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No campo dos humores, Possenti assim contextualiza a ambiguidade:
A afirmação segundo a qual o humor critica é muito parcial. O
humor nem sempre é progressista. O que caracteriza o humor é muito
provavelmente o fato de que ele permite dizer alguma coisa mais ou menos
proibida, mas não necessariamente crítica, no sentido corrente, isto é
revolucionária, contrária aos costumes arraigados e prejudiciais. O humor
pode ser extremamente reacionário, quando é uma forma de manifestação
de um discurso veiculador de preconceitos, caso em que acaba sendo
contrário a costumes que são, de alguma forma, bons, ou pelo menos,
razoáveis, civilizados, como os tendentes ao igualitarismo, sem dúvida
melhores que os seus contrários. Como dizer que o humor é crítico, nesses
casos?
Para dar exemplos bem claros, espero que ninguém ache
progressista o humor machista e racista que se pratica em um programa
como A PRAÇA É NOSSA. (1998: 49, grifo do autor)
Nem todo humor é revolucionário, rebelde, contestador, questionador de
valores vigentes. Há uma ambiguidade humorística na gíria da diversidade sexual.
Pensemos em top: o homossexual masculino viril, másculo, ativo é privilegiado, é
positivamente valorado. No contexto da homossexualidade masculina, ao efeminado
é contraposto o masculinizado, que é exaltado. “Como dizer que o humor é crítico”,
nesse caso?
No tocante ao riso, podemos assim situar a sua ambiguidade:
Estudado com lupa há séculos, por todas as disciplinas, o riso
esconde o seu mistério. Alternadamente agressivo, sarcástico,
escarnecedor, amigável, sardônico, angélico, tomando as formas da ironia,
do humor, do burlesco, do grotesco, ele é multiforme, ambivalente,
ambíguo. Pode expressar tanto a alegria quanto o triunfo maldoso, o
orgulho ou a simpatia. É isso que faz sua riqueza e fascinação ou, às vezes,
seu caráter inquietante, porque, segundo escreve Howard Bloch, “como
Merlin, o riso é um fenômeno liminar, um produto das soleiras, ... o riso está
a cavalo sobre uma dupla verdade. Serve ao mesmo tempo para afirmar e
para subverter”. Na encruzilhada do físico e do psíquico, do individual e do
social, do divino e do diabólico, ele flutua no equívoco, na indeterminação.
Portanto, tem tudo para seduzir o espírito moderno.
Fenômeno universal, ele pode variar muito de uma sociedade para
outra, no tempo ou espaço. (Minois, 2003: 15-6)
Considerando que todas essas ambiguidades ocorrem simultaneamente
numa situação de fala que envolva falantes que integram o grupo da diversidade
sexual, o tom predominante na prática discursiva, capaz de coadunar esses
fenômenos ambivalentes, será o tom irônico, pois, segundo Brait,
a ironia pode ser enfrentada como um discurso que, por meio de
mecanismos dialógicos, se oferece basicamente como argumentação direta