![](bg62.jpg)
2.0.0 Ter e ser: dilemas da vida cotidiana
‘La propried privada nos há hecho tan estúpidos y unilaterales
que un objeto sólo es nuestro cuando es inmediatamente poseído lo
tenemos, quando existe para nosostros como capital o quando es
inmediatamente poseído, comido, bebido, vestido, habitado, en
resumen, utilizado...’. ‘Em lugar de todos los sentidos físicos y
espitituales ha aparecido aquí la simple enajenación de todos estos
sentimjentos, el sentido del tener. El ser humano tenía que ser
reducido a esta absoluta pobreza para que pudiera alumbrar su
riqueza interior’ (MARX apud HÉLLER, 1991, p.53).
A angústia vivida pelos entrevistados devido à restrição do tempo de convivência com a
família, sobretudo com os filhos, é retratada de forma enfática por E4 que tem na sua fala uma
importante reflexão sobre valores que norteiam essa postura:
Às vezes quando eu não tenho aula à tarde, aí é ... eu chego em casa eu vou só dormir,
quando eu não tenho ... quando eu terminei de checar tudo em casa que tá tudo ok , aí
eu vou dormir; aí eu não tenho tempo de conversar com minha filha que é adolescente,
os problemas dela da adolescência, ela fica só trancadinha dentro do quarto dela
ouvindo, escutando o sonzinho ou então no celular com as amigas dela, porque a mãe
dela tá muito cansada e vai dormir.
Essa entrevistada chamou a atenção pelo conflito que levantou acerca da relação dos
valores ético-morais na sociedade atual, entre o ser e o ter. Perguntada se a falta de tempo para
dedicar à filha adolescente a angustiava, ela respondeu:
Muito, muito mesmo. Porque a minha mãe era só dona de casa e ela era muito minha
amiga e eu dividia as coisas com ela, e eu não posso fazer isso com minha filha [...] às
vezes a gente fica só ligada em dar, dar, dar coisas materiais e as coisas afetivas, os
sentimentos, o afeto a gente se esquece. Outro dia eu cheguei em casa e falei assim: Ou
nem dá um abraço em mainha? Ah, mãe, eu já tô tão acostumada com você fora... aí faz
a gente refletir, até que ponto ... você trabalha tanto pra ter qualidade de vida, que
qualidade de vida é essa, só as coisas materiais? E a parte sentimental, e a parte de
relacionamento e o ser? O ser da minha filha, o ser da minha família, o ser do meu
marido, o meu ser, tá se transformando e eu só quero ter, ter, ter, ter ... mas de repente
se eu não puder também trabalhar, se eu não trabalhar isso, eu não posso pagar um
plano de saúde, aí se eu não pagar eu vou vir pro corredor do [hospital] (E4).
Esta fala remete a uma discussão acerca do ter e do ser. Na forma como é colocado pela
entrevistada, fica claro um conflito entre ter tempo livre para desenvolver as relações afetivas
com a família, tratando do ser na sua essência, e o fato concreto de ter acesso a objetos e serviços.
*
Grifos do autor