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Tanto o verso livre, como a associação livre, submetem-se ao processo de
fragmentação – de quebra, de ruptura e de deslocamento – do sonho, do
verso, da linguagem, da unidade aparente, mas enganosa, da sintaxe e do
sentido. A passagem por esta fragmentação é a passagem por uma
obscuridade radical (2000, p. 36).
Felman conclui o trecho dedicado ao poeta simbolista pormenorizando a ideia
formulada em torno da figura da testemunha, amplificando sua abrangência ao ponto
de incluir a performance poética de Mallarmé nessa categorização:
Tanto no caso de Mallarmé, como no de Freud, o que constitui a
especificidade da figura inovadora da testemunha é, de fato, não apenas o
simples relatar, não o simples fato de reportar o acidente, mas a disposição
da testemunha para tornar-se, ela mesma, meio para o testemunho – e o
meio para o acidente – em sua convicção inabalável de que o acidente,
formal ou clínico, carrega uma importância histórica que ultrapassa o
indivíduo e que não é, portanto, de fato, trivial, apesar de sua idiossincrasia.
O que constitui a novidade e radicalidade da performance poética – e
psicanalítica – de um testemunho, que é ao mesmo tempo “surpreendente” e
profundo, é, em outras palavras, não apenas a inescapabilidade da vocação
da testemunha, uma vez que o acidente a persegue, mas precisamente a
prontidão da testemunha para perseguir o acidente, para perseguir
ativamente seu caminho e seu percurso através da obscuridade, através da
escuridão e através da fragmentação, sem compreender exatamente toda a
abrangência e significados de suas implicações, sem prever inteiramente
para onde leva a jornada e qual seria a natureza precisa de seu destino final
(2000, p. 36-37).
Seguindo o viés da expansão do conceito de testemunha, Jeanne Marie Gagnebin,
no artigo “Memória, História e Testemunho”, publicado na coletânea Memória e
(res)sentimento: indagações sobre uma questão sensível (2004), discute o fim da
narração tradicional com base em dois textos de Walter Benjamin, “Experiência e
pobreza” e “O narrador”. Após refletir sobre os dois trabalhos do filósofo alemão, a
autora cita a figura de narração do sonho de Primo Levi: sua volta para casa após
Auschwitz é ofuscada pela indiferença dos ouvidos que levantam e vão embora,
protagonizando o “simples” ato de não escutar o relato do horror vivido e passado
por ele no campo de concentração. Gagnebin, então, passa a criticar, a partir da
perspectiva de uma exacerbação do caráter testemunhal, o que chama de abusos
da memória, quando nos discursos persistem uma fixação ao passado e a
incapacidade de bem viver o presente, assim criando uma identificação quase
patológica com os papéis do algoz e da vítima, nesse caso de um massacre, a
Shoah, quando, muitas vezes, passam distantes da herança de tal atrocidade. Para
justificar seu texto sem que caia nas malhas da fixação e da identificação – a autora