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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS
Programa de Pós-Graduação em Psicologia
ATO INFRACIONAL E RECONHECIMENTO: vicissitudes do adolescente no
contato com o outro.
Ângela Buciano do Rosário
Belo Horizonte
2008
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Ângela Buciano do Rosário
ATO INFRACIONAL E RECONHECIMENTO: vicissitudes do adolescente no
contato com o outro.
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Psicologia da Pontifícia Universidade
Católica de Minas Gerais, como requisito parcial
para a obtenção do título de Mestre em Psicologia.
Orientadora: Prof. Dra. Jacqueline de Oliveira
Moreira
Belo Horizonte
2008
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FICHA CATALOGRÁFICA
Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
Rosário, Ângela Buciano do
R789a Ato infracional e reconhecimento: vicissitudes do adolescente no contato com
o outro / Ângela Buciano do Rosário. Belo Horizonte, 2008.
90f.
Orientadora: Jacqueline de Oliveira Moreira.
Dissertação (Mestrado) - Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.
Programa de Pós-Graduação em Psicologia.
1. Adolescência. 2. Reconhecimento (Psicologia). 3. Violência. 4. Psicanálise.
5. Subjetividade. I. Moreira, Jacqueline de Oliveira. II. Pontifícia Universidade
Católica de Minas Gerais. Programa e Pós-Graduação em Psicologia. III. Título.
CDU: 362.85
2
Ângela Buciano do Rosário
Ato infracional e reconhecimento: vicissitudes do adolescente no contato com o
outro.
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia da
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.
Belo Horizonte, 2008.
______________________________
Jacqueline de Oliveira Moreira (Orientadora) – PUC Minas
______________________________
Eduardo Dias Gontijo (UFMG)
______________________________
Andréa Máris Campos Guerra (PUC Minas)
3
Aos meus filhos, Carol e Pedro e
meu marido Fuad.
4
AGRADECIMENTOS
À professora Jacqueline de Oliveira Moreira pela orientação competente e,
sobretudo, pela confiança em acolher este trabalho.
Ao professor Eduardo Dias Gontijo pela generosidade e incentivo ao meu trabalho
desde as primeiras construções.
Ao Fuad, meu amor e companheiro, sou grata pelo apoio e incentivo nesse
percurso.
À minha mãe Neide e minha irmã Daniela, sempre presentes apesar da distância.
À Maria Helena e Paschoal pelo carinho e torcida de sempre.
À Lurdinha, pelo amor e cuidado com o Pedro.
À Marília e ao Celso pela disponibilidade e atenção.
Ao Cristiano, Maurício e Suzana pelas discussões e apoio nos momentos não muito
fáceis dessa trajetória.
À Regina e ao Marcão pelo cuidado na revisão e diagramação do trabalho.
Aos adolescentes que, de maneira direta ou indireta, fizeram parte deste estudo. Por
mostrarem que, apesar das adversidades, continuam sua busca pelo
reconhecimento.
5
RESUMO
O presente estudo visa refletir acerca do modo de subjetivação do adolescente autor
de ato infracional. Para tanto, uma reflexão abstrata acerca do problema do
reconhecimento é discutida em um primeiro momento, a partir da parábola hegeliana
da dominação e servidão. A Psicanálise reitera a importância do outro no processo
de subjetivação a partir da relação especular e é o norteador teórico para a
compreensão da constituição subjetiva do adolescente. Esse sujeito, privado de
liberdade em uma instituição destinada ao cumprimento de medida socioeducativa
de internação é marcado por atravessamentos culturais que delineiam um modo de
subjetivação. Trata-se do segundo momento do nosso estudo, em que Foucault nos
fornecerá importantes considerações acerca da expectativa institucional envolvendo
o controle disciplinar. A partir de alguns discursos presentes na instituição, constata-
se a semelhança com os discursos produzidos socialmente: a instituição comporta a
imagem especular das relações sociais. As características presentes na atualidade
incidem no processo de subjetivação. Assim, mediações conceituais com autores
que pensam a questão da Pós-Modernidade e suas implicações no âmbito social é
um terceiro momento do estudo. Inserido em uma cultura que valoriza o consumo e
o objeto, o adolescente buscao reconhecimento a partir desses elementos. Será,
portanto, a partir do ato que o adolescente poderá garantir seu registro no social,
mesmo que para essa conquista seja necessário utilizar a violência.
Palavras-chave: adolescência; reconhecimento; violência; psicanálise; modos de
subjetivação.
6
ABSTRACT
This study has the objective of reflecting about the subjectivation`s way of the
adolescent who commits infracional act. In order to do that, an abstract reflection
about the problem of recognition is discussed, in a first moment, based on the
Hegel`s parable of domination and servitude. The Psychoanalysis reiterates the
importance of the other in the process of subjectivation based on the mirror`s
relation. The psychoanalisys theory is the guiding element for understanding the
adolescent subjective`s formation. This subject, who is deprived of freedom in an
institution that aplies social and educacional laws, is marked by cultural questions
which are responsible for building a way of subjectivation.This is the second moment
of this study, in wich Foucault give us important considerations about the institutional
expectative that includes the disciplinary control. Based on some speeches present
in the institution, we can affirm the similarities with the speeches produced socially:
the institution carries the image of the social relations.The characteristics present
nowadays influentiate the subjectivation`s process.The dialogue with authors who
deal with the issue of Post-Modernity and its implications in the social field is the third
time of the study. Inserted in a culture that values consumption and the object, the
adolescent will look for recognition based on these elements.It will be based on the
act that the adolescent will guarantee its record in social field, even if for that
achievement is necessary using violence.
Keywords: adolescence; recognition; violence; Psychoanalysis; subjectivity`s ways.
7
LISTA DE SIGLAS
ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente
CENPEC – Centro de Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária
FEBEM – Fundação Estadual do Bem Estar do Menor
FUNABEM – Fundação Nacional do Bem Estar do Menor
FUNDAÇÃO CASA – Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente
PCC – Primeiro Comando da Capital
PNBEM – Política Nacional do Bem Estar do Menor
SEE – Secretaria do Estado da Educação de São Paulo
UI – Unidade de Internação
UIP – Unidade de Internação Provisória
8
SUMÁRIO
CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES .........................................................................9
A escolha do objeto .................................................................................................9
Conhecendo o objeto: o sítio do estudo ................................................................10
O enigma que sustenta a transferência .................................................................12
O caminho: referenciais teóricos ...........................................................................14
O itinerário .............................................................................................................15
CAPÍTULO I - RECONHECIMENTO: CONDIÇÃO DE POSSIBILIDADE DE
CONSTITUIÇÃO DO SUJEITO.................................................................................17
1.1. Poder e reconhecimento: o problema da violência .........................................17
1.2. Constituição subjetiva: o viés da psicanálise..................................................23
1.3. Poder (ser) reconhecido: a constituição subjetiva do adolescente .................30
1.4. O adolescente em conflito com a lei: entre a lei do direito e a lei do desejo...37
CAPÍTULO II - SOBRE OS MODOS DE SUBJETIVAÇÃO.......................................46
2.1. Modos de subjetivação: um recorte da teoria da subjetividade ......................47
2.2. Objetivação da subjetividade: o controle disciplinar. ......................................51
2.3. Cabeça vazia, oficina do diabo: o sujeito reflexo............................................55
2.4. Circulação da palavra como possibilidade de ressignificação do ato: a
experiência do grupo temático...............................................................................59
CAPÍTULO III - A INSTITUIÇÃO E SEUS DISCURSOS: UMA DISTÂNCIA
INTRANSPONÍVEL? .................................................................................................62
3.1. Discurso institucional: a imagem especular da sociedade..............................63
3.2. Adolescência e transgressão: via possível para o reconhecimento................68
3.3. A lei como condição de possibilidade de conquista da autonomia .................71
CAPÍTULO IV - SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA: A SOBERANIA DO INDIVÍDUO
E O DECLÍNIO DA AUTORIDADE............................................................................74
4.1. Violência e reconhecimento: possibilidades do sujeito adolescente...............75
4.2. Sociedade contemporânea e o fenômeno adolescência ................................77
CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................82
REFERÊNCIAS.........................................................................................................85
9
CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES
A escolha do objeto
O delinqüente é – contra a natureza própria das
coisas, de retornar ao seu lugar (Aristóteles) –
aquele que desaloja: que desaloja as coisas, que se
desaloja de seu lugar, do lugar que lhe é atribuído
pela sociedade. (RASSIAL, 1999, p.55)
Delinquente, adolescente autor de ato infracional ou em conflito com a lei:
essas são algumas formas de designar um sujeito que, em um momento específico
de sua vida, infringiu, de modo violento, a lei. A busca da autonomia é a marca
desse momento em que o sujeito adolescente deixa de ser objeto de desejo dos
pais. Tal desligamento, não raro, pode causar um estado em que a violência pode
ser uma saída.
A condição de funcionária de uma instituição onde adolescentes autores de
ato infracional são levados para cumprir medida socioeducativa privativa de
liberdade
1
causou-me a seguinte indagação: como trabalhar com tamanha
alteridade? Uma distância abissal separava o profissional da instituição desses
sujeitos. A própria linguagem dos adolescentes denunciava essa separação. Uma
linguagem própria, um dialeto que marcava nitidamente aqueles que vinham de fora
e os que pertenciam à instituição. era capaz de alcançar o sentido dessa
linguagem um igual, o que ressaltava, de maneira incisiva, que os funcionários se
encontravam definitivamente fora desse contexto.
A posição institucional enfatizava essa distância com uma lei rígida, totêmica,
integrante de um regime disciplinar por meio do qual os internos deveriam executar,
sem questionamentos, tudo o que lhes era imposto.
A aproximação é o primeiro passo para conhecer aquilo que se pretende
trabalhar. Portanto, construir um saber acerca do adolescente autor de ato
1
Unidades de Internação (UI) e Internação Provisória (UIP) da Fundação Estadual do Bem- Estar do
Menor (Febem) do município de Guarujá – SP.
10
infracional requer pensar em sua constituição subjetiva a qual perpassa questões
culturais, sociais e institucionais.
É importante, nesse ponto, destacar a utilização da nomenclatura adolescente
autor de ato infracional que será utilizada ao longo do estudo. Entendemos que o
adolescente que comete uma infração é, antes de tudo, um sujeito. Na condição de
sujeito cabe-lhe responder pelo ato cometido, que pode ser infracional ou não.
Nesse sentido, se atribuirmos o designo adolescente infrator, estamos colando um
significante ao adolescente que de autor de um ato passa a ser o infrator, não lhe
restando outra possibilidade.
Vejamos, a seguir, o universo em que ocorreu esse estudo. Para tanto, é
imprescindível conhecermos, mesmo que brevemente, a instituição destinada ao
cumprimento da medida socioeducativa privativa de liberdade.
Conhecendo o objeto: o sítio do estudo
A Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor (Febem) de São Paulo foi
criada em 1973 e teve como origem a Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor
(Funabem) (1964), ligada ao Ministério da Justiça. O tratamento destinado aos
designados “menores” era pautado na Política Nacional do Bem-Estar do Menor
(PNBEM), baseada no código de menores de 1927. Esse código era destinado aos
menores de 18 anos de idade e em situação irregular.
A situação irregular dizia respeito aos delinqüentes, ou seja, aos jovens de 14
a 18 anos de idade que haviam cometido algum ato infracional. Também
compreendia os abandonados moral ou materialmente
2
. Essa categoria incluía
aqueles que se encontravam sem habitação certa e sem meios de subsistência
devido à indigência, enfermidade, ausência ou prisão dos pais e guardiões, ou
mesmo aqueles que tinham pais e guardiões considerados com condutas morais
contestáveis (FROTA, s/d).
2
Nessa ocasião, foi instituído jurídica e socialmente o termo “menor” para denominar as crianças e os
adolescentes pobres e desprotegidas moral e materialmente. O uso do termo permanece até os dias
atuais.
11
Na ocasião da elaboração da Constituição Federal de 1988, entidades da
sociedade civil e órgãos públicos envolvidos com o atendimento de crianças e
adolescentes organizaram uma grande campanha de mobilização nacional e
entregaram ao Congresso Nacional, em abril de 1988, a emenda popular “Criança
Prioridade Nacional”. O resultado desse movimento encontra-se no artigo 227 da
Constituição Nacional:
É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao
adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à
dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária,
além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão. (CONSTITUIÇÃO DA
REPUBLICA FEDERATIVA DO BRASIL, 1988).
A partir dos desdobramentos do artigo 227 da Constituição Federal,
juntamente com a participação de diversos segmentos da sociedade civil, a Lei nº
8.069, que instituiu o Estatuto da Criança e do Adolescente, foi promulgada em 13
de julho de 1990 (SAYÃO, s/d).
Fundada em março de 2000, com capacidade de acolher em regime de
internação 72 adolescentes, a Febem - Guarujá
3
destinava-se à aplicação de
medida socioeducativa privativa de liberdade a adolescentes do litoral paulista. Tal
medida era realizada nas Unidades de Internação e de Internação Provisória
4
daquela instituição.
Os adolescentes ali internados eram do sexo masculino, tinham idade entre
14 e 17 anos e, em sua maioria, um perfil que apontava baixo nível
socioeconômico, o que reitera a velha prática inquisitória do revogado Código de
Menores que, ao invés de garantir o adolescente autor de ato infracional, protegia a
sociedade desses sujeitos por intermédio da Doutrina da Proteção Irregular (ROSA,
2005). Mesmo com a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente, cuja
doutrina é da proteção integral a todas as crianças e adolescentes, ainda
3
Publicada no Diário Oficial do Estado de São Paulo, em 23 de dezembro de 2006, a lei que altera o
nome de Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor (Febem) para Centro de Atendimento
Socioeducativo ao Adolescente – Fundação CASA.
4
De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente, a internação constitui medida privativa da
liberdade, sujeita aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de
pessoa em desenvolvimento (art. 121). Com relação à internação provisória antes da sentença, ela
pode ser determinada pelo prazo máximo de 45 dias (art. 108).
12
encontramos na aplicação das medidas socioeducativas a mentalidade da defesa
social.
Assim, propomos um estudo acerca do modo de ser sujeito do adolescente
que cumpre medida socioeducativa privativa de liberdade na FebemGuarujá. Para
tanto, o material a ser analisado são os registros da pesquisadora, do período de
2001 a 2003, ocasião em que fazia parte do quadro efetivo de funcionários da
Fundação. Entre os registros encontram-se também fragmentos discursivos dos
adolescentes no cotidiano institucional e atividades coordenadas pela mesma.
O enigma que sustenta a transferência
Ao escolhermos como objeto de nosso estudo o modo de subjetivação do
adolescente que cumpre medida socioeducativa privativa de liberdade, podemos
pensar que estamos vislumbrando possibilidades de interpretação. Segundo
Laplanche & Pontalis (1988), a interpretação está no centro da doutrina e da técnica
freudianas. No entanto, conforme nos ensina Freud (1937/1996), tal como uma
associação, a interpretação aplica-se a algo que se faz a algum elemento isolado do
material. Desse modo, não podemos partir do conceito de interpretação antes de
considerar o contexto em que se apresenta.
Dunker (1996), ao abordar a ética da interpretação na Psicanálise, nos
fornece importantes contribuições. O contexto, segundo esse autor, pode ser
entendido como o “conjunto de possíveis de uma determinada situação” (DUNKER,
1996, p.64). O contexto é o que ainda não aconteceu, mas que cerca e torna
possível determinado acontecimento. Segundo esse autor, a transferência é o
contexto que torna possível e necessária a ética da Psicanálise.
Assim, em consonância com Beividas (1999), entendemos que toda pesquisa
ocorre sob transferência. Para esse autor, “todo saber sobre quaisquer fenômenos
da natureza, da vida ou do homem, se contamina de transferência, de igual modo.”
(BEIVIDAS, 1999). Assim, a transferência não ocorre somente na Psicanálise. No
entanto, com relação à Psicanálise, Beividas (1999) afirma que:
13
Depois da descoberta do inconsciente, a maior façanha de Freud foi
mesmo ter posto a transferência no epicentro da cura e também ter
desvelado a pregnância do próprio fenômeno da transferência nos
domínios do humano, nas relações entre os homens. (BEIVIDAS, 1999)
(grifos do autor).
Entendemos que, ao entrar em campo, o pesquisador modifica o universo
de pesquisa, já que somente sua presença é suficiente para alterar as relações e os
discursos produzidos. No entanto, não podemos deixar de mencionar as condições
de coleta do material em análise. Conforme vimos, a totalidade do material foi
apreendida a partir dos registros das atividades e do cotidiano institucional em que
a pesquisadora realizava seu trabalho. Nesse sentido, também a pesquisadora se
torna parte daquele contexto. A escolha do objeto, bem como o problema de
pesquisa, deu-se sob o fenômeno transferencial, que a transferência é condição
de pesquisa (BEIVIDAS, 1999).
Assim, temos na condição transferencial a possibilidade da interpretação. Em
outras palavras, a direção tomada pela pesquisa foi dada pela experiência que nos
afetou ou que nos deixamos afetar.
No entanto, segundo Laplanche & Pontalis (1988), para a elaboração mais
extensa e mais distante do material do que a interpretação, Freud propõe o termo
construção.
No texto Construções em Análise, de 1937, Freud enfatiza que a tarefa do
analista é completar aquilo que foi esquecido, construir. O analista transmite suas
construções, bem como as explicações que as acompanham. Esse trabalho de
construção, segundo Freud (1937/1996), assemelha-se ao de escavação do
arqueólogo. Nas palavras do autor:
Mas nossa comparação entre as duas formas de trabalho [analista e
arqueólogo] não podem ir além disso, pois a principal diferença entre elas
reside no fato de que, para o arqueólogo, a reconstrução é o objetivo final
de seus esforços, ao passo que, para o analista, a construção constitui
apenas um trabalho preliminar. (FREUD, 1937/1996, p. 278).
Assim, entendemos que esse estudo nos possibilitou a construção de um
saber acerca dos modos de ser sujeito do adolescente em confinamento. Diferente
do arqueólogo que, conforme nos lembra Freud (1937/1996), trabalha com um
material destruído, nós trabalhamos com algo que ainda está vivo, e a construção é,
portanto, o primeiro passo para uma intervenção.
14
O caminho: referenciais teóricos
Devido à complexidade do tema, um único referencial não abarcaria nosso
problema. Isso porque o estudo compreende o modo de ser sujeito do adolescente
autor de ato infracional que cumpre medida socioeducativa privativa de liberdade.
Assim, estabeleceremos mediações conceituais acerca dos diversos campos do
saber presentes nesse estudo.
Entre esses campos discutiremos com a Psicanálise, que nos possibilitará a
sustentação ao que se refere à questão do sujeito e de sua constituição. Para tanto,
conceitos como narcisismo, agressividade, conflito e lei nos auxiliarão na
compreensão da constituição subjetiva do adolescente autor de ato infracional. Isso
porque, à luz da Psicanálise veremos que o modo de relação do sujeito frente à lei e
à sexuação se dará a partir da passagem pelo Complexo de Édipo. Tal passagem é
um dos pilares do pensamento psicanalítico, que demonstra a importância da
relação com o outro como estruturante do sujeito humano.
Ainda com relação à constituição subjetiva, a parábola hegeliana da
dominação e servidão nos auxiliará na compreensão do fazer-se humano a partir da
relação especular, apontada também na Psicanálise. Poderemos vislumbrar o
drama da subjetivação a partir do reconhecimento (de si e do outro). A filosofia de
Hegel, nesse sentido, é de grande importância que reitera a problemática da
subjetivação.
O universo desse estudo é a instituição que acolhe o adolescente autor de
ato infracional. A Febem - Guarujá é, portanto, o sítio onde pretende-se que esse
sujeito responda por seus atos. Nesse sentido, para pensar a instituição e suas
relações, Foucault nos fornecerá importantes considerações acerca do adolescente
em situação de confinamento e a expectativa da instituição que utiliza o controle
disciplinar.
Finalmente, estabeleceremos mediações com autores que pensam a questão
da Pós-Modernidade e suas implicações no âmbito social. Discutir essa temática
parece-nos imperativa, pois o modo de ser sujeito do adolescente autor de ato
15
infracional sofre influência das peculiaridades presentes no modo de ser do homem
pós-moderno.
Entendemos que as interposições conceituais acima referidas sejam
imprescindíveis. Isso porque tais mediações nos possibilitarão um recorte acerca do
modo de subjetivação do adolescente em uma situação específica, a da privação de
liberdade. Isso porque o ser humano compreende vasta complexidade, e uma vez
que almejamos refletir, a partir de um campo circunscrito, o modo de subjetivação
desse sujeito, é necessária a interlocução com diversas áreas do conhecimento.
O itinerário
Essas considerações iniciais visam explicitar o contexto de nosso estudo e o
caminho que iremos trilhar para adentrar a problemática do adolescente autor de
ato infracional. Com esse intuito, estruturamos este estudo em quatro capítulos.
O primeiro capítulo discorrerá sobre a questão do reconhecimento como
condição de possibilidade do fazer-se humano. A reflexão abstrata da parábola
hegeliana da dominação e da servidão nos fornecerá elementos para a
compreensão do drama da subjetivação, marcado pelo conflito e o desejo de
reconhecimento, perpassando as questões do poder e da violência. Com o auxílio
da Psicanálise, abordaremos a constituição subjetiva do infans e do adolescente e
problematizaremos o designo adolescente em conflito com a lei, buscando uma
aproximação entre a lei do desejo e a lei do direito.
O segundo capítulo trata dos modos de subjetivação. Faremos, inicialmente,
um estudo das teorias da subjetividade, privilegiando os autores que abordam esse
problema sob o horizonte da teoria psicanalítica e que concebem a questão da
alteridade na constituição do sujeito. Tal discussão emoldurará a contribuição de
Foucault sobre o controle disciplinar na instituição em estudo e que contribui para a
formação de um determinado modo de subjetivação. Tomamos emprestado o
designo atribuído por Drawin (1998) como a figura do sujeito epistêmico reflexo para
nos referirmos ao modo predominante de subjetivação dos adolescentes em
cumprimento de medida privativa de liberdade. Ao final desse capítulo,
mencionaremos a experiência de um grupo temático realizado no interior da
16
instituição o qual buscava, dentro das possibilidades institucionais, considerar as
peculiaridades do sujeito adolescente e valorizar a circulação da palavra como
tentativa de significação do ato.
O terceiro capítulo, A instituição e seus discursos: uma distância
intransponível?, versará a respeito dos discursos presentes na instituição que, por
vezes, repetem um modelo social estigmatizante. Retomaremos a questão do
reconhecimento como condição da constituição subjetiva do adolescente para
ressaltarmos a importância da lei que norteie o adolescente para a conquista da
autonomia.
Optamos por não estabelecer uma conclusão sobre esse tema. Assim, no
último capítulo e nas considerações finais, abriremos uma breve discussão acerca
do fenômeno pós-moderno e sua incidência sobre o sujeito contemporâneo, mais
especificamente, o sujeito adolescente autor de ato infracional.
17
CAPÍTULO I
RECONHECIMENTO: CONDIÇÃO DE POSSIBILIDADE DE CONSTITUIÇÃO DO
SUJEITO
1.1. Poder e reconhecimento: o problema da violência
Para que possamos compreender o adolescente autor de ato infracional,
faremos um percurso no qual iniciaremos com o processo de constituição desse
sujeito baseados na teoria psicanalítica. Isso porque, nos escritos psicanalíticos,
afirma-se que o sujeito não se desenvolve, mas se constitui. Dessa forma, conceitos
como identificação, narcisismo, espelhamento e reconhecimento serão caros para
refletirmos tal processo.
No que tange especificamente à problemática do reconhecimento, não
ficaremos restritos à teoria psicanalítica. Pretendemos invocar a dialética do senhor
e do escravo presente na filosofia hegeliana como modelo paradigmático de
encontro entre o eu e o outro. Assim, a parábola hegeliana da dominação e da
servidão nos proporcionará a compreensão do drama do reconhecimento como
condição de possibilidade de surgimento do sujeito. Consideramos importante tal
referência, que a parábola introduz a problemática da alteridade na constituição
do humano e apresenta, nessa questão, a relação especular como essencial. Em
outras palavras, abordaremos, neste capítulo, o percurso do infans para tornar-se
sujeito para que, posteriormente, possamos compreender o sujeito adolescente na
condição de conflito com a lei. É importante esclarecer que ao falarmos de conflito
com a lei, falamos também em violência. Ao abordarmos a constituição subjetiva e o
conflito que ela implica, não podemos desconsiderar o fenômeno da violência.
Apesar de esse termo ser vastamente utilizado para inúmeros
acontecimentos, interessa-nos o emprego desejado da violência. Queremos dizer
que, em consonância com Costa (1984), consideramos a violência que é própria do
humano e designamos esse termo para o emprego desejado da agressividade com
fins destrutivos. Isso é o que diferencia a violência humana da violência animal.
Queremos, portanto, delimitar nosso entendimento acerca de um fenômeno cada
18
vez mais constante na atualidade. Consideramos tais características, pois os atos
infracionais cometidos pelos adolescentes em questão implicam o emprego da
violência.
A violência é, portanto, tema pertinente para nossa discussão e amplamente
debatido em diversas áreas do conhecimento. Temos como exemplo o etnólogo
Pierre Clastres (2004) que, ao descrever as sociedades primitivas ressalta seu
caráter belicoso e a paixão pela guerra. Para esse autor, a guerra é “puro
comportamento de agressão e agressividade.” (p. 239). E ela é necessária, já que se
trata da condição para que haja sociedade. Inspirado na dialética da parábola
hegeliana de dominação e servidão, o etnólogo afirma que para haver sociedade, é
necessário que haja conflito entre senhores e súditos:
[...] só há sociedade sob o signo de sua divisão em Senhores e Súditos. [...]
um grupo humano que não apresente o caráter da divisão não pode ser
considerado como uma sociedade (CLASTRES, 2004, p. 232).
A afirmação do autor nos aponta que para haver sociedade, é necessário
haver conflito, que ele faz parte da constituição humana. Por ser constitutivo do
humano, não é possível bani-lo das relações. Desta forma, eliminar o conflito entre
os homens está destinado ao fracasso. Isso porque “o conflito é parte inerradicável
da vida conjunta dos seres humanos.” (OUTHWAITE e BOTTOMORE, 1996, p. 123).
Conflito, portanto, é constitutivo do homem e, para que ele ocorra, são
necessários, no mínimo, dois seres humanos. A esse respeito, a filosofia de Hegel
pode nos fornecer importantes subsídios para pensarmos o conflito como
constitutivo do homem, e o desejo é a condição de possibilidade para que ocorra tal
constituição.
Sem a pretensão de esgotar o pensamento hegeliano, que se trata de uma
obra de extrema complexidade, faremos uma breve digressão ao famoso capítulo IV
de sua obra canônica, a Fenomenologia do Espírito.
A fenomenologia hegeliana, segundo Garcia-Roza (1991), é uma descrição
em que o objeto é o homem. Faz o percurso da historicidade do homem, cujo
caminho percorre três registros. No primeiro registro temos a consciência em-si.
Consciência aqui é entendida como consciência do mundo exterior. Trata-se de uma
forma sensível de conceber o mundo e os objetos. Como consciência-em-si ainda
19
não temos o homem, pois seu desejo é um desejo natural de satisfação de
necessidades, assim como o animal tem desejo de se alimentar.
No segundo registro temos a consciência para-si. Nesse registro, o homem é
consciente de si e do outro como um para-si. Se a partir da relação entre dois
para-si que irá se constituir o desejo como desejo humano.
E, finalmente, temos o homem em si e para si ou consciência-de-si. Nas
palavras de Hegel (1806/1992), “a consciência-de-si é em si e para si quando e
porque é em si e para si para uma outra; quer dizer, é como algo reconhecido
[...]. (HEGEL, 1806/1992, p. 126) (grifos nossos).
O filósofo, ao introduzir essa afirmação, esclarece que somente será
consciência-de-si, ou seja, somente será considerado humano quando houver
reconhecimento mútuo. Em outras palavras, haverá consciência de si, ou
realidade humana, se essa for uma realidade reconhecida por outra consciência de
si.
Assim, com a parábola da dialética do Senhor e do Escravo, Hegel pensa a
passagem da consciência natural para a consciência crítica, ou seja, a passagem da
natureza para a cultura, ao retratar a luta de morte entre duas consciências em
nome do reconhecimento.
O conhecimento, segundo a parábola, não é produzido por uma consciência
isolada, mas é fruto da experiência comum, ou seja, da cultura. Nessa perspectiva, o
filósofo introduz a problemática da alteridade na constituição do humano. Segundo
Hyppolite (1989), a Fenomenologia apresenta, em termos abstratos, o esquema da
alteridade em que a relação “em espelho” é essencial. Isso porque “[...] a
consciência de si existe como eu quando se numa outra consciência de si”
(HYPPOLITE, 1989, p. 65). Dessa forma, a parábola aborda a entrada na
intersubjetividade, na qual a essência da consciência é o desejo.
É pelo desejo que o homem se constitui e se revela a si e aos outros. O
desejo torna o homem inquieto e o leva à ação. Mas, para que essa ação seja
exclusiva do homem, é necessário que seu desejo se dirija para outro desejo,
criando, assim, um Eu diferente do Eu animal. A história humana é a história dos
desejos desejados (KOJÈVE, 2002).
Desejo é, portanto, um importante aspecto a ser explorado da filosofia
hegeliana e imprescindível para a compreensão do adolescente autor de ato
infracional, principalmente no que tange ao aspecto do reconhecimento.
20
Em Hegel temos que o desejo humano supera o desejo de conservação
característico do animal. O desejo do animal é um desejo sensível, como o de se
alimentar. Tal desejo faz com que o objeto desejado, a comida nesse exemplo, seja
transformado e suprimido. Nesse sentido, toda ação surgida do desejo é uma ação
negadora, já que transforma ou destrói o objeto a fim de satisfazer o desejo.
o desejo que caracteriza o humano e o diferencia dos animais não é
direcionado para um objeto natural, para uma coisa, mas para um objeto não
natural. Assim, para que se torne desejo humano, ele terá que ter, como objeto,
outro desejo. Dessa forma, somente quando duas consciências abandonam o
desejo natural, sensível, e voltam-se uma para a outra, desejando o desejo da outra,
é que podemos afirmar que ali surge o homem. Desejar o desejo do outro é desejar
que o valor que é ou que é representado seja o valor desejado por esse outro.
Implica o desejo de que o outro reconheça esse valor como seu valor, que
reconheça o outro como valor autônomo (KOJÈVE, 2002).
Dessa forma, podemos afirmar que o ser humano se constitui a partir de um
desejo de reconhecimento. Seem nome do desejo de reconhecimento que Hegel
relatará a luta de vida e morte entre duas consciências, objetivando esse desejo.
Assim, falar da origem da consciência de si é falar de uma luta de morte em busca
do desejo de reconhecimento. O ser humano poderá se constituir se ao menos
dois desses desejos se confrontarem. O encontro dos dois é uma luta de morte,
que os dois estão dispostos a arriscar a vida e colocar em perigo a vida do outro a
fim de ser reconhecido pelo outro
5
.
No entanto, a realização do ser humano será possível se os dois
permanecerem vivos após a luta, que a realidade humana se somente por
meio do reconhecimento do outro, ou seja, não é possível matar o adversário. Deve-
se poupar-lhe a vida e destruir-lhe a autonomia; deve-se subjugá-lo (KOJÈVE,
2002). De outra maneira não existiria realidade humana, que ela pode se
manter na existência como realidade reconhecida. Um deve ter medo do outro, deve
ceder, recusar a arriscar a vida. Ao abandonar seu desejo, irá satisfazer o desejo do
outro: reconhecê-lo sem ser reconhecido por ele. Dessa forma, reconhece-o como
senhor, será reconhecido e se reconhecerá como escravo.
Hegel revela:
5
Essa passagem do texto, segundo Araújo, J.N.G. e Carreteiro, T.C., sustenta a tese da
universalidade e permanência do conflito. Dicionário de Psicossociologia (2005, p.58).
21
O senhor se relaciona com estes dois momentos: com uma coisa como tal,
o objeto do desejo e com a consciência para a qual a coisidade é o
essencial. [..] O senhor também se relaciona mediatamente por meio do
escravo com a coisa... (HEGEL 1806/1992, p.130).
O escravo com seu trabalho e sua mediação transforma a coisa em objeto de
desejo para o senhor gozar. A consciência, ou seja, a mediação do outro é essencial
para que a coisidade ganhe o estatuto de objeto de desejo. Assim, “o desejo não o
conseguia por causa da independência da coisa, mas o senhor introduziu o escravo
entre ele e a coisa” (HEGEL 1806/1992, p.131); a mediação do outro, no caso, o
escravo, elevou a coisa à categoria de objeto de desejo. O senhor busca o
reconhecimento por meio do desejo, por isso ele visa ao objeto mediatizado pelo
outro; sem o outro não há reconhecimento e nem objeto de desejo.
Temos, no desejo de reconhecimento, a condição de possibilidade de
constituição do ser humano, de fazer-se humano. Em outros termos, somente
existimos como realidade humana pelo reconhecimento do outro. Esse é um
importante ponto a ser analisado, que a questão do reconhecimento perpassa
toda nossa discussão a respeito dos adolescentes autores de atos infracionais.
Vimos que a realidade humana somente é possível como realidade reconhecida. Tal
reconhecimento é conquistado mediante luta entre pares. Ora, se o reconhecimento
é condição de possibilidade para ser sujeito e se o adolescente não é reconhecido, e
aqui falamos de reconhecimento social, poderá esse sujeito, em função desse fato,
exercer ações violentas.
Retomando o pensamento hegeliano, existem duas consciências que
objetivam se tornar humanas ou, em outros termos, se tornar sujeitos. Vimos que o
reconhecimento é a condição para que isso ocorra. Para o estabelecimento desse
processo é preciso haver, no mínimo, duas consciências, já que uma deve ser
reconhecida pela outra. Portanto, reconhecer implica atravessar o olhar do outro. É
necessário alienar-se
6
. Nesses termos, a alienação é estrutural, que o sujeito é
assujeitado ao olhar do outro.
Estamos falando do primeiro momento de constituição de um desejo humano
ou, em outros termos, dos momentos iniciais da constituição do sujeito, o estado
especular. Falamos de uma relação dual, especular, em que o outro é imprescindível
6
Alienus: alheios. Sentido ontológico de alienação.
22
para que ocorra o reconhecimento. Trata-se de um primeiro momento, de um estado
de alienação ao olhar do outro, necessário para que seja possível se constituir, ser
uma realidade reconhecida por si mesmo e pelo outro. Em outras palavras, podemos
afirmar que para chegar a si mesmo é imprescindível ir ao outro (alheio). Temos,
portanto, na constituição do sujeito, a busca pelo reconhecimento.
Assim, o reconhecimento como condição de possibilidade de tornar-se sujeito
é um importante conceito para apreendermos a problemática do adolescente autor
de ato infracional. Isso porque entendemos que, quanto menor o reconhecimento,
maior a possibilidade de deflagração da violência. A relação com o outro implica
reconhecimento e, em nosso estudo, notamos sua importância entre os
semelhantes. Temos, na transgressão, um exemplo dessa relação. São raras as
ocasiões em que o adolescente comete um delito sozinho. Frequentemente, o ato
infracional é realizado por dois ou mais adolescentes. Incluímos, nesse exemplo, a
importância do grupo nas transgressões.
A esse respeito Freud (1912-13/1996) ressalta, em Totem e Tabu, a
importância das parcerias nas transgressões e desenvolve o surgimento da cultura a
partir do conflito e da aliança entre os filhos contra o pai tirano. O caráter coletivo,
segundo Freud (1912-13/1996), ameniza a culpa nas transgressões. Entendemos
também que ao cometer a infração em parcerias ou em grupos, o delito pode ser
diluído entre os partícipes, o que poderá dificultar a subjetivação do ato infracional.
Ainda em relação ao reconhecimento, é importante articular a questão do
poder, que está estreitamente vinculada a ele. Entendemos que não poder sem
que haja reconhecimento. Mas será que esse sujeito ao cometer um ato infracional
está ungido de poder?
Arendt (2004) refere que o “poder corresponde à capacidade humana não
somente de agir, mas de agir de comum acordo” (p. 123). Ele não é propriedade de
um indivíduo; pertence a um grupo e permanece enquanto esse grupo se conservar
unido. Portanto, temos na questão do poder a dimensão da alteridade, que o
poder somente existe quando é atribuído pelo outro.
O poder tem um fim em si mesmo. Diferente da violência, ele não necessita
de justificativa, mas de legitimidade, de reconhecimento (ARENDT, 2004). Podemos
dizer, de outro modo, que poder quando reconhecimento. Quanto maior o
poder, maior o reconhecimento.
23
O que acontece quando o sujeito não é ungido de poder? Em outros termos, o
que ocorre quando o sujeito não é reconhecido? Entendemos que o advento da
violência ocorre como tentativa desesperada de ser reconhecido. Falamos, portanto,
do adolescente que pratica um ato infracional e que, no percurso de sua história,
não foi legitimado, não foi reconhecido. Exatamente porque esses sujeitos não foram
investidos de poder é que necessitam da violência. Assim, entendemos que esse
adolescente, em sua constituição subjetiva, precisou se valer do artifício da violência
para se constituir como sujeito; de outra forma, seria sua morte subjetiva.
Não é por acaso que no cotidiano institucional são recorrentes, nas falas dos
adolescentes, a admiração e o respeito por aqueles que se destacam por proezas
que envolvem atos violentos. Interessante notar que quanto mais intensa a violência
envolvida no ato infracional, mais respeitabilidade é adquirida na instituição entre
seus pares. Nesse sentido, podemos inferir que essa respeitabilidade adquirida pela
via da violência marca, de maneira incisiva, a constituição subjetiva desse
adolescente.
Neste ponto é interessante refletirmos acerca da constituição da subjetividade
a partir de uma perspectiva psíquica à luz da teoria psicanalítica. Para tanto,
faremos um percurso no qual iniciaremos com o processo de constituição do sujeito,
com base nessa teoria. Conceitos como identificação, narcisismo, espelhamento e
castração serão caros para refletirmos o processo da constituição subjetiva, que
esses articuladores teóricos são entidades que caracterizam a posição frente à lei.
Falamos de constituição porque entendemos que o sujeito não se desenvolve,
mas se constitui. Tal posicionamento justifica-se pelo fato de que o processo de
maturação do organismo humano inclui um sujeito ou, nos termos de Cirino (2001),
“alguém que subjetiva, que sentido ao ocorrido, fazendo com que o mesmo fato
objetivo possa receber distintos sentidos.” (CIRINO, 2001, p. 106).
1.2. Constituição subjetiva: o viés da psicanálise
O trecho descrito da parábola hegeliana nos mostra que o reconhecimento é
condição de possibilidade de tornar-se sujeito. Para tanto, é imprescindível a
dimensão do outro. Após essa reflexão abstrata e com o auxílio de importantes
24
conceitos da Psicanálise, abordaremos a constituição subjetiva do infans. É
importante observarmos que a dimensão da alteridade também se faz presente
nesse percurso.
Como organismo, o recém-nascido é, como qualquer animal, um ser de
necessidades. No entanto, pelo fato de ter nascido em uma organização social, a
satisfação de suas necessidades implica o auxílio de um semelhante, via de regra, a
mãe. Tais circunstâncias fazem com que a experiência de satisfação humana não
seja considerada fato natural, ou seja, é diferente da experiência animal
(LAJONQUIÈRE, 1992). Falamos da necessidade que é própria do humano e que,
portanto, diferencia-o dos outros animais. Essa necessidade característica do
homem é, assim como na parábola hegeliana, o desejo. Podemos afirmar que é o
desejo o divisor de águas daquilo que podemos chamar constitutivo do humano.
O desejo está presente antes do nascimento. Mesmo antes de nascer, o
infans é habitado por expectativas, promessas, medos, fantasias daqueles que o
esperam e que, por sua vez, estão inseridos em determinada cultura. Esse ser
ocupa um lugar de desejo dos pais. Nesse sentido, antes de nascer, é objeto de
desejo daqueles que o aguardam e tem lugar marcado simbolicamente. Em outros
termos, o infans está assujeitado ao outro antes de se tornar sujeito.
Ao nascer, em estado de total desamparo, não existe para o bebê a
diferenciação Eu/não-Eu. Não há nada que possa pensar-se a si mesmo como
sendo UM (LAJONQUIÈRE, 1992). Não há diferença entre interno e externo e
tampouco existe o outro. Na origem da vida desse ser há somente indiferenciação.
Será somente a partir do outro que esse ser irá se constituir como UM. A
primeira e mais intensa relação do bebê com o mundo se por meio do outro, que
faz dele um objeto privilegiado de seus interesses (ALBERTI, 2004). Trata-se de um
processo de identificação que permitirá que esse ser se torne UM. É no contato
cotidiano que o bebê terá como objeto de catexia, bem como de identificação, a mãe
(ou seu substituto).
Nesse sentido, a condição de possibilidade para que esse ser se torne UM se
a partir do outro. Falamos, portanto, de alteridade. De acordo com Cabas (1982),
o problema da alteridade está vinculado ao problema da identificação. Segundo o
autor, podemos definir identificação como “uma operação pela qual um sujeito se
transforma à imagem e semelhança de um objeto. (CABAS, 1982, p. 181). Tal autor
nos lembra que, no percurso de sua obra, Freud distingue diversos tipos de
25
identificação. Interessa-nos, no momento, as identificações primárias ou narcísicas,
já que são a matriz das futuras identificações do sujeito e de sua constituição.
Conforme referimos acima, no princípio da vida do bebê existe somente a
dispersão corporal. Tal dispersão é oferecida pelo auto-erotismo, no qual a libido,
oriunda das pulsões parciais, é investida em partes do corpo. Assim, sua percepção
é de um corpo fragmentado e investido libidinalmente pela mãe, que oferecerá os
primeiros contornos para a integração desse corpo. Tais contornos compreendem a
primeira identificação do infans e o esboço daquilo que chamaremos de eu. O auto-
erotismo, portanto, designa uma fase anterior e preparatória do narcisismo
(GARCIA-ROZA, 1991). Segundo o autor,
caracteriza-se por um estado original da sexualidade infantil, anterior ao do
narcisismo, no qual a pulsão sexual, ligada a um órgão ou à excitação de
uma zona erógena, encontra satisfação sem recorrer a um objeto externo.
(GARCIA-ROZA, 1991, p. 99).
Será, portanto, com a passagem do auto-erotismo para o narcisismo primário
que se comportará a formação do eu
7
. Será pelo outro que ocorrerá a unificação do
corpo e irá se formar o eu. A esse respeito, recorreremos à teoria da fase do espelho
de Lacan (1998). A fase do espelho designa um momento da história do homem. Ele
tem início em torno de seis meses e término por volta de 18 meses. Esse período é
marcado pela representação, pela criança, de uma unidade corporal por
identificação à imagem do outro (GARCIA-ROZA, 1991).
Ao se deparar com sua imagem unificada refletida no espelho, em contraste
com sua percepção de corpo descoordenado, fragmentado, a criança se identifica
com essa imagem plena e crê ser completa. Interessante a análise de Bleichmar
(1984) a respeito dessa fase:
[...] a imagem do espelho consegue obstruir, fechar, tapar uma sensação de
incompleto que tinha sido dada por sua descoordenação muscular. Ele é
em sua representação este ser completo que aparece no espelho.
(BLEICHMAR, 1984, p.23).
Essa experiência, no entanto, não se limita à experiência concreta da imagem
da criança cuja imagem é refletida no espelho. Garcia-Roza (1991) nos lembra que o
7
Interessante a conclusão de Garcia-Roza (1991) sobre o narcisismo primário. Para o autor, ele “só é
primário como princípio de unificação do auto-erotismo, mas não no sentido de ser a primeira
modalidade da sexualidade.” (p.201).
26
estágio do espelho marca um tipo de relação da criança com o outro com o qual ela
constitui uma demarcação dos limites de seu corpo. Tal experiência, lembra o autor,
“pode-se dar tanto em face de um espelho quanto em face de outra pessoa.”
(GARCIA-ROZA, 1991, p. 213).
É, portanto, a partir da imagem unificada do outro que será possível a
apreensão, pela criança, de seu próprio corpo unificado. O mesmo ocorre com o
desejo. Será a partir do desejo do outro que a criança, em uma relação dual
especular, irá se alienar a esse desejo, que, por sua vez, irá fornecer os contornos
de seu eu.
Segundo Costa (1984), “o investimento no corpo resulta comumente do
investimento libidinal do desejo do outro. O sujeito ama nele aquilo que é amado
pelo objeto.” (COSTA, 1984, p.168). Isso porque todo e qualquer narcisismo é
dirigido para aquilo que no corpo ou no psiquismo é percebido como objeto de
desejo do outro. Em outras palavras, o desejo não é de nenhum objeto natural. O
desejo deseja o desejo do outro enquanto outro desejante (LAJONQUIÈRE,1992).
Isso significa que a criança deseja ser desejada pela mãe; portanto, identifica-se
com essa imagem.
É a partir do olhar do outro, portanto, que se inicia o processo de constituição
do eu. A e oferece contornos ao sujeito pelas palavras, por gestos, por cuidados
e modela o filho de seu desejo. Inicia-se, assim, a constituição do Ego-ideal. A mãe
é, dessa forma, a primeira identificação que possibilita o espelhamento e a
constituição do Ego-ideal.
A constituição do Ego-ideal, por sua vez, permite que ocorra a percepção do
corpo e determina os limites do mesmo. Será a partir do Ego-ideal que se dará a
possibilidade de o infans reconhecer o outro como um duplo de si
8
. Isso porque o
sujeito precisa de um semelhante que o reconheça como sendo UM. “O bebê ‘vê’
sua imagem porque o olhar da mãe sustentação ao acontecimento. A criança ‘se
vê’ através dos olhos da mãe.” (LAJONQUIÈRE, 1992, p.167).
8
A esse respeito, é interessante notar que, ao observar sociedades primitivas, o etnólogo Pierre
Clastres (2004) compreendeu que o menor evento que porventura pudesse ameaçar a afirmação de
sua diferença era suficiente para irromper a guerra nessas sociedades. Isso porque a identificação é
um movimento para a morte. O outro como espelho (grupos vizinhos) mostra a imagem de sua
unidade e totalidade. É diante desse espelho que é possível se afirmar como diferença, pois, ao se
identificar aos outros, seu ser e sua diferença são perdidos. Perde-se a individualidade. Nesse
sentido, a agressividade é uma característica própria do homem, e a guerra é necessária para fazer
frente à identificação e, consequentemente, à morte subjetiva.
27
A esse respeito, Cirino (2001) nos lembra o interesse de Lacan pelo teste de
Wallon
9
. Trata-se da descrição de um experimento que diferenciava o bebê (filhote
do homem) de seu parente animal mais próximo, o chimpanzé. A criança de seis
meses distinguia-se do animal por ficar fascinada com seu reflexo no espelho,
assumindo-o como sua própria imagem, enquanto o chimpan da mesma idade
mantinha-se indiferente. Isso porque a captação pelo sujeito da imagem especular
se plenamente quando tal imagem é investida libidinalmente pelo outro, que
“o sujeito se institui enquanto tal após viver a experiência da apreensão narcísica
desta imagem desejada pelo outro.” (COSTA, 1984, p.162). De outra maneira, essa
imagem se reduziria ao duplo de si e, consequentemente, à morte subjetiva.
É interessante notar que, segundo Cirino (2001), o estágio do espelho
interessa a Lacan principalmente como ilustração do caráter conflitivo de toda
relação dual. Retomemos Hegel e a importância do conflito entre senhores e súditos
para que haja o reconhecimento e, consequentemente, a condição de possibilidade
de tornar-se sujeito. Ou seja, a entrada na intersubjetividade só é possível por
intermédio da dialética conflito/reconhecimento que necessariamente implica a
presença do outro.
Temos, portanto, como resultante da primeira identificação, um eu especular
que corresponde ao narcisismo primário (GARCIA-ROZA, 1991). Trata-se do ego
ideal, dotado de todas as perfeições.
À medida que o bebê cresce e faz suas próprias experiências de vida,
incorpora a alteridade aos poucos, o que vai determinar sua própria constituição
(ALBERTI, 2004). Será a partir da entrada do outro, com o rompimento da relação
dual que tinha com a mãe e a entrada do pai em cena que surgirá a clivagem da
subjetividade, a constituição subjetiva.
É necessário, nesse momento, fazermos uma breve digressão para
trabalharmos um conceito fundamental da psicanálise que se articula com a
problemática do adolescente em conflito com a lei. Trata-se do Complexo de Édipo,
que, como pilar da teoria psicanalítica, fornece-nos subsídios para a compreensão
da constituição subjetiva do adolescente autor de ato infracional.
9
Experimento descrito por Henri Wallon e utilizado por Lacan para teorizar um momento estruturante
da constituição da realidade: “o estádio do espelho”. Em 1949, em comunicação feita ao XVI
Congresso Internacional de Psicanálise, em Zurique, é veiculado sob o título: O estádio do espelho
como formador da função do eu. (LACAN, 1998, p. 96-103).
28
Como problemática fundamental da teoria e da clínica psicanalítica, o
complexo de Édipo, segundo Moreira (2002), é um momento crucial da constituição
do sujeito e ponto decisivo do processo de produção da sexuação. Interessa-nos
essa problemática por ser fundamental na compreensão do adolescente em conflito
com a lei, que será a passagem pelo Complexo de Édipo que marcará o
posicionamento do sujeito diante da lei e determinará suas futuras escolhas de
objeto.
Conforme vimos acima, no início da vida, a criança não faz distinção entre ela
e mundo, tampouco da totalidade de seu corpo. Será a partir das primeiras
identificações que a criança terá, de maneira primitiva, os contornos do eu. No
entanto, não podemos dizer, ainda, que se trate de uma subjetividade no sentido de
individualidade. Isso porque a condição em que o infans se encontra é de total
alienação ao olhar do outro; em outras palavras, ao identificar-se com a mãe,
identifica-se com o objeto de seu desejo. A criança é o objeto de desejo da mãe.
Bleichmar (1984), ao descrever os três momentos do Édipo em Lacan, refere
que no primeiro tempo consideram-se dois personagens: a criança e a mãe. A
criança, naquele momento, deseja ser tudo para a mãe; deseja ser o objeto de seu
desejo, convertendo-se no objeto que a mãe deseja. É um estado de completude, de
perfeição narcísica. Estamos falando de narcisismo primário, modelo do Ego Ideal.
Dito de outra maneira, ela deseja ser o falo para a mãe. Importante esclarecer o
conceito de falo. Tanto para Freud como para Lacan, fálico implica valioso, em
contrapartida a castrado, que não é valioso. Nesse sentido, de acordo com análise
de Bleichmar (1984), falo é o que completa, é o narcisismo satisfeito, o Ego Ideal.
Em contrapartida, a castração implica a perda da identificação com o Ego Ideal.
Temos, portanto, no primeiro tempo do Édipo, o narcisismo primário,
caracterizado por uma relação à imagem do outro, considerada uma identificação e
que resulta em um eu especular. O modo de relação dual caracteriza esse momento
marcado pela alienação do infans ao desejo da mãe.
No segundo momento, temos um terceiro personagem nessa trama. É a
figura do pai, que surge para interferir na relação dual mãe-filho. Esse pai, bem
como o pai totêmico
10
, é um pai terrível, interditor. A entrada do pai ocasionará dupla
privação: a criança seprivada do objeto de seu desejo, enquanto a mãe é privada
10
Pai da horda primeva abordada por Freud (1912/13) em Totem e Tabu, cujo poder se baseia na
força.
29
de seu objeto fálico. É o que a psicanálise designa com o termo “castração”: a
introdução de um corte, uma ruptura, uma perda, uma privação. Nesse caso, trata-
se da separação entre mãe e filho. A castração faz com que a criança perca o falo,
no sentido da máxima valoração que o termo implica. Em outros termos, implica a
perda da identificação com o Ego Ideal. Mas não basta a interdição do pai para que
surja o sujeito. Esse pai deve ser reconhecido pela mãe, que deverá, também, estar
sujeita às suas leis.
Quando o pai deixa de ser a lei e passa a ser o representante dela, ocorre a
substituição da identificação da criança com o Ego Ideal para a identificação com o
Ideal de Ego (GARCIA-ROZA, 1991). Estamos agora no terceiro momento do Édipo.
Esse é um momento crucial para a constituição subjetiva, pois se a partir da
interiorização da lei que será possível à criança se constituir como sujeito. Segundo
Garcia-Roza (1991),
É o momento em que a criança, ao ser separada da mãe pelo interdito
paterno, toma consciência de si mesma como uma entidade distinta e como
sujeito e é introduzida na ordem da Cultura. (GARCIA-ROZA, 1991, p.223).
Portanto, com o reconhecimento da lei é que se torna possível a saída do
narcisismo primário e a passagem para o secundário. O narcisismo primário é
mortífero, pois reduz o outro ao duplo de si, enquanto o secundário implica o
reconhecimento de si mesmo e do outro.
E em que esses conceitos interessam à problemática do adolescente autor de
atos infracionais? Interessa-nos, pois, conforme vimos acima, a passagem pelo
Complexo de Édipo determina o modo de relação desse sujeito frente à lei e à
sexuação. A passagem nos demonstra a importância da relação com o outro como
estruturante do sujeito humano. Entendemos o Édipo como uma experiência de
reconhecimento da lei e, portanto, a garantia de ser sujeito.
Para tornar-se sujeito, é imprescindível a dimensão do outro e para que isso
ocorra, é necessário que esse outro o reconheça. Veremos, a seguir, a constituição
subjetiva do adolescente à luz da Psicanálise, para que, posteriormente, seja
possível pensarmos esse sujeito na condição de conflito com a lei.
30
1.3. Poder (ser) reconhecido: a constituição subjetiva do adolescente
Vimos que o bebê passa de um estado de total dependência e dirige-se à
busca de autonomia. De um estado mental indiscriminado, organiza-se
progressivamente a partir de um outro (mãe) que irá exercer papel fundamental para
sua constituição subjetiva: se a primeira fonte de identificação da criança. A
relação intersubjetiva que se estabelece contribui para a transição de um estado
narcísico para um estado de interação social.
Chegamos ao cerne de nosso problema: a constituição subjetiva do
adolescente. Sabemos que existem diversas concepções de adolescência. Portanto,
apresentaremos, inicialmente, nosso posicionamento teórico a respeito do tema.
Entendemos a adolescência para além de uma questão pedagógica. Trabalhamos
com uma perspectiva de adolescência que considera que as transformações
corporais advindas com a puberdade, juntamente com as significações sociais que
tais mudanças comportam incidem em um determinado modo de ser sujeito.
Podemos inferir que o adolescente, assim como qualquer sujeito, é marcado
por atravessamentos socioculturais. Tais atravessamentos corroboram para a
formação de um dado modo de subjetivação que marca esse sujeito.
É importante frisar que, apesar de considerarmos a contribuição da incidência
social para a constituição subjetiva do adolescente, divergimos das correntes que
consideram que a adolescência seja exclusivamente uma invenção social. Citamos,
como exemplo, Ozella (2002), que concebe a adolescência como período de
latência social, construído a partir da sociedade capitalista com o propósito de
manter certo distanciamento dos jovens do mercado de trabalho. Tal distanciamento
justificar-se-ia por questões relativas à necessidade de um preparo técnico e de
extensão do período escolar.
Por outro lado, encontramos em Outeirol (1994) o incômodo de Sócrates com
os adolescentes mais de dois mil e quinhentos anos. Seu incômodo nos fornece
subsídios para questionarmos tais posicionamentos teóricos que concebem a
adolescência como criação do homem. Segundo Sócrates citado por Outeirol:
Nossos jovens atuais parecem amar o luxo. Têm maus modos e desprezam
a autoridade. São desrespeitosos com os adultos e passam o tempo
vagando nas praças... São propensos a ofender seus pais, monopolizam a
31
conversa quando estão em companhia de outras pessoas mais velhas;
comem com voracidade e tiranizam seus mestres. (SÓCRATES séc. V a.C.
apud OUTEIROL, 1994)
11
.
Pensar a adolescência construída para determinados fins de uma sociedade
capitalista é desconsiderar o trabalho psíquico necessário para o sujeito se inserir no
mundo adulto. No entanto, esse sujeito está inserido em uma sociedade, em um
determinado momento histórico. Portanto, consideramos os contextos históricos e
sociais fatores que incidem sobre a adolescência e não simplesmente a determinam.
A vertente da psicologia que acredita ser a adolescência um momento
significado e interpretado pelo homem, ou seja, que suas características são
destacadas e significadas pela sociedade, afirma que os elementos biológicos e
fisiológicos não têm expressão direta na subjetividade, pois, segundo Ozella (2002),
recebem significados dos adultos e da sociedade. Ora, atribuir todo um conjunto de
significação de um momento da vida à sociedade é, de certa maneira, anular o
sujeito.
Entendemos que a subjetividade é marcada pelo contexto social, visto que o
sujeito está inserido em determinada cultura. Se o sujeito é desconsiderado no
processo de subjetivação, não estaríamos colocando-o em posição de
assujeitamento
12
?
Dessa forma, acreditamos que a adolescência não seja somente reflexo
social, espelho da sociedade. Acreditamos que a adolescência exista, influa e sofra
influência do meio. Ao concebermos a existência da adolescência e seus reflexos no
âmbito social, estamos balizados pela concepção psicanalítica de constituição
subjetiva. Assim, entendemos que a Psicanálise nos auxiliará na compreensão do
sujeito adolescente.
A criança, de algum modo, idealiza seus pais, mas, à medida que cresce,
percebe, aos poucos, suas falhas e inicia uma preparação para o processo de
separação. No entanto, para que esse processo ocorra, é necessário que a
incorporação dos pais da infância tenha obtido êxito. Segundo Alberti (2004), esse é
o parâmetro para o final da infância.
11
OUTEIRAL, José. Estudos sobre adolescência. Porto Alegre: Artes Médicas, 1994.
12
Silveira (1994), ao lembrar uma das teses de Althusser a respeito da ideologia, afirma que o
recrutamento (interpelação) é o modo de funcionamento da ideologia. Recrutar sujeitos (assujeitados)
entre indivíduos aponta o caráter compulsório da ideologia. Entendemos que atribuir significação para
o momento da vida dos adolescentes e desconsiderá-los do processo de subjetivação corresponde
ao assujeitamento desse adolescente a uma significação imposta pelo outro.
32
A incorporação é um importante conceito, já que se trata do protótipo corporal
do mecanismo de identificação
13
. Segundo Freud (1905/1996), a modalidade
incorporativa é a estrutura básica do primeiro ano de vida. Trata-se da incorporação
do objeto - modelo do que mais tarde irá desempenhar, sob a forma da identificação,
um papel psíquico tão importante.” (FREUD, 1905/ 1996, p.187) (grifos do autor).
A respeito da incorporação, Alberti (2004) nos lembra que quanto mais sólida
ela for, maior a herança dos pais “que servirá como recurso para o sujeito
adolescente agir conforme suas próprias decisões”. (ALBERTI, 2004, p.14).
Isso porque na adolescência o sujeito não é mais tão dependente dos pais de
sua infância. Segundo Alberti (2004), o adolescente torna-se questionador devido ao
afrouxamento dos modelos identificatórios. Isso quer dizer que, ao crescer, a criança
começa a enxergar a insuficiência dos pais, e a identificação cega com os
progenitores começa a vacilar. Isso é imperativo para a emancipação do sujeito.
Será em virtude dessa constatação que o adolescente terá a possibilidade de
separar-se dos pais da infância - aqueles que tudo podem e não cometem erros - e
encontrar seu próprio jeito de ser.
A separação entre o adolescente e seus pais da infância, no entanto, não se
de maneira abrupta. Ela se processa gradualmente. Bloss (1985), em seu estudo
sobre adolescência, irá nos auxiliar nessa reflexão ao identificar algumas fases pelas
quais perpassa o sujeito ao sair da infância, ou seja, a própria adolescência, para
esse autor, é dividida em etapas. É importante frisar que não existe uma
compartimentalização tão nítida e que essa divisão em fases é somente uma
abstração.
Antes de apresentarmos tais fases, é importante fazer uma distinção entre
adolescência e puberdade
14
. Esta última diz respeito a um fenômeno universal em
que ocorrem mudanças físicas. Trata-se do desenvolvimento das características
sexuais primárias (aumento do pênis, testículos ou do útero e vagina) concomitante
ao desenvolvimento das características sexuais secundárias (mudança de estatura e
peso, crescimento de pêlos, mudança de voz).
13
Como no início da vida a simbolização ainda é muito primitiva, a incorporação necessita de um
elemento concreto. Dessa forma, a criança incorpora o leite e o seio e sente ter a mãe dentro de si.
14
É importante destacar que Freud (1905/1996) quase não fala em adolescência, mas em
puberdade. Entendemos que como a adolescência pressupõe um fenômeno cultural que se modifica,
Freud utiliza o designo puberdade, que é constante. O fator invariável que Freud utiliza é o
ressurgimento da pulsão sexual, presente também na infância (com a predominância auto-erótica),
agora manifesta em um corpo adulto.
33
As transformações do corpo ocorridas na puberdade impõem ao sujeito a
construção de um novo esquema corporal. Essas modificações solicitam um
trabalho psíquico de significação dessa inusitada condição. Trata-se da
adolescência, que, diferente da puberdade, é fenômeno cultural e consiste no
processo no qual se adquire as características psicológicas e sociais da condição
adulta. A adolescência é marcada, principalmente, por mudanças externas advindas
da puberdade e ocasionam implicações internas. Serão essas implicações que
discutiremos ao descrevermos sucintamente as fases da adolescência proposta por
Bloss (1985).
No início dessas fases encontra-se o período de latência, pois se trata do pré-
requisito para o ingresso na adolescência. Em outros termos, será a consolidação do
período de latência e a organização pulsional que possibilitarão ao menino
15
o
acesso à adolescência.
O aumento quantitativo da libido levará ao reaparecimento da genitalidade
prévia ou fase edípica. Trata-se da fase pré-adolescente em que a defesa
homossexual contra a angústia da castração, revivida intensamente nesse período
devido ao retorno da fase edípica, constitui característica marcante. Podemos
exemplificar tal defesa homossexual com as formações de grupos compostos quase
exclusivamente por pessoas do mesmo sexo.
O aumento da libido meramente quantitativa passa para uma qualidade nova.
Essa reorganização libidinal caracterizará a adolescência inicial descrita por Bloss
(1985). Trata-se de uma decatexia dos objetos amorosos infantis (incestuosos) e a
busca de novos objetos. Dito de outra maneira, em consequência da luta contra a
barreira do incesto, o jovem afrouxa os laços familiares e inicia a busca por novo
objeto sexual.
Para Bloss (1985), tal reorganização da vida emocional ocorre na
adolescência inicial e na adolescência propriamente dita, em um processo
emocionalmente caótico. Conforme vimos, a libido volta-se para a genitalidade, e os
objetos libidinais passam do objeto edípico para os objetos não incestuosos.
Feliciotti (2005) refere que a adolescência consiste no processo de
reorganização do mundo pulsional (afeto, desejo, gozo, identificação), e tal processo
encerra somente quando o indivíduo entra na dialética social. Esse autor refere,
15
Apesar de, assim como no Édipo, a passagem pela adolescência do menino e da menina
ocorrerem de maneira distinta, interessa-nos a adolescência do menino.
34
ainda, que o adolescente possui duplo desafio: a substituição gradual do corpo
infantil, com o qual era identificado, para um corpo sexuado, e a aquisição da
sexualidade genital, que leva o adolescente a distanciar-se dos objetos edípicos.
A escolha objetal nesse período inicial da adolescência segue um modelo
narcisista. Isso porque a retirada da catexia dos pais resulta em desvio de energia
para o eu. Essa mudança leva a uma escolha objetal narcísica baseada no ideal de
ego. Falamos de amizades que exigem uma idealização. Isto é, com a formalização
do ideal de ego, o sujeito consegue, por intermédio da amizade, possuir os atributos
desejados e admirados no amigo.
Será na adolescência propriamente dita que o sujeito se voltará gradualmente
para o amor heterossexual. As relações objetais estáveis, não incestuosas,
contribuem para a formação de uma identidade sexual. Nessa fase, o conflito
edípico se aproxima de sua resolução. Em outras palavras, a adolescência
propriamente dita marca um avanço para a posição heterossexual. À medida que a
libido objetal volta-se para fora, para objetos não incestuosos do sexo oposto, o
narcisismo tende a diminuir. Chegamos ao final da adolescência, que, segundo
Bloss (1985), é considerada uma fase de consolidação.
De modo geral, querendo o adolescente ou não, a escolha fundamental da
adolescência é a separação. O adolescente sai da cena familiar e caminha para a
cena social. O corpo, nesse sentido, também é um objeto social, pois coloca o
sujeito nas relações por intermédio do olhar, do julgamento e do desejo do outro
(FELICIOTTI, 2005).
O sujeito atravessa um estado conflitivo, ou seja, realiza-se um verdadeiro
trabalho psíquico, e todo trabalho psíquico é composto de conflitos. No caso da
adolescência, esses conflitos envolvem a admissão e a elaboração de perdas
importantes, como o corpo infantil e as modalidades de relação com o outro
(MEZAN, 1998).
Além do trabalho interno, externamente também ocorrem modificações. As
solicitações sociais são outras e exigem desse sujeito posturas e condutas que, até
então, não faziam parte de seu mundo infantil. Os grupos de amigos tornam-se,
nesse momento, substitutos da família. Com a negação da identidade infantil e a
35
busca de nova identidade
16
que lhe possibilite a entrada no universo adulto, o grupo
é necessário para dar o amparo e a proteção encontrados anteriormente na família.
No entanto, nem sempre os valores do grupo correspondem aos do
adolescente, o que o torna refém na medida em que necessita desse grupo para se
afirmar como não criança. Tal acontecimento pode conceder ao adolescente o
incômodo lugar de vulnerabilidade, ou seja, prisioneiro às solicitações e às
reivindicações do grupo.
A esse respeito, encontramos a importância do grupo em Kehl (2000), que, ao
analisar um grupo de rappers da periferia de São Paulo, observa a busca de
reconhecimento e de inclusão desses jovens baseada na semelhança com o
público
17
também excluído. A autora enfatiza a importância do reconhecimento entre
os semelhantes para a legitimação no campo social. Segundo ela:
O reconhecimento paterno estrutura o sujeito, mas é o reconhecimento do
semelhante que lhe desenvolve, de um lugar fora do triângulo edípico, a
confirmação de quem ele é [...]. (KEHL, 2000, p.227).
Será com a entrada do semelhante, o irmão, que se tornará possível a
constatação da semelhança na diferença. Em nosso estudo, observamos a
importância do reconhecimento entre os semelhantes e temos, na transgressão, um
exemplo dessa importância.
Assim, a partir da concepção psicanalítica de adolescência, podemos
compreender a crise pela qual atravessa o sujeito: a passagem de uma condição de
possuidor de corpo infantil, preso inicialmente na problemática de ser o falo da mãe
para o estatuto de corpo sexuado; a elevação da libido concorrendo com a escolha
de um novo objeto sexual, não incestuoso, e o consequente afrouxamento da
identificação com os pais. Todos esses fatores são eventos críticos na constituição
subjetiva do adolescente.
Antes de findarmos esse subitem, achamos prudente problematizarmos a
questão do afrouxamento das identificações realizado na adolescência. Para tanto,
utilizaremos, como recurso, um fragmento discursivo de um adolescente em
privação de liberdade.
16
O termo identidade” é utilizado aqui para se referir a um determinado lugar ocupado ou ansiado
em ser ocupado pelo sujeito adolescente.
17
Conforme observa a autora, os rappers, diferentemente de outros artistas pops que sustentam
identificações verticais, utilizam o designo mano para indicar igualdade, sentimento de fratria.
36
“Meu padrasto fazia parte do PCC
18
. Era um bandido de proceder. Já
matou muito maluco. Até na hora da morte ele foi homem. Morreu
com honra, porque em nenhum momento pediu por sua vida”.
Notamos, nesse trecho, que a identificação com o padrasto é marcada não
pela admiração por seus atos ilícitos como também pela autoridade e
respeitabilidade que representa. Ora, se na adolescência, como nos lembra Alberti
(2004), a identificação com os pais começa a vacilar, como podemos entender o
discurso desse sujeito? Podemos inferir que tal identificação lhe confere lugar de
destaque entre seus pares. De fato, o autor dessa fala possuía uma liderança no
ambiente institucional. Ao salientar as transgressões do padrasto, permanece em
oposição às normas sociais e, com isso, afirma sua diferença e incrementa o
reconhecimento de seus pares. Nessa perspectiva, concordamos com Kehl (2000)
ao afirmar que:
A alternativa simbólica moderna, imanente a Deus, seria ‘a sociedade’
esta outra entidade abstrata, abrangente, que deveria simbolizar o interesse
comum entre os homens, a instância que ‘quer’ que você seja uma pessoa
de bem e em troca lhe oferece amparo, oportunidades e até algumas
alternativas de prazer. (KEHL, 2000, p.224).
Ao enfatizar que o padrasto era um bandido de proceder, esse adolescente
coloca-se em oposição aos anseios sociais de “homem de bem”. A identificação com
o padrasto fala de um ideal de ego, comum entre adolescentes em confinamento em
instituições com formatação carcerária. De certo modo, o padrasto encontra-se em
posição de paridade com esse sujeito. Trata-se de uma relação de irmãos contra o
pai tirano, representado pela sociedade que não lhes oferece oportunidades
19
.
Após abordarmos a constituição subjetiva do adolescente e a situação de
conflito que a implica, problematizaremos a questão do adolescente autor de ato
infracional, colocando em pauta o designo “conflito com a lei”, o qual será abordado
em sua dimensão jurídica e psicanalítica.
18
Facção criminosa de São Paulo cuja sigla significa Primeiro Comando da Capital.
19
Discutiremos, no Capítulo III, sobre a posição opositora entre adolescentes e sociedade,
demonstrada nos discursos dos adolescentes que cumprem medida socioeducativa privativa de
liberdade.
37
1.4. O adolescente em conflito com a lei: entre a lei do direito e a lei do desejo
Iniciaremos este subitem problematizando a nomenclatura comumente
utilizada para fazer referência a adolescentes autores de ato infracional. Trata-se do
designo adolescente em conflito com a lei. Ora, a adolescência não seria por si
conflitiva com as instâncias de autoridade e de lei?
Entendemos essa terminologia em dois aspectos que se entrecruzam. O
primeiro diz respeito à perspectiva psicanalítica trabalhada anteriormente, ou seja,
temos a constituição subjetiva do adolescente, cuja principal característica é o
aspecto conflitivo.
Conforme vimos, na adolescência ocorre um afrouxamento dos modelos
identificatórios. As transformações do corpo e a reativação edípica que surge com
tais mudanças impõem ao sujeito nova posição subjetiva. Aquilo que outrora
pertencia ao mundo infantil deve ser negado: o corpo infantil, a identificação com os
progenitores. Tal negação pode se manifestar por intermédio das recorrentes
contestações, comuns nessa fase, principalmente endereçadas à geração
pregressa.
Não raro é a ocorrência de manifestação de hábitos característicos do
universo adulto, tais como o uso de álcool, de drogas, o tabagismo, além das
experiências sexuais. Podemos compreender tais eventos uma vez que, via de
regra, fazem parte do universo adulto, como a negação do mundo infantil e o anseio
em ingressar no mundo adulto.
Rassial (1999) afirma que a especificidade do adolescente é não ser nem
uma coisa, nem outra, quer dizer, esse sujeito não é completamente criança e nem
completamente adulto. Esse duplo aspecto da adolescência determina, segundo o
autor, a organização da denominada crise formal da adolescência, caracterizada
como:
[...] um limite entre dois estatutos, um regendo a criança que brinca e
aprende, outro o adulto que trabalha e participa da reprodução da espécie;
um período de indecisão subjetiva e de incerteza social, durante o qual a
família e as instituições exigem, segundo as circunstâncias, que o sujeito se
reconheça como criança ou como adulto. (RASSIAL, 1999, p.58).
38
Trata-se, portanto, de uma fase incerta em que não se é mais criança e ainda
não se é adulto. É um período conflituoso que o sujeito deixa a infância segura
para adentrar por caminhos e descobertas permeadas de transformações. Portanto,
no sentido psicanalítico, o termo conflito com a lei fala de uma crise subjetiva
marcada pelo desejo do adolescente de deixar de ser objeto de desejo de seus
genitores e ingressar no mundo adulto, mesmo que pela via da transgressão.
É importante, dessa forma, dar voz ao adolescente considerando-o sujeito.
Considerá-lo sujeito implica abdicar de uma posição de saber sobre o adolescente,
ou seja, escutá-lo e considerar sua fala. Isso porque ao não ser escutado, o
adolescente poderá agir, e é precisamente essa ação que poderá ser o que
denominamos conflitiva com a lei. Eis a segunda perspectiva do termo conflito com a
lei, o viés jurídico.
O designo conflito com a lei, no âmbito do Direito, discorre sobre o ato
infracional cometido por adolescentes. Nesse ponto, cabe explicitar as diferentes
concepções acerca da infância e da juventude a partir das legislações direcionadas
a essa população
20
.
Após a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em
1990, crianças e adolescentes passaram a ser considerados sujeitos de direitos,
diferente dos revogados Códigos de Menores, de 1927 e 1979, que partiam da
concepção da Doutrina da Situação Irregular.
Nos Códigos de Menores, carentes e abandonados eram considerados em
situação irregular
21
e tinham proteção assegurada por meio da separação da família
e a internação em instituição pública ou conveniada. Na perspectiva dessa doutrina,
os inadaptados e infratores também eram considerados em situação irregular e
submetidos à vigilância. As mesmas medidas judiciais eram adotadas nos casos
sociais e nos de natureza jurídica. Assim, crianças e adolescentes pobres,
abandonados ou infratores eram objetos de vigilância da autoridade pública.
Nesse ponto é interessante notar os preceitos da instituição em pesquisa que
acolhia essa população. A Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor (Febem),
regida pela Política Nacional de Bem-Estar do Menor (PNBEM), trazia, por meio da
20
Tratam-se da Doutrina da Situação Irregular, dos revogados Códigos de Menores de 1927 e 1979 e
da atual Doutrina da Proteção Integral, do Estatuto da Criança e do Adolescente, promulgado em
1990.
21
Entendia-se por situação irregular crianças e adolescentes pobres, carentes, autores de atos
infracionais, sem qualquer distinção entre esses sujeitos. Nessa doutrina, aqueles que se encontram
nessa posição “irregular” estão sujeitos à total intervenção do âmbito público.
39
Lei 8.777 de 13 de outubro de 1976, no artigo 5, do Capítulo I de seu estatuto, o
seguinte objetivo: “[...] prevenir sua marginalização e corrigir as causas do
desajustamento.” (GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO, 1976).
Com o procedimento de correção, procurava-se reconstituir o sujeito
obediente, sujeito a hábitos, regras, ordens. Buscava-se formar um sujeito de
obediência, um sujeito submisso (FOUCAULT, 1987). Parece-nos que, em sua
concepção, a Febem tinha como preceito a correção dos sujeitos a fim de prevenir a
marginalização.
Com a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA, em
1990, introduz-se a concepção de sujeito de direitos na perspectiva da Doutrina de
Proteção Integral. Nesse sentido, o ECA busca promover e defender todos os
direitos das crianças e dos adolescentes ao considerá-los pessoas em
desenvolvimento
22
. Com isso, busca-se também superar o caráter discriminatório da
terminologia menoridade
23
.
O Estatuto divide-se em dois livros. O Livro I apresenta os direitos
fundamentais
24
da criança e do adolescente e o dever da prevenção contra a
ocorrência de ameaça ou violação desses direitos. o Livro II trata das políticas de
atendimento, a fim de viabilizar o que está contido no Livro I. Diz também das
medidas de proteção e da prática do ato infracional.
Sêda (1999) lembra que o Estatuto é uma lei que trata dos direitos sociais e
humanos de crianças e adolescentes, os quais estavam excluídos até a Constituição
de 1988. Importante frisar a afirmação do autor de que a Constituição brasileira é um
conjunto de normas alterativas, ou seja, que alteram percepções, velhos princípios,
ultrapassadas doutrinas.
Com relação a essa afirmação, entendemos que a necessidade de mudança
fazia-se imperiosa. No entanto, consideramos, no mínimo, ingênuo crer que a
promulgação de uma legislação por si tenha o poder de alterar percepções,
princípios e doutrinas, conforme a afirmação do autor.
22
BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei n. 8069 de 13 de julho de1990. Título I, que
trata das disposições preliminares, artigo 6º.
23
Criado jurídica e socialmente, o termo “menor” foi instituído na ocasião do Código de Menores de
1927 para designar crianças e adolescentes pobres e desprotegidos moral e materialmente (SAYÃO,
s/d).
24
São direitos fundamentais: o direito à vida, à saúde, à liberdade, ao respeito, à dignidade, à
convivência familiar e comunitária, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, à profissionalização e
à proteção no trabalho. BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei n. 8069 de 13 de julho
de 1990. Título I, que trata das disposições preliminares, artigo 4º.
40
Sêda (1999) acrescenta que, na perspectiva da Doutrina da Situação Irregular
acima referida, crianças e adolescentes eram punidos sob o eufemismo de que
estavam sendo protegidos. Após a promulgação do Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA), o Direito Infracional ganhou autonomia (ROSA, 2005)
25
. Isso
quer dizer que o Direito Infracional não poderia mais ser considerado apêndice do
Direito Penal, de Família ou abordado em conjunto com as demais disposições do
ECA, evitando, assim, o risco da manutenção da Doutrina da Situação Irregular.
Assim, com a Constituição de 1988, crianças e adolescentes são incluídos
nos atributos contidos no Direito Penal. Isso quer dizer que os menores de 18 anos
não são mais punidos pelo que são (Doutrina da Situação Irregular), mas somente
por condutas que a sociedade reprova. Tais condutas estão descritas em lei, tanto
no Código Penal quanto na legislação penal extravagante. Dessa forma, para o
Estatuto, somente é aceita punição para atos definidos no Código Penal, sendo o
Código de Processo Penal somente usado quando as normas gerais do Estatuto
forem insuficientes (SÊDA, 2000).
Nesse sentido, quando é atribuída a um adolescente uma conduta definida
como crime ou contravenção penal
26
, ele pode gozar da presunção da inocência,
assim como o adulto tem direito à defesa por advogado e é submetido a julgamento
para responder a essa conduta. Ele podeser sentenciado, sendo-lhe aplicada ou
não medida socioeducativa
27
.
Nesse ponto, cabe frisar o posicionamento de Rosa (2005) ao referir que a
aproximação ao Direito Penal tem pouca coisa de garantista
28
, que a Doutrina da
Situação Irregular, superada democraticamente, persiste no imaginário dos atores
processuais. Para esse autor, o Direito Penal não é salutar nem para os imputáveis,
25
É importante ressaltar que a Convenção Internacional da Criança, aprovada em 1989, foi de grande
importância para a elaboração do ECA e também responsável pela autonomia do Direito Infracional.
26
“Considera-se ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção penal”. BRASIL.
Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei n. 8069 de 13 de julho de 1990. Título III, que trata da
prática de ato infracional, artigo 103.
27
Diferentemente do adulto que, em caso de acometimento de crime ou contravenção lhe é atribuído,
após julgamento, uma pena (referente ao Código Penal).
28
Histórica e culturalmente, o Garantismo surgiu como teoria e prática jurídica direcionadas à defesa
dos direitos de liberdade. Vincula-se ao conceito de Estado de Direito, modelo jurídico destinado a
limitar e evitar a arbitrariedade do poder estatal. Por ser o poder do Estado o que mais restringe ou
ameaça a liberdade pessoal, o Garantismo se desenvolveu como Garantismo penal. Inicialmente, a
palavra Garantismo, no contexto do trabalho de Ferrajoli, seria um “modelo normativo de direito". Tal
modelo normativo se estrutura a partir do princípio da legalidade, que, afirma o autor, é a base do
Estado de Direito. Direito e Razão de Luigi Ferrajoli. Dicionário de Direitos Humanos. Disponível
em:
http://www.esmpu.gov.br/dicionario/tiki-index.php?page=Garantismo
41
que os processos de criminalização possuem características de seleção e
etiquetamento.
Portanto, com a Carta de 1988, é conferida ao adolescente a possibilidade de
ser responsabilizado pela prática de atos infracionais. É importante ressaltar que o
ECA remete ao Código Penal e à legislação penal para definir os atos considerados
infracionais, enquanto as garantias processuais não decorrem do Direito Penal, mas
da normativa aplicável aos atos infracionais (ROSA, 2005). Ou seja, as garantias
processuais estão previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente
29
. Dessa
maneira, em consonância com o autor, entendemos que não há um modelo único de
atuação.
Encontramos aqui um questionamento pertinente, mas que foge aos
propósitos deste trabalho. Sem a pretensão de adentrarmos profundamente nesse
tema, consideramos interessante apreciarmos as ponderações de Rosa (2005). Em
sua obra, o autor ressalta a importância da revisão do Direito Infracional ao afirmar
que, como não é possível pensar o registro da guarda, tutela, adoção, com a mesma
base do ato infracional, o estatuto teórico do Direito Infracional precisaria ser revisto.
Isso porque a abordagem de adolescentes envolvidos em atos infracionais não pode
ter importância tangencial. O autor aponta a necessidade de dialogar com diversas
áreas do saber e considera a situação peculiar do adolescente “num diálogo
intermitente com o outro e o Outro” (2005, p.18).
Em outros termos, concordamos com o autor quando diz que o adolescente
deve ser considerado e tratado como sujeito. Entendemos que considerar o
adolescente sujeito é transcender a perspectiva tutelar. Porém, apesar das
mudanças legislativas, com um olhar atento é possível vislumbrar que, na prática, os
preceitos da Doutrina da Situação Irregular (tutela) permanecem sob o designo da
Doutrina da Proteção Integral.
Rosa (2005) defende um Processo Infracional constituído de maneira
autônoma. Ao viabilizar o manejo do poder estatal com repercussões nos direitos
fundamentais do adolescente, não se torna possível a configuração de um direito
penal. Isso quer dizer que um direito infracional demanda a construção de um
sistema próprio, sem aproximações e adequado à realidade brasileira. “Um sistema
29
BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei n. 8069 de 13 de julho de1990. Título III,
que trata das garantias processuais. Capítulo III, Livro II.
42
que seja garantista e afaste a pretensão de ‘normatização’ dos adolescentes.”
(ROSA, 2005, p. 25).
Após essa breve digressão a respeito da trajetória da legislação da infância e
da juventude no Brasil, retomemos a questão do adolescente em conflito com a lei.
Entendemos que as duas perspectivas apresentadas sobre o designo conflito com a
lei sejam indissolúveis. A esse respeito, recorremos a Mougin-Lemerle (2004) que,
ao estudar as relações e as articulações entre o jurídico e o psíquico afirma que:
A criança humana não é um produto da carne de seus progenitores, nem
mesmo de seu desejo de filhos, ou de proezas biotecnológicas
desenvolvidas nos procedimentos medicais de procriação assistida. Ele é
instituído como tal criança, filho de... ou filha de... pelo Direito.
(MOUGIN-LEMERLE, 2004, p.2).
Isso porque carregamos conosco, desde o nascimento, a marca da sociedade
em que nascemos e que iremos viver sob a forma da instituição familiar organizada
por regras jurídicas. Nesse sentido, o pai é, antes de tudo, o representante de uma
função. Tanto no âmbito do Direito quanto no da Psicanálise, é o fracasso da função
paterna, do ofício do pai, que impede o sujeito de se constituir como tal (MOUGIN-
LEMERLE, 2004). Isso porque o ser humano, como vimos, não se autofunda, não se
humaniza por si só.
A autora afirma que podemos construir nossa identidade subjetiva ao sermos
constituídos como sujeitos de direito, desde que se tenha havido uma pessoa ou
instância que garantisse a função paterna e a elaboração do conceito de castração.
Dessa forma, segundo a autora, “o Direito e a Psicanálise se reúnem como
intérpretes do limite – a proibição – que nos permite viver e transmitir a vida.”
(MOUGIN-LEMERLE, 2004, p.6).
É interessante ressaltar que, embora a afirmação de que se deva ter a
garantia de função paterna, é importante não incorrermos ao erro de crer que o juiz
possa assumir a posição de pai. Lembremos que ao considerarmos o adolescente
sujeito, entendemos que ele pode responder por seus atos. Nesse sentido, em
consonância com Rosa (2005), acreditamos que:
[...] o juiz não pode se confundir com a posição de pai, ainda que atue como
substituto da Lei do Pai, não tendo condições, eticamente, de impor uma
modificação subjetiva. Se assim o fizer, ocupa a posição do canalha.
(ROSA, 2005, p. 16) (grifos do autor).
43
Isso porque, conforme vimos
30
, ao deixar de ser a lei, o pai passa a ser o
representante dessa lei à qual o sujeito, bem como o pai, estará submetido. Se o juiz
torna-se a lei, ao invés de representá-la, estará indo na contramão da autonomia do
sujeito. Conceber o adolescente sujeito implica respeitá-lo como tal. Lembremos que
uma das tarefas da adolescência é sair da posição de objeto de desejo dos pais e
buscar autonomia, nem que, para isso, seja necessário um enfrentamento mais
contundente, como o ato infracional.
Dito de outra maneira, a articulação entre sujeito de direito e sujeito do desejo
requer escuta atenta dos sintomas do sujeito, já que eles são submetidos não
somente a sua própria história como também a uma cultura com suas instituições,
leis, interdições. Se considerarmos que o ato infracional possa ser a manifestação
de um sintoma, é imprescindível escutar esse sujeito. Portanto, conceber o
adolescente sujeito implica dar-lhe voz e escutá-lo.
Uma vez ocorrido o ato, vejamos como fazer a interseção entre as duas
concepções de sujeito abordadas nesse subitem.
Conforme vimos, a legislação que ampara a criança e o adolescente (ECA)
concebe esses sujeitos como pessoas em condição peculiar de desenvolvimento.
Após a instituição do Estatuto, o adolescente que comete crime ou contravenção
penal, assim como o adulto, recebe punição pública. O que o diferencia, no entanto,
é sua condição de pessoa em desenvolvimento a qual requer que tal punição seja
articulada com proposta pedagógica, educativa. Por isso são aplicadas aos
adolescentes medidas socioeducativas.
De acordo com as circunstâncias e a gravidade da infração, podem ser
atribuídas diferentes medidas: advertência, obrigação de reparar o dano, prestação
de serviços à comunidade, liberdade assistida, inserção em regime de semiliberdade
e, finalmente, internação em estabelecimento educacional.
Observamos, no entanto, que, apesar de serem seis as medidas
socioeducativas, são aplicadas com mais freqüência aquelas consideradas mais
severas, como as restritivas de liberdade. Considerar crianças e adolescentes
pessoas em desenvolvimento implica considerar que as medidas socioeducativas
devem ser aplicadas de acordo com a seguinte observação: por meio de qual delas
o adolescente terá melhores condições de desenvolvimento? Esse é o caráter
30
Capítulo I, Item 1.2. Constituição subjetiva: o viés da Psicanálise.
44
educacional das medidas. Não se trata, portanto, da reforma subjetiva do
adolescente, perspectiva pedagógica apontada por Rosa (2005), a qual afirma que
enquanto mantiverem-se tais perspectivas, nada mudará. Isso porque qualquer
pretensão de reeducar ou de corrigir o adolescente que comete ato infracional é a
contramão da autonomia do sujeito.
Assim, concordamos com o autor quando diz que a atuação na área da
infância e da juventude (no que diz respeito ao ato infracional) deve respeitar a
singularidade do sujeito e de forma alguma impor um modelo de conduta social de
normalização. Ao falarmos de sujeito do desejo, não podemos conceber o
“adestramento” e a padronização de comportamentos que visam à “reeducação” do
adolescente
31
. E é o que ele experimenta ao receber a medida socioeducativa de
privação de liberdade, quando ingressa na instituição.
Altoé (2004) refere que o modo de conceber o adolescente nesses
estabelecimentos:
[...] é pelo viés do estigma, da intolerância, ao invés de se buscar as
brechas na sua história como sujeito, no que ela tem de singular, para
construir algo de diferente daí para a frente. (ALTOÉ, 2004, p.56).
O que presenciamos é um modelo disciplinar em que a organização da rotina
engloba desde a distribuição dos adolescentes no espaço institucional às condutas
de comportamentos estabelecidos. Para tanto, logo que ingressam na instituição, os
adolescentes são orientados quanto à postura que deverão manter (mãos para trás)
e os novos hábitos que deverão adquirir (pedir licença ao passar por algum
funcionário, andar nos espaços internos somente com a presença do funcionário).
Se for um grupo de adolescentes, o deslocamento deverá ser em formação
(enfileirados por ordem de tamanho).
Os adolescentes disciplinados cumprem seu papel diante da instituição. Ao
mesmo tempo em que se distanciam de seus disciplinadores, aproximam-se de seus
pares. Com esses sujeitos adestrados (FOUCAULT, 1979), reprodutores de
condutas institucionais prescritas, a lacuna que separa o profissional do adolescente
tende a se expandir, e qualquer pretensão de escuta do sujeito torna-se nula.
Entendemos que o funcionário que lida diretamente com esses adolescentes
é, antes de tudo, um educador. Nesse sentido, concordamos com Altoé ao afirmar
31
O assunto relativo à reeducação do adolescente em cumprimento de medida socioeducativa
privativa de liberdade será discutido no capítulo posterior.
45
que o importante é que “o processo de educação deixe um lugar para o desejo e
permita a abertura de possibilidades de invenção permanente” (2004, p.57). Em
outras palavras, é necessário considerar o adolescente sujeito. Conceber o
adolescente como sujeito implica escutar o que ele tem a dizer sobre o que seria
melhor para ele (BARROS, 2003).
O que presenciamos, no entanto, na maneira de se fazer cumprir a medida
socioeducativa privativa de liberdade é a recorrente reincidência das formas de lidar
com esses sujeitos nas instituições que os acolhem. Elas mostram, cada vez mais
claramente, que o modelo adotado não contempla a necessidade subjetiva do
adolescente. Muda-se a roupagem, altera-se o nome, mas mantém-se o mesmo
princípio da Doutrina da Situação Irregular
32
.
32
Publicada no Diário Oficial do Estado de São Paulo, em 23 de dezembro de 2006, a lei que altera o
nome de Fundação Estadual do Bem Estar do Menor (FEBEM) para Centro de Atendimento
Socioeducativo ao Adolescente – Fundação CASA.
46
CAPÍTULO II
SOBRE OS MODOS DE SUBJETIVAÇÃO
No capítulo anterior, refletimos acerca da constituição subjetiva do
adolescente autor de ato infracional. Para tanto, apoiamo-nos na filosofia hegeliana
para a compreensão do drama do reconhecimento como condição de possibilidade
de surgimento do sujeito e na teoria psicanalítica, que nos orientou de acordo com
uma concepção de sujeito que não se desenvolve, mas se constitui a partir do outro.
Finalmente, colocamos em questão o designo “conflito com a lei”, o qual foi
abordado em suas dimensões jurídica e psicanalítica, aproximando a lei do direito e
a lei do desejo.
Entendemos que todo modo de relação com o outro esteja apoiado em uma
concepção de sujeito. Por isso, neste capítulo, abordaremos os modos de
subjetivação presentes na instituição em estudo. Consideramos a pertinência da
discussão acerca dos modos de subjetivação na atualidade para localizarmos e
compreendermos os da instituição.
O conceito de subjetividade, por si só, é bastante complexo. Optamos por
utilizar as definições de autores como Drawin (1998), Bezerra (1989), Figueiredo
(1995) e Moreira (2002) para nos auxiliar nessa empreitada. Interessa-nos esses
autores por apresentarem uma concepção de subjetividade que se aproxima da
nossa, por conceberem o sujeito constituído a partir do outro e, ainda, por definirem
a subjetividade sobre o horizonte da teoria psicanalítica. Faremos, inicialmente, uma
breve digressão acerca dos modos de subjetivação.
Posteriormente, pensaremos o cotidiano institucional e os modos de relação
presentes. Para tanto, recorreremos a alguns conceitos da obra de Michel
Foucault
33
. Tal autor nos possibilitará a reflexão sobre aspectos do campo da moral
presentes na instituição e que incidem em dado modo de ser sujeito dos
adolescentes privados de liberdade. Também com Foucault será possível
compreender que a disciplina presente na instituição em estudo é dispositivo
33
Obras como A verdade e as formas jurídicas. Rio de Janeiro: NAU Editora, 2005; Vigiar e Punir:
história de violência nas prisões. Petrópolis: Vozes, 1987 e História da sexualidade 2: o uso dos
prazeres. Rio de Janeiro: Graal, 1984.
47
indispensável para o controle e a produção de sujeitos dóceis, facilmente
manipuláveis e que cumprem as determinações institucionais.
Portanto, refletir sobre o modo de subjetivação do adolescente autor de ato
infracional em situação de confinamento é também conceber o contexto da
instituição que o abriga. Assim, descreveremos o cotidiano institucional a partir da
circulação de seus discursos e problematizaremos a participação dos adolescentes
nas atividades propostas (impostas) pela instituição. Tal obrigatoriedade indica a
construção de uma posição subjetiva que podemos denominar sujeito epistêmico
reflexo, conforme expressão cunhada por Drawin (1998). Isto é, uma posição
subjetiva que é determinada a partir de formas de controle definidas por Foucault
como regime disciplinar. O modo disciplinar vincula-se com a idéia de controle e de
dominação dos próprios homens. Dito de outra maneira, a forma de poder nomeada
por Foucault (1987) de regime disciplinar cria modos de subjetivação e formas de
controle sobre eles.
Como tentativa de criar possibilidades para além da tradicionalmente imposta
que se vincula às idéias de disciplina, de condicionamento das almas e docilização
dos corpos, pensamos em oferecer um espaço para a palavra junto aos
adolescentes.
Com a aposta na palavra como possibilidade de ressignificação do ato,
mencionaremos a experiência de um grupo temático realizado no interior da
instituição. Tal atividade, considerada dispositivo alternativo em uma instituição cuja
característica é a objetificação do sujeito, viabilizou a circulação da palavra sem que
as prescrições institucionais estivessem tão presentes.
2.1. Modos de subjetivação: um recorte da teoria da subjetividade
Segundo Moreira (2002), o processo de valorização da subjetividade teve
início com a Revolução Copernicana
34
em que o anúncio do descentramento
34
Considerada uma das mais radicais revoluções científicas, a teoria de Nicolau Copérnico (1473-
1543) altera o entendimento que se tinha a respeito do Cosmos, adotando o princípio de mobilidade
da Terra. Rompendo com mais de dez séculos de domínio do geocentrismo, em 1510 Copérnico diz,
pela primeira vez, que a Terra não é o centro do universo, mas um entre outros planetas que giram
em torno do sol.
48
astronômico tem como consequências o descentramento antropológico e
epistemológico. Nas palavras da autora:
Diante da vivência de ruptura e de dissolução da ordem, o homem tenta
reorganizar, reinstaurar um pólo ordenador. É neste momento que entra em
cena a filosofia moderna com o paradigma da Consciência, onde impera a
imagem de uma consciência solitária pensando sobre suas próprias
experiências. (MOREIRA, 2002, p. 19).
Com a revolução científica, o homem se perdido diante de um universo
infinito, tendo que pensar sobre sua própria vida, sua finalidade e seu significado. A
autora enfatiza que na necessidade de controlar esse novo que se apresenta, o
sujeito terá que controlar a si mesmo, ou seja, fazer de sua subjetividade uma
plataforma firme, garantia de certeza (MOREIRA, 2002).
Sem a garantia de que a percepção exterior corresponde à verdade, que a
visão informa que o sol gira em torno da Terra, o homem moderno terá uma
certeza: a de sua interioridade. Nesse novo paradigma, surge o sujeito epistêmico,
sede e fundamento de todas as certezas. É nesse contexto que “a subjetividade
emerge e torna-se referencial central para o conhecimento e a verdade” (MOREIRA,
2002, p.20).
Na perspectiva religiosa, Bezerra (1989) menciona que o ideário
individualizante do protestantismo está na base da maneira moderna de
compreender o homem, o universo, as coisas e a natureza. O autor enfatiza o
movimento iniciado por Lutero
35
. Com a tradução da Sagrada Escritura, todo homem
poderia interpretar a Bíblia segundo sua própria consciência, emancipando-se no
plano da ideologia religiosa. Segundo o autor:
E não são os atos, as obras, a atitude exterior que importam, e sim a
relação íntima, pessoal com o espírito divino. A salvação é da
responsabilidade de cada um. Autoderterminação, liberdade de espírito,
responsabilidade individual, livre exame das Escrituras e uma ética
individual, estas o algumas das bandeiras da Reforma. (BEZERRA, 1989,
p. 228)
O autor assinala dois traços particulares da concepção moderna de sujeito,
isto é, da concepção de indivíduo: os princípios de igualdade e os princípios de
35
Precursor da Reforma Protestante, Martinho Lutero nasceu na Alemanha em 1483 e pertencia à
ordem agostiniana. Rompeu com a Igreja Católica por ser contrário à venda de indulgências. Ao
traduzir a Bíblia do latim para o alemão, possibilitou seu acesso à população que, até então, tinha
seus ensinamentos interpretados por representantes da Igreja.
49
liberdade. A igualdade dos homens frente a Deus e ao universo humano e a
subjetividade livre, que se relaciona livremente com a verdade.
No plano filosófico, o pensamento moderno inicia-se com a descoberta
cartesiana do “cogito”. O conceito de sujeito, cunhado pela filosofia cartesiana,
anuncia a subjetividade como fundamento, uma verdade metafísica. Nessa
perspectiva, o sujeito torna-se o ponto de partida para um possível acesso à
realidade e para a construção da ciência (DRAWIN, 1998). Assim, a concepção
epistemológica moderna constitui o sujeito pleno, consciente, autônomo e livre.
Outra reflexão acerca da Modernidade é a concepção de ethos. Na
perspectiva etimológica apontada por Figueiredo (1996), ethos refere-se tanto aos
costumes e aos hábitos quanto à morada e, portanto, revela diferentes modos de
subjetivação. Dessa forma, consideramos relevante a concepção desse autor acerca
da variedade e da eficácia das éticas. Figueiredo (1996) perpassa algumas formas
que as relações entre os homens assumiram ao longo da história da humanidade.
Interessa-nos a emergência dos processos de individualização. O autor nos mostra
que:
Autotestes (provações), exames de consciência e uma atenção vigilante à
vida “psíquica” transformaram-se nas vias gias da sujeição do indivíduo
aos seus próprios cuidados: é como se cada um se convertesse no
edificador de sua própria morada, de uma morada ainda bastante
padronizada, mas parcialmente feita sob medida para cada um.
(FIGUEIREDO, 1996, p. 54) (grifos do autor).
A ética, nessa perspectiva, caracteriza-se por uma morada individualizada. Há
o desenraizamento da sociedade com a natureza e do indivíduo com a comunidade.
Com relação à concepção de indivíduo, Louis Dumont é uma importante
referência. Com um capítulo destinado a esse autor, Renaut (2000) descreve o
estudo de Dumont sobre a sociedade hierárquica da Índia em contraste com a
sociedade igualitária ocidental moderna. Dumont defende a idéia de que as
sociedades podem se organizar de distintas maneiras, mas tendo como alicerce a
noção de hierarquia ou de igualdade (BEZERRA, 1989). Estabelece assim, dois
modelos de sociedade: as holistas e as individualistas.
Nas sociedades designadas holistas predomínio das formas coletivas e
hierárquicas de existência no social. Nessa configuração, os indivíduos figuram
como seres socialmente determinados, cuja identidade é definida a partir de sua
50
posição no quadro social estratificado e hierarquizado (FIGUEIREDO, 1995). À
medida que valoriza a totalidade social, negligencia o indivíduo. Conforme o sistema
indiano de castas, a ordem é hierárquica e os indivíduos são subordinados ao todo
ou àquilo que figura o todo (RENAUT, 2000).
Bezerra (1989) afirma que a consciência dos sujeitos nessas sociedades
corresponderia a uma imagem de si como integrante de uma totalidade, e sua
identidade seria vivida a partir de seu vínculo ao todo social. Se somente nas
sociedades igualitárias, baseadas no individualismo, que será possível o sujeito se
perceber mais que isso; ele se perceberia como ser singular, livre, autônomo,
morada de sua própria identidade (BEZERRA, 1989).
Nessa sociedade que valoriza o indivíduo, temos uma concepção igualitária,
que o indivíduo é o máximo valor e não estará submetido a ninguém, somente a
ele mesmo. Para Renaut (2000), o individualismo é constitutivo das sociedades
modernas, e a aplicação do princípio de igualdade toma a forma do liberalismo.
Podemos assinalar pontos comuns nas diferentes vertentes que anunciam a
entrada na Modernidade. A Revolução Copernicana abala antigas certezas e conduz
o homem a voltar-se para si mesmo. Coloca em dúvida aquilo que se apresenta
advindo do exterior. Nesse sentido, o homem precisa de alguma certeza, e essa
certeza passa a ser a de sua própria existência. É nesse contexto que ocorre a
emergência da subjetividade, referência central para o conhecimento e a verdade.
A Reforma Protestante emancipa o homem do ideário religioso. Ao ter acesso
à palavra de Deus, é possível para o homem ser responsável por sua própria
salvação. Tanto a Revolução quanto a Reforma nos trazem a dimensão da
concepção epistemológica moderna que compreende um sujeito pleno, autônomo,
livre e consciente.
Dentro desse panorama temos, ainda, as formas de organização social
descritas por Dumont
36
: as sociedades holistas, sociedades hierárquicas cujo
predomínio das formas coletivas é sua marca principal, e as sociedades igualitárias,
baseadas no individualismo. Essa última conserva a concepção epistemológica
moderna em que o sujeito se percebe como singular, livre e autônomo.
Será com a entrada na Modernidade e, principalmente, a partir da revolução
racionalista de Descartes que emergem novos modos de subjetivação, decorrentes
36
Citado por Renaut (2000), Figueiredo (1995) e Bezerra (1989).
51
da crise da subjetividade/fundamento (MOREIRA, 2002). Neste panorama
anunciamos três modos de subjetivação que guardam, segundo Moreira (2002), três
traços comuns: as idéias de liberdade, de intimidade e de individualidade.
O primeiro modo, cunhado por Drawin (1998) como subjetivação histórica-
racional, é caracterizado pelo deslocamento teórico-fundacional para o domínio
prático-histórico. Trata-se do ideal da ilustração. “O sujeito ilustrado aposta na
liberdade via racionalidade, valoriza a produção cultural e preconiza a postura
individualista.” (MOREIRA, 2002, p.22).
A subjetivação histórica-expressiva é o segundo modo de subjetivação,
também nomeado por Drawin (1998). Baseado nas noções de liberdade e de
expressividade, é uma subjetivação preconizada pelos ideais românticos.
E, por fim, o modo de subjetivação disciplinar. Tal modo foi criado a partir de
novas formas de controle e nomeado por Moreira (2002) modelo ideo-histórico de
subjetivação disciplinar em que “as formas de controle criam estratégias defensivas
que se configuram em formas de sujeito.” (MOREIRA, 2002, p. 23).
Esse último modo de subjetivação, estudado minuciosamente por Foucault
(1987), oferece-nos importantes reflexões acerca do modo de subjetivação do
adolescente em privação de liberdade. É o que trabalharemos a seguir.
2.2. Objetivação da subjetividade: o controle disciplinar.
Após esse recorte acerca das teorias da subjetividade, é possível
compreender que os modos de subjetivação perpassam o sujeito a partir de sua
inserção histórica e social. Assim, nesse subitem, pensaremos o modo de
subjetivação do adolescente que cumpre medida socioeducativa privativa de
liberdade. Em nosso estudo, trabalhamos com a hipótese de que os mecanismos de
controle e de disciplina utilizados pela instituição contribuem para a formação de um
dado modo de subjetivação. Isso porque, ao falarmos de subjetividade, está implícita
52
também a questão da ética
37
(ethos). Em consonância com Figueiredo (1996),
entendemos que não há uma única ética:
[...] (no sentido de um padrão explícito de prescrições e/ou proibições)
comum a todas as culturas e épocas, comum a todas as formas de
subjetivação [...] De cultura para cultura e de época para época podem
variar os padrões implícitos e os códigos. [...] variam também os modos de
sujeição dos indivíduos aos ditames morais (FIGUEIREDO, 1996, p.43)
(grifos do autor).
Assim, o adolescente em conflito com a lei e privado de liberdade, ao ser
submetido a regras e códigos impostos institucionalmente, apresenta certo modo de
subjetivação. Ao abordarmos esse adolescente na condição de interno, devemos
considerar as prescrições às quais esse sujeito está submetido. A sujeição às regras
e aos códigos impostos e o grau de concordância ou discordância deles é que irá
definir o sujeito moral ou, dito de outra maneira, um determinado modo de ser
sujeito.
Para tratar desse assunto recorreremos a Foucault (1984), que nos oferece
importante contribuição para a compreensão das diferentes formas de subjetivação.
Para tanto, o autor se empreende no estudo das formas e das transformações da
“moral”.
Para esse autor, moral é o comportamento real dos indivíduos em relação às
regras e aos valores propostos pelos códigos morais de determinada sociedade.
Importante ressaltar que códigos morais o definidos como o conjunto de valores e
regras de ação proposta por indivíduos ou grupos via aparelhos prescritivos, como a
família, as instituições... (FOUCAULT, 1984). Assim, em sociedade estamos o tempo
todo submetidos a prescrições advindas de diferentes situações, grupos, ou
instituições nas quais circulamos.
A possibilidade de constituição de um sujeito moral se quando for possível
que ele se conduza a partir de um código de ação. Será o grau de conformidade ou
de divergência em relação a esse código que irá determinar as diferentes maneiras
de o sujeito se conduzir. Nessa perspectiva, os valores e as regras o
explicitamente formulados (doutrinas, ensinamentos) ou transmitidos de maneira
difusa, permitindo que o indivíduo aja conforme as regras ou tente escapar delas. O
37
Trabalhamos com a concepção dos termos “ética” e “moral” como sinônimos. Ver a esse respeito
em: GONTIJO, E. Os termos “Ética” e “Moral”. In: Mental: revista de saúde mental e subjetividade da
UNIPAC. Ano IV, n. 7, 2006. p.127-135.
53
comportamento real do sujeito, ou seja, o grau de concordância ou de discordância
desse sujeito em relação ao código é que irá determinar o sujeito moral.
Há, portanto, dois aspectos que, segundo Foucault (1984), toda moral
comporta: o dos códigos de comportamento e o das formas de subjetivação ou
práticas de si, ou seja, quando o sujeito desenvolve um trabalho sobre si mesmo.
Ambos os aspectos se desenvolvem com autonomia parcial, já que não podem estar
inteiramente dissociados, porque é a partir do grau de concordância ou de
discordância dos códigos ou regras que se estabelecem as formas de subjetivação.
Assim, entendemos que a instituição estudada possui dispositivos
38
de
controle associados a um campo da moral em que a importância é dada aos
códigos. Esse campo se caracteriza pela capacidade de ajustar-se a todos os casos
e de cobrir todos os campos de comportamento. Lembra Foucault (1979):
[...] nessas condições, a subjetivação se efetua no essencial, de uma forma
quase jurídica, em que o sujeito moral se refere a uma lei ou a um conjunto
de leis às quais ele deve se submeter sob pena de incorrer em faltas que o
expõem a um castigo. (FOUCAULT, 1979, p. 29).
Isso porque os locais em que predominam esse aspecto da moral
freqüentemente são instâncias da autoridade que fazem valer os códigos para
garantir o controle e a disciplina, assim como a instituição pesquisada. São,
portanto, os dispositivos de controle institucional que garantem a ordem e a
disciplina dos internos.
Ao designar a sociedade contemporânea como “sociedade disciplinar”,
Foucault (2005) apresenta as formas de práticas penais que a caracterizam. Nesse
contexto, o crime é definido como dano social
39
. O criminoso é aquele que perturba
a sociedade e é, portanto, inimigo dela.
A instituição em pesquisa tem como ponto de âncora em seu funcionamento
a disciplina. Tal disciplina engloba desde a distribuição dos adolescentes no espaço
institucional até as condutas de comportamento estabelecidas. Para tanto, logo que
ingressa na unidade, o adolescente é orientado pelo funcionário que o recebe e
apresenta-lhe as Normas de Convivência. Trata-se de uma espécie de regimento
38
Foucault (1979) utiliza o termo dispositivo para demarcar um conjunto heterogêneo contendo
discursos, instituições, leis, medidas administrativas, proposições filosóficas, morais. É uma formação
que, inserida em determinado momento histórico, tem como função responder uma urgência.
39
Foucault encontra tais definições de crime em Beccaria, Bentham, Brissot, assim como em
Rousseau.Conferência IV. In: A verdade e as formas jurídicas. Rio de Janeiro: NAU editora, 2005.
54
interno que orienta as condutas que o adolescente deverá manter durante sua
permanência no regime de internação.
A ordem estabelecida deve ser seguida. Aqueles que se destacam pelo bom
comportamento, pela boa avaliação no ensino formal e pelas atividades
extracurriculares são recompensados. Aqueles que transgridem as normas de
convivência são punidos. A esse respeito encontramos, no artigo 19 do Regimento
Interno das Unidades de Atendimento de Internação e de Semiliberdade da
Fundação CASA, a normalização daquilo que era prática na ocasião das
observações realizadas em campo:
§ O adolescente que cumprir integralmente as disposições contidas no
Regimento Interno, demonstrando bom comportamento e colaboração com
a ordem e disciplina internas, poderá receber elogio, que será comunicado
ao Juiz competente. (GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO, 2007)
É importante ressaltar que no decorrer do cumprimento da medida
socioeducativa de internação
40
, o adolescente é acompanhado por profissionais.
Esse acompanhamento inclui, além de atendimento individual, avaliações diárias de
comportamento e de desenvolvimento escolar e extracurricular (atividades
esportivas, profissionalizantes, culturais e de lazer).
As medidas socioeducativas não prevêem um período estabelecido para seu
cumprimento. Assim, o tempo que o adolescente irá permanecer na instituição
depende da sua evolução, que deve ser relatada periodicamente ao juiz de
competência. A periodicidade de envio do relatório poderá ser determinado por esse
juiz. Foucault (1987) nos lembra:
O juiz de nossos dias magistrado ou jurado faz outra coisa bem
diferente de “julgar”. E ele não julga mais sozinho. Ao longo do processo
penal e da e.xecução da pena, prolifera toda uma série de instâncias
anexas. Pequenas justiças e juízes paralelos se multiplicaram em torno do
julgamento principal: peritos psiquiátricos ou psicológicos, magistrados da
aplicação das penas, educadores, funcionários da administração
penitenciária fracionam o poder legal de punir... (FOUCAULT, 1987, p.15).
Dessa forma, os funcionários ou juízes paralelos decidem o merecimento de
uma progressão de medida por intermédio da constante avaliação do adolescente
no cotidiano de sua internação, com o envio de relatório para o informe do juiz.
40
BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei n. 8.069 de 13 de julho de 1990. Seção VII,
que trata da internação, artigo 122.
55
Uma vez disciplinado, no sentido foucaultiano de adestramento, esse
adolescente estaria correspondendo às expectativas institucionais e conquistando,
por intermédio dos juizes paralelos, a almejada liberdade.
2.3. Cabeça vazia, oficina do diabo: o sujeito reflexo.
Entre as expectativas institucionais que visam à reeducação do adolescente
está a “oferta” de diversas atividades pedagógicas. Uma vez que seu cumprimento é
obrigatório, entendemos que essa oferta se trata de uma imposição. Nesse ponto é
importante frisar o questionamento de Rosa (2005) em relação ao cumprimento
compulsório das atividades pedagógicas nos estabelecimentos que acolhem os
adolescentes que cumprem medida socioeducativa de internação. Para esse autor,
o Estado não possui legitimidade democrática para impor as atividades
pedagógicas. Rosa (2005) compara tal postura a uma atitude nazista, em que se
obrigava a realização de trabalho nos campos de concentração. Entendemos que,
ao sermos submetidos a um Estado democrático, não podemos impor a participação
nas atividades. No entanto, na instituição em pesquisa, eram oferecidas diversas
atividades com o objetivo de preencher a totalidade do tempo do interno. Não por
acaso, um discurso comumente circulado na instituição entre funcionários e
adolescentes era: “Cabeça vazia, oficina do diabo”.
A partir desse fragmento discursivo, abrimos a discussão em dois vieses.
Com relação ao adolescente, tal frase mostra a importância que ele atribui em
participar das atividades. Conforme relato de internos, tal importância não diz
respeito ao sentido que tal atividade pode oferecer a sua vida. O interesse dos
adolescentes diz respeito à possibilidade que tal participação oferece para a
confecção de um bom relatório de acompanhamento (realizado pelo técnico
responsável - psicólogo ou assistente social).
É importante reafirmar que como a medida socioeducativa não possui período
determinado para ser cumprida, o que irá determinar o tempo que o adolescente
permanecerá internado nas instituições serão os resultados dos relatórios enviados
periodicamente ao juiz. Nesses documentos enviados pelos juízes paralelos
56
constam o desempenho, a adequação às normas institucionais, além de sugestões
quanto à progressão de medida ou à continuidade da internação.
Assim, ao responderem às exigências de participação nas atividades, os
adolescentes cooperam para o bom funcionamento institucional e contribuem para
que sua desinternação seja solicitada nos primeiros relatórios.
O outro viés do discurso presente na frase analisada acima é o da disciplina e
do controle que a distribuição ordenada dos internos nas diversas atividades
possibilita. Entendemos que a obrigatoriedade de participação nas atividades tenha
o objetivo de padronizar o comportamento visando à docilização
41
do adolescente.
Conforme o artigo 46 do Capítulo VI do Regimento Interno das Unidades de
Atendimento de Internação e de Semiliberdade:
A disciplina é instrumento e condição de viabilização do projeto político
pedagógico e do plano individual de atendimento, a fim de alcançar o
conteúdo pedagógico da medida sócio-educativa, e consiste na manutenção
da ordem, por meio de ações colaborativas, na obediência às
determinações das autoridades e de seus agentes, na participação nas
atividades pedagógicas e no cumprimento da medida imposta. (GOVERNO
DO ESTADO DE SÃO PAULO, 2007) (grifos nossos).
Segundo o artigo acima, a participação nas atividades é condição de
viabilização do conteúdo pedagógico da medida socioeducativa e tem como
instrumento, para tal objetivo, a disciplina. Conforme referido acima, a instituição em
pesquisa tem como princípio de seu funcionamento o controle disciplinar. Nessa
perspectiva, o oferecimento de atividades em caráter compulsório seria uma
estratégia de controle dos adolescentes para o preenchimento de seu tempo.
Entre algumas atividades oferecidas (além da educação formal), citamos os
cursos profissionalizantes (hotelaria, panificação), a prática esportiva (futebol,
basquete, musculação, xadrez), as atividades culturais, como dança (street dance),
capoeira, teatro, além de oficinas de artesanato e de computação.
A distribuição dos adolescentes para a prática das atividades dava-se de
maneira aleatória e, muitas vezes, o interno era obrigado a participar de alguma sem
que houvesse interesse por ela. Apesar da oferta de atividades durante todo o
período em que o adolescente permanecesse internado, de acordo com as
41
A docilização é o objetivo da disciplina. Segundo Foucault (1987), a disciplina fabrica corpos
submissos e exercitados, corpos “dóceis”. (p.127).
57
prescrições do ECA
42
, elas eram isentas de qualquer sentido para aqueles sujeitos.
Exemplo disso era a distribuição dos adolescentes nas atividades vigiadas
43
, que
tinha o objetivo de ocupação do tempo e o controle mais intenso dos internos.
Parece-nos que a relação da instituição com o adolescente não é muito
diferente das que observamos nas antigas legislações (Código de Menores) com a
Doutrina de Situação Irregular. Estamos nos referindo à maneira de garantir a ordem
social, ao ajustamento e à punição daqueles que transgridem as normas impostas.
Assim, a frase amplamente veiculada na instituição - “cabeça vazia, oficina do
diabo” - possui dupla conotação. Por um lado, a participação dos adolescentes em
atividades visava uma avaliação positiva dos juizes paralelos a fim de conquistar,
com brevidade, a desinternação via progressão de medida. Por outro lado, o
discurso conota a importância de ocupar o tempo do interno, a fim de garantir a
ordem e a disciplina, objetivando mais controle sobre eles. Nesse sentido,
encontramos na garantia da ordem e da disciplina com fins de controle a ocupação
das “cabeças”.
Tal característica aproxima-se daquilo que Drawin (1998) infere sobre a figura
do sujeito epistêmico-reflexo. Esse autor, ao discorrer acerca da subjetividade no
pensamento moderno, indica três figuras da subjetividade moderna. Na primeira, a
figura do sujeito epistêmico-reflexivo, instaurada no racionalismo cartesiano, é uma
subjetividade “desenraizada do solo histórico-cultural e esvaziada de conteúdo
existencial” (DRAWIN, 1998, p.23). Esse sujeito não é apreendido na vivência e não
pode ser confundido com o indivíduo empírico. O sujeito epistêmico é fundante do
saber: pensa sobre o mundo e é condição de possibilidade desse mundo. O critério
da certeza é decorrente da capacidade de auto-reflexão.
A segunda figura é do sujeito epistêmico-reflexo. Cunhado no empirismo
inglês, diferente do sujeito epistêmico-reflexivo, parte da experiência empírica. A
subjetividade é transformada em objeto interior, resultado de uma percepção interna
que leva a uma dissociação do eu. Isso porque o conhecimento do sujeito é da
mesma natureza do conhecimento das coisas, é reflexo do exterior. O sujeito
transforma-se em objeto de uma ciência. É a objetivação da subjetividade.
42
“Durante o período de internação, inclusive provisória, serão obrigatórias atividades pedagógicas”.
BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei n. 8.069 de 13 de julho de 1990. Seção VII
Da Internação – parágrafo único, artigo 123.
43
As atividades eram realizadas com a presença do profissional responsável pela segurança.
58
A terceira figura é a do sujeito autonômico-transcendental. Solução do
criticismo kantiano, esse sujeito, assim como o conhecimento científico, deixa de ser
dado e passa a ser construído. Trata-se de um sujeito prático que se torna norma
para si mesmo. Diferente do sujeito epistêmico cartesiano, que era fechado em si, o
sujeito epistêmico kantiano se abre ao mundo do direito e da história.
Interessante a observação de Moreira (2002) sobre o ponto comum dessas
três modalidades de sujeito, qual seja: a des-antropologização. Dito de outra forma,
são concepções abstratas, funcionam como fundamento, como condição de
possibilidade do conhecimento teórico ou prático.
E como tais concepções abstratas podem nos auxiliar na compreensão do
modo de subjetivação do adolescente autor de ato infracional? Parece-nos que o
modo de subjetivação do adolescente em cumprimento de medida socioeducativa
privativa de liberdade está próximo da segunda concepção de sujeito cunhado por
Drawin (1998), a figura do sujeito epistêmico-reflexo.
O fragmento discursivo “cabeça vazia, oficina do diabo” nos remete à
necessidade de manter a “cabeça cheia”. Assim como uma máquina, esse sujeito é
somente reflexo das imposições advindas do exterior. Não deve refletir (figura do
sujeito epistêmico-reflexivo), mas executar, sem pensar, aquilo que lhe foi
determinado, objetificando sua subjetividade.
Assim, ao ofertar (impor) a prática de atividades como condição de
possibilidade de realização de um relatório favorável à desinternação, esse sujeito
reflexo irá cumprir o que a instituição espera.
Entendemos que essa forma de se relacionar com o adolescente não
considera sua individualidade, tampouco o considera sujeito. Se o o considera
sujeito, leva em conta menos ainda sua condição peculiar de pessoa em
desenvolvimento, assim como preconiza o Estatuto da Criança e do Adolescente
44
.
A esse respeito, é interessante lembrarmos
45
que na adolescência ocorre a
reorganização do mundo pulsional, devido à substituição do corpo infantil, o qual era
identificado, por um corpo sexuado, e a aquisição da sexualidade genital leva o
sujeito a se distanciar dos objetos edípicos. A retirada da catexia desses objetos
desvia a libido para o eu, o que implica a escolha narcísica de objeto baseada no
44
BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei 8.069 de 13 de julho de 1990. Título I Das
Disposições Preliminares – artigo 6º.
45
Item 1.3 - Poder (ser) reconhecido: a constituição subjetiva do adolescente.
59
ideal de ego. Portanto, temos que na adolescência, com o afastamento dos
genitores, o sujeito está em busca de um ideal de ego. Ele busca pelo outro, de
maneira socializante, visando alcançar a gratificação narcísica de reconhecimento e
de pertencimento ao grupo social. Considerando esse evento, o adulto que lida com
o adolescente na condição de educador deve indicar possibilidades e não
simplesmente as impor.
Isso porque, ao concebermos o adolescente autor de ato infracional como
sujeito, devemos permitir que sejam percebidos em sua individualidade, em sua
história. Desse modo, evitaríamos que fossem reduzidos ao ato infracional cometido.
O adolescente deixaria de ser mais um corpo a ser treinado, um caráter a ser
moldado, para ser considerado em sua subjetividade. (ALTOÉ, 2004).
Apresentaremos a seguir a experiência de um grupo temático realizado na
instituição. A experiência desse grupo nos interessa, pois seu funcionamento operou
como dispositivo para viabilizar a circulação da palavra e o consequente
favorecimento da reflexão sobre o ato que levou o adolescente à internação.
2.4. Circulação da palavra como possibilidade de ressignificação do ato: a
experiência do grupo temático.
No contexto deste estudo em que vimos a incidência de um discurso
institucional prescritivo, mencionaremos a experiência do grupo temático oferecido
como atividade pela pesquisadora no período em que fez parte do corpo funcional
da instituição. Não temos a pretensão de considerar essa experiência um modelo a
ser seguido. Não obstante, ao concebermos as peculiaridades presentes no
adolescer e ao considerarmos esse adolescente sujeito, partimos do pressuposto de
que as atividades não podem ser impostas, mas ofertadas. Nesse sentido, o grupo
oferecido aproximava-se de tal perspectiva. Outro fato que aponta a importância da
descrição dessa atividade é o material de pesquisa utilizado no trabalho. Conforme
dito anteriormente
46
, grande parte do discurso dos adolescentes presentes nesse
trabalho foi obtido durante a realização dos grupos.
46
Considerações preliminares.
60
Tratava-se de um trabalho feito semanalmente com os adolescentes, no
intuito de favorecer a circulação da palavra e a reflexão de conteúdos sugeridos por
eles mesmos como maneira de significar seus atos. Os temas abordados eram da
escolha dos adolescentes e discutidos com o auxílio de recursos como filmes,
músicas, reportagens (jornais e revistas) e literatura. Importante ressaltar que tal
grupo era realizado de “portas fechadas” e sem a presença do profissional
responsável pela segurança, o que viabilizava uma fala em que as prescrições
institucionais não fossem impostas de forma explícita.
Dessa forma, o grupo revelou-se um dispositivo de viabilização de circulação
da palavra dos adolescentes, com uma incidência menor das normas institucionais.
Inicialmente, o grupo contava com a participação de cinco adolescentes. No
entanto, a presença do profissional responsável pela segurança, que a todo o
momento intervinha com as normas institucionais, inviabilizava qualquer proposta de
trabalho cuja premissa era a circulação livre da palavra e a produção de sentido. As
intervenções realizadas por esse profissional diziam respeito à postura dos
adolescentes, às palavras utilizadas por eles, além do próprio conteúdo sugerido
pelos participantes acerca dos temas discutidos.
Sob os argumentos do reduzido número de participantes do grupo e da
necessidade de o adolescente se expressar livremente, a pesquisadora assumiu,
diante da direção, toda a responsabilidade e os “riscos” em realizar a atividade
prescindindo do profissional da segurança. Somente dessa maneira foi possível a
realização de um trabalho que propiciasse, de fato, a circulação da palavra em uma
instituição com características de controle e de disciplina.
Assim, com o grupo temático oferecido como atividade pela pesquisadora,
pudemos vislumbrar outra forma de posicionamento dos adolescentes.
Diferentemente das demais atividades, o princípio para seu funcionamento era a
inscrição de adolescentes interessados na tarefa, não tendo sido aceitos aqueles
cuja participação tivesse caráter de obrigatoriedade.
Um fato que aponta a aceitação dos adolescentes por esse grupo foi o
interesse e a procura para participar dos encontros. Devido a essa demanda, foi
necessário abrir outro grupo durante a semana e, posteriormente, mais um no
período matutino (para atender aos internos que estavam no ensino formal no
61
período da tarde
47
). Outro dado interessante que cabe ressaltar é que os
adolescentes interessados em participar dos grupos eram, em sua maioria, autores
de infrações graves e reincidentes.
Assim, temos nessa experiência um exemplo de dispositivo que viabilizou a
circulação da palavra entre os adolescentes em uma instituição em que a
normalização de comportamentos que visam a disciplina e o controle perpassa não
somente os hábitos e as formas de agir, mas também a própria fala do sujeito.
47
No grupo matutino concentravam-se os adolescentes que estavam matriculados entre a 1
ª e a
séries do Ensino Fundamental (oferecido no período da tarde). Eram adolescentes mais jovens, com idade entre
12 e 14 anos, muitos deles não alfabetizados, o que demandou certa adaptação do conteúdo a ser discutido,
priorizando-se materiais lúdicos para a abordagem dos temas.
62
CAPÍTULO III
A INSTITUIÇÃO E SEUS DISCURSOS: UMA DISTÂNCIA INTRANSPONÍVEL?
Para pensarmos o modo de subjetivação do adolescente em privação de
liberdade, trilhamos, no capítulo anterior, um conciso trajeto pelas teorias da
subjetividade. Devido à complexidade do tema, optamos por discutir com autores
que se aproximam de nossa concepção de sujeito ao trabalharem à luz da teoria
psicanalítica e de acordo com a idéia da alteridade como fundante do sujeito
48
.
Ao entendermos que o modo de subjetivação perpassa necessariamente as
condições sociais e históricas do sujeito, ou seja, o local em que está inserido, com
todo o arcabouço de regras e normas que o sustenta, recorremos a Foucault
(1984,1987,2005). O autor nos auxiliou na reflexão acerca dos aspectos do campo
da moral presentes na instituição que acolhe os adolescentes, além da questão do
controle disciplinar como dispositivo que contribui para a formação de dado modo de
subjetivação.
Ao problematizarmos o cotidiano institucional, atribuímos aos adolescentes
que se encontram nessa situação o designo sujeito epistêmico reflexo. Tal
expressão é cunhada por Drawin (1998) para assinalar uma posição subjetiva
objetificante em que o sujeito é apenas reflexo das imposições advindas do exterior.
Finalmente, mencionamos a experiência de um grupo temático realizado na
instituição. Tal experiência serviu como dispositivo viabilizador da circulação da
palavra em um contexto no qual o achatamento subjetivo dava-se via massacre de
regras e condutas estabelecidas para o controle do sujeito.
Abordaremos neste capítulo os discursos presentes na instituição: o dos
adolescentes e o dos profissionais que nela atuam. Tais discursos se apresentam
em oposição um ao outro. Entendemos que eles demonstram o reflexo das relações
sociais. Dito de outro modo, são reproduções que ocorrem no ambiente institucional
e revelam a mesma distância que existe entre os adolescentes e a sociedade.
Ainda considerando o contexto institucional, refletiremos acerca da
importância do reconhecimento entre os adolescentes, mesmo quando ocorre pela
48
Autores como Drawin (1998), Bezerra (1989), Figueiredo (1995) e Moreira (2002).
63
via da transgressão. Entendemos que o ato infracional possa ser a condição de
possibilidade de reconhecimento do sujeito, o que é imprescindível para sua
constituição subjetiva.
E, finalmente, refletiremos sobre a condição do adolescente que está
deixando as normas do outro para seguir suas próprias. Nesse sentido,
ponderaremos a respeito das normas e das prescrições institucionais, pois
entendemos que na adolescência é necessário a presença de uma lei que norteie o
sujeito para a conquista da autonomia.
3.1. Discurso institucional: a imagem especular da sociedade
Vimos que com o controle disciplinar tem-se a garantia da ordem institucional.
No entanto, a passagem do adolescente pela instituição, que poderia servir para
uma significação de seu ato e para a ampliação de suas escolhas, apenas confirmou
o distanciamento cada vez maior entre os adolescentes e os funcionários que os
acolheram. Nesse sentido, entendemos que a relação institucional é reprodutora da
relação social que esses sujeitos vivenciaram ao longo de suas histórias.
É possível vislumbrar tal relação no discurso que circulava no cotidiano
institucional. Podemos ilustrar a questão com base no modo pejorativo pelo qual
eram denominados os internos pelos profissionais da segurança. Designos como
bandido e ladrão eram recorrentes no trato com os internos.
Tais nomeações, além de exaustivamente reiteradas pelos funcionários, eram
também comuns entre os adolescentes. De maneira análoga, o uso de alguns
termos, como funça, era também recorrente entre os adolescentes ao se referirem
aos funcionários. Assim, entendemos que se trata de dois discursos presentes na
instituição e que se apresentam em oposição um ao outro.
Nesse ponto, é importante esclarecermos o conceito de discurso
49
aqui
utilizado. Entendemos o termo como comportamento social submetido às normas e
leis específicas, inseridas em determinado contexto (CHARAUDEAU e
49
Existem diversas concepções de discurso. Para os propósitos desse estudo, optamos por trabalhar
com uma noção lingüística de discurso. No entanto não nos ateremos a um autor específico dessa
área, mas na concepção generalista do tema.
64
MAINGUENEAU, 2004). Em nosso estudo observamos, ao menos, dois discursos
presentes no contexto institucional. Tais discursos m como autores os
funcionários, que em nosso entendimento são os representantes da sociedade, e os
adolescentes, cuja representação seria daquilo que está de fora, excluído da
sociedade, ou seja, marginal.
É importante lembrar que, ao considerarmos que todo discurso está
submetido a normas e leis, aproximamo-nos das idéias de Figueiredo (1996) no que
toca à questão da ética. Em consonância com esse autor, entendemos ética como
morada, como certo modo de habitar o mundo. A ética é um dispositivo que sujeita,
ensina, orienta e modela os indivíduos. Conforme nos revela Figueiredo (1996):
[...] é somente a partir de um primordial sentir-se em casa que se criam as
condições para as experiências de encontro com a alteridade e para os
consequentes acontecimentos desalojadores. (grifos do autor)
(FIGUEIREDO, 1996, p. 48).
Dentro do ambiente institucional ocorre o encontro entre esses dois discursos
que estão inseridos em duas éticas que, por sua vez, colocam-se em oposição uma
à outra. No entanto, não é somente no contexto institucional que tais discursos se
revelam em oposição. Entendemos que as relações institucionais reproduzem, de
forma especular, as relações sociais. O encontro com o outro e o consequente
acontecimento desalojador referido por Figueiredo (1996) é, portanto, reflexo das
relações sociais vividas fora do ambiente institucional.
Antes de prosseguirmos com essa reflexão, faz-se necessário uma breve
interrupção para elucidar um ponto fundamental acerca do discurso. Ao afirmarmos
que os discursos institucionais são reflexos das relações sociais, é importante
salientar que tais discursos guardam suas diferenças. Os discursos sociais não são
simplesmente reproduzidos da maneira que se apresentam socialmente no interior
institucional. Entendemos que todo discurso guarda consigo um conflito. O conflito,
por sua vez, mostra-se de maneira incisiva quando as normas e a missão
institucionais contradizem o discurso. Adjetivos como bandido e ladrão são
exemplos desse conflito, já que a instituição destina-se à aplicação da medida
socioeducativa, que preconiza a questão educacional.
Retomemos a questão dos discursos que encontramos na instituição, ou seja,
as formações discursivas que configuravam os discursos e suas relações
65
(ORLANDI, 1999). No contexto institucional encontramos importantes formações
discursivas que salientavam o caráter de oposição em que se encontravam os
discursos dos adolescentes e dos profissionais. Sabemos que existem outras
formações discursivas, mas, para o propósito do nosso estudo, interessa-nos
aquelas carregadas de ideologia, com moral própria e em oposição uma à outra.
Conforme dito acima, o discurso da sociedade, cujo representante eram os
funcionários, tinha por característica a prescrição de condutas aos adolescentes.
Nesse sentido, no âmbito institucional, nomearemos esse discurso prescritivo. Trata-
se de um discurso que prescreve o modo “correto” de comportamento indicado por
parte do corpo funcional da instituição. Citamos como exemplo desse discurso falas
como: “Você não deve roubar...”; “Não use drogas porque prejudica sua saúde...”;
“Sua mãe não merece um filho assim...”, “Estude para ser alguém na vida...”
Lembramos que a medida socioeducativa de internação é a mais severa
medida atribuída ao adolescente que comete ato infracional. Nesse sentido,
entendemos que a a chegada do adolescente à internação, esse sujeito tenha
passado por diversas instâncias de autoridade com discursos que indicavam o dito
certo ou errado, ou seja, os códigos morais da sociedade em que vivemos. Dessa
forma, acreditamos que o discurso prescritivo tenha estado presente em toda a
vida desse adolescente. Entendemos que a adoção de um discurso como esse, em
uma instituição que se propõe a acolher e a educar um adolescente em conflito com
a lei, possui pouca ressonância. Acreditar que esse adolescente cumpre a mais
rigorosa medida socioeducativa por não saber discernir o moralmente certo e errado,
o legal e o ilegal, o socialmente aceito ou não, é, no mínimo, subestimar esse
sujeito.
Assim, encontramos um discurso direcionado ao adolescente que o
posicionava de forma ainda mais distante daquilo que a sociedade havia prescrito
inúmeras vezes. O discurso prescritivo reiterava a distância entre os adolescentes
internos e aqueles que o acolhiam. Nesse sentido, encontramos uma formação
discursiva que apontava tal distância. Trata-se de um discurso que nomeamos
marginal, por representar um sujeito que se encontra à margem da sociedade. Tal
discurso o distanciava, mas também colocava o adolescente em oposição aos
funcionários/prescritores.
Com relação a esse distanciamento que se configura na reprodução das
relações sociais vividas fora do ambiente institucional, exemplificamos a oposição
66
existente entre os discursos marginal e da sociedade com uma apresentação de
caso em uma reunião na qual se discutiu o tema “justo e injusto”, realizada pelo
Projeto Educação e Cidadania
50
da Unidade de Internação Provisória UIP.
Tratava-se da história de um homem que, após cometer um crime, foi sentenciado a
dez anos de reclusão, mas foge antes de completá-los. Após oito anos de sua fuga,
esse homem levava uma vida bem diferente da anterior: trabalhava, tinha seu
próprio negócio e um bom relacionamento com seus clientes e funcionários. No
entanto, foi denunciado por um vizinho que soube de sua história. Colocou-se em
discussão era se a situação de ter sido denunciado era justa ou não.
Observamos a lacuna existente entre sociedade e adolescentes quando
ouvimos dos internos, durante essa discussão, que o que é justo para a sociedade é
injusto para eles. Quando indagados sobre quem eram, responderam que eram
bandidos e que faziam parte do mundo do crime. Nas palavras dos adolescentes,
em relação ao caso do homem que havia sido denunciado, era injusta a atitude de
caguetar
51
.
Interessante notarmos, nesse exemplo, a distância entre os discursos
(marginal e da sociedade) que emergem no interior institucional, ao mesmo tempo
em que aproximação entre eles, em alguns aspectos. Nesse sentido, lembramos
o que Foucault (1984) refere sobre os dois aspectos que toda moral possui: o dos
códigos de comportamento e o das formas de subjetivação. Parece-nos que em
nosso exemplo grande importância atribuída ao código. Assim como na
instituição, conforme vimos anteriormente, também entre os adolescentes
primazia em relação aos códigos. Nesse aspecto, o sujeito moral é submetido a uma
lei ou a um conjunto de leis, sob pena, caso as transgrida, de ser punido. Assim,
instituição e adolescentes se aproximam no que diz respeito à ênfase atribuída ao
código. Apesar de se tratarem de códigos distintos, dizem do mesmo aspecto
rudimentar existente em toda moral.
Referimo-nos às normas de convivência entre os adolescentes. Estes, apesar
de estarem na mesma situação de confinamento, têm regras por vezes mais rígidas
50
Projeto voltado para adolescentes a quem se atribui ato infracional, em parceria com a organização
não governamental Centro de Pesquisas em Educação, Cultura e ão Comunitária (CENPEC),
Febem – SP e Secretaria do Estado da Educação de São Paulo (SEE). As atividades eram realizadas
na Unidade de Internação Provisória (UIP) e distribuídas em 5 módulos: Justiça, Educação, Família,
Saúde e Trabalho, além de oficinas culturais. Tal projeto substituía o ensino formal devido à alta
rotatividade de adolescente nessa unidade.
51
Caguetar, no linguajar dos adolescentes, significa delatar, denunciar.
67
que as institucionais, com poucas possibilidades de negociação. Tomemos como
exemplo alguns tipos de condutas prescritas pelos próprios internos, como bater na
mesa para se sentar, pedir licença ao entrar no refeitório, rezar antes das refeições,
mentir para os demais adolescentes e assumir determinada postura nos dias de
visita: não usar camiseta regata e passar pela visita dos demais adolescentes com a
cabeça baixa. Tais comportamentos eram demasiadamente rígidos e, no caso de
transgressão, a punição - agressão física - era aplicada de maneira imediata.
Trata-se, portanto, de códigos que podemos denominar marginais, que não
são reconhecidos abertamente pelas vias institucionais. Além das posturas
determinadas para um contexto institucional, também o que havia sido feito fora, ou
seja, a conduta do adolescente no designado crime era cobrada da mesma maneira
incisiva - com pouca ou nenhuma negociação. Assim, segundo relatos dos
adolescentes, aqueles que “falham no crime”, ou seja, os denominados X9
(delatador), Jack (estuprador), Rato (o dito “ladrão que rouba ladrão”), ao chegarem
à instituição, tinham que ser separados dos demais para evitar agressões.
Ainda com relação aos códigos, ao trabalharmos o tema criminalidade no
grupo temático realizado pela pesquisadora, surgiu o seguinte fragmento discursivo:
“Estava havendo muita patifaria na cadeia. Tinha muito jack
(estuprador), X9 (delatador). O PCC
52
surgiu para moralizar o crime.”
Havia também frases exaustivamente repetidas entre os adolescentes, tanto
em linguagem verbal quanto na escrita:
“O crime não compensa, mas não admite falha”
e “Ladrão tem que correr pelo certo, tem que ter proceder.”
53
A ênfase nesse aspecto da moral encontra-se em consonância com as
formas de agir e pensar das autoridades que fazem valer o código, que sancionam
as infrações. Podemos inferir sobre a necessidade de uma “lei” onde o Estado não
consegue interferir.
52
Sigla de uma reconhecida facção criminosa de São Paulo que quer dizer: Primeiro Comando da
Capital.
53
Proceder na gíria dos adolescentes em questão corresponde a uma atitude correta e digna.
68
Observamos nesses adolescentes um discurso que os coloca em oposição à
sociedade. A chamada sociedade é colocada por eles como algo que não faz parte
de seu mundo e está em oposição ao “mundo do crime”.
O mundo desses adolescentes, seus valores e referências, enfim, o universo
em que estão inseridos, é diferente e encontra-se em oposição ao mundo dos
profissionais que os acolhem. Enquanto os adolescentes glorificam o crime, os
profissionais os condenam e atribuem prescrições sobre condutas corretas e
socialmente valorizadas. Como observa Foucault (1979):
Desde 1820 se constata que a prisão, longe de transformar os criminosos
em gente honesta, serve para fabricar novos criminosos ou para afundá-los
ainda mais na criminalidade. (FOUCAULT, 1979, p.131-132).
Os adolescentes disciplinados cumprem seu papel diante da instituição. Ao
mesmo tempo em que se distanciam de seus disciplinadores, aproximam-se de
seus pares. Com esses “sujeitos adestrados”, reprodutores de condutas
institucionais prescritas, ou, conforme expressão cunhada por Drawin (1998), na
condição de sujeito epistêmico reflexo, a lacuna que separa o profissional do
adolescente tende a se expandir. Com isso, os valores do grupo se solidificam e se
cristalizam em um ponto comum: o ato infracional que os levou à internação. Dessa
forma, são identificados e se identificam como bandidos.
3.2. Adolescência e transgressão: via possível para o reconhecimento
O crescente envolvimento de adolescentes em atos infracionais pode estar
relacionado com a busca de reconhecimento pela via de fazer-se exceção.
Observamos em Foucault (1987) a glorificação do crime como obra de seres de
exceção, fortes e poderosos. O autor menciona a descoberta da beleza e da
grandeza do crime. Mas o que leva ao crescente envolvimento de adolescentes em
atos infracionais?
Foucault (1987), ao referir a perda da importância da ilegalidade popular no
final do culo XVIII, quando os “folhetins” (apócrifos que narravam os crimes e as
vidas infames dos criminosos, necessários para a justiça fundamentar a “verdade”
69
diante do povo) deram lugar à literatura policial devido à modificação da função da
política da ilegalidade popular, nos lembra que:
[...] uma literatura em que o crime é glorificado, mas porque é uma das
belas-artes, porque só pode ser obra de seres de exceção, porque revela a
monstruosidade dos fortes e dos poderosos, porque a perversidade é ainda
uma maneira de ser privilegiado... É, aparentemente, a descoberta da
beleza e da grandeza do crime; na realidade é a afirmação de que a
grandeza também tem direito ao crime e se torna mesmo privilégio dos que
são realmente grandes. (FOUCAULT, 1987, p.61).
Ao ingressar na instituição, após os procedimentos de rotina, o adolescente
recém-chegado é encaminhado para o convívio com os demais adolescentes
internos. Estes, por sua vez, aproximam-se do novato e, antes mesmo de perguntar-
lhe o nome, questionam: em que caiu”? A expressão diz respeito ao artigo do
Código Penal que corresponde à infração cometida pelo novato.
A identificação do artigo do Código Penal fala de uma representação com o
mundo em que esses jovens estão inseridos, o “mundo do crime”, conforme
designado por eles próprios. E assim tais jovens se identificam: como semelhantes,
com uma linguagem própria que os aglutina entre si e os distancia da chamada
sociedade. A identidade de bandido permanece e se solidifica.
Sabemos que em nossa sociedade contemporânea, em que o apelo ao
consumo se de modo ilimitado, o ato infracional pode ser justificado,
principalmente quando se trata de pessoas de posição social menos favorecida. No
entanto, podemos verificar que o número de jovens de classe média que cometem
crimes vem crescendo significativamente.
Conforme relato dos adolescentes, um lugar de exceção é a favela, que
participa da constituição de uma identidade para o sujeito adolescente vinculado à
transgressão. As falas apontam um antagonismo “favela asfalto” que demarca
territórios. A favela é tida como lugar do mundo do crime (glorificado) onde se
encontram os bandidos, em contraposição ao asfalto, lugar das “vítimas”
54
e da
sociedade.
Entendemos que o significante “bandido” vinculado à procedência do sujeito
surge como um ideal que aglutina o grupo e o diferencia dos demais, criando uma
marca para aqueles sujeitos. Marca essa que, hoje, seduz também os jovens “do
asfalto”, que começam a subir os morros para frequentar o “mundo do crime”.
54
Maneira com que os adolescentes se referem às pessoas que foram alvo de seus atos infracionais.
70
Estamos falando daquilo que os meios de comunicação não cessam de
anunciar: o crescente quadro de violência que atinge nossa sociedade.
Conte (1997) traça pontos de aproximação entre os atos delinquentes e os
episódios toxicomaníacos considerados recurso para a sustentação subjetiva do
adolescente moderno. A autora afirma que tais atos se apresentam como via para
alcançar o sucesso, a exceção e o reconhecimento. No entanto, na ausência de
pontos referenciais, os atos delinquentes e toxicomaníacos têm servido para alguns
adolescentes como ancoragem e não apenas como um passeio informal motivado
pela curiosidade.
Conforme vimos, a constituição do humano se via reconhecimento, ou
seja, somente existimos como realidade humana pelo reconhecimento do outro. A
relação com o outro implica reconhecimento e, em nosso estudo, vimos sua
importância entre os semelhantes. Entendemos que quanto menor o
reconhecimento, maior a possibilidade de deflagração da violência. Podemos inferir
que o advento da violência ocorre como tentativa desesperada de o indivíduo ser
reconhecido.
Falamos, portanto, do adolescente que pratica um ato infracional e que no
percurso de sua história nunca foi reconhecido. É importante salientar que, em
nosso estudo, abordamos sujeitos classificados institucionalmente como autores de
ato infracional de nível médio e grave, além dos reincidentes médio e grave
55
.
Portanto, entendemos que o fenômeno da violência esteja presente na trajetória de
vida desses sujeitos.
Entendemos que esse adolescente, em sua constituição subjetiva, precisou
se valer do artifício da violência, ou seja, da prática do ato infracional, a fim de se
constituir como sujeito.
Acreditamos que oportunizar a circulação da palavra a fim de possibilitar uma
ressignificação de seu ato seja imprescindível aos que lidam com adolescentes em
conflito com a lei. Isso porque entendemos que, ao atuar, o adolescente confia ao
outro o trabalho de decifrar seu agir; nesse sentido, o ato infracional pode servir
como apelo por reconhecimento. Sob a fragilidade de uma lei que lhe sirva de norte,
esse sujeito pode sucumbir à violência com o objetivo de conservar uma identidade,
um lugar, mesmo que seja a de infrator.
55
Tal nomenclatura corresponde respectivamente à ameaça ou forte ameaça à vítima do ato
infracional ou ainda à ocorrência de danos à integridade física da vítima.
71
Trabalhamos com a hipótese de que ao viabilizar uma escuta que considere
tais aspectos, estaremos próximos de diminuir a lacuna que separa os profissionais
desses sujeitos e, consequentemente, de possibilitar intervenções com adolescentes
no contexto institucional.
3.3. A lei como condição de possibilidade de conquista da autonomia
Vimos que o modo de organização da instituição em que o controle disciplinar
visa a docilização do adolescente está longe de considerá-lo sujeito. Uma vez que o
interesse institucional é a ordem, a oferta (imposta) de atividades tem o objetivo de
alcançar tal ordem e que não o comportamento do adolescente como o conteúdo
de sua fala são censurados, qualquer pretensão de significação do ato (infracional)
cometido torna-se inócua.
No entanto, é imprescindível pontuar que quando questionamos o controle
disciplinar não estamos abdicando de regras nas instituições. O que ponderamos é a
forma como elas são impostas e o objetivo que perseguem. Entendemos que
qualquer instituição que lide com adolescentes deva ser norteada por normas e
regras. Isso porque, ao se distanciar da infância, o adolescente está também na
condição de afastamento daquilo que denominamos heteronomia e caminha em
direção à autonomia.
A palavra heteronomia é formada pelo prefixo hetero (outro) e o sufixo nomia
(normas). O homem heterônomo está sujeito à vontade do outro, em uma
circunstância em que não consciência moral
56
. Nesse sentido, a criança é
essencialmente heterônoma, ou seja, ela depende das normas do outro (adulto). À
medida que cresce, conquista gradativamente a autonomia; em outros termos, suas
próprias normas.
O conceito oposto ao de heteronomia é o de autonomia, palavra formada por
auto (próprio) e nomia (normas). Diz das leis que o sujeito tem interiorizadas em si.
56
Conceito da teoria moral de Kant, que serve de base para a teoria moral de Piaget. Segundo esses
autores, a consciência moral, ou os critérios da moralidade, pertence à razão (FREITAG, Bárbara.
Itinerários de Antígona: A questão da moralidade. São Paulo: Papirus, 1992).
72
Assim, o adolescente sai de uma condição de submissão às normas dos outros e vai
em busca de suas próprias normas, a partir de relações de reciprocidade e de
reconhecimento.
Ao considerarmos a condição de passagem da heteronomia para a autonomia
feita pelo adolescente, regras e normas disciplinares são fundamentais. De outra
forma, pode ocorrer o que a prática nos demonstrou em outro momento nessa
mesma instituição: a renúncia de qualquer compromisso com os adolescentes
internos, sob forma de total ausência de regras ou de rotina.
Após diversas ocorrências veiculadas nos meios de comunicação acerca da
crise na Febem, uma equipe de dirigentes assumiu as Unidades de Internação e
Internação Provisória do Guarujá. Com o discurso de implantação de um projeto
denominado “Novo Olhar”, a direção e os cargos de confiança da instituição foram
substituídos por essa equipe, que tinha como premissa de trabalho a oferta de total
liberdade aos adolescentes. O discurso da equipe, embasado em uma interpretação
distorcida do Estatuto da Criança e do Adolescente, entendia por sujeitos de direitos
a prerrogativa de os adolescentes fazerem o que quisessem. Nesse cenário, a
permissividade encontrava-se na não obrigatoriedade em frequentar o ensino formal,
na questão de dormir e acordar em qualquer horário, além do constante uso de
drogas e de álcool no interior da instituição. É interessante notar que durante esse
curto período
57
houve o maior registro de atos violentos praticados entre os
adolescentes internos.
Assim, entendemos que a autonomia está em construção na adolescência,
pois nesse momento o sujeito está se afastando das normas alheias e instituindo
suas próprias. Nesse sentido, é imprescindível a presença de uma lei que norteie o
sujeito. No âmbito da nossa questão, o adolescente em conflito com a lei, essa
necessidade torna-se ainda mais imperativa, visto que, na história de vida desses
sujeitos a lei, por vezes, encontra-se frágil. A esse respeito, é interessante notarmos
na fala dos adolescentes a expressão: “sempre fui bicho solto”. Entendemos que se
trata de um apelo a uma lei, a algo que norteie esse sujeito e lhe sustentação
para suas escolhas futuras.
Portanto, as instituições que acolhem esses sujeitos não podem abdicar de
regras e normas. Tais prescrições devem, no entanto, ser formuladas visando o
57
De outubro de 2001 a abril de 2002.
73
cuidado com os adolescentes, considerando-os sujeitos com história e singularidade
e não almejando o arranjo institucional que vislumbre a ordem e o disciplinamento
com fins de controle.
Nesse sentido, é importante que o adolescente, ao ingressar na instituição,
saiba como funciona a lei e quais são os ideais institucionais (ALTOÉ, 2004). Estes,
no entanto, não podem esmagar o sujeito; deve haver espaço para a singularidade.
O que vemos, porém, é que os ideais institucionais de reeducação, disciplinamento
e adestramento do adolescente aniquilam qualquer possibilidade de manifestação
do desejo e de reconhecimento desse sujeito.
Entendemos que os profissionais que trabalham com adolescentes em
conflito com a lei devem considerar aquilo que esse sujeito tem a dizer. No entanto,
as instituições tendem ao fechamento, à padronização de fala e de comportamento,
o que implica o apagamento do sujeito. O profissional que acolhe o adolescente é
portador do discurso institucional. Com isso, a relação entre esse profissional e o
interno tende a ser mais que distante, tende a ser opositora.
74
CAPÍTULO IV
SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA: A SOBERANIA
DO INDIVÍDUO E O DECLÍNIO DA AUTORIDADE
São diversos os autores que estudam a contemporaneidade. Na vasta
bibliografia disponível acerca do tema, diversas terminologias são utilizadas para se
referir aos tempos atuais: modernidade tardia (Guiddens), modernidade líquida
(Bauman), hipermodernidade (Lipovetsky e Aubert), capitalismo tardio (Jamenson).
Não pretendemos aprofundar a discussão sobre tais concepções que guardam suas
divergências. No entanto, por uma questão didática, utilizaremos o designo Pós-
Modernidade para nos referirmos à condição sociocultural contemporânea.
É interessante o posicionamento de Kumar (1997) acerca dessa temática.
Relacionada à forma de sociedade pós-industrial, a era pós-moderna é marcada por
incessantes opções. Tais opções são consequências da explosão das informações,
da comunicação mundial, da cibernética. Com os avanços tecnológicos, o sujeito
não está mais localizado em um determinado ponto do tempo e do espaço. Ele está
disperso, dissolvido no corpo social, por intermédio da comunicação via internet, das
transmissões ao vivo de eventos culturais ou políticos acontecidos em outros países.
(KUMAR, 1997).
A concepção contemporânea do sociólogo britânico Anthony Giddens (1997)
se relaciona ao que ele nomeia sociedade pós-tradicional. Na maneira de viver
dessa sociedade, segundo o autor, a constante mudança é fenômeno característico.
Tal fenômeno desemboca em um esvaziamento cultural, em que os costumes locais
designam significados alterados por influências globalizadoras.
Para Giddens (1997), vivemos atualmente um processo de dissolução da
tradição. A autoridade, que na tradição possui regras especificadas, nas sociedades
pós-tradicionais perde a dimensão pessoal e é baseada em normas e direitos
individuais. Dessa forma, a sucessão de gerações, que é o meio para transmissão
de símbolos e práticas tradicionais, perde a importância.
Com relação a essa temática, Arendt (2000) nos oferece uma profícua
reflexão acerca da crise na educação atual. Tal crise reflete, de maneira incisiva, no
modo de subjetivação do adolescente autor de ato infracional. Segundo a autora, a
75
educação tem, em sua natureza, autoridade e tradição. No entanto, na
contemporaneidade observamos uma crise nesses setores: o mundo não está
estruturado nem pela autoridade e tampouco está mantido coeso pela tradição. A
autora refere a importância do conservadorismo
58
: “[...] parte da essência da
atividade educacional, cuja tarefa é sempre abrigar e proteger alguma coisa, faz
parte da essência da educação, cuja tarefa é abrigar e proteger.” (ARENDT, H.
2000, p.242).
Quando o adolescente autor de ato infracional afirma: “Sempre fui bicho
solto”
59
, podemos entender a importância do conservadorismo na educação como
garantia da possibilidade de sustentação de futuras escolhas. É importante deixar
claro que o conservadorismo é válido somente nas relações que implicam adultos e
crianças, ou seja, no âmbito da educação
60
. Assim, a autoridade é dever do
educador. Nesse sentido, ela (a autoridade) deve ser associada à responsabilidade
(ARENDT, 2000). Em outros termos, ao removermos a autoridade, abrimos mão da
responsabilidade.
4.1. Violência e reconhecimento: possibilidades do sujeito adolescente
“Quem entra nessa vida busca pegar moral,
respeito ou fazer nome.”
61
Uma característica dos nossos tempos que reflete, de maneira incisiva, no
modo de ser sujeito do adolescente em conflito com a lei é o individualismo
exacerbado. Observamos que a Modernidade trouxe a perspectiva do individual
descolada de qualquer responsabilidade coletiva. A promoção do indivíduo passa a
ser a marca de nossa sociedade. Esse indivíduo é reconhecido por si mesmo, sem a
58
No sentido de conservação.
59
Ver subitem 3.3. A lei como condição de possibilidade de conquista da autonomia.
60
Nesse sentido, é importante diferenciar as relações democráticas e as de educação. A primeira se
estabelece exclusivamente entre adultos, que faz parte da política (vida pública). Aquilo que diz
respeito à relação entre adultos e crianças é a educação. (ARENDT, 2000).
61
Fala de adolescente com relação à entrada na criminalidade.
76
mediação de um terceiro, de uma lei que norteie seu agir. E qual seria a
consequência da ausência dessa mediação?
Parece-nos que seria aquilo que Drawin (2006) denomina colapso da
subjetivação. O autor atribui ao colapso o surgimento dos bandos, das gangues, da
violência extrema, além de outros fenômenos da Pós-Modernidade
62
. Segundo ele,
são formas de remediar a falta do Outro, que o sujeito “dessimbolizado” procura
tornar-se, ele mesmo, o Outro, se autorreferenciar. No entanto, observa o autor, sem
o assujeitamento, ou seja, sem passar pelo olhar do outro é impossível se tornar
sujeito, já que é pelo outro que nos constituímos como tal.
Nesse ponto é importante retomarmos a problemática do reconhecimento.
Como vimos em Hegel, para que haja o reconhecimento, é necessário o outro.
Assim, o reconhecimento de si pelo outro. Vimos também que o
reconhecimento se conquista meio à luta, ou seja, ao conflito, assim como todo e
qualquer aspecto da vida humana: o ser humano é conflito.
Desse modo, podemos afirmar que, pela ótica hegeliana, o adolescente autor
de ato infracional, ao se autorreferenciar, pode estar na posição de uma consciência
que lida com o outro (vítima de seu ato) como objeto (de consumo, facilmente
destruído após o uso). Ao abordar a vítima de seu ato, o que está em jogo não é a
troca simbólica em si, que não relação de reciprocidade, mas o objeto de
usurpação. Dessa maneira, ao lidar com o outro não como outra consciência, mas
como objeto, isto é, quando o outro é coisificado, não é possível reconhecê-lo.
Dessa forma, o ato violento pode ser facilmente deflagrado, que o indivíduo que o
pratica não se reconhece no outro que é apenas uma ‘coisa’.
Calligaris (2000) afirma que o sujeito contemporâneo é mais insatisfeito, quer
sempre mais e, assim, produz e consome mais, porque sempre deve querer mais
que os outros. Não há objeto, posição social e coisa alguma que apague essa
insatisfação. O sujeito se relaciona com o mundo incluindo as pessoas como
objetos. que não é preciso haver o reconhecimento do objeto, torna-se muito fácil
aniquilá-lo ao consumi-lo. Assim, como qualquer objeto de consumo, também as
pessoas são aniquiladas após o uso.
Essa reflexão abstrata nos permite pensar acerca do ato violento praticado
por adolescentes. A privação de liberdade é a mais severa medida socioeducativa e
62
Entre esses fenômenos, segundo Drawin (2006), estão as seitas, a negação do real, as
personalidades múltiplas, a depressão, os ataques de pânico, entre outros.
77
deve ser atribuída aos adolescentes cujos atos infracionais correspondem à ameaça
a si ou à sociedade. Tais atos demonstram a banalidade da vida humana quando,
em nome de um objeto (de usurpação), ela é aniquilada. Isso pode ocorrer devido à
falta de reconhecimento do adolescente, [...] “por não ser reconhecido dentro do
pacto social, tenderá ser reconhecido ‘fora’ ou contra ele.” (CALLIGARIS, 2000,
p.41).
Entendemos que, por vezes, o adolescente autor de ato infracional, em sua
constituição subjetiva, precisou se valer do artifício da violência para se constituir
como sujeito, a fim de evitar a morte subjetiva.
Assim, vemos cada vez mais presente o advento da violência no ato
infracional cometido por adolescentes. Podemos inferir que tais atos implicam o
atravessamento social marcado pela cultura contemporânea balizada pelo
individualismo, pelo não reconhecimento do outro e, consequentemente, pelo
declínio da autoridade.
4.2. Sociedade contemporânea e o fenômeno adolescência
Entendemos que a adolescência é marcada por atravessamentos
socioculturais. As mudanças sociais, como a falência dos grandes ideais, dos ritos
de passagem e o presente intensificado colaboram para a construção de um
determinado modo de subjetivação. Esse modo marca o o sujeito adolescente,
mas também caracteriza uma forma de ser contemporâneo. Chamamos fenômeno
adolescência esse modo de ser peculiar presente em nossa sociedade e cultura
atuais. O que marca esse fenômeno são algumas características presentes na
constituição subjetiva do adolescente.
Podemos verificar, nos dias de hoje, certa tendência em permanecer em
grupos. Com a falência de valores universais, o adulto contemporâneo, assim como
o adolescente, tende a se reunir em pequenos grupos reivindicatórios. Tais
reivindicações dizem respeito a seus respectivos grupos e não a uma questão
universal de direito de todos. Fragmentada, a sociedade contemporânea cultua o
individualismo ou aquilo que é de interesse de seu grupelho.
78
O grupo, que na adolescência serve de amparo para a moratória imposta
pelos adultos (CALLIGARIS, 2000), na atualidade permanece e se solidifica também
no mundo adulto, tornando-se um refúgio no qual a cidadania e a universalidade
cedem lugar ao direito à diferença.
Outra característica marcante da adolescência é a temporalidade. Knobel
(1981) refere que o adolescente vive certa deslocalização, convertendo o tempo
presente ativo em uma tentativa de manejá-lo. Dessa forma, as urgências são
enormes e as postergações são aparentemente irracionais.
Em uma sociedade em que o produto (objeto) é a marca das relações e
trocas simbólicas, a dimensão temporal
63
assume nova configuração. O valor
encontra-se no produto final. Assim, o processo e a elaboração tornam-se difíceis.
Tempo e objeto, portanto, são dois elementos que merecem nossa atenção
por serem imperativos na compreensão da cultura contemporânea e por
influenciarem na constituição subjetiva do adolescente.
Koltai (2002) aborda o tema da Pós-Modernidade e sua incidência sobre a
subjetividade. Ele refere que na atualidade a relação tempo espaço mudou:
O tempo, antes histórico, se torna, agora, operatório, como o tempo da
técnica, que só conhece futuro. Um futuro que, no entanto, deixou de ser a
atualização progressiva, difícil e arriscada de um potencial inscrito no
passado e de um presente que decorre deste passado. Na sucessão –
passado, presente, futuro no lugar de um futuro esperado ou ao qual
somos obrigados a nos submeter, tem-se um futuro produto. (KOLTAI,
2002, p.38) (grifos nossos).
Segundo a autora, com essa mudança temporal, o sujeito se instala em um
mundo onde há a promessa de um acesso direto e imediato ao objeto. Os processos
lentos, como o luto, tornam-se intoleráveis.
O luto, de acordo com a Psicanálise, diz respeito à perda relativa a um objeto.
É um processo que exige tempo para ser elaborado. Freud (1915/1996) nos lembra:
[...] no luto se necessita de tempo para que o domínio do teste da realidade
seja levado a efeito em detalhe e que, uma vez realizado esse trabalho, o
ego consegue liberar sua libido do objeto perdido. (FREUD, 1915/1996,
p.258) (grifos nossos).
63
Tempo entendido aqui como duração.
79
Em uma sociedade tecno-científica, em que os poderes da ciência nos fazem
crer no impossível, é preciso adquirir incessantemente novas informações (KOLTAI,
2002). O presente se torna a totalidade, a satisfação deve ser imediata e a
preservação do passado está ameaçada, pois, segundo Todorov (2002), nosso
imaginário situa-se num presente perpétuo.
As características que assinalamos da adolescência permanecem na vida
adulta, porém, com certo refinamento. A perspectiva de construção de um amanhã
perde seu sentido, uma vez que não há espaço para um processo.
Ora, em uma sociedade que vive um eterno presente, o que esperar de um
sujeito ávido para ingressar em estatuto adulto? Lembremos que no processo de
luto é necessário certo tempo de elaboração para que seja possível liberar a libido
do objeto perdido.
Se considerarmos que o objeto, nessa perspectiva contemporânea, não se
perde e que o tempo adquire a imagem de presente perpétuo, o processo de luto,
necessário para a inserção no estatuto adulto, perde seu sentido. Esse mundo
adulto que aguarda os adolescentes, em certa medida, não é muito diferente da
ansiedade que vivem. Em uma sociedade em que a satisfação é sempre garantida,
não há lugar para a angústia e o recolhimento; seu ingresso estará fadado à eterna
repetição.
O que observamos é que, na tentativa de tamponar as frustrações,
inconcebíveis no mundo atual, a satisfação torna-se uma pseudogarantia e o
presente perpetua-se. A falta é imediatamente suprida por representações de
objetos fragmentados e substituíveis. Não espaço para o recolhimento, pois o
objeto não se perde. Ao ser determinado pelo objeto, o homem contemporâneo tem,
na eterna garantia de satisfação, sua prisão. Calligaris (2000) afirma que “idealizar
os prazeres da adolescência é uma maneira de querer menos consolo com
perspectivas futuras e mais satisfação imediata.” (CALLIGARIS, 2000, p.70).
Vimos, portanto, que algumas características presentes no processo do
adolescer são também características que marcam a contemporaneidade. A
intolerância aos processos lentos, a tendência em permanecer em pequenos grupos,
a temporalidade convertida em eterno presente o exemplos daquilo que
denominamos fenômeno adolescência. Com isso percebemos um modo de
subjetivação da atualidade muito próximo das características encontradas na
adolescência, o que incide no modo de subjetivação do adolescente.
80
Pensar a adolescência nessa perspectiva e a incidência de tais aspectos da
atualidade implica pensarmos que mundo adulto aguarda nossos adolescentes.
Como ingressar em um universo que conserva as características adolescentes e que
concebe a adolescência como ideal cultural?
O termo ideal cultural é utilizado por Calligaris (2000), que indaga sobre o
porquê de se tornar adulto quando os adultos querem ser adolescentes. Segundo
esse autor, em uma cultura que idealiza a autonomia, a liberdade da adolescência
encarna o maior sonho dessa cultura. Na condição de não mais criança, esse sujeito
pode desfrutar dos prazeres reservados para os adultos sem as dificuldades e as
responsabilidades da vida adulta. Segundo Calligaris (2000), no ideário ocidental,
“eles são adultos em férias, sem lei.” (p.69).
No entanto, para que o sujeito seja considerado autônomo, deve possuir um
compromisso com princípios éticos universais. As leis e os acordos sociais o
válidos porque ele se apóia em tais princípios. Princípios de justiça e de respeito à
dignidade humana tornam-se possíveis porque esse sujeito se reconhece no outro.
O que percebemos, no entanto, é que a autonomia está longe de contemplar
as características do adulto contemporâneo. Esse adulto da atualidade está mais
próximo daquilo que designamos fenômeno adolescência. Isso porque a
adolescência pode ter se tornado um ideal dos adultos.
Ao se reunirem em pequenos grupos identificatórios, em que somente o
interesse desse grupo é considerado, ao não tolerar processos lentos, o adulto
contemporâneo está muito próximo das características que apontamos pertencer à
adolescência e cada vez mais distante do que denominamos autonomia.
O sujeito autônomo, apesar de não viver sem as regras, possui condições de
escolhê-las mediante exames aos quais irá obedecer. A autonomia, nesse sentido, é
o que podemos chamar liberdade.
O que verificamos, no entanto, é que o adulto contemporâneo tem a marca do
objeto como determinante de sua vontade, ou seja, parte de princípios heterônomos.
Encontra-se privado de autonomia e, consequentemente, de liberdade.
Hoje testemunhamos características adolescentes presentes em nossa
cultura e a difícil tarefa do adolescente contemporâneo em se inserir em um estatuto
adulto.
Tratando-se de um sujeito adolescente que comete ato infracional, as
características apontadas acima são ainda mais contundentes. Entendemos que
81
esse sujeito, ao não ser reconhecido no pacto social, intervém para que ocorra tal
reconhecimento. Tal intervenção é consagrada pelo ato violento, objetivando o
alcance do objeto (de consumo) a fim de ser reconhecido. Assim, entendemos que o
adolescente inserido em uma cultura que valoriza o consumo e o objeto buscará o
reconhecimento a partir desses elementos, mesmo que para essa conquista seja
necessário utilizar a violência.
82
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Buscamos, neste estudo, pensar o modo de subjetivação do adolescente
autor de ato infracional que cumpre medida socioeducativa privativa de liberdade.
Para tanto, percorremos um trajeto, inicialmente abstrato, que incluiu a constituição
subjetiva balizada na parábola hegeliana da dominação e escravidão. Consideramos
importante tal reflexão por fornecer elementos acerca do conflito e do desejo de
reconhecimento como condições de possibilidade do fazer-se humano. Nessa
perspectiva, a dimensão do outro é essencial.
A teoria psicanalítica nos mostrou que conflito e reconhecimento estão
presentes, de modo incisivo, na constituição subjetiva. À luz da Psicanálise
refletimos acerca da constituição do infans que, mesmo antes do nascimento,
ocupa um lugar no desejo dos pais. De uma inicial indiferenciação entre Eu e não
Eu, o infans, a partir das primeiras identificações, gradativamente se tornará Um.
Isso significa que a dimensão da alteridade está presente desde a mais tenra idade.
Mencionamos a passagem pelo Complexo de Édipo, momento crucial para a
constituição subjetiva, pois marca o posicionamento do sujeito frente à lei e suas
futuras escolhas de objeto. Será com o reconhecimento da lei que se tornará
possível a passagem do narcisismo primário - que reduz o outro ao duplo de si -
para o narcisismo secundário - que implica o reconhecimento de si e do outro.
Vimos, portanto, que a entrada na intersubjetividade será possível por intermédio
da dialética conflito/reconhecimento que, necessariamente, implica a presença do
outro.
Ainda nesse viés, refletimos acerca da constituição subjetiva do adolescente,
cuja principal tarefa é sair da posição de objeto de desejo dos pais e buscar a
autonomia. As transformações do corpo e a reativação edípica que surge com tais
mudanças impõem ao sujeito nova posição subjetiva. O adolescente afrouxa os
laços familiares e inicia-se a busca por novo objeto sexual, não incestuoso.
O sujeito atravessa um estado conflitivo ao realizar tal trabalho psíquico. Esse
estado envolve a admissão e a elaboração de perdas importantes como o corpo
infantil, além dos modos de se relacionar com o outro.
Assim, entendemos que a adolescência seja, por si só, conflitiva. Nesse
sentido, discutimos a problemática do designo adolescente em conflito com a lei ao
83
buscarmos uma aproximação entre as leis do desejo e a lei do direito. A primeira,
vislumbrada a partir da Psicanálise, enquanto a segunda abordada a partir das
legislações referentes à infância e à juventude no Brasil.
Ao considerarmos que todo modo de relação com o outro esteja amparado
em dada concepção de sujeito, fizemos um recorte nas teorias da subjetividade. Tal
recorte privilegiou autores que compartilham de nosso posicionamento, que
concebem o sujeito constituído a partir do outro e sustentam a subjetividade à luz da
teoria psicanalítica. Tal discussão foi imprescindível para pensarmos os modos de
subjetivação presentes na instituição em estudo, a partir da reflexão acerca dos
modos de relação e o cotidiano institucional.
A partir de alguns discursos presentes no cotidiano institucional, inferirmos
que a instituição reflete as relações vividas socialmente, isto é, a instituição
comporta a imagem especular das relações sociais. Tal constatação realçou nossa
hipótese de que a falta de reconhecimento pode culminar na ação violenta.
Neste ponto cabe uma indagação: afirmamos que as relações institucionais
experienciadas pelos adolescentes privados de liberdade parecem refletir aquelas
advindas do exterior. Nesse sentido, o modo de subjetivação desse adolescente é
delineado também por essas relações. Ao considerarmos que os modos de
subjetivação perpassam o sujeito a partir de sua inserção histórica e social, de que
forma a sociedade contemporânea influi no modo de ser sujeito do adolescente
autor de ato infracional?
Lembremos que nosso estudo busca a compreensão do modo de
subjetivação do adolescente autor de ato infracional, ou seja, as vicissitudes desse
sujeito no contato com o outro. Nesse sentido, ao abordar a vítima de seu ato, o que
está em jogo não é a troca simbólica em si, mas o objeto de usurpação. Podemos
afirmar que esse adolescente está em uma posição que lida com o outro, vítima do
seu ato, como objeto. Ao coisificar o outro, ao lidar com o outro como objeto, não é
possível uma relação de reciprocidade. Desse modo, o ato violento pode ser
facilmente deflagrado.
Essa relação de uso se refere a uma forma de relação característica dos dias
de hoje. Observamos em diversos aspectos da vida cotidiana relações que não
implicam reciprocidade, apenas uso. Tais características se estendem desde as
relações afetivas até as profissionais e no contato diário das diversas formas de
encontro entre os homens. Vários autores problematizam esse modo de vida e de
84
cultura atuais. Utilizam diferentes nomenclaturas para se referir à época atual.
Assim, a reflexão acerca dessa problemática nos permitiu uma aproximação do
modo de ser do adolescente autor de ato infracional.
Tal perspectiva nos foi válida, pois entendemos que as características
presentes na atualidade incidem no processo de subjetivação. Em uma sociedade
postulada nas relações de objeto, em que o individualismo é a marca das relações, o
adolescente autor de ato infracional parece buscar aquilo que se espera do sujeito
contemporâneo: o objeto como garantia de satisfação e reconhecimento. Será,
portanto, a partir do ato que o adolescente garantirá seu registro no social, mesmo
que para isso tenha que se valer do artifício da violência.
85
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