Download PDF
ads:
Horacio Federico Sívori
A
TIVISTAS E PERITOS NO MOVIMENTO GLTTB-AIDS ARGENTINO:
ciência e política da identidade sexual
Tese de doutorado apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Antropologia Social, Museu Nacional,
Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte
dos requisitos necessários à obtenção do título de
Doutor em Antropologia Social.
Orientador: Professor Luiz Fernando Dias Duarte
Rio de Janeiro
2007
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
AGRADECIMENTOS
Esta tese é resultado do estímulo e apóio de muitas pessoas e instituições. Estou em
dívida com os professores e colegas do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social
do Museu Nacional, UFRJ, onde eu sempre achei rigor, curiosidade e desafios intelectuais.
Meu orientador, Luiz Fernando Dias Duarte, com sua proverbial generosidade intelectual, foi
sempre um modelo de engajamento e erudição. Agradeço aos membros da banca de
qualificação, Gilberto Velho e Federico Neiburg, suas valiosas sugestões, e também aos
professores e funcionários do Museu Nacional, especialmente Antonio Carlos de Souza Lima
e Aparecida Vilaça por seu apóio ao meu projeto, e a Tânia Ferreira, que sempre acompanhou
eficientemente o processo administrativo. Meu agradecimento também pela guia aos
Professores Sérgio Carrara e Fabíola Rohden, do Instituto de Medicina Social da Universidade
do Estado do Rio de Janeiro, às Professoras Jane Russo e Ana Teresa Venâncio, do Projeto
Integrado de Pesquisa Psico-Rio, e ao Professor Ricardo Benzaquem, do Instituto
Universitário de Pesquisa do Rio de Janeiro.
Entre os colegas e amigos “de turma”, quero agradecer especialmente aos membros do
Grupo de Pesquisa sobre Processos de Politização no Cone Sul (CAS/IDES), Laura Zapata,
Mariana Paladino, Rolando Silla, Laura Masson, pela amizade, estímulo e inteligentes
comentários. Uma nota aparte merece Virginia Vecchioli, impulsora desse grupo, pelas
estupendas dicas e interesse no meu trabalho, a partir de felizes coincidências em nossos
achados e perspectivas. Last but not least, meu caro colega e amigo Román Goldenzweig
merece um agradecimento especialíssimo por sua fiel e estimulante companhia intelectual e
perícia como revisor. Ainda do doutorado do PPGAS, quero agradecer a simpatia e estímulo
dos colegas Fernando Rabossi, Silvina Bustos Argañaraz, Hernán Gómez, María Elvira Díaz
Benítez, Andrea Lacombe e, especialmente pelo auxílio brindado durante as horas mais
intensas da redação final, a Andrea Roca.
ads:
Pude cursar o doutorado no PPGAS/MN-UFRJ graças a bolsas da Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e da Fundação de Apóio à Pesquisa
do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ). A pesquisa de campo foi possível graças ao auxílio
financeiro do PPGAS, com fundos oriundos do PROAP/CAPES, e do projeto Cidadania
Sexual com sede na Universidade Peruana Cayetano Heredia, com fundos da Fundação Ford.
Desse projeto agradeço o cálido apoio na gestão de Griselda Pérez Luna, Carlos Cáceres, e o
estímulo de Veriano Terto, que atuou como consultor acadêmico do meu projeto. Em 2004 e
2005 eu fiz duas visitas acadêmicas aos Estados Unidos, a primeira durante dois meses para
fazer pesquisa bibliográfica, graças ao apóio da Wenner Gren Foundation for Anthropological
Research. Agradeço a meus anfitriões da Universidade da Califórnia em San Francisco
(UCSF), Philippe Bougois e Vinçanne Adams, do Programa de Anthropologia Médica, e
muito especialmente a hospitalidade de Susan Kegeles e André Maiorana, do Center for AIDS
Prevention Research (CAPS) da mesma universidade. Ainda de San Francisco, agradeço as
generosas sugestões de Héctor Carrillo, de Jane Galvão e de Ben Peacock. A segunda visita
foi mais breve, com apóio da Latin American Studies Association, para participar do
congresso dessa associação e visitar UCSF durante uma semana. Agradeço à minha co-
organizadora da sessão do congresso da LASA, Cymene Howe, aos participantes da mesa, e
especialmente ao organizador da sessão do Qualitative Working Group do CAPS/UCSF,
Nicolas Sheon.
Agradeço aos colegas de Buenos Aires que acompanharam a pesquisa e discutiram
várias versões preliminares de partes desta tese: Daniel Jones, Hernán Manzelli, Carlos Fígari,
Graciela Sikos, Micaela Libson, Renata Hiller e colegas do Grupo de Estudios sobre
Sexualidades do Instituto Gino Germani (GES/IGG), Universidade de Buenos Aires, pela
estimulante troca e o carinho. O coordenador desse grupo, Mario Pecheny, merece uma
menção especial por seu generoso apóio, de inúmeras maneiras, em todas as instâncias desta
pesquisa. Meu agradecimento também aos colegas do Centro de Antropologia Social do
Instituto de Desarrollo Económico y Social (CAS/IDES) por seu generoso apoio e
comentários no encontro do Seminário Permanente desse Centro, donde apresentei uma versão
de um dos capítulos da tese, especialmente a meus amigos Sergio Visacovsky e Ana
Domínguez Mon pela sua dedicada leitura.
Também meu imenso agradecimento aos colegas e parceiros regionais do Centro
Latino-Americano de Sexualidade e Direitos Humanos (CLAM) pelo apoio e imenso estímulo
intelectual durante os últimos dois anos. Finalmente agradeço a minha família e amigos na
Argentina por sua paciência comigo durante todos estes anos.
Esta tese é resultado de um longo percurso, que começou lá em Rosario, Argentina, na
década de 1980, quando tive meus primeiros contatos com os ativistas gays dessa cidade, já
mobilizados pela aparição da AIDS, que continuou quando viajando no Brasil em 1987
descobri o livro O negócio do desejo, de Nestor Perlongher, e que em 1992 me levou de volta
a Rosario para o campo da dissertação de mestrado sobre o ambiente gay dessa cidade. Os
agradecimentos devem começar pelo apóio e carinho recebido naqueles anos dos militantes
das antigas organizações gays de Rosario, o Movimiento de Liberación Homosexual (MLH),
Voluntarios Contra el Sida e Colectivo Arco Iris. Pelo apóio brindado para esta pesquisa
agradeço muito especialmente aos ativistas, voluntários e quadros profissionais de
organizações GLTTB e projetos de prevenção da AIDS, e aos psiquiatras, psicanalistas e
psicoterapeutas argentinos que me acolheram entre 2002 e 2004. Para proteger sua
privacidade, as fontes orais têm recebido pseudônimos.
RESUMO
SÍVORI, Horacio Federico. Ativistas e peritos no movimento GLTTB-AIDS argentino: ciência e
política da identidade sexual. Rio de Janeiro, 2007. Tese (Doutorado em Antropologia Social) -
Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de
Janeiro, 2007.
Uma série de debates, de ações políticas e de expressões artísticas e culturais vem
colocando na Argentina, desde a transição democrática na década de 1980 e recorrentemente
durante a última década, “a questão homossexual” como foco de regulação pública. Um
conjunto de atores identificados como “ativistas GLTTB” (gays, lésbicas, travestis, transexuais e
bissexuais) formulam demandas públicas de acesso igualitário a bens materiais e simbólicos para
as pessoas “vulnerabilizadas” por situações de discriminação e violência, visando a sua inclusão,
baseada em um regime de cidadania mais plena na sociedade nacional. A partir do engajamento
com o combate à AIDS, da constituição de um “mercado gay” e da expansão e diversificação do
chamado “movimento GLTTB”, a identidade sexual veio a ocupar um lugar de singular
preponderância pública, conectando espetáculo e crítica cultural, saúde e direito, religião,
ciência e política.
Esta tese trata das regulações produzidas em função da constituição de campos de
ativismo associativo, de participação política, de produção e circulação de conhecimento e de
intervenção técnica, delimitados por categorias de identidade sexual. Essa produção é observada
através da conformação dos espaços sociais onde essas regulações operam, o chamado de
“movimento GLTTB” e a denominada “comunidade GLTTB e de outros homens que fazem
sexo com homens”; assim como da legitimação dos atores políticos e científicos que orientam e
conduzem esse processo em um espaço nacional.
PALAVRAS-CHAVE: Homossexualidade, Movimentos sociais, Identidades sexuais,
Antropologia da política, Antropologia da Ciência.
ABSTRACT
SÍVORI, Horacio Federico. Ativists and experts in the Argentine GLTTB-AIDS movement: the
science and politics of sexual identity. Rio de Janeiro, 2007. Dissertation (PhD in Social
Anthropology) - Graduate Program in Social Anthropology, Federal University of Rio de Janeiro, Rio
de Janeiro, 2007.
A series of debates, political actions, cultural and artistic expressions have been bringing,
since the 1980’s democratic transition and recurrently during the past decade in Argentina, “the
homosexual issue” as focus of public regulation. A set of actors identified as “GLTTB (gay,
lesbian, transvestite, transsexual and bisexual) activists” are making public demands for
egalitarian access to material and symbolic goods for persons made “vulnerable” due to
situations of discrimination and violence, seeking their inclusion based on a wider regime of
citizenship in national society. Ever since the engagement in the fight against AIDS, the
constitution of a “gay market” and the expansion and diversification of the so-called “GLTTB
movement,” sexual identity has taken a role of unique importance, connecting show business
and cultural critique, health and rights, religion, science and politics.
This dissertation examines the regulations involved in the constitution of a field of
associative activism and political participation, of production and circulation of knowledge, and
of technical intervention, laid out by sexual identity categories. This production is observed
through the conformation of two social milieus where those regulations operate, the one so-
called “GLTTB movement” and the so-called “community of GLTTB and other men who have
sex with men”; as well as through the claims for legitimacy of the political and scientific actors
leading this process at one national space.
KEYWORDS: Homosexuality, Social movements, Sexual identities, Anthropology of politics,
Anthropology of science.
SUMÁRIO
T
ÍTULO PÁGINA
I
NTRODUÇÃO.
A
VIDA SEXUAL DOS CIVILIZADOS. CIÊNCIA E POLÍTICA DA IDENTIDADE
SEXUAL
9
C
APÍTULO 1.
A
POLÍTICA GLTTB NA ARGENTINA. “O MOVIMENTO
39
I
NTRODUÇÃO.
P
ANORAMA DO ATIVISMO GLTTB EM 2002. 39
1. A
GESTA PELA UNIÃO CIVIL 46
2. A
IDENTIDADE COMO BASE DO ENGAJAMENTO 60
3. C
RONOLOGIA DO MOVIMENTO 61
3.1. Ativismo jurídico 61
3.2. Perspectivas cronológicas 65
3.3. O ativismo “revolucionário” da FLH. O tempo da libertação. 68
3.4. A fundação da CHA. O tempo da organização. 73
3.5 Expansão, diversificação e diferenciação: identidades 85
4. A
S DISPUTAS. A MARCHA DEL ORGULLO. 95
5. P
RÁTICAS DE HISTORIZAÇÃO. 102
C
ONCLUSÃO.
O
S TEMPOS DO ATIVISMO
107
C
APÍTULO 2.
O
MAL-ESTAR DA HOMOSSEXUALIDADE NO CAMPO PSI.
110
INTRODUÇÃO 110
1. “U
M AMOR MAIS DIGNO” 110
2. “O
HOMOSEXUAL”, ENTRE A CULTURA E A PROFISSÃO PSICANALÍTICA 115
3. O
HOMOSEXUAL E A ESCOLA (DE PSICANÁLISE) 123
4. O
S TERAPEUTAS GLB” 128
5. A
CLÍNICA 135
6. F
AMÍLIAS 139
C
ONCLUSÃO 143
C
APÍTULO 3.
C
IÊNCIA E POLÍTICA DA IDENTIDADE SEXUAL NO CAMPO DA PREVENÇÃO DA
AIDS.
148
I
NTRODUÇÃO. 148
1.
A PREVENÇÃO DA AIDS 148
2.1 As campanhas 148
2.2 Agentes de prevenção 156
2.
A REDE 161
3. H
OMOSSEXUALIDADE, AIDS, SAÚDE SEXUAL E DIREITOS HUMANOS”: O
PAPEL DAS ONG GLTTB.
169
4.
FRONTEIRAS EM RISCO 174
5. “...
E OUTROS HOMENS QUE FAZEM SEXO COM HOMENS.” 196
5.1. Os “HSH” 196
5.2 “Outros HSH” 200
C
ONCLUSÃO 203
C
ONCLUSÕES
212
R
EFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
218
ANEXO
I.
L
EI DE UNIÃO CIVIL DA CIDADE DE BUENOS AIRES
240
ANEXO
II.
M
ATÉRIA PAGA DA COMUNIDAD HOMOSEXUAL ARGENTINA, JORNAL
CLARÍN, 1984 242
ÍNDICE DE TABELAS E ILUSTRAÇÕES
NUMERAÇÃO Título Página
TABELAS
2
Quadro cronológico das organizações GLTTB argentinas,
1969-2000.
85
3 Organizações participantes da TF Argentina / CONADISE,
2002-2004
160
I
LUSTRAÇÕES
1 Ativistas congregados enfrente à porta do Palácio do
Legislativo da Cidade Autônoma de Buenos Aires, aguardando
a sanção da lei de união civil
47
2 Ativistas lésbicas se beijando para as câmeras, aguardando a
sanção da lei de união civil
49
3 Capa do primeiro número da revista SOMOS 71
4 Matéria paga da CHA 74
5 Capa da revista Siete Días 77
6 Anúncios de psicoterapias 133
7
Anúncio do beijo homossexual 150
8
Anúncio para diversos segmentos 153
9 Censura 155
10 Flyer de prevenção 166
11. Anúncio de serviços de ONG 189
9
INTRODUÇÃO
A VIDA SEXUAL DOS CIVILIZADOS. CIÊNCIA E POLÍTICA DA IDENTIDADE SEXUAL
1.
“Soy gay”. “Soy lesbiana”. “Soy bisexual”. “Soy cualquier cosa,
menos un heterosexual puro y duro”, Para demostrar que los tiempos
han cambiado, la confesión ya no tiene lugar ante el cura (o ese
sucedáneo moderno, el diván del psicoanalista) sino que lo más
democrático es hacerlo frente a los laicos medios de comunicación.
(Zeiger, 2001)
Embora o formato não seja o do tratado acadêmico, mas o de coluna cultural de
jornal, o percurso através dos locais da “incitação aos discursos” da sexualidade evoca o
célebre mote de Michel Foucault na sua Historia da Sexualidade (1977). Em tom de
paródia, o período histórico é estendido para abranger o contexto contemporâneo
argentino, onde o dispositivo da confissão aparece encenado em rede nacional de
televisão. O ano é 2002 e a matéria responde a uma recente avalanche daquilo que o
cronista chama de “confissões” em meios massivos de comunicação de alcance
nacional. Os casos mais notórios foram o de um apresentador, de um ator, de um
participante de reality show e de um dançarino de sucesso internacional, os três
primeiros em rede nacional de televisão e o último em matéria de capa da revista de
domingo do jornal de maior vendagem no país. A crônica destaca como declarações que
há algum tempo teriam significado uma condenação social quase unânime, agora
pertencem à ordem do relativamente corriqueiro, embora o espetáculo televisionado
continue a explorar o relativo escândalo que ainda suscitam. O comentário é exemplar
de um estilo de crítica cultural hoje recorrente a respeito do estado atual da questão
homossexual, tal como ela é processada na esfera pública nacional, onde cada local de
exposição e cada qualificação atribuída marca uma parada crucial de um percurso
10
problemático. O cronista chama a atenção acerca de como, trocando vestes e local de
exercício entre a esfera religiosa, a clínica psicanalítica e a esfera pública, o controle
social do desvio sexual se reafirma através de renovados atos de confissão. A clínica
psicanalítica seria o “sucedâneo moderno” da confissão cristã e, no momento atual, o
local desta última trasladar-se-ia da relativa intimidade do consultório para o palco
público. Nisso consistiria – ironiza o cronista – a democracia. A ironia recobre ainda a
qualificação dos meios de comunicação como laicos; a comparação sugere ainda uma
potente similitude entre esse novo palco e a nave da Igreja.
1
Os três locais da série referem metonimicamente aos ‘campos’ de produção
discursiva da declaração de identidade sexual desviante: o religioso (o confessionário),
o científico (o divã do psicanalista), o político (a esfera pública). Trata-se de um
percurso lícito tanto para a cobertura jornalística quanto para a crítica cultural: o objeto,
a declaração em primeira pessoa de uma identidade sexual, é eminentemente construído
como problema. Em texto recente sobre os diversos fenômenos associados com a
globalização, enquanto qualidade e processo em si que define os tipos de conexões e
espaços nos quais determinadas práticas culturais contemporâneas – como as
organizadas em torno de identidades sexuais – são desenvolvidas, Ong e Collier
recorrem às formulações de Hannah Arendt, Michel Foucault e Karl Polanyi acerca da
singularidade do humano para ancorar a definição do que eles chamam de ‘problema
antropológico’. Este é específico de uma disposição concreta e limitada de situações
históricas (a antiguidade clássica, a modernidade) e é definido como “an interest in the
constitution of the social and biological existence of human beings as an object of
1
Numa passagem posterior, a observação já não é irônica: “Si se raspa la cáscara del sensacionalismo, las
pullas y el morbo implícito en toda esta movida, queda en pie la primera triste conclusión: se trata de
revestir la intimidad o la reflexión acerca de la sexualidad bajo la arcaica forma de ‘confesión’ (también
conocida, eufemísticamente, como ‘reconocimiento público’). Todavía hoy la sexualidad sigue siendo
algo que se debe confesar (o sea, que en algún rinconcito del corazón tiene un resto de pecado o de delito
implícito).” (Zeiger, op. cit.)
11
knowledge, technical intervention, politics and ethical discussion” (Ong e Collier, 2005,
p. 6). A proposta desta tese é estabelecer, com relação à identidade sexual na Argentina,
que singulares condições sociais fizeram possível com que, no final do Século 20, suas
manifestações viessem a ocupar um lugar de singular preponderância pública,
conectando espetáculo e crítica cultural, saúde e direito, religião, ciência e política;
quem são os agentes e práticas específicas que ativam esse campo discursivo e quais
suas trajetórias. Será crucial frisar, nesse aspecto, a constituição de um movimento
social em torno da temática, ou seja, o agrupamento de pessoas em prol de mudanças
sociais em função de um interesse comum.
Filleule (1997:37-39, apud 2001, p . 19) define movimento social como:
Toute organisation, ou groupe d’organisations, mettant em oeuvre des
stratégies d’action composées de séries d’interactions avec des cibles
et qui comporte, de manière privilégiée, le recours à l’action
protestataire” [...] c’est-à-dire “une action concertée dirigée d’abord
vers tel ou tel secteur de l’État”.
Uma série recente de trabalhos sobre a emergência do Lesbian and Gay Movement
se preocupam por explicar as condições dessa mobilização (Adam et al., 1999),
2
mas o
isolamento destas condições corre o risco de produzir dois efeitos de naturalização: de
uma parte, separar a formação de identidades sexuais, considerando-as como atributos
imutáveis do sujeito engajado, formadas com anterioridade ao processo de engajamento.
Da outra parte, situar a origem do movimento por fora da esfera estatal, numa esfera
comunitária anterior e autônoma, que demanda e reclama do Estado – sendo construída
portanto como exterior a este. Esta tese parte da convicção de que as declarações de
identidade que operam nos movimentos não são meramente condição, mas efeito da
mobilização, e observa em trajetórias ativistas a mútua dependência dos elementos
2
O caso da Argentina é analisado por Pecheny (2001). Para o caso do movimento brasileiro, a análise
desenvolvida por Facchini (2005), baseada numa tradição iniciada por autores de uma geração anterior
como Edward MacRae, abona uma perspectiva compreensiva acerca do fenômeno, atenta ao engajamento
ativo dos ativistas homossexuais em processos de formação de identidades coletivas.
12
incluídos nos pares comunidades/sociedade, Estado/movimento e
identidade/engajamento. Explorar essa dimensão constitutiva implica introduzir na
pesquisa uma dimensão temporal na qual, dadas as características deste trabalho e
particularmente das fontes utilizadas, eu apenas poderia especular. Entretanto, a analise
dos curtos períodos observados e relatados por informantes (2000-2005) ou
documentados por fontes secundárias (1968-2000) indica a necessidade de orientar
esforços futuros a uma análise propriamente histórica.
3
A pergunta a seguir é, portanto, qual o sujeito ou sujeitos do movimento e da
designação em si – quem tem identidade sexual. Referenciando tanto uma
“comunidade” como o “movimento” que promove sua representação, a sigla GLTTB
designa a confluência – como projeto, como ideal a ser alcançado e como encontro
problemático enquanto coalizão política e no convívio cotidiano – de gays, lésbicas,
travestis, transexuais e bissexuais em um horizonte comum de representação.
4
Desde o
início da pesquisa nos espaços de encontro, discussão e intervenção onde ganha corpo
uma política que denominarei – seguindo a convenção estabelecida por aqueles que
promovem a constituição desse próprio campo – GLTTB, destacou-se nitidamente uma
agência singular: a de ativistas que a essa qualificação somavam as de intelectuais,
3
Tal programa seguiria as propostas de Fillieule (op. cit.), que envolvem: (1) reconstrução de carreiras;
(2) análise das razões dadas pelos indivíduos para a sucessiva ocupação de posições; (3) dimensão
quantitativa longitudinal para reconstruir trajetórias típicas articuláveis às histórias de vida; (4) análise
comparativa do não comprometimento (casos, grupos de controle).
4
A adoção da sigla, escolhida como alternativa ao “movimento homossexual”, termo vigente até meados
da década de 1990, assim como o debate em torno da sua composição e usos, são expressivos do escopo
de questões sociais e políticas envolvidas na evolução presente do movimento das também chamadas
minorias sexuais e da idéia de uma ou várias comunidades “da diversidade sexual”. As disputas surgidas
em torno da legitimidade de diferentes formas de nomear, os agentes envolvidos nelas e os sentidos
específicos dados a cada uma dessas denominações, compondo variadas formações discursivas, serão
descritos ao longo da tese. Em geral pode se dizer que a expansão da sigla reúne em si, por um lado, um
princípio de inclusão, neste caso de identidades que antes não faziam parte do horizonte social imaginado
pelo movimento enquanto unidade política. Por outro lado, implica um processo de segmentação, desde
uma antes indiferenciada “homossexualidade” (dominada pela figura preponderante do homem
homossexual) para uma série organizada já não apenas em função de orientações sexuais (gays, lésbicas e
bissexuais), mas também enviesada por diferentes identidades e expressões de gênero (travestis,
transexuais, intersexuais). Esta conformação veio a transmutar a representação de uma unidade de
características homogêneas.
13
experts, técnicos e daqueles que através do ativismo e trabalho em organizações
comunitárias tinham acumulado um know how que os aproximava a esse status. Os
indivíduos inclusive agregavam freqüentemente em sua pessoa várias dessas
qualificações. Era notável, por exemplo, a evocação sistemática de títulos de doutor (no
caso dos médicos e advogados, licenciado (particularmente no caso dos psicólogos e
assistentes sociais) ou professor na assinatura de cartas e declarações públicas. Oriundos
de uma formação universitária ou pára-universitária e envolvidos tanto na política de
suas respectivas profissões quanto na da sociedade nacional, em alguns casos têm
somado a suas carreiras pessoais a missão de pronunciar-se acerca de uma temática
considerada ao mesmo tempo maldita e de candente atualidade: a homossexualidade.
Em outros casos, seu conhecimento, suas habilidades técnicas e seu status profissional
veio a reforçar um papel de importância capital em suas vidas: o de ativista.
2. Existem grupos militantes homossexuais na Argentina desde finais da década de
1960, organizados em torno de consignas em sintonia com a linguagem característica da
mobilização política de cada período: essa linguagem foi a “revolucionária” entre 1968
(ano da fundação de Nuestro Mundo, considerada a primeira organização homossexual
fundada na América Latina) e os anos da escalada de violência política desatada durante
o período de governo peronista de 1973-76 e exacerbada durante “el Proceso
(“Proceso de Reorganización Nacional”, como foi autodenominada a última ditadura
militar), de 1976-83.
5
Já nos anos de 1980, marcados pelo retorno da ordem
constitucional em 1983, essa linguagem foi a dos “direitos humanos”, que canalizaria a
mobilização política e as expectativas de participação na vida democrática do país por
fora da estrutura dos partidos tradicionais, dando voz a um conjunto heterogêneo de
5
A qualificação de “revolucionária” neste contexto responde à descrição da época por parte dos
historiadores, no sentido de ‘printemps des peuples’.
14
demandas de inclusão, entre elas a dos homossexuais. Os dois períodos mencionados
tiveram as suas agrupações emblemáticas. Nos anos 1970 foi a Frente de Liberación
Homosexual (FLH). Organizada semiclandestinamente, a modo de “células”, ela não
promovia a libertação apenas dos homossexuais, mas “do homossexual em cada
pessoa”. Na década de 1980 tratou-se da CHA, Comunidad Homosexual Argentina, que
ainda se mantém ativa. Ela foi a primeira organização homossexual a obter a
personalidade jurídica” como “entidade de bem público” e passou por várias fases
organizativas, sendo centro de vários dos debates públicos suscitados em torno dos
direitos homossexuais, entre eles a bem-sucedida campanha pela lei de “união civil” da
Cidade de Buenos Aires, em 2002.
6
Já a partir de meados da década de 1980 e com bastante intensidade na segunda
metade da de 1990, acontecem dois processos concomitantes: primeiro, o campo dos
movimentos sociais cuja base é diferente da classista dos sindicatos, dos partidos
políticos ou, mais recentemente, dos movimentos de desocupados, ativando uma outra
‘geração’ de demandas, articuladas em torno de “direitos civis”,
7
reciclou-se sob o
modelo das chamadas ONG (organizações não governamentais). Esta nova
configuração, híbrido entre o ente paraestatal, a organização filantrópica, o clube, o
grupo de pressão e a empresa de serviços, que veio a ser desenvolvida em certa medida
a partir das reformas neoliberais, substituindo a provisão de serviços anteriormente
fornecidos pelo Estado de Bem-Estar, implicou um peculiar tipo de relação do
movimento social de base com o Estado e com a chamada cooperação internacional,
onde a organização atua, por um lado, como mediadora de demandas e, por outro lado,
6
Cabe frisar que a tipologia estabelecida a partir das duas linguagens políticas referidas responde a um
esquema de tipos ideais, sendo que, na prática, a polaridade “libertação/direitos” ou “revolução/reforma”
opera outorgando sentido e orientando a avaliação de ações que se configuram complexamente entre
esses pólos.
7
Já além da idéia de “justiça social” (trabalho, saúde e educação), própria do keynesianismo, o que na
Europa foi chamado de Estado de Bem-Estar, cujo protótipo argentino foi o primeiro governo peronista, e
cujo fundamento se estendeu até a década de 1970, quando as reformas neoliberais iniciadas pela última
ditadura militar alteraram o sentido da política pública.
15
como prestadora de serviços para a “comunidade” que ela vem a representar perante a
sociedade. A ONG, com um perfil voluntário/profissionalizante, tornou-se o modelo
emblemático da organização comunitária ativista e de serviços com relação à crise
sanitária da AIDS. Como em outros países, os homossexuais mobilizados, ora através
de organizações gays, ora através de outras organizações criadas para atender a esta
nova demanda sob um marco mais amplo que o da identidade sexual (consistente com a
necessidade percebida por eles entre fins da década de 1980 e inícios da de 1990, de
derrubar o relato culpabilizador dos homossexuais com relação à infecção pelo HIV),
foram pioneiros da chamada “resposta comunitária à epidemia” (Altman, 1995). O auge
do modelo da ONG induziu também a certa resistência entre agentes que desenvolveram
uma identidade renovadamente militante, denunciando o que eles chamaram de
“negócio da AIDS” e o que eles consideram um oportunismo funcional à política
neoliberal. Embora existam casos radicais ou extremos, esta situação em geral não
produz linhas nítidas de separação, mas trata-se de uma tensão vivida por todos os
agentes engajados na atual “onguização” do movimento.
O segundo processo, mais específico da política das chamadas “minorias sexuais”,
foi a crescente segmentação e diversificação dos movimentos – tanto da sua composição
social, quanto das suas demandas – segundo clivagens de vários tipos. Talvez a mais
visível seja a da identidade sexual, diferença em torno da qual gays, lésbicas,
transgénero, bissexuais e ultimamente também os chamados intersex articulam
demandas diferenciadas de modo bastante nítido e se organizam para promovê-las.
Existem também diferenças em torno da construção da identidade sexual, que os
próprios agentes mobilizados classificam como “teóricas” e “ideológicas”, que se
articulam com outras clivagens dando lugar a flutuantes configurações: por um lado a
discussão entre integracionismo ou asimilacionismo e livre expressão sexual; por outro
16
a tensão entre consignas mais universalistas e outras mais particularistas de cada
expressão de gênero sexual; finalmente, a valoração positiva ou negativa de alianças
com outros movimentos sociais, particularmente o feminista, e da diferente relevância
atribuída a determinadas questões na agenda do movimento, como por exemplo a da
pobreza e a violência policial, por um lado, consignas dos segmentos de tradição mais
“classista”, ou da legalização das uniões, por outro, construídas como demanda dos
segmentos mais “de classe média”. Estas tensões eclodem reiteradamente na hora de
estabelecer coalizões ou ações em conjunto.
É interessante que, embora todas as clivagens mencionadas atuem opondo – às
vezes agonicamente – diferentes setores do movimento, estas não chegam a desafiar a
unidade do mesmo. Sustentada como uma esfera pública particular, para seus
integrantes essa unidade comprova-se tanto ou mais central que a da política nacional
(mesmo que a segunda englobe à primeira). Eventos como a votação pela lei de união
civil no legislativo da Cidade Autônoma de Buenos Aires em 2002 e a Marcha del
Orgullo GLTTB em novembro de cada ano renovam, de uma parte, o engajamento dos
diferentes setores numa discussão comum e única, mesmo onde as posições sobre como
conduzir o movimento sejam freqüentemente irreconciliáveis e levem a ações paralelas
e boicotes mútuos. De uma outra parte, o que as dissidências constantemente
questionam não é tanto a unidade do movimento em si, mas a legitimidade da condução
vigente – sendo que não existe um mecanismo formal de governo consensuado por
todos os integrantes – ocorrendo freqüentemente ações paralelas, mas que (em clara
amostra de que dividem um horizonte comum) concorrem entre si.
Já mencionei diferentes momentos em que o clima político da democratização foi
propício para a expansão do chamado “movimento das minorias sexuais”. Um outro
espaço cuja expansão foi dependente da chamada “abertura” política e cultural foi o do
17
chamado “mercado gay”. Este acompanha um fenômeno mundial. A partir de centros de
irradiação como Paris, New York e San Francisco,
8
e mediada por pequenos
empresários locais, circulou nas últimas duas décadas a oferta de produtos e serviços
destinados a consumidores de um “estilo de vida” gay. Destaca-se a aparição de uma
imprensa gay – incipientemente comercial, mas também com um claro interesse ativista
– e a expansão de um circuito de locais de lazer noturno, que convoca e regenera uma
intensa sociabilidade. Foi um protesto pelas razzias que a polícia ainda conduzia em
boates portenhas – já no regime democrático, em 1984 – o que precipitou os pioneiros
do ativismo da década de 1980 a se organizarem. Durante a década de 1990 esse
mercado também se diversificou e sua existência tornou-se mais pública.
Os elementos mencionados falam não só da divulgação de uma temática e da
expansão de um campo, mas também do adensamento deste último, com a aparição de
problemas cada vez mais específicos, que demandam agentes cada vez mais
especializados. Sobre este ponto, vale a pena salientar uma mudança radical cujas
condições, para inícios da década de 1980, já teriam amadurecido: se até a década de
1970 a homossexualidade já constituía um objeto legítimo de conhecimento,
intervenção técnica, política e discussão ética, não estava claro que a hegemonia desse
conhecimento, dessas intervenções, nem sequer do fechamento dessas discussões,
estivesse do lado de quem promovia a “libertação sexual” – muito pelo contrário. De
fato, ainda durante a década de 1960 a temática homossexual de alguns textos literários
era ainda tabu entre críticos e resenhistas, freqüentemente tratada com cautela ou
mencionada metaforicamente.
9
Foi escasso também o sucesso público das ações do FLH
desde inícios da década de 1970 até a sua dissolução, sob risco de extermínio, entre
8
Para os gays argentinos o Rio de Janeiro constituiu durante as décadas de 1970 e 1980 uma Meca
turística, mas de um modo semi-secreto – consistente com o estilo “discreto” característico da
sociabilidade homossexual em ambas capitais (Rapisardi; Modarelli, 2001).
9
Cf. Brizuela, 2000.
18
1975 e 1977. Afinal de contas, o paradigma médico-psicológico imperante continuava
identificando os “homossexualismos” como patologias mentais. Já na década de 1980, a
assimilação do marco dos direitos humanos habilitou a formulação de toda uma nova
série de demandas e, por sua vez, fez com que a diferença sexual (já promovida pela
tradição do movimento feminista) fosse concebida sob um outro prisma, o dos direitos
civis e da cidadania. A partir do retorno do regime republicano, a figura do homossexual
passou a ser legitimada por meio da linguagem re-emergente dos direitos humanos, que
nos anos 1980 tornou-se uma espécie de guarda-chuva, cobrindo um amplo leque de
usos específicos. Esta linguagem se desenvolveu com seus próprios especialistas,
divisões, circuitos de troca e relações pessoais que incidem sobre as regulações e
regimes de vida imperantes.
A década de 1980 foi também a da aparição da AIDS. O que inicialmente foi
construído como ameaça de aniquilação física e moral dos homossexuais transformou-
se em estímulo para a organização de ativistas que visaram reconfigurar o modo
legítimo de integrar culturas sexuais, direitos e saúde. O combate à AIDS viria a se
transformar no grande mobilizador do movimento, operando em um nível como forte
justificador moral do engajamento político, e em um outro nível (não independente, é
claro, da justificação moral) como porta de entrada de recursos simbólicos e materiais,
justificada pela posição privilegiada do homossexual engajado como líder nessa tarefa.
A década de 1990 marca a expansão e diversificação de um movimento
homossexual já atravessado pela problemática da AIDS, em vias de “onguização” e
ainda fortemente orientado pelo marco dos direitos humanos. Por meio do protesto e do
lobby formula demandas e incide diretamente sobre a gestão de direitos e as políticas
públicas.
10
Mas a questão persiste: quem faz parte do movimento. O estilo de
10
Ao contrário de outros paises latino-americanos, notadamente o Brasil e o México, na Argentina não
tem havido uma estratégia para promover a inclusão dos direitos e bem-estar das minorias sexuais nas
19
organização descrito para a passagem da década de 1990 é o cenário da aparição de uma
figura renovada, a do “ativista”.
11
Para o antigo “militante”, o compromisso com “a
causa”, que nas décadas de 1960 e 1970 era a revolucionária, implicava a subordinação
das outras dimensões da vida a esse projeto: a pessoa tornava-se instrumento para um
fim (Anguita; Caparrós, 1997). No contexto da redemocratização a partir de 1983, o
ativista é o sujeito da “participação democrática” cidadã em movimentos que, em vez de
“tomar o poder”, mesmo mobilizando uma retórica de “mudança de estruturas”,
produzem demandas específicas (nem sempre particularistas) e, adotando traços de viés
universalista (principalmente o dos direitos humanos), promove conexões entre
diferentes movimentos, diferenciando-se do sectarismo da militância política e sindical.
Diferentemente do horizonte do “militante”, estritamente atrelado ao âmbito da política
do Estado e à mobilização organizada em torno de interesses estritamente “políticos”, a
base social que dá legitimidade à voz do “ativista” está na “comunidade”, da qual
supõe-se que faz parte, em forma natural ou à qual se ingressa.
3. Há ainda uma outra especificidade que configura as demandas de representação,
dos debates e das intervenções suscitadas em torno da dissidência sexual. Trata-se da
produção de conhecimento. O fato da trajetória do movimento homossexual ter se
desenvolvido em grande medida em contraposição a visões tanto religiosas quanto
científicas do desvio chama a atenção precisamente para a existência de um espaço de
contestação – privilegiado pelo ativismo – onde o movimento político nutre e é nutrido
pelo campo intelectual e científico. As intervenções hoje desenvolvidas em torno da
plataformas de partidos políticos com representação eleitoral significativa, fora campanhas de pressão nas
vésperas de eleições. Estas últimas, conduzidas pela CHA, parecem orientadas a instalar o tema em geral
no panorama de assuntos dirimidos através do voto e instar os candidatos a se posicionarem e talvez
realizarem promessas de campanha. Nenhum partido com representação eleitoral expressiva tem
incorporado essas consignas como próprias. Para comparar com o caso do México e do Brasil, ver De la
Dehesa (2005).
11
Aqui apresento um esquema de ‘tipos ideais’, admitindo diversas variações na prática concreta.
20
dissidência sexual são freqüentemente legitimadas pelo concurso de experts, sejam estes
agentes ora estatais, ora “comunitários”, tenham interesses ora estritamente políticos,
ora de mercado. O desenvolvimento da figura do expert no campo da política sexual
contemporânea não tem sido suficientemente explorado.
12
Os estudos dos chamados
“novos movimentos sociais” foram encarados em função dos estilos de participação
política e dos recursos comunitários mobilizados, operando uma sorte de naturalização
dos últimos, sem explicar como o pertencimento comunitário e o interesse em produzir
mudanças são qualificados de acordo com os perfis e trajetórias dos diferentes agentes
envolvidos. Na minha pesquisa de campo junto ao Movimento GLTTB/AIDS argentino
a partir da segunda metade da década de 1990, o valor legitimador do conhecimento foi
um elemento que aflorou constantemente como orientação capital de trajetórias e
processos. A formulação de demandas e discussões freqüentemente privilegiava a
vulgata sociológica e psicanalítica. Ao mesmo tempo, entrei em contato com vários
ativistas do movimento e simpatizantes que demonstravam um intenso engajamento
com algum ou ainda vários dos campos do conhecimento que interagiam na constituição
do “homossexual”. Assim como as credenciais pessoais e profissionais autorizavam a
intervenção, o engajamento com a temática constituía-se – com diferentes graus de
formalização – como ‘especialidade’.
O espaço projetado pelas representações eruditas das homossexualidades e dos
transexualismos é uma das principais arenas onde os valores associados à chamada
“orientação sexual” e às identidades de gênero ‘dissidentes’ são negociados, sob o
impulso de um movimento social relativamente unificado, que até a década de 1980 se
12
Uma literatura recente de estudos sócio-históricos da ciência tem explorado abundantemente as
mudanças no campo científico a partir da mobilização social suscitada pela AIDS. Epstein (1996) e
Bastos (2002) são dois bons exemplos. Por outra parte, Weeks (1993) explica o papel de disciplinas como
a psicanálise na especificação do homossexual como objeto de conhecimento e intervenção. A lacuna que
menciono refere-se especificamente ao estudo sociológico e antropológico do militantismo de
intelectuais, profissionais, técnicos e cientistas engajados com a causa GLTTB.
21
chamou “Movimiento Homosexual” e, mais recentemente, “Movimiento de Gays,
Lesbianas, Bisexuales, Travestis y Transexuales”. Desde Hirschfeld e Ulrichs, os
movimentos de promoção cultural e de defesa de direitos desta “minoria” adquirem
fundamento e fôlego em uma produção científica que influi sobre, e se põe a serviço de,
projetos políticos que amiúde entram em conflito com símbolos e práticas sociais que
estão na base constitutiva dos estados nacionais modernos. A defesa ou celebração de
expressões sexuais não hétero tem implicado um relacionamento tenso com modelos de
cidadania que têm privilegiado a família como unidade reprodutora da sociedade
nacional. Por outra parte, enquanto a sexualidade começa a especificar-se como objeto,
entram em jogo outras tensões. Os relatos das origens da psicanálise atribuem a Freud a
descoberta de um desejo sexual indiferenciado como atributo humano universal. O foco
em sexualidades particulares, características com traços distintivos, que serviriam para
classificar (extrapolando a linguagem contemporânea) “identidades sexuais”,
correspondia à vertente sexológica. A tensão entre essas duas vertentes irá se
desdobrando em sucessivas formulações, a cargo de linhagens e tradições através de
fronteiras nacionais em ambos lados do Atlântico e do Equador, ao longo do século XX,
tensão que continuará se reproduzindo ao interior tanto do movimento psicanalítico
quanto do movimento homossexual. Merece um capítulo aparte o que desta
preocupação refere àquela acerca do lugar da Argentina no concerto das nações
modernas – ambos movimentos tiveram um desenvolvimento intenso na Argentina e no
Brasil, dadas as peculiares aspirações de modernidade de suas culturas públicas urbanas.
O sujeito das demandas do movimento social neste caso é o indivíduo que adota
ou a quem se atribui alguma das categorias de “identidade sexual” que o incluem no
horizonte imaginário e em determinadas extensões concretas da denominada
“comunidade GLTTB”. Tanto novas regulações sociais quanto interpelações às mesmas
22
são produzidas a partir da estabilização de identidades e estilos de sociabilidade às quais
apontam as práticas de intervenção social ou estatal. Havendo-se completado uma certa
separação a respeito da esfera religiosa (não sem potentes laivos de resistência, tanto
mais ou menos espontânea quanto institucionalizada), a intervenção pode ser clínica,
tanto médica quanto psicológica, e ainda legal ou de trabalho social quando se trata de
acompanhar a defesa de direitos individuais e o acesso a recursos administrados pelo
Estado. Intervém-se também através de regulações jurídicas e policiais e de políticas
públicas. Se isolarmos as iniciativas da chamada “sociedade civil”, ali opera o
aconselhamento comunitário, o religioso, o da auto-ajuda, desenvolvendo-se também
outras espiritualidades ecléticas e também técnicas de apóio, tais como os ”programas
de doze passos”. Em cada uma dessas instituões, a intervenção cria o sujeito (ente
idealizado) que a justifica, incidindo sobre as condições materiais, conceituais e morais
de existência dos sujeitos (enquanto indivíduos e coletivos concretos) junto aos quais
ela opera. O objetivo desta tese é contribuir à compreensão das condições tanto do
próprio movimento como da esfera pública nacional e, dentro desta, do campo
intelectual e da política do Estado, como assim também – em se tratando de uma
sociedade capitalista – do mercado de bens e serviços, que permitiram que a identidade
deteriorada do dissidente sexual pudesse ser mobilizada como foco de gestão social
afirmativa, justificando trajetórias públicas e a construção de políticas da identidade,
através de demandas de reconhecimento e de atores legitimados como movimento social
e como comunidade.
A articulação das demandas de reconhecimento e representação não é resultado
de uma mobilização espontânea do coletivo, mas efeito da interação de uma série de
condições específicas, o que cientistas políticos chamam de “quadro de oportunidades”
23
e de “recursos mobiliza[dos]” por determinados agentes sociais.
13
Este último aspecto
envolve a representação de um coletivo particular que reclama pela sua igualdade
perante a sociedade, evocando os direitos de uma minoria que se considera ainda não
atingida completamente pelo modelo racional da cidadania. A prática da representação
na sua tríplice dimensão – como definição que possibilita a própria existência do grupo
enquanto tal, como figura icônica construída em interações com outros atores sociais e
como delegação da autoridade para falar em nome do coletivo na arena política
(Boltanski 1987, p. 34) – implica investimentos estilísticos característicos da
racionalização da política como profissão: em termos de Weber, uma burocratização
que se coloca em oposição à dimensão carismática da liderança, sem cancelá-la. A
busca de racionalidade em diversas instâncias da vida do grupo e o combate de formas
de organização que são identificadas com modelos aristocráticos ou ditatoriais de
governo chama a atenção para a procura de um ideal de modernidade que subjaz a essa
empreitada. Essa idéia de modernidade é solidária do modelo de pessoa individual
idealizada como possuidora de uma identidade sexual, que detém direitos sexuais. A
individualidade é o valor supremo consumado no “regime de vida” que outorga sentido
ao movimento social, para beneficio da comunidade imaginada – uma questão, em fim,
ética.
14
Os agentes que, com diversos graus de profissionalização, adotam uma vocação
de liderança são não apenas políticos, mas também intelectuais e – com particular
autoridade e intervenções de notada incidência – cientistas, em ambos casos com
13
Framework of opportunities e resource mobilization (cf. Adam et al., 1999).
14
Collier e Lakoff (2005, p. 23) definem: “By ‘regime of living’ we refer to a tentative and situated
configuration of normative, technical and political elements that are brought into alignment in situations
that present ethical problems – that is, situations in which the question of how to live is at stake. Here the
word regime suggests a ‘manner, method, or system of rule of government’ (Oxford English Dictionary
Online; http://www.oed.com
, 2003), including principles of reasoning, valuation, and practice that have a
provisional consistency or coherence. To say that such regimes relate to questions of living means: first,
that they concern reasoning about and acting with respect to an understanding of the good; and second,
that they are involved in the process of ethical formation – that is, in the constitution of subjects, both
individual and collective.
24
freqüência identificados positivamente como “ativistas”, ou em outros casos como
simpatizantes da causa. Como em outros países, a introdução da temática da diversidade
na esfera pública nacional é indissociável da expansão e da densidade específica do
campo (Bourdieu; Wacquant, 2005) delimitado por essa incipiente especialização. O
labor dos ativistas e dos políticos que apóiam a causa é acompanhado pelo dos peritos
profissionais – advogados, médicos, psicanalistas, psicólogos, sociólogos, antropólogos
e de outras disciplinas das chamadas sociais ou humanas (Duarte, 1999) – cuja opinião
autoriza as demandas, ao ponto de um se tornar indissociável do outro. Diversos
profissionais atuam como ativistas e, inversa e concomitantemente, o trabalho dos
ativistas torna-se cada vez mais profissional. Ainda mais quando as organizações
ativistas adotam a estrutura do voluntariado dedicado a fornecer serviços comunitários,
à administração de recursos públicos e privados destinados à melhoria das condições
sociais e ao trabalho de “conscientização” da minoria estigmatizada. O dispositivo
projeta as extensões e limites concretos da comunidade representada, reificando um
elenco de subjetividades particulares e criando de fato o sujeito a cujas necessidades ela
viria (e virá, no sucessivo) responder, desenhando suas características e contorno
precisos.
Especialmente a partir da aparição da AIDS, o campo ativista homossexual foi
reconfigurado por iniciativas que visavam organizar uma resposta ao que foi
diagnosticado como “emergência sanitária”, aproximando o movimento das minorias
sexuais do campo das chamadas ‘práticas estatais’. As organizações GLTTB e as ONG-
AIDS mobilizaram uma retórica de protesto contra a burocracia estatal, mas
converteram-se ao mesmo tempo em brokers, gerenciando as relações entre o que
denominaram “a nossa comunidade” – erigindo-se no lugar de “representantes” dela – e
o Estado. Algumas das mais importantes organizações do movimento homossexual
25
converteram-se em “provedoras de serviços de prevenção” e profissionalizaram
inclusive suas práticas de “defesa” e gestão de direitos (advocacy). Durante os anos
1990 reordenou-se também o campo especializado, tanto das profissões da saúde quanto
das ciências sociais, relativo à temática. Em diálogo com ou diretamente inscritos no
movimento GLTTB-AIDS e feminista, profissionais engajados produzem um
conhecimento onde noções de saúde pública e cidadania são organizadas em torno de
categorias de identidade sexual. Sintoma da expansão do saber do sexual como
classificador de identidades públicas, o termo “identidade sexual”, originalmente
atribuído pela ciência aos homo e transexualismos, tem se expandido recentemente para
abranger não só outras expressões divergentes como a dos sadomasoquistas e dos
swingers, mas também categorias previamente ‘não marcadas’ da normativa
convencional, como “heterossexual” e “homem”.
4. A atribuição de “sexual”, qualificando conceitos de cidadania e saúde sintetiza
uma singular confluência de ativismo e especialização profissional (expertise), da qual
emanam tematizações particulares da “identidade sexual”. Um foco empírico do estudo
etnográfico que sustenta esta tese encontra-se na rede de organizações não
governamentais (ONG), grupos e ativistas “independentes”, intelectuais e profissionais
que conformavam o chamado “Movimento GLTTB” na Argentina até 2005, ano em que
o trabalho de campo foi finalizado. Essa denominação começou a ser utilizada em
meados da década de 1990, por ocasião dos primeiros Encontros Nacionais entre
organizações gays e lésbicas (Pecheny, 2001). A proliferação de novas organizações a
partir das demandas de reconhecimento de outras categorias de identidade e a vocação
universalista do movimento justificaram a expansão da sigla para incluir a inicial de
cada segmento da comunidade imaginada da “diversidade sexual”. Nos anos 1990, o
26
crescimento do movimento é indistinguível do processo de organização e expansão da
“resposta comunitária” à epidemia do HIV-AIDS. A participação das organizações
homossexuais em tarefas de prevenção e de ativistas homossexuais em ONG-AIDS e no
movimento das pessoas que convivem com o vírus da AIDS (PVVS) tornou-se uma
referência central dos modelos de intervenção promovidos como “melhores práticas”
(best practices) por parte das organizações internacionais cujas diretrizes e
financiamento regulam esse espaço de intervenção. O “modelo comunitário” é
promovido por organismos supra-estatais como ONU, OMS, UNAIDS, o Banco
Mundial e o Fundo Mundial de Luta contra a AIDS, a Malária e a Tuberculose, que se
converteram em atores centrais deste processo. As práticas e valores do modelo são
mediadas por uma complexa relação de dependência, diálogo, parceria e concorrência
entre o Estado, em seus níveis federal, estadual e municipal, a cooperação internacional
(entidades filantrópicas privadas, agências de desenvolvimento e organismos
internacionais) e as chamadas “organizações de base”. O modelo “comunitário”,
originado no movimento homossexual norte-americano, na segunda metade da década
de 1990, após mais de dez anos de epidemia, havia adquirido as mais importantes
credenciais nos países desenvolvidos e estava sendo experimentado com todo seu vigor
no Brasil. Os atores internacionais o julgaram aplicável na América Latina, dada a
“concentração” da epidemia no segmento delimitado originalmente pela epidemiologia
da AIDS como de “homens que fazem sexo com homens” (HSH). Na Argentina
qualificava as organizações dessa categoria para se converterem em agentes
privilegiados da prevenção.
Um efeito notável do investimento inédito de recursos financeiros, sociais e
simbólicos do combate à AIDS através da organização comunitária foi o explosivo
crescimento numérico e territorial do campo das ONG-AIDS, que envolveu importantes
27
mudanças no perfil do ativista.
15
Por uma parte, as organizações existentes e seus
membros tenderam a se especializar em serviços de prevenção e surgiram numerosas
novas organizações de perfil similar. Por outra, a situação de quem os ativistas
chamaram de “comunidade homossexual” perante a AIDS implicou que a as demandas
de representação do movimento fossem em grande medida acionar a noção de
“vulnerabilidade”. Existindo a possibilidade de prevenir a transmissão do vírus por meio
da utilização do chamado método barreira (preservativo), a incidência recorrente da
infecção entre os segmentos que a epidemiologia da AIDS engloba sob a rubrica de
“homens que fazem sexo com homens” ou HSH – que inclui tanto os identificados
como gays ou bissexuais, como os homossexuais “não assumidos” ou identificados
como heterossexuais, e inclusive travestis – é explicada pelos gestores de políticas de
prevenção como efeito da homofobia tanto na sociedade quanto nos próprios HSH. Diz-
se que a clandestinidade das relações homossexuais conspira contra o cuidado da saúde
e o controle dos riscos acarretados pela relação sexual. A demanda de direitos para os
cidadãos GLTTB, fundamentada no princípio da igualdade, adquire contornos concretos
e precisos na demanda de garantias para o “acesso à saúde”.
Um outro foco da expansão do movimento encontra-se nas demandas de
reconhecimento civil de identidades sexuais e de expressões de gênero divergentes por
meio do acesso à proteção legal. Os Direitos Humanos passaram a constituir, a partir
dos anos 1980, a linguagem legítima das demandas de reconhecimento tanto de atores
políticos já existentes sob outras formas de organização, como algumas organizações
homossexuais, quanto de outros emergentes, como o das travestis.
16
O processo que em
inícios da década de 1990 começou pela luta contra a violência policial e pelo
15
Larvie (1998) e Facchini (2005) estudam fenômeno análogo no Brasil.
16
Um aspecto a explorar aqui é a dimensão ‘vitimizante’ desta concepção de direitos. Perante o que é
construído como ausência de outras formas eficazes de representação e participação, a figura da vítima se
erige como forma válida, que mobiliza. Parece instigante examinar como a questão da responsabilidade e
do sofrimento entra na trama constitutiva do sujeito dos movimentos.
28
reconhecimento das organizações homossexuais enquanto “entidades de bem público”,
portanto com direito à atribuição de “personalidade jurídica”, continuou com a inclusão
de normas contra a discriminação por orientação sexual e identidade de gênero, e
atualmente advoga pela legalização de uniões civis do mesmo sexo. Este movimento,
assim como a tensão entre determinadas demandas particulares e o marco universalista
do horizonte liberal que as legitima, ecoam tendências presentes em um processo global
de ampliação, por um lado, e de especificação, por outro, dos tipos de demandas
contidos no conceito dos direitos humanos.
17
Por outra parte, a internacionalização,
mercantilização e expansão conseqüente do “ambiente gay” local,
18
também
concomitante dos processos mencionados, junto com a incrementada atenção na mídia
para temáticas até há pouco consideradas tabu, deram particular força e valor às
mudanças sociais promovidas como signo de “avanço social”, aproximando a cultura
urbana local da tradição de modernidade liberal da esfera pública dos países hoje
chamados de “desenvolvidos”. A proliferação de novos “estilos de vida”, ou de formas
de sociabilidade recentemente revalorizadas em função da celebração da diversidade,
combina-se de modo complexo com as continuidades e mudanças dos valores e práticas
associados às relações de gênero, culturas de classe, grupos de status e de idade. O
processo aqui esboçado desenvolve-se pleno de tensões tanto entre os atores do
Movimento GLTTB e outros atores sociais, quanto entre os diferentes segmentos dele.
17
Vários relatos deste processo tendem a avaliar a mudança em termos de progresso (cf. Pecheny
2001:844-45). As disputas pela “memória e justiça” com relação à repressão (por “causas políticas”
durante “el Proceso”, e “sociais” em “la Democracia”) e pela responsabilidade do Estado de proteger as
vítimas e compensar o dano produzido são registradas como marco de referência e antecedente lógico no
roteiro evolutivo que situa os “direitos sexuais” como uma terceira geração dos mesmos. Lê-se nessa
versão teleológica a operação de uma hierarquia simbólica entre diferentes tipos de dano infligidos ao
sujeitos de diversos movimentos progressivamente particularizados, na medida em que a proteção destes
tende a ser universalizada. Chamam-se de primeira geração os direitos “civis e políticos”, de segunda os
direitos “sociais e econômicos” e de terceira os “culturais” (agradeço a Virginia Vecchioli este
esclarecimento).
18
A denominação “ambiente gay” refere às redes locais de sociabilidade homossexual. Ver Sívori ,2005
29
5. Nos três capítulos desta tese se explora a constituição do campo de
conhecimento e ativismo em torno da “identidade sexual” desenvolvido nas principais
cidades argentinas. Cada capítulo apresenta uma confluência particular de ativismo e
especialização profissional (expertise) da qual emergem singulares tematizações da
“identidade sexual”, configurando as noções de subjetividade que justificam e dão
sentido a demandas e intervenções. Trata-se de três espaços interpenetrados. O primeiro
capítulo apresenta o universo do ativismo GLTTB. Relatam-se os diferentes momentos
de emergência de uma “política sexual”, inicialmente com impulsionadores que
partilhavam a linguagem do campo intelectual local e de movimentos políticos e sociais
mais abrangentes, o revolucionário dos anos 1960-1970 e o de Direitos Humanos dos
1980; sendo que durante a década de 1990 os atores GLTTB reconduziriam suas
demandas através de iniciativas mais autonomizadas. A cronologia proposta tenta dar
conta dos recursos de liderança, intelectuais, militantes e “técnicos” mobilizados nas
diferentes fases do movimento para dar sustentação a atores que hoje apelam a um
repertório de formas de legitimação que se aproximam e avizinham de diversos tipos de
‘práticas estatais’. Estas são modeladas entre os fundamentos alternativos da defesa e
gestão de direitos, a prevenção e cuidado da saúde, e aquele do “protesto social”.
O segundo capítulo corresponde à tematização das identidades sexuais no
chamado “campo psi” – da psiquiatria, da psicanálise e do espectro de teorias
psicológicas e práticas terapêuticas efeito da expansão e fragmentação do movimento
psicanalítico. Com crescente intensidade durante as últimas décadas, os profissionais da
saúde mental têm debatido sobre a universalidade e pertinência gnosiológica de noções
herdadas sobre a etiologia e, particularmente, sobre a natureza normal ou patológica das
tendências homossexuais, tanto masculinas quanto femininas, e do transexualismo
(classificação que nesse campo, ao invés daquela produzida pelas pessoas assim auto-
30
identificadas, tende a subsumir o transgênero). Embora as posições geradas nesses
debates em parte reforcem fronteiras teóricas e políticas disciplinares, o papel do debate
teórico não alcança a explicar as diferentes posições encontradas. A atenção para as
“identidades sexuais” (um tipo de categoria mais próximo de uma concepção sexológica
que de uma freudiana, do ponto de vista das escolas psicanalíticas consideradas mais
ortodoxas) no campo “psi” responde a extensões específicas de demandas do
movimento das minorias sexuais relativas à necessidade de “despatologizar” a
homossexualidade, solidária da acusação, dirigida à prática psicanalítica, de continuar
patologizando-a. Um movimento interno do campo citado acompanha, assimila e
ocasionalmente discute o sentido e a localização dessas demandas.
Na Argentina, a esfera pública nacional distingue-se pela densidade do campo
psicanalítico local, cujas práticas – embora difusamente institucionalizadas – tiveram
uma notável incidência tanto na conformação de um campo intelectual e dos códigos do
debate público, quanto nas políticas estatais e particularmente nas práticas públicas e
privadas do cuidado da saúde. Atento a estas conexões e ao poder dos discursos
terapêuticos, profissionais identificados no seu próprio discurso como gays, lésbicas,
bissexuais e transgênero, ou como simpatizantes da causa das minorias sexuais
interpelam o establishment psicanalítico pelo exercício de patologização do qual
historicamente foram objeto os irregulares processos de subjetivação das identidades
homo, transgênero e transexuais. Da sua parte, respondendo à novidade social e política
da afirmação da diversidade, as instituições e espaços profissionais de formação e
transmissão da psicanálise e de outras perspectivas terapêuticas tem encarado um
processo de aggiornamento doutrinário a respeito da homossexualidade. Interroguei os
lugares peculiares que a homossexualidade vem ocupando para os profissionais psi
tanto a partir da discussão do corpo doutrinário e dos problemas éticos encontrados na
31
prática das disciplinas, quanto da politização e da permeabilidade do campo psi com
relação a debates e novas regulações surgidas em esferas públicas de maior alcance.
No terceiro capítulo, dedicado ao mundo da prevenção da AIDS, confluem
atores dos dois campos explorados nas partes precedentes, ao se converterem em
gestores de uma ação que visa expandir uma compreensão racional da sexualidade,
julgada como único meio para salvaguardar a vida diante da catástrofe sanitária da
AIDS. Porém, a especificação de um target para intervenções preventivas não é baseada
exclusivamente em propriedades intrínsecas de categorias sociais dadas (“populações”,
“grupos”, “condutas”, “comportamentos” o “pticas de risco”). A estabilização desses
recortes é resultado de complexos processos sociais, envolvendo momentos de intensa
contradição. Com a epidemia da AIDS foi inaugurada uma particular configuração
epidemiológico/social, a partir da qual a vulnerabilidade de determinados segmentos
passa a ser estabelecida em função de contenções e articulações não só entre cientistas,
profissionais e agentes da burocracia estatal, mas também de movimentos sociais
organizados, transformados em protagonistas principais do processo. Epstein (1996),
através de um monumental trabalho de reconstrução histórica, aborda o ingresso de
ativistas no circuito da validação científica nos EUA. A observação do caso argentino,
por um lado, chama a atenção para o fato de que não é um ativista qualquer quem
ingressa nos debates científicos e que (como Epstein sublinha também) isto acontece
diante de um processo de permeabilização do campo científico onde intervêm vários
agentes: a imprensa, “mavericks” do campo científico, estrategistas estatais. Na esfera
das “práticas comunitárias” do movimento GLTTB, a prevenção da AIDS sobrepõe à
noção de sujeito de direito a de sujeito da prevenção e do cuidado, estendendo as
faculdades envolvidas no papel do ativista como representante e gestor, para aproximá-
lo das do perito, como produtor de conhecimento, pedagogo e curador.
32
Trata-se, em cada um dos três espaços referidos, de uma localização privilegiada
para a emergência, constituição e expansão da temática no âmbito nacional. Visando
descrevê-los preliminarmente, em primeiro lugar o “movimento das minorias sexuais”
pode ser caracterizado por sua vocação institucional, canalizadora de demandas de
reconhecimento social e particularmente jurídico. Sob essa rubrica, ele detém a
capacidade de englobar também outros espaços afins, como ocorre particularmente com
o comunitário, cuja representação é freqüentemente evocada. Durante o período
observado, a referência mais central foi o denominado Movimento GLTTB, composto de
una série heterogênea de grupos e organizações, identificados segundo diferentes
“identidades sexuais” (diversas denominações emergentes do processo de especificação
de identidades de gênero particulares que complexificam a divisão das “orientações
sexuais” – hetero/homo – e das “expressões de gênero” – masculino/femenino –) mas na
prática hegemonizado por determinados segmentos, identificáveis não só pela
identidade sexual que representam, mas pela sua formação política e pertencimento de
classe, por isto dotados de um certo capital simbólico e social. Tal hegemonia é detida
por segmentos de homossexuais masculinos, identificados como gays, com os atributos
sociais das classes médias urbanas (principalmente a educação, o capital social mais
claramente transferível por herança ou adquirível em situações de mobilidade, e
secundariamente a ocupação principal e o local de moradia). O peso simbólico desses
atributos é contestado por outros segmentos que constroem a carência de
reconhecimento como sua base instititutiva: o de pessoas transgênero (travesti e
transexual), os grupos lésbicos, os grupos congregados em torno da temática dos
direitos das pessoas vivendo com HIV e AIDS e, finalmente, também por segmentos da
esquerda revolucionária ou anarquistas que mobilizam a temática da liberação sexual ou
dos direitos dos segmentos GLTTB menos privilegiados pela ordem capitalista.
33
Em segundo lugar, no campo intelectual e de experts, a temática emerge
enquanto produção discursiva, através da constituição de objetos de estudo, de produção
artística, reflexão ética, debate e intervenção. Autores como Foucault têm descrito como
certos desvios foram situados numa esfera emergente na Modernidade, relativa à
sensualidade mais íntima, às sensações carnais (Duarte, 1999), passando a serem
compreendidos por um novo arcabouço médico-psicológico, fornecendo o marco
constitutivo da definição das categorias de identidade sexual. São os desenvolvimentos
das diferentes escolas e tendências da medicina somática (endocrinologia, neurologia),
da psiquiatria (mais ou menos somática, mais ou menos espiritual) e particularmente da
psicanálise, que imprimirão sua chancela no campo delimitado pelo conhecimento
daquelas tendências do ser humano classificadas como “sexuais”. Por sua vez, em
diferentes momentos esse desenvolvimento acolherá produções elaboradas por
indivíduos e grupos preocupados com o comprometimento da sua própria pessoa
enquanto objeto dessas classificações.
O ativismo viabiliza o conceito de “participação cidadã”, desenvolvendo modos
burocratizados de articulação entre as populações (imaginadas como “comunidades”) e
o Estado, seja se opondo ou “articulando” com ele. Essa forma racionalizada de relação
requer a intervenção prática de peritos, capazes de “traduzir” demandas populares e
políticas estatais em “resultados concretos”. A comparação da formação do campo
ativista e perito das identidades sexuais em cada país ilumina processos mais
abrangentes tanto nas respectivas escalas locais e nacionais, quanto transnacionais.
Em terceiro lugar, no campo da prevenção da AIDS, a reconfiguração da noção
de risco sexual pela qual as práticas homossexuais passaram a ser foco da transmissão
de um agente infeccioso, fato rapidamente advertido e difundido pela imprensa, mas
nem tão rápida ou eficazmente pelo Estado (Galvão, 2000), em um marco de retração da
34
sua presença como garantidor do bem-estar público (Larvie, 1998), deu lugar ao que foi
construído como uma “resposta comunitária” por parte de segmentos homossexuais
progressivamente organizados (Altman, 1995). Esta resposta foi efeito de iniciativas de
organização e de laços comunitários previamente estabelecidos, mas por sua vez gerou
uma renovada mobilização (Bastos, 2002). Ela envolve a expertização de segmentos
ativistas homossexuais (ou o surgimento de um ativismo homossexual especializado ou
profissionalizado) e a politização específica de determinados segmentos profissionais
(Epstein, 1996).
6. Para retratar e dar conta dos processos a serem descritos, privilegia-se a
apresentação contextualizada de trajetórias de ativistas agrupados e de processos de
institucionalização de redes e organizações. Sem pretender ser exaustivo a respeito da
história da constituição do campo, mas dar conta dos elementos que a configuram,
relatam-se eventos considerados emblemáticos do processo de politização estudado,
observando o contexto e as relações entre atores mobilizados em cada um deles. Cada
seção construída com base na etnografia serve-se de uma série diversa de fontes
documentais e de observação participante. As vozes de ‘informantes’ provêm em parte
de entrevistas concedidas especialmente – esse foi o caso mais freqüente com os
profissionais psi –, mas o material oral mais rico foi coletado em conversas informais no
convívio cotidiano com ativistas, voluntários e técnicos de organizações. A pesquisa no
mundo psi baseia-se principalmente em textos publicados em revistas especializadas e
em matérias de divulgação e de opinião em jornais e revistas para um público
diversificado. Para o período mais contemporâneo, aproximadamente a partir de 2000,
lanço mão também de discussões difundidas através de Listas eletrônicas de discussão
temática e de textos publicados em sites da World Wide Web. Também assisti a
35
palestras e seminários temáticos e entrevistei profissionais psi, alguns deles envolvidos
intimamente e outros perifericamente com a temática. Esta multiplicidade de espaços
reflete o grau de disseminação e publicização da temática na esfera pública
contemporânea e a diversidade de modos de participação dela, que exigem da etnografia
estratégias de observação-participação flexíveis e atentas a essa variedade.
O caráter público das ações e debates do Movimento GLTTB permitiu um
acesso mais integral aos eventos e ao cotidiano de organizações e redes ativistas.
Contudo, nem sempre essa permeabilidade garantiu um acesso irrestrito ao backstage
onde as tensões internas podem se manifestar com mais transparência. O convívio mais
intenso deu-se em espaços dos programas comunitários GLTTB de prevenção da AIDS.
As práticas cotidianas rotinizadas e racionalizadas administrativamente de outreach,
captação e formação de voluntários, testagem e aconselhamento facilmente permitiram
a inserção do etnógrafo, inclusive adotando papéis próprios desse campo, como
“voluntário” de ONG e “ativista independente” nas atividades das redes de organizações
que fazem prevenção em HIV/AIDS e do movimento GLTTB, e eventualmente como
“técnico” consultor das primeiras. A análise da qual esta tese se beneficia é resultado do
distanciamento reflexivo a respeito da experiência de cada um desses papéis. Foram as
afinidades e antagonismos encontrados nesse trânsito que me permitiram ter acesso aos
valores que fundamentam, circuitos de troca que organizam e gratificações materiais e
simbólicas que compensam o engajamento ativista, assim como às redes sociais
mobilizadas e os conflitos suscitados pelo mesmo, nos diferentes contextos onde opera,
o que é particularmente focado no capítulo 3, nas seções referidas à formação de
quadros voluntários, técnicos e profissionais no mundo da prevenção da AIDS.
36
7. Exatamente dez anos antes de começar a pesquisa de campo para esta tese, em
1992, eu tinha viajado desde Nova Iorque, onde fazia estudos de mestrado, a Rosario, na
Argentina, para empreender uma pesquisa sobre o movimento homossexual local. Em
Buenos Aires, depois da Comunidad Homosexual Argentina (CHA) ter se tornado a
primeira organização de minorias sexuais a conseguir a personalidade jurídica no país e
de ser cada vez mais freqüente a aparição de Carlos Jáuregui na televisão, esse ano
várias novas organizações, a Sociedad de Integración Gay-Lésbica Argentina (SIGLA),
Gays y Lesbianas por los Derechos Civiles, Convocatoria Lesbiana, o Grupo
Investigación en Sexualidad e Interacción Social (ISIS), os Cuadernos de Existencia
Lesbiana, a Iglesia de la Comunidad Metropolitana (ICM) e Transexuales por el
Derecho a la Vida (TRANSDEVI), no dia 28 de junho convocaram à primeira Marcha
del Orgullo Gay-Lésbico de Buenos Aires (Marcha del Orgullo, 2007). Não obstante,
em Rosario era escassa a atividade associativa do ativismo gay e naquele momento eu
optei por uma mudança de rumo e pesquisar a sociabilidade gay, intrigado pela
transição que estava ocorrendo a partir da expansão de um circuito comercial de lazer
noturno e a proliferação de referências à homossexualidade na mídia. Enfim, a
sociabilidade homossexual sofria por um lado um processo de privatização enquanto,
por outro lado, a identidade gay adquiria existência pública. Daquele trabalho de
pesquisa, as conclusões que considero mais importantes apontavam para as identidades
sexuais como construções estratégicas, reificações operativas em contextos restringidos
que nada tinham de natural ou permanente, mas eram mobilizadas em função das
disputas em torno do valor da masculinidade, do desvio e das formas moralmente
corretas de se identificar como homossexual (Sívori, 2005).
Em 2002 voltei novamente a Argentina, desta vez a Buenos Aires desde Rio de
Janeiro, para pesquisar sobre a política da identidade homossexual. A escolha nesta
37
ocasião apontava a processos de especialização e profissionalização no movimento
homossexual. Nos contextos onde esses processos puderam ser observados,
mobilizações do coletivo de organizações GLTTB, ativismo de psicoterapeutas GLTTB
e simpatizantes assim como de organizações dedicadas à prevenção da AIDS, estava em
jogo novamente a moralidade das classificações. Como acontecia nas negociações e
disputas do “ambiente”, na política GLTTB – nos três espaços – as categorias de
identidade sexual eram sujeitas a intenso escrutínio, porém desta feita submetidas a
processos de homogeneização sob a lógica da formação de identidades (políticas)
coletivas.
Nesses 15 anos, desde a minha primeira incursão como pesquisador no terreno
da política da identidade sexual, a produção acadêmica sobre o assunto tem crescido
exponencialmente, incrementando estímulos e possibilidades de diálogo, colaboração e
oportunidades de dar continuidade aos projetos. Existe inclusive nas ciências sociais
uma área interdisciplinar exclusivamente dedicada a esta temática: os estudos Gay-
Lésbicos e os Estudos Culturais Queer. A contribuição da perspectiva de trabalho desta
tese consiste em chamar a atenção para um aspecto pouco explorado nos estudos sociais
da mobilização política das identidades sexuais: os perfis e carreiras dos seus quadros
militantes e a interação entre a sua formação e as práticas e valores mobilizados pelo
movimento social.
Esta tese representa apenas uma conclusão parcial de um programa vasto de
pesquisa. Algumas lacunas a cobrir em futuros encaminhamentos incluem: (1)
Comparações com outras unidades de análise e estudo, por exemplo por um lado as
mobilizações dos usuários de drogas e outras condutas classificadas como desvios, e por
outro lado, a mobilização homossexual (também no campo psi e na prevenção da AIDS)
em países como México e Brasil. (2) Conexões transnacionais das trajetórias estudadas,
38
tanto do movimento GLTTB, como da mobilização GLTTB no campo psi e das
iniciativas de prevenção do HIV/AIDS com “GLBT e outros HSH”. (3) As genealogias
e usos da categoria “comunidade” em movimentos sociais como o da saúde mental,
contraculturais, outros, e no próprio movimento GLTTB. (5) As genealogias e usos da
categoria “cidadania”, particularmente para comprará-los entre diferentes contextos
nacionais e acompanhar seu tráfico transnacional. (6) Estudo da evolução das
classificações psiquiátricas, psicanalíticas e psicoterapéuticas de categorias de desvio
sexual. (7) A genealogia intelectual da homossexualidade na Argentina. (8) As práticas
de medição e contagem de experts e ativistas da “diversidade sexual”: medir a
homofobia, contar os HSH. (9) Análise do privilégio e das diversos sentidos dados à
homosexualidade e transgênero como temáticas da esfera pública local.
39
CAPÍTULO 1. A POLÍTICA HOMOSSEXUAL NA ARGENTINA. “O MOVIMENTO
INTRODUÇÃO. PANORAMA DO ATIVISMO GLTTB EM 2002.
Logo após o início do segundo semestre de 2002, quando cheguei em Buenos
Aires para iniciar o meu mergulho no “campo”, minha agenda de trabalho estava
orientada, ainda com pouca precisão, ao acompanhamento de atividades e trajetórias do
movimento homossexual, particularmente de aquelas que supusessem algum tipo ou
grau de ‘especialização’ ou ‘profissionalização’. Não faltaram oportunidades de fazê-lo.
Depois da “débâcle” nacional de dezembro de 2001,
19
ainda sob os efeitos da crise
econômica, com taxa de desocupação por cima do 20% e quase um terço da população
por baixo da “linha de pobreza”, embora com desanimo, vivia-se um clima que poderia
se chamar de ‘re-fundação’. A consigna mais repetida dos protestos de rua, “panelaços”,
piquetes e assembléias de vizinhos no verão de 2001-2002, que associou a crise
econômica com a corrupção da “classe política”, versava “Que se vayan todos” (“vão
todos embora”). Por um instante, organização espontânea da população por fora dos
canais convencionais do sistema republicano, pareceu uma alternativa poderosa.
Entretanto, em agosto, com seis meses do governo de transição de Eduardo Duhalde, a
estabilidade institucional parecia estar retornando, com eleições presidenciais marcadas
para abril de 2003. Embora eu antecipasse que a efervescência que permeava toda a
19
A situação de dezembro de 2001 foi qualificada também como “crise de governabilidade”, associando
crise econômica com efervescência política e social e mobilizações massivas. Bloj (2004) enumera, como
“marcas desencadeantes” a mudança na orientação de políticas públicas, profunda recessão econômica, as
taxas de desemprego e níveis de pobreza mais altos da história do país, o descrédito do sistema político e
o abandono da “promessa” de bem-estar do discurso da política de Estado (p.4). Os eventos que
marcaram a conjuntura específica de dezembro foram os “saqueios” (assalto a supermercados e pequenos
comércios) em diversas cidades, medidas de emergência do governo (redução de 13% dos salários dos
funcionários estatais e pensionistas) e bloqueio da poupança bancária (“curralinho” financeiro) (p.44).
Como resposta ao decreto presidencial de Estado de Sítio, entre 19 e 22 de dezembro aconteceram
mobilizações em todo o país, com epicentro na Plaza de Mayo, em Buenos Aires, sob forte repressão
policial, com saldo estimado de 30 mortes. Á renuncia do Ministro da Economia Domingo Cavallo,
consignado responsável pelo rumo da política econômica durante a última década, sucedeu a do próprio
Presidente, cargo que passou por três figuras delegadas, até se fechar um acordo entre os partidos
majoritários para a transição ser conduzida por Eduardo Duhalde, líder do Partido Justicialista
(peronismo), senador nacional, ex-governador da Província de Buenos Aires.
40
sociedade, convertida em um “evento total” (Pieke, 2000), tiraria momentaneamente a
atenção dos militantes, ‘chamados a uma causa mais importante’, encontrei um ativismo
GLTTB dedicado a um programa bastante específico de ações, organizadas em torno
dos “direitos”. Em capítulos subseqüentes me referirei a aspectos desse programa
configurados em torno à saúde mental e AIDS. Neste capítulo introduzirei o campo
mais abrangente da política GLTTB, relatando mobilizações que aconteceram nesse ano
de 2002 e apresentando cronologicamente o surgimento e as transformações sofridas
pelo movimento desde a militância homossexual de fins da década de 1960 até o
ativismo GLTTB da década de 1990 e 2000.
Antes de começar meu trabalho de campo mais intensivo, eu tinha acompanhado
os eventos públicos do ativismo GLTTB através da imprensa nacional e do mensário
NX (revista orientada ao público GLTTB). Assistia às Marchas do Orgulho de Buenos
Aires e, em 1998, participei do 3º Encuentro Nacional GLTTB, em Córdoba. Também
esse ano mantive contato informal com três lideranças que assistiram a encontros
políticos associados aos Gay Games (evento desportivo internacional inspirado no
modelo das Olimpíadas) de Amsterdã, na Holanda. Eu havia participado convidado por
colegas holandeses para participar de um encontro acadêmico paralelo.
No 3º Encuentro me apresentei como antropólogo interessado em iniciar uma
pesquisa sobre o movimento GLTTB. O encontro, que ocorreu no campus da
Universidade Nacional de Córdoba durante um fim de semana, juntou 170 ativistas de
todo o país, “representantes” da Comunidad Homosexual Argentina (CHA), Gays por
los Derechos Civiles (Gays DC), Lesbianas a la Vista, Asociación de Lucha por la
Identidad Travesti (ALIT), e Asociación Travestis y Transexuales Argentinas (ATTA),
todos de Buenos Aires, do Colectivo Arcoiris de Rosario (antigos laços de amizade
pessoal me ligavam com eles) e de Las Iguanas (“os lagartos”) e ACODHO (Asociación
41
contra la Discriminación Homosexual), Córdoba. Chegaram grupos de várias outras
províncias: Chaco, Salta, San Juan, San Luis, Santa Cruz. Havia representantes de
grupos religiosos gays e delegados de organizações chilenas e uruguaias. A quem, como
eu, não estava filiado com nenhuma organização, era atribuída a categoria de “ativista
independente”. Continuaria freqüentando essas pessoas por vários anos e essa atribuição
ficaria comigo, convivendo com a minha auto-identificação como “antropólogo” ou
“pesquisador”. Para ser considerado um ativista, não era preciso mais do que freqüentar
esses espaços de reunião e debate e essa definição não era incompatível com outras.
Minha apresentação como interessado em pesquisar sobre o movimento não excluía que
eu pudesse ser considerado um ativista. Eu de fato não me abstinha de intervir nas
discussões e, sobretudo, colaborava ativamente com tarefas organizativas.
A maioria das oficinas paralelas que ocorreram durante esse fim de semana
foram sessões de grupos de “conscientização” ou “auto-ajuda” sobre diversas
experiências associadas com discriminação e a identidade sexual. As oficinas mais
“políticas” se referiram a estratégias jurídicas e legislativas, como a penalização da
discriminação por orientação sexual. Nas plenárias se discutiu a agenda de mobilização
coletiva do movimento ao nível nacional, como chamar o próprio encontro, o conteúdo
de um manifesto coletivo e particularmente a ordem com a qual normalmente apareciam
listadas as diferentes “identidades” (lésbica, gay, travesti, transexual e bissexual) na
sigla GLTTB, se propondo um sistema de rodízio (logo implementado na Marcha del
Orgullo de Buenos Aires). Joshua Gamson (1995) desenvolveu este tópico a propósito
das disputas suscitadas a partir do surgimento da chamada “política queer” no ativismo
político e acadêmico GLBT norte-americano.
20
Baseado no argumento salientado pela
20
Sobre a definição de “queer” neste contexto, Gamson diz: “Since the late 1980s, “queer” has served to
mark first a loose but distinguishable set of political movements and mobilizations, and second a
somewhat parallel set of academy-bound intellectual endeavors (now calling itself “queer theory”). Queer
politics, although given organized body in the activist group Queer Nation, operates largely through the
42
teoria dos “novos movimentos sociais”, que postula que “collective identity is not only
necessary for successful collective action, but [] it is often an end in itself”, Gamson
(1995) coloca:
We are certainly witnessing a process of boundary-construction and
identity negotiation: As contests over membership and over naming,
these debates are part of an ongoing project of delineating the “we”
whose rights and freedoms are at stake in the movements. (p. 392)
Esperava-se uma ampla cobertura na imprensa e considerava-se delicado o
assunto das reuniões serem fotografadas, por precisar se proteger a intimidade de quem
“não era visível”. Isto gerou fricções com jornalistas, fotógrafos e equipes de televisão.
Pela mesma razão foi frustrada a proposta de fazer uma passeata nas ruas do centro da
cidade depois do fechamento do evento. A “visibilidade” ficou na memória institucional
do movimento como a grande temática discutida durante o encontro (CHA, 2006;
Marcha del Orgullo, 2006). Foram percebidas e criticadas pelos participantes intensas
rivalidades entre os ativistas mais antigos em entre diferentes organizações.
A partir da retomada do contato com os ativistas do movimento em 2002, desta
vez principalmente através dos membros de uma ONG especializada na prevenção da
AIDS, e da rede de prevenção da AIDS nucleada em torno de uma iniciativa do
escritório regional de UNAIDS em Buenos Aires (o perfil da rede também é descrito no
capítulo 3 desta tese), percebi a importância que a “Lista Movimiento” (LM) tinha
adquirido como órgão da comunicação ‘interna’ do movimento. “A lista” é um e-group,
dispositivo baseado na internet que permite aos membros inscritos intercambiar
mensagens de correio eletrônico que são distribuídas de modo automático
individualmente ao dos subscritores. Ela foi criada em novembro de 1999 por Gabriel
(sobrenome não informado), criador também do website argentino e latino-americano
decentralized, local, and often anti-organizational cultural activism of street postering, parodic and
nonconformist self-presentation, and underground alternative magazines (“zines”); it has defined itself
largely against conventional lesbian and gay politics.” (Gamson, 1995, p. 392).
43
Mundo Gay, para propiciar “el intercambio de ideas, la creación de proyectos, el
desarrollo de conceptos nuevos”, com o intuito de “crear un espacio donde las diferentes
organizaciones y personas interesadas en el desarrollo de la comunidad GLTTB
argentina puedan participar constructivamente.” Existem e-groups mais abertos o
cerrados para o ingresso de membros, dependendo do uso ao qual eles são destinados. A
LM é do tipo mais aberto: ela não tem “moderador”, isto quer dizer que as inscrições
são processadas por meio de uma plataforma virtual de acesso público e as mensagens
são enviadas ao resto dos membros sem controle algum. O “administrador” (criador e
“dono”, no jargão administrativo da internet) intervém só para garantir o funcionamento
da mesma. Integravam a lista de correspondentes originalmente pouco mais de 80
membros, cujos dados Gabriel transferiu de uma outra lista, Mundo Gay, a partir da
proposta e acordo dos interessados, de criar um espaço especificamente dedicado a
comunicações e debates do ativismo GLTTB argentino. A lista Mundo Gay continuou
funcionando com um perfil de bulletin board comunitário, embora freqüentemente
circulassem mensagens veiculadas em ambas listas. Em seguida do início do
funcionamento do grupo, a lista de correspondentes foi “depurada”, eliminando-se
endereços antigos e particularmente os daqueles (muitos não residentes na Argentina ou
não ligados ao ativismo GLTTB) não interessados em receber o dilatado número de
mensagens diárias, muitas incompreensíveis para quem não acompanhara debates de
antiga data ou que, sendo mais conjunturais, se referiam a questões locais, ou ainda a
questões que muitos consideravam “brigas domésticas” entre pessoas ou facções rivais.
Entre 2000 e 2001 o número de subscritores desceu para 53. Entretanto, depois ele foi
crescendo para chegar, em 2005, até 180.
A lista ainda se encontra em atividade. Algumas organizações, pequenos grupos
e redes de ativistas mantinham várias subscrições individuais, se revezando para
44
acompanhar as novidades publicadas diariamente na lista, ou participando
simultaneamente a título pessoal. Quando assistia a reuniões e outras atividades de
diferentes associações ou nos plantões de atenção que cobri na sede de uma delas, era
freqüente nós comentarmos as últimas novidades acontecidas “na lista”. Um grande
número de ativistas, em seu próprio nome ou em nome de organizações e grupos
GLTTB divulgam livremente anúncios sobre eventos, clippings de imprensa,
informações e consultas diversas, discutem posições políticas pessoais e institucionais,
opiniões, críticas, juízos, elogios e calúnias. Participam da lista ativistas das
organizações maiores e mais publicamente reconhecidas, principalmente de Buenos
Aires, permitindo ao usuário se manter medianamente informado sobre os
acontecimentos da política GLTTB local. Em maio de 2006, depois de 5 anos de
funcionamento, haviam sido distribuídas 10.000 mensagens. Circularam na lista durante
esses anos entre 17 e 46 mensagens semanais, com um mínimo de 27 mensagens
mensais em janeiro de 2001 e um máximo de 265 em fevereiro de 2003. O total de
mensagens por ano calendário nunca desceu por baixo dos 1300 e em dois períodos,
2001 e 2003, passou dos 2300. É bastante comum as mensagens se sucederem em
cadeia, uma intervenção suscitando múltiplas reações, que são replicadas por quem
enviou a mensagem inicial e por outros que se somam ao debate.
Demorei em perceber a importância que a lista havia adquirido para o
movimento. Nela conviviam expressões completamente dissimiles, em um registro que
ia do mais prosaico e pessoal (insultos e cobranças, elogios adulados), até debates
doutrinais e de estratégia política. Sendo que as ações públicas orientadas a produzir
efeitos na sociedade eram orquestradas por organizações ou coalizões entre elas, que
operavam segundo uma lógica de facções, eram poucas as possibilidades de que elas
fossem empreendidas a partir de acordos que envolvessem o movimento como um todo.
45
Entretanto, para todo ator que se considerasse parte deste, a lista era uma caixa de
ressonância onde suas ações repercutiriam e seriam avaliadas por seus pares. Tratava-se
do espaço de divulgação principal para toda iniciativa, evento ou ação que requeresse
acompanhamento e apoio da “comunidade GLTTB” e particularmente das suas
lideranças. As facções minoritárias ou emergentes utilizavam a lista para visibilizar suas
posturas, em geral críticas da condução das associações majoritárias ou mais
estabelecidas, a se legitimar como atores do movimento. Entretanto, as lideranças de
organizações como a Comunidad Homosexual Argentina (CHA) e La Fulana
divulgavam convites para eventos e atividades previamente planificadas, anunciavam
resultados de ações e respondiam a críticas e ataques de rivais. A situações podiam ser
tensas, envolvendo inclusive graves denuncias e violência verbal, porém todos
continuavam participando. Embora facções rivais declarassem “não puder trabalhar
juntas”, se mantinha um consenso implícito em torno da importância da lista como
(único) espaço unificado de debate do movimento.
Em 2002, enquanto eu ia me integrando como voluntário de uma associação gay
que oferecia serviços de prevenção do HIV e participante de uma rede nacional de
organizações que atuavam ou aspiram a atuar na mesma área, através da lista eu podia
acompanhar as novidades do movimento. Graças a ela fui sabendo mais das iniciativas,
dos estilos de comunicação e interesses que mobilizavam os atores “do movimento” e
recebi os convites e convocatórias para participar, por exemplo, das reuniões da
organização da Marcha del Orgullo e acompanhar as reuniões de comissão e sessão
ordinária da Legislatura da cidade em dezembro desse ano, onde foi aprovada a “lei de
união civil”.
46
1. A GESTA PELA UNIÃO CIVIL
Na madrugada da sexta-feira, 13 de dezembro de 2002, após um dos debates
legislativos “mais longos e barrocos dos últimos anos” – segundo a crônica do jornal
Página 12 –, Buenos Aires transformou-se na primeira cidade latino-americana a
legalizar “uniões estáveis” homossexuais (Página 12, 14/12/02, p. 1-3). Após um ano e
meio de lobby por parte dos ativistas da Comunidad Homosexual Argentina (CHA),
com o apoio – ora entusiasta, ora reticente – de outros grupos GLTTB e de alguns
políticos e intelectuais que se manifestaram na imprensa foi aprovada a lei de “união
civil”, que permite a duas pessoas que convivem com “relação de afetividade estável e
pública”, “com independência do seu sexo ou orientação sexual”, inscreverem-se em
um registro público para obter tratamento “similar ao de cônjuge”. Isto aconteceu à
beira do encerramento do período anual ordinário – última chance antes de o projeto
perder estado parlamentar.
Desde as 13:30 hs. do dia anterior, horário marcado para o começo da sessão,
dezenas de pessoas ligadas ao movimento GLTTB havíamos chegado ao Palácio da
Legislatura da Cidade, convocados através das listas eletrônicas de discussão e do boca-
a-boca entre militantes GLTTB e freqüentadores dos locais das associações, assim como
aqueles que participaram recentemente de atividades associativas, como a reunião de
avaliação da marcha do orgulho GLTTB, 15 dias antes, ou dos eventos públicos do Dia
Internacional da Luta contra a AIDS, no 1º de dezembro. Tínhamos sido avisados de
que para poder ingressar ao recinto e assistir ao debate precisaríamos de convites, que
eram distribuídos – em número limitado – através de cada deputado. Os ativistas
promotores da lei avisaram que tentariam providenciar convites para todo mundo, com
o intuito de ‘fazer pressão’ através da presença física, a modo de torcida, na câmara.
21
21
Ambas categorias, “activista” e “militante”, são utilizadas pelos próprios atores alternativamente.
Entretanto, a primeira foi incorporada mais recentemente e geralmente é associada com casos particulares
47
Entretanto, logo o ingresso foi simplificado e o controle tornou-se mais informal, não
sendo solicitada a utilização dos passes. Havia na porta de ingresso à Legislatura grande
quantidade de jornalistas, fotógrafos, equipes de televisão e ativistas GLTTB com
bandeiras que identificavam os grupos presentes, que conseguiram ingressar livremente.
ILUSTRAÇÃO 1. Ativistas congregados enfrente à porta do Palácio
do Legislativo da Cidade Autônoma de Buenos Aires, aguardando
a sanção da lei de união civil
Fonte: jornal Página 12, Buenos Aires
A ordem do dia incluía o debate de outras duas leis, cada uma com seu próprio
grupo de “vizinhos” interessados – em se tratando de uma legislatura local –, apoiadores
e detratores que aplaudiam e vaiavam desde a arquibancada e assediavam legisladores e
assessores nos corredores. Entretanto, no inicio das deliberações foi decidido por
unanimidade deixar a discussão da união civil para o final, aparentemente por se tratar
da mais polêmica e que demandaria um tratamento mais demorado. Isto fez com que
ansiedade aumentasse entre os promotores da lei: o adiamento implicava o perigo da lei
ficar sem ser discutida na sessão, se um dos blocos majoritários se retirasse, ou um certo
como movimentos feministas e gays, lésbicos e trans, possivelmente emprestada do contexto
internacional, onde o nome activist, em inglês, é a escolha principal. Isto faz com que no uso se
estabeleçam diferenças sutis: no movimento GLBT a utilização de “ativista” e “ativismo”, como
categorias descritivas mais neutras, é notavelmente mais freqüente; enquanto à ocorrência de “militante”
e “militância”, esta é geralmente marcada pela exaltação do compromisso com uma causa. Por exemplo, é
comum uma pessoa engajada com a causa GLTB se apresentar como “ativista”, entretanto, a ocorrência
de “um abraço militante” como saudação numa troca epistolar é insubstituível por “ativista”, que não
rende o mesmo enaltecimento. Meu uso das duas categorias nesta tese é descritivo da posição dos agentes
mencionados no campo cuja conformação está sendo evocada; porém não pretendo desligá-lo da tensão
que a escolha entre um termo e outro implica. Seguindo a convenção da escrita etnográfica, quando a
escolha reflete ocorrências concretas nas falas dos meus interlocutores, a referencia é marcada entre
aspas.
48
número de deputados simplesmente abandonasse a sessão, o qual tiraria
‘automaticamente’ o quorum. Nesse caso o projeto sairia da agenda parlamentar e seria
necessário recomeçar o rodízio que qualquer projeto deve seguir, de acordo com o
regulamento da câmara, através das diferentes comissões parlamentares, árduo como
havia sido conseguir que o projeto chegasse até o recinto de votação. A maioria estava
garantida, porém era problemático conseguir que quem se opunha à lei não boicotasse a
votação.
Os protagonistas do dia eram os militantes da CHA que tinham proporcionado o
ingresso do projeto de lei, preparado por uma juíza expert em direito civil. Alguns
simpatizantes dentro da legislatura prestavam sua colaboração; eram deputados de
esquerda e seus assessores, dois dos últimos inclusive ativistas do movimento eles
próprios.
22
Durante a sessão e os recessos, especialmente antes do debate sobre a lei, os
ativistas gays trocavam constantemente impressões com legisladores e assessores,
monitorando a entrada e saída de deputados, preparados para denunciar diante de
jornalistas e câmeras de televisão àqueles que não ficassem até a votação. Pela
contagem dos ativistas da CHA, que haviam passado meses visitando o gabinete de cada
um dos legisladores para garantir a quantidade de votos afirmativos para a lei passar, a
tendência era favorável. Entretanto circulava o rumor de que a bancada peronista, um
dos partidos com maior número de representantes e variadas posições a respeito dos
direitos dos gays e lésbicas, cuja liderança havia decretado “liberdade de consciência”
para esta votação, iria se retirar para evitar o custo político perante o lado mais
conservador da sua base. Finalmente eles ficaram.
Os discursos favoráveis e contrários à lei se seguiram desde a primeira hora da
madrugada até quase às 6 horas da manhã, sob o olhar de uma centena de homens e
22
Estes eram Flavio Rapisardi (liderança que transitou a CHA e organizou a chamada “Área Queer” no
Centro Cultural da Universidade de Buenos Aires) e Lohana Berkins (Asociación Lucha por la Identidad
Travesti - ALIT).
49
mulheres adultos, na sua maioria jovens, coletivamente identificados como gays,
lésbicas, travestis, bissexuais, ou simpatizantes da sua causa, distribuídos
estrategicamente por toda a galeria, sob faixas identificadoras das associações (La
Fulana, CHA, etc.) e bandeiras com as cores do arco-íris; discursos que
acompanhávamos com aplausos e vaias, gritando consignas como “Igualdad”,
Constitución” ou “¡Iglesia, basura! Vos sos la dictadura”. Alguns casais de gays e de
lésbicas permaneciam juntos e abraçados, atraindo, assim como as travestis, o foco das
câmeras fotográficas e de televisão, cujos operadores insistiam para os casais se
beijarem e poder registrar esse momento. Um bloco de umas 20 moças católicas (varias
delas vestidas com a saia cinza e a camisa branca do uniforme de um colégio
confessional), aplaudia as intervenções contra o projeto.
ILUSTRAÇÃO 2. Ativistas lésbicas se beijando para
as câmeras, aguardando a sanção da lei de união
civil
Fonte: jornal Página 12, Buenos Aires
O debate foi polarizado pelo “bloco púrpura” – assim chamado pelos ativistas
GLTTB –, de deputados católicos militantes (com diversas adscrições partidárias), que
se preocupavam por deixar claro que votar contra esta lei não era discriminar os
homossexuais, sendo que as uniões entre eles era um direito relativo ao âmbito privado
e não à intervenção do Estado. Também teciam considerações acerca da
50
inconstitucionalidade da lei, por pretender regular sobre assuntos reservados ao Código
Civil, só modificável por lei do Congresso Nacional. Mas a questão de fundo era para
eles a defesa da família heterossexual, base da reprodução da sociedade, assim
reconhecida pelo Direito Natural. Do outro lado do espectro, legisladores ora de
esquerda, ora moderados, nos seus discursos se mostravam por um lado convencidos da
justiça da medida em prol da igualdade de direitos e contra a discriminação, uma
“dívida da sociedade” com os homossexuais. Também mencionavam o valor desta
reforma legislativa em função do progresso das normas sociais e de uma modernização
jurídica já iniciada nas “democracias mais avançadas”. Ambos lados desenvolviam
argumentos de autoridade de cunho científico, histórico, ético e moral, destacando-se o
religioso. Outra constante era o enfeite com citações literárias.
Conhecia vários dos ativistas e simpatizantes presentes. A maioria era “da
CHA”. Estavam presentes as lideranças mais vinculadas ao “trabalho político”: o casal
formado pelo presidente, César Cigliutti, e o secretário, Marcelo Suntheim; o
coordenador da “área jurídica”, Pedro Paradiso, estudante de direito; e outros militantes
participantes desse núcleo que tinha sido o mais ativo na promoção do projeto.
Acompanhavam o evento também algumas mulheres da CHA e vários membros mais
jovens da mesma organização. Havia alguns ativistas travestis e também gays e lésbicas
de outras organizações, particularmente María Rachid, ativa em diversas redes GLTTB
e feministas. Junto com César e Marcelo, Maria e sua companheira Claudia eram,
naquela época, as faces mais visíveis do movimento na imprensa, constantemente
fotografados, citados em jornais e entrevistados para meios audiovisuais nacionais e
internacionais. Maria, estudante de direito, ativista GLTTB e “militante social”,
23
havia
23
Esta categoria, própria do contexto de protesto generalizado contra as políticas de estado na economia
em fins da década de 90, é referida a lideranças vinculadas com setores organizados fora dos âmbitos
tradicionais de representação de grupos de classe como os sindicatos e partidos políticos. Trata-se de
associações de moradores, de “trabalhadores desocupados”, de comunidades re-localizadas, de vítimas da
51
acompanhado o curso do projeto nas comissões da legislatura, embora se tratasse de um
assunto que a CHA tinha conduzido com autonomia do resto do movimento. Era notória
a ausência de ativistas de outras organizações, que os presentes interpretavam como
devida à rivalidade entre estes e as lideranças atuais da CHA, que eram criticados pelo
“protagonismo” que eles haveriam construído de costas ao resto do movimento, que o
sucesso desta lei viria a aumentar.
Na espera da votação, eu e três colegas professoras de ciências sociais, duas
delas “feministas” e a terceira “queer”,
24
que haviam comparecido para prestigiar o
movimento e presenciar o “evento histórico”, fomos convidados por Flavio Rapisardi,
graduado de filosofia, militante do Partido Comunista, diretor da Área Queer, sediada,
naquela época, na Universidade de Buenos Aires, e antigo presidente da CHA
(atualmente distanciado), que assessorava um deputado da Esquerda Unida (coalizão de
partidos socialistas), para visitar o gabinete do deputado para cuja equipe ele trabalhava.
Dali era possível acompanhar a sessão através de um circuito fechado de vídeo.
Compareceu também Lohana Berkins, a mais notória ativista travesti argentina, também
assessora da Esquerda Unida na legislatura. Quando mais tarde ingressou na sala um
colega de trabalho da legislatura, Flavio – parodiando uma apresentação formal –
violência policial, de usuários de ajuda social, etc. María fez parte das “asambleas barriales”,
movimentos de vizinhos organizados a partir da crise de dezembro de 2001, que provocou a renúncia à
presidência de Fernando De la Rua. Em tributo à sua visibilidade como “ativista social”, María chegou a
ser, em 2002, candidata a deputada da Cidade pelo trotskista Partido Obrero.
24
O nome designa, em inglês, “raro”, e tem um uso coloquial injurioso equivalente a “veado” ou “bicha”
em português do Brasil. Ele foi adotado, em fins da década de 1980 nos Estados Unidos, como alternativa
por grupos dissidentes da política “identitária” gay-lésbica. Existe hoje uma “teoria queer”, sucedânea e
concorrente acadêmica dos chamados “estudos gay-lésbicos”. A ocorrência do termo na fala tanto de
acadêmicos como de ativistas pode indicar, alternativa ou complementarmente, a rejeição de qualquer
definição prescritiva de identidade sexual ou a referencia indistinta ao conjunto das identidades sexuais
não heterossexuais. Em Buenos Aires, o nome foi adotado por um grupo de “dissidentes sexuais” de
formação acadêmica e militância de esquerda, não só crítico da “política da identidade” do movimento e
dos estudos gay-lésbicos, mas também interessado em estabelecer pontes entre a política sexual e as lutas
de movimentos revolucionários e de protesto social. Eles criaram a identidade institucional da Área
Queer, coordenada por Flavio Rapisardi, sediada no Centro Cultural Ricardo Rojas, dependente da
Reitoria da Universidade de Buenos Aires (UBA). Em 2004, como resultado de um conflito interno
envolvendo a coordenação do centro cultural, a Área Queer migrou para um centro privado, o Laboratorio
de Políticas Públicas.
52
descreveu a composição do grupo congregado, distribuindo o virtual papel
representativo no movimento de cada um dos visitantes: “los académicos“, enfatizando,
ainda com tom de paródia, que “no son activistas”, “los periodistas”, “la cultura”.
Sem ser contra a união civil, essas pessoas – Flavio, Lohana e as companheiras
de militância deles em espaços feministas e GLTTB identificados com uma orientação,
segundo seu ponto de vista, mais “classista” – manifestavam uma certa distância perante
o investimento do movimento nessa demanda. Para eles a prioridade era outra: o
fortalecimento de “as lutas contra o capitalismo”, as alianças com outros setores do
“campo popular”, contra a escalada da “política repressiva” do Estado. Flavio
especulou, preocupado com as chances da votação ser boicotada, tanto pela perda do
quorum quanto por métodos menos convencionais, como a provocação de distúrbios por
parte de “servicios”.
25
Ele comentou que os argumentos dos discursos a serem lidos
pelos legisladores tinham sido distribuídos de antemão, como se faz habitualmente,
dentro de cada bloco aliado. Ele mesmo tinha escrito o discurso do deputado que ele
assessorava.
Estava visitando a sala também um jornalista amigo de Flavio e conhecido de
todos nós, cujo jornal (classificado como de esquerda moderada no espectro da
imprensa local) estava dando extensa cobertura à votação. Um outro assessor que
incidentalmente participava da conversa criticou a capa do jornal para o qual o amigo de
Flavio trabalhava, que esse dia havia anunciado a votação com a foto de um bolo de
casamento enfeitado com dois bonecos vestidos de black tie. Para o assessor, que havia
25
Servicios” é apócope de Serviço de Inteligência do Estado (SIDE), órgão que depende do Poder
Executivo Nacional, ao qual se atribui uma íntima associação com a organização da repressão ilegal
durante a década de 1970 e especialmente durante última ditadura militar (1976-83). No jargão da
esquerda local, “um” “servicio” é uma pessoa formal ou informalmente ligada às forças de segurança do
Estado ou a grupos para-policiais, que opera como espião. Na política partidária, os “servicios” são
também suspeitos de atuar como “força de choque” de políticos e sindicalistas, provocando distúrbios
para impor uma resolução conveniente a seus interesses pela força e não através do debate formal de
idéias. Neste caso essa resolução seria que a sessão fosse suspensa e a lei não fosse submetida à votação.
A fala do meu interlocutor foi: “Están lloviendo servicios. No vamos a responder a ninguna agresión.”
53
trabalhado meses para convencer os legisladores da diferença entre a figura do projeto e
o casamento civil, pouco plausível de ser apoiado como o atual projeto foi, o jornal
tinha enviado um sinal errado, contribuindo para complicar a questão.
Tanto do ponto de vista dos espectadores do processo quanto dos promotores e
simpatizantes do projeto de lei, assim como dos seus adversários, o evento da votação
da lei veio a coroar – a metáfora é neste caso especialmente pertinente – a trajetória de
consolidação do movimento GLTTB argentino. São diversas as explicações de analistas
e de atores envolvidos no processo, das condições e disposições tanto “estruturais”
quanto “conjunturais”, e as “dinâmicas endógenas e fatores exógenos” que contribuíram
para se alcançar o que, do ponto de vista daqueles identificados com esse movimento, é
construído como uma vitória, inscrita numa trajetória “de luta” resultado de um
tremendo esforço dos militantes da causa GLTTB, bem como de uma série de decisões
estratégicas e de apostas bem sucedidas, parte de um projeto político. Os estudos
acadêmicos sobre o surgimento e expansão de movimentos gay-lésbicos (é essa a
definição mais freqüentemente adotada na literatura) em diferentes países têm focado,
por um lado, as mudanças econômicas, sociais e culturais que, durante os últimos dois
séculos, geraram a disposição para que indivíduos de determinadas características se
congregassem em torno da homossexualidade como uma identidade coletiva (D’Emilio,
1993; Chauncey 1994). A mobilização gay-lésbica foi considerada uma variante da
“politização da identidade pessoal”, um fenômeno associado com o estágio tardio da
modernidade ocidental. Os “novos movimentos sociais” decorrentes adquiriram
modalidades marcadas pelas características inerentes a cada esfera pública nacional
(Fillieule; Duyvendak, 1999; Epstein, 1999; Fassin, 2001). Entretanto, vários autores
sugerem, para o caso dos atores dos movimentos gay-lésbicos, uma tensão entre a
percepção hegemônica do “avanço” do movimento em cada país, como movimento
54
unificado, e a grande disparidade que existe entre os projetos englobados nele (Gamson,
1995; Epstein, 1999; Plummer, 1999). Referindo-se ao caso britânico, o sociólogo
interacionista Ken Plummer diz:
The Movement must be seen as a highly fluid, emergent series of
overlapping social worlds that make competing claims for change and
employ diverse dramatic strategies to accomplish their goals. These
worlds have differing styles, agenda, political rationales, goals, and
organizational forms. And they are characterized centrally by schism,
change, fluidity, weak hierarchical structures, little formal
organization, minimal resources, ambiguous frames, and claims-
making activities. (p. 134).
Aproximando-me mais da linguagem da antropologia política, na qual eu
pretendo inscrever este trabalho, eu diria que, como prática política, a militância
GLTTB se organiza de modo reticular, ativando diversos tipos de relações entre um
conjunto heterogêneo de atores, circuitos de troca e de agências tanto individuais quanto
coletivas, condicionadas por uma série de contextos particulares. Seus artífices, os
ativistas GLTTB, realizam escolhas estratégicas entre alternativas possíveis,
legitimando determinadas posições e desenhando o perfil do sujeito “da luta” e “do
trabalho” político. As ações empreendidas promovem não só alternativas táticas e
estratégicas, mas estão engajadas na própria definição ou redefinição do sujeito da luta,
em discussão com projetos concorrentes. São essas, precisamente, as identidades
coletivas representadas que são constituídas através de, e por sua vez justificam, a ação
do movimento: “os homossexuais”, “as minorias sexuais”, “os gays e lésbicas”, “a
comunidade GLTTB” e das identidades sexuais cujas iniciais foram sucessivamente
incorporadas à sigla – em meio a disputas pelo significado da incorporação e pelas
hierarquias que organizam essa diferenciação. As polêmicas em torno ao modo de
inclusão das demandas relativas à identidade sexual e também, pari passu, a diferentes
identidades sexuais “na agenda” do movimento, assim como à própria adoção ou não de
55
uma ‘política da identidade’ foram os principais assuntos dirimidos historicamente entre
os ativistas do movimento.
Em particular, a respeito da gesta pela lei de união civil, em primeiro lugar o
próprio fato de se tratar de uma gestão legislativa e da inscrição no domínio do jurídico
– ambas rotineiras na trajetória do movimento – delimita um âmbito, uma linguagem e
toda uma série de práticas que se tornam legítimas para veicular as demandas públicas
“dos GLTTB” como coletivo. Entretanto, esta nova legitimidade, sob forma jurídica,
opera instaurando um modo específico de imaginar o coletivo. Esta nova legitimidade
tem, no campo da política GLTTB, tanto promotores quanto detratores. Nos debates no
seio do movimento chama-se a atenção, por um lado, para a diferença qualitativa
concreta entre aqueles membros do coletivo capazes de, ou interessados em, se unir e
adotar filhos (um projeto geralmente associado a “gays de classe média”) e aqueles que
não o são. Também se atenta para o aspecto mais liminar de se pensar a identidade
sexual como questão de “cidadania”, de uma vida civil organizada, neste caso, em torno
da identidade sexual e de uma vida sexual organizada em torno do estado civil. Este
desenvolvimento acompanha uma tendência internacional com sutis variações. No caso
da legalização das uniões conjugais sem distinção de orientação sexual, o projeto
portenho imitou o modelo francês do “pacte civil de solidarité” (PACS), distanciando-se
da estratégia norte-americana de demandar pelo direito de gays e lésbicas de terem as
suas uniões reconhecidas como matrimônio civil.
26
Em segundo lugar, relativo aos atores do movimento, estes, enquanto ‘gestores’
de uma ação legislativa, devem responder a um perfil específico em termos das
26
Para não legislar em particular “para os homossexuais”, respondendo a um tradicional espírito
universalista dos sistemas políticos latino-americanosaliás, herdado da tradição latina européia –, foi
decidido, com apoio unânime dos promotores deste instrumento que se trataria de uma lei para todos os
cidadãos, independente do gênero e orientação sexual dos parceiros da união. Um outro projeto, tramitado
anteriormente sem sucesso no Congresso da Nação por outra organização homossexual, estipulava a
união para casais “do mesmo sexo” (Sigla, 1998). Sobre o modelo francês e o americano, cf. Fassin,
2001; Chauncey, 2004. Ver o texto da Ley de União Civil em Anexo I.
56
disposições e competências que eles devem possuir ou desenvolver e do capital que, por
um lado, inicialmente precisam e, por outro, podem acumular a partir dessas gestões
(Bourdieu, 2005). Marcelo Suntheim, secretário institucional da CHA e um dos mais
engajados no trabalho de lobby na legislatura, em conversas durante a celebração do
triunfo da lei, mencionou o paradoxo de como o fato de ele estar desempregado o
habilitou para visitar constantemente os gabinetes dos deputados e se dedicar
plenamente à organização de eventos para a divulgação da iniciativa. Ele também
indicou como ele e o resto dos companheiros envolvidos “[tiveram] que aprender tudo”
acerca do labor parlamentar. Foi também a CHA, a mais antiga das organizações
GLTTB atualmente existentes na Argentina, a protagonista de duas providências de
caráter administrativo, jurídico e legislativo: a obtenção do título de “pessoa jurídica”
para a organização, indeferida em sucessivas instâncias e finalmente obtida em 1992
graças a uma campanha de apoio organizada através de redes internacionais (Pecheny,
2001), e a inclusão da orientação sexual em artigo contra a discriminação na
Constituição da Cidade de Buenos Aires, 1996 (Brown, 1999; Pecheny, 2001). Assim
como para inclusão da não-discriminação por orientação sexual na constituição da
cidade foi mobilizado o simbolismo do sacrifício do ativista (cartazes com a foto de
Carlos Jáuregui, morto recentemente vítima da AIDS), no caso da união civil, no ápice
da publicidade das demandas de cidadania GLTTB, a montagem privilegiou a figura do
casal de ativistas, César e Marcelo. O simbolismo continuou sendo promovido no ato da
primeira união civil, também com grande cobertura de imprensa. Em julho de 2003, o
presidente da CHA convidava a comunidade GLTTB:
Compañeros/as:
El viernes 18 de julio a las 16:30 hs. en el Registro Civil de la Ciudad
de Buenos Aires (Uruguay 753) se realizará la inauguración del
registro con la Unión Civil de dos activistas de la CHA (Cesar
Cigliutti y Marcelo Suntheim) y, luego, una pareja heterosexual.
57
La CHA había solicitado al Gobierno de la Ciudad de Buenos Aires
que autorizara un acto público y colectivo (con cuatro parejas: de
gays, lesbianas, travesti y heterosexual) pero administrativamente no
fue posible.
Luego del acto (para llamarlo de alguna manera), la Comunidad
Homosexual Argentina (CHA) realizará un brindis público en la
vereda del Registro para celebrar con todos/as los/as que quieran
participar.
Desde ya están todos/as invitados/as.
Cesar Cigliutti
Comunidad Homosexual Argentina.
(Lista Movimiento, 16/07/2003, mensagem # 5811)
Em terceiro lugar, a capacidade de gestão destes atores está também intimamente
relacionada com a sua posição em determinadas redes ligadas ao Estado, à política
partidária, a elites administrativas e à conformação da esfera pública local, que engloba
também o campo intelectual, particularmente um tipo específico de jornalismo
esclarecido. Isto se faz evidente na eficácia outorgada à percepção de sinais
característicos do âmbito legislativo local e sua trama política e às predições a respeito
da situação a enfrentar, assim como nas decisões estratégicas que são tomadas. O
posicionamento nessas redes pode ser herdado de linhagens familiares, criado na
trajetória educativa e profissional do agente, trazido de outras militâncias, ou ainda
estabelecido durante o curso da própria gestão, como o caso de ativistas da CHA que –
em palavras do próprio Presidente da CHA, falando da “responsabilidade” que isto
significava para eles – se tornaram “referentes” do governo nacional em questões
relativas à AIDS e aos direitos das “minorias sexuais” (Cigliutti, 2004).
27
Mas esse
27
Neste contexto “referente”, a categoria utilizada em espanhol por meu informante, pertence ao
vocabulário político e suas extensões jornalísticas e populares. Trata-se de um indivíduo, grupo ou
instituição reconhecida por diversos públicos pela atribuição de conhecimento autorizado sobre um
58
posicionamento sempre obedece a determinadas afinidades sociais e disposições
cultivadas que são objeto de reconhecimento social. Alem das relações de amizade (e
também inimizade) e parentesco constatadas entre militantes homossexuais e membros
do legislativo ou pessoas com influência nesse espaço e na esfera pública local, sempre
me chamou a atenção, nas reuniões de comissão que acompanhei e durante a própria
sessão quando a lei foi votada, a grande familiaridade expressada entre ativistas e
legisladores, ainda com aqueles que eram contra a lei. Quer esse tratamento fosse
expressão de um conhecimento mútuo anterior, quer ele fosse parte da etiqueta
parlamentar, ele operava um reconhecimento do ativista como ator político,
representante legítimo de um coletivo (não um cidadão qualquer).
Em quarto lugar, a distância crítica que, com o devido respeito imposto pelo
óbvio valor estratégico e moral da empreitada, “os queer” – como se referiram
jocosamente a si mesmas as pessoas reunidas no gabinete do deputado da Izquierda
Unida – mantinham a respeito da ideologia que sustentava a escolha da união civil
como objetivo privilegiado do movimento. Esta crítica retornou com variações e foi
amplificada através de intervenções de ativistas dissidentes em inúmeras e intermináveis
polêmicas em diversos espaços de discussão no seio do movimento, como listas
eletrônicas de discussão, publicações e panfletos de agrupações, negociações sobre
pronunciamentos públicos e o conteúdo temático de eventos públicos como a anual
Marcha do Orgulho GLTTB. Além da questão em torno da prioridade da temática, por
se considerar que, na prática, era só do interesse específico de gays e lésbicas “de classe
média”, em alguns espaços de debate – não necessariamente alinhados como vertentes
homogêneas do movimento – desenvolvia-se uma análise que lia na demanda de
legalização de “uniões estáveis” de caráter conjugal um anseio de normalização que
assunto determinado, ou como ator representante de um coletivo ou instituição. Em todos os sentidos,
trata-se de uma forma de atribuição heterônoma de representação que, ao ser assimilada, atualiza toda
uma série de conflitos entre os atores que concorrem por esse título.
59
viria a derrubar o que para muitos a política homossexual tinha de mais promissor: seu
caráter “contra-normativo”.
28
Ainda outras disputas referiam-se a diversos aspectos do
conteúdo estratégico das ações, que transpareciam rivalidades “históricas” entre
diferentes atores do movimento, para cuja explicação precisaríamos explorar a
estruturação de linhagens ativistas organizadas não só em torno de ideologias, doutrinas
e análises políticas, mas também de relações análogas com a lógica segmentar da
política baseada no parentesco, onde laços de amizade pessoal e aliança conjugal eram
capazes de produzir coalizões e rupturas ou, inversamente, afinidades políticas eram
fortalecidas por alianças conjugais e de amizade.
A tensa constelação dos atores coletivos do movimento chama a atenção para o
tópico que destacam Gamson (1995) e Epstein (1999) para o caso do movimento das
minorias sexuais nos EUA, e também Facchini (2005) a respeito do movimento
homossexual brasileiro: a diversidade de atores e de programas políticos competindo
pelo monopólio do discurso legítimo do movimento. Sobre os EUA, Epstein diz:
[O]ne of the most noteworthy aspects of gay and lesbian movements
in the United States is the proliferation of political beliefs, practices,
and organizations that often compete with one another to be perceived
as legitimate and preferred. (p. 30)
Se a legitimidade da causa é constituída, de um lado, pela produção de um ou vários
inimigos “comuns” (a “igreja católica vaticana”, os “fundamentalismos”, a polícia, os
políticos reacionários e corruptos) empenhados em continuar uma situação de injustiça
para os sujeitos do movimento, por outro lado a legitimidade dos atores do mesmo é
construída também contra adversários internos cujos projetos viriam ameaçar a
integridade do coletivo, unificado pela projeção dos princípios promovidos por cada um
dos atores, contra os dos outros.
28
Essa critica era endereçada também por alguns atores de “fora” do movimento. Foi recorrentemente
formulada, como intriga, por parte de informantes do denominado campo psi que consultei para a parte do
projeto de pesquisa desenvolvido no segundo capítulo desta tese. A discussão é resenhada em Roudinesco
(2001).
60
2. A IDENTIDADE COMO BASE DO ENGAJAMENTO
O projeto da lei de união civil havia sido redigido pela Doutora Graciela
Medina, juíza e professora de direito de família. Dois anos mais tarde, a Dra. Medina
declararia, acerca dos motivos do seu envolvimento, em um debate organizado para o
lançamento de um livro da CHA sobre adoções, no auditório do Congresso Nacional:
29
Soy heterosexual, madre, juez, parte del establishment, y he
tenido que sufrir la discriminación por defender los derechos de
los homosexuales. Mi pliego como juez estuvo pendiente
durante un año porque me impugnaban mi militancia a favor de
la unión civil. Mis hijos debieron soportar esta discriminación.
Por eso estoy orgullosa de estar acá, y espero que los
legisladores sean lo suficientemente sabios para sacar pronto
esta ley que todos esperamos. (Conti, 2004)
No relato da discriminação que ela mesma e seus filhos sofreram, a juíza traça um
paralelo com a experiência dos homossexuais. A identificação operada habilita para ler,
no seu discurso, pistas acerca dos valores mobilizados para construir a causa “da defesa
dos direitos” destes últimos. A afirmação “sou heterossexual” enuncia a diferença que
está gravitando, neste caso a orientação sexual, e instala a questão no terreno da
identidade sexual. A primeira pessoa do singular refere o contexto e o registro onde esta
diferença é enunciada primariamente: o contexto pessoal individual. “[Sou] mãe”
remete ao âmbito vital ameaçado quando não é reconhecido o direito que os
homossexuais reclamam da sociedade e seus representantes: o direito a constituir
famílias legalmente. Paradoxalmente, quem é legalmente mãe, tem autoridade legal de
juiz e pertence ao establishment também sofre a injustiça da discriminação, o que
demonstra a sua arbitrariedade. Por que ela é discriminada, sendo que ela não é
homossexual? –É por sua militância, o que também a aproxima dos homossexuais. É
por isso que ela tem orgulho, como os homossexuais, para quem a busca de
reconhecimento tornou-se causa. Finalmente, ela pede aos legisladores “sabedoria”, pois
29
O livro foi lançado para promover uma lei de união civil de nível nacional e de abrangência maior, que
introduz o direito à paternidade e maternidade compartilhada a través da adoção conjunta.
61
o que fundamenta esta causa é a razão. São esses os valores mobilizados: verdade
(pública) de si, da própria identidade sexual, direito a ser integrado na sociedade através
do reconhecimento de laços comunitários e familiares alternativos aos convencionais,
justiça e equidade, compromisso, orgulho, razão.
O fato de a linguagem da causa homossexual ser, em 2004, mobilizada nos
termos citados, por uma juíza de família, é efeito de um percurso particular do
movimento. Veremos a continuação como os valores citados foram tematizados através
da história do movimento homossexual e das minorias sexuais na Argentina, visando
delimitar que agentes conseguiram se estabelecer como seus promotores, quais disputas
em torno à construção de sua legitimidade, com base em que convicções políticas, éticas
e morais, sustentada em que saberes e, enfim, qual a forma das identidades coletivas
instituídas como sujeito do movimento através desse processo.
3. CRONOLOGIA DO MOVIMENTO
3.1. Ativismo jurídico
Stephen Brown é um cientista político canadense que entre 1996 e 1997
entrevistou ativistas e acompanhou reuniões de planejamento, assim como intervenções
públicas do movimento. No capítulo dedicado ao movimento argentino de uma
coletânea sobre variantes nacionais da política gay e lésbica (Adam; Duyvendak;
Krouwel, 1999), Brown capta com riqueza descritiva o caráter de encenação estratégica
das campanhas e a construção da reforma legal como dívida moral. Vários dos ativistas
mais notórios entre os que conduziram a campanha pública e o lobby em prol da lei de
união civil haviam participado, seis anos antes, de uma outra campanha similar perante
a convenção que votaria a Constituição da Cidade Autônoma de Buenos Aires.
62
Acompanhados de jornalistas e equipes de televisão, invocando a memória do herói
cuja vida foi sacrificada aos estragos da AIDS, uma doença cuja transmissão é
construída como efeito da discriminação contra os homossexuais, os ativistas
envergonharam os membros da comissão para que assinassem um termo de
compromisso de apoio à inclusão da orientação entre os motivos de discriminação
contemplados nos artigos da Constituição da cidade:
In the afternoon of 27 August 1996, about twenty Argentinean lesbian,
gay, bisexual, and transgendered activists stormed into the Constituent
Assembly of Buenos Aires. They carried blown-up photos of Carlos
Jáuregui, the country’s most prominent and respected gay activist,
who had died of AIDS one week earlier. Followed by members of the
press and television crews, the activists tracked down the members of
the commission responsible for writing the new municipal charter and
shamed each one of them into signing a statement in support of the
prohibition of discrimination on the basis of sexual orientation,
alongside gender, age, ethnicity, religion, and political ideology. A
few days later, on 30 August, the assembly unanimously approved the
nondiscrimination clause, and Buenos Aires became the first city in
Spanish-speaking Latin America to protect nonheterosexuals from
being discriminated against on that basis. (Brown, 1999, p. 110)
30
A partir da fase de organização do movimento iniciada com o retorno das
garantias constitucionais e da estabilidade do sistema republicano de governo no país,
pano de fundo da fundação da Comunidad Homosexual Argentina (CHA) em 1983, a
cronologia do movimento viria a se estruturar em torno de uma série de demandas
formuladas perante o Estado. Anti-repressão e discriminação, combate à AIDS,
reconhecimento de uniões, reconhecimento civil da identidade de gênero das pessoas
trans. Os recursos sociais, materiais e simbólicos mobilizados em função de cada uma
dessas consignas remetem a configurações muito específicas da esfera pública nacional,
e se conectam de diferente modo com os diversos atores que disputam entre si a
representação do movimento. Mario Pecheny é um cientista político que durante a
década de 1990 entrevistou um formidável número de lideranças e freqüentadores de
30
O parágrafo transcrito é baseado nas matérias de Alejandra Sardá “La invasión de la outra ciudadanía”
e “Prohibido discriminar em Buenos Aires”, difundidas no serviço eletrônico de notícias Escrita en el
Cuerpo, atualmente indisponível.
63
grupos e organizações gays-lésbicas e analisou documentos relativos à história do
movimento homossexual na Argentina. Seu relato do processo que levou à obtenção de
reconhecimento oficial para a CHA como “entidade de bem público”, através do título
de pessoa jurídica, revela a inovação no perfil das ações, o elenco de aliados, o discurso
dos adversários, bem como os recursos mobilizados pelo movimento nesse período:
Après plusieurs recours ordinaires, em décembre 1989, l’Inspection
Générale de la Justice (IGJ), organe dépendant du Secretáriat à la
Justice, dénie encore une fois la personalité juridique à la CHA.
L’Inspecteur Général, Alberto González Arzac, avance les arguments
suivants : a) que les fins de la CHA « ne sont pas compatibles avec la
conception du bien commum, en tant qu’expression de l’intérêt public
ou général » ; b) que selon l’Academie Nacionale de Médicine,
l’homosexualité « est traitée comme une déviation de l’instinct sexuel
normal » ; et c) que l’homosexualité « empêche la formation de la
famille er porte donc atteinte à celle-ci ». En avril 1990, avec le
soutien des organizations de defense de droits de l’homme, la CHA
fait appel auprès de la Cour Civile de la Capitale Fédérale. La Salle I
de la Cour ratifie la Résolution de l’IGJ. La CHA a alors recours à la
Cour Suprême.
Em novembre 1991, la Cour Suprême de Justice, par sept voix contre
deux, déclare que la plainte de la CHA n’est pas acceptable. Selon la
Cour, le refus de la personalité juridique n’implique pas de
discrimination ni d’atteinte à la liberté d’expression, puisque la CHA
peut toujours agir en tant que simple association civile.
31
D’après le système légal argentin, la Cour Suprême a normalement le
dernier mot. Cependant, la CHA a pu obtenir sa personalité juridique,
grâce a l’intervention directe du Président de la Nation, Carlos
Menem. Quelle stratégie politique ont alors adoptée les dirigeants
gays afin d’obtenir leur reivindication? Outre les campagnes internes
de soutien, les dirigeants de la CHA ont cherché l’aide des
organisations gays américaines, comme l’International Gay and
Lesbian Human Rights Commission (IGLHRC) et Act-Up, avec
lesquelles ils maintenaient des contacts informels. La strategie de la
CHA se basait sur deux constats. Premièrement, le poids que les
questions relatives à la discrimination ont au sein de l’opinion
publique américaine. Deuxièmement, la nouvelle politique extérieure
argentine d’alignement inconditionelle derrière les Etats-Unis. A
l’occasion de la tournée internationale du président Menem, les
organisations gays argentines et américaines ont préparé une série
d’actions d’agitation a fin de faire pression sur le gouvernement
argentin. Le « coup réussi » a lieu lors d’une conférence de presse de
Menem à New York. Selon le joournalist Horacio Verbitsky, au
milieu de la conférence, quelqu’un du public pose au président
argentin la question suivante : « Pourquoi votre gouvernement critique
Cuba, lorsqu’en Argentine les homosexuels ne peuvent pas, non plus,
31
Argumento repetido pelos adversários da lei de união civil em 2002.
64
constituer leur propre association ? Je viens de San Juan [Argentine],
et je suis malade du sida ». La conférence de presse à New York, que
le gouvernement avait conçue comme une opération de prestige,
débouchait sur un debat autour de la discrimination sexuelle en
Argentine, grâce a l’intrusion d’Alfredo González qui, ayant franchi la
barrière de la sécurité, accompagné de deux journalistes américains, a
explicitement parlé du déni de la personalité juridique de la
CHA(Verbitsky, 1993).
32
Son irruption dans la conférence presse avait
été précédé d’une série d’activités d’agitation comme la distribution
d’infomations sur la discrimination en Argentine (les malades du sida
enchaînés à leur lits à l’hõpital Muñiz, l’asil politique concédé par le
Canada à trois argentins poursuivis à cause de leur homosexualité,
etc.), dans les consulats de plusieurs villes européennes et
americaines, suivant l’itinéraire de Menem. A Washington, interrogé
de nouveau au sujet de la discrimination des homosexuels, Menem
annonce que la personalité juridique allait être accordée à la CHA. Le
Pouvoir Exécutif, faisant usage d’une faculté arbitraire que la Cour lui
reconnaît pour ses décisions administratives, ordonne la réouverture
du cas. Le nouvel Inspecteur Général de la Justice accorde finalement
la personalité juridique à la CHA en janvier 1992. (Pecheny, 2001, p.
537)
O repertório de práticas (procedimentos administrativos, judiciais e legislativos,
exposição de antecedentes probatórios, agitação, procura de visibilidade na imprensa e
médios audiovisuais, mobilização de contatos institucionais e pessoais através de redes
internacionais) e o conteúdo das demandas incluídas em ambas ações (o pedido de
reconhecimento oficial de uma associação homossexual e a sanção de uma política
contra a discriminação por orientação sexual) configuram uma linguagem e um modo
específico de intervenção na esfera pública. O compromisso ativista se torna legítimo na
medida em que o agente que a encarna representa (no sentido jurídico, político, e
também semiótico do termo) um sujeito das demandas. Aludo ao aspecto semiótico da
representação para chamar a atenção sobre como o sujeito dela não precede, mas é
criado no processo. Nas seções a seguir pretendo esboçar a complexa constelação de
práticas, modos de organização e valores mobilizados que foram conformando a
trajetória do movimento.
32
Pecheny cita também entrevistas efetuadas com Rafael Freda (vice-presidente da CHA em 1991) e
Enrique Asís (IGLHRC) em 1994.
65
3.2. Perspectivas cronológicas
A seção intitulada Le mouvement des minorités sexuelles en Argentine da tese de
Pecheny sobre o aborto e a AIDS como temas de direitos humanos e o texto já
mencionado de Brown, Democracy and Difference: Argentina (Brown, 1999), ambos
orientados a fornecer modelos explicativos da emergência deste movimento social, são
até hoje os únicos dois textos acadêmicos a sistematizar integralmente a trajetória
política do ativismo GLTTB argentino até a década de 1990.
33
Pecheny (2001) divide a
trajetória do movimento entre uma “pré-história” e a “constituição de um movimento
social” propriamente dito na Argentina. A primeira:
s’étend tout au long du XXe siécle et jusqu’aux annés 1980. C’est une
longue période pendant laquelle l’homosexualité est une activité
practiquée de façon plus ou mois invisible et muette, et pendant
laquelle l’orientation sexuelle ne fait pas l’object de revindications
politiques (p. 520).
A segunda vem da transição democrática de 1983, quando “les premières associations
de gays, de lesbiennes, de travestis apparaissent sur la scène publique et forment um
‘mouvement des minorités sexuelles’” (Pecheny, 2001). Entretanto, o processo de
organização do Frente de Liberación Homosexual – FLH (1971-76) é situado dentro do
primeiro período. Pecheny explica esta periodização se referindo a uma série de
distinções qualitativas entre os dois estágios citados: (1) passagem das identidades
sexuais, na sociedade mais ampla, da invisibilidade à visibilidade pública; (2) formação
de “Associações” de gays, lésbicas e travestis vis-à-vis a “Frente” homossexual; (3)
mudança da organização “celular” ou “centralismo democrático”, relacionado com o
‘clima de época’ internacional dos anos 1970, para um “movimento de minorias”, que
caracteriza o movimento a partir da transição democrática dos 1980. Entretanto, a noção
33
Outras fontes são os textos testemunhais de Perlongher (1985-97), Sebreli (1984-97), Jáuregui (1987) e
Rapisardi e Modarelli (2001). Embora o foco de minha tese esteja no ativismo GLTB a partir de 2000,
considero importante tratar sucintamente a militância homossexual dos anos 60-70 e 80-90, baseado nas
fontes citadas, como base de um tratamento genealógico do movimento. Uma abordagem histórica
rigorosa sobre a trajetória dos movimentos das minorias sexuais na Argentina está ainda por ser
desenvolvida.
66
de pré-história concebe o primeiro período como ante-sala do segundo, particularmente
no sentido da preexistência de uma sociabilidade e uma cultura homossexual, porém
ainda não mobilizada como objeto de reivindicações políticas. Contudo, a constituição
do movimento como tal é atribuída a uma mudança de condições políticas na sociedade
nacional:
Le retour à la démocratie, en 1983, entrâine une véritable
revalorisation de la liberté individuelle, de la justice et de la
citoyenneté, ainsi qu’un nouvel essor de la participation sociale et
politique. Cette ouverture a permis la renaissance d’une « comunnauté
gay » et la formation d’un mouvement social des minorités sexuelles.
(Pecheny, 2001. p. 530)
No marco das condições ou “marcos” de compreensão que permitiriam a
organização em torno da identidade sexual e apontando de um lado para a continuidade
e, de outro, para a diferença ideológica e estratégica entre diferentes fases do que ele
considera um mesmo movimento, Brown reforça também o registro de uma brecha
entre as iniciativas dos anos 1960-70 e a emergência de um movimento lésbico e gay:
Though certain historical changes on a more structural level – in
addition to international diffusion and contacts – had earlier provided
the conditions for organization around sexual identity to emerge, it
was the collapse of the arch-conservative dictatorship in 1983 that
provided an opening for the emergence of a lesbian and gay
movement. Redemocratization provided a new space and vocabulary
for those seeking lesbian and gay rights. (Brown, 1999, p. 114)
Brown ainda acrescenta um terceiro marco de referência para a emergência da política
homossexual, este mais diretamente relevante para a experiência organizativa que
Pecheny situa ainda na “pré-história” do movimento: a efervescência gerada pelo “ciclo
de protesto” internacional e local do fim da década de 1960:
I surmise that the timing of the emergence of gay activism owes much
to events that marked a high point in an international protest cycle,
including the 1969 Stonewall riots in New York, mass student
demonstrations in France and México in 1968, opposition in the
United States to the Vietnam war, the growing women’s liberation
movement, and left-wing activism across Latin America (inspired by
the Cuban revolution) and in Europe. Argentina – whose inhabitants
have long looked abroad (especially to Europe) for a cultural model –
was especially open to responding to these events. It also followed the
67
growth of overt domestic opposition to the military regime,
34
marked
by the protests in Córdoba (known as the Cordobazo), burgeoning left
activism, and the prominent guerrilla movement. (Brown, 1999, p.
519)
Contudo, a periodização de Pecheny está ancorada em um aspecto do contexto
que, privilegiado na análise do autor, especifica o escopo da análise: a saída da
homossexualidade do regime de segredo:
Nous pouvons parler de l’existence em Argentine d’une communauté
et d’une identité gay seulement depuis l’année 1980. Pendant tout le
long du XX siècle, la vie des homosexuels se caractérise par la
discrétion de rapports sociaux cernés aux espaces privés et aux
subcultures urbaines, dont l’étude historique détaillée reste à faire.
(Pecheny, 2001, p. 520)
Entretanto, a hipótese da aparição do par ‘identidade pública - comunidade’ só a partir
do fim da última ditadura militar em 1983, que viria a reverter o par ‘identidade secreta
- subcultura urbana’, o qual imperou durante o século precedente, precisa ser
qualificada. A noção de publicidade evocada por Pecheny se refere evidentemente à
produção de uma voz própria como sujeito político, a uma representação legítima
(Pecheny, 2002). Porém, a legitimidade de um sujeito político é disputada e negociada
em esferas sociais de variadas escalas. Já em fins da década de 1960 aparecem
iniciativas que antecipam tematizações da identidade sexual que acompanharão o
movimento até hoje. A periodização evolutiva e a explicação do processo como resposta
unificada a uma série de condicionamentos heterônomos, embora de utilidade heurística
para classificar as diferentes fases e tendências gerais de um fenômeno, entranham os
riscos de submeter os fatos às circunstâncias e ao marco teleológico fornecido pelos
ideais de progresso do analista e dos atores com quem ele dialoga na sua atualidade.
Elas ainda arriscam diluir toda a diversidade de conflitos e problemas específicos que os
atores enfrentaram em cada contexto passado, assim como a persistência de elementos
que, por serem hoje considerados anacrônicos, se tornam ininteligíveis para o olhar
34
Governode facto” do General Onganía (1966-1970). [“de facto”, por oposição a “de direito]
68
contemporâneo. Em vez de referi-la a condições internas e externas ‘ainda não
amadurecidas’, acho preferível – e entendo que esta seja também a escolha dos atores
citados – evocar a idéia de uma ‘pré-história’ nos termos positivos da participação
pioneira dos atores envolvidos naquela fase, da sua própria criatividade e anseios de
mudanças, plasmados em projetos, estratégias de legitimação, disputas e tensões – que a
partir daí vieram acompanhar a construção do movimento através das suas diferentes
fases.
3.3. O ativismo “revolucionário” da FLH. O tempo da libertação.
O olhar retrospectivo de Néstor Perlongher, naquela época estudante de
sociologia, militante trotskista e fundador da FLH, situa essa experiência no clima da
época e aborda elementos que logo seriam recorrentemente tematizados nas sucessivas
iniciativas de organização do movimento:
En el año 1969, un grupo de homosexuales, reunidos en un
conventillo de un suburbio porteño, dan nacimiento al primer intento
de organización homosexual en la Argentina: el Grupo Nuestro
Mundo. Sus integrantes, en su mayoría activistas de gremios de clase
media baja, liderados por un ex militante comunista degradado del
partido por homosexual, se dedican durante dos años a bombardear las
redacciones de los medios porteños con boletines mimeografiados que
pregonaban la liberación homosexual.
En agosto de 1971, la ligazón de Nuestro Mundo a un grupo de
intelectuales gays inspirados en el Gay Power americano da
nacimiento oficial al Frente de Liberación Homosexual de la
Argentina.
1969 y 1971 no sólo son importantes como jalones de la liberación
gay; también marcan momentos decisivos de la vida política nacional.
1969 es el año del Cordobazo, una insurrección popular con epicentro
en la Ciudad de Córdoba que terminó volteando al régimen autoritario
del general Onganía. En 1971 sobreviene una intensa radicalización:
aparecen gremios izquierdistas, movimientos estudiantiles
antiautoritarios; y se inicia la administración liberal del militar
Lanusse, que habría de entregar el poder al peronismo en las
elecciones de 1973.
¿A qué estas referencias? Es que el FLH surge en medio de un clima
de politización, de contestación, de crítica social generalizada, y es
69
indispensable en él. Como buena parte de los argentinos de entonces,
cree en la “liberación nacional y social”, y aspira al logro de las
reivindicaciones específicamente homosexuales en ese contexto. No
sólo configura la reacción de la minoría sexual ante una tradicional
situación de opresión, que la dictadura militar instaurada en 1966
había llevado a extremos casi sin precedentes; también encarna el
deseo de una minoría “esclarecida” –por decir así– de homosexuales,
de participar en un proceso de cambio presuntamente revolucionario,
desde un lugar en que sus propias condiciones vitales y sexuales
pudieran ser planteadas.
Tanto la sincera necesidad de liberarse de un machismo
profundamente anclado en la sociedad argentina, como la convicción
de que esa liberación no podía sino producirse en el marco de una
transformación revolucionaria de las estructuras sociales vigentes,
constituyen elementos constitutivos del movimiento gay argentino,
que aparecen a lo largo de toda su historia. (Perlongher, 1985-1997, p.
77-78)
A FLH funcionou semi-clandestinamente sobretudo em Buenos Aires, sob a
forma de grupos autônomos ou “células” que coordenavam ações em conjunto. No
ápice da sua atividade, entre agosto de 1972 e setembro de 1973, havia uns dez desses
grupos, com dez militantes em média cada um, e uma rede mais extensa de
simpatizantes. Os grupos incluíam estudantes universitários de esquerda, anarquistas,
sindicalistas, “profissionais”, lésbicas, cristãos, católicos, etc. A entrada em 1972 do
Grupo Eros, de universitários de esquerda radicais e anarquistas gerou a primeira
polêmica interna. Os primeiros integrantes da FLH almejavam que a esquerda
incorporasse as reivindicações homossexuais nos seus programas, enquanto os
intelectuais radicais privilegiavam o papel da sexualidade e manifestavam ceticismo a
respeito das revoluções socialistas. Todos confluíam em um programa que partia de
“reivindicações democráticas específicas”: o fim da repressão policial contra os
homossexuais, a derrogação dos “edictos” anti-homossexuais, a liberdade dos
homossexuais presos.
35
A FLH chamava à aliança com os “movimentos de libertação
35
Até as reformas constitucionais iniciadas na década de 1990, os departamentos de polícia das
províncias e da Capital Federal estavam facultados para legislar sobre faltas de grau inferior ao do delito,
denominadas “contravenções”, que regulam a conduta dos indivíduos na via pública. Estes “edictos
policiales” e “códigos de faltas” proliferaram nos diferentes distritos e atualmente estão sendo
substituídos progressivamente e em meio a ações de protesto dos grupos afetados. Neles eram tipificados
70
nacional e social” e com os grupos feministas, pois considerava o modo de opressão
sexual “heterossexual, compulsivo e exclusivo” como “próprio do capitalismo e de todo
outro sistema autoritário” (Perlongher , 1985-1997). Perlongher rememora a forma em
que era praticado o proselitismo:
Para su crecimiento, algunos grupos apelaron a la realización de
“reuniones de información”, por donde desfiló buena parte del
ambiente gay porteño. Se reunían grupos de homosexuales en casas
particulares y se explicaban los lineamientos generales. De allí fueron
saliendo los militantes.
En la práctica, se pretendía, además de la concientización
específicamente gay, cierto grado de politización. Ello espantó del
Frente a los homosexuales burgueses: el movimiento siempre fue
extremadamente pobre, sin recursos materiales, e integrado en su
mayoría por gente de clase media y media baja, con algunos
proletarios y lúmpenes.
En el seno de las reuniones se esbozaban técnicas de concientización –
tomadas del feminismo– que pretendían descubrir, aparte de discursos
individuales sobre un tema dado (la familia, la culpa, etc.), los
lineamientos comunes a la opresión en una fuerza de modificación
revolucionaria. Se abjuraba del “tapadismo” y del disimulo; se
analizaban los mecanismos de marginación y enghetización”.
Otros grupos –como el de “profesionales”–, se abocaban a la
confección de documentos teóricos y a la realización de una encuesta
sobre homosexualidad que, finalmente, nunca llegó a ser procesada.
(
p. 77-78)
Toda tentativa da FLH de se aproximar do peronismo – que em 1972 era
apoiado por uma grande maioria do eleitorado nacional –, assim como da esquerda
revolucionária, fracassou. Ele só obteve o apoio de anarquistas e troskistas. 1973 foi o
ano da breve presidência de Cámpora e da terceira presidência de Perón. A FLH fez
circular entre algumas associações profissionais como a Associação de Psicólogos, a
Federação de Psiquiatras e a Associação de Advogados, um documento solicitando aval
para uma apresentação perante o governo constitucional para conseguir o fim da
repressão policial contra homossexuais. Porém a rápida virada à direita e escalada de
como faltas, entre outros, o “escândalo”, o baile entre pessoas do mesmo sexo e a “reunião de pessoas
homossexuais”. Um instrumento relacionado é a figura de “averiguação de antecedentes penais”, que
permite à autoridade policial deter uma pessoa sobre esse pretexto por até 24 horas e foi largamente
utilizado para assediar a homossexuais e prostitutas.
71
violência política também frustrou essas iniciativas. Entretanto, a propósito de uma
matéria publicada no único número do jornal Homosexuales em junho desse ano,
internamente era privilegiada uma discusão acerca do valor da “marica” (“bicha”) e do
travestismo como “expressão revolucionária e pró-feminista” ou “reafirmação da
opressão” (Perlongher , 1985-1997, p. 81). Em fins do mesmo ano foi decidido “prestar
un poco más de atención a la comunidad homosexual, descuidada entre tanto activismo
político”: foi lançada a revista Somos, da qual seriam editados oito números, até janeiro
de1976. Sobre esta, Perlongher relata:
Somos llegó a tener un tiraje máximo de quinientos ejemplares, que se
distribuían mano a mano. Estaba pobremente impreso –por
fotoduplicación– y pretendía ser un instrumento de trabajo
concientizador. Incluía trabajos teóricos, informaciones, literatura, etc.
Siempre se editó clandestinamente. En algunos números se puso una
dirección de un movimiento yanqui. Es quizás más válida como
testimonio que como material en sí; su último número termina siendo
una antología de documentos, prácticamente incomprensibles para
quien careciera de una formación teórica política-sexual gay. Una de
sus iniciativas más brillantes – la publicación de los términos con que
se alude al coito en la Argentina (más de cien) – fue recibida
escandalizadamente por los lectores.
(p. 82).
I
LUSTRAÇÃO 3, Capa do primeiro número da revista SOMOS
Fonte: http://www.Eyeliner.com
Enquanto a linguagem da política rapidamente se transmutava em linguagem da
guerra (Vezzetti, 2002), a demanda de acabar com a violência contra os homossexuais
72
cedeu para as estratégias defensivas da clandestinidade e o recurso ao auxílio das
organizações estrangeiras com as que se havia iniciado contatos. Após a morte de Perón
em 1974, sucedido na presidência por sua esposa Maria Estela Martinez, alcunhada
Isabel, houve uma escalada da violência por parte de grupos paramilitares de extrema
direita associados ao entorno do governo nacional. Com ela chegou uma onda de
repressão e o chamamento público, através da revista El Caudillo (órgão da direita
peronista) para linchar os homossexuais, e onde a FLH era mencionada explicitamente.
Militantes e simpatizantes se distanciaram, temendo por sua vida:
A mediados de 1975, el Frente se halla reducido a no más de 30
integrantes, que optan por la radicalización antes que por la
moderación. Se crea un grupo de estudios sobre psicoanálisis y lo que
restaba del movimiento deviene un grupo meramente teórico.
(Perlongher , 1985-1997, p. 83).
Optando pela sobrevivência, os integrantes da FLH decidiram dissolvê-la logo
após o Golpe de Estado de 1976. Alguns fugiram do país, outros – como Perlongher –
foram encarcerados, outros “desaparecidos”, embora não seja claro – se tratando de um
sistema de repressão ilegal – se a perseguição se devia à militância no FLH, ao fato de
ser militante de esquerda, à homossexualidade, ou – mais provavelmente – a uma
combinatória desses motivos, considerados “subversivos” na linguagem que legitimava
a violência estatal (Cf. Brown, 1999, p.129).
O relato de Perlongher comunica um anseio de participação no processo de
radicalização política que o país estava atravessando, desde a perspectiva singular da
sexualidade. A militância sindical e universitária de esquerda fornecia a metodologia de
organização, debate e agitação. O principal contato estrangeiro mencionado por
Perlongher é FUORI, o movimento radical liderado pelo filósofo Mario Mieli na Itália.
Entre os elementos salientes da experiência da Frente podemos enumerar, em primeiro
lugar, um modelo de funcionamento, uma rotina de tarefas e ações coletivas, e o
exercício do debate, a procura de acordos e a dissidência. Neste campo destacou-se a
73
polêmica em torno do valor ético-político do desvio de gênero, tema de debate clássico
nas comunidades e movimentos homossexuais. O pretexto foi um texto sobre “la
marica y el travesti” (“a bicha louca e o travesti”) publicado na revista Somos. Os
bandos estavam divididos entre os que valorizavam o escândalo do travestismo e da
mariconería” como crítica do machismo e quem via neles uma forma de reproduzir
subordinação ao domínio masculino. Em segundo lugar, a criação de órgãos de difusão
próprios, destinados a refletir sobre a condição homossexual e o projeto político do
movimento, e à disseminação dessa voz para a comunidade, o caso da discusão
mencionada sobre o gênero do homossexual. Em terceiro lugar, a constituição de sub-
grupos com diversos perfis, interesses, especialidades e agendas próprias (produção
teórica, agitação, apoio “vivencial”, “conscientização”). Em quarto lugar, a busca de
reconhecimento e aliança com partidos políticos e associações profissionais para
demandas de reformas políticas e jurídicas relativas principalmente ao cesse da
violência contra homossexuais.
3.4 A fundação da Comunidad Homosexual Argentina. O tempo da organização.
O movimento homossexual renasce com a “abertura” democrática de 1983.
Beneficiados pelo fim do estado de sítio, floresceram os bares e boates, no entanto os
homossexuais em seguida comprovaram que garantias constitucionais não os atingiam.
Carlos Jáuregui, o primeiro presidente e ativista gay mais conhecido por esses anos,
narra o momento da fundação da CHA, a organização GLTTB mais antiga ainda
existente:
El '83 fue el año del regreso a la democracia. Nuevamente comenzó a
formarse lo que había sido el FLH, que esta vez se llamó
Coordinadora de Grupos Gays. Yo no participé de este movimiento,
pero estaba al tanto de todo lo que pasaba. Cuando asumió Alfonsín,
se generó la idea de la democracia como panacea, la democracia que
iba a curar todos los males. Entonces fue mucha la gente que dejo de
militar durante esos meses de verano democrático del '83 al '84.
74
Pero en marzo del '84 hubo un baldazo de agua fría para la comunidad
gay. En esa época se habían reabierto muchos bares y discos
"diferentes" en la Capital. En uno de esos lugares masivos, cayó la
policía: se llevaron detenidos a los dueños, clausuraron el local y éstos
fueron amenazados hasta que tuvieron que dejar el país. Esto provocó
una reacción entre toda la gente que ya había abandonado la
militancia. Se clamó a una asamblea abierta, en Contramano, la disco
pionera. Esa fue la asamblea fundacional de la CHA, Comunidad
Homosexual Argentina, la primera organización homosexual que se
creó en el país.
En esa primera asamblea poco se decidió: todo fue un caos. Se redactó
un texto de presentación de la organización y se abrió un listado de
personas que podían actuar públicamente para la entidad. Nos
anotamos 14 personas que constituimos el alma de la CHA. (CHA,
2006)
ILUSTRAÇÃO 4. Matéria paga da CHA
Fonte http://www.cha.org.ar
Se nos anos 1970 a FLH pretendeu contribuir à “revolução nacional e social”
exortando à liberação sexual, nos anos 80 a CHA assimilou a linguagem dos direitos
humanos. Em maio de 1984, apenas uma semana após ser aprovado o estatuto da
associação civil, utilizando uma estratégia desenvolvida pelas organizações de direitos
75
humanos, a CHA publicou uma “solicitada” (matéria paga) no jornal Clarín (de maior
tiragem no país) intitulada “Com Discriminação e Repressão Não Há Democracia”.
36
De modo similar ao modelo da FLH, na órbita da CHA funcionaram até dez
grupos independentes. Porém, a visibilidade pública à qual se refere Pecheny (na
discussão citada na seção 3.2 acima), não problematizada desde a semi-clandestinidade
da FLH (que respondia ao contexto da violência política), adquiriu contornos precisos
no processo de institucionalização da CHA em 1984. A passagem seguinte é de um
outro texto de Jáuregui:
La información corrió de boca en boca y, a principios de abril, se
realizó una primera Asamblea, de la que participaron unas cien
personas y en la que se fijó el nombre de la Organización. Unas
semanas después, el 17 del mismo mes se aprobó el acta fundacional
de la Comunidad Homosexual Argentina, abriéndose en ese momento
un listado de aquellas personas que estaban dispuestas a trabajar en
forma pública, por la Organización del Movimiento.
Catorce nombres y apellidos quedaron escritos en esa hoja de papel.
Catorce personas dispuestas a liberarse del miedo. Catorce hombres
decididos a darse a conocer. ¡A no mentir nunca más!
Los integrantes de este primer grupo de trabajo entendimos que el
mejor camino a seguir por la Comunidad era la legalización del
movimiento gay, para lo cual nos abocamos a la redacción de lo que
serían los estatutos de la Asociación Civil, que fueron aprobados en
una asamblea del 21 de mayo. (Jáuregui, 1987, p.202)
A mudança retórica obedece a uma mudança de escala: a participação política no
processo de abertura pós-ditadura implicava um grau de reconhecimento público antes
impensado pelos iniciadores da CHA. Se em alguma medida a experiência da FLH se
aproximava dela, também era evidente a brecha entre uma geração e a outra. Após o
corte introduzido pela perseguição policial, prisões, desaparecimentos, exílios, censura e
proibição de toda atividade política, por um lado, e a repressão da sociabilidade
homossexual por outro (Rapisardi; Modarelli, 2001), de um estado militarizado desde
1975, agora em 1983, junto com a herança polêmica dos debates internos e do fracasso
36
Ver texto completo da matéria em Anexo II.
76
da FLH para mobilizar o público homossexual, confluiu uma outra formação: a da
participação ou testemunho dos movimentos políticos e da vida gay ‘liberada’ que
florescia na Europa e nos Estados Unidos. Isto se deu através de visitas e contatos com
amigos expatriados, da leitura de revistas, e de ‘viagens de formação’, como aquela da
qual retornara Carlos Jáuregui:
Terminé la escuela en el '75 e inmediatamente me puse a estudiar la
carrera de Historia en la Universidad de La Plata. Me recibí en el año
'78, decidido a especializarme en Historia Medieval. Para seguir mis
estudios conseguí una beca y me fui a estudiar a Francia. Ese fue un
momento muy importante en mi vida porque en ese país pude ver, por
primera vez, el movimiento gay en pleno funcionamiento. En el '81,
fui a mi primera marcha gay. Había sido organizada por el
movimiento para cerrar una campaña que proponía no votar a los
candidatos que acostumbraban a discriminar. A esa marcha asistieron
unas diez mil personas y yo presencié todo eso absolutamente
maravillado: Especialmente por ese contraste con lo que yo estaba
acostumbrado a vivir en plena dictadura argentina. El recuerdo de esos
días resulta imborrable para mí; ese fue el motor que decidió mi
posterior militancia en el movimiento gay porque, a partir de ese
momento, yo empecé a pensar que en la Argentina había que hacer
algo.
Ahí, en Francia, yo era testigo de como era posible vivir en una
sociedad libre. La vida cotidiana de un gay, en Francia, era muy
distinta de la de Buenos Aires. Aun antes del Proceso, el hecho de ser
homosexuales nos conducía casi inevitablemente a una vida mucho
más cerrada. Habían empezado a aparecer sobre todo en el Norte y
Oeste de la ciudad- bares o discotecas especiales para homosexuales
pero, con la dictadura, el crecimiento de la comunidad se vio
interrumpida En Francia la sensación era tan diferente... se vivía con
la impresión de poder respirar.
Aquí, uno salía a dar una vuelta y, de repente, miraba a alguien y
enseguida empezaba a sentir miedo, miedo de que aquel fuera policía,
de que alguien estuviera mirando... Eso no pasaba en Europa.
Recuerdo que, en aquellos años '80, un día yo entré en el bar gay de
moda. Estaba con un profesor, también homosexual con el cual había
ido a tomar una cerveza a la salida del curso. En ese momento, se
abrió la puerta y entraron dos uniformados. Yo, que no conocía los
uniformes franceses, dije: “¡Uy, no... Esto es una razzia!”
37
Entonces
mi acompañante me explicó: "No te confundas; no estás en tu país,
estos son bomberos y vienen acá porque ellos también son gays". Fue
increíble para mí empezar a descubrir cómo era posible organizarse
como comunidad, ver esa marcha y ver que, detrás del movimiento,
existía todo un movimiento político claro, concreto, que luchaba por
37
Batida policial.
77
reivindicaciones muy precisas, fue realmente un deslumbramiento.
(CHA, 2006)
Além do ‘aprendizado das liberdades’, são novas as disposições requeridas para
a militância. Para Flavio Rapisardi e Alejandro Modarelli, que em 2001 publicaram um
ensaio baseado em pesquisa de história oral sobre os gays durante a última ditadura
militar, intitulado Fiestas, Baños y Exilios, comentam, evocando o estilo literário
luminoso do entourage perlonghiano:
Se trata, pues, de los nuevos debates y las nuevas alianzas en las
puertas de la democracia. ¿De qué modo se enfrentará el homosexual
argentino, o si se quiere su sucesor, el gay, a “la luz resplandeciente de
la escena pública”? La antigua marica que caminaba al patíbulo de la
burla con su abanico de diamantes en la mano –según la imagen del
Grupo de Profesionales del FLH–
38
parece ahora un anacronismo. Para
las demandas que se avecinan, para la visibilidad que se busca, habrá
que esconder el abanico y demoler el patíbulo. La última apuesta
estética de los homosexuales no es, ya, el fasto de las drag-queens ni
“la loca” de pantalones encarnados. En 1984, la tapa de la revista Siete
Dias está invadida, masivamente, por dos caras que interpelan a toda
la sociedad argentina desde su sexualidad. Son dos gays de gesto
masculino, dos pares que se anuncian como enamorados. El rubio de
bigotes es Carlos Jáuregui, uno de los fundadores de la Comunidad
Homosexual Argentina. (pág. 210-211)
I
LUSTRAÇÃO 5. Capa da revista Siete Dias
Fonte http://www.cha.org.ar
38
Alude à polêmica interna da FLH acerca do valor do desvio de gênero como reprodutor ou crítica ao
modelo de dominação machista.
78
A frase de ressonância moral de Jáuregui, “não mentir nunca mais”, encarnada
na perspectiva de quem “pode” ou “está disposto” a atuar publicamente, anuncia um
programa. A abjuração do “tapadismo
39
e da dissimulação, e a “análise dos
mecanismos de marginalização e guetificação” da FHL transmutaram-se no imperativo
de criar uma imagem pública não só altamente visível, mas poderosa e “respeitável”.
Esse “coming out”, esse dar-se a conhecer, dizer publicamente a verdade de si, trocando
a vergonha pela honra, é construído em um ato de ousadia exemplar, que legitima o
engajamento com a causa apresentando-a como uma luta. Essa conduta exemplar, por
sua vez, distingue o ativista gay como uma figura heróica e um líder natural.
Concomitantemente, esses valores operam uma divisão hierárquica no interior do
movimento. Das aproximadamente 100 pessoas reunidas na assembléia que deu origem
à CHA, apenas 14 estavam dispostas a notar seu nome e sobrenome na folha de papel.
Simbolicamente, mas também nos procedimentos legais e nas atividades públicas
através das quais a CHA se converteria em “referente” oficioso da política
homossexual, o ato de representação do coletivo vem junto com essa declaração.
Durante a década de 80 a organização cresceu numericamente até mais de 100
membros, e passou fazer parte estável do elenco das organizações de direitos humanos,
com presença em toda ação conjunta e atividade pública da causa dos desaparecidos e
contra a repressão policial. Paralelament,e cresceu sua exposição em meios gráficos e
audiovisuais, acompanhando uma intermitente tematização do homossexual na
literatura, cinema e teatro, nem toda sempre positiva. Entretanto, a inovação
fundamental do ativismo dos anos 1980, liderado indiscutidamente a partir daquele
momento pelos fundadores da CHA, foi a introdução e o investimento sistemático, por
um lado, na existência legal, formalizada em registros oficiais – uma sorte de existência
em papel (Biehl; Blatt, 1992) – e, por outro lado, um “alto perfil” na esfera pública
39
“Enrustimento”.
79
nacional, em forma de “campanhas” estratégicas. Já foi mencionado o objetivo de
“legalizar” o movimento. Isto implicava determinadas rotinas de organização: estatutos,
inscrição em registros públicos, eleição de autoridades, procura de um local fixo de
reunião e trabalho:
Empezamos a trabajar; redactamos estatutos y designamos una
comisión directiva para la cual me propusieron como presidente.
Entonces comienzo [sic] la etapa más institucional de la CHA.
Tuvimos que aprenderlo todo, como si fuéramos chicos del jardín de
infantes; yo no sabía ni como se pedía una entrevista en la Cámara de
Diputados, no sabía cómo se redactaba un texto para una solicitada.
No teníamos experiencia, producto de la ruptura que se había gestado
con el gobierno militar. (CHA 2006)
A formação política e administrativa é caracterizada, no relato desta liderança
que se apresenta como pioneira, como um efeito espontâneo, gerado pelas
circunstâncias e o anseio do seu sujeito; o modo de existência que eles promoviam
requeria e gerava – simultaneamente – disposições que deviam ser aprendidas e um
conhecimento acumulado nesse processo. A construção do trabalho ativista como
espaço de treinamento técnico orientado para, e nascido do, engajamento continua a ser
uma constante da formação dos quadros ativistas até o período contemporâneo
observado na minha pesquisa de campo com organizações GLTTB de diversos perfis –
tanto entre os quadros mais técnicos, especializados e profissionalizados ou orientados à
política, quanto entre os menos qualificados – aquele dos “voluntários”.
Outrossim, a atuação pública gerava uma responsabilidade, cuja assunção
enaltecia o engajamento do ativista:
Estábamos aprendiendo a crecer, a tomar decisiones que involucraban
a un número muy grande de personas y –por ello– debían ser pensadas
con mucho detenimiento. A veces las discusiones no tenían fin y las
reuniones en “la jabonería de Vieytes”
40
(el sótano del bar llamado
“Error Dos”, propiedad de Alfredo Marcotegui; Alejandro Salazar,
donde pasamos ¡tanto frío!) se hacían interminables (Jáuregui, 1987,
p. 203-204).
40
A designação jocosa se refere ao local onde, segundo as crônicas do movimento independentista na
primeira década do século XIX, em versão popularizada através de textos escolares e de divulgação, se
reuniam os conspiradores desse “movimento revolucionário”.
80
O ativista atua em representação de dois níveis de comunidade, o do grupo das
pessoas ligadas à associação, considerado apenas um fragmento da população
homossexual que se pretende atingir, e o do total imaginado dessa comunidade. A
solicitada” publicada no jornal Clarín em 28 de maio de 1984 declarava: “Los
integrantes de la Comunidad Homosexual Argentina, compuesta por más de 1.500.000
de ciudadanos y ciudadanas, manifestamos a la opinión pública”.
41
Lembremos a
tríplice dimensão produtiva do dispositivo da representação (Boltanski, 1987, p.34-35):
a produção icônica da distinção do grupo em relação com a sociedade que o engloba, a
criação de uma imagem estilizada como modelo de identificação do grupo, e a
autorização para falar em nome do grupo na arena política.
Dois episódios relatados no capítulo dedicado à CHA no livro La
Homosexualidad en la Argentina, de Carlos Jáuregui, publicado em 1987, são
exemplares da dimensão vivida do trabalho coletivo de construção da figura do
militante homossexual, como precursor da empreitada de fazer existir um sujeito
homossexual na esfera pública e institucional do Estado nacional. Antes de relatar o
primeiro episódio, um antecedente serve para situar o evento em perspectiva e observar
permanências e mudanças: A procura de validação na solidariedade e reconhecimento
de outros atores sociais é um elemento recorrente também nas caracterizações da
trajetória do FLH (1972-76), embora do ponto de vista dos resultados a estratégia tenha
sido, em 1973 – utilizando palavras de Perlongher – “a todas luzes um fracasso” (1985-
97, p. 83). O testemunho de Carlos Moreira, depois exilado a Espanha, da participação
41
Presumo que o número corresponde a um cálculo da população homossexual do país naquele ano,
baseado na Escala Kinsey. No capítulo 3 desta tese, referido a organizações GLBT dedicadas à prevenção
da AIDS será discutida a eficácia atribuída à contagem (mais rigorosamente devemos dizer ‘a projeção
numérica’) da população homossexual para a gestão de políticas públicas focadas.
81
da FLH numa mobilização (em defesa do Presidente Salvador Allende contra o Golpe
de Estado no Chile) confirma o balanço de Perlongher:
Recuerdo que fui con Elsa, una amiga mía, después exiliada. Se veía
en medio de la manifestación como una isla de diez personas, medio
atemorizados alrededor del cartel del FLH. El grupo estaba precedido
por un espacio vacío, sucedido por otro. Era “el vacío de poder. Con
Elsa nos sorprendió mucho esa soledad culposa de las locas, y por otra
parte su coraje absoluto para enfrentarse al rechazo. Nos metimos en
la marcha, donde quizás estaría Perlongher. (Rapisardi; Modarelli,
2001, p.164)
Em 1984 o cenário e os interlocutores eram outros e também já era outro o
movimento. O relato de Jáuregui do primeiro episódio data de 20 de setembro de 1984,
da marcha convocada por organizações de direitos humanos para apoiar a entrega do
relatório da CONADEP, Comissão Nacional de Desaparição de Pessoas, ao Presidente
Alfonsín, feito fundamental do movimento pela memória e justiça a respeito das
violações de direitos humanos durante a ditadura militar. Para a CHA tratava-se da sua
primeira aparição em público. O lugar de concentração era a Plaza de Mayo, sede das
mobilizações mais importantes na história Argentina. As diferentes colunas
normalmente se congregam nas ruas que confluem na praça, para ingressar nesta como
blocos internamente homogêneos, diferenciados uns dos outros. Relata Jáuregui (1987):
Nosotros, cien aterrorizados homosexuales y lesbianas, nos
concentramos em Peru e Hipólito Yrigoyen, allí desplegamos nuestras
pancartas, una con el nombre de la Asociación, otra con la consigna da
la jornada: “Juicio y Castigo a los culpables”.
Avanzamos hacia la Plaza por Hipólito Irigoyen. Sabíamos que
delante nuestro había una multitud, calculada en cincuenta mil
personas. Al llegar a la altura del Cabildo [já frente à praça] nos
tomamos las manos; la gente comenzó a abrirse para dar paso a
nuestra pequeña columna. Primero miraban asombrados, después…
los aplausos que, sabíamos, no significaban nada y significaban todo.
Un periodista de “La Razón”, Rodolfo Brasceli, publicó al día
siguiente un extenso y emotivo comentario sobre la concentración. A
nosotros nos vio así: “Inmediatamente una columna pequeña:
‘Agrupación de Homosexuales de la Argentina’ (sic). Hay algún
silbido, alguna broma, varios ‘qué me contás’ y por sobre todo eso, un
aplauso que empieza a crecer”. ( p. 205)
82
O reconhecimento contrasta com o “vazio de poder”, ambos índices tangíveis do
grau de estabelecimento do movimento homossexual na esfera pública nacional. O
segundo episódio é índice na nova ordem formal na qual se instala o movimento. Ele
trata de como os militantes da CHA reagem a uma detenção arbitrária:
En 1985, tuvimos nuestro pequeño Stonewall. Al rebelarme ante un
injustificado procedimiento policial fui detenido por personal de la
Brigada de Moralidad, bajo el mando del oficial principal Díaz (alias
Chupete”), conocido represor de dicha división.
La CHA se movilizó. En pocas horas, comunicados de prensa con la
firma de Héctor Pérez (por entonces prosecretario de la Institución),
hábeas corpus, los medios de comunicación llamando al
Departamento de Policía. Casi, casi, una persona importante…
Procesado por “desorden”, apelamos la sentencia ante la Justicia y fui
sobreseído. Ganó la CHA.
O novo ator já pôde reclamar, legitimamente, certo grau de imunidade perante
abusos antes habituais. Porém, um aspecto importante a assinalar é que o tratamento
diferenciado não é automático ou espontâneo; ele requer uma série de recursos sociais,
materiais e simbólicos que devem ser mobilizados para garantir o sucesso da
empreitada. Note-se que a CHA dispunha de assessores letrados que providenciavam as
estratégias jurídicas para as ações empreendidas pela organização. De uma outra parte,
tal eventual imunidade seria sempre relativa e dependeria do balanço de forças e o
avatar de cada momento, em um campo que abrangia os três poderes do estado e o
controle territorial a cargo do Departamento da Polícia cada distrito.
Em 1987 ela foi convidada para participar de uma das denominadas “reuniões de
organismos”, onde debatiam as organizações “históricas” de direitos humanos (CHA,
2006). Além das ações “reivindicativas” (manifestos, iniciativas de reforma legal,
passeatas, campanhas de opinião), a CHA desenvolveu, nos seus primeiros anos,
trabalhos de “integração comunitária” e estabeleceu, a partir de 1985, um serviço
jurídico para atenção das vítimas de detenções arbitrárias (Pecheny, 2001, p.534). A
83
organização desenvolvia também uma programação cultural. A memória institucional
da organização registra em 1987 dois ciclos de conferencias: “Sexualidad y Derechos
Humanos” e “Los derechos humanos en la vida cotidiana”. A inclusão da AIDS na
esfera de ação da CHA foi um tema debatido no inicio da organização.
42
Segundo
Pecheny:
A ses débuts, la CHA ne voulait pas mener de campagnes de
prévention du sida especifiquement destinées aux gays et aux
lesbiennes, parce que’elle craignant d’accentuer par là la
stigmatisation des « groupes à risque » ainsi que l’association entre le
sida et l’homosexualité. ( p.535)
Porém, em 1987 é decidido investir esforços na prevenção da AIDS entre
homossexuais:
Vu l’ampleur de l’epidémie, en 1987, la CHA décide de mener des
campagnes focalisées, d’abord sans financement extérieur, puis avec
le soutien de l’OPS. La CHA lance alors la campagne Stop-sida,
récolte des fonds dans les boîtes et les bars gays pour l’hôpital Muñiz
et realise des ateliers d’education sexuelle, notamment sur l’usage du
préservatif. De cette façon, à partir de 1987, la lutte contre le sida
devient son but prioritaire. (Pecheny, 2001, p.535)
Brown (1999) lê nessa escolha uma mudança estratégica em um horizonte
político mais abrangente:
At first, the CHA deliberately used the human rights discourse–which
had achieved much legitimacy in contributing to the collapse of the
military dictatorship–to promote lesbian and gay rights and to create
links with other human rights organizations. It chose as its motto:
“Freedom to express one’s sexuality is a human right”.
43
Over the next
three years, however, President Raúl Alfonsín’s government
repeatedly caved in to military demands, and the human rights
discourse was severely discredited. As a consequence, in 1987 the
CHA changed tactics almost overnight, deciding to concentrate on
AIDS. Suddenly HIV/AIDS appeared as the main topic of its
newsletter, Vamos a Andar, and the CHA launched its “Stop AIDS”
program. To the detriment of activism around sexual orientation, it
then concentrated much of its energy on obtaining legal status. (p.
115-116)
42
Para uma discussão do complexo posicionamento do movimento homossexual perante a AIDS durante
a primeira metade da década de ’80 no Brasil, cf. Bastos (2002, p. 112-115); Galvão (2000, p. 56-59).
43
Em espanhol: “El libre ejercicio de la sexualidad es un derecho humano”.
84
Nas fontes consultadas, as informações referidas à dinâmica interna da CHA dos
anos 1980 são mínimas. Em 1987, Carlos Jáuregui mencionava, se referindo à época da
fundação da organização, que “Convivíamos (aún hoy lo hacemos) en un absoluto
pluralismo ideológico. Complicado a la hora de tomar ciertas decisiones, pero
absolutamente imprescindible para democratizar e democratizarnos” (p. 204). O relato
de Jáuregui indica que o modelo escolhido é o da delegação em representantes,
centralmente na figura do presidente da organização. Até 1986 foi renovado o mandato
do próprio Jáuregui, entretanto:
En 1986, en el mes de abril tuvimos nuestras primeras elecciones “en
serio”. […] [A]hora hubo dos candidatos a presidente (yo no me
repostulé) y listas parciales. Tuvimos nuestra interna. Alejandro
Salazar y Zelmar Acevedo hicieron sus campañas “con todo”. En la
asamblea triunfó Alejandro. Al otro día seguimos trabajando como si
nada hubiera cambiado. (pag. 207)
Apesar das complicações “na hora de tomar decisões”, a descrição de 1987 enfatiza a
harmonia no convívio cotidiano. Embora existissem vários outros grupos gays – em
número sempre limitado e de conformação instável – com diversos objetivos, tanto em
Buenos Aires, que concentra mais da metade da população de um país altamente
urbanizado, quanto em cidades do “interior”, até a década de 90 a CHA permaneceu
como a única “organização” do movimento homossexual na Argentina, tornando-se
modelo e referência principal nesse campo. Porém, outro seria o panorama a partir do
início da década de 1990. A muito noticiada completa legalização da CHA, conseguida
em 1991, estimulou a formação de outras organizações; entretanto a própria CHA
sofreu sucessivas crises em torno dos seus objetivos e estratégias e cisões ao longo da
década, origem de um número de novos grupos e associações. Segundo Brown: “There
was much in-fighting, both personal and ideological, and many activists left and formed
their own (gay and mixed) groups” (Brown, 1999, p.112).
85
3.5 Expansão, diversificação e diferenciação: identidades
Como evidencia a Tabela 1, nos anos 1990 deu-se uma proliferação de novos
grupos independentes da CHA. Foram fundadas as primeiras organizações lésbicas
(embora alguns grupos lésbicos já existiram ainda na década de 1980) e transgénero. A
Sociedad de Integración Gay-Lésbica Argentina (SIGLA), o Grupo de Investigación en
Sexualidad e Interacción Social (Grupo ISIS) e Gays y Lesbianas por los Derechos
Civiles (Gays DC), criados a partir de 1991 foram todos criados por membros ou ex-
membros da CHA. Nesse mesmo ano, a aparição televisiva de Ilse Fuskova como
lésbica assumida gerou uma onda que inclui a fundação do grupo Convocatória
Lesbiana e aconteceu a primeira passeata de TRANSDEVI, Transexuales por el
Derecho a la Vida y la Identidad (Brown, 1999, p.113). Entretanto, a caracterização
geral que Brown faz da dinâmica interna dos grupos na segunda metade da década de
1990 não mudaria muito durante a década seguinte:
Though there has been a clear proliferation of organizations since the
early 1990s, these twenty-odd groups are quite limited in size. Each
has a very small core leadership (whether official or de facto) and
some peripheral activists who do volunteer work and often participate
in demonstrations without necessarily debating or setting policy.
86
TABELA 1, Quadro cronológico das organizações GLTTB argentinas, 1969-2000.
1969 1970 1971 1972 1973 1974 1975 1976
Nuestro Mundo
Frente de Liberación Homosexual
Eros
Nuestro Mundo
Profesionales
Safo (lesbianas)
Bandera Negra (anarquistas)
Emanuel (cristianos)
Católicos Homosexuales Argentinos
1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990
Grupo de
Acción
Homosexual
Coordinadora
de Grupos
Homosexuales
Comunidad Homosexual Argentina
Oscar Wilde
Pluralista
San Telmo
Movimiento de Liberación Homosexual (Rosario)
CHA Córdoba
CHA Tucumán
1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000
Las Lunas y Las Otras
Convocatoria Lesbiana
SIGLA - Sociedad de Integración Gay - Lésbica de la Argentina
Grupo ISIS - Investigación en Sexualidad e Interacción Social
Gays y Lesbianas por los Derechos Civiles
Grupo Nexo
Arco Iris (Rosario)
Grupo de Reflexión Alternativa Lésbica
Frente de Lesbianas
Grupo Lola Mora
Convocatoria Gay
Asociación Travestis y Transexuales de la Argentina
Transexuales por el Derecho a la Vida
Otras Ovejas
Escrita en el Cuerpo
Construyendo nuestra sexualidad
Lugar Gay de Buenos Aires
Biblioteca GLTT
Amenaza Lésbica
Lesbianas a la vista
Grupo de Madres Lesbianas
OTTRA
TDI
Padres, familiares y amigos de gays y lesbianas
CHA (refundación)
Asoc. Lucha por la Identidad Travesti
Grupo Agamos
Cruzada del Arco Iris
Grupo de Integración Lésbica
Grupo de viudos gays
Liga de Defensa de las
Minorías Sexuales
Fonte: Pecheny (2001, p. 532) e nossa elaboração.
87
Well-publicized, large-scale demonstrations attract participants from a
wider pool. […] Nonetheless, very little is done to attract new recruits.
[...]
Nearly all the mixed/gay male-dominated groups split off from the
CHA or, like Gays DC, were later formed by former CHA members.
Only the youngest activists did not start off with the CHA. Many
lesbians who began their activism with the CHA, or at least had some
contact with the organization, later left, often over the male members’
sexism. Historically, though, the lesbian groups owe much to the
feminist movement. (pág. 113)
A introdução desta diversidade acompanhou uma expansão e diferenciação de
modelos organizativos segundo convicções acerca do valor político e natureza da
identidade sexual e estratégias de ação. Regina Facchini é uma antropóloga brasileira
que, em diálogo com uma profusa bibliografia de base historiográfica e etnográfica
sobre o movimento homossexual no Brasil, propõe “analisar a dinâmica interna do
movimento homossexual, tomando como referência os processos de elaboração e
reelaboração de identidades coletivas.” Ela sugere “levar em consideração que esse
movimento é um campo permeado por tensões e ambivalências e valorizar as ‘conexões
ativas’ [entre campos, redes sociais e arenas de disputa política] em sua produção.”
Com base numa cuidadosa revisão da bibliografia sobre movimentos sociais, Facchini
define o espaço de formação do movimento homossexual entre o modelo de
movimentos sociais comunitaristas e o das ONG, como “um campo híbrido, no qual
grupos e associações navegam entre esses dois modelos, que lhes servem mais como
pólos de orientação.” A respeito da periodização das ações e instâncias de organização
dos movimentos GLTTB, coincido com a autora em que “é mais interessante tentar
entendê-los a partir [das diversas polaridades que eles devem articular] do que partir
para uma tentativa de caracterização linear”. (Facchini, 2005, p. 87)
Embora nenhuma organização se identificasse como exclusivamente masculina e
de fato a inclusão de mulheres e pessoas trans (travesti e transexual) fosse bem-vinda, a
experiência destas últimas indicava que existia pouco espaço nas agendas das
88
organizações “gay-lésbicas” para as reivindicações e a própria expressão de
problemáticas específicas desses grupos. Esta é uma tensão que permanece constante,
tanto no seio das organizações mistas, quanto na fricção entre os grupos liderados por
gays e informalmente centrados nessa ‘comunidade’, por um lado, e os explicitamente
identificados como lésbicos e trans por outro.
Uma segunda divisão tem a ver com o tipo de estratégia política privilegiada.
Estas orientações que podem alternativamente conviver ou gerar disputas entre posições
mutuamente excludentes. Neste eixo, com base no seu trabalho de campo de 1996-97,
Brown classificou os grupos que ele entrevistou entre “assimilacionistas”, “de direitos
civis”, e “radicais”. Os primeiros “seek to integrate the lesbian and gay community into
the ‘mainstream,’ arguing that they are separated only by prejudice, or homofobia”
(1999, p.120). Segundo Brown, o objeto destes grupos é obter reconhecimento social
para os coletivos GLTTB como iguais, por meio da ampliação da norma a respeito do
aceitável em termos de orientação sexual e identidade de gênero. Daí sua preocupação
por separar estes dois assuntos, a dificuldade para incluir as reivindicações trans na
mesma agenda que as gay-lésbicos assim como sua postura essencialista a respeito da
orientação sexual, adversa ao programa do liberacionismo sexual. Brown cita como
exemplos desta estratégia a CHA dos anos 1980 e SIGLA (p. 121-122). A primeira
evitou durante anos produzir manifestações públicas exclusivamente homossexuais,
como as paradas do orgulho, participando ativamente e com sua própria bandeira das
mobilizações de direitos humanos (Pecheny, 2001, p.534).
O modelo da defesa dos direitos civis foi o adotado por Carlos Jáuregui quando
fundou Gays por los Derechos Civiles (Gays DC), em 1991, depois de haver conduzido
a Secretaria de Direitos Humanos da CHA. A organização funcionou, durante um
período de declínio da CHA, até a morte de Jáuregui em 1996. Participavam dela uns
89
dez militantes, na sua maioria profissionais (Pecheny, 2001, p.541). Suas atividades
instauraram um modelo de ativismo jurídico e legislativo, de intervenção na esfera
pública e serviço de apoio à comunidade que seria retomado em sucessivas empreitadas
do movimento, como vimos nos casos relatados em seções acima e continuaremos a ver
nos capítulos subseqüentes. A estratégia de Gays DC procurava, segundo Brown
(1999):
[T]he repeal of discriminatory laws, the nondiscriminatory application
of existing laws, and the enactment of legal instruments to protect the
LGTT community from discrimination. This was done through a
combination of casework, lobbying, and public demonstrations.
Visibility […] is a means of justifying increased attention to the needs
of the LGTT community, a strategy for putting and keeping the issue
on the public agenda. Given the risks of coming out in Argentine
society, only a small minority of gay men and lesbians are open about
their sexuality. The visibility strategy is thus also focused on civil
society as a means to change attitudes and end discrimination. (p.122)
Os grupos “radicais”, segundo a classificação de Brown, sustentam uma posição
crítica a respeito das tendências acima mencionadas, por motivos tanto “teóricos” (eles
adotam de uma postura “construcionista” a respeito da sexualidade) quanto tácticos e
estratégicos. Reivindicando uma posição ‘contra-hegemônica’, estes grupos postulam a
necessidade de articular a causa da “dissidência sexual” com “as lutas de outros grupos
oprimidos”, chamando à participação em variados movimentos de protesto. A iniciativa
mais bem sucedida nesta vertente seria a da Área Queer, mencionada acima, fundada
em 1997 como centro de estudos em um centro cultural universitário. Além de
atividades acadêmicas e culturais, os ativistas do grupo desenvolvem projetos de
pesquisa e intervenção focados na resistência a mecanismos de controle estatal,
promovendo o diálogo entre a causa dos direitos sexuais e os movimentos de protesto
que proliferaram no país durante a última década.
Considero, como Facchini, que as classificações mencionadas, sem dúvida úteis
como ferramentas heurísticas, não devem ser reificadas ou, em todo caso, devem ser
90
compreendidas como reificações operadas pelos próprios atores e reinterpretadas pelo
analista como referencias para explicar suas trajetórias e legitimar suas posições. Tanto
as classificações de identidades sexuais quanto as diferentes estratégias políticas não
estabelecem um quadro de atribuições fixas, com grupos e organizações ativistas
localizados em compartimentos estanques. Durante meu trabalho de campo observei
como a participação em redes, as alianças, as oportunidades de projeção em novos
âmbitos, o próprio “processo interno” e o recambio de membros são capazes de alterar
sutil ou radicalmente o perfil de um grupo u organização. Outrossim, como mencionara
Jáuregui (acima) em uma mesma organização podem conviver, durante um período
determinado, diferentes tendências e projetos.
Relacionados com a polaridade introduzida por Facchini para Brasil, entre
comunitarismo e “ongização”, outras divisões observadas no campo GLTTB argentino
operam como oposições hierárquicas, estruturando as redes de relações e o processo
simbólico de definição dos grupos. Estas são: (1) aquela que opõe trabalho “de base”
comunitária e política, a segunda entendida como prática de representação em redes
nacionais e internacionais e perante o Estado e financiadoras; (2) a oposição entre
formação profissional, profissionalizada ou profissionalizante (quer dizer, a profissão e
o profissionalismo como valores) e o lugar do leigo, porém possuidor de uma
experiência ‘não domesticada’, que se pretende preservar da “deformação profissional”.
(3) Essa segunda oposição ainda se desdobra entre ativismo ou trabalho comunitário
voluntário por um lado, e remunerado por outro. Estas três oposições estruturam um
sistema que atualiza a clássica distinção, analisada por Weber (1967, p. 95-97) entre
viver “para” a política e viver “da” política.
Chegado este ponto vale a pena relevar o escopo da mudança operada, que
trouxe o movimento GLTTB de uma situação de absoluta marginalidade social e
91
insignificância política, para o desenvolvimento de um campo onde é possível para
determinados atores capitalizar a sua identidade sexual como legitimador de uma
trajetória social e política. Desse processo, é importante salientar uma dimensão que eu
advertira na dissertação de mestrado, acerca da sociabilidade homossexual na Argentina
na década de 90’ (Sívori, 2005, 112) e que Facchini explorara mais sistematicamente
com relação ao desenvolvimento do movimento homossexual no Brasil (2005, p. 156-
157): o desenvolvimento concomitante de um “segmento de mercado” homossexual,
com um circuito de locais de lazer, uma imprensa especializada e um setor de serviços
cujos empresários e funcionários assalariados e eventuais circulam entre esse setor, o
“ambiente” gay e o movimento. As dimensões produtivas e tensões geradas por este
cruzamento serão exploradas com mais detalhe nos próximos capítulos. Por enquanto, é
só mencionar o grau de superposição avisado por Facchini entre “o público
comunitário”, das ONG GLBT (é esse o termo mais freqüentemente utilizado no
Brasil), o ‘publico representado’ pelo movimento, e o mencionado “segmento de
mercado”.
As tensões produzidas em função das oposições citadas foram exacerbadas a
partir do engajamento massivo do movimento na “luta” contra a AIDS (CHA a partir de
1987), tema prioritário na agenda de praticamente todas as organizações. Essa evolução
será acompanhada com detalhe no Capítulo 3 desta tese. Entretanto, cabe
antecipadamente mencionar como o investimento de recursos caracterizados como
comunitários em tarefas de prevenção e cuidado da saúde de um público identificado
como “segmento populacional” e a participação – ora como movimento de protesto, ora
como consultores, ora inclusive como funcionários – inaugura um novo patamar de
legitimidade perante o Estado e outros atores públicos, enquanto perfila uma
92
modalidade de engajamento técnico e um tipo de compromisso que aproxima o
movimento ainda mais de práticas classificadas como estatais.
Acompanhando o processo de expansão e diversificação até aqui resenhado,
resta mencionar, como sintomas do grau de estabelecimento do Movimento GLTTB
como esfera pública no seu próprio direito, três formas de concorrência por lugares e
recursos (materiais e simbólicos) no seu seio: (1) a partir da instalação de uma lógica
segmentar na produção e reprodução de grupos e organizações, as disputas entre
‘estabelecidos’ e ‘recém chegados’, ou “históricos” e emergentes entre os agentes do
movimento (Pecheny, 2004, p.209); (2) a valoração da visibilidade (como capacidade de
um agente determinado de obter reconhecimento público como representante do
coletivo) como capital e as disputas em torno da manipulação desta e sua acumulação
genuína ou espúria; (3) a partir da criação de novas organizações, filiais e redes em
diversas localidades da Grande Buenos Aires e no “interior” do país, a emergência de
disputas pelos limites territoriais do alcance territorial de cada uma.
Ainda outros dois elementos fazem à trajetória expansiva do movimento e a sua
conformação reticular. O primeiro são os contatos com movimentos de outros países e
com organizações internacionais que a acompanharam constantemente. Destes, os
primeiros foram principalmente informais, mediados por relações pessoais. A
participação em redes ligadas à IGA-ILGA (International Lesbian and Gay Association,
até 1986 International Gay Association) e contato fluído com organizamos
internacionais como a IGLHRC (international Gay and Lesbian Human Rights
Commission), fundação com sede nos Estados Unidos de cujo comitê diretor
participaram membros argentinos residentes naquele país e cujos programas para
América Latina são coordenados por ativistas argentinos. Os contactos e colaboração
93
intensificaram-se em grande medida a partir da conformação de redes internacionais
com foco no ativismo e a prevenção da AIDS.
O segundo elemento a ser mencionado foram as iniciativas, a partir da década de
1990, de conformar coalizões de organizações GLTTB, que resultaram especialmente
efetivas quando responderam a iniciativas pontuais, como movimentos para promover
reformas legislativas (mencionados acima) ou a organização da anual Marcha del
Orgullo (descrita abaixo). Foi organizada uma série de Encuentros Nacionales GLTTB
(o Terceiro Encontro é resenhado na introdução este capítulo), especialmente orientados
a estimular o ativismo nas províncias do “interior”, porém seu sucesso foi declinando
nas sucessivas edições. A partir de fins da década de 1990, o financiamento
internacional destinado à prevenção da AIDS a través de iniciativas comunitárias
estimulou a criação de redes de alcance nacional, entre cujos objetivos se encontrava a
conformação de organizações gays ao longo do território. Esse processo será relatado no
capítulo 3 desta tese.
A criação da Lista Movimiento, resenhada na introdução deste capítulo, merece
menção aparte entre as iniciativas de unificação do movimento. Sua qualificação de
“virtual” reflete uma condição de possibilidade das iniciativas unificadas do
movimento. O formato epistolar (de temporalidade alterada pela simultaneidade
permitida pela tecnologia da internet) habilita uma comunicação que, na experiência dos
participantes, havia fracassado em ocasião de assembléias e encontros. Em agosto de
2000, durante o primeiro ano de funcionamento da lista, os “históricos” do movimento,
separados a partir das sucessivas “rachas” da CHA, se propuseram publicamente saldar
antigas disputas tentando eliminar desconfianças, e promover um mecanismo, mesmo
que informal, de “prestação de contas” institucional. O fizeram através da lista – que
dispensa o encontro físico, face a face. Pela primeira vez também, nesse ano, as
94
propostas e discussões em torno da organização da Marcha del Orgullo circularam entre
a LM e as reuniões da Comissão Organizadora do evento. A migração para um canal de
comunicação em formato escrito, em teoria accessível para todas as pessoas, que porém
requere um determinado capital tecnológico e educativo, por um lado distinguiu e
hierarquizou determinadas formas discursivas, em detrimento de outras; entretanto por
outro lado ela “abriu” a esfera de debate do movimento para que cada uma das
intervenções obtivesse um reconhecimento inédito por parte de todos os atores
envolvidos no movimento.
Esta ‘virada tecnológica’ também diz, de uma parte, além da obvia conexão com
a “globalização” das comunicações na era da internet, acerca da centralidade da
produção intelectual como motor deste movimento social, do sexual politizado em tanto
produção erudita, antecipado já desde a fundação do FLH. Nesse sentido chama a
atenção também o movimento homossexual hoje ser em grande medida uma cultura
escrita, com manifestos, projetos, leis e regulamentos, filipetas, revistas, graffitis, livros,
relatórios e uma proliferante produção em formato eletrônico público, no modo das
páginas web e das postagens eletrônicas em listas de encontro e discussão. Trata-se, do
ponto de vista dos atores envolvidos, da necessidade de formalizar e divulgar o registro
de argumentos produzidos em conversas entre pessoas entusiasmadas com a descoberta
de afinidades que as convenções sociais mantem ocultas, para permitir levar essa
revelação a outras pessoas que também poderão se beneficiar dela. A palavra escrita
torna-se ato de presença que plasma a intensidade de ao menos três tipos de expressão
mutuamente constitutivos: o do desejo e da experiência erótica, o da denúncia e da
experiência de violência e discriminação, o do projeto e a prática de organização e
debate ativista. A conexão dessa orientação com as dinâmicas da formação de um
95
campo intelectual na Argentina serão exploradas com detalhe no capítulo 2 desta tese,
dedicado à tematização da homossexualidade no campo psicanalítico.
De uma outra parte, as sucessivas passagens da tematização pública não médica
da homossexualidade, primeiro do par ‘cultura (popular e erudita) - literatura (um
desenvolvimento iniciado, na Argentina, em fins da década de 50, não explorado nesta
tese),
44
para o par ‘cultura - revolução’ e, posteriormente, para o par ‘política e
mercado’, sugerem uma progressiva subordinação da erudição ao serviço da política.
Poderia se dizer que a preocupação com a regulação da homossexualidade por parte de
literatos e outros pensadores não médicos sofreu uma sorte de democratização, ao
passar da esfera do mais estritamente intelectual, como objeto artístico e da política em
um plano utópico (frente a formas de coerção mais rígidas), para uma área de projeção
social mais abrangente, retratada na evocação do princípio da cidadania e da idéia de
comunidade. Já no final dos anos 1990, com a ênfase colocada no direito à saúde, na
advocacy e no empowerment comunitário, o acionar de conhecimentos menos
“teóricos” (qualificação cara aos intelectuais envolvidos nos debates do movimento) e
mais “técnicos” viria coroar esse processo.
4. AS DISPUTAS. A MARCHA DEL ORGULLO.
O público leitor de jornais ou que assiste o noticiário televisivo em qualquer
grande cidade latino-americana já está familiarizado com as passeatas, paradas e
festivais do orgulho gay que acontecem anualmente em cada uma das capitais da região.
Desde 1992 é organizada em Buenos Aires a Marcha del Orgullo.
O público se concentra – o termo utilizado é “concentração” – na Plaza de Mayo,
em frente à Catedral Metropolitana. Quem chega cedo assiste a um festival musical
44
Cf. Brizuela, 2000; Sebreli, 1997.
96
sentado na grama ou nos bancos, ou visita os postos da “Feira da Diversidade”, onde
pode coletar revistas e brochuras de ONGs, agrupações políticas de esquerda, e
“alternativas” e centros comunitários. A feira é informalmente montada e dispersa na
praça, onde ambulantes também vendem alimentos e bebidas e improvisados artesãos e
comerciantes amadores oferecem camisetas, bijuteria e bandeiras do arco-íris, do
orgulho homossexual, ou com o emblema do triângulo rosa, que evoca a insígnia
imposta aos homossexuais durante o Nazismo.
No final da tarde, pequenas colunas atrás de bandeiras e faixas identificando
agrupações partidárias ou GLTTB, pessoas carregando placas com consignas como “soy
puto, ¿y qué?” (“sou veado, e daí?”), e blocos acompanhando os carros de som das
boates se deslocam pela Avenida de Mayo até o Plaza de los Dos Congresos, onde é
montado o palco do ato de encerramento contracenando com o Palácio do Legislativo.
O percurso conecta a passeata com uma tradição nacional de atos oficiais, posses
presidenciais, paradas militares e funerais de Estado. Mas principalmente, do ponto de
vista dos organizadores, trata-se do trajeto dos protestos sindicais, da política partidária
e do “protesto social”, este último representando trabalhadores desocupados, “vizinhos”,
vítimas de violência policial, aposentados, confiscados, “piqueteros” dentre outros,
como a anual Marcha de la Resistencia, pela memória dos desaparecidos, ou os
distúrbios que provocaram a queda do governo do Presidente De La Rua em 2001.
De umas 250 pessoas em 1992, até quase 10.000 nas últimas edições, a marcha
mobiliza os segmentos mais politizados e festeiros do “ambiente” gay, lésbico e trans
local, amigos, simpatizantes de partidos de esquerda, e atrai a curiosidade da imprensa
gráfica e da televisão. Nas primeiras edições era comum ver pessoas com máscaras para
não ser “escrachadas” na tela o nas páginas de Crónica, jornal sensacionalista e canal
de notícias de TV a cabo; mas o aumento numérico do público tornou esse recurso
97
menos freqüente, enquanto a maior visibilidade pública implicada no crescimento do
movimento hoje faz essa ocultação parecer um contra-senso.
A marcha combina, por uma parte, o protesto político veiculado em slogans
gritados e em um discurso central contra políticas governamentais acusadas de
favorecer a discriminação, a violência policial e o obscurantismo católico, discurso que
se declara solidário com outros movimentos de “protesto social”. Por outra parte, tal
evento encena a defesa de “todas as liberdades” através de uma celebração festiva.
Participam da parada carros alegóricos e caminhões de som das boates gays e os palcos
albergam bandas de rock, pop, os clássicos playbacks de transformistas locais e
expressões como o “tango entre varones”. É especialmente expressivo o
proporcionalmente alto número de travestis e transformistas “montadas” que
comparecem com seus melhores brilhos e mais imaginativas vestes.
45
A denominação ‘oficial’ do evento, assim como o slogan, data, roteiro da
passeata, programação dos palcos, admissão de carros de som e trios-elétricos, medidas
de segurança e de apóio logístico são decididos por uma comissão organizadora,
conformada por “representantes” de ONGs e “ativistas independentes”, cujas decisões
devem ser tomadas por acordo unânime entre os membros. Isto é explicado como meio
para salvaguardar facções minoritárias do domínio de setores majoritários, evitando
deste modo reproduzir a experiência de subordinação historicamente sofrida pelas
“minorias sexuais” na sociedade.
O nome da marcha foi variando anualmente. Em 2007, a 15ª edição anual se
chamou de GLTTBI, incorporando a letra “I” – de intersexuais – que não aparecia na
convocatória de 2006. A marcha é organizada por ativistas GLTTB e simpatizantes,
45
Em um survey conduzido na Marcha del Orgullo GLTTB de Buenos Aires de 2004, apenas 18,9 % dos
entrevistados declararam participar principalmente “para se divertir e conhecer pessoas”, sendo que 28.8
% o fizeram principalmente por solidariedade com a causa e amigos homossexuais, e 41% para lutar
pelos direitos e fazer visível as identidades GLTTB (Fígari et al., 2005).
98
com declarada autonomia de qualquer órgão estatal ou empreendimento comercial. A
composição da comissão foi variando ao longo dos anos. Atualmente, segundo o
website da marcha, fazem parte dela três ONG GLTTB da Cidade Autônoma de Buenos
Aires, a Asociación Travestis Transexuales Transgenero Argentinas (ATTTA), a
Comunidad Homosexual Argentina (CHA) e La Fulana - Centro Comunitario para
Mujeres Lesbianas y Bisexuales; uma da Grande Buenos Aires, chamada GLOBA -
Diversidad - Gays y Lesbianas del Oeste de Buenos Aires, um serviço de imprensa, Di-
Leo Producciones - Prensa y Eventos al Servicio de la Comunidad GLTTBI, e “ativistas
independentes” (Marcha del Orgullo, 2006). Isto na prática significa que uma ou duas
pessoas representando cada organização freqüenta as reuniões sistematicamente,
chamando seu “companheiros” para “fazer pressão” na hora das decisões mais
importantes, especialmente as que afetarão a visibilidade diferencial das várias
organizações durante o evento, e o conteúdo político dos discursos.
É a mesma comissão que coleta e administra doações de empresas sob a forma de
pagamento de anúncios publicados na brochura da marcha e da “Semana del Orgullo
(eventos culturais organizados por diferentes organizações durante a semana prévia à
marcha). A comissão faz tramitar as autorizações e os apoios do governo local e da
polícia. Desconfiando da eficácia e prevendo a hostilidade da custodia policial, os
organizadores desenham seu próprio dispositivo de segurança, a cargo de uma sub-
comissão. Uma outra sub-comissão arregimenta os voluntários, membros e amigos das
ONGs organizadoras, que fazem as rondas noturnas de divulgação para colar cartazes e
distribuir flyers e brochuras com a programação da “Semana del Orgullo”, durante as
semanas prévias ao evento, em boates e bares gay, e na Avenida Santa Fe, que configura
o circuito próximo ao centro da cidade onde gays de diferentes grupos etários se
congregam em cafés. A divulgação, especialmente durante a última semana antes da
99
marcha, e o controle dos palcos situados nas praças onde começa e termina o evento,
assim como os cordões de segurança e a animação do ato inicial e final, são tarefas
desenvolvidas por umas poucas dezenas de pessoas, lideradas por menos de dez delas.
Essas atividades são vividas por seus executores como um feito glorioso de uns poucos
atores entregues a um fim altruísta, com escasso apoio dos seus pares. É freqüentemente
mencionado que as tarefas implicam, por exemplo, “passar várias noites sem dormir”.
Assisti a algumas reuniões da preparação da marcha entre 2002 e 2004. Estas
acontecem com freqüência crescente desde o inverno até a data do evento, em
novembro. Participam dela, dependendo da agenda, entre 3 e 20 pessoas. A primeira
reunião à qual assisti foi a de avaliação da marcha de 2002, que aconteceu na casa
alugada naquela época pela organização La Fulana, ONG lésbica definida como espaço
de encontro e albergue de mulheres lésbicas e bissexuais. Daquela reunião participaram
sete dos, nesse momento, mais ativos membros da CHA, a ONG homossexual argentina
mais antiga e reconhecida do país, entre eles duas mulheres lésbicas e uma travesti,
assim como o presidente e o secretário geral, César e Marcelo, casal gay cuja casa
funciona como sede da ONG. Por La Fulana participou sua presidente, Maria, e a sua
namorada, Claudia, também quadro da organização. Naquela época elas também
moravam na sede desta última. Estava lá também um antigo ativista do movimento,
ligado a várias redes e iniciativas comunitárias de “gays adultos” e gays judeus.
Também compareceu o promotor (voluntário) de um portal comunitário em Internet
chamado Mundo Gay e da Lista eletrônica de discussão “Movimiento” (que por aquela
época havia-se tornado um veículo privilegiado para a deliberação e circulação de
notícias entre um extenso grupo de pessoas ligadas às ONG e outras agrupações
militantes GLTTB de Buenos Aires), um jornalista, produtor de um boletim eletrônico,
que aspirava a se converter em repórter “oficial” do evento, e o presidente da Fundação
100
Buenos Aires Sida, dedicada à prevenção entre jovens, naquela época mais voltada à
população travesti e gay.
Na reunião discutiu-se a prestação de contas financeira do evento. Depois de
cobertos todos os gastos (impressão dos cartazes, flyers e brochuras de divulgação,
compra de materiais para decoração do palco – cedido, junto com o som – pelo Governo
da Cidade, pirotecnia e gasolina para abastecer os carros dos voluntários), sobrariam
5500 pesos dos 7950 a serem recebidos por anúncios publicitários da brochura de
Semana del Orgullo” por patrocínios visíveis no cartaz e flyers de divulgação da
marcha. Isto foi celebrado, por se tratar de uma quantia “histórica”. Porém, com ironia,
María explicou que a organização da marcha e principalmente ela e o presidente da
CHA são acusados de atuarem como capitalistas, por interesse no seu lucro pessoal, se
repartindo entre eles o dinheiro dos patrocinadores.
Entretanto, a marcha em si convoca numerosas organizações, agrupações
militantes “GLBTI” sem capacidade ou interesse para participar da preparação, ou
diretamente contrárias ás decisões da comissão. As críticas principais destes grupos,
auto-percebidos como ideologicamente à esquerda da organização da marcha, são duas:
à “mercantilização” do evento, pela inclusão dos carros de som das boates, vistas como
empresas capitalistas interessadas na publicidade que o evento provê; e ao conteúdo
político deste, que é considerado fraco, isto querendo dizer pouco atento tanto a uma
política classista, por um lado, quanto a uma política liberacionista sexual radical, por
outro. Cientes da hegemonia moderada na comissão organizadora, este grupos se
organizaram como facção dissidente, chamada de La Carreta (carroça) – avesso de
carruagem (nome dado em espanhol aos carros alegóricos), havendo ainda facções
dissidentes da própria “carreta”.
46
Algumas destas agrupações desde 2003 organizam
46
Falso cognado do português, o significado espanhol de “carroza” é carruagem.
101
ações coordenadas entre si em um esquema que eles chamam de “contramarcha”,
marcando a separação entre a sua coluna e o resto, e gritando palavras de ordem
contrárias à política que eles atribuem à condução da marcha e do movimento GLTTB
argentino. Entre 2003 e 2005, as ações de grupos dissidentes da condução da marcha
geraram situações que representaram desafios complicados tanto para a imagem pública
quanto para a pregação do movimento para dentro dos segmentos que convoca, o que os
líderes e porta-vozes chamam de “nossa comunidade”. Em 2003 um grupo jogou tinta
rosada na fachada da Catedral Metropolitana, defronte à qual acontece a concentração
inicial da marcha, e pichou inscrições acusando os “curas asesinos” (padres assassinos).
A partir de 2004, em resposta, grupos juvenis católicos de direita colocaram a postos
uma fileira de rapazes “defensores da catedral”, separados da marcha por uma outra
fileira de policiais.
Em 2005 um pequeno grupo de pessoas (sinalizadas pelos organizadores como
parte de uma agrupação anarquista) provocou os “defensores” jogando pedras e
garrafas, gerando uma correria geral durante alguns minutos, até serem “controlados”
por policiais à paisana, e detidos. Isto gerou uma áspera discussão entre os
organizadores da marcha e simpatizantes da contra-marcha, que demandavam a
suspensão do evento e imediata mobilização coletiva até a delegacia onde os agitadores
estavam detidos. A condução da marcha optou por continuar o roteiro, enquanto
advogados de organizações de direitos humanos dirigiam-se à delegacia, e antes do
início do ato de encerramento chegaram notícias de que os detentos já tinham sido
liberados. Tanto esses distúrbios quanto a tinta e as pichações na fachada da catedral
foram o conteúdo principal das manchetes de jornal dedicadas à “marcha gay” nesses
anos.
102
Os conflitos suscitados – a cada ano reiterados – na Marcha del Orgullo
atualizam, a modo de drama e contenda, a constituição heterogênea e, da sua vez,
unificada do movimento. As disputas em torno das consignas, da inclusão ou exclusão
atores do evento, do controle do palco durante o ato oficial, da interação com a
imprensa, do dispositivo de segurança, do percurso da passeata, etc., são construídos
como expressão de “internas”. Este é um termo usualmente referido a divisões facciosas
na política partidária ou sindical, que os atores do movimento consideram inteiramente
apropriado para caraterizar a suas próprias disputas entre pares. As divisões operadas
através desta dinâmica atualizam as polaridades referidas na seção 3.5 (acima), que
geram reificações em torno de determinados motivos privilegiados, como as diferentes
identidades sexuais e estratégias políticas que organizam a segmentação dos diferentes
grupos. A pugna pelo controle do evento e pela “visibilidade”, em termos de
protagonismo público, gestada tanto através do investimento estratégico de “trabalho”
na organização do evento, quanto da ocupação e negociação de espaços de decisão,
chama a atenção novamente acerca da relativa autonomia simbólica que o movimento
tem gerado para se mesmo, convertendo a própria visibilidade dos seus feitos em um
capital que os atores envolvidos na sua construção disputam entre si. Quando os
ativistas contrários ao grupo que detém o controle da organização do evento protestam
contra a “mercantilização” deste, ou contra o protagonismo de determinadas figuras,
eles estão atribuindo ao movimento a capacidade de produzir prestígio. O resto desta
tese é dedicado a reconstruir aspectos destes processos de diferenciação simbólica.
5. PRÁTICAS DE HISTORIZAÇÃO.
Steven Epstein (1999) resume a transição que os eventos de Stonewall marcaram
ainda nos inícios da mobilização homossexual nos Estados Unidos. Diferentemente da
103
Europa, onde houve iniciativas de organização já a partir de fins do século XIX, foi só a
partir da década de 1950 que apareceu nos Estados Unidos o movimento conhecido
como Homophile Movement, desenvolvido com graves dificuldades devido à
persecução oficial dos homossexuais, fruto do ambiente hostil do ‘macartismo’ e da
Guerra Fria. Segundo Epstein,
While homophiles tended to emphasize the extent to which
homosexuals might readily be integrated into the mainstream culture,
they also took early steps toward what would later become a dominant
direction in lesbian and gay politics: framing homosexuals not as a
deviant subculture but as a distinct minority group, akin to other
recognized minorities in U.S. society (p. 35-36)
Os eventos de Stonewall vieram canalizar uma série de disposições para o surgimento
de uma nova política da sexualidade. Em poucas semanas foi formado o Gay Liberation
Front, protótipo das organizações do chamado gay liberation movement, cujos ativistas:
borrowed heavily from the movements that they, as individuals, were
already active in: the antiwar movement lent a suspicion of the
government; the New Left lent an “apocalyptic rhetoric and sense of
impending revolution”; the women’s liberation movement lent a
critique of sexism and the idea that “the personal”–even “the sexual”–
is “political”; Third World liberation movements lent the prideful
affirmation of a stigmatized identity and the notion of resistance to an
imperial state; and the hippie culture and counterculture lent an
injunction to “do your own thing”, a distrust of authority and dismissal
of the older generation (here including older, “closeted” gay men and
lesbians), and a belief that protest tactics could be playful and
celebratory while still being subversive (Epstein, 1999, p.38)
A referência histórica evocada habitualmente quando é explicada a origem da
marcha remete à chamada “rebelião de Stonewall” em Nova York. Em junho de 1969 os
freqüentadores de um bar gay do Greenwich Village, bairro boêmio da cidade, teriam
resistido de maneira inusitada a uma batida policial, começando uma batalha campal
que duraria vários dias. A revolta é lembrada como o começo de uma tradição de
protesto e a sua comemoração por meio de uma parada anual virou celebração de
identidades e comunidades de “dissidentes sexuais”, adotada progressivamente nos mais
104
variados contextos sociais e políticos de todo Ocidente.
47
Mas por ocasiões, algumas
vozes atuais no Movimento trazem à tona detalhes divergentes, que desmentem a
precisão desse relato. Como parte de uma discussão anualmente reeditada desde 2001 –
e já acontecida também em outros foros com anterioridade – qualquer evocação de
Stonewall por parte de algum membro da Lista Movimiento, especialmente se
identificada como uma “rebelião gay” (referência assumida, no movimento GLTTB,
como restrita a homossexual masculino) ou como a origem da tradição das marchas ou
do movimento homossexual, é recebida por um aluvião de respostas dando lições acerca
de dois aspectos dessa narrativa. Em algumas intervenções – em forma de e-mails
enviados à lista para distribuição entre os mais de cem membros que a compõem, é
criticada a “invisibilização” que a qualificação de gay estaria operando contra o resto da
“comunidade GLTTB” e particularmente contra os segmentos trans. Quem tinha se
rebelado seriam principalmente e inicialmente as travestis, com gays e lésbicas se
solidarizando subsidiariamente. Outras intervenções referem a um outro tipo de
“invisibilização”, esta de caráter nacional, como resumiu Marcelo Ferreyra, antigo
ativista da hoje extinta Gays por los Derechos Civiles,
48
hoje secretário para América
Latina e o Caribe da International Gay and Lesbian Human Rights Commission,
fundação de defesa de direitos com base em San Francisco, Califórnia e atuação
internacional, em um paper submetido para discussão em um foro eletrônico de
discussão regional,
49
intitulado “Tradición de Marchar con Orgullo. El carácter local de
las manifestaciones GLTTBI en Latinoamérica”:
47
Existe uma Associação Internacional de Coordenadorias do Orgulho Lésbico, Gay, Bissexual e
Transgênero, fundada em 1982 em Boston, cuja agenda anual prevê um mínimo de 167 eventos ao longo
do ano 2007 (os informados até janeiro), em lugares tão distantes entre si como Quezon, nas Filipinas, e
Reykjavik, na Islândia. http://www.interpride.org/12/2007_Events.htm
, consultado 24/01/2207.
48
Gays DC foi criada por Carlos Jáuregui, máximo “referente” do movimento homossexual argentino,
em 1993.
49
Neste caso tratou-se de encontro virtual para discussão de textos em torno de uma temática pré-fixada.,
convocado no website regional Cidadania Sexual, www.ciudadaniasexual.org/foros.
105
Resulta doloroso y paradójico presenciar discursos de prestigiosos
activistas e intelectuales de la región predicando una supuesta filiación
del movimiento local con el Stonewall de Nueva York de 1969.
Doloroso por la invisibilización injusta de nuestro verdadero pasado
político y paradójico cuando se considera que en cada país esa lucha,
incipiente, espontánea, y de ideología revolucionaria original fue
literalmente eliminada por procesos gubernamentales de facto
provocados y avalados por la política exterior del mismo país de cuyo
movimiento de liberación homosexual ahora se pretende somos
herederos. (Ferreyra, 2007)
Este segundo argumento encontra suporte também na trajetória da organização da
marcha. Em 1998 a data do evento foi transferida do 28 de junho, estabelecido como
“Dia Internacional do Orgulho Gay” em comemoração de Stonewall mas pouco
propícia para uma concentração na rua por causa do frio austral, para a primeira semana
de novembro, fazendo-a coincidir com o aniversario da fundação do Grupo Nuestro
Mundo, primeiro agrupamento político homossexual de existência documentada na
América Latina.
O empenho fundacional e a polêmica em torno das origens – próprios aliás dos
mais variados movimentos políticos – nos alerta para a diversidade de vozes que
coexistem disputando-se passado e o presente do movimento. A historia do movimento
serve não só para o observador compreendê-lo, mas também para os próprios agentes do
mesmo formularem a sua pregação. Segundo Guber (
1996), a distinção entre “história” e
“práticas de historização”:
[…] permite reconocer en cada intento de narrar y/o reconstruir lo
ocurrido en épocas pretéritas, sentidos de temporalidad y de evidencia,
patrones de autoridad y de transmisión, cultural y socialmente
diversos. Pues lo que se convierte en “historia”, lo que un
agrupamiento social reconoce como “su pasado” y preserva por “la
memoria”, depende de “convicciones sustanciales que detentan los
miembros de la sociedad acerca de partes del pasado, así como de
ideas acerca de lo que es históricamente plausible” (Peel 1984, p.
112). Estas convicciones, más que universales, son el contexto con
que se interpreta y produce el pasado a la vera del presente. Si los
actores son, a la vez, sujetos históricos y analistas de los procesos en
que participan, lo “históricamente plausible” se redefine según la
posición que los actores ocupan en el orden actual.
106
Esta redefinición en los modos con que el pasado es narrado,
transmitido, cristalizado y hasta confrontado, suele designarse como
“memoria” tanto por los actores como por sus analistas. Yo prefiero
hablar de prácticas de historización” como la selección, clasificación,
registro y reconceptualización de la experiencia, donde el pasado se
integra y recrea significativamente desde el presente a través de
prácticas y nociones socioculturalmente específicas de temporalidad,
agencia y causalidad. Con esta expresión puedo enfatizar los aspectos
creativos y procesuales de los usos del pasado, contrastando con el
concepto de memoria como contenido y archivo donde se almacenan
hechos pretéritos. Si bien el modelo de archivo es congruente con el
fin moral de los estudios que aspiran a “recuperar” las lecciones de la
historia que caerían inmerecidamente en el olvido (silencio) o en la
distorsión (revisionismo), la “memoria social” no permite, así
entendida, explicar ni cómo se dirimen las memorias “fieles” de las
“adulteradas”, ni por qué el silencio dejaría de ser una vía para el
recuerdo. Hablar de prácticas de historización permite indagar en la
historia como arma fundamental de la política, en sus procesos de
constitución y en las prácticas específicas de la historia según los
procesos sociopolíticos de los cuales son parte. (p. 424)
50
No livro La Homosexualidad em la Argentina, publicado em 1987, o ativista gay
Carlos Jáuregui, havia traduzido um relato de Tom Burke, publicado na revista norte-
americana Rolling Stone en 1977. Para Jáuregui, “Stonewall fue nuestro ghetto de
Varsovia”
(p. 145):
[...] Los travestis callejeros, altos, mutados en aves chillonas
multicolores, revoloteaban por el cercano parque […]. Antes,
siempre, cuando los bares gays eran cerrados por la policía, los
clientes expulsados se daban buena prisa en abandonar el lugar; pero
esta vez, en cambio, media docena se queda en la acera, todavía con
sus botas [sic] de cerveza en la mano, mascullando entre ellos. Su
número aumenta al unírsele las ruidosas locas del parque, esos
groseros polimorfos que habían sido considerados como parias de la
homosexualidad, castrados irrisorios, que comienzan a enfrentar a la
policía; y ya hay uno de ellos que escupe el primer ¡Cerdos! Y lanza el
primer bote contra un agente atónito. Ahora, la mayoría de los
doscientos clientes del Stonewall ya están en la calle y no parecen
tener muchas ganas de largarse, y hay alguien que recoge el grito de
guerra y lanza otro bote de cerveza; al instante, latas, botellas, aullidos
son arrojados contra los coches patrulla. […] Sirenas: aparecen
súbitamente decenas de guardias, pero no son bastantes para contener
la revuelta. Los gays se organizan, se relevan en piquetes y resisten el
ataque. […] Los disturbios continuaron todas las noches durante siete
días. (
Apud Jáuregui, 1987, p. 144-145, grifos meus.)
51
50
Ao longo da minha etnografia são descritos o uso e o valor de metáforas que mobilizam o
‘apagamento’ de determinadas agências como significante, a mais freqüente é a que refere à idéia de uma
“invisibilização”.
51
Cf. Duberman, 1993.
107
Embora o uso de “gays” de Burke (ou da tradução de Jáuregui) possa englobar também
travestis e lésbicas, é irresistível perceber o contraste entre “travestis que volateavam no
parque próximo” e “os gays que se organiza[ra]m e se revezaram em piquetes y
resist[iram] o ataque”, particularmente na perspectiva de um(a) leitor(a) trans-, sensível
a essas nuances.
C
ONCLUSÃO. OS TEMPOS DO ATIVISMO
As trajetórias expostas permitem distinguir analiticamente três níveis de
estruturação da temporalidade vivida pelos atores do movimento GLTTB:
Em primeiro lugar temos das trajetórias do movimento e suas diferentes
genealogias. Seu objeto privilegiado são as lutas contra circunstancias e inimigos da
causa, como a Igreja católica vaticana, os “fundamentalismos”, os políticos
conservadores. A constante das trajetórias é um compromisso ‘verdadeiro’, ‘coerente’ e
mobilizado por um ideal de igualdade, na corrompido por interesses espúrios. Os feitos
são “logros”, “avanços”, “triunfos”, se lamentando também fracassos, retrocessos e
derrotas. Estas trajetórias se compõem de percursos tanto individuais quanto coletivos.
Nas trajetórias expostas a propósito das periodizações vigentes do movimento é possível
captar o caráter moralizante das narrativas, através da sacralização de eventos-chave
como a fundação das primeiras associações e as primeiras mobilizações, e de
personagens, como Nestor Perlongher na época do Frente de Liberación Homosexual,
em fins dos anos 60 e ínicio da década de 70, e Carlos Jáuregui na época da fundação da
Comunidad Homosexual Argentina nos anos 80 e logo durante a expansão do
movimento na década de 1990. Também é recorrente o que, a falta de um termo mais
feliz e a risco de exagero, chamarei de ‘demonização’ de determinadas pessoas,
108
organizações e instituições classificadas como inimigos – externos e internos – da causa
GLTTB.
Em segundo lugar, o tempo da organização do movimento, das disputas,
cismogênese e proliferação de atores. O objeto privilegiado neste registro são as
estratégias (alternativas de ação). O mecanismo legitimador neste caso é o contrário do
que opera no nível anterior; trata-se aqui da racionalização de determinados relatos que
opera na prática política. No tempo ativista, sacralização e racionalização não operam
como processos mutuamente opostos ou excludentes, mas sim como mecanismos de
legitimação igualmente aptos e ubíquos, mais ou menos adequados de acordo com o seu
contexto moral de produção e de recepção ou reconhecimento, em processos públicos
de gestão de sentido. Enquanto no tempo da trajetória heróica do movimento, a
sacralização é sustentada pela aura incontestável de pioneiros, no tempo da organização
racionalizada as divisões demarcadas são atribuídas a escolhas estratégicas de atores
mais próximos de determinações terrenais. Aqui as escolhas são orientadas por
interesses eticamente regulados e as relações se estruturam entre amigos e enemigos,
classificados como colegas, colaboradores e afins. Os feitos deste tempo são a
constituição e dissolução de coletivos, o redito pelos logros e o controle dos efeitos dos
fracassos. É este o tempo que marca o ritmo e duração dos percursos individuais e
coletivos dos atores identificados como ativistas.
Em terceiro lugar, o tempo cotidiano, das rotinas do movimento (importadas,
aprendidas, apropriadas, inventadas). O objeto privilegiado destas são as próprias
identidades coletivas, que são consideradas o fundamento subjetivo das lutas e das
escolhas estratégicas. Este tempo aporta, por um lado, material significativo para a
produção de trajetórias e argumentos para a organização. Por outro lado, a matéria
manipulada para a produção desse material resulta da sedimentação do produzido nos
109
outros dois registros temporais. Cada um desses três registros tem sua própria escala de
ritmos e durações. Os objetos privilegiados por cada um deles são reificações que
contribuem à organização de percepções e à estruturação de redes sociais. Desse modo,
os estados de agregação dos três registros, a modo de capas superpostas, só separáveis
analiticamente, como de aglutinações, configuram a realidade temporal vivida por
atores e observadores do movimento.
110
CAPÍTULO 2. O MAL-ESTAR DA HOMOSSEXUALIDADE NO CAMPO PSI.
INTRODUÇÃO
Neste capítulo é apresentado um conjunto heterogêneo de atores que de modos
diversos tematizam a homossexualidade no campo das profissões denominadas “psi”:
psiquiatria, psicologia, psicanálise e as diversas terapias (da gestalt, sistêmica,
cognitiva, etc.) derivadas do movimento psicanalítico, cuja expansão teve singular
sucesso na Argentina durante a segunda metade do século XX. De um lado é relatada a
conformação de grupos de psicanalistas interessados em compreender o significado
cultural e os efeitos subjetivos das demandas de reconhecimento “dos gays e das
lésbicas”, cuja peculiaridade é construída como expressão de novos modos de
relacionamento, característicos da cultura contemporânea. Do outro lado é apresentada
uma rede emergente de psicoterapeutas, de características bastante heterogêneas quanto
à sua formação, mas unificados pelo fato de se identificarem como gays, lésbicas e
bissexuais. As trajetórias, condições sociais e hierarquias criadas, reproduzidas ou
confrontadas por estes atores contribuem a compreender o papel e os usos da produção
de conhecimento na configuração das demandas de representação que apelam a
categorias de identidade sexual.
1. “UM AMOR MAIS DIGNO
Tanto para os impulsores quanto para os detratores da Lei de União Civil,
sancionada em fins de 2002 na Cidade de Buenos Aires, o maior valor desta é o de
constituir um ato de reconhecimento simbólico. A gesta significou, do ponto de vista
dos atores do movimento, uma culminação para anos de luta sem descanso contra o
preconceito na sociedade e, principalmente, contra uma resistência difusa nas estruturas
111
do governo, “na classe política” e, sobretudo, contra uma resistência organizada por um
setor da imprensa e do legislativo ligado principalmente à posição da Igreja Católica.
Chegou-se à votação da lei após um intenso trabalho de lobby desenvolvido por ativistas
da CHA e de outras agrupações junto aos legisladores da Cidade Autônoma de Buenos
Aires. O projeto foi assinado por uma juíza e professora de Direito de Família e o
debate legislativo foi conduzido por legisladores simpatizantes com a causa, contra o
chamado “bloco púrpura”, de legisladores católicos militantes, sendo que os blocos dos
dois partidos tradicionais – o Peronista e o Radical, o primeiro dividido em várias
facções e o segundo integrando uma frente com outros partidos – haviam decretado
“liberdade de consciência” para o voto dos seus legisladores.
Entretanto, o debate, que recebeu destaque na cobertura da imprensa
internacional pelo valor simbólico de se tratar da “primeira lei de uniões homossexuais”
a ser aprovada na América Latina, tinha mobilizado intensamente a imprensa e a
“opinião pública” local. Os dois jornais nacionais identificados como sendo “a direita” e
“a esquerda” cultural, o “conservador” La Nación, e o “progressista” Página 12,
posicionaram-se em cada lado da causa. O de maior tiragem nacional e geralmente
menos engajado com a temática, Clarín, também deu extensa cobertura. Durante meses
sucederam-se editoriais, cartas de leitores e colunas de opinião. Como prelúdio ao
debate público, os ativistas de cada bando organizaram seminários, nos claustros da
Universidade de Buenos Aires, a favor, e na Universidade Católica Argentina, em
contra. Elas são identificadas, respectivamente, como a maior universidade pública –
ferrenhamente laica, por princípio instaurado pela chamada Reforma de 1918, emblema
da tradição republicana no país e na América Latina –, e a maior instituição particular –
confessional – do país. Os debates envolveram majoritariamente juristas e,
marginalmente, psicólogos, psicólogas e especialistas das ciências sociais. Porém,
112
independentemente das negociações posteriormente desenvolvidas no jogo parlamentar
e do debate midiático, a autoridade de todos esses especialistas para julgar a propriedade
da mudança legal promovida em termos científicos e doutrinais era indiscutida. As
organizações favoráveis e contrárias à causa recrutaram seus próprios defensores
acadêmicos mais insignes.
Consultados ou não pelos ativistas que promoviam o debate citado, numerosos
profissionais do denominado “campo psi” local já eram interpelados de um tempo a essa
parte por esta e por outras controvérsias que projetavam o campo semântico da
homossexualidade para o centro da esfera pública. A polêmica suscitada na França em
torno das uniões homossexuais, que envolveu vozes da “opinião ilustrada” daquele país
a propósito da lei do PACS (“pacte civil de solidarité”), votada em novembro de 1999,
engajando etnólogos, sociólogos e psicanalistas franceses, havia mobilizado quadros da
Escuela de la Orientación Lacaniana, filial local da Associação Mundial de Psicanálise
(AMP), criada por Jacques-Alain Miller, psicanalista francês, genro e administrador do
legado do grande mestre, em 1992. Miller se manifestara em favor do citado
instrumento legal.
52
Todos os profissionais “psi” que conheci na Argentina reconheceram a EOL
como a maior e politicamente mais influente “escuela” lacaniana em Buenos Aires.
Segundo o relato, os analistas da EOL atualmente hegemonizam as “cátedras” de
orientação psicanalítica dedicadas à “escola francesa” da Faculdade de Psicologia da
Universidade de Buenos Aires, onde é fornecida uma formação básica em psicanálise.
53
52
Sobre a polêmica na França, cf. Eribon (2001); Butler (2003).
53
Merece ser mencionada a disputa histórica pelo monopólio da prática da psicanálise, até fins da década
de 1960 reservada a médicos psiquiatras. Em 1985 foi votada a lei que autoriza psicólogos graduados a
praticar como psicanalista ou psicoterapeuta, o qual até esse momento era reservado a médicos – embora
essa restrição não fosse cumprida e desde a década de 1970 os psicólogos (majoritariamente mulheres)
exercessem sem perigo real de serem cassados. Tanto nas universidades públicas tradicionais quanto nas
particulares estabelecidas mais recentemente foram criadas faculdades autônomas de psicologia (antes
psicanalistas e terapeutas tinham lecionado nas faculdades de filosofia e letras), que hoje atraem uma das
maiores populações estudantis. (Plotkin, 2001)
113
Por sua vez, uma parte importante dos graduados continua seu treinamento psicanalítico
nos cursos privados da EOL e iniciam tratamento com analistas filiados a essa
instituição de formação. A modo de epílogo do seu livro sobre o desenvolvimento de
uma cultura psicanalítica na Argentina, dedicado principalmente à história das
instituições ligadas à International Psychoanalytic Association (IPA), notadamente à
Asociación Psicoanalítica Argentina (APA), fundada em 1942 e tradicionalmente
kleiniana, porém hoje próxima ao lacanismo, o historiador Mariano Plotkin se refere ao
lugar da EOL, Miller e a AMP no horizonte “freudiano” (denominação característica
das escolas devotas da doutrina de Lacan, que preconizava um “retorno a Freud”):
As a result of an inertial dynamic generated during the Proceso but
also of an aggressive policy of “occupying spaces,” Lacanian
psychoanalysis became mainstream and Argentian is today one of the
world centers of Lacanian practice. Spanish is now one of the
“official” languages of the Lacanian movement. Jacques-Alain Miller,
Lacan’s son-in-law and heir, has been making annual visits to Buenos
Aies, where he delivers lectures on obscure topics of Lacanian
psychoanalytic theory at the National Library and other public places.
Those lectures draw literally thousands of people. Lacanian
psychoanalysts who refuse to bow to the “tyranny of Miller” have also
gathered large followings. The expansion of Lacanianism should also
be seen against the long-standing French influence in Argentine
culture. (Plotkin, 2001, p. 226)
No primeiro número do boletim Enlaces, órgão de difusão de um “ateneu de
pesquisa” do Instituto del Campo Freudiano - Instituto Clínico de Investigación de
Buenos Aires (ICF - ICBA), ligado à EOL, sobre “Los semblantes del matrimonio”, de
abril de 1999, Fabián Fajnwacks, “desde Paris”, resenhava o projeto da lei do PACS que
naquele momento, já aprovado pela Câmara dos Deputados, aguardava para ser
discutido no Senado. Intitulado “Un matrimonio de puro semblante” e formulado em
jargão “lacanês”, o texto de Fajnwaks (1999, p. 12-15) interpreta no processo político
que ele assistira na França “el vaciamiento de sentido del matrimonio, en su promoción
de puro semblante como Pacto civil de solidaridad, promoción que indica, por otro
lado, que algo en su valor de real ha sido trastocado”. Fajnwaks contrapõe a descrição
114
de Jean-Claude Milner, filósofo e lingüista, discípulo de Lacan, do matrimonio burguês
com um amor utilitário, fetichista, subordinado à lógica do consumo,
54
com o convite de
Foucault, em uma entrevista de 1981, a considerar “outros modos de vida”:
55
Este tipo de pareja, lo que abria para Foucault, y a lo que él invitaba
en esta entrevista, era a “modos de vida” alternativos, a la pareja
heterosexual a partir del “modo de vida homosexual” que para
Foucault era analizador de la crisis del modelo “hétero”. No se trataba
para Foucault de “normalizar la homosexualidad” o de reproducir los
modos de relación existentes, como lo preconizaban en aquellos años
los movimientos de liberación (feminista y otros), sino de participar
en una cultura “que invente modalidades de relación, de modos de
existencia, de tipos de valores y de formas de intercambio entre
individuos que sean realmente nuevos”, lo que reconocía en aquellos
años en el movimiento “gay”, pero también en la amistad, en lo que
esta puede tener de original y creador, y sobre todo en la sexualidad,
la propia sexualidad, como generadora de nuevos modos de relación.
(Fajnwaks, 1999, p. 14)
Fajnwaks projeta a proposição de Foucault para além do que chama de “modelo
homossexual” e a assimila a uma outra de Lacan:
[S]i tomamos algunas proposiciones de Lacan concernientes al amor
uma vez atravesado un análisis y la dimensión transferencial del amor,
en lo que llama en Encore “un amor más digno”, podemos encontrar
quizás un eco (quizás incluso un antecedente, cuando se sabe que la
Historia de la sexualidad constituye en cierto modo la “respuesta” de
Foucault al modo en que fueron recibidos sus estudios concernientes
al psicoanálisis por algunos psicoanalistas, Lacan incluido). (p. 15)
No mesmo número do citado boletim, é apresentada uma Reseña socio-histórica
de las uniones del mismo sexo, para chegar à pergunta “por qué sobre el fin de siglo las
parejas homosexuales piden legalizar sus uniones”. Constatando na citação de um dos
mestres da orientação lacaniana a mudança epistêmica no conceito de
homossexualidade, eles entrelaçam as conseqüências teóricas e políticas desta mudança
para a psicanálise:
Si consideramos que a lo largo de la historia el homosexual pasó de
ser un perverso a ser un estilo de vida –como nos dice Eric Laurent–,
ser un estilo de vida ¿habilitaría entonces un anudamiento distinto da
tríada amor-deseo-goce que tendría como consecuencia demandar al
54
El triple de placer (apud Fajnwaks, 1999, p. 13-14).
55
De l’amitie comme mode de vie. Em Dits et Ecrits, T.IV, Gallimard, Paris, p. 163 (apud Fajnwaks,
1999, p. 13-14).
115
Otro social, al Otro de la cultura, los mismos derechos? (Mauas;
Sierra, 1999, p. 21-22)
2. “O HOMOSSEXUAL”, ENTRE A CULTURA E A PROFISSÃO PSICANALÍTICA
No espaço projetado pelas representações eruditas da homossexualidade
constata-se, como efeito do peculiar vigor que a ‘cultura psicanalítica’ adquiriu entre as
classes médias urbanas (Vezzeti, 1992; Plotkin, 2001),
56
o intenso apelo dos ‘saberes
psi’ como recurso interpretativo mobilizado na especificação das identidades sexuais e
de gênero. Nas representações públicas englobadas no campo semântico dos homo- , bi-
e transexualismos, o psicológico opera como a linguagem que dá voz a convicções que
são construídas como emanadas do mais profundo da intimidade do indivíduo. Um
século atrás, a invenção freudiana reconheceu e contribuiu para constituir “o sexual”,
dando-lhe consistência como domínio privilegiado de produção de valor para a
construção da pessoa moderna (Foucault, 1977; Weeks, 1993). A teoria psicanalítica
capturou uma sensibilidade psicologizada (Duarte, 1999), na qual o sexual avultava.
Jane Russo considera a psicanálise “uma sexologia que deu certo”. Para isto:
Apesar de não ter como foco de atenção as perversões ou os desvios
sexuais em si, a teoria psicanalítica implicou um alargamento da
própria concepção de sexualidade – que deixa de se referir a práticas
sexuais stricto sensu, para contaminar toda a vida mental do sujeito.
(Russo, 2004, p.98)
Os espaços de emergência e reprodução das significações associadas ao campo
semântico da homossexualidade (extenso e heterogêneo, mas socialmente bem
delimitado) se organizam, como a sociabilidade relacionada a ele, através de agências
tanto autônomas quanto heterônomas, em função do gerenciamento reflexivo do
segredo e da visibilidade, associadas a noções valorativas relativas ao desvio e à norma
social (Velho, 1980). A psicanálise e disciplinas conexas fornecem argumentos de
56
Para o caso brasileiro cf. Figueira (1985); para o caso francês vis-à-vis o norte-americano, cf. Turkle
(1979).
116
intenso apelo para confrontar a problematização da intimidade da qual elas mesmas são
instituintes. Mas hoje no Ocidente, mais de um século após os primeiros movimentos
sociais organizados na Europa do Norte por cientistas médicos para a defesa dos
desviados sexuais e vinte anos após a potentíssima atribuição de uma relação especial
entre a AIDS e os homens homossexuais como “grupo”, as codificações mais
abrangentes associadas à figura icônica do homossexual, emanando da ordem moral e
das aspirações civis da chamada “comunidade da diversidade sexual”, utilizam formas
normativas principalmente jurídicas (gestão de direitos) e médicas (promoção da saúde).
Entretanto, embora ‘contaminado’ pelos ditados da autoridade médica e legal, é o
recorte psicológico quem comanda a análise dos aspectos que, decorrentes de uma
noção individualista, intimizada, de pessoa, determinam sua “orientação sexual” e
“identidade de gênero”.
Ainda constatada a ubiqüidade dos relatos psicologizados como recurso
interpretativo no processamento atual, na Argentina, do homossexual e dos efeitos
sociais da epidemia do HIV/AIDS, o ‘valor de uso’ dos saberes psicológicos e,
principalmente, das práticas do campo psi, deve ser reavaliado à luz da emergência de
novas configurações do científico e do político. Estas são decorrentes, por um lado, da
conformação de novos especialismos, de alterações nos modos como é concebida a
relação entre Estado e sociedade civil e da emergência de movimentos sociais que
demandam autonomia para diversos sujeitos – entre eles, os coletivos de gays, lésbicas,
bissexuais e transgênero – e resistem à homologia entre identidades sexuais e categorias
clínicas. Entretanto, por outro lado, como advertem Russo e Venâncio (2006) a
propósito das mudanças no Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders
(DSM) – tornado nas últimas duas décadas “bíblia (internacional) da psiquiatria” –, não
se trata apenas de um processo de “despatologização” das categorias de identidade
117
sexual, mas também, a partir da proliferação de categorias “não patológicas”, de “uma
penetração intensa da psiquiatria e de sua lógica no dia a dia das pessoas” (p. 475).
Encontram-se pistas sobre a ‘psicologização’ como regime de “regulação moral
da pessoa” (Duarte, 1999; 2000) e sobre sua âncora na intimização e interiorização da
‘vida privada’ moderna nas hipóteses de Dumont sobre o individualismo moderno
(1972), de Foucault sobre os dispositivos disciplinares (1977) e de Elias sobre o
processo civilizador (1987). A respeito da relação entre sexo, gênero e psique, Laqueur
(1987) e Schiebinger (1987) demonstraram a construção diferencial do homem e da
mulher, a partir do século XVIII e, particularmente, ao longo do século XIX, passando
pela demarcação de “almas” diferentes. Essa demarcação repercutiu intensamente nas
formulações da teoria psicanalítica sobre “a mulher” e “o feminino”, o qual foi
extensamente retematizado pelas teóricas dos Women’s Studies.
Nos trabalhos de Turkle (1979) sobre a significação social e política da ascensão
da psicanálise na França após maio de 1968, de Figueira (1985, 1991) e de Russo
(1993) sobre a profissões psi no Brasil contemporâneo, de Vezzetti (1992; 2004),
Plotkin (2001), Visacovsky (1998; 2002) e Lakoff (2005) sobre psicanálise, cultura e
política na Argentina, e a vasta literatura internacional sobre a história cultural e a
sociologia da epidemia da AIDS (Pollak 1990, Altman 1994), destaca-se o esforço por
fazer uma história cultural, relacionando a emergência de campos e especializações
particulares com processos sociais mais abrangentes.
A respeito das populações urbanas brasileiras, Duarte (1986a; 1986b) e Heilborn
(1999) resgatam o valor heurístico da oposição entre cultura tradicional e cultura
moderna para sugerir que não é universal ou homogênea a adoção da ideologia
individualista. Entre as camadas populares, a ideologia holista de uma moralidade
englobadora do gênero, da família e da sexualidade ‘resistiria’ ao código hegemônico
118
moderno que focaliza a sexualidade como domínio privilegiado de definições
identitárias. Essa hipótese indica possíveis limites aos alcances da psicologização mas,
sobretudo, adverte sobre a importância de concebê-la como um fenômeno dinâmico e
complexo, no qual a oposição do tradicional e do moderno não se refere a conteúdos
culturais substantivos fixos, mas opera como geradora de valor, orientando
classificações sociais nas quais tanto o “psicológico”, quanto o “sexual” podem
manifestar matizes específicos gerados na experiência de universos culturais
relativamente diferenciados.
A hipótese de Fry (1982), sobre a transição de um modelo hierárquico de
relacionamento homossexual para outro igualitário, concomitante com a difusão da
cultura gay no Brasil, aplicada por Parker (1992, 1999) e relativizada por Green (1999),
pode ser posta a prova e nuançada. Nossa ressalva perante essa modelização diz respeito
não só à complexidade da relação entre papeis sexuais e identidades, sendo que os
achados do próprio Parker (1999) e de outros questionam a biunivocidade dessa relação
e a profundidade da transição estudada (Perlongher, 1987; Costa, 1992; Lago 1999),
mas também à multiplicidade de níveis ou registros de experiência reflexiva que
coexistem em trajetórias individuais e coletivas cuja unidade é preciso delimitar e
contextualizar muito cuidadosamente. No complexo jogo dos diversos agentes
envolvidos com a gestão da epidemia da AIDS no Brasil e particularmente na
experiência carioca (Larvie, 1998), é possível entrever, na emergência de novas
especializações sócio-profissionais, assim como de categorias de identidade (Valle
2000), apropriações do psicológico, do médico e do jurídico que alteram a sua
gramática e obrigam a considerar, de um lado, a multivocidade dos seus relatos e, do
outro lado, a ativa operação de hierarquias sociais e simbólicas entre eles.
119
A respeito da relação entre a emergência de uma cultura psicanalítica e a
formação de uma identidade homossexual, Ariès expressa claramente o duplo efeito da
psicologização: “a vulgarização da psicanálise levou, tanto quanto à liberação da
homossexualidade, à sua classificação como espécie, na esteira dos médicos do século
XIX”. Isto, apesar de que, segundo Freud, “[a] psicanálise se recusa terminantemente a
admitir que os homossexuais constituem um grupo portador de características
específicas, que poderíamos separar das de outros indivíduos” (1985:82). Costa (1995) e
Weeks (1993) relatam como a herança vitoriana filtrar-se-ia novamente para
‘repatologizar’ a homossexualidade como tipo paradigmático de perversão. Se bem que
a teoria freudiana sobre a etiologia sexual das perturbações mentais viria a tirar os
sujeitos considerados desviados-do-caminho da degeneração à qual eles eram
condenados pelas teorias somáticas em voga no seu tempo, a psicopatologia das
perversões afastaria os homossexuais do ideal desejável da sexualidade normal,
orientada à reprodução.
Até fins da década de 1940 a teoria psicanalítica convivia ainda com uma
psiquiatria somática que sustentava idéias de viés degeneracionista (Plotkin, 2001,
Introd.), as quais ainda imperavam na medicina legal e no higienismo. Entretanto, sinal
de cosmopolitismo, as idéias psicanalíticas tiveram divulgação na sociedade portenha
através de revistas de circulação massiva desde os anos 1920. Dessa década data El
Hogar, à qual seguiram Para Ti (1950), Claudia (1960) e Gente (1970), veiculando
todas um relato psicanalítico particularmente conservador, familista, destinado a educar
os pais para acompanhar o desenvolvimento “normal” da sexualidade das crianças
(Plotkin, 2001, Caps. 3 e 4). Em um princípio este relato mantinha, por omissão, a
homossexualidade no terreno do anormal. Os autores que estudaram a entrada do
lacanismo na Argentina coincidem em que ela está vinculada ao desenvolvimento do
120
campo intelectual e da cultura de esquerda entre fins dos anos 1960 e inícios dos 1970
(Vezzetti 1992; Plotkin, 2001., Caps. 7 e 8). O ensino de Lacan na França se opunha ao
establishment da International Psychoananalytic Association (IPA), e os intelectuais
que receberam esta teoria que pregava “a ética do desejo” também aderiram aos
movimentos políticos revolucionários da época. O Frente de Liberación Homosexual
(FLH) surge exatamente nesse período e se identifica de igual modo com o movimento
revolucionário (Brown 1999; Sebreli 1997; Rapisardi; Modarelli, 2001). No seu relato
da trajetória do FLH, Perlongher menciona a criação de um grupo de estudos no seio do
FLH para a leitura de textos psicanalíticos (1987).
Constatada a ubiqüidade da Weltanschaung psicanalítica na arena da política
sexual no espaço nacional argentino através da centralidade que a linguagem, os saberes
e práticas psi tiveram nas políticas da “saúde mental” a partir da década de 1960, a crise
da AIDS implicou, por sua vez, um ativo envolvimento de profissionais psi em projetos
de prevenção, terapia e promoção socio-cultural, em grande medida – especialmente no
início da epidemia – mirando a população de homossexuais, que havia sido especificada
como “grupo de risco”.
57
Este engajamento precipitou, no campo psi local, um
movimento iniciado pouco tempo antes nos países centrais: uma coorte de psiquiatras,
psicanalistas e psicoterapeutas, ao passo que criticava “a patologização” da
homossexualidade por parte do mainstream das suas profissões, especializaram-se –
com diversos graus de formalização – no tratamento “não patologizante” de sujeitos em
cujas trajetórias subjetivas a “identificação” (no jargão psicanalítico) ou “identidade”
(no jargão do movimento homossexual) “não-hétero” se apresenta como questão a ser
resolvida ou problematizada. Por outra parte, terapeutas, individualmente e em grupos,
dentro e fora das instituições do campo psi, estão se aggiornando para levar em conta,
57
Houve subseqüentes revisões da linguagem através da qual se direciona a dinâmica epidemiológica,
apontando a liberá-la de preconceitos, e.g., o uso da categoria “homens que têm sexo com homens” e o
abandono da categoria “grupo de risco”.
121
na pesquisa e na clínica, as chamadas “declarações de identidade sexual” e as “parcerias
do mesmo sexo”, enunciando que é preciso reexaminar o modo de compreender as
peculiaridades de trajetórias que anteriormente eram vistas como patológicas.
Especifica-se, no entanto, um conhecimento profissional – tanto teórico quanto
emanado da experiência pessoal – relativo à trajetória desses sujeitos. As necessidades
específicas destes últimos legitimam a emergência de um sub-campo profissional.
Outrossim, profissionais psi participam – do alto da autoridade do seu conhecimento
clínico – do debate público viabilizado na mídia sobre, por exemplo, o direito de
homossexuais e transgêneros adotarem crianças ou criarem filhos em parcerias do
mesmo sexo.
Se para os artífices das ciências humanas liberais positivistas da época da
institucionalização do Estado nacional, no fim do século XIX, a sua função era
“iluminar mediante sus conocimientos a los estadistas, obligados a enfrentar los
problemas que planteaba la sociedad nueva, sobre todo en lo relativo a la política
social” (Altamirano, 2004, p. 52), as ciências humanas no contexto do Estado pós-
keynesiano e das políticas neoliberais, no início do século XXI, renovarão esse objeto
em um cenário onde tanto a figura e a autoridade do científico quanto a habilidade do
estadista se encontrarão desagregadas em um campo fragmentário, onde a sua agência
se distribui e concentra em diversos focos, que podem colaborar ou concorrer entre si,
constituindo espaços de fronteiras difusas, mas que na visão dos atores encontram-se
idealmente diferenciados: a burocracia estatal propriamente dita, as burocracias
partidárias, o mundo dos negócios, os profissionais e técnicos, a academia, os
intelectuais independentes, a imprensa, a filantropia, os movimentos de minorias, as
ONGs, a cooperação internacional. Nesta configuração de esferas de atuação, a tarefa
do intelectual, do técnico profissional e do ativista como experts engajados na promoção
122
do bem-estar humano já não será a de gerir um projeto de massas, mas de gerenciar um
conjunto de subjetividades individualizadas.
A reinscrição positiva da homossexualidade, senão estritamente dentro do
esquema teórico da psicanálise, ao menos como temática legítima dos saberes psi,
condensa problemáticas pertencentes a registros diversos. Em um nível, a experiência
homossexual é processada, entre as classes médias urbanas, através de uma matriz
interpretativa que, como resultado da extraordinária expansão do campo psi e da sua
influência na sociedade argentina, entre finais da década de 1960 e inícios da década de
1970, incorporou a linguagem psi na sua cosmologia. O boom da psicanálise aparece
imbricado na conformação do campo intelectual denominado progressista, numa
sociedade marcada pela polarização.
58
Ecos dessa polarização seguirão marcando a
disputa pela interpretação correta e legítima da homossexualidade segundo diferentes
apropriações (tanto positivas quanto negativas) dos saberes psi. Em um outro nível –
separado com o intuito de tornar esta dinâmica mais inteligível, mas que empiricamente
é consubstancial com o primeiro nível enunciado – as intervenções do profissional e do
ativista, apropriando-se dos relatos e da linguagem psicológica, pregam uma ação
civilizadora, guiando os indivíduos e a sociedade a um futuro de bem-estar individual e
de justiça social.
Ainda que existam diferenças de fundamento entre as vertentes psicanalíticas e
outras mais psicológicas ou – algumas delas – mais sociológicas, em torno de como a
homossexualidade é inscrita na gênese do mal-estar (enfatizando ou não, por exemplo, a
oposição indivíduo/sociedade), todas elas colocam a experiência homossexual como
problema ou objeto legítimo de um saber e de uma prática profissional. O apanhado da
variedade de teorias e de técnicas terapêuticas praticadas no campo psi local, tanto
58
Refiro-me a algumas das oposições que balizaram a política do espaço nacional argentino:
progressista/reacionario, liberal/conservador, peronista/antiperonista (Plotkin 1998, Vezzetti 1992,
Visacovsky, 1998).
123
quanto o leque das manifestações de gênero e orientações sexuais minoritárias
existentes, permitem entrever diversas apropriações, inclusive conflitantes entre si, de
relatos psicanalíticos e psicológicos. Todavia, existem também – é claro – leituras não
psicológicas das vivências sexuais e de gênero. Existe, por exemplo, uma fronteira
palpável, para os modos como são entendidos os homo- e transexualismos, entre
modelos psicológicos e modelos fisiológicos ou biológicos, embora as leituras
psicológicas da conduta não sejam necessariamente incompatíveis com estes modelos. É
relevante, portanto, compreender, tanto na prática clínica e na produção teórica, quanto
na política institucional das profissões, dos movimentos sociais de dos órgãos estatais
onde os modelos de compreensão e intervenção de corte psicológico estão operando, as
articulações (complementaridades, exclusões, concorrências, etc.) entre os diferentes
modelos psi e com os outros modelos disponíveis para as identificações de gênero e as
sexualidades divergentes serem pensadas. Essas conexões se realizam não só na
produção científica, na clínica e na política das instituições psi e do movimento
GLTTB, mas seu simbolismo informa também práticas sociais em um senso mais
abrangente, atravessando trajetórias individuais e grupais e a construção de identidades
coletivas.
59
3. O HOMOSEXUAL E A ESCOLA DE PSICANÁLISE
Através de um contato pessoal com Estela Salinas, psicóloga portenha que
durante o período do meu trabalho de campo fazia sua formação numa escola lacaniana,
eu conheci os participantes de um “grupo de pesquisa” sobre conjugalidade e
59
O enunciado de um tópico de tal abrangência implica todo um programa de pesquisa qualitativa, no
modo de um mapeamento do campo, e de comparação de trajetórias profissionais individuais, coletivas e
institucionais, assim como quantitativa, para avaliar o ‘peso’ relativo de diversos perfis sociais e
orientações teóricas-políticas e clínicas. Este capítulo apenas oferece uma sondagem mínima através do
acesso ‘oportunista’ oferecido pelos contatos que consegui estabelecer durante meu trabalho de campo
junto ao movimento GLTTB e da prevenção da AIDS na Argentina.
124
psicanálise. Mantive com Estela numerosas conversas informais, aproveitando
circunstancias que permitiam manter um contato cotidiano. Fui convidado a uma
reunião do grupo. Eles queriam que eu falasse sobre “o queer”, embora eu explicara que
não conhecia o suficiente da ‘teoria queer’ para fazer uma apresentação exaustiva.
Acabei falando do movimento queer no contexto acadêmico e ativista norte-americano.
Quando resenhei os usos do termo, evocando os equivalentes em espanhol (“raro”,
rarito”, “maricón”, “puto”, significando “desviado” e ainda “veado”) a conversa
derivou para detalhes da sociabilidade homossexual e reflexões (deles) sobre o lugar da
homossexualidade na sociedade moderna.
Como parte do grupo, Estela e Esteban Ríos, amigo de Estela identificado como
gay, colega na escola onde eles transitavam a formação psicanalítica, durante vários
anos fizeram uma pesquisa bibliográfica sobre uniões homossexuais, que eles
apresentaram em seminários e publicações da escola. Estela, implicitamente identificada
como heterossexual (referia-se aos homossexuais em terceira pessoa, era casada, com
um filho), referiu-se à sua amizade com “muitos” gays e apontou a condução da escola
de ter sustentado por muito tempo uma posição “hipócrita” a respeito da questão dos
analistas homossexuais, aceitando-os mas não admitindo, por exemplo, os
relacionamentos “de pareja” destes.
60
Estela fez o contato para que eu entrevistasse
Esteban individualmente.
61
Na entrevista, Esteban se referiu também à questão dos gays
nos quadros da escola e no seu discurso foi ligando a questão com o interesse em
temáticas ‘homossexuais’:
Yo la conocí a Estela en un grupo de investigación de sida dentro de la
[escuela]. Estela era coordinadora de la parte clínica. […] Se planteó
60
Pareja” quer dizer literalmente casal, mas é utilizado também para se referir a cada parceiro no
modelo de casal igualitário (Heilborn, 2004), o que a diferencia do par “marido y mujer” do casal
tradicional. A mesma palavra é utilizada tanto para casais heterossexuais quanto homossexuais.
61
Intuí na sugestão de Estela a idéia de que ‘entre nós íamos nos entender’. Entretanto, sobre o interesse
no estudo psicanalítico de assuntos homossexuais, Esteban em vários momentos da entrevista sugeriu que
seria Estela quem poderia me informar melhor, sendo que era ela quem estava explorando-a mais
sistematicamente como linha de pesquisa.
125
en ese momento algo sobre la cuestión del pase,
62
y si se podía decir
que eras gay en la [escuela]. Yo una vez lo conté en la [escuela] y me
miraban y me decían ‘no, no puede ser’. Alguien dijo que alguien que
era homosexual se había presentado al pase y no había pasado por el
hecho de su homosexualidad. No sé si esto es así. En el grupo sobre
sida después no se trató como tema específico lo de la
homosexualidad, pero en [el grupo de estudios] a [Estela] le interesaba
trabajar las uniones del mismo sexo. Me llamó a mí, me dijo si quería
participar. En general el tema fue bien recibido. En el grupo se ha
dado una cosa interesante: nosotros como que hemos tenido una
presencia. El tema se pone como muy fuerte, como que es el único
tema que tratamos. (setembro de 2002)
Esteban enumerou antecedentes da aparição da homossexualidade como
temática na escola onde ele fazia sua formação. Mencionou um comentário publicado
sobre o livro Homos, de Leo Bersani, evocou uma referência vaga sobre um psicanalista
francês, referência principal de linha teórica assumida pela escola, dizendo que “los
homosexuales están en análisis” (contra o antigo ditado que os diagnosticava como
perversos, portanto ‘não analisáveis’), e um texto de outro psicanalista francês
associado sobre “o inconsciente homossexual”, onde ele faz uma leitura de Boswell,
historiador que postulara a presença de identidades homossexuais já na Idade Média.
Não obstante, referindo-se à pesquisa do seu grupo, concluiu:
En la [escuela] fue una casualidad. No es que dijimos: ‘elijamos el
tema de moda’; salió. Y a veces nos sorprendemos de lo poco que hay.
Hay mucho desarrollo de temas de género, que cuesta mucho procesar
desde el psicoanálisis. No está mal. Me parece que si podemos hacer
algo es por estar un poco más sueltos y me parece que Estela tiene la
ventaja de poder escuchar. Discutimos y hablamos sobre temas muy
puntuales. Se da que le puedo decir desde una cuestión más personal.
Presentar el tema me costó mucho en la [escuela] Presentamos un
tema de Wilde que nos costó mucho. La gente se enganchó
muchísimo. A mí me sorprendió que se engancharan tanto. (agosto de
2001)
Embora não fosse algo articulado explicitamente no trabalho do grupo de
pesquisa, cujos outros membros, fora Esteban e ocasionalmente uma ou duas outras
colegas, exploravam aspectos mais tradicionais do matrimônio, o interesse de Estela
62
No campo lacaniano “o passe” é o mecanismo institucional de habilitação pública como analista. Cada
escola ou associação possui seu próprio roteiro, e o fundamento teórico do dispositivo é objeto de intenso
debate. Porém, segundo Esteban, “más allá de la consistencia teórica, es lo que legitima desde la escuela a
alguien como analista”.
126
também parecia responder ao dano sofrido pelos homossexuais na escola, que
constatava. Ela almejava eventualmente explorar como operava a declaração de
homossexualidade nas solicitações de passe na escola. O relato da postergação
sistemática sofrida pelos profissionais homossexuais nas instituições psicanalíticas –
quando essa identidade era divulgada publicamente – foi um tema recorrente nas minhas
entrevistas e conversas informais com profissionais “psi” argentinos acerca da
homossexualidade e a psicanálise local. Os entrevistados mencionaram particularmente
as maiores instituições de formação de psicanalistas. Roberto Altieri foi, entre 1997 e
2004, coordenador do serviço de acompanhamento terapêutico de uma ONG e durante
esse período foi participante de várias experiências de organização de terapeutas
GLTTB. Roberto acumulou várias destas histórias que para ele demonstravam a
atualidade da homofobia das instituições psicanalíticas:
Yo conozco un montón de chicos que están estudiando en la [nombre
de una escuela lacaniana]. Jamás dicen que son gays. Esa es otra
faceta para el estudio, la enorme homofobia que hay en estas
instituciones. Vos sabés que... el año pasado no, el otro... nosotros
hacemos un encuentro de psicoterapeutas GLTTB. El año pasado no,
el otro, me llamó por teléfono una mina, me dice -‘mirá, yo quisiera
hablar personalmente’, yo -¿no podemos hablar por teléfono?, ‘no, yo
prefiero encontrarme con vos el viernes, porque yo no sé si ir o no ir’.
Cuando nos encontramos, me dijo -'yo manejo un área de la [nombre
de asociación psicoanalítica], y yo quiero ir al encuentro porque yo
soy lesbiana’. Y yo le digo -'bueno, andá al encuentro’. Entonces entró
en una especie de paranoia: ‘si alguien llega a saber en la [asociación]
que yo soy lesbiana, a mi se me acaba toda mi fuente laboral, mi
posibilidad de trabajo dentro de [asociación]’. Entonces cuál es el
discurso. Porque en la [nombre de escuela de psicoanálisis], la
[nombre de escuela de psicoanálisis] y [nombre de asociación
psicoanalítica] en este momento tienen, dan seminarios sobre
homosexualidad. ¡Son de terror! (junho de 2001)
Carlos Barzani é psicólogo e coordena o Grupo ISIS - Investigación en
Sexualidad e Interacción Social, originado no seio da Comunidad Homosexual
Argentina (CHA) em 1991 e separado dessa organização em 1992. Carlos pesquisou
sobre o tratamento dado à homossexualidade na psicopatologia tradicional. Até a década
de 1970, a linha da Asociación Psicoanalítica Argentina (APA) falava da união genital
127
heterossexual como concretização do desenvolvimento psicossexual “normal” (Barzani,
2000). Por outra parte, conforme os depoimentos dos psicanalistas lacanianos que
consultei em Buenos Aires, até a década de 1990 tendia-se, com base na leitura
tradicional de Freud, a diagnosticar pessoas que “se declaravam” homossexuais,
travestis ou transexuais, por causa da “certeza” dessa “declaração”, como “perversas”.
Eles explicavam que um perverso é definido como “alguém que não quer saber nada
com a castração”, o que torna esse sujeito – para a teoria psicanalítica – “não
analisável”. Uma conseqüência deste diagnóstico na prática é que essa pessoa é
considerada incapaz de se tornar analista. De acordo com este relato, as instituições
psicanalíticas argentinas mantiveram até muito recentemente uma política análoga à das
forças armadas dos EUA a respeito dos e das homossexuais nos seus quadros: don’t ask,
don’t tell.
63
Também de acordo com os depoimentos já citados, os psicanalistas de diversas
escolas vêm revisando substantivamente, de um lado, a associação homossexualismo -
perversão e, do outro lado, as próprias definições de perversão.
64
Segundo me explicara
Estela, eles evitavam diagnosticar, sobretudo em casos que tivessem sido enquadrados
como “borders” ou “perversões”. Os grupos do campo lacaniano que investigam a
formação de identidades sexuais estão situando estas “declarações” como “alguma coisa
da ordem do synthôme”.
65
“Synthôme”,
para Lacan, não é signo de um estado
63
Porém, as razões dessa política seriam diversas: enquanto nas forças armadas americanas o silêncio
responderia ao potencial “desagregador” da declaração, diante do preconceito enraizado na ideologia do
resto dos recrutas, nas instituições psicanalíticas o “dizer” ou “contar” (tell), como “declaração”
afirmativa estaria delatando o pressumido status de “perverso” do enunciador-declarante.
64
Vários autores estudaram o curioso itinerário das perversões e a própria homossexualidade na história
da psicanálise. Todos eles referem os Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade, de 1905 (e sucessivas
revisões), onde Freud estabelecera seus famosos postulados sobre a base bissexual universal da criatura
humana e o desejo “perverso polimorfo” da criança. Seriam, segundo Abelove (1993) e Robinson (2001)
entre vários outros, os psicanalistas norte-americanos, cuja versão moralista e medicalizante passara a
dominar o panorama depois da morte de Freud, que segregariam o homossexual como caso emblemático
de perversão e categoria de identidade.
65
Embora rivais na política institucional, tanto o grupo Littoral, mais recentemente rebatizado Ecóle
Lacanniène de Psychanalyse, com sede em Paris e em várias cidades latino-americanas e filial importante
128
patológico, “é um posicionamento que tem a ver com o fim da análise” – a versão
lacaniana da cura. Entretanto, assim como era esperável que algo dessas atitudes
estivesse mudando como efeito do aggiornamento que o próprio Altieri reconhecia, os
efeitos das práticas denunciadas por estes indivíduos engajados na defesa da dignidade
do profissional psi gay ou lésbica perduravam. A formação de analistas constituía um
espaço chave, onde o valor da “declaração de identidade sexual” estava sendo
disputado. Daí uma série de iniciativas destinadas a conformar uma esfera psi
especificamente destinada a acolher estas problemáticas.
4. OS TERAPEUTAS GLB”
Na pesquisa de campo junto ao movimento GLTTB/AIDS na Argentina me
defrontei com um novo ator da política da identidade sexual, capaz de estabelecer uma
ponte entre as dimensões mais públicas e as mais íntimas desse conceito. Chamei a este
de “ativista-expert”. É emblemático o caso do “psicoterapeuta GLB”.
66
Trata-se de
profissionais psiquiatras, psicanalistas e psicoterapeutas identificados como gays,
lésbicas e bissexuais, alguns ligados por suas trajetórias pessoais ao movimento GLTTB
e outros situados como observadores relativamente distantes do mesmo. Estes
profissionais desenvolvem uma reflexão e uma prática que, dependendo do espaço onde
ela seja aplicada, pode se imaginar como complementar, mas também alternativa da
“visibilização” predicada pelo movimento.
Os relatos do processo do engajamento individual com a problemática desenha
um padrão regularmente iterado.
67
A história começa com o confronto de situações e
em Córdoba, Argentina, liderada pelo francês Jean Allouch, quanto a “orientação lacaniana” liderada por
J-A. Miller coincidiriam na revisão da classificação das perversões.
66
Embora segundo alguns dos depoimentos dos participantes, a rede incluía alguns e algumas
profissionais trans, o a sigla que identifica as iniciativas de organização acompanhadas na minha pesquisa
utilizavam a sigla GLB.
67
Esta análise é baseada na observação participante em um grupo de discussão por meio eletrônico
iniciado em 2001, denominado “Temas GLB”, cujo objetivo era “el debate e intercambio entre
129
práticas do establishment psicanalítico – freqüentemente descritas como traumatizantes
– que são denunciadas como efeito da homofobia nesses âmbitos. Em quase todos os
casos estas incluem colegas e professores que classificam os homo- e transexualismos
como patologia, e a descoberta de que a declaração de homossexualidade implicaria ser
discriminado para a promoção dentro dos quadros das instituições psicanalíticas.
Perante esse panorama, o terapeuta faz uma virada de rumo na sua formação,
procurando teorias e instituições ou grupos que dêem acolhida não só à sua “escolha
sexual”, mas também à causa das minorias sexuais. A seguinte é a apresentação, logo no
início da Lista Temas GLB, de Roberto Altieri, que viria ser um dos mais ativos nas
discussões:
[S]oy médico psiquiatra (médico de […] y psiquiatra de la […]),
estudié durante muchos años psicoanálisis de orientación kleiniana
con un grupo de sobrevivientes que se oponían a las escuelas (cosa
que también yo hago) y con los que no tuve problemas en hablar en
primera persona de mi sexualidad ya que, si bien ortodoxos, eran muy
open mind [sic] lo cual creo que me marcó en parte sobretodo después
de un año de "taparme" en la APA. Como consecuencia de ese pasado
hoy tengo una orientación americana, tanto psiquiátrica como
psicoanálitica.
Entre 1998 e 2001 Roberto e alguns colegas lideraram a organização de três
edições do denominado “Encuentro de Psicoterapeutas Gays, Lesbianas e Bissexuales”.
Para estes eventos eles mobilizaram toda sua rede de contatos, congregando até 40
pessoas no local da ONG gay cujo serviço de psicoterapia ele coordenava. O relato
deles reproduz o roteiro citado a respeito do caráter heterônomo da segregação dos
homossexuais nos espaços da profissão. Segundo Roberto,
Esto aparece en su momento con la idea de que no hay un espacio
donde la gente que es terapeuta, gays lesbianas, travestis, transexuales
–porque hay también– se encuentren y puedan intercambiar
experiencias. Nadie iba a ir a un encuentro de la [nombre de
asociación psicoanalítica] a hablar de su lugar como psicoanalista gay,
profesionales psi y de otras ciencias sociales acerca de la temática gay, lésbica, bisexual y de género” (do
texto de apresentação do grupo) e em entrevistas com dez psicoterapeutas GLB, a maioria deles membros
ativos do citado grupo, conectados entre si através de redes informais ligadas principalmente ao
movimento GLBT.
130
lesbiana o travesti, porque lo van a sacar de una patada en el orto. Al
primero aparecieron unas 30 personas y lo que la gente tenía era una
necesidad enorme de hablar. Hubo trabajos leídos, que estaban todos
referidos a lo mismo: a la práctica, al lugar del terapeuta desde su
sexualidad y después lo que se dio fueron discusiones entre la gente
contando sus experiencias, porque en realidad la gente vive ahogada
porque no puede hablar de estas cosas. (junho 2001)
Esteban Ríos, que participou dos Encuentros como assistente, deu, desde uma
posição mais distanciada, uma versão parecida:
[El Encuentro] no tenía que ver con una cuestión clínica o teórica
ni política. Era una cuestión social, que tenía que ver con la
política, pero no tenía que ver con la investigación en psicología
o clínica. Fue un hecho más catártico. (setembro, 2002)
Cristian Mariani, psiquiatra, um dos co-organizadores do primeiro encontro, me
forneceu o Caderno de Resumos, onde são compilados seis textos apresentados no
Encontro, sobre homofobia (dois trabalhos), gênero e política desde a experiência
transexual (um trabalho) e bissexual (um trabalho), “terapias con pacientes de
preferencia homosexual” (um trabalho), e modelos biológicos e sociais de diferenciação
de gêneros sexuais (um trabalho). Nas palavras introdutórias do volume, um dos
organizadores (não informado) propõe um recorte possível:
Una pregunta recurrente era algo así como si existe una terapia
gay/lésbica y/o queer. La verdad es que creo que existen teorías
psicoterapéuticas que describen las y los homosexuales como
narcisistas, perversos, desviados, invertidos, detenidos en el desarrollo
psicosexual, desafiantes con el género, hostiles, fóbicos al sexo
opuesto, incapaces de amor maduro y de relaciones sanas. Pero la
verdad es que desconozco la existencia del paradigma de la
psicoterapia homosexual. Pero, ¿no sería despreciar el fenómeno decir
que es lo mismo ser gay/lesbiana que homosexual? Decir “es lo
mismo” no significa necesariamente que “dé lo mismo”. Hay
fenómenos particulares de las minorías sexuales que definen síntomas
y signos resultados de la homofobia social, la internalizada y el
coming out. Existen evidencias de cómo estos patrones configuran un
estilo sino una estructura y el consiguiente debate sobre la validez del
constructo de la identidad. Algo así como: existe una práctica. (Nexo,
n/d)
A prática tanto clínica quanto de divulgação destes terapeutas foca-se no relato
da homofobia “internalizada” pelo próprio homossexual e do “coming out”. A não
131
adoção de uma “identidade sexual positiva” é avaliada como estrago subjetivo
produzido pelo que é chamado de “homofobia internalizada” e a perturbação do
homossexual não assumido vem a ser resolvida através do processo do coming out.
O texto seguinte, publicado na revista gay portenha NX em 1998 apresenta o
básico do relato do coming out, explicado em um dossiê compilado por alguns dos
terapeutas citados, nucleados em torno da ONG gay que produzia a revista e mantinha
um centro cultural comunitário, serviços de prevenção da AIDS e tratamento
psicoterapéutico. Trata-se de uma invocação emblemática dos elementos do ‘regime de
vida’ que sustenta essa política da identidade sexual:
Solo una cosa diferencia al homosexual del que no lo es. Un proceso
único e irrepetible para cada uno. Algo terriblemente doloroso e
infinitamente positivo. Con un inicio pero no necesariamente un final.
Producto de lo peor que la sociedad da a los homosexuales, ha
generado la posibilidad de una identidad, tanto individual como
grupal. A este proceso llamamos coming out.
El coming out es un proceso conocido pero poco elaborado en la
Argentina. Proceso fundante de la futura identidad del homosexual,
reviste características particulares que conforman un largo recorrido
de cada persona. Comienza alrededor de los cuatro o cinco años, con
las primeras experiencias de un deseo imposible de verbalizar, y se
extiende a lo largo de toda la vida, ya que obliga a continuos
replanteos y posicionamientos. Siempre es perfectible, jamás acabado,
jalona cada uno de los momentos claves del devenir gay. Poco tomado
en cuenta en las psicoterapias, tiene formas de expresión tan propias
que se confunden con particularidades sintomáticas del sujeto. Aún
cuando muchas manifestaciones constituyan síntomas, estos no
provienen de la propia historia, sino que son el resultado del
enfrentamiento a la poca aceptación de lo diferente de la cultura en la
que nos desarrollamos. Así, a mayor tolerancia, menor conflictiva a
través del coming out, y viceversa.
Influido por las distintas edades, catalizado por hechos dramáticos
como el sida, la suma de sus buenas resoluciones ha permitido la
creación de una identidad colectiva. (NX 1998:4)
No relato do terapeuta gay, lésbica, bissexual ou trans, o processo individual –
em cuja apresentação a dimensão privilegiada é a mais íntima – opera como mediador
de um delicado balanço da subjetividade homossexual na fronteira entre o bem-estar
psíquico e a conduta sintomática. A idéia de progresso mobilizada neste caso é solidária
132
do modelo de pessoa individual idealmente possuidora de uma identidade sexual, à qual
ele ‘tem direito’, e que lhe produz bem-estar. Essa identidade é desenvolvida enquanto
valor intrínseco com o qual torna-se pleno o ideal que o movimento social visa atingir
para beneficio da comunidade imaginada. A descrição da “saída do armário” como “um
processo conhecido mas pouco elaborado na Argentina” e “pouco levado em conta nas
psicoterapias”, assim como a disquisição técnica sobre o caráter sintomático ou não do
processo, explicado (em fragmento aqui não citado do texto) através do conceito de
“homofobia internalizada”, dizem respeito a uma dimensão pouco atendida do estudo
das demandas de representação, dos debates e das intervenções suscitadas em torno da
política da identidade sexual do movimento GLTTB: o papel da produção de
conhecimento.
No movimento GLTTB/AIDS argentino a partir da segunda metade da década
de 1990, o valor legitimador do conhecimento e das intervenções de profissionais e
técnicos aflora constantemente. Vários ativistas e simpatizantes do movimento
demonstraram um intenso engajamento com algum ou ainda vários dos campos do
conhecimento que interagem na constituição do campo da “dissidência sexual”. As
credenciais pessoais outorgam autoridade científica ou técnica às intervenções perante o
público leigo, enquanto o engajamento com a temática é construído como especialidade.
Os anúncios de serviços de aconselhamento e terapia dirigidos “à comunidade GLTTB”
estabelecem claramente que eles são oferecidos por membros dela, pessoas “que falam a
mesma linguagem”. Ao texto citado acima seguem, na seção da revista de onde foi
extraído, dois outros, assinados por médicos psiquiatras, constando inclusive suas ‘mini-
biografias’ profissionais. Ambos são apresentados como psicoterapeutas do Programa
de Acompanhamento Assistencial da ONG que produz a publicação.
133
ILUSTRAÇÃO 6. Anúncios de psicoterapias
Fonte: revista NX
134
Mantive com Roberto uma série de entrevistas ao longo de vários meses e
convivi na organização, participando como voluntário entre outubro de 2002 e fins de
2003. Roberto me explicou que o tipo de trabalho com o qual se sente mais motivado é
o de ajudar os pacientes a resolver os problemas que eles têm com a aceitação da
própria homossexualidade e a dos outros. O seu comentário de um caso acrescenta
conteúdo ao relato abstrato acima citado:
A ver, yo tenía un paciente de 21 años, terriblemente homofóbico,
homofobia internalizada, con conflictos familiares, una familia
conflictiva, independientemente de que él fuera gay o no. Lo único
que yo laburé con él fue el tema de la homofobia. Cuando él pudo
empezar a manejar su sexualidad de otra manera, mejoró su relación
con la familia, automáticamente. Porque en realidad él tenía conflictos
con la familia porque él no toleraba hablar con la familia de su
sexualidad. La familia sabía que él era homosexual. Pero él no lo
toleraba, no toleraba que saliera el tema, por lo cual se coartaban
vínculos familiares. Mejora el vínculo familiar... De todas maneras él
no pudo relacionarse, digamos, él no podía relacionarse con pares.
Podía coger con pares, pero no podía relacionarse afectivamente, que
es uno de los últimos estadíos del coming-out. ¿Cuándo?: cuando vos
podés pasar... Digamos, yo te lo pondría en términos de […]: cuando
vos podés pasar de ser homosexual a ser gay. Porque poder dejar de
pensar que ser... ¿El homosexual quién sería?: ‘Sólo cojo con tipos.
Puedo llegar a tener vínculos prolongados, pero no se me ocurre
incorporar la dimensión de lo afectivo y lo proyectivo.’ Un tipo que
hace eso no es un homosexual gay. Pone una dimensión humana que
lo saca de esto de la homosexualidad. Por eso nosotros nos oponemos
a esto de ‘hombres que tienen sexo con hombres’. Es de terror eso.
Porque yo no soy un hombre que tiene sexo con hombres. Puedo
coger con un tipo, pero mi meta es una proyectividad con otro. (junho,
2001)
Quais são os termos mobilizados por Roberto para articulá-los com a
problemática da homofobia internalizada e ilustrar sobre os estragos da carência de uma
identidade “gay” – que ele opõe a uma meramente “homossexual” ou, pior ainda, do seu
ponto de vista, de “homem que faz sexo com homens” – e sobre o modo de resolução do
conflito através do coming out: relações familiares, relacionamento com pares, vínculos,
dimensão do afetivo, dimensão do projetivo.
135
5. A CLÍNICA
O trabalho de Roberto Altieri no projeto assistencial de uma ONG gay fundada
em 1993 e, a partir de uma crise institucional em fins de 2001, orientada
prioritariamente à prevenção e pesquisa em AIDS, focava-se nos efeitos da
“homofobia” no desenvolvimento psicológico individual. Segundo a linha desenvolvida
por Roberto, que até 2004 coordenou o dito programa, inspirada nas chamadas “terapias
afirmativas” (do ‘eu homossexual’) norte-americanas, na gênese do trauma psíquico
encontra-se o efeito da invisibilização da homossexualidade, via a “homofobia
internalizada”, e a terapia serve como apóio para a “saída do armário”. O que há de
específico, como traumático, na psique individual do homossexual é aquilo que é foco
da luta política do movimento: a questão da visibilidade. Entretanto, Roberto (que se
apresentava publicamente como psiquiatra e “ex-psicanalista”) desqualificava
abertamente a psicanálise, acusando-a de promover ativamente a “patologização da
homossexualidade”. A prática profissionalizada da ONG colocava seu projeto em uma
situação paradoxal, tanto com relação ao movimento GLTB quanto ao campo “psi”. O
sucesso comercial de uma revista e de uma a boate, junto com a captação de fundos
públicos (do Programa Nacional de Luta contra a AIDS) e de clientela do “mercado
gay” (tanto para o projeto assistencial quanto para o comercial), expunha a ONG à
acusação de responder a interesses considerados espúrios no campo militante. A posição
anti-psicanalítica não se limitava à questão homossexual, mas estava relacionada com as
simpatias dos coordenadores do serviço no seio do campo psi. Os dois praticavam
psicoterapias não psicanalíticas, um deles, como psiquiatra, diagnosticava de acordo
com o DSM. O outro fazia terapia “cognitiva” (escola americana de psicologia da
conduta). Isto, associado com a militância GLTTB, marginalizava os profissionais da
ONG a respeito das convenções do campo psicanalítico.
136
Conforme disse acima, o tipo de trabalho com o qual Roberto se sentia mais
motivado quando o freqüentei entre 2001 e 2004 era ajudar pacientes a resolverem seus
problemas com a aceitação da própria homossexualidade e a dos outros. Ele me relatou
uma técnica de aconselhamento mediante dicas práticas para facilitar a socialização do
paciente homossexual no ambiente gay, recomendando particularmente como novidade
o recurso recente do bate-papo eletrônico, que induz o reconhecimento de si próprio
através do reconhecimento de uma comunidade de pares. Por meio do auxílio
tecnológico, os pacientes de Roberto conseguiam, por um lado, sair da sua solidão.
Assumir uma identidade homossexual tinha uma meta “projetiva” íntima: a de se
vincular com um outro, um “par”, que podia virar namorado, caso ou amigo, mas era
alguém em quem “eu me reconheço”. Por outro lado, lhe são fornecidas ferramentas
para evoluir para um estado onde a homossexualidade, e portanto a sua visibilidade, não
fosse vivida como uma ameaça.
Estela Salinas, psicanalista lacaniana filiada a uma escola de psicanálise, me
comentou um caso que lhe casou especial comoção. Tratava-se de um adolescente (14
anos) que chegava ao consultório com a “certeza” do seu desejo homossexual, o que
tradicionalmente –segundo ela ponderara – teria indicado um diagnóstico de
“perversão”. Estela “apostou a ouvir” – devendo, de uma parte, “suportar a angústia” de
saber, pelos ditos do paciente, que ele estava se expondo a situações potencialmente
violentas com os parceiros sexuais de sua escolha e, de uma outra parte, lidar com a
demanda dos pais de “curá-lo”. A solução terapêutica passava, para Estela, por “afastá-
lo da pior companhia”, que perpetuava um vínculo imaginário com um pai que, segundo
ela diagnosticou, era “o perverso” na história. Curiosamente, essa solução passou
também pela socialização do paciente com pares, gays, através da internet.
Se trataba de mostrar que el diagnóstico hubiera sido un obstáculo
para escuchar. ¡Los padres pedían que lo cure! El chico, de catorce
137
años, sin haber tenido un encuentro [se sobreentiende, homosexual],
venía con una certeza. Cuando alguien viene con una certeza, uno
enseguida dice “perversión”. Yo aposté a escuchar. Y fue difícil. En la
escuela lo jodían. Los adolescentes son muy jodidos, ¿viste?
[...]
Era difícil porque él se estaba exponiendo a que lo fajaran. ¡El primer
tipo con el que salió era un carapintada!
68
A varios amigos míos les
pasó que los cagaron a palos.
69
Les rompieron toda la casa. -¿A ningún
amigo tuyo le pasó? [me pregunta] Un amigo mío no pudo ir a
trabajar, le habían roto la cabeza. El tema era cómo ese chico podía
salir de lo peor. El padre [énfasis] era un perverso. Internet significó
poder salir de eso, de ese mandato paterno de “hacerse matar”. Ahora
está muy bien, tuvo una pareja por cuatro meses [varón, se
sobreentiende]. (setembro, 2003)
Em cada caso parte-se de mal-estares de índole diversa, ‘não aceitar ser gay’ em
um, e ‘sofrer por sê-lo’ no outro; e o roteiro terapêutico aponta a fins diferentes, ‘aceitar
ser gay’ e fazer ‘inconsistir’ a identificação para “produzir o sintoma”.
70
Não obstante,
aquilo que é apontado como resolução feliz do processo é compartilhado: por meio do
auxílio tecnológico, os pacientes de Roberto conseguem sair da sua solidão e o paciente
de Estela consegue abandonar “a pior companhia”.
71
O “encontro consigo mesmo” no
processo de consulta e aconselhamento do paciente com Roberto coincide,
fenomenicamente, com o “encontro com o outro” através da relação transferencial da
teoria psicanalítica. Ambos marcam a resolução da crise na possibilidade de estabelecer
um relacionamento “de pareja”.
72
Trata-se de produzir uma intervenção ou conduzir um
processo de restituição, na experiência individual, de um sentido compartilhado com o
grupo de referência (neste caso os gays). Uma outra dimensão compartilhada é o caráter
social ‘relacional’ da solução do mal-estar e da compreensão do fenômeno identitário (a
68
Apelido referido a militares nacionalistas de direita, sublevados na década de 1980 em defesa da
atuação da corporação militar durante a última ditadura, contra as causas judiciais abertas que revisaram
delitos cometidos por membros das forças armadas durante esse período.
69
“Escpancaram”.
70
No relato de Estela, o neologismo “inconsistir” refere-se a “tirar consistência”, dissolver o laço com um
‘significante único’ (e.g., sexo com homens - abuso paterno) para permitir a saída para um encadeamento
‘aberto’ (e.g., sexo com homens - relação com pares).
71
Pode ser apontada como diferença importante o lugar do ‘auxílio tecnológico’ nestes dois relatos:
Roberto o introduz como “alternativa terapêutica”, enquanto Estela só o reconhece e sublinha a
posteriori, como “significante”.
72
“Casal”.
138
integração com uma ‘comunidade’ de pares com quem se compartem vivências, achar
um parceiro –a “pareja”).
Para além de divergências teóricas (‘ego-psychology’ vs. ‘inconsciente’, ou
escola americana vs. escola francesa) e diferentes tradições e rivalidades da disciplina
(psiquiatria vs. psicanálise), denota-se o traço comum da particular ‘simpatia’, gerada
através dos trajetos biográficos destes terapeutas e da sua participação em determinadas
redes sociais, que os orienta tanto para um recorte temático particular – seja com
conceitos tais como “homofobia internalizada”, no caso de Roberto, e “clínica do
partenaire do mesmo sexo” no caso de Estela – quanto para o interesse na prática
terapêutica com consultantes homossexuais. As discrepâncias teóricas e rivalidades
profissionais são mais enfatizadas no discurso programático e no debate do que na
prática clínica concreta. A complexidade e a heterogeneidade constatadas nestes dois
exemplos de relatos da clínica ilustram como, ainda sob a aparência de experiências e
ideologias manifestamente encontradas é possível, em eventos cotidianos, identificar
tematizações que permitem pensar em um processo cultural mais abrangente. De um
lado, “o vínculo” no discurso do psicoterapeuta, “o partenaire” na linguagem da
psicanalista, ambos referem a uma ancoragem do processo individual “na relação” (com
se diz vulgarmente) com ‘outros significativos’. Do outro lado, embora a analista deixe
“o significante” do homossexual “flutuar” sem atribuir a ele um conteúdo essencial do
ponto de vista do próprio paciente (embora essa seja a demanda dos pais), enquanto o
programa do terapeuta vise fortalecer o processo de identificação com pares a
“comunidade gay”, a preeminência dada em ambos casos e os termos como ela é
exposta não são uma escolha arbitrária de nenhum dos dois, mas um signo da época.
Ambos precisam ‘fazer alguma coisa’ com isso, e em ambos casos o que eles encontram
139
é uma solução “interessante” para o sujeito, que implica uma mudança objetiva onde “a
relação” e o reconhecimento comunitário estão envolvidos.
6. FAMÍLIAS
A Lista de discussão Temas GLB, organizada originalmente por Fernando
Miraglio, um psicólogo interessado em trabalho grupal, em 2001, convocou
inicialmente vários profissionais ligados ao movimento GLTTB portenho. Logo no
início, por convite de Fernando, incorporaram-se os dois coordenadores do serviço de
atenção já mencionado, que haviam organizado os primeiros três encontros de
psicoterapeutas GLTTB, e pelo menos seis outros profissionais psi (e uma estudante de
psicologia), na sua grande maioria portenhos identificados como gays, conformando
mais da metade do público da lista (o resto era integrado por profissionais e outros
interessados de diversos pontos da América Latina e da Espanha, atraídos pela
temática). Um dos primeiros temas que suscitou prolífica troca de mensagens a longo de
semanas foi a publicação, em um boletim eletrônico dedicado a novidades sobre
infância com foco em aspectos legais e sociais da adoção, violência familiar, etc., de um
artigo assinado por uma psicóloga, onde ela se opunha à adoção de crianças por parte de
pessoas homossexuais (Videla, 2001). Vários participantes da lista ficaram revoltados.
Eles questionavam o fundamento científico das afirmações da autora do artigo,
consideradas meras opiniões, efeito dos preconceitos da autora. Como resposta, circulou
uma proposta de compilar casuística sobre o desenvolvimento de crianças de pais
homossexuais, sendo que uma das críticas contra o artigo era a ausência desse sustento.
Especulou-se bastante, entre os participantes da lista, sobre a identidade da autora do
artigo, particularmente a partir do seu sobrenome, que evocava a figura de um dos
ditadores militares mais recordados da história recente do país (presidente entre 1976 e
140
1981), pelas violações de direitos humanos perpetradas durante seu mandato.
Discutiram-se estratégias para responder, denunciando publicamente o conteúdo do
artigo, considerado discriminatório. Vários membros da lista redigiram respostas ao
artigo, exercendo seu direito a réplica, que também fizeram circular em várias outras
listas eletrônicas, destinadas a temas de ética e psicologia, infância, feminismo, etc.
(Infancia e Juventud, 2001). Embora alguns subscritores se solidarizaram com a autora
do artigo, interpretando a resposta como uma forma de censura, o movimento gerado
pelos terapeutas gays, lésbicas, bissexuais ou trans (embora não identificados desse
modo abertamente) em geral concitou simpatia. Isto foi noticiado na Lista Temas GLB
por meio do reenvio das mensagens que haviam circulado nas outras. Discutiu-se
também a alternativa de denunciar a autora perante o INADI, Instituto Nacional contra
la Discriminación, la Xenofobia y el Racismo.
Em setembro de 2004, em meio a notícias de novas legislações que em países
como Holanda, Bélgica e Espanha igualavam as uniões de casais homossexuais como
matrimonio civil sem restrições, a CHA dobrou a aposta que em 2002 a havia
consagrado como promotora da lei de união civil vigente na cidade capital da Argentina,
lançando sua campanha por uma Lei Nacional de União Civil. Uma mensagem
difundida por correio eletrônico em mailing lists da “comunidade” e de pessoas afins do
movimento GLTTB local convidou a um evento público com o seguinte título:
El Lic. Jorge Garaventa entrevista a: Prof. César Cigliutti - Presidente
de CHA - y Prof. Lic. Jorge Horacio Raíces Montero - Coordinador
Área Salud CHA - Comunidad Homosexual Argentina TEMA:
ADOPCIÓN - Proyecto de Ley Nacional de Unión Civil
Tanto o psicólogo Garaventa, simpatizante do projeto, quanto Montero, também
psicólogo, referiram-se principalmente às resistências entre os próprios colegas da sua
profissão à idéia de adoção de filhos por parte de casais homossexuais. Apresentando-se
como especialistas comprometidos com valores de justiça e luta contra a discriminação
141
e proclamando uma ética a serviço da defesa dos direitos humanos, apontaram
referências concretas a práticas discriminatórias contra aspirantes a pais adotivos por
sofrerem a suspeita de serem homossexuais por parte das psicólogas que supervisionam
a guarda de menores em situação de risco, e assinalaram outras práticas mais difusas na
“psicologia oficial” que, segundo o relato dos palestrantes, manifesta-se incomodada
com as pretensões dos homossexuais de exercerem seus direitos civis integralmente.
Falaram da necessidade de fundamentar solidamente o projeto de lei com argumentos
científicos e anunciaram o lançamento de um livro onde especialistas em direito e
psicologia argumentam em favor do direito dos homossexuais à adoção. De entre os
aproximadamente 50 assistentes, todas as intervenções do público vieram de
profissionais da saúde mental (psicólogas, psicólogos e psiquiatras), simpatizantes do
projeto e da trajetória dos palestrantes.
O debate iniciado pela CHA, no âmbito amigável da sua própria casa, antecipa-
se a outro que – descontavam – desenvolver-se-á, com exposição bem maior, na esfera
pública nacional, assim que o projeto de lei obtiver chances de ser discutido no
Congresso. Os argumentos em favor da Lei de União Civil na Cidade de Buenos Aires,
que reconhece meramente a existência do vínculo entre os pactuantes, eram
principalmente jurídicos e emanavam das recentes garantias de respeito aos direitos
humanos introduzidas pela reforma da Constituição Nacional de 1994 e contra a
discriminação (incluindo a de gênero e orientação sexual), garantias incorporadas pela
sanção da Constituição da Cidade Autônoma em 1996. O envolvimento da sensível
questão da adoção de filhos no projeto de lei em nível nacional projeta o assunto para a
órbita do conhecimento perito da psicologia. Antecipando os argumentos em contra, que
quando houve o debate em países como Estados Unidos e França vieram tanto do
campo jurídico quanto do científico, os ativistas da CHA recrutaram vozes afins desses
142
campos, cientes da necessidade de um “fundamento acadêmico” que outorgasse visos de
seriedade a sua causa.
Em 15 de novembro de 2004 foi lançado o livro Adopción. La caída del
prejuicio. Proyecto de Ley Nacional de Unión civil (CHA, 2004), organizado pelos
profissionais da Área Salud e do Departamento de Investigación y Docencia da CHA,
coordenado por Montero. Nos capítulos do livro, baseados em dados de pesquisa,
experiência clínica e reflexão teórica, vários prestigiosos especialistas em infância
dedicam-se, como o título do livro indica, a derrubar preconceitos” não só acerca da
adoção por parte de casais homossexuais, mas sobre a normalidade de diferentes
arranjos familiares e sobre a não necessária “normofilia” dos casais de pais
heterossexuais. Porém, o fundamento principal dos argumentos é fornecido pelos
valores que são mobilizados. Os valores evocados são a liberdade, a responsabilidade, o
amor. Talvez a intervenção mais significativa seja a de Eva Giberti, a psicanalista
infantil mais publicamente reconhecida no país por sua presença midiática já desde a
década de 1960, com vasta experiência como perito em processos por guarda e adoção –
envolvendo inclusive casos de pessoas transgênero como adotantes. O artigo, que revela
grande erudição acerca da história da família, da homossexualidade e das relações de
gênero, relata algumas experiências de acompanhamento de famílias compostas por
casais homossexuais adotantes e – revertendo o argumento dos adversários desta
expansão de direitos – atribui um valor especial ao movimento pela adoção por parte de
casais homossexuais, em função do projeto civilizatório:
La crianza y educación realizada por gays y lesbianas constituye una
forma de organización familiar que deberá responder,
prioritariamente, al interés superior del niño en tanto y cuanto para
todos los niños propiciamos un mundo en el que las características de
la orientación sexual no impliquen exclusiones. (Gubert, 2004, grifos
meus)
143
CONCLUSÃO
Devido a uma institucionalização fraca e fragmentária, constatada na história da
constituição e conformação atual do campo, à sua – intensa – politização e ao peso
simbólico da sua relativa subalternidade, é difícil imaginar um espaço unificado de
interação entre os diversos segmentos das profissões psi. O assunto da dissidência
sexual, porém, parece conseguir polarizar opiniões e criar um espaço de debate através
de fronteiras entre escolas e correntes como poucos outros. Entretanto, essa polarização
não responde quadradamente às diversas orientações teóricas e posicionamentos
políticos a respeito de outros assuntos, mas estrutura-se com certa independência.
Emergiu recentemente uma coorte de “terapeutas GLB” (gay, lésbicas e bissexuais),
cujo interesse – apesar da sigla – engloba também as identidades trans. Eles e elas
consideram o reforço positivo das identidades sexuais uma área de incumbência
legítima e ainda prescritiva da sua prática profissional; no entanto, do ponto de vista da
psicanálise freudiana, grupo de teorias e campo institucional que lidera o movimento
psicanalítico local (Plotkin, 2001; Lakoff, 2005), este é visto como um terreno
escorregadio. Por outra parte, embora os segmentos gay, lésbico e bissexual tenham já
ganhado sua carta de cidadania sadia junto às associações profissionais de psiquiatras e
os órgãos públicos da saúde, o caso dos segmentos trans (travesti, transexual e
intersexual) é “ainda” (do ponto de vista do relato de progresso do movimento)
considerado problemático, tanto para a clínica psicanalítica, quanto na prevenção do
HIV. Tanto psiquiatras de pensamento médico quanto psicanalistas e terapeutas
ecléticos fazem recortes seletivos da temática, situando-se e situando a problemática em
complexos arranjos, interessantíssimos para a análise das interações contemporâneas
entre ciência e política.
144
Jean Allouch e seus colegas da francesa École Lacanienne de Psychanalyse
(ELP), com filial e projeto editorial do mesmo nome em Córdoba, chamam a atenção do
movimento psicanalítico para a sintonia que haveria entre as afirmações mais
radicalmente construcionistas da Queer Theory e as fórmulas lacanianas da
“sexuação”.
73
De uma outra parte, analistas membros de escolas tão separadas teórica e
institucionalmente quanto são as filiais locais da International Psychoanalytic
Association (IPA), a Escuela de Orientación Lacaniana (filial do movimento
internacional que hegemoniza a difusão do lacanismo sob a liderança do genro e
herdeiro de Lacan, Jacques-Allain Miller) e Convergencia (associação de escolas
lacanianas rivais do “millerismo”), partilham uma certa incomodidade com os usos da
categoria identidade e com o “efeito de grupo” do movimento homossexual, que,
tendendo a estabilizar idéias de completude do self, conspirariam contra o projeto
psicanalítico de elaborar, precisamente, a falta primordial humana. Desse ponto de
vista, a clínica (prática e teoria) psicanalítica deve lidar com a tensão inarredável entre o
universal e o particular, da qual a diferença sexual seria condição. Interessantemente,
para Lacan essa diferença não estaria nas marcas biológicas, anatômicas ou genéticas,
que segregam machos e fêmeas, senão na alteridade última de todo indivíduo humano,
sendo a heterossexualidade entendida como ‘o encontro com o outro’, independente do
seu sexo anatômico, implicando uma noção do gênero sexual ancorada estritamente no
social (como oposto ao biológico).
A política do movimento homossexual, precisamente por ser uma política,
procura conquistas ou soluções de compromisso para a tensão entre universalismo e
particularismo, em um registro do público ao qual o “para cada um” da clínica
psicanalítica estaria subordinado. Mas, no processo social, numa esfera pública letrada
73
Em diveros textos do grupo, a Queer Theory é apresentada como parte dos Gay and Lesbian Studies,
embora a segunda tenha surgido como responsta à restrição imposta ao essencialismo dos primeiros.
145
que engloba ambos movimentos - a causa psicanalítica e a das “minorias da diversidade
sexual”- as divergências são interpretadas não só através do debate, mas também da
disputa das fronteiras e pela diferenciação entre diversos campos (disciplinares, estatais,
ativistas, científicos, etc.). Enquanto no registro da disputa agônica, as fórmulas
respondem a uma ‘guerra de discursos’, elas também respondem às necessidades
específicas de cada agente e espaço social implicado. Justifica-se por isto a observação
demorada de cada espaço e a comparação para captar uma especificidade que é perdida
da perspectiva das disputas mais visíveis.
Foi instigante observar as disputas em torno da figura do sujeito homossexual à
luz da disputa hegemônica que a psicanálise suscita com outros saberes psicológicos e
outras práticas terapêuticas. Foi surpreendente e esclarecedor notar como na rede de
terapeutas GLTTB desqualifica-se a “psicanálise francesa” ou lacaniana, de uma parte,
acusando-a de homofobia e, de outra, refutando sua validez terapêutica com argumentos
tecnocráticos (ratio custo/benefício do tratamento) e sua cientificidade com argumentos
médico-positivistas (medida quantitativa da casuística, evidência material). Desse
modo, a psicanálise manifestar-se-ia, do ponto de vista desses profissionais - ativistas,
duplamente ineficaz no tratamento e no avanço do conhecimento, tanto de pessoas
homossexuais e transgênero quanto de pessoas vivendo com o HIV.
É ilustrativo observar também como diversos agentes do movimento GLTTB
imprimem sentidos, valorações e orientações bastante precisas a esse processo no qual
se vêem imersos. Todavia, o lugar da categoria identidade, particularmente aquele das
identidades sexuais e de gênero é bastante restrito no horizonte da psicanálise, e
marginal ao movimento psicanalítico. Entretanto, insinua-se atualmente a emergência
de uma clínica específica das “declarações de identidade sexual”. A centralidade que
essa temática pôde adquirir responde à expansão das demandas de representaçãos do
146
movimento GLTTB, como temática legítima da esfera pública letrada, espaço da
relação entre esses dois movimentos. Variadas faces do “Estado” e a chamada
“sociedade civil” representada mediam e regulam essa relação, como acontece com o
processo de uma outra esfera, a da saúde pública. Através da classificação dos
distúrbios morais como psicológicos e, muito intensamente hoje, da remedicalização do
sexo pelo olhar epidemiológico da prevenção da AIDS, segundo o qual os indivíduos –
já não como “pacientes”, mas como “sujeitos de direito” e membros da “comunidade” –
são agentes conscientes, manifesta-se não só o ideal civilizatório do respeito à
diversidade e a tolerância do desvio, mas também da responsabilidade e autonomia
individual. O papel mediador dos profissionais psi e experts ativistas como construtores
de um conhecimento afinado com a universalização do modelo da “cidadania sexual”, é
chave para compreender esta última como aspecto do processo civilizador.
Finalmente, são dois os movimentos operados para mobilizar uma política
GLTTB no campo psi. Em primeiro lugar, obviando o potencial libertário da
multiplicidade de experiências eróticas que compõem o panorama humano, e da noção
freudiana da perversão como componente universal (o fetichismo da criança), a política
GLTTB no campo psi opera uma sorte de homogeneização operativa: ela se apropria do
pensamento moralista e conservador da vertente mais patologizante da psicanálise, que
porém é a que permite conceber uma política minoritária, de identidades. São essas
categorias discriminadoras as que fornecem a linguagem para se organizar como grupo
e se mobilizar contra a violência simbólica exercida contra os desviados. Em segundo
lugar, contrário ao argumento interacionista acerca do discurso dos direitos humanos
como “marco” apropriado para as lutas das minorias sexuais (Adam et. al., 1999), no
discurso que os terapeutas GLTTB portenhos desenvolvem acerca da sua luta contra o
establishment psicanalítico, quando eles evocam as formas de discriminação e violência
147
homofóbica, demandando ações restitutivas, os direitos humanos são apropriados não
apenas como marco, mas como a própria linguagem e fundamento da sua prática
política e profissional, articulada internamente, de modo encarnado nas suas teorias.
148
CAPÍTULO 3. CIÊNCIA E POLÍTICA DA IDENTIDADE SEXUAL NÃO CAMPO DA
PREVENÇÃO DA
AIDS.
INTRODUÇÃO.
Neste capítulo descrevo os modelos de ação, os agentes e contextos sociais
envolvidos nas práticas de ativismo e prevenção da AIDS da denominada “comunidade
da diversidade sexual”, e analiso as regulações em torno do conceito de identidade
sexual introduzidas nesses espaços. A singular confluência de ativismo e
profissionalização que caracteriza os atores dedicados à prevenção da AIDS “na
comunidade GLTTB e outros homens que fazem sexo com homens”, como versa o
nome de uma rede de alcance nacional estabelecida em 2002, ilumina a implementação
de recursos eruditos para a classificação de identidades sexuais, com derivações nas
práticas concretas de intervenção social. Analisarei especificamente certas definições de
identidade sexual acionadas no campo da prevenção da AIDS, considerando-as
enquanto ‘problema antropológico’, isto é, como objeto legítimo de conhecimento,
intervenção técnico-política e discussão ética” (Collier; Ong, 2005).
1. A
PREVENÇÃO DA AIDS
2.1 As campanhas
Quem transitasse pelas avenidas e estações de metrôs e trens metropolitanos
portenhos durante setembro de 2004 teria reparado em um cartaz destacado nos
outdoors. Nele, dois homens jovens, de estatura e contextura mediana, sobriamente
vestidos, ambos com a barba cuidadosamente feita e de cabelo curto, castanho claro um
e escuro o outro, fundiam-se em um abraço. A inclinação das cabeças ao se beijarem
indicava um gesto inconfundivelmente sensual. A fotografia os retratava da cintura para
cima sobre um fundo aberto e luminoso, diurno. Um deles vestia paletó e o outro levava
149
mochila. Os detalhes sugeriam que a cena tinha lugar em um espaço público. A parte
inferior da foto estampava a seguinte frase:
UN ABRAZO NO TRANSMITE EL HIV/AIDS.
Sobre uma faixa branca ao pé da foto continuava a mensagem:
USÁ PRESERVATIVO SIEMPRE,
EXIGÍ MATERIAL DESCARTABLE SIEMPRE,
CUIDA TU EMBARAZO SIEMPRE.
LÍNEA PREGUNTE SIDA 0800-3333-444.
No canto inferior direito, os créditos, em letras menores, acompanhados
dos logos correspondentes:
MECANISMO COORDINADOR DE PAÍS ARGENTINA
Patrocinado por:
Invirtiendo em nuestro futuro
El Fondo mundial de luta contra el SIDA, la tuberculosis y la malaria
O cartaz (ver Ilustração 7) espalhado por toda a cidade, seja em faixas de 10 x 5
metros impondo-se do céu em cruzamentos de avenidas e reproduzido em página inteira
em vários meios gráficos nacionais, entre eles a revista de domingo de Clarín, o jornal
de maior tiragem do país, fazia parte de uma campanha publicitária que incluía uma
série de imagens emblemáticas não só dos riscos conhecidos de transmissão do HIV e
das estratégias de prevenção que estavam sendo promovidas, mas também de uma série
de preconceitos em torno do HIV/AIDS que a campanha estava destinada a combater.
Animava-a um consenso entre os diversos agentes envolvidos na maior iniciativa
unificada de prevenção da história da epidemia na Argentina, a convicção de que, para
evitar a transmissão do vírus da AIDS não se tratava em grande medida de alarmar e
informar, mas, sobretudo de quebrar tabus e, utilizando termos cujo valor era também
um consenso nesse âmbito, “empoderar” os sujeitos em condição de “vulnerabilidade”.
150
ILUSTRAÇÃO 7. Anúncio do beijo homossexual
Fonte: revista Queer.
Essa iniciativa foi promovida pelo Fundo Mundial de Luta Contra a AIDS, a
Tuberculose e a Malária. Também conhecido localmente em Argentina como “Fundo
Global” (FG), em função de sua denominação em inglês, ou “Fundo Mundial” (FM),
sua denominação oficial em castelhano, este é um organismo internacional multilateral,
com sede em Genebra e regido pela lei suíça, destinado a “captar, gerir e distribuir
recursos adicionais a fim de desenvolver a luta” contra essas doenças (Fondo Mundial,
2007). Foi criado em 2001 por recomendação do Programa Conjunto das Nações
Unidas para a AIDS (ONUSIDA) e opera através de doações a países com comprovada
necessidade (à diferença dos dois fundos para o desenvolvimento do Banco Mundial,
que são concedidos como linha especial de crédito). As doações do FM têm como
condição que a sua administração seja supervisionado por um órgão denominado
151
Mecanismo Coordenador de País (MCP). Este órgão congrega a representação tanto do
governo como da “sociedade civil”. A segunda inclui organizações comunitárias,
profissionais, acadêmicas e de pessoas vivendo com HIV/AIDS (PVVS). Argentina,
através de seu Programa Nacional de Sida (PNS), encontra-se entre os 31 países aos
quais o Fundo Global tem destinado recursos a partir de 2003. O Mecanismo
Coordenador de País, também conhecido como CCM, por sua sigla em inglês, é um
grupo de “representantes” dos diferentes setores envolvidos na luta contra a AIDS: de
vários organismos oficiais, principalmente do Ministério da Saúde, mas também do
Ministério de Educação e da Secretaria de Desenvolvimento Humano; de unidades
científicas e acadêmicas, neste caso a Universidade de Buenos Aires (UBA); do
Programa de AIDS das Nações Unidas (ONUSIDA); e do Programa das Nações Unidas
para o Desenvolvimento (PNUD), grupo nomeado por três anos administrador do
Projeto País. Têm desenvolvido uma atuação central no CCM os três representantes do
Fórum de Organizações não Governamentais (FONG) com trabalho em HIV/AIDS e os
três representantes das Redes de PVVS, conhecidas neste espaço como “as redes”.
Estas, respectivamente, são: a Red de Mujeres, Red Capital (Buenos Aires) e Red
Nacional. O CCM é responsável pelo Projeto País, respondendo diretamente perante o
FG. Compete-lhe coordenar mecanismos de cooperação entre ONG, Governo, Agências
Internacionais e setor privado; estabelecer as linhas de trabalho de projetos de
intervenção a serem financiados; gerir os concursos de projetos para levar a cabo as
atividades de apoio a serem financiadas pelo FG durante o período 2002-2007; designar
os jurados e auditores correspondentes, realizar recomendações para a continuidade das
ações e dos atores participantes, podendo sugerir modificações ao FG, que deverá
aprová-las para a sua execução; aprovar os relatórios anuais programáticos e
financeiros, a serem apresentados perante o FG.
152
Retornando à campanha citada acima, diante de informações que apontavam que
o uso do preservativo ainda estava longe de ter sido sistematicamente incorporado por
qualquer segmento de população, administradores estatais e de organismos
multilaterais, pesquisadores e representantes de organizações não governamentais
coincidiam em que não se devia baixar a guarda quanto à necessidade de continuar
insistindo com a promoção do mesmo. Isto se aplicava também ao uso de materiais
descartáveis em situações que envolveriam o contato com sangue e a profilaxia em
casos de gravidez. Não obstante, a mensagem principal desta campanha visual,
orientada à denominada “população em geral” (à diferença de outras, “focalizadas” em
segmentos específicos como, tipicamente, os usuários de drogas injetáveis e os homens
homossexuais) apontava para um objetivo capital não explicitado entre os preceitos
listados ao pé da foto, mas, dando-lhe maior preponderância, aparecia na própria
imagem e na frase que a explicava. A idéia de que “um abraço não transmite o
HIV/AIDS” assinalava a discriminação (contra as PVVS e contra os homossexuais).
74
A
imagem e a mensagem foram resultado de um extenso e conflituoso trajeto. As partes
envolvidas não haviam chegado a um acordo em torno das mesmas, mas elas eram fruto
de uma colaboração forçada, em grande medida, pelas circunstâncias.
74
Ao comparar as diversas imagens escolhidas para a campanha (Ilustração 8), é de se notar o contraste
entre a dos homossexuais, formalmente vestidos, com características similares quanto a sua idade,
tamanho corporal, cor de pele e expressão de gênero, atributos que os identificavam como jovens
portenhos de classe média, e a diversidade representada no resto das imagens a respeito dos mesmos
atributos.
153
ILUSTRAÇÃO 8. Anúncio para diversos segmentos
Fonte: MCP/FMLCSTM.
Assim o expressava, pouco após o lançamento do cartaz, César Cigliutti,
Presidente da Comunidad Homosexual Argentina (CHA) e membro do CCM/FG, ao
falar da “pressão” que a CHA tinha exercido para que esse beijo homossexual
aparecesse na campanha. “A agência publicitária queria um abraço muito profilático,
mas para nós, se não fosse igual ao hetero, era discriminação, homofobia. O Ministério
de Saúde o aceitou e é preciso reconhecer que se engajou prá valer com o Fundo”. César
contou isto como anedota na abertura de uma palestra pública organizada pela Área de
Saúde Mental da organização, para dar publicidade a uma iniciativa legislativa em nível
nacional em torno das uniões civis e do direito à adoção por parte de casais do mesmo
sexo. A palestra, que teve lugar na casa de Barracas, bairro popular na região sul da
cidade de Buenos Aires, que servia por sua vez como moradia do casal conformado pelo
Presidente e o Secretário da CHA, e como sede legal e local de reunião da organização.
154
Em forma de loft, o âmbito que fazia às vezes de cozinha, com um fogão, mesada e pia
de escala industrial, de refeitório e sala de estar, na qual em outras ocasiões tínhamos
brindado pela felicidade de César e Marcelo e pelo triunfo da causa no dia da registro da
primeira união civil celebrada em todo o continente, ou tínhamos participado de
assembléias e reuniões políticas e de trabalho da Task Force da qual a CHA participava,
“para a prevenção da AIDS com a comunidade de gays, lésbicas, travestis, transexuais,
bissexuais, e outros homens que fazem sexo com homens”, segundo versava o título
“pactuado” com o resto das organizações participantes.
Três semanas antes, ao ser lançada a campanha publicitária à qual se referia a
anedota, uma pessoa do círculo de relações de César me adiantara que o cartaz tinha
saído por uma “exigência ao CCM de que por cada cartaz hetero tinha que haver um
gay”. Ao chegar à palestra, um membro da CHA com quem conversei me comentou que
no público havia muita gente que não conheciam. “Devem ser da UCA”, dizia-me,
referindo-se à Universidade Católica Argentina, onde havia se fundamentado filosófica
e tecnicamente a oposição à Lei de União Civil, finalmente aprovada pela legislatura
portenha o ano anterior. A seguir, meu interlocutor me pôs ao corrente dos ataques que
“o cartaz do CCM” estava recebendo, como havia acontecido com a iniciativa da Lei de
União Civil. Contou-me que haviam aparecido uns cartazes colados por cima dos da
campanha, cobrindo-os a modo de censura (Ilustração 9). O novo cartaz, segundo me
relatou, era anônimo e no texto do mesmo os autores protestavam contra o fato de
investir-se dinheiro público em produzir a mensagem dos dois rapazes se beijando. “Por
sorte” isso não tinha passado despercebido, “uma agência de notícias levantou a
questão, fotografou o cartaz colado e levou a denúncia ao Ministério de Saúde” (La
Flecha, 2007).
155
ILUSTRAÇÃO 9. Censura.
Fonte: La Flecha.
Os elementos do incidente em torno do cartaz, assim como os daquele episódio
de maior escala suscitado pela votação da Lei de União Civil, mostram a variedade de
atores, a pluralidade de vozes e de contextos e os sutis matizes envolvidos nas
demandas de reconhecimento do chamado “Movimento GLTTB” (de gays, lésbicas,
travestis, transexuais e bissexuais). O relato ilustra acerca da consolidação de
determinados coletivos que respondiam ao molde das chamadas “organizações
comunitárias” não só como interlocutores do Estado, mas também como modelo de
conduta da “sociedade civil”. No caso dos grupos e organizações recrutadas para a
prevenção do HIV/AIDS e outras doenças
sexualmente transmissíveis (DST) “em homens que fazem sexo com homens (HSH)”,
segundo a definição dos gestores de políticas de saúde pública, ou no dos grupos da
“comunidade GLTTB”, que contrapunham uma visão ativista das identidades sexuais, a
agência destes coletivos situava-se emrios níveis, segundo o ‘público’ ao qual as
ações estivessem dirigidas, quer dizer, o público projetado por estas: por um lado, ao
nível do conhecimento e tratamento íntimo de “sua” comunidade, por seu grau
privilegiado de acesso para levar mensagens e intervenções; por outro lado, ao nível de
seu compromisso militante com a tarefa de combater situações de risco e a
vulnerabilidade à infecção, indissociavelmente ligadas à subordinação de gênero, ao
156
estigma das identidades sexuais “contranormativas” e à homofobia na sociedade. No
caso dos coletivos que compõem o movimento, trata-se de alcançar o ideal de
comunidade autônoma consistente com as “identidades sexuais” de seus membros.
As referências contidas no relato acerca da campanha publicitária também
chamam a atenção acerca dos atores perante os quais se constrói a voz “representativa”
da comunidade. Neste caso se tratava por um lado de um ente supra-estatal, o Fundo
Global, e por outro lado de uma organização civil de estatuto particular por sua
adscrição confessional, a Universidade Católica, que na contenda evocada atuava como
representante dos desígnios do sujeito construído como adversário principal da causa
das “minorias sexuais”: a Igreja Católica. O financiamento do Fundo Global e o
respaldo do Ministério de Saúde marcavam uma inédita confluência de vontades,
segundo esta narrativa, em resposta a uma longa luta das organizações GLTTB contra
os preconceitos de outros setores da sociedade, para incluir imagens positivas da
homossexualidade na prevenção da AIDS. Finalmente, a menção repetida “(d)a CHA”,
como sujeito da enunciação por seus membros ao narrarem experiências de ativismo,
alude implicitamente ao protagonismo privilegiado dessa organização e de seus líderes,
frente à dissidência e às aspirações de hegemonia de outras organizações GLTTB que
disputavam seu espaço de liderança.
2.2 Agentes de prevenção
A especificação de um alvo (target) para intervenções preventivas em saúde
pública não se baseia exclusivamente em propriedades intrínsecas de categorias sociais
dadas, chamem-se populações, grupos, condutas ou condutas/práticas de risco. A
estabilização desses recortes resulta de complexos processos sociais, com momentos de
intensa contradição. A epidemia da AIDS inaugurou uma particular configuração
157
epidemiológico/social, a partir da qual a vulnerabilidade de determinados segmentos
passou a estabelecer-se em função de contendas e articulações não apenas entre
científicos, profissionais e agentes da burocracia estatal, mas também de movimentos
sociais organizados, transformados em protagonistas principais desse processo. Do
mesmo modo que outras experiências mórbidas modernas, como a sífilis nos primórdios
do século XX, a compreensão inicial –embora parcial- da AIDS como doença venérea
estabeleceu uma intrincada conexão entre as dimensões materiais e morais do mal
(Carrara 1994). O controle de um fenômeno de tal magnitude não só envolveu a
agência do Estado, de entes públicos supra-estatais, e de outros privados, isto é, da
chamada “cooperação internacional” e das corporações profissionais da saúde, mas.
também, o tempo histórico do movimento social conectado à complexa configuração
instaurada pelo HIV como problema sanitário agregou outro ator chave: as pessoas
doentes, portadoras do vírus ou passíveis de contraí-lo, e seu entorno associativo,
imaginadas como corpo social (Altman, 1994; Parker, 1994; Galvão, 2000; Pecheny,
2001).
Na Argentina, a partir da década de 1990, como aconteceu nos Estados Unidos e
na Europa ocidental durante a década de 1980 (Shilts ,1988; Pollak, 1992), grande parte
das iniciativas públicas de prevenção cujo objeto era reduzir o risco de transmissão por
via homossexual têm sido conduzidas por organizações comunitárias homossexuais
relativamente pequenas
75
. No Brasil, o Estado tem assumido um papel mais ativo nessa
área, mas vários autores têm argumentado que isso tem acontecido em resposta a uma
intensa pressão política e à participação de atores provenientes da sociedade civil nas
decisões estratégicas da esfera estatal (Parker; Galvão; Bessa, 1999). Por sua vez, a
75
Nos países do Cone Sul, os dados epidemiológicos mais recentes atribuem a transmissão do HIV ao
contato sexual entre homens em aproximadamente um terço dos casos que atualmente chegam a
desenvolver a AIDS (esse dado inclui pessoas travestis). Dado que esse segmento constitui uma
porcentagem significativamente baixa da população total, diz-se que a epidemia está “concentrada” neles
(Cáceres, 2002).
158
participação estatal tem incentivado, fornecido recursos e fortalecido as intervenções
conduzidas por organizações da sociedade civil, contribuindo para a organização e
crescimento destas últimas (Parker, 1994). Se bem que a persistência da homofobia na
sociedade fez com que a visibilidade pública da participação de homens homossexuais
continuasse sendo um assunto socialmente problemático e sujeito a debate, sendo
muitas vezes dissimulada, ela tem sido preponderante no processo de organização da
resposta à epidemia tanto na América do Norte e Europa quanto na América Latina, não
só na esfera não-governamental, mas também na estatal, nas corporações profissionais e
na cooperação internacional.
Entretanto, a formação de ativistas homossexuais como ativistas da AIDS e
“agentes de prevenção” não obedece a uma simples ‘geração espontânea’, nem sua
análise se esgota na celebração de seu compromisso militante. As conclusões de Larvie
(1999, p. 528) ao relatar a complexa ida e volta de práticas estatais e ativismo que
conduziria à assinatura de um acordo de financiamento com o Banco Mundial para o
Programa Nacional de Doenças Sexualmente Transmissíveis e AIDS do Brasil
antecipam o papel que ativistas como César Cigliutti e organizações como a CHA
conseguiriam, ao mediar as relações entre o Ministério da Saúde Argentino, o Fundo
Global e o Fórum Nacional de ONG com Trabalho em HIV/AIDS (criado em 2001), do
qual Cigliutti seria delegado perante o CCM, e a “comunidade GLTTB”:
Al tiempo en que el cada vez más empobrecido Estado brasileño
recurría a organizaciones “basadas en la comunidad” para que
asumieran nuevas responsabilidades por derechos básicos como el
cuidado de la salud, se estaba operando un cambio en la retórica de
la ciudadanía y el nacionalismo. Considerada peligrosa y subversiva
durante la dictadura, la participación comunitaria en la provisión de
servicios esenciales fue reconfigurada para tornarse modelo ejemplar
de una nueva forma de ciudadanía.
Promovido globalmente pelo Programa de AIDS das Nações Unidas (ONUSIDA),
gestam-se as condições sócio-culturais para operar o desenho e a prática do controle da
159
epidemia da AIDS através de um modelo de intervenção geralmente denominado
“comunitário”, centrado na agência da sociedade civil organizada (Altman 1994;
Manzelli; Pecheny, 2002). O horizonte desse modelo integra o campo emergente dos
“direitos sexuais” e da “saúde sexual”, que aludem tanto às sexualidades contra-
normativas como à subalternidade das mulheres no concernente à reprodução. No
universo imaginado da “comunidade GLTTB” ou “da diversidade sexual”, as
intervenções são destinadas a promover determinadas concepções de direitos e saúde ao
redor da noção de “cidadania sexual” e o progresso rumo a esses ideais de aquisição ou
desenvolvimento pleno das chamadas “identidades sexuais”. Considera-se que o
silêncio, a censura e o estigma que pesam sobre as sexualidades dissidentes, conotados
nos relatos da resistência à imagem positiva do casal de rapazes do cartaz, efeitos da
homofobia não só sobre a sociedade e suas instituições, mas também, em diversos
graus, sobre os próprios homossexuais, conspiram tanto contra a adoção de condutas
sexuais menos arriscadas como contra o desenvolvimento de uma cidadania plena.
No campo da saúde pública, a gestação e reprodução de espaços organizados ao
redor do controle da epidemia da AIDS, assim como a negociação de sua legitimidade –
particularmente daqueles espaços emergentes da dinâmica própria do movimento
comunitário pelos direitos da “minoria sexual” – implicaram uma particular articulação
de ciência e política. Em sintonia com um movimento mundial tendente à
“cidadanização” do cuidado da saúde, o “risco” de infecção hoje é reavaliado em termos
de “vulnerabilidade”, em função de condições sociais, culturais e psicológicas (Ayres;
França; Calazans; Saletti, 1999). Nessa concepção, a idéia do “empoderamento” do
sujeito da intervenção preventiva e do cuidado enquanto cidadão converte a quem era
um “paciente” em um agente, não só como “usuário” mas também como gestor e feitor.
O coletivo não é então apenas uma unidade objetiva/objetivada de população, mas uma
160
“comunidade”. Um fato previamente caracterizado como biomédico reside agora numa
nova ordem de significação, pela qual o exercício de poder que ela compreendia vê-se
assim reorientado (Camargo, 1994). A normativa da intervenção tornou-se “integral”
(Araújo, 2003). As intervenções amalgamam prevenção e cuidado. Os elementos
mencionados conformam um discurso compartilhado por serviços públicos de saúde,
ONG, planejadores e avaliadores de iniciativas e entes financiadores. Entre os efeitos
desejados, ao nível individual conta a melhora psicológica, onde a “auto-estima” revela-
se como o constructo chave, presente tanto na linguagem dos especialistas quanto na
dos leigos. No plano coletivo, o avanço social é medido, por exemplo, em termos de
“percepção de direitos”. Ambas noções são condições para o desenvolvimento da
“autonomia” no nível individual e no coletivo. Outro requisito do cuidado e a prevenção
é a “mudança cultural”, a que se atribui, por exemplo, a capacidade de construir
“relações de gênero mais igualitárias”. Porém, paradoxalmente, as idéias de “target de
população”, de “intervenção focalizada” e de “graus de prevenção”, o conceito de
identidades clínicas como HIV positivo e negativo, soropositivo e soronegativo, Pessoa
Vivendo com HIV/AIDS (Valle, 2000), e a necessidade de mudanças de conduta como
uso da camisinha, a adesão ao tratamento com base nas iniciativas de prevenção
vigentes, contribuem para uma persistente segregação de sujeitos cujos contornos são
re-especificados por saberes de viés científico – médicos, psicológicos e sócio-
antropológicos. O constructo da identidade sexual – ainda no caso do HSH, forjado no
campo da prevenção da AIDS e atribuído àqueles indivíduos que “cerecem” de uma
autoassignada – é privilegiado pelos relatos do risco e da prevenção na clínica e na
epidemiologia. As fronteiras sociais e culturais traçadas em função de noções de
identidade sexual, de eloqüente simbolismo, continuam sendo foco de ansiedade
pública, particularmente no campo da prevenção da AIDS e do próprio movimento.
161
Enquanto que por um lado os discursos e práticas da psicologia e da medicina se
tornaram mais sensíveis aos aspectos sociais e culturais envolvidos no gerenciamento
do risco de infecção e, particularmente, às motivações dos homens homossexuais; por
outro lado, as organizações ativistas têm-se burocratizado e orientado mais aos
“serviços”, adquirindo um perfil mais profissional e técnico, informado por um
conhecimento científico e administrativo, através do qual as identidades sexuais podem
ser ‘gerenciadas’ (Larvie 1998).
2. A REDE
Desde julho de 2002 me envolvi como etnógrafo no mundo social das
organizações argentinas dedicadas à prevenção da AIDS entre homens gays, pessoas
travestis e “outros homens que fazem sexo com homens”.
76
Meu acesso foi privilegiado
por um laço de amizade com um colega que se desempenhava como assessor do
escritório regional da ONUSIDA com sede em Buenos Aires. Entre os objetivos do
Escritório da ONUSIDA para o Cone Sul estava fomentar a criação do Fórum de ONG
com trabalho em HIV/AIDS e contribuir ao fortalecimento das redes de pessoas vivendo
com HIV/AIDS. Adicionalmente, em meados de 2002 foi lançada no mesmo âmbito,
com base nas recomendações de uma consulta regional, uma Task Force (TF) regional
para a prevenção da AIDS entre “homens que fazem sexo com homens” (HSH). O
lineamento da TF, entidade cujo perfil respondia ao ordenamento operativo dos
organismos internacionais, que inclui também “programas” e “grupos temáticos”, dentre
outros, provinha de uma série de “recomendações” surgidas de “consultas com
76
Realizei observação participante junto a várias ONG e numa rede de organizações que trabalham em
prevenção na perspectiva da diversidade sexual nos principais centros urbanos argentinos. Omito aqui
identificar as organizações e as cidades para proteger a confidencialidade das fontes orais.
162
stakeholders”,
77
acerca da urgência de implementar medidas para a contenção da
epidemia nesta população (ONUSIDA 1999; 2003a; n/d). Acompanhei as atividades da
TF desde suas primeiras reuniões e através das sucessivas mudanças sofridas pelo
coletivo formado ao redor desta – até o ponto do mesmo vir a ser, dois anos mais tarde,
refundado com diferentes nomes, composição e objetivos. Por outra parte, os contatos
estabelecidos através da TF me possibilitaram conhecer com certo grau de intimidade o
conjunto heterogêneo de organizações, grupos e pessoas ligados à prevenção da AIDS
em relação com a “diversidade sexual” ou as “minorias sexuais”.
A iniciativa de ONUSIDA foi imediatamente reivindicada como própria por um
grupo heterogêneo de ONG, algumas com uma memória de quase vinte anos de
mobilização política em torno de demandas de direitos para as “minorias sexuais”,
outras com quase dez anos também de trabalho em HIV/AIDS com gays, bissexuais,
“outros HSH” e pessoas travestis. Algumas das organizações conjugavam ambas
experiências; outras eram de criação mais recente, se bem que algumas contavam com
membros com certa trajetória no assunto. Também se somaram alguns grupos em
processo de formação, por desmembramentos de outras organizações, bem como grupos
independentes, ou como ramos de organizações já existentes, ou de pessoas que se
iniciavam no voluntariado ou no ativismo independentemente. Desde o seu início, as
reuniões presenciais da TF congregaram representantes de entre vinte e trinta
organizações de todo o país, de redes de organizações e alguns ativistas e pesquisadores
“independentes”, isto é, sem militância em alguma organização determinada (TABELA
3). A idéia diretriz consistia em articular as iniciativas individuais das diferentes
organizações, pesquisadores, entes governamentais e de cooperação internacional em
um esforço conjunto.
77
Vocábulo composto de difícil tradução, associado à esfera do jogo, equivale em português a “alguém
com cartas no assunto”.
163
As discussões desenvolvidas a partir do estabelecimento da TF na Argentina e as
ações empreendidas ao pouco tempo demonstram que a iniciativa veio a articular-se
com agendas que, embora não estivessem unificadas, já estavam presentes no horizonte
dos atores que se somaram ao processo. Alguns ativistas viram a possibilidade de
reeditar a experiência truncada de três encontros nacionais de organizações GLTTB que
tinham se desenvolvido durante a década de 1990, com vistas à conformação de uma
coalizão de organizações “que lutam pelos direitos da diversidade sexual”, onde a
prevenção e o cuidado da saúde, se bem que fundamental, era um objetivo indissociável
de outros direitos. Outros privilegiaram a possibilidade de afiançamento e expansão das
iniciativas de prevenção em HIV/AIDS e outras doenças sexualmente transmissíveis
(DST) “focalizadas” na população de gays, outros HSH e pessoas travestis, com um
estilo profissionalizado, metas claras e ênfase na eficácia das ações. Ambas percepções
contemplavam a expansão das iniciativas para áreas rurais, centros urbanos de menor
escala e setores sociais onde a vulnerabilidade por orientação sexual e identidade de
gênero via-se potenciada pela marginalização social e onde o sub-registro de casos e a
dinâmica mesma da epidemia (concentrada em centros urbanos) tinham feito
desconhecer o perigo de dispersão.
As tarefas fixadas a partir do que fora discutido nas primeiras reuniões plenárias
foram: (1) Inventariar, por um lado, as necessidades técnicas e, por outro, os recursos
humanos locais (incluindo aqueles de ONG, do Estado na área saúde e acadêmicos)
disponíveis para a cooperação com os objetivos da TF. O catálogo produzido
contribuiria para a elaboração de um outro em escala continental a ser compilado
através da TF regional. (2) Construir uma ferramenta de análise epidemiológica que
desse conta claramente da complexidade de dimensões identitárias envolvidas na
dinâmica local da epidemia, particularmente no que diz respeito à população
164
oficialmente classificada como HSH. A decisão estava baseada na avaliação de que as
medições da epidemia que se encontravam disponíveis sofriam de problemas
conceituais e práticos; o objetivo era então produzir relatórios mais detalhados que
sanassem essa deficiência para promover ações baseadas em dados científicos. (3)
Trocar experiências, conhecimentos, contatos e informação e estabelecer relações de
colaboração entre as organizações, grupos, redes e pessoas participantes da iniciativa.
Tendo presente que muitas das ONG comunitárias de conformação recente, cuja base se
construía junto a “populações da diversidade sexual”, não contavam com infra-estrutura
nem recursos humanos ‘qualificados’ para gerir ou sustentar as suas atividades, o
projeto incorporou rapidamente quase todas estas organizações.
As duas primeiras tarefas, por serem de índole mais técnica e demandarem uma
elaboração mais minuciosa, assim como um esforço de coordenação e homologação da
experiência de agentes provenientes de realidades muito diversas, demoraram mais em
serem realizadas. A terceira iniciativa, ao depender de uma participação igualitária e
com parâmetros flexíveis, foi a que obteve a resposta mais contundente. A rede logrou
rapidamente estabelecer-se enquanto tal através de uma lista eletrônica de discussão que
manteve continuidade em seu funcionamento e um alto grau de participação.
78
O
mesmo pôde se dizer acerca das periódicas reuniões plenárias, organizadas sob padrões
modestos: transporte terrestre, alojamento em hotéis econômicos e alimentação frugal
dos delegados, cujas despesas foram cobertas graças ao apoio de ONUSIDA, com uma
assistência estável e avanços claros rumo aos objetivos que o coletivo ia se colocando.
79
A TF argentina converteu-se rapidamente numa referência legítima instalada no campo
da prevenção da AIDS, reconhecida tanto pela cooperação internacional como por entes
governamentais e por organizações pares.
78
A lista electrônica de discussão recebia em média, até 2004, 218 mensagens mensais.
79
Nas reuniões presenciais foram representados em média 30 grupos e organizações de todo o país.
165
Como aconteceu com quase todas as organizações, grupos e redes da sociedade
civil que operam na prevenção da AIDS e na melhora da qualidade de vida das PVVS
na Argentina, a possibilidade de incluir suas ações no Projeto País do Fundo Mundial
foi um grande estímulo na fase inicial da TF local. Várias das organizações membros
participaram de oficinas de preparação de projetos organizados pelo Escritório Regional
de ONUSIDA, que depois as auxiliou diretamente na preparação de seus próprios
projetos. A TF obteve um generoso financiamento do FG para seu “Projeto 1”,
destinado a sustentar a realização de várias reuniões nacionais, produção de materiais
gráficos de sensibilização, oficinas de formação de quadros e distribuição de “materiais
de prevenção” (preservativos e sachets de lubrificante íntimo). Para o cargo de
coordenador do Projeto 1 foi eleito, por consenso do coletivo, o assessor que tinha sido
contratado pela ONUSIDA para assistir à organização da TF regional. Movido por sua
afinidade com o coletivo e pelo compromisso com a tarefa assumida, este permaneceu
como coordenador do projeto, ainda após a sua separação do organismo internacional.
O essencial do projeto estava na comunicação, o fortalecimento comunitário
brindado às organizações, e os insumos materiais que os ativistas não cessavam de
pleitear perante o Estado, que os prometia mas não providenciava eficientemente. A
produção – discutida e cuidada ao detalhe – de materiais gráficos e a gerência de seu
armazenamento e distribuição, assim como a de preservativos no ambiente gay das
cidades, é um importante ponto de investimento social e simbólico dos ativistas GLTTB
e da AIDS. Ao tratar-se da ferramenta principal de aproximação entre as comunidades
em atividades de outreach, tornam-se bens cuja circulação condensa o valor da
representação do grupo em práticas proselitistas e através de cuja manipulação se
reforçam, contestam e negociam hierarquias internas. Foram intensíssimas e
prolongadas as discussões em torno do conteúdo verbal e a apresentação gráfica dos
166
folhetos, classificados como “de prevenção” (que enumeravam riscos de infecção) e “de
direitos” (destinados a informar sobre ferramentas jurídicas disponíveis em situações de
discriminação e desproteção diante da enfermidade). Nelas estavam em jogo, por um
lado, valores relativos a hierarquias de gênero e classe social, onde se fazia opor, por
exemplo, um público imaginado de gays a um de travestis. Por outro, punha-se em jogo
também o capital cultural dos participantes envolvidos no desenvolvimento dos
materiais, que opunha ‘intelectuais e profissionais’ a ‘representantes de base’ (Ilustração
10).
I
LUSTRAÇÃO 10. Folheto de prevenção
Fonte: CONADISE
Uma segunda etapa do projeto passou a incluir atividades específicas destinadas
à prevenção e à “qualidade de vida” de pessoas GLTTB-HSH vivendo com o
HIV/AIDS. Paralelamente às tarefas dos citados projetos financiados pelo Fundo
167
Mundial, continuou para o interior do coletivo o debate acerca de sua identidade,
composição e alcances. Desde o início havia-se manifestado a tensão entre a idéia de
uma força de trabalho baseada na combinação de habilidades e experiências e a de uma
estrutura representativa que fizesse demandas em nome do coletivo de organizações
GLTTB com trabalho na prevenção da AIDS. Em julho de 2004 o coletivo chegou a
modificar por consenso a sua identidade e modo de funcionamento. De Task Force
passou a chamar-se Comissão Nacional pelos Direitos da Diversidade Sexual
(CONADISE), conservando o subtítulo castelhanizado Fuerza de Trabalho Argentina,
que marca o interesse por continuar fazendo parte do empreendimento regional a modo
de capítulo nacional. A formação resultante aspirava a conformar-se como uma coalizão
de organizações com um objetivo amplo de conquista de direitos, entre os quais a saúde
e a qualidade de vida das pessoas GLTTB-HSH, que contavam como objetivo
“prioritário, mas não único”. Com o desenvolvimento de uma nova forma orgânica, de
“mesa nacional” e “comissões de trabalho”, as duas visões mencionadas foram se
articulando e convivendo em prol de objetivos comuns de alcance mais abrangente. A
decisão de ampliar efetivamente a identidade e objetivos da rede transpôs algumas
diferenças ideológicas, de estilos de trabalho e rivalidades entre seus componentes
iniciais, produzindo algumas separações e aproximações. Algumas das organizações
dissidentes retomaram a estrutura de grupo de tarefas e o objetivo ficou inicialmente
restrito à AIDS através de um empreendimento paralelo, também apoiado pela
ONUSIDA, para o qual retomaram o nome inglês Task Force.
168
TABELA 3. Organizações participantes da TF Argentina / CONADISE, 2002-2004
Cidade de Buenos Aires:
1. CHA (Comunidad Homosexual Argentina)
2. Benghalensis
3. Fundación Buenos Aires Sida
4. Fundación CEDOSEX
5. GRUAAS (Grupo Argentino Asesor em Sida)
6. Grupo de Mujeres Argentinas, população carcerária
7. La Fulana, mulheres lésbicas e bissexuais
8. Nexo Asociación Civil
9. Pastoral Ecuménica HIV-Sida
10. S.I.G.L.A. (Sociedad de Integración Gay Lesbiana Argentina)
Grande Buenos Aires:
11. ALUVIH
12. Colectivo Zona Norte
13. Grupo Escalada
14. Intilla Asociación Civil
15. Pare'Sidas
16. Trava' jar
17. Travesía
Interior da província de Buenos Aires:
18. Centro de Acción em Sida – Bahia Blanca
Rosario, Santa Fe:
19. Grupo Teseo
20. Voluntários Contra el Sida
21. Vox Asociación Civil
Córdoba:
22. Asociación Cordobesa de Lucha contra a Discriminación (ACLUD)
23. Asociación Alas de Córdoba
24. Alerta Villa Carlos Paz
25. ATUC (Asociación Travestis Unidas de Córdoba)
26. COMSEP (Comisión de Minorias Sexuais e portadores de VIH de la Provincia de Córdoba)
27. CorSIH (Córdoba Sociedad de Integración Homosexual)
28. PrevenSida Villa Maria
Noroeste Argentino (NOA):
29. ALUD (Asociación de Lucha contra la Discriminación) - Tucumán
30. CISTuc (Convivir por la Igualdad en Sociedad) - Tucumán
31. CHOJUY (Comunidad Homosexual Jujeña) - Jujuy
32. Grupo ERAS (Escuchamos, Recuperamos, Ayudamos, Somos Solidarios) - Jujuy
Noreste Argentino (NEA):
33. ACIMIS (Asociav Civil Integración de Minorías Sexuales) - Misiones
34. Asociación Civil Convivir - Chaco
35. Comunidad Homosexual Chaqueña (CHOCHA) - Chaco
36. Vida – Corrientes
37. Grupo Ñanembaé - Corrientes
38. Asociación Portadores de Vida - Formosa
Cuyo:
39. Acercándonos - San Juan
40. OTRAM (Organización de Travestis Mendocinas) - Mendoza
Nacional
41. ATTTA (Asociación de Travestis, Transexuales y Transgéneros de Argentina)
Fonte: da elaboração do autor.
169
3. HOMOSSEXUALIDADE, AIDS, SAÚDE SEXUAL E DIREITOS HUMANOS”: O PAPEL
DAS
ONG GLTTB.
Desde meados da década de 1980, um grande número de ONG argentinas e
brasileiras, novas ou previamente estabelecidas, tem ido somando-se ao ativismo na
prevenção da AIDS. O processo é construído por diversos observadores como o efeito
de múltiplas demandas sociais que não têm sido respondidas pelo Estado e pelas
políticas de saúde pública (Parker, 1994; Galvão, 2000). Por outra parte, mostra uma
reorganização na administração de recursos no campo da saúde pública. A grande
diversidade dessas organizações sugere uma diversidade de referências e necessidades
que afetam suas atividades e o modo em que o HIV-AIDS é considerado (Valle 2000).
A orientação sexual e a identidade de gênero são fatores cultural e socialmente
constitutivos dessa diversidade mas, por sua vez, o recorte dessas categorias é produto e
atualização do processo social que tem lugar na vida dessas organizações.
A crise sanitária declarada a partir da aparição do HIV e a conformação de um
‘mundo social da AIDS’ implicou processos de expertização tanto leigos quanto
profissionais, o desenvolvimento de novas especialidades e novos modos de conceber as
relações entre Estado e sociedade civil. Esse processo respondeu particularmente à
emergência e demandas de novos movimentos sociais e à construção de novas
identidades, fruto da criatividade dos atores sociais envolvidos ao responder a
conjunturas específicas e a constantes estruturais determinadas. Tal é o caso do status,
tornado e apropriado como identidade, de “soropositivo”, em resposta ao estigmatizante
“aidético” [em castelhano “sidótico” ou “sidoso”]. O uso da categoria “HIV positivo”
e, depois, de “pessoa vivendo com HIV” veio, em cada caso, a reformular experiências
prévias e a reassignar os valores a elas associados (Terto, 1999). Por sua vez, a idéia de
“participação cidadã” e do desenvolvimento da “sociedade civil” responde à retração da
presença do Estado em áreas chave, neste caso, da saúde pública, a modo de reclamação
170
mas também com a aspiração de substituí-lo mais eficientemente desenvolvendo um
perfil burocrático e profissionalizado em áreas chave onde “a comunidade” pode servir-
se a si mesma, com líderes capazes de regulá-la, que evidentemente entram a mediar no
fluxo de recursos a partir do Estado, seja através do mesmo ou diretamente desde entes
de cooperação. Tal dinâmica encontra-se implicitamente envolvida na retórica da
“modernização” e do “desenvolvimento” promovida por organismos de cooperação
como o Banco Mundial (Larvie 1998).
É possível caracterizar duas vertentes ou facetas da institucionalização que
interagem no campo da prevenção da AIDS atento à diversidade sexual. Por um lado, os
saberes biomédicos, psicológicos, sócio-culturais e jurídicos ordenam e tornam
inteligíveis os aspectos que, derivados de uma noção individualista, intimizada, de
pessoa, determinam sua “orientação sexual” e “identidade de gênero”. A percepção da
“vulnerabilidade estrutural” das “pessoas GLTTB e outros homens que fazem sexo com
homens” diante da AIDS vem pari passu com um interesse na promoção (e regulação)
da legalidade e a sanidade de arranjos sociais específicos, que unifica argumentos
genéticos e tecnológicos acerca da construção da pessoa com o fim instrumental de um
cuidado integral. Embora seja inegável a singularidade de cada recorte disciplinar na
base dessas perspectivas biológica, psicológicas, sócio-culturais e jurídicas, a
objetivação científica é posta ao serviço “da saúde” e “da comunidade”. Essa ordem
moral é formulada em termos que é heuristicamente desejável desagregar, mas onde, do
ponto de vista dos atores aglutinados no movimento social, as dimensões médica, a
psico-social e a jurídica aparecem indissociavelmente associadas. Do ponto de vista dos
ativistas da AIDS, a concepção holista da prevenção e o cuidado integral comunitário se
apresentam como alternativa superadora das práticas “desumanizadas” das
171
especialidades médicas e inclusive da psicanálise, que são acusadas de “tratar os
pacientes como casos e não como pessoas".
A segunda vertente que conflui na institucionalização de um campo de trabalho
comunitário na prevenção da AIDS é a do debate e das ações do movimento GLTTB.
Orienta este movimento a aspiração de “conquistar uma cidadania plena para as
minorias da diversidade sexual”, contra os obstáculos que emanam do preconceito da
sociedade. A base ideológica comum entre os diversos atores compromissados com o
movimento sustenta que a “mudança cultural” requerida será o resultado final do
combate contra a “homofobia social” e aquela “internalizada” pelos próprios
homossexuais, através de um processo de “visibilização” tanto individual quanto
coletivo, captado na metáfora da “saída do armário”. O estigma homossexual condena à
segregação e ao silêncio. A visibilização é por sua vez uma arma e o destino da luta. O
relato da homofobia e da saída do armário, como dispositivos respectivamente gerador e
libertador do estigma, responde a um processo de transformação ao mesmo tempo
individualizante, no que respeita à identificação pessoal, e coletivista, no relativo à
projeção política ou associativa desse processo.
Nas práticas de prevenção da AIDS, enquanto que em um nível as intervenções
estão desenhadas para responder a necessidades individuais e a mudança de conduta é
concebida, em última instância, como uma decisão individual, o “paradigma” que
atualmente prevalece no trabalho das organizações responde ao modelo do
“emponderamento (empowerment) individual e comunitário”. A transformação a ser
operada através da disponibilização de recursos (materiais, simbólicos, sociais e
culturais, dependendo do estilo da intervenção) permitirá à pessoa ou grupo em situação
de vulnerabilidade incrementar sua autonomia pessoal e auto-estima, desenvolver laços
comunitários, adquirir responsabilidades e praticar mais eficientemente o cuidado de si.
172
Informadas por um saber psicológico, as práticas de aconselhamento em prevenção do
HIV/AIDS desenvolvidas por organizações comunitárias, profissionais e serviços
públicos são concebidas como uma forma de “conscientização”, tanto em termos dos
riscos de infecção como de direitos “civis e humanos” com relação à orientação sexual e
identidade de gênero. O auxílio e apoio através do aconselhamento individual,
personalizado através de entrevistas presenciais, telefônicas ou através de meios
eletrônicos (chat), grupos de auto-ajuda, campanhas públicas de sensibilização,
publicações, páginas web, etc. empreendem a promoção d’“a diversidade” através da
organização política em torno de uma série discreta de declarações de identidade.
A introdução de um conceito de risco sexual próprio da era da AIDS tem
produzido uma reclassificação das perturbações morais. O “sexo não protegido” é
explicado, no mundo da prevenção da AIDS, como a expressão de um desarranjo
individual ou estrutural, psicológico ou sócio-cultural. É o caso, por exemplo, do
desapego daqueles “outros homens que fazem sexo com homens” a usar preservativos,
que os faz, tanto a eles como a seus companheiros e companheiras, mais vulneráveis à
infecção. Os ativistas e profissionais que trabalham no desenvolvimento de uma política
de afirmação jurídica, psicológica, social e cultural da diversidade sexual têm
desenvolvido um sentido comum que constrói essa resistência como o efeito da “falta de
uma identidade sexual positiva”, fruto do machismo e da homofobia internalizada
desses homens. Em resposta a esse relato de anomia, os agentes de prevenção dirigem
suas mensagens a indivíduos e populações “em situação de risco” como cidadãos e
comunidades potenciais, como pessoas não plenas, mas em vias de constituir-se como
tais. Por sua vez, o sujeito ao qual se dirige a intervenção preventiva é tratado como
potencial protagonista do processo infeccioso (seja para a facilitação ou para o controle
do mesmo). Entre as iniciativas de prevenção, o relato da passagem de um (falho)
173
paradigma da “conduta” ao (promissório) modelo do empoderamento explica este
último como um processo de racionalização íntima (aumento da “auto-estima”, auto-
identificação positiva e maior reflexividade) e aquisição de autonomia e
responsabilidade, tanto no nível individual quanto no comunitário. O desenvolvimento
de identidades funciona, nessa narrativa, como uma condição para a aquisição da
cidadania plena.
As iniciativas de prevenção têm evolucionado globalmente rumo a um modelo
comunitário, identitário e afirmativo da sexualidade, que promove a autonomia, a
responsabilidade, o respeito à diferença e a tolerância do desvio. Tanto o conceito em si
como os aspectos materiais desta síntese têm sido alcançados graças a uma oportuna
articulação de iniciativas de governo e da sociedade civil. Uma vertente genealógica da
mesma encontra suas origens tanto na memória de uma tradição local de mobilização
como em contatos transnacionais com outros movimentos de base. Outra vertente acha a
sua base na difusão de um modelo de desenvolvimento comunitário difundido pela
cooperação internacional e por organismos internacionais, ONUSIDA, Banco Mundial
e, mais recentemente, o Fundo Global. Tanto na Argentina quanto no Brasil tenho
observado como, entre os ativistas, profissionais e voluntários de ONG, a
institucionalização de suas organizações e a estilização de sua atuação enquanto brokers
(mediadores) torna-se chave, ao controlar o fluxo de conhecimento, a comunicação, a
transferência de recursos e poder, para pôr em prática o modelo mencionado. Estes
‘especialistas’ regulam com relativa autonomia, por exemplo, o acesso das campanhas a
seus targets de população e o acesso dos usuários a insumos e cuidados críticos para a
prevenção –em geral facilitando-os - incidindo significativamente nesse processo.
174
4. FRONTEIRAS EM RISCO
A categoria intervenção, tal como é apropriada e definida no universo das
iniciativas em prevenção da transmissão do HIV, é uma ação capaz de produzir
alterações nos comportamentos ou condições sociais que favorecem a disseminação do
vírus. A distância entre ‘comportamentos’ e ‘condições’, como unidades de análises
cuja leitura guia as tarefas preventivas, em si já delata diferentes concepções acerca da
epidemiologia da AIDS e da eficácia de diversas estratégias de controle. Tenho
retomado a intervenção como unidade de análise para rastrear, em sua variação, as
particulares constelações de atores, contextos e relações que por sua vez traçam as
fronteiras do mundo da AIDS e emergem como categorias socialmente relevantes na
prevenção da AIDS como fato social.
Ao falar de agentes, referimo-nos a indivíduos, redes, grupos e instituições.
Exemplos de indivíduos que se constituem como atores significativos nos espaços
observados são, por exemplo, as pessoas que estabelecem mais ou menos formalmente
sua liderança em ONG, fundações, grupos ativistas ou redes profissionais dedicadas ao
HIV, outros membros dos mesmos segmentos, que participam como voluntários ou
pessoal técnico remunerado, denominados ‘operadores’ ou ‘agentes de prevenção’ na
linguagem administrativa dos projetos. Integram este campo também profissionais
(principalmente psicólogos, médicos, sociólogos, trabalhadores sociais, antropólogos,
advogados) que trabalham independentemente, em ONG, no âmbito estatal (hospitais,
universidades, Ministério, Direção ou Secretaria de saúde pública) ou privado (clínicas,
sanatórios, centros de pesquisa, consultoras).
Identidad Asociación Civil é uma ONG localizada numa das principais cidades
da Argentina, “cujo objetivo fundacional é a defesa dos direitos humanos e a luta contra
toda forma de discriminação”. A organização começou na década de 1990 com o
175
projeto de uma revista gay que chegou a ser, durante vários anos, distribuída em circuito
comercial e foi fechada, junto com a participação da associação na exploração de uma
boate, em fins de 2001, coincidentemente com a grande crise nacional desse ano, por
problemas financeiros. Durante a segunda metade da década de 1990 foi crescendo
dentro da organização o projeto Identidad Salud, clínica assistencial e de prevenção,
orientada, como a revista e a discoteca, principalmente à população homossexual
masculina, que a organização identifica como “gay”. Cresceu também a presença dos
profissionais da saúde como colunistas da revista, com tópicos sobre sexualidade,
80
identidades de gênero, direitos e saúde, onde se nota o desenvolvimento de um ponto de
vista coerente e consistente com a promoção de um modelo de identidade gay. Cresceu
também, primeiro como seção e depois como separata distribuída gratuitamente a
organizações de todo o país, o suplemento Identidad Positiva, com informação
atualizada e colunas de reflexão sobre aspectos médico-psicológicos, sociais e políticos
do HIV-AIDS.
Os impulsores da área saúde, um médico psiquiatra especializado em
psiconeurobiologia e psicoterapeuta, um psicólogo especializado em metodologia da
pesquisa, também psicoterapeuta, e um médico infectologista que se desempenha
também em um cargo técnico-político da área de prevenção da AIDS do município onde
a ONG estava localizada, todos entre 37 e 43 anos de idade, ocupavam os lugares de
máxima liderança da organização. Os três ministravam consultas profissionais e
ofereciam terapias no marco da instituição. As sessões eram conduzidas em salas
acondicionadas, respectivamente, como consultórios médicos e psicoterapêuticos, um
deles com maca, escrivaninha e sofás, e o outro com escrivaninha para entrevistas “cara
80
A “sexualidade” é entendida por este grupo como aquilo que engloba prazer sexual, as suas dimensões
biológicas, psicológicas, culturais, sociais e políticas, muito particularmente as que têm a ver com a
gestão de “identidades sexuais”.
176
a cara”, no local da organização ou, extraordinariamente, na casa ou consultório
particular do profissional, ou outro serviço onde ele se desempenhasse. O local da
organização contava com uma sala para “entrevistas de orientação”, uma sala para
atividades de grupo e uma sala múltipla que hospedava um banco solidário de
medicamentos para cobertura daqueles em falta, fato freqüente tanto na rede pública
quanto na privada, a “Linha Positiva” (descrita abaixo) e o arquivo que oficiava como
centro da vida social da organização. Antigamente funcionava um serviço de derivação
para profissionais cuidadosamente selecionados pelos coordenadores da equipe de
saúde, com uma ampla gama de especialidades médicas e orientações psicoterapêuticas.
O custo para o paciente era o equivalente de R$ 20 por sessão, na faixa dos “honorários
institucionais” para pessoas com escassos recursos, similar à contribuição voluntária
solicitada como complemento pelas associações cooperativas que atuam em serviços
públicos para suprir o déficit do financiamento estatal, e aproximadamente 50 % abaixo
do custo mínimo de uma consulta na rede privada, dos quais um 20 % era retido para o
fundo da associação.
O conjunto de membros da organização se completava com um grupo de
“orientadores” (em prevenção de HIV-AIDS e sexualidade), com diferentes graus de
intimidade com os líderes da organização, desde uma amizade superficial a uma relação
“de casal”. Os orientadores eram formados em um curso ditado periodicamente no local
da associação. O curso, de aproximadamente 24 horas distribuídas em duas semanas,
gratuito, publicitado em meios GLTTB e aberto a quem quisesse participar, estava
dividido em três partes. A parte biomédica, ditada por uma das lideranças da ONG,
médico infectologista, consistia em noções atualizadas relativas à infecção por HIV,
detecção e esquemas terapêuticos. A seção ditada pelo psicólogo, era a destinada a
177
preparar os orientadores para conduzir “entrevistas de orientação”. Transmitia noções
de counseling (aconselhamento) psicológico em prevenção.
A seção de sexualidade, ditada pelo médico psiquiatra, era considerada a mais
original, esclarecedora e importante, que “integrava todo o resto”. O ditante elaborava
um complexo e ricamente descritivo modelo teórico sobre o gênero e a diversidade
sexual, encaminhando numerosas reflexões destinadas a derrubar preconceitos. Ao
longo da exposição, era desenvolvida uma incisiva crítica à perspectiva psicanalítica em
saúde mental, explicando sucintamente alguns elementos de psicopatologia e
diagnóstico psiquiátrico. O profissional, que durante meu trabalho de campo (2002-
2004) foi presidente da organização, tinha ingressado nela na segunda metade da década
de 1990 e era considerado o impulsionador principal do novo perfil desta, no entanto
mais rigoroso e informado em termos teóricos, prático, informal e sem-preconceito,
“com os pés na terra” e disposto a disputar terreno “na planície”.
O “Curso de Orientadores” tinha sido ditado também para outras ONG-AIDS e
para agentes de promoção social do município que desenvolviam tarefas de prevenção
em HIV-AIDS. Os novos orientadores, inicialmente se desempenhavam na “linha
positiva”: serviço telefônico de consultas sobre sexualidade, prevenção em HIV-AIDS e
direitos humanos, coordenada por um “orientador” mais antigo. Os três profissionais
estavam disponíveis para consultas, derivavam consultas (aquelas que não precisassem
de intervenção profissional) e supervisionavam, embora informalmente, o trabalho dos
“orientadores”. Enquanto não fossem violadas as pautas que privilegiavam o discurso da
organização diante de desvios “personalistas”, era estimulado o desenvolvimento da
autonomia do orientador para responder às consultas sob sua responsabilidade.
Um voluntário, “pareja” de um dos profissionais e coordenador da linha
positiva, conduzia também, junto com um outro antigo orientador (ambos em torno dos
178
trinta anos de idade), um grupo de reflexão de homens gays vivendo com HIV, que se
reunia semanalmente. Tinham existido também outros grupos de reflexão e grupos
terapêuticos (por exemplo, para “viciados em sexo”, ou “sexoadictos”), mas durante o
ano posterior à “grande débâcle” restou apenas esse grupo.
Participei do Curso em novembro de 2002 e me tornei novo orientador de
Identidad, junto com outros quatro homens jovens (idades entre 34 e 40). Três deles em
diferentes ocasiões falaram de sua experiência como soropositivos e um deles de sua
experiência como voluntário de um grupo de apoio a soropositivos em um hospital
público. Os demais éramos mais novos nos temas. Completaram o curso uma mulher de
30, 40 anos, funcionária da área de prevenção da AIDS do município, com trajetória
ativista e “amiga da casa”, Héctor, um senhor em sua quinta década, “pareja” de outro
dos profissionais há mais de 15 anos e membro da Comissão de Direção da associação,
e outros dois membros mais recentes de Identidad, de entre 20 e 25 anos. Um destes
últimos era o webmaster do portal web da organização e diretor de um vídeo de
prevenção recentemente produzido para a mesma com apoio do Ministério de Saúde,
com fundos de um empréstimo do Banco Mundial. Seu colega era o produtor do vídeo e
ambos coordenavam uma campanha de distribuição de preservativos em boates gays.
Como novos ingressantes à organização, fomos logo a seguir convidados a integrarmos
a “linha positiva” (esse era o mecanismo de ingresso, prévia discussão na Comissão de
Direção sobre o desempenho durante o curso) nos plantões de atendimento, bem como a
participarmos da lista de discussão eletrônica como “orientadores”, onde a informação
circulava horizontalmente. Outros três jovens participantes do curso, uma mulher e dois
rapazes, não se integraram ao grupo de orientadores. Um deles, psicólogo, logo passaria
a fazer parte da equipe profissional de Testeo Identidad, um estudo longitudinal de
incidência e prevalência de infecção por HIV e outras DST entre homens homossexuais
179
que a partir de fevereiro de ano seguinte mudaria a vida da organização, gerando uma
considerável expansão das atividades graças à maior afluência de recursos e um
funcionamento mais sistemático, mas não obstante sujeito às mesmas tensões que
permeiam este universo social.
Para a seleção de todo o pessoal remunerado de Testeo Identidad,
particularmente o profissional, foi requisito que os candidatos fossem homens gays.
Afirmavam os coordenadores que a condição de homossexual assumido (eles usavam a
categoria “gay” para se referir a essa idéia) garantiria um mínimo de reflexão acerca de
“como nos situamos a respeito de nossa própria sexualidade”, de seu ponto de vista
indispensável para trabalhar com gays, pois é o que permite ao terapeuta discernir entre
psicopatologias individuais e os efeitos da homofobia social e internalizada. A essa
razão eles acrescentavam o relato de alguns problemas com outros terapeutas não gays
que tinham passado pela organização.
Ingressar como membro de uma organização gay que trabalha em AIDS
envolve, na narrativa dos integrantes entrevistados, um processo de transformação
pessoal. A motivação freqüentemente é explicada por um súbito ou gradativo “dar-se
conta”, ou por ser pessoalmente atingido pela experiência da doença, e pelo desejo ou a
necessidade de ajudar-se e de ajudar os outros a enfrentar a crise. Passar a ser membro
de uma organização requer, então, um complexo equilíbrio entre as razões pessoais, que
atraíram a pessoa à instituição, e a responsabilidade de suas tarefas. Por outra parte, os
primeiros passos de um membro recentemente integrado a uma organização são
submetidos a intenso escrutínio e se espera que a pessoa encontre por si mesma seu
caminho dentro da organização. Aqueles que “falam a mesma língua” que os líderes e
outros membros estabelecidos –ao compartilharem um perfil determinado em termos de
profissionalização, status de classe, grupo de idade, identificação com certo segmento
180
do mundo homossexual, ao compartilhar uma ideologia política ou cultura regional ou
de classe– e “não atrapalham”, como expressou uma liderança, comparando-os com
aqueles que “se metem”, sem respeitar as hierarquias estabelecidas na organização, têm
mais chances de sucesso e possibilidades de transformar-se em membros. Estas
distinções se produzem mais como resultado da criação de uma certa afinidade e o
sentir-se a gosto no contato cotidiano (ou então, também, pela força em “ganhar-se um
lugar”, competindo estrategicamente com os membros estabelecidos), do que através de
algum processo de admissão formal. O grau de simpatia desenvolvido é medido em
termos da “disposição para o trabalho” que o novo voluntário desenvolve e é capaz de
expressar. Não obstante, as organizações têm procedimentos formais de admissão,
especialmente as maiores e mais burocratizadas. Atualmente isto se aplica mais às ONG
e serviços públicos brasileiros que às argentinas, cujo desenvolvimento é mais
incipiente, tanto no financiamento de projetos quanto, por exemplo, em termos,
inclusive, da legislação do trabalho voluntário.
81
Trata-se, porém, de um marco bastante
flexível e adaptável a dinâmicas sociais menos formalizadas.
Seja nas mútuas acusações entre líderes de diferentes organizações assim como
nas tensões internas que acompanham a trajetória de cada uma delas, é freqüente o
choque entre vários interesses que, embora colocados como condições do marco
racional que rege o compromisso ativista, voluntário e profissional, são vividos como
divergentes. Entre os ideais normativos que guiam cada um desses interesses, por um
lado temos aquele relativo à sociabilidade. Espera-se que a participação numa
organização se sustente por meio de gratificações sociais, particularmente pela
conformação ou extensão de um grupo de amigos, cuja companhia e crescente
intimidade retro-alimente o compromisso ativista e o investimento de esforços no
81
A Argentina não possui uma legislação específica que regule o trabalho voluntário.
181
trabalho voluntário. Este ideal se opõe à lógica do trabalho remunerado ou aquele
premiado pelo reconhecimento público, onde a retribuição em dinheiro, prestígio ou
ascensão social obtidos pode justificar o sofrimento do trânsito por um ambiente de
trabalho pouco amigável. Não obstante, as condições mais idealizadas são aquelas que
agregam todos os valores positivos mencionados. Um líder de uma organização gay
dedicada à AIDS com um perfil de relativa profissionalização queixava-se da atitude de
certos voluntários com os que era complicado negociar horários de atendimento e
protocolos de procedimento, o que exemplificava com a réplica de um voluntário: “eu
estou aqui para ficar numa boa” (pasarla bien). Na construção da pessoa do voluntário
entra em conflito uma “lógica da sociabilidade”, em confronto com a lógica da
organização racional própria da institucionalização.
O segundo interesse é o militante, que postula um compromisso desinteressado e
combativo com a causa dos direitos das minorias sexuais e a luta contra a AIDS. Na
hierarquia de valores morais do movimento GLTTB/AIDS, os dois interesses
mencionados interagem sob tensão, pois se atribui às formas específicas da
sociabilidade homossexual, por um lado, um paradigma comunitário altruísta e, por
outro, um paradigma individual que é julgado comezinho, egoísta. O terceiro interesse é
o profissional ou profissionalizante. O “trabalho em AIDS” implica um grau importante
de especialização, tanto entre os profissionais dedicados, como entre os leigos,
capitalizável em trajetórias pessoais, o que entra em conflito com a construção de um
projeto coletivo. A lógica de autoridade introduzida pela profissionalização entra em
conflito também com a norma igualitária que orienta tanto o compromisso militante
quanto aquele que surge da sociabilidade. Finalmente, em quarto lugar temos um
interesse que chamarei de ‘empresarial’, que responde à garantia da “sustentabilidade”
dos projetos e da própria organização e que, na medida em que esta se expande e
182
burocratiza, gera uma rede de clientela com motivações progressivamente distanciadas
dos fins “mais nobres” da associação e, portanto, mais sujeitas ao questionamento.
“Trabalhar em AIDS”, especialmente quando se é voluntário e não um
profissional especialista, implica ter que lidar pessoalmente com o estigma da doença. A
suspeita atinge indiscriminadamente aqueles que se vêem envolvidos com ela,
independentemente de que sejam ou não portadores do vírus, especialmente quando se
sabe que a pessoa é homossexual, ao imaginá-la mais exposta à infecção. Na vida
cotidiana para fora das organizações, o estigma da AIDS é uma carga que faz com que
as pessoas evitem qualquer associação inclusive com a sua prevenção. Muitos locais de
entretenimento gay, por exemplo, resistiram durante anos a disponibilizar panfletos ou
preservativos ao alcance da vista, sensíveis ao simbolismo negativo associado à AIDS.
Inversamente, as organizações se oferecem como “espaços de contenção”. As
pessoas socializadas no mundo da prevenção desenvolvem uma atitude afirmativa ao
respeito, por exemplo revelando seu “status sexológico”, no caso de “ser HIV positivo”,
quando julgarem oportuno numa situação de intervenção, ou criando um espaço de
confiança para que ninguém se sinta discriminado por sua condição. Esta dinâmica vê-
se escorada por relatos de trajetórias individuais e coletivas que constroem a
organização como refúgio diante de atitudes discriminatórias em espaços tradicionais de
sociabilidade (família, escola, trabalho, bairro, partido político, clube, sindicato). A
organização pode ir ocupando o lócus funcional de cada um desses entes e tornar-se um
espaço de expansão pessoal dentro de um projeto coletivo. Dois exemplos mostram
trajetórias profissionais que se viram potencializadas através de uma transformação no
plano pessoal a partir do ingresso numa organização. Um médico, líder de uma
organização, me comentou, ao falar de sua carreira e história de vida: “Eu várias vezes
estive a ponto de abandonar a profissão, até que descobri que aqui podia [exercê-la do
183
modo] que eu queria". Outro, psicólogo, explicou a vantagem indubitável de trabalhar
numa organização gay: “Aqui me receberam quando em um emprego tinham me
demitido por puto (veado)”.
A motivação para atuar na área pode formular-se em termos mais ou menos
psicológicos, mais ou menos politizados, mais ou menos identitários, mas esses eixos
não são mutuamente excludentes, sendo que a sua combinação é uma questão de grau,
altamente significativa para o processo político, expressiva das classificações e
oposições que compõem as ideologias em jogo. Por exemplo, da perspectiva da
produção de conhecimento dos experts epidemiologistas resulta central a categoria
“população”. Seu recorte objetivista engloba todos os segmentos de “homens que fazem
sexo com homens”, independentemente de sua adscrição comunitária ou identitária. Os
ativistas GLTB, por sua vez, vêem que o uso daquela categoria oblitera as suas lutas, as
quais ganham sentido precisamente a partir de declarações de identidade sexual e do
projeto de construção de uma comunidade. A idéia de que a afirmação de uma
identidade (sexual) e do pertencimento a um grupo de pares habilita o sujeito para
exercitar mais autonomamente o sexo protegido fala de um conhecimento construído
com base nas aspirações do movimento identitário. Desse ponto de vista, o uso
epidemiológico da categoria HSH é inclusive cientificamente ineficiente, pois para
quem observa a adoção de riscos como expressão de uma psicologia pessoal e de uma
cultura, a variável “identidade” resulta fundamental para medir a incidência de
comportamentos de risco. Essa variável tem sido incluída em enquêtes sobre AIDS e
outras doenças sexualmente transmissíveis (DST), que especificam alternativas como
“homossexual”, “bissexual”, “travesti”, “heterossexual” e “inseguro” em seus
questionários.
184
Uma divisão maior na atividade das ONG, fundações e outros grupos
organizados ao redor da AIDS é a que se dá entre a ação política ou advocacy, que
abrange, segundo estilos particulares, a mobilização, o protesto, o lobby, petições
judiciais e legislativas, por um lado e, por outro, os serviços, que incluem assessoria
pessoal e testagem, atenção integral à saúde, acompanhamento terapêutico, consultas
infectológicas, psiquiátricas, psicológicas e psicanalíticas, consultorias jurídicas,
distribuição de preservativos e outros materiais de prevenção, oficinas de prevenção, de
educação e reflexão. As atividades de divulgação, de distribuição de materiais e de
“conscientização” dedicadas ao público em geral ou a segmentos “focalizados” (por
exemplo, de “homens que fazem sexo com homens”, “gays”, “travestis”, “mulheres
lésbicas e bissexuais”, grávidas, “usuários de drogas injetáveis”, etc.) conformam um
espaço intermediário, podendo ser consideradas, de acordo com o estilo da intervenção,
tarefas de advocacy ou serviços. Algumas organizações, por exemplo, mantêm, por um
lado, um banco de drogas anti-retrovirais para cobrir emergências no sistema público de
distribuição, mas por sua vez estimulam ativamente a mobilização dos usuários para
reclamarem por seus direitos a uma cobertura universal e sem falhas.
A divisão entre advocacy e serviços atualiza diferentes níveis de disputa no
movimento social. Os setores mais orientados à política acusam de oportunismo e
levantam a suspeita de uma situação de pilhagem generalizada, acusações endereçadas
contra as organizações ativistas que se reciclaram e se tornaram mais profissionais e
orientadas ao serviço, contra as profissões e corporações da saúde que desenvolveram
especialidades da AIDS e contra a proliferação oportunista de novas organizações e
serviços. Existe também uma desconfiança generalizada sobre aqueles que se
proclamam “representantes” de setores da sociedade civil. Tanto ativistas como
profissionais acusam-se de viver “da AIDS” em vez de “com AIDS”. Como tribos
185
rivais, cada segmento se constrói como o intérprete mais genuíno da situação, o bem-
estar e as demandas das pessoas vivendo com o vírus ou sob risco de contraí-lo, e
classifica o resto como amigos ou inimigos. O conflito não apenas se refere ao
gerenciamento eticamente correto ou corrupto de recursos, mas manifesta também a
tensão entre um modelo mais confrontacional de ação e um de acomodação e
“articulação” com o Estado e agências internacionais.
O pertencimento, tanto de profissionais médicos e psicólogos e de outras
disciplinas dedicados à AIDS, como de ativistas e voluntários de organizações, é
amiúde misto, participando em mais de um âmbito e tipo de formação, e também
migrando, por exemplo, por diferentes ONG, entes do Estado e organismos
internacionais –dependendo do alcance de suas trajetórias individuais–, de modo que
seu capital vê-se submetido a disputas tanto entre diferentes associações quanto entre
diferentes esferas. Os padrões de segmentação de determinados âmbitos, como o
movimento homossexual, o da atenção em saúde de uma cidade ou região ou das ONG-
AIDS, demandam dos indivíduos uma conduta de compromisso exclusivo com a sua
instituição, rede ou linhagem político-institucional de pertencimento, em campos
freqüentemente polarizados por disputas hegemônicas. Portanto, os membros de
organizações, de grupos ativistas e de serviços públicos e privados encontram-se
seguidamente em situações em que devem redefinir as suas adscrições e inclusive os
princípios em função dos quais operam, produzindo iniciativas e respostas cuja
racionalidade pode entrar em conflito com suas trajetórias prévias.
Existe uma tensão, também, entre bem-estar e interesse coletivo e individual. A
formação de um ativista, voluntário ou profissional, numa organização da AIDS é
considerada por seus pares tanto um mérito do indivíduo como o resultado da
oportunidade e o apoio brindado pela organização. Existem rituais de reconhecimento
186
dos logros individuais ou de grupo – promoções e prêmios como, por exemplo, ser
nomeado para “representar” a organização em reuniões, que freqüentemente implicam
viagens almejadas a lugares distantes, geralmente financiadas por contribuições do
Estado, de organismos internacionais ou da cooperação internacional, o qual implica um
plus de prestígio. Mas o líder ou quadro deve, em retorno, devolver o reconhecimento,
assumindo maiores responsabilidades e tarefas e socializando a sua experiência. Coloca-
se, assim, especial cuidado em não projetar a carreira de uma pessoa que possa, mais
adiante, dar as costas à organização. Quando alguém é convidado, a título pessoal ou
como representante da organização, a participar de um espaço de decisão ou de um
serviço do Estado, de um projeto privado ou de um programa público de
aperfeiçoamento, a oportunidade é vista com ambigüidade. Estas situações têm gerado
solidariedades e disputas e até cisões nas fileiras das organizações, de acordo ao valor
dado à situação, seja como oportunidade de expansão de um projeto coletivo, como
risco de cooptação, ou bem como expropriação da formação individual enquanto bem
coletivo, que a partir da saída do indivíduo rumo a um âmbito mais público, passaria a
ser usufruído por ele mesmo como bem pessoal ou partilhado com coletivos rivais. Esta
avaliação é mediada pela ponderação do valor do investimento pessoal no projeto
coletivo, a qual freqüentemente expressa, em si, querelas tanto internas quanto externas
da organização, grupo ou linhagem em questão. Estas fricções freqüentemente se
colocam também como expressão de disputas ideológicas, e a cismogênese nas
organizações, a migração entre umas e outras e a passagem para outros âmbitos de ação
(estatais, acadêmicos, etc.) se faz efetiva quando já a convivência em um espaço comum
tornou-se insustentável.
A incumbência das organizações na órbita de políticas públicas acarretou a
dependência de financiamento externo para um trabalho “sustentável” na prevenção da
187
AIDS. Isso tem magnificado disputas que, dos pontos de vista daqueles envolvidos nas
mesmas, têm-se visto contaminadas por interesses alheios a propósitos considerados
mais genuínos por encontrar-se mais perto da esfera comunitária, ao tempo em que o
financiamento estatal e o controle que, concomitantemente, o mesmo traz faz perigar
também o altamente valorizado bem da independência política. Essa idéia de
contaminação se refere, em um nível, à distorsão tecnocrática de ideais emancipatórios,
como se vê refletido no tropo da “tirania dos projetos”,
82
quando as organizações se
tornam “escravas do financiamento”, em vez de manter seu foco nas “necessidades das
pessoas”. Em outro nível, as iniciativas em prevenção da AIDS são vistas como terreno
fértil para a busca de poder, o lucro ilegítimo e a rapinagem de recursos para interesses
alheios à saúde pública e os direitos civis. Ao serem entrevistados, líderes de ONG de
diferentes províncias expressaram a suspeita de que certas ONG locais tinham sido
fundadas por operadores do partido governante, com o tríplice propósito de usar seus
serviços para estimular o clientelismo, neutralizar o ativismo contestatário mediante a
concorrência de uma organização civil “situacionista”, e transformá-las em eventual
refúgio de quadros quando o partido perder uma eleição e deva deixar vagos os seus
cargos públicos.
No setor das organizações fornecedoras de serviços e crescentemente também no
da gestão de direitos, uma terceira ponderação que orienta a valoração de projetos
coletivos é o grau de empatia construída entre agentes e sujeitos das intervenções, ou
também entre os “representantes” e sua “base”. Os agentes mais consubstanciados
ideologicamente com a defesa dos direitos da população constituída como sujeito do
processo social que a “vulnerabiliza” valoram o “estar mais perto” de suas bases, o qual
82
Tomo aqui emprestado um termo citado por Galvão (2000), para ilustrar uma oposição colocada numa
retórica de uso local específico, divergente daquele aludido por essa autora para o caso da Associação
Interdisciplinar da AIDS (ABIA), de Rio de Janeiro, que se refere à situação análoga de subordinar as
agendas de pesquisa a desígnios tecnocráticos.
188
tem sido validado pela pesquisa social acerca das estratégias mais bem-sucedidas em
prevenção do HIV. Atualmente o “trabalho entre pares” constitui quase uma condição
sine qua non para a aprovação de projetos de prevenção “focalizados” em segmentos
identificados como de “homens que fazem sexo com homens”, jovens e usuários de
drogas injetáveis, trabalhadoras/es sexuais. Uma grande proporção dos cem formulários
que constam no censo de ONG argentinas com trabalho em AIDS realizado por
ONUSIDA menciona utilizar a metodologia do “trabalho entre pares”, amplamente
difundida em manuais de diversos organismos de cooperação e treinamentos realizados
particularmente a partir do Projeto LUSIDA, do Programa Nacional (PNS), dependente
do Ministério de Saúde da Nação, que, financiado por um empréstimo do Banco
Mundial, apoiou entre 1998 e 2000 numerosas intervenções “comunitárias”,
principalmente através da chamada “formação de formadores”.
Para finalizar a nossa classificação dos agentes, a idéia de instituição ou, mais
propriamente, de institucionalização, abrange coletivos organizados, como uma ONG,
uma rede de ativismo ou movimento, a equipe técnica de um serviço público ou uma
corporação médica. Mas, por sua vez, em outro nível, os mesmos nomes (Rede de
Pessoas Vivendo com HIV, Movimento GLTTB, Comunidade da Diversidade Sexual)
são idéias que servem à organização de coletivos, sujeitas a diversas apropriações e em
tensão com organizações pré-existentes.
A idéia de contexto, como recorte para a análise, refere-se a condições tanto
materiais quanto simbólicas, a partir de e sobre as quais se projetam as ações no campo
da prevenção da AIDS. A configuração atual do mundo da AIDS emerge de uma
história de convergências e divergências, de atores que foram somando-se ao processo
ou excluindo-se do mesmo. Diz-se que o ativismo da AIDS é herdeiro do movimento
homossexual dos anos 1970 e 1980, mas se faz necessário contextualizar essa afirmação
189
em termos da memória atual de trajetórias particulares e das necessidades e demandas
dos diversos agentes em seus espaços de sociabilidade.
190
I
LUSTRAÇÃO 11. Anúncio de serviços ONG
Fonte: NX.
191
Quando se fala das condições que fazem com que determinadas populações
sejam mais vulneráveis à transmissão do vírus, menciona-se a discriminação que limita
seu acesso a determinados direitos que o marco legal atual reconhece em abstrato como
universais. Na linha da luta por direitos encontramos a reivindicação, por um lado, do
reconhecimento legal de casais homossexuais por parte do Estado. A negação desse
direito expõe aos indivíduos homossexuais a não ter acesso a pensões, cobertura social,
a perder moradias, etc. Por sua parte, as pessoas trans (travestis e transexuais) reclamam
o direito de ter a sua identidade de gênero reconhecida, por exemplo, em seu documento
de identidade, e denunciam situações de contínuo abuso e assédio policial, assim como
de discriminação na atenção de sua saúde. O trabalho de advocacy das organizações, se
bem reconhece a importância de todas as reivindicações, concentra seus esforços
estrategicamente em algum deles em particular, como foi o caso da União Civil para a
Comunidad Homosexual Argentina (CHA) durante o ano 2003. A linha de ação para a
conquista desse direito, colocada por seus autores como “decisão estratégica”, e que
gerou tanto simpatias entusiastas como cautelosas, e até algumas rejeições, responde à
composição social e à história particular do coletivo de pessoas que a levou a cabo, fruto
de três décadas de fraturas e coalizões; assim como do coletivo mais amplo que a
sustentou, do contexto social e composição parlamentar do distrito onde foi promulgada
como lei e da possibilidade de instalar essa e talvez não outra temática em termos
favoráveis na esfera pública local, por sua vez sujeita a avatares de uma esfera pública
de escala global.
Finalmente, a intervenção é em si, e expressa diversos níveis de, relação social,
onde operam não somente os agentes mencionados mas também uma série de conceitos
que são formulados seja no campo específico da AIDS, seja na ciência e nas diferentes
disciplinas envolvidas, do Estado, das políticas do gênero e da identidade, etc. Os
192
processos que atravessam cada um destes campos convergem para conformar o HIV e a
prevenção de sua transmissão como coisa social.
Grande parte do conhecimento social produzido sobre ações de prevenção da
AIDS as submete a um marco normativo ou tecnológico, analisando-as segundo a sua
eficácia, ao se demonstrarem mais ou menos ajustadas a seus fins explícitos, mais ou
menos democráticas ou humanitárias, mais ou menos baseadas em evidência científica
ou na vontade de um coletivo social. Mudando a perspectiva para uma análise
compreensiva, podemos perceber que essas ações expressam também a evolução dos
conceitos de pessoa que operam em sua formulação, desenvolvimento e efeitos. Os
conceitos que sustentam as campanhas de prevenção orientadas à população
homossexual conformam uma produção original sobre uma série de objetos de discurso
sujeitos a devires particulares: a sexualidade, a identidade, a comunidade. Por sua vez,
tanto o trabalho com casos como o estudo comparativo da diversidade de iniciativas
consteladas neste campo dão conta de processos de maior escala, no campo da saúde
pública, ou das políticas da identidade, ou da sociabilidade de determinados segmentos
de população e da sua integração como “usuários de serviços” de prevenção. Conta
mesmo também a sociabilidade dos agentes da intervenção, como líderes e seguidores,
voluntários e profissionais; daqueles que teorizam sobre a prevenção da AIDS e sobre
as identidades sexuais, como intelectuais e experts; dos campos científicos e
movimentos sociais que confluem no mundo da AIDS. A “diversidade sexual”, como
categoria emergente, expressa a confluência de uma especificação produzida por
determinados saberes eruditos –sexológico, médico-psicológico, sociológico– e o
movimento da ‘liberação sexual’ –Homossexual, Feminista, GLTTB. Ambos os
terrenos se configuram como espaços tanto interna como externamente contestados, mas
193
em ambos casos subsiste a idéia de liberalização dos costumes, de busca de uma
verdade íntima de si e o respeito universal da individualidade, como ideal civilizador.
A categoria “comunidade”, aplicada a segmentos recortados como
“homossexual”, “gay” ou “GLTTB” encontra uso em diferentes níveis ou registros. A
unidade de “nossa comunidade” é evocada como projeto utópico, como ideal civilizador
e como ferramenta capaz de amalgamar discursivamente o grupo imaginado, sob os
imperativos de assumir livre e responsavelmente a própria identidade (sexual), de
correição e respeito pela diversidade –uma tarefa que se revela problemática ao ser
submetida ao teste empírico, pois assume significados radicalmente diferentes para
qualquer sujeito que se propõe levá-la adiante, gerando intensos conflitos entre os
segmentos existentes.
Empiricamente, a comunidade abrange coletivos de diferentes escalas. Na menor
delas, a de cada organização ou rede de pessoas envolvidas, dá-se um contato mais
intenso em um espaço de diálogo ou de ação conjunta, com atividades cotidianas, um
circuito habitual de comunicação, tarefas compartilhadas e freqüentemente hierarquias
formais e informais de papéis e um ethos próprio e diferenciado. A segunda é a esfera
dos companheiros de estrada, amigos e clientes ou usuários de serviços, segundo o
perfil de trabalho ou a atividade do grupo. O contato destas pessoas é mais esporádico,
mais pontual. Está centrado em tarefas específicas: a assessoria legal para pessoas que
consultam sobre situações de discriminação, as consultas clínicas, as visitas de pessoas
que procuram documentação, os serviços contratados e favores de profissionais amigos
da instituição em temas legais, contáveis, etc. Também se congrega um universo mais
extenso de achegados em ocasião de cursos, oficinas, encontros, festas, atos públicos e
marchas convocadas pelas organizações. Estas pessoas não têm formalizado uma
194
relação de pertencimento com a organização, mas mantêm um grau de proximidade com
ela.
Existe um espaço intermediário entre essas duas esferas, onde se situam pessoas
em processo de integração como membros de organizações ou redes. Um novo
voluntário ou pessoa que participa das atividades de um grupo com assiduidade
crescente amiúde chega com a iniciativa de desenvolver ali algo que lhe falta, que não
tem conseguido encontrar em outro lugar; por exemplo, um modo alternativo de
socializar-se como homossexual, com pares dificilmente encontráveis em outros
âmbitos, um espaço onde compartilhar e devolver uma experiência de superação pessoal
ou, simplesmente, uma ocupação em um espaço amigável, entre pares, onde não seja ou
se sinta discriminado. Sua maior integração e ascensão social dentro do grupo
dependerão do desenvolvimento de potencialidades intensamente marcadas pela gestão
do capital social, simbólico e cultural, sua capacidade para interpretar e articular-se
coerentemente no processo político e ideológico pelo qual a organização ou rede está
atravessando.
Finalmente, consideremos a construção da comunidade de maior escala, de um
universo imaginado que combina a noção de uma cultura homossexual, modos
específicos de sociabilidade e a presença crescente de suas expressões na esfera pública
nacional e global. Ao longo dos últimos trinta anos e de modo especialmente intenso
durante a última década, tem ido se conformando uma sorte de esfera pública gay, com
seus próprios meios de imprensa. A esse público apontam as campanhas focalizadas de
na oferta do teste do HIV e distribuição de materiais como folhetos, preservativos, etc.,
assim como as publicações periódicas.
Hoje em dia existe também uma forte presença de temáticas da diversidade
sexual nos principais meios audiovisuais, cujo público é a população em geral. Várias
195
organizações e grupos ativistas têm aproveitado criativamente o potencial de difusão da
tecnologia dos meios de comunicação, projetando a idéia de uma identidade comum a
um extenso grupo. A constituição e difusão desta idéia de comunidade, um fenômeno
global onde convergem diversas especificidades locais, estão atravessadas por vários
processos recentes. Ao menos na cidade de Buenos Aires, na segunda metade dos anos
noventa tinha-se atingido uma massa crítica (Brown 1999), instalando a temática de
modo visível e permanente numa esfera pública de alcance nacional. Uma série de
condições fez possível pensar concretamente uma comunidade GLTTB: a
democratização de relações marcada por uma continuidade inédita de formas
republicanas de governo; a proteção de um marco legal minimamente respeitoso de
direitos; a expansão de um “mercado gay” com espaços de entretenimento e de produtos
para os quais “o gay” constitui um valor agregado. A chamada globalização e a difusão
de “estilos de vida“ alternativos de outras partes do mundo também se fizeram sentir
nos centros urbanos argentinos. Por outra parte, a expansão e consolidação de uma
identidade gay viril, segundo o padrão “moderno” que, ao menos no que se expressa
como identidade de gênero, tende a abolir o dualismo fixo macho/fêmea ou
penetrador/penetrado (chongo/loca, no jargão gay vernáculo).
A confluência assinalada permitiu a expansão do Movimento GLTTB, sobre a
base da memória de antigas iniciativas e uma cultura política de participação, protesto e
organização, em diálogo com o movimento de direitos humanos. Finalmente, os
estragos (tanto biológicos quanto sociais e políticos) da epidemia de HIV/AIDS geraram
uma resposta comunitária que foi construída como exemplar, aportando renovado
prestígio às iniciativas do movimento. Tratando-se do mesmo segmento profissional –
ativista, a emergência de um segmento de “terapeutas GLB” configura-se como um
196
processo paralelo, sobre o qual um de meus interlocutores citado no capítulo anterior,
concluiria:
También se juega allí um espacio de interés, proyectarte una carrera e
hacerte el terapeuta del gay, que te da como cierto brillo para cierto
grupo social. […] Si encontrás um nicho para tu producto, allí tenés
como clientes cautivos. No me parece mal ser psicoanalista de gays e
dedicarte a eso. Existe quien se identifica como gay y esto tiene que
ver com que los psicólogos y psicoanalistas han hecho estragos con la
gente gay. La mayoria de la gente que conozco.
Note-se a forte analogia entre “os estragos” atribuídos aos profissionais psi e os
da AIDS, fenômeno ao qual se aplica a mesma lógica de estigmatização e resposta tanto
militante quato técnica.
5. “... E OUTROS HOMENS QUE FAZEM SEXO COM HOMENS.”
5.1. Os “HSH”
A nomenclatura “homens que fazem sexo com homens” (HSH) foi criada em
meados da década de 1990 por atores internacionais da epidemiologia da AIDS diante
da necessidade de orientar políticas de prevenção aos segmentos com práticas
homossexuais não alcançados por campanhas concentradas em um universo de gays,
isto é, de homossexuais que se identificam enquanto tais. A inovação foi recebida com
hostilidade por segmentos militantes de muitos países, cuja reação em rede não se fez
por esperar. Um manifesto divulgado em meios gays e de prevenção da AIDS na
Argentina, em 2000, intitulado “Homens que fazem sexo com homens”, uma expressão
homofóbica, assinado por várias organizações gays e lésbicas (NX, 2000)
83
, expressa
com bastante clareza em que consiste o conflito desatado. A resposta é exemplar, ao
83
A epígrafe diz: “El siguiente texto es un documento elaborado por las siguientes organizaciones: Liga
de defensa de las minorias sexuales - Lesbianas a la vista - Identidad Gay, Gayles D.C - Grupo Nexo –
Escrita en el Cuerpo, Córdoba”. Ainda anos depois o documento continuaria circulando. Em 2003
presenciei numa ocasião como César Cigliutti, Presidente da Comunidad Homosexual Argentina - CHA
solicitava cópia do documento, reconhecendo seu valor e atribuindo sua autoria ao, naquele momento,
Presidente de Nexo Asociación Civil, Ricardo Duranti.
197
condensar o valor e o uso dado à identidade sexual como dispositivo que opera
modelando sentidos que conformam modos de vida individuais e coletivos e produzindo
um tipo específico de pessoa.
O texto começa assinalando que nele serão analisados “os preconceitos que
oculta a frase, o caráter discriminador da mesma e o perigo que encerra, para uma
política de prevenção, não chamar as coisas por seu nome”. A continuação, introduz-se
o sujeito da enunciação em relação àquele que é constituído como referente da mesma:
“Trabalhamos há anos na prevenção do HIV. Nosso target é prioritariamente a
comunidade homossexual e por extensão toda minoria sexual passível de se infectar. Ou
seja, TODAS as sexualidades”.
84
A partir desse momento, o texto passa a explicar os
problemas específicos que a frase –segundo o juízo dos autores– produz, com relação a
todas e cada uma das identidades sexuais e com a possibilidade de ter sexo protegido,
precisamente por instituir um nome que, do seu ponto de vista, não responde a
identidade alguma:
Nos parece que incluir a todas las conductas que un hombre pueda
tener tomando como objeto erótico a otro hombre en la expresión
“hombres que tienen sexo con hombres”, no es más que una
simplificación de la rica diversidad de las sexualidades diferentes.
Supuestamente homosexuales, en este caso.
En primer lugar, tranquiliza a todos aquellos hombres que no pueden
llamarse homosexuales y, mucho menos, gays. Y esto solo ya borra de
un plumazo todos los esfuerzos que se han hecho para lograr y
sostener una identidad que, precisamente, supere las limitaciones de
una práctica dando al individuo una dimensión de sujeto. Y esto más
allá de lo que políticamente pueda pensarse de la o las identidades.
Una de las mejores herramientas de prevención que tuvieron y tienen
las minorías sexuales es precisamente lograr una identidad de
pertenencia que les permita integrarse en grupos donde identificarse
positivamente. Toda persona que no puede nominarse de una manera
positiva quedará ubicada siempre como objeto del deseo ajeno, con lo
cual mal podría plantear en un encuentro sexual la condición de tener
sexo protegido. Su primera protección es saber quién es y desde dónde
se vincula.
84
Ênfase no original.
198
Toda práctica necesita de un sujeto para realizarse. Si no sé quién soy,
si mi sexualidad es negada por mí, mal puedo ser ese sujeto.
La conciencia del sexo protegido sólo puede tenerla quien tiene claro
el lugar que el sexo ocupa en su vida. La identidad sexual debe ser
privilegiada a todo discurso preventivo ya que, de lo contrario, este no
es más que un discurso dirigido a alguien que lo comprende pero que
no tiene la posibilidad de aplicarlo. Serán discursos dirigidos a nadie y
que sólo tranquilizan la conciencia del que los habla.
85
A linguagem utilizada para dar conta do processo de afirmação das identidades
homossexuais reflete a preocupação por sua estabilidade. Existem aqueles homens “que
não podem se chamar homossexuais e, muito menos, gays”. Quer dizer que não se trata
simplesmente de combater o estigma, mas de produzir formas boas e perduráveis de
identificação. Aqueles que conseguem ou fazem por meio de esforços para “lograr e
sustentar uma identidade”. Isto se deve ao fato de que apenas uma identidade dará ao
indivíduo “uma dimensão de sujeito”. Por outra parte, o esclarecimento que desanuvia
outro alcance político (“além do que politicamente possa se pensar”) da valoração dada
à identidade, além de evidenciar um matiz polêmico que se tenta evitar, situa o discurso
em um registro mais especificamente ‘técnico’, cujo uso legítimo é sustentado
retoricamente por meio da invocação de “anos de trabalho” e posicionar-se como
agentes especializados, efeito da evocação das minorias sexuais como “target”, isto é,
objeto de intervenção. Do contexto da enunciação é possível extrair que a autoridade
que dá legitimidade às afirmações contidas no texto é construída com base não só na
técnica e na experiência, mas também na idéia de proximidade e, inclusive, de
“comunidade” com a população objeto de intervenção.
O texto estabelece as coordenadas de uma identidade homossexual “positiva” e
viável como projeto racional. Quem tiver essa identidade poderá “integrar-se em
grupos”, “nominar-se”, “saber quem é”, saber “onde se vincula” e terá clareza “do lugar
85
Ênfase agregada.
199
que o sexo ocupa em sua vida”, e somente assim poderá ter “consciência do sexo
protegido”. Após repisar os modos específicos em que a nomenclatura “homens que
fazem sexo com homens” resulta discriminatória para aqueles identificados como
homossexuais, gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros, e de criticar a política de
ONUSIDA, organismo internacional acusado de promover o uso da mesma, o texto
chega a algumas pontuações acerca das práticas corretas de prevenção. Entre elas, a
respeito das identidades sexuais:
La vivencia de la propia sexualidad como un acto marginal, casi
clandestino, vuelve marginales y clandestinos los actos sexuales; el
logro de una vivencia positiva de la propia identidad sexual brinda
armonía al acto sexual, permitiendo que forme parte del cuidado de sí
que cualquier sujeto realiza en los demás actos de su vida cotidiana.
Para ello los mensajes que involucran la sexualidad deben ser
dirigidos tomando en cuenta las particulares condiciones sociales y
culturales que dicha sexualidad despliega.
[...]
Brindar información precisa ligada a las necesidades cotidianas y
concretas de cada grupo determinado [...] Implica también lograr
cambios de conductas a través de acciones que demitifiquen aquellos
aspectos de la sexualidad que pueden ser negados o vividos como
marginales. Toda conducta marginal se cubre de secreto y por lo tanto
aumenta su potencial de riesgo.
O outro lado da moeda que já estava implícito ao postular-se que “toda pessoa
que não pode se nominar de uma maneira positiva ficará configurada sempre como
objeto do desejo alheio” aparece aqui associado ao valor negativo da marginalidade. A
mudança de conduta procurada chega a abranger “aqueles aspectos da sexualidade que
podem ser negados ou vividos como marginais”. Como veremos mais adiante, o lugar
de quem não tem desenvolvido uma identidade homossexual positiva não é meramente
um tipo ideal abstrato, mas seus traços (a dessubjetivação, a marginalidade) são
projetados sobre identidades sociais concretas do mundo homossexual. Por ora
assinalemos que o texto situa também um ‘inimigo interno’ com o qual polemiza na
arena política do movimento homossexual; conclui dizendo que: “O mais lamentável é
200
que são organizações pertencentes a minorias sexuais que sustentam esta frase
discriminatória”.
5.2 “Outros HSH”
Efetivamente, alguns segmentos do movimento GLTTB-AIDS adotaram o termo
e o disseminaram. Este foi rapidamente apropriado como categoria englobante por
grupos que buscavam estabelecer uma ponte entre o mundo (gay) da prevenção da
AIDS e o público de homens que mantêm relações sexuais com outros homens sem se
identificarem como homossexuais. Era a essa população –imaginada como carente
daqueles recursos materiais que o mercado impõe como condição para a adoção de uma
identidade gay cosmopolita–
86
que apontava a criação da categoria HSH, diante da
evidência de que as campanhas preventivas não os estavam alcançando. Se bem que o
objeto original da nomenclatura evidentemente não era gerar uma categoria de
identidade, mas uma síntese teórica que operasse ao nível da pesquisa e da formulação
de políticas, a impureza e as interconexões entre o campo ativista, o comunitário e o
perito impuseram-se com todo o seu peso, produzindo curiosos efeitos.
Já vimos como um setor ativista-técnico uniu-se para resistir à implantação do
novo conceito, ao menos nos termos em que o vinham colocando. Outros segmentos,
alguns com um critério provavelmente menos reflexivo, talvez com critérios mais
pragmáticos, seguramente em alguns casos como forma de resistência à hegemonia das
organizações mais estabelecidas no campo da prevenção GLTTB da AIDS e em outros
pretendendo privilegiar estritamente a justificação perita de uso em um plano abstrato,
adotaram a categoria. A operação teve sem dúvida seus benefícios práticos. Mas estes
não foram exatamente os esperados: além do fato daqueles que, tendo condutas
homossexuais, mais se resistem a adotar uma identidade sexual sejam ou não
86
Também os simbólicos e sociais do ambiente gay.
201
alcançados por campanhas de prevenção, é de se esperar que resistirão à categoria HSH,
como de fato resistem a qualquer categoria de identidade sexual que coloque em
questão a sua masculinidade. De seu ponto de vista, as relações sexuais que admitem ter
não são com “homens”, mas com “veados” (“putos”), “bichas” (“maricones”) e com
travestis (todas identidades putativamente femininas) e são, nesse sentido, estritamente,
heterossexuais.
87
Conheci uma organização cujos voluntários e “operadores” contratados, em sua
maioria sem trajetória de ativismo GLTTB, referiram ser e trabalhar com “homens que
fazem sexo com homens” e diferenciar-se desse modo daqueles que trabalham
exclusivamente com gays ou homossexuais, já que sustentavam que desse modo
podiam, precisamente, chegar àqueles que não circulavam pelo “ambiente”. No se
tratava de um caso isolado, mas de parte de uma rede de alcance nacional que tendia a
compartilhar padrões de trabalho similares, a partir de conteúdos difundidos por uma
organização mais antiga dedicada a apoiar o desenvolvimento de novos grupos. Cabe
assinalar que os destinatários de suas ações eram varões “entendidos” (isto é, cultores
do homoerotismo, para além da categoria que viessem a adotar ou recusar) e a chegada
da prevenção da AIDS àqueles identificados como “machos” dificilmente se veria
facilitada pela invocação da idéia do “sexo com homens”, levando em conta os recursos
que estes homens investem para demonstrar precisamente o contrário. Enfim, para além
de quem não fora alcançado pela operação do dispositivo HSH, constatamos como seu
público principal, que efetivamente se apropria da categoria, é o que efetivamente
transita pelo ‘mundo social’ da prevenção da AIDS e do movimento GLTTB, isto é,
quem com algum grau de autonomia individual se aproxima e participa de suas
organizações e espaços de discussão. Existe um paradoxo entre o ideal centrífugo das
ações (chegar a segmentos não identificados) e a realidade centrípeta (aglutinação dos
87
Carrara, comunicação personal.
202
identificados). Para o interior os nomes são inventados para integrar, enquanto que para
aqueles que se situam afora (seja fora do movimento ou dentro do movimento, mas fora
do mundo da AIDS) a proliferação e apropriação de nomes (Perlongher, 1987) contesta
tal processo de integração.
Um segundo uso concreto de HSH me pareceu ainda mais curioso. Pude
documentá-lo ao acompanhar a vida cotidiana de uma organização cujos líderes
estavam entre aqueles que tinham encabeçado o protesto contra a imposição da
categoria. Entre os profissionais e voluntários dessa organização gay, HSH passou a ser
usado para se referir especificamente àqueles homens “não assumidos” publicamente ou
“no closet”, que se sabe que têm condutas homossexuais, mas só sugerem isso
indiretamente e o admitem em situações de extrema intimidade. A estes se atribuíam
todas as características negativas enumeradas acima, freqüentemente em termos que
relacionavam a falta de identidade sexual com dificuldades cognitivas, patologias
mentais ou –utilizando um jargão psicanalítico de uso corrente nos setores médios
argentinos– “questões não resolvidas”, freqüentemente ligadas aos efeitos da
“homofobia internalizada”. A organização se apresentava como um espaço “amigável”
onde se oferecia a possibilidade de ir processando essas dificuldades, ainda que a
resistência à mudança proposta fosse também respeitada.
Como exemplo final, a expressão adotada pela rede de organizações mencionada
no início do capítulo resulta expressiva da relação do projeto identitário com aquele
segmento HSH ‘não gay’. O nome da rede fala de uma “comunidade GLTTB e outros
homens que fazem sexo com homens”, colocando estes últimos ambiguamente no limite
entre os que pertencem à comunidade e os que permanecem excluídos. Essa falta de
inclusão é consistente com a mútua rejeição habitualmente expressada por ambas as
partes, mas também com a aparente aspiração de determinados segmentos do
203
movimento, manifestada em graus diversos, de ‘converter’ –como forma de superação–
esses “outros HSH” à identidade sexual e, portanto, aos benefícios da saúde sexual e de
uma cidadania mais integral do que aquela sustentada no que os ativistas e experts
GLTTB constroem como uma negação do fundamento mais íntimo e primordial de si: a
identidade sexual.
C
ONCLUSÃO
A AIDS, inicialmente construída como ameaça de aniquilação, foi rapidamente
transformada em estímulo para a organização, através do compromisso comunitarista de
ativistas que procuraram reconfigurar os modos legítimos de integrar cultura sexual,
direitos e saúde. O combate da AIDS foi um grande mobilizador, operando em um
determinado nível como forte fundamento moral do compromisso político e, em outro,
baseado nessa justificação moral, como porta de entrada e ponto de inflexão para o
desenvolvimento de toda uma série de recursos simbólicos e materiais, que
potenciariam a expansão do movimento das chamadas minorias sexuais como um todo e
lhe dariam uma orientação específica. Os segmentos numericamente mais
representativos do ativismo GLTTB argentino hoje incorporam sem peias a proteção da
saúde em seu horizonte de demandas de inclusão e acesso igualitário a bens materiais e
simbólicos para as pessoas discriminadas por sua identidade sexual. Configurada como
“crise sanitária”, a epidemia da AIDS não só veio a imprimir a sua marca sobre a ordem
de prioridades desse movimento social, mas, ainda, as consignas, pleitos e conquistas
relativos ao “direito à saúde” tingiram com as suas significações o restante das
demandas do movimento.
Ao ser estabilizado, o relato biomédico que advertia acerca do risco de infecção
em relações sexuais penetrativas - e demonstrada a possibilidade de evitá-lo mediante o
204
uso do preservativo - introduziu a necessidade de atuar em prol de mudanças na
conduta sexual, inicialmente entre os “segmentos de população” cedo identificados
como “de risco”. Posteriormente, em que pese uma progressiva expansão da epidemia
sobre a chamada “população em geral”, na América Latina manteve-se uma alarmante
“concentração” do risco de transmissão por sexo entre homens. Perante a alternativa de
um “sexo mais seguro”, pareceu necessário evitar as práticas sexuais consideradas mais
arriscadas (o chamado “sexo não protegido”). Foram as organizações não
governamentais e particularmente as homossexuais as primeiras a realizar, e demandar
ao Estado, campanhas tanto de prevenção quanto de apoio e defesa dos direitos das
pessoas infectadas com o HIV (denominadas “soropositivos”, e logo após “pessoas
vivendo com HIV/AIDS”). Com o tempo e a experiência, foi-se ganhando no
conhecimento da gênese social do fenômeno que neste campo deu-se em chamar
“vulnerabilidade” diante do HIV, e dos modos de reduzi-la. A “vulnerabilidade” neste
caso é definida como a série de condições que obstaculizam a prática do sexo protegido.
Esse conhecimento surgiu em parte como reação diante da categorização estigmatizante
do “grupo de risco”, de atores envolvidos na prevenção tanto no papel de prestadores
como de usuários mobilizados em função de sua identificação enquanto “membros da
comunidade GLTTB”. Suas demandas de reconhecimento e de maior compromisso
estatal e os debates que elas geram apontam particularmente para destacar o lugar da
identidade sexual não só com relação ao risco, mas também como via de acesso à
prevenção. O paradoxo de que os homossexuais –cuja identidade fora processada
socialmente como um traço ‘íntimo’ da pessoa– converteram-se imediatamente no
segmento mais pública e visivelmente identificado com a AIDS produziu significativas
alterações na gestão dessa identidade, favorecendo particularmente a implantação do
regime de “visibilização” promovido pelo movimento GLTTB (Pecheny, 2002).
205
As “práticas de prevenção” passaram a ocupar um lugar central no cotidiano das
organizações, muitas das quais se converteram no que no mundo da AIDS é chamado
hoje de “prestadoras de serviços de prevenção”. Esta virada acompanha outro processo
característico dos movimentos sociais cuja base é diferente da classista dos sindicatos,
partidos políticos ou, mais recentemente, os movimentos de desocupados. À diferença
daqueles, muitos dos chamados “novos movimentos sociais” se reciclaram sob o
modelo das ONG (organizações não governamentais), que veio a ser a matriz
institucional por excelência das organizações homossexuais, particularmente aquelas
dedicadas à prevenção da AIDS. Este modelo híbrido de organização teve seu auge a
partir das reformas neoliberais das décadas de 1980-90. Como substituto parcial do
Estado de Bem-Estar, as ONG guardam um peculiar tipo de relação com o Estado, com
a chamada “cooperação internacional” e com entes supraestatais e multilaterais. A
organização atua como mediadora entre essas instâncias e um público específico do qual
ela se erige e é erigida como representante. Por um lado traduz demandas desse público
à linguagem administrativa apropriada –seja a da ajuda social, dos projetos de
desenvolvimento, ou bem o discurso do protesto. Por outro, atua como prestadora de
serviços, sustentada em parte pelo trabalho voluntário de seus membros e em parte por
recursos provenientes da esfera estatal destinados especificamente a serem “executados”
pela “sociedade civil”. Nesse contexto, a quantidade e diversidade de agentes
mobilizados em resposta à AIDS, assim como o aumento dos recursos e do prestígio
associados à atividade, significaram que o movimento se expandira geográfica e
numericamente, e se diversificara.
Por outra parte, as novas tarefas assumidas, tanto pelas organizações já
estabelecidas quanto por aquelas de constituição mais recente, implicaram um grau
particular de responsabilidade social e derivaram na formalização de relações de
206
clientela, com o Estado por um lado e com uma “comunidade de base” por outro. As
definições e características dessa “comunidade”, cuja representação legitima aquelas
organizações GLTTB que abraçaram a prevenção da AIDS como causa, tornando-a
“questão de direitos”, longe de se colocarem como algo natural ou dado para qualquer
dos agentes e públicos envolvidos, foram concebidas por aqueles que integram esses
grupos como algo a construir. A “comunidade GLTTB” à qual se dirigem as
“mensagens de prevenção” é considerada sob três perspectivas pelos agentes que a
evocam. A primeira é negativa: como unidade concreta sobre a qual operar, não existe
senão fragmentariamente, dispersa em diversos focos de sociabilidade ou, inclusive, do
ponto de vista dos ativistas, encontra-se ausente ou negada devido ao estigma, ao
silêncio e àquilo que é formulado como falta de identidade. A segunda é em parte
resultado eficaz das intervenções do movimento, sendo difícil distinguir seu grau de
incidência com relação a outros processos concomitantes que tornaram a diversidade
sexual objeto de conhecimento, de debate público e também segmento de mercado. A
visibilidade pública da temática e as mensagens que reconhecem um público
identificado como gay, lésbico, bissexual ou transgênero incitam à identificação tanto
individual quanto coletiva. A terceira dimensão é a unidade idealizada de uma
“comunidade da diversidade sexual”, não tanto como horizonte utópico (embora
efetivamente opere também enquanto tal), mas como referência virtual que opera
legitimando uma retórica da representação coletiva. Para além do alcance de expressões
concretas de uma consciência de pertencimento disseminada entre diferentes segmentos
–como as marchas do orgulho GLTTB– o valor moral intrínseco do laço comunitário
permite pensá-lo como algo que existe naturalmente, sem resultar necessário exigir
provas concretas de sua existência.
207
Através do esquema institucional mobilizado para o combate à AIDS, as
conexões estabelecidas com a homossexualidade como objeto de conhecimento e como
conteúdo temático privilegiado de determinadas interações permitem entrever os
alcances e extensões do conceito de pessoa sexuada que entra em operação, assim como
as tensões inerentes a sua regulação não só jurídica e médico-psicológica, mas,
sobretudo, ética e moral. O desenvolvimento de identidades sexuais é colocado, nos
debates e iniciativas introduzidos pelo movimento GLTTB/AIDS na Argentina relativos
à regulação da homossexualidade, como um requisito para o acesso tanto individual
como coletivo à “comunidade da diversidade sexual”, o qual nesse universo equivale a
adquirir o estatuto de pessoa.
A constelação dos atores, contextos e relações que compõem o mundo social da
AIDS vêm se conformando ao redor de um evento oficialmente caracterizado (desde
espaços relacionados com a esfera estatal) como “emergência epidemiológica”. Nele
confluem o fim do Estado de Bem-Estar, na Argentina exacerbado pela pauperização
da economia nacional e a impossibilidade material de articular uma resposta eficaz à
epidemia, com a disponibilidade e mobilização da base comunitária das organizações
gays. Agentes herdeiros de tradições locais de mobilização política e culturas de classe
–diferenciados segundo a memória de diversas trajetórias - e outros que começaram a
“formar-se” nesta emergência acudiram a suprir recursos faltantes ou tardiamente
desenvolvidos no âmbito da saúde pública estatal e por sua vez demandam ao Estado
um compromisso maior e mais efetivo. A narrativa citada, a rigor objetivamente correta,
comum a outros movimentos sociais, é reproduzida por um setor crescentemente
autonomizado que a constrói como seu próprio relato legitimador e disputa os usos
genuínos ou espúrios do mesmo, pelas tensões geradas entre o valor positivo da
racionalização e o negativo da burocratização; pela tensão derivada da oposição entre o
208
bem individual e o coletivo; e pela polaridade entre o ideal universalista de igualdade e
as demandas de reconhecimento de identidades sexuais e clínicas.
A noção de uma “vulnerabilidade” diferencial da população de homens
homossexuais foi uma síntese a que se chegou nas políticas de prevenção da AIDS, ao
criticar a noção de “grupo de risco”. Desse construto se observava não só seu efeito
estigmatizador sobre determinadas identidades sociais, mas também o perigo que
entranhava associar o risco a um “grupo” determinado, por transmitir uma idéia de
imunidade a quem, embora exercitando práticas arriscadas, não se identificasse com o
mesmo. Não obstante existissem outras situações de “vulnerabilidade”, como a pobreza,
a condição feminina, o trabalho sexual e o uso de drogas injetáveis, subsistia, no
entanto, a análise sócio-cultural que associava um estado de maior vulnerabilidade ao
estigma homossexual, o qual –se constata– interfere na possibilidade de adotar práticas
sexuais menos arriscadas. As organizações homossexuais, cuja base se encontra
principalmente em setores médios urbanos onde se generalizou o modelo da identidade
gay, têm desenvolvido respostas que apontam a ampliar a base da população
homossexual identificada como homossexual, portanto mais permeável a mensagens de
prevenção focalizadas; ou também, percebendo a urgência de modificar condutas, têm
tentado chegar a populações ‘não convertidas’ com mensagens mais neutras em termos
de identidade sexual. O relato que entende a produção da vulnerabilidade como efeito
do estigma traduz a sua intensidade moral em um recorte psico-cultural, onde se cruzam
padrões e valores negativos da sociedade mais ampla (machismo, dominação) com a
construção de um pertencimento comunitário positivo como efeito libertador. No caso
dos “gays, lésbicas, bissexuais, travestis e outros HSH”, o “empoderamento” não passa
necessariamente pela conversão a uma identidade gay, mas, sobretudo, pela
conformação de “comunidades de pares” sobre bases de convivência solidária e de
209
respeito às diferenças. As organizações mais ativistas têm mantido sua ênfase na
expansão e promoção de direitos e da auto-estima, sobre o suposto de que a carência dos
mesmos também “vulnerabiliza” os sujeitos.
O modelo comunitário de prevenção chegou ao auge a partir da promoção do
chamado “trabalho entre pares” como uma estratégia de intervenção bem-sucedida. A
noção de par tem sido bastante plástica. De acordo com o perfil do agente e dos
destinatários (idealmente, ambos membros de uma “comunidade”) e com o estilo da
intervenção, pode referir-se a um substrato identitário construído como sendo já dado,
colocando-se em termos estritos de nominação, como o trabalho de gays com gays,
travestis com travestis ou taxi-boys (homens que exercem a prostituição) com taxi-boys.
A idéia de igualdade é colocada sobretudo como projeto, e a base identitária também é
relativizada, por tratar-se de uma aspiração mais do que um fato dado, e pode construir-
se para além da semelhança. Um gay e uma travesti podem construir-se como pares
essenciais, em caso de ambos se identificarem como homens homossexuais (o qual
freqüentemente não é o caso), ou bem devir “pares na prevenção” [do HIV]. Entretanto,
freqüentemente ela não é uma comunidade de iguais: as hierarquias sociais colocam
estes teóricos pares na situação de doador e de receptor de um serviço. A noção de par
neste campo é um recurso técnico; refere-se a ter desenvolvido as competências
necessárias para comunicar-se eficazmente, compartilhar uma cultura, um espaço de
socialização, uma experiência identitária. Indica a acumulação de um capital por parte
do agente de prevenção, o qual –contrariamente ao objetivo de formar um igual- o
enaltece. Por outro lado, um par é alguém com quem se pretende compartilhar um
horizonte político, a carência de e a aspiração de conquista de determinados direitos, o
qual implica o imperativo de mobilizar o destinatário da intervenção.
210
A divisão entre os papeis de provedor e de usuário, como doador e receptor nas
interações cotidianas nos espaços de prevenção, confere ao “agente de prevenção” um
status superior. Esta relação hierárquica que na prática subjaz à relação entre agentes e
sujeitos imprime uma tensão freqüentemente não resolvida ao campo da prevenção da
AIDS. O trabalho entre pares é um modo idealizado de ver as relações entre
trabalhadores, gestores e defensores profissionalizados, por um lado, e usuários de
serviços, leigos, por outro; gays civilizados, por um lado, e ‘meros’ “homens que fazem
sexo com homens”, por outro. Na prática, para o êxito do trabalho entre pares, requere-
se que os operadores estejam tecnicamente preparados e tenham alcançado um certo
nível de reflexividade –como o que se atribui aos homossexuais e às pessoas vivendo
com HIV que têm transitado seu coming out, desenvolvendo uma identidade positiva e
um pertencimento de grupo. Isto é, devem haver passado de ser “meros HSH” a atores
do processo civilizador que outorga sentido e valor à prevenção da AIDS.
Os índices de transmissão do HIV registrados mais recentemente permitem
constatar limitações na eficácia das campanhas centradas na distribuição de
preservativos e de material informativo. Disto, os que conduzem tarefas de prevenção
em nível comunitário concluem que é necessário desenvolver um trabalho mais intenso
“cara a cara”, onde seja possível “trabalhar com temas como a auto-estima e a
identidade”. No entanto, o “tomar para si” individualmente o risco de infecção e da
prevenção da AIDS é registrado como um modo de ‘conversão’, freqüentemente
acompanhada por uma aproximação efetiva e desinibida às organizações e lugares de
socialização da “comunidade”. No conceito integral de prevenção como identidade-
saúde-direitos-cidadania que propugnam os ativistas GLTTB para seus pares de
sociabilidade, a ideologia igualitária que dá corpo à noção de “trabalho entre pares”
passa ao largo do fato de que os que promovem a prevenção atuam numa posição de
211
hierarquia sobre os receptores das ações, não só em termos do papel de conselheiro ou
terapeuta, ou do status de membro de uma organização, mas também de uma posição de
quem se considera “mais avançado” em termos do desenvolvimento de uma
“consciência” e uma “identidade sexual”. A idéia de empoderamento postula que os
destinatários da intervenção devem tornar-se “sujeitos autônomos de suas práticas”, em
um horizonte que fusiona a prevenção da AIDS com a noção de “cidadania sexual”. O
caminho normativo rumo a esse estado é colocado em termos de superação, através da
aquisição de determinadas capacidades, mediada por um modelo de socialização
comunitária. Este modelo envolve uma prática de participação cívica ajustada a um
repertório bastante delimitado de formas corretas.
Assim como um significativo número de pessoas homossexuais tem-se
convertido à “cidadania sexual”, o mesmo modelo é capaz também de excluir categorias
estigmatizadas, como aqueles “outros homens que fazem sexo com homens” que
“carecem” –resulta eloqüente o uso desse termo– de uma identidade homossexual
positiva. O êxito da ‘conversão’ requer o alcance de um nível de reflexividade, como o
que se atribui aos homossexuais e às pessoas vivendo com HIV que têm transitado seu
coming out, desenvolvendo uma identidade positiva e um pertencimento de grupo. Isto
é, devem haver passado de ser “meros sujeitos” a atores do processo civilizador que
outorga sentido e valor à prevenção –como o abraço do cartaz, que (em público e “entre
pares”) não transmite a AIDS.
212
CONCLUSÕES
Nos três capítulos desta tese temos observado a conformação de um espaço de
debate sobre as regulações que regem os usos de categorias de “identidade sexual” e de
intervenções em função de estas, assim como os recursos de legitimação mobilizados
pelos atores políticos e científicos que orientam e conduzem esse processo no espaço
nacional argentino. Entretanto, este recorte introduz todo um programa de pesquisa com
uma série de perguntas, para as quais esta tese apenas enseja algumas respostas parciais
e tentativas. Em função da constituição de um campo de ativismo associativo, de
participação política, de produção e circulação de conhecimento e de intervenção
técnica, delimitado pelo uso de categorias de identidade sexual: Quem são os agentes
que ativam o campo discursivo configurado em torno deste ativismo político, social e
científico, que visa mudar não apenas os enunciados, mas as próprias condições de
enunciação da diferença sexual? Que práticas específicas são desenvolvidas, que redes
sociais são mobilizadas, e que oposições e hierarquias sociais e simbólicas são
manipuladas por este ativismo? Através de que trajetórias os ativistas e experts
constroem o seu engajamento com a causa das chamadas “minorias sexuais”, e de que
modo é constituído o sujeito ou elenco de sujeitos desse movimento social? Como
opera a designação, em si, do ponto de vista dos atores do movimento, de categorias de
identidade sexual?
No primeiro capítulo analisei as diferentes fases da constituição do Movimento
GLTTB argentino. As genealogias do movimento evocam duas figuras heróicas, autores
das duas fundações do movimento homossexual na Argentina e cultores de dois estilos
de militância hoje apropriados por facções antagonistas: Néstor Perlongher foi o líder
principal da Frente de Liberación Homosexual (FLH), que em início da década de 1970
213
promovia a “revolução sexual”. Carlos Jáuregui, primeiro presidente da Comunidad
Homossexual Argentina (CHA), de Gays y Lesbianas por los Derechos Civiles,
organizações que promoviam demandas de reconhecimento jurídico e sociais para gays,
lésbicas, travestis e transexuais em tanto “minorias sexuais”. A dinâmica de construção
das identidades coletivas mobilizadas e o recorte de categorias como “minoria sexual”
foram analisados como efeito performativo da própria mobilização. As práticas
associativas e reivindicativas do movimento são o terreno de formação dos chamados
“ativistas GLTTB”, cujo engajamento emana da identificação com as demandas de
reconhecimento do movimento e é sustentada cotidianamente pela pertença à
comunidade imaginada da “diversidade sexual”. O investimento requerido para se
tornar e desenvolver uma prática eficaz como ativista GLTTB acompanha a conversão
construída como libertadora do estigma: a visibilização da própria identidade sexual.
No segundo capítulo explorei a produção e debates em torno da temática na área
que no contexto argentino contemporâneo fornece as referências mais centrais para a
constituição do desvio sexual como objeto de conhecimento: o denominado “campo
psi”. Tratei de duas trajetórias diferenciadas, a dos profissionais envolvidos em espaços
de formação psicanalítica que expressam interesse nas “declarações de identidade
sexual” como um fenômeno cujas dimensões subjetivas merecem ser levadas em conta
na prática clínica, e elaboradas teoricamente e a daqueles profissionais psi que,
identificados como “terapeutas GLB”, denunciam a homofobia e o que chamam de
“patologização” da dissidência sexual, que julgam serem corriqueiras no campo psi.
Informalmente conectados através de redes sociais e da convergência em espaços
institucionais, convocando eventos e publicando trabalhos, estes profissionais articulam
e disseminam visões alternativas do assunto, alguns oferecendo espaços terapêuticos
“amigáveis”, facilitados pela apresentação explícita enquanto “par” (“alguém como
214
você, que te entende”). A formulação “psi” da temática foi mobilizada para fundamentar
tanto posições em contra quanto a favor da lei de união civil que contempla casais do
mesmo sexo, aprovada na Cidade de Buenos Aires em 2002. Os argumentos
mobilizados apelam a conceitos como o bem-estar psíquico e saúde mental – caros ao
modelo de pessoa individual que sustenta o novo marco regulatório buscado.
A rede de terapeutas GLTTB com a qual eu tive contato se dispersou depois de
algum tempo, para dar lugar a outras com diferentes características e os antigos
integrantes de aquela primeira continuam engajados na temática individualmente o em
grupos menores. Entretanto, cada um dos terapeutas que conheci estabelece íntimas
conexões entre sua história de vida e o engajamento profissional com a causa GLTTB,
notadamente através de relatos estilizados de experiências de discriminação em
instituições de formação e com seus próprios terapeutas. Outra constante do
engajamento é a invocação da interseção de ciência (ou epistemologia) e política como
o sitio onde operariam as mudanças que eles propõem. Na apertura do Primeiro
Encuentro Argentino de Psicoterapeutas GLTTB, um dos psiquiatras já citado respondia
à pergunta “por qué psicoterapeutas gays y lesbianas”:
Porque en la psicoterapia como en otras áreas como en otra áreas
el objeto es sujeto. Obviarnos como objetos de análisis sería una
farsa científica y epistemológica. La postmodernidad instituye ese
derecho. Nos juntamos acá para hablar en primera persona. Y eso
también es político. (Grupo Nexo, n/d:3)
O comentário citado é exemplar da ação do terapeuta GLTTB ao mesmo tempo
como manipulador reflexivo do moderno como valor, onde a constituição do seu
próprio lugar de sujeito e ator, como gay, ativista e profissional, e como intelectual.
Particularmente expressivo é o fato da colocação citada responder a uma questão
colocada reiteradamente desde um lugar investido como o da ortodoxia psicanalítica,
construída pelos GLTTB como ‘lócus de tradição’ contra o qual é preciso se rebelar: o
do “principio de abstinência” pelo qual os psicanalistas devem atuar com máxima
215
discrição a respeito da sua vida privada diante dos seus pacientes. Estes terapeutas
militantes da identidade sexual e seus simpatizantes combatem o que eles julgam uma
extensão hipócrita da neutralidade da psicanálise a respeito de toda identidade. A
invocação retórica de um novo, inédito direito dos terapeutas e, por extensão, de todos e
todas as lésbicas, gays e bissexuais de falar de si mesmos constitui um posicionamento
ético a respeito da questão do sigilo (a discrição) e a publicidade.
No terceiro capítulo apresentei um espaço privilegiado pela confluência
contemporânea entre ativismo, especialização, expertização e profissionalização: o
movimento da AIDS. No processo de formulação da que foi chamada de “resposta
comunitária à epidemia”, os contornos e fundamento coletivo da “comunidade”
mobilizada foram de fato moldados em função das intervenções e debates no horizonte
de reforma administrativa e científica – portanto política – aberto pela construção da
necessidade de uma resposta integral. Por um lado, essa resposta foi subsidiária do
associativismo homossexual, com iniciativas de organização anteriores ao desfecho da
epidemia da AIDS. Pelo outro lado, esse evento catastrófico – tal o modo como ele foi
configurado – viria modificar radicalmente aquele movimento social e a visão e
experiência de organização do coletivo. Nesse capítulo é bosquejado o quadro
institucional do movimento homossexual mobilizado na construção da epidemia da
AIDS como crise sanitária, onde as conexões estabelecidas através da
homossexualidade, como objeto de conhecimento e como conteúdo temático
privilegiado de determinadas interações, permitem entrever os alcances e extensões do
conceito de pessoa sexuada e as tensões inerentes à sua regulação jurídica e médico-
psicológica. Nesse processo de politização a porosidade entre ciência e política adquiriu
uma transparência inédita. Por um lado, o processo de ‘expertização’ dos ativistas que
conseguiram participar de instâncias oficiais de regulação pública introduziu uma forte
216
tensão no campo de ação valorizado normativamente como mais genuíno, o do protesto.
O engajamento técnico e administrativo é avaliado como “impuro” na perspectiva do
compromisso moral com a causa. Por outro lado, observa-se como o engajamento
ativista supõe um nível de prestígio que orienta igualmente escolhas estratégicas em
trajetórias profissionais.
As disputas pelas classificações da identidade sexual e particularmente pela
autoridade para decidir seus usos trazem à tona por um lado o fato da identidade sexual
ser colocada como requisito do acesso da “comunidade da diversidade sexual” a uma
cidadania também moldada por esses novos requisitos. Por outro lado, chamam a
atenção acerca da elevação do ativista - expert ao lugar de gestor das subjetividades e de
mediador de demandas de representação que requerem um investimento sistemático na
formação de um capital erudito.
Esta tese representa apenas uma conclusão parcial de um programa vasto de
pesquisa. Algumas lacunas a cobrir em futuros encaminhamentos incluem: (1)
Comparações com outras unidades de análise e estudo, por exemplo por um lado as
mobilizações dos usuários de drogas e outras condutas classificadas como desvios, e por
outro lado, a mobilização homossexual (também no campo psi e na prevenção da AIDS)
em países como México e Brasil. (2) Conexões transnacionais das trajetórias estudadas,
tanto do movimento GLTTB, como da mobilização GLTTB/psi e das iniciativas de
prevenção do HIV/AIDS com “GLBT e outros HSH”. (3) As inovações introduzidas
pela mobilização das pessoas “trans” (travestis, transexuais e de outras identidades
transgênero e intersex). (4) As genealogias e usos da categoria “comunidade” em
movimentos sociais como o da saúde mental, contraculturais, outros, e no próprio
movimento GLTTB. (5) Estudo comparado das classificações psiquiátricas,
psicanalíticas e psicoterapéuticas de categorias de desvio sexual. (6) A genealogia
217
intelectual da homossexualidade na Argentina. (7) As práticas de medição e contagem
de experts e ativistas da diversidade sexual: medir a homofobia, contar os HSH. (8) As
figuras e usos dos homo- e transexualismo na esfera pública.
218
REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANGUITA, E.; CAPARRÓS, M. La Voluntad. Una historia de la militancia
revolucionaria en la Argentina. Tomo 1: 1966-1973. Bs. As. Ed. Norma. 1997.
ARRIEBERE, R. La transexualidad: algo viejo como el hombre pero novedoso en la
consideración científica y social. Actualidad Psicológica. Buenos Aires, ano: XXXIX,
n. 320. p. 11-13, jun. 2004.
ABELOVE, H. Freud, Male Homosexuality, and the Americans. In: ABELOVE, H.;
BARALE, M. A.; HALPERIN, D. M. (Eds.). The Lesbian and Gay Studies Reader.
New York: London: Routledge, 1993. p. 381-393.
ACEVEDO, Z. Homosexualidad: Hacia la Destrucción de los Mitos. Buenos Aires:
Del Ser, 1985.
ACEVEDO, L. Reseña de la Mesa Redonda sobre los semblantes del matrimonio.
Enlaces. Buenos Aires: EOL, n. 1, p. 15-16, abr. 1999.
ADAM, B. D.; DUYVENDAK, J.; KROUWEL, A. (Org.). The Global Emergence of
Gay and Lesbian Movements: National Imprints of a Worldwide Movement.
Philadelphia: Temple University Press, 1999.
ALIZADE, M. Esas personas inquietantes. Imago Agenda. Buenos Aires, ano: XXV,
n. 93, p. 30-32, sept. 2005.
ALLOUCH, J. Cuando el falo falta. In: GIORDANO, R.; GRAHAM, G. Grafías de
Eros: Historia, gênero e identidades sexuales. Buenos Aires: Edelp, 2000. p. 199-210.
ALLOUCH, J. ¿Soy alguien, o qué? Sobre la homosexualidad del lazo social. Litoral.
Córdoba, n. 30, p. 39-64, oct. 2000.
ALLOUCH, J. La sombra de tu perro: Discurso psiconalítico Discurso lesbiano.
Buenos Aires : El cuenco de plata, 2004
ALLOUCH, J. Avergonzados. Imago Agenda. Buenos Aires, ano: XXV, n. 93, p. 3-4 e
p. 17, sept. 2005.
ALTAMIRANO, C. Entre el naturalismo y la psicología: el comienzo de la “ciencia
social” en la Argentina. In: NEIBURG, Federico; PLOTKIN, Mariano (Org.).
Intelectuales y Expertos. La constitución del conocimiento social en la Argentina.
Buenos Aires: Paidós, 2004. p. 31-66.
ALTMAN, D. Poder e Comunidade. Respostas Organizacionais e Culturais à Aids.
Rio de Janeiro: ABIA – IMS/UERJ – Relume-Dumará, 1995.
ALTMAN, D. Resenha. Sexualities. London, v.3, n. 4, p. 378-379. c2000. Resenha de:
TREICHLER, P. A. How to Have Theory In An Epidemic Cultural Chronicles of AIDS.
219
ALTMAN, D. Global Sex. Chicago: The Unviversity of Chicago Press, 2001.
ARIÈS, P. Reflexões sobre a história da homossexualidade. In: ARIÈS, P.; BÈJIN, A.
(Org.) Sexualidades Occidentais. São Paulo: Brasiliense, 1985. p. 77-92.
BALDERSTON, D.; QUIROGA, J. A Beautiful, Sinister Fairyland. Gay Sunshine Press
Does Latin America. Social Text. Durham, v. 21, n. 3, p. 85-108. c2003.
BAO, D. Invertidos Sexuales, Tortilleras, and Maricas Machos: The Construction of
Homosexuality in Buenos Aires, Argentina, 1900-1950. Journal of Homosexuality.
New York v. 24 (3/4), p. 183-219, 1993.
BARZANI, C. Uranianos, Invertidos y Amorales. Homosexualidad e Imaginarios
Sociales en Buenos Aires (1902-1954). Topía. Buenos Aires. 2000.
BASTOS, C. Ciência, Poder e Ação: as Respostas à SIDA. Lisboa: Imprensa das
Ciências Sociais, 2002.
BAZÁN, O. Historia de la Homosexualidad en Argentina: De la Conquista de
América al Siglo XXI. Buenos Aires: Marea, 2004
BERKINS, L. Un itinerario político del travestismo. In: MAFFÍA, D. (Org.).
Sexualidades migrantes: Género y trangénero. Buenos Aires: Feminaria, c2003. p.
127- 137.
BERNSTEIN, M.. Celebration and Suppresion The Strategic Uses of Identity by the
Lesbian and Gay Movement. American Journal of Sociology, v. 103, n.3, p. 531-565.
1997.
BERSANI, L. Socialidad y Sexualidad. Litoral. Córdoba, n. 30, p. 7-38, oct. 2000.
BESTEL, A. Escenas de infancia en la historia de un joven gay. Actualidad
Psicologica. Buenos Aires, ano: XXV, n. 281, p.30-32, nov. 2000.
BESSA, M. S. Os Perigosos: Autobiografias & AIDS. Rio de Janeiro: Aeroplano,
2002.
BIEHL, J. G.; BLATT, J. “...Life on Paper?” Scenes from a Travelogue through
Brasilian AIDS Activisms. Berkeley, 1992. Trabalho não publicado.
BIEHL, J. G.; BLATT, J. Representations, Monstruosities: Writing AIDS in Brasil.
Berkeley, 1992. Trabalho não publicado.
BLACKWOOD, E. Falling in Love with An-Other Lesbian: Reflections on Identity in
Fieldwork. In: KULICK, D.; WILLSON, M. (Org.). Taboo: Sex, Identity ad Erotic
Subjectivity in Anthropological Fieldwork. London: Rutledge. 1995.
BLEICHMAR, E. D. La Clinica a Cien Años de Tres Ensayos de Teoría Sexual. [Seção
especial] Topía. Buenos Aires, ano XV, n. 44, p. 14-15, ago. 2005.
220
BLEICHMAR, S. El transexualismo infantil, um modo restitutivo de identificción.
Actualidad Psicologica. Buenos Aires, ano: XXV, n. 281, p.2-5, nov. 2000.
BLEICHMAR, S. La atribución de identidad sexual y sus complejidades. Actualidad
Psicológica. Buenos Aires, ano: XXXIX, n. 320. p. 2-5, jun. 2004.
BLEICHMAR, S. Transexualismo infantil. Imago Agenda. Buenos Aires, ano: XXV,
n. 93, p. 18-22 , sept. 2005.
BLOJ, C. Presunciones acerca de una ciudadanía ‘indisciplinada’: asambleas barriales
en Argentina. In: MATO, D. (Coord.). Poliíticas de ciudadanía y sociedad civil en
tiempos de globalización. Caracas: FACES: Universidade Central de Venezuela. 2004.
p. 133-150.
BOELLSTORFF, T. Dubbing culture: Indonesian gay and lesbi subjectivities and
ethnography in an already globalized world. American Ethnologist. Cidade, v. 30, n. 2,
p. 225-242. c2003.
BOLTANSKI, L. The Making of a Class: Cadres in French Society. New York:
Cambridge University Press, 1987.
BOSWELL, J. Towards The Long View
BOURDIEU, P. La dominación masculina. Barcelona: Anagrama, 2000.
BOURDIEU, P.; WACQUANT, L. Una invitación a la sociología reflexiva. Buenos
Aires: Siglo XXI, 2005.
BOZON, M. A articulação dos métodos nos estudos de população. Sexualidade:
Gênero e Sociedade, n. 15-16, p. 4-10, dez. 2001.
BRIGGS, C. Learning How to Ask: a sociolinguistic appraisal of the role of the
interview in social science research. Cambridge: Cambridge University Press, 1986-
1992.
BRIZUELA, L. Prólogo: El estante escondido. In: ____. (Org.). Historia de un Deseo:
el erotismo homosexual en 28 relatos argentinos contemporáneos. Buenos Aires:
Planeta, 2000. p. 11-20.
BROWN, S. Democracy and Sexual Difference: The Lesbian and Gay Movement in
Argentina. In: ADAM, B. D; DUYVENDAK, J. & KROUWEL, A. (Org.). The Global
Emergence of Gay and Lesbian Movements: National Imprints of a Worldwide
Movement. Philadelphia: Temple University Press, 1999. p. 110-132.
BROWN, S. Defying Gravity: An Interview with Dennis Altman on the 30
th
Anniversary of Homosexual: Oppression and Liberation. Sexualities. London, v.3, n.1,
p. 97-107. c2000.
221
BUCCINO, D. Homosexuality and Psychosis in the Clinic: Symtom or Structure? In:
DEAN, T.; LANE, C. (Org). Homosexuality and Psychoanalysis. Chicago: University
of Chicago Press, 2001. p. 265-287.
BUNZI, M. Outing as Performance/ Outing as Resistance: A Queer Reading of Austrian
(Homo)Sexualities. Cultural anthropology, v. 12, n. 1, p. 129-151. c1997.
BUTLER, J. Imitación e insubordinación de género. In: GIORDANO, R.; GRAHAM,
G. Grafías de Eros: Historia, gênero e identidades sexuales. Buenos Aires: Edelp,
2000. p. 87-114.
BUTLER, J. O parentesco é sempre tido com heterosexual? Cadernos Pagu. Campinas:
UNICAMP, n. 21, p. 219-260, 2003.
CABRAL, M. Pensar la intersexualidad, hoy. In: MAFFÍA, D. (Org.). Sexualidades
migrantes: Género y trangénero. Buenos Aires: Feminaria, c2003. p. 117- 126.
CÁCERES, C. F. Intervenciones para la prevención del VIH e ITS en América Latina y
Caribe: una revisión de la experiencia regional. Cad. Saúde Pública. Rio de Janeiro,
v.20, n. 6, p. 1468-1485, nov-dez. 2004.
CÁCERES, C. et al. Estimating the number of men who have sex with men in low and
middle income coutries. Sexually Transmitted Infections, v. 82, n. III, p. iii3-iii9.
2006. Disponível em: http://www.sti.bmjjournals.com Acesso em: 4 jun de 2006.
CAPS EXCHANGE. San Francisco: CAPS: University of Califórnia. 2001.
CARPINTERO, E. Editorial: La sexualidad plural (la sexualidad humana es desviada).
Topía. Buenos Aires, ano XV, n. 44, p. 2-4, ago. 2005.
CARRIER, J. De los Otros. Intimacy and Homosexuality among Mexican Men.
New York: Columbia University Press, 1995.
CARRILLO, H. The Night is Young. Sexuality in México in the Time of Aids.
Chicago: The University of Chicago Press, 2002.
CHAMPAGNE, J. Seven Speculations on Queers and Class. Journal of
Homosexuality. New York, v. 26, n. 1, p. 157-174. 1993.
CHAUNCEY, G. Gay New York: Gender, Urban Culture, and the Making of the
Gay Male World, 1890-1940. New York: Basic, 1994.
CHAUNCEY, G. Why Marriage? The History Shaping Today`s Debate Over Gay
Equality. New York: Basic Books, c2004.
CLIFFORD, J. Introduction: Partial Truths. In: CLIFFORD, J.; MARCUS, G. (Org.)
Writing Culture. The Poetics and Politics of Ethnography. Berkeley: University of
California Press, 1986.
222
COHEN, E. Are We (Not) What We Are Becoming? Gay Identity, Gay Studies, and the
Disciplining of Knowledge. In: BOONE, J.A.; LADDEN, M. (Org.). Engendering men
the questions of role feminist criticism. New York: Rotledge, 1990. p. 161-175.
COHEN, L. The Kothi Wars: Aids Cosmopolitanism and the Morality of Classification.
In: ADAMS, V.; PIGG, S. L (Org). Sex in Development: Science, Sexuality, and
Morality in Global Perspective.. 565-605, 2005
COLLIER, S.; ONG, A. Global Assemblages, Anthropological Problems. In: ____.
Global Assemblages. Technology, Politics and Ethics as Anthropological Problems.
Oxford: Blackwell, 2005. p. 3-21.
COLLIER, S.; LAKOFF, A. On Regimes of Living. In: ONG, A.; COLLIER, S. (Org.)
Global Assemblages. Technology, Politics and Ethics as Anthropological Problems.
Oxford: Blackwell, 2005. p. 22-39.
CONDE, C. et al. (Comp.). Jornada de trabajo: ¿elección sexual? Buenos Aires:
Letra Viva, c2002.
CONTI, D. Página web. Buenos Aires Disponível em:
http://conti.senado.gov.ar/web/senadores/even.php?id_sena=331&iOrden=0&iSen=AS
C
CORNWALL, A.; WELBOURN, A. Introduction. In: ____. Realizing Rights:
Transforming Approaches to Sexual and Reproductive Well-being. London: New York:
Zed Books, 2002. p. 1-18.
CRIMP, D. Mourning and Militancy. October. Cambridge, p. 3-18. c1990
CROSSLEY, M. Making sense of ‘barebacking’: Gay men`s narratives, unsafe sex and
the ‘resistance habitus’. British Journal of Social psychology, v.43, p. 225-244. 2004.
DAVIDSON, A. Closing Up the Corpses: Diseases of Sexuality and the Emergence of
the Psychiatric Style of Reasoning. In: DEAN, T.; LANE, C. (Org). Homosexuality
and Psychoanalysis. Chicago: University of Chicago Press, 2001. p.59-90.
DAVIDSON, A. Foucault, Psychoanalysis, and Pleasure. In: DEAN, T.; LANE, C.
(Org). Homosexuality and Psychoanalysis.Chicago: University of Chicago Press,
2001. p. 43-50.
DE LA DEHESA, R. J. Refracted Modernities: Homosexuality and Party Politics in
Brazil and Mexico. PhD Thesis (Doctor of Philosophy in the subject of Government).
Harvard University, Cambridge, 2005.
DEAN, J. Cybersalons and Civil Society: Rethinking the Public Sphere in Transnational
Technoculture. Public Culture. Durham, v. 13, n. 2, p. 243-265. 2001.
DEAN, T. Homosexuality and the Problem of Otherness. In: DEAN, T.; LANE, C.
(Org). Homosexuality and Psychoanalysis. Chicago: University of Chicago Press,
2001. p. 120-145.
223
DEAN, T.; LANE, C. Homosexuality and Psychoanalysis: An Introduction. In:____.
Homosexuality and Psychoanalysis. Chicago: University of Chicago Press, 2001. p. 3-
40.
DELFINO, S. Desigualdad y diferencia: retóricas de identidad en la critica de la cultura.
Estudios. Córdoba, n. 7-8, jun. 1996-1997.
D’EMILIO, J. Capitalism and Gay Identity. In: ABELOVE, H.; BARALE, M. A.;
HALPERIN, D. M. (Eds.). The Lesbian and Gay Studies Reader. New York:
London: Routledge, 1993. p. 467-476.
DÍAZ, E. Los lenguajes del deseo. Topía. Buenos Aires, ano XV, n. 44, p. 10, ago.
2005.
DÍAZ, R. M. Trips to Fantasy Island: Contexts of Risky Sex for San Francisco Gay
Men. Sexualities, v. 2, n. 1, p. 89-102. c1999.
DONGHI, T. H. Argentina`s Unmastered Past. Latin, American Research Review. n. ,
p. 3-24, ano.
DOUGLAS, M.; CALVEZ, M. The self as risk taker: a cultural theory of contagion in
relation to AIDS.
DUARTE, L. F. D. A Construção Social da Pessoa Moderna. In: ____. Da vida
nervosa nas classes trabalhadoras urbanas. Rio de Janeiro: Zahar – CNPq, 1986b. p.
35-58.
DUARTE, L. F. D. Muita vergonha, pouca vergonha: sexo e moralidade entre classes
trabalhadoras urbanas. In: LOPES, J.S. (Org.). Cultura e identidade operária. Rio de
Janeiro: UFRJ: Marco Zero, 1986b.
DUARTE, L. F. D.; BARSTED, L. L.; TAULOIS, M. R.; GARCIA, M. H. Vicissitudes
e Limites da Conversão à Cidadania nas Classes Populares Brasileiras. RCBS, v. 8, n.
22, p. 5-19, jun. 1993.
DUARTE, L.F.D.; RUSSO, J. Introdução: a análise da Pessoa moderna pela história e
etnografia dos saberes psicológicos. Cadernos do IPUB, nº 8, 1997.
DUARTE, L. F. D. O Império dos Sentidos: Sensibilidade, Sensualidade e Sexualidade
na Cultura Ocidental Moderna. In: HEILBORN, M. L. (Org.). Sexualidade. O olhar
das ciências sociais. Rio de Janeiro: Zahar, 1999. p. 21-31.
DUARTE, L. F. D. Dois regimes históricos das relações da Antropologia com a
Psicanálise no Brasil: um estudo de regulação moral da Pessoa. In: AMARANTE, P.
(Org.). Ensaios: subjetividade, saúde mental, sociedade. Rio de Janeiro: Fiocruz,
2000.
DUARTE, L. F. D. A Sexualidade nas Ciências Sociais: Leitura Crítica das
Convenções. In: PISCITELLI, A.; GREGORI M. F.; CARRARA, S. (Orgs).
224
Sexualidades e Saberes: Covenções e Fronteiras. Rio de Janeiro: Garamond, 2004. p.
39-80.
DURANTI, R. El Otro y Yo: Homofobia y Coming Out. NX: Periodismo Gay para
Todos, Buenos Aires, V (52/março):5. 1998.
DURANTI, R. La antropomorfización de Bugs Bunny. In: Primer Encuentro Argentino
de Psicoterapeutas Gays, Lesbianas y Bisexuales, Buenos Aires. Caderno de
Resumos... Buenos Aires: Nexo Asociación Civil, n/d, p. 4-9. Não publicado.
DURANTI, R. Deconstruyendo tabúes: BDSM. Infosida. Buenos Aires, ano 3, n. 3,
out, p. 63. 2003.
EDELMAN, M. Social Moviments: Chanding Paradigmans and Forms of Politics.
Annual Review of Anthropology. California, v. 30, p. 285-317. 2001.
ELIAS, N. El Proceso de la Civilización. México: Fondo de Cultura Económica, 1977-
1979-1987.
ENTRADA. Opacidades. Buenos Aires, ano 2, p. 239-241, nov. 2002.
EPPS, B. The Fetish of Fluidity. In: DEAN, T; LANE, C. (Org). Homosexuality and
Psychoanalysis. Chicago: University of Chicago Press, 2001. p. 412-431.
EPSTEIN, S. Impure Science: Aids, Activism and the Politics of Knowledge.
Berkeley: California University Press, 1996.
ERIBON, D. Comment on s’arrange. Les homosexuels, le couple, la psychanalyse.
Cliniques Méditerrannes. Ramonvillee : Érès, vol. 1, No.64, 2001. Les
homosexualités aujourd’huit : un défi pour la psychanalyse? p. 203-219.
ESPEJO. Buenos Aires: SIGLA, ano V, n. 17, 2000.
ESPEJO. Buenos Aires: SIGLA, n. 20, 2003
FACCHINI, R.. Sopa de Letrinhas? Movimento homosexual e produçao de
identidades coletivas nos anos 90. Rio de Janeiro: Garamond Universitaria, 2005.
FAJNWAKS, F. Un matrimonio de puro semblante: el PACS. Enlaces. Buenos Aires:
EOL, n. 1, p. 12-15, abr. 1999.
FASSIN, E. Same Sex, Different Politics: “Gay Marriage” Debates in France and the
United States. Public Culture. Chicago University Press, v. 13, n. 2, p. 215-232. 2001.
FEATHERSTONE, M. Love and Eroticism: An Inroduction. Theory, Culture and
Society. London, v. 15, n. 3-4, p. 1-18, aug-nov. 1998.
FERNÁNDEZ, J. Los cuerpos del feminismo. In: MAFFÍA, D. (Org.). Sexualidades
migrantes: Género y trangénero. Buenos Aires: Feminaria, c2003. p. 138- 154.
225
FERRADA, R. V. Programa de intervención comunitaria para la prevención del
VIH/SIDA en hombres homosexuales en Chile. Santiago, 2005, Não paginado. Não
publicado.
FERREYRA, M. Tradición de Marchar con Orgullo. El carácter local de las
manifestaciones GLTTBI en Latinoamérica. Website Ciudadanía Sexual.
http://www.ciudadaniasexual.org/boletin/b9/articulos.htm#1, consultado 21/01/07.
FÍGARI, C. E. @s “outr@s” Cariocas: Interpelações, Experiências e Identidades
Homoeróticas no Rio de Janeiro (Séculos Xvil ao XX). 2003. 440f. Tese (Doutorado
em Ciências Humanas: Sociologia). Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de
Janeiro, Universidade Candido Mendes, Rio de Janeiro, 2003.
FÍGARI, C. E. ; JONES, D.; LIBSON, M.; MANZELLI, H.; RAPISARDI, F.; SÍVORI,
H. Sociabilidad, Política y Derechos. La Marcha del Orgullo GLTTG de Buenos
Aires 2004. Buenos Aires: Antropofagia, 2005.
FIGUEIRA, S. Introdução: psicologismo, psicanálise e ciências sociais na ‘cultura
psicanalítica’. In: ____. Cultura da Psicanálise. São Paulo: Brasiliense, 1985.
FIGUEIRA, S. Nos bastidores da psicanálise. Rio de Janeiro: Imago, 1991.
FILLIEULE, O.; DUYVENDAK, J. W. Gay and Lesbian Activism in France: Between
Integration and Community-Oriented Movements. In: ADAM, B. D; DUYVENDAK, J.
& KROUWEL, A. (Org.). The Global Emergence of Gay and Lesbian Movements:
National Imprints of a Worldwide Movement. Philadelphia: Temple University Press,
1999. p. 184-213.
FISHER, W. F. Doing Good? The Politics and Antipolitics of NGO Practices. Annu.
Rev. Anthropol., v. 26, p. 439-464. 1997.
LA FLECHA. Censura a la campaña del Sida en Argentina.
http://www.laflecha.net/canales/comunicacion/200409102/
Consultado 23/02/07.
FONDO MUNDIAL de Lucha contra la Malaria, la Tuberculosis y el Sida.
http://www.theglobalfund.org/es
Consultado 23/02/2007.
FOUCAULT, M. Historia de la Sexualidad. 1-La voluntad de saber. México: Siglo
XXI, ([1976]1977).
FOUCAULT, M. The Death of Lacan. In: DEAN, T.; LANE, C. (Org). Homosexuality
and Psychoanalysis. Chicago: University of Chicago Press, 2001. p. 57-58.
FOUCAULT, M. The West and the Truth of Sex. In: DEAN, T.; LANE, C. (Org).
Homosexuality and Psychoanalysis. Chicago: University of Chicago Press, 2001. p.
51-56.
FILIPPINI, S. Esa mujer es su padre. Litoral. Córdoba, n. 30, p. 151-174, oct. 2000.
226
FREDA, R. H. H. Hombres que Hacen Sexo con Hombres: Homosexualidad y
prevención de VIH/ Sida. Buenos Aires: Mesa Editorial, 2001.
FREIRE, J. C. A inocência e o Vício. Estudos sobre o Homoerotismo. Rio de Janeiro:
Relume-Dumará, 1992.
FREIRE, J. C. A Face o o Verso: Estudos sobre o Homoerotsmo II. São Paulo: Escuta,
1995.
FREUD, S. Three Essays on The Theory of Sexuality. In: ____. The Standard Edition
of the Complete Psychological Works of Sigmund Freud. London: The Hogarth
Press, 1973. vol. 7, p. 135-172.
FRY, P. Para Inglês Ver. Rio de Janeiro: Zahar, 1982.
FURMAN, A. Homosexualidad y terrorismo de estado: Sus vínculos através de un caso
clínico. Actualidad Psicologica. Buenos Aires, ano: XXV, n. 281, p.19-23, nov. 2000.
FUSS, D. Pink Freud. GLQ: Journal of Lesbian and Gay Studies. v. 2, n. 1-2, p. 1-9.
1995.
FUSS, D. Introduction: Figuring Identification. In: ____. Identification Papers. New
York: London: Routledge, 1995. p. 1-20.
FUSS, D. Identification Papers. In: ____. Identification Papers. New York: London:
Routledge, 1995. p. 21-56.
GAGLIESI, P. La Puerta del Placard. NX: Periodismo Gay para Todos. Buenos
Aires: V (52/março):6, 1998.
GAGLIESI, P. Políticas sexuales e identidad en psicoterapia: consideraciones sobre el
“coming out of the closet”. Actualidad Psicologica. Buenos Aires, ano: XXV, n. 281,
p.11-14, nov. 2000.
GAGLIESI, P. Apuntes para una Psicoterapia con Pacientes con Preferencia Sexual
Homosexual. In: Primer Encuentro Argentino de Psicoterapeutas Gays, Lesbianas y
Bisexuales, Buenos Aires. Caderno de Resumos... Buenos Aires: Nexo Asociación
Civil, n/d, p. 10-23. Não publicado.
GALVÃO, J. Aids no Brasil. A agenda de construção de uma epidemia. Rio de
Janiero: ABIA: Editora 34, 2000.
GAMSON, J. “Must Identity Moviments Self-destruct? A Queer Dilemma.” Social
Problems. v. 42, n. 3, p. 390-407, aug. 1995.
CANCLINI, N. G. Las culturas populares en el capitalismo, México, Nueva Imagen,
1982.
227
GEERTZ, C. From the Native’s Point of View: On the Nature of Anthropologicak
Understanding. In: RABINOW, P.; SULLIVAN, W. (Ed.). Interpretive Social
Science. A Reader. Berkeley: University of California Press, 1979.
GEETZ, C. El Antropólogo como Autor. Barcelona: Paidós, ([1987] 1989).
GIAMI, A. La médicalisation de la sexualité. Foucault et Lantéri Laura: un débate qui
n’a pas eu lieu. L`évolution psychiatrique. v. 70, p. 283-300. 2005.
GIBERTI, E. Travestismo maternante: un anclaje en el transgénero. Actualidad
Psicologica. Buenos Aires, ano: XXV, n. 281, p.6-10, nov. 2000.
GIBERTI, E. Trangéneros: síntesis y aperturas. In: MAFFÍA, D. (Org.). Sexualidades
migrantes: Género y trangénero. Buenos Aires: Feminaria, c2003. p. 31- 58.
GIBERTI, E. Transgéneros, ¿psicopatología y/o bioética? Actualidad Psicológica.
Buenos Aires, ano: XXXIX, n. 320. p. 6-10, jun. 2004.
GIBERTI, E. Maternidad lesbiana, ¿un derecho? ¿una paradoja?, ¿un avance? La
Mañana. Córdoba, 4 ago. 2005, n/p.
GIORDANO, R.; GRAHAM, G. Presentación. In: ____ (Orgs.). Grafías de Eros:
Historia, gênero e identidades sexuales. Buenos Aires: Edelp, 2000. p. 11.
GIORGI, G. Sueños de esterminio: homosexualidad y representación en la
literatura argentina contemporánea. Rosario: Beatriz viterbo, 2004.
GÓMEZ, N. Una sexualidad errante. Opacidades. Buenos Aires, ano. 1, p. 23-36, ago.
2001.
GREEN, J. Além do Carnaval: A homossexualidade masculina no Brasil do Século
XX. São Paulo: UNESP, 1999.
GUBER, R. Antropólogos nativos en la Argentina: análisis reflexivo de un incidente de
campo. In: Publicar IV (5), Buenos Aires, p. 25-46. 1995.
GUBER, R. Las Manos de La Memoria. Desarrollo Económico. Buenos Aires, v. 36,
n. 141, p. 423-442, abr-jun. 1996.
GUINSBERG, E. Recordar y Actualizar. Topía. Buenos Aires, ano XV, n. 44, p. 6-7,
ago. 2005.
GUTMANN, M. C. Home and Habitus in Latin America. GLQ: A Journal of Lesbian
and Gays Studies. v. 6, n. 1, p. 125-128. c2000.
GUY, D. El Sexo Peligroso: La Prostitución Legal en Buenos Aires, 1975-1955.
Buenos Aires: Sudamericana, [1991] (1994).
HALPERIN, D. M. Forgetting Foucault: Acts, Identities, and the History of Sexuality.
Representations. Berkeley, v.63, p. 93-120. 1998.
228
HALPERIN, D. M. How To Do The History of Male Homosexuality. GLQ: A Journal
of Lesbian and Gays Studies. v. 6, n. 1, p. 87-124, c2000.
HALPERIN, D. M. ¿Hay una historia de la sexualidad? In: GIORDANO, R.;
GRAHAM, G. Grafías de Eros: Historia, gênero e identidades sexuales. Buenos
Aires: Edelp, 2000. p. 21-52.
HARDING, C. Introduction: Making sense of sexualiy. In: ____ Sexuality:
Psychoanalytic Perspectives. East Sussex: Brunner-Routledge, 2001. p. 1-17.
HARDING, C. The power of sex. In: ____ Sexuality: Psychoanalytic Perspectives. East
Sussex: Brunner-Routledge, 2001. p. 170-187.
HART, L. Lust for Innocence. In: DEAN, T.; LANE, C. (Org). Homosexuality and
Psychoanalysis. Chicago: University of Chicago Press, 2001. p. 288-305.
HAWKES, G. Sexuality and civilization: Weber and Freud. In: CARVES, T.;
MOTTIER, V. Politics of Sexuality: Identity, Gender, Citizenship. London: Routledge,
1998. p. 102-134.
HEILBORN, M. L. Dois é Par. Gênero e identidade sexual em contexto igualitário.
Rio de Janeiro: Garamond Universitária, 2004.
HEILBORN, M. L.; BRANDÃO, E. R. Introdução: Ciências sociais e sexualidade. In:
HEILBORN, M.L. (Org). Sexualidade. O olhar das ciências sociais. Rio de Janeiro:
Zahar, 1999, p. 7-17.
HEILBORN, M. L. Construção de si, gênero e sexualidade. In: ____. Sexualidade. O
olhar das ciências sociais. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1999.
HERDT, G.; BOXER, A. M. Ethnographic Issuesin the Study of AIDS. The Journal of
Sex Research, v. 28, n. 2, p. 171-187, maio. 1991.
HERZFELD, M. Cultural Intimacy: Social Poetics in the Nation State. New York:
Routledge, 1997.
INFANCIA Y JUVENTUD, revista on-line. ¿Pueden criar hijos las parejas
homosexuales? 2001 Diponível em
http://www.infanciayjuventud.com/anterior/polemica/polemica_6.html
Condultado 22/02/07
JACKSON JR, E. Toward a Polylogic Perversity. GLQ: Journal of Lesbian and Gay
Studies, v.9, n. 4, p. 499-555. c2003.
JÁUREGUI, C. La Homosexualidad en la Argentina. Buenos Aires: Tarso, 1987.
JOHNSON, M. Sexual Subjectivies and Ethnografhics Entanglements. GLQ: Journal
of Lesbian and Gay Studies, v.6, n. 1, p. 129-136. c2000.
229
KELLY, J. A. Popular opinion leaders and HIV prevention peer education: resolving
discrepant findings, and implications for the development of effective community
programmes. Aids Care, v. 16, n. 2, p. 1-12, nov. 2004.
KIRK, S. A.; KUTCHINS, H. Making a Manual. In: ____. The selling of DSM: The
Rhetoric of Science in Psychiatry. New york: Aldine de Gruyter, c1992. p. 77-120
KORNBLIT, A. L.; PECHENY, M.; VUJOSEVICH, J. Gays y Lesbianas: Formación
de Identidad y Derechos Humanos. Buenos Aires: La Colmena, 1998.
KULICK, D. Introduction: The Sexual Life of Antropologists: Erotic Subjectivity and
Ethnographic Work. In Kulick and Willson, op. cit. 1995.
KULICK, D. Travesti: Sex, Gender and Culture among Brazilian Transgendered
Prostitutes. Chicago: University of Chicago Press, 1998.
LAGO, R. F. Bissexualidade masculina: uma identidade negociada? In: HEILBORN,
M.L. (Org). Sexualidade. O olhar das ciências sociais. Rio de Janeiro: Zahar, 1999,
p. 157-173.
LAKOFF, A. Pharmaceutical Reason. Knowledge and Value in Global Psychiatry.
New York: Cambridge University Press, 2005.
LANCASTER, R. Subject Honor, Object Shame. In: LANCASTER, R Life is hard.
Machismo, Danger and the Intimacy of Power in Nicaragua. Berkeley, University of
California Press, 1992. p. 235-278.
LANDIM, L. Para além das ONG? Desenvolvimento de Base. v. 17, n. 1, p. 36-37.
1993.
LANE, C. Freud on Group Psychology: Shattering the Dream of a Common Culture. In:
DEAN, T.; LANE, C. (Org). Homosexuality and Psychoanalysis. Chicago: University
of Chicago Press, 2001. p. 147-167.
LAQUEUR, T. W. Making Sex. Gender and the body from Aristotle to Freud.
Cambridge, Massachussetts: Harvard University Press, 1990.
LARVIE, S. P. Managing Desire: Sexuality, Citizenship and Aids in Contemporary
Brazil. Phd Dissertation (Faculty of the Division of the Social Sciences), Department of
Psychology, University of Chicago, Chicago, 1998.
LARVIE, S. P. Querness and the Specter of Brazilian National Ruin. GLQ: A Journal
of Lesbian and Gay Studies. v. 5, n.4, p.527-558, 1998.
LESCANO, N.; RUSSO, E. Frida Kahlo: Un mito que pinta. Actualidad Psicológica.
Buenos Aires, ano: XXXIX, n. 320. p. 29-32, jun. 2004.
LEGUIZAMÓN, G. Bersani lee a Freud. Litoral. Córdoba, n. 30, p. 113-134, oct. 2000.
230
LEWIN, E. Writing lesbian and gay culture: what he natives have to say for themselves
(review article). American Ethnologist, v.18, n.4, p. 786-792. 1991.
LÉVI-STRAUSS, C. La sexualidad feminina y el origen de la sociedad. In:
GIORDANO, R.; GRAHAM, G. Grafías de Eros: Historia, gênero e identidades
sexuales. Buenos Aires: Edelp, 2000. p. 13-20.
LISTA Movimiento. Lista de discussão (web). Buenos Aires, 1999. Disponível em:
http://ar.groups.yahoo.com/group/movimiento/. Acesso em: 22/01/2007.
LOUREIRO, I. Psicanálise e Sexualidade: Crítica e Normalização. In: PISCITELLI, A.;
GREGORI M. F.; CARRARA, S. (Orgs). Sexualidades e Saberes: Covenções e
Fronteiras. Rio de Janeiro: Garamond, 2004. p. 81-94.
LUCIONI, I. La Clinica a Cien Años de Tres Ensayos de Teoría Sexual. [Seção
especial] Topía. Buenos Aires, ano XV, n. 44, p. 15 ago. 2005.
MACRAE, E. Os respeitáveis militantes e as bichas loucas. In: Caminhos Cruzados.
Linguagem, antropologia e ciências naturais. 1982.
MAFFÍA, D.; CABRAL, M. Los sexos§ son o se hacen§. In: MAFFÍA, D. (Org.).
Sexualidades migrantes: Género y trangénero. Buenos Aires: Feminaria, c2003. p.
86- 96.
MALINOWSKI, M. “Travestismo: entre el horror y la identidad”. Actualidad
Psicologica. Buenos Aires, ano: XXV, n. 281, p.27-29, nov. 2000.
MANALANSAN, M. F. IV. In the Shadows of Stonewall: Examining Gay
Transnational Politics and the Diasporic Dilemma. In: LOWE, L.; LLOYD, D. (Eds.).
Culture and Politics in the Shadows of Capital. Durham: Duke University Press,
1997. Não paginada.
MANZELLI, H.; PECHENY, M. Prevención del VIH/SIDA en ‘hombres que tienen
sexo con hombres. In: CÁCERES, C.; PECHENY, M.; TERTO Jr., V. (Eds.), SIDA y
sexo entre hombres en América Latina: Vulnerabilidades, fortalezas y propuestas
para la acción. Perspectivas y reflexiones desde la salud pública, las ciencias
sociales y el activismo. Lima: UPCH-ONUSIDA, 2002, p. 103-138.
MARTENS, V. Citoynneté, Discrimination et Préférence Sexualle. Bruxelas:
Facultés Universitaires Saint-Louis, 2004.
MASON, G. Introduction: impetus. In: ____. The Spectacle of Violence: Homophobia,
gender and Knowledge. London: New York: Routledge, 2002. p. 1-12.
MASON, G. Looking throught experience. In: ____. The Spectacle of Violence:
Homophobia, gender and Knowledge. London: New York: Routledge, 2002. p. 13-34.
MATA, R. Relativizando: Uma Introdução à Anropologia Social. Petrópolis: Vozes,
1983.
231
MATLOCK, J. ¿Y si la sexualidad no tuviera porvenir? In: GIORDANO, R.;
GRAHAM, G. Grafías de Eros: Historia, gênero e identidades sexuales. Buenos
Aires: Edelp, 2000. p. 115-140.
MAUAS, L. La Ética del Buen Decir en la Clínica de las Perversiones. Un Particular
Anudamiento entre la Versión del Padre y la Versión de la Ciencia. In: MAUAS, L.;
MOTTA, C. A. (Comps.). Los Estragos Contemporáneos y sus Incidencias Clínicas.
Presentaciones Clínicas. Buenos Aires: Instituto del Campo Freudiano: Grupo de
investigación Psicoanálisis y SIDA: Subjetividad de la Época, 1998. p. 45-65.
(Colección Aleph Analítico).
MAUAS, L.; SIERRA W. Reseña socio-histórica de las uniones del mismo sexo.
Enlaces. Buenos Aires: EOL, n. 1, p. 19-22, abr. 1999.
MECCIA, E. La cuestión gay: un enfoque sociológico. Buenos Aires: Gran Aldeia
Editores- GAE, 2006.
MONTERO, J. H. R. et al. Adopción. La caída del prejuicio: Projecto de Ley
Nacional de Unión Civil. Buenos Aires: Editores del Puerto: Cominidad Homosexual
Argentina, 2004.
MONZÓN, I. Lesbianas siglo XXI. Actualidad Psicologica. Buenos Aires, ano: XXV,
n. 281, p.15-18, nov. 2000.
MONZÓN, I. Preguntas y reflexiones. In: Primer Encuentro Argentino de
Psicoterapeutas Gays, Lesbianas y Bisexuales, Buenos Aires. Caderno de Resumos...
Buenos Aires: Grupo Nexo, n/d, p.27-29. Não publicado.
MOREIRA, D. Los destinos del deseo y la identificación. Actualidad Psicologica.
Buenos Aires, ano: XXV, n. 281, p.24-26, nov. 2000.
MORRIS, R. C. All Made Up: Performance Theory and the New Anthropology of Sex
and Gender. Annual Review of Anthropology. v. 24, p. 567-592. c2005.
MURRAY, S. Latin American Male Homosexualities. Albuquerque: University of
New Mexico Press, 1992.
MURRAY, S. Machismo, Male Homosexuality and Latino Culture. In: MURRAY, S.
Latin American Male Homosexualities. Albuquerque: University of New Mexico
Press, 1992. p. 49-70.
MURRAY, S. Los Activos y Los Pasivos: Simplistic Cultural Norms and Not-So-
Simple Homosexual Conduct in Latin America. In: MURRAY, S. Homosexualities.
Chicago, University of Chicago Press, 2000. p. 291-301.
NEIBURG, F.; PLOTKIN, M. Intelectuales y expertos. Hacia una sociología histórica
de la producción de conocimiento sobre la sociedad en la Argentina. In: ____.
Intelectuales y Expertos. La constitución del conocimiento social en la Argentina.
Buenos Aires: Paidós, 2004. p.15-30.
232
NEXO ASOCIACIÓN CIVIL Curso de Orientadores en vih-sida. Buenos Aires:
Nexo Asociación Civil (mimeo), 2002. Não publicado.
NEXO ASOCIACIÓN CIVIL A modo de Introducción. In: Primer Encuentro Argentino
de Psicoterapeutas Gays, Lesbianas y Bisexuales, Buenos Aires. Caderno de
Resumos... Buenos Aires: Grupo Nexo, n/d, p. 3. Não publicado.
NORIEGA, G. N. Sexo Entre Varones: Poder y Resistencia en el Campo Sexual.
México: El Colegio de Sonora, 1999.
NX Dossier. Buenos Aires: Grupo Nexo, ano 11, n. 101, mayo. 2004.
NX: PERIODISMO GAY PARA TODOS. Coming Out: La Construcción de Nuestra
Identidad. Buenos Aires, V (52-março):4.
NX: PERIODISMO GAY PARA TODOS. Buenos Aires: Grupo Nexo, ano VI, n. 71,
oct. 1999.
NX: PERIODISMO GAY PARA TODOS. Buenos Aires: Grupo Nexo, ano VII, n.
76, março. 2000.
NX Positivo. Buenos Aires: Grupo Nexo, n. 64, mar. 1999.
OLIVEIRA, L. de. Gestos que Pensam: Performance de gênero e práticas
homosexuais em contexto de camadas populares. 2006. 112f. Dissertação (Mestrado
em Saúde coletiva) – Instituto de Medicina Social, Universidade do Estado do Rio de
Janeiro, Rio de Janeiro, 2006.
ONUSIDA. Fuerza de Trabajo en HSH y VIH/SIDA para América Latina y el
Caribe. Documento de trabajo. 2003a
ONUSIDA. Planeación Operativa de la Fuerza de Trabajo en HSH y VIH/SIDA.
América Latina y el Caribe. Brochura. n/d.
ONUSIDA. Informe Epidemiológico de VIH/SIDA. Boletim, ano 8. 2003b
OROZCO, Y. Algunas reflexiones acerca del “Síndrome” de Ocultamiento. In: Primer
Encuentro Argentino de Psicoterapeutas Gays, Lesbianas y Bisexuales, Buenos Aires.
Caderno de Resumos... Buenos Aires: Nexo Asociación Civil, n/d, p. 23-26. Não
publicado.
PAGINA 12. El derecho a la diferencia. Buenos Aires, p. 1-3, 14 dez. 2002.
PARKER, R. Youth, Identity, and Homosexuality: The Changing Shape of Sexual Life
in Contemporary Brazil. In: Gay and Lesbian Youth. Haworth Press, c1989.
PARKER, R. A Construção da Solidariedade. Aids, Sexualidade e Política no
Brasil. Rio de Janeiro, ABIA – IMS/UERJ: Relume-Dumará, 1994.
233
PARKER, R. Corpos, Prazeres e Paixões: cultura sexual no Brasil contemporâneo.
São Paulo: Best Seller, 1992.
PARKER, R. Beneath the Equator: cultures of desire, male homosexuality and
emerging gay communities in Brazil. NewYork: Routledge, 1999.
PARKER, W. Homosexuality in History: An Annotated Bibliography. Journal of
Homosexuality. New York, v. 6, n. 1 / 2, p. 191-210. 1980/81.
PECHENY, M. La Construction de l’Avortement et du Sida en tant que Questions
Politiques: le Cas de l’Argentine. Villeneuve d’Ascq : Presses Universitaires du
Septentrion, 2001.
PECHENY, M. Identidades discretas. In: ARFUCH, L. (comp.) Identidades, sujetos y
subjetividades. Buenos Aires: Prometeo libros, 2002, p.125-148.
PECHENY, M. Lógicas de Acción Coletiva de Los Movimientos por Los Derechos
Sexualis : Un Análisis con Aires Abstractos de Experiencias Bien Concretas. In:
Cáceres, C. F. et al. (Eds.). Ciudadanía Sexual en América Latina. Abriendo el
debate. Lima: UPCH, 2004. p. 203-216.
PECHENY, M. “Yo no soy progre, soy peronista” : ¿por qué es tan difícil discutir
políticamente sobre aborto? In: Cáceres, C. F. et al. (Eds.). Sexualidad, Estigma y
Derechos Humanos: Desafíos para el acceso a la salud en América Latina. Lima:
UPCH, 2006. p. 251-270.
PERLONGHER, N. “Historia del Frente de Liberación Homosexual”. In: ____. Prosa
Plebeya: Ensayos 1980-1992. Buenos Aires: Colihue, 1985-1997. p. 77-84.
PERLONGHER, N. O negócio do Michê: prostitiução viril em São Paulo. São Paulo:
Brasiliense, 1987.
PERLONGHER, N. Deseo y Política. In: ____. Prosa Plebeya: Ensayos 1980-1992.
Buenos Aires: Colihu, 1995. p. 25-92.
PIEKE, F. N. Serendipity: Reflections on Fieldwork in China. In: Dresch; James;
Parkin, (Eds.). Anthropologists in a Wider World. New York: Berghahn Books, 2000.
p.129-150.
PIGG, S. L.; ADAMS, V. Introduction: The Moral Object of Sex. In: ____. Sex in
Development: Science, Sexuality, and Morality in Global Perspective
PLOTKIN, M. The Diffusion of Psychoanalysis in Argentina. Latin American
Research Review, v. 33, n. 2, p. 271-278. 1998.
PLOTKIN, M. Freud in the Pampas: The Emergence and Development of a
Psychoanalytic Culture in Argentina. Stanford: Sanford University Press, 2001.
PLOTKIN, M. Sidonie Csillag, el fracaso de Freud. Ñ, Buenos Aires, n. , p. 24-25.
2004.
234
PLUMMER, K. The Lesbian and Gay Moviment in Britain: Schisms, Solidarities, and
Social Worlds. In: ADAM, B. D; DUYVENDAK, J. & KROUWEL, A. (Org.). The
Global Emergence of Gay and Lesbian Movements: National Imprints of a
Worldwide Movement. Philadelphia: Temple University Press, 1999. p. 133-157.
PLUMMER, K. La Cuadratura de La Ciudadanía Íntima. Algunas Propuestas
Preliminares. In: OSBORNE, R.; GUASCH, O. (Org.). Sociología de la sexualidad.
Madrid: Siglo Veintiuno, 2003. p. 25-50.
POLLAK,M. Attitudes, Beliefs and Opinions. In: POLLAK, M.; PAICHELER, G.;
PIERRET, J. (Org.). AIDS: A Problem to Sociological Research. London: Sage:
International Sociological Press, 1992. p. 25-35.
POLLAK,M. Organizing The Figth Against AIDS. In: POLLAK, M.; PAICHELER, G.;
PIERRET, J. (Org.). AIDS: A Problem to Sociological Research. London: Sage:
International Sociological Press, 1992. p. 36-65.
POMMIER, G. Perspectiva sobre la disposición de las homosexualidades. In: ____. El
Orden Social. Buenos Aires: Amorrortu, 1995. p.120-144.
POVINELLI, E. Radical Worlds: The Anthropology of Incommensurability and
Inconceivability. Annual Review of Anthropology. California, v. 30, p. 319-334.
2001.
POVINELLI, E.; CHAUNCEY, G. Thinking Sexuality Transnationally. An
Introduction. GLQ: Journal of Lesbian and Gay Studies, v. 5, n.4. p. 439-450. 1999.
PRIEUR, A. Mema’s House, Mexico City. On transvestites, Queens and Machos.
Chicago: The University of Chicago Press, 1998.
QUEER. Buenos Aires: Labrys Asoc. Civil, ano 2, n. 14, jun. 2003
RABINOW, P. Midst Anthropology`s Problems. In: COLLIER, S.; ONG, A. (Ed.).
Global Assemblages. Technology, Politics and Ethics as Anthropological Problems.
Oxford: Blackwell, 2005. p. 40-54.
RAGLAND, E. Lacan and the Homosexualle: “A Love Letter”. In: DEAN, T.; LANE
C. Homosexuality and Psychoanalysis. Chicago: University of Chicago Press, 2001. p.
98-119.
RAPISARDI, F.; MONDARELLI, A. Fiestas, Baños y Exilios. Los gays porteños en
la última dictadura. Buenos Aires: Sudamericana, 2001.
RAPISARDI, F. Encuentro con Flavio Rapisardi. Opacidades. Buenos Aires, ano. 2, p.
243-268, nov. 2002.
RAPISARDI, F. Regulaciones políticas: identidad, diferencia y desigualdad. Una crítica
al debate contemporáneo. In: MAFFÍA, D. (Org.). Sexualidades migrantes: Género y
trangénero. Buenos Aires: Feminaria, c2003. p. 97- 116.
235
RIBEIRO, G. L. Descotidianizar: extrañamiento y conciencia práctica. Un ensayosobre
a perspectiva antropológica. Cuadernos de Antropologia Social, Buenos Aires, v. 1, n.
2, p. 65-70. 1989.
RIEDER, I.; VOIGT, D. Sidonie Csillag: Homosexuelle Chez Freud Lesbienne Dans
Le Siècle. Paris: EPEL, 2003.
RITVO, J. B. El matrimonio homosexual. Imago Agenda. Buenos Aires, ano: XXV, n.
93, p. 40 , sept. 2005.
ROBINSON, P. Freud and Homosexuality. In: DEAN, T.; LANE, C. Homosexuality
and Psychoanalysis. Chicago: University of Chicago Press, 2001. p. 91-97.
RODRÍGUEZ, J. Endeblez ejecutiva: Cuestiones acerca de la traducción. Topía.
Buenos Aires, ano XV, n. 44, p. 8-9, ago. 2005.
ROFEL, L. Qualities of Desire. Imagining Gay Identities in China. GLQ: Journal of
Lesbian and Gay Studies, v. 5, n.4. 1999. p. 451-474.
ROMÁN, D. Net-About-AIDS. GLQ: Journal of Lesbian and Gay Studies. v. 6, n. 1,
p. 1-28. c2000.
ROSARIO (Cidade). Secretaría de Salud Pública. Programa Municipal de SIDA y
Sistema Minicipal de Epidemiología. Boletín Epidemiológico de VIH/SIDA. Rosario,
2005.
ROUDINESCO, E. A Família em Desordem. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003.
ROUDINESCO, E. [La homosexualidad va a banalizarse]. Buenos Aires, junio de
2004. Entrevista con Sebastián Plut na revista Actualidad Psicológica. Buenos Aires,
ano: XXXIX, n. 320. p. 14-16, jun. 2004.
ROUSSILLON, R. Narcisismo y perversión. Actualidad Psicológica. Buenos Aires,
ano: XXXIX, n. 320. p. 17-20, jun. 2004.
RUEDA, A. Travestismo. Imago Agenda. Buenos Aires, ano: XXV, n. 93, p. 34-35 ,
sept. 2005.
RUSSO, J. O Corpo contra a Palavra: As terapias corporais no campo psicológico dos
anos 80. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1993.
RUSSO, J. Do Desvio ao Transtorno: A Medicalização da Sexualidade na Nosografia
Psiquiátrica Contemporânea. In: PISCITELLI, A.; GREGORI M. F.; CARRARA, S.
(Orgs). Sexualidades e Saberes: Covenções e Fronteiras. Rio de Janeiro: Garamond,
2004. p. 95-114.
RUSSO, J. Sexualidade e classificação psiquiátrica: o caso das disfunções sexuais. In:
Cáceres, C. F. et al. (Eds.). Sexualidad, Estigma y Derechos Humanos: Desafíos para
el acceso a la salud en América Latina. Lima: UPCH, 2006. p. 271-282.
236
RUSSO, J.; VENÂNCIO, A. T. A. Classificando as pessoas e suas perturbações: a
“revolução terminológica” do DSM III. Rev. Latinoam. Psicopat Fund. São Paulo,
ano ix, n. 3, p. 460-483, set. 2006.
RUSSO, P.; SÁNCHEZ, B. Editorial: Hablemos del matrimonio! Enlaces. Buenos
Aires: EOL, n. 1, p. 1-3, abr. 1999.
RYAN, J. Can Psychoanalysis Understand Homophobia? Resistance in the Clinic. In:
DEAN, T.; LANE, C. (Org.). Homosexuality and Psychoanalysis. Chicago:
University of Chicago Press, 2001. p. 307-321.
SALESSI, J. Médicos, Maleantes y Maricas. Rosario: Beatriz Viterbo, 1995.
SARDÁ, A. La invasión de la otra ciudadanía. Escrita en el Cuerpo, servicio
electrónico de noticias, aug. 1996a. Não disponível.
SARDÁ, A. Prohibido discriminar en Buenos Aires. Escrita en el Cuerpo, servicio
electrónico de noticias, aug. 1996b. Não disponível.
SARDÁ, A. Bisexualidad, ¿Un Disfraz de la Homofobia Internalizada? In: Primer
Encuentro Argentino de Psicoterapeutas Gays, Lesbianas y Bisexuales, Buenos Aires.
Caderno de Resumos... Buenos Aires: Nexo Asociación Civil, n/d, p. 33-37. Não
publicado.
SARLO, B. Una modernidad periférica: Buenos Aires 1920 y 1930. Buenos Aires:
Nueva Visión, 2003.
SEBRELI, J. J. La Historia Secreta de la Homosexualidad en la Argentina. In: ____.
Escritos sobre Escritos, Ciudades sobre Ciudades. Buenos Aires: Sudamericana,
1997. p. 275-370.
SEDGWICK, E. K. Epistemology of the Closet. Berkeley: University of California
Press, 1990.
SEDGWICK, E. K. White Glasses. The Yale Journal of Criticism. Yale, v. 5, n. 3, p.
193- 208. c1992.
SEDGWICK, E. K. Epistemología del closet. In: GIORDANO, R.; GRAHAM, G.
Grafías de Eros: Historia, gênero e identidades sexuales. Buenos Aires: Edelp, 2000.
p. 53-86.
SÍVORI, H. El cana como entendido. ‘El Estado’ y la cultura íntima de los varones
homosexuales en Argentina, 1983-1996. In: Cáceres, C. F. et al. (Eds.). Ciudadanía
Sexual en América Latina. Abriendo el debate. Lima: UPCH, 2004. p. 239-259
SÍVORI, H. Locas, chongos y gays. Sociabilidad homosexual masculina durante la
década de 1990. Buenos Aires: CAS/IDES: Antropofagia, 2005.
237
SMITH, G.; BARTOS, M. State-sponsored Gayness: Ghettoization as a Response to
HIV/ AIDS. In: AGGLETON, P.; DAVIES, P.; HART, G (Ed.). AIDS: Activism and
Alliances. Bristol: Taylor and Francis, 1997.
SPIEGEL, A. The Dictionary of Disorder: How one man revolutionized psychiatry. The
New Yorker. New York, v. LXXX, n. 41, p. 56-63, jan. 2005.
STOPPIELLO, L. A. Un caso de elección premeditada de bisexualidad. Actualidad
Psicológica. Buenos Aires, ano: XXXIX, n. 320. p. 21-25, jun. 2004.
STRATHERN, M. The Limits of Auto-Anthropology. In: JACKSON, A. (Ed.).
Anthropology at Home. Londres: Tavistock, 1987. p.16-37.
STRATHERN, M. Una Relación Dificultosa: el Caso del Feminismo y la Antropología.
Feminaria III (6): 1-9, 1990.
STUBRIN, J. Sexualidades y Homosexualidades. Buenos Aires: Kargieman, 1993.
TAYLOR, C. Mexican Male Homosexual Interaction in Public Contexts. In:
BLACKWOOD, E. (Ed.). The Many Faces of Homosexuality. New York, Harrington
Park Press, 1986. p. 117-36.
TERTO JUNIOR, V. Male Homosexuality and Seropositivity: The Construction of
Social Identities in Brazil. In: PARKER BARBOSA AGGLETON Framing the Sexual
Subject. The Politics of Gender, Sexuality, and Power. Berkeley, University of
California Press, 2000.
TURKLE, S. Psychoanalytic Politcs: Freud`s French Revolution. London: Burnett
Books: André Deutsch, 1979.
ULLOA, F. La Clinica a Cien Años de Tres Ensayos de Teoría Sexual. [Seção especial]
Topía. Buenos Aires, ano XV, n. 44, p. 15-16, ago. 2005.
UNAIDS. ILGA World Conference. Preconference: MSM & Gay Mens`s Health
(Statement). Geneva, 29 mar. 2006.
UNAIDS. Men who have sex with men, HIV prevention and care. (Report). Geneva,
29 mar. 2006
VALLE, Carlos G. O. The Making of People Living with HIV and AIDS: identities,
illness and social organization in Rio de Janeiro, Brazil. PhD Thesis. University of
London, London College, 2000.
VALLE, C. G. O. Identidades, Doença e Organização Social: Um Estudo das Pessoas
Vivendo com HIV e Aids. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, v.8 n.17, p. 179-
210. 2002.
VELHO, G. Individualismo e Cultura. Notas para uma Antropologia
Contremporânea. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1981.
238
VELHO, G. “Observando o familiar”, em Individualismo e Cultura. Notas para uma
Antropologia da Sociedade Contemporânea. Rio de Janeiro: Zahar, 1981.
VELHO, G. Desvio e Divergência. Uma crítica da patologia social. Rio de Janeiro:
Zahar, 1980.
VEZZETTI, H. El psicoanálisis y la Cultura Intelectual. Punto de Vista (44), p. 33-37,
1992
VEZZETTI, H. Los comienzos de la psicología como disciplina universitaria y
profesional: debates, herencias y proyecciones sobre las sociedad. In: NEIBURG, F.;
PLOTKIN M. (Org.) Intelectuales y Expertos. La constitución del conocimiento
social en la Argentina. Buenos Aires: Paidós, 2004. p.293-326.
VEZETTI, H. Pasado y presente. Guerra, dictadura y sociedad en Argentina.
Buenos Aires: Siglo XXI, 2002.
VIANNA, A. R. B. Quem deve guardar as crianças? Dimensões tutelares da gestão
contemporânea da infância. In: LIMA, A. C. S. (Org). Gestar e Gerir. Rio de Janeiro:
NUAP: Relume-Dumará, 2003. p.271-312.
VIDELA, M. Niños “prisioneros” del vínculo de un sexo. Secuelas en su identidad.
Trabalho apresentado na 4ª Jornada de Homenaje al Dr. Pichon Riviere, 2001
Disponível em http://www.infanciayjuventud.com/anterior/academic/academ_2.html,
consultado em 22/02/07.
VILA, M. E.; MAULEN, S. Vigilancia epidemiológica: una herramienta estratégica.
Infosida. Buenos Aires, ano 3, n. 3, out, p. 18-21. 2003.
VISACOVSKY, S. El Lanús. Memoria y política en la construcción de una
tradición psiquiátrica y psicoanalítica argentina. Buenos Aires: Alianza, 2002.
VISACOVSKY, S. Genealogias rompidas: memória, política e filiação na psicanálise
argentina. Mosaico, revista de ciências sociais. Vitória, v. I, n.1, p.197-225. 1998.
VOLNOVICH, J. C. La heterosexualidad compulsiva y sus desafíos. Imago Agenda.
Buenos Aires, ano: XXV, n. 93, p. 23-27 , sept. 2005.
VOLNOVICH, J. C. Dossier: Cien años de Tres ensayos de Teoría Sexual: La
Sexualidad Hoy. Topía. Buenos Aires, ano XV, n. 44, p. 4-6, ago. 2005.
VOX. Rosario: VOX Asociación Civil, n. 23, mar. 2004.
WARNER, M. Homo-Narcissism or Heterosexuality. In: BOONE, J.A.; LADDEN, M.
(Org.). Engendering men the questions of role feminist criticism. New York:
Routledge, 1990. p. 191-206.
WEBER, M. El Politico y el Científico. Madrid: Alianza, 1967.
239
WEEKS, J. El Malestar de la Sexualidad. Significados, Mitos y Sexualidades
Modernas. Madrid, Talasa,1993
WELLER, S. Resultados de análisis de VIH no retirados: un “ruido” que debemos
escuchar. Infosida. Buenos Aires, ano 3, n. 3, out, p. 50-53. 2003.
WESTON, K. Lesbian/Gay Studies in the House of Anthropology. Annual Review of
Anthropology, n. 22, p.339-67. 1993.
WIDDER, F. L. Fetichismo en la infancia ¿un equívoco? Actualidad Psicológica.
Buenos Aires, ano: XXXIX, n. 320. p. 26-28, jun. 2004.
YOUNG, R. M. Locating and relocating psycoanalytic ideas of sexuality. In:
HARDING, C. Sexuality: Psychoanalytic Perspectives. East Sussex: Brunner-
Routledge, 2001. p. 18-34.
ZEIGER, C. Confesiones de invierno. Página 12, suplemento Radar, 02/09/01, p.3.
240
ANEXO I
TEXTO APROVADO
LEI DE UNIÃO CIVIL Nº 1004
Artículo 1°: Unión Civil: A los efectos de esta ley, se entiende por Unión Civil
a) A la unión conformada libremente por dos personas con independencia de su sexo u
orientación sexual.
b) Que hayan convivido en una relación de afectividad estable y pública por un período
mínimo de dos años, salvo que entre los integrantes haya descendencia en común.
c) Los integrantes deben tener domicilio legal en la Ciudad Autónoma de Buenos Aires,
inscripto con por lo menos dos años de anterioridad a la fecha en la que solicita la
inscripción
d) Inscribir la unión en el Registro Público de Uniones Civiles.
Art. 2º: Registro Público de Uniones Civiles: Créase el Registro Público de Uniones
Civiles, con las siguientes funciones:
a) Inscribir la unión civil a solicitud de ambos integrantes, previa verificación del
cumplimiento de los requisitos dispuestos en la presente ley.
b) Inscribir, en su caso, la disolución de la unión civil.
c) Expedir constancias de inscripción o disolución a solicitud de cualquiera de los
integrantes de la unión civil.
Art. 3º: Prueba: El cumplimiento de los requisitos establecidos en el artículo 1º, a los
efectos de proceder a la inscripción de la unión civil, se prueba por testigos en un
mínimo de dos (2) y un máximo de cinco (5), excepto que entre las partes haya
descendencia en común., la que se acreditará fehacientemente
Art. 4º: Derechos: Para el ejercicio de los derechos, obligaciones y beneficios que
emanan de toda la normativa dictada por la Ciudad, los integrantes de la unión civil
tendrán un tratamiento similar al de los cónyuges.
ART. 5º: Impedimentos: No pueden constituir una unión civil:
a) Los menores de edad.
b) Los parientes por consanguinidad ascendiente y descendiente sin limitación y los
hermanos o medio hermanos.
c) Los parientes por adopción plena, en los mismos casos de los incisos b y e. Los
parientes por adopción simple, entre adoptante y adoptado, adoptante y descendiente o
cónyuge del adoptado, adoptado y cónyuge del adoptante, hijos adoptivos de una misma
persona, entre sí y adoptado e hijo del adoptante. Los impedimentos derivados de la
adopción simple subsistirán mientras ésta no sea anulada o revocada.
d) Los parientes por afinidad en línea recta en todos los grados.
e) Los que se encuentren unidos en matrimonio, mientras subsista.
f) Los que constituyeron una unión civil anterior mientras subsista.
g) Los declarados incapaces.
241
Art. 6º: Disolución: La unión civil queda disuelta por:
a) Mutuo acuerdo.
b) Voluntad unilateral de uno de los miembros de la unión civil.
c) Matrimonio posterior de uno de los miembros de la unión civil.
d) Muerte de uno de los integrantes de la unión civil.
En el caso del inciso b, la disolución de la unión civil opera a partir de la denuncia
efectuada ante el Registro Público de Uniones Civiles por cualquiera de sus integrantes.
En ese acto, el denunciante debe acreditar que ha notificado fehacientemente su
voluntad de disolverla al otro integrante de la unión civil.
Art. 7º: El Poder Ejecutivo dictará las disposiciones reglamentarias para la aplicación
de lo establecido en la presente ley en un plazo de 120 días corridos desde su
promulgación.
Art. 8º :Comuníquese, etc.
FONTE: http://www.cha.org.ar
242
ANEXO II
MATÉRIA PAGA DA COMUNIDAD HOMOSEXUAL ARGENTINA
JORNAL CLARÍN, 1984
SOLICITADA
CON DISCRIMINACIÓN Y REPRESIÓN
NO HAY DEMOCRACIA
Los integrantes de la Comunidad Homosexual Argentina, compuesta por
más de 1.500.000 de ciudadanos y ciudadanas, manifestamos a la
opinión pùblica que:
La Organización Mundial de la Salud (O.M.S.) de la cual participa la
República Argentina como país miembro de las Naciones Unidas, ha
retiradp la homosexualidad de su lista de enfermedades.
No existirá democracia verdadera si la sociedad permite la subsistencia
de sectores marginados y de los diversos métodos de represión aún
vigentes.
Como personas que:
trabajamos
estudiamos
sentimos
amamos
nos preocupamos por la realidad nacional
y transitamos junto a Ud. los duros años de la dictadura...
EXIGIMOS
1) La derogación de las leyes y edictos que reprimen nuestras libertades
individuales.
2) El cese inmediato de toda represión en los lugares frecuentados por
nuestra comunidad.
3) La libre elección y ejercicio de la sexualidad. Así como el fin de toda
discriminación sexual en lo laboral, social y moral.
5) La investigación y esclarecimiento de de los asesinatos de
homosexuales.
6) El cese de la campaña difamatoria contra los homosexuales, que
quieren asociarnos con la drogadicción, prostitución y corrupción.
Por ello propugnamos el total restablecimiento de las libertades
individualesy la vigencia de los Derechos Humanos garantizados por la
Constitución Nacional-
COMUNIDAD HOMOSEXUAL ARGENTINA
ASOCIACIÓN CIVIL
Prof. Carlos Luis Jáuregui Alejandro Salazar
Presidente Vicepresidente
Clarin, 28 de maio de 1984
F
ONTE: Jauregui, 1987, p. 225.
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo