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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
Programa de Estudos Pós Graduados em Comunicação e Semiótica
“ESTÉTICA RELACIONAL NA CIBERCULTURA”
Visão social dos coletivos Superflex e De Geuzen a respeito da
linguagem digital
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA
SÃO PAULO
2009
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ANA CAROLINA DA CUNHA
“ESTÉTICA RELACIONAL NA CIBERCULTURA”
Visão social dos coletivos Superflex e De Geuzen a respeito da
linguagem digital
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM COMUNICAÇÃO E
SEMIÓTICA
São Paulo
2009
Dissertação apresentada à Banca Examinadora
da Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, como exigência parcial para obtenção
do título de mestre em Comunicação e
Semiótica, sob a orientação do Prof. Doutor
Eugênio Rondini Trivinho.
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Ao papai Antonio, à mamãe Sonia e ao meu amigo e orientador pessoal Fabio Oliveira
Nunes, sem os quais não chegaria ate aqui.
Agradeço à Secretaria de Educação do Estado de São Paulo e especialmente aos Profs. Drs.
Eugenio Rondini Trivinho e Hermes Renato Hidelbrand e à Profa. Dra. Giselle
Bielguemam, que me apoiaram e me encorajaram de forma ética e construtiva para a
elaboração deste trabalho.
RESUMO
A presente pesquisa tem como principal objetivo a análise dos
projetos Karlskrona 2 e
Superchannel
,
do coletivo Superflex, da Dinamarca, e os projetos Frivolity and Folly e Fripperies
and Trimmings
,
do grupo De Geuzen, da Holanda, à luz da teoria da estética relacional de Nicolas
Bourriaud. A partir dos anos 1990, Bourriaud estabeleceu parâmetros para a produção artística
contemporânea que se calcava nas e se corporificava a partir das trocas sociais. Dado esse
referencial teórico, a relevância da pesquisa reside no fato de centrar-se em produções que
utilizam o ciberespaço e a linguagem digital como meios de divulgação e transmissão de
propostas artísticas ferramentas e linguagem até então vistas com ressalva por Bourriaud. O
problema da pesquisa, teórico em última análise, reside justamente nessa tensão interna entre a
estética relacional do filósofo francês e o corpus escolhido. Grupos relacionais consagrados, como
o De Geuzen e o Superflex, defendem o uso dos aparatos tecnológicos e declaram que, em
algumas propostas artísticas, a tecnologia e a internet facilitam e potencializam objetivos de
intercâmbio social. Ambos os grupos focam mais as relações em rede que a internet proporciona
do que as tecnologias que ela encerra. Utilizam as linguagens digitais como ferramentas
relacional-comunicacionais. Dessa forma, fica claro que, diferentemente do que pensava
Bourriaud, não é pelo fato de esses grupos utilizarem a tecnologia que eles perdem o seu caráter
relacional. Para a demonstração dessa perspectiva reflexiva, foram consideradas, durante a
pesquisa, as teorias de Lemos, Lovejoy, Lévy, Trivinho, Virílio e Baudrillard sobre a cibercultura,
bem como as reflexões de Musso, Parente, Prado, Latour e Miltrop, entre outros, a respeito das
redes. A teoria da sociedade em rede, concebida por Castells e para a qual contribuiu Mafessoli,
teve importância relevante no trabalho. Outras constatações importantes foram realizadas
mediante pesquisa direta em páginas eletrônicas dos grupos, bem como por meio de análise
pessoal das obras e de acesso a documentos apresentados pelos grupos em simpósios e
publicações eletrônicas. Em complementação ao corpus do estudo, manifestações artísticas que
utilizam
,
como base fundamental de produção
,
a tecnologia e as trocas sociais também foram
apresentadas, como, por exemplo
,
as propostas de dia tática e mídia locativa e as
experimentações em redes sociais.
Palavras-chave: 1. Arte contemporânea; 2. Estética relacional; 3. Net art; 4. Cibercultura; 5.
Trocas sociais; 6. Redes.
ABSTRACT
This research has as main objective the analysis of projects 2 and Karlskrona
Superchannel of collective Superflex, Denmark, and projects Frivolity and Folly and
Fripperies and Trimmings, of the group De Geuzen, the Netherlands, in the light of the theory
of relational aesthetics of Nicolas Bourriaud. From the 1990s, Bourriaud set the parameters
for contemporary artistic production that is based on and is embodied from social exchanges.
Given this theoretical framework, the relevance of the research lies in the fact that focus on
productions that use digital cyberspace and language as means of dissemination and
transmission of artistic proposals - language and tools then viewed with reservation by
Bourriaud. The problem of research, ultimately theoretical, lies precisely in this tension
between the internal relational aesthetics of the French philosopher and the chosen corpus.
Established relational groups, such as De Geuzen and Superflex, advocate the use of
technological devices and declare that, in some art propositions, technology and the Internet
facilitate and potentialize objectives of social exchange. Both groups focus more on the
network relations provided by the Internet than the technology it encloses. They both make
use of the digital language as relational/communicational tools. Thus, it is clear that, unlike
what Bourriaud thought, it is not the fact that these groups use the technology that they lose
their relational character. For the demonstration of this reflexive perspective, this work has
considered alongside the research, the theories of Lemos, Lovejoy, Lévy, Trivinho, Virilio
and Baudrillard on cyberculture, and the reflections of Musso, Parente, Prado, and Miltrop
Latour, among others, on the networks. The theory of society as a network, designed by
Castells and for which contributed Mafessoli, had significant importance in this research.
Other important findings were made by direct research on the groups’ websites and through
personal analysis of their works and access to documents submitted by them in symposia and
electronic publications. In addition to the corpus of the study, art expressions that use
technology and social exchange, as the foundation of production, were also presented, such as
the propositions of tactical media and locative media as well as experiments in social
networks.
Keywords: 1. Contemporary art, 2. Relational Aesthetics 3. Net art, 4. Cyberculture 5. Social
exchanges; 6. Networks.
ÍNDICE
INTRODUÇÃO........................................................................................................................10
Rede como fundamento........................................................................................................10
Base da arte...........................................................................................................................12
Sociedade em rede e cibercultura.........................................................................................13
Bourriaud, as trocas sociais e as novas tecnologias .............................................................14
Estética relacional, o interstício social e o lugar da obra de arte..........................................15
De Geuzen e Superflex.........................................................................................................16
CAPÍTULO I – REDE, INFORMAÇÃO E TECNOLOGIA...................................................19
1.1.Histórico sociocultural e tecnológico.............................................................................19
1.1.1.Modernidade............................................................................................................19
1.1.2. Pós-modernidade....................................................................................................21
1.2. Redes .............................................................................................................................25
1.2.1. Conceito..................................................................................................................25
1.2.2. Rede, social e subjetividade ...................................................................................27
1.2.3. Relação temporal....................................................................................................29
1.2.4.Associações artísticas..............................................................................................32
1.3.Sociedade em Rede.........................................................................................................35
1.3.1. Definição de Castells..............................................................................................35
1.3.2. Sociedade em Rede.................................................................................................36
1.3.3.A informação e o ser................................................................................................39
1.4.Cibercultura....................................................................................................................41
1.4.1.Ciberespaço .............................................................................................................44
1.4.2.Interatividade digital................................................................................................46
1.4.3.Cibearte, tendências para a virtualização do mundo e a interatividade...................48
CAPÍTULO II – BOURRIAUD E AS TENDÊNCIAS CONTEMPORÂNEAS ....................52
2.1.1.Introdução....................................................................................................................52
2.2. A estética relacional.......................................................................................................53
2.2.1.Base para o pensamento relacional..........................................................................54
2.2.3.Teoria da forma .......................................................................................................58
2.2.4.A forma no encontro................................................................................................59
2.2.5.Bourriaud, os anos 1990 e o tempo de intercâmbio ................................................61
2.2.6.O lugar da obra de arte ............................................................................................63
2.2.7. A tecnologia na visão relacional.............................................................................65
2.2.8. A técnica e a arte ....................................................................................................66
2.2.9. A ideologia das técnicas.........................................................................................68
2.3. Outras vertentes de engajamento social na arte contemporânea ...................................70
2.3.1. Coletivismo e colaboração: uma breve citação ......................................................70
2.3.2. Mídia Tática............................................................................................................72
2.3.3. Net ativismo............................................................................................................75
2.3.4. Hacktivismo............................................................................................................75
2.3.5.Experimentações artísticas com redes sociais.........................................................78
2.3.6. Associações sociais através das mídias locativas...................................................80
CAPITULO III - SUPERFLEX & DE GEUZEN – Visão relacional no ciberespaço .............84
3.1. Introdução......................................................................................................................84
3.2. Superflex........................................................................................................................85
3.2.1.Histórico e poética...................................................................................................85
3.2.2.Tools ........................................................................................................................86
3.2.3.“Make things happen”.............................................................................................87
3.2.4. Superflex – Connect people....................................................................................90
3.2.5.Considerações finais................................................................................................94
3.3. De Geuzen – “A foundation for multi-visual research”................................................95
3.3.1.Histórico e poética...................................................................................................95
3.3.2.Temáticas e principais projetos ...............................................................................98
3.3.3. De Geuzen – “Art, social theory and craftiness” ................................................101
3.4. O social no digital........................................................................................................104
3.4.1.Superflex e networking..........................................................................................108
3.4.2.De Geuzen versus interpretação e audiência.........................................................110
CONCLUSÃO........................................................................................................................113
ANEXO..................................................................................................................................118
BIBLIOGRAFIA GERAL......................................................................................................121
INTRODUÇÃO
O cerne principal desta Dissertação de Mestrado é o estudo das manifestações
artísticas contemporâneas que utilizam conjuntamente a estética relacional e a linguagem
digital para a realização de suas propostas artísticas. Para isso, escolhemos como referência a
análise dos projetos Karlskrona 2 e Superchannel, do coletivo Superflex, da Dinamarca, e os
projetos Frivolity and Folly e Fripperies and Trimmings, do De Geuzen, da Holanda. Outras
propostas desses grupos também serão apresentadas de forma sintetizada a título de ilustração.
Para a referida análise, observou-se a necessidade de uma fundamentação teórica e de
uma contextualização histórico-técnica de maneira a criar subsídios para um estudo denso e
significativo a respeito das manifestações artísticas “relacionais-digitais”. Portanto, nesta
pesquisa abordaremos assuntos relativos à pós-modernidade, às redes, à sociedade em rede e à
cibercultura. Além dessa contextualização, explicitaremos a teoria da estética relacional
defendida por Nicolas Bourriaud e suas “releituras” mais recentes, como as manifestações de
mídia tática, net ativismo, hacktivismo, redes sociais e mídia locativa.
Concluiremos com as possíveis relações entre a estética relacional e as produções
digitais (especialmente com os projetos do Superflex e do De Geuzen) que propõem o uso da
internet como ferramenta relacional. Ao final da pesquisa em anexaremos uma lista dos
principais artistas e obras de cada período abordado.
Rede como fundamento
Como veremos, o surgimento de uma sociedade fundamentada em uma estrutura de
redes foi fundamental para mudanças significativas nos âmbitos social, econômico, político
tecnológico e cultural da idade pós-moderna. Na modernidade, a sociedade era caracterizada
por uma estrutura piramidal, soberana, na qual existia uma centralização do poder nas mãos
do Estado, que era passado de um para todos. Na pós-modernidade, a estrutura em rede
descentralizou essa unicidade de poder e passou a se organizar de maneira “todos para todos”.
A estrutura de árvore (um para todos), característica do século das Luzes, foi então substituída
pela estrutura em rede (todos para todos).
Na análise sobre redes, abordaremos a concepção de Pierre Musso que, a partir de sua
obra A filosofia da rede, abrangeu todo o processo ontológico para a concepção de uma
definição pertinente do conceito de rede. Para isso, Musso utilizou os fundamentos de Michel
Serres, Henri Atlan e Anne Cauquelin (MUSSO, p. 29-31). Também serão apresentadas
outras leituras a respeito da rede, segundo idéias de Kastrup, Latour, Deleuze e Guatarri.
O principal responsável pela transformação da sociedade moderna centralizadora de
poder em uma sociedade baseada em uma estrutura de redes é o desenvolvimento tecnológico
e informacional. As redes tecnológicas derrubaram os antigos sistemas de disseminação de
informação, baseados na estrutura de árvore, e estabeleceram vários centros os nós que se
interconectam e trocam informações e dados.
Constataremos que a rede também é a grande responsável por mudanças significativas
nas relações tempo-espaço, bem como modificações no que diz respeito à subjetividade
humana.
Num sistema de redes, o tempo linear e histórico (constituído por passado, presente e
futuro), pregado pela modernidade, é substituído pelo tempo calcado no presente. A
temporalidade moderna transforma-se na “ontologia do presente” defendida por Foucault e
desenvolvida por Latour em sua teoria sobre os híbridos. No território das redes,
principalmente das redes telemáticas (internet), o tempo real estabelece-se no “aqui e agora”
respaldado pela temporalidade maquínica (PARENTE, 2005, p. 94). As redes maquínicas são
responsáveis por aproximar tempos aparentemente afastados ou por distanciar tempos
normalmente muito próximos. Tudo acontece no mesmo tempo; o passado, o presente e o
futuro estão agora no mesmo instante. A relação espacial humana também é transformada
com as redes. O espaço, antes determinado somente quando nos locomovíamos, agora é
definido pela conexão em rede. Quando conectados podemos estar ao mesmo tempo em um
lugar e em todos. Podemos percorrer léguas através das redes de informação e conseguimos
visitar os mais longínquos países no aqui e agora, sem precisarmos sair de nossos quartos.
Sendo assim, a importância de entender o conceito, a estrutura e a aplicação das redes
na sociedade pós-moderna (que será tratada no primeiro capítulo item 1.1.2.) é fundamental
para que se compreenda o momento histórico, social, econômico e cultural do mundo em que
vivemos. Como a intenção deste estudo é analisar a produção artística do Superflex e do De
Geuzen em uma sociedade baseada nas redes, observaremos que, desde o início do período
pós-moderno, as manifestações artísticas demonstravam relações com essa estrutura em
particular.
Base da arte
O uso das redes pelos artistas iniciou-se com a chamada arte postal ou mail art,
inaugurada em 1963 pelo artista Ray Johnson, quando este fundou a New York
Correspondence School of Art. O interesse artístico pelo sistema de redes tornou-se relevante
porque, devido a sua estrutura, possibilitava uma série de vantagens para a produção de arte.
Na rede, as pessoas estão contidas duplamente como co-autor, em um sistema que lhe
proporciona possibilidades e liberdade de participação, e como indivíduo condutor temporário
de uma ação. Além disso, a rede facilita uma ação lúdica na qual o aspecto social é
privilegiado e imbrica uma série de processos que acabam por sobrepujar o objeto final da
obra artística. Segundo Prado (1997), quando se age em rede, um imaginário artístico e social
está em jogo e em formação.
As produções artísticas em rede serão privilegiadas principalmente com o
aparecimento da internet. Antes, a mail art dependia da velocidade dos correios para que a
rede fosse estabelecida, ou dependia da efemeridade das primeiras redes de comunicação,
como aconteceu no princípio das redes telemáticas. Com a internet, o acesso tornou-se
imediato, por tempo indeterminado. Os eventos de arte nas primeiras redes de comunicação
exigiam dos artistas boa vontade e disciplina. Aos participantes era necessário marcar um
horário no qual eram disponibilizados modens e computadores que serviriam para esse fim
específico. Terminado o processo, a rede era desmontada, sendo necessária outra
programação para que ela fosse restabelecida.
Portanto, o nascimento da internet foi acontecimento relevante para que as produções
de arte em rede se tornassem efetivas. Com a rede mundial de computadores, a idéia inicial de
abrangência – que já permeava as mentes dos primeiros artistas que trabalhavam com a rede
agora tinha possibilidade de tornar-se efetiva. Mesmo que todos os artistas tenham
consciência de que a utopia da democratização da arte esteja longe de acontecer, com a
internet facilitou-se a difusão de certas idéias entre pessoas interessadas. Por meio da rede
mundial de computadores torna-se possível a união de pessoas com o mesmo interesse e uma
produção relevante em arte.
Sociedade em rede e cibercultura
Como veremos no capítulo I, na pós-modernidade a rede é a principal responsável por
mudanças em todos os aspectos da vida. Dessa forma, a estrutura reticular aloja importantes
leituras a respeito da formação social, econômica e cultural baseada nas redes informacionais,
dentre elas, a sociedade em rede e a cibercultura.
A sociedade em rede é um termo estabelecido por Manuel Castells quando este
percebeu as mudanças ocorridas na sociedade a partir do advento das novas tecnologias de
comunicação e informação. Castells observou que o crescimento geométrico do
desenvolvimento tecnológico informacional balançou os pilares do antigo capitalismo
sedimentado pela Segunda Revolução Industrial e estabeleceu a descentralização do poder, a
divisão do trabalho e a ramificação das comunicações.
As redes de comunicação, principalmente a internet, geraram transformações no modo
de vida, alterando as maneiras de comunicar, trabalhar e agir na sociedade. Dessa forma, a
descentralização promovida pelas redes informacionais, forma uma nova forma de agregação
social a agregação por identidades semelhantes. O forte distanciamento humano acarretado
pelas redes tecnológicas incitará a formação de um movimento contrário, caracterizado pela
união de pessoas através de uma identidade primária que pode ser comparada à formação de
grupos ou tribos sociais reunidos por religião, raças, tribos etc.
É por meio desse ponto principal que este estudo usará o conceito de sociedade em
rede de Manuel Castells para justificar as ações dos grupos relacionais Superflex e De
Geuzen, os quais, como veremos, possuem uma estratégia bastante semelhante à dos
agrupamentos primários. Os pensamentos de Castells sobre a identidade serão reforçados
pelas idéias de Maffesoli, que fala de forma concreta sobre os movimentos de associações
comunitárias. A sociedade em rede, além de desenvolver-se por meio de uma base tecnológica
e de possuir a característica paradoxal de unir pessoas com identidades semelhantes, também
foi terreno para o surgimento da cibercultura.
A cibercultura surgiu baseada no desenvolvimento tecnológico informacional, no qual
os bens tecnológicos de informação se sobrepuseram aos meios de comunicação em massa (o
rádio, a TV, o jornal, a revista etc.). Essa soberania se iniciou nos anos 1970, quando as
tecnologias uniram-se com os meios analógicos de comunicação e permitiram a transmissão
de mensagens via computador. Dessa maneira, surgiram as primeiras relações entre o homem
e a máquina, que mais tarde acarretariam a formação de uma sociedade interligada pela
internet.
O nascimento da linguagem digital, juntamente com a possibilidade de transmissão
ilimitada e rápida de informações proporcionadas pela internet, gerará uma conexão planetária
que age em oposição à imprensa e à escrita. Através de uma conexão por computador a
tecnologia será responsável, por meio do ciberespaço, de retribalizar a sociedade
contemporânea, formando a chamada cibercultura. Toda a sociedade estará imersa em um
emaranhado de conexões, através do qual todos os seus membros poderão agir, interagir,
transmitir e obter dados e informações uns com os outros, modificando as relações de espaço,
tempo e velocidade. Veremos que o ciberespaço constitui-se de uma definição filosófica que
será abordada e discutida por muitos pensadores como, Lévy, Miltrop, Hein, Lemos etc. Esses
pensadores tentarão caracterizar e definir o ciberespaço de acordo com suas características
estruturais, formais e funcionais.
Com base nessa perspectiva, a linguagem digital em conjunto com a internet também
acarretará mudanças no fazer artístico. A possibilidade de interação, de reprodução de
imagens e da veiculação de informações proporcionará aos artistas uma maneira de fazer arte
com base na participação e na interatividade, além de modificar os patamares de
representação e de veiculação da obra de arte. O ciberespaço, por meio de seu potencial
comunicacional, será capaz de possibilitar trocas sociais entre os mais diversos públicos
espalhados pelo globo, além de facilitar a distribuição de obras de arte.
Bourriaud, as trocas sociais e as novas tecnologias
Muitos estilos artísticos foram pleiteados no decorrer do tempo, a fim de caracterizar a
arte contemporânea baseada nas redes e nas trocas sociais. Dentre os principais estilos
podemos citar a arte situada (Doherty), a arte relacional (Bourriaud), os readymade recíprocos
(Wright) e o paradigma do laboratório (Obrist). Outros estilos também podem ser
considerados, a partir do uso de novas tecnologias, como o net ativismo, o hacktivismo, as
mídias locativas e as experiências com redes sociais.
Essa pesquisa será norteada pela estética relacional de Nicolas Bourriaud e suas
aplicações no ciberespaço. Porém, Bourriaud possui algumas ressalvas quanto à utilização de
sua estética quando se trata do uso de bens tecnológicos. Por isso, apresentaremos
posteriormente outras vertentes artísticas, como o net ativismo, o hackativismo e o ativismo,
cujas manifestações também se calcam nas trocas sociais, mas utilizam indiscriminadamente
o aparato das novas tecnologias.
Estética relacional, o interstício social e o lugar da obra de arte
A teoria estética de Nicolas Bourriaud surgiu no início dos anos 1990, com o intuito
de analisar as produções em arte da época. Sua estética, intitulada estética relacional, defende
a produção artística na qual a arte acontece por meio dos interstícios sociais e para isso usou
como base os trabalhos dos artistas Rirkrit Tiravanija, Philippe Parreno, Vanessa Bercroft,
Maurizio Cattelan, Christine Hill.
Bourriaud observou, na prática desses artistas, obras que privilegiavam a participação
e as trocas sociais como meios fundamentais para o fomento do pensamento artístico. Surgida
no contexto da sociedade informacional, essas produções primavam pelo encontro de pessoas
com interesse semelhante, possuíam caráter multidisciplinar e trabalhavam em regime não
hierárquico, coletivo e cooperativo. A estética relacional surge como alternativa para o
encontro de pessoas e para o diálogo, que na sociedade capitalista informacional os
diálogos são estandardizados e resumidos pela escolha de que produtos comprar.
Para Bourriaud, as manifestações artísticas devem seguir as tendências sociais,
econômicas e culturais de sua época. Segundo o filósofo francês, as manifestações em arte
devem se preocupar mais em criar mundos possíveis em uma determinada realidade do que
em projetar para o futuro realidades oníricas e inexistentes. A arte de hoje não deve seguir os
pressupostos modernos de projeção futurística da realidade.
No segundo capítulo deste estudo, serão explicitadas todas as bases, características e
fundamentações teóricas que constituem a estética relacional de Bourriaud. Além disso, serão
apresentadas algumas manifestações contemporâneas, como a dia tática, o net ativismo, as
experiências em redes sociais e as manifestações em dias locativas. Veremos que estas,
através do uso das novas tecnologias, apresentam, assim como as premissas da estética
relacional, propostas de unir pessoas em rede, por meio das trocas sociais.
De Geuzen e Superflex
Ao pensar na estética relacional de Bourriaud e a respeito das ações dos consagrados
grupos relacionais
1
De Geuzen, da Holanda, e Superflex, da Dinamarca, nota-se que as ações
coletivas de ambos os grupos centravam-se tanto nas práticas relacionais como no uso das
novas tecnologias para a construção de algumas propostas artísticas.
Os coletivos estudados são grupos multidisciplinares e concentram suas ações de
acordo com cada contexto de prática. Ora utilizam-se dos museus, ora das ruas, ora de
galerias, sempre com o intuito de facilitar suas ações, dependendo dos objetivos de cada
projeto. Como a proposta era discutir as práticas relacionais no ciberespaço, optou-se por
escolher quatro projetos: Karlskrona 2 e Superchannel, do coletivo Superflex, da Dinamarca,
e os projetos Frivolity and Folly e Fripperies and Trimmings, do De Geuzen, da Holanda.
Vale lembrar que os projetos do De Geuzen realizaram-se tanto no meio digital como no meio
analógico, e resultaram em importantes diferenças, como mudanças na leitura do projeto de
arte, bem como na atração de audiências diferenciadas.
Os grupos constroem, desenvolvem e discutem o caminho das obras por meio das
decisões dos participantes de cada projeto. Calcam suas ações em um processo não
hierárquico no qual todos os membros têm papel relevante para a corporificação de cada
proposta. Na análise da produção de cada grupo, observaremos algumas diferenças entre as
intenções de cada um. Mesmo que possuam o objetivo de construir suas obras por meio das
trocas sociais, os meios de ação de cada coletivo são diferentes.
As ações do Superflex visam realidades específicas. O coletivo une pessoas em prol de
uma situação em particular que faz sentido para certo grupo de pessoas. Em suas práticas tem
o intuito de conscientizar a respeito do papel das multinacionais na economia local, questiona
1
Em textos, entrevistas e artigos, os grupos estudados declaram-se de caráter relacional.
o monopólio de produção sobre produtores regionais, além de atentar para a questão dos
direitos autorais e da propriedade intelectual. Estão também entre seus objetivos, a
possibilidade de formas de vida diferenciadas (produção e consumo de energia alternativa
etc.). Observaremos esses objetivos a partir da análise dos projetos no terceiro capítulo.
as ações do De Geuzen possuem o intuito de juntar a prática, a teoria e a arte
educação em suas propostas, o coletivo trabalha no limiar entre a prática artística e a teoria da
arte com intuito investigativo. O grupo é chamado de Foundation for Multivisual Research
2
justamente por sua variedade de propostas. Seu objetivo é fomentar práticas artísticas através
da participação e da colaboração do público. Dessa forma, possui um trabalho que incita a
interdisciplinaridade e o diálogo transcultural, além de abrir novos horizontes e perspectivas
para a cultura visual. Suas ações estão centradas em jantares, workshops, exposições,
propostas de “faça você mesmo” e trabalhos na internet. Através de seus projetos procura
abordar temas como identidade feminina, arquivo, memória e táticas para reivindicar espaço
na arte
Através das constatações de não preferência por meios de ação e da primazia de
intuitos socializantes, presentes nas propostas de arte de ambos os grupos, foi que se
constatou a presença da net art em projetos dos dois grupos: Karlskrona 2 e Superchannel, do
Superflex, e Frivolity and Folly e Fripperies and Trimmings, do De Geuzen.
Embora a estética relacional de Bourriaud não privilegiasse os meios tecnológicos
como meios de ação relacional, as propostas dos grupos estudados (intitulados relacionais) os
projetos de “net art relacionais” surtiram bons resultados para ambos os grupos.
O intuito desta pesquisa é justamente o de atentar para as produções relacionais no
ciberespaço. Como foi dito, mesmo que Bourriaud faça ressalvas quanto ao uso das
tecnologias para a produção em arte, em casos específicos os aparatos tecnológicos e a
linguagem digital contribuem para as trocas sociais e para o encontro de pessoas. A presença
da sociabilidade no ciberespaço é inerente a sua estrutura. Segundo considerações de Lovejoy,
que a composição da internet é propícia para viabilizar intercâmbios (seja de informações,
conteúdos etc.). As participações sociais são fundamentais para que a internet continue viva e
funcione de forma satisfatória, embora saibamos que a internet ao mesmo tempo que
proporciona socialização também provoca exclusão social e intelectual e que a
democratização da arte e do conhecimento está longe de acontecer.
2
Fundação para pesquisa multivisual
Porém, é necessário considerar que, em casos específicos, a internet proporciona
eficientes relações em rede, que funcionam de forma relevante para contribuir para
determinadas ações artísticas. Como nos casos de alguns projetos do Superflex e do De
Geuzen; por exemplo, a internet é uma importante ferramenta relacional e comunicacional.
Observaremos também que os artistas estudados centram-se muito mais na estrutura em rede
proporcionada pela internet do que em suas aspirações utópicas de democratização e
distribuição de informação. Esses artistas querem sim utilizar a rede informática para suas
ações em realidade específicas, ao juntar identidades semelhantes, unir pessoas e possibilitar
trocas sociais.
CAPÍTULO I – REDE, INFORMAÇÃO E TECNOLOGIA
1.1.Histórico sociocultural e tecnológico
Uma vez que a proposta da presente pesquisa é estudar as manifestações artísticas
contemporâneas do coletivo De Geuzen, da Holanda, e do Superflex, da Dinamarca que
utilizam conjuntamente a estética relacional e a linguagem digital torna-se necessário a
contextualização dos coletivos artísticos nas Redes.
Porém, para definir pós-modernidade e posteriormente de redes, da sociedade em
rede e da cibercultura , é necessário fazer uma breve retomada da modernidade, a fim de
compreender os fatores que transformaram uma sociedade baseada na razão, no
individualismo e no progresso na atual sociedade pós-moderna, tomada por preceitos de
desterritorialização da cultura e da compressão espacial e temporal. (LEMOS, 2007).
1.1.1.Modernidade
A modernidade caracteriza-se pela revigoração da idéia de tempo e de história, que
pode ser identificada como uma invenção da Idade Média Cristã. Anteriormente a esse
período, a visão temporal era a das civilizações míticas, as quais refletiam uma eternidade
fora do tempo, por meio de uma estrutura repetitiva e regular (KUMAR, 1997). Em
contraponto, a Idade Média possui um sistema cnico que, segundo Lemos, tem como base o
empirismo, a quantificação matemática, a repartição temporal e o domínio do homem sobre a
natureza, em que a técnica torna-se secularizada e oposta aos preceitos eclesiásticos. No
período medieval, o tempo é sacralizado pelo interesse no futuro, tendo o passado uma
significação de retrospecção e o presente calcado pelas promessas vindouras do futuro.
Uma nova idéia de modernidade surgiu, portanto, no século XVII, no qual a idéia de
progresso se viu preeminente graças aos estudos de Kant, Turgot, Condorcet, entre outros
(KUMAR, 1997, p. 91). A apologia ao progresso pregado por tais pensadores alavancou
idéias que convergiam crenças milenaristas em pensamentos calcados na decadência e na
degeneração, como partes inerentes da história, assim como o crescimento e o
desenvolvimento. Apesar do progresso da cultura, das artes e da ciência, existia ainda o custo
do progresso espiritual e moral (KUMAR, 1997, p. 89).
Mesmo rompendo em parte com ideais da Idade Média, o século XVII ainda
apregoava um movimento que tinha como base a volta à origem. A crença de que os preceitos
antigos pudessem ser emulados era premente, porém ainda não se demonstrava qualquer
interesse no futuro. A modernidade passa a se calcar em princípios novos e radicais, a entrada
para um tempo futuro infinito e expandido. Na modernidade, o passado funciona como uma
preparação para os tempos que virão e objetiva auxiliar o entendimento do tempo presente. O
tempo que passou não é mais exemplo para o presente. Para Baudrillard (apud KUMAR,
1997, p. 111), “aos poucos a modernidade perde todo o valor substancial de progresso que lhe
deu fundamento no início, a fim de tornar-se uma estética de mudança pela mudança”. O
rompimento da tradição da Idade Média, proporcionado pela modernidade, substitui uma
tradição por outra – a tradição moderna – de buscar o novo (KUMAR, 1997, p. 111).
A modernidade se colocou como um movimento de criação do novo e modificou
também o significado de revolução.
1
O elo entre revolução e modernidade se deu tanto no
âmbito econômico, como no intelectual e no político. O período moderno era por si
revolucionário, porém ainda apresentava dependência da filosofia cristã (KUMAR, 1997)
Max Weber define a modernidade como o processo de racionalização da vida social
no término do século XVII. Este processo abriu as vias para a industrialização e a
modernização global do Ocidente, sendo um processo global, integrando a economia
capitalista, o Estado da nação, a administração científica do trabalho e da produção,
o desenvolvimento industrial e tecnológico. São criadas na sinergia de racionalidade
e emancipação, as condições de uma administração racional da vida social. Deve-se
depreciar as tradições, gerando uma transformação radical nas condições de
existência. (WEBER apud LEMOS, 2007, p. 61)
Para sobreviver nos tempos modernos era necessário industrializar-se.Dessa forma, a
idade moderna apresentou mudanças industriais e culturais. A relação entre a industrialização
e a modernidade se colocou como proclamadora do fim da modernidade, já que a era moderna
se apresentava em estado permanente de renovação e de crise. Esse anúncio de finalização da
modernidade foi motivado principalmente pela crise das metanarrativas: verdade e liberdade,
revolução e razão, progresso e história, industrialismo e ciência.
1
A revolução francesa baseada na razão deu forma e consciência características da modernidade, já a Revolução
industrial deu substancia material.
Em contraposição à modernidade, surgiu o modernismo, que se constituiu em crítica e
rejeição da era moderna. Para Kumar (1997, p. 79), a modernidade é um termo que se aplica
às mudanças sociais, políticas e intelectuais. No entanto, o modernismo é uma crítica cultural
da idade moderna (KUMAR, 1997, p. 104) que cresceu ao longo do século XIX. O
modernismo nas críticas de Santos (1995, p. 93) aponta que tudo o que falta na idade moderna
não poderá ser terminado nos tempos modernos. No entanto, para Habermas (apud SANTOS,
1995, p. 92-3) a crítica modernista voltava-se para a incompletude do projeto moderno.
Mesmo não rejeitando a modernidade Habermas visava corrigir as diretrizes do racionalismo
moderno.
A modernidade provém da era das Luzes, da universalização e emancipação da moral
proveniente do judaísmo e do cristianismo. Sendo assim, segundo Lemos (2007, p. 62), “a
moral moderna estabelece-se, assim, como secular, universalista e individualista,
supervisionada pela razão, estando aqui em diante, em harmonia com as necessidades da
sociedade capitalista industrial”. Por isso é natural que a racionalização do mundo implique
investidas, na arquitetura e nas artes, que rejeitam e rompem com o ecletismo do século XIX.
Com a crise das metanarrativas, como dito anteriormente, juntamente com o
nascimento dos mass media e da sociedade de consumo, surgiu a pós-modernidade. “A
influência dos meios de comunicação e a dinâmica da sociedade de consumo são as principais
razões da crise da noção de história e da crise das metanarrativas modernas(LEMOS, 2007,
p. 63).
1.1.2. Pós-modernidade
A primeira idéia de pós-modernidade se deu, segundo Anderson (1999, p. 10-20), em
1934, no domínio da crítica literária de Frederico de Onis, em uma antologia de poesia
hispano-americana e espanhola. Porém, na década de 1950, transformou-se de categoria
estética para categoria de época, indicadora do que era ou não moderno. Na década de 1960,
são explicitados movimentos de descontentamento da modernidade como a contracultura, a
informatização da sociedade, o pós-industrialismo, o pós-colonialismo. Dessa forma, surgiu
“uma nova sensibilidade entre a geração mais jovem da América, que era uma geração de
‘excluídos da história’, mutantes culturais encontravam expressão e acolhida numa nova
literatura pós-moderna” (ANDERSON, 1999, p. 19).
Pós-modernidade é a expressão do sentimento de mudança cultural e
social correspondente ao aparecimento de uma ordem econômica chamada
pós-industrialismo, nos anos 40-50 nos EUA, e em 1958 na França, com a
República. Os anos 60 serão um período de reencaixe.(GIDDENS apud
LEMOS, 2008, p. 63)
O período pós-moderno apresenta uma contradição com a tradicional modernidade,
por meio da crítica em relação à pretensiosa autonomia e emancipação dos ideais modernos
provenientes do Século das Luzes e da autonomia do sujeito. Para Harvey (2004, p. 19), o
pensamento pós-moderno é marcado pela “fragmentação, a indeterminação e a intensa
desconfiança dos discursos universais ou totalizantes”.
Já para Rouanet (apud LEMOS, 2007, p. 64), a política pós-moderna seria uma
“política segmentária exercida por grupos particulares, política micro-biológica, destinada a
combater o poder instalado nos interstícios os mais imperceptíveis da vida cotidiana”. Lemos,
citando Baudrillard (LEMOS, 2007, p. 64), afirma que a universalização já não é mais
objetivo e o que se prega é uma cultura microscópica das minorias, das massas que evaporam
na astúcia da indiferença. o existe mais o retrocesso ao passado nem o mirar para o futuro,
os tempos vindouros são calcados no “aqui e no agora”.
A inserção da pós-modernidade nas ciências sociais somente aconteceu, segundo
Habermas (1990, p. 15), graças à investigação do período moderno de 1950-60. Em seu livro
La condition postmoderne, de 1979, Lyotard disserta a respeito da decadência das grandes
narrativas ou metarrelatos. Lyotard e Baudrillard indagam a respeito da tida diferença entre
sujeito e objeto (LETCHE apud FRANCELIN, 2004, p. 52). A crise das metanarrativas
também é percebida numa fase racional na qual as explicações de caráter universal não
possuem mais a relevância de antes. Letche diz que o período moderno estava baseado na
‘produção’ e o pós-moderno, na ‘reprodução’” (apud FRANCELIN, 2004, p. 53).
A crise dos metarrelatos acarretou um crescimento vertiginoso no que diz respeito aos
exponenciais informacionais. Esse crescimento transformou-se, então, em base da era pós-
moderna, cerceada pelo consumo e pela sociedade pós-industrial.
Na filosofia, Nietzsche é o primeiro a produzir uma crítica efetivamente relevante
sobre o projeto apolíneo moderno e sobre a razão da modernidade, caracterizando-se como o
filósofo mais representativo do período pós-moderno juntamente com Heidegger. Este e
Nietzsche inserem-se de forma importante na corrente pós-estruturalista dos anos 1960, da
qual fazem parte Barthes, Deleuze, Foucault, Castoriadis, Guatarri e Derrida. O pós-
estruturalismo calca-se nas críticas da razão moderna em que são salientados assuntos como
as supremacias da ciência, da técnica moderna ocidental e da razão.
A arquitetura, as artes, a literatura, a economia, os mass media, o Estado e a
decadência da estruturação social foram os principais alvos das discussões acerca da pós-
modernidade, pois estas eram ataques ao pensamento autoritário e dominante. Dessa forma,
segundo Lemos:
Uma das características proeminentes da arte s-moderna é a
quebra de fronteiras entre a alta cultura e a cultura popular ou de massa. O
pós-modernismo dos anos 60 é o fruto de uma vanguarda anárquica,
instituindo-se como uma ruptura com a institucionalização oficial da
cultura (entendida como artes espetáculos) [...] Espírito da época, a arte da
pós-modernidade é a arte do “aqui agora”, performática, participativa,
aproveitando os objetos do dia-a-dia.
(LEMOS, 2008, p. 66)
A partir da década de 1970, o período pós-modernista difundiu-se com o respaldo das
novas tecnologias. Dessa forma, essas novas tecnologias são responsáveis pelo surgimento
dos seguintes fenômenos cotidianos alicerçados no desenvolvimento informacional: sociedade
pós-moderna (LYOTARD, 2004), sociedade da informação (MATTELART, 2002), sociedade
pós-industrial (BELL, 1977, p. 134-42), sociedade do consumo (BAUDRILLARD, 1981).
Portanto, a pós-modernidade caracteriza-se por ser campo fértil para o comércio, para a
produção em massa, para guerras, para o desenvolvimento tecnológico, além de apresentar
profundas metamorfoses no cotidiano dos homens e na produção industrial. Formas de agir,
fazer e pensar, foram modificadas. Segundo Araújo, a pós-modernidade:
[...] é um movimento de superação da crise do paradigma científico
dominante desde o século XVIII, pela superação do modelo de racionalidade
cartesiana, de separação do sujeito e do objeto, a busca da ordem, a
separabilidade dos elementos constituintes da realidade, movimento esse
motivado pelas crises geradas com a evolução e aplicação do conhecimento
científico, tais como as guerras e regimes totalitários, a poluição e os
desastres ecológicos, a exclusão do acesso ao conhecimento, reforço das
desigualdades socioeconômicas, a sofisticação dos instrumentos de
dominação.(ARAÚJO, 2003, p. 26)
Segundo Lemos, que cita Kroker, “o contemporâneo é marcado por cenas de pânico. A
cultura pós-moderna é vista como excesso, desperdício, despensa improdutiva” (LEMOS,
2008, p. 67). Para Kroker, na pós-modernidade a sensação do primitivismo mítico se religa à
sociedade calcada nos bens informacionais e tecnológicos. “Numa simbiose entre o
hiperprimitivismo, expressão de mitologias (o carnal e o dionisíaco), e um hipertecnologismo,
em direção às tecnologias do virtual (imagens de síntese, realidade virtual, multimídia,
ciberespaço etc.)(KROKER apud LEMOS, 2008, p. 67). Kroker considera que o retorno ao
primitivismo mítico através da tecnologia contemporânea permite que o mundo não seja mais
do simulacro, de Baudrillard, e nem do hiper-realismo. Na pós-modernidade, o modelo de
mundo é caracterizado pelo fim do Real e por um novo cenário de tecnologias baseado no
virtual.
A pós-modernidade caracteriza-se, então, por uma nova maneira de tratar as relações
espaço-temporais. Ao contrário da modernidade que possui contagem linear do tempo e na
qual o espaço é um lugar físico – a temporalidade pós-moderna é calcada de forma a aniquilar
o espaço. Segundo Lemos, “na pós-modernidade, o sentimento é de compressão de espaço e
do tempo, onde o tempo real (imediato) e as redes telemáticas, desterritorializam
(desespacializam) a cultura, tendo um forte impacto nas estruturas econômicas, sociais,
políticas e culturais” (LEMOS, 2008, p. 68).
1.2. Redes
1.2.1. Conceito
Segundo Pierre Musso, “a rede é uma estrutura de interconexão instável composta de
elementos em interação, e cuja variabilidade obedece a uma regra de funcionamento”
(MUSSO, 2004, p. 31). Em artigo intitulado “A filosofia da Rede”,
2
Musso abrange todo o
processo ontológico percorrido para que ele pudesse chegar a uma definição pertinente sobre
o conceito de rede. Dessa forma, utilizando idéias de pensadores como Michel Serres, Henri
Atlan e Anne Cauquelin (ibidem, p. 29-31), Musso distinguiu a rede em três níveis:
1.1.1. A rede se compõe de vários elementos que interagem entre si. Musso considera
esses elementos nós ou picos da rede, os quais se interligam através de ligações
ou caminhos que definem um espaço tridimensional e formam um grupo instável.
1.1.2. É importante que se considere a rede por meio de uma “complexificação auto-
engendrada pela estrutura da rede” (ibidem, p. 31); ou seja, ao pensar em rede é
necessário que se evidencie a concepção de uma rede e a transposição de uma
rede complexa para uma rede simples. Essas características são fundamentais
para que se possa definir a rede. A dinamicidade de rede é incluída em sua
estrutura.
1.1.3. A mudança de estruturação de uma rede obedece a um postulado de
funcionamento: “passa-se da dinâmica da rede ao funcionamento do sistema,
como se o primeiro fosse invisível ao segundo, portanto, seu fator explicativo”
(ibidem, p. 32).
Pierre Musso, considerando as distinções explicitadas a respeito da rede, atenta para o
fato de o conceito da estrutura todos-todos servir parar deduzir as mais diversas estruturas,
modos de funcionamento, além de analisar diferentes comportamentos em sistemas
complexos. O sistema solar constituído da interação entre corpos materiais em redes ou o
funcionamento cerebral que se dá pelas redes de neurônios podem ser facilmente
desmistificados por meio do conceito de rede. Para o autor, “o caráter não linear das
interações dos sistemas complexos, particularmente vivos, levanta dificuldades tais para
2
resumo e obra da obra Telecomunicação e filosofia das redes (1997) de Pierre Musso
formalização teórica, a fortiori para a modelização matemática, que as figuras da rede vêm
‘em socorro’ dessas falhas” (ibidem, p. 32).
Para Musso, o conceito de rede é uma “espécie de chave mestra ideológica” (MUSSO,
2005, p. 33) para se raciocinar na contemporaneidade, assim como o conceito de árvore
3
socorreu o raciocínio no Século das Luzes. A rede, para o autor, abrange três níveis de
significação:
em seu ser, ela é uma estrutura composta de elementos em interação,
em sua dinâmica, ela é uma estrutura de interconexão instável e
transitória; em relação com um sistema complexo, ela é uma estrutura
escondida cuja dinâmica supõe-se explicar o funcionamento do
sistema visível. (MUSSO, 2005, p. 32)
Para Cauquelin (CAUQUELIN apud MUSSO, 2005, p. 33), a rede “tornou-se
substância. Não mais intermédio, senão totalidade plena”.
Virginia Kastrup explica que, para se entender o conceito de rede, necessita-se
considerar o “nó”. Para essa autora, a rede não é definida pelo seu tamanho ou por sua forma,
é necessário se considerar uma rede por suas conexões que proporcionadas pelos “nós”,
pelas suas bifurcações e pontos de convergência. “Por isso a rede deve ser entendida com base
numa lógica das conexões e não numa lógica das superfícies” (KASTRUP, 2005, p. 80).
Como linhas ferroviárias e rodoviárias as redes devem ser identificadas a partir de seus pontos
de conexão e não por sua figura representativa. Outras representações eficientes que podem
ser consideradas estruturas de redes são as redes neurais, imunológicas e informáticas. As
redes não podem ser consideradas sistemas totalmente fechados e sim organismos abertos,
disformes, com a capacidade de crescer e se desenvolver em todas as direções e lados, por
meio de um sistema nodal.
Segundo Kastrup, a rede imbuída de estrutura vazada, composta de formas não
espaciais e construída por linhas pode ser caracterizada através o conceito de rizoma de
Deleuze e F. Guattari em Mille Plateaux (1995) (ibidem, p. 80). Para a autora, “rede é uma
encarnação, uma versão empírica e atualizada do rizoma” (ibidem, p. 84) que é explicitada em
“aproximações” a seis bases de funcionamento: i) princípio de conexão, ii) princípio da
heterogeneidade, iii) princípio da multiplicidade, iv) princípio da ruptura a-significante, v)
princípio da cartografia e vi) princípio da decalcomania.
4
Para Kastrup, o entendimento do
conceito de rizoma baseado nesses seis princípios auxilia a compreensão do conceito de redes
de Bruno Latour (1994), quando se refere à criação dos híbridos. O híbrido, na rede
conceituada por Latour, conecta elementos heterogêneos lingüísticos, tecnológicos,
materiais, sociais, econômicos etc. Os heterogêneos estabelecem conexões de forma não
central, não hierárquica, não determinada, mas possuem a capacidade de “‘por si só’,
engendrar formas inéditas e inesperadas, que rompem com formas anteriores, sem o recurso
de uma força externa” (LATOUR apud KASTRUP, 2005, p. 84). Pensando dessa maneira, os
híbridos de Bruno Latour são iluminados pelo conceito de rizoma de Deleuze e Guattari, pois,
segundo Kastrup, o rizoma possui duas faces é representação da ontologia de Guattari e
Deleuze, além de ser método. “O pensamento e o ser são tão rizomáticos, mas não formam
planos isomorfos. Constituem, antes, duas faces de um mesmo plano” (KASTRUP, 2005, p.
84).
1.2.2. Rede, social e subjetividade
Em seu artigo, Musso inclui a aplicação do conceito de rede no âmbito social. Para o
autor, a aplicação da rede na sociedade contrapõe-se ao modelo autoritário e piramidal
característico da hegemonia do Estado sobre a sociedade. A rede vem, então, como modelo
ideal para proporcionar ao modelo social um sistema mais universal e igualitário. Nessa
estrutura em rede aplicada ao social, os modelos tecnológicos e de comunicação possuem
papel fundamental e, através da internet, “realiza a utopia da associação universal pelas redes
de comunicação”. (ibidem, p. 34). Para Musso, graças a internet os mitos pleiteados pelo
conceito de rede são reativados e através das conexões estabelecidas pela rede mundial de
4
Princípios do rizoma: i) princípio de conexão: “qualquer ponto de um rizoma pode ser conectado a qualquer outro e
deve sê-lo” (DELEUZE e GUATTARI apud KASTRUP, 2005, p. 81); ii) “princípio da heterogeneidade”: “um método
do tipo rizomático é obrigado a analisar a linguagem efetuando um descentramento sobre outras regiões e outros
registros” (ibidem, p. 81); iii) “princípio da multiplicidade”: “o rizoma não é totalidade unificada, nem é composto de
totalidades ou formas puras [...] ele é pré-objetivo e pré-subjetivo” (idem); iv) “princípio da ruptura a-significante”: “o
rizoma é feito somente de linhas”; v) “princípio da cartografia”: “o pensamento sobre rizoma não é representativo, mas
inventivo [...] faz conexões com ele, entra em sua composição e participa de seu movimento criador” (ibidem, p. 82);
vi) “princípio da decalcomania”: “os pontos de estruturação são entendidos como estabilizações temporárias do
funcionamento criador do rizoma. Fala-se então de criação de organizações, de estabilização de movimentos, de
neutralização e de multiplicidades [...] é preciso religar os decalques ao mapa, relacionar as raízes ou as árvores a um
rizoma” (ibidem, p. 83).
computadores é possível estabelecer um “planeta relacional” imbuído de democracia,
transparência e consenso.
Para Parente, “as redes tornaram-se ao mesmo tempo uma espécie de paradigma e de
personagem principal das mudanças em curso justo no momento em que as tecnologias de
comunicação e de informação passaram a exercer um papel estruturante na nova ordem
mundial” (PARENTE, 2005, p. 92). Para o autor, a rede hoje é responsável por definir a
estrutura dos mais diversos âmbitos da vida, dentre eles o capital, o mercado, a sociedade, a
guerra e a arte. “Nada parece escapar às redes” (ibidem, p. 92).
Como vimos em Musso, a estrutura da rede que predomina hoje nos mais diversos
âmbitos de nossa vida no caso aqui discutido, o social acarreta a mudança das estruturas
de poder. A antiga estrutura piramidal caracterizada por soberania e hierarquia dominada pelo
Estado transforma-se, graças à rede, em um sistema aparentemente democrático, igualitário e
transparente, no qual predominam o fluxo de informações e descentralização da comunicação.
Para Parente, as redes sempre existiram, mas o comando da sociedade pelo Estado fazia
“como se as redes fossem dominadas por uma hierarquização social que nos impedia de
pensar de forma rizomática” (PARENTE, 2005, p. 91). Segundo o autor, com a hegemonia
das redes, com a decadência dos antigos sistemas piramidais de soberania que enfraqueceram
o Estado, bem como com a emergência das redes de comunicação, a rede reaproximou-se da
subjetividade.
[...] aparece aqui e ali uma reciprocidade entre as redes e as
subjetividades, como se, ao retirar, a hierarquização social deixasse ver
não apenas uma pluralidade de pensamentos, mas o fato de que pensar
é pensar em rede.(PARENTE, 2005, p. 91)
Para Parente, a rede hoje é responsável por abranger os mais diferentes aspectos da
vida. Nada escapa à rede, nem o espaço, nem o tempo, nem a subjetividade. Portanto, ao
pleitearmos a subjetividade, podemos considerar, segundo Parente, as teorias de Foucault, de
Deleuze e de Guattari. Todos esses pensadores são unânimes em considerar a rede e as forças
sociais como principais responsáveis pela produção e pelo engendramento da subjetividade.
Parente diz que a subjetivação processo pelo qual o sujeito passa para alcançar sua
subjetividade é o processo pelo qual os indivíduos e coletividades se constituem como
sujeitos” e “só valem na medida em que resistem e escapam tanto aos poderes quanto aos
saberes constituídos” (PARENTE, 2005, p. 96). Os saberes e poderes instituídos causam
resistência e dificultam o acesso à subjetividade.
Porém, Parente, Virílio e Serres não possuem o mesmo pensamento de Foucault,
Guattari e Deleuze a respeito da produção de subjetividade através da rede. Para esses autores,
a formação da sociedade por meio de redes engendraria uma “espécie de prisão ainda mais
aperfeiçoada do que todas as outras” (PARENTE, 2005, p. 97). O ciberespaço nos prende a
partir do momento em que através dos mecanismos de telepresença, dos computadores em
rede e da multimídia – é possível ir a todos os lugares sem sair do lugar. Para Virílio, isso gera
uma inércia polar e, para Serres, uma pantopia (cada lugar em todos os lugares e todos os
lugares em um único lugar) (ibidem, p. 98).
1.2.3. Relação temporal
A soberania da rede diante dos âmbitos da vida acarretou, além de mudanças no social
e na subjetividade humana, significativas transformações no caráter temporal, ou seja, na
contagem e concepção do tempo. Segundo Kastrup, a rede proporciona a substituição da
contagem moderna de tempo, na época, delimitados pela física moderna e pela sociedade (lê-
se história), por uma terceira noção de temporal caracterizada pelas redes contemporâneas.
No tempo moderno regido pela física, a noção temporal caracteriza-se pela eternidade.
A física constitui-se de um sistema fechado e, portanto, longe dos acontecimentos históricos;
sendo assim, prende-se na busca das leis universais e das leis invariantes. Já no tempo
histórico moderno, o tempo da sociedade e a relação temporal calcam-se no “tempo que
passa”, ou seja, o passado se perde, desaparece e não pode ser conservado. “A modernidade
fala de períodos históricos, de epistemes, mentalidades, em virtude da coesão sistemática de
certo conjunto de elementos” (KASTRUP, 2005, p. 86). Essa sistematização de elementos se
graças à junção e à conservação de objetos e elementos históricos que servem para a
organização da história de modo sistêmico. Como nos diz Kastrup, “O modelo desse tipo de
temporalidade é a revolução, a ruptura, o corte radical e definitivo com o passado anterior”
(ibidem, p. 86). Na modernidade, tanto na física como na história, o tempo é tratado de forma
cronológica, em que passado, presente e futuro acontecem de formas separadas e essas
separações se dão justamente por meio das revoluções e das rupturas.
Porém, na pós-modernidade as leituras de tempo pregadas pela física e pela história
são substituídas pela noção temporal ditada pelas redes. Para Latour, a concepção moderna de
contagem de tempo nunca cobriu a totalidade dos seres e jamais o tempo contemporâneo pôde
ser determinado pelo tempo homogeneizado pela história (ibidem, p. 86-7). Segundo Latour, é
justamente devido aos bridos existentes nas sociedades contemporâneas que a concepção de
tempo precisou ser alterada. Os híbridos são “seres politemporais” que, através de
cruzamentos heterogêneos, trabalham em prol “da passagem das regiões e dos tempos que a
modernidade havia isolado” (LATOUR apud KASTRUP, 2005, p. 87). É em Bergson,
filósofo que defende a ontologia do presente, que Latour busca elementos para conceber os
híbridos,
a disciplina moderna agrupava, enganchava, sistematizava, para
manter unida, a pletora de elementos contemporâneos e, assim,
eliminar aqueles que não pertenciam ao sistema. Essa tentativa
fracassou. Não mais, nunca houve nada além de elementos que
escapam ao sistema, objetos cuja data e duração são incertas.
(LATOUR apud KASTRUP, 2005, p. 87)
Michel Foucault (1994) é o criador da idéia de ontologia do presente. Com base em
escritos de Kant, Foucault estabelece que a ontologia do presente se constitui por meio da
introdução do ser em seu tempo, dos achados históricos, e a análise da verdade “que pensa
movida pelos achados da ciência e reduz a filosofia a um curso de ciência e sobre a
linguagem” (KASTRUP, 2005, p. 87). Se considerarmos os pensamentos de Foucault e de
Latour, concluiremos que a figura da rede serve como representação empírica perfeita para a
ontologia do presente. Dessa forma, podemos situá-las no cerne da problemática temporal,
que na contemporaneidade se dá de forma diversa à contagem temporal moderna.
Na modernidade, a idéia de retorno do passado é inaceitável, mas quando se considera
a concepção dos híbridos defendida Latour pode-se perceber que “o passado permanece, ou
mesmo retorna” (LATOUR apud KASTRUP, p. 89). Para Latour, o tempo é um incessante
processo de vaivém, no qual os seres se interligam e as mediações mesclam “épocas, neros
e pensamentos heterogêneos pertencentes a todos os tempos” (ibidem, p. 89). A idéia de
tempo considerada por Latour pode ser relacionada com a tese de Bergson em Matéria e
memória, obra na qual o pensador discute sobre a relação entre o presente e o passado com
base nas premissas do virtual e do atual – com os pensamentos de Deleuze a respeito da teoria
de Bergson. Para Deleuze, o virtual de Bergson atenta para a idéia de que entre o presente e o
passado não prevalece uma sucessão e sim uma existência mútua, “o passado e o presente não
designam dois momentos sucessivos, mas dois elementos que coexistem, um que é presente, e
que não cessa de passar, o outro, que é passado, e que não cessa de ser, mas pelo qual todos
presentes passam” (DELEUZE apud KASTRUP, 2004,p. 89).
1.2.3.1.Rede maquínica e o tempo
O mesmo acontece quando pensamos a temporalidade por meio das redes
informacionais, através das quais as tecnologias de comunicação e informação são
responsáveis por desterritorializar o tempo e o espaço das culturais escritas e orais. Para todas
as culturas anteriores à pós-modernidade, o tempo real era sempre aquele que estava por vir,
dessa forma, a realidade estava sempre à frente do tempo presente. Em oposição a essa
concepção temporal, a era pós-moderna pela primeira vez calca o tempo real no “aqui e
agora” respaldado pela temporalidade maquínica (PARENTE, 2005, p. 94).
Para Parente, a tecnologia é um fato cultural baseado na multitemporalidade, em
“acontecimentos singulares que remetem ao passado, ao presente ou ao futuro, formando um
mapa dobrável e desdobrável como uma geometria variável” (ibidem, 2005, p. 94). As redes
maquínicas são responsáveis por aproximar tempos aparentemente afastados, ou por
distanciar tempos normalmente muito próximos. As dobras e desdobras do mapa do tempo
pós-moderno podem conectar e desconectar novos extratos, e estabelecer relações inesperadas
e instantâneas. Segundo Parente, a história baseada na tecnologia pode ser comparada às
teorias do tempo topológico e à teoria do caos, pois são responsáveis por fazer as junções
temporais mais inusitadas (PARENTE, 2005, p. 94). A multitemporalidade é responsável por
nos apresentar outra maneira de imaginar e de conceber o tempo. “O tempo multitemporal
passa e não passa, ele percola, mas não passa de modo uniforme e contínuo” (SERRES apud
PARENTE, 2005, p. 94). Para Serres, as tecnologias proporcionam um duplo fluxo de
acelerar e desacelerar, desterritorializar e territorializar, de inovar e manter a tradição. Dessa
forma, o tempo é visto como uma espécie de filtro que ora permite passagem e ora a obstrui.
Portanto, para Serres “a contemporaneidade se caracteriza cada vez mais pela edição
ou forma como as partes dos sistemas são montadas e articuladas”. Dessa forma, a memória
do homem transforma-se em “uma ilha de edição não linear” (PARENTE, 2005, p. 95), ou
seja, funcionamos como editores de nossas experiências, que se exteriorizam por meio de
“colagens que indicam os padrões das redes que nossas articulações tecem(ibidem, p. 95).
Todas essas concepções são respaldadas pelas redes maquínicas.
1.2.4.Associações artísticas
Sobre o ponto de vista artístico, as pessoas estão contidas na rede de uma forma dupla
como co-autor, em um sistema que lhe proporciona possibilidades e liberdade de
participação, e como indivíduo condutor temporário de uma ação.
Nas redes artísticas, a possibilidade de intercâmbio se dá de forma infinita e a estrutura
reticular abre uma área de “jogo” que possibilita um espaço social propício ao
desenvolvimento lúdico. Nesse espaço, quando o interventor da rede se movimenta até cada
ponto, ele leva os outros com ele. Isso acontece até o momento que outro interventor se
coloca como detentor da ação. Dessa forma, quando a ação é passada para outra pessoa, o
primeiro atuante transforma-se novamente em espectador, porém, caracteriza-se como
iniciador de uma determinada atividade. (PRADO, 1997). Segundo Gilberto Prado, “este
encadeamento de transformações está relacionado tanto ao processo quanto ao produto. É
todo um imaginário social e artístico que está em jogo e em transformação”.
Ainda segundo Prado:
Nas experiências de arte em rede, o artista renuncia à produção de um objeto
finito para se ater aos processos de criação, e geralmente coletivos. Mais que
uma obra no senso tradicional de um objeto único dotado de uma apresentação
física, o artista propõe um contexto, um quadro sensível onde alguma coisa
pode ou não se produzir, um dispositivo suscetível de provocar intercâmbios.
(PRADO, 1997, p. 3)
As manifestações artísticas que ocorrem na rede procuram juntar experiências
individuais que confrontam uma realidade em movimento e complexa, conjugada por
realidades particulares e com a desordem do mundo. Dessa forma, cada possibilidade de
mundo é enxergada pelos participantes da rede, que fazem por meio de sua participação
com que o trabalho artístico se construa em um terreno rico em incertezas, de ordem e de
desordem. Como coloca Morin, quando caracteriza a complexidade, que pode ser comparada
ao que ocorre nas redes artísticas:
[...] à primeira vista, é um fenômeno quantitativo, a extrema
quantidade de interações e de interferências entre um número muito
grande de unidades [...] a complexidade coincide com uma parte de
incertezas [...] é a incerteza no seio de sistemas ricamente organizados.
Ela diz respeito a sistemas semi-aleatórios cuja ordem é inseparável
dos acasos que a concernem. A complexidade está, pois, ligada a certa
mistura de ordem/desordem, mistura íntima [...].(MORIN, 2007, p. 35)
Sendo assim, a rede proporciona na arte um terreno em que a variedade de imaginários
permite não seguir uma formalização de um sistema hermético de práticas e interferências. A
rede permite a liberdade de sempre se impor um novo modelo de mundo, de modificar
significações e impor novos padrões.
1.2.3.4. De 1970 a 1990 – um pequeno panorama
A primeira manifestação artística que tomou como base a arte e as telecomunicações
foi a Arte Postal, inaugurada em 1963 pelo artista Ray Johnson, quando este fundou a New
York Correspondence School of Art. Nascida juntamente com os movimentos Fluxus, Gutai,
Neo-Dada e Novo Realismo, a mail art foi pioneira ao usar uma rede de comunicação em
larga escala para objetivos artísticos. Ao utilizar essa rede, artistas de todo o mundo trocavam
seus trabalhos por meio de uma ação paralela ao mercado “oficial” das artes.
Porém, por ser demorada e assincrônica, a arte postal exigiu dos artistas dos anos 1970
a vontade de se comunicar de forma mais instantânea e imaterial. Além disso, o
“instrumental” já mostrava suas premissas e iniciava-se uma relação entre telecomunicações e
arte na qual alguns artistas realizam suas produções em nível global. As produções
artísticas com essas características proliferaram no mundo através de ações que utilizavam
como meio de distribuição e reprodução o telefone, o fax, os satélites, as televisões de
varredura lenta, a rede de computadores pessoais, entre outros.
Com a efetivação da internet em 1980, Robert Adrian, em associação com a
multinacional I.P. Sharp, iniciou experiências com a rede mundial de computadores por meio
do projeto Artbox, que compreendia uma rede de correio eletrônico artístico. O Artbox
transformou-se em Artex – uma das primeiras redes eletrônicas artísticas de acesso mundial.
Uma das principais características das primeiras redes de comunicação era a sua
efemeridade. Ao contrário da internet, que possibilita o acesso imediato, por tempo
indeterminado, e que continua existindo mesmo após o término da ão, as primeiras redes
artísticas eram temporárias. Os eventos pioneiros de arte em rede exigiam dos artistas boa
vontade e disciplina. Aos participantes era necessário marcar um horário no qual eram
disponibilizados modens e computadores que serviriam para esse fim específico. Terminado o
processo, a rede era desmontada, sendo necessária outra programação para que restabelecê-la.
A internet possibilita participações atemporais que proporcionam ações em rede a
qualquer momento. Hoje, os sites de busca permitem o acesso às redes artísticas por todos que
têm interesse em acessá-las. Atualmente a comunicação e a troca de informação – ao contrário
das correspondências da Arte Postal, que exigiam tempo, além de restringirem grupos de
ações –possibilitam a heterogeneidade de participantes. Essa diversidade de participações
pode ser explicada pela abrangência da internet, bem como pela banalização e difusão
barateada dos aparatos telefônicos. Embora isso não implique obviamente uma tão sonhada
democratização do fazer artístico, a rede acaba por facilitar a difusão de certas idéias a grupos
que se interessam por elas. Para Gilberto Prado,
Bom número dos trabalhos que circulam pelas redes tem a
possibilidade de atingir um público geograficamente disperso,
independentemente da freqüência com que esse público acessa e/ou
participa de conferências artísticas on-line ou utiliza o seu
computador para navegar em galerias eletrônicas. Os tempos são
outros de quando os artistas acreditavam que era suficiente colocar
os trabalhos ao alcance de todos. [...] “mais realistas” os que hoje
experimentam com os novos meios de difusão, procuram menos esse
grande público, quase mítico e sonhando, por um público que tenha
mais afinidades com suas idéias e propostas.(PRADO, 1997, p. 2)
1.3.Sociedade em Rede
(Inspirado na obra “A sociedade em rede”, de Manuel Castells)
1.3.1. Definição de Castells
Manuel Castells apresenta como ponto fundamental da sociedade informacional,
embora seu significado não se encontre de todo esgotado, a estrutura baseada em redes, que
esclarece a utilização do conceito de sociedade em rede. O nascimento dessa é possibilitado
pelo progresso das novas tecnologias de informação que, ao longo do tempo, “agruparam-se
em torno de redes de empresas, organizações e instituições para formar um novo paradigma
sociotécnico” (CASTELLS, 1999, p. 77), cujos nós centrais são a base material da sociedade
de informação. Sendo assim, nos é necessário conhecer a definição de rede proposta por
Castells. Para esse autor, “rede é um conjunto de nós interconectados” (ibidem, p. 498), porém
sua flexibilidade e maleabilidade proporcionam uma poderosa e útil ferramenta que melhor
caracteriza a complexidade da formação das sociedades contemporâneas baseadas no
paradigma informacional. Dessa forma, Castells afirma,
redes são estruturas abertas capazes de expandir de forma ilimitada,
integrando novos nós desde que consigam comunicar-se dentro da rede,
ou seja, desde que compartilhem os mesmos códigos de comunicação
(por exemplo, valores ou objetivos de desempenho). Uma estrutura
social com base em redes é um sistema aberto altamente dinâmico
suscetível de inovação sem ameaças ao seu equilíbrio.(CASTELLS,
1999, p. 499
)
Castells aponta cinco características centrais do novo paradigma: a informação é
matéria-prima; as novas tecnologias alojam-se em todas as atividades humanas; a lógica de
redes para definir qualquer conjunto de relações ou sistemas que usam as novas tecnologias
ou sistema; a maleabilidade, reorganização e organização de instituições, organizações e
processos. E, finalmente, a crescente convergência de tecnologias específicas para um sistema
altamente integrado, que conduz a uma interdependência entre biologia e microeletrônica
(CASTELLS, 1999, p. 78-9).
O conceito de rede proporciona ao autor um poderoso alicerce para observar, analisar
e apresentar algumas conclusões provisórias sobre as funções dominantes na era da
informação e o seu desenvolvimento. Castells aponta para o fato de que “a nova economia
está organizada em torno de redes globais de capital, gerenciamento e informação” (ibidem, p.
499) e que “os processos de transformação social, sintetizados no tipo ideal de sociedade em
rede ultrapassam a esfera das relações sociais e técnicas de produção: afetam a cultura e o
poder de forma profunda” (ibidem, p. 504).
1.3.2. Sociedade em Rede
Castells contribui para o debate sobre a formação das sociedades calcadas nos
aparatos tecnológicos avançados, característicos da pós-modernidade. Para o autor, a
sociedade contemporânea é globalizada e centralizada pela aplicação e pelo uso do
conhecimento e da informação. A base material que sustenta a sociedade na pós-modernidade
é, para Castells, o acelerado desenvolvimento dos aparatos tecnológicos que, centralizados
nas tecnologias da informação, implicam profundas mudanças nos sistemas políticos, nos
sistemas de valores, nas relações sociais e na cultura.
Para caracterizar a complexa “nova economia, sociedade e cultura em formação”
(ibidem, p. 24), Castells estabelece como marco zero a revolução da tecnologia da
informação. Os avanços gerados pelo desenvolvimento tecno-informacional são responsáveis
pela sua “penetrabilidade em todas as esferas da atividade humana” (idem), e atenta para o
fato de que “devemos localizar este processo de transformação tecnológica revolucionária no
contexto social em que ele ocorre e pelo qual está sendo moldado” (idem).
Castells observou que a tecnologia informacional foi o cerne para o processo de
reformulação do capitalismo na década de 1980. O progresso da tecnologia se deu por meio
da lógica e dos interesses do capitalismo avançado dada a existência empírica de uma inter-
relação entre modos de desenvolvimento (informacionalismo) e modos de produção
(capitalismo). Essa relação, porém, não termina com a diferença de análise entre os conceitos.
A leitura de Castells assume uma visão teórica clássica das ciências sociais, defende “que as
sociedades são organizadas em processos estruturados por relações historicamente
determinadas de produção, experiência e poder(CASTELLS, 1999, p. 33). O poder baseia-
se na supremacia do Estado e do uso da violência. A experiência, até então estruturada em
torno da família, se constrói pelas relações entre os sexos. A produção estrutura-se nas
relações de classe, que determinam o uso e a divisão do produto nos limites de consumo e
investimento.
É a partir desse enquadramento teórico que Castells localiza uma nova base de
sociedade, que “está associada ao surgimento de um novo modo de desenvolvimento, o
informacionalismo”.
5
Assim, o que define o modo informacional de desenvolvimento é a
“ação de conhecimentos sobre os próprios conhecimentos como principal fonte de
produtividade” (ibidem, p. 35), o que, para o teórico, nos leva a um novo parâmetro
tecnológico, fundamentado na tecnologia da informação. A respeito do novo sistema de
comunicação informacional, Castells afirma:
[...] um novo sistema de comunicação que fala cada vez mais uma
língua universal digital tanto está movendo a integração global da
produção e distribuição de palavras, sons e imagens de nossa cultura
5
Castells propõe discussão teórica sobre as diferenças entre sociedade da informação e sociedade informacional (o
autor utiliza esta última, por ela fazer referência ao conceito de sociedade industrial). Porém, esse não é foco desta
pesquisa, sendo apontada apenas a noção de desenvolvimento: “procedimentos mediante os quais os trabalhadores
atuam sobre a matéria para gerar o produto, em última análise, determinando o nível e a qualidade do excedente”
(CASTELLS, 1999, p. 34).
como o personalizando ao gosto das identidades e humores dos
indivíduos. As redes interativas de computadores estão crescendo
exponencialmente, criando novas formas e canais de comunicação,
moldando a vida, e ao mesmo tempo, sendo moldadas por ela.
(CASTELLS, 1999, p. 40)
O sistema informacional é responsável, segundo Castells, por uma mudança drástica
na sociedade, tanto como o que ocorreu com a economia e a tecnologia. A característica
principal de mudança social é a fragmentação dos movimentos sociais. Na era da informação,
os movimentos sociais são imbuídos de efemeridade e de objetivos únicos. Esses objetivos
são “encolhidos em seus mundos interiores ou brilhando por apenas um instante em um
símbolo da mídia” (CASTELLS, 1999, p. 41). Como já foi dito anteriormente por Kroker, em
seus pensamentos acerca da pós-modernidade, o momento informacional incita a “sensação
mítica do primitivismo que se reconecta à sociedade tecnológica” (KROKER apud LEMOS,
2008, p. 67). Dessa forma, as pessoas na sociedade da informação tendem a formar grupos
que pregam identidades primárias como étnicas, territoriais, religiosas, nacionais. “O
fundamentalismo religioso cristão, islâmico, judeu e até budista provavelmente é a maior
força de segurança pessoal e mobilização coletiva nestes tempos conturbados” (CASTELLS,
1999, p. 41).
As pessoas não se organizam mais a partir de suas atividades em comum, mas através
do que acreditam ser ou do que são. Para Castells, a busca da identidade na formação da
sociedade é a única maneira de encontrar um significado diante de uma historicidade que
ocorre através do desmantelamento das organizações, do emagrecimento de movimentos
sociais importantes, da decadência de instituições e de expressões culturais fulminantes.
Enquanto isso, as redes globais de intercâmbios instrumentais
conectam e desconectam indivíduos, grupo, regiões e até países, de
acordo com sua pertinência na realização dos objetivos processados na
rede, em fluxo contínuo de decisões e estratégias. (CASTELLS, 1999,
p. 41)
Segundo Castells, o novo modelo de sociedade em formação, que tem como base o
desenvolvimento tecnológico, pode acarretar sim certo “poder libertador da identidade”,
porém, sem que seja necessária uma individualização ou uma “captura pelo
fundamentalismo” (CASTELLS, 1999, p. 42). Além do mais, o autor acredita que todas as
mudanças propostas pela nova ordem mundial, aparentemente caótica, podem servir para a
compreensão de seu inter-relacionamento, além de possibilitarem a visão de que todos os
elementos de composição desse mundo em formação são afins. “A busca da identidade é tão
poderosa quanto a transformação econômica e tecnológica no registro da nova história”
(idem).
1.3.3.A informação e o ser
Ao considerar a extensão da obra de Castells a respeito da sociedade em rede, cujo
cerne principal foi explicitado resumidamente em tópico anterior, convém ressaltar o papel do
“ser” dentro da sociedade da informação. Por se tratar de uma pesquisa calcada nas relações
interpessoais e nas trocas sociais, é de extrema relevância que explicitemos detalhadamente
quais são as transformações que as relações sociais sofreram com o advento da sociedade em
rede. A priori nos foi introduzida a idéia de que com o advento das novas tecnologias que
acarretou a descentralização da divisão do trabalho e da comunicação a busca por
identidades primárias (lê-se religiosas, territoriais, nacionais, étnicas) se viu presente no
desenvolvimento social da sociedade da informação. Castells observa que mais do que pelos
atributos tecnológicos a sociedade em rede é primeiramente caracterizada pela prevalecente
busca da identidade, que acaba por se tornar o principal fator organizacional da sociedade de
informação. O autor caracteriza a identidade como um processo no qual um agente da
sociedade encontra significado tomando como alicerce um fator ou um conjunto de fatores
culturais (CASTELLS, 1997, p. 58).
Uma análise semelhante no que se refere à junção social por identidade é a de Michel
Maffesoli a respeito das tribos contemporâneas, a partir do conceito que ele intitula rede das
redes. Para Maffesoli, “a realidade social é formada por adesões sucessivas, por cruzamentos
múltiplos, constituindo a rede das redes como uma estrutura complexa” (MAFFESOLI apud
LEMOS, 2008, p. 142). Dessa forma, a lógica da rede das redes de Maffesoli se fixa nas mais
diversas maneiras de agregação comunitárias ou não, unindo pessoas em prol de identidades
semelhantes.
Outra questão que convém salientar é que, embora existam congregações de pessoas
que partilham de uma mesma identidade, o componente de um referido grupo não está
impedido de partilhar de outro aspecto de identificação com um conjunto de preferências
diferentes. Participar de um grupo de identidade semelhante não implica fechar-se a outros.
Essa mobilidade, que acontece entre as mudanças de um grupo de identidade comum para
outro, é explicada por Maffesoli quando este contrapõe as características do social e da
socialidade. Para ele, no social, “o indivíduo podia ter uma função na sociedade, e funcionar
no âmbito de um partido, de uma associação, de um grupo estável” (MAFFESOLI, 1993, p.
108). Já na socialidade há uma representação de papéis ora no profissional, ora no pessoal, ora
na família: “Mudando o seu figurino ela vai de acordo com seus gostos (sexuais, culturais,
religiosos, amicais) assumir o seu lugar, a cada dia, nas diversas peças do theatrum mundi
(ibidem, p. 108).
Porém, como veremos, na sociedade caracterizada pela massificação, as relações
tribais se davam de forma diferenciada. Para Maffesoli, as junções proporcionadas por
identidade semelhantes associam-se ao tribalismo que, segundo ele, estão “impregnando cada
vez mais os modos de vida” (ibidem, p. 137). Para o autor, essas manifestações tribais atentam
para a importância das relações afetivas na sociedade, e ressalta agrupamentos como os de
mães solteiras, de homossexuais e de mulheres, que, mais do que se juntarem também por
identidades parecidas, se juntam por solidariedade. O escritor também atenta para o fato de
que as manifestações tribais juntam o grupo à massa. Dessa forma, “Remete, antes, a uma
ambiência, a um estado de espírito, manifesta-se, de preferência, através de estilos de vida que
vão privilegiar a aparência e a ‘forma’” (MAFFESOLI, 1993, p. 139). Portanto, é necessário
considerar que, muitas vezes, as ações tribais que buscam formar grupos em prol de
identidades semelhantes acabam por se juntarem novamente às massas, tornando-se
massificadas e perdendo seu sentido de identificação primária. Dessa forma, remetem “à
metáfora orgiástica e à superação da identidade individual” (MAFFESOLI, 1993, p. 139).
Um exemplo claro dado pelo escritor a respeito dessa manifestação massificada das
tribos é o das atividades esportivas, que, através dos meios de comunicação de massas,
atingem a todos. Impregnados pela ria consumista, vamos a lojas, shoppings e
hipermercados em busca de produtos que fazem referência ao time de nossa preferência, os
quais “destilam simbolismo, quer dizer, a impressão de pertencer a uma espécie comum”
(MAFFESOLI, 1993, p. 139).
Em contraponto, como considerou Castells, a pós-modernidade calcada nas redes
caracteriza-se pela proxemia. Para Maffesoli:
A proxemia remete, essencialmente, ao surgimento de uma sucessão de
“nós” que constituem a própria substância de toda socialidade.
Continuando, gostaria de fazer notar que a constituição dos microgrupos,
das tribos que pontuam a espacialidade se faz a partir do sentimento de
pertença, em função de uma estética específica e no quadro de uma rede
de comunicação. (MAFFESOLI, 1993, p. 194)
Para Maffesoli, numa sociedade baseada na estrutura de redes, essa multidão de tribos
distintas “se entrecruzam, se opõem, se entreajudam, ao mesmo tempo que permanecem elas
mesmas”.
Paradoxalmente, segundo Raymond Barglow, em análise psicanalítica social, embora
a capacidade de integração e organização aumente, simultaneamente os sistemas de formação
em rede e os sistemas de informação derrubam o conceito tradicional do Ocidente, que aponta
para o sujeito independente e isolado. “A mudança histórica das tecnologias mecânicas para
as tecnologias da informação ajudam a subverter as noções de soberania e auto-suficiência
que serviam de âncora ideológica à identidade individual” (BARGLOW apud CASTELLS,
1999, p. 58).
1.4.Cibercultura
A cibercultura surgiu da passagem da hegemonia dos mass media (rádio, TV, jornal,
revistas etc.) para a supremacia do que podemos chamar de novas tecnologias (tecnologias
digitais e redes telemáticas). Em 1975, iniciou-se a fusão entre a informática e os meios
analógicos de telecomunicação, o que possibilitou a veiculação de mensagens por meio do
computador. A transposição dos meios massivos para os digitais acarretou possibilidades de
estoque e difusão de informações bem como formas de produção individuais. O transporte e a
circulação de informações passam a se dispor de forma rizomática (de todos para todos) e não
mais obedecem ao sistema hierárquico da árvore (de um para todos).
As novas tecnologias destoam da difusão centralizada dos meios de comunicação em
massa. Ao contrario destes, a principal característica dos novos meios tecnológicos é a
descentralização da informação. Segundo Lemos, “Em todos estes novos media estão
embutidas noções de interatividade e de descentralização da informação [...]” (LEMOS, 2007,
p. 69). Com o surgimento da relação homem–máquina, ou de uma ligação biológica–
tecnológica:
Na medida em que o usuário foi aprendendo a falar com as telas, através
dos computadores, telecomandos, gravadores de vídeo e câmeras caseiras,
seus hábitos exclusivos de consumismo automático passaram a conviver
com hábitos mais autônomos de discriminação e escolha próprias. Nascia
a cultura da velocidade e das redes que veio trazendo consigo a
necessidade de simultaneamente acelerar e humanizar a nossa interação
com as máquinas. (SANTAELLA, 2003, p. 82)
A relação entre homem máquina teve como primeiro investigador McLuhan, que
concebia os meios tecnológicos como prolongamentos corporais e próteses de nossos sentidos
e, indo a fundo, os media podiam ser considerados prolongamento de nosso sistema nervoso
central. Segundo McLuhan, a eletrônica, que mais tarde caracterizou-se por multimídia,
contribuiu para a criação de formas tribais, chamada por ele de “aldeia global”, na qual todos
estão unidos: “a grande família humana em uma só tribo” (McLUHAN, 1977, p. 34).
O multimídia, caracterizado em off-line (CD-ROM, DVD-ROM) e on-line (internet), é
o que mais eficazmente caracteriza a convergência das linguagens anunciadas por McLuhan.
A linguagem digital, ao contrário da analógica, transforma todas as demais (sonoras, visuais,
impressas etc.) em uma única linguagem – o código binário. Essa convergência permite
transformar a inflexibilidade analógica de transmissão, difusão e armazenamento de
informações em um sistema único de armazenamento e de distribuição multinodais, “onde as
formas textuais, imagéticas ou sonoras são independentes do modo pelo qual são
transmitidas” (LEMOS, 2007, p. 69). A convergência de todas as linguagens em um único
sistema de códigos binários acarretou o aparecimento de características individuais das
tecnologias digitais, entre elas a possibilidade de compressão de dados, correção de erros,
produção de cópias idênticas de maneira ad infinitum, sem prejuízos à qualidade (as cópias
analógicas se degeneram e se modificam) etc. As ligações modem-modem, que conectavam
computadores entre si através da linha telefônica, permitiam, de maneira indiscriminada, a
livre circulação de todos os dados digitais. Essa distribuição e troca de dados, além da rápida
veiculação de informações, tornou-se ainda mais evidente com o nascimento da internet.
A rede mundial de computadores é capaz de estabelecer uma conexão de
computadores em termos planetários e, dessa forma, percorre caminho oposto à mídia
impressa e à escrita. A imprensa homogênea e individual cede lugar “à conectividade e à
retribalização da sociedade”. Além do mais, “a conjunção de uma tecnologia retribalizante (o
ciberespaço) com a sociedade contemporânea vai produzir a cibercultura profetizada por
McLuhan” (LEMOS, 2007, p. 71).
Segundo Lemos, a cibercultutura caracteriza-se por possuir uma configuração baseada
nas relações sociais e técnicas, nas quais existirão “modelos tribais associados às tecnologias
digitais”, em contraponto ao individualismo pregado pela cultura impressa e tecnocrática da
modernidade. “Com a cibercultura, estamos diante de um processo de aceleração, realizando a
abolição do espaço homogêneo e delimitado por fronteiras geopolíticas do tempo cronológico
e linear, dois pilares da modernidade ocidental” (LEMOS, 2007, p. 72).
Como vimos no tópico referente às redes, a transformação de um sistema autoritário
caracterizado por um sistema piramidal de hegemonia para um sistema descentralizado e
rizomático, que caracteriza a sociedade em rede, gera terreno fértil para a aldeia global de
McLuhan. Para Lemos, a conexão possibilitada pela internet não só implica uma aldeia global
única como também favorece a formação de “várias e idiossincráticas aldeias globais”.
As idiossincráticas aldeias globais que se unem através das redes tecnológicas
constituem, muitas vezes, recorrentes formações de grupos de discussão. Para Lévy, a
formação de fóruns de discussão “constitui a paisagem movediça das competências e das
paixões, permitindo assim atingir outras pessoas, não com base no nome, no endereço
geográfico ou na filiação institucional, mas segundo um mapa semântico ou subjetivo dos
centros de interesse” (LEMOS, 2007, p. 207). Segundo o autor, a formação desses grupos de
interesse em comum contribui para o desenvolvimento de um grande cérebro eletrônico
coletivo, que caracteriza aquilo que ele denomina inteligência coletiva.
Surge aí a noção de ciberespaço,
Não se trata de bens materiais, matérias-primas e energia retiradas da
natureza, mas de informações traduzidas sobre forma de bits, imateriais,
abstratas, lidas por uma metamáquina (o computador, o ciberespaço).
Atualiza-se como ciberespaço, o grande sonho enciclopédico de, em um
único media, armazenar todo o conhecimento da humanidade. (LEMOS,
2007, p. 71)
Esses órgãos coletivos inteligentes são unidos pela estrutura da internet, por meio de
uma forma caótica que se organiza através da desordem. Segundo Rosnay, “milhões de
agentes agindo paralelamente a partir de regras simples criam um multiprocessador
gigantesco, capaz de se adaptar à evolução de seu ecossistema informacional” (ROSNAY
apud SANTAELLA, 2005, p. 90). Dessa forma, para Rosnay, a internet organiza-se de forma
cooperativa e por meio da manutenção e do funcionamento de seus computadores.
1.4.1.Ciberespaço
Segundo Lévy, o ciberespaço é o sistema que se desenvolve mais rapidamente desde o
início da história das cnicas de comunicação e é “o centro de gravidade da nova ecologia
das comunicações”. Dessa maneira, pode-se dizer que o ciberespaço conjuga as vantagens dos
mass media (uma única informação é lançada a determinado número de pessoas que formam
diversas comunidades de recepção em um mesmo contexto) e do correio e telefone (que
funcionam em um sistema de rede no qual as mensagens podem ser distribuídas a seus
destinatários de maneira precisa e recíproca) (LÉVY, 1997, p. 207).
Além dessas características, o termo ciberespaço, criado em 1984 por William Gibson,
em seu livro Neuromancer, constitui-se em “um universo das redes como lugar de encontros e
de aventuras, terreno de conflitos mundiais, nova fronteira econômica e cultural”
(SANTAELLA, 2005, p. 98). Depois dos romances de Gibson, o ciberespaço se transformou
em tema de grande interesse, pois o novo conceito fazia emergir idéias como: “uma nova
fronteira, aberta à exploração, assim como à colonização” (SANTAELLA, 2005, p. 99). O
ciberespaço, então, passou a ser concebido como um novo meio de realidade que possibilitaria
uma multiplicidade de dimensões artificiais ou virtuais que poderiam ser acessadas através da
internet. Essa leitura de uma “realidade virtual” foi facilitada pela obra Ciberespaço.
Primeiros passos (1991), de Michael Benedikt. Para Lemos, o ciberespaço pode ser definido
por meio de duas perspectivas:
[...] como o lugar onde estamos quando entramos num ambiente simulado
(realidade virtual), e como um conjunto de redes de computadores
interligadas ou não, em todo o planeta, a Internet. Estamos caminhando para
uma interligação total das duas concepções do ciberespaço, pois as redes vão
se interligar entre si, e, ao mesmo tempo, permitir a interação por mundos
virtuais em três dimensões. O ciberespaço é assim, uma entidade real, parte
vital da cibercultura planetária que está crescendo sob os nossos olhos. Ele
não é desconectado da realidade, mas um complexificador do real.
(LEMOS, 2007, p. 128)
Para Santaella, a definição de ciberespaço se através de metáforas, ao contrário da
internet, que é definida tecnicamente; portanto, muitas definições a respeito do ciberespaço
podem ser propostas:
Segundo Hein (apud SANTAELLA, 2005, p. 100), o ciberespaço pode ser
caracterizado por uma dimensão gerada por computadores, na qual as informações se
movimentam e percorrem diferentes caminhos em meio a um ambiente povoado por dados
eletrônicos. Para Hein, a habitação do ciberespaço ocorre quando existe a movimentação dos
usuários através do uso das interfaces que coabitam um mundo “independente com suas
próprias dimensões e regras” (ibidem, p. 101). Milthorp amplia o conceito de Hein e define
ciberespaço como um ambiente no qual a transferência da vida analógica para a vida digital
permite “uma imaginação, uma fantasia abstrata, eletrizante, que se tornou parte da realidade
cultural contemporânea” (ibidem, p. 101). Ainda segundo Milthorp, “as relações entre a
fantasia a experiência, expectativa e satisfações, ciência e nossos mitos culturais, são aspectos
inextrincáveis de sua noção de ciberespaço”. Milthorp defende que mesmo que ciberespaço
venha a se tornar um site institucional “ele parece oferecer um espaço anárquico no qual
várias espécies de hierarquias podem existir e no qual o poder é descentrado. O ciberespaço
pode de fato, refletir a capacidade crescente de acomodar atividades aberrantes sem
desestabilizar a estrutura existente” (ibidem, p. 102).
Para Lemos, o ciberespaço pode ser caracterizado como um espaço adimensional, que
constitui um universo informacional no qual é possível navegar instantaneamente e de forma
reversível. Segundo o autor, o ciberespaço se transforma em um espaço mágico no qual
predomina “a ubiqüidade, o tempo real e o espaço não físico”. Dessa forma, a
desmaterialização espacial e a instantaneidade do tempo características da contemporaneidade
são partes constituintes do ciberespaço, características essas que não eram possíveis na idade
moderna, devido à “compartimentalização do tempo” proporcionada pela era industrial
(LEMOS, 2007, p. 128).
A razão proporcionada pelos aparatos tecnológicos caminha, segundo Lemos,
paradoxalmente junto com o misticismo, a religiosidade e o simbolismo. Portanto, “o
ciberespaço é, em conseqüência, uma casa da imaginação, o lugar onde se encontram
racionalidade tecnológica, vitalismo social e pensamento mágico” (ibidem, p. 129).
1.4.2.Interatividade digital
Para Lemos, é através da possibilidade de interação promovida pelas tecnologias
digitais que as potencialidades descentralizadoras de poder podem ser desenvolvidas. É
possível caracterizar a internet, segundo a classificação de McLuhan, como um media frio, ou
seja, que permite interatividade e deixa espaço para que os usuários possam preencher
(McLUHAN apud LEMOS, 2007, p. 72). Outros exemplos de media frios são a palavra,os
alfabetos pictográficos, a TV e o telefone. Para McLuhan, em oposição ao que ele chama de
media quentes, os quais não permitem interação porque são meios de alta definição (rádio,
cinema, fotografia, alfabeto etc.), os media frios possuem o poder de interação e retribalização
– como é o caso das tecnologias da cibercultura (LEMOS, 2007, p. 72).
Segundo Laurel, as tecnologias digitais possibilitam novas experiências em criação e
interação. Nessa atividade as interfaces digitais são as principais agentes incitantes de
interatividade. “A interface gráfica e as novas formas e interação homem–máquina foram
decisivas para a apropriação social dos microcomputadores” (LAUREL apud LEMOS, 2007,
p. 110). Essa forma de interação pode, segundo a autora, ser encontrada nos primeiros jogos
eletrônicos.
Laurel defende a idéia de que a interatividade e a interface gráfica devem ser
consideradas a partir de um ponto de vista que evidencie a comunicação, a conexão e a
dramaticidade. Essa idéia, segundo Lemos, também pode ser encontrada nos princípios de
“teatralidade cotidiana de Goffman e Maffesoli” (LEMOS, 2007, p. 111). Para Lemos, “a
teatralidade social permite, assim, uma ótima absorção da interface gráfica à vida quotidiana,
como se a vida social contemporânea fosse transposta, de alguma forma, para as interfaces,
proporcionando uma interatividade comunicativa” (ibidem).
Segundo Lemos, a interface gráfica é apoiada pelo presente e pelo drama marcado
pelo tempo imediato. Dessa forma, baseia-se em trocas imediatas calcadas no presenteísmo e
na ação eficaz corporificada pela representação de papéis. Assim, inaugura nosso
relacionamento com a microinformática (ibidem, 2007, p. 112). Para Laurel, o computador
transforma-se em metamáquina “que representa mundos virtuais em direção da perspectiva da
interação dramática” (LAUREL apud LEMOS, 2007, p. 112). Portanto, podemos dizer que a
interatividade é a palavra chave dos media tecnológicos. Hoje, a interatividade povoa as mais
diversas mídias, as quais são consideradas interativas: a TV, os jogos eletrônicos, a internet, o
cinema interativo, as redes interativas, dentre outros. Para Lemos, “o que compreendemos
hoje por interatividade nada mais é do que uma nova forma de interação técnica, de cunho
eletrônico-digital, diferente da interação analógica que caracterizou os media tradicionais”
(ibidem, p. 112).
Os novos media digitais permitem um novo tipo de interação ou interatividade digital.
Segundo Lemos, essa interatividade constitui-se em “uma interação técnica do tipo eletrônico
digital correspondendo à superação do paradigma analógico-mecânico”. Dessa forma a
interatividade permitida pelo meio digital pode ser considerada de terceira ordem, ou terceira
interatividade ou interatividade eletrônico-digital. As interações de primeira, segunda e
terceira ordem são as interatividades não excludentes: técnico-analógico mecânico, técnico
eletrônico-digital e social (ibidem, p. 114). Como constata Lemos, a tecnologia digital permite
ao internauta interagir não somente com o objeto, mas com o conteúdo, expresso por
informações. À medida que o tempo passa, essa espécie de interação torna-se mais
confortável e rápida. Para Lemos, hoje vivemos em um momento marcado pela comunicação
planetária que interage sem precedentes com as informações. Essa interação culmina com as
experiências de realidade virtual. Através da realidade virtual o usuário dirige-se cada vez
mais perto da interação direta, não com os objetos, e acontece entre homem–informação. Para
Manzine, essa é “uma interatividade cujo programa não está escrito na forma física
macroscópica do objeto, mas se encontra gravado nos suportes eletrônicos (cuja forma física
escapa a nossa escala de percepção.)” (MANZINE apud LEMOS, 2007, p. 115).
A interatividade eletrônico-digital, através do ciberespaço e dos computadores,
modifica de maneira relevante a relação objeto-sujeito na pós-modernidade. Para Laurel, ao
contrário das interações mecânico-analógicas, os objetos eletrônico-digitais promovem uma
interação ativa e simétrica por meio de um “diálogo constante entre agentes” (LAUREL apud
LEMOS, 2007, p. 115). Já para Manzine, a interatividade digital desmaterializa “toda a
relação do sujeito com o objeto, do objeto com a natureza e da natureza com o objeto”.
Segundo esse autor, isso não ocorre na interação com o objeto físico, o qual se modifica em
um objeto quase sujeito, uma forma de interlocutor virtual (MANZINE apud LEMOS, 2007,
p. 115).
Lemos aponta para o fato de que a interação eletrônico-digital não possui caráter
passivo ou representativo. Torna-se ativa e baseia-se na simulação. Nessas interações são
permitidas comunicações inteligentes entre objetos e máquinas sem que a presença humana,
como mediadora, seja necessária. Para Lemos:
A evolução dos media digitais e das respectivas interfaces,
proporcionando a febre de interatividade informativa, pode nos
ajudar a melhor compreender a influência das novas tecnologias e
a importância da noção de interatividade para a cibercultura
contemporânea. (LEMOS, 2007, p. 115)
Portanto, podemos compreender que a interatividade, digital ou analógica, tem como
base uma ordem simbólica, mental e imaginária. Através dessas bases podemos estruturar
nossa própria relação com o mundo que nos cerca. Para Lemos, é por meio do imaginário que
alimentamos nossas inter-relações com a técnica e dessa maneira fazemos com que também o
imaginário impregne a maneira como as interfaces e a interatividade são construídas
(LEMOS, 2007, p. 115).
1.4.3.Cibearte, tendências para a virtualização do mundo e a
interatividade
Muitas foram as transformações ocorridas na arte a partir do surgimento das novas
tecnologias. Parâmetros de representação, reprodução e relação com a arte foram modificados
desde o desenvolvimento da internet. A flexibilidade do código binário permitiu a produção
de clones de uma imagem tecnológica de maneira infinita, e a representação da realidade pelo
ciberespaço também sofreu significativas mudanças a partir do advento da realidade virtual.
Porém, como o foco principal deste estudo é analisar as relações de participação e
interatividade que a arte no ciberespaço proporciona, estudaremos essa última mudança de
forma mais detalhada neste tópico.
As possibilidades oferecidas por novos aparatos tecnológicos (cinema, fotografia,
televisão e vídeo) chamaram a atenção dos artistas a partir da década de 1970. A arte
contemporânea irá então se basear na combinação, na reapropriação e na mistura de
elementos e privilegiará as formas fragmentadas e lúdicas. A partir dos anos 1970 os artistas
criaram uma “arte aberta, rizomática e interativa, em que o autor e o público se misturam”
(LEMOS, 2007, p. 177). Dessa forma, as novas tecnologias como os computadores e as
redes de telecomunicação foram adventos úteis para as expressões artísticas na pós-
modernidade. “A ênfase da arte eletrônica incide, agora, na circulação de informação e na
comunicação, herdeira direta da performance e dos happenings dos anos 60” (ibidem, p. 177).
Como foi visto, a rede é o cerne para a contextualização das produções em arte pós-
moderna. E é na rede digital, a internet, que a arte digital ou eletrônica encontra um ambiente
ideal, no qual pode exercer seu objetivo de comunicação. “A idéia de rede, aliada à
possibilidade de recombinações sucessivas de informações e a uma comunicação interativa,
torna-se o motor principal da ciberarte” (COUEY apud LEMOS, 2007, p. 178). Assim, a
predominância da interatividade, dos samplimgs (colagens) de informação, do discurso não
linear, dos hipertextos, dos fractais etc. povoará as produções de arte na era das novas
tecnologias. Para Lemos,
A arte eletrônica vai construiruma nova fomra simbólica,
através da qual os artistas utilizam novas tecnologias numa
postura ao mesmo tempo crítica e lúdica, com intuito de
multiplicar suas possibilidades estéticas. Ela vai explorar a
numerização, [...] a espectrabilidade [...], o ciberespaço, a
instantaneidade [...], e a interatividade, quebrando as fronteiras
entre produtor, consumidor e editor. (LEMOS, 2007, p.182)
Ainda segundo Lemos,
a arte em rede virtualiza o ciberespaço. O potencial do
ciberespaço para abrigar artes eletrônicas é enorme. Seu caráter
aberto, interativo e não hierarquizado permite que seja um
espaço por excelência da arte, um espaço imaginário num
tempo imediato, o tempo real. Dessa forma, conexão,
interação, simultaneidade, participação plural e interativa,
constituem um espaço híbrido fundamental da ciberarte hoje.
(ibidem, p.184)
Uma vez que a arte é sempre conhecida como o espelho de seu tempo, a arte eletrônica
encontrará na desmaterialização proporcionada pela linguagem digital campo fértil para a
produção de um novo modelo artístico. Essa produção caracterizar-se-á pela comunicação,
interatividade e circulação da informação por intermédio das redes. “A arte entra no processo
global de virtualização do mundo. Compreender a arte desse final de século é compreender o
imaginário da cibercultura” (LEMOS, 2007, p. 178).
O artista da comunicação Fred Forest, (apud PLAZA, 2000, p. 12) defende que a
desmaterialização da cultura provoca o nascimento de um potencial criativo, de inteligências
coletivas. Outros pontos também relevantes são a exploração de espaços-tempo totalmente
novos e um inchaço nos potenciais de imaginação e de sensibilidade. Segundo Forest, a
“simulação”, o “tempo real” e a “interatividade” são palavras essenciais para que se possa
entender as artes nos tempos das novas tecnologias. É necessário, através do surgimento
dessas novas vertentes, que a história da arte seja revista, pois todos os antigos preceitos de
economia simbólica, circulação de bens artísticos contemporâneos, bem como modos de
fabricação, são atingidos pelo novo contexto. Na era das novas tecnologias da informação, “o
artista e sua obra interativa existem pela participação efetiva do público, o que torna a
noção de ‘autor’, conseqüentemente mais problemática. O estado de coisas nos conduz à
necessidade de ‘redefinir’ também o conceito de artista” (PLAZA, 2000, p. 12).
Ainda considerando o potencial interativo das novas tecnologias, Roy Ascott (apud
PLAZA, p. 14) considera que a interação promove uma extensa gama de novas experiências
que usam meios diferentes (experiências individuais, performances, em fluxo de dados),
juntamente com estruturas distintas, redes ou ambientes cibernéticos inteligentes e suscetíveis
à adaptação. Dessa forma, o espectador age sobre o fluxo de dados, muda sua estrutura,
transita na rede e interage com o ambiente, atuando de forma transformadora e criativa.
Porém, para Rush (apud SANTAELLA, 2003, p. 175), é necessário atentar para o fato
de que a interatividade proposta pelos meios digitais e que caracteriza a ciberarte não se
resume apenas a criar um ambiente de “interação, de incorporação, colaboração ou imersão
para o usuário-receptor”. É preciso que se perceba a complexidade das diversidades
tecnológicas e semióticas, que crescem e hibridizam os meios, de forma a gerar produção de
“arte que hoje comprime ao máximo a capacidade de informação e processamento em um
espaço mínimo”. Como na obra Aleph, de Borges, publicada em 1971, “em pontos densos de
tempos e espaços que oscilam entre o visível e o invisível, o material e o imaterial, o presente
e o ausente, a matéria e sua virtualidade, a carne e seus espectros”(apud SANTAELLA, 2003,
p. 175).
Quanto ao processo de virtualização do mundo, Lemos apoiado em Lévy, atenta para a
questão de que todo o mundo está envolto em um processo de virtualização que se caracteriza
pela valorização dos bens informacionais e do conhecimento, bem como pela virtualização e
desterritorialização. Para Lévy, a virtualização não é um acontecimento novo, esse autor
defende ainda a idéia de que toda a humanidade se constituiu por meio de virtualizações
(dialéticas, gramaticais e retóricas) (LÉVY apud LEMOS, 2007, p. 178), e com a arte não é
diferente:
A arte é uma virtualização da virtualização (Lévy), encontrando-se no meio
dos processos de virtualização da linguagem, da técnica e da ética, buscando,
ao mesmo tempo, escapar do aqui e do agora (virtualizando) e propor
soluções concretas às suas questões (atualizando). [...] toda arte é
virtualização de uma virtualização, que ela procura trazer ao sensível
problematizações do real e alargar os limites do possível. No contexto da arte
eletrônica contemporânea, este processo atinge uma radicalização sem
precedentes. (LEMOS, 2007, p. 179)
Segundo Costa (1997, p. 65), na contemporaneidade, através de sua prática, o artista
possui o privilégio de agregar elementos técnicos, digitais, humanos etc. Dessa forma,
aumenta-se a produção de arte que se solidifica por meio de sistemas de fluxos sociais e,
automaticamente, os mitos de inspiração artística e contemplação são postos à bancarrota.
Para Costa, se houve mudanças na produção em arte é porque os meios que produzem
subjetividade também sofreram mudanças. Para esse autor, a arte não é simples continuidade
e extensora do indivíduo e sim sua virtualização. “Neste sentido, a estética é também
virtualizante, pois imprime a transcodificação permanente ao real. Ela é um processo de
semiotização do verbal que está plenamente presente na produção global” (ibidem, p. 65)
CAPÍTULO II – BOURRIAUD E AS TENDÊNCIAS
CONTEMPORÂNEAS
2.1.1.Introdução
A sociedade em rede, como vimos no capítulo anterior, reflete as mudanças sociais,
econômicas, políticas e artísticas da chamada era da informação, que é calcada no
desenvolvimento tecnológico e na primazia dos meios de informação em todos os âmbitos da
vida. Nas sociedades, essa predominância gerou mudanças no capitalismo sedimentado pela
Segunda Revolução Industrial e estabeleceu a descentralização de bens de informação, a
divisão do trabalho, além de acentuar o individualismo. A descentralização da sociedade fez
surgir grupos que se unem em prol de ações em comum ou por identidades (ideológicas,
políticas, culturais etc.) semelhantes.
Em meio a esse contexto, os moldes de produção em arte associaram-se a essa busca
de identificação e se transformaram num fazer artístico caracterizado pelo privilégio aos
aspectos imateriais da arte. Essa imaterialidade se baseou na relação entre o público e o artista
(arte voltada para o social), no engajamento imediato do artista com uma audiência
determinada e na formação de coletivos artísticos que utilizam métodos “não-artísticos” como
meio de resistência política. Dadas as características mencionadas, o termo “projeto” foi o
mais conveniente para designar as práticas contemporâneas advindas da sociedade de
informação.
Na arte como projeto, várias foram as tentativas de catalogá-la segundo pressupostos
semelhantes, o que resultou na emergência de diversas correntes artísticas. Dentre elas, as
mais significantes são: arte situada (Doherty), arte relacional (Bourriaud), readymade
recíprocos (Wright), paradigma do laboratório (Obrist) etc. Porém, as solicitações feitas pela
noção de um “novo modelo para a sociedade em rede” geralmente resgatam idéias e conceitos
que vêm povoando o contexto da arte pelo menos desde a década de 1960.
Como este estudo concentra-se na análise da estética relacional de Bourriaud, não
serão abordadas aqui as outras vertentes citadas, que constam neste estudo somente para
assinalar a existência de outras análises surgidas na época. Além da estética de Bourriaud, a
mídia tática que se desdobra em net ativismo e hacktivismo será citada, além de
experimentações em arte com as redes sociais e as mídias locativas. Esses movimentos
caracterizam-se pelas trocas sociais e pelo uso das novas tecnologias em sua concepção de
ação artística. Por meio dessa constatação, poderemos concluir que o fenômeno das trocas
sociais realmente povoa o território das novas tecnologias.
2.2. A estética relacional
(inspirado na obra Estética relacional, de Nicolas Bourriaud)
Das vertentes citadas acima, a estética relacional defendida por Bourriaud surgiu no início
da década de 1990 como tentativa de cercear os modos de produção artística contemporânea.
Bourriaud observou que a maioria dos críticos e filósofos se negava a pensar as práticas
artísticas contemporâneas em sua totalidade, além de analisá-las segundo modelos artísticos
de gerações anteriores. Essa análise baseada em preceitos retrógrados enfraquecia o estudo
das produções em arte, o que acarretava a não percepção da originalidade e da pertinência da
arte atual. Para Bourriaud, a análise do fazer artístico consiste em “reconstituir o jogo
complexo dos problemas que enfrenta uma época particular e examinar suas diferentes
respostas” (BOURRIAUD, 2006).
Por meio dessas considerações, o filósofo francês baseou-se no trabalho de alguns artistas,
como Rirkrit Tiravanija, Philippe Parreno, Vanessa Bercroft, Maurizio Cattelan, Christine
Hill, entre outros, para mapear os preceitos de uma nova forma de produção artística, a qual
ele nomeou “estética relacional”.
A estética relacional surge no interior da sociedade em rede, na qual “la communicación
sepulta los contactos humanos en espacios controlados que suministran los lazos sociales
como productos diferenciados” (BOURRIAUD, 2006, p. 6). Para o filósofo, as relações
sociais calcadas nos meios de informação não existem fora do espaço de comércio, e as
discussões interpessoais se dão de forma simbólica, como, por exemplo, quando se
conversa a respeito do preço de um produto. Portanto, para se desvincular do movimento
estandardizado característico da sociedade contemporânea é necessário que se crie medidas
escapatórias para dar vazão às necessidades de trocas sociais. Segundo Bourriaud, “la relación
humana se ve obligada a tomar formas extremas o clandestinas si pretender escapar al império
de lo previsible: el lazo social se convertió en un artefato estandarizado” (BOURRIAUD,
2006, p. 7).
A estandardização da sociedade citada por Bourriaud acarreta a vivência das relações
humanas de forma indireta, que se distancia e representa-se de forma espetacular no nível
mais alto da “sociedade do espetáculo” defendida por Guy Debord. “La realización artística
aparece hoy como un terreno rico en experimentaciones sociales, como un espacio
parcialmente preservado de la uniformidad de comportamientos” (BOURRIAUD, 2006, p. 8).
2.2.1.Base para o pensamento relacional
Em texto de divulgação da Bienal de São Paulo realizada em 2006, cujo tema era
“estar junto”, Rosa Martinez afirmou o seguinte a respeito da estética relacional:
[...] no campo da arte, a “estética relacional” tornou-se um tipo de
ortodoxia no qual processos colaborativos e interativos procuram eliminar
a distinção entre o artista enquanto o produtor de objetos e os
espectadores enquanto consumidores passivos de mensagens visuais. Em
termos de “estética relacional”, a interação de subjetividades é
fundamental para a produção de novas formas de sociabilidade. Emoções,
trocas discursivas, generosidade e negociação entre indivíduos são as
principais questões dessa metodologia criativa que leva a arte a oscilar
entre algo que alguns vêem como entretenimento e outros legitimam
como reinvenção de uma nova ética de mudança social. (MARTINEZ,
2006)
A forma relacional surgiu quando Bourriaud observou a realidade dos artistas da
década de 1990. Para o filósofo, o conhecimento das características de cada época é
extremamente importante para que os moldes de produção artística sejam determinados, já
que cada pensamento estético tem bases econômicas, sociais e culturais particulares.
Portanto, a prática artística contemporânea vem das raízes da modernidade, a qual se
fundamentou nos princípios da filosofia do Século das Luzes que, por sua vez, se baseava na
vontade de emancipação dos indivíduos e dos povos. Esse alargamento por meio do progresso
da liberdade, além das melhores condições de trabalho proporcionadas aos homens, tinha a
função de libertar a humanidade e permitir uma sociedade melhor. Porém, segundo Bourriaud,
são diversas as versões de modernidade que se conceberam em três versões de mundo: uma
filosofia do espontâneo, uma racionalista proveniente do século XVIII e outra que propunha a
liberação através do irracional (os situacionistas, o dadaísmo e o surrealismo) (BOURRIAUD,
2006). As vertentes do dadaísmo e dos situacionistas carregavam a ideologia de mudar a
cultura, as condições da vida individual e social, além de transformar as mentalidades. Para
Bourriaud, a vanguarda moderna se desenvolveu a partir das ideologias do racionalismo
moderno, a vanguarda contemporânea se constituiu de preceitos culturais, sociais e
filosóficos totalmente diferentes. Mesmo assim são baseadas na modernidade e não deixam
para trás pressupostos defendidos pela vanguarda modernista, como os dadaístas e os
situacionistas. A vanguarda contemporânea ainda propõe “modelos perceptivos,
experimentales, críticos, participativos en la dirección indicada por los filósofos del Siglo de
las Luces, por Proudhon, Marx [...]”(BOURRIARD, 2006, p. 11).
Para Bourriaud, não houve a morte da modernidade e sim o fim da versão teleológica
e idealista proposta por ela. Antes, os artistas preparavam a humanidade para um futuro, para
o progresso, hoje eles modelam universos possíveis, constroem pequenas utopias dentro de
uma realidade vigente e inventam novas formas de estar junto. A arte contemporânea não tem
intenção de repetir os postulados modernos, nem de possuir as mesmas funções de antes.
Segundo Lyotard, em relação à arquitetura moderna, cuja tarefa pós-moderna se assemelha à
função da arte contemporânea, a arte atual “se encontra condenada a engendrar uma série de
pequenas modificações em um espaço herdado da modernidade, e a abandonar uma
reconstrução global do espaço habitado pela humanidade” (LYOTARD, 2005).
A arte contemporânea deve habitar o mundo em vez de construí-lo segundo as
previsões de uma evolução histórica. “Las obras ya no tienen como meta formar realidades
imaginarias o utópicas, sino construir modos de existência, o modelos de acción dentro de lo
real ya existente, cualquiera que fuera la escala elegida por el artista” (BOURRIAUD, 2006,
p. 12).
2.2.2. Arte como interstício social
El arte es un estado de encuentro.
(Nicolas Bourriaud, Estética relacional, 2006)
No fim da Segunda Guerra Mundial, a urbanização generalizada permitiu um aumento
significativo nos intercâmbios sociais, assim como na mobilidade dos indivíduos. Foram
construídas rotas e redes, desenvolveram-se as comunicações e conexões entre lugares
afastados. A proliferação do modo urbano de vida proporcionou um modelo de arte calcado
em bases relacionais uma arte que teria como bases teóricas a interação entre o contexto
social e a esfera das relações humanas. Esse modelo prevaleceria sobre um espaço simbólico
privado e autônomo. O pensamento artístico moderno baseado na cultura colecionista, na qual
a obra é um espaço a se percorrer, dá lugar a uma obra urbanizada dotada de uma duração por
experimentar que possibilitaria intercâmbios ilimitados. O nascimento das cidades
possibilitou a sensação de proximidade entre as pessoas – “um estado de encontro”
El regimén de encuentro intensivo, una vez transformado en regla absoluta de
civilización, terminó por producir sus correspondientes práticas artisticas: es
decir, una forma de arte que parte de la subjetividad, y tiene por tema central el
“estar junto”, el encuentro entre observador e cuadro, la elaboración colectiva del
sentido. (BOURRIAUD, 2006, p. 14)
Bourriaud ressalta que o poder de encontro e a capacidade relacional sempre foram,
em diversos graus, características da arte, ou seja, a obra sempre foi elemento social fundador
de diálogos. O cinema e o teatro reúnem em um único espaço pequenos grupos que discutem
sobre a obra posteriormente à sua apresentação. O livro e a televisão permitem a fruição
cultural através de espaços privados. as exposições de pintura e escultura permitem o
contrário. Em uma mostra de arte, as pessoas dividem o mesmo espaço enquanto a obra se
apresenta. A possibilidade para discussões se torna plausível quando os espectadores se
movem entre as peças, comentam e, ao estarem no mesmo lugar, praticam a possibilidade do
encontro.
Considerando-se a obra intrinsecamente dotada de um poder que possibilita
“encontros”, convém explicar o lugar da arte na sociedade contemporânea caracterizada pela
globalização. Nos moldes sociais de hoje, o fazer artístico define-se por interstício social
termo utilizado por Karl Marx para designar grupos que desejavam escapar do quadro
econômico capitalista. O interstício é definido como um espaço propício para as relações
humanas que, contra o sistema vigente, possibilita intercâmbios de maneira harmoniosa e
aberta no sistema global. Os moldes sociais contemporâneos caracterizam-se por restringir
possibilidades de intercâmbio, criando situações que restringem o contato social, como, por
exemplo, a comunicação através de ferramentas tecnológicas (veremos mais tarde que isso
não se dá tão radicalmente). Esse tipo de estratégia diminui os espaços de convivência social e
gera uma maquinização das relações que empobrece os espaços relacionais. Ao observar essa
“coisificação” geral das relações interpessoais de hoje, a arte desenvolve um projeto político
ao problematizar a esfera relacional.
Quando o artista se insere nas realidades cotidianas “silenciosas”, característica dos
últimos anos, tem a capacidade de reunir momentaneamente coletividades.
La exposición es un lugar privilegiado donde se instalan estas
conectividades instantâneas, regidas por diferentes princípios: el grado de
participación exigido al espectador por el artista, la naturaleza de la obra, los
modelos de lo social propuestos o respresentados. Una exposición genera un
“domínio de intercâmbio” próprio, que debe ser juzgado con critérios
estéticos, o sea analizando la coherencia de la forma y luego el valor
“simbólico” del mundo que nos propone, de la imagen de las relaciones
humanas que refleja. Dentro de este interstício social, el artista debe assumir
los modelos simbólicos que expone: toda la representación reenvia a valores
que se podrían trasponer en la sociedad, pero el arte contemporâneo
modeliza mas de lo que representa, en lugar de inspirarse en la trama social
se inserta en ella. (BOURRIAUD, 2006, p. 17)
Bourriaud exemplifica essas ações quando cita o artista Jeans Haaning que, em uma
praça de Copenhagen, difunde piadas em turco por meio de alto-falantes (Turkish Jokes).
Nesse momento, o artista reúne um número de pessoas em uma microcomunidade que forma
relações com a obra. A mesma situação poderá ser observada nas análises das obras do
Superflex e do De Geuzen, quando em seus projetos reúnem pessoas pertencentes a uma
determinada realidade que, segundo alguns pressupostos propostos pelos artistas, participam e
dialogam com as obras, criando situações específicas de encontro.
2.2.3.Teoria da forma
A arte é um jogo entre todas as épocas.
Marcel Duchamp
“La estética relacional no constiuye una teoria del arte, ya que esto inplicaria el
enunciado de un origen y de un destino, sino una teoria de la forma.É dessa maneira que
Bourriaud define sua estética. Para ele, a estética relacional tem bases na tradição materialista
e é definida por Louis Althusser em um de seus últimos textos. Segundo Althusser, a tradição
materialista, na qual se baseia a estética de Bourriaud, caracteriza-se pelo “materialismo do
encontro”. Nesse materialismo, o ponto de partida é a concepção de que o mundo não tem
nem origem, nem sentido que o precede, muito menos razão que lhe objetivos. A
existência humana é dada de maneira trans individual, feita por laços que unem os indivíduos
em formas sociais que nem sempre são históricas. Por isso as concepções de “fim da arte” e
de “fim da história” não são plausíveis e o que se deve considerar a respeito do fazer artístico
é a concepção de jogo. Nele, acaba-se a partida, mas não o jogo em si. A partida pode ser
considerada, segundo Hubert Damisch, o contexto em que determinada situação é inserida.
Portanto, mudando-se o contexto, mudam-se os jogadores e o sentido da partida. Dessa forma,
o conceito de jogo supera o que comumente chamamos de “arte”. Para Bourriaud, a estética
relacional não é uma teoria da arte, porque se acaso fosse ter-se-ia que determinar um início e
uma origem para que ela se realizasse.
Ao classificar a estética relacional como teoria das formas, Bourriaud justifica-a ao
afirmar que as formas são constituídas de átomos que desviaram seu curso
1
e construíram o
mundo. Assim, “para crear un mundo, este encuentro debe ser duradero. Encuentros
duraderos: los elementos que lo constituyen deben unirse en una forma, es decir que debe
haver posesión de un elemento por outro (decimos que el hielo ‘se solidifica’)”
(BOURRIAUD, 2006, p. 19). Quando esses encontros se tornam duradouros, a partir da
constituição de uma forma, esta passa a possuir um sentido e a constituir um conjunto que
1
Segundo a teoria materialista de Epicuro e Lucrécio, os átomos caem em paralelo do vazio, ligeiramente em diagonal,
se algum dos átomos desvia-se de seu destino, provoca um encontro com o átomo vizinho e, de encontro em encontro,
formam o mundo.
gerará novas “possibilidades de vida”. Portanto, para Bourriaud, cada obra de arte é uma
forma que constitui a possibilidade de um modelo viável de mundo.
Apesar de cada forma constituir uma possibilidade de mundo, esse molde não se dá da
mesma maneira com o passar do tempo. A realidade possível da arte de um século atrás era
constituída por meio da dependência de um contexto histórico, diferentemente do que se
sucede nos dias de hoje. Na contemporaneidade, a maneira de “estar junto” difere da dos
tempos anteriores, porque os modos de percepção atuais se dão de forma diversa aos do
passado. A experiência visual dos espectadores contemporâneos é composta das mais diversas
manifestações visuais advindas das imagens fotográficas e cinematográficas, o que permite
reconhecer o mundo não através de uma forma compacta de elementos congregados e sim
pela junção de elementos dispersos, como ocorre nas instalações, por exemplo.
Os modelos perceptivos também foram modificados pelo advento dos bens
tecnológicos. Através deles, o homem passou a enxergar diversas combinações de formas
antes desconhecidas, dessa maneira, realizam junções inusitadas ao utilizarem para seus
trabalhos programas de computador que conceberiam a obra de arte. A partir dessas
considerações a diferença nos modos de percepção de imagens e a utilização de aparatos
tecnológicos pode-se constatar que o artista utiliza um grupo de unidades diversas, que
podem ser reativadas por um espectador manipulador (BOURRIAUD, 2006).
O autor ressalta que é necessário atentar que o conceito deforma” é instável e
diverso, e é possível compreender sua extensão por meio do conceito de “coisade Émile
Durkhein. Segundo Durkhein, as “coisas” são consideradas “feitos sociais”. Dessa forma,
pode-se considerar as obras artísticas um conjunto de feitos que se produzem em um espaço e
em um tempo sem que sua unidade seja modificada. Antes, a expressão artística abarcava
somente uma tela, hoje toma uma cena inteira.
2.2.4.A forma no encontro
Para Bourriaud, assim como o estatuto estético evolui com o passar dos anos, o
mesmo ocorre em relação ao estatuto das formas. Antes, a forma era delimitada como um
conteúdo definido por um contorno. Na modernidade, transformou-se em sinônimo de “beleza
formal”, na qual se definia por meio da fusão entre figura e fundo. Era um objeto autônomo
cerceado por uma assinatura ou por um estilo, hoje a forma dá-se por meio do que Bourriaud
chama de “formações”. As formações são, para ele, mais do que formas, são manifestações
artísticas que se dão por meio de encontros nos quais as relações dinâmicas entre o artista e o
público corporificam a obra. Segundo Bourriaud: “El arte actual muestra que solo hay forma
en el encuentro, en la relación dinâmica que mantiene una propuesta artística con otras
formaciones, artísticas o no” (BOURRIAUD, 2006, p. 22). Dessa maneira, pode-se dizer que
na arte contemporânea não se julga mais uma forma por sua aparência plástica e sim pela
avaliação de práticas artísticas.
A forma, para Bourriaud, não nasce de maneira selvagem na natureza, é construída a
partir do olhar particular de cada indivíduo sobre seu mundo e das experiências que ele
adquire ao longo da vida. Dessa maneira, são constituídas a partir do comportamento, das
relações que o ser humano tem com o outro e, assim, as formas se desenvolvem a partir de
outras formas, e outra, e outra, assim por diante. Ao exemplificar esse raciocínio citando uma
novela de Witold Gombrowicz, Bourriaud acredita que as formas nascem no local de contato
de um indivíduo com o outro, no qual cada um impõe o que acredita ser o seu “ser”. Portanto,
para Gombrowicz “una propriedad relacional que nos liga con aquellos que nos transforman
en cosa al mirarmos”. Ainda segundo Grombowicz, que se basea no pensamento sartreano,
“el individuo, cuando cree estar mirandose objetivamente, solo está mirando el resultado de
perpetuas transaciones con la subjetividad de los demás” (BOURRIAUD, 2006, p. 22).
Bourriaud afirma o seguinte, a respeito da forma artística,
Para algunos, la forma artística escaparia a esta fatalidad por estar mediatizada
por una obra. Nuestra convicción por el contrario, es que la forma toma
consistencia, y adquiere una existencia real, solo cuando pone en juego las
interaciones humanas; la forma de una obra de arte nace de una negociación con
lo inteligible. A través de ella, el artista residiria así en la invención de relaciones
entre sujetos; cada obra de arte en particular sería la propuesta para habitar un
mundo, que generaría a su vez otras relaciones, y así sucesivamente hasta el
infinito. (BOURRIAUD, 2006, p. 23)
Para Bourriaud, a estética relacional é uma estética fiscalizadora, na qual o artista age
na história da arte de forma autárquica, ciente de suas convicções. O pensamento relacional é
para o pensador francês uma forma de rebaixar a prática da arte a uma crítica histórica na qual
o juízo prático é a negociação dialética.
2.2.5.Bourriaud, os anos 1990 e o tempo de intercâmbio
A estética relacional surgiu quando Nicolas Bourriaud decidiu cercear os moldes de
produção artística dos anos 1990, década caracterizada pela primazia dos bens de informação
e da divisão de trabalho. Em suas pesquisas sobre artistas da época, o filósofo percebeu o
retorno das idéias de participação dos espectadores nas obras de arte. Experiência proposta
anteriormente pelos artistas dos anos 1960, teorizada por happenings e performances de um
coletivo artístico chamado Fluxus. As teorias de Marcel Duchamp a respeito do campo de
intervenção do espectador na obra de arte intitulada “coeficiente da arte” também, segundo
Bourriaud, encontra nos dias de hoje um terreno fértil para a sua propagação. O transitório do
objeto cultural se encontra na cultura interativa contemporânea como um feito estabelecido.
Assim, a interatividade é constante não na produção artística, mas também nos campos
comunicacionais que vão além do fazer artístico.
Em contraposição, portanto, para Bourriaud, posteriormente à sociedade do
espetáculo, temos agora uma sociedade de figurantes, a qual sustenta a ilusão de democracia
interativa diante de novas técnicas, como a internet e os multimídia. As tecnologias da
informação indicam aspirações de instauração de novos tipos de transações em relação aos
objetos culturais, bem como a criação de novos espaços de sociabilidade.
Bourriaud não defende a arte como um sistema de relações próprias as quais são
determinadas entre membros pertencentes somente ao “mundo da arte”. Para ele, o fazer
artístico se por meio das trocas entre “mundo da arte” e os “mundos externos”. Essas
trocas com membros exteriores terminam por produzir a ordem definitiva das relações
internas da arte. “La red ‘Arte’ es porosa y son las relaciones de esta red con el conjunto de
los campos de producción de las que determinan su evolución” (BOURRIAUD, 2006, p. 30).
Porém, o filósofo adverte que essas relações da arte com o mundo externo aconteciam
desde o princípio, em um mundo transcendente, no qual a arte era instrumento de
comunicação com o divino. Através das imagens produzidas, a arte passava a ser a interface
entre o homem e o mundo invisível. Essa relação posteriormente passou a ser do homem com
o mundo na Renascença ao privilegiar a situação física do homem no universo antes
dominado pelas forças desconhecidas do divino. Na evolução das relações entre a arte e o
mundo externo a ela, o cubismo rompeu com os ideais do Renascimento e proporcionou a
análise das relações visuais. O cubismo utilizava objetos do cotidiano, como instrumentos
musicais, taças, pratos, para recompor os mecanismos móveis de nosso conhecimento de
objetos, a partir de um realismo mental. Dessa forma,
la historia del arte puede ser leída como la história de los sucesivos campos
relacionales externos, substituídos luego por práticas surgidas de la evolucíon interna
de esos mismos campos: es la historia de la produción de las relaciones con el mundo,
mediatizadas por una suerte de objetos y práticas específicos. (BOURRIAUD, 2006,
p. 31)
Posteriormente, as práticas artísticas citadas ao longo da história e que abarcaram
sucessivamente a relações entre humanidade e divino e entre humanidade e objeto –,
artísticas centraram-se, a partir dos anos 1990, nas trocas entre os indivíduos. A arte
concentra-se em focar suas ões nas relações interpessoais. Concentra-se no trabalho
artístico que atingirá o público através da criação de modelos sociais.
Assim, a criação de modelos sociais pelos artistas abarca o surgimento de novos
domínios formais. Todos os grupos que pregam modos de estar junto festas, manifestações,
encontros, diferentes colaborações entre pessoas representam, hoje, modelos suscetíveis de
serem estudados como acontecimentos estéticos formais. Segundo Bourriaud, muito além do
caráter relacional inerente à obra de arte, a esfera das relações humanas se converte em
“formas” artísticas plenas (BOURRIAUD, 2006).
Com o pensamento relacional calcado nas relações sociais não primazia de meios
para que as ações artísticas sejam propostas. Tanto um jantar quanto um encontro ou uma
manifestação podem ser meio de produção de arte. Os meios, nas bases relacionais, são
escolhidos de maneira que sejam apropriados a cada projeto artístico, pois criam situações
específicas, particulares de cada proposta. Assim, não existe diferença quanto à escolha de
meios de produção. A arte relacional é regida pelos processos flexíveis da vida comum.
Normalmente, os artistas relacionais utilizam os bens de comunicação de forma contrária aos
meios comunicacionais vigentes, estabelecendo uma mudança na sensibilidade coletiva.
Dessa forma, colocam o low tech contra o high tech, o tátil contra o visual, o grupo contra a
massa. Para os artistas relacionais, as experiências diárias são hoje um terreno mais fértil que
a “cultura popular”, forma que pode existir contra a “alta cultura” e a raiz dela
(BOURRIAUD, 2006).
Não se pode, porém, confundir a arte relacional com a arte conceitual ou minimalista
ou do Fluxus. Apesar de muitos artistas recorrerem a certas bases teóricas dos movimentos
citados, eles somente o fazem como recorrência léxica ou para misturar modos de pensar que
não têm relação com os seus. Normalmente se perguntam quais são os meios de exposição
adequados em relação com a história da arte atual e o contexto cultural. Os artistas relacionais
trabalham sobre uma plataforma tríplice regida por três bases: a estética, a histórica e a social.
Outra questão importante é que a forma relacional não celebra a imaterialidade, como
fazia a arte conceitual. Seus projetos não têm como base a imaterialidade ou o projeto
sobrepujado ao objeto de arte. Não focam suas ações no processo artístico como faz a process
art. Ao contrário dessas vertentes, a arte relacional utiliza-se muitas vezes da base objetual
como meio de acesso às relações interpessoais. O objeto trabalha como um propulsor das
relações com o outro. Explica Bourriaud,
Los objetos y las instituciones, los horarios y las obras, son a la vez el
resultado de las relaciones humanas – ya que concretan el trabajo social – y de
los productores de relaciones, ya que, a cambio, organizan modas para las
relaciones sociales y regulan os encuentros humanos. El arte hoy nos obliga a
pensar de manera diferente las relaciones entre el espacio y el tiempo: es lo
esencial, allí reside su mayor originalidad. (BOURRIAUD, 2006, p. 58
)
2.2.6.O lugar da obra de arte
La esfera das relaciones humanas como lugar para la obra de arte.
(BOURRIAUD, 2006)
O postulado fundamental da estética relacional é calcar a obra de arte no âmbito das
relações humanas. As propostas artísticas são construídas por meio da comunhão de conceitos
em comum. Para os artistas relacionais não existe nenhum modelo predeterminado de estética,
estilo ou nenhuma temática ou iconografia que os identifique. Cada trabalho possui sua
característica individual e é constituído de temas, problemáticas e estéticas particulares. O
objetivo maior dos artistas que utilizam os preceitos relacionais para seus projetos artísticos é
o de atuar no mesmo horizonte teórico e prático que se constitui da esfera das relações
humanas. Segundo Bourriaud, “las obras exponen modos de intercambio social, lo interactivo
a través da experiencia estética propuesta a la mirada, y el processo de comunicación en su
dimensión concreta de herramienta que permite unir individuos e grupos humanos”.
Para Bourriaud, as práticas artísticas definem seus modos de atuação através de
influências com o meio que os cerca, de forma não depreciativa. Assim ocorreu com a arte
pop e com a arte minimalista quando a produção em massa cerceou as produções da época.
Portanto, que se entender que as obras produzidas a partir dos anos 1990 transformam “o
que olha” em um interlocutor direto da obra. Dessa forma, as produções dos anos 1990 têm
ligação direta com os meios de comunicação e o as que mais perto passam da produção em
arte dos anos 1960.
Essa referência à década de 1960 pode acontecer por explicações sociológicas. Nessa
época, a crise que assolava a economia dava poucas oportunidades para a construção de obras
dispendiosas, portanto, era necessário considerar maneiras baratas e experimentais de
produção em arte. Coincidentemente, a contemporaneidade também é assolada pelas crises
econômicas. Surge aí, então, o porquê da produção artística dos dias de hoje ter como
referência a arte dos anos 1960.
Portanto, é necessário ressaltar que, por mais que se assemelhe em parte às produções
dessa cada, a arte relacional preocupa-se com o caminho da prática artística da análise do
presente. A arte relacional não é de maneira nenhuma uma tentativa de ressurreição de um
estilo ou de um movimento artístico. Ao contrário da produção dos anos 1980, que e em
evidência a visualidade dos meios, como as obras de Jeff Koons, Richard Prince e Jenny
Holzer, os artistas da década de 1990 revivem a imediaticidade da plástica e a preferência ao
tato e ao contato.
Os artistas de hoje não utilizam a interatividade e a intersubjetividade como artifícios
de moda, nem como uma parte tradicional da prática artística. Para os artistas relacionais as
práticas interativas são o ponto inicial e o resultado e as tratam como parte fundamental de
suas atividades.
Las obras producen espacios-tiempo relacionales, experiências interhumanas
que tratan de liberarse de las obligaciones de la ideología de la comunicación
de massas, de los espacios en los que se elaboran; generan, en cierta medida,
esquemas sociales alternativos, modelos críticos de las construciones de las
relaiones amistosas. (BOURRIAUD, 2006, p. 53-54)
As ações artísticas relacionais são calcadas no desenvolvimento do pensamento
artístico através da criação de interstícios sociais nos quais novas “possibilidades de vida” são
desenvolvidas e se revelam possíveis é a estética da conciliação. Desenvolvem suas práticas
através da criação de mundos possíveis com os aspectos mais próximos da realidade
cotidiana, são feitas com os vizinhos, com os quais se acredita ser mais urgente inventar
relações.
A arte contemporânea não pretende progredir através dos conflitos e dos opostos,
característicos do pensamento moderno, no qual proliferavam ideais de oposição. A prática
artística hoje pretende se desenvolver a partir do progresso das relações entre unidades
diferentes e através da conciliação de ideais opostos. Pretende construir alianças e modus
vivendi que posibiliten relaciones sociales, más justas, modos de vida más densos,
combinaciones de existencia multiples y fecundas” (BOURRIAUD, 2006, p. 55).
2.2.7. A tecnologia na visão relacional
Sendo o foco deste estudo as relações entre a linguagem digital e a estética relacional,
convém apresentarmos a visão de Bourriaud a respeito das produções artísticas que utilizam a
tecnologia. A seguir, veremos que o filósofo o é grande entusiasta do uso dos aparatos
tecnológicos na arte. Mesmo assim, perceberemos a posteriori que algumas relações podem
ser feitas quando se trata do uso da tecnologia em alguns projetos relacionais específicos.
Bourriaud atenta, em seu pensamento sobre a relação entre produção artística e
produção técnica, para a conclusão errônea de que o pensamento artístico anda junto com a
evolução da técnica. Esse ideal moderno de que a técnica e a arte possuem laços inseparáveis
é equivocado, quando se pensa nas tecnologias contemporâneas do vídeo e da informática.
Para ele, ao mesmo tempo que esses avanços técnicos podem melhorar nossas vidas, muitas
vezes podem surtir um efeito contrário, que causa ameaças e destruições.
Hoje, as relações entre arte e técnica diferem muito em comparação a essas relações,
quando situadas na década de 1960. Nessa época, a fotografia transformou as condições de
produções pictóricas, que resultaram no impressionismo, mas não acarretou mudanças
drásticas na relação entre o artista e sua matéria. Hoje, vivemos numa época povoada de telas
que abrangem as linguagens do vídeo, da informática, do cinema e da televisão. O mesmo
suporte é utilizado para os mais diversos usos em produção e proliferação de imagens, o que
causa, sem dúvida, mudanças significativas nas estruturas de percepção. Para Bourriaud, é
preciso prestar atenção nas novas maneiras de ver proporcionadas pela tela, pois, caso
contrário, corre-se o risco de nos condenarmos a uma análise desde a mecânica da história da
arte recente (BOURRIAUD, 2006).
2.2.8. A técnica e a arte
As relações da arte com a técnica são parte do desenvolvimento histórico, porém, é
necessário considerar que nem toda nova técnica surgida é responsável por mudanças nos
modos de pensar. Segundo Bourriaud, as relações da técnica com a arte se dão de uma forma
muito menos sistematizada, portanto, não se pode traçar a história da arte segundo os
pressupostos da mecânica.
Isso é claramente exemplificado quando se analisa a influência do surgimento da
fotografia na produção artística, que possibilitou mudanças nos modos representativos, além
de modificar a relação do artista com o mundo. Primeiramente, a foto balançou os pilares da
representação ao desestabilizar a reprodução realista pictórica. Porém, proporcionou aos
pintores um novo modo de focalização do olhar, característico da utilização da máquina
fotográfica claramente percebidos nas pinturas de Degas. A reconstituição do real pelo
impacto da luz deu origem à produção pictórica dos impressionistas.
Ainda na modernidade, outras foram as contribuições e influências da fotografia no
fazer artístico. A arte abstrata surgiu do que restou da gravação da luz pela fotografia: o uso
do gesto e da matéria. Por fim, a foto acabou por entrar no hall das linguagens artísticas,
caracterizando-se como uma nova técnica de produção de imagens.
Bourriaud constatou que as produções artísticas pós-Segunda Guerra Mundial
adquiriram tanto as inovações técnicas vigentes, como na mec-art, quanto mantiveram suas
produções artísticas da tradição pictórica de outrora, a exemplo do formalismo “purista” de
Clement Grwenberg. Para o filósofo, as produções artísticas que mais deram frutos foram
aquelas que utilizaram as possibilidades de novas ferramentas, porém sem abdicar de sua
consciência crítica. Foi dessa forma que tanto Degas quanto Monet aproveitaram as inovações
do olhar fotográfico para produzir em pintura obras que vão além das fotos realizadas na
época.
Para Bourriaud, a arte torna muito mais visíveis os modos de produção da época, e
podem, por sua vez, atentar de modo eficiente para suas vantagens e conseqüências diante da
vida cotidiana. “El arte obliga a tomar consciência de los modos de produción y de las
relaciones humanas producidas por las técnicas de su época.” Ainda “la tecnologia solo
interesa al artista en la medida en que puede poner en perspectiva los posibles efectos”
(BOURRIAUD, 2006, p. 82).
As produções artísticas que se utilizam única e exclusivamente dos aparatos
tecnológicos vigentes para construir suas obras correm o risco, para Bourriaud, a resumirem-
se a mera produção de ilustrações. Para ele, as melhores produções que discutem as
tecnologias da informática estão justamente fora do uso do computador, pois qualquer artista
exerce seu dever crítico a partir do momento que desloca as prerrogativas cnicas
prevalecentes para um fazer artístico fora da tecnologia. “Ya no se trata de describir desde
afuera las condiciones de producción, sino de poner en juego sus gestos, decodificar las
relaciones sociales que implican” (BOURRIAUD, 2006, p. 83).
Os modelos de produção em arte, em relação às técnicas, devem ser utilizados de
maneira a produzir um realismo operatório para se inserirem de modo quase que virtual em
um campo socioeconômico. Isso é claramente explicado quando Bourriaud analisa a obra de
Alighiero Boetti, que representa o processo de trabalho das multinacionais. O artista faz
trabalhar mais de quinhentos homens em Peshwar, no Paquistão. Essa representação é muito
mais eficiente do que descrever ou mostrar seu funcionamento. Para o filósofo, esse tipo de
prática mostra o paradoxo essencial que norteia a relação entre técnica e arte “si la técnica
es por definición posible de mejorar, la obra de arte no es”. O desafio dos artistas, quando
utilizam as tecnologias, é extrair o duradouro do transitório (característico da técnica). Assim,
necessitam também inventar um modo de trabalho justo e condizente com os meios de
produção técnica de sua contemporaneidade (BOURRIAUD, 2006).
2.2.9. A ideologia das técnicas
As técnicas têm papel determinante na expressão das relações de produção de uma
época. Na era da fotografia, por exemplo, o mecanismo fotográfico servia de espelho de uma
sociedade calcada no trabalho racional, no qual as indústrias tinham participação
determinante. As fotos de documentos de identidade, as fichas antropométricas eram nada
menos do que maneiras de controlar a distância de um modelo maquínico industrial. Além
disso, máquinas fotográficas eram distribuídas para alguns trabalhadores, a fim de serem
usadas como meio de documentação de lugares então despovoados. A fotografia surgiu com
um grau de importância sem precedentes na era industrial moderna.
Segundo Bourriaud, é por meio da observância das relações técnicas de sua época que
o artista tem papel fundamental:
La fundión del arte, respecto de este fenómeno, consiste en
apropriarse de los hábitos de percepición y de comportamiento
inducidos por el complejo técnico industrial para transformalos en
posibilidades de vida, como dice Nietzsche. O sea, derrocar la
autoridad de la técnica com el fin de que sea creadora de maneras de
pensar, de vivir y de ver.(BOURRIAUD, 2006, p. 84)
Hoje, vivemos na época da informática cercada duas subdivisões. Primeiro, o
computador, que modifica nossos modos de tratar a informação e nossos modos de sentir. E,
segundo, a internet e o avanço progressivo dos aparatos tecnológicos de uso diário, como
celulares, telas táteis e jogos interativos.
O computador permite hoje uma mudança na produção de imagens. Antes, elas eram
produzidas por interferência manual e analógica (como fotografias e pinturas), hoje, com o
advento da computação, as imagens são dotadas de autonomia e produzidas por meio de
cálculos binários, sem intervenção humana. Além dessas características, outro ponto
significante na produção de imagens digitais é a sua capacidade para a geração de cópias
perfeitas e infinitas que, mais do que reproduções do “original”, constituem-se em verdadeiros
clones de uma imagem.
Para Bourriaud, é justamente através do nascimento da informática, que tem como
característica preponderante a autonomia, que se dão as mais fortes manifestações artísticas.
Ao contrário da automatização das imagens, a arte surge como um contraponto a essa
independência, gerando sistemas menos autônomos, por meio das obras de artistas como
Beuys, Franz Erhard Walter, Brecht y Filliou. As ações desses artistas calcavam-se muito
mais em sistemas que se desenvolveriam por meio das trocas sociais do que simplesmente
pela utilização das tecnologias da época. Segundo Bourriaud, essa situação se repete na arte
contemporânea:
En el arte de los años noventa, mientras las tecnologias interactivas se
van desarollando a una velocidad excepcional, los artistas exponen los
arcanos de lo social y de la interación. El horizonte teóricoy prático del
arte de estos últimos diez años se apoya en gran parte en la esfera de las
relaciones humanas. (BOURRIAUD, 2006, p. 86)
As produções contemporâneas relacionais, diferentemente das modernistas, não
possuem a utopia universalista e radical das gerações anteriores. Hoje, os artistas trabalham
em prol da construção de micro-utopias que proporcionem interstíticios sociais em um
determinado corpo social. Assim agem artistas como Rirkrit Tiravanija, Carsten Holler, Henry
Bond, Douglas Gordon etc. A vanguarda contemporânea trabalha de forma a produzir
modelos de sociedade que tenham aptidão para engendrar relações humanas. Dessa forma, a
obra relacional destitui-se de produzir simplesmente uma máquina e propõe um trabalho
funcional.
Bourriaud atenta para a idéia de que as obras contemporâneas desenvolvidas pelos
artistas dos anos 1990 trabalham paralelamente ao desenvolvimento tecnológico e possuem a
mesma ambivalência de que as tecnologias são dotadas. Assim, as ações em arte não intentam
ser a realidade propriamente dita: “forman programas, a semejanza de las imagens digitales,
sin garantir sin embargo su posible aplicación o outro tipo de formatos que aquél para el que
fueran concebidos”.
Portanto, as condições de produção social, as relações que existem entre as pessoas,
definem as possibilidades de produção dos computadores e das câmeras. A partir disso, os
artistas se conscientizam a respeito da construção dos comportamentos sociais ao possibilitar
“la imaginación de un estado ulterior de nuestra civilización”.
2.3. Outras vertentes de engajamento social na arte contemporânea
Além da estética relacional, outras vertentes de engajamento social na arte surgiram
nos anos 1990, dentre elas a mídia tática. Assim como a estética de Bourriaud, a mídia tática
também se baseia nas relações sociais para a efetivação de suas propostas, porém com um
diferencial: não restringe o uso de aparatos tecnológicos em seus projetos. Agora se faz
necessário conhecer um pouco sobre o coletivismo e a colaboração nos movimentos de mídia
tática.
2.3.1. Coletivismo e colaboração: uma breve citação
Os movimentos coletivos em arte não são novos. Para o historiador Alan Moore, o
ponto de partida para os movimentos coletivos situa-se após a Revolução Francesa. Iniciado
pelos estudantes de Jacques-Louis David, que organizaram uma comunidade criativa que se
chamaria Boêmia, posteriormente intitulada Barbu, propunha uma espécie de “nação
imaginária e espiritual de artistas”.(MOORE, 2002). Os Barbu faziam alusão a um estilo de
vida “boêmio” que se contrapunha ao estilo de vida acadêmico e oficial. Desde o coletivo,
diversos movimentos se desenvolveram ao longo da história como, por exemplo, o Arts and
Crafts, da Inglaterra, os dadaístas, os situacionistas, o Fluxus, dentre outros. Os exemplos
brasileiros de coletivos remontam ao século XIX, com os modernistas de 1920, o movimento
antropofágico, o grupo Rex, os poetas simbolistas, o movimento concreto da década de 1950,
o 3Nós3 e o Manga Rosa da década de 1970 etc. Os mais novos são o Neo-Tao e o Mico,
dentre outros.
Para Ricardo Rosas, os movimentos que se apresentam como coletivos possuem um
“pano de fundo crítico e instrumental”. Para Rosas, nos Estados Unidos e na Europa o caráter
político presente na arte mostra indícios desde os dadaístas e os surrealistas. Além disso, a
visão política tornou-se ponto-chave para os situacionistas do pós-guerra. Desde então outros
grupos modernos e contemporâneos surgiram e transformaram-se no que podemos chamar de
uma mistura entre ativismo e arte. São eles: Guerrilla Girls, Group Material, Arte &
Linguagem, Black Mask. Dentre os mais recentes, podemos destacar: Critical Art Ensemble,
Etoy, Luther Blisset Project. Estes últimos trabalham com alta tecnologia na maioria de seus
projetos (ROSAS, 2006).
Segundo Rosas, os coletivos do Brasil atuam também através dos interstícios das
práticas da cultura tradicional instituída e a maioria deles ainda utiliza aparatos low tech. Já os
europeus e os norte-americanos possuem caráter high tech. Rosas afirma que, mesmo tendo
suas diferenças, a maioria dos coletivos nasceu ou age dentro da internet e quase todos
possuem páginas eletrônicas próprias. Blogs, fotoblogs também servem como meio de ação
para os coletivos. “Se a tecnologia não é fundamento básico destes grupos para ações tipo
hacktivismo, net arte ou similares, é por meio dela, contudo, que se dá a dinâmica de ação e
propagação das atividades destes grupos na vida real. Pois a palavra-chave de todos estes
coletivos é a colaboração” (ROSAS, 2006). O escritor atenta para a importância da
colaboração, bem como termos similares, a exemplo de comunidade, cooperação, redes e
interação, como meio de acesso para uma mudança que acontece em escala planetária.
Segundo Rosas, a colaboração permitiu o nascimento de movimentos de massa, como
manifestações “antiglobalização”, e também o surgimento das festas-protesto, além da
abertura pública da rede Indyemedia. “A divisão de tarefas, o compartilhamento de valores e a
liderança coletiva caracterizam em grande parte essas organizações, cuja tradução mais exata
é a filosofia do open source” (ROSAS, 2006).
A ampla disseminação dos softwares livres facilitou a ação dos coletivos que, através
da filosofia do open source, encontraram um modo de atuar viável, isento de restrições e não
hierárquico que facilita as ações colaborativas. O open source tornou possível uma criação
coletiva e distribuída característica das comunidades. Para Spehr, as relações colaborativas
devem ter como base a igualdade e a liberdade, de forma cooperativa e mútua. Segundo o
pensador, as regras devem ser formuladas, cumpridas e, quando necessário, negociadas. Spehr
destaca que, para a cooperação funcionar, os conflitos surgidos precisam ser resolvidos com
de respeito mútuo São necessárias: organização, lealdade e autoconfiança (SPEHR apud
ROSAS, 2006).
Para Spehr, os coletivos colaborativos autônomos têm como campo de atuação
espaços que ultrapassam a mercantilização. Embora possa soar utópico, o escritor acredita que
se praticadas em larga escala as ações coletivas colaborativas podem transformar a paisagem
econômica, social e política do planeta. Talvez isso seria o que poderíamos chamar de
“comunismo open source”. Hoje, a internet é povoada de weblogs, softwares livres,
publicações abertas, wikis, indyemedia, dentre outras formas de comunidades virtuais, como o
My Space, o Orkut etc. Todas essas formas de operações digitais em rede cooperam para que
o trabalho coletivo e colaborativo dos artistas e ativistas contemporâneos se desenvolva e
acarrete conseqüências que ainda não foi possível prever(SPEHR apud ROSAS, 2006).
2.3.2. Mídia Tática
O mais importante são as conexões temporárias que conseguem ser feitas através
dela.
(Ricardo Rosas, 2003)
As primeiras manifestações de ativismo ocorreram a partir da década de 1960. Com
intuito de criar redes alternativas de mídia, os coletivos e as cooperativas, como Downton
Comunity, Paper TigerTelevision, Vídeo In, Amélia Production, Western Front, dentre outros,
aproveitaram a popularização das câmeras portáteis proporcionada, na época, pela Sony.
Disseminavam suas práticas por meio do uso de câmeras caseiras e da criação de redes de
mídia alternativa que ligavam artistas e comunidades através da rede telefônica e de cabos de
acesso. As ações desses grupos transpuseram as paredes das galerias e chegaram às ruas,
unindo a produção de arte com a vida.
Seguindo as práticas dos anos 1960, as práticas ativistas desenvolveram-se na década
de 1980 por meio das ações de artistas que calcavam suas práticas em oposição à dominação
dos meios de comunicação sobre a sociedade. Esses artistas aproveitavam o barateamento e a
facilidade ao acesso de bens tecnológicos para exercer seus ideais de resistência e de
nomadismo. Objetivavam a crítica por meio da utilização do discurso estético.
Porém, o termo “mídia tática” se firmou nos anos 1990. As primeiras manifestações
foram intervenções que misturavam tecnologia, arte e mídia em festivais de novas mídias
realizados na Europa e nos Estados Unidos. As produções da mídia tática são calcadas no
lema “faça você mesmo”, no intervencionismo, no copyleft e no TAZ.
2
Essas práticas foram
possibilitadas graças à rápida e facilitada disseminação de aparatos tecnológicos. Todas as
propostas visam a acessibilidade aos meios de comunicação pelos indivíduos excluídos de seu
uso por algum motivo racial, econômico, sexual, dentre outros. Segundo Alexander
Gallway, que cita os gurus da mídia tática David Garcia e Geert Lovink:
3
2
Sigla em inglês para Zona Autônoma Temporária.
3
Mídias Táticas são as que surgem quando meios baratos, do tipo “faça você mesmo”, que se tornaram
acessíveis no universo do consumo de produtos eletrônicos através de formas expandidas de distribuição (do
acesso público à tecnologia de cabos à Internet), são explorados por grupos e indivíduos que se sentem
desconfortáveis na ou excluídos da cultura em termos gerais, escrevem os gurus das mídias táticas David Garcia
e Geert Lovink.
Tactical Media are what happens when cheap “do it yourself” media, made
possible by in consumer electronics and expanded forms of distributions
(from public acess cable to the Internet) are exploited by groups and
individuals who feel aggrieved by or excluded from wider culture”, write
tactical media gurus David Garcia and Geert Lovink. (GALLOWAY, 2004,
p. 175)
As ações das mídias táticas misturam cultura popular, cultura de massas e cultura
oposicionista, ocorrem em diversos lugares, extrapolam os meios usuais e utilizam os espaços
públicos, voltando-se aos interesses gerais da sociedade. Possuem caráter multidisciplinar e
utilizam-se dos mais diversos meios de atuação, dentre eles: a TV, o rádio, a imprensa, o
vídeo, todos os tipos de mídia eletrônica, performances, artes tradicionais, dentre outros meios
imagináveis. Portanto, segundo Ricardo Rosas a “rua = esfera pública e alternativa que
permite uma maior interação entre a obra e a audiência. Mídia como entendimento do seu
próprio potencial criativo, e a conscientização como um processo crítico contra a hegemonia
deformadora” (ROSAS, 2003).
A flexibilidade também é uma característica da prática tática, possui diversas
possibilidades de extensão, de respostas, além de possibilitar colaborações e mobilidade
dentre as mais diversas dias. Não pode ser considerada uma mídia alternativa, pois seu
conceito principal é justamente o de quebrar dicotomias como, por exemplo, mainstream vs.
alternativo e profissional vs. amador etc.
Ricardo Rosas, em seu manifesto do festival de mídia tática, realizado no Brasil em
2003, contribui com experiências em mídia tática:
[...] onde todos podem produzir, interferir, recombinar, informar a
nossa realidade ordinária e, assim, voltar aos pequenos mitos
cotidianos. Os praticantes de mídia tática são aqueles que não somente
produzem histórias locais, seus dramas, alegrias e preocupações, como
também as protagonizam.
(ROSAS, p.1, 2003)
2.3.2.1. Mídia tática e novas tecnologias
O nascimento da internet, bem como o aparecimento das tecnologias móveis e de
novos softwares e hardwares possiblitaram o surgimento de outros meios propícios para a
ação da mídia tática. Esses aparatos, que antes carregavam a promessa de popularização e de
democratização de acesso, tornaram-se também instrumentos de domínio e controle da mídia
sobre a sociedade. Enquanto a internet prometia a conexão do mundo todo por meio de uma
rede de computadores, o que se percebeu foi que somente uma parcela da sociedade a
acessava e podia conectar-se com o resto do mundo. Outra parcela, além disso, tinha o acesso
limitado pelo governo. Segundo Christine Paul,
4
“the Internet itself quickly became a mirror
of the ‘real world’, with corporations and e-commerce colonializing the landscape” (PAUL,
2008, p. 205). Mais uma vez a utopia do livre acesso à informação e à comunicação foi
tomada pelas grandes corporações. Por isso, a internet tornou-se terreno fértil para as práticas
ativistas de mídia tática.
2.3.3. Net ativismo
No campo virtual, as práticas ativistas usam as linguagem digital como uma mídia
tática, por meio de intervenções que refletem o impacto das novas tecnologias no âmbito
cultural. Normalmente essas intervenções intentam voltar as tecnologias para elas mesmas.
Em seu livro Digital art, edição expandida e revisada publicada em 2008, Christiane Paul
alguns exemplos dessas estratégias. Um deles é o projeto iSee, que mapeia os circuitos de
câmeras de vigilância nos ambientes urbanos. Os mapas estão disponíveis na internet para as
pessoas que desejarem escapar dos esquemas de vigilância eletrônica. Outro projeto, dentre
tantos citados, é o The File Room (1994), do espanhol Antonio Mutandas, que conceitua o
arquivo público. Esse trabalho é um arquivo aberto de dados, que dispõe coleções de casos de
censura que foram submetidos ao público. A obra também traz instruções para se criar novos
métodos de distribuição de informação. Segundo Christine Paul, o projeto The File Room
4
A internet rapidamente tornou-se o espelho do mundo real, com as corporações e o comércio eletrônico colonizando
a paisagem.
objetiva transformar o poderoso sistema de fechado de acesso a informações em uma rede
aberta. Entre outros artistas ativistas que usam a internet como meio de ação, encontram-se:
Natalie Jeremijenko and Bureau of Inverse Technology, Josh On etc.
2.3.4. Hacktivismo
Outra forma de intervenção ativista com o uso da tecnologia ou na tecnologia é o
hacktivismo. Ao contrário das ações que utilizam a internet para a disseminação e crítica aos
meios eletrônicos de distribuição de informação, o hacktivismo advém da cultura hacker, ou
seja, invade, modifica sistemas e quebra códigos. Apesar disso, as ações hacktivistas não
apresentam nenhum perigo aos sistemas de dados e trabalham nos limiares da legislação.
O movimento ativista dos hackers, apesar de apresentar manifestações precedentes,
firmou-se como movimento em 1998. Nesse ano, um hacker norte-americano, cujo apelido
era JF, inseriu em mais de trezentos sites mensagens e imagens antinucleares. Juntamente com
JF, outro grupo também se firmou na cultura hacktivista, o Cult of Dead Cow,
5
por meio do
lançamento do primeiro site do movimento. O nome “hacktivismo” foi dado por Oxblood
Ruffin, um dos membros do CDC, e ao longo de 1998 tomou corpo através de várias
manifestações ao redor do mundo, em países como Austrália, Índia e China. Outra ação
hacktivista famosa da época é a do grupo de Nova York Eletronic Disturbance Theater,
6
que,
com um programa chamado FloodNet, lançou a ação intitulada “Desobediência Civil
Eletrônica” contra o governo do México. O FloodNet permitiu a realização de repetidos
downloads, feitos por pessoas de todo mundo, em um site que em pouco tempo ficou saturado
e com o acesso dificultado.
Variadas como pareçam ser, as ações hacktivistas se guiam sobretudo pela luta pró-
liberdade de expressão, pelos direitos humanos ou uma maior força social e política. Na
esteira desses tempos de tantas e imprevisíveis mudanças, essa nova faceta da atividade
hacker faz ampliar os horizontes de atuação de uma prática que parecia fadada a
uma “glória” pessoal de adolescente, não muito diferente daquelas gangues de
pichadores urbanos. Abrindo-se para problemas mais candentes de nossa sociedade,
essa cria mutante da tecnologia finalmente se humanizou e, quem sabe, chegou à idade
adulta. (ROSAS:2007)
5
Culto à Vaca Morta: <www.cultofdeadcow.com>.
6
Teatro do Distúrbio Eletrônico,
Para Christine Paul, os hacktivistas encontram na internet uma maneira de mudar os
controles sobre a informação e a propriedade intelectual. A estrutura da rede possibilita a
reconfiguração dos modelos físicos. As leis de propriedade, de copyright e de branding,
normalmente pregadas fora da web, no ciberespaço encontram-se ineficazes devido às
possibilidades de abertura e reprodução de dados permitidas pela internet. Dessa forma, a rede
de computadores convida ou permite que qualquer informação seja recontextualizada, e os
artistas assim o fazem, através dos remixes, das apropriações e da clonagem de dados.
O campo de ação dos hacktivistas é bem vasto e abrange os mais diferentes tipos de
protesto: contra os transgênicos, a dominação de grandes corporações, a pornografia infantil
etc. Essa variedade de intervenções, no entanto, gera contrapontos em diversos grupos do
movimento hacktivista, que divergem muitas vezes quanto ao modo de ação. Muitos não
concordam, por exemplo, com a geração de congestionamentos em sites. Para alguns ativistas,
a restrição de acesso a dados acarreta a violação da livre expressão. Existem diferentes tipos
de hacktivistas, dentre eles, os mais próximos dos hackers tradicionais, os que trabalham tanto
no terreno real como no virtual e os que convergem net arte, programação de software e
ativismo.
O primeiro grupo constitui-se de ativistas radicalmente anticensura. Esse grupo criou
um sistema chamado “Back Orifice”, que se apropria do controle da máquina de um
internauta. Esse sistema pode ser comparado a uma espécie de “Cavalo de Tróia”. Estão entre
esses ativistas o Cult of Dead Cow, o brasileiro Microfobia e o Legion of the Underground
(LoU).
No grupo dos hacktivistas que atuam tanto no real como no virtual estão o Eletronic
Disturbance Theater e o Electrohippies que fazem ataques virtuais à OMC ou à Monsanto.
O Eletronic Disturbance Theater trabalha especialmente pelos Chiapas e entrou na luta contra
a loja eToys, que queria utilizar o domínio do site e.toy criado por artistas. No campo teórico,
atua Ricardo Dominguez, membro do Critical Art Ensemble e um dos fundadores do
Eletronic Disturbance Theater.
no campo de convergência entre programação de software, net art e ativismo estão
o www.010010111011101.org, o RTmark e o Knowrobotic Research. As ações desses grupos
baseiam-se em atualizações de questões propostas pelos situacionistas e dadaístas a respeito
do direito autoral, da política e da interatividade. O Knowrobotic realizou uma ação chamada
“Connective Force Attack”, na qual permitiu que usuários acessassem domínios, protegidos
por senhas, e deixassem suas mensagens em diversos sites. o RTmark invadiu games
violentos e neles colocou imagens de rapazes se beijando, e o www.010010111011101.org
plagiou sites restritos para permitir acesso público gratuito.
Como conclui Christine Paul (PAUL, 2008, p. 211)., a respeito das possiblidades
oferecidas pelo ciberespaço:
7
“Due to advanced methods of data processing that digital
technologies offer, privacy, protection, and ‘control’ of media information have become
pressing issues that also play an increasingly important role in the creation of art”
2.3.5.Experimentações artísticas com redes sociais
2.3.5.1. Redes sociais
Antes de falarmos das experimentações artísticas com redes sociais na internet,
convém definir rede social.
Uma rede social pode ser entendida como o agrupamento de dois elementos: as
conexões e os atores (instituições, grupos e pessoas). Através dos atores, a rede social é
estabelecida por meio de interligações que são proporcionadas pelas relações sociais e por
laços. Essas conexões engajam as pessoas por meio de uma interação social (WASSERMAN;
FAUST; GEGENNE ; FORSÉ apud RECUERO,;2004, p. 3).
2.3.5.2.Redes sociais na internet
A mídia digital tem como poder intrínseco seja através de tecnologias móveis ou
estáticas conectar pessoas em redes. Além disso, vimos que as redes têm sido largamente
desenvolvidas graças às tecnologias digitais. A troca ou união de arquivos por meio da
internet faz parte do cotidiano da maioria das pessoas que se vêem conectadas através da
7
Devido aos métodos avançados de processamento de dados que as tecnologias digitais oferecem, privacidade,
proteção e controle dos meios de informações tornaram-se questões urgentes, que também desempenham um
papel cada vez mais importante na criação de arte.
rede mundial de computadores. Surgiram, dessa forma, sites promovidos por indivíduos,
organizações sem fins lucrativos e companhias particulares, que tinham o intuito de promover
a ligação entre internautas, além possibilitar a troca e a publicação de arquivos multimídia.
Em pouco tempo essas páginas, chamadas fotologs, web blogs, wikis,
8
tornaram-se a principal
forma de publicação individual de conteúdo. Além dos blogs, outro modo de conexão de
pessoas, troca e publicação de conteúdo e informação é oferecido pelas chamadas redes
sociais ou sites de relacionamento, como o MySpace, You Tube, Flicker, Orkut, entre outros.
Em 2004, no O’Reilly Media, a concepção das páginas de redes sociais deu origem ao
termo Web 2.0. A Web 2.0 se baseia na revolução dos negócios na internet, por meio dos
efeitos proporcionados pelas redes sociais. O novo conceito foi calcado na possibilidade de
filtrar, ocultar e restringir acesso a conteúdos de acordo com a opção de usuários que sites
como o Orkut permitia. Essas possibilidades de restrição, também encontradas nas redes de
relacionamento como o Flickr, o MySpace ou Facebook, permitiram um crescente número de
adeptos fascinados pela relativa privacidade de conteúdo proporcionada pelos filtros.
Segundo Paul, essas espécies de filtro possuem um aspecto problemático. Para a
autora, a partir do momento que o usuário tem a possibilidade de restringir o acesso a seus
arquivos através dos filtros, o internauta passa a ter extensivos direitos sobre os conteúdos
com que ele contribui nas redes sociais. Essas possibilidades de restrição de acesso incitam
interessantes discussões a respeito da autoria e da preservação de informações. Além disso,
Paul atenta para o fato de que, em vez da Web 2.0 reconfigurar as plataformas e gerar ações
efetivamente em rede, o novo conceito provê nada mais do que um grande e “hiperlincado”
ambiente de disseminação, que possibilita a fácil restrição de acessos. Alerta Paul,
9
“Network
commons include plataforms that help creative and cultural communities stay informe and
improve policies that shape cultural life. At same time, the commercial construct of Web 2.0
with its social networking tools has created a new, contemporary version of users as ‘content
providers’ who fill contextual interfaces of data” (PAUL, 2008, p. 234).
8
Páginas que permitem que vários atores adicionem ou modifiquem conteúdos.
9
As comunidades em rede incluem plataformas que ajudam a criatividade e a cultura, informam e melhoram as
políticas que moldam a vida cultural. Ao mesmo tempo, a construção comercial da Web 2.0, com
suas
ferramentas de rede social criou uma nova versão contemporânea de usuários tornando-os “ fornecedores de
conteúdos” que preenchem as interfaces com dados contextuais.
2.3.5.3. Art + social + networking
Alguns artistas utilizam as redes sociais para produzir propostas artísticas, dentre eles
podemos citar Aninna Rüst, Angie Wallers, Golan Levin em associação com Kamam Nigam e
Jonathan Feinberg.
Aninna, em seu projeto de 2006 Sinister Social Network, utiliza a popularidade das
redes Facebook, My Space e Friendster para explorar seus “paradigmas soturnos”. A artista,
em associação com o grupo de pesquisa Computing Culture, de Boston, estabeleceu uma
espécie de vigilância nos sites de rede social. Essa vigilância foi promovida por um programa
que permitia o acesso a conteúdos e que identificava e analisava comportamentos suspeitos
dos usuários dentro das plataformas de comunicação. O objetivo da proposta é apontar para o
potencial de geração de intrigas, conspirações e inimizades que as redes sociais na internet
podem causar. Os usuários também podiam participar da obra ao se cadastrarem na página e
inserirem conversações conspiratórias retiradas dos sites de relacionamento. A proposta
também contou com fórum de discussões e participações por telefone.
Outro projeto semelhante ao Sinister é o myfrienemies.com (2007), de Angie Wallers.
Nesse projeto, a artista atenta para questões de “amizade” dentro dos ambientes das redes
sociais. Na proposta são evidenciados os pontos mais negativos das amizades e das alianças
estabelecidas através das páginas de relacionamento. Ao contrário do que prega a maioria das
redes sociais nas quais se pretende unir pessoas por meio de suas afinidades, o
myfrienemies.com visa unir usuários através do que eles menos têm em comum. Assim como
as páginas usuais de relacionamento, o projeto contém espaços para depoimentos, contatos e
classificação de usuários, sempre com intuito de fortalecer as inimizades, os aspectos de
repugnância e desafeto entre as pessoas.
Golan Levin, em trabalho conjunto com Nigam e Jonathan Feinberg, utiliza em seu
projeto uma das primeiras formas de associação em rede e publicação individual de conteúdo
na internet: os blogs. O projeto Dumpster, de 2006, foi criado por Golan Levin, Nigam e
Feinberg com base nos blogs que restringem acesso a certas informações para usuários que
não fazem parte da rede social do proprietário da gina. A proposta consiste num sistema
interativo on-line no qual o usuário pode visualizar uma coleção de relatos de brigas
românticas entre adolescentes. As descrições foram retiradas de vários blogs norte-americanos
e hoje totalizam 20.000 postagens, que são catalogadas de acordo com as características em
comum.
10
2.3.6. Associações sociais através das mídias locativas
O desenvolvimento das tecnologias móveis, bem como o barateamento e a difusão de
aparelhos celulares, smart phones e PDAs que possuem tecnologia de GPS, acesso à
internet, rádio e câmeras –, significaram uma nova e crescente opção para os artistas. Através
dessas tecnologias, as novas mídias móveis, como o celular, podem ser utilizadas como meio
para a difusão, implementação e ferramenta de criação artística.
Segundo Paul, as tecnologias móveis transformaram-se em novas plataformas para
produção cultural, além de proverem interfaces nas quais os usuários podem formar
comunidades sociais e participar de projetos públicos em rede. Um dos exemplos desse tipo
de ação através de redes móveis é o termo smart mob, criado por Howard Rheingold, em
2002, no seu livro Smart mobs: the next social revolution. Esse livro descreve as estruturas
sociais formadas pelas tecnologias digitais sem fio (PAUL, 2008, p. 216). Outro termo
também utilizado para esse tipo de estrutura é o flash mob, que segue as premissas do smart
mob. Com ações apolíticas, o objetivo do flash mob é unir pessoas por meio de mensagens
instantâneas por celular.
Para Paul, as ações em mídia móvel são relevantes muito mais por seu conceito e tema
do que por sua tecnologia. Esse conceito vem sendo explorado pelos artistas que aproveitam a
possibilidade de estabelecimento de redes eletrônicas proporcionada pelas mídias móveis.
Paul chama atenção para o fato de que o estabelecimento dessas redes, através das mídias
móveis como o celular, faz as pessoas repensarem e tentarem entender o que é identificado
como espaço público. Para a escritora, essas redes proporcionaram a abertura de novos
espaços para intervenção artística e trouxeram uma nova concepção a respeito da chamada
“arte pública”. As intervenções artísticas em espaços não institucionais como o movimento
10
Outras ões semelhantes aos projetos supracitados podem ser encontradas em On Translation (2006), de
Antonio Mutandas, e em Agonistics: A language Game (2005), de Warren Sack. Ambos exploram as linguagens
e os vocabulários típicos utilizados nos diversos tipos de sites (culturais, econômicos, militares etc.) encontrados
na internet.
graffitti, as performances e as ações participativas, como as do grupo Fluxus encontram nas
mídias móveis um novo espaço para a hospedagem de suas ações (PAUL, 2008, p. 216).
Paul atenta ainda para o fato de que a promoção de um espaço público através das
mídias móveis permite a associação de ações artísticas em rede que, ao contrário da arte
pública tradicional, têm o poder de unir indivíduos de forma translocal (ao conectar pessoas
de várias regiões). Além disso, os trabalhos de arte com as mídias móveis possibilitam a
associação de pessoas em espaços virtuais fixos, nos quais os usuários podem argumentar ou
contribuir por meio de informações que podem ser buscadas e/ou depositadas (PAUL, 2009,
p. 2126).
Segundo Paul, as mídias móveis transformaram-se em um campo fértil para ações
artísticas que intentam intensificar espaços (físicos ou virtuais), com informações e com a
criação de plataformas participativas de produção. Além disso, possibilitam o engajamento de
críticas a respeito do impacto que as tecnologias móveis proporcionam na cultura (PAUL,
2008, p. 216).
As ações com mídia móvel são diversas. Existem as que trabalham com paisagens, que
são mapeadas por PDAs que recolhem dados de espaços públicos e posteriormente os
disponibilizam na internet. As informações recolhidas variam de dados sicos a emocionais,
como no trabalho PDal (2003), de Marina Zurkow, Scott Paterson e Julian Bleecker. O
projeto recolheu dados de experiências pessoais em Times Square, Nova Iorque, e em Twin
Cities, Minnesota. A proposta intentou mapear, como nos gráficos emocionais de conceito
psicogeográfico (desenvolvido pelos Situacionistas de 1950), dados de pessoas, em uma
determinada região, que estão apaixonadas ou desiludidas. Outros exemplos de trabalhos que
exploram o mapeamento de paisagens podem ser encontrados nos projetos D-tower (1998-
2004), de Q. S. Serafijn e Lars Spuybroeks, Wifi. ArtCache (2003), de Julian Bleecker’s, Core
Sample (2007), entre outros.
Outros artistas utilizam o celular para criar ou modificar imagens. As informações e os
dados que são enviados pelos usuários (por meio de ligações ou mensagens de texto) são
transformados em informações visuais que constroem ou modificam imagens criadas pelos
artistas. Exemplos dessas ações podem ser encontrados nos projetos Sky Ear (2004), de
Usman Haque, Amodal Suspension (2003), de Lozano-Hemmer, entre outros.
Os celulares também podem ser usados como importante ferramenta participativa que
possibilita a interação de usuários que utilizam a interface dos aparelhos para participar de
obras, como no projeto Sometimes Always and Sometimes Never (2006), de Giselle
Beiguelman. A obra consistiu de fotos do espaço de exposição tiradas pelos usuários. Na
galeria, as imagens fornecidas aparecem em tempo real e podem ser modificadas pelo teclado
e pelo mouse disponíveis no espaço. As edições podem ser feitas por meio de filtros
coloridos, da mudança de ordem das imagens. As ações dos usuários em ambos os projetos
criam um vídeo de(generativo), que é constantemente composto e recomposto.
Além das ações de colaboração social, como é o caso do projeto de Giselle
Bieguelman, existem outros projetos que utilizam as mídias móveis com o intuito de vigiar as
ações dos usuários (estabelecendo uma crítica aos atuais sistemas de vigilância). Porém, estas
e outras manifestações não serão aqui repertoriadas, pois fogem do cerne da proposta deste
trabalho. De qualquer forma, mais projetos e artistas são listados no anexo deste trabalho, para
aqueles que estiverem interessados em alargar seu campo de pesquisa.
CAPITULO III - SUPERFLEX & DE GEUZEN – Visão
relacional no ciberespaço
3.1. Introdução
Após ênfase, nos capítulos anteriores, às bases teóricas referentes à cibercultura, às redes,
à sociedade em rede e à estética relacional, o terceiro e último capítulo apresentará os coletivos
foco desta Dissertação: Superflex, da Dinamarca, e De Geuzen, da Holanda. Como artistas
relacionais, esses grupos têm como objetivo principal de pesquisa as relações de troca entre o
artista e o espectador, as quais solidificam o projeto artístico. Esses intercâmbios são
contextualizados em diferentes meios de atuação ruas, galerias, escolas, museus, imprensa,
internet etc. – de acordo com o interesse específico de cada ação artística.
Os dois grupos, por se considerarem multidisciplinares, possuem trabalhos intitulados net
art hospedados na rede, bem como sites oficiais nos quais disponibilizam ao público, projetos
antigos e em andamento. Fazem de suas páginas na internet um canal mediador entre os artistas e
seus espectadores.
É a partir de importantes constatações em produção artística contemporânea o uso do
ciberespaço, a tendência de colaboração em rede que esse capítulo se desenvolve, ao analisar a
visão dos coletivos os quais usam a proposta colaborativa e a estética relacional
como poéticas de
criação –, a respeito da cibercultura. Dessa forma, ao observar os projetos tradicionais de net art e
sua prática proposta pelos coletivos citados, constatou-se ser relevante apresentar a leitura
particular que os grupos têm a respeito da linguagem digital ao instalarem alguns projetos no
ciberespaço.
Intenta-se no presente capítulo apontar os motivos de cada grupo para hospedar projetos
na internet. Que resultados foram obtidos e de que maneira diferiam daqueles colhidos quando o
mesmo projeto abrangia simultaneamente um meio analógico e o digital.
Iniciaremos por descrever os históricos de formação e as poéticas artísticas de cada grupo,
ressaltaremos seus meios de ação, disseminação e as metodologias aplicadas. Serão apresentados
projetos realizados nos âmbitos analógico e digital, com o intuito de análise e ilustração. Para
finalizar, relacionaremos as bases teóricas apresentadas e as ações dos grupos, com o intuito
justificar suas ações na rede mundial de computadores seus objetivos de criação em rede e de
trocas sociais.
3.2. Superflex
3.2.1.Histórico e poética
O logotipo de fontes alaranjadas que identifica o coletivo Superflex, composto de artistas
dinamarqueses, denota, segundo o próprio grupo, suas características sociais e tecnológicas.
Formado em 1993, o Superflex tornou-se conhecido internacionalmente nos últimos cinco anos
como artistas relacionais advindos da onda escandinava de arte contemporânea do início da
década de 1990.
O Superflex é composto pelos artistas Bjornstjerne Christensen, Jacob Fenger, Rasmis
Nielsen estudantes da Royal Danish Academy of Fine Arts, instituição da qual recebem fomento
para suas pesquisas. Possuem escritório situado na cidade de Copenhagen e atuam como uma
empresa de design em favor da arte. Todas as ações do coletivo recebem a colaboração de experts,
atores, fundações e espectadores. O objetivo do grupo é agir como uma fundação neutra no
âmbito artístico, estabelecendo redes de criação que trabalham fora do mundo da arte, em nome
da arte. O lema principal do coletivo dinamarquês é “fazer as coisas acontecerem”. A partir desse
lema, o Superflex concentra suas ações em arranjos sociais e fomentam discussões e intercâmbios
relacionados à cultura e à economia, estagiando sistemas “relacionais”. Para o grupo,
fundamentado na teoria estética de Nicolas Bourriaud, a função principal da arte é criar um palco
no qual se realizem trocas sociais que corporificam o pensamento artístico.
O trabalho do coletivo é realizado no limiar entre o contexto e a arte. Desafia, assim, o
real papel do artista na sociedade contemporânea, por meio de prática complexa que congrega
comércio, estruturas socioeconômicas e o fazer artístico. Estão entre os veios críticos do grupo
questões como engajamento político e luta pela liberdade de expressão, crítica aos direitos
autorais, suprimento de energia no mundo, monopólio de grandes corporações econômicas,
condições de auto-organização produtiva etc. Porém, a crítica institucional proposta pelos artistas
dinamarqueses não se volta para a dificuldade de produção ou ao que é tido ou não como arte. O
grupo reivindica uma atuação que evidencie as relações poderosas dos meios de comunicação
sobre o público. Não é necessariamente contra os modelos globalizados e o comércio, mas
defende um balanço entre os monopólios, pequenos produtores e estruturas econômicas vigentes.
As ações do Superflex acontecem a partir das tools . São através dessas “ferramentas” que
o coletivo estabelece situações de trocas sociais que darão sustentação às suas proposições. Todos
os projetos são baseados na complexidade e na heterogeneidade da sociedade e convidam as
pessoas a participar das ações de forma concreta. As propostas são determinadas de acordo com
cada contexto e são escolhidas através da análise social e das situações locais específicas. Nessas
ações são investigados os processos comunicativos nos quais vários parceiros indivíduos ou
grupos entram em cena com interesses pessoais fortes e particulares. As diferentes opiniões de
cada participante constantemente influenciam as ações e determinam como a “ferramenta” é
construída ou utilizada.
Segundo o Superflex as tools determinam na arte algo mais duradouro do que o objeto
artístico e a própria vida. As modificações nas ões permanecem enquanto existe interesse por
determinada proposta. As relações sociais estagiadas pelos projetos do Superflex são progressivas,
ideais e sem fim predeterminado. Sendo infinitas são maiores que a vida e a própria arte. As
“ferramentas” do Superflex espelham as argumentações e contradições dos usuários, além de
avaliarem o comprometimento dos espectadores com a economia cultural e o discurso político.
Todas as ações envolvem diferentes individualidades, interesses específicos de cada grupo alvo,
além de promoverem oportunidades, articulações e projeções.
Dessa forma, toda proposta do Superflex possui uma energia auto-sustentável seja ao
produzir energia, ter seu próprio canal de televisão ou fabricar seu produto para o mercado. Para
alcançar seus objetivos, o coletivo dinamarquês intervém de forma cultural concreta em suas
propostas, mediando-se pelos interesses particulares de cada grupo. Por meio de seus projetos,
criam modos de pensar, agir, discursar e imaginar, e usam sua proficiência estética como
comprometimento social.
3.2.2.Tools
Como mencionado anteriormente, todas as ações do Superflex formam-se por
engajamentos sociais que se fundamentam por meio das relações de troca entre os colaboradores,
os artistas e o público. Os meios de ação são as ruas, as galerias, as escolas, os museus, a
imprensa, a internet, os quais são escolhidos de acordo com os objetivos de cada proposição.
Dentre as principais temáticas abordadas pelo coletivo dinamarquês estão: a crítica à autoria,
difusão e comercialização de bens culturais, o equilíbrio entre o monopólio mercadológico e as
pequenas produções, produções energéticas auto-sustentáveis etc.
As chamadas tools do Superflex dividem-se em seis grupos: Supergas, Supercopy,
Supermusic, Supersauna, Superchannel e Supercity. Os quatro primeiros serão abordados
sucintamente a seguir e os dois últimos de forma mais completa em tópico específico.
3.2.3.“Make things happen”
Figura 1 -Supergas Cambodia
Supergas
Um projeto que ensina a população pobre de regiões em desenvolvimento, como a África
e a Tailândia, a produzir energia a partir de matéria orgânica, como excrementos de animais e de
seres humanos. O grupo instrui a população local a construir uma pequena usina para produzir o
biogás – energia proveniente de elementos orgânico –, com capacidade de gerar suprimento
energético suficiente para abastecer uma casa habitada por oito a dez pessoas. O uso do biogás
para suprir as necessidades básicas de uma casa promove economia nos gastos com eletricidade e
confere auto-suficiência às famílias.
Supercopy
Figura 2 - Guaraná Power Figura 3 - Free Beer
Supercopy abrange uma série de discussões que vão desde a questão da autoria até a
produção de bens mercadológicos competitivos. Dentre os projetos que se inserem na proposta
Supercopy estão o Guaraná Power, Free Beer, Copyshop e Super Sauna. Guaraná Power e Free
Beer envolvem a produção de bens que possam competir com os produtos comercializados pelas
multinacionais.
Os preceitos envolvidos na produção do Guaraná Power são semelhantes aos
desenvolvidos no projeto Supergas. A produção do refrigerante de guaraná é ensinada por meio de
workshops realizados pelo grupo dinamarquês na cidade de Maués, Amazônia. O produto
fabricado pela comunidade é comercializado em bares, em supermercados, na rua e em galerias. O
Guaraná Power concorre com os refrigerantes fabricados pelas grandes corporações.
A produção da Free Beer, diferentemente da fabricação do Guaraná Power, questiona a
detenção de diretos autorais a respeito da propriedade intelectual e mercadológica e promove a
divulgação da receita da produção de cerveja. A receita da bebida é divulgada em meios de
comunicação, como internet, imprensa e galerias, e pode ser apropriada, divulgada e modificada
por qualquer pessoa, desde que seja mantido o nome do Superflex como propositor da idéia.
Figura 4 - Copyshop Knoxville
Figura 5 – Mauéscafé
Figura 6 - Mecca Cola
A questão da autoria também é discutida no projeto Copyshop, no qual é montada uma
loja que comercializa réplicas de produtos, como calças da Calvin Klein, camisas da Lacoste,
dentre outras. Essas mercadorias são vendidas declaradamente como cópias de marcas famosas.
Outros serviços oferecidos pela Copyshop são a comercialização e a reprodução de CDs, DVDs,
livros e revistas.
Supermusic
O projeto Supermusic abrange a produção de CDs com sons de animais gravados pelo
Superflex em associação com os DJ’s Mikael Schustin, Benny Robert Jørgensen e Peter
“Kruzhem” Andersen. Esse projeto resultou na produção de três obras que questionam a autoria,
modificação e reprodução de bens intelectuais. Todas as produções foram disponibilizadas para
download no site do projeto Supermusic.
1. TOOL01: Chamado HELLO DJ! Consiste de 70 minutos de sons de
animais em modo de execução randômico, juntamente com a mixagem do DJ.
Enquanto os DJ’s mixam, os sons dos animais interferem na execução das
músicas. Essa ferramenta também pode ser usada em casa quando se ouve rádio.
2. TOOL02: Vinil feito em colaboração com August Engkilde com seleção
de sons de animais da África. Essa coletânea foi feita exclusivamente para os DJ’s
– principalmente os de hip-hop – utilizarem em suas pick-ups.
3. TOOL03: Outro vinil feito para os DJ’s de hip-hop tradicional, mixados
apenas com sons escolhidos por Kruzh’em, August Engkilde e o Superflex.
Supersauna
A última ferramenta analógica abrangida nesse estudo é o projeto Supersauna, que pode
ser considerado do tipo “faça você mesmo”. Na referida ação, o grupo propõe a construção de
uma sauna particular e portátil que pode ser levada a qualquer lugar. Por meio de uma proposta
bem humorada, o grupo sugere o uso da sauna simultâneo ao contato com a natureza.
Todo o processo de uso e construção da Supersauna está disponível no site do Superflex,
que disponibiliza também fotos de usuários que a construíram e relatos das experiências.
3.2.4. Superflex – Connect people
Ao pensar numa contextualização que favorecesse seus objetivos como artistas relacionais
o grupo escolheu a internet para hospedar Karlskrona 2 e Superchannel. Nesses projetos, o
coletivo utiliza a linguagem digital e a estrutura rizomática e descentralizada da internet como
artifícios ideais para implementar as propostas.
Figura 7- Praça de Karlskrona com telão do projeto
O projeto Karlskrona 2, desenvolvido com a colaboração do arquiteto Rune Nielsen,
envolveu a implantação no ciberespaço de cópia virtual 3D do centro da cidade de Karlskrona, na
Suécia. Esse ambiente virtual podia ser acessado através de programa baixado na internet. Os
usuários (cidadãos de Karlskrona) criavam avatares que interagiam com a cidade virtual, por meio
da construção de novos prédios, do estabelecimento e da modificação de hierarquias etc. Todas
essas transformações podiam ser verificadas via internet, bem como em telão instalado em uma
praça de Karlskrona.
O interessante em Karlskrona 2 era que podiam interagir efetivamente no ambiente
digital (construindo, modificando hierarquias e governando) os reais habitantes da cidade sueca.
Já aos outros usuários (não habitantes) restava a ação de meros turistas. O acesso dos não
habitantes era permitido, porém restrito, de forma que a participação se limitava a observar
modificações realizadas e conversar com habitantes de Karlskrona 2.
Segundo Johansson,(JOHANNSSON,2000,p.3) a estratégia de restrição do Superflex é
parte do projeto poético do coletivo, que visa trabalhar com grupos específicos em realidades
particulares. Dessa forma, por meio de caráter concêntrico, privilegia-se integrantes do grupo e se
permite que outros (não integrantes) acompanhem o processo de forma periférica, seguindo e
comentando o “palco principal”.
A ação do Superflex em Karlskrona 2 vai além dos preceitos de mera interatividade e
participação no meio digital. Importa para o grupo agir no ciberespaço de forma profunda, na qual
se possa analisar a variedade de relações entre indivíduos e investigar seu desenvolvimento em
um ambiente comunicacional mediado por computador (JOHANSSON: 2000). Em Karlskrona 2
o objetivo gira em torno do free space, que intenta representar a ambição popular de que a
informação deve ser livre. Os habitantes partilham decisões com outros usuários e dividem com
eles informações visuais.
Figura 8 - Karlskrona digital
Deve-se salientar que, quando o coletivo instala seus projetos no meio digital, o que
importa é muito mais o conceito de networking (rede), que a estrutura também em rede que a
internet possibilita, do que aquele que tecnologia possui. Para o Superflex o conceito de rede é a
base da arte através da qual são estabelecidas relações que possibilitam trocas entre indivíduos, os
quais constituem o pensamento artístico. Nos trabalhos que o grupo dinamarquês instaura na rede,
a internet atua como mediador “relacional” e o ciberespaço como “ambiente” comunicacional.
Segundo Bourriaud, toda produção com novos meios depende estritamente das relações concretas
que existem entre os homens:
“La computadora y la cámara delimitan posibilidades de producción, que dependen a su
vez de las condiciones generales de producción social, de las relaciones concretas que
existen entre los hombres: a partir de ese estado de las cosas, los artistas inventam modos
de vida [...]” (BOURRIAUD, 1997, p. 87).
Os preceitos citados podem ser observados no projeto Superchannel, iniciado em
Copenhagen, em 1999, com a colaboração do programador Sean Treadway. Nessa proposta, o
Superflex disponibiliza uma rede de estúdios locais, os quais são utilizados pela comunidade para
a produção de programas de TV. Os programas produzidos possuem um fórum de discussão que
estimulam os usuários a criar e manter os conteúdos. Os programas são transmitidos em tempo
real no ciberespaço e gravados em arquivo do site. Além disso, o Superchannel possui uma
ferramenta de chat on-line que permite aos usuários opinarem e discutirem, com produtores e com
internautas, a respeito dos assuntos abordados na programação televisiva. O Superchannel iniciou
com estúdio experimental em galeria em Copenhagen e totalizou vinte unidades nas mais
diferentes localidades dentre elas Liverpool, Japão e Tailândia.
Assim como em Karlskrona 2, a preocupação do grupo dinamarquês em Superchannel foi
possibilitar críticas e discussões a respeito de uma realidade específica em Superchannel ao
consumo passivo da programação televisiva corporativa.
Ao utilizar software nada sofisticado o coletivo usa novamente a internet como ambiente
comunicacional em rede local. Cada estúdio transmite realidades que dizem respeito somente à
comunidade na qual ele foi instalado. Em Liverpool, transmitia notícias sobre o futebol inglês e
fomentava em suas salas de bate-papo discussões com torcedores de toda a Europa. Em
Kunsthalle Wien, transmitia e discutia questões sobre política e democracia na Comunidade
Européia.
Figura 9 - Programas do Superchannel em Copenhagen
Em Superchannel qualquer usuário que quisesse fazer um programa de TV on line poderia
fazer isso ao cadastrar-se no site e mostrar interesse por meio de e-mail. Se aceito, o canal de TV
proposto era hospedado no site do Superflex e transmitido pela internet. Com essa estratégia, o
grupo dinamarquês apresentou novas possibilidades de uso da internet para fins televisivos. Ao
proporcionar a produção de programas por pessoas que o eram motivadas por fins lucrativos, a
TV tornou-se algo para se fazer e não somente algo para se assistir.
3.2.5.Considerações finais
Ao longo desta pesquisa, muitos outros projetos foram propostos pelo Superflex e muitas
foram as exposições de que eles participaram, com intuito de mostrar suas ações socializantes. O
site do grupo – principal meio de acesso àqueles que acompanham as atividades do coletivo – vive
em constante modificação, sendo praticamente impossível manter atualizadas as informações aqui
fornecidas.
Espelho de nossa própria época, na qual ser atualizado implica deter informações que em
curto espaço de tempo torna-se-ão caducas, convém sugerir aqui a realização de futuras análises a
respeito dos projetos vindouros do Superflex.
3.3. De Geuzen – “A foundation for multi-visual research
Figura 10 - Logo do grupo
3.3.1.Histórico e poética
A foundation for multi-visual research
1
, é assim que o coletivo de artistas holandesas se
define. Trabalhando com arte, pesquisa e arte educação desde 1996, três mulheres, duas
holandesas Riek Sijbring, artista, e Femke Snelting, designer e uma norte-americana Renné
Turner, artista –, reuniram-se para operar como um time colaborativo de arte e design. O principal
intuito do grupo é criar contextos específicos que promovessem a interdisciplinaridade e o diálogo
transcultural, além de abrir novos horizontes e perspectivas para cultura visual. O De Geuzen está
sediado em Amsterdã e se formou por meio de financiamento próprio. Hoje recebe fomento da
Fundação Mondrian da Holanda.
A nomeação De Geuzen surgiu quando o coletivo instalou estúdio em uma rua de mesmo
nome. A palavra (pronuncia-se duh goozen) é um verbete bastante enraizado na cultura local e
significa “pobre”, “mendigo”. Um vocábulo antes pejorativo tornou-se título patriótico de grande
orgulho, pois De Geuzen era o nome de um grupo de revolucionários que se rebelaram contra a
ocupação espanhola na Holanda durante o século XVI. O grupo de artistas se identificou com a
história dos revolucionários holandeses e se autonomeou De Geuzen.
Os membros do coletivo vieram de diferentes áreas, como teatro, artes plásticas, teoria
cultural e design gráfico. Todas estavam descontentes com as restrições encontradas em cada
profissão e ansiavam por algo que envolvesse intercâmbio e multidisciplinariedade. O termo
multivisual foi a combinação de palavras inventada pelo grupo holandês que mais se assemelhou à
1
Fundação para pesquisa multivisual.
sua prática artística e descreve eficientemente a atividade exercida pelo De Geuzen. Em página do
grupo dedicada a perguntas e respostas a respeito das bases artísticas, o coletivo considera-se às
vezes “fazedor de coisas” e outras vezes interessado em abrir e fechar discussões. Dessa forma, as
artistas trabalham no limiar entre a prática artística e a teoria da arte com intuito investigativo. Ora
realizam exposições, ora workshops. Todas as ações são temporárias, especulam diferentes
públicos em lugares diversos e revezam-se entre o exercício e a teorização. Na ação artística do
De Geuzen, o usados elementos visuais práticos e outros instrumentais que exercitam a razão.
Para o grupo, a investigação é diferente da experimentação. Investigar implica promover ensaios,
provas de situações e criar espaços especulativos nos quais se testam diferentes audiências. Fora
do espaço acadêmico, o grupo tenta criar situações de trocas sociais nas quais experiências se
interceptam ou colidem.
A negação do caráter objetual, característico da arte tradicional, é uma característica
marcante da poética do De Geuzen. O coletivo estabelece projetos de duração limitada, não
privilegia meios de disseminação e efetivação, e escolhe os locais de atuação de acordo com a
natureza de seus projetos. Segundo informações adquiridas no site do grupo, o interesse das
artistas é utilizar diferentes estratégias visuais para engajar a audiência e gerar discussões por
meio de trocas sociais. Para o De Geuzen, a pesquisa nunca é direta e sim resultado de um
processo lento e gradual, calcado no hibridismo, na flexibilidade e na “confusão”, e no qual a
cultura visual é praticada, vista e entendida como processo social integrado.
Muito se pergunta ao grupo se seus trabalhos têm base estética. A resposta é que o cuidado
na escolha dos materiais é importante para potencializar o aspecto performático de cada proposta
e ampliar o poder de engajamento com a audiência. Importa o modo como os elementos visuais
são organizados de forma a facilitar trocas entre os espectadores. A preocupação estética é
secundária para o coletivo, que volta os olhos para o potencial de intercâmbio que cada projeto é
capaz de proporcionar. Interessa ao De Geuzen situações que promovam “encontros”.
Diversos elementos visuais são constantemente utilizados nas ações do coletivo e acabam
por estabelecer certa identidade às suas propostas. O grupo gosta de “brincar” com convenções e
elementos utilizados diariamente pelas pessoas, como lousas, notebooks e marcadores de livros.
Para o De Geuzen, elementos cotidianos trazem à tona certa resposta específica que as pessoas
reconhecem porque faz parte de suas experiências diárias. A estética baseada no encontro
proporcionada pelos projetos do coletivo holandês cria situações nas quais o público pode
especular com as artistas. Um ato estético definido por relações de troca, através das quais a ação
entre as pessoas constrói situações que modelam essas interações. Para o De Geuzen, modelar
significa favorecer encontros.
Como mencionado anteriormente, os projetos do De Geuzen compreendem vários meios
de atuação. O grupo promove jantares de discussão teórica e ministra workshops em escolas e
associações. Algumas vezes, as atividades do grupo são confundidas com prestação de serviço. O
que, em inglês, é chamado de facilitation. Para os britânicos esse termo relaciona-se com
promover medidas interpretativas e metodológicas para a leitura de trabalhos de arte como
geralmente ocorre em instituições, museus de arte, galerias e teatros. Essa ação é criticada por
enfraquecer o potencial interpretativo da audiência e promover certa homogeneização de
pensamento.
Ao contrário dos trabalhos de facilitation realizados por instituições tradicionais, o De
Geuzen se defende ao afirmar que prestam serviço sim, mas de forma teatral. Esse trabalho foca-
se na construção de uma espécie de facilitation gerada por discursos intercambiados entre o
propositor da discussão (o artista) e a audiência (o público). O conceito britânico é de discurso
unilateral, enquanto o do coletivo holandês é multilateral, gerado por trocas que modelam
determinadas situações.
Ao trabalhar com símbolos familiares, como garçonetes, recepcionistas, aeromoças e
bibliotecárias o grupo tem como intuito causar efeito de hospitalidade nos espectadores. Ao
recebê-los de forma doméstica, o coletivo facilita a interação dos participantes que gerarão trocas
substanciais para o andamento da proposta artística. Cada componente das ações do De Geuzen,
como biscoitos, móveis, refeições, uniformes não são panos de fundo das ações do coletivo e sim
parte do conteúdo das proposições que possuem importante linguagem visual. Porém, as artistas
ressaltam que é necessária certa cautela ao proporcionar elementos facilitadores de acesso aos
projetos. Essa tática, apesar de útil, pode ser ambígua e oferecer perdas no valor performático das
ações que acabam por adquirir literalmente grau de prestação de serviços.
Outra prática de que as artistas se dizem simpatizantes é o open source. O open source nos
projetos do De Geuzen não faz referência aos sistemas legislativos de licenciamento e sim à
mistura estabelecida entre o gênio artístico e a autoria. Diz o De Geuzen: “Gostamos de pensar em
nosso trabalho como um conjunto de receitas que continuamente desenvolvemos e listamos para o
público. A cada tempo, dependendo da situação, essas receitas são modificadas”.
As temáticas e os projetos do grupo que envolvem os conceitos e as poéticas citados serão
mostrados a seguir.
3.3.2.Temáticas e principais projetos
Várias temáticas são utilizadas pelo De Geuzen em suas propostas. A maioria compreende
assuntos como identidade feminina, arquivo, memória e táticas para reivindicar espaço na arte.
As formas de atuação compõem uma diversidade de ações que abrangem desde
workshops, palestras, exposições, até jogos, atividades “faça você mesmo” e trabalhos interativos
disponibilizados na internet. Entre os campos de atuação do De Geuzen se encontram a imprensa,
a internet, as instituições de arte etc.
Devido à grande quantidade de projetos propostos pelo coletivo, serão aqui apresentados o
projeto Geuzen Uniforms composto de quatro projetos subjacentes e o projeto Female Icons.
A escolha desses projetos se justifica porque, da variedade de ações do grupo holandês, ambos
explicitam eficientemente a poética do De Geuzen.
Geuzen Uniforms
O projeto Geuzen Uniforms é dividido em quatro partes: Uniform 1: Utility and Service,
Uniform 2: Frivolity and Folly, Uniform 3: DIY e Uniform 4: Simplicity and Ease.
O objetivo do Geuzen Uniforms é brincar com a codificação que os uniformes
proporcionam. Essas vestimentas transmitem certa forma de convenção – identificamos uma
comissária de bordo devido ao uniforme que ele usa, e assim por diante. Essa espécie de
informação que as roupas de trabalho transmitem se junta com a quantidade de pré-julgamentos a
respeito da condição feminina e compõe a espinha dorsal do conteúdo crítico do projeto Geuzen
Uniforms. Ao brincar com convenções, o grupo consegue lançar um olhar questionador sobre a
condição feminina, além de debater sobre o papel da facilitation nas instituições de arte. As
artistas usam o convencional para criticar a convenção.
Figura 11 - Workshop Uniforms
As propostas do Geuzen Uniforms se dão de várias maneiras e abrangem tanto o meio
digital quanto o meio analógico. De forma lúdica, o projeto provoca questionamentos e ações
colaborativas de trocas com profissionais de diversas áreas e espectadores. No caso do Uniform 3:
DIY, o público é convidado a participar da obra adquirindo moldes de objetos femininos e roupas
disponibilizados no site do grupo para que estes sejam feitos em casa. Além da ação “faça você
mesmo”, o espectador é incentivado a postar na internet a foto do uniforme ou do objeto
confeccionado como registro de sua experiência. Vale lembrar que os moldes podem ser
modificados pelo espectador que o adquire.
Frivolity and Folly envolve a produção de vestes femininas estampadas com palavras
usadas para denegrir a imagem da mulher. Vocábulos como prostituta, vadia, loira burra etc. são
estampados em tiras de tecido que são utilizadas na confecção de três tipos de vestes femininas
fundamentadas em três estereótipos: matriarcal, amplo e robusto, e pequeno e não curvilíneo. Os
uniformes do Frivolity and Folly são costurados e apresentados em exposições de arte, bem como
têm seus moldes disponibilizados no site do coletivo para serem adquiridos e usados pelos
internautas. Essa parte do projeto será abordada de forma mais detalhada no tópico que discutirá
as obras foco desta pesquisa.
Figura 12 - Uniforme produzido por partipante
Outras ações semelhantes são encontradas também em Utility and Service e em Simplicity
and Ease, em que o De Geuzen promove jantares que estabelecem discussões teóricas a respeito
de vários assuntos e nos quais uniformes convencionais como de bibliotecária, de aeromoça, de
enfermeira etc. – são utilizados para mediar discussões com o público.
Female Icons
Figura 13 - página inicial do projeto Female Icons
Female Icons baseia-se, assim como outros projetos do De Geuzen, em diversas ações
participativas. Com um site dedicado exclusivamente à proposta, a idéia principal do Female
Icons é colecionar imagens, histórias e relatos de ícones femininos como Marilyn Monroe, Madre
Teresa de Calcutá, Greta Garbo etc., além de proporcionar discussões a partir do tema feminino
em jantares, workshops e palestras. Na página eletrônica do projeto, o espectador pode postar
uma foto, um relato ou um documento a respeito de um ícone feminino ou mesmo conversar com
Eve, avatar programado por software de inteligência artificial que responde as perguntas dos
usuários. A página eletrônica também proporciona ao usuário sugestões de leitura, vídeos e filmes
com o tema feminino, além de possuir sessão de jogos e de disponibilizar download de moldes
para a confecção de banners estampados com seu ícone feminino favorito.
3.3.3. De Geuzen“Art, social theory and craftiness”
2
Abordaremos aqui os projetos Frivolity and Folly e Fripperies and Trimmings, ambos
instalados tanto no meio digital como no analógico. Analisaremos a leitura que o grupo faz do
ambiente digital e as diferenças obtidas quando o mesmo trabalho implanta-se em meio analógico
– fato que não acontece com os projetos citados anteriormente.
Na versão analógica de Frivolity and Folly, o coletivo realiza workshops com mulheres
que confeccionam vestidos a partir de modelos pré-desenhados por uma designer. Criadas em
diversos tamanhos, as roupas possuem estampadas em seus, tecidos palavras de cunho pejorativo
em relação às mulheres, como, por exemplo, vadia, prostituta, loira burra, mulher fútil etc. Tais
palavras formam um conjunto de 300 verbetes que são impressos de forma enfileirada em golas
que atravessam os vestidos. O modo de apresentação das palavras no tecido lembra um distintivo
e passa a impressão de que as mulheres carregam em suas roupas algo que as honra. Esse processo
de transformar uma palavra de cunho negativo em uma palavra que denota orgulho é chamada em
holandês de Geuzennaam e foi utilizado na obra apresentada, em 2001, na Bienal de Valência e
exposta em um antigo convento carmelita.
Aproveitando o sucesso dos Geuzennaam no meio analógico, o grupo resolveu explorar
possibilidades do ciberespaço e disponibilizou em uma web shop um serviço em que o usuário
pode adquirir uma camiseta estampada com sua palavra pejorativa preferida. Essa idéia
converteu-se em arquivo on-line no qual internautas podiam interagir ao adicionar seu
Geuzennaam em francês, inglês e holandês ou mesmo produzir sua própria camiseta com termo
escolhido.
2
Citação encontrada pelo grupo De Geuzen em sala de bate-papo holandesa. Essa citação foi considerada pelo
grupo como a melhor definição de sua prática artística. Em português traduz-se por “arte, teoria social e astúcia”.
Ao propor Frivolity and Folly em meios de disseminação distintos, o De Geuzen observou
mudanças significativas em relação à audiência e à leitura dos trabalhos. Quando apresentado no
convento, o projeto passou aos espectadores impressão de magnificência e realeza. Na Bienal de
Viena, o trabalho adquiriu caráter teatral e permitiu aos espectadores um encontro físico no qual
interagiam literalmente com a obra ao compararem o tamanho de seus corpos com os dos modelos
apresentados. Enquanto liam a lista de palavras, podiam circular ao redor dos manequins e cutucá-
los.
Porém, a interação física e teatral não se repetiu on-line, onde a proposta diferiu e
concentrou-se na audiência. A leitura dos trabalhos se modifica quando uma obra se instala na
internet, pois a estrutura da rede tem o poder de transformar contexto em conteúdo. Segundo
Margot Lovejoy, em seu livro Art in eletronic age, a dinâmica da rede de computadores traz
elementos de informação de diferentes rotas, de diversas fontes. Essa migração gera contextos
variados e significados que influenciam a obra. Quando o trabalho é colocado na internet, o
público deixa de ser composto de pessoas específicas que costumam freqüentar exposições de
arte. Quando adentra o ciberespaço, o trabalho artístico deixa as paredes fechadas de um museu
ou de uma galeria, atravessa fronteiras desconhecidas e amplia seu horizonte atraindo os mais
diferentes públicos.
No site do projeto, por meio de um mecanismo que possibilitava ões como comprar
camisetas, fazer sua própria ou adicionar um Geuzennaam, o coletivo percebeu uma audiência
peculiar. Notou que em vez de atrair somente pessoas ligadas à arte estava chamando a atenção de
usuários não intencionais. Esses turistas acidentais encontravam o site quando acessavam os
mecanismos de busca, como o Google, e digitavam as palavras pejorativas femininas em busca de
sites de sexo. Segundo o De Geuzen, em artigo publicado no site oficial do coletivo, os
mecanismos de busca têm uma visão indiscriminada para conteúdos ou códigos e permitem que
certos internautas acidentalmente encontrem o site e deixem sua contribuição. Para o grupo essa é
uma das idiossincrasias da internet – criar associações inesperadas.
O mesmo grau de surpresa surgiu com o projeto Fripperies and Trimmings, dessa vez de
forma contrária. Os resultados no meio digital eram previsíveis, mas se transformaram no meio
analógico. A proposta inicial surgiu quando, segundo os artistas, um conhecido presidente, no
prelúdio de uma guerra, declarou de forma contraditória: “YOU ARE EITHER WITH US OR
AGAINST US” (Você está de forma idêntica com e contra nós).
Ao perceber o perigo do mau uso das palavras e das possibilidades de dupla interpretação,
as artistas do De Geuzen criaram um jogo de verbetes, com pronomes, pontuações, conjunções:
NOT, FOR, THEM, YOU, ALL, ME WITH, BUT, OR, !, ?. Esses verbetes podiam ser
recombinadoss e permutados de diferentes formas, o que causaria diversas possibilidades de
compreensão. Com a variedade de combinações, o coletivo propôs a elaboração de frases que
poderiam gerar expressões de protesto em relação às políticas vigentes. On-line os artistas criaram
um sistema no qual usuários inseriam palavras e testavam diferentes possibilidades combinatórias
e os diversos significados que isso proporcionava. Essas composições gramaticais podiam ser
impressas, transferidas para tecidos e costuradas nas roupas, como forma de protesto.
A mesma idéia foi usada em um workshop com adolescentes realizado em festival na
cidade de Utrecht, no qual o grupo levou tecidos impressos com as palavras e os adolescentes,
trabalhando em grupos, costuraram em suas roupas as combinações escolhidas. Foi justamente na
proposta realizada em Utrecht que o De Geuzen percebeu a transformação da crítica política em
jogo juvenil, no qual a combinação de palavras e sua aplicação nas roupas serviram para
estabelecer grupos. Numa brincadeira de quem está fora e quem está dentro, os jovens
trabalharam a idéia de “pertencer” ou “não pertencer. Dividiram-se em quem havia feito as
mesmas combinações e outros que optaram por ter opinião própria e confeccionaram seu arranjo
de verbetes individual.
Apesar de não atingirem o objetivo de criar consciência política e fomentar discussões a
respeito da invasão do Iraque, a ação inesperada dos adolescentes despertou o De Geuzen para
uma questão primária, porém comovente, que envolveu a condição da existência humana. Stephen
Willats em seu livro Art and Social Function afirma: “The realization that all art is dependent on
society dependent on relationships between people and not the sole product of any person is
becoming increasingly important in the shaping of future culture”.
3
3.4. O social no digital
Como podemos perceber, as obras dos coletivos De Geuzen e Superflex contextualizam-se
dentro de dois movimentos: a cibercultura - com ênfase as produções em rede e com a velocidade,
descentralização e separação física proporcionada pela internet e a estética relacional uma das
tendências contemporâneas de produção em arte caracterizada pela estética social da arte. Ambos
proporcionam mudanças no pensamento artístico pós-moderno.
Ao olhar o ciberespaço sob a perspectiva de definição, suas características de
hospedagem, efetivação ou divulgação de obra de arte através de estrutura ramificada estimulam
os artistas. Certas propriedades, como a rapidez, a possível democratização de informações, o
livre acesso a bens culturais, bem como a facilidade de reprodução de conteúdos, incitam a
criatividade. Para Kerckhove, em citação presente na obra Culturas e artes do pós-humano, a
cibercultura resulta da multiplicação entre velocidade e massa:
Enquanto a televisão e o rádio nos trazem notícias e informações em massa de todo o
mundo, as tecnologias sondadoras, como o telefone ou as redes de computadores,
permite-nos ir instantaneamente a qualquer ponto e interagir com esse ponto. Essa é a
qualidade da profundidade, a possibilidade de tocar aquele ponto e ter um efeito
demonstrável sobre ele através de nossas extensões eletrônicas [...]. Já não nos
contentamos com as superfícies. Estamos mesmo tentando penetrar o impenetrável: a
tela do vídeo [...]. Expressão literal da cibercultura é a florescente indústria de máquinas
de realidade virtual que nos permitem entrar na tela do vídeo e do computador e sondar a
interminável profundidade da criatividade humana na ciência, arte e tecnologia
(KERCKHOVE, 1997, p. 176-8).
O potencial participativo e interativo da rede de computadores também é algo relevante
quando se pensa em net art. A linguagem digital dotada de sistemas multimídia promove a junção
de sons, imagens e textos, o que proporciona variedade imensa de ações possíveis dentro de um
único meio. A linguagem hipermidiática proporcionada pelos meios binários abre portas para
múltiplas interpretações, interações e participações do espectador, que através das interfaces,
tornam mais concreto o conceito de obra participativa.
3
A realização de toda arte depende da sociedade - depende de relações entre as pessoas e não de um o único
produto de qualquer pessoa - está se tornando cada vez mais importante na definição do futuro da cultura.
Segundo Lovejoy, a dinâmica tecnológica proporciona diferenças na construção de
significados entre o espectador e a obra. Na arte tradicional, as significações eram construídas por
meio da transposição do olhar físico para o olhar mental. O processo dialético na arte tradicional
dá-se através da negociação entre o fruidor e a obra. Para Lovejoy, todas as artes podem ser
consideradas participativas se considerarmos a visão e a interpretação do espectador significado
de alcance e entendimento, itens que fazem parte do diálogo comunicativo.
Porém, nos trabalhos interativos em arte digital, a autora menciona que esse diálogo de
comunicação acontece por meio de uma interface. Similarmente àquilo que Bakhtin determinou a
respeito da literatura: “stratified, constantly changing systems made up sub-genres, dialectics, and
almost infinitely fragmented languages in battle with each other”
4
. A interface ponto de
encontro entre a obra e o espectador – medeia a relação dialética obra versus. fruidor.
A possibilidade de interação proporcionada pelas interfaces digitais é responsável pela
alteração das relações entre artista e audiência, pois origem a um processo que não se resume
unicamente a uma ação mental interpretativa. Esse tipo de mediação proporcionada pelas
tecnologias digitais modifica identidades e funções, além de permitir que essas duas se
intercambiem. Com a tecnologia digital, as premissas institucionalizadas pela arte tradicional no
que se refere à representação e a modos de exposição transformaram-se profundamente. A nova
forma de mediação tecnológica da linguagem binária a interface criou uma arena que
proporciona formas de divisão autoral e trocas sociais.
5
Such systems with their inherent contradictions are force for forging new
unpredictability in aesthetic territory, in a process Bakhtin termed the dialogic
imagination. Since digital media are often literally dialogic (as opposed to a dialogue that
configures itself as a mental event), the position of “making” and the relations between
artist and audience are altered, their roles and identities changed, and perhaps
temporarily exchanged (LOVEJOY, 2007, p. 226).
4
Estratificada, constituída por sistemas de sub-gêneros que mudam constantemente, dialética, e fragmentada por
infinitas linguagens em batalhas umas com as outras
.
5
Tais sistemas com as suas próprias contradições são a força para novos e imprevisíveis territórios estéticos,
num processo que Bakhtin chama de dialógica imaginação. Uma vez que os meios digitais são literalmente
dialógicos (em oposição a um diálogo que se configura como um evento mental), a posição de “fazer” e as
relações entre artista e platéia são alteradas. Os seus papéis e identidades mudaram, e talvez temporariamente
trocaram.
Ao observar as afirmações de Lovejoy, baseadas em Bakhtin, podemos considerar efetiva,
a mudança que a internet proporciona no potencial interpretativo da arte. Como vimos, a estrutura
rizomática do ciberespaço juntamente com a participação do espectador, através de uma interface,
muda comportamentos diante do fazer e do interpretar artístico. A relação entre o autor e o
espectador funciona de forma fundida, na qual a construção da obra se de maneira conjunta,
por meio de trocas, inferências e interferências entre artista e público.
Com isso, através da consciência do potencial de trocas, das multiplicidades de relações e
das interpretações proporcionadas pela internet, podemos, de certa forma, relacioná-las com a
estética relacional de Nicolas Bourriaud.
Assim como a estrutura da rede de computadores proporciona potencialidades no que diz
respeito às trocas sociais e à participação na construção do pensamento artístico, a estética
defendida por Bourriaud se calca nos intercâmbios pessoais e visa construir a arte através da
criação de realidades possíveis em determinado contexto que obedeça à realidade vigente.
Porém, é necessário salientar que o filósofo francês não defende a produção artística
tecnológica em toda a sua essência. Bourriaud afirma que, para haver junção entre arte e
tecnologia nos tempos contemporâneos, é preciso entender todas as modificações nos campos
epistemológicos da arte (novas estruturas de percepção), como Lovejoy havia salientado. Para
Bourriaud, é necessário compreender a aparição de tecnologias tão diferentes como cinema, vídeo
e informática reunidos em única forma a tela. Segundo o filósofo francês(BOURRIAUD, 1997,
p. 96-7).: “Si no reflexionamos sobre esta coincidencia, que se da en el interior de la herramienta
mental y desemboca en nuevas maneras de ver, nos condenamos a un analisis desde la mecánica
de la historia da arte reciente”.
Para Bourriaud as melhores produções em arte na era da tecnologia estão justamente fora
da técnica.
6
“[...] los adelantos tecnológicos distan mucho de ser universales y que el sur del
planeta, ‘en vias de desarollo’ no vive la misma realidad que el Silicon Valley en cuanto
herramientas técnicas, aunque ambos formem parte de un universo cada vez mas estrecho”. No
pensamento relacional, a arte se faz visível quando propostas artísticas atentam para a consciência
das relações humanas e para os modos de produção de uma época. Essa conscientização se por
meio de projetos nos quais o artista expõe e questiona com os espectadores as perspectivas dos
possíveis efeitos que os aparatos tecnológicos podem causar na vida cotidiana social, econômica e
6
Os avanços tecnológicos distam muito de serem universais, e no sul do planeta, em vias de desenvolvimento
não vive a mesma realidade que o Vale do Silício no que se diz respeito às ferramentas técnicas, já que ambos
formam parte cada vez mais de um universo mais estreito.
cultural. Essas obras podem ou não utilizar tecnologia vigente (BOURRIAUD, 1997, p. 96-7).
7
Ninguna técnica constituye un tema para el arte: si se sitúa la tecnología en su contexto
productivo, analizando sus relaciones con la superesctructura y los comportamientos
obligados que son la base de su utilización, es posible producir modelos de relaciones
con el mundo que van en sentido de la modernidad. De lo contrario, el arte se convertirá
en un elemento de decoración high tech, en una sociedad cada vez más inquietante.
(BOURRIAUD, 1997, p. 96-7).
Ao nos concentrarmos no uso da tecnologia em ações artísticas relacionais podemos
compreender o intuito dos projetos digitais do Superflex e De Geuzen. Segundo Nicolas
Bourriaud, que cita Nietzsche em Estética relacional, a função da arte quando esta faz uso da
tecnologia consiste em apropriar-se dos hábitos de percepção e dos comportamentos induzidos por
um complexo técnico-industrial para transformá-los em possibilidade de vida. Como dito,
somente a tecnologia não é suficiente para se criar um trabalho artístico.
Antes de classificarem seus trabalhos como net art, tanto o De Geuzen como o Superflex
preocuparam-se com as trocas provenientes dos projetos. O ciberespaço é mais um meio de
divulgação e desenvolvimento de propostas que se mostrou conveniente em determinada situação.
Os objetivos principais dos coletivos são o de criar espaços negociativos cujo potencial de trocas
seja favorável para desenvolver discussões. Inventar formas de estar junto, criar situações de
trocas de opinião, permitir interferência do desconhecido, do inesperado. E, através dessas
proposições, criar encontros que contribuam para o desenvolvimento do pensamento artístico.
A característica principal das obras relacionais, incluindo as de net art dos grupos De
Geuzen e Superflex, é utilizar as vantagens que as tecnologias proporcionam para criar obras de
seu tempo. Obras que convidam para o futuro, ao contrário daquelas que se fundamentam na
representação e nos remetem ao passado. A importância das obras do De Geuzen e do Superflex
reside no fato de fazer as coisas acontecerem por meio da junção de pessoas e do intercâmbio de
idéias provenientes das propostas artísticas. Num mundo onde, segundo Bourriaud, os discursos
são estandardizados e as conversas resumem-se à escolha de que produtos comprar, existe a
necessidade do encontro, da identificação com o outro, por meio de ações, referências e discursos
individuais.
7
Nenhuma técnica consiste em tema para a arte: sim se situa a tecnologia em seu contexto produtivo, analisando
suas relações com a superestrutura e os comportamentos obrigados que são base de sua utilização, é possível
produzir modelos de relações com o mundo que vão em sentido com a modernidade. Do contrário, a arte
converter-se-á em um elemento de decoração high tech, em uma sociedade cada vez mais inquietante.
3.4.1.Superflex e networking
“A networked world offers the possibility of many – many comunnication,
permitting wodely separed indivividuals to bind themselves into collectives.”
CAPIO, 1994, p.71
Observamos que quando o Superflex disponibilizava seus projetos no ciberespaço seu
objetivo era aproveitar a estrutura da internet para promover trocas sociais. Quando o Superflex
propôs Karlskrona 2 e Superchannel no ciberespaço estava mais interessado nas relações em rede
que a internet possibilita do que no avanço tecnológico que ela significa. Segundo Lemos, o
ciberespaço resulta de pensamento lógico moderno industrial e é um instrumento real de contato.
A internet tem o poder de agregação eletrônica, que pode ser comunitária ou não.
No caso dos projetos digitais do coletivo dinamarquês, o ciberespaço é responsável por
agregação eletrônica comunitária que une usuários da rede de computadores de todo o mundo
como se fosse rede local. Esse processo une indivíduos em uma discussão particularizada, em um
contexto específico, e não teria sentido em outra realidade. A citação de Lemos, em referência aos
conceitos de Mafessoli a respeito de rede das redes, também salienta a capacidade do ciberespaço
de reunir pessoas: “O ciberespaço encarna bem a esta forma social, constituindo-se como uma
rede de redes não de máquinas, mas também de pessoas. Ele cria uma Matrix comunicacional
que potencializa as mais variadas formas de agregação, comunitárias ou não” (LEMOS, 2002,
p.167). Para Lemos, a realidade social forma-se através de cruzamentos variados e adesões
sucessivas que resultam na rede das redes e formam uma estrutura complexa:
[...] a rede das redes não envia mais a um espaço onde os diversos elementos adicionam,
se justapõem, onde as atividades sociais se ordenam conforme uma lógica da separação,
mas, antes de tudo, a um espaço que se conjuga, se multiplica formando figuras
caleidoscópicas de contornos diversificados [...] a rede de redes apresenta-se como uma
arquitetura que só vale pelos elementos que a compõem. (MAFFESOLI, 1987, p. 206-7).
Quando associações eletrônicas acontecem nos projetos do Superflex através das
relações rede das redes explicadas por Maffesoli percebemos um caráter forte no que se diz
respeito a comunidades sociais. A comunidade, ao contrário da sociedade, é uma invenção dos
primeiros expoentes dos estudos sociais. De acordo com Ferdinand Tönnies, citado por Lemos, a
formação comunitária é condicionada às sociedades tradicionais, ou seja, à economia doméstica e
à vida do lar, às urgências primárias e à religião. a sociedade moderna está condicionada no
comércio, na cidade e nos estudos científicos. Portanto, relações comunitárias acontecem no
âmbito primitivo existencial. Ainda segundo Tönnies, existem duas classes de vontades humanas:
a vontade orgânica (comunidade) e vontade reflexiva (sociedade). As comunidades firmam-se
pelo status e a sociedade pelo contrato. de se salientar que tanto o contrato quanto o status
muitas vezes não se encontram em estado puro.
A questão primitiva e doméstica que envolve a formação das comunidades pode ser
reforçada segundo preceitos da Sociedade em Rede de Manuel Castells. Para esse pensador, os
bens de informação geram novos modos e canais comunicacionais, modelam a vida e
simultaneamente são moldelados por ela. A descentralização proporcionada pelos meios de
comunicação tecnológicos é responsável por fragmentar movimentos sociais caracterizando-os
como efêmeros, locais e de objetivo único. Essa espécie de manifestação social acontece de forma
interiorizada ou brilha por efêmeros momentos em símbolo da mídia.
Porém, de acordo com Castells, em contraposição a essa dispersão provocada pelas
mudanças tecnológicas
as pessoas tendem a reagrupar-se em torno de identidades primárias: religiosas, étnicas,
territoriais, nacionais. [...] Em um mundo de fluxos globais de riqueza, poder e imagens,
a busca da identidade, coletiva ou individual, atribuída ou construída, torna-se base de
significado social. (CASTELLS, 2003, p. 41).
Portanto, a busca da identidade, segundo Castells, passa a ser na era da informação
principal – fator organizacional da sociedade contemporânea.
Por identidade, entendo o processo pelo qual um ator social se reconhece e constrói
significado principalmente com base em determinado atributo cultural ou conjunto de
atributos, a ponto de excluir uma referência mais ampla a outras estruturas sociais. A
afirmação de identidade não significa necessariamente incapacidade de relacionar-se
com outras identidades. [...] Mas, as relações sociais são definidas vis-à-vis as outras,
com base nos atributos culturais que especificam a identidade. (CASTELLS, 2003, p.
57).
Dessa forma, ao perceber a busca de identificação que modelos da sociedade de
informação implicam, podemos entender as ações do grupo Superflex. Quando prima pelas
relações sociais em rede, o Superflex propõe tanto em Karlskrona 2 como em Superchannel o uso
da internet como rede local. Sua intenção é proporcionar para habitantes de Karlskrona e para
usuários locais do Superchannel meios de estabelecer relações comunitárias eletrônicas que
envolvam busca de identidade. Essa identificação diz respeito a um número de pessoas que fazem
parte de realidades específicas e vivenciam situações particulares como, por exemplo, as
decisões a respeito da mudança de prefeitura de Karlskrona.
As trocas sociais proporcionadas pelos projetos Superflex seguem uma lógica de busca de
identidade justamente porque são instaladas em situações particulares, nas quais decisões tomadas
e intercâmbios realizados apenas tornam-se possíveis por meio do processo de identificação. Nas
ações do Superflex se não se sabe o mínimo a respeito de uma determinada realidade, não é
possível que existam ações construtivas que contribuam para a corporificação do projeto artístico
proposto.
Assim, as ações do grupo dinamarquês se fundamentam em processo comunitário que
busca identidades em situações particulares. Pessoas que não fazem parte da realidade na qual a
ação é proposta podem participar passivamente comentando e observando o palco principal.
Repetindo parte da citação de Castells: “A afirmação de identidade não significa necessariamente
incapacidade de relacionar-se com outras identidades. [...] Mas as relações sociais são definidas
vis-à-vis as outras, com base nos atributos culturais que especificam a identidade”. Podemos
concluir, por meio das justificativas acima discutidas, que o Superflex suas propostas em net
art como opção para estabelecer redes comunitárias que discutam, construam e intercambiem
idéias sobre uma situação específica.
3.4.2.De Geuzen versus interpretação e audiência
Os preceitos de redes sociais comunitárias podem ser também aplicados nos trabalhos do
De Geuzen. Assim como para o Superflex, as associações sociais com base em identificação são
fundamentos básicos para construção da proposta poética do grupo holandês. Porém, o que chama
atenção quando analisamos os projetos Frivolity and Folly e Fripperies and Trimmings são
diferenças relativas à audiência e à interpretação desses trabalhos quando disponibilizados em
meio digital e analógico. A proposta Frivolity and Folly nasceu no meio analógico e depois foi
transposta para o meio digital; já Fripperies and Trimmings fez o caminho oposto. Nessas ações, a
surpresa se deu quando, a partir da mudança de contexto, as obras se transformaram.
A modificação na leitura e na audiência das propostas pode ser explicada quando a obra de
arte é caracterizada por Salles: “A criação artística é marcada por sua dinamicidade que nos põe,
portanto, em contato com um ambiente que se caracteriza pela flexibilidade, não fixidez,
mobilidade e plasticidade” (SALLES, 2006, p.19). Dessa forma, quando o De Geuzen transporta a
mesma obra de um meio a outro, a possibilidade de elas se transformarem é grande, que se
inserem em contextos diferenciados e caracterizados por particularidades específicas. Como os
trabalhos do De Geuzen estão fundamentados em princípios de interatividade e participação,
proporcionam nos ambientes ações dinâmicas. Assim, quando a obra é deslocada, a gama de
interações que ela recebe é diferente das que recebia quando estava em contexto diferenciado.
Assim, pode-se entender por que motivo Frivolity and Folly e Fripperies and Trimmings sofreram
modificações quando mudaram de contexto. Cada situação possui indivíduos de interesses e
pontos de vista diferenciados, os quais interpretam e transformam o projeto artístico de acordo
com influências ambientais, sociais, econômicas e intelectuais.
Por isso, Fripperies and Trimmings teve interpretação diferenciada quando aplicada a um
grupo de adolescentes. Diferentemente das pessoas que tinham consciência do momento político
que contextualizava o tema da obra, os jovens utilizaram-se de experiências da adolescência.
Transformaram proposta crítica em jogo recreativo. Segundo Morin (2000, p. 39) “o artista
enfrenta um processo que não permite precisão e predição, em outras palavras, opera no universo
da incerteza, da mutabilidade, da imprecisão e do inacabamento”.
Além das diferenças de interpretação e dos diversos usos das propostas do De Geuzen, o
grupo holandês surpreendeu-se quando disponibilizou sua proposta Frivolity and Folly em uma
página da internet. O coletivo observou que o projeto atraiu uma audiência peculiar, diferente do
público que freqüentava exposições de arte. Esse tipo de audiência diferenciada delimitada por
usuários de sistemas de buscateve acesso à obra de forma não intencional e só contribuiu com a
proposta porque acidentalmente entrou no site do De Geuzen. Essa forma não objetiva de acessar
conteúdo é possível graças à estrutura da internet. Segundo Lovejoy, o ciberespaço é capaz de
construir links entre comunidades aparentemente incomunicáveis por causa do idioma ou de outra
diferença cultural. A arte instaurada na rede pode criar novas realidades e a tecnologia pode gerar
maior potencial participativo entre diferentes culturas, as quais engajam uma imaginação coletiva
(LOVEJOY, 2007, p. 235).
8
8
Um trabalho interativo adiciona uma nova dimensão ao processo de agenciar comunidades coletivas e desloca
o papel do artista daquele que cria o quadro e as ferramentas por aquele que promove o diálogo interativo. [...]
Tais experiências na utilização dos meios de comunicação levou a oportunidades de diálogo através dos quais o
An a interative work adds new dimension to the process of providing agency for
collective communities and shifts the role of the artist to that of one who creates the
framework and tools for interactive dialogue. [...] Such experiments in the use of
communication media led to opportunities for dialogue where work can be shared in a
larger cross cultural community than through the confines of the gallery and museum
system (LOVEJOY, 2007, p. 237).
A imaginação coletiva de Lovejoy pode ser associada ao conceito de inteligência coletiva.
Nesse termo, inaugurado por Pierre Lévy em 1996, o ciberespaço proporciona objetos que
transitam entre grupos, ou seja, memórias compartilhadas e hipertextos comunitários que
contribuem para a formação de coletivos inteligentes. para Kerckhove, em definição citada por
Santaella, o termo é conceituado na idéia de que a internet “é, na realidade, um cérebro, um
cérebro coletivo, vivo, que estalidos quando o estamos a utilizar. É um rebro que nunca pára
de trabalhar, de pensar, de produzir informação, de analisar e combinar” (SANTAELLA, 2003, p.
106).
Ao pensar que o conceito de inteligência coletiva ou mesmo de imaginação coletiva é
responsável por fazer com que um único pensamento inteligente seja construído através de um
cérebro coletivo, fica claro analisar por que as obras do De Geuzen e outras de net art atraem
audiências inesperadas. A internet chama e interconecta diversas culturas, alcançando diferentes
individualidades, e contribui para que a arte não fique alojada somente dentro das paredes de
museus e galerias de arte. Por mais que a democratização do pensamento artístico esteja longe de
acontecer, o ciberespaço possibilita turistas acidentais que, de alguma forma, entram em contado
com o fazer artístico e dele participam.
trabalho pode ser compartilhado e intercambiado pela comunidade cultural - além dos limites das galerias e dos
museus.
CONCLUSÃO
Vimos na Introdução desta pesquisa que o seu objetivo principal era analisar os
projetos instalados no ciberespaço, de autoria dos grupos artísticos relacionais Superflex e De
Geuzen. Vimos também que, apesar de a estética relacional (que norteia a pesquisa de ambos
os coletivos) não ter grande entusiasmo pelo uso dos aparatos tecnológicos, os grupos
estudados utilizaram a internet e a linguagem digital para a realização de alguns de seus
projetos. Embora tenham trabalhos em net art, os dois coletivos possuem uma leitura
particular do uso da tecnologia e da rede de computadores para a realização de suas propostas.
O Superflex, em Karlskrona 2, estabeleceu o objetivo de agir no ciberespaço de modo
a mapear a diversidade de intercâmbio entre as pessoas e investigar seu progresso num
ambiente comunicacional mediado pelo ciberespaço e pelo computador (JOHANSSON,
2000). Deve-se atentar para o fato de que, quando o coletivo hospeda suas propostas no meio
digital, o conceito de networking (rede), proporcionado pela estrutura da internet, é mais
importante do que a tecnologia que a rede de computadores possui. Para o Superflex, o
conceito de rede é a base da arte, por meio da qual são estabelecidas relações sociais. Esses
intercâmbios possibilitam trocas entre indivíduos e constituem o pensamento artístico. Nos
trabalhos que o grupo dinamarquês instalou na rede de computadores, a internet atua como
mediador “relacional” e o ciberespaço, como “ambiente” comunicacional.
Todos os projetos do Superflex giram em torno de possibilitar trocas sociais em
realidades específicas, dessa forma, assim como em Karlskrona 2, a preocupação do grupo
dinamarquês em Superchannel é possibilitar críticas e discussões a respeito de uma
determinada situação que seja relevante a um grupo social. Em Karlskrona 2 discute-se a
respeito das realidades da cidade sueca física, e em Superchannel a respeito do consumo
passivo da programação televisiva corporativa.
Como vimos na análise de suas obras, a leitura da linguagem digital e do ciberespaço
do De Geuzen também possui um fim específico. O grupo utiliza a internet de forma simples
e caseira, e suas atuações no ciberespaço também são concebidas de acordo com o objetivo de
cada projeto. Como foi visto no tópico a respeito da temática do coletivo, percebemos que o
grupo utiliza-se das facilidades do ciberespaço, do mesmo modo que uma dona-de-casa utiliza
a internet para divulgar às amigas sua receita preferida. Ou seja, de forma simplificada e de
modo a alcançar o maior número possível de pessoas interessadas no assunto. Esse alcance
promoverá ricas trocas sociais de informações, experiências e aprendizados, os quais
corporificarão as obras do De Geuzen.
Observamos também que, diferentemente do Superflex, o De Geuzen alojou os
mesmos projetos tanto no meio analógico como no meio digital. Isso despertou no grupo um
cerne curioso para pesquisa, já que o De Geuzen descobriu que, além de possibilitarem
intercâmbios, as propostas diferenciavam-se em termos de leitura e de audiência quando eram
hospedadas em meios distintos.
Porém, chegamos ao ponto mais importante a considerar – a tecnologia versus a
estética relacional. Bourriaud considerava que os avanços tecnológicos, ao mesmo tempo que
podem melhorar nossas vidas, também possibilitam um efeito contrário, o qual provoca
ameaças e destruições. Além disso, Bourriaud argumenta que as produções em arte que usam
a tecnologia de maneira única e exclusiva para construírem suas obras correm o risco de se
resumirem a mera produção de ilustrações. Para ele, as produções que melhor discutem as
tecnologias da informática estão justamente as que estão fora do uso do computador, pois
qualquer artista exerce seu dever crítico a partir do momento que desloca para fora da
tecnologia as prerrogativas técnicas prevalecentes de um fazer artístico.
Outra consideração pleiteada por Bourriaud é que,
la emergencia de nuevas técnicas, como Internet el multimedia, indica un deseo
colectivo de crear nuevos espacios de sociabilidad y instaurar nuevos tipos de
transación frente el objecto cultural: a la “sociedad del espectáculo” le sucederia
entonces la sociedad de los figurantes, donde cada uno encontraria en los
canales do comunicacíon mas o menos truncos da ilusión de una democracia.
(BOURRIAUD, 2006, p. 29)
Ao observamos algumas das considerações que Nicolas Bourriaud faz a respeito do
uso das tecnologias na produção de arte, verificamos: i) a transformação do objeto artístico
em mera ilustração; ii) o perigo da hegemonia da técnica em todos os fazeres da vida; e iii) a
falsa democracia proporcionada pelos espaços sociais dentro do ciberespaço. Devemos
observar que “a sociedade dos figurantes”, à qual Bourriaud se refere quando caracteriza a
sociedade da informação também possui pequenas ações, que seguem os pressupostos da
criação de “mundos possíveis” e dos “interstícios sociais” defendidos pelo pensador.
Tanto o Superflex como o De Geuzen não buscam a democratização da arte e do
conhecimento pelo uso da internet, muito menos fazem apologia a esse tipo de linguagem e
meio de disseminação. Cada um, a sua maneira, intenta agir de forma local e específica ao
engendrar trocas sociais substanciais que corporifiquem seus projetos artísticos. Agem de
forma a reunir o maior número de pessoas interessadas em um mesmo assunto e, através dessa
estratégia, criam pequenos e significantes “mundos possíveis”. Por possuírem natureza
multidisciplinar e por objetivarem de qualquer modo “fazer as coisas acontecerem”, é natural
que utilizem os mais diversos meios para a instauração de suas propostas e através delas
atingir seus objetivos de promover os “encontros” que Bourriaud tanto defende.
Portanto, mesmo que compreendendo que o filósofo francês faça restrições em
relação ao uso dos aparatos tecnológicos na produção de arte, percebemos que ele não as
condena em sua totalidade. Ao repetir o que foi dito no capítulo II, Bourriaud alerta que, para
utilizar os aparatos tecnológicos, é preciso perceber que “la tecnologia solo interesa al artista
en la medida en que puede poner en perspectiva los posibles efectos” (BOURRIAUD, 2006,
p. 82). Dessa forma, a internet e o ciberespaço facilitam sim a promoção de interstícios sociais
em alguns projetos específicos do Superflex e do De Geuzen.
Assim, tanto isso é perfeitamente plausível que outros artistas não adeptos ou que
desconhecem a estética relacional também usam o ciberespaço para socializar suas ações,
como vimos nas manifestações de mídia tática, net ativismo, hacktivismo e nas experiências
artísticas com redes sociais. Mais do que nos centrarmos na questão da técnica para
determinar ou não um trabalho artístico contemporâneo relacional, devemos olhar as redes
como fatores determinantes. São as relações de troca permitidas pelas redes que dão respaldo
à promoção dos interstícios sociais, a fim de construir uma arena de encontros, como
especificado na estética relacional.
Não podemos esquecer também que o advento da técnica está presente em todos os
momentos da história da arte. Desde a utilização dos cavaletes, dos aparatos de câmara escura,
das matrizes xilográficas, da fotografia, entre outros. Portanto, não se pode considerar o
aparato técnico fator determinante e proferir críticas a esta ou àquela técnica. Devemos sim
atentar para a eficiência do projeto quando ele é instalado neste ou naquele meio e que
relações eles imbricam quando propostos. Está mais do que provado nas respostas relevantes
e consideráveis obtidas pelo Superflex e pelo De Geuzen, que a linguagem digital e a internet
são, respectivamente, meio e ferramenta “relacionais” eficientes. Respondem de modo
positivo quando a proposta é unir pessoas de mesmo interesse em situações específicas.
É importante salientar que considerar o ciberespaço meio eficiente para a hospedagem
de algumas propostas em arte contemporânea não nos faz desconsiderar todas as posições
críticas tomadas a respeito da cibercultura e da sociedade de informação. Sabemos sim por
meio do estudo das posições de Vírilio, Trivinho, Baudrillard, Sfez, entre outros que a
determinação de uma sociedade baseada nos meios de informação e estruturada pela internet
possui zonas problemáticas. Problemas como a circulação de informações vazias, além de
uma falsa democratização de conhecimento, exigência de domínio de senhas e funcionamento
informacional são implicações recorrentes em uma sociedade cibercultural. Existem ainda
muitas considerações a serem feitas quando se fala do fenômeno das novas tecnologias.
Embora não seja possível abordá-las neste pequeno estudo, é importante tomarmos
consciência das principais vertentes críticas que analisam a sociedade vigente. Dessa forma,
podemos formular juízos críticos, completos e densos, e evitamos cair na apologia ignorante
de uma nova sociedade. Não se pode ter, sobre a cibercultura, um olhar otimista em sua
totalidade sem se conhecer seus buracos negros. Buracos estes que muitas vezes são
camuflados pelos órgãos de poder e pelas grandes corporações.
Explicitadas as considerações críticas a respeito da sociedade baseada nos bens
informacionais, esta pesquisa pode retornar ao seu marco zero, que é a discussão a respeito
das produções relacionais no ciberespaço.
Dessa forma, para finalizar, o mais importante de toda essa discussão é apontar para o
surgimento de manifestações artísticas que hoje proporcionam, segundo Rosa Martinez,
“emoções, trocas discursivas, generosidade e negociação entre indivíduos”. Segundo essa
autora, “no campo da arte, a ‘estética relacional’ tornou-se um tipo de ortodoxia na qual
processos colaborativos e interativos procuram eliminar a distinção entre o artista enquanto o
produtor de objetos e os espectadores enquanto consumidores passivos de mensagens
visuais”. Sendo assim, na rua, na imprensa ou na internet, nos interessa observar essas
relações enriquecedoras que os processo relacionais possibilitam, bem como “a interação de
subjetividades” que, para Martinez, “é fundamental para a produção de novas formas de
sociabilidade”.
1
O encontro finalizado
Feitas as colocações necessárias para seevitar possíveis vácuos que abrissem margens
para indagações nesta pesquisa, convém-nos encerrar o estudo. Encerrar de forma a
lembrarmos que, mais do que qualquer ressalva a respeito do uso das técnicas ou de qualquer
isenção do fator estético nas obras colaborativas relacionais, importa aqui relembrarmos as
palavras de Bourriaud que explicitam sua prioridade na realização de encontros acima de
qualquer tecnologia ou instituição. Para o filósofo, antes de qualquer coisa: “Resgatar a idéia
de pluralismo, para a cultura contemporânea descendente da modernidade, significa inventar
modos de estar juntos e formas de interação que ultrapassem a inevitabilidade das famílias,
dos guetos de facilidades tecnológicas e das instituições coletivas existentes” (BOURRIAUD,
1998).
1
As citações de Rosa Martinez foram retiradas do texto de divulgação da Bienal de Arte de São Paulo realizada
em 2006. Disponível em: <http://www.coresprimarias.com.br/ed_4/seminario_trocas_p.php>.
8
ANEXO
Principais artistas, eventos e exposições dos perídos abordados:
CIBERARTE – primeiras manifestações e artistas ( vídeo arte, tecno-body-art, multimídia,
robótica , esculturas virtuais, arte holográfica, informática e realidade virtual)
Artistas
Douglas Davis
Galloway e Rabinowitz
Nam June Paik,
Joseph Beuys,
Davois,
Orlan Stelarc
Marc Pauline
Redes Eletrônicas
Robert Adrian X
WELL
ARTEX
Exposições:
Interactive Plant Growing (1993) - Sommerer/Mignonneau
ARTISTAS RELACIONAIS
Rirkrit Tiravanija
Philippe Parrero
Vanessa Beecroft
Minerva Cuervas
Maurizio Cattelan
Jes Brinch e Henrik Plenge Jacobsen
Christine Hill
Carsten Holler
Nortitoshi Hirakawa
Pierre Huygue
9
COLETIVOS: ( pioneiros)
Fluxus
Rex
Barbu
Arts and Crafts
3Nós3
Manga Rosa
Tupi Não Dá
Neo Tao
Mico
Expressão Sarcástica
Base V
Cocada Boa
MÍDIA TÁTICA
Paper Tiger Television
Downton Community Acess
Video in
Amelia Productions
The Critical Arts Emsemble
Old Boys Network
Eletronic Cafe Internacional
NET ATIVISMO
Institute for Apllied Autonomy
Josh On´s
Antonio Mutandas
Natalie Jeremijenko and Bureau of Inverse Technology
Mongrel ( Matsuko Yokoji, Mervin Jarman, Richard Pierre- Davis e Graham
Harwood)
Irational .org
HACKTIVISMO
Artistas:
The Eletronic Disturbance Teather
Etoy
0100101110101101.org
The Bureau of Inverse Technology
Heath Bunting
Harwood
10
Principais Exposições:
Open_Source_Art_Hack ( 2002)New Museum of Contemporary Art – NY
Kingdom of Piracy ( 2003) – Ars Eletronica
I love you computer_ Viren Hacker Kultur (2003) Museum of Applied Art –
Frankfurt Alemanha
MÍDIAS LOCATIVAS
Marina Zurkow, Scott Paterson, Julian Bleecker
Q.S.Serafijn and Lars Spuybroecks
Julian Bleecker
Teri Rueb
San Jose
Usman Haque
Rafael Lozanos
Giselle Beiguelman
Jenny Marketou
Jennifer and Kevin MaCoy
Michelle Teran
Krzysztof Wodiczko
Ricardo Miranda Zúñinga
Marko Peljhan
Gabriel Zea, Andres Burbano, Camilo e Martinez
REDES SOCIAIS
Golan Levin, Gamal Nigam e Jonathan Feinberg
Antonio Mutandas
Warren Sack
Annina Rüst
Angie Waller
11
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