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Não desses que fazem versos, mas dos que sentem a poesia sutil das
coisas. Compusera, sem o saber, um maravilhoso poema onde cada
plantinha era um verso que só ele conhecia, verso vivo, risonho ao reflorir
anual da primavera, desmedrado e sofredor quando junho sibilava no ar
os látegos do frio. O jardim tornara-se a memória viva da casa. Tudo nele
correspondia a uma significação familiar de suave encanto (...) O canteiro
principal consagrava-o Timóteo ao “Sinhô-velho”, tronco da estirpe e
generoso amigo que lhe dera carta d’alforria muito antes da Lei Áurea.
(...) O canteiro de Sinhazinha era de todos o mais alegre, dando bem a
imagem de um coração de mulher rico de todas as flores do sentimento.
Sempre risonho, tinha a propriedade de prender os olhos de quantos
penetravam no jardim (p. 51-53)
O pé de flor-de-noiva, primeira “planta séria” ali brotada, marcou o dia em
que foi pedida em casamento. Até então só vicejavam nele flores alegres
de criança: - esporinhas, bocas-de-leão, “borboletas”, ou flores amáveis
da adolescência – amores-perfeitos, damas-entre-verdes, beijos-de-
frade, escovinhas, miosótis.
Quando lhe nasceu, entre dores, o primeiro filho, plantou Timóteo os
primeiros tufos de violeta.
- Começa a sofrer...
E no dia em que lhe morreu esse malogrado botãozinho de carne rósea,
o jardineiro, em lágrimas, fincou na terra os primeiros goivos e as
primeiras saudades. (...) as alegres damas-entre-verdes cederam o lugar
aos suspiros roxos (...) (p.53)
Timóteo compunha os anais vivos da família, anotando nos canteiros, um
por um, todos os fatos dalgumas significações. (...) Registrava tudo.
Incidentes corriqueiros, pequenas rusgas de cozinha, um lembrete azedo
dos patrões, um namoro de mucama, um hóspede, uma geada mais
forte, um cavalo de estimação que morria – tudo memorava ele, com
hieróglifos, em seu jardim maravilhoso. (p.53-54)
Nos exemplos acima, observamos que o jardineiro tece um registro de todos os
acontecimentos da vida social, afetiva e cotidiana das pessoas da fazenda. A arte de
cultivar jardim é feita ao longo do tempo e em toda cultura. Temos registro deste cultivo
desde as citações bíblicas de promessas do Paraíso até os dias modernos. Com relação
aos povos que fazem esta fertilização, temos notícias deste cultivo entre os habitantes
tanto do Ocidente quanto do Oriente, onde cada flor tem sua própria linguagem e
simbologia. (Chevalier e Gheerbrant, 1998, p.512-515 )
Contemporaneamente, as rosas estão presentes em todas as ocasiões, sejam
elas tristes ou alegres. Presentear pessoas com essa peça da natureza demonstra
delicadeza da alma. O personagem central do conto analisado não apenas presenteia nos
momentos especiais, mas em toda e qualquer circunstância, desde um simples recado à