Sem dor, ficara sem nada, perdida no seu próprio mundo e no alheio sem
forma de contato. (LISPECTOR, 1998, p.40).
A primeira impressão que Ulisses teve de Lóri quando a conheceu foi a de que ela
era “uma tela nua e em branco” (LISPECTOR, 1998, p.52) e que ele só precisaria começar
a “usar os pincéis” (LISPECTOR, 1998, p.52). Mas foi percebendo que, na verdade, Lóri
era uma tela “enegrecida por fumaça densa, vinda de algum fogo ruim, e que não seria fácil
limpá-la” (LISPECTOR, 1998, p.52). Ou seja, Lóri já era um ser carregado de medo, se se
mantinha num caminho fácil de vida não era porque seu ser era fácil e simples, mas
simplesmente porque resolvera, por medo, por comodidade, manter-se “segura”.
O cavalo selvagem dentro da mulher estava se libertando, mas não sem dificuldade
e medo ainda. “Sempre se retinha um pouco como se retivesse as rédeas de um cavalo que
poderia galopar e levá-la Deus sabe onde. Ela se segurava. Por que e para quê? Para o que
estava ela se poupando? Era um certo medo da própria capacidade, pequena ou grande,
talvez por não conhecer os próprios limites”.(LISPECTOR, 1998, p.41-42). A dificuldade,
muitas vezes, se encontra em continuar caminhando no escuro, em não ter certeza, nem
segurança de nada e no entanto prosseguir, a dificuldade é não se conhecer e não conhecer
o caminho e mesmo assim prosseguir.
Clarice trabalha o texto o tempo todo nesse formato de perguntas soltas, que
algumas vezes parece responderem-se, outras vezes apenas divagam. Onde estariam todas
as respostas? A aprendizagem é o caminho, é a busca, é o trajeto do pensamento sensível, e
o formato desse caminho é poético. Loreley é a expressão da angustia poética, dessa
angústia da busca da poesia mais pura, da poesia cume, da poesia essência, da poesia sumo.
O caminho da aprendizagem é dolorido pois mexe justamente com a nata do ser, com o que
sobra, com o residual, com o lado pouco dócil. Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres
é poético, antes de tudo, por lidar com as essências; as formas lingüísticas, as imagens, os
símbolos que se criam poeticamente surgem da tentativa de revelar o ser.
Lóri, a mulherzinha que veio do interior, professora primária, que ainda recebia
mesada do pai, percebe-se corajosa também para ser uma mulher menos humilde, em certo
sentido. Ela não quer mais aceitar humildemente o que a vida lhe oferecia e ainda
agradecer, agora ela se sente forte para pedir mais, para pedir o que o seu selvagem cavalo
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