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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARA
ROSALDO TREVISAN
ATUAÇÃO ESTATAL NO COMÉRCIO EXTERIOR,
EM SEUS ASPECTOS TRIBUTÁRIO E ADUANEIRO
CURITIBA
2008
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ROSALDO TREVISAN
ATUAÇÃO ESTATAL NO COMÉRCIO EXTERIOR,
EM SEUS ASPECTOS TRIBUTÁRIO E ADUANEIRO
Dissertação apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em
Direito da Pontifícia Universidade
Católica do Paraná, como requisito
parcial para obtenção do título de
Mestre em Direito.
Orientador: Dr. Dalton Luiz Dallazem
CURITIBA
2008
TERMO DE APROVAÇÃO
ROSALDO TREVISAN
ATUAÇÃO ESTATAL NO COMÉRCIO EXTERIOR,
EM SEUS ASPECTOS TRIBUTÁRIO E ADUANEIRO
A dissertação apresentada ao
Programa de s-Graduação em
Direito da Pontifícia Universidade
Católica do Paraná, como requisito
parcial para obtenção do título de
Mestre em Direito, foi aprovada pela
seguinte banca examinadora:
_____________________________
Dr. Dalton Luiz Dallazem
(orientador)
_____________________________
Dr. José Roberto Vieira
(convidado)
_____________________________
Dr. Roberto Ferraz
(membro)
_____________________________
Dr. James Marins
(suplente)
Curitiba, 15 de fevereiro de 2008.
Dedico este trabalho a Felipe, que
durante sua breve permanência
entre nós trouxe alegria e união.
A atividade econômica, em particular
a da economia de mercado, não se
pode realizar num vazio institucional,
jurídico e político.
João Paulo II, na Encíclica
Centesimus Annus
Agradeço à Dra. Katya Kozicki, ao
Dr. Vladimir Passos de Freitas, ao
Dr. Marcelo Bertoldi e ao Dr. Luiz
Alberto Blanchet, professores com
quem tive a oportunidade de
aprender e conviver nas produtivas
aulas do curso de mestrado da
PUC/PR.
Agradeço ao Dr. Roberto Catalano
Botelho Ferraz, que sempre
abrilhantou com suas perspicazes
observações tanto as aulas quanto
os encontros do grupo de pesquisa
“justiça tributária e atividade
econômica”.
Agradeço especialmente ao Dr.
Dalton Luiz Dallazem, meu
orientador nessa jornada, professor
competente e motivador, que, de
forma sempre acolhedora, privou-se
de horas de trabalho ou lazer para
conversas que seguramente
enriqueceram o presente estudo.
Agradeço, por fim, com amor, a
Andréia e Rafael, que pacientemente
suportaram minhas ausências
durante a elaboração desta
dissertação.
RESUMO
O presente estudo objetiva identificar e analisar a fundamentação jurídica de
uma das principais atividades econômicas da atualidade: o comércio exterior.
Avaliando as formas e a função da atuação estatal no comércio exterior,
verifica-se a presença de um caráter regulatório e indutor, tanto no aspecto
tributário quanto no que tange ao controle aduaneiro. Na análise desses dois
aspectos, propõe-se uma delimitação objetiva do campo de estudo dos ramos
do Direito denominados de Direito Tributário e de Direito Aduaneiro. Busca-se
ainda destacar as áreas de intersecção entre tais ramos, indicando e
explorando as matérias passíveis de enquadramento em um Direito Aduaneiro
Tributário (os tributos aduaneiros) e em um Direito Tributário Aduaneiro (os
tributos niveladores, vinculados a operações de comércio exterior, e os tributos
devidos em função de operação interna necessária à importação). Exploram-se
por fim os mais evidentes frutos do caráter regulatório e indutor da atuação
estatal no comércio exterior: os regimes aduaneiros especiais e aplicados em
áreas especiais (diferenciando-os do regime comum de importação e
exportação) e as simplificações procedimentais aduaneiras.
Palavras-chave: Atuação estatal. Ordem econômica. Regulação. Indução.
Comércio exterior. Direito Aduaneiro. Direito Tributário Aduaneiro. Regimes
aduaneiros especiais. Procedimentos aduaneiros simplificados.
ABSTRACT
The present study aims to identify and analyze the legal basis of one of the
main economic activities nowadays: foreign trade. By evaluating the forms and
the function of the State activity on foreign trade, it could be verified the
presence of a regulatory and inducer nature, on the tax aspect as well as
regarding to the customs control. In the analysis of these two aspects, it is
suggested an objective delimitation of research fields of the Law subjects
named Tax Law and Customs Law. It is also aimed to highlight the intersection
areas between these subjects, by indicating and exploring matters that can be
classified on a Customs Tax Law (customs duties) and on a Tax Customs Law
(leveling taxes and duties, connected to foreign trade operations, and duties
and taxes owed on the basis of internal operation, necessary to the
importation). Finally, it is explored the most evident results of the regulatory and
inducer nature of the State activity on the foreign trade: the special customs
procedures and the customs procedures applied in special areas (differentiating
them from the common procedure of importation and exportation) and the
simplified customs procedures.
Keywords: State activity. Economic order. Regulation. Induction. Foreign trade.
Customs Law. Tax Customs Law. Special customs procedures. Simplified
customs procedures.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO.........................................................................................................1
1.1 Escopo e motivação.........................................................................................3
1.2 Considerações metodológicas .......................................................................4
1.2.1 O problema da polissemia: de que ‘direito’ estamos falando? ........................4
1.2.2 Entre a pobreza vocabular e a unidade terminológica ....................................6
1.2.3 Entre a omissão e o excesso ..........................................................................7
2 O ESTADO E A ORDEM ECONÔMICA..................................................................8
2.1 Estado e ‘intervenção’ .....................................................................................8
2.1.1 Definição de intervenção a partir da Constituição Federal de 1988 ................8
2.1.2 A utilização genérica do termo ‘intervenção’.................................................10
2.2 Atuação do Estado na ordem econômica ....................................................12
2.2.1 Atuação direta ...............................................................................................15
2.2.2 Atuação regulatória por direção ....................................................................18
2.2.3 Atuação regulatória por indução....................................................................19
3 A TRIBUTAÇÃO E O CONTROLE DO COMÉRCIO EXTERIOR COMO
MANIFESTAÇÕES DA ATUAÇÃO DO ESTADO NA ORDEM ECONÔMICA ........21
3.1 A atuação do Estado como ente tributante..................................................21
3.2 A atuação do Estado como ente controlador do comércio exterior..........24
4 O CARÁTER REGULATÓRIO DA TRIBUTAÇÃO NO COMÉRCIO
EXTERIOR................................................................................................................26
4.1 Caráter regulatório e indutor: uma crítica formal à ‘extrafiscalidade’.......26
4.2 Formas de manifestação do caráter regulatório .........................................33
4.3 Dirigismo ‘fiscal’: uma crítica material à ‘extrafiscalidade’........................36
5 O DIREITO TRIBUTÁRIO E O DIREITO ADUANEIRO.........................................41
5.1 A unidade do Direito ......................................................................................41
5.2 Direito Tributário - aspectos históricos e autonomia..................................42
5.3 Direito Aduaneiro - aspectos históricos e autonomia.................................51
5.4 Distinções básicas entre o Direito Aduaneiro e o Direito Tributário.........62
5.4.1 Administração tributária e administração aduaneira......................................64
5.4.2 Legislação tributária e legislação aduaneira..................................................67
5.4.3 Direito Aduaneiro Tributário e Direito Tributário Aduaneiro...........................68
6 DIREITO ADUANEIRO TRIBUTÁRIO...................................................................71
6.1 Imposto de importação..................................................................................73
6.1.1 Critério material.............................................................................................74
6.1.2 Critério espacial.............................................................................................82
6.1.3 Critério temporal............................................................................................91
6.1.4 Critério pessoal ...........................................................................................104
6.1.5 Critério quantitativo......................................................................................107
6.2 Imposto de exportação................................................................................118
6.2.1 Critério material...........................................................................................120
6.2.2 Critério espacial...........................................................................................122
6.2.3 Critério temporal..........................................................................................124
6.2.4 Critério pessoal ...........................................................................................126
ii
6.2.5 Critério quantitativo......................................................................................127
7 DIREITO TRIBUTÁRIO ADUANEIRO.................................................................130
7.1 Imposto sobre produtos industrializados..................................................132
7.1.1 Hipótese de Incidência................................................................................133
7.1.2 Conseqüente...............................................................................................137
7.2 ICMS ..............................................................................................................139
7.2.1 Hipótese de Incidência................................................................................140
7.2.2 Conseqüente...............................................................................................146
7.3 Cide-combustíveis........................................................................................150
7.3.1 Hipótese de Incidência................................................................................151
7.3.2 Conseqüente...............................................................................................152
7.4 Contribuição para o PIS/Pasep-importação e Cofins-importação ...........153
7.4.1 Hipótese de Incidência................................................................................156
7.4.2 Conseqüente...............................................................................................158
7.5 AFRMM..........................................................................................................162
7.5.1 Hipótese de Incidência................................................................................164
7.5.2 Conseqüente...............................................................................................165
7.6 Taxas.............................................................................................................167
7.6.1 Taxa de utilização do SISCOMEX...............................................................169
7.6.2 Taxa de utilização do sistema MERCANTE................................................172
8 REGIMES ADUANEIROS....................................................................................174
8.1 Considerações preliminares .......................................................................174
8.1.1 Definição de regime aduaneiro....................................................................174
8.1.2 Histórico dos regimes aduaneiros no Brasil ................................................177
8.1.3 Classificação dos regimes aduaneiros no Brasil .........................................179
8.2 Regimes aduaneiros comuns......................................................................180
8.2.1 Importação definitiva ...................................................................................182
8.2.2 Exportação definitiva...................................................................................189
8.3 Regimes aduaneiros especiais ...................................................................194
8.3.1 Características básicas ...............................................................................195
8.3.2 Trânsito aduaneiro.......................................................................................205
8.3.3 Importação e exportação temporárias stricto sensu....................................207
8.3.4 Depósitos aduaneiros..................................................................................216
8.3.5 Aperfeiçoamento .........................................................................................232
8.4 Regimes aduaneiros aplicados em áreas especiais (áreas de livre
comércio)............................................................................................................247
8.4.1 Zona Franca de Manaus .............................................................................247
8.4.2 Áreas de livre comércio stricto sensu..........................................................252
8.4.3 Zonas de processamento de exportação ....................................................254
9 PROCEDIMENTOS ADUANEIROS SIMPLIFICADOS........................................257
9.1 Linha azul......................................................................................................259
9.2 Redex.............................................................................................................261
9.3 Outros procedimentos aduaneiros simplificados.....................................262
10 CONCLUSÕES..................................................................................................265
Referências Bibliográficas ...................................................................................272
1 INTRODUÇÃO
É inegável a influência que aspectos econômicos exercem na produção
legislativa, assim como é inquestionável o impacto que as normas e sua aplicação
ocasionam na economia.
Incumbe ao economista estudar as formas de maximização da produção de
bens e serviços a partir dos recursos escassos disponíveis em cada sociedade
1
.
Como resultado de tal estudo, várias propostas concretas são apontadas com o
propósito de gerar desenvolvimento e riqueza, algumas delas demandando
exteriorização sob a forma de textos de direito positivo. As normas que se obtêm da
leitura de tais textos são o objeto de estudo da ciência jurídica (Direito).
É preciso destacar que a manifestação jurídica dos aspectos econômicos não
se resume à mera produção legislativa, mas se estende à aplicação das normas dela
decorrentes. Ao cientista do Direito, assim, incumbe analisar o comando normativo
extraído do texto de direito positivo, que, por sua vez, deriva da versão, em
linguagem prescritiva, que o político deu à proposta do economista. Como resultado
de tal análise, obtém-se a aplicação da norma, o que, por sua vez, indubitavelmente
produz conseqüências econômicas.
Na área de comércio exterior, torna-se ainda mais forte o vínculo entre a
Economia e o Direito. Após a segunda grande guerra, possibilitou-se a efetiva
estruturação do comércio internacional
2
, fundando-se uma nova ordem econômica,
calcada em três instituições: o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco
1
RIZZIERI, Juarez Alexandre Baldini. Introdução à Economia. In: MONTORO FILHO, André Franco
[et al.]. Manual de economia. 2. ed. o Paulo: Saraiva, 2002, p. 12. A chamada ‘lei da escassez’,
originalmente constante na definição proposta em 1932, por Lionel Robbins, em estudo intitulado An
essay of Nature and Significance of Economic Science’, está presente na maioria das definições
contemporâneas de ciência econômica, como, v.g., as externadas por Paul A. Samuleson, Raymond
Barre, Alfred Stonier e Douglas Hague (ROSSETTI, José Paschoal. Introdução à economia. 16. ed.,
rev., atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 1994, p. 55-58).
2
Pode-se afirmar que a estruturação efetiva do comércio internacional deriva da famosa conferência
de Bretton Woods, realizada nas montanhas de New Hampshire, de 1
o
a 22/7/1944, com a
participação de 44 países e com o objetivo de montar a arquitetura de cooperação econômica e
financeira do pós-guerra. Na conferência estavam em confronto duas propostas de reconhecidos
economistas. A sugestão de constituição de um banco central internacional, que emitiria uma moeda
chamada Bancor (teoria encabeçada pelo inglês John Maynard Keynes), a ser adotada em
substituição ao padrão-ouro, foi derrotada pelo dollar exchange standard’, sustentado pelo americano
Harry D. White. A delegação brasileira, conforme narra um de seus membros, o então terceiro-
secretário de embaixada Roberto Campos, contava com eminentes figuras como Eugênio Gudin e
Octávio Gouvêa de Bulhões (CAMPOS, Roberto de Oliveira. A lanterna na popa: memórias. Rio de
Janeiro: Topbooks, 1994, p. 62-65).
2
Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD) e a ‘Organização
Internacional de Comércio’ (OIC)
3
.
A nova ordem econômica estava associada à construção de uma nova ordem
jurídica, para que as medidas recomendadas pelos economistas em Bretton Woods
pudessem ser garantidas pela tutela jurisdicional de tribunais nacionais e
internacionais. No bojo de tal ordem jurídica, havia textos de acordos internacionais,
como o GATT, que buscavam disciplinar o comércio internacional, tanto em seus
aspectos tributários (restrições tarifárias) quanto no que tange a restrições não-
tarifárias.
Com o passar das décadas, a maturidade, que expurgou o qualificativo ‘nova’
da ordem econômica concebida no final da década de 40, revelou que o comércio
internacional pode ser uma das principais fontes de desenvolvimento e riqueza. A
Organização Mundial de Comércio, verdadeira personificação do GATT, conta, hoje,
com 151 membros
4
.
A transposição desse contexto internacional focado no comércio para o
âmbito brasileiro teve uma dose de tempero: os comandos (normalmente genéricos)
dos acordos internacionais, ao invés de sobreporem a legislação nacional, acabaram
com ela convivendo (nem sempre harmoniosamente), dando origem a um
tratamento peculiar da matéria no campo jurídico. Destaque-se, a tulo ilustrativo,
que o regime protecionista presente no regime militar não era perfeitamente
compatível com as diretrizes internacionalmente estabelecidas para o comércio
(embora o Brasil já estivesse juridicamente vinculado ao GATT-1947
5
).
3
De 21/11/1947 a 24/3/1948, em Havana, realizou-se a Conferência das Nações Unidas para o
Comércio e o Emprego, onde se discutiu a Carta da Organização Internacional de Comércio (Carta de
Havana), com apoio do Secretário de Estado norte-americano George Marshall. Paradoxalmente (na
verdade, por motivos políticos e econômicos), o governo dos Estados Unidos decidiu retirar seu apoio
à Carta de Havana, em dezembro de 1950 (DAL RI JÚNIOR, Arno. História do Direito
Internacional. Comércio e moeda. Cidadania e nacionalidade. Florianópolis: Fundação Boiteux,
2004, p. 123-126). Em 1
o
/1/1948, após a conferência preparatória de Genebra, e com a assinatura de
23 países, entra em vigor o Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (General Agreement of Tariffs and
Trade - GATT), que representa tão-somente a parte VI da Carta de Havana, que estruturava a OIC. O
sonho da OIC concretiza-se somente em 1996, ao término da rodada Uruguai do GATT, com a
constituição de uma Organização Mundial do Comércio (OMC).
4
Dados referentes a 27/7/2007, data de ingresso do 151
o
membro: Tonga (Disponível em:
<http://www.wto.org>. Acesso em 23 jan. 2008). O Brasil ingressou na OMC em 1
o
/1/1995 (a ata final
que incorpora os resultados da Rodada Uruguai do GATT, nos quais se inclui a criação da OMC, foi
aprovada pelo Decreto Legislativo n
o
30, de 15/12/1994, e promulgada pelo Decreto n
o
1.355, de
30/12/1994).
5
Conforme Decreto n
o
313, de 30/7/1948.
3
A presença de aspectos econômicos na nossa legislação de comércio
exterior, seja no que se refere à tributação ou no que tange ao controle aduaneiro,
intensifica-se a cada dia, e não pode ser ignorada pelo cientista do Direito. A ele
cabe analisar o ordenamento jurídico, extraindo o conteúdo dos textos de direito
positivo, dentro de um contexto, analisando a conformidade da norma a outra(s) de
hierarquia superior e apurando a verdade ou falsidade das proposições descritivas
de tais normas, buscando a formação de uma fundamentação jurídica que norteie a
atividade econômica.
1.1 Escopo e motivação
O presente estudo é desenvolvido com o objetivo de identificar e analisar a
fundamentação jurídica da atividade econômica de comércio exterior, em seus
aspectos tributário e aduaneiro. Para tanto, faz-se necessário analisar
preliminarmente as formas de atuação estatal na ordem econômica, delimitando-se
especificamente as formas pelas quais tal atuação se manifesta juridicamente nas
áreas tributária e aduaneira.
Apesar de a Economia estar presente em momentos pré-jurídicos (seja na
forma de estudos técnicos econômicos que se convertem em textos de direito
positivo, seja na ação - nem sempre técnica - de grupos econômicos de pressão que
interferem nas etapas de confecção e aprovação de tais textos) e pós-jurídicos (pois
cada norma gera conseqüências - nem sempre previsíveis - no comportamento dos
agentes econômicos), o presente estudo tem por objeto tão-somente a
fundamentação jurídica da atividade econômica, sem deter-se pormenorizadamente
em questões que antecedem ou sucedem a temática jurídica.
A força que nos move em direção a essa empreitada resulta de nossa
agradável convivência com temas relacionados à regulação do comércio exterior
cerca de quinze anos, aliada à escassez de estudos jurídicos sobre o tema, no
Brasil. Assim, buscamos, na linha de pesquisa à qual nos vinculamos, realizar uma
análise dos fundamentos jurídicos identificados naquela que consideramos uma das
principais atividades econômicas da atualidade: o comércio exterior.
Desejamos ainda, no presente estudo, contribuir para a sistematização da
matéria aduaneira e tributária no comércio exterior, possibilitando a visualização das
formas de atuação estatal que melhor convivem com o desenvolvimento sustentável
da economia.
4
1.2 Considerações metodológicas
A forma de expressão do direito é a linguagem. Apesar de não se ter por
objeto, no presente estudo, explorar a influência da linguagem na interpretação da
legislação ou na aplicação das normas, buscar-se-á estabelecer algumas
considerações preliminares sobre a terminologia empregada na análise de questões
jurídicas, tanto em gênero quanto especificamente nas atividades de comércio
exterior.
1.2.1 O problema da polissemia: de que ‘direito’ estamos falando?
A falta de definição (ou o excesso de definições conflitantes) para o direito é
um dos grandes desafios ao estudo de uma Ciência Jurídica. Como assevera
HERBERT L. A. HART, as definições para o direito obtidas como resultado dos
trabalhos intensos de renomados juristas, nos últimos 150 anos, são, ao mesmo
tempo, esclarecedoras e causadoras de perplexidade, pois “[...] projetam uma luz
que nos faz ver muito do que estava escondido no direito; mas a luz é tão brilhante
que nos cega para o restante e assim ainda nos deixa sem uma visão clara do
todo”.
6
Para agravar o problema, a polissemia é mal que atinge os principais
institutos relacionados ao direito. Como constata MICHEL VILLEY, “termos tais como
direito natural, positivo, positivismo, norma, justiça, evocam de fato na cabeça de
cada participante as mais diversas noções”
7
. O próprio termo ‘direito’ é polissêmico,
sendo comum o seu uso, entre outros, para designar um conjunto de normas ou a
disciplina encarregada do estudo de tal conjunto.
A forma como determinado autor (ou ‘escola’) conceitua o direito vincula o
objeto de estudo de uma Ciência Jurídica. Tal afirmação, por si só, não deve, no
entanto, significar que existem vários ‘direitos’ como ciência (ou que, em verdade,
não existe nenhum). Ela apenas nos mostra o forte vínculo que o direito possui com
a linguagem.
Não ousaríamos afirmar aqui que as definições expostas pelos grandes
mestres para o direito o incorretas ou incompletas. Esclarecemos, porém, que
cada uma dessas definições encaminha para uma diferente forma de análise do
6
O Conceito de direito. Trad. A. Ribeiro Mendes. 2. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian,
1994, p. 6.
7
Filosofia do direito: definições e fins do direito: os meios do direito. Trad. Márcia Valéria
Martinez de Aguiar. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 9.
5
objeto de estudo do Direito, o que, paradoxalmente, enriquece (pela
multidisciplinariedade) e empobrece (pela falta de método) o direito.
Buscando classificar os possíveis enfoques diante da investigação do
fenômeno jurídico, TÉRCIO SAMPAIO FERRAZ JÚNIOR, utilizando a classificação
de THEODOR VIEHWEG, seu professor na Universidade de Mainz, nos traz as
perspectivas zetética e dogmática.
No enfoque zetético (do grego zetein - perquirir), acentua-se o aspecto
‘pergunta’, pondo-se em dúvida as opiniões (partindo de evidências, podendo ser
dispensadas as premissas, se seus enunciados não forem verificáveis ou
comprováveis), sendo as questões infinitas e com função especulativa explícita,
configurando-se o problema como um ‘ser‘ (que é algo?), com predomínio da função
informativa da linguagem
8
. Já o enfoque dogmático (do grego dokein - ensinar,
doutrinar), por sua vez, acentua o aspecto ‘resposta’, partindo de premissas não
questionáveis (dogmas), sendo as questões finitas, com função diretiva explícita,
configurando-se o problema como um ‘dever-ser‘ (como deve-ser algo?), com
predomínio da função diretiva da linguagem, buscando possibilitar uma decisão e
orientar a ação
9
.
Assim, o estudo do direito sob a perspectiva dogmática (que podemos
denominar de Dogmática Jurídica) tem por objeto o ordenamento jurídico, devendo
situar-se a solução dos problemas dentro dos limites de tal ordenamento.
Para distinguir a ciência jurídica (que opera com juízos hipotéticos descritivos)
dos textos de direito positivo (que operam com comandos prescritivos), utiliza-se
uma metalinguagem, estabelecendo que as proposições normativas formuladas pela
ciência jurídica, que descrevem o direito, podem ser verdadeiras ou falsas, enquanto
que as normas de dever-ser, que prescrevem comportamentos, podem ser válidas
ou inválidas
10
.
Adota-se, no presente trabalho, no que se refere aos aspectos jurídicos, uma
perspectiva dogmática (o que não impede a presença de posicionamentos críticos
8
FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão,
dominação. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1994, p. 40-43 passim.
9
Idem.
10
Na linha de uma teoria pura do Direito (KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Trad. João
Baptista Machado. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1996, p. 82; Teoria geral do direito e do
Estado. Trad. Luís Carlos Borges. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 161; Teoria geral das
normas. Trad. José Florentino Duarte. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1986, p. 214-215).
6
em relação ao ordenamento jurídico vigente). Assim, quando aqui se fala em Direito
(com inicial maiúscula), faz-se referência à Ciência Jurídica (conhecida ainda como
Ciência do Direito ou Dogmática Jurídica), que tem por objeto o estudo do direito
(com minúsculas, também designado comumente como direito positivo).
Como a análise a ser aqui efetuada é multidisciplinar, utilizaremos ainda
conceitos afetos à área econômica. Tais conceitos são necessários ao entendimento
da conjuntura econômica de um país, que é influenciada pela formulação de
políticas econômicas consubstanciadas em normas. A sistematização de tais normas
(o que se pode efetuar em uma perspectiva dogmática) nos fornece elementos para
evidenciação do modelo econômico adotado pelo país.
1.2.2 Entre a pobreza vocabular e a unidade terminológica
Inseridos no universo jurídico e no mundo da linguagem, que também é nosso
instrumento de expressão, optamos por não apelar em demasia à sinonímia, em
nome da preservação da unidade terminológica ao longo do trabalho.
Ainda com o objetivo de manter a unidade terminológica, mas agora no
caminho da riqueza vocabular, efetuamos ao longo deste trabalho distinções entre
expressões comumente utilizadas como sinônimas (v.g. ‘comércio exterior’ e
‘comércio internacional’) e críticas a termos frequentemente utilizados em obras
jurídicas (v.g. ‘intervenção’ na ordem econômica e ‘extrafiscalidade’) ou na legislação
(v.g. ‘verificação física’).
Em relação à temática aduaneira, pouco tratada em nossas obras jurídicas e
pouco sistematizada em nossa legislação, ainda muitas distorções na
nomenclatura empregada para designar alguns institutos e documentos (v.g. o
conhecimento de carga)
11
. Buscar-se-á, à medida que forem mencionados alguns
11
O Decreto n
o
19.473, de 10/121930, que, conforme sua ementa, regulava os conhecimentos de
transporte de mercadorias por terra, água ou ar, iniciava o texto de seu art. 1
o
mencionando os
conhecimentos de frete. A Lei Aduaneira (Decreto-lei n
o
37, de 18/11/1966), em seu art. 41, o Código
Comercial, em seu art. 466, e o digo Brasileiro de Aeroutica, em seu art. 226, utilizam a expreso
conhecimento de carga”. A Lei n
o
9.611, de 19/2/1998, que dispõe sobre o transporte multimodal de
cargas, utiliza em seu texto a designação conhecimento de transporte. A Lei n
o
10.893, de 13/7/2004
(Lei do AFRMM), uniformemente, e o digo Civil, em seu art. 752, utilizam a nomenclatura
conhecimento de embarque”. O Regulamento Aduaneiro antigo, aprovado pelo Decreto n
o
91.030, de
5/3/1985, trazia a expressão conhecimento de transporte em seu art. 230 e a expressão
conhecimento de embarqueem seu art. 528, mas, na maioria das vezes, utilizava a denominão
conhecimento de carga (arts. 67, 106, 261, 262, 422 a 424 e 478). Como todos os diplomas se referem
a um mesmo documento, parece sensato que se tente buscar uma nomenclatura uniforme. O
Regulamento Aduaneiro de 2002 (Decreto n
o
4.543, de 26/12/2002) contribuiu para tal feito, ao utilizar em
seu texto apenas a expreso conhecimento de carga”.
7
destes institutos e documentos no presente estudo, efetuar justificadamente opções
terminológicas para eliminar as distorções existentes.
1.2.3 Entre a omissão e o excesso
No intuito de não nos desviarmos de nossa trajetória, focada em identificar e
analisar a fundamentação jurídica da atividade econômica de comércio exterior, em
seus aspectos tributário e aduaneiro, optamos, muitas vezes, por abdicar de nos
aprofundarmos em questões extremamente interessantes e relacionadas com o
tema, mas cuja envergadura demandaria estudo que, por si só, constituiria uma nova
dissertação.
Em outros momentos, tomamos de empréstimo integralmente a explicação de
grandes mestres para fundamentar nosso estudo (como a referente à regra-matriz
de incidência e sua estrutura lógica, de Paulo de Barros Carvalho). Em tais
situações, julgamos desnecessário constituir tópico específico meramente para
reproduzir de forma detalhada o conteúdo das explicações, optando por resumi-las
nos tópicos em que serão utilizadas.
Por fim, decidimos ainda que seria conveniente, em prol da cientificidade e da
neutralidade do trabalho, expurgar deste qualquer consideração que fosse
impregnada com ideais de modelo econômico ou de Estado. Assim, explicitamos
desde que eventuais excertos do presente estudo que possam revelar
preferências econômicas ou políticas, direta ou indiretamente, não são intencionais
e, se como tal resultarem interpretados, foram imperceptíveis aos olhos do autor.
2 O ESTADO E A ORDEM ECONÔMICA
A ordem jurídica e a ordem econômica, como exposto, mantêm estreita
relação. Contudo, a afirmação deve ser aclarada, pois a expressão ‘ordem
econômica’ é polissêmica. que se diferenciar a ‘ordem econômica’ do mundo do
ser da ‘ordem econômica’ do mundo do dever ser. Enquanto esta representa um
subconjunto da ordem jurídica, aquela se mostra como reflexo da realidade.
Como delimitamos nosso trabalho ao campo de uma ciência jurídica, em
regra nos referiremos à ordem econômica no campo do dever ser, utilizando a
expressão ‘realidade econômica’ para nos referirmos à ‘ordem econômica’ do reino
do ser.
Dito isso, passaremos a analisar a relação do Estado com a ordem
econômica, sob o enfoque jurídico. Tal temática é comumente designada por
‘intervenção do Estado na ordem econômica’, denominação que, em nosso
entender, merece aparas, como se buscará demonstrar a seguir.
2.1 Estado e ‘intervenção’
Antes de tecer qualquer consideração sobre a intervenção do Estado,
propriamente dita, faz-se necessário analisar detidamente o termo ‘intervenção’.
Enquanto etimologicamente (do latim interventum, significando ação ou efeito de
intervir, que por sua vez significa meter-se de permeio, sobrevir) e politicamente
(traduzindo ação excepcional tomada quando se faz necessária a presença de
autoridade para restabelecer ordem instituída) a intervenção tem significado definido,
juridicamente o termo se apresenta de forma diferenciada, de acordo como os
instrumentos legais que a autorizem
12
.
2.1.1 Definição de intervenção a partir da Constituição Federal de 1988
Em nossa Constituição Federal, o termo ‘intervenção’, somado a suas
variantes (não-intervenção, intervirá, interventor, intervindo), aparece 21 vezes no
texto original de 1988. Em 15 ocorrências
13
, o termo é utilizado para designar a
intervenção da União no Distrito Federal ou nos Estados federados, e destes nos
12
SOUSA, Washington Peluso Albino de. Direito econômico. São Paulo: Saraiva, 1980, p. 398.
13
No art. 21, V; no título do Capítulo VI do Título III; no art. 34, caput; no art. 35, caput; no art. 36,
caput e §§ 1
o
(duas vezes) e 4
o
; no art. 49, IV; no art. 57, § 6
o
, I; no art. 60, § 1
o
, no art. 84, X; no art.
90, I; no art. 91, § 1
o
, II; e no art. 129, IV.
9
Municípios
14
. Assume-se, assim, juridicamente, de forma majoritária, definição
semelhante à politicamente concebida.
Em outras três ocasiões, o termo aparece na Constituição Federal com o
sentido de tomada de direção, ou assunção do controle: no inciso I do art. 8
o
; no
inciso VI do art. 139
15
, e no caput do art. 46 do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias
16
. A primeira referência (inciso I do art. 8
o
)
17
pode ser utilizada para
refutar o argumento de que a palavra intervenção tenha, no texto constitucional, o
mesmo significado de interferência, pois não soaria lógico o legislador utilizar de
forma distinta e seqüencial termos sinônimos
18
.
14
A Constituição Federal destaca a excepcionalidade das medidas de intervenção, que se resumirão
às hipóteses relacionadas em seus artigos 34 e 35:
“Art. 34. A União o intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para: I - manter a
integridade nacional; II - repelir invasão estrangeira ou de uma unidade da Federação em outra; III -
pôr termo a grave comprometimento da ordem pública; IV - garantir o livre exercício de qualquer dos
Poderes nas unidades da Federação; V - reorganizar as finanças da unidade da Federação que: a)
suspender o pagamento da dívida fundada por mais de dois anos consecutivos, salvo motivo de força
maior; b) deixar de entregar aos Municípios receitas tributárias fixadas nesta Constituição, dentro dos
prazos estabelecidos em lei; VI - prover a execução de lei federal, ordem ou decisão judicial; VII -
assegurar a observância dos seguintes princípios constitucionais: a) forma republicana, sistema
representativo e regime democrático; b) direitos da pessoa humana; c) autonomia municipal; d)
prestação de contas da administração pública, direta e indireta; e e) aplicação do mínimo exigido da
receita resultante de impostos estaduais, compreendida a proveniente de transferências, na
manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ões e serviços públicos de saúde (alínea ‘e’ com
redação dada pela Emenda Constitucional n
o
29, de 2000)”.
“Art. 35. O Estado o intervirá em seus Municípios, nem a União nos Municípios localizados em
Território Federal, exceto quando: I - deixar de ser paga, sem motivo de força maior, por dois anos
consecutivos, a dívida fundada; II - não forem prestadas contas devidas, na forma da lei; III - não tiver
sido aplicado o mínimo exigido da receita municipal na manutenção e desenvolvimento do ensino e
nas ações e serviços públicos de saúde (inciso III com redação dada pela Emenda Constitucional n
o
29, de 2000); e IV - o Tribunal de Justiça der provimento a representação para assegurar a
observância de princípios indicados na Constituição Estadual, ou para prover a execução de lei, de
ordem ou de decisão judicial.”
15
“Art. 139. Na vigência do estado de sítio decretado com fundamento no art. 137, I, poderão ser
tomadas contra as pessoas as seguintes medidas: (...) VI - intervenção nas empresas de serviços
públicos; (...)”.
16
Art. 46. São sujeitos à correção monetária desde o vencimento, até seu efetivo pagamento, sem
interrupção ou suspensão, os créditos junto a entidades submetidas aos regimes de intervenção ou
liquidação extrajudicial, mesmo quando esses regimes sejam convertidos em falência. (...)”.
17
“Art. 8
o
É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte: (...) I - a lei não poderá
exigir autorização do Estado para a fundação de sindicato, ressalvado o registro no órgão
competente, vedadas ao Poder Público a interferência e a intervenção na organização sindical;
(...)”.
18
Cabe aqui, entretanto, ponderar que tal situação aparentemente anômala se manifesta no inciso LV
do art. 5
o
da Constituição Federal (“aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos
acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a
ela inerentes”). Veja-se que os termos ‘meios’ e ‘recursos’ são sinônimos, a menos que se
compreenda que a palavra recurso foi utilizada em sua acepção jurídica de acesso a instância
revisora, entendimento diverso ao que tem sido externado pelo Supremo Tribunal Federal: “Com
efeito, esta Corte, por ambas as suas Turmas, tem entendido que a exigência do depósito prévio de
10
O termo aparece ainda no inciso IV do art. 4
o
, referindo-se à intromissão do
Estado em assuntos ou negócios de outro
19
; e no art. 232, que reflete a acepção de
participação (intervenção de terceiro)
20
.
Dar-se-á destaque, porém, à utilização do termo no contexto do caput do art.
149
21
: “contribuição de intervenção no domínio econômico - CIDE”. O termo vem
sendo mantido nas alterações
22
do texto da Constituição Federal, consolidando que
a incidência do referido tributo - CIDE materializa verdadeira ‘intervenção’ do Estado
na economia.
Assim, são encontradas, no texto da Constituição Federal brasileira,
diferentes designações para a intervenção, o que acaba por dificultar a construção
jurídica de um tratamento para o tema.
2.1.2 A utilização genérica do termo ‘intervenção’
É freqüente a utilização do termo intervenção, de forma genérica, para
designar qualquer atuação do Estado no domínio econômico, seja mediante uma
ação para restabelecer a ordem ou, v.g., preservar o sistema federativo, seja para
regular o mercado, objetivando a manutenção do equilíbrio econômico.
O alargamento do conteúdo do termo ‘intervenção’ é facilmente percebido na
jurisprudência de nosso Supremo Tribunal Federal, que utiliza tanto o conceito
valor relativo à multa para a admissão de recurso administrativo não ofende o disposto nos incisos
XXXV, LIV e LV do artigo 5
o
da Constituição, porquanto não há, nesta, a garantia ao duplo grau de
jurisdição administrativa (assim, nos RREE 169.077 - onde se citam como precedentes a ADI 1.049 e
o RE 210.246 –, 210.135 e 246.271).” (Medida Cautelar em Ação Direta de Inconstitucionalidade
n
o
1.922/DF, Pleno, Rel. Min. Moreira Alves, maioria, DJ de 24 nov. 2000). No mesmo sentido, o
Recurso Extraordinário n
o
286.513/SP (Segunda Turma, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 24 set.
2004).
19
“Art. 4
o
A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes
princípios: (...) IV - não-intervenção; (...)”.
20
“Art. 232. Os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas para ingressar em
juízo em defesa de seus direitos e interesses, intervindo o Ministério Público em todos os atos do
processo.”
21
“Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no
domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de
sua atuação nas respectivas áreas, (...)”.
22
As contribuições de intervenção no domínio econômico são referidas no § 2
o
do art. 149 (incluído
pela Emenda Constitucional n
o
33, de 2001); no inciso III do art. 159 (com a redação dada,
inicialmente, pela Emenda Constitucional n
o
42, de 2003, e, posteriormente, pela n
o
44, de 2004); no
§ 4
o
do art. 177 (incluído pela Emenda Constitucional n
o
33, de 2001); e no art. 76 do Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias (incluído pela Emenda Constitucional n
o
42, de 2003).
Temos, então, atualizando-se o número inicialmente informado, 25 ocorrências do termo ‘intervenção’
(ou de suas variantes) na Constituição Federal vigente.
11
estrito
23
como o conceito amplo
24
de intervenção, e nas referências bibliográficas
sobre o tema.
CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO utiliza indiscriminadamente as
expressões intervenção do Estado no domínio econômico e interferência do
Estado na ordem econômica
25
. MARÇAL JUSTEN FILHO relaciona a regulação
econômico social entre as “atividades do Estado”, destacando que esta “consiste na
opção preferencial do Estado pela intervenção indireta, puramente normativa”
26
.
JOÃO BOSCO LEOPOLDINO DA FONSECA usa a expressão “intervenção no
setor econômico” como sinônima de “atuação no domínio econômico”
27
.
JOSÉ AFONSO DA SILVA faz interessante distinção, tratando a atuação do
Estado na economia” como gênero subdividido em duas espécies: a participação
(exploração direta de atividade econômica pelo Estado) e a intervenção(atuação
do Estado como agente normativo e regulador da ordem econômica)
28
.
HELY LOPES MEIRELLES sustenta que “a Constituição de 1988 restringiu a
possibilidade de interferência do Estado na ordem econômica, não mais falando de
intervenção, mas de atuação”, entendida como a interferência do Estado na
iniciativa privada
29
.
23
Veja-se, v.g., excerto da ementa do julgamento do Mandado de Segurança n
o
21.041/RO (Pleno,
Rel. Min. Celso de Mello, unânime, DJ de 13 mar. 1992): “O instituto da intervenção federal,
consagrado por todas as constituições republicanas, representa um elemento fundamental na própria
formulação da doutrina do Federalismo, que dele não pode prescindir - inobstante a excepcionalidade
de sua aplicação -, para efeito de preservação da intangibilidade do vínculo federativo, da unidade do
Estado Federal e da integridade territorial das unidades federadas (sic).”.
24
Cite-se, v.g., trecho da ementa do julgamento do Recurso Extraordinário n
o
422.941/DF
(Segunda Turma, Rel. Min. Carlos Velloso, maioria, DJ de 24 mar. 2006): “A intervenção estatal na
economia, mediante regulamentação e regulação de setores econômicos, faz-se com respeito aos
princípios e fundamentos da Ordem Econômica. CF, art. 170”.
25
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 22. ed. rev. e atu. São
Paulo: Malheiros, 2007, p. 764 e 765.
26
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 447 e
449.
27
FONSECA, João Bosco Leopoldino da. Direito Econômico. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 244
a 247.
28
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 15. ed. rev. e atu. São Paulo:
Malheiros, 1998, p. 770.
29
A oração se encontra tanto na versão alterada pelos atualizadores (MEIRELLES, Hely Lopes.
Direito Administrativo Brasileiro. 29. ed. atu. por Eurico de Andrade Azevedo, Délcio Balestero
Aleixo e José Emmanuel Burle Filho. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 615-616) quanto na
originalmente escrita por Hely Lopes Meirelles (Direito Administrativo Brasileiro. 16. ed. atual. pela
Constituição de 1988. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991, p. 536).
12
Para EROS ROBERTO GRAU, a discussão a respeito da inconveniência ou
incorreção no uso dos vocábulos intervenção ou atuação é inócua: quando o
Estado atua no domínio econômico, em área de titularidade do setor privado, ocorre
a intervenção
30
. Assim, o jurista afirma que, quando se refere à atuação do Estado
na esfera do privado, pouco importa se se está utilizando o vocábulo ‘atuação’ (ou
‘ação’) do Estado, ou intervenção
31
. Entretanto, o termo ‘intervenção’ não pode ser
utilizado quando o Estado está a prestar serviço público ou a regular sua prestação,
pois, na hipótese, a atuação ocorre em área de sua titularidade
32
. A intervenção,
assim, conota atuação estatal no campo da atividade econômica em sentido estrito
e a atuação estatal, ação no campo da atividade econômica em sentido amplo
33
.
Tendo em vista o exposto, que denota substancial conflito na utilização do
termo ‘intervenção’, optamos por não fornecer a tal termo o conteúdo alargado que
constantemente lhe é atribuído em várias obras jurídicas, mantendo a intervenção
como espécie do gênero atuação do Estado na ordem econômica. Ademais, a
utilização do vocábulo intervenção acaba por externar o preconceito liberal de
repúdio a qualquer interferência do Estado no domínio econômico
34
.
Utilizaremos, assim, neste trabalho, a terminologia ‘atuação do Estado na
ordem econômica’, não pela melhor adequação do termo ao conteúdo que
descreve, mas pela possibilidade de sua aplicação a qualquer sistema econômico
(não importando a intensidade com a qual o Estado desenvolve, regula ou planeja a
atividade econômica).
2.2 Atuação do Estado na ordem econômica
A sucessão de eventos em que direito e economia se confrontaram
historicamente em uma perspectiva integracionista leva à indagação a respeito da
razão jurídica que imperou em cada período histórico
35
.
Assim, a exacerbada atuação estatal do período mercantilista, em que a
preocupação era com a prosperidade do Estado, sem ter em conta a relação entre
30
GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988 (interpretação e crítica). 10
ed. rev. e atu. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 74 e 93.
31
Ibidem, p. 93.
32
Idem.
33
Ibidem, p. 147.
34
SOUSA, Washington Peluso Albino de. Direito..., op. cit., p. 399.
35
FONSECA, João Bosco Leopoldino da. Direito..., op. cit., p. 215-216.
13
ela e o bem estar dos indivíduos, gerou movimento contrário com a mesma
intensidade: o exagerado liberalismo puro, que pregava a não interferência do
Estado na ordem econômica
36
. Não tarda, porém, seja a partir das crises do
capitalismo liberal no início do século XX, seja por meio de estudos teóricos, como o
referente à chamada lei da concentração
37
, a descoberta de que o mercado, por si
só, não garante a manutenção da ordem econômica.
No pós-guerra, então, surge, no âmbito internacional, a tentativa de
regramento da economia, com a citada ‘Nova Ordem Econômica Internacional
(NOEI)’. Reconhecendo ou o as diretrizes internacionais dessa nova ordem
econômica, o Estado passa, então, a atuar na economia para corrigir distorções,
propiciar o equilíbrio de mercado e evitar os efeitos nocivos da lei da concentração.
No novo sistema econômico, alcunhado de neoliberalismo, o Estado assume, em
regra, papel subsidiário, de regulação e estímulo. Contudo, em determinadas
ocasiões, constitucionalmente previstas, pode o Estado atuar diretamente na
economia. A proibição de interferência estatal na economia pregada pelo liberalismo
dá lugar à excepcionalidade de atuação defendida pelo neoliberalismo.
Uma das publicações que melhor resume a função do Estado face à atividade
econômica, em contexto atual e histórico, é a encíclica papal Centesimus Annus,
promulgada em 1
o
/5/1991, por João Paulo II. No texto, o sumo pontífice afirma:
A atividade econômica, em particular a da economia de mercado,
não se pode realizar num vazio institucional, jurídico e político. Pelo
contrário, supõe segurança no referente às garantias da liberdade
individual e da propriedade, além de uma moeda estável e serviços
públicos eficientes. A principal tarefa do Estado é, portanto, a de
garantir esta segurança, de modo que quem trabalha e produz possa
gozar dos frutos do próprio trabalho e, consequentemente, se sinta
estimulado a cumpri-lo com eficiência e honestidade. A falta de
segurança, acompanhada pela corrupção dos poderes públicos e
pela difusão de fontes impróprias de enriquecimento e de lucros
fáceis fundados em atividades ilegais ou puramente especulativas, é
36
PEREIRA, Affonso Insuela. O direito econômico na ordem jurídica. São Paulo: José Bushatsky,
1974, p. 138-139.
37
Na economia capitalista liberal, baseada na concorrência, as empresas buscam o crescimento,
visto que as que não se revelarem como dominadoras, certamente serão dominadas. Esse
crescimento indefinido e fatal explica a chamada lei da concentração. Empresa concentrada, nesse
contexto, é a que assume dimensionamento avultado em relação às suas concorrentes e acaba por
destruí-las ou impedir-lhes a ação livre sob pena de levá-las ao fracasso (SOUSA, Washington
Peluso Albino de. Direito..., op. cit., p. 424-425).
14
um dos obstáculos principais ao desenvolvimento e à ordem
econômica.
38
Abstraindo-se do sistema econômico e político, e das questões geográficas e
históricas, mas reconhecendo a essencialidade da eficaz atuação do Estado na
ordem econômica, buscamos estabelecer de que formas pode se dar tal atuação.
Nessa busca, recorremos a alguns juristas brasileiros, que, com fundamento nas
incumbências estatais para a manutenção do equilíbrio na economia e para o
desenvolvimento econômico e social, adotam classificações no que tange aos
modos de atuação do Estado na ordem econômica.
CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO afirma que “a intervenção do
Estado na ordem econômica” se de três modos: por meio do poder de polícia
(como agente normativo e regulador da ordem econômica); mediante incentivos à
iniciativa privada (benefícios fiscais a segmentos específicos); e pela própria
atuação direta do Estado, em casos excepcionais
39
. Bastante semelhante é a
classificação de MARÇAL JUSTEN FILHO, que subdivide a atividade administrativa
estatal em quatro tipos: a limitadora da autonomia privada (poder de polícia, com
natureza essencialmente preventiva e repressiva); a reguladora econômico-social
(sendo a regulação o instrumento para promover os fins essenciais do Estado); a
prestadora de serviço público; e a que explora diretamente a atividade
econômica
40
.
JOSÉ AFONSO DA SILVA, como já ressaltado aqui, fala em atuação do
Estado por participação (exploração direta de atividade econômica) e intervenção
(como agente normativo e regulador)
41
.
EROS ROBERTO GRAU identifica três modalidades de atuação (empregando
também a palavra ‘intervenção’) do Estado: por absorção ou participação
(assumindo o Estado, respectivamente, a integralidade dos meios de produção em
determinado setor, mediante monopólio, ou o controle de parcela dos meios de
38
A Encíclica Centesimus Annus foi promulgada em comemoração ao centenário da Encíclica Rerum
Novarum, do Papa Leão XIII. O texto integral, em português, da Centesimus Annus está disponível
em: <http://www.vatican.va/edocs/POR0067>. Acesso em 23 jan. 2008.
39
Curso de..., op. cit., p. 765.
40
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de..., op. cit., p. 385, 447, 478 e 556.
41
SILVA, José Afonso da. Curso de..., op. cit., p. 770. De modo semelhante, Maria Sylvia Zanella di
Pietro dispõe que a ‘intervenção’ compreende a regulamentação e fiscalização da atividade
econômica de natureza privada, bem como a atuação direta do Estado no domínio econômico
(Direito Administrativo. 14. ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 60).
15
produção, em regime de competição com o setor privado), por direção (exercendo o
Estado pressão sobre a economia por meio de mecanismos e normas de
comportamento compulsórios) e por indução (manipulando o Estado os
instrumentos de ‘intervenção’, em consonância e na conformidade das leis que
regem o funcionamento dos mercados)
42
.
Partindo das classificações aqui apresentadas, entendemos que a adotada
pelo Ministro EROS ROBERTO GRAU melhor esquematiza a realidade encontrada
no sistema jurídico. Chegamos, assim, à conclusão de que a atuação estatal pode
ser subdividida em direta (em regime monopolístico ou o) ou indireta (que
denominamos regulatória), podendo esta ser efetuada por direção (que abarca,
além de medidas normativas que determinam comportamentos, o exercício do poder
de polícia) ou por indução (que envolve as medidas normativas que estimulam ou
desestimulam comportamentos).
A seguir, serão tratados mais detidamente alguns aspectos referentes a cada
uma das subdivisões resultantes da classificação adotada.
2.2.1 Atuação direta
Convém inicialmente distinguir a atuação direta do Estado na atividade
econômica da atuação do Estado no que se refere aos serviços públicos.
No Brasil, a Constituição Federal de 1988 consagrou, na ordem econômica,
um regime fundado nos princípios da livre iniciativa e da livre concorrência,
inaplicáveis aos serviços públicos, que representam a satisfação concreta de
necessidades, ligadas aos direitos fundamentais
43
. Assim, que se diferenciar dos
serviços públicos os serviços governamentais ligados à exploração de atividade
econômica subtraída da ou compartilhada com a livre iniciativa.
Como ensina CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, serviço público é
[...] toda atividade de oferecimento de utilidade ou comodidade
material destinada à satisfação da coletividade em geral, mas frvel
singularmente pelos administrados, que o Estado assume como
pertinente a seus deveres e presta por si mesmo ou por quem lhe
faça as vezes, sob um regime de Direito Público - portanto,
consagrador de prerrogativas de supremacia e de restrições
especiais -, instituído em favor dos interesses definidos como
públicos no sistema normativo.
42
GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica..., op. cit., p. 148-149.
43
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de..., op. cit., p. 479 e 558.
16
[…] os serviços correspondentes à exploração de atividade
econômica são serviços privados, atividades privadas, e não serviços
públicos (excetuado o caso dos serviços de educação e saúde, que,
[...] embora também assistam no campo da atividade econômica,
serão serviços públicos quando prestados pelo Estado.
44
A Constituição Federal de 1988 adota ainda o princípio da subsidiariedade,
admitindo a atuação direta do Estado somente em casos excepcionais, em que tal
alternativa se apresente como adequada e necessária (atributos relacionados ao
chamado princípio da proporcionalidade) para a satisfação de necessidades
determinadas
45
.
Na Constituição Federal estabelece-se que constituem monopólio da União:
a pesquisa e a lavra das jazidas de petróleo e gás natural e outros
hidrocarbonetos fluidos (art. 177, I); a refinação do petróleo nacional ou estrangeiro
(art. 177, II); a importação e exportação dos produtos e derivados básicos
resultantes de tais atividades de pesquisa, lavra e refinação (art. 177, III); o
transporte marítimo do petróleo bruto de origem nacional ou de derivados
básicos de petróleo produzidos no País, bem assim o transporte, por meio de
conduto, de petróleo bruto, seus derivados e gás natural de qualquer origem (art.
177, IV); e a pesquisa, a lavra, o enriquecimento, o reprocessamento, a
industrialização e o comércio de minérios e minerais nucleares e seus derivados,
com exceção dos radioisótopos cuja produção, comercialização e utilização poderão
ser autorizadas sob regime de permissão (art. 177, V, com a redação dada pela
Emenda Constitucional n
o
49, de 2006). Podem-se identificar também como
atividades econômicas monopolísticas (e não como serviços públicos) as descritas
no § 2
o
do art. 26, com a redação dada pela Emenda Constitucional n
o
5, de 1995
(competência para os Estados explorarem diretamente, ou mediante concessão, os
serviços locais de gás canalizado, na forma da lei)
46
, e nos incisos X
(competência para manter o serviço postal e o correio aéreo nacional)
47
, VII, XI e XII
(competências para emitir moeda; para explorar, diretamente ou mediante
autorização, concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações; e para
44
Curso de..., op. cit., p. 650 e 672.
45
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de..., op. cit., p. 559.
46
Ibidem, p. 561.
47
FERRAZ, Sérgio. Intervenção do Estado no Domínio Econômico Geral: Anotações. In: BACELLAR
FILHO, Roberto Felipe (coord.). Direito administrativo contemporâneo: estudos em memória do
Professor Manoel de Oliveira Franco Sobrinho. Belo Horizonte: Fórum, 2004, p. 329.
17
explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os
serviços de radiodifusão sonora, e de sons e imagens, os serviços e instalações de
energia elétrica e o aproveitamento energético dos cursos de água, a navegação
aérea, aeroespacial e a infra-estrutura aeroportuária; os serviços de transporte
ferroviário e aquaviário entre portos brasileiros e fronteiras nacionais, ou que
transponham os limites de Estado ou Território; os serviços de transporte rodoviário
interestadual e internacional de passageiros; e os portos marítimos, fluviais e
lacustres) do art. 21 da Constituição Federal
48
.
Estabelece ainda o texto do art. 173 da Constituição Federal que a exploração
direta da atividade econômica pelo Estado brasileiro se permitida quando
necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse
coletivo, conforme definido em lei
49
.
Os conceitos de segurança nacional e relevante interesse coletivo
enquadram-se na categoria que se costuma denominar de “conceitos jurídicos
indeterminados”
50
. Embora não seja objetivamente determinável seu conteúdo, por
ser demasiadamente complexo delimitar o que é necessário aos imperativos da
segurança nacional ou de relevante interesse coletivo, em casos controversos
(faixas de incerteza), pode-se identificar o que definitivamente se enquadra ou não
em tais conceitos (faixas de certeza)
51
.
No que se refere à atuação do Estado em regime não monopolista (por
empresas públicas, sociedades de economia mista e suas subsidiárias), limitar-nos-
emos a afirmar que tais empresas, em que pese sua instituição e seu estatuto
figurarem em lei, possuem regime híbrido (enquanto os direitos e obrigações civis,
comerciais, trabalhistas e tributários estão sujeitos ao regime jurídico próprio das
empresas privadas, a licitação e contratação de obras, serviços, compras e
alienações, devem observância aos princípios da administração pública) e não
48
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 29. ed. ..., op. cit., p. 618;
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 16. ed. ..., op. cit., p. 538-539.
49
Celso Antônio Bandeira de Mello defende que a menção deve ser entendida como feita à lei
complementar, pois, se bastasse lei ordinária, qualquer lei expedida para criar ente estatal, ipso facto,
estaria qualificando-o como de relevante interesse coletivo ou necessário aos imperativos da
segurança nacional (Curso de..., op. cit., p. 764-765).
50
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de..., op. cit., p. 559; e MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso
de..., op. cit., p. 672.
51
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de..., op. cit., p. 672.
18
poderão gozar de privilégios fiscais não extensivos às empresas do setor privado,
por força do disposto no § 2
o
do art. 173 da Constituição Federal.
O fenômeno das privatizações revela a diminuição da atuação estatal direta
em determinadas atividades econômicas, passando o Estado a atuar de forma
indireta, essencialmente como agente regulador. Nesse contexto, percebe-se a
ampliação das atividades de fiscalização e controle sobre o comportamento do
particular responsável pela atividade econômica.
2.2.2 Atuação regulatória por direção
A atuação do Estado para regular a atividade econômica por direção
manifesta-se na disciplina normativa legal e regulamentar e no exercício do poder de
polícia. Podem ser ainda mencionadas, nesse contexto, medidas específicas como a
repressão ao abuso do poder econômico (enquadrável, v.g., no exercício do poder
de polícia) e o tabelamento de preços (que pode ser classificado, v.g., como
disciplina normativa)
52
.
Como afirma EROS ROBERTO GRAU, na atuação indireta (regulatória) por
direção “o Estado exerce pressão sobre a economia, estabelecendo mecanismos e
normas de comportamento compulsório para os sujeitos da atividade econômica em
sentido estrito”
53
.
A positivação da atuação regulatória do Estado em nossa Constituição
Federal se encontra no caput do art. 174 (que incumbe ao Estado, na forma da lei,
como agente normativo e regulador da atividade econômica, as funções de
fiscalização, incentivo
54
e planejamento
55
, sendo este determinante para o setor
público e indicativo para o setor privado).
Também os §§ 4
o
(dispondo que “a lei reprimirá o abuso do poder econômico
que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento
arbitrário dos lucros”) e 5
o
(que dispõe sobre a responsabilidade da pessoa jurídica
por atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia
52
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 29. ed. ..., op. cit., p. 618-622;
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 16. ed. ..., op. cit., p. 539-543.
53
A ordem econômica..., op. cit., p. 148.
54
O incentivo será tratado na próxima subseção (2.2.3), referente à intervenção regulatória por
indução.
55
O planejamento não constitui modalidade de atuação indireta por regulação. Em verdade, concluir-
se-á, ao final deste tópico, que este sequer constitui modalidade de atuação do Estado na ordem
econômica, em sentido estrito. Já o incentivo pode ser enquadrado na modalidade de atuação
indireta por indução.
19
popular) do art. 173 da Constituição Federal versam sobre regulação, em que pese
estarem posicionados indevidamente como parágrafos de um artigo que trata de
tema diverso
56
.
Desse modo, poderá o Estado, para a realização de direitos fundamentais,
exercer seu poder de polícia, limitando o exercício da autonomia privada, desde que
respeitados os princípios democrático, da legalidade e da proporcionalidade
57
.
Poderá ainda editar normas, dentro das políticas de governo, tendentes a
implementar medidas para garantir o equilíbrio na atividade econômica e a correção
de eventuais distorções.
Pela diversidade de áreas a serem objeto de fiscalização e controle estatal no
domínio econômico, e pela complexidade das atividades econômicas em
determinados setores, o Estado tem adotado ainda mecanismos de fiscalização que
vão além da simples disposição genérica em leis esparsas sobre a matéria, como a
criação de Agências Reguladoras
58
.
Percebe-se, pela análise das Emendas Constitucionais n
o
5 a 9, 12 e 19, que
não a atuação direta, mas a regulatória por direção encontram-se em progressiva
retração (fenômeno que se costuma designar como desregulamentação em marcha,
em favor da eficiência)
59
.
2.2.3 Atuação regulatória por indução
Tratada mais pelas obras de Direito Tributário do que pelas referentes ao
Direito Administrativo, a atuação regulatória do Estado na atividade econômica por
indução de comportamento opera mediante fomento (concedendo-se incentivos, v.g.
benefícios fiscais) ou dissuasão (impondo-se situações desfavoráveis, como cargas
tributárias em patamares mais elevados)
60
.
56
Concordamos aqui com o Juiz Federal aposentado e conselheiro do CADE João Bosco Leopoldino
da Fonseca, quando este afirma que a matéria tratada nos referidos parágrafos “deveria ter sido
colocada como um artigo, como ocorreu na Constituição de 1946, [...] porque o assunto ali versado
não se inclui como dependente do caput(Direito..., op. cit., p. 236). O caput e o § 4
o
do art. 173 da
Constituição Federal de 1988 equivalem aos arts. 146 e 148 da Constituição Federal de 1946,
respectivamente.
57
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de..., op. cit., p. 385 a 387.
58
SUNFELD, Carlos Ari. Serviços Públicos e regulação estatal: introdução às Agências Reguladoras.
In: SUNFELD, Carlos Ari (coord.). Direito Administrativo Econômico. São Paulo: Malheiros, 2006,
p. 29 a 32.
59
FERRAZ, Sérgio. Intervenção..., op. cit., p. 331.
60
FONSECA, João Bosco Leopoldino da. Direito..., op. cit., p. 242.
20
Nas palavras de EROS ROBERTO GRAU, na atuação indireta (regulatória)
por indução “o Estado manipula os instrumentos de intervenção em consonância e
na conformidade das leis que regem o funcionamento dos mercados”, cabendo ao
agente econômico em sentido estrito a opção de se deixar ou não seduzir pela
norma indutora
61
.
A Constituição Federal de 1988, que positiva a atuação regulatória no caput
do seu art. 174 (como exposto na subseção 2.2.2 deste estudo), traz exemplos de
tal modalidade de atuação estatal no estímulo ao cooperativismo e outras formas de
associativismo 2
o
do art. 173), no favorecimento da organização da atividade
garimpeira em cooperativas 3
o
do art. 173), no incentivo às microempresas e às
empresas de pequeno porte (art. 179) e na manutenção da Zona Franca de Manaus
(arts. 40 e 92 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias) até 2023. Ainda
como exemplo da atuação regulatória por indução, mas agora no sentido de
imposição de situação desfavorável, para desestimular determinadas atividades
econômicas, cabe mencionar as contribuições de intervenção no domínio
econômico, já referidas no início da subseção 2.1.1 deste estudo.
A atuação estatal regulatória por indução será analisada em maiores
detalhes, no presente estudo, no capítulo 4, referente ao caráter regulatório da
tributação no comércio exterior. A utilização dos tributos com efeitos que extrapolam
a mera finalidade de arrecadação busca contribuir para o desenvolvimento
econômico e para a correção de distorções como a acumulação de capital, o
desemprego e a concentração de renda
62
.
Por derradeiro, destaque-se que, embora pareça enquadrar-se na atuação
estatal regulatória por indução, o planejamento econômico o se constitui
propriamente em uma modalidade de atuação na ordem econômica, mas em um
importante e moderno instrumento para a atuação econômica, que opera quando
externados (em normas ou em ações concretas) seus efeitos
63
.
61
A ordem econômica..., op. cit., p. 149-150.
62
GOUVÊA, Marcus de Freitas. A extrafiscalidade no Direito Tributário. Belo Horizonte: Del Rey,
2006, p. 88-101 passim.
63
GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica..., op. cit., p. 151.
3 A TRIBUTAÇÃO E O CONTROLE DO COMÉRCIO EXTERIOR
COMO MANIFESTAÇÕES DA ATUAÇÃO DO ESTADO NA
ORDEM ECONÔMICA
Expostas nossas considerações sobre a atuação do Estado na ordem
econômica, reduziremos nosso universo de análise às atividades tributárias e de
comércio exterior, no intuito de identificar semelhanças e diferenças na atuação do
Estado como ente tributante e como ente controlador do comércio exterior.
3.1 A atuação do Estado como ente tributante
Ao perguntarmos por que o Estado atua como ente tributante, parece
imediata a resposta de que ele assim o faz para arrecadar recursos para os cofres
públicos. De fato, é inegável que a tributação é uma incumbência do Estado, que
não sobrevive sem recursos suficientes para fazer frente às necessidades que este
se propõe a atender, de acordo com o modelo político-econômico adotado
64
.
Já ensinava GERALDO ATALIBA que as normas tributárias “atribuem dinheiro
ao estado e ordenam comportamentos, dos agentes públicos, de contribuintes e de
terceiros, tendentes a levar (em tempo oportuno, pela forma correta, segundo os
critérios previamente estabelecidos e em quantia legalmente fixada) dinheiro dos
particulares para os cofres públicos”
65
.
Parafraseando o professor da Faculdade de Direito de Lisboa J. L.
SALDANHA SANCHES, em artigo escrito em conjunto com JOÃO TABORDA DA
GAMA, não Estado sem direitos, nem direitos sem tributos
66
. Contudo, como
destaca seu conterrâneo JOSÉ CASALTA NABAIS, houve e algumas exceções
(que o próprio autor considera pouco significativas) a esse Estado dito ‘Fiscal’:
[...] o estado absoluto do iluminismo - que foi predominantemente
um estado não fiscal, uma vez que o seu suporte financeiro foram
64
A metodologia adotada nos afasta da discussão de aspectos ideológicos sobre os modelos político-
econômicos adotados pelos Estados. Contudo, é certo que quanto mais assistencialista o modelo
adotado pelo Estado, maiores serão os recursos demandados para sua manutenção. Adicione-se que
a eficiência na arrecadação e no manejo financeiro dos recursos arrecadados também constitui fator
decisivo na determinação do montante a ser exigido a título de tributos pelo Estado.
65
Hipótese de incidência tributária. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 30.
66
Pressuposto administrativo e pressuposto metodológico do princípio da solidariedade social: a
derrogação do sigilo bancário e a cláusula geral anti-abuso. In: GRECO, Marco Aurélio; GODÓI,
Marciano Seabra de (coordenadores). Solidariedade social e tributação. São Paulo: Dialética,
2005, p. 91.
22
fundamentalmente, de um lado e em continuação das instituições
medievais que o precederam, as receitas do seu patrimônio ou
propriedade e, de outro, os rendimentos da actividade comercial e
industrial por ele próprio assumida e desenvolvida em tributo ao
ideário iluminista. Também os estados “socialistas” são (quanto
aos que ainda subsistem) estados não fiscais, pois, que enquanto
productive states, a sua base financeira assenta essencialmente nos
rendimentos da actividade económica produtiva por eles
monopolizada ou hegemonizada, e não em impostos lançados sobre
os seus cidadãos, impostos estes a que assim falta o próprio
pressuposto econômico. Finalmente, certos estados que, em
virtude do grande montante de receitas provenientes, por exemplo,
da exploração de matérias-primas (petróleo, gás natural, ouro etc.)
ou até da concessão do jogo (como o naco ou Macau), podem
dispensar os respectivos cidadãos de constituírem com os seus
rendimentos e patrimônios o seu principal suporte financeiro.
67
(grifos
nossos)
Admitindo, assim, a necessidade de tributação para a manutenção das
atividades estatais, como regra, passa-se a analisar o processo histórico de
legitimação do Estado como ente tributante.
RUY BARBOSA NOGUEIRA sintetiza a evolução da relação tributária
observando que
[...] nos primórdios a prestação tributária ficava ao arbítrio dos
particulares, como um favor ou auxílio destes à comunidade; numa
nova fase essa requisição foi passando para o arbítrio do soberano
que ia exigindo sem critérios, apenas dentro da relação de força ou
poder e, finalmente, dentro da evolução do Estado de Direito, foi
passando a ser exigida por meio da relação jurídica, que significa
em virtude de lei, na medida por esta prevista e fixada, com a
possibilidade de a lei ser interpretada e aplicada, conclusivamente,
pelo Poder Judiciário.
68
(grifos nossos)
FRITZ NEUMARK constata que a tributação converteu-se progressivamente
de recurso público extraordinário e secundário em recurso ordinário, até chegar a ser
o mais importante instrumento de financiamento do Estado
69
.
RICARDO LOBO TORRES, relacionando o processo histórico de legitimação
da tributação à idéia de liberdade, fala de um Estado Patrimonial (que se
desenvolve do colapso do feudalismo até o advento do absolutismo esclarecido e da
política de bem-estar, representando um Estado no qual o tributo ainda não
67
O dever fundamental de pagar impostos: contributo para a compreensão constitucional do
estado fiscal contemporâneo. Coimbra: Almedina, 1998, p. 193.
68
Curso de direito tributário. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 6.
69
Principios de la imposición. Trad. José Zamit Ferrer. Madrid: Instituto de Estúdios Fiscales, 1974,
p. 32-33.
23
ingressava plenamente na esfera da publicidade, sendo apropriado de forma
privada), sucedido por um Estado de Polícia (modernizador, intervencionista,
centralizar e paternalista, representado politicamente pelo absolutismo esclarecido e
economicamente pelo mercantilismo), que culmina em um Estado Fiscal (como
figuração do Estado de Direito, com economia capitalista e liberalismo político e
financeiro, publicizando-se a tributação)
70
.
Temos, então, que a atividade estatal de tributação (que em princípio não era
exatamente estatal) desvencilha-se das justificações na força e no poder do
soberano para ceder lugar, em um Estado de Direito, à relação jurídica subordinada
aos ditames constitucionais. Assim, a atuação do Estado como ente tributante passa
a dever obediência aos limites estabelecidos no texto da Constituição Federal.
Como afirma DALTON LUIZ DALLAZEM, a tributação “é o ingresso
autorizado, ou seja, dentro de certos limites, no direito de liberdade e propriedade
dos cidadãos, respeitados o mínimo vital, as imunidades, a isonomia, a legalidade, a
irretroatividade, a anterioridade etc.”
71
.
Essa interferência na liberdade e no patrimônio dos cidadãos, por meio da
atuação do Estado como ente tributante, tem sido cada vez mais marcada pela
busca direta do atingimento de ideais abstratos definidos como objetivos do Estado
(v.g. construção de uma sociedade livre, justa e solidária; garantia do
desenvolvimento nacional; erradicação da pobreza e da marginalização e redução
das desigualdades sociais e regionais; e promoção do bem de todos,
indiscriminadamente
72
).
A atuação do Estado como ente tributante, assim, tem assumido feições
‘extrafiscais’
73
, caracterizando não só um aspecto regulatório por direção, mas
também por indução.
No Brasil, a Administração Tributária federal
74
está a cargo da Secretaria da
70
A idéia de liberdade no Estado Patrimonial e no Estado Fiscal. Rio de Janeiro: Renovar, 1991,
p. 13, 14, 51, 52 e 97.
71
O princípio constitucional tributário do não-confisco e as multas tributárias. In: FISCHER, Octavio
Campos (coord.). Tributos e Direitos Fundamentais. São Paulo: Dialética, 2004, p. 22.
72
Optamos por exemplificar com os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil,
constantes do art. 3
o
da Constituição Federal de 1988.
73
Em tópico específico deste trabalho serão efetuadas considerações formais e materiais à
‘extrafiscalidade’.
74
A Administração Tributária será analisada mais detalhadamente em subseção específica deste
trabalho (5.4.1), com o propósito de diferenciá-la da Administração Aduaneira.
24
Receita Federal do Brasil - RFB, órgão integrante da estrutura do Ministério da
Fazenda.
3.2 A atuação do Estado como ente controlador do comércio exterior
A dificuldade que os países possuem em produzir alguns bens em quantidade
e qualidade compatíveis com a demanda de suas populações e a aptidão que cada
país (por suas condições geográficas, econômicas, técnicas ou culturais) possui
para produzir determinados bens, inclusive em escala superior a seu consumo
interno, são apontadas pelas teorias econômicas como fatores responsáveis pelo
nascimento e pelo desenvolvimento do comércio internacional
75
.
Contudo, quando o discurso passa do comércio internacional - que abrange
os intercâmbios de bens entre todos os países ou blocos econômicos, em geral -,
para o comércio exterior - que designamos como o intercâmbio de bens que um
Estado ou bloco efetua com outro(s)
76
, as teorias nem sempre se mostram
aplicáveis. Isso se deve a fatores como limitação na especialização (vejam-se
nossas frustrantes experiências com monoculturas, brilhantemente narradas por
CELSO FURTADO em sua mais lebre obra
77
), segurança nacional (em que
pesem condições adversas, os países costumam buscar a manutenção da produção
75
O economista BRUNO RATTI destaca algumas teorias econômicas justificativas do comércio
internacional, da teoria das vantagens absolutas (derivada dos estudos de Adam Smith,
especialmente em sua ‘Riqueza das Nações’, na qual se pregava que cada país deve concentrar-se
naquilo que pode produzir a custo mais baixo e trocar parte dessa produção por artigos que custem
menos em outros países) até a teoria mais aceita atualmente, conhecida como teoria de Heckscher-
Ohlin (elaborada pelo economista sueco Bertil Ohlin, em 1933, com base em estudos realizados por
seu compatriota Eli Heckscher) ou da dotação relativa dos fatores de produção (que afirma ser a
causa das diferenças dos custos de produção que determinam o comércio internacional a
desigualdade na distribuição dos recursos-fatores entre os países) (Comércio internacional e
câmbio. 8. ed. São Paulo: Aduaneiras, 1994, p. 321-332 passim).
76
Roosevelt Baldomir Sosa define comércio exterior como a atividade do Estado com relação a seu
comércio externo e comércio internacional como área específica percebida nas trocas comerciais
havidas entre as diversas nações que compõem a comunidade mundial (A Aduana e o Comércio
Exterior. São Paulo: Aduaneiras, 1996, p. 32-33). Para Sâmia Nagib Maluf, comércio exterior é a
relação direta de comércio entre dois países ou blocos, enquanto comércio internacional designa o
intercâmbio de bens e serviços entre países, resultante das especializações na divisão internacional
do trabalho e das vantagens comparativas dos países (Administrando o comércio exterior do
Brasil. São Paulo: Aduaneiras, 2000, p. 23). Pragmatizando a distinção, observe-se a impropriedade
na referência a um ‘comércio internacional brasileiro’. A expressão correta para se referir ao
intercâmbio comercial do Brasil com outros países ou com blocos regionais é ‘comércio exterior
brasileiro’. É certo, entretanto, que o ‘comércio exterior brasileiro’ se insere no contexto de um
‘comércio internacional’ (expressão que congrega todas as transações comerciais bilaterais e
multilaterais do globo).
77
Na parte final da obra, em que trata de uma perspectiva econômica para as décadas seguintes à
de 50, Celso Furtado afirma que “o sistema de monocultura é, por natureza, antagônico a todo
processo de industrialização” (Formação econômica do Brasil. 25. ed. São Paulo: Editora Nacional,
1995, p. 241.
25
de bens estratégicos como alimentos, energia elétrica etc.), grupos de pressão (às
vezes, práticas restritivas ao comércio exterior decorrem simplesmente de proteção
a segmentos industriais com influência nas decisões do Estado) e o desejo de
industrialização (tendo em vista que o rendimento per capita no setor industrial é
normalmente maior que no setor primário)
78
.
A atuação do Estado nas atividades de comércio exterior normalmente se
manifesta nas modalidades regulatórias de direção e de indução. Conforme a
política de comércio exterior adotada pelo país, do livre-cambismo ao protecionismo
(extremos raros ladeados pela regra da temperança), menor ou maior será a
participação do Estado como agente regulador.
O papel do Estado de controlar o fluxo de comércio exterior, atendendo às
diretrizes estabelecidas pela política de comércio exterior e externadas nas normas
que disciplinam a matéria, centra-se na adoção de medidas tarifárias e não-tarifárias
nas operações de importação e exportação.
As medidas não-tarifárias externam a atuação estatal regulatória por
direção, mediante o estabelecimento de restrições (v.g. proibição de importação ou
exportação de determinados bens, submissão de importação a licenças e
estabelecimento de cotas de importação) ou a atuação estatal regulatória por
indução, por meio da concessão de incentivos (v.g. procedimentos aduaneiros
simplificados) sem caráter tributário, na importação e na exportação.
As medidas tarifárias, por sua vez, caracterizam essencialmente a atuação
estatal regulatória por indução, mediante o estabelecimento de incentivos (v.g.
regimes aduaneiros especiais e aplicados em áreas especiais) ou desincentivos
(v.g. majoração de impostos de importação e de exportação) com reflexos
tributários, na importação e na exportação.
No Brasil, o controle do comércio exterior, por disposição constitucional (art.
237 da Constituição Federal de 1988), é exercido pelo Ministério da Fazenda, mais
precisamente pela Administração Aduaneira, vinculada à Secretaria da Receita
Federal do Brasil - RFB
79
.
78
RATTI, Bruno. Comércio internacional..., op. cit., p. 333-335.
79
A Administração Aduaneira será analisada mais detalhadamente em subseção específica deste
trabalho (5.4.1), com o propósito de diferenciá-la da Administração Tributária.
4 O CARÁTER REGULATÓRIO DA TRIBUTAÇÃO NO COMÉRCIO
EXTERIOR
Como exposto, a atuação do Estado no comércio exterior tem caráter
regulatório, tanto no que se refere à tributação (onde assume elevado potencial
indutor) quanto em aspectos não-tributários (nos quais representa papel diretor e
indutor). No presente capítulo serão analisadas as formas de atuação regulatória
externadas em tributos.
Porém, antes de se discorrer especificamente sobre a tributação no comércio
exterior e seu caráter regulatório (e, mais especificamente, indutor), estabelecer-se-á
uma crítica à utilização do termo ‘extrafiscalidade’. Buscando-se uma expressão que
possa melhor revelar o conteúdo que o termo se propõe a abarcar, são
apresentadas as principais formas de manifestação de um caráter regulatório da
tributação e algumas críticas à utilização regulatória dos tributos, em geral e no
comércio exterior.
4.1 Caráter regulatório e indutor: uma crítica formal à ‘extrafiscalidade’
HUGO DE BRITO MACHADO, ao discorrer sobre a denominação ‘Direito
Fiscal’
80
, assevera que esta é utilizada como sinônimo de Direito Tributário, talvez
por influência do francês Droit Fiscal e do inglês Fiscal Law, mas etimologicamente,
parece designar algo mais amplo, abrangendo não apenas os tributos, mas todo o
Erário, aproximando-se do Direito Financeiro
81
. Para PAULO DE BARROS
CARVALHO, o ‘Direito Tributário’ (que abre a possibilidade de vermos, com
amplitude, toda a fenomenologia impositiva) é que é mais abrangente do que o
‘Direito Fiscal’ (que polariza no sujeito ativo o foco principal das investigações)
82
.
O termo ‘fiscal’, como revela UBALDO CESAR BALTHAZAR, tem origem no
latim fiscus,
80
Limitar-nos-emos aqui a discutir o uso do termo ‘fiscal’ e de seu derivado ‘extrafiscal’. Em tópico
específico deste trabalho, trataremos mais detidamente da cada vez mais freqüente (hoje beirando a
unanimidade) substituição da expressão ‘Direito Fiscal’ por ‘Direito Tributário’ no Brasil, assim como
do paulatino abandono do termo ‘alfandegárioem prol do uso de ‘aduaneiro’. O que pretendemos
verificar, neste momento, é em que contexto foram e vêm sendo utilizados os termos ‘fiscal’ e
‘extrafiscal’.
81
Curso de Direito Tributário. 21. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 52.
82
Curso de Direito tributário. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 18.
27
[...] que designava um cesto de vime ou junco que os romanos
utilizavam para guardar dinheiro. Em sua evolução semântica, o
mesmo termo passou a ser usado para referenciar a caixa, ou local,
onde se depositava o dinheiro. Mais tarde, o vocábulo passou a
representar o “tesouro do príncipe romano”
83
, ou seja, caixa em que
eram depositadas receitas provinciais do império. Estas se
diferenciavam do “tesouro público ou aerarium, receitas vindas das
províncias senatoriais e fiscos realizados, guardados em uma caixa
de confiança do Senado Romano.
Com o passar dos tempos, o fiscus ganhou maior relevância do que
o aerarium, sendo considerado na república romana o Tesouro
Público (conjunto de bens do Estado), também chamado de Erário
Público ou Fazenda Pública. Tal expressão, hodiernamente, tem um
sentido restrito, transmitindo a idéia apenas de arrecadação e
fiscalização das receitas tributárias, omitindo a obrigação
tributária, o tributo como relação jurídica e, simultaneamente, amplo
ao referir-se também a ingressos não-tributários (preços e
doações).
84
(nota de rodapé e grifos nossos)
LUCIANO AMARO endossa que está superada a denominação ‘Direito
Fiscal’, no Brasil, “não obstante o adjetivo fiscalcontinue sendo empregado, com
freqüência, para qualificar assuntos relacionados com tributos: débitos fiscais,
aspectos fiscais etc.”
85
. (grifos nossos)
De fato, algum tempo era muito comum nos depararmos com o adjetivo
‘fiscal’ com a acepção equivalente a ‘tributário’ (veja-se, v.g., a ementa do Decreto n
o
70.235, de 6/3/1972)
86
, talvez por influência de traduções imprecisas
87
. Também era
comum encontrarmos textos de direito em que houvesse confusão na utilização dos
termos ‘fiscal’ e ‘tributário’ (v.g., o Decreto n
o
63.659, de 20/11/1968, que dispõe
sobre a criação da Secretaria da Receita Federal
88
).
83
Fiscus Caesaris, na lição de Luigi Vittorio Berliri (El impuesto justo. Versão espanhola do original
‘La giusta imposta’. Madri: Instituto de Estudios Fiscales, Ministerio de Hacienda, 1986, p. 40.
84
Historia do tributo no Brasil. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2005, p. 25-26.
85
Direito tributário brasileiro. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 4.
86
Enquanto a ementa afirma que o decreto “dispõe sobre o processo administrativo fiscal e
outras providências”, seu art. 1
o
, afirma que o decreto rege o processo administrativo de
determinação e exigência dos créditos tributários da União e o de consulta sobre a aplicação da
legislação tributária federal” (grifos nossos).
87
O termo ‘fiscal’ é muito utilizado em diversos países, como França, Espanha, Portugal e Argentina.
Como recorda Eduardo Marcial Ferreira Jardim, “o termo ‘fiscal’ compõe a denominação adotada pela
entidade internacional atrelada ao estudo da matéria, intitulada IFA - International Fiscal Association
(Manual de Direito Financeiro e Tributário. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 10).
88
Tal decreto parecia sugerir uma distinção entre os termos ‘fiscal’ e ‘tributário’, quando estabelecia,
em seu art. 3
o
, ‘b’, que compete à Secretaria da Receita Federal “propor medidas de aperfeiçoamento
e regulamentação do Código Tributário Nacional, e outras de política fiscal e tributária que devam
ser submetidas à consideração superior”. Contudo, é de se concluir que tal distinção resulta de mera
falta de rigor terminológico, tendo em vista que o mesmo art. 3
o
não distinguia os dois termos em
28
Porém, um exame atento da legislação emitida pelo Poder Legislativo e pela
própria instituição encarregada da administração tributária federal revela o quanto o
termo ‘fiscal’ está caminhando em direção ao desuso. Nas competências
estabelecidas por lei ao Ministério da Fazenda não mais se utilizaram expressões
como ‘política fiscal’, ‘legislação fiscal’ ou ‘matéria fiscal’
89
. Atualmente, a
Administração Tributária (e não Fiscal), a cargo da Secretaria da Receita Federal do
Brasil - RFB, raramente utiliza, na legislação, expressões adjetivadas por ‘fiscal’
90
.
outras competências estabelecidas à Secretaria (v.g., alíneas ‘d’ e ‘f’, relativas às competências “para
interpretar a legislação fiscal relacionada com suas atribuições, baixando atos normativos”, e
“estudar os efeitos da política tributária no complexo industrial e no comércio interno e externo do
País”).
89
Já na vigência da Constituição Federal de 1988, o Ministério da Economia, Fazenda e
Planejamento (MEFP) recebeu, entre outras, a incumbência de atuar nas seguintes áreas:
administração tributária, administração orçamentária e financeira, comércio exterior e
desenvolvimento industrial e comercial (Lei n
o
8.028, de 12/4/1990, art. 19, V, ‘b’, ‘c’, ‘e’ e ‘g’). Em
1992, o Ministério da Fazenda (MF), resultante do desmembramento do antigo MEFP, passa a
responder pelas áreas de política e administração tributária e aduaneira; fiscalização e
arrecadação”; e de fiscalização e controle do comércio exterior(Lei n
o
8.490, de 19/11, art. 16,
III, ‘b e ‘f’), passando a área de comércio exterior (obviamente excetuadas a fiscalização e o
controle) para o âmbito de competência do Ministério da Indústria, do Comércio e do Turismo (art. 16,
XI, ‘d’). As competências referidas foram todas mantidas na reforma de 1994, promovida pela Medida
Provisória n
o
886, de 30/1/1995, reeditada (sob diversas numerações) até 5/5/1998 (data da Medida
Provisória n
o
1.651-43, convertida na Lei n
o
9.649, de 27/5/1998). Em 1999, promoveu-se nova
alteração na estrutura ministerial por medida provisória (a de n
o
1.799-1, de 21/1/1999), criando-se
um Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (que manteve a competência para atuar nas
áreas de comércio exterior, exceto no que tange a fiscalização e controle). A Medida Provisória n
o
1.799-1 também foi reeditada por diversas vezes, até 31/8/2001 (data da Medida Provisória n
o
2.216-
37), tendo adquirido ‘perenemente o caráter provisório’ (caso o Congresso Nacional jamais viesse a
apreciá-la) em 11/9/2001, conforme dispôs a Emenda Constitucional n
o
32, da mesma histórica data
(art. 2
o
). Na reedição de 29/7/1999, efetuada pela Medida Provisória n
o
1.911-8, o Ministério do
Desenvolvimento, Indústria e Comércio passou a denominar-se Ministério do Desenvolvimento,
Indústria e Comércio Exterior (MDIC) - nome que mantém até hoje. O caráter provisório, entretanto,
não se perenizou. Em 1
o
/1/2003 foi editada nova Medida Provisória reestruturando os Ministérios. A
medida, de n
o
103 (que mantém inalteradas as competências aqui relacionadas, tanto no âmbito do
MF, quanto do MDIC), acabou sendo convertida na Lei n
o
10.683, de 28/5/2003, vigente até os dias
atuais.
90
Veja-se, v.g., que o termo ‘fiscais’ aparece apenas duas vezes no art. 8
o
do Anexo I (Estrutura
regimental do Ministério da Fazenda) do Decreto n
o
6.102, de 30/4/2007, que relaciona as
competências da RFB: “I - planejar, coordenar, supervisionar, executar, controlar e avaliar as
atividades de administração tributária federal [...]; II - propor medidas de aperfeiçoamento e
regulamentação e a consolidação da legislação tributária federal; III - interpretar e aplicar a
legislação tributária [...], editando os atos normativos e as instruções necessárias à sua execução;
[...] V - preparar e julgar, em primeira instância, processos administrativos de determinação e
exigência de créditos tributários da União, relativos aos tributos e contribuições por ela
administrados; VI - acompanhar a execução das políticas tributária e aduaneira e estudar seus
efeitos na economia do País; [...] X - estimar e quantificar a renúncia de receitas administradas e
avaliar os efeitos das reduções de alíquotas, das isenções tributárias e dos incentivos ou
estímulos fiscais, ressalvada a competência de outros órgãos que também tratam desses assuntos;
XI - promover atividades de integração [...] e de educação tributária, bem assim preparar, orientar e
divulgar informações tributárias; XII - formular e estabelecer política de informações econômico-
fiscais
e implementar sistemática de coleta, tratamento e divulgação dessas informações; [...] XV -
negociar e participar de implementação de acordos, tratados e convênios internacionais pertinentes à
matéria tributária e aduaneira; [...] XXI - articular-se com entidades e organismos internacionais e
29
No meio jurídico também se percebe uma diminuição acentuada da utilização
do adjetivo ‘fiscal’, mesmo nas situações em que o próprio texto legal ainda o
mantém
91
.
Pelo exposto, ao utilizarmos o termo ‘fiscal’, geramos no
ouvinte/leitor/intérprete/aplicador a dúvida se estamos nos referindo a um gênero (do
qual ‘tributário’ é espécie), a uma espécie (da qual ‘tributário’ é gênero), ou a um
sinônimo de ‘tributário’. Podemos ainda, aumentando a abrangência da confusão,
argumentar que a atividade fiscal não é restrita à administração tributária ou
financeira (vejam-se, v.g., as atividades fiscais executadas na área aduaneira,
ambiental e sanitária).
Se temos problemas com a utilização da designação ‘fiscal’, maiores eles são
com o termo derivado ‘extrafiscal’. Registre-se que mesmo em alguns países nos
quais é comum utilizar-se a expressão ‘Direito Fiscal’ (já citamos aqui a França e os
Estados Unidos) não existe uma designação específica para o que se convencionou
chamar de ‘extrafiscalidade’
92
.
No Brasil, a denominação ‘extrafiscalidade’ é de largo emprego nas obras
jurídicas, que, em sua maioria, exploram o tema de forma pontual, limitando-se a
afirmar que a ‘extrafiscalidade’ corresponde ao caráter não-arrecadatório, presente
nas diversas modalidades tributárias.
PAULO DE BARROS CARVALHO destaca que a ‘extrafiscalidade’ é termo de
construção puramente doutrinária, usualmente empregado no Direito para
estrangeiros com atuação no campo econômico-tributário [...]” (destaques nossos). Não nos
parece, pela análise do texto, que a reduzida aparição diferenciada do termo ‘fiscais’ tenha sido
proposital.
91
O ‘processo administrativo fiscal’ do Decreto n
o
70.235, de 1972, é majoritariamente designado no
meio jurídico por ‘processo administrativo tributário’ (utilizando-se apenas dos títulos das obras, para
exemplificar, vejam-se: MARINS, James. Direito processual tributário brasileiro: administrativo e
judicial. 3. ed. São Paulo: Dialética, 2003; MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva. Processo
administrativo tributário. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002; MACHADO SEGUNDO,
Hugo de Brito. Processo tributário. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2006;. RIBAS, Lopes Rodrigues; MARIA,
Lídia. Processo administrativo tributário. 2. ed. o Paulo: Malheiros, 2003; BOTALLO, Eduardo
Domigues. Curso de processo administrativo tributário. São Paulo: Malheiros, 2006; WATANABE,
Ippo; PIGATTI JR., Luiz. Manual de processo administrativo tributário. São Paulo: Juarez de
Oliveira, 1999; BONILHA, Paulo Celso B. Da prova no processo administrativo tributário. São
Paulo: Dialética, 2001; MUSSOLINI Júnior, Luiz Fernando. Processo administrativo tributário - Das
decisões terminativas contrárias à Fazenda Nacional. São Paulo: Manole, 2003; KOCK, Deonisio.
Processo administrativo tributário. Curitiba: Momento Atual, 2003; DABUL, Alessandra. Da prova
no processo administrativo tributário. Curitiba: Juruá, 2004; JANCZESKI, Célio Armando.
Processo tributário administrativo e judicial. Florianópolis: OAB/SC, 2004).
92
Marcus de Freitas Gouvêa destaca que na França e nos Estados Unidos, a extrafiscalidadeé
tratada, respectivamente, com os nomes de interventionnisme fiscal/politique fiscale tax policy’. (A
extrafiscalidade..., op. cit., p. 3-4).
30
representar valores finalísticos, definindo-a como “a forma de manejar elementos
jurídicos usados na configuração dos tributos, perseguindo objetivos alheios aos
meramente arrecadatórios”
93
.
Poderíamos, ao invés de empregar o termo ‘extrafiscalidade’, utilizar, a
princípio, expressões como ‘política tributária’, ‘caráter regulatório’, ou ‘caráter
indutor’. Não nos parece adequada a designação ‘política tributária’ pelo fato de o
manejo jurídico do tributo para a finalidade diversa da arrecadatória poder ser
efetuado apenas a partir dos comandos constantes do ordenamento jurídico. Nesse
sentido, o que se costuma designar por ‘extrafiscalidade’ não seria a ‘política
tributária’, mas o ‘instrumento jurídico de atendimento à política tributária’
94
. Na
classificação que adotamos em relação à atuação do Estado na ordem econômica,
podemos inserir a ‘extrafiscalidade’ no contexto da atuação regulatória (em regra,
por indução).
Dessa forma, por meio do manejo de elementos jurídicos utilizados na
configuração de um tributo, podemos induzir (estimulando ou desestimulando) o
sujeito passivo da obrigação tributária à realização de determinados
comportamentos, para obtenção de resultados econômicos (ou sociais, culturais,
ambientais etc.) adequados ao sistema político, externado na ordem jurídica.
Embora este caráter indutor, atrelado a uma dimensão finalística do tributo,
manifeste-se, em diferentes graus, nas várias espécies tributárias, é nos chamados
tributos aduaneiros (imposto de importação e imposto de exportação) que ele
assume sua forma mais intensa.
PAULO DE BARROS CARVALHO afirma que “os chamados tributos
aduaneiros - impostos de importação e de exportação - têm apresentado
relevantíssimas utilidades na tomada de iniciativas diretoras da política
econômica”
95
.
93
Curso de Direito..., op. cit., p. 234-235. Na mesma linha: MACHADO, Hugo de Brito. Curso de
Direito..., op. cit., p. 68; JARDIM, Eduardo Marcial Ferreira. Manual de Direito..., op. cit., p. 260; e
NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Curso de direito..., op. cit, p. 184-185.
94
Eduardo Marcial Ferreira Jardim afirma que a ‘extrafiscalidade’ não representa uma figura jurídica,
pois é instituto pertencente ao campo da ciência das finanças (Manual de Direito..., op. cit., p. 260).
95
Curso de Direito..., op. cit., p. 235.
31
GERALDO ATALIBA, ao se referir ao imposto de importação, assevera que
“não mesmo estudo sobre a extrafiscalidade [...] que possa deixar de considerar
esse imposto”
96
.
RICARDO LOBO TORRES, ao se referir ao estudo da ‘extrafiscalidade’ na
Alemanha, narra que os impostos aduaneiros (por ele denominados de
‘alfandegários’, denominação muito utilizada na época de publicação da obra), que
“exercem precipuamente a função extrafiscal de regular o comércio internacional,
passaram pelo crivo da doutrina, que indagava sobre sua natureza de ingresso
extrafiscal, sem função tributária; prevaleceu, entretanto, a opinião de que os
impostos sobre exportação e importação (Zölle) constituem autênticos tributos, sem
embargo da função extrafiscal que os informa”
97
.
Não hesitamos em afirmar que a função das medidas tarifárias
(essencialmente os impostos de importação e de exportação) não é de carrear
recursos para o Estado. Veja-se que não seria absurdo nem maléfico ao Brasil
cogitarmos a inexistência de impostos aduaneiros, em um futuro próximo ou distante
(de acordo com o grau de industrialização que viermos a atingir). Nos países
desenvolvidos, v.g., são raras as mercadorias tributadas com o imposto de
importação (embora ainda haja, nesses países, várias restrições não-tarifárias às
importações).
De fato, os impostos aduaneiros não possuem, hoje
98
, no Brasil, a finalidade
de financiar o Estado. Manejar as alíquotas de tais impostos com fins arrecadatórios
é medida que não guarda muita coerência. Seria absolutamente incoerente
aumentar, v.g., a alíquota do imposto de importação de determinada mercadoria com
o propósito de aumentar a arrecadação tributária, pois a provável conseqüência do
96
Em prefácio à obra que resulta da tese de doutorado de seu orientando Américo Masset Lacombe
(Imposto de importação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1979).
97
Sistemas constitucionais tributários. Rio de Janeiro: Forense, 1986, p. 638.
98
No passado, a realidade era bem diferente. Em 1941, a Divisão da Receita da Comissão de
Orçamento do Ministério da Fazenda elaborou estudo sobre o comportamento do Imposto de
Importação desde 1823, constatando que até 1913 o imposto sempre respondeu por mais de 48%
(em 1853, chegando a representar 68,16%) de nossa receita geral. Para uma visualização do quadro
evolutivo do imposto, por década, de 1823 a 1963 (que tem por base o referido relatório e um estudo
elaborado pela Fundação Getúlio Vargas), ver: CARLUCI, José Lence. Uma introdução ao Direito
Aduaneiro. 2. ed. São Paulo: Aduaneiras, 2001, p. 58. A realidade não era muito diferente em outros
países. Nos Estados Unidos, a Aduana representou a principal fonte de recursos do governo, e a
arrecadação de tributos aduaneiros foi responsável pela construção de ferrovias, portos e canais, e
até pela fundação da capital, em Washington D.C. (HORTON, Michael J. Import and Customs Law
Handbook. New York: Quorum Books, 1992, p. 3).
32
aumento da alíquota seria a redução do volume de importações da mercadoria. O
manejo das alíquotas dos impostos aduaneiros é medida que tem puramente a
função de estimular e desestimular a importação ou exportação de determinados
bens, sendo a arrecadação mero reflexo de tal medida.
Endossando e enriquecendo nossas observações sobre o manejo das
alíquotas do imposto de importação, JOAQUIM FERREIRA MÂNGIA nos traz
excerto de uma exposição de motivos do Conselho de Política Aduaneira, de 1966,
endereçada ao Ministro da Fazenda, documento no qual se busca caracterizar a
política aduaneira e definir o caráter econômico da tarifa aduaneira (expressão
utilizada para designar a tabela que contém as alíquotas do imposto de importação,
por mercadoria):
A Tarifa Aduaneira é entendida como meio de ação auxiliar na
condução do comércio exterior. Sob esse aspecto, a estrutura da
atual Tarifa brasileira é manifestamente informada em critérios de
natureza econômica. Evidentemente, a Tarifa se exercita através do
instituto do imposto, mas sua figura fiscal, secundária e
contingente, é simples decorrência legal do tipo de instrumento
escolhido. No caso da Tarifa alfandegária em vigor, os níveis das
alíquotas foram quantificados segundo o princípio dominante de
conferir-lhes, simultaneamente, a função seletiva da importação,
função promocional e protetora da atividade interna. [...]. Dessa
maneira, as alíquotas do imposto não foram fixadas com o escopo
fiscal de acrescer a arrecadação, senão com o objetivo de melhor
selecionar a importação e dotar o Governo de instrumental que
pudesse ser exercitado de modo eficiente na consecução de sua
política. Semelhante caráter da Tarifa brasileira possibilita sua
aplicação de maneira eficiente em favor do desenvolvimento
econômico do país. Nesse sentido, pois, é que deve ser
compreendida a finalidade do aumento, da redução ou isenção do
“imposto de importação”.
Com efeito, segundo as premissas mencionadas, a elevação de uma
alíquota pressupõe criar obstáculos à importação, com dois objetivos:
primeiro, erigir uma proteção adequada à produção interna; segundo,
selecionar - inclusive com propósito de impedir a entrada de bens de
uso conspícuo - as importações com vistas a cuidar de problemas de
balanço de pagamento ou de reorientar recursos escassos de
divisas. Em qualquer dessas hipóteses, portanto, do aumento de
alíquota não deve resultar, em princípio, aumento de receita.
99
(grifos nossos)
Outro documento oficial que deixa clara a função regulatória do imposto de
importação é a Exposição de Motivos n
o
867, de 18/11/1966, que acompanha o
99
O imposto de importação e a política aduaneira. Brasília: ESAF, 1983, p. 93-94.
33
Decreto-lei n
o
37 (Lei Aduaneira
100
): “[...] 10. Assim, a diretriz básica do trabalho foi
[...] a de uma sistemática que utilize o imposto de importação como elemento
atuante da política comercial orientada para o desenvolvimento econômico”.
No que tange ao imposto de exportação, veja-se o texto da Exposição de
Motivos n
o
910, de 25/10/1966, que acompanha o Código Tributário Nacional: “[...] 7.
[...] O imposto de exportação e o [...] o condenáveis se exigidos com a finalidade
de suprir recursos de tesouraria, [...]. Por outro lado, são excelentes meios de
formação de reservas”.
Embora de forma mais acentuada, o caráter regulatório e indutor dos tributos
aduaneiros manifesta-se juridicamente de forma semelhante à evidenciada nas
demais espécies tributárias: em um dos critérios tomados em consideração na regra-
matriz de incidência, como se buscará demonstrar a seguir.
4.2 Formas de manifestação do caráter regulatório
PAULO DE BARROS CARVALHO constrói, alicerçado nos ensinamentos de
GERALDO ATALIBA e ALFREDO AUGUSTO BECKER, uma estrutura lógica (por
ele denominada regra-matriz de incidência e qualificada como norma de conduta)
utilizável na evidenciação da relação jurídica tributária, calcada no enunciado de que
a hipótese tributária (construção de linguagem prescritiva geral e abstrata) está para
o fato jurídico tributário (sua projeção factual) assim como a conseqüência tributária
está para a relação jurídica tributária
101
. Assim, a descrição normativa de um evento
concretizado no nível das realidades materiais e relatado no antecedente da norma
individual e concreta fará irromper o vínculo abstrato que o legislador estipulou na
conseqüência
102
.
A regra-matriz de incidência permite a identificação, na relação jurídica
tributária, da hipótese (antecedente, suposto normativo ou descritor) e seus
critérios material (núcleo da descrição fática), espacial (condicionante de lugar) e
temporal (condicionante de tempo), e do conseqüente (ou prescritor) e seus
critérios pessoal (sujeitos da relação jurídica obrigacional) e quantitativo (fórmula
100
Em que pesem as diferenças entre o autoritário instrumento do Decreto-lei e a Lei, stricto sensu,
optamos por simplificadamente (tendo em vista tão-somente a identidade de status hierárquico)
abreviar o Decreto-lei n
o
37, de 18/11/1966, sob a denominação ‘Lei Aduaneira’. A mesma postura
adotamos, v.g., em relação ao Decreto-lei n
o
1.518, de 11/10/1977 (que denominamos, no item 6.2
deste trabalho, de ‘Lei do Imposto de Exportação’).
101
Curso de Direito..., op. cit., p. 247 e 252.
102
Ibidem, p. 248.
34
de determinação do objeto da prestação), sendo aquela ligada a este por uma
relação de dever-ser (ocorrida a hipótese, deve ser o conseqüente) qualificada como
interproposicional (neutra, não modalizada)
103
.
O caráter regulatório dos tributos não implica, em princípio, a necessidade de
se extrapolar a regra-matriz de incidência apresentada. A manifestação jurídica do
caráter regulatório pode ser evidenciada dentro dos critérios da hipótese e do
conseqüente.
O exemplo que primeiro nos vem à mente é o manejo das alíquotas do
imposto de importação (enquadrado no critério quantitativo da regra-matriz de
incidência): quando se busca, por motivos regulatórios, reduzir a importação de
determinado bem, uma das alternativas mais eficazes é o aumento da alíquota do
imposto de importação que sobre ele incide. Tal medida, que tem origem extra-
jurídica (econômica), reflete-se no campo jurídico quando se examina sua validade
no ordenamento.
Poderíamos mencionar ainda casos de atuação estatal regulatória no
comércio exterior que afetam os critérios material (v.g. adoção de conceito alargado
para ‘mercadoria’), espacial (v.g. concessão de ‘enclaves’ e admissão de
exportações sem saída do território nacional) e temporal (v.g. permissão de registro
da declaração de importação antes da efetiva chegada do bem ao País) da hipótese
da regra-matriz de incidência tributária. Em relação a casos que acarretem
conseqüências no critério pessoal do conseqüente, poderíamos citar a criação de
alguns permissivos como a importação por conta e ordem e a importação por
encomenda.
Merece referência ainda como exemplo de atuação regulatória do Estado no
comércio exterior a concessão de isenções, que, como assevera PAULO DE
BARROS CARVALHO, pode inibir a funcionalidade da regra-matriz de incidência
tributária, comprometendo-a para certos casos, em cada um dos critérios do
antecedente e do conseqüente (e em suas subdivisões)
104
.
Outra classificação que se pode adotar, afora a calcada na regra-matriz de
incidência, é a associada ao caráter positivo (incentivo) ou negativo (desincentivo)
103
Ibidem, p. 345-349.
104
Ibidem, p. 492. O autor subdivide o critério material da hipótese em verbo e complemento, o
critério pessoal do conseqüente em sujeito ativo e passivo, e o critério quantitativo do conseqüente
em base de cálculo e alíquota.
35
das medidas regulatórias e indutoras estabelecidas na tributação do comércio
exterior. EROS ROBERTO GRAU fala em indução positiva e negativa,
exemplificando esta com caso de norma que onera a importação de determinado
bem de tal sorte que ela se torna economicamente proibitiva
105
.
MARCUS DE FREITAS GOUVÊA identifica o que denominamos de ‘caráter
regulatório do tributo’ nas isenções, nas imunidades, nas reduções de alíquota
(incluídas a alíquotas-zero) e de base de lculo, nos créditos presumidos, nas
formas de suspensão, nos parcelamentos e nas moratórias
106
(em relação aos
tributos aduaneiros, acrescentaríamos ainda os regimes aduaneiros especiais e
aplicados em áreas especiais, que, como veremos no capítulo 8 deste estudo,
envolvem uma variedade de institutos como a isenção e a suspensão da
exigibilidade do crédito).
Cabe mencionar, por fim, a atuação regulatória do Estado na destinação do
produto arrecadado com o tributo, diferenciando-a da característica regulatória da
qual estamos ao presente momento tratando: caráter regulatório do tributo difere
substancialmente de caráter regulatório da destinação do montante com ele
arrecadado.
A possibilidade de atuação estatal regulatória na destinação do produto
arrecadado, inexistente na modalidade tributária de impostos, manifesta-se de forma
contundente nas contribuições.
ROQUE ANTONIO CARRAZA afirma que “por meio das contribuições de
intervenção no domínio econômico a União usa de institutos tributários para
direcionar os contribuintes a certos comportamentos, comissivos ou omissivos, úteis
ao interesse coletivo [...] como instrumento de extrafiscalidade”
107
.
MARCUS DE FREITAS GOUVÊA, utilizando-se de estudo efetuado por
WERTHER BOTELHO SPAGNOL (que apresenta além dos critérios identificados na
regra-matriz, um aspecto finalístico no conseqüente da norma tributária
108
), insere na
regra-matriz de incidência também o caráter regulatório relativo à destinação do
produto arrecadado, afirmando que
105
A ordem econômica..., op. cit., p. 150.
106
A extrafiscalidade..., op. cit., p. 201.
107
Curso de direito constitucional tributário. 23. ed. rev., ampl. e atu. São Paulo: Malheiros, 2007,
p. 575.
108
As contribuições sociais no direito brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2002.
36
O sistema tributário pátrio é baseado em dois elementos, que
permitem identificar os tributos e que fazem variar seus efeitos
extrafiscais. São eles o fato gerador e a destinação específica do
produto arrecadado. Tais elementos têm correspondência na norma
tributária. O fato gerador corresponde ao aspecto material da
hipótese e a destinação corresponde ao aspecto finalístico da
conseqüência normativa. Nos tributos em que a destinação dos
recursos é irrelevante - notadamente nos impostos - o fato gerador
será o elemento único a delimitar efeitos extrafiscais.
109
(grifos
nossos)
Também analisando a (não-)destinação do produto da arrecadação tributária,
ROBERTO CATALANO BOTELHO FERRAZ, ao discorrer sobre as contribuições de
intervenção no domínio econômico, sustenta que
[...] o elemento essencial que caracteriza a categoria em que se
encontram os empréstimos compulsórios e as contribuições no
direito brasileiro, a dos tributos com arrecadação constitucionalmente
afetada, é o da validação finalística, como foi chamada por Marco
Aurélio Greco. Essa característica coloca os tributos que venham a
ser criados no exercício da competência tributária assim estabelecida
pela Constituição, sob exame da existência de seus pressupostos de
imposição, que consistem em verificação de aspectos formais,
materiais e fáticos.
110
Visualizamos, assim, nas contribuições, uma dupla manifestação do caráter
regulatório: em um dos critérios da regra-matriz de incidência (não necessariamente
o material) e em uma dimensão finalística atrelada não ao tributo, mas à destinação
do produto de sua arrecadação.
No comércio exterior, as contribuições (que, como se exporá na subseção
5.4.3 deste estudo, não são tributos aduaneiros, mas, em regra, tributos niveladores
vinculados a operações de comércio exterior) m um único papel: igualar a
tributação da mercadoria estrangeira à da mercadoria nacional. No que tange à
destinação do montante arrecadado, o comportamento de tais contribuições é
idêntico ao das exigidas em operações internas.
4.3 Dirigismo ‘fiscal’: uma crítica material à ‘extrafiscalidade’
Como exposto na seção 3.1 deste estudo, referente à atuação estatal na
tributação, o Estado, ao invés de tributar de forma igual todos os cidadãos,
carreando os recursos arrecadados para uma distribuição que busque o atingimento
109
A extrafiscalidade..., op. cit., p. 189.
110
Inconstitucionalidade dinâmica das CIDES - O direito fundamental à destinação
constitucionalmente prevista do tributo. In: FOLMANN, Melissa (coord.). Tributação e direitos
fundamentais. Curitiba: Juruá, 2006, p. 274.
37
de seus fins, promove, ainda na etapa de tributação, discriminações entendidas
como positivas, objetivando alcançar estes mesmos fins. Tais discriminações são
normalmente inseridas no que se convencionou designar como atividade ‘extrafiscal’
do Estado.
Em uma perspectiva nobre, o Estado ‘economiza uma etapa’, pois em vez de,
v.g., retirar recursos de um cidadão necessitado para depois a ele devolvê-los,
abstém-se desde o princípio de sacá-los. Contudo, nem sempre a nobreza da atitude
é perceptível, ou mesmo justificável.
Uma atividade estatal de interferência na liberdade e no patrimônio
compreensivelmente gera desconforto na população. Contudo, quando tal atividade
não é feita de forma igualitária, concedendo-se privilégios odiosos
111
, o desconforto
tende a verter-se em revolta
112
.
A atuação regulatória do Estado na tributação foi, em nossa história, bastante
pautada pelo chamado ‘dirigismo fiscal’. ALCIDES JORGE COSTA nos brinda com
uma irônica análise da criação dos ‘incentivos fiscais’ no Brasil, destacando que, à
época que sucedeu a nosso ‘descobrimento’, éramos todos iguais, mas havia
alguns mais iguais:
O Brasil, curiosamente, começou com o incentivo fiscal, controle de
preços, e burocracia e até hoje, aparentemente, não conseguiu
curar-se. Se lermos o Regimento que Tomé de Souza trouxe para o
Brasil, em 1549 [...], vamos ver que já havia estes três elementos [...].
“Hei por bem que daqui em diante pessoa alguma não faça nas ditas
terras do Brasil navio nem caravelão algum sem licença [...]. E sendo
de quinze bancos ou daí para cima os navios e que tenham de banco
a banco três palmos de goa, hei por bem que não paguem direitos
nas minhas alfândegas do Reino de todas as munições e aparelhos
que para os ditos navios forem necessários e, fazendo-os de dezoito
bancos e daí para cima, haja mais quarenta cruzados de mercê à
custa da minha fazenda e para ajuda de o fazerem.” Parece que
estes dispositivos foram inspiradores da BEFIEX. Podia fazer navio,
111
Ricardo Lobo Torres, citando os escolásticos, aponta uma definição de privilégio odioso, como “a
permissão para fazer ou deixar de fazer alguma coisa contrária ao direito comum”, afirmando que, no
‘Estado Fiscal’, “odioso é o privilégio que consiste em pagar tributo menor que o previsto para os
outros contribuintes, não pagá-lo (isenção) ou obter subvenções e incentivos, tudo em razão de
discriminações pessoais, como sejam as circunstâncias de o beneficiário ser membro do clero ou da
nobreza” (A idéia de liberdade..., op. cit., p. 129).
112
Ruy Barbosa Nogueira sustenta a influência do descontentamento dos contribuintes com a
tributação baseada na vontade do rei no advento da Magna Carta inglesa (Curso de direito..., op.
cit., p. 5). Adicione-se que as revoluções americana e francesa têm seu berço na revolta contra a
tributação desigual, com privilégios fiscais (cf. UCKMAR, Victor. La giusta imposta. In: TÔRRES,
Heleno Taveira. Tratado de Direito Constitucional Tributário: estudos em homenagem a Paulo
de Barros Carvalho. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 4).
38
podia importar o necessário sem pagar imposto e ainda ganhava
quarenta cruzados de prêmio [...].
113
O Estado, com a preocupação regulatória, atua concedendo benefícios que
vão alterando a estrutura concorrencial, gerando a necessidade de concessão de
mais e mais benefícios (para atender a todos os segmentos e interesses
econômicos, políticos e sociais). De tempos em tempos, tamanha é a atrofia que os
‘privilégios odiosos’ ocasionam à economia que se tem que revogá-los todos.
Nossa primeira Constituição Federal estabelecia, em seu art. 179, XVI, que
“ficam abolidos todos os privilégios que o forem essencial e inteiramente ligados
aos Cargos, por utilidade publica”. Também nossa atual Constituição Federal traz,
no art. 41 de suas disposições transitórias, preocupação semelhante: “os Poderes
Executivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios reavaliarão
todos os incentivos fiscais de natureza setorial ora em vigor, propondo aos Poderes
Legislativos respectivos as medidas cabíveis”. Da combinação do texto do caput do
art. 41 com seu § 1
o
(“considerar-se-ão revogados após dois anos, a partir da data
da promulgação da Constituição, os incentivos que não forem confirmados por lei”),
concluímos que: a) provavelmente havia abusos na concessão de incentivos fiscais;
e b) que alguns destes incentivos não eram (mais) justificáveis
114
.
Esclareça-se que não se está aqui defendendo a abolição do uso de medidas
tributárias de caráter regulatório, mas a abolição dos abusos perpetrados em nome
de tal caráter. Como destaca ROBERTO CATALANO BOTELHO FERRAZ,
Grupos de influência e pressão têm conseguido aproveitar-se da
ingenuidade dos que vêem em todas as finalidades louváveis
necessidades de ‘incentivo do governo’, para proteger seus
interesses. Conseqüentemente, sobrecarga fiscal nos demais
setores. O legislativo serve de instrumento de apoio a tais interesses
113
História da tributação no Brasil. In: FERRAZ, Roberto Catalano Botelho (coord.). Princípios e
limites da tributação. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 43-45.
114
Pelo disposto na Lei n
o
8.032, de 12/4/1990, que, atendendo ao comando constitucional aqui
referido, disciplina as isenções vigentes em relação ao imposto de importação, especialmente em
seus arts. 1
o
(“ficam revogadas as isenções e reduções do Imposto de Importação [...], de caráter
geral ou especial, que beneficiam bens de procedência estrangeira, ressalvadas as hipóteses
previstas nos artigos 2
o
a 6
o
desta lei”) e 13 (revogam-se o Decreto-lei [...] e demais disposições em
contrário”), pode-se extrair uma terceira conclusão: de que sequer se tinha idéia precisa de quantos
eram os benefícios concedidos em relação a tal imposto. Ao invés de revogar individualmente as leis
concessórias (a Lei Complementar n
o
95, de 26/2/1998 veio depois a determinar, em seu art. 9
o
, que
a cláusula de revogação deveria indicar expressamente as leis ou disposições legais revogadas), que
eram tantas que se corria o risco de esquecer alguma na relação, o legislador se limitou a informar
quais disposições ainda deveriam ser consideradas vigentes (em uma verdadeira operação de
assepsia, ordenada pela Constituição Federal). Às isenções do imposto de importação previstas na lei
restritiva de 1990 já se acrescentam outras sete.
39
e o judiciário tem sua parcela de culpa na aceitação de tais
manobras. [...] Não é possível ter uma tributação razoável, com
economicidade e eficiência, buscando diferenciar continuamente
atividades e grupos.
115
Na tributação do comércio exterior, área em que, como exposto, predomina o
caráter regulatório e indutivo, é de se esperar que seja também acentuada essa
pressão de segmentos específicos. Basta análise perfunctória da produção
normativa recente, essencialmente no que se refere aos chamados regimes
aduaneiros especiais, para percebermos a acentuada influência, v.g., das indústrias
automotiva e petrolífera
116
.
Na perspectiva dogmática que nos propusemos a adotar, não podemos nos
deter a analisar a motivação do legislador, ou os grupos de pressão que o
influenciam. Podemos, e é exatamente o que faremos, verificar se as distinções
efetuadas pela norma que concede os benefícios se inserem nos limites presentes
nos fundamentos políticos, econômicos e sociais estabelecidos na Constituição
Federal.
Para JOSÉ CASALTA NABAIS,
[...] seja numa visão mais radical ou mais moderada, que fazer
uma distinção dos impostos consoante os seus objetivos e/ou os
seus efeitos, que os impostos extrafiscais hão de ter por
parâmetro constitucional material essencialmente os direitos
fundamentais, e os impostos fiscais essencialmente o princípio da
capacidade contributiva.
117
(grifos nossos)
Embora não concordemos com uma classificação dos impostos meramente
em ‘fiscais’ e ‘extrafiscais’, entendemos ser possível identificar tributos com
características predominantemente arrecadatórias e com características
predominantemente regulatórias (como os tributos aduaneiros), e que estes tributos
de caráter regulatório terão por parâmetro os direitos fundamentais (incluídos os
fundamentos constitucionais da ordem econômica e social).
115
Igualdade na tributação - qual o critério que legitima discriminações em matéria fiscal? In:
FERRAZ, Roberto Catalano Botelho (coord.). Princípios e limites da tributação. São Paulo: Quartier
Latin, 2005, p. 510.
116
No tópico específico referente aos regimes aduaneiros especiais trataremos de benefícios (que,
em alguns casos - não se constituem materialmente em regimes aduaneiros, destaque-se desde já)
criados para desenvolver tais segmentos, como o Recof, o Repetro, o Repex, o Recom e o
Entreposto Aduaneiro para construção de plataformas petrolíferas.
117
O dever fundamental..., op. cit., p. 251.
40
MARCUS DE FREITAS GOUVÊA sintetiza que “a extrafiscalidade é limitada
pelo emaranhado principiológico constitucional, formado pelas diretrizes tributárias,
econômicas, políticas e sociais”, e que “a solução de conflitos de princípios que
envolvam a extrafiscalidade passa pela ponderação de interesses e valores em jogo
em cada caso especificamente considerado”
118
.
Como todo benefício fiscal se constitui em procedimento discriminatório, tem-
se, sobretudo, que verificar sua adequação ao mais importante dos princípios
constitucionais: o da igualdade (especialmente em seu aspecto material)
119
.
Assim, tanto no Direito Tributário quanto no chamado ‘Direito Aduaneiro’,
ramos dogmáticos aos quais nos dedicaremos a seguir, a atuação estatal
regulatória, diretiva ou indutiva, deve assentar-se na idéia de igualdade,
especialmente na igualdade material, que não conflita com ações afirmativas, desde
que plenamente justificáveis.
118
A extrafiscalidade..., op. cit., p. 257.
119
Ernesto Lejeune Valcárcel afirma que entre los valores básicos que la Constitución proclama,
realza la obligación que incumbe a los poderes públicos de procurar la igualdad de hecho como valor
superior que es del ordenamiento jurídico(El principio de igualdad. In: AMATUCCI, Andréa (dir.).
Tratado de Derecho Tributário. T. I. Bogotá: Temis, 2001, p. 236). Para Roberto Catalano Botelho
Ferraz, “o incentivo que promove a igualdade material, configurando ação afirmativa, é tipicamente
igualitário”, e “a igualdade é um princípio, e, portanto, é universal e não comporta exceções”
(Princípios são universais e não comportam exceções. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (coord.).
Grandes questões do Direito Tributário atual. Vol. 10. e 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 47).
José Souto Maior Borges ensina que não assiste razão aos que vislumbram nas isenções tributárias
casos de desobediência ao princípio da igualdade perante o fisco (Teoria geral da isenção
tributária. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 47).
5 O DIREITO TRIBUTÁRIO E O DIREITO ADUANEIRO
Os textos de direito positivo versam sobre variados temas, dando origem a
denominações como direito constitucional, direito administrativo e direito do trabalho.
Para que o incorramos em polissemia, recorde-se que, na perspectiva dogmática
que adotamos, ao falarmos de Direito do Trabalho, por exemplo, estamos nos
referindo ao ramo da Ciência Jurídica que tem por objeto o estudo das normas que
regulam o trabalho, e não diretamente às normas derivadas dos textos de direito
positivo sobre a matéria, que poderíamos denominar de direito (positivo) do trabalho.
No presente capítulo, procuramos estabelecer distinções básicas entre o
Direito Tributário e o Direito Aduaneiro, a partir da identificação de suas origens e de
discussões sobre sua possível autonomia, e disciplinar as zonas de intersecção
entre eles (o Direito Aduaneiro Tributário e o Direito Tributário Aduaneiro).
5.1 A unidade do Direito
É preciso destacar, logo de início, que não se buscará, nesta seção, defender
a autonomia científica dessa ou daquela disciplina jurídica. O Direito, como ciência, é
uno. Contudo, a exemplo de outras ciências, para ser bem estudado, necessita ser
dividido e ter as suas partes objetivamente discriminadas
120
.
A preocupação em tentar classificar os diferentes ramos dogmáticos tem
finalidade prática importante para a decidibilidade de conflitos: imprimir certeza e
segurança na aplicação do direito
121
. Identificando-se a natureza jurídica de cada
instituto envolvido em uma situação específica, pode-se chegar com maior precisão
a uma solução adequada a eventuais contenciosos dela originados.
Entretanto, por mais que possamos razoavelmente estabelecer uma distinção
entre um ramo
122
dogmático e outro, é possível que reste uma área de intersecção
entre tais ramos, ou mesmo ou uma área de incerteza sobre o enquadramento de
determinado conteúdo em um ou outro ramo.
Nesse contexto, buscar-se-á aqui tão-somente a identificação de distinções
básicas (e eventuais pontos de intersecção) entre o ramo da Ciência Jurídica
120
REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 335.
121
FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo... , op. cit., p. 141-142.
122
O termo ‘ramo’, para designar as divisões do Direito, é utilizado, dentre outros, em: REALE,
Miguel. Lições preliminares..., op. cit., p. 338; FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao
estudo..., op. cit., p. 146; e SILVA, José Afonso da. Curso de..., op. cit., p. 35.
42
denominado de Direito Tributário e o designado por Direito Aduaneiro, sem perder
de vista a unidade do Direito.
5.2 Direito Tributário - aspectos históricos e autonomia
A legislação brasileira não foi fruto da evolução linear e gradual de uma
experiência comunitária; resultou de imposição no bojo de um processo colonizador,
instalando em uma região habitada por populações indígenas toda uma tradição
jurídica européia
123
. A legislação ‘brasileira’, até 1822, em verdade era portuguesa.
Assim, apesar de existirem tributos no Brasil à época da independência (o
primeiro deles foi o quinto do “pau-brasil”, resultante da extensão da tradicional
tributação portuguesa sob a forma de quinto ao produto explorado em terras
brasileiras
124
), é a partir de tal evento que se constitui uma legislação propriamente
nacional.
Em 1824, era outorgada a Constituição mais duradoura de nossa história,
caracterizada pela centralização de poderes, buscando coibir os particularismos
locais criados a partir da administração colonial
125
. Nesse contexto, havia poucas
referências a aspectos tributários (em sua grande maioria utilizando a expressão
“contribuição direta
126
).
A mais concisa de nossas Constituições, promulgada em 1891, discriminou os
impostos federais e estaduais pelo nomen juris e declarou que quaisquer impostos
não discriminados no texto
127
seriam de competência concorrente entre a União e os
123
WOLKMER, Antonio Carlos. Historia do direito no Brasil. Rio de Janeiro: Forense, 1988, p. 45.
124
BALTHAZAR, Ubaldo Cesar. Historia do tributo..., op. cit., p. 35.
125
NOGUEIRA, Octaciano. Constituições brasileiras: 1824. Brasília: Senado Federal e Ministério
da Ciência e Tecnologia, Centro de Estudos Estratégicos, 2001, p. 28.
126
O art. 15, IX dispunha, v.g., que era da atribuição da Assembléia Geral fixar anualmente as
despesas publicas e repartir a contribuição direta. O art. 36, I, estabelecia que era “privativa da
Câmara dos Deputados a iniciativa sobre Impostos”. Interessante, tendo em vista a pouca evolução
do tema à época, destacar ainda a disposição do art. 179 (o último artigo da Constituição, que se
referia a direitos civis e políticos), em seu inciso XV: “ninguém será isento de contribuir para as
despesas do Estado em proporção dos seus haveres”.
127
O texto da Constituição de 1891 discriminou os impostos de competência da União (v.g. imposto
sobre a importação de procedência estrangeira - art. 7
o
, 1
o
) e dos Estados (v.g. imposto sobre a
exportação de mercadorias de sua própria produção, imposto sobre imóveis rurais e urbanos, imposto
sobre transmissão de propriedade e imposto sobre indústrias e profissões - art. 9
o
, 1
o
a 4
o
). A União
criaria depois, sucessivamente, o imposto de consumo (ampliando o universo de mercadorias
tributáveis em relação ao imposto já existente), o imposto de renda e o imposto de vendas mercantis
(BALEEIRO, Aliomar. Constituições brasileiras: 1891. Brasília: Senado Federal e Ministério da
Ciência e Tecnologia, Centro de Estudos Estratégicos, 2001, p. 39). A criação do imposto de renda já
era defendida em 1891 por Rui Barbosa e Rodrigues Alves, mas, por ser impopular, a tese foi deixada
lado por alguns anos. Em 1922, pelo art. 31 da Lei de Orçamento n
o
4.625, de 31/12/1922, instituiu-se
43
Estados. Na primeira Constituição republicana do Brasil já figuravam elementos
como a ‘legalidade estrita em matéria tributária’ (art. 72, § 30) e ‘a imunidade
recíproca’ (art. 10). O texto da Constituição de 1891 endossa ainda a subdivisão do
direito em ramos à qual nos referimos na seção 5.1, sem fazer, contudo, referência a
um direito tributário
128
.
Com o fim da Velha República, a Constituição brasileira de 1934,
caracterizada pelo fortalecimento da União
129
, golpeia de morte os impostos
interestaduais e intermunicipais (art. 17, IX) e amplia o rol de tributos da União (art.
6
o
), embora conceda competência tributária própria aos Municípios (art. 13, § 2
o
). A
Constituição de 1934 traz diversas limitações constitucionais ao poder de tributar,
começando a esboçar um sistema tributário
130
, e mantém, em seu texto, a
segmentação do direito em ramos, ainda sem menção a um direito tributário
131
.
o imposto de renda, que passou a ser cobrado em 1924 (BALTHAZAR, Ubaldo Cesar. Historia do
tributo..., op. cit., p. 113). Sobre a história do imposto de renda (pessoa física) no Brasil, ver ainda:
http://www.receita.fazenda.gov.br/Memoria/irpf/historia/historia.asp.
128
O art. 34, 23 da Constituição de 1891 dispunha que “compete privativamente ao Congresso
Nacional legislar sobre o direito civil, comercial e criminal da República e o processual da Justiça
Federal”. O art. 60, em suas alíneas ‘g’ e ‘h’, estabelecia que compete aos Juízes ou Tribunais
Federais processar e julgar “as questões de direito marítimo...” e “as questões de direito criminal
ou civil internacional”. Em que pese a utilização, v.g., da expressão direito civil” ser comum tanto
para designar o conjunto de normas sobre a matéria (o que admitimos) quanto a ciência que tem por
objeto o estudo de tal conjunto (que aqui designamos por Direito Civil, em maiúsculas), parece
inadequada a terminologia “legislar sobre direito civil” para qualquer das acepções que “direito civil”
possa ter. Contudo, como se verá ao longo do presente texto, a terminologia vem se mantendo até os
dias atuais.
129
POLETTI, Ronaldo. Constituições brasileiras: 1934. Brasília: Senado Federal e Ministério da
Ciência e Tecnologia, Centro de Estudos Estratégicos, 2001, p. 27.
130
Veja-se a expressa vedação à ‘bitributação’ (art. 11) e a garantia de ‘uniformidade geográfica’ para
impostos federais (art. 18). ainda alguns dispositivos sobre matéria tributária (em sua maioria
limitadores) que merecem destaque, como os constantes nos arts. 113, 36 (“nenhum imposto gravará
diretamente a profissão de escritor, jornalista ou professor”), 126 (“serão reduzidos de cinqüenta por
cento os impostos que recaiam sobre imóvel rural, de área não superior a cinqüenta hectares e de
valor até dez contos de réis, instituído em bem de família”), 128 (“ficam sujeitas a imposto progressivo
as transmissões de bens por herança ou legado”), 184, parágrafo único (“as multas de mora por falta
de pagamento de impostos ou taxas lançados não poderão exceder de dez por cento sobre a
importância em débito”) e 185 (“nenhum imposto poderá ser elevado além de vinte por cento do seu
valor ao tempo do aumento”).
131
O art. 5
o
, XIX, ‘a’ da Constituição de 1934 dispunha que “compete privativamente à União legislar
sobre direito penal, comercial, civil, aéreo e processual...”. O art. 79, parágrafo único, 1
o
,
estabelecia que “os recursos de atos e decisões definitivas do Poder Executivo, e das sentenças dos
Juízes federais nos litígios em que a União for parte, contanto que uns e outros digam respeito ao
funcionamento de serviços públicos, ou se rejam, no todo ou em parte, pelo direito administrativo.
O art. 81, em suas alíneas ‘g’ e ‘h’, estabelecia que compete aos Juízes federais processar e julgar,
em primeira instância, “as questões de direito marítimo...” e “as questões de direito internacional
privado ou penal”. Repare-se que a inserção da expressão “direito internacional privado”, v.g., é
fruto do desenvolvimento que tal ramo do direito teve à época: além de haver estudos acadêmicos
sobre o tema, no País, como o de Eduardo Espinola, jurista baiano que viria depois a ser Ministro do
STF (veja-se ESPINOLA, Eduardo. Elementos de Direito Internacional Privado. Rio de Janeiro:
44
Apesar de a Constituição outorgada em 1937, fruto do golpe militar promovido
por Getúlio Vargas, promover a concentração de competências no Poder Executivo,
seguindo o modelo polonês de 1935
132
, pouca coisa foi modificada na área
tributária
133
.
A preocupação com a sistematização da ‘legislação tributária’ (e a utilização
dessa expressão no direito positivo), no Brasil, quaisquer que fossem suas
motivações, brotava no texto do Decreto n
o
5.797, de 11/6/1940, em pleno Estado
Novo. O referido decreto convoca a Conferência Nacional de Legislação Tributária
dos Estados e Municípios, “considerando que a legislação tributária do País,
notadamente a dos Estados e dos Municípios, se ressente da necessidade de uma
revisão que a sistematize, impondo-lhe ordem e imprimindo-lhe a possível
uniformidade”.
Com o restabelecimento da ordem democrática, e a promulgação da
Constituição brasileira de 1946, inova-se na discriminação das rendas entre a União,
Estados e Municípios (arts. 15 a 21), desaparecendo as referências à bitributação
constantes nas Constituições anteriores, não porque esta passasse a ser permitida,
mas por se considerar evidente sua inconstitucionalidade
134
. As limitações
constitucionais ao poder de tributar são ampliadas, surgindo a imunidade de
impostos para templos de qualquer culto, bens e serviços de partidos políticos,
instituições de educação e de assistência social, desde que as suas rendas sejam
aplicadas integralmente no País para os respectivos fins (art. 31, V, ‘b’); e para
Jacintho Ribeiro dos Santos, 1925), o Brasil havia participado (a comitiva brasileira era composta pelo
próprio Eduardo Espinola e por Raul Fernandes, Lindolfo Collor, Alarico da Silveira e Sampaio
Corrêa) anos antes (em 1928) da Conferencia Internacional Americana, em Havana, na qual foi
estabelecida uma “Convenção de Direito Internacional Privado” (alcunhada de Código Bustamante,
por partir do anteprojeto do cubano Antonio Sanchez de Bustamante e y Sirven), que veio a ser
promulgada, em nosso ordenamento, pelo Decreto n
o
18.871, de 13/8/1929.
132
COSTA PORTO, Walter. Constituições brasileiras: 1937. Brasília: Senado Federal e Ministério
da Ciência e Tecnologia, Centro de Estudos Estratégicos, 2001, p. 25.
133
BALTHAZAR, Ubaldo Cesar. Historia do tributo..., op. cit., p. 121. Em relação à menção
expressa a ramos do direito na Constituição de 1937 (que também não incluiu a expressão “direito
tributário”), destaque-se o teor do art. 4
o
(“o território federal compreende os territórios dos Estados e
os diretamente administrados pela União, podendo acrescer com novos territórios que a ele venham a
incorporar-se por aquisição, conforme as regras do direito internacional”) e do art. 16, XVI
(“compete privativamente à União o poder de legislar sobre as seguintes matérias: o direito civil, o
direito comercial, o direito aéreo, o direito operário, o direito penal e o direito processual”).
134
BALEEIRO, Aliomar. A Constituição de 1946. In: BALEEIRO, Aliomar; SOBRINHO, Barbosa Lima.
Constituições brasileiras: 1946. Brasília: Senado Federal e Ministério da Ciência e Tecnologia,
Centro de Estudos Estratégicos, 2001, p. 17.
45
papel
135
destinado exclusivamente à impressão de jornais, periódicos e livros (art.
31, V, ‘c’).
A Constituição de 1946, embora contivesse um número maior de disposições
tributárias que suas antecessoras e tratasse expressamente de um direito financeiro,
ainda não utilizava, em seu texto, a expressão “direito tributário”
136
. Merece
destaque, nos debates que motivaram a inserção da expressão “direito financeiro”
no texto constitucional, a sustentação da autonomia do Direito Financeiro, externada
na Emenda n
o
938, proposta em plenário na Assembléia de 1946: “Embora o direito
seja um , admitem-se divisões e subdivisões por vários motivos práticos,
tornando-se o desmembramento tanto mais freqüente quanto mais complexas se
apresentam as relações sociais na civilização contemporânea”
137
. Prossegue ainda a
Emenda, na busca da emancipação do direito financeiro em relação ao direito
administrativo, definindo o primeiro como “o conjunto de regras jurídicas que regulam
as obrigações tributárias e orçamentárias em geral, desde o momento em que se
formam até aquele em que se extinguem”
138
.
Aceita a Emenda n
o
938, e positivada, no Brasil, no texto constitucional de
1946, a consagração da autonomia do Direito Financeiro
139
, possibilitam-se o
desenvolvimento e a sistematização das duas vertentes que o Direito Financeiro
abarcava: a tributária (que começava a ser apresentada, por diversos juristas
135
A imunidade para o papel destinado à impressão de jornais, periódicos e livros foi defendida por
Jorge Amado, na Assembléia Nacional Constituinte de 1946, pelos valores culturais que alberga
(BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar. 7. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 1997, p. 339). Lamentavelmente, narra Ubaldo Cesar Balthazar, a instituição da imunidade
não reduziu o preço dos livros, servindo apenas para ampliar a margem de lucro dos editores
(Historia do tributo..., op. cit., p. 131-132). A Constituição de 1946 trazia ainda outro artigo com a
preocupação de contribuir para a formação educacional do povo brasileiro: o art. 203, que dispunha
que “nenhum imposto gravará diretamente os direitos de autor, nem a remuneração de professores e
jornalistas”.
136
O art. 5
o
, XV, ‘a’ e ‘b’ da Constituição de 1946 dispunha que compete à União legislar sobre
direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, aeronáutico e do trabalho”, e sobre “normas
gerais de direito financeiro”.
137
BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1996, p. 10-11.
138
Ibidem, p. 11. O Direito Financeiro, como ensina Celso Antonio Bandeira de Mello, é um capítulo
do Direito Administrativo excluído de sua órbita e tratado em apartado, embora constitua unidade
temática sujeita ao regime jurídico administrativo como quaisquer outras (Curso de..., op. cit., p. 37).
A referência feita ao Direito Financeiro é estendida, na citada obra de Direito Administrativo, ao Direito
Tributário e ao Direito Previdenciário.
139
BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário..., op. cit., p. 5.
46
brasileiros, com o nome de Direito Fiscal
140
ou Direito Tributário
141
) e a orçamentária
(Direito Financeiro em sentido estrito). Fundamentando-se no art. 5
o
, XV, ‘b’ da
Constituição de 1946 (competência da União para legislar sobre direito financeiro) é
que são publicados, em 1964, a Lei n
o
4.320
142
, que “estatui normas gerais de
Direito Financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União,
dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal”, e, em 1966, a Lei n
o
5.172
143
,
que “dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direito
tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios”.
Assim, ainda na vigência da Constituição de 1946 iniciou-se o processo de
sistematização da legislação tributária nacional que culminaria na edição do Código
Tributário Nacional
144
. Antes da codificação, porém, eram acentuados os gritos
pela autonomia do Direito Tributário
145
. ALIOMAR BALEEIRO, em seu parecer ao
140
Veja-se, a título ilustrativo: FILHO, Francisco. Estudos de Direito Fiscal. Rio de Janeiro:
Imprensa Nacional, 1942.
141
Veja-se, a título ilustrativo: SOUSA, Rubens Gomes de. Curso de Introdução ao Direito
Tributário. São Paulo: Rev. Estudos Fiscais, 1949.
142
Assim dispõe o art. 1
o
da referida Lei: “Esta lei estatui normas gerais de direito financeiro para
elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito
Federal, de acordo com o disposto no art. 5
o
, inciso XV, letra b, da Constituição Federal(de
1946).
143
Assim dispõe o art. 1
o
do Código Tributário Nacional (a Lei n
o
5.172, com suas alterações
posteriores, passou a ser denominada de ‘Código Tributário Nacional’ pelo art. 7
o
do Ato
Complementar n
o
36, de 13/3/1967): Esta Lei regula, com fundamento na Emenda Constitucional n
o
18, de 1
o
/12/1965, o sistema tributário nacional e estabelece, com fundamento no artigo 5
o
, inciso
XV, alínea b, da Constituição Federal (de 1946), as normas gerais de direito tributário aplicáveis à
União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, sem prejuízo da respectiva legislação
complementar, supletiva ou regulamentar” (parênteses e grifos nossos).
144
Em 1953, o Ministro da Fazenda, Oswaldo Aranha, solicitou ao jurista Rubens Gomes de Souza a
redação de um anteprojeto de Código Tributário Nacional. Depois da conclusão do trabalho pelo
tributarista e da abertura de prazo para críticas e sugestões (muitas delas acatadas por uma
comissão presidida pelo próprio Oswaldo Aranha), o anteprojeto foi submetido ao Congresso
Nacional (Projeto n
o
4.834, de 1954), tendo sido aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça
da Câmara dos Deputados a partir de parecer relatado por Aliomar Baleeiro, então deputado federal
pela Bahia (Direito tributário..., op. cit., p. 13-14). Em 1965, a Constituição de 1946 é emendada (em
verdade, o texto da Emenda Constitucional n
o
18 mais parece uma norma constitucional autônoma
voltada a estruturar um sistema tributário nacional do que uma simples Emenda, pois sequer
expressa nova redação a dispositivo constitucional), afetando o projeto de Rubens Gomes de Souza-
Oswaldo Aranha, que foi adaptado pelo próprio Rubens Gomes de Souza e por Gilberto Ulhôa Canto
e Gérson Augusto da Silva, transformando-se em nosso Código Tributário Nacional.
145
Definimos o Direito Tributário como o ramo do Direito Público integrado por um conjunto de
proposições jurídico-normativas que disciplinam as relações entre a Administração Tributária e as
pessoas sujeitas a imposições tributárias. Nossa definição parte de duas obras atuais, tidas como
referência para o estudo do Direito Tributário. Tomamos de Paulo de Barros Carvalho as expressões
‘ramo (didaticamente autônomo) do direito’, e ‘conjunto das proposições jurídico-normartivas’, para
assegurar que a disciplina é integrada somente por prescrições ditadas pela ordem jurídica em vigor,
nas suas variadas formas de expressão (Curso de..., op. cit., p. 15-17). A parte final, bem assim a
menção ao fato de que se trata de um ramo do Direito Público, qualquer que seja o critério de
47
anteprojeto de Código Tributário Nacional, recorda que, em 1956, diversos
expoentes do Direito Financeiro/Tributário latino-americano, reunidos em
Montevidéu, haviam aprovado recomendações pela autonomia do Direito
Tributário
146
.
Em matéria tributária, a Constituição ‘promulgada’ de 1967 (em seu Título I,
Capítulo V - Do Sistema Tributário) praticamente repete o teor da Emenda
Constitucional n
o
18, de 1965. A novidade é a positivação da expressão “direito
tributário”, no § 1
o
do art. 19
147
, que viria a ser mantida na Emenda Constitucional n
o
1, de 1969
148
, e na Constituição Federal de 1988
149
.
Destacamos que o desenvolvimento histórico do Direito Tributário, no Brasil,
foi acentuado no período que sucede a Segunda Guerra Mundial, e é causa, e não
conseqüência da codificação das normas ou da inserção em textos de direito
positivo, primordialmente o constitucional
150
, ou ainda da criação de cadeiras especí-
distinção utilizado, herdamos de Hugo de Brito Machado, que se manifesta pela adoção, na definição
do Direito Tributário, da relação jurídica entre o Fisco (que preferimos denominar de Administração
Tributária) e as pessoas sujeitas a imposições tributárias de qualquer espécie, ao invés de enumerar
os atos decorrentes de tal relação (Curso de..., op. cit., p. 52-53).
146
Dentre as recomendações, destaca-se: “[1
o
El derecho tributario tiene autonomía dentro de la
unidad general del derecho por cuanto se rige por principios propios y posee institutos, concepto y
objeto también propios.]…“[5
o
Las normas jurídicas tributarias - sustanciales, formales y procesales -
deben ser agrupadas sistemáticamente en cuerpos jurídicos orgánicos.]…[7
o
En los centros de
estudios jurídicos deben existir cursos de derecho tributario donde se imparta exclusivamente la
enseñanza de las normas concernientes a esta disciplina.]…” (Direito tributário..., op. cit., p. 23).
147
O § 1
o
do art. 19 dispôs: “Lei complementar estabelecerá normas gerais de direito tributário,
disporá sobre os conflitos de competência tributária entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os
Municípios, e regulará as limitações constitucionais do poder tributário”. A Constituição de 1967 faz
ainda menção a outros ramos do direito em seu art. 8
o
, XVII, ‘b’ e ‘c’, que estabeleciam a competência
da União para legislar sobre: direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, aéreo,
marítimo e do trabalho”, e sobre “normas gerais de direito financeiro”.
148
A Emenda Constitucional n
o
1, de 1969 manteve, no § 1
o
de seu art. 18, as disposições constantes
no § 1
o
do art. 19 da Constituição de 1967, e promoveu leves modificações no art. 8
o
, XVII, ‘be ‘c’,
estabelecendo a competência da União para legislar sobre: direito civil, comercial, penal,
processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho”, e sobre “normas
gerais de direito financeiro”.
149
A Constituição Federal de 1988, que traz o Sistema Tributário Nacional no capítulo I de seu Título
VI, dispõe, em seu art. 24, que compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar
concorrentemente sobre: direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico.
Em relação aos demais ramos do direito, no art. 22 estabelece-se como competência privativa da
União legislar sobre direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo,
aeronáutico, espacial e do trabalho; e, no art. 62, § 1
o
, ‘b’, é vedada a edição de Medidas
Provisórias sobre matéria de direito penal, processual penal e processual civil.
150
Se a menção expressa de determinado ramo do direito no texto constitucional tivesse o condão de
assegurar sua autonomia, excluindo tal atributo dos demais ramos, chegaríamos a conclusões que
não guardam a mínima correspondência com a realidade (o que pode ser evidenciado nas notas de
rodapé que integram o presente trabalho: veja-se que o direito administrativo, v.g., consta
expressamente na Constituição de 1934).
48
ficas em cursos superiores
151
.
A autonomia do Direito Tributário, antes e depois da promulgação do texto
constitucional de 1988, mereceu ponderações de eminentes tributaristas, que, em
regra, a reconhecem (de forma absoluta ou relativa, sob o aspecto científico ou
didático).
ALIOMAR BALEEIRO, como exposto aqui, propugnava pela autonomia do
Direito Tributário, ressaltando que “a autonomia não é um conceito hostil, ciumento e
exclusivista” e que “da própria unidade fundamental do Direito resultam vinculações
entre seus ramos mais distanciados”, havendo interdependência sensível naqueles
ramos mais convizinhos
152
.
RUY BARBOSA NOGUEIRA defende o Direito Tributário (em suas palavras, a
parte mais desenvolvida e destacada do Direito Financeiro) como ramo
cientificamente autônomo, sem esquecer de sua posição, integrado na unidade do
Direito
153
. Afirma ainda que a separação por motivo didático (utilizando como
exemplo a separação do Direito Civil em Direito das coisas, das obrigações etc.) não
pode ser considerada verdadeira autonomia, porque não é feita em razão de
princípios específicos, aplicáveis exclusivamente dentro do ramo
154
. O tributarista
conclui magistralmente que “a separação do Direito em ramos não corresponde à
distinção entre ciências, mas à de ramos de uma mesma Ciência”, a Ciência do
Direito
155
.
PAULO DE BARROS CARVALHO propõe o banimento da pretensa
autonomia ‘científica’ que chegam alguns autores a conferir ao Direito Tributário,
151
De acordo com José Nabantino Ramos, Walter Barbosa Corrêa e Alcides Jorge Costa (em
documento intitulado ‘Sesquicentenário Onze de Agosto’), o primeiro curso curricular de Direito
Tributário em Faculdade de Direito no Brasil foi ministrado por Ruy Barbosa Nogueira, na PUC/SP,
em 1954. Os estudantes do Largo São Francisco procuraram Nogueira em 1957, para ministrar-lhes
também o curso, de forma extracurricular, tamanha era a importância que se atribuía ao assunto, não
incluído nos programas oficiais. O curso materializou-se, ainda em 1957, com a presença de
centenas de alunos, tendo o Centro Acadêmico XI de Agosto publicado em edição mimeografada o
material intitulado ‘Curso de Direito Tributário: Ensaio de uma sistemática para facilitar didaticamente
a apreensão e a compreensão do Direito Tributário Brasileiro’. As aulas de Ruy Barbosa Nogueira
certamente influenciaram a criação, na USP, das cadeiras de “Direito Tributário”, Direito Tributário
Aplicado” e “Direito Tributário Comparado”, em 1963, e levaram-no, no mesmo ano, à livre docência
de “Direito Tributário” na instituição, local em que alcançaria a cátedra da mesma disciplina em 1965,
e a diretoria da Faculdade, de 1974 a 1978 (NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Curso de direito..., op. cit, p.
XI-XV).
152
Direito tributário..., op. cit., p. 25.
153
Curso de direito..., op. cit., p. 32.
154
Ibidem, p. 33.
155
Ibidem, p. 34.
49
tendo em conta o que arrola como o mais transcendental dos princípios
fundamentais do direito: o da unidade do sistema jurídico
156
. Acrescenta ainda o
eminente professor da USP e da PUC/SP que “tão absurda é a pretensa autonomia
do Direito Tributário quanto descabida é a discussão a respeito de ser esse ou
aquele instituto privativo desse ou daquele ramo do Direito”
157
e que “mesmo em
obséquio a finalidades didáticas, não deixa de ser a cisão do incindível, a seção do
inseccionável”
158
. Apesar das observações, o autor de “Curso de Direito Tributário”
utiliza em sua obra a expressão ‘Ciência do Direito Tributário’, cuja definição decorre
do ‘direito tributário positivo’
159
.
HUGO DE BRITO MACHADO, na mesma linha, afirma que “do ponto de vista
científico, não se deve falar em autonomia de nenhum ramo do Direito, que é uno”,
mas que didaticamente é não apenas conveniente, mas necessária a divisão do
Direito, para facilitar o estudo
160
. Em sua obra “Curso de Direito Tributário”, o autor
também utiliza a expressão ‘Ciência do Direito Tributário’ para definir o
conhecimento que se tem do direito tributário (conjunto de normas)
161
.
JOSÉ EDUARDO SOARES DE MELO também propugna pela inexistência de
autonomia do Direito Tributário, observando que as classificações dos ramos
dogmáticos do Direito têm caráter apenas utilitário, e que “o estudo, a compreensão
e a aplicação do Direito Tributário não podem ser realizados de forma unilateral e
isolada das inúmeras regras integrantes dos demais segmentos jurídicos”
162
.
EDUARDO MARCIAL FERREIRA JARDIM endossa o entendimento de que a
autonomia do Direito Tributário é tão-somente didática ou relativa, aludindo, a título
156
Curso de Direito..., op. cit., p. 15.
157
Ibidem, p. 17.
158
Ibidem, p. 13.
159
Ibidem, p. 15. O que o autor define como ‘Ciência do Direito Tributário’ denominamos aqui de
‘Direito Tributário’ (com iniciais maiúsculas, entendido este como um ramo da Ciência Jurídica), e o
que o autor designa por ‘direito tributário positivo’, conceituamos como ‘direito tributário’ (que também
grafamos em minúsculas, mas sem a necessidade de utilização do termo ‘positivo’, pela opção
terminológica destacada de início).
160
Curso de Direito..., op. cit., p. 54.
161
Ibidem, p. 55. Reitere-se aqui a consideração feita à terminologia utilizada por Paulo de Barros
Carvalho.
162
Curso de direito tributário. 7. ed. rev. e atual. São Paulo: Dialética, 2007, p. 13-14.
50
de comparação, ao sistema neurológico ou ósseo do ser humano, que não são
dotados de vida própria ou de autonomia absoluta fora do ser como um todo
163
.
Por fim, LUCIANO AMARO defende que a autonomia do Direito Tributário é
sempre relativa, seja sob o aspecto científico, didático ou legislativo, afirmando que
não é possível o estudo do Direito Tributário com abstração de suas conexões com
preceitos integrantes de outros ramos do Direito, e que “a segmentação setorial do
direito tributário insere-se no fenômeno da especialização das disciplinas jurídicas”,
reflexo da “necessidade de compartimentar a realidade cada vez mais complexa dos
fenômenos jurídicos, a fim de que o legislador e os destinatários das normas possam
assimilá-los mais facilmente
164
.
Estabelecendo-se alguns filtros, podemos sustentar que não contrariedade
entre o que os autores afirmam (mesmo diante de aparentes antagonismos). que
se admitir que o Direito é uno, e sua divisão em ramos não corresponde à distinção
entre ciências, mas ao tratamento de ramos de uma mesma ciência, em decorrência
do fenômeno da especialização das disciplinas jurídicas. Do mesmo modo, o se
pode negar que, diante da unidade do Direito, a autonomia de um ramo será sempre
relativa.
No que tange ao caráter didático ou científico da autonomia, alinhamo-nos
com os que defendem a autonomia meramente didática, diante da unidade do
Direito, como ciência. As conclusões externadas nesta seção é que nos levaram a
alterar a terminologia ‘Ciência do Direito Tributário’ (definida como ciência que
estuda o direito positivo tributário) para ‘Direito Tributário’, entendido como o ramo
da Ciência do Direito que estuda o direito (positivo) tributário.
163
Manual de..., op. cit., p. 9-10.
164
Direito tributário..., op. cit., p. 8-9.
51
5.3 Direito Aduaneiro - aspectos históricos e autonomia
Pode-se destacar como marco inicial da Aduana
165
, no Brasil, a vinda da
segunda expedição repressiva de Cristovan Jacques, em 1526, para combater o
contrabando
166
. No mesmo século, duas grandes alterações ocorreram no sistema
aduaneiro, no Brasil: a criação da Alfândega do Rio de Janeiro, em 1566, que viria a
ser a mais importante do País
167
, e a outorga do Foral da Alfândega Grande de
Lisboa, em 15/10/1587, modelo de toda a regulamentação aduaneira posterior, que
vigorou como legislação básica para as Alfândegas brasileiras até 1832
168
.
Contudo, reiteramos que é a partir da independência que se constitui uma
legislação propriamente brasileira. Por meio do Decreto n
o
63, de 2/5/1828, é
nomeada comissão para organizar o projeto de Foral e Regulamento Geral das
Alfândegas do Império. Em 31/12/1832 era publicado o Decreto n
o
160, de 16 de
julho do mesmo ano, “mandando por em execução” o Regulamento das Alfândegas
de 25/4/1832, o primeiro Regulamento Aduaneiro “realmente brasileiro”. Seguem-se
165
Os termos Alfândega e Aduana são, no Brasil, empregados como sinônimos, embora se possa
perceber que geralmente o primeiro é utilizado para designar um local, v.g., Alfândega do Porto de
Santos, e o segundo, um órgão, v.g., Aduana brasileira. O termo Alfândega é hoje pouco usado na
legislação, sendo encontrado normalmente em atos legais anteriores a 1966. Ultimamente, os textos
normativos têm sido redigidos com o termo ‘Aduana’, de grafia idêntica ao equivalente espanhol, e
semelhante ao francês Douane e ao italiano Dogana’. Da mesma forma, prefere-se o termo
‘aduaneiro’ a ‘alfandegário’. Derivado de ‘Alfândega’, sobrevive ainda em nosso idioma o verbo
‘alfandegar’, para designar o ato da autoridade competente, tendente a autorizar, em determinado
local, a entrada, a saída e o despacho aduaneiro de mercadorias procedentes do exterior ou a ele
destinadas, bem assim o embarque e desembarque de passageiros em viagem internacional e a
entrada de veículos no território aduaneiro ou sua saída deste. Estudo profundo sobre a etimologia da
palavra ‘aduanapode ser encontrado em: BASALDUA, Ricardo Xavier. Introducción al Derecho
Aduanero. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1988, p. 19-23.
166
havia disposições sobre contrabando nas Ordenações Afonsinas, no Título XLVII (Dos que
levam para fora do Reino ouro, ou prata, dinheiros, bestas, ou outras coisas que são defesas),
mantidas tanto nas Ordenações Manuelinas quanto nas Filipinas (JAPIASSÚ, Carlos Eduardo
Adriano. O contrabando: uma revisão de seus fundamentos teóricos. Rio de Janeiro: Lúmen
Juris, 2000, p. 27).
167
A Alfândega do Rio de Janeiro, criada em 1566, foi chefiada, nos primeiros séculos de existência,
pelos Provedores da Fazenda Real da Capitania do Rio de Janeiro, que acumulavam os cargos de
Juiz e Ouvidor da Alfândega. Um de seus primeiros dirigentes foi Antônio de Mariz, celebrizado por
José de Alencar, em seu romance “O Guarani”, como o pai de Ceci. Durante um século a chefia da
Alfândega foi disputada pelos descendentes de Mariz e pela família de Salvador Correia de Sá, primo
de Estácio de Sá, fundador da cidade. Incendiada pelos franceses, em 1710, tornou-se a mais
importante do Brasil a partir do ciclo do ouro. Tamanha era a importância da Alfândega que, em 1834,
com a substituição dos “Juízes da Alfândega” pelos “Inspetores da Alfândega”, houve forte confronto
entre o Inspetor Saturnino de Sousa e Oliveira Coutinho e o Ministro da Fazenda, que acabou
resultando na queda do Ministro (GODOY, José Eduardo Pimentel de. Alfândega do Rio de Janeiro.
Brasília: ESAF, 2002, p. 11-12).
168
CARRERA, Liberato de Castro, Apud GODOY, José Eduardo Pimentel de. Evolução do Sistema
Aduaneiro. Disponível em: <http://www.receita.fazenda.gov.br/Memoria/aduana/evolucao>. Acesso
em: 23 jan. 2008.
52
o Regulamento das Alfândegas de 1836 e o de 1860
169
(este posto em vigência pelo
Decreto n
o
2.647, de 19/9/1860). Em 1876, são reorganizadas a estrutura e as
competências das Alfândegas e Mesas de Renda
170
, por meio do Decreto n
o
6.272,
de 2 de agosto.
A Constituição Republicana de 1891, em seu art. 7
o
, § 1
o
, II, dispôs que
competia privativamente à União a criação e manutenção de Alfândegas
171
. Tal
dispositivo manifestava a preocupação que se tinha com o controle sob a maior fonte
arrecadadora do império. Pode-se afirmar que, à época, a manutenção do Estado
brasileiro era dependente do imposto de importação, e que este, por conseqüência,
tinha acentuada finalidade arrecadatória.
A exemplo do que veio a ocorrer décadas depois com a legislação tributária, a
legislação aduaneira existente no final do império era extremamente complexa e
volátil. O universo normativo abundante e excessivamente dinâmico gerava
insegurança jurídica e prejudicava não aqueles que desejavam realizar
operações de comércio exterior como os próprios servidores da Aduana.
JOSÉ EDUARDO PIMENTEL DE GODOY narra que, diante do emaranhado
de textos normativos aduaneiros, um funcionário aduaneiro efetuou consolidação da
legislação aduaneira, para uso pessoal, e o resultado (denominado Consolidação
das Leis das Alfândegas e Mesas de Rendas) ficou tão bom que foi mandado
executar por uma circular datada de 24/4/1885
172
. na República, após algumas
atualizações da consolidação, é publicada, por ato do Ministro dos Negócios e da
Fazenda Felisbelo Freire, datado de 13/4/1894, a ‘Nova Consolidação das
169
O Regulamento n
o
413, de 19/9/1860, foi aprovado pelo Inspetor da Alfândega da Corte em 1848,
e depois Ministro da Fazenda Ângelo Moniz da Silva Ferraz. A influência de Ferraz junto ao
Imperador era tanta que, ao término da Guerra com o Paraguai, ele foi agraciado com o título de
Barão de Uruguaiana (CAMPOS, Antonio. Regulamento aduaneiro: teoria e prática. Niterói/RJ:
Muiraquitã, 1996, p. 17).
170
As Mesas de Renda, em 1960, haviam sido classificadas em quatro tipos: as Alfandegadas,
verdadeiras Aduanas em miniatura, as de Ordem, que não realizavam atividades aduaneiras,
limitando-se a fiscalizar e arrecadar impostos internos; as de Ordem, habilitadas para algumas
atividades aduaneiras; e as de Ordem, com atribuições mais amplas. (GODOY, José Eduardo
Pimentel de. Mesas de Rendas (Alfandegadas e Outras). Disponível em:
<http://www.receita.fazenda.gov.br/Memoria/aduana/unidades/mesasrendas>. Acesso em: 23 jan.
2008).
171
A Constituição de 1891 estabelecia ainda, em seu art. 7
o
, I, que competia exclusivamente à União
decretar impostos sobre a importação de bens de procedência estrangeira (o imposto sobre a
exportação de mercadorias produzidas no País era de competência exclusiva dos Estados - art. 9
o
,
1
o
), e em seu art. 34, 5
o
, que competia ao Congresso Nacional regular o comércio internacional,
alfandegar portos e criar ou suprimir entrepostos.
172
Evolução do Sistema.... Acesso em: 23 jan. 2008.
53
Alfândegas e Mesas de Renda’ (NCLAMR), o diploma aduaneiro mais importante da
história brasileira, que permaneceu vigente até 1966
173
.
Na década de 20, o incorporados a nosso ordenamento jurídico tratados
internacionais (ainda pouco expressivos) sobre temas aduaneiros, como as
Convenções sobre a publicidade de Leis, Decretos e Regulamentos Aduaneiros
174
, e
sobre a Uniformidade de Nomenclatura para a Classificação de Mercadorias
175
,
assinadas em Santiago, em 3/5/1923, e a Convenção Internacional para a
Simplificação das Formalidades Aduaneiras, com seu Protocolo, assinada em
Genebra, em 3/11/1923
176
.
Além de estar codificada, e ter assento nas esferas internacionais, a temática
aduaneira era tratada no meio acadêmico: ALIOMAR BALEEIRO, a quem
GERALDO ATALIBA proclama o maior de nossos tributaristas
177
, exerceu, na
década de 30, o cargo de professor de Regime Aduaneiro Comparado e Política
Comercial, interinamente, na Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade
da Bahia, academia na qual viria a ocupar, em 1942, o cargo de professor
catedrático de Ciência das Finanças
178
.
A Constituição de 1934, em seu art. 5
o
, X, estabeleceu a competência
privativa da União para a criação e manutenção de Alfândegas e entrepostos. Além
173
Em verdade, o Decreto-lei n
o
37, de 18/11/1966 (que dispõe sobre o imposto de importação,
reorganiza os serviços aduaneiros e outras providências), em seus arts. 176 e 177, dispunha,
respectivamente, que o Poder Executivo regulamentaria suas disposições em 180 dias de sua
publicação (que ocorreu em 21/11/1966) e que ficaria revogada, a partir de 30 dias da
regulamentação, a NCLAMR. Contudo, várias disposições do Decreto-lei, que o demandavam
regulentação para aplicação, acabaram por tirar a substância da NCLAMR. A regulamentação geral
do Decreto-lei n
o
37, de 1966, aconteceu com o Decreto n
o
91.030, de 5/3 (publicado 11/3/1985,
com entrada em vigor em 11/4 do mesmo ano), que aprovava o Regulamento Aduaneiro brasileiro.
Contudo, ainda é possível sustentar a aplicação da NCLAMR em alguns casos, tendo em vista o
disposto na Portaria SRF n
o
222, de 1985, que “estabelece que, enquanto o forem baixados os
atos complementares ao Regulamento Aduaneiro (Dec. 91.030/85), continuarão a ser aplicados os
atos anteriores vigentes à data de entrada em vigor do citado regulamento, que com ele o forem
incompativeis”. Nas palavras de Antonio Campos, que organizou e publicou na década de 50 o texto
atualizado da NCLAMR (a última edição, publicada pela Imprensa Nacional, datava de 1938, e estava
esgotada), a consolidação, “organizada para a época dos barcos a vela, atravessa a era dos aviões a
jato” (Nova Consolidação das Leis das Alfândegas e Mesas de Rendas. Rio de Janeiro: A. Coelho
Branco, 1958, p. 7).
174
Incorporada pelo Decreto n
o
4.808, de 12/1/1924.
175
Incorporada pelo Decreto n
o
4.842-A, de 31/7/1924.
176
Promulgada pelo Decreto n
o
18.850, de 16/7/1929.
177
Ao lado de Rubens Gomes de Souza (BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder
de tributar. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. XIII).
178
Disponível em: <http://www.stf.gov.br/institucional/presidentes/Presidentes.asp?cod_min=113>.
Acesso em 23 jan. 2008.
54
de manter a competência privativa da União para decretar impostos sobre a
importação de mercadorias de procedência estrangeira (art. 6
o
, I, ‘a’), a Constituição
de 1934 dispunha ainda que competia privativamente à União legislar sobre
comércio exterior (art. 5
o
, XIX, ‘i’). As competências privativas estabelecidas em
1934 foram todas mantidas na Constituição de 1937
179
, restando na Constituição de
1946 as competências da União para decretar impostos sobre a importação de
mercadorias de procedência estrangeira (art. 15, I) e para legislar sobre comércio
exterior (art. 5
o
, XV, ‘k’).
Após a Segunda Guerra Mundial, como expusemos, ocorre a efetiva
estruturação do comércio internacional, sobre os pilares levantados em Bretton
Woods. A disciplina de assuntos aduaneiros passa a ganhar, assim, caráter
internacional
180
, e não tarda a consolidar-se uma Organização Mundial das
Aduanas
181
. O comércio exterior começa a mostrar-se como um fator primordial para
o desenvolvimento dos países, delineando-se uma nova conjuntura: a dos blocos
econômicos (inicialmente na Europa, na década de 50).
Na cada de 60, ocorre a substituição do principal diploma normativo
aduaneiro brasileiro: a referida NCLAMR lugar à Lei Aduaneira (denominação
que sugerimos para o Decreto-lei n
o
37, de 18/11/1966, principal norma legal ainda
vigente no Brasil sobre matéria aduaneira). Contudo, o destaque dado à temática
179
A competência para a criação e manutenção de Alfândegas e entrepostos foi mantida no art. 15,
VIII da Constituição de 1937; a competência para decretar impostos sobre a importação de
mercadorias de procedência estrangeira, no art. 20, I, ‘a’; e a competência para legislar sobre
comércio exterior, no art. 16, VII.
180
Em 1947, 13 países europeus acordam em instituir um grupo de estudo buscando estabelecer
uma ou mais uniões aduaneiras européias, baseadas nos princípios do GATT. A partir de um comitê
de tal grupo, concretiza-se, em 15/12/1950, a conclusão de uma convenção para criação de um
Conselho de Cooperação Aduaneira (CCA), seguramente o tratado mais importante para a
estruturação do Direito Aduaneiro no âmbito internacional, pois é a partir da existência do CCA que
são aprofundados estudos temáticos que resultaram em diversas outras convenções específicas,
como as referentes a regimes e procedimentos aduaneiros, classificação de mercadorias, origem e
valoração aduaneira. Para um estudo mais detido de tais convenções, ver: TREVISAN, Rosaldo. A
influência e a aplicação dos tratados internacionais sobre temas aduaneiros. In: MENEZES, Wagner
(coord.). Estudos de Direito Internacional. v. 8. Curitiba: Juruá, 2006, p. 318-329.
181
Organização Mundial das Aduanas (World Customs Organization - WCO, ou Organisation
Mondiale des Douanes - OMD, respectivamente, em inglês e em francês, idiomas oficiais da
organização) é o nome de trabalho adotado em 1984 para o Conselho de Cooperação Aduaneira.
Realmente, a abrangência da organização justifica o nome: a Convenção para criação do CCA
qual o Brasil aderiu em 19/1/1981, tendo o texto sido aprovado pelo Decreto Legislativo n
o
129, de
2/12/1980, e promulgado pelo Decreto n
o
85.801, de 10/3/1981) tem hoje 171 participantes, que
representam mais de 98% do comércio mundial (Número de participantes e representatividade
disponíveis em: <http://www.wcoomd.org>. Acesso em 23 jan. 2008).
55
aduaneira em nosso país não era o mesmo, provavelmente pelo decréscimo de
arrecadação do principal tributo aduaneiro, o imposto de importação
182
.
A Lei Aduaneira, que entrou em vigor na mesma data em que o Código
Tributário Nacional (1
o
/1/1967), buscou consolidar as normas legais aduaneiras
existentes à época, embora, em sua ementa, restringisse seu escopo ao imposto de
importação (de forma mais detalhada que no Código Tributário) e à reorganização
dos serviços aduaneiros
183
.
A timidez na ementa não esconde, porém, uma das intenções reveladas pelo
Ministro da Fazenda Octávio Gouvêa de Bulhões, na Exposição de Motivos n
o
867,
de 18/11/1966, que acompanha o Decreto-lei n
o
37: “[...] 15. A exemplo de Códigos
Aduaneiros modernos, o projeto dispõe sobre matéria de natureza substantiva,
deixando-se aos regulamentos toda a matéria de procedimento” (grifo nosso).
Parece que o nome Código Aduaneiro não prosperou, de certa forma, porque se
pregava (e ainda se prega, embora em menor proporção) a redução do universo
aduaneiro à temática tributária
184
.
No ano em que entram em vigor a Lei Aduaneira e o Código Tributário
Nacional, nosso País passa a ser regido por uma nova Constituição, que incumbiu à
União a competência para instituir impostos sobre a importação de produtos
estrangeiros e sobre a exportação, para o estrangeiro, de produtos nacionais ou
nacionalizados (art. 21, I e II), e para legislar sobre comércio exterior (art. 8
o
, XVII,
‘l’). A Constituição de 1967 criou ainda a possibilidade de aplicação da pena de
perdimento de bens por danos causados ao Erário (artigo 153, § 11).
Com a publicação de novas normas aduaneiras, como o Decreto-lei n
o
288,
de 1967 (que dispõe sobre a Zona Franca de Manaus), o Decreto-lei n
o
1.455, de
1976 (que dispõe sobre bagagem, isenções, entreposto aduaneiro, aplicação da
pena de perdimento e destinação de bens apreendidos pela Aduana) e o Decreto-lei
182
Em 1894, ano de publicação da NCLAMR, a arrecadação do imposto de importação representava
aproximadamente 50% da arrecadação total da União, enquanto que no ano de 1966, quando foi
publicada a Lei Aduaneira, tal imposto respondia por apenas 5% da arrecadação tributária federal (cf.
CARLUCI, José Lence. Uma introdução..., op. cit., p. 58 e 66).
183
A ementa traz ainda a condenável expressão e outras providências”. É ao abrigo de tal
expressão que se encontram diversos dispositivos especificamente inseridos na temática aduaneira,
como o despacho aduaneiro e o controle aduaneiro de veículos.
184
Veja-se que a Lei Aduaneira cria, em seu art. 142, um Departamento de Rendas Aduaneiras, e
não propriamente uma Administração Aduaneira.
56
n
o
1.578, de 1977 (que dispõe sobre o imposto de exportação), o Decreto-lei n
o
37,
de 1966, fica cada vez mais distante do que seria um verdadeiro Código Aduaneiro.
O movimento de efetiva codificação da legislação aduaneira na América do
Sul ganhou força somente na década de 80. Nesse cenário, a Argentina foi a
pioneira, com seu digo Aduaneiro de 1981
185
. O Uruguai e o Paraguai publicaram
seus códigos em 1984
186
e 1985
187
, respectivamente. No Brasil, não se viabilizou a
elaboração de um código, mas tão-somente uma regulamentação consolidada da
Lei Aduaneira e dos demais dispositivos legais que versavam sobre matéria
aduaneira
188
.
Nessa época, começavam a aparecer no Brasil obras voltadas ao estudo
de temas relacionados ao Direito Aduaneiro, embora com preocupações
predominantemente tributárias
189
. O grande mestre GERALDO ATALIBA
185
O Código Aduaneiro argentino (Lei n
o
22.415, de 2/3/1981) resulta de um lento trabalho de
aprimoramento, tendo por base um anteprojeto elaborado por uma equipe criada pela Resolução n
o
3.436, de 1969, formada por Ricardo Xavier Basaldúa, Juan Patrício Cotter Moine, Julio Tadeo
Rubens y Rojo e Juan José Alberto Sortheix (os dois primeiros vieram a integrar a comissão
responsável pela redação final do Código, na década de 80, ladeados por Mario A. Alsina, Enrique
C. Barreira, Rodolfo H. Cambra, Laureano Fernández, Francisco M. Garcia e Héctor G. Vidal
Albarracín), e diversas normas aduaneiras nacionais e internacionais (com destaque para a
Convenção de Kyoto - Convenção Internacional para a Simplificação e Harmonização de Regimes
Aduaneiros - versão de 1973), constituindo um marco na codificação aduaneira latino-americana,
embora já houvesse experiências de codificação aduaneira em alguns outros países, como o
Paraguai, o Peru e a Bolívia (ALSINA, Mario A.; BARREIRA, Enrique C.; BASALDUA, Ricardo Xavier;
COTTER MOINE, Juan Patrício; ALBARRACIN, Hector G. Vidal. Código Aduanero. Comentarios.
Antecedentes. Concordancias. T. I. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1984, p. 9 e 14). O Código
Aduaneiro argentino é regulamentado pelo Decreto n
o
1.001, de 21/5/1982.
186
Lei n
o
15.691, de 7/12/1984.
187
Lei n
o
1.173, de 17/12/1985. O Código Aduaneiro Paraguaio foi modernizado recentemente, com
base em um estudo elaborado com a colaboração do argentino Enrique Barreira e do francês Ives
Soler, e atualmente corresponde à Lei n
o
2.422, de 5/7/2004 (que derrogou a Lei n
o
1.173, de 1985),
regulamentada pelo Decreto n
o
4.672, de 6/1/2005 (GONZÁLEZ, Adrian Ojeda; ROJAS, Juan Carlos
Amarilla. Concordancias. Código Aduanero y Decreto Reglamentario. Asunción: J.C.A.R.
Producciones, 2006, p. 5).
188
O Regulamento Aduaneiro brasileiro de 1985, aprovado pelo Decreto n
o
91.030, de 5/3/1985,
vigeu por cerca de dezessete anos, até a publicação do Decreto n
o
4.543, de 26/12/2002 (novo
Regulamento Aduaneiro). A comissão encarregada da redação do novo regulamento, presidida por
Cleusa Magalhães, e formada por Cícero Pereira Peres Martins, João Alberto de Azevedo Bezerra,
Rosaldo Trevisan e José Luiz Novo Rossari (este membro também da comissão redatora do
regulamento anterior) manteve a base estrutural do regulamento de 1985, buscando a simetria no
tratamento dos dispositivos referentes a importação e exportação, a uniformização terminológica e a
inserção de atos pactuados no âmbito internacional (inclusive os emitidos por órgãos do
MERCOSUL).
189
Em 1970, Ruy de Melo e Raul Reis publicaram estudo pioneiro sobre o imposto de importação,
abarcando a análise do despacho aduaneiro de importação dos regimes aduaneiros especiais. Logo
no início da obra, Ruy de Melo condenava “a orientação ainda exclusivamente fiscalista das
autoridades incumbidas da planificação e da execução da política fiscal do comércio exterior do País”
(Manual do imposto de importação e regime cambial correlato. São Paulo: Revista dos Tribunais,
57
ensinava, em 1982, que “a Aduana é instituto fiscal, sim, mas não necessariamente
tributário”
190
. Na Argentina, RICARDO XAVIER BASALDÚA, em sua tese de
doutorado, defendida na Universidade Católica Argentina em 1986, traçava as
características de um Direito Aduaneiro, destacando-o da questão tributária:
La función de la Aduana consistente en el controle del tráfico
internacional de mercaderías nos parece, en cambio, una función
primordial, que preexiste o posibilita el ejercicio de las funciones de
percibir tributos aduaneros y aplicar prohibiciones a la importación y
a la exportación.
[...] el Derecho Aduanero tiene por objeto principal posibilitar y
asegurar el adecuado ejercicio de la función de control de las
importaciones y de las exportaciones.
191
Com o advento da Constituição Federal brasileira de 1988, reforça-se o papel
da Aduana de fiscalização e controle do comércio exterior
192
. A mesma Constituição
1970, p. 9). Em 1976, José Lence Carluci e José Floriano de Barros publicam obra técnica dedicada
ao estudo dos regimes aduaneiros especiais (Regimes aduaneiros especiais. São Paulo:
Companhia editorial paulista, 1976). Em 1979, Américo Masset Lacombe publica a tese de doutorado
apresentada na PUC/SP, sob a orientação do prof. Geraldo Ataliba, sobre o imposto de importação,
trabalho jurídico pioneiro necessário ao desenvolvimento de qualquer estudo aprofundado sobre a
matéria. Como assevera o próprio autor, a obra “tem o mérito de ser a primeira tentativa de teorizar o
imposto de importação” (Imposto de importação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1979, p. 3).
Pouco tempo depois da obra de Lacombe, Hamilton Dias de Souza publica nova obra jurídica
dedicada exclusivamente ao estudo do imposto de importação: Estrutura do imposto de
importação no código tributário nacional. São Paulo: Resenha Tributária, 1980). Ainda na década
de 80, foram publicadas no país mais duas obras importantes sobre a temática aduaneira: uma com
enfoque econômico, encomendada ao eminente economista Joaquim Ferreira Mângia, pela Escola de
Administração Fazendária - ESAF, para servir de base a Curso de Aperfeiçoamento em Matéria
Aduaneira’ (O imposto de importação e a política aduaneira. Brasília: ESAF, 1983), e outra com
enfoque jurídico, resultado da dissertação de mestrado de Osíris de Azevedo Lopes Filho na UnB
(Regimes aduaneiros especiais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1983).
190
Em prefácio redigido em janeiro de 1982 para a obra do ex-Secretário da Receita Federal Osíris
Lopes Filho (Regimes aduaneiros..., op. cit., p. 8). Tanto Ataliba quanto Lopes Filho destacavam
que a obra ia além do enfoque eminentemente tributário. Contudo, talvez por razões práticas, o livro
acabou publicado como o vol. 2 da Coleção ‘textos de direito tributário’.
191
Introducción al Derecho Aduanero…, op. cit., p. 211 e 214. Para Basaldúa, a Aduana,
aparentemente, teria três funções: cobrar os tributos incidentes sobre o comércio exterior (restrições
tarifárias), aplicar proibições à importação e à exportação (restrições não-tarifárias), e controlar o
fluxo internacional de mercadorias. Porém, seria possível existir Aduana sem tributos incidentes
sobre o comércio exterior, assim como seria cabível conceber uma Aduana sem proibições à
importação e à exportação. O que não seria imaginável, em hipótese alguma, é uma Aduana sem
controle, sem regulação do fluxo de mercadorias comercializadas com o exterior (Ibidem, p. 206-213
passim).
192
Veja-se o que dispõe o art. 237 da Constituição Federal de 1988: “A fiscalização e o controle
sobre o comércio exterior, essenciais à defesa dos interesses fazendários nacionais, serão
exercidos pelo Ministério da Fazenda” (grifos nossos). Basta uma análise mais detida do texto para
que concluamos que a redação não quis limitar a fiscalização e o controle exercidos pelo Ministério
da Fazenda somente às situações essenciais à defesa dos interesses fazendários brasileiros. Para
que não se fira o idioma pátrio, deve-se ler no texto que a fiscalização e o controle sobre o comércio
exterior são essenciais à defesa dos interesses fazendários nacionais e serão exercidos pelo
Ministério da Fazenda.
58
destaca a competência privativa da União para legislar sobre comércio exterior (art.
22, VIII), e para instituir o imposto de importação sobre produtos estrangeiros e o de
exportação, para o exterior, de produtos nacionais ou nacionalizados (art. 153, I e II),
excetuando ambos os tributos do princípio da anterioridade. No Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias (art. 40, c/c art. 92, este inserido pela Emenda
Constitucional n
o
42, de 19/12/2003) mantém-se até 2023 a Zona Franca de
Manaus, com suas características de área de livre de comércio, de exportação e de
importação, e de incentivos fiscais.
Percebe-se, nas últimas décadas, no Brasil, um crescente interesse pelo
estudo da legislação referente à disciplina estatal sobre o comércio exterior
193
.
um processo em curso muito semelhante ao inicialmente referido na seção 5.2 deste
estudo (consolidação do Direito Tributário), em que a doutrina está a apontar os
delineamentos de uma nova disciplina jurídica: o Direito Aduaneiro
194
.
193
Desde a edição do Regulamento Aduaneiro de 1985, que teve o grande mérito de consolidar as
disposições legais sobre matéria aduaneira (efetivamente regulamentando algumas), tornaram-se
mais presentes as pesquisas sobre a existência e a autonomia de um Direito Aduaneiro. É, contudo,
com o início do processo de integração regional, no MERCOSUL, que se passa a dar uma maior
importância ao estudo do Direito Aduaneiro no Brasil. No campo técnico, merecem destaque os
estudos de Roosevelt Baldomir Sosa, externados em suas obras Comentários à Lei Aduaneira (São
Paulo: Aduaneiras, 1995), A Aduana e o Comércio Exterior (São Paulo: Aduaneiras, 1996) e
Temas aduaneiros: estudos sobre problemas aduaneiros contemporâneos (São Paulo:
Aduaneiras, 1999) e de José Lence Carluci, com suas obras Uma introdução ao sistema aduaneiro
(São Paulo: Aduaneiras, 1996) e Uma introdução ao Direito Aduaneiro (São Paulo: Aduaneiras,
1997). No meio acadêmico, merece destaque a publicação, em 2002, da dissertação de mestrado
(PUC/SP) de Liziane Angelotti Meira, sob a orientação do prof. Paulo de Barros Carvalho. Em tal
obra, são tratados diversos temas relacionados ao Direito Aduaneiro (inclusive ao campo que aqui se
designa por Direito Aduaneiro Tributário) e ao Direito Tributário Aduaneiro (Regimes Aduaneiros
Especiais. São Paulo: IOB, 2002). Em 2003, foram publicados mais dois trabalhos provenientes da
tradicional escola tributária paulista sobre o tema. Um se refere a nova dissertação de mestrado,
versando especificamente sobre tributos aduaneiros (HILÚ NETO, Miguel. Imposto sobre
Importações e Imposto sobre Exportações. São Paulo: Quartier Latin, 2003), e outro, de autoria do
prof. José Eduardo Soares de Melo, dispõe sobre os tributos (aduaneiros ou não) incidentes na
importação (A Importação no Direito Tributário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003). No
campo jurisprudencial, o prof. Vladimir Passos de Freitas, presidente do Tribunal Regional Federal da
Região, coordenou, em 2004, obra em que diversos juízes federais e desembargadores
manifestaram-se sobre temas aduaneiros (FREITAS, Vladimir Passos de (coord.). Importação e
exportação no direito brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004). De volta ao universo
acadêmico, agora em 2005, o prof. André Parmo Folloni publicou sua dissertação de mestrado
(PUC/PR), tratando sobre aspectos concernentes ao Direito Aduaneiro (inclusive ao aqui designado
como Direito Aduaneiro Tributário) e ao Direito Tributário Aduaneiro (Tributação sobre o comércio
exterior. São Paulo: Dialética, 2005).
194
Temos que as poucas resistências à autonomia do Direito Aduaneiro são, hoje, em sua maior
parte, reflexos de preocupações desprovidas de caráter científico. A situação ironicamente nos faz
recordar os dizeres do grande jurista Aliomar Baleeiro, que afirmava que o principal combate à
iniciativa pela autonomia do Direito Financeiro, nos idos de 1943, “partiu do deputado Mario Masagão,
que defendia a subordinação do Direito Financeiro ao Direito Administrativo, disciplina de que aquele
constituinte era catedrático na Faculdade de Direito de São Paulo” (Direito tributário..., op. cit., p.
11).
59
Assim como destacamos que o desenvolvimento histórico do Direito Tributário
não é conseqüência, mas causa da codificação das normas ou da inserção em
textos de direito positivo, ou ainda da criação de cadeiras específicas em cursos
superiores, podemos sustentar que também o Direito Aduaneiro não o é
195
.
Ainda de forma semelhante ao Direito Tributário, a autonomia do Direito
Aduaneiro merece ponderações de vários autores brasileiros que, em regra, a
reconhecem (de forma absoluta ou relativa, sob o aspecto científico ou didático).
ROOSEVELT BALDOMIR SOSA, um dos pioneiros no estudo técnico de
temas aduaneiros, e na defesa da autonomia do Direito Aduaneiro, argumenta que
não como reduzir o fenômeno aduaneiro ao aspecto tributário, e que de se
reconhecer “a existência de normas legais, de caráter específico, voltadas ao
disciplinamento da matéria aduaneira, o que define uma verdadeira especialização,
de modo que não é desproposital falar-se em Direito Aduaneiro”
196
. O mesmo autor
afirma que as especificidades e a fenomenologia aduaneiras “indicam existir um
direito próprio, cujo objeto é, exatamente, o de regular os fluxos de trocas comerciais
externas”
197
.
JOSÉ LENCE CARLUCI, que, como SOSA, foi auditor-fiscal encarregado de
atividades aduaneiras por muitos anos, considera o Direito Aduaneiro um ramo
autônomo do Direito, por possuir objeto [o complexo de relações jurídicas surgidas
na prática do comércio internacional, quando bens, pessoas e veículos entram ou
saem da jurisdição do território aduaneiro (sic)], princípios (como a universalidade do
controle aduaneiro) e institutos (como o alfandegamento) próprios
198
. CARLUCI
constata ainda que a autonomia do Direito Aduaneiro é reconhecida
internacionalmente, fazendo referência a autores italianos, espanhóis e
195
Veja-se que, apesar disso, a expressão ‘legislação aduaneira’ é comum em textos de direito
positivo. Também a codificação de normas aduaneiras já é uma realidade: encontra-se em
elaboração um Código Aduaneiro para o MERCOSUL, com previsão de implementação em 2008 (a
redação essendo confeccionada por grupo Ad Hoc, que conta com representantes de todos os
Estados-Partes). Por último, é de se destacar que o Direito Aduaneiro também se faz presente
como disciplina em cursos superiores e de pós-graduação (v.g. o curso de pós-graduação latu sensu
em Direito Aduaneiro e Comércio Exterior, que forma sua sétima turma em 2007, em Santa Catarina,
sob a coordenação da prof.ª Joana Stelzer).
196
A Aduana e o comércio..., op. cit., p. 59. É preciso destacar que Sosa define o direito aduaneiro
(positivo), e não o Direito Aduaneiro (ramo da Ciência do Direito).
197
Temas aduaneiros: estudos sobre problemas aduaneiros contemporâneos. São Paulo:
Aduaneiras, 1999, p. 57.
198
Uma introdução..., op. cit., p. 25.
60
portugueses
199
, aos quais poderíamos acrescentar os argentinos Ricardo Xavier
Basaldúa e Enrique C. Barreira, o mexicano Máximo Carvajal Contreras e os
franceses Claude Berr e Henri Tremeau.
REGINA HELENA COSTA sustenta que o Direito Aduaneiro traduz-se numa
especialização do Direito Administrativo, que ainda não desfruta de autonomia
científica, devendo ser enquadrado como “uma disciplina de síntese ou ramo
multidisciplinar do direito”
200
. Contudo, entende a desembargadora que “a
homogeneidade das normas que perfazem o objeto do Direito Aduaneiro, qual seja,
a disciplina do tráfego de pessoas e bens no território aduaneiro, assim como do
comércio exterior, ensejam sua autonomia para fins didáticos”
201
.
ANDRÉ PARMO FOLLONI foi um dos primeiros autores brasileiros sem
vínculo empregatício com a Aduana
202
ou o Poder Público a manifestar-se sobre a
autonomia do Direito Aduaneiro, e um dos precursores da análise de um direito
aduaneiro (positivo - conjunto de normas reguladoras das atividades exercidas na
Aduana) distinto do Direito Aduaneiro (ou Ciência do Direito Aduaneiro, como
designa o autor, entendida como o conjunto de proposições explicativas do direito
aduaneiro positivo)
203
. Em seu estudo sobre a tributação no comércio exterior,
FOLLONI toma de empréstimo argumentação de JOSÉ SOUTO MAIOR BORGES (a
quem dedica a obra) para asseverar: “desde que se admita que há um Direito
Tributário, um Direito Administrativo, [...] enquanto ciências que descrevem as
199
Ibidem, p. 25-26.
200
Notas sobre a existência de um Direito Aduaneiro. In: FREITAS, Vladimir Passos de (coord.).
Importação e exportação no direito brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 36.
201
Ibidem, p. 20. Na mesma linha, André Ferreira de Barros (O novo Direito Aduaneiro. v. 1. Rio de
Janeiro: Letra legal, 2005, p. 164; e Um intróito ao Direito Aduaneiro. São Paulo: Aduaneiras, 2001,
p. 22).
202
O elevado número de livros e artigos relacionados ao Direito Aduaneiro escritos por funcionários
da Aduana não é uma característica essencialmente brasileira, embora pareça ser mais acentuada
em nossa terra (v.g. Antonio Campos, Delfim Bouças Coimbra, Roosevelt Baldomir Sosa, José Lence
Carluci, Liziane Angelotti Meira, Roberto Caparroz de Almeida, Leonardo Correia Lima Macedo,
Cesar Olivier Dalston, Marcelo Pimentel de Carvalho, Haroldo Gueiros, Rodrigo Luz, Juraci Ferreira,
Paulo César Alves Rocha, André Ferreira de Barros, Paulino Manfrinato e Paulo Werneck, além do
subscritor do presente estudo e de outros autores-auditores-aduaneiros que ele lamentavelmente
desconhece ou esqueceu de mencionar). Também na Argentina (v.g. Ricardo Xavier Basaldúa) e nos
Estados Unidos (v.g. Michael Horton) é comum que servidores aduaneiros ativos e aposentados
escrevam sobre este apaixonante ramo do Direito.
203
Tributação sobre o comércio exterior. São Paulo: Dialética, 2005, p. 58-59.
61
normas específicas reguladoras daqueles segmentos da vida social, impõe-se que
se admita também um Direito Aduaneiro”
204
.
Percebe-se que, à semelhança do exposto em relação ao Direito Tributário,
predomina entre os que se dedicaram ao estudo do Direito Aduaneiro o
entendimento de que este constitui um ramo didaticamente (ou relativamente)
autônomo do Direito.
Reiteramos aqui que, em nosso entender, a divisão do Direito em ramos não
corresponde à distinção entre ciências, mas ao tratamento de ramos de uma mesma
ciência (Ciência do Direito ou Ciência Jurídica), em decorrência do fenômeno da
especialização das disciplinas jurídicas. Assim, temos que o Direito Aduaneiro, que
tem por objeto o estudo do direito aduaneiro (positivo) não constitui uma ciência,
mas um ramo da ciência do Direito.
Acrescente-se ainda que se pode atribuir uma imperfeição à denominação
Direito Aduaneiro, de forma semelhante à que se costuma imputar à expressão
Direito Fiscal, como sinônima de Direito Tributário
205
. Contudo, entendemos que as
nomenclaturas alternativas são ainda mais imprecisas
206
, e que a objeção à
designação Direito Aduaneiro pelo fato de ser a Aduana um dos pólos da relação
jurídica, apesar de compreensível, não deve obstar a utilização de expressão
internacionalmente consagrada
207
.
204
Ibidem, p. 59.
205
Paulo de Barros Carvalho defende que a denominação Direito Fiscal, utilizada por portugueses e
franceses, acentua demasiadamente a participação do sujeito ativo da relação jurídica (Curso de...,
op. cit., p. 18). Na mesma linha, Eduardo Marcial Ferreira Jardim afirma que a expressão ‘Direito
Fiscal’, ainda utilizável especialmente na França, na Espanha, em Portugal e na Argentina, bem como
na organização internacional atrelada ao estudo da matéria (International Fiscal Association - IFA),
confere relevo apenas ao Fisco, reduzindo sobremaneira o universo fenomênico da incidência
tributária (Manual de..., op. cit., p. 14). A crítica de Hugo de Brito Machado é outra: que a expressão
‘Direito Fiscal’, influenciada pelo francês Droit Fiscal e pelo inglês Fiscal Law, é mais ampla que
Direito Tributário, abarcando não apenas os tributos, mas o Erário, aproximando-se do Direito
Financeiro (Curso de..., op. cit., p. 52).
206
A expressão Direito Alfandegário’, utilizada em Portugal, o goza de boa receptividade no
Brasil (como já exposto neste trabalho, apesar de serem comumente empregados como sinônimos, o
termo ‘Alfândega’ é usado preferencialmente para designar um local, enquanto ‘Aduana’ refere-se a
um órgão). As denominações Direito do Comércio Exterior e Direito do Comércio Internacional
são condenáveis para designar o estudo da relação entre a Aduana e os intervenientes em
operações de comércio exterior, e designam precisamente subdivisões do direito comercial, relativas
a relações que não têm como pressuposto a participação do Poder Público. Assim, acolhe-se a
nomenclatura internacionalmente consagrada (v.g. derecho aduanero, do espanhol; diritto doganale,
do italiano; droit douanier, do francês).
207
Acrescente-se, sem qualquer pretensão justificativa, mas apenas a cunho de ilustração, que o
raciocínio empreendido para rejeitar expressões como Direito Fiscal e Direito Aduaneiro levar-nos-ia a
recusar também a denominação Direito Administrativo, por exemplo.
62
5.4 Distinções básicas entre o Direito Aduaneiro e o Direito Tributário
Como exposto na seção 5.3, não mais merece prosperar a argumentação de
que o Direito Aduaneiro é mero subconjunto do Direito Tributário, regulamentando os
tributos incidentes sobre o comércio exterior. O Direito Aduaneiro vai além do viés
tributário, abarcando as atividades de controle e fiscalização do comércio exterior
(haja ou não tributos a recolher), inclusive no que se refere às restrições não-
tarifárias e a direitos antidumping
208
.
Como afirma ROBERTO LEMOS DOS SANTOS FILHO,
[...] o Direito Aduaneiro é ramo da ciência do direito que não se
esgota no ramo do Direito Tributário, servindo como instrumento de
proteção do equilíbrio da balança comercial, tratando-se de
importante meio de salvaguarda da produção nacional em face da
concorrência externa. Defende a economia do país, o trabalho,
enfim, a sociedade.
209
Apesar de a Administração Aduaneira e a Administração Tributária, no Brasil,
estarem a cargo de um mesmo órgão (Secretaria da Receita Federal do Brasil -
RFB), pode-se evidenciar a existência de um conjunto de regras jurídicas a respeito
de assuntos de natureza aduaneira (legislação aduaneira) distintas daquelas
atinentes ao campo tributário (legislação tributária). Incumbe ao Direito Aduaneiro
descrever esse objeto.
Com um grau maior de especificidade, podemos definir o Direito Aduaneiro
como o ramo autônomo do Direito integrado por um conjunto de proposições
jurídico-normativas que disciplinam as relações entre a Aduana
210
e os
208
Para combater o dumping (introdução de um bem no mercado doméstico a preço de exportação
inferior ao preço efetivamente praticado para o produto similar nas operações mercantis normais, que
o destinem a consumo interno no país exportador), criou-se um mecanismo a ser utilizado pelos
países: o Direito antidumping, que consiste no montante em dinheiro, igual ou inferior à margem de
dumping apurada, com o fim exclusivo de neutralizar os efeitos danosos das importações objeto de
dumping, calculado mediante a aplicação de alíquotas ad valorem ou específicas, ou pela conjugação
de ambas (Acordo sobre Implementação do Artigo VI do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio
1994, Artigo 9, parágrafo 1, aprovado pelo Decreto Legislativo n
o
30, de 1994, e promulgado pelo
Decreto n
o
1.355, de 1994; e Decreto n
o
1.602, de 1995, art. 45). Roberto Caparroz de Almeida
defende que os direitos antidumping têm natureza jurídica de Direito Aduaneiro [Da Natureza
Aduaneira dos Direitos Antidumping no Brasil. In: TÔRRES, Heleno Taveira (coord.). Direito
tributário internacional aplicado. v. 2. São Paulo: Quartier Latin, 2004, p. 271].
209
Desembaraço aduaneiro. Recintos alfandegados. Regimes aduaneiros. In: FREITAS, Vladimir
Passos de (coord.). Importação e exportação no direito brasileiro. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2004, p. 110-111.
210
Embora haja uma Coordenação-Geral de Administração Aduaneira - Coana na estrutura da
Secretaria da Receita Federal do Brasil - RFB (Aduana em sentido estrito), é preciso reconhecer que
há outros órgãos que exercem controle sobre atividades relacionadas ao comércio exterior, internos e
externos ao Ministério da Fazenda (apesar da disposição restritiva constante do art. 237 da
63
intervenientes
211
nas operações de comércio exterior, estabelecendo os direitos e as
obrigações de cada um, e as restrições tarifárias e não-tarifárias nas importações e
exportações
212
.
Constituição Federal). Aliás, no modelo de estrutura traçado no último Regimento Interno da RFB,
aprovado pela Portaria do Ministro da Fazenda n
o
95, de 30/4/2007, há, na própria RFB, órgãos
tipicamente aduaneiros fora da Coana, como as Divisões de Segurança e Controle Aduaneiro - Disec
e de Repressão ao Contrabando e Descaminho - Direp, que fazem parte de uma Coordenação
Especial de Vigilância e Repressão - Corep. Nesse contexto, é bom esclarecermos que estamos aqui
tratando da Aduana (órgão de Estado encarregado da fiscalização e do controle sobre o comércio
exterior) em sentido amplo, sem nos preocuparmos se algumas das funções inerentes a tal órgão
estão atribuídas a um Ministério/Secretaria/Departamento/Coordenação ou a outro. Acrescente-se
que a Convenção Internacional para a Simplificação e Harmonização dos Regimes Aduaneiros
(Convenção de Kyoto), em sua versão revisada (em 1999), define Aduana como “serviço
administrativo responsável pela aplicação da legislação aduaneira e pela cobrança de direitos e
imposições, bem como pela aplicação da legislação e da regulamentação relacionadas com a
importação, a exportação, a movimentação e a armazenagem de mercadorias”. Para um estudo mais
detido sobre a Convenção de Kyoto e seus reflexos nos regimes aduaneiros brasileiros, ver:
TREVISAN, Rosaldo. Os regimes aduaneiros brasileiros e a Convenção de Kyoto Revisada. In:
MENEZES, Wagner (coord.). Estudos de Direito Internacional. v. 11. Curitiba: Juruá, 2007, p. 362-
377.
211
A Lei n
o
10.833, de 2003, no § 2
o
de seu artigo 76, traz, para efeitos de aplicação de sanções
administrativas, relação não-exaustiva de intervenientes nas operações de comércio exterior, que
pode ser utilizada como parâmetro para a definição da figura do interveniente. Tal relação inclui “o
importador, o exportador, o beneficiário de regime aduaneiro ou de procedimento simplificado, o
despachante aduaneiro e seus ajudantes, o transportador, o agente de carga, o operador de
transporte multimodal, o operador portuário, o depositário, o administrador de recinto alfandegado, o
perito, o assistente técnico, ou qualquer outra pessoa que tenha relação, direta ou indireta, com a
operação de comércio exterior”.
212
Adaptamos às considerações aqui desenvolvidas definição por nós formulada em artigo no qual se
perscrutaram o objeto de estudo e os princípios relativos ao Direito Aduaneiro (Direito Aduaneiro da
Integração no Mercosul. In: MENEZES, Wagner (coord.). Estudos de Direito Internacional. v. 5.
Curitiba: Juruá, 2005, p. 383). Por ser relativamente recente o estudo da disciplina, convém destacar
outras definições que têm sido utilizadas para o Direito Aduaneiro. Na doutrina estrangeira, merecem
menção as trazidas pelo argentino Ricardo Xavier Basaldúa (fundada na definição de legislação
aduaneira estabelecida em Bruxelas, pelo Conselho de Cooperação Aduaneira, em 1983), para quem
o Direito Aduaneiro é umconjunto de normas atinentes a la importación y exportación de mercadería,
cuya aplicación se encomienda a la aduana, para lo cual se regula su estructura y sus funciones; se
determinan los regímenes a los cuales debe someterse la mercadería que se importa o exporta y se
establecen diversas normas referidas a los tributos aduaneros, a los ilícitos aduaneros y a los
procedimientos y recursos ante las Aduanas (Introducción al Derecho Aduanero…, op. cit., p.
166), e pelo mexicano Máximo Carvajal Contreras, que considera o Direito Aduaneiro como “el
conjunto de normas jurídicas que regulan por medio de un ente administrativo, las actividades y
funciones del Estado en relación con el Comercio Exterior de mercancías, que entren o salgan en sus
diferentes regímenes al o del territorio aduanero, así como de los medios y tráficos en que se
conduzcan y las personas que intervienen en cualquier fase de la actividad o que violen las
disposiciones jurídicas (Derecho Aduanero. 7. ed. Cidade do México: Porrúa, 1998). Para Roosevelt
Baldomir Sosa, o Direito Aduaneiro é o ramo especializado, de caráter administrativo, que regula a
conduta dos agentes privados (agentes econômicos) e públicos (nos limites de sua competência
jurisdicional) que interagem no comércio exterior (A Aduana e o comércio..., op. cit., p. 66-67). José
Lence Carluci, por sua vez, dispôs que Direito Aduaneiro “é o conjunto de normas e princípios que
disciplinam juridicamente a política aduaneira, entendida esta como a intervenção pública no
intercâmbio internacional de mercadorias e que constitui um sistema de controle e de limitações com
fins públicos” (Uma introdução ao Direito..., op. cit., p. 24). Para Regina Helena Costa, o Direito
Aduaneiro é o conjunto de normas jurídicas que disciplinam as relações decorrentes da atividade
estatal destinada ao controle do tráfego de pessoas e bens pelo território aduaneiro, bem como à
fiscalização do cumprimento das disposições pertinentes ao comércio exterior” (Notas sobre a
64
5.4.1 Administração tributária e administração aduaneira
Como assevera ROOSEVELT BALDOMIR SOSA, a disseminação, em nosso
país, de que a temática aduaneira está compreendida no âmbito tributário se “em
razão de estar a organização aduaneira nacional voltada, quase que
exclusivamente, aos aspectos de tributação porque inserida no macro-contexto da
Receita Federal, órgão de tributação/arrecadação”
213
. JOSÉ LENCE CARLUCI
acrescenta que “vários estudos e relatórios internacionais atribuem à subordinação
da Aduana à estrutura geral da SRF a principal causa de sua ineficiência e de sua
decadência”
214
.
Veja-se que tais autores não propugnam pela retirada da Aduana do âmbito
do Ministério da Fazenda
215
, mas tão-somente pela bipolarização, nesse Ministério
(a exemplo do que ocorre no cenário internacional
216
), entre atividades aduaneiras e
tributárias.
Essa polarização existia, no Brasil (diga-se, com algumas imperfeições), até a
criação da Secretaria da Receita Federal - SRF, em 1968. A Direção-Geral da
Fazenda Nacional, criada em 1934, possuía um Departamento do Tesouro Nacional
subdividido essencialmente em Diretoria de Rendas Internas e Diretoria de Rendas
existência..., op. cit., p. 19). André Parmo Folloni define Direito Aduaneiro (na acepção científica)
como o ramo do Direito que tem por objeto “o conjunto de normas jurídicas reguladoras das
atividades exercidas na Aduana” (Tributação sobre..., op. cit., p. 60).
213
A Aduana e o comércio..., op. cit., p. 61.
214
Carluci se refere especialmente a relatórios do FMI (Brazil Trade Policy Reform I - Review of the
Customs Administration - missão chefiada pelo Dr. Adrian Goorman), do Banco Mundial (Projeto
BIRD 2721 - BR - Diagnóstico do Sistema Aduaneiro) e a diagnósticos do FMI e do Banco mundial
sobre as deficiências da Aduana brasileira. Tais relatórios recomendam a autonomia administrativa da
Aduana e a recuperação de sua identidade corporativa como únicos meios de devolver-lhe a plena
capacidade (Uma introdução ao sistema aduaneiro. São Paulo: Aduaneiras, 1996, p. 202).
215
Aliás, o próprio texto constitucional brasileiro, em seu artigo 237, dispõe que a fiscalização e o
controle sobre o comércio exterior serão exercidos pelo Ministério da Fazenda.
216
A título exemplificativo, veja-se a estrutura da Aduana nos demais países do Mercosul, e em
outros, nos quais é reconhecida por possuir significativo grau de desempenho. A Dirección General
de Aduanas - DGA da Argentina está subordinada à Administración Federal de Ingresos Públicos -
AFIP. A Dirección General de Aduanas do Paraguai está subordinada ao Ministério de Hacienda. A
Dirección Nacional de Aduanas do Uruguai está subordinada ao Ministério de Economia y Finanzas.
O Servicio Nacional de Aduanas do Chile está subordinado ao Ministério de Hacienda. A
Administración General de Aduanas do México está subordinada ao Servicio de Administración
Tributaria - SAT, vinculada à Secretaría de Hacienda y Crédito Público - SHCP. O Departamento de
Aduanas y Impostos Especiales da Espanha está subordinado à Agencia Estatal de Administración
Tributaria, vinculada ao Ministério de Economía y Hacienda. A Direction Générale des Douanes et
Droits Indirects da França
está subordinada ao Ministère De l’Economie, des Finances et de
l’Industrie. A Agenzia delle Dogane da Itália está subordinada ao Ministero dell’Economia e delle
Finanze.
65
Aduaneiras
217
. Na norma criadora da SRF (que veio a substituir a Direção-Geral da
Fazenda Nacional), o Decreto n
o
63.659, de 20/11/1968, não mais aparecia projeção
aduaneira. A SRF considerou a Aduana uma subdivisão da fiscalização tributária até
1985, quando foi criada a Coordenação-Geral do Sistema de Controle Aduaneiro
(Coana)
218
.
Em 1998, apesar de mantida a sigla Coana, a coordenação passou a se
chamar Coordenação-Geral de Administração Aduaneira
219
, denominação mantida
até os dias atuais. Na última década, a Administração Aduaneira, no âmbito da
Secretaria da Receita Federal (hoje RFB) passou por diversas alterações
estruturais
220
, e constata-se que está conseguindo, aos poucos, distanciar-se da
visão essencialmente tributária.
217
Cf. art. 22 do Decreto n
o
24.036, de 26/3/1934. O art. 90 da mesma norma dispunha: “As Rendas
Públicas são arrecadadas pelas repartições fiscais competentes, sob a fiscalização mediata: a) da
Diretoria das Rendas Internas; b) da Diretoria das Rendas Aduaneiras”. Veja-se que, à época, além
das medidas eminentemente arrecadatórias, incumbia (cf. art. 97 do Decreto), v.g., à Diretoria de
Rendas Aduaneiras a uniformização de procedimentos, a repressão ao contrabando e o provimento
das facilidades necessárias às operações de carga e descarga nos portos nacionais e ao
aperfeiçoamento da fiscalização de mercadorias em trânsito ou cabotagem. O art. 142 da Lei
Aduaneira transforma a Diretoria das Rendas Aduaneiras em Departamento de Rendas Aduaneiras,
determinando que a este compete, v.g., “dirigir, superintender, controlar, orientar e executar, em todo
o território aduaneiro, os serviços de aplicação das leis fiscais relativas aos tributos federais que
incidem sobre importação e exportação de mercadoria” (art. 143, I do Decreto-lei n
o
37, de 1966).
218
Sob a batuta de Ângelo Osvaldo Melhorança, profissional que merece nossa admiração não
pelos trabalhos pioneiros efetuados à frente da Administração Aduaneira, mas pela coordenação da
equipe de elaboração do Regulamento Aduaneiro de 1985. Melhorança demonstra o conhecimento
da amplitude do universo aduaneiro ao destacar que são múltiplos os interesses presentes na
importação e na exportação de bens (político-econômicos, tributários, sanitários, culturais, de saúde e
segurança públicas, etc.) (MARTINS, Cícero Pereira Peres [et al]. Novo Regulamento Aduaneiro
Anotado. Brasília: Lux, 2003, p. V).
219
Cf. Regimento Interno da Secretaria da Receita Federal aprovado pela Portaria do Ministro da
Fazenda n
o
227, de 3/9/1998.
220
Desde 1998, a estrutura da Coana vem sendo substancialmente modificada a cada Regimento
Interno da SRF publicado. Em 2001 (cf. Regimento Interno aprovado pela Portaria do Ministro da
Fazenda n
o
259, de 24/8), a Coordenação foi dotada, v.g., de uma Divisão de Controles
Aduaneiros Informatizados (face à necessidade de especialização diante da significativa utilização
de sistemas informatizados em atividades aduaneiras). Em 2005 (cf. Regimento Interno aprovado
pela Portaria do Ministro da Fazenda n
o
30, de 25/2), a Coordenação não mais possuía Divisão de
Valoração Aduaneira (pois a ênfase dada à valoração aduaneira no Brasil, desde 1998, ocasionada
pela preocupação internacional com a matéria, acabou por produzir resultados insignificantes em
termos tributários e de controle aduaneiro), nem referente a sistemas informatizados aduaneiros
(cabendo a cada divisão aduaneira acompanhar os sistemas relacionados a suas atividades), mas
incluíam-se na estrutura divisões referentes a novos temas que brotavam em foros internacionais:
Gerenciamento de Risco e Facilitação Comercial, e voltavam a existir, depois de quase uma
década, divisões específicas referentes a Despacho Aduaneiro e a Repressão ao Contrabando e
Descaminho. No Regimento Interno atual (aprovado pela Portaria do Ministro da Fazenda n
o
95, de
30/4/2007), a Coana foi reduzida à metade (passando de doze a seis divisões), tendo sido extintas
divisões como a referente a Infra-estrutura Aduaneira, e tendo sido criada uma nova coordenação
relativa a assuntos exclusivamente aduaneiros: a Coordenação Especial de Vigilância e Repressão,
66
É nítido o esforço da Receita Federal para contemplar o universo aduaneiro,
distinguindo-o do tributário
221
. Contudo, ainda há muita confusão entre os temas nos
atos normativos emitidos pela instituição
222
, e as alterações estruturais o parecem
estar apontando para a formação de uma Administração Aduaneira especializada e
distinta da Administração Tributária, mas para uma mescla entre ambas as
atividades, o que, a nosso ver, dificulta a formação de uma identidade aduaneira, e
dá azo à principal crítica feita à Aduana, de preocupar-se excessivamente com
questões tributárias.
Cremos que a confusão entre o aduaneiro e o tributário tende a persistir até
que se adote uma estrutura polarizada semelhante à mundialmente utilizada, o que,
reitere-se, não implica expurgar a Aduana do Ministério da Fazenda (nem,
formada pela Divisão de Segurança e Controle Aduaneiro e pela Divisão de Repressão ao
Contrabando e Descaminho.
221
A própria missão institucional da Receita Federal foi recentemente alterada para dar maior ênfase
à temática aduaneira. O texto da missão, que anteriormente dispunha que “a SRF deve promover a
arrecadação de tributos e realizar o controle aduaneiro, cumprindo e fazendo cumprir a legislação
aplicável de forma justa, contribuindo para o aprimoramento da política tributária e aduaneira,
oferecendo à sociedade um serviço de excelência e estimulando o cumprimento voluntário das
obrigações tributárias”, agora traz a tríplice missão de prover o Estado de recursos para garantir
o bem-estar social (missão tributária); prover segurança, confiança e facilitação para o comércio
internacional (missão aduaneira); e prestar serviços de excelência à sociedade (missão/dever de
qualquer órgão governamental) (itálico e negrito nossos).
222
Os atos emitidos na área de tributos internos, muitas vezes, ignoram os emitidos na área
aduaneira, ou são com estes conflitantes (e vice-versa). Normas gerais como as referentes a
consulta, compensação e restituição, comumente redigidas na área de tributos internos, acabam
necessitando de alterações por não terem sido obervados os impactos aduaneiros. Veja-se, v.g., a
questão das consultas. A Lei n
o
9.430, de 1996, em seu art. 48, dispôs que “no âmbito da Secretaria
da Receita Federal, os processos administrativos de consulta serão solucionados em instância única”.
A regulamentação emitida pela SRF (Instrução Normativa n
o
2, de 9/1/1997), que deveria abarcar
tanto as atividades tributárias quanto as aduaneiras, disciplinou somente aquelas (excetuada a
questão da classificação fiscal de mercadorias, contemplada no art. 4
o
). A Instrução Normativa n
o
230, de 25/10/2002 (que revoga a de n
o
2, de 1997), além de não corrigir a imperfeição, agrava a
situação, dispondo que se aplica apenas à “consulta acerca da interpretação da legislação tributária
e da classificação de mercadorias(grifos nossos), sem fazer menção à legislação aduaneira (em
época que a Administração distinguia legislação tributária e aduaneira - cf. se demonstra no tópico
seguinte deste estudo). A normas que vieram a posteriormente disciplinar a matéria (Instruções
Normativas n
o
569, de 19/9/2005, e n
o
573, de 23/11/2005) persistiram na incorreção, que só veio a
ser (parcialmente) sanada em 2007 (com a Instrução Normativa n
o
740, de 2/5/2007, que dispõe
sobre “o processo de consulta relativo à interpretação da legislação tributária e aduaneira e à
classificação de mercadorias no âmbito da Secretaria da Receita Federal do Brasil”). O termo
‘parcialmente’ deve-se ao fato de que a norma recordou da área aduaneira apenas na ementa,
mantendo em seu interior disposições restritas à consulta sobre interpretação da legislação tributária
e classificação de mercadorias. A primeira vez em que se legislou sobre a solução de consultas
relativas à legislação aduaneira foi no Regimento Interno da SRF de 2005 (art. 120,II), que atribui à
Divisão de Legislação e Regimes Aduaneiros Especiais, da Coana, competência para “coordenar a
solução de consultas sobre legislação aduaneira”. Hoje, a decisão em processos referentes a
consultas sobre a legislação aduaneira (excetos as referentes a classificação de mercadorias) não
são de competência da Administração Aduaneira, mas da Coordenação-Geral de Tributação (cf.
estabelece o art. 65, III do Regimento Interno de 2007).
67
necessariamente, da Receita Federal). O que se pode fazer até lá (e acredita-se que
já se vem fazendo) é preparar os servidores e as estruturas da Administração
Tributária e da Administração Aduaneira (subordinadas à RFB) para que se possa
exercer com eficiência (pressuposto constitucional da Administração Pública) ambas
as atividades, cada qual norteada por uma finalidade específica, seja angariar
recursos para o Estado (Administração Tributária), seja controlar o fluxo de comércio
exterior (Administração Aduaneira).
5.4.2 Legislação tributária e legislação aduaneira
Mais fácil do que diferenciar a Administração Tributária da Aduaneira, no
Brasil, é distinguir a legislação tributária da aduaneira. Os próprios textos de direito
positivo vêm fazendo a distinção: veja-se a Lei n
o
10.833, de 29/12/2003, que
denomina seu Capítulo II de “...outras disposições relativas à Legislação Tributária
(artigos 17 a 58), e seu Capítulo III de “...disposições relativas à Legislação
Aduaneira” (artigos 59 a 81)
223
.
Nas normas editadas no âmbito da RFB, tem-se buscado cada vez mais
distinguir a legislação tributária da aduaneira. No Regimento Interno da instituição,
v.g., são freqüentes as menções à “legislação tributária e aduaneira”
224
. Na página
da instituição na rede mundial, o ícone anteriormente referente à legislação tributária
hoje traz como título “legislação tributária e aduaneira”
225
.
223
Perceba-se que, dentro do que o legislador classificou como ‘legislação aduaneira’ encontram-se
dispositivos referentes a regimes e procedimentos aduaneiros (arts. 59 a 65, 71, 74 e 77), a tributos
incidentes em operações de comércio exterior, principalmente o imposto de importação (arts. 66 a 68,
77 e 80), a direitos antidumping e compensatórios (art. 79), e a penalidades pelo cometimento de
infrações aduaneiras (arts. 69, 70, 72, 73, 75 a 78 e 81).
224
A título exemplificativo: Art. 1
o
A Secretaria da Receita Federal do Brasil - RFB, órgão específico
singular, diretamente subordinado ao Ministro da Fazenda, tem por finalidade: (...) III - interpretar e
aplicar a legislação tributária, aduaneira (...)”; “Art. 65. À Coordenação-Geral de Tributação - Cosit
compete: I - gerenciar a elaboração, o aperfeiçoamento, a modificação, a regulamentação, a
consolidação, a simplificação e a disseminação da legislação tributária, aduaneira e correlata; II -
interpretar a legislação tributária, aduaneira e correlata, as propostas de acordos e convênios
internacionais e as normas complementares necessárias à sua execução e elaborar atos normativos
de orientação e uniformização de procedimento; III - decidir processos de consultas de interpretação
da legislação tributária, aduaneira e correlata”; “Art. 108. À Coordenação-Geral de Administração
Aduaneira - Coana compete gerenciar: (...) VI - a execução de processos e rotinas relativos à
aplicação da legislação tributária, aduaneira e de defesa comercial no Siscomex, de eliminação da
dupla cobrança da Tarifa Externa Comum e de distribuição da renda aduaneira no Mercosul” (grifos
nossos).
225
Disponível em: http://www.receita.fazenda.gov.br/Legislacao. Acesso em 23 jan. 2008.
68
Também nas decisões judiciais têm-se feito referência à legislação
aduaneira
226
(e até ao Direito Aduaneiro)
227
.
Arremate-se que já há definições positivadas de legislação aduaneira, no
Brasil (embora restrita a acordos internacionais específicos), como a constante do
Decreto n
o
2.734, de 11/8/1988, que dispõe sobre a execução do 21
o
Protocolo
Adicional ao Acordo de Complementação Econômica n
o
18, entre Brasil, Argentina,
Paraguai e Uruguai
228
; a presente no Decreto n
o
5.237, de 8/10/2004, que promulga
acordo entre Brasil e Rússia para Prevenção, Investigação e Combate a Infrações
Aduaneiras
229
; e a inserida no Decreto n
o
5.866, de 3/8/2006, que promulga a
Convenção entre o Brasil e os Países Baixos relativa à Assistência Administrativa
Mútua para Aplicação Apropriada da Legislação Aduaneira e para a Prevenção,
Investigação e Combate às Infrações Aduaneiras
230
.
5.4.3 Direito Aduaneiro Tributário e Direito Tributário Aduaneiro
Por tudo o que expusemos, entendemos que a relação entre o Direito Tributá-
226
A título exemplificativo: Recurso Especial n
o
414403/SC, Primeira Turma, Rel. Min. José
Delgado, unânime, DJ de 13 mai. 2002; e Recurso Especial n
o
643185/SC, Primeira Turma, Rel.
Min. Teori Albino Zavascki, unânime, DJ de 29 mar. 2007.
227
Cite-se como exemplo, excerto de ementa de julgado no Tribunal Regional Federal da Região:
“O Direito Aduaneiro não se resume a um conjunto de disposições pertinentes ao controle de
exigências fiscais. Possui normas próprias, que merecem interpretação específica e que não se
exaurem nas disposições tributárias típicas (previstas na CF e no CTN)” (TRF4, Apelação em
Mandado de Segurança n
o
2003.70.08.000033-5/PR, Segunda Turma, Rel. Des. Dirceu de Almeida
Soares, unânime, DJU de 16 fev. 2005).
228
No art. 1
o
, ‘a’ do Protocolo, estabelece-se que a legislação aduaneira corresponde a “toda
disposição legal ou regular adotada no território dos Estados Parte do Mercosul e que regulamente a
importação, a exportação, o trânsito das mercadorias e sua inclusão em qualquer outro regime
aduaneiro, bem como as medidas de proibição, restrição e controle adotadas pelos mencionados
Estados Parte”.
229
No art. 1
o
do Acordo, define-se legislação aduaneira como “conjunto de disposições legais,
regulamentares e administrativas que as administrações aduaneiras estão encarregadas de fazer
aplicar à exportação, à importação e ao trânsito de mercadorias, ou à colocação de mercadorias sob
regimes aduaneiros, à percepção de direitos aduaneiros ou de outros direitos ou taxas cobrados
pelas administrações aduaneiras, bem como as medidas de proibição, de restrição ou de controle à
exportação ou à importação de mercadorias”.
230
No art. 1
o
, 2 da Convenção, afirma-se que a expressão ‘legislação aduaneira’ corresponde a
“quaisquer disposições legais e administrativas aplicáveis ou executáveis por parte das
administrações aduaneiras relativamente à importação e exportação, ambas as atividades
compreendendo regimes especiais, transbordo, tráfego, armazenamento e circulação de mercadorias,
inclusive as disposições legais e administrativas relacionadas com medidas de proibição, restrição e
controle”.
69
rio e o Direito Aduaneiro não é de continência
231
, mas de intersecção
232
. A área de
intersecção corresponde exatamente aos tributos incidentes sobre o comércio
exterior, que dividimos em três grupos: os tributos aduaneiros (exigidos
exclusivamente nas atividades de comércio exterior, como o imposto de importação
e o imposto de exportação), os tributos niveladores, vinculados a operações de
comércio exterior (que promovem um equilíbrio na tributação, ponderando o teor
da cláusula do tratamento nacional
233
e os princípios tributários decorrentes da
ordem econômica brasileira
234
- exigidos para eliminar tratamentos diferenciados
entre as mercadorias nacionais e as estrangeiras, como o imposto sobre produtos
industrializados vinculado à importação, a Contribuição para os Programas de
Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público incidente na
Importação de Produtos Estrangeiros ou Serviços - PIS/Pasep-Importação e a
Contribuição Social para o Financiamento da Seguridade Social devida pelo
Importador de Bens Estrangeiros ou Serviços do Exterior - Cofins-Importação) e os
tributos devidos em função de operação interna necessária à importação.
231
Como afirmava Alberto Xavier, que sustentava a autonomia relativa do Direito Aduaneiro, como
“desdobre do direito fiscal” (Apud JARDIM, Eduardo Marcial Ferreira. Manual de..., op. cit., p. 10).
232
Na mesma linha, Ana Carla Bliacheriene, defendendo haver intersecção entre o Direito Tributário e
o Direito Aduaneiro. Contudo, a autora entende haver ‘certa dose de razão’ a quem estuda os tributos
aduaneiros no campo do Direito Tributário (Sistemas GATT/OMC e Mercosul: implicações
aduaneiras. In: TÔRRES, Heleno Taveira (coord.). Comércio Internacional e Tributação. São
Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 322), posição que não será aqui adotada.
233
A cláusula do tratamento nacional, como ficou conhecida a disposição constante no Artigo III do
GATT-1947, celebrado em 30/10/1947, e autorizado a ser aplicado (provisoriamente), no Brasil, por
meio da Lei n
o
313, de 30/7/1948, dispõe: “1. As partes contratantes reconhecem que os impostos ou
outros encargos internos [...] não deveriam aplicar-se aos produtos importados ou nacionais de
maneira que se proteja a produção nacional. 2. Os produtos do território de toda parte contratante
importados por qualquer outra parte contratante não estarão sujeitos, nem direta nem indiretamente,
a impostos ou outros encargos internos, de qualquer classe que sejam, superiores aos aplicados,
direta ou indiretamente, aos produtos nacionais similares. [...]”.
234
Repare-se que o princípio expresso na cláusula do tratamento nacional assegura ao produto
estrangeiro o tratamento dado ao nacional, caso este seja mais benéfico. Assim, um desequilíbrio na
tributação em favor do produto estrangeiro não violaria a cláusula. Entretanto, hão de ser respeitados
também os princípios enunciados pela nossa Constituição Federal, dentre os quais o do incentivo à
atividade econômica (enunciado no artigo 174), que, conforme assevera Luciano Amaro, pode
instrumentalizar-se por intermédio de normas tributárias (Direito Tributário..., op. cit., p. 5). O
privilégio estabelecido ao produto estrangeiro, em detrimento da economia nacional, violaria, então, o
princípio constitucional do incentivo à atividade econômica, pois implicaria tratamento tributário mais
gravoso ao produto aqui fabricado do que ao importado. Para respeitar simultaneamente o acordo
internacional firmado (GATT-1947) e nossa Lei Maior, resta-nos concluir que o tratamento tributário
(no que se refere a tributos internos) aplicado aos produtos nacionais e estrangeiros similares deve
ser nivelado, de forma a não prejudicar a economia nacional, nem o cumprimento dos acordos
firmados no âmbito internacional.
70
Designamos, pelo critério de especialidade, o Direito Aduaneiro
Tributário
235
como o segmento do Direito Aduaneiro que estuda os tributos
aduaneiros, e como Direito Tributário Aduaneiro
236
o segmento do Direito
Tributário que estuda os tributos niveladores, vinculados a operações de comércio
exterior, e os tributos devidos em função de operação interna necessária à
importação. Sobre ambas as searas, se pode encontrar, no País, um razoável
número de obras acadêmicas
237
.
Assim como o Direito Aduaneiro possui pontos de intersecção com o Direito
Tributário, também os possui com outros ramos do Direito. A título meramente
ilustrativo (tendo em vista a delimitação da presente subseção às distinções entre o
Direito Tributário e o Aduaneiro), podemos fazer menção a um Direito Aduaneiro
Penal (ou a um Direito Penal Aduaneiro
238
) e a um Direito Internacional
Aduaneiro
239
.
235
Ricardo Xavier Basaldúa, sobre o assunto, assinala que a regulação da función de percibir los
tributos que gravan la importación y la exportación […] ha dado lugar al importante sector del Derecho
Aduanero denominado Derecho Aduanero Tributario(Introducción al Derecho Aduanero..., op. cit,
p. 206).
236
Jorge Witker, de quem discordamos, por reduzir o Direito Aduaneiro, em geral, a mero subconjunto
do Direito Tributário, define o Direito Tributário Aduaneiro como aquel ramo del Derecho Tributario
que estudia las normas legales y reglamentarias que regulan el paso de mercancías a través de las
fronteras aduaneras; la relación jurídica tributaria generada por dicho paso y, en general, todas las
materias que se relacionan con la técnica aduanera y los factores económicos por ella afectados”
(Derecho Tributario Aduanero. 2. ed. Cidade do México: U.N.A.M., 1999, p. 29).
237
Grande parte delas aqui relacionadas em notas ao tópico referente ao histórico e à autonomia do
Direito Aduaneiro.
238
Da mesma forma em que Zelmo Denari (COSTA JÚNIOR, Paulo José da; DENARI, Zelmo.
Infrações tributárias e delitos fiscais. 2. ed. o Paulo: Saraiva, 1996, p. 15-17), em premiada
obra, distingue um Direito Tributário Penal (como segmento disciplinar preocupado com o estudo das
infrações tributárias e respectivas sanções) de um Direito Penal Tributário (que se ocupa dos tipos
penais tributários, também designados crimes contra a ordem tributária), apontamos a distinção entre
um Direito Aduaneiro Penal (segmento disciplinar que tem por objeto o estudo das infrações
aduaneiras e das penalidades a elas aplicáveis) e um Direito Penal Aduaneiro (preocupado com os
delitos aduaneiros, como o contrabando e o descaminho). Héctor G. Vidal Albarracín revela que na
Argentina se mantém tradicionalmente o critério de disciplinar os delitos aduaneiros no Código
Aduaneiro, e não no digo Penal, falando em um Derecho Penal Aduanero, como um Direito Penal
especial, alimentado dos princípios gerais do Direito Penal comum, aplicável supletivamente na falta
de previsão expressa do Código Aduaneiro (ALBARRACIN, Hector G. Vidal. digo Aduanero.
Comentarios. Antecedentes. Concordancias. T. VII-A. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1992, p. 18).
239
Em trabalho anterior, tivemos a oportunidade de expor considerações sobre o nascimento e o
desenvolvimento do Direito Internacional Aduaneiro, bastante atrelado à criação e ao
desenvolvimento de organismos internacionais voltados a questões aduaneiras, principalmente o
Conselho de Cooperação Aduaneira, conhecido como Organização Mundial das Aduanas (A
influência e a aplicação dos tratados internacionais sobre temas aduaneiros. In: MENEZES, Wagner
(coord.). Estudos de Direito Internacional. v. 8. Curitiba: Juruá, 2006, p. 319-320).
6 DIREITO ADUANEIRO TRIBUTÁRIO
Como exposto no capítulo 5, entende-se por Direito Aduaneiro Tributário o
segmento do Direito Aduaneiro que tem por objeto os tributos aduaneiros (imposto
de importação e imposto de exportação).
Optamos aqui pela denominação tributos aduaneiros
240
(existente nos arts.
105, IX, XI, XIII e XIV, e 143, VIII da Lei Aduaneira - Decreto-lei n
o
37, de 1966), ao
invés da adotada por nosso digo Tributário Nacional no Capítulo II (arts. 19 a 28)
do Título III de seu Livro Primeiro (impostos sobre o comércio exterior
241
).
O Regulamento Aduaneiro de 2002 (Decreto n
o
4.543) limitou-se a reproduzir
a nomenclatura utilizada pelas normas legais
242
. Assim, embora haja o emprego dos
termos do Código Tributário Nacional, no título de seu Livro II (Dos impostos sobre o
comércio exterior), utiliza-se a expressão ‘tributos aduaneiros’ por quatro vezes no
art. 618 de tal regulamento, que tem por base o art. 105 da Lei Aduaneira.
240
A expressão ‘tributos aduaneiros’ é de emprego comum em nossa legislação. A título
exemplificativo, citem-se o Decreto n
o
41.853, de 15/7/1957 (“Art. 2
o
. Aos oficiais administrativos e, na
sua falta, aos escriturários, incumbe: [...] IV - exame, fiscalização e conferência da documentação
apresentada para arrecadação dos tributos aduaneiros e dos demais impostos e taxas arrecadados
pelas estações aduaneiras”); o Decreto n
o
55.870, de 26/3/1965 (Anexo - Art. 273. Além das
pequenas encomendas, serão removidos para as repartições permutantes diretas os objetos de
correspondência: [...] b) sujeitos ao pagamento de tributos aduaneiros”; e a Lei do Imposto de
Consumo - atual IPI -, de n
o
4.502, de 30/11/1964 (“Art. 14. Salvo disposição especial, constitui valor
tributável: I - quanto aos produtos de procedência estrangeira, para o cálculo efetuado na ocasião do
despacho; [...] b) o valor que servir de base, ou que serviria se o produto tributado fosse para o
cálculo dos tributos aduaneiros, acrescido de valor deste e dos ágios e sobretaxas cambiais pagos
pelo importador”), e seu Regulamento (Decreto n
o
4.544, de 26/12/2002, em seu art. 131, I, ‘a’).
241
O Código Tributário Nacional manteve a terminologia estabelecida nos arts. 7
o
a 17 da Emenda
Constitucional n
o
18, de 1
o
/12/1965, distinguindo os impostos: a) sobre o comércio exterior, b) sobre o
patrimônio e a renda, c) sobre a produção e a circulação, e e) especiais. Contudo, é preciso destacar
que o texto da Constituição Federal de 1988 o adotou estritamente a nomenclatura do Código. A
título ilustrativo, cite-se observação efetuada ao art. 150, VI, ‘a’ da Constituição Federal de 1988 (que
trata da imunidade recíproca para impostos sobre patrimônio, renda ou serviços) por Roque
Antonio Carraza, que defende ter o constituinte utilizado linguagem econômica, e não jurídica, para
designar os tipos de impostos, devendo o texto da alínea abarcar todo e qualquer imposto (Curso de
direito..., op. cit, p. 711). A própria Administração Tributária e Aduaneira reconheceu em ato
normativo que o dispositivo em comento abarca o imposto de importação, no Ato Declaratório
Interpretativo da Secretaria da Receita Federal n
o
20, de 5/11/2002, que declara que a “vedação de
instituir impostos de que trata a alínea ‘a’ do inciso VI do art. 150 da Constituição Federal (CF) aplica-
se às importações realizadas pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, não sendo exigível o
imposto de importação [...]”.
242
Contudo, em seu art. 239, que regulamenta o citado art. 14, I, ‘b’ da Lei do Imposto de Consumo
(IPI), o Regulamento Aduaneiro interpreta que a expressão ‘tributos aduaneiros’ abarca, na
importação, tão-somente o imposto de importação. Tal interpretação nos fornece a convicção de que
o regulamento à expressão ‘tributos aduaneiros’ amplitude coincidente com a que estamos
propondo no presente trabalho.
72
Não nos opomos à utilização das expressões ‘tributos aduaneiros’, ‘tributos
sobre o comércio exterior’ e ‘impostos sobre o comércio exterior’ como sinônimas.
Temos restrições, contudo, à interpretação de que tais expressões abarcam outros
tributos (v.g. os niveladores) devidos na importação.
O Regulamento Aduaneiro de 2002 pautou-se por um método tal qual o que
estamos propondo ao inovar na estrutura aduaneiro-tributária/tributário-aduaneira,
separando os tributos aduaneiros (em seu Livro II - Dos impostos sobre o comércio
exterior) dos demais tributos devidos na importação (Livro III - Dos demais impostos,
e das taxas e contribuições, devidos na importação), como os niveladores. Pode-se,
assim, afirmar que a distinção entre os campos aduaneiro-tributário e tributário-
aduaneiro já se encontra positivada no direito brasileiro.
Por fim, manifestamos restrições ainda à utilização da designação ‘direitos
aduaneiros’ (do francês Droits de Douane
243
) para os tributos aduaneiros, por
entendermos que o termo ‘direitos’, no Brasil, abarca também os direitos
antidumping e compensatórios, de natureza declaradamente não-tributária
244
.
As considerações a seguir restringem-se aos tributos aduaneiros, entendidos
como o imposto de importação e o imposto de exportação.
243
Veja-se que a expressão Droits de Douane é utilizada no Glossário de Termos Aduaneiros
Internacionais da Organização Mundial das Aduanas (OMA) e no Anexo Geral, Capítulos 2 e 4, da
Conveção de Kyoto Revisada com o significado de droits inscrits au tarif des douanes et dont sont
passibles les marchandises qui entrent sur le territoire douanier ou qui en sortent”. Também no
Glossário de Termos Aduaneiros e de Comércio Exterior da ALADI, a expressão direitos
aduaneiros’, direitos de Alfândega’, ou ‘derechos aduaneros’, significa “direitos estabelecidos nas
tarifas de Alfândega, aos quais estão submetidas as mercadorias, tanto na entrada como na saída do
território aduaneiro” (Disponível em: <http://www.aladi.org/nsfaladi/glosario.nsf>. Acesso em: 23 jan.
2008). Assim, tais denominações poderiam ser utilizadas no Brasil como sinônimas de ‘tributos
aduaneiros’, se ressalvados os direitos antidumping e compensatórios. Denominações mais genéricas
como gravames(definidos no Glossário da ALADI como “direitos aduaneiros e quaisquer outros
encargos de efeitos equivalentes, sejam de caráter fiscal, monetário, cambial, que incidem sobre as
importações, excetuadas as taxas e encargos análogos quando respondem ao custo aproximado dos
serviços prestados”) e direitos e taxas(do francês droits e taxes’, definido no glossário da OMA
como les droits de douane et tous autres droits, taxes ou impositions diverses [...]”) também, por
óbvio, são inadequadas para designar especificamente os impostos de importação e de exportação
(tributos aduaneiros).
244
Cf. Lei n
o
9.015, de 30/3/1995, art. 1
o
, parágrafo único: “Os direitos antidumping e os direitos
compensatórios serão cobrados independentemente de quaisquer obrigações de natureza tributária
relativas à importação dos produtos afetados”.
73
6.1 Imposto de importação
Uma das primeiras formas de tributo existentes na história
245
, o imposto de
importação foi, no Brasil, cobrado ainda nos tempos em que nem independentes de
Portugal éramos. ALCIDES JORGE COSTA registra disposições sobre o imposto de
importação (direitos de Alfândega) ainda no Regimento que Tomé de Souza trouxe
para o Brasil
246
.
Com a abertura dos portos, em 1808, institui-se a primeira tarifa aduaneira no
Brasil, cobrando-se 24% ad valorem sobre as importações, em geral
247
. Em 1844,
elabora-se a primeira tarifa aduaneira do Brasil (conhecida como tarifa Alves Branco,
em referência a seu inspirador, o ministro da Fazenda Manuel Alves Branco)
independente, com alíquotas variáveis (de 2 a 60% ad valorem)
248
. Seguem-se
outras tarifas, como a Rio Branco (de 1874) até chegarmos à fase republicana. Da
velha à nova - e à novíssima (se podemos assim designar a república que sucede
aos regimes militares) - repúblicas, acompanhando o vertiginoso decréscimo de
arrecadação do imposto de importação, seguem-se diversas tarifas, como as
instituídas pelo Decreto n
o
24.343, de 5/6/1934 (tarifa Oswaldo Aranha); pela Lei n
o
3.244, de 14/8/1957; e pelo Decreto-lei n
o
63, de 21/11/1966.
Em nossa Constituição Federal de 1988, o imposto de importação é referido
no art. 153, I, que o insere no âmbito de competência da União. Com o advento do
Mercosul, na década de 90, e com a possibilidade de cobrança unificada do imposto
de importação nos países que formam o bloco, procedimento que se encontra em
gestação, a disciplina jurídica do imposto de importação tende a aumentar em
complexidade, envolvendo cada vez mais questões de direito internacional (que hoje
se manifestam em tratados internacionais que versam sobre a base de lculo e
sobre a classificação de mercadorias para fins de incidência do imposto).
Buscaremos, a seguir, detalhar cada um dos critérios da hipótese e do
conseqüente da regra-matriz de incidência, em relação ao imposto de importação.
245
Ricardo Xavier Basaldúa efetua uma investigação histórica sobre as atividades aduaneiras (dentre
as quais destaca a cobrança do imposto de importação) em diversos locais e épocas, como no Egito
dos faraós, na Grécia antiga, nos primórdios de Roma, na Idade Média e na América pré-colonial
(Introducción al Derecho Aduanero..., op. cit., p. 25-124).
246
História da tributação..., op. cit., p. 45-46.
247
Cf. MELO, Ruy; REIS, Raul. Manual do imposto de ..., op. cit., p. 11; e LOPES FILHO, Osíris de
Azevedo. Regimes aduaneiros..., op. cit., p. 21.
248
Cf. MELO, Ruy; REIS, Raul. Manual do imposto de ..., op. cit., p. 12; e LOPES FILHO, Osíris de
Azevedo. Regimes aduaneiros..., op. cit., p. 22.
74
6.1.1 Critério material
Observando-se a competência outorgada à União (instituir imposto sobre a
importação de produtos estrangeiros) pela Constituição de 1988, parece-nos de
fácil compreensão que seja a importação de produtos estrangeiros o critério material
da hipótese de incidência do imposto de importação. O constituinte (seja o de 1988
ou o de 1967) utilizou-se da terminologia do Código Tributário Nacional (art. 19 -
importação de produtos estrangeiros), ao invés da constante na Lei Aduaneira (art.
1
o
- importação de mercadoria estrangeira).
Com o objetivo de decifrarmos eventuais divergências entre os comandos
normativos que versam sobre a matéria, analisaremos cada um dos termos que
compõem o critério material.
6.1.1.1 Verbo
O verbo do critério material é indiscutivelmente importar, verbo originado do
latim importare, que significa portar para dentro, trazer para dentro, introduzir
249
.
No âmbito aduaneiro, importar significa trazer para dentro do território
aduaneiro. Vê-se, assim que o critério material tem intrínseca ligação com o
espacial. O vocábulo ‘importação’ pressupõe não apenas uma introdução, mas uma
introdução em um território aduaneiro.
Nesse sentido a definição de importação do Glossário de Termos Aduaneiros
Internacionais da Organização Mundial das Aduanas (ação de introduzir em um
território aduaneiro uma mercadoria qualquer
250
) e do Glossário de Termos
Aduaneiros e de Comércio Exterior da ALADI (entrada de qualquer mercadoria em
249
Nesse aspecto, unanimemente, as obras que dispõem sobre a matéria: LACOMBE, Américo
Masset, Imposto de..., op. cit., p. 12; SOUZA, Hamilton Dias de. Estrutura do imposto de
importação no código tributário nacional. São Paulo: Resenha Tributária, 1980, p. 19; LOPES
FILHO, Osíris de Azevedo. Regimes aduaneiros especiais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1983,
p. 57; MEIRA, Liziane Angelotti. Regimes Aduaneiros Especiais. São Paulo: IOB, 2002, p. 113;
MANFRINATO, Paulino. Imposto de importação: uma análise do lançamento e fundamentos.
São Paulo: Aduaneiras, 2002, p. 37; HILÚ NETO, Miguel. Imposto sobre Importações e Imposto
sobre Exportações. o Paulo: Quartier Latin, 2003, p. 65-66; MELO, José Eduardo Soares de. A
Importação no Direito Tributário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 46; e FOLLONI, André
Parmo. Tributação sobre..., op. cit., p. 114.
250
(World Customs Organization. Glossary of international customs terms. Permanent Technical
Committee. 174
rd
Session, march. 2003 / Organisation Mondiale des Douanes. Glossaire des termes
douaniers internationaux. Comite Technique Permanent. 174
ème
Session. mars. 2003). Tradução
livre da versão em francês (importation - action d’introduire dans un territoire douanier une
marchandise quelconque). A versão em inglês, o outro idioma oficial da OMA, parece um pouco mais
ampla, abarcando não só a introdução, em si, mas o ato de causar a introdução (“importation - the act
of bringing or causing any goods to be brought into a Customs territory”).
75
um território aduaneiro
251
). O Código Aduaneiro Argentino, em seu art. 9
o
, 1, segue a
mesma linha, ao definir importação como la introducción de cualquier mercadería a
un territorio aduanero”.
6.1.1.2 Complemento
A comunhão de pensamentos em relação ao verbo do critério material da
hipótese de incidência do imposto de importação dá lugar, quando o tema é o
complemento verbal, a controvérsias essencialmente derivadas da terminologia
utilizada na legislação.
6.1.1.2.1 Produto e mercadoria
A primeira controvérsia diz respeito à utilização das palavras ‘produto’ (na
Constituição Federal de 1988 e no Código Tributário Nacional) e ‘mercadoria’ (na Lei
Aduaneira) como complemento do verbo importar. Sobre o assunto, basicamente
duas correntes: uma que entende incidir o imposto de importação somente sobre
produtos que sejam importados com destinação comercial e outra que sustenta que
o termo ‘mercadoria’ empregado na Lei Aduaneira abarca bens que não sejam
destinados ao comércio.
Representante da primeira corrente, AMÉRICO MASSET LACOMBE entende
que, na Constituição de 1967
252
, o termo ‘produto’ foi usado em sua acepção vulgar
(bem móvel e corpóreo), enquanto que a palavra ‘mercadoria’ foi tecnicamente
usada (bem móvel e corpóreo destinado ao comércio), e que a disposição do art. 19
do Código Tributário Nacional (artigo que disciplina matéria reservada à lei ordinária)
foi revogada pelo art. 1
o
da Lei Aduaneira (que, apesar de entrar em vigor na mesma
data do Código, foi publicada posteriormente a este)
253
, concluindo que está fora do
universo de incidência do imposto de importação a introdução de produtos não
destinados ao comércio
254
.
251
Disponível em: <http://www.aladi.org/nsfaladi/glosario.nsf>. Acesso em: 23 jan. 2008.
252
Os termos referidos foram mantidos na Constituição Federal de 1988.
253
O Código Tributário Nacional (Lei n
o
5.172, de 25/10/1966) foi publicado em 27/10/1966, e, por
força do disposto em seu art. 218, entrou em vigor em 1
o
/1/1967. A Lei Aduaneira (Decreto-lei n
o
37,
de 18/11/1966) foi publicada em 21/11/1966, e, por força do disposto em seu art. 178, entrou em vigor
também em 1
o
/1/1967.
254
Imposto de..., op. cit., p. 14, 18 e 21. José Eduardo Soares de Melo, apesar de discordar de
Américo Masset Lacombe na justificativa (entendendo que a Lei Aduaneira não revogou o art. 19 do
Código Tributário Nacional, mas apenas externou opção pelo não-exercício pleno da competência
tributária), chega à mesma conclusão de que a incidência do imposto de importação esrestrita a
mercadorias, ou seja, a “bens que sejam objeto de atividade mercantil” (A importação..., op. cit., p.
46-48).
76
Em posição oposta, HAMILTON DIAS DE SOUZA afirma que o termo
‘mercadoria’ empregado pela Lei Aduaneira não teve o escopo de restringir a
incidência do imposto de importação aos bens destinados ao comércio, pois a
própria lei assinala que o tributados “bens que certamente não são mercadorias,
como roupas e objetos pessoais de passageiros e bens de capital para uso de quem
realiza a importação
255
.
Entendemos, em apoio à orientação majoritária, que o termo ‘mercadoria’, na
Lei Aduaneira, buscou alcançar significado idêntico ao de ‘produto’, e não teve a
intenção de distanciar-se do comando constitucional, nem do preceito estabelecido
no Código Tributário Nacional. Endossando nosso entendimento, veja-se o segundo
parágrafo da Exposição de Motivos n
o
867, de 18/11/1966, que acompanha o
Decreto-lei n
o
37 (Lei Aduaneira): “2. Cumpre esclarecer, desde logo, que o projeto
adapta os conceitos de fato gerador, base de cálculo e definição de contribuinte
do imposto de importação às normas do Código Tributário Nacional, além de
complementar e atualizar toda a legislação do país” (grifos nossos).
Em que pese a Lei Aduaneira (e, em geral, toda a legislação aduaneira
brasileira) não ter adotado exclusivamente o termo ‘mercadorias’, às vezes
apresentando como sinônimos a ele os termos ‘bens’ (v.g. art. 106) e ‘produtos’
256
,
255
Estrutura do..., op. cit., p. 29-30. O autor se refere aos arts. 13 e 14 da Lei Aduaneira. No mesmo
sentido, Osíris de Azevedo Lopes Filho, embora reconheça que o termo ‘mercadoria’ (bem móvel e
corpóreo destinado ao comércio) seja uma espécie do gênero ‘produto’, sustenta que podem ser
tratados como sinônimos no caso em análise (Regimes aduaneiros..., op. cit., p. 57-59). Paulino
Manfrinato também reconhece que “a incidência do imposto de importação (II) atinge igualmente
produtos não enquadrados como mercadoria”, em sentido estrito (Imposto de..., op. cit., p. 37).
Liziane Angelotti Meira toma em consideração o caráter restritivo que apresenta o termo ‘mercadoria’
(coisas que servem como objeto de uma operação comercial), mas o releva, na Lei Aduaneira, por
entender, com base em interpretação sistêmica, que a palavra foi utilizada como sinônima de ‘bens’,
termo também presente na Lei Aduaneira (v.g., arts. 12, 14, 26, 75 e 106) e que a autora aponta
como mais adequado ao complemento do critério material da hipótese de incidência do imposto de
importação (Regimes aduaneiros..., op. cit., p. 114-115). Ainda na mesma linha, Miguel Hilú Neto
entende, como Sebastião de Oliveira Lima (O fato gerador do imposto de importação na
legislação brasileira. São Paulo: Resenha Tributária, 1981, p. 45-46), mediante interpretação
sistemática, que o legislador aplicou o vocábulo mercadoria com acepção incorreta e, “a despeito de
haver utilizado o vocábulo ‘mercadoria’, [...], onde se ‘mercadorias’, leia-se ‘produtos (Imposto
sobre..., op. cit., p. 80). André Parmo Folloni segue o mesmo caminho, indicando como critério
material da hipótese de incidência do imposto a importação de bens ou produtos estrangeiros
(Tributação sobre..., op. cit., p. 115).
256
A título ilustrativo, transcreva-se o art. 17 da Lei Aduaneira, e seu correspondente no Regulamento
Aduaneiro (art. 117). Art. 17. a isenção do imposto de importação somente beneficia produto sem
similar nacional, em condições de substituir o importado” (grifo nosso). “Art. 117. Observadas as
exceções previstas em lei ou neste Decreto, a isenção ou a redução do imposto somente beneficiará
mercadoria sem similar nacional [...] (Decreto-lei n
o
37, de 1966, art. 17, [...])” (grifo nosso).
77
são diversos os artigos de tal lei em que seria incoerente ou incompreensível que
‘mercadorias’ se referisse restritivamente a bens destinados à atividade comercial
257
.
Ademais, o termo ‘mercadoria’ é de emprego internacional no Direito
Aduaneiro para designar inclusive bens que, embora suscetíveis de comércio, não
se destinem, em uma operação específica, à comercialização. As definições de
importação constantes nos glossários da OMA e da ALADI, por nós trazidas no item
6.1.1.1 deste estudo, empregam a palavra mercadorias, sem que isso implique estar
excluída do conceito de importação a introdução de bens destinados, v.g., a
consumo próprio ou ao ativo fixo. Os principais tratados internacionais em matéria
aduaneira (v.g. Convenção Internacional sobre o Sistema Harmonizado de
Designação e de Codificação de Mercadorias, Acordo de Valoração Aduaneira -
AVA/GATT, Convenção e Kyoto revisada) e a maioria dos digos aduaneiros (v.g.
Código Aduaneiro Europeu, Código Aduaneiro Uniforme Centro-Americano, Código
Aduaneiro do Mercosul
258
, Código Aduaneiro Argentino
259
, Código Aduaneiro
Paraguaio e Código Aduaneiro Uruguaio) também utilizam o termo ‘mercadorias’
com conteúdo desvinculado da finalidade da importação.
Também nosso Regulamento Aduaneiro adota definição de mercadoria que
abarca, v.g., bagagem de viajante e bens enviados como presente ou amostra, ou a
título gratuito
260
.
Concluímos, assim, que o emprego não uniforme dos termos ‘mercadorias’,
‘bens’ e ‘produtos’ na Lei Aduaneira (alastrando-se por toda a legislação aduaneira),
embora traga certo prejuízo à interpretação, por si só não obstaculiza a incidência do
imposto de importação sobre produtos importados com finalidades não comerciais.
257
Vejam-se, por exemplo, os arts. 43 (“o disposto neste Capítulo se aplica igualmente aos veículos
militares utilizados no transporte de mercadoria”); 70, § 1
o
(no caso de mercadoria em unidade ou
em diminuta quantidade, sem destinação comercial, poderão [...]); 106, II, ‘c’ (“pela importação,
como bagagem de mercadoria que, por sua quantidade e características, revele finalidade
comercial”); 106, III, ‘b’ (“pela chegada ao país de bagagem e bens de passageiro [...], quando se
tratar de mercadoria sujeita a tributação”); e 171 (“a mercadoria estrangeira importada a título de
bagagem, e que, por suas características e quantidades, não mereça tal conceito, fica sujeita ao
regime da importação comum”). Em todas as reproduções, os grifos são nossos.
258
O Código Aduaneiro do Mercosul, ainda não incorporado a nosso ordenamento jurídico, define, em
seu art. 3
o
, 8, mercadoria como “qualquer bem suscetível de uma operação aduaneira”.
259
O Código Aduaneiro Argentino chega a definir mercadoria, em seu art. 10.1, como todo objeto
que fuere susceptible de ser importado o exportado”.
260
Em seu art. 69, parágrafo único, derivado do art. 62 do Decreto n
o
1789, de 12/1/1996 (indicado
como supedâneo normativo, embora verse exclusivamente sobre remessas postais internacionais).
78
Destacamos, por fim, que a energia elétrica também se encontra no universo
de incidência do imposto de importação, por disposição expressa da Constituição
Federal de 1988 (art. 155, § 3
o
)
261
, tendo sido a matéria disciplinada no art. 8
o
,
parágrafo único do Regulamento Aduaneiro, no Decreto n
o
5.668, de 10/1/2006, e na
Instrução Normativa da Secretaria da Receita Federal n
o
649, de 28/4/2006.
6.1.1.2.2 Estrangeira e desnacionalizada
A segunda controvérsia não se apresenta pela divergência na utilização de
termos, mas pela ausência de uma designação: tanto a Constituição Federal quanto
o Código Tributário Nacional e a Lei Aduaneira se referem a mercadoria estrangeira.
Cabe, assim, indagar se o texto se refere à mercadoria de origem estrangeira ou de
procedência estrangeira. A resposta a tal indagação tem como conseqüência a
incidência ou não do imposto na reimportação de mercadorias nacionais ou
nacionalizadas
262
, exportadas a título temporário, e na importação de mercadorias
desnacionalizadas exportadas a título definitivo.
É preciso destacar preliminarmente uma relevante distinção existente na
designação das operações de comércio exterior: se pode importar mercadoria
estrangeira ou desnacionalizada, da mesma forma que só se pode exportar
mercadoria nacional ou nacionalizada. Quando se envia ao exterior mercadoria
não nacionalizada, a operação recebe o nome de reexportação
263
. Na mesma linha,
quando aqui se introduz mercadoria nacional ou nacionalizada procedente do
exterior, a operação é denominada de reimportação.
261
José Eduardo Soares de Melo não restringe a definição de ‘produto’, nem a de ‘mercadoria’, a
bens corpóreos, referindo-se expressamente à possibilidade de enquadramento da energia elétrica
como mercadoria e como produto (A importação..., op. cit., p. 47). No mesmo sentido, Leandro
Paulsen (Direito Tributário: Constituição, Código Tributário e Lei de Execução Fiscal à luz da
doutrina e da jurisprudência. 4. ed. rev. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado: ESMAFE, 2002,
p. 490).
262
Mercadorias nacionalizadas são as mercadorias produzidas no exterior, mas incorporadas à
economia brasileira (WERNECK, Paulo. Comércio exterior e despacho aduaneiro. Curitiba: Juruá,
2001, p. 13). Tal definição brota da esclarecedora, mas revogada Portaria do Ministro da Fazenda n
o
300, de 31/8/88 (publicada em 2/9/88), que, em seu item 2, dispunha que a nacionalização de
mercadoria compreende a “seqüência de atos que transferem a mercadoria de economia estrangeira
para economia nacional”. O Regulamento Aduaneiro, em seu art. 212, § 1
o
, que reproduz o art. 221, §
1
o
do regulamento anterior, dispõe que se considera “nacionalizada a mercadoria estrangeira
importada a título definitivo”.
263
A definição de reexportação também provém da revogada Portaria n
o
300, e é utilizada em toda a
legislação aduaneira nacional, por o ter a norma revogadora (Portaria MF n
o
267, de 30/8/2001)
redefinido o instituto.
79
Apesar de as definições internacionalmente adotadas serem sensivelmente
diferentes
264
, a Lei Aduaneira brasileira
265
e seu regulamento
266
sempre associam a
reimportação a uma exportação não definitiva, e a reexportação a uma importação
não definitiva.
Nesse contexto, não se pode interpretar que a expressão ‘produto
estrangeiro’, utilizada na Constituição Federal (art. 153, I) e no Código Tributário
Nacional (art. 19), e sua variante (‘mercadoria estrangeira’) utilizada no art. 1
o
da Lei
Aduaneira (com a redação dada pelo Decreto-lei n
o
2.472, de 1988) abarquem
produtos/mercadorias ‘desnacionalizados/as’. Se uma distinção entre a
mercadoria nacional e a nacionalizada, também existe uma diferença entre a
mercadoria estrangeira e a desnacionalizada (a diferença, em ambos os casos, é a
origem
267
da mercadoria). Seguindo-se o raciocínio, se a Constituição Federal
dispôs que o imposto de exportação incide sobre produtos nacionais ou
nacionalizados (art. 153, II) e que o imposto de importação incide sobre produtos
estrangeiros (art. 153, I), é de se concluir que ficaram fora do universo de incidência
264
O Glossário de Termos Aduaneiros Internacionais da OMA define reimportação
(‘reimportation’/’re-importation’) como a importação em um território aduaneiro de mercadorias
previamente exportadas deste território (importation dans um territoire douanier de marchandises
préalablement exportées de ce territoire/“importation into a Customs territory of goods previously
exported from that territory”) e reexportação (‘reexportation’/’re-exportation’) como exportation hors
du territoire douanier de machandises qui y ont été importées antérieurement/ exportation from a
Customs territory of goods previously imported into that territory”). O Glossário de Termos Aduaneiros
e de Comércio Exterior da ALADI segue a mesma linha.
265
No que se refere à reimportação de mercadoria nacional ou nacionalizada anteriormente
exportada a título não definitivo: art. 92 (tanto na redação original quanto na alterada pelo Decreto-lei
n
o
2.472, de 1
o
/9/1988) e art. 93 (na redação original). No que se refere à reexportação de
mercadoria estrangeira (a Lei Aduaneira não utiliza o termo ‘desnacionalizada’) anteriormente
importada a título não definitivo: arts. 47; 52; 106, IV, ‘c’; 143, XII; e 71, § 6
o
(este com a redação
dada pelo Decreto-lei n
o
2.472, de 1988).
266
No que se refere à reimportação de mercadoria nacional ou nacionalizada anteriormente
exportada a título não definitivo: arts. 385; 390, § 2
o
; 396 a 399; 402; 407 e 409. No que se refere à
reexportação de mercadoria estrangeira ou desnacionalizada (o regulamento utiliza o termo
‘desnacionalizada’ apenas uma vez, no art. 332: “o regime aduaneiro especial de admissão
temporária para aperfeiçoamento ativo é o que permite o ingresso [...] de mercadorias estrangeiras ou
desnacionalizadas, destinadas a operações de aperfeiçoamento ativo e posterior reexportação”)
anteriormente importada a título não definitivo: arts. 318 a 321; 332; 342; 362; 372; 433; 453; 520;
524 e 531.
267
A origem se refere ao país em que a mercadoria tenha sido fabricada, ou no qual tenha recebido
transformação substancial, observadas as regras de origem aplicáveis à transação comercial.
regras de origem pactuadas, v.g., no âmbito da OMC, da ALADI e do MERCOSUL. Para
aprofundamento na questão da origem, veja-se: CARLUCI, José Lence. Uma introdução..., op. cit.,
p. 273-296; IZAM, Miguel. Normas de Origen y Procedimientos para su Administración en
América Latina. Santiago de Chile: CEPAL, 2003; ESTEVADEORDAL, Antoni; SUOMINEN, Kati.
Rules of origin in FTAs in Europe and in the Americas: issues and implication for the EU-
Mercosur Inter-Regional Association Agreement. Buenos Aires: Intal, 2004; e AGUIAR, Maruska
(org.). Discussões sobre regras de origem. São Paulo: Aduaneiras, 2007.
80
deste imposto os produtos desnacionalizados (ou seja, aqueles que, apesar de
procedentes do exterior, foram efetivamente fabricados no Brasil, segundo as regras
de origem aplicáveis).
Recorde-se que no texto original da Constituição Federal de 1946 (art. 15, I:
“compete à União decretar impostos sobre importação de mercadorias de
procedência estrangeira”), bastava que a mercadoria fosse procedente do exterior
para que houvesse a incidência. Contudo, na alteração promovida pela Emenda
Constitucional n
o
18, de 1965 (art. 7
o
, I), e nas Constituições Federais de 1967 (art.
22, I) e 1988 (art. 153, I), o critério adotado foi o da origem.
A Lei Aduaneira, assim, ao dispor em seu art. 93 que seria considerada
estrangeira, para efeito de incidência do imposto de importação, a mercadoria
nacional ou nacionalizada reimportada, quando houvesse sido exportada sem
observância das condições relativas ao regime de exportação temporária
268
,
revelava-se inconstitucional. A inconstitucionalidade foi declarada incidentalmente no
julgamento do RE n
o
104.306-7/SP, cuja ementa se transcreve a seguir.
Ao considerar estrangeira, para efeito de incidência do tributo, a
mercadoria nacional reimportada, o art. 93 do Decreto-lei n
o
37-66
criou ficção incompatível com Constituição de 1946 (Emenda n
o
18,
art. 7
o
, I), no dispositivo correspondente ao art. 21, I, da Carta em
vigor. Recurso Extraordinário provido, para concessão da segurança
e para a declaração de inconstitucionalidade do citado art. 93 do
Decreto-lei n
o
37-66.
269
Após a declaração de inconstitucionalidade, o presidente do Senado Federal
publicou a Resolução n
o
436, de 5/12/1987 (publicada no Diário Oficial da União de
18/12/1987), suspendendo a execução do art. 93 da Lei Aduaneira.
Entretanto, alguns meses após a suspensão da execução por
inconstitucionalidade, foi publicado o Decreto-lei n
o
2.472, de 1988, que, ao inserir
268
O art. 93 da Lei Aduaneira era regulamentado pelo art. 84 do Regulamento Aduaneiro aprovado
pelo Decreto n
o
91.030, de 1985. O texto do comando regulamentar era ainda mais explícito na
incidência do imposto sobre mercadoria nacional exportada definitivamente que retorne ao país. Veja-
se, que mediante silogismo, a partir do inciso II do caput (“considera-se estrangeira, para efeito de
incidência do imposto a mercadoria desnacionalizada, que vier a ser importada”) e do § 1
o
(“considera-se desnacionalizada a mercadoria nacional ou nacionalizada exportada a título definitivo”)
do art. 84, chega-se à conclusão que o legislador afirmava que a mercadoria nacional exportada
definitivamente é considerada estrangeira quando retorna ao Brasil.
269
Recurso Extraordinário n
o
104.306-7/SP, Pleno, Rel. Min. Octavio Galloti, unânime, DJ de 18
abr. 1986.
81
um § 1
o
ao art. 1
o
da Lei Aduaneira
270
, novamente alargou a definição de
‘estrangeira’, afirmando que: “para fins de incidência do imposto, considerar-se-á
também estrangeira a mercadoria nacional ou nacionalizada exportada, que retornar
ao País, salvo se [...] por [...] fatores alheios à vontade do exportador”. Tal
dispositivo, que parece fazer uma interpretação a contrario sensu das disposições do
art. 11 do Decreto-lei n
o
491, de 5/3/1969 (“não constitui fato gerador do imposto de
importação [...] a reimportação de produtos nacionais que retornem ao País [...] por
[...] fatores alheios à vontade do exportador”), possui um teor muito assemelhado ao
art. 93 declarado inconstitucional.
Tendo em vista que o texto do art. 22, I da Constituição Federal de 1967 não
foi modificado na Constituição Federal de 1988 (art. 153, I), padece de
inconstitucionalidade qualquer norma que venha a designar mercadoria nacional
como ‘estrangeira’. Nos dizeres do Ministro Luiz Galotti, em seu voto (vencido) no
RE n
o
71.758/Guanabara: “se a lei pudesse chamar de compra o que não é compra,
de importação o que o é importação, de exportação o que não é exportação, de
renda o que não é renda, ruiria todo o sistema tributário inscrito na Constituição”
271
.
Entendemos, assim, que não incide o imposto de importação no retorno, no
mesmo estado, ao Brasil, de mercadoria nacional ou nacionalizada exportada a título
definitivo. Como o critério adotado na Constituição Federal de 1988 é a origem (e
não a procedência), concluímos que também na reimportação de mercadoria
exportada a título temporário que descumpra os prazos de concessão do regime não
incide o imposto de importação
272
.
270
Hoje reproduzido no art. 70 do Regulamento Aduaneiro de 2002. O mesmo art. 70 traz, em seu
parágrafo único, outro comando legal (art. 2
o
do Decreto-lei n
o
1.418, de 3/9/1975) que alarga a
definição de ‘estrangeira’.
271
Recurso Extraordinário n
o
71.758/GB, Pleno, Rel. Min. Thompson Flores, maioria, DJ de 31 ago.
1973.
272
Admitir a incidência de imposto de importação à mercadoria exportada temporariamente que
retorne ao Brasil fora do prazo de concessão seria desvirtuar o próprio conceito de tributo previsto no
art. 3
o
do Código Tributário Nacional (“prestação pecuniária [...] que não constitua sanção de ato
ilícito, [...]”): seria aplicar penalidade por meio de tributo. O Regulamento Aduaneiro de 2002, ao
disciplinar o comando do § 4
o
do art. 92 da Lei Aduaneira (inserido pelo Decreto-lei n
o
2.472, de
1988), deixa clara a não incidência do imposto de importação a mercadoria à qual tenha sido
aplicado o regime de exportação temporária (esteja ou não a mercadoria ainda ao amparo do
regime). A quem descumpre os prazos do regime, hoje não mais se pune ‘com imposto’, mas com a
multa prevista no art. 72, II da Lei n
o
10.833, de 26/12/2002.
82
Na companhia abalizada de diversos juristas
273
que se dedicaram ao tema,
afirmamos, então, que o imposto de importação incide sobre mercadoria de
origem estrangeira.
6.1.2 Critério espacial
Como afirmamos no item 6.1.1.1 deste estudo, o verbo do critério material,
importar (trazer para dentro), possui intrínseca ligação com o critério espacial, pois é
impossível efetivar-se uma importação sem ingresso de mercadoria. Contudo, cabe
indagar: ingresso em que local? Em resposta, no mesmo item 6.1.1.1, indicamos
que, no âmbito internacional, consolidou-se que importação consiste na introdução
de mercadorias em um território aduaneiro.
No Brasil, o Código Tributário Nacional (art. 19) e a Lei Aduaneira (art. 1
o
)
estabelecem que o fato gerador do imposto de importação é a entrada da
mercadoria no território nacional. O Regulamento Aduaneiro dispõe que o
“território aduaneiro compreende todo o território nacional” (art. 2
o
, que reproduz o
art. 1
o
do regulamento de 1985) e que “o fato gerador do imposto de importação é a
entrada de mercadoria estrangeira no território aduaneiro” (art. 72).
6.1.2.1 Território nacional e território aduaneiro
Um dos elementos dos Estados, o território é o local onde estes exercem sua
jurisdição geral (legislativa, administrativa e jurisdicional) e exclusiva (sem
concorrência, detendo o monopólio do uso legítimo da força pública)
274
. A noção de
território é, assim, jurídica e não geográfica
275
.
Nosso território nacional, v.g., em sua porção marítima (mar territorial),
estende-se até doze milhas náuticas do litoral, de acordo com o art. 1
o
da Lei n
o
8.617, de 4/1/1993, que reflete o acordado pelo Brasil em âmbito internacional (por
meio da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar
276
).
273
V.g.: Hamilton Dias de Souza (Estrutura do..., op. cit., p. 31-32); Liziane Angelotti Meira (Regimes
aduaneiros..., op. cit., p. 116-117) e André Parmo Folloni (Tributação sobre..., op. cit., p. 116). Em
sentido contrário, entendendo que o imposto de importação incide sobre mercadoria nacional ou
nacionalizada exportada definitivamente que retorne ao Brasil: Osíris de Azevedo Lopes Filho
(Regimes aduaneiros..., op. cit., p. 61) e Miguel Hilú Neto (Imposto sobre..., op. cit., p. 84-86).
274
REZEK, J. Francisco. Direito internacional público: curso elementar. 10. ed. rev. e atual. São
Paulo: Saraiva, 2005, p. 161-162.
275
MELLO. Celso D. de Albuquerque. Curso de direito internacional público. 15. ed. rev. e aum.
Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 1113.
276
Tal convenção também é conhecida como Convenção de Montego Bay, local da Jamaica onde foi
concluída em 10/12/1992. No Brasil, a convenção foi aprovada por meio do Decreto Legislativo n
o
5,
83
O texto da Lei Aduaneira leva ao entendimento de que território nacional e
território aduaneiro são exatamente a mesma coisa. Veja-se, v.g., o art. 33, que
afirma que “a jurisdição dos serviços aduaneiros se estende por todo o território
aduaneiro, e abrange: I - zona primária [...]; e II - zona secundária, compreendendo
a parte restante do território nacional (grifo nosso)
277
. Tal excerto nos revela
ainda que o Brasil adota a definição de território aduaneiro (território no qual se
aplica plenamente a legislação aduaneira
278
) constante do Anexo Geral da
Convenção de Kyoto revisada (embora não seja, ainda, signatário de tal convenção).
Se a jurisdição aduaneira realmente se estende por todo o território
aduaneiro, como afirma o art. 33 da Lei Aduaneira, ter-se-ia que reconhecer que o
território aduaneiro é maior que o território nacional, porque a Aduana brasileira
possui jurisdição, v.g., sobre as áreas de controle integrado sediadas em território
estrangeiro, na região fronteiriça do Brasil com outro Estado Parte do Mercosul
279
, cf.
o Acordo de Alcance Parcial para a Facilitação do Comércio n
o
5, conhecido como
Acordo de Recife
280
. Pode-se citar ainda como exemplo de ação aduaneira
extraterritorial a fiscalização preventiva prevista no art. 33 da Convenção de
de 9/11/1987, ratificada em 22/12/1988 e promulgada por meio do Decreto n
o
1.530, de 22/6/1995. O
art. 1
o
de tal decreto, de acordo com o art. 308, 1 da convenção, estabeleceu 16/11/1994 como data
de entrada em vigor, “internacional e para o Brasil”, da Convenção de Montego Bay.
277
Os arts. 34, II; 73; 74, § 2
o
; 105, XVII; e 143, I, também endossam a identidade entre território
nacional e território aduaneiro na Lei Aduaneira.
278
Tradução livre das versões redigidas nos idiomas oficiais da OMA - inglês (‘customs territory’) e
francês (‘territoire douanier’): the territory in which the Customs law applies in full/ territoire dans
lequel les dispositions de la legislatión douanière sont pleinement appplicables”. Como conceito
alternativo de território aduaneiro, veja-se, v.g., o adotado pela Argentina, derivado do Artigo XXV.2
da Parte III do GATT, constante do artigo 2
o
do código aduaneiro (Ley n
o
22.415, de 2/3/1981):
territorio aduanero es la parte del ámbito mencionado en el articulo 1
o
en la que se aplica un mismo
sistema arancelario y de prohibiciones de carácter económico a las importaciones y a las
exportaciones”. Esclareça-se que o art. 1
o
do Código Aduaneiro Argentino trata do território nacional
daquele país.
279
A título ilustrativo, cite-se a área de controle integrado (de cargas e turismo) de Santo Tomé
(Argentina) / São Borja (Brasil), com sede (cabeceira) no território nacional argentino.
280
O Acordo de Recife foi aprovado, no Brasil, pelo Decreto Legislativo n
o
66, de 16/11/1991, e
promulgado pelo Decreto n
o
1.280, de 14/10/1994. O art. 3
o
do referido acordo, na versão dada pelo
seu 2
o
protocolo adicional, incorporado a nosso ordenamento jurídico pelo Decreto n
o
3.761, de
5/3/2001, dispõe que “os funcionários competentes de cada país exercerão, na Área de Controle
Integrado, seus respectivos controles aduaneiros, [...]. Para esse fim ter-se-á que: a) a jurisdição e a
competência dos órgãos e dos funcionários do País Limítrofe considerar-se-ão estendidas à
referida Área” (grifo nosso).
84
Montego Bay e no art. 5
o
da Lei n
o
8.617, de 1993, em zona contígua ao mar
territorial (de doze a vinte e quatro milhas náuticas do litoral)
281
.
Por outro lado, nas áreas de controle integrado sediadas no Brasil
282
, as
autoridades estrangeiras estão autorizadas a aplicar a legislação aduaneira de seu
país em nosso território nacional. Assim, deveríamos, em tese, reconhecer que
porções de território nacional que não constituem território aduaneiro.
Do exposto, conclui-se que a criação de enclaves (locais, no exterior, nos
quais se permita a aplicação da legislação aduaneira brasileira) ou exclaves (locais,
no Brasil, onde não se aplique a legislação aduaneira brasileira, ou se aplique a
legislação aduaneira de algum outro país), ambas efetivadas somente por meio de
tratados internacionais, gera distinções entre o território nacional e o território
aduaneiro.
Entenda-se, assim, que o texto da Lei Aduaneira, no que iguala o território
nacional ao território aduaneiro, está sendo mitigado a cada tratado internacional
que o Brasil celebra sobre extensão de sua jurisdição aduaneira a território
estrangeiro ou permissão do exercício de jurisdição aduaneira estrangeira em
território nacional. Por conseqüência, a fórmula adotada pelo art. 2
o
do Regulamento
Aduaneiro, de que o território aduaneiro ‘compreende’ o território nacional não pode
ser tida como correta.
Assim, entendemos ser o território aduaneiro (e não o território nacional) o
critério espacial da hipótese de incidência do imposto de importação, pois uma
mercadoria ingressada em uma área de controle integrado, v.g., ainda não está em
solo nacional, embora haja ocorrência do fato gerador do imposto de
281
Fiscalização necessária para evitar as infrações às leis e regulamentos aduaneiros, fiscais,
de imigração ou sanitários no seu território ou no seu mar territorial” (grifo nosso). A lei brasileira
simplesmente copia o texto da Convenção.
282
A título ilustrativo, cite-se a área de controle integrado (de cargas e turismo) de Santa Helena
(Brasil) / Puerto Índio (Paraguai), com sede (cabeceira) no território nacional brasileiro.
85
importação
283
, conforme pactuado no Acordo de Recife e em seus protocolos
adicionais
284
.
A adoção do critério entrada no território aduaneiro não conflita com a
legislação pátria (pois tanto o Código Tributário Nacional quanto a Lei Aduaneira
podem ser alterados por tratados internacionais regularmente incorporados a nosso
ordenamento jurídico), e mostra-se em consonância com a construção jurídica de
uma união aduaneira em gestação
285
.
Estabelecidas as distinções entre as expressões ‘território nacional’ e
‘território aduaneiro’
286
, e revelada nossa inclinação pela utilização desta, passemos
283
Por mais que se relativize a existência dos enclaves e exclaves existentes (afirmando-se, v.g., que
nas áreas de controle integrado cada Estado Parte aplica sua legislação e, por conseqüência, o há
extensão do território aduaneiro brasileiro, porque em tais áreas a legislação aduaneira brasileira não
se aplica plenamente - para utilizar o termo da definição constante da Convenção de Kyoto revisada
-, mas convive com a estrangeira), ainda assim procede a afirmação de que o território aduaneiro
(que, não havendo exclaves ou enclaves, coincidiria com o território nacional) constitui o aspecto
espacial da hipótese de incidência do imposto de importação.
284
O Acordo de Recife já possui três protocolos adicionais, incorporados a nosso ordenamento
jurídico pelos Decretos n
o
1.418, de 13/3/1995, n
o
3.761, de 5/3/2001, e n
o
3.853, de 29/6/2001,
respectivamente. Cite-se, a título ilustrativo, os arts. 1
o
e 2
o
do Anexo ao referido acordo, na versão
dada pelo seu 3
o
protocolo adicional: “Art. 1
o
Os controles aduaneiros a serem realizados pelos
funcionários na Área de Controle Integrado se referem: a) aos diferentes regimes aduaneiros dos
Estados Partes que regulam a saída e a entrada de mercadorias; [...] c) à saída e à entrada de
veículos particulares ou privados e de transporte de passageiros e de mercadorias, incluído o trânsito
vicinal; e d) à bagagem acompanhada dos passageiros. Art. 2
o
Nos direitos de importação sob
regime geral de mercadorias, cujas solicitações se documentem e tramitem perante algum dos
escritórios aduaneiros fronteiriços dos Estados Partes, estabelece-se a seguinte distinção: a)
Despacho de mercadoria que não ingresse a depósito. Neste caso, poderá ser documentado o
despacho, efetuado o controle documental e autorizado seu trâmite e, se for o caso, efetuado o
pagamento dos tributos na repartição aduaneira interveniente, previamente à chegada da mercadoria
à Área de Controle Integrado, de acordo com a legislação vigente. Os funcionários do país de
entrada, por ocasião de sua intervenção, verificarão a mercadoria e a documentação de despacho
previamente examinada e autorizada e, o havendo impedimentos, darão por cumprida sua
intervenção e procederão, portanto, a sua liberação”. (grifo nosso).
285
Para que se consolide, no Mercosul, uma união aduaneira, além da unificação da tarifa externa,
deve haver um território aduaneiro único e um sistema de repartição de receitas tributárias
(DROMI, Roberto; EKMEKDJIAN, Miguel A.; RIVERA, Julio C. Derecho Comunitario. 2. ed. Buenos
Aires: Ciudad Argentina, 1996, p. 115; BASALDÚA, Ricardo Xavier. Mercosur y derecho de la
integración. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1999, p. 42). Assim, a declaração de importação
referente a uma mercadoria alemã adquirida por uma empresa brasileira poderá ser efetuada no
Porto de Montevidéu, v.g., recolhendo-se no Uruguai o imposto de importação correspondente à
mercadoria na Tarifa Externa Comum do bloco regional. Repartidas as receitas, quando a mercadoria
entrasse no território brasileiro, não mais se cogitaria a incidência do imposto de importação, visto
que esta já se encontrava no território aduaneiro do Mercosul.
286
Em que pese o posicionamento recorrente de que território nacional e território aduaneiro, no
Brasil, são a mesma coisa (em LOPES FILHO, Osíris de Azevedo. Regimes aduaneiros..., op. cit., p.
63; MEIRA, Liziane Angelotti. Regimes aduaneiros..., op. cit., p. 118). Cumpre ainda destacar a
distinção entre ‘território aduaneiro tributário’ e ‘território nacional’ (da qual divergimos) efetuada por
Miguel Hilú Neto. Tal autor afirma que o território aduaneiro tributário corresponde ao território
nacional, subtraída a área correspondente à Zona Franca de Manaus (Imposto sobre..., op. cit., p.
140-142). Nossa oposição reside no fato de a Zona Franca de Manaus não ser propriamente uma
86
a uma questão mais debatida no meio acadêmico e judicial: a especificação do
critério espacial da hipótese de incidência do imposto de importação, tendo em vista
a impossibilidade de a entrada no território aduaneiro ser identificada a contento com
um critério temporal.
Como alerta PAULO DE BARROS CARVALHO,
regras jurídicas que trazem expressos os locais em que o fato
deve ocorrer, a fim de que irradie os efeitos que lhe são
característicos. Outras, porém, nada mencionam, carregando
implícitos os indícios que nos permitem saber onde nasceu o laço
obrigacional. É uma opção do legislador. Aquilo que de real
encontramos, no plano do direito positivo brasileiro, é uma dose
maior ou menor de esmero na composição dos critérios espaciais, de
tal modo que alguns o elaborados com mais cuidado que outros.
[...]. Como efeito, temos impostos, como o de importação, em que o
acontecimento apenas se produz em pontos predeterminados,
chamados de repartições alfandegárias, e de número reduzido,
levando-se em conta as dimensões do território nacional. Demora-se
aqui o legislador, especificando as localidades habilitadas a
receber os bens importados, ocasião em que procede com mais
empenho no preparo do critério espacial da hipótese tributária.
(grifos nossos)
287
De fato, a Lei Aduaneira estabelece, no citado art. 33, que o território
aduaneiro se divide em zona primária (as áreas demarcadas pela autoridade
aduaneira nos portos, aeroportos e pontos de fronteira alfandegados) e zona
secundária (o restante do território). Com base no art. 34 da Lei Aduaneira, o
Regulamento Aduaneiro estabeleceu, em seu art. 8
o
, que “somente nos portos,
aeroportos e pontos de fronteira alfandegados poderá efetuar-se a entrada [...] de
mercadorias procedentes do exterior [...]”.
Contudo, em que pese a posição do eminente elaborador da regra-matriz de
incidência tributária, temos que não se afigura como necessária a introdução de
mercadoria na zona primária para a incidência do imposto de importação. duas
previsões legais e uma regulamentar para incidência do imposto de importação no
caso de mercadorias que ingressem no território nacional por local diverso da zona
primária.
‘zona franca’, mas uma área aduaneira especial (como reconhece a Decisão do Conselho do
Mercado Comum n
o
8, de 1994 - art. 6
o
), e no tratamento de regime (e não de exclave) dado pelo
Brasil a tal área. Contudo, adiantamos que o aprofundamento da discussão sobre a natureza da Zona
Franca de Manaus ocorrerá na subseção 8.4.1 do presente estudo.
287
Curso de Direito..., op. cit., p. 260-261. Américo Masset Lacombe fala em uma coordenada
espacial genérica (o território nacional) e uma específica (as repartições aduaneiras) (Imposto de...,
op. cit., p. 26).
87
A previsão regulamentar (com fulcro na competência outorgada pelo art. 34)
encontra-se no parágrafo único do citado art. 8
o
do Regulamento Aduaneiro, que
estabelece que a obrigatoriedade de entrada de mercadorias por zona primária não
se aplica “à importação e à exportação de mercadorias conduzidas por linhas de
transmissão ou por dutos, ligados ao exterior, observadas as regras de controle
estabelecidas pela Secretaria da Receita Federal”
288
(hoje RFB). As previsões legais
são detalhadas a seguir, nos itens 6.1.2.2. e 6.1.2.3.
6.1.2.2 Entrada presumida
O parágrafo único do art. 1
o
da Lei Aduaneira, em sua versão original,
estabelecia: “considerar-se-á entrada no território nacional, para efeito da
o
corrência
do fato gerador, a mercadoria que constar como tendo sido importada e cuja falta
venha a ser apurada pela autoridade aduaneira”. Tal disposição foi mantida no § 2
o
do mesmo artigo com a redação dada pelo Decreto-lei n
o
2.472, de 1988. A nova
redação inseriu ainda um § 3
o
, autorizando o regulamento a estabelecer percentuais
de tolerância para a falta apurada na importação de granéis que, por sua natureza
ou condições de manuseio na descarga, estejam sujeitos à quebra ou decréscimo
de quantidade ou peso. O legislador criou, assim, presunção relativa de entrada
de mercadoria no território aduaneiro, no caso de mercadoria que conste como
tendo sido importada
289
.
Como afirma a própria Lei Aduaneira, em seu art. 39, “a mercadoria
procedente do exterior e transportada por qualquer via será registrada em manifesto
ou outras declarações de efeito equivalente [...]”. O manifesto deve ser entregue à
autoridade aduaneira com cópia dos conhecimentos de carga correspondentes (art.
40 do Regulamento Aduaneiro).
288
A importação de gás natural por meio de duto foi disciplinada pela Instrução Normativa da
Secretaria da Receita Federal n
o
116, de 31/12/2001. A importação de energia elétrica, como
destacado no presente estudo, foi disciplinada na Instrução Normativa da Secretaria da Receita
Federal n
o
649, de 28/4/2006.
289
Para Liziane Angelotti Meira, o dispositivo legal que estabelece a presunção 2
o
do art. 1
o
da Lei
Aduaneira, com a redação dada pelo Decreto-lei n
o
2.472, de 1988) não se coaduna com a
competência concedida pela Constituição Federal de 1988 para a União instituir imposto sobre a
importação, pois o ente federal o pode, sem afrontar as disposições constitucionais, presumir a
operação de importação e carece de aptidão jurídica para cobrar o tributo quando não for possível
comprovar a ocorrência do evento (Regimes aduaneiros..., op. cit., p. 113). Hamilton Dias de Souza,
contudo, o identifica inconstitucionalidade em dispositivo idêntico de lei (a redação original do
parágrafo único do art. 1
o
da Lei Aduaneira) em face de texto idêntico da Constituição Federal de
1967 (art. 22, I, com a redação dada pela Emenda Constitucional n
o
1, de 1969) sobre a competência
da União para instituir o imposto (Estrutura do..., op. cit., p. 31).
88
Assim, v.g., uma mercadoria que conste como embarcada em Amsterdam
com destino ao porto de Paranaguá, figurando em conhecimento de carga
290
, mas
que não chegue a este porto, é presumida como importada. Cabediretamente ao
importador, e indiretamente aos dois intervenientes envolvidos com a custódia da
mercadoria (o transportador, que responde pela mercadoria de seu embarque, no
exterior, até sua descarga, no Brasil, e o depositário, que responde da descarga à
saída do depósito) provar que a entrada da mercadoria no território aduaneiro não
ocorreu (tendo em vista a constatação de erro ou de acidente, v.g.).
Provado que a mercadoria não ingressou no território aduaneiro, a presunção
cai por terra, e não há incidência do imposto de importação sobre a operação, face à
não concretização do critério espacial da hipótese de incidência. Na ausência de
comprovação, opera a presunção, culminando na incidência do imposto de
importação.
6.1.2.3 Introdução clandestina
Se no item anterior tratávamos de uma hipótese em que a mercadoria saiu do
exterior e não chegou a seu destino, no Brasil, agora nos referimos a uma
mercadoria que comprovadamente ingressou no território nacional, em afronta ao
comando normativo que obriga que tal ingresso ocorra por zona primária.
A introdução clandestina enseja, em regra, a aplicação da pena de
perdimento das mercadorias, seja pelo disposto no art. 87, I da Lei n
o
4.502, de
30/11/1964, ou por uma das situações previstas no art. 105 da Lei Aduaneira.
Contudo, às vezes, quando a fiscalização aduaneira reúne elementos
probatórios da introdução clandestina, não resta mais vestígio da mercadoria
clandestinamente ingressada para que seja possível a aplicação da pena de
perdimento. Para tais hipóteses, a mesma Lei n
o
4.502, de 1964, em seu art. 83, I
(transportado, com adaptações, para o art. 631 do Regulamento Aduaneiro), previu
que incorre o infrator em multa igual a 100% do valor comercial da mercadoria.
Como restou, na situação, comprovada a introdução da mercadoria no território
aduaneiro, cabível se torna a incidência do imposto de importação.
290
Documento que, como afirmamos na subseção 1.2.2, é designado por diversas denominações, e
que comprova a contratação do transporte, operando como prova de posse ou propriedade da
mercadoria (art. 494 do Regulamento Aduaneiro), prevalecendo sobre o manifesto de carga, em caso
de divergências ou omissões.
89
Aplicada a pena de perdimento das mercadorias, não mais se falava em
incidência do imposto de importação, segundo o art. 85, III do Regulamento
Aduaneiro de 1985, reproduzido no art. 71, III do Regulamento Aduaneiro de 2002.
Porém, restava uma anomalia no tratamento da situação em que a pena de
perdimento havia sido aplicada e, por força de decisão judicial ou administrativa
precária (e posteriormente revista), a mercadoria era entregue ao importador. Com a
revisão da decisão, a fiscalização aduaneira se dirigia ao estabelecimento do
importador, para efetuar novamente a apreensão, mas era por este informada de
que o se sabia mais onde estava a mercadoria, ou que esta havia sido
consumida. Diante da pena de perdimento aplicada, não era cabível, de acordo
com o Regulamento Aduaneiro, como aqui exposto, a incidência do imposto de
importação. O tratamento para a hipótese em comento se completaria ao final de
2003.
A Lei n
o
10.637, de 30/12/2002, criou a possibilidade de conversão da pena
de perdimento aplicada em multa equivalente ao valor aduaneiro da mercadoria que
não seja localizada ou que tenha sido consumida. O Regulamento Aduaneiro, no
parágrafo único de seu art. 631, evitou o conflito entre a multa resultante da
conversão e aquela constante do art. 83, I da Lei n
o
4.502, de 1964.
Posteriormente, a Lei n
o
10.833, de 29/12/2003, em seu art. 77,
acrescentando um § 4
o
, III ao art. 1
o
da Lei Aduaneira, dispôs que o imposto de
importação “não incide sobre mercadoria estrangeira que tenha sido objeto de pena
de perdimento, exceto na hipótese em que não seja localizada, tenha sido
consumida ou revendida
291
” (grifo nosso).
Pelo exposto, conclui-se que é possível a incidência do imposto de
importação sobre mercadorias que ingressaram no território nacional por zona
secundária. Assim, refuta-se a existência de uma coordenada espacial específica
que seriam as repartições aduaneiras, ou a zona primária, mantendo-se como
critério espacial da hipótese de incidência do imposto de importação o território
aduaneiro.
291
Perceba-se que a mercadoria revendida pelo importador após a aplicação da pena de perdimento
(v.g., seguida de liberação judicial posteriormente revista), embora esteja sujeita a incidência do
imposto de importação, não mais pode ser objeto da multa resultante da conversão da pena de
perdimento, visto que a expressão ‘transferida a terceiro’, originalmente constante do art. 59 da
Medida Provisória n
o
66, de 29/8/2002, foi retirada na conversão desta na Lei n
o
10.637, de 2002.
90
6.1.2.4 Relação com o critério temporal
A questão da determinação do critério espacial muitas vezes se mistura com
a discussão do critério temporal da hipótese de incidência do imposto de importação,
principalmente pelo fato de o legislador ter diferenciado o critério temporal de acordo
com o tipo de operação (data do registro da declaração de importação, no caso de
despacho para consumo, ou data da entrada da mercadoria no território aduaneiro,
nos demais casos). Assim, dependendo do critério temporal sobre o qual se esteja
falando, pode-se chegar a diferentes critérios espaciais.
ANDRÉ PARMO FOLLONI, v.g., adota como critério espacial da hipótese de
incidência do imposto de importação o ambiente virtual do Siscomex
292
, fazendo
referência ao critério temporal vinculado ao despacho para consumo (registro da
declaração de importação)
293
. É de se destacar, contudo, que nem toda declaração
de importação é registrada no Siscomex
294
, e que casos (como a entrada
presumida e a introdução clandestina) em que o registro da declaração de
importação não se revela como critério temporal da hipótese de incidência do
imposto de importação.
Ademais, apontem-se as considerações de LIZIANE ANGELOTTI MEIRA, ao
discutir a chamada ‘coordenada específica’ do critério espacial, às quais acrescemos
as nossas:
Quanto à necessidade de que o veículo estrangeiro vá até uma
repartição aduaneira da zona primária (ou de que o importador
registre uma declaração) para, então, registrar-se o momento em que
se deu a entrada no território nacional, ressalte-se que os critérios
para determinar o instante em que se considera realizado o fato
jurídico tributário compõem o elemento temporal da norma de
incidência tributária, [...] e não o elemento espacial. (acréscimo em
itálico nosso)
295
.
292
Sistema Integrado de Comércio Exterior, utilizado desde 1997 para o registro de declarações de
importação brasileiras.
293
Tributação sobre..., op. cit., p. 119-122.
294
A declaração de importação registrada no Siscomex (DI) convive com outros modelos de
declaração de importação, como a declaração simplificada de importação (DSI), que pode ser
registrada no Siscomex ou em formulário (cf. Instrução Normativa da Secretaria da Receita Federal
n
o
611, de 18/1/2006), a declaração de bagagem acompanhada (DBA, cf. as Instruções Normativas
da Secretaria da Receita Federal n
o
117, de 6/10/1998 e n
o
120, de 15/10/1998; e a Instrução
Normativa da Secretaria da Receita Federal do Brasil n
o
818, de 8/2/2008) e a declaração de
remessas expressas (DRE-I, cf. Instrução Normativa da Secretaria da Receita Federal do Brasil n
o
560, de 19/8/2005).
295
Regimes aduaneiros..., op. cit., p. 120.
91
Mesmo assim, o critério espacial que adotamos (território aduaneiro) presta-
se à harmonização com todas as configurações do critério temporal, o que não
logram fazer as coordenadas referentes à repartição aduaneira ou zona primária
(pois hipóteses legais de incidência para mercadoria ingressada por zona
secundária), a território nacional (pois uma declaração simplificada de importação
em formulário, registrada em área de controle integrado localizada em território
argentino, enseja, conforme acordado internacionalmente, a incidência do imposto
de importação), e ao ambiente virtual do Siscomex
296
(pois vários tipos de
declaração de importação que sequer utilizam tal sistema para registro).
6.1.3 Critério temporal
O critério da regra-matriz de incidência do imposto de importação mais
discutido nas obras jurídicas e nos tribunais é indubitavelmente o temporal. O
possível conflito entre os textos que apontam como fato gerador do imposto de
importação a entrada da mercadoria/do produto no território nacional(art. 19
do Código Tributário Nacional e art. 1
o
da Lei Aduaneira) e o texto que afirma que se
considera ocorrido o fato gerador do imposto de importação, quando se tratar
de mercadoria despachada para consumo, na data do registro da declaração
de importação (art. 23 da Lei Aduaneira).
AMÉRICO MASSET LACOMBE afirma que
O registro da declaração não tem [...] vinculação lógica com o núcleo,
nem com a coordenada de espaço, não podendo desta forma
constituir a coordenada de tempo. [...] Não definindo a coordenada
de tempo, nem o momento do pagamento, a regra do art. 23 do
Decreto-lei 37 é inválida por antinomia. [...] Está neutralizada pela
regra do art. 1
o
, logicamente articulado com o sistema, isto é, com o
núcleo e a coordenada de espaço do antecedente normativo. [...]
Não se diga [...] que as disposições são compatíveis em virtude
de referir-se o art. 23 a mercadoria despachada para consumo. Toda
mercadoria é despachada para consumo. O que pode mudar é a
maneira de cada uma ser consumida.
297
296
Acrescente-se que o hardware que armazena os dados inseridos no Siscomex está todo em
território nacional (em locais também enquadrados como território aduaneiro). Assim, por mais que se
possa enviar do estrangeiro, via web, os dados referentes a uma declaração de importação, o registro
sempre ocorrerá em território aduaneiro.
297
Imposto de..., op. cit., p. 27-28. Também Hamilton Dias de Souza manifesta-se pela
incompatibilidade entre o comando do art. 23 da Lei Aduaneira e o do art. 19 do Código Tributário
Nacional, reproduzido no art. 1
o
da própria Lei Aduaneira (Estrutura do..., op. cit., p. 25). Na mesma
linha, embora por motivos diversos (afirmando que o art. 23 da Lei Aduaneira descola-se do fato
tributável”) Miguel Hilú Neto (Imposto sobre..., op. cit., p. 129).
92
À época em que AMÉRICO MASSET LACOMBE publicava sua obra, o extinto
Tribunal Federal de Recursos, a partir do incidente de uniformização de
jurisprudência na AMS n
o
79.570/SP (tendo em vista a adoção de posicionamentos
diversos na e na turmas daquela corte), definia a questão (em sua Súmula n
o
4) da seguinte forma: é compatível com o artigo 19 do Código Tributário
Nacional a disposição do artigo 23 do Decreto-lei n
o
37, de 18.XI.1966
298
.
Nos debates sobre a questão, o Ministro CARLOS MÁRIO VELOSO (relator),
em seu voto, afirma que a validade do art. 23 da Lei Aduaneira decorre dos arts. 114
e 116 do Código Tributário Nacional, que permitem à lei ordinária definir as situações
fáticas ou jurídicas caracterizadoras da hipótese de incidência tributária
299
, sendo
seguido pelos Ministros JUSTINO RIBEIRO
300
, AMARÍLIO BENJAMIM
301
,
ARMANDO ROLLEMBERG, PAULO TÁVORA
302
, ALDIR G. PASSARINHO, JOSÉ
DANTAS, LAURO LEITÃO
303
, CARLOS MADEIRA, WASHINGTON BOLÍVAR DE
298
O entendimento vem sendo mantido tanto no Supremo Tribunal Federal (v.g. Recurso
Extraordinário n
o
222.330-7/CE, Primeira Turma, Rel. Min. Moreira Alves, unânime, DJ de 11 jun.
1999; Recurso Extraordinário n
o
225.602-8/CE, Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, unânime, DJ de 6
abr. 2001; e Agravo Regimental no Agravo de Instrumento n
o
420.993-6/PR, Segunda Turma, Rel.
Min. Carlos Velloso, unânime, DJ de 1 jul. 2005) quanto no Superior Tribunal de Justiça (v.g. Recurso
Especial n
o
313.117/PE, Primeira Turma, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, unânime, DJ de 17
nov. 2003; Recurso Especial n
o
328.835/SC, Segunda Turma, Rel. Min. Castro Meira, unânime, DJ
de 3 nov. 2005; Recurso Especial n
o
724.658/PR, Primeira Turma, Rel. Min. José Delgado,
unânime, DJ de 14 nov. 2005; Recurso Especial n
o
686.670/MG, Segunda Turma, Rel. Min. Eliana
Calmon, unânime, DJ de 19 dez. 2005; Recurso Especial n
o
670.658/RN, Primeira Turma, Rel. Min.
Luiz Fux, unânime, DJ de 14 set. 2006 ; e Recurso Especial n
o
656.408/GO, Primeira Turma, Rel.
Min. Denise Arruda, unânime, DJ de 2 ago. 2007).
299
Incidente de Uniformização de Jurisprudência na Apelação em Mandado de Segurança n
o
79.570/SP, Pleno, Rel. Min. Carlos Mário Velloso, maioria, DJ de 29 mar. 1979.
300
Que, embora discordasse do relator quanto à possibilidade de alteração do Código Tributário
Nacional (em artigos que não contivessem normas gerais de direito tributário, como o art. 19) por lei
ordinária, entendeu que o art. 23 da Lei Aduaneira, com autorização do art. 114 do Código Tributário
Nacional, apenas precisou o momento de ocorrência do fato gerador do imposto de importação.
301
Que entendeu que o art. 23 da Lei Aduaneira necessariamente completa e explica a disposição
do art. 19 do Código Tributário Nacional, sendo uma fórmula prática que, na verdade, põe a lei de
acordo com os fatos”.
302
Que afirmou, em visão que remete à estrutura da regra-matriz de incidência, que “o fato físico da
entrada não é, de ordinário, suficiente para gerar a obrigação tributária”, pois “os elementos objetivos,
a condição estrangeira da coisa e sua presença no espaço nacional, associados ao ato de vontade
da declaração, compõem a situação jurídica da entrada”, de acordo com o inciso II do art. 116 do
Código Tributário Nacional.
303
Que discordou do relator no ponto em que este admitiu a possibilidade de alteração do digo
Tributário Nacional por lei ordinária.
93
BRITO e ANTONIO TORREÃO BRAZ, vencidos os Ministros JOSÉ NERI DA
SILVEIRA
304
, JARBAS NOBRE
305
e EVANDRO GUEIROS LEITE.
Entendemos que a afirmação de AMÉRICO MASSET LACOMBE de que
“toda mercadoria é despachada para consumo”
306
, também presente no citado voto
do Ministro CARLOS MÁRIO VELLOSO
307
(embora este chegue a conclusão diversa
daquele) merece aparas.
A própria Lei Aduaneira revela que o despacho para consumo corresponde
tão-somente a uma das destinações que pode receber a mercadoria importada. O
teor dos arts. 44 (“toda mercadoria procedente do exterior por qualquer via,
destinada a consumo ou a outro regime, [...] deverá ser submetida a despacho
aduaneiro, que será processado com base em declaração [...]”), 74, § 3
o
(“é
facultado à autoridade aduaneira exigir que o despacho de trânsito seja efetuado
com os requisitos exigidos no despacho de importação para consumo”) e 77
(“os bens importados sob o regime de admissão temporária poderão ser
despachados, posteriormente, para consumo, mediante cumprimento prévio das
exigências legais e regulamentares”) da Lei Aduaneira nos leva à convicção de que
despacho para consumo é expressão sinônima de despacho de importação
definitiva, ou introdução em livre prática (denominação mais comum na Europa).
Quando uma mercadoria (mesmo que seja um ‘bem de consumo’
308
, como
um veículo) ingresse no país a título temporário (v.g., para exposição em uma
feira), não que se falar em despacho para consumo, a menos que alguém
resolva adquirir tal mercadoria, incorporando-a definitivamente à economia nacional
(nacionalizando-a), medida que ensejará um despacho para consumo. Nesse
304
Que entendeu incompatível o art. 23 da Lei Aduaneira com a regra geral de direito tributário
estabelecida no art. 19 do Código Tributário Nacional, norma de hierarquia superior, destacando que
o referido art. 23 não faz parte do título da Lei Aduaneira que versa sobre ‘incidência do imposto’,
mas do título referente a ‘cálculo e recolhimento’.
305
Que endossou e complementou o voto dissonante do relator, proferido pelo Ministro José Néri da
Silveira, afirmando que “o fato que define e caracteriza o imposto de importação é a introdução da
coisa no território nacional”, e que a “submissão a despacho é fato superveniente que se ostenta
meramente como estado de fato”, não definindo o “fato gerador, vez que este já ocorreu”.
306
Imposto de..., op. cit., p. 28.
307
Registre-se que os Ministros Amarílio Benjamin, Armando Rollemberg e José Néri da Silveira, em
seus votos, estabeleciam a distinção entre o despacho de importação para consumo e o despacho
de importação a título temporário.
308
No próprio Extrato da Ata do incidente de uniformização de jurisprudência na AMS n
o
79.570/SP,
confunde-se ‘despacho de bem de consumo’ com ‘despacho (de bem) para consumo’, quando se
afirma que “o Tribunal uniformizou a jurisprudência nos termos do voto do Sr. Ministro Relator, isto é,
no sentido de aplicar-se, na importação de bens de consumo, o art. 23 do Dec. Lei 37/66 (sic) [...]”.
94
sentido o art. 319, V do Regulamento Aduaneiro, que versa sobre o regime
aduaneiro especial de admissão temporária (no qual se enquadra o veículo utilizado
no exemplo): “na vigência do regime, deverá ser adotada, com relação aos bens
uma das seguintes providências: [...] V - despacho para consumo, se
nacionalizados”.
Para consolidar o entendimento que se tem sobre ‘despacho para consumo’
no sistema normativo aduaneiro, veja-se a adequação terminológica promovida pelo
Regulamento Aduaneiro ao disciplinar, em seu art. 483 (“toda mercadoria
procedente do exterior, importada a título definitivo ou não [...]”) o disposto no art.
44 da Lei Aduaneira (“toda mercadoria procedente do exterior por qualquer via,
destinada a consumo ou a outro regime [...]”) (grifos nossos). Acrescente-se, por
fim, que o Código Aduaneiro Argentino, em seu art. 233, define: la destinación de
importación para consumo es aquella en virtud de la cual la mercadería importada
puede permanecer por tiempo indeterminado dentro del territorio aduanero”.
Assim, o art. 23 da Lei Aduaneira nos traz o critério que faltava para
determinação da hipótese de incidência do imposto de importação no caso de
mercadorias despachadas para consumo (importadas definitivamente). Como
assinala OSÍRIS DE AZEVEDO LOPES FILHO, em relação a tal artigo, “o legislador
optou por fixar marcos temporais objetivos, certos e determináveis” na configuração
do fato gerador do imposto de importação
309
.
Temos, assim, em regra (pois a maioria das importações é efetuada a título
definitivo), que o critério temporal da hipótese de incidência do imposto de
importação é o registro da declaração de importação. Contudo, situações em
que o legislador estabeleceu momento diverso para a configuração do critério
temporal.
Trataremos a seguir da regra e de suas mitigações e exceções, tecendo, ao
final, considerações sobre uma mudança de critério que se avizinha, com a
consolidação do Mercosul.
6.1.3.1 Registro da declaração de importação
Todas as mercadorias que entram em um país ou dele saem estão sujeitas a
controle aduaneiro. O conteúdo dessa oração expressa o que outrora denominamos
309
Regimes aduaneiros..., op. cit., p. 71.
95
‘princípio da universalidade do controle aduaneiro’
310
, externado em praticamente
todos os códigos aduaneiros do mundo
311
. No Brasil, o citado art. 44 da Lei
Aduaneira, com a redação dada pelo Decreto-lei n
o
2.472, de 1988, dispõe que
toda mercadoria procedente do exterior por qualquer via, destinada
a consumo ou a outro regime, sujeita ou não ao pagamento do
imposto, deverá ser submetida a despacho aduaneiro, que será
processado com base em declaração apresentada à repartição
aduaneira no prazo e na forma prescritos em regulamento. (grifos
nossos)
O despacho aduaneiro de importação tem início com o registro da declaração
de importação (Regulamento Aduaneiro, art. 485)
312
. Caso a importação seja
definitiva, o despacho aduaneiro de importação para consumo é efetuado, em regra,
depois da chegada da mercadoria ao território aduaneiro. A seqüência natural das
etapas, em uma importação (até o início do despacho aduaneiro
313
), assim, é: a) a
transação comercial é efetuada entre o comprador/importador brasileiro e o
vendedor/exportador estrangeiro); b) a mercadoria transacionada é exportada para o
Brasil, mediante um despacho aduaneiro de exportação; c) a mercadoria é
embarcada no exterior, com destino ao Brasil; d) o veículo de transporte ingressa no
território aduaneiro brasileiro; e) a mercadoria é descarregada do veículo e
depositada em zona primária; f) o importador registra uma declaração de
310
TREVISAN, Rosaldo. Direito Aduaneiro..., op. cit., p. 384.
311
A título exemplificativo, vejam-se: o Código Aduaneiro Argentino (Ley n
o
22.415, de 2/3/1981,
art. 112): el servicio aduanero ejercerá el control sobre las personas y la mercadería, incluida la que
constituyere medio de transporte, en cuanto tuvieren relación con el tráfico internacional de
mercadería”; o Código Aduaneiro Paraguaio (Ley n
o
2.422, de 5/7/2004, arts. 77, 1 e 97,
respectivamente): la introducción de mercaderías al territorio aduanero cualquiera sea el modo o
medio por el que arriba, estará sometida al control aduaneroe “la salida de mercaderías del territorio
aduanero, cualquiera sea el modo o medio por el que se realice, estará sometida al control aduanero,
incluyendo las unidades de carga y los medios de transporte que la conduzcan”; o Código Aduaneiro
Uruguaio (Decreto-ley n
o
15.691, de 7/12/1984, art. 1
o
, ‘a’), que dispõe que compete exclusivamente
à Direção Geral de Aduanas verificar y controlar las distintas operaciones aduaneras de embarque,
desembarque y despacho de mercaderías; e o Código Aduaneiro Europeu (Regulamento do
Conselho das Comunidades Européias n
o
2.913, de 12/10/1992, art. 37, 1): “As mercadorias
introduzidas no território aduaneiro da Comunidade ficam, desde essa introdução, sujeitas à
fiscalização aduaneira. Podem ser sujeitas a controle por parte das autoridades aduaneiras nos
termos das disposições em vigor”.
312
Embora existam vários tipos de declaração de importação, como se expôs no item 6.1.2.4 deste
estudo, podemos seguramente afirmar que as declarações de importação registradas no Siscomex
representam mais de 95% do comércio exterior brasileiro (tanto que os montantes divulgados sobre
nossa balança comercial são obtidos a partir da base de dados do Siscomex).
313
Trataremos no item 8.2.1.1 deste estudo sobre a seqüência de etapas depois de iniciado o
despacho aduaneiro de importação.
96
importação definitiva para a mercadoria, iniciando o despacho aduaneiro de
importação para consumo.
Na seqüência indicada, o registro da declaração de importação, utilizando a
terminologia do art. 114 do Código Tributário Nacional, é a situação necessária e
suficiente à ocorrência da obrigação de pagar o imposto de importação.
Contudo, nem sempre os fatos ocorrem nessa seqüência (às vezes alguns
deles sequer ocorrem). Não se pode ignorar, por exemplo, a importação de
mercadorias a título não definitivo (em que se posterga ou inexiste a ocorrência da
etapa ‘f’), ou o registro antecipado de declaração de importação (em que a etapa ‘f’
ocorre antes da etapa ‘e’).
Nas importações não definitivas, em regra sob a forma de regimes
aduaneiros especiais, o registro da declaração de importação (em verdade, da
declaração de admissão no regime) também é obrigatório (cf. art. 44 da Lei
Aduaneira), mas não despacho para consumo (o que nos impede de adotar o
critério temporal de ‘registro da declaração de importação’, que o legislador restringiu
às mercadorias despachadas para consumo). O § 1
o
do art. 74 da Lei Aduaneira (“a
mercadoria cuja chegada ao destino não for comprovada ficará sujeita aos tributos
vigorantes na data da assinatura do termo de responsabilidade”), apesar de versar
tão-somente sobre um regime aduaneiro especial (o trânsito aduaneiro), nos
possibilita visualizar o tratamento que o legislador deu ao critério espacial nos casos
de importação não definitiva. Para os regimes aduaneiros especiais, em regra,
obrigatoriedade de formalização de um termo de responsabilidade (art. 72 da Lei
Aduaneira). Cumpridas as condições do regime, a mercadoria poderá ser, v.g.,
reexportada
314
ou despachada para consumo (mediante uma nova declaração de
importação, cujo registro demarca o critério temporal da hipótese de incidência do
imposto de importação). Descumpridas as condições do regime, adota-se como
critério temporal da hipótese de incidência do imposto de importação a data de
lavratura do termo de responsabilidade (art. 72, § 2
o
da Lei Aduaneira). Caso não
314
Conforme o entendimento que se tenha sobre a natureza jurídica dos regimes aduaneiros
especiais, a reexportação é encarada como uma hipótese de extinção do crédito tributário constituído
em termo de responsabilidade (cf. LOPES FILHO, Osíris de Azevedo. Regimes aduaneiros..., op.
cit., p. 91), uma condição resolutória em isenção condicional (cf. MEIRA, Liziane Angelotti. Regimes
aduaneiros..., op. cit., p. 324-325) ou uma hipótese de cessação da possibilidade de constituição do
crédito tributário (cf. FOLLONI, André Parmo. Tributação sobre..., op. cit., p. 191). Temos que a
legislação hoje em vigor, embora deficiente, aponta para a linha de entendimento de Osíris de
Azevedo Lopes Filho. Contudo, trataremos mais detalhadamente do tema no item 8.3.1.1 do presente
estudo.
97
haja termo de responsabilidade, ou este não seja formalizado por quantia certa, o
imposto é devido adotando-se como critério temporal a data do registro da
declaração de admissão no regime (art. 72, § 3
o
da Lei Aduaneira e art. 266 do
Regulamento Aduaneiro)
315
.
Nos casos de registro antecipado da declaração de importação (também
conhecido como ‘despacho antecipado’
316
), simplificação procedimental prevista no
art. 518, I do Regulamento Aduaneiro (que possibilita à Secretaria da Receita
Federal do Brasil, em ato normativo, autorizar o início do despacho aduaneiro antes
da chegada da mercadoria
317
), com base no art. 52 da Lei Aduaneira, o importador
efetua a declaração de importação para consumo (ou seja, a título definitivo) da
mercadoria antes da efetiva chegada desta à zona primária.
No momento do registro antecipado da declaração de importação, a operação
de importação se encontra entre a etapa ‘b’ e a etapa ‘d’ da seqüência natural à qual
nos referimos: pode ser que a mercadoria ainda não tenha ingressado no território
aduaneiro (concluídas ou não as etapas ‘b’ e ‘c’) ou que tenha ingressado no
território aduaneiro (etapa ‘d’), mas ainda não tenha chegado ao local alfandegado
de zona primária (etapa ‘e’). Adotando-se o registro da declaração de importação
como critério temporal, abre-se um questionamento: é possível a incidência do
imposto de importação antes da entrada da mercadoria no território aduaneiro?
315
Em relação ao regime aduaneiro especial de admissão temporária, na modalidade de utilização
econômica, o critério temporal configura-se na data de registro da declaração de admissão no regime,
na forma exposta no subitem 8.3.3.1.1 deste estudo.
316
Consideramos que a denominação ‘despacho antecipado’ não é adequada para designar o
conteúdo aqui descrito, pois o que se antecipa à chegada da mercadoria é tão-somente o ato inicial
do procedimento denominado despacho aduaneiro (o registro da declaração de importação), e não o
procedimento todo.
317
A matéria é, hoje, disciplinada no art. 17 da Instrução Normativa da Secretaria da Receita Federal
n
o
680, de 2/10/2006, que permite o registro da declaração de importação de mercadoria que proceda
diretamente do exterior antes da sua descarga na unidade de despacho, para: granéis a serem
diretamente descarregados em terminais de oleodutos, silos ou depósitos próprios, ou veículos
apropriados; mercadoria inflamável, corrosiva, radioativa ou que apresente características de
periculosidade; plantas e animais vivos, frutas frescas e outros produtos facilmente perecíveis ou
suscetíveis de danos causados por agentes exteriores; papel para impressão de livros, jornais e
periódicos; mercadoria importada por órgão da administração pública, direta ou indireta, federal,
estadual ou municipal, inclusive autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista e
fundações blicas; e mercadoria transportada por via terrestre, fluvial ou lacustre. O parágrafo
único do art. 17 permite ainda que o chefe da unidade de despacho, em casos justificados ou em
observância a normas específicas, autorize o registro antecipado em outras situações.
98
MIGUEL HILÚ NETO responde que não, afirmando que “a Constituição
Federal outorgou à União competência para instituir imposto sobre importações, e
não imposto sobre a obtenção de declaração de importação (sic)”
318
.
Como não se constitui a hipótese de incidência sem a entrada da mercadoria
no território aduaneiro, para que se concebesse a possibilidade de incidência do
imposto no registro antecipado da declaração forçoso seria entender que o art. 23 da
Lei Aduaneira encerra uma presunção de entrada
319
.
A Administração Tributária e Aduaneira alterou recentemente seu
entendimento sobre a questão do registro antecipado da declaração de importação.
Até 2006, a orientação era para que se aplicasse na importação “a legislação
vigente na data da efetiva entrada da mercadoria no território nacional” (em
cumprimento ao disposto no art. 1
o
da Lei Aduaneira), considerada como tal a data
da formalização da entrada do veículo transportador em zona primária
320
. Contudo,
com o advento da Instrução Normativa da Secretaria da Receita Federal n
o
680, de
2/10/2006, passou-se a interpretar
321
que se aplica, nos dizeres de seu art. 50, “a
legislação vigente na data do registro da declaração, em cumprimento ao disposto
no art. 73 do Decreto n
o
4.543, de 2002”.
Apesar da redação do texto da Instrução Normativa, a mudança de
entendimento não deve ser creditada ao disposto no art. 73 do Regulamento
Aduaneiro de 2002 (que o altera a substância do art. 87 do Regulamento
Aduaneiro de 1985), mas à Decisão do Conselho do Mercado Comum n
o
50, de
2004
322
. A idéia de que pode ocorrer a incidência do imposto de importação sem a
318
Imposto sobre..., op. cit., p. 124.
319
Liziane Angelotti Meira entende que o art. 23 da Lei Aduaneira encerra uma presunção legal
absoluta (Regimes aduaneiros..., op. cit., p. 121). Tal entendimento, contudo, merece uma apara, no
sentido de que, caso o artigo contivesse uma presunção, ela seria relativa, pois não permite nosso
ordenamento a incidência do imposto de importação sobre mercadoria que comprovadamente não
tenha ingressado no território aduaneiro.
320
Cf. Instruções Normativas da Secretaria da Receita Federal n
o
69, de 10/12/1996 (art. 37) e n
o
206, de 25/9/2002 (art. 51).
321
A alteração efetuada por meio da Instrução Normativa pode resultar de mudança de
interpretação da Administração, visto que não se pode conceber alteração de critério da hipótese de
incidência tributária por diploma de tal hierarquia.
322
Tal Decisão (que apenas inspirou o legislador, pois ainda não foi objeto de incorporação a nosso
ordenamento jurídico - e nem poderia sê-lo por meio de Instrução Normativa), citada no preâmbulo da
Instrução Normativa da Secretaria da Receita Federal n
o
680, de 2006, resulta de um
amadurecimento da Decisão do Conselho do Mercado Comum n
o
16, de 1994, vigente no Brasil por
força do disposto no art. 1
o
, I ‘a’ do Decreto n
o
1.765, de 28/12/1995, e, em seu art. 26,1, dispõe: “a
data de registro da declaração correspondente determinará o regime legal aplicável”.
99
entrada da mercadoria no território nacional, porém, não se sustenta nem na própria
Instrução Normativa, que, em seu art. 63, II, dispõe que constitui hipótese de
cancelamento da declaração de importação, no caso de registro antecipado, o não
ingresso da mercadoria no País ou sua descarga em recinto alfandegado diverso.
Cancelada a declaração de importação, indevido (e, portanto, restituível) se torna o
imposto pago.
O legislador adota, assim, a linha da presunção relativa de que o registro da
declaração de importação traduz o momento da entrada da mercadoria no território
aduaneiro. Com o registro antecipado da declaração de importação para
consumo, perfaz-se o critério temporal da hipótese de incidência do imposto de
importação, presumindo-se a entrada da mercadoria estrangeira (critério material) no
território aduaneiro (critério espacial). Comprovado que a mercadoria não ingressou
no território aduaneiro, ou seja, reconhecida a ausência de concretização do critério
espacial, não há que se falar em incidência do imposto de importação sobre a
operação, devendo ser restituído o montante desse imposto pago por ocasião do
registro antecipado da declaração de importação.
A seguir, trataremos de outros critérios temporais utilizados pelo legislador
para a hipótese de incidência do imposto de importação, tomando por base a
seqüência das etapas em uma importação.
6.1.3.2 Lançamento - bagagem e remessas postais internacionais
No art. 73, II, ‘a’ e ‘b’ do Regulamento Aduaneiro, estabelece-se como critério
temporal da hipótese de incidência do imposto de importação a data do
lançamento do crédito tributário relativo a bens contidos em remessas postais
internacionais não sujeitas ao regime de importação comum
323
e a bens
compreendidos no conceito de bagagem
324
, acompanhada ou desacompanhada.
323
E, portanto, sujeitas ao regime de tributação simplificada, instituído pelo Decreto-lei n
o
1.804, de
3/9/1980, e disciplinado pelo art. 98 do Regulamento Aduaneiro.
324
O art. 153 do Regulamento Aduaneiro (baseado na Decisão do Conselho do Mercado Comum n
o
18, de 1994, vigente no Brasil por força do disposto no art. 1
o
, I ‘c’ do Decreto n
o
1.765, de
28/12/1995), estabelece, em seu inciso II, o que se entende por bagagem (“os objetos, novos ou
usados, destinados ao uso ou consumo pessoal do viajante, em compatibilidade com as
circunstâncias de sua viagem, bem assim para presentear, sempre que, pela quantidade, natureza ou
variedade, não permitam presumir importação com fins comerciais ou industriais”), e, em seu § 1
o
, o
que se considera excluído do conceito de bagagem (“os veículos automotores em geral, as
motocicletas, as motonetas, as bicicletas com motor, os motores para embarcação, as motos
aquáticas e similares, as casas rodantes, as aeronaves e as embarcações de todo tipo”). À bagagem,
aplica-se o regime de tributação especial, instituído pelo Decreto-lei n
o
2.120, de 14/5/1984, e
disciplinado pelos arts. 100 e 101 do Regulamento Aduaneiro.
100
Em princípio, diríamos que o comando regulamentar se afastou de sua matriz
legal, o art. 23 da Lei Aduaneira, pois para os casos referidos no regulamento
existem modelos declaração de importação adequados a cada operação
325
. A data
de registro de tais declarações deveria, então, ser tomada como critério temporal da
hipótese de incidência.
Contudo, examinado as situações apresentadas, que, em regra, referem-se a
bens adquiridos no exterior por pessoas físicas residentes no Brasil (que geralmente
não possuem os meios necessários ao cálculo dos tributos devidos, especialmente
no que tange à taxa de câmbio a utilizar na conversão dos valores a pagar), tem-se
que o legislador entendeu que se reconhecem como registradas as declarações
de importação referentes a tais bens quando a autoridade aduaneira efetua o cálculo
dos tributos devidos e o respectivo lançamento.
6.1.3.3 Lançamento - mercadoria faltante
O parágrafo único do art. 1
o
da Lei Aduaneira, como já exposto no item
6.1.2.2., estabelece presunção relativa de entrada de mercadoria no território
aduaneiro quando se apurar falta de mercadoria em relação aos documentos de
embarque. No parágrafo único do art. 23 da mesma Lei, estabeleceu-se que “a
mercadoria fica sujeita aos tributos vigorantes na data em que autoridade
aduaneira apurar a falta ou dela tiver conhecimento”.
O art. 73, I do Regulamento Aduaneiro, assim, é de cunho interpretativo, ao
especificar que o critério temporal da hipótese de incidência do imposto de
importação em tais casos é a data do lançamento do crédito tributário relativo à
mercadoria faltante (ou avariada
326
) que conste como importada nos documentos de
325
No caso de bagagem acompanhada, a DBA (Declaração de Bagagem Acompanhada, cf. as
Instruções Normativas da Secretaria da Receita Federal n
o
117, de 6/10/1998 e n
o
120, de
15/10/1998; e a Instrução Normativa da Secretaria da Receita Federal do Brasil n
o
818, de 8/2/2008);
no caso de bagagem desacompanhada, a DSI (Declaração Simplificada de importação, cf.
Instrução Normativa da Secretaria da Receita Federal n
o
611, de 18/1/2006); e, no caso de remessas
postais internacionais, a DSI ou a NTS (Nota de Tributação Simplificada, cf. as Instruções
Normativas da Secretaria da Receita Federal n
o
611, de 2006, e 101, de 11/11/1991), conforme o
valor da remessa.
326
A nosso ver, a mercadoria avariada figura indevidamente no artigo. A presunção de entrada opera
somente em relação à falta. No que se refere à avaria, cinco possibilidades se apresentam: (a) o
importador desiste da vistoria aduaneira e paga integralmente o imposto de importação, como se a
mercadoria não houvesse sido avariada (nessa opção, prevista no art. 586 do Regulamento
Aduaneiro, que, diga-se, é a mais comum para pequenas avarias, o critério temporal é o registro da
declaração de importação); (b) a vistoria aduaneira é concluída e a mercadoria avariada é despacha
para consumo, porque ainda economicamente utilizável (em tal caso, o critério temporal também é o
registro da declaração de importação); (c) a vistoria aduaneira é concluída e a mercadoria avariada
é destruída, sob controle aduaneiro, sem incidência do imposto de importação, antes de despachada
101
transporte. Caso seja apurada a falta, após o procedimento denominado de vistoria
aduaneira, formaliza-se a exigência do crédito tributário em notificação de
lançamento (cf. art. 702 do Regulamento Aduaneiro).
6.1.3.4 Termo final do depósito temporário - mercadoria abandonada
Quando a mercadoria estrangeira que chega ao território aduaneiro ingressa
em um local alfandegado de zona primária, até que lhe seja atribuído um destino
aduaneiro ela permanece em um estado chamado de depósito temporário
327
.
Decorrido o prazo máximo admitido para o depósito temporário (que, no Brasil, é, em
regra, de noventa dias, cf. art. 23, II, ‘a’ do Decreto-lei n
o
1.455, de 7/4/1976), a
mercadoria é considerada abandonada.
A mercadoria abandonada é apreendida pela Aduana e leiloada, incorporada
a órgãos da Administração Pública, doada a entidades sem fins lucrativos ou
destruída. Em nenhuma dessas hipóteses de destinação de mercadoria apreendida
incide o imposto de importação. Ocorre que, antes da destinação, o importador ainda
pode manifestar interesse na mercadoria, solicitando autorização para despachá-la
para consumo. Assim, quando falamos de incidência do imposto de importação para
mercadoria abandonada, estamos em verdade nos referindo à incidência do imposto
sobre mercadorias para as quais o importador manifestou, após o decurso do prazo
máximo de permanência em depósito temporário, e antes da destinação, interesse
em despachar para consumo.
O critério temporal, em tais casos, atenderia, em princípio, à regra geral do
registro da declaração de importação. Contudo, a Lei n
o
9.779, de 19/1/1999, ao
dispor que, nestes casos, considera-se ocorrido o fato gerador, e devidos os tributos
incidentes na importação, na data do vencimento do prazo de permanência da
mercadoria em depósito temporário, estabeleceu uma ficção jurídica para o critério
temporal da hipótese de incidência do imposto de importação (e demais tributos
incidentes na importação).
para consumo (nesse caso, previsto no art. 1
o
, § 4
o
, I da Lei Aduaneira, com a redação dada pela Lei
n
o
10.833, de 2003, sequer se configura o critério temporal); (d) a vistoria aduaneira é concluída e a
mercadoria avariada é devolvida ao exterior, antes do registro da declaração de importação (também
sem incidência do imposto de importação, cf. art. 71, IV do Regulamento Aduaneiro, o se
concretizando o critério temporal); e (e) a vistoria aduaneira é concluída e a mercadoria avariada é
abandonada pelo importador (sobre o abandono, disporemos no item 6.1.3.4., a seguir).
327
A denominação é utilizada, v.g., nos Códigos Aduaneiros Europeu (art. 50), Centro Americano (art.
48) e Paraguaio (art. 86). A Decisão Conselho do Mercado Comum n
o
16, de 1994, vigente no Brasil
por força do disposto no art. 1
o
, I ‘a’ do Decreto n
o
1.765, de 1995, também emprega a expressão
‘depósito temporário’ (art. 16). Contudo, o Regulamento Aduaneiro optou por não denominar
especificamente o instituto.
102
Como ensina MARIA RITA FERRAGUT, a ficção jurídica é uma regra de
direito material que, propositadamente, cria uma verdade legal contrária à verdade
natural, fenomênica, diferenciando-se da presunção, pois a ligação que existe entre
o fato conhecido e o fato cujo evento é fictício não se poderia estabelecer segundo o
que ordinariamente acontece
328
.
Assim ocorre quando o importador, autorizado pela Aduana, registra uma
declaração de importação para consumo de mercadorias que estavam configuradas
como abandonadas. O natural seria que o critério temporal se delineasse como o
registro da declaração, mas o legislador optou por deslocá-lo para o passado, mais
especificamente para o termo final do depósito temporário. Nesse caso, quando o
importador registrar tal declaração, os tributos já serão devidos com juros e multa de
mora.
6.1.3.5 Entrada no território aduaneiro - mercadoria introduzida clandestina ou
irregularmente
Tendo em vista que não se aceita, na via administrativa, a regularização de
bens introduzidos clandestinamente ou irregularmente no território aduaneiro, por
força do disposto no art. 102, § 2
o
da Lei Aduaneira, incluído pelo Decreto-lei n
o
2.472, de 1988, e que, no início da década de 90 era elevada a quantidade de ações
judiciais exitosas com tal demanda, a Administração viu-se forçada a editar Instrução
Normativa para disciplinar o que ela própria entende incabível: a regularização de
bens introduzidos clandestina ou irregularmente.
O entendimento externado na Instrução Normativa do Departamento da
Receita Federal n
o
89, de 15/7/1992 (didaticamente declarada vigente pela Instrução
Normativa da Secretaria da Receita Federal n
o
85, de 18/8/2000), que dispõe sobre
a regularização de bens estrangeiros decorrentes de decisão judicial é de que o
critério temporal da hipótese de incidência do imposto de importação, em tais
casos, é a entrada da mercadoria no território aduaneiro.
No art. 2
o
(caput e § 1
o
) de tal norma, estabelece-se que “o lançamento [...]
reportar-se-á à data da efetiva entrada do bem no território nacional, aplicando-se-
lhe a taxa de câmbio e as alíquotas então vigentes”, e que “na ausência de
elementos indicativos da data da efetiva entrada do bem no território nacional, será
considerada aquela da primeira evidência da sua presença no País”. Interessante
328
Presunções no direito tributário. São Paulo: Dialética, 2001, p. 85.
103
observar que, no caso, mesmo havendo a obrigatoriedade de registro de uma
declaração de importação (art. 4
o
), não se adotou a data desta como critério
temporal da hipótese de incidência.
6.1.3.5 O Código Aduaneiro do Mercosul e o critério temporal
Em primoroso estudo sobre a matéria, ENRIQUE C. BARREIRA nos mostra
as cinco teorias básicas sobre a incidência do imposto de importação (teoria do
cruze, teoria da entrada, teoria da declaração para consumo, teoria da
nacionalização e teoria da importação para consumo). Alguns excertos de tal estudo,
a seguir transcritos, sintetizam a argumentação do co-autor do Código Aduaneiro
Argentino:
La teoría del cruce: para este criterio el hecho gravado se cumple
con el simple cruce de la línea o frontera del territorio aduanero [...].
Los sostenedores de la teoría del cruce se encuentran generalmente
alentados por la redacción de los textos legales vigentes en sus
respectivos países, los que suelen indicar como hecho gravado de
los derechos de importación “la introducción de la mercadería” o “la
entrada de la mercadería” […].
La teoría de la entrada: […] reconoce, en realidad, dos subespecies:
La primera expresa que, además del cruce de la frontera del territorio
aduanero, se requiere […] la denominada declaración aduanera […].
La segunda exige que además del cruce […] haya una primera
presentación de la mercadería ante la aduana del país de
importación […].
La teoría de la declaración para consumo: […] hay dos variantes
[…]. Una sostiene que la mera declaración de la mercadería ante la
aduana con la intención de que la misma sea introducida libremente
al circuito económico interno del país importador importa el
devengamiento del tributo correspondiente […]. La otra sostiene que
el hecho gravado exige el cruce de la frontera aduanera además de
la declaración antedicha.
La teoría de la nacionalización: Los que sostienen esta teoría
entienden por nacionalización el otorgamiento del ‘status’ de
‘mercadería nacional’ a aquella que cumple con el pago de los
tributos, aun antes de que se produzca la posibilidad de que la
misma sea incorporada al mercado interno.
La teoría de la importación para consumo: […] parte de la base
que el hecho gravado requiere no solamente del cruce […], sino que,
además, la mercadería pueda incorporar-se al consumo del circuito
económico interno del país de importación. (grifos no original)
329
329
La obligación tributaria aduanera y el hecho gravado por los derechos de importación. Revista de
Estudios Aduaneros. n. 12. Buenos Aires: Instituto Argentino de Estudios Aduaneros, 2. sem. 1997,
p. 103-117.
104
As conseqüências da adoção de uma ou outra teoria são importantes o
para a determinação do critério temporal da hipótese de incidência, mas para o
estabelecimento da natureza de determinados regimes aduaneiros
330
.
O modelo hoje adotado no Brasil não é facilmente enquadrado em uma
dessas classificações. O critério temporal da hipótese de incidência, em nosso país,
como exposto nos itens 6.1.3.1 a 6.1.3.5, pode ser a data do registro da declaração
de importação (no caso de despacho para consumo), do lançamento do imposto, da
entrada clandestina ou irregular, ou o termo final de depósito temporário.
Contudo, indícios de que estamos caminhando em direção ao disposto na
teoria da importação para consumo. Veja-se que são raros os casos, hoje, no
Brasil, de incidência do imposto de importação sobre mercadoria que não chegue a
ser desembaraçada em um despacho para consumo
331
.
Endossando o que afirmamos, revele-se que o Grupo Mercado Comum, por
meio da Resolução n
o
40, de 2006, estabeleceu, nas definições e diretrizes a serem
utilizadas como base para a redação do Código Aduaneiro do Mercosul (com
previsão de término em 2008) que “o fato gerador da obrigação tributária aduaneira
é a importação ou a exportação da mercadoria para consumo”.
Implementada a mudança e incorporado o código a nosso ordenamento
jurídico (com o devido assentimento parlamentar, tendo em vista o disposto no art.
49, I da Constituição Federal de 1988), substancial será a alteração no critério
temporal da hipótese de incidência do imposto de importação, o que demandará
nova análise do tema por parte dos juristas brasileiros.
6.1.4 Critério pessoal
Com o critério pessoal, adentramos no conseqüente da regra-matriz de
incidência do imposto de importação, tratando da sujeição ativa (titularidade do
direito subjetivo de exigir pagamento do imposto) e da sujeição passiva
(consubstanciada na pessoa de quem se exige tal pagamento).
330
Pois, v.g., adotada a teoria do cruze, uma entrada temporária de mercadoria ensejaria a incidência
do imposto, que permaneceria com exigibilidade suspensa por força de disposição legal. Encarado o
mesmo exemplo sob a teoria do despacho para consumo, a entrada temporária revelar-se-ia um caso
de não-incidência do imposto.
331
Caso a mercadoria seja apreendida antes do desembaraço aduaneiro, não incide o imposto (a
menos que ela seja devolvida e não recuperada, cf. art. 1
o
, § 4
o
, III da Lei Aduaneira, com a redação
dada pela Lei n
o
10.833, de 2003). Caso a mercadoria avariada seja destruída antes de despachada
para consumo, também não incide o imposto (cf. art. 1
o
, § 4
o
, I da Lei Aduaneira, com a redação dada
pela Lei n
o
10.833, de 2003).
105
6.1.4.1 Sujeição ativa
A Constituição Federal de 1988 estabeleceu, em seu art. 153, I, que a União
tem competência para instituir o imposto de importação, matéria hoje disciplinada no
Código Tributário Nacional e na Lei Aduaneira. Não havendo nenhuma delegação,
no Brasil, da função arrecadatória, tanto a sujeição ativa (capacidade tributária)
quanto a competência tributária são detidas pela União.
6.1.4.2 Sujeição passiva
A Lei Aduaneira relaciona expressamente os contribuintes (art. 31) e
responsáveis (art. 32) pelo imposto de importação.
6.1.4.2.1 Contribuintes
Como contribuintes do imposto de importação, a Lei Aduaneira indicava
originalmente o importador e o arrematante de mercadoria apreendida ou
abandonada, praticamente reproduzindo os ditames do art. 22 do Código Tributário
Nacional.
Contudo, apesar da previsão legal para que o arrematante de produtos
apreendidos ou abandonados figurasse como contribuinte, a Secretaria da Receita
Federal, por meio do Parecer da Coordenação do Sistema de Tributação - CST
(atual Coordenação-Geral de Tributação - Cosit) n
o
63, de 24/10/79 (publicado no
DOU de 26/10/79) entendeu que não incidência do imposto de importação
quando da alienação, pela União, de mercadorias estrangeiras apreendidas ou
abandonadas, tendo em vista que as mercadorias apreendidas (ou abandonadas e
posteriormente apreendidas), de acordo com o Decreto-lei n
o
1.455, de 1976,
passavam a ser de propriedade da União.
Em 1988, o Decreto-lei n
o
2.472, alterando o art. 31 da Lei Aduaneira, excluiu
da relação de contribuintes o arrematante e incluiu o destinatário de remessa postal
internacional indicado pelo respectivo remetente e o adquirente de mercadoria
entrepostada
332
. Na Exposição de Motivos n
o
296, de 1
o
/9/1988, que acompanha tal
Decreto-lei, justifica-se a mudança da seguinte forma:
[...] No art. 31 do DL-37/66, [...], (I) eliminou-se a figura do
arrematante, já que pela sistemática introduzida com o DL 1.455/76 o
arrematante adquire, nas hastas públicas de mercadorias
estrangeiras objeto de pena de perdimento, bem próprio da União
sobre o qual não incide o imposto de importação; (II) introduzirão-se
332
Mercadoria entrepostada é aquela admitida no regime aduaneiro especial de entreposto
aduaneiro, que analisaremos no item 8.3.4.1 deste estudo.
106
como contribuintes o destinatário da remessa postal internacional
e o adquirente de mercadoria entrepostada, que, embora sejam
importadores da mercadoria, não são agentes de sua introdução no
território nacional (sic). (grifo nosso)
Perceba-se, pela justificativa, que as inclusões se devem tão-somente à
adoção da definição de importador no texto original da Lei Aduaneira (“qualquer
pessoa que promova a entrada de mercadoria estrangeira no território nacional”),
mantida no Decreto-lei n
o
2.472, de 1988. O próprio legislador reconhece que os
incluídos são, de fato, importadores, e foram expressamente relacionados apenas
por não se amoldarem à definição da Lei Aduaneira.
Poderia o legislador ter afirmado (em verdade ele o faz, indiretamente) que o
contribuinte do imposto de importação é o importador, assim entendido aquele
que promove o despacho de importação para consumo das mercadorias
ingressadas no território aduaneiro
333
.
Convém ainda destacar que o termo ‘importador’ não designa um profissional
da atividade de importação, mas quaisquer pessoas, físicas ou jurídicas, que
promovam a importação
334
.
6.1.4.2.2 Responsáveis
Na redação original da Lei Aduaneira havia apenas a figura do responsável
solidário. Foi com a redação dada pelo Decreto-lei n
o
2.472, de 1988, que se
estabeleceu distinção entre responsáveis (art. 32, caput) e responsáveis solidários
(art. 32, parágrafo único) pelo imposto de importação.
Os responsáveis são o transportador, quando transportar mercadoria
procedente do exterior ou sob controle aduaneiro, inclusive em percurso interno, e o
depositário, assim considerada qualquer pessoa incumbida da custódia de
mercadoria sob controle aduaneiro.
Como a operação de importação se inicia no exterior, ficando a mercadoria, a
partir do embarque, sob a responsabilidade do transportador, até o momento de sua
descarga, no País, quando é transferida ao depositário, conforme o artigo 750 de
nosso Novo Código Civil (Lei n
o
10.406, de 2002), parece ter o legislador, de forma
333
A partir de tal definição, somente poderíamos designar como importador quem registra uma
declaração de importação a título definitivo. Os que introduzissem no território aduaneiro mercadorias
a título temporário seriam designados por beneficiários, em relação ao regime de ingresso. Os que
introduzissem clandestina ou irregularmente mercadorias não seriam importadores, mas autores dos
crimes de contrabando ou descaminho.
334
HILÚ NETO, Miguel. Imposto sobre..., op. cit., p. 152-153.
107
simplificada, buscado como responsáveis pelo pagamento do imposto exatamente
os responsáveis pela guarda da mercadoria, durante o processo de importação.
No que se refere à responsabilidade solidária, relacionou originalmente a
Lei Aduaneira o adquirente ou o cessionário de mercadoria beneficiada com
isenção ou redução do imposto e o representante, no País, do transportador
estrangeiro. A Medida Provisória n
o
2.158-35, de 24/8/2001 acrescentou à lista o
adquirente de mercadoria de procedência estrangeira, no caso de importação
realizada por sua conta e ordem
335
, por intermédio de pessoa jurídica importadora,
e a Lei n
o
11.281, de 20/2/2006, o encomendante predeterminado
336
que adquire
mercadoria de procedência estrangeira de pessoa jurídica importadora. Cabe, por
fim, destacar que a Lei n
o
9.611, de 19/2/1998, em seu artigo 28, estabeleceu, ao
lado da responsabilidade solidária do expedidor ou de subcontratado para realização
de transporte multimodal, um caso sui generis de responsabilidade solidária: a
responsabilidade solidária preferencial do operador de transporte multimodal
337
.
6.1.5 Critério quantitativo
Estabelecidos os critérios referentes a quem paga e a quem recebe o imposto
de importação, passa-se à determinação do quantum a ser pago, que resultará da
aplicação de uma alíquota sobre uma base de cálculo.
Destaque-se que o montante devido a título de imposto de importação, nas
declarações registradas no Siscomex, é, em regra, desde 2/3/1998, debitado
automaticamente da conta-corrente bancária indicada pelo declarante no ato do
registro da declaração de importação
338
, sendo o cálculo do imposto devido efetuado
335
Importador por conta e ordem de terceiro, cf. o parágrafo único do art. 1
o
da Instrução Normativa
da Secretaria da Receita Federal n
o
225, de 18/10/2002, é “a pessoa jurídica que promover, em seu
nome, o despacho aduaneiro de importação de mercadoria adquirida por outra, em razão de contrato
previamente firmado, que poderá compreender, ainda, a prestação de outros serviços relacionados
com a transação comercial, como a realização de cotação de preços e a intermediação comercial”.
336
O importador por encomenda é aquele que adquire mercadorias no exterior com recursos próprios
e promove o seu despacho aduaneiro de importação, a fim de revendê-las, posteriormente, a uma
empresa encomendante previamente determinada, em razão de contrato entre a importadora e a
encomendante, cf. a Instrução Normativa da Secretaria da Receita Federal n
o
634, de 24/3/2006.
337
Operador de transporte multimodal, cf. art. 5
o
da Lei n
o
9.611, de 19/2/1998, é a pessoa jurídica,
transportador ou não, contratada como principal para a realização do Transporte Multimodal de
Cargas da origem até o destino, por meios próprios ou por intermédio de terceiros. Esclareça-se que
Transporte Multimodal de Cargas, como estabelece o art. 2
o
da mesma lei, é “aquele que, regido por
um único contrato, utiliza duas ou mais modalidades de transporte, desde a origem até o destino, e é
executado sob a responsabilidade única de um Operador de Transporte Multimodal”.
338
Em verdade, segundos antes do registro, pois a existência de saldo em conta-corrente é condição
para a aceitação do registro da declaração de importação. Nas declarações efetuadas fora do
108
pelo sistema informatizado, a partir da classificação (que tem vinculação a uma
alíquota previamente cadastrada em tabela específica do sistema) e do valor da
mercadoria na condição de venda (que possibilita a determinação da base de
cálculo do imposto) informados pelo declarante.
Na importação, tanto a alíquota como a base de lculo têm sua
determinação essencialmente vinculada a parâmetros estabelecidos em acordos
internacionais. O Brasil, assim, não mais detém ilimitada competência para a
definição do critério quantitativo do conseqüente do imposto de importação, como se
detalhará a seguir.
6.1.5.1 Base de cálculo
É preciso esclarecer, preliminarmente, que as definições de base de cálculo
existentes no texto do art. 20 do Código Tributário Nacional (“preço normal que o
produto, ou seu similar, alcançaria, ao tempo da importação, em uma venda em
condições de livre concorrência, para entrega no porto ou lugar de entrada do
produto no País”) e na redação original do art. 2
o
, II da Lei Aduaneira (“preço
normal”) tinham por base a Definição de Valor de Bruxelas, resultante da Convenção
sobre Valoração de Mercadorias para fins Aduaneiros, concluída a 15/12/1950 e
vigente a partir de 28/7/1953. Embora o Brasil não fosse um dos 33 países
subscritores da convenção, a própria Exposição de Motivos n
o
867, de 18/11/1966,
que acompanha a Lei Aduaneira, asseverava:
[...] 4. O Capítulo II complementa a disposição do art. 20 do Código
Tributário Nacional, que dispõe sobre a aplicação da Definição
de Valor de Bruxelas, conforme Convenção concluída a 15 de
dezembro de 1950, e hoje utilizada por mais de vinte dos principais
países do mundo, entre os quais os da Comunidade Econômica
Européia. (grifo nosso)
Com a conclusão da Rodada Tóquio do GATT, em 1979
339
, abandona-se o
chamado ‘valor normal’ ou teórico da Definição de Bruxelas, passando-se a adotar
Siscomex ainda necessidade de apresentação do Documento de Arrecadação de Receitas
Federais (Darf) correspondente ao imposto. Adicione-se que desde janeiro de 2003 também os
créditos exigidos no curso do despacho aduaneiro de importação podem ser pagos por débito
automático em conta-corrente.
339
O Acordo sobre a Implementação do Artigo VII do Acordo Geral sobre Tarifas Aduaneiras e
Comércio (Código de Valoração Aduaneira), assinado em 12/4/1979, no âmbito da Rodada Tóquio do
GATT, foi, no Brasil, aprovado pelo Decreto legislativo n
o
9, de 8/5/1981, e promulgado pelo Decreto
n
o
92.930, de 16/7/1986. Embora o Acordo de Valoração ainda fosse vigente no Brasil em 1985, o
Regulamento Aduaneiro aprovado pelo Decreto n
o
91.030, de 5/3/1985, em seu artigo 90, já o
mencionava expressamente, indicando a proximidade do início de sua entrada em vigor.
109
um ‘valor positivo’ ou real como base de cálculo do imposto de importação: o valor
aduaneiro.
Em 1988, confirmando a derrogação dos dispositivos legais brasileiros que
versavam sobre a base de cálculo pelo Acordo de Valoração Aduaneira, o Decreto-
lei n
o
2.472, de 1988, deu nova redação ao art. 2
o
da Lei Aduaneira, dispondo que a
base de cálculo do imposto de importação (no caso de alíquota ad valorem) é “o
valor aduaneiro apurado segundo as normas do art. VII do Acordo Geral sobre
Tarifas Aduaneiras e Comércio - GATT”. Veja-se que a Exposição de Motivos n
o
296, de 1
o
/9/1988, que acompanha tal Decreto-lei, justifica a mudança da seguinte
forma:
[...] No art. 2
o
do DL-37/66, que dispõe sobre a base de cálculo do
imposto, substitui-se no inc. II a norma anterior pelas que entraram
em vigor após a promulgação do Acordo de Valoração Aduaneira do
GATT (Dec. n
o
92.930, de 16 de julho de 1986). Consequentemente
[...], propõe-se a revogação expressa dos arts. 3
o
a 6
o
do DL-37/66,
tacitamente derrogados pelo acordo. (grifo no original)
Da mesma forma em que os dispositivos legais nacionais sobre a base de
cálculo do imposto de importação foram modificados com a incorporação dos
resultados da Rodada Tóquio do GATT, também o foram em 1994, com a introdução
em nosso ordenamento da Ata Final da Rodada Uruguai do GATT
340
, que, em seu
Anexo 1A, traz o Acordo sobre a Implementação do Artigo VII do Acordo Geral sobre
Tarifas e Comércio 1994 - Acordo de Valoração Aduaneira (AVA).
Assim, a base de cálculo do imposto de importação, hoje, no Brasil é o
valor aduaneiro, definido segundo as regras estabelecidas no Acordo de Valoração
Aduaneira de 1994.
6.1.5.1.1 Acordo de Valoração Aduaneira
O Acordo de Valoração Aduaneira estabelece que o valor aduaneiro das
mercadorias importadas deve ser determinado mediante a aplicação sucessiva e
seqüencial de seis métodos de valoração.
341
340
A Ata Final foi aprovada, no Brasil, pelo Decreto Legislativo n
o
30, de 15/12/1994, e promulgada
pelo Decreto n
o
1.355, de 30/12/1994.
341
Limitar-nos-emos, no presente estudo, a efetuar considerações gerais sobre o Acordo de
Valoração Aduaneira, pois a complexidade e a riqueza da matéria certamente nos desviariam do
caminho que nos propusemos metodologicamente a seguir. Para estudos mais detalhados sobre
valoração aduaneira, ver: ALSINA, Mario A.; BASALDUA, Ricardo Xavier; COTTER MOINE, Juan
Patrício. Código Aduanero. Comentarios. Antecedentes. Concordancias. T. IV. Buenos Aires:
Abeledo-Perrot, 1984, p. 200 a 342; SOSA, Roosevelt Baldomir. Valor Aduaneiro: comentários às
novas normas de valoração aduaneira no âmbito do Mercosul. São Paulo: Aduaneiras, 1996;
110
na Introdução Geral do Acordo de Valoração Aduaneira estabelece-se que
“a primeira base de valoração aduaneira é o valor de transação”. O primeiro
método é reiterado no artigo inicial do Acordo, no qual se afirma que o valor
aduaneiro das mercadorias importadas será o valor de transação, isto é, “o preço
efetivamente pago ou a pagar pelas mercadorias, em uma venda para exportação
para o país de importação, ajustado de acordo com as disposições do Artigo 8”
342
.
Esse é seguramente o método de valoração aduaneira utilizado na maior parte das
importações brasileiras.
Nos casos de impossibilidade de aplicação do primeiro método, o valor
aduaneiro da mercadoria importada corresponderá ao valor de transação de
mercadorias idênticas
343
vendidas para exportação para o mesmo país de
importação e exportadas ao mesmo tempo que as mercadorias objeto de valoração,
ou em tempo aproximado. Na aplicação deste segundo todo serão, em regra,
utilizadas vendas no mesmo nível comercial e na mesma quantidade da operação a
valorar.
Na impossibilidade de aplicação dos métodos antecedentes, segue-se o
terceiro método, contendo previsão que difere do segundo apenas pela troca da
palavra ‘idênticas’, por ‘similares’, em complemento ao valor de transação.
ROCHA, Paulo Cesar Alves. Valoração Aduaneira no Brasil. São Paulo: Aduaneiras, 2000;
TÔRRES, Heleno Taveira. Imposto de Importação e o Acordo de Valoração Aduaneira. Ajustes do
valor de transação com royalties e serviços. In: TÔRRES, Heleno Taveira (coord.). Direito Tributário
Internacional Aplicado. v. 2. São Paulo: Quartier Latin, 2004, p. 180 a 236; MACEDO, Leonardo
Correia Lima. Direito Tributário no comércio internacional: acordos e convenções
internacionais - OMC, CCA/OMA, Aladi e Mercosul. São Paulo: Aduaneiras, 2005, p. 65 a 82; e
CARVALHO, Marcelo Pimentel de. Valor aduaneiro: princípios, métodos e fraude. São Paulo:
Aduaneiras, 2007.
342
A adoção do primeiro método é condicionada às seguintes circunstâncias: a) que não haja
restrições à cessão ou à utilização das mercadorias pelo comprador, ressalvadas as que sejam
impostas ou exigidas por lei ou pela administração pública do país de importação; limitem a área
geográfica na qual as mercadorias podem ser revendidas; ou não afetem substancialmente o valor
das mercadorias; b) que a venda ou o preço não estejam sujeitos a alguma condição ou
contraprestação para a qual não se posse determinar um valor em relação às mercadorias objeto de
valoração; c) que nenhuma parcela do resultado de qualquer revenda, cessão ou utilização
subseqüente das mercadorias pelo comprador beneficie direta ou indiretamente o vendedor, a
menos que um ajuste adequado possa ser feito, de conformidade com as disposições do Artigo 8; e
d) que não haja vinculação entre o comprador e o vendedor ou se houver, que o valor de
transação não seja afetado. Os ajustes (obrigatórios ou facultativos) previstos no Artigo 8 se referem
a acréscimos ao preço efetivamente pago ou a pagar. No Brasil, optou-se por adotar também os
elementos facultativos, externados no art. 77 do Regulamento Aduaneiro de 2002.
343
Mercadorias idênticas, conforme define o Artigo 15 do Acordo de Valoração Aduaneira, são
aquelas produzidas no mesmo país que as mercadorias objeto de valoração, iguais em tudo, inclusive
nas características físicas, qualidade e reputação comercial. Contudo, pequenas diferenças na
aparência não impedirão que sejam consideradas idênticas mercadorias que em tudo o mais se
enquadram na definição.
111
Segundo o Acordo (Artigo 15), são mercadorias similares aquelas produzidas no
mesmo país que as mercadorias objeto de valoração que, embora não se
assemelhem em todos os aspectos, têm características e composição material
semelhantes, o que lhes permite cumprir as mesmas funções e serem permutáveis
comercialmente.
Persistindo a impossibilidade de aplicação do primeiro, do segundo e do
terceiro métodos, o valor aduaneiro da mercadoria importada deverá basear-se no
valor da revenda (ou deduzido) - quarto todo, ou seja, no preço unitário pelo
qual as mercadorias importadas, ou mercadorias idênticas ou similares importadas,
são revendidas na maior quantidade total a compradores não vinculados no país de
importação, ao tempo da importação ou aproximadamente ao tempo da importação
das mercadorias objeto de valoração.
O quinto método de valoração aduaneira (certamente o menos utilizado no
Brasil) baseia-se no valor computado (valor de produção), ou seja, na soma do
custo ou valor dos materiais e da fabricação ou processamento, empregados na
produção das mercadorias importadas, com o montante a título de lucro e despesas
gerais e com os valores correspondentes às despesas de frete, encargos e seguro,
relativos ao transporte da mercadoria até o local de descarga ou entrada no Brasil.
Não sendo possível a determinação do valor aduaneiro com base nos
métodos antecedentes, resta à Aduana um último recurso (sexto todo), que
consiste na adoção de critérios razoáveis, condizentes com os princípios e
disposições gerais do Acordo de Valoração Aduaneira, e em dados disponíveis no
Brasil. Na utilização desse método, serão consideradas as regras de valoração dos
métodos precedentes com razoável flexibilidade e, na medida do possível, com base
em valores já anteriormente determinados.
6.1.5.1.2 Arbitramento
A possibilidade de arbitramento da base de cálculo do imposto de importação,
na legislação brasileira, é admitida em restritas situações. Mesmo assim, deve-se
reduzir a carga de discricionariedade que sugere o termo ‘arbitramento’, pois não
pode a autoridade aduaneira, sem critérios objetivos, determinar o valor aduaneiro
das mercadorias importadas.
A Medida Provisória n
o
2.158-35, de 24/8/2001, em seu art. 88, dispõe sobre a
possibilidade de arbitramento nos casos de fraude, sonegação ou conluio, em que
não seja possível a apuração do preço efetivamente praticado na importação,
112
estabelecendo critérios objetivos para a realização de tal arbitramento (muito
semelhantes aos do Acordo de Valoração Aduaneira).
A Lei n
o
10.833, de 29/12/2003, em seu art. 70, estende os critérios de
arbitramento aos quais nos referimos para os casos de descumprimento da
obrigação de manter, em boa guarda e ordem, ou de apresentar à fiscalização
aduaneira quando exigidos, os documentos obrigatórios de instrução das
declarações aduaneiras. A mesma Lei prevê ainda, em seu art. 67, § 1
o
, que nos
casos de impossibilidade de identificação, por extravio ou entrega a consumo de
mercadorias descritas genericamente nos documentos comerciais e de transporte
disponíveis, a base de lculo do imposto de importação searbitrada em valor
equivalente à média dos valores por quilograma de todas as mercadorias importadas
a título definitivo, pela mesma via de transporte internacional, constantes de
declarações registradas no semestre anterior, incluídas as despesas de frete e
seguro internacionais, acrescida de duas vezes o correspondente desvio padrão
estatístico.
Citem-se ainda os casos de inexistência ou inexatidão da fatura ou
documento de venda de bens que integram bagagem de viajante procedente do
exterior, nos quais a autoridade aduaneira poderá estabelecer valores em caráter
geral (v.g., a tabela de preços divulgada periodicamente pela Delegacia da Receita
Federal em Foz do Iguaçu) para determinação da base de cálculo do imposto, cf. o
Art. 4, 2 da Norma de Aplicação relativa ao Regime de Bagagem no Mercosul
(aprovada pela Decisão do Conselho do Mercado Comum n
o
18, de 1994, declarada
vigente no Brasil pelo Decreto n
o
1.765, de 28/12/1995).
Deve ser destacado, por fim, que, qualquer que seja a situação apresentada,
é admissível o arbitramento quando as informações imprescindíveis à valoração
não hajam sido prestadas pelo declarante ou a autoridade aduaneira comprove que
as informações prestadas não sejam consistentes ou verídicas.
6.1.5.1.3 Conversão em moeda nacional
No que se refere à base de cálculo do imposto de importação, há ainda um
detalhe adicional: o resultado encontrado a partir do emprego do Acordo de
Valoração Aduaneira ou de arbitramento apresenta-se em moeda estrangeira (a
moeda estabelecida na transação internacional). que se determinar, assim, um
mecanismo para conversão do valor em moeda nacional.
113
A Lei Aduaneira, em seu art. 23, dispôs que a data de conversão é a da
configuração do critério espacial da hipótese de incidência. Em regra, como aqui
exposto, tal data é a do registro da declaração de importação
344
. Assim, não está
livre o importador das oscilações cambiais no período entre a concretização da
transação internacional e o registro da declaração de importação.
6.1.5.2 Alíquota
As alíquotas podem ser expressas em pontos percentuais em relação ao valor
da mercadoria (alíquotas ad valorem) e/ou em valores por unidade de medida
(alíquotas específicas). No caso do imposto de importação, há, no Brasil, apenas
alíquotas ad valorem
345
.
Como ensina ANTONIO CAMPOS, as alíquotas ad valorem oferecem maior
proteção a qualquer sistema de valoração, pois são mais adaptáveis às flutuações
de preço e às diferenças quantitativas das mercadorias
346
. As alíquotas específicas,
largamente utilizadas por aqui no início do século passado
347
, mostram-se mais
adequadas em medidas de defesa comercial, como a aplicação de direitos
antidumping ou compensatórios.
Hoje, no Brasil, a alíquota aplicável para o cálculo do imposto de importação é
a correspondente ao posicionamento da mercadoria na Tarifa Externa Comum
(TEC)
348
, na data da configuração do critério temporal da hipótese de incidência,
344
Também a conversão em moeda nacional é efetuada automaticamente pelo Siscomex, com base
na tabela ‘Taxa de Conversão de Câmbio’, que tem por base a taxa para venda da moeda
estrangeira, divulgada pelo Sistema de Informações Banco Central (Sisbacen), no fechamento do dia
útil imediatamente anterior.
345
A Medida Provisória n
o
413, de 3/1/2008, ainda não regulamentada, prevê, em seu art. 2
o
, a
possibilidade de aplicação, em alguns casos (mercadorias classificadas nos Capítulos 22, 39, 40, 51
a 64, 82, 83, 90, 91 e 94 a 96 da Nomenclatura Comum do Mercosul), de alíquotas específicas para o
imposto de importação.
346
Comércio Internacional e Importação. São Paulo: Aduaneiras, 1990, p. 257. Miguel Hilú Neto
chega a sustentar a impossibilidade de existência de alíquotas específicas para o imposto de
importação, por ofensa ao Acordo de Valoração Aduaneira e aos princípios da igualdade e da
capacidade contributiva (Imposto sobre..., op. cit., p. 233-234).
347
Como afirma Hamilton Dias de Souza, as alíquotas específicas não eram eficazes tendo em vista
o aumento de preços decorrente da inflação, o que fez com que a sistemática fosse
fundamentalmente alterada para a ad valorem pela Lei n
o
3.244, de 14/8/1957, permanecendo assim
até hoje (Estrutura do..., op. cit., p. 95).
348
A Resolução da Câmara de Comércio Exterior (Camex) n
o
43, de 22/12/2006 estabelece a NCM e
as alíquotas do Imposto de Importação que compõem a TEC (em seu Anexo I), a Lista de Exceções
brasileira à TEC (no Anexo II) e a Lista de Exceções brasileira de Bens de Informática e de
Telecomunicações (no Anexo III). As alíquotas variam de 0 % a 35% (utilizada, v.g., para alguns
produtos da indústria têxtil e veículos).
114
uma vez identificado o código numérico correspondente à sua classificação na
Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM)
349
.
Relevante destacar que a alteração da alíquota do imposto de importação
prescinde de observância à anterioridade (de exercício ou nonagesimal), por força
do disposto no art. 150, § 1
o
, da Constituição Federal de 1988 (com a redação dada
pela Emenda Constitucional n
o
42, de 19/2/2003). Assim, fica o importador sujeito às
variações de alíquota entre a concretização da transação internacional e o registro
da declaração de importação. Tal situação, como sustenta JOSÉ EDUARDO
SOARES DE MELO, fragiliza a segurança jurídica da operação
350
. Contudo o
posicionamento de nosso Supremo Tribunal Federal é no sentido de que a alíquota
aplicável, no caso de despacho para consumo, é a vigente na data do registro da
declaração de importação. Nesse sentido, vale a transcrição de excerto de voto do
Ministro NELSON JOBIM, analisando a questão:
[...] este é o sentido: permitir que as mercadorias importadas entrem
com a alíquota do momento em que se consubstancia a entrada. O
Decreto n
o
37, de 1966, fixou o momento para isso, que é a data do
registro, na repartição aduaneira, da declaração a que se refere o
art. 44, que cuida da chamada declaração de importação. É a
alíquota daquele momento, porque é naquele momento que se
saberá quais são as necessidades competitivas em relação ao
mercado interno. (grifos nossos)
351
O posicionamento da corte coaduna-se com a forte característica regulatória
do imposto de importação, pois a medida indutora (incentivadora ou
349
No caso de mercadoria importada ao amparo de acordo internacional firmado pelo Brasil,
prevalecerá o tratamento nele previsto, salvo se da aplicação das normas gerais resultar tributação
mais favorável (cf. art. 95 do Regulamento Aduaneiro).
350
Um aumento de alíquota no curso do transporte da mercadoria para o território nacional pode
onerar a importação em patamar que a inviabilize. Como o importador, que já concretizou a transação
internacional, não tem condição de evitar a ocorrência do fato, porque não pode simplesmente
determinar o retorno do navio ao porto de origem, restam feridos os princípio do direito adquirido e da
segurança jurídica. Veja-se, contudo, que o autor reconhece a não acolhida por nossos tribunais da
possibilidade de pagamento do imposto pela alíquota vigente na data da compra da mercadoria (A
importação..., op. cit., p. 68). Na mesma linha, André Parmo Folloni (Tributação sobre..., op. cit., p.
123-124) e Hugo de Brito Machado (Curso de Direito..., op. cit., p. 265). Recorde-se que o exemplo
citado por José Eduardo Soares de Melo ganhou vida com a edição do Decreto n
o
1.427, de
30/3/1995, que majorou a alíquota do imposto de importação sobre veículos de 32% para 70%,
quando inúmeros contratos de importação haviam sido celebrados, sem que os veículos tivessem
ingressado no Brasil. Contudo, como atesta Luiz Alberto Gurgel de Faria, apesar de haver
inicialmente decisões pela manutenção da primeira alíquota, “outro foi o entendimento consagrado na
jurisprudência” (Tributos sobre o comércio exterior. In: FREITAS, Vladimir Passos de (coord.).
Importação e exportação no direito brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 43-44).
351
Recurso Extraordinário n
o
225.602-8/CE, Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, unânime, DJ de 6 abr.
2001.
115
desincentivadora) deve produzir efeitos imediatos, sob pena de não mais se obter, a
posteriori, o efeito originalmente desejado. Como afirma MIGUEL HILÚ NETO,
dentre os diversos aspectos da vida social reguláveis pelas imposições ‘extrafiscais’,
o que mais importa aos impostos aduaneiros é o econômico, o que indica a
necessidade de privilegiar os princípios que regem a ordem econômica
352
.
6.1.5.2.1 Classificação de mercadorias
Para que se possa saber a alíquota aplicável na tarifa aduaneira (no caso
brasileiro, a Tarifa Externa Comum do Mercosul), é necessário identificar o código da
mercadoria na nomenclatura correspondente (a Nomenclatura Comum do Mercosul),
ou, em outros termos, obter a classificação da mercadoria.
Não é difícil imaginar quantas designações diferentes pode ter uma mesma
mercadoria em diferentes países (ou até dentro de um mesmo país, de dimensões
como o nosso). A a década de 80, não havia um sistema universal eficaz de
designação de mercadorias, embora já houvesse tentativas nesse sentido
353
. O
Conselho de Cooperação Aduaneira - CCA, então, em 1985, disponibilizou um
acordo internacional intitulado “Sistema Harmonizado de Designação e de
Codificação de Mercadorias”
354
. Tal acordo hoje norteia quase a totalidade do
comércio internacional, e são inegáveis suas vantagens, como a possibilidade de
352
Imposto sobre..., op. cit., p. 253.
353
Para que fosse possível efetuar de forma individualizada a tributação e o tratamento
administrativo, ou simplesmente para gerar controles estatísticos das operações de comércio, exterior
ou interno, no início do século XIX se elaboravam, na Europa, listas alfabéticas de mercadorias.
Contudo, é em 29/12/1913 que 29 países firmam, na segunda Conferência Internacional sobre
Estatísticas Comerciais, em Bruxelas, a primeira nomenclatura estatística de real importância,
dividindo o universo de mercadorias em 186 posições, agrupadas em cinco capítulos: animais vivos,
alimentos e bebidas, matéria-prima ou simplesmente preparada, produtos manufaturados, e ouro e
prata (BIZELLI, João dos Santos. Classificação fiscal de mercadorias. São Paulo: Aduaneiras,
2003, p. 14). Em maio de 1927, surge a idéia de uma nomenclatura aduaneira no âmbito da Liga das
Nações, projeto que é conduzido por um comitê de especialistas, culminando na conclusão de uma
primeira versão em 1931, com revisão em 1937, do que se denominou de Nomenclatura de Genebra.
Após a segunda grande guerra, surge a Convenção de Bruxelas sobre Nomenclatura para a
Classificação de Mercadorias e Tarifas Aduaneiras, de 15/12/1950, gerando uma nova nomenclatura,
inicialmente conhecida como Nomenclatura Aduaneira de Bruxelas, mas que, em 1974, reestruturada,
passa a ser designada como Nomenclatura do Conselho de Cooperação Aduaneira - NCCA
(TREVISAN, Rosaldo. A influência e a aplicação..., op. cit., p. 321).
354
No Brasil, a convenção foi aprovada pelo Decreto Legislativo n
o
71, de 11/10/1988 e promulgada
pelo Decreto n
o
97.409, de 23/12/1988. Por meio do artigo 2
o
do Decreto n
o
766, de 13/3/1993, que
incorporou à legislação brasileira as primeiras alterações à Convenção, incumbiu-se a Secretaria da
Receita Federal (hoje RFB) da aprovação de futuras alterações decorrentes de atualizações na
Nomenclatura do Sistema Harmonizado. A Instrução Normativa SRF n
o
697, de 15/12/2006, aprovou
as últimas alterações na versão em português do Sistema Harmonizado.
116
compartilhamento de base de dados e de estatísticas de comércio exterior, e a
agilidade nas negociações comerciais.
O Sistema Harmonizado de Designação e de Codificação de Mercadorias é
uma nomenclatura estruturada sistematicamente buscando assegurar a classificação
uniforme das mercadorias no comércio internacional, e compreende seis Regras
Gerais Interpretativas, Notas de Seção, de Capítulo e de Subposição, e 21 seções,
totalizando 96 capítulos
355
, com 1.244 posições, várias destas divididas em
subposições de 1 travessão (primeiro nível) ou dois (segundo nível), formando
aproximadamente 5.000 grupos de mercadorias, identificados por um digo de 6
dígitos, conhecido como Código SH
356
.
A Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM)
357
, que serve de base à
aplicação da Tarifa Externa Comum (TEC) acrescenta aos seis dígitos formadores
do código do Sistema Harmonizado mais dois, um referente ao item (sétimo dígito) e
outro ao subitem (oitavo dígito), permanecendo o dígito zero como indicativo de
ausência de desdobramento
358
. A inclusão de um par de dígitos efetuada na NCM
demandou ainda a edição de uma Regra Geral Complementar às seis Regras Gerais
do SH (para disciplinar a interpretação no que se refere a itens e subitens) e de
Notas Complementares.
355
Os capítulos são ordenados, em regra, de acordo com o grau de interferência humana na
elaboração das mercadorias. Assim, enquanto o primeiro capítulo (1) trata de animais vivos, o último
(capítulo 97) abriga os objetos de arte, de coleção e antiguidades. Na nomenclatura o capítulo 77 foi
reservado para utilização futura, no Sistema Harmonizado, e os capítulos 98 e 99, para utilização
futura, pelas partes contratantes da Convenção.
356
O código 0807.11, v.g., corresponde a melancias. Dessa informação, abstrai-se que a mercadoria
classifica-se no Capítulo 08 (frutas; cascas de cítricos e de melões), e na sétima posição (0807 -
melões, melancias e mamões, frescos). O quinto dígito do código (0807.1) indica a subposição de
primeiro nível dentro da posição 0807. A inexistência de um zero no sexto dígito indica que a
subposição de primeiro nível é aberta, e que obrigatoriamente desdobramento em subposição de
segundo nível. Caso o sexto dígito fosse igual a zero (v.g.: 0807.20 - mamões), a subposição de
primeiro nível não se desdobraria, sendo representada apenas por um travessão ( - ) e denominada
subposição de primeiro nível fechada. Por sua vez, o sexto dígito diferente de zero (0807.11), só
existente quando a subposição de primeiro nível é aberta, configura a subposição de segundo nível,
representada por dois travessões ( - - ).
357
Em 1
o
/1/1995, tendo em vista o Tratado de Assunção, os entendimentos havidos no âmbito do
Mercosul, e a publicação do Decreto n
o
1.343, de 23/12/1994, a antiga Tarifa Aduaneira do Brasil
(TAB), que utilizava dez dígitos (os seis do SH mais dois para itens e dois para subitens), deu lugar à
Tarifa Externa Comum (TEC), uniformemente adotada por todos os membros do bloco. Tal evolução
serviu de base à substituição, em 1
o
/1/1997, após a publicação do Decreto n
o
1.767, de 28/12/1995,
da Nomenclatura Brasileira de Mercadorias (NBM) pela Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM).
358
Aos desdobramentos da NCM não correspondem travessões, mas afastamentos
progressivamente maiores da margem esquerda do texto, proporcionais ao nível hierárquico.
117
Além do constante estabelecimento de atualizações na nomenclatura,
decorrentes de descobertas e aperfeiçoamentos de novos produtos, publicações
complementares que auxiliam no processo de designação e classificação de
mercadorias, como as Notas Explicativas do Sistema Harmonizado - NESH
(expressando o posicionamento oficial do CCA), o índice alfabético do Sistema
Harmonizado e das Notas Explicativas, publicado pelo CCA, os pareceres de
classificação emitidos pelo Comitê do Sistema Harmonizado, criado pela convenção,
e os atos normativos emitidos por autoridades nacionais a respeito de classificação
de mercadorias.
Pela sua importância, a nomenclatura estabelecida por meio do Sistema
Harmonizado é reconhecida como ‘a linguagem do comércio internacional’, pois é
diariamente utilizada em praticamente todas as operações de importação e
exportação do globo.
6.1.5.2.2 Regimes com alíquotas diferenciadas
alguns casos em que não se aplica a TEC, mas sim um a alíquota única
sobre a base de cálculo. No regime de tributação simplificada-RTS
359
, utilizado
para remessas postais internacionais e remessas expressas de valor até US$
3.000,00, aplica-se sobre o valor das remessas a alíquota de 60%
360
. No regime de
tributação especial-RTE
361
, utilizado para bagagem de viajantes e bens adquiridos
em ‘lojas francas de chegada’
362
, aplica-se sobre o valor dos bens que exceder ao
limite de isenção a alíquota de 50%.
A Medida Provisória n
o
380, de 28/6/2007 (já revogada
363
) criou ainda o
regime de tributação unificada-RTU, para importações pela via terrestre de
mercadorias procedentes do Paraguai, mediante o pagamento unificado de impostos
359
Instituído pelo Decreto-lei n
o
1.804, de 3/9/1980.
360
uma exceção, no caso de medicamentos destinados a pessoas físicas, em que a alíquota é de
0%.
361
Instituído pelo Decreto-lei n
o
2.120, de 14/5/1984.
362
Lojas francas de chegada são os locais alfandegados de zona primária, no Brasil, em que o
viajante que regresse de viagem internacional pode adquirir mercadorias ao amparo do regime
aduaneiro especial de loja franca (que analisaremos no item 8.3.4.2 deste estudo) com isenção dos
tributos incidentes na importação.
363
Pela Medida Provisória n
o
391, de 18/9/2007, convertida na Lei n
o
11.580, de 27/11/2007.
Registre-se que a Medida Provisória n
o
380 foi revogada pelo próprio Poder Executivo, que optou por
transformá-la em um projeto de lei (PL n
o
2.105/2007), para desobstruir a pauta, possibilitando a
votação da prorrogação da CPMF. Tal PL tramita em regime de urgência apensado ao PL n
o
1.179/2007, que cria um regime especial de tributação para microimportadores (Remicro), que
concede 50% de redução nas alíquotas do imposto de importação.
118
e contribuições federais incidentes na importação. No texto da medida (art. 8
o
, § 1
o
,
I) a alíquota do imposto de importação era de 18%.
Por fim, cite-se o disposto no art. 67 da Lei n
o
10.833, de 29/12/2003, § 1
o
,
que prevê, nos casos de impossibilidade de identificação, por extravio ou entrega a
consumo de mercadorias descritas genericamente nos documentos comerciais e
de transporte disponíveis, que a alíquota a ser aplicada para o cálculo do imposto de
importação será de 50%.
6.1.5.2.3 Competência para alteração
Importante destacar que as alíquotas do imposto de importação podem ser
alteradas por ato do Poder Executivo (cf. art. 153, § 1
o
, da Constituição Federal de
1988). O Presidente da República delegou a atribuição à Câmara de Comércio
Exterior (Camex) por meio do Decreto n
o
4.732, de 10/6/2003 (art. 2
o
, XIV)
364
.
Na alteração das alíquotas, deve tal órgão, contudo, observar as limitações
estabelecidas na Lei n
o
3.244, de 1957, no Decreto-lei n
o
63, de 1966, no Decreto-lei
n
o
2.162, de 1984, e no acordado no âmbito do Mercosul e em outros tratados
internacionais.
6.2 Imposto de exportação
Assim como o imposto de importação, o imposto de exportação tem longas
raízes, podendo ser identificado no Egito dos faraós, na Grécia antiga, nos
primórdios de Roma, na Idade Média e na América pré-colonial
365
. No Brasil, o
imposto de exportação existia no período imperial, quando era uma das principais
fontes de recurso para o Estado
366
.
ALCIDES JORGE COSTA relata que uma das mais importantes discussões
ocorridas na Assembléia Constituinte que levou à Constituição Federal de 1891 foi a
referente aos impostos de importação e de exportação, que culminou com a
364
Miguel Hilú Neto sustenta que a competência legislativa constitucionalmente conferida ao
Presidente da República para alterar as alíquotas do imposto por decreto é indelegável, por não estar
prevista a delegação na própria Constituição Federal de 1988. Seguindo tal linha, ter-se-ia que a
delegação da competência à CAMEX é inconstitucional (Imposto sobre..., op. cit., p. 260-262).
365
Recorde-se a investigação histórica empreendida por Ricardo Xavier Basaldúa sobre as atividades
aduaneiras, dentre as quais destaca a cobrança do imposto de exportação, em diversos locais e
épocas (Introducción al Derecho Aduanero..., op. cit., p. 25-124).
366
BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário..., op. cit., p. 137.
119
transferência deste à competência dos Estados-federados, situação que perdurou
até a Emenda Constitucional n
o
18, de 1965
367
.
Praticamente na mesma época da publicação da Lei Aduaneira (que, em
matéria tributária, dispunha somente sobre o imposto de importação), surge a Lei n
o
5.072, de 12/8/1966, que dispunha sobre o imposto de exportação. no primeiro
artigo da lei afirmava-se que o imposto era “de caráter exclusivamente monetário e
cambial e tem por finalidade disciplinar os efeitos monetários decorrentes da
variação de preços no exterior e preservar as receitas de exportação”.
Como destaca ANGELA MARIA DA MOTTA PACHECO, enquanto o imposto
de importação continua a proteger a indústria nacional, “o imposto de exportação
passou a ocupar uma posição neutra, ou até, a ser afastado do sistema”, sendo
utilizado na política cambial e de comércio exterior
368
.
Em realidade, o imposto de exportação, hoje regulado pelo Decreto-lei n
o
1.578, de 11/10/1977 (que denominaremos de Lei do Imposto de Exportação’),
que revogou a Lei n
o
5.072, de 1966, é cobrado de tão reduzida lista de mercadorias
que sequer merece uma rubrica específica no mapa de arrecadação da Secretaria
da Receita Federal do Brasil. Se a função de tal tributo fosse arrecadatória, teria
passado da hora de extingui-lo ou modificá-lo.
ALIOMAR BALEEIRO nos narra que durante gerações se discutiu sobre a
extinção do imposto de exportação, por seu caráter anti-econômico, tendo
prevalecido “acertadamente a opinião de que, ao invés de sua supressão, deveria
ser reservado a casos e conjunturas especiais, como arma da política comercial do
exterior, cambial e monetária”
369
.
Assim, nítida se revela a função regulatória e indutora do imposto de
exportação. Comungando características com o outro tributo aduaneiro (o imposto
de importação), e sendo sintética a Lei do Imposto de Exportação (com onze artigos,
dos quais seis foram alterados), chegou o legislador a admitir, economicamente,
que “no que couber, aplicar-se-á, subsidiariamente, ao imposto de exportação a
legislação relativa ao imposto de importação”
370
.
367
História da tributação..., op. cit., p. 72-73.
368
Extrafiscalidade e o Imposto de Exportação. In: SCHOUERI, Luís Eduardo (coord.). Direito
Tributário. Vol. I. São Paulo: Quartier Latin, 2003, p. 558.
369
Direito tributário..., op. cit., p. 137.
370
Art. 8
o
da Lei do Imposto de Exportação, reproduzido no art. 535 do Regulamento Aduaneiro.
120
Teremos aqui atitude semelhante, aproveitando os conceitos trabalhados
durante o estudo do imposto de importação, como o de território aduaneiro e o de
mercadoria. Assim, reduzir-se-á o número de linhas ao detalharmos os critérios da
hipótese e do conseqüente da regra-matriz de incidência em relação ao imposto de
exportação.
6.2.1 Critério material
A competência outorgada à União (instituir imposto sobre a exportação para
o exterior, de produtos nacionais ou nacionalizados) pelo inciso II do art. 153 da
Constituição de 1988 nos leva preliminarmente a afirmar que a exportação de
produtos nacionais ou nacionalizados para o exterior constitui o critério material da
hipótese de incidência do imposto de exportação.
O constituinte utilizou-se da terminologia do digo Tributário Nacional (art.
23) e da Lei do Imposto de Exportação (art. 1
o
): “exportação, para o estrangeiro, de
produtos nacionais ou nacionalizados”. O Regulamento Aduaneiro (art. 212) apenas
substitui o termo ‘produto’ por ‘mercadoria’, na acepção explorada no subitem
6.1.1.2.1 deste estudo.
A exemplo do que se fez em relação ao imposto de importação, buscar-se-á a
seguir analisar cada um dos termos que compõem o critério material.
6.2.1.1 Verbo
O verbo do critério material é inegavelmente exportar, do latim exportare
(levar para fora). MIGUEL HILÚ NETO destaca que a inclusão da expressão para o
exteriorao verbo exportar busca, diante da autonomia das unidades da federação
brasileira, e das conseqüências jurídicas (inclusive tributárias) das remessas de
produtos de uma a outra, esclarecer que só incide o imposto de exportação na saída
de mercadoria para o exterior
371
.
No âmbito aduaneiro, exportar significa levar para fora do território aduaneiro.
Novamente, o critério material tem íntima conexão com o espacial. O vocábulo
‘exportação’ pressupõe não apenas uma saída, mas uma saída do território
aduaneiro.
Nesse sentido a definição de exportação do Glossário de Termos Aduaneiros
Internacionais da Organização Mundial das Aduanas (ação de retirar ou promover a
371
Imposto sobre..., op. cit., p. 67.
121
retirada de qualquer mercadoria do território aduaneiro
372
) e do Glossário de Termos
Aduaneiros e de Comércio Exterior da ALADI (saída de qualquer mercadoria de
território aduaneiro
373
). O Código Aduaneiro Argentino, em seu art. 9
o
, 2, segue a
mesma linha, ao definir exportação como la extracción de cualquier mercadería de
un territorio aduanero”.
6.2.1.2 Complemento
É preciso destacar inicialmente que tomaremos o termo ‘mercadoria’,
internacionalmente consagrado em Direito Aduaneiro (cf. subitem 6.1.1.2.1 deste
estudo), ao invés do termo ‘produto’, como complemento do verbo exportar.
Em adição ao que afirmamos no referido subitem, transcrevemos excerto
da mais completa obra argentina sobre Direito Aduaneiro, que resume nossas
motivações:
Etimológicamente, la palabra mercadería está vinculada a
“mercado” y a “mercader”: es el objeto de las transacciones de los
mercaderes en el mercado, con lo que aquéllos mercan en éste. Ese
es el significado con que se emplea la expresión en el derecho
comercial, al que influye de tal manera que, inclusive, la mayor parte
de los tratadistas españoles lo denominan “derecho mercantil”.
Sin embargo, en el derecho aduanero se emplea desde antiguo la
palabra “mercadería” con una acepción más amplia, porque
comprende no sólo a los objetos que se importan o exportan como
consecuencia de un acto de comercio sino también a aquellos que se
importan o exportan por cualquier otro motivo, como, por ejemplo, el
equipaje de los viajeros, los envíos diplomáticos, etc.
Todo el derecho aduanero existe porque existen mercaderías” que
se importan y exportan, de modo que resulta fundamental evitar
problemas semánticos sobre este tema. (grifos nossos)
374
Observe-se, por fim, que a hipótese de incidência restringe-se a mercadorias
nacionais ou nacionalizadas (estrangeiras importadas a título definitivo, cf. art.
212, § 1
o
do Regulamento Aduaneiro). incide o tributo sobre mercadoria nacional
372
Tradução livre da versão em francês (“exportation - action de sortir ou de faire sortir du territoire
douanier une marchandise quelconque”), equivalente à versão em inglês, o outro idioma oficial da
OMA (“exportation - the act of taking out or causing to be taken out any goods from the Customs
territory”).
373
Disponível em: <http://www.aladi.org/nsfaladi/glosario.nsf>. Acesso em: 23 jan. 2008.
374
A argumentação é expendida para justificar a existência do art. 10 do Código Aduaneiro Argentino,
que define mercadoria como “todo objeto que for suscetível de ser importado ou exportado”. Os
autores apresentam ainda definições abrangentes de mercadoria nas legislações aduaneiras da
Alemanha, da Bélgica, do Chile, do Equador, dos Estados Unidos da América, do Paraguai e do Peru
(ALSINA, Mario A.; BARREIRA, Enrique C.; BASALDUA, Ricardo Xavier; COTTER MOINE, Juan
Patrício; ALBARRACIN, Hector G. Vidal. Código Aduanero..., op. cit., p. 61-63).
122
(de origem brasileira) ou nacionalizada (de origem estrangeira, mas importada a
título definitivo). Endosse-se que a saída de mercadoria estrangeira do território
aduaneiro brasileiro não constitui uma exportação stricto sensu, mas uma
reexportação.
6.2.2 Critério espacial
Repetindo a pergunta que fizemos por ocasião da análise do critério espacial
da hipótese de incidência do imposto de importação, indagamos: o ‘levar’ para fora’
da exportação se refere a que lugar? Exportar é levar para fora de onde?
Como vimos no item 6.2.1.1 deste estudo, consolidou-se no âmbito
internacional que exportação é a saída de mercadoria do território aduaneiro.
No Brasil, o Código Tributário Nacional (art. 23) e a Lei do Imposto de
Exportação (art. 1
o
) estabelecem que o fato gerador do imposto de exportação é a
saída do produto do território nacional. No entanto, o Regulamento Aduaneiro,
em seu art. 213, dispõe que o fato gerador do imposto de exportação é “a saída da
mercadoria do território aduaneiro”.
Trasladadas para cá as considerações por nós efetuadas em relação à noção
de território aduaneiro (item 6.1.2.1 deste estudo), concluímos que o Regulamento
Aduaneiro somente amoldou as expressões da lei ao significado internacionalmente
atribuído (inclusive em tratados internacionais incorporados a nosso ordenamento
jurídico, como a Convenção Internacional sobre o Sistema Harmonizado de
Designação e de Codificação de Mercadorias e o Acordo de Recife) para
‘mercadoria’ e ‘território aduaneiro’.
Cabe ainda observar que, a exemplo do que dispusemos na importação, a
saída de mercadorias (exceto gás e energia elétrica) do território aduaneiro somente
poderá ocorrer por zona primária (cf. art. 8
o
do Regulamento Aduaneiro, que
disciplina o disposto no art. 34 da Lei Aduaneira).
Veja-se, contudo, que se a mercadoria ingressada em zona primária e
desembaraçada para exportação não sair efetivamente do território aduaneiro, a
quantia paga a título de imposto de exportação será restituída (cf. art. 6
o
da Lei do
Imposto de Exportação). Tal dispositivo nos leva a afirmar que não é
necessariamente a zona primária o critério espacial da hipótese de incidência do
imposto de exportação, mas o território aduaneiro.
123
Ao tratar do imposto de importação, nos referimos a uma hipótese de
incidência para mercadoria presumidamente ingressada no território aduaneiro. Na
exportação, o legislador não se utilizou de presunção relativa, mas de uma ficção
legal, permitindo que a mercadoria seja considerada exportada mesmo na hipótese
em que se sabe que não saiu nem sairá do território aduaneiro.
6.2.2.1 Exportação sem saída
É preciso, de início, esclarecer que não estamos aqui nos referindo à
utilização do regime aduaneiro especial de depósito alfandegado certificado ou à
exportação por intermédio de Empresas Comerciais Exportadoras (trading
companies), hipóteses em que, apesar de a exportação produzir efeitos antes da
saída da mercadoria do território aduaneiro, impõe-se a comprovação da efetiva
saída.
Tratamos dos casos em que a mercadoria é considerada exportada sem que
se necessite comprovar sua saída do território aduaneiro. A ficção legal, introduzida
pela Lei n
o
9.826, de 23/8/1999 (art. 6
o
), posteriormente alterada pela Lei n
o
10.637,
de 30/12/2002 (art. 50), e que teve seu conteúdo alargado pela Lei n
o
10.833, de
29/12/2003 (art. 61), constitui um incentivo às empresas exportadoras, permitindo
que estas se usufruam dos benefícios concedidos à exportação em operações de
venda de mercadorias que não sairão do território nacional, em determinadas
situações
375
.
Veja-se, v.g., uma venda de um pneu de origem brasileira a empresa alemã
que está fabricando veículos a serem exportados para o Brasil. Ao invés de exportar-
se efetivamente o pneu para a Alemanha, e depois importar-se o veículo, exporta-se
o pneu (sem saída, utilizando-se da ficção legal), importando-se o veículo para
posterior montagem do pneu no País. Veja-se que o pneu nacional passa a fazer
375
Resumidamente, nos casos de exportação de produto que seja: a) totalmente incorporado a bem
que se encontre no País, de propriedade do comprador estrangeiro; b) entregue a órgão da
administração direta, autárquica ou fundacional da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos
Municípios, em cumprimento de contrato decorrente de licitação internacional; c) entregue, em
consignação, a empresa nacional autorizada a operar o regime de loja franca; d) entregue, no País,
a subsidiária ou coligada, para distribuição sob a forma de brinde a fornecedores e clientes; e)
entregue a terceiro, no País, em substituição de produto anteriormente exportado e que tenha se
mostrado, após o despacho aduaneiro de importação, defeituoso ou imprestável para o fim a que se
destinava; f) entregue, no País, a missão diplomática, repartição consular de caráter permanente ou
organismo internacional de que o Brasil seja membro, ou a seu integrante, estrangeiro; g) entregue,
no País, para ser incorporado a plataforma destinada à pesquisa e lavra de jazidas de petróleo e gás
natural em construção ou conversão contratada por empresa sediada no exterior, ou a seus
módulos; e h) utilizado exclusivamente em atividades de pesquisa ou lavra de jazidas de petróleo e
gás natural, quando vendido a empresa sediada no exterior.
124
parte de um veículo nacionalizado, sem o custo logístico de sua saída para o exterior
e de seu retorno. É nítido o caráter regulatório e indutor da medida, reduzindo os
custos logísticos relativos à exportação e à importação.
No caso do pneu, não há imposto de exportação envolvido, tendo em vista ser
a alíquota de 0%. Contudo, caso a mercadoria exportada sem saída fizesse parte do
reduzidíssimo grupo de produtos tributados na exportação, seria devido o imposto
de exportação na data do registro da exportação, efetuado em qualquer computador
conectado ao Siscomex.
Entendemos que também nesse caso o território aduaneiro se apresenta
como o critério espacial da hipótese de incidência, visto que a mercadoria é, por
ficção legal, considerada exportada (levada para fora) para todos os efeitos fiscais e
cambiais.
6.2.2.2 Relação com o critério temporal
O critério espacial por nós adotado (território aduaneiro) não apresenta
incompatibilidade com o critério temporal, quer seja ele a data de saída da
mercadoria (admissível se reconhecida a possibilidade de incidência do imposto de
exportação nos casos em que se comprove exportação clandestina) ou a data do
registro da exportação, no Siscomex (critério temporal que analisaremos a seguir).
6.2.3 Critério temporal
Assim como havia uma dificuldade de delimitação do exato momento em que
ocorria a entrada da mercadoria no território aduaneiro, tendo o legislador
estabelecido que, no caso de despacho para consumo, tal marco temporal seria o
registro da declaração de importação, também na exportação se teve que precisar
um momento para objetivamente calcular o imposto eventualmente devido. A Lei do
Imposto de Exportação, em seu art. 1
o
, § 1
o
, dispõe que se considera ocorrido o fato
gerador do imposto no momento da expedição da Guia de Exportação ou
documento equivalente.
Como explica HUGO DE BRITO MACHADO, “a expedição da guia de
exportação não é o fato gerador do tributo”, mas “o momento em que se considera,
para fins de cobrança do imposto, exteriorizado o fato exportação”
376
. No mesmo
376
Curso de Direito..., op. cit., p. 269. Angela Maria da Motta Pacheco traz outro entendimento para
a questão, sustentando que o critério temporal da hipótese de incidência do imposto de exportação é
a data da efetiva saída da mercadoria do território brasileiro, tendo a Lei do Imposto de Exportação
estabelecido apenas um caso de antecipação de ocorrência do fato gerador, o que se poderia
125
sentido, LIZIANE ANGELOTTI MEIRA
377
.
Tendo a Guia de Exportação sido substituída pelo registro de exportação
(RE), no Siscomex (cf. Decreto n
o
660, de 25/9/1992, art. 6
o
, § 1
o
), o Regulamento
Aduaneiro, em seu art. 213, parágrafo único, cuidou apenas de atualizar o texto da
lei, assemelhando-o ao do art. 73 (que dispõe sobre o imposto de importação): “para
efeito de cálculo do imposto, considera-se ocorrido o fato gerador na data do
registro de exportação no Sistema [...] Siscomex” (grifo nosso).
Apesar do conceito detalhado no art. 523 do Regulamento Aduaneiro,
entendemos que o registro de exportação pode ser sinteticamente definido como a
autorização para exportar. A obtenção de um número de RE junto ao órgão
competente (hoje a Secretaria de Comércio Exterior, do Ministério do
Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior) significa que está autorizada a
exportação da mercadoria, e que pode ser registrada a declaração de exportação
no Siscomex
378
, dando início ao despacho aduaneiro de exportação.
Diferenciando-se da postura adotada em relação ao imposto de importação,
optou o legislador, assim, na exportação, por delimitar um critério temporal da
hipótese de incidência em momento anterior ao início do despacho aduaneiro de
exportação: o registro de exportação, no Siscomex
379
.
Poderíamos indagar sobre o critério temporal para exportações realizadas
sem registro no sistema, ou com registro de exportação simplificado. Contudo, tanto
o registro de declaração de exportação simplificada fora do Siscomex (cf. Instrução
Normativa da Secretaria da Receita Federal do Brasil n
o
611, de 18/1/2006, art. 31, §
fundamentar no § 7
o
do art. 150 da Constituição Federal de 1988. (Extrafiscalidade e o Imposto..., op.
cit., p. 559). José Eduardo Soares de Melo considera inadmissível a antecipação do fato gerador
traduzida na simples emissão de documento relativo à exportação (Curso de Direito..., op. cit., p.
415). No mesmo sentido, Miguel Hilú Neto afirma que a incidência deveria ocorrer no momento da
transposição de fronteira, embora reconheça a dificuldade prática de tal medida (Imposto sobre...,
op. cit., p. 133).
377
Regimes aduaneiros..., op. cit., p. 137. A autora diverge de Hugo de Brito Machado apenas na
forma de encarar a natureza da medida legal. Enquanto o professor da Universidade Federal do
Ceará defende que a medida revela uma ficção legal, Liziane Angelotti Meira sustenta que se trata de
uma presunção absoluta.
378
Destaque-se que uma declaração de exportação pode ter vínculo com um ou mais registros de
exportação. Contudo, um registro de exportação não pode ser vinculado a mais de uma declaração
de exportação.
379
Faz-se necessário ainda estabelecer a distinção entre o registro de exportação (RE), o registro
de venda (RV) efetuado no Siscomex anteriormente ao RE (nos casos relacionados no Anexo ‘N’ da
Portaria da Secretaria de Comércio Exterior n
o
36, de 22/11/2007) e o registro de operações de
crédito (RC), também efetuado, em regra, antes do RE. O Supremo Tribunal Federal manifestou-
se no sentido de que é o RE, e não o RV que corresponde à antiga Guia de Exportação (Recurso
Especial n
o
223.796/PE, Primeira Turma, Rel. Min. Ellen Gracie, unânime, DJ de 14 dez. 2001).
126
1
o
) quanto a obtenção de registro simplificado de exportação (cf. Portaria da
Secretaria de Comércio Exterior n
o
36, de 22/11/2007, art. 164, parágrafo único) são
vedados para mercadorias sujeitas à incidência do imposto de exportação.
Poder-se-ia, por fim, questionar sobre a incidência no caso de decurso de
prazo de permanência em recinto alfandegado de mercadoria a exportar. Em
resposta, destacamos que, desde 2001, com a revogação do art. 17 do Decreto-lei
n
o
1.455, de 7/4/1976 pela Medida Provisória n
o
2.158-35, de 24/8/2001, não mais
existe hipótese de abandono por decurso de prazo de permanência em recinto
alfandegado na exportação.
6.2.4 Critério pessoal
Apesar de nem sempre ter sido um imposto federal, como destacado na
introdução desta seção (6.2), o imposto de exportação, hoje, é de competência da
União, que detém também a capacidade tributária, não havendo delegação da
função arrecadatória. Assim, afigura-se a União como sujeito ativo do critério
pessoal do conseqüente da regra-matriz de incidência do imposto.
Na sujeição passiva a Lei do Imposto de Exportação economiza palavras,
repetindo a fórmula imperfeita do imposto de importação, trazendo como contribuinte
o “exportador, assim considerado qualquer pessoa que promova a saída do produto
do território nacional” (art. 5
o
- grifo nosso), e silenciando sobre eventuais
responsáveis pelo imposto.
Como assevera ALIOMAR BALEEIRO,
exportador, em princípio, é pois quem despacha a mercadoria [...]
a seu destino no estrangeiro, ou mesmo a leva consigo [...].
geralmente, é o negociante que adquire produtos nacionais para
vendê-los às praças estrangeiras. Poderá ser o próprio produtor, uma
firma comissária [...]. A lei contemplará as várias situações, partindo
do fato econômico da expedição ou condução da mercadoria para
fora do país. (grifos nossos)
380
Perceba-se que não necessidade de que o ramo de atividade da pessoa
física ou jurídica seja relacionado à exportação, pois o simples fato de expedir a
mercadoria nacional ou nacionalizada ao exterior caracteriza a sujeição
passiva
381
.
380
Direito tributário..., op. cit., p. 142-143.
381
FARIA, Luiz Alberto Gurgel de. Tributos sobre o..., op. cit., p. 65. No mesmo sentido, Hugo de Brito
Machado (Curso de Direito..., op. cit., p. 271) e Miguel Hilú Neto (Imposto sobre..., op. cit., p. 162).
127
6.2.5 Critério quantitativo
Apesar de não existirem acordos internacionais versando sobre a base de
cálculo ou sobre as alíquotas do imposto de exportação, a questão do critério
quantitativo, em tal tributo, é também merecedora de atenção, pois, com a crescente
dificuldade de movimentação bancária de recursos ilicitamente obtidos, as
operações de exportação ainda são uma alternativa aos que buscam a lavagem de
dinheiro (mediante superfaturamento) ou a evasão de divisas (por meio de
subfaturamento).
Se o descuido na determinação das alíquotas do imposto traz efeitos
geralmente internos, a falta de controle sobre o preço das mercadorias exportadas
pode comprometer a credibilidade do país na ordem externa.
O legislador, provavelmente pelo insignificante percentual de mercadorias
tributadas na exportação (uma espécie de ‘prima pobre’ da importação, na qual o
sistema informatizado de controle ainda é em ‘ambiente DOS’ e o imposto é pago no
guichê do banco), não tratou do aspecto quantitativo (principalmente da base de
cálculo) com a minúcia reservada à importação.
6.2.5.1 Base de cálculo
A base de cálculo do imposto de exportação, segundo o art. 2
o
da Lei do
Imposto de Exportação, com a redação dada pela Medida Provisória n
o
2.158-35, de
24/8/2001, é o preço normal que o produto, ou seu similar, alcançaria, ao tempo da
exportação, em uma venda em condições de livre concorrência no mercado
internacional, observadas as normas expedidas pelo Poder Executivo (mais
especificamente a Câmara de Comércio Exterior - Camex).
No mesmo artigo (o único existente em lei sobre a base de cálculo do
imposto), toma-se ainda o preço à vista do produto, FOB
382
ou posto na fronteira,
como indicativo do preço normal, permite-se à Camex a fixação de critérios
específicos ou pauta de valor mínimo (no caso de preços de difícil apuração ou
suscetíveis de oscilações bruscas no mercado internacional), e estabelece-se como
piso do preço normal o custo de aquisição ou produção da mercadoria, acrescido
382
O INCOTERM (international commercial term) FOB (free on board), fórmula mais utilizada na
exportação brasileira, inclui no preço da mercadoria exportada as despesas e riscos até a colocação
da mercadoria a bordo do navio indicado pelo comprador, no porto de embarque (RATTI, Bruno.
Comércio internacional..., op. cit., p. 352).
128
dos impostos e contribuições incidentes e de margem de lucro de 15% sobre a
soma
383
.
Como na importação, o valor na moeda de transação deve ser convertido em
reais (R$), para pagamento do imposto de exportação. A taxa de câmbio a ser
utilizada na conversão, tendo em vista o disposto no art. 213 do Regulamento
Aduaneiro, que tem por base legal o § 1
o
do art. 1
o
da Lei do Imposto de Exportação,
é a vigente na data do registro de exportação, no Siscomex.
6.2.5.2 Alíquota
As considerações sobre as alíquotas do imposto de importação por s
efetuadas podem ser transpostas para o imposto de exportação no que se refere à
anterioridade e ao manejo pelo Poder Executivo (mais especificamente pela Camex),
bem como à utilização da Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM) para a
classificação das mercadorias.
Embora a Lei do Imposto de Exportação (art. 3
o
, com a redação dada pela Lei
n
o
9.716, de 26/11/1998) tenha estabelecido que a alíquota-base do imposto de
exportação é de 30% (facultado ao Poder Executivo reduzi-la a 0% ou majorá-la em
até 5 vezes, perfazendo 150%), a regra, hoje, para o imposto de exportação, é a
alíquota de 0% (cf. Circular do Banco Central do Brasil n
o
2.767, de 11/7/1997). O
imposto de exportação é exigido em alíquotas diferentes de 0% somente para as
seguintes mercadorias: a) cigarros classificados no código 2402.20.00 da NCM,
quando exportados para a América do Sul e para a América Central, inclusive
Caribe
384
; b) armas e munições, suas partes e acessórios, quando exportados para
a América do Sul, exceto Argentina, Chile e Equador, e para a América Central,
inclusive Caribe
385
; c) couros e peles curtidos de bovinos
386
; e d) couros e peles
em bruto de bovinos, ovinos e outros couros e peles em bruto
387
.
O universo de mercadorias para as quais se recolhe o imposto de exportação
fala por si, revelando o caráter regulatório e inequivocamente indutor (nos casos
383
Miguel Hilú Neto sustenta a possibilidade de aplicação analógica das regras de valoração
aduaneira para a exportação, inclusive com prevalência sobre o método do custo mais lucro (Imposto
sobre..., op. cit., p. 226-228).
384
Tributados à alíquota de 150%, cf. Decreto n
o
2.876, de 14/12/1998.
385
Também tributados à alíquota máxima de 150%, cf. Resolução Camex n
o
17, de 6/6/2001.
386
Se classificados nas posições 4104.11 e 4104.19 da NCM, tributados à alíquota de 9%, cf.
Resolução Camex n
o
42, de 19/12/2006.
387
Se classificados nas posições 4101 (bovinos), 4102 (ovinos) ou 4103 (outros), tributados à
alíquota de 9%, cf. Circular do Banco Central do Brasil n
o
2.767, de 11/7/1997.
129
referidos nas letras ‘c’ e ‘d’, em que se desincentiva a exportação de couro em bruto
e curtido, para que a industrialização de tais materiais se no país) ou
contestavelmente
388
indutor (nas situações referidas nas letras ‘ae ‘b’, em que se
dificulta no maior grau permitido pela lei a exportação de mercadorias que tendem a
retornar ilegalmente ao país) de tal tributo aduaneiro.
388
Pois se pode argumentar que tamanha alíquota, em verdade, é proibitiva, ocasionando uma
regulação por direção, e não por indução. Como a possibilidade de tais produtos serem
exportados, e de que o exportador se disponha a desembolsar (repassando para o preço da
mercadoria) o valor do imposto, temos que a alíquota revela caráter indutor. Ademais, pode-se
sustentar que a norma de indução se torna uma norma de direção apenas no momento em que
não reste alternativa ao exportador.
7 DIREITO TRIBUTÁRIO ADUANEIRO
Depois de analisarmos os tributos aduaneiros (inseridos no contexto do
Direito Aduaneiro Tributário), passamos a estudar o outro conteúdo encontrado na
área de intersecção entre o Direito Tributário e o Direito Aduaneiro: os tributos
niveladores, vinculados a operações de comércio exterior, e os tributos devidos
em função de operação interna necessária à importação.
Os tributos niveladores, como analisamos na subseção 5.4.3 deste estudo,
têm por função estabelecer um tratamento tributário isonômico entre as mercadorias
nacionais e estrangeiras, tendo em vista o conteúdo da ‘Cláusula do Tratamento
Nacional’ (Artigo III do GATT), que impede que os tributos internos estabeleçam
diferenciação entre mercadorias nacionais e estrangeiras, em prejuízo destas, e os
ditames constitucionais que regem a ordem econômica, que, a seu turno, evitam que
se estabeleça um protecionismo às avessas (tratamento distintivo em favor das
mercadorias estrangeiras).
VERA THORSTENSEN, ao se referir à chamada ‘Cláusula do Tratamento
Nacional’, afirma que tal comando, conhecido como Regra de Não Discriminação
entre Produtos’, é responsável justamente por impedir a distinção de tratamento
tributário entre as mercadorias nacionais e estrangeiras
389
. HAMILTON DIAS DE
SOUZA, analisando o GATT, externa que de nada adiantariam os acordos
comerciais sem a chamada ‘Cláusula do Tratamento Nacional’, pois facilmente
poder-se-ia burlar o acordo por meio de tributos internos que incidiriam sobre os
produtos estrangeiros
390
.
Assim, os tributos niveladores são tributos internos aplicados na
importação definitiva de mercadorias estrangeiras, em montante idêntico ao
que seria exigido na operação, no País, que constitui a hipótese de incidência
de tais tributos internos, caso a mercadoria fosse de origem nacional.
Afeta-se, assim, a hipótese de incidência do tributo interno, que é trasladada
para momento definido no despacho aduaneiro de importação definitiva (em regra, o
registro da declaração de importação ou o desembaraço aduaneiro). Contudo, deve
ser mantido intacto o critério quantitativo do conseqüente, para que não se viole a
389
OMC - Organização Mundial do Comércio: as regras do comércio internacional e a nova
rodada de negociações multilaterais. 2. ed. São Paulo: Aduaneiras, 2001, p. 33.
390
Estrutura do..., op. cit., p. 100.
131
própria função niveladora do tributo: a base de cálculo e a alíquota dos tributos
niveladores devem ser as mesmas aplicáveis ao tributo interno de mesma
denominação. Por isso, temos, no Brasil, v.g., uma tabela única para as alíquotas do
imposto sobre produtos industrializados (IPI) incidente sobre produtos nacionais (IPI
interno) e estrangeiros importados (IPI vinculado, ou nivelador).
Para HERNÁN NARBONA VÉLIZ, os tributos niveladores (por ele
denominados de ‘extra-arancelarios’) são
impuestos internos que se aplican a las transacciones comerciales
de un determinado país; que gravan por igual las mercancías
nacionales, nacionalizadas o extranjeras; y que resultan exigibles
a estas últimas en ocasión de su despacho a plaza, actuando
legalmente, a efectos de su aplicación, la Aduana ante la cual se
tramita la Declaración de Mercancías correspondiente. (grifos
nossos)
391
Os tributos niveladores, no Brasil, são inseridos na própria legislação
referente ao tributo interno que necessita ser nivelado, na importação o caso do
IPI, do ICMS e da Cide-combustíveis), ou tratados em leis específicas, distintas das
que regem o tributo interno (como a Contribuição para o PIS/Pasep-Importação e
a Cofins-Importação).
Há ainda outros tributos incidentes na importação, como o Adicional ao Frete
para Renovação da Marinha Mercante (AFRMM), a Taxa de utilização do
‘Siscomex’ e a Taxa de utilização do Mercante’. Tais tributos, embora sejam
relacionados a uma operação de importação, o são devidos em função do
despacho aduaneiro de importação (ou de uma de suas etapas), mas da descarga
em portos brasileiros (AFRMM) ou da utilização de sistema informatizado (Siscomex
ou Mercante). Apesar de serem devidos na importação
392
, tais tributos não são
devidos pela importação, mas pela realização de operação interna necessária à
importação.
Nas importações por via marítima, v.g., o recolhimento do AFRMM, devido
pela descarga no porto brasileiro, é condição para o desembaraço aduaneiro da
mercadoria (cf. art. 12 da Lei n
o
10.893, de 13/7/2004, com a redação dada pela Lei
n
o
11.434, de 28/12/2006). Caso a declaração de importação utilize o modelo
391
Aduanas: fundamentos, câmbios y tendencias. Valparaiso (Chile): Centro de Negocios
Internacionales Editores, 2001, p. 207. O Despacho a plaza de mercanciaou mercaderíaequivale
ao nosso despacho de importação definitiva, ou despacho para consumo.
392
Entendemos, assim, acertado o título dado ao Livro III do Regulamento Aduaneiro de 2002: ‘dos
demais impostos, taxas e contribuições devidos na importação’.
132
completo (DI), será ainda necessário seu registro no Sistema Integrado de Comércio
Exterior (Siscomex), sendo devida a correspondente taxa pela utilização do sistema.
Daí a denominação por nós adotada de tributos devidos em função de operação
interna necessária à importação.
Analisaremos, a seguir, tanto os tributos niveladores, vinculados a
operações de comércio exterior, quanto aqueles tributos aos quais nos referimos
como devidos em função de operação interna necessária à importação, à luz da
regra-matriz de incidência tributária.
7.1 Imposto sobre produtos industrializados
Como registra ALCIDES JORGE COSTA, o imposto de consumo (que
passou, para adequar-se ao art. 11 da Emenda Constitucional n
o
18, de 1/12/1965, a
ser chamado de imposto sobre produtos industrializados, cf. art. 1
o
do Decreto-lei n
o
34, de 18/11/1966) é um tributo muito antigo, cobrado de acordo com a classificação
dos produtos em tabelas específicas
393
.
Em complemento às disposições constitucionais (essencialmente contidas no
art. 153 da Constituição Federal de 1988), a Lei n
o
4.502, de 30/11/1964 (que
designaremos como Lei do IPI), e o Código Tributário Nacional (arts. 46 a 51)
disciplinam legalmente a incidência do imposto. O Decreto n
o
4.544, de 26/12/2002
(Regulamento do IPI) regulamenta a tributação, fiscalização, arrecadação e
administração do imposto.
É preciso advertir, entretanto, que no âmbito do presente estudo demanda-se
análise tão-somente do IPI nivelador, vinculado às operações de comércio exterior,
mais precisamente à importação
394
. Tal temática, além de estar presente nos citados
diplomas legais e regulamentares, consta do Título I do Livro III (arts. 237 a 248) do
Regulamento Aduaneiro.
Analisaremos, assim, à luz da regra-matriz de incidência tributária, os critérios
referentes à hipótese de incidência e ao conseqüente, em relação ao IPI nivelador
(comumente alcunhado de ‘IPI vinculado’ ou ‘IPI/Importação
395
), que, nos dizeres de
393
História da tributação..., op. cit., p. 100-101.
394
Pois, cf. o art. 153, § 3
o
, II da Constituição Federal de 1988, o IPI não incide nas exportações.
395
Denominação utilizada por Liziane Angelotti Meira (Regimes aduaneiros..., op. cit., p. 131).
133
LUIZ ALBERTO GURGEL DE FARIA, tem a função de “promover a equalização dos
custos dos bens importados em relação aos de fabricação nacional”
396
.
7.1.1 Hipótese de Incidência
A Constituição Federal de 1988 permite à União instituir imposto sobre
produtos industrializados (art. 153, IV). A Lei do IPI (art. 2
o
, I) e o Código Tributário
Nacional (art. 46, I) unissonamente afirmam que no caso de produtos de
procedência estrangeira, o fato gerador do imposto é o desembaraço aduaneiro.
Analisando tais dispositivos, e ponderando as afirmações do legislador, temos
de plano os critérios material (importar produtos industrializados de
procedência estrangeira) e temporal (desembaraço aduaneiro) da hipótese de
incidência do IPI nivelador.
Contudo, registre-se que, ao analisar o IPI em minucioso estudo, JOSÉ
ROBERTO VIEIRA destacou que a incidência do imposto, nas importações,
invalidaria a materialidade da hipótese de incidência do imposto de importação, e
que o legislador federal, ao instituir o IPI nas importações,
Criou um verdadeiro sobre-imposto de importação, como classifica
ANTÔNIO MAURÍCIO DA CRUZ, ou um autêntico adicional do
Imposto de Importação, como assevera PAULO DE BARROS
CARVALHO. Assinalamos que tentou fazer o legislador, porque não
mais devemos enxergar tal incidência como de IPI, mas como de
Imposto de Importação adicional [...]. Contudo, resta ainda diminuta
área de incidência do IPI sobre produtos industrializados
oriundos do estrangeiro: a reimportação. (grifos e itálico no
original)
397
JOSÉ EDUARDO SOARES DE MELO, em sentido contrário, entende que não
se pode “compreender que o IPI (importação) configuraria um adicional do imposto
de importação, haja vista que as materialidades tributárias são nitidamente diversas”,
e que “não teria sentido o constituinte apartar as previsões de incidências
tributárias”
398
.
396
Tributos sobre o..., op. cit., p. 66.
397
A regra-matriz de incidência do IPI: texto e contexto. Curitiba: Juruá, 1993, p. 98-99. As
citações dos juristas são referentes, respectivamente, às obras “O IPI - Limites constitucionais” (São
Paulo: RT, 1983, p. 74) e Imposto sobre Produtos Industrializados” (In: Curso de Direito empresarial.
v. II. São Paulo: Resenha Tributária e EDUC, 1976, p. 156). Na mesma linha, FOLLONI, André Parmo
(Tributação sobre..., op. cit., p. 129).
398
A importação..., op. cit., p. 77-78. Contudo, o autor condena a incidência de IPI nas importações,
afirmando que “o constituinte jamais pretendeu alargar o campo de incidência do IPI - e os seus
contribuintes - para abranger produtos industrializados no exterior” (obra citada, p. 77).
134
ROBERTO CAPARROZ DE ALMEIDA afirma que “se considerarmos o IPI
como adicional ao Imposto de Importação, a situação torna-se muito mais gravosa
para o contribuinte, porque [...] não mecanismo de compensação para esse
tributo, que, então, incidiria cumulativamente”
399
.
De fato, em uma importação tributada com o IPI nivelador (encarado como
adicional do imposto de importação) não se poderia, na etapa seguinte (v.g., venda
no mercado interno), deduzir do IPI interno a recolher o montante pago a título de
‘adicional’. É de se destacar ainda que encampada a linha de que o IPI nivelador é
um adicional do imposto de importação, haveria mudança na repartição tributária dos
montantes arrecadados.
Temos que embora haja semelhança entre o critério material da hipótese de
incidência do imposto de importação e o do IPI nivelador, estamos diante de tributos
diversos, com objetivos opostos (enquanto o imposto de importação tem por objeto
estabelecer distinções entre o produto nacional e o estrangeiro, o IPI nivelador
é criado justamente para igualar, ou, na terminologia que estamos seguindo, nivelar
o tratamento tributário para tais produtos) e sujeitos a normas diferenciadas (o
imposto de importação, v.g., não deve observância ao grau de essencialidade do
produto - seletividade -, mas aos princípios constitucionais relativos à ordem
econômica, como a livre concorrência
400
).
Como expõe PAULO DE BARROS CARVALHO:
O Imposto sobre Produtos Industrializados proporciona curiosas
conclusões [...]. É que deparamos, não com uma, mas com duas
regras-matrizes ou duas faixas autônomas de incidência. Uma
atinge o fato da própria industrialização, enquanto a outra percute
sobre a importação de produtos industrializados. Havia ainda
uma terceira que onerava as arrematações, em leilões, de produtos
industrializados, mas que se acha revogada. [...]
No que tange ao IPI na importação de produtos industrializados, a
regra-matriz ficaria assim composta: hipótese: a) critério material -
importar produto industrializado do exterior (o verbo é importar e o
complemento é produto industrializado do exterior); b) critério
espacial - repartições alfandegárias do país; c) critério temporal -
momento do desembaraço aduaneiro.
399
Do imposto sobre produtos industrializados vinculado às importações. In: TÔRRES, Heleno
Taveira (coord.). Comércio Internacional e Tributação. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 292.
400
Não podemos deixar de registrar que o IPI vinculado, além de dever observância à seletividade,
também é tributo regulatório garantidor da livre concorrência, justamente nivelando a tributação
nacional à estrangeira, para não favorecer o produto nacional em detrimento do estrangeiro, ou vice-
versa.
135
O binômio hipótese de incidência/base de cálculo indica tratar-se de
impostos diferentes, sob a mesma denominação - IPI. As
grandezas escolhidas para dimensionar a materialidade de ambos
os fatos são compatíveis, pelo que confirmam o critério material
enunciado na lei. Restaria, então, perguntar se o legislador da União
dispunha de competência constitucional para fazer o que fez. E a
resposta, acreditamos, deve ser afirmativa, porque o constituinte se
refere, no art. 153, IV, a instituir IPI, não adscrevendo o verbo a
ser agregado a este complemento, o que possibilitou ao
legislador ordinário fazê-lo (grifos nossos, itálico no original)
401
Endossamos integralmente tal entendimento, concluindo, sem inovar em
relação a nossas considerações iniciais, que o critério material da hipótese de
incidência do IPI nivelador é importar produtos industrializados de procedência
estrangeira. Cabe aqui somente destacar que, de forma diversa à adotada para o
imposto de importação, não é relevante a origem do produto importado. No que se
refere à polêmica expressão ‘produtos industrializados’, limitamo-nos, para não nos
desviarmos de nossa rota, a indicar os dispositivos legais
402
e regulamentares
403
que
estabelecem o que se entende por industrialização, e a apontar os estudos de JOSÉ
ROBERTO VIEIRA
404
e JOSÉ EDUARDO SOARES DE MELO
405
, que revelam a
subjetividade e, em determinados casos, a incoerência das definições dadas pela
legislação.
Em relação ao critério espacial da hipótese de incidência do IPI nivelador
(unidades aduaneiras), cabe informar que o desembaraço aduaneiro (critério
temporal) é efetuado no Siscomex ou mediante carimbo com assinatura (nas
declarações efetuadas fora de tal sistema). Por mais que a autoridade aduaneira
possa efetuar o desembaraço fora do local ou recinto alfandegado onde se encontra
depositado o produto, não se como plausível que tal ato seja levado a cabo fora
de unidade aduaneira
406
.
401
Curso de Direito..., op. cit., p. 351.
402
Art. 3
o
, parágrafo único da Lei do IPI, com as alterações efetuadas pelo Decreto-lei n
o
1.199, de
27/12/1971 e pela Lei n
o
9.493, de 10/9/1997; e parágrafo único do art. 46 do Código Tributário
Nacional.
403
Art. 4
o
do Regulamento do IPI.
404
A regra-matriz..., op. cit., p. 94-97.
405
A importação..., op. cit., p. 81-91.
406
Registre-se ainda a existência do chamado ‘desembaraço automático’, no caso de declaração de
importação selecionada para o canal verde de conferência aduaneira. Tal forma de liberação das
mercadorias, a exemplo do que ocorre em vários países desenvolvidos e em desenvolvimento, é
aplicada à maioria das declarações de importação registradas no Brasil. Dependendo da forma de
encarar tal ato, teríamos que mudar nosso critério material para o território aduaneiro (cf. MEIRA,
136
O critério temporal da hipótese de incidência do IPI nivelador é o momento
do desembaraço aduaneiro
407
. Vê-se que o legislador buscou fórmula
assemelhada à do critério temporal do IPI interno (saída do estabelecimento
produtor), pois o desembaraço aduaneiro é, em regra, ato imediatamente anterior à
saída da mercadoria do local ou recinto alfandegado. Embora haja diversas críticas à
eleição do critério temporal pelo legislador, beira à unanimidade a admissão de que
o desembaraço aduaneiro é efetivamente o critério temporal da hipótese de
incidência do IPI nivelador
408
.
Merece registro ainda a hipótese de desembaraço presumido criada pela
Lei n
o
10.833, de 29/12/2003, ao acrescentar um § 3
o
ao art. 2
o
da Lei do IPI,
dispondo que se considera desembaraçada a mercadoria que constar como tendo
sido importada e cujo extravio ou avaria venham a ser apurados pela autoridade
aduaneira. A nosso ver, trata-se de presunção relativa, nos moldes da estabelecida
para o imposto de importação (tratada no item 6.1.2.2. do presente estudo).
Liziane Angelotti. Regimes aduaneiros..., op. cit., p. 120 e 131, embora esta se refira ao Território
Nacional), considerando que este abarque o ambiente virtual do Siscomex (cf. FOLLONI, André
Parmo. Tributação sobre..., op. cit., p. 119-122, embora este se refira ao ambiente virtual apenas ao
tratar do imposto de importação). Estabeleceu-se, por meio do art. 19, § 2
o
, I da Instrução Normativa
da Secretaria da Receita Federal (IN SRF) n
o
69, de 10/12/1996, que as declarações de importação
que fossem selecionadas, de acordo com critérios previamente cadastrados no Siscomex, para o
canal verde de conferência aduaneira, seriam dispensadas de exame documental e verificação da
mercadoria, registrando o sistema seu ‘desembaraço automático’ (tal comando foi repetido nas
Instruções Normativas posteriores que disciplinaram a matéria: art. 20, I da IN SRF n
o
206, de
25/9/2002, e art. 21, I da IN SRF n
o
680, de 2/10/2006). O desembaraço automáticopode ser
encarado como: a) um efetivo desembaraço, efetuado pelo Secretário da Receita Federal do
Brasil, com ajuda dos mecanismos de automatização do Siscomex; b) um efetivo desembaraço,
efetuado pelo Siscomex, com dispensa de exame documental e verificação da mercadoria, por
determinação exarada em ato normativo da Secretaria da Receita Federal (essa é a posição oficial do
órgão); ou c) uma forma de liberação da mercadoria distinta do desembaraço, tendo em vista que
este atesta o final da conferência aduaneira (que, no caso de canal verde, sequer exisitiu).
407
Encare-se, assim, como antecipação de recolhimento o fato de tal tributo ser debitado em conta-
corrente no momento do registro da declaração de importação. O pagamento do IPI nivelador no
registro da declaração de importação não tem vínculo com o critério material da hipótese de
incidência. Tanto que se houver lançamento do imposto antes do desembaraço, o quantum lançado
será exigido sem acréscimos legais.
408
José Eduardo Soares de Melo defende a inconstitucionalidade do dispositivo legal que designa o
desembaraço aduaneiro como fato imponível do IPI, pela inexistência de realização de negócio
jurídico com o produto industrializado (A importação..., op. cit., p. 94-95). Roberto Caparroz de
Almeida, apesar de registrar como critério temporal o desembaraço aduaneiro, sustenta que a eleição
de tal critério pelo legislador teve ‘o mesquinho propósito de antecipar receitas’, sendo mais coerente
que o critério temporal do antecedente do IPI vinculado fosse a saída do estabelecimento importador-
revendedor ou a incorporação contábil ao ativo permanente (Do imposto..., op. cit., p. 302-303). José
Roberto Vieira, com a restrição de incidência somente aos produtos industrializados nacionais (A
regra-matriz..., op. cit., p. 103); Liziane Angelotti Meira, entendendo que o desembaraço aduaneiro é
o momento em que a lei presume como realizado ocorrido o fato jurídico tributário do imposto
(Regimes aduaneiros..., op. cit., p. 131); e André Parmo Folloni (Tributação sobre..., op. cit., p. 130)
admitem o momento do desembaraço aduaneiro como critério temporal da hipótese de incidência do
IPI vinculado.
137
Contudo, no presente caso a presunção não abarca a mercadoria faltante
(extraviada), mas também a avariada.
7.1.2 Conseqüente
No pólo ativo da relação tributária referente ao IPI nivelador figura a União,
que detém a competência (cf. art. 153, IV da Constituição Federal de 1988) e a
capacidade tributária.
No que tange à sujeição passiva, pouco destoam as obras dedicadas ao
tema da afirmação de que é o importador o contribuinte do imposto (o que, diga-se,
consta expressamente do art. 35, I, ‘b’ da Lei do IPI e do art. 51, I do Código
Tributário Nacional)
409
. Assim, não necessidade de que o ramo de atividade da
pessoa física ou jurídica que realizou a importação seja relacionado à importação ou
à industrialização, pois o simples fato de importar o produto industrializado de
procedência estrangeira já caracteriza a sujeição passiva
410
.
Passando-se do critério pessoal ao critério quantitativo do conseqüente do IPI
nivelador, temos que a base de cálculo do imposto também está objetivamente
estabelecida na lei (art. 14, I, ‘b’ da Lei do IPI e art. 47, I do Código Tributário
Nacional), como o valor aduaneiro
411
do produto, acrescido do imposto de
importação e dos encargos cambiais efetivamente pagos pelo importador ou dele
exigíveis
412
.
No caso de desembaraço presumido para produto avariado, destaque-se
que a base de cálculo deverá ser reduzida de acordo com o percentual de avaria
no produto, cf. o art. 237, § 2
o
do Regulamento Aduaneiro.
Em tratamento semelhante ao concedido ao imposto de importação, a
Constituição Federal de 1988 (art. 153, § 1
o
) permite ao Poder Executivo o manejo
das alíquotas do IPI nivelador, obedecidos os limites e as condições estabelecidos
em lei. Encontram-se tais limites e condições no art. 4
o
do Decreto-lei n
o
1.199, de
409
Nessa linha, Liziane Angelotti Meira (Regimes aduaneiros..., op. cit., p. 131), André Parmo Folloni
(Tributação sobre..., op. cit., p. 131), Roberto Caparroz de Almeida (Do imposto..., op. cit., p. 280).
Em sentido contrário, José Eduardo Soares de Melo afirma que o contribuinte do imposto só pode ser
a pessoa que pratica atos de industrialização (A importação..., op. cit., p. 76).
410
FARIA, Luiz Alberto Gurgel de. Tributos sobre o..., op. cit., p. 67.
411
Sobre valor aduaneiro, veja-se o subitem 6.1.5.1.1 deste estudo.
412
Destaque-se que não há, hoje, encargos cambiais a serem pagos na importação, cf. o art. 6
o
do
Decreto-lei n
o
2.434, de 19/5/1988, c/c o art. 1
o
, XIII da Lei n
o
8.032, de 12/4/1990. José Eduardo
Soares de Melo sustenta ainda a exclusão do imposto de importação da base de cálculo do IPI
nivelador (A importação..., op. cit., p. 92).
138
27/12/1971, que permite ao Poder Executivo reduzir as alíquotas estabelecidas em
lei até zero pontos percentuais ou elevá-las em até trinta pontos percentuais,
para atingir os objetivos da política econômica governamental ou corrigir distorções,
mantida a seletividade em função da essencialidade do produto.
A Lei do IPI estabelecia, em seu Anexo, a lista de produtos tributados, com as
respectivas alíquotas. Como as tabelas de incidência do IPI (a exemplo das
referentes ao imposto de importação) adotavam a nomenclatura e a codificação
internacionalmente estabelecidas para classificação de mercadorias
413
, em 1971, o
Decreto-lei n
o
1.154, de 1
o
/3, unificou a nomenclatura a ser utilizada em ambas as
tabelas. Como a nomenclatura tem por objeto toda e qualquer mercadoria existente
no universo, as tabelas de incidência do IPI passaram a incluir produtos não
industrializados (identificados com a sigla ‘NT’, significando não-tributado)
414
.
Hoje, a tabela de incidência do IPI (TIPI) é a aprovada pelo Decreto n
o
6.006, de 28/12/2006 (já alterado pelos Decretos n
o
6.024, de 22/1/2007; n
o
6.072,
de 3/4/2007; e n
o
6.184, de 13/8//2007), que tem por base a Nomenclatura Comum
do Mercosul (NCM).
Importante mencionar ainda que a alíquota do IPI (em regra, ad valorem
415
) é
estabelecida no mesmo nível para operações internas e de importação. Cumpre-se
assim a função niveladora.
Nosso Supremo Tribunal Federal se manifestou no sentido de que, em
função do GATT, o tratamento tributário referente ao IPI interno deve ser o mesmo
concedido ao IPI nivelador, para produto similar procedente do estrangeiro
416
.
413
Sobre classificação de mercadorias, veja-se o subitem 6.1.5.2.1 deste estudo.
414
Como registra Alcides Jorge Costa, muita gente começou, por equívoco, a tomar a citação na
tabela de incidência como um indicativo de que o produto era industrializado (História da tributação...,
op. cit., p. 101). Veja-se que o legislador teve que explicitar, no art. 6
o
da Lei n
o
10.451, de 10/5/2002,
que o campo de incidência do IPI “abrange todos os produtos com alíquota, ainda que zero,
relacionados na Tabela de Incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados (TIPI), [...]
excluídos aqueles a que corresponde a notação ‘NT’ (não-tributado)”.
415
As alíquotas específicas são, em geral, utilizadas para bens de menor grau de essencialidade,
como bebidas alcoólicas e cigarros.
416
Recurso Especial n
o
84.086/RJ, Primeira Turma, Rel. Min. Cunha Peixoto, unânime, DJ de 1 nov.
1976. Contudo, o mesmo tribunal não tem reconhecido o direito a crédito de IPI para produto
industrializado destinado ao ativo fixo, por entender tratar-se de incentivo à indústria nacional,
somente favorecendo produtos nacionais (Recurso Especial n
o
92.978/SP, Primeira Turma, Rel.
Min. Soares Munoz, maioria, DJ de 31 out. 1980; Recurso Especial n
o
92.982/SP, Primeira Turma,
Rel. Min. Rafael Mayer, unânime, DJ de 31 out. 1980; e Agravo Regimental no Agravo de
Instrumento n
o
81.199/SP, Segunda Turma, Rel. Min. Cordeiro Guerra, unânime, DJ de 5 jun. 1981).
139
Adicione-se ainda que a Constituição Federal de 1988, em seu art. 150, § 1
o
,
com a redação dada pela Emenda Constitucional n
o
42, de 19/12/2003, dispensou
da exigência de anterioridade geral para majoração o IPI, exigindo, para tanto,
apenas o atendimento à anterioridade nonagesimal.
7.2 ICMS
ALIOMAR BALEEIRO registra as origens do ICMS no imposto sobre
vendas mercantis’, criado em 1923 a pedido de Associações Comerciais que
pretendiam um papel líquido e certo, com força cambial semelhante à das letras de
câmbio e das promissórias (tal papel acabou sendo a duplicata de fatura, ou
simplesmente duplicata), para facilitar o desconto nos bancos, dispondo-se, em
troca, a contribuir com um imposto federal de 0,3% nas vendas
417
. A Constituição de
1934 (art. 8
o
, I, ‘e’) ampliou a incidência para ‘vendas e consignações’ (IVC),
passando o imposto à competência estadual, o que foi mantido na Constituição de
1946 (art. 19, IV).
A Emenda Constitucional n
o
18, de 1
o
/12/1965, transformou o IVC em ICM
(imposto sobre operações relativas a circulação de mercadorias). Como ironiza
ALCIDES JORGE COSTA, os comerciantes mal sabiam que o imposto que
concordaram em criar nos idos da década de 20 chegaria, na era do ICM, a
alíquotas da ordem de 6,6% (para o Estado de São Paulo)
418
. Acrescente-se,
atualizando o comentário, que as alíquotas rompem, hoje, em alguns casos, a
barreira dos 20%.
A Constituição de 1988 (art. 155) alarga o universo de incidência do ICM,
criando o ICMS (imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e
sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de
comunicação), imposto que está, hoje, disciplinado na Lei Complementar n
o
87, de
13/9/1996 (conhecida como Lei Kandir
419
), que designaremos aqui como Lei do
ICMS. Como o imposto é de competência estadual/distrital, um Regulamento do
ICMS para cada Estado federado brasileiro e para o Distrito Federal. O Regulamento
Aduaneiro trouxe apenas uma referência ao ICMS, em seu art. 515.
417
Direito tributário..., op. cit., p. 218.
418
História da tributação..., op. cit., p. 98.
419
Por ter sido seu projeto de autoria do então deputado do PSDB/SP Antonio Kandir.
140
Repetiremos aqui muito do que dissemos em relação ao IPI, a começar pelo
fato de que é preciso advertir que no âmbito do presente estudo analisar-se-ão, à luz
da regra-matriz de incidência tributária, os critérios referentes à hipótese de
incidência e ao conseqüente apenas em relação ao ICMS nivelador, vinculado às
operações de comércio exterior, mais precisamente à importação
420
.
7.2.1 Hipótese de Incidência
A questão relativa à incidência do ICMS nas importações e sua abrangência
apresenta-se como uma ‘novela’ recheada de suspense e reviravoltas (traduza-se
para a linguagem do Direito: insegurança jurídica), onde duelam os poderes
Legislativo e Judiciário (e, dentro deste, os tribunais), sempre por provocação dos
juristas, em uma trama que não parece estar nos capítulos finais. Como assevera
SACHA CALMON NAVARRO COÊLHO, o ICMS, desde a Emenda Constitucional n
o
18, de 1965, quando ainda se chamava ICM, “vem se apresentando como um
imposto problemático, tomado de enfermidades descaracterizantes”
421
.
A Constituição Federal de 1988 atribuiu aos Estados e ao Distrito Federal a
competência para instituição do ICMS (art. 155, I, ‘b’
422
) e estabeleceu originalmente
que o imposto incide sobre a entrada de mercadoria importada do exterior, ainda
quando se trate de bem destinado a consumo ou ativo fixo do estabelecimento
(redação original do art. 155, IX, ‘a’).
Analisando o texto da Constituição Federal e o Convênio n
o
66, de 1988
423
, do
Conselho de Política Fazendária (CONFAZ), o Superior Tribunal de Justiça sumulou,
em 1996, que “o ICMS incide na importação de aeronave, por pessoa física, para
420
Pois, cf. o art. 155, § 2
o
, X, ‘a’ da Constituição Federal de 1988, com a redação dada pela Emenda
Constitucional n
o
42, de 19/12/2003, o ICMS não incide nas exportações.
421
Comentários à Constituição de 1988: sistema tributário. 6. ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro:
Forense, 1997, p. 220-221.
422
Atual art. 155, II, com a redação dada pela Emenda Constitucional n
o
3, de 17/3/1993.
423
O Convênio disciplinou o imposto, com autorização constitucional (art. 34, § 8
o
do Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias), até a edição da Lei do ICMS, em 1996. No que se refere à
incidência do ICMS na importação, destaque-se o teor do parágrafo único do art. 1
o
(“o imposto incide
também sobre a entrada de mercadoria importada do exterior, ainda que se trate de bem destinado a
consumo ou a ativo fixo do estabelecimento”) e do inciso I do art. 2
o
(“ocorre o fato gerador do
imposto [...] no recebimento pelo importador de mercadoria ou bem, importados do exterior”) do
Convênio.
141
uso próprio”
424
, e, em 1997, que “na importação de veículo próprio por pessoa física,
destinado a uso próprio, incide ICMS”
425
.
Após o advento da Lei do ICMS, que, ao tratar da incidência do imposto na
importação, transcreveu o comando constitucional então vigente, a matéria recebeu
tratamento diverso, no Supremo Tribunal Federal (STF), que sumulou: “não incide
ICMS na importação de bens por pessoa física ou jurídica que não seja contribuinte
do imposto”
426
.
Citemos, preliminarmente à análise da hipótese de incidência do imposto,
excerto de ementa comum a dois precedentes da súmula do STF (Recursos
Extraordinários n
o
185.789/SP e n
o
203.075/DF):
1. A incidência do ICMS na importação de mercadoria tem como fato
gerador operação de natureza mercantil ou assemelhada, sendo
inexigível o imposto quando se tratar de bem importado por
pessoa física.
2. Princípio da não-cumulatividade do ICMS. [...]. Impossibilidade
de se compensar o que devido em cada operação com o
montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou
pelo Distrito Federal [...]. (grifos nossos)
424
A súmula, de n
o
155, deriva dos seguintes precedentes:Recurso Especial n
o
37.648/SP, Primeira
Turma, Rel. Min. Garcia Vieira, unânime, DJ de 11 out. 1993; Recurso Especial n
o
21.559/SP,
Segunda Turma, Rel. Min. José de Jesus Filho, unânime, DJ de 14 mar. 1994; Recurso Especial n
o
30.655/SP, Primeira Turma, Rel. Min. Milton Luiz Pereira, unânime, DJ de 10 out. 1994; Recurso
Especial n
o
53.569/SP, Primeira Turma, Rel. Min. Demócrito Reinaldo, unânime, DJ de 5 dez. 1994;
e Recurso Especial n
o
30.573/SP, Segunda Turma, Rel. Min. Helio Mosimann, unânime, DJ de 6
nov. 1995.
425
A súmula, de n
o
198, deriva dos seguintes precedentes: Recurso Especial n
o
74.007/SP, Primeira
Turma, Rel. Min. Demócrito Reinaldo, unânime, DJ de 18 dez. 1995; Recurso Especial n
o
96.069/SP, Primeira Turma, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, unânime, DJ de 16 set. 1996;
Recurso Especial n
o
104.434/DF, Primeira Turma, Rel. Min. José Delgado, unânime, DJ de 16 dez.
1996; Recurso Ordinário em Mandado de Segurança n
o
7.709/CE, Primeira Turma, Rel. Min. José
de Jesus Filho, unânime, DJ de 16 dez. 1996; Recurso Ordinário em Mandado de Segurança n
o
7.708/CE, Segunda Turma, Rel. Min. Adhemar Maciel, unânime, DJ de 3 mar. 1997; Recurso
Ordinário em Mandado de Segurança n
o
7.831/CE, Segunda Turma, Rel. Ari Parglender, unânime,
DJ de 31 mar. 1997; Recurso Ordinário em Mandado de Segurança n
o
7.970/CE, Primeira Turma,
Rel. Min. Milton Luiz Pereira, unânime, DJ de 22 abr. 1997; Recurso Ordinário em Mandado de
Segurança n
o
8.191/CE, Segunda Turma, Rel. Min. Helio Mosimann, unânime, DJ de 22 abr. 1997; e
Recurso Ordinário em Mandado de Segurança n
o
7.834/CE, Segunda Turma, Rel. Min. Peçanha
Martins, unânime, DJ de 5 mai.1997.
426
A súmula, de n
o
660, deriva dos seguintes precedentes: Recurso Extraordinário n
o
191.346/RS,
Segunda Turma, Rel. Min. Carlos Velloso, unânime, DJ de 20 nov. 1998; Recurso Extraordinário n
o
202.714/SP, Segunda Turma, Rel. Min. Carlos Velloso, unânime, DJ de 5 fev. 1999; Recurso
Extraordinário n
o
196.472/SP, Primeira Turma, Rel. Min. Sydney Sanches, unânime, DJ de 1 out.
1999; Recurso Extraordinário n
o
203.075/DF, Primeira Turma, Rel. Min. Ilmar Galvão, maioria, DJ
de 29 out. 1999; Recurso Extraordinário n
o
185.789/SP, Pleno, Rel. Min. Ilmar Galvão, maioria, DJ
de 19 mai. 2000; e Recurso Extraordinário n
o
266.921/SP, Primeira Turma, Rel. Min. Ilmar Galvão,
maioria, DJ de 24 nov. 2000.
142
O Ministro ILMAR GALVÃO, relator e vencido em ambos os precedentes,
expressou em voto entendimento de que
a importação está, por igual, sujeita ao ICMS, sob pena de estar-se
privilegiando as importações em detrimento do mercado interno,
onde o mesmo equipamento sofre a tributação, independentemente
da destinação que lhe for dada. [...] E a segunda, impossibilidade de
compensar o imposto pago, tenho-a por irrelevante, dado estar
presente em qualquer hipótese de bem destinado ao ativo fixo do
estabelecimento do comerciante ou industrial. (grifo nosso)
427
Cabe ainda relatar, sobre o tema, excerto do voto do Min. CARLOS
VELLOSO, sustentando não incidir o ICMS em importação efetuada por pessoa
física:
O contribuinte do ICMS é o vendedor, não obstante tratar-se de
um imposto que repercute e acaba sendo pago pelo comprador.
Todavia, esse é um fato econômico, que o Supremo Tribunal
Federal entende que não tem relevância na relação jurídica
contribuinte-fisco. Se o contribuinte é o vendedor, numa importação
não haveria pagamento de ICMS, pelo simples motivo de o
exportador estar no exterior. Foi preciso, portanto, que a Constituição
estabelecesse, expressamente, a incidência desse tributo, na
importação, e expressamente explicitou que o seu pagamento seria
feito pelo comprador, ou seja, pelo importador. Ao estabelecer a
incidência, no caso, o constituinte, entretanto, optou pelo
comerciante, ou pelo industrial, é dizer, por aquele que tem um
estabelecimento, certo que o particular, que não é comerciante ou
industrial, tem simplesmente domicílio ou residência. [...]
Sensibilizou-me o argumento [...] econômico no sentido de que a
operação, nesses termos, poderia esvaziar as importadoras que
comercializam o veículo. O argumento é, na verdade, relevante, que
deve, entretanto, ser visualizado pelo legislador. Vale dizer, essa é
uma questão de lege ferenda. (grifo nosso)
428
Em tal voto, parecia estar o Ministro convocando o Poder Legislativo a
disciplinar adequadamente a questão, solucionando por meio de lei o problema
econômico. A convocação foi atendida, tendo sido editada a Emenda Constitucional
n
o
33, de 11/12/2001, que alterou diversos dispositivos constitucionais referentes ao
ICMS, tendo acrescentado ao art. 155, § 2
o
, IX, ‘a’, que trata da incidência do
imposto, a hipótese de entrada de bem importado do exterior, por pessoa sica ou
427
Recurso Extraordinário n
o
185.789/SP, Pleno, Rel. Min. Ilmar Galvão, maioria, DJ de 19 mai.
2000. No Recurso Extraordinário n
o
203.075/DF (Primeira Turma, Rel. Min. Ilmar Galvão, maioria,
DJ de 29 out. 1999), Ilmar Galvão utiliza argumentação semelhante, sendo seguido pelo Min. Nelson
Jobim.
428
Recurso Extraordinário n
o
203.075/DF, Primeira Turma, Rel. Min. Ilmar Galvão, maioria, DJ de
29 out. 1999.
143
jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual do imposto, qualquer que seja
a sua finalidade, cabendo o imposto ao Estado onde estiver situado o domicílio ou
o estabelecimento do destinatário. As alterações derivadas da emenda foram
efetuadas na Lei do ICMS pela Lei Complementar n
o
114, de 16/12/2002.
O Poder Legislativo (certamente influenciado pelo Poder Executivo estadual),
diante das alternativas de abster-se de exigir o imposto em relação a operações não
comerciais ou alterar a Constituição para possibilitar a exigência, optou (como era de
se presumir, tendo em vista ser o imposto a maior fonte de recursos dos Estados
federados) pela segunda.
Entretanto, vários são os posicionamentos no sentido de que o legislador não
logrou êxito em sua medida. HUGO DE BRITO MACHADO afirma que a Emenda
Constitucional n
o
33, de 2001, “deu mais um passo na descaracterização da
natureza desse imposto, admitindo hipótese de incidência fora da atividade
mercantil”
429
. ROQUE ANTONIO CARRAZA destaca que a emenda ofende o direito
individual dos contribuintes de não serem tributados pelos Estados por outros
impostos senão aqueles cuja competência para instituir advém do constituinte
originário
430
. BETINA TREIGER GRUPENMACHER sustenta que a interpretação da
nova redação dada ao art. 155, § 2
o
, IX, ‘a’ da Constituição Federal “demonstra às
escâncaras inconsistência parcial da regra inserta na Emenda Constitucional n
o
33/2001 quanto ao chamado ICMS-importação”
431
.
ANDRÉ PARMO FOLLONI, que também aponta inconstitucionalidades na
Emenda Constitucional n
o
33, de 2001, reconhece, porém, sua validade enquanto
não refutada judicialmente
432
. JOSÉ EDUARDO SOARES DE MELO complementa
que, com a emenda, resta prejudicada a postura anteriormente assumida pelo
Supremo Tribunal Federal
433
.
Por mais que ainda restem capítulos à trama, cremos já possuir os elementos
que necessitávamos para a análise da hipótese de incidência do ICMS nas
importações (ICMS nivelador).
429
Curso de Direito..., op. cit., p. 322.
430
ICMS. 9. ed. rev. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 68.
431
ICMS - Considerações sobre a Base de Cálculo. In: ROCHA, Valdir de Oliveira. Grandes
questões atuais de direito tributário. v. 10. São Paulo: Dialética, 2006, p. 38.
432
Tributação sobre..., op. cit., p. 143.
433
A importação..., op. cit., p. 125.
144
A própria denominação por nós adotada (ICMS nivelador) já revela que
seguiremos a linha traçada para o IPI (Seção 7.1), de que o imposto não se constitui
em um ‘adicional ao imposto de importação’, mas em modalidade tributária com
características comuns ao ICMS interno, objetivando estabelecer um tratamento
isonômico (tributariamente nivelado) entre a mercadoria nacional e a estrangeira.
O critério material da hipótese de incidência é importar (verbo) mercadoria
ou bem do exterior (complemento), cabendo destacar que, tendo o imposto
historicamente por objeto as operações mercantis, o termo ‘mercadoria’ é assumido
aqui não em seu significado aduaneiro, mas em sua acepção comercial
434
. Como
destaca MARCELO VIANA SALOMÃO, o exame do texto das Constituições Federais
a partir de 1946 revela que os constituintes não empregaram a palavra ‘mercadoria’
com a mesma despreocupação com que utilizaram os termos ‘produtos e ‘bens’
435
.
Acrescente-se ainda que a Constituição Federal (art. 155, § 3
o
) expressamente
incluiu no campo de incidência do ICMS as operações com energia elétrica.
O critério espacial da hipótese de incidência do ICMS nivelador é cada local
ou recinto onde pode se dar o desembaraço ou a entrega das mercadorias ou bens
ao importador (unidades aduaneiras), como no IPI. Cabe, contudo, destacar que no
caso de entrega da mercadoria ou bem antes do desembaraço aduaneiro,
ocorrência que, como veremos, também demarca temporalmente a hipótese de
incidência do imposto, o critério espacial será um local ou recinto alfandegado.
Enquanto o desembaraço aduaneiro, como afirmamos na subseção 7.1.1 deste
estudo, ocorre em qualquer unidade aduaneira, inclusive nas áreas não
alfandegadas, a entrega anterior ao desembaraço (conhecida como entrega
antecipada
436
) é efetuada fisicamente pelo depositário, obrigatoriamente em local ou
recinto alfandegado, após autorização da Aduana, qualquer que seja o modelo da
declaração de importação registrada.
434
José Eduardo Soares de Melo apresenta a definição de mercadoria para grandes nomes do Direito
brasileiro como Carvalho de Mendonça (coisas, quando objeto da atividade mercantil) e Geraldo
Ataliba (bem juridicamente qualificado como mercadoria, dependendo da natureza do promotor da
operação que a tem por objeto e da destinação comercial que a ela seu titular), trazendo vários
exemplos do que se pode (ou não) considerar como mercadoria (A importação..., op. cit., p. 131-
133).
435
ICMS na importação. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2001, p. 33.
436
Expressão utilizada pela Instrução Normativa que disciplina o despacho aduaneiro de importação
(IN SRF n
o
680, de 2/10/2006), em seu art. 47.
145
O critério temporal da hipótese de incidência do ICMS nivelador é o
momento do desembaraço aduaneiro da mercadoria ou do bem importados, cf.
estabelece o art. 12, IX da Lei do ICMS, com a redação da Lei Complementar n
o
114, de 16/12/2002. Tal Lei Complementar acrescentou ainda um § 3
o
ao art. 12 da
Lei do ICMS, dispondo que se houver entrega da mercadoria ou bem importados
antes do desembaraço aduaneiro, o ‘fato gerador’ (entenda-se, o critério temporal da
hipótese de incidência
437
) do imposto será o momento da entrega antecipada
438
.
Embora nosso Supremo Tribunal Federal também tenha sumulado que “na
entrada de mercadoria importada do exterior, é legítima a cobrança do ICMS por
ocasião do desembaraço aduaneiro”
439
, reformando entendimento anterior
440
, o teor
da Súmula não leva à conclusão de que a comprovação do pagamento do ICMS
seja condição ao desembaraço
441
. Assim, a antecipação do pagamento (comum nos
casos de Estados que tenham celebrado convênio para débito em conta do imposto
no átimo do registro da declaração de importação) não implica deslocamento
temporal da hipótese de incidência. Ademais, estabelece o art. 515 do Regulamento
437
Como adverte José Roberto Vieira, “é familiar o vezo do legislador em apontar como hipótese de
incidência do tributo o seu critério temporal” (A regra-matriz..., op. cit., p. 98).
438
Em ambos os casos (entrega antecipada e desembaraço), o débito em conta-corrente do ICMS
nivelador no momento do registro da declaração de importação (operação hoje disponível em apenas
em algumas unidades da federação) deve, como dispusemos em relação ao IPI nivelador (seção 7.1),
ser encarado como antecipação de recolhimento.
439
A súmula, de n
o
661, deriva dos seguintes precedentes: Recurso Extraordinário n
o
192.630/SP,
Segunda Turma, Rel. Min. Carlos Velloso, unânime, DJ de 7 fev. 1997; Recurso Extraordinário n
o
192.711/SP, Pleno, Rel. Min. Ilmar Galvão, maioria, DJ de 18 abr. 1997; Recurso Extraordinário n
o
208.492/SP, Primeira Turma, Rel. Min. Octavio Gallotti, unânime, DJ de 22 ago. 1997; Recurso
Extraordinário n
o
209.849/SP, Primeira Turma, Rel. Min. Celso de Mello, unânime, DJ de 22 ago.
1997; Recurso Extraordinário n
o
200.348/SP, Primeira Turma, Rel. Min. Moreira Alves, unânime, DJ
de 3 out. 1997; Recurso Extraordinário n
o
207.133/SP, Primeira Turma, Rel. Min. Sydney Sanches,
unânime, DJ de 19 dez. 1997; Recurso Extraordinário n
o
205.756/SP, Segunda Turma, Rel. Min.
Nelson Jobim, unânime, DJ de 29 mai. 1998; Recurso Extraordinário n
o
232.248/SP, Segunda
Turma, Rel. Min. Marco Aurélio, unânime, DJ de 12 fev. 1999; e Recurso Extraordinário n
o
193.817/RJ, Pleno, Rel. Min. Ilmar Galvão, maioria, DJ de 10 ago. 2001.
440
Constante da súmula, de n
o
577, que estabelecia que “na importação de mercadorias do exterior,
o fato gerador do imposto de circulação de mercadorias ocorre no momento de sua entrada no
estabelecimento do importador”. Na verdade, não houve mudança de orientação da corte, mas
alteração na legislação que rege o tributo, culminando na nova manifestação do tribunal.
441
Embora tal afirmação esteja presente em vários dos precedentes. Veja-se, a título ilustrativo,
excerto da ementa do julgamento do Recurso Extraordinário n
o
193.817/RJ (Pleno, Rel. Min. Ilmar
Galvão, maioria, DJ de 10 ago. 2001): Incensurável, portanto, em face do novo regime, o
condicionamento do desembaraço da mercadoria importada à comprovação do recolhimento
do tributo estadual, de par com o tributo federal, sobre ela incidente” (grifos nossos).
146
Aduaneiro que a entrega da mercadoria, após o desembaraço aduaneiro, será
efetuada mediante a comprovação do pagamento do ICMS
442
.
Registrada a declaração de importação, mas não desembaraçada (ou
entregue antecipadamente) a mercadoria ou o bem, temos que não é devido o
ICMS, pela não concretização do critério material da hipótese de incidência.
Merece destaque, por fim, o caso de incidência do ICMS na arrematação de
mercadorias ou bens importados que tenham sido apreendidos pela Aduana
ou abandonados pelo importador. Recorde-se que o legislador, no que se refere
ao imposto de importação e o IPI, optou por não tributar as mercadorias apreendidas
pela Aduana e levadas a hasta pública, embora o Código Tributário Nacional o
permitisse (arts. 20, III e 46, III, respectivamente)
443
. No que tange ao ICMS, porém,
o legislador disciplinou a incidência no art. 12, XI da Lei do ICMS, com a redação da
Lei Complementar n
o
114, de 2002. Nesse caso, temos como critério material da
hipótese de incidência arrematar bens ou mercadorias apreendidos ou
abandonados, como critério espacial o local do leilão, e como critério temporal o
momento do arremate.
7.2.2 Conseqüente
No pólo ativo da relação tributária referente ao ICMS nivelador figura o
Estado (ou Distrito Federal) em que estiver situado o domicílio ou o
estabelecimento do destinatário da mercadoria ou bem (cf. art. 155, IX, ‘a’ da
Constituição Federal de 1988, com a redação dada pela Emenda Constitucional n
o
33, de 2001). Como adverte JOSÉ EDUARDO SOARES DE MELO, não é pelo fato
de as mercadorias serem desembaraçadas em determinado Estado que deva ser
recolhido o ICMS em tal Estado
444
. Aliás, se manifestou a Procuradoria-Geral da
Fazenda Nacional sobre a matéria, dispondo que “o destinatário da mercadoria, na
442
O entendimento de que o desembaraço aduaneiro e a entrega são atos seqüenciais e distintos,
que corresponde à prática hoje adotada pela Administração Aduaneira, deriva do art. 51 da Lei
Aduaneira, com a redação dada pelo Decreto-lei n
o
2.472, de 1
o
/9/1988: “concluída a conferência
aduaneira [...], a mercadoria será desembaraçada e posta à disposição do importador”.
443
Analisando com pragmatismo a questão, percebe-se que o valor arrecadado no leilão acaba sendo
o mesmo, havendo ou não tributação em separado, por uma razão óbvia: o arrematante transfere
para seu lance um deságio equivalente ao montante do imposto que terá que recolher em acréscimo.
Contudo, não deixemos que tal pragmatismo nos desvie da conclusão de que a natureza jurídica do
montante arrecadado no leilão não é tributária. Também a destinação do montante arrecadado no
leilão (60% ao FUNDAF - Fundo Especial de Desenvolvimento e Aperfeiçoamento das Atividades de
Fiscalização - e 40% para a seguridade social, cf. Decreto-lei n
o
1.455, de 1976, art. 29, § 1
o
, com a
redação dada pelo Decreto-lei n
o
2.411, de 21/1/1988) é diversa da referente aos impostos.
444
A importação..., op. cit., p. 120.
147
importação, é o próprio estabelecimento importador, cujo domicílio fiscal define a
Unidade da Federação competente para cobrar o ICMS na operação” (grifo
nosso)
445
. de se fazer apenas a apara, face à Emenda Constitucional n
o
33, de
2001, de que o importador pode ainda ser pessoa física, hipótese em que não terá
estabelecimento, mas domicílio.
Com a ampliação dos componentes do pólo passivo da relação tributária
referente ao ICMS nivelador, pela Emenda Constitucional n
o
33, de 2001, passam a
figurar como sujeitos passivos não só o comerciante, o industrial e o produtor
importadores, mas qualquer pessoa, física ou jurídica, ainda que não seja
contribuinte habitual do imposto, que promova a importação. Assim, mesmo diante
das controvérsias apresentadas em relação a tal Emenda e do anterior
pronunciamento do Supremo Tribunal Federal sobre a matéria, tem-se, hoje, como
contribuinte do ICMS nivelador, o importador.
O critério quantitativo escolhido pelo legislador não é menos polêmico e
questionado que os demais, constantes da regra-matriz de incidência do ICMS
nivelador. A começar, porque se utiliza, no cálculo do ICMS (nivelador ou não), uma
metodologia peculiar, conhecida como ‘cálculo por dentro’, que inclui o valor do
imposto na própria base de cálculo.
Tal expediente faz com que uma parcela do ICMS seja calculada sobre o
valor da operação, e a restante sobre o valor do próprio imposto, gerando, como
sustenta ROQUE ANTONIO CARRAZA, “um adicional de ICMS, que tem por
hipótese de incidência o fato de alguém pagar ICMS”, e por base de cálculo o ICMS
pago, ou seja, “um imposto sobre imposto”, “um caso típico de bis in idem
446
.
Veja-se que embora o Supremo Tribunal Federal viesse considerando que o
‘cálculo por dentro’ não afronta a Constituição Federal
447
, o texto da Emenda
Constitucional n
o
33, de 2001, cautelosamente inseriu uma alínea ‘i’ ao inciso XII do
§ 2
o
do art. 155 da Constituição Federal, dispondo que cabe à Lei Complementar (no
445
Parecer PGFN/CAT n
o
1.093, de 9/7/1997. No mesmo sentido, Roque Antonio Carraza (ICMS...,
op. cit., p. 60), Liziane Angelotti Meira (Regimes aduaneiros..., op. cit., p. 134) e André Parmo Folloni
(Tributação sobre..., op. cit., p. 143).
446
ICMS..., op. cit., p. 218-219.
447
Cite-se, a título ilustrativo, a ementa do julgamento do Recurso Extraordinário n
o
212.209/RS
(Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio, maioria, DJ de 14 fev. 2003): Constitucional. Tributário. Base de
cálculo do ICMS: inclusão no valor da operação ou da prestação de serviço somado ao próprio
tributo. Constitucionalidade”. Convém destacar que o voto do relator foi no sentido da
inconstitucionalidade do cálculo ‘por dentro’. Os demais ministros entenderam que tal forma de
cálculo é contingência do princípio da não-cumulatividade, essencial à sua mecânica de créditos.
148
caso, a Lei do ICMS) fixar a base de cálculo, de modo que o montante do imposto
a integre, também na importação do exterior de bem ou mercadoria.
Embora não visualizemos motivos relevantes para a existência de um ‘cálculo
por dentro’, que mascara a dimensão efetiva das alíquotas
448
e torna mais complexa
a determinação do valor do imposto, reconhecemos que é dessa forma que hoje se
deve apurar o montante a pagar a título de ICMS na importação. Temos, então, cf. o
art. 13, V e § 1
o
, da Lei do ICMS, com a redação dada pela Lei Complementar n
o
114, de 2002, que a base de cálculo do ICMS nivelador é o valor aduaneiro
449
,
acrescido de quaisquer outros impostos (como o imposto de importação, o IPI
nivelador
450
e o imposto sobre operações de câmbio), taxas, contribuições e
despesas aduaneiras, e do próprio ICMS.
Cabe ainda destacar a medida puramente pragmática adotada no art. 14 da
Lei do ICMS, ao estabelecer que parcela da base de cálculo expressa em moeda
estrangeira (valor aduaneiro) deve ser convertida em reais pelo câmbio da data do
registro da declaração de importação (e não pela data do desembaraço ou da
entrega antecipada), vedadas a cobrança de acréscimo e a devolução de valores no
caso de variação cambial em relação à data de configuração do critério temporal da
hipótese de incidência.
A liberdade que existe para o manejo das alíquotas do imposto de
importação e do IPI nivelador seguramente o se estende ao ICMS: o constituinte,
sabedor dos problemas que adviriam da autonomia das unidades da federação na
determinação das alíquotas (o principal delas conhecido como ‘guerra fiscal’),
estabeleceu diversas restrições, detalhadas nos incisos IV a VIII do § 2
o
do art. 155
da Constituição Federal, e sujeitou (cf. art. 150, § 1
o
, com a redação dada pela
Emenda Constitucional n
o
42, de 19/12/2003) a cobrança do tributo à anterioridade
(tanto de exercício quanto nonagesimal).
448
Roque Antonio Carraza exemplifica que uma venda de mercadoria a R$ 100,00, com alíquota
aplicável de 18%, em tese levaria a um imposto de R$ 18,00, mas com a metodologia de ‘cálculo por
dentro’, leva ao valor de R$ 21,95, permitindo concluir que quando se fala em uma alíquota de ICMS
de 18%, em verdade se está falando de uma alíquota efetiva de 21,95% (ICMS..., op. cit., p. 219-
220).
449
Sobre valor aduaneiro, veja-se o subitem 6.1.5.1.1 deste estudo.
450
José Eduardo Soares de Melo argumenta que o IPI nivelador não poderia ser computado na base
de cálculo do ICMS, tendo em vista a identidade do fato gerador de ambos os tributos, e que
precedentes também para a exclusão de algumas taxas e contribuições (A importação..., op. cit., p.
147-148).
149
Importante mencionar ainda que a alíquota do ICMS é estabelecida no
mesmo nível para operações internas e de importação. Cumpre-se assim a função
niveladora.
Nosso Supremo Tribunal Federal se manifestou no sentido de que, em
função do GATT, o tratamento tributário referente ao ICMS interno deve ser o
mesmo concedido ao ICMS nivelador, para produto similar procedente do
estrangeiro
451
.
Como fator diferenciador em relação ao imposto de importação, destaque-se
ainda a seletividade a ser buscada no ICMS, em função da essencialidade das
mercadorias, prevista no inciso III do § 2
o
do art. 155 da Constituição Federal
452
.
E para indicar que o roteiro (em elaboração) da saga do ICMS ainda promete
muita emoção (ou insegurança jurídica), revelemos, por fim, as expectativas de
ROQUE ANTONIO CARRAZA (“[...] não é dado ao poder constituinte derivado
alterar a regra-matriz constitucional de tributo algum, modificando-lhe arbitrariamente
[...] a base de cálculo [...]. Aguardemos, esperançosos, o pronunciamento do Poder
Judiciário”)
453
e BETINA TREIGER GRUPENMACHER (“Considerando o modelo
constitucional do ICMS, [...] é inconstitucional exigi-lo de pessoa física ou jurídica
não contribuinte [...]. Esperamos que tal entendimento encontre guarida nas nossas
mais altas Cortes de Justiça[...]”)
454
.
451
Súmula n
o
575 (“à mercadoria importada de país signatário do GATT, ou membro da ALALC,
estende-se a isenção do imposto de circulação de mercadorias concedida a similar nacional”), que
deriva dos seguintes precedentes: Recurso Extraordinário n
o
76.099/SP, Primeira Turma, Rel. Min.
Rodrigues Alckmin, unânime, DJ de 9 mai. 1975; Recurso Extraordinário n
o
83.430/SP, Segunda
Turma, Rel. Min. Xavier de Albuquerque, unânime, DJ de 26 mar. 1976; Recurso Extraordinário n
o
82.509/SP, Segunda Turma, Rel. Min. Moreira Alves, unânime, DJ de 9 abr. 1976; Recurso
Extraordinário n
o
83.531/SP, Segunda Turma, Rel. Min. Moreira Alves, unânime, DJ de 9 abr. 1976;
Recurso Extraordinário n
o
83.428/SP, Segunda Turma, Rel. Min. Cordeiro Guerra, unânime, DJ de
26 abr. 1976; Recurso Extraordinário n
o
83.806/SP, Primeira Turma, Rel. Min. Cunha Peixoto,
unânime, DJ de 26 abr. 1976; Recurso Extraordinário n
o
84.400/SP, Segunda Turma, Rel. Min.
Xavier de Albuquerque, unânime, DJ de 30 abr. 1976; Recurso Extraordinário n
o
84.010/SP,
Primeira Turma, Rel. Min. Cunha Peixoto, unânime, DJ de 8 jul. 1976; e Recurso Extraordinário n
o
84.892/SP, Segunda Turma, Rel. Min. Xavier de Albuquerque, unânime, DJ de 8 jul. 1976.
452
Para Roque Antonio Carraza (ICMS..., op. cit., p. 323), seguido por André Parmo Folloni
(Tributação sobre..., op. cit., p. 145), o constituinte, ao estabelecer que o imposto poderá ser
seletivo, em verdade, estava afirmando, em consonância com as demais regras que compõem o
sistema constitucional tributário, que o imposto deverá ser seletivo.
453
ICMS..., op. cit., p. 228.
454
ICMS - Considerações..., op. cit., p. 38.
150
7.3 Cide-combustíveis
As Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico, nas palavras de
LUCIANO AMARO, “só podem destinar-se a instrumentalizar a atuação da União no
domínio econômico, financiando os custos e encargos pertinentes”
(grifo nosso)
455
.
Tal assertiva, além de guardar relação com a distinção que estabelecemos na
subseção 2.1.2 deste estudo, nos fornece elementos para o entendimento da
natureza das chamadas contribuições ‘interventivas’
456
ou econômicas
457
.
A Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico incidente sobre a
importação e a comercialização de petróleo (e derivados), gás natural (e
derivados) e álcool etílico combustível - Cide-combustíveis - constitui modalidade
tributária recentemente instituída, com destinação dos recursos vinculada
458
ao
pagamento de subsídios a preços ou transporte de álcool combustível, gás natural (e
derivados) e derivados de petróleo, ao financiamento de projetos ambientais
relacionados com a indústria do petróleo e do gás e ao financiamento de programas
de infra-estrutura de transportes (cf. art. 177, § 4
o
, II da Constituição Federal, com a
redação dada pela Emenda Constitucional n
o
33, de 11/12/2001).
O art. 155, § 3
o
da Constituição Federal originalmente dispunha que à
exceção do ICMS e dos impostos de importação e de exportação, nenhum outro
tributo incidiria sobre operações relativas a energia elétrica, combustíveis quidos e
gasosos, lubrificantes e minerais do País. A Emenda Constitucional n
o
3, de
17/3/1993 alterou o texto do parágrafo, acrescentando as operações relativas a
serviços de telecomunicações e derivados de petróleo, e retirando as relativas a
lubrificantes. Com a Emenda Constitucional n
o
33, de 11/12/2001, a palavra tributo,
no texto do parágrafo, foi substituída pelo termo imposto.
455
Direito Tributário..., op. cit., p. 54.
456
Denominação utilizada por Paulo de Barros Carvalho (Curso de..., op. cit., p. 44).
457
Denominação utilizada por Luciano Amaro (Direito Tributário..., op. cit., p. 86).
458
Vinculada a ponto de o Supremo Tribunal Federal repelir tentativa de desvio dos recursos
arrecadados para outras rubricas orçamentárias. Cite-se, a título ilustrativo, excerto a ementa do
julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n
o
2.925/DF (Pleno, Rel. Min. Ellen Gracie,
maioria, DJ de 4 mar. 2005): “Lei Orçamentária - Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico
- Importação e Comercialização de Petróleo e Derivados [...] CIDE - Destinação - Artigo 177, § 4
o
, da
Constituição Federal. É inconstitucional interpretação da Lei Orçamentária n
o
10.640, de 14/1/2003,
que implique abertura de crédito suplementar em rubrica estranha à destinação do que arrecadado a
partir do disposto no § 4
o
do artigo 177 da Constituição Federal, ante a natureza exaustiva das
alíneas ‘a’, ‘b’, e ‘c’ do inciso II do citado parágrafo”. Roberto Catalano Botelho Ferraz sustenta ainda
a possibilidade de declaração de inconstitucionalidade da exigência da CIDE com fundamento na
não-aplicação dos recursos arrecadados com esses tributos nas finalidades legalmente estabelecidas
em suas respectivas leis de criação (Inconstitucionalidade dinâmica..., op. cit., p. 273-274).
151
Tal substituição, combinada às alterações efetuadas nos arts. 149 (inserção
dos §§ 2
o
a 4
o
) e 177 (inserção do § 4
o
) da Constituição Federal, cria
459
as condições
jurídicas para o nascimento da Cide-combustíveis
460
, que ocorre depois de breve
gestação, com a publicação da Lei n
o
10.336, de 19/12/2001 (que denominaremos
Lei da Cide-combustíveis).
Tendo em vista a delimitação estabelecida para o presente estudo,
advertimos que as considerações sobre a contribuição restringir-se-ão à Cide-
combustíveis vinculada às operações de comércio exterior, mais precisamente à
importação
461
(Cide-combustíveis niveladora), que será analisada à luz da regra-
matriz de incidência tributária.
7.3.1 Hipótese de Incidência
A Lei da Cide-combustíveis teve quase todos os critérios da hipótese de
incidência e do conseqüente expressamente mencionados em seu texto, que parece
homenagear o mentor da regra-matriz de incidência tributária (ausentes do texto
apenas o critério temporal do antecedente e a sujeição ativa do critério pessoal do
conseqüente).
O critério material da hipótese de incidência vem especificado no art. 3
o
da
Lei da Cide-combustíveis, tendo como verbo importar e como complemento
gasolina e suas correntes
462
, diesel e suas correntes, querosene de aviação e
459
A Constituição outorgou, em verdade, uma existência mínima ao tributo, indicando o “tributo
mínimo”, na terminologia empregada por José Roberto Vieira, em artigo no qual caminha do
posicionamento corrente de que a Constituição Federal apenas outorga competência para que a lei
crie o tributo para a tese defendida por José Souto Maior Borges (e abraçada por Aires Fernandino
Barreto) de que a Constituição efetivamente cria tributos (E, afinal, a Constituição cria tributos. In:
TÔRRES, Heleno Taveira (coord.). Teoria geral da obrigação tributária: estudos em homenagem
ao professor José Souto Maior Borges. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 640-641).
460
Caso entendamos que a Cide-Combustíveis tem natureza jurídica de imposto, por não estar
vinculada a atividade específica do Estado, mas a rubricas orçamentárias, como André Parmo Folloni
(Tributação sobre..., op. cit., p. 158-159), inconstitucional se torna a exigência do tributo. Conforme
narra José Eduardo Soares de Melo, essa é a posição sustentada por Roque Antonio Carraza,
Eduardo Domingos Bottallo, Hamilton Dias de Souza e Tércio Sampaio Ferraz (A importação..., op.
cit., p. 206-207). Paulo de Barros Carvalho, apesar de consignar que “as contribuições são tributos
que, como tais, podem assumir a feição de impostos ou de taxas”, classifica-as em contribuições
sociais, interventivas e corporativas, incluindo na segunda modalidade a CIDE-Combustíveis (Curso
de..., op. cit., p. 44-45).
461
Visto que não há permissão constitucional para incidência do tributo nas exportações.
462
A Lei da CIDE-Combustíveis, em seu art. 3
o
, § 1
o
, estabeleceu que, para efeito de incidência da
contribuição, consideram-se correntes os hidrocarbonetos líquidos derivados de petróleo e os
hidrocarbonetos líquidos derivados de gás natural utilizados em mistura mecânica para a produção de
gasolinas ou de diesel, de conformidade com as normas estabelecidas pela Agência Nacional do
152
outros querosenes, óleos combustíveis (fuel-oil), e gás liquefeito de petróleo
(GLP), inclusive o derivado de gás natural e de nafta, e álcool etílico combustível.
Veja-se que o legislador não exerceu em sua plenitude a competência
constitucionalmente outorgada, pois o texto do § 4
o
do art. 177 da Constituição
Federal, incluído pela Emenda Constitucional n
o
33, de 2001, dispõe que a lei
poderá instituir Cide relativa a atividades de importação de petróleo e seus
derivados, gás natural e seus derivados e álcool combustível. Optou, assim, o
legislador, por abster-se de incluir no universo de incidência da contribuição as
operações (importação ou comercialização) com petróleo e gás natural, limitando-se
a incidência a seus derivados e ao álcool combustível.
O critério espacial é idêntico ao do imposto de importação: o território
aduaneiro, tendo em vista as definições por nós adotadas para a importação (item
6.1.1.1 deste estudo).
Na análise do critério temporal da hipótese de incidência, contudo,
percebemos que não identidade entre a Cide-combustíveis e o imposto de
importação. Neste, a data de registro da declaração de importação constitui, em
regra (pois, em regra, há despacho para consumo - importação definitiva), o critério
temporal, como destacamos no item 6.1.3.1 deste estudo. Naquela, a data de
registro da declaração representa tão-somente o momento de pagamento
463
do
tributo (cf. art. 6
o
da Lei da Cide-combustíveis).
Assim, temos que o critério temporal da hipótese de incidência da Cide-
combustíveis niveladora é o momento da entrada dos combustíveis no território
aduaneiro.
7.3.2 Conseqüente
No que se refere ao critério pessoal do conseqüente, pertence à União a
capacidade tributária ativa, que não foi objeto de delegação. A competência para
instituição da Cide-combustíveis niveladora é também da União, cf. o caput do art.
149 da Constituição Federal.
Petróleo - ANP (hoje Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis, sob a mesma
sigla, cf. art. 7
o
da Lei n
o
11.097, de 13/1/2005).
463
Destaque-se que o pagamento da CIDE-Combustíveis niveladora não é efetuado por débito em
conta-corrente no momento do registro da declaração de importação, mas por Documento de
Arrecadação de Receitas Federais - DARF, cf. estabelece o art. 13 da Instrução Normativa (IN) SRF
n
o
422, de 17/5/2004, com a redação dada pela IN SRF n
o
672, de 30/8/2006.
153
A sujeição passiva é expressamente estabelecida nos arts. 2
o
(contribuinte)
e 11 (responsável solidário) da Lei da Cide-combustíveis. É contribuinte da Cide-
combustíveis niveladora o importador, pessoa física ou jurídica, dos combustíveis.
É responsável solidário o adquirente de mercadoria de procedência estrangeira,
no caso de importação realizada por sua conta e ordem, por intermédio de pessoa
jurídica importadora.
O critério quantitativo do conseqüente, formado pela base de cálculo e pela
alíquota, também pode ser facilmente identificado na Lei da Cide-combustíveis. A
partir do art. 4
o
da lei, temos que a base de cálculo é a unidade de medida
adotada para os combustíveis: o metro cúbico, para a gasolina, o diesel, o
querosene e álcool, e a tonelada, para os óleos combustíveis e o GLP.
A alíquota, que, de acordo com o art. 149, § 2
o
, III da Constituição Federal,
incluído pela Emenda Constitucional n
o
33, de 2001, poderia ser ad valorem ou
específica, diante da base de cálculo adotada pela lei, será obrigatoriamente
específica. De acordo com o art. 177, § 4
o
, I da Constituição Federal, também
incluído pela Emenda Constitucional n
o
33, de 2001, as alíquotas podem ser
diferenciadas por produto ou uso e podem ser reduzidas e restabelecidas pelo Poder
Executivo, sem necessidade de observância da anterioridade de exercício.
Assim, as alíquotas estabelecidas no art. 5
o
da Lei da Cide-combustíveis,
alteradas pela Lei n
o
10.636, de 30/12/2002, são alíquotas máximas. As alíquotas
da Cide-combustíveis (tanto niveladora quanto sobre a comercialização) são
estabelecidas, hoje, no Decreto n
o
5.060, de 30/4/2004: R$ 280,00 o m
3
para
gasolina e suas correntes; R$ 70,00 o m
3
para o diesel e suas correntes, e zero para
os demais combustíveis.
Veja-se, assim, que o critério quantitativo adotado para a Cide-combustíveis
niveladora é o mesmo que se aplica Cide-combustíveis incidente na comercialização
interna. Mais uma vez, cumpre-se a função niveladora.
7.4 Contribuição para o PIS/Pasep-importação e Cofins-importação
Até meados de 2004, a Contribuição para os Programas de Integração Social
e de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PIS/Pasep), e a Contribuição
para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), em regra, não eram exigidas
na importação, manifestando-se apenas em momento posterior, como reflexo do
auferimento de receita pela pessoa jurídica de direito privado, decorrente, v.g., da
154
comercialização das mercadorias importadas. A exceção era a importação de
cigarros classificados no código 2402.20.00 da NCM, em que o pagamento das
contribuições foi antecipado para a data do registro da declaração de importação (cf.
arts. 53 e 54 da Lei n
o
9.532, de 10/12/1997, disciplinados nos arts. 249 a 251 do
Regulamento Aduaneiro).
Contudo, a Emenda Constitucional n
o
42, de 19/12/2003, ao incluir um inciso
IV ao art. 195 e modificar o inciso II do § 2
o
do art. 149 da Constituição Federal,
tornou possível a instituição, pela União, de contribuições sociais incidentes sobre a
importação de produtos estrangeiros.
A Medida Provisória n
o
164, de 29/1/2004, buscando atender ao comando
constitucional, foi apresentada como veículo introdutor da Contribuição para o
PIS/Pasep-importação e da Cofins-Importação, e acabou convertida na Lei n
o
10.865, de 30/4/2004.
Vale transcrever, pela forte ligação com a teoria que adotamos neste capítulo
(tributos niveladores), excertos da Exposição de Motivos n
o
8, de 27/1/2004, do
Ministério da Fazenda, que encaminha ao Presidente da República o texto da
Medida Provisória n
o
164:
Tenho a honra de submeter à apreciação de Vossa Excelência a
proposta de Medida Provisória, que institui a cobrança de
Contribuição para os Programas de Integração Social e de Formação
do Patrimônio do Servidor Público - PIS/PASEP-Importação e de
Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social - COFINS-
Importação incidentes sobre as importações de bens e serviços
do exterior, previstas no inciso II do § 2
o
do art. 149 e no inciso IV do
art. 195, da Constituição Federal, com a redação dada pela EC n
o
42,
de 19 de dezembro de 2003.
2. As contribuições sociais ora instituídas dão tratamento
isonômico entre a tributação dos bens produzidos e serviços
prestados no País, que sofrem a incidência da Contribuição para o
PIS-PASEP e da Contribuição para o Financiamento Seguridade
Social (COFINS), e os bens e serviços importados de residentes ou
domiciliados no exterior, que passam a ser tributados às mesmas
alíquotas dessas contribuições.
[...] 12. Por fim, justifica-se a edição de Medida Provisória diante da
relevância e urgência em equalizar, mediante tratamento
isonômico, principalmente após a instituição da Contribuição para o
PIS/PASEP e da COFINS não-cumulativa [...], a tributação dos
bens e serviços produzidos no País com os importados de
residentes ou domiciliados no exterior, sob pena de prejudicar a
produção nacional, favorecendo as importações pela vantagem
comparativa proporcionada pela não incidência hoje existente,
prejudicando o nível de emprego e a geração de renda no País.
155
As contribuições foram, assim, criadas com função niveladora, função que
deve nortear a análise dos comandos normativos a elas relativos. Não poderão as
contribuições ser utilizadas de forma discriminatória, permitindo qualquer incentivo
ou desincentivo ao produto estrangeiro que não seja aplicado ao nacional, e vice-
versa.
Reconhecemos, contudo, que, de todas as modalidades tributárias que
denominamos niveladoras, as citadas contribuições são as que mais apresentam
deficiências estruturais que dificultam ou impedem o desempenho objetivo da
função, principalmente por que não adotam na hipótese de incidência situações que
guardem uma mínima relação com o tributo interno que lhes corresponde. Enquanto
o IPI nivelador, o ICMS nivelador e a Cide-combustíveis niveladora tinham uma
operação paralela no mercado nacional, vinculada especificamente à mercadoria ou
ao produto, as contribuições que apresentamos nesta seção têm como paralelo o
auferimento de receita, e alíquotas gerais que, em regra, se aplicam a todo e
qualquer produto
464
. Desse modo, parece difícil (na melhor das hipóteses) ou
impossível determinar com precisão se está sendo nivelada a tributação, pois não
nos parece que o auferimento de receita ocorra na mesma proporção, em relação a
todos os produtos.
Enquanto o nivelamento estava no âmbito da produção e da circulação, fácil
era a sua verificação objetiva. Contudo, ao partir-se para o terreno do auferimento de
receita, está-se, em verdade, transplantando para a mercadoria importada uma
tributação que, no Brasil, não incide sobre operações mensuráveis efetivamente
efetuadas com a mercadoria. Tal raciocínio levaria a concluir pela possibilidade de
transferir para a mercadoria importada, v.g., nossa tributação sobre a folha de
salários, ou sobre o lucro líquido.
Tamanha é a diferença entre a natureza das contribuições no mercado interno
e na importação que o legislador (ao contrário do que fez com os demais tributos
niveladores) não estendeu a incidência do tributo existente às importações, sob um
464
Ricardo Lobo Torres, ao discorrer sobre a não-cumulatividade, depara-se com situação
semelhante, concluindo que “é impossível harmonizar a não-cumulatividade das contribuições sociais
com a dos impostos sobre a produção e a circulação de bens, como o ICMS e o IPI, pois o
PIS/COFINS incide sobre o faturamento e as receitas das empresas e o ICMS e o IPI sobre os
valores acrescidos nas diversas etapas da circulação” (Curso de Direito Financeiro e Tributário.
14. ed. atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 414-415).
156
mesmo núcleo normativo. Necessário se fez criar novos tributos
465
, com nova
denominação
466
e nova disciplina legal, basicamente copiada da utilizada para o
imposto de importação no Regulamento Aduaneiro, como se verá a seguir. Assim,
quando falarmos da Lei n
o
10.865, de 30/4/2004, não nos referiremos a uma Lei do
PIS/Pasep e da Cofins, como estávamos fazendo para os demais tributos
niveladores, mas a uma Lei do PIS/Pasep-importação e da Cofins-importação.
A tempo, justificamos o fato de estarmos tratando de ambas as contribuições
(PIS/Pasep-importação e Cofins-importação) em uma mesma seção do presente
estudo pela sua homogeneidade no que se refere à legislação. Aliás, mesmo no
âmbito da tributação interna a Contribuição para o PIS/Pasep e a Cofins são
regulamentadas no mesmo Decreto (de n
o
4.524, de 17/12/2002)
467
.
7.4.1 Hipótese de Incidência
Passando a analisar a hipótese de incidência das contribuições, na
importação, tendo por norte a regra-matriz de incidência tributária, percebemos que
os critérios do antecedente são idênticos (ou semelhantes, conforme se entenda ou
não haver diferenciação entre o termo ‘bens’, utilizado para as contribuições, e o
465
Em sentido contrário, Heleno Taveira Tôrres entende que “não se instituiu nova contribuição
social”, mas, “acompanhando o mote reformista das contribuições ao PIS e COFINS, a partir da EC n
o
42/2003, apenas foi ampliado o campo subjetivo e material destas, dando-lhes nova feição” (Regime
constitucional das contribuições sobre faturamento e o princípio da segurança jurídica. In: FERRAZ,
Roberto Catalano Botelho (coord.). Princípios e limites da tributação. São Paulo: Quartier Latin,
2005, p. 651).
466
Reconhecemos que a denominação o é relevante para qualificar a natureza jurídica do tributo
(cf. estabelece nosso Código Tributário Nacional, em seu art. 4
o
). Contudo, manifestas
conseqüências na utilização da denominação. Quando um texto legal faz referência, v.g., ao IPI, está
se referindo a quaisquer espécies tributárias por lei denominadas de IPI (inclusive o IPI nivelador). No
que se refere às contribuições que estamos a analisar (PIS/Pasep-importação e Cofins-importação),
não se pode entender a elas estendida uma disposição legal que faça referência o-somente ao
PIS/Pasep e à Cofins. Veja-se, v.g., o caso do art. 40 da Lei n
o
10.865, de 2004, que se aplica ao
PIS/Pasep e à Cofins, em que foi necessário que o legislador expressamente (§ 6
o
incluído ao
referido art. 40 pela Lei n
o
11.488, de 31/5/2007) afirmasse que seu teor (suspensão, no caso de
venda a empresas preponderantemente exportadoras) se aplicava também ao PIS/Pasep-importação
e à Cofins-importação.
467
Em verdade, a Lei n
o
9.718, de 28/11/1998, já criava, nas palavras de Heleno Taveira Tôrres, “uma
espécie de regime comum para ambas as contribuições” (Regime constitucional..., op. cit., p. 589).
André Parmo Folloni sustenta que o PIS/Pasep-importação e a Cofins-importação são “o mesmo e
único tributo”, tendo em vista a identidade de hipótese de incidência e base de cálculo (Tributação
sobre..., op. cit., p. 146-147).
157
termo ‘mercadorias’, utilizado para o imposto de importação) aos citados para o
imposto de importação
468
.
É preciso destacar que a Lei do PIS/Pasep-importação e da Cofins-
importação, ao tratar da hipótese de incidência, simplesmente reproduziu artigos do
Regulamento Aduaneiro que disciplinam o imposto de importação (apenas
alterando a palavra ‘mercadorias’ pelo termo ‘bens’): o § 2
o
do art. 1
o
da lei (sobre
incidência) corresponde ao art. 70 do Regulamento Aduaneiro (RA); o art. 2
o
(sobre
não incidência), aos arts. 71 e 74 do RA, com as atualizações decorrentes da Lei n
o
10.833, de 2003
469
; e os art. 3
o
e 4
o
(sobre fato gerador), aos arts. 72 e 73 do RA,
respectivamente, aquele com as atualizações decorrentes da Lei n
o
10.833, de 2003.
O critério material da hipótese de incidência tem como verbo importar e
como complemento bens
470
. Bastante semelhante, assim, ao critério material do
imposto de importação.
O critério espacial é idêntico ao do imposto de importação: o território
aduaneiro, tendo em vista as definições por nós adotadas para a importação (item
6.1.1.1 deste estudo).
Também o critério temporal é, em regra, idêntico ao do imposto de
importação: o momento do registro da declaração de importação de bens
submetidos a despacho para consumo. A nas situações excepcionais as
contribuições possuem critério material coincidente com o do imposto de importação:
o lançamento, nas hipóteses tratadas nos subitens 6.1.3.2 (bagagem e remessas
postais internacionais) e 6.1.3.3. (mercadoria faltante), e o termo final do
depósito temporário, no caso analisado no subitem 6.1.3.4 (mercadoria
abandonada) do presente estudo.
468
Para André Parmo Folloni, esses novos impostos apresentam, quanto à importação de bens, as
mesma hipótese de incidência do Imposto de Importação”, sendo “verdadeiros adicionais do imposto
de importação” (Tributação sobre..., op. cit., p. 146).
469
A lei relacionou apenas duas novas hipóteses de não incidência, para bens importados pelas
entidades beneficentes de assistência social (tratada na legislação do imposto de importação como
isenção) e para o custo do transporte internacional e de outros serviços, computados no valor
aduaneiro.
470
Queremos crer que a medida tenha sido para evitar a interpretação restritiva comumente dada ao
termo mercadoria’, exposta no subitem 6.1.1.2.1. A lei fala ainda em ‘serviços’, hipótese que será
aqui afastada, tendo em vista o caminho preliminarmente traçado para o presente estudo.
158
7.4.2 Conseqüente
A União, cf. o caput do art. 149 da Constituição Federal, detém a competência
para a instituição de contribuições de intervenção no domínio econômico (como a
Cide-combustíveis) e contribuições sociais, como o PIS/Pasep-importação e a
Cofins-importação. Também a capacidade tributária ativa é da União, não tendo sido
objeto de delegação. Inauguramos o critério pessoal do conseqüente, assim,
afirmando que o sujeito ativo, na relação tributária, é a União.
No que se refere à sujeição passiva, a Lei do PIS/Pasep-importação e da
Cofins-importação (art. 5
o
) voltou a plagiar o tratamento dado ao imposto de
importação pelo Regulamento Aduaneiro (art. 103), estabelecendo que é
contribuinte o importador, sendo a ele equiparados o destinatário de remessa
postal indicado pelo respectivo remetente e o adquirente de mercadoria
entrepostada. O art. 6
o
da Lei do PIS/Pasep-importação e da Cofins-importação
também aproveita o texto relativo ao imposto de importação constante do
Regulamento Aduaneiro (arts. 104 e 105). Contudo, trata como responsáveis
solidários tanto os responsáveis pelo pagamento do imposto de importação (o
transportador e o depositário) quanto os que, para tal imposto, também eram
definidos como responsáveis solidários (o representante, no Brasil, do
transportador estrangeiro; o adquirente de bens estrangeiros, no caso de
importação realizada por sua conta e ordem, por intermédio de pessoa jurídica
importadora; e o expedidor, o operador de transporte multimodal ou
subcontratados para a realização de transporte multimodal)
471
.
As semelhanças com o imposto de importação cessam, no entanto, quando
passamos a analisar o critério quantitativo das contribuições. Embora a
Constituição Federal estabelecesse que as contribuições, no caso de alíquotas ad
valorem, na importação, teriam por base o valor aduaneiro (art. 149, § 2
o
, III, ‘a’), a
Lei do PIS/Pasep-importação e da Cofins-importação (art. 7
o
, I, c/c §§ 4
o
e 5
o
, este
com a redação dada pela Lei n
o
11.196, de 21/11/2005) acresceu a este valor, na
471
Cabe destacar que dois responsáveis solidários pelo imposto de importação o foram
relacionados nas contribuições. O primeiro deles é o adquirente ou cessionário de mercadoria
beneficiada com isenção ou redução do imposto (art. 32, parágrafo único, I da Lei Aduaneira). O
segundo, cuja omissão é perfeitamente compreensível, pois se refere a figura ainda não disciplinada
à época, é o encomendante predeterminado que adquire mercadoria de procedência estrangeira de
pessoa jurídica importadora (art. 32, parágrafo único, ‘d’ da Lei Aduaneira, com a redação dada pelo
art. 12 da Lei n
o
11.281, de 20/2/2006). Repare-se, para que não nos seja atribuído o erro, que o
parágrafo único do art. 32 (com a redação dada pela Medida Provisória n
o
2.158-35, de 24/8/2001)
era composto de incisos, não de alíneas.
159
base de cálculo das contribuições, o ICMS incidente (deduzidas as taxas,
contribuições e despesas aduaneiras) na importação, mesmo que seu recolhimento
houvesse sido diferido, e o valor das próprias contribuições.
Objetivando evitar questionamentos em relação à constitucionalidade do
dispositivo (mas, ao mesmo tempo, concedendo um ótimo argumento para
suscitá-la), o legislador ordinário, no inciso I do art. 7
o
da Lei do PIS/Pasep-
importação e da Cofins-importação, rebatizou a expressão ‘valor aduaneiro’ (oriunda
do GATT, e analisada no subitem 6.1.5.1.1 deste estudo), definindo que, para os
efeitos da lei, entendia-se por valor aduaneiro “o valor que servir ou que serviria de
base para o cálculo do imposto de importação” (valor aduaneiro definido segundo
as regras do GATT), acrescido dos tributos acima referidos (o ICMS e as próprias
contribuições).
O artifício não passou despercebido por HELENO TAVEIRA TÔRRES, que
entendeu inconstitucional toda superação que a Lei do PIS/Pasep-importação e da
Cofins-importação tenha efetuado aos limites da base de cálculo fundada no valor
aduaneiro definido segundo as regras do GATT
472
.
No Poder Judiciário, decisões tanto pela constitucionalidade quanto pela
inconstitucionalidade da parte final do inciso I do art. 7
o
da Lei n
o
10.865. No Tribunal
Regional Federal da Região, a partir de incidente de argüição de
inconstitucionalidade suscitado em apelação cível
473
, decidiu-se pacificar a questão,
tendo a corte especial acordado que:
1 - A Constituição, no seu art. 149, § 2
o
, III, "a", autorizou a criação
de contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico
sobre a importação de bens ou serviços, com alíquotas ad valorem
sobre o valor aduaneiro.
2 - Valor aduaneiro é expressão técnica cujo conceito encontra-se
definido nos arts. 75 a 83 do Decreto n
o
4.543, de 26 de dezembro
de 2002, que instituiu o novo Regulamento Aduaneiro.
472
Base de cálculo do imposto de importação e o Acordo de Valoração Aduaneira. In: RRES,
Heleno Taveira (coord.). Comércio Internacional e Tributação. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p.
254-255; e Regime constitucional..., op. cit., p. 664-665. No mesmo sentido, José Eduardo Soares de
Melo reconhece que o ICMS e as próprias contribuições, v.g., são elementos estranhos à
remuneração devida pela aquisição dos bens importados (Curso de Direito..., op. cit., p. 128).
Também André Parmo Folloni identifica inconstitucionalidade na base de cálculo das contribuições,
reconhecendo, entretanto, que a norma que a estabelece é válida no sistema (Tributação sobre...,
op. cit., p. 151).
473
Apelação Cível n
o
2004.72.05.003314-1/SC, Segunda Turma, Rel. Juiz Leandro Paulsen, maioria,
DJ de 19 out. 2005.
160
3 - A expressão "acrescido do valor do Imposto sobre Operações
Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestação de
Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de
Comunicação – ICMS incidente no desembaraço aduaneiro e do
valor das próprias contribuições", contida no inc. I do art. 7
o
da Lei
n
o
10.865/2004, desbordou do conceito corrente de valor
aduaneiro, como tal considerado aquele empregado para o cálculo
do imposto de importação, violando o art. 149, § 2
o
, III, "a", da
Constituição. (grifos nossos)
474
Como contraponto, transcreva-se excerto de ementa de julgamento do
Tribunal Regional Federal da 1ª Região:
3 - [...] A inclusão do ICMS-importação na base de cálculo da
COFINS-importação e da Contribuição para o PIS-importação, por
obra do legislador ordinário, é medida que assegura a
competitividade da mercadoria nacional frente à importada.
Veja-se: (a) sobre a mercadoria nacional incidem a COFINS, a
Contribuição para o PIS, o ICMS e o IPI, lembrando que o valor
devido a título de ICMS integra a base de cálculo das contribuições;
(b) sobre a mercadoria importada, na linha do que defendido pela(s)
contribuinte(s), incidiriam a COFINS-importação, a Contribuição para
o PIS-importação, o ICMS-importação e o IPI-importação, sendo que
a base de cálculo das contribuições será menor, pela não inclusão do
valor devido a tulo de ICMS. Portanto, a mercadoria nacional, mais
onerada, não terá condições de concorrer com a mercadoria
importada, não sendo esta, por certo, a intenção do Constituinte
Reformador, que procurou, nos últimos tempos, harmonizar a
tributação incidente sobre mercadorias, produtos e serviços
nacionais e importados, desonerando, na medida do possível, as
exportações. Ademais, de acordo com o disposto no art. 146-A, CF,
admite-se que a União, através de lei, preveja critérios especiais de
tributação, com o objetivo de prevenir desequilíbrios da
concorrência [...]. (grifos nossos)
475
Nas duas ocasiões em que o Superior Tribunal de Justiça foi instado a
manifestar-se sobre a matéria
476
, posicionou-se no sentido de que a
474
Incidente de Argüição de Inconstitucionalidade na Apelação Cível n
o
2004.72.05.003314-
1/SC, Corte Especial, Rel. Des. Antonio Albino Ramos de Oliveira, maioria, DE de 14 mar. 2007. No
mesmo sentido: TRF2, Apelação em Mandado de Segurança n
o
2004.51.01.012764-4/RJ, Terceira
Turma Especializada, Rel. Juíza Tânia Heine, maioria, DJ de 10 set. 2007.
475
Apelação em Mandado de Segurança n
o
2004.38.00.036958-6/MG, Sétima Turma, Rel. Des.
Catão Alves, unânime, DJ de 13 abr. 2007. No mesmo sentido: TRF3, Apelação em Mandado de
Segurança n
o
2004.61.04.011088-1/SP, Turma Suplementar da Segunda Seção, Rel. Juíza Eliana
Marcelo, unânime, DJ de 29 jun. 2007.
476
Recurso Especial n
o
911.671/PE, Primeira Turma, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, unânime, DJ
de 21 jun. 2007; e Recurso Especial n
o
978.568/PE, Segunda Turma, Rel. Min. Humberto Martins,
unânime, DJ de 25 set. 2007.
161
inconstitucionalidade era insuscetível de exame naquela via. O Supremo Tribunal
Federal, ‘guardião da constituição’
477
, deve apreciar em breve a questão
478
.
Acolhemos, no que se refere às inconstitucionalidades detectadas, a posição
de DALTON LUIZ DALLAZEM:
[...] todas as normas construídas como constitucionais ou válidas a
partir do texto jurídico-positivo infraconstitucional até a declaração de
inconstitucionalidade ou invalidade permanecem no sistema,
visualizado este em momento anterior à decisão do órgão habilitado,
mas após sua prolação. Serão o que designamos por normas
pertinentes inválidas. Reconhecemos, por outro lado, que, visto o
sistema em momento posterior à decisão do órgão habilitado, a
norma inconstitucional não mais pertence a ele. (grifo no original)
479
Além das considerações a respeito da constitucionalidade, cabe ainda uma
crítica de caráter pragmático: a escolha feita pelo legislador tornou a metodologia de
cálculo tão complexa que nem o próprio órgão arrecadador
480
conseguiu chegar, de
imediato, a uma fórmula que permitisse determinar o valor das contribuições a serem
pagas
481
no registro da declaração de importação.
477
Na expressão que Hans Kelsen utilizara em ‘discussão’ com Carl Schmitt (Quem deve ser o
guardião da Constituição? In: KELSEN, Hans, Jurisdição Constitucional. Trad. Alexandre Krug,
Eduardo Brandão e Maria Ermantina Galvão. Rev. Sérgio Sérvulo da Cunha. São Paulo: Martins
Fontes, 2003, p. 239-298).
478
O Tribunal Pleno da Corte, analisando questão de ordem no Recurso Extraordinário n
o
559.607-
9/SC, suscitada pelo Min. Marco Aurélio, já reconheceu a repercussão geral do tema (cf. decisões
monocráticas no Recurso Extraordinário n
o
561.865/RS, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 22 nov.
2007, e no Recurso Extraordinário n
o
562.260/RS, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 29 nov. 2007),
determinando o sobrestamento de recursos extraordinários e agravos de instrumentos que versam
sobre a constitucionalidade da parte final do art. 7
o
da Lei n
o
10.865, de 2004.
479
A declaração de inconstitucionalidade e seus efeitos sobre as relações jurídicas tributárias.
Curitiba, 2003. Tese (Doutorado) - Setor de Ciências Jurídicas, Universidade Federal do Paraná, p.
38.
480
A fórmula para cálculo foi inicialmente estabelecida pelo Ato Declaratório da Secretaria da Receita
Federal (SRF) n
o
17, de 30/4/2004. A Instrução Normativa (IN) SRF n
o
436, de 27/7/2004, trouxe nova
fórmula de cálculo, garantindo a restituição aos contribuintes que comprovassem recolhimento a
maior que o devido em razão da fórmula constante do ato anterior. Depois, as IN SRF n
o
552, de
28/6/2005, e n
o
571, de 20/10/2005, apresentaram novas fórmulas de cálculo, sendo a metodologia
hoje vigente a publicada na IN SRF n
o
572, de 22/11/2005. Até a edição da Lei n
o
11.196, de
21/11/2005, havia paradoxal situação: as contribuições faziam parte da base de cálculo do ICMS,
que, por sua vez, fazia parte da base de cálculo das contribuições (afora o fato de cada um desses
tributos fazer parte da base de seu próprio cálculo - ‘por dentro’, nos moldes já analisados na
subseção 7.2.2 deste estudo).
481
Cumpre ainda informar que desde 9/5/2006, para a declaração de importação - DI (e de 25/4/2006,
para a declaração simplificada de importação - DSI), o Siscomex efetua o cálculo automático da
Contribuição para o PIS/Pasep-Importação e da Cofins-Importação, a partir das informações
prestadas pelo declarante, para débito em conta-corrente bancária, no ato do registro da declaração.
162
As alíquotas da Contribuição para o PIS/Pasep-importação (1,65%) e da
Cofins-importação (7,6%), estabelecidas pelo art. 8
o
da lei
482
das referidas
contribuições, são as mesmas aplicáveis à Contribuição para o PIS/Pasep e à Cofins
internas, o que, como ressaltamos ao início desta seção, não assegura que esteja
havendo um tratamento nivelador, pois as primeiras são aplicadas sobre um ‘valor
aduaneiro’, e estas sobre o ‘faturamento
483
.
A liberdade no manejo das alíquotas das contribuições pelo Poder Executivo
foi restrita aos casos relacionados no § 11 do art. 8
o
da Lei do PIS/Pasep-
importação e da Cofins-importação, alterado pela Lei n
o
11.196, de 21/11/2005. A
exigência das contribuições, no caso de alterações, por lei ou por ato do Poder
Executivo, está sujeita à anterioridade nonagesimal, cf. estabelece o art. 195, § 6
o
da Constituição Federal.
É de se concluir, assim, que apesar de a Contribuição para o PIS/Pasep-
importação e a Cofins-importação serem tributos niveladores, não se pode afirmar
com convicção que tal nivelamento esteja sendo efetuado em bases objetivas, que
permitam dimensionar se está havendo tratamento desigual, mercadoria a
mercadoria (ou bem a bem, utilizando a terminologia da lei instituidora das
contribuições).
7.5 AFRMM
Com o Adicional ao Frete para Renovação da Marinha Mercante (AFRMM),
passamos dos tributos niveladores, vinculados a operações de comércio exterior,
para as espécies tributárias que denominamos tributos devidos em função de
operação interna necessária à importação na subseção 5.4.3 deste estudo.
O adicional remonta à Lei n
o
3.381, de 24/4/1958, que criou a Taxa de
Renovação da Marinha Mercante, transformada em AFRMM pelo Decreto-lei n
o
482
O mesmo art. 8
o
apresenta, em seus parágrafos, vários casos em que se aplicam alíquotas
diferenciadas, como os de importação de produtos farmacêuticos, veículos, pneus, autopeças e papel
imune. No mesmo artigo são ainda estabelecidas hipóteses em que as alíquotas das contribuições
são específicas (para certos combustíveis e determinadas embalagens e bebidas).
483
Liziane Angelotti Meira, reconhecendo que os tributos niveladores distinguem-se do imposto de
importação pelo fato de também serem exigidos internamente (mencionando o cumprimento da
cláusula do tratamento nacional), destaca que “no caso das Contribuições para o PIS/Pasep e Cofins,
a questão adquire ainda mais complexidade, pois ao passo que na importação a base de lculo
corresponde aos bens importados, no âmbito interno, é o faturamento da empresa” (Regimes
aduaneiros especiais e integração regional: análise dos regimes brasileiros em face das regras do
Mercosul. In: TÔRRES, Heleno Taveira (coord.). Comércio Internacional e Tributação. São Paulo:
Quartier Latin, 2005, p. 351).
163
1.142, de 30/12/1970. O tributo foi posteriormente disciplinado pelo Decreto-lei n
o
1.801, de 18/8/1980 e pelo Decreto-lei n
o
2.404, de 23/12/1987
484
. Hoje, o texto
básico de regência do AFRMM é a Lei n
o
10.893, de 13/7/2004 (que denominaremos
Lei do AFRMM).
Ao se estudar a natureza do adicional, “encargo de estranha denominação e
imprecisão normativa”
485
, é obrigatória a menção à análise empreendida com tal
desiderato pelo Supremo Tribunal Federal, na década de 90, quando, em plenário,
concluiu-se unanimemente que o AFRMM “é uma contribuição parafiscal ou
especial, contribuição de intervenção no domínio econômico, terceiro gênero
tributário, distinta do imposto e da taxa” (grifos nossos)
486
.
Embora alguns autores, como ANDRÉ PARMO FOLLONI, o tenham como
imposto
487
, certamente por adotarem a classificação de GERALDO ATALIBA
488
, o
posicionamento do Supremo Tribunal Federal (adotando concepção tripartida
489
, na
linha de RUBENS GOMES DE SOUZA) reconheceu que o AFRMM: a) sempre foi
uma contribuição parafiscal; e b) foi recepcionado pela Constituição Federal de
1988 como contribuição de intervenção no domínio econômico.
Em relação à decisão de que o AFRMM é uma contribuição, temos que
decorre do modelo adotado para a classificação dos tributos pelo Supremo Tribunal
Federal
490
. E, admitindo-se o enquadramento na espécie contribuição, resta
484
Cujo art. 1
o
continua vigente, com a alteração promovida pelo Decreto-lei n
o
2.414, de 12/2/1988.
485
Nas palavras de José Eduardo Soares de Melo (Curso de..., op. cit., p. 99).
486
Recurso Extraordinário n
o
177.137-2/RS, Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, unânime, DJ de 18
abr. 1997.
487
Tributação sobre..., op. cit., p. 156-157.
488
Para quem, mesmo após a Constituição Federal de 1988, “salvo a de melhoria, no Brasil, todas as
contribuições têm tido hipótese de incidência de imposto, na configuração que o imaginoso - mas sem
técnica - legislador lhes tem dado” (Hipótese de incidência..., op. cit., p. 208).
489
O Min. Carlos Velloso, relator do julgamento sobre o qual estamos discorrendo, em seu voto, cita
voto anterior, proferido na AMS n
o
77.719/RS, em que afirma que ”na linha do raciocínio de Rubens
Gomes de Souza, as contribuições não são somente as de melhoria”, sendo estas, ”apenas, espécie
do gênero contribuição; ou uma subespécie da espécie contribuição”.
490
A classificação dos tributos em espécies, segundo modelos bipartidos, tripartidos, quadripartidos
ou quinqüipartidos demanda análise de envergadura que certamente nos desviaria do roteiro
previamente traçado. Verdadeira ‘súmula da doutrina’ (aliás, esta é a expressão utilizada pelo autor,
em parte do estudo) sobre a classificação dos tributos é efetuada por Luciano Amaro, que afirma que
“as dificuldades encontradas para a classificação dos tributos decorrem do fato de que os sistemas
tributários, não obstante as tentativas para dar-lhes lógica e racionalidade, não nasceram prontos e
acabados; ao contrário, formaram-se ao longo da história, na medida das necessidades do Estado e
de suas funções”, e que “a rotulação das exações criadas pelo Estado também foi sendo dada sem
grandes preocupações classificatórias, e sem maiores cuidados com a semântica, mas não deixa de
ser verdade que algumas especificidades estão refletidas na diversidade de denominações utilizadas
164
classificar o adicional também como contribuição de intervenção no domínio
econômico, característica que salta aos olhos na leitura do texto do art. 1
o
do
Decreto-lei n
o
2.404, de 23/12/1987 (reproduzido no art. 3
o
da Lei do AFRMM): o
“AFRMM destina-se a atender aos encargos da intervenção da União nas
atividades de navegação mercante” (grifo nosso).
Quanto a tratar-se o adicional de uma contribuição paraestatal, tal
informação tem por único objetivo revelar que a disponibilidade dos recursos
arrecadados para a realização dos objetivos legalmente estabelecidos não está a
cargo de quem detém a competência tributária
491
.
7.5.1 Hipótese de Incidência
No intuito de especificar o critério material da hipótese de incidência da
contribuição, ANDRÉ PARMO FOLLONI, a partir dos textos dos arts. 5
o
e 10 da Lei
do AFRMM, conclui que “há necessidade de contratação de transporte aquaviário
para que haja a incidência do AFRMM”, e que, assim, constitui o critério material
“contratar transporte aquaviário a título oneroso”
492
. Acordamos que o verbo do
critério material seja contratar e que o complemento seja transporte aquaviário.
No entanto, a questão de ser ou não o contrato a título oneroso (embora
reconheçamos que, em regra, o será), a nosso ver, não afeta a hipótese de
incidência, mas tão-somente o critério quantitativo do conseqüente, na base de
cálculo da contribuição.
A Lei do AFRMM, em seus arts. 4
o
e 5
o
, estabelece que a contribuição incide
sobre o frete (legalmente definido como a remuneração do transporte aquaviário da
carga de qualquer natureza descarregada em porto brasileiro), e tem por ‘fato
para designar os tributos que foram sendo criados” (Direito Tributário..., op. cit., p. 64-92, tendo as
citações sido extraídas, respectivamente, das páginas 69 e 70). Como endossamos na seção 2.2,
as classificações não são verdadeiras ou falsas, mas úteis ou inúteis (a determinado propósito).
Tendo a Constituição Federal estabelecido um regime tributário que contempla algumas
especificidades para as contribuições sociais, econômicas e corporativas, excepcionado-as de alguns
ditames dirigidos aos impostos, consideramos que se revela útil classificá-las como uma espécie do
gênero tributo, distinta dos impostos e das taxas.
491
Cf. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito..., op. cit., p. 237; e FALCÃO, Amílcar de
Araújo. Sistema tributário brasileiro: discriminação de rendas. Rio de Janeiro: Edições
Financeiras, 1965, p. 54-55. Na mesma linha: CARRAZA, Roque Antonio. Curso de direito..., op. cit,
p. 236; MELO, José Eduardo Soares de. Contribuições sociais - lineamentos jurídicos. In:
SCHOUERI, Luís Eduardo (coord.). Direito Tributário. v. II. São Paulo: Quartier Latin, 2003, p. 704; e
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito..., op. cit., p. 68.
492
Tributação sobre..., op. cit., p. 155-156.
165
gerador’ o início efetivo da operação de descarregamento da embarcação em porto
brasileiro.
Dos comandos legais brotam o critério temporal (momento do início efetivo
da operação de descarregamento) e o critério espacial (porto alfandegado
brasileiro) da hipótese de incidência do AFRMM. A esse último critério, acrescemos
ao conteúdo da Lei do AFRMM o termo ‘alfandegado’, visto que somente nos portos
alfandegados pode ser efetuada a entrada de mercadoria procedente do exterior (cf.
art. 34, II e III da Lei Aduaneira e art. 8
o
do Regulamento Aduaneiro).
Destaque-se que, cf. o parágrafo único do art. 4
o
da Lei do AFRMM, o
adicional não incide sobre a navegação fluvial e lacustre
493
, exceto sobre cargas de
granéis
494
líquidos, transportadas no âmbito das regiões Norte e Nordeste
495
.
7.5.2 Conseqüente
Pertence à União a competência tributária (cf. o caput do art. 149 da
Constituição Federal) em relação ao AFRMM. Contudo, a arrecadação e a
fiscalização da contribuição não estão a cargo do órgão normalmente incumbido de
tais atividades no âmbito federal (a Secretaria da Receita Federal do Brasil): quem
verifica a correção dos pagamentos efetuados e exige eventuais diferenças é o
Ministério dos Transportes (cf. arts. 7
o
, 8
o
, 12, 13, 15 e 16 da Lei do AFRMM).
Assim, pertence à União a capacidade ativa, manifestada na atuação do Ministério
dos Transportes, como órgão arrecadador e fiscalizador da contribuição. O Ministério
dos Transportes é ainda administrador do Fundo da Marinha Mercante (cf. art. 24 da
Lei do AFRMM).
A sujeição passiva é objetivamente estabelecida na Lei do AFRMM (art. 10): o
493
Legalmente definida (art. 2
o
, IV da Lei do AFRMM) como aquela realizada entre portos brasileiros,
utilizando exclusivamente as vias interiores.
494
Legalmente definido (art. 2
o
, V da Lei do AFRMM) como a mercadoria embarcada, sem
embalagem ou acondicionamento de qualquer espécie, diretamente nos compartimentos da
embarcação ou em caminhões-tanque sobre a embarcação.
495
Registre-se ainda que o art. 17 da Lei n
o
9.432, de 8/1/1997 estabeleceu um caso de ‘não-
incidência temporária’ do AFRMM, até 9/1/2007, para “mercadorias cuja origem ou cujo destino final
seja porto localizado na Região Norte ou Nordeste do País”. A Lei n
o
11.033, de 21/12/2004 (art. 18)
estabeleceu que, para mercadorias transportadas em embarcações de casco duplo, a ‘não-incidência
temporária’ se estende até 8/1/2022. A Lei n
o
11.482, de 31/5/2007 (art. 11) estendeu ainda a ‘não-
incidência temporária’ até 8/1/2012, para as mercadorias transportadas em navegação de
cabotagem, interior fluvial e lacustre. Interessante ainda destacar que a ’não-incidência‘ foi designada
como isenção nas razões de veto (Mensagem n
o
396, de 13/7/2004) da Presidência da República ao
art. 51 da Lei do AFRMM.
166
contribuinte é o consignatário constante do conhecimento de carga
496
(ou o
proprietário da carga, nos casos em que não houver obrigação de emissão do
conhecimento). Havendo emissão de conhecimento de carga, o proprietário da
carga transportada é responsável solidário pelo pagamento do AFRMM.
Inaugurando o critério quantitativo, é de se destacar que a base de cálculo
é inegavelmente o frete (que, como expusemos, é legalmente definido como a
remuneração do transporte aquaviário da carga de qualquer natureza
descarregada em porto brasileiro). A Lei do AFRMM (art. 5
o
, § 1
o
) aprofunda a
definição, estabelecendo que se deve entender por remuneração do transporte
aquaviário a remuneração para o transporte da carga porto a porto, incluídas as
despesas portuárias com a manipulação de carga, constantes do conhecimento de
carga ou de declaração específica.
O documento hábil para comprovação do valor do frete é o conhecimento de
carga. Assim, nos casos em que não seja obrigatória a emissão de tal documento, o
valor do frete será apurado, para fins de cálculo do AFRMM, por declaração do
contribuinte
497
.
Sobre o valor do frete serão aplicadas as seguintes alíquotas, cf. art. 6
o
da
Lei do AFRMM: 25% na navegação de longo curso
498
; 10% na navegação de
cabotagem
499
; e 40% na navegação fluvial e lacustre, quando do transporte de
granéis líquidos nas regiões Norte e Nordeste. Tais alíquotas, em função do
disposto no art. 150, incisos I e III, em suas alíneas ‘b’ e ‘c’ (esta com a redação
dada pela Emenda Constitucional n
o
42, de 19/12/2003) da Constituição Federal,
podem ser alteradas por lei, devendo ainda haver observância à anterioridade (de
exercício e nonagesimal).
496
A Lei do AFRMM utiliza a denominação ‘conhecimento de embarque’. Contudo, adotamos, aqui, a
expressão sinônima uniformizada pelo Regulamento Aduaneiro (conhecimento de carga), conforme
exposto na subseção 1.2.2 deste estudo.
497
Em verdade, tais disposições, constantes dos §§ 1
o
e 2
o
do art. 6
o
da lei do AFRMM, são
regulamentadas pelo Decreto n
o
5.543, de 20/9/2005, que define (art. 2
o
, II) ‘declaração do
contribuinte’ como uma ’declaração de frete emitida por empresa brasileira de navegação’. Perceba-
se, então, que, paradoxalmente, a declaração do contribuinte não é prestada pelo contribuinte.
498
Legalmente definida (art. 2
o
, II da Lei do AFRMM) como aquela realizada entre portos brasileiros e
portos estrangeiros, sejam marítimos, fluviais ou lacustres.
499
Legalmente definida (art. 2
o
, III da Lei do AFRMM) como aquela realizada entre portos brasileiros,
utilizando exclusivamente a via marítima ou a via marítima e as interiores.
167
7.6 Taxas
As taxas são tributos vinculados que, conforme o art. 145, II da Constituição
Federal, podem ser exigidos em razão do exercício do poder de polícia ou pela
utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis,
prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição.
Assim, como destaca ROQUE ANTONIO CARRAZA, é preciso que o Estado
faça algo em favor do contribuinte para que possa dele exigir de modo válido essa
espécie tributária, consistindo tal atuação estatal em um serviço público (taxas de
serviço) ou em um ato de polícia (taxas de polícia)
500
.
No comércio exterior, tributos (e ingressos não tributários) de variadas
naturezas jurídicas instituídos como se taxas fossem. Veja-se, por exemplo, a
chamada ‘Taxa de Armazenagem Portuária - TAP’, instituída pelo Decreto-lei n
o
8.439, de 24/12/1945, que o Superior Tribunal de Justiça entendeu ser um preço
público:
1. ATaxa de Armazenagem Portuária’, por se tratar de preço
público, a despeito de sua denominação, não está sujeita aos
princípios que regem a relação jurídico-tributária. Assim sendo, é
legítima sua fixação por meio de portaria ministerial, sem que isso
represente qualquer ofensa ao princípio da legalidade (grifos
nossos)
501
Outras ‘taxas’, como a criada no art. 61 da Lei n
o
8.630, de 25/2/1993
(Adicional de Indenização do Trabalhador Portuário Avulso - AITP), também foram
objeto de censura pelo Supremo Tribunal Federal
502
.
Trataremos aqui de tão-somente de duas taxas, que, a nosso ver se amoldam
à definição constitucional de tal modalidade tributária: a taxa de utilização do
500
Curso de direito..., op. cit, p. 515. É o que Geraldo Ataliba denomina ‘referibilidade’ entre a
atuação estatal e o obrigado, essencial à configuração da taxa (Hipótese de incidência..., op. cit., p.
156).
501
Recurso Especial n
o
115.783/SP, Segunda Turma, Rel. Min. João Otávio de Noronha, unânime,
DJ de 13 dez. 2004. No mesmo sentido: Recurso Especial n
o
185.404/SP, Segunda Turma, Rel.
Min. João Otávio de Noronha, unânime, DJ de 13 jun. 2005; Agravo Regimental no Agravo de
Instrumento n
o
395.440/SP, Segunda Turma, Rel. Min. Francisco Peçanha Martins, unânime, DJ de
13 fev. 2006; e Agravo Regimental no Agravo de Instrumento n
o
808.4390/SP, Segunda Turma,
Rel. Min. Castro Meira, unânime, DJ de 11 dez. 2006. Também o Supremo Tribunal Federal
externou o mesmo entendimento, no Recurso Extraordinário n
o
95.521-6/SP, Primeira Turma, Rel.
Min. Soares Munoz, unânime, DJ de 26 fev. 1982.
502
Veja-se excerto de ementa do julgamento do Agravo Regimental no Agravo de Instrumento n
o
333.820/SP (Segunda Turma, Rel. Min. Nelson Jobim, unânime, DJ de 23 ago. 2002): “Lei 8.630/93
incompatível com o art. 154, I, da CF, que exige lei complementar quando se institui imposto de
competência residual”.
168
Sistema Integrado de Comércio Exterior (Siscomex) e a taxa de utilização do
sistema Mercante.
É preciso destacar, preliminarmente, uma impropriedade na denominação de
tais taxas, pois estas não se referem exatamente à mera utilização dos sistemas
informatizados, mas à obtenção de contrapartidas do Poder Público mediante a
utilização destes. O mero acesso ao sistema (v.g., para consultas), ou a tentativa
fracassada de registro utilizando o sistema não ensejam a incidência das taxas.
Tais taxas são características do exercício do poder de polícia
(especificamente a admissão de registros relativos à importação mediante a
utilização de sistemas informatizados). Conforme ensina CELSO ANTONIO
BANDEIRA DE MELLO, os atos administrativos de polícia podem ser praticados por
‘máquinas’, citando como exemplo as centrais controladoras de semáforos
comandadas por computador e os chamados ‘parquímetros’
503
. Em complemento,
cite-se GERALDO ATALIBA, que, ao se manifestar sobre as taxas de polícia, dispôs
que estas
cabem para cobrir os custos administrativos com o exercício do
poder de polícia diretamente referido a certas pessoas que o
provocam, ou o exigem, em razão de sua atividade. [...] Com base na
lei, a administração pública licencia, permite, autoriza, fiscaliza e
controla as atividades privadas. Os custos desse controle e
fiscalização são remunerados pelos interessados cujas atividades o
exigem mediante taxas, chamadas taxas de polícia’. (grifos
nossos)
504
ANDRÉ PARMO FOLLONI, analisando as taxas sobre as quais
discorreremos, também concluiu se tratarem de taxas de polícia, referentes a
atividades que se amoldam à definição estabelecida no art. 78 de nosso Código
Tributário Nacional
505
.
503
Curso de..., op. cit., p. 356-357 e 806-807.
504
Recurso Especial n
o
115.783/SP, Segunda Turma, Rel. Min. João Otávio de Noronha, unânime,
DJ de 13 dez. 2004. No mesmo sentido: Recurso Especial n
o
185.404/SP, Segunda Turma, Rel.
Min. João Otávio de Noronha, unânime, DJ de 13 jun. 2005; Agravo Regimental no Agravo de
Instrumento n
o
395.440/SP, Segunda Turma, Rel. Min. Francisco Peçanha Martins, unânime, DJ de
13 fev. 2006; e Agravo Regimental no Agravo de Instrumento n
o
808.4390/SP, Segunda Turma,
Rel. Min. Castro Meira, unânime, DJ de 11 dez. 2006. Também o Supremo Tribunal Federal
externou o mesmo entendimento, no Recurso Extraordinário n
o
95.521-6/SP, Primeira Turma, Rel.
Min. Soares Munoz, unânime, DJ de 26 fev. 1982.
505
Tributação sobre..., op. cit., p. 164.
169
7.6.1 Taxa de utilização do SISCOMEX
A Taxa de utilização do Sistema Integrado de Comércio Exterior
(Siscomex)
506
foi criada pela Medida Provisória n
o
1.725, de 29/10/1998, convertida
na Lei n
o
9.716, de 26/11/1998, e está totalmente disciplinada em apenas um artigo
da lei (art. 3
o
). O Regulamento Aduaneiro (art. 261) limitou-se a reproduzir os
ditames da lei. A taxa passou a ser cobrada em 1
o
/1/1999, sendo o produto de sua
arrecadação destinado ao Fundo Especial de Desenvolvimento e Aperfeiçoamento
das Atividades de Fiscalização - FUNDAF, instituído pelo art. 6
o
do Decreto-Lei n
o
1.437, de 17/12/1975.
7.6.1.1 Hipótese de Incidência
Como expusemos, uma impropriedade na denominação da taxa. A mera
utilização do Siscomex não constitui o critério material da hipótese de incidência do
tributo. Há necessidade de que o Poder Público faça a sua parte (mesmo que
virtualmente, por meio de um computador), aceitando o registro dos dados
declarados pelo contribuinte.
Uma declaração preenchida, enviada por meio da rede mundial de
computadores, e não aceita (por haver algum fator impeditivo de registro
507
) não
constitui hipótese de incidência do tributo.
Deve-se observar ainda que o legislador fez relevante restrição material à
incidência, limitando a taxa às operações de importação. Temos, então, restrições à
506
O Siscomex foi instituído pelo Decreto n
o
660, de 25/9/1992. Na norma instituidora, o Siscomex é
definido como “o instrumento administrativo que integra as atividades de registro, acompanhamento e
controle das operações de comércio exterior, mediante fluxo único, computadorizado, de
informações” (art. 2
o
). Realmente, o propósito do Siscomex é congregar em um portal único todos os
órgãos gestores (Secretaria da Receita Federal do Brasil - RFB, Banco Central do Brasil - Bacen e
Secretaria de Comércio Exterior - Secex) e anuentes (como o Ministério da Agricultura, Pecuária e
Abastecimento - MAPA, o Departamento de Polícia Federal - DPF e o Instituto Brasileiro do Meio-
Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA) do comércio exterior brasileiro,
informatizando e automatizando os procedimentos, reduzindo a burocracia e o chamado ’custo Brasil’.
Pela abrangência e pela completude do Siscomex, como exposto no item 6.1.3.1 deste estudo, os
dados da balança comercial brasileira são, hoje, automaticamente obtidos de tal sistema. Destaque-
se, por fim, que o Siscomex é utilizado desde 1993 para controle das exportações e desde 1997 para
controle das importações.
507
Os fatores impeditivos de registro estão, hoje, relacionados no art. 15 da Instrução Normativa da
Secretaria da Receita Federal n
o
680, de 2/10/2006: irregularidade cadastral do importador, não
atendimento às normas cambiais e de licenciamento das importações, não ter a carga chegado
ao País (exceto nos casos em que se permita o registro antecipado da declaração), impossibilidade
de débito automático dos tributos devidos (inclusive a taxa de utilização do Siscomex),
irregularidade decorrente da omissão de dado obrigatório, de seu fornecimento com erro, ou de
impossibilidade legal absoluta.
170
afirmação de que o verbo do critério material seria ‘utilizar’ e de que o complemento
seria ‘o Siscomex’
508
.
Destaque-se que, na lição de ROQUE ANTONIO CARRAZA,
as pessoas políticas, no Brasil, podem criar taxas de serviço e
taxas de polícia. Outras modalidades de taxas, encontráveis no
Direito Comparado, são inconstitucionais em nosso País. É o caso
das taxas de uso, isto é, as taxas que têm por hipótese de
incidência a utilização de bem pertencente ao domínio público, [...].
São taxas de uso, por exemplo, as quantias cobradas para se entrar
num miradouro público (belvedere), num parque público ou num
museu público (ainda que sejam empregadas na conservação destes
bens do domínio público). (grifos nossos)
509
Assim, temos como critério material da hipótese de incidência obter (verbo)
registro de declaração de importação no Siscomex (complemento).
O critério espacial é o território nacional, pois, como exposto no item
6.1.2.4 deste estudo, a aceitação do registro ocorre em território brasileiro. Não
temos, contudo, no que tange à taxa de utilização do Siscomex, objeção à afirmação
de que o critério espacial seria especificamente o ambiente virtual do Siscomex
510
,
pois só ocorrerá a incidência quando obtido o registro da declaração em tal sistema.
O critério temporal é o momento do registro da declaração de importação,
cf. o § 1
o
do art. 3
o
da lei instituidora. Veja-se que o registro ocorre após sua
admissão pelo Poder Público
511
(mediante o cotejamento dos dados declarados pelo
importador com os requisitos mínimos cadastrados no sistema), o que se coaduna
com o aspecto retributivo das taxas. Obtido o número de registro, é devida a taxa,
sendo irrelevante o fato de ser ou não posteriormente desembaraçada a mercadoria.
Observe-se ainda que não há, na lei instituidora da taxa, especificação do tipo
de declaração de importação registrada no Siscomex para incidência do tributo.
Assim, para incidência, não a necessidade de que a declaração de importação
seja relativa a despacho para consumo. Pode a taxa incidir no caso de registro, no
Siscomex, de declarações de importação a título não definitivo, como as
referentes à admissão de mercadoria em regimes aduaneiros especiais.
508
Posição sustentada por André Parmo Folloni (Tributação sobre..., op. cit., p. 164).
509
Curso de direito..., op. cit, p. 523.
510
Cf. defende André Parmo Folloni (Tributação sobre..., op. cit., p. 164).
511
O próprio sistema está programado para não efetuar o débito em conta corrente do valor da taxa
de utilização do Siscomex se não houver sido aceito o registro da declaração de importação.
171
Registre-se, derradeiramente, que o universo de incidência da taxa chegou a
ser temporariamente estendido às retificações efetuadas na declaração de
importação, pela Medida Provisória n
o
320, de 24/8/2006 (art. 35), a chamada ‘Lei
dos Portos Secos’, rejeitada pelo Poder Legislativo
512
.
7.6.1.2 Conseqüente
No critério pessoal do conseqüente, temos como sujeito ativo a União, e
como sujeito passivo o importador. A União detém a competência e a capacidade
tributárias, exercendo esta por meio de seu órgão arrecadador oficial (a Secretaria
da Receita Federal do Brasil).
A base de cálculo é a unidade de declarações de importação registradas,
combinada com a unidade de adições presentes nas declarações. Entenda-se
adição como o agrupamento de cada espécie (classificação na Nomenclatura
Comum do Mercosul - NCM) de mercadoria em uma declaração de importação
513
.
A alíquota é específica, de R$ 30,00 por declaração de importação,
acrescidos de R$ 10,00 por adição (cf. § 1
o
do art. 3
o
da lei instituidora da taxa). Em
relação ao valor por adição, permitiu a lei que a Secretaria da Receita Federal - SRF
(hoje, SRF do Brasil), estabelecesse limite, tendo o órgão, na Instrução Normativa
n
o
131, de 11/11/1998 (art. 1
o
)
514
, disciplinado que: aa adição, tal valor seria de
R$10,00; da à 5ª, de R$ 8,00; da à 10ª, de R$ 6,00; da 11ª à 20ª, de R$ 4,00;
da 21ª à 50ª, de R$ 2,00; e a partir da 51ª, de R$ 1,00.
Apesar de haver autorização legal 2
o
do art. 3
o
da lei instituidora) para
reajuste anual das aquotas, mediante ato do Ministro de Estado da Fazenda,
conforme a variação dos custos de operação e dos investimentos no Siscomex, até
o momento os montantes ainda são os previstos em 1998.
512
O Senado Federal, por meio do Ato Declaratório n
o
1, de 14/12/2006, rejeitou os pressupostos
constitucionais de relevância e urgência e determinou o arquivamento da Medida Provisória n
o
320,
de 2006.
513
Assim, uma importação de bananas (código da classificação na NCM: 0803.00.00) e de melancias
(código da classificação na NCM: 0807.11.00) pode ser efetuada em uma mesma declaração de
importação, mas demandará duas adições. É de se registrar, contudo, que embora seja impossível
declarar mercadorias de classificações diferentes em uma mesma adição, não vedação ao
registro, em uma declaração de importação, de duas adições com a mesma classificação (quando
isso ocorre, é de se entender que o declarante optou também por ver ampliada a base de cálculo da
taxa).
514
Ditame hoje contido no art. 13 da Instrução Normativa da Secretaria da Receita Federal - IN SRF
n
o
680, de 2/10/2006, com a redação dada pela IN SRF n
o
702, de 28/12/2006.
172
7.6.2 Taxa de utilização do sistema MERCANTE
A Taxa de utilização do sistema Mercante
515
foi criada pela Medida Provisória
n
o
177, de 25/3/2004, convertida na Lei n
o
10.893, de 13/7/2004 (Lei do AFRMM), e
está basicamente disciplinada em apenas um artigo da lei instituidora (art. 37). A
taxa passou a ser cobrada em 1
o
/1/2005, sendo o produto de sua arrecadação
destinado ao Fundo da Marinha Mercante, cf. o inciso V do art. 25 da Lei do
AFRMM.
7.6.2.1 Hipótese de Incidência
Mantendo a linha adotada em relação à ‘taxa de utilização do Siscomex’,
identificamos impropriedade na denominação da taxa de utilização do Mercante,
pois a mera utilização do sistema não constitui o critério material da hipótese de
incidência do tributo.
Assim, considerando transplantada para a argumentação exposta no
subitem 7.6.1.1, temos como critério material da hipótese de incidência obter
(verbo) registro do conhecimento de carga no sistema Mercante (complemento).
O critério espacial é o território nacional, pois, como exposto no item
6.1.2.4 deste estudo, a aceitação do registro ocorre em território brasileiro. Não
temos, também, no que tange à taxa de utilização do Siscomex, objeção à afirmação
de que o critério espacial seria especificamente o ambiente virtual do sistema
Mercante
516
, pois ocorrerá a incidência quando obtido o registro da declaração
em tal sistema.
O critério temporal é o momento da emissão do número de registro do
conhecimento de carga no sistema Mercante
517
, cf. o § 1
o
do art. 37 da lei
instituidora. Veja-se que a numeração do registro, no sistema, ocorre após a
participação do Poder Público, que a emite, de acordo com parâmetros
515
O Sistema Mercante (de Controle da Arrecadação do Adicional ao Frete para Renovação da
Marinha Mercante - AFRMM) tem objetivos bem mais modestos que o Siscomex, por voltar-se ao
controle tão-somente de arrecadação e exclusivamente de um tributo. Contudo, é inegável que a
implantação de tal sistema também garante maior celeridade ao fluxo de comércio exterior brasileiro,
reduzindo a burocracia e o ‘custo Brasil’.
516
Cf. defende André Parmo Folloni (Tributação sobre..., op. cit., p. 166).
517
O número de registro do conhecimento de carga (recorde-se que a lei adota a denominação
‘conhecimento de embarque’, por nós preterida, conforme exposto na subseção 1.2.2 deste estudo)
no Sistema Mercante não corresponde à numeração do conhecimento de carga marítimo
emitido no exterior, mas a uma numeração própria, gerada pelo sistema, que individualiza a carga.
A nova numeração se fez necessária tendo em vista que não uma padronização internacional dos
conhecimentos de carga marítimos (Bill of Lading - BL), o que possibilita, v.g., duplicidade de
numeração.
173
estabelecidos e cadastrados no ‘Mercante’, o que se coaduna com o aspecto
retributivo das taxas.
Destaque-se ainda que o Regulamento da taxa de utilização do sistema
Mercante (Decreto n
o
5.324, de 29/12/2004) estabeleceu, em seu art. 2
o
, § 1
o
,
‘hipótese de não-incidência’ nos casos de “cargas destinadas ao exterior” e de
“cargas isentas do pagamento do AFRMM”.
7.6.2.2 Conseqüente
O critério pessoal do conseqüente tem na sujeição ativa a União, estando
a cargo do Ministério dos Transportes a arrecadação e a fiscalização da taxa. No
pólo passivo da relação tributária, figura o consignatário do conhecimento de
carga.
A base de cálculo é a unidade de conhecimentos de carga com
numeração emitida. A Lei estabeleceu alíquota específica, de R$ 50,00 por
número de conhecimento emitido. O Regulamento da taxa, com autorização legal
(art. 37, § 2
o
da Lei do AFRMM), reduziu a alíquota para R$ 20,00.
8 REGIMES ADUANEIROS
Examinados os aspectos referentes ao Direito Aduaneiro e ao Direito
Tributário, e a sua área de intersecção, passamos a analisar as possibilidades que
se apresentam na importação ou exportação de uma mercadoria e os regimes
aplicáveis a cada uma delas.
8.1 Considerações preliminares
Para que se possibilite um maior detalhamento no estudo dos regimes
aduaneiros existentes no Brasil, faz-se necessário estabelecer inicialmente uma
definição de regime aduaneiro (o que se fará na subseção 8.1.1). A partir de tal
definição, pode ser historicamente identificada a construção legal (e, às vezes
infralegal) de regência de tais regimes (subseção 8.1.2). Surgem, assim, elementos
para fundamentar a adoção de uma classificação para os regimes aduaneiros
brasileiros (subseção 8.1.3).
8.1.1 Definição de regime aduaneiro
A universalidade do controle aduaneiro, cf. exposto no 6.1.3.1 deste
estudo, é materializada, no Brasil, pelo texto do art. 44 da Lei Aduaneira, com a
redação dada pelo Decreto-lei n
o
2.472, de 1
o
/9/1988, e pelo Regulamento
Aduaneiro, em seus arts. 483 (importação) e 520 (exportação). De acordo com tais
textos, toda mercadoria que ingresse no território aduaneiro (ou dele egresse),
a qualquer título, deve ser objeto de um despacho aduaneiro.
No momento em que submete a mercadoria a despacho aduaneiro, seja na
importação ou na exportação, o declarante deverá optar por um tratamento
aduaneiro, dependendo das possibilidades que a legislação lhe apresente, dando à
mercadoria uma destinação. Se a mercadoria é importada por prazo determinado,
v.g., para exposição em uma feira, poderá o declarante optar por qualquer dos
tratamentos ou destinações previstos para tal situação (admissão temporária,
entreposto aduaneiro etc.), desde que observe os termos, limites e condições
estabelecidos na legislação aduaneira para aplicação do tratamento ou destinação
que escolher.
Na busca por uma definição de regime aduaneiro, que se limitar, contudo,
o alcance das expressões ‘destinação aduaneira’ e ‘tratamento aduaneiro’. É certo
175
que os regimes aduaneiros são formas de tratar ou destinar uma mercadoria, na
importação ou na exportação. Contudo, não são os únicos destinos aduaneiros e
tampouco abarcam todos os tratamentos aplicáveis a uma operação de comércio
exterior. Definir regimes aduaneiros, v.g., como ‘cada um dos destinos’ aplicáveis à
mercadoria é pecar por não distinguir o gênero (destinos aduaneiros) da espécie
(regimes aduaneiros). Adotada tal definição, teríamos que admitir que o abandono e
a destruição, v.g., são regimes aduaneiros.
O Código Aduaneiro Europeu dispõe, em seu artigo 4
o
, 15, que são destinos
aduaneiros de uma mercadoria “a) a sujeição de uma mercadoria a um regime
aduaneiro; b) a sua colocação numa zona franca ou num entreposto franco; c) a
sua reexportação do território aduaneiro da Comunidade; d) a sua inutilização; e e)
o seu abandono à fazenda pública” (grifo nosso)
518
.
O anteprojeto de Código Aduaneiro do Mercosul de 1994
519
, em seu artigo 3
o
,
12, segue a mesma linha, estabelecendo como destinações aduaneiras de uma
mercadoria “a) a aplicação de um regime aduaneiro; b) a introdução em Zona
Franca ou em Área Aduaneira Especial; c) a reexportação; d) a destruição; e e)
o abandono em favor do Erário” (grifo nosso).
518
Em 1
o
de janeiro de 2009, deve entrar em vigor o Código Aduaneiro Europeu Modernizado, fruto
dos trabalhos efetuados no âmbito da Estratégia de Lisboa renovada, que busca tornar a Europa um
local mais atrativo para investimento e trabalho. O Código Modernizado visa igualmente a dar
cumprimento aos objetivos da iniciativa relativa à administração pública on line, permitindo à Aduana
e às empresas um melhor aproveitamento das modernas tecnologias de informática, com a
conseqüente simplificação das trocas comerciais. O texto preliminar do Código Aduaneiro Europeu
Modernizado modifica alguns institutos relativos aos regimes aduaneiros, como as zonas francas (que
passam a ser consideradas não destinos, mas regimes aduaneiros). Contudo, não mais, no
texto, dispositivo como o aqui apresentado, que relacione os destinos e os regimes aduaneiros
(Disponível em: <http://eur-lex.europa.eu/smartapi/cgi/sga_doc?smartapi! celexplus!prod!DocNumber
&lg=pt&type_doc=COMfinal&an_doc=2005&nu_doc=608>. Acesso em: 23 jan. 2008).
519
O anteprojeto de digo Aduaneiro do Mercosul (CAM), constante da Decisão do Conselho do
Mercado Comum (CMC) n
o
25/94, com seus 186 artigos, até hoje não es vigente. Apesar das
tentativas de retomada do assunto de 1997 a 2000, não se logrou consenso sobre alguns tópicos,
como a definição de território aduaneiro. Em dezembro de 2004, na XXVII Reunião do CMC, em Ouro
Preto, o CAM voltou à pauta prioritária, tendo em vista o estabelecido no Artigo 4, ‘a’ da Decisão CMC
n
o
54/2004: “...os Estados Partes deverão considerar o tema a partir da XXVIII Reunido Ordinária do
CMC e aprovar e colocar em vigência, não além de 2008, o Código Aduaneiro do Mercosul”. Para a
execução do trabalho, vem se reunindo desde 2006 um Grupo Ad Hoc para a redação do Código
Aduaneiro do Mercosul, sendo a Aduana brasileira representada por Rosaldo Trevisan e Liziane
Angelotti Meira. Sobre o Código Aduaneiro do Mercosul, ver: a) estudo sintético em: TREVISAN,
Rosaldo. Direito Aduaneiro..., op. cit., p. 398-401; b) análise comparativa do articulado de 1994 em:
PIRES, Adilson Rodrigues et. al. Código Aduaneiro do Mercosul: comentários ao protocolo. São
Paulo: Aduaneiras, 1999; e c) análises críticas em BASALDÚA, Ricardo Xavier. Reflexiones sobre el
Código Aduanero del Mercosur. In: FERRARI, Regina Mari Macedo Nery (org.). O Mercosul e as
ordens jurídicas de seus Estados Membros. Curitiba: Juruá, 1999; e em COTTER MOINE, Juan
Patricio. Observaciones al Código Aduanero del Mercosur. Revista del Instituto Argentino de
Estudios Aduaneros. n. 9, p. 31-35.
176
O Conselho de Cooperação Aduaneira - CCA (mais conhecido como
Organização Mundial de Aduanas - OMA), define, em seu glossário, regime
aduaneiro como “tratamento aplicável pela Aduana às mercadorias sujeitas a
controle aduaneiro”
520
.
No Glossário de Termos Aduaneiros e de Comércio Exterior da ALADI,
define-se regime aduaneiro como “o tratamento aplicável às mercadorias submetidas
a controle aduaneiro, de acordo com as leis e regulamentos aduaneiros, segundo a
natureza e os objetivos da operação”
521
. A definição latino-americana avança na
distinção da espécie ‘regimes aduaneiros’ em relação às demais, constantes do
gênero ‘destinos aduaneiros’ (que denomina ‘tratamentos’), inserindo a vinculação à
natureza e aos objetivos da operação. Assim, não mais se poderia afirmar que a
destruição seja um regime aduaneiro, pois certamente este não é o objetivo de uma
operação de importação.
O Código Aduaneiro Uniforme Centroamericano (CAUCA) define regimes
aduaneiros como “as diferentes destinações a que se podem submeter as
mercadorias que se encontram sob controle aduaneiro, de acordo com os termos da
declaração apresentada perante a autoridade aduaneira”
522
. Veja-se que o CAUCA,
um dos poucos Códigos Aduaneiros que se atreve a definir regimes aduaneiros,
aperfeiçoa a definição estabelecida pela OMA e, em consonância com o caráter
universal do controle aduaneiro, acrescenta à destinação a necessidade de
apresentação de uma declaração. Tal acréscimo também exclui da abrangência da
expressão ‘regimes aduaneiros’, v.g., o abandono e a destruição, pois, para tais
casos, não há que se falar em declaração aduaneira.
Procurando superar as imperfeições e incompletudes apontadas nas
principais definições existentes, definimos regime aduaneiro como a destinação
aplicável à mercadoria a ser objeto de um despacho aduaneiro de importação
ou de exportação, em função das características da operação de comércio
520
Tradução livre da versão em francês (“regime douanier - traitement applicable par la douane aux
marchandises assujetties au controle de la douane”), equivalente à versão em inglês, o outro idioma
oficial da OMA (“customs procedure - treatment applied by the Customs to goods which are subject to
Customs control”).
521
Disponível em: <http://www.aladi.org/nsfaladi/glosario.nsf>. Acesso em: 23 jan. 2008.
522
Disponível em: <http://www.minec.gob.sv/datco/media/downloads/legislacion/cauca.pdf>. Acesso
em: 23 jan. 2008.
177
exterior e da escolha do declarante, dentro dos parâmetros estabelecidos pela
legislação aduaneira.
8.1.2 Histórico dos regimes aduaneiros no Brasil
Como expusemos na seção 5.2, é a partir da independência que se constitui
uma legislação propriamente brasileira. No período imperial foi produzido vasto
universo de normas aduaneiras (incluindo três regulamentos aduaneiros: o de 1832,
o de 1836 e o de 1860). Em tais textos normativos havia previsão para alguns
regimes aduaneiros, como a importação definitiva, a exportação definitiva, o trânsito
e o entreposto
523
. A Nova Consolidação das Leis das Alfândegas e Mesas de
Rendas (NCLAMR), de 1894, disciplinava, também, alguns regimes aduaneiros,
como a admissão temporária, à época denominada franquia aduaneira
temporária
524
(v.g., arts. 294 a 297), o entreposto aduaneiro (arts. 196 a 245), o
trânsito aduaneiro (arts. 541 a 551), a importação definitiva (arts. 423 a 446) e a
exportação definitiva (arts. 564 e 565).
A partir da década de 30, a expressão regimes aduaneiros estava
presente em diplomas normativos
525
e no meio acadêmico
526
brasileiro. Na mesma
década, ampliava-se o rol de regimes aduaneiros, com a criação do drawback
527
.
Na década de 60, a Lei Aduaneira passa, em seu Título III, a disciplinar os
regimes aduaneiros especiais’, estabelecendo disposições gerais (arts. 71 e 72) e
específicas sobre trânsito aduaneiro (arts. 73 e 74), admissão temporária (arts.
523
Veja-se, v.g., excertos da disciplina do regime de entreposto estabelecida pelo Decreto n
o
3.217,
de 31/12/1863: “Art. 3
o
O entreposto, quanto a percepção dos direitos de consumo das mercadorias
importadas em virtude desta faculdade, é assemelhado a território estrangeiro. § 1
o
As mercadorias
depositadas no entreposto, mediante as formalidades estabelecidas no presente Decreto, poderão,
durante os prazos marcados, ser livremente, no todo ou em parte reexportadas [...] despachadas para
consumo. [...] Art. 6
o
O prazo de entreposto será [...] § 1
o
vencido o prazo, o dono ou consignatário
das mercadorias fica obrigado a reexportá-las ou despachá-las para consumo, dentro do prazo de 30
dias, findo o qual, se não tiver feito, serão as mercadorias reputadas abandonadas, e vendidas em
leilão [...]”.
524
CAMPOS, Antonio. Regulamento Aduaneiro..., op. cit., p. 203. A expressão ‘franquia aduaneira
temporária’ é posteriormente utilizada como título do Capítulo XIX (arts. 50 a 65) do Decreto-lei n
o
300, de 24/2/1938.
525
A expressão ‘regime aduaneiro era apresentada como sinônima de ‘regime tributário na
importação’, v.g., no Decreto n
o
20.245, de 21/9/1931. Contudo, assumia também o significado de
‘tratamento aduaneiro’ em textos normativos como o Decreto n
o
20.491, de 24/1/1946.
526
Como exposto na seção 5.3 deste estudo, Aliomar Baleeiro exercia, na década de 30, o cargo de
professor de Regime Aduaneiro Comparado e Política Comercial, interinamente, na Faculdade de
Ciências Econômicas da Universidade da Bahia.
527
Por meio do Decreto n
o
994, de 28/7/1936, é instituído no Brasil o drawback, para matérias-primas
necessárias à produção de mercadorias em reconhecidas condições de concorrer, fora do País, com
as similares estrangeiras.
178
75 a 77), drawback/aperfeiçoamento ativo/reposição de estoques (art. 78),
entreposto aduaneiro (arts. 79 a 88), entreposto industrial (art. 89 a 91) e
exportação temporária (arts. 92 e 93).
Um ano após a edição da Lei Aduaneira, demarcava-se, pelo Decreto-lei n
o
288, de 28/2/1967, a Zona Franca de Manaus
528
, que veio a ser denominada,
posteriormente, de regime aduaneiro atípico
529
.
O Regulamento Aduaneiro de 1985, em seu Livro III, tratava de regimes
aduaneiros em especiais
530
e atípicos
531
. A classificação adotada pelo
Regulamento Aduaneiro de 1985, como explica JOSÉ LENCE CARLUCI, era
baseada em critério apenas cronológico: os regimes previstos na Lei Aduaneira
foram denominados de especiais, e os criados depois, por legislação extravagante,
de atípicos
532
.
Pouco antes da promulgação da atual Constituição Federal, o Decreto-lei n
o
2.472, de 1
o
/9/1988, promoveu substanciais alterações nos regimes aduaneiros
especiais previstos na Lei Aduaneira, criando um Capítulo VII (denominado ‘outros
regimes’) no Título III (regimes aduaneiros especiais), com um artigo (93) que
permitia a instituição, por regulamento
533
, de outros regimes aduaneiros
especiais
534
, além dos expressamente previstos no Título III, destinados a atender a
528
A Lei n
o
3.173, de 6/6/1957 (regulamentada pelo Decreto n
o
47.757, de 3/2/1960) havia criado
em Manaus uma “zona franca para armazenamento ou depósito, guarda, conservação
beneficiamento e retirada de mercadorias, artigos e produtos de qualquer natureza, provenientes do
estrangeiro e destinados ao consumo interno da Amazônia, como dos países interessados, limítrofes
do Brasil ou que sejam banhados por águas tributárias do rio Amazonas”.
529
Embora a Lei n
o
3.173, de 1957, e o Decreto n
o
47.757, de 3/2/1960 denominassem a Zona
Franca de Manaus de ‘regime’, tal nomenclatura o foi utilizada no Decreto-lei n
o
288, de 1967, nem
em seu Decreto regulamentar (n
o
61.244, de 28/8/1967). Com o advento do Regulamento Aduaneiro
de 1985 é que a Zona Franca de Manaus passa a ser classificada como um regime aduaneiro atípico.
530
Segundo o Regulamento Aduaneiro de 1985, eram regimes aduaneiros especiais: o trânsito
aduaneiro (arts. 252 a 289); a admissão temporária (arts. 290 a 313); o drawback (arts. 314 a 334);
o entreposto aduaneiro (arts. 335 a 355); o entreposto industrial (arts. 356 a 368) e a exportação
temporária (arts. 369 a 388).
531
Segundo Regulamento Aduaneiro de 1985, eram regimes aduaneiros atípicos: a Zona Franca
de Manaus (arts. 389 a 395); as lojas francas (arts. 396 e 397); o depósito especial alfandegado
(arts. 398 a 401); o depósito afiançado (arts. 402 a 406) e o depósito franco (arts. 407 a 409).
532
Uma introdução..., op. cit., p. 464-465.
533
A instituição de incentivos fiscais (como a maioria dos regimes aduaneiros especiais) por
regulamento é bastante questionável, merecendo críticas de Liziane Angelotti Meira (Regimes
aduaneiros..., op. cit., p. 76-77) e André Parmo Folloni (Tributação sobre..., op. cit., p. 186-187).
534
A denominação ‘outros regimes aduaneiros especiais’ sepulta a motivação que levou a classificar
os regimes posteriores à Lei Aduaneira como atípicos. Tanto que não mais se criaram regimes
‘atípicos’ desde então. A denominação ‘regime aduaneiro atípico’ foi definitivamente abolida (inclusive
179
situações econômicas peculiares, estabelecendo termos, prazos e condições para a
sua aplicação.
Ao final de 2002, o novo Regulamento Aduaneiro passava a disciplinar, em
seu Livro IV, os regimes aduaneiros especiais
535
e aplicados em áreas
especiais
536
.
8.1.3 Classificação dos regimes aduaneiros no Brasil
Como exposto na subseção 8.1.2, o havia qualquer motivação (afora a
cronológica) na distinção entre os antigos regimes especiais e atípicos, efetuada
pelo Regulamento Aduaneiro de 1985. Com o advento do novo regulamento, em
2002, passaram a existir três espécies de regimes aduaneiros: os comuns (ou
gerais), os especiais e os aplicados em áreas especiais. Embora o Regulamento
Aduaneiro de 2002 não tenha utilizado a expressão regime aduaneiro comum’, ou
geral’, a aplicação de tal espécie de regime aduaneiro, que constitui a regra, no
comércio exterior, pode ser deduzida da afirmação de que existem regimes
aduaneiros de caráter excepcional (especiais e aplicados em áreas especiais).
Em linhas gerais, o regime aduaneiro comum aplica-se às importações e
exportações efetuadas em caráter definitivo, e os regimes aduaneiros especiais e
aplicados em áreas especiais constituem exceções às regras estabelecidas no
regime aduaneiro comum de importação ou exportação, tendo como característica,
respectivamente, limitações temporais ou espaciais.
Os regimes aduaneiros especiais são, em regra, incentivos ao
desenvolvimento econômico (por isso são denominados, em vários países, de
regimes aduaneiros econômicos), por meio de benefícios relativos aos tributos
para os regimes que o Regulamento Aduaneiro de 1985 assim designava) em 2002, com o novo
Regulamento Aduaneiro.
535
Segundo o Regulamento Aduaneiro de 2002, são regimes aduaneiros especiais: o trânsito
aduaneiro (arts. 267 a 305); a admissão temporária (arts. 306 a 331); a admissão temporária para
aperfeiçoamento ativo (arts. 332 a 334); o drawback (arts. 335 a 355); o entreposto aduaneiro
(arts. 356 a 371); o entreposto industrial sob controle informatizado (Recof) (arts. 372 a 380); o
Recom (arts. 381 a 384); a exportação temporária (arts. 385 a 401); a exportação temporária para
aperfeiçoamento passivo (arts. 402 a 410); o Repetro (arts. 411 a 415); o Repex (arts. 416 a 423);
a loja franca (arts. 424 a 427); o depósito especial (arts. 428 a 435); o depósito afiançado (arts.
436 a 440); o depósito alfandegado certificado (arts. 441 a 446) e o depósito franco (arts. 447 a
451).
536
Segundo Regulamento Aduaneiro de 2002, são regimes aduaneiros aplicados em áreas
especiais: a Zona Franca de Manaus (arts. 452 a 471) e as Áreas de Livre Comércio (arts. 472 a
481).
180
aduaneiros aliados a simplificações procedimentais, na realização de operações
temporárias de importação ou exportação.
Os regimes aduaneiros aplicados em áreas especiais são incentivos ao
desenvolvimento regional, buscando polinizar o processo de industrialização no
País, por meio de benefícios relativos aos tributos aduaneiros e de
simplificações procedimentais. Veja-se que, aqui, especial não é o regime, mas a
área na qual ele é aplicado.
Sendo nosso objetivo estabelecer uma classificação para os regimes
aduaneiros brasileiros
537
, e havendo coerência, em geral, na estrutura adotada pelo
Regulamento Aduaneiro de 2002, seguiremos a classificação regulamentar,
reservando para o estudo de cada espécie de regime aduaneiro a indicação de
eventuais inconsistências ou imperfeições.
8.2 Regimes aduaneiros comuns
A principal característica dos regimes aduaneiros comuns é a definitividade:
a importação e a exportação efetuadas ao amparo de tais regimes aduaneiros são
definitivas. Pela simetria da operação de comércio exterior, a exportação definitiva
efetuada no Brasil tem como contrapartida uma importação definitiva, no estrangeiro,
da mesma mercadoria, e vice-versa. No Brasil, são regimes aduaneiros comuns a
importação definitiva e a exportação definitiva.
O fato de haver isenção ou imunidade na operação, ou tributação
diferenciada
538
não prejudica o caráter de regime aduaneiro comum. As
537
Fosse nossa incumbência estabelecer uma clasificação universal para os regimes aduaneiros (e
cremos que isso é praticável, pois uma tendência mundial à harmonização da legislação
aduaneira) teríamos que contemplar as diversidades hoje existentes, pois o que chamamos de
‘regime aduaneiro especial’ no Brasil é, v.g., na Europa (art. 4
o
, 16 do Código Aduaneiro
Comunitário), denominado simplesmente ‘regime aduaneiro’. Na Argentina (arts. 466 a 584 do Código
Aduaneiro) e no Uruguai (arts. 107 a 143 do Código Aduaneiro), v.g., a expressão ‘regime aduaneiro
especial’ designa conteúdo significativamente diferente daquele estabelecido pela legislação do Brasil
(arts. 267 a 451 do Regulamento Aduaneiro) e do Paraguai (arts. 153 a 215 do Código Aduaneiro).
538
Como exemplos de tributação diferenciada temos o Regime de Tributação Simplificada (RTS),
instituído pelo Decreto-lei n
o
1.804, de 3/9/1980 (disciplinado nos arts. 98 e 99 do Regulamento
Aduaneiro), aplicável a bens integrantes de remessas postais internacionais, e o Regime de
Tributação Especial (RTE), previsto no Decreto-lei n
o
2.120, de 14/5/1984, e na Decisão CMC n
o
18,
de 1994, incorporada a nosso ordenamento jurídico pelo Decreto n
o
1.765, de 28/12/1995
(disciplinado nos arts. 100 e 101 do Regulamento Aduaneiro), aplicável a bagagem. Como exemplo
de isenção, temos o Reporto (Regime Tributário para Incentivo à Modernização e à Ampliação da
Estrutura Portuária), instituído pelo art. 13 da Lei n
o
11.033, de 21/12/2004, que estabelece
suspensão do IPI, da contribuição para o PIS/Pasep-Importação e da Cofins-Importação, e, em
alguns casos, do imposto de importação, na importação de bens destinados ao ativo imobilizado para
utilização exclusiva em portos na execução de serviços de carga, descarga e movimentação de
mercadorias. A ‘suspensão’ concedida para o imposto de importação, no Reporto, converte-se em
181
simplificações procedimentais
539
também não trazem conseqüências à classificação
do regime.
Na classificação que adotamos, pertencem ao regime aduaneiro comum
também todas as operações de importação ou exportação efetuadas com benefícios
fiscais diversos dos relativos aos tributos aduaneiros (imposto de importação e
imposto de exportação)
540
.
O Regulamento Aduaneiro de 2002 trata das importações definitivas e
exportações definitivas em seu Livro V, referente ao controle aduaneiro de
mercadorias. A matéria principal do Livro V é o ‘despacho aduaneiro’, procedimento
que visa à aplicação do regime aduaneiro solicitado (seja ele comum, especial ou
aplicado em área especial) para a mercadoria.
isenção após cinco anos. Em verdade, não se diferença entre a natureza do Reporto (denominado
de Regime Tributário pela lei instituidora) e a de isenções vinculadas à destinação dos bens
(disciplinadas nos arts. 131 a 134 do Regulamento Aduaneiro). Nestas, os bens também podem ser
livremente comercializados após cinco anos da importação (cf. art. 134 do mesmo regulamento).
539
Institutos muito confundidos com um regime aduaneiro especial são a simplificação procedimental
denominada de despacho aduaneiro expresso, ou Linha Azul (detalhada na seção 9.1 deste
estudo) e a possibilidade de realização do despacho de exportação em recinto não-alfandegado
denominado Recinto Especial para Despacho Aduaneiro de Exportação - Redex (tratada na
seção 9.2). Neste, acentua a confusão o início da sigla (‘Re’), existente em diversos institutos
denominados pelo Regulamento Aduaneiro de regimes aduaneiros especiais (Recof, Recom,
Repetro, Repex).
540
Em regra, os regimes aduaneiros trazem benefícios fiscais relativos não aos impostos
aduaneiros (tratados no Livro II do Regulamento Aduaneiro), mas também aos demais tributos
incidentes na importação (tratados no Livro III do mesmo regulamento). Contudo, a mera suspensão
do imposto sobre produtos industrializados - IPI (mesmo na importação), ou da contribuição para o
PIS/Pasep-Importação ou da Cofins-Importação, v.g., não configuram regimes aduaneiros (embora
caracterizem regimes tributários). O Regulamento Aduaneiro adotou tal princípio quando arrolou um
caso de suspensão do IPI (relativo ao chamado ‘regime automotivo’) nos arts. 246 a 248, fora do
Título I do Livro IV (referente a regimes aduaneiros especiais). Contudo, o mesmo regulamento
relacionou (certamente porque o comando legal instituidor - art. 17 da Medida Provisória n
o
2.189-49,
de 23/8/2001 - assim o estabeleceu literalmente) como um regime aduaneiro especial, em seus arts.
381 a 384, o Recom (regime que permite a importação de insumos destinados a industrialização por
encomenda de produtos classificados nas posições 8701 a 8705 da Nomenclatura Comum do
Mercosul, com suspensão do pagamento do IPI). Vários regimes tributários ‘suspensivos’ (em
verdade, a maioria destes regimes estabelece que, decorrido determinado prazo, converte-se a
‘suspensão’ em alíquota zero) da contribuição para o PIS/Pasep-Importação e da Cofins-Importação
têm sido instituídos recentemente, como o Repes (Regime Especial de Tributação para a Plataforma
de Exportação de Serviços de Tecnologia da Informação, instituído pelo art. 1
o
da Lei n
o
11.196, de
21/11/2005), o Recap (Regime Especial de Aquisição de Bens de Capital para Empresas
Exportadoras, instituído pelo art. 11 da mesma Lei n
o
11.196), o ‘Regime Aduaneiro Especial’ de
Importação de embalagens e o regime de importação de máquinas e equipamentos utilizados
na fabricação de papéis destinados à impressão de jornais ou de papéis destinados à impressão de
periódicos, instituídos, respectivamente, pelos arts. 52 e 55 da mesma Lei, o Reidi (Regime Especial
de Incentivos para o Desenvolvimento da Infra-Estrutura, instituído pelo art. 1
o
da Lei n
o
11.488, de
15/6/2007), e o Padis (Programa de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico da Indústria de
Semicondutores) e o Padtv (Programa de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico da Indústria de
Equipamentos para TV Digital), instituídos, respectivamente, pelos arts. 1
o
e 12 e da Lei n
o
11.484, de
31/5/2007). Todos eles, em nossa classificação, são regimes tributários relativos às referidas
contribuições (os dois últimos referem-se também ao IPI), e não regimes aduaneiros especiais.
182
Embora haja necessidade de despacho aduaneiro para a aplicação de
qualquer regime, utilizou o legislador a regra (regime comum) para tratar do
‘despacho’, deixando as exceções (tratamentos diferenciados no despacho
aduaneiro) para os dispositivos específicos aos regimes especiais e aplicados em
áreas especiais. Por entender que andou bem o legislador em tal metodologia,
também aqui trataremos do despacho aduaneiro nas subseções referentes à
importação definitiva (8.1.1) e à exportação definitiva (8.2.2).
8.2.1 Importação definitiva
A maior parte das introduções de mercadoria no território aduaneiro brasileiro
destina-se à importação definitiva (ou importação para consumo). Na importação
definitiva ocorre, em regra, uma compra
541
de mercadorias no exterior, uma
operação cambial para pagamento de tal compra e, após os ‘trâmites aduaneiros’, a
mercadoria tem livre circulação no território aduaneiro. É o que se chama, na união
européia, de introdução em livre prática
542
(expressão utilizada em Portugal),
definida como o regime aduaneiro que confere o estatuto de comunitária a uma
mercadoria não-comunitária.
Esses ‘trâmites aduaneiros’ iniciam exatamente do ponto onde paramos na
enumeração constante do item 6.1.3.1 deste estudo. Assim, após a efetiva
transação comercial, a ocorrência de um despacho aduaneiro de exportação no país
do exportador, o embarque da mercadoria no exterior, sua chegada ao território
aduaneiro brasileiro e seu ingresso na zona primária
543
, reúnem-se as condições
para o início do procedimento que culminará na livre circulação da mercadoria
importada no território aduaneiro.
Tal procedimento, em nosso país, é conhecido como ‘despacho aduaneiro de
importação’
544
.
541
Por disposição legal (art. 17 da Lei n
o
6.099, de 12/9/1974, com a redação dada pela Lei n
o
7.132,
de 26/10/1983) a entrada no país dos bens objeto de arrendamento mercantil, contratado com
entidades arrendadoras domiciliadas no exterior, está sujeita às normas legais que regem a
importação definitiva.
542
Em espanhol, ‘despacho a libre práctica’. Nos idiomas ‘aduaneiros’ (oficiais da Organização
Mundial de Aduanas), release for free circulation (inglês) ou mise en libre pratique (francês).
543
É preciso recordar que em alguns casos, relacionados em nota no item 6.1.3.1, é permitido o
registro da declaração de importação antes da chegada da mercadoria à zona primária.
544
Registre-se que, embora o procedimento de introdução em livre circulação possa ser denominado
de despacho aduaneiro, o despacho aduaneiro não se resume à introdução em livre circulação,
sendo aplicável também nos casos de importação não-definitiva. Contudo, como destacamos na
introdução desta seção 8.2, optamos por tratá-lo na presente subseção.
183
8.2.1.1 Despacho aduaneiro de importação
No Brasil, o despacho aduaneiro de importação é disciplinado basicamente
pela Lei Aduaneira (arts. 44 a 54), pelo Regulamento Aduaneiro (arts. 482 a 489,
e 491 a 518), pela Norma de Aplicação sobre Despacho Aduaneiro de
Mercadorias (aprovada pela Decisão do Conselho do Mercado Comum - CMC n
o
16, de 1994
545
- arts. 25 a 36, e 59 a 79), e pela Instrução Normativa da Secretaria
da Receita Federal - SRF (hoje RFB) n
o
680, de 2/10/2006
546
.
O Regulamento Aduaneiro define despacho aduaneiro de importação, em seu
art. 482, como “o procedimento mediante o qual é verificada a exatidão dos dados
declarados pelo importador em relação à mercadoria importada, aos documentos
apresentados e à legislação específica, com vistas ao seu desembaraço aduaneiro”.
LIZIANE ANGELOTTI MEIRA tece críticas à utilização do termo despacho
como procedimento, tendo em vista que, em Direito Administrativo, o despacho
corresponde a um ato, e entende que a definição de despacho resulta de equívoco
na regulamentação do art. 44 da Lei Aduaneira, tendo a expressão despacho
aduaneiro o mesmo significado de desembaraço aduaneiro
547
. Em relação à
designação inadequada de despacho como um procedimento, ANDRÉ PARMO
FOLLONI registra que nada impede que o direito positivo denomine um
procedimento de despacho e que a inadequação não invalida a denominação
548
.
No que se refere à regulamentação do art. 44 da Lei Aduaneira, entendemos
não ter havido equívoco, pois tal lei deixa transparecer em diversos artigos
549
que o
545
Decisão CMC incorporada a nosso ordenamento jurídico pelo Decreto n
o
1.765, de 28/12/1995
(art. 1
o
, I, ‘a’). Reitere-se que essa Decisão CMC foi, no âmbito do Mercosul, revogada, mas a
norma revogadora (Decisão CMC n
o
50, de 2004) ainda não foi incorporada ao ordenamento jurídico
brasileiro.
546
ainda Instruções Normativas da Secretaria da Receita Federal (do Brasil) que disciplinam o
despacho aduaneiro de importação em situações específicas, como as de n
o
611, de 18/1/2006 (arts.
2
o
a 28, e 50 a 54 - despacho com declaração simplificada de importação), n
o
117, de 6/10/1998 (arts.
15 a 27 - despacho de bagagem), e n
o
560, de 19/8/2005 (arts. 18 a 40 - despacho de remessas
expressas).
547
Regimes aduaneiros..., op. cit., p. 140.
548
Tributação sobre..., op. cit., p. 94.
549
Vejam-se, v.g., os arts. 44 (“[...] submetida a despacho aduaneiro, que será processado[...]”); 45
(“[...]o despacho seja interrompido [...]”); 46 (“[...]para o processamento do despacho
aduaneiro[...]”); 47 (“[...]a tramitação do despacho aduaneiro ficará sujeita[...]”); e 52 (“[...]poderá
estabelecer procedimentos para simplificação do despacho aduaneiro[...]”). Para que não reste
dúvida a respeito da distinção entre despacho aduaneiro (procedimento) e desembaraço aduaneiro
(ato) na Lei Aduaneira, reproduza-se o art. 102, § 1
o
: “Não se considera espontânea a denúncia
apresentada: a) no curso do despacho aduaneiro, até o desembaraço da mercadoria; b) após o
início de qualquer outro procedimento fiscal, mediante ato de ofício, escrito, praticado por servidor
184
despacho aduaneiro é um procedimento, sendo o desembaraço aduaneiro um ato
praticado no curso de tal procedimento.
Assim, temos, a exemplo de CAIO ROBERTO SOUTO DE MOURA, o
desembaraço aduaneiro como ato administrativo e o despacho aduaneiro
como procedimento administrativo
550
.
Como destacamos no item 6.1.3.1 deste estudo, o procedimento de
despacho aduaneiro de importação se inicia com o registro da declaração de
importação, efetuado, em regra, no Siscomex. Cabe, contudo, informar que há
etapas prévias ao despacho aduaneiro de importação, como a obtenção de
autorização para importar (licença de importação, se exigida para a mercadoria que
se está transacionando), que podem impossibilitar o registro da declaração de
importação
551
.
Analisaremos a seguir, sinteticamente, cada uma das macroetapas
552
do
despacho aduaneiro de importação que se seguem ao registro da declaração de
importação.
8.2.1.1.1 Seleção para conferência
Registrada a declaração de importação (e, por conseqüência, debitados em
conta-corrente vários dos tributos referidos nos capítulos 6 e 7 deste estudo), o
Siscomex, com base em parâmetros
553
preestabelecidos pelo órgão central da
competente, tendente a apurar a infração”. (todos os arts. mencionados têm a redação dada pelo
Decreto-lei n
o
2.472, de 1
o
/9/1988) (grifos nossos).
550
Processo administrativo e recursos no despacho aduaneiro. In: FREITAS, Vladimir Passos de
(coord.). Importação e exportação no direito brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p.
233-234.
551
Aqui sim é de se registrar imperfeição encontrada no Regulamento Aduaneiro: embora o Capítulo I
do Título I do Livro V se refira ao despacho aduaneiro de importação, e o art. 485 estabeleça que o
despacho se inicia com o registro da declaração de importação, há uma Seção II inserida em tal
Capítulo I que trata de procedimento que antecede o despacho aduaneiro de importação (o
licenciamento de importação). O licenciamento de importação (procedimento pelo qual se obtém a
licença de importação, quando exigida) é condição para o registro da declaração de importação.
552
Para um detalhamento maior dos procedimentos relativos ao despacho aduaneiro de importação,
ver: SOSA, Roosevelt Baldomir (A Aduana e o comércio..., op. cit., p. 127-179; e Comentários à
Lei Aduaneira. v. III. São Paulo: Aduaneiras, 1993, p. 27-106); CARLUCI, José Lence (Uma
introdução ao Direito..., op. cit., p. 429-444); e BIZELLI, João dos Santos; e BARBOSA, Ricardo.
(Noções básicas de importação. 9. ed. São Paulo: Aduaneiras, 2002, p. 159 e ss.). Contudo, é
necessário destacar que as normas procedimentais sobre o despacho aduaneiro de importação são
constantemente modificadas, e não obra atualizada sobre o tema. Assim, para complementar a
bibliografia indicada faz-se indispensável consultar a legislação sobre a matéria, referida ao início
deste item 8.2.1.1.
553
Como a regularidade fiscal e a habitualidade do importador; a natureza, o volume ou o valor da
importação; o valor dos impostos incidentes ou que incidiriam na importação; a origem, a procedência
e a destinação da mercadoria; o tratamento tributário; a características da mercadoria; a capacidade
185
Aduana, e em intervalos de tempo cadastrados pelas unidades aduaneiras locais,
seleciona-a para um dos quatro canais de conferência aduaneira: verde, pelo
qual o sistema registrará o desembaraço automático da mercadoria, dispensados
seu exame documental e sua verificação; amarelo, pelo qual será realizado o exame
documental, e, não sendo constatada irregularidade, efetuado o desembaraço
aduaneiro, dispensada a verificação da mercadoria; vermelho, pelo qual a
mercadoria somente será desembaraçada após a realização do exame documental
e da verificação da mercadoria; ou cinza, pelo qual será realizado o exame
documental, a verificação da mercadoria e a aplicação de procedimento especial de
controle aduaneiro, para verificar elementos indiciários de fraude.
O Siscomex, com base em critérios estabelecidos pela unidade local, efetua a
distribuição (aleatória ou dirigida) das declarações selecionadas para os canais
vermelho e amarelo aos auditores-fiscais lotados no local ou recinto alfandegado
onde se encontra a mercadoria, para que seja efetuada a conferência aduaneira.
Caso a seleção seja para o canal cinza, a declaração é encaminhada ao setor
competente da unidade aduaneira local, para apuração, antes de seguir para
conferência.
Antes da conferência aduaneira, deve o importador, no caso de seleção da
declaração para canal diferente do verde, apresentar à unidade aduaneira local a
documentação instrutiva da declaração de importação: o conhecimento de carga
(prova de posse ou propriedade da mercadoria), a fatura comercial
554
(prova da
efetivação da transação comercial) e outros documentos exigidos em função da
operação (como o romaneio de carga - packing list - e o certificado de origem). No
caso de seleção para o canal verde, basta a apresentação do conhecimento de
carga à unidade local aduaneira.
8.2.1.1.2 Conferência aduaneira
A conferência aduaneira na importação, cf. estabelece o art. 504 do
Regulamento Aduaneiro, tem por finalidade identificar o importador, verificar a
mercadoria e a correção das informações relativas a sua natureza, classificação,
quantificação e valor, e confirmar o cumprimento das obrigações exigíveis em razão
operacional e econômico-financeira do importador; e as ocorrências verificadas em outras operações
realizadas pelo importador.
554
Cf. explicita o art. 46, § 1
o
da Lei Aduaneira, com a redação dada pelo Decreto-lei n
o
2.472, de
1988, equipara-se à fatura comercial o conhecimento de carga aéreo no qual constem as indicações
de quantidade, espécie e valor das mercadorias que lhe correspondam.
186
da importação. Em outras palavras, a conferência aduaneira compreende o
exame documental e a verificação da mercadoria.
Com a adoção dos chamados canais de conferência aduaneira, fundados em
uma análise de risco da operação, apenas no caso de seleção para os canais
vermelho e cinza será atingida na íntegra a finalidade estabelecida no regulamento.
Não se efetua, a princípio, verificação da mercadoria nos canais amarelo e verde,
nem exame documental no canal verde.
O exame documental (também designado por análise documental), cf.
estabelece a norma de despacho editada no âmbito do Mercosul, consiste na
“seqüência de atos praticados pela autoridade aduaneira com vistas a comprovar a
exatidão da declaração apresentada e o cumprimento dos requisitos de ordem legal
ou regulamentar correspondentes ao respectivo regime aduaneiro”.
A verificação da mercadoria (popularmente conhecida como ‘verificação
física’
555
), efetuada por auditor-fiscal ou sob sua supervisão, tem a finalidade de
assegurar que a natureza, a qualidade, a origem, o estado, a quantidade e o valor
aduaneiro estejam de acordo com os declarados (cf. a mesma norma ‘mercosulina’).
Apuradas divergências durante o exame documental ou a verificação da
mercadoria, o despacho será interrompido até a regularização da operação pelo
555
Temos oposição à utilização de terminologia em desacordo com as normas que regem a matéria.
Tanto a Lei Aduaneira (art. 50) quanto o Regulamento Aduaneiro (art. 506) e a Norma de Aplicação
editada no âmbito do Mercosul (art. 73) utilizam a expressão ‘verificação da mercadoria’ para
designar essa etapa da conferência aduaneira. Aos que operam no comércio exterior, não é
admissível a utilização da designação ‘verificação da mercadoria’ como sinônima, v.g., de
‘conferência da mercadoria’, ‘exame da mercadoria’, ‘inspeção da mercadoria’ ou ‘vistoria da
mercadoria’, expressões essas que têm um significado próprio na legislação aduaneira. A
conferência aduaneira’, como vimos, é expressão genérica que abarca tanto o exame documental
quanto a verificação da mercadoria (cf. art. 504 do Regulamento Aduaneiro). A expressão exame da
mercadoriaé utilizada quando quem o realiza é o próprio importador, antes do início do despacho
aduaneiro (cf. art. 24 da Norma de Aplicação editada no âmbito do Mercosul). A expressão ‘inspeção
da mercadoria‘, por sua vez, é utilizada quando quem a realiza é representante de órgão anuente na
importação, também previamente ao início do despacho aduaneiro (cf. Instrução Normativa da
Secretaria da Receita Federal - IN SRF - n
o
114, de 24/9/1998, tendo sido tal designação mantida em
todas as IN SRF que dispuseram sobre o despacho aduaneiro desde então). Por fim, a vistoria
aduaneira é o procedimento destinado a verificar a ocorrência de avaria ou de extravio de
mercadoria estrangeira entrada no território aduaneiro, a identificar o responsável e a apurar o crédito
tributário dele exigível (cf. art. 581 do Regulamento Aduaneiro). o raras vezes a própria
administração aduaneira se equivoca com a terminologia. Vejam-se, v.g., o art. 10 da IN SRF n
o
680,
de 2/10/2006, que chama de ‘verificação da mercadoria pelo importador’ o ‘exame da mercadoria’; e a
Norma de Execução da Coordenação-Geral de Administração Aduaneira n
o
2, de 26/6/2006, que
reiteradamente denomina a verificação efetuada pela autoridade aduaneira de ‘inspeção’.
187
importador
556
. Concluída a conferência aduaneira, sem divergências, passa-se à
etapa seguinte, o desembaraço aduaneiro.
8.2.1.1.3 Desembaraço aduaneiro e entrega da mercadoria
A Lei Aduaneira, em seu art. 51, com a redação dada pelo Decreto-lei n
o
2.472, de 1988, dispõe que concluída a conferência aduaneira [...], a mercadoria
será desembaraçada e posta à disposição do importador” (grifos nossos).
O desembaraço aduaneiro é definido pelo art. 511 do Regulamento
Aduaneiro como “o ato pelo qual é registrada a conclusão da conferência
aduaneira”. A Organização Mundial das Aduanas - OMA segue a definição
estabelecida na Convenção de Kyoto revisada, em seu Anexo Geral, Capítulo 2, que
entende por desembaraço aduaneiro (utilizando a denominação
‘desaduanamento’
557
) “o cumprimento das formalidades aduaneiras necessárias
para introduzir mercadorias a consumo, exportá-las ou submetê-las a outro regime
aduaneiro”
558
.
A entrega da mercadoria, por sua vez, é ato que sucede o desembaraço
aduaneiro, pondo a mercadoria desembaraçada à disposição do importador. Ainda
utilizando-se das definições da Convenção de Kyoto revisada (mesmo Anexo,
mesmo Capítulo), tem-se como entrega da mercadoria
559
“o ato pelo qual a Aduana
permite aos interessados dispor das mercadorias desembaraçadas”
560
.
556
Caso a divergência implique exigência de crédito tributário, o importador, discordando de tal
exigência, pode solicitar que seja dado prosseguimento ao despacho garantindo, após a ciência na
autuação a ser lavrada pela autoridade aduaneira, a quantia sob discussão (cf. a Portaria do Ministro
da Fazenda n
o
389, de 13/10/1976).
557
Em Portugal, utiliza-se o termo ‘desalfandegamento’. Na língua espanhola, é comum a utilização
dos termos desaduanamiento(v.g., no Código Aduaneiro Uruguaio) ou libramiento(v.g., no Código
Aduaneiro Argentino e no Código Aduaneiro Paraguaio). Cremos que com o advento do Código
Aduaneiro do Mercosul, também nós passaremos a utilizar o termo ‘liberação’, em virtude dos
inconvenientes que o termo ‘desembaraço’ pode provocar no idioma espanhol.
558
Tradução livre da versão em francês (dédouanement - l’accomplissement des formalités
douanières nécessaires pour mettre des machandises à la consommation, pour les exporter ou
encore pour les placer sour un autre gime douanier”), equivalente à versão em inglês, o outro
idioma oficial da OMA (clearance - the accomplishment of the Customs formalities necessary to allow
goods to enter home use, to be exported or to be placed under another Customs procedure”).
559
Em Portugal, utiliza-se a expressão ‘autorização de saída’. Na língua espanhola, é comum a
utilização das expressões entrega de la mercadería(v.g., no Código Aduaneiro Paraguaio) ou retiro
de la mercadería’ (v.g., no Código Aduaneiro Argentino e no Código Aduaneiro Uruguaio).
560
Tradução livre da versão em francês (“mainlevée - acte par lequel la Douane permet aux
intéressés de disposer des marchandises qui font l’objet d’un dédouanement”), equivalente à versão
em inglês, o outro idioma oficial da OMA (“release of goods - the action by the Customs to permit
goods undergoing clearance to be placed at the disposal of the persons concerned”).
188
8.2.1.1.4 O ato final do despacho aduaneiro de importação
É comum a afirmação de que o despacho aduaneiro de importação tem como
ato final o desembaraço aduaneiro
561
. Em verdade, havia dois textos normativos
(ambos atualmente revogados) que literalmente o dispunham: o art. 450, § 1
o
do
Regulamento Aduaneiro de 1985 (“desembaraço aduaneiro é o ato final do
despacho aduaneiro em virtude do qual é autorizada a entrega da mercadoria ao
importador”) e o parágrafo único do art. 3
o
da Instrução Normativa da Secretaria da
Receita Federal n
o
69, de 10/12/1996 (“o desembaraço aduaneiro constitui o ato final
do despacho aduaneiro em virtude do qual é autorizada a entrega da mercadoria ao
importador”).
O texto da Instrução Normativa, certamente copiado do Regulamento
Aduaneiro de 1985, então vigente, não atenta para duas questões ligadas a sua
matriz legal. O art. 53 da Lei Aduaneira, à época com a redação dada pelo Decreto-
lei n
o
366, de 19/12/1968, dispunha que “concluída a conferência aduaneira [...], a
mercadoria será desembaraçada e entregue ao importador ou a seu representante
legal” (grifo nosso). O primeiro deslize do regulamento, alastrado pela norma de
hierarquia inferior, foi reunir dois atos (desembaraço e entrega) em um só,
substituindo a conjunção aditiva ‘e’, constante da lei, por ‘em virtude do qual’. Tal
problema está solucionado no Regulamento Aduaneiro de 2002 (arts. 511 e 515) e
na Instrução Normativa que hoje rege o despacho aduaneiro de importação (IN SRF
n
o
680, de 2006, arts. 48 e 51).
A segunda questão é mais delicada. O Decreto-lei n
o
2.472, de 1
o
/9/1988, que
reestruturou todo o Capítulo IV da Lei Aduaneira, anteriormente formado por quatro
seções (‘despacho aduaneiro’ - arts. 44 a 47; ‘conferência’, arts. 48 a 52;
‘desembaraço’ - art. 53; e ‘revisão’ - art. 54), passou a constituir-se de apenas duas
seções (‘despacho aduaneiro’ - arts. 44 a 53; e conclusão do despacho- art. 54).
Tal art. 54 não trata de desembaraço aduaneiro (tema presente no art. 53), mas
sobre o prazo de cinco anos do registro da declaração de importação para “a
apuração da regularidade do pagamento [...] e da exatidão das informações
prestadas pelo importador”. Para deixar ainda mais claro que o despacho aduaneiro
não termina com o desembaraço, tal Decreto-lei, ao dar nova redação ao art. 102, §
1
o
da Lei Aduaneira, dispôs que “não se considera espontânea a denúncia
561
Nesse sentido, veja-se, v.g., FOLLONI, André Parmo. Tributação sobre..., op. cit., p. 97.
189
apresentada: a) no curso do despacho aduaneiro, até o desembaraço da
mercadoria; [...]” (grifo nosso).
Esse problema não é bem resolvido no Regulamento Aduaneiro de 2002.
Apesar de incorporar as alterações promovidas em 1988, e retirar o dispositivo que
dispunha ser o desembaraço aduaneiro o ato final do despacho de importação, o
regulamento, ao conceituar despacho de importação (art. 482), estabelece que “é o
procedimento mediante o qual é verificada a [...], com vistas ao seu desembaraço
aduaneiro (grifo nosso). Não se poderia conceber que o despacho tenha por
finalidade algo que não seja o seu último ato.
que se perquirir, no entanto, o fundamento da alteração promovida em
1988. Como não havia, à época, canais de conferência e, em tese, todas as
declarações de importação ensejavam exame documental e verificação da
mercadoria, as revisões efetuadas às declarações desembaraçadas eram, muitas
vezes, encaradas como ‘mudança de critério de fiscalização’, o que as tornava
juridicamente questionáveis, principalmente quando em desfavor do importador. Daí
a extensão do término do despacho para cinco anos do registro da declaração de
importação
562
.
Sendo hoje a maioria dos desembaraços aduaneiros efetuados sem
interferência humana, em canal verde, motivos para sustentar a volta do
desembaraço como ato final do despacho, mas isso é questão de lege ferenda. Por
força da nova redação dada à Lei Aduaneira, temos que, atualmente, o
desembaraço aduaneiro não é o ato final do despacho de importação, merecendo
reparos o art. 482 do Regulamento Aduaneiro.
8.2.2 Exportação definitiva
A exemplo do narrado na importação, a maior parte das saídas de mercadoria
no território aduaneiro brasileiro destina-se à exportação definitiva (ou exportação
para consumo).
562
Acrescente-se ainda que a nova redação dada ao art. 54 da Lei Aduaneira objetivou estabelecer
que o ato de homologação do lançamento relativo ao imposto de importação não é o desembaraço
aduaneiro, cf. reconhece André Parmo Folloni (Tributação sobre..., op. cit., p. 99). Liziane Angelotti
Meira defende que o desembaraço aduaneiro homologa o lançamento no caso de declarações de
importação selecionadas para canal de conferência diferente do verde (Regimes aduaneiros..., op.
cit., p. 151-152).
190
Na exportação definitiva ocorre, em regra, uma venda de mercadorias para
pessoa estrangeira, uma operação cambial para pagamento de tal venda e, após os
‘trâmites aduaneiros’, a mercadoria pode deixar o território aduaneiro brasileiro.
Tais trâmites se referem ao já tratado (no item 8.2.1.1) procedimento de
despacho aduaneiro, agora de exportação
563
.
8.2.2.1 Despacho aduaneiro
No Brasil, o despacho aduaneiro de exportação é disciplinado basicamente
pelo Decreto-lei n
o
1.578, de 11/10/1977 (que denominamos, na seção 6.2, de Lei
do Imposto de Exportação), pelo Regulamento Aduaneiro (arts. 519 a 522 e 525
a 535), pela Norma de Aplicação sobre Despacho Aduaneiro de Mercadorias
(aprovada pela Decisão do Conselho do Mercado Comum - CMC n
o
16, de 1994
564
-
arts. 49 a 58, e 59 a 79), e pela Instrução Normativa da Secretaria da Receita
Federal - SRF (hoje RFB) n
o
28, de 27/4/1994
565
.
O despacho aduaneiro de exportação era disciplinado residualmente, em sete
artigos, no Regulamento Aduaneiro de 1985. As etapas de conferência e
desembaraço aduaneiros, v.g., estavam reunidas em um único artigo (451), que
dispunha que o tratamento dado ao despacho aduaneiro de importação “aplica-se,
no que couber, ao despacho aduaneiro de exportação”. Com o Regulamento
Aduaneiro de 2002, o despacho aduaneiro de exportação mereceu disciplina própria,
buscando-se explicitar o alcance da expressão ‘no que couber’, derivada do art. 8
o
do Decreto-lei n
o
1.578, de 11/10/1977 (que, apesar de tudo, foi mantida no art. 535
do novo Regulamento Aduaneiro).
A definição regulamentar (art. 519) para o despacho aduaneiro de exportação
é semelhante à estabelecida na importação: procedimento
566
“mediante o qual é
verificada a exatidão dos dados declarados pelo exportador em relação à
563
Também aqui cabe registrar que o despacho aduaneiro de exportação não se resume à
exportação definitiva, sendo aplicável também nos casos de exportação não-definitiva. Contudo,
como destacamos na introdução da seção 8.2, optamos por tratá-lo na presente subseção.
564
Reitere-se o alerta de que tal Decisão CMC, incorporada a nosso ordenamento jurídico pelo
Decreto n
o
1.765, de 1995, foi revogada, no âmbito do Mercosul, pela Decisão CMC n
o
50, de
2004.
565
ainda Instruções Normativas da Secretaria da Receita Federal (do Brasil) que disciplinam o
despacho aduaneiro de exportação em situações específicas, como as de n
o
611, de 18/1/2006 (arts.
29 a 49, e 51 a 54 - despacho com declaração simplificada de exportação), n
o
117, de 6/10/1998
(arts. 28 e 29 - despacho de bagagem), e n
o
560, de 19/8/2005 (arts. 41 a 48 - despacho de remessas
expressas).
566
Considere-se trasladada para cá a argumentação expendida na subseção 8.2.1.1 deste estudo, no
sentido de que o despacho aduaneiro é um procedimento.
191
mercadoria, aos documentos apresentados e à legislação específica, com vistas a
seu desembaraço aduaneiro e a sua saída para o exterior”.
O procedimento de despacho aduaneiro de exportação se inicia com o
registro da declaração de exportação, efetuado, em regra, no Siscomex
567
.
Em relação ao registro da declaração de importação, é de se registrar duas
diferenças: a) enquanto na importação a declaração é preenchida ‘off-line’, para
envio a registro, na exportação a declaração já é preenchida ‘on-line’; e b) no
momento em que se registra a declaração de importação, estão reunidos os critérios
da hipótese de incidência do correspondente tributo aduaneiro, o que não ocorre na
exportação, em que a exportação/saída da mercadoria (critério material) do território
aduaneiro (critério espacial) ocorrerá, em regra, depois da declaração de
exportação. Desta peculiaridade (não ocorrência propriamente de uma exportação
no momento do registro da declaração) derivou a denominação encontrada no
Siscomex para a declaração (DDE - declaração para despacho de exportação), não
acolhida pelo Regulamento Aduaneiro de 2002, que a designou simplesmente como
declaração de exportação’.
Analisaremos a seguir, sinteticamente, cada uma das macroetapas
568
do
despacho aduaneiro de exportação que se seguem ao registro da declaração de
exportação.
8.2.2.1.1 Seleção para conferência
Registrada a declaração e atestado o ingresso da mercadoria a ser exportada
no local ou recinto aduaneiro de despacho, o exportador deve apresentar à unidade
aduaneira local a documentação que instrui a declaração de exportação: a
567
Não se deve confundir o registro de exportação (RE) com o registro da declaração de exportação.
Enquanto este demarca o início do despacho aduaneiro de exportação, aquele constitui, quando
exigido, a ‘autorização para exportar’ (para mantermos a terminologia empregada em relação à
licença de importação), e o critério temporal da hipótese de incidência do imposto de exportação
(como afirmamos na subseção 6.2.3 deste estudo). O Regulamento Aduaneiro, apesar de estabelecer
precisamente a distinção entre tais registros, insere indevidamente uma Seção II (composta pelos
arts. 519 e 520, de conteúdo irretocável) no Capítulo II (despacho aduaneiro de exportação) do Título
I do Livro V, para tratar do Registro de Exportação (registro esse que, por sempre anteceder o
despacho aduaneiro, não pode fazer parte de tal procedimento).
568
Para um detalhamento maior dos procedimentos relativos ao despacho aduaneiro de exportação,
ver: CASTRO, José Augusto de (Exportação: aspectos práticos e operacionais. 4. ed. São Paulo:
Aduaneiras, 2001). Contudo, como no alerta feito ao se discorrer sobre a importação, destaque-se
que as normas procedimentais sobre o despacho aduaneiro de exportação são constantemente
modificadas, e não obra atualizada sobre o tema. Assim, para complementar a bibliografia
indicada faz-se indispensável consultar a legislação sobre a matéria, referida ao início deste item
8.2.2.1. Importante ainda informar que a principal Instrução Normativa sobre o despacho aduaneiro
de exportação, de n
o
28, de 1994, está em fase final de revisão, e deverá ser substituída em breve.
192
primeira via da nota-fiscal, a via original do conhecimento de carga e do manifesto
internacional de carga (nas exportações por via terrestre, fluvial ou lacustre), e
outros documentos
569
exigidos em função da operação (como o romaneio de carga).
Informada no Siscomex a recepção da documentação instrutiva da
declaração de exportação, tal sistema, com base em parâmetros preestabelecidos
pelo órgão central e pelas unidades locais da Aduana, e em intervalos de tempo por
estas cadastrados, seleciona a declaração para um dos três canais de conferência
aduaneira: verde, pelo qual o sistema registrará o desembaraço automático da
mercadoria, dispensados seu exame documental e sua verificação; laranja, pelo
qual serealizado o exame documental, e, o sendo constatada irregularidade,
efetuado o desembaraço aduaneiro, dispensada a verificação da mercadoria; e
vermelho, pelo qual a mercadoria somente será desembaraçada após a realização
do exame documental e da verificação da mercadoria.
Veja-se que, a não ser pela adoção do ‘laranja’ ao invés do ‘amarelo’ (por
influência do art. 69 da norma de aplicação
570
editada no âmbito do Mercosul,
aprovada pela Decisão CMC n
o
16, de 1994), nada de diferente em relação à
importação.
Da mesma forma em que ocorre na importação, o Siscomex, com base em
critérios estabelecidos pela unidade local, efetua a distribuição (aleatória ou
dirigida) das declarações selecionadas para os canais vermelho e laranja aos
auditores-fiscais lotados no local ou recinto alfandegado onde se encontra a
mercadoria, para que seja efetuada a conferência aduaneira.
569
A Portaria do Ministro da Fazenda n
o
674, de 22/12/1994, em seu art. 3
o
, estabelece a
obrigatoriedade de apresentação, com os documentos instrutivos da declaração de exportação, do
Documento de Arrecadação de Receitas Federais - DARF, comprobatório do pagamento do imposto
de exportação, nos raros casos em que tal imposto é exigido (recorde-se que não débito
automático de tributos, na exportação).
570
A efectos de identificar el tipo y la amplitud del control a ser realizado por la autoridad aduanera
antes del libramiento de la mercadería se establecen los siguientes criterios de selección: a) Canal
Verde: la mercadería será librada inmediatamente sin la realización del análisis documental, de la
verificación y del análisis del valor de la mercadería, lo que no impedirá que la autoridad aduanera
efectúe controles sobre esa operación; b) Canal Naranja: será realizado solamente el análisis
documental y de resultar conforme, la mercadería será librada. En caso contrario estará sujeta a su
verificación y valoración. c) Canal Rojo: las declaraciones objeto de selección para ese canal
solamente serán libradas después de la realización del análisis documental, de la verificación de la
mercadería y del análisis del valor en aduana“. Em 1997, com a entrada em operação do Sicomex-
importação, o Brasil passou a adotar, na importação, as cores do semáforo, substituindo o laranja’
(que também apresenta em seu desfavor o fato de estar aqui associado à interposição fraudulenta de
pessoas - chamados ‘laranjas’) pelo ‘amarelo’.
193
8.2.2.1.2 Conferência aduaneira
A conferência aduaneira na exportação, cf. estabelece o art. 528 do
Regulamento Aduaneiro, tem por finalidade identificar o exportador, verificar a
mercadoria e a correção das informações relativas a sua natureza, classificação,
quantificação e preço, e confirmar o cumprimento das obrigações exigíveis em razão
da importação. Em outras palavras, como na importação, a conferência aduaneira
compreende o exame documental e a verificação da mercadoria, a serem
efetuados de acordo com o demandado a partir do canal de conferência selecionado
para a declaração de exportação.
8.2.2.1.3 Desembaraço aduaneiro
Na exportação, cf. o art. 530 do Regulamento Aduaneiro, o desembaraço é
conceituado como “o ato pelo qual é registrada a conclusão da conferência
aduaneira”. Repare-se que a parte final da definição do art. 530 (“e autorizado o
embarque ou a transposição de fronteira da mercadoria”) é apenas um complemento
da definição de desembaraço, e não a configuração de uma etapa de despacho a
ele posterior.
Assim, do ato de desembaraço aduaneiro na exportação surgem dois
efeitos: o atestado da regular conclusão da conferência aduaneira e a autorização
para que a mercadoria seja embarcada (nas vias aérea e marítima), ou possa
transpor a fronteira terrestre, fluvial ou lacustre com destino ao exterior.
8.2.2.1.4 O ato final do despacho aduaneiro de exportação
No momento do desembaraço aduaneiro, em regra, a mercadoria ainda não
deixou o Brasil. Para que se aperfeiçoe a exportação, exige-se a “confirmação da
saída da mercadoria do País”, o que se denomina, no art. 532 do Regulamento
Aduaneiro, de averbação de embarque.
O ato de averbação do embarque, ausente do Regulamento Aduaneiro de
1985, foi inserido no de 2002 certamente por influência da Instrução Normativa da
Secretaria da Receita Federal - IN SRF (hoje RFB) n
o
28, de 28/4/1994, que dispõe,
em seu art. 46, que a averbação “é o ato final do despacho aduaneiro de exportação
e consiste na confirmação, pela fiscalização aduaneira, do embarque ou da
transposição de fronteira da mercadoria”.
Apesar de o Regulamento Aduaneiro adotar texto mais restritivo (exigindo a
saída da mercadoria para averbação, e não somente o embarque no navio ou
avião), a expressão utilizada no art. 532 (‘averbação de embarque’) aponta para o
194
entendimento de que confirmado o embarque (nas vias aérea e marítima
571
) ou a
transposição de fronteira terrestre, fluvial ou lacustre, encerra-se o despacho (que
pode, contudo, sofrer revisão caso se comprove posteriormente que a mercadoria
não saiu efetivamente do território aduaneiro).
Pode-se afirmar, assim, que a averbação de embarque, quando a saída da
mercadoria do território aduaneiro ocorrer pelas vias aérea e marítima, constitui o
ato final do despacho aduaneiro de exportação.
No que se refere às exportações efetuadas pelas vias terrestre, fluvial ou
lacustre, o art. 39, III da IN SRF n
o
28, de 1994, estabelece que a data da
transposição de fronteira da mercadoria coincide com a data de seu desembaraço
(ou da conclusão do trânsito
572
registrada no sistema pela fiscalização aduaneira).
Isso porque os documentos de transporte, em tais vias, devem instruir a declaração
de importação, sendo obrigatoriamente emitidos antes do desembaraço aduaneiro.
Veja-se que, nesses casos, não o que ‘averbar’. Se não divergências
constatadas na conferência aduaneira (o que inclui as referentes a
incompatibilidades dos documentos de transporte em relação à mercadoria
declarada), efetua-se o desembaraço aduaneiro (ou a conclusão do trânsito).
Enquanto nas exportações efetuadas pelas vias aérea e marítima uma
etapa de checagem (efetuada pelo Siscomex ou pela autoridade aduaneira)
posterior ao desembaraço, nas vias terrestre, fluvial e lacustre, tal não ocorre,
sendo o desembaraço aduaneiro (ou a conclusão do trânsito aduaneiro de
exportação) o ato final do despacho aduaneiro de exportação.
8.3 Regimes aduaneiros especiais
Os regimes aduaneiros especiais são, em regra, como exposto na
subseção 8.1.3, incentivos ao desenvolvimento econômico, por meio de benefícios
relativos aos tributos aduaneiros aliados a simplificações procedimentais, na
571
A averbação de embarque é efetuada automaticamente pelo Siscomex quando os dados
referentes ao embarque da mercadoria registrados pelo transportador aéreo ou marítimo coincidem
com os constantes da declaração de exportação desembaraçada. É o que se denomina averbação
automática’. No caso de haver divergências entre o informado pelo transportador e o efetivamente
desembaraçado, a averbação será efetuada, caso a caso, pela autoridade aduaneira, após as
correções que se fizerem necessárias. É o que se costuma denominar de ‘averbação manual’.
572
Disporemos especificamente sobre o regime aduaneiro especial de trânsito aduaneiro na
subseção 8.3.2 deste estudo. No momento, é oportuno salientar apenas que as mercadorias
desembaraçadas para exportação em locais ou recintos alfandegados diversos daqueles pelos quais
elas deixarão o País devem seguir até o local ou recinto de saída amparadas pelo regime de trânsito
aduaneiro.
195
realização de operações temporárias de importação ou exportação. São, assim,
frutos do caráter regulatório e indutor da atuação do Estado na ordem econômica.
Buscaremos na presente seção analisar as características básicas de tais
regimes no Brasil, estabelecendo sua natureza jurídica, e identificar sinteticamente
cada um dos quatorze regimes aduaneiros especiais hoje existentes
573
, agrupando-
os segundo as características da operação de comércio exterior
574
, em quatro
categorias: a) regimes de trânsito interno ou internacional de mercadorias; b)
regimes de importação ou exportação temporária de mercadorias para exposição,
manuseio ou utilização; c) regimes de depósito temporário de mercadorias, sob
controle aduaneiro, em local habilitado; e d) regimes de importação ou exportação
temporária de mercadorias para serem submetidas a operações de
aperfeiçoamento.
8.3.1 Características básicas
No Brasil, as características básicas dos regimes aduaneiros especiais são a
suspensividade
575
(desta decorrendo a necessidade de garantia do crédito
tributário com exigibilidade suspensa), a temporariedade e a vinculação a uma
573
Em nossa classsificação, não entendemos ser pertinente designar como um regime aduaneiro
especial o Repetro, por se tratar este não de um regime específico, mas de mera combinação entre
dois regimes aduaneiros especiais e outros benefícios existentes. O Repetro (regime aduaneiro
especial de exportação e de importação de bens destinados às atividades de pesquisa e de lavra das
jazidas de petróleo e de gás natural), segundo o Regulamento Aduaneiro (art. 411), é o regime
aduaneiro especial que permite, conforme o caso, a aplicação dos seguintes tratamentos aduaneiros:
exportação de bens com ‘saída ficta’ do território aduaneiro e posterior aplicação do regime de
admissão temporária; exportação com ‘saída ficta' do território aduaneiro de partes e peças de
reposição destinadas aos bens admitidos no regime aduaneiro especial de admissão temporária; e
importação, sob o regime de drawback, na modalidade de suspensão, de matérias-primas, produtos
semi-elaborados ou acabados e de partes ou peças, e posterior comprovação do adimplemento das
obrigações decorrentes da aplicação desse regime mediante a exportação com ‘saída ficta’ do
território aduaneiro. Como destaca ironicamente André Ferreira de Barros, o Repetro “não é um
Regime Especial nem aqui, nem na China, salvo, neste último caso, entendimento contrário do
Secretário-geral do Partido Comunista” (Aspectos Jurídicos do Repetro. v. 1. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2003, p. xl). Aliás, o próprio art. 414 do regulamento esclarece que o Repetro é, em
verdade, uma combinação de admissão temporária com drawback-suspensão’, recheada com
o instituto da ‘exportação sem saída’ (já tratado no item 6.2.2.1 deste estudo).
574
Para outras classificações sugeridas por autores sul-americanos para os regimes aduaneiros
especiais, ver: CONTRERAS, Máximo Carvajal. Derecho..., op. cit., p. 414-422.
575
Poderíamos, ao invés de utilizar o termo ‘suspensividade’, falar em ‘não exigibilidade imediata’ dos
tributos incidentes, como fizemos em outras ocasiões (TREVISAN, Rosaldo. Os regimes aduaneiros
brasileiros e a Convenção de Kyoto Revisada. In: MENEZES, Wagner (coord.). Estudos de Direito
Internacional. v. 11. Curitiba: Juruá, 2007, p. 369), para não tomarmos posição em relação à
discussão sobre a natureza jurídica dos regimes aduaneiros especiais. Contudo, tal questão é
enfrentada no item 8.3.1.1 do presente estudo.
196
finalidade (determinada de acordo com cada regime). Tais características brotam da
redação original do art. 71 da Lei Aduaneira.
Na Exposição de Motivos n
o
296, de 1
o
/9/1988, que acompanha o Decreto-lei
n
o
2.472 (que altera substancialmente a parte geral do Título III da Lei Aduaneira,
referente a regimes aduaneiros especiais), revela-se que:
[...] as alterações [...] visam a conferir maior flexibilidade aos regimes
aduaneiros especiais, que têm como características básicas a
suspensão dos tributos incidentes, por prazo e sob condições
determinadas, e a constituição das obrigações fiscais em termo de
responsabilidade. Referidos regimes, também denominados regimes
aduaneiros econômicos, existem como exceções ao tratamento
aduaneiro comum tendo em vista conveniências da economia.
(grifos nossos)
Merece destaque o poder de síntese de tal excerto: destaca as características
básicas dos regimes aduaneiros especiais brasileiros, define-os como exclusão ao
regime comum e revela seu aspecto preponderantemente econômico.
8.3.1.1 Suspensividade
Há, basicamente, três qualificações para os regimes aduaneiros especiais: a)
casos de suspensão da exigibilidade do crédito tributário; b) casos de não-
incidência condicional; e c) casos de isenção condicional (desmembrando-se esta
de acordo com a pluralidade de formas pelas quais é definida a ‘isenção’
576
).
Poucas são as obras brasileiras em que se buscou investigar a natureza
jurídica dos regimes aduaneiros especiais. E, naquelas que o fizeram, os resultados
estão longe de apontar para uma posição consensual, ou mesmo semelhante.
Em estudo pioneiro, derivado de materiais elaborados para cursos de
especialização em comércio exterior, JOSÉ LENCE CARLUCI e JOSÉ FLORIANO
DE BARROS, em 1976, apesar de não se aprofundarem na discussão a respeito da
natureza jurídica dos regimes aduaneiros especiais, os definiam como “regimes
econômicos ou suspensivos, visto que a regra comum que os caracteriza é a
576
À teoria clássica, adotada por Rubens Gomes de Souza e Amílcar de Araújo Falcão, e na
elaboração do Código Tributário Nacional, de que a isenção é a dispensa legal do pagamento do
tributo, opõem-se, basicamente, com algumas variantes, as teorias que a qualificam como não
incidência legalmente qualificada (a partir dos pensamentos de Alfredo Augusto Becker e José
Souto Maior Borges), e como paralisação da atuação da regra-matriz de incidência tributária (cf.
Paulo de Barros Carvalho). Sobre as formas de se encarar o fenômeno da isenção, ver: BORGES,
José Souto Maior. Teoria geral..., op. cit., p. 189-208; CARVALHO Curso de Direito..., op. cit., p.
483-497; e CARRAZA Curso de Direito..., op. cit., p. 830-842.
197
suspensão da exigibilidade tributária, sob determinados prazo e condições, e com
garantia de termos de responsabilidade”
577
(grifos nossos).
Oito anos depois, OSÍRIS DE AZEVEDO LOPES FILHO, em estudo mais
detalhado sobre a natureza jurídica dos regimes aduaneiros especiais, calcando-se
nos textos de direito positivo e no posicionamento de juristas estrangeiros, encampa
a tese da suspensão, concluindo que:
Não é de se empregar a teoria da isenção aos regimes aduaneiros
especiais, como previstos na legislação brasileira, exatamente
porque lhe é característico ter sido instaurada a obrigação
tributária e o crédito conseqüente. [...] Os elementos temporais da
hipótese de incidência do Imposto de Importação são ficções,
estabelecidas para fornecer certos graus de precisão jurídica, que,
sem a sua utilização, seriam difíceis de se alcançar.
Surgindo, no processo de desenvolvimento da relação jurídica
referente aos regimes suspensivos, um novo elemento temporal da
hipótese de incidência, por conseqüência da ficção, desaparece o
anterior.
O atendimento da finalidade do regime - de realização da
reexportação do produto - é causa de extinção do crédito
tributário anteriormente constituído. (grifos nossos)
578
ROOSEVELT BALDOMIR SOSA, na década de 90, defendendo que o art.
87 do Regulamento Aduaneiro de 1985 (correspondente ao art. 73 do atual
regulamento) condenava a tese da suspensão, aliou-se à corrente que defende a
não-incidência, afirmando que:
Dar aos regimes de ingressos temporários caráter tributariamente
suspensivo é, com efeito, trazê-los ao campo da tributação, quando
em verdade pareceria que muitos desses ingressos colocam-se
aquém do fenômeno da imposição tributária. E isto pela singular
razão que certas mercadorias ingressadas sob égide desses regimes
não se destinam a consumo. O fenômeno de imposição fiscal,
destarte, condiciona-se à apresentação de uma declaração para
consumo, nos termos da legislação vigente (art. 87 do RA), o que
caracteriza e elemento temporal do fato gerador. (grifos nossos)
579
Um quarto de século após a obra escrita com José Floriano de Barros, JOSÉ
LENCE CARLUCI alia-se à corrente que propugna pela não-incidência tributária no
caso de regimes aduaneiros especiais, dispondo:
577
Regimes Aduaneiros Especiais. São Paulo: Companhia Editorial Paulista, 1976, p. 41.
578
Regimes aduaneiros..., op. cit., p. 148-149.
579
A Aduana e o comércio..., op. cit., p. 149.
198
A suspensãodos tributos a que faz alusão a legislação, ocorre, de
fato no drawback suspensão. Em todos os demais regimes
especiais [...], o termo ‘suspensão’ é impróprio, eis que, não pode
haver suspensão do que ainda não existiu, não ocorreu. O que a lei
procura impor e disciplinar são procedimentos administrativos para
controlar a aplicação dos regimes e impedir o desvio para o mercado
interno ou ultrapassagem dos prazos, dos bens admitidos em tais
regimes, sem o competente despacho para consumo ou para
reexportação. Esses controles visam, não a suspensão dos tributos,
mas sim, a não incidência das normas tributárias durante a vigência
desses regimes (à exclusão do drawback) (grifos nossos)
580
Em 2002, em estudo especificamente voltado aos regimes aduaneiros
especiais, LIZIANE ANGELOTTI MEIRA adota a tese da isenção condicional,
entendendo que:
os regimes aduaneiros especiais não constituem modalidades
de suspensão da exigibilidade do crédito tributário, mas se
enquadram como isenções tributárias condicionais cujos objetos
ficam sujeitos a controle aduaneiro. [...] no caso de bens em regime
especial na modalidade isenção sob condição resolutiva, se o sujeito
passivo promover novo despacho - para consumo - resolve-se a
isenção e passam a ser devidos os impostos sobre a importação;
contudo, ocorre alteração do critério temporal da regra de
incidência desses impostos para a data do registro da declaração
pertinente ao segundo despacho aduaneiro. (grifos nossos)
581
Mais recentemente, ANDRÉ PARMO FOLLONI, em estudo sobre a tributação
no comércio exterior, deteve-se a analisar a natureza jurídica dos regimes
aduaneiros especiais, concluindo que:
ora são casos de isenção, ora de suspensão de exigibilidade, do
crédito tributário, ora de redução, ora de extinção do crédito, ora de
restituição do tributo pago, sendo impossível propor uma definição
genérica. [...] Cada qual terá sua natureza jurídica própria, definida
pelo intérprete quando da análise do direito positivo. (grifos
nossos)
582
580
Uma introdução..., op. cit., p. 467.
581
Regimes aduaneiros..., op. cit., p. 324-325. A autora mantém o posicionamento em publicação
mais recente (Regimes aduaneiros especiais e integração..., op. cit., p. 356-357).
582
Tributação sobre..., op. cit., p. 185. Enquadramos o posicionamento de André Parmo Folloni na
linha relativa à suspensão visto que este assim classifica o trânsito aduaneiro, a admissão
temporária, a admissão temporária para aperfeiçoamento ativo, drawback-suspensão e o entreposto
aduaneiro, entre outros (respectivamente, p. 194, 196, 200, 201, 206 da obra citada). É preciso
destacar que a conclusão de que existem regimes aduaneiros especiais com naturezas diversas o
macula, em substância, o exposto, v.g., por Osíris de Azevedo Lopes Filho e Liziane Angelotti Meira,
pois também estes reconhecem a natureza diferenciada de certos regimes aduaneiros especiais
(respectivamente em Regimes aduaneiros..., op. cit., p. 84-94; e em Regimes aduaneiros..., op.
cit., p. 324-325).
199
Veja-se, assim, que uma questão de fundo na determinação da natureza
jurídica dos regimes aduaneiros especiais, de índole aduaneiro-tributária: a
determinação do critério temporal da hipótese de incidência para a admissão de
mercadorias em tais regimes.
Para mercadorias que ingressam no território nacional com o objetivo de
serem admitidas em tais regimes, o registro de uma declaração de importação a
título não definitivo (conhecida como declaração de admissão no regime), que
demarca o início de um despacho aduaneiro, com todas as etapas que
apresentamos no item 8.2.1.1 deste estudo. Ao retirar-se a mercadoria admitida no
regime aduaneiro especial (e desembaraçada para o regime) do local ou recinto
alfandegado, contudo, não se poderá a esta atribuir livre circulação, mas tão-
somente as destinações estabelecidas para o regime. Para que haja livre
circulação, necessário se faz registrar nova declaração de importação, para a
mesma mercadoria, esta sim com caráter definitivo (conhecida como declaração
para consumo
583
de mercadoria admitida no regime), sendo devido o imposto de
importação
584
na data do registro de tal declaração definitiva, para consumo (cf.
exposto no item 6.1.3.1 deste estudo).
Para que seja possível haver suspensão ou isenção da exigibilidade do
crédito tributário, é necessário que se pressuponha haver normal incidência no caso
da declaração de admissão da mercadoria no regime aduaneiro especial. Caso
não houvesse incidência antes da ação da norma que suspende ou isenta, é de se
indagar o quê se estaria buscando suspender ou isentar.
Assim, a adoção das teorias da declaração para consumo, da
nacionalização ou da importação para consumo, referidas no item 6.1.3.5 deste
estudo, é incompatível com a defesa de que exista suspensão ou isenção tributária
no caso dos regimes aduaneiros especiais, visto que, segundo tais teorias, sequer
haveria incidência mesmo inexistindo a regra isentiva/suspensiva (a menos que se
entenda que a norma que institui o regime aduaneiro especial esteja criando a
583
O despacho para consumo não é necessariamente a forma de extinção da aplicação de um
regime aduaneiro especial. outras formas de extinção possíveis, como a reexportação, a
destruição (sob controle aduaneiro), a entrega da mercadoria (livre de quaisquer ônus) à Aduana e a
transferência para outro regime aduaneiro especial ou para outro beneficiário do mesmo regime.
584
Pela aplicação dos regimes aduaneiros especiais, ‘suspensão’, em regra, também da
exigibilidade de outros tributos, como o imposto sobre produtos industrializados, o ICMS, a
Contribuição para o PIS/Pasep-importação e a Cofins-importação. Mantidos os diferenciais em
relação aos critérios temporais, a linha adotada nas presentes considerações pode ser estendida a
tais tributos.
200
hipótese de incidência e, ao mesmo tempo, estabelecendo uma exceção a ela). Já
refutamos no item 6.1.3.1 deste estudo o entendimento de que no Brasil se adote
atualmente estas teorias, embora tenhamos reconhecido, no item 6.1.3.5, que,
com as diretrizes estabelecidas para a elaboração do Código Aduaneiro do
Mercosul, estaremos trilhando o caminho da teoria da importação para consumo.
Adotando-se as teorias do cruze ou da declaração de entrada, plausível
seria entender que, com a entrada da mercadoria no território aduaneiro ou com o
registro da declaração de admissão no regime, respectivamente, nasceria a
obrigação tributária, havendo a suspensão, não-incidência ou isenção.
No Brasil, embora com alguns temperos, ainda se adota a teoria do cruze.
Veja-se que o art. 23 da Lei Aduaneira estabelece tão-somente que quando se
tratar de mercadoria despachada para consumo, considera-se ocorrido o ‘fato
gerador’ na data do registro da declaração de importação. Nos demais casos
(despachos que não sejam para consumo, ou ausência de despacho), jamais
afirmou o legislador que não incidência (pelo contrário, em vários dispositivos da
Lei Aduaneira sustenta-se a incidência, mas com critérios temporais diversos, como
se expôs na subseção 6.1.3. deste estudo - no que se refere a regimes aduaneiros
especiais, especificamente no quinto parágrafo do item 6.1.3.1).
O fato de o Regulamento Aduaneiro estabelecer, no parágrafo único de seu
art. 73 (que tem por base o art. 23 da Lei Aduaneira e, portando, não poderia
extrapolar seu conteúdo), que, para efeito de cálculo, considera-se ocorrido o fato
gerador na data do registro da declaração de importação, inclusive “no caso de
despacho para consumo de mercadoria sob regime suspensivo de tributaçãonão
possibilita a dedução de que o imposto não incide na declaração de admissão no
regime. O texto do artigo dispõe apenas que extinta a aplicação do regime aduaneiro
especial com um despacho para consumo, a data do registro da declaração
referente a tal despacho passa a constituir o critério temporal da hipótese de
incidência.
Assim, afastamos, por hora, a linha da não-incidência, embora entendamos
as vantagens que pode apresentar em relação às demais (e apresentará após a
incorporação do Código Aduaneiro em gestação a nosso ordenamento jurídico). No
campo da ciência do Direito, está-se a analisar o sistema jurídico vigente no país, e
nesse sistema, há incidência de tributos mesmo em importações não definitivas.
201
Em relação às demais teorias (isenção e suspensão), temos que ambas
são admissíveis para explicar a natureza jurídica dos regimes aduaneiros
especiais
585
.
A teoria da isenção condicional, apesar de modificar o alcance das palavras
escritas pelo legislador, o faz tendo em vista uma interpretação sistemática,
buscando sanar as incompatibilidades internas do sistema, pressupondo que a Lei
Aduaneira criou (utilizando o termo ‘suspensão’) casos de isenção condicional, que
se resolvem em exigência, na hipótese de descumprimento dos termos, limites e
condições impostos para o regime, ou quando o beneficiário efetuar registro de
declaração de importação para consumo da mercadoria admitida no regime
aduaneiro especial. Tal teoria aponta para uma reconstrução da legislação referente
à matéria, da Lei Aduaneira aos atos de hierarquia inferior (que seriam, em sua
maior parte, ilegais).
A teoria da suspensão presta-se àqueles que, em apego à terminologia
utilizada na legislação (nacional e internacional), pressupõem que a Lei Aduaneira
criou (a nosso ver, sem ofensa ao sistema jurídico) nova hipótese de suspensão da
exigibilidade do crédito tributário margem das existentes no Código Tributário
Nacional), suspensão essa que se resolve em exigência (no caso de
descumprimento dos termos, limites e condições impostos para o regime) ou
extinção do crédito tributário (em modalidade também criada na Lei Aduaneira). Tal
teoria tem o inconveniente de levar ao entendimento de que o legislador teria criado
uma suspensão da exigibilidade tributária que, em regra, converte-se em extinção do
crédito tributário (pois tal crédito se exigido no caso excepcional de
inadimplemento).
Tendo em vista as ponderações sobre cada uma das teorias, optamos por
adotar a referente à suspensão da exigibilidade do crédito tributário.
É interessante ainda verificar o porquê de os regimes aduaneiros especiais
serem denominados de ‘suspensivos’ mesmo em países que adotam as teorias da
declaração para consumo, da nacionalização ou da importação para consumo,
teorias estas que apontam paradoxalmente para uma suspensão de crédito tributário
decorrente de hipótese de incidência inexistente.
585
No mesmo sentido, Enrique C. Barreira, ao discorrer sobre a teoria do cruze, quando apresenta a
suspensão e a isenção condicional como teorías de la condicionalidad” de la obligación tributaria
aduanera en las destinaciones suspensivas’ (La obligación…, op. cit., p. 107-109).
202
ENRIQUE C. BARREIRA nos traz uma possível explicação:
Destinaciones suspensivas de importación son aquellas en las
que la mercadería, si bien importada, carece de libre circulación
interna, fuere porque su introducción es meramente transitoria y su
finalidad es retornar al exterior en un plazo más o menos breve, fuere
porque queda depositada en zona primaria aduanera teniendo
vedado su ingreso a plaza o fuere porque se encuentra en el territorio
aduanero al mero fin de su transporte a otro país o a una aduana
interior para efectuar allí los trámites tendientes a otorgarle una
nueva destinación aduanera. […] Esta característica de mantener
la destinación definitiva ‘en suspenso’ es la que les vale el
nombre de destinaciones ‘suspensivas’. Algunos ordenamientos
aduaneros europeos tradicionales utilizan esta terminología, bien que
poniendo más el acento en el sometimiento de la mercadería al pago
de los derechos de aduana […]. No obstante, la moderna doctrina
francesa se inclina por abandonar la terminología de ‘regímenes
suspensivos’ optando por llamarlos regímenes aduaneros
económicos’ a fin de independizarlos de la connotación fiscal
que dicha doctrina ve en aquella denominación. (grifos nossos)
586
É de se destacar, por fim, que, qualquer que seja a teoria adotada, não se
pode afirmar que a suspensividade (tributária) seja uma característica inerente
a todos os regimes aduaneiros especiais relacionados na legislação brasileira.
Isso porque o legislador resolveu chamar de regimes aduaneiros especiais hipóteses
de isenção (drawback-isenção) ou incentivos fiscais à exportação (como o
drawback-restituição e o depósito alfandegado certificado).
Adotada a classificação que propomos (nas subseções 8.3.2 a 8.3.5), que
busca recuperar os critérios que nortearam a criação dos regimes,
internacionalmente utilizados, a suspensividade tributária (até o advento de uma
nova teoria para o critério temporal da hipótese de incidência do imposto de
importação) passa a constituir característica dos regimes aduaneiros.
8.3.1.2 Temporariedade
Se os regimes aduaneiros especiais constituem exceção aos regimes de
importação e exportação definitivas, inegável seu caráter temporário.
A Lei Aduaneira, em seu art. 71, originalmente dispunha que o prazo de
permanência de uma mercadoria em regime aduaneiro especial seria de, no
máximo, dois anos (neste incluída eventual prorrogação em caráter excepcional).
586
BARREIRA, Enrique C. Código Aduanero. Comentarios. Antecedentes. Concordancias. T. II-
A. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1986, p. 198. A menção à doutrina francesa se refere a BERR,
Claude J.; e TREMEAU, Henri. Le droit douanier. Paris: Librarie General de Droit et de
Jurisprudence, 1981, p. 230.
203
O Decreto-lei n
o
2.472, de 1988, ao dar nova redação a tal art. 71, permitiu: a)
a prorrogação, a juízo da autoridade aduaneira, aque se somasse um total de
cinco anos de permanência da mercadoria no regime; b) que tal prazo fosse, a título
excepcional, em casos devidamente justificados, a critério do Ministro da Fazenda,
prorrogado por período superior a cinco anos; e c) que o regime, quando aplicado
a mercadoria vinculada a contrato de prestação de serviços por prazo certo, de
relevante interesse nacional, nos termos e condições previstos em regulamento,
vigoraria pelo prazo previsto no contrato, prorrogável na mesma medida deste.
Em relação à prorrogação por período indefinido (superior a cinco anos), a
cargo do Ministro da Fazenda - MF (que a delegou à autoridade responsável pela
concessão do regime), eventuais máculas à característica da temporariedade foram
contornadas na Portaria MF n
o
320, de 17/10/2006, que estabelece critérios
objetivos para as prorrogações.
Contudo, lamentavelmente, não foram previstos no art. 262, § 2
o
do
Regulamento Aduaneiro (que disciplina a aplicação dos regimes aduaneiros
especiais no caso de contratos de prestação de serviços), os termos e condições
prometidos pela lei. Assim, embora haja necessidade de configuração de ‘relevante
interesse nacional’ (expressão vaga e subjetiva, ainda mais quando a análise é feita
em cada unidade aduaneira local do Brasil) para a concessão do regime aduaneiro
especial, pode este, com a prorrogação reiterada do contrato de prestação de
serviços, estar se transformando em uma espécie de importação definitiva sem
pagamento de tributos.
Destaque-se, por fim, que o Regulamento Aduaneiro estabeleceu
587
hipótese
de prorrogação indefinida de prazo não prevista na Lei Aduaneira, em seu art. 326
(que vincula o prazo de aplicação do regime de admissão temporária, na modalidade
de utilização econômica, ao do contrato de arrendamento operacional, aluguel ou
empréstimo)
588
.
587
Em verdade, apenas manteve a disposição já existente no art. 4
o
do Decreto n
o
2.889, de
21/12/1998.
588
Novas prorrogações ‘por tempo indefinido’ também podem ser encontradas em normas de
hierarquia inferior, como as Instruções Normativas da Secretaria da Receita Federal (hoje RFB) n
o
4,
de 10/1/2001 (art. 19); n
o
285, de 14/1/2003 (art. 15, §§ 13 e 14); e n
o
409, de 19/3/2004 (art. 16,
parágrafo único).
204
Aos poucos, assim, a flexibilização dos regimes aduaneiros especiais
existentes e a criação de novos regimes estão mitigando a temporariedade,
característica básica dos regimes aduaneiros especiais.
8.3.1.3 Vinculação a uma finalidade
Todos os regimes aduaneiros especiais se destinam ao atingimento de uma
finalidade (obrigatoriamente de interesse público, pois não poderia o legislador
estabelecer benefício tributário, ou mesmo procedimental, por motivo diverso, em
favor apenas de determinada pessoa ou grupo de pessoas). Como define CELSO
ANTONIO BANDEIRA DE MELLO, interesse público é aquele resultante do
conjunto dos interesses que os indivíduos pessoalmente têm quando considerados
em sua qualidade de membros da Sociedade e pelo simples fato de o serem”
589
.
LIZIANE ANGELOTTI MEIRA efetua estudo sobre o interesse público que
fundamenta cada regime aduaneiro especial, destacando que, embora haja regimes
nos quais possa ser visualizado mais de um interesse, pode-se chegar a quatro
categorias básicas: a) o fomento ao progresso econômico, industrial ou
tecnológico (presente no entreposto aduaneiro e o Recof); b) o estímulo de
atividades culturais ou desportivas (na admissão temporária e na exportação
temporária de bens de caráter cultural, para mostras e exposições, ou de produtos
destinados a eventos esportivos); c) a promoção dos interesses de âmbito
internacional do Brasil (no trânsito aduaneiro de passagem e no depósito franco); e
d) aulio no equilíbrio do balanço de pagamentos nacional (no drawback)
590
.
Acolhemos a classificação pela sua utilidade, tendo em vista que é possível
enquadrar cada um dos regimes aduaneiros especiais brasileiros ao menos em uma
de tais categorias.
Além da finalidade do próprio regime aduaneiro especial (de conteúdo
informador) que se falar da finalidade no regime, ou seja, da vinculação que as
mercadorias admitidas no regime aduaneiro especial possuem com as operações
permitidas em tal regime. Um veículo admitido temporariamente para testes, v.g.,
não pode ser utilizado para transporte remunerado de passageiros.
589
Curso de..., op. cit., p. 58.
590
Regimes aduaneiros..., op. cit., p. 329-330.
205
Cada um dos regimes aduaneiros especiais estabelece os termos, limites e
condições a que estão submetidas as mercadorias admitidas. Tais termos, limites e
condições correspondem às restrições à livre circulação da mercadoria no país.
Descumpridas as restrições, exigíveis se tornam os tributos, tomando-se por
base a data de registro da declaração de admissão no regime aduaneiro especial
591
.
8.3.2 Trânsito aduaneiro
No Brasil, existe um único regime aduaneiro especial enquadrável na primeira
categoria da classificação adotada no início desta seção (regimes de trânsito interno
ou internacional de mercadorias): o trânsito aduaneiro.
Um dos mais antigos regimes aduaneiros, o trânsito aduaneiro já estava
regulado na Nova Consolidação das Alfândegas e Mesas de Rendas (NCLAMR), de
1894. Hoje, as normas nacionais básicas sobre o regime aduaneiro são: a Lei
Aduaneira (arts. 73 e 74), o Regulamento Aduaneiro (arts. 267 a 305) e a Instrução
Normativa da SRF (hoje RFB) n
o
248, de 25/11/2002
592
. No âmbito internacional,
merecem destaque o Acordo de Transporte Internacional Terrestre - ATIT
593
, a
Resolução do Grupo Mercado Comum n
o
17, de 2004
594
, e a Convenção de Kyoto
revisada
595
.
Trânsito aduaneiro, segundo o art. 267 do Regulamento Aduaneiro (com
base no art. 73 da Lei Aduaneira), é o regime aduaneiro especial que permite o
transporte de mercadoria, sob controle aduaneiro, de um ponto a outro do território
aduaneiro, com suspensão do pagamento de tributos.
591
Cf. art. 266 do Regulamento Aduaneiro.
592
O trânsito aduaneiro em operações de exportação está disciplinado na Instrução Normativa SRF
n
o
28, de 28/4/1994 (arts. 32 a 34).
593
Celebrado entre Brasil, Argentina, Bolívia, Chile, Paraguai, Peru e Uruguai, como acordo de
alcance parcial no âmbito da ALADI, e incorporado a nosso ordenamento jurídico pelo Decreto n
o
99.704, de 20/11/1990. O ATIT, em seu Anexo I, intitulado “Assuntos Aduaneiros”, trata do trânsito
aduaneiro internacional (TAI).
594
Incorporada a nosso ordenamento jurídico pelo Decreto n
o
5.637, de 26/12/2005. A Resolução
aprova a "Norma Relativa à Informatização do Manifesto Internacional de Cargas / Declaração de
Trânsito Aduaneiro e ao Acompanhamento da Operação entre os Estados Partes do Mercosul”,
estabelecendo procedimento aplicável às operações de Trânsito Aduaneiro Internacional (TAI)
efetuadas ao amparo do ATIT.
595
A Convenção Internacional para Simplificação e Harmonização dos Regimes Aduaneiros
(Convenção de Kyoto revisada), em vigor internacional desde 3/2/2006, mas ainda não incorporada
ao ordenamento jurídico brasileiro, trata do trânsito aduaneiro no Capítulo 1 de seu Anexo Específico
‘E’.
206
A definição é semelhante à estabelecida internacionalmente no Anexo
Específico ‘E’, Capítulo 1, da Convenção de Kyoto revisada (“regime aduaneiro
mediante o qual as mercadorias são transportadas, sob controle aduaneiro, de uma
unidade aduaneira para outra”
596
), combinado com seu item 3 (“as mercadorias
transportadas sob o regime de trânsito aduaneiro não estarão sujeitas ao pagamento
de tributos [...]”
597
), e à constante no Glossário de Termos Aduaneiros e de
Comércio Exterior da ALADI (“regime aduaneiro sob o qual as mercadorias
submetidas a controle aduaneiro são transportadas de uma alfândega para
outra”
598
).
O trânsito aduaneiro pode ser de entrada (quando relativo a mercadoria
procedente do exterior, do ponto de descarga - ou entrada por via terrestre - no
território aduaneiro até o local onde deva ocorrer o próximo despacho); de
passagem (referente ao transporte, pelo território aduaneiro, de mercadoria
procedente do exterior e ao exterior destinada); nacional (quando as mercadorias
são transportadas de um local ou recinto aduaneiro a outro, no território nacional);
internacional (quando as mercadorias o transportadas de um local ou recinto
aduaneiro a outro, cruzando uma ou várias fronteiras internacionais); e escalonado
(quando houver transporte, em um mesmo veículo, de cargas acobertadas por
declarações de trânsito aduaneiro com destinos ou origens diferentes)
599
.
Registrada a declaração (para admissão no regime) de trânsito
aduaneiro
600
, segue-se o despacho na unidade aduaneira de origem (da qual partirá
o veículo transportador), com a conferência aduaneira, a adoção das cautelas fiscais
596
Tradução livre da versão em francês (“Transit Douanier - le régime douanier sous lequel sont
placées des marchandises transportées sous contrôle douanier dun bureau de douane à un autre
bureau de douane”), equivalente à versão em inglês, o outro idioma oficial da OMA (”Customs Transit
- the Customs procedure under which goods are transported under Customs control from one
Customs office to another”).
597
Tradução livre da versão em francês (“Les marchandises transportées en transit douanier ne sont
pas assujetties au paiement des droits et taxes [...]”), equivalente à versão em inglês, o outro idioma
oficial da OMA (“Goods being carried under Customs transit shall not be subject to the payment of
duties and taxes […]”).
598
Disponível em: <http://www.aladi.org/nsfaladi/glosario.nsf>. Acesso em: 23 jan. 2008.
599
Adaptação das modalidades relacionadas no art. 270 do Regulamento Aduaneiro à classificação
didática adotada na Instrução Normativa n
o
248, de 25/11/2002.
600
Há, segundo a operação, modelos diferenciados de declaração de trânsito aduaneiro: a DTA
(Declaração de Trânsito Aduaneiro), o MIC-DTA (Manifesto Internacional de Carga - Declaração de
Trânsito Aduaneiro), o TIF-DTA (Conhecimento-Carta de Porte Internacional - Declaração de Trânsito
Aduaneiro), a DTT (Declaração de Trânsito de Transferência) e a DTC (Declaração de Trânsito de
Contêiner).
207
cabíveis e o estabelecimento de rota e prazo para a chegada do veículo
transportador à unidade aduaneira de destino. Com a informação de tal chegada,
conclui-se o trânsito aduaneiro
601
.
8.3.3 Importação e exportação temporárias stricto sensu
Na segunda categoria da classificação adotada no início desta seção
(regimes de importação ou exportação temporária de mercadorias para exposição,
manuseio ou utilização, que denominaremos aqui de importação e exportação
temporárias stricto sensu, porque, a rigor, as demais categorias da classificação
adotada também tratam de mercadorias que permanecem por tempo determinado
no território nacional - tendo em vista que a temporariedade, como exposto no item
8.3.1.2 é inerente a todos os regimes aduaneiros especiais), incluem-se a admissão
temporária (e duas de suas espécies, a admissão temporária para utilização
econômica e o Repex) e a exportação temporária.
8.3.3.1 Admissão temporária
Também presente na NCLAMR, de 1894, com a denominação de franquia
aduaneira, a admissão temporária é regulada, hoje, basicamente, pela Lei Aduaneira
(arts. 75 a 77, e 78, § 2
o
), pela Lei n
o
9.430, de 27/12/1996 (art. 79), pelo
Regulamento Aduaneiro (arts. 306 a 331) e pela Instrução Normativa da SRF (hoje
RFB) n
o
285, de 14/1/2003
602
. No âmbito internacional, merecem destaque a
601
Registre-se que, no que se refere aos aspectos procedimentais, não obra atualizada sobre o
tema, estando prejudicadas, em sua maior parte, pela derrogação das normas de regência, as
considerações de cunho procedimental expressas por Osíris de Azevedo Lopes Filho (Regimes
aduaneiros..., op. cit., p. 101-105), Roosevelt Baldomir Sosa (Comentários à Lei Aduaneira: do art.
249 ao art. 410 do Dec. 91.030/85. São Paulo: Aduaneiras, 1993, p. 53-88) e Liziane Angelotti Meira
(Regimes aduaneiros..., op. cit., p. 168-187). André Parmo Folloni, ao tratar do trânsito aduaneiro
(Tributação sobre..., op. cit., p. 192-194), diante da volatilidade da legislação procedimental
aduaneira, nem se aventurou nessa seara.
602
ainda outras Instruções Normativas da Secretaria da Receita Federal (do Brasil)
regulamentando a admissão temporária para bens ou para casos específicos, como as de n
o
747, de
14/6/2007 (admissão de recipientes, embalagens, envoltórios, carretéis, separadores, racks, clip
locks, termógrafos e outros bens com finalidade semelhante); n
o
562, de 19/8/2005 (admissão de
bens destinados a competições desportivas internacionais); n
o
469, de 10/11/2004 (admissão de bens
relacionados com a visita ao País de dignitários estrangeiros); n
o
57, de 31/5/2001 (admissão de bens
a serem utilizados em serviços médicos de caráter humanitário); n
o
40, de 9/4/1999 (admissão de
bens de caráter cultural); e n
o
35, de 4/3/1999 (admissão de bens destinados a feiras ou exposições
comerciais ou industriais, bem como a exposições, espetáculos, competições, congressos ou eventos
congêneres de natureza científica, artística ou esportiva).
208
Resolução do Grupo Mercado Comum n
o
35, de 2002
603
, a Convenção ATA, a
Convenção de Istambul, e a Convenção de Kyoto revisada
604
.
Admissão temporária, segundo o art. 306 do Regulamento Aduaneiro (com
base no art. 75 da Lei Aduaneira e no art. 79 da Lei n
o
9.430, de 1996), é o regime
aduaneiro especial que permite a importação de bens que devam permanecer no
País durante prazo fixado, com suspensão total do pagamento de tributos, ou com
suspensão parcial, no caso de utilização econômica.
A definição regulamentar é inspirada na estabelecida internacionalmente no
Anexo Específico ‘G’ da Convenção de Kyoto revisada (“regime aduaneiro que
permite receber, em um território aduaneiro, com suspensão total ou parcial de
tributos devidos na importação, certas mercadorias importadas com um objetivo
definido e destinadas a serem reexportadas em prazo determinado, sem sofrerem
modificação, salvo a depreciação normal causada pelo seu uso
605
), diferenciando-
se da definição constante do Glossário de Termos Aduaneiros e de Comércio
Exterior da ALADI (“regime aduaneiro que permite que certas mercadorias entrem
no território aduaneiro, com suspensão [...] seja no mesmo estado ou depois de
submetidas a um processo de elaboração, manufatura ou reparação”
606
), adotada
pelo Regulamento Aduaneiro de 1985, que abarca parte do conteúdo do regime de
admissão temporária para aperfeiçoamento ativo (a ser analisado no item 8.3.5.1).
603
Incorporada a nosso ordenamento jurídico pelo Decreto n
o
5.637, de 26/12/2005. A Resolução
aprova normas para a circulação de veículos de turistas particulares e de aluguel nos Estados Partes
do Mercosul, derrogando as disposições do art. 309 do Regulamento Aduaneiro.
604
Estas três convenções entraram em vigor internacional, respectivamente, em 30/7/1963,
27/11/1993 e 3/2/2006, e não foram incorporadas a nosso ordenamento jurídico. A Convenção ATA
(sigla que representa a união da expressão francesa Admission Temporaire com a inglesa
Temporary Admission’) e a Convenção de Istambul fazem parte de um sistema idealizado pela
Organização Mundial de Aduanas para permitir a livre circulação de bens pelos países signatários
mediante a apresentação de um documento conhecido como ‘ATA carnê’, segurado por um sistema
internacional de garantia. A Convenção de Kyoto revisada trata da admissão temporária em seu
Anexo Específico ‘G’.
605
Tradução livre da versão em francês ("Admission Temporaire: le régime douanier qui permet de
recevoir dans un territoire douanier en suspension totale ou partielle des droits et taxes à l'importation,
certaines marchandises importées dans un but défini et destinées à être exportées, dans un lai
déterminé, sans avoir subi de modification, exception faite de leur dépréciation normale par suite de
l'usage qui en est fait”), equivalente à versão em inglês, o outro idioma oficial da OMA (“Temporary
Admission: the Customs procedure under which certain goods can be brought into a Customs territory
conditionally relieved totally or partially from payment of import duties and taxes; such goods must be
imported for a specific purpose and must be intended for re-exportation within a specified period and
without having undergone any change except normal depreciation due to the use made of them”).
606
Disponível em: <http://www.aladi.org/nsfaladi/glosario.nsf>. Acesso em: 23 jan. 2008.
209
A admissão temporária aplica-se, atualmente, a mais de duas dezenas de
casos
607
, como os relativos a bens destinados a eventos científicos, técnicos,
artísticos, culturais e esportivos; a feiras e exposições comerciais ou industriais; a
promoção comercial; a assistência e salvamento; ao uso do imigrante, enquanto não
obtido o visto permanente; a bagagem de uso de viajante não residente; e a ensaios
e testes de funcionamento.
Registrada a declaração para admissão no regime
608
, e firmado termo de
responsabilidade em relação aos tributos com exigibilidade suspensa, segue-se o
despacho aduaneiro, sem diferenças significativas em relação ao exposto no item
8.2.1.1. Desembaraçada a mercadoria, inicia-se a contagem do prazo de aplicação
do regime (que é hoje, em regra, de até três meses, prorrogável uma única vez por
igual período). Ao término de tal prazo, a mercadoria admitida no regime deverá
ser reexportada, entregue à Aduana (livre de quaisquer ônus), destruída (sob
controle aduaneiro, às expensas do interessado), transferida para outro regime
aduaneiro especial ou despachada para consumo (depois de efetivada a compra
internacional)
609
.
A regra, na admissão temporária, é a suspensão total da exigibilidade dos
tributos devidos na importação. Contudo, nos casos de utilização econômica, a
suspensão é parcial, como se verá a seguir.
8.3.3.1.1 Admissão temporária para utilização econômica
A figura da suspensão parcial da exigibilidade dos tributos devidos na
importação surgiu, no Brasil, com a Lei n
o
9.430, de 27/12/1996. O art. 79 de tal lei
estabelece que os bens admitidos temporariamente no País, para utilização
607
Relacionados, em regra, no art. 4
o
da Instrução Normativa da SRF (hoje RFB) n
o
285, de
14/1/2003. Liziane Angelotti Meira classifica as admissões, segundo a finalidade, em culturais e
científicas, desportivas, políticas, de consecução de obras ou trabalhos de interesse blico,
comerciais e de entrada e locomoção de veículos estrangeiros e bens de viajantes (Regimes
aduaneiros..., op. cit., p. 191-192).
608
Em regra uma declaração simplificada de importação (DSI), conforme estabelece o art. 3
o
, IV, da
Instrução Normativa da SRF (hoje RFB) n
o
611, de 18/1/2006.
609
A exemplo do disposto ao final da subseção 8.3.2 (trânsito aduaneiro), não obra atualizada
sobre os aspectos procedimentais da admissão temporária, estando prejudicadas, em sua maior
parte, pela derrogação das normas de regência, as considerações de cunho procedimental expressas
por Osíris de Azevedo Lopes Filho (Regimes aduaneiros..., op. cit., p. 108- 110), Roosevelt Baldomir
Sosa (Comentários..., op. cit., p. 88-116) e Liziane Angelotti Meira (Regimes aduaneiros..., op. cit.,
p. 194-207). Do mesmo modo, André Parmo Folloni, ao tratar da admissão temporária (Tributação
sobre..., op. cit., p. 195-199), diante da volatilidade da legislação procedimental aduaneira, nem se
aventurou nessa seara.
210
econômica, ficam sujeitos
610
ao pagamento dos impostos
611
incidentes na
importação proporcionalmente ao tempo de sua permanência em território nacional.
Na regulamentação da aplicação do regime e da tributação proporcional,
originalmente efetuada pelo Decreto n
o
2.889, de 21/12/1998, hoje incorporado aos
arts. 324 a 330 do Regulamento Aduaneiro
612
, estabeleceu-se que a expressão
utilização econômicase refere ao emprego dos bens na prestação de serviços
ou na produção de outros bens, e que a proporcionalidade seria obtida pelo
percentual representativo do tempo de permanência do bem no País (vinculado a
contrato de arrendamento operacional, aluguel ou empréstimo) em relação ao seu
tempo de vida útil, determinado nos termos da legislação do imposto de renda.
Um bem com vida útil de 10 anos, admitido temporariamente para utilização
econômica por 2 anos, recolhe, assim, no registro da declaração de admissão no
regime, 20% do que seria devido se estivesse sendo importado definitivamente,
ficando os 80% restantes com exigibilidade suspensa (com obrigatoriedade de
‘constituição’ em termo de responsabilidade e prestação de garantia mediante
depósito, fiança ou seguro aduaneiro). A cada prorrogação do contrato que ampara
a permanência dos bens no país, recolhe-se o montante correspondente ao novo
610
Na 13ª edição da Medida Provisória n
o
1.636, de 12/12/1997, já com o n
o
1.753-13, de 14/12/1998,
possibilitou-se (art. 14) que o Poder Executivo excepcionasse, em caráter temporário, a tributação
proporcional na admissão temporária para utilização econômica de determinados bens. De fato, o
Poder Executivo o fez uma semana depois, no art. 6
o
do Decreto n
o
2.889, de 21/12/1998, hoje
incorporado ao art. 328 do Regulamento Aduaneiro. A Medida Provisória’ (até o momento ainda não
convertida em lei), permanece vigente (por força do disposto no art. 2
o
da Emenda Constitucional n
o
32, de 11/9/2001), com o n
o
2.189-49, de 23/8/2001 (o comando sobre o qual estamos discorrendo
agora se encontra no art. 13). Tal Emenda, como adverte José Roberto Vieira, transformou as
‘Medidas Provisórias’ editadas à época em ‘Medidas Permanentes’ até deliberação definitiva do
Poder Legislativo ou sua revogação (Bocage e as Medidas Provisórias: a emenda pior que o soneto.
Revista da Faculdade de Direito da UFPR. n. 40, 2004, p. 100). Ou, nas palavras de Dalton Luiz
Dallazem, “tornou definitivas (pelo menos até que se delibere sobre elas - e quando isso ocorrerá?)
situações que, dadas suas características, provisoriamente [...] permeneceriam sob a regência
deste efêmero, excepcional e precário instrumento” (As Medidas Provisórias, a EC 32 e o Depósito
Recursal Administrativo. Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo: Dialética, n. 83, ago.
2002, p. 25).
611
A suspensão parcial e o pagamento proporcional já foram estendidos a outras espécies tributárias,
como a Contribuição para o PIS/Pasep-importação e a Cofins-importação (art. 14 da Lei n
o
10.865, de
30/4/2004).
612
Tanto Liziane Angelotti Meira (Regimes aduaneiros..., op. cit., p. 194) quanto André Parmo
Folloni (Tributação sobre..., op. cit., p. 197) apresentam críticas ao excessivo poder concedido pela
lei ao regulamento, para disciplinar o regime. Como destaca Raquel Novais, com a Lei n
o
9.430, de
1996, inovou-se no critério material de incidência do imposto de importação, mas foi deixada para o
regulamento a determinação de todos os demais critérios da regra-matriz de incidência do imposto
(Imposto de Importação. In: SANTI, Eurico Marcos Diniz de (coord.). Curso de especialização em
direito tributário: estudos analíticos em homenagem a Paulo de Barros Carvalho. Rio de
Janeiro: Forense, 2005, p. 1079).
211
prazo de permanência e suspende-se a exigibilidade da quantia relativa ao prazo
restante de vida útil (contábil) do bem.
Caso haja opção pelo despacho para consumo do bem admitido
temporariamente, extingue-se a aplicação do regime com o registro da declaração
de importação definitiva, quando serão devidos os tributos correspondentes ao prazo
restante de vida útil (contábil) do bem
613
.
Na Europa adotou-se metodologia de cálculo diversa, cf. estabelece o Código
Aduaneiro Comunitário (art. 143), recolhendo-se, por mês ou fração de aplicação da
admissão temporária, 3% do valor que seria devido se a importação fosse definitiva
(tomando-se como base a data de ingresso no regime), não podendo a somatória
dos recolhimentos superar 100% de tal valor.
Nos casos de admissão temporária para utilização econômica, assim, o que
ocorre é uma admissão de mercadoria em regime aduaneiro especial (pois a
operação não é definitiva e não está havendo transferência de propriedade) com
características de despacho ‘parcial’ para consumo.
É preciso advertir que, na forma em que está disciplinado o regime, não
impedimento a que ocorra uma ‘importação definitiva’ de fato sob o manto de uma
‘admissão temporária’ de direito, pois o contrato que ampara a permanência do bem
no país pode ser prorrogado indefinidamente. Veja-se, v.g., o caso da máquina
utilizada no exemplo acima, admitida no regime, inicialmente, pelo prazo de 2 anos,
com base em contrato que venha a ser prorrogado reiteradamente até que se atinja
o prazo (contábil) de vida útil do bem. Após tal utilização, por 10 anos, pode o
importador solicitar, v.g., a destruição ou a entrega à Aduana (considerando que a
reexportação ou o despacho para consumo poderiam, a essa altura, não mais ser
viáveis
614
) do bem, extinguindo a aplicação do regime. O efeito é o de uma
importação definitiva na qual se utilizou o bem até o desgaste total. As diferenças em
relação à importação definitiva de direito são: a) o fato de jamais ter havido a
613
Destaque-se que a ‘conta’ não vai necessariamente ‘fechar’ ao final do prazo de vida útil do bem,
visto que os recolhimentos efetuados na admissão e nas prorrogações têm por base a legislação
vigente na data da declaração de admissão no regime, e a quantia a ser paga (residualmente) no
despacho para consumo tem por base a legislação da data do registro da declaração de importação
definitiva (cf. art. 327 do Regulamento Aduaneiro).
614
A reexportação acarretaria custos que provavelmente superariam os do bem depreciado. O
despacho para consumo, por sua vez, poderia até ser vedado, em função de restrição à emissão de
licença para a importação definitiva do bem. Apresenta-se ainda a alternativa (possível, segundo o §
7
o
do art. 6
o
da Instrução Normativa n
o
285, de 14/1/2003) de o bem permanecer no regime
(amparado por contrato ou prorrogação deste) por prazo superior à sua vida útil (contábil).
212
transferência de propriedade do bem (embora tenham ocorrido pagamentos
periódicos pelo aluguel, empréstimo ou arrendamento da máquina); e b) a
possibilidade de pagamento parcelado’ dos tributos devidos na importação, a cada
prorrogação do contrato.
8.3.3.1.2 Repex
O Repex (regime aduaneiro especial de importação de petróleo bruto e seus
derivados) faz parte do grupo de regimes aduaneiros especiais criados por norma
infralegal
615
, com base na competência genérica estabelecida no art. 93 da Lei
Aduaneira, com a redação dada pelo Decreto-lei n
o
2.472, de 1988.
Instituído pelo Decreto n
o
3.312, de 24/12/1999 (que teve suas disposições
transpostas para os arts. 416 a 422 do Regulamento Aduaneiro), o regime foi
inicialmente tratado na Instrução Normativa da Secretaria da Receita Federal (IN
SRF - hoje RFB) n
o
53, de 18/5/2000, revogada pela IN SRF n
o
5, de 10/1/2001,
que hoje disciplina a matéria.
O Repex, segundo o art. 416 do Regulamento Aduaneiro, é o regime
aduaneiro especial que permite a importação de petróleo bruto e seus derivados
com suspensão do pagamento de impostos, para posterior exportação, no mesmo
estado em que foram importados.
Pela definição, o conteúdo do Repex está totalmente inserido no regime de
admissão temporária. Contudo, os arts. 420 e 421 do Regulamento Aduaneiro
(derivados dos arts. 7
o
e 8
o
do Decreto que criou o Repex
616
) permitem o
615
Liziane Angelotti Meira (Regimes aduaneiros..., op. cit., p. 330) destaca que a nova redação dada
ao art. 93 da Lei Aduaneira não se hamoniza com o atual sistema jurídico brasileiro, especialmente
com o princípio da legalidade. No mesmo sentido, André Parmo Folloni afirma ser incontestável a
necessidade de lei para definição e estabelecimento das formas e das condições de concessão dos
regimes aduaneiros especiais (Tributação sobre..., op. cit., p. 186-187). Veja-se que o art. 97, VI, do
Código Tributário Nacional dispõe que somente a lei pode estabelecer as hipóteses de exclusão,
suspensão e extinção de créditos tributários. O art. 93 configura, assim, uma questionável delegação
(qualquer que seja a natureza que se atribua aos regimes aduaneiros especiais) ao Poder Executivo
de matéria reservada à lei. Não é à toa que os 6 regimes aduaneiros especiais relacionados na Lei
Aduaneira transformaram-se em 16 no Regulamento Aduaneiro de 2002 (e, dependendo do critério
adotado para classificação, poderíamos falar, hoje, em até 23 regimes aduaneiros especiais). No
caso do Repex, é preciso destacar que o Decreto criador do regime (n
o
3.312, de 24/12/1999), em
seu preâmbulo, remete tanto especificamente ao art. 93 da Lei Aduaneira quanto genericamente à Lei
n
o
9.478, de 6/8/1997 (que nada diz sobre suspensão, regimes aduaneiros especiais ou autorização
para criação de benefícios, limitando-se a dispor, em seu art. 60, sobre a possibilidade de qualquer
empresa obter autorização para exercer a atividade de importação e exportação de petróleo e seus
derivados).
616
O art. 8
o
do Decreto n
o
3.312, de 24/12/1999, previa ainda a hipótese de extinção da aplicação do
regime no caso de exportação de produto resultante do refino do petróleo ou de seu derivado
importados, hoje não contemplada no Regulamento Aduaneiro.
213
abastecimento interno com produto admitido no Repex, exportando-se, em
substituição, produto nacional equivalente.
A admissão temporária, destaque-se, também pode ter sua aplicação extinta,
excepcionalmente, pela exportação de produtos equivalentes. Tal instituto é
conhecido internacionalmente como “equivalent compensationou “compensation
équivalente”, e definido no Glossário Internacional de Termos Aduaneiros da OMA
como “sistema que permite, ao amparo de certos regimes aduaneiros, a exportação
ou importação de mercadorias idênticas em tipo, descrição, qualidade e
características técnicas àquelas previamente importadas ou exportadas”
617
.
No Brasil, o art. 60 da Lei n
o
10.833, de 29/12/2003
618
, deixa clara a
possibilidade de extinção da aplicação da admissão temporária com a
exportação de produto equivalente ao admitido no regime, embora a restrinja às
hipóteses relacionadas em seu § 1
o
.
O Repex, assim, nada mais é do que uma modalidade de admissão
temporária
619
de petróleo bruto e seus derivados, com a permissão (infralegal
620
) de
extinção da aplicação do regime com a exportação de produto equivalente.
617
Tradução livre da versão em francês ("Compensation équivalente: système permettant dans le
cadre de certains régimes douaniers l’exportation ou l’importation d’une marchandise identique par le
type, l’espèce, la qualité et les caractéristiques techniques à celle ayant été préalablement importée
ou exportée”), equivalente à versão em inglês, o outro idioma oficial da OMA (“Equivalent
compensation: system allowing, under certain Customs procedures, the exportation or importation of
goods identical in type, description, quality and technical characteristics to those previously imported
or exported”).
618
Em verdade, a ‘compensação equivalente’ havia sido instituída, no Brasil, no art. 21 da Medida
Provisória n
o
38, de 14/5/2002 (que perdeu a eficácia desde a edição por o ter sido apreciada pelo
Congresso Nacional, cf. Ato Declaratório do Presidente da Mesa do Congresso Nacional de
10/10/2002), no art. 19, II da Medida Provisória n
o
75, de 24/10/2002 (rejeitada na Câmara dos
Deputados, cf. Ato Declaratório do Presidente da casa legislativa datado de 18/12/2002), e no art. 44
da Medida Provisória n
o
135, de 30/10/2003 (finalmente convertida na Lei n
o
10.833, de 2003),
regulamentada pela Instrução Normativa da Secretaria da Receita Federal (IN SRF - hoje RFB) n
o
368, de 28/11/2003, que, com leve alteração promovida pela IN SRF n
o
523, de 10/3/2005, ainda se
encontra vigente.
619
Liziane Angelotti Meira, por outros caminhos, chega a essa mesma conclusão, afirmando que o
Repex, na “realidade, trata-se de uma espécie de Admissão Temporária; contudo, como a mercadoria
é consumível e fungível, permite-se a exportação de outra idêntica” (Regimes aduaneiros..., op. cit.,
p. 314).
620
Chega-se a uma encruzilhada, onde se admite que a matéria tratada no decreto instituidor do
Repex era de reserva legal, ou que o art. 60 da Lei n
o
10.833, de 2003, veiculou desnecessariamente
em lei conteúdo que poderia ter sido expresso em um decreto. Ficamos com a primeira assertiva,
crendo que o legislador percebeu duas coisas: a) que pode haver extinção da aplicação do regime de
admissão temporária com a exportação de produto equivalente, sem necessidade de criação de um
novo regime aduaneiro especial; e b) que a determinação das hipóteses em que pode haver a
‘compensação equivalente’ é de reserva legal.
214
8.3.3.2 Exportação temporária
A exportação temporária é um regime simétrico à admissão temporária, da
mesma forma que a exportação definitiva tem por correlata a importação definitiva.
Havendo uma exportação temporária do Brasil para a Alemanha, haverá uma
admissão temporária na Alemanha.
Assim, a admissão e a exportação temporárias são concedidas em situações
inversas, mas têm finalidades semelhantes, como a permissão para a exposição de
produtos em feiras e outros eventos internacionais
621
.
A exportação temporária é regulada, hoje, basicamente, pela Lei Aduaneira
(art. 92, com a redação dada pelo Decreto-lei n
o
2.472, de 1988), pelo Regulamento
Aduaneiro (arts. 385 a 401) e pela Instrução Normativa da SRF (hoje RFB) n
o
319,
de 4/4/2003
622
. A Convenção de Kyoto revisada
623
, assim como o Código Aduaneiro
Europeu
624
, silencia sobre o regime, tratando apenas da exportação temporária para
aperfeiçoamento ativo (que analisaremos no item 8.3.5.2 deste estudo). O Código
Aduaneiro Europeu chega a definir, em seu art. 145, 3, ‘a’, que se entende por
“mercadorias de exportação temporária as mercadorias sujeitas ao regime de
aperfeiçoamento passivo”.
A ausência do regime nos importantes diplomas aduaneiros citados, por
óbvio, não deve ser interpretada como impossibilidade, v.g., de uma coleção de
obras de arte italiana ser temporariamente exposta em um museu norte-americano.
621
MEIRA, Liziane Angelotti (Regimes aduaneiros..., op. cit., p. 269).
622
ainda outras Instruções Normativas da Secretaria da Receita Federal (do Brasil)
regulamentando a exportação temporária para bens ou para casos específicos, como as de n
o
747,
de 14/6/2007 (para recipientes, embalagens, envoltórios, carretéis, separadores, racks, clip locks,
termógrafos e outros bens com finalidade semelhante) e n
o
40, de 9/4/1999 (para bens de caráter
cultural).
623
A Convenção de Kyoto revisada trata, em seus Anexos Específicos, dos seguintes regimes
aduaneiros: importação definitiva (Anexo Específico ‘B1’); exportação definitiva (‘C1’); depósitos
aduaneiros (‘D1’); zonas francas (‘D2’); trânsito aduaneiro (‘E1’); aperfeiçoamento ativo (‘F1’);
aperfeiçoamento passivo (‘F2’); drawback (‘F3’, correspondendo ao nosso drawback-restituição’);
transformação de mercadorias para consumo (‘F4’ - regime inexistente no Brasil); e admissão
temporária (‘G1’).
624
O Código Aduaneiro Europeu, em seu art. 4
o
, 16, relaciona como regimes aduaneiros: a)
introdução em livre prática (que neste estudo - subseção 8.2.1 - denominamos regime comum de
importação definitiva); b) trânsito (aduaneiro - subseção 8.3.2); c) depósito aduaneiro (que
corresponde, grosso modo, às espécies que reunimos na subseção 8.3.4); d) aperfeiçoamento ativo
(que corresponde aos regimes que reunimos nos itens 8.3.5.1, 8.3.5.3 e 8.3.5.4); e) transformação
sob controle aduaneiro (regime inexistente no Brasil); f) importação temporária (que corresponde
à admissão temporária, tratada no item 8.3.3.1); g) aperfeiçoamento passivo (que corresponde ao
regime de exportação temporária para aperfeiçoamento passivo, analisado no item 8.3.5.2); e h) a
exportação (que neste estudo - subseção 8.2.2 - denominamos regime comum de exportação
definitiva).
215
A interpretação de que a exportação temporária sequer é um regime se deve à não
incidência generalizada do imposto de exportação somada à utilização do critério da
origem para a tributação na importação. Assim, não que se falar em imposto a
suspender na saída do bem, nem em imposto a dispensar no retorno. A questão só
ganha relevância se houver alteração no estado do bem, no exterior, tema tratado
no regime de aperfeiçoamento passivo. Tal realidade européia, diga-se, não
encontra muita correspondência na América Central e na América do Sul
625
.
No Brasil, a exportação temporária, segundo o art. 385 do Regulamento
Aduaneiro, é o regime aduaneiro especial que permite a saída do País, com
suspensão do pagamento do imposto de exportação, de mercadoria nacional ou
nacionalizada, condicionada à reimportação em prazo determinado, no mesmo
estado em que foi exportada.
Há, assim, um caso de suspensão da exigibilidade do crédito tributário (para
aquela reduzida lista de mercadorias tributadas na exportação) na saída e uma
hipótese de não-incidência no retorno (como expusemos no subitem 6.1.1.2.2 deste
estudo) da mercadoria ao Brasil.
Os procedimentos
626
são semelhantes aos da admissão temporária: firmado
termo de responsabilidade em relação a eventuais tributos com exigibilidade
suspensa (sem necessidade de apresentação de garantia) e registrada declaração
de exportação ao amparo do regime, segue-se o despacho aduaneiro, sem
625
O Código Aduaneiro Uniforme Centroamericano (CAUCA), em seu art. 78, dispõe que La
exportación temporal con reimportación en el mismo estado, es el régimen aduanero mediante el
cual, con suspensión del pago de derechos e impuestos a la exportación en su caso, se permite la
salida temporal del territorio aduanero, de mercancías nacionales o nacionalizadas, con un fin
específico y por un tiempo determinado, con la condición que sean reimportadas sin que hayan
sufrido en el exterior ninguna transformación, elaboración o reparación, en cuyo caso a su retorno
serán admitidas con liberación total de derechos e impuestos a la importación”. O Código Aduaneiro
Argentino trata da exportação temporária (tanto para retorno no mesmo estado quanto para
aperfeiçoamento ativo) em seus arts. 349 a 373. O Código Aduaneiro Paraguaio, inspirado no
modelo europeu, não disciplina especificamente a exportação temporária para retorno no mesmo
estado (apesar de fazer menção a tal regime no art. 198), cabendo tal tarefa ao Regulamento
Aduaneiro daquele país (Decreto Reglamentario n
o
4.672, de 2005 - arts. 260 a 269). O Código
Aduaneiro Uruguaio trata da exportação temporária (tanto para retorno no mesmo estado quanto
para aperfeiçoamento ativo) em seus arts. 54 e 105. A Lei Orgânica de Aduanas da Venezuela
também trata genericamente da exportação temporária (abarcando as operações de retorno no
mesmo estado e aperfeiçoamento passivo) em seus arts. 95 a 101.
626
A exemplo do disposto ao final da subseção 8.3.2 (trânsito aduaneiro) e do item 8.3.3.1 (admissão
temporária), não obra atualizada sobre os aspectos procedimentais da exportação temporária,
estando prejudicadas, em sua maior parte, pela derrogação das normas de regência, as
considerações de cunho procedimental expressas por Osíris de Azevedo Lopes Filho (Regimes
aduaneiros..., op. cit., p. 124-127) e Liziane Angelotti Meira (Regimes aduaneiros..., op. cit., p. 272-
277).
216
diferenças significativas em relação ao exposto no item 8.2.2.1. Desembaraçada a
mercadoria, inicia-se a contagem do prazo de aplicação do regime (que é hoje, em
regra, de um ano, prorrogável por período não superior, no total, a dois anos
627
). Até
o rmino de tal prazo, a mercadoria admitida no regime deverá ser embarcada no
exterior, com destino ao Brasil, para que ocorra a reimportação
628
.
Também na exportação temporária foi previsto o instituto da compensação
equivalente (descrito no subitem 8.3.3.1.2 deste estudo), podendo haver, em
determinados casos
629
, extinção da aplicação do regime com a importação de
produto equivalente ao temporariamente exportado.
8.3.4 Depósitos aduaneiros
Na terceira categoria da classificação adotada no início desta seção (regimes
de depósito temporário de mercadorias, sob controle aduaneiro, em local
habilitado), incluem-se o entreposto aduaneiro e suas espécies: a loja franca, o
depósito especial, o depósito afiançado, o depósito alfandegado certificado e o
depósito franco.
Todos os regimes sobre os quais passaremos a discorrer, assim, são
espécies do regime aduaneiro especial internacionalmente conhecido como
‘entreposto aduaneiro’, ou ‘depósito aduaneiro’
630
. A divisão desta subseção em
itens atende a propósito meramente didático de adequar o conceito
627
O prazo pode ser prorrogado por período não superior a cinco anos, pela autoridade aduaneira
local (chefe da unidade aduaneira de concessão), ou por período superior, em casos justificados, pela
autoridade regional (Superintendente da Receita Federal do Brasil) com jurisdição sobre tal unidade.
Quando o regime for aplicado a mercadoria vinculada a contrato de prestação de serviços por prazo
certo, o prazo de vigência do regime será o previsto no contrato, prorrogável na mesma medida
deste.
628
A Instrução Normativa da Secretaria da Receita Federal (hoje RFB) n
o
443, de 12/8/2004,
disciplinou ainda a possibilidade de a exportação temporária ter a sua aplicação extinta com o registro
de declaração de exportação definitiva para a mesma mercadoria (sem a necessidade de retorno
desta ao Brasil).
629
Previstos no art. 60 da Lei n
o
10.833, de 2003, e disciplinados na Instrução Normativa da
Secretaria da Receita Federal (hoje RFB) n
o
368, de 28/11/2003.
630
Também Liziane Angelotti Meira classificou as espécies aqui citadas como sub-modalidades do
regime de entreposto aduaneiro. A tais espécies foram acrescentadas pela autora outras três: o
Depósito Aduaneiro de Distribuição - DAD (que, apesar de extinto pelo Regulamento Aduaneiro de
2002, pode ter suas operações efetuadas ao amparo do regime de ‘entreposto aduaneiro’, tendo em
vista o recente alargamento das hipóteses de aplicação deste), o Depósito de Loja Franca - Delof
(que trataremos item 8.3.4.2 deste estudo, referente a Lojas Francas), e o Entreposto Aduaneiro
Internacional na Zona Franca de Manaus - Eizof (a ser tratado na subseção 8.4.1, relativa à Zona
Franca de Manaus) (Regimes aduaneiros..., op. cit., p. 229-230).
217
internacionalmente adotado aos diversos institutos criados no Brasil com a
denominação de regimes aduaneiros especiais.
8.3.4.1 Entreposto aduaneiro
O regime de entreposto aduaneiro, no Brasil, remonta ao império, como
observado na subseção 8.1.2, e o termo ‘entreposto’ chegou a constar em três de
nossas Constituições Federais (1891 - art. 34, 5
o
; 1934 - art. 5
o
, X; e 1937 - arts. 15,
VIII, e 16, XIII).
Previsto na NCLAMR e na Lei Aduaneira, o regime, nas últimas décadas, e,
especialmente, nos últimos anos, foi substancialmente alterado, para permitir
operações (v.g., industrialização
631
e prestação de serviços
632
) que excedem o mero
armazenamento.
Apesar disso, mantivemos sua classificação na categoria referente a
depósitos aduaneiros, considerando que a finalidade precípua do regime continua
sendo o armazenamento.
Hoje, as normas nacionais básicas sobre o regime de entreposto aduaneiro
são: o Decreto-lei n
o
1.455, de 7/4/1976 (arts. 9
o
, 10, 16, 18, 19, 20 e 22), com as
alterações promovidas pela Medida Provisória n
o
2.158-34, de 24/8/2001; a Lei n
o
10.833, de 29/12/2003 (arts. 62 e 63, II); o Regulamento Aduaneiro (arts. 356 a 371);
e a Instrução Normativa da SRF (hoje RFB) n
o
241, de 6/11/2002
633
. No âmbito
internacional, merece destaque a Convenção de Kyoto revisada
634
.
O regime de entreposto aduaneiro, segundo os arts. 356, 363 e 364 do
Regulamento Aduaneiro (com base nos arts. 9
o
e 10 do Decreto-lei n
o
1.455, de
1976, ambos com a redação dada pela Medida Provisória n
o
2.158-34, de 2001), é o
que permite a armazenagem de mercadorias estrangeiras, com suspensão do
631
A Medida Provisória n
o
2.158-35, de 24/8/2001, em seu art. 69, ao alterar o art. 19, III do Decreto-
lei n
o
1.455, de 7/4/1976, passou a prever a realização de operações de industrialização no recinto
em que se aplica o regime de entreposto aduaneiro.
632
A Lei n
o
10.833, de 29/12/2003, em seu art. 63, II, possibilitou ainda a realização de serviços no
regime de entreposto aduaneiro.
633
Acrescente-se ainda a Instrução Normativa da Secretaria da Receita Federal (hoje RFB) n
o
513,
de 17/2/2005, que dispõe especificamente sobre o regime de entreposto aduaneiro a ser operado em
plataformas destinadas a pesquisa e lavra de jazidas de petróleo e gás natural em construção ou
conversão no País, contratadas por empresas sediadas no exterior.
634
A Convenção Internacional para Simplificação e Harmonização dos Regimes Aduaneiros
(Convenção de Kyoto revisada), em vigor internacional desde 3/2/2006, mas ainda não incorporada
ao ordenamento jurídico brasileiro, trata do entreposto aduaneiro no Capítulo 1 de seu Anexo
Específico ‘D’.
218
pagamento dos impostos
635
incidentes na importação (entreposto aduaneiro na
importação), ou de mercadorias nacionais ou nacionalizadas destinadas a
exportação (entreposto aduaneiro na exportação), em recinto alfandegado de uso
público, com suspensão do pagamento dos impostos eventualmente incidentes na
exportação (entreposto aduaneiro de exportação comum), ou em recinto de uso
privativo, com direito à utilização dos benefícios fiscais previstos para incentivo à
exportação, antes do seu efetivo embarque para o exterior (entreposto aduaneiro
de exportação extraordinário).
No Capítulo 1 do Anexo Específico ‘D’ da Convenção de Kyoto revisada, o
regime de entreposto aduaneiro é definido como “o regime aduaneiro por meio do
qual as mercadorias importadas são armazenadas sob controle aduaneiro em local
habilitado para tal fim (entreposto aduaneiro), sem o pagamento dos tributos devidos
na importação”
636
.
Veja-se que a expressão entreposto aduaneiro’, no inglês, no francês (o
mesmo ocorrendo com o espanhol - ‘deposito aduanero’ - e com o italiano - ‘deposito
doganale’) e no português corrente em Portugal, é utilizada com duplo significado:
como regime aduaneiro e como local onde são armazenadas as mercadorias ao
amparo de tal regime. No Brasil, a imprecisão terminológica existia no Decreto n
o
3.217, de 31/12/1863, que abarcava ainda na definição de entreposto aduaneiro o
instituto denominado ‘depósito temporário’ (tratado no item 6.1.3.4 deste estudo). Na
NCLAMR e na Lei Aduaneira também se empregava a expressão ‘entreposto
aduaneiro’ para designar o regime e o local de sua aplicação
637
. É com o advento do
Decreto-lei n
o
1.455, de 7/4/1976, que revoga todo o Capítulo referente a entreposto
aduaneiro da Lei Aduaneira, que passamos a não mais denominar o local de
armazenamento de entreposto aduaneiro. Hoje, assim, as mercadorias admitidas no
regime de entreposto aduaneiro são, em regra, armazenadas em recintos
635
A suspensão foi estendida à Contribuição para o PIS/Pasep-importação e à Cofins-importação
pelo art. 14 da Lei n
o
10.865, de 30/4/2004.
636
Tradução livre da versão em francês ("Régime de l'entrepôt de douane: le régime douanier en
application duquel les marchandises importées sont stockées sous contrôle de la douane dans un lieu
désigné à cet effet - entrepôt de douane - sans paiement des droits et taxes à l'importation”),
equivalente à versão em inglês, o outro idioma oficial da OMA (“Customs warehousing procedure:
means the Customs procedure under which imported goods are stored under Customs control in a
designated place - a Customs warehouse - without payment of import duties and taxes).
637
A título ilustrativo, reproduza-se excerto dos arts. 79 e 80 da Lei Aduaneira: “Art. 79. O regime de
entreposto aduaneiro é o que permite o depósito de mercadorias em local determinado, com [...].
Art. 80. [...] a mercadoria depositada no entreposto aduaneiro poderá [...].” (grifos nossos).
219
alfandegados de uso blico
638
denominados ‘estações aduaneiras’ ou ‘portos
secos’
639
.
Trata-se, a seguir, sinteticamente, das peculiaridades inerentes ao regime de
entreposto aduaneiro, quando aplicado nas importações e nas exportações, em seus
aspectos procedimentais
640
.
8.3.4.1.1 Entreposto aduaneiro na importação
Como a mercadoria pode ficar armazenada ao amparo do regime por até dois
anos (em situações especiais, três), com suspensão da exigibilidade dos
impostos
641
, o regime se apresenta como uma permissão de estocagem de
mercadoria estrangeira em território nacional, possibilitando ao beneficiário trazer as
mercadorias em grandes lotes (o que significa economia no transporte), vendendo-
as fracionadamente (sem o desembolso imediato dos tributos com exigibilidade
suspensa, que seriam normalmente devidos na importação), conforme a demanda
do mercado.
Nas palavras de OSÍRIS DE AZEVEDO LOPES FILHO,
[...] o entreposto aduaneiro facilita a realização dos negócios. Ao
importador, permite comprar na melhor hora, eis que pode manter
estoques sem pagamento de tributos. Ao industrial, garante a
638
Podem ainda ser armazenadas mercadorias ao amparo do regime de entreposto aduaneiro em
recintos de uso privativo, na importação (previamente alfandegados para realização de feiras,
congressos, mostras ou eventos semelhantes) e na exportação (na modalidade de regime
extraordinário), cf. arts. 356 e 364, § 2
o
do Regulamento Aduaneiro. Com o advento da Lei n
o
10.833,
de 29/12/2003 (art. 62), podem ainda ser armazenadas mercadorias ao amparo do regime, tanto na
importação quanto na exportação, em instalações portuárias de uso privativo misto, plataformas
destinadas à pesquisa e lavra de jazidas de petróleo e gás natural em construção ou conversão no
País, contratadas por empresas sediadas no exterior, e em estaleiros navais ou em outras
instalações industriais localizadas à beira-mar, destinadas à construção de estruturas marítimas,
plataformas de petróleo e módulos para plataformas.
639
Embora a Lei n
o
9.074, de 7/7/1995, em seu art. 1
o
, VI, utilize a expressão estações aduaneiras
(que a legislação infralegal, v.g. o Decreto n
o
1.910, de 21/5/1996, subdividiu em estações aduaneiras
de fronteira - EAF, e estações aduaneiras de interior - EADI), o Regulamento Aduaneiro de 2002, em
seu art. 724, sepultou tal denominação, utilizando a expressão porto seco’ (derivada do inglês dry
port’), definida (em seu art. 11, com a redação dada pelo Decreto n
o
4.765, de 24/6/2003) como
recinto alfandegado de uso público no qual são executadas operações de movimentação,
armazenagem e despacho aduaneiro de mercadorias e de bagagem, sob controle aduaneiro.
640
A exemplo do disposto ao final da subseção 8.3.2 (trânsito aduaneiro), do item 8.3.3.1 (admissão
temporária) e do item 8.3.3.2 (exportação temporária), não há obra atualizada sobre os aspectos
procedimentais relativos ao regime de entreposto aduaneiro, estando prejudicadas, em sua maior
parte, pela derrogação das normas de regência, as considerações de cunho procedimental expressas
por Osíris de Azevedo Lopes Filho (Regimes aduaneiros..., op. cit., p. 116-120 e 133-137),
Roosevelt Baldomir Sosa (Comentários..., op. cit., p. 133-148) e Liziane Angelotti Meira (Regimes
aduaneiros..., op. cit., p. 233).
641
Reitere-se: também da Contribuição para o PIS/Pasep-importação e da Cofins-importação, cf. art.
14 da Lei n
o
10.865, de 2004.
220
continuidade do processo produtivo, que faculta contar com
estoques necessários à manutenção de sua produção, uma vez que
ocorre o pagamento dos tributos, à medida em que o produto seja
retirado do entreposto, para utilização na indústria.
O comprador de mercadorias armazenadas no entreposto tem
também suas vantagens. A primeira delas consiste no acesso fácil,
para exame e observação. Em seguida, poder contar com sua
entrega imediata, pois a mercadoria já se encontra no país.
642
No caso de entreposto aduaneiro aplicado em recinto de uso privativo,
previamente alfandegado para realização de feira, congresso, mostra ou evento
semelhante, o regime se apresenta como uma alternativa à admissão temporária,
possibilitando ao promotor do evento efetuar, pelo período em que o recinto estiver
alfandegado, a armazenagem das mercadorias admitidas no regime.
Em qualquer dos casos (armazenagem em recinto de uso público ou
privativo), o procedimento é semelhante ao encontrado em outros regimes
aduaneiros especiais: registra-se uma declaração para admissão das
mercadorias no regime, seguindo-se o despacho aduaneiro, na forma descrita no
item 8.2.1.1. Desembaraçada a mercadoria, inicia-se a contagem do prazo de
aplicação do regime. Se a mercadoria, em até 45 dias do término de tal prazo, não
for despachada para consumo, reexportada, exportada (se ingressada no regime
com cobertura cambial) ou transferida para outro regime aduaneiro especial ou
aplicado em áreas especiais, será considerada abandonada
643
.
8.3.4.1.2 Entreposto aduaneiro na exportação
Em sua modalidade comum, o regime de entreposto aduaneiro na
exportação permite o armazenamento da mercadoria a ser exportada com
suspensão da exigibilidade de impostos. Pouca tem sido a utilização de tal
modalidade, face às vantagens apresentadas pela modalidade extraordinária e por
outras possibilidades de armazenamento de mercadoria destinada à exportação no
estabelecimento do exportador ou em recintos não-alfandegados como os Redex
644
.
A admissão da mercadoria no regime de entreposto aduaneiro na exportação,
na modalidade comum, é automática, dispensado o registro de declaração. A
admissão subsiste da data da entrada, no recinto alfandegado em que se opere o
642
Regimes aduaneiros..., op. cit., p. 116.
643
A presunção de abandono foi estabelecida no art. 23, II, ‘d’ do Decreto-lei n
o
1.455, de 7/4/1976.
644
Na seção 9.2 deste estudo faremos uma análise da simplificação procedimental trazida pelos
Recintos Especiais para Despacho Aduaneiro de Exportação (Redex).
221
regime, da mercadoria destinada a exportação, acompanhada da respectiva Nota
Fiscal. O prazo de admissão, de um ano, pode ser, em situações especiais,
prorrogado até que se atinja o limite de três anos. Em até 45 dias do término de tal
prazo, deve o beneficiário do regime registrar a declaração de exportação definitiva
da mercadoria ou reintegrá-la ao estoque de seu estabelecimento.
Na modalidade extraordinária, a mercadoria pode ser armazenada em
recinto de uso privativo de Empresa Comercial Exportadora, com antecipação dos
benefícios inerentes à exportação definitiva. As Empresas Comerciais
Exportadoras, também conhecidas por Trading Companies, são empresas
registradas especificamente como tal na Secretaria de Comércio Exterior e na
Secretaria da Receita Federal do Brasil
645
, idealizadas com a finalidade de permitir
aos pequenos e médios produtores-vendedores o acesso ao mercado internacional.
Também em tal modalidade é automática a concessão, dispensado o registro
de declaração de admissão, subsistindo o regime por 180 dias
646
, contados da data
de saída da mercadoria do estabelecimento do produtor-vendedor. Em até 45 dias
do término de tal prazo, deve o beneficiário registrar a declaração de exportação
definitiva da mercadoria ou ressarcir os benefícios fiscais acaso fruídos em razão da
admissão da mercadoria no regime.
8.3.4.2 Loja franca
A possibilidade de criação de loja franca (também conhecida por ‘duty freeou
free shop’) em aeroportos e portos alfandegados brasileiros, para vender
mercadorias a passageiros em viagem internacional, surgiu com o art. 15 do
Decreto-lei n
o
1.455, de 7/4/1976. Embora o referido art. 15 não utilize a expressão
regime aduaneiro, o Regulamento Aduaneiro de 1985 definiu a loja franca como um
‘regime aduaneiro atípico’ (que correspondia, no critério à época adotado, a um
regime aduaneiro criado por norma que não a Lei Aduaneira). Desde então, apenas
duas alterações significativas ocorreram no regime: uma em 1995 (com a
645
O regime de entreposto aduaneiro na exportação, na modalidade extraordinária, somente poderá
ser outorgado a Empresa Comercial Exportadora constituída na forma do Decreto-lei n
o
1.248, de
29/11/1972, cf. estabelece o art. 2
o
de tal decreto-lei.
646
Cf. art. 366, II do Regulamento Aduaneiro, com a redação dada pelo Decreto n
o
4.765, de
24/6/2003 (a redação original trazia o prazo de 90 dias). Registre-se ainda que a mercadoria admitida
no regime de entreposto aduaneiro na exportação, na modalidade extraordinária, pode ser, durante o
prazo de aplicação do regime, admitida na modalidade comum, passando a sujeitar-se aos prazos de
aplicação desta modalidade.
222
incorporação
647
a nosso ordenamento jurídico da Decisão do Conselho do Mercado
Comum - CMC n
o
18, de 1994) e outra, recentemente, em 2006 (com o advento da
Lei n
o
11.371, de 28/11/2006
648
).
Hoje, as normas sicas sobre o regime de loja franca (que classificamos
aqui como uma espécie do regime aduaneiro especial de entreposto aduaneiro) são,
além das referidas, o Regulamento Aduaneiro (arts. 101, II, 167, e 424 a 427), a
Portaria do Ministro da Fazenda n
o
204, de 22/8/1996, e as Instruções Normativas
da SRF (hoje RFB) n
o
180, de 24/7/2002 e n
o
723, de 13/2/2007.
O regime aduaneiro especial de loja franca, segundo o art. 424 do
Regulamento Aduaneiro (com base no art. 15 do Decreto-lei n
o
1.455, de 1976, por
nós já adaptado à alteração promovida pela Lei n
o
11.371, de 2006), é o que permite
a estabelecimento
649
instalado em zona primária de porto ou de aeroporto
alfandegado vender mercadoria nacional ou estrangeira a passageiro em viagem
internacional, contra pagamento em moeda nacional ou estrangeira.
Assim, na loja franca de desembarque temos uma espécie do entreposto
aduaneiro na importação. A mercadoria ingressa em loja franca (mediante uma
declaração de admissão no regime) com suspensão da exigibilidade dos tributos
devidos na importação, extinguindo-se a aplicação do regime com a venda da
647
Pelo Decreto n
o
1.765, de 28/12/1995. A Decisão CMC n
o
18, de 1994, em seu art. 13, estende o
regime de tributação especial (RTE) aplicado a bagagem de viajante às mercadorias adquiridas em
lojas francas de chegada, no valor que exceder ao limite de isenção. Nas vias aérea e marítima, o
limite de isenção para bagagem de viajante é de US$ 500,00, sendo o excedente tributado a uma
alíquota única de 50% (correspondente ao RTE). Nas citadas vias de acesso ao país o viajante, além
do limite de isenção para bagagem, tem ainda a possibilidade de adquirir mais US$ 500,00 em lojas
francas nacionais de chegada, ou de desembarque (instaladas nas áreas de desembarque de vôos e
atracações internacionais). A mudança ocorrida com a incorporação da Decisão CMC foi, assim,
significativa: o viajante regressando do exterior, que podia adquirir apenas US$ 500,00 na loja franca
de chegada, passou a poder adquirir mais, tributando-se o excedente à alíquota do RTE (50%). A
regulamentação do dispositivo, no entanto, ocorreu recentemente, com a nova redação dada ao
art. 7
o
da Portaria do Ministro da Fazenda (MF) n
o
204, de 1996, pela Portaria MF n
o
364, de
1
o
/11/2006.
648
Resultante da conversão da Medida Provisória n
o
315, de 3/8/2006. Em seu art. 13, que nova
redação ao art. 15 do Decreto-lei n
o
1.455, de 1976, a lei passa a permitir que o pagamento das
compras em lojas francas seja efetuado em qualquer moeda, inclusive a nacional.
649
O regime de loja franca somente poderá ser outorgado a empresas selecionadas mediante
concorrência pública, e habilitadas pela Secretaria da Receita Federal do Brasil. Segundo as
informações disponibilizadas por tal órgão em seu sítio na rede mundial, há, hoje, 35 lojas francas em
atividade no país, todas localizadas em aeroportos internacionais (Disponível em:
<http://www.receita.fazenda.gov.br/aduana/LocaisRecintosAduaneiros/LojasFrancas>. Acesso em: 23
jan. 2008).
223
mercadoria aos viajantes
650
procedentes do exterior. O fato de os viajantes estarem
isentos do pagamento dos tributos até o limite de US$ 500,00 (por força da Lei n
o
8.032, de 12/4/1990, art. 2
o
, II, ‘e’) ou terem o excedente a tal montante tributado à
alíquota única de 50% (cf. a Decisão CMC n
o
18, de 1994, art. 13) não interfere no
regime, que deve ser encarado do ponto de vista do estabelecimento (que,
padecendo do mal dos depósitos aduaneiros, tem o mesmo nome dado ao regime:
loja franca) e não do viajante comprador.
Na loja franca de embarque, contudo, não temos suspensão, mas isenção,
desde a saída do estabelecimento industrial que fornece a mercadoria à loja franca,
cf. estabelece o § 3
o
do art. 15 do Decreto-lei n
o
1.455, de 1976.
Destaque-se, por fim, que, cf. o disposto na Instrução Normativa (IN) da SRF
(hoje RFB) n
o
113, de 31/12/2001, é permitido às empresas detentoras de
autorização para operar loja franca estabelecer depósito de loja franca (Delof
651
),
para venda a missões diplomáticas e repartições consulares de caráter permanente,
e seus integrantes; a representações de organismos internacionais de caráter
permanente, de que o Brasil seja membro; integrantes de missões diplomáticas e de
representações consulares de caráter permanente; e a funcionários, peritos, técnicos
e consultores, estrangeiros, de representações permanentes de organismos
internacionais de que o Brasil seja membro, no exercício de suas funções.
Nada mais é o depósito de loja franca do que um entreposto aduaneiro
na importação. A única diferença (irrelevante para a determinação da natureza
jurídica do regime) é a qualificação da clientela do Delof, em regra, sem
preocupações tributárias, por força da Convenção de Viena sobre Relações
Diplomáticas e da Convenção de Viena sobre Relações Consulares
652
.
8.3.4.3 Depósito especial
O regime, denominado inicialmente de depósito especial alfandegado’,
nasceu com a publicação da Portaria do Ministro da Fazenda n
o
145, em
650
A mercadoria pode ainda ser vendida a empresas de navegação aérea ou marítima, para uso ou
consumo de bordo de embarcações ou aeronaves, de bandeira estrangeira, aportadas no País (cf. §
4
o
do art. 15 do Decreto-lei n
o
1.455, de 1976), a missões diplomáticas, repartições consulares,
representações de organismos internacionais de caráter permanente e a seus integrantes e
assemelhados, ou a tripulantes em viagem internacional (cf. art. 426 do Regulamento Aduaneiro).
651
O primeiro Delof do país, situado em Brasília, foi criado pela IN SRF n
o
138, de 1989, substituída
pela IN SRF n
o
71, de 1991 (que manteve a restrição dos Delof a Brasília). É na IN SRF n
o
113, de
2001, que se elimina a restrição geográfica, permitindo-se a criação de Delof em outras localidades.
652
Aprovadas, no Brasil, pelos Decretos Legislativos n
o
103, de 18/11/1964, e n
o
6, de 5/4/1967, e
promulgadas pelos Decretos n
o
56.435, de 8/6/1965, e n
o
61.078, de 26/7/1967, respectivamente.
224
23/3/1977
653
, que tinha como fundamentos os arts. 26 a 28 do Decreto n
o
78.450, de
22/9/1976 (que regulamentava o regime de entreposto aduaneiro na importação e
na exportação). O Regulamento Aduaneiro de 1985, ao tratar do ‘depósito especial
alfandegado’, classificou-o como regime aduaneiro atípico, por não ter sido
expressamente criado na Lei Aduaneira.
Com o Regulamento Aduaneiro de 2002, o depósito especial perdeu a
qualificação ‘alfandegado’, tendo em vista que o controle de entrada, permanência e
saída de mercadorias passou a ser efetuado mediante processo informatizado (com
base em software a ser desenvolvido pelo beneficiário, atendendo à configuração e
aos requisitos mínimos estabelecidos pela Aduana), dispensando o alfandegamento
do recinto onde estaria localizada a base operacional do regime. Trocaram-se os
portões e as cercas elétricas pelo monitoramento virtual constante
654
.
Atualmente, as normas básicas sobre o regime de depósito especial (que
classificamos aqui como uma espécie do regime aduaneiro especial de entreposto
aduaneiro na importação) são: o Regulamento Aduaneiro (arts. 428 a 435), a
Portaria do Ministro da Fazenda n
o
284, de 18/11/2003, e a Instrução Normativa da
SRF (hoje RFB) n
o
386, de 14/1/2004.
O regime de depósito especial, segundo o art. 428 do Regulamento
Aduaneiro, é o que permite a estocagem de partes, peças, componentes e materiais
de reposição ou manutenção, com suspensão do pagamento de impostos
655
, para
veículos, máquinas, equipamentos, aparelhos e instrumentos, estrangeiros,
nacionalizados ou não, nos casos definidos pelo Ministro da Fazenda.
O Ministro da Fazenda definiu, na Portaria n
o
284, de 2003, as atividades para
as quais será permitido o emprego do depósito especial: transporte; apoio à
653
Em verdade, a denominação do ‘regime’ criado pela Portaria MF n
o
145, de 1977, como ‘depósito
especial alfandegado’, foi dada pela Portaria MF n
o
385 e pela Instrução Normativa da SRF (hoje
RFB) n
o
19, ambas de 1977.
654
Essa troca, que ocorreu pela primeira vez em 1998, para o regime aduaneiro especial de
entreposto industrial (que passou a denominar-se entreposto industrial sob controle informatizado -
Recof), acabou por ser aplicada a diversos regimes aduaneiros especiais (como o que aqui se está
analisando, o Depósito Afiançado e o Depósito Alfandegado Certificado) e procedimentos aduaneiros
simplificados (como a Linha Azul), revelando uma tendência (que não é brasileira) de utilização
dos meios informatizados disponíveis (sem custo para os cofres públicos), para poupar a mão-de-
obra fiscal. Na área aduaneira, com a abertura comercial dos anos 90, o volume de importações e de
exportações cresceu em patamares muito superiores ao efetivo de fiscalização, e é provável que a
relação importações/exportações por auditor-fiscal só venha a aumentar nos próximos anos.
655
A suspensão foi estendida à Contribuição para o PIS/Pasep-importação e à Cofins-importação
pelo art. 14 da Lei n
o
10.865, de 30/4/2004.
225
produção agrícola; construção e manutenção de rodovias, ferrovias, portos,
aeroportos, barragens e serviços afins; pesquisa, prospecção e exploração de
recursos minerais; geração e transmissão de som e imagem; diagnose, cirurgia,
terapia e pesquisa médicas; geração, transmissão e distribuição de energia elétrica;
e análise e pesquisa científicas.
Veja-se que são atividades para as quais normalmente se requer urgência
nas operações de reparo ou manutenção. Busca-se, assim, com o depósito especial,
a redução do tempo de execução em tais operações
656
.
O procedimento é semelhante ao da modalidade de entreposto aduaneiro
denominada de ‘entreposto aduaneiro na importação’, exposto no subitem 8.3.4.1.1:
registra-se uma declaração para admissão das mercadorias no regime,
seguindo-se o despacho aduaneiro, na forma descrita no item 8.2.1.1.
Desembaraçada a mercadoria, inicia-se a contagem do prazo de aplicação do
regime, que é de até cinco anos. Na vigência do regime, deve o beneficiário
reexportar a mercadoria, exportá-la (caso haja cobertura cambial), transferi-la para
outro regime aduaneiro especial ou aplicado em áreas especiais, despachá-la para
consumo ou destruí-la (às suas expensas, sob controle aduaneiro).
Também no depósito especial estamos diante de um caso de entreposto
aduaneiro na importação (como reconhece a própria norma que criou o
‘regime’)
657
.
8.3.4.4 Depósito afiançado
O depósito afiançado, denominado de ‘regime atípico’ de depósito afiançado’
pelo Regulamento Aduaneiro de 1985 (arts. 402 a 406), tem origem na Convenção
de Aviação Civil Internacional
658
, conhecida como Convenção de Chicago (onde foi
656
No mesmo sentido, Roosevelt Baldomir Sosa (Comentários..., op. cit., p. 172) e Liziane Angelotti
Meira (Regimes aduaneiros..., op. cit., p. 242), embora ambos estivessem a comentar o extinto
‘depósito especial alfandegado’.
657
Contudo, adverte Liziane Angelotti Meira que deveria haver previsão legal para que o regime
pudesse ser operado em recinto de uso privativo, visto que a norma-base do entreposto aduaneiro na
importação estabelece que o regime deve operar em recintos alfandegados de uso público (Regimes
aduaneiros..., op. cit., p. 241).
658
Firmada pelo Brasil em 29/5/1945, aprovada em 11/9/1945 e ratificada em 26/3/1946, a
Convenção foi promulgada por meio do Decreto n
o
21.713, de 2/8/1946. Em seu art. 24, ‘b’, dispõe a
Convenção de Chicago: “As peças sobresselentes e equipamentos importados no território de um
Estado Contratante para serem montados ou utilizados na aeronave de um outro Estado
Contratante servindo a navegação aérea internacional serão admitidos com isenção de direitos
aduaneiros, sujeitos aos regulamentos do Estado interessado, que poderá exigir que permaneçam
debaixo da vigilância e controle da Alfândega” (grifos nossos).
226
concluída, em 7/12/1944), mais especificamente em seu Anexo 9 (itens 4.40 e
4.41
659
), como reconhece, em seu preâmbulo, a Instrução Normativa da SRF (hoje
RFB) n
o
113, de 27/12/1994, que preliminarmente disciplinou a matéria.
Com o advento do Regulamento Aduaneiro de 2002, o depósito afiançado
passou a ser classificado como regime aduaneiro especial, e desvinculou-se da
necessidade de base operacional, tendo em vista que o controle de entrada,
permanência e saída de mercadorias ao amparo do regime passou a ser efetuado
mediante processo informatizado.
Atualmente, as normas básicas sobre o regime de depósito afiançado (que
classificamos aqui como uma espécie do regime aduaneiro especial de entreposto
aduaneiro na importação) são o Regulamento Aduaneiro (arts. 436 a 440) e a
Instrução Normativa da SRF (hoje RFB) n
o
409, de 19/3/2004.
O regime de depósito afiançado, segundo o art. 436 do Regulamento
Aduaneiro, é o que permite a estocagem, com suspensão do pagamento de
impostos
660
, de materiais importados sem cobertura cambial, destinados à
manutenção e ao reparo de embarcação ou de aeronave pertencentes a empresa
autorizada a operar no transporte comercial internacional, e utilizadas nessa
atividade. O regime pode ainda ser aplicado a provisões de bordo para aeronaves e
embarcações e ao transporte rodoviário
661
.
659
A Convenção de Chicago possui 18 anexos, e já sofreu 10 emendas (a última delas incorporada a
nosso ordenamento jurídico pelo Decreto n
o
3.720, de 8/1/2001). O Anexo 9 versa sobre ‘facilitação
do transporte aéreo’, tendo sido na emenda sua última alteração substancial. Em tal emenda,
incorporada ao ordenamento jurídico nacional pelo Decreto n
o
86.228, de 28/7/1981, dispõem os arts.
4.41 e 4.42, respectivamente: “4.41 As provisões importadas no território de um Estado Contratante,
por empresa de transporte aéreo de outro Estado Contratante, para utilização no estabelecimento
ou manutenção de serviço internacional de tal empresa, serão admitidas com isenção de direitos
aduaneiros, taxas e outros gravames, observados os regulamentos daquele Estado Contratante.
Estes regulamentos não imporão restrições excessivas ao uso, pela empresa, dessas provisões.”; e
“ 4.42 Recomendação - O equipamento de terra e o equipamento de segurança, importado no
território de um Estado Contratante por uma empresa de transporte aéreo de outro Estado
Contratante, para uso dentro dos limites de um aeroporto internacional, relacionado com o
estabelecimento ou manutenção de serviço internacional operado por essa empresa, deve ser
admitido isento de pagamento de direitos aduaneiros e, na medida do possível, de taxas e outros
gravames, sujeitos aos cumprimentos dos regulamentos do Estado Contratante em causa. Tais
regulamentos não imporão restrições excessivas para uso, pela empresa, do equipamento de terra e
equipamento de segurança” (grifos nossos).
660
A suspensão foi estendida à Contribuição para o PIS/Pasep-importação e à Cofins-importação
pelo art. 14 da Lei n
o
10.865, de 30/4/2004.
661
Contudo, ainda não regulamentação do depósito afiançado para as vias rodoviária e marítima.
A única norma procedimental sobre a matéria, a Instrução Normativa SRF (hoje RFB) n
o
409, de
2004, disciplina tão-somente o depósito afiançado operado por empresa de transporte reo
internacional (inclusive para provisões de bordo).
227
Veja-se que o regime busca estabelecer um tratamento para as entradas
temporárias de materiais importados para manutenção ou reparo de aeronaves e
embarcações, ocasionadas por operações que não se constituam propriamente em
uma venda internacional. No caso de entradas definitivas de tais materiais
isenção
662
(cf. estabelece a alínea ‘j’ do inciso II do art. 2
o
da Lei n
o
8.032, de
12/4/1990, c/c o inciso IV do art. 1
o
da Lei n
o
8.402, de 8/1/1992).
O procedimento é semelhante ao da modalidade de entreposto aduaneiro
denominada de ‘entreposto aduaneiro na importação’, exposto no subitem 8.3.4.1.1:
registra-se uma declaração para admissão das mercadorias no regime,
seguindo-se o despacho aduaneiro, na forma descrita no item 8.2.1.1.
Desembaraçada a mercadoria, inicia-se a contagem do prazo de aplicação do
regime, que é de até cinco anos
663
. Na vigência do regime, deve o beneficiário
reexportar o material, despachá-lo para consumo ou destruí-lo (às suas expensas,
sob controle aduaneiro).
Também no depósito afiançado temos espécie do gênero entreposto
aduaneiro na importação (apesar de haver, no depósito afiançado para empresas
aéreas, a peculiar situação de permanência eterna do bem em zona primária, ao
amparo do regime, o que, a nosso ver, resulta do mecanismo adotado pelo Brasil
para implementação da isenção prevista na Convenção de Chicago).
8.3.4.5 Depósito alfandegado certificado
Regime aduaneiro originalmente ‘criado’ pela Portaria do Ministro da Fazenda
n
o
60, de 2/4/1987 e disciplinado pela Instrução Normativa SRF (hoje RFB) n
o
157,
de 18/11/1987, o depósito alfandegado certificado foi, digamos, alçado ao status de
lei, pelo art. 6
o
do Decreto-lei n
o
2.472, de 1
o
/9/1988, que dispõe que a mercadoria
em regime de depósito alfandegado certificado, como previsto em regulamento,
será considerada exportada, para os efeitos fiscais, creditícios e cambiais.
662
Aqui, como nas lojas francas, o fato de haver isenção quando da importação definitiva do bem não
impediu o legislador de disciplinar o que na Convenção de Chicago é designado por restrições a
serem estabelecidas pelo regulamento de cada Estado Parte. Instituiu-se uma suspensão da
exigibilidade do crédito tributário que se resolve com a reexportação, com a destruição do material,
sob controle aduaneiro, ou com o despacho para consumo (com isenção).
663
Conforme estabelece a norma procedimental - Instrução Normativa SRF (hoje RFB) n
o
409, de
2004 - em seu art. 16, parágrafo único, os materiais admitidos no regime que permaneçam nos limites
da zona primária do aeroporto (exceto documentos, equipamentos, suprimentos e peças de reposição
de aeronaves), vinculados ao estabelecimento ou à manutenção de serviço internacional operado
pelo beneficiário, podem ali permanecer por prazo que exceda os 5 anos. É preciso destacar que a
Convenção de Chicago trata tal ‘admissão no regime ad eternum’ como isenção.
228
Veja-se que não é de hoje que o Poder Executivo edita atos normativos sem
fundamentação legal, para depois empurrá-los para o andar hierárquico superior. É
a lei da selva, retratada por JOSÉ ROBERTO VIEIRA
664
.
Aqui, contudo, um adicional cômico (ou trágico) a tal situação. A lei
reconheceu a existência da norma de hierarquia inferior, bem como a importância de
modificar seu status hierárquico. Merece transcrição o item 10 da Exposição de
Motivos n
o
296, de 1
o
/9/1988, que acompanha o Decreto-lei n
o
2.472:
O art. 6
o
deste projeto de Decreto-lei dispõe sobre as exportações
em regime de depósito alfandegado certificado, em existência
no País. A equiparação da operação a exportação é reconhecida
por convênio entre as unidades da Federação e pelos regulamentos
aduaneiros e cambiais. Para que o instituto, tão importante para as
nossas exportações, se consolide, faz-se necessário contemplá-lo
em dispositivo legal de hierarquia superior (sic). (grifos nossos)
Na mesma exposição de motivos (item 3), revela-se que se está propondo “a
saída ficta para o exterior de mercadoria admitida em regime de depósito
alfandegado certificado”.
Assim, retornando ao universo jurídico, poderíamos encarar o depósito
alfandegado certificado como uma modalidade de exportação sem saída (como as
apresentadas no item 6.2.2.1), o que propusemos em estudo anterior
665
, ou como
uma espécie de entreposto aduaneiro na exportação, que resulta da mescla entre
a modalidade comum (pela exigência de armazenamento da mercadoria em recinto
alfandegado de uso público
666
) e a extraordinária (pela antecipação dos benefícios
inerentes à exportação definitiva), o que admitimos no presente item, com algumas
ressalvas.
664
Legalidade tributária ou lei da selva: sonho ou pesadelo. Revista da Faculdade de Direito da
UFPR. n. 37, 2002, p. 5-22. O mesmo autor, analisando restrição ao conteúdo da lei imposta por
instrução normativa, dispõe que: “se a atividade administrativa [...] é inegavelmente vinculada [...], tal
vinculação é em primeiríssimo e irrecusável lugar à lei em sentido estrito, e apenas secundariamente
ao restante da legislação [...] hierarquicamente inferior, de modo que, antes de se atentar para as
referidas instruções normativas, é de todo necessário prestar reverência ao disposto na Lei [...]“
(Crédito presumido do IPI e insumos não tributados pelo PIS/PASEP e pela COFINS. Revista da
Faculdade de Direito da UFPR. n. 38, 2003, p. 39).
665
TREVISAN, Rosaldo. Os regimes aduaneiros..., op. cit., p. 372.
666
A mercadoria pode ainda ser admitida em instalação portuária de uso privativo misto (cf. art. 442,
parágrafo único do regulamento Aduaneiro) ou em outros locais, inclusive o estabelecimento do
exportador (quando, em razão de sua dimensão ou de seu peso, não possa ser depositada em
recinto alfandegado de uso público ou na referida instalação portuária, cf. art. 3
o
, § 1
o
da Instrução
Normativa (IN) SRF n
o
266, de 2002, com a redação dada pela IN SRF n
o
322, de 24/4/2003.
229
A legislação que hoje disciplina o depósito alfandegado certificado - o
Regulamento Aduaneiro (arts. 441 a 446) e a Instrução Normativa da SRF (hoje
RFB) n
o
266, de 23/12/2002 - aponta para que o consideremos como um regime,
estabelecendo até um prazo máximo de permanência para a mercadoria: um ano
(art. 444 do Regulamento Aduaneiro).
Segundo o art. 441 do Regulamento Aduaneiro (hoje com supedâneo legal: o
referido art. 6
o
do Decreto-lei n
o
2.472, de 1988), o regime de depósito alfandegado
certificado é o que permite considerar exportada, para todos os efeitos fiscais,
creditícios e cambiais, a mercadoria nacional depositada em recinto
alfandegado, vendida a pessoa sediada no exterior, mediante contrato de entrega
no território nacional e à ordem do adquirente.
O regulamento exige, assim, para que se opere a antecipação dos efeitos da
exportação definitiva, que a mercadoria nacional depositada tenha sido efetivamente
vendida. Como no entreposto aduaneiro na exportação (modalidade extraordinária),
materializa-se uma venda, passando a responsabilidade pela mercadoria ao
comprador (ou a seu representante). Para registrar a operação de venda, utilizou-se
o legislador do título de crédito denominado conhecimento de depósito
667
,
acrescendo-lhe a denominação alfandegado’. Por meio de tal título se comprova o
depósito, a tradição e a propriedade da mercadoria, cf. o art. 443 do Regulamento
Aduaneiro.
A mercadoria é admitida em depósito alfandegado certificado com a emissão,
pelo depositário, do conhecimento de depósito. registro de uma declaração
de exportação (inexistindo a necessidade de uma declaração para admissão no
regime e outra para a exportação definitiva), seguindo-se o despacho aduaneiro,
sem diferenças significativas em relação ao exposto no item 8.2.2.1 deste estudo. A
extinção da aplicação do regime se pela comprovação do efetivo embarque da
mercadoria, pelo despacho para consumo ou pela transferência para um dos
regimes aduaneiros indicados no art. 445 do Regulamento Aduaneiro (drawback,
admissão temporária, loja franca ou entreposto aduaneiro).
Como a exportação ao amparo de depósito alfandegado certificado
equivale a uma exportação definitiva (não havendo possibilidade de desfazimento
da exportação, mesmo que a mercadoria retorne à circulação no mercado
667
O conhecimento de depósito é disciplinado nos arts. 15 a 27 do Decreto n
o
1.102, de 21/11/1903.
230
nacional
668
), e não se trata, nas normas legais ou infralegais que disciplinam a
matéria, em suspensão tributária, caso consideremos que tal depósito constitui
realmente um regime, tal regime deveria ser uma espécie de entreposto aduaneiro
na exportação, na modalidade extraordinária.
8.3.4.6 Depósito franco
As disposições constantes dos arts. 407 a 409 do Regulamento Aduaneiro de
1985, basicamente mantidas nos arts. 447 a 451 do Regulamento Aduaneiro de
2002, não criam um regime de depósito franco: apenas informam sobre sua
existência. Não estabelecem ainda regras a serem cumpridas no regime, como
prazos, condições e formas de extinção da aplicação. Isso porque a cada acordo
internacional que o Brasil celebre para criação de depósitos francos, o regime pode
ser caracterizado por regras diferenciadas.
Embora o regulamento tenha buscado estabelecer regras gerais, como a
própria definição do regime, o depósito franco será regido pelas disposições do
acordo que o cria (que, por ter status de lei ordinária, não deve observância a
disposições regulamentares).
Segundo o art. 447 do Regulamento Aduaneiro, depósito franco é o regime
aduaneiro especial que permite, em recinto alfandegado, a armazenagem de
mercadoria estrangeira para atender ao fluxo comercial de países limítrofes com
terceiros países.
Como é reduzida a importância dos depósitos francos em países que têm
acesso ao mar, o Brasil ainda não instalou (e crê-se que não instalará) no exterior
nenhum depósito franco, embora tenha celebrado acordos que o permitiriam
669
. O
668
As únicas formas de extinguir a aplicação do regime são as relacionadas, sendo incabível o
simples retorno ao estabelecimento do exportador (que, enfatize-se, já vendeu a mercadoria). Para o
retorno da mercadoria à circulação comercial no País, então, necessário se faz o registro de uma
declaração de importação para consumo. Entendemos não ser possível a configuração de abandono
(item 6.1.3.4) no depósito alfandegado certificado, nem a incidência de imposto de importação sobre
a mercadoria que dele regresse à circulação no País, visto que a mercadoria, apesar ter sido
desnacionalizada, não é estrangeira (sobre a distinção, ver subitem 6.1.1.2.2).
669
há convênios permitindo a instalação de depósitos francos brasileiros em
Concepción/Paraguai (celebrado em 20/1/1956, aprovado pelo Decreto Legislativo n
o
21, de
24/7/1957, e promulgado pelo Decreto n
o
42.920, de 30/12/1957) e em Encarnación/Paraguai
(celebrado em 5/11/1959, aprovado pelo Decreto Legislativo n
o
35, de 16/12/1963, e promulgado pelo
Decreto n
o
64.171, de 6/3/1969).
231
Brasil, por outro lado, permitiu que fossem instalados 7 depósitos francos em
território nacional (3 depósitos paraguaios
670
e 4 bolivianos
671
).
Os depósitos francos instalados no Brasil, contudo, não seguem exatamente
o modelo daqueles constantes dos arts. 166 a 181 do Código Aduaneiro Europeu
(tratados em conjunto com as zonas francas), ou a definição estabelecida no
Glossário de Termos Aduaneiros e de Comércio Exterior da ALADI (“local ou recinto
unitário, perfeitamente deslindado - próximo a um porto ou aeroporto - amparado por
presunção de extraterritorialidade aduaneira, no qual as mercadorias estrangeiras
poderão ser submetidas a diversas operações”
672
).
Até poderíamos afirmar, como ROOSEVELT BALDOMIR SOSA, que os
depósitos francos constituem enclaves do Paraguai e da Bolívia em nosso
território
673
(ou exclaves brasileiros), ou ainda regimes aduaneiros aplicados em
áreas especiais. Caso limitássemos nossa análise ao direito comparado,
essencialmente à definição estabelecida no âmbito da ALADI e ao disposto no art.
287, 6 do Código Aduaneiro Paraguaio, que trata dos depósitos francos resultantes
de acordos firmados com o Brasil (“las zonas francas, puertos francos y depósitos
francos concedidos al Paraguay en el exterior, estarán bajo la fiscalización y control
de la Dirección Nacional de Aduanas por medio de sus delegaciones
representantes“), chegaríamos a esse entendimento.
Contudo, verificando-se o conteúdo dos acordos internacionais celebrados
para constituição de depósitos francos, diversa será a conclusão.
O Convênio para criação do entreposto (esse é o termo empregado na
avença) de depósito franco paraguaio no Porto de Santos, em seus Artigos III e IV,
dispõe, respectivamente, que “a fiscalização do entreposto ficará a cargo das
autoridades alfandegárias brasileiras”, e que “o Governo do Paraguai poderá manter
670
Um no Porto de Santos/SP (cf. convênio celebrado em 14/6/1941 e promulgado pelo Decreto n
o
7.712, de 25/8/1941), um no Porto de Paranaguá/PR (cf. convênio celebrado em 20/1/1956,
aprovado pelo Decreto Legislativo n
o
21, de 24/7/1957, e promulgado pelo Decreto n
o
42.920, de
30/12/1957), e um no Porto de Rio Grande/RS (cf. convênio celebrado em 21/7/1987, aprovado pelo
Decreto Legislativo n
o
78, de 30/11/1989, e promulgado pelo Decreto n
o
99.092, de 9/3/1990).
671
Um no Porto de Santos/SP, um no Porto de Belém/PA, um no Porto de Corumbá/MS, e um em
Porto Velho/RO (cf. convênios celebrados em 29/3/1958, aprovados, respectivamente, pelos
Decretos Legislativos n
o
7, de 1962, n
o
10, de 1962, n
o
54, de 1964, e n
o
117, de 1964, e
promulgados, respectivamente, pelos Decretos n
o
65.815, n
o
65.816, n
o
65.817 e n
o
65.818, todos de
8/12/1969).
672
Disponível em: <http://www.aladi.org/nsfaladi/glosario.nsf>. Acesso em: 23 jan. 2008.
673
Comentários..., op. cit., p. 178-179.
232
no entreposto um ou mais delegados seus, os quais representarão os donos das
mercadorias ali recebidas, em suas relações com as autoridades [...]”. As
disposições transcritas repetem-se nos demais convênios celebrados para a
constituição de depósitos francos no Brasil (v.g, nos Artigos II e III do convênio
relativo ao depósito franco de Paranaguá, e nos Artigos III e IV do convênio relativo
ao depósito franco de Rio Grande).
Não há, assim, aquela característica de extraterritorialidade que costuma
nortear internacionalmente os depósitos francos. No Artigo I do último convênio
celebrado (relativo ao depósito franco de Rio Grande), chega-se a expressar que
suspensão da exigibilidade de tributos para as mercadorias armazenadas:
O Governo da República Federativa do Brasil compromete-se a
conceder, no Porto de Rio Grande [...], um depósito franco, dentro
do qual, para os efeitos aduaneiros, serão tais mercadorias
consideradas em regime de suspensão de tributos, estando
sujeitas apenas ao pagamento de taxas correspondentes a prestação
de serviços. (grifos nossos)
Temos, assim, que o depósito franco constitui, em regra, uma espécie do
regime aduaneiro especial de entreposto aduaneiro, tanto na importação quanto na
exportação, operado em local especificamente delimitado em acordo internacional, e
sob as regras nele estabelecidas
674
.
8.3.5 Aperfeiçoamento
Na quarta categoria da classificação adotada no início desta seção (regimes
de importação ou exportação temporária de mercadorias para serem submetidas a
operações de aperfeiçoamento), incluem-se a admissão temporária para
aperfeiçoamento ativo, o drawback, na modalidade de ‘suspensão’, o
entreposto industrial sob controle informatizado (Recof) e a exportação
temporária para aperfeiçoamento passivo.
Na última espécie de aperfeiçoamento relacionada acima, a operação com a
mercadoria é realizada fora do país onde se aplica o regime. Daí a denominação
Aperfeiçoamento Passivo, em oposição ao Aperfeiçoamento Ativo (no qual se
enquadram as outras três espécies).
674
Embora haja algumas disposições nacionais gerais sobre o tema, como as constantes no
Regulamento Aduaneiro e na Instrução Normativa SRF (hoje RFB) n
o
38, de 19/4/2001. Recorde-se
que tais disposições, se conflitantes com as constantes do acordo internacional celebrado, não são
aplicáveis.
233
O aperfeiçoamento pode constituir-se em um mero conserto, reparo ou
restauração, ou em operações complexas de industrialização. A partir das definições
do regime de Aperfeiçoamento Ativo constantes da principal norma internacional
sobre regimes aduaneiros e do glossário oficial da organização latinoamericana à
qual somos vinculados, procuraremos não estabelecer uma delimitação do termo
‘aperfeiçoamento’, mas já empreender análise sobre as três espécies que aqui
enquadramos no regime de ‘aperfeiçoamento ativo’.
No Capítulo 1 do Anexo Específico ‘F’ da Convenção de Kyoto revisada
encontramos a definição de Aperfeiçoamento Ativo: “regime aduaneiro que permite
receber em um território aduaneiro, com suspensão dos tributos incidentes na
importação, certas mercadorias destinadas a sofrer uma transformação,
processamento ou reparo e a serem posteriormente exportadas (grifos nossos)”
675
.
Mais detalhada, entretanto, para efeitos de verificarmos o alcance do termo
‘aperfeiçoamento’, é a definição constante do Glossário de Termos Aduaneiros e de
Comércio Exterior da ALADI: “regime aduaneiro que permite receber no território
aduaneiro nacional, sob um mecanismo suspensivo de direitos de alfândega,
impostos e outros encargos de importação, as mercadorias destinadas a ser
enviadas para o exterior após submetidas a um processo de ensamblagem,
montagem, incorporação a conjuntos, máquinas, equipamentos de transporte em
geral ou aparelhos de maior complexidade tecnológica e funcional, elaboração,
obtenção, transformação, reparação, manutenção, adequação, produção ou
fabricação de bens (grifos nossos)”
676
.
Cotejando as definições acima com as que a legislação brasileira apresenta
para industrialização (constantes no parágrafo único do art. 3
o
da Lei n
o
4.502, de
30/11/1964; no parágrafo único do art. 46 do Código Tributário Nacional; e no art. 4
o
do Regulamento do Imposto sobre Produtos Industrializados - Decreto n
o
4.544, de
26/12/2002), chega-se à conclusão de que o termo aperfeiçoamento alcança tanto
675
Tradução livre da versão em francês ("perfectionnement actif: le régime douanier qui permet de
recevoir dans un territoire douanier, en suspension des droits et taxes à l’ importation, certaines
marchandises destinées à subir une transformation, une ouvraison ou une réparation et à être
ultérieurement exportées”), equivalente à versão em inglês, o outro idioma oficial da OMA (“inward
processing: means the Customs procedure under which certain goods can be brought into a Customs
territory conditionally relieved from payment of import duties and taxes, on the basis that such goods
are intended for manufacturing, processing or repair and subsequent exportation”).
676
Disponível em: <http://www.aladi.org/nsfaladi/glosario.nsf>. Acesso em: 23 jan. 2008.
234
as operações de industrialização quanto as relativas a conserto, reparo ou
restauração.
Percebe-se ainda, pelas definições elaboradas no âmbito dos órgãos
internacional (OMA) e regional (ALADI), que a suspensão da exigibilidade dos
tributos incidentes na importação é também uma característica do regime de
aperfeiçoamento ativo.
A finalidade do regime de aperfeiçoamento ativo é mover a mão-de-obra
nacional, e não a estrangeira, na industrialização ou no conserto, reparo ou
restauração de mercadorias a serem posteriormente exportadas, gerando emprego
em nosso País e tornando o produto (mesmo que industrializado com insumos
estrangeiros) e o serviço (de conserto, reparo ou restauração) nacionais
competitivos no exterior. São regimes essencialmente econômicos, mas cujas
conseqüências certamente se alastram pelo campo social.
Como afirma OSÍRIS DE AZEVEDO LOPES FILHO (ao se referir ao
‘beneficiamento ativo’, espécie de aperfeiçoamento ativo a ser tratada no 8.3.5.3
deste estudo, com a denominação de drawback-suspensão),
a característica marcante do regime é colocar a indústria exportadora
nacional em condições de concorrência com a estrangeira [...].
Havendo, no país, alguns fatores produtivos mais baratos que nos
países desenvolvidos, tais como mão-de-obra e energia elétrica,
além de outros insumos do reino mineral, o beneficiamento ativo
funciona como poderoso instrumento para a conquista de mercados
exteriores.
677
No Brasil, não havia, arecentemente, uma distinção entre os regimes de
admissão temporária que permitiam o retorno da mercadoria ao exterior no mesmo
estado em que houvesse ingressado no País e aqueles nos quais a mercadoria
retornava ao exterior modificada, após processo de industrialização, ou após
operação de conserto, reparo ou restauração.
Tal distinção, ainda que imperfeita, como exporemos no item 8.3.5.1, foi feita
com o Regulamento Aduaneiro de 2002, que criou um Capítulo IV no título referente
a regimes aduaneiros especiais, para tratar da admissão temporária para
aperfeiçoamento ativo. Do mesmo modo, foi inserido um Capítulo X no mesmo
título para tratar da exportação temporária para aperfeiçoamento passivo.
677
Regimes aduaneiros..., op. cit., p. 112.
235
Iniciaremos nossa análise das espécies de aperfeiçoamento por estes dois
regimes, seguindo-se o exame de dois regimes predominantemente dedicados à
industrialização para exportação: o chamado ‘drawback-suspensão’ e o Recof.
8.3.5.1 Admissão temporária para aperfeiçoamento ativo
Antes de analisarmos a admissão temporária para aperfeiçoamento ativo
prevista na legislação brasileira é preciso alertar que ela representa tão-somente
uma parcela do que se entende internacionalmente por admissão temporária para
aperfeiçoamento ativo (ou simplesmente aperfeiçoamento ativo, como definido no
início desta subseção 8.3.5).
No Brasil, os dispositivos referentes a admissão temporária previstos na Lei
Aduaneira foram inicialmente regulamentados no Decreto n
o
76.055, de 30/7/1975,
que, em seu art. 5
o
, possibilitou ao Ministro da Fazenda ampliar as hipóteses de
aplicação do regime. O Ministro efetivamente o fez, por meio da Portaria n
o
841,
publicada em 1
o
/11/1979, que, com a justificativa preambular de “criar mecanismos
adequados ao fomento à exportação”, possibilitou a admissão temporária de
modelos industriais ou amostras comerciais para produção de bens destinados a
exportação.
No Regulamento Aduaneiro de 1985 foram consolidadas as disposições do
antigo decreto, passando a competência residual para estabelecimento de hipóteses
de aplicação do regime ao Secretário da Receita Federal (art. 294). Destaque-se que
o próprio regulamento contemplava casos de admissão temporária para
industrialização (arts. 292, IX, e 293, XIV) e para conserto, reparo ou restauração
(art. 292, X).
Pode-se atribuir, no entanto, o nascimento da admissão temporária para
aperfeiçoamento ativo, no Brasil, à Portaria do Ministro da Fazenda n
o
43, 13/3/1990,
que traz disposições que certamente influenciaram a redação do art. 332 do
Regulamento Aduaneiro de 2002.
Tal art. 332 define o regime aduaneiro especial de admissão temporária para
aperfeiçoamento ativo como o que permite o ingresso, para permanência
temporária no País, com suspensão do pagamento de tributos, de mercadorias
estrangeiras ou desnacionalizadas, destinadas a operações de aperfeiçoamento
ativo e posterior reexportação. O mesmo artigo, em seu § 1
o
, define
aperfeiçoamento ativo como “operações de industrialização aplicadas ao próprio
236
bem, e conserto, reparo e restauração de bens estrangeiros que devam retornar,
modificados, ao país de origem”.
A definição nacional do regime reduz, assim, o aperfeiçoamento ativo aos
casos de ingressos sem cobertura cambial e sem transferência de propriedade
(pois as mercadorias serão reexportadas, e não exportadas). Uma outra restrição
imposta pelo legislador refere-se à industrialização, que pode ser aplicada ao
próprio bem. Não bastassem tais peculiaridades do regime, para distingui-lo dos
demais regimes de aperfeiçoamento ativo existentes no País, estabeleceu-se ainda
outra restrição (no § 2
o
do mesmo artigo): a vinculação a contrato de prestação de
serviço, a cargo de pessoa jurídica sediada no País (o beneficiário do regime).
Com as restrições impostas pelo regulamento, certamente para evitar o
conflito entre regimes aduaneiros especiais com características semelhantes (os três
regimes de aperfeiçoamento ativo aos quais nos referimos no início desta subseção
8.3.5), pode-se assegurar que o que se conhece hoje, no Brasil, por admissão
temporária para aperfeiçoamento ativo, é uma pequena amostra do que constitui
o regime no restante do mundo.
Além das disposições do Regulamento Aduaneiro (arts. 332 a 334), e da
citada Portaria MF n
o
43, de 1990, a admissão temporária para aperfeiçoamento
ativo é também disciplinada (embora sem esse nome
678
) na Instrução Normativa n
o
285, de 14/1/2003 (arts. 4
o
, X e § 4
o
; 10, § 1
o
, II; e 15, § 4
o
).
Apesar das especificidades relatadas, o procedimento para aplicação do
regime é idêntico ao descrito no item 8.3.3.1, relativo à admissão temporária.
Para que não tomemos a espécie pelo gênero, devemos sempre, ao tratar da
admissão temporária para aperfeiçoamento ativo brasileira, destacar que ela é
apenas uma espécie de admissão temporária para aperfeiçoamento ativo (na
definição encontrada no direito internacional e comparado), ao lado do drawback-
suspensão brasileiro e do Recof brasileiro.
Na admissão temporária para aperfeiçoamento ativo também foi previsto o
instituto da compensação equivalente (descrito no subitem 8.3.3.1.2 deste estudo),
678
Apesar de a Instrução Normativa ter sido publicada 21 dias após o Regulamento Aduaneiro de
2002, os casos de aperfeiçoamento ativo nela inseridos continuaram a ser tratados como simples
admissão temporária. A inadequação terminológica, contudo, não obsta a aplicação da norma.
Enquanto não houver publicação de norma específica para o regime de admissão temporária para
aperfeiçoamento ativo, a tal regime são aplicáveis as regras gerais da admissão temporária, por força
do disposto no art. 334 do Regulamento Aduaneiro.
237
podendo haver, em determinados casos
679
, extinção da aplicação do regime com a
exportação de produto equivalente ao admitido temporariamente.
8.3.5.2 Exportação temporária para aperfeiçoamento passivo
Se a construção jurídica dos regimes aduaneiros especiais brasileiros é
precária, alguns, como o que aqui se está a analisar, em que se acentua essa
característica.
O art. 93 da Lei Aduaneira, que permite a criação de regimes aduaneiros
especiais (e, por conseqüência, hipóteses de suspensão, isenção ou não-incidência
tributária) por decreto é bastante criticado pelos principais autores que se
debruçaram sobre o tema, como exposto no início do subitem 8.3.3.1.2 deste
estudo.
Contudo, aqui a infralegalidade é mais acentuada: o Decreto n
o
98.097, de
30/8/1989, em seu art. 8
o
, subdelegou a polêmica competência para criação de
regimes aduaneiros especiais, nos casos de interesse econômico relevante, ao
Ministro da Fazenda.
Com base nessa subdelegação, foi instituído, pela Portaria do Ministro da
Fazenda n
o
675, de 22/12/1994, o regime aduaneiro especial de exportação
temporária para aperfeiçoamento passivo.
O Regulamento Aduaneiro de 2002, embora tenha revogado o dispositivo
referente à subdelegação, alçou a portaria do Ministro ao status de decreto,
transformando, respectivamente, os arts. 2
o
, 3
o
, 5
o
, parágrafo único, 6
o
, 10, 11 e 12
da portaria em arts. 402, caput, 402, § 2
o
, 405, 406, 404, 407 e 408 do regulamento.
Para arrematar, o art. 403 do regulamento dispôs que o Ministério da Fazenda
regulamentará a concessão e a aplicação do regime
680
.
O Regulamento Aduaneiro definiu
681
o regime como o que permite a saída do
País, por tempo determinado, com suspensão do pagamento dos impostos
incidentes na exportação, de mercadoria nacional ou nacionalizada, para ser
submetida a operação de industrialização, no exterior, e a posterior reimportação,
679
Previstos no art. 60 da Lei n
o
10.833, de 2003, e disciplinados na Instrução Normativa da
Secretaria da Receita Federal (hoje RFB) n
o
368, de 28/11/2003.
680
Além das inserções da portaria, o Regulamento Aduaneiro de 2002 também contemplou no regime
de exportação temporária para aperfeiçoamento passivo as operações de conserto, reparo e
restauração (antes disciplinadas no regime de exportação temporária), em obediência às regras
internacionais e em harmonia com o critério adotado na admissão temporária.
681
A definição que apresentamos combina o caput e os §§ 1
o
a 3
o
do art. 402 com o caput do art. 409
do Regulamento Aduaneiro.
238
sob a forma do produto resultante, com pagamento dos tributos sobre o valor
agregado, ou a operação de conserto, reparo ou restauração, no exterior, com
posterior reimportação, com pagamento dos tributos sobre os materiais acaso
empregados.
Como temos um regime de aperfeiçoamento passivo no Brasil, a definição
estabelecida no Regulamento Aduaneiro guarda correspondência com a encontrada
no Capítulo 2 do Anexo Específico ‘F’ da Convenção de Kyoto revisada: “regime
aduaneiro que permite exportar temporariamente mercadorias que se encontrem em
livre circulação no território aduaneiro, destinadas a sofrer no estrangeiro uma
transformação, processamento ou reparo, e importá-las em seguida, com
isenção total ou parcial dos tributos incidentes na importação” (grifos nossos)
682
.
A Portaria do Ministro da Fazenda n
o
675, de 1994, em seu art. 7
o
, condiciona
a aplicação do regime a duas condições básicas: que as mercadorias sejam de
propriedade de pessoas sediadas no País e que a operação atenda aos interesses
da economia nacional
683
.
Registre-se a nossa crítica à aplicabilidade da segunda condição: o relevante
interesse econômico era pressuposto para que o Ministro da Fazenda instituísse o
regime, e não para a manifestação da autoridade aduaneira diante de cada caso
concreto. Parece ter havido mais uma subdelegação.
Ademais, não é fácil conceber um exemplo de operação de industrialização
que, ao invés de ser efetuada com mão-de-obra brasileira, seja efetuada no exterior,
e que atenda ao interesse da economia nacional.
Procedimentalmente, o regime é semelhante ao de exportação temporária,
descrito no item 8.3.3.2 deste estudo. duas hipóteses de extinção da aplicação
do regime: a reimportação e a exportação definitiva. Na reimportação é que surgem
682
Tradução livre da versão em francês ("perfectionnement passif: le régime douanier qui permet
d'exporter temporairement des marchandises qui se trouvent en libre circulation dans le territoire
douanier, en vue de leur faire subir à l'étranger une transformation, une ouvraison ou une réparation
et de les réimporter ensuite en exonération totale ou partielle des droits et taxes à l'importation”),
equivalente à versão em inglês, o outro idioma oficial da OMA (“outward processing: means the
Customs procedure under which goods which are in free circulation in a Customs territory may be
temporarily exported for manufacturing, processing or repair abroad and then re-imported with total or
partial exemption from import duties and taxes”).
683
Destaque-se que tal regra não se aplica às operações de conserto, reparo e restauração, que o
estão disciplinadas na portaria. A tais operações se aplica o disposto na norma geral de exportação
temporária, a Instrução Normativa SRF (hoje RFB) n
o
319, de 4/4/2003, por força do disposto no art.
410 do Regulamento Aduaneiro.
239
as diferenças em relação à simples exportação temporária (na qual não haveria
incidência tributária).
Caso a mercadoria tenha sido exportada ao amparo do regime para conserto,
reparo ou restauração, o despacho aduaneiro para seu retorno ao País deverá
compreender a reimportação da mercadoria e a importação do material acaso
empregado (como se este estivesse sendo individualmente importado).
A metodologia empregada para cálculo dos tributos incidentes na importação,
na hipótese de mercadoria submetida a processo de industrialização, no exterior, ao
amparo do regime, não é tão simples: o produto resultante da industrialização será
importado com sua própria classificação (e as conseqüências que dela advêm),
deduzindo-se do montante a recolher o valor que incidiria caso estivessem sendo
importadas as mercadorias originalmente ingressadas no regime.
Também na exportação temporária para aperfeiçoamento passivo foi previsto
o instituto da compensação equivalente (descrito no subitem 8.3.3.1.2 deste
estudo), podendo haver, em determinados casos
684
, extinção da aplicação do regime
com a importação de produto equivalente ao temporariamente exportado.
8.3.5.3 Drawback-suspensão
O drawback-suspensão é uma modalidade do regime aduaneiro
especial de aperfeiçoamento ativo, nos termos definidos no início desta subseção
8.3.5.
É preciso registrar, preliminarmente, para que não pairem dúvidas sobre a
natureza do regime, que as outras modalidades de drawback apresentadas no
Regulamento Aduaneiro (drawback-isenção e drawback-restituição) não constituem
regimes aduaneiros especiais, como se buscará demonstrar neste item.
Para tanto, faz-se necessário inicialmente identificar o instituto no direito
internacional e no direito comparado, fazendo-se, a seguir uma análise da ‘evolução’
histórica do drawback no Brasil, para que finalmente possamos verificar o viés de
aperfeiçoamento ativo do drawback-suspensão.
8.3.5.3.1 O drawback nos direitos internacional e comparado
A Convenção de Kyoto revisada, em seu Anexo Específico ‘F’, define
drawback como “o montante dos tributos incidentes na importação restituídos pela
684
Previstos no art. 60 da Lei n
o
10.833, de 2003, e disciplinados na Instrução Normativa da
Secretaria da Receita Federal (hoje RFB) n
o
368, de 28/11/2003.
240
aplicação do regime de drawback
685
; e regime de drawback como “o regime
aduaneiro que permite, por ocasião da exportação de mercadorias, obter a
restituição (total ou parcial) dos tributos que incidiram sobre a importação dessas
mercadorias ou dos materiais nelas contidos ou consumidos na sua produção”
686
.
O Glossário de Termos Aduaneiros e de Comércio Exterior da ALADI,
fundado na Resolução do Comitê de Representantes n
o
53, de 1986, traz definição
idêntica à da Convenção de Kyoto revisada: “regime aduaneiro que permite, por
motivo da exportação das mercadorias, obter a restituição total ou parcial dos
gravames à importação que tenham sido pagos, seja por essas mercadorias, seja
pelos produtos contidos nas mercadorias exportadas ou consumidos durante sua
produção”
687
.
O Código Aduaneiro Argentino (art. 820), o Código Aduaneiro Paraguaio (art.
177) e o Código Aduaneiro Uruguaio (art. 105) seguem a mesma linha, associando o
drawback à restituição parcial ou total de tributos.
O Código Aduaneiro Europeu trata o drawback (art. 114) como um dos dois
sistemas do regime de aperfeiçoamento ativo (o outro é o sistema suspensivo).
Contudo, uma das alterações a ser promovida pelo Código Aduaneiro Europeu
Modernizado é justamente a extinção do sistema de drawback, no aperfeiçoamento
ativo
688
.
8.3.5.3.2 A ‘evolução’ do drawback no Brasil
No Brasil, o drawback foi criado pelo Decreto n
o
994, de 28/7/1936, da forma
como ele é concebido no restante do mundo: como uma restituição, ou, nas palavras
de tal decreto, uma “devolução dos direitos pagos (integralmente) na importação” (a
norma usa ainda o termo ‘remissão’).
685
Tradução livre da versão em francês ("drawback: le montant des droits et taxes à limportation
remboursé en application du gime du drawback”), equivalente à versão em inglês, o outro idioma
oficial da OMA (“drawback: means the amount of import duties and taxes repaid under the drawback
procedure”).
686
Tradução livre da versão em francês ("régime du drawback: le régime douanier qui permet, lors de
l’ exportation de marchandises, d’ obtenir le remboursement - total ou partiel - des droits et taxes à l
importation qui ont frappé, soit ces marchandises, soit les produits contenus dans les marchandises
exportées ou consommées au cours de leur production”), equivalente à versão em inglês, o outro
idioma oficial da OMA (“drawback procedure: means the Customs procedure which, when goods are
exported, provides for a repayment - total or partial - to be made in respect of the import duties and
taxes charged on the goods, or on materials contained in them or consumed in their production”).
687
Disponível em: <http://www.aladi.org/nsfaladi/glosario.nsf>. Acesso em: 23 jan. 2008.
688
Cf. Exposição de Motivos do Projeto de Código Aduaneiro Europeu Modernizado (Disponível em:
<http://eur-lex.europa.eu/smartapi/cgi/sga_doc?smartapi!celexplus!prod!DocNumber&lg=pt&type_doc
=COMfinal&an_doc=2005&nu_doc=608>. Acesso em: 23 jan. 2008).
241
A Lei n
o
3.244, de 14/8/1957 manteve o drawback como ‘remissão’, em seu
art. 37, dispondo que seria concedida “remissão total ou parcial do imposto relativo a
produto utilizado na composição de outro a exportar (‘draw-back’), nos termos do
Regulamento a ser baixado por proposta do Conselho de Política Aduaneira” (grifos
nossos)
689
.
O regulamento (Decreto n
o
50.485, de 25/4/1961) dispôs em seu art. 6
o
que ”o
desembaraço aduaneiro das mercadorias importadas com aplicação do ‘draw-back’
será autorizado com suspensão do recolhimento dos tributos devidos(grifos
nossos). Estava ‘criado’ pela norma infralegal o drawback-suspensão.
Três anos depois, estava revogado o decreto regulamentar pelo Decreto n
o
53.967, de 16/6/1964, que, em seu art. 3
o
, deu ao drawback a configuração tripartida
(suspensão, isenção e restituição) que persiste nas normas até os dias atuais
690
.
A Lei Aduaneira adota a tripartição em seu art. 78 (incisos I a III), mas não
utiliza a terminologia drawback’. O regulamento (Decreto n
o
68.904, de 12/7/1971),
entretanto, batiza o inciso I de drawback-restituição, o II de drawback-suspensão, e o
III de drawback-isenção, tendo sido a nomenclatura mantida pelos Regulamentos
Aduaneiros de 1985 (art. 314) e de 2002 (art. 335).
Concordamos com OSÍRIS DE AZEVEDO LOPES FILHO quando este afirma
que, apesar de a regulamentação do art. 78 da Lei Aduaneira denominar as três
modalidades ali previstas como drawback, deve-se entender que o drawback
corresponde tão-somente à “restituição, total ou parcial, dos tributos que hajam
incidido sobre a importação de mercadoria exportada após beneficiamento, ou
utilizada na fabricação, complementação ou acondicionamento de outra exportada”
(inciso I do art. 78), caracterizando-se as modalidades previstas nos incisos II e III do
artigo, respectivamente, como beneficiamento ativo e reposição de estoques
691
.
Contudo, preferimos a designação aperfeiçoamento ativo’, que veio a se
689
A grafia ‘draw-back’ era usual, no Brasil, à época. Hoje, prefere-se drawback, termo inglês que não
encontra correspondente no francês e no espanhol. Em Portugal, até hoje o termo drawback é
traduzido como ‘draubaque’. Na Itália, como ‘rimborso.
690
Dispunha o artigo: A aplicação do regime do drawbackfar-se-á mediante: a) suspensão do
pagamento do imposto devido, condicionada a plano de importação e exportação previamente
aprovado, até a comprovação da exportação; b) franquia do imposto sobre importação posterior de
mercadoria, em quantidade e qualidade equivalente à de origem estrangeira utilizada no produto
exportado; e c) restituição do imposto pago.
691
Regimes aduaneiros..., op. cit., p. 91-92.
242
consagrar depois da obra do ex-Secretário da Receita Federal, para a modalidade
prevista no inciso II.
Temos, assim, que: a) o drawback-isençãoconstitui, como o próprio nome
sugere, uma hipótese de isenção (conhecida como reposição de estoques
692
)
como tantas outras decorrentes de lei ou acordo internacional, compiladas no art.
135 do Regulamento Aduaneiro
693
; b) o drawback-restituição’, ou simplesmente
drawback’, nome pelo qual é conhecido no restante do mundo
694
, é uma hipótese
de restituição que busca incentivar as exportações
695
; e c) o drawback-suspensão é,
em realidade, uma das modalidades de aperfeiçoamento ativo.
Repare-se que a inadequação terminológica não macula, hoje, a aplicação de
nehuma das três ‘modalidades de drawback’, pois todas têm supedâneo legal.
Resta-nos, assim, analisar o único dos três institutos que classificamos como
regime aduaneiro especial, o drawback-suspensão.
8.3.5.3.3 O drawback-suspensão como aperfeiçoamento ativo
O Regulamento Aduaneiro, em seu art. 335, I (com base no art. 78, II da Lei
Aduaneira), define o drawback, na ‘modalidade de suspensão’, como o
regime aduaneiro especial que permite a suspensão do pagamento
dos tributos exigíveis na importação de mercadoria a ser exportada
após beneficiamento ou destinada à fabricação, complementação ou
acondicionamento de outra a ser exportada.
Perceba-se que a definição se amolda perfeitamente ao que identificamos, no
início desta subseção, como aperfeiçoamento ativo. A diferença básica do
drawback-suspensão’ em relação às demais modalidades de aperfeiçoamento ativo
692
A título ilustrativo, cite-se que o Glossário de Termos Aduaneiros e Comércio Exterior da ALADI
define como ‘reposição de matérias-primas’ o “regime aduaneiro que permite importar, com isenção
dos gravames respectivos, mercadorias equivalentes a outras que, havendo pago anteriormente
esses gravames, foram utilizadas na produção de artigos exportados previamente a título definitivo”
(Disponível em: <http://www.aladi.org/nsfaladi/glosario.nsf>. Acesso em: 23 jan. 2008). Liziane
Angelotti Meira denomina esta ’modalidade’ de drawback-substituição (Regimes aduaneiros..., op.
cit., p. 219).
693
Aliás, tal isenção está relacionada no art. 135 (inciso II, alínea ‘g’). A disciplina da isenção,
contudo, foi deslocada da Seção de Isenções para o Livro referente a Regimes Aduaneiros Especiais,
pela adoção da nomenclatura inadequada, que remonta à década de 60. Fossem as isenções
regimes aduaneiros especiais, todas deveriam estar disciplinadas no Livro IV do Regulamento
Aduaneiro. Fosse o drawback-isenção um regime aduaneiro especial, e não uma isenção concedida
no regime comum de importação, não haveria necessidade de tê-lo expressamente mantido na Lei n
o
8.032, de 12/4/1990 (arts. 2
o
, II, ‘g’, e 3
o
, I).
694
Como exposto no subitem 8.3.5.3.1 deste estudo.
695
Assim como defendemos o posicionamento da disciplina do drawback-isenção na Seção referente
a isenções do Regulamento Aduaneiro, o drawback-restituição melhor ficaria posicionado ao lado das
restituições em decorrência do regime comum de importação, no art. 109 do mesmo regulamento.
243
é que ele se aplica em um despacho para consumo de mercadoria. Assim, enquanto
um despacho de admissão no regime e outro para consumo, v.g., na admissão
temporária para aperfeiçoamento ativo, no drawback há apenas o despacho de
importação para consumo. Há, então, no ‘drawback-suspensão’, a configuração do
critério temporal da hipótese de incidência tributária no momento do registro da
declaração de importação, ficando suspensa
696
a exigibilidade do tributo (e dos
demais devidos na importação) em função do regime.
Procedimentalmente, o drawback-suspensão’ também apresenta
peculiaridades, visto que é um regime aduaneiro especial que não é concedido pela
Secretaria da Receita Federal do Brasil - RFB (apesar de ser por tal órgão
fiscalizado), mas pelo Departamento de Operações de Comércio Exterior - Decex,
do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, por meio de sua
Secretaria de Comércio Exterior - Secex. Assim, a complementação das disposições
do art. 78, II da Lei Aduaneira e dos arts. 335 a 344 do Regulamento Aduaneiro deve
ser buscada não nas Instruções Normativas da RFB, mas nas normas emitidas pelo
Decex e pela Secex. Atualmente, as disposições consolidadas sobre o drawback-
suspensão’ se encontram na Portaria Secex n
o
36, de 22/11/2007 (arts. 49 a 96, 118
a 126, 130 a 147, e 217 a 219).
A solicitação de concessão do regime, efetuada via Siscomex, é analisada no
âmbito da Secex, que adota como critério para o deferimento o resultado cambial da
operação. Deferido o pedido, emite-se um Ato Concessório, compatibilizado com o
ciclo produtivo da mercadoria a exportar
697
. Chega-se, então, ao momento do
registro da declaração de importação para consumo, que demarca o início do
despacho aduaneiro de importação (e, no caso, o critério temporal da hipótese de
incidência do imposto de importação), seguindo-se as etapas referidas no item
8.2.1.1.
696
O que não impede que, adotando-se a linha da isenção condicional, como Liziane Angelotti Meira,
qualifique-se também o drawback-suspensão(por ela denominado drawback-reexportação) como
uma hipótese de isenção condicional (Regimes aduaneiros..., op. cit., p. 219). Sustentam, no
entanto, tratar-se de hipótese de suspensão Osíris de Azevedo Lopes Filho (Regimes aduaneiros...,
op. cit., p. 110-111), André Parmo Folloni (Tributação sobre..., op. cit., p. 200-201), e Alberto Xavier
(Do prazo de decadência em matéria de ‘draw-back - suspensão. In: SCHOUERI, Luís Eduardo
(coord.). Direito Tributário. v. I. São Paulo: Quartier Latin, 2003, p. 535-536).
697
O prazo de concessão o poderá exceder a 1 ano (exceto nos casos de mercadorias destinadas
à produção de bens de capital de longo ciclo de fabricação, em que poderá ser de até 5 anos). Dentro
do prazo constante do Ato Concessório deverá ser extinta a aplicação do regime para a mercadoria
importada por ele acobertada.
244
As mercadorias admitidas no regime devem ser integralmente utilizadas no
processo produtivo ou na embalagem, acondicionamento ou apresentação das
mercadorias a serem exportadas. Contudo, admitem-se também como forma de
extinção da aplicação do regime a destinação ao mercado interno do excedente de
mercadoria em relação ao compromisso de exportação assumido na concessão do
regime, a reexportação e destruição (sob controle aduaneiro, às expensas do
interessado).
É de se destacar, por fim, que o fenômeno do alargamento infralegal da
abrangência do drawback, iniciado na década de 60, ainda não teve termo,
principalmente no que se refere à modalidade de suspensão. Tanto o Regulamento
Aduaneiro (v.g., art. 339) quanto a Portaria Secex n
o
36, de 2007 (v.g., arts. 77 e 85)
estabelecem novas hipóteses de drawback-suspensão, como submodalidades
daquela identificada no art. 78, II da Lei Aduaneira.
8.3.5.4 Recof
A Lei Aduaneira instituiu, em seus arts. 89 a 91, o regime de entreposto
industrial, que difere do drawback brasileiro basicamente pelo fato de a circulação da
mercadoria ficar restrita às dependências do estabelecimento onde ocorrerá a
industrialização
698
e por não ser o despacho de admissão no regime um despacho
para consumo
699
. A finalidade dos regimes, contudo, é a mesma: o desenvolvimento
da indústria nacional voltada à exportação, que proporciona a geração e empregos
no País e a formação de reservas cambiais, fortalecendo a economia.
Conforme o art. 89 da Lei Aduaneira, o regime de entreposto industrial
permite a aplicação de qualquer dos tratamentos previstos em seu art. 78: isenção
(reposição de estoques), suspensão (aperfeiçoamento ativo) ou restituição
(drawback).
O regulamento (Decreto n
o
68.054, de 13/1/1971 - art. 1
o
), no entanto,
restringiu a aplicação do regime à hipótese de suspensão, restrição essa mantida
no Regulamento Aduaneiro de 1985 (art. 356), o que nos permite, de início,
caracterizar o entreposto industrial como um regime de aperfeiçoamento ativo
(seguindo a definição traçada no início desta subseção 8.3.5).
698
Esta característica é apresentada como o fator distintivo entre o entreposto industrial e o
drawback brasileiro’ por Osíris de Azevedo Lopes Filho (Regimes aduaneiros..., op. cit., p. 121).
699
Roosevelt Baldomir Sosa tece críticas ao fato de a admissão no regime não ser efetuada por meio
de um despacho para consumo, afirmando que “a industrialização [...] pressupõe que o ingresso da
mercadoria deu-se a título definitivo, ou seja, a consumo” (Comentários..., op. cit., p. 150).
245
Face à flexibilidade proporcionada pelas modalidades denominadas de
drawback, mais atraentes às empresas de grande porte, público-alvo do entreposto
industrial, o regime não fez muito sucesso, como registra OSÍRIS DE AZEVEDO
LOPES FILHO, revelando que, em 1983, havia apenas duas empresas habilitadas
ao entreposto industrial
700
.
Em 1997, porém, com a edição do Decreto n
o
2.412, de 3/12, foi gerada a
versão evoluída do entreposto industrial: o entreposto industrial sob controle
informatizado (Recof). Eliminando-se a burocracia excessiva do regime de
entreposto industrial e trocando a presença fiscal pelo controle virtual, informatizado,
o regime passou a ficar mais atrativo.
Equivocadamente, o Decreto criador do Recof apontou como base legal o art.
93 da Lei Aduaneira, como se tal regime não tivesse relação com o entreposto
industrial. A situação foi corrigida somente no Regulamento Aduaneiro de 2002,
quando o Recof passou a ser vinculado ao entreposto industrial, estabelecendo-se
data limite (art. 727) para operação do entreposto industrial sem controle
informatizado (registre-se que, à época, ainda eram habilitadas ao regime de
entreposto industrial apenas as duas empresas referidas pelo ex-Secretário da
Receita Federal).
O Recof é definido no art. 372 do Regulamento Aduaneiro como o regime
aduaneiro especial que permite à empresa importar, com ou sem cobertura
cambial, e com suspensão do pagamento de tributos, sob controle aduaneiro
informatizado, mercadorias que, depois de submetidas a operação de
industrialização, sejam destinadas a exportação.
Tal definição é semelhante à de entreposto industrial, constante do Glossário
de Termos Aduaneiros e de Comércio Exterior da ALADI: “regime aduaneiro que
permite introduzir em um recinto sob controle aduaneiro, com suspensão do
pagamento dos gravames à importação, certas mercadorias destinadas a serem
reexportadas dentro de um prazo estabelecido, após terem sofrido transformação,
elaboração ou reparação determinada”
701
.
Com a possibilidade de importação com cobertura cambial e a maior
flexibilidade na remoção de mercadorias ao amparo do regime, aliadas à
700
Regimes aduaneiros..., op. cit., p. 121.
701
Disponível em: <http://www.aladi.org/nsfaladi/glosario.nsf>. Acesso em: 23 jan. 2008.
246
possibilidade de co-habilitação dos fornecedores do beneficiário, sepulta-se o
entreposto industrial nos moldes antigos. O controle informatizado (com base em
software elaborado pelo beneficiário, atendendo à configuração e aos requisitos
mínimos estabelecidos pela Aduana) é hoje uma condição para a operação no
Recof, assim como o patrimônio líquido mínimo de R$ 25.000.000,00, e a atuação
em um dos segmentos industriais para os quais é admitido o regime
702
.
Na primeira norma procedimental sobre o regime, a Instrução Normativa SRF
(IN SRF - hoje RFB) n
o
35, de 2/4/1998, havia previsão para Recof no segmento
de informática e telecomunicações. As aberturas para o segmento aeronáutico
(pela IN SRF n
o
189, de 9/8/2002), automotivo (IN SRF n
o
254, de 11/12/2002) e de
semicondutores (IN SRF n
o
417, de 20/4/2004), alargaram significativamente o
universo de habilitados, que é, hoje, composto por mais de 30 empresas
703
.
A norma que hoje disciplina a matéria, com base nos arts. 89 a 91 da Lei
Aduaneira e nos arts. 372 a 380 do Regulamento Aduaneiro, é a IN SRF n
o
757, de
25/7/2007.
Sob o aspecto procedimental, o regime apresenta algumas simplificações:
registrada a declaração para admissão no regime, segue-se o despacho aduaneiro,
tendo a mercadoria tratamento de ‘linha azul’ (procedimento simplificado a ser
detalhado na seção 9.1 deste estudo). Com o desembaraço, inicia-se a contagem do
prazo de aplicação do regime (que é de até um ano, prorrogável por período não
superior a um ano). Até o término de tal prazo, a mercadoria admitida no regime
deverá ser exportada (no estado original ou após incorporação a produto
industrializado ao amparo do regime), reexportada (se a admissão no regime for sem
cobertura cambial), destruída (sob controle aduaneiro, às expensas do interessado),
transferida para outro beneficiário do regime, ou despachada para consumo (no
estado original ou após incorporação a produto industrializado ao amparo do
regime).
O Recof, espécie do nero aperfeiçoamento ativo, é seguramente o
regime aduaneiro especial que mais vantagens traz aos beneficiários. Isso porque
alia aos benefícios tributários significativas simplificações procedimentais (como
a linha azul).
702
As condições para habilitação ao regime são relacionadas no art. 5
o
da IN SRF n
o
757, de
25/7/2007. O art. 6
o
da mesma IN SRF estabelece os requisitos para manter-se no regime.
703
Disponível em: <http://www.recof.com.br>. Acesso em: 23 jan. 2008.
247
8.4 Regimes aduaneiros aplicados em áreas especiais (áreas de livre comércio)
Os regimes aduaneiros aplicados em áreas especiais, como exposto na
subseção 8.1.3, são incentivos ao desenvolvimento regional, buscando polinizar
o processo de industrialização no País, por meio de benefícios relativos aos
tributos aduaneiros e de simplificações procedimentais.
Em verdade, os três regimes aduaneiros especiais existentes no País
constituem, segundo sua definição legal, áreas de livre comércio com o exterior. São
eles: a Zona Franca de Manaus, as Áreas de Livre Comércio e as Zonas de
Processamento de Exportação.
8.4.1 Zona Franca de Manaus
Como exposto na subseção 8.1.2, a Zona Franca de Manaus (ZFM) tem
origem na Lei n
o
3.173, de 6/6/1957, regulamentada pelo Decreto n
o
47.757, de
3/2/1960. Em tal regulamento (art. VI), afirma-se que “a Zona Franca de Manaus
gozará de extraterritorialidade em relação ao pagamento do imposto de importação
[...] e tributos [...] que incidam sobre as mercadorias importadas do exterior enquanto
estas permanecerem em seus depósitos” (grifo nosso).
Contudo, tanto a lei quanto seu regulamento foram revogados pelo Decreto-lei
n
o
288, de 28/2/1967 (aqui denominado de Lei da ZFM), que disciplina até hoje, no
âmbito legal, os benefícios aplicáveis à ZFM. Em tal Decreto-lei não mais se fala em
extraterritorialidade, sendo definida, em seu art. 1
o
, a Zona Franca de Manaus como
uma área de livre comércio de importação e exportação e de
incentivos fiscais especiais, estabelecida com a finalidade de criar
no interior da Amazônia um centro industrial, comercial e
agropecuário dotado de condições econômicas que permitam seu
desenvolvimento, em face dos fatores locais e da grande distância,
a que se encontram, os centros consumidores de seus produtos
(grifos nossos).
Seguem-se outras regulamentações, como o Decreto n
o
61.244, de 28/8/1967
(que, embora bastante alterado, permanece vigente), o Regulamento Aduaneiro de
1985 (arts. 389 a 395 - que classifica a ZFM como regime aduaneiro atípico, por
não ter sido criado na Lei Aduaneira) e o atual Regulamento Aduaneiro (arts. 452 a
471), que reproduz a definição legal para a ZFM em seu art. 452, classificando-a
como um regime aduaneiro aplicado em área especial
704
.
704
Também na Europa se esconvencionando tratar as Zonas Francas como regimes aduaneiros.
Na Exposição de Motivos do Projeto de Código Aduaneiro Europeu Modernizado, afirma-se que “as
248
A Zona Franca de Manaus, em regra, apresenta três benefícios: a entrada
de mercadorias estrangeiras destinadas a consumo interno (ou a industrialização,
exportação, estocagem para reexportação, agropecuária, pesca e instalação e
operação de indústrias e serviços) é feita com isenção do imposto de importação e
do imposto sobre produtos industrializados
705
; a saída de mercadoria para o restante
do território aduaneiro brasileiro (denominada de internação) está sujeita ao
pagamento de todos os impostos exigíveis na importação, exceto se a mercadoria
for utilizada em processo de industrialização na ZFM
706
, caso em que haverá
redução do imposto de importação proporcional ao grau de industrialização
707
e
isenção do imposto sobre produtos industrializados; e a saída de mercadoria para o
exterior é feita com isenção do imposto de exportação. Repare-se que os
benefícios são basicamente referentes aos tributos aduaneiros, embora a lei os
tenha estendido a outros tributos
708
.
Identificadas as características fundamentais da Zona Franca de Manaus,
passemos a analisar o que se entende por Zona Franca nos direitos internacional e
comparado.
A Convenção de Kyoto revisada, no Capítulo 2 de seu Anexo Específico ‘D’,
define zonas francas como “partes do território de um Estado nas quais as
mercadorias introduzidas são geralmente consideradas, no que se refere aos direitos
e imposições na importação, como se estivessem fora do território
aduaneiro”(grifos nossos)
709
.
zonas francas passam a constituir um regime aduaneiro, passando a ser efetuados controles
aduaneiros, tanto à entrada como [...]” e que “embora tenha sido claramente estabelecido que as
zonas francas passarão, de futuro, a constituir um regime aduaneiro, será mantida a atual dispensa
da obrigação de apresentar uma declaração aduaneira [...]” (Disponível em: <http://eur-
lex.europa.eu/smartapi/cgi/sga_doc?smartapi!celexplus!prod!DocNumber&lg=pt&type_doc=COMfinal
&an_doc=2005&nu_doc=608>. Acesso em: 23 jan. 2008).
705
No caso de entrada para industrialização, ainda suspensão da exigibilidade da Contribuição
para o PIS/Pasep-importação e da Cofins-importação, cf. arts. 14 e 14-A da Lei n
o
10.865, de
30/4/2004, este acrescentado pela Lei n
o
10.925, de 23/7/2004.
706
Atendidos níveis de industrialização compatíveis com o processo produtivo básico para produtos
compreendidos na mesma posição e subposição da Nomenclatura Comum do Mercosul.
707
De acordo com a metodologia de cálculo referida no art. 460 do Regulamento Aduaneiro.
708
Ricardo Xavier Basaldúa ensina que: tratándose el área franca de un instituto aduanero, su
creación no implica por otorgar franquicias tributarias no aduaneras”, e que la tributación interna
será plenamente aplicable en la medida que, en virtud de una norma de jerarquía de ley, no se
disponga lo contrario” (Mercosur y derecho..., op. cit., p. 474).
709
Tradução livre da versão em francês ("zone franche: une partie du territoire d'une Partie
contractante dans laquelle les marchandises qui y sont introduites sont néralement considérées
comme n'étant pas sur le territoire douanier au regard des droits et taxes à l'importation), equivalente
249
O Glossário de Termos Aduaneiros e de Comércio Exterior da ALADI,
fundado na Resolução do Comitê de Representantes n
o
53, de 1986, define zona
franca como o “regime aduaneiro que permite receber mercadorias num espaço
delimitado de um Estado, sem o pagamento de gravames à importação, por
considerar-se que não se encontra no território aduaneiro e onde não estão
sujeitas ao controle habitual da repartição aduaneira”, e prossegue afirmando que
“a natureza das operações a que se podem submeter as mercadorias no interior de
uma zona franca determina que pode ser qualificada como zona franca comercial
ou industrial” (grifos nossos em ambas as orações)
710
.
O Código Aduaneiro Uniforme Centroamericano - CAUCA (em seu art. 77
711
)
adota a definição da Convenção de Kyoto revisada, a ela acrescentando que as
zonas francas podem ser comerciais, industriais ou mistas.
O digo Aduaneiro Argentino (art. 590) define área franca (ou zona
franca
712
) como “un ámbito dentro del cual la mercadería no es sometida al
control habitual del servicio aduanero y su introducción y extracción no están
gravadas con el pago de tributos, salvo las tasas retributivas de servicios que
pudieren establecerse, ni alcanzadas por prohibiciones de carácter económico
(grifos nossos). No mesmo sentido, o art. 287, 1 do Código Aduaneiro Paraguaio.
O Código Aduaneiro Uruguaio (art. 92) define as zonas francas como áreas
próximas à zona primária delimitadas com o fim desenvolver, ao amparo de
isenções, atividades como depósito (e outras a ele relacionadas) de mercadorias;
instalação e funcionamento de estabelecimentos fabris dedicados a sua
industrialização; e outras semelhantes.
Para não tornar exaustiva (nas duas acepções que nosso idioma admite para
a palavra) a relação, terminemos a análise comparada com a definição constante do
art. 2
o
da Lei de Zonas Francas da Venezuela (país prestes a inserir-se no contexto
à versão em inglês, o outro idioma oficial da OMA (“free zone: means a part of the territory of a
Contracting Party where any goods introduced are generally regarded, insofar as import duties and
taxes are concerned, as being outside the Customs territory).
710
Disponível em: <http://www.aladi.org/nsfaladi/glosario.nsf>. Acesso em: 23 jan. 2008.
711
Art. 77. Zona franca, es el régimen que permite ingresar a una parte delimitada del territorio de un
Estado signatario, mercancías que se consideran generalmente como si no estuviésen en el territorio
aduanero con respecto a los derechos e impuestos de importación, para ser destinadas según su
naturaleza, a las operaciones o procesos que establezca la legislación nacional. Las zonas francas
podrán ser entre otras, comerciales, industriales o mixtas.
712
A Ley n
o
24.331, de 10/6/1994, que disciplina o tratamento aplicável às Zonas Francas na
Argentina, em seu art. 1
o
, a’, dispõe que zona franca es el ámbito que se define en el artículo 590
del Código Aduanero”.
250
do Mercosul), de 4/8/1991: “el área de terreno que esté físicamente delimitada sujeta
a un régimen fiscal especial establecido en la presente Ley, en la cual personas
jurídicas autorizadas para instalarse a los efectos de esta Ley, se dediquen a la
producción y comercialización de bienes para la exportación, así como a la
prestación de servicios vinculados con el comercio internacional”.
Como se vê, não uniformidade na designação do que constitui uma zona
franca. MARIO A. ALSINA, RICARDO XAVIER BASALDUA e JUAN PATRICIO
COTTER MOINE, em trio
713
, ou unidos a ENRIQUE C. BARREIRA e HECTOR G.
VIDAL ALBARRACIN
714
, embora sustentem a extraterritorialidade como
característica geral das zonas francas, reconhecem que, para o direito aduaneiro,
não existe um critério uniforme que determine se integram ou não as zonas francas
o território aduaneiro.
OSÍRIS DE AZEVEDO LOPES FILHO, no mesmo sentido, revela que há
muita confusão em torno do conceito de zona franca, “em face de que cada país
adota, a seu critério, a denominação que lhe convém dando ao regime as
peculiaridades que deseja”, e que a “Zona Franca de Manaus não corresponde ao
conceito tradicional de zona franca de vocação comercial”
715
. Também ROOSEVELT
BALDOMIR SOSA e LIZIANE ANGELOTTI MEIRA defendem que a Zona Franca de
Manaus não apresenta a característica da extraterritorialidade, comumente
associada às Zonas Francas
716
.
De fato, a Zona Franca de Manaus corresponde aproximadamente àquilo que
os códigos aduaneiros argentino (art. 600) e paraguaio (art. 288) chamam de ‘área
aduaneira especial’, pois a ZFM faz parte do território aduaneiro brasileiro, existem
restrições econômicas ao ingresso no regime
717
, e as mercadorias estrangeiras que
dela saem para o restante de tal território, após incorporação a processo de
industrialização, estão sujeitas a redução no montante do imposto de importação.
713
Código Aduanero. Comentarios. Antecedentes. Concordancias. T. IV. Buenos Aires: Abeledo-
Perrot, 1984, p. 37.
714
digo Aduanero. Comentarios. Antecedentes. Concordancias. T. I. Buenos Aires: Abeledo-
Perrot, 1984, p. 38.
715
Regimes aduaneiros..., op. cit., p. 138-139.
716
Respectivamente, em Comentários..., op. cit., p. 159-160, e Regimes aduaneiros..., op. cit., p.
280.
717
Estabelecidas no art. 3
o
, § 1
o
da Lei da ZFM, com a redação dada pela Lei n
o
8.387, de 30/12/1991
(v.g., para automóveis de passageiros, produtos de perfumaria ou de toucador, bebidas alcoólicas e
fumo).
251
Tal entendimento já foi oficializado no Mercosul, quando editada a Decisão do
Conselho do Mercado Comum n
o
8, de 1994. Tal decisão, em seus Artigos 5
(“poderão operar no Mercosul as Zonas Francas que atualmente estejam em
funcionamento [...]”) e 6 (“as Áreas Aduaneiras Especiais existentes de Manaus e
Tierra del Fuego, constituídas em razão de sua particular situação geográfica [...]”)
distingue os institutos no âmbito do bloco regional.
Com o recente retorno das discussões sobre as zonas francas no Mercosul
(pelo grupo constituído para redação do Código Aduaneiro regional, a partir das
diretrizes traçadas na Resolução do Grupo Mercado Comum n
o
40, de 2006), crê-se
que será harmonizado o tratamento regional do tema, editando-se um Código
Aduaneiro que seja (ao contrário daquele aprovado em 1994) incorporado ao
ordenamento jurídico de todos os países que compõem o bloco.
Enquanto isso, aqui no Brasil, tamanhos são os problemas (manifestados a
cada negociação internacional) com a utilização da terminologia ‘Zona Franca’ para
designar o regime instituído em Manaus que uma tentativa, contida na
Proposta de Emenda Constitucional n
o
509/2006
718
, de mudá-la para Pólo Industrial
de Manaus
719
.
A Lei da ZFM estabelece, em seu art. 42, que as isenções previstas para a
Zona Franca de Manaus vigorariam por 30 anos, podendo ser prorrogado tal prazo
pelo Poder Executivo, mediante aprovação prévia do Conselho de Segurança
Nacional. A prorrogação (por dez anos) veio aproximadamente onze anos antes de
encerrado o prazo, no texto do Decreto n
o
92.560, de 16/4/1986. A Constituição
Federal de 1988, no art. 40 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias,
manteve os benefícios aplicados à ZFM a2013. Novamente, antes de esgotado o
prazo, houve sua prorrogação por dez anos, pela Emenda Constitucional n
o
42, de
19/12/2003. Devem, assim, não havendo novas prorrogações (a proposta de
emenda constitucional acima referida, até o momento, não contém em seu texto
menção a prorrogação), vigorar os benefícios para a ZFM até 2023.
Nos procedimentos para admissão no regime, a peculiaridade é a
necessidade de anuência da Superintendência da Zona Franca de Manaus (cf. art.
455 do Regulamento Aduaneiro). A internação será efetuada por procedimento
718
Disponível em: <http://www2.camara.gov.br/proposicoes>. Acesso em: 23 jan. 2008.
719
Relate-se que a denominação ‘Pólo Industrial de Manaus’ vem sendo impressa nos produtos
fabricados, em que pese não ter sido percorrido o iter legislativo pela proposta.
252
ordinário (com registro de declaração para controle de internação - DCI, no
Siscomex, para cada operação de saída da ZFM) ou simplificado (com registro
mensal de DCI), este outorgado a empresas que atendam a requisitos estabelecidos
pela Aduana
720
.
dois tópicos ainda que requerem menção, em relação à Zona Franca de
Manaus: a criação de um entreposto específico - o Eizof, e a extensão de benefícios
à Amazônia Ocidental.
O entreposto internacional da Zona Franca de Manaus (Eizof), ‘criado
721
pela
Portaria Interministerial conjunta do Ministro da Fazenda e do Ministro Chefe da
Secretaria de Desenvolvimento Regional (MEFP/SDR) n
o
2, de 21/7/1992, e alçado
ao status de decreto em 2002, no art. 468 do Regulamento Aduaneiro, é, em
verdade, uma espécie do gênero entreposto aduaneiro
722
. Tanto que dispõe o art.
470 do regulamento que as normas relativas ao entreposto aduaneiro são aplicáveis
subsidiariamente ao Eizof.
Derradeiramente, destaque-se que o Decreto-lei n
o
356, de 15/8/1968,
alterado em 1975, pelo Decreto-lei n
o
1.435, de 16/12, estendeu os benefícios fiscais
concedidos à ZFM à Amazônia Ocidental (que corresponde aos estados do
Amazonas, Acre, Rondônia e Roraima) em relação a determinadas mercadorias
(como materiais de construção, produtos alimentares e medicamentos) recebidas,
oriundas, beneficiadas ou fabricadas na ZFM, segundo pauta fixada pelos Ministros
da Fazenda e do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior.
8.4.2 Áreas de livre comércio stricto sensu
Há, preliminarmente, que se estabelecer diferença entre os regimes
aduaneiros aplicados em áreas especiais para os quais o legislador encontrou
denominação própria (zona franca de Manaus - ZFM e zona de processamento de
exportação - ZPE), embora os definisse como áreas de livre comércio, e o regime
que o legislador efetivamente batizou de área de livre comércio (as áreas de livre
720
Os procedimentos de internação estão hoje detalhados na Instrução Normativa SRF (hoje RFB) n
o
242, de 6/11/2002.
721
Sobre a ‘criação’ de regimes aduaneiros especiais, remeta-se ao início do item 8.3.5.2 deste
estudo.
722
No mesmo sentido: MEIRA, Liziane Angelotti. Regimes aduaneiros..., op. cit., p. 256.
253
comércio, digamos, em sentido estrito - ALC)
723
. Sobre este regime é que passamos
a discorrer.
A exemplo do disposto no item 8.3.4.6 (referente a depósito franco), não se
pode afirmar que haja, uniformemente, um regime aduaneiro de área de livre
comércio, pois cada lei instituidora de ALC pode estabelecer regras próprias. Assim,
o que o Regulamento Aduaneiro de 2002 faz, em seus arts. 472 a 481, é meramente
consolidar as disposições sobre as ALC já criadas por lei no Brasil, buscando
elementos comuns que possibilitem indicar características de um regime próprio
724
.
Nesse escopo, são definidas, no art. 472 do Regulamento Aduaneiro, as
áreas de livre comércio de importação e de exportação como “as que, sob regime
fiscal especial, são estabelecidas com a finalidade de promover o
desenvolvimento de áreas fronteiriças específicas da Região Norte do País e de
incrementar as relações bilaterais com os países vizinhos, segundo a política de
integração latino-americana” (grifo nosso).
Hoje existem ALC em Tabatinga/AM (instituída pela Lei n
o
7.965, de
22/12/1989), Guajará-Mirim/RO (Lei n
o
8.210, de 19/7/1991), Pacaraima e
Bonfim/RR (Lei n
o
8.256, de 25/11/1991), Macapá e Santana/AP (Lei n
o
8.387, de
30/12/1991), e Brasiléia/AC - com extensão para o município de Epitaciolândia/AC -
e Cruzeiro do Sul/AC (Lei n
o
8.857, 8/3/1994).
As mercadorias
725
ingressam nas ALC com suspensão da exigibilidade do
imposto de importação e do imposto sobre produtos industrializados, que se
converte em isenção quando houver uma das destinações previstas na lei de
regência. Ao saírem das ALC para o restante do território aduaneiro (exceto se para
outra ALC, para a ZFM ou para a Amazônia Ocidental, nos casos de extensão dos
benefícios da ZFM), ficam sujeitas ao tratamento dado às importações.
723
Não se confunda ainda o regime com a Área de Livre Comércio (ou Zona de Livre Comércio - Free
Trade Area / Zone de Libre Échange) que constitui o primeiro estágio de um processo de integração,
tratada no Artigo XXIV, 8, ‘b’ do GATT.
724
Considerando essas circunstâncias, o Regulamento Aduaneiro viu-se obrigado a inserir comando
residual (art. 480), estabelecendo que o regime atenderá ainda ao disposto na legislação específica
de cada área de livre comércio.
725
restrições econômicas à aplicação do regime, em todas as ALC, para automóveis de
passageiros, bebidas alcoólicas, fumo e seus derivados, perfumes e armas e munições. Nas ALC de
Tabatinga e Guajará-Mirim há ainda restrição a bens finais de informática.
254
Assim como a Zona Franca de Manaus, as ALC têm um prazo (determinado
em suas leis de regência) para serem extintas
726
. Veja-se que aqui não se está
tratando, como fazíamos para os regimes aduaneiros especiais, de extinção da
aplicação do regime (ao caso concreto), mas de extinção do próprio regime.
8.4.3 Zonas de processamento de exportação
A partir da publicação do Decreto-lei n
o
2.452, de 29/7/1988 (que
denominaremos Lei das ZPE), possibilitou-se a instalação de Zonas de
Processamento de Exportação, com a finalidade de fortalecer o balanço de
pagamentos, reduzir desequilíbrios regionais e promover a difusão tecnológica e o
desenvolvimento econômico e social do País.
As ZPE, que já existiam desde 1959 (quando foi instalada a primeira delas, no
aeroporto de Shannon, na Irlanda), e adquiriram relevância em países desenvolvidos
como os Estados Unidos (onde grande parte da produção se voltava ao mercado
doméstico), passaram, na da década de 60 (com a operação da ZPE de Kandla, na
Índia, em 1965), a ser instaladas em países em desenvolvimento (voltadas à
exportação)
727
.
Buscou-se, assim, no Brasil, o estabelecimento de um modelo semelhante ao
dos países em desenvolvimento, focado nas exportações. Como na ZFM, o foco é
na industrialização. Porém, nas ZPE a produção volta-se essencialmente à
exportação, o que a aproxima das modalidades de aperfeiçoamento ativo
denominadas de Recof e drawback-suspensão. A distinção entre a ZPE e o
aperfeiçoamento ativo, como destaca LIZIANE ANGELOTTI MEIRA, é que nos
regimes de aperfeiçoamento ativo não obrigação de exportar toda a produção, e
726
Tal prazo é de vinte e cinco anos da data de criação da ALC. Na lei que rege as ALC de
Brasiléia e Cruzeiro do Sul, no entanto, o artigo que dispunha sobre o prazo para extinção foi
vetado. Na mensagem n
o
191, de 9/3/1994, sobre as razões do veto, alegou-se que o comando do
artigo contrariava o interesse público, por retirar da Administração Fazendária o poder de
administrar o incentivo em consonância com os interesses nacionais maiores”, e que estabelecia
“tratamento tributário diferenciado e intocável por largo período, contrariando os princípios prudentes
da temporariedade curta e revogabilidade dos incentivos fiscais, presentes no art. 41 do Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias”. O resultado do veto é uma fina ironia: em 2016, quando
todas as demais ALC estarão extintas, as de Brasiléia e de Cruzeiro do Sul (a menos que uma lei
promova sua extinção) ainda estarão operando.
727
LINDNER, Eduardo. ZPEs Brasileiras: a necessidade de mudanças no contexto do Mercosul.
Brasília: Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas; Porto Alegre: Associação Brasileira de
Estudos da Integração, 1993, p.16-18.
255
a autorização para operar no regime pode ser dada a empresa estabelecida em
qualquer lugar do país
728
.
A Lei das ZPE, no parágrafo único de seu art. 1
o
, afirma que as zonas de
processamento de exportação
caracterizam-se como áreas de livre comércio com o exterior,
destinadas à instalação de empresas voltadas para a produção de
bens a serem comercializados com o exterior, sendo
consideradas zona primária, para efeito de controle aduaneiro
(grifos nossos).
Temos, assim, de acordo com a nomenclatura utilizada pelo legislador, a
terceira espécie de área de livre comércio, e a que mais benefícios concede:
isenção do imposto de importação, do imposto sobre produtos industrializados,
FINSOCIAL, AFRMM e IOF, tratamento tributário favorecido do imposto de renda,
e tratamento administrativo simplificado para obtenção de licença de importação.
A Lei das ZPE foi regulamentada pelo Decreto n
o
96.758, de 22/9/1988, e, na
mesma data, instituiu-se um Conselho Nacional das ZPE (pelo Decreto n
o
96.759),
para, entre outras atribuições, traçar a orientação superior da política das ZPE e
analisar as propostas de criação. Passou-se, então, à fase de criação, por decreto,
de cada ZPE. As primeiras foram a de Macaíba/RN e Maracanaú/CE
(respectivamente, pelos Decretos n
o
96.989 e 96.990, de 14/10/1988), seguindo-se:
Parnaíba/PI, Suape/PE, João Pessoa/PB, São Luís/MA, Barcarena/PA, Nossa
Senhora do Socorro/SE, Ilhéus/BA, Araguaína/TO, Cáceres/MT, Rio Grande/RS,
Corumbá/MS, Vila Velha/ES, Imbituba/SC, Teófilo Otoni/MG e Itaguaí/RJ.
As Zonas de Processamento de Exportação criadas, contudo, jamais
entraram em funcionamento. Como constata EDUARDO LINDNER, “a contribuição
das ZPE às economias hospedeiras nos países em desenvolvimento ficou muito
aquém do esperado”, porque as ZPE atraíram, na maioria, indústrias pouco
complexas, aproveitando a mão-de-obra barata e de baixa qualificação, e não
promoveram transferência de tecnologia
729
.
Ademais, como destaca RICARDO XAVIER BASALDÚA, que classifica as
ZPE brasileiras como áreas francas,
existen otros institutos o regímenes aduaneros [...] mediante los
cuales también se suspende la aplicación: a) de tributos que gravan
728
Regimes aduaneiros..., op. cit., p. 301.
729
ZPEs Brasileiras..., op. cit., p. 26-28.
256
la importación y la exportación; b) de las prohibiciones de orden
económico. Estos institutos no implican una medida tan drástica e
imprecisa como las áreas francas que significan una derogación
general e indiscriminada del régimen tributario aduanero y de la
política comercial en un espacio territorial determinado.
730
Em 2002, o Regulamento Aduaneiro ignorou as ZPE. Entretanto,
recentemente, a idéia de sua instalação, no Brasil, ganhou fôlego, com a publicação
da Lei n
o
11.508, de 20/7/2007 (nova Lei das ZPE), que reestrutura o regime, e
revoga definitivamente
731
o Decreto-lei n
o
2.452, de 1988.
Destaque-se que o significativo número de vetos presidenciais à nova Lei das
ZPE acabou por torná-la inaplicável
732
. Como foram integralmente vetados os arts.
10 e 11, que concediam os benefícios aduaneiros e tributários às ZPE, é de se
concluir que embora exista um regime aduaneiro aplicado em área especial
denominado zona de processamento de exportação, tal regime, hoje, não concede
benefício algum.
730
Areas francas. Concepto y utilidad. Problemática de su compatibilidad con el Mercosur. Revista de
Estudios Aduaneros. n. 6. Buenos Aires: Instituto Argentino de Estudios Aduaneros, 2. sem. 1993 -
1.sem. 1994, p. 24.
731
Tal Decreto-lei havia sido temporariamente revogado pela Medida Provisória n
o
158, de
15/3/1990. A revogação, contudo, não foi mantida na conversão da Medida Provisória na Lei n
o
8.032,
de 12/4/1990.
732
Dos 28 artigos da lei, 10 foram total ou parcialmente vetados, a maioria por contrariedade ao
interesse público, cf. Mensagem de Veto n
o
524, de 20/7/2007.
9 PROCEDIMENTOS ADUANEIROS SIMPLIFICADOS
A simplificação procedimental não envolve a temática tributária. Contudo,
pode trazer benefícios econômicos maiores do que os obtidos com alguns regimes
tributários especiais ou regimes aduaneiros especiais. Com a gradual redução de
alíquotas dos impostos aduaneiros nas últimas décadas, e com o processo de
integração regional no cone sul, o custo logístico assume importância semelhante à
do custo ‘tributário’.
Hoje, v.g., mais vale um reduzido percentual de seleção para verificação da
mercadoria do que uma diminuição de alguns pontos percentuais na alíquota do
imposto de importação. Ademais, enquanto o manejo de tais alíquotas é de
competência do Presidente da República (que, recorde-se, o delegou à Câmara de
Comércio Exterior - Camex), a simplificação procedimental pode ser efetuada por
normas de hierarquia inferior.
Expressamos, ao longo da seção 8.3 deste estudo, a majoritária objeção dos
autores que se manifestaram sobre regimes aduaneiros especiais à sua criação
por norma infralegal. Agora, ao tratarmos das simplificações procedimentais,
passamos a percorrer caminhos nos quais é possível, e consentâneo ao direito,
adotar medidas externadas em normas de hierarquia inferior à lei (em verdade, a
simplificação procedimental pode ser levada a cabo mesmo sem a edição de ato
normativo, desde que não avessa aos atos normativos existentes).
Nas simplificações procedimentais, assim, o caráter regulatório e indutor
permanece: mudam apenas os mecanismos a serem utilizados para a indução. As
simplificações têm como contraponto as restrições o-tarifárias
733
(casos em
que também medidas desprovidas de caráter tributário, mas que tornam mais
complexa a operação de importação ou de exportação, com a exigência, v.g., de
autorizações e licenças).
Tem-se que advertir, contudo, que o que chamamos de procedimentos
aduaneiros simplificados é tratado em alguns países (principalmente de língua
733
As restrições não-tarifárias, trazidas (as de ordem legal) para os arts. 536 a 569 do Regulamento
Aduaneiro, sob a denominação ‘casos especiais’, representam mais um daqueles temas de Direito
Aduaneiro que, apesar de importantes, não serão aqui tratados, tendo em vista a delimitação
estabelecida para o presente estudo.
258
espanhola) como regimes aduaneiros especiais, em desvio, a nosso ver, do texto
da Convenção de Kyoto revisada.
A Convenção, implementada no âmbito da Organização Mundial das
Aduanas, e redigida em francês e inglês (idiomas oficiais da organização),
compreende um Anexo Geral e dez Anexos Específicos, sendo oficialmente
denominada, em tais idiomas, respectivamente, de ‘Convention Internationale pour la
Simplification et L’harmonization des Regimes Douaniers e de International
Convention on the Simplification and Harmonization of Customs Procedures’.
A Convenção tem um Anexo Específico ‘J’, denominado em francês de
Procédures spéciales’, que versa sobre alguns procedimentos simplificados
734
como
os referentes a viajantes, tráfego postal, meios de transporte, provisões de bordo e
meios de assistência. Na versão em inglês, tal Anexo é descrito como ‘Special
Procedures’. Vê-se, assim, que no inglês não distinção terminológica entre
‘regimes’ e procedimentos’ aduaneiros, sendo ambas as expressões designadas por
customs procedures’.
Na versão em espanhol indicada no próprio sítio da Organização Mundial das
Aduanas
735
, ambos os termos (regimes e procedimentos) foram traduzidos por
regímenes’, adequando-se ao tratamento que vem sendo dado por alguns países
736
de língua espanhola no sentido de adotar, como exposto, a expressão ‘regimes
aduaneiros especiais’ para designar o que entendemos no Brasil como
‘procedimentos aduaneiros simplificados’.
734
Não se utilizou aqui a expressão ‘procedimentos especiais’ por estar, no Brasil, relacionada a
procedimentos que impõem restrições (e não simplificações, como os relacionados na Convenção)
aos intervenientes nas operações de comércio exterior (v.g. os procedimentos especiais aduaneiros
referidos nos arts. 704 a 712 do Regulamento Aduaneiro).
735
Cf. tradução efetuada no âmbito da Associação Latino-americana de Desenvolvimento (ALADI),
disponível em: <http://www.aladi.org/nsfaladi/sitio.nsf/vsitioweb/kyoto>. Acesso em: 23 jan. 2008.
Hernán Narbona Véliz traduz as palavras de forma distinta, como regímenese procedimientosao
relacionar os Anexos da Convenção. Contudo, ao traduzir o texto do Anexo ‘J’, utiliza a expressão
regímenes especiales’ (Aduanas: fundamentos..., op. cit., p. 66 e 141).
736
O Código Aduaneiro Argentino (arts. 466 a 584) e o Código Aduaneiro Uruguaio (art. 107 a
143) denominam de regimes aduaneiros especiais vários dos casos relacionados na Convenção de
Kyoto revisada como procedimentos especiais. O único Código Aduaneiro de país membro do
Mercosul editado após a Convenção de Kyoto revisada, o Código Aduaneiro Paraguaio, utiliza a
terminologia regímenes aduaneros especiales(art. 153 a 215) para designar o trânsito aduaneiro, o
depósito aduaneiro e a admissão temporária, entre outros, e a expressão tratamientos aduaneros
especiales(art. 216 a 243) para fazer referência, em regra, aos procedimentos referidos no Anexo ‘J’
Convenção de Kyoto revisada. Contudo, o termo ‘regimes’ também é utilizado no tópico referente aos
tratamentos aduaneiros especiais (v.g., arts. 217, 218 e 222).
259
Ainda não existe tradução oficial da Convenção para o português, mas
cremos ser adequado efetuá-la a partir da versão francesa (tendo regimescomo
regimes e ‘procédures’ como procedimentos).
Cabe esclarecer que os procedimentos aduaneiros simplificados
convivem com qualquer tipo de regime aduaneiro (comum, especial ou aplicado
em áreas especiais) e com tais regimes não se confundem.
Um viajante que ingresse no país com alguns brinquedos para presentear,
v.g., deverá efetuar um despacho de tais bens não em um regime aduaneiro
especial de bagagem, mas no regime aduaneiro comum de importação
definitiva, utilizando-se do procedimento simplificado aplicado a bagagem de
viajante. Do mesmo modo, um veículo de transporte internacional que ingresse no
país trazendo mercadorias estrangeiras será admitido no regime aduaneiro
especial de admissão temporária, mediante procedimento simplificado aplicado
aos meios de transporte (admissão automática), e não em um regime aduaneiro
especial de meios de transporte.
Perceba-se que todos os procedimentos aduaneiros simplificados estão
vinculados a uma das três modalidades de regime aduaneiro. Não são, assim,
regimes aduaneiros, mas simplificações a procedimentos existentes para um regime
aduaneiro.
Essa será a linha que seguiremos ao apresentar os principais procedimentos
aduaneiros simplificados existentes no Brasil atualmente, com destaque para dois
procedimentos que, mesmo em nosso país, são comumente confundidos com
regimes aduaneiros: o despacho aduaneiro expresso (Linha Azul) e o despacho
em ‘Recinto Especial para Despacho Aduaneiro de Exportação’ (Redex).
9.1 Linha azul
O despacho aduaneiro expresso (conhecido como ‘Linha Azul’) é, sem
dúvida, a mais significativa simplificação procedimental hoje existente na área
aduaneira, sob o aspecto econômico.
O Regulamento Aduaneiro de 1985, em seu art. 452, com fundamento no art.
46 da Lei Aduaneira, permitiu que o Secretário da Receita Federal (hoje, do Brasil)
dispusesse sobre ‘regime’ simplificado de despacho aduaneiro de importação,
tomando em conta a qualificação do importador ou a natureza ou freqüência de
importação da mercadoria. Em 1988, com a nova redação dada pelo Decreto-lei n
o
260
2.472, de 1988, à Lei Aduaneira, a redação original do art. 46 foi transposta para o
art. 53 da nova redação, substituindo-se o termo ‘regime’ por ‘procedimento’: “o
regulamento poderá estabelecer procedimentos para simplificação do despacho
aduaneiro”.
Com base nesses dispositivos a linha azul foi instituída pela Instrução
Normativa (IN) SRF (hoje RFB) n
o
153, de 22/12/1999, tendo sido disciplinada
posteriormente pela IN SRF n
o
47, de 2/5/2001. É com a IN SRF n
o
476, de
13/12/2004, que o procedimento simplificado (já não mais menção à linha azul
como ‘regime’ na IN) ganha sua configuração atual.
Podemos definir a linha azul como o procedimento aduaneiro simplificado,
destinado a pessoas jurídicas industriais que operem com regularidade no
comércio exterior, que permite o despacho aduaneiro expresso, com preferência
de seleção para o canal verde de conferência aduaneira, nas operações de
importação, exportação e trânsito aduaneiro, mediante habilitação prévia e
voluntária.
A empresa, para habilitar-se à linha azul, basicamente, deve ter: situação
regular (sem débitos ou pendências junto à Secretaria da Receita Federal do Brasil);
como atividade econômica principal a indústria; patrimônio líquido igual ou
superior a R$ 20.000.000,00; realizado, no exercício fiscal anterior ou nos 12 meses
anteriores ao pedido de habilitação, operações de comércio exterior (no mínimo
100) em montante total não inferior a US$ 10.000.000,00. Deve ainda possuir
sistema de controle informatizado de entrada, saída e movimentação de
mercadorias que atenda aos requisitos mínimos estabelecidos pela Aduana.
Os benefícios são compensadores: além do armazenamento prioritário
(sendo a mercadoria recolhida a depósito somente após 24 horas de sua
disponibilidade para despacho aduaneiro), há direcionamento preferencial das
declarações registradas, qualquer que seja o regime, para o canal verde de
conferência aduaneira. Nos raros casos em que a declaração é selecionada para
algum outro canal, o desembaraço deverá ser realizado em caráter prioritário.
A Linha Azul é inspirada no modelo europeu dos Operadores Econômicos
Autorizados (OEA), adotado de longa data, mas incorporado ao Código Aduaneiro
Europeu somente em 2005, por meio do Regulamento n
o
648, de 13/4, e tem por
objetivo ainda a maximização do aproveitamento dos recursos limitados da Aduana
em face do crescente volume de comércio exterior.
261
Recentemente, a habilitação à Linha Azul passou a ser requisito para
operação no regime aduaneiro especial de entreposto industrial sob controle
informatizado (Recof), o que deve aumentar a demanda pelo procedimento
simplificado. Hoje, há apenas 14 empresas habilitadas à Linha Azul
737
.
9.2 Redex
Outra simplificação procedimental freqüentemente confundida com regime
aduaneiro (especialmente pelo fato de sua sigla iniciar com ‘Re’) é a possibilidade de
despacho em ‘recinto especial para despacho aduaneiro de exportação’ (Redex),
que poupa o exportador principalmente dos elevados custos de armazenagem em
recintos alfandegados.
A Lei Aduaneira, em seu art. 49, dispunha que a conferência aduaneira
poderia ser realizada em zona primária ou em outros locais admitidos pela Aduana.
O Regulamento Aduaneiro de 1985 admitiu, em seu art. 446, a possibilidade de
conferência aduaneira em recintos alfandegados de zona primária ou secundária,
no estabelecimento do importador ou em outros locais autorizados, no despacho
aduaneiro de importação, estendendo o tratamento à exportação em seu art. 451.
Com a nova redação dada ao art. 49 da Lei Aduaneira pelo Decreto-lei n
o
2.472, de 1988, que substituiu o termo ‘conferência’ por ‘despacho’, passou a ser
possível não a realização da conferência aduaneira em local não-alfandegado,
mas de todas as etapas do despacho aduaneiro.
A possibilidade de realização do despacho aduaneiro de exportação em
recintos alfandegados de zona primária e secundária e em locais não-alfandegados
constou da Instrução Normativa SRF (hoje RFB) n
o
28, de 27/4/1994. Tal instrução
impôs ainda condições (em seus arts. 13 a 15) para a realização do despacho em
local não-alfandegado. Tais condições foram alteradas com a Instrução Normativa
SRF (hoje RFB) n
o
114, de 31/12/1994, que dispõe sobre os Redex.
O Redex (Recinto Especial para Despacho Aduaneiro de Exportação) pode
ser definido como um recinto não-alfandegado localizado no estabelecimento do
próprio exportador ou em endereço específico para uso comum de vários
exportadores, onde pode ser processado o despacho aduaneiro de exportação.
737
Disponível em: <http://www.receita.fazenda.gov.br/Aduana/linhaazul/EmpHab.htm>. Acesso em:
23 jan. 2008.
262
O benefício é esse: realização de despacho aduaneiro de exportação em
local com custo de armazenagem menor (ou até sem custo, se em estabelecimento
próprio). Pode parecer pouco, mas a redução de custos na armazenagem
transforma-se, muitas vezes, em vantagem competitiva do produto no exterior.
O valor referente às despesas com armazenagem em recintos alfandegados
de zona primária é normalmente maior do que o exigido em recintos
alfandegados de zona secundária. Contudo, se o recinto nem alfandegado é
(não tendo havido, v.g., procedimento licitatório para sua operação), tal valor deve
cair substancialmente, tendo em vista a redução dos custos do depositário. Isso sem
se falar na melhor das alternativas: o despacho no próprio estabelecimento do
exportador.
Existem, hoje, 80 Redex em operação no Brasil, (1 em Cáceres/MT, 10 em
Paranaguá/PR, 10 no Rio de Janeiro/RJ, 1 em Criciúma/SC, 1 em Itajaí/SC, 1 em
Joinville/SC, 2 em São Francisco do Sul/SC e 54 em Santos/SP)
738
.
9.3 Outros procedimentos aduaneiros simplificados
Como exposto no início deste Capítulo 9, os procedimentos aduaneiros
simplificados sempre estão associados a pelo menos um regime aduaneiro.
diversas simplificações procedimentais gerais aplicáveis à maioria (ou
à totalidade) dos regimes aduaneiros, como a disponibilização de modelos
simplificados de declaração de importação e a informatização dos controles
aduaneiros. Em tais simplificações, não se opera nenhuma discriminação: qualquer
que seja o importador ou exportador, ou a mercadoria, o procedimento será
simplificado. Pondere-se, no entanto, que tais ‘simplificações’, em verdade não são
simplificações: são o novo procedimento geral, mais simples que o anterior (o que
é sempre recomendável à Administração Pública).
ainda simplificações procedimentais objetivas, ligadas a determinadas
mercadorias ou situações vinculadas a um ou mais regimes aduaneiros. Como
exemplo, podemos citar: a) admissão e exportação temporárias automáticas de
veículos utilizados no transporte comercial internacional de carga ou de
738
Disponível em: <http://www.receita.fazenda.gov.br/Aduana/LocaisRecintosAduaneiros
/Redex/Redex.htm>. Acesso em: 23 jan. 2008.
263
passageiros
739
; b) reimportação, reexportação, admissão e exportação temporárias
com base em controle do tipo conta-corrente para recipientes, embalagens,
envoltórios, carretéis, separadores, racks, clip locks, termógrafos e outros bens com
finalidade semelhante
740
; c) admissão simplificada de bens a serem utilizados em
serviços médicos de caráter humanitário
741
; d) registro de declaração de exportação
após o embarque da mercadoria para o exterior, no caso de provisões de bordo
742
;
e) verificação da mercadoria no estabelecimento do importador
743
; f) realização de
despacho de exportação em Redex (referido na seção 9.2)
744
; g) dispensa de
verificação da mercadoria para bens destinados a atividades relacionadas com a
intercomparação de padrões metrológicos
745
; h) livre circulação de unidades de
carga utilizadas (contêineres) e seus acessórios e equipamentos
746
; e i) despacho
simplificado para importação de bens constantes de remessas postais
internacionais
747
.
Existem também simplificações procedimentais subjetivas, relativas ao
importador, exportador ou interveniente na operação de comércio exterior. Vejam-se,
v.g., os casos de: a) linha azul (referido na seção 9.1); b) admissão em procedimento
sumário de bens relacionados com a visita ao País de dignitários estrangeiros
748
; e
c) despacho simplificado de importação de bens por Missão Diplomática, Repartição
739
Possibilitada pelas Instruções Normativas SRF (hoje RFB) n
o
285, de 14/1/2003 (art. 5
o
, I) e n
o
319, de 4/4/2003 (art. 3
o
, II). A matéria é ainda tratada no Capítulo 3 do Anexo Específico ‘J’ da
Convenção de Kyoto revisada.
740
Cf. Instrução Normativa RFB n
o
747, de 14/6/2007.
741
Cf. Instrução Normativa SRF n
o
57, de 31/5/2001. A matéria é ainda tratada no Capítulo 5 do
Anexo Específico ‘J’ da Convenção de Kyoto revisada.
742
Cf. Instrução Normativa SRF n
o
28, de 27/4/1994 (arts. 52 a 57). A matéria é ainda tratada no
Capítulo 4 do Anexo Específico ‘J’ da Convenção de Kyoto revisada.
743
Cf. Instrução Normativa SRF n
o
680, de 2/10/2006 (art. 35).
744
A realização de despacho de exportação em Redex, apesar de estar aqui classificada como
simplificação procedimental objetiva, é, hoje, efetuada de forma discricionária, tendo em vista a
ausência de parâmetros objetivos para reconhecimento de recintos como Redex na norma de
regência (Instrução Normativa SRF n
o
114, de 31/12/2001).
745
Cf. Instrução Normativa SRF n
o
680, de 2/10/2006 (art. 38, II) e Resolução do Grupo Mercado
Comum (GMC) n
o
22, de 2003, vigente no Brasil por força do disposto no art. 1
o
, II, ‘d’ do Decreto n
o
5.637, de 26/12/2005.
746
Cf. Lei n
o
9.611, de 19/2/1998.
747
Cf. Instrução Normativa SRF n
o
96, de 4/8/1999. A matéria é ainda tratada no Capítulo 2 do Anexo
Específico ‘J’ da Convenção de Kyoto revisada. Aqui, além da simplificação procedimental, um
regime tributário específico, o ‘regime de tributação simplificada’ - RTS.
748
Cf. Instrução Normativa SRF n
o
469, de 10/11/2004.
264
Consular, e Representação de Organismo Internacional de caráter permanente de
que o Brasil seja membro, e seus integrantes
749
.
Por fim, simplificações procedimentais mistas, nas quais a razão de ser
da simplificação não reside só no importador, exportador ou interveniente, mas
também na situação ou no tipo de mercadoria vinculada a um ou mais regimes.
Nessa categoria podemos, a título ilustrativo, classificar: a) dispensa de verificação
da mercadoria para bens de caráter cultural submetidos a despacho por museu
teatro, biblioteca ou cinemateca
750
; b) livre circulação de veículos de turistas
particulares e de aluguel no âmbito do Mercosul
751
; c) despacho aduaneiro com
preferência para canal verde no caso de bens destinados a pesquisa científica e
tecnológica importados por pessoas credenciadas pelo CNPq
752
; d) direcionamento
para canal verde de declaração registrada por organização militar relativa a
importação de bens de uso sigiloso
753
; e despacho simplificado para importação de
bens de viajante procedente do exterior
754
.
É preciso destacar, no entanto, que simplificações procedimentais que
operem diminuição de custos somente a determinado segmento, categoria ou grupo
de pessoas devem sempre ser justificáveis, pois a Administração Pública deve
buscar o interesse da coletividade, e o caráter regulatório e indutor da atuação
estatal no comércio exterior não pode verter-se em dirigismo.
749
Cf. Instrução Normativa SRF n
o
338, de 7/7/2003.
750
Cf. Instrução Normativa SRF n
o
680, de 2/10/2006 (art. 38, I).
751
Cf. Resolução do Grupo Mercado Comum (GMC) n
o
35, de 2002, vigente no Brasil por força do
disposto no art. 1
o
, II, ‘c’ do Decreto n
o
5.637, de 26/12/2005. Tal dispositivo altera tacitamente os
arts. 309 e 400 do Regulamento Aduaneiro brasileiro.
752
Cf. Instrução Normativa SRF n
o
799, de 26/12/2007.
753
Cf. Instrução Normativa SRF n
o
74, de 29/9/1997.
754
Cf. Instrução Normativa SRF n
o
117, de 6/10/1988. A matéria é ainda tratada no Capítulo 1 do
Anexo Específico ‘J’ da Convenção de Kyoto revisada. Também aqui, além da simplificação
procedimental, há um regime tributário específico, o ‘regime de tributação especial’ - RTE.
10 CONCLUSÕES
1. A manifestação jurídica dos aspectos econômicos não se resume à mera
produção legislativa, mas se estende à aplicação das normas dela decorrentes,
incumbindo ao cientista do Direito analisar o comando normativo derivado da versão,
em linguagem prescritiva, que o político deu à proposta do economista. Como
resultado de tal análise, obtém-se a aplicação da norma, o que, por sua vez,
indubitavelmente produz conseqüências econômicas.
2 A presença de aspectos econômicos na legislação de comércio exterior
brasileira, seja no que se refere à tributação ou no que tange ao controle aduaneiro,
intensifica-se a cada dia, e não pode ser ignorada na análise do ordenamento
jurídico. Deve-se buscar a formação de uma fundamentação jurídica que norteie a
atividade econômica de comércio exterior.
3. A atuação do Estado na ordem econômica pode ser percebida em diversos
dispositivos constitucionais brasileiros, embora seja utilizada frequentemente no
texto da Constituição Federal o termo ‘intervenção (espécie do gênero atuação)
para designar a atuação estatal.
4. Abstraindo-se do sistema econômico e político, e das questões geográficas e
históricas, pode ser estabelecida uma classificação para as formas de atuação
estatal na ordem econômica. Tal atuação pode ser direta (em regime monopolístico
ou não) ou regulatória (indireta), podendo esta ser efetuada por direção (que abarca,
além de medidas normativas que determinam comportamentos, o exercício do poder
de polícia) ou por indução (que envolve as medidas normativas que estimulam ou
desestimulam comportamentos).
5. A atuação estatal regulatória por indução é freqüente na tributação e no
comércio exterior. O Estado, como ente tributante, desvencilhou-se das justificações
na força e no poder do soberano para ceder lugar a um contexto em que a relação
tributária é subordinada aos ditames constitucionais e voltada para o atingimento
dos objetivos estatais neles indicados. No comércio exterior, o Estado atua com a
função de controlar o fluxo de entrada e saída de mercadorias, por meio da
aplicação de medidas tarifárias e não-tarifárias nas operações de importação e
exportação.
266
6. As medidas não-tarifárias externam a atuação estatal regulatória por direção
(mediante o estabelecimento de restrições) ou por indução (por meio da concessão
de incentivos sem caráter tributário). As tarifárias, por sua vez, caracterizam
essencialmente a atuação estatal regulatória por indução, mediante o
estabelecimento de incentivos (ou desincentivos) com reflexos tributários.
7. A característica denominada comumente de ‘extrafiscalidade’ nas obras
jurídicas tributárias corresponde, na classificação adotada, à atuação do Estado na
ordem econômica por regulação (em regra, por indução).
8. É comum o manejo de elementos jurídicos utilizados na configuração de um
tributo, para induzir (estimulando ou desestimulando) o sujeito passivo da obrigação
tributária à realização de determinados comportamentos, visando à obtenção de
resultados econômicos (ou sociais, culturais, ambientais etc.) adequados ao sistema
político, externado na ordem jurídica. Embora este caráter indutor, atrelado a uma
dimensão finalística do tributo, manifeste-se, em diferentes graus, nas várias
espécies tributárias, é nos chamados tributos aduaneiros (imposto de importação e
imposto de exportação) que ele assume sua forma mais intensa.
9. A manifestação jurídica do caráter regulatório pode ser evidenciada dentro
dos critérios da hipótese e do conseqüente da regra-matriz de incidência tributária, e
ainda no aspecto finalístico dos tributos.
10. Como a atuação estatal regulatória por indução, na tributação, provoca
discriminações entre os contribuintes, e pode alterar a estrutura concorrencial, as
distinções efetuadas pela norma regulatória e indutora devem estar inseridas nos
limites presentes nos fundamentos políticos, econômicos e sociais estabelecidos na
Constituição Federal.
11. Sem perder de vista a unidade do Direito, desmembrado em ramos tão-
somente por finalidades didáticas, em decorrência do fenômeno da especialização
das disciplinas jurídicas, podem ser identificadas distinções básicas (e áreas de
intersecção) entre o ramo denominado de Direito Tributário e o designado por Direito
Aduaneiro.
12. Não mais merece prosperar a argumentação de que o Direito Aduaneiro é
mero subconjunto do Direito Tributário, regulamentando os tributos incidentes sobre
o comércio exterior, pois o Direito Aduaneiro vai além do viés tributário, abarcando
as atividades de controle e fiscalização do comércio exterior (haja ou não tributos a
recolher), inclusive no que se refere às restrições não-tarifárias.
267
13. Apesar de a Administração Aduaneira e a Administração Tributária, no Brasil,
estarem, a cargo de um mesmo órgão (Secretaria da Receita Federal do Brasil -
RFB), pode-se evidenciar a existência de um conjunto de regras jurídicas a respeito
de assuntos de natureza aduaneira (legislação aduaneira), distintas daquelas
atinentes ao campo tributário (legislação tributária). Incumbe ao Direito Aduaneiro
descrever esse objeto.
14. O Direito Aduaneiro é o ramo do Direito integrado por um conjunto de
proposições jurídico-normativas que disciplinam as relações entre a Aduana e os
intervenientes nas operações de comércio exterior, estabelecendo os direitos e as
obrigações de cada um, e as restrições tarifárias e não-tarifárias nas importações e
exportações.
15. A área de intersecção entre o Direito Tributário e o Direito Aduaneiro
corresponde aos tributos incidentes sobre o comércio exterior, divididos em três
grupos: os tributos aduaneiros (exigidos exclusivamente nas atividades de comércio
exterior), os tributos niveladores, vinculados a operações de comércio exterior (que
promovem um equilíbrio na tributação, ponderando o teor da cláusula do tratamento
nacional e os princípios tributários decorrentes da ordem econômica brasileira -
exigidos para eliminar tratamentos diferenciados entre as mercadorias nacionais e
as estrangeiras) e os tributos devidos em função de operação interna necessária à
importação.
16. Por critério de especialidade, identificam-se um Direito Aduaneiro Tributário
(como o segmento do Direito Aduaneiro que estuda os tributos aduaneiros) e um
Direito Tributário Aduaneiro (segmento do Direito Tributário que estuda os tributos
niveladores, vinculados a operações de comércio exterior, e os tributos devidos em
função de operação interna necessária à importação).
17. São tributos aduaneiros o imposto de importação e o imposto de exportação.
18. O critério material da hipótese de incidência tributária do imposto de
importação é importar mercadoria (tomado o termo ‘mercadoria’ em acepção
alargada, abarcando importações sem finalidade comercial) estrangeira (sendo tal
característica ligada à origem, e não à procedência da mercadoria). O critério
espacial é o território aduaneiro, tanto nas importações temporárias quanto nas
definitivas, inclusive no caso de entrada presumida ou ingresso clandestino de
mercadorias no País. O critério temporal é o momento do registro da declaração de
importação (para importações definitivas), do lançamento (nos casos de bagagem de
268
viajantes, remessas postais internacionais, ou mercadoria faltante), do termo final do
depósito temporário (na hipótese de registro da declaração de importação após
configuração de abandono) ou da apuração da entrada no território aduaneiro
(quando houver introdução clandestina ou irregular).
19. O critério pessoal do conseqüente da regra-matriz de incidência tributária do
imposto de importação tem na sujeição ativa a União, e na sujeição passiva,
basicamente, o importador. O critério quantitativo é formado pelo valor aduaneiro
(definido segundo as regras estabelecidas no Acordo de Valoração Aduaneira
celebrado no âmbito do GATT-1994), como base de cálculo, e pela alíquota
constante da Tarifa Externa Comum (TEC) do Mercosul para a classificação (obtida
segundo as regras do Sistema Harmonizado de Designação e Codificação de
Mercadorias - SH) correspondente à mercadoria que se está importando.
20. O critério material da hipótese de incidência tributária do imposto de
exportação é exportar mercadoria nacional ou nacionalizada (esta entendida como a
estrangeira importada a título definitivo). O critério espacial é o território aduaneiro,
havendo casos (exportação sem saída) em que, por ficção legal, considera-se saída
a mercadoria de tal território sem que isso ocorra no mundo do ser. O critério
temporal é o momento do registro de exportação, no Sistema Integrado de Comércio
Exterior - Siscomex.
21. O critério pessoal do conseqüente da regra-matriz de incidência tributária do
imposto de exportação tem na sujeição ativa a União, e na sujeição passiva o
exportador. O critério quantitativo é formado pelo chamado ‘preço normal’ da
mercadoria, como base de cálculo, e pela alíquota definida pelo Poder Executivo
para a mercadoria (em regra, de 0%).
22. Os tributos niveladores são tributos internos aplicados na importação
definitiva de mercadorias estrangeiras, em montante idêntico ao que seria exigido na
operação, no País, que constitui a hipótese de incidência de tais tributos internos,
caso a mercadoria fosse de origem nacional. São tributos niveladores, vinculados a
operações de comércio exterior: o IPI, o ICMS, a Cide-combustíveis, a Contribuição
para o PIS/Pasep-Importação e a Cofins-Importação.
23. O IPI-nivelador incide na importação de produtos industrializados de
procedência estrangeira (critério material), sendo o critério temporal da hipótese de
incidência o desembaraço aduaneiro do produto, ocorrido nas unidades aduaneiras
(critério espacial). Tendo a União como sujeito ativo e o importador como sujeito
269
passivo da relação tributária, o imposto é calculado com base no valor aduaneiro,
acrescido do imposto de importação, utilizando-se as mesmas alíquotas aplicáveis
ao IPI interno.
24. O ICMS-nivelador incide na importação de mercadoria (em sentido estrito) ou
bem do exterior (critério material), sendo o critério temporal da hipótese de
incidência o desembaraço aduaneiro da mercadoria ou bem, ocorrido nas unidades
aduaneiras (critério espacial). Tendo os Estados ou o Distrito Federal como sujeito
ativo e o importador como sujeito passivo da relação tributária, o imposto é calculado
com base no valor aduaneiro, acrescido das despesas aduaneiras, dos demais
tributos devidos na importação e do próprio ICMS, utilizando-se as mesmas
alíquotas aplicáveis ao ICMS interno.
25. A Cide-combustíveis-niveladora incide na importação de determinados
combustíveis (critério material), quando de sua entrada (critério temporal) no
território aduaneiro (critério espacial). Tendo a União como sujeito ativo e o
importador como sujeito passivo da relação tributária, o tributo é calculado mediante
a aplicação de alíquotas específicas por metro cúbico ou tonelada de combustível
importado.
26. A Contribuição para o PIS/Pasep-importação e a Cofins-importação, novos
tributos criados com função niveladora (embora haja dificuldades na verificação do
cumprimento de tal função) têm hipótese de incidência idêntica à do imposto de
importação. Também o critério pessoal do conseqüente é basicamente o mesmo do
imposto de importação. As diferenças entre o imposto e as contribuições aparecem
na base de cálculo (que redefine a expressão ‘valor aduaneiro’, para abarcar o ICMS
- deduzidas as taxas, contribuições e demais despesas aduaneiras - e as próprias
contribuições) e nas alíquotas destas (as mesmas aplicáveis às operações internas).
27. ainda outros tributos incidentes na importação, como o Adicional ao Frete
para Renovação da Marinha Mercante (AFRMM), a Taxa de utilização do Siscomex
e a Taxa de utilização do sistema Mercante. Tais tributos, embora sejam
relacionados a uma operação de importação, o são devidos em função do
despacho aduaneiro de importação (ou de uma de suas etapas), mas da descarga
em portos brasileiros (AFRMM) ou da obtenção de registros com a utilização de
sistemas informatizados (Siscomex ou Mercante). Apesar de serem devidos na
importação, tais tributos não são devidos pela importação, mas em função de
operação interna necessária à importação.
270
28. Estudados tanto sob o aspecto tributário quanto sob o aspecto aduaneiro, os
regimes aduaneiros são as destinações aplicáveis à mercadoria a ser objeto de um
despacho aduaneiro de importação ou de exportação, em função das características
da operação de comércio exterior e da escolha do declarante, dentro dos
parâmetros estabelecidos pela legislação aduaneira.
29. Existem, no Brasil, três espécies de regimes aduaneiros: os comuns (ou
gerais), os especiais e os aplicados em áreas especiais.
30. O regime aduaneiro comum aplica-se às importações e exportações
efetuadas em caráter definitivo. O fato de haver isenção ou imunidade na operação
de importação ou exportação (ou de haver benefício referente a tributos não-
aduaneiros) não retira o caráter comum do regime.
31. Enquadram-se como regimes aduaneiros comuns a importação definitiva e a
exportação definitiva, efetuados por meio de despachos aduaneiros (entendidos
como seqüências de atos tendentes a possibilitar o ingresso definitivo da mercadoria
na circulação nacional, ou sua saída definitiva para o exterior).
32. Os regimes aduaneiros especiais, também conhecidos como regimes
econômicos, apresentam como características sicas a suspensividade (embora
seja admissível o entendimento de que a natureza jurídica dos regimes aduaneiros
especiais seja de isenção condicional), a temporariedade (característica que tem
sido mitigada em alguns regimes) e a vinculação a uma finalidade.
33. Os quatorze regimes aduaneiros especiais existentes no Brasil podem ser
agrupados em quatro categorias, segundo as características da operação de
comércio exterior: regimes de trânsito interno ou internacional de mercadorias
(trânsito aduaneiro); regimes de importação ou exportação temporária de
mercadorias para exposição, manuseio ou utilização (admissão temporária -
inclusive para utilização econômica ou Repex - e exportação temporária); regimes de
depósito temporário de mercadorias, sob controle aduaneiro, em local habilitado
(entreposto aduaneiro - em suas modalidades de entreposto aduaneiro stricto sensu,
loja franca, depósito especial, depósito afiançado, depósito alfandegado certificado e
depósito franco); e regimes de importação ou exportação temporária de mercadorias
para serem submetidas a operações de aperfeiçoamento (admissão temporária para
aperfeiçoamento ativo, drawback-suspensão’, entreposto industrial sob controle
informatizado - Recof, e exportação temporária para aperfeiçoamento passivo).
271
34. Como não se consolidou tal agrupamento na legislação nacional, que criou (e
ainda vem criando) variações sobre regimes aduaneiros especiais já existentes,
utilizando denominações diversas, são freqüentes as dificuldades de distinção entre
os regimes aduaneiros especiais, e entre estes e alguns procedimentos aduaneiros
simplificados, como a ‘Linha Azul’ e o ‘Redex’.
35. Os regimes aduaneiros aplicados em áreas especiais, incentivos ao
desenvolvimento regional, buscando polinizar o processo de industrialização no
País, por meio de benefícios relativos aos tributos aduaneiros e de simplificações
procedimentais, são a Zona Franca de Manaus, as Áreas de Livre Comércio e as
Zonas de Processamento de Exportação. Segundo as definições estabelecidas na
legislação, os três se constituem, em verdade, em áreas de livre comércio com o
exterior.
36. Tanto os regimes aduaneiros especiais como os aplicados em áreas
especiais são importantes instrumentos de regulação por indução, seja concedendo
benefícios tributários, seja estabelecendo procedimentos simplificados.
37. Os procedimentos simplificados aduaneiros (conhecidos em alguns países
por regimes aduaneiros especiais, o que contribui para eventuais confusões),
contudo, podem ser estabelecidos mesmo no regime comum de importação ou
exportação, e não têm qualquer relação com matéria tributária.
38. Também nos procedimentos aduaneiros simplificados está presente o caráter
regulatório e indutor da atuação estatal no comércio exterior, mas sem o viés
tributário.
39. As simplificações procedimentais aduaneiras podem ser gerais (aplicáveis à
maioria ou à totalidade dos regimes aduaneiros), objetivas (ligadas a determinadas
mercadorias ou situações vinculadas a um ou mais regimes aduaneiros), subjetivas
(relativas ao importador, exportador ou interveniente na operação de comércio
exterior) ou mistas (nas quais a razão de ser da simplificação não reside no
importador, exportador ou interveniente, mas também na situação ou no tipo de
mercadoria vinculada a um ou mais regimes).
40. Assim como as medidas aduaneiras com reflexo tributário instituídas pelos
regimes aduaneiros especiais e aplicados em áreas especiais, as simplificações
procedimentais estabelecem discriminações. Ao fazê-lo, devem ter sempre por norte
a ordem constitucional, buscando o atingimento dos objetivos ali estabelecidos em
favor da coletividade.
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