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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
INSTITUTO DE QUÍMICA DE SÃO CARLOS
AUTO-OXIDAÇÃO DA HEMOGLOBINA DE Glossoscolex paulistus:
EFEITO DO pH, DO CIANETO E DO SURFACTANTE ANIÔNICO SDS
ALESSANDRA LIMA POLI LEVES
Tese apresentada ao Instituto de Química de
São Carlos, da Universidade de São Paulo para
obtenção do título de Doutor em Ciências
Área de Concentração: Química Analítica
ORIENTADOR: PROF. Dr. HIDETAKE IMASATO
São Carlos
2006
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Dedico este trabalho aos meus pais, Antonio (in memorian) e Margarida, à
minha irmã Daniela, ao Pedro Luís e ao meu filho Lucas.
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AGRADECIMENTOS
Ao Prof. Dr. Hidetake Imasato pela orientação, convivência amiga e
confiança.
Ao Prof. Dr. Marcel Tabak pela infra-estrutura disponibilizada e pelas
significativas contribuições, principalmente no capítulo relacionado ao estudo da
influência do surfactante.
Ao Prof. Dr. Fergus Gessner pelas importantes sugestões no exame de
qualificação e pelo apoio em todos os momentos deste doutorado.
Ao Prof. Dr Miguel G. Neumann pelo apoio e convivência agradável.
Ao Prof. Dr. Angel A. Hidalgo, um verdadeiro amigo, que me ajudou na
análise dos dados cinéticos e nas discussões.
À Prof. Dra. Janice R. Perussi pela convivência amiga.
À Dra. Carla C. S. Cavalheiro pela amizade e pelo incentivo constante.
Em especial, ao Dr. Leonardo M. Moreira pelas discussões científicas,
parceria nos artigos e pela valiosa amizade.
Ao meu grande amigo Julio C. Ribelatto pela separação do monômero d
e excelente convivência.
À Dra. Shirley C. M. Gandini e à Sandra P. Fernandez, grandes amigas
que eu tive a felicidade de conhecer no grupo de Biofísica Molecular.
À Andressa Patrícia pelas medidas de CD e ao amigo Ézer pelo auxílio
em vários experimentos.
Aos amigos do grupo de Biofísica Molecular pela excelente convivência e
pelos vários momentos muito agradáveis.
Aos amigos do grupo de Fotoquímica pela prazerosa convivência diária,
que é sempre um estímulo ao trabalho.
A todos aqueles que contribuíram de alguma forma para a elaboração
deste trabalho.
E a Deus, nosso Pai, pela saúde que me proporcionou nestes anos, o
meu muito obrigado.
SUMÁRIO
LISTA DE FIGURAS ..................................................................... i
LISTA DE TABELAS ....................................................................iv
LISTA DE ABREVIATURAS ........................................................... v
RESUMO...................................................................................vi
ABSTRACT...............................................................................vii
1. INTRODUÇÃO........................................................................ 1
1.1 Hemoglobinas...................................................................... 2
1.2 Auto-oxidação de hemoglobinas ............................................. 9
1.3 Hemoglobinas Extracelulares Gigantes .................................. 16
1.4 Hemoglobina extracelular de Glossoscolex paulistus ................ 21
1.4 Interação detergente-proteína ............................................. 30
1.5 Técnicas espectroscópicas ................................................... 40
1.5.1 O Espectro de absorção na região do ultravioleta-visível das
porfirinas................................................................................ 40
1.5.2. Dicroísmo Circular em hemoproteínas................................ 41
2. OBJETIVOS ......................................................................... 43
3. MATERIAIS E MÉTODOS........................................................ 44
3.1 Materiais........................................................................... 44
3.1.1 Amostra estudada ........................................................... 44
3.1.2 Equipamentos................................................................. 44
3.1.3 Reagentes ...................................................................... 45
3.2 Métodos............................................................................ 45
3.2.1 Obtenção e purificação - oxihemoglobina íntegra e monômero 45
3.2.2 Medidas da velocidade de auto-oxidação............................. 46
3.2.2.1 Estudo da auto-oxidação em função do pH ....................... 46
3.2.2.2 Estudo da auto-oxidação em função da concentração do
surfactante dodecil sulfato de sódio (SDS) .................................. 47
ii
3.2.2.3 Estudo da auto-oxidação na presença de cianeto de potássio
............................................................................................. 48
3.2.3 Medidas de Dicroísmo Circular........................................... 49
3.2.4 Espalhamento de luz ressonante........................................ 50
4. RESULTADOS E DISCUSSÕES................................................ 51
4.1 Cinética de auto-oxidação da HbGp em função do pH .............. 51
4.2 Formulação cinética para a reação de auto-oxidação da
hemoglobina extracelular de Glossoscolex paulistus...................... 59
4.3 Reação de auto-oxidação do monômero d da hemoglobina
extracelular de Glossoscolex paulistus ........................................ 76
4.4 Efeito do surfactante aniônico dodecil sulfato de sódio (SDS) na
auto-oxidação da hemoglobina de Glossoscolex paulistus .............. 84
4.4.1 Estudo da auto-oxidação em função da concentração de SDS em
pH 7,0 ................................................................................... 84
4.4.2 Estudo da auto-oxidação em função da concentração de SDS em
pH 9,0. .................................................................................. 92
4.5 Estudo da auto-oxidação da HbGp na presença do ligante cianeto
............................................................................................107
5. CONCLUSÕES.....................................................................116
6. BIBLIOGRAFIA....................................................................121
i
LISTA DE FIGURAS
Figura 1.1 Arranjo tetramérico da hemoglobina humana.................................... 2
Figura 1.2 Grupo heme....................................................................................... 4
Figura 1.3 Grupo heme, sua proximidade com as histidinas F8 e E7................. 5
Figura 1.4 Histidina E7, distal, dando estabilidade à ligação Fe-O
2
.................... 8
Figura 1.5 Representação do contato α
1
β
1
na hemoglobina humana............... 16
Figura 1.6 Representação da hemoglobina de Lumbricus terrestris................. 17
Figura 1.7 Modelos dos arranjos espaciais da HbLt......................................... 18
Figura 1.8 Espécies em meio alcalino e meio ácido......................................... 25
Figura 1.9 Posições dos triptofanos no modelo do monômero da HbGp.......... 30
Figura 1.10 Estrutura química do surfactante aniônico SDS. ........................... 32
Figura 1.11 Representação da ligação do surfactante à proteína..................... 35
Figura 1. 12 Estruturas propostas para os complexos proteína-surfactante..... 36
Figura 1.13 Estruturas possíveis para os complexos proteína-surfactante no
modelo do colar de pérolas............................................................................... 37
Figura 4.1 Espectros de UV-Vis obtidos no início (oxi-HbGp) e no final da
reação de auto-oxidação da HbGp em função do pH................................ 51
Figura 4.2 Gráficos da cinética de primeira ordem para auto-oxidação da
hemoglobina extracelular de Glossoscolex paulistus ................................ 53
Figura 4.3 Gráficos da cinética de primeira ordem para auto-oxidação da
hemoglobina extracelular de Glossoscolex paulistus. ............................... 55
Figura 4.4 Gráfico de k
obs1
() e k
obs2
() em função do pH para a reação de
auto-oxidação da hemoglobina de Glossoscolex paulistus. ...................... 56
Figura 4.5 Espectros de dicroísmo circular da HbGp no início da reação de
auto-oxidação e após 4 horas de cinética ................................................ 58
Figura 4.6 Gráfico da k
obs1
em função do pH para a auto-oxidação da
componente rápida da HbGp .................................................................... 66
ii
Figura 4.7 Obtenção da constante de dissociação do grupo ácido. Gráfico do χ
2
obtido em função do valor de pK. k
obs1
da Hb íntegra de G. paulistus....... 69
Figura 4.8 Gráfico do k
obs2
em função do pH para a auto-oxidação da
componente rápida da HbGp..................................................................... 70
Figura 4.9 Obtenção da constante de dissociação do grupo ácido. Gráfico do χ
2
obtido em função do valor de pK. k
obs2
da Hb íntegra de G. paulistus....... 71
Figura 4.10 Gráficos da cinética de primeira ordem para auto-oxidação do
monômero d da HbGp ............................................................................... 77
Figura 4.11 Gráfico da k
obs
em função do pH para a auto-oxidação do
monômero d isolado da HbGp................................................................... 79
Figura 4.12 Gráfico do k
obs1
e k
obs2
da HbGp íntegra e do monômero d em
função do pH ............................................................................................. 82
Figura 4.13 Espectros de UV-Vis da oxi-HbGp nas concentrações de SDS
indicadas. .................................................................................................. 85
Figura 4.14 Curvas cinéticas da auto-oxidação da oxi-HbGp, pH 7.0 nas
concentrações de SDS indicadas.............................................................. 87
Figura 4.15 Constantes de velocidade k
obs
, em função da concentração de SDS
................................................................................................................... 88
Figura 4.16 Gráficos das constantes de velocidade k
obs1
e k
obs2
em função da
concentração de SDS................................................................................ 91
Figura 4.17 Espectros da HbGp gerados durante o processo de auto-oxidação
induzido pela adição de SDS..................................................................... 93
Figura 4.18 Gráficos da cinética de auto-oxidação referente à HbGp, pH 9.0 em
função da concentração de SDS .............................................................. 97
Figura 4.19 Gráficos das constantes de velocidade, k
obs1
e k
obs2
, em função da
concentração de SDS em pH 9,0. ........................................................... 100
Figura 4.20 Gráfico da razão dos fatores pré-exponenciais A
máx1
em função da
concentração de SDS.............................................................................. 101
Figura 4.21 Gráficos das constantes de velocidade k
obs1
e k
obs2
nos valores de
pH 7,0 e 9,0 em função da concentração de SDS................................... 106
iii
Figura 4.22 Mudanças espectrais ocorridas no processo de auto-oxidação da
HbGp, na presença de 0.023 mol L
-1
de cianeto. .................................... 107
Figura 4.23 Constantes de velocidade observadas, k
obs1
e k
obs2
, em função da
concentração de cianeto.......................................................................... 109
Figura 4.24 Gráfico da razão dos fatores pré-exponenciais A
máx1
e A
máx2
em
função da concentração de cianeto......................................................... 110
Figura 4.25 Espalhamento de luz da hemoglobina íntegra de G. paulistus
medido a 90
o
de luz incidente (=310 nm) durante o processo de auto-
oxidação na presença de 0,006 M e 0,016 M de cianeto ........................ 112
Figura 4.26 Gráfico das constantes de velocidade observadas, k
obs2
da
hemoglobina íntegra de Glossoscolex paulistus e do monômero d em
função da concentração de cianeto......................................................... 113
iv
LISTA DE TABELAS
Tabela 4.1 Constantes de velocidade e constante de dissociação ácida obtidas
a partir das curvas de dependência do pH para a auto-oxidação da
hemoglobina íntegra de Glossoscolex paulistus em tampão acetato-fosfato-
borato 30 mM a 42
0
C................................................................................. 68
Tabela 4.2 Constantes de velocidade observadas obtidas para a HbGp íntegra
e para a subunidade monomérica d, em tampão acetato-fosfato-borato 30
mM, 42
o
C................................................................................................... 78
Tabela 4.3 Constantes de velocidade e constante de dissociação ácida obtidas
a partir das curvas de dependência do pH para a auto-oxidação do
monômero d da HbGp em tampão 30 mM a 42
0
C..................................... 80
Tabela 4.4 Constantes de velocidade observadas obtidas para a HbGp íntegra
e para a subunidade monomérica d, em tampão acetato-fosfato-borato 30
mM, 42
o
C................................................................................................... 81
Tabela 4.5 Constantes de velocidade para a auto-oxidação da HbGp em função
da concentração de SDS em pH 7,0. ........................................................ 90
Tabela 4.6 Constantes de velocidade referentes à auto-oxidação da HbGp em
função da concentração de SDS em pH 9,0.............................................. 98
Tabela 4.7 Constantes de velocidade para a oxidação da HbGp induzida pelo
cianeto. k’
CN1
é obtida utilizando os dados para as concentrações de
cianeto abaixo de 0,010 M e k”
CN1
para as concentrações maiores que
0,010 M.................................................................................................... 108
v
LISTA DE ABREVIATURAS
HbGp – Hemoglobina de Glossoscolex paulistus
HbLt – Hemoglobina de Lumbricus terrestris
Tris-HCl - Cloridrato de hidroximetil aminometano
OxiHb - Oxi-hemoglobina
SDS – Dodecil sulfato de sódio
k
obs
– Constante de velocidade observada
SAXS – Espalhamento de raios X a baixo ângulo
vi
RESUMO
O arranjo oligomérico e as mudanças na estrutura polipeptídica podem
influenciar fortemente na velocidade de auto-oxidação das hemoproteínas,
assim como os diferentes nucleófilos que atuam neste processo em função do
pH. No presente trabalho, a velocidade de auto-oxidação da hemoglobina
extracelular gigante de Glossoscolex paulistus (HbGp) em seu estado íntegro e
do monômero d isolado é estudada em função do pH e na presença do ligante
cianeto. O comportamento da curva cinética é dependente do pH,
apresentando-se monofásico ou bifásico dependendo do estado de
oligomerização da proteína. Assim, nos valores de pH que geram a dissociação
oligomérica, a curva cinética foi bifásica. Na faixa de pH 5,9-7,3, que apresenta
a proteína íntegra, foi verificado um comportamento cinético mono-exponencial.
Em meio alcalino, a auto-oxidação da hemoglobina íntegra na presença dos
ligantes hidroxila e/ou cianeto apresenta comportamento complexo, descrito
pela combinação de duas cinéticas de primeira-ordem. O processo lento ocorre
devido à auto-oxidação do monômero d e o processo rápido é atribuído ao
trímero abc. Em pH 7,0, a cinética é mono-exponencial, indicando uma
estrutura oligomérica altamente preservada. Em meio ácido, tanto a
hemoglobina íntegra como o monômero d apresentam a auto-oxidação
catalisada por próton. É observada, através das constantes de velocidade de
auto-oxidação da hemoglobina íntegra na presença de cianeto, uma
cooperatividade no processo rápido devido ao trímero da HbGp. Além disso, a
influência do surfactante dodecil sulfato de sódio na auto-oxidação da HbGp é
avaliada. Uma influência mais efetiva do SDS é constatada em pH 7,0,
enquanto que, em pH 9,0, a dissociação oligomérica é a influência
predominante. Provavelmente, esta diferença está relacionada ao ponto
isoelétrico ácido da HbGp, que favorece a interação entre SDS e HbGp em pH
7,0, quando comparado ao pH 9,0. O mecanismo de auto-oxidação e as
correlações entre a cinética e o arranjo oligomérico são discutidos em detalhes
no presente trabalho.
vii
ABSTRACT
The oligomeric assembly and the changes in the polypeptidic structure
can to influence in the autoxidation rate of the heme proteins, as well as the
different nucleophiles, which act in this process as a function of pH. In the
present work, the autoxidation rate of the giant extracellular hemoglobin of
Glossoscolex paulistus (HbGp) in integral state and of the isolated d monomer is
studied as a function of pH and in the presence of the cyanide ligand. The
kinetic decay behavior is dependent of pH, presenting mono-exponential or bi-
exponential character, depending of the oligomeric state of the protein. Thus, in
the pH values that originated the oligomeric dissociation, the kinetic decay was
bi-exponential. In the pH range 5.9 - 7.3, which show the whole protein, a mono-
exponential kinetic behavior was verified. In alkaline medium, the whole
hemoglobin autoxidation in the presence of the hydroxyl and/or cyanide
presents complex behavior described by the combination of two first order
kinetics. The slow process occurs due to the d monomer autoxidation and the
fast process is attributed to abc trimer. At pH 7.0, the kinetic is mono-
exponential, indicating a highly conserved oligomeric structure. In acid medium,
both, the whole hemoglobin and the d monomer presented the proton-catalyzed
autoxidation. A cooperativity in the fast process due to trimer of the HbGp can
be observed, through the autoxidation rate constants of the whole hemoglobin in
the presence of cyanide. Furthermore, the influence of the anionic surfactant
sodium dodecyl sulfate (SDS) in the HbGp autoxidation was evaluated. At pH
7.0, it was verified a more effective influence for SDS, while at pH 9.0, the
oligomeric dissociation was the main influence. Probably, this difference is
related to the acid isoelectric point of the HbGp, which favors the interaction
between SDS and HbGp at pH 7.0, as compared with the pH 9.0. The
autoxidation mechanism and the correlation between the kinetic and the
oligomeric arrangement are discussed in details in the present work.
viii
1
1. INTRODUÇÃO
A química de proteínas é uma área que vem recebendo grande atenção
por parte de pesquisadores com diferentes formações. Realmente, em função
da extraordinária relevância biológica dessas estruturas macromoleculares,
diversos grupos de pesquisa vêm estudando esse tema com diferentes
abordagens. Apesar disso, muitas questões envolvendo proteínas ainda
permanecem insolúveis. Neste contexto, destacam-se os sistemas
hemoprotéicos, que são diretamente responsáveis pela vida, devido ao
desempenho de várias funções fundamentais ao desenvolvimento de atividades
fisiológicas em diversos seres vivos.
Um dos aspectos altamente relevantes das hemoproteínas em geral, e
das hemoglobinas em especial, se refere ao fenômeno chamado auto-oxidação,
que torna o centro de coordenação do heme incapaz de se ligar à molécula de
oxigênio, ou seja, faz com que a hemoglobina perca a sua função. De fato, os
detalhes do mecanismo de reação envolvido no processo de auto-oxidação
permanecem controversos na literatura e são de interesse tanto físico-químico
como clínico. Os estudos cinéticos envolvendo auto-oxidação de hemoproteínas
têm sido considerados uma relevante ferramenta para avaliar a estabilidade da
ligação ferro-oxigênio. Isto ocorre em função desta abordagem permitir a
análise das mudanças do meio protéico em questão, haja vista o fato de ser um
método extremamente sensível às alterações conformacionais da organização
oligomérica e do próprio bolsão hidrofóbico do heme.
2
1.1 Hemoglobinas
A hemoglobina humana foi a primeira proteína cujas estruturas terciária e
quaternária foram determinadas. Esta caracterização foi feita por Max Perutz e
colaboradores da Universidade de Cambridge, em 1959, através de um
emprego pioneiro de raios X na caracterização de proteínas [Dickerson, 1983].
A hemoglobina humana é uma hemoproteína intracelular, isto é, se
localiza nas hemácias e possui um arranjo tetraédrico e é constituída de quatro
cadeias polipeptídicas, duas cadeias α e duas cadeias β unidas por interações
fracas, não covalentes, como pontes salinas, ligações de hidrogênio e forças de
Van der Waals (figura 1.1).
Figura 1.1 Arranjo tetramérico da hemoglobina humana.
A hemoglobina tem por função transportar oxigênio do pulmão para os
tecidos e dióxido de carbono dos tecidos para o pulmão. Nos tecidos ocorre a
3
liberação do oxigênio, devido às baixas pressões de O
2
(pO
2
20 torrs), que
diminuem a afinidade da hemoglobina pelo gás, em função do deslocamento do
equilíbrio químico. Nos pulmões, as altas pressões de O
2
(pO
2
100 torrs)
saturam a hemoglobina rapidamente. O dióxido de carbono, por sua vez, é
transportado pela desoxihemoglobina de dois modos:
Pela ligação direta do CO
2
ao terminal amínico;
R-NH
2
+ 2 CO
2
R-NH-COO
-
+ H
3
O
+
(1.1)
E como íon bicarbonato (HCO
3
-
) em solução, a partir da hidratação do
CO
2
do plasma.
CO
2
+ 2 H
2
O HCO
3
-
+ H
3
O
+
(1.2)
Ao atingir o pulmão, a desoxihemoglobina libera os prótons, deslocando
o equilíbrio para a liberação do CO
2
, que é eliminado na expiração [Dickerson,
1983].
A liberação dos gases transportados é também controlada pelo pH, que
consiste em um fenômeno conhecido como efeito Bohr. A ligação do oxigênio
na hemoglobina é cooperativa, ou seja, a coordenação do O
2
a um heme facilita
a coordenação de outra molécula de O
2
com outro heme do mesmo tetrâmero.
A recíproca é verdadeira, ou seja, a saída desta molécula de O
2
de um
4
determinado grupo heme facilita a saída das moléculas de O
2
dos outros hemes
[Dickerson, 1983] [Stryer, 1988].
O armazenamento do oxigênio é realizado pela mioglobina que está
distribuída nos músculos. A mioglobina é um monômero, isto é, constitui-se de
uma única subunidade, não apresentando o fenômeno da cooperatividade.
Figura 1.2 Representação do grupo heme, que é um componente essencial em
hemoglobinas, citocromos e enzimas como catalases e peroxidases.
O heme (figura 1.2) é um grupo prostético que se encontra no interior do
enovelamento de cada cadeia polipeptídica da hemoglobina. Sua estrutura
consiste de quatro anéis pirrólicos coplanares, ligados entre si através de uma
ponte de metina. A cada um dos anéis C e D está ligado um grupo propionato,
uma metila em cada anel, e em cada um dos anéis A e B está ligado um grupo
eteno. Os átomos de nitrogênios dos anéis pirrólicos estão orientados para o
centro da estrutura, sendo responsáveis pela quelação de um íon de ferro
A B
C D
5
central. Esse íon se encontra na forma ferrosa e é coordenado pelo oxigênio
para o transporte deste ligante fundamental à vida [Stryer, 1988].
A vizinhança do grupo heme é constituída de resíduos apolares com
exceção de duas histidinas, a distal (E7, sétimo resíduo da hélice E) e a
proximal (F8, oitavo resíduo da hélice F) (figura 1.3).
(A)
(B)
Figura 1.3 Representação do grupo heme com destaque para sua proximidade
com as histidinas F8 e E7 e para o local de ligação da molécula de O
2
: (A)
espacial; (B) Vista lateral.
Desta forma, tanto a hemoglobina como a mioglobina desempenham
suas respectivas funções fisiológicas com o centro metálico no estado ferroso,
isto é, no estado de oxidação 2
+
. seis sítios de coordenação ao redor do íon
ferroso, em função do centro de coordenação Fe(II) apresentar uma
6
configuração eletrônica d
6
. Destes seis sítios de coordenação, quatro sítios
estão coordenados a átomos de nitrogênio pirrólicos do anel porfírinico.
A porfirina é um ligante macrocíclico tetradentado, pois coordena o metal
através de quatro sítios de ligação. O fato de ser tetradentado esrelacionado
com representativa estabilidade termodinâmica dos compostos de coordenação
porfirínicos, tanto do ponto de vista entrópico como do ponto de vista entálpico.
Esta estabilidade peculiar a ligantes volumosos vem sendo chamada de “efeito
macrocíclico” e é bastante comum aos ligantes tetraazamacrocíclicos [Moreira,
2004].
A quinta posição de coordenação do heme é ocupada pelo átomo de
nitrogênio de um imidazol, oriundo do grupo lateral da histidina proximal, sobre
o qual o heme se apóia na proteína. Portanto, o imidazol da histidina proximal é
o ligante endógeno responsável pela ligação entre o grupamento prostético e a
cadeia polipeptídica. O sexto sítio de coordenação esdisponível para ligar-se
a um ligante exógeno, podendo alterar o estado de spin do centro de
coordenação, e até mesmo favorecer a modificação do estado de oxidação do
metal.
O íon ferroso, que se encontra fora do plano do heme na desoxi-
hemoglobina, move-se durante o processo de oxigenação em direção ao plano
da porfirina para formar uma ligação forte com o oxigênio, restabelecendo a
planaridade do heme (figura1.3). Realmente, este fenômeno, que é fundamental
para a cooperatividade das hemoglobinas, está relacionado a várias
propriedades do heme.
7
Realmente, é bem conhecido na literatura que as várias mudanças
conformacionais possíveis do anel porfirínico e suas conseqüentes alterações
na combinação de orbitais moleculares, são responsáveis por propriedades
redox e alterações em afinidades por ligantes em complexos ferro-porfirínicos
modelos e hemoproteínas [Moreira, 2004.].
Medidas de infravermelho e espectroscopia Mössbauer, claramente
indicam que a conversão tanto da mioglobina como da hemoglobina para suas
formas oxigenadas está associada a um rearranjo eletrônico. Isto pode ser
descrito por uma representativa doação π (transferência de carga) do Fe(II)
para o O
2
e uma doação σ (coordenação) do O
2
para o Fe(II), resultando na
forte ligação covalente entre o ferro e o oxigênio [Shikama, 1998].
Fe
O
O
π
ππ
π
σ
σ σ
σ
Fe
O
O
Fe
O
O
π
ππ
π
σ
σ σ
σ
(1.3)
No caso fisiológico, a histidina E7, denominada distal, está voltada à
sexta coordenação do ferro, estabilizando a ligação Fe-O
2
(figura1.4) pela
formação de uma ligação de hidrogênio entre o grupo NH do imidazol e o
oxigênio molecular.
Realmente, o próton proveniente da histidina distal, efetivando uma
ligação de hidrogênio com o oxigênio molecular coordenado ao centro ferroso,
deve gerar um efeito indutivo sobre o ligante oxigênio, acentuando as
8
propriedades eletrofílicas deste ligante. Esta influência torna o oxigênio mais
apto para “retirar” densidade eletrônica do centro de coordenação do heme.
É conhecido na literatura que a ligação de hidrogênio entre a histidina
distal e o oxigênio molecular coordenado como sexto ligante do centro ferroso
seria um fator decisivo para a ligação de oxigênio nas hemoproteínas. Isto
ocorre porque a ligação de hidrogênio em questão estabilizaria
significativamente os orbitais π* do oxigênio molecular, acentuando seu caráter
ácido π e a conseqüente retrodoação dos orbitais de simetria π do ferro, d
xz
e
d
yz
, para estes orbitais semi-preenchidos do oxigênio.
Portanto, a estabilização dos orbitais π* torna o oxigênio um ligante viável
para as hemoglobinas, ou seja, um ligante com afinidade pelo centro ferroso
suficiente para competir por essa coordenação.
H
N
N
O
O
Fe(II)
His
His
H
N
N
O
O
Fe(II)
His
H
N
N
O
O
Fe(II)
His
H
N
N
O
H
N
N
H
N
N
H
N
N
N
N
O
O
Fe(II)
His
His
Figura 1.4 Representação da histidina E7, distal, proporcionando estabilidade à
ligação Fe-O
2
através da formação de uma ligação de hidrogênio entre o NH do
imidazol e o oxigênio molecular.
9
1.2 Auto-oxidação de hemoglobinas
A oxidação do centro ferroso do grupo heme para o estado trivalente leva
à formação da espécie denominada meta-hemoglobina. Após esta oxidação, o
íon de ferro não pode mais formar complexo com o oxigênio, pois o ligante
oxigênio não tem afinidade pelo íon férrico. A meta-hemoglobina pode ser
obtida pela exposição de alguns derivados ferrosos a um oxidante como
ferricianeto ou pode ser formada espontaneamente, a partir da proteína
oxigenada nativa. Este fenômeno ocorre também “in vivo” e é responsável pela
presença de aproximadamente 0,5% de meta-hemoglobina nas células
vermelhas do sangue [Antonini, 1981].
Fe
2+
O
2
Fe
2+
+
O
2
Fe
3+
+
O
2
-
.
(1.4)
O ramo superior da equação 1.4 esquematiza a ligação reversível da
molécula de oxigênio ao íon ferroso. Entretanto, pode ocorrer também a
dissociação espontânea do oxigênio na forma do ânion superóxido, descrito
pelo outro ramo da equação. Esta dissociação implica na redução do oxigênio
às custas da oxidação do ferro. Esta transformação das hemoglobinas e das
mioglobinas é denominada de auto-oxidação.
10
Muitos trabalhos têm sido desenvolvidos para se obter hemoproteínas
recombinantes que apresentem uma boa estabilidade contra a auto-oxidação,
mantendo uma baixa afinidade pelo oxigênio e alta cooperatividade [Carver,
1992] [Brantley, 1993] [Jeong, 1999] [Tada, 1998]. Estes fatores são
importantes para carregadores eficientes.
Importante registrar que a oxidação in vivo atinge percentual superior a
0,5%, somente sendo mantida em valores menores ou iguais a 0,5% em função
da atuação de mecanismos de redução enzimática. De fato, nas células
vermelhas e nos tecidos musculares estão presentes o NADH-citocromo b
5
oxidoredutase, que reduz a meta-hemoglobina ou a meta-mioglobina para a sua
forma deoxi ferrosa novamente.
Esta redução previne a acumulação da forma meta in situ. As enzimas
em questão são denominadas meta-hemoglobina redutase e meta-mioglobina
redutase, respectivamente. Estas enzimas apresentam o grupo FAD que recebe
elétrons do NADH. De fato, a forte redução cíclica das espécies férricas (Fe(III))
por estas enzimas é a base para o desempenho das funções tanto da
hemoglobina como da mioglobina in vivo, sendo que a reação de auto-oxidação
é inevitável na natureza para todas as hemoproteínas que ligam oxigênio, assim
como para os carregadores sintéticos [Shikama, 2003].
O nível da meta-hemoglobina em algumas condições patológicas pode
aumentar consideravelmente. Esta situação pode ser atribuída a um defeito
congênito da redutase cistólica ou às anormalidades na estrutura da
hemoglobina [Antonini, 1981].
11
A hemoglobina humana exibe velocidades de auto-oxidação não
equivalentes para as cadeias α e β como função do pH. A não equivalência na
velocidade de auto-oxidação destas cadeias ocorre em meio ácido, enquanto
que em valores de pH maiores que 8,5 a auto-oxidação é equivalente. A
velocidade de auto-oxidação das cadeias α é maior que a velocidade das
cadeias β. Isto ocorre porque as cadeias α são mais sensíveis ao processo de
auto-oxidação, devido à separação rápida das mesmas em relação ao restante
da hemoglobina parcialmente oxidada [Tsuruga, 1997][Tsuruga, 1998].
Constata-se um aumento de 17 vezes na velocidade de auto-oxidação quando
a hemoglobina se dissocia em dímeros αβ, em concentrações baixas de
hemoglobina, pois estes dímeros são mais sensíveis à auto-oxidação quando
comparados à forma tetramérica.[Zhang, 1991].
Detalhes do mecanismo desta reação de auto-oxidação são de interesse
químico e clínico e têm sido estudados por muitos autores. A facilidade para a
auto-oxidação ocorrer varia substancialmente de proteína para proteína e
alguns fatores como pH, pressão de oxigênio, presença de ligantes e
dissociação da proteína podem influenciar na velocidade desse processo
[Shikama, 1998] [Zhang, 1991]. Gonzalez e colaboradores [Gonzalez, 1998]
apresentaram três possíveis mecanismos para a reação de auto-oxidação de
proteínas:
12
1) Dissociação do superóxido protonado a partir do oxi-heme
Este mecanismo de auto-oxidação prevalece em condições saturadas de
oxigênio, sendo dependente do pH. O oxigênio ligado ao heme é dissociado
como ânion superóxido a partir do oxi-heme protonado e a velocidade da auto-
oxidação, por sua vez, aumenta com a diminuição do pH.
Fe
2+
+ O
2
Fe
2+
O
2
Fe
2+
O
2
+ H
+
Fe
2+
O
2
H
+
Fe
3+
+ HO
2
(1.5)
2) Transferência de elétron por esfera externa do intermediário
pentacoordenado desoxi-heme
O mecanismo de esfera externa não requer a dissociação do ânion
superóxido a partir do complexo oxi-heme, sendo que a transferência do elétron
do ferro para o oxigênio ocorre a partir do complexo deoxi-heme, isto é, do
complexo pentacoordenado ferroso. Este mecanismo de transferência de
elétron por esfera externa não depende do pH.
Fe
2+
O
2
Fe
2+
+ O
2
Fe
3+
+ O
2
-
(1.6)
13
3) Transferência de elétron por esfera externa do intermediário desoxi-
heme hexacoordenado
A reação de transferência de elétrons por ligantes é mediada por duas
etapas. Primeiramente, um nucleófilo N, por exemplo a água, se liga à
mioglobina ferrosa e, em seguida, o heme ferroso hexacoordenado transfere
um elétron para o oxigênio, via mecanismo de esfera externa.
N + Fe
2+
Fe
2+
N
Fe
2+
N + O
2
Fe
3+
N + O
2
-
(1.7)
Alguns trabalhos com mioglobina e hemoglobina [Satoh, 1981] [Wallace,
1974] descrevem uma proposta para o mecanismo de auto-oxidação na
presença de ligantes. Nestes trabalhos, é observado um aumento na velocidade
de auto-oxidação na presença de quantidades excessivas de ânions, tais como
N
3
-
, SCN
-
, OCN
-
, F
-
. Sugere-se que a reação se processe por um caminho de
deslocamento redutivo do oxigênio como O
2
-
da hemoglobina pelos ânions,
ocorrendo a oxidação do centro ferroso concomitantemente, através de um
ataque nucleofílico dos ânions ao metal.
Em condições fisiológicas, o processo elementar envolvido na reação de
auto-oxidação pode ser observado como um mecanismo de substituição
14
nucleofílica S
N
2, onde X
-
pode ser N
3
-
, SCN
-
, OCN
-
,OH
-
, F
-
ou CN
-
, além de H
2
O
in vivo” [Satoh, 1981] [Shikama, 1998].
MbFe(II)(O
2
) + X
-
MbFe
X
-
O
2
MbFe(III)(X
-
) + O
2
-.
MbFe(II)(O
2
) + X
-
MbFe
X
-
O
2
MbFe
X
-
O
2
MbFe
X
-
O
2
MbFe(III)(X
-
) + O
2
-.
(1.8)
MbFe(II)(O
2
) + X
-
MbFe
X
-
O
2
MbFe
X
-
O
2
MbFe
X
-
O
2
MbFe(III)(X
-
) + O
2
-.
MbFe(II)(O
2
) + X
-
MbFe
X
-
O
2
MbFe
X
-
O
2
MbFe
X
-
O
2
MbFe
X
-
O
2
MbFe(III)(X
-
) + O
2
-.
(1.8)
Os ligantes que atuam como nucleófilos na reação acima apresentam
elevada afinidade pelo centro de coordenação no estado férrico e baixa
afinidade por este centro metálico no estado ferroso [Wallace, 1982] [Springer,
1989] [Ikeda-Saito, 1992]. Isto ocorre em função da alta densidade de carga
eletrônica destes ligantes, que, à exceção do ligante água, são ligantes
aniônicos. Considerando que o centro ferroso apresenta uma configuração
eletrônica d
6
e o centro férrico d
5
, é compreensível a maior estabilidade dos
complexos formados entre estes ligantes e o centro férrico, que é um ácido
mais poderoso que o centro ferroso. Realmente, a repulsão eletrônica deve ser
bem mais intensa na interação entre estes ligantes e o íon ferroso [Sigman,
1999].
A reação de auto-oxidação da espécie oxi-mioglobina para a espécie
meta-mioglobina pode ser explicada por três diferentes processos de
deslocamento dependentes do pH.
O esquema 1.9 representa a auto-oxidação espontânea através da
substituição redutiva do oxigênio pela água. O esquema 1.11 apresenta a
15
substituição do oxigênio pela hidroxila. Na catálise por próton, representada
pelo esquema 1.10, a histidina forma ligação de hidrogênio com o oxigênio,
facilitando o movimento do catalisador do solvente para o oxigênio, através do
imidazol, por um mecanismo de substituição de prótons, sendo que o nucleófilo
é a própria água.
(
)
(
)
(
)
(
)
+ΙΙΙ+ΙΙ
2222
0
OOHMbOHOMb
k
(1.9)
(
)
(
)
(
)
(
)
2222
HOOHMbHOHOMb
h
k
+ΙΙΙ++ΙΙ
+
(1.10)
(
)
(
)
(
)
(
)
+ΙΙΙ→+ΙΙ
22
OOHMbOHOMb
OH
k
(1.11)
A auto-oxidação da cadeia β, em especial no dímero αβ, é mais
resistente à catálise por próton, devido a um afastamento da histidina do
oxigênio, impedindo a formação da ligação de hidrogênio e prevenindo a
transferência do próton. Este processo é diferente daquele relacionado à cadeia
α, onde a catálise por próton, envolvendo o resíduo de histidina distal, é muito
evidente (figura 1.5) [Tsuruga, 1998].
16
Figura 1.5 Representação esquemática do contato α
1
β
1
produzindo inclinação
na histidina distal da cadeia β da hemoglobina humana [Tsuruga, 1998].
1.3 Hemoglobinas Extracelulares Gigantes
As hemoglobinas extracelulares gigantes, também chamadas
eritrocruorinas, são hemoproteínas interessantes devido à massa molecular
elevada e à estrutura oligomérica, que envolve um grande número de
subunidades. O filo anelídeo compreende mais de oito mil espécies,
subdivididas em aquáticas, terrestres e marinhas. A maioria dos anelídeos
possui hemoglobinas extracelulares e intracelulares [Lamy, 1996].
A hemoglobina do anelídeo Lumbricus terrestris (HBLt) tem sido muito
estudada, sendo que a disposição de suas subunidades no arranjo oligomérico
ainda permanece controversa [Daniel, 2004]. Segundo os dados mais aceitos,
esta hemoglobina é formada por 144 globinas e 36 cadeias estabilizadoras
17
chamadas linkers”, que são cruciais para a sua integridade estrutural [Royer,
2000] [Zal, 2000].
Figura 1.6 Representação esquemática da hemoglobina de Lumbricus terrestris
As cadeias da HbLt estão dispostas como dois discos hexagonais
sobrepostos, apresentando as subunidades a, b, c e d, que contém grupos
heme, nos vértices dos hexágonos e as subunidades linkersou cadeias “L”,
que não apresentam grupamentos heme, na parte central do arranjo
supramolecular [Royer, 2001]. As subunidades estão arranjadas como doze
dodecâmeros, sendo que cada um deles é constituído por três tetrâmeros.
Portanto, o dodecâmero consiste de três trímeros (figura 1.6), que são cadeias
monoméricas a, b, c ligadas por ligações de dissulfeto, e três cadeias
monoméricas d [Haas, 1997] [Royer, 2001].
Em suma, a HbLt se apresenta como uma bicamada hexagonal, sendo
que sua estrutura quaternária é chamada de “modelo do bracelete” (figura 1.7).
18
Esta arquitetura oligomérica é suportada por microscopia crioeletrônica [Krebs,
1996] [Green, 2004] [Yamaki, 1998].
Figura 1.7 Modelos dos arranjos espaciais da hemoglobina íntegra, do
dodecâmero e do tetrâmero de Lumbricus terrestris [Royer, 2001].
As hemoglobinas gigantes extracelulares possuem alta cooperatividade
na ligação com o oxigênio molecular [Madura, 2002][Krebs, 1996] e apresentam
um ponto isoelétrico abaixo de 7. Suas cadeias linkers, que são subunidades
com função estrutural e sem grupamento prostético, possuem um ponto
isoelétrico entre pH 4,7 e 5,6 [Kuchumov, 1998]. Além disso, constituem
sistemas significativamente auto-organizáveis, como demonstram estudos
envolvendo reassociação das cadeias [Zhu, 1996][Kuchumov, 1998].
Segundo Vinogradov [Vinogradov, 2004], as hemoglobinas extracelulares
gigantes representam o ápice de complexidade das hemoproteínas que ligam
oxigênio. Estas hemoglobinas são sistemas supramoleculares muito intrigantes,
19
inclusive, sob o aspecto da seleção natural, uma vez que demonstram
propriedades de adaptação não triviais em meios ricos em sulfetos [Bailly,
2005][Zal, 2000].
A título de ilustração das potencialidades deste sistema protéico é
interessante mencionar que a hemoglobina de Lumbricus terrestris vem sendo
aplicada em pesquisas de sangue artifical [Dorman, 2004][Hirsch, 1997]. Strand
e colaboradores [Strand, 2004] afirmam que as eritrocruorinas têm sido
sugeridas como sistemas modelos de substitutos terapêuticos do sangue
devido à sua natureza extracelular, grande tamanho e resistência à oxidação.
Realmente, essa hemoglobina extracelular, quando em seu estado íntegro,
apresenta estabilidades estrutural e redox [Dorman, 2004][Madura, 2002]
significativamente maiores do que as hemoglobinas intracelulares, como por
exemplo, a hemoglobina humana, o que não deixa de tornar a avaliação dos
fatores que controlam esse comportamento altamente relevante não para o
estudo desta hemoglobina gigante, como igualmente, para proporcionar um
melhor entendimento das hemoglobinas em geral.
Para um estudo detalhado das partes constituintes da hemoglobina, duas
condições diferentes de dissociação têm sido empregadas: o meio alcalino e a
incubação em uréia a 4 M em pH 7. A dissociação em pH 9.3 da HbLt permite
isolar o trímero abc e o monômero d. A dissociação da HbLt com uréia 4M pH 7,
seguida por cromatografia de filtração em gel, produz uma fração de massa
molecular 200 KDa que tem sido associada à espécie (abcd)
3
[Lamy, 1996].
20
No trabalho sobre auto-oxidação da hemoglobina de Perinereis
brevicirris, realizado por Suzuki [Suzuki, 1983], observa-se que a velocidade de
auto-oxidação da hemoglobina de invertebrados é mais de dez vezes menor
que a velocidade de auto-oxidação da hemoglobina de vertebrados. Isto ocorre
em função da estrutura altamente organizada das hemoglobinas de
invertebrados proteger a molécula contra a auto-oxidação. O valor da energia
de ativação para a reação de auto-oxidação da hemoglobina de Perinereis
brevicirris é próximo ao valor para a mioglobina bovina, sugerindo que o
mecanismo de auto-oxidação é semelhante àquele mecanismo pertinente às
mioglobinas de vertebrados.
Também é constatado que a presença de cátions divalentes como Ba
(II), Ca (II), Sr (II) e Mg (II) inibem o processo de auto-oxidação na hemoglobina
de Lumbricus terrestris, diminuindo a velocidade da reação. Isto ocorre porque
esses cátions divalentes produzem um grande efeito na ligação do oxigênio. A
função destes cátions na estabilização da forma oxi-hemoglobina de Lumbricus
terrestris consiste em evitar a dissociação do oxigênio, que é geralmente a
primeira etapa para a formação da meta-hemoglobina. Além disso, estes
cátions também evitam a dissociação da proteína em subunidades [Harrington,
1994].
21
1.4 Hemoglobina extracelular de Glossoscolex paulistus
O anelídeo Glossoscolex paulistus pertence ao filo Anelidae, à classe
Oligochaeta e à família Glossoscolecidae [Tinto, 1994][Fernandez, 2001]. Este
animal apresenta um comprimento que varia de 280 a 305 milímetros e o seu
maior diâmetro, na região mediana do corpo, alcança de 10 a 11 milímetros
[Righi, 1972].
Esta minhoca de tamanho expressivo, conhecida popularmente como
minhocoçu, é encontrada em determinados sítios das cidades de Piracicaba,
Araras e Rio Claro, no estado de São Paulo, Brasil [Righi, 1972]. Tais
localidades apresentam solos superficiais calcários que favorecem o
desenvolvimento deste anelídeo [Tinto, 1994]. Animais da mesma classe da
espécie Glossoscolex paulistus, como, por exemplo, a espécie Lumbricus
terrestris, vêm sendo empregados em vários estudos ecológicos de solos em
função de suas ações de reciclagem de nutrientes e de dinâmica de solos
[Rossi, 2004], que são ações extremamente úteis à fertilidade do solo.
A hemoglobina extracelular gigante do anelídeo Glossoscolex paulistus
(HbGp) faz parte da classe das hemoglobinas conhecidas como HBL (que são
as iniciais de “Hexagonal Bilayer Hemoglobins”, ou seja, Hemoglobinas de
Bicamada Hexagonal), que possui propriedades muito semelhantes às
hemoglobinas de outros invertebrados.
A massa molecular da hemoglobina extracelular gigante de Glossoscolex
paulistus (HbGp) foi determinada pela medida do coeficiente de sedimentação
22
[Costa, 1988]. Além disso, dentre os estudos realizados com hemoglobina de
Glossoscolex paulistus destacam-se a caracterização de ligações dissulfeto
[Meireles, 1985], a dissociação por pressão hidrostática [Silva, 1989], a
reassociação por fatores não protéicos como cálcio e glicerol [Bonafe, 1991], a
caracterização das subunidades e a determinação da massa molecular por
eletroforese e filtração em gel, além de estudos de dissociação através da
variação do pH, acompanhados por fluorescência tanto para a hemoglobina
ferrosa íntegra [Tinto, 1994] como para a hemoglobina férrica íntegra
[Agustinho, 1995]. Vale destacar os estudos espectroscópicos das interações
da hemoglobina com detergentes iônicos [Gelamo, 1999], assim como estudos
envolvendo a cadeia monomérica d da HbGp, que teve a sua estrutura primária
determinada, sendo realizada, inclusive, a modelagem molecular da mesma
[Cabral, 2002].
Portanto, a hemoglobina de Glossoscolex paulistus é uma hemoproteína
gigante que contém um número elevado de grupos heme, que representam as
unidades não polipeptídicas denominadas grupamentos prostéticos. A unidade
protéica denominada globina (GB) ou apo-hemoglobina apresenta cadeias
polipeptídicas tanto na forma de trímero, estabilizadas por ligações dissulfeto,
como na forma de monômero d, na hemoglobina.
A estrutura oligomérica da oxi-hemoglobina de Glossoscolex paulistus
em pH alcalino foi estudada por Imasato e colaboradores [Imasato, 1995]. Os
resultados experimentais mostram que, em pH 9, ocorre dissociação da espécie
oxi-hemoglobina em dímeros de tetrâmeros (abcd)
2
, trímeros abc, monômeros d
23
e cadeias linkers [Imasato, 1995]. Estudos da hemoglobina na forma oxidada
(Fe
+3
) [Agustinho, 1997] demonstraram que esta espécie, em meio alcalino,
sofre completa dissociação em trímeros e monômeros, sugerindo que a
hemoglobina na forma oxidada é mais instável em relação ao arranjo
oligomérico quando comparada com a espécie oxi-hemoglobina, isto é, que a
oxidação da proteína favorece a sua dissociação protéica.
Zhu e colaboradores [Zhu, 1996] estudaram a estrutura oligomérica da
hemoglobina de Lumbricus terrestris e também observaram que a associação e
a dissociação das subunidades dependem do estado de oxidação.
Particularmente, a oxidação do complexo (abcd)
4
com ferricianeto causa
completa dissociação em monômeros d e trímeros abc, mas a adição de CN
-
mantém o complexo (abcd)
4
ou reassocia as subunidades oxidadas. Esta
constatação ressalta a ação efetiva do cianeto nas hemoglobinas gigantes,
além de evidenciar a correlação entre as modificações do heme com as
alterações das cadeias polipeptídicas propriamente consideradas.
Recentemente, Gelamo e colaboradores [Gelamo, 2004] mostraram
claramente por SAXS (Espalhamento de raios-x a baixo ângulo), que os raios
de giro tanto da oxi-hemoglobina como da meta-hemoglobina de Glossoscolex
paulistus diminuem de 110 Å, em pH 7,0, para 31 Å, em pH 9,0, indicando a
dissociação do complexo mesmo em concentrações mais altas, 3mg. ml
-1
(~
1x10
-4
mol L
-1
). O arranjo das subunidades tem uma importante função na
ligação de oxigênio para a hemoglobina humana [Ackers, 1992], pois estudos
24
do efeito alostérico da hemoglobina humana indicam que a cooperatividade é
mediada através da interação entre as subunidades.
Em resumo, os estados de organização da hemoglobina íntegra são
dependentes tanto do estado de oxidação do centro de coordenação da
porfirina como dos ligantes axiais [Riggs, 1998], o que está de acordo, inclusive,
com trabalhos anteriores de nosso grupo envolvendo a hemoglobina de
Glossoscolex paulistus [Gelamo, 2003][Gelamo, 2004][Agustinho, 1997]. Riggs
e colaboradores [Riggs, 1998] propuseram que, em geral, hemoglobinas de
invertebrados apresentam mudanças conformacionais dependentes dos
ligantes, com mecanismos de cooperatividade diferentes daqueles encontrados
nas hemoglobinas de vertebrados.
Através da dissociação em meio alcalino, empregando-se filtração em
gel, foi possível a separação e a caracterização de suas partes constituintes por
eletroforese. Foram estudadas as espécies coexistentes no equilíbrio da meta-
hemoglobina íntegra de Glossoscolex paulistus e do monômero d
separadamente, em função do pH. Notou-se que existe um equilíbrio em que
predominam três espécies distintas em função do pH para a hemoglobina
íntegra de Glossoscolex paulistus.
Na faixa de pH entre 6,5 e 7,5, a espécie spin alto (aquometa-Hb) é
favorecida, mas em valores de pH acima de 7,5 ocorre a formação do
hemicromo, que consiste na coordenação da histidina distal ao centro metálico,
gerando um complexo bis-histidina baixo spin [Moreira, 2005]. Para valores de
pH superiores a 10,5 uma nova espécie spin alto prevalece no equilíbrio, sendo
25
que esta espécie perdeu um dos ligantes axiais, constituindo-se em uma
espécie pentacoordenada [Moreira, 2005].
Em meio ácido, a sequência de formação de espécies é semelhante ao
meio alcalino, envolvendo a mesma transição entre as espécies aquometa-
hemicromo-pentacoordenado, conforme o valor de pH é afastado da
neutralidade. De fato, neste meio, a transição entre as espécies aquometa e
hemicromo é mais gradual, ocorrendo esta transição em torno do pH 5,0, ao
passo que a transição entre hemicromo e a espécie pentacoordenada ocorreria
abaixo do pH 4,0 [Moreira, 2005].
Portanto, a proteína íntegra, tanto em meio ácido como em meio alcalino,
na forma meta, apresenta um equilíbrio simplicado semelhante ao esquema a
seguir:
Aquometa
Fe
III
N
N
O
H
H
N
N
N
Fe
III
N
N
N
N
N
Pentacoordenado
N
N
N
Fe
III
N
Hemicromo
Figura 1.8 Representação das três principais espécies presentes tanto em meio
alcalino como em meio ácido [Moreira, 2005].
O comportamento de hemoproteínas submetidas à variação de pH não é
considerado trivial justamente em função da complexidade do equilíbrio
26
formado [Morikis, 1989][Dasgupta, 1989]. Realmente, na literatura artigos
que enfatizam que as hemoglobinas especificamente, além das hemoproteínas
em geral, apresentam um equilíbrio químico complexo [Levy, 1990][Wajnberg,
1996][Trent III, 2001][Dasgupta, 1989], com concentrações diferentes de cada
espécie, dependendo de cada pH, inclusive, com a coexistência de espécies
pentacoordenadas e hexacoordenadas [Trent III, 2001][Dasgupta, 1989].
Com relação especificamente ao fenômeno da auto-oxidação, a
hemoglobina extracelular gigante de Glossoscolex paulistus apresenta um
comportamento realmente interessante do ponto de vista de sua relação
estrutura-atividade. Em estudo anterior [Leves, 2001][Poli, 2005], o processo de
auto-oxidação é estudado em pH 9,0, onde a hemoglobina já se encontra
dissociada em tetrâmeros, trímeros e monômeros [Imasato, 1995], permitindo a
avaliação, em experimentos independentes, da auto-oxidação da proteína
íntegra e da subunidade monomérica d isolada. A cinética de auto-oxidação
observada neste trabalho resulta em curvas bi-exponenciais para a
hemoglobina íntegra, indicando a ocorrência de um processo rápido e de outro
processo lento. para o monômero d, a cinética de auto-oxidação se
apresenta mono-exponencial de primeira ordem. Comparando os resultados do
processo lento da hemoglobina íntegra com os resultados da auto-oxidação do
monômero d, infere-se que a auto-oxidação monomérica corresponde à etapa
lenta da auto-oxidação da hemoglobina íntegra.
Além disso, os componentes da HbGp apresentam constantes de auto-
oxidação maiores que as constantes referentes às cadeias isoladas da
27
hemoglobina humana [Tsuruga, 1998] e da oxi-mioglobina bovina (tabela 1.2).
Suzuki e colaboradores [Suzuki, 1983] estabelecem que duas subunidades
isoladas da hemoglobina extracelular de Perinereis brevicirris possuem
constantes de auto-oxidação muito superiores à constante observada para a
oxi-mioglobina bovina [Satoh, 1981] em meio alcalino. Portanto, neste trabalho
de Suzuki e colaboradores [Suzuki, 1983] é constatado um comportamento
semelhante àquele detectado para a HbGp. Por conseguinte, infere-se que os
componentes da HbGp em meio alcalino evidenciam bolsões hidrofóbicos do
heme mais acessíveis ao solvente do que os bolsões de hemoproteínas de
mamíferos.
Tabela 1.2. Constantes de velocidade de auto-oxidação em meio alcalino para
hemoglobinas e mioglobinas
Globinas k
obs
(h
-1
)
Íntegra
Processo rápido
Processo lento
2.4
0.36
Glossoscolex
paulistus
Monômero d 0.36
Hemoglobina humana
cadeias α
cadeias β
0.052
0.089
Oxi-mioglobina Bovina 0.011
Perinereis brevicirris
Subunidade 1
Subunidade 2
1.32
0.17
A partir da obtenção, através de cálculos de homologia, do modelo do
monômero d [Cabral, 2002] (Figura 1.9), que apresentou 55% de identidade
estrutural em relação à cadeia monomérica d de Lumbricus terrestris, estudou-
28
se o equilíbrio do monômero d nativo e reconstituído em função do pH,
objetivando-se a compreensão mais ampla das propriedades dos mesmos
[Ribelatto, 2005].
Para a fração monômérica d nativa em valores de pH entre 7,0 e 10,0
predomina a espécie hemicromo baixo spin e em valores de pH acima de 10,0 a
espécie alto spin pentacoordenada é favorecida [Ribelatto, 2006]. Além disso,
um comportamento semelhante foi observado para o monômero d reconstituído,
ou seja, as mesmas espécies são formadas em valores de pH similares. Isto
sugere que a subunidade protéica d teria significativa capacidade de auto-
organização.
A seqüência de aminoácidos do monômero d da HbGp foi determinada
pela combinação de duas hidrólises enzimáticas nos grupos carbóxi de
resíduos de lisina (endo-Lys-C) e de ácidos glutâmicos (endo-Glu-C). A seguir,
foi efetuada a análise do terminal amínico da hemoglobina, assim como a
separação e a purificação de peptídeos por RP-HPLC. Posteriormente, foi
realizado o seqüenciamento de aminoácidos por degradação de Edman
automatizada. A seqüência do monômero d contém 142 resíduos e uma massa
molecular calculada de 16212,37 Da.
O modelo proposto para a estrutura terciária apresentou 75,9% dos
resíduos envolvidos em hélices α, de acordo com a média esperada para
hemoglobinas. Importante acrescentar que as hélices E e F apresentaram como
resíduos distal e proximal o aminoácido histidina.
29
O modelo apresentou uma ponte dissulfeto entre as hélices A e H, entre
as cisteínas Cys 3 e Cys 132, como nas globinas constituintes de hemoglobinas
extracelulares como Lumbricus terrestris, que também apresentam ligações
dissulfeto.
O grupo heme encontra-se numa cavidade hidrofóbica, com os grupos
propionatos orientados para o exterior da molécula, sendo estabilizados por
pontes salinas entre os resíduos Arginina E9, Glutamina F7 e Arginina FG2.
O modelo (Figura 1.9) permitiu apreciação do ambiente hidrofóbico
característico de hemoglobinas. A partir do cálculo de acessibilidade do
solvente aos triptofanos, que se encontram no interior da molécula, foi
encontrado um valor médio de 6,13 %, que é considerado baixo, consistente
com o espectro de emissão do monômero d cujo máximo de emissão ocorre em
320 nm. Infere-se que os triptofanos se encontram em um meio de constante
dielétrica baixa, o qual não é favorável para estabilizar o estado excitado que é
polarizado. A posição de máximo da emissão do triptofano em meio aquoso é
geralmente deslocada para 350 nm. Até mesmo o apo-monômero apresenta o
máximo de emissão em 320 nm, o que estaria relacionado ao fato da ligação
SS- entre as cisteínas, localizadas nas hélices A e H, ser um importante fator
para a manutenção do ambiente apolar que envolve os triptofanos [Cabral,
1999].
30
Figura 1.9 Posições dos triptofanos no interior do modelo do monômero d da
hemoglobina de G. paulistus.
1.4 Interação detergente-proteína
Os detergentes, que são compostos anfifílicos solúveis, contêm um
grupo apolar de natureza alifática ou aromática, e também possuem um grupo
polar. A parte alifática é hidrofóbica, pouco solúvel em água e solúvel em muitos
solventes apolares. Os grupos polares podem ser carregados, tais como os
grupos fosfato, amino, sulfato e carboxil, ou neutros como os grupos hidroxila,
carbonila e éster. Os grupos hidrofílicos são denominados de cabeça” polar
enquanto os hidrofóbicos são chamados de “cauda”. As moléculas que
possuem estes dois grupos são denominadas de anfifílicas [Helenius, 1975].
Moléculas anfifílicas incluem sabões, detergentes e os próprios fosfolipídios que
31
proporcionam a estrutura básica para as membranas biológicas [Helenius,
1975].
Os compostos anfifílicos agregam-se espontaneamente em presença de
água. O tamanho e a forma do agregado dependem de vários fatores, entre
eles, a natureza e o comprimento da cadeia apolar, a natureza do grupo polar, a
concentração, a temperatura, a natureza do solvente e o método de preparação
[Kalyanasundaram, 1987].
No interior da fase líquida, para baixas concentrações de surfactante em
água, estes encontram-se na forma monomérica. Já em concentrações maiores
que a concentração micelar crítica (cmc), os surfactantes formam agregados
(micelas), onde a parte hidrofóbica destes monômeros geram contatos entre si,
formando um agregado micelar, e a parte hidrofílica forma uma estrutura como
uma concha em contato com o ambiente aquoso [Szabo, 1989]. Em ambientes
não aquosos podem ser formadas micelas reversas, ou seja, as cabeças
polares conectam entre si no centro da micela e a cauda hidrofóbica forma a
concha em contato com o solvente. Estas micelas podem ser pequenas
esferas, elipsóides, cilindros longos, ou ainda, podem formar bicamadas, que
são duas camadas paralelas de moléculas formando uma vesícula com a
cavidade interna que pode estar preenchida ou não com solvente, dependendo
da sua natureza hidrofílica ou hidrofóbica [Tanford, 1973].
Pode-se determinar a cmc através de vários métodos, sendo todos eles
baseados nas mudanças das propriedades observadas na micelização, como
tensão superficial, espalhamento clássico de luz, etc. Para alguns surfactantes,
32
a cmc observada depende muito fortemente das condições experimentais como
temperatura, pH, força iônica, presença de impurezas etc. [Tanford, 1973].
Figura 1.10 Estrutura química do surfactante aniônico SDS.
Os surfactantes podem ser classificados segundo a carga da parte
hidrofílica e tamanho ou natureza da cauda hidrofóbica. Com relação às cargas,
os detergentes podem ser aniônicos, catiônicos, zwiteriônicos ou neutros. Na
figura 1.10 está representada a estrutura do dodecil sulfato de sódio (SDS), que
é um surfactante aniônico.
O uso de detergentes em pesquisas nas áreas de biofísica e bioquímica
é uma prática freqüente. Dentre as aplicações de detergentes, pode-se
destacar o uso de dodecil sulfato de sódio (SDS) em eletroforese em gel de
poliacrilamida (SDS-PAGE) para se determinar a composição polipeptídica e
estimar a massa molecular de proteínas. Por ser um desnaturante poderoso,
desenovela muitas proteínas em concentrações acima de sua cmc (8mM em
água). A estrutura terciária pode, eventualmente, ser perdida em função da
interação com este surfactante aniônico e a amostra consistiria de polipeptídeos
33
saturados de SDS, que se ligam à proteína na razão de 1,4-2,5g de SDS por
grama de proteína [Jones, 1995].
A interação entre surfactantes e proteínas globulares tem sido estudada
através de várias técnicas visando à obtenção de informações relevantes do
ponto de vista da relação estrutura-atividade das proteínas. Dentre estes
métodos, pode-se citar:
1. Eletroforese em gel de poliacrilamida objetivando-se detecção de
complexos específicos;
2. Espalhamento de luz estático e dinâmico visando à obtenção de massas
moleculares, coeficientes de difusão e dimensões dos complexos;
3. Espectroscopia de absorção na região do ultravioleta-visível para
obtenção de dados sobre as modificações induzidas por surfactantes que
ocorrem em toda a proteína, especialmente no heme;
4. Espectroscopia de emissão de fluorescência visando à obtenção
parâmetros termodinâmicos dos complexos proteína-surfactante;
5. Espectroscopia de dicroísmo circular que proporciona a detecção de
mudanças conformacionais produzidas na proteína, especialmente
mudanças na estrutura secundária induzidas pela associação do
surfactante;
6. Calorimetria (microcalorimetria e titulação calorimétrica) que fornece
dados da entalpia da ligação de surfactantes na desnaturação da
proteína;
34
7. Ultracentrifugação (razão de sedimentação e equilíbrio) que fornece
coeficientes de sedimentação dos complexos de proteína-surfactante,
dissociação de subunidades e massas moleculares.
Os surfactantes, em baixas concentrações, podem se ligar à proteína
mantendo sua estrutura terciária intacta ou podem causar dissociação e/ou
desnaturação. Comumente, os surfactantes aniônicos como SDS desnaturam
proteínas, embora existam proteínas como glicose oxidase, papaína e pepsina
que resistem à desnaturação por SDS sob determinadas condições.
Para surfactantes aniônicos, a ligação inicial ocorre nos sítios catiônicos
da superfície da proteína, especificamente aos resíduos lisil, histidil e arginil,
enquanto que para os surfactantes não iônicos, os sítios de ligação ocorrem
nas partes hidrofóbicas da proteína. No caso dos surfactantes catiônicos, esta
ligação acontece nos resíduos glutamil e aspartil [Szabo, 1989].
Os surfactantes aniônicos podem, entretanto, induzir a desnaturação da
proteína e, assim, expor mais os sítios hidrofóbicos localizados no interior da
mesma. O modelo mais geral da interação entre o surfactante e a proteína es
apresentado na figura 1.11.
35
Figura 1.11 Representação esquemática da ligação do surfactante à proteína
nativa (P) e o subseqüente processo de desnaturação.
É interessante destacar que a desnaturação acontece para uma
concentração muito menor de surfactante do que a concentração necessária de
desnaturantes comumente utilizados tais como uréia (6-8 M) e guanidina (4-6
M).
Embora não se conheça completamente a estrutura dos complexos
proteína-detergente, têm-se utilizado algumas técnicas espectroscópicas e
eletroforéticas para uma possível previsão desta estrutura. Basicamente, quatro
modelos têm sido propostos e são apresentados na figura 1.12.
36
Figura 1.12 Modelos para a interação proteína-surfactante.
No modelo conhecido como “colar de pérolas(fig. 1.12 A), cachos de
micela ligam-se à cadeia polipeptídica. Neste modelo, são possíveis duas
estruturas. Na primeira delas (fig. 1.13 A), a cadeia polipeptídica enrola-se em
torno da micela, diminuindo a mobilidade da cabeça polar do surfactante. Na
segunda (fig. 1.13 B), as micelas encontram-se nucleadas nos sítios
hidrofóbicos da proteína e a mobilidade das cabeças polares não é afetada
[Turro, 1995].
No segundo modelo, as moléculas de surfactante agregam-se formando
um elipsóide prolato cujo semi-eixo menor mede aproximadamente 18Å, que
corresponde ao comprimento da cadeia do surfactante (fig. 1.12 B). Neste
modelo, a cadeia polipeptídica encontra-se enrolada em torno do agregado.
37
No terceiro modelo, as moléculas de surfactante agregam-se formando
um bastão micelar cilíndrico flexível no qual a cadeia polipeptídica da proteína
enrola-se de forma helicoidal sobre o bastão (fig. 1.12 C).
No quarto modelo, propõe-se que a proteína organiza o surfactante
dentro de uma micela complexa (fig.1.12 D).
A determinação da estrutura dos complexos proteína-surfactante não é
trivial, particularmente no que se refere às proteínas globulares que possuem
ligações dissulfeto internas intactas. O sucesso da técnica SDS-PAGE, que
depende da existência de uma carga uniforme por comprimento da cadeia
polipeptídica, sugere que os complexos têm uma conformação extendida, com
as moléculas de surfactantes ligadas uniformemente ao longo da cadeia [Jones,
1995].
Figura 1.13 Estruturas possíveis para os complexos proteína-surfactante no
modelo “colar de pérolas”. (A) A cadeia polipeptídica se enrola ao redor da
micela; (B) As micelas encontram-se nucleadas nos sítios hidrofóbicos da
proteína.
38
Em trabalhos anteriores do grupo, Gelamo e colaboradores [Gelamo,
2004] verificaram por SAXS que na interação da HbGp íntegra em pH 7,0 com o
surfactante SDS ocorre a dissociação da sua estrutura oligomérica, sendo que
a intensidade dessa dissociação depende da concentração do surfactante. Com
uma relação de SDS/proteína de 20, inicialmente a proteína íntegra se
dissociaria em duas camadas hexagonais. Entretanto, uma mudança mais
drástica na estrutura oligomérica somente aconteceria com uma relação de
surfactante/proteína de 200. Desta forma, o raio de giro diminui para
aproximadamente 30 Å, sugerindo a dissociação da proteína íntegra em
subunidades menores.
Uma vez que o surfactante provoca alterações na estrutura oligomérica
da proteína, gerando tanto a dissociação das subunidades como eventuais
modificações nas estruturas secundárias e terciárias de cada cadeia
polipeptídica, essas alterações poderiam se propagar em maior ou menor grau
para a primeira esfera de coordenação do ferro. Desta maneira, o estudo da
auto-oxidação da HbGp com o surfactante SDS seria uma abordagem
interessante para se obter informações sobre a estabilidade da estrutura
oligomérica da hemoglobina, o ambiente hidrofóbico do heme e seu
enovelamento polipeptídico.
É descrito na literatura que o surfactante SDS poderia aumentar ou
diminuir a velocidade de auto-oxidação dependendo de sua concentração. Para
a hemoglobina humana, é proposto que a formação da espécie meta-
hemoglobina através da auto-oxidação é inibida pelo SDS quando o mesmo
39
tem uma concentração até 10 vezes maior que a concentração da hemoglobina.
No entanto, para concentrações maiores de SDS, a formação da espécie meta-
hemoglobina é favorecida [Reza, 2002]. O SDS em baixas concentrações
mudaria a conformação da proteína para um estado mais enovelado. Este
estado mais compacto poderia prevenir a entrada da molécula de água na
cavidade hidrofóbica do heme, que é necessária para promover o processo de
oxidação através do ataque nucleofílico [Reza, 2002].
Portanto, o presente trabalho apresenta resultados e discussões
relevantes para a compreensão da relação estrutura-função da hemoglobina
extracelular gigante de Glossoscolex paulistus no que se refere ao processo de
auto-oxidação induzida ou não pela presença de surfactante, em diferentes
valores de pH e suas eventuais correlações com o mesmo fenômeno em outras
hemoproteínas estudadas na literatura.
40
1.5 Técnicas espectroscópicas
1.5.1 O Espectro de absorção na região do ultravioleta-visível das
porfirinas
A atribuição do espectro na região do ultravioleta-visível das porfirinas,
apesar de muito estudado, não é algo trivial e ainda se encontra em evolução
os modelos químico-quânticos que explicam suas bandas, freqüências e
intensidades. Um dos tópicos pesquisados em trabalhos teóricos diz respeito à
grande diferença de intensidade entre as bandas B e Q, que são as principais
bandas π-π* intraligantes da porfirina.
O espectro eletrônico das porfirinas apresenta duas regiões bastante
características referentes às bandas B e Q, que são transições
predominantemente intraligantes, ou seja, transições que envolvem orbitais
moleculares do macrociclo porfirínico. Entre as bandas que apresentam
contribuição do metal, destacam-se as bandas de transferência de carga, que
apesar da menor absortividade molar em relação às bandas B e Q, fornecem
informações valiosas sobre o desdobramento dos orbitais d e a superposição
de orbitais entre metal e porfirina. A banda B também chamada banda de Soret,
é a mais intensa, apresentando uma absortividade molar altíssima, superior a
100.000 L.mol
-1
cm
-1
, o que explica a aplicação das porfirinas como protótipo de
corantes [Antonini, 1981].
Para a banda Q, ressalta-se que são quatro picos na base livre e
somente dois na metaloporfirina, α e β, o que é indicativo do aumento de
41
simetria pela adição do centro metálico. Igualmente é interessante o fato da
banda Q apresentar uma intensidade bem inferior à banda de Soret, situando-
se sua absortividade molar na faixa entre 10.000 e 15.000 L.mol
-1
cm
-1
. As
bandas Q em metaloporfirinas são denominadas α e β, e têm sido consideradas
variações vibracionais de uma mesma transição eletrônica sendo que a banda
α é atribuída a uma transição Q(0,0) ao passo que a banda β é atribuída a uma
transição Q(0,1).
Segundo Antonini e colaboradores [Antonini, 1981], pode-se eliminar a
possibilidade de transição d-d em configurações alto spin, pois como existem
cinco elétrons paralelos, as transições d-d devem resultar em emparelhamento
de spin e são, portanto, proibidas pela regra de seleção que requisita que não
ocorra mudança na multiplicidade de spin. Os coeficientes de absortividade
molar para transições proibidas por spin em complexos de metais da primeira
série de transição são de 0,01 a 10 L.mol
-1
cm
-1
, muito menores do que os
valores observados em hemoproteínas em torno de 10
3
L.mol
-1
cm
-1
. Importante
acrescentar que, mesmo para sistemas baixo-spin, tal transição não é
freqüentemente observada, uma vez que na maioria dos casos se encontram
superpostas por bandas de maior absortividade molar.
1.5.2. Dicroísmo Circular em hemoproteínas
Dicroísmo circular (DC) é uma poderosa ferramenta para se estudar a
estrutura de biomoléculas [Zhu, 2002]. De fato, dicroísmo circular constitui-se
42
em uma técnica sensível às mudanças conformacionais das proteínas, pois
permite avaliar alterações na estrutura secundária das mesmas [Nagatomo,
2002]. Vale lembrar que a técnica dicróica também apresenta uma variedade
magnética, que consiste no dicroísmo circular magnético (DCM), igualmente
com ampla aplicação em estudos biofisícos.
Quando somente uma parte da conformação α-hélice modifica-se para
uma disposição aleatória ou para um outro tipo de conformação helicoidal, o
espectro de dicroísmo circular resultante pode reter a forma original, mas a sua
intensidade será reduzida. Uma pequena mudança na intensidade do espectro
de dicroísmo circular deve representar uma leve influência sobre a estrutura
secundária [Zhu, 2002].
43
2. OBJETIVOS
Este trabalho enfoca o estudo do fenômeno da auto-oxidação da
hemoglobina extracelular de Glossoscolex paulistus na sua forma íntegra e da
sua fração monomérica d, tendo por objetivo os seguintes tópicos:
Avaliar a estabilidade da hemoglobina em função do pH, analisando a
influência dos nucleófilos água e hidroxila.
Propor o mecanismo da reação de auto-oxidação da hemoglobina, a
partir da determinação das constantes de velocidade obtidas em função do pH.
Verificar o processo de auto-oxidação induzido pelo ligante cianeto, que
é considerado um ligante de campo forte.
Analisar a influência do surfactante dodecil sulfato de sódio (SDS) sobre
o processo de auto-oxidação da hemoglobina íntegra nos valores de pH 7,0 e
9,0.
Avaliar por meio dos parâmetros cinéticos obtidos as propriedades
estruturais da hemoglobina envolvendo tanto o arranjo oligomérico como o
ambiente hidrofóbico do heme.
44
3. MATERIAIS E MÉTODOS
3.1 Materiais
3.1.1 Amostra estudada
A hemoglobina utilizada neste trabalho foi extraída do anelídeo
Glossoscolex paulistus. Os espécimes foram coletados na cidade de Rio Claro,
estado de São Paulo, e mantidos à temperatura ambiente até o momento da
coleta do sangue.
3.1.2 Equipamentos
-pH-metro CORNNING-130 ou DIGIMED DM20;
-Centrífuga refrigerada Himac CR 20B2 Hitachi para a primeira centrifugação da
hemolinfa na extração da hemoglobina;
-Ultracentrífuga refrigerada SORVAL ULTRA PRO 80
-Colunas de filtração em gel (Sephadex G 200) e Bio-Gel A-0.5 M;
-Coletor de frações ISCO Retriever III mod. 328, para a coleta das frações das
cromatografias;
-Espectrofotômetro Hitachi mod. U-2000;
-Espectrofluorímetro Hitachi modelo F-4500.
45
3.1.3 Reagentes
Aldrich chemical Co. - cloridrato de hidroximetil aminometano (TRIS - HCl )
Sigma chemical Co. - EDTA, sephadex G-200
Merck chemicals - ferricianeto de potássio, cianeto de potássio, hidróxido de
sódio
Arthur H. Thomas CO - membrana de diálise
3.2 Métodos
3.2.1 Obtenção e purificação - oxihemoglobina íntegra e monômero
Os animais foram lavados em água corrente, anestesiados com éter e foi
realizado um corte no dorso de cada espécime. A hemolinfa foi extraída com
pipetas de Pasteur em presença de anti-coagulante (citrato de sódio 0,1 mM) e
armazenada em tubos de Eppendorf. A primeira etapa da purificação foi
realizada através de centrifugação da hemolinfa a 5000 rpm por 10 minutos
para precipitação das impurezas, o sobrenadante foi retirado para diálise contra
tampão tris-HCl, pH 7,0 por uma noite a 4
o
C. Após a diálise foi realizada a
ultracentrifugação da proteína em uma ultracentrífuga SORVAL ULTRA PRO 80
por 4 horas a 35000 rpm e o precipitado foi ressuspendido em tampão tris-HCl,
pH 7,0 e filtrado em coluna de gel Sephadex G-200 de 100cm de comprimento
por 0,9 cm de diâmetro equilibrada com tampão Tris-HCl 100 mM, pH 7,0 com
0,1 mM de EDTA. O eluato foi coletado por meio de um coletor regulado para
46
um volume de 0,9 mL/tubo e a oxihemoglobina íntegra foi estocada a 4
o
C.
A fração monomérica foi separada aplicando-se a hemoglobina íntegra
estabilizada em pH 9,0 numa coluna de gel Sephadex G-200 de 100 x 0,9 cm
equilibrada com tampão Tris-HCl 100 mM, pH 9,0 com 0,1 mM de EDTA.
3.2.2 Medidas da velocidade de auto-oxidação
3.2.2.1 Estudo da auto-oxidação em função do pH
Para acompanhar a cinética de auto-oxidação foi medido o decaimento
da absorbância da hemoglobina em 576 nm no decorrer do tempo
(aproximadamente 3 horas de duração para cada experimento).
As medidas foram realizadas utilizando-se uma concentração inicial
aproximada de oxi-hemoglobina íntegra de 2x10
-5
M em base ao conteúdo de
heme, em tampão acetato-fosfato-borato 30mM, a 42
o
C e variando o pH na
faixa de 4,5-9,5. A concentração de heme foi determinada
espectrofotometricamente considerando uma absortividade de 129 mM
-1
.cm
-1
.
As medidas também foram realizadas para a fração monomérica, após a
separação na coluna de Sephadex G-200, nas mesmas condições descritas
acima.
Os dados de auto-oxidação da hemoglobina íntegra foram analisados
como sendo compostos por um único decaimento exponencial, uma cinética de
primeira ordem simples, ou por dois decaimentos exponenciais (denominados
curvas bifásicas), que correspondem a uma combinação de duas cinéticas de
47
primeira ordem, resultando em duas constantes de velocidade ( k
obs1
e k
obs2
) e
dois fatores pré-exponenciais (
1
máx
A
e
2
máx
A
). Os valores destes parâmetros
foram obtidos através do ajuste dos dados coletados à equação (3.1):
(
)
(
)
+
+
=
AtkAtkAA
máxmáxt 21
expexp
21
(3.1)
Nesta equação, k
obs1
e k
obs2
representam as constantes de velocidade
do processo rápido e lento, respectivamente.
1
máx
A
e
2
máx
A
representam a
variação da absorbância (A
0
- A
), que corresponde a oxidação total dos hemes
que reagem rapidamente e lentamente, respectivamente. A
t
é a absorbância no
tempo t e A
corresponde a absorbância no tempo infinito. Os valores de A
foram estimados, mediante experimentos realizados por um longo tempo e
fixados no ajuste.
A auto-oxidação do monômero foi analisada como constituída por um
único decaimento exponencial, ou seja por uma única cinética de primeira
ordem, com constante de velocidade (k
obs
) em toda faixa de pH.
3.2.2.2 Estudo da auto-oxidação em função da concentração do
surfactante dodecil sulfato de sódio (SDS)
As cinéticas de auto-oxidação na presença do SDS foram
acompanhadas medindo-se o decaimento da absorbância da oxi-hemoglobina
48
em 415 nm no decorrer do tempo.
As medidas foram realizadas com a oxi-hemoglobina íntegra numa
concentração de 3 µM, em tampão Tris-HCl 20 mM, pH 7,0 e 9,0 a 38,5 °C na
presença de diferentes concentrações do surfactante.
As constantes de velocidade de pseudo-primeira ordem observadas
(k
obs1
e k
obs2
) para a hemoglobina íntegra em pH 7,0 foram obtidas pelos ajustes
das curvas pela equação 3.1, para as cinéticas bifásicas ou foi obtido uma
cinética mono-exponencial, um único decaimento exponencial; sendo que o
caráter bifásico ou monofásico foi dependente da concentração do SDS em pH
7,0.
Para a auto-oxidação em pH 9,0, as curvas obtidas foram bifásicas para
toda a faixa de concentração de SDS, e o ajuste foi feito pela equação 3.1.
3.2.2.3 Estudo da auto-oxidação na presença de cianeto de potássio
As cinéticas de auto-oxidação na presença do ligante cianeto foram
acompanhadas medindo-se o decaimento da absorbância da oxi-hemoglobina
em 415 nm no decorrer do tempo.
As medidas foram realizadas com a hemoglobina íntegra e com a fração
monomérica numa concentração entre 2,5 a 3 µM, em tampão tris-HCl 20 mM,
pH 9,0 a 38 °C na presença de diferentes concentraç ões dos ligantes.
As constantes de velocidade de pseudo-primeira ordem observadas
(k
obs1
e k
obs2
) para a hemoglobina íntegra foram obtidas pelos ajustes das
49
curvas pela equação 3.1, através destes valores foram calculadas as
constantes de velocidade de segunda ordem (k’
CN1
, k”
CN2
e k
CN2
).
Para a fração monomérica as constantes de velocidade de pseudo-
primeira ordem observadas (k
obs
) nas diferentes concentrações do ligante foram
obtidas pelo ajuste dos dados de auto-oxidação como um único decaimento
exponencial e a partir destes valores também foi calculada a constante de
velocidade de segunda ordem.
3.2.3 Medidas de Dicroísmo Circular
Os espectros de dicroísmo circular foram obtidos no aparelho Jasco J
715 nos valores de pH 4,7, 7,0 e 9,0, no início e ao final da reação de auto-
oxidação. Foi utilizada cela cilíndrica de caminho ótico 0,2 cm, a concentração
de hemoglobina foi 0,22 mg/ml baseada na absortividade molar em 415 nm de
3,13 ml mg
-1
cm
-1
.
A transformação dos dados de elipticidade, θ, para elipticidade média
por resíduo (por dmol de ligação peptídica) [θ] é efetuada da seguinte maneira:
[ ]
[ ]
laa
θ
θ
=
Concentração de resíduos (dmol por centímetro cúbico):
50
[ ]
[
]
aa
M
aa
Proteína
=
onde, [proteína] é a concentração de proteína por decigrama por centímetro
cúbico e
aa
M
é massa molar média dos resíduos de aminoácidos (117 g mol
-1
).
* massa molar dos resíduos de aminoácidos = massa molar dos
aminoácidos menos a massa molar da molécula de água que foi eliminada na
formação da ligação peptídica.
* l é o caminho ótico em centímetros da cubeta empregada na medida
do dicroísmo - 0,2 cm.
3.2.4 Espalhamento de luz ressonante
O espalhamento ressonante foi usado para se verificar a possível
reassociação das subunidades durante o estudo da auto-oxidação da proteína
íntegra na presença de cianeto. O espalhamento de luz em 310 nm foi medido a
90
0
no espectrofluorímetro, selecionando o mesmo comprimento de onda de
excitação e emissão para ambos monocromadores. As medidas foram
corrigidas pelo espalhamento de luz do tampão. O espalhamento de luz para a
amostra de concentração 2.6x10
-6
M foi aproximadamente 10 vezes maior que
o espalhamento do tampão.
51
4. RESULTADOS E DISCUSSÕES
4.1 Cinética de auto-oxidação da HbGp em função do pH
500 550 600 650 700
0,0
0,1
0,2
0,3
Absorbância
λ
λλ
λ
, nm
oxi-HbGp
pH 4,5
pH 5,0
pH 7,0
pH 8,0
Figura 4.1 Espectros de absorção eletrônica no UV-Vis obtidos no início (oxi-
HbGp) e no final da reação de auto-oxidação da HbGp (1,4 x10
-5
M ) em função
do pH, em tampão acetato-fosfato-borato 30 mM, 42
o
C.
A figura 4.1 mostra os espectros no início e no final da reação de auto-
oxidação da HbGp. O espectro inicial corresponde à oxi-hemoglobina
apresentando as bandas α e β em seus comprimentos de onda característicos,
575 e 540 nm, respectivamente. Nos valores de pH 4,5 e 5,0 é possível
observar a coexistência de espécies, descritas em trabalhos anteriores
[Moreira, 2005] [Ribelatto, 2005] [Ribelatto, 2006]. Moreira [Moreira, 2005],
52
estudando a influência do pH sobre as espécies formadas pela meta-
hemoglobina íntegra, constata a mesma coexistência de espécies nesta faixa
de pH ácido, o que demonstra que a auto-oxidação proporciona as mesmas
espécies finais do que o procedimento de oxidação via ferricianeto, que é
utilizado neste referido trabalho [Moreira, 2005]. Desta forma, a banda
observada em 535 nm corresponde ao hemicromo [Tsuruga, 1998], ou seja, um
complexo bis-histidiníco baixo spin; e as bandas em 500 nm e 630 nm
correspondem à espécie aquometa-hemoglobina [Vitagliano, 2004], que é uma
espécie alto spin. Assim, as espécies predominantes ao final da auto-oxidação
da HbGp em meio ácido são as espécies hemicromo e aquometa-hemoglobina.
Em pH 7,0 predomina a espécie aquometa-hemoglobina, com sua banda
característica em 500 nm e sua banda de transferência de carga do ligante para
o metal (TCLM) em 630 nm.
Em meio alcalino, pH 8,0, é possível notar a ocorrência das bandas em
535 e 565 nm, características do hemicromo, que deve ser a espécie
predominante neste pH. A banda de transferência de carga do ligante para o
metal (TCLM) em 630 nm, apresenta uma intensidade muito baixa,
evidenciando a presença da espécie aquometa-hemoglobina em baixa
concentração.
A figura 4.2 apresenta os gráficos de primeira ordem para a auto-
oxidação da HbGp em diferentes valores de pH. Uma relação linear é
facilmente verificada em pH 7,0, indicando que auto-oxidação ocorre por meio
de um único processo. A partir da inclinação da reta são obtidas as constantes
53
de velocidade de primeira ordem observadas. Neste valor de pH, a proteína se
encontra em sua forma íntegra e realmente deve apresentar uma única
constante de velocidade lenta, sugerindo que a estrutura oligomérica compacta
da hemoglobina íntegra é fortemente relacionada ao processo redox do centro
metálico.
Com a alcalinização, em valores de pH acima de 7,5, existem duas
componentes se oxidando (fig. 4.2). A curva de auto-oxidação é composta por
duas cinéticas de primeira ordem, com constantes de velocidade observadas
k
obs1
e k
obs2
, respectivamente, de acordo com a equação 3.1, seção 3.2.2.1.
0 2000 4000 6000 8000 10000
-0,7
-0,6
-0,5
-0,4
-0,3
-0,2
-0,1
0,0
ln {(A
t
-A
)/
A
máx
)}
Tempo (s)
pH 5,4
pH 6,0
pH 7,0
pH 7,5
Figura 4.2 Gráficos da cinética de primeira ordem para auto-oxidação da
hemoglobina extracelular de Glossoscolex paulistus. Condições: 1,4 x10
-5
M de
hemoglobina, tampão acetato-fosfato-borato 30 mM, 42
o
C, variando o pH.
54
O comportamento multi-exponencial é verificado pela análise do gráfico
do logaritmo da diferença entre as absorbâncias, A
t
- A
, em função do tempo,
não sendo obtidas dependências lineares (fig.4.2). É possível também verificar
a natureza bifásica da auto-oxidação a partir da razão das constantes de
velocidade (k
obs1
/ k
obs2
). Para o pH 7,0 (cinética mono-exponencial), a razão
k
obs1
/ k
obs2
é igual a 1,0 e no valor de pH que corresponde ao início do
comportamento bifásico, pH 7,5, esta razão é igual a 7,3. Esta análise da razão
é utilizada por Yasuda e colaboradores [Yasuda, 2002] para comprovar o
comportamento bifásico da auto-oxidação da hemoglobina humana em valores
ácidos de pH.
Provavelmente, no valor de pH 7,5 se inicia o processo de dissociação
da hemoglobina, que ocorre efetivamente em pH 9,0. Nestas circunstâncias,
nota-se que a cinética de auto-oxidação é muito sensível às mudanças
conformacionais que ocorrem com a dissociação.
A dissociação alcalina desta hemoglobina é comprovada em trabalhos
anteriores que envolvem estudos cromatográficos e de espectroscopia de
emissão de fluorescência [Imasato, 1995] [Agustinho, 1997] [Perussi, 1990].
Estudo anterior que envolve a auto-oxidação da HbGp em pH 9,0 em função da
temperatura [Poli, 2005], estabelece um processo de auto-oxidação bifásico.
Esta natureza bifásica das cinéticas é caracterizada por um processo rápido,
k
obs1
, e um processo lento, k
obs2
, que ocorrem em função da oxidação dos
trímeros e monômeros, respectivamente. Assim, a intensa dissociação
55
oligomérica em pH 9,0 é considerada o principal fator responsável pela
natureza bifásica na cinética de auto-oxidação.
0 2000 4000 6000 8000 10000
-5
-4
-3
-2
-1
0
ln {(A
t
-A
)/
A
máx
)}
Tempo (s)
pH 4.4
pH 8.2
pH 9.4
Figura 4.3 Gráficos da cinética de primeira ordem para auto-oxidação da
hemoglobina extracelular de Glossoscolex paulistus. Condições: 1,4 x10
-5
M de
hemoglobina, tampão acetato-fosfato-borato 30 mM, 42
o
C, em função do pH.
Na faixa ácida de pH, a cinética é mono-exponencial entre os valores de
pH 7,0 e 6,0, sendo que para os valores de pH abaixo de 5,7, a curva cinética
passa a ser bi-exponencial (fig. 4.3). Isto indica a ocorrência de dissociação da
proteína, estando de acordo com estudos de espalhamento de luz, onde o
espalhamento diminui aproximadamente a partir de pH 5,0 [Imasato, 1995].
56
Portanto, nos valores de pH onde a proteína estava parcialmente ou totalmente
dissociada, duas constantes de velocidade de primeira ordem observadas
envolvidas na equação 3.1 da seção 3.2.2.1 são determinadas para cada curva
de reação obtida para vários valores de pH.
4 5 6 7 8 9 10
-5,0
-4,8
-4,6
-4,4
-4,2
-4,0
-3,8
-3,6
-3,4
-3,2
-3,0
-2,8
-2,6
-2,4
0,73
0,98
-0,66
-0,64
log k
obs
(s
-1
)
pH
Figura 4.4 Gráfico de k
obs1
() e k
obs2
() em função do pH para a reação de
auto-oxidação da hemoglobina de Glossoscolex paulistus.
A estabilidade da hemoglobina de Glossoscolex paulistus em função do
pH pode ser constatada no gráfico dos valores das constantes de velocidade
k
obs1
e k
obs2
versus o pH da solução. A figura 4.4 apresenta a variação das
constantes para as cadeias que se oxidam mais rapidamente (etapa rápida,
57
k
obs1
) e para as cadeias mais lentas (etapa lenta, k
obs2
) em toda faixa de pH, isto
é, entre os valores de pH 4,4 e 9,4. Estas medidas são efetuadas em condições
saturadas de ar em tampão acetato-fosfato-borato 30 mM, 42
o
C.
É possível observar a natureza bifásica na auto-oxidação da
hemoglobina na faixa ácida, 4,4-5,7. Os valores do logaritmo de ambas as
constantes (k
obs1
e k
obs2
)
aumentam rapidamente com o aumento da
concentração hidrogeniônica. Na faixa mais alta de pH, 7,5-9,4, a reação
também é bifásica, sendo que um aumento no logaritmo das constantes
(k
obs1
e k
obs2
)
com o aumento do pH. Entretanto, para as cadeias que reagem
mais rapidamente (k
obs1
), o aumento é maior (inclinação da reta igual a 0,98) do
que para as cadeias mais lentas (k
obs2
) (inclinação da reta igual a 0,73).
No intervalo entre os valores de pH 5,9 e 7,3, a reação é monofásica com
k
obs1
igual a k
obs2 .
Então, os gráficos referentes aos dois processos auto-
oxidativos dependem fortemente do pH da solução.
No intuito de se monitorar a integridade da estrutura secundária da
proteína, foi empregada a espectroscopia de dicroísmo circular. A figura 4.5
apresenta os espectros de dicroísmo circular da hemoglobina íntegra de G.
paulistus durante a reação de auto-oxidação. É possível observar, analisando a
banda em 222 nm após 4 horas de reação a 42
o
C, que ocorre uma perda de
estrutura α-globular nos valores de pH 9,0 e 4,7. Entretanto, é relevante
acrescentar que, em pH 7,0, não existe alteração no espectro. Em pH 4,7
ocorre uma perda de α-hélice de 23% durante o processo auto-oxidativo e para
o pH 9,0 a perda é de 28%. Essas perdas iniciais de estrutura secundária
58
devem acontecer em decorrência da eliminação de interações intra e entre
cadeias, favorecendo o acesso do solvente à cavidade hidrofóbica do heme.
198 207 216 225 234 243
-40
-20
0
20
40
60
80
[
θ
θ
θ
θ
] x10
-3
, grau cm
2
dmol
-1
λ
λλ
λ
, nm
pH 4,7 inicial
pH 9,0 inicial
pH 7,0 inicial
pH 4,7 final
pH 9,0 final
pH 7,0 final
Figura 4.5 Espectros de dicroísmo circular da hemoglobina de Glossoscolex
paulistus no início da reação de auto-oxidação e após 4 horas de cinética.
Condições: [HbGp] = 5µM, tampão acetato-fosfato-borato 30 mM, 42
o
C.
Estes resultados estão de acordo com o comportamento cinético
observado, onde a velocidade de auto-oxidação é maior nos valores de pH 4,7
e 9,0 do que em pH 7,0. Nestas condições, as curvas são bifásicas em pH 4,7 e
9,0 devido à dissociação da hemoglobina.
59
Em pH 7,0, a velocidade de reação é lenta devido à estabilidade
oligomérica da hemoglobina de G. paulistus, pois a mesma se encontra em sua
forma íntegra, com o enovelamento polipeptídico altamente compacto. Portanto,
conclui-se que esta estrutura organizada dificulta a acessibilidade do solvente
ao bolsão hidrofóbico resultando na diminuição da velocidade de auto-oxidação.
Assim, a perda do enovelamento polipeptídico nativo favoreceria o aumento da
permeabilidade dos nucleófilos presentes no solvente (em pH 4,7 seria o
nucleófilo água e em pH 9,0 seria o nucleófilo hidroxila) que, em contato com o
centro metálico, acentuam a competição com oxigênio molecular pelo sítio de
coordenação.
4.2 Formulação cinética para a reação de auto-oxidação da hemoglobina
extracelular de Glossoscolex paulistus
Estudos cinéticos recentes abordando a estabilidade de oxi-mioglobinas
de mamíferos propõem que o pH pode afetar a velocidade da reação de auto-
oxidação de várias maneiras. Além disso, estes trabalhos estabelecem que a
reação não se constitui em simples perda dissociativa de O
2
-
da mioglobina,
mas ocorre devido a um deslocamento nucleofílico do O
2
-
da mioglobina pela
molécula de água ou pelo íon hidroxila, que poderiam entrar na cavidade do
heme. O centro ferroso seria, então, convertido à forma férrica e a molécula de
água ou o íon hidroxila se ligaria a este centro metálico na sexta posição de
60
coordenação. Este deslocamento nucleofílico geraria a formação da espécie
aquometa mioglobina ou hidroximeta mioglobina.
Deste modo, o comportamento complexo do gráfico das constantes de
velocidade de auto-oxidação em função do pH, pode ser explicado
primeiramente por três tipos de processos de deslocamento do ligante oxigênio
(Reações 4.1, 4.2 e 4.3). Este ligante pode deixar o centro férrico em formas
diferentes, dependendo do pH do meio [Satoh, 1981] [Tsuruga, 1998], conforme
as reações a seguir:
(
)
(
)
(
)
(
)
+ΙΙΙ+ΙΙ
2222
0
OOHMbOHOMb
k
(Reação 4.1)
(
)
(
)
(
)
(
)
2222
HOOHMbHOHOMb
H
k
+ΙΙΙ++ΙΙ
+
(Reação 4.2)
(
)
(
)
(
)
(
)
+ΙΙΙ+ΙΙ
22
OOHMbOHOMb
OH
k
(Reação 4.3)
Nestas reações acima, k
0
é a constante de velocidade para o
deslocamento do oxigênio pela água, k
H
é a constante de velocidade para o
deslocamento do oxigênio pela água catalisado pelo próton, e k
OH
é a constante
de velocidade para este mesmo deslocamento efetuado pela hidroxila. A
extensão da contribuição destes processos elementares na velocidade de auto-
oxidação observada, k
obs
, pode variar com as concentrações dos íons H
+
ou
OH
-
. Conseqüentemente, a estabilidade da oxi-hemoglobina de Glossoscolex
61
paulistus apresenta uma forte dependência do pH, sendo máxima em pH 7,0. O
deslocamento redutivo do oxigênio coordenado, que deixa o heme como O
2
-
,
quando efetuado pela água poderia acontecer com ou sem protonação do
ligante oxigênio. No entanto, tem sido claramente demonstrado que a
velocidade aumenta significativamente com a assistência do próton, por um
fator de mais de 10
6
/mol para a oxi-hemoglobina humana [Tsuruga, 1998], de
acordo com a reação 4.2.
Neste processo catalisado pelo próton, a histidina distal, que forma
ligação de hidrogênio com o oxigênio, facilita o movimento do próton catalítico
do solvente para o oxigênio. Este processo acontece através do anel
imidazólico, por um mecanismo de substituição de prótons. Por essa razão,
esta catálise por próton não é observada na reação de auto-oxidação de
mioglobinas que não apresentam a histidina distal, como, por exemplo, a
mioglobina Aplysia, que apresenta na sua posição distal uma valina [Shikama,
1994].
Desta forma, a molécula de oxigênio, que é estabilizada no sexto sítio de
coordenação do heme por duas ligações, que são a coordenação ao centro
ferroso e a ligação de hidrogênio com a histidina distal, apresentaria uma maior
tendência para deixar o heme. Esta saída do oxigênio da primeira esfera de
coordenação como radical hidroperoxil aconteceria após uma interação entre a
histidina distal e os prótons provenientes do solvente em meio ácido. Esta perda
de contato entre o ligante oxigênio e a histidina distal, eliminaria uma interação
efetiva que estabiliza este ligante no sexto sítio de coordenação do centro
62
metálico, facilitando a saída do oxigênio reduzido na sua forma protonada, ou
seja, como hidroperoxil.
Realmente, na literatura é sugerida a tríade catalítica ou charge relay
(Esquema 4.1) [Bachovchin, 1986], envolvendo os dois nitrogênios imidazólicos
da histidina distal. Um desses nitrogênios atuaria como ácido e o outro
apresentaria um comportamento básico. O modelo proposto poderia ser
interpretado como uma modificação da acidez do hidrogênio ionizável ligado ao
oxigênio devido à interação do par de elétrons livre do outro nitrogênio
imidazólico com os prótons presentes no ambiente. Desta forma, pode-se
propor que o imidazol apresenta uma diversidade de atuação por apresentar
dois tautômeros, quando na forma neutra, podendo compor a tríade catalítica
(Esquema 4.1).
Esquema 4.1. Tautomeria do grupo imidazol.
63
Um processo semelhante poderia estar ocorrendo com a HbGp. Assim, a
substituição de prótons aconteceria a partir da protonação do imidazol da
histidina distal, através do contato do par de elétrons livres do nitrogênio do
imidazol que está mais distante do oxigênio com um próton oriundo do solvente
em meio ácido. Em outras palavras, pode-se afirmar que a saída do oxigênio
ocorre por meio da protonação do nitrogênio imidazólico que não está
comprometido na ligação de hidrogênio com o oxigênio.
Desta forma, a protonação deste nitrogênio do imidazol mais “externo” ao
sexto sítio de coordenação, causaria a saída do hidrogênio ionizável
comprometido na ligação de hidrogênio com o oxigênio. Isto ocorre porque a
protonação de um dos nitrogênios imidazólicos proporcionaria uma diminuição
acentuada da basicidade do outro nitrogênio. Este fato acontece porque o
imidazol é um anel insaturado e essa protonação afetaria as propriedades de
todo o anel, inclusive do nitrogênio diretamente ligado ao oxigênio.
Em conseqüência dessa protonação, a saída do próton, anteriormente
comprometido na ligação de hidrogênio, favoreceria a saída do ligante oxigênio
na sua forma protonada. Portanto, o ligante oxigênio deixaria o heme na forma
de radical hidroperoxil, acentuando a velocidade de auto-oxidação.
A protonação do oxigênio deve diminuir a capacidade deste ligante
competir com a água pelo centro ferroso, devido à significativa diminuição de
sua basicidade, diminuindo, portanto, sua constante de ligação com o metal.
Além disso, o ligante oxigênio protonado deve ser mais facilmente solvatado
64
pela água, em função de sua maior polaridade em relação à molécula de
oxigênio, o que pode facilitar, ainda mais, a sua saída do heme.
Para determinar os parâmetros cinéticos que contribuem para cada k
obs
versus pH, são propostos na literatura alguns modelos para cada caso
[Tsuruga, 1998]. Tsuruga e colaboradores [Tsuruga, 1998] consideram para as
cadeias α da hemoglobina humana uma curva dependente do pH em termos de
um “modelo catalisado por ácido de dois estados”. Neste modelo, é assumido
que um único grupo dissociável, AH com pK
1
, está envolvido na reação.
Portanto, duas formas para as cadeias α oxigenadas, representadas por A e
B, com frações molares de φ e ψ, respectivamente. Vale lembrar que A e B
estão em equilíbrio, mas diferem pelo estado de dissociação do grupo AH.
As formas A e B podem ser oxidadas pelo deslocamento do O
2
-
do FeO
2
em decorrência da entrada da molécula de água ou do íon hidroxila no bolsão
do heme. Neste trabalho, para as cadeias da HbGp, é considerado o mesmo
modelo proposto para as cadeias α da hemoglobina humana, onde o esquema
reacional pode ser descrito conforme apresentado abaixo (Esquema 4.2),
utilizando as constantes definidas nas reações 4.1, 4.2 e 4.3.
HbO
2
(AH)
K
1
HbO
2
(A
-
)
k
0
A
k
H
A
M
e
t
a
-
H
b
k
0
B
k
H
B
k
OH
B
Meta-Hb
Esquema 4.2
65
Para o mecanismo do esquema 4.2, a constante de velocidade
observada, k
obs
em s
-1
, referente à auto-oxidação das cadeias, pode ser
deduzida pela combinação das reações 4.1, 4.2, 4.3 (Equação 4.1) apresentada
a seguir:
{
}
(
)
{
}
(
)
Ψ+++Φ+=
++
][]][[][]][[][
220220
OHkHOHkOHkHOHkOHkk
B
OH
B
H
BA
H
A
obs
(Equação 4.1)
Na equação 4.1, as frações molares da espécie protonada, Φ, e
desprotonada, Ψ, são obtidas pelas seguintes equações:
1
][
][
KH
H
+
=Φ
+
+
1
1
][
)1(
KH
K
+
=Φ=Ψ
+
As constantes de velocidade k
0
A
,
k
H
A
, k
0
B
, k
H
B
, k
OH
B
envolvidas na reação
de auto-oxidação das cadeias de HbGp que reagem mais rapidamente (k
obs1
)
foram determinadas pelo ajuste do gráfico das constantes de velocidade
observadas em função do pH (fig. 4.6). Este ajuste é efetuado empregando-se a
equação 4.1, onde vários valores para K
1
são testados, permitindo-se a
determinação dos respectivos valores de qui-quadrado.
66
A figura 4.7 exemplifica a determinação do pK, empregando-se os
valores da constante k
obs1
. O gráfico descreve o comportamento dos valores de
χ
2
obtidos para o ajuste em cada valor de pK empregado. O melhor valor de pK
é escolhido a partir do valor mínimo de χ
2
. Este procedimento é utilizado devido
às características multi-variáveis do ajuste, visando à minimização dos efeitos
das dependências entre as variáveis a serem obtidas.
4 5 6 7 8 9
0.0000
0.0005
0.0010
0.0015
0.0020
0.0025
0.0030
k
obs1
(s
-1
)
pH
Figura 4.6 Gráfico da k
obs1
em função do pH para a auto-oxidação da
componente rápida da HbGp em tampão acetato-fosfato-borato 30 mM, 42
0
C. A
linha pontilhada representa o ajuste para determinação dos parâmetros
cinéticos empregando-se a equação 4.1.
Uma vez determinado o valor mais apropriado para o pK, este é
empregado para se ajustar de forma global os parâmetros cinéticos
67
apresentados na figura 4.6. A tabela 4.1 apresenta tanto os valores das
constantes de velocidade como os valores da constante de dissociação do
grupo ácido.
Deste modo, fica evidente que o processo é catalisado por próton com
constantes de velocidade k
H
A
e k
H
B
.
A auto-oxidação é mais favorecida do que
os processos que ocorrem somente com a água, caracterizados pelas
constantes de velocidade k
0
A
e k
0
B
. De fato, a catálise por próton contribui
substancialmente no aumento da velocidade. A constante de velocidade devido
à catálise ácida, k
H
B
, para a hemoglobina no estado B (Hb A
) é 2x10
6
maior do
que a constante de velocidade da auto-oxidação devido à água, k
0
B
. Para a
hemoglobina no estado A (Hb AH) nas cadeias mais sensíveis (processo
rápido), a constante de auto-oxidação catalisada, k
H
A
, é 4,3×10
4
vezes superior
à auto-oxidação devido à água, k
0
A
.
Analisando a faixa alcalina de pH para as cadeias rápidas no estado B
(HbA
-
), também é verificado um aumento na constante de velocidade devido à
hidroxila, k
OH
B
, quando comparada à constante referente à água, k
0
B
.
Vale lembrar que a hidroxila é um ligante aniônico enquanto que a água
é um ligante neutro, o que implica que, para o centro férrico d
5
, que representa
um alto estado de oxidação, o ligante aniônico proporciona maior densidade de
carga eletrônica. Logo, a hidroxila apresenta maior afinidade com o centro
férrico do que o ligante aquoso. De fato, muitos textos na literatura estabelecem
a proximidade de comportamento básico entre a hidroxila e os haletos, o que
68
ilustra a atuação da hidroxila como doador σ e doador π, que os haletos são
referenciais de ligantes π-doadores.
Tabela 4.1 Constantes de velocidade e constante de dissociação ácida obtidas
a partir das curvas de dependência do pH para a auto-oxidação da hemoglobina
íntegra de Glossoscolex paulistus em tampão acetato-fosfato-borato 30 mM a
42
0
C.
HbGp
Estado da
hemoglobina
K
0
(s
-1
M
-1
) k
H
(s
-1
M
-2
) k
OH
(s
-1
M
-1
)
pK
1
A (AH) 0,00002 0,87
Processo
rápido
B (A
-
)
1,9 x 10
-7
0,37 553,9
5,2
A (AH) 3,3 x 10
-6
0,008
Processo
Lento
B (A
-
) 2,6 x 10
-7
0,44 56,6
4,5
Logo, a presença do ligante hidroxila acentua o processo de auto-
oxidação do heme devido a um aumento da densidade de carga eletrônica
sobre o centro ferroso d
6
. Isto diminuiria a capacidade desse centro metálico
manter seu estado de oxidação 2
+
, facilitando a redução do oxigênio e sua
conseqüente saída da esfera de coordenação do centro ferroso, como ânion
superóxido. Importante acrescentar que o ligante hidroxila, em função dessa
alta densidade de carga, que proporciona um comportamento σ e π doador, tem
uma afinidade significativamente maior pelo centro férrico do que pelo centro
ferroso, o que deve favorecer, ainda mais, o processo de auto-oxidação.
69
De forma análoga à análise efetuada para o processo rápido, são
avaliadas as constantes k
obs2
referentes às cadeias da HbGp que se oxidam
mais lentamente em função do pH (fig. 4.8). As constantes de velocidade e a
constante de dissociação do grupo ácido, envolvidas na reação de auto-
oxidação, são determinadas e estão apresentadas na tabela 4.1 para toda a
faixa de pH estudada. Assim, inicialmente é obtido o pK do grupo dissociável,
considerando o critério do menor valor de χ
2
(fig. 4.9). A partir do valor do pK
mais adequado, efetua-se o ajuste global do gráfico 4.8 para identificar os
valores dos parâmetros cinéticos (Tabela 4.1).
4,7 4,8 4,9 5,0 5,1 5,2 5,3 5,4 5,5 5,6
1,46
1,48
1,50
1,52
1,54
χ
χ
χ
χ
2
.10
8
pK
Figura 4.7 Obtenção da constante de dissociação do grupo ácido. Gráfico do χ
2
obtido em função do valor de pK fixado no ajuste do gráfico 4.6 empregando-se
a equação 4.1. Análise de k
obs1
da hemoglobina íntegra de G. paulistus.
70
Da mesma forma que no processo de auto-oxidação das cadeias rápidas
é identificado o mecanismo de catálise por próton, as cadeias resistentes à
auto-oxidação, isto é, as cadeias de auto-oxidação lenta, apresentam k
H
A
e k
H
B
,
indicando a ocorrência de catálise ácida. A catálise por próton, neste caso
específico do processo lento, aumenta a velocidade por um fator de 2 x10
3
para
o estado A e 1,7 x 10
6
vezes para o estado B.
4 5 6 7 8 9
0.0000
0.0001
0.0002
0.0003
0.0004
0.0005
0.0006
k
obs2
(s
-1
)
pH
Figura 4.8 Gráfico do k
obs2
em função do pH para a auto-oxidação da
componente lenta da HbGp em tampão acetato-fosfato-borato 30 mM, 42
0
C. A
linha pontilhada representa o ajuste para determinação dos parâmetros
cinéticos empregando-se a equação 4.1.
Portanto, a auto-oxidação da hemoglobina íntegra de Glossoscolex.
paulistus apresenta dois processos cinéticos distintos atribuídos ao conjunto de
71
cadeias que se oxidam de forma rápida e lenta, respectivamente. Pela análise
dos valores das constantes de velocidade, ambos os processos foram
catalisados por próton.
Algumas oxi-mioglobinas de mamíferos assim como as cadeias α da
hemoglobina humana apresentam a histidina distal envolvida no mecanismo da
catálise por próton. Na literatura, sugere-se, através dos valores de pK
referentes ao grupo dissociável, que o resíduo distal responsável por essa
catálise por próton seria a histidina.
4,2 4,3 4,4 4,5 4,6 4,7 4,8
4,8
5,2
5,6
6,0
χ
χ
χ
χ
2
.10
10
pK
Figura 4.9 Obtenção da constante de dissociação do grupo ácido. Gráfico do χ
2
obtido em função do valor de pK fixado no ajuste do gráfico 4.8 empregando-se
a equação 4.1. Análise de k
obs2
da Hb íntegra de G. paulistus.
72
Para a hemoglobina de Glossoscolex paulistus, apenas é conhecido o
seqüenciamento e a modelagem da sua cadeia monomérica d. Esta subunidade
protéica apresenta na posição distal o resíduo de aminoácido histidina.
Considerando que a histidina distal é um resíduo muito conservado nesta
classe de hemoglobinas, provavelmente, o resíduo envolvido no mecanismo da
catálise por próton para as cadeias da HbGp também poderia ser a própria
histidina. Portanto, é sugerido que os grupos dissociáveis AH com pK=5,2 no
processo rápido, e pK=4,5 no processo lento, seriam os resíduos de histidina e
estariam envolvidos no esquema 4.2, sendo os sítios responsáveis pela catálise
por próton.
Comparando os valores de pK obtidos nos dois processos, é importante
destacar que nas cadeias lentas da hemoglobina de Glossoscolex paulistus
(k
obs2
), pK=4,5, o resíduo distal está menos acessível aos prótons do solvente
em relação às cadeias rápidas (k
obs2
), pK=5,2, por um fator de quase uma
unidade de pH.
A própria hemoglobina humana apresenta dois valores de pK, sendo que
o pK do grupo dissociável AH é 6,2 para as cadeias α e 5,1 para as cadeias β,
significando que as cadeias α são mais acessíveis aos prótons do solvente.
Apesar do pK
a
do anel da histidina livre ser em torno de sete, trabalhos na
literatura têm mostrado que, dentro do bolsão hidrofóbico, esse pK pode cair
significativamente, atingindo valores como 4,0 [Kadir, 1991]. Isto ocorre porque
em diferentes micro-ambientes no interior da proteína, a atividade dos prótons
não deverá corresponder àquela apresentada nas condições de pH externos às
73
cadeias polipeptídicas. Isto se deve ao isolamento hidrofóbico do grupamento
prostético heme em relação ao solvente, que torna as concentrações dos
prótons e dos ligantes dentro do bolsão do heme diferenciadas em relação às
suas respectivas concentrações no solvente propriamente considerado, ou seja,
fora do ambiente protéico [Moreira, 2005] [Poulsen, 2005].
Yasuda e colaboradores [Yasuda, 2002] propõem que a histidina distal
apresenta uma dupla função no deslocamento nucleofílico do O
2
-
nas
mioglobinas e hemoglobinas. Uma delas é o mecanismo de substituição de
prótons via anel imidazólico, que acontece pelo acesso indireto do próton ao
oxigênio ligado, gerando o efeito catalítico na velocidade de auto-oxidação de
oxi-mioglobinas e oxi-hemoglobinas. A segunda função consiste em proteger o
centro ferroso do ataque nucleofílico efetuado pela molécula de água ou pelo
íon hidroxila, provenientes do solvente.
Portanto, a histidina distal promove um delicado balanço de fatores
estéricos e catalíticos necessários para controlar a ligação reversível do
oxigênio nas mioglobinas e hemoglobinas em solução aquosa [Shikama, 2003].
A relevância da histidina distal para a catálise por próton em meio ácido
tem sido muito bem caracterizada por estudos cinéticos envolvendo mais de
doze mioglobinas [Yasuda, 2002]. Por outro lado, o processo catalisado pelo
próton não é observado em mioglobinas que não apresentem a histidina como o
resíduo distal da hélice E. Entretanto, é importante salientar que nem toda
proteína que contenha a histidina nesta referida posição apresentará,
necessariamente, a catálise por próton. Deste modo, mesmo se o resíduo distal
74
for uma histidina, a proteína pode não apresentar qualquer catálise por próton
se o resíduo em questão não estiver com geometria e distância favoráveis para
a formação da ligação de hidrogênio com o oxigênio coordenado ao centro
ferroso. Estes fatores estéricos são fundamentais para que a ligação de
hidrogênio seja efetiva, pois, caso essa interação não se estabeleça, não
haverá catálise.
Como exemplo da discussão acima, vale citar as cadeias β da
hemoglobina tetramérica humana, que o apresentam a catálise por próton na
auto-oxidação do seu tetrâmero, devido a uma restrição conformacional, que
impede a formação da ligação de hidrogênio entre a histidina e o oxigênio
[Tsuruga, 1998].
Pode-se acrescentar que na literatura está bem estabelecido que a
histidina distal poderá agir como um “portão” (do inglês “gate”) ou uma porta
giratória” (do inglês “swinging door”) [Shikama, 2003], que proporciona ao
bolsão do heme uma espécie de controle seletivo em relação à entrada de
ligantes no bolsão.
O aumento da acessibilidade do solvente no bolsão hidrofóbico do heme
é reconhecidamente um dos principais fatores que aumentam a velocidade de
auto-oxidação em hemoproteínas. Isto ocorre em função do maior contato entre
os nucleófilos e o centro ferroso gerar um deslocamento nucleofílico que
favorece a saída do ligante oxigênio como ânion superóxido. Desta forma, essa
ação “portão” (gate) ou “porta giratória” (“swinging door”), que proporciona uma
75
seletividade na entrada de ligantes no bolsão do heme, afetaria decisivamente a
velocidade de auto-oxidação.
Logo, a influência marcante da histidina distal na auto-oxidação se deve
não somente à ligação de hidrogênio que proporciona a catálise pelos prótons
como também a essa espécie de “efeito portão”, que controla o acesso dos
nucleófilos ao heme.
Realmente, esse “efeito portão” é tão efetivo que Tada e colaboradores
[Tada, 1998] descrevem que, para a oxi-mioglobina de Aplysia, que contém
valina ao invés de histidina na posição distal da hélice E, a velocidade de auto-
oxidação é quase cem vezes maior do que a auto-oxidação da oxi-mioglobina
de esperma de baleia em pH neutro. Estes autores concluem que a histidina
distal inibe a auto-oxidação pelo bloqueio da entrada de moléculas de água no
bolsão.
Assim sendo, a mioglobina de elefante e uma mutante H64Q de esperma
de baleia, que apresentam glutamina no sítio distal, também evidenciam certo
bloqueio à entrada de ligantes ao bolsão do heme. Isto ocorre porque a
glutamina é um resíduo de aminoácido que possui cadeia lateral semelhante ao
anel imidazólico da histidina, tanto em comprimento como em volume. No
entanto, estas mioglobinas não apresentam catálise por próton, pois a
glutamina não consegue mimetizar a ação da histidina nesta função catalítica,
uma vez que não possui a mesma tendência para a formação de ligação de
hidrogênio com o oxigênio molecular coordenado ao ferro [Tada, 1998].
76
As diferenças em termos de estrutura polipeptídica e constituição do
bolsão hidrofóbico do heme entre as várias hemoproteínas alteram a
intensidade da ligação de hidrogênio entre a histidina distal e o oxigênio.
Admitindo-se que tal ligação de hidrogênio ocorra em uma determinada
hemoproteína, perturbações ambientes geradas por diferentes condições como,
por exemplo, o pH, devem afetar o processo de auto-oxidação. As perturbações
em questão modificariam tanto a estrutura polipeptídica da proteína como a
disponibilidade de íons no bolsão do heme. Portanto, as várias alterações de
disposição espacial da hemoglobina podem tanto eliminar a ligação de
hidrogênio em questão, evitando a catálise por próton, como alterar a
intensidade dessa ligação de hidrogênio, modificando a velocidade de auto-
oxidação observada.
4.3 Reação de auto-oxidação do monômero d da hemoglobina extracelular
de Glossoscolex paulistus
A figura 4.10 apresenta curvas cinéticas de auto-oxidação obtidas para a
cadeia monomérica d da HbGp. O gráfico do logaritmo da variação da
absorbância (ln {(A
t
- A
)/A
máx
} em função do tempo), claramente mostra uma
relação linear, indicando a presença de apenas um processo cinético de
primeira ordem.
Comparando as constantes de velocidade obtidas para o monômero d
com aquelas referentes à hemoglobina íntegra, em valores de pH onde nenhum
77
processo de dissociação ocorre (tabela 4.2), é possível notar a maior
estabilidade da espécie oxi-hemoglobina íntegra em relação à cadeia
monomérica d separada.
Esta maior estabilidade da hemoglobina íntegra em pH 7,0 é
conseqüência da estrutura altamente organizada e do enovelamento
polipeptídico das cadeias, que dificultam o acesso do solvente à cavidade
hidrofóbica, diminuindo significativamente a constante de velocidade de auto-
oxidação.
0 2000 4000 6000 8000 10000
-3,5
-3,0
-2,5
-2,0
-1,5
-1,0
-0,5
0,0
ln {(A
t
-A
)/
A
máx
)}
Tempo (s)
pH 7,3
pH 5,5
pH 8,0
Figura 4.10 Gráficos da cinética de primeira ordem referentes à auto-oxidação
do monômero d da HbGp. Condições: 6x10
-6
M de hemoglobina, tampão
acetato-fosfato-borato 30 mM, 42
o
C, em função do pH.
78
O monômero d se oxida mais rapidamente que a hemoglobina íntegra
entre os valores de pH 5,9 e 7,3 (Tabela 4.2), que, acima de 7,3 e abaixo de
5,9, a hemoglobina inicia o processo de dissociação expondo as cadeias à
oxidação. O monômero d, quando separado da hemoglobina íntegra, apresenta
as cavidades do heme suficientemente expostas para permitir o ataque da
molécula de água ao centro ferroso, com a conseqüente formação de espécies
férricas. Para a hemoglobina humana, também é descrito na literatura que as
cadeias α e β se oxidam mais rapidamente quando se encontram isoladas, em
toda a faixa do pH [Tsuruga, 1998].
Tabela 4.2 Constantes de velocidade observadas obtidas para a HbGp íntegra
e para a subunidade monomérica d, em tampão acetato-fosfato-borato 30 mM,
42
o
C.
k
obs
(s
-1
)
pH
Monômero d de
HbGp
HbGp íntegra
6,0 3,2x10
-4
5,3x10
-5
7,0 1,5 x10
-4
1,7x10
-5
7,30 2,0 x10
-4
2,7x10
-5
A figura 4.11 mostra a influência do pH nas constantes de velocidade
observadas para a reação de auto-oxidação da cadeia monomérica d. Nota-se
que a velocidade da reação de auto-oxidação é mais rápida com o aumento da
concentração hidrogeniônica.
79
Para o ajuste da curva, é considerado o mesmo modelo proposto para a
hemoglobina íntegra de Glossoscolex paulistus, o “modelo catalisado por ácido
de dois estados”, discutido anteriormente. É considerado o mesmo esquema
(esquema 4.2) utilizado para a HbGp íntegra, sendo que, para o mecanismo do
esquema 4.2, a constante de velocidade observada, k
obs
em s
-1
, para a auto-
oxidação do monômero d pode ser analisada empregando-se a equação 4.1.
5 6 7 8 9 10
0,00015
0,00030
0,00045
0,00060
0,00075
0,00090
k
obs
(s
-1
)
pH
Figura 4.11 Gráfico da k
obs
em função do pH referentes à auto-oxidação do
monômero d isolado da HbGp em tampão acetato-fosfato-borato 30 mM, 42
0
C.
A linha pontilhada representa o ajuste para determinação dos parâmetros
cinéticos empregando-se a equação 4.1.
A tabela 4.3 apresenta os parâmetros cinéticos envolvidos na reação de
auto-oxidação do monômero d da HbGp. Este monômero também manifesta a
80
catálise por próton, com constantes de velocidade k
H
A
e k
H
B
promovendo a
auto-oxidação acima do processo que ocorre em água com as constantes de
velocidade k
0
A
e k
0
B
. Observa-se um aumento na velocidade, por um fator de
1x10
5
para o estado A e 2x10
4
para o estado B.
Tabela 4.3 Constantes de velocidade e constante de dissociação ácida obtidas
a partir das curvas de dependência do pH para a auto-oxidação do monômero d
da HbGp em tampão 30 mM a 42
0
C.
Estado do
monômero
k
0
(s
-1
M
-1
) k
H
(s
-1
M
-2
) k
OH
(s
-1
M
-1
)
pK
1
A (AH) 0,00003 3,3
Monômero
HbGp
B (A
-
)
4,3 x 10
-6
0,085 10,4
4,2
O monômero d da hemoglobina de Glossoscolex paulistus foi
seqüenciado e modelado [Cabral, 2002], apresentando no tio distal uma
histidina, que deve ser responsável pela intensa catálise observada em meio
ácido. O valor de pK encontrado para a histidina distal, pertencente à cadeia
monomérica d, é 4,2. Este valor é muito próximo do valor de pK referente às
cadeias que se oxidam mais lentamente na HbGp íntegra. Isto indica que o
monômero d teria uma representativa contribuição na etapa lenta da auto-
oxidação da hemoglobina íntegra quando a mesma se dissocia.
81
Tabela 4.4 Constantes de velocidade observadas obtidas para a HbGp íntegra
e para a subunidade monomérica d, em tampão acetato-fosfato-borato 30 mM,
42
o
C.
HbGp íntegra
Monômero d de
HbGp
pH
k
obs1
(s
-1
) k
obs2
(s
-1
) k
obs
(s
-1
)
5,0 9,3 x 10
-4
2,4 x 10
-4
9,1 x 10
-4
5,4 6,0 x 10
-4
5,4 x 10
-5
3,8 x 10
-4
7,8 4,2 x 10
-4
7,6 x 10
-5
2,5 x 10
-4
8,2 1,0 x 10
-3
1,0 x 10
-4
3,0 x 10
-4
9,0 2,5 x 10
-3
3,2 x 10
-4
3,0 x 10
-4
9,5 3,1 x 10
-3
3,3 x 10
-4
6,0 x 10
-4
Na tabela 4.4 estão agrupados os valores das constantes de velocidade
obtidas tanto para a auto-oxidação da HbGp íntegra como para o monômero d.
É possível observar que na faixa alcalina, nos valores de pH 9,0 e 9,5, as
constantes de velocidade referentes ao processo lento da hemoglobina íntegra
são muito próximas aos valores obtidos para o monômero d.
Estes resultados estão de acordo com o trabalho anterior que afirma que
as constantes obtidas com a auto-oxidação da hemoglobina íntegra (HbGp) em
pH 9,0 deveriam ser referentes ao trímero abc (k
obs1
)
e ao monômero d (k
obs2
),
sendo o trímero responsável pelo processo rápido e o monômero pelo processo
lento. Logo, é possível inferir que o trímero apresenta uma menor afinidade do
que o monômero d pelo ligante oxigênio [Poli, 2005].
82
4 5 6 7 8 9 10
0,0000
0,0005
0,0010
0,0015
0,0020
0,0025
0,0030
0,0035
k
obs
(s
-1
)
pH
k
obs1
(Hb íntegra)
k
obs2
(Hb íntegra)
monômero d
Figura 4.12 Gráfico do k
obs1
(componente rápida), k
obs2
(componente lenta)
referentes à HbGp íntegra e ao monômero d em função do pH em tampão
acetato-fosfato-borato 30 mM, 42
0
C.
Na literatura, é descrito que hemoglobinas com baixa afinidade pelo
oxigênio exibem uma maior velocidade de auto-oxidação, mostrando que a
velocidade de auto-oxidação seria inversamente proporcional a esta afinidade
[Di Iorio, 1984]. O aumento na velocidade de auto-oxidação observado parece
ser devido a uma diminuição da afinidade pelo oxigênio e a um aumento da
acessibilidade do solvente à cavidade distal [Springer, 1989]. Fushitani e
colaboradores [Fushitani, 1991] descrevem que o trímero da hemoglobina de L.
terrestris apresenta uma menor afinidade pelo oxigênio (log P
50
~ 0,7) que o
monômero (log P
50
~ 0,2). Este comportamento está relacionado com os efeitos
da presença da histidina distal, ou seja, o impedimento estérico à acessibilidade
83
de ligantes, a ligação de hidrogênio e a polaridade local, que possuem funções
relevantes na regulação da velocidade de auto-oxidação do heme [Brantley,
1993] [Tada, 1998] [Springer, 1989] [Wallace, 1982] [Kamimura, 2003]
[Shikama, 1986] [Suzuki, 2000] [Zhao, 1995].
O monômero d da HbGp apresenta na posição B10 um resíduo de
triptofano e na posição distal (E7) um resíduo de histidina [Cabral, 2002]. Dentre
os resíduos da cavidade distal, o B10 é um resíduo importante para a ligação
do oxigênio, em conjunto com o resíduo E7. Kamimura e colaboradores
[Kamimura, 2003] reportam que a fenilalanina –B10 na posição 32 estabiliza a
ligação do O
2
na hemoglobina de Tokunagayusurika akamusi V. Carver e
colaboradores [Carver, 1992], Brantley e colaboradores [Brantley, 1993] e
Jeong e colaboradores [Jeong, 1999] mostram que a mutação na posição B10,
trocando leucina por outros resíduos em globinas, aumenta a estabilidade
contra a auto-oxidação ou suprime completamente a mesma, mostrando a
estreita correlação entre a auto-oxidação e a afinidade pela molécula do
oxigênio.
É importante mencionar que o monômero de G. paulistus apresenta 55%
de identidade seqüencial com a cadeia d de L. terrestris. Considerando que a
estrutura do trímero abc da HbGp ainda não é conhecida, a seqüência do
trímero de L. terrestris poderia ser utilizada para uma análise inicial, haja vista a
semelhança entre as duas hemoglobinas. Isto auxiliaria na compreensão da
menor estabilidade do trímero de HbGp no processo de auto-oxidação em
relação ao monômero.
84
Vale mencionar que a cadeia c do trímero é a única que apresenta um
resíduo do aminoácido leucina na posição B10, semelhantemente à
hemoglobina humana. Assim, a leucina poderia ser o pivô da menor
estabilidade do trímero devido às propriedades apolares da sua cadeia lateral.
Por outro lado, o monômero d da HbGp apresenta um triptofano na posição
B10, que é mais polar, além de possuir um grupo lateral mais volumoso. Deste
modo, o triptofano poderia estabilizar o O
2
como sexto ligante do heme do
monômero d de modo semelhante ao que ocorre com a fenilalanina na
hemoglobina de Tokunagayusurika akamusi V [Kamimura, 2003]. Isto explicaria
a maior estabilidade contra a auto-oxidação do monômero d de HbGp em
relação ao trímero abc desta mesma hemoglobina.
4.4 Efeito do surfactante aniônico dodecil sulfato de sódio (SDS) na auto-
oxidação da hemoglobina de Glossoscolex paulistus
4.4.1 Estudo da auto-oxidação em função da concentração de SDS em pH
7,0
O efeito da adição de SDS nas soluções de hemoglobina em pH 7,0 foi
monitorado por espectroscopia de absorção eletrônica para avaliar o ambiente
do heme e a coordenação do ferro.
85
400 500 600 700
-0,1
0,0
0,1
0,2
0,3
0,4
0,5
0,6
0,7
0,8
Absorbance
λ
λλ
λ
(nm)
Oxi-Hb
0.5 mM SDS
1 mM
Figura 4.13 Espectros de absorção eletrônica UV-Vis da oxi-HbGp em tampão
Tris-HCl 20 mM, pH 7.0, T=38.5ºC (3 µM de heme) nas concentrações de SDS
indicadas.
A figura 4.13 demonstra que, para toda a faixa de concentração de SDS
utilizada, o espectro obtido ao final da reação de auto-oxidação da hemoglobina
de Glossoscolex paulistus em pH 7,0 corresponde ao hemicromo, ou seja, foi
formado um complexo baixo spin bis-histidina devido ao movimento da histidina
distal em direção ao centro metálico. As bandas α e β características das
espécies hemicromo foram identificadas em 575 e 565 nm, respectivamente,
evidenciando o final do processo de auto-oxidação e a mudança no sexto sítio
de coordenação.
Em pH 7,0, o nucleófilo que atua no processo de auto-oxidação é a
molécula de água, que seria então deslocada pelo imidazol da histidina distal
86
para a formação do hemicromo, que é uma espécie final comum à auto-
oxidação de várias hemoproteínas [Tsai, 2000][Jeong, 1999].
Estudos da interação entre o SDS e o citocromo c em meio neutro
demonstraram que um estado intermediário no processo de desenovelamento
polipeptídico é estabilizado pelo complexo bis-histidiníco, e que modificações
subseqüentes da estrutura secundária teriam suas respectivas velocidades
limitadas pela dissociação da histidina [Das, 1998]. A formação do hemicromo
fixaria as hélices E e F ao centro férrico, estabilizando parcialmente o novo
arranjo polipeptídico, em função de uma definição da posição espacial relativa
das hélices E e F, que restringiria a mobilidade da cadeia polipeptídica como
um todo.
A cinética de auto-oxidação em pH 7,0 foi acompanhada na faixa de
concentração de SDS até 1 mM. Em todas as concentrações de SDS, a adição
de surfactante aumentou a velocidade da reação de auto-oxidação.
Para concentrações de surfactante até 0,5 mM (fig. 4.14) é observado
um comportamento mono-exponencial para as curvas de auto-oxidação, sendo
que este comportamento é uma conseqüência do fato de que a hemoglobina se
encontra em sua forma íntegra, apresentado a sua estrutura oligomérica mais
compacta neste valor de pH, o que dificulta a acessibilidade da água ao bolsão
hidrofóbico.
87
0 2000 4000 6000 8000 10000
100000
105000
110000
115000
120000
125000
130000
ε
ε
ε
ε
(mM)
-1
cm
-1
λ
λλ
λ
(nm)
0 mM
0,45 mM
0,5 mM
Figura 4.14 Curvas cinéticas da auto-oxidação da oxi-HbGp em tampão Tris-
HCl 20 mM, pH 7.0, T=38,5ºC (3 µM de heme) nas concentrações de SDS
indicadas.
Em pH 7,0, a forma nativa apresenta o bolsão do heme com elevada
hidrofobicidade, além de um estado oligomérico altamente preservado. De
acordo com Strand e colaboradores [Strand, 2004], o empacotamento dos
resíduos da vizinhança do ligante coordenado ao sexto sítio do centro metálico
sugere um bolsão distal compacto na hemoglobina extracelular de Lumbricus
terrestris, causando um significativo impacto na afinidade da hemoglobina pelo
oxigênio. Isto acontece em função da estabilização da coordenação deste
ligante e pela restrição do acesso dos ligantes provenientes do solvente ao
centro ferroso. Este arranjo polipeptídico característico da hemoglobina de
Lumbricus terrestris deve ser comum para a hemoglobina de Glossoscolex
88
paulistus, justificando a alta estabilidade contra a auto-oxidação encontrada
para esta hemoglobina no presente trabalho.
Otzen e colaboradores [Otzen, 2002], estudando uma proteína pequena
S6 na presença de SDS, afirmam que monômeros de SDS se ligam ao estado
nativo, mas o desenovelamento global da proteína somente ocorreria acima da
concentração micelar crítica (cmc). Desta forma, no presente trabalho, o
comportamento mono-exponencial observado em concentrações de SDS
abaixo de 0,75 mM em pH 7,0 poderia indicar uma interação menos drástica do
SDS com a HbGp, proporcionando uma curva cinética monofásica. Isto sugere
um arranjo oligomérico que manteria um ambiente similar ao redor dos bolsões
do heme.
0,0 0,1 0,2 0,3 0,4 0,5
-0,0003
0,0000
0,0003
0,0006
0,0009
0,0012
k
obs
(s
-1
)
SDS (mM)
Figura 4.15 Constantes de velocidade k
obs
, em função da concentração de
SDS. As barras de erro representam o desvio padrão de três determinações
independentes.
89
Oellerich e colaboradores [Oellerich, 2003], estudando a interação do
SDS com o citocromo c, explicam que diferenças acima e abaixo da cmc seriam
causadas pelos diferentes modos de ligação do SDS, ou seja, monômeros e
micelas, sendo que as alterações da estrutura do heme seriam comuns em
ambos os modos de interação, implicando que os sítios de interações
eletrostáticas e hidrofóbicas deveriam estar na vizinhança da cavidade do heme
no citocromo c. Neste contexto, apesar da vizinhança do bolsão da HbGp não
ser conhecida completamente, seria possível sugerir uma interação similar para
esta hemoglobina extracelular gigante.
A figura 4.15 apresenta o gráfico das constantes de velocidade em
função da concentração de SDS, para os menores valores de concentração de
surfactante (Tabela 4.5). Na figura 4.15 observa-se que as constantes de
velocidade não variam em concentrações menores ou iguais a 0.3 mM, ao
passo que, acima desta concentração de SDS, ocorre um aumento significativo
no valor das mesmas.
Acima de 0,75 mM de SDS é obtido um comportamento bi-exponencial,
apresentado na tabela 4.5, indicando a dissociação da hemoglobina. A figura
4.16 mostra os gráficos das constantes de velocidade na faixa de SDS de 0,75-
1 mM, onde se observa um aumento das constantes de velocidade em função
da concentração de SDS.
A partir de uma razão SDS/HbGp de aproximadamente 150
(concentração de SDS de 0,75 mM) é possível constatar a dissociação da
hemoglobina íntegra através da cinética de auto-oxidação. Estes resultados
90
estão de acordo com trabalhos anteriores do grupo, onde Gelamo e
colaboradores [Gelamo, 2004] verificam por SAXS que a HbGp íntegra em pH
7,0 evidencia um processo de dissociação intenso para uma razão
surfactante/HbGp de 200.
Nesta relação surfactante/HbGp de 200, a dissociação proporcionaria
subunidades menores, o que representaria uma mudança mais drástica no
estado de oligomerização da hemoglobina. Nestas condições, o raio de giro
diminui para aproximadamente 30 Å, o que realmente indica a separação das
subunidades [Gelamo, 2004].
Tabela 4.5 Constantes de velocidade para a auto-oxidação da HbGp em função
da concentração de SDS em pH 7,0.
[SDS] (mM)
k
obs
x 10
4
44
4
(s
-1
) k
1
x 10
4
44
4
(s
-1
) k
2
x 10
4
44
4
(s
-1
)
A
1
x 10
2
A
2
x 10
2
0
0.27±0.01
0.25
0.38±0.02
0.3
0.45±0.04
0.45
4.0±0.8
0.5
11±2
0.75
48±7 1.7±0.1 17.5±0.6 2.0±0.2
0.85
71±6 2.70±0.07 16.6±0.6 2.0±0.3
1.0
99±10 3.7±0.3 20±2 3.0±0.4
91
0,75 0,80 0,85 0,90 0,95 1,00
0,00014
0,00021
0,00028
0,00035
0,00042
0,0050
0,0075
0,0100
k
obs2
(s
-1
)
SDS (mM)
k
obs1
(s
-1
)
Figura 4.16 Gráficos das constantes de velocidade k
obs1
e k
obs2
, obtidas a partir
dos ajustes das cinéticas bifásicas em função da concentração de SDS. As
barras de erro representam os desvios-padrão de três determinações
independentes.
92
4.4.2 Estudo da auto-oxidação em função da concentração de SDS em pH
9,0.
A Figura 4.17 mostra as mudanças ocorridas no espectro com a auto-
oxidação da espécie oxi-hemoglobina de Glossoscolex paulistus, pH 9,0 a
38,5°C na presença do dodecil sulfato de sódio (SDS ). O SDS promove uma
diminuição na intensidade da banda de Soret que ocorre simultaneamente com
o deslocamento do seu máximo para 412 nm. As bandas Q também têm seus
máximos de absorção alterados, sendo que a banda α é deslocada para 565
nm e a banda β para 535 nm, caracterizando a formação do hemicromo. Estas
mudanças ocorrem em concentrações de SDS menores ou iguais a 1 mM.
Estes resultados corroboram trabalhos anteriores [Agustinho, 1996] em que os
autores verificaram que a hemoglobina de Glossoscolex paulistus forma a
espécie hemicromo em pH 9,0 na ausência de detergente.
O aumento da concentração de SDS (concentrações acima de 1mM),
correspondendo a uma razão surfactante/proteína maior que 330, induz uma
diminuição ainda maior da intensidade da banda de Soret. Esta diminuição da
banda B ocorre concomitantemente a um aumento na absorção em 370 nm,
indicando que uma outra espécie está resultando do processo de auto-
oxidação. É possível observar, portanto, a coexistência de duas espécies no
equilíbrio, sendo que esta coexistência de diferentes espécies parece ser uma
característica inerente à hemoglobina de Glossoscolex paulistus, o que é
constatado, inclusive, em trabalhos anteriores [Moreira, 2005].
93
300 400 500 600 700
0,00
0,05
0,10
0,15
0,20
0,25
0,30
0,35
0,40
0,45
565
535
575
540
415
412
oxiHb
0,25 mM SDS
2 mM SDS
Absorbância
λ
λλ
λ
(nm)
Figura 4.17 Espectros da hemoglobina de Glossoscolex paulistus em tampão
Tris-HCl 20mM, pH 9.0 a 38,5°C, 3 µM de heme gerados durante o processo de
auto-oxidação induzido pela adição de SDS.
Deste modo, o comportamento espectral observado na figura 4.17
representa a formação de uma nova espécie, que é constatada para
concentrações de SDS acima de 1mM, além da espécie hemicromo. O aumento
de intensidade da banda em 370 nm é acompanhado pela diminuição da
intensidade da banda de Soret, o que indica a formação de uma espécie
pentacoordenada. Esta transição hemicromo-pentacoordenado está relacionada
a uma maior acessibilidade do solvente ao grupo heme, que acontece em
função da perda parcial do enovelamento da cadeia polipeptídica [Palaniappan,
1994] [Sage, 1991].
94
É importante mencionar que a banda de Soret em 370 nm sugere a
presença de água ou hidroxila como quinto ligante do heme pentacoordenado,
pois espécies pentacoordenadas com a histidina proximal como quinto ligante,
apresentam, na maioria dos casos, uma banda de Soret na faixa de
comprimento de onda entre 395 e 405 nm.
Importante acrescentar que a interação da mioglobina de cavalo com
SDS (dodecil sulfato de sódio) e CTAC (cloreto de cetil trimetil amônio), também
promove a formação do hemicromo (0,2 mM de SDS) com relações de
SDS/proteína de 25 a 400 [Tofani, 2004]. Entretanto, para concentrações
maiores de SDS (acima de 3 mM) uma espécie pentacoordenada é observada,
o que sugere que um maior desenovelamento polipeptídico, em função de uma
maior concentração de surfactante, proporciona uma maior acessibilidade do
solvente ao bolsão do heme promovendo a transição entre as espécies
hemicromo e pentacoordenado. Esta discussão está de acordo com a análise
do presente trabalho e também de trabalhos anteriores que enfatizam a
correlação entre a acessibilidade do solvente e a formação da espécie
pentacoordenada [Moreira, 2005].
Ajloo e colaboradores [Ajloo 2002] também constataram a presença do
hemicromo como espécie final da auto-oxidação da hemoglobina de ganso com
brometo de dodecil trimetil amônio (DTAB), que é um surfactante catiônico. Esta
espécie também é formada na presença de desnaturantes, como uréia
[Sugawara, 1995].
95
Na ausência de desnaturantes, as oxi-mioglobinas de mamíferos são
usualmente oxidadas para suas formas férricas pelo deslocamento do ânion
superóxido de sua primeira esfera de coordenação pela molécula de água ou
pela hidroxila do solvente, dependendo do pH. O ferro é então convertido para a
sua forma férrica e a molécula de água ou a hidroxila se mantém ligada ao
Fe(III) na sexta posição de coordenação formando a aquometa ou hidroximeta
hemoglobina. Portanto, a formação da espécie aquometa ou da espécie
hidroximeta seria a etapa determinante da velocidade de reação, e, em
seqüência, ocorreria a conversão da espécie meta para a espécie hemicromo
muito rapidamente (k
His
>>k
0
)
[Tsuruga, 1998], como demonstrado no esquema
abaixo:
)sFe(III)(Hi
-
O)
-
Fe(III)(OH
-
OH)Fe(II)(O
2
0
2
++
His
k
k
A oxi-hemoglobina de Glossoscolex paulistus em pH 9,0 na presença de
SDS apresenta um comportamento cinético complexo, como observado
anteriormente na presença de alguns nucleófilos como hidroxila e cianeto para
a HbGp [Poli, 2005] e, em meio ácido, para a hemoglobina humana [Tsuruga,
1997]. A curva de auto-oxidação é composta por duas cinéticas de primeira
ordem, com constantes de velocidade observadas k
obs1
e k
obs2
,
respectivamente, de acordo com a equação 3.1, na seção 3.2.2.1 dos materiais
e métodos.
96
Estudos anteriores de fluorescência e cromatografia indicam que a
hemoglobina de Glossoscolex paulistus está dissociada em pH 9,0 [Imasato,
1995]. Assim, os dois processos cinéticos devem estar relacionados às
subunidades dissociadas.
Conforme discutido anteriormente, foi concluído por SAXS (“Small Angle
X-ray Scattering” ou espalhamento de raios-x a baixo ângulo) [Gelamo, 2004],
que a adição de SDS, mesmo em pH 7,0, provocaria a dissociação da
hemoglobina. Nestas condições de dissociação, devido ao pH e à presença de
SDS, um comportamento cinético bi-exponencial é observado. O surfactante
aumentaria a acessibilidade do solvente, que ocorre em pH 9,0 na ausência
do mesmo, devido à dissociação das subunidades com a alcalinização.
A auto-oxidação é acompanhada em diferentes concentrações de SDS a
38,5°C. A figura 4.18 mostra a influência da concen tração de detergente nas
cinéticas e evidencia um aumento na velocidade de auto-oxidação em função
da concentração de SDS. Os parâmetros extraídos dos ajustes dos
decaimentos da absorbância, que são obtidos empregando-se a equação 3.1,
estão representados na Tabela 4.6.
97
0 2000 4000 6000 8000 10000
80
90
100
110
120
130
0 mM
0.25 mM SDS
0.5 mM SDS
1 mM SDS
ε
ε
ε
ε
(mM)
-1
cm
-1
Time (s)
Figura 4.18 Gráficos da cinética de auto-oxidação referente à oxi-hemoglobina
de Glossoscolex paulistus em tampão Tris-HCl 20mM, pH 9.0, 38,5°C, 3 µM de
heme.
A figura 4.19 representa as constantes de velocidades em função da
concentração de SDS. É evidente que tanto a constante de velocidade k
1
quanto a constante de velocidade k
2
aumentam com a concentração de SDS.
Além disso, a constante de velocidade da primeira componente (k
obs1
) aumenta
acentuadamente a partir de 1 mM de SDS (razão de [SDS]/[Hb] = 300),
enquanto a constante de velocidade da segunda componente (k
obs2
) permanece
inalterada a partir desta mesma concentração de SDS.
98
Tabela 4.6 Constantes de velocidade referentes à auto-oxidação da HbGp em
função da concentração de SDS em pH 9,0.
[SDS] (mM)
k
obs1
x 10
4
44
4
(s
-1
) k
obs2
x 10
4
44
4
(s
-1
)
A
1
x 10
2
A
2
x 10
2
0 7±0 1.0±0.1 5.0±0.8 5.0±0.4
0.25 11.0±0.8 2.5±0.2 9.0±0.2 5.0±0.7
0.5 13±6 3.0±0.4 10.0±0.4
3.0±0.1
0.74 27±3 6.0±0.2 9.0±0.2 4.0±0.3
1 30±9 7.0±0.9 10±2 5.00±0.05
2 179±50 8±1 16.0±0.5
2.0±0.3
Este aumento significativo da constante de velocidade da primeira
componente (k
obs1
, Tabela 4.6), acima de 1mM de SDS, deve estar relacionado
à perda da estrutura secundária, em concordância com estudos anteriores
sobre a interação da HbGp com surfactantes [Gelamo, 1999].
Neste trabalho de Gelamo e colaboradores [Gelamo, 1999], é concluído,
através de dicroísmo circular, que na interação da oxi-hemoglobina com SDS a
proteína perde parte de sua estrutura α-hélice com uma relação de
SDS/proteína de aproximadamente 185. A elipticidade em 222 nm diminuiu
30% e em 198 nm a diminuição foi de 60% [Gelamo, 1999].
Para a hemoglobina humana, é proposto na literatura que a formação da
meta-hemoglobina através da auto-oxidação é inibida pelo SDS, quando este
surfactante apresenta uma concentração de, no máximo, 10 vezes a
concentração da hemoglobina (concentrações baixas de SDS). Por outro lado,
99
para concentrações maiores de SDS, a formação da meta seria favorecida
[Reza, 2002].
Assim sendo, o SDS em baixas concentrações mudaria a conformação
da proteína para um estado mais enovelado. Este estado conformacional mais
compacto poderia prevenir a entrada da molécula de água na cavidade
hidrofóbica do heme, que é um fenômeno necessário para promover o processo
de oxidação através do ataque nucleofílico [Reza, 2002].
Tofani e colaboradores verificam que, para mioglobina de cavalo,
somente uma relação SDS/Hemoglobina superior a 400 poderia induzir um
maior desenovelamento da proteína e, conseqüentemente, uma maior
exposição da cavidade do heme [Tofani, 2004].
A figura 4.20 representa a razão dos hemes que se oxidam nas etapas
rápida e lenta. A proporção de hemes que se oxida rapidamente aumenta com
a concentração de SDS, caracterizando um comportamento peculiar a sistemas
cooperativos. Essa cooperatividade também é observada na auto-oxidação
desta hemoglobina em presença de cianeto [Poli, 2005]. Estes resultados estão
consistentes com trabalhos que caracterizam estas hemoglobinas como
sistemas altamente cooperativos.
100
0,0 0,5 1,0 1,5 2,0
0,0000
0,0003
0,0006
0,0009
0,0 0,5 1,0 1,5 2,0
0,000
0,004
0,008
0,012
0,016
0,020
0,024
k
obs2
(s
-1
)
[SDS] (mM)
k
obs1
(s
-1
)
Figura 4.19 Gráficos das constantes de velocidade, k
obs1
e k
obs2
, obtidas a partir
dos ajustes das cinéticas bifásicas, em função da concentração de SDS em pH
9,0. As barras de erro representam os desvios-padrão de três determinações
independentes.
101
0,0 0,5 1,0 1,5 2,0
0
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
A
max1
/
A
max2
[SDS] (mM)
Figura 4.20 Gráfico da razão dos fatores pré-exponenciais A
máx1
(processo
rápido) e A
máx2
(processo lento) em função da concentração de SDS. As
barras de erro representam os desvios-padrão de três determinações
independentes.
Vale lembrar que estudos com as albuminas BSA (iniciais de “Bovine
Serum Albumin”, isto é, albumina de soro bovino) e HSA (iniciais de “Human
Serum Albumin”, isto é, albumina de soro humano) mostraram, através dos
valores das constantes de ligação, que a interação do surfactante com estas
proteínas seria por contatos hidrofóbicos, enquanto que as cargas do
surfactante modulariam as interações somente parcialmente. Desta maneira, as
interações hidrofóbicas seriam as principais responsáveis pela ligação [Gelamo,
2000] [Gelamo, 2001].
102
Considerando que normalmente os sítios hidrofóbicos presentes nas
hemoglobinas apresentam baixa acessibilidade aos ligantes devido à sua
proximidade com o grupo heme, seria necessário um excesso do surfactante
aniônico para promover um aumento na velocidade de auto-oxidação. Além
disso, o ponto isoelétrico (pI) nas hemoglobinas extracelulares gigantes é
significativamente ácido [Vinogradov, 2004], o que deve influenciar
decisivamente na modulação da interação de surfactantes iônicos com estas
hemoglobinas.
Mainwaring e colaboradores [Mainwaring, 1986] determinam o ponto
isoelétrico (pI) da hemoglobina Lumbricus terrestris como 5,5. Isto significa que
nos valores de pH utilizados neste trabalho, 7,0 e 9,0, o número de sítios
aniônicos seria bastante representativo e, conseqüentemente, a repulsão
eletrostática entre as cargas (resíduos aniônicos da proteína e SDS) poderia
gerar certo desenovelamento da estrutura polipeptídica. Deste modo, devido
tanto à repulsão eletrostática entre os sítios aniônicos das cadeias
polipeptídicas como à dissociação da proteína em pH 9,0, a cavidade do heme
deveria estar mais exposta ao solvente, favorecendo a auto-oxidação.
Portanto, os valores de pH utilizados neste trabalho são mais altos que o
pI da HbGp, o que provavelmente reduz as interações iônicas entre o
surfactante aniônico e a hemoglobina. Este meio alcalino deveria favorecer as
interações hidrofóbicas entre o SDS e a HbGp, desde que sítios hidrofóbicos
estariam mais expostos em função do natural desenovelamento que ocorre em
pH 9,0.
103
Comparando as constantes de velocidade nos valores de pH 7,0 e 9,0
(Tabelas 4.5 e 4.6), é possível sugerir que, em pH 7,0, o fator determinante na
velocidade de auto-oxidação é a influência do surfactante, enquanto que, em
pH 9,0, a dissociação alcalina da hemoglobina nativa é o fenômeno responsável
pelo processo de auto-oxidação.
No trabalho anterior [Poli, 2005], desenvolvido na ausência de
surfactante, é estabelecido que na auto-oxidação da HbGp em pH 9,0, a
natureza bifásica do processo, que é caracterizado por uma etapa rápida, k
obs1
,
e uma etapa lenta, k
obs2
, ocorre em função da auto-oxidação dos trímeros e
monômeros, respectivamente. Realmente, a intensa dissociação oligomérica
que ocorre em pH 9,0, separando as frações de proteína em trímeros e
monômeros, é considerada o principal fator responsável pela natureza bifásica
da cinética de auto-oxidação.
Por outro lado, no presente trabalho foi identificado uma cinética mono-
exponencial em pH 7,0 para as concentrações de SDS até 0,5 mM, sugerindo
que, neste pH, a estrutura oligomérica da proteína íntegra está fortemente
relacionada ao processo redox da esfera de coordenação do ferro,
evidenciando um comportamento cinético uniforme para todos os grupos heme
da proteína. Em pH 9,0, a HbGp se encontra dissociada, independentemente
da interação com o surfactante. Isto pode ser constatado comparando-se as
constantes de velocidade na ausência de surfactante, que são apresentadas
nas tabelas 4.5 e 4.6: Em pH 7,0, a constante de velocidade é 0.27x10
-4
s
-1
,
104
enquanto que, em pH 9,0, são encontradas duas constantes, 7x10
-4
s
-1
para o
processo rápido e 1x10
-4
s
-1
para o processo lento.
Analisando as constantes de velocidade do processo rápido (k
obs1
) nos
valores de pH 7,0 e 9,0, para 0,74 mM de SDS (Tabelas 4.5 e 4.6 e figura 4.19),
é possível verificar que a constante em pH 7,0 é maior que em pH 9,0.
Considerando que em pH 7,0 o nucleófilo é a molécula de água e que em pH
9,0, o ataque nucleofílico é efetuado pela hidroxila, que é um ligante mais
efetivo na auto-oxidação do que a água, a constante em pH 9,0 deveria ser
maior que em pH 7,0. Entretanto, o efeito oposto é observado, ou seja, a
constante de velocidade em pH 7,0 é maior.
De acordo com a literatura, a hidroxila pode aumentar significativamente
a auto-oxidação em hemoglobinas [Tsuruga, 1998]. Deste modo, a maior
constante observada em pH 7,0, apesar do nucleófilo água ser menos efetivo
do que a hidroxila, indicaria fortemente a importante contribuição do SDS no
processo de auto-oxidação em meio neutro.
É importante destacar que a área superficial total da hemoglobina nativa
em pH 7,0 é menor do que a área superficial total das subunidades
oligoméricas dissociadas obtidas em pH 9,0, em função da dissociação alcalina
da HbGp íntegra. Assim sendo, é possível inferir que em pH 7,0, em
conseqüência de uma interação eletrostática mais intensa entre o SDS e as
cadeias polipeptídicas, devido ao pI ácido da HbGp, a velocidade de auto-
oxidação é acentuada nas cadeias mais externas e acessíveis (k
obs1
).
105
Entretanto, nas cadeias mais blindadas (k
obs2
), devido à estrutura
oligomérica altamente conservada da HbGp em pH 7,0, o efeito oposto é
observado, ou seja, a constante de velocidade em pH 7,0 é menor que em pH
9,0 (figura 4.21) para estas cadeias mais protegidas (k
obs2
). Este
comportamento é justificado pelo fato destas cadeias mais blindadas não
apresentarem um significativo contato com o surfactante aniônico, implicando
que a dissociação oligomérica em pH 9,0 é o fator decisivo para a auto-
oxidação. Portanto, em pH 9,0 o processo lento é mais afetado, principalmente
em função da dissociação alcalina e o processo rápido é mais influenciado em
pH 7,0, em função do efeito do surfactante aniônico.
Considerando que o surfactante utilizado é aniônico, o número de sítios
apropriados à interação do SDS deveria ser reduzido com o aumento do pH
acima do valor do pI. Deste modo, a interação eletrostática entre o SDS e a
HbGp seria menor em pH 9,0 do que em pH 7,0, o que corrobora a discussão
anterior, enfatizando a importância do pI na modulação da interação do
surfactante com a hemoglobina extracelular gigante de Glossoscolex paulistus.
106
0,6 0,8 1,0 1,2 1,4 1,6 1,8 2,0 2,2
0,0002
0,0004
0,0006
0,0008
0,000
0,005
0,010
0,015
0,020
0,025
k
obs2
(s
-1
)
SDS (mM)
pH 7,0
pH 9,0
k
obs1
(s
-1
)
Figura 4.21 Gráficos das constantes de velocidade k
obs1
e k
obs2
nos valores de
pH 7,0 e 9,0, obtidas a partir dos ajustes das cinéticas bifásicas em função da
concentração de SDS.
107
4.5 Estudo da auto-oxidação da HbGp na presença do ligante cianeto
520 540 560 580 600
0,00
0,02
0,04
300 360 420 480 540 600 660
0,00
0,06
0,12
0,18
0,24
0,30
0,36
540
Oxi-HbGp
Ciano-meta-HbGp
Absorbance
λ
λλ
λ, nm
Figura 4.22 Mudanças espectrais ocorridas no processo de auto-oxidação da
HbGp, 2,6 µmol L
-1
de heme, na presença de 0.023 mol L
-1
de cianeto em
tampão Tris-HCl 20 mM, pH 9,0, 38
o
C.
A figura 4.22 mostra as mudanças espectrais devido à auto-oxidação da
HbGp na presença de cianeto de potássio. Este processo é caracterizado pelo
deslocamento da banda de Soret de 415 nm para 420 nm, e pela mudança das
bandas α e β de 575 nm e 540 nm para uma única banda larga em 540 nm. O
espectro final corresponde ao complexo cianometa-hemoglobina [Agustinho,
1997].
Para cada concentração de cianeto, a auto-oxidação do grupo heme é
acompanhada através da variação da absorbância na banda de Soret, 415 nm,
108
em função do tempo. Na presença de cianeto, a espécie oxi-hemoglobina em
pH 9,0 mostra uma curva de auto-oxidação como uma composição de duas
cinéticas de primeira ordem, da mesma forma que na ausência deste ânion,
apresentando constantes de velocidade observadas k
obs1
e k
obs2
, de acordo com
a equação 3.1 (seção 3.2.2.1).
Tabela 4.7 Constantes de velocidade para a oxidação da HbGp induzida pelo
cianeto. k’
CN1
é obtida utilizando os dados para as concentrações de cianeto
abaixo de 0,010 M e k”
CN1
para as concentrações maiores que 0,010 M.
Hemoglobina Glossoscolex paulistus k
CN
(s
–1
mol
–1
.L)
k
CN1
Processo rápido
k
CN1
0.11 ± 0.02
0.76 ± 0.04
Íntegra
Processo Lento k
CN2
0.033 ± 0.002
Monômero d
0.041 ± 0.002
As constantes de velocidade observadas, obtidas em função da
concentração de cianeto, permitem a determinação da constante de velocidade
de segunda ordem k
CN
, conforme está indicado na figura 4.23 (tabela 4.7).
De acordo com a Figura 4.23, nota-se claramente que o processo rápido
k
obs1
mostra duas constantes de velocidade diferentes. Para concentrações
abaixo de 0,010 mol L
-1
a constante é k
CN1
=0,11 ± 0,02 s
−1
M
-1
e para
concentrações acima de 0,12 mol L
-1
a constante aumenta para k
CN1
=0,76 ±
0,04 s
−1
M
-1
. Importante acrescentar que k
CN2
se mantêm inalterada para todas
109
as concentrações, sendo igual a 0,033 ± 0,002 s
−1
M
-1
(tabela 4.7). Estes
resultados estão relacionados com a análise da razão dos fatores pré-
exponenciais A
máx1
/A
máx2
(equação 3.1). Esta razão é constante e próxima de
1, até 0,008 M de cianeto, e aumenta para 3 com uma concentração de 0,023 M
de cianeto (figura 4.24).
0.000 0.005 0.010 0.015 0.020 0.025
0.000
0.002
0.004
0.006
0.008
0.010
0.012
0.014
KCN, mol.L
-1
k
obs
, s
-1
Figura 4.23 Constantes de velocidade observadas, k
obs1
e k
obs2
, em função da
concentração de cianeto. A inclinação do gráfico corresponde a k’
CN1 ,
k”
CN1
e
k
CN2
, que são as constantes de velocidade de oxidação induzida pelo cianeto.
Condições: 2,6x10
-6
M de HbGp, tampão Tris-HCl 20 mM, pH 9,0 a 38
o
C.
110
0,000 0,005 0,010 0,015 0,020 0,025
1,0
1,5
2,0
2,5
3,0
KCN, mol.L
-1
A
max1
/
A
max2
Figura 4.24 Gráfico da razão dos fatores pré-exponenciais A
máx1
(processo
rápido) e A
máx2
(processo lento) em função da concentração de cianeto. As
barras de erro são determinadas a partir de três experimentos independentes.
Zhu e colaboradores [Zhu, 1996] observam que a presença do ligante
cianeto causa reassociação das subunidades da hemoglobina de Lumbricus
terrestris. Neste contexto, visando a uma maior compreensão do arranjo
oligomérico da HbGp durante a cinética de auto-oxidação na presença de
cianeto realizou-se medidas de espalhamento de luz a 90
o
. De fato, esta técnica
instrumental vem sendo amplamente empregada em estudos enfocando o
estado de agregação e os fenômenos de dissociação protéica. Esta abordagem
vem fornecendo muitas informações relevantes a respeito das propriedades
oligoméricas da hemoglobina extracelular gigante de Glossoscolex paulistus.
Realmente, Silva e colaboradores [Silva, 1989] utilizam esta técnica para
monitorar a associação das subunidades da HbGp sob pressão hidrostática
111
assim como Imasato e colaboradores [Imasato, 1995], empregam este recurso
para verificar a dissociação de HbGp em função do pH.
A figura 4.25 apresenta a intensidade obtida à 90
o
para ambos os
monocromadores em 310 nm. Duas concentrações de cianeto são selecionadas
para testar o espalhamento de luz ressonante, 0,006 M e 0,016 M. A escolha
destas concentrações se deve ao fato de que ambas estão relacionadas com a
mudança na inclinação observada para k
obs1
, que é referente ao processo
rápido. Os dados experimentais para as duas concentrações apresentam
comportamentos similares (figura 4.25), sendo que após a adição de cianeto, a
intensidade diminui para um valor que se mantém constante até o final.
Desta forma, a diminuição da intensidade de espalhamento poderia estar
relacionada a um aumento na dissociação da proteína promovido pelo ligante
cianeto. Portanto, a constatação de que após aproximadamente cinco minutos a
intensidade de espalhamento se mantém constante, indica fortemente que a
partícula que produz o espalhamento permanece com o mesmo tamanho. Este
resultado experimental é uma evidência de que as subunidades da
hemoglobina não estão se reassociando durante a auto-oxidação na presença
de cianeto (figura 4.25).
112
0 20 40 60 80 100 120
200
400
600
800
1000
1200
1400
1600
1800
2000
S (310)
Tempo, min.
0,006 M CN
-
0,016 M CN
-
Figura 4.25 Espalhamento de luz da hemoglobina íntegra de G. paulistus
medido a 90
o
de luz incidente (=310 nm) durante o processo de auto-oxidação
(2,6 x 10
-6
M baseado em heme) na presença de 0,006 M e 0,016 M de cianeto,
tampão Tris-HCl 20 mM, pH 9,0.
A auto-oxidação do monômero d na presença de cianeto é analisada
(figura 4.26) em função da concentração deste ligante. Para cada concentração
de cianeto, a auto-oxidação do grupo heme é acompanhada através da
variação da absorbância em 415 nm em função do tempo. O ajuste da cinética
é mono-exponencial e, a partir do gráfico da figura 4.26, a constante de
velocidade de segunda ordem é determinada (0,041 ± 0,002 s
1
M
-1
).
113
0,000 0,005 0,010 0,015 0,020 0,025
0
2
4
6
8
10
12
k
obs2
Hb integra
k monômero
k
obs
, 10
-4
s
-1
KCN, mol.L
-1
Figura 4.26 Gráfico das constantes de velocidade observadas, k
obs2
da
hemoglobina íntegra de Glossoscolex paulistus e do monômero d em função da
concentração de cianeto. As barras de erro são determinadas a partir de três
experimentos independentes.
De acordo com a figura 4.26, é possível verificar que as constantes de
velocidade observadas referentes tanto ao processo lento da hemoglobina
íntegra como em relação ao monômero d estão significativamente
correlacionadas. Esta constatação indica que na auto-oxidação da hemoglobina
íntegra induzida pelo cianeto, o monômero d é o responsável pelo processo
lento assim como o trímero abc é responsável pelo processo rápido. Portanto,
na figura 4.23, a mudança na inclinação observada para a etapa rápida
ocorreria em função de um processo cooperativo apresentado pelo trímero abc.
114
Da mesma maneira, o aumento na razão dos fatores pré-exponenciais (figura
4.24) também seria causado pela cooperatividade atribuída ao trímero abc.
No presente trabalho, discussão anterior descreve o fato de que a cadeia
c do trímero abc de Lumbricus terrestris apresenta uma leucina na posição B10
semelhantemente à hemoglobina humana. Utilizando, mais uma vez, o trímero
da Lumbricus terrestris como modelo para o trímero da hemoglobina de
Glossoscolex paulistus, é possível atribuir à cadeia c, a baixa estabilidade do
trímero da HbGp no processo de auto-oxidação. Portanto, considerando que o
trímero apresenta ligações covalentes e um resíduo de leucina na posição B10
de sua cadeia c, esta cadeia poderia ser a primeira a se oxidar. Desta forma, a
efeito das mudanças causadas pela oxidação da cadeia c se propagaria para as
demais cadeias do trímero, facilitando a auto-oxidação pelo efeito cooperativo.
O efeito cooperativo, usualmente observado em hemoglobinas
tetraméricas que ligam oxigênio, é também detectado no trímero de Lumbricus
terrestris [Fushitani, 1991]. A ligação do primeiro íon cianeto ao primeiro heme
do trímero abc, facilitaria a ligação do cianeto aos outros hemes localizados nas
outras cadeias, ou seja, a ligação do primeiro cianeto se propagaria para as
outras cadeias através de mudanças conformacionais na cadeia primeiramente
oxidada, deixando as demais cadeias mais susceptíveis à auto-oxidação. Esta
cooperatividade pode estar justificada pelo fato de que as cadeias a, b e c são
unidas por ligações dissulfeto, que permitiriam a propagação das alterações
conformacionais de uma para outra cadeia. Realmente, segundo Ackers e
115
colaboradores [Ackers, 1992], a interação entre as subunidades seria
fundamental para a ocorrência do fenômeno cooperativo.
116
5. CONCLUSÕES
A velocidade de auto-oxidação da hemoglobina de Glossoscolex
paulistus apresenta uma forte dependência do pH. Essa dependência do pH da
solução ocorre devido a fatores diferenciados como o estado de oligomerização
da hemoglobina e os diferentes ligantes presentes no solvente aquoso, que são
os nucleófilos água e hidroxila.
Portanto, o presente trabalho demonstra que o comportamento da curva
cinética é dependente do pH, apresentando-se monofásico ou bifásico
dependendo do estado de oligomerização da proteína. Assim sendo, nos
valores de pH que geram a dissociação da proteína íntegra em frações
protéicas menores, constituídas por oligômeros e subunidades monoméricas
isoladas, a curva cinética se apresenta bifásica e nos valores de pH que
evidenciam a proteína em seu estado íntegro é constatado um comportamento
cinético mono-exponencial. Desta maneira, a organização oligomérica das
subunidades pode ser considerada uma influência significativa no processo de
auto-oxidação.
Em meio alcalino, a auto-oxidação da hemoglobina íntegra de
Glossoscolex paulistus na presença do ligante hidroxila apresenta um
comportamento complexo, descrito pela combinação de duas cinéticas de
primeira-ordem. O processo mais lento ocorre devido à auto-oxidação do
monômero d e o processo mais rápido pode ser atribuído ao trímero abc, ou
117
seja, o monômero d apresenta uma maior estabilidade contra a auto-oxidação
em relação ao trímero abc.
Em pH 7,0, o comportamento cinético se apresenta mono-exponencial,
indicando uma certa semelhança entre os ambientes relativos aos bolsões
hidrofóbicos dos respectivos hemes, além de uma estrutura oligomérica
altamente conservada, ou seja, a hemoglobina se apresenta em seu estado
nativo. Logo, a alta estabilidade contra a auto-oxidação observada em pH 7,0
ocorre em função de sua estrutura oligomérica compacta proteger o centro
metálico do ataque nucleofílico da água.
Neste contexto, é importante registrar que o processo de auto-oxidação
da HbGp é controlado pelo nível de exposição da ligação entre o centro ferroso
e o ligante oxigênio aos nucleófilos do solvente. Esta correlação explica a
expressiva dependência entre o pH e os valores das constantes de auto-
oxidação constatados no presente trabalho.
Em meio ácido, a hemoglobina apresenta a auto-oxidação catalisada por
próton, processo em que a histidina distal desempenha uma função relevante,
sendo responsável pelo mecanismo de substituição de prótons, e, por
conseqüência, aumentando a velocidade do processo de auto-oxidação.
A formulação cinética para a reação de auto-oxidação da HbGp é
baseada no mecanismo S
N
2, ou seja, um mecanismo associativo, que produz
um intermediário heptacoordenado através do deslocamento nucleofílico do
ânion superóxido O
2
-
do centro ferroso (FeO
2
). Esse deslocamento nucleofílico
118
é efetuado pelo ligante proveniente do solvente, que pode ser a água ou a
hidroxila dependendo das condições do meio.
A auto-oxidação do monômero d isolado da HbGp também apresenta
uma forte dependência com o pH da solução, aumentando a velocidade em
meio ácido devido à catálise por próton.
A hemoglobina íntegra apresenta uma maior estabilidade frente à cadeia
monomérica d separada. De qualquer maneira, é importante registrar que o
contato entre as moléculas do solvente e o centro de coordenação é crucial
para a velocidade de auto-oxidação, indicando que o caráter hidrofóbico do
bolsão do heme nativo é um importante fator para a estabilidade redox da
hemoglobina íntegra. Assim, o monômero d quando isolado da hemoglobina
íntegra, apresenta as cavidades hidrofóbicas do heme suficientemente expostas
para permitir o ataque da molécula de água ao centro ferroso, favorecendo a
auto-oxidação.
Por outro lado, um aspecto relevante do presente trabalho aborda a
interação entre o surfactante SDS e a hemoglobina extracelular gigante de
Glossoscolex paulistus. A interação entre o surfactante SDS e HbGp fornece
resultados que confirmam a importância da oligomerização da proteína no
processo de auto-oxidação. Realmente, a auto-oxidação da HbGp na presença
de SDS permite a constatação de que dois fatores distintos determinam de
forma decisiva a reação. Estes fatores são a organização oligomérica da
hemoglobina íntegra propriamente dita e a força da interação entre o SDS e a
cadeia polipeptídica desta proteína, que depende do número de tios
119
disponíveis. Vale lembrar que os sítios disponíveis na hemoglobina,
especialmente os sítios iônicos, são modulados pelo pH da solução, o que
explica a representativa influência da modificação no valor de pH nos tipos de
interação observados entre a hemoglobina e o surfactante em questão.
Comparando-se a interação do SDS com a HbGp nos valores de pH 7,0
e 9,0, é possível afirmar que, em pH 7,0, apesar da proteína estar mais
compacta, apresentando o centro metálico mais protegido, o número de sítios
catiônicos presentes na hemoglobina para a interação com o surfactante
aniônico SDS é maior do que em pH 9,0 devido ao fato de que o ponto
isoelétrico desta classe de hemoglobina é ácido.
Assim sendo, em pH 9,0, a dissociação da hemoglobina deveria
favorecer significativamente a auto-oxidação. Por outro lado, em pH 9,0, a
proteína apresenta menos sítios para a interação com o SDS do que em pH 7,0.
Desta maneira, a interação com o SDS é menos efetiva em pH 9,0 e a
velocidade de auto-oxidação neste pH deve ser mais influenciada pela
dissociação alcalina.
Portanto, em pH 7,0 o surfactante efetivamente influencia a velocidade
de auto-oxidação, enquanto que em pH 9,0 a dissociação, que ocorre
independentemente do surfactante, constitui-se no fator determinante do
processo oxidativo.
A cinética de auto-oxidação da hemoglobina íntegra de Glossoscolex
paulistus na presença do cianeto apresenta um comportamento bifásico devido
à auto-oxidação de trímeros e monômeros gerados no processo de dissociação
120
desta proteína. Neste processo, é possível inferir que o ligante cianeto
intensifica significativamente a velocidade de reação. A etapa rápida pode ser
atribuída ao trímero abc e a etapa lenta é um processo de oxidação do
monômero d. Para o monômero d, observa-se que a cinética se apresenta
mono-exponencial, além de constatar-se uma influência efetiva do ligante
cianeto no aumento da velocidade de auto-oxidação em questão. É possível
observar que a ligação do cianeto ao centro férrico da hemoglobina ocorre de
maneira cooperativa. De fato, através das constantes de velocidade obtidas
para a auto-oxidação da hemoglobina íntegra com o cianeto observa-se uma
cooperatividade no processo rápido da hemoglobina de G. paulistus, ou seja,
uma cooperatividade na auto-oxidação dos trímeros abc.
121
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2
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