inferir o PORQUÊ dela. É o filho que, rico e pródigo antes, retorna, agora,
mendigo, à casa paterna? Então foi ele que se foi embora dela antes, por sua
livre ou autônoma vontade. Abandonou o filho perdulário o lar paterno,
livremente, como se lê nos Evangelhos? Então, é de justiça que retorne agora,
por seu próprio esforço, andando com suas próprias pernas, arrastando-se com
seus próprios braços, sangrando as mãos e os pés nas escabrosidades do ingrime
caminho! No entanto, se foi o Pai que o pôs da porta para fora de um
arremessão (e por que o faria?), então, o errado é o próprio Pai; e se
estiver arrependido, que corrija, depressa, o erro seu, indo buscar o filho
que poderia ser feliz no seu regaço, mas o não é, visto achar-se perdido
nalgum chiqueiro do universo, disputando com os porcos alfarrobas ou bolotas.
E após ponderar um tanto, prosseguiu o mestre:
- Diz-se que precisamos nos esforçar por evoluir; por que? Porque a
evolução é o supremo anseio da vida que, toda, se resume num afanar-se em
demanda da felicidade. A plenitude do gozo está em Deus, como a infelicidade
extrema está no caos, na desintegração e morte total do "eu" - o não-ser.
Todavia, por que somos uns desgraçados em busca da felicidade reinante na
periferia? Sim, porque sendo Deus infinito, tem que ser periférico, que não
central, dado que a idéia de centro, de foco irradiante, implica, imediatamente, na
idéia de limitação e aprisionamento, com intensidade decrescente a partir do
centro. Ora, Deus não pode ser mais intenso e pleno num lugar que noutro. Por
isto, o caos, primeiro, e depois, o universo nosso, é que são centrais, fechados
pelo topos uranos ou mundo celeste que, por todos os lados da esfera os rodeia.
Por esta causa, nosso universo, que tem por centro o caos, é esférico, e, rodeando-
o, está a mais ampla ainda esfera do topos uranos, e tudo, no seio da incriada
Substância Luz Amor que é o infinito Deus na sua transcendência. E se outros
encurvamentos houver, outros universos, fora da esfera topos uraniana, isso não
nos é dado conhecer. Porém, isto é apenas uma digressão.
E depois de gravemente meditar, prosseguiu Árago:
- Nós fomos criados em estado de felicidade, ou de desgraça? Nós fomos
criados por Deus, da sua Substância divina, por um ato de amor. Os filhos são o
objeto do amor do Pai que, todo, é Amor (I Jo 4, 8 e 16 - II Cor 13, 11).
Ora, se de tal modo fomos criados, nosso primitivo estado, necessariamente,
havia de ser o de felicidade, de graça, e nunca, o acósmico, caótico e infernal. Só se
Deus fosse o oposto do que é, e nos houvesse dado à luz num assomo de egoísmo, de
ira, de ódio e de loucura, é que poderíamos ter saído ignorantes, isto é,
desamorosos e, conseguintemente, infelizes, desgraçados. Só se Deus fosse
sadomasoquista, como o disse, aí, o Bruco, outro dia, para gozar-sofrendo
com o criado, e na pessoa deste que somente sofre, e não goza, com que fica
sendo Deus, por esta parte, masoquista ; por outro lado, ele sente gozo sádico ao
ver que o seu criado sofre, cada vez que pega na isca-de-alegria com que a natureza
astuta adoça os seus bocados amargosos. Uma vez que a vida, sobretudo a humana,
se acha fundada sobre a angústia, a aflição, o trabalho, a doença, a miséria, a dor,