas atividades políticas. Ele articulava com os aliados os
preparativos para a volta da eleição direta para governador com a redemocratização do
País, que na época já se prenunciava com a discussão do projeto de Lei da Anistia,
aprovado em 22 de agosto pelo Congresso. O jornal republicou uma entrevista
concedida por Ludovico em que ele defendia a candidatura de Iris Rezende a
governador de Goiás, por acreditar “que politicamente o nome de Iris é o mais forte
devido ao sentimento de gratidão” que a população nutria em relação ao prefeito
cassado em 1969. Pedro Ludovico defendia que seu filho, Mauro Borges, disputasse a
eleição para senador e que Henrique Santillo completasse seu mandato de senador (O
Popular, 17/8/79, p.5).
124
A escolha de Pedro Ludovico pela candidatura de Iris Rezende a governador,
em vez de indicar seu próprio filho que fora deposto do governo do Estado pelos
militares em uma intervenção violenta em novembro de 1964, tinha um significado
político, mas que não recebeu destaque no jornal. No dia seguinte ao sepultamento de
Pedro, a Folha de Goiaz (18/8/79, p. 3) afirmava que Mauro Borges “deverá continuar a
obra de Pedro”. Pela análise da Folha, o ex-governador cumpriria o papel de unir o
MDB, ameaçado de racha entre Santillo e Iris Rezende. A segunda parte da previsão
acabou se confirmando: Santillo deixou o PMDB – a Arena e o MDB, os dois únicos
partidos existentes no período da ditadura, foram extintos em 1980, e substituídos por
PDS e PMDB, respectivamente –, porque fora preterido na escolha interna do candidato
a governador. Filiou-se ao PT, mas por pouco tempo: ele recompôs-se com Iris e
indicou o empresário Onofre Quinan para ser vice-governador em sua chapa na eleição
de 1982.
Já a primeira previsão acabou não se confirmando: Mauro não continuou a
obra de Pedro. Talvez por pressentir que o filho não reunira as condições para sucedê-
lo, o pai apostara na candidatura de Iris ao governo. Iris acredita que tinha condições
para suceder Pedro Ludovico e que este sentia isso, porque Pedro “era um político de
olhos clínicos” e teria percebido que ele tinha mais liderança política que seu filho:
“Não tenho dúvida, não tenho dúvida. Isso ele percebeu.”
216
O político que baixara à sepultura naquele fim de tarde da sexta-feira, 17 de
agosto de 1979, e que Iris tinha a pretensão de suceder, construíra uma trajetória política
longa, polêmica e deixava muitos serviços prestados ao Estado. Já a história política de
Iris Rezende Machado começara a ser construída no final dos anos 50, quando um
turbilhão de mudanças econômicas, políticas e sociais desenhava um novo perfil para o
País. Goiás sentia os efeitos da construção de Goiânia, consolidada com a transferência
da antiga para a nova capital entre os anos de 1937 a 1942, da Marcha para o Oeste e da
construção de Brasília.
A efervescência da época produzia novos atores políticos em Goiás e esboçava
os contornos de um Estado que dava os primeiros passos para sair de uma economia
rural e de subsistência para uma economia urbana e voltada a atender ao mercado,
começando com a expansão de sua fronteira agrícola no final dos anos 60. Inicia-se uma
216
Entrevista em 4/7/2007.
125
fase em que o Estado reclama investimentos em infra-estrutura para se capacitar a
integrar-se à expansão do capitalismo que se desloca do Centro–Sul para o Centro-Oeste
brasileiro. Iris Rezende abriu espaço para iniciar sua atuação política e, posteriormente,
consolidar sua liderança em uma época de profundas mudanças no cenário político,
econômico e social do Estado, construído por vários e distintos atores na história
recente de Goiás.
Para Halbwachs, a memória histórica se diferencia da história. Entendendo por
memória histórica “a seqüência de eventos cuja lembrança histórica conserva” (2006, p.
99), ele se pergunta se não será a memória histórica e seus contextos que representam o
essencial do que se chama memória coletiva. Ele conclui que a memória coletiva não se
confunde com a história e que “a expressão memória histórica não é muito feliz, pois
associa dois termos que se opõem em mais de um ponto” (2006, p. 100, grifo do autor).
“A história é a compilação de fatos que ocuparam maior lugar na memória
dos homens. Mas lidos em livros, ensinados e aprendidos nas escolas, os
acontecimentos passados são selecionados, comparados e classificados segundo
necessidades ou regras que não se impunham aos círculos de homens que por muito
tempo foram seu repositório vivo” (2006, p. 100). Para o autor, “a história só começa
no ponto em que termina a tradição, momento em que se apaga ou se decompõe a
memória social” (p. 101).
Halbwachs questiona como a história – lembrando que esta é entendida como
compilação de dados, datas, espaço, registro de acontecimentos passados – poderia ser
uma memória se para que exista a memória a condição necessária “é que o sujeito que
lembra, indivíduo ou grupo, tenha a sensação de que ela remonta a lembranças de um
movimento contínuo”, mas, ao contrário, ocorre “uma interrupção entre a sociedade que
lê esta história e os grupos de testemunhas ou atores, outrora, de acontecimentos que
nela são relatados” (2006, p. 101). O autor até admite que o objetivo da história é lançar
uma ponte entre o passado e o presente e “restabelecer essa continuidade interrompida”,
mas se pergunta: “[...] como recriar correntes de pensamento coletivo que tomam
impulso no passado, enquanto só temos influência sobre o presente?” (2006, p.101).
Depois de citar como exemplo a publicação de Memórias de Saint-Simon, do
início do século XIX, ele afirma que “o único efeito de tais publicações é de nos fazer
entender a que ponto estamos distantes do autor e daqueles que são por eles descritos”,
126
discordando de que o livro coloca a sociedade, no caso a francesa, em contato “vivo e
direto” com o século XVIII (2006, p. 102).
O que nos interessa neste momento em Halbwachs não é sua conceituação de
história (a compilação de fatos que ocuparam maior lugar na memória dos homens),
mas a memória histórica (“a seqüência de eventos cuja lembrança histórica conserva” e
que por isso representa o essencial do que se chama memória coletiva). Segundo o
autor, “existem muitas memórias coletivas”, e esta é a segunda característica que as
diferenciam da história (2006, p. 105). Dito isso, o que importa no contexto desta
pesquisa é a memória coletiva, ou memórias coletivas, do grupo de Pedro Ludovico
Teixeira, que permaneceram após sua morte e a quem caberia o papel de líder para dar
continuidade a uma “seqüência de eventos” que manteria viva as memórias desse grupo
que ficara órfão na quinta-feira, 16 de agosto de 1979.
A memória coletiva sustenta-se em um grupo limitado no tempo e no espaço e
não pode reunir “em um único painel a totalidade dos eventos do passado”. Mas é
possível, se não revivê-los, ao menos “recolocá-los nos contextos em que a história
dispõe os acontecimentos, contextos esses que permanecem exteriores ao grupo e
defini-los cotejando uns aos outros” (2006, p. 107).
A história
217
construída por Pedro Ludovico terminaria com a sua morte?
Naquele momento começaria a transição da memória coletiva para a história já que “em
geral a história só começa no ponto em que termina a tradição, momento em que se
apaga ou se decompõe a memória social” (2006, p. 100–101)? Ou o grupo político de
Ludovico pretendia apropriar-se da herança política do líder morto para dar
continuidade à memória social e recolocá-la em outros contextos? Qual é a herança
política que se pretendia apropriar?
A presença de vários políticos liderados por Pedro Ludovico nas cerimônias de
despedidas e o conteúdo de seus discursos não deixaram margens a dúvidas. Havia em
volta de seu túmulo alguns candidatos a herdeiro de sua liderança, pessoas que seguiram
Pedro Ludovico ao longo de sua trajetória política para dar continuidade à construção
das “muitas memórias coletivas” do grupo. O filho, Mauro Borges Teixeira, o senador
217
História aqui entendida como a Halbwachs a conceituou, isto é, “[...] não uma sucessão cronológica de
eventos e datas, mas tudo o que faz com que um período se distinga dos outros, do qual os livros e as
narrativas em geral nos apresentam apenas um quadro muito esquemático e incompleto” (2006, p. 79).
127
Henrique Santillo e o ex-prefeito Iris Rezende Machado eram os principais. Cada um, a
seu modo, considerava ter os predicados para ser o sucessor. Mauro era filho, portanto,
herdeiro natural. Teve uma carreira política de sucesso: deputado federal mais votado
em 1958 e governador (1961–1964), com uma gestão moderna de reestruturação e
modernização administrativa do Estado, que foi brutalmente interrompida pela
intervenção federal em novembro de 1964.
Iris Rezende foi cassado no auge de sua popularidade na prefeitura de Goiânia,
em 1969, depois de duas eleições recordes (vereador, em 1958, e deputado estadual, em
1962). Henrique Santillo fundou o MDB em Anápolis, foi prefeito em 1970 e deputado
estadual em 1974. Elegeu-se senador em 1978, cargo que exercia por ocasião da morte
de Pedro Ludovico. Era um grande orador, um dos senadores da oposição mais
combativos no Senado Federal, uma das poucas trincheiras de luta contra a ditadura
militar. A questão mais complexa é identificar qual a herança política deixada por Pedro
Ludovico que seus afilhados almejavam herdar.
3.2 – A revolução de 1930 e o espólio de Pedro Ludovico Teixeira
Pedro Ludovico Teixeira começou sua carreira política 49 anos antes de sua
morte, antes de 1930. Começou a inscrever seu nome na história do Estado com a
Revolução de 30, quando ele e outros importantes líderes da oposição goiana uniram-se
ao grupo de Getúlio Vargas e assumiram o poder em Goiás. Os chamados outubristas
difundiram os ideais de progresso e de desenvolvimento como contraponto ao período
anterior a 30, classificado como de atraso político, econômico e social de Goiás.
218
Os
218
Campos (2003) afirma que o marco da Primeira República no Estado é 1909, ano da revolução que
derrotou o xavierismo e de redução do poder político do bulhonismo, que não conseguiram atender às
demandas da pecuária. A Revolução de 1909 ocorreu com a união de forças heterogêneas (os Caiado, os
Bulhões, os Abrantes e Gonzaga Jaime) para depor o Partido Republicano Federal de Goiás e seu líder,
José Xavier de Almeida (Gomes, Chaul e Barbosa, 1994). A Oposição Republicana, como se
autodenominaram os oposicionistas ao xavierismo, lançou Urbano Coelho Gouvêa pelo Partido
Democrata, criado naquele ano, para disputar a eleição a presidente do Estado contra o candidato
xavierista, Hermenegildo Lopes de Morais Filho. A oposição perdeu no voto, mas buscou as armas para
vencer pela força. Urbano assumiu a presidência do Estado; Leopoldo de Bulhões, o Senado e Antônio de
Ramos Caiado, o Totó Caiado, e Marcelo Francisco da Silva, a Câmara Federal (2003, p. 135). Começava
aí a era dos Caiado, hegemônica de 1912 a 1930.
128
políticos derrotados pelos revolucionários
219
foram acusados de impedir o
desenvolvimento econômico e cultural do Estado (2003, p. 76).
“Atribuir ao caiadismo [...] a responsabilidade do marasmo administrativo por
que passou Goiás nos 20 anos de sua vivência não será cometer injustiça, descontadas
as dificuldades oriundas de fatores outros impeditivos ao desenvolvimento do Estado”,
diz Rosa (1974, p. 65). Campos também faz essa ressalva ao questionar “que
alternativas eram passíveis de ser utilizadas e que condições teriam esses líderes de
implantá-las” (2003, p. 75). Apesar disso, Rosa, assim como Campos, acha que os
chefes políticos locais se utilizavam do subdesenvolvimento e do atraso para não perder
o domínio político de Goiás. A família Caiado nunca aceitou essa responsabilidade que
lhe foi imputada pela oposição.
220
Machado considera que, quando se fala em atraso, leva-se em conta paralelos
com outras regiões do País e que esse atraso se manifestou “concretamente na
configuração econômica, social, política e cultural do Estado frente à sociedade
capitalista nacional” (1990, p. 36). A estrada de ferro no sul do Estado e a abertura de
estradas de rodagem permitiram a circulação de mercadorias, incorporando Goiás à
economia de mercado.
A autora ressalta que mesmo essa incorporação não eliminou a condição de
periferia de Goiás. “A modernização do País não superou o atraso de Goiás” (1990, p.
42). As necessidades expansionistas do capitalismo nacional chocavam-se com a ação
da oligarquia local de manutenção do atraso como forma de manter a dominação. Nas
vésperas de 1930, Goiás também experimentava, em especial nas regiões sul e sudoeste,
um avanço das forças produtivas, que dependiam da dinamização da economia (op. cit.,
219
Leopoldo de Bulhões, de reconhecido prestígio no âmbito federal, ministro da Fazenda por duas vezes e senador da República até 1918, e Antônio de Ramos
Caiado, conhecido como Totó Caiado, outro político de prestígio federal
,
foram os principais alvos das cr
íticas d
os revolucionários
.
220
Os Caiado reclamam
em
Memória, família e poder. História de uma permanência política – Os Caiado em Goiás,
obra de
Miriam Bianca Amaral
Ribeiro
,
que foram excluídos da pesquisa históri
c
a e também da falta de estudos do período que vai de 1909 a 1930, quando a família deteve a hegemonia
política. O que existe sobre o período seria a versão unilateral construída pelos vencedores da Revolução de 30. Além de reclamar d
ess
a exclusão, eles
reivindicam uma revisão historiográfica. “Se você for ver a literatura, a geografia, e a história de Goiás, você vai ver que tudo aconteceu depois de 30 pra cá. O
Estado de Goiás não existia antes de 1930. Nós vemos hoje que tudo isso é um ato proposital. Queriam por tudo que nosso nome desaparecesse, que ficássemos
pobres, queriam por todos os esforços que ficássemos no ostracismo, que ficássemos com nome marcado de bandidos. Não conseguiram provar nada [...]. Isso é
um galardão da família.”, dis
s
e Leão Caiado Filho (1998., p. 263).
129
p. 45). Essas condições econômicas propiciam a organização de uma força de oposição
combativa.
221
A oposição era formada por homens ligados à propriedade da terra; uma
dissidência oligárquica, que luta pela superação da condição de atraso e de periferia do
Estado e que defendia a modernização, “colocando-se contra a oligarquia dominante,
obstáculo à consolidação da incorporação do Estado ao mercado capitalista nacional”
(1990, p. 54).
Para Machado, a Revolução de 30 em Goiás decorreu da efervescência política
nacional, o que acabou por refletir o momento final da estrutura oligárquico-
familiocrática brasileira. Em Goiás ela decorreu de questões internas e também
externas. Internamente, o movimento nasceu na Questão do Judiciário (ver nota 6), se
fortaleceu com a Aliança Liberal, teve sua base teórica na cidade de Goiás e de prática
efetiva no Sudoeste, em especial em Jataí e em Rio Verde, onde vivia Pedro Ludovico
Teixeira (1990, p. 56)
Os oposicionistas já tinham se aliado à Aliança Liberal e, com a vitória do
Movimento de 30, ascenderam ao poder.
222
A ideologia do progresso ganha a ordem do
dia em Goiás com a vitória dos outubristas. O progresso se daria pela superação do
atraso, por meio da implantação de novos meios de comunicação, pelo desenvolvimento
das potencialidades do Estado e ainda pela “superação da mentalidade retrógrada que
barrava o caminho do Estado em direção a seu futuro” (1990, p. 123). Pedro Ludovico
reforçou o discurso de rompimento com o atraso, como demonstra em seu livro de
memórias:
Atribuo o pouco ponderável progresso do vosso Estado ao fato de nele ainda não ter podido
surgir um centro urbano com todos os elementos necessários para se expandir e estimular as
221
Na capital, a oposição foi liderada por Mário D’Alencastro Caiado, primo-primeiro de Antônio Ramos
Caiado. Os primos romperam o relacionamento depois de uma disputa judicial, que ficou conhecida como
Questão do Judiciário, em torno da lei que permitiu ao senador Caiado a posse de aproximadamente
1.071.476 hectares de terra às margens do Rio Araguaia, nas fazendas Tesouras e Aricá (Machado, 1990,
p. 49), durante o governo de Brasil Ramos Caiado, irmão de Totó. A oposição, que reunia Americano do
Brasil e Domingos Neto Vellasco, forma o Partido Republicano de Goiás e posteriormente adere à
Aliança Liberal, organizada em 1929 por oligarquias dissidentes de Minas Gerais, do Rio Grande do Sul e
da Paraíba. Mas se frustra quando enfrenta os Caiado e perde nas urnas. Ver também sobre o rompimento
entre Mario Caiado e Antônio Ramos Caiado em CHAUL, Nasr Fayd (Coord.). Coronelismo em Goiás:
estudos de casos e famílias. Goiânia: Mestrado em História/UFG, 1998, p. 231–2).
222
Em 29 de outubro de 1930, Pedro Ludovico Teixeira assume como membro da Junta Governativa,
composta ainda por Mário Caiado e Emílio Povoa. Três semanas depois, um decreto presidencial acaba
com a junta e nomeia Ludovico interventor do Estado.
130
múltiplas atividades que caracterizam a vida econômica e social de um povo. A necessidade
disso se vem impondo há muito tempo e vós e outros goianos ilustres, bem como vários
homens importantes que visitaram Goiás, compreenderam que não se pode mais adiar a
solução de tal problema, tão premente ele se apresenta. (Teixeira, 1973, p. 80)
A transferência da capital e a construção de Goiânia foram parte desse
processo de inclusão. Chaul identifica várias razões para a edificação da nova capital:
serviu de estratégia política de poder para Pedro Ludovico; foi uma bandeira
empunhada como argumento de um Estado carente de uma capital à altura de seu
pretendido salto político-econômico, e deslocava o centro do poder dos Caiado, na
cidade de Goiás, para a nova capital.
Machado analisa os resultados do governo de Pedro Ludovico no período
1930–1945 e compara-os ao discurso revolucionário que o levou ao poder. Do ponto de
vista político, ela destaca que houve no período continuidade do poder. As ações dos
“homens de 30” vão se tornando cada vez menos intensas com o fortalecimento da
figura do interventor. Observa que, em 30, ao aplicar as idéias revolucionárias, o poder
constituído teve dificuldades, porque não havia quadros aliancistas nos municípios.
Havia, segundo ela, uma dicotomia entre o poder estadual, ocupado pelos idealistas de
30, e os municípios, onde o poder era constituído pelos coronéis dissidentes dos ex-
caiadistas, “os aliancistas de última hora”. Como não houve rompimento com os
coronéis, freou-se a aplicação do discurso revolucionário.
Além dessa dificuldade, a situação econômico-financeira, agravada pela crise
internacional e pela nova política tributária do governo federal, deixava o Estado sem
disponibilidade de recursos para investimentos públicos. Restou ao governo lançar-se de
corpo e alma à construção da nova capital, “vista como meio de atrair capitais e
dinamizar a economia do Estado”. Paralelamente, o governo atua em prol da política
colonizadora, um meio de incremento populacional, de crescimento da produtividade
agrícola e de aumento das exportações e, por extensão, de promoção do
desenvolvimento do capital estadual (Machado, 1990, p. 153).
Pedro Ludovico Teixeira não tinha dúvida sobre o papel preponderante da
construção de Goiânia sobre o desenvolvimento econômico do Estado. Em entrevista a
Rocha (2004, p. 46), ele afirmou:
É uma hipótese [Goiás sem Goiânia] e raciocinemos então hipoteticamente. Em 1930, se
fôssemos classificar os Estados pela sua importância sócio-econômica, nos três últimos
lugares teríamos, mais ou menos igualados, Piauí, Goiás e Mato Grosso. Hoje, se não engano,
estamos em 11º lugar, pesamos mais do que a metade dos demais Estados. Goiânia foi a
131
alavanca que permitiu esta escalada. Mudou a mentalidade de Goiás, removeu a estagnação
anterior.
Machado observa que a ação de Pedro Ludovico não promoveu
“transformações estruturais”, mas a “difusão de uma nova mentalidade, novos valores,
novos padrões de comportamento inerentes ao processo de modernização” (grifo da
autora). Essa nova mentalidade, que levou o governo a também fazer mudanças na
estrutura administrativa do Estado insere Goiás na economia de mercado. “Assim Goiás
progride, atendendo às necessidades expansionistas do capital nacional; se moderniza
frente à ordem anterior, mas não se liberta da condição de Estado periférico
223
(op. cit.,
p. 162).
A partir dos estudos da autora, pode-se dividir a herança política de Pedro
Ludovico em duas: a política e a administrativa. Do ponto de vista político, como
Machado nota, na era Ludovico houve continuidade em relação ao período “do atraso”,
para usar uma expressão dos revolucionários. Foram mantidas as práticas políticas, em
especial no interior, onde o poder era exercido pelos mesmos coronéis que aderiram aos
aliancistas.
224
Conforme Machado, Pedro Ludovico repetiu a forma tradicional de ação
política, sustentada sobre seu poder pessoal e sobre os favores concedidos a membros
do partido, como cargos e benesses na estrutura de poder.
Como observou Machado, não houve mudanças estruturais no Estado, sendo o
mérito de Pedro Ludovico a difusão de uma nova “mentalidade política”. Nessa época, a
economia goiana não facilitava a promoção de mudanças estruturais. A população vivia
majoritariamente no campo, propiciando apenas uma economia de subsistência. Não
havia mercado consumidor interno para alavancar as riquezas produzidas pelo Estado, e
Pedro Ludovico não percebeu isso, conforme detectou Campos:
Em relatório ao chefe do Governo Provisório (1930–1933), o interventor federal afirma, com
base na oscilação da receita pública que “Goiás tem uma economia desorganizada” e acusa o
homem do campo, o sertanejo, de preguiçoso, ao mesmo tempo em que justifica o produtor
por não levar o produto para a cidade, “já que não paga nem os custos de produção”. O
interventor não percebe que o problema é a falta de mercado e que, principalmente, o arroz é
produzido apenas para a subsistência. Vender, portanto, é uma possibilidade, às vezes, remota
(Campos, 2004, p. 15).
223
Borges (1998) discute essa idéia em sua tese de doutorado Ruralismo, síndrome de periferia e Estado
(Mitos políticos e identidade regional em Goiás). O autor centra-se em duas discussões: o ruralismo, a
realidade de periferia e a onipotência do Estado e os fatores de coesão e positividade voltados a forjar a
identidade regional. E trabalha com o que chama de a “percepção de condição de periferia” do Estado.
224
Ver estudo de Aquino (2005) sobre como Pedro Ludovico sustentava sua liderança sobre os diretórios
municipais do PSD.
132
“Goiânia se transformou no símbolo do progresso que o Estado passa a
vivenciar neste momento. Além de representar uma nova mentalidade administrativa
que racionalizava a ação do Estado tornou-se o pólo irradiador da mentalidade
progressista/modernizadora que se instalara. A Goiás, símbolo do atraso, se contrapõe
Goiânia, símbolo do progresso. Mudam-se valores, hábitos, idéias e Goiás avança, se
moderniza.” (1990, p. 152-3, grifo da autora).
A construção de Goiânia, diferentemente do que acreditava seu fundador, pode
não ter sido a principal “alavanca” a promover a “escalada” econômica do Estado. A
nova capital pode ter significado a “nova mentalidade” que contribui para esse processo,
que, entretanto, só ocorreu após o fenômeno do êxodo rural. A população do campo foi
majoritária em Goiás até 1970, mas a movimentação em direção às cidades começou
antes disso. Milhares de famílias percorreram, a partir dos anos 60, o mesmo caminho
da família de Iris Rezende, em 1949. De acordo com o censo demográfico do IBGE,
69,2% dos goianos (de um total de 1.917.460) viviam na zona rural em 1960, restando
pouco mais de 30% nas cidades. Dez anos depois, o IBGE detectou a mudança: a
migração elevou a população da zona urbana para 42,5% (de um total de 2.899.266
goianos). O restante (57,5%) ainda continuava no campo, mas não por muito tempo.
225
A virada ocorreu em meados da década de 70. Estevam (2004) revela que os programas
governamentais para a modernização agrícola de Goiás tiveram caráter excludente e
seletivo. A valorização das terras e o Estatuto do Trabalhador Rural promoveram o
esvaziamento do campo.
O êxodo rural foi notável e, em decorrência, houve um incremento populacional sem
precedentes nas áreas urbanas; o “esvaziamento” do campo, a dissolução da fazenda
tradicional e a especulação de terras provocaram o “fechamento” horizontal da fronteira
agrícola. Ou seja, não existe mais espaço disponível para acomodação de novos pequenos
produtores em Goiás. Os pequenos e médios fazendeiros remanescentes, não contemplados
como crédito [rural], enfrentam enormes dificuldades para sustentar suas atividades. [...] O
Estado especializou-se na transformação agroindustrial de alimentos e tornou-se palco de
acelerada urbanização.” (2004, p. 221)
Francisco Rabelo acredita que, em termos de desenvolvimento econômico, a
modificação na relação de Goiás com as demais regiões do País (a relação centro–
periferia) vinha ocorrendo historicamente “ora de maneira lenta, determinada pelo
próprio desenvolvimento do capitalismo no Brasil, ora de maneira dinâmica, quando um
225
Informação disponível na biblioteca digital do site www.ibge.gov.br. Pesquisa realizada em 15/1/2008.
133
fato relevante tomava corpo” (2004, p. 49).
226
Na época da construção de Brasília,
segundo Rabelo, o Estado experimentava significativo crescimento, como revela o PIB
goiano no período 1950/1960: crescimento de 10,5% ao ano, enquanto o País registrou
média de 6,0%. O crescimento da população no Estado foi de 6,3% contra média de
3,5% do País (2004, p. 49–50).
As conseqüências práticas dessa virada só seriam sentidas com mais
intensidade pela economia do Estado a partir da década de 70. A formação de mercado
interno, com a urbanização da população, a construção de Brasília e de todo um
complexo rodoviário com a Belém–Brasília, que diminuiria o isolamento geográfico do
Estado, e a expansão da fronteira agrícola motivada pela ocupação do Cerrado
transformaram a economia goiana de subsistência em uma economia de mercado,
mudança que começou a ser captada pelo Produto Interno Bruto (PIB). Estudo da
Secretaria de Planejamento do Estado (Seplan) mostra que a taxa de crescimento do PIB
goiano foi bem superior a dois dígitos entre 1971 e 1975, chegando a impressionantes
30,74%, em 1972, e 24,29%, em 1975.
227
O IBGE passou a calcular o PIB brasileiro a partir de 1985. Antes, os
levantamentos eram feitos pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). A série mais antiga
obtida pela Seplan é a partir de 1970. Analisando os dados desse estudo,
228
e
comparando-os com os dados citados por Rabelo, é possível afirmar que a economia
goiana deu um salto na década de 70: crescimento médico anual de 14,22%, contra a
226
Para a historiadora Ana Lúcia Silva, a penetração da estrada de ferro foi um marco na integração de
Goiás na economia de mercado ao acelerar o processo de compra e de venda de mercadorias. Ao lado da
estrada de ferro, um conjunto de estradas de rodagem que começaram a cortar o sul e sudoeste goiano
colaborou para maior inserção de Goiás na economia de mercado antes de 1930 (Silva, 2001, p. 99-100).
Essa integração de Goiás na economia de mercado deve ser considerada proporcionalmente à realidade da
época: um avanço, se levado em conta o isolamento geográfico do Estado dos grandes centros
consumidores e produtores de matéria-prima antes da estrada de ferro, mas ainda longe de transformar a
economia de subsistência do Estado em uma economia de mercado, esta concretizada nos anos 70.
227
As taxas de crescimento do PIB goiano no início da década de 70 foram as seguintes: 16,8% em 1971;
30,74% em 1972; 20,04% em 1973; 11,18% em 1974, e 24,29% em 1975. Entre 1970 e 2005, período do
estudo da Seplan, o PIB registrou apenas crescimento, à exceção de dois anos (-4,24% em 1981 e -2,93%
em 1983). Os índices do início da década de 70 foram os mais altos do período e bem superiores aos
11,03% de 1979 e 9,2% de 1980. Informações do estudo PIB do Estado de Goiás – Preços Constantes de
2005 (R$ milhão), elaborado pela Gerência de Contas Regionais da Seplan/Sevin, usando como fonte
FGV, IBGE e Seplan/GO.
228
A Gerência de Contas Regionais da Seplan, comandada pela economista Dinamar Ferreira Marques,
reuniu os PIBs elaborados pela FGV e pelo IBGE (1970 a 2005), nos valores das moedas de cada época, e
atualizou a preços do real em 2005. O PIB saltou de R$ 6,608 bilhões em 1970 para R$ 50,536 bilhões
em 2005, colocando o Estado em 9º lugar no ranking nacional, atrás do Distrito Federal, Santa Catarina,
Bahia, Paraná, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo.
134
média de 10,5% de 1950/1960. O Estado produziu em 1970 uma riqueza calculada em
R$ 6,608 bilhões e chegou na década de 80 gerando R$ 23,237 bilhões, crescimento de
251,64%, um indício de que, antes desse período, a economia goiana ainda dava seus
primeiros passos rumo à produção de riquezas para o mercado. Na década seguinte,
1980/1990, houve uma acomodação, mas ainda assim o PIB registrou crescimento de
24,9%, fechando o período em R$ 28,783 bilhões.
229
Mesmo que essas mudanças tenham relação direta com a expansão do
capitalismo brasileiro, e indireta com as ações administrativas da era Pedro Ludovico, a
idéia de que ele é o político responsável pela reforma e modernização das estruturas do
Estado inscreveu-se na memória coletiva de seu grupo e da história goiana (história,
vale repetir, como conceituada por Halbwachs, isto é, como tudo o que faz com que um
período se distinga dos outros, sobre o qual os livros e as narrativas em geral
apresentam apenas um quadro muito esquemático e incompleto), posterior a Revolução
de 30 – realizada em Goiás, segundo Machado, por uma “elite modernizadora”.
A ideologia do progresso inscrita na memória coletiva desse grupo político
compõe o espólio de Pedro Ludovico após sua morte. Ele é a representação do político
que difundiu a ruptura com o atraso e com o isolamento do Estado, que promoveu a
transição para um Estado moderno, em condições de se inserir na economia de mercado,
conforme declarou na sua entrevista a Rocha. O discurso mudancista foi uma constante
nos governos da era ludoviquista, de 1930 até a deposição de Mauro Borges, em 1964 –
descontado o único intervalo oposicionista, entre 1947 e 1950, do governo de Jerônimo
Coimbra Bueno. O governo de José Ludovico de Almeida (1955–1958) apresenta um
programa de governo, paralelamente ao Plano de Metas do governo de Juscelino
Kubitschek, que priorizava investimentos em energia elétrica e transporte. A Centrais
Elétricas de Goiás (Celg) foi criada nesse governo. As ações do governador também
foram decisivas na mudança da capital federal para Goiás.
O governo de José Feliciano Ferreira (1959–1960), segundo Campos,
preocupou-se em oferecer condições para maior produtividade, seja investindo nos
setores de energia (construção de redes de distribuição da energia produzida pela Usina
Hidrelétrica de Cachoeira Dourada e planejamento da construção da segunda etapa
229
É importante considerar a divisão do território goiano em 1989, com a criação do Estado do Tocantins,
ano em que o PIB goiano ficou praticamente estável, crescendo apenas 0,13%.
135
dessa usina), em rodovias, na criação da Companhia Agrícola do Estado de Goiás
(Casego), para investimento no setor agrícola. Nas palavras de Campos, as mudanças
introduzidas no governo de Mauro Borges “já estavam em processo de gestação nos
governos anteriores” (2004, p. 44).
Feliciano foi um “soldado pessedista” (Aquino, 2005) que cumpriu com
“primor” a preparação do caminho para a eleição de Mauro Borges a governador, em
1960. Ele era um político da inteira confiança de Pedro Ludovico Teixeira, este a “força
ordenante”
230
do PSD (2005, p. 226) que exercia autoridade rara e incontestada pelos
pessedistas. Feliciano seguia “à risca as ordens do partido e não deixava sua vaidade
dominá-lo” (2005, p. 285). O comandante continuava a ser o senador Pedro Ludovico
Teixeira.
O PSD goiano era “[...] um partido de quadros, de base aristocrática, fraco
conteúdo doutrinário, com conduta hegemônica e tendência ao personalismo
centralizado” (Aquino, 2005, p. 216). O autor se pergunta qual a origem do poder de
Pedro Ludovico Teixeira. Conclui que ele emanava de algumas práticas políticas
consolidadas, como o controle dos diretórios municipais do PSD. Eram os diretórios
que organizavam o eleitorado durante as eleições, e Pedro mantinha com estes um bom
relacionamento.
Partia dele as ordens para os diretórios executarem. Quem descumpria era
colocado na categoria de “traidores” e levados, depois, a viver o “ostracismo político”
(2005, p. 233).. Ele mantinha o controle das instâncias partidárias, trocando fidelidade
política por cargos no governo. A quem discordava, restava apenas a porta de saída do
PSD.
231
Pedro Ludovico era “[...] o acionista majoritário, não só porque usava de
métodos coercitivos para impor suas decisões, mas pelo fato de ter um formidável
capital eleitoral que lhe concedia grande autonomia com relação ao partido” (2005, p.
229).
230
Aquino (2005, nota 34) entende por “forças ordenantes” a falta de autonomia dos membros de um
partido diante da cúpula decisória, quando os parlamentares não têm liberdade para votar de acordo com
suas consciências ou conveniências.
231
Aquino cita três crises internas no PSD que levaram ao afastamento de importantes lideranças
pessedistas: em 1946, quando uma dissidência propiciou a fundação do Partido Social Progressista (PSP);
a segunda, em 1954, quando o deputado federal Galeno Paranhos migrou para a UDN, e a terceira, em
1957, quando o governador Juca Ludovico tentou a aprovação do projeto de prorrogação de seu mandato
(op. cit. p. 234).Ver também Campos, 2004, p. 59–60.
136
A eleição de Mauro Borges a deputado federal mais votado, em 1958 e,
posteriormente, a governador, em 1960, vencendo José Ludovico de Almeida, um ex-
aliado de seu pai, injetou “sangue novo” na continuidade de dominação política do
grupo. Segundo Rabelo, a candidatura de Mauro surgiu no contexto de “renovação” dos
partidos tradicionais (PSD/UDN) e de crescimento dos partidos menores (PTB/PDC)
(2004, p. 51). Mauro elegeu-se sustentado pela força hegemônica de seu pai, que
manipulava o PSD e seus líderes políticos, mas assumiu tentando implantar uma
administração planejada e racional, apesar dos interesses divergentes do grupo que lhe
dava sustentação política.
Mauro Borges Teixeira rompeu a tradição do governo de só nomear pessoas
que constavam das atas de reuniões do partido. Ele era o único que podia se furtar a
seguir as práticas partidárias tradicionais por ser filho de Pedro Ludovico. Anos depois,
em sua autobiografia, Mauro lembrou-se dessas dificuldades políticas e da fundamental
sustentação política garantida pelo pai:
Sofri muita pressão, inclusive de prestigiosos companheiros do meu próprio partido, o PSD.
Se não fossem a autoridade e o prestígio político do meu pai, as reformas do Estado não
teriam sido implantadas. Tive de romper com vícios e cacoetes políticos, com
comportamentos eleitoreiros e clientelistas, para arrancar o Estado de uma rotina política que
tolhia sua vocação para avançar e progredir (Teixeira, 2002, p. 183–184).
Essa opção afastava-o dos líderes tradicionais do PSD, por isso Mauro buscou
ampliar a base de sustentação política para seu projeto de acelerar o processo de
desenvolvimento capitalista do Estado, aproximando-se de novos atores políticos e se à
reação dos setores oligárquicos de seu partido. Segundo Rabelo, ele encontrou a solução
para o impasse aliando-se ao PTB e aos partidos de esquerda que atuavam no interior de
Goiás, de olho nos movimentos camponeses, além do apoio que contava no movimento
estudantil.
O Estado, na gestão de Mauro Borges, não se limitou apenas à administração
dos negócios públicos, mas também passou a promover a produção econômica. Foi um
período de muitas inovações e de reforma nas estruturas administrativas do Estado, com
a criação de empresas públicas, iniciando uma fase estatizante que levou o Estado a
entrar em áreas onde não havia penetração da iniciativa privada. Mauro trouxe para a
administração goiana o “ideário nacional-desenvolvimentista” predominante no governo
de Kubitschek. As ações de seu governo reforçaram a marca mudancista e
modernizadora inscrita no grupo de Pedro Ludovico, a “história em seu estado
137
incorporado, que se tornou habitus”,
232
e refletiam o novo momento econômico e social
vivido por Goiás, a partir de sua urbanização e conseqüente formação de um mercado
interno para possibilitar a adesão do Estado à expansão do capitalismo para o interior do
País.
3.3 – A adesão a um grupo político
A década de 50 ficou conhecida na história brasileira como a década do
desenvolvimentismo. A aura desenvolvimentista expunha com mais nitidez a
precariedade dos problemas nacionais e locais. Iris Rezende estreou na política pelas
portas do movimento estudantil e, depois, na política partidária, filiando-se ao PTB,
nessa década, entremeada no período 1945–1964, em que “trabalhadores e populares
participaram ativamente do processo político”, uma época em que “a política nacional
era discutida nas ruas, nos sindicatos, na imprensa e nos quartéis” (Ferreira, 2005,
p.375). Ele filiou-se em 1958, por enxergar no partido uma alternativa às forças
oligárquicas representadas pelo PSD e pela UDN.
Quando Iris iniciou sua militância na política estudantil, Pedro Ludovico
Teixeira acabara de se eleger governador (1951–1954). Os quatro anos do novo
mandato foram marcados pela violência política e pelo surgimento de movimentos
sociais no campo. Esse novo quadro político, formado pela situação camponesa e pelo
quadro partidário do pós-1945, levou a um processo de renovação política em Goiás
(Campos, 2004), com a formação de movimentos sociais, como o estudantil e o de
camponeses, como de resto acontecia em todo o País, com a sociedade mobilizada em
defesa da democracia e de reformas estruturais.
Como todo jovem militante político da época (conforme ele próprio reconhece
nos trechos da entrevista citadas no capítulo anterior), Iris fazia oposição a Pedro
Ludovico. O líder político era considerado retrógrado, representante de velhas práticas
232
Bourdieu identifica dois estados da história (ou do social): “a história no seu estado objectivado, quer
dizer a história que se acumulou ao longo do tempo nas coisas, máquinas, edifícios, monumentos, livros,
teorias, costumes, direito, etc., e a história no seu estado incorporado, que se tornou habitus”. A pessoa
que tira o chapéu para cumprimentar “reativa” um sinal convencional herdado da Idade Média. Segundo
Bourdieu, essa “atualização da história é conseqüência do habitus, produto de uma aquisição histórica que
permite a apropriação do adquirido histórico” (1989, p. 82–83).
138
políticas que os estudantes combatiam. Iris então se identificou com o PTB, partido
mais progressista que seu aliado PSD. Ele nunca chegou a ser um político de esquerda,
muito menos de posições ideológicas definidas, mas a dura experiência do trabalho no
campo, de sol a sol, dos 7 aos 14 anos de idade, e sua participação no movimento
estudantil deram-lhe uma visão acurada da difícil realidade social brasileira.
Na composição dessa sua visão de mundo, deve-se levar em conta que Iris é de
uma geração de goianos que protagonizou o processo de urbanização de Goiás,
diferentemente da maioria dos goianos, e, conseqüentemente, dos políticos que
controlavam os partidos e as instituições dos Três Poderes até essa época, fortemente
marcados pelas relações agrárias, tanto do ponto de vista econômico como social. A
família de Iris migra para Goiânia, na época em se que iniciou o êxodo rural, atrás das
oportunidades que o iniciante desenvolvimento capitalista começava a oferecer.
Esses fatores adicionaram ingredientes progressistas ao perfil político de Iris,
já fortemente marcado por influências conservadoras em função da educação recebida
na infância. A educação religiosa na Igreja Cristã do Brasil e o sentimento
anticomunista – alimentado por relatos de familiares sobre o assassinato de um tio,
supostamente por soldados de Luiz Carlos Prestes, durante a passagem da Coluna
Prestes por Goiás – compuseram a formação de sua personalidade. Duas visões de
mundo contraditórias: de um lado, a idéia de conservação do mundo inculcada pela
igreja e pela família e, de outro, a de transformação, pela vivência da dura realidade
social no campo e pela experiência de migrar para Goiânia e conquistar, com sua
família, uma evolução econômico-financeira, paralelamente à modernização econômica
do Estado.
Uma pessoa educada a pedir “bênção para o padre e para o pastor” aprendeu a
conviver com essas contradições e a utilizá-las de acordo com as conveniências da
ocasião. No movimento estudantil, ele não chegou a ser de esquerda, mas manteve uma
distância crítica de Pedro Ludovico, que não tinha a simpatia da base estudantil. A
filiação ao PTB, que ele justificou na entrevista a esta pesquisadora pela simpatia que
sentiu pelo então vice-presidente João Goulart, durante sua visita à sede da União
Goiana dos Estudantes Secundaristas (Uges), em 1958, atendia a duas conveniências da
época. Como nos lembra Ferreira, dois projetos políticos se destacaram no período
139
1945–1964: o nacional-estatismo dos trabalhistas, aliados aos comunistas, e, em outro
pólo, o projeto liberal-conservador, hegemonizado pela UDN.
233
Apesar de sua formação conservadora e anticomunista, Iris estava mais
próximo dos trabalhistas do que do projeto liberal-conservador em função de sua
liderança no movimento estudantil, sua primeira base política. Em 1954, ele apoiou a
candidatura de Galeno Paranhos, pela coligação de oposição aos Ludovico, mas essa
opção deveu-se mais à relação de seu pai, Filostro, com Galeno, que antes de ser um
dissidente do PSD foi deputado pela região de Cristianópolis, do que por uma escolha
consciente pelo udenismo e seu projeto político. O PTB ainda atendia a outra
conveniência de Iris: o partido estava rompido com o PSD no momento de sua filiação,
fato importante, pois os estudantes faziam oposição a Pedro Ludovico. O PTB lhe foi
útil na eleição de 1958, quando ele se elegeu com uma votação recorde, conquistada não
apenas entre os estudantes.
Iris ampliou sua base eleitoral para Campinas, bairro onde morava há 9 anos,
desde que se mudou para Goiânia. Como presidente dos grêmios estudantis, ele
dedicou-se mais a levar “benefícios” aos estudantes – caso da cooperativa que comprou
livros e tecidos de uniforme para revender a preços mais acessíveis aos alunos do
Colégio Liceu – e menos aos debates político-ideológicos comuns ao movimento
estudantil na época. A escolha dessa forma de atuação política (a idéia de que um
político deve empenhar-se no atendimento de demandas da população), Iris levou para
sua campanha a vereador. Ele detectou os reais problemas de Campinas, e
comprometeu-se com as suas soluções para ampliar sua base eleitoral com os votos dos
moradores do bairro, pois dificilmente receberia a votação recorde que almejava, e que
conquistou, apenas com os votos dos estudantes.
Ele estruturou sua campanha de candidato a vereador prometendo atender às
inúmeras demandas dos moradores de Campinas. O bairro estava carente de infra-
estrutura, segundo Iris, porque, desde que aceitou ser bairro de Goiânia, nada recebeu
233
O nacional-estatismo, lembra Ferreira, defendia a manutenção e a ampliação dos direitos sociais e
políticos dos trabalhadores, com reformas para mudar o perfil econômico e social do País, como a
estrutura agrária, o nacionalismo e o fortalecimento das empresas estatais como contraponto aos grandes
monopólios multinacionais e políticas públicas baseadas em uma forte solidariedade social. Já o projeto
liberal-conservador era defensor da abertura do País ao capital estrangeiro, do livre mercado como
regulador das relações entre empresários e trabalhadores, do anticomunismo e do controle à atuação dos
sindicatos (2005, p. 375–376).
140
em troca, já que a prioridade do Estado sempre foi a construção da capital. As
promessas de lutar para melhorar a infra-estrutura de Campinas lhe deram no bairro
cerca de 85% dos 1.547 votos que recebeu naquela eleição. Essa votação lhe rendeu
mais que o mandato de vereador – rendeu-lhe prestígio no meio político. Sua
popularidade e novamente seu perfil ideológico indefinido foram decisivos para ele
galgar mais um passo em sua iniciante carreira política: se eleger presidente da Câmara
de Goiânia, dividida em 1959 entre dois pré-candidatos, um (José Luiz Bittencourt) de
“extrema direita” e o outro (Tabajara Pólvora) “de extrema esquerda”, segundo as
palavras de Iris.
A eleição para deputado em 1962 era o próximo passo em sua carreira. Depois
de se eleger vereador, ser presidente da Câmara de Goiânia por dois anos e de manter,
em função desse cargo, estreito relacionamento com políticos como o prefeito Jaime
Câmara (PSD), Iris já não era um político desconhecido, cuja votação recorde
surpreendeu o mundo político. Diferentemente de 1958, o PTB não lhe era mais uma
opção partidária conveniente. Iris justificou sua desfiliação por ter descoberto práticas
fisiológicas dos trabalhistas, em uma reunião do partido, na qual participou como
presidente da Câmara de Goiânia, convocada para discutir a distribuição dos cargos nos
institutos de aposentadoria dos trabalhadores, controlados pelo PTB.
Essa justificativa esconde as razões realmente relevantes que o levaram a
trocar o PTB pelo PSD. A fase de oposição aos Ludovico ficara para trás, na militância
estudantil. Como presidente da Câmara, Iris foi apresentado ao senador Pedro Ludovico
pelo prefeito Jaime Câmara. O PTB também facilitou sua aproximação, porque, na
eleição de 1960, voltaria a se aliar ao PSD, formando a coligação que elegeu Mauro
Borges (PSD) governador e Rezende Monteiro (PTB) vice-governador, fato político
utilizado pela mulher de Pedro Ludovico, Gercina Borges Teixeira, para convencer Iris
a pedir votos para seu filho em Campinas. Antes de se filiar, o que ocorreu depois da
eleição de Mauro, ele já estava com um pé dentro do PSD e não por acaso.
Iris escolheu a política aos 22 anos de idade, quando desistiu do curso de
Medicina para fazer Direito. Desde então, galgava cada degrau em direção à
consolidação de uma carreira política. Elegeu-se vereador aos 24 anos, presidente da
Câmara aos 25 e reelegeu-se presidente aos 26 anos. Em seus planos não constava
repetir mandato, portanto, o próximo passo era ser deputado estadual, um degrau para
alcançar sua maior ambição: eleger-se prefeito de Goiânia. Construir uma carreira
141
política longeva e de sucesso exigia integrar um grupo político forte, um “partido
grande, com estrutura e militância”, para usar suas próprias palavras.
Segundo Bourdieu (1989), o mercado da política é um dos “menos livres que
existem”, pois a produção política de maior penetração na sociedade “é monopólio dos
profissionais”. Em função disso, essa produção fica “sujeita aos constrangimentos e às
limitações” próprias do campo político. Os efeitos da “lógica censitária”, o processo
eleitoral para a escolha entre o que ele chama de “produtos políticos” disponíveis,
recebem influência dos “efeitos da lógica oligopolística, que rege a oferta de produtos”.
Monopólio de produção, entregue a um corpo de profissionais, quer dizer, a um pequeno
número de unidades de produção, controladas elas mesmas pelos profissionais;
constrangimentos que pesam nas opções dos consumidores, que estão tanto mais condenados à
fidelidade indiscutida às marcas conhecidas e à delegação inconstitucional nos seus
representantes quanto mais desprovidos estão de competência social para a política e de
instrumentos próprios de produção de discursos ou atos políticos: o mercado da política é, sem
dúvida, um dos menos livres que existem. (1989, p. 166, grifos do autor)
Como o “mercado” é restrito, Iris acatou as regras do jogo político e escolheu
um “oligopólio” para a sua militância partidária, a força hegemônica do PSD de Pedro
Ludovico. Apesar de já ser relativamente conhecido, ele entra para o grupo como mais
um “agente” do grupo político, para seguir seu “porta-voz” (Pedro Ludovico), isto é, o
líder “dotado do pleno poder de falar e de agir em nome do grupo” (Bourdieu, 1989, p.
158–159). Iris adere a esse subcampo político disposto a aumentar seu capital político
para disputar com os demais agentes o acesso às posições mais elevadas no concorrido e
fechado mercado da política.
Como o campo político é um local entendido ao mesmo tempo como “campo
de forças e campo de lutas”, Iris integrou-se a ele interessado em transformar a relação
de força interna (Bourdieu, 1989, p. 164) para se incluir entre aqueles com voz ativa. A
inovação política de Mauro Borges era conveniente a Iris, pois justificava sua adesão:
ele não estava aderindo às práticas políticas tradicionais de Pedro Ludovico, as quais
combateu no movimento estudantil, mas ao PSD renovado representado por Mauro.
Com menos de 30 anos de idade, ele se sentia mais próximo do filho do que do pai, pois
Mauro simbolizava o novo e os ideais de modernização das estruturas administrativas
do Estado, que inspiraria Iris no comando da prefeitura de Goiânia.
Iris fez uma opção pragmática, por um partido que lhe daria condições de
construir a carreira em longo prazo. Na entrevista à Folha de Goiaz (2/11/58), ele
encontrou as seguintes explicações para ter sido o vereador mais votado: “Pelo meu
142
passado frente às entidades estudantis que dirigi; pelo anseio do povo pela renovação
dos homens públicos e pela minha dedicação aos desprotegidos da sorte.” Em 1962,
apesar de já estar do outro lado, junto aos governistas, sustentava o mesmo discurso de
“renovação política”, apegando-se ao governo de Mauro Borges: “Eu fui para o PSD em
função do governo de Mauro, porque ele corrigiu tudo aquilo que nós como líderes
estudantis repudiávamos”
234
. Quatro anos depois, Iris renovou, em entrevista após sua
eleição para deputado (O Popular, 18/11/62, p. 3), seu apoio ao governo de Mauro
Borges: “Sou um entusiasta do chamado Plano MB. Ele trará grande progresso ao nosso
Estado.” Sobre Pedro Ludovico, declarou: “Admiro-o como administrador e como
político. Ele, aliás, sempre tem olhado minha carreira política com carinho.”
Na entrevista que concedera em 1958, Iris havia destacado sua ligação com o
trabalho na zona rural: “Meus dedos cresceram no cabo da enxada.” Na entrevista de 62,
ele novamente voltou ao tema: “Fui criado no cabo da enxada e conheço as agruras do
homem do campo.” Naquela época, a grande maioria da população goiana (69,7%)
ainda vivia na zona rural,
235
o que explica sua estratégia de ressaltar suas origens rurais,
pois sabia que era um passo para a identificação do eleitorado com ele. Iris queria se
apresentar como um goiano médio, criado na zona rural, que enfrentara a dura lida do
campo, que aprendeu a trabalhar e que foi para a cidade grande estudar em busca de
crescimento pessoal e econômico, como fazia boa parte dos goianos naquela época, pois
a migração do campo para a cidade já havia começado, provocada pelo início da
expansão das fronteiras agrícolas em Goiás.
236
Depois de aderir ao grupo de Pedro Ludovico, Iris abriu duas frentes para
aumentar seu capital político: investiu em sua popularidade e na conquista da confiança
da família Ludovico. Ele buscava legitimidade para agir na política, junto ao eleitorado
e, internamente, no partido. O apoio popular lhe daria boas votações e estas, prestígio
234
Entrevista de 4/7/2007.
235
De acordo com o censo demográfico de Goiás de 1960 do IBGE, o Estado tinha 1.917.460 habitantes,
580.518 na zona urbana e 1.336.942 no campo. Informões disponíveis na biblioteca digital no site
www.ibge.gov.br
. Pesquisa realizada em 15/1/2008.
236
Segundo Estevam, Goiás constituía, no início dos anos 1960, uma região de “fronteira”, em função de
sua reduzida densidade demográfica e da exploração incipiente de suas potencialidades. Estimativas do
IBGE indicavam exploração de apenas 44% de sua área pela agropecuária, ainda assim de forma
extensiva, valendo-se dos fatores da terra e do trabalho com reduzida utilização de capital. Por essa
realidade, o Estado foi contemplado com o Programa de Desenvolvimento do Cerrado (Polocentro), com
orientação única de modernizar as atividades agropecuárias do Centro-Oeste (2004, p.153 e 157).
143
junto ao grupo, que, por sua vez, lhe abriria espaços para disputar mandatos e ascender
na carreira, tudo conforme o planejamento que fez ao procurar um grande partido para
se filiar. Na eleição de 1962, ele trabalhou em silêncio para repetir a votação recorde de
1958.
Ao pensar duas vezes em revelar a Mauro Borges, a dois dias da eleição para
deputado, sua expectativa de ser um dos deputados estaduais mais votados do PSD –
afinal, refletiu, o governador tem sua preferência entre os candidatos e muito poder de
ação –, Iris aderia às “regras do jogo”, como todo “agente” deve fazer para interagir no
complexo sistema de relações do campo político. Uma dessas regras, conhecida dos
“iniciados” (Bourdieu),
237
é a sutileza do discurso político. A complexidade da
linguagem dos agentes políticos costuma ser inacessível ao público, porque trata dos
conflitos existentes nas relações dentro do campo político. A concorrência não se dá
apenas na relação entre os partidos, mas internamente, entre as tendências e correntes
que se abrigam sob o guarda-chuva de uma legenda (1989, p. 178). O silêncio é uma
grande aliada na guerra relacional no campo político, conforme Iris aprendia na prática.
Iris aprimorava sua prática política nessa relação interna no campo político,
mas ele tem certeza de que teve mais facilidade que outros políticos para conhecer o
mecanismo interno de funcionamento desse “mercado” porque nasceu com vocação
para a política. Acredita que essa aptidão é um dom, uma graça divina. Weber (1982, p.
98) afirma que política significa “[...] a participação no poder ou a luta para influir na
distribuição do poder, seja entre Estados ou entre grupos dentro de um Estado”. O autor
considera que a política pode ser uma ocupação subsidiária ou uma vocação. Um
homem pode se dedicar à política apenas ocasionalmente.
238
Há dois modos, segundo o autor, de um político fazer da política sua principal
vocação: “viver ‘para’ a política ou viver ‘da’ política” (1982, p. 105, grifo do autor).
Compõem o primeiro grupo aqueles que fazem da política “a sua vida, num sentido
interior”. “Desfruta a posse pura e simples, do poder que exerce, ou alimenta seu
equilíbrio interior, seu sentimento íntimo, pela consciência de que sua vida tem sentido
a serviço de uma ‘causa’” (1982, p. 105). O político que vive para uma missão também
237
O iniciado, segundo Bourdieu, é o político que já adquiriu o “corpus de saberes específicos” para ter o
“domínio prático” da lógica interna do campo político (1989, p. 169).
238
Weber acredita que, de certa forma, todos somos “políticos ocasionais” quando votamos ou quando
participamos de alguma atividade política (1982, p. 103).
144
vive da missão, economicamente falando. Viver da causa é uma conseqüência da
primeira opção, que é lutar por esse ideal.
239
Ao concordar com a teoria weberiana, Bourdieu afirma: “É, com efeito, na
relação entre os profissionais que se define a espécie particular de interesse pela política
que determina cada categoria de mandatários a consagrar-se à política e, por este meio,
aos seus mandantes.” Seguindo por essa trilha, como o profissional se relaciona com
seus concorrentes, é possível, então, chegar à sua relação com seu público, que para
Bourdieu está interligada, pois os políticos “servem os interesses de seus clientes
240
na
medida em que (e só nessa medida) se servem tamm aos servi-los” (1989, p. 176–
177).
Os 50 anos de prática política deram a Iris algumas convicções sobre a
política. Ele também tem suas teorias. Lembra que é por intermédio da política que se
chega ao poder e que o poder atrai os “desqualificados”. Chegou a criar uma figura de
linguagem para classificar esse tipo de político: “O poder atrai as pessoas de má índole
como a luz na floresta atrai as moscas à noite” A política, diz, atrai dois tipos de
pessoas: as de bem que buscam o poder, movidas por um sentimento em prol de uma
causa, como o presidente de uma associação de moradores ou o de uma associação
classista, que não têm vantagens financeiras com essa liderança, e as pessoas que tiram
proveito do poder público, seja aproveitando dos recursos públicos (corrupção) ou da
força do poder para obter vantagens na área privada (tráfico de influência).
Iris Rezende é um tipo de político vocacionado, não vive a política apenas
ocasionalmente, vive-a diuturnamente. Ele não tem prazer em outras atividades. Não
gosta de freqüentar restaurantes, cinemas, clubes; de viajar de férias. Seu talento, que
ele considera nato, no entanto, foi treinado, estimulado. A pianista Belkiss Mendonça,
que ele cita como exemplo de quem teve um dom divino, tornou-se uma exímia pianista
239
Interessa-nos o conceito weberiano de político que vive a serviço da causa. Mas ele tipifica o político,
que vive “da” política, movido pelo interesse em obter rendimento econômico. “Quem luta para fazer da
política uma fonte de renda permanente, vive ‘da’ política como vocação, ao passo que quem não age
assim vive ‘para’ a política” (1982, p. 105, grifos do autor). A precondição para um político viver “para”
a política é que ele seja economicamente independente da renda da política. Isso significa que a política
requisitava homens na plutocracia, entre os que detêm economicamente os meios de produção. Weber,
então, destaca que a política nesse sentido, pode ser conduzida por homens independentes (ricos ou que
vivem de rendas) ou por homens sem propriedade e que necessitam de recompensas (1982, p. 107).
240
Bourdieu utiliza expressões da ciência econômica para analisar as atividades políticas, como mercado,
oligopólio, consumidores ou clientes (os eleitores), produção (as propostas e idéias de políticos), unidades
de produção (os partidos políticos) etc.
145
não só por seu talento, mas porque recebeu apoio de uma grande pianista, a avó, Nhanhá
do Couto, e dedicou-se a um árduo e longo treinamento. Da mesma forma ocorreu com
Iris: ele também lapidou seu talento, por anos seguidos, desde quando treinava em
cursos de oratória no grêmio estudantil, passando por experiências que lhe ensinaram a
tomar decisões, como a de escolher um partido político grande para se filiar, a conhecer
as regras do jogo do campo político, a definir seu estilo político (“meu lema é fazer”) e
difundi-lo junto ao eleitorado até se transformar no político que sobrevive do mesmo
ofício há 50 anos e que não tem planos de se aposentar, porque a política impregnou-se
em sua vida, inclusive na pessoal.
Ele vive sua vocação política nas formas definidas por Weber (como um
político que vive para uma missão e também vive da missão) e por Bourdieu (serve os
interesses de seus eleitores na medida em que se serve também aos servi-los). Sua
atuação política vive um círculo virtuoso: ele serve seus dois públicos alvos – seu
eleitor e seus concorrentes/correligionários (os agentes do campo político) –, um
cuidado que lhe rende dividendos políticos (prestígio entre os profissionais da política)
e eleitorais (votos). Ele joga o xadrez político dentro do campo político da mesma forma
com que se dedica à construção de sua imagem junto ao público externo, e, nas palavras
de Bourdieu, seu discurso político é afetado por uma duplicidade que resulta da
necessidade de servir ao mesmo tempo às lutas internas e às lutas externas.
Sua desconfiança em relação à lealdade de Mauro Borges à sua eleição para
deputado estadual é um exemplo disso. Ele conseguiu surpreender Mauro Borges e o
próprio PSD ao se eleger o deputado mais votado de Goiás em 1962, revelando-se um
“fenômeno eleitoral da política goiana” (O Popular, 18/11/62, p. 3) em meio a
candidatos bem mais populares, como Walteno Cunha e Antônio Magalhães. Fez
campanha entre seu potencial eleitorado, sem fazer estardalhaço sobre os resultados que
planejara obter dentro de seu próprio partido, para não despertar a atenção de seus
concorrentes para si, o que poderia pôr seus planos em risco, pois nada é exigido de
forma mais absoluta pelo jogo político do que a adesão ao próprio jogo (Bourdieu): uma
das regras desse jogo é a “frieza” para sobreviver na política, marcada por “nuances” e
“baixaria”, segundo as palavras de Iris.
Em 62, ele conquistou o eleitorado pela segunda eleição consecutiva, elegeu-
se deputado, mas mesmo essa popularidade não lhe deu acesso ao restrito grupo de
Pedro Ludovico. Iris era do PSD, mas ainda não gozava da confiança da família. A
146
filiação a um partido forte foi um importante passo em direção a seu projeto político
futuro; como deputado ele daria o passo seguinte na mesma direção, mirando, dessa vez,
estreitar o relacionamento com Mauro e Pedro para ser o candidato do PSD a prefeito de
Goiânia.
Empossado deputado estadual, a primeira preocupação de Iris, segundo
revelou nas entrevistas, foi “alcançar a respeitabilidade dos deputados”. Um integrante
de um parlamento – ele já vinha da experiência de vereador – sozinho não faz verão.
Para ser reconhecido pelo grupo, Iris usou a mesma estratégia do silêncio. Passou os
primeiros meses do mandato conhecendo o terreno, acumulando experiência,
informações e, sobretudo, crédito, para saber como, e a hora certa, de se apresentar a
seus pares. Essa hora chegou quando o líder da oposição fez um duro ataque aos
Ludovico, criando o momento que ele esperava para começar a agir no intuito de
conquistar a simpatia e a gratidão da família. Iris fez a defesa da família, usando a
oratória, um recurso que treinara à exaustão nos grêmios estudantis. Encheu-se de
indignação para defender seus correligionários.
Com a “respeitabilidade” entre os colegas e a simpatia do governo, elegeu-se
líder do PSD e da Assembléia e, posteriormente, presidente da Assembléia Legislativa.
Nessa ocasião, Iris ainda não era um político predileto dos Ludovico, mas já era um
importante líder do grupo político hegemônico em Goiás. Para avançar nessa caminhada
construía uma carreira política piramidal (Miguel, 2003), começando da base (vereador,
presidente da Câmara) em direção ao topo (deputado estadual, líder do PSD e do
governo e presidente da Assembléia Legislativa). Iris utilizava nesse processo outra
habilidade que acredita fazer parte de sua personalidade (“isso também é um dom”,
disse), mas que ele soube aperfeiçoar: relacionar-se bem com todas as pessoas, tanto
eleitores quanto os profissionais da política.
Viver “para” a política requer utilizar-se da vocação para consolidar uma
liderança. Weber afirma que quem participa da política “luta pelo poder, quer como
meio de servir a outros objetivos, ideais ou egoístas, quer como ‘poder pelo poder’, ou
seja, a fim de desfrutar a sensação de prestígio atribuída ao poder” (1982 p. 98). Weber
pergunta-se quando e por que os homens obedecem aos que exercem o poder. Segundo
ele, há três “justificações” para o domínio exercido por um líder. O domínio tradicional,
exercido pelo patriarca; o domínio carismático (“dom de graça”), que é pessoal e
exercido na política “pelo governante plebiscitário, o grande demagogo ou o líder do
147
partido político” e o domínio da legalidade (o burocrático), que existe em função da fé
no estatuto legal. “Compreende-se que, na realidade, a obediência é determinada pelos
motivos bastante fortes do medo e da esperança” (1982, p. 99).
A liderança carismática, segundo Weber, é a raiz de uma vocação política “em
sua expressão mais elevada”. Os homens obedecem a esses líderes não por tradição ou
lei, mas porque acreditam neles. O domínio carismático contrasta com qualquer tipo de
dominação burocrática. “O carisma [que Bourdieu denomina de capital pessoal] só
conhece a determinação interna e a contenção interna. O seu portador toma a tarefa que
lhe é adequada e exige obediência e um séquito em virtude de sua missão. Seu êxito é
determinado pela capacidade de consegui-los” (1982. p. 285).
241
Machado identifica qualidades carismáticas em Pedro Ludovico Teixeira. Ela
fundamenta sua defesa em sua personalidade carismática – “um homem com capacidade
de polarizar, de liderar, imprimindo sua marca, sua cor ao processo histórico” (grifo da
autora) – com base no conceito de Pedro junto a seus contemporâneos e também em sua
própria ação na história. “A ação do líder e sua avaliação constroem o carisma e,
posteriormente, o mito” (1990 p. 99).
A autora elenca os seguintes elementos que comporiam a configuração do
carisma e do mito: em primeiro lugar o prestígio que ele gozava em uma sociedade
pobre e carente em função do exercício da medicina, acompanhado de sua formação
humanística. Em segundo, por suas qualidades “reais ou atribuídas” de homem “íntegro
e capaz”; de “redentor do Estado”, em um primeiro momento, depois de “construtor de
Goiânia” e, no final, de “chefe e o homem que construiu Goiás”. Uma imagem sempre
positiva que culminou com a “do grande estadista” (op. cit. p. 99).
Em terceiro lugar, uma qualidade que ela considera muito importante na
configuração do carisma: “a relação paternalista estabelecida entre o líder e o séquito,
usando uma expressão weberiana”. Essa relação acontecia nos pedidos de toda natureza
que recebia das mais diferentes pessoas, “como se ele tivesse condições de resolver
241
Segundo Weber, a dominação carismática opõe-se tanto à dominação racional (burocrática) quanto à
tradicional (patriarcal e patrimonial). A dominação carismática é irracional “no sentido de não conhecer
regras” (Weber, 1994, p. 160). Ela é “revolucionária” e inovadora. Nas épocas com forte vinculação à
tradição, o carisma é “uma grande força revolucionária”. “O carisma pode ser uma transformação com
ponto de partida íntimo, a qual nascida de miséria ou entusiasmo, significa uma modificação na direção
da consciência e das ações com orientação totalmente nova de todas as atitudes diante de todas as formas
de vida e diante do ‘mundo’ em geral” (1994, p. 161).
148
tudo” (1990, p. 100). Além dessas qualidades pessoais e paternalistas, Machado inclui o
momento nacional, que possibilitou a expansão capitalista, favorecendo a modernização
de Goiás. “As transformações por que passa o Estado, decorrentes de uma mentalidade
progressista/modernizadora, parecem aos olhos da população advindas da vontade e das
mãos do homem Pedro Ludovico” (1990, p. 101). Aos olhos da população ele se
perpetua e se transforma no mito.
Machado lembra que havia outros líderes do movimento de 30 em Goiás com
mais prestígio que Pedro Ludovico (Domingo Vellasco, Americano do Brasil e Mário
Caiado). Entretanto, observa, ele emergiu como líder, interventor, representante de
Getúlio Vargas em Goiás por várias razões. A primeira delas pelo fato de representar a
região sul/sudoeste, que concentrava poder econômico na época. Sua formação
intelectual mais aberta aproximou-o das necessidades da elite progressista da região e
lhe deu suporte teórico para assumir a direção do movimento. Aliada a essas condições,
a ação política de Pedro, que o levou a pegar em armas e a se aproximar do tenentismo,
elemento importante à sua ascensão ao poder posteriormente (1990, pp. 101–102).
Iris Rezende também carrega marcas de uma liderança carismática, que podem
ser observadas em sua ação política. Acho prematuro, em seu caso, identificar as marcas
de seu carisma com base no conceito que ele goza entre seus contemporâneos, como
Machado fez em relação a Pedro Ludovico. Afinal, Iris está, ainda, disputando o poder e
enfrentando seus adversários. O reconhecimento do legado de um político é,
geralmente, atestado após sua morte. Mas, em seu depoimento, pode-se perceber como
Iris aproxima-se de Ludovico e quer deixar um legado que o transforme, ainda que
simbolicamente, em seu sucessor.
Em primeiro lugar, destaco sua convicção de que ele foi preparado para
cumprir uma “missão”. Nasceu em uma comunidade evangélica, recebeu uma educação
“sustentada pela Bíblia”, para “ter respeito maior pelas coisas e pessoas”, trabalhou duro
na roça para conhecer como viveu a maioria da população goiana antes do êxodo rural e
depois experimentou o drama dos migrantes na cidade e sofreu como eles a difícil
adaptação à vida urbana.
Como considera que recebeu o chamamento para a política com a missão de
ajudar as pessoas e de mudar a administração pública, Iris diz que teve de ser
“corajoso”, ter “atitude” e “iniciativa”, estar pronto para qualquer tipo de embate. Ele
tem revelado ao longo de sua carreira, ser um político que sabe tomar decisões, mesmo
149
as impopulares, compensando-as promovendo grandes festas quando as decisões são
populares; que enfrenta os embates políticos procurando manter o equilíbrio. É um
conciliador, não um político ideológico; sempre dialogou com todos os segmentos
políticos, inclusive com os militares durante os anos de repressão da ditadura.
Assim foi no tenso processo que levou à deposição de Mauro Borges, entre o
golpe militar, em março, até sua deposição, em novembro de 1964, e durante os quatro
anos de seu mandato na prefeitura. Ele nunca considerou os militares como inimigos.
Foi crítico da ditadura, mas evitou o embate direto com o militar em particular.
Orgulha-se de ter sido amigo de vários militares que, paradoxalmente, sustentavam o
regime arbitrário por ele combatido, como Ribas Júnior, o governador eleito
indiretamente que sucedeu Mauro, o general Albuquerque Lima e oficiais do Exército
em Goiás.
Por outro lado, Iris também se enche de orgulho toda vez que vai narrar um
episódio em que enfrentou “o regime” (ele usa essa expressão como se separasse o
regime político de seus membros). Ele exibia gestos de coragem, como o de negar ajuda
ao general Luiz Carneiro Castro e Silva para abrir o processo de impeachment contra
Mauro na Assembléia, mas fazia de um jeito respeitoso, parecendo até legalista – como
quando justificou ao general que Mauro ficou ao lado de Leonel Brizola a favor da
posse de João Goulart para defender a lei –, sem demonstrar que enfrentava o governo
militar nem seus representantes.
Equilibrava-se em uma tênue linha imaginária entre sua opção política de ser
da oposição democrática, criando ao mesmo tempo condições de sobrevivência em um
regime que se desenhava cada vez mais autoritário e contrário a sua escolha pela
democracia. Iris criou um estilo próprio, conciliando seu perfil moderado com o de um
homem partidário e determinado em construir seu projeto político. Circulou pelos
conflitos que surgiram ao longo de sua carreira, desviando-se de tensões e de rupturas.
Sua relação com os militares oscilou entre encontros amigáveis (como quando
três oficiais do Exército em Goiânia tentaram reverter o decreto de sua cassação com o
comando da 11ª Região, em Brasília) e tensos (quando recebeu o ultimato para se filiar
à Arena). Ele se valia nesses encontros de algumas regras básicas: respeitar as
autoridades, mesmo que militares representantes de um governo imposto à força à
sociedade, educação que recebeu na infância; respeitar as instituições, como aprendeu a
respeitar a igreja e a família quando era criança; relacionar-se bem com todas as
150
pessoas, independentemente de suas origens política, econômica, social ou religiosa
(vale lembrar que ele pedia a bênção ao padre e ao pastor), e cativar o interlocutor pelo
diálogo respeitoso e amigável.
Acima de tudo isso, estava seu objetivo principal, do qual nunca se desviou:
sua carreira política. Nas decisões de enfrentar ou recuar diante dos militares, ou mesmo
em outros momentos em que precisou tomar decisões importantes na relação com seus
eleitores, correligionários e adversários, Iris levava em conta o que era melhor para seu
projeto político. Ele declarou a esta pesquisadora que sua carreira teria entrado “num
momento de declínio” se ele tivesse concordado em propor o impeachment de Mauro
Borges naquele encontro com o general Castro e Silva. Iris tomou a melhor decisão, não
apenas para Mauro, mas também a mais conveniente para a carreira que, àquela altura,
ainda não tinha a adesão dos Ludovico.
Ele considera que ajudar os mais humildes é a essência de sua missão e para
isso destaca sua coragem de mexer com “os grandes”, tomando medidas impopulares.
Caso do aumento dos impostos no primeiro e no segundo anos de seu mandato na
prefeitura de Goiânia e a demissão de 21 mil servidores como primeiro ato no governo,
em 1983. Coragem para recusar a nomeação de secretários indicados pelo diretório do
PSD para sua administração na prefeitura e para convencer Pedro Ludovico a deixá-lo
escolher sua equipe, assuntos que ele detalhou nas suas entrevistas. Em todos esses
casos, Iris procurou o diálogo como alternativa para solução de conflito, evitando o
enfretamento direto.
Paralelamente, nunca descuidou de sua relação pessoal com o povo. Quando
vereador, depois deputado e até como prefeito, ele recebia dezenas de pessoas em sua
casa e na prefeitura com os mais variados tipos de pedidos. Os mutirões, iniciados
quando foi prefeito na década de 60 e mantidos até hoje, são um meio de manter contato
direto com o povo. Eles marcaram todas as suas administrações, não apenas como uma
ferramenta administrativa, mas especialmente como uma estratégia política de
aproximação do líder com o povo, para fortalecê-lo politicamente para enfrentar as
reações contrárias a seu governo. Foi assim em 1966. Iris começou os mutirões nos
bairros, poucos meses depois da posse, ao sentir a população insatisfeita com a falta de
investimentos da prefeitura.
Sua obsessão por gestões inovadoras é também um traço de seu carisma. Iris
assumiu a chefia de executivos em momentos de crises administrativas. Goiânia vivia
151
uma situação caótica em 1966. Iris transforma a cidade em um canteiro de obras e faz
uma “administração revolucionária”, “a maior façanha” de sua vida. Em 1983, o Estado
passava por dificuldades, não havia investimentos públicos e os salários dos servidores
estavam atrasados em vários meses. Como pano de fundo, o Brasil vivia uma grave
crise econômica. Iris organizou um plano de investimentos em rodovias que dobraria a
malha rodoviária asfaltada do Estado.
242
Em 1991, depois do rompimento político com
o então governador Henrique Santillo, novamente assume o Estado em crise financeira e
imprime seu estilo administrativo, de forte investimento em infra-estrutura.
Destaco ainda na configuração do carisma de Iris Rezende seu cuidado com a
formação da equipe de auxiliares e com o controle da estrutura partidária. Weber
observa que manter um domínio exige que “a conduta humana seja condicionada à
obediência para com os senhores que pretendem ser os portadores do poder legítimo”.
Esclarece que, em virtude da obediência, “o domínio organizado exige o controle do
quadro de pessoal executivo e os implementos materiais da administração” (1982, p.
100).
Em troca de serviços leais, os líderes partidários distribuem cargos. É por isso
que todas as lutas partidárias são para o controle de cargos. A distribuição de cargos
dentro de um partido é mais séria para eles que qualquer outra ação contra suas metas
objetivas (1982, p. 108). Iris cuidou de montar equipes afinadas em suas administrações
e que seguissem seu comando. Ele lembra que recusou os nomes indicados pelo
diretório do PSD porque quase todos eram de políticos tradicionais, pessoas bem mais
velhas que ele, sobre as quais não teria autoridade e, por isso, elas não acatariam suas
ordens – em outras palavras, não seguiriam sua liderança. Desta forma, ele mantém a
lealdade e a obediência de seus auxiliares, dependentes das nomeações para os cargos
públicos.
As organizações partidárias, segundo a teoria weberiana, são controladas por
homens interessados no controle da política. “A liderança ativa e seu séquito, recrutado
242
Goiás tem de 10.890 km de rodovias estaduais asfaltadas. O histórico dessa pavimentação é o seguinte:
710 km de rodovias pavimentadas nos governos anteriores a 1966. O governo de Otávio Lage pavimentou
538 km; Leonino Caiado, 546 km; Irapuan Costa Júnior, 310 km; e Ary Valadão, 570 km. Iris Rezende
asfaltou e restaurou 4.476 km em seus dois governos. Henrique Santillo, 625,90 km; Maguito Vilela
831,09 km. Marconi Perillo pavimentou, duplicou e restaurou em seus dois governos (1999–2006) 2.283
km. Fonte: Assessoria de Imprensa da Agência Goiânia de Transportes e Obras Públicas (Agetop), em
31/1/2008.
152
livremente, são os elementos necessários à vida de qualquer partido. O séquito, e através
dele, o eleitorado, passivo, são necessários à vida do líder” (1982, p. 121). Os
seguidores dos partidos, seus funcionários e empresários esperam uma compensação
com a vitória do chefe: cargo e outras vantagens. Dependem de uma espécie de circulo
virtuoso: o partido aumenta seus votos, conquista mais mandatos em conseqüência da
“luta demagógica da personalidade do chefe” e isso amplia as oportunidades de
compensações para os seus seguidores.
Ao adquirir seu “corpus de saberes”, lapidando sua vocação para a política e
reforçando sua liderança carismática, Iris destacou-se no campo político e, então,
conseguiu reunir as condições políticas para aquele passo que tanto desejava, conquistar
a confiança da família Ludovico. Logo após Iris ter se recusado a ajudar o general
Castro Silva no processo de impeachment, Iris obteve de Mauro o apoio à sua
candidatura a prefeito de Goiânia. Nesse dia, quando o governador lhe informou que
falaria com seu pai sobre sua candidatura, ele sentiu que de fato integraria o fechado
grupo da família Ludovico: “Quer dizer que eu não era candidato de nenhum deles, né?”
O capital político de Iris valorizou-se com suas ações políticas, acumulando
crédito que lhe garantiu o apoio da família Ludovico, apoio este que retroalimentou seu
capital político, em um processo ininterrupto. Ele já era conhecido do eleitorado,
destacou-se entre seus pares na Assembléia – se elegeu líder partidário e do governo e
presidente da Casa – e foi um dos atores na luta política radicalizada entre UDN e PSD,
que se iniciou em 1962 em Goiás e se encerrou com a deposição de Mauro e a vitória da
UDN em aliança com a linha dura do Exército (Souza, 2004, p. 99).
Foi um duro golpe sobre o PSD. Um grupo levado à força para a oposição
depois de ter se acostumado durante tantos anos a ser governo, a repressão política que
desestimulava os pessedistas a lutar na trincheira da oposição e o pesado jogo político
da UDN e dos militares para recuperar espaço político em Goiás criaram condições
desfavoráveis ao PSD. Iris realizou o desejo de ter apoio dos Ludovico, mas ele não
teria a seu favor a força do PSD; ao contrário, o partido estava esvaziado e ainda
tentando se readaptar à nova realidade de fazer política fora do poder contra um
adversário autoritário e violento.
O próprio Iris admitiu, em entrevista a esta pesquisdora, que o PSD estava tão
desarticulado que ninguém queria ser candidato a prefeito de Goiânia. Nesse momento,
ele também contou com a sorte: era o candidato certo na hora certa, isto é, tinha o apoio
153
do principal líder partidário e não precisou entrar em uma briga interna para ser o
candidato. Uma notícia no Popular (20/8/65) informa sobre a desarticulação do PSD. A
nota diz que o partido deixou de lançar candidatos a prefeito em 15 municípios porque
“a dúvida quanto à vitória e o temor da derrota” levaram o PSD “à espetacular
desorientação de todo o seu passado”. Na realidade, as causas da “desorientação” não
eram bem essas, mas a repressão política que minava os partidos de oposição.
3.4 – A descoberta dos adversários
Nessa altura de sua carreira, Iris não era notado apenas pelos Ludovico, mas
também por seus adversários. Ele era presidente da Assembléia, Mauro ainda estava no
governo, quando algumas lideranças oposicionistas o procuraram para denunciar um
suposto plano para matar o deputado estadual Ary Valadão (UDN) e para pedir proteção
física da direção da Assembléia ao udenista. Sob o pretexto de criticar Iris pela suposta
falta de atitude em defesa da vida de Ary Valadão, o deputado federal Alfredo Nasser,
também presidente regional do PSP, partido coligado com a UDN, ex-ministro da
Justiça e um dos mais importantes líderes da oposição, publicou um artigo no Popular
com o título “Nem herói, nem santo”.
243
Nasser relembra nesse artigo que conhecera Iris na campanha de 1962, ao
participar de uma reunião “apartidária” em Campinas, para apresentar ao eleitorado
católico os nomes dos candidatos merecedores de seu voto. Segundo ele, o encontro não
“comportava a promoção de uma pessoa, um grupo ou uma facção”. Apesar disso, Iris
“impôs a todos um vexame” e transformou a reunião em um comício pessoal. Relata
que moças e rapazes “devidamente uniformizados” abaixo do palanque “vivavam-no a
plenos pulmões, entoavam canções em que Iris rimava com arco-íris – o arco-íris era ele
–, exaltavam as suas virtudes políticas...”. Nasser condenava um jovem – na época Iris
tinha 29 anos de idade – que fazia política a favor do governo. De acordo com o
deputado federal, Iris discursou assim que “as canções e os gritos cessaram”. Ao final
243
Na época, o deputado federal Alfredo Nasser lia um editorial, sexta-feira à noite, na TV Anhanguera,
que era publicado na íntegra no dia seguinte no Popular. O artigo contra Iris foi publicado em 18 de
outubro de 1964. Com outro título, “Um triste velho moço”, ele foi reproduzido no livro Alfredo Nasser:
o líder não morreu, coordenado por Consuelo Nasser. Goiânia: Líder, 1995, p. 372.
154
do discurso, Nasser ouviu alguém dizer: “Esse rapaz vai longe.” Nasser retrucou: “Está
enganado. Vôo de pato.”
244
O engano era do experiente político. Depois desse encontro, Iris elegeu-se
deputado estadual e presidente da Assembléia Legislativa. Só que, para o líder do PSP,
ele “chegou à presidência da Casa para receber e cumprir as ordens do governo”. No
meio do artigo, o deputado trata novamente do assunto que originou o texto, a suposta
falta de providência em favor de Ary Valadão, para novamente voltar ao tema que lhe
parecia mais preocupante a presença de um moço no governo.
Na vida de cada um de vocês [refere-se aos jovens] esta é a hora em que o caráter se forma, a
coragem se afirma, o valor se forja. Para todos nós, a hora de definição é na mocidade. Fiquem
conosco, na rude luta das oposições goianas, e fiquem contra nós amanhã, quando formos
governo, se for o caso. Mas não percam a única fase da vida em que o coração se pode banhar
da alegria do protesto e da dignidade do inconformismo. (O Popular, 18/10/64, p. 3)
A resposta de Iris Rezende foi publicada cinco dias depois, nas páginas 3 e 7, e
precedido de um “A pedido”. Ele relata no artigo-resposta, com o despretensioso título
“Ao povo goiano”, que recebeu a denúncia dos deputados Alfredo Nasser e Sidney
Ferreira sobre a suposta ameaça a Valadão em 12 de outubro. Reproduz os ofícios
enviados ao secretário de Segurança Pública, Rivadávia Xavier Nunes, com pedido de
proteção ao deputado, e aos autores da denúncia (Nasser e Ferreira), informando-os
sobre as providências tomadas. Após esse preâmbulo, responde às críticas políticas no
mesmo tom do adversário.
Iris disse que estranhou o artigo de Nasser, com “acusações pessoais tão
estigmatizadas pela malevolência”, e afirma que ele investe contra um “moço” apenas
para “sair do ostracismo”. “O artigo do velho [uma ironia por ter sido tratado por
“moço”] parlamentar relata tão-somente o seu juízo sobre nós” e, para Iris, “os juízos
pessoais são passíveis de ser injustos”. Iris ironiza a idéia defendida por Nasser de que
os jovens devem ser de oposição: “Que oposição recomenda à mocidade, aquela que V.
Excia. fez à construção de Goiânia?” Iris destaca as qualidades de Nasser de homem
inteligente, grande orador, pessoa de bem, mas o provoca, dizendo que “ninguém pode
apontar suas ações a favor do povo de Campinas, de Goiânia e do Estado” e que, por
isso, o deputado não é exemplo para ninguém, muito menos para a mocidade.
244
Um político com “vôo de pato” significa que ele terá carreira curta, como o vôo de um pato. Nasser
morreu em 21 de novembro de 1965, quando Iris já tinha vencido duas eleições depois daquela previsão:
para deputado, em 1962, e para prefeito de Goiânia, em 1965.
155
Iris concorda que o espírito transformador é próprio dos moços, mas que
“acima de tudo, lhes é dado refletir, criticar e optar por aqueles ideais que se identificam
com seu idealismo renovador”. Por isso, diz, ele e Nasser estão em posições políticas
contrárias, “um lutando contra o tempo e a época e o outro colaborando com um
governo honesto, realizador, identificado com os interesses dos jovens e do povo
goiano”. Conclui seu artigo insinuado que pessoas como Nasser são movidas por
“complexos, quando vêem em outro a possibilidade de ser aquilo que nunca puderam
ser”. (O Popular, 22/10/64, pp. 3 e 7). A polêmica entre os dois terminou aí. No sábado
seguinte, 24 de outubro, uma nota na capa do Popular informa que Nasser não falara na
TV no dia anterior. Ele voltou a discursar em 31 de outubro e, no dia seguinte, O
Popular publicou “Os equívocos de Mauro Borges”.
A artilharia de Alfredo Nasser, o mais importante e um dos mais respeitados
oradores da oposição, contra Iris Rezende não acontecia por acaso e muito menos
porque este tinha deixado de providenciar segurança para proteger a vida do deputado
Ary Valadão. O discurso na TV, e sua publicação pelo Popular, aconteceu no auge da
luta política entre a oposição e o PSD e a pouco mais de um mês da deposição de
Mauro. Nesse período, Iris já era o candidato da família Ludovico a prefeito de Goiânia
e participava da luta política contra a UDN em prol do PSD.
Iris nunca se esqueceu desse artigo. Guarda nas lembranças os detalhes das
acusações de Nasser; recorda-se de suas palavras. O artigo o marcou, porque ele o
considera um divisor em sua carreira: foi a primeira vez que a oposição se preocupou
com ele. Até então, ele era visto no campo político, tanto por seus correligionários
quanto por seus adversários, como um mero agente político. O fato de ter recebido
crítica tão contundente, feita por um líder da envergadura de Alfredo Nasser e ainda
publicada no jornal e veiculada na TV, indicava que o campo político já notara o capital
político que ele tinha acumulado. Iris já não agiria mais sem chamar a atenção dos
profissionais da política goiana.
Nasser não desperdiçou seu tempo na TV, em horário nobre na sexta-feira, e
seu espaço no Popular no sábado com um político que teria “vôo de pato”. Ele mirou
em um adversário com potencial político. De fato, o “moço” revelou sua força política
um ano depois da publicação desse artigo ao vencer a eleição para prefeito de Goiânia,
em uma campanha desigual, levando-se em conta a cobertura dos jornais da época, já
156
fortemente vigiados pela censura.
245
A campanha governista estava nas ruas e em
destaque na imprensa quando a oposição escolheu Peixoto da Silveira para ser o
candidato a governador. Tanto Peixoto como o senador Pedro Ludovico optaram por um
discurso moderado, evitando contrariar os meios “revolucionários”.
Iris seguiu outro caminho, pois acreditava na força política de seu grupo na
capital, e adotou um discurso anti-revolucionário, uma decisão pensada e conveniente a
seu projeto eleitoral. A coligação da UDN também não se comportou como quem
enfrentaria um político com “vôo de pato” ao escolher seu candidato para enfrentar Iris
nas urnas. Lançou o experiente José Ludovico de Almeida, que estava rompido com
Pedro Ludovico e filiado ao PSP. Juca Ludovico, como era conhecido, tinha 32 anos de
carreira política, a mesma idade de vida de seu adversário.
Goiânia vivia um momento particular de sua história em 1965. Em 1950,
quando Iris era recém-chegado do interior, a cidade tinha 53.389 habitantes. Essa
população triplicaria nos dez anos seguintes, chegando a 151.013 habitantes em 1960,
246
e não parava de receber migrantes, pessoas que, como a família de Iris Rezende,
buscavam oportunidade para estudar e ganhar dinheiro. O prefeito Hélio de Brito não
conseguiu atender às demandas crescentes da população. Em sua gestão, a prefeitura
recebeu autonomia política do Estado (até o governo Mauro Borges, a prefeitura era
uma espécie de secretaria estadual), mas não recebeu recursos para conduzir a
administração. Até 1965 o município não recebia transferências de receitas (ICMS,
FPM) do Estado e da União.
“Goiânia foi projetada há 34 anos, para 30 mil habitantes [aqui há um erro,
pois a cidade fora planejada para 50 mil habitantes]. Hoje está com 300 mil, não tem
plano diretor, cresceu desordenadamente além do núcleo inicial e os serviços não dão
nem para a metade da população”. (Revista Realidade, 1966, p. 24). Faltavam moradia,
asfalto, inclusive na parte nobre da cidade, urbanização de praças, saúde e educação
públicas. Os salários dos funcionários também estavam, segundo Iris, com oito meses
245
O título da principal manchete de O Popular (2/7/65, capa) noticiava: “Castelo reforça apoio a
Otávio”. Uma nota curta, na página 4, informava que o senador Pedro Ludovico denunciava a pressão
eleitoral do marechal Ribas Júnior. No dia seguinte, o jornal repetia na capa o mesmo destaque para a
desincompatibilização de Otávio da prefeitura de Goianésia, destaques que a oposição não recebia na
cobertura jornalística.
246
Números do censo demográfico de Goiás de 1950 e de 1960 do IBGE, disponíveis na biblioteca digital
no site www.ibge.gov.br
. Pesquisa realizada em 15/1/2008.
157
de atraso. A prefeitura não tinha dinheiro para enfrentar todos esses desafios. Iris
concentrou sua campanha eleitoral sobre duas bases: no combate à ditadura militar e na
promessa de construir a infra-estrutura que a cidade requisitava, dois temas que
agradavam a população majoritariamente jovem, recém-chegada do interior, e que sofria
com as precárias condições de vida na cidade.
A conjuntura política, social e econômica do País e o momento particular na
vida da população goianiense criaram condições favoráveis à vitória do projeto eleitoral
do PSD em Goiânia. Iris, como a maioria da população, vinha do interior para
aproveitar as oportunidades oferecidas pelo iniciante capitalismo em Goiás. A cidade
estava carente de infra-estrutura e ele, obstinado em produzir ações práticas que
proporcionassem bem-estar à população, como fez em relação aos estudantes no grêmio
do Colégio Liceu. Ele é um político, segundo suas palavras, que sempre teve “como
lema fazer”, o que coincidia com as expectativas do eleitorado. Na primeira entrevista
depois de diplomado prefeito, Iris e seu vice, Gabriel Elias Neto, prometeram asfaltar
toda a cidade (O Popular, 5/1/65). “Aquilo me realizava, porque eu vivi na roça com luz
de candeia, depois de lamparina. Aí eu me realizava, quando entregava um asfalto”,
justificou-se.
Sua visão administrativa foi fortemente influenciada pelas ações de Mauro
Borges e pela conjuntura econômica e social do Estado no final da década de 60. O
desenvolvimento econômico de Goiás engatinhava. Havia carência de infra-estrutura,
em especial a rodoviária, que rompesse o isolamento do Estado dos grandes centros
consumidores.
247
Ao Estado brasileiro historicamente coube a tarefa de criar as
condições macroestruturais para o avanço capitalista e isso não foi diferente em Goiás.
Também aqui coube ao poder público a “implementação e a sustentação da
modernização capitalista, com programas e recursos de fontes públicas federais e
estaduais” (Borges, 2004, p. 187). Reinterpretando, a seu modo, o projeto de
modernização do governo Mauro Borges, Iris construíra seu próprio modelo de
247
O isolamento de Goiás dos centros consumidores tem sido um problema permanente para o Estado.
Para ficar apenas no século XX, a luta contra o isolamento mobilizou os políticos pelo trem de ferro no
início do século e depois por estradas de rodagens. A construção de Brasília levou a abertura de
importantes rodovias de ligação, como a Belém–Brasília. O movimento anti-isolacionismo continua até
hoje a mobilizar políticos e o segmento econômico pela construção das Ferrovias Norte-Sul e Leste-Oeste
e também pelo alcoolduto, o duto que transportará álcool anidro produzido em Goiás para Paulínia, em
São Paulo, e, de lá, para o Porto de São Sebastião (SP).
158
modernização administrativa, voltado fundamentalmente para a construção de uma
infra-estrutura (viária, urbanização, moradia etc).
As condições políticas eram favoráveis à consolidação de sua liderança: a
carência da cidade por obras, o seu desejo de construir
248
a cidade e o esfacelamento do
PSD com cassações e perseguições políticas e com a derrota de Peixoto da Silveira para
o governo colocaram o recém-eleito prefeito no topo da hierarquia interna do PSD. Iris
aproveitou essas condições para preparar uma administração “revolucionária” em
Goiânia, um passo que ele sabia ser fundamental para aumentar seu capital político para
vôos maiores. Ele já tinha dito que não repetiria mandato, portanto, estava de olho no
cargo de governador de Goiás.
3.5 – A prefeitura: exame de admissão
Administração revolucionária, na visão de Iris, é a que promove inovações e
muda o perfil de uma cidade, transformando-a por meio de investimentos públicos. A
cidade queria asfalto e ele prometia “asfaltar uma rua por dia”; necessitava de moradia
para os migrantes que não paravam de chegar, de postos de saúde, escolas, urbanização
de praças etc. A expressão “revolução”, no sentido que Iris a entende, também foi usada
por Mauro Borges para se referir a seu plano de governo: “Eu propunha uma verdadeira
revolução na máquina administrativa do Estado” (Teixeira, 2002, p. 179).
Ao narrar sua experiência na prefeitura de Goiânia, Iris deixa subentendido
que os resultados foram positivos porque ele é um bom administrador público, tem faro
político aguçado, sabe captar e interpretar bem as aspirações populares e ainda porque
se relaciona bem com todo mundo, o que, na sua visão, lhe abriu portas para a obtenção
de recursos, inclusive no governo federal, a quem fazia oposição. Em outras palavras,
ele adquiriu “domínio prático da lógica imanente do campo político” (Bourdieu, 1989,
p. 170), fundamental para o bom desempenho na luta que se trava no campo político e
para a ampliação do capital político.
248
O verbo construir foi usado neste contexto propositalmente. O fundador da cidade foi Pedro Ludovico
Teixeira, que possibilitou a construção de tudo que aqui havia. Mas Goiânia tinha crescido tão
vertiginosamente que não é apenas uma figura de linguagem afirmar que tudo estava para ser construído
na cidade em meados da década de 60.
159
Mesmo que não seja o foco central de sua narrativa, centrada em suas próprias
ações, percebe-se que os resultados de sua gestão na prefeitura de Goiânia entre 1966 e
1969 – e que alimentaram sua popularidade nos dez anos em que ficou afastado da
atividade política – decorreram de um conjunto de ações planejadas e da
profissionalização da máquina administrativa. Iris montou uma boa equipe, fiel à sua
liderança e competente para tocar projetos administrativos e obras; reestruturou a receita
municipal, com o aumento de impostos e a criação de taxas de contribuição de melhoria,
para aumentar os recursos do Tesouro municipal e fazer frente às demandas por
investimentos; realizou mutirões – envolvendo não só a população, mas também
comerciantes e empresários – para a solução dos problemas emergenciais da cidade
(limpeza pública, encascalhamento de ruas, construção de bueiros, e até a construção da
sede provisória da prefeitura, feita com material de construção doado pelos
comerciantes); mexeu na estrutura administrativa da prefeitura, como a criação da
Pavicap, para dar agilidade à construção de obras; buscou recursos fora para construir
casas populares. Tudo isso comandado pelo “carreiro” (o prefeito), para usar suas
palavras, que dirige o carro de boi, este puxado pelos “bois de carro”, a equipe. Esse
conjunto de fatos, entre os mais importantes, pode ajudar a entender o que representou
aquela gestão tanto para o futuro político de Iris Rezende quanto para sua relação com a
população.
Quando Iris Rezende procurou Pedro Ludovico, segundo contou a esta
pesquisadora, para pedir para ser liberado de nomear os secretariáveis indicados pelo
diretório do PSD ele não buscava um enfrentamento gratuito com seu partido e seu
comandante político.
249
Queria nomear uma equipe com preparo técnico e disposição
para trabalhar. Ele alegou que a maioria dos indicados pelo PSD eram líderes
experientes, mais velhos que ele, caso do ex-prefeito Venerando de Freitas Borges, e
que ele teria dificuldade de exercer autoridade sobre eles. Iris deixa claro com esse
gesto quem mandaria e quem teria de obedecer as ordens na prefeitura. Ele exerce
integralmente o poder para o qual foi investido, por isso só nomeia assessores sobre os
249
Ao recusar a lista do PSD, Iris repetiu o ato político de Mauro Borges, que quebrou paradigmas, só
que em condições políticas muito mais desfavoráveis que as da época de Iris. Ao enfrentar o PSD no
início da década de 60, Mauro provocou uma crise com os pessedistas tradicionais. Com Iris, a realidade
partidária era outra: a ditadura conseguira enfraquecer a oposição e estava prestes a dar o golpe fatal, a
extinção de todos os partidos políticos e a instituição do bipartidarismo, autorizando a criação de apenas
duas instituições, Arena, para representar o governo, e MDB, pela oposição, que nem podiam incluir a
palavra “partido” no nome.
160
quais tem domínio. “Certa vez o deputado Moisés Abrão, cotado para ocupar um cargo
no primeiro governo de Iris, me disse que ele lhe deu a seguinte justificativa para não
nomeá-lo: ‘Você é um homem rico, como é que vou poder mandar em você?’”,
relembra o jornalista Jackson Abrão em entrevista a esta pesquisadora.
250
A afinação entre a equipe foi fundamental em sua primeira experiência
administrativa e percebida pela revista Realidade (1966) ao acompanhar quatro dias de
trabalho de Iris na prefeitura de Goiânia. “Todo secretariado – escolhido entre os
amigos de Iris, do tempo em que ele começou na política como vereador – são
admiradores do prefeito (sic), empenhado em fazer tudo o que seu chefe mandar.”
Havia uma divisão de tarefas, segundo informa a revista. O secretário da Fazenda, Nion
Albernaz, promoveu “economia e rigorosa política de recolhimento de impostos”. Era
também “confidente e conselheiro particular do prefeito”. Vecci, homem das Relações
Públicas, “é encarregado de sair pelos armazéns, pedindo comida e bebida de graça para
os mutirões”. D. Elina, secretária de Educação, é chefe de cozinha nos mutirões. Passa o
dia resolvendo problemas nas escolas e arrecadando pratos, talheres e utensílios de
cozinha nas casas comerciais. Perseu Matias é a pessoa mais diretamente ligada ao
prefeito. “Segura tudo que não precisa ser levado a Iris e, quando leva alguma coisa, já
tem opinião formada” (Realidade, 1966, p.29).
Depois de montar a equipe, Iris articulou a fundação da autarquia responsável
pela construção das obras públicas, a principal meta de sua administração. Ele decidiu
criar a Superintendência de Pavimentação e Obras da Capital (Pavicap) antes da posse e
chegou a tratar do assunto com diretores de bancos, conforme seu relato no capítulo
anterior. O projeto de lei chegou à Câmara de Goiânia no início de fevereiro e foi
aprovado em tempo recorde, em apenas três dias. Em 7/2/66, a Câmara encaminhou à
prefeitura o autógrafo de Lei 3.354 para ser sancionado pelo prefeito Iris Rezende.
251
Ele também tinha decidido tomar outras providências para driblar as dificuldades
financeiras do município: aumentar os impostos e promover mutirões nos bairros.
250
Entrevista em 3/7/2008.
251
A lei que criou a Pavicap sofreu várias alterações. Em 14 de abril de 1983, o prefeito Nion Albernaz
encaminhou projeto de lei à Câmara solicitando autorização para a liquidação definitiva da empresa, já
iniciada em 29 de abril de 1980 pela Lei 5.653. Informações disponíveis no Centro de Documentação da
Câmara de Goiânia.
161
Enquanto isso ganharia tempo para reunir dinheiro em caixa e organizar
administrativamente a prefeitura para iniciar as obras.
Iris reajustou os impostos dos imóveis por dois anos consecutivos, e a resposta
foi rápida, pois a arrecadação aumentou “de 220 milhões (fevereiro) para 685 milhões
(abril)” (O Popular, 26/6/66). Criou a Pavicap para asfaltar “uma rua de Goiânia por
dia” com previsão de receita garantida. A lei que criou a autarquia instituiu também o
Fundo de Pavimentação de Obras para custear todas as atividades da Pavicap. Esse
fundo era formado pelas seguintes receitas: 20% da receita tributária municipal;
contribuição de melhoria correspondente à valorização real de imóveis urbanos
particulares, decorrentes de obras públicas; adicional de 20% sobre os serviços
executados pela Pavicap; outras rendas derivadas do patrimônio e serviços executados
pela Pavicap; doações ou legados de pessoas físicas ou jurídicas; juros de depósitos
bancários; produtos de operações de créditos; recursos obtidos junto aos governos
federal, do Estado e de organizações internacionais.
252
A principal receita para o asfaltamento era a contribuição de melhoria, mais
conhecida como taxa do asfalto. A lei previa que essa contribuição ficaria entre 5% e
20% sobre a valorização do imóvel. Como a prefeitura só receberia a taxa de asfalto
depois da obra pronta e o seu pagamento ainda poderia ser parcelado em até seis vezes,
Iris procurou os bancos para negociar um aporte financeiro à Pavicap para a prefeitura
começar as obras. Ele também contou com a sorte em seu esforço para aumentar a
receita do município.
Até a Constituição de 1967, a base da receita municipal eram apenas dois
impostos: o imposto sobre propriedade predial e territorial urbana e o imposto sobre
serviços de qualquer natureza. O governo militar assumiu um papel ativo no comando
do processo político, na criação de uma nova ordem econômica e na reestruturação do
aparelho do Estado depois do golpe de 1964. Nesse objetivo, promoveu quatro grandes
reformas com vistas a fortalecer a intervenção do Estado na promoção do
desenvolvimento econômico: as reformas tributária, administrativa, previdenciária e
financeira. O novo Sistema Tributário Nacional
253
representou a centralização do poder
252
Artigos 6, 7, 9 e seus parágrafos do autógrafo da lei de 7/2/66 que criou a Pavicap. Fonte: Centro de
Documentação da Câmara de Goiânia.
253
A reforma tributária foi tratada nos 25 artigos do Capítulo V da Constituição de 1967 e alterada pela
Emenda Constitucional nº 1 de 17/10/69. Ver mais sobre o tema em BORDIN, Luís Carlos Vitali.
162
decisório e institucionalizou o sistema de transferências. Mas ainda assim a reforma de
1967 foi positiva porque introduziu na competência dos Estados um imposto do tipo
“valor agregado”, o chamado Imposto sobre Circulação de Mercadorias (ICM), em
substituição ao Imposto de Vendas e Consignações (IVC), e estabeleceu um sistema de
partilha de 80% do ICM para os Estados e 20% para os municípios.
254
A partir de 1967,
portanto, entrou dinheiro novo no caixa do Tesouro municipal, um reforço para o plano
ousado de obras públicas em implantação pela Prefeitura de Goiânia.
A construção de casas populares também marcou a administração de Iris na
época e ajudou a sustentar sua imagem de bom administrador durante os dez anos em
que durou sua cassação e a suspensão de seus direitos políticos. A Companhia de
Habitação Popular de Goiás (Cohab) foi criada por Hélio de Brito. Iris precisou apenas
de encaminhar aos vereadores um projeto para ampliar suas finalidades, no sentido de
adequá-la à política do Banco Nacional de Habitação (BNH), criado no governo de João
Goulart, mas mantido pelo regime militar, com o propósito de financiar a moradia
popular.
A Cohab e o BNH existiam antes da posse de Iris, mas elas não estavam
enfrentando o déficit de moradia da cidade. Iris tomou a decisão política de construir
casas, reativou a Cohab, nomeou uma equipe para comandar esse esforço (Nion
Albernaz acumulou a presidência da empresa com a Secretaria de Finanças) e contratou
um funcionário do BNH com experiência na elaboração de projetos. As casas, então,
começaram a sair do papel. A prefeitura construiu as Vilas Redenção, em duas etapas,
Canaã, União e Alvorada, reduzindo as favelas que já se proliferavam pela cidade, em
função de seu crescimento acelerado provocado pelo êxodo rural. Todas essas vilas
foram financiadas com recursos do BNH. A contrapartida da prefeitura era a doação dos
terrenos e a administração da obra.
Nion Albernaz recorda-se de que em quatro meses de governo, a prefeitura
reativou a Cohab e conseguiu aprovar o primeiro projeto, o da Vila Redenção. “Foram
500 casas, e como 500 casas eram novidades não só em Goiás, como também no Brasil,
o conjunto recebeu a visita do presidente Castello Branco”, informou Nion em
Tributação e administração tributária. Origem dos tributos, sistemas tributários, princípios teóricos e
administração. In: A origem dos tributos. Porto Alegre, 2002.
254
A Constituição Federal de 1988 alterou essa partilha, destinando 75% aos Estados e 25% aos
municípios. A cobrança de serviços foi incorporada a esse imposto, que passou a se chamar ICMS.
163
entrevista a esta pesquisadora.
255
Ele lembra-se de que a construção de conjuntos
habitacionais em Goiânia com recursos da União, e por um prefeito da oposição,
provocou ciúmes em prefeitos da Arena. Houve um movimento para transferir a Cohab
ao Estado, contornado, segundo Nion, “porque Iris tinha muito prestígio no BNH”,
presidido à época por Mário Trindade.
Os mutirões também foram uma estratégia de Iris que lhe rendeu dividendos
políticos (popularidade) e administrativos. A população oferecia mão-de-obra gratuita à
prefeitura nos fins de semana e as empresas, máquinas, caminhões, além de doação de
bebidas e alimentos. Essa união promovia as melhorias emergenciais nos bairros em
uma fase em que a prefeitura ainda não tinha recursos para obras. Iris afirma que foi sua
a idéia de realizar os mutirões, por causa de sua experiência na roça, mas quem primeiro
sugeriu os mutirões para realização de serviços públicos foi Mauro Borges, em seu
pronunciamento de posse como governador, na Assembléia Legislativa. Nos trechos do
discurso publicados no livro Tempos idos e vividos. Minhas experiências (2002), Mauro
afirma que “o governo conduzirá a administração e será por ela responsável, mas que o
Estado não pretenderá ter a exclusividade dos trabalhos e dos esforços para conquistar o
bem-estar social e econômico”.
Não é possível que o povo cruze os braços em posição estática, alheio e desinteressado,
olhando o governo trabalhar. É preciso que haja espírito de cooperação, trabalho voluntário a
serviço do bem-estar comum. Quantos serviços públicos existem, que poderiam ser ampliados
e melhorados à base de voluntários? Quem dispuser de algum tempo de lazer pode usá-lo
nobremente, na ajuda a uma obra de interesse coletivo. Vamos reviver a nossa bela tradição
dos “mutirões, fazendo-os em alguns serviços de utilidade pública (Teixeira, 2002, pp. 182–
183, grifo meu).
Mauro primeiro falou, mas Iris foi quem melhor aproveitou a idéia. Os
mutirões começaram a chamar a atenção da população, da imprensa nacional e dos
comandantes militares. Em junho, o prefeito concedeu entrevista à revista Visão e ao
jornal O Estado de S. Paulo sobre os mutirões (O Popular, 18/6/66). O sétimo mutirão
da prefeitura, marcado para 26 de junho de 1966, na Vila Santa Helena, nas imediações
de Campinas, chamou a atenção de “jornalistas de cinco órgãos nacionais e um do
exterior” e recebeu a visita surpresa do comandante do 7º Distrito Naval de Brasília, o
capitão-de-mar e guerra Paulo Teófilo (O Popular, 26/6/66).
255
Entrevista em 16/9/2007.
164
Esse mutirão mudou os 30 alqueires da Vila Santa Helena: roçou todo o
bairro, abriu seis ruas; encascalhou quatro e patrolou 12; fez duas obras de arte e um
aterro; contou com 18 caminhões basculantes, além de outras máquinas cedidas por
empresas particulares (O Popular, 28/6/66). Segundo Iris admitiu em entrevista a
Rocha, os mutirões tinham outro sentido, além de mera promoção de sua administração:
“O espírito do mutirão é o símbolo da força participativa do povo. Uma força que se
amplia quando agrega a articulação entre Estados e municípios também...O mutirão é,
ademais, instrumento que reduz em até 50% o custo de determinadas obras” (2004, p
228). Fica explícito nessa declaração um objetivo pragmático do mutirão: agregar
gratuitamente a força de trabalho do povo a ações político-administrativas do poder
público para ampliar o alcance delas e reduzir o custo das obras.
Com a equipe afinada, dinheiro em caixa, a máquina administrativa
reestruturada e a população mais calma com os benefícios emergenciais do mutirão, Iris
reuniu as condições para então iniciar as obras que prometera. Começou pelo
asfaltamento, conforme relata no capítulo anterior. “Em seis meses de governo ele
asfaltou mais que o prefeito anterior em quatro anos” (Realidade, p.29). Começou pelos
bairros “grã-finos”, segundo a revista, para conquistar as camadas mais ricas da
população, já que na época ele já tinha conquistado as mais carentes. Mas o motivo foi
também de ordem prática: os moradores dos bairros nobres tinham dinheiro para pagar
o asfalto à vista, e a prefeitura precisava de dinheiro em caixa para cumprir a meta a que
se propôs.
Na seqüência, a cidade começou a ver outras obras, como a sede provisória da
prefeitura, edificada na Praça do Trabalhador em 84 dias; a sede definitiva, o Palácio
das Campinas, na Praça Cívica; a urbanização de praças como a Tamandaré, das Mães
(Setor Oeste), Santos Dumont (Aeroporto) e Universitária; a duplicação da Avenida
Anhanguera, entre a Avenida 24 de Outubro e o Terminal do Dergo, e a construção do
Parque Mutirama, inaugurado pelo interventor Leonino Caiado, pois Iris foi cassado
uma semana antes da data prevista para a inauguração do parque, um episódio que
ajudaria a alimentar a sua popularidade durante o período e sua cassação.
Paralelamente, Iris não deixava de fazer política e de manter-se próximo da
população.
Ele reservava as manhãs de segundas-feiras para atender pessoalmente os operários candidatos
a emprego. Às quintas-feiras recebia o povo em seu gabinete. Começava o dia antes das 7
horas da manhã visitando as obras, orientando pessoalmente os mestres-de-obras e os
165
operários. Dedicava-se também a receber vereadores, secretários, e na campanha eleitoral (em
1966 houve eleição para vereador) a orientar candidatos (Realidade, p. 29).
Iris não fez milagre na prefeitura, fez planejamento administrativo. Ele
lamenta que suas ações administrativas não são reconhecidas pela “elite intelectual” e
por seus adversários. Ser um bom administrador, em sua opinião, é gerenciar o bem
público como se gerencia uma empresa particular ou um orçamento doméstico, com
cuidados básicos, como fazer economia, controlar gastos, formar uma boa equipe de
assessores e ter prioridades administrativas. É importante observar que, em sua
estratégia de promoção política, Iris divulga as dificuldades encontradas quando toma
posse e depois as realizações, sem explicar como resolveu a crise financeira e conseguiu
recursos para as obras. Essa estratégia induz o eleitor a acreditar que Iris tem
superpoderes administrativos, e a transformá-lo em mito, isto é, em um político ímpar
em gestão pública.
Cabe aqui um parêntese que considero revelador sobre o estilo político de Iris,
sua relação com os servidores públicos. Ele iniciou sua administração na prefeitura de
Goiânia com um relacionamento tumultuado com os servidores, que se repetiria em
outros momentos de sua carreira política. Os salários estavam atrasados quando tomou
posse. Ele decidiu, então, pagar em dia o salário do período de seu governo e parcelar os
atrasados, que herdou da administração de Hélio de Brito. A prefeitura demorou a
atualizar os pagamentos e enfrentou a oposição dos servidores, liderados por João
Divino Dornelles, um servidor público que depois se elegeria deputado pelo MDB e
seria aliado de Iris Rezende. João Divino espalhou bancas pela cidade, onde os
servidores pediam esmolas à população, como forma de constranger o prefeito.
Iris enfrentaria outros embates com os servidores, mas ele não aceita a
acusação de que não gosta de funcionário, explorada por seus adversários nas
campanhas eleitorais. Só que essa imagem não apareceu do nada, e sim de decisões
tomadas por ele, que contrariaram interesses de servidores, nas presidências da Câmara
e da Assembléia, na prefeitura de Goiânia e, posteriormente, no comando do Estado. Os
recursos públicos são sempre escassos no Brasil e um administrador precisa eleger
prioridades. Iris sempre priorizou a realização de obras públicas e nunca o atendimento
a reivindicações da categoria. Além disso, ele próprio admite que mantém uma distância
da categoria.
166
“Eu não enxergo o servidor público numa condição especial dos demais
segmentos.”
256
Como Iris valoriza o trabalho, orgulha-se do que faz e acredita que uma
pessoa só se realiza quando produz, imagina que a melhor forma de tratar o servidor é
manter com a categoria uma relação profissional. Para ele, os funcionários “vibram” e
se sentem “partícipes” quando o poder público está realizando muitas obras. “O povo
analisava quem estava no serviço público pelo resultado de seu trabalho”, acredita.
257
Essa posição a respeito do funcionalismo pode ser compreendida sob dois
aspectos. Em primeiro lugar, ele não enxerga a categoria com uma “[...] ‘estima social
específica’ em comparação com os governados.” (Weber, 1982, p. 233). Em segundo,
ele entende que esse profissional deve servir ao interesse público, uma visão que
predominou após o Estado Novo, de profissionalização do serviço público. Uma linha
de pensamento expressa pelo jurista Francisco Campos, o autor da Constituição de 1937
– e também do Ato Institucional do golpe de 1964 – e um dos teóricos do
estadonovismo: “O serviço público não é organizado para o funccionario, mas para o
povo ou para a Nação. Não póde haver garantias contra o interesse público. O interesse
publico ha de dictar o ingresso do funccionario na carreira e o seu afastamento do
serviço”. (1940, p. 59). Iris identifica-se com essa linha de pensamento, pois, além de
suas convicções, sua origem rural não lhe possibilitou criar vínculos com as elites do
funcionalismo público. Acrescente-se a isso que ele vem de uma geração que assistiu
aos primeiros passos para a profissionalização da máquina pública brasileira. Aliás, foi a
reforma no Estado goiano implementada pelo Plano MB que mais o empolgou com o
governo de Mauro Borges.
3.6 – Imagem e política: entre o demagogo e o líder popular
A Realidade, uma das mais importantes revistas nacionais da época, mandou
uma equipe a Goiânia atraída pela notícia dos mutirões. O repórter José Carlos Marão e
o fotógrafo Jorge Butsem acompanharam Iris de quinta-feira a domingo e produziram
uma reportagem que ocupou cinco páginas. O prefeito de Goiânia recebeu o jornalista
com uma pergunta: “Quanto vai custar a reportagem? Demorou a acreditar que não ia
256
Entrevista em 9/7/2007.
257
Entrevista, ibidem.
167
custar nada. Na verdade, o prefeito é que deveria cobrar pelas aulas que está dando de
como misturar magnetismo pessoal, malícia, realizações e demagogia para conquistar o
povo de uma cidade inteira” (Realidade, p. 22). A reportagem começa na capa com o
título “Como nasce um demagogo” e continua na página 22 com um título que parece
uma aposta: “Atenção: está nascendo um líder”.
Os repórteres descrevem os quatro dias de Iris e como ele constrói sua
liderança. Relata como ele ampliou sua campanha, no início da carreira, do movimento
estudantil para o bairro em que morava e como ele se relacionava pessoalmente com os
moradores de Campinas, fazendo visitas de casa em casa, elogiando crianças perto dos
pais e valendo-se da boa memória para nomes e fisionomia. “A simpatia pessoal, a cara
de menino humilde, as roupas comuns e a simplicidade natural de menino criado na
roça até os 16 anos completavam o homem e ajudaram a trazer o voto dos pobres”
(Realidade, p. 22).
Eleito prefeito, Iris mudaria seu perfil de líder, segundo a revista, pois já não
lhe era mais possível guardar o nome de todos e visitar um por um. Ele, então, teria
reformulado seu processo anterior de conseguir votos e criado um novo procedimento:
1) Evitar chamar pessoas pelo nome, quando houvesse perto outros eleitores cujo nome ele
não conhecesse, e, assim, não provocar ciúmes.
2) Continuar as visitas, mas mais rápidas, de modo a poder elogiar o trabalho de 10 donas de
casa em 15 minutos.
3) Continuar agradando crianças, qualquer criança, pois descobriu que elas influenciam muito
os pais.
4) Só na base da simpatia, era impossível conseguir mais votos do que ele já tinha. Era preciso
fazer mais. (Realidade, p.24)
Esse “mais”, segundo a revista, seriam os recursos mais sofisticados que ele
agregou à campanha para prefeito. Ele montou um staff, formado por ex-colegas de
política estudantil e de Câmara. Inspirou-se em Juscelino Kubitschek, em quem buscou
a palavra “metas” para criar seu plano de governo. Sua assessoria na Assembléia
Legislativa elaborou o Primeiro Plano de Ação Municipal, que previa, principalmente,
metas de limpeza pública, economia, asfaltamento, abertura de ruas, colocação de
galerias pluviais, embelezamento de jardins na cidade (Realidade, p. 24). Uma agência
de propaganda recebeu o plano e preparou cinco folhetos para cada grupo principal de
metas. Os folhetos foram distribuídos em toda a cidade durante a campanha eleitoral.
Com seu Primeiro Plano de Ação Municipal, Iris não se inspirava apenas em Juscelino
Kubitschek, mas também no Plano de Desenvolvimento Econômico de Goiás, o Plano
168
MB do governo de Mauro. Ele queria, como seus dois inspiradores, realizar uma gestão
eficiente.
Já nessa administração, Iris começa a inovar os métodos e a utilizar os meios
de comunicação para divulgar seu nome. Ele fazia as obras, tocava os serviços na
prefeitura sem se descuidar da divulgação de sua imagem, fundamental para alimentar
sua popularidade. Seu círculo virtuoso era o seguinte: abria muitas frentes de trabalho,
mantinha contato direto com os eleitores, tanto os operários nas obras como os
moradores dos bairros beneficiados pelas benfeitorias; atendia os eleitores pessoalmente
em seu gabinete uma vez por semana; fazia festas com muito foguete, shows
pirotécnicos e musicais para inaugurar cada obra; circulava com seu jeito simples de
cidadão boa-praça por todos os lugares da cidade. Fechando o círculo, seu relações-
públicas na prefeitura, Castro e Filho, acompanhava sua agenda para produzir material
informativo para um programa semanal, veiculado na TV.
O cinegrafista Ronan Soares era dono de uma das poucas câmeras de TV de
Goiânia, uma Bell Howell, com filme mudo e em preto-e-branco. Na época, a TV
Anhanguera não tinha câmera externa própria. Comprava imagens dos eventos
jornalísticos gravados por Ronan e pagava-o com um horário em sua grade de
programação aos sábados à noite. Ronan produzia o programa A Semana na TV, com
notícias da vida social, cultural e política da cidade, patrocinadas pelos protagonistas
dos fatos. Iris, que já tinha usado recursos ainda que rudimentares do marketing político
em sua campanha, foi um dos primeiros a utilizar a TV em Goiânia para divulgar seus
atos administrativos.
Ele sempre trabalhou com um olho nas ações administrativas e outro na
divulgação dessas ações. Não separa um do outro. Todas as suas ações administrativas
foram divulgadas com estardalhaço, desde sua primeira passagem pela prefeitura, na
década de 60, até hoje. Iris foi cassado às vésperas de inaugurar o Parque Mutirama,
fato que frustrou a população. E esse sentimento não foi espontâneo. Ele só surgiu
porque a prefeitura divulgou exaustivamente a construção do parque. Alguns
brinquedos, como o trenzinho e seus trilhos, tiveram de ser importados da Alemanha e
dos Estados Unidos. No dia em que chegaram a Goiânia, os brinquedos foram exibidos
em toda a cidade em carreata enfeitada por faixas informando a novidade e muito
foguetório.
169
Até hoje, passados quase 40 anos, Iris usa esses recursos, alguns já
ultrapassados, para divulgar suas ações na Prefeitura de Goiânia, como afixar placas em
todas as ruas que recebem desde um simples recapeamento até uma grande obra,
poluindo visualmente a cidade, e a desastrada decisão de levar 200 ônibus para a Praça
Cívica em junho deste ano para anunciar a renovação da frota do transporte coletivo,
congestionando o tráfego no Centro em uma sexta-feira, no horário de as pessoas irem
para o trabalho ou à escola, o que irritou tanto os usuários do transporte coletivo como
os motoristas que ficaram parados no engarrafamento.
Iris alimenta-se nessa relação com o povo, obtendo popularidade que depois se
transforma em votos. É uma via de mão dupla que ele sabe explorar muito bem. Na
reportagem da revista Realidade, há quase 42 anos, ele confessa seu desejo de ser
reconhecido pelo povo neste diálogo publicado sob o título “Para Iris, ser popular é ser
feliz”:
– Iris o que você de fato quer?
– Quero servir o povo.
– Não, a pergunta não era bem essa.
– Quero andar de cabeça erguida, quando não tiver mais nenhum cargo público.
– Não, também não é isso. O que é que você quer para se sentir, hoje, feliz? O que você
precisa para sua felicidade pessoal?
– Bom, eu acho que é.
– Você nunca tinha pensado nisso?
– Já pensei. É verdade. Eu trabalho muito na Prefeitura. Primeiro porque gosto da cidade.
Segundo porque quero que todos saibam que eu fiz. (Realidade, 1966, p. 29)
Ele luta para realizar seu desejo de reconhecimento público e não o espera
surgir espontaneamente. Toma as iniciativas de levar informações ao povo para ser visto
como grande líder político e administrativo. Iris diz que seu meio político sempre foi o
povo e não a elite, tanto a política, a intelectual ou a econômica. “Eu tenho uma
capacidade muito grande de sentir o povo. Eu vejo quando o pessoal está feliz ou não
está; vou fazendo meu pronunciamento, e medindo a receptividade do ouvinte: se eu
estou conseguindo impressionar, convencendo ou não.”
258
Ao longo de várias entrevistas concedidas para esta pesquisadora, tratando de
assuntos distintos, Iris deixou transparecer mais de uma vez que não se identifica com a
elite. A roça marcou tão profundamente a formação de sua subjetividade que ele diz, às
gargalhadas, que saiu da roça, mas que a roça não saiu dele.
259
Faz quase 50 anos que
258
Entrevista em 2/12/06.
259
Entrevista em 28/01/2008
170
Iris deixou esse lugar (no sentido subjetivo) de menino roceiro, com complexos com a
própria linguagem e que lutou para se adaptar ao novo meio. E conseguiu. Atualmente,
ele pertence à elite, política e econômica: é um homem rico
260
e um dos políticos de
mais destaque na política goiana, mas não se sente nesse novo lugar. Ele desdenha as
elites, em especial a intelectual, da qual se sente ainda mais excluído, como se
subjetivamente não fizesse parte delas. “O meu meio sempre foi o povo, não foi essa
elite.”
261
Isso acontece porque Iris não mantém uma relação social próxima da elite
econômica, não cultiva uma vida social. Politicamente ele sabe conviver tanto com os
eleitores carentes como com a elite, mas tem estado mais próximo do povo do que dessa
elite desde que decidiu dedicar-se integralmente à vida política. A opção pelo trabalho,
o mantém próximo da população, seja em função das campanhas eleitorais (de que ele
sempre participa, mesmo quando não é candidato), seja durante o exercício de seus
mandatos. Ele não alimenta a relação com a outra ponta, a elite econômica, porque não
freqüenta socialmente os lugares por ela freqüentados, como reuniões sociais, festas,
restaurantes etc.
O economista Flávio Peixoto, que conhece Iris desde 1965 e o acompanha
como assessor ou aliado político desde 1982, concorda que a opção de vida de Iris
distanciou-o da elite. Flávio sente que Iris tem muita dificuldade de ser sociável.
Observa que ele não consegue ir a um restaurante naturalmente, não é freqüentador de
eventos e, quando vai a algum, as pessoas percebem que ele vai obrigado.
260
Na declaração de bens que apresentou à Justiça Eleitoral em 5 de julho de 2008 para registro de sua
candidatura a prefeito de Goiânia, Iris declarou possuir os seguintes bens: apartamentos no Centro e no
Setor Oeste, em Goiânia, e na Rua Prudente de Morais, em Ipanema, no Rio de Janeiro; uma casa no
Setor Marista e um prédio no Setor Aeroporto; 32 lotes em Aparecida de Goiânia; duas fazendas em
Britânia, uma de 4.865,9 hectares e outra de 459,8 hectares; duas fazendas em Canarana (MT), de 9.558,9
hectares e de 1.394 hectares; fazenda de 711 hectares em Trindade; glebas de terra de 1.037 hectares e de
5.284 hectares (em locais não revelados); glebas de terra de 386 hectares em Canarana (MT); de 19,3
hectares, de 59,2 hectares e de 26,9 hectares em Guapó; de 58 hectares e de 49,2 hectares em Britânia; os
veículos Renault Scénic ano 2000, Santana ano 2006, Renault Furgão 2006, Saveiro ano 2007 e um
Fielder 2007; dois terminais de linhas telefônicas; ações das empresas Vera Cruz S/A e Tele Norte-Oeste;
direitos minerários (R$ 88.020,00); poupanças nos Bancos Real (R$ 14.547,00), Safra (R$ 83.820,00) e
Bradesco (R$ 393,89); recursos no fundo deste último banco (R$ 2.264,43); depósitos em conta corrente
no Bradesco (R$ 22.387,53), no Banco do Brasil (duas contas, uma com R$ 42.725,12 e outra com R$
61.153,31), no Banco Itaú (R$ 14.874,49); aplicações em renda fixa no Banco do Brasil (R$ 10.792,85 e
R$ 11.801,00). Esses bens foram avaliados nessa declaração em R$ 6.014.045,98, mas, como a Justiça
Eleitoral não obriga a atualização pelos valores do mercado, eles podem estar subavaliados.
261
Entrevista em 2/12/2006
171
O que ele gosta mesmo é do contato com o povo, aí ele vai com muita disposição e o povo
percebe isso, a espontaneidade dele. Já em qualquer evento da elite, a formadora de opinião,
tanto a elite intelectual como a elite financeira, eu percebo o Iris desconfortável e ele transmite
esse desconforto. Ele é o primeiro a chegar a uma festa e o primeiro a sair. [...] Eu acho que
não tem afinidade [com a elite]. Não faz parte das preocupações dele. Ao mesmo tempo como
todo político ele sente a reação, mas não faz nada para alterar a reação.
262
Filho de Peixoto da Silveira, Flávio Peixoto acompanhou a política goiana
desde a sua infância e observa que a falta de “afinidade” de Iris com a elite é atípica,
porque a política goiana sempre foi feita pelas elites. Iris não desconhece esse fato, pois
procurou se aproximar da elite política para ter futuro na carreira e se juntou à mais
forte delas, o grupo hegemônico do PSD de Pedro Ludovico. Ele não se mistura, mas
isso não quer dizer que ele não saiba conviver e atender também os interesses dessa
camada da população. Sua opção por governos que investem em infra-estrutura, por
exemplo, ajudou a fazer “muitas fortunas em Goiás”, diz Flávio.
“Que a bem da verdade se esclareça uma coisa: Iris é um moço que, apesar de
defender a bandeira dos pobres, é tranqüila, segura e (por absurdo que pareça)
simpaticamente reacionário. Não aceita nenhuma idéia nova, pode ser de política, de
moral, de economia ou de qualquer outra coisa”, escreveu o repórter José Carlos Marão
em um dos textos de sua reportagem sobre Iris há 42 anos (Realidade, p. 29). Essa
aparente contradição indica que a falta de afinidade não é em relação à elite, mas aos
lugares que ela freqüenta. O que falta entre ele e o grupo é convivência social, o que não
quer dizer falta de convivência política. Como agente político experiente, ele cumpre
todos os seus papéis no jogo do campo político, relacionando-se tanto com o povo
quanto com a elite. A diferença é que a relação com a elite é uma obrigação profissional
e com o povo, por prazer, pois é este que alimenta sua popularidade e lhe garante
reconhecimento público, seu maior desejo de felicidade, que por sua vez se transforma
em votos e estes em mandatos eletivos.
Iris começou a fazer política no auge do populismo no Brasil (1956–1964),
263
cujo ciclo completo, de acordo com vários autores, vai do golpe de Getúlio Vargas, em
1930, até o golpe militar contra João Goulart, em 1964. Iris se considera um político
popular “[...] extremamente integrado com o povo, com a gente com a qual me
262
Entrevista em 5/9/2007.
263
Jorge Ferreira discorda que o populismo comandou as relações entre Estado e sociedade nesse período,
um consenso entre vários autores, pois sequer acredita que o período tenha sido “populista”, mas sim
como uma categoria que foi imaginada e construída para explicar essa política (2001, p. 63–64).
172
identifico, com os humildes, os carentes, os pobres e os sofridos”, mas não se identifica
como um populista porque faz a seguinte distinção entre ser popular e ser populista:
O popular é o que de fato se identifica com o povo, o populista é aquele que se comporta de
acordo com as manifestações populares, sejam viáveis ou não. Como líder, sempre tomei
minhas decisões sem temer nem sequer contrariar momentaneamente o povo, para fazer um
bem permanente para este mesmo povo. (Rocha, 2004, p. 229).
Sua reação contra o populismo pode ser explicada pelo estigma em torno do
conceito no uso corrente na sociedade:
São populistas os políticos que enganam o povo com promessas nunca cumpridas ou, pior
ainda, os que articulam retórica fácil com falta de caráter em nomes de interesses pessoais. É o
populismo, afinal, que demonstra como “o povo não sabe votar” ou, em versão mais otimista,
“ainda não aprendeu a votar”. (Gomes, 2001, p. 21).
Gomes faz uma “trajetória acadêmica do conceito” do populismo. De acordo
com sua pesquisa, as primeiras formulações indicam que o populismo é uma política de
massas, vinculada à proletarização na sociedade moderna, sem consciência de classe.
Em segundo lugar, está associado à certa “conformação da classe dirigente”, que perdeu
representatividade e busca apoio político nas massas emergentes. Para completar o
ciclo, “o surgimento do líder populista, do homem carregado de carisma capaz de
mobilizar as massas e empolgar o poder” (2001, p. 24–25).
O conceito ganhou variações nas formulações de vários estudiosos, entre eles,
Weffort, um dos principais teóricos do tema. Gomes observa que Weffort aponta para a
instabilidade política do novo quadro pós Revolução de 30, pelo equilíbrio político
frágil entre a velha oligarquia rural e as “oligarquias alternativas”. Essa instabilidade,
então, provocou a aproximação com as classes populares, “percebidas e temidas pelos
grupos dirigentes, mas sem condições organizacionais e ideológicas de pressionar por
uma participação mais efetiva” (2001, p. 33). Weffort propõe o conceito de Estado de
Compromisso: que mantém compromisso com os grupos dominantes, compromisso
com o Estado e com as classes populares, abrindo espaço para o surgimento do poder
pessoal do líder (2001, p. 33).
Conceitos, como estes aqui resumidos, foram pensados, destaca Gomes, sob a
influência de suas épocas, condições essas que se modificam a partir dos fins dos anos
70 e anos 80, por vários fatores, entre eles as mudanças nas referências intelectuais.
Gomes, então, se propôs em A invenção do trabalhismo, sua tese de doutoramento, em
1987, “iluminada pelas novas contribuições da produção internacional sobre a
formulação da classe trabalhadora”, a realizar uma interpretação histórica alternativa,
173
repensando conceitos como a passividade das classes trabalhadoras, a manipulação
política, a categoria de cooptação como o reverso de representação. Por essas razões, ela
evitou usar o conceito de populismo – “tudo o que estivesse qualificado como populista
enfatizava a dimensão de controle/ação do Estado sobre as massas”[...] – que trocou por
“pacto”, uma idéia que não desconhece a relação entre desiguais, mas onde não há um
Estado todo-poderoso nem uma classe trabalhadora passiva (2001, p. 43–49).
Ferreira (2001) informa também que estudos de intelectuais de várias
concepções ideológicas definiram o populismo de forma muito parecida. Ele divide as
pesquisas sobre o populismo em três gerações. Com algumas variações, em todas elas o
Estado aparece como manipulador, cooptador, e a sociedade civil, em especial a classe
trabalhadora, como vítima. Ferreira questiona a formulação segundo a qual o populismo
sustentou-se graças à repressão política, à propaganda ideológica e ao controle social
dos trabalhadores, porque essa formulação pressupõe uma relação de mão única entre o
Estado e a sociedade/classe trabalhadora e desconhece o viés da satisfação das
necessidades dos trabalhadores.
Ele critica os teóricos do populismo por não distinguir políticos de matizes
políticas diferentes, igualando Leonel Brizola e João Goulart (PTB), passando por
udenistas ou seus aliados como Carlos Lacerda e Jânio Quadros, por Adhemar de
Barros, Eurico Dutra até Juscelino Kubitschek (PSD) “porque se dirigem ao povo, sem
distinguir as contradições de classes contidas nessa concepção” (2001 p. 76–77).
Ferreira acha, diferentemente, que essa relação é de interlocução, de cumplicidade. Ele
rejeita a vertente de vitimização da sociedade e questiona por que a teoria da História
Cultural – que usa os conceitos de cultura, tradição, circularidade e resistência entre os
povos – não foi usada no Brasil para explicar o populismo (2001, p. 100).
O autor destaca os trabalhos, a partir dos anos 70, que viram com
“inconformismo” o que, até então, era uma imposição, isto é, “a noção de populismo
como política de massas, estilo de governo tendo por idéias básicas o controle, a
manipulação e a tutela do Estado”. Entre esses estudiosos, ele cita Miguel Bodea, que
questionou em Weffort “a tipologia da relação ‘líder populista–massas populares’ e a
idéia de que o populismo teria sido um pouco mais que uma ‘forma pequeno-burguesa
de consagração do Estado’, uma vez que desestimularia a organização partidária” com
dados que mostram o contrário: “Getúlio Vargas, Alberto Pasqualini, João Goulart e
174
Leonel Brizola primeiro firmaram suas lideranças em uma estrutura partidária regional e
somente depois se projetaram na política nacional” (2001, p. 107).
Ao final de tudo, Ferreira pergunta-se: quem são os populistas? A resposta,
diz, dependerá do lugar político em que se encontra o personagem que faz a acusação. O
populista é sempre o adversário, o concorrente, o desafeto. Para ele, trata-se de uma
questão eminentemente política, até mesmo político-partidária: “O meu candidato, o
meu partido, a minha proposta política não são populistas, mas o teu candidato, o teu
partido e a tua proposta política, estes, sim, são populistas. Populista é sempre o Outro,
nunca o Mesmo” (2001, p. 124).
Sob esse ponto de vista, não é de se estranhar que Iris Rezende rejeite ser
incluído na categoria do populismo. Ao fazê-lo, ele não recusa apenas a idéia de que
“populista é aquele que se comporta de acordo com as manifestações populares, sejam
viáveis ou não”, mas também contra toda a conceituação que se solidificou, não só na
sociedade, como também no meio acadêmico, como mostram as pesquisas de Gomes e
Ferreira.
Iris já foi classificado como líder populista.
264
Resumidamente, e correndo o
risco de simplificação, contribuem para sua inclusão nesta categoria sua personalidade
de aglutinador de posições políticas antagônicas; de práticas administrativas
consideradas como tais, como os mutirões, presentes em todos os seus governos; seu
estilo de persuasão política de eleitores e adversários com sua oratória eficiente; a
manipulação da população com o uso ostensivo da propaganda política e seu desejo de
reconhecimento público; sua obsessão por atender às demandas das classes mais
carentes do eleitorado e sua facilidade para falar ao povo e administrar para ele.
As realizações de sua administração na prefeitura de Goiânia, em fins da
década de 60, completam os argumentos a favor dessa análise: houve a combinação de
uma liderança carismática, com o atendimento de demandas da população, com sua
capacidade articulatória conciliando um discurso de oposição sem desgastar sua relação
amigável com os militares, com a utilização de métodos de clientelismo e cooptação e a
realização de mutirões como prática de dominação política. Essa combinação de ações
populistas ocorreu em um cenário político apropriado: a cidade estava inchada por uma
264
Ver MEDEIROS, Erland Bilac Alves. O Irismo em Goiás: 65/86: um estilo populista. Goiânia, 1999.
Dissertação (Mestrado) – UFG.
175
população de origem rural, expulsa do campo pelo início da modernização capitalista do
Estado, carente de várias demandas, mas impedida de se mobilizar pela repressão do
regime militar que proibiu movimentos populares.
Vistos sob a ótica desses conceitos clássicos do populismo, não há como negar
que Iris Rezende é um político populista. Só que, com a ajuda de Ferreira, é possível
identificar outro traço da personalidade política de Iris. Antes de firmar-se como
liderança carismática, o que ocorreu na prefeitura de Goiânia, Iris utilizava outras regras
do jogo político para consolidar sua carreira. Suas ações populistas destacam-se não por
serem as únicas em sua prática política, mas, pelo fato de o conceito de populismo estar
tão em voga tanto na sociedade como na academia, é quase natural, para não dizer
forçoso, analisá-lo apenas por esse viés.
Ex-deputado federal, ex-deputado estadual e ex-líder da oposição no primeiro
governo de Iris Rezende (1983–1986), o professor da Faculdade de Direito da UFG
Vilmar Rocha (DEM)
265
afirma que um político pode ser 100% populista ou apenas ter
um traço populista. É o caso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que ele classifica
de populista nas ações políticas, mas de não-populista na direção da política econômica
do País. Ele identifica um viés positivo no populismo, que é o da inclusão social, e um
negativo, em que o populista sente o sentimento da população, as carências, as
reivindicações e oferece a elas um discurso de soluções simples para questões
complexas, ganhando com isso apoio e o voto do eleitor.
Vilmar Rocha acredita que Iris também tem um viés, “um DNA populista”, o
“de atender as demandas da população não com soluções, com políticas consistentes e
estuturadas, mas também com soluções simplistas de curto prazo”. Um exemplo
concreto, para ele, é a construção de mil casas em um único dia (em seu primeiro
governo), a exploração política dos mutirões, e sua moralidade. “No primeiro governo
ele tinha uma moralidade em relação aos funcionários. A falsa moralidade, que é uma
das características do populismo”, disse em entrevista para esta pesquisadora.
266
Isso
não quer dizer que ele seja 100% populista: “De zero a dez, o viés populista de Iris é
seis. Ele é um político tradicional, conservador, com viés majoritariamente populista.
265
Vilmar Rocha é autor do livro O fascínio do neopopulismo. Rio de Janeiro: Topbooks Editora e
Distribuidora de Livros Ltda., 2007.
266
Entrevista em 9/4/2008.
176
Agora, trabalhador, eficiente.”
Vilmar Rocha toca no ponto que distingue Iris de um político de traço apenas
populista, o da eficiência administrativa. Ele preserva as virtudes do trabalho, de
dedicação integral à administração pública; das contas em dia, da previdência e da
poupança. Defende para o Estado o equilíbrio das contas, o controle de cada centavo do
Tesouro, critérios fundamentais da boa gestão. Diariamente, ele recebe o saldo do caixa
do dia anterior e só autoriza despesas, desde as menores até as grandes contas, sabendo
de antemão de onde vai sair o dinheiro. Tem a convicção de que um centavo
desperdiçado representa uma obra a menos, “uma memória de dona de casa” (Girardet),
e sabe definir prioridades administrativas.
267
Com essa memória de dona de casa, Iris faz escolhas que geram economias
relativamente pequenas, mas às quais ele dá um grande valor. Em 2005, por exemplo,
ele dispensou a empresa terceirizada que fazia a limpeza do prédio da prefeitura de
Goiânia e contratou servidores para fazer o serviço: economia de R$ 40 mil mensais.
“Com pouco dinheiro você faz muita coisa. É que a administração pública no País virou
assim como que um corpo cheio de fendas por onde saem recursos. São migalhas que
viram milhões.” Para ser um administrador eficiente, Iris encontra soluções fáceis que
agradam ao eleitor, mas tamm toma atitudes impopulares, como o reajuste dos
impostos predial e territorial urbano no primeiro dia de sua administração, em 1966.
Agora, tem uma visão tradicionalista de administração pública. Foi assim em todos os
seus governos.
Eficiência e dedicação ao trabalho à parte, Iris desenvolveu outras ações que
lhe deram sobrevivência política, além das meramente populistas. Escolheu um grupo
político para fazer carreira, construiu uma militância partidária em um único partido
político (PSD/MDB/PMDB); profissionalizou-se na política, acumulando saberes
específicos do jogo político. Essas práticas não-populistas manejadas por Iris Rezende
garantiram sua longevidade na política, pois se ele se dedicasse apenas a usar suas
267
Flávio Peixoto afirma que Iris percebe claramente, como administrador, “o que é adjetivo e o que é
substantivo. Mais que ninguém, ele entende que no governo você não faz cem projetos, você faz dez com
a ajuda de Deus, então ele concentra-se nas prioridades. Ele estabelece uma prioridade com tamanha
facilidade e transmite isso pra equipe. É ruim para um secretário que não é alvo dessa prioridade, aí fica
marginalizado, fica chateado.”
177
habilidades de líder carismático para manipular as massas, com a satisfação de suas
necessidades imediatas, sua carreira teria tomado outro rumo.
3.7 – A prova de fogo: a cassação, a espera e a consolidação de uma
herança política
Iris Rezende foi cassado no auge de sua popularidade, quando era visto como
o administrador que mudava a feição da cidade. O Parque Mutirama tornou-se um
símbolo da “injustiça” dos militares contra ele, injustiça porque Iris não foi acusado de
corrupção nem de ser subversivo, razões mais comuns usadas pelos militares para
justificar uma cassação. O parque seria inaugurado no dia do aniversário de Goiânia, em
24 de outubro de 1969, uma semana depois de sua cassação. A inauguração, discreta,
coube ao interventor, Leonino Caiado. Iris conta que foi convidado por Leonino (“que
era meu amigo”) para participar da inauguração, mas recusou o convite, porque não
havia clima político para sua participação no evento. Esse episódio ficou no imaginário
popular e sempre era evocado da memória quando uma pessoa que acompanhou os fatos
na época se referia à cassação do prefeito Iris Rezende.
Iris alimentou esse sentimento de “herói injustiçado” durante os dez anos em
que ficou cassado. Escolheu a advocacia criminal propositalmente, conforme admitiu no
capítulo anterior, para continuar a falar ao povo por meio dos júris. Ele passou esses dez
anos lutando para que essa “injustiça” não caísse no esquecimento. Assim, criou um
ambiente político favorável a seu retorno e à retomada de sua carreira no ponto em que
ela foi interrompida, diferentemente do rumo que Mauro Borges deu a sua carreira.
A violência militar contra Mauro foi muito superior à sofrida por Iris, foi uma
verdadeira “guerra suja”. O filho de Pedro Ludovico sofreu um processo de perseguição
política que incluiu a instauração de um Inquérito Policial Militar (IPM), um terrível
instrumento de intimidação política, lutou na Justiça e conseguiu no Supremo Tribunal
Federal (STF) o primeiro habeas corpus preventivo do País até tombar com a
deposição, em novembro de 1964, em um clima tenso de combate, incluindo sobrevôos
rasantes de aviões da Aeronáutica sobre o Palácio das Esmeraldas, cercado por
populares em apoio ao governador.
Mauro perdeu a luta contra a campanha difamatória comandada pela linha
dura do regime militar, liderada pelo ministro da Guerra, o general Costa e Silva, que
178
sucederia o presidente Castello Branco. Iris foi cassado em função da disputa político-
eleitoral com a Arena, mas manteve sua relação amigável com os militares. As
condições políticas da deposição de Mauro impossibilitaram que ele continuasse em
Goiânia, como aconteceu a Iris. Este teve relativa liberdade para circular pela cidade e
até para criar as condições futuras para seu retorno, o que a Mauro não foi possível.
Quando a anistia foi aprovada, em agosto de 1979, e recomeçaram as
atividades políticas proibidas nos anos de chumbo da ditadura, a imagem de “vítima dos
militares” estava associada mais a Iris Rezende do que a Mauro Borges e não pelo que
aconteceu a ambos, mas pelo enraizamento no imaginário popular da representação “do
bom administrador vítima de uma grande injustiça”. Em 17 de outubro de 1979, dia em
que terminou a suspensão de seus direitos políticos, a Câmara de Goiânia fez uma
solenidade para comemorar o retorno de Iris à política, um ritual que concluía a
representação sobre aqueles dez anos imposta à opinião pública. “A cassação de seus
direitos políticos interrompe a carreira institucional do líder, mas, de outro lado,
provoca a ascensão da liderança ao plano legendário”, pois a repressão provoca “o
enraizamento das condições subjetivas para o domínio político de Iris” (Borges,1998, p.
179–180).
Como se dá a passagem de um fato histórico ao mítico? Para compreender
esta questão, proposta por Girardet (1987, p.71), é preciso entender como se dá a
construção do mito político. Para atrair o público, o político expõe-se por meio de
mensagens que “encerram programas mínimos e máximos, projetos utópicos, promessas
de curto prazo”, afirma Miguel (2000). A construção dessas mensagens pode,
paralelamente, contribuir para a formação do mito político:
Mas podem incluir também, em paralelo ou no interior dessas mesmas construções
discursivas, núcleos imagéticos ou simbólicos fortemente irracionais. Tais elementos formam
os mitos políticos. Seu traço fundamental é a promoção de uma relação emocionalizada entre
o público e os conteúdos da mensagem política. (2000, p. 11)
Girardet afirma que “o mito político é fabulação, deformação ou interpretação
objetivamente recusável do real. Mas, narrativa legendária, é verdade que ele exerce
também uma função explicativa, fornecendo certo número de chaves para a
compreensão do presente”, papel de explicação que, para Girardet, se desdobra também
em um papel de mobilização. O mito é mobilização ou “força motriz”, é “uma arma na
luta política; seu sentido é mobilizar, empurrar para ação” (Miguel, 2000, p. 32).
Girardet destaca o caráter de “fluidez” e de “ambivalência” do mito político, mas diz
179
que, para além disso, há uma “lógica” no discurso mítico, porque “os mecanismos
combinatórios da imaginação coletiva parecem não ter à sua disposição senão um
número relativamente limitado de fórmulas”. Essa lógica é uma sucessão ou uma
combinação de imagens:
o tema do salvador, do chefe providencial estará sempre associado a símbolos de purificação;
o herói que liberta, corta os grilhões, aniquila os monstros, faz recuar as forças más. Sempre
associado também a imagens de luz – o ouro, o sol ascendente, o brilho do olhar – e a imagens
de verticalidade – o gládio, o cetro, a árvore centenária, a montanha sagrada. Do mesmo
modo, o tema da conspiração maléfica sempre se encontrará colocado em referência a uma
certa simbólica da mácula: o homem do complô desabrocha na fetidez obscura. Confundido
com os animais imundos, rasteja e se insinua; viscoso ou tentacular, espalha o veneno e a
infecção... (1987, p. 17)
O processo de heroificação passa por algumas etapas: o tempo da espera e do
apelo, quando se forma e se difunde a imagem de um salvador desejado; o tempo da
presença, do salvador enfim surgido; e o tempo da lembrança, quando a figura do
salvador, lançada de novo no passado, vai se modificar de acordo com as variações da
memória (1987, p. 72).
Girardet identifica quatro modelos do “homem providencial, do chefe, do
salvador” ou, resumindo, do “herói da normalidade”, o salvador que resolve as crises de
legitimidade ou de identidade de um povo. O primeiro modelo é Cincinnatus, general de
antigas vitórias militares. Este tem a imagem legendária de um homem velho, que já
ocupou vários cargos, aposentou-se e é chamado em seu retiro para ajudar o povo em
angústia, com papel de “apaziguar, proteger, restaurar”. Ao herói Cincinnatus são
atribuídas virtudes correspondentes ao termo latino gravitas, para designar autoridade
política, como firmeza na provação, experiência, prudência, sangue-frio, comedimento e
moderação.
O oposto de gravitas é celeritas, cujo exemplo é Alexandre: neste segundo
modelo de herói, não é a lembrança do passado, é a ação imediata, a aventura; este é o
herói conquistador. Nesse caso, “nem o cetro nem o símbolo da justiça real, mas a
espada”, que Girardet associa à imagem legendária do jovem Napoleão. O terceiro
modelo é o arquétipo de Sólon, o legislador. Os exemplos desse modelo são Pétain
(1940–1941) e de Gaulle (1958), homens preparados para estabelecer novas ordens
depois de grandes mudanças, que apelam para a lição de grandes ancestrais para
corresponder aos desafios do presente. Por fim, o arquétipo do profeta (Moisés), “o
anunciador dos tempos por vir” e conduzido por um “impulso sagrado” para “guiar seu
povo ao caminho do futuro” (1987, p. 70–80).
180
Oficialmente fora da política em 1969, houve um processo de construção
mítica a respeito de Iris Rezende ou, nas palavras de Borges, “o enraizamento das
condições subjetivas” que futuramente permitiriam seu retorno e o domínio político. O
processo de heroificação ocorreu por uma “manipulação voluntária” e por um processo
natural de “transmutação do real e sua absorção pelo imaginário”. A gestão de Iris na
prefeitura de Goiânia, como vimos em detalhes anteriormente, foi cuidadosamente
pensada para mudar a vida da população goianiense, construindo uma infra-estrutura
inédita na cidade. Com a ajuda da propaganda política (os mutirões, as festas de
inauguração de obras com foguetes, faixas, e feitas para multidões, a propaganda na
TV) e de sua liderança carismática (facilidade de oratória e poder de persuasão), criou-
se uma imagem de administração realizadora e eficiente.
A imagem de “herói da normalidade” cabe bem em Iris. Ele foi escolhido pelo
povo para construir uma cidade, com respeito às instituições públicas estabelecidas,
apesar de sua oposição aos comandantes dessas instituições. Ele cumpria o acordo tácito
com o eleitor até que os dois lados surpreenderam-se com a interrupção do contrato
eleitoral. A surpresa, que depois se transformou em decepção (simbolizada pelos
eleitores rasgando títulos eleitorais em protesto contra a cassação) com as regras
“democráticas” do regime político, mudou a representação popular tanto do político
quanto de sua obra: a mensagem de uma administração eficiente passou a ser vista como
uma “administração revolucionária” e a de prefeito eficiente, como um político
injustiçado. O tempo, os dez anos da cassação, tratou de difundir a imagem de um
salvador desejado e de alimentar a esperança em sua volta. O mito político Iris Rezende
transformou-se em força de mobilização a favor do “tempo da presença”, quando ele
enfim voltaria para reparar a injustiça e acabar com a crise de legitimidade política.
Ao fazer uma “aproximação empírica” entre os modelos propostos por
Girardet e Iris Rezende, Borges afirma que eles se “interpõem ou se fusionam” em Iris,
possibilitando, em momentos distintos, a preponderância de um modelo. Antes da
cassação, lhe cabiam as imagens de celeritas: “’jovem idealista’, ‘tocador de obras’ e
‘que governa para os humildes’ é vitimado pela violência dos poderosos que ‘temiam
sua obstinada vocação para liderar o povo’”. Depois de cassado ele se transforma no
“herói injustiçado” e passa a ser exaltado por correligionários do MDB como símbolo
de “quem enfrentou as baionetas, mas que a recompensa viria com o retorno do líder”.
Nessa fase, Borges destaca a crença nos feitos de Iris pelos tribunais de júri, uma crença
181
na veracidade dos relatos, independentemente de comprovação, configurando uma
crença irracional e expressando a condição de existência do mito. No seu primeiro
governo, Moisés funde-se a Sólon: Iris, o governante zeloso da aplicação das leis,
sobrepõe-se ao “condutor messiânico”. Concluído o segundo governo, já eleito senador,
surge a figura do Cincinatus: o defensor da unidade e do consenso entre os goianos,
“valores de apaziguar, proteger, restaurar” (Borges, 1998, p. 181–188).
Pelas condições políticas do período pós-deposição, e outras que não cabem
tratar neste momento, Mauro Borges, que no passado foi preparado por seu pai para ser
seu herdeiro político, não sedimentou no imaginário da população goiana, durante o
período de sua cassação, uma imagem mítica para sustentar o capital eleitoral que ele
formou por ocasião de seu governo (1960–1964). A representação de um governo
inovador, modernizador das estruturas administrativas do Estado, preparando Goiás
para entrar no processo de expansão do capitalismo, de um político que enfrentou e
combateu práticas políticas tradicionais, mesmo contra a vontade do próprio pai, ficou
restrita ao conhecimento dos integrantes do campo político. Mauro manteve seu capital
político apenas entre os profissionais da política, políticos aliados e de oposição, e entre
os setores formadores da opinião pública, sem conseguir difundi-la à população como
um todo.
Mauro Borges relata em seu livro o papel de seu pai na construção de sua
candidatura a governador em 1960:
Falei-lhe da minha perspectiva, da inspiração de candidatar-me a governador do Estado. Pedi
sua opinião como pai e chefe político, perguntei-lhe se eu estava preparado para exercer, caso
eleito, o cargo de governador de Goiás. Respondeu-me, com a sua experiência, que eu possuía
todas as condições para essa disputa, que não havia ninguém melhor do que eu, pois ele
conhecia de perto minha formação e que eu podia contar com seu apoio em tudo que fosse
necessário para viabilizar minha vitória eleitoral. (2002, p.177)
Em 1979, o político preparado pelo pai na década de 60 para herdar o
comando do maior grupo político já não mais dispunha das credenciais para receber
essa herança. Aquino (2005 p. 230) afirma que o golpe de 1964 abortou o projeto de
Pedro Ludovico, que preparava o caminho de Mauro para sucedê-lo na chefia do
partido. As duas décadas em que Mauro ficou cassado, no ostracismo político, criaram
um vácuo, impedindo o “litígio histórico” de se completar. Aquino pergunta-se, caso o
processo tivesse caminhado naturalmente, se a hereditariedade ludoviquista teria
prevalecido. Qualquer tentativa de resposta não passará de suposições. É impossível
reconstituir o que Mauro Borges faria caso o golpe de 1964 não tivesse abortado seu
182
projeto político-administrativo e o projeto de seu pai, mas é possível avaliar o que
Mauro Borges fez durante e depois da cassação.
Rabelo lembra que o filho de Pedro Ludovico elegeu-se deputado federal, em
1958, e governador, em 1960, sem nenhuma militância política anterior. Ele diz que foi
a formação militar
268
que moldou sua personalidade de administrador e que Mauro
Borges “foi muito mais hábil administrador de um plano que um político habilidoso”
(2004, p. 73). Enquanto Pedro Ludovico exercia plenamente sua liderança, a fragilidade
da liderança política de Mauro Borges não teve conseqüências para sua carreira. A
ausência de Pedro Ludovico fez falta à construção do futuro político do filho.
Passados 29 anos daquela consulta de Mauro ao pai, Pedro Ludovico já não
tinha a mesma opinião sobre as condições políticas do filho para disputar nova eleição a
governador. Dessa vez, Iris Rezende era o nome mais forte, “devido ao sentimento de
gratidão” que a população sentia pelo prefeito cassado, segundo as palavras de Pedro
Ludovico (O Popular, 17/8/79, p. 5). As cassações de Pedro Ludovico, de Mauro
Borges, de Iris Rezende, entre tantas outras, interromperam os projetos políticos desse
grupo. Iris Rezende não desistiu de seu projeto de poder, por isso foi um dos primeiros a
chegar à casa de Ludovico poucos minutos depois de sua morte. E entrou como um
candidato forte a assumir o bastão do líder morto.
Administrativamente, Iris se inspirara em Mauro Borges para fazer uma gestão
inovadora e em Pedro Ludovico para se relacionar com seus correligionários políticos
dentro do partido. Ele foi um dos primeiros a ser recebido no casarão da Rua 26 porque
se aproximara de Pedro durante os anos da cassação. Visitava-o semanalmente. Iris
queria aprender na experiência dele como se relacionar com as lideranças partidárias,
entender o ritual da política, lidar com as bases partidárias e com os dirigentes
partidários. Nessa convivência, Iris assimilou as práticas políticas tradicionais na
relação político–partido–eleitor e, ao mesmo tempo, alimentava-se de idéias de
modernização do Estado que marcaram o discurso político de Pedro Ludovico.
Iris já tinha nessa época um bom capital político (as eleições recordes, a
administração na prefeitura, sua representação mítica junto ao eleitorado). Na
convivência com Pedro, ele especializou-se na tarefa de liderar um partido e de manter
268
Mauro Borges era oficial das Forças Armadas, onde passou para a reserva quando governador com a
patente de coronel do Exército. Cf. Teixeira, 2002, p. 127–137.
183
controle sobre ele. Olhando retrospectivamente para sua administração na prefeitura de
Goiânia, Iris admite que se inspirou nas atitudes de três políticos: no “atrevimento
político” de Juscelino Kubitschek; na “atitude de inovar e de mudar, de ter coragem
para tomar atitude”, de Mauro Borges, e na “lealdade às pessoas, aos amigos, ao partido
e na honestidade” de Pedro Ludovico. Com Ludovico, ele diz que aprendeu a “respeitar
e valorizar os líderes”.
No ano em que Pedro Ludovico Teixeira morreu, o MDB já se beneficiara do
“conteúdo plebiscitário” (Borges, 2004) das eleições de 1974, 1976 e 1978, com a
vitória surpreendente de seus candidatos nessas três eleições, em um evidente protesto
contra os candidatos da Arena, o partido de sustentação da ditadura militar. O MDB já
conseguira “legitimar-se como escoadouro da resistência antiditatorial” (2004, p. 132).
Apesar disso, a estrutura partidária encontrava-se esfacelada no Estado pela ação
política do governo militar, por meio de decisões em vários atos institucionais que
inibiram a atuação da oposição. Liberado pelo fim da cassação, Iris entra de cabeça na
reestruturação partidária entre 1979 e 1982, ainda que nessa época a abertura política
promovida pelo regime militar não tivesse estabelecido o calendário eleitoral, definindo
a data da eleição para governador. Segundo relatou no capítulo anterior, “foram dois
anos de intenso trabalho” para localizar potenciais lideranças nos municípios e
reconstruir o partido, fundamental em uma eleição majoritária.
Com o aval de Ludovico à imagem do “herói injustiçado”, que merecia voltar
para a justiça ser reparada, e com o controle partidário, Iris venceu a disputa interna
com Mauro Borges e Henrique Santillo. Nesse momento, não se tornou apenas o
candidato do PMDB às eleições de 1982, mas dava o passo final para assumir o
comando do grupo que escolheu, 20 anos antes, para construir sua carreira política. Iris
tomou a linha de frente do grupo antes abrigado sob o guarda-chuva do PSD depois da
morte de Pedro Ludovico, como de alguma forma este previra ao apoiar a candidatura
de Iris a governador. Iris assumiu o bastão, repetindo práticas políticas e partidárias
tradicionais – aos moldes do antecessor –, e adotando um discurso de reforma das
estruturas do Estado e de redemocratização do País. Em 1962 quando se filiou ao PSD,
Iris apenas assumiu um lugar de agente político no grupo comandado por Pedro.
184
Com o capital político substancialmente valorizado, ele deixou o lugar de
agente para ascender ao de “porta-voz”
269
do PMDB, sucedâneo do PSD, posto ocupado
por Pedro por quase cinco décadas. Passados mais de 20 anos de sua estréia na política
profissional – na eleição para vereador em 1958 –, Iris ascende à condição de líder
político principal de seu grupo, falando em nome do povo, dos trabalhadores, do Estado
e do partido. Um homem, portanto, poderoso, chegando ao “cúmulo do mistério do
ministério”, que é “quando o grupo só pode existir pela delegação num porta-voz que o
fará existir falando por ele, quer dizer, a favor dele e no lugar dele”. Iris Rezende foi
esse porta-voz do PMDB, estruturado e organizado à imagem de seu líder. Iris
personifica o PMDB como Pedro Ludovico personificou o PSD.
269
Porta-voz no sentido que Bourdieu dá à expressão: “O mistério do ministério é um desses casos de
magia social em que uma coisa ou uma pessoa se torna uma coisa diferente daquilo que ela é, um homem
(ministro, bispo, delegado, deputado, secretário-geral, etc.) que pode identificar-se e ser identificado com
um conjunto de homens, o Povo, os Trabalhadores, etc. ou com uma entidade social, a Nação, o Estado, a
Igreja, o Partido” (1989 p. 158).
Conclusão
A vitória de Iris Rezende na eleição para a prefeitura de Goiânia, em 2004, foi
um marco em sua carreira. As duas derrotas inimagináveis para um líder que tinha
chegado ao topo, uma delas em uma disputa em que havia duas vagas para o Senado,
aparentemente não havia só colocado um ponto final em uma trajetória de sucesso.
Prenunciava o fim, de forma melancólica, da liderança de um político que chegou ao
poder depois de um longo processo de construção política: sua inclusão no campo
político, a adesão a uma tradição (Ludovico), o aprendizado em duas escolas (Pedro e
Mauro), a opção por permanecer no MDB durante a ditadura militar – escolha que
levou à cassação de seu mandato em 1969 –, a construção de novo tipo de liderança –
desta vez no campo legendário, como o “herói injustiçado”, no período de dez anos que
seus direitos políticos estavam suspensos – e o retorno, em 1982, como o líder do grupo
político até então guiado por Pedro Ludovico Teixeira.
Não era pouca coisa: era uma longa carreira política, que parecia ter dado os
últimos suspiros ao ser derrotada na batalha política travada nas eleições de 1998 e de
2002. Ao perder, Iris assistia ao que lhe parecia ser o pior: os vencedores reescreviam
sua história política. A carreira grandiosa, a imagem do administrador eficiente, do líder
carismático e defensor da população carente, que ele construíra em 40 anos de
militância política, dava lugar, na voz de seus adversários, a um político autoritário, um
coronel, ultrapassado, que já não tinha mais as credenciais para liderar o Estado em seu
caminho rumo ao desenvolvimento econômico. Para uma pessoa que precisava do
reconhecimento público para ser feliz, em outras palavras, para quem “ser popular é ser
feliz” (Realidade, 1966), a derrota teve um significado maior do que a perda do poder.
Iris perdeu o poder, a popularidade, enfim, o nome que levou 40 anos para construir, e
até seu grupo político, que começou a se esfacelar no momento em que ele ficou sem
perspectiva de poder. O mito político desmanchava-se.
Sua vitória em 2004 possibilitou-lhe recuperar a voz e a ação política, por isso
representou um marco. A partir daí, ele poderia agir, como sempre fizera em sua
trajetória política, para restituir a imagem do líder que fora um dia. Ele retomava o
poder sobre sua carreira e poderia reverter a imagem de líder derrotado e sem apoio
popular. A eleição para prefeito devolveu-lhe o poder, recolocou-o diante de seu grupo
político como uma liderança com perspectiva de poder futuro, fundamental para
186
recuperar o comando do partido político. Novamente, Iris construía um círculo virtuoso
em sua trajetória: a vitória eleitoral, a recuperação do poder, a reconstrução do grupo
político que, por sua vez, sustentaria seus projetos políticos futuros.
Quando o encontrei narrando espontaneamente suas memórias, no final da
manhã de 30 de dezembro de 2004, às vésperas de assumir novamente a prefeitura de
Goiânia, Iris iniciava o processo de reconstrução de sua imagem. Ele narrava, porque
sabia que tinha chegado a hora de fazer a reescrita de sua vida, de encontrar um
significado para o que viveu, de contar como se estruturou uma liderança política com
duração e suporte para resistir ao tempo. Iris é tomado pelo desejo de falar no momento
em que tem a expectativa de fechar um ciclo: ele quer falar para a posteridade, como
afirma no segundo capítulo. Ele busca refazer o percurso passado–presente, para fechar
sua participação de homem público como um vitorioso, talvez como governador.
270
Ele quer conduzir o trânsito da memória à história, assim como aconteceu com
Pedro Ludovico. Após sua morte, em 1979, iniciou-se um processo de leitura de seu
passado. As iniciativas de sagração de Ludovico são organizadas nos anos 80 em diante:
o museu que leva seu nome (apesar do seu quase abandono), instalado no casarão na
Rua 26, onde ele viveu e morreu; a estátua da artista plástica Neuza Moraes, mostrando-
o sobre seu cavalo, vislumbrado a área onde seria construída a futura capital, e que
ainda não encontrou lugar na cidade;
271
a reconstrução do Centro Administrativo do
Estado, batizado com o pomposo nome de Palácio Pedro Ludovico, e o surgimento dos
primeiros trabalhos acadêmicos sobre o político fazem o trânsito entre memória e
história. Mas ainda percebe-se uma memória “em trânsito”, assim com enorme
270
Iris Rezende disputa a reeleição para prefeito de Goiânia no pleito que será realizado em 5 de outubro
de 2008 e paralelamente ajuda na eleição de prefeitos nos mais de cem municípios onde o PMDB lançou
candidato próprio. Ele investe em duas frentes: seu fortalecimento eleitoral, com nova vitória nas urnas, e
o fortalecimento de seu partido no interior, para lhe dar suporte para um projeto ainda mais ambicioso,
disputar a eleição para governador em 2010, possivelmente contra Marconi Perillo, seu algoz nas eleições
de 1998 e de 2002. Essa possível candidatura dependerá dos resultados eleitorais deste 2008 e da
conjuntura política daqui a dois anos, mas o desejo de Iris é poder enfrentar e vencer Marconi para
recuperar sua carreira no ponto em que ela foi esfacelada há dez anos.
271
A artista plástica Neuza Moraes morreu em 2004 sem ver a conclusão da fundição em bronze de sua
estátua de Pedro Ludovico. O Estado se responsabilizou pelos custos da fundição, realizada em São
Paulo, mas atrasou os pagamentos. Só depois de sua morte, o trabalho ficou pronto, mas até hoje a estátua
encontra-se guardada, pois não há acordo sobre o local onde ela será colocada. A Agência Pedro
Ludovico Teixeira (Agepel) prometeu instalá-la no Morro da Serrinha, local onde teria ocorrido a cena
que a artista transportou para a sua estátua.
187
potencial para o presente. O diálogo com o passado demonstra, portanto, certa
contemporaneidade.
Iris vislumbrou a possibilidade de iniciar, em vida, o trânsito da memória para
a história no momento em que recuperou o poder. Por isso, aceitou a proposta que lhe
fiz, quase dois anos depois de sua vitória, pois já estava tomado pelo desejo de narrar
suas memórias. Ele poderia ter alegado falta de tempo em sua agenda para adiar o
processo de narração, como já fizera em duas outras oportunidades em que foi
convidado a participar de projeto de escrever sua biografia. Não o fez dessa vez, pois o
convite abria-lhe duas possibilidades: falar em um momento em que isso era
fundamental para recompor sua carreira política e falar não apenas para uma jornalista,
mas para uma estudante da universidade, que faria a ponte entre ele e a academia. Meu
convite propiciava-lhe a chance de se aproximar dos intelectuais, de romper a distância
que ele não conseguiu fazer durante sua carreira. Iris mesmo afirmou, em uma das
entrevistas a esta pesquisadora, que os intelectuais não gostam dele. Esta pesquisa
abriu-lhe um canal com a academia. Ele queria contar sua história e contou.
Como tentei mostrar no capítulo anterior, Iris é uma pessoa carismática, tem o
dom da palavra e sabe usá-la a seu favor. É um bom narrador. Ouvi-lo exigiu um
aprendizado: o controle da minha subjetividade e a autovigilância permanente para não
interromper seu raciocínio, pois a forma como ele narra também revela muito sobre sua
personalidade, inclusive aquilo que as palavras tentam esconder, e para resistir ao
encantamento do bom narrador. Aprendi, por fim, a entender o homem que narra e
como ele narra. O discurso eloqüente e apaixonado para os assuntos dos quais se
orgulha (como suas vitórias eleitorais, a conquista de espaço no grupo político de Pedro
Ludovico, sua experiência na prefeitura de Goiânia, entre outros). As palavras que
teimam em sair aos poucos, às vezes nem saem, quando o assunto lhe é incômodo,
como decisões políticas erradas; ou o longo silêncio quebrado por comentários
monossilábicos quando o assunto não é de seu agrado. O esforço para esconder sua
fragilidade emocional, como nas duas ocasiões em que chorou durante as entrevistas.
Nesses casos, ele se recuperou emocionalmente, relembrando histórias que lhe exigiram
atitudes corajosas.
A escuta da vida de Iris me permitiu encontrar seu grupo político. Os homens
que lutavam pelo espólio de Ludovico estavam conscientes da força dessa tradição,
mais como memória – como força ainda presente no mundo político – do que como
188
história. Sua memória é ordenada pela partilha dessa tradição. Ele soube interpretar a
política goiana, fez opções, venceu, foi derrotado, mas retornou. Tem o aval do passado.
Tem memória, passado e presente. Sua carreira política trilhou o caminho da base ao
topo da pirâmide em um longo processo, de várias fases, e com um planejamento
eficiente.
Iris profissionalizou-se como agente político, especializou-se até ter o
“domínio prático” da atividade, o que lhe permitiu criar uma identidade própria junto à
população, identidade esta que sustentou sua representação junto ao eleitorado. Entre as
vigas que sustentam sua carreira, sobressaem a imagem de administrador eficiente, o
controle da estrutura partidária com forte influência sobre as lideranças peemedebistas,
além da imagem de um político legendário, alimentada seja durante suas
administrações, com a propaganda maciça de suas realizações administrativas, ou
quando está fora do poder, difundindo a mensagem de seu passado realizador, de seu
“talento natural”, de sua “predestinação” para a política e para cuidar dos interesses da
população e os de seu Estado.
Na relação interna no partido, ele conciliou sua liderança carismática, que
conquista seguidores, com seu estilo autoritário que se impõe às lideranças e à estrutura
partidária. Iris Rezende repetiu o estilo tradicional de ação política de Pedro Ludovico
(sua escola política). Como este foi em relação ao PSD, Iris tornou-se “o acionista
majoritário” do PMDB, e não apenas pela capacidade de impor suas decisões, mas
também pelo seu enorme capital eleitoral que lhe dava desenvoltura e autonomia na
relação com o partido. Como observou Aquino, de Pedro Ludovico partia as ordens para
os diretórios executarem. Quem descumpria era colocado na categoria de “traidores” e
levado, depois, a viver o “ostracismo político” (2005, p. 233).
272
Iris também mantém o
272
Importantes lideranças do PSD deixaram o partido depois de crises internas e em seguida caíram no
ostracismo, como Galeno Paranhos e Juca Ludovico. Não é coincidência que isso também tenha ocorrido
com importantes lideranças peemedebista, que romperam com Iris. Quem discordou de sua liderança
encontrou aberta a porta de saída do PMDB, da mesma forma que Pedro abriu a porta de saída do PSD
aos seus adversários internos. Mauro Borges, seu inspirador na década de 60, rompeu com ele na eleição
de 1986 e depois não disputou mais cargos eletivos. Henrique Santillo e Iris romperam em 1989. Santillo
concluiu seu governo (1987–1990) de maneira melancólica, deixando o Estado mergulhado em uma
grave crise econômica, financeira e política e caiu no esquecimento. Só depois da vitória de seu pupilo
político, Marconi Perillo, que derrotou Iris na eleição para o governo de Goiás em 1998, Santillo voltou à
cena política. O ex-governador e ex-senador Irapuan Costa Júnior e a senadora Lúcia Vânia; o ex-
deputado federal Fernando Cunha, para ficar em uma lista pequena, deixaram o PMDB por divergências
com Iris. O ex-prefeito Nion Albernaz também deixou o PMDB, mas seu atrito não foi diretamente com
Iris Rezende, mas com seu irmão, Otoniel Machado, secretário de Governo na segunda gestão de Iris.
Segundo Nion declarou a esta pesquisadora, Iris o convidou para ser o candidato a governador do PMDB
189
controle das instâncias partidárias, trocando fidelidade política por cargos no
governo.
273
No início de sua militância no movimento estudantil, ele fazia política por
intuição, mas depois investiu em sua vocação, profissionalizando-se até chegar à
excelência na carreira. A consolidação de sua liderança deve-se a esse investimento e
não à sua “predestinação” ou à sua “intuição”, como ele acredita, pois várias vezes ele
afirmou nas entrevistas a esta pesquisadora, que não tem como explicar sua carreira “a
não ser pelo lado espiritual”. Iris é uma liderança carismática com vocação para “viver
para a política” e não “da política” (Weber), mas ele não teria sobrevivido apenas com
seu talento natural.
Ao entrar para o campo político, ele lapidou sua atuação. Inspirou-se na escola
de Mauro Borges para criar um estilo de gestão administrativa. Acrescentou a esse
aprendizado um toque pessoal de realizar administrações voltadas a oferecer infra-
estrutura e a atender reivindicações da população, como fez na prefeitura de Goiânia em
1966–1969 (a “administração revolucionária”). Nas ações políticas, ele escolheu um
grupo político forte para se unir e tomou atitudes populistas e demagógicas para reforçar
sua liderança. Enfim, aprendeu o “domínio prático” (Bourdieu, 1989) das regras
internas da luta dentro do campo político.
274
na eleição de 1994. O ex-prefeito recusou o convite, porque queria ser candidato a senador (informação
que Iris confirmou nas entrevistas a esta pesquisadora). Iris concordou com o pedido e garantiu a Nion
que os dois disputariam as duas vagas para senador daquela eleição. Segundo Nion, Otoniel Machado,
com quem já tivera atritos anteriormente, começou a inviabilizar sua candidatura no interior do Estado.
Foi então que Nion procurou Iris e disse-lhe: "Eu não quero botá-lo constrangido de ter que decidir uma
coisa entre eu e seu irmão. Você vai ter de ficar do lado do seu irmão. Então, você já fica do lado dele que
eu saio.” Nion filiou-se ao PSDB, disputou o Senado e perdeu para Mauro Miranda, eleito com o apoio de
Iris. “O Mauro Miranda ainda fala: ‘Eu fui senador porque o Nion não quis.’” Entrevista em 16/9/2007.
273
O irismo, força política hegemônica em Goiás na década de 80, promoveu as contradições que
alimentaram o anti-irismo. Líderes arenistas foram os primeiros a se organizar contra o irismo e
obtiveram sucesso quando conseguiram sua cassação, em 1969. Essa primeira reação ganhou adesões no
auge da hegemonia política de Iris. O movimento anti-irista fortaleceu-se a partir de seu segundo governo
(1991–1994) e conseguiu impingir-lhe sua primeira derrota eleitoral em 1998.
Borges considera as
seguintes “motivações anti-iristas”: a oposição difusa contra o poder em si, em função do exercício
continuado do poder; a reação negativa do funcionalismo público; um certo “preconceito” contra Iris
mantido pelas camadas médias da população e por setores intelectuais e, por fim, o anti-irismo
remanescente do udenismo e do arenismo (1998, p. 189).
274
A partir de 1982, a construção da imagem política de Iris transitou “na duplicidade das instâncias
legendárias e da realidade administrativa”. Ele renovou a legitimidade de sua liderança ora como o “o
herói mítico”, que confirma sua vocação de político para comandar os destinos do povo, ora
apresentando-se como o administrador eficiente que recupera as gestões públicas, constrói a infra-
estrutura do Estado para conduzi-lo ao desenvolvimento econômico e social (Borges, 1998, p., 184). Essa
duplicidade de ação é recorrente em sua atuação política: ele é conservador, mas defensor da
190
Até seus adversários reconhecem em Iris um hábil jogador político. Ele
domina as regras para sobreviver na política. Sabe agir com “frieza”, conhece bem as
“nuances” e “baixarias” próprias do fazer político. Em uma das entrevistas, Iris afirmou
que seu irmão Otoniel ficou doente depois de seu envolvimento no escândalo do Caso
Caixego, porque ele não “estava preparado para a violência da política”. Iris sofre com
as conseqüências negativas da política na vida de seu irmão, em especial porque foi ele
quem o levou para o governo, mas sabe administrar sua própria dor com o infortúnio do
irmão – diferentemente de Otoniel que adoeceu –, porque sempre se preparou para
sofrer essa violência, por ser ela imanente à política. Estar “preparado para a violência
da política” é mais uma das habilidades desenvolvidas durante sua profissionalização.
Enquanto se profissionalizava na política, Iris criou uma marca administrativa.
Ele herdou uma gestão em crise em 1966. Goiânia tinha uma população superior à
capacidade da cidade de atender às demandas por moradia, escola, saúde, etc. Havia
uma cidade a ser construída.
275
Iris aproveitou a ocasião para colocar a casa em ordem e
promover investimentos. Criou a marca do político da “realização”, do “tocador de
obras”, o administrador que constrói infra-estrutura para “promover o desenvolvimento
econômico do Estado” e “levar o progresso à vida dos goianos”.
Pedro Ludovico foi visto como “o homem que tirou Goiás do atraso”, que
difundiu a “mentalidade progressista/modernizadora” (Machado, 1990) em função de
ações, como a implementação de uma nova configuração da máquina administrativa
276
e
a construção de Goiânia, propiciando a criação de uma nova mentalidade administrativa
e a racionalização da ação do Estado. O governo de Mauro Borges (1961–1964)
revolucionou a estrutura administrativa para criar condições favoráveis à modernização
econômica de Goiás e sua inserção na economia de mercado. Iris dá seqüência a essa
modernização econômica; lutou contra a ditadura militar, mas sem radicalismo político e sem
enfrentamento direto com os militares, sempre procurando a conciliação; não se identifica com a direita
política nem com a esquerda, aliás, transita com facilidade pelos dois lados.
275
Nas outras vezes em que assumiu cargos no Executivo, Iris também administrou crises. Em 1983,
quando assumiu o governo do Estado pela primeira vez, o País vivia uma crise econômica profunda e
Goiás demandava investimentos em infra-estrutura (rodovias pavimentadas, energia elétrica) para ter
condições de crescimento econômico. Em 1991, ele recebeu o Estado de Santillo com vários meses de
atraso na folha de salários do funcionalismo e crise nos serviços públicos. Em 2005, ao assumir pela
segunda vez a prefeitura de Goiânia, a cidade novamente reclamava investimentos públicos.
276
Reformas administrativas orientadas pelo Idort definem o Estado como entidade jurídica diferenciada
e identidade definida, promovem a racionalização da ação governamental. O Estado também experimenta
um fortalecimento econômico, segundo Machado (1990, p. 154).
191
mentalidade de gestão, na qual o Estado é o patrocinador do desenvolvimento
capitalista.
Assim, relembrando Halbwachs (2006), ele mantém a memória coletiva do
grupo político, representada pela idéia de modernização, que inspirou os outubristas em
1930, foi alimentada por Pedro Ludovico durante as quase cinco décadas de sua
hegemonia política e continua acesa, como uma chama, nas ações políticas de um dos
herdeiros do ludoviquismo no Estado. Ao relembrar suas memórias, Iris contribui de
forma significativa para a edificação da história política contemporânea de Goiás. Ao
mesmo tempo, ele reivindica sua inserção na transição da memória à história, como elo
entre a ação político-adminitrativa de Pedro Ludovico e as ações do mesmo grupo pós-
Ludovico.
Ao narrar suas lembranças para esta pesquisadora, Iris contou a sua história.
Entre as várias possibilidades de que dispunha para narrar a multiplicidade do vivido,
escolheu a que lhe parecia mais verdadeira, a que faria sentido para si e para os outros,
fixando, assim, o roteiro para a construção de sua auto-imagem, a ordenação da sua
memória de homem público. Cabe ao historiador tomar sua memória como fonte,
interpretando-a com base em suas questões. Cabe ao cidadão o exercício de
compreensão da presença de Iris Rezende na história política goiana.
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