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No Brasil do século XIX, a pesquisa histórica, igualmente fundada na erudição e
na crítica documental, nasceria imbricada à esfera imperial. O IHGB seria inaugurado
em 21 de outubro de 1838, na esteira do movimento academicista que, no século
anterior, impulsionara o aparecimento das Academias dos Esquecidos (1724) e dos
Renascidos (1759), ambas na cidade de Salvador.
14
A alusão à herança da experiência
historiográfica dos acadêmicos brasílicos setecentistas estaria presente na dissertação do
primeiro presidente, Visconde de São Leopoldo, quando definia a associação recém-
fundada como “representante das ideas de illustração, que em differentes epochas se
manisfestarão em nosso Continente”.
15
No momento inaugural do Instituto, tampouco seria fortuito o destaque às palavras
do literato e magistrado nascido em Santos, cuja atuação fora decisiva na expansão dos
limites do espaço colonial português na América.
16
Como membro da Academia,
nomeado por D. João V, as contribuições de Gusmão seriam indissociáveis das suas
funções de chanceler da Coroa lusa.
17
O pragmatismo ilustrado daquelas formulações
14
Sobre a formação das academias brasílicas no contexto da ilustração lusitana, cf. KANTOR, op. cit.,
pp. 189-165.
15
PINHEIRO, J. Feliciano Fernandes. Programa histórico. RIHGB, Tomo 1, 1839, pp. 65-124. Cf.
também PINHEIRO, Joaquim Caetano Fernandes. A Academia Brasílica dos Esquecidos. Estudo
histórico e Litterario. RIHGB, Tomo 31, parte II, 1868, pp. 5-32.
16
Alexandre de Gusmão (1695-1753), após seus primeiros estudos no Brasil, formou-se na Universidade
de Coimbra, obteve o título de Doutor em Direito Civil na Sorbonne, em Paris e destacou-se por sua
atuação como conselheiro de D. João V, notadamente na negociação, com a Espanha, do Tratado de
Madri (1750). A vitória diplomática portuguesa foi, em grande medida, condicionada pela superioridade
dos conhecimentos geográficos lusos na América meridional. O Tratado, tal como o articulou Gusmão,
representou o abandono diplomático do Meridiano de Tordesilhas e o reconhecimento da soberania
baseada no conceito oriundo do direito civil romano do uti possidetis (posse legitimada pela ocupação
efetiva). Demétrio Magnoli aponta para a incorporação do Tratado de Madrid “à linhagem dos mitos
fundadores da nacionalidade pelo ocultamento da moldura que o enquadrava – o litígio entre as duas
coroas ibéricas na América – e a invenção de uma outra moldura, referenciada na constituição de uma
nação e de um território brasileiros”. Essa operação, cuja versão mais célebre encontra-se na biografia de
Gusmão escrita por Jaime Cortesão (1884-1960), transformou-o em “ícone precursor da diplomacia
nacional” e defensor da “unidade geográfica e econômica do Brasil”. MAGNOLI, D. O corpo da pátria.
Imaginação geográfica e política externa no Brasil (1808-1912). São Paulo: Editora Unesp; Moderna,
1997, pp. 73-77. Nesse sentido, é importante acrescentar que o próprio IHGB teve um papel decisivo no
“abrasileiramento” do diplomata da Coroa portuguesa. Além das citações presentes no discurso de
fundação, no primeiro número da Revista seria publicado o “Extracto da resposta que A. de Gusmão,
Secretario do Conselho Ultramarino, deo ao Brigadeiro Antonio Pedro de Vasconcelos sobre o negocio da
Praça da Colônia”. RIHGB, Tomo I, 1839, 3
a
ed., pp. 260-268. Cf. também: Da vida e fatos de Alexandre
de Gusmão e de Bartolomeu Lourenço de Gusmão. RIHGB, Tomo 66, 1902, 1
a
parte, pp. 377-423.
17
Jaime Cortesão atribui a pouca dedicação de Gusmão aos seus encargos como acadêmico a razões de
ordem teórica e prática: de um lado, “o seu conceito de história e a suas exigências metodológicas eram
incompatíveis com o espírito estritamente erudito e nacionalista da Academia” e, de outro, por impulso de
caráter, “ele preferia fazer história a escrevê-la; modificar o curso dos acontecimentos a narrá-los”.
CORTESÃO, J. Alexandre de Gusmão e o Tratado de Madrid. Lisboa: Livros Horizonte, 1984, p. 403,
vol. II. José Honório Rodrigues chega a afirmar que sua obra como historiador seria uma pálida imagem