Esse resultado não se fez esperar. Não tardou muito que Ernesto não começasse a sentir
que estava mal. Tanto bastou para que nunca mais pudesse dominar o animal. Este,
como se pudesse conhecer o enfraquecimento do cavaleiro e os desejos secretos de
Valentim, redobrou a violência dos seus movimentos. A cena tornou-se então mais séria.
Um sorriso que pairava nos lábios de Ernesto desapareceu; o moço foi tomando uma
posição grotesca quando só tinha presente a idéia de cair e não a idéia de que estava
diante de mulheres, entre as quais estava Clarinha. Por mal dos pecados, se havia de cair
como Hipólito, calado e nobre, começou a soltar uns gritos entrecortados. As damas
assustaram-se, entre elas Clarinha, que mal podia dissimular o terror de que se achava
possuída. Mas quando o cavalo, com um movimento mais violento, deitou o cavaleiro na
relva, e que, depois de cair prosaicamente estendido, levantou-se sacudindo o paletó,
houve uma grande gargalhada geral.
Então, Valentim, para tornar a situação de Ernesto mais ridícula ainda, mandou chegar o
cavalo e montou.
— Aprende, olha, Ernesto.
E com efeito, Valentim, airoso e tranqüilo, sopeava os movimentos do animal e
cumprimentava as senhoras. Foi uma tríplice bateria de aplausos. Nesse dia um foi o
objeto das palmas de todos, como o outro fora o objeto da pateada geral.
O próprio Ernesto, que ao princípio quis meter o caso à bulha, não pôde fugir depois à
humilhação da sua derrota. Essa humilhação foi completa quando Clarinha, mais
compadecida que despeitada com a situação dele, procurou consolá-lo da figura que
fizera. Ele viu nas consolações de Clarinha uma confirmação à sua derrota. E não está
bem o amante que inspira mais compaixão que amor.
Ernesto reconheceu por instinto esse desastroso inconveniente; mas como remediá-lo?
Curvou a cabeça e protestou não cair noutra. E deste modo terminou a sua primeira
humilhação como termina o nosso quarto capítulo.
V
Fazia anos o pai de Clarinha. A casa estava cheia de amigos e parentes. Havia uma festa
de família com os parentes e os amigos para celebrar aquele dia.
Desde a cena do cavalo até o dia dos anos do velho, já Valentim tinha armado a Ernesto
mais dois laços do mesmo gênero, cujo resultado era sempre expor o pobre rapaz ao
motejo dos outros. Todavia, Ernesto não atribuía nunca intenções malignas ao primo, que
era o primeiro a compungir-se dos infortúnios dele.
O dia do aniversário do sogro era para Valentim um dia excelente: mas que fazer? que
nova humilhação, que novo ridículo preparar ao rapaz? Valentim, tão fértil de ordinário,
não achava nada naquele dia.
O dia passou-se nos folguedos próprios de uma festa aniversária como aquela. A casa
era fora da cidade. Folgava-se melhor.
À hora própria serviu-se um jantar esplêndido. O velho tomou a cabeceira da mesa, entre
a filha e a irmã; seguiu-se Valentim e Ernesto, e o resto sem ordem de precedência.
No meio da conversa animada que acompanhou o jantar desde o princípio, Valentim teve
uma idéia e preparou-se para praticá-la à sobremesa. Entretanto, correram as saúdes
mais cordiais e mais entusiásticas.
Notou-se, porém, que Ernesto do meio do jantar em diante ficara triste.
Que seria? Todos perguntavam, ninguém sabia responder, nem mesmo ele, que teimava
em recolher-se ao mais absoluto silêncio.
Valentim levantou-se então para fazer a saúde de Ernesto, e pronunciou algumas
palavras de entusiasmo cujo efeito foi fulminante. Ernesto durante alguns minutos viu-se o
objeto de aplausos que lhe valiam as pateadas da montaria.
Uma coisa o perdeu, e nisto estava o segredo de Valentim. Ernesto quis responder ao
speech de Valentim. A tristeza que se lhe notara antes era o resultado de uma desastrada