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1
UniversidadedoEstadodoRiodeJaneiro
CentrodeEducaçãoeHumanidades
FaculdadedeEducação
LincolndeAraújoSantos
Entreautopiaeolabirinto:
Democraciaeautoritarismonopensamentoeducacionalbrasileiro
dosanosde1980
RiodeJaneiro
2010
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Livros Grátis
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Milhares de livros grátis para download.
2
LincolndeAraújoSantos
Entreautopiaeolabirinto:
Democraciaeautoritarismonopensamentoeducacionalbrasileiro
dosanosde1980
Tese apresentada, como requisito parcial para
obtençãodo título de Doutor, ao Programade
PósGraduação em Políticas Públicas e
FormaçãoHumana,daUniversidadedo Estado
do Rio de Janeiro. Área de concentração:
FormaçãoHumanaeCidadania.
Orientadora:Prof.
a
Dra.VanildaPereiraPaiva
RiodeJaneiro
2010
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3
CATALOGAÇÃONAFONTE
 UERJ/REDESIRIUS/BIBLIOTECACEH/A
Autorizo,apenasparafinsacadêmicosecientíficos,areproduçãototalouparcialdestatese.
______________________________________________________________
AssinaturaData
S237 Santos,LincolndeAraújo.
Entre a utopia e o labirinto : democracia e autoritarismo
no pensamento educacional brasileiro dos anos de 1980 /
LincolndeAraújoSantos.‐2010.
254f.
Orientadora:VanildaPereiraPaiva.
 Tese(Doutorado)UniversidadedoEstadodoRiode
Janeiro.FaculdadedeEducação.
1.Educação‐FilosofiaTeses.2..Autoritarismo‐Brasil
Teses.3.Brasilpolíticaegoverno19641985Teses.4.
DemocraciaTeses.I.Paiva,VanildaPereira.II.Universidade
doEstadodoRiodeJaneiro.FaculdadedeEducação.III.
Título.
dc CDU37.01(81)
4
LincolndeAraújoSantos
Entreautopiaeolabirinto:
Democraciaeautoritarismonopensamentoeducacionalbrasileirodosanosde1980
Tese apresentada, como requisito parcial
para obtenção do título de Doutor, ao
Programa de PósGraduação em Políticas
Públicas e Formação Humana, da
Universidade do Estado
do Rio de Janeiro.
Área de concentração: Formação Humana e
Cidadania.
Aprovada em 22 de junho de 2010.
Banca Examinadora:
________________________________________________
Prof
a
.Dr
a
.VanildaPereiraPaiva(Orientadora)
ProgramadePósGraduaçãoemPolíticasPúblicaseFormaçãoHumanaPPFHUERJ
____________________________________________
Prof
o
.Dr
o
.
AdrianodeFreixo
ProgramadePósGraduaçãoemEstudosEstratégicosDepartamentodeCiênciaPolíticaUFF
_____________________________________________
Prof
o
.Dr
o
.
AlvarodeOliveiraSenra
CentroFederaldeEducaçãoTecnológicaCeolsoSuckowdaFonseca
_____________________________________________
Prof
a
.Dr
a
.AnaChrystinaVenâncioMignot
FaculdadedeEducação‐UERJ
_____________________________________________
Prof
o
.Dr
o
.
JoãoTrajanodeLimaSento
CentrodeCiênciasSociais‐UERJ
RiodeJaneiro
2010
5
DEDICATÓRIA
ÀDanteeEunice
6
7
AGRADECIMENTOS
Desejo agradecer às pessoas e instituições que foram importantes na caminhada que
percorrinotranscorrerdodoutoramento:
AgradeçosinceramenteàLidia,Hugo,DanielaeSônia‐minhafamília,pelacompreensãoaos
tempos de isolamento e mergulho na elaboração, pesquisa e redação desta Tese. Minha família,
hoje, razão
e principal fonte e estímulo para que eu ainda tenha forças e esperança na vida e no
ofícioqueescolhiparamarcaraminhaexistência.
Aos meus professores da Faculdade de Educação da Baixada Fluminense, a antiga UERJ
CAXIAS, e que foram os motivadores para que eu desenvolvesse o
objeto de estudos desta tese:
Paulo Crhistiano Mainhard, Renato Zambrotti, AnaCrhystina Venâncio Mignot, Delfina de Almeida,
TerezaCristinaYdalgodeBrito,GelsonDalvi,IcleaLagesdeMelo.
AoInstitutoMetodistaGranbery,deJuizdeFora‐MG,quemeconcedeupossibilidadespara
quepudessecumprirestaetapaemminhaformação
acadêmica.AoProgramadePósGraduaçãoem
Políticas Públicas e Formação Humana PPFH, pela convivência com docentes, pesquisadores e
colegas.AoBennettquemeforjoucomoprofessor.
Aosamigos eirmãos JoãoBértalo Alvese Livingstonedos Santos Silva, exemplos de ética e
compromissopolítico comaeducação, aos
professoresDrs.LyndondeAraújoSantos,AlvaroSenra,
AdrianodeFreixo, VeraCalheiros,pelodiálogopermanentenoaprimoramentodoobjetodeestudos
desenvolvidonaTese.
AoprofessorDermevalSavianipelagentilezaemrecebermenumafriamanhãemCampinas
e na UNICAMP quando conversamos sobre os anos 80 e sua importância
para o pensamento
educacionalbrasileiro.
MeuagradecimentoespecialàprofessoraDra.VanildaPereiraPaivaquemeacompanhouno
transcorrer destes últimos três anos. Levo comigo, antes da titulação possível, o prazer de ter sido
orientadopelaprofessoraVanilda.
8
Nãodeixeosolmorrer,erraréaprender,viverédeixarviver.
(BarãoVermelho)
Sãoosdoisladosdamesmaviagem.Otremquechega,éomes modapartida.Aplataformadesta
estaçãoéavidadessemeulugar...
(MiltonNascimento
/FernandoBrant1985)
Querotrazeràmemóriaoquemepodedaresperança.
(Lamentações3:21)
9
RESUMO
SANTOS,LincolndeAraújo.Entreautopiaeolabirinto:democraciaeautoritarismo nopensamento
educacional brasileiro dos anos de 1980. 2010. 260 f. Tese (Doutorado em Políticas Públicas e
Formação Humana) Faculdade de Educação, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de
Janeiro,
2010.
A formação do pensamento social e educacional brasileiro a partir dos estudos sobre as
matrizes do ideário autoritário concebido no transcorrer da República Brasileira. O Histórico da
Universidade no Brasil e a identificação de uma linhagem de intelectuais, suas filiações político
doutrinárias e que formularamo pensamento social brasileiro,
suasvisões de mundodiante de um
projetonacional dedesenvolvimento.Amodernizaçãorealizada pelo alto,expressãoqueresumiu a
presença das elites políticas quando pensaram o país, reflexão permanente como princípio e ação
políticanotranscorrerdaRepúblicaBrasileira.O regime civilmilitareaimposiçãodeumaordem
e
mentalidade que conduziram o país a mais uma etapa de autoritarismo, seus desdobramentos na
legislaçãoeducacionalquedefiniramapolíticadepósgraduaçãoaofinaldosanosde1960.Osanos
de1980,o cenáriodetransiçãonegociadaentre oregime civilmilitareopodercivilnumambiente
de
forte presença de uma sociedade civil em ascensão pela defesa da democracia. A educação
brasileira vista numa perspectiva de um elenco de intelectuais educadores que constituíram um
consenso teóricometodológico pautado num marxismo eclético e determinando um olhar
interpretativodiantedaescolaedosconceitosdedemocraciaeparticipação.
Palavraschave: República. Democracia. Autoritari smo. Intelectuais. Pensamento Educacional
Brasileiro.
10
ABSTRACT
The formation of Brazilian social and educational thought from the studies about the
matrixes of the authoritarian ideas conceived during the Brazilian Republic. The History of the
University in Brazil and the identification of a lineage of intellectuals, their political doctrine
affiliationsthatformulatedtheBraziliansocialthought,theirworldviews
beforeanationalprojectof
development.Themodernizationperformedbythehigherpositions,expressionthatsummarizedthe
presenceofpoliticalelitewhenthecountrywasthoughtof,aper manentreflectionasaprincipleand
thepoliticalactionsduring the Brazilian Republic.Thecivilmilitaryregimeandthe impositionof an
orderand mentalitywhich led thecountrytoa new phase of authoritarianism,itsdevelopments in
the educational legislations that defined the policies of postgraduation courses at the end of the
1960s.The1980swerethesceneryoftransitionbetweenthecivilmilitaryregimeandthecivilpower
at
an atmosphere of strong presence ofa civil society growing towards the defense of democracy.
Brazilianeducationisseenfromaperspectiveofagroupofintellectualseducatorsthatcontributed
to a methodological and theoretical consensus based on eclectic Marxism and that determined an
interpretivelookbeforetheschooland
theconceptsofdemocracyandparticipation.
Keywords:Republic.Democracy.Authoritarianism.Intellectuals.BrazilianEducationalThought.
11
LISTADEABREVIATURASESIGLAS
ABE AssociaçãoBrasileiradeEducação
AI5 AtoInstitucional5
AIB AçãoIntegralistaBrasileira
AID AgencyforInternationalDevelopment
AIE AparelhoIdeológicodeEstado
ALN AliançaLibertadoraNacional
ANDE AssociaçãoNacionaldeEducação
ANPED AssociaçãoNacionaldePedagogia
AP AçãoPopular
ARENA
AliançaRenovadoraNacional
BNDES BancoNacionaldeDesenvolvimentoEconômico
CAPES CoordenaçãodeAperfeiçoamentodePessoaldeNivelSuperior
CBE ConferênciaBrasileiradeEducação
CBPE CentroBrasileirodePesquisasEducacionais
CDU ChistlischeDemokratischeUnion
CEBRADE CentroBrasilDemocrático
CEBRAP CentroBrasileirodeAnáliseePlanejamento
CEBs ComunidadesEclesiaisdeBase
CEDEC CentrodeEstudosdeCulturaContemporânea
CEDES CentrodeEducaçãoeSociedade
12
CELADE CentroLatinoamericanoyCaribeñodeDemografía
CEPAL ComissãoEconômicaParaaAméricaLatina
CFE ConselhoFederaldeEducação
CIAS CentroJoãoXXIIIdeInvestigaçãoeAçãoSocial
CIEP CentroIntegradodeEducaçãoPública
CLAPCS CentroLatinoAmericanodeCiênciasSociais
CNBB ConfederaçãoNacionaldosBisposBrasileiros
CRUB
ConselhodeReitoresdasUniversidadesBrasileiras
DAU DepartamentodeAssuntosUniversitários
DF DistritoFederal
DNE DiretórioNacionaldosEstudantes
DOPS DepartamentodeOrdemPolíticaeSocial
DSN DoutrinadeSegurançaNacional
ELSP EscolaLivredeSociologiaePolítica
ESG EscolaSuperiordeGuerra
FAO FoodandAgricultureOrganization
FAPESP Fundaçãode
AmparoàPesquisadoEstadodeSãoPaulo
FFCL FaculdadedeFilosofia,CiênciaseLetras
FFLCH FaculdadedeFilosofia,LetraseCiênciasHumanas
FKA FundaçãoKonradAdenauer
FLACSO FaculdadeLatinoamericanadeCiênciasSociais
FMI FundoMonetárioInternacional
13
FNFi FaculdadeNacionaldeFilosofia
FPN FrenteParlamentarNacionalista
GTRU GrupodeTrabalhodaReformaUniversitária
IBASE InstitutoBrasileirodeAnálisesSociaiseEconômicas
IBESP InstitutoBrasileirodeEconomia,SociologiaePolítica
IBF InstitutoBrasileirodeFilosofia
IBRADES InstitutoBrasileirodeDesenvolvimento
ICES InstitutoCatólicodeEstud osSuperiores
IESAE InstitutodeEstudosAvançadosemEducação
IFCS InstitutodeFilosofiaeCiênciasSociais
ILADES InstitutoLatinoAmericanodeDesenvolvimento
INEP InstitutoNacionaldeEstudosePesquisasEducacionaisAnísioTeixeira
ISEB InstitutoSuperiordeEstudosBrasileiros
JEC JuventudeEstudantilCatólica
JK JuscelinoKubitschek
JOC JuventudeOperáriaCatólica
JUC JuventudeUniversitáriaCatólica
LDB LeideDiretrizeseBasesdaEducaçãoNacional
MCP MovimentodeCulturaPopular
MDB MovimentoDemocráticoBrasileiro
MEB MovimentodeEducaçãodeBase
MEC MinistériodeEducaçãoeCultura
14
MOBRAL MovimentoBrasileirodeAlfabetização
NOVA Pesquisa,AssessoramentoeAvaliaçãoemEducação
ONU OrganizaçãodasNaçõesUnidas
PCdoB PartidoComunistadoBrasil
PCB PartidoComunistaBrasileiro
PDS PartidoDemocráticoSocial
PDT PartidoDemocráticoTrabalhista
PEE ProgramaEspecialdeEducação
PMDB PartidodoMovimentoDemocráticoBr asileiro
PSB
PartidoSocialistaBrasileiro
PT PartidodosTrabalhadores
PTB PartidoTrabalhistaBrasileiro
PUC PontifíciaUniversidadeCatólica
TFP Tradição Família ePropriedade
UDF UniversidadedoDistritoFederal
UFMG UniversidadeFederaldeMinas Gerais
UFRJ UniversidadeFederaldoRiodeJaneiro
UME UniãoMetropolitanadeEstudantes
UnB Universidade deBrasília
UNE UniãoNacionaldos
Estudantes
UNESCO UnitedNationsEducational,Scientific andCulturalOrganization
UNICAMP UniversidadedeCampinas
15
UNIMEP UniversidadeMetodistadePiracicaba
URSS UniãodasRepúblicasSocialistasSoviéticas
USP UniversidadedeSãoPaulo
16
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO....................................................................................................
13
1
INTELECTUAISEOPENSAMENTOSOCIALEEDUCACIONALNAREPÚBLICA
.........................................................................................................
17
1.1
OEstadoRepublicano,oRiodeJaneiroeaCidadaniaqueFaltou.................
18
1.2
ReflexõesSobreoPensamentoSocialeEducacionalnoBrasileSuasMatrizes
Autoritárias............................................................................................
23
1.3
Nacionalismo‐AutoritarismoesuasContradições...........................................
42
1.4
EntreosAnosde19501960:DaAnáliseCríticadaRealidadeBrasileiraao
NacionalismoDesenvolvimentista........................................................................
47
1.5
FlorestanFernandeseaLeituraCríticadaRealidadeBrasileira...................
49
1.5.1
PensamentoEducacionaleMilitânciaPolíticadeFlorestan
...................................
56
1.6
OInstitutoSuperiordeEstudosBrasileiros(ISEB)eoNacionalismo
Desenvolvimentista...............................................................................................
59
1.6.1
PensamentoSocialePolíticodoISEBeaUtopiadoDesenvolvimentismo
..........
61
1.7
DarcyRibeiro:Nacionalismo‐ExaltaçãoeaUtopiaCivilizatória..................
68
1.7.1
UtopiaeExaltaçãonaFormaçãoaoPovoBrasileiro
.............................................
73
1.7.2
AIdealizaçãodoMestiçoeaInterrupçãodoProcessoCivilizatório
.....................
80
2
APRÁXISAUTORITÁRIA:AFORMAÇÃODOSINTELECTUAISNORIODEJANEIRO,O
PENSAMENTOMILITARDE1964EAREFORMAUNIVERSITÁRIADE1968
..........................................................
83
2.1
Universidade,PensamentoAutoritárioeaFormaçãodosIntelectuais
noRiodeJaneiro...................................................................................................
83
2.2
OPensamentoMilitarBrasileiro:1964,A
EscolaSuperiordeGuerraea
DoutrinadeSegurançaNacional.........................................................................
95
17
2.3
IgrejaePensamentoSocial:ContradiçõesentreIntelectuaiseosCatolicismos
...........................................................................................................
105
2.3.1
PensamentoTeológicoeSocialdeHenriqueVazeBastosD’Ávila
......................
111
2.4
AConvergênciaAutoritária:PensamentoSocialeEducacionalnaCrise
PolíticaCivilMilitar:IntelectuaiseaReformaUniversitárianaDécadade1960
.........................................................................................................................
116
2.4.1
AntecedentesnosdebatesSobreaReforma:Estado,InstituiçõeseaLei 5.540
....
116
2.5
OMovimentode1968:AmbientePolíticoeosContrapontosdaLei5.540....
131
18
2.6
TecendoAsRedesdeIntelectuais‐EntreoConsentimentoeaRejeição:
OPensamentoSocialeEducacionaldeNewtonSucupiraeDurmevalTrigueiro
Mendes(19601970).............................................................................
140
2.7
NewtonSucupiraeoPrimadodaOrdemedaHierarquianaEducação........
144
2.8
DurmevalTrigueiroMendese
aCríticaaoTecnicismonaEducaçãoBrasileira
................................................................................................................
152
3
ADÉCADADE1980:OPENSAMENTOSOCIALEEDUCACIONALNOBRASILERIODE
JANEIRO...........................................................................
160
3.1
OCenárioPolíticodaDécadade1980................................................................
160
3.2
ORiodeJaneiroRecebeosIntelectuais:1980eaReconstruçãodas
RedesdeApoio
Mútuo.....................................................................................................
167
3.3
Utopia,MilitânciaeoPensamentoEducacionalBrasileiro1980..................
174
3.4
IntelectuaiseoConsensoTeóricoMetodológiconaLeituraSobreAEducação
BrasileiraAConstruçãodoLabirinto............................................
186
3.5
AMatrizdoConsenso:InfluênciasdeDermevalSavianiaoPensamento
Educacional
Brasileironosanosde1980............................................................
198
3.6
PauloFreire,ONacionalismoDesenvolvimentistaeosDebatessobrea 
EducaçãoPopular.................................................................................................
205
3.7
HerbertdeSouza:AIdealizaçãodaSociedadeCivil:UmContrapontoà
TransiçãodoEstadoAutoritário.........................................................................
217
3.8
EntreaMilitânciaeo“Fazimento”:FlorestanFernandese
DarcyRibeiroentreos
Anosde1980............................................................................................
218
3.9
EntreoConsenso,aArmadilhaeoLabirintoTeóricoMetodológico.............
226
CONSIDERAÇÕESFINAIS:Entreutopiaselabirintos...ReflexõespósTese..
231
REFERÊNCIAS...................................................................................................
242
19
Introdução
O objeto de estudo desenvolvido neste trabalho começou a ser concebido em meados
da década de 1980, quando do meu ingresso na graduação do curso de pedagogia de uma
unidade acadêmica da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ, que funcionava no
Instituto de Educação Roberto da Silveira, município de Duque de Caxias, na Baixada
Fluminense. Naquele momento o curso passava por uma crise de identidade por alguns
motivos, sendo que o principal deles era a falta de posicionamento da gestão universitária em
estabelecer na Baixada Fluminense a presença da UERJ e um projeto de expansão numa
política acadêmica para a região. Outra razão que resultou esta crise foi a própria identidade
do curso de graduação, a inexistência de um projeto pedagógico que viesse a ser historicizado,
antenado às repercussões e movimentos sociais que se manifestavam simultaneamente entre
os anos de 1980.
Enquanto o país, o Rio de Janeiro e especialmente o município de Duque de Caxias
vivenciavam uma explosão de sentimentos, anseios voltados à redemocratização da
sociedade, organização e ascensão dos movimentos sociais, o currículo do curso de pedagogia
reproduzia os princípios da ideologia educacional concebida pelo regime civil-militar
(tecnicista e a-histórico). O embate entre a impressão deste tempo, congelado em saberes
impostos e a efervescência de um otimismo político diante da “democracia” que se
apresentava fez com que um grupo de docentes, somados ao ativismo de um movimento
estudantil marcante neste período da “UERJ-Caxias”, criasse um ambiente de debates,
proposições em defesa da autonomia universitária do curso, a defesa em relação à escola
pública e a democratização das relações internas da universidade. A fuga estratégica ao
estabelecido, ao formal e oficial, criou um campo político que desenvolveu práticas
pedagógicas a partir das reflexões que se atualizavam na concepção do pensamento crítico-
social diante dos dilemas nacionais e, especialmente, a revisão da questão educacional e o seu
papel fundamental à nova conjuntura política brasileira no ambiente político que surgia.
A ação do campo político no curso de pedagogia da “UERJ-Caxias” trouxe para o
interior da instituição os debates e princípios que pautavam a nova agenda sobre a educação
no país. A partir das reflexões de uma pedagogia progressista e de um novo pensamento
social e educacional brasileiro, ali estavam intelectuais que realizavam uma (re)leitura do país
através dos estudos sobre a educação, na filosofia, na política, gestão educacional, dentre eles
20
Dermeval Saviani e sua clássica obra “Educação: Do Senso Comum à Consciência
Filosófica”; Neidson Rodrigues e os estudos sobre a educação e o poder; Libâneo e suas
análises diante da “pedagogia crítico-social dos conteúdos”, Moacir Gadotti e suas reflexões
diante da filosofia da educação e a sua “Concepção Dialética da Educação”, dentre muitos
outros. A inquietação em buscar as razões deste processo que trouxe ao meio acadêmico as
expectativas diante da redemocratização do país, em um tempo marcado pela esperança na
política, na defesa de uma agenda educacional, levou-me, neste tempo-espaço de pouco mais
de vinte anos, tentar entendê-lo desenvolvendo um olhar crítico diante deste tempo passado
em seu pensamento e seus intelectuais.
Perceber então como os ideais do pensamento social e educacional da década de 1980,
suas matrizes epistemológicas e, mais do que isto, entender historicamente a presença destas
ideias na transição entre os regimes políticos no país, fez com que se buscasse recolher as
peças deste jogo, onde instituições, pessoas, verdadeiras redes de apoio mútuo fizessem uma
leitura brasileira a partir dos parâmetros de um marxismo eclético tentando explicar o país e
sua educação. Nesta perspectiva, o presente trabalho pretende buscar os vínculos históricos
entre as matrizes do pensamento social brasileiro e o seu caráter autoritário, expressão
também presente na educação. Das hipóteses que levanto neste trabalho afirmo que o tempo
da experiência republicana no país não foi o suficiente para a inauguração de uma tradição
1
democrática, de seus valores e práticas sendo apropriados culturalmente pela sociedade,
desenvolvendo na própria sociedade uma cultura autoritária de convivência. Para então
centrar a análise do pensamento educacional brasileiro entre os anos de 1980 busquei
desenvolver uma ponte entre o pensamento social autoritário, as leituras sobre o Brasil e a
intelectualidade, suas filiações políticas e filosóficas no campo das ciências sociais.
Um dos propósitos deste trabalho é o de se perceber os fios condutores do pensamento
social e educacional identificando, através da biografia dos intelectuais, suas trajetórias e a
repercussão de suas ideias. O marco inicial das Universidades entre o eixo Rio-São Paulo
representou as redes que se constituíam na propagação de ideias que, mesmo com sinais
libertários, estavam apropriadas pela cultura do autoritarismo republicano. Ao estabelecer este
roteiro, proveitoso que é aos estudos relativos ao pensamento educacional dos anos de 1980,

1
Para Hobsbawn (1997), a invenção de uma tradição se estabelece ou simboliza “uma coesão social e a condição
de admissão de grupo ou comunidades reais ou artificiais (...). Legitimam instituições, status ou relações de
autoridade (...)”. HOBSBAWM, Eric. A Invenção das Tradições. RJ, Editora Paz e Terra.
21
cabe observar o que permaneceu de cultural, institucional e politicamente em um tempo
histórico importante ao país. As ideias não surgem alheias ao seu tempo histórico, são produto
das impressões pessoais de quem as concebe, fruto das inferências políticas e interpessoais
que são tramadas entre os cenários institucionais.
A intenção de se organizar as categorias teóricas que embasaram este trabalho nos
conceitos aplicados sobre o intelectual e sua formulação aos projetos nacionais de
desenvolvimento e os princípios que nortearam suas reflexões, a importância de se retratar o
Rio de Janeiro no início do século XX e a inauguração republicana a partir dos estudos de
José Murilo de Carvalho descrevendo as dimensões do ideário de participação e democracia e
as contradições relativas à imposição, através do novo regime, de um modelo político
estranho à cultura da sociedade. Estes elementos comporão o I Capítulo, no estudo da
natureza do Estado na perspectiva de Wanderley Guilherme dos Santos, Renato Lessa e as
incongruências do novo que nasce velho, dilema brasileiro nas transições que ocorreram no
período republicano. Ainda no desenvolvimento do I Capítulo, analiso uma linhagem de
intelectuais oriundos de matriz autoritária onde Alberto Torres, Tavares Bastos, Oliveira
Vianna, Azevedo Amaral, Francisco Campos e Gustavo Capanema foram propagadores de
um projeto nacional em que o centro de poder do Estado era considerado o condutor do
moderno, alheio às vontades e necessidades sociais. A discussão sobre o caráter do
liberalismo enquanto concepção político-filosófica e que se aplicou às contradições da política
nacional é apresentada a partir de Luiz Werneck Vianna de forma a concluir que a
modernização que se estabelece no período republicano é o da “modernização feita pelo alto”.
No II Capítulo estudo a formação dos intelectuais, seus pensamentos sociais
entrelaçados ao desenvolvimento das instituições universitárias. Neste caso, as figuras de
Florestan Fernandes e Darcy Ribeiro, ambos forjados pela cultura institucional uspiana, são
singulares para percebermos a evolução das ciências sociais no país, até porque, como
intelectuais e militantes políticos, ambos foram protagonistas, com atuações distintas e ativas,
nos discursos e projetos educacionais nos anos de 1980. Além das universidades, os núcleos
privados de pesquisa também foram importantes para a ampliação de redes de intelectuais e a
exposição de ideias diante das questões nacionais. No lastro de se identificar a passagem de
um pensamento autoritário republicano no transcorrer de sua própria história, o II Capítulo
também acentua o ideário militar sob o impacto de 1964, suas doutrinas, intelectuais e a
produção de uma legislação que indicou as reformas educacionais da pós-graduação no país,
22
pois a formação dos intelectuais que atuaram como referências entre os anos de 1980 são
originários da reforma de 1968 e dos cursos que nos anos de 1970 definiriam a formação de
mestres e doutores no país. Assim, analisar os sentidos entre o pensamento autoritário e os
intelectuais orgânicos do regime civil-militar, sublinha a necessidade primeira em reunir as
peças do jogo político concebidas historicamente.
O estudo referente ao período dos anos de 1980 e a mentalidade que se produz na área
educacional estará presente no Capítulo III quando apresento as convergências de um
pensamento social e educacional constituído no transcorrer do período republicano brasileiro.
Neste Capítulo, o objetivo é o de buscar os nexos entre as ideias concebidas em décadas
anteriores, suas permanências e rejeições por aqueles intelectuais que pensaram os novos
rumos da educação nacional numa conjuntura de transição política. Mais uma vez, o
acompanhamento da trajetória de intelectuais, principalmente daqueles que retornaram ao país
retomando suas vidas profissionais e auxiliando a sociedade na percepção do novo quadro
político nacional, serviu de análise e desenvolvimento do tema desenvolvido. A rede de apoio
mútuo, tradição entre os intelectuais que se aproximavam uns dos outros como alternativas de
sobrevivência intelectual e de projeto político, foi retomada como formas de se propagarem
atos políticos em defesa da democracia, através de cursos e palestras, verdadeiros atos em
oposição à ditadura. No campo da reflexão sobre a educação, consolidou-se uma geração de
intelectuais que problematizaram a questão educacional do país por um prisma singular, num
consenso teórico-metodológico pautado num marxismo eclético. A década de 1980 e o seu
pensamento educacional, suas perspectivas de renovação, foram expressões de um tempo
onde a utopia-esperança num projeto político nutriu dialeticamente um labirinto – “caminho
sem saída” em condicionantes que se repetiram no transcorrer deste tempo republicano.
23
CAPÍTULO I
Intelectuais e o Pensamento Social e Educacional na República
O presente trabalho visa entender como, na conjuntura da década de 1980, do século
XX, intelectuais e as instituições sociais constituíram o pensamento social e educacional
brasileiro e os debates em torno dele. Considerando a importância dos atores sociais da
década de 1980 e a relevância deste período, principalmente no processo de redemocratização
do país, na transição negociada, consensuada entre militares e setores civis da elite brasileira,
este trabalho se propõe a analisar as ideias que pautaram o debate relativo aos projetos
educacionais no país. Pretendo identificar então, nos discursos destes atores, os projetos e
suas matrizes intelectuais, suas formulações diante das possibilidades que a década de 1980
apresentou, analisando estas narrativas e seus intérpretes da realidade nacional – elementos
importantes que elegeram a educação como fundamento para a transformação social,
construindo os nexos possíveis entre os ideários propostos, num esforço de articular estes
projetos no contexto político e social do país. Ao estudar estes atores a intenção é de conceber
a categoria intelectuais de forma ampla, sendo que estes atores sociais, com responsabilidades
de pensar a realidade social e educacional brasileira.
O entendimento gramsciano do intelectual orgânico
2
, aquele comprometido ética e
historicamente com um projeto político de poder, no qual se apresenta como intérprete dos
ideais da instituição que representa, servirá como referência metodológica. Este intelectual e
sua visão-de-mundo, sua concepção de poder, de sociedade e de educação deve ser percebido
a partir de uma rede de ideologias, pois não interessará o foco do discurso isolado, mas a
família
3
das matrizes intelectuais que fomentaram tais projetos. A definição do intelectual
como ator-sujeito no quadro social da década de 1980 passa por se entender que a sua
atividade tem significado relevante na sociedade. Na tentativa de se configurar este
intelectual, MICELI (2001) nos auxilia na busca da identidade daqueles que atuam como

2
“É muito ampla a categoria dos intelectuais orgânicos, isto é, dos intelectuais nascidos no mesmo terreno
industrial do grupo econômico; porém, na esfera mais elevada, encontramos conservada a posição de quase
monopólio da velha classe agrária, que perde a supremacia econômica, mas conserva por muito tempo uma
supremacia político-intelectual, sendo assimilada como intelectuais tradicionais... O modo de ser do novo
intelectual não pode mais consistir na eloqüência, motor exterior e momentâneo dos afetos e das paixões, mas
numa inserção ativa na vida prática, como construtor, organizador, “persuasor permanente”... chega à técnica –
ciência e à concepção humanista histórica, sem a qual permanece “especialista” e não se torna “dirigente”
(especialista + político).” (GRAMSCI: 2006: 28 e 53).
3
Em Linhagens do Pensamento Político Brasileiro (2007), Gildo Marçal Brandão discute a formação
contraditória das famílias ou grupos de intelectuais que formarão o pensamento social brasileiro.
24
pensadores da sociedade, traduzindo-a e projetando alternativas políticas de aprimoramento
(ou conservação) do próprio processo social:
A definição da atividade intelectual só assume plena significação quando
contraposta às diferentes carreiras dirigentes (desde os proprietários,
passando pelos profissionais liberais, até políticos profissionais) e às demais
carreiras ligadas ao trabalho de dominação. (MICELI: 2001: 87).
Mesmo entendendo que o conceito de intelectual que MICELI apresenta está limitado
a uma perspectiva metodológica diferente da que se propõe neste trabalho
4
, é relevante
destacar que o sentido proposto pelo autor auxiliará no rastreamento destes intelectuais,
presentes nos anos de 1980, aqueles protagonistas de um pensamento social e educacional na
passagem dos anos de arbítrio para a inauguração do processo de redemocratização. Concebe-
se então o intelectual comprometido com um determinado pensamento sócio-educacional,
engajado em sua instituição, discutindo caminhos e estratégias educacionais como alternativas
à democracia que se apresentava. Entende-se por intelectual, na contextualização da transição
política brasileira, professores e dirigentes sindicais, militantes partidários envolvidos nos
movimentos que discutiram programas e projetos educacionais, intelectuais da universidade,
lideranças religiosas articuladas com as perspectivas da educação popular, sujeitos envolvidos
com a administração pública educacional. Mais do que avaliar a posição ideológica dos
intelectuais caberá entendê-los no cenário histórico proposto a partir de sua visão-de-mundo,
de sociedade e da educação.
1.1 O Estado Republicano, o Rio de Janeiro e a Cidadania que Faltou
A natureza da formação do Estado republicano brasileiro promoveu um desajuste nos
processos de participação cidadã na política nacional. Segundo W. G. Santos (1993), o Brasil
desviou-se do comportamento conjuntural do século XIX, quando o desenvolvimento fabril
inglês contribuiu para a composição de uma arena social onde os atores confrontavam-se na
defesa de interesses próprios. O confronto, a competição, contribuiu no avanço de conquistas

4
Em Intelectuais à Brasileira, MICELI compõe uma “sociologia de origem” de intelectuais que atuarão entre os
anos de 1920-1945. A discussão estimulada pelo autor estabelece um mapeamento destes intelectuais, as elites
dirigentes e as suas origens políticas, econômicas e culturais.
25
sociais, incorporadas mais à frente pelo Estado, elemento aglutinador destas conquistas
5
. Os
elementos comuns ao desenvolvimento de uma cultura política percebida na experiência
européia e americana não foram incorporados à realidade brasileira. A ausência de uma
lógica de mercado, impossibilitando a produção de uma solidariedade social, autônoma do
aparelho estatal fez com que o poder institucional tomasse a frente na tentativa de se ordenar a
própria sociedade (SANTOS: 1993:18). O impasse republicano teve em sua natureza um
conjunto de contradições próprias de sua história e que contribuíram para o estabelecimento
de um regime republicano débil e titubeante em seu projeto marcadamente autoritário.
Há o reconhecimento de W. G. SANTOS, no marco de 1930, de que a etapa da
implantação da ordem industrial foi um fator preponderante para a instauração de
características de uma sociedade contemporânea no ocidente. Em sua leitura sobre as
condições originais da República discutiu ainda três elementos constituintes da ordem
industrial contemporânea no Brasil, agentes que adquiriam identidades coletivas,
antecipando-se a uma ideologia liberal que viesse a se espalhar numa possível sociedade civil
e republicana: a burocracia estatal, as forças-armadas e a intelectualidade – sujeitos do projeto
político oriundo do centro de poder, entidade responsável em conduzir o progresso e controlar
pedagogicamente a sociedade (IDEM: 1993:29, 30). No caso brasileiro, há uma inserção
onde, em primeiro lugar, o Estado estabeleceu as vias de políticas sociais, sem esperar a
maturidade cidadã da própria sociedade. Em um processo de cooptação, sindicatos,
empresários e outros sujeitos resultantes desta República contraditória, o Estado foi o
referencial para a constituição de uma sociedade que se organiza de forma tutelada, sem a
experiência autônoma do conflito social diante das vontades estatais
6
.
Para Renato Lessa, os anos entrópicos
7
da inauguração republicana trouxeram um
período de incertezas institucionais, numa desarrumação do próprio Estado, oriundo do
regime monárquico. Estas incertezas propiciaram um cenário de desordem civil entre uma
sociedade que desconhecia os princípios e as novas regras da democracia republicana,
somando-se a isto o surgimento de um “novo-velho” Estado, autoritário em sua concepção,

5
SANTOS, Wanderley Guilherme (1993). Razões da Desordem. (A Gênese da Ordem). Páginas 9 – 38.
6
“Fracassaram os partidos operários e de outros setores da população; as organizações políticas não-partidárias,
como os clubes republicanos e batalhões patrióticos, não duravam além da existência dos problemas que lhes
tinham dado origem; ninguém se preocupava em comparecer às urnas para votar.” CARVALHO, José Murilo
de. Os Bestializados – O Rio de Janeiro e a República que Não Foi. Página 141.
7
“A ideia de entropia, entendida como a associação entre estado de anarquia e elevado grau de incerteza, se
manifesta a partir da ruptura dos canais de integração entre polis, demos e governo, tal como definidos pela
ordem imperial.” In. LESSA, Renato. (1999). A Invenção Republicana. Página 74.
26
por conta do movimento golpista patrocinado por civis e militares, oligárquico no rearranjo
das forças políticas regionais. O Rio de Janeiro, arena privilegiada das incertezas republicanas
desde 1889, transformou-se no lugar histórico do presente-futuro daqueles que participaram
da fundação do regime, de suas contradições e impasses. Existiu uma incompatibilidade entre
a proclamação do novo regime e a geografia, a cultura e a sociabilidade na cidade do Rio de
Janeiro. Mas como vestir um traje de numeração menor, apertado e desconfortável, obrigando
o indivíduo a adaptar-se a uma dieta desconhecida e, de certa forma, indesejada?
A nova ordem, republicana no sentido da organização social, cultural e urbana,
impondo o civilizado, o higiênico e um tipo de conduta moral – elementos deslocados do real,
excluindo o que era espontâneo e associativo, principalmente nos sobreviventes de 1888,
restos do abolicionismo, nascidos pela concessão à liberdade, mas cidadãos inativos, nas
palavras de José Murilo de Carvalho
8
que retratou bem o início do século XX no país e a sua
situação política. O ideário republicano e todas as suas matrizes do pensamento político não
se espelharam como consenso ou aprovação entre as camadas sociais populares traduzindo
um cenário desconexo do entendimento tocquevilliano sobre a sociabilidade (norte)
americana. O Rio de Janeiro sobreviveu à república oficial mantendo-se em ações instituintes
alheias aos projetos autoritários feitos para impor a ordem e a civilização. Mas o tempo das
incertezas republicanas no Rio de Janeiro não significou o engessamento ou anulação de
formas de pressão de setores da sociedade, chamadas de classes perigosas,
Elementos da população politicamente ativos, mas que não se enquadram no
conceito de povo que os observadores tinham em vista. Não eram cidadãos.
Era a “mob” ou “dregs” (escória) para o representante francês: a canalha, a
escuma social para o português, quando não eram simplesmente bandos de
negros e mestiços... Passadores de moedas falsas, incendiários, assassinos,
gatunos, capoeiras, mulheres abjetas. (CARVALHO, 1991:31, 72).
O protagonismo das classes sociais desorganizadas significou formas e manifestações
que se distanciavam das experiências híbridas e políticas das sociedades na Europa e na
América. A estadania, metamorfose do conceito clássico de cidadania, foi resultado do
Estado autoritário, implementador da ordem e do projeto civilizador, nos limites da própria
sociedade em sua leitura política de participação, numa cultura cívica predatória, onde a ética
da desordem e os interesses privados sobrepõem-se aos interesses da coletividade. A

8
Cidadãos inativos, aqueles de iniciativa nos movimentos não-políticos: “revelavam-se de grande iniciativa e
decisão em assuntos, em ocasiões, em métodos que os reformistas julgavam equivocados.” CARVALHO, José
Murilo de. Os Bestializados – O Rio de Janeiro e a República que Não Foi. Página 141.
27
estadania foi o exercício da política na esfera do Estado, de sua burocracia e não o exercício
cidadão no âmbito da sociedade civil, fora do Estado, na perspectiva da democracia liberal
anglo-saxônica: a participação política, de certa forma, é atomizada pelo Estado.
9
No Rio de Janeiro, a ordem republicana manifestou-se nas reformas urbanas do centro
da cidade, onde o ideal da modernização se estabeleceu remodelando o espaço público de
acordo com a complexidade da expansão comercial e o sentido de aproximação do país ao
desenvolvimento já avançado do mundo europeu. Sob a nomeação direta do presidente da
República, em dezembro de 1902, Francisco Pereira Passos tomou posse como prefeito do
Rio de Janeiro. A presença de Pereira Passos marcou a força de um gestor municipal com
plenos poderes, responsável em conduzir no Distrito Federal as reformas urbanas necessárias
e que representassem a ideologia republicana ao progresso, o moderno e o projeto civilizador
do regime. Com a nova Lei Orgânica do Distrito Federal aprovada em novembro de 1903,
Pereira Passos assumiu atribuições e poderes para iniciar as obras na capital federal,
inspiradas no plano urbanístico de Paris:
Ao mesmo tempo em que remodelava, junto com o governo federal, a
estrutura material da cidade – demolições de prédios, abertura de avenidas,
prolongamento e alargamento de ruas, reforma do calçamento, arborização e
ajardinamento de praças, etc – Pereira Passos usava seus poderes
discricionários, nos seis primeiros meses de 1903, para colocar em vigor um
elenco de decretos destinados a transformar velhas usanças que negariam ao
Rio de Janeiro foros de Capital e mesmo de simples habitat de Povo
civilizado. (BENCHIMOL: 1992: 277).
As reformas municipais fossem elas nos aspectos da legislação moral, de sociabilidade
e comportamento, fossem também através da paisagem urbana, denotavam a perspectiva
civilizatória européia. O civilizado era o higiênico, a arquitetura neoclássica, a substituição da
população resultante do escravismo, pobres, bêbados e mendigos, por uma classe média
higienizada de funcionários públicos, militares, comerciantes, etc. No âmbito dos costumes e
da sociabilidade, já em 1903, medidas saneadoras foram tomadas: a proibição da venda de
miúdos e reses em tabuleiros pelas ruas, a ordenha de vacas leiteiras na via pública, a captura
e extinção dos cães que vagavam pelas ruas. Tais iniciativas de Pereira Passos buscavam
extirpar da cidade, que se desejava apresentar aos estrangeiros, futuros investidores, o Rio de

9
Na obra Os Bestializados – O Rio de Janeiro e a República que Não Foi. José Murilo de Carvalho (1991)
retrata a transição Império-República tendo como cenário o Rio de Janeiro e as manifestações, pressões e
impasses dos protagonistas deste processo e nova ordem republicana.
28
Janeiro como moderno e civilizado, onde os pobres, miseráveis e vadios eram enclausurados
em delegacias ou asilos, apesar da imensa dificuldade em se garantir espaço público para o
atendimento aos moradores de rua. (BENCHIMOL: 1992:275)
Mas foi a reforma urbana que radicalizou a imposição da nova ordem republicana
abrangendo uma ampla ação, um verdadeiro bota - abaixo que atingiu a sociedade carioca:
“Pela primeira vez em sua história, centenas de prédios foram rápida e implacavelmente
demolidos, deixando em desabrigo dezenas de milhares de pessoas – trabalhadores e gente
pobre, sobretudo”. (BENCHIMOL: 1992:316). A ordem e a desordem são cúmplices, se
completam contraditoriamente e se misturam na caracterização republicana, na cidade do Rio
de Janeiro e a reformas da legislação e urbana acentuaram este fenômeno social. O formal e o
informal entrosaram-se para legitimar as regras eleitorais, consolidando o cenário político
com princípios pautados numa ética da necessidade, do improviso e do imediato. Sobre a
cidade, uma permanente tensão: as bases de uma cultura cristã – medieval, pré-Reforma e o
confronto com as transformações sociais cruciais para a vida citadina – a abolição da
escravatura e a proclamação da república.
A tênue linha divisória entre o formal e o informal, entre o legal e o ilegal, entre a
conduta educadora do Estado e a capacidade popular em construir alternativas de convivência
e sobrevivência baseadas num tipo de comunitarismo e solidariedade espontânea, das
emergências da própria sociabilidade. Os impulsos reformistas no Brasil caracterizaram-se
pela efetiva presença do Estado como o condutor do desenvolvimento e do progresso,
responsável principal em estabelecer um projeto civilizatório para o país a partir do seu centro
de poder. Neste sentido, a trajetória republicana brasileira fez com que as mudanças no país
ocorressem com o protagonismo do Estado.
As mudanças feitas por cima consolidaram no país o caráter interventor do poder
estatal diante do indivíduo, arrastando como uma onda os vetores do desenvolvimento
econômico e social. Tal categoria discutida por Werneck Vianna (1997) nos dá a percepção de
que o eixo das reformas no Brasil passou por uma elite política, ciente do projeto civilizador
articulado pelo centro autoritário de poder. Para W. Vianna (1997) a revolução passiva à
brasileira agregou elementos político-econômico-culturais que transitam entre a Ibéria, em
seu caráter de controle territorial; e a América, no moderno que chega às perspectivas do
taylorismo – fordismo.
10
A revolução sem revolução foi o sinônimo dos processos de

10
VIANNA, Luiz Werneck. (1997). A Revolução Passiva: Iberismo e Americanismo no Brasil.
29
transformação das bases econômicas e sociais no país, feitos por cima, sem que o ator
coletivo fosse o condutor e responsável pelas mudanças: mudar para não mudar – princípio
chave no entendimento dos processos de transformação social no Brasil. A modernização
chega, na presença forte do Estado, este de caráter hobbesiano. Mudar para conservar as
iniciativas intra-elites para se reformar mantendo as estruturas básicas do exclusivo agrário e
da ordem vigente republicana. A revolução passiva foi a permanente atuação das classes
dominantes, no transcorrer da história brasileira, com o objetivo da manutenção do status quo.
(VIANNA: 1997:47).
Sobre a transição Império – República, Vianna sinaliza que:
Na ausência deste encontro intelectuais-povo, a revolução burguesa seguiu
em continuidade à sua forma passiva, obedecendo ao lento movimento de
transição da ordem senhorial-escravocrata para uma ordem social
competitiva, chegando-se a Abolição, à constituição de um mercado livre
para a força de trabalho, sem rupturas no interior das elites, e, a partir dela, à
República, em mais um movimento de restauração de um dos pilares da
economia colonial: o escravismo agrário. (VIANNA: 1997: 47).
No pensamento social brasileiro, W. Vianna identificará a síntese do iberismo
brasileiro marcado pela ideias de Oliveira Vianna, onde a comunidade agrega o Estado, e
Tavares Bastos num americanismo modernizador diante do projeto civilizatório para o país,
aspectos que discutiremos mais a frente neste trabalho.
1.2 Reflexões Sobre o Pensamento Social e Educacional no Brasil e Suas Matrizes Autoritárias
A função do intelectual e o pensamento social e educacional brasileiro vêm
apresentando nuances no transcorrer dos tempos históricos. Identificamos a República como
marco inicial desta discussão, no papel destes atores no ensejo de 1930, num regime que
convocou toda uma intelligentsia, e esta, consagrada como a consciência iluminada do
nacional, agregada ao Estado: “Os intelectuais corporificam no Estado à ideia de ordem,
organização e unidade”. (VELLOSO: 2007:147). Os apontamentos de Maria Alice Resende
de Carvalho sobre a função de uma intelligentsia periférica dos países que se retardaram em
seus processos de modernização destacam a preocupação da intelectualidade nativa com a
questão nacional. No caso brasileiro, esta elite intelectual buscava construir os nexos da
30
sociedade, o interesse em organizar o fragmentado, dando sentido aos tempos da origem
societária, bem como na idealização de um projeto civilizatório.
11
Com o Estado Novo, o esforço de um conjunto de intelectuais foi o de promover o
ideário do nacionalismo articulado e concentrado a partir do poder central, na propaganda,
promoção e legitimação do projeto varguista. Na década de 1920, distribuem-se esferas
ideológicas na política, nos ensaios formadores de concepções sobre a questão nacional
brasileira e em projetos civilizatórios antagônicos. Se em Capistrano de Abreu, Gilberto
Freyre, Euclides da Cunha, Sergio Buarque de Holanda buscaram perceber a questão nacional
pela sociedade real, Alberto Torres, Oliveira Vianna, Francisco Campos e Azevedo Amaral
defenderam uma utopia civilizatória conduzida sob a responsabilidade do Estado, este, o
modelo de conduta do público sobrepondo-se, como interesse nacional, aos valores do
privado. Em 1930, prevalecem os intelectuais que formularam o pensamento autoritário e a
implantação deste no transcorrer do regime de Vargas.
Estes intelectuais orgânicos, comprometidos com o projeto varguista, elaboram,
formatam a ideologia republicana autoritária, mas que tiveram origem em pensadores que
vivenciaram os anos 20 e 30 do século XX, no início da ordem republicana. Oliveira Vianna,
Francisco Campos e Azevedo Amaral estão na mesma esfera política, mesmo buscando cada
um as suas filiações teóricas, há uma coerência principalmente no papel e atuação do Estado
autoritário. Alberto Torres os une e o projeto do Estado Novo também. Se Oliveira Vianna
sofre influências de Durkheim e mantém concepções racistas diante de uma leitura sobre a
formação do povo brasileiro, Francisco Campos é um germanista onde o seu pensamento
influenciou de forma determinada o ordenamento jurídico do período varguista. Azevedo
Amaral está para John Locke, na democracia modelada para o Estado Novo, numa crítica ao
liberalismo que, segundo, desordenava a sociedade.
12
Parte da intelectualidade brasileira, considerando a sua forte influência das matrizes do
pensamento social europeu e americano, realizou leituras e interpretações sobre o Brasil a
partir dos referenciais constituídos em suas próprias formações culturais nestes países de
origem. O esforço em ler o Brasil propondo projetos civilizatórios como a alternativa para os
impasses da formação social do povo, de sua estrutura política, propiciou categorias

11
Casa Grande & Senzala e o Pensamento Social Brasileiro (2002). IUPERJ/UCAM.
12
Principais obras e seus autores: VIANNA, Oliveira. (2000). Populações Meridionais do Brasil. In.
Intérpretes do Brasil; TORRES, Alberto. (1982). A Organização Nacional; CAMPOS, Francisco. (2001). O
Estado Nacional; AMARAL, Antonio Azevedo. (1938). O Estado Autoritário e a Realidade Nacional.
31
interpretativas que justificavam a utopia nacional pelo viés autoritário. Surge então no país, a
convergência entre as matrizes intelectuais do campo liberal com a roupagem autoritária, de
se ler o país e suas estratégias para o desenvolvimento. O liberalismo brasileiro, em sua
origem, encontrou-se na armadilha do controle às iniciativas individuais desprezando o
protagonismo cidadão como possível alavanca para o mundo social e político, protegendo a
propriedade privada, doutrina fundamental liberal, mas também a sua concentração nas mãos
de alguns poucos, excluindo a sociedade ao acesso à produção no campo.
Por outro lado, a importação do ideário autoritário europeu adaptou-se naturalmente
aos projetos civilizatórios propostos por uma intelligentsia comprometida com o progresso a
partir do Estado, este o educador das sociabilidades e condutor do desenvolvimento nacional,
retrato preciso, presente em toda a história republicana. O debate entre vertentes opostas na
natureza da leitura sobre o Brasil, mas próximas no eixo do viés autoritário, apresenta entre
Oliveira Vianna e Tavares Bastos, na análise de W. Vianna, caminhos para o encontro com o
desenvolvimento nacional. O clássico debate entre as raízes da composição política da
sociedade brasileira propõe, entre iberistas e americanistas, o projeto civilizatório titubeante
entre o desejo de Tavares Bastos em idealizar o modelo liberal, tocquevilliano, via
capitalismo agrário e o projeto iberista-territorialista de Oliveira Vianna.
A principal crítica dos americanistas está efetivamente no passado colonial, no atraso
motivado pela herança da qual a Ibéria nos deixou. Em meados do século XIX, Tavares
Bastos, através de suas obras
13
, discute um projeto de país rejeitando a formação histórica da
civilização luso-espanhola. A opção americanista, segundo W. Vianna baseava-se em várias
objeções à cultura política ibérica: à cultura clássica, à escolástica, ao humanismo abstrato, à
liderança dos caudilhos e o acesso destes diretamente às massas sociais excluídas do sistema
agrário concentrador de terras e aos fundamentos do liberalismo europeu. (W. VIANNA:
1997:161). Mas o ideário liberal de Tavares Bastos limitava-se à realidade política brasileira,
na manutenção e reforma da monarquia, onde o social cede lugar ao político – institucional,
atendendo efetivamente aos interesses das elites nacionais. Sendo assim, a ordem liberal
pensada por Bastos adaptava-se às bases da formação nacional oriunda do regime monárquico
às reformas propostas ao modelo político viriam de cima. A centralidade das contradições de
Tavares Bastos na defesa de um liberalismo sem o protagonismo cidadão está na manutenção

13
Carta de Um Solitário (1862), A província (1870), Reforma Eleitoral e Parlamentar e Constituição da
Magistratura (1873).
32
do exclusivo agrário onde os elementos fundamentais do pensamento liberal clássico são
abandonados: a terra e o mercado de trabalho. Esta contradição aproximou americanistas e
iberistas, no respeito ao acordo tácito entre as elites fundiárias, até mesmo na transição
Império-República e também no regime varguista, a intocabilidade no exclusivo agrário e nas
relações de produção e mão-de-obra (primeiro escrava e depois assalariada).
14
O americanismo de Tavares Bastos também defenderia a imigração como forma de
iniciar no país transformações moleculares nos aspectos culturais, morais e de sociabilidade.
Com a imigração, viria a liberdade religiosa, o trabalho livre e uma reforma fundiária, o que
não traria confronto ao modelo vigente do escravismo brasileiro. Para W. Vianna, o
americanismo
Não era concebido como uma ampla reforma sociopolítica, moral e
intelectual, menos ainda como um projeto popular. Sustentava a
superioridade da população imigrante, na expectativa de que a população
nacional se transformasse pelo efeito demonstração por aquela. (W.
VIANNA: 1997:165).
A defesa de todo ideário liberal, de um capitalismo onde o indivíduo livre, os
pressupostos do livre mercado, elementos constituintes do pensamento de Tavares Bastos,
estarão presentes numa síntese da corrente americanista no Brasil. A base para o
desenvolvimento do capitalismo no país, segundo Bastos, estaria na lavoura, num modelo de
capitalismo agrário moderno. A obra de Oliveira Vianna e o seu impacto dos anos 20 fizeram
com que outros intérpretes do Brasil, principalmente no transcorrer dos anos 30 e 40,
sofressem a influência das suas reflexões sobre o Brasil e buscassem também um permanente
debate sobre os temas desenvolvidos. Os debates ocorreram entre as perspectivas da formação
do povo brasileiro, seja no pensamento de Gilberto Freyre, seja também na obra de Sérgio
Buarque de Holanda e outros.
Mas o resultado de Populações Meridionais do Brasil vem de um esforço
intelectual de seu autor, numa erudição que incluía uma vasta leitura da produção brasileira e
de influência do pensamento social francês. Das influências na literatura, Silvio Romero teve
evidente presença no pensamento de Oliveira Vianna, principalmente através de sua
mediação, Vianna se aproximou das abordagens de um crivo sociológico-científico e

14
Luiz Werneck Vianna (1997) realizou um estudo pormenorizado identificando estes ideais entre Tavares
Bastos e Oliveira Vianna. Mesmo discutindo as diferenças entre americanismo e iberismo, defendeu que ambos
têm uma matriz conservadora e autoritária, pois não questionam as estruturas econômicas e sociais que
formataram tanto o Império, quanto a República. In. A Revolução Passiva: Iberismo e Americanismo no
Brasil. Pg. 165.
33
metodológico do francês Le Play (CARVALHO, Mu. 2000). Foi de Alberto Torres e Silvio
Romero que Oliveira Vianna absorveu posições políticas de caráter nacionalista e a percepção
do valor do Estado intervencionista. Aproximou-se deste grupo afirmando que,
Historicamente, Torres se assemelhava a Silvio Romero e a Euclides da
Cunha pelo seu objetivismo e a sua preocupação de introduzir o fator
geográfico e etnológico e, depois, o econômico no equacionamento dos
nossos problemas políticos e da nossa estruturação constitucional.
(VIANNA, 1987, p. 62).
Mas em “Populações Meridionais do Brasil” houve sinais de aproximação com
Euclides da Cunha a partir de sua obra Os Sertões. A relação entre o espaço geográfico, o
homem resultado da interação com a geografia regional, foram elementos coincidentes em
Euclides e Oliveira Vianna. Na obra Os Sertões, o estudo do homem brasileiro foi
estereotipado no jagunço, no vaqueiro, no sertanejo, no gaúcho. A partir de Populações
Meridionais do Brasil, o que nos parece é que se reproduziu o mesmo desenvolvimento de
classificação de Euclides da Cunha, na presença do matuto, do sertanejo e do gaúcho.
A sociologia francesa de Le Play ofereceu a Oliveira Vianna um método de
análise do homem nesta integração entre as condições de vida humana e o ambiente na
construção de uma tipologia, seja do campo, da cultura envolvida com a pecuária etc. Com Le
Play a influência desta sociologia ampliou-se para Tourville, Demollins e Preville – todos e
cada um numa variante desta matriz científico-metodológica que fundamentou as orientações
de composição aos estudos de Vianna. Como exemplo, o estudo sobre o tipo gaúcho
demonstra a preocupação com o rigor científico característico,
O gaúcho é um produto histórico de três fatores principais: o habitat dos
pampas, o regime pastoril e as guerras platinas. Estes três fatores, agindo em
colaboração, modelam esse tipo social, específico, que é o pastor rio-
grandense, cuja psicologia é particularíssima, especialmente no seu aspecto
político (VIANNA: 2000: 926).
As teses desenvolvidas por Oliveira Vianna, ainda sob a influência do pensamento
sociológico francês do século XIX, demonstraram a preocupação em se discutir a questão
racial na formação do povo brasileiro. A partir das reflexões de Gustave Le Bon, Oliveira
Vianna desenvolve o conceito de alma da raça e a sua função na formação do caráter
nacional. O estudo dos traços psicológicos na definição de uma hierarquia das raças colocava
o homem europeu no ápice da escala, seguindo o asiático, o africano e o australiano – “raça
34
superior diferenciando-se a partir de critérios de inteligência e caráter” (CARVALHO, 2000,
904).
Oliveira Vianna procurou resolver uma equação: entender a formação do povo
brasileiro, descrevendo-o e atribuindo-lhe ainda um projeto civilizatório. A questão racial,
então, assumiu posição de destaque na obra, pois foram nas discussões sobre o arianismo e as
possibilidades eugênicas de branqueamento da sociedade brasileira que Vianna se serviu da
sociologia de Lapouge, apresentando o caso brasileiro, o tipo ideal do Bandeirante – síntese
da bravura com a influência branca-lusitano-européia. Foi o português, o modelo e o exemplo
para a consolidação do processo civilizatório brasileiro.
Esses grandes potentados territoriais trazem nas veias uma forte herança de
bravura, de intrepidez, de audácia; são todas personalidades fortemente
vincadas. Os primitivos colonizadores lusos, que descendem, representam a
porção mais eugênica da massa peninsular (grifo nosso); porque, por uma
lei de antropologia social, só emigram os caracteres fortes, ricos de coragem,
imaginação e vontade (Idem: 983).
Os estudos de Gobineau serviram como ferramenta para que Oliveira Vianna
elaborasse sua utopia civilizatória onde a relação território (propriedade da terra) e as
qualidades raciais arianas deveriam consolidar o ideal nacional. A civilização, segundo
Gobineau, só prevaleceria se fosse dominada, controlada pela raça branca evitando a ameaça
de negros e índios. Eliminando-os e aumentando o número de representantes dos brancos
europeus, esta miscigenação propiciaria um branqueamento e um processo civilizatório sólido
(PAIVA, 1978, p. 130).
15
Oliveira Vianna transitou entre as ideias de Gobineau (mesmo que
as tenha negado em trabalhos futuros) quando enfatizou a defesa de uma aristocracia branca e
proprietária de terras e ao ideário racista de Lapouge, numa evidente defesa da purificação da
raça, ou melhor, na preservação dos brancos no processo civilizatório. Neste sentido, Oliveira
Vianna reproduziu uma cultura ibérica e territorialista, festejando o latifúndio como
instrumento a serviço da qualificação da raça no Brasil.
A perspectiva do caráter autoritário nas ideias de Oliveira Vianna, além das
reflexões relativas às classificações raciais, muito presente nas ciências do século XIX e início
do século XX, aconteceu também na concepção de Estado e nas suas responsabilidades diante
da condução do processo civilizatório brasileiro. A fonte para as discussões apresentadas na

15
Vanilda Paiva (1978), no artigo Oliveira Vianna: Nacionalismo ou Racismo? estabeleceu uma teia de
formação das ideias racistas a partir de Oliveira Vianna. Le Bon, Lapouge e Gobineau articulavam-se em meio à
utopia civilizatória proposta por Vianna.
35
obra Populações Meridionais do Brasil esteve no pensamento de Alberto Torres, republicano
que se preocupava com a restauração do Estado central que fora destruído pelo federalismo
imposto nos primeiros anos da república. Para Alberto Torres, a ação do Estado como órgão
da nação, sendo o responsável na solução dos problemas do coletivo foi etapa importante ao
projeto nacional. O Estado seria atuante, pragmático com a capacidade de se antecipar à
sociedade, promovendo as intervenções necessárias para a manutenção da ordem e a
organização social. O Estado seria a direção política da nação. Ao abordar o aprimoramento
do Estado, um novo Estado, enxergou nesta perspectiva a promoção da ação nacional, na
manutenção do povo em movimento, onde o aparelho político-administrativo, com os seus
vários órgãos, assumiria a condução do país.
Este ideal, a partir de 30, objetivou-se no Estado varguista e teve as reflexões de
Oliveira Vianna, Francisco Campos e Azevedo Amaral como seus organizadores. Foi então o
primado da União sobre a federação, do público sobre o privado, da valorização do trabalho e
do trabalhador numa articulação corporativa junto ao centro de poder estatal. Oliveira Vianna,
através das reflexões de Alberto Torres, foi crítico do federalismo e da própria República
afirmando, de acordo com a tradição do conservadorismo liberal do Império, que para o
Brasil o caminho da intervenção estatal seria a alternativa para a verdadeira construção de
uma sociedade liberal (CARVALHO, M., 2000). Retomou, ainda, as reflexões de Visconde
de Uruguai quando este defendeu que a proteção do indivíduo só poderia vir do alto, do poder
central, na figura do Estado.
Nos países nos quais ainda não estão difundidos em todas as classes da
sociedade aqueles hábitos de ordem e legalidade, únicos que podem colocar
as liberdades públicas fora do alcance das invasões do poder, dos caprichos
da multidão e dos botes ambiciosos, e que não estão, portanto devidamente
habilitados para o self-governement, é preciso começar a introduzi-lo pouco
a pouco, e sujeitar esses ensaios a uma certa tutela e certos corretivos
(URUGUAI, 2002, 491/492) (grifo nosso).
A partir de Populações Meridionais do Brasil, Oliveira Vianna elaborou um
retrato do país em seu mundo agrário, descreveu o tipo brasileiro e propôs alternativa política
em um projeto nacional. A tentativa de resolver a equação figurou na defesa do papel do
Estado, na centralização do poder e como núcleo orientador da nação realizando assim uma
função pedagógica ao povo. Como consultor do Ministério do Trabalho, em pleno Estado
Novo, envolveu-se na produção e defesa da legislação sindical e trabalhista percebendo a
36
importância da aproximação e orientação aos trabalhadores, principalmente verificando o
papel importante do corporativismo como forma de se ensinar os caminhos de organização
social aos trabalhadores.
A contraposição da influência modernista de Gilberto Freyre e Sergio Buarque de
Holanda, críticos de Oliveira Vianna, entre os anos 20 e 30, consubstanciaram a discussão
sobre a natureza do povo brasileiro e o seu futuro civilizatório. Não se poderá negar sobre as
influências da literatura de Oliveira Vianna na obra de Freyre, no cuidado de se estudar as
origens das raças, o fator espaço-geográfico e os elementos de formação cultural do brasileiro.
Mas as diferenças entre ambos significaram, como afirmamos, a qualificação dos debates
sobre os projetos nacionais antagônicos para o Brasil. Para Oliveira Vianna, o Estado assumiu
papel fundamental no processo civilizatório, já em Freyre, a questão nacional, o lugar da
transformação, encontra-se na própria sociedade. O território de investigação de Freyre será
Pernambuco. A partir de Oliveira Vianna e também Sérgio Buarque de Holanda, São Paulo
representou o lócus dos estudos sobre o tipo brasileiro. No caso de Vianna, o Bandeirante é a
referência a ser discutida.
Em 1930, prevaleceu o ideário de Oliveira Vianna cujo pensamento influenciou
na legitimação ideológica do Estado varguista. Venceram com ele Francisco Campos,
Azevedo Amaral e Alberto Torres. O ano de 1930 representou a presença do centro-
controlador, antítese do federalismo oligárquico, tão veemente criticado por aqueles que
defenderam o novo regime, dentre eles, Alberto Torres. 30 é a representação do retorno ao
eixo de controle do poder ao modo Imperial. A razão de Vargas-Pedro II significou
emblematicamente o desejo pela ordem, uma ordem vertical e não a de caráter democrático-
liberal, do retorno da ordem ao modelo e experiência monárquica.
16
O ponto de partida da revolução foi a efetiva opção de se modernizar o país num
contexto de soluções autoritárias e políticas. Nesta perspectiva a figura de Francisco Campos
destaca-se perfazendo um movimento a partir de dois caminhos: a operação na política,
construindo o ideal do Estado Nacional e a reflexão diante da organização social e estatal,
buscando torná-la objetiva, concreta aos olhos do regime. Campos é então o intelectual
orgânico do regime. Francisco Campos seria este intelectual orgânico a serviço do Estado

16
No Prefácio de O Quinto Século: André Rebouças e a Construção do Brasil, de Maria Alice R. de
Carvalho, Werneck Vianna abordou a crítica que setores da elite brasileira realizavam sobre a hipertrofia ao
Estado brasileiro e seu patrimonialismo, dando-lhes a responsabilidade pelo atraso do país. (CARVALHO, Ma,
1998, p. 080).
37
autoritário no Brasil, sendo um comissário do grupo dominante à vida social e do governo
político. Pensa a ordem, o Estado, justificando-o e propondo, via autoritarismo, um projeto
civilizatório e modernizante para o país.
Em O Estado Nacional, Sua Estrutura, Seu Conteúdo Ideológico, Campos
formula os pilares do Estado varguista, no imperativo de que o totalitarismo seria a via
modernizante para a sociedade. Não há como distinguir o ideólogo do operador na política. A
trajetória de Campos confirma este movimento – o de se pensar e se fazer ao mesmo tempo.
Sua figura por isso é instigante. Movimenta-se entre os anos 20 no parlamento em cargos
executivos tendo um papel de destaque na condução de reformas educacionais em Minas,
inclusive a realização, em 1928, da II Conferência Nacional de Educação, sediada na cidade
de Belo Horizonte. Nas alternativas para a sua sobrevivência política e a manutenção de seus
projetos articula-se com Capanema numa aliança que levou a ambos ao Distrito Federal.
17
A conjuntura internacional, entre os anos 20 e 30, já sinalizava que o movimento
totalitário europeu traria influências para o restante do mundo, sendo que a América Latina
não ficou de fora deste espectro. Em 1921, o fascismo ascendia na Itália; ao final dos anos 20,
o tema antiliberal já conquistara adeptos na Alemanha, numa defesa de uma sociedade em
permanente movimento, numa democracia direta, plebiscitária e em regiões ainda marcadas
pelas crises da primeira guerra mundial e pelo atraso dos processos de modernização
capitalista. O quadro internacional propiciou o fortalecimento no Brasil do pensamento
conservador-autoritário. Nesta brecha os ideais de controle do poder pelo centro frutificarão,
tendo em Francisco Campos uma de suas lideranças intelectuais e políticas.
Francisco Campos pensou o país a partir de Minas Gerais em vários aspectos, seja
na preocupação permanente em nutrir suas bases políticas e eleitorais, garantindo-lhe fôlego
para o duro jogo de manutenção de poder no Distrito Federal, seja em compreender uma
modernização que não mexesse na questão do latifúndio – elemento que não será considerado
por Vargas no Estado Novo. Seu projeto não se encaixa na lógica mercantil e liberal de São
Paulo. O moderno em Campos não é liberal, vem pelo alto. Criticará a Carta de 34 afirmando
que o espírito de 1930 havia sido perdido e que seria necessário reanimar a sociedade
reconsiderando os valores revolucionários do início da década. Um dos autores da Carta de

17
Em Tempos de Capanema, Shwartzman e outros (2000), discutem a presença de Francisco Campos e sua
trajetória política concomitante a de Gustavo Capanema e de outros mineiros que se destacarão não só na
política, mas na cultura e na literatura, tais como Carlos Drumond de Andrade (por vezes, secretário no
Ministério da Educação de Capanema), na aproximação com os modernistas e o governo Vargas.
38
1937, Francisco Campos compôs o aparato jurídico do que já se desenvolvia em termos de
acirramento e no controle do poder político entre 35 e 37 até a instalação do Estado Novo.
Fechados os sindicatos autônomos presos as suas lideranças, ampliando o
campo antiliberal, de 1935 a 1937 o Estado Novo aguarda apenas o
movimento da sua consagração constitucional, constituindo-se numa realidade
de fato, a partir da desmobilização pela violência das classes subalternas e sua
inclusão no interior da ordem corporativa (VIANNA: 1989: 203).
A Constituição de 37, de caráter antiliberal, manteve o exclusivo agrário intocável
e o efetivo controle urbano, este sim, a preocupação em manter anexado ao Estado o
movimento operário e os trabalhadores da cidade, por isso a legislação trabalhista tratará o
trabalhador urbano. Em sua obra O Estado Nacional Campos estabeleceu, pela lógica fascista,
os referenciais doutrinários para o Estado brasileiro. O sentido de massa social colada ao
Estado aponta para um dos fundamentos do fascismo: massa e Estado em um só corpo
significando o ápice do regime totalitário. A massa, em constante movimento unificado e
totalizante, na convergência aos interesses nacionais movimentou o Estado, este, o guardador
da herança histórica do país. O fim dos antagonismos, das discórdias e oposições sintetizou a
relação de massa social - Estado: “Não é possível nenhuma integração política total enquanto
o homem, definido por si mesmo como animal racional, conservar e defender, como vem
fazendo com crescente veemência, o seu patrimônio hereditário.” (CAMPOS, 2001, p. 37).
A defesa pelo primado da irracionalidade serviria à integração entre a massa e o
Estado consolidando o mito da nação, elemento constitutivo deste cenário totalizante no
fascismo e presente em O Estado Nacional.
O Estado não é mais do que a projeção simbólica da unidade da nação, e
essa unidade compõe-se, através dos tempos, não de elementos racionais ou
voluntários, mas de uma acumulação de resíduos de natureza inteiramente
irracional. Tanto maiores as massas a serem politicamente integradas quanto
mais poderosos hão de ser os instrumentos espirituais dessa integração
(Idem, p. 20).
A massa difere-se do conceito de sociedade civil porque a inspiração fascista é
antiliberal, antissocialista. Se a sociedade civil
18
caracteriza-se em parte de elementos
autônomos ao Estado, a massa social, na perspectiva totalitária, é uma linha de extensão,

18
Entende-se o conceito de sociedade civil a partir das reflexões de Gramsci, “chamados comumente como um
conjunto de organismos de privados” (GRAMSCI, 1988, p. 10).
39
corrente integrada ao Estado. Por isso, a política converte-se numa teologia, em instrumentos
espirituais de integração como afirmará Francisco Campos, onde nem a razão e nem o
interesse são princípios totais do regime. O fechamento deste círculo autoritário, no
complemento desta seqüência massa – Estado - irracionalidade, corporifica-se no César, no
mito da liderança, este sim, imbuído do desejo nacional, guardador da herança majestosa do
passado, condutor da civilização. O regime político é a ditadura, afirma Francisco Campos,
onde a retroalimentação deste regime seriam os mecanismos plebiscitários, o voto de
aclamação aos interesses nacionais convergidos ao soberano. Assim, a vontade da massa seria
a melhor maneira da construção da política mantendo-a em permanente estado de excitação
contra o inimigo comum – entre liberais, comunistas e socialistas, o regime democrático e os
seus desvios: eleições, promoção das discórdias a partir de ideias diferentes, instituições
descoladas do interesse nacional etc.
Para Francisco Campos, a revolução de 30 completou-se em 37 vendo neste ciclo
a recuperação do Estado numa nostalgia aparente ao Império. Defende a Carta de 37
afirmando que a constituição de 10 de novembro abandonou os procedimentos paliativos e as
ações parciais. Com veemência, clama por mudanças e assim defende o Estado Novo. “O
Brasil estava cansado, o Brasil estava enjoado, o Brasil não acreditava, o Brasil não confiava.
O Brasil pedia a ordem... O Brasil queria paz e a babel de partidos só lhe proporcionava
intranqüilidade e confusão...” (CAMPOS, 2001, p. 51). Mas o princípio da autoridade
centrado em César não se dá somente na relação Estado-massa, mas também na forma de
governo, nas ações orgânicas entre os poderes. Assim, defende a sobreposição do executivo
ao legislativo, afirmando que
A iniciativa da legislação cabe hoje, em todo o mundo, ao poder executivo.
Não é este um caso de usurpação de poderes, nem essa situação existe em
virtude de atos de violência. O Estado marcha para a legislação pelo
executivo como o sol para a constelação de Hércules (Idem, p. 99).
Vê-se que as relações internas do Estado Novo atendiam ao projeto autoritário de
Campos e de nítido caráter fascista: anular as instituições autônomas, enfrentar os partidos
políticos submetendo-os ao soberano. Abandonava-se de vez o princípio da tripartição do
poder de Montesquieu, numa evidente defesa à sobreposição do executivo aos outros poderes.
O Estado Nacional é a defesa ao regime, ao Estado Novo. Representou, ainda, a defesa aos
detalhes que compuseram a constituição de 1937. A preocupação de Francisco Campos com a
40
ordem jurídica, seus componentes e as formas procedimentais de funcionamento, reproduz no
pensamento autoritário que a política é o lugar da dominação, da coerção impondo a vontade
única das massas ao projeto nacional e civilizatório do Estado Novo. Um chefe, um povo,
uma nação – todos imbuídos numa grande e sólida síntese. O cenário e os atores estavam
prontos para a implementação do projeto de modernização industrializante no país.
Se Oliveira Vianna e Francisco Campos articulavam-se entre a reflexão e a
operação política, Azevedo Amaral detém-se em pensar a realidade nacional mantendo alguns
princípios oriundos daqueles quadros do Estado Novo. A tríade de intelectuais tem como
referência comum o ideário de Alberto Torres na concordância do papel estratégico do
Estado-Nação responsável pela condução, orientação do processo civilizatório brasileiro.
Já na introdução de O Estado Autoritário e a Realidade Nacional, Azevedo
Amaral defende a sua própria atuação no encadeamento de estudos sociológicos afirmando a
linha de coerência entre as suas últimas publicações
19
. O elogio ao marco do Estado Novo não
se limita a defendê-lo, mas sinaliza os desvios, propõe correções na trajetória, principalmente
quando chama a atenção aos defeitos da democracia liberal. A crítica sobre o início de
implantação do regime a partir de 37 não mexe e deixa intocável o ideal do Estado Novo.
Azevedo Amaral então promove o regime, orienta elementos para a consolidação do mesmo,
confirma-o como etapa conquistada pela sociedade brasileira. Metodologicamente, Azevedo
Amaral detém-se nos primeiros capítulos em auxiliar o percurso brasileiro até a culminância
do Estado Novo. Discute as conjunturas históricas considerando que a construção nacional
passava pelo equívoco das elites sem expressão e que dominaram a organização do Estado
brasileiro. A experiência colonial portuguesa, segundo o autor, seria um dos fatores de
impedimento ao desenvolvimento da política e a fragilização das instituições brasileiras. No
relato deste percurso, Azevedo Amaral lamenta o distanciamento da economia em relação ao
Estado, das elites envolvidas com a economia nacional. O lamento está na incompreensão
destas elites a encararem a autoridade pública como força permanente contrária aos legítimos
interesses (AMARAL: 1938).
Na convicção de se definir as causas deste início instável da política nacional,
Azevedo Amaral discorre a sua tese afirmando que a mistura de raças entre os colonos
portugueses e as mulheres ameríndias e, sobretudo de origem africana originou uma classe

19
Ensaios Brasileiros, 1930; O Brasil na Crise Atual, 1934; A Aventura Política do Brasil, 1935;
Renovação Nacional, 1936.
41
acentuadamente inadequada à gestão do Estado. Esta espécie nebulosa seria responsável pelo
atraso das instituições sociais e da própria política nacional. Azevedo Amaral recorrerá a
Gilberto Freyre quando este estuda a miscigenação brasileira e, de certa forma, interpreta
Freyre ao seu modo, classificando a mestiçagem como componentes parasitários no processo
de plasmagem da mentalidade política das instituições. Ora, sabemos que em Freyre a
mistura de raças é saudada como elemento propositivo na formação social brasileira.
No pensamento de Azevedo Amaral o mestiço significava uma anomalia que
caracterizou a evolução política do Brasil, onde o parasitismo foi o mecanismo deste atraso.
Neste caso, Azevedo Amaral está mais próximo de Oliveira Vianna quando este assume
também a classificação das raças e a tendência eugênica de branqueamento da sociedade
brasileira. A crítica à classe de mestiços em relação ao Estado estava principalmente na
gravitação em torno dele, ascendendo aos empregos públicos ou aos cargos subalternos, mas
que interferiam no desenvolvimento da sociedade. Azevedo Amaral estudou a sociedade
brasileira a partir do Estado, pelas suas relações internas que se estabelecem no processo
recorrente da sociedade. A análise da chegada e saída da Corte no Brasil foi emblemática
neste sentido. Para Azevedo, com a vinda da família real em 1808, as oportunidades de
ascensão social ocorreram com os membros do grupo parasitário característico pelo seu
descomprometimento com a economia colonial, incrustada no Estado, ampliou sua margem
de atuação a partir de 1808. Com o regresso da Corte em 1821, este grupo parasitário assume
papel relevante no drama nacional. Cabe ressaltar o reconhecimento de Azevedo Amaral
(1938, p. 29) com este grupo parasitário que continham homens inteligentes e cultos.
Sua crítica à intelectualidade liberal do segundo reinado já apontava a rejeição
para o modelo liberal-democrático que irá analisar no Estado Novo. Os genuínos expoentes do
espírito demagógico não se envolviam com a realidade nacional. Neste sentido, Azevedo
Amaral realiza uma retaliação às ideias exóticas, oriundas da Europa, principalmente a partir
das experiências políticas da França e Inglaterra. O exotismo na aplicação deste ideário
europeu no Brasil significou parte do drama de formação política da sociedade e do Estado.
Critica o exotismo, porém, vê na experiência americana a mais realística e menos nociva à
ordem republicana (AMARAL, 1938). O advento republicano será saudado a partir da
constatação de que a monarquia deparava-se entre dois campos, a mestiçaria parasitária e a
intelectualidade divorciada da realidade. O progresso da república estaria na construção de
uma ordem política que aproximasse o Estado da realidade nacional. Azevedo Amaral chama
42
a atenção para o que foi o início da república transformando-se em grave problema a questão
da autonomia dos estados como mecanismo que deveria ser rediscutido. Cita a figura de Julio
de Castilhos, o maior estadista da geração que fundou a primeira república, que vislumbrou
um verdadeiro e realista federalismo para o país e, sendo assim, critica o sistema
descentralizado.
O que fora benéfico em 1891 não viesse a tornar-se elemento ameaçador à
unidade nacional, justificando a reação contra os excessos de autonomia, que
surgiu no fim da primeira república e foi um dos traços característicos do
espírito revolucionário de 1930 (Idem, p. 38).
Para o autor de “O Estado Autoritário e a Realidade Nacional”, a república seria
a redenção do realismo nacional, a aproximação da política com a economia, o Estado
conciliado à Nação, onde o exotismo externo pouco contribuiria para a formação nacional.
Mais ainda, a revolução de 1930 ocasionaria a correção dos equívocos históricos da
monarquia em sua natureza de desajustes das elites políticas à economia e a descentralização
equivocada da primeira república. Mesmo realizando críticas pontuais aos primeiros passos da
revolução, assumiu uma aceitação tácita e inquestionável sobre os acontecimentos de 30.
Analisa as incertezas iniciais do regime, critica a incapacidade para converter a vitória em
ponto de partida de uma reconstrução nacional. O autor ornamenta e instrumentaliza o
caminho da lógica autoritária estadonovista pensado por Oliveira Vianna e Francisco Campos.
Ao discorrer sobre a Carta de 37, Azevedo Amaral (Idem, p.134) valoriza a
qualidade realística e doutrinária da peça jurídica fazendo com que o Estado Novo realizasse
integralmente o seu projeto de modernização da sociedade brasileira. Azevedo Amaral realiza
a defesa do Estado Novo descaracterizando-o como fascista. Seus argumentos apontam para
se dissociar o caráter fascista e totalitário do conceito de autoritarismo. O Estado Novo não é
fascista, é autoritário pela própria natureza do Estado. O caráter do totalitarismo,
diferentemente do ideal estadonovista, consistiria em eliminar a realidade irredutível
representada pela personalidade humana (AMARAL, 1938, p.151/185).
20
Junto à negação da aproximação do fascismo ao Estado Novo, Azevedo Amaral
enfatiza a sua descrença na democracia liberal chamando a atenção da experiência francesa,

20
“No Estado autoritário, as vontades coletivas sobrepõem-se às do indivíduo. Ao Estado Novo, corroborando
na Carta de 37, caberia obrigar apenas o cidadão a entregar-se à coletividade”. Realmente, não há liberalismo
nas ideias de Azevedo Amaral. O Brasil seria um regime próprio, sem a influência do exotismo fascista. A carta
de 37 repõe a autoridade do Estado, define o seu papel de governo autoritário porque esta é a natureza do poder
estatal.
43
onde a sua revolução desvirtuou-se e corrompeu-se neste regime. Concentra as suas críticas
aos defeitos ou perversões do liberalismo das quais caberia ao Estado Novo corrigi-las: a
eleição direta, temporalidade de mandatos, limites na autoridade executiva, divisão dos
poderes etc. Mas a democracia se faz presente no regime estadonovista com caráter da
representação que se converge na relação Estado-Nação, na organização hierárquica da
sociedade, cabendo ao núcleo de poder estatal as iniciativas à propulsão e à orientação da
nacionalidade (Idem, p. 168-173).
Fascismo e liberalismo, elementos exóticos ao modelo vitorioso em 30 e
consolidado juridicamente em 37, onde a complementaridade entre a democracia e
nacionalismo seria o fundamento da relação entre a sociedade e o Estado (coletividade e a
organização estatal). Defende, ainda, a arquitetura corporativista do regime invocando a
harmonia entre o capital e o trabalho. A ideia do corporativismo está impregnada da
concepção de que o Estado representa a sociedade por intermédio dos órgãos constituintes dos
núcleos econômicos e profissionais. Sendo assim, o sindicato apresenta-se como um braço do
Estado, uma agência burocrática.
Azevedo Amaral elabora, justifica e desenha um projeto de modernização, pelo
alto, para o país onde a industrialização fosse bandeira do Estado Novo. Se o tema da
classificação racial e a sua hierarquia aproximam-no de Oliveira Vianna, Azevedo Amaral
avança na defesa republicana o que, ao autor de Populações Meridionais do Brasil pensa e
remete-se permanentemente ao Império. Aproxima-se de Francisco Campos na objetiva
defesa do Estado Novo, qualificando o debate favorável ao regime e ao processo civilizatório
e na formação do povo brasileiro. Entre Oliveira Vianna e Francisco Campos encontraremos
os princípios da lógica autoritária como elemento justificador do Estado-Nação e dos rumos
que a república brasileira deveria orientar-se. No pensamento de Oliveira Vianna, de
Populações Meridionais do Brasil, interpreta-se o país a partir da relação entre espaço-físico,
aspectos da formação racial e as perspectivas de condução nacional pelo centro de poder do
Estado. Já em Francisco Campos, a reflexão de uma filosofia política a serviço de um Estado
forte, agregador do ideal nacional na convergência das vontades totais do povo conformando
o corpo ideológico e justificador de um núcleo de poder autoritário. Ambos são vitoriosos
com a revolução de 1930 articulando-se como intelectuais de um regime que perdurou por um
longo tempo. O ideal autoritário revela-se também no pensamento de Azevedo Amaral, este
com intenções de fazer com que o Estado Novo se viabilizasse, na defesa da Carta de 1937 e
44
na garantia de que a partir dela o país retomasse seu projeto civilizatório. A tríade de
intelectuais constituiu-se entre a formulação justificadora do regime e a operação política do
mesmo. Este ideal autoritário esteve presente para além do governo de Vargas. Inaugurou-se
em 1930, consolidou-se em 1937, ampliando-se até 1945, retornando em 1964 e
permanecendo institucionalmente até 1985, mas presente no processo político brasileiro pós-
ditadura, seja nos limites de construção do próprio regime democrático, na dissimulação de
um discurso democrático eivado de autoritarismo, seja também na forte presença ideológica
na tradição de se reconhecer que a ordem e o desenvolvimento civilizatório passam pela força,
coerção e a centralização do poder, desprezando a sociedade civil e a cidadania como
protagonistas desta república.
No campo educacional o pensamento autoritário fez-se presente com objetivos comuns
ao projeto civilizatório idealizado pelo Estado Novo. O ideal de se sistematizar a cultura e a
educação no país, oferecendo-lhes um ordenamento nacional. Dentre aqueles que se
destacaram, Fernando de Azevedo e Gustavo Capanema foram atores numa conjuntura onde o
poder central localizado no Estado foi o condutor do projeto educacional. Como intelectuais
ambos atuaram na política de formas a equilibrarem-se entre a reflexão sobre a educação
nacional, atendendo ainda às demandas da política real, a do Estado varguista. Tanto
Fernando de Azevedo quanto Gustavo Capanema agiram como um pêndulo entre a operação
do regime no Estado Novo e a militância intelectual, buscando os limites entre o contato com
os campos políticos antagônicos que, de certa forma, ofereceram a Vargas a governabilidade.
Sendo assim, administravam posicionamentos ideológicos díspares, onde a Igreja, intelectuais
liberais – oriundos do movimento modernista, disputavam espaços políticos no interior do
Estado. Ambos sustentaram-se neste equilíbrio entre forças antagônicas, porém, legitimadoras
do regime.
Capanema, como ministro da Educação e Saúde entre os anos de 1934-1945,
estabeleceu um movimento político entre o conservadorismo político do Estado Novo,
chamando para si as forças sociais aglutinadoras ao apoio de Vargas e o ambiente
modernizante contido no próprio governo, seja nos investimentos industriais, ou na
arregimentação de intelectuais do mundo da cultura brasileira, nas artes, literatura, música,
etc. A geração de Capanema, os intelectuais da Rua Bahia
21
, dentre eles, Mário Casassanta,

21
Este termo foi trabalhado por SCHWARTZMAN, Simon, BOMENY, Helena Maria Bousquet e COSTA,
Vanda Maria Ribeiro, In: Tempos de Capanema (2000), para identificarem um grupo de jovens mineiros,
45
Abgar Renault, Pedro Aleixo, Carlos Drumond de Andrade, Milton Campos, João Pinheiro
Filho, Pedro Nava e muitos outros, formaram uma rede de sustentação política e cultural. Dos
que acompanharam Capanema, está Carlos Drumond de Andrade, fiel amigo e chefe-de-
gabinete nos tempos de Ministério da Educação e Saúde. A indicação de Capanema para o
Ministério da Educação e Saúde do governo Vargas, além de se concluir um ciclo de
negociações sobre a transição do poder regional mineiro na sucessão de Olegário Maciel,
falecido em pleno mandato e a nomeação da Interventoria por Benedito Valadares. A partir de
1934, Capanema assume o Ministério da Educação e Saúde como consolação por não ter sido
nomeado interventor em Minas Gerais, mas também com o apoio tácito de setores da Igreja
Católica e principalmente de Alceu de Amoroso Lima.
O apoio a Capanema deveu-se à preocupação dos católicos com princípios
republicanos e uma possível ascensão do ideário liberal e positivista no governo, além da
firme posição às bandeiras educacionais escolanovistas, críticas ao ensino religioso
obrigatório. A partir da experiência no poder regional mineiro, Capanema percebeu
prontamente que a consolidação do projeto de 1930 passaria pela ampla propagação cultural
das ideias de Vargas e que a educação, pela organização nacional e o controle centralizado
deste processo, potencializava a presença do regime em todo o território brasileiro. Entre
católicos, renovadores da educação, intelectuais modernistas e a utopia tenentista, Capanema
não perdeu o eixo de equilíbrio, mas variando as suas ações de acordo com as circunstâncias,
seja no interior do Estado, seja no âmbito da sociedade. A ideia de homogeneizar a população
num espírito nacional a partir da ideologia do Estado Novo foi o objetivo perseguido por este
intelectual forjado pelo regime.
O advento da Segunda Guerra, o fantasma da Revolução de 1917 e as correntes
ideológicas do liberalismo político (confundindo uma ética/moral liberal anticristã) e do
comunismo, fundamentaram o pensamento de Capanema, responsável em chamar de ideias
perigosas que poderiam influenciar negativamente a cultura nacional. Estas ideias perigosas
estabelecem uma crise à ideia da divindade, tão importante para o mundo cristão-católico:
Estou me referindo à ideia que o homem conquistou de divindade, ideia de
eternidade, ideia de um poder supremo, acima da contingência, esta ideia de
imortalidade. Estou falando é de uma conquista fundamental do espírito

dentre poetas, escritores e futuros políticos, que se encontravam, na década de 1920, na cidade de Belo
Horizonte.
46
humano, que entrou em crise, vai se arruinando e contou com o inimigo
invisível. (CAPANEMA: 1943: fot. 714/718).
Ao identificar que a inteligência e a cultura estão em crise, defendeu ao mesmo tempo
o Estado, a Igreja e o projeto autoritário de Vargas. Sua crítica veemente está de como a
cultura, os valores mitológicos, as ciências modernas entraram, de forma sistemática, na
destruição sobre a ideia de Deus: “Pode o homem encontrar tranqüilidade no efêmero, no
transitório?” (CAPANEMA: 1943: FOT. 714/718). O pensamento conservador de Capanema
adapta-se com firmeza a composição do Estado Varguista – síntese da oposição a qualquer
ideia anticristã seja num liberalismo sem Deus ou num comunismo de ideologias perigosas. A
inspiração fascista e totalitária esteve presente na recomendação de Capanema na mobilização
das massas:
Necessidade de mobilizar, para a cultura das massas, todos os instrumentos
educativos, estranhos à escola, e hoje em dia tão numerosos e eficientes. A
lei da Educação poderá ter aí um de seus capítulos mais belos.”
(CAPANEMA:1945: fot. 336/339).
O homem destemido porém dócil, nunca um covarde, mas, pela coragem, defensor da
pátria:
Os tíbios são os grandes estorvos da Pátria. Neles não vibra nenhuma grande
vocação. Diante dos acontecimentos, diante dos perigos ou das esperanças,
permanecem indecisos, neutros indiferentes. Deles não virá também jamais
nenhum prescrito para os homens. (CAPANEMA: 1945: fot. 336/339).
Pela educação o Estado Novo deveria conceber um homem novo, elemento discutido e
idealizado pela leitura sociológica brasileira, vertente autoritária e racista, uma das bases
doutrinárias do regime varguista. Na obra A Transmissão da Cultura, terceira parte da
Introdução ao Censo de 1940, da qual Azevedo foi o autor, a educação é abordada de forma a
destacar a relevância do movimento reformador, as circunstâncias do documento O Manifesto
dos Pioneiros da Educação Nova.
22
Algumas questões se apresentam: como o redator do
Manifesto e confesso ideólogo de um liberalismo educacional adere ao Estado Novo? Como
Azevedo compôs a sua formação intelectual e as justificativas, no campo social e intelectual,
na defesa ao regime estabelecido pelo Estado Novo?

22
Sob o título A Cultura Brasileira, uma obra de mais de 800 páginas, este texto serviu de apresentação aos
relatórios do Censo de 1940. As duas primeiras partes da obra foram: Os Fatores da Cultura e A Cultura.
47
No Capítulo IV da Transmissão da Cultura, A Renovação e Unificação do Sistema
Educativo, Azevedo afirma o movimento de renovação educacional como um marco divisor
de reorganização educacional do país. Ressalta a reforma de 1928 como um ponto culminante
do movimento de renovação: “... que se tornou foco mais intenso de irradiação das novas
ideias e técnicas pedagógicas”. Mas adverte, ainda em seu texto, que 1928 não pode ser
estudado isoladamente, tendo em vista o transcorrer dos anos 1920, principalmente as
referências de 1922 até o desfecho de 1930. (AZEVEDO: 1976: 163/166). Na análise que
realiza, não abriu mão de 1928, quando destaca um elenco de reformas ocorridas no Distrito
Federal. Tal avaliação, de alguma forma, promoverá a própria gestão de Azevedo, pois o
mesmo dirigiu a Instrução Pública, entre 1927 e 1930, na capital do país. Quando, pois
enfatiza em sua análise histórica da cultura e da educação brasileira, a Revolução de 1930
surge como um marco republicano, de inauguração do moderno e o estabelecimento de novos
padrões culturais e políticos. Azevedo chega a afirmar que as ideias renovadoras do campo
educacional serviram de sustentação para o movimento revolucionário. (IDEM: 167)
Como intelectual Azevedo fez parte deste seleto grupo que viu, no Estado Novo, a
redenção civilizatória, a reação republicana para uma nova etapa de organização social. Neste
caso, a educação seria a mediadora ou o veículo para conduzir a massa à modernização e ao
processo civilizatório. Capanema e Azevedo representaram a lógica de mudanças no país a
partir de um projeto educacional, onde as reformas fossem garantidas pelo poder centralizado
no Estado, num federalismo concentrador de decisões, efetivo responsável por mudanças,
implementador do progresso social. A construção do Estado autoritário em Vargas teve
efetiva associação com intelectuais mobilizados na justificativa ao regime. Para Velloso
(2003), a solução autoritária passou pela formulação deste ideário a partir de três vertentes por
áreas – pilares desta concepção. No âmbito da cultura jurídica e institucionalização do regime,
Francisco Campos. Na reflexão sociológica e econômica, Azevedo Amaral. Na leitura
conservadora – religiosa, o pensamento católico de Jackson de Figueiredo. (VELLOSO:
2003:148). Para este conjunto de intelectuais orgânicos, ficou a responsabilidade de serem os
propagandistas do regime
23
, promovendo o ideário de um nacionalismo articulado e
concentrado no Estado. Este Estado varguista redirecionou a função do intelectual, antes,

23
Acrescento aqui a figura de Gustavo Capanema, já analisada, que foi um intelectual orgânico do Estado
responsável em promover a cultura erudita e a educação formal. Agregam-se ao projeto, dentre muitos, no
Departamento de Imprensa e propaganda – DIP – Cassiano Ricardo, Menotti Del Pichia e Cândido Motta Filho,
“esses conhecidos pelo pensamento centrista e autoritário, que viria a imprimir um rígido controle nos meios de
comunicação”. (VELLOSO, 2003, p. 151/152).
48
formatado pela Academia Brasileira de Letras, isolado em sua produção literária, alheia às
ocorrências da política real. O regime reverteu esta imagem, propondo um intelectual a favor
do pensamento nacionalista, atuante na política e envolvido nos grandes temas do país e dos
problemas nacionais.
A síntese deste novo intelectual que combina os compromissos com o nacionalismo
e o moderno e ainda o seu engajamento político esteve na figura de seu principal líder:
Getúlio Vargas. Ao intelectual liberal restariam dois caminhos: ou buscar a sua aproximação
com o projeto do Estado Novo, assumindo o seu compromisso patriótico e nacionalista, ou
tornar-se um inimigo do regime, mantendo-se fiel às ideias estrangeiras, como o liberalismo,
ideologia importada, adversária do verdadeiro nacionalismo. A presença do pensamento
autoritário e a articulação de seus intelectuais seguem um longo caminho e ainda presente na
cultura e política nacional, marcando profundamente as instituições sociais. O impasse
republicano onde uma de suas matrizes é o pensamento autoritário que percorre os processos
históricos no país, onde o ideal de se conservar mudando, vem marcando a república
brasileira.
1.3 Nacionalismo - Autoritarismo e suas Contradições
Dentre as quatro décadas de análise do pensamento autoritário na República, cabe
discutir o nacionalismo como um viés fundamental para percebermos o entendimento sobre o
pensamento autoritário e a sociedade. Na reflexão sobre o tema, Chauí (2000) propõe dois
marcos cronológicos para o entendimento do nacionalismo no país, seja este como
pensamento sobre a questão nacional, seja como projeto político de grupos à esquerda, dentre
outras forças sociais. Há então uma passagem, mudança de perspectivas diante do problema
social. A ideia de caráter nacional
24
preponderante no período entre 1830 – 1880, na vigência
do princípio da nacionalidade adquirem uma ideologia onde a mistura das três raças
desconhece o preconceito racial: “Nessa perspectiva, o negro é visto pelo olhar do

24
Neste período, Chauí relaciona alguns intelectuais que reproduziram o ideário de um nacionalismo do caráter
nacional, dentre eles Afonso Celso, Gilberto Freyre, Cassiano Ricardo, na plenitude positiva da nação, e Silvio
Romero, Manoel Bonfim e Paulo Prado, pelo aspecto negativo: “quer louvá-lo, que para depreciá-lo, o caráter
nacional é uma totalidade de traços coerente, fechada e sem lacunas.” (CHAUI: 2000:21).
49
paternalismo branco, que vê a afeição natural e o carinho com que brancos e negros se
relacionam”. (CHAUI: 2000:27).
A ideologia de identidade nacional buscou uma harmonia, porém, reconhecendo uma
tensão entre o plano individual e o social. Neste caso há o reconhecimento das matrizes de
origem da formação nacional, mas diferenciadas por conta da natureza social, econômica e
política. “A identidade nacional aparece como violência branca e alienação negra, isto é,
como duas formas de consciência definidas por uma instituição, a escravidão.” (Idem: 27).
Trabalhando ainda na perspectiva de que a construção da ideia de que o nacionalismo vem de
matriz autoritária, Chauí discute o conceito de semióforo
25
, ideologia de controle político e
unificador da percepção da unidade nacional, desconsiderando o sentido da divisão da
sociedade a partir de classes sociais. O pensamento autoritário brasileiro e a sua vertente
oriunda do nacionalismo construíram um elenco de símbolos e signos que tiveram como
objetivos a unidade nacional e o desenvolvimento de um sentimento nacional, principalmente
no projeto de modernização do país. A propaganda de governo, a literatura, o cinema, a
resignificação de mitos folclóricos do imaginário popular e nas reflexões das áreas das
ciências sociais, pautaram no país a consolidação de semióforos como ideologia do Estado
republicano.
Este nacionalismo se desdobra a partir das conjunturas históricas da República,
traduzindo em cada período as nuances e características próprias deste movimento. A
ascensão de Vargas em 1930 inaugura na República um traço de valorização do caráter
nacional, de integração do povo e de sua unidade cultural. O projeto de Vargas visava, pela
atuação do Estado, educar o povo, desenvolvendo a partir de si a civilização. Vargas traz
consigo a formação política castilhista, elemento unificador da cultura política gaúcha,
contraponto ao liberalismo e de princípios positivistas.
A variação republicana positivista toma identidade própria a partir da experiência
política gaúcha, principalmente em suas lideranças regionais, ordenadoras do projeto sulista,
em relação à república que se proclama. Opondo-se ao ideal liberal, na vertente crítica ao
laissez-faire e aos anseios do acúmulo materialista, o positivismo castilhista defendia uma
ordem a partir do fortalecimento do Estado, este disciplinador e educador da virtude e da

25
“Um semióforo é, pois, um acontecimento, um animal, um objeto, uma pessoa ou uma instituição retirados do
circuito do uso ou sem utilidade direta e imediata na vida cotidiana porque são coisas providas de significação ou
de valor simbólico, capazes de relacionar o visível e o invisível, seja no espaço, seja no tempo... ele é também
posse e propriedade daqueles que detêm o poder para produzir e conservar um sistema de crenças ou um sistema
de instituições que lhes permite dominar um meio social.” (CHAUI: 2000: 12,13).
50
moralização social. Para a filosofia política positivista, dois planos, ou opções políticas se
apresentavam para a implantação da marcha
26
ao estado positivo: “Empenhar-se na educação
dos espíritos ou impor a organização positiva por parte da maioria esclarecida”.
(RODRIGUEZ: 2000:23).
Da elite política rio-grandense, segundo Rodriguez, Pereira Barreto assumiu, num
tempo de um positivismo ilustrado, o primeiro plano. Já em Julio de Castilhos e Borges de
Medeiros, no Rio Grande do Sul, Pinheiro Machado e Getúlio Vargas, em nível nacional,
optaram pelo segundo plano, o que nos interessa para análise do pensamento autoritário e
republicano brasileiro. A filosofia positivista se manifesta a partir da política gaúcha, na
forma do castilhismo, fenômeno e expressão do controle do poder regional do sul do país. Se
este projeto foi derrotado no Congresso constituinte de 1891 quando se buscou um explícito
embate com os liberais republicanos, quando propõe a instauração de um regime moralizador,
“baseado não na preservação de interesses materiais, mas fundado nas virtudes republicanas”,
Julio de Castilhos aplicou tais ideias, sintetizadas numa ética republicana positivista, no Rio
Grande do Sul, em sua constituição estadual. (RODRIGUEZ: 2000:23).
O castilhismo foi uma das vertentes republicanas, de caráter autoritário sendo
alternativa de projeto na condução da política nacional. Neste contexto, a preponderância do
Estado forte, pedagógico, orientador e responsável em implantar o progresso, onde a ideia de
moralização dos indivíduos através da tutela do Estado justificou a força do poder
centralizador e condutor do progresso nacional. (Idem: 2000:23). O pensamento político de
Julio de Castilhos aborda dois elementos importantes neste traço de idealização e utopia
republicano – positivista. Primeiro ressaltou a postura do governante como aquele que traz em
seu ideal “a absoluta pureza de intenções, sendo a moralidade a nota primordial de sua
atuação”. Em seu plano de organização do Estado, discute a essência do bem-público. Critica
mais uma vez os liberais quando estes entendiam que o bem-público resultava da conciliação
dos interesses individuais. No entendimento de Castilhos, o bem-público, para o governante,
concentrado a partir das ações do Estado forte, destituindo os interesses individuais e zelando
pela educação cívica dos cidadãos. (RODRIGUEZ: 2000:23).

26
“A dinâmica social de Comte, isto é, a sociedade em movimento ou em progresso, confunde-se com o próprio
desenvolvimento histórico da humanidade. É na história que se processa a evolução humana, fazendo com que o
homem se torne cada vez mais humano, isto é, realize a sua natureza humana, que nela se revela”. FILHO,
Evaristo de Moraes. (1989). In. COMTE (Os Pensadores). Pág. 29.
51
O castilhismo então, em seus fundamentos positivistas, vê no processo político e
educativo os elementos para o alcance da marcha da humanidade em sua etapa de progresso e
desenvolvimento. A escola é a instituição referência para o desenvolvimento da virtude e
moral social. A crítica e rejeição a um modelo político representativo vêm deste caráter de
protagonizar o Estado e a sua tutela diante da sociedade, da qual o castilhismo operou com
eficiência no Rio Grande do Sul e desdobrou-se como ideologia na classe dirigente sulista, na
geração futura que esteve presente na condução da república. O castilhismo como movimento
e ideologia aproxima-se como vertente de um nacionalismo autoritário, antidemocrático,
centralizador dos poderes concentrados no Estado. Julio de Castilhos e Getúlio Vargas são as
expressões maiores desta ideologia que se transforma em estratégia de controle do poder e
reproduz-se de certa forma na política nacional. O castilhismo como filosofia e movimento
político pautou a instituição do Estado Novo bem como a sua ordem jurídica. Sendo assim,
este movimento significou uma das matrizes que se destacaram na formação do pensamento
autoritário republicano.
Essa ideologia foi, outrossim, o arquétipo que moldou o nosso modelo
republicano, alicerçado na crença positivista de que o poder do saber é
canalizado, na prática política, na preeminência do executivo sobre os outros
poderes e no exercício de rigorosa tutela do Estado sobre a massa informe
dos cidadãos, banida como pertencente à metafísica liberal qualquer
tentativa de estruturar a representação e ver garantidos direitos civis básicos,
como a liberdade de imprensa ou o funcionamento da oposição.
(RODRIGUEZ: 2000:247).
O castilhismo materializou-se num regime político a partir de três etapas
historicamente constituídas: “1) A constituição formulada por Julio de Castilhos em 1891, na
defesa da tese da filosofia política contida na ordem jurídica proposta para a república
brasileira; 2) Nas propostas modernizadoras elaboradas pela segunda geração de castilhistas,
composta por Getúlio Vargas, Lindolfo Collor, dentre outros; 3) A ordem jurídica composta,
em 1937 no Estado Novo”. (RODRIGUEZ: 2000: 248).
Na composição da Carta de 1937, dois intelectuais orgânicos atuaram sob influência
castilhista. No campo da reflexão de uma sociologia política, para um projeto nacional,
Oliveira Viana; na ordem jurídica, Francisco Campos.
27
A aproximação entre o castilhismo e
Oliveira Viana se deu através das obras produzidas pelo sociólogo fluminense onde algumas

27
Na seção 1.2 deste trabalho analiso o pensamento social – autoritário de Oliveira Viana e Francisco Campos.
52
reflexões coincidiam com o pensamento de Vargas e a intelligêntsia rio-grandense: a crítica
ao formalismo jurídico de cunho liberal e a defesa de um Estado forte, centralizador, condutor
da modernização. A análise de Viana sobre a formação do Estado do Rio Grande do Sul a
partir de uma fronteira viva, flexível, de acordo com os ambientes geográficos da Bacia do
Prata e a necessidade permanente de organização militar, por onde se estabelecia um projeto
comum de defesa territorial, fazia com que os habitantes da região estivessem receptivos às
ordens e o sentimento nacional e do bem-público. Esta leitura, oriunda do segundo volume de
Populações Meridionais, aproximou Vargas e castilhistas das teses de Viana. (RODRIGUEZ:
2000: 260).
No Estado Novo e em sua ordem constitucional, Vargas incorporou o plano de
Francisco Campos a favor da educação das massas – elemento tão caro ao positivismo-
castilhismo. Para Vargas, educar as massas seria a incorporação de novos quadros técnicos ao
Estado e à nação, não para competir com estes, mas para ampliá-los dentro de um caráter
nacionalista. A educação para as massas significou também a preparação do operariado ao
enfrentamento dos desafios para a modernização do país. Citando Francisco José de Souza,
Rodrigues acentua a fidelidade de Vargas em relação ao castilhismo, afirmando inclusive que
o “pensamento estadonovista foi, portanto, mais castilhista que qualquer outra coisa”. O
caráter castilhista de Vargas esteve presente a partir de alguns princípios de sua filosofia
política:
1) O governo é uma questão técnica, é um problema de competência (o
poder vem do saber e não de Deus ou da representação; 2) O governo não é
ditatorial (do ponto de vista getuliano) porque não legisla no vazio, mas
consulta as partes interessadas; 3) Os esquemas corporativos (sindicatos
profissionais tutelados pelo estado) foram adotados para a realização do
lema comtiano da incorporação do proletariado à sociedade moderna.
(RODRIGUEZ: 2000: 269).
Entre os anos de 1955 – 1964, o nacionalismo foi apropriado pelo intenso movimento
das instituições sociais e que levantaram as bandeiras que sintetizavam ideais a partir da
preocupação com o subdesenvolvimento, do não-alinhamento aos Estados Unidos, pela defesa
dos recursos naturais do país e a presença do Estado como planejador da economia.
(DELGADO: 2007:361).
As décadas de 1950 – 1960 representaram a efervescência da sociedade civil e a
incisiva defesa de um pensamento nacionalista e reformista, identificada por uma Frente
Parlamentar Nacionalista (FPN), organização propagadora deste movimento, com voz nos
53
parlamentos do país. Foi então a partir desta matriz nacionalista que se aglutinou um amplo
campo de mobilização social, em convergência com a defesa de reformas estruturantes na
economia e de sua modernização. As teses nacionalistas, desdobradas nos debates entre
intelectuais e instituições, dentre elas o ISEB, tornaram-se fala comum no movimento, sendo
sustentadas por partidos políticos dentro deste marco ideológico, destacando-se o PTB, o PSB
e o PCB. Identificaram-se então com a pauta das reivindicações nacionalistas no
“revigoramento da defesa do monopólio estatal do petróleo; controle estatal sobre a
distribuição de energia elétrica; forte controle sobre a remessa de lucros e oposição a qualquer
acordo com o Fundo Monetário Internacional”. (DELGADO: 2007:361).
1.4 Entre os Anos de 1950 – 1960: Da Análise Crítica da Realidade Brasileira ao
Nacionalismo Desenvolvimentista.
Os anos que marcaram a metade do século XX representaram, na interpretação de
Hobsbawn
28
uma era do ouro, onde a expansão do capitalismo mundial, o avanço tecnológico
e o acesso ampliado das massas sociais aos bens de consumo deram o tom deste tempo. Fruto
das conjunturas históricas do pós-guerra, a internacionalização da economia consolidou o
poder dos Estados Unidos e da Europa Ocidental como centros dos processos de acúmulo do
capital mundial. No Brasil, o pós-guerra influenciou, com os ventos da democracia, a
transição política no país. A deposição de Vargas ocorrida em 29 de outubro de 1945
inaugurou um ambiente de liberdade de expressão, reorganização da sociedade civil, num
regime que promulgou, em 1946, uma constituição de caráter liberal. O governo de Eurico
Gaspar Dutra, tomando posse em janeiro de 1946, assumiu características diferentes dos
tempos de Vargas, apostando na livre-iniciativa e nos princípios agora propagados pelos
aliados da América do Norte, vencedores da Segunda Guerra.
Sob o clima do liberalismo econômico, antiestatizante e francamente
simpático ao capital estrangeiro. Em seu governo, abandona-se a política de
desenvolvimento econômico sustentado pelo Estado passando-se essa tarefa
à inicativa privada, e adota-se uma orientação com o objetivo de reduzir
drasticamente as funções do poder público. (ABREU PENNA: 1999:209).

28
HOBSBAWM, Eric. (1995). A Era dos Extremos: O Breve Século XX. Os Anos Dourados. Pg. 253.
54
Este ambiente político foi propício para a redefinição de uma nova rota do pensamento
social brasileiro, capitalizando um campo de reflexão, entre intelectuais articulados com as
universidades e instituições de pesquisa e que estiveram comprometidos em pensar a
realidade social. (IANNI: 1989:84). O campo estudado e elevado ao status de problema na
pesquisa das ciências sociais, num conjunto de historiadores, cronistas, escritores da literatura,
antropólogos e economistas que atenderam as expectativas de análise e produção científica
tendo como objeto de estudos a transição entre o mundo agrário e o urbano em ascensão, entre
os fatores determinantes que compuseram o meio rural e sua gente, a emergência do poder da
industrialização e a nova geografia da cidade.
O novo objeto de estudos parte de 1930, na matéria de análise das ciências sociais que
se debruçaram como marco de observação e problema. Antes deste período, o viés
predominante de análise pautava-se em questões morais, filosóficas e jurídicas, tendo como
fundamentos ideológicos e doutrinários o positivismo, o liberalismo, o evolucionismo e
também o catolicismo. O caráter deste marco das ciências sociais enfatizava um pensamento
voltado para os problemas do Estado, sua organização. No enfoque de percepção e estudos
sobre o povo, questões sobre a raça, cultura, a geografia e o seu ambiente, o processo
evolutivo da civilização. (IANNI: 1989:86).
A industrialização alavancou transformações e contradições sociais que
impulsionaram a renovação das ciências sociais e seus intelectuais que, metodologicamente,
viram-se no caminho de se pensar o país a partir de sua realidade e de seus problemas. Para
IANNI, o pós-guerra foi o tempo da organização de núcleos de reflexão, de composição de
uma geração de intelectuais que mergulharam suas investigações nos problemas brasileiros:
“Essa história compreende a fundação de universidades, faculdades, escolas, institutos e
centros de ensino e pesquisa dedicados às ciências sociais, compreendendo a sociologia,
economia, política, demografia, geografia, história” (IANNI: 1989:88). Dois grupos, nas
ciências sociais, contribuíram para a formação do pensamento social brasileiro. Um primeiro
grupo onde os elementos fundantes deste pensamento estiveram presentes nas contribuições
sociológicas válidas, dentre os quais Tavares Bastos, Joaquim Nabuco, Silvio Romero,
Euclides da Cunha, Alberto Torres, Oliveira Viana, etc.
Num segundo grupo, com contribuições controversas, mas articulando-se numa nova
perspectiva das ciências sociais; Gilberto Freire, Caio Prado Junior, Sergio Buarque de
Holanda, Fernando de Azevedo, Guerreiro Ramos, Helio Jaguaribe, Nelson Werneck Sodré,
55
Raymundo Faoro, Antonio Cândido e Florestan Fernandes. Entre os anos de 1940,
consolidou-se uma geração que buscou na fonte dos clássicos, nutrindo-se ainda do primeiro
grupo de intelectuais do pensamento social brasileiro, considerados como herdeiros,
dissidentes, críticos ou inovadores (IANNI: 1989:90). Neste elenco de intelectuais, destacam-
se Oliveira Viana, Gilberto Freire, Emilio Willens e Roger Bastide. Esforçam-se em
abandonar o ensaio, buscando o rigor científico na teoria e na metodologia, compondo uma
construção histórica com a pesquisa de campo. Numa terceira geração da sociologia brasileira
encontram-se nomes tais como os de Florestan Fernandes, Guerreiro Ramos e Helio
Jaguaribe. Estes dois últimos fizeram parte do grupo de Itatiaia, fundadores do ISEB, entidade
que entre os anos de 1950 e 1960 compôs o ideário do nacionalismo desenvolvimentista. O
marco teórico identificado pelas reflexões de Florestan Fernandes nos servirá de auxílio para a
análise da contraposição de ideias e visões sobre o projeto civilizatório brasileiro, primeiro
imposto pelo Estado Novo e a sua propaganda, como observamos no pensamento de
Francisco Campos e Capanema.
1.5 Florestan Fernandes e a Leitura Crítica da Realidade Brasileira
Sobre Florestan Fernandes está a possibilidade de realizarmos uma análise de seu
pensamento social comparando-o com o que os intelectuais do regime varguista introduziram
sobre o projeto civilizatório brasileiro, bem como identificarmos os antagonismos teóricos
entre a crítica ao nacionalismo desenvolvimentista como alternativa para o país. Se Francisco
Campos e Capanema pensaram o país a partir da operação política do Estado, defendendo a
lógica autoritária varguista e o ideal nacional de desenvolvimento, Florestan surge com uma
reflexão que se impõe metodologicamente adversa ao pensamento estadonovista. Oriundo de
família pobre de imigrantes obteve sua formação acadêmica com imensas dificuldades
sociais, tendo mesmo que estudar sozinho, sem ter tido oportunidade da educação regular.
Começou a trabalhar com seis anos de idade, o que lhe prejudicou a ter uma vida escolar
regular. Aprendeu sozinho a estudar, num tipo de autodisciplina que lhe fez amadurecer e
enfrentar o curso de madureza, em 1938. “Em três anos fiz o equivalente de sete anos. Quem
56
fazia o curso de madureza, de acordo com o artigo 100 tinha direito de fazer exames para
ingressar num curso no colégio que era junto à Universidade – era o pré.”
29
Em 1941 ingressa na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras – FFCL da
Universidade de São Paulo – USP, iniciando a sua carreira acadêmica, forjando-se como
intelectual. Esta é, pois, uma das diferenças políticas entre Francisco Campos, Capanema e
Florestan, onde a sua área de atuação não esteve a partir ou no interior do Estado, pois
concentrou as suas lutas a partir da Universidade, da pesquisa e de sua militância política
junto à sociedade. A forma de acesso à universidade e o esforço de conquistar sua formação
acadêmica demonstra as dificuldades institucionais para o ingresso e permanência daqueles
que desejavam a pesquisa, a investigação e a formulação teórica:
O que era essa faculdade para os pobres coitados que viviam e saiam do
nosso mundo cultural? Eu não sabia francês. O que eu tinha aprendido de
francês e inglês dava para passar no exame, não dava para ler um livro, um
artigo, quanto mais ouvir um curso de estatística em italiano. Realmente
havia uma falta de conexão entre a ideia da universidade e o potencial
concreto.
30
Este depoimento de Florestan indica o grau que se apresentava a Universidade e a
própria política de pós-graduação, inexistente no país. Para iniciar sua carreira docente na
universidade de São Paulo, como mandava a tradição, recebeu convite de Fernando de
Azevedo: “Professor Fernando de Azevedo, eu não sou responsável pelo que vai acontecer.
Eu sou aluno, o senhor está convidando um aluno para ser assistente, e isso está errado. Não
fosse o Antonio Cândido, eu teria perdido o convite...”.
31
Entre os anos de 1947 a 1952 obtém
o mestrado pela Escola de Sociologia e Política de São Paulo com a dissertação sobre a
Organização Social dos Tupinambás. Concluiu o doutorado com a tese A Função Social da
Guerra na Sociedade Tupinambá. Seu papel de intelectual ultrapassou os muros da
Universidade onde atuou como militante das causas sociais, dentre elas, em especial da
educação. Quando então trabalha com a realidade histórico-social, seguindo as perspectivas
teórico-metodológicas do marxismo, vê, observa e analisa esta realidade pelo prisma das
relações de produção, da sociedade composta de classes sociais antagônicas – interpretando o
Brasil a partir destas contradições de sua formação cultural-nacional.

29
Idem, pg. 101.
30
Depoimento a Alfredo Bosi, Carlos Guilherme Mota e Gabriel Cohn. Museu da Imagem e do Som, SP, 1981,
pg. 102.
31
Idem, pg. 104.
57
Sua filiação teórica parte das clássicas matrizes do pensamento social, quando ele
mesmo afirma as influências de Durkheim, Max Weber e Karl Marx. Esse ecletismo
significou uma sólida percepção do seu campo de estudos, não sendo somente a Sociologia
como referência, mas a interseção com a História e a Antropologia, marcos presentes em suas
principais obras no início de sua carreira acadêmica. Em Durkheim, Florestan apreendeu a
sistematização do método funcionalista. Já em Max Weber, a metodologia compreensiva e em
Marx, a dialética materialista. No campo teórico específico do marxismo, o próprio Marx,
Lênin, Engels, Trotsky e Gramsci foram leituras que fundamentaram a visão de Florestan
sobre a realidade brasileira. No encontro com o pensamento social brasileiro já produzido,
confrontou suas ideias numa leitura crítica a partir de Euclides da Cunha, Lima Barreto,
Astrogildo Pereira, Graciliano Ramos e Caio Prado Junior.
Para Ianni, a influência deste pensamento social brasileiro na obra Florestan contribuiu
para que este recuperasse as dimensões básicas das condições de existência, nas relações de
trabalho e produção entre os índios, negros, caboclos; entre o trabalho escravo e livre, entre
seringueiros, peões e operários – elementos continuamente presentes na obra de Florestan.
Mas Florestan é homem de seu tempo, dos anos 1940, na efervescência da urbanização-
industrialização, dos fenômenos migratórios e das contradições políticas na ascensão dos
movimentos sociais e partidos políticos. A transição do mundo agrário para a industrialização
e as permanências das lógicas econômicas e políticas do mundo rural, formaram, na estatura
intelectual de Florestan, um tripé, fonte de seu trabalho acadêmico e de interpretação do
Brasil – A Colonização, a Escravatura e a Revolução Burguesa. No desdobramento
colonização-escravatura, Florestan sinaliza a função de domínio do colonizador, nas esferas
da política, da cultura e da economia, onde esta explora e impõe aos povos nativos as relações
de dominação.
A interpretação sobre o Brasil é dialética; remete-se aos séculos XVIII e XIX,
desenvolvendo uma categoria que afirma que no século XX, guardando as expectativas
histórico-sociais onde setores das classes dominantes nacionais, articulados com os interesses
imperialistas, impõem aos camponeses e operários a exploração capitalista. A escravidão é
produto do sistema de exploração colonial. Florestan preocupa-se, mesmo não deixando de
realizar análise interna da sociedade escravista, com as totalidades desta dinâmica entre a
colônia e a metrópole, elemento abrangente que descortina o trabalho escravo em sua
58
estrutura, verdadeira lógica de dominação e dependência, desfazendo-se de qualquer mito de
cordialidade entre as relações do senhor de engenho com o escravo. (IANNI: 1989:102).
Há, pois, em Florestan um referencial teórico invertido quando acentua a lógica do
feitichismo da cor, do africano metamorfoseado em escravo, fator que rompe com o ideal
racista concebido por Oliveira Vianna, de purificação da raça na condição social da cor do
brasileiro.
Negro equivalia a individuo privado de autonomia e liberdade; escravo
correspondia (em particular do século XVIII em diante), ao individuo de cor.
Daí a dupla proibição, que pesava sobre o negro e o mulato: o acesso a
papeis sociais que pressupunham regalias e direitos lhes era simultaneamente
vedado pela condição social e pela cor.
32
A formação histórica do povo brasileiro constituiu-se a partir das relações de produção
de dominação, onde a perspectiva da luta de classes esteve presente neste processo, na relação
entre o senhor - proprietário e o escravo, negro-africano. Neste olhar interpretativo sobre o
Brasil, a categoria Revolução Burguesa aparece como um elo que dá significado à realidade
brasileira. A chave da Revolução Burguesa no Brasil está nos fundamentos do escravismo do
antigo regime e que permaneceu vinculado entre a abolição e o ensejo republicano. A
transição republicana funda o mito da democracia racial, dissolução ideológica das diferenças
de classe.
Surge a república com o caráter da exclusão: o trabalho livre, o negro, o mulato –
elementos que mantém a dinâmica da exploração, num tipo de capitalismo dependente, num
liberalismo sem povo, afeito aos interesses das classes dominantes. Tanto Werneck Vianna,
quanto José Murilo de Carvalho aproximam-se do pensamento de Florestan. Em J. M. de
Carvalho vê-se a ideia de uma república ausente de cidadania, aspecto que acompanhará as
reflexões de Florestan em suas pesquisas e avaliações históricas sobre o Brasil. Em W.
Vianna, a categoria trabalhada por este sobre as mudanças sociais no Brasil e o seu caráter
autoritário também estará em Florestan quando este analisa o desenvolvimento da burguesia
nacional e o seu papel de subordinação em relação ao capital internacional, o que
comentaremos mais à frente.
Para Florestan, a Revolução Burguesa no Brasil, como processo histórico, mantém
permanências do atraso dominante, principalmente da grande empresa agrária, pois a

32
FERNANDES, Florestan e BATISDE, Roger. Cor e Estrutura Social em Mudança. In. Brancos e Negros em
São Paulo. Ed. Nacional, 1959, SP, op. Cit. IANNI, Octavio. Sociologia da Sociologia, pg. 104.
59
primeira república teve um bloco de poder apoiado na cafeicultura e nas burguesias paulistas
e mineiras. A manutenção da ordem rural num tipo de economia primária exportadora. A
reflexão madura de Florestan, no contexto dos anos de 1950 ocorreu de sua crítica ao
desenvolvimentismo, quando enfatiza em seus estudos a relação do grande capital com os
centros exógenos, dependentes e subordinados política, econômica e culturalmente. Quando
discute a natureza do desenvolvimentismo, sua ideologia disserta sobre o discurso e a tese de
que o desenvolvimento é um processo/projeto nacional onde a centralidade e análise política
concentram-se na dinâmica Estado-Nação. (LIMOEIRO: 2005:09). Esta tese foi um dos
componentes teóricos, com desdobramentos políticos que distanciaram intelectuais de São
Paulo em relação ao grupo articulador do ISEB, núcleo pensante do projeto do
desenvolvimentismo nacionalista. Na crítica ao desenvolvimentismo e o seu caráter de projeto
nacional, Florestan afirmou que os elementos sociais determinantes no Brasil vão para além
dos limites nacionais, numa relação de dependência e subordinação do país, da sociedade e a
expansão do capitalismo no mundo.
A base teórica então é que o Brasil encaixava-se num tipo de capitalismo dependente,
na lógica do sistema econômico onde a expansão internacional do capital monopolista se
estabelecia. Este modelo econômico “é caracterizado pelo desenvolvimento de mecanismos
de absorção do excedente e, com isso, de manutenção do crescimento... A expansão
imperialista do capitalismo monopolista e pela extração de excedente econômico do Terceiro
Mundo promovida por este imperialismo.” (BOTTOMORE, 1988, p. 54). Ocorreria então
uma integração entre as sociedades sem a autonomia no controle econômico de seus sistemas
internos causando dependência em relação aos centros de dominância da expansão
econômica capitalista. (LIMOEIRO: 2005:11). O capitalismo dependente que se articula e se
manifesta no Brasil é parte específica do sistema-mundo do capitalismo monopolista.
Metodologicamente, em suas investigações e análises, Florestan interpretou o país, sua
formação a partir da dinâmica do grande capital e suas relações impostas de subordinação e
dependência. No desenvolvimentismo, o movimento do capitalismo monopolista se faz
presente como sistema-mundo e no seu desdobramento, impactos político-sociais-econômicos
que consolidaram uma sociedade de classes, crítica esta desprezada por aqueles defensores do
avanço e desenvolvimento do país a partir da industrialização e investimentos do capital
internacional no país. Nesta crítica realizada por Florestan fica inviável a defesa do
desenvolvimentismo considerando seu discurso de união nacional, esforço comum para o
60
alcance do desenvolvimento. Não há como conciliar os antagonismos das classes sociais com
a campanha da união nacional a favor do desenvolvimento.
Há, pois uma relação de categorias sociológicas e históricas, das quais fundamentaram
a teoria construída por Florestan, dentre elas a heteronomia – dependência do centro do
capital e a relação aos outros centros periféricos subordinados a estes, o desenvolvimento de
uma revolução burguesa no Brasil em bases bem peculiares, caracterizando esta burguesia
como um núcleo de classe dominante nacional sem um projeto autônomo, mas aliada do
grande capital e o caráter de desenvolvimento que se manifesta no país, onde parcerias
ocorrem, de forma subordinada, num movimento dialético de dependência, causando e
reproduzindo as desigualdades sociais. As relações de dominação se estabelecem de forma
conjugada, onde o centro do capital, as burguesias hegemônicas fortalecem-se a partir das
relações com suas parceiras, as burguesias dependentes criando um vínculo de subordinação e
fortalecimento do capitalismo monopolista. A questão nacional abordada por Florestan
reafirma que as mudanças ocorridas ao longo da história do país fortalecem-se a partir dos
limites da classe dominante responsável em conduzir as transformações sociais. A burguesia
dependente das burguesias hegemônicas não tem a capacidade revolucionária de construírem
um projeto de poder, de serem protagonistas de mudanças democráticas, isolam inclusive as
demais classes de um possível projeto civilizatório. Acomodam-se e sentem-se satisfeitas com
as relações de dominação entre o centro e a periferia.
Werneck Vianna (1997), em sua reflexão sobre as mudanças ocorridas pelo alto no
país, aproxima-se das concepções abordadas por Florestan: a sociedade brasileira observa
como platéia o desenvolvimento do país, suas transformações econômicas e sociais, alheia aos
acontecimentos, consentindo a uma classe dominante, interessada obviamente em interesses
privados, subordinada aos interesses do capital internacional, mas responsável em realizar
mudanças de acordo com as conveniências e interesses outros, daqueles que, efetivamente,
viessem a desdobrar um projeto civilizatório ao país. No contexto do final dos anos de 1950 e
a década de 1960, as ideias em defesa da economia nacional, sejam dentro da ordem
capitalista ou nas alternativas propostas de cunho revolucionário, o ideário de Florestan, de
alguma forma se aproximou das reflexões do coletivo de intelectuais, pesquisadores e
estudiosos da CEPAL
33
Comissão Econômica para a América Latina – aproximando-se

33
A CEPAL desenvolveu uma base teórica que vinha a sustentar uma leitura da realidade econômica e social
latino-americana. A partir do enfoque histórico-estruturalista, baseado na ideia de “centro” – mundo capitalista
desenvolvido e a “periferia” – mundo subdesenvolvido latino-americano. O movimento teórico tinha como
61
principalmente do pensamento de Gunder Frank economista cepalino que buscava uma
reflexão que defenderia uma ruptura, mais à esquerda, com a Teoria da Dependência, dentre
outros que pensaram alternativas para a economia latino-americana e as críticas voltadas nesta
relação de dependência das economias regionais periféricas com o centro desenvolvido
industrial do grande capital.
Mas existem diferenças básicas entre Florestan e a CEPAL. Se para a CEPAL, a
natureza que diferencia as desigualdades e, por conseguinte, demonstram o atraso da etapa do
capitalismo periférico está no nível de controle tecnológico, nas condições de como se
estruturam nos países de economia dependente, na indústria. Na leitura de Florestan, a
desigualdade e a característica dos núcleos de dependência econômica na América Latina e
Brasil estão sendo articulados na heteronomia (dependência) destes países ao centro do
grande capital. O foco do desenvolvimento da CEPAL está no domínio do nível tecnológico
pelos países periféricos para que estes pudessem alcançar um nível de autonomia econômica
capitalista em relação ao mundo desenvolvido. Para Florestan a centralidade das mudanças
está projetada justamente na natureza da autonomia conquistada pelos países periféricos.
Neste contexto, a busca pelo desenvolvimento e autonomia dos países periféricos passaria,
indicando uma ruptura com a condição colonial, por profundas transformações estruturais e
históricas. Estabelece, pois um diálogo crítico com a CEPAL e especificamente com os
intelectuais deste campo de reflexão, dentre eles, Prebisch, com os trabalhos de Myrdal
(1960) e com Gunder Frank (1967). (LIMOEIRO: 2005:14). A contribuição para a construção
da teoria da dependência de Gunder Frank, economista belga e de formação marxista,
caracterizou-se por um estudo predominantemente econômico, onde a industrialização que
ocorria como modalidade da exploração que o imperialismo estabelecia aos trabalhadores do
país subdesenvolvido, em aliança política com as elites dirigentes deste país. O cenário
traçado por Gunder Frank apontou para a relação da acumulação da riqueza concentrada dos
grupos detentores do capital industrial junto à eminente expansão do capitalismo
internacional, enriquecendo os países desenvolvidos. (BIELCHOWSKY: 2000:42). Foi com

pressuposto uma análise entre a inserção internacional das economias locais e os estudos dos condicionantes
estruturais internos destas economias tendo como fatores o crescimento e o progresso tecnológico, o emprego e a
distribuição de renda.
62
Prebisch
34
que Florestan estabeleceu um debate sobre as convicções antagônicas quanto à
concepção de desenvolvimento na dinâmica sistema-mundo e a ordem capitalista.
A concepção de Prebisch, bem como seus desdobramentos cepalinos
reconhece a existência de uma profunda diferenciação no interior do sistema
econômico mundial, mas atribui basicamente à diferença da forma como
ocorre a propagação do progresso técnico em cada caso, isto é, no centro e na
periferia. Tem, portanto, no progresso técnico a chave de diferenciação interna
ao sistema econômico mundial. Essa concepção assume como seu objetivo o
desenvolvimento das regiões periféricas e aponta a industrialização dessas
regiões como solução aquele objetivo. (LIMOEIRO: 2005:14).
A crítica de Florestan ao pensamento hegemônico cepalino esteve então na
consideração de que a expansão da industrialização nos países subdesenvolvidos deveria levar
em conta os interesses nacionais, rompendo as relações de dominação centro-periferia. A
ideologia desenvolvimentista, acentuada no período de governo de Juscelino Kubitschek,
defendeu a bandeira da união nacional onde todos os componentes sociais estivessem
convictos sobre a necessidade do país em avançar para o moderno, o tecnológico, o industrial.
Florestan critica esta ideologia da união nacional para viabilizar a expansão industrial no país
porque considera que tal desenvolvimento estaria inserido no contexto de um capital
internacionalizado e reprodutor da dependência, causadora do subdesenvolvimento. Mudar,
mas dentro da ordem do capitalismo mundial, estratégia de JK, projeto civilizatório
descartado como projeto político nacional por Florestan.
1.5.1 Pensamento Educacional e Militância Política de Florestan
A atuação de Florestan Fernandes como intelectual, não se restringiu aos muros da
universidade e entendia que seu compromisso histórico como professor e pesquisador passava
também pela militância, no levantamento de bandeiras e movimentos articulados junto à
caminhada em defesa da educação e democracia. Na década de 1940 luta contra o
totalitarismo e o Estado Novo; criticou o populismo entre os anos de 1950 – 1960. Crítico da

34
Raúl Prebisch, ex-gerente do Banco Central argentino, secretário executivo da CEPAL a partir de 1950, foi o
autor da teoria estruturalista do subdesenvolvimento periférico, onde a análise das profundas mudanças que se
observava nas economias subdesenvolvidas do continente do modelo de crescimento primário-exportador (para
fora) ao modelo urbano-industrial (para dentro). BIELCHOWSKY, Ricardo. Cinqüenta Anos de Pensamento na
CEPAL. In. BIELCHOWSKY, Ricardo (Org.). Cinqüenta Anos de pensamento na CEPAL. Página 20.
63
transição negociada dos anos de 1980 arriscou a carreira parlamentar, sendo deputado
constituinte entre os anos de 1987 – 1988. Num ato contínuo em desenvolver uma tensão
entre o pensamento científico e a realidade, entendeu, dentro dos referenciais teóricos do
marxismo, que a leitura crítica dos fenômenos sociais revelava-se entre teoria – prática. Entre
o final dos anos de 1950 e o início da conturbada década de 1960, mobiliza-se na defesa pela
democratização da Escola Pública, quando da discussão e aprovação da primeira Lei de
Diretrizes e Bases da Educação nacional (LDB). Da promulgação da constituição de 1946, do
início da tramitação da LDB até a campanha em defesa da Escola Pública, Florestan atuou
ativamente. Do movimento de 1959, estavam organizados entre os grupos de pressão,
educadores e intelectuais preocupados com a firme posição de católicos e do empresariado em
geral na tendência de se garantir verbas públicas para instituições privadas. Dentre aqueles
que participavam do movimento estavam os da geração dos pioneiros, Fernando de Azevedo,
Anísio Teixeira, Lourenço Filho, Abgar Renault; e uma nova geração de intelectuais,
Florestan Fernandes e Fernando Henrique Cardoso. (ROMANELLI: 1978:176).
A campanha a favor da Escola Pública trouxe três campos de intelectuais que atuavam
em grupos distintos de pressão. Florestan simbolizou uma forte liderança neste movimento
porque se identificava efetivamente com os estudantes e colegas que formavam o grupo de
tendência socialista, dentre eles, seus orientandos, Fernando Henrique Cardoso e Octavio
Ianni e Wilson Cantoni, seu colega de Universidade. No campo liberal do movimento,
aqueles que historicamente estiveram entre as décadas de 1920, 30 e 40, na defesa da escola
pública no país, os Pioneiros. (SAVIANI: 1996:11). Dentre os campos ideológicos que se
apresentavam ao movimento, havia ainda o grupo de liberais pragmatistas, liderados pelo
Jornal O Estado de São Paulo, liderados pelo proprietário do jornal, Julio de Mesquita Filho.
As diferenças básicas entre os dois grupos liberais estão nas estratégias de atuação política,
bem como nas perspectivas ideológicas diante do papel da Escola Pública no país:
Os liberais-idealistas partem de uma ideia essencialista de homem,
encarado como um ser de caráter absoluto e que se afirma como indivíduo
dotado de liberdade, originalidade e autonomia (...). Portanto, a educação
deve ter como objetivo supremo a afirmação da liberdade, originalidade e
autonomia ética do indivíduo (...). Os liberais-pragmatistas, por sua vez,
partem de uma visão de homem centrada na vida, na existência, na atividade.
Seus argumentos são sempre de ordem prática. Defendem a escola pública
em função de sua maior eficiência para responder às necessidades postas
para a sociedade constituída. (SAVIANI: 1996:12).
64
O grupo de tendência socialista, liderado por Florestan, entendia que os homens são
sujeitos sociais e historicamente constituídos, e a escola pública seria um instrumento eficaz
no processo de superação do subdesenvolvimento. (IDEM: 11). Os debates se acirram a partir
dos temas sobre a centralização e descentralização e a liberdade de ensino. O Substitutivo
apresentado pelo deputado Carlos Lacerda, documento elaborado com a participação de leigos
católicos e representantes do ideário empresarial. Anos depois dos embates ocorridos entre os
campos políticos distintos, entre a década de 1930 e em 1932, ano de lançamento do
Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, dos encontros nacionais de educação na luta de
projetos no interior da ABE e do próprio período Vargas, retomava-se o embate, pois
católicos e empresários, sob a condição do Substitutivo Lacerda, passaram a exigir igualdade
de atendimento para a escola privada.
Cabe acentuar o papel de Florestan no movimento considerando sua atuação crítica
diante dos grupos que se apresentavam na defesa da Escola Pública. Entendia que a
construção da democracia no país passava em não se conceber a educação como privilégio,
mas com o direito inquestionável da sociedade. Sua perspectiva revolucionária lhe
acompanhava como elemento dinâmico no rigor de sua reflexão diante do que pensava sobre
a revolução burguesa no país e as relações de dominação entre as economias dependentes e
subordinadas ao centro do grande capital, mas ao atuar politicamente no movimento em
defesa da escola pública, percebia que a pressão popular seria um sinal dos avanços
democráticos no país – reformar para revolucionar:
Para o sociólogo, naquele momento, a conjugação das Forças era tão
desfavorável ao movimento socialista, que era preciso se aliar aos grupos
burgueses mais avançados para lutar pelas mudanças possíveis em um país
pobre e atrasado como o Brasil. (SILVA: 2005:85).
Seu posicionamento no grupo de intelectuais do movimento era crítico diante dos
projetos antagônicos sobre a educação nacional. No contraponto a Anísio Teixeira e Fernando
de Azevedo, seu professor e, mais tarde aquele que lhe recomendou acesso à Universidade,
Florestan critica a concepção burguesa da revolução educacional defendida pelos pioneiros,
mas reconheceu o papel importante do ideal liberal num projeto civilizatório para o país. Na
verdade, o espírito democrático de Florestan reconheceu o empenho histórico de Fernando de
Azevedo e de Anísio Teixeira na luta pela Escola Pública e a educação no Brasil. Nos
quarenta anos como militante e intelectual, outro exemplo do que Gramsci constatará como
65
atuação orgânica para a sociedade, Florestan envolveu-se com a educação, construindo em
sua vida, uma agenda específica que discutiu o problema educacional brasileiro. Em 1960,
produziu vários artigos sobre o assunto, fruto de sua luta pela democratização do ensino.
1.6 O Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB) e o Nacionalismo
Desenvolvimentista.
Numa conjuntura considerada de crise institucional, Juscelino Kubitschek e João
Goulart, em 31 de janeiro de 1956, tomam posse num ambiente instável e de expectativas
quanto à ação governamental ao conjunto do país. Influenciado pela ideologia cepalina, JK
apresenta como fundamento da política de desenvolvimento o Plano de Metas, concebido a
partir dos estudos elaborados pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico –
BNDES. A concepção de planejamento de Estado, conduzida pelo governo JK, aliou as
bandeiras desenvolvimentistas como o ideário nacionalista de fortalecimento da economia
brasileira. A predisposição do governo em consolidar uma ideologia desenvolvimentista
acarretou em 1955 a criação de dois núcleos de reflexão político-econômica que
desempenharam papel relevante neste terreno. O Fórum Roberto Simonsem, criado pelo
empresariado paulista, teve como objetivo a implantação de um projeto de uma indústria de
base, constituindo-se como porta-voz da iniciativa privada, antiestatista e conservadora nas
análises de conjuntura nacional sobre o tema do desenvolvimento e os seus aspectos políticos.
O outro núcleo surge como uma agência estatal, vinculada ao Ministério da Educação e com
o princípio da defesa de uma ideologia nacional-desenvolvimentista – O Instituto Superior de
Estudos BrasileirosO ISEB. (ABREU PENNA: 1999:227). Criado efetivamente em 14 de
julho de 1955, no governo de transição de Café Filho, teve como princípio estabelecer um
curso permanente de altos estudos políticos e sociais, de caráter formativo aos quadros da
administração pública. (ABREU: 441:2007).
A origem do Instituto Superior de Estudos Brasileiros – ISEB foi o Instituto Brasileiro
de Economia, Sociologia e Política – IBESP, baseado principalmente nas ideias divulgadas a
partir da publicação dos Cadernos do Nosso Tempo. A reunião de um grupo de intelectuais,
principalmente no eixo Rio – São Paulo articulou o futuro do ISEB, onde estiveram presentes,
desde a origem, figuras como Hélio Jaguaribe, Roland Corbisier, Guerreiro Ramos, Álvaro
66
Vieira Pinto, Cândido Mendes de Almeida, dentre outros. As reuniões periódicas ocorridas no
Parque Nacional de Itatiaia significaram a sistematização de debates, no encaminhamento de
relatores responsáveis para a elaboração de textos que se desdobravam entre as discussões
sobre os problemas brasileiros. A formação acadêmica do grupo era de maioria de bacharéis,
oriundos das faculdades de Direito. Do que viria a ser a construção de uma ideologia do
nacionalismo desenvolvimentista, as matrizes desta ideologia vinham de problemas
elaborados dos campos da Filosofia, Sociologia, História, Economia e Política. Da
composição do grupo de Itatiaia, existiram dois núcleos de afinidade em áreas de estudos
específicos. Do grupo de São Paulo, oriundos do movimento integralista, estavam Roland
Corbisier, Miguel Reale e Ângelo Arruda – articulados num tipo de reflexão mais filosófica.
(JAGUARIBE: 2005:32).
No núcleo do Rio de Janeiro havia intelectuais vinculados ao governo Vargas, como
Jaguaribe, assessor do ministro da justiça Negrão de Lima. Para o próprio Jaguaribe, o núcleo
do Rio de Janeiro diferenciava-se do de São Paulo por sua natureza do campo de estudos nas
ciências sociais e de origem trotskista.
35
A estratégia do grupo de Itatiaia, ainda sob a
proteção do IBESP, foi a de conceber um projeto de desenvolvimento para o país buscando
conquistar setores importantes da sociedade brasileira que se preocupava com o problema do
desenvolvimento nacional. Ao se dissolver, por motivos de conflito de procedências
ideológicas
36
, o grupo de Itatiaia e o seu núcleo paulista afastou-se do projeto
desenvolvimentista, com exceção de Roland Corbisier, que inclusive transferiu-se para o Rio
de Janeiro, sendo fundador e primeiro diretor do ISEB. A constituição do órgão partia de
intelectuais de pensamento heterogêneo, não somente por suas origens profissionais, mas
pelas bases teóricas e de visão-de-mundo. (MIGLIOLI: 2005:63). O ISEB então se formou
num órgão do Mistério da Educação, com movimentação própria, intelectuais de correntes
filosóficas diferentes, com diversas áreas de estudos, mas que convergiam na concepção
nacional-desenvolvimentista, ideia – força que contemplava posicionamentos cepalinos e a
presença do governo JK, com as bandeiras da industrialização, do Plano de Metas e do
marketing do tempo acelerado ao desenvolvimento dos 50 anos em cinco.

35
“Fui trotskista em minha juventude, como uma forma de ser marxista não-leninista.” I. TOLEDO, Caio
Navarro de (Org.). (2005). Intelectuais e Política no Brasil: A experiência do ISEB. JAGUARIBE, Hélio. O
ISEB e o Desenvolvimento Nacional. Pg. 33.
36
Idem, pg. 33.
67
Dos chamados isebianos históricos, há uma abordagem quanto às influências de uma
filosofia da existência e de um culturalismo político. O pensamento de Vicente Ferreira da
Silva influenciou não só os princípios do ISEB, mas também intelectuais como Paulo Freire.
A fonte existencialista dos pensadores brasileiros e isebianos passaram pela convivência e
reflexão no Instituto Brasileiro de Filosofia – IBF, sendo que os estudos de Vicente Ferreira
da Silva tinham como principal referência as obras de Hegel, porém, apropriando-se de um
elenco de pensadores, tais como Heidegger, Ortega y Gasset, Gabriel Marcel – todos da
vertente existencialista e culturalista. (PAIVA: 1980:46, 48). Martin Buber e Karl Jaspers,
este último num exercício filosófico de matriz existencialista-cristã, pautaram também como
referências teóricas à escola isebiana. A influência de Ferreira da Silva, a partir do IBF e da
Revista Brasileira de Filosofia, serviu como base para a formação intelectual daqueles que
organizaram o ISEB. (IDEM: 49).
1.6.1 Pensamento Social e Político do ISEB e a Utopia do Desenvolvimentismo
Mesmo que posteriormente as ideias de Jaguaribe tenham passado por transformações,
optando este por uma dedicação à reflexão da sociedade e do Estado, à luz da ciência política,
a formação básica deste advogado e professor teve como referência o ideário de Ortega y
Gasset, definindo um pensamento culturalista diante dos problemas sociais. A ampliação de
suas leituras nas áreas da Economia, História e Política, fez com que se consolidasse uma
ideologia nacional-desenvolvimentista. As fontes bibliográficas, tais como Pareto, Weber e
Karl Manheim contribuíram para que se forjasse o pensamento político do ISEB. Nas próprias
palavras de Jaguaribe, na tentativa de se superar o dilema marxismo-positivismo, a orientação
primeira do ISEB foi a vontade de compreender a correlação entre uma visão geral da
cultura universal e a problemática brasileira em sua especificidade. (JAGUARIBE:
2005:31).
A questão do Estado nos estudos de Jaguaribe tornou-se central na medida em que o
poder estatal interventor seria propício ao desenvolvimento nacional. Em sua elaboração
teórica sobre o diagnóstico da crise brasileira e na crítica entre socialismo como
manifestação política concreta e o marxismo como teoria, defendeu um modelo, uma terceira
via, buscando uma socialização sem socialismo, optando por um modelo de Estado condutor
68
do processo econômico como árbitro dos interesses das classes sociais.
37
Em 1953, na revista
Cadernos do Nosso Tempo, apresentou artigo sobre a crise brasileira onde interpretou a
situação brasileira a partir dos aspectos econômicos, políticos, sociais e culturais,
identificando problemas da sociedade brasileira, sugerindo alternativas para a superação
destes problemas. (ABREU: 2007:413).
O elenco de alternativas propostas por Jaguaribe viria a ser um conjunto de reflexões,
indicadores para a formação de uma ideologia de um desenvolvimento político, econômico e
social e de caráter nacionalista. Neste contexto, um dos atores responsáveis por este
desenvolvimento, de natureza industrial efetivamente, seria a burguesia. Junto com Jaguaribe
na defesa de que uma política de desenvolvimento nacionalista, com o protagonismo da
burguesia nacional, introduzindo mudanças no sistema político e econômico do país, estava o
historiador marxista Nelson Werneck Sodré, articulado com as interpretações próximas ao
Partido Comunista Brasileiro (PCB). A importância política para o país de uma burguesia
nacional como potencializadora da economia e co-responsável pelas garantias de
desenvolvimento industrial e social teve em Jaguaribe um árduo defensor. O ideário isebiano
apropriou-se desta tese, pois o “projeto nacional desenvolvimentista, que atribuía à burguesia
nacional, em articulação com a classe operária e a classe média moderna, papel decisivo na
mobilização de um esforço de desenvolvimento industrial encaminhado para um projeto
nacional”. (JAGUARIBE: 2005:39).
A defesa desta tese significava a ressonância da estratégia do Partido Comunista e que
também pregava a articulação entre a classe operária em aliança com a burguesia nacional
num processo revolucionário que viesse a ocorrer no país. Por outro lado, os intelectuais
paulistas e uspianos tornaram-se opositores das teses isebianas, e dentre os debates ocorridos,
aprofundaram-se visões díspares quanto aos projetos de desenvolvimento nacional. São neste
marco as diferentes interpretações ocorridas a partir das reflexões de Florestan Fernandes e o
ISEB. Para Florestan, a natureza das elites brasileiras, subordinadas e cúmplices do
capitalismo internacional e do seu centro de convergência de acúmulo de capital, impediam
uma burguesia nacional revolucionária e autônoma para pensar um projeto de
desenvolvimento. A diferença do pensamento de Florestan em relação ao ISEB está na

37
Paiva analisa estas reflexões de Jaguaribe afirmando que este período do pensador isebiano reforçava o seu
ideário nacionalista e de origem integralista: “... já que o Estado como instrumento de afirmação da Nação é um
elemento indispensável a qualquer perspectiva nacionalista...”. PAIVA, Vanilda. Paulo Freire e o
Nacionalismo Desenvolvimentista. Página 55.
69
centralidade e no reconhecimento, por parte de Florestan, da sociedade dividida em classes
onde as elites dominantes, a burguesia nacional, eram dependentes ao centro do capital. Sendo
assim, no reconhecimento das contradições entre as classes, não ocorreria a conciliação das
mesmas, fator de destaque no projeto do ISEB.
A dependência econômica da periferia latino-americana junto ao centro do grande
capital limitava o avanço de uma revolução burguesa no país, bem como a aliança de classes,
a operária e a industrial num projeto comum para o desenvolvimento. Faltava ao ISEB,
segundo crítica da intelectualidade uspiana, um status científico à instituição, desprovido que
era de intelectuais com formação sociológica, na Ciência Política, História e Antropologia. O
próprio Florestan foi portador da crítica na formação isebiana, mas também e, principalmente,
no campo teórico. Se no estado de São Paulo o caráter nítido em relação às reflexões
marxistas, a crítica dos intelectuais paulistas baseava-se no questionamento de que o ISEB
confundia o marxismo com uma linguagem próxima a este, mas teoricamente com um ideário
confuso. (ABREU: 2007:419).
Na lógica do pensamento isebiano, a interpretação de que o país precisava dar um
salto qualitativo de sua condição agrária e arcaica para uma etapa industrial e o ingresso do
país no mundo moderno, transitou como consenso entre as ideias de Jaguaribe até Guerreiro
Ramos, dentre outros. As etapas concebidas no pensamento isebiano, quer dizer, a
inauguração de uma nova fase sobre a realidade brasileira teve suas origens na sociologia do
conhecimento de Karl Manheim e também no culturalismo e existencialismo cristão, de
Ortega y Gasset, ideias apropriadas pelos intelectuais da entidade. (PAIVA: 2000:58).
Responsável pelo departamento de sociologia do ISEB, Guerreiro Ramos balizou suas ideias
considerando uma transição da sociedade brasileira, uma passagem de uma sociedade colonial
para uma sociedade histórica: consciente de si, livre e moderna. Em sua obra A Redução
Sociológica, de 1958, Ramos dedica parte de seus estudos para analisar teoricamente as fases
e suas leias o que evidencia que o ISEB e o seu ecletismo de ideias reforçavam-se num misto
do pensamento hegeliano e sua dialética com a seqüência evolutiva do positivismo comtiano.
A contribuição de Guerreiro Ramos estava no pressuposto de se pensar o Brasil a partir de
uma teoria e de metodologias próprias, pois esta era também função do ISEB. A crítica de
Ramos aos centros de pesquisa da área das ciências sociais estava no ensino e nos estudos a
partir das teorias importadas, usando-as como base das pesquisas empíricas aos problemas
brasileiros. (MIGLIOLI: 2005:66).
70
Dentre os eixos conceituais que formaram o pensamento isebiano, seus estudos e
apontamentos estão as categorias do desenvolvimento, nacionalismo, capital estrangeiro,
dentre outros. (ABREU: 424, 425). O ecletismo teórico-metodológico de seus intelectuais
acentua o ISEB como instituição em permanente crise de concepções quanto à reflexão sobre
o projeto Brasil e as alternativas para o desenvolvimento social no país. O eixo
desenvolvimento, princípio de consenso e fundamento de origem do ISEB, foi tratado num
conjunto de variáveis sobre o tema. Para Vieira Pinto, a concepção de desenvolvimento era
concebida pela igualdade de condições de existência humana, aprimoramento da qualidade de
vida promovendo condições toleráveis de vida para o indivíduo. A tríade fenomenologia –
existencialismo – culturalismo determinou as bases do pensamento de Vieira Pinto e em suas
teses que corroboraram com a ideologia do nacionalismo desenvolvimentista. Em aula
inaugural do ISEB, ocorrida em 1956, Vieira Pinto afirmou que sem ideologia do
desenvolvimento não há desenvolvimento nacional, o que trouxe impacto naquele momento
principalmente àqueles que, à esquerda, assumiram um projeto de libertação nacional. Para
Cortes, a ideologia do desenvolvimento não se aproximava de nenhuma reflexão do campo
marxista, “ao contrário, ela era a expressão uma visão de mundo ingênua, ordinária e popular,
pois Vieira acreditava que mesmo sendo obscura e singela, a consciência das massas continha
o princípio axial de toda a autêntica inteligência sobre a realidade nacional.” (CORTES:
2005:151).
Para Vieira Pinto, a educação fazia parte do projeto de desenvolvimento nacional. Esta
tese acompanhou o seu autor em toda a trajetória do ISEB destacando ainda que mais do que
se ensinar os conhecimentos específicos tradicionais da escola caberia à educação difundir a
ideologia do desenvolvimento nacional. A pedagogia de Vieira Pinto defendia a massa
educada, vivenciando sua própria realidade e tendo consciência dela, passaria ver o mundo de
forma crítica, do homem e de si mesmo. Sua expectativa filosófica consistia na conversão da
massa, de sua mentalidade ingênua em consciência crítica, uma conversão à democracia
liberal, às ideias nacionalistas, mas também a transformação da realidade de uma nação
desenvolvida. (CORTES: 2005:156). A idealização da massa, do povo que ganhava voz e a
valorização das suas virtudes diante da conquista de projeto que pautava a ideologia do
desenvolvimento. A influência dos clássicos românticos de língua alemã fez com que Vieira
Pinto traduzisse a partir da sua erudição e amplo estudo numa literatura filosófica hegeliana
num leque de teses que serviam de apoio e sustentação ao ISEB.
71
No ideário isebiano sobre o nacionalismo, remonta-se os princípios das ideias
autoritárias de que os movimentos pelo alto seriam os verdadeiros protagonistas das
transformações sociais, condutores do moderno, do desenvolvimento. De origem no
movimento integralista, Corbisier teve a preocupação política com os destinos da nação
focando tal perspectiva numa ótica autoritária. Sua compreensão da realidade política
transmitia uma valorização aos que encarnavam as causas do espírito, homens excepcionais
para o desenvolvimento. A educação para Corbisier deveria ser tratada como exemplo da
crise do nosso tempo mesclando à defesa do indivíduo para a liberdade submetendo-se aos
valores e ideais que não se colocam em discussão porque eternos e não social e
historicamente determinados. (PAIVA: 2000:63, 64). O viés autoritário em Corbisier vai
tomando contornos de um pensamento onde a democracia representativa e uma compreensão
mais ampla dos problemas brasileiros, fazendo com que o dirigente do ISEB caminhasse na
adequação de suas reflexões à ideologia que unia os quadros isebianos – o nacionalismo
desenvolvimentista.
A conjuntura, entre o final dos anos de 1950 e a década de 1960, propiciava o exemplo
modelar do Estado na perspectiva do governo JK. Os anos JK representaram a passagem do
arcaico para o moderno, do agrário para o urbano-industrial, do atraso para o
desenvolvimento. A era de ouro, expressão de Hobsbawm ao analisar o período de
prosperidade social na Europa e na América do Norte, entre os anos de 1950 e 1973, fase de
expansão do capitalismo
38
que resultou num ambiente de bem – estar social, entre estes
continentes, trouxe expectativas para as transformações sociais no Brasil.
Para o ISEB, o Estado foi objeto de estudos para a consolidação de uma reflexão sobre
o nacionalismo desenvolvimentista, mas de forte matriz autoritária. Foi então às influências
oriundas da Europa entre os anos de 1950 com a reconstrução do pós-guerra e a organização
do Estado dentro de uma perspectiva Keynesiana e ainda sob a presença de ideias cepalinas
que o ISEB concebeu o Estado, dando-lhe uma função preponderante como núcleo
coordenador do desenvolvimento, síntese dos interesses de classes. Esta utopia isebiana de
Estado se consolidaria a partir de uma revolução capitalista-burguesa, onde o Estado obteria
duas funções básicas: 1 – construir um sólido mercado interno propiciando a industrialização;
2 – coordenar a estratégia de desenvolvimento nacional usando o aparelho estatal e suas

38
HOBSBAWM, Eric (1994). A Era dos Extremos. O autor discute, no capítulo 9 desta obra, os anos dourados
e a expansão do capitalismo do pós-guerra. Analisa a sensação de bem-estar ocorrido entre as classes médias
européias e americanas. Pgs. 253, 254, 255.
72
instituições na condução desta fase. (BRESSER PEREIRA: 2005:208). A discussão que se
apresenta na observação da identidade ideológica do ISEB está em seu caráter autoritário,
mantendo assim a tradição republicana brasileira, pois esta reflexão de que as transformações
sociais percebiam a sociedade como expectadora deste processo, passava pelos intelectuais da
instituição. Em Jaguaribe, o estado hegeliano era a síntese da conciliação de classes. Nas
observações de Corbisier a separação dos iluminados em uma elite responsável em conduzir
os destinos nacionais. Em Guerreiro Ramos a questão nacional estaria em processo a partir
das fases e que o capitalismo seria a via para a consolidação política no Brasil. A partir de
Vieira Pinto, a libertação das massas passava por um pressuposto de se acatar a ideologia do
nacionalismo – desenvolvimentista como referência única para o fortalecimento da
democracia.
A opção isebiana em eleger a burguesia nacional está vinculada à necessidade da
superação da fase arcaica do mundo agrário e rural. Para que o Brasil alcançasse a etapa
moderna que ocorrera na Europa e na América do Norte, principalmente a industrialização
como etapa do desenvolvimento civilizatório, a classe responsável em impulsionar este
processo seria a burguesia nacional. Como intelectuais, a proposta para a sociedade era e de
que iluminassem o caminho da burguesia industrial nacional, apontando-lhes os verdadeiros
interesses, formulando as estratégias necessárias à conquista da hegemonia política.
(PAIVA: 2000:182). O nacionalismo isebiano, eclético em sua natureza, não questionava as
contradições do desenvolvimento a partir da crítica ao núcleo/essência do capitalismo, sendo
que este não era o adversário da economia brasileira, mas sim o capital estrangeiro. O viés
autoritário do pensamento isebiano idealizou um entendimento de democracia para o país: a
conciliação de classes desde que as regras institucionais já estivessem definidas através do
consenso da burguesia nacional, de um Estado forte e condutor do processo político-
econômico e a utopia industrializante para o Brasil.
Em suas apreciações sobre as eleições ocorridas no país entre os anos de 1950 – 1960
Weffort elabora o perfil de lideranças políticas, tais como Jânio Quadros e Ademar de Barros
– símbolos do chamado populismo. Sua análise parte da afirmativa de que com os ventos da
industrialização ocorrida no país a partir dos anos de 1950 e com a organização dos
trabalhadores no fortalecimento de suas bases sindicais, o campo conservador da política,
neste caso, uma burguesia paulistana reage buscando a alternativa de se aproximar do povo
criando vínculos políticos de tal forma que o imaginário popular legitimasse as práticas
73
políticas desse grupo. O populismo é um fenômeno urbano, fruto do avanço industrial com
interesses evidentes, agregando as massas ao modelo econômico e político e proposto pelo
Estado. Já o nacionalismo correspondeu politicamente ao segundo governo Vargas
caracterizado entre o grupo dirigente de tecnocratas e militares responsáveis em pensar o país
urbano e industrial, definindo estratégias para o desenvolvimento do país. O nacionalismo tem
como berço o interior do próprio Estado brasileiro. (WEFFORT: 1978:42).
Para a perspectiva isebiana, nacionalismo e populismo caminharam juntos na unidade
da defesa do nacionalismo desenvolvimentista. Sendo assim, o ISEB foi resultado da
conjuntura do governo JK, no esforço de unir o nacionalismo ao desenvolvimento, propondo
a invenção de um novo Brasil. Para Weffort, o ISEB foi a mais importante agência ideológica
do nacionalismo até 1964 onde a contradição ideológica se manifestava na política real
aplicada por JK: “registra-se a entrada do maior volume de Capital estrangeiro já verificado
na história do país. O governo combinou sabiamente a pregação ideológica com uma prática
discrepante senão contraditória”. O populismo nacionalista isebiano corroborou com as
interpretações de Weffort sobre a sustentação política daqueles que abraçaram esta ideologia.
O caráter interpretativo de se apropriar e falar das massas, do povo, da conciliação das classes
sociais, caracterizou o perfil deste populismo-nacionalista baseando-se em frágeis vinculações
com as massas populares, não falando nunca a favor de uma delas, mas sempre genericamente
ao povo. (WEFFORT: 1978: 44).
O golpe civil – militar de 1964 encerrou as atividades do ISEB que entre os anos de
1958 e 1959 passou por crises internas, fruto de disputas pessoais em relação aos destinos do
próprio órgão. No início dos anos de 1960, entre a renúncia de Jânio Quadros e o acirramento
da crise institucional do governo João Goulart, o ISEB assumiu posições mais nítidas em
defesa de uma linha doutrinária mais à esquerda, o que justificou o seu fechamento.
39

39
O artigo de ABREU, Alzira Alves de. Instituto Superior de Estudos Brasileiro (Iseb) detalha as etapas de
transformação do órgão, principalmente em sua fase final, onde as concepções nacionalistas e as críticas ao
capital estrangeiro foram a tônica do discurso isebiano. In. FERREIRA, Jorge e REIS, Daniel Aarão. (2007).
Nacionalismo e Reformismo Radical (1945 – 1964). Páginas 411-432.
74
1.7 Darcy Ribeiro: Nacionalismo - Exaltação e a Utopia Civilizatória
O pensamento social e educacional de Darcy Ribeiro perpassa o período que atravessa
os anos de 1950, acompanha as permanentes crises institucionais da política brasileira, sendo
este intelectual um próprio ator das etapas que constituíram a formação da sociedade
brasileira. Como Francisco Campos, Capanema e Fernando Azevedo, Darcy tentou conciliar
os papéis de intelectual preocupado em estudar os processos de formação do povo brasileiro e
latino-americano e a operação da política, pois exerceu cargos estratégicos no Estado,
participando ativamente no mundo da política brasileira. Sua trajetória demarca o fôlego de
um intelectual influenciado pelas conjunturas históricas do pensamento social brasileiro,
fazendo opção por abraçar um tipo de nacionalismo – exaltação, num plano político
projetando uma utopia civilizatória à brasileira. O objetivo ao se estudar o pensamento de
Darcy Ribeiro é o de continuar abordando o ideal nacionalista, pois Darcy representa esta
passagem entre as marcas de um nacionalismo autoritário, varguista e a tentativa de se
estabelecer um nacionalismo – exaltação do Brasil mestiço, destinado ao futuro promissor, de
justiça social e democracia.
Tendo como base o estudo de seu livro editado em 1955, O Povo Brasileiro: A
Formação e o Sentido do Brasil, pretendo discutir o que Darcy nos apresenta quando analisa a
formação de um país de vários rostos, desdobrados em suas experiências vividas a partir da
integração do meio-ambiente, do imenso território brasileiro e os vetores econômicos –
elementos que durante um tempo de longa duração ofereceram o perfil do que podemos
chamar de nação ou, como chama Darcy, povo brasileiro. É também de interesse deste
trabalho analisar o pensamento social e educacional de Darcy, principalmente a partir de seus
dois ambiciosos projetos. O primeiro, identificando no projeto da Universidade de Brasília,
sinais presentes da reforma universitária, a Lei 5.540, de 1968, estabelecida no período de
acirramento do regime militar no Brasil. O segundo projeto é o de perceber, realizando uma
ponte entre o seu pensamento nacionalista e o projeto dos Centros Integrados de Educação
Pública, os CIEPs, programa governamental desenvolvido entre os anos de 1980, no estado do
Rio de Janeiro.
75
Nascido em 1922, numa década que demarcou sinais de uma sociedade republicana
40
,
na cidade de Montes Claros, Minas Gerais. Criado pela mãe optou primeiramente por estudar
medicina, pois seu desejo era de encarnar o papel social e desfrutar o prestígio de seu tio:
médico, político, fazendeiro e poeta. (MAURÍCIO: 1999:140). Não obtendo sucesso nas
tentativas de ingresso à Faculdade de Medicina, em Belo Horizonte, em 1944 matriculou-se
na escola de Sociologia e Política de São Paulo, sob a orientação do professor americano
Donald Pierson. Em sua formação cultural e acadêmica, Darcy reconhece a influência de um
amplo campo de intelectuais, tendo como referência principal aqueles que o acompanharam
em seus estudos. Chegou a São Paulo em 1943, marco para a graduação das primeiras
gerações de cientistas sociais, formados pela Escola Livre de Sociologia Política (ELSP) e a
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), da Universidade de São
Paulo
41
. O próprio Darcy defende a importância de São Paulo como um centro referência para
a academia brasileira, inclusive estabelecendo comparações com o ambiente mineiro, onde
iniciou seus estudos na área da saúde:
Enquanto lá a tendência era para a erudição vadia, enfermidade principal da
inteligência mineira, que tudo quer ler, de tudo quer saber, por pura fruição,
em Sampa a coisa era séria. Ninguém buscava erudição. Lia-se o que fosse
preciso, funcionalmente, como sustento do tema que se procura dominar. A
ciência não era discurso fútil, especulativo, imaginoso, mas um exercício
sério da inteligência verrumando a superfície do real. (RIBEIRO: 1997:124).
Sob a influência de dois pesquisadores estrangeiros, o norte-americano Donald
Pierson, diretor da ELSP, e do professor alemão Herbert Maldus, Darcy inicia a sua carreira
como antropólogo ressaltando a importância destes dois professores em sua formação
intelectual. De Pierson aprendeu o discurso acadêmico norte-americano, nas técnicas de
pesquisa e no olhar científico na investigação de campo. Este sociólogo trazia de seus estudos
realizados na Universidade de Chicago, um rigor metodológico na reflexão sobre os estudos
urbanos e estudos da comunidade. Após travarem contatos antes da chegada de Darcy em São
Paulo, Pierson ofereceu ao jovem estudante uma bolsa de estudos, onde sua primeira tarefa foi
a de ler e realizar fichamentos sobre o pensamento social de Silvio Romero, Capistrano de

40
A fundação do Partido Comunista Brasileiro, em 1922; A Semana de Arte Moderna, também em 22, a
criação da Associação Brasileira de Educação, em 1924; O Tenentismo foi um movimento fortalecido a partir
de um conjunto de revoltas desencadeadas na década de 20, caracterizando a presença de uma geração de
militares inconformados com os rumos tomados pela república e de suas elites oligárquicas.
41
A partir de Florestan Fernandes e a Leitura Crítica da Realidade Brasileira, com início na página 49, há um
histórico da formação desta geração de cientistas sociais, principalmente no estado de São Paulo.
76
Abreu e de Oliveira Viana, fator que com certeza influenciou nas reflexões de Darcy sobre o a
formação do Brasil, inclusive nas discussões apresentadas n’O Povo Brasileiro.
Com Herbert Baldus, Darcy aprofundou os estudos etnológicos. Nos períodos entre
1948 – 1963 ambos trocaram intensa correspondência, o que significou a estreita relação
acadêmica e a filiação intelectual de Darcy para com Baldus. (LÔBO: 2008:24). Darcy
assume que pertenceu a uma primeira geração de cientistas sociais brasileiros, reconhece as
fontes de sua formação quando assinalam a presença de mestres brasileiros, fundadores das
ciências sociais modernas no Brasil. Do pensamento social brasileiro e os seus primeiros
cinqüenta anos de república, nomeia uma lista de intelectuais, ensaístas, poetas e escritores
que comporiam a matriz de seu olhar como antropólogo e romancista. Reconhece em Roquete
Pinto, o mais completo antropólogo brasileiro do passado onde seu campo de estudos sobre
as raças e mestiçagens no Brasil. (RIBEIRO: 1997:120). No relato registrado em suas
Confissões
42
, Darcy desfila o que lhe influenciou em sua formação, produção acadêmica e
literária. Arthur Ramos destacou seus estudos sobre os negros brasileiros, a herança africana e
indígena, autor do painel mais amplo e compreensivo de processo de formação do povo
brasileiro. Sobre o autor de Casa Grande e Senzala, afirmou que esta obra foi a mais
importante da antropologia brasileira. No pensamento de Gilberto Freyre vê a herança do
pensamento social brasileiro de Joaquim Nabuco, de Silvio Romero, Euclides da Cunha e
Nina Rodrigues. (RIBEIRO: 1997:120).
De outras influências, identificou eminentes pensadores brasileiros que foram
antropólogos sem saber. Lembrou de Manuel Bonfim, por sua lucidez em interpretar o país e
a América Latina a partir do tema sobre o racismo. Destacou ainda Capistrano de Abreu que,
pensando que fazia história, por vezes fez antropologia, nos estudos ao processo de
edificação do povo brasileiro. Na Escola de Sociologia, foi contemporâneo de Egon Schaden
e Florestan Fernandes e que estiveram juntos nesta primeira geração de cientistas sociais
brasileiros. Darcy graduou-se em 1946 realizando o mestrado na própria ELSP em 1947.
No estado de São Paulo, Darcy Ribeiro enfrentou dois mundos onde transitava com
certa tensão, aspecto este que demonstrou em suas Confissões. Vivenciava o mundo
acadêmico, sua dedicação aos estudos etnológicos indígenas, definindo sua trajetória como
intelectual. Vivenciava também o mundo da militância política, seu exercício como ativista do

42
RIBEIRO, Darcy. Confissões. (1997). SP. Companhia das Letras. Nesta obra autobiográfica, Darcy aborda os
fatos mais relevantes, segundo ele, que marcaram a sua vida como intelectual, escritor e um operador da política.
77
partido comunista. Obviamente que entre estes dois mundos havia uma ponte que se
articulava na convivência com Caio Prado Junior, Monteiro Lobato, Oscar Niemeyer, Oswald
e Mário de Andrade, Jorge Amado, dentre outros: Eu vivia dividido entre o estudante atento e
o ativista tarefeiro. Me dando às minhas duas almas sem limitações. (RIBEIRO: 1997:127).
A formação em Antropologia e o aprofundamento aos estudos sobre os índios brasileiros
somando-se a isto a influência do partido comunista trouxeram o reconhecimento de Darcy
Ribeiro à sua integral reflexão sobre o problema brasileiro, manifestando o caráter de um
nacionalismo revestido da necessidade de um projeto civilizatório, reconhecendo as origens
do povo brasileiro, mas na busca intensa por uma utopia libertária dos povos latino-
americanos: “A soma do ativismo político com a herança brasilianista e o interesse pela
literatura impediram que eu me convertesse num acadêmico completo, perfeitamente idiota.
Desses que só servem para pôr ponto e vírgula nos textos de seus mestres estrangeiros.”
(RIBEIRO: 1997:142).
Sobre a sua herança na Escola de Sociologia, não deixa de criticar o modelo
acadêmico da instituição e as linhas de pesquisa que fizeram com que ele e Florestan
produzissem pesquisas distantes da realidade nacional. As tentativas entre os estudos sobre a
arte plumária, do desenho, religião e mitologia dos Kadiwéu, para Darcy, e a pesquisa sobre a
organização social e a guerra na sociedade Tupinambá, para Florestan, no relato de Darcy,
eram mais que legítimos, mas deixavam o Brasil à distância. (IDEM: 1997:142). Tal
argumentação se refere à militância dos intelectuais aos movimentos sociais, vinculados à
esquerda, Florestan trotskista e Darcy, estudante comunista, preocuparam-se com a sociedade
nacional e a revolução.
A influência de dois intelectuais estrangeiros delineou o perfil acadêmico de Darcy,
porém, duas outras figuras, estas agora vinculadas às tarefas objetivas da realidade brasileira,
tornaram-se referência: Cândido Rondon e Anísio Teixeira. Apresentado à Rondon por
Herbert Baldus, em 1947 ingressou no Serviço de Proteção aos índios para atuar como
etnólogo. Do contato que obteve com grupos indígenas, com os Bororo, Xokleng, Kaiwoá,
Kadiéw e Kaapor, surge o livro Religião e Mitologia, publicado em 1960. Darcy Ribeiro
realizou, como muitos outros intelectuais na república, uma ponte entre as atividades
acadêmicas, a administração do Estado e a orientação política. Produziu obras, escreveu
romances, fez política, embalado por um projeto, por uma utopia civilizatório-redencionista,
traço marcante de um nacionalismo – síntese de seu tempo de convivência com as
78
comunidades indígenas. Esteve presente no cenário político brasileiro até os anos de 1990,
quando falece em 1997. Pensou o país e fez política de tal forma que sua obra de reflexão
mistura-se com as atividades da militância. Reconhecia isto e assumia este posicionamento:
“Portanto, não se iluda comigo, leitor. Além de antropólogo, sou homem de Partido. Faço
política e faço ciência movido por razões éticas e opor um fundo patriotismo...” (RIBEIRO:
1995:16). Sua produção mesclou os resultados de suas pesquisas e romances, tratando sempre
sobre os dilemas da formação do brasileiro, da mitologia indígena e a busca permanente em
encontrar e descrever as origens dos povos latino-americanos. Entre os anos de 1940 – 42
escreveu seu primeiro romance, Lapa Grande, que o próprio não recomendou publicação,
apesar de tê-lo enviado ao concurso de romances da Editora José Olympio. (RIBEIRO:
1996:95). A partir de sua experiência com os índios urubu-Kaapor, 1949, redige o livro
Diário dos índios.
A morte de Vargas em 1954, segundo Darcy, trouxe uma reviravolta no
posicionamento de alguns intelectuais diante da figura do Presidente. Crê inclusive que este
fato redefiniu a trajetória de Hermes Lima e San Tiago Dantas – despertados pelo suicídio e
pela Carta Testamento, dentre outros, João Mangabeira e Gabriel Passos. Para Darcy, o
suicídio de Vargas e a Carta Testamento foram um divisor de águas em sua própria vida, na
concepção de seu trabalho como intelectual e militante (neste período, rompe com o partido
comunista). (RIBEIRO: 1996:275). Este fato marca no pensamento social e educacional de
Darcy Ribeiro o traço de um nacionalismo presente em sua trajetória, em sua produção
acadêmica e literária e na militância política. A Carta Testamento aproxima-o dos ideais do
trabalhismo, de João Goulart e de Brizola – tríade gaúcha que marcou a política nacional, com
características próprias de se fazer política oriundas do sul do país. No exílio, percorre países
da América Latina, desenvolve projetos de universidades e escreve livros. Na Argentina, em
1967, lança A Universidade Necessária, em 1968 publica no Brasil e nos Estados Unidos, O
Processo Civilizatório. A ambição intelectual de Darcy estava em compor uma Teoria da
Antropologia da Civilização, uma Teoria da História que explicasse a formação dos povos
extra – europeus. Na obra O Processo Civilizatório, criou um esquema explicativo da
evolução humana, estudando uma tipologia das sociedades que se formaram deste núcleo. Em
O Processo Civilizatório, Darcy discutiu a centralidade da formação do Brasil: “Para Darcy,
fazia-se indispensável uma atualização de teorias vigentes à sua para, então, aplicá-las ao
estudo da América Latina, particularmente ao Brasil”. (LÔBO: 2008:54). Em 1969 retorna ao
79
exílio. Publica na Argentina As Américas e a Civilização e no Uruguai, Os Brasileiros: Teoria
do Brasil. A partir de 1970, seus livros que foram publicados no exterior começam a ser
publicados no Brasil. Concomitante ao convite para assessorar no Chile o governo de
Salvador Allende, publica, em 1971 no México, O Dilema da América Latina. Dos principais
romances, publica Uirá Sai a Procura de Deus (1974), uma mistura de ficção com a realidade
e pesquisa histórica, Maíra (1976), O Mulo (1981), Utopia Selvagem (1982), Migo (1988) e O
Povo Brasileiro: A Formação e o Sentido do Brasil, (1995).
1.7.1 Utopia e Exaltação na Formação ao Povo Brasileiro
De seu último livro, O Povo Brasileiro: A Formação e o Sentido do Brasil, Darcy
reconhece o tempo de maturação desta obra, pois ao longo de trinta anos escreveu e
reescreveu o seu texto. Sua primeira tentativa de escrevê-lo ocorreu na década de 1950 e seu
objetivo era o “de ser um retrato de corpo inteiro do Brasil, em sua feição rural e urbana, e nas
versões arcaicas e modernas”. (RIBEIRO: 1995:12). A obra, segundo Darcy, foi interrompida
para os afazeres da operação na política: planejar a UnB, funções no executivo federal, tais
como Ministro da Educação (no parlamentarismo) e depois no Gabinete Civil (no
presidencialismo), ambos no governo de João Goulart.
Em O Povo Brasileiro”, sua obra final publicada dois anos antes de sua morte, Darcy
analisa a origem dos núcleos de formação dos povos que resultariam naquilo que chamamos
de Brasil. Entre os (des)encontros dos europeus, indígenas e negros, o choque civilizatório e
suas contradições culturais mescladas entre a geografia de uma nova imposição do caráter
exploratório daqueles que chegaram pelo Atlântico, elementos indicadores de um tecido
chamado Brasil. Seu desejo está em O Brasil e os brasileiros, sua gestação como povo.
(RIBEIRO: 1995:17). O último texto publicado de Darcy Ribeiro mantém em sua estrutura a
tradição de análise histórico-antropológica do pensamento social brasileiro. Tais
características também presentes em Gilberto Freyre, Sergio Buarque de Holanda, Oliveira
Vianna e Euclides da Cunha. Como nas reflexões de Oliveira Vianna e Euclides da Cunha
43
,
Darcy reconheceu uma unidade étnica na formação do brasileiro, porém heterogênea,

43
No estudo comparativo entre Oliveira Vianna e Darcy Ribeiro, uso a edição de 2000, de Populações
Meridionais do Brasil, in. Intérpretes do Brasil. RJ, Editora Nova Aguilar. Volume I.
80
constituída em ramificações que se esparramam pelo complexo território brasileiro –
misturam-se gentes, desdobram-se em culturas, florescem povos oriundos das raízes
matriciais de uma nação. (RIBEIRO: 1995:19). Apesar da distância histórica da produção e de
seus personagens, há aproximações na construção de suas obras, sejam nos aspectos de forma,
sejam também nas perspectivas da concepção original do nacionalismo proposto em Oliveira
Vianna e Darcy Ribeiro.
Da mesma forma que metodologicamente Oliveira Vianna trata “a diversidade dos
habitats e as variações regionais no caldeamento dos elementos étnicos” (VIANA: 2000:925),
Darcy discute o espaço físico e a convergência do trabalho que foram condicionantes de uma
nova gente que formatou a vida na construção permanente de uma nova identidade que surge:
novos rostos, línguas – mestiçarias. A partir de Oliveira Vianna, o foco de seus estudos na
busca deste nacionalismo está em três áreas geográficas: norte, centro-sul e o extremo-sul
caracterizando-se em povos regionais, nos sertões, nas matas, dos pampas – o sertanejo, o
matuto e o gaúcho. Como em Darcy, Oliveira Vianna preocupa-se em traçar uma evolução da
nacionalidade. (VIANNA: 2000:926). Em O Povo Brasileiro, Darcy amplia sua análise na
evolução de um nacionalismo nativo, porém mantém, de certa forma, a estrutura presente
contida na obra Populações Meridionais: “Por essas vias se plasmaram historicamente
diversos modos rústicos de ser dos brasileiros, que permitem distingui-los, hoje, como
sertanejos do nordeste, caboclos da Amazônia, crioulos do litoral, caipiras do sudeste e centro
do país, gaúchos das Campanhas sulinas.” (RIBEIRO: 1995:19).
Entre concepções diferentes e similaridades, Vianna e Darcy dialogam a partir de suas
obras, na busca de um sentido de construção de uma complexa formação nacional. Vianna
representa o ideal de Vargas em 1930, na representação de uma nação (num processo de
aprimoramento racial) e na defesa do Estado autoritário, educador e condutor deste ideal
nacional. Darcy também está com Vargas, mas este como personagem dos anos de 1950, de
um nacionalismo defensor e protetor das riquezas naturais, contra a presença do estrangeiro.
Vianna se impõe como um quadro político do Estado Novo influencia na redação da
Constituição de 1937 e na legislação trabalhista. Darcy abraça o trabalhismo numa vertente
mais socialista, atua no governo de João Goulart
44
e justifica seu nacionalismo num projeto de

44
Em Confissões, Darcy relata a sua aproximação com João Goulart e a sua presença no governo e a crise que o
derrubou com o golpe civil-militar de 1964. Justifica ainda a sua opção por aderir ao trabalhismo entendendo que
o mesmo apontava uma vertente socialista em seus ideais. Identifica ainda, no governo de Jango a possibilidade
de continuar as reformas inspiradas na revolução de 1930. (páginas 287/299).
81
libertação do povo-nação, interrompido em 1964. A questão nacional em Vianna e Darcy
compõe o traço histórico e de preocupação destes intelectuais sobre o Brasil como problema a
ser explicado e equacionado. As teses racistas de Vianna
45
, oriundas das circunstâncias
históricas das primeiras décadas da república brasileira, não deixam de ter a preocupação
como destino de um povo onde a formação heterogênea se manifesta:
Toda a minha preocupação é, por agora, firmar e definir a caracterização das
nossas populações do interior. Matrizes da nacionalidade, delas, do seu
espírito, da sua laboriosidade (...) é tempo de fazer justiça a essas gentes
obscuras do nosso interior, que tão abnegadamente construíram a nossa
nacionalidade e ainda mantém na sua solidez e na sua grandeza. (VIANNA:
2000:928).
Ao contrário de Vianna, Darcy acentua a importância da confluência e misturas entre
brancos europeus, negros africanos e indígenas, exaltando esta formação nacional e sua
complexidade: “Mais que uma simples etnia, porém, o Brasil é uma etnia nacional, um povo –
nação, assentado num território próprio e enquadrado dentro de um mesmo Estado para nele
viver seu destino”. (RIBEIRO: 1995:19). Na descrição destes brasis que vão surgindo no
transcorrer da história, o Brasil crioulo, o caboclo, o sertanejo, o caipira, além dos gaúchos,
matutos e os gringos, Darcy, em alguns momentos da obra, usa a metodologia de um
marxismo não dogmático, reconhecendo as estratificações sociais como vertente primordial
para se estudar o que se esconde numa unidade étnico – cultural. Na resposta deste problema
que formula, afirma que a brutalidade conservadora e exploratória das elites estabeleceu a
lógica da sociabilidade na colônia. O encontro com a matriz tupi faz o europeu ingressar num
mundo macroétnico, concebendo aí um mito de origem da criação do brasileiro, reproduzindo
um desencontro entre dois mundos contraditórios:
Como novos cruzados destinados a assaltar de hereges indianos. Mas aqui, o
que viam, assombrados, era o que parecia ser uma humanidade edêmica,
anterior a que havia sido expulsa do paraíso (... Para os índios que ali
estavam, nus na praia. O mundo era um luxo de se viver, tão rico de aves,
peixes, de raízes, de frutos ... (RIBEIRO: 1995:40).

45
Na seção 1.2 deste trabalho faço análise do tratamento sobre a questão racial em Oliveira Vianna.
82
Neste encontro de tipos e gentes, plasma-se
46
um povo-nação e que se multiplica pela
mestiçagem, como uma morena humanidade em flor. (p. 62). A utopia deste povo-nação
emerge da brutalidade que caracterizou a classe dirigente e seu projeto exploratório,
resultando os brasis que são um só. A brutalidade desta classe dominante é o seu
autoritarismo no controle e concentração da terra. A centralidade para entendermos o processo
civilizatório brasileiro e a formação de sua gente está em se entender o núcleo – origem desta
jornada – os engenhos açucareiros. Para Darcy, o engenho interrompeu a linha evolutiva das
populações indígenas, subjugando-as, sendo estas as relações primitivas do escravismo no
Brasil. Descreve o engenho como instituição colonial considerando-os a partir de alguns
planos: 1. Plano adaptativo – nível de base tecnológica para a implantação; 2. Plano
associativo – nos modos de organização da vida social e econômica dos engenhos; 3. Plano
ideológico – a cultura e suas formas de expressão resultantes da mestiçagem – saberes cultos,
auto – imagem étnica. (RIBEIRO: 1995: 67-69).
A descrição e importância do engenho, principalmente no que se refere aos aspectos
da sociabilidade, Darcy recupera o relato de Gilberto Freyre na tentativa de se perceber as
relações sociais e políticas e uma cultura própria que emerge nestas relações. Darcy vai
defendendo a sua tese de que a brutalidade das classes dirigentes e a impossibilidade do
controle da iminente mistura de raças, tipos e culturas, e que resultaria neste povo-nação,
gerado na crueldade do sistema colonial, com gentes de pólos geográficos distintos. O
engenho é uma das sementes deste país e dos neobrasileiros.
São um conglomerado díspar, composto por índios trazidos de longe, que
apenas podiam entender-se entre si, somados à gente desgarrada de suas
matrizes originais africanas, uns e outros reunidos contra a sua vontade, para
verem cometidos em mera força de trabalho escravo a ser consumida no
trabalho; gente cuja renovação mesma se fazia mais pela importação de
novos contingentes de escravos que por sua própria reprodução. (RIBEIRO:
1995:70).
O domínio português para além do engenho traduz-se no uso político e econômico das
primeiras gerações de brasileiros – brasilíndios e mamelucos – estes gerados entre
portugueses e as mulheres índias. A região de São Paulo, segundo Darcy, foi a principal

46
Expressão continuamente usada por Darcy Ribeiro para a explicação da mistura, a partir das matrizes brancas,
negras e indígenas e seus e os envolvimentos com o espaço físico e as determinações econômicas, surgindo daí o
que poderia ser considerado o brasileiro.
83
gestadora de brasilíndios e mamelucos, povo este que desdobrará as matas da região,
fortalecendo o bandeirismo. (RIBEIRO: 1995: 95-96).
Quando estudou o mameluco, Darcy chama a reflexão de Sérgio Buarque de Holanda
em sua análise sobre a economia regional. O chamado mameluco sofre uma dupla rejeição, é
um impuro, um resto depositado no ventre da mulher indígena. Os pais o rejeitam (na cultura
indígena quem nasce é filho do pai). A rejeição é mais uma indicação da raiz da formação
brasileira, o filho que não é português, mas também se desliga da ramificação indígena, outro
dilema no princípio da nacionalidade confusa, Não podendo identificar-se com uns nem com
outros de seus ancestrais, que o rejeitavam, o mameluco caía na terra de ninguém, a partir
da qual constrói a identidade do brasileiro. (RIBEIRO: 1995:97). A diferença entre Darcy e
Oliveira Vianna está na condição de que, para o primeiro, as contradições na formação do
povo brasileiro são elementos virtuosos da utopia civilizatória; para o segundo, a identificação
desta mistura de raças comporia um processo de aprimoramento deste povo, identificando-o e
efetivamente numa raça-pura.
Darcy propõe uma teoria da formação do povo brasileiro e mapeia um processo
naquilo que chamou de núcleos de uma etnia embrionária. Sua origem dá-se na Costa
Atlântica, passando para o interior dos sertões ou alçando entre os afluentes dos principais
rios, constituindo-se assim as ilhas Brasil. O autor mantém a característica de análise na
formação destes povos que se articulam a partir dos vetores da produção econômica e seus
espaços físicos, meios – ambientes determinantes na criação e origem destes brasis. Das
antigas zonas açucareiras do litoral e os currais de gado do interior até a mineração no centro
do país, entre o extrativismo amazônico e os pastoris do sul, multiplicam-se as matrizes deste
povo-nação. (RIBEIRO: 1995:244, 245). Quando retoma o engenho, descreve o filho do
sistema, o crioulo, que surge da fusão racial entre brancos, índios e negros – fruto da
economia agroindustrial pertencente ao comércio mundial nascente. O crioulo é fruto da
economia açucareira, nordestina, concebido entre o Rio Grande e a Bahia.
No entorno da família patriarcal, a centralidade do engenho, lar do tipo romano, o
senhor de engenho e seus filhos eram livres reprodutores para emprenharem a quem pudessem
(p. 253). Os nascidos também rejeitados do núcleo familiar romano e oficial representam o
berço de uma nova civilização, oriunda de uma América feita do assentamento, da África
provedora da força-de-trabalho e da Europa como exploradora do negócio. Mas o engenho é
uma ordem política, centralizadora e autoritária é muito determinada aos seus objetivos, onde
84
o escravo – o crioulo vive para produzir, inserido no sistema econômico como objeto,
propriedade do senhor de engenho:
A comunidade, assim formada, atenderá a outras tarefas, como as de
reprodução biológica, de subsistência da força de trabalho, de construção e
reconstrução do instrumental de produção, tendo em vista, porém, sempre e
implacavelmente, o seu objetivo unívoco: a produção do que não consome
para atender as solicitações extremas. (RIBEIRO: 1995:2610).
Os filhos da economia monocultora, agregados ao cotidiano de produção do engenho,
foram os encarregados de tarefas secundárias e aliados dos proprietários. O refluxo
populacional entre os séculos XIX e XX de nordestinos introduzidos na Amazônia para a
exploração dos seringais nativos acentuou a unidade de formação cultural originária do
patrimônio colonial português e a presença católica desde o século XVI na região. O seringal
foi a correspondência do engenho açucareiro que se desenvolveu mais ao sul e, como núcleo
inicial da empresa extrativista florestal. O aldeamento missionário jesuítico e a concentração
indígena para a catequese foi o princípio desta parte de neobrasileiros. Uma população nova
surge como herança da cultura tribal, onde o caboclo significou a transição entre o índio e a
vinculação econômica internacional. Fruto da mestiçagem entre brancos e índios, o caboclo
falava uma língua indígena já dominada por brancos e mestiços, reconhecia o caminho da
presença colonial na região: A população neobrasileira da Amazônia formou-se (...) através
de um processo secular em que cada homem nascido na terra ou nela introduzido cruzava-se
com índias e mestiças, gerando um tipo racial mais indígena que branco. (RIBEIRO: 1995:
285).
O seringueiro – caboclo produto da lógica extrativista da floresta é um tipo de cativo
do seu próprio meio, mas que não lhe impede de dominar o ambiente e os seus mistérios. É,
pois, a partir do índio, que ocorre o espalhamento de outras gentes, de mestiços que se
encontram, se identificam pelas circunstâncias da floresta e de sua extração. Darcy desenha na
perspectiva de vida e sobrevivência das tribos, idealiza o índio como um dos marcos
primitivos do chamado povo brasileiro, fazendo da ciência antropológica, do que escreve,
uma bandeira política, num sentido de se reconhecer a história deste povo, projetando-o a uma
utopia nacionalista e de libertação. Da mesma forma que constitui os brasis entre crioulos,
índios e caboclos, roteiriza também a formação do sertanejo, um tipo particular, marcada pelo
pastoreio, na dispersão territorial, na especificidade da organização familiar e a manifestação
85
de sua ordem política, na culinária, etc. Este sertanejo surge primeiramente entre o agreste
pernambucano e na orla do recôncavo baiano, distantes dos engenhos, dispersaram-se em
currais, pela extensão dos rios. (RIBEIRO: 1995:307).
O sertanejo plasma-se num ambiente de criação do gado, da profunda concentração do
latifúndio, da convivência do curral. Estas atividades pastoris conformaram-se este sertanejo,
moldando-o de acordo com as suas próprias formas de sobrevivência: Conformaram não só a
vida, mas a própria figura e outro diminuíram de estatura tornaram-se ossudos e secos de
carne... o gado e os homens foram penetrando terra adentro, até ocupar, ao fim de três
séculos, quase todo o sertão interior. (RIBEIRO: 1995:311). Como eterno itinerante, o
sertanejo é um criador de terras e usa-as até a chegada do proprietário. As sucessivas
expulsões impedem a sedentarização para o cultivo e o trato do gado. A não fixação da terra
impõe condições no relacionamento entre uma mão-de-obra barata e um patronato, onde a
submissão aos proprietários da terra se dá num misto de lealdade pessoal e política. O
latifúndio, o patronato e o rígido controle da terra moldaram também um tipo de sertanejo
arcaico, apegado a uma religiosidade popular, apegado ao messianismo e a eterna espera da
justiça divina. Articulado a este fanatismo religioso, do sertanejo está a vertente do cangaço,
ambos condicionados pelas situações de penúria e do atraso nordestino. O sertão é o cenário
para o desenvolvimento destes fenômenos sócio-antropológicos: a religiosidade fundamenta-
se em crenças messiânicas que apontam a esperança e a chegada de um salvador, libertador da
opressão; e o cangaço, expressão de uma revolta sertaneja em relação à concentração de
terras, buscando o justiçamento. (RIBEIRO: 1995:320/321).
O sertanejo arcaico tem suas referências na mística – esperança apocalíptica de Padre
Cícero, em Juazeiro do Norte e Antônio Conselheiro, em Canudos. Darcy viu na figura de
Antônio Conselheiro, e na experiência de Canudos, um centro de resistência, pelas massas
sertanejas, pois estas viam a reconstrução de uma nova ordem social. Política e religião
manifestam-se na mentalidade sertaneja em Canudos, retratada na obra de Euclides da Cunha,
da qual Darcy destaca “um libelo terrível contra o genocídio que ali se convertera”.
(RIBEIRO: 1995:324). A utopia de Canudos foi mais uma das frentes de resistência, já que no
período entre o império e a república o chamamento às massas sertanejas significaria sinais
de organização dos rejeitados, explorados para a construção de um novo projeto civilizatório.
A memória de Canudos perpetuou-se, também na tradição oral das
populações sertanejas, que recolheram aos poucos sobreviventes do
86
morticínio e deles ouviram e guardaram os episódios heróicos de resistência
e de luta. E, sobretudo, a lição de esperança dos ensinamentos do
Conselheiro sobre a possibilidade de criar uma ordem social nova, sem
fazendeiros, nem autoridades. (RIBEIRO: 1995:324).
1.7.2 A Idealização do Mestiço e a Interrupção do Processo Civilizatório
Na análise do Brasil caipira, Darcy estabelece a evolução entre duas regiões que
seriam, na história republicana, centros importantes da política nacional. Tal evolução tem
características diferentes nas origens de São Paulo e Minas Gerais. Entre os engenhos e os
currais, o paulista é forjado como um guerreiro. O bandeirismo foi a expressão do paulista,
fruto da miscigenação da índia com o senhor de engenho, mamelucos ou mazombos. São
Paulo, quinhentista, é a representação síntese entre a civilização ocidental a partir da colônia e
a escravidão. A região nasce da exploração, da procura do ourro, no desdobramento do
interior, da venda de escravos índios, na crueza do comércio da escravaria indígena, expressão
política da metrópole:
São Paulo surge, por isso, com uma configuração histórico-cultural de povo
novo, plasmada pelo cruzamento de gente de matrizes raciais díspares e pela
integração de seus patrimônios culturais sob a regência do dominador que, a
longo termo, imporia a preponderância de suas características genéticas e de
sua cultura. (RIBEIRO: 1995:335).
O caipira de Minas Gerais desenvolve-se a partir da exploração mineradora, articulada
por uma classe senhorial de autoridades reais e eclesiásticas. Minas Gerais é o ouro, uma
cultura urbana e refinada, sinal de uma unidade nacional a partir desta mineiração e seu
sistema. A cidade de Outro Preto é o símbolo, segundo Darcy, desta unidade nacional, nas
expressões religiosas pelas artes e ofícios e diversas irmandades onde os pretos forros, os
mulatos, os brancos integram-se socialmente. Vem de Minas Gerais e de sua evolução, a
vocação natural à liberdade republicana, considerando as características específicas de sua
classe alta, uma elite letrada e que formula um projeto alternativo ao colonial: “Trata-se do
mais ousado dos projetos libertários da história colonial brasileira, uma vez que previa
estruturar uma república de molde norte-americano que aboliria a escravidão, decretaria a
liberdade de comércio e promoveria a industrialização”. (RIBEIRO: 1995:342). Se em São
Paulo manifesta-se em sua evolução pela crueza da exploração interiorana, via bandeirismo,
87
Minas Gerais é projeto libertário-republicano, responsável em promover a modernização da
sociedade. São Paulo é à força de trabalho desbravador; Minas é a política da utopia
republicana.
Darcy Ribeiro, mineiro de Montes Claros, acentua a inconfidência e o seu ícone,
Tiradentes, como elementos republicanos fundamentais para o florescimento de um
sentimento nativista e o amadurecimento de uma ideologia republicana capacitada para
reordenar a sociedade em novas bases. (RIBEIRO: 1995:342). Seu discurso em O povo
Brasileiro evoca momentos issurreicionais fundamentais para a organização deste Brasil que
se forma a partir de contrastes étnicos, políticos, culturais e econômicos. Fala do papel de
sublevação na Cabanagem (p. 290), da resistência negra ao modelo do escravismo colonial (p.
267/274), o surgimento do cangaço (p. 321), de Canudos e Antônio Conselheiro (p. 323/324)
da Inconfidência Mineira (p.342). Esta sinalização de Darcy aborda na construção da obra que
a virtude de um universo heterogêneo de formação étnica, de um povo e em sua história a
identificação de resistências contra o modelo imposto pelo colonizador, acentuam que este
povo-nação tem um destino glorioso, num futuro da qual emergirá uma civilização ímpar.
A diversidade como elemento matricial desta nação é a qualidade maior em sua
formação, singularidade excluída a qualquer povo. Uma exaltação nacionalista que nos chama
de uma nova Roma:
A maior das nações neolatinas em população e a mais servida de meios
territoriais, materiais e culturais de expressão, que vive o esforço de
construir sua edificação como uma nova civilização tropical e mestiça. Uma
nova Roma, digo eu, para espantar os tíbios, que não têm olhos para a nossa
grandeza e para o fato de que somos o fruto terminal, maduro, daqueles
soldados romanos que há dois mil anos saíram do Lácio para fazer o mundo,
que edificaram as nações latinas e neolatinas e, entre elas, a maior, que é a
nação latino-americana, de que o Brasil é o corpo principal. Havemos de
amanhecer. (RIBEIRO: 1997:570).
Esta Roma – Brasil é contada por Darcy como uma epopéia onde a coexistência de
uma prosperidade empresarial e uma penúria generalizada do seu povo pautou a história
brasileira. A utopia civilizatória se manifesta:
Nós, brasileiros, nesse quadro, somos um povo em ser, impedido de sê-lo.
Um povo mestiço na carne e no espírito, já que aqui a mestiçagem jamais foi
crime ou pecado. Essa massa de nativos oriundos da mestiçagem viveu por
séculos sem consciência de si, afundada na ninguendade. Assim foi até se
88
definir como uma nova identidade étnico-nacional, a de brasileiros. Um
povo, até hoje, em ser, na dura busca de seu destino. (RIBEIRO: 1995:410).
A marcha evolutiva e a utopia civilizatória brasileira sofreram uma abrupta
interrupção, segundo Darcy, que aponta o golpe civil-militar de 1964 como o fato histórico
relevante para o congelamento dos avanços do povo brasileiro, isto objetivado nas Reformas
de Base, defendidas pelo governo de João Goulart, abortadas com o regime autoritário. Viu
também nas ligas camponesas dos anos de 1960 a tentativa de impor aos senhores de terra
condições explícitas e menos espoliativas nos contratos anuais de arrendamento; depois,
pleitear a própria posse das terras, através de uma reforma agrária, onde o golpe militar
derrubou este movimento, fazendo com que o povo do sertão voltasse a mergulhar no
despotismo latifundiário. (RIBEIRO: 1995:327).
A produção intelectual de Darcy sofre a influência do que Chauí discutiu como o
segundo período de construção da ideia de nacionalismo no Brasil, entre os períodos de 1950
– 1970, na elaboração de uma identidade nacional
47
, vertente de uma leitura da realidade
brasileira e de formação do projeto político que agrega o nacionalismo desenvolvimentista e o
nacional-popular. Neste caso, O Povo Brasileiro, se constrói na perspectiva de um
nacionalismo exaltação, semióforos, mitos permanentes e contraditórios, para percebermos os
pontos inaugurais deste povo – nação em sua epopéia: o encontro entre europeus e índios no
início do que seria chamado de Brasil, o engenho, o bandeirismo, os brasilíndios, a
Cabanagem, a Farroupilha, a Balaiada, o Cangaço, o Sertanejo, O Gaúcho, a Inconfidência
Mineira, Antônio Conselheiro e Canudos, Zumbi e Palmares, Padre Cícero, Jango, Francisco
Julião, o seringal, o caipira, enfim, a mestiçaria de gentes que vieram de outros mundos e
criaram uma nova Roma – semióforo síntese do pensamento de Darcy nesta obra.

47
Na página 43 deste trabalho há a discussão da categoria identidade nacional como uma segunda etapa do
ideário nacionalista no país.
89
CAPÍTULO II
A Práxis Autoritária: A Formação dos Intelectuais no Rio de Janeiro, O Pensamento
Militar de 1964 e a Reforma Universitária de 1968
2.1 Universidade, Pensamento Autoritário e a Formação dos Intelectuais no Rio de
Janeiro
A interlocução entre Darcy Ribeiro e Florestan Fernandes demonstra a formação dos
intelectuais numa primeira geração de cientistas sociais advindos da recém instituída
Universidade no país. Mesmo de natureza mineira, tendo os fundamentos de sua formação
como intelectual construída em São Paulo, na ELSP, a crítica de Darcy aos princípios
pautados na construção de um mundo acadêmico paulista simboliza a diferenciação entre a
constituição da Universidade a partir do Rio de Janeiro. Darcy enfatizou a importância dos
caminhos definidos pela pesquisa na Escola de Sociologia, mas criticou o distanciamento e a
pertinência das investigações em relação a um Brasil real. A sociologia de São Paulo, sob a
presença de Florestan, desenvolveu como campo de estudos e pesquisa temas sobre a
comunidade, e, como afirma Arruda (1995), “questão afastada da realidade imediata do país”,
característica da primeira fase de organização da pesquisa em São Paulo, na USP. Se a
intelectualidade paulistana, tendo como referencial marxista analisou os fenômenos
conseqüentes da modernidade, a construção do pensamento social no Rio de Janeiro e os seus
quadros intelectuais partem para, não só a investigação científica, mas atuam politicamente
num tipo de sociologia do desenvolvimento.
A constatação de que o eixo São Paulo – Rio de Janeiro formou o início de um grupo
de intelectuais de primeira geração formada na Universidade representa a necessidade de
percebermos, um movimento de oposição entre as perspectivas diante do entendimento sobre
como se pensar o Brasil. Por outro lado, há interseções entre os quadros destas regiões,
inclusive em suas naturezas, origens e práticas institucionais, desdobramentos de como foram
constituídas as instituições universitárias no país.
48
A importância do Rio de Janeiro por ter
recebido a família real em 1808 e ter-se transformado em distrito federal com a República fez

48
Maria Arminda do Nascimento Arruda, em “A Sociologia no Brasil: Florestan Fernandes e a Escola Paulista”,
discute a relação do eixo São Paulo – Rio de Janeiro e as características próprias de cada região e a formação dos
quadros e concepções ideológicas. In: MICELI, Sérgio (Org.). História das Ciências Sociais no Brasil.
90
com que os grandes problemas nacionais tivessem ressonância a partir da cidade. A presença
da Corte no Rio de Janeiro desencadeou toda uma preocupação com a formação profissional,
técnico-científica. Em 05 de novembro de 1808 é instituída no Rio de janeiro, no Hospital
Militar, a Escola Anatômica, Cirúrgica e Médica, em 1810, através da Carta Régia de 04 de
dezembro, cria-se a Academia Real Militar, para os estudos de Engenharia, núcleo original da
Faculdade de Engenharia da UFRJ. (FÁVERO, 2006, p. 21).
A criação de um conjunto de instituições voltadas à memória, à cultura e os registros
nacionais fizeram do Rio de Janeiro um espaço privilegiado para a formação de seus
intelectuais. Tais instituições contribuíram na construção de uma rede de intelectuais que
fomentaram a reflexão científica na cidade. A criação, em 1818 do Museu Nacional, do
Instituto dos Advogados em 1843, da Academia Brasileira de Letras em 1897 e ainda o
Instituto Manguinhos (Fundação Oswaldo Cruz) – todas criadas no século XIX sinalizaram a
preocupação das elites fluminenses em caracterizar a cidade como um núcleo de produção
científica. (OLIVEIRA, 1995, 244). Já no século XX, os sinais de uma sociedade republicana
estiveram presentes na década de 1920 quando da criação da Associação Brasileira de
Educação (ABE), entidade que agregou intelectuais preocupados com a questão educacional
no país e que se firmou como entidade representativa diante das reformas educacionais
ocorridas nas primeiras décadas do século passado.
49
Foi sob a proteção dos ideais de 1930
que se concebeu a matriz de Universidade para o país, tendo à frente desta operação duas
lideranças políticas mineiras, Francisco Campos e Gustavo Capanema, personagens que
analisei no primeiro capítulo deste trabalho. Campos e Capanema formaram um importante
campo político, de caráter autoritário, na composição do Estado a partir de 1930 e a
consolidação do regime, em 1937. Idealizaram e implantaram uma legislação que formatou os
mecanismos nacionais de controle e concentração de poder. A inspiração do projeto de
Universidade tem a sua matriz sob a ótica do governo revolucionário de 1930 e os aparatos
ideológicos do Estado Novo. A legislação que se inaugura com Francisco Campos,
preocupado com os aspectos sistêmicos e nacionais da educação, corroborou com as ações
concentradoras de decisão, ampliando a ação do Estado Unitário quanto da política
educacional: Decreto-Lei N°19.851/31, criando o Estatuto das Universidades Brasileiras,

49
A Associação Brasileira de Educação - ABE, criada em 1924, em sua primeira fase agregou intelectuais
católicos e os de vertente liberal e progressista, vinculados ao projeto de renovação educacional: “A luta (...)
campo educacional”. (XAVIER, 2002, p. 16).
91
Decreto-Lei N°19.851/31, sobre a Organização da Universidade do Rio de Janeiro (que nunca
foi concretizado) e Decreto-Lei N°19.850, de criação do Conselho Nacional de Educação.
Mas há uma experiência que ocorreu, fora da esfera do controle do projeto do
Ministério da Educação quando do surgimento da Universidade do Distrito Federal (UDF)
50
,
em 1935, iniciativa do então diretor da Instrução Pública do DF, Anísio Teixeira. Na UDF,
Anísio concebeu uma perspectiva educacional pautada nos princípios escolanovistas e a
ênfase na formação de professores, oferecendo-lhes um status de intelectuais e a educação
como um campo de investigação e pesquisa:
Pela primeira vez no país, através da Escola de Educação, que se situava ao
lado dos Institutos de Filosofia e Letras, de Ciências, de Economia e Direito,
Escola de Filosofia e Letras, além do Instituto de Artes, o magistério
alcançava uma formação em nível superior. (NUNES, 1999, p.61).
O modelo da Universidade do Distrito Federal diferenciava-se, em sua natureza,
inclusive ao da USP, garantindo o perfil acadêmico e da excelência científica, agregando
nomes, tais como Arthur Ramos, Sérgio Buarque de Holanda, Álvaro Vieira Pinto, Afonso
Arinos de Mello Franco, Gilberto Freyre, Lourenço Filho, Mario Casassanta, Mário de
Andrade, Heitor Villa Lobos, Cândido Portinari. O primeiro reitor da UDF, Afrânio Peixoto,
empenhou-se em buscar no exterior, principalmente da França, docentes de renome nos meios
científicos e que viessem a garantir qualidade na iniciação da pesquisa no Rio de Janeiro.
(ALMEIDA, 2002, p. 234).
A UDF surgiu num ambiente político instável numa seqüência de crises que põem em
jogo o governo provisório. Os acontecimentos, tais como o movimento constitucionalista de
1932, a articulação de grupos vinculados à Ação Integralista Brasileira e a insurreição da
Aliança Libertadora Nacional, produziram um ambiente de insegurança institucional,
resultando reações do governo varguista. Diante das pressões políticas e a acusação de que era
um militante comunista, Anísio Teixeira demitiu-se do cargo de diretor de Instrução Pública
do Distrito Federal expondo então que os ventos totalitários já sinalizavam os destinos da vida
política do país. A incorporação, em 1939, da UDF à Universidade do Brasil revelou uma

50
Os estudos de FÁVERO (2006), referentes à criação da Universidade do Rio de Janeiro (URJ), criada através
do Decreto N° 14.343, de 07 de setembro de 1920, pelo Presidente Epitácio Pessoa, reconhecendo a importância
de Decreto anterior, de 1915, instituindo no Rio de Janeiro, uma Universidade, quando o governo federal
considerasse oportuna a sua criação (Decreto N° 11.530). Esta Universidade é criada unificando três instituições
já existentes: Escola Politécnica, Escola de Medicina do Rio de Janeiro e a Escola Livre de Direito. Para Fávero,
a Universidade do Rio de Janeiro é a primeira instituição universitária criada legalmente pelo governo federal.
92
disputa de concepções sobre a educação e o projeto de país, reproduzindo os embates
permanentes entre os setores conservadores da sociedade e da intelectualidade católica e os
liberais e progressistas. Capanema e Anísio representam lados antagônicos destes projetos
educacionais e de país também. (NUNES, 1999, p. 61).
Na perspectiva do projeto de ensino superior defendida por Anísio, estava a
reconstrução do país a partir da disseminação de uma cultura científica, pelo viés
democratizante e liberal. Naquele que foi o operador do regime varguista na educação,
Capanema pensava um projeto de Universidade como convergência à reconstrução do país a
partir dos valores nacionais, inculcando às massas ao projeto do Estado autoritário. A extinção
da UDF demonstrou que o jogo político e a disputa pela hegemonia entre instituições, campos
políticos e intelectuais, foi definido a partir de alianças que, de certa forma, mantiveram o
projeto de Vargas e a sua sustentação no poder. Foi o caso das forças de pressão que a Igreja
Católica impunha aos representantes do Estado, preocupada com a perda de atuação orgânica
desde a inauguração da República.
51
A aliança do autoritarismo governante com o conservantismo católico, expressões de
Almeida (2002), firmou o projeto titubeante de Universidade no Rio de Janeiro. Neste
sentido, o principal quadro católico depois do falecimento de Jackson de Figueiredo, Alceu
Amoroso Lima assume, em 1938, a reitoria da UDF, com o intuito de extingui-la. A indicação
de Amoroso Lima como reitor da UDF foi a resposta do governo e de Capanema, aos
questionamentos de que a Igreja Católica realizara, desde o início do projeto idealizado por
Anísio Teixeira. O próprio Amoroso Lima, em carta encaminhada à Capanema, investe contra
as ideias da Universidade do Distrito Federal:
Meu caro Capanema,
A recente fundação de uma Universidade Municipal, com a nomeação
de certos diretores de faculdades, que não escondem suas ideias e pregação
comunista foi a gota d’água que fez transbordar a grande inquietação dos
católicos.
Para onde iremos, por esse caminho? Consentirá o governo em que à
sua revelia, mas sob a sua proteção, se prepare uma nova geração inteiramente
impregnada dos sentimentos mais contrários à verdadeira tradição do Brasil e
aos verdadeiros ideais de uma sociedade sadia? (...)
Devo apenas advertir-lhe que os progressos recentes da Aliança
Nacional Libertadora, a feição socialista que vai assumindo o governo
municipal do Rio de Janeiro, bem como a impregnação comunista de muitos

51
Entre as páginas 39 e 40 deste trabalho, comento as relações de Gustavo Capanema com a Igreja Católica e a
aproximação ao ideário autoritário do regime varguista.
93
sindicatos e de alguns elementos do Ministério do Trabalho, vêm trazendo à
opinião pública do país motivos da mais fundada inquietação. (...)
(...) Organizar a educação e entregar os postos de responsabilidade
nesse setor importantíssimo a homem de toda confiança moral e capacidade
técnica (e não socialistas como o diretor do departamento municipal de
educação) – tudo são tarefas que o governo deve levar avante imediata e
infatigavelmente, pois delas dependem a estabilidade das instituições e a paz
social. (AMOROSO LIMA, 1935. In. SHWARTZMAN, 2000, p. 313-314 e
315).
A aliança entre a Igreja e o Ministério da Educação vai além de se impedir a
continuação da Universidade do Distrito Federal, pois a Igreja esteve presente na organização
da Faculdade Nacional de Filosofia (FNFi), da Universidade do Brasil, em 1939. A presença
católica e a inserção de seu pensamento na formação da FNFi traduziram a força e o poder da
instituição na condução do ensino superior no Rio de Janeiro, além da efetiva participação de
intelectuais vinculados ao integralismo. (OLIVEIRA, 1995, 252). A organização da FNFi
inaugurava-se num emaranhado de problemas oriundos da concepção verticalista e
concentradora de poder – elementos emanados dos princípios defendidos pelo governo
central. Uma das questões fundamentais foi a sistemática de ingresso dos pretendentes às
cátedras que se apresentavam com o apadrinhamento daqueles que influenciavam o governo.
Outro aspecto relevante foi a transição entre a extinção da UDF e a possibilidade de
aproveitamento de professores oriundos desta Universidade para o novo projeto, a
Universidade do Brasil. O ingresso da Cátedra ou pela docência na FNFi poderia partir de
iniciativa pessoal do pretendente que redigia uma carta de apresentação e currículo
enfatizando sua experiência profissional e acadêmica. As referências institucionais de
experiência profissional anterior pautavam as escolas universitárias que já existiam, como a
Politécnica, a própria UDF, as escolas secundárias como o Instituto de Educação e o Colégio
Pedro II, “assim, a futura faculdade vai sendo organizada, as diferentes matérias vão
recebendo nomes possíveis nas funções de catedrático, assistente ou auxiliar.” (OLIVEIRA,
1995, p. 252-253).
A partir de listas de pretendentes, o reitor encaminhava para a nomeação, dependendo
da força política de quem indicava o professor, ou até mesmo o poder de veto de alguns
nomes. De uma das listas do arquivo de Gustavo Capanema, citam-se alguns pretendentes:
52

52
Esta lista de 121 nomes consta no artigo de Lucia Lippi de Oliveira (1995). As Ciências Sociais no Rio de
Janeiro. (páginas, 253-254-255 e 256). In. MICELI, Sérgio (Org.). História das Ciências Sociais no Brasil. O
critério para a seleção dos nomes acima partem da relevância de cada um em seu campo de estudos e também
como sujeitos a serem analisados.
94
1) Candidatos que se apresentaram autonomamente:
Afrânio Coutinho – para as cadeiras de Sociologia, História do Brasil, História da
Civilização;
Josué de Castro – Antropologia, Etnologia e Geografia Humana;
2) Candidatos indicados por Alceu de Amoroso Lima:
Álvaro Vieira Pinto – Filosofia;
Eremildo Luiz Vianna – História Medieval;
3) Candidatos indicados por Raul Leitão da Cunha – Reitor:
Fernando de Azevedo – Didática;
Oliveira Vianna – Sociologia (não chegou a ser nomeado);
4) Candidatos indicados por Heloisa Alberto Torres – diretora do Museu Nacional:
Gilberto Freyre – Sociologia;
5) Candidatos oriundos da UDF:
Sérgio Buarque de Holanda – Literatura;
Heloisa Marinho – Psicologia Educacional.
Os critérios de seleção aos postulantes à cátedra não sinalizavam uma isenção que
privilegiasse somente a trajetória do candidato, seu compromisso com o rigor científico e
análise da obra; mas a intervenção política em construir campos hegemônicos de domínio,
distanciando o exercício acadêmico, natural no ofício universitário onde “não houve a
construção de um espaço institucional onde quadros de referência do conhecimento
sociológico fossem selecionados, aprendidos e transmitidos.” (OLIVEIRA, 1995, p. 260).
O regime de cátedras, somado aos princípios de centralização do poder e do Estado
autoritário, criou uma ramificação de acordos pessoais, articulando o status acadêmico ao
compadrio que tecia a constituição de uma elite intelectual fluminense, onde catedráticos
escolhiam seus assistentes a partir de critérios evasivos, dentre eles o desempenho acadêmico,
mas também o posicionamento político e ideológico do pretendente à carreira da docência e
pesquisa. Já no Estatuto das Universidades Brasileiras, ali contida a concepção do regime de
Cátedras, constata-se a lógica de controle político, reprodução da filosofia de poder do próprio
Estado: “No Brasil, os privilégios do professor catedrático adquiriram uma feição histórica,
apresentando-se o regime de cátedra como núcleo e alma mater das instituições de ensino
superior.” (FÁVERO, 2006, p. 24).
95
O modelo centralizador e autoritário na criação da Universidade Pública no Brasil e,
especialmente no Rio de Janeiro, trouxe um distanciamento ou pouco interesse à produção
científica, diferentemente do modelo construído em São Paulo/USP (apesar de considerarmos
que o sistema de cátedras, também incorporado na experiência da USP, significou o mesmo
modelo concentrador de decisões administrativas e acadêmicas nas mãos do catedrático). A
natureza deste modelo, atrelado às conveniências do estado varguista é de matriz autoritária,
consolidando uma estreita relação entre a Universidade inaugurada e a política real:
No caso da Universidade Pública, esse feito foi potencializado pela
prevalência de um modelo centralizador e autoritário. Ele consagrava a
ingerência do Poder executivo sobre a natureza e as condições de exercício
da atividade acadêmica, assim como sobre a distribuição do poder no seu
interior. Esta passava a depender predominantemente de critérios externos e
alheios à vida intelectual, nem sempre benéficos ao seu florescimento.
(ALMEIDA, 1995, p. 239).
No artigo de OLIVEIRA (1995), constam depoimentos que evidenciam as disputas
internas dos campos políticos pelo espaço de atuação na Universidade: As tentativas
frustradas de Alceu de Amoroso Lima em ingressar na faculdade de Direito, onde disputou
em 1932 a vaga com Leônidas de Resende, sendo este último o vitorioso. Em 1933, no
Concurso para a Cadeira de Introdução à Ciência do Direito, onde Alceu concorreu perdendo
a vaga para Hermes Lima ficou evidente que candidatos de tendências marxistas foram
vitoriosos para o ingresso na Faculdade de Direito. (OLIVEIRA, p. 247). O relato de
Guerreiro Ramos sobre a sua tentativa de ingresso na FNFi demonstra o cerco ou os critérios
que não foram próprios para um Concurso: “Quando me formei, em 1942, fui indicado para
suceder a dois professores... Fizeram um onda contra mim... Os comunistas fizeram o negócio
contra mim, levantando a minha ficha de integralista...” (IDEM, p. 257).
O depoimento de Wanderlei Guilherme dos Santos também demonstrou o jogo de
interesses pessoais e o veto ideológico a alguns candidatos ao ingresso na Universidade do
Brasil:
Eu fui pro ISEB porque fui vetado na FNFi. Naquela época não havia
concurso, não havia nada. Os catedráticos indicavam seus assistentes... Ele,
(Vieira Pinto), nos indicou da forma usual: os professores fulano, fulano e
fulano para assistente da cadeira de História da Filosofia...O Eremildo
Vianna tinha pinimba comigo porque eu havia sido presidente do diretório
no final do mandato do Carneiro Leão... O Eremildo simplesmente não nos
nomeou, coisa que ele era obrigado, legalmente obrigado... (IBIDEM, p.
260).
96
Em sua essência e origem, a cátedra foi concebida como um cargo docente baseado na
comprovação do mérito acadêmico e no profundo conhecimento em determinada área de
estudos. Desta forma, o docente-catedrático era considerado um tipo de proprietário da área
de estudos que dominava o que lhe garantia uma autonomia de gestão nas competências
relativas ao ensino e a pesquisa. Das funções do catedrático destacavam-se a docência na sua
área de domínio e competência, devendo promover e estimular a pesquisa, agregando para si a
orientação/coordenação dos docentes auxiliares de ensino. Instituída pela Constituição de
1934, o regime de cátedra e o seu caráter vitalício, garantiu a permanência do docente sem
que este tivesse a possibilidade de remoção do cargo. Consagrados na Constituição de 1946
os princípios legais de organização da cátedra ressaltavam, em seus artigos 168, 187 e 188,
dois elementos que acentuavam o poderio do docente catedrático: a vitaliciedade e a
estabilidade. (GRACANI, 1982, p. 84). Na hierarquia administrativa universitária, a cátedra
foi considerada a legítima representante da unidade acadêmica e o responsável em conduzir
todos os processos de gestão relativos ao ensino e pesquisa de sua área. Na lógica do
pensamento autoritário, tradição da República brasileira, a cátedra reproduziu o uso das
relações de mando, compadrio e paternalismo.
A reação a este modelo implantado pelo regime varguista, a falta de regras públicas,
via concursos e a própria organização e institucionalização da cátedra, trouxe o surgimento de
centros privados de pesquisa e ensino que buscavam alternativas diante do sistema vigente.
Dos núcleos que surgiram alheios ao modelo universitário constituído pelo governo e a igreja,
dois são emblematicamente importantes: o Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais
(CBPE), criado em 1955, e o Centro Latino-Americano de Ciências Sociais (CLAPCS), de
1957, onde se destacam na condução/criação destas instituições os nomes de Anísio Teixeira
e Luiz Aguiar da Costa Pinto. A conjuntura instável, porém demarcada em relação às regras
do jogo na FNFi, resultaram em novas opções de financiamento da pesquisa em instituições
acadêmicas no Rio de Janeiro, sendo que a UNESCO assume papel relevante neste processo,
garantindo financiamento e apoio institucional às ciências sociais no Brasil e no Rio de
Janeiro. Foram os casos de sustentabilidade do CBPE e do CLAPCS.
O CBPE articulava-se a partir da colaboração de intelectuais – educadores e cientistas
sociais – entre o eixo Rio – São Paulo, o que minimizava algum tipo de disputa política entre
as duas regiões. Darcy Ribeiro já se aproximara de Anísio, coordenando o curso de pós-
graduação, em 1957, para a formação de pesquisadores sociais. A aproximação com o grupo
97
uspiano ocorreu pela mediação de Darcy e Costa Pinto, na divisão de estudos e pesquisas
sociais, do CBPE. Dentre os docentes do curso e seus temas desenvolvidos estavam:
Fernando Henrique Cardoso e Octávio Ianni - Os Efeitos Sociais da Industrialização na
cidade de São Paulo; Padre Fernando Bastos D’Ávila, da PUC-RJ – Comportamento
Religioso das populações Urbanas; Eunice Ribeiro Durhan, da USP – Ajustamento e
Mobilidade Ocupacional de Migrantes em Grandes Centros Urbanos; e outros mais que
também implementaram projetos de pesquisa a partir do CBPE: Jacques Lambert, Egon
Shaden e Florestan Fernandes. (OLIVEIRA, 1995, p. 266).
Presente e sendo um personagem na institucionalização do ensino superior e pesquisa
no Rio de Janeiro, seja como professor do Instituto de Educação, na criação do CBPE, do
movimento de renovação educacional no país e uma das inteligências da redação do
Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, de 1932, na criação da Universidade do Distrito
Federal, em 1935, Anísio Teixeira e sua capacidade de atuação, deve ser analisada a partir da
mobilidade que se desdobra num movimento desbravador de organização de instituições. O
empenho em criar órgãos de fomento de pesquisa educacional, conseguindo convergir o
interesse técnico no aprimoramento científico no trato da educação como fenômeno social,
mas também como um articulador político, demonstrou que a sua atuação serviu como um
contra - ponto ao pensamento conservador e autoritário republicano. Hábil politicamente
trazia para si a responsabilidade em conduzir e dirimir conflitos no mundo acadêmico e na
política real, pois tinha uma visão estratégica dos conflitos interpessoais, não perdendo a
perspectiva de se cuidar da educação como um objeto de pesquisa e de reflexão.
Sobre o pensamento social de Anísio, o tratamento dado à educação é equivalente aos
princípios e valores da democracia componentes intrínsecos ao desenvolvimento do país.
Educação e democracia, elementos indissolúveis, alicerces de uma ética republicana, cuidada
como utopia política:
A liberdade não é ausência de restrições, mas autodireção, disciplina
compreendida e consentida; a igualdade não é fácil nivelamento, mas
oportunidade igual de conquistar o poder, o saber e o mérito; e a fraternidade
é mais que tudo isso, mais que virtude, mais que saber: é sabedoria, é possuir
o senso profundo de nossa identidade de destino e de nossa identidade de
origem. Democracia é assim, um regime de saber e virtude. E saber e virtude
não chegam conosco ao berço, mas são aquisições lentas e penosas por
processos voluntários e organizados... Assim, embora todos os regimes
dependam da educação, a democracia depende da mais difícil das educações
e da maior quantidade de educação. Há educação que é treino, que é
formação do homem livre e sadio. Há educação para alguns, há educação
98
para muitos e há educação para todos. A democracia é o regime da mais
difícil das educações, a educação pela qual o homem, todos os homens e
todas as mulheres aprendem a ser livres, bons e capazes.” (TEIXEIRA,
Anísio. Anatomia Para a Educação. p. (1947). In. ROCHA, João Augusto
(Org.). Anísio em Movimento).
O ideal de Anísio perdurou e esteve presente entre os quase primeiros cinqüenta anos
da República, sendo derrotado no período do Estado Novo, derrotado em 1964 na imposição
do regime civil-militar, porém sobrevivendo como um sinal, um projeto antagônico ao
pensamento social, educacional autoritário do país. Junto ao CBPE, o Centro Latino-
Americano de Ciências Sociais (CLAPCS) também desenvolveu um elenco de pesquisas
pautadas com as mesmas características da instituição criada por Anísio Teixeira. Um núcleo
de intelectuais foi o responsável em desenvolver, alheio ao engessamento do sistema de
cátedras da Universidade do Brasil, uma rede de sustentação de pesquisa científica no Rio de
Janeiro, dentre eles estavam: o próprio Anísio, Luiz Aguiar da Costa Pinto, Darcy Ribeiro,
Vitor Nunes leal e Themístocles Cavalcanti. (OLIVEIRA, 1995, p. 267).
Sendo expressão da conjuntura e ambiente sócio-político e econômico dos anos de
1950, o CLAPCS aglutinou para si a presença da ONU, via UNESCO, as preocupações
quanto ao desenvolvimento da América Latina. Na esfera do pensamento cepalino,
preponderante em sua influência no Brasil, na USP, no ISEB e também no CLAPCS, esta
entidade trabalhou numa perspectiva latino-americana, buscando uma integração e
intercâmbio de estudos no continente. Com o CLAPCS, o outro braço da pesquisa na área das
ciências sociais e econômicas foi a FLACSO, criada em Santiago do Chile: “tratava-se ao
mesmo tempo, de estudar a região e integrar dados e recursos humanos em uma perspectiva
internacional.” (OLIVEIRA, p. 269).
A aproximação do CLAPCS à CEPAL ocorreu a partir da assimilação de alguns
aspectos baseados na teoria da dependência e na abordagem e nomenclatura entre a relação
entre os países centrais do capitalismo desenvolvido e a periferia e as formas econômicas de
dominação do primeiro bloco de países, revelando um tipo de desenvolvimento desigual em
relação aos países periféricos. No auge de sua organização e presença institucional, ocorrida
entre os anos de 1960, o CLAPCS, dentre os estudos realizados, preocupava-se com o
desequilíbrio dos processos de desenvolvimento econômico em relação à institucionalização e
promoção do bem-estar social, este último o modelo político-econômico bem sucedido no
pós-guerra, na sociedade americana e européia. (OLIVEIRA, p. 297).
99
No Rio de Janeiro, e este ambiente construído pelo núcleo de intelectuais na
organização de centros de pesquisa, propiciou a aproximação entre o CLAPCS e o ISEB,
onde um dos pontos em comum foi o estudo sobre o desenvolvimento, definindo assim a
metodologia de análise sobre a realidade nacional e latino-americana e este diálogo toma
equilíbrio em um elemento convergente, motor do pensamento latino-americano para o
desenvolvimento, a CEPAL. Mas houve diferenças em suas naturezas de formação. Se o
ISEB procurava um tipo de reflexão militante, engajada na política nacional, o CLAPCS
limitava-se à pesquisa e a produção acadêmica. Outro aspecto divergente entre as instituições
esteve na discussão sobre o nacionalismo, questão cara ao ISEB, sendo que o olhar do
CLAPCS remete-se à região em que se amplia ao continente:
Para os isebianos, em sua produção, explicitaram reiteradamente a sua
preocupação com o nacionalismo, indicado por eles como instrumento
indispensável na luta contra o “atraso”, contra o subdesenvolvimento, contra
as forças externas responsáveis por tal situação... Para o CLAPCS,
considerações desse tipo não têm mesmo por ser o continente latino-
americano o objeto privilegiado de suas investigações; mesmo as análises
centradas em realidades nacionais específicas pretendiam se constituir em
estudos de caso de uma totalidade latino-americana. (OLIVEIRA, 1995, p.
298).
Na liderança do CLAPCS, esteve Luiz Aguiar da Costa Pinto, sociólogo que na
entidade, entre as décadas de 1950 – 1960 que desenvolveu pesquisa nas áreas da sociologia
do desenvolvimento, das relações raciais e a sociologia rural. Como Guerreiro Ramos,
vivenciou a primeira geração de cientistas sociais formados pela FNFi (1939-1948). De suas
principais obras, constam “Lutas de Famílias no Brasil” (1949), “O Negro no Rio de Janeiro”
(1953) e “Sociologia e Desenvolvimento” (1963). Sob a orientação da UNESCO, entre os
anos de 1950, Costa Pinto participou da pesquisa sobre as relações sociais, traçando um
campo de estudos que compôs uma reflexão sobre as condições do negro no Brasil, o que
resultou o desenvolvimento de trabalhos similares entre Florestan Fernandes, Fernando
Henrique Cardoso e Octávio Ianni, Oracy Nogueira, Roger Bastide.
A partir da Bahia, sob a coordenação de Anísio Teixeira, Costa Pinto fez parte de um
comitê de estudos com o objetivo de estudar sociologicamente a sociedade baiana, tendo o
propósito de fundamentar o novo sistema educacional do estado. Com a criação do CBPE,
Costa Pinto uniu-se mais uma vez a um projeto que tinha à frente Anísio e Darcy Ribeiro.
Quando publicou em 1958, a obra Recôncavo: Laboratório de uma Experiência Humana,
100
pela Companhia Editora Nacional, defendendo uma de suas principais teses no estudo da
sociologia brasileira sobre a marginalidade estrutural, onde rejeitava a interpretação do
brasileiro como um sujeito responsável pelos males sociais do país. Costa Pinto criticava uma
concepção futurista da sociedade brasileira entendendo que não necessariamente, conduziriam
transformações econômicas e sociais resultassem mudanças na estrutura social brasileira:
O conceito de marginalidade estrutural concebido pelo autor servia para
explicitar aquela dimensão não apenas conflituosa, mas também
acomodaticia das transformações que ocorriam. As mudanças no Brasil não
seguiam o padrão das “sociedades desenvolvidas” e industrializadas,
entrelaçando-se o velho ao novo nas mais diversas condutas sociais...
(VILLAS BÔAS, 2006, p. 4).
Sua reflexão fundamenta-se por entender a dinâmica da sociedade a partir de uma
ambivalência entre as condutas tradicionais e as condutas modernas, numa dialética que
criticava a predestinação da vitória do moderno sobre o arcaico, criticando este dualismo
mecânico e as tendências de se hierarquizarem o velho e o novo. Para Costa Pinto, o caráter
da mudança não se consolidaria sem as tensões, conflitos inerentes aos processos de
transformação social. (VILLAS BÔAS, p. 5). Neste aspecto, a centralidade de suas ideias
distanciava-se da defesa do nacionalismo desenvolvimentista, bandeira propagada pelo ISEB.
As posições de Costa Pinto fizeram com que ocorresse em 1959 no Rio de Janeiro, o
Seminário Internacional Resistências à Mudança: Fatores que Impedem ou Dificultam o
Desenvolvimento, evento que aprofundou discussões sobre o problema da terra e o papel do
Estado na política de desenvolvimento econômico. As críticas ao nacionalismo estavam na
discussão conceitual entre Nação, Estado – Nação e Sociedade, elementos que, segundo Costa
Pinto, pouco acrescentavam efetivamente à mudança social. Observava o nacionalismo como
estratégia política em unificar interesses a partir do desenvolvimento, tentando comprometer a
burguesia nacional a esta ideologia; unindo grupos políticos, tanto à direita, quanto à
esquerda, conclamando-os à defesa pelos valores nacionais ao desenvolvimento.
Dentre as teses que defendeu no campo das ciências sociais, a categoria mudança
social merece destaque, pois, é uma das matrizes do pensamento social deste intelectual. Em
Costa Pinto ocorria à distinção entre o caráter da mudança social manifestada em qualquer
tipo de sociedade e as efetivas mudanças que poderiam ser dinamizados, potencializados,
101
opondo-se a um tipo de mudança artificial, esta chamada de meia modernização.
53
No
CLAPCS, a revista América Latina (1958) registrou o andamento dos projetos de pesquisa,
publicando artigos referentes ao projeto institucional. Dentre os principais colaboradores
estiveram Wright Mills, Roger Bastide e Alain Touraine. A Revista junto com o Centro
sobreviveram até meados dos anos de 1970.
2.2 O Pensamento Militar Brasileiro: 1964, a Escola Superior de Guerra e a Doutrina
de Segurança Nacional
O pensamento autoritário que se desenvolve no transcorrer do período republicano
reproduz-se a partir das experiências políticas concentradas no Estado como instituição, no
desdobramento de uma cultura distanciada dos ideais liberais e democráticos, afeita ao
isolamento do indivíduo dos problemas comuns da organização social, da polis e de sua
participação civil. O lastro deste pensamento espalha-se pelas instituições, concentra-se numa
tradição de se pensar o projeto nacional de desenvolvimento tendo o controle político alheio
às vontades do povo, na condução e orientação de se encontrar o moderno pelas reformas
estruturantes realizadas pelo centro de poder. Não há, pois um monopólio do pensamento
social autoritário entre as instituições e intelectuais, até porque como cultura, as expressões
autoritárias, suas ramificações doutrinárias e ideológicas espalham-se na formação entre
intelectuais e instituições privadas. O autoritarismo pode ser concebido como um princípio de
vida, uma missão, um tipo de comportamento que rege as sociabilidades, hábitos costumeiros
nas relações institucionais. Faltou na experiência republicana brasileira à essência das
liberdades civis, dos direitos da democracia representativa, o reconhecimento e o
compromisso da sociedade num projeto nacional pautado num acordo de convivência social, e
que em sua própria origem, a força coercitiva, o mandonismo e a certeza de que as mudanças
necessárias ao progresso deveriam ocorrer pelas ações verticais, pelo alto.
Na história da república brasileira, a instituição militar assumiu papel preponderante
nos rumos da forma de governo recém inaugurada, convergindo para si, pelas vantagens de
controlarem o monopólio da força coercitiva, a função importante na condução do país e mais

53
Em “Por Que Rever Mais Uma Vez o Conceito de Marginalidade Estrutural de Luiz Aguiar da Costa
Pinto?” Gláucia Villas Bôas (2006) analisa o pensamento de Costa Pinto contrapondo a ideias do sociólogo com
as interpretações sobre o país no campo das ciências sociais.
102
uma vez, acentuando o projeto autoritário de nação, firmando em princípios que nortearam
seu roteiro e projeto de poder. A influência do positivismo comtiano no Brasil determinou os
fundamentos doutrinários, ideológicos e ponto de partida ao pensamento militar brasileiro. A
filosofia positivista chega ao país a partir de sua concepção autoritária, privilegiando a
organização do poder, na primazia da autoridade sobre a liberdade. O próprio Augusto Comte,
a principal referência no positivismo francês, concebeu a dinâmica da sociedade numa
perspectiva de ordenamento, da marcha evolutiva rumo ao aprimoramento da humanidade.
Em sua doutrina, a Estática e a Dinâmica representam as bases do entendimento do
positivismo na história e, como teoria, influenciou o projeto político no Brasil.
Comparando a Estática a Dinâmica aos elementos científicos dos estudos biológicos,
vendo na anatomia e na fisiologia as aproximações que justificariam o movimento ordenado
da sociedade. Se a anatomia referiu-se a Estática, sendo esta o pressuposto da ordem, na
estrutura social estabelecida a partir da hierarquia, a Dinâmica, comparada à fisiologia,
representava a sociedade em movimento constante, perfazendo uma trajetória racional e
científica, de desenvolvimento histórico. A Dinâmica então é o corpo social em movimento,
destinado ao progresso. (MORAES FILHO, 1989, p. 25-29). Na formação do pensamento
político brasileiro, o positivismo influenciou gerações da elite dirigente do país, não só nas
áreas restritas aos militares, mas também junto aos civis. A presença positivista pautou o
projeto republicano castilhista, em sua concepção autoritária e saneadora do exercício do
poder
54
. Mas a experiência militar significou o marco de uma ação justificadora para que a
instituição estivesse tão presente na república brasileira.
As ideias positivistas que fomentaram a presença militar na passagem do império para
a república têm a sua marca a partir do viés autoritário das reflexões comtianas. Comte, ao
referir-se à república busca a ideia de ditadura nas origens do Império Romano e na
Revolução Francesa, onde “a expressão implica ao mesmo tempo a ideia de representação, de
legitimidade.” Nesta leitura, a figura do ditador concentra em si o simbolismo do
representante-representado, defendendo o caráter da institucionalização e legitimidade: “O
ditador republicano seria, por exemplo, vitalício e poderia escolher seu sucessor. Se ele deve
teoricamente representar as massas, pode na prática delas se afastar... O bom ditador comtiano
seria aquele que conduzisse as massas...” (CARVALHO, 1989, 21).

54
Nas páginas 44, 45 e 46 deste trabalho discuto o comportamento e a ideologia política de Julio de Castilhos
onde os princípios do positivismo foram fundamentais ao projeto republicano autoritário desta liderança sulista.
103
O governo da ordem, expresso na representação do ditador é o caminho que se
aproxima à etapa positiva da humanidade, no 3º Estado, o progresso
55
. Na idealização da
República como etapa superior, o máximo da organização social da humanidade, os sinais
desta evolução caracterizavam-se pelo valor da convivência comunitária, a importância do
núcleo familiar e a ampliação deste sentimento no conceito de pátria, a culminância do
processo evolutivo. A utopia positivista, a base do pensamento militar brasileiro, pautou-se
nestes princípios entre a ordem como princípio, no corpo organizado e o progresso como
destino inexorável da humanidade. O positivismo pensado pelo brasileiro e militar Benjamim
Constant contribuiu para a propagação das ideias nos meios militares. Professor da Escola
Militar, Constant, por mais de vinte anos ministrou o ensino e a defesa republicana como
etapa importante da evolução da sociedade brasileira, determinando gerações educadas a
partir das noções do pensamento positivista e em 1868, fundou um centro de estudos
referentes aos fundamentos do positivismo. Nos debates sobre a autoria ou o principal
patrono do dia 15 de novembro, Constant não foi considerado um dos principais líderes
militares do golpe, seu papel no cenário político consolidou-se como “o professor, o teórico, o
portador de uma visão da história, de um projeto de Brasil... Era o catequista, o apóstolo, o
evangelizador, o doutrinador, a cabeça pensante, o preceptor, o mestre, o ídolo da juventude
militar. Benjamim não aparece em primeiro lugar como representante da classe militar, como
vingador e salvador do Exército.” As controvérsias em relação às inspirações sobre o projeto
republicano no país, onde a divisão de correntes políticas entre os democratas, estes sendo
liberais e antipositivistas e defensores de um modelo representativo próximo da experiência
americana e os sociocratas-positivistas “inimigos abertos da democracia representativa”, pois
entre os sociocratas, o projeto político concentrava-se na implantação da ditadura republicana.
A contribuição de B. Constant e de seu grupo político, no transcorrer dos anos iniciais da
república brasileira esteve nas propostas de separação entre o Estado e a Igreja, na
implantação do casamento civil, na secularização dos cemitérios. (CARVALHO, 1989, 40,
41-42).
Na obra de Raymundo Faoro (2000), existem duas categorias que discutem o ideal
militar na participação política na construção da república brasileira. A primeira tese seria
repudiada pela própria elite militar, na crítica ao conceito de cidadão de farda, aquele militar

55
Comte projeta três etapas evolutivas na marcha da humanidade, sendo que a última etapa, o 3º Estado seria a
fase do progresso, da mentalidade científica, auge da humanidade e da razão, a utopia positivista.
104
atuante na política, porém, pelos seus atos, comprometido com a indisciplina, fator
desprezado pelos dirigentes militares pela motivação à quebra da hierarquia, princípio
institucional intocável. Mas o ordenamento jurídico a estes status militar, em decreto de 14 de
abril de 1890, definiu a posição das Forças Armadas considerando que “o soldado, elemento
de força, deve ser hoje em diante o cidadão armado – corporificação da honra nacional e
importante cooperador do progresso como a garantia da ordem e da paz públicas, apoio
inteligente e bem intencionado das instituições republicanas, jamais instrumento civil e
maleável por uma obediência passiva e inconsciente que rebaixa o caráter, aniquila o estímulo
e abate o moral.” Neste decreto em seus fundamentos doutrinários, contém a influência de B.
Constant e que assegurou institucionalmente o ingresso de militares à vida política do país,
garantindo o status de cidadão de farda, corroborada na constituição de 1891. (FAORO,
2000, 539).
Quando expõe o militarismo, Faoro acentua a crítica da participação do Exército na
vida civil republicana tornando a sociedade refém, na “dependência unilateral” aos interesses
militares. A prevalência militar aos anseios da sociedade traduziu este militarismo como um
comportamento da instituição, responsável em intervir ou mediar os conflitos, inclusive
destacando a sua impotência em agregar partidos políticos consistentes para a manutenção e
consolidação do novo regime.
A presença militar em 1964 manifestou o permanente interesse da instituição com a
República e o sentimento de retomar os anseios da pátria, da unidade nacional e integração de
seu território, buscando assim a utopia do progresso, pela ordem. Seu apelo a favor da
moralidade da gestão pública, na correção moral, tão valorizada pelos setores médios da
sociedade brasileira permeou a trajetória das intenções militares na história republicana. Foi
assim com a “Proclamação da República”, no tenentismo da década de 1920, movimento que
em sua pregação ao retorno dos princípios que fizeram com que militares tivessem participado
da passagem da monarquia para o novo regime e a nostalgia de se entender o poder a partir
dos valores altruístas nacionais, retomando-o, em oposição ao poder corrupto dos civis, estes,
empenhados em seus projetos pessoais. O interregno entre 1945-1964
56
sofreu um
acompanhamento das Forças Armadas, desejosas de recolocarem, mais uma vez o povo na
rota do desenvolvimento e do progresso, pois, “até 1964 as intervenções militares brasileiras

56
Entre os governos civis deste período, as instituições militares participaram em permanentes crises com o
poder civil, tanto no governo JK e as tentativas de golpe, quanto no instável governo de João Goulart.
105
caracterizavam-se pelo seu papel arbitral-tutelar, quando as Forças Armadas golpeavam o
Estado, transferiam o poder para os civis e assumiam a função tutelar da nova ordem
institucional.” (BORGES FILHO, 1997, p. 63).
Baseados na Doutrina de Segurança Nacional - DSN, tendo a formulação deste ideário
na Escola Superior de Guerra – ESG, o golpe civil-militar
57
confirmou o desejo das Forças
Armadas em encerrar com a desordem civil, a insegurança institucional, consolidando sua
aliança com o modelo de democracia e liberdade, dos Estados Unidos da América. Formulada
pela ESG entyre o final dos anos de 1940 e 1950, a DSN tornou-se ao pensamento militar
brasileiro os princípios que definiram as noções estratégicas das Forças Armadas e o caráter
de domínio territorial a partir dos fundamentos da geopolítica.
O fim da Segunda-Guerra Mundial e a conseqüente divisão do mapa internacional a
partir dos blocos ideológicos e econômicos, por iniciativa e atendendo aos interesses dos
Estados Unidos que, considerando-se a bipolaridade, fazia com que os vitoriosos do bloco
ocidental-capitalista garantissem o acesso e a manutenção dos mercados já conquistados, mas
também o controle dos futuros mercados, principalmente aos países que sofriam os processos
de independência aos antigos impérios coloniais. A disputa com o mundo comunista trouxe a
necessidade de que os Estados Unidos buscassem uma profunda análise dos movimentos
políticos e econômicos, tanto de países aliados, quanto aqueles que fortaleciam o lado
comunista. O Plano Marshal e a sua intenção de estabelecer ações de reconstrução da Europa,
destruída pela Guerra, buscava também a recuperação econômica e a garantia de promover
programas para o desenvolvimento do bem-estar social, teve também objetivos explícitos no
intuito de limitar o avanço dos ideais comunistas. A Doutrina Trumman que também exprimia
o projeto norte americano de controle geopolítico do mapa internacional, especificamente se
comprometendo a enviar tropas militares aos países que se sentissem ameaçados pelos
movimentos subversivos comunistas. Apesar de praticamente todo o investimento norte
americano, na década de 1950, estivesse voltado à Europa, a preocupação estratégica com a

57
Usarei este termo no transcorrer deste trabalho considerando as reflexões de DREIFFUS (1981), quando
analisa o processo de construção do golpe a partir da união de setores da sociedade civil, tais como empresários,
tecno-empresários e intelectuais que, articulados como o poder militar “tecem” a tomada do Estado num
trabalho árduo de formulação, propaganda e planejamento. BORGES FILHO (1997), ratifica esta leitura
afirmando que a relação civil-militar no golpe de 1964, “A interação pressupõe a capacidade do aparelho militar
de produzir mudanças no comportamento ou nas ações dos grupos civis. É justamente nesse sistema de alianças,
entre militares e civis, que converge um certo número de objetivos para a saída dos militares dos quartéis. No
caso do movimento de 64, as Forças Armadas ocuparam um papel hegemônico no interior da coalizão formada
para afastar João Goulart do governo.” In. Santos e Pecadores: O Comportamento Político dos Militares -
Brasil-Portugal. (SC), Paralelo, Editora.
106
América Latina estava na área marítima do Atlântico Sul e no fluxo marítimo possível com a
presença soviética e de seus aliados, por outro lado, no consentimento tácito sobre a presença
norte americana no continente, trouxe o interesse dos Estados latino-americanos numa
aproximação, aliança política, que garantisse o apoio logístico e na formação da inteligência
militar aos quadros de alta patente da América Latina.
No contexto do jogo internacional, nos avanços permanentes na construção da
hegemonia militar e política, principalmente no acirramento da guerra-fria a partir do conflito
na Coréia e as repercussões da Revolução Chinesa, no transcorrer dos anos de 1950,
desenvolveu-se a Doutrina de Segurança Nacional, forjada nas escolas militares dos Estados
Unidos, disseminados nos institutos de formação de quadros nos países da América Latina. A
ação conjugada entre as estratégias militares de controle do continente e um plano de
desenvolvimento socioeconômico, planos articulados pelo governo norte americano, fez com
que J. Kennedy criasse a Agência de Desenvolvimento Interamericana – AID, coordenada
pela Aliança Pelo Progresso com o objetivo de reduzir os índices de pobreza do continente,
mantendo assim a distância entre as possíveis reações favoráveis ao espectro comunista.
Criado em 1946, o National War College, com sede em Washington e vinculado ao
Pentágono, este centro de formação de quadros militares empenhou-se em formular o
pensamento militar anticomunista, tendo como fundamento a necessidade de se buscar
elementos que resguardassem a segurança interna e externa coletiva. O National War College
serviu de modelo para a organização de escolas de inteligência de guerra nos países da
América do Sul, tais como a Escola Superior de Guerra (ESG) no Brasil; a Academia de
Guerra, no Chile; a Escola Nacional de Guerra, no Paraguai; A Escola Superior de Guerra, na
Colômbia e a Escola de Altos Estudos Militares, na Bolívia. (FERNANDES, 2009).
58
No caso brasileiro, a DSN teve raízes próprias dado ao cenário propício na defesa da
economia de caráter nacionalista, apesar do compromisso do regime civil-militar em abrir o
país ao capitalismo monopolista, na exploração e controle do aço, carvão e petróleo. A outra
perspectiva da DSN no país estava na aproximação estratégica do país à política externa dos
Estados Unidos. (DOCKHORN, 2002, p. 32). A DSN fundamenta-se num princípio
defendido pelo alemão F. Ratzel que concebeu a presença do Estado e o seu desenvolvimento
biológico, onde a necessidade de sobrevivência e expansão territorial identificaria o poder de

58
FERNANDES, Ananda Simões. (2009). A Reformulação da Doutrina de Segurança Nacional pela Escola
Superior de Guerra no Brasil: A Geopolítica de Golbery do Couto e Silva. (PR). Revista Antíteses. Volume
2, N° 4, Julho-dezembro 2009.
107
força e seu domínio. As ideias de Ratzel repercutiram na obra de Kjellen que comparava a
função do Estado ao ser vivo. O domínio do espaço e suas formas de integração geográfica
entre o governo e território são elementos que fortalecem a concepção de geopolítica que, não
necessariamente estaria vinculada à cultura militar, porém, na definição da DSN, a geopolítica
foi apropriada pelos quadros militares americanos e do cone sul-americano. As peculiaridades
do Brasil e o seu território de extensão continental, fez com que o pensamento militar
brasileiro buscasse características próprias, conquistando autonomia de reflexão nesta
articulação entre a segurança interna sob a sua geografia e o desenvolvimento:
Partindo do pressuposto de que apenas países desenvolvidos com reais
chances de desenvolvimento detêm uma geopolítica nacional, somente a
Argentina e o Brasil articularam uma geopolítica própria, haja vista que os
demais países latino-americanos não possuíam as efetivas condições que
favorecessem o crescimento econômico desejado. Deve-se salientar que
tanto o Brasil e Argentina almejavam potencializar o crescimento econômico
dentro das limitações impostas pela situação de dependência aos centros
hegemônicos capitalistas. (DOCKHORN, 2002, p. 34).
Desde os anos de 1920, a questão da geopolítica foi pensada no Brasil onde Everardo
Backheuser e Delgado de Carvalho fizeram reflexões e estudos sobre o tema. Entre os anos de
1930, Mario Travassos aprofundou estudos e formulou três objetivos dos quais o país deveria
seguir: 1- ocupação dos espaços vazios do imenso território nacional, principalmente na
Amazônia e 2- expansão do seu território no sentido de garantir acesso ao Pacífico e ao
Atlântico e a formação da potência mundial. A opção brasileira pela política externa aliada
aos Estados Unidos deve-se ao fato desta preocupação de ocupação territorial pelo Estado,
num regime de força e controle político. (IDEM, 2002, p. 34-35). Mas a DSN, abraçada como
fundamento pelas Forças Armadas brasileiras, significou o roteiro, os princípios justificadores
para a intervenção no Estado brasileiro, mantendo a tradição da república de se garantir, pelo
alto, sem o comprometimento da sociedade, a ordem e a modernização. Nesta perspectiva, a
Escola Superior de Guerra ativou um papel estratégico na formação de quadros intelectuais
militares, formulando o ideal doutrinário do controle do espaço territorial conciliado à ordem
política interna, imune ao inimigo externo, o comunismo.
Dos quadros formados sob a ideologia da DSN, encontra-se o general Carlos
de Meira Mattos, nascido em São Carlos em 1913, no estado de São Paulo, primou a sua
carreira militar através dos estudos relativos à geopolítica nacional. Estudou na Escola Militar
de Realengo, RJ, tendo sido Capitão da Força Expedicionária Brasileira na Segunda Guerra.
108
De volta ao Brasil, formou-se na Escola de Comando e Estado Maior do Exército, na Escola
Superior de Guerra (ESG), núcleo pensante o promotor da DSN. Foi professor da ESG, da
Escola Naval e da Escola do Estado Maior da Aeronáutica. De seus livros publicados,
destacam-se: Bandeiras Históricas do Brasil, Projeção Mundial do Brasil, Operações na
Guerra Revolucionária (1966), A Geopolítica e as Projeções de Poder, Brasil – Geopolítica e
Destino, A Geopolítica e a Teoria de Fronteira (1990).
59
A atuação de Meira Mattos não se
restringiu aos assuntos militares, ao contrário, serviu como um soldado ao regime civil-
militar, inclusive auxiliando o governo nos encaminhamentos à reforma universitária, objeto
das preocupações militares com a subversão e a influência comunista entre os estudantes
(aspecto que abordarei mais à frente, neste trabalho). Com Meira Mattos, Golbery do Couto e
Silva foi outro importante intelectual militar a produzir uma vasta obra sobre o tema da
geopolítica, mas também como a inteligência que formulou o projeto ditatorial do regime. Na
trajetória do pensamento militar brasileiro, a influência das reflexões de Mario Travassos,
significou para ambos a base científica do ideário político das Forças Armadas:
É nessa situação histórica que dois eminentes membros dessa geração,
temperada na forja da brasilidade da Escola Superior de Guerra, os generais
Golbery do Couto e Silva e Carlos de Meira Mattos, produziram obras
decisivas na conceituação e na fixação dos temas clássicos da geopolítica
brasileira. Se o primeiro deles deixou um marco miliário do pensamento
estratégico nacional cinzelado em seus livros – “Planejamento Estratégico e
Geopolítica do Brasil” -, mas se deteve neles, desviado que fora da reflexão
para o exercício da prática política; o segundo afastou-se da vida pública
para iniciar uma longa reflexão teórica sobre o destino do Brasil como centro
de poder mundial.” (CABRAL, 2007, p. 15).
Sob a influência e controle norte americano o pensamento de Meira Mattos
convergiu aos interesses nacionais e a questão do desenvolvimento à presença estratégica dos
Estados Unidos na América Latina. A lógica da defesa interna e as relações internacionais
seguras partiriam da aliança com o eixo americano, onde as justificativas geográficas
apontariam os destinos do país:

59
“Em 20 de outubro de 1966, menos de dois meses antes de encaminhar ao Poder Legislativo o anteprojeto da
nova Constituição, o governo militar havia decretado recesso parlamentar por trinta dias e cercado e interditado o
edifício do Congresso Nacional com tropas do Exército, Marinha e Aeronáutica, comandas pelo coronel Meira
Mattos, em razão da resistência dos congressistas em aceitar novas cassações de mandatos.”. Horta, José Silvério
Baia. Educação no Congresso Constituinte de 1966-67. In. FÁVERO, Osmar (Org.). (1996). A Educação nas
Constituintes Brasileiras. Pg. 205.
109
Todos os geopolíticos brasileiros encaram os Estados Unidos como um
importante aliado estratégico, uma vez que os dois países participam de
interesses geopolíticos comuns na preservação dos estados americanos contra
ameaças extra-comunistas à sua segurança e ideologia. Do mesmo modo,
ambos são considerados como nações atlânticas, cada uma com necessidades
estratégicas similares para manter equilíbrios de poder favoráveis na África do
Sul e na Europa Ocidental, respectivamente. (KELLY, 2007, p. 13).
Entremeando os estudos sobre a geopolítica brasileira, Meira Mattos expõe
suas convicções sobre a política nacional, das influências que recebeu e sua opinião em defesa
ao golpe civil-militar de 1964. Considerado do grupo de militares da “Sorbonne”, facção
moderada que via no exemplo norte americano e nos seus fundamentos da livre iniciativa o
melhor sistema a ser implantado para o Brasil. Esta elite militar foi caracterizada por um
grupo de alta patente na hierarquia do Exército sendo que todos os seus componentes foram
alunos de destaque intelectual nas escolas militares. Foram estes oficiais da “Sorbonne” que
formaram o centro de decisões do primeiro governo da “revolução”, auxiliando o general
Castello Branco na condução dos ideais revolucionários. Mesmo derrotados politicamente
pelo campo militar “linha dura”, em 1969, influenciaram e estiveram presentes no transcorrer
do regime, entre os anos de 1964-1985. (KELLY, 2007, p. 19).
Meira Mattos defendeu as ideias de um internacionalismo liberal, sintetizando
assim um projeto político para o país: 1- A democracia é uma via política mais civilizada do
que o autoritarismo; 2- O capitalismo e a iniciativa privada são o caminho para o
desenvolvimento de uma nação poderosa, incluindo aí o papel estratégico do Estado; 3- O
planejamento racional de governo deve sobrepor-se ao “nacionalismo emocional exagerado”.
O desenvolvimento deve ser reforçado pelos setores comerciais e industriais privados, sem se
perder as perspectivas da participação das autoridades centrais na formulação do
planejamento. 4- Os militares são quadros competentes na direção das estratégias do
desenvolvimento nacional; 5- A segurança nacional parte do equilíbrio entre o
desenvolvimento e o poder nacional. (IDEM, p. 20).
A agenda Meira Mattos, mesmo sendo derrotada na trajetória da implantação
do regime no país, transpareceu um caráter de vertente liberal-democrática, porém,
escondendo a matriz autoritária, herança republicana da concepção no poder vertical, alheio
às possíveis considerações de se apropriar uma cultura da participação da sociedade como
protagonista na construção da polis. Neste caso, o vínculo entre o autoritarismo e o
liberalismo pregado pelos setores militares no contexto dos anos de 1960 exclui o fator
110
político, menosprezando o indivíduo como cidadão, mas projetando este indivíduo somente
na lógica do empreendedorismo econômico. Na defesa que faz de 1964, afirma que o
desenvolvimento “é o componente axial da revolução”, demonstrando o compromisso com a
tomada de poder pelas forças militares. Seu pensamento político é dual quando, ao mesmo
tempo reconhece a democracia como o modelo de poder mais civilizado, mas não
prescindindo da utilização de “moderada autoridade para estimular a modernização da
sociedade brasileira”. Na articulação entre desenvolvimento e ordem social, o primeiro
sobrepõe-se como objetivo fim, justificando assim o Leviatã, a força coercitiva educadora
para corrigir e reconduzir o desenvolvimento: “De um ponto de vista militar, uma vez que
enfrentaremos inevitável competição internacional, devemos mediar à força de contenção
necessária para garantir a tranqüilidade de nosso desenvolvimento. (KELLY, 2007, p. 22-23).
Se o nacionalismo desenvolvimentista (isebiano) propagava a defesa da
economia nacional e um modelo de desenvolvimento que reforçasse o poder econômico
interno do Brasil no jogo internacional buscando romper uma dependência com o eixo norte
americano, construindo uma economia autônoma; o desenvolvimento militar, também de
interesse nacional, buscou consolidar as relações econômicas com os aliados do capitalismo,
negando a consideração da dependência, elemento secundário na luta contra a comunização
do mundo. Na concepção do nacionalismo, o pensamento militar brasileiro enfatizava a
capacidade harmônica e ordeira do povo, reconhecendo uma unidade cultural tão forte,
resultando a Nação. Meira Mattos assim expõe o seu otimismo nacionalista:
O Brasil, muito mais jovem (do que outros Estados), já se encontra integrado
dentro de um espírito nacional. Ninguém é capaz, em boa fé, de duvidar da
existência de um espírito nacional, alerta e sensível aos superiores interesses
e aspirações da Nação. Temos a unidade de idiomas, de crença religiosa e de
aceitação de nossa amalgama racial – sobretudo. Uma extraordinária unidade
espiritual. No imenso subcontinente brasileiro (todas as regiões e cores)
vibram com igual intensidade ante a nossa Bandeira e o nosso Hino
Nacional. Todos são igualmente comovidos pela mesma música, a mesma
história... A mesma lenda do Saci-Pererê. (Op. Cit. KELLY, 2007, p. 27).
O discurso de Meira Mattos, seu otimismo diante do futuro brasileiro, também expôs
um tipo de nacionalismo-exaltação, triunfalista, vocacionando o país ao destino de potência
mundial, paradigma comtiano da ordem e da harmonia: unidade, integração, espírito nacional,
força na uniformidade do povo, elogio à caminhada da “humanidade brasileira” ao Terceiro
Estado positivista. Em Darcy Ribeiro o nacionalismo-exaltação enfatiza justamente elementos
111
contrários à utopia militarista, onde o reconhecimento de vários brasis que surgiram de uma
(des) integração de povos – matrizes e que sobreviveram contraditoriamente formando um
povo-nação; no ideal militar a nação se dá pela unidade, pela integração entre o território e o
povo e a ingênua “aceitação de nossa amalgama racial”. Na perspectiva do
desenvolvimento, ambos os projetos defendiam o aprimoramento do capitalismo em relação
ao país. Se o nacionalismo desenvolvimentista buscou um projeto autônomo em relação ao
controle hegemônico do Capital, distanciando-se dos Estados Unidos, o projeto civil-militar
optou por um capitalismo dependente, submisso aos interesses estratégicos do Norte,
fortalecendo a aliança contra o “inimigo comum”, porém, estes dois projetos aproximam-se,
além da busca de integração do país nos marcos do capitalismo, ambos esqueceram-se da
sociedade como possível protagonista do próprio desenvolvimento. O advento da
redemocratização a partir dos anos de 1980 não isolou o pensamento autoritário, herança
marcante da república, seja na cultura política civil, seja na tradição militarista de intervenção
para imposição da ordem no país.
2.3 Igreja e Pensamento Social: Contradições entre Intelectuais e os Catolicismos
O círculo católico atuava em várias frentes principalmente na defesa intransigente na
defesa dos ideais doutrinários da Igreja, contrários aos movimentos do liberalismo e do
comunismo na sociedade, além das preocupações quanto do avanço do protestantismo e a sua
influência no início da República no país. O princípio educativo católico defendia o ensino
religioso e criticava o controle do Estado em relação à educação.
Na década de 1930 surge o Instituto Católico de Estudos Superiores (ICES), aparado
pelo Centro Dom Vital tendo a inspiração do projeto sob a responsabilidade, primeiramente
com Jackson de Figueiredo e depois com Alceu Amoroso Lima. O ICES tinha o objetivo de
estabelecer uma convergência do pensamento católico, concentrando a discussão sobre o
ensino superior e na formação de quadros católicos a serem preparados aos futuros embates
com os adversários do catolicismo, bem como atuarem na sociedade na propaganda pela
doutrina da Igreja. O corpo docente do ICES apresentava nomes que atuariam mais à frente na
composição da Universidade do Brasil. Além do próprio Alceu, Helder Câmara (Pedagogia
112
Experimental); Eremildo Luiz Vianna (História da Civilização) – este indicado por Alceu para
formar o quadro de professores da Universidade do Brasil.
A experiência do ICES foi pioneira no meio católico dando início ao movimento de
faculdades confessionais a partir dos anos de 1940, principalmente em 1946, tendo como
referência a criação da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC). A estratégia
da elite católica fundamentou-se em “garantir o espaço universitário para a igreja, em
detrimento do Estado e, em um segundo momento, exercer o controle hegemônico sobre a
universidade pública, em particular sobre a Faculdade de Filosofia da Universidade do
Brasil...” (ALMEIDA, 2002, p. 233). No desdobramento de instituições vinculadas à matriz
católica ocorre, a partir do final dos anos 1950 e principalmente na década de 1960, um
“aggiornamento” nas funções da Igreja e que se manifesta a partir do Concílio Vaticano II e
na figura de João XXIII, considerando as suas encíclicas Mater et Magistra (1961) e a Pacem
in Terris (1963), sendo que
(...) o primeiro documento aborda de forma bastante ampla o problema dos
países subdesenvolvidos e a questão social... Os problemas decorrentes do
subdesenvolvimento econômico, como também do subdesenvolvimento das
instituições sociais e culturais passam a ser aspecto relevante na pastoral e
em alguns movimentos religiosos. (PASSOS, p. 29).
Já no transcorrer dos anos de 1950, um campo filosófico – teológico rediscute o papel
da Igreja e da própria religiosidade. O pensamento de Jacques Maritain, de uma teologia
européia que recebe influências das lideranças religiosas, tais como, De Lubac, Padre Debret,
articulador do movimento de economia e humanismo, Chenu e Congar. Neste período, a
discussão central se dava nas contradições da igreja, a modernidade e o desencadeamento de
uma crise interna institucional. O Concílio Vaticano II se estabeleceu num ambiente de
tensão, resultando-se nisto porque suas ideias geravam “novas tensões e conflitos, pelo
desdobramento de um novo pensamento teológico, de uma nova visão da sociedade e das
práticas correspondentes”. (PAIVA, 1991, p. 13-14).
Entre os anos de 1950 – 1960, os ventos de mudança teológica católica interferem no
projeto conservador dos próprios setores da Igreja brasileira. A crise interna
conseqüentemente produz campos políticos antagônicos institucionalmente, tanto que, na
imposição do golpe civil-militar no país, setores católicos conservadores apoiaram a
implantação do regime autoritário, oferecendo-lhes a benção necessária à sua consolidação. A
113
igreja una, caminhando a partir de suas contradições, enfrenta o projeto de modernização
reproduzindo as concepções diferenciadas deste projeto que se acirrou com o Concílio
Vaticano II:
O próprio Concílio a tornou explícito, orientando-a a assumir um novo lugar
social e epistemológico no mundo, trocando a opção preferencial pelas
classes médias pela opção preferencial pelos pobres, mudando de
interlocutor tanto em seu discurso como em sua prática... Existiria, porém,
uma corrente moderna conservadora, de um lado, e uma “igreja popular”
comprometida com os oprimidos, de outro... Um projeto da igreja pode ser
moderno sem ser popular... (PAIVA, 1995, p. 14).
No embate entre projetos de modernização, a igreja desenvolveu no Brasil, em pleno
regime civil – militar uma ampla atuação de setores progressistas e de sua intelectualidade,
comprometidos com a nova linha missionária fundamentada à luz dos documentos do
Concílio Vaticano II. A articulação da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)
junto à sociedade civil e a institucionalização de movimentos e grupos organizados que
representassem um pensamento teológico a partir de uma hermenêutica e exegese, na leitura
bíblica e na utopia cristã-popular
60
, trouxe à Igreja um reposicionamento político diante do
quadro institucional brasileiro. No lastro da crise interna ao projeto de modernização e a
igreja, a CNBB cria em 1968, como organismo de assessoria à Conferência, o Instituto
Brasileiro de Desenvolvimento (IBRADES), tendo como exemplo de experiência o Instituto
Latino-Americano de Desenvolvimento (ILADES), órgão sediado em Santiago do Chile.
Confiado à Companhia de Jesus, a partir do Centro João XXIII de Investigação e Ação Social
(CIAS), o IBRADES atuou como instituição de formação de lideranças católicas de base. O
IBRADES oferecia um curso de quatro meses sobre Realidade Nacional no primeiro semestre
a alunos bolsistas indicados pelas dioceses interessadas e no segundo semestre, cursos breves
(uma semana ou dias) estando presente em qualquer parte do território nacional apresentando
nas áreas vinculadas às ciências sociais e a filosofia nas dioceses que realizavam trabalho com
as Comunidades Eclesiais de Base - CEBs. Também, transformou-se num centro de pesquisas

60
A atuação de Helder Câmara como Bispo e liderança política e eclesiástica, os grupos e movimentos do
laicato, tais como a Juventude Estudantil Católica (JEC), a Juventude Universitária Católica (JUC) e a Juventude
Operária Católica (JOC). A própria Ação Católica (AP) e a sua metodologia de se ler o mundo a partir da tríade
“ver – julgar – agir”, atuou com identidade explícita no campo progressista da igreja, fazendo uma ponte entre a
reflexão teológica com uma práxis comprometida com as lutas dos oprimidos.
114
sociais, aglutinando intelectuais que estavam sendo perseguidos e banidos da Universidade
pelo regime civil – militar.
A atuação do IBRADES foi marcada pela presença da liderança jesuíta e no empenho
de se investir nas análises sócio-políticas no país e na América Latina. A parceria com a
Fundação alemã, Konrad Adenauer promoveu um movimento de debates permanentes sobre a
conjuntura política brasileira, naquele momento, no acirramento do Estado autoritário através
da imposição do Ato Institucional N° 5 (AI – 5). A natureza de atuação da Fundação Konrad
Adenauer (FKA) objetivou uma articulação junto aos partidos políticos e sindicatos de
formação cristã, aprofundando os debates relativos à democracia social. Mas no caso da
presença da FKA no Brasil, a instituição atuou entendendo as circunstâncias complexas diante
da ditadura imposta no país.
61
Em 1966 a FKA enviou ao país Stephen Wegener, que veio
com a missão de estudar o caso brasileiro, buscando as alternativas de consolidação
institucional em pleno regime autoritário. Em suas observações, Wegener identificou
possibilidades reais de atuação em parceria com setores da igreja católica, àqueles que
historicamente vinham resistindo em oposição ao regime.
Pode-se, portanto, concluir que essa articulação foi um caminho para a
Fundação envolver-se em atividades de cunho estritamente político, ou de
maneira não tão explícita, evitando, conseqüentemente, conflitosa com o
governo brasileiro. Assim, foi capaz de extrapolar o envolvimento em
atividades de caráter meramente social, mesmo em um contexto autoritário.
(PEDROTTI, 2005, p. 128).
Neste período, entre a criação do CIAS em 1966 e, sob a direção deste, o IBRADES
desenvolveu-se no Rio de Janeiro como um núcleo católico de reflexão social sobre os
problemas brasileiros, opondo-se à situação política do país distanciando-se de um perfil
conservador – autoritário de uma Igreja que atuou desta forma nos primeiros 50 anos de
República. Uma das principais características do CIAS/IBRADES foram os cursos sobre a
realidade política brasileira, onde professores contratados a partir do convênio DO CIAS com
a Fundação Konrad Adenauer, intelectuais vinculados aos princípios da teologia da libertação
e outros que o autoritarismo perseguia criavam um ambiente de estudos na crítica sobre a
realidade brasileira.

61
Em “A Cooperação Internacional na Terceira Onda de Democratização: O Hibridismo da Fundação
Konrad Adenauer e a Experiência Brasileira”, PEDROTTI (2005), realiza estudo detalhado sobre a presença
da FKA no país e as suas relações com os católicos e instituições cristãs brasileiras.
115
A presença política desta vertente do pensamento católico fez com que o IBRADES
fosse reconhecido como instituição crítica à conjuntura política brasileira. Em 1970,
membros do DOPS (Departamento de Ordem Política e Social) do Estado da Guanabara,
invadiram a sede do IBRADES e prenderam por horas aqueles que estavam na casa no
momento, entre os quais o reitor da PUC-RJ, Padre Viveiros de Castro e o Secretário Geral da
CNBB, D. Aloísio Lorscheider. Todos os arquivos da Instituição foram levados e retidos e
também os professores que se encontravam no local, Zuenir Ventura, Liana Aureliano e
outros
62
. A repercussão, inclusive internacional desta invasão ao IBRADES, com a
reprovação do Papa Paulo VI, trouxe tensão entre a igreja e os militares. O incidente fez com
que Tarcísio Padilha, Candido Mendes e o próprio Padre Fernando Bastos D’Ávila tivessem
um contato com o General Muricy, este, um militar católico e “amigo de vários bispos”,
mediador entre a instituição militar e a igreja, isto para discutirem juntos os fatos ocorridos no
IBRADES discutindo ainda situação das lideranças do clero e leigas e que ficaram detidas.
(SERBIN, 2001, p. 29-30).
63
Entre os anos de 1972 – 1974 a FKA, a partir do Institut für Begabtenförderung (IBK),
financiou dez estudantes brasileiros para que estudassem na Alemanha, onde o processo
seletivo ficou sob a responsabilidade do IBRADES. (PEDROTTI, 2005, p. 130). A relação da
Konrad Adenauer com o pensamento católico deu-se a partir de um elenco de intelectuais,
leigos e clérigos, dentre eles o Padre Fernando Bastos D’Ávila, diretor do IBRADES. A FKA
estabeleceu com o CIAS – IBRADES um convênio de vinte e cinco anos, tendo como
representante no Brasil o Dr. Lothar Kraft, ex-dirigente da juventude da CDU, gozando de
grande prestígio junto ao Partido Democrata Cristão na Alemanha.
64
Do acompanhamento na formação de lideranças, dentre muitos que fizeram carreira
política está a figura de Herbert de Souza, que viveu na clandestinidade entre os anos de 1964
– 1971, transitando entre o Chile, México e Canadá. Em seu retorno ao Brasil, com a Anistia

62
Os detalhes do que ocorreu na sede do IBRADES me foi relatado no depoimento dado ao autor por Vanilda
Paiva, em 19 de maio de 2010: “O Ibrades funcionava na Bambina 115, 4 andares. Térreo, biblioteca e portaria;
Sobreloja: Ibrades e escritórios; 1. andar: cozinha, sala de almoço e salas de descanso dos padres; 3. andar:
aposentos dos padres; 4 andar: Capela. Tudo se passava , durante o dia, na Sobre-loja. Os militares foram à
procura dos 2 espanhóis (não me lembro mais os nomes) e “aterrizaram” na Sobreloja. Alunos, professores,
secretárias, bibliotecárias, padres, autoridades eclesiásticas. Foram todos colocados no mesmo saco, enquanto os
dois espanhóis desapareciam.”
63
Este encontro desencadeou tentativas de diálogo da Igreja junto ao Comando militar, responsável em conduzir
o regime. In. SERBIN, Kenneth P. (2001). Diálogos na Sombra: Bispos e Militares, Tortura e Justiça Social
na Ditadura. SP, Companhia das Letras. Pg. 30-40.
64
Depoimento dado ao autor por Vanilda Paiva, em 19 de maio de 2010.
116
em 1979, foi recebido pelo Padre Henrique Vaz e pelos jesuítas que lhe deram um local de
trabalho no IBRADES. Através da Campanha Mundial Contra Fome, da FAO, recebeu uma
consultoria e, mais tarde, os Jesuítas apoiaram o projeto do IBASE e liberaram uma casa da
Rua Vicente Souza, próximo do IBRADES, onde moravam alguns seminaristas, cedendo
assim para que o IBASE funcionasse ali, se estabelecendo neste local por vários anos.
Os anos de 1960 foram marcados, por uma crise de concepção de mundo, leituras
díspares e contraditórias sobre a modernidade, ambas manifestando-se no interior da igreja. O
conflito de ideias e o estabelecimento de uma forma específica de consenso representou a
natureza da Igreja no Brasil. Se entre os primeiros cinqüenta anos seus intelectuais orgânicos
leigos assumiram defesa aos ideais católicos na manutenção institucional da Igreja na vida
política do país, destacando-se um grupo que, apesar das variações de conteúdo teórico e até
doutrinário, nos espaços que atuaram, levantaram as bandeiras da Igreja, dentre eles estão,
Cardeal Leme, Jackson de Figueiredo, Alceu de Amoroso Lima, Padre Leonel Franca,
Tarcísio Padilha, Candido Mendes, D. Helder Câmara, Heráclito Sobral Pinto.
65
Mas os
ventos progressistas a partir dos anos de 1950 – 1960, trouxeram uma reflexão teológica de
caráter latino-americano e popular, frente ao campo conservador – moderado, intelectuais
católicos estiveram presentes na articulação entre a filosofia-teologia e as ciências sociais,
produzindo massa crítica diante da leitura sobre a realidade brasileira e a nova opção da
Igreja diante dos povos oprimidos.
A Igreja una expõe a suas contradições, atuando num tipo de via de mão dupla, até
porque, como argumentou M. Weber, a Igreja quando se fragmenta, ela realiza um
movimento interno da instituição, diferentemente do protestantismo que se divide, para
“fora”. Se ao mesmo tempo atua com os setores conservadores em apoio ao regime civil-
militar, em instituições paralelas ao clero, tais como a Tradição Família e Propriedade (TFP),
uma das responsáveis pela Marcha pela Família com Deus pela Liberdade, como a forte
pressão das instituições confessionais ao substitutivo à LDB do deputado Carlos Lacerda. Por

65
Há uma complexidade na trajetória de cada intelectual católico. Alceu de Amoroso Lima, sob a influência do
pensamento de João XXIII, do conservadorismo dos anos de 1920, 1930 e 1940, aproxima-se das teses de uma
social-democracia cristã, opondo-se ao regime civil-militar. D. Helder Câmara, de início um militante do
integralismo, transformou-se em personagem adversário do regime imposto no país a partir de 1964, sendo
referência na defesa dos direitos civis e humanos no Brasil e América Latina. Candido Mendes, de família
tradicional católica, foi reconhecido por sua erudição aos estudos do Direito, mantendo sempre uma posição de
centro-esquerda, colocava-se como um mediador na busca do diálogo entre a Igreja e as Forças Armadas durante
a ditadura, foi um dos fundadores do ISEB. In. SERBIN, Kenneth P. (2001). Diálogos na Sombra: Bispos e
Militares, Tortura e Justiça Social na Ditadura. SP, Companhia das Letras / FÁVERO, Maria de Lourdes e
BRITTO, Jader de Medeiros. (1999). Dicionário de Educadores no Brasil. RJ, Editora UFRJ.
117
outro lado, setores progressistas identificavam-se com os movimentos de resistência à
ditadura.
2.3.1 Pensamento Teológico e Social de Henrique Vaz e Bastos D’Ávila
Da matriz do pensamento católico progressista, as reflexões de Henrique Claudio de
Lima Vaz, o Padre Vaz serviu como uma das referências, principalmente na articulação e
diálogo entre as ciências sociais, a teologia e a filosofia. Padre jesuíta professor e filósofo teve
a sua formação vinculada à Companhia de Jesus, na Escola de Jesuítas de Friburgo. Ingressou
em 1945 para estudar teologia na Pontifícia Universidade Gregoriana, de Roma, quando
defendeu a dissertação para o curso de licenciatura, onde o título foi O Problema da Beatitude
em Aristóteles e Santo Tomás de Aquino. Obteve o doutoramento em filosofia pela
Universidade Gregoriana, com a tese de Dialectica et Contemplatore in Platonis Dialogs,
estudo sobre a dialética entre os diálogos platônicos.
Suas reflexões auxiliaram na organização de grupos católicos engajados nos
movimentos populares que realizaram oposição ao regime autoritário. Foi então considerado
uma das principais referências para a organização da Juventude Operária Católica (JOC), da
Juventude Universitária Católica (JUC) e a Ação Popular (AP). Deste grupo que se iniciou na
esfera religiosa católica, a partir de 1960 a AP construiu a sua trajetória a partir de etapas,
com ramificações que se espalharam do grupo original. A partir de 1968, muitos se afastaram
do pensamento católico e da influência de um socialismo humanista, optando por uma linha
teórica no marxismo – leninismo. Alguns tiveram liderança marcante no movimento
estudantil onde setores da AP enfrentaram a luta armada e parte do grupo filiou-se ao PCdoB,
a partir de 1973. (CIAMBARELLA, 2007, p. 101-126).
A base filosófica jesuítica serviu para que o Padre Vaz aprofundasse estudos a partir
de Aristóteles e Santo Tomás de Aquino. O confronto entre a reflexão rigorosa a partir da
lógica aristotélica e o tomismo, no enfrentamento com a realidade histórica pós-1945, fez
deste religioso um intelectual que trouxe ao pensamento social brasileiro, entre os anos de
1960-1970, uma renovação epistemológica da reflexão religiosa a partir da prática política, a
busca do sentido da existência humana e o rigor do pensamento filosófico. Seu tempo de
permanência na Europa fez com que exercitasse a sua reflexão percebendo o drama humano e
118
os traumas do pós-guerra: “enquanto máquinas gigantescas removiam entulhos e reedificavam
cidades, uma intensa vida de pensamento renascia e se expandia vigorosamente à luz do que
se acreditava a aurora de um novo dia da história.” Padre Vaz reconhece um sentimento de
renovação e esperança na teologia, neste período do pós-guerra porque afirma que estes sinais
de uma “Theológie Nouvelle” só iriam repercutir “dar frutos”, vinte anos depois, no Concílio
Vaticano II. Sob a influência de Teilhard de Chardin, percebeu a necessidade de ampliar suas
reflexões a partir “das estruturas evolutivas do universo, das dimensões planetárias e cósmicas
de um cristianismo colocado sob o signo concreto e quase experimental...”. (VAZ, 1982).
66
Quando teve acesso ao existencialismo sartreano, critica-o aos olhos dos princípios tomistas,
sob a influência do seu professor da Escola de Friburgo, Padre Joseph Maréchal. Neste
confronto com o existencialismo, buscou a interlocução entre a filosofia personalista de
Emmanuel Mounier e a filosofia de Jacques Maritain. No personalismo de Mounier, Padre
Vaz percebeu o sentido da existência da pessoa, princípio do pensamento de Mounier. O
acesso à revista Esprit, fez com que estudasse a teologia numa perspectiva contemporânea,
buscando um sentido entre o cristianismo e a modernidade.
Em Mounier, o confronto da teologia com a modernidade centra-se na questão de um
novo humanismo, entendendo-se a integralidade da pessoa. O personalismo então partia da
afirmativa de que o primado da pessoa deveria ser a utopia cristã e a presença desta na história
do homem. Nesta concepção, Mounier enfatiza que o sentido de pessoa suplanta o
entendimento de homem e/ou indivíduo: A pessoa torna-se integral na ação social,
comunitária, onde a expressão humana se dá num tipo de elevação espiritual e de encontro
com a transcendência. Em Jacques Maritain, Padre Vaz reencontra-se com o pensamento de
Tomás de Aquino e Aristóteles, pois a metafísica prescindia a epistemologia. Criticava o
status perigoso que a ciência assumia, tornando-se quase uma divindade. A base do
pensamento de Maritain consistia de que o ser é percebido primeiramente pela abstração da
experiência sensível. Uma segunda tese considerava que através da experiência sensorial, o
individuo pode, por uma intuição do ser, o ponto de partida para a metafísica e o seu valor
como uma epistemologia, de caráter centrado num realismo crítico. Mas o pensamento
político de Maritain influenciou Padre Vaz, principalmente naquilo que o filósofo francês
chamou de humanismo integral, na perspectiva de uma nova cristandade, na utopia de se

66
Depoimento para o Volume Rumos da Filosofia Atual no Brasil. (1982). Coleção Fé e Realidade. SP,
Edições Loyola.
119
buscar formas de cristianismo no desenvolvimento de uma teoria da cooperação. Entre os
anos de 1958-59, “avança pelo continente do racionalismo”, recebendo influências de Kant e
Hegel, leituras importantes que o aproximaram de Marx. Sobre o diálogo entre o cristianismo
e a modernidade, Padre Vaz reconhece que neste campo de conhecimento houve uma
concentração daquilo que lhe acompanhou em sua formação intelectual:
Eis o ponto de convergência de tantas linhas de reflexão, situado, não será
preciso dizê-lo, no centro mesmo do espaço hegeliano: a filosofia clássica e
a teologia que sobre ela edificou, o racionalismo moderno, a revolução
científica, enfim o tema da consciência histórica e da práxis social e política.
(VAZ, 1982).
Esta formação intelectual fez com que o Padre Vaz aglutinasse, entre os anos de 1960-
1970, um grupo de jovens militantes e intelectuais que lhe viam como referência de análise da
realidade brasileira a partir dos instrumentais metodológicos que se articulavam entre a
filosofia, a teologia e o diálogo com as ciências sociais. Herbert de Souza reconheceu a
influência de Padre Vaz em sua geração, na mediação que este intelectual católico fazia ao
discutir a “relação entre a filosofia que conhecíamos e a nossa prática” e no itinerário comum
na formação do pensamento católico progressista no Brasil: “do tomismo ao personalismo ao
estudo do marxismo; de Santo Tomás de Aquino a Maritain, Teilhard de Chardin, Mounier e
Marx, pelas mãos dos dominicanos e jesuítas.” (SOUZA, 1982). Junto com o Padre Debret e
Frei Cardonell
67
, Padre Vaz formou uma geração de intelectuais e lideranças políticas que
atuavam representando o ideário católico progressista. No Rio de Janeiro, muitos receberam a
sua influência, seja em sua participação no IBRADES, mas também nos círculos de estudos,
onde a juventude intelectual carioca freqüentava. A presença do IBRADES como centro de
promoção de um pensamento católico progressista, contribuiu para a formação dos setores da
intelectualidade fluminense, ampliando os arcos de interpretação das ciências sociais no
estado, numa perspectiva que somava elementos e a busca de diálogo entre a filosofia, a
teologia e a realidade social. Sobre os tempos do IBRADES, registrou sua amizade com Padre
Fernando Bastos D’Ávila, um dos intelectuais presentes no âmbito católico e de engajamento
social:

67
Cabe aqui destacar que a partir de uma formação em Teologia e Filosofia existia uma diferenciação entre as
concepções políticas entre os padres. Frei Cardonell era considerado, a partir de suas convicções políticas, mais à
esquerda, sendo que a sua passagem pelo Brasil foi rápida.
120
Fernando Ávila é o mais perfeito humanista que conheço e mesmo a sua
obra posterior de pensador social e político mostra, na beleza clássica do
estilo, no equilíbrio e na clareza de ideias, o humanista acabado dos anos de
estudo e ensinamento de literatura latina e grega em Friburgo inesquecível
dos anos 40. (VAZ, 1982).
Ao lado do Padre Vaz, Padre Fernando D’Ávila tornou-se figura importante no
confronto entre a teologia-filosofia e as ciências sociais. Desde o doze anos de idade,
Fernando Bastos Ávila estudou em instituição confessional católica, em Friburgo, na Escola
Apostólica da cidade. Ainda muito jovem, ingressou ao noviciado, iniciando-se no magistério
em substituição o titular da cadeira de retórica. Com os Padres Bourguet e Henrique Vaz, foi
indicado para continuar os seus estudos na Europa. Na Universidade de Louvain, defendeu
tese sobre os problemas migratórios no Brasil e teve como coordenador o professor Jacques
Le Claire.
68
Sob o forte impacto de seu contato permanente com os imigrantes italianos que
trabalhavam nas minas de carvão, faz a opção teórico-metodológica pelas ciências sociais,
isto na década de 1950. Envolvendo-se com os temas sociais a partir de suas experiências na
Itália e França, principalmente na Universidade de Louvain, voltando da Europa ingressou na
PUC-RJ para aprofundar os estudos nas áreas da sociologia e política. Chegando à PUC-RJ,
sugeriu a criação de outros departamentos, pois a experiência acadêmica da instituição
católica limitava-se ao oferecimento dos cursos de Filosofia e de Exegese. Por sua influência
na Universidade, fundou a Escola de Sociologia Política tendo como inspiração o modelo da
Escola de Sociologia e Política de São Paulo, a ELSP. Ainda sob a sua orientação, a PUC
inovou nos estudos das ciências sociais no Rio de Janeiro, criando o departamento de
pesquisas nas Ciências Políticas e Sociais e a complementação no curso de Economia. Com o
professor Isaac Kerstnetz, Padre Augusto Bagne, Padre Viveiros de Castro, Bastos D’Ávila
reestruturou acadêmica e administrativamente toda a área das ciências sociais da PUC-RJ,
criando o departamento de Ciências Sociais e o departamento de Economia.
Com um religioso vinculado aos jesuítas e também como intelectual, afirmou que suas
inquietações diante do mundo estavam voltadas aos problemas sociais e a própria ação social.
Sua motivação estava na “transformação do mundo”, onde a missão religiosa e o exercício
rigoroso de reflexão, à luz das ciências sociais, potencializaram sua trajetória:

68
Dados recolhidos da entrevista com o Padre Fernando Bastos D’Ávila. GIACOMINI, Sônia e RAPOSO,
Eduardo. (2007). Revista Desigualdade e Diversidade. P. 161-171.
121
Achava que devia educar para ser diferente, para acabar com o contraste
social. Como uma minoria pode se apropriar de tal maneira dos bens a ponto
de deixar a maioria numa situação de penúria? Esse grande contraste foi o
que motivo a minha vocação para a ação social. E procurei o que podia,
criando esse movimento, criando a consciência da responsabilidade social
com um número cada vez maior de alunos. Os novos podiam fazer tomar a
iniciativa de assumir cadeiras, continuar a ensinar os problemas sociais.
(D’ÁVILA, 2007, 169).
Em seu exercício intelectual, travou um diálogo com o marxismo respeitando os
princípios históricos que originaram as ideias marxistas, porém, criticou os fundamentos que
negavam a existência da divindade e as considerações religiosas no contexto social. Durante
trinta anos, foi o coordenador responsável em conduzir o IBRADES.
O IBRADES constituiu-se como referência do pensamento social, político e
educacional do país no Rio de Janeiro, onde desenvolveu um projeto de formação continuada
dos quadros da igreja, concebendo um espaço de pesquisa, encontros e produções acadêmicas.
Da presença de intelectuais que foram importantes ao pensamento educacional brasileiro nos
anos de 1980, muitos deles tiveram passagens no Instituto, viajando, oferecendo cursos
promovidos pelo IBRADES em todo o país, tendo ainda oportunidades e espaço político para
a pesquisa. Vanilda Paiva esteve no IBRADES por dois momentos, de 1971 até 1973, onde
Pedro Demo a substituiu e depois de 1976 a dezembro de 1984. Luiz Antonio Cunha,
Riolando Azzi e alguns jesuítas, nos anos de 1971 – 1973. Com a Anistia veio Luis Alberto
Gomes de Souza por alguns anos. Em 1980, Luis Antonio Cunha e Vanilda Paiva foram
contratados pela UNICAMP, mas não deixaram o IBRADES
69
. Na organização interna da
instituição, a figura do Pe. Paulo Menezes tomou importância tal era a o seu engajamento na
construção do projeto do IBRADES, seja no âmbito acadêmico, no acompanhamento
administrativo e nas discussões sobre a política nacional:
“No IBRADES, ele era um padre, mais jovem que o Pe. Ávila (que
formalmente era o diretor). Mas, você sabe, existe uma hierarquia informal
entre eles além da hierarquia da idade e do saber. Paulo sempre foi altamente
considerado por ser muito inteligente, hábil, capaz de pensar para frente. Ele
nasceu em Baturité no Ceará, entrou criança no Seminário, foi aluno
brilhante e no início dos anos 60 era padre no Recife. Depois do golpe, a
Ordem resolveu fazê-lo sair daqui e sei que ele viveu no Líbano, em
Portugal e foi mandado para o Chile para criar o ILADES. No final dos anos
60 retornou e criou aqui o IBRADES. Convidou pessoas para ensinar e
pesquisar, em geral, gente de esquerda... Traduziu “A Filosofia do Direito

69
Depoimento dado ao autor por Vanilda Paiva em 19 de maio de 2010.
122
mais recentemente. Hoje com 86 anos e vive na Casa dos Jesuítas em
Fortaleza. É um grande personagem e protegeu muita gente ao longo da
ditadura”
70
.
2.4 A Convergência Autoritária: Pensamento Social e Educacional na Crise Política
Civil-Militar - Intelectuais e a Reforma Universitária na Década de 1960
2.4.1 Antecedentes nos debates Sobre a Reforma: Estado, Instituições e a Lei 5.540
O debate sobre a necessidade de se reestruturar o sistema educacional no ensino
superior no Brasil vem do início da década de 1960, num movimento que se instaura a partir
do desejo de setores da própria comunidade acadêmica, das camadas médias da sociedade
exigindo ampliação das vagas para o ingresso às instituições e a pressão da conjuntura
econômica que levantava a bandeira de uma universidade aberta às necessidades do mercado.
Havia, pois um consenso quanto às mudanças necessárias à universidade, principalmente ao
seu ranço de um tradicionalismo baseado numa ordem administrativa a partir da cátedra.
Na perspectiva da cultura da modernização que Brasília oferecia ao país, o ideal de
Universidade foi concebido por Darcy Ribeiro, responsável em pensar a instituição para a
nova capital fazendo-a inovadora em sua concepção, entre os anos de 1962 – 1964. Na
idealização da nova Universidade, Darcy criticou a natureza de formação do que se
representava como arcaico, a Universidade do Brasil, onde este modelo de aplicação do
ensino superior, “era um feixe de faculdades profissionalizantes que se ignoravam
solenemente umas às outras, regidas todas por uma vaga reitoria dedicada a atos solenes
regados de retórica acadêmica.” (RIBEIRO, 1995, p. 137). A crítica de Darcy fazia da
Universidade do Brasil o símbolo do atraso, modelo conservador desvinculado aos rumos do
mundo moderno, tema enfático no transcorrer dos anos de 1960. O currículo desta
universidade inócua reproduzia uma estrutura de poder que determinava uma instituição sem
objetivos, sem fins próprios, sinal efetivo de um “lúgrube de um autoritarismo educacional”.
Este autoritarismo educacional abordava Darcy, partia de três elementos constituintes do que
se consolidou a Universidade do Brasil: 1- O faraonismo no projeto da Cidade Universitária,
no Rio de Janeiro; 2- Os desdobramentos da Faculdade de Filosofia espalhada pelo país,

70
Idem, 19 de maio de 2010.
123
multiplicando escolas sem qualidade acadêmica; 3- O sistema cartorial que consolidou uma
rígida burocracia, fator preponderante para a manifestação do clientelismo. (IDEM, p. 137)
Da crítica à Universidade do Brasil, Darcy esforça-se em defender o projeto da
Universidade de Brasília – (UnB) a partir de si própria, sem os “padrões forâneos”, sem a
referência ao modelo externo, criticando o que existia, enaltecendo as primeiras experiências
do ensino superior no Brasil a partir da atuação de Anísio Teixeira na Universidade do
Distrito Federal, antes do Estado Novo, e o modelo concebido pela Universidade de São
Paulo. Este diagnóstico sobre o atraso e as formas autoritárias, características da Universidade
do Brasil, sinalizaram as alternativas para a definição da política institucional e acadêmica da
UnB. Tais princípios, críticos para a definição de um projeto pioneiro, estiveram presentes
nos debates que convergiram para a reforma universitária.
71
A nova universidade surgiria para
se atender ao projeto civilizatório e de desenvolvimento econômico em que o país se
encaixava. Do que já analisei quanto ao pensamento social de Darcy Ribeiro neste trabalho,
cabe descrever o seu discurso utópico, centrando na UnB o plano civilizatório da nação:
Estávamos desafiados a encontrar as formas de organização mais propícias
ao debate das questões que fogem aprovada, a intelectualidade oficial e,
sobretudo, a acadêmica. Entre elas, a análise das causas efetivas do
desempenho medíocre do Brasil dentro da civilização industrial e das
ameaças que pesam sobre nós de continuarmos trotando, na história, como
uma nação subdesenvolvida na futura civilização. (RIBEIRO, 1995, p. 146).
Em seu projeto civilizatório e de desenvolvimento, rumo à etapa moderna, esta já
alcançada pelos países europeus e a América do Norte, faltava inserir a universidade na
dinâmica produtiva do capitalismo, fazendo com que seus objetivos na formação de quadros
profissionalizantes atendessem às demandas do projeto nacional e ao mercado:
Só seremos realmente autônomos quando a renovação das fábricas aqui
instaladas se fizer nossa técnica, segundo procedimentos surgidos ao estudo
de nossas matérias primas e das nossas condições peculiares de consumo. Só
por este caminho poderemos acelerar o ritmo de incremento de nossa
produção, de modo a reduzir e, um dia, anular a distância que nos separa dos

71
A defesa de Darcy Ribeiro, da qual a UnB apresentava um modelo singular de universidade sofre críticas a
partir de sua visão triunfal sobre a UnB: “Sua estrutura foi baseada em modelos importados, a nível discente num
sistema duplo e integrado de Institutos/Centros e Faculdades/Unidades complementares e do ponto de vista
docente...”. GRACIANI (1982). O Ensino Superior no Brasil. P. 64.
124
países tecnologicamente desenvolvidos e que se apartam cada vez mais de
nós pelos feitos de seus cientistas e técnicos. (RIBEIRO, 1962, 17).
72
Na concepção da UnB, caberia uma estrutura acadêmica que representasse uma
instituição em consonância às necessidades de progresso do país. A partir da gestão
acadêmica, concebia-se a Universidade a partir de Institutos Centrais e Faculdades. Aos
Institutos Centrais, caberia o oferecimento dos cursos introdutórios, com o conteúdo
propedêutico para todos os alunos ingressantes. Às Faculdades, caberia a preparação
profissionalizante destes alunos. Da inspiração do que seria o ciclo básico, “nos institutos se
realizarão estudos introdutórios de dois a três anos, o primeiro dedicado a estudos gerais que
completem a formação básica dos alunos, dando-lhes nível universitário, o segundo e o
terceiro já orientados vocacionalmente.” (IDEM, p. 22). De sua veemente análise sobre o
regime de cátedras, a UnB de Darcy conceberia a estrutura acadêmica na implantação dos
departamentos – núcleos acadêmicos responsáveis pela gestão dos projetos de ensino e
pesquisa:
Temos concebido a cátedra como loteamento do saber em províncias
vitalícias e outorgáveis através de certos procedimentos de seleção que
asseguram a um professor a propriedade do ensino de uma disciplina, em
certa série de dado curso e determinada faculdade. Após o concurso
usufrutuário vitalício de cátedra se liberta da obrigação de estudar e
atualizar-se. Pairando acima de qualquer juízo, orienta o ensino como bem
entende ou desentende e, se quiser, pode não dar aulas e até ensinar outra
disciplina, desde que esta não tenha donatário. (RIBEIRO, 1962, p. 18).
Observa-se que o conteúdo a ser definido na reforma universitária já se encontrava
aberto aos debates anos antes de sua efetivação em lei, dentro do escopo do regime civil-
militar. Na concepção da UnB, a formação do ciclo básico, o fim da cátedra e a inserção do
departamento, a renovação curricular buscando uma integração e na flexibilização do
conhecimento, ampliação ao acesso dos estudantes ao ensino superior, enfim, elementos
basilares que estiveram presentes, em 1968, quanto do estabelecimento da Lei N° 5.540. A
proposição antecipada para a reforma universitária a partir do ideário da UnB significou um
retrato deste período da política nacional brasileira, entre 1962, 1964 e 1968. Desta forma, a
contribuição do projeto da UnB significou um conjunto de ações reformistas ao sistema de
ensino universitário expressando o nacionalismo desenvolvimentista, tão caro aos tempos de

72
Texto original publicado pela Revista Senhor, de 1962. Republicado em 2007, pela Coleção Encontros,
Editora Azougue, RJ.
125
governo João Goulart. Brasília como emblema do moderno e a UnB representavam a
conjuntura política dos anos de 1960: crise institucional permanente, contradições no projeto
nacionalista desenvolvimentista e a imposição do projeto de modernização do regime civil-
militar, estabelecido em 1964. A UnB foi criada pela Lei N° 3.998, de 15 de dezembro de
1961, buscando o ideal de estrutura universitária inédito no contexto nacional, porém tendo
inspiração em experiências que se desenvolveram em centros de excelência de pesquisa no
Brasil: “A UnB surge não apenas como a mais moderna universidade do país naquele período,
mas como um divisor de águas na história das instituições universitárias, quer por suas
finalidades, que por sua organização institucional, como foram a USP e a UDF nos anos 30.”
(FÁVERO, 2006, p. 29),
Somando-se ao projeto da futura UnB e ao frutífero debate sobre a reforma do sistema
universitário o movimento estudantil apresenta-se ao cenário da década de 1960 como um dos
principais atores sociais na resistência à ditadura e na discussão sobre a Universidade desejada
para o país. Para MARTINS FILHO (2007), a consolidação do movimento estudantil e seu
protagonismo no enfrentamento ao Estado autoritário partem de dois processos que ocorrem
simultaneamente: 1º. A presença dos setores médios da sociedade inseridos na universidade;
2º. O surgimento de um campo político, organizado e disciplinado, tanto política, quanto
teoricamente. Entre os anos de 1945, quando o ensino superior havia 27.253 estudantes
universitários e o ano de 1964, quando houve um salto para 142.386, a ampliação de vagas
ocorreu principalmente nas universidades públicas criadas com a junção de escolas e
institutos superiores isolados, desenvolveu um alargamento destes centros universitários
recebendo os filhos da classe média brasileira. (MARTINS FILHO, 2007, p. 187). Do campo
político que deu sentido e orientação ao movimento estudantil, quase de atuação hegemônica,
estavam as forças políticas católicas, ramificações oriundas da Juventude Operária Católica
(JOC), Juventude Estudantil Católica (JEC) e a Juventude Universitária Católica (JUC), todas
articuladas a partir da Ação Popular (AP).
O ideário dos anos de 1960 e o seu pensamento social e educacional no
posicionamento político do nacionalismo desenvolvimentista consideravam a função
educativa como estratégica a partir de duas vertentes, seja a educação como um processo de
conquista da autonomia nacional diante das relações políticas e econômicas internacionais,
seja no reconhecimento do planejamento educacional com a ação planejada e instrumento de
agilidade e eficiência ao desenvolvimento econômico. As experiências de educação popular,
126
do governo federal em articulação com os movimentos sociais resultaram ações dentro da
perspectiva “da consciência nacional e instrumentalizadora de transformações político-sociais
profundas”, tais como Movimento de Cultura Popular (MCP), em Pernambuco; Movimento
de Educação de Base (MEB), vinculado à CNBB; De Pé no Chão Também se Aprende a Ler,
do governo municipal de Natal-RN, dentre outros. A segunda concepção se consolidou mais
tarde, tendo a teoria do capital humano como fator determinante nos planejamentos de
governo e educacionais na consolidação do regime civil-militar, dada as pressões
internacionais. (O. FÁVERO, 1996, p. 242, 243 e 244).
Neste ambiente político e com uma explícita pauta para os debates relativos à
universidade, a União Nacional dos Estudantes (UNE) apresenta-se como entidade que
buscou um embate crescente junto ao Estado autoritário. A efervescência cultural e política
entre o fim dos anos de 1950 e o transcorrer da década de 1960 impulsionou a juventude
vinculada à universidade, na militância política a partir de uma leitura crítica diante dos fatos
que ocorreram no mundo. Sendo assim, a vitória da revolução cubana em 1959, a
consolidação da guerra-fria como princípio geopolítico de articulação entre os países e a
liderança católica – moderna – conservadora do jovem J. F. Kennedy, como presidente da
principal potência capitalista, foram elementos importantes para identificarmos a conjuntura
internacional que influenciou o país.
Das bandeiras defendidas pelo governo de João Goulart, através das reformas de base,
a UNE aderiu ao projeto nacionalista e engajou-se também no projeto de reforma
universitária. A agenda de lutas do movimento estudantil, coordenado nacionalmente pela
UNE, pela defesa das reformas de base, dentre elas a do ensino superior, espalha-se pelo país
entre encontros, congressos e seminários. Em 1961, ocorreu em Salvador o Primeiro
Seminário Nacional de Reforma Universitária, promovido pela UNE, sendo que neste
encontro a organização estruturou a programação a partir de três temas: 1º. A Realidade
Brasileira, crítica à natureza do estado brasileiro – oligárquico e classista; 2º. A Universidade
Brasileira – sendo uma instituição reprodutora de uma sociedade alienada; 3º. A reforma
Universitária – onde a discussão foi acentuada na relação entre a democratização do ensino e
a abertura da universidade ao povo. (GRACIANI, 1982, p. 62).
Do encerramento do Seminário, surgiu a Declaração da Bahia, documento que
sintetizou a discussão ocorrida. Nos aspectos relativos à reforma universitária propriamente
dita, nos pontos centrados na reestruturação acadêmica, constavam do documento: autonomia
127
geral e irrestrita da universidade, nas gestões financeiras e administrativas; contratação de
corpo docente em período integral propiciando aperfeiçoamento em sua formação acadêmica;
abolição ao regime de cátedras vitalícias; participação proporcional de docentes na
administração universitária e que “os currículos e programas estivessem em consonância com
o desenvolvimento do país.” Do encontro ocorrido no Paraná, no mesmo ano, os aspectos
ressaltados foram os mesmos do encontro regional da Bahia, onde a ênfase da Carta do
Paraná foi a crítica à reforma universitária no contexto do jogo político - populista da época.
(IDEM, p. 63-63).
Em 1962, desencadeou-se a greve em defesa da ampliação de representatividade dos
alunos em todos os níveis da universidade. Na agenda de reivindicações, a exigência para que
a estrutura departamental fosse estabelecida, pois “os estudantes acreditavam que estes
entraves seriam sanados, uma vez que o corpo docente possuiria regime de tempo integral ou
parcial na universidade, os concursos da admissão de docentes seriam bem cuidados e a
participação discente seria mais representativa.” (GRACIANI, 1982, p. 64).
O plano do regime civil-militar foi bem definido: espantar o comunismo do meio
estudantil, tentando despolitizá-lo, reconstruindo a partir daí uma renovação das entidades
estudantis. Além do caráter conservador na perspectiva política, o regime defendia padrões de
moral e bons costumes isolando qualquer leitura crítica, inclusive do movimento político e
cultural que o mundo atravessava. Ao final do primeiro ano de governo ditatorial, através do
ministro da educação, Flávio Suplicy de Lacerda, foi declarado que o governo federal tinha a
pretensão de extinguir a UNE e as representações estaduais, as Uniões Estaduais de
Estudantes (UEEs), alterando as formas de organização dos alunos na universidade. Junto à
declaração, a Lei N° 4.464, de 11/11/1964, que pretendia salvar a Universidade, onde a UNE
foi substituída pelo Diretório Nacional dos Estudantes (DNE) e as Uniões Estaduais pelos
Diretórios Estaduais (DEs), proibindo qualquer tipo de manifestação favorável às greves ou
qualquer tipo de agitação político-partidária em ambiente universitário. A reação, ocorrida em
1965, potencializou a organização estudantil na defesa da UNE: “O meio estudantil cerrou
fileiras em torno da preservação de sua entidade nacional e via a nova legislação como
intromissão indevida em seus órgãos históricos de representação.” (MARTINS FILHO, 2007,
p. 190).
Tomada por forças políticas à esquerda, principalmente da Ação Popular (AP) e a sua
juventude, a UNE estabeleceu um embate junto ao regime. A União Metropolitana dos
128
Estudantes (UME), no Rio de Janeiro, assume a liderança do movimento tornando-se
protagonista no confronto à ditadura. Numa frente de siglas e organizações e partidos
políticos atuando num tipo de clandestinidade (PCB, PC do B), surgiram lideranças regionais
que estiveram à frente dos momentos mais acirrados quando da definição pelas forças
coercitivas do Estado, a explicitação do uso da violência, controle efetivo da censura e
destituição dos direitos civis e políticos dos brasileiros. No estado de São Paulo pela AP,
destacaram-se Honestino Guimarães, Luis Travassos e Catarina Melloni, na dissidência do
PCB, José Dirceu e, no Rio de Janeiro, neste mesmo campo político, Vladimir Palmeira e
Daniel Aarão Reis. Com o movimento estudantil em ascensão, em 1966 o governo anuncia o
desejo de realizar uma reforma universitária adequando o sistema educacional brasileiro às
necessidades da economia, modernizando o ensino superior, reestruturando a universidade. A
invasão policial à Faculdade de Medicina da Universidade do Brasil acirrou mais ainda a já
desgastada relação entre os grupos de estudantes, suas reivindicações e o regime civil-militar.
A crise que se acumulava foi fortalecida com o convênio do Ministério da Educação e Cultura
e a Agência para o Desenvolvimento Internacional do Governo dos Estados Unidos – o
Acordo MEC-USAID, onde os estudantes denunciavam a intenção do governo em privatizar o
ensino superior brasileiro, transplantando para o país o modelo norte-americano. (MARTINS
FILHO, 2007, p. 193).
O esgotamento do velho modelo de ingressantes nas universidades brasileiras e a
exigência dos setores médios da sociedade para a resolução dos problemas relativos aos
estudantes excedentes, àqueles que eram aprovados nos vestibulares que não tinham acesso
garantido, tal era a lotação por conta do oferecimento limitado para o ingresso, em 1967,
ampliou mais ainda o ambiente de insatisfação do ambos os lados. Neste ambiente de
confronto onde as manifestações estudantis ofereciam explicitamente um tipo de resistência
ao regime, dando sinais à sociedade que o modelo político autoritário não tolerava uma
cultura de oposição, o Rio de Janeiro manteve a sua tradição de ser a capital política do país
lembrando o passado recente da inauguração republicana onde o espaço urbano foi o encontro
com a manifestação cidadã, mesmo de forma desordenada ou a - política. Se no início do
século passado, conforme nos relata José Murilo de Carvalho, a república titubeante
demonstrava um povo bestializado, desorganizado nas reivindicações, o Rio de Janeiro dos
anos de 1960, através do impulso estudantil representou uma reação de alguns setores civis à
ditadura.
129
A discussão sobre a reforma universitária tomou vulto entre aqueles que defendiam
um projeto de autonomia política e de desenvolvimento econômico nacional, por isso, de certa
forma, os interesses do governo João Goulart, no plano de uma nova universidade, encarnado
nos anseios da UnB, convergiam com a agenda de lutas da UNE, construindo assim um tipo
de consenso em relação ao que se deveria ser tratado na reforma universitária. No campo da
formalidade, nas instâncias de regulamentação educacional, observa-se o movimento do
Conselho Federal de Educação que, desde o início dos anos de 1960, também travou debates,
aplicando normativas que já direcionavam para um novo desenho do sistema universitário no
país. No desenvolvimento desta análise, percebendo a evolução do processo de reforma
universitária, reafirma a necessidade de identificarmos neste contexto o caráter de
intervenção, do próprio pensamento social e educacional e a continuidade de traços
autoritários, típicos da inconsistência republicana brasileira, no que se estabeleceu no novo
sistema de ensino superior no país e a continuidade na formação do pensamento autoritário,
presente entre os intelectuais brasileiros.
A atuação do Conselho Federal de Educação (CFE), entre o período de 1962, ano de
sua implantação, até 1966, tem a sua fase de presença institucional propondo a organização
dos sistemas educacionais, emitindo pareceres técnicos referentes ao ensino superior. Este
período pode ser considerado como jurisprudencial, “pois o Conselho, nos pareceres
referentes à aprovação dos estatutos das universidades, buscou estabelecer um modelo de
universidade a partir das suas reiteradas decisões.” (ROTHEN, 2008, P. 455). Desde a sua
criação e implantação, o CFE vinha discutindo a reforma universitária e, sendo assim, o
debate sobre o regime de cátedras, a relação de unidade entre ensino e pesquisa, o currículo
estruturado a partir do ciclo básico de ensino e o profissional, além da definição quanto aos
padrões de carreira do magistério. Como órgão normativo, criado sob o governo onde as
regras do regime democrático estavam presentes, apesar das permanentes crises institucionais
que vinham ocorrendo no país
73
, mantém-se estruturado após o golpe civil-militar.
A tentativa de responder a estas questões parte de algumas considerações: 1º. A
estrutura administrativa do CFE não trazia ao regime uma insegurança quanto da perspectiva
conservadora do órgão; 2º. Dos conselheiros em cumprimento de mandato, alguns aderiram
ao golpe e aos princípios da revolução, dentre eles Newton Sucupira, intelectual importante

73
Desde o suicídio de Vargas, em 1954, a eleição de JK e as insurreições militares, os sete meses do governo
Jânio Quadros e a sua renúncia, o impedimento à posse do Vice - Presidente João Goulart e a solução
parlamentarista, o plebiscito e a vitória do presidencialismo, as reformas de base...
130
que se empenhou no quadro de composição da legislação do ensino superior e da pós-
graduação no transcorrer do regime, outros aguardaram o desenlace do processo e poucos
resistiram casos de Durmeval Trigueiro Mendes e Anísio Teixeira. Sendo um órgão vinculado
à estrutura federal de educação e ao MEC, adapta-se ao novo ambiente, da mesma forma que
o regime, que aos poucos e aguardando a ordem de sucessão dos mandatos dos conselheiros,
estabelece uma renovação do Conselho, não renovando mandatos, tais como o de Anísio
Teixeira. Na verdade, o CFE funcionou neste período como um órgão legislador aos
interesses do regime militar e não resistiu às matérias que foram de interesse do poder
estabelecido.
O Decreto Lei N° 53/166, pelo seu caráter evasivo quanto ao seu conteúdo relativo à
organização da universidade, não logrou ressonância prática na estrutura universitária, bem
como a proposta de reformulação da Universidade do Brasil, encaminhada desde 1962, fugia
aos princípios contidos no Decreto. O CFE tomou como medida a nomeação de comissão de
conselheiros para a elaboração de um novo anteprojeto de lei, objetivando estabelecer
especificidades sobre a estrutura do ensino superior do país que os documentos anteriores não
ressaltavam. Da comissão formada pelos conselheiros Clóvis Salgado, Durmeval Trigueiro
Mendes, Valnir Chagas, Newton Sucupira e Rubens Maciel, resultou o documento que
definiu o Decreto-Lei N° 252/71. Deste Decreto, de caráter normatizador, destacavam-se os
indicadores legais, tais como: normas complementares aos dispositivos contidos no Decreto-
Lei 53/66; consagração da estrutura departamental universitária e a extinção do regime de
cátedras, mantendo o docente catedrático como um nível da carreira do magistério no ensino
superior; definição das áreas de estudos e pesquisa, tais como as ciências matemáticas, físicas,
químicas e biológicas, geociências, ciências humanas, filosofia, letras e artes; definições de
setores administrativos e acadêmicos da estrutura universitária; possibilidades de criação de
ciclos propedêuticos de estudos, antecedendo à formação curricular profissional;
esclarecimentos e definição quanto à política de extensão universitária. (ROTHEN, 2008, p.
458-459).
Os encaminhamentos legais, debates e proposições políticas resultantes dos
movimentos sociais somavam-se na composição futura da reforma universitária. O golpe
civil-militar de 1964 sustou de certa forma os encaminhamentos dentro das normalidades
constitucionais dentro de um ambiente democrático, mas também assimilou o que lhe
interessava na perspectiva de atendimento ao projeto moderno-conservador. No embate
131
acirrado com o movimento estudantil no transcorrer dos anos de 1960, entre o ano de
imposição da ditadura até 1968 e a ampliação e oficialização da ordem coercitiva e as
limitações dos direitos civis, a crise do ensino superior vai tomando tal proporção que realiza
uma forma de incômodo aos interesses da ditadura. Neste ano de 1968, o governo realizou
dois movimentos que na primeira impressão poderia parecer ações desconexas junto à
subversão estudantil. Por outro lado, o estabelecimento de duas comissões, quase que
concomitantes, representava a intenção do governo em buscar alternativas quanto à saída para
a crise universitária, mas principalmente as formas de controlar o furor comunista, que
segundo o consenso militar era o inimigo da ordem, liderança presente no movimento
estudantil. Soma-se a esta “crise” universitária a politização do movimento estudantil em
reação ao regime civil-militar e a luta histórica dos estudantes pela ampliação de vagas no
ensino superior.
A Comissão Meira Mattos, criada pelo Decreto N° 62.024, funcionou entre 11/01 até
08/04 de 1968 e o Grupo de Trabalho sobre a Reforma Universitária, criado pelo Decreto N°
62.937, a partir de 02/07/1968, estas duas comissões, em suas naturezas díspares e pelo
caráter da formação de cada uma, tiveram funcionamentos diferentes no tratamento da crise
da educação no ensino superior. Na Comissão Meira Mattos, não havia a representação do
Ministério da Educação e Cultura, acentuando a função de relatar a situação educacional a
partir de preocupações estratégicas de segurança, na perspectiva do acirramento da crise
concentrada nas agitações estudantis e o problema específico dos excedentes. A composição
da comissão confirma o depoimento do coronel Meira Mattos quando este justifica os
interesses do governo nos trabalhos da comissão: dois militares, quadros do pensamento
militar pró-regime, um promotor público e dois professores.
74
Nem mesmo houve
representação do CFE, dada a sua importância no acompanhamento da possível reforma
universitária, desde 1962; o que não poupou críticas à Comissão Meira Mattos que, em seu
relatório final, quando responsabilizou o CFE como uma das “causas da não expansão das
vagas no ensino superior.” (ROTHEN, 2008, 461).
Entre os objetivos da comissão presidida por Meira Mattos estavam: 1- emitir
pareceres conclusivos sobre as propostas, reivindicações, teses e sugestões, oriundas do

74
Componentes da Comissão Meira Mattos: Professor Hélio de Souza Gomes (diretor da Faculdade de Direito
da UFRJ); Professor Jorge Boaventura de Souza e Silva (diretor geral do Departamento Nacional de Educação);
Afonso Carlos Agapito (Promotor Público); Coronel-Aviador Waldir Vasconcelos (Secretário Geral do Conselho
de Segurança Nacional).
132
movimento estudantil; 2- planejar e propor ao governo com o objetivo de buscar alternativas
de intervenção no setor estudantil; 3- coordenar estas ações, sob a delegação do MEC. Para
entendermos as intenções do regime em compor este tipo de comissão, cabe percebermos no
próprio perfil do seu presidente, responsável em conduzir os trabalhos e atender as
expectativas do regime. Para Meira Mattos, o que o levou a presidir a comissão de estudos
sobre a crise da educação no Brasil deveu-se ao seu currículo na área do ensino militar. A
questão central, segundo Mattos, “era a recente crise aguda”, resultado da “agitação
ideológica” estudantil. Neste caso, o problema dos excedentes. A comissão foi criada para
analisar as causas da crise, num ambiente onde “os estudantes estavam muito rebeldes... o
pessoal ficava inquieto, fazia perturbação da ordem e lutava por vagas. E isto era
acompanhado de greves. O problema foi muito tumultuado...” (MEIRA MATTOS, In.
MACHADO, 2006, p 2).
A intenção política da comissão Meira Mattos resultou em propostas gerais para o
controle do movimento estudantil, dentre eles o fortalecimento do princípio da autoridade e
disciplina, no ambiente universitário; a necessidade de ampliação das vagas, com o objetivo
de encerrar o problema sobre os aprovados excedentes, aprovando o vestibular unificado;
criação de cursos de curta duração. Um fio condutor da ordem autoritária que se estabelece
juridicamente, antecipando, pelos aspectos da intimidação e a repressão, ao Ato Institucional
N° 5, de 13/12/1968. A temática da cátedra também é sinalizada como um modelo arcaico,
apontada pela comissão como elemento a ser descartado e superado numa nova estrutura
universitária. Sobre o regime de cátedras, Meira Mattos declara que:
A figura do professor catedrático se tornou em termos gerais, eu não vou
falar no particular, porque há professores catedráticos ilustres e altamente
competentes, mas no geral a pessoa pegava o título de professor catedrático e
não se interessava mais. Vivia do título de professor catedrático. Muitos
bons professores catedráticos continuavam dando aulas ou dirigindo o
ensino. Com o título de catedrático ele se sentia livre de qualquer tipo de
obrigação. Então, isso se tornou um vício, também. (MEIRA MATTOS, In.
MACHADO, 2006, p.8).
Um dos temas que estavam na agenda de reivindicações do movimento estudantil,
muito mais como uma preocupação quanto aos destinos da universidade pública era a
possibilidade de privatização da mesma, sinais que o governo apresentava principalmente a
partir da aproximação do ideário norte-americano e o seu sistema universitário com os
133
convênios e assessorias de órgãos governamentais americanos. O coronel Meira Mattos expõe
a sua defesa e o que realmente foi pensado como revisão da gestão universitária no país:
No meu relatório eu propunha que se acabasse com a universidade pública.
Ela seria sempre uma fundação... Então na época, me lembrei em acabar
com a universidade pública e em transformar tudo em fundação sem
prejudicar o estudante pobre, pois todo estudante que não pudesse pagar ele
seria bolsista. Essa solução na época, nós fizemos um cálculo, que seria
muito mais barata para o governo, porque não manteria a universidade, mas
ele manteria alunos. (MEIRA MATTOS, In. MACHADO, 2006, p.4).
Pelo Decreto N° 62.937, de 02/07/1968, foi constituído o Grupo de Trabalho da
Reforma Universitária (GTRU), tendo um perfil mais acadêmico, com o objetivo de se
produzir propostas qualitativas para a reestruturação do ensino superior no país, iniciando as
suas atividades a partir de 10 de julho.
75
O tratamento dado ao tema pelo GTRU traz uma
preocupação com o aparato legal da reforma, tendo um vista o acúmulo de discussões que
educadores, a sociedade e o próprio CFE já discutiam desde o início dos anos de 1960. Os
temas desenvolvidos e inseridos em seu relatório final acentuam a preocupação pelo viés do
sistema de ensino universitário no país: definição de uma visão geral da reforma, os regimes
jurídicos e administrativos propostos, aproximação entre a escola secundária e a superior,
concepção curricular dos cursos a partir de um regime escolar, corpo docente, sistematização
da política de pós-graduação, expansão de vagas no ensino superior e financiamento da
educação.
ROTHEN (2008) apontou diferenças entre a comissão Meira Mattos e o GTRU,
discutindo inclusive uma discreta disputa política entre ambas, porém, ocorreu uma afinidade
quanto dos objetivos de se encaminhar soluções aos problemas do ensino superior no país. A
complementariedade está nos apontamentos gerais, elementos consensuais quando a reforma
universitária e que foi acatada pelo GTRU. A comissão Meira Mattos sugeria a necessidade
de se rever a legislação educacional trabalhando com o princípio da manutenção da ordem, da
neutralização do movimento estudantil, ideias presentes no relatório final da comissão. Mas o

75
Compuseram o Grupo de Trabalho: Ministro Tarso Dutra (Educação e Cultura); Antonio Moreira Couceiro
(Presidente do CNPQ e professor da UFRJ); Padre Fernando Bastos D’Ávila (Vice-Reitor da PUC-RJ), João
Lyra Filho (Reitor da Universidade do Estado da Guanabara – UEG); João Paulo dos Reis Veloso
(Representante do Ministério do Planejamento); Fernando Ribeiro do Val (Representante do Ministério da
Fazenda); Roque Spencer Maciel de Barros (Professor da Universidade de São Paulo – USP); Newton Sucupira
(Professor e Ex-Reitor da Universidade de Pernambuco, membro do CFE); Valnir Chagas (Professor da
Universidade Federal do Ceará e membro do CFE); Haroldo Leon Perez (Representante do Congresso Nacional).
134
GTRU criticou não só o posicionamento da comissão Meira Mattos, mas explicitou o seu
papel de colaboradora de propostas reais e alternativas à reforma universitária:
O GTRU assumiu a postura explicita de contraposição à comissão Meira
Mattos, ao defender que a reforma universitária a ser realizada não deveria
ser realizada apenas para resolver problemas imediatos, como seria o caso do
que é propósito no relatório Meira Mattos. (ROTHEN, 2006, p. 462).
Se por um lado não se pode exagerar no dimensionamento das ações da ditadura civil-
militar nos atos decisórios sobre a reforma universitária, abandonando todo o processo e
conjunturas históricas, os sujeitos que contribuíram para o resultado do que foi a Lei
5.540/68, também não se pode subestimar a firme presença do regime na constituição do
arcabouço legal da nova estrutura universitária. A ditadura, aproveitando o acúmulo das
discussões relativas à reforma universitária no país, somando-se aos seus interesses de
segurança, ordem interna e o atendimento ao projeto de modernização do país, pelo alto,
acolhe a reforma universitária a partir de seus objetivos: dissolver o movimento estudantil,
controlar as resistências ao regime no interior da universidade, confiar num modelo de gestão
renovado e conservador, apostando na eficiência dos meios, adequando-os ao modelo de
capitalismo exigido no período. A reforma universitária já estava em curso, conjugando-se
uma série de fatores que, articulados, resultaram na Lei 5.540 de 1968. Além dos fatores que
já citados neste trabalho, destaco dos comentários de O. FÁVERO o seguinte: normatização
da pós-graduação, através do parecer N° 977/65, do CFE; a definição do Estatuto do
Magistério Superior, na Lei N° 4.881/65; início da reformulação das universidades federais,
pelos decretos N° 53/66 e 252/69. (O. FÁVERO, 1996, P. 252).
Sob o controle do Estado autoritário, o empenho em se buscar soluções para o ensino
superior e a reestruturação do sistema universitário brasileiro vem desde o estabelecimento do
regime civil-militar, a partir de 1964. A estrutura de poder estabelecido pelo regime garantiu
um privilégio de efetiva participação nas decisões, considerando-se o Ministério do
Planejamento como o eixo civil de maior prestígio na administração federal. Roberto Campos,
ao assumir a pasta do Planejamento, foi o coordenador de uma nova ordem econômica,
tratando-a gerencialmente segundo a lógica de gestão do Estado: “Foi a equipe
IPÊS/CONSULTEC, de Roberto Campos, que elaborou o Plano de Ação Econômica.”
(DREIFFUS, 1981, 425).
135
Tendo como eixo decisório do regime o tripé Planejamento, Casa Civil e Casa Militar,
criou-se o ambiente propício, que conjugava avaliação político-conjuntural e a determinação
de estratégias necessárias ao Estado autoritário. Com isso, ao Estado somava-se a ação de
planejar o projeto de modernização conservadora, consolidando os avanços do capitalismo,
distanciando-se dos interesses de participação da sociedade política nos processos decisórios
do governo. (SANTOS, 2005, p. 84-85). O Acordo Sobre a Garantia de Investimentos entre
Estados Unidos do Brasil e os Estados Unidos da América, assinado em 1965, sinalizou as
relações institucionais entre os dois países, identificando os interesses externos norte-
americanos com o controle político e econômico da região latino-americana. Esse documento
apresentava normas de garantia, por parte do governo brasileiro, que deveriam ser aplicadas
aos investimentos em projetos no país. Quem financiava o capital intitulava-se “governo
garantidor”, no caso, os EUA; já o Brasil denominou-se como o “governo do país recipiente”:
Artigo III – 1. Se o Governo Garantidor efetuar um pagamento em sua
moeda nacional a determinado investidor, em decorrência de uma garantia
concedida em conformidade com o presente acordo, o Governo do País
Recipiente, observada a restrição do parágrafo seguinte, reconhecerá a sub-
rogação, operada em favor do Governo Garantidor (...).” (VIEIRA, 1985, p.
207).
A partir dos compromissos institucionalizados entre Brasil - Estados Unidos, e a
configuração de apoio ao regime que governou o país, os acordos seguintes corroboravam
com o que foi acertado no principal documento entre os dois países. O acordo MEC-USAID
significou uma forma de intervenção na política educacional brasileira, principalmente pela
presença de assessoria no acompanhamento e nos princípios ideológicos na elaboração dos
seus Planos. A Agency for International Development (AID)
76
determinou ações na
cooperação com o Estado brasileiro, compondo um padrão ideológico do planejamento
educacional: “1. Estabelecer uma relação de eficácia entre recursos aplicados e produtividade
do sistema escolar; 2. Atuar sobre o processo escolar em nível de microssistema, no sentido
de se melhorarem conteúdos, métodos e técnicas de ensino.” (ROMANELLI, 1987, p. 210).
Este movimento de presença do Estado americano no Brasil, na verdade, foi
consolidado numa política externa de atenção à América Latina justificando o temor do pós-
guerra e a divisão do mundo entre os blocos de poder na preocupação do avanço “comunista”

76
A “AID” é formulada pelos Estados Unidos a partir do contexto da Guerra-Fria e a política da Doutrina de
Segurança Nacional, conforme discussão apresentada neste trabalho entra as páginas 89-90.
136
no continente (assunto este já discutido em “O Pensamento Militar Brasileiro: 1964, a Escola
Superior de Guerra e a Doutrina de Segurança Nacional”). A participação das agências
vinculadas à ONU, como a CEPAL, CELADE, o Banco Mundial, a Organização Mundial de
Saúde e, principalmente o braço ideológico e operador da cooperação entre a América do
Norte e a América do Sul, a Aliança Para o Progresso criaram um aparato de apoio aos
regimes militares que se estabeleciam na região, interferindo na elaboração de planos e
programas de governo. Entre os meses de junho a setembro de 1965, o consultor americano
Rudolph Atcon empenhou-se, a convite do MEC, de realizar estudos que viessem a oferecer
ao país uma nova estrutura do sistema universitário. Atcon em seu relatório final, publicado
pelo MEC em 1966, sugere aspectos gerais para a reforma universitária. No documento Rumo
à Reformulação Estrutural da Universidade Brasileira, o seu autor destaca a necessidade de
princípios nítidos de autoridade e autonomia; acentuação da dimensão técnica e administrativa
na reestruturação do ensino superior no país; ênfase nos princípios da gestão relativos à
eficiência resultando produtividade; revisão do regime de trabalho docente, etc. (FÁVERO,
2006, p. 31).
Das recomendações apresentadas por Atcon, a criação do Conselho de Reitores das
Universidades Brasileiras, onde a mesma foi acatada prontamente e sendo fundado o
Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras (CRUB), em 29 de abril de 1966. Entre os
anos de 1966 a 1968, o próprio Rudolph Atcon assessorou o CRUB, inclusive elaborando o
Manual sobre o Planejamento Integral do Campus Universitário, publicado pelo CRUB, em
01 de outubro de 1968. Observa-se uma articulação entre os interesses norte-americanos a
partir dos seus quadros de intelectuais - formuladores dos princípios que viessem a orientar as
reformas educacionais no país. A confluência de princípios, objetivos e proposições do
documento Acordo Sobre a Garantia de Investimentos entre Estados Unidos do Brasil e os
Estados Unidos da América, as sugestões de Rudolph Atcon e o seu relatório e o acordo
MEC-USAID sinalizaram o modo complexo de um tipo de intervenção, chamada de auxílio
ao país, determinando de forma sutil, escondendo uma intenção intervencionista, camuflando
o controle político da soberania do país, no monitoramento do desenvolvimento educacional e
de seus resultados favoráveis e desejáveis ao modelo econômico.
137
2.5 O Movimento de 1968: Ambiente Político e os Contrapontos da Lei 5.540
A ascensão de uma resistência ao regime militar, muito representativa e simbólica aos
embates da juventude, os ideais libertários e a força concentrada no movimento estudantil
foram indicadores para uma tomada de posição do governo diante dos focos de contestação
que se ampliavam em 1968. O quadro político internacional fazia com que o governo em seu
quarto ano de controle do Estado ficasse preocupado com as repercussões internas dos
movimentos espalhados pelo mundo. As preocupações militares estavam no inimigo externo
inserido nos movimentos de libertação nacional em países próximos ao Brasil, na América
Latina, Central e Caribe. A guerra do Vietnã e a incômoda presença dos Estados Unidos na
região da Indochina reforçavam as teses conspiratórias contra o regime imposto ao Brasil,
senha para acelerar o fechamento do regime dando-lhe definitivamente um perfil repressor. A
crítica ao modelo capitalista ocidental somando-se a contestação comportamental, dos hábitos
e da moral das sociedades na Europa e nos Estados Unidos, conflitava com a postura taciturna
da cultura militar positivista, centrada na disciplina e na ordem, elementos basilares da
concepção militarista.
O ano de 1968 deve ser entendido considerando a trajetória de um tempo passado e
aos acontecimentos que, conjugados posteriormente, confluíram para este ano tão
emblemático. Para Ridenti (2008)
77
, essa época deve ser ampliada para um melhor
entendimento dos fatos que ocorreram neste período. Cronologicamente, a convergência de
1968 iniciou-se com a declaração aos crimes cometidos por Stalin, no XX Congresso do
Partido Comunista Soviético, de 1956, encerrando esta etapa com o fim da guerra do Vietnã,
em 1975. Na América Latina, os movimentos que se manifestaram na Europa e Estados
Unidos têm diferenças de conteúdo e forma. A revolução cubana de 1959 até o golpe militar
que derrubou o governo socialista democrático de Salvador Allende, no Chile, em 1973,
foram os fatos que delimitaram o ano de 1968 e os seus eventos causais e de conseqüências
históricas. No Brasil, este tempo de 1968 pode ser referenciado a partir do fim da guerrilha
desencadeada no interior do país, em 1974 e a vitória do Movimento Democrático Brasileiro -
MDB, partido político vitorioso nas eleições nas eleições deste ano, sinalizando ao regime
civil-militar a insatisfação da sociedade com os rumos tomados pela ditadura naquele
momento.

77
RIDENTI, Marcelo (2008). 1968, de novo? In. HTTP://www.boell-latinoamérica.orq/dowload pt/1968.
138
O emblema de 1968 e as repercussões que se manifestaram nesta conjuntura vão além
de seu tempo preciso. Da análise que realiza deste ano, Hobsbawm (1995), ampliou o arco
cronológico do processo histórico, oferecendo um olhar de longa duração histórica e as
implicações que determinaram as especificidades históricas de 1968. Chamando de Revolução
Social o período entre 1945-1990, o autor de A Era dos Extremos descreve o que foi
fundamental e impactante para o mundo e o fim da 2ª. Guerra, quando os traumas deste
conflito traduziram-no como o marco inicial de etapas históricas posteriores a ele, no
desenvolvimento social, econômico e político, onde “O mundo... tornou-se pós-industrial,
pós-imperial, pós-moderno, pós-estruturalista, pós-marxista...” (HOBSBAWM, 1995, p. 282-
283).
Esta Revolução Social foi embalada por mudanças substanciais, “igualmente súbitas e
sísmicas”, onde a década de 1950 identificou transformações objetivas por conta dos
resultados efetivos do desenvolvimento fabril acelerado. O sinal destas transformações veio
com o que Hobsbawm chamou de “a morte do campesinato”, fazendo com que os trinta anos
seguintes do pós-guerra transformassem estruturalmente o mundo. O fluxo migratório para a
cidade e a concomitante redução da população rural significou um impacto geográfico na
Europa, nos Estados Unidos e também na América Latina:
O Velho e o Novo mundo convergiam. A “cidade grande” típica do mundo
desenvolvido tornou-se uma região de assentamentos conectados, em geral
concentrados numa área ou áreas centrais de comércio ou administração
reconhecíveis do ar como uma cadeia de montanhas de prédios altos e
arranha-céus, a não ser onde (como em Paris) essas construções não eram
permitidas. (HOBSBAWM, 1995, p. 288).
O outro aspecto que identificou os primeiros trinta anos do pós-guerra foi o
crescimento “universal” e a exigência dos setores médios da sociedade industrial a ampliação
e garantia da educação secundária e superior. (IDEM, p. 289). A eliminação do analfabetismo,
em números gerais, inclusive em países do bloco socialista resultou num tipo de demanda
reprimida ao atendimento para a escolaridade superior. Especialmente na educação
universitária, enquanto Alemanha, França e Grã-Bretanha, que, juntos não chegavam a 150
mil universitários, que proporcionalmente à população destes países significava um percentual
reduzido de acesso à Universidade, porém, com um crescimento anual de 8% ao ano, na
ampliação de vagas ao ensino superior, houve um efetivo ingresso de uma juventude às
instituições universitárias (IDEM, p. 290). A conseqüência da inclusão de uma juventude às
139
Universidades, num contingente ampliado, foi o protagonismo de setores da sociedade num
tipo de confronto cultural com o estabelecido e a concepção conservadora das instituições de
educação superior.
Só na década de 1960 se tornou inegável que os estudantes tinham
constituído, social e politicamente, uma força mais importante do que jamais
haviam sido, pois em 1968 as explosões de radicalismo estudantil em todo o
mundo falavam mais alto que as estatísticas. (HOBSBAWM, 1995, p. 290).
No início da década de 1950 o crescimento do ensino superior produziu, entre os
principais países europeus, mais de cem mil professores de nível universitário, considerando
as pressões das classes médias destes países. Sendo assim, a “explosão” estudantil e o
ingresso à Universidade, fugiu a qualquer tipo de estimativa o qualquer “planejamento
racional”. O ambiente constituído com a presença do Estado, num contexto de recuperação
econômica e um sentimento de promoção social, incentivou à geração do pós-guerra a
financiarem os estudos em tempo integral aos seus filhos: “O Estado de Bem - Estar social
ocidental, começando com os subsídios americanos para ex-pracinhas após 1945, ofereceu
substancial auxílio estudantil de uma forma ou de outra, embora a maioria dos estudantes
ainda esperasse uma vida claramente sem luxo...”. (HOBSBAWM, 1995, p. 291-292).
Deste movimento que agregou uma juventude combativa à Universidade, fazendo-a
protagonista de ideais difusos, foi o resultado da cultura do pós-guerra, da necessidade de se
garantir os direitos fundamentais da pessoa, num tipo de ressarcimento da humanidade por
causa dos terrores da guerra. A geração de 1968 foram os filhos deste ideal de proteção social
garantindo as possibilidades para o distanciamento dos traumas da guerra. Os traumas
transformaram-se na exigência de ampliação dos direitos no campo da cultura, do
comportamento, traduzindo-se numa nova ética, pois esta nova geração não tentava uma
conciliação com a história recente de seu país. Ao final da década de 1960, se desencadeia
uma série de fatos que ajudariam a caracterizar este tempo, o tempo que encerrou a era de De
Gaulle na França, o fim dos mandatos consecutivos de Presidentes dos Estados Unidos
vinculados ao Partido Democrata e o sinal de pessimismo do mundo socialista na experiência
política da Europa Central comunista, na invasão soviética à Tchecoeslováquia. A juventude
estudantil e seu ímpeto e “detonadores” como afirmou Hobsbawm, não provocaram
revoluções, até porque outros setores da sociedade observavam outros grupos sociais com
140
desconfiança diante dos verdadeiros objetivos do movimento e que poderia pôr em jogo os
avanços conquistados pela classe operária e a sociedade geral. (IDEM, p. 293).
O que se pode compreender é que 1968 ofereceu um olhar heterogêneo sobre o
mundo. O relato de M. Jay
78
(1996), a partir do ambiente encontrado nos Estados Unidos
demonstra como este país recebeu os ares de uma época e de forma bem própria. Entre os
assassinatos de Robert Kennedy e Martin Luther King, a ascensão do grupo Panteras Negras
denunciando o sistema que oprimia o negro americano, foram sinais de um tempo que se
misturou à política, à cultura e as bandeiras reivindicatórias. M. Jay concentra-se no roteiro de
construção de sua pesquisa sobre a Escola de Frankfurt, e como percebeu o impacto das ideias
dos intelectuais da Teoria Crítica foram recebidas entre a Europa e os Estados Unidos.
Quando cheguei a Berkeley, um dos principais personagens na história que
eu esperava contar, Herbert Marcuse, estava se escondendo de ameaças de
morte na casa de verão de Lowenthal, em Carmel Valley. Apenas alguns
meses antes, durante os acontecimentos de maio em Paris, estudantes
erangés haviam exibido cartazes inscritos com os nomes
“MARX/MAO/MARCUSE”. Ridicularizado pela direita anticomunista na
Califórnia, que procurava rescindir seu contrato na universidade da
Califórnia,..., Marcuse era também o alvo de ataques, cada vez mais
virulentos da esquerda ortodoxa... Marcuse foi denunciado por ter
abandonado o proletariado como agente da revolução. Logo se tornou
evidente para mim que ele era igualmente uma fonte de inquietação para a
maioria de seus ex-colegas do Instituto, que estavam alarmados com a sua
franca militância política. (JAY, 1996, p. 9).
O ano de 1968 e o tempo que o determinou, deve ser percebido como um mosaico de
ideias que se exprimem numa variação de reflexões sobre a condição humana e o próprio
mundo. Da Escola de Frankfurt, seu pensamento traduziu controvérsias nos embates entre o
marxismo dogmático, de caráter militante e partidário e a linha da Teoria Crítica realizando
um questionamento epistemológico a esta tradição. Habermas e Adorno também sofreram
neste período a crítica veemente por conta de suas afirmações na desconstrução do legado do
marxismo ortodoxo. O depoimento de M. Jay reforça as contradições do movimento de 1968
e que ficou marcado e lembrado como um tempo de defesa das liberdades civis, de gênero,
raciais, etc.

78
JAY, Martin. (1996). A Imaginação Dialética 25 Anos Depois. In. A Atualidade da Escola de Frankfurt.
Revista Contemporaneidade e Educação. (RJ), IEC.
141
Habermas, ainda criticado pela sua condenação imprudente do “fascismo de
esquerda” – mostrou-me o cadeado colocado no telefone de seu escritório
com o objetivo de impedir que os estudantes invadissem-no para fazer
ligações de longa distância... Adorno também, nervosamente, recusou-se a
deixar que eu gravasse nossas conversas, por medo de deixar “impressões
verbais”. (JAY, 1996, p. 10).
Estas contradições inseridas no movimento de 1968 ressaltam as especificidades de
cada região e de cada sociedade ou grupo representativo, revelou ações antagônicas entre
ondas de organização operária na Europa, conforme nos indica Hobsbawm (p. 293), e a
rejeição de alguns grupos de uma revisão teórica ao marxismo. A unidade de 1968 veio da
juventude e suas atitudes contestatórias, não só na Europa ou nos Estados Unidos, mas
também na América Latina também, no México e no Brasil com o movimento estudantil e a
resistência ao governo civil-militar, conforme se registrou neste trabalho. A crítica a um
marxismo dogmático exigindo uma revisão de seus princípios stalinistas estes como
princípios dos partidos comunistas espalhados pelo mundo, elementos importantes nas
discussões teóricas dos principais centros universitários, traz ao debate teórico-filosófico,
novas perspectivas de realização deste indivíduo no limiar de uma nova década:
A efervescência cultural sugeria uma premonição, o advento de uma nova
sociedade, na qual a hipocrisia, a burocracia e os privilégios seriam
irremediavelmente extirpados, para dar lugar a uma confraternização
universal. Contrastando com a ditadura que infernizava a vida dos partidos,
dos sindicatos, da imprensa e dos intelectuais, a universidade parecia ser um
território ainda livre. Os debates acadêmicos, dentro e fora das salas – de -
aula, versavam invariavelmente sobre a revolução, seus caminhos e possíveis
aliados. A própria estrutura da universidade nunca fora tão questionada, e
também se integrara aos projetos da nova sociedade, alimentada por uma
geração disposta a mudar o mundo e as coisas. (ABREU PENNA, 1999, p.
274).
Os fatos ordenados dentro do contexto de elaboração do aparato legal do Estado
autoritário transcorre com a aprovação da nova constituição, em 24 de janeiro de 1967, e no
desenvolvimento controlado pelo regime naquilo que resultou o Ato Institucional No. 5.
Sendo o AI-5, imposto ao final do ano de 1968, em 13 de dezembro, o poder estabelecido
coordena com eficiência a elaboração das bases legais que ofereceram ao Ato Institucional, a
consolidação jurídica necessária para que não ocorressem distorções quanto das interpretações
sobre o processo. Este foi o caso da reforma universitária que transitou entre as instâncias
institucionais estimuladas pelo próprio regime, caso da comissão Meira Mattos, dos
142
convênios MEC-USAID e suas recomendações, o relatório Atcon e, por fim, os trabalhos do
Grupo de Trabalho da Reforma Universitária.
A arquitetura do AI-5 não sofreu limitações do que foi concebido pela reforma
universitária, o que corroborou com os princípios do regime civil-militar na Lei 5.540. O
cenário para o estabelecimento do Ato Institucional estava pronto: A morte do estudante
Edson Luiz no Rio de Janeiro, a passeata dos cem mil em repúdio ao governo, o discurso do
deputado Marcio Moreira Alves contra o regime e a recusa do Congresso Nacional de
licenciá-lo para que o governo pudesse ser processado, a guerrilha urbana trazendo
instabilidade nas principais capitais do país, no eixo Rio – São Paulo – Belo Horizonte. Estes
fatos contribuíram para que O Estado autoritário assumisse de vez seu projeto de longa
duração.
No campo da intelectualidade brasileira, 1968 simbolizou o terror da perseguição ao
livre pensamento, e o fim da liberdade de expressão. Dois meses após a publicação do AI-5, o
Decreto-Lei N° 477/69, específico para a área educacional, com ênfase para o ensino
universitário, estabelecia processo sumário contra servidores, alunos e professores acusados
de envolvimento com a subversão. Com estes instrumentos legais, em junho de 1969, Costa e
Silva, Presidente da República, aplicou as sanções previstas no decreto, atingindo intelectuais
do eixo Rio – São Paulo, dentre eles: Florestan Fernandes, Bolivar Lamounier, Miriam
Limoeiro Cardoso, Moema Toscano, Fernando Henrique Cardoso, Otavio Ianni, Paul Singer,
Maria Yedda Linhares, Caio Prado Junior, Emilia Viotti da Costa, José Artur Gianotti.
(WERNECK DA SILVA, 1985, p. 42). A Lei N° 5.540, aprovada quinze dias antes do AI-5,
representou a convergência aos interesses do Estado autoritário. A reforma universitária foi
resultado da convergência de uma evolução da legislação e da experiência e propostas da UnB
e de sua concepção, num tipo de nacionalismo desenvolvimentista, tendo ainda como marco
inicial o Decreto N° 53/66, os relatórios Atcon, Meira Mattos, do GTRU, a legislação
construída ao longo dos anos pelo CFE, além das recomendações do convênio MEC-USAID.
A inspiração de todo este processo ressalta o caráter de fortalecimento do Estado repressor,
controlador das vontades políticas que viessem a se expandir na comunidade acadêmica, aliás,
é importante chamar a atenção de que a universidade brasileira em seus momentos de
estruturação e reestruturação esteve sob a tutela do regime autoritário, seja no Estado Novo,
seja em 1968, no regime civil - militar. O que me interessa aqui analisar são os pontos de
controle e coerção política que foram estabelecidos na lei e como foram criados os
143
mecanismos que limitaram, pelo menos juridicamente, as ações e atividades dos grupos de
pressão e que gravitavam no interior da universidade.
A dubiedade da reforma representa a personalidade do regime civil-militar imposto ao
país a partir de 1964: manter, à mão de ferro, os mecanismos de repressão aos movimentos
políticos de oposição ao regime, criando um aparato estatal que conduzisse a ordem social,
sob a égide da Doutrina de Segurança Nacional. Mas ao mesmo tempo, o regime tolerava o
funcionamento das instituições próprias com as suas necessidades, impondo-a os interesses da
ordem civil-militar. A reforma agregou princípios que já estavam sendo debatidos, desde a
década de 1950, na crítica da comunidade acadêmica em relação às estruturas arcaicas da
universidade e a necessidade de se estabelecer um projeto de modernização ao tradicional
modelo universitário brasileiro. A intenção do legislador foi o de unificar procedimentos de
ordem administrativa, concentrando o planejamento e as etapas decisórias. É por isto que
define em seus artigos 7º e 8º a junção “dos estabelecimentos já reconhecidos”, compondo
uma incorporação às instituições isoladas, pertencentes à mesma localidade “ou de
localidades próximas.”. No artigo 11, ocorreu a antecipação sobre a questão da cátedra,
consagrando a sua extinção no artigo 33. Na organização das universidades, consta na alínea
“b” que “a estrutura orgânica com base em departamentos reunidos ou não em unidades mais
amplas.” Neste artigo, há a explícita intenção do legislador em encerrar as atividades da
cátedra como um núcleo de gestão acadêmica inserida na estrutura universitária. No artigo 12,
parágrafo 13, há a concentração do que seria o departamento e os seus limites de atuação
dentro da nova ordem política e acadêmica: “O departamento será a menor fração da estrutura
universitária para todos os efeitos de organização administrativa, didático-científica e de
distribuição de pessoal e compreenderá disciplinas afins.” (Lei 5.540/68).
A estrutura proposta pressupõe o estabelecimento de um processo participativo,
desconcentrando das mãos do antigo catedrático a responsabilidade da coordenação
pedagógica, constituindo a representação das unidades na composição de colegiados. A
tolerância à liberdade acadêmica se dá nos limites dos recém criados departamentos e nos
colegiados, mantendo a nomeação do reitor e do vice-reitor nas mãos do governo federal, isto
no âmbito das universidades vinculadas à União. O Reitor (feitor) transformou-se num
representante do estado autoritário, mantenedor da ordem e da disciplina, atribuindo-lhe
funções que foram para além das atividades acadêmicas. Reproduz-se na Lei 5.540 à lógica
do controle político que se estabelece no regime civil-militar, um autoritarismo com lapsos de
144
consentimento para a “participação” dos indivíduos, num tipo de tutela aos mecanismos
participativos, desde que estes não incomodassem o projeto maior: “§ 4º Ao Reitor e Diretor
caberá zelar pela manutenção da ordem e da disciplina no âmbito de suas atribuições,
respondendo por abuso ou omissão”. (Artigo 24-Lei 5.540/68). No artigo 16 expõe as formas
de escolhas, suas nomeações, as de Reitor, Vice-Reitor e Diretores, dependiam de um
processo que se iniciava no envio de listas encaminhadas ao chefe do executivo federal: “§ 1º
Os Reitores, Vice-Reitores, Diretores e Vice-Diretores das instituições de ensino superior,
mantidas pela União, (...), serão indicados em listas de seis nomes pelos respectivos
colegiados e nomeados pelo Presidente da República.”
No artigo 17 ocorre a estruturação das modalidades de ensino, formalizando as etapas
na formação do indivíduo. Na alínea “b” está registrada que a “pós-graduação, abertos à
matrícula de candidatos diplomados em cursos de graduação que preencham as condições
prescritas em cada caso”. Em seu artigo 24, é atribuindo ao CFE à competência da avaliação
institucional dos cursos de pós-graduação, garantindo ainda, normas gerais para a organização
desta modalidade. Há, pois na Lei a intenção de coibir ações que viessem a desencadear
problemas de conflitos políticos de alunos e professores, desdobrando assim, no contexto
universitário, a ideologia militar da ordem e da disciplina. No artigo 29, nota-se a
preocupação de se manter a ordem e a disciplina, elementos basilares da concepção de
universidade do regime civil-militar onde as ideias perigosas, a liberdade de movimentos de
oposição soavam como fatores desestabilizadores do regime. Entre os parágrafos 1º, 2º, 3º. e
4º. Simbolizam o espectro do controle e do poder coercitivo já manifesto no AI-5. Punição
sem o direito garantido à defesa e a linguagem da sanção. O pacto de convivência na
universidade concentrou-se nas relações formais de se garantir a freqüência docente e
discente. O fantasma da resistência estudantil pairou na inspiração da Lei 5.540/68: concebe-
se a Lei pensando-se no Ato Institucional N° 5.
Mas foi o artigo 33, parágrafo 3º e sua redação enfática na extinção da cátedra como
núcleo acadêmico, elemento consensual entre os setores da sociedade, variações ideológicas e
doutrinárias sobre a função da universidade e o próprio governo. Mas cabe aqui uma reflexão
de que foi preciso o regime autoritário encerrar o que vinha se constituindo uma unanimidade
e que os governos do período entre 1945 – 1964 não ousaram em interferir.
Nota-se que na Lei a intenção do legislador, em fortalecer as funções do CFE
atribuindo-lhe competências específicas e dando-lhe sobrevida, assumindo o papel de braço
145
da legalidade do ensino no âmbito governamental. Os artigos 46, 47 e 48 foram atribuídos
responsabilidades ao Conselho Federal garantindo a sua atuação na autorização e
reconhecimento da universidade, função de interpretar a legislação em vigor, orientando o
sistema: “Artigo 46. O Conselho federal de Educação interpretará, na jurisdição
administrativa, as disposições desta e das demais leis que fixem diretrizes e bases da educação
nacional, ressalvada a competência de sistemas estaduais de ensino, (...).” A preocupação do
governo com o movimento estudantil, consubstanciado nos indicadores da Comissão Meira
Mattos e das avaliações políticas produzidas pelo próprio regime, explicita-se na Lei, pois em
seu Capítulo III, Do Corpo Discente, artigo 38, parágrafo 1º está o ideal de comportamento
estudantil para um ambiente universitário, esperado para ser cumprido dentro de uma lógica a
ética militar, cultura desejada a ser imposta como padrão de hábitos e costumes para todo o
país, principalmente à juventude estudantil. Dentro da perspectiva positivista e da cultura
militar, a harmonia e o equilíbrio entre àqueles servidores da pátria, prontos para servir e a
amar ao país construindo um meio de convivência e de cooperação. Descartavam assim, o
conflito, o embate ou a discordância, fatores que se originavam das ideias perigosas e
subversivas, dos comunistas de plantão – não há lugar para a política. Pela despolitização do
meio estudantil e da organização sindical no meio acadêmico, a Lei manipula princípios
“liberais”, tais como o da meritocracia acadêmica como critério para a escolha das
representações estudantis, isolando o processo participativo e as disputas internas das
correntes partidárias e ideológicas:
§ 1º A representação estudantil terá por objetivo a cooperação entre
administradores, professores e alunos, no trabalho universitário.
§ 2º A escolha dos representantes estudantis será feita por meio de eleições
do corpo discente e segundo critérios que incluam o aproveitamento escolar
dos candidatos, de acordo com os estatutos e regimentos. (Artigo 38-Lei
5.540/68).
Pelas minúcias da Lei relativas aos discentes chega-se ao mecanismo de se quebrar a
autonomia de organização política estudantil condicionando o seu movimento ao controle
disciplinar:
§ 2º Os regimentos elaborados pelos diretórios serão submetidos à aprovação
da instância universitária ou escolar competente.
§ 3º O diretório cuja ação não estiver em consonância com os objetivos para
os quais foi instituído, será passível das sanções previstas nos estatutos ou
regimentos. (
Artigo 39-Lei 5.540/68).
146
Quando se fala em currículo, a preocupação do legislador esteve ainda na formação
altruística do estudante, fazendo com que a educação superior fosse capaz de forjar o
indivíduo, o seu caráter, para o bem da pátria. E é por isso que se enfatiza como componente
curricular a prática da educação física e do desporto, desenvolvendo o civismo, elementos tão
caros à tradição da educação militar. O corpo e o cuidado fisiológico desdobrando-se em
indivíduos saudáveis auxiliando a purificação das mentes, desenvolvendo o caráter, princípios
presentes na concepção do Estado Novo, oriundos da pedagogia totalitária européia quando se
privilegiou, pelo corpo, pela mente e pela saúde, o traço de superioridade de um povo em
relação a outros povos. Pelo esporte, a disciplina. Pelo civismo, o valor moral e patriótico. No
civismo militar, sua concepção patriótica também se impõe como princípio para se forjar o
novo cidadão, que é aquele que adquire a consciência cívica, de amor à pátria, à unidade
nacional e na relação automática dualista, não-dialética e conseqüente da relação direitos e
deveres:
c) estimularão as atividades de educação física e de desportos, mantendo,
para o cumprimento desta norma, orientação adequada e instalações
especiais;
d) estimularão as atividades que visem à formação cívica considerada
indispensável à criação de uma consciência de direitos e deveres do cidadão
e do profissional. (Artigo 40-Lei 5.540/68).
2.6 Tecendo As Redes de Intelectuais - Entre o Consentimento e a Rejeição: O
Pensamento Social e Educacional de Newton Sucupira e Durmeval Trigueiro
Mendes (1960-1970)
Analisar personagens históricos, seus atos e ideias exigem um permanente exercício de
tensão na investigação das (in) coerências destes atores, percebendo como os cortes
históricos, suas influências ideológicas determinaram ou transformaram comportamentos,
ações e atitudes. A formação pessoal e cultural de cada personagem e seu pensamento social
interfere no cenário político institucional de acordo com a personalidade de cada um, em seus
desafios e temores, no impulso de suas ideias, em suas estratégias de sobrevivência aos
ambientes que ora são favoráveis às suas atuações, ou em momentos de crise, espaços de
atuação que lhes são desfavoráveis. O mais importante é a identificação das relações entre a
reflexão e a atuação destes intelectuais nos lugares em que se manifestam suas ideias, não
147
para julgá-los, mas para se analisar como se constituíram estes discursos, seus princípios e
matrizes e a ressonância deles no ambiente educacional brasileiro.
Na trajetória de muitos intelectuais no país, para este trabalho num corte histórico
entre o início da república e os anos de 1980, percebe-se uma busca permanente de
aproximações, sejam pela identificação nos projetos políticos, afinidades doutrinárias, de
conjugação de perspectivas de atuação profissional, entre grupos, comunidades, filiações que
se encontram em lugares institucionais. O intelectual não sobrevive isolado com as suas ideias
e reflexões, pois procura compartilhá-las com outros, em rede, num processo de sustentação
cultural, ideológica e política. Estas redes, onde a aproximação desdobra-se em acordos,
alianças e relações de reciprocidade, demarcaram o desenvolvimento dos projetos individuais
e coletivos destes intelectuais. E é por isso que se buscarmos uma linearidade ou coerência de
trajetória política destes personagens corre-se o risco de caminharmos num pressuposto
equivocado. Dentre o período dos anos de 1920 ao transcorrer dos anos de 1970 e ao fim do
regime civil-militar, onde as permanências culturais, ideológicas estarão vivas no pensamento
social e educacional no país nos anos de 1980, nota-se que a intelectualidade brasileira
encarregou-se de buscar a sustentabilidade de sua produção e inteligência, na construção de
redes de reciprocidade calcadas em instituições acadêmicas, públicas ou privadas. Estas redes
de reciprocidade atenderam padrões ou critérios que identificavam os grupos de intelectuais e,
em espaços institucionais comuns, mantendo seus princípios, mas aliados, de acordo com as
circunstâncias políticas. Gustavo Capanema, então Ministro da Educação do governo Vargas,
manteve rara habilidade de agregar intelectuais ao seu redor, muitos deles de concepções
filosóficas e ideológicas diferenciadas daquilo que fora pregado pelo Estado Novo e os
princípios da Revolução de 1930.
79
Nestas relações de reciprocidade, observa-se o papel de Anísio Teixeira
80
,
funcionando como um eixo articulador desta lógica de construção de redes de afinidades, seja
para o desenvolvimento do projeto político de alargamento de seu ideal educativo, insistindo
na construção da hegemonia nos espaços institucionais seja até mesmo no atendimento às
necessidades pessoais, de um aliado ou opositor nas ideias. Esta habilidade de Anísio é
demonstrada pela sua trajetória política, exercendo cargos, desde o seu estado natal, na Bahia,

79
Na seção 1.2 deste trabalho comento o pensamento social e educacional de Gustavo Capanema e a
constituição das redes de intelectuais formados pelo Ministro da Educação no Estado Novo.
80
Na seção 2.1 deste trabalho comento sobre esta “habilidade” de Anísio em agregar grupos de sustentação
política e construção de projetos nas áreas educacionais.
148
mas principalmente no exercício da política no Rio de Janeiro, no antigo Distrito Federal. Foi
no Rio de Janeiro que Anísio teceu redes de afinidades que lhe deram a capacidade de
defender seu pensamento, trabalhando em espaços públicos ou privados. Sua articulação com
Fernando de Azevedo, Lourenço Filho e a ABE fizeram com que fosse reconhecido como
referência de uma linha educacional considerada renovadora. O Manifesto dos Pioneiros da
Educação Nova, de 1932 e a sua confecção, a partir de um elenco heterogêneo de educadores,
jornalistas e poetas representou um grupo de sustentabilidade em um traço do pensamento
social e educacional daquele período. Com Fernando de Azevedo, Anísio manteve longa
afinidade de projetos e ideias, constituindo uma comunidade, grupo orgânico de renovadores
da educação que transitavam entre a militância da ABE e a gestão pública na educação do
Distrito Federal:
A mesma equipe que trabalhou com Fernando de Azevedo na Instrução
Pública do Distrito Federal no período 1927-1930, permaneceu colaborando
com Anísio Teixeira no período de 1931-1935. Trabalharam com Anísio
Teixeira na diretoria da Instrução Pública do Distrito Federal os seguintes
signatários do Manifesto: Lourenço Filho, Afrânio Peixoto, Paschoal
Lemme, Roquete Pinto, Cecília Meirelles, Venâncio Filho, Delgado de
Carvalho, J. P. Fontenelle, Paulo Maranhão (XAVIER, 2002, p. 16, n.r).
Anísio Teixeira, personagem que se manteve no cenário político nacional por quase
cinqüenta anos, constrói redes onde intelectuais se encontram, dialogam e estabelecem
projetos. Por isso, Anísio foi um animal político nas funções públicas que exerceu, nas
instituições que criou. Esta lógica esteve presente entre os anos de 1960, onde a crise política
significou a re- definição de papéis e, de certa forma, na ruptura das redes ou de grupos de
intelectuais e as suas reciprocidades. Estas redes são tecidas num tipo de competitividade e
alargamento de espaços que garantissem a participação política e acadêmica. Darcy Ribeiro
fez isto. Vem para o Rio de Janeiro, aproxima-se das referências da Antropologia, funda
instituições, cria cursos de pós-graduações, constrói, na política, um projeto acadêmico de
sustentação de uma Universidade. A formação da comunidade de intelectuais tornou-se hábito
entre àqueles que se aventuravam na carreira acadêmica. Uma família constituía-se a partir
dos mecanismos estruturais oferecidos pelas instituições, nisto o regime de cátedras funcionou
como um veículo para a aproximação e fortalecimento de grupos articulados no interior das
universidades. Esta experiência manifestou-se na USP, na forma desenvolvida por Florestan
149
Fernandes, nas ramificações que se constituíam fortes grupos políticos no interior da
instituição:
Respaldado na eficiência e aguerrimento do grupo, Florestan amplia o seu
prestígio na hierarquia acadêmica e externamente a ela, permitindo-lhe alçar
vôos mais altos. “Além disso, cada um de nós – mas eu e Fernando Henrique
em particular – formávamos nódulos dentro de uma estrutura de poder mais
ampla. Por aí mobilizávamos uma capacidade de decisão e de influência que
transcendia à cadeira a ao departamento em, por vezes, mesmo à Faculdade
de Filosofia e à USP. Tudo isso foi deveras importante para a consecução de
nossos alvos e para a nossa auto-afirmação como grupo”. (ARRUDA, 1995,
p. 196).
Sob a liderança de Florestan, havia um projeto de expansão da cadeira de Sociologia I
e de sua atuação acadêmica e política, tal foi à ampliação do campo de estudos e
desenvolvimento de pesquisas que estiveram na responsabilidade e de condução das áreas
afins: Na Antropologia, os estudos sobre a imigração, estiveram à frente Eunice Durhan e
Ruth Cardoso, respaldados pelo projeto maior sobre a presença dos libaneses no estado de
São Paulo, conduzida por Florestan. No campo de estudos sobre a Política, a temática do
populismo e as relações sindicais encaminhada por Francisco Weffort, articuladas com as
reflexões de Fernando Henrique Cardoso, Octávio Ianni e Leôncio Martins Rodrigues.
(ARRUDA, 1995, p. 197 e n. r. N° 303).
81
No contexto da década de 1960, é preciso rever o caminho pessoal traçado por Alceu
Amoroso Lima, onde sua militância católica e intelectual e também na política sofre um tipo
de conversão que lhe fez reavaliar suas certezas e posicionamentos, consolidados na defesa
intransigente aos interesses da Igreja, na defesa do governo Vargas e na crítica à Educação
Nova.
82
Realizando uma autocrítica, Amoroso Lima reconheceu a importância da Educação
Nova e do movimento renovador no país. Em Destinos Cruzados, artigo de seu livro,
Companheiros de Viagem (RJ, 1971)
83
, registra sua revisão quanto da opinião em relação a
Anísio. Agora, não é mais o intelectual católico comprometido com os dogmas da Igreja e seu
projeto de inserção no Estado brasileiro, mas outro tipo intelectual, defensor da liberdade e da
democracia liberal, fazendo a mea culpa. Tem a coragem de fazer esta autocrítica de forma

81
Em Universidade, Pensamento Autoritário e a Formação dos Intelectuais no Rio de Janeiro, a partir da
página 83 deste trabalho, discuto como as relações de reciprocidade no meio intelectual foram constituídas.
82
Na página 110, nota de rodapé n° 65, comento a mudança de rumos de Alceu Amoroso Lima e a revisão que
faz em relação à concepção de mundo, na política e na filosofia.
83
Citado por BOMENY, Helena (2001). Newton Sucupira e os Rumos da Educação Superior. P. 115.
150
pública, chamando para si um novo campo político, comprometendo-se com ele. Reencontra-
se com Anísio e a história se incumbe disto:
A Revolução de 30 nos separa de modo aparentemente definitivo. Ao passo
que paradoxalmente a de 64 é que nos iria reunir (...). Dissemos ambos os
nossos adeuses aos extremos de posições irredutíveis e compreendemos que
a verdade é muito mais complexa e acolhedora do que todos os sectarismos.
(AMOROSO LIMA, 1971, p. 303-305).
Seu encontro com Anísio ocorreu no Conselho Federal de Educação, na convivência
dos debates sobre a reforma universitária. Amoroso Lima denuncia o terrorismo cultural do
regime quando da demissão de Anísio Teixeira. No CFE, quando terminaram juntos seus
mandatos de conselheiros, não foram reconduzidos onde o frio silêncio sem justificativa
respondeu pelo (des) interesse do regime.
2.7 Newton Sucupira e o Primado da Ordem e da Hierarquia na Educação
Com Newton Sucupira, o encontro de Anísio ocorreu num evento acadêmico, em
1955, quando do diálogo entre estes dois futuros colegas de CFE aproximou-os. Em 1959,
Anísio, exercendo a direção da CAPES, consegue financiamento do governo norte-americano
para que um grupo de pesquisadores brasileiros estudasse o sistema educacional daquele país.
Dentre aqueles que foram escolhidos estavam Alberto Venâncio, Valnir Chagas e o próprio
Newton Sucupira. (BOMENY, 2001, p. 27).
Mas entre as ações de Anísio e o seu movimento político, articulando-se em redes de
sustentabilidade política, dentre muitos, estiveram com ele, nos anos de 1960, Alceu Amoroso
Lima e Newton Sucupira, ambos preparados como quadros do pensamento católico, de
vertente conservadora, principalmente aquela que se tornou hegemônica no interior da Igreja
até os anos de 1950. Bomeny (2001) discute a relação de Anísio com Sucupira, ou melhor,
um triângulo, onde a vértice foi acrescido de Amoroso Lima para incitar a reflexão de como
foi tênue a distância do pensamento educacional e social de cada intelectual, cada qual com as
suas convicções, mantendo um relacionamento pessoal próximo. Anísio, Amoroso Lima e
Sucupira representaram relações de tensão permanentes, pelo menos nos primeiros cinqüenta
anos de república, entre uma dicotomia, numa oscilação entre “o conservadorismo da
151
orientação católica e o pragmatismo à feição do liberalismo protestante norte-americano.” (p.
14).
Nascido em 1920, no estado das Alagoas, Newton Sucupira foi preparado, como
muitos outros intelectuais forjados no século XX, para, a partir da erudição, assumir postos de
comando, participando da elite dirigente do seu estado e do país. Obteve uma rígida educação
católica, o que lhe fez um praticante, fator que se desdobrou também entre os seus filhos.
Ingressou, em 1938, na Faculdade de Direito do Recife e, no enfrentamento aos estudos da
ciência jurídica depara-se com os temas filosóficos, o que lhe despertou a motivação pela área
de estudos. Quando concluiu o curso de Direito, em 1942, ingressou imediatamente na
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras Manuel da Nóbrega, instituição confessional de
padrão jesuíta. Entre os anos de 1948-1964, assumiu o magistério, na área da filosofia, da
Faculdade de Filosofia do Recife. Em 1961, assume a cátedra de História e Filosofia da
Educação, na Universidade de Pernambuco. (BOMENY, 2001, p. 27).
Indicado por Anísio Teixeira, em 1962, integrou o primeiro grupo de educadores que
formaram o então recém criado Conselho Federal de Educação. Durante dezesseis anos atuou
como conselheiro, experiência esta que lhe fez produzir uma verdadeira obra sobre a
legislação educacional do país. Entre a redação de normas, pareceres, assessorias na
elaboração de decretos e regulamentações criou um domínio próprio, competência técnica na
organização dos documentos, todos caracterizados pelos fundamentos políticos, filosóficos e
jurídicos. Tal experiência transformou-o numa referência da legislação educacional brasileira,
sendo respeitado pela eficiência de sua interpretação sobre a peça legal, além da capacidade
de argumentação na defesa de suas teses. Entre os anos de 1960-1970, exerceu funções na
burocracia federal, sendo presidente da Câmara de Ensino Superior do CFE, diretor do
Departamento de Assuntos Universitários - DAU, no MEC. Sua formação intelectual trouxe,
como católico que foi a leitura obrigatória do tomismo – fonte primordial na formação da
filosofia católica, repercutindo entre os intelectuais religiosos no Brasil. Leitor de Jacques
Maritain, fez com que trouxesse elementos da filosofia moderna, principalmente o ideário
kantiano. Sendo um católico militante, abraça o dogma tomista, do princípio inquestionável
da ordem e da hierarquia, elemento fundamental do poder eclesiástico romano. Nesta
hierarquia, a experiência mística da fé sobrepõe-se à razão, sendo a orientadora das vontades
humanas. Esta teologia tomista exerce sob Sucupira a base de sua concepção de mundo, seus
pressupostos filosóficos enquanto intelectual e quadro técnico da burocracia federal
152
apropriada à educação. A fé sobrepondo-se ao conhecimento, e à razão foi o impulso ético de
Sucupira no trato do entendimento da educação como processo social:
Mas, o estabelecimento da tutela da razão pela fé, pela crença na revelação,
definiu a hierarquia das fontes de conhecimento. O tomismo oferecia a chave
de conciliação entre o saber intelectual e fé religiosa quando admitia como
possibilidade fecundável que a razão pode, até certo ponto, apoiar a fé.
(BOMENY, 2001, p. 38).
Nesta relação hierárquica da fé sobrepondo-se ao saber, à razão, a autoridade,
características primordiais para a ordem religiosa, o primado desta autoridade se impõe à
experiência, compondo uma seqüência onde a filosofia prescinde à prática. Para Sucupira, a
educação era a manifestação destes ideais filosóficos sendo que as bases deste pensamento
justificavam o projeto de desenvolvimento para a sociedade brasileira a partir do ensino
superior como o núcleo dinamizador para a reforma educacional do país. Neste sentido,
Sucupira foi um árduo defensor do princípio de aprimoramento das elites, as verdadeiras
responsáveis em educar o povo. Há, pois uma nítida diferença de sua reflexão em comparação
com a de Anísio Teixeira que defendeu justamente ao contrário ao princípio de Sucupira: a
educação básica e o seu investimento seria o motor do desenvolvimento e transformação
social. Em Sucupira, o processo educativo, estrategicamente, ofereceria o aperfeiçoamento
das elites para melhorar o povo. Para Anísio a responsabilidade educacional estava em
aperfeiçoar o povo para melhorar as elites.
O traço religioso e a filosofia católica, com ênfase num humanismo-tomista, fez com
que Sucupira percebesse a educação como “um dos pilares nessa função evangelizadora.”
(BOMENY, 2001, p. 43). Sua defesa para o financiamento público em educação para as
instituições privadas distanciou-o de Anísio, isto no ideário que concentra a prevalência da fé
como orientadora da razão, o entendimento do papel das elites no compromisso em educar o
povo, fez de Sucupira o continuador de uma linhagem do pensamento conservador-autoritário,
vertente matricial explícita no período Vargas, através da filiação doutrinária entre Francisco
Campos e Gustavo Capanema.
Aprimorar as elites, descartando o protagonismo ampliado da sociedade e sua ativa
participação, isto como pressuposto republicano significaria investir num tipo de formação de
uma intelligêntsia nacional, preocupada com o desenvolvimento econômico, não optando por
uma concepção que defendesse a educação como motor das transformações sociais mas como
153
mantenedora do status quo. Aprimorar as elites para melhorar o povo, além de negar-lhe a
autonomia cidadã, tornava-o um cidadão coletivo inativo, reprodução da incipiente
inauguração republicana no início do século XX, retratada por José Murilo de Carvalho.
84
A
tese que perpassou a república brasileira, de caráter autoritário e conservador, a “mudança
pelo alto” prevalece neste período na política nacional, conciliando com o Estado autoritário
civil-militar o projeto de modernização, apesar do povo brasileiro.
Newton Sucupira considerava-se um homem de universidade, forjado a partir dela,
defensor de um projeto que respondesse pela formação de profissionais competentes na
atuação dos mercados de trabalho e também para o desenvolvimento científico, de pesquisa e
“preparado para a prática do magistério.” Acompanhou desde o início da implantação do CFE
os debates sobre a reforma universitária, considerando que a função do ensino superior seria
fundamental para o desenvolvimento do Brasil. Aprimorando-o em seus objetivos,
conseqüentemente, as mudanças qualitativas na educação básica ocorreriam principalmente
na organização das faculdades de educação. (BOMENY, 2001, p. 45-46). A reforma
universitária de 1968 teve para Sucupira a responsabilidade de melhorar a educação básica,
entendendo que a etapa final do sistema educacional e a trajetória de formação do indivíduo,
fazendo-a como promotora da qualidade da educação básica, significando uma concepção
educativa excludente nas mudanças sociais oriundas deste modelo concebendo um processo
de mudança pela parte final do sistema educacional, reproduzindo a estratégia de se mudar
pelo alto, pelos núcleos decisórios do país – as elites. Ocorre nesta concepção de Sucupira,
um estancamento dos segmentos educacionais, invertendo uma ordem das etapas iniciais da
educação básica, privilegiando os altos estudos no ensino superior, mais uma tese rejeitada
por Anísio Teixeira.
Em sua formação intelectual, na reflexão filosófica do fenômeno educativo e na
habilidade jurídica de se conceber peças normativas destacando-se tanto no CFE quanto nos
cargos técnicos em que ocupou no MEC, Sucupira dominou os processos de elaboração de
normas e pareceres, ora como conselheiro – representante de um órgão de Estado, municiando
o executivo com o pensamento médio do próprio CFE. Mas atuou concomitantemente
abastecendo o executivo na implantação das políticas educacionais vinculadas ao ensino
superior, realizando função interessando no atendimento de esferas hipoteticamente

84
Nas páginas iniciais deste trabalho discuto as categorias sobre a cidadania apresentadas por José Murilo de
Carvalho (1991), contidas no livro Os Bestializados – O Rio de Janeiro e a República que Não Foi.
154
diferentes, entre Estado e Governo, que na perspectiva do regime civil-militar pouco
importava este detalhe institucional, tão caro aos regimes democráticos. Como relator do
Parecer N° 977/65, o que instituiu a pós-graduação no Brasil tem na figura de Sucupira que
participou como intelectual e educador, segundo Bomeny (2001). Foi designado relator de
uma comissão que agregou os conselheiros Almeida Junior, Clovis Salgado, José Barreto
Filho, Mauricio Rocha e Silva, Durmeval Trigueiro Mendes, Alceu Amoroso Lima, Anísio
Teixeira, Valnir Chagas e Rubens Maciel. Junto aos decretos N° 53/66 e N° 252/67, o Parecer
977/65 definiu o caráter da reforma universitária, tendo como conseqüência a Lei N°
5.540/68.
A definição dos cursos de pós-graduação e a solicitação do Ministério da Educação ao
CFE sobre os encaminhamentos legais às recomendações vieram das necessidades
econômicas que fizessem a ingressar o Brasil no campo do desenvolvimento tecnológico e
científico. No encaminhamento do ministério, mais do que definir a pós-graduação do
Estatuto do Magistério, em seu artigo 25, conferindo ao “Conselho a competência para definir
os cursos de pós-graduação e as suas características.”. Na introdução do Parecer 977/65, nas
considerações preliminares, a explicita defesa dos modelos universitários europeus, os da
Alemanha, Inglaterra e França, mas com destaque na análise do exemplo norte-americano,
parâmetro assumido pela comissão que assina o Parecer. O modelo americano de pós-
graduação tornou-se consenso entre Anísio Teixeira e Newton Sucupira. Pela influência
deweyana em seu pensamento educacional, além de sua convivência com a universidade
americana, Anísio foi um entusiasta da forma em que se estabeleceram as políticas de
pesquisa e desenvolvimento tecnológico. Sucupira também observava a sociedade americana
como exemplo de modernização que deveria ser aplicada no Brasil:
O contato com os Estados Unidos e o contraste que, de imediato,
estabeleceram com seu país de origem marcaram profundamente homens de
ideias como Monteiro Lobato, Anísio Teixeira e, também, Newton Sucupira.
Uma nação igualmente jovem dava lições de democracia, de organização
descentralizadora e de flexibilidade funcional. Os Estados Unidos pareciam
uma via fecunda de modernização a ser seguida no Brasil... Em uma direção
mais especializada, encontramos nos textos de Anísio e Newton Sucupira
indicações reveladoras do quando incorporaram em suas propostas e
avaliações o que aprenderam da história da educação estadunidense.
(BOMENY, 2001, p. 33-34).
155
No Parecer 977/65, há a defesa sobre o êxito do modelo americano na organização e
resultados da pós-graduação naquele país. Respondendo então às solicitações e
recomendações do MEC sobre as necessidades de regulamentação e organização da pós-
graduação no país, o Parecer, em suas justificativas, reforçam a importância de
desenvolvimento da pesquisa e desenvolvimento tecnológico para o país.
Para completar a formação do pesquisador seja para o treinamento do
especialista altamente qualificado (...)
Uma superestrutura destinada à pesquisa, cuja meta seria o desenvolvimento
da ciência e da cultura em geral, o treinamento de pesquisas, tecnólogos e
profissionais de alto nível (...)
Cúpula dos estudos, sistema especial de cursos exigido pelas condições da
pesquisa científica e pelas necessidades de treinamento avançado (...)
Proporcionar ao estudante aprofundamento do saber que lhe permitia
alcançar elevado padrão de competência científica ou técnico-profissional
impossível de adquirir no âmbito da graduação. (Parecer 977/65).
O Parecer expõe três motivos fundamentais defendidos pelo MEC, para a instauração
do sistema de pós-graduação no país; 1- Formar o professorado competente; 2- Estimular o
desenvolvimento da pesquisa científica e 3- Assegurar o treinamento eficaz de técnicos e
trabalhadores intelectuais. Aprovado em 3 de dezembro de 1965, o Parecer 977 foi concebido
numa conjuntura onde regime civil-militar já havia se estabelecido com 21 meses na
condução do Estado brasileiro. Pela leitura do Parecer, percebe-se que o documento
representa em seu texto a preponderância de uma redação a - histórica obviamente
característica própria dos textos jurídicos, porém, sem contextualizá-la ao tempo histórico, ao
projeto de desenvolvimento proposto. Neste caso, o paradigma de um nacionalismo
desenvolvimentista foi abandonado, fazendo do Parecer uma peça neutra na consideração de
suas justificativas e objetivos, já sinalizando o novo paradigma de planejamento e gestão do
Estado e científica da tecnocracia e o descolamento das realidades vivenciada no desprezo à
sociedade em movimento e as suas contradições.
Considerado o autor do Parecer, Sucupira encontra respaldo em seus pares, muitos
deles identificados com o pensamento social e educacional de oposição ao regime imposto,
dentre eles o próprio Anísio Teixeira e Alceu Amoroso Lima, além de Durmeval Trigueiro
Mendes, todos vinculados à comissão que elaborou o documento. Isto nos indica o grau de
complexidade para entendermos os processos de elaboração de um Parecer num ambiente a
onde o regime ainda não se impusera pela força, respeitando os mandatos dos conselheiros,
156
porém tutelando-os. Do Parecer 977/65, importante como referência na organização de pós-
graduação no país e de tal peso político que serviu, somando-se ao relatório final do grupo de
trabalho sobre a reforma universitária, no âmbito do conjunto de uma legislação educacional
formatados entre 1962-1968, como parâmetro na consolidação do sistema universitário
brasileiro. Sua linguagem técnica e objetiva primando pelo caráter do que se deveria ser uma
peça jurídica foi desprovida de criticidade em relação aos caminhos a serem traçados para o
desenvolvimento social, político e econômico do país, resultado de muitos outros pareceres,
normas, regulamentos e decretos-lei, acompanhados das verdades inexoráveis e indiscutíveis
do Estado autoritário. A partir do Parecer, o ordenamento e a sistematização da pós-graduação
no país trouxeram possibilidades das universidades estabelecerem políticas mais nítidas nesta
modalidade, aprimorando suas ações na pesquisa e desenvolvimento tecnológico. Se ao
mesmo tempo o documento inaugura uma nova fase na estruturação da pesquisa no país,
criando novas gerações de mestres e doutores formados a partir dos Programas
institucionalizados em território nacional e consolida-se com a Lei N° 5.540/68, a ditadura
exclui das instituições universitárias a inteligência opositora ao regime, com efeitos dos mais
delicados à intelectualidade brasileira.
Chamado pelo Presidente Costa e Silva para presidir o GTRU, não só atendeu ao
convite, mas também se comprometeu em organizar o relatório final, recebendo o prazo de
trinta dias para o encerramento dos trabalhos e apresentação do relatório final. Para Sucupira,
a síntese da reforma universitária pautava-se em três elementos indissociáveis: racionalização,
flexibilização e diferenciação, princípios já existentes no modelo construído a partir da
organização da UnB. Tendo então a experiência da UnB e o acúmulo de discussões e o acervo
da legislação já calcada na renovação do sistema universitário, o relatório do GTRU já se
definia. No trânsito de discussões sobre a reforma universitária, o GT já não contava mais
com as presenças de Alceu Amoroso Lima e de Anísio Teixeira, que não foram reconduzidos
para um novo mandato no CFE.
A Lei 5.540/68, atendendo ao viés defendido por Sucupira de que as mudanças
estruturais na educação brasileira deveriam atender a sistemática, priorizando a reforma do
ensino superior desencadeando após esta as outras reformas da educação básica. O período de
Sucupira no centro de poder e de interferência nas decisões relativas à educação marcou a
definitiva aproximação de deste intelectual orgânico com o regime civil-militar fazendo-lhe
um operador da política educacional imposta pelo autoritarismo:
157
Como uma época de grande investimento na racionalização dos setores promotores de
ciência e tecnologia, com forte atuação dos órgãos da administração central, sendo as
reformas de ensino promovidas de cima para baixo, (...) A seqüência das reformas
ilustra essa interpretação. Em 1965 é editado o Parecer sobre a pós-graduação; em
1968 institui-se o Relatório do grupo de trabalho que fundamentou a reforma
universitária; em 1971 dá-se procedimento às reformas de primeiro e segundo graus.
(BOMENY, 2001, p. 78).
85
Dentro de suas convicções, Sucupira defendia de forma explícita a manutenção pelo
Estado da Universidade Pública, opondo-se a qualquer tipo de forma de privatização do
ensino superior. Como católico, acompanhava o posicionamento histórico na defesa aos
repasses de verba pública às instituições privadas, o que lhe diferenciava, mais uma vez, de
Anísio Teixeira que desde os tempos do movimento de renovação educacional, defendia o
controle exclusivo dos repasses de verbas públicas para as instituições públicas. A presença
de Sucupira entre a elaboração de normas e pareceres no CFE ou atuando em setores do
executivo no MEC fica evidente a concepção do Estado forte, controlador e interventor dos
sistemas educacionais, quando “a convicção de que a observância a autoridade e ao sentido de
hierarquia respondem pela qualidade e excelência do sistema educacional (...) a definição de
instâncias hierárquicas com responsabilidades na condução, regulamentação e fiscalização de
políticas.” (BOMENY, 2001, p. 108).
O regime civil-militar no seu controle do Estado necessitava de quadros, operadores
no governo que fossem aliados ao projeto de modernização, no desenvolvimento “pelo alto”,
do progresso que oferecesse ao país o seu definitivo ingresso nu mundo da economia
capitalista. A importância de operadores do regime, imbuídos do projeto maior, atuando
cotidianamente na objetivação dos pressupostos da modernização, serviu para dinamizar as
intenções do Estado autoritário. Buscando então as razões para a atuação de Sucupira no CFE
e no MEC sua elaboração e assinatura na definição da legislação do ensino superior do país,
exige uma análise cuidadosa, evitando o lugar comum do juízo de valor em relação ao
enquadramento deste intelectual dentro de uma perspectiva ideológica, porém, quando se
define a matriz do pensamento educacional e social, num catolicismo rigoroso em seu
princípio tomista, quando o primado da fé e da hierarquia sobrepõe-se à razão, aos fenômenos
sociais, inclusive justificando-os favoravelmente ao regime civil-militar. Esta trajetória leva
uma coerência de Sucupira que levou para a sua militância como educador este princípio

85
Helena M. Bomeny cita a tese de doutorado de Yolanda Lobo, A Construção e Definição de Políticas de
Pós-Graduação em Educação no Brasil. A Contribuição de Anísio Teixeira e Newton Sucupira. 1991/PUC-
RJ. Nesta obra, Yolanda Lobo reconhece a era Sucupira e o seu papel entre o CFE e o MEC.
158
adequando-o aos interesses do Estado. Resguardando aqui as especificidades históricas e as
circunstâncias temporais singulares, Sucupira completou um ciclo do pensamento autoritário e
a aplicação deste ideário na convicção de que as reformas “pelo alto” conduzidas pelo Estado
fosse o caminho correto para o encontro do Brasil com a civilização. O projeto autoritário de
modernização, marco importante do Estado Novo e que na educação teve como referência
Francisco Campos e Gustavo Capanema, reproduziu-se com Newton Sucupira que, mesmo
exercendo funções intermediárias da burocracia federal, porém estratégicas, vinculou sua
prática e competência a acompanhar os ideais defendidos com a revolução de 1964. Seu
depoimento, respeitando as circunstâncias históricas que se manifestaram, representa a
coerência de suas ações, não deixando de considerá-las importantes no período em que foram
concebidas.
Professor Sucupira, o senhor se considera uma pessoa democrática?
86
- Não. Não me considero porque sou autoritário. Era. Quando eu fiz o
doutorado em educação eu nunca reuni coisa nenhuma, e não prestava contas
nem à direção da faculdade e nem ao departamento. Admitia professores,
sem pedir licença. E foi assim que consegui implantá-lo... Primeiro, minha
educação, meu pai era senhor de engenho. Era educação dura. Segundo, eu
fui dos jesuítas, seis anos de jesuítas. A gente não passa incólume por seis
anos e meio de exército. Porque foi no tempo da guerra que eu fui
convocado. Eu me formei cabo. Depois sargento, depois oficial. Então, você
veja que foi o tempo de um clima de autoritarismo. Quer dizer, também de
autoridade... (SUCUPIRA. In. BOMENY, 2001, p. II).
2.8 Durmeval Trigueiro Mendes e a Crítica ao Tecnicismo na Educação Brasileira
Dos intelectuais que se destacaram no pensamento educacional brasileiro, parte deles
teve em sua adolescência e juventude a formação católica. Dentre estes que receberam a
cultura educacional a partir do catolicismo, percebe-se a identificação de três grupos. No
primeiro grupo, identificam-se àqueles que, como clérigos, nortearam suas reflexões
filosóficas e educacionais vinculados organicamente à Igreja, exemplos de Leonel Franca,
Henrique Vaz, Fernando D’Ávila
87
. O segundo grupo é constituído daqueles intelectuais,
leigos e que foram porta-vozes do projeto institucional da Igreja, sendo os exemplos de Alceu
Amoroso Lima e Newton Sucupira. No terceiro grupo, identifica-se àqueles intelectuais que

86
Entrevista concedida à Helena Bomeny, em 16 de fevereiro de 2001.
87
Cito aqui principalmente aqueles nomes analisados neste trabalho.
159
tiveram a presença da educação católica no início de suas formações básicas, mas que em suas
trajetórias, distanciaram-se do pensamento educacional católico e também das bandeiras
históricas do catolicismo, defendidas para a educação nacional. Neste grupo, Anísio Teixeira
e Fernando de Azevedo são os principais exemplos e, por abandonarem os ideais aprendidos
na influência, a Igreja os acompanhou como ovelhas desgarradas do rebanho, tendo um
sentimento de traição em relação aos que lideraram o movimento de renovação educacional.
88
A formação de Durmeval Bartolomeu Trigueiro Mendes seguiu os exemplos de
Anísio e Fernando de Azevedo. Nascido em Cuiabá em 1927, aos doze anos ingressou no
Seminário Arquidiocesano de João pessoa, instituição que lhe propiciou os estudos do curso
secundário e da filosofia, até o ano de 1946. Fez ainda o curso de Letras Clássicas na
Universidade Católica de Pernambuco, quando concluiu, em 1950, sua licenciatura. Desde a
juventude, acostumou-se a enfrentar desafios na administração pública. Aos vinte e seis anos,
foi Secretário de Educação e Cultura do Estado da Paraíba. Em 1954, assumiu a função de
Inspetor de Ensino do Ministério da Educação e Cultura. Em 1956, ainda exercendo o cargo
de Secretário de Estado de Educação, foi escolhido como o primeiro Reitor. (O. FÁVERO,
1999, p. 148).
Com Trigueiro Mendes, também se estabelece a lógica de construção de comunidades
de intelectuais que se aproximam buscando avanços políticos no desenvolvimento de redes de
sustentabilidade. Em 1958, recebe convite de Anísio Teixeira, que exercia função no Inep,
convidando-o a assumir a supervisão da Campanha de Educação Complementar. É neste
período, aceitando inclusive o convite de Anísio, que se transfere para o Rio de Janeiro, ainda
como capital federal. Foi professor do curso de pedagogia da PUC-RJ e em 1960, também por
indicação de Anísio, foi nomeado diretor de ensino superior do MEC, função que exerceu até
1964. (O. FÀVERO, 1999, p. 148). Como em Darcy Ribeiro e Anísio abraça uma concepção
educacional que buscava articular a elevação cultural do povo e o desenvolvimento nas
perspectivas sociais, políticas e econômicas. Em sua carreira, somando-se a experiência do
magistério nas áreas da sociologia, sociologia da educação, economia e planejamento
educacional, concebe antes de tudo um olhar permanente sobre a função do Estado como um
orientador, funcionando no contexto do regime democrático – outro elemento constituinte de

88
XAVIER (2002), quando analisa os impactos do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, de 1932,
comenta a reação da Igreja e seus quadros com rígidas críticas a Anísio Teixeira e Fernando de Azevedo. In.
Para Além do Campo Educacional: Um Estudo Sobre O Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova
(1932). Pg. 34.
160
seus estudos, onde o planejamento toma importância vital na condução-gestão educacional e
de suas políticas públicas. Vinculado à Universidade do Estado da Guanabara (UEG),
coordenou o curso de Planejamento Educacional com o status de pós-graduação e participou,
a partir de 1969, do grupo de trabalho responsável na elaboração do plano de reestruturação
da Universidade.
Coordenando a obra, Filosofia da Educação Brasileira
89
, resultado de sua pesquisa
realizada em 1977, sob o financiamento do Inep/MEC. Em artigo próprio, intitulado Existe
Uma Filosofia da Educação Brasileira? Trigueiro Mendes discute a ontologia do
planejamento, suas implicações filosóficas, sociais e ideológicas. Nesta discussão observa-se
a crítica ao regime civil-militar e os pressupostos teóricos que conceberam o Estado, outro
núcleo-referência de suas análises e a formação de uma tecnocracia, elite que deteve o
controle do conhecimento transformando-o em dogma, elemento inquestionável
fundamentado no tecnicismo. Sua análise parte da consideração de que o Estado é a síntese
dos interesses das elites dominantes, não priorizando a educação como elemento formador da
cultura nacional. Pelo movimento de 1964 aponta que a perspectiva do Estado em relação à
educação foi a vitória da tecnocracia sob os fundamentos trabalhados a partir da Doutrina de
Segurança Nacional, formulada pela Escola Superior de Guerra (ESG).
Mas o que foi o Estado tecnocrático? Substituir a essência/substância política pela
técnica, opondo-se a ideia de eficiência à de participação. A tecnocracia pressupõe uma
neutralidade onde as estimativas de lucro, cultura imprescindível para o capitalismo, é a base
do planejamento. A intenção do planejamento e seus pressupostos ideológicos foi a de
conceber o plano técnico inferido por si próprio, descartando a política ou os seus indicadores.
Não há, pois o elemento humano como articulador da práxis social. O caráter deste
planejamento reproduziu no projeto de poder que se estabeleceu no Estado. No caso
brasileiro, o planejamento distancia-se dos problemas objetivos da sociedade, aprofundando
suas desigualdades sociais.
Se se aliena parte do povo da possessão plena dos instrumentos de sua
inserção na polis é claro relegados a uma situação de inferioridade. Isto vale
dizer que se a maioria não conta para a construção da cidade, não há porque
refinar os instrumentos com os quais ele deveria contribuir para tal
construção. (TRIGUEIRO MENDES, 1985, p. 52).

89
TRIGUEIRO MENDES, Durmeval (Organizador). (1985). Filosofia da Educação Brasileira. RJ, Civilização
Brasileira Editora.
161
Idealizando uma contraposição às circunstâncias impostas pelo regime civil-militar,
Trigueiro Mendes propõe uma elevação cultural da sociedade a partir da conquista da
consciência histórica, expressão da coletividade social desencadeada pela análise crítica.
Estas categorias teóricas propostas por Trigueiro Mendes devem ser percebidas como etapas,
como tomadas de posição social ao ingresso ao desenvolvimento, aspecto chave para o
entendimento do encadeamento entre a democracia, o Estado e o planejamento fundamentado
pela lógica do desenvolvimento. Quando existe o conceito de desenvolvimento, entende-o
como processo de conquista no âmbito da sociedade comprometida com um projeto político.
Percebe-se que Trigueiro Mendes transita entre as concepções cepalinas e isebianas, sendo
que se distancia da segunda concepção considerando a crença da sociedade protagonista do
processo de desenvolvimento, o que se afasta do caráter elitista da ideologia do nacionalismo
desenvolvimentista propagado pelo ISEB. O marco do desenvolvimento é a sua capacidade
pedagógica de compromisso coletivo com o projeto político, pois “o desenvolvimento é um
processo ao mesmo tempo qualificador e politicamente unitivo: ou seja, ele une, qualificando
todos até o limite das possibilidades de cada um do seu meio.” (TRIGUEIRO MENDES,
1985, p. 54).
No caso brasileiro, ocorreu um desnível entre o desenvolvimento e seu projeto em
relação à sociedade. Entre os últimos quarenta anos, o desenvolvimento se impõe à revelia da
sociedade e à sua incapacidade de se construir a consciência histórica. Por conta desta
reflexão é que Trigueiro Mendes defendeu a cultura e a educação como fatores
preponderantes para a aquisição da consciência histórica, adquirida pela sociedade e a
conquista do desenvolvimento, que é visto por este intelectual de forma ampla e integrada a
partir do cultural-social, do político e do econômico. Realiza ainda uma crítica veemente às
elites brasileiras quando analisa o vetor autoritário e a desqualificação que este grupo
dirigente tratou a cultura e a educação. Há, pois uma afirmativa lapidar de Trigueiro Mendes
quando analisa a composição do Estado e o domínio civil-militar e os interesses estratégicos
desta classe dirigente com relação à educação, sendo vista como o melhor instrumento para a
perpetuação das elites no poder: “o ensino mascara o saber para subsidiar o poder”. (IDEM p.
56, n. r.). Mas entre o saber e o poder a ideologia da dominação articula-se num Estado que
privilegia o traço tecnicista no planejamento e gestão. Entre os planos educacionais e as ações
há um percurso teórico-filosófico e, conseqüentemente político, que é o primado da
racionalidade como agente agregador-ideológico do Estado. Para Trigueiro Mendes, a
162
bifurcação autoritária fundamenta-se na tecnocracia e o elitismo iluminista, essencialmente na
preponderância da região.
Uma organização social armada pelo poder autoritário e possessivo está
vinculada ao poder bifurcado pela tecnocracia e pelo elitismo iluminista.
Essa região é tão eficiente que propicia a liberdade de pensar e de sentir com
pluralidade dos valores políticos, éticos, econômicos... E tão eficaz que
permite, sem tropeços, funcionalizar o Poder do Estado e das instâncias
oligárquicas da sociedade através da racionalidade científica. (TRIGUEIRO
MENDES, 1985, p. 104).
A natureza deste Estado pautado numa racionalidade pressupõe que a verdade
inquestionável de suas ações justifica-se pelas decisões que são tomadas à luz do ideário
cientificista, porém, numa reflexão dialética deste processo, Trigueiro Mendes considera que
as contradições deste pensamento organizatório, racional e tecnocrático tende a ser minado,
entre as brechas existentes do sistema, as possibilidades de crítica e contestação (IDEM, p.
105). O controle do Estado, sob a presença da tecnocracia “como forma contemporânea do
poder e do saber”, torna-se elite dirigente na conquista do status da razão, perigo evidente ao
retorno do totalitarismo em nosso meio. A preponderância deste tipo de classe dirigente faz da
tecnocracia um grupo incrustado no Estado, imune aos enfrentamentos políticos pois destes
emanam o caráter da impessoalidade racional. O tecnicismo a-histórico fala por si próprio
escondendo a essência de suas intenções, as de implementarem a lógica autoritária do poder
civil-militar. Durmeval fez ressalva quando realiza a crítica à tecnocracia e o seu modus
vivendi e a operação da gestão pelo princípio da formulação do planejamento dentro do
espectro do tecnicismo. A técnica, usada como instrumento de domínio, subordinada à
política e à cultura na “usurpação da razão” deve ser questionada como deve ser questionado
o poder autoritário. O tecnicismo através do planejamento surge em meados dos anos de
1950, como instrumento norte-americano, tendo o objetivo de responder aos avanços
tecnológicos demonstrados pela U.R.S.S. na corrida espacial.
A convivência na comunidade de intelectuais não significou uma afinidade linear entre
seus componentes. No caso de Newton Sucupira e Durmeval T. Mendes, suas ideias se opõem
a partir da perspectiva do poder para Sucupira, o respeito à hierarquia e a ordem institucional
fez com que consentisse o regime civil-militar, servindo-o como um quadro técnico,
formulador, intelectual orgânico na reflexão dos problemas educacionais do país,
principalmente no ensino superior. Para Trigueiro Mendes, a rejeição aos princípios
163
autoritários do regime, bem como a firme oposição a ele, concentrou uma reflexão que
aproximava elementos onde a centralidade estava na questão educacional brasileira: a
sociedade, o Estado, o planejamento são elementos, categorias presentes no seu pensamento
social e educacional. Durmeval T. Mendes fez um debate importante sobre o envolvimento
dos intelectuais no período complexo de governo no Estado autoritário. Para alguns
intelectuais, denomina-os de conservadores progressistas, pois estes “fazem o exercício do
mimetismo”. Realizou assim uma crítica veemente àqueles comprometidos com o regime e
sua filosofia tecnocrática, distante dos reais problemas sociais
90
. Afirmou que estes
intelectuais produziram um saber pedagógico “solto no ar”, desprezando os fenômenos
culturais, econômicos e políticos, exemplo maior no relatório que introduz a reforma
universitária, “numa postura de erudição postiça e desconectada com a própria legislação
básica.” (TRIGUEIRO MENDES, 1985, p. 55).
O ideário de T. Mendes representou um embate ideológico com o regime. Permaneceu
por cinco anos no Conselho Federal de educação, entre os anos de 1964-1969, mantendo suas
opiniões contrárias ao que se estabelecia. Seu desligamento, não só do CFE como também o
afastamento de suas funções de funcionário público ocorreu em 28 de agosto de 1969, quando
tomou conhecimento do decreto que o aposentou compulsoriamente. Ainda no CFE, num ato
de coragem e coerência com os seus princípios quando o Conselho foi pressionado pelo
Ministério do Exército a acatar a solicitação de criação da disciplina Educação Moral e
Cívica, Trigueiro Mendes foi o único conselheiro a votar contra a inclusão de disciplina no
currículo de 1º. Grau. (O. FÁVERO, 1999, p. 151).
Na crítica que realiza sobre a Lei 5.540/68, pondera sobre o regime de cátedras,
realizando uma análise fugindo do discurso fácil do consenso. Sobre a cátedra, reconhece que
o catedrático é um “grão-senhor” que impunha ao reitor ao seu próprio governo (na verdade,
reconhece ainda, que a relação entre o reitor e o catedrático e seus interesses não se
chocavam, pois o reitor também era detentor de uma cátedra). O que T. Mendes discute é que
o catedrático, algumas vezes, foi um tipo de dique à administração pública universitária, em
dois sentidos: o burocrático e o político. O catedrático que estabelecia um processo acadêmico
eficiente impunha um modelo de gestão que era até respeitado pelo estado e, por conta disto,
as possibilidades da criação de centros de excelência científica nas universidades foram reais:

90
Apesar das características de um planejamento tecnocrático, alheio aos interesses reais da sociedade, o regime
civil-militar estabeleceu programas sociais que atenuassem conflitos, principalmente no campo. Em 1973, foi
estabelecido a Aposentadoria Rural, arcando o governo com responsabilidades de investimento nesta área.
164
“Quem sabe se em parte graças a isso a universidade oficial mantém, hoje, num conjunto em
muitos lugares estagnado, focos isolados de respeitável atividade científica?” (TRIGUEIRO
MENDES, 2000, p. 93). Mas também observa os equívocos da cátedra e os limites impostos
deste modelo no desenvolvimento da ciência e tecnologia: “A ambivalência da cátedra
resultara, teoricamente, de sua tendência ao isolamento pelo qual elas se fecharam sobre si
mesmas impedindo as conexões interdisciplinares e a integração universitária.” (IDEM, p.
104). Sua reflexão calcada nas análises epistemológicas do conhecimento e do planejamento,
as ideologias que se impõem no interior da ordem autoritária, onde a educação, por ser a
expressão da sociedade, sofre com a determinação destes paradigmas. A ordem capitalista
determina uma cultura, uma inteligência que se manifesta nos padrões de elaboração dos
planos educacionais, na concepção dos sistemas de ensino e das suas reformas. A tecnocracia
foi uma classe a serviço desta lógica economicista, descartando a subjetividade histórica,
elemento dinamizador na democracia.
O pensamento social e educacional de Durmeval T. Mendes, sua contribuição, está na
transição entre as reflexões sobre a educação entre o que foi problematizado nos anos de 1960
e a retomada do tema educacional a partir dos anos de 1980 e as suas perspectivas no limiar
da democracia no país. Pautado num projeto de sociedade democrática, Trigueiro Mendes nos
indica proposições, numa agenda teórico-metodológica sobre “um plano para a democracia”:
1- conceber a educação e a cultura a partir de uma visão dialética da história, “como obra da
consciência integrada à práxis”; 2- a apropriação do conhecimento considerando as relações
contraditórias da codificação e da decodificação; 3- restabelecimento do ensino da filosofia, a
revitalização das ciências humanas qualificando os debates sobre a crítica ao poder
constituído e ao Estado; 4- no desdobramento da unidade orgânica no sistema educacional,
vinculando o ensino básico, fundamental à pós-graduação, articulados a partir de um projeto
homogêneo, democrático-socialista, destacam-se as dimensões políticas: a) “a educação
democrática dialetiza quantidade e qualidade – a qualidade – a qualidade se transforma em
quantidade”; b) universidade crítica e plural articulada com a pós-graduação – “convivendo
com a cultura popular na homogeneidade democrática contra a homogeneidade capitalista do
poder e do saber.”; c) a educação deve ser entendida como um processo inserido entre o
tempo e espaço, tendencialmente unificados e, concomitantemente diferenciados “através de
novas estruturas de comunicação social e cultural do trabalho; d) “a criatividade deve se
165
exercer através dos métodos mobilizados por grupos e instituições sociais e culturais.”
(TRIGUEIRO MENDES, 1985, p. 118).
166
CAPÍTULO III
A Década de 1980: O Pensamento Social e Educacional no Brasil e Rio de Janeiro
3.1 O Cenário Político da Década de 1980
Quando caracterizou os anos de 1980, o compositor Raul Seixas retratou este tempo
como “uma charrete que perdeu o condutor”, tal o ambiente que contrastou níveis de
expectativas e decepção com os rumos da sociedade Brasileira. A dualidade de sentimentos
extremos, seja na festa-euforia das Diretas Já, seja também no desencontro dos desejos das
ruas com a rejeição da Emenda Dante de Oliveira, traduzindo-se na poesia-reclamação de
Seixas como um tempo de “melancolia e promessas de amor”.
91
Mas para caracterizarmos a
década de 1980 e o movimento intelectual relativo às ciências sociais e a educação, é
necessário reconstruirmos os elementos que anteciparam este período, um tempo onde,
segundo Raul, havia “gente afirmando não querendo afirmar nada”. A agonia do regime
civil-militar e a transição para um novo período da política brasileira sinalizou uma trajetória
sinuosa, bem própria na tensão entre os movimentos sociais, defensores da aceleração ao
retorno da democracia e dos setores liberais, porém confiáveis no plano de passagem, sem
rupturas, ao Estado de direito. O modelo econômico concebido pelo governo civil-militar
optou pela ampliação do parque industrial, baseado no ingresso do país aos capitais
estrangeiros suficientes para se criar um ambiente de otimismo e manipulação pelo regime, de
um tipo de nacionalismo ufanista, de caráter passional, onde a afirmativa “Brasil: Ame-o ou
deixe-o”, sinalizava dubiamente o destino do país como potência nacional, porém mandando
um recado explícito à resistência a ele.
O crescimento econômico do país em seus primeiros anos da década de 1970 acentuou
as contradições sociais, a pobreza e a miséria representando um país dividido entre uma frágil
prosperidade econômica e o aprofundamento das desigualdades sociais. A crise política no
Oriente Médio e o conseqüente desequilíbrio nos preços dos barris de petróleo trouxeram um
impacto na economia brasileira, esta dependente da produção automobilística e dos produtos
derivados do petróleo. O esgotamento do modelo econômico, os desdobramentos das crises
do petróleo no mundo e as iniciativas sociais em defesa ao retorno ao Estado de Direito,

91
Raul Seixas e Dede Caiano, “Abra-te Sésamo” - 1980/CBS: “Pobre país carregador dessa miséria dividida
entre Ipanema e a empregada do patrão. Varrendo lixo prá debaixo do tapete que é supostamente persa prá
alegria do patrão...”
167
compuseram o cenário introdutório para a caracterização dos anos de 1980: “A crise do
milagre econômico acentua o descontentamento com o regime, alvo de profundas críticas,
acusado, em particular, de ter acentuado as desigualdades regionais e sociais, com uma brutal
concentração de renda junto aos mais ricos.” (SILVA, 1990, p. 299).
A indicação do regime civil-militar no governo de Ernesto Geisel, quando o Presidente
oficializou o processo de abertura, demonstrou o projeto do grupo dirigente do país que
desejava estabelecer uma passagem ao Estado de Direito, no controle político, coordenando
os impulsos sociais, tutelando as elites políticas, impondo o caráter da transição: lenta, segura
e sem os (re) sentimentos de revanche contra aqueles que foram responsáveis pelos aparelhos
de repressão do regime. A tese construída por Golbery do Couto e Silva, onde os movimentos
entre a sístole e a diástole representavam a própria história política do país, onde a República
experimentou curtos períodos de regime democrático, alternando-se com regimes de exceção,
elementos que auto-alimentaram-se, consolidando, dialeticamente um ao outro. (ABREU
PENNA, 1999, p. 300).
A engenharia política formulada por Golbery foi conduzida pelo próprio até a crise do
governo Figueiredo a partir dos fatos ocorridos em 1981, com a bomba do Riocentro. O
projeto de transição concebido pela inteligência militar seguiu a tradição do pensamento
autoritário republicano, acompanhado e controlado mantendo o princípio que norteou os
momentos de transformação do país, sua modernização econômica e nas tramas políticas sem
a necessidade de fortes rupturas. O ideário das mudanças pelo alto esteve presente, foi
vitorioso ao final do regime em 1985, porém, não conseguiu se estabelecer hegemonicamente,
sofrendo derrotas circunstanciais, mas não abrindo mão da condução do processo político. Em
1978, além do término do governo Geisel, marcando a ascensão de um novo tipo de
sindicalismo que surgiu a partir do coração da indústria automobilística de São Paulo. O
avanço organizado da oposição, o fim do percurso jurídico iniciado em 1968 com o Ato
Institucional No. 5 e o início do movimento pela Anistia demonstravam os sistemas de
encerramento de um período político autoritário e o surgimento de uma nova etapa
republicana do país. A lei de Anistia, aprovada em 23 de agosto de 1979 acompanhava o
ritmo imposto pelos estrategistas da distensão, controladores do processo, defensores da tese
de um perdão lento, gradual e seguro, porém com um detalhe importante na construção de um
ambiente sem revanches, bem ao modo brasileiro de acertar suas próprias contas: a Anistia
serviria tanto para aqueles que o regime civil-militar perseguiu e os convidou a saírem do
168
país, quanto para aqueles que, do outro lado, manipularam os aparelhos oficiais da repressão.
Ainda em 1979, a nova Lei Orgânica dos Partidos Políticos continha o projeto da inteligência
do Estado autoritário e a sua estratégia em dissolver a concentração da oposição construída no
Movimento Democrático Brasileiro – MDB, estabelecendo o pluripartidarismo. Mais uma vez
o pensamento de Golbery, forjado sob a influência da mentalidade militar da geopolítica
nacional, que iria além das simples análises territoriais do país, consolidava a estratégia de
garantir sobrevida aos ideais da “revolução”, no esforço de se manter a maioria política na
passagem a um governo civil, que já se considerava inevitável. A crise do petróleo, a elevação
dos juros e a conseqüente exigência do Fundo Monetário Internacional – FMI acirrou a crise
econômica e institucional, reproduzindo no cotidiano da sociedade a insatisfação com a
conjuntura política nacional. Fugia assim das mãos dos estrategistas da transição a certeza de
um controle linear dos fatos sociais, ignorando os atores que surgiam, caracterizando uma
sociedade civil em ascensão a partir dos movimentos sociais de bairro, sindicalismo
combativo e de caráter ideológico cristão-marxista, passando pela experiência popular-
eclesiástica das comunidades de base: “Inaugurava-se no país uma experiência nova que não
figurava nos planos dos ideólogos do projeto do Executivo. Trata-se da organização
independente da população, através dos movimentos associativos que penetravam e se
multiplicavam dentro do tecido social urbano e de sua periferia.” (ABREU PENNA, 1999, p.
298).
Do resultado da Lei Orgânica dos Partidos Políticos, surgiram novas instituições
partidárias, dando no início, um sentimento de pulverização das oposições, linha política
definida no jogo de interesses vinculados ao último governo da “revolução”. Da nova
realidade partidária, nascem do MDB e a resistência ao regime o PMDB – Partido do
Movimento Democrático Brasileiro. Em substituição à desgastada base de sustentação política
do regime, da ARENA – Aliança Renovadora Nacional, surge o PDS – Partido Democrático
Social, tentativa do regime em modernizar o seu discurso preparando-se para se manter no
cenário político na defesa dos ideais da “revolução” e pronto para disputar a sucessão de
Figueiredo, com possibilidades de eleger um presidente civil. No campo do trabalhismo, a
disputa pela legenda do Partido Trabalhista Brasileiro – PTB ficou entre aqueles que se
sentiam continuadores da herança do movimento vitimado pelo golpe de 1964. Entre Leonel
Brizola e Ivete Vargas a disputa pela herança dos valores defendidos por Getúlio Vargas e
João Goulart foi acompanhada de perto pelo governo, pois se considerava um temor o resgate
169
do trabalhismo neste período de transição. Garantido o emblema do PTB à Ivete Vargas,
fazendo futuramente deste Partido o símbolo do pragmatismo político e de uma legenda
preparada permanentemente às negociações políticas em troca de cargos no Estado, coube à
Brizola a fundação de uma nova sigla, o Partido Democrático Trabalhista – PDT, um misto de
resgate do trabalhismo histórico brasileiro e na tentativa de se modernizar o discurso dos anos
de 1950-1960, aproximando-se do socialismo europeu. Dos setores vinculados aos
movimentos sociais, entre eles os sindicatos e o campo popular da Igreja, surgiram o Partido
dos Trabalhadores – PT, que realizou uma análise da situação política e econômica do país a
partir dos paradigmas teórico-metodológicos baseados num tipo de marxismo heterogêneo,
misturando ideias oriundas de uma frente política interna, de forças e campos políticos que
buscavam inserir-se no jogo político eleitoral de forma crítica ao modelo liberal de
democracia.
Em 1º de abril de 1981, nas comemorações do Dia do trabalho, ocorrida no Riocentro
em Jacarepaguá, durante um show, explodiram duas bombas, literalmente no colo de dois
oficiais da polícia militar do estado do Rio de Janeiro. Apesar da condução oficial do
inquérito e as primeiras versões que indicavam mais uma “conspiração comunista” contra o
país, este fato desencadeou uma crise no governo Figueiredo, fazendo com que o Ministro-
Chefe da Casa Civil, um dos quadros mais importantes do pensamento militar brasileiro, o
General Golbery, pedisse demissão do cargo – demonstração explícita do descontrole dos
dirigentes do regime em relação ao projeto de condução linear para a transição do poder a um
governo civil. Ainda no Rio de Janeiro, alvo preferido de um terrorismo de direita, por ser o
estado que se apresentava como um núcleo de resistência à ditadura houve ainda uma série de
acontecimentos que expressaram a rejeição aos prosseguimentos do processo de abertura.
Entre os anos de 1980-1981 ocorreram ações destes grupos no seqüestro do Bispo de Nova
Iguaçu, Dom Adriano Hipólito, explosões de bombas em bancas de jornais que vendiam
publicações de oposição, ligados ao Partido Comunista Brasileiro – PCB. Estes atentados
chegaram até a residência do deputado Marcelo Cerqueira e este, visto como uma liderança de
oposição ao regime, advogado de presos políticos e jurista que acompanhava os processos
judiciais favoráveis àqueles perseguidos pela ditadura. Pessoas e instituições, intelectuais e
lideranças políticas, setores da Igreja (católica e protestante), aqueles envolvidos na transição
política, sofreram com o assombro do terrorismo e o nítido plano para atrasar a “abertura”.
170
Cerca de dois meses depois de a Justiça Militar ter determinado o
arquivamento do Inquérito Policial Militar do Riocentro, o Comando de
Caça aos Comunistas (CCC), através de sucessivos telefonemas, disse que já
estavam preparadas as bombas que seriam explodidas num dos auditórios do
Instituto Metodista Bennett, no bairro do Flamengo, no Rio de Janeiro, onde
Nelson Werneck Sodré ministraria um curso público, durante dois meses,
com cerca de meia centena de inscritos, às seis e meia da noite, sobre Os
Militares na História. (WERNCEK DA SILVA, 1985, p. 14).
Nas eleições de 1982, onde ocorreu à primeira experiência eleitoral pluripartidária
depois do golpe civil-militar de 1964, o resultado expressou o desejo coletivo a favor do
retorno ao ambiente de normalidade constitucional e democrática. Com a vitória da oposição
em dez estados, todos estrategicamente importantes pelo peso que apresentavam como
referências políticas na transição do regime: Em São Paulo, Franco Montoro, no Rio de
Janeiro, Leonel Brizola e no estado de Minas Gerais, Tancredo Neves. No Rio de Janeiro,
com a eleição de Leonel Brizola, do Partido Democrático Trabalhista – PDT surgiu uma
oposição que rompeu com a hegemonia do PMDB. Sendo um dos epicentros da crise de
1964, a figura de Brizola suscitava sentimentos extremos; primeiro da parte do regime que
agonizava temeroso pelo incêndio de um possível discurso antimilitar e revanchista de uma
liderança que se constituiu historicamente em defesa da legalidade, na confirmação de Jango
como presidente, após a renúncia de Jânio Quadros e na própria resistência sulista ao golpe de
1964; por outro lado, o carisma político do gaúcho e sua fácil comunicação e linguagem direta
com as camadas populares desencadeou um processo eleitoral febril no Rio de Janeiro num
lastro de aceitação das ideias brizolistas incapaz de garantir vitória aos campos políticos que
se apresentavam: a tentativa de modernização do regime a partir da candidatura de Moreira
Franco, do PDS; a continuidade do chaguismo com a candidatura de Miro Teixeira, do
PMDB; a tentativa de ressurreição do lacerdismo com Sandra Cavalcanti, do PTB e o projeto
à esquerda do PT, na candidatura de Lisâneas Maciel. Da vitória de Leonel Brizola, ficou a
tentativa dos setores vinculados ao regime de manobrar os resultados eleitorais no caso da
Proconsult.
No ano de 1983 a agonia do regime civil-militar aprofunda-se quando o patamar
inflacionário chegou a 211%, produzindo a corrosão dos salários, fazendo com que o
trabalhador acumulasse perdas substanciais a partir de reajustes propostos pelo próprio
governo. Foi neste contexto que foi apresentada a Emenda Constitucional para as eleições
presidenciais diretas, de autoria do deputado Dante de Oliveira (PMDB – MT). A
apresentação da emenda foi a senha para que se desencadeasse no país um movimento que
171
tomou as ruas das principais cidades do país - as Diretas Já! Apesar dos sinais de apoio das
massas sociais espalhadas pelo Brasil no desejo de participação pelo voto direto na escolha de
um novo Presidente da República, do anseio de algumas lideranças políticas, dentre elas
Ulisses Guimarães e Leonel Brizola, que viam na aprovação da emenda a chance da disputa
eleitoral, em 25 de abril de 1984 a Emenda foi rejeitada ratificando assim, no parlamento
brasileiro, a estratégia dos condutores do processo, no desenvolvimento de uma transição que
não fugisse das regras concebidas para evitar o protagonismo da sociedade.
As palavras sobre os anos 80 de Raul Seixas reafirmaram os sentimentos ambíguos, na
consternação pela rejeição das Diretas-Já, pela melancolia que assolou o país, mas a
permanência das promessas de amor. Rejeitada a Emenda, mantinha-se ainda a sucessão do
último general do regime imposto a partir da escolha indireta, via Colégio Eleitoral, do novo
Presidente da República. Enquanto Tancredo Neves discretamente negociava a transição com
setores militares, garantindo-lhes uma passagem institucional tranqüila, sem perseguições
àqueles que conduziram o regime, Paulo Maluf credenciava-se como o candidato do Partido
Democrático Social – PDS. Maluf impõe a sua vitória e conquista, via Convenção Nacional, a
oportunidade de ser o candidato do governo, apesar da insatisfação generalizada da liderança
do Partido e do próprio governo que desejavam Mário Andreazza ou Aureliano Chaves. Em
1985, no dia 15 de janeiro, o Colégio Eleitoral escolheu Tancredo Neves como Presidente da
República, eleito indiretamente. A longa caminhada de negociação resultou numa base de
sustentação ao novo governo civil, o primeiro após o golpe de 1964, e que lhe garantiria uma
governabilidade de tal forma que o país reencontrasse o seu caminho ao estado de Direito,
sem fissuras ou radicalismos sociais. A eficiência de Tancredo e de seu grupo político, fez
com que setores insatisfeitos com a candidatura malufista, viessem a ingressar no apoio ao
candidato do PMDB. Sendo assim, a senha para mudar de lado fez com que Aureliano
Chaves, Antonio Carlos Magalhães, Jorge Bornhausen, José Sarney, dentre outros,
abandonassem o regime ao qual foram fieis nos vinte e um anos de existência e criaram o
Partido da Frente Liberal – PFL, dissidência do PDS.
Mais uma vez, o texto de Raul Seixas ratificou o que a dinâmica política e a longa
passagem de regimes que se manifestou objetivamente no país. A morte de Tancredo Neves,
ocorrida em 21 de abril, trouxe a perplexidade social e a confirmação de que o substituto do
presidente eleito e falecido seria de acordo com as interpretações jurídicas daqueles
intérpretes oficiais da transição, o seu vice, José Sarney, aliado de última hora, ex-presidente
172
do PDS, Partido da “revolução”. Na tragédia anunciada, a Nova República já nascia velha. As
expectativas ou a esperança em novas “promessas de amor”, agora partiam para a convocação
da Assembléia Nacional Constituinte, implantada no ano de 1987 e promulgada em 1988. No
transcorrer destes últimos anos da década de 1980, as contradições do governo Sarney
ressaltaram o caráter da “transição negociada”, reafirmando mais uma vez a concepção de que
as mudanças ocorridas na República brasileira manifestam-se pelo alto, num acordo entre as
elites dirigentes, impondo o projeto nacional de desenvolvimento sem o comprometimento
dos setores sociais do país. A transição política, no ideário entre as instituições que
sobrevieram aos anos iniciais no Estado de Direito, manteve as matrizes do pensamento
autoritário construído na trajetória da República brasileira, confundindo o discurso
democratizante travestido na lógica autoritária, herança política da instauração da República,
da “Revolução” de 1930, na imposição do Estado Novo e do golpe civil-militar de 1964: 1980
é a década da utopia forjada.
O governo encarregado de implantar a Nova República e promover a
transição democrática contava pelo menos duas sérias dificuldades de ordem
política: seu titular fora guindado a esta posição em circunstâncias trágicas e
imprevisíveis, e a composição de forças que se reuniu para lograr êxito
eleitoral contra a candidatura do continuísmo oficial trazia consigo
contradições bastante acentuadas para um desafio como este. (ABREU
PENNA, 1999, p. 308).
Na tentativa de estancar a profunda crise econômica, herança do regime civil-militar, o
governo Sarney adotou o Plano Cruzado, ação interventora no mercado econômico com
objetivos de combater a inflação. No programa estabelecido pela coordenação do Ministro
Dílson Funaro, estava o congelamento geral de preços e salários e um forte controle das
contas públicas. No primeiro momento, o apoio popular ao Plano Cruzado ampliou a
governabilidade do grupo responsável em conduzir a transição, porém, a conjuntura política
eleitoral e os interesses do próprio governo atrasaram as medidas necessárias para a
continuidade do Plano, tais como o desabastecimento de produtos necessários à população e o
ágio nos preços destes produtos. Sendo pressionado a atender aos interesses do grande capital,
o governo sucumbiu ao descongelamento e “à lenta retomada da economia especulativa e o
retorno da inflação.” (ABREU PENNA, 1999, p. 309). O Plano Cruzado I, além de ampliar a
base de apoio popular ao governo Sarney, os seus efeitos políticos resultaram na vitória
eleitoral nas eleições de 1986, garantindo maioria tranqüila na condução da Assembléia
Nacional Constituinte. Lançando o Plano Cruzado II uma semana após as eleições, este
173
acirrou a crise econômica traduzindo uma espiral inflacionária que chegava próximo aos
índices de uma hiperinflação. Em 1988, convocado a assumir o Ministério da Economia, Luiz
Carlos Bresser Pereira articulou um novo plano, o Plano Bresser que, mantendo a
continuidade de fracassos na gestão destes programas, acentuou as perdas salariais como
aqueles que o precederam. Iniciado os trabalhos constituintes em 1987, apesar da aparente
hegemonia do PMDB, os embates ideológicos e doutrinários sobre os temas constitucionais
fugiam dos limites partidários. As interferências do executivo no Parlamento constituinte e a
composição de um centro político coordenador do conteúdo que definiu os princípios da Nova
Carta marcaram o período da gestão de Sarney:
Nascia aí, de maioria ostensiva, uma política, uma política do “é dando que
se recebe”, como frisou um dos deputados participantes desta filosofia, e
com ela o famoso centrão, grupo de parlamentares dispostos a barrar as
proposições mais progressistas em troca de favorecimentos políticos e
pessoais. (ABREU PENNA, 1999, p. 310).
A breve década de 1980 no Brasil foi a representação de uma República titubeante nos
aspectos institucionais e que no plano político exprimia a transição pelo alto, negociada de
formas a não produzir rupturas ou crises de Estado acentuadas. Mas não se pode reduzir a
participação social nos momentos de defesa das liberdades civis e a própria expectativa nas
eleições diretas presidenciais que foram postergadas para o final dos anos de 1980, bem como
o retorno de intelectuais, lideranças políticas e artistas com a Anistia de 1979.
3.2 O Rio de Janeiro Recebe os Intelectuais: 1980 e a Reconstrução das Redes de Apoio
Mútuo
Já se afirmou neste trabalho que os anos de 1980 remetem aos anos de 1970, entre os
sinais que já apontavam a retomada no Rio de Janeiro como um centro de reflexão sobre o
país. Em 1975, vislumbrando as possibilidades de abertura política, ainda no início do
governo Geisel, um grupo de intelectuais cariocas promoveu o I Ciclo de Debates,
coordenado por Zuenir Ventura, no Teatro Casa Grande, no Leblon. Numa agenda que
passava pelo cinema, teatro, música, televisão, literatura, jornalismo – todos voltados para a
discussão da “realidade”. Em 1978, sob a coordenação de Werneck Vianna, o III Ciclo de
Debates do Teatro Casa Grande já apresentava em sua programação os temas relativos à
174
transição política e o retorno da democracia ao país. Ainda em dezembro de 1978, o
CEBRADE promoveu no Hotel Nacional o Encontro Nacional pela Democracia, numa
conjuntura política onde as apurações das eleições gerais de 15 de novembro deram vitória ao
PMDB. Neste encontro, a discussão girou em torno de uma avaliação sobre as últimas
eleições ocorridas no país:
Discutiu-se, por fim, a possibilidade da construção da unidade democrática,
com vistas à formação de frentes. Na sessão de encerramento, presidida pelo
arquiteto Oscar Niemeyer, o líder sindical Luiz Inácio da Silva (“Lula”)
disse acreditar que “haveria um dia em que todos os segmentos da sociedade
se despojariam das vaidades pessoais e pensariam numa solução coletiva (...)
dia em que, em nome dos nossos filhos, acordaremos com um só objetivo: o
de restabelecer neste país um Estado de Direito (...) a democracia plena.”
(WERNECK DA SILVA, 1985, p. 17).
Neste período, ocorreu um movimento articulado nacionalmente, entre os
intelectuais, na resistência ao regime civil-militar e tendo como uma das referências políticas
a Carta aos Brasileiros em Defesa do Estado de Direito (1977), apresentada pelos professores
da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. De autoria de Gofredo Telles Junior, a
Carta aos Brasileiros expõe a crítica ao governo militar e a sua incapacidade de representar,
no âmbito da democracia, a comunidade e ao povo, “cujo seio das leis germinam, como
produtos naturais das exigências da vida.” (TELLES JUNIOR, 1977). Esta Carta cumpriu
importante papel de agregar a intelectualidade apontando o “destino futuro” da nação, fazendo
com que a democracia fosse atendida a partir de bases legais em consonância com os desejos
sociais. Trabalhando princípios do Direito Constitucional e da Ciência Política, Telles Junior,
ressaltou a afinação entre o legal e o legítimo:
O único outorgante de poderes legislativos é o Povo. Somente o Povo tem
competência para escolher seus representantes do Povo são legisladores
legítimos. A escolha legítima dos legisladores só se pode fazer pelos
processos fixados pelo Povo em sua Lei Magna, por ele também elaborada, e
que é a Constituição. Consideramos ilegítimas as leis não nascidas do seio da
coletividade, não confeccionadas em conformidade com os processos
prefixados pelos representantes do Povo, mas baixadas de cima, como carga
descida na ponta de um cabo. (TELLES JUNIOR, 1977).
Num discurso de forte apelo político-jurídico, a Carta aos Brasileiros foi uma das
senhas que desencadeou o movimento de defesa da democracia, do Estado de Direito e a
necessidade ao retorno do país à sua institucionalidade, às regras inspiradas numa ordem
175
jurídica de princípios liberal-democráticos. Este documento, onze anos antes da promulgação
da nova Constituição, sinalizou a necessidade das mudanças, desencadeando nas principais
cidades do Brasil, um ambiente de debates, atos, pronunciamentos, seminários, enfim, eventos
de caráter político e de oposição ao regime. A importância política do Rio de Janeiro, desde
os tempos da monarquia, ex-Capital Federal e uma das cidades-referência de oposição ao
regime, fez com que se acentuasse um período de florescimento das discussões políticas, na
busca de centros e instituições, órgãos da sociedade civil, que abriam suas portas para a
organização de cursos livres e que agregavam intelectuais recém-anistiados, porém, com
pendências burocráticas que atrasavam seus retornos oficiais à Universidade.
Ao final de 1979, ocorrida no Colégio Brasileiro de Almeida, na Lagoa, os
professores Eulália Maria Lobo e Manoel Maurício Albuquerque, promoviam cursos sobre a
política nacional e internacional. Eulália Lobo conduziu o curso com o tema Os Movimentos
Revolucionários na América Latina: Cuba, México e Bolívia. Já Manoel Maurício ministrou o
curso sobre A História do Brasil de 1930 a 1964. As alternativas das Universidades ainda
atomizadas viviam na expectativa do retorno dos professores anistiados, propiciavam uma
agitação cultural e acadêmica, atos públicos em defesa das liberdades civis e políticas no país.
Em 1983, no auditório do Instituto Metodista Bennett
92
, ocorreu o curso de História Social da
República, recebendo mais de cem pessoas que se aglomeravam para ouvir professores-
intelectuais discutindo temas centrais sobre o “problema nacional”. Na programação
constavam: “Tensões Sociais e Criação Cultural na Primeira República”, com Nicolau
Sevcenko; “Rebelião Tenentista: A Coluna Prestes”, com o próprio Luiz Carlos Prestes; “A
Questão Cultural a Partir dos Anos 20”, com Eduardo Jardim, Silviano Santiago e Heloisa
Buarque de Holanda; “Nacionalismo e Desenvolvimento: A Ideologia do ISEB, com Vanilda
Paiva; “Camadas Populares Urbanas: Condições de Vida e Cidadania no Brasil
Contemporâneo, com Victor Vincent Valla. (WERNECK DA SILVA, 1985, p. 19-20). As
redes de intelectuais que se reconstituíam na busca de espaços de publicação de suas ideias,
também se fizeram presentes entre pessoas e editoras que abriram espaços de registro para o

92
Nos anos de 1980 a Igreja Metodista do Brasil assumiu, a partir dos seus documentos eclesiásticos – Plano
Para a Vida e Missão, de 1981, Diretrizes Para a Educação Metodista, de 1982, um posicionamento institucional
diante da política nacional, à favor dos movimentos sociais, em defesa aos direitos civis e políticos do brasileiro.
A 1ª Região Eclesiástica (Rio de Janeiro), sob a liderança do Bispo Paulo Ayres de Mattos, assumiu um
posicionamento de proteção àqueles que retornavam do exílio, abrindo os espaços do Bennett para a promoção
de encontros, atos políticos, cursos, etc.
176
pensamento educacional e social brasileiro, motivados pelos encontros e seminários que
ocorriam na cidade do Rio de Janeiro, num ambiente de efervescência cultural e política:
As publicações foram apoiadas por diversas editoras, entre as quais devem
ser destacadas a Loyola, a Civilização Brasileira dirigida pelo inesquecível
Ênio Silveira que se havia instalado na rua paralela e a Graal. Fui
incorporada ao Conselho Editorial da Revista Civilização Brasileira, então
retomada. Em associação com a Cinemateca do Museu de Arte Moderna,
então dirigida por Cosme Alves Neto e onde também trabalhava Aluísio
Gordo – personagem que, mais tarde fundou e dirigiu a emblemática livraria
Timbre – Waldo César, liderança proveniente dos meios protestantes,
organizou e realizou comigo, em março de 1978 o seminário pudicamente
denominado de “Migrações Internas no Brasil”. Nele foram apresentados
filmes etnográficos sobre a questão da terra e da educação, discutidos com
cineastas e intelectuais como Moacyr Palmeira, Darcy Ribeiro, Geraldo
Sarno, Zelito Vianna, José Inácio Parente, Pedro Ribeiro de Oliveira, José
Carlos Avelar e muitos outros. Era esperado um público de 200 pessoas, mas
a organização viu-se confrontada com cerca de 500 pessoas, refletindo a
mobilização política mais ampla contra a censura e pela Lei da Anistia.
(Depoimento dado ao autor por Vanilda Paiva, em 19 de maio de 2010).
Dos personagens que foram obrigados pelo regime civil-militar a refazerem suas
vidas, após se distanciarem do país e viverem como exilados, destaque-se as carreiras de
Manoel Mauricio de Albuquerque, Eulália Lobo e Maria Yedda Leite Linhares. Cassado pelo
Ato Institucional Nº 5 e torturado pelo regime civil-militar, o professor Manoel Mauricio
destacou-se como referência de atuação no magistério, nos cursos pré-vestibulares,
experiência importante entre o final dos anos de 1970 e a década de 1980. Com bacharelado e
licenciado em História e Geografia pela Universidade do Brasil, no IFCS/UFRJ, titular da
cadeira de História Econômica do Brasil na PUC-RJ, atuando ainda no Instituto Rio Branco,
nas cadeiras de História Diplomática do Brasil e História América. Autor de obras que
transitavam entre a História e a Geografia destaca-se,Atlas Histórico Escolar”, de 1961 e a
Pequena História da Formação Social Brasileira”, de 1981. O depoimento do professor
Luiz Sérgio Dias sublinha a trajetória do intelectual Manoel Mauricio, sua atuação inclusive
nos períodos obscuros do regime civil-militar:
Foi justamente nesse momento que a erudição e a sensibilidade, somadas ao
afloramento de uma consciência política acentuada, levaram-no a uma
atividade professoral quase catequética. Das aulas em cursinhos às palestras
para artistas, sem descurar dos cursos de conscientização político-ideológica
Manoel Maurício entendeu que aquela era a sua luta contra o obscurantismo
ditatorial. Há um certo amargor pela indiferença de alguns antigos pares
acadêmicos pela sua cassação, opôs o fervor da ação política intelectual
177
temperada pela alegria, pelo humor e por pitadas de mordacidade que
tornaram-no o “Maneco”, um professor amado por muitos dos seus alunos.
Quando o dinamismo político levou-o a encontrar tempo para escrever, o
fruto do seu trabalho – Pequena História da Formação Social Brasileira
praticamente prenunciou a sua morte. Assim, não teve tempo de polemizar, o
que deveria ser um dos seus desejos políticos. Mas, pelo menos, morreu
entre os livros, na livraria Ivo Alonso, em 1981, junto à professora e amiga
Eulália Lobo que, como ele, sofrera com a cassação e a prisão. (DIAS,
2004).
A professora Eulália Maria Lahmeyer Lobo foi considerada uma das primeiras
pesquisadoras brasileiras especializadas em História da América. Como docente da
Universidade do Brasil, FNFi – catedrática do IFCS, também sofreu com os danos do AI-5,
sendo perseguida pelo regime civil-militar, teve que sair do país no “pós-68”. Em sua
formação na FNFi, recebeu influências de professores franceses, além dos brasileiros, tais
como Victor Leuzinger, Josué de Castro e Helio Viana, Delgado de Carvalho e Arthur Ramos.
Também foi aluna de Eremildo Luiz Viana, na área de Idade Média, considerando-o com uma
visão “exclusivamente jurídica da Idade Média.” Em seu relato sobre “O Tortuoso Caminho
de Volta”, quando avaliou os processos de retorno dos anistiados às suas funções públicas,
Eulália Lobo criticou a política de expansão do ensino superior no país, patrocinada pelo
regime civil-militar. Sua análise sobre a intervenção direta do regime na descaracterização da
História, primeiro estimulando os cursos de licenciatura curta e depois reduzindo os campos
de estudos e ensino aos “estudos sociais”. O testemunho da professora Eulália Lobo confirma
a crise do ensino da História e a sua repercussão no Rio de Janeiro:
(... ) a expulsão sumária, sem processo ou direito à defesa, de professores
universitários denunciados por espiões governamentais... No Rio, tornara-se
difícil substituir número tão substancial de docentes ao curto prazo, dentro
de padrões acadêmicos válidos e ainda atendendo aos requisitos políticos da
ditadura, a qual, paralelamente, criava dispositivo para a expulsão arbitrária
de alunos. (LOBO, 1985).
Se por um lado a efervescência cultural-acadêmica trazia para o Rio de Janeiro a
discussão sobre o resgate de se pensar o país, seus problemas sociais com o cenário de fundo
tendo o tema da democracia como o consenso no embate ao regime agonizante, a recuperação
das condições civis e de servidores públicos nas dificuldades de reocupação de seus cargos
representou uma luta de resistência e embates permanentes com os setores do Estado
brasileiro, refratários à “revolução”. A reconstituição das redes de apoio mútuo entre
intelectuais, tradição da academia no país, trouxe características próprias ao período dos anos
178
de 1980 quando da necessidade de receber àqueles anistiados e que necessitavam alargar
espaços profissionais enquanto seus processos de perdão
93
não fossem consumados. LOBO
ressalta as dificuldades das instituições, públicas e privadas no apoio àqueles que retornavam
do exílio.
No Rio de Janeiro, onde não havia algo similar à FAPESP, também não
houve – talvez por falta de massa crítica – uma instituição privada
comparável ao CEBRAP, de São Paulo. Em parte e até certo momento, a
PUC-RJ desempenhou este papel, porém ela própria entrou em crise devido
a um conjunto de problemas, inclusive financeiro. A Universidade Gama
Filho, ao contrário, pautou-se na época por uma conduta de total repressão...
(LOBO, 1985).
Outro personagem adquiriu força de representatividade porque sua atuação foi além
do ambiente acadêmico fazendo de Maria Yedda Leite Linhares figura importante nesta
transição entre o regime civil-militar e a democratização. Exercendo funções públicas de
relevância na década de 1980, nos governos estadual e municipal do Partido Democrático
Trabalhista-PDT, como Secretária Estadual e Municipal de Educação, sua carreira também
esteve vinculada à antiga Universidade do Brasil, onde galgou todas as etapas acadêmicas.
Entre os anos de 1940-1942, viveu nos Estados Unidos como bolsista do Institute of
International Education, deparando-se com a historiografia americana, que lhe proporcionou
acesso aos estudos sobre as relações raciais, escravidão, o mundo agrário, matéria que lhe
acompanharia num longo tempo de pesquisa no Brasil. Quando retorna em 1942 ao país,
retoma seus estudos conclusivos ao curso de História na Universidade do Brasil. Em 1946
ingressa na FNFi à convite do professor Delgado de Carvalho. Em três anos, concluiu a livre-
docência e o concurso da Cátedra, substituindo o próprio professor que se aposentara. Em
1964, quando dirigia a Rádio MEC foi perseguida pelo regime civil-militar respondendo a
uma série de Inquéritos Policiais Militares - IPMs. Neste período, entre 1964-1965, esteve na
Inglaterra e França. Com o estabelecimento do AI-5 foi presa por três vezes, sendo
aposentada compulsoriamente em 1969.
94
Nesse momento, recebi convite de colegas franceses, entre os quais Fernand
Braudel, Fréderich Mauro e Jacques Godechot; e ao governo brasileiro de

93
Muitos docentes - intelectuais recusavam-se a estabelecer o processo de volta, na exigência de se requerer o
retorno, dentre eles, Evaristo de Moraes. (Lobo, 1985, p. 89).
94
Depoimento à Revista Humanas, UFF, de julho de 1998.
179
Costa e Silva foram enviados dois telegramas de protesto contra as
perseguições que me eram movidas. Dessa forma, fui liberada e autorizada a
deixar o país, juntamente com o meu marido... (LINHARES, 1998).
Ao retornar ao país em 1974, a professora Maria Yedda tentou refazer a sua carreira
ainda sob o manto do AI-5. Ingressou na Fundação Getúlio Vargas, pelo Centro de Pós
Graduação em Desenvolvimento Agrícola realizando um programa de pesquisa sobre a
agricultura brasileira. Foi ainda diretora, professora do mestrado e pesquisadora de um objeto
de estudos que tomou gosto desde os tempos de sua primeira visita ao Institute of
International Education, a questão agrária. A geração de intelectuais forjados na cidade do Rio
de Janeiro, em sua grande maioria, teve origem na Universidade do Brasil e que apesar do seu
começo singular diante de outras experiências institucionais do ensino superior e na pesquisa,
teve uma análise isenta de Maria Yedda, reconhecendo o papel da Faculdade Nacional de
Filosofia, porém apontando suas incongruências:
A maneira pela qual foi erguida a Faculdade de Filosofia (a partir de 1939),
nos escombros da UDF de Anísio Teixeira, limitou os departamentos,
sobretudo o curso de História... A FNFi foi desmembrada, calcinada e suas
cinzas jogadas aos quatro ventos. Em 1968, era extinta e, em 1967, emergia o
Instituto de Filosofia e Ciências Sociais. Seus professores e alunos foram
perseguidos, alvo de inquéritos policiais militares, entre 1964 e 1966.
(LINHARES, 1985).
95
Sua veemente crítica ao regime militar traduziu o que significou o atraso do
pensamento nacional diante da autonomia do país em buscar os seus próprios caminhos ao
desenvolvimento. Para Maria Yedda, o alvo ao se reduzir o tratamento da História, foi o de
enquadrar a Universidade num projeto de subserviência ao regime imposto:
A História deixou de ser um instrumento de análise, de compreensão, de
comparação de experiências humanas, ministrada em sala-de-aula, debatida
em amplos auditórios, pesquisada por muitos em arquivos e bibliotecas,
para, quando muito, ser um exercício praticado em seminários restritos, alvo
da realização individual. A Universidade não se transformou. Ela inchou e
mergulhou em crise profunda que ameaça a sua própria sobrevivência. Dela
foi o destino da nação. Como repensá-la? Afinal de contas, que Brasil se
deseja construir? (LINHARES, 1985).
A década de 1980 representou para o país e, especificamente à intelectualidade, a
necessidade de se avaliar as conseqüências do período que privou o Brasil das liberdades civis

95
Depoimento à Werneck da Silva, 20/05/1985, p. 90-95.
180
e criticar o modelo político - econômico herdado discutindo ainda um projeto para o país. A
década de 1980, como transição ao regime liberal-democrático serviu como um tipo de
catarse, num ambiente de explosão de sentimentos, esperanças, temores e receios. Mas nem
todos os discursos ou projetos políticos, apesar do invólucro em defesa da democracia,
apresentavam-se com os princípios do tradicional modelo do liberalismo político. A defesa da
democracia, da escola pública à universidade democrática, contraditoriamente, trazia
permanências do pensamento autoritário republicano, fundado bem antes do regime militar de
1964. Dos projetos que se apresentavam, sejam àqueles conservadores e que de certa forma
também defendiam uma concepção de democracia, sejam os projetos mais à esquerda e o seu
ecletismo e variações ideológicas quanto ao projeto Brasil, ambos demonstraram a
permanência da veia autoritária, na interpretação sobre os problemas do país, na avaliação
ingênua da participação da sociedade como protagonista do regime que se inaugurava. O
discurso democrático contraditoriamente expõe a natureza do pensamento autoritário
republicano, suas tentativas em estabelecer um projeto de sociedade oferecendo-a uma
interpretação do país onde os mecanismos de uma ordem vertical estariam presentes. A reação
ao regime civil-militar surgiu com outro discurso, revestido de democrático, porém autoritário
em sua natureza, em sua tradição republicana brasileira.
3.3 Utopia, Militância e o Pensamento Educacional Brasileiro – 1980
Para o movimento de organização nacional da educação, no calor dos debates sobre a
redemocratização do país fez com que, na agenda de prioridades dos temas sociais de resgate
da cidadania a educação apresentava-se como elemento crucial na retomada ao projeto de
desenvolvimento nacional. No contexto dos anos de 1980 a educação toma fôlego como um
dos setores protagonistas no debate do tema dentro da perspectiva da ordem democrática, na
crítica ao modelo de escola resultante dos anos de autoritarismo e o seu desmonte como
instituição pública e a proposição de alternativas, também na crítica ao modelo econômico da
transição da Nova República e nos fundamentos deste projeto. O movimento social próximo
ao pensamento educacional brasileiro articulou-se a partir do agrupamento de seus
intelectuais, considerando a tradição de organização em atos de sustentação política, campos
181
de estudos, em redes de apoio mútuo, com objetivos de recomposição profissional pós-
Anistia, espaços acadêmicos e dos meios de comunicação para a propagação de suas ideias.
Já em setembro de 1978, entre os embates políticos da redemocratização, um grupo
de intelectuais - educadores fundaram o Centro de Educação e Sociedade – CEDES, em
Campinas-SP. Duas iniciativas deram repercussão à instituição e que se transformaram numa
referência ao debate sobre os problemas brasileiros ligados à educação: o lançamento da
publicação da revista Educação & Sociedade e a organização do I Seminário da Educação
Brasileira. Em sua 3ª. Edição
96
, de maio de 1979 a Revista Educação & Sociedade trouxe
uma coletânea de artigos referentes aos temas e às mesas redondas que compuseram a
programação do I Seminário da Educação Brasileira, realizado em Campinas-SP, entre os
dias 20 e 22 de novembro de 1978. No editorial da Revista registrou-se o ideário da revista e
os objetivos do CEDES, propondo assim as perspectivas dos temas e debates que viriam a
enfatizar o pensamento educacional da década que vinha chegando:
A Revista Educação & Sociedade foi lançada com o intuito de promover um
amplo debate da educação brasileira, tendo como seu cerne a luta contra a
educação do colonizador, que é a nossa educação dominante, e propor uma
educação que não seja apenas interrogativa, crítica, mas que seja afirmativa,
na busca de alternativas válidas... Além da Revista, o Seminário de
Educação Brasileira é outra atividade marcante do CEDES. Realizado com a
colaboração de outras instituições, o Seminário de Educação Brasileira reúne
educadores e não-educadores para discutir seus problemas, aprofundar temas
de relevância da atualidade educacional brasileira... (EDUCAÇÃO &
SOCIEDADE, 1979, p. 3).
Com a temática do Seminário voltada à luta contra a educação do colonizador, a
Revista apresentou uma série de artigos relativos ao tema, onde seus autores tiveram a
oportunidade anterior do debate destes temas no encontro: “Do Problema Nacional às Classes
Sociais – Considerações sobre a Pedagogia do Oprimido e a Educação do Colonizador”, de
Vanilda Paiva; “Eva viu a Luta – Algumas Anotações sobre a Pedagogia do Oprimido e a
Educação do Colonizador”, Carlos Rodrigues Brandão; “Pedagogia do Oprimido e Educação

96
Participavam da organização da Revista: Comitê de Redação: Moacir Gadotti (coordenador), Ivany
Rodrigues Pino, Elizabeth Silvares Pompêo de Camargo e Mauricio Tragtemberg. No Conselho Editorial:
Celso de Rui Beiseguel, Dermeval Saviani, Luiz Antonio Cunha e Vanilda Paiva (dentre outros). Conselho de
Colaboradores: Bárbara Freitag, Carlos R. Jamil Cury, Carlos Rodrigues Brandão, Ezequiel Theodoro da Silva,
Francisco Weffort, Gaudêncio Frigotto, Guiomar Namo de Mello, Joel Martins, Maria Julieta Calazans, Octavio
Ianni, Osmar Fávero, Paulo Freire, Valnir Chagas, Jorge Nagle (dentre outros).
182
do Colonizador”, de Paulo de Tarso Santos; “Paulo freire: Elementos para a Discussão do
Tema – Pedagogia e Antipedagogia”, Celso de Rui Beiseguel; “A Delinqüência Acadêmica”,
de Maurício Tragtemberg; dentre outros. Do artigo assinado por Carlos Rodrigues Brandão,
percebe-se a intenção do autor em traçar a trajetória da educação popular no Brasil a partir
dos olhares do colonizador diante da cultura do colonizado. Sua reflexão enaltece, valoriza o
pensamento social das classes subalternas identificando os núcleos do saber popular:
Muitos escritos de educadores brasileiros entre 1961 e 1968 estão cheios do
susto e calor da descoberta de que o mundo das falas, imagens e valores dos
seus educandos – camponeses, pescadores, operários subalternos – continha
quase tudo o que eles pensavam que iam levar com os seus programas de
educação comunitária... (BRANDÃO, 1979, p. 18).
Esta edição de 1979, da Revista Educação & Sociedade, sinalizou uma agenda de
discursos sobre o problema educacional e que se desenvolveria no transcorrer dos anos de
1980. Mais do que isto, apontou também as bases teórico-metodológicas, quase que
hegemônicas que fundamentariam as reflexões sobre a educação nacional para a década que
se iniciava. A produção acadêmica em educação baseou-se nos princípios teórico-
metodológicos, baseados em vertentes marxistas, elementos da teoria crítica que
instrumentalizavam a leitura sobre a realidade educacional brasileira. No artigo “A
Delinqüência Acadêmica”, resultado de sua fala no I Seminário de Educação Brasileira,
Mauricio Tragtemberg
97
realizou corajoso estudo na relação entre a dominação e o poder. Sua
reflexão parte da constatação de que a Universidade é uma instituição antipovo, pois é ligada
aos interesses da dominação. E é por conta desta leitura crítica que Tragtemberg afirmou: “A
Universidade está em crise” (p. 76), porque a atuação na sociedade não se mantém neutra; “é
uma instituição de classe.” Sua crítica à Universidade fundamenta-se a partir do modelo
universitário brasileiro em vigor, em seu compromisso em formar a mão-de-obra destinada a
atender o “despotismo do capital” nas fábricas. Na formação do educador destacou que a
ênfase tecnocrática do planejador faz com que no seu ofício ocorra uma preponderância na

97
Com formação em História pela Universidade de São Paulo, escreveu sua Tese para o doutoramento em
“Política”, também pela USP, no transcorrer do regime civil-militar. Foi professor – pesquisador da PUC-SP,
USP, UNICAMP e a EAESP-FGV. Militou com Florestan Fernandes no Partido Socialista Revolucionário. No
pensamento educacional brasileiro, marcou suas reflexões a partir de uma Pedagogia Libertária quando
questionava as relações de poder na escola e suas estruturas, a rigidez hierárquica fortalecendo a gestão
burocrática e concentradora de poder. Defendia uma radicalização da democracia fortalecendo as formas de
autogestão, gestão educacional comprometida com os verdadeiros agentes educacionais. In. SILVA, A. O.
(2004). “Mauricio Tragtemberg e a Pedagogia Libertária: Anotações Sobre a Experiência do Fazer a
Tese”. Revista Espaço Acadêmico N° 36.
183
valorização dos meios sem discutir os fins da educação. Tragtemberg não contemporizou o
tema sobre a ética social existente na Universidade, na relação do pesquisador e o caráter do
conhecimento produzido. Num tempo onde a crítica voltava-se ao modo de produção
capitalista, no princípio epistemológico a partir das relações de produção, Tragtemberg
direcionou sua reflexão na cultura que expõe o fazer científico, reprodutor da lógica
predatória do sistema econômico, este centrado num código de conduta perverso, existente
nas relações interpessoais que se manifestavam na Universidade.
O advento dos anos de 1980 representou um ânimo político de um campo de
intelectuais - educadores que transitavam, a partir de suas reflexões sobre a realidade
educacional brasileira e a militância política, aglutinada em entidades representativas que
tentavam convergir o ideário educacional e de suas bandeiras reivindicatórias. No
mapeamento que realizamos entre as editorias, conselhos editoriais, autoria de artigos em
revistas, comissões organizadoras dos encontros nacionais, identificou-se um grupo definido
de sujeitos que formaram um tipo de intelligentsia mantendo a tradição do mundo acadêmico
brasileiro na construção das redes que se reproduzem a partir de instituições. Estas redes de
intelectuais articulavam-se principalmente na região sudeste do país, fazendo um debate sobre
a questão educacional brasileira. São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais estavam
especialmente representados através de pessoas e instituições como USP, UNICAMP, PUC-
SP, UFMG, PUC-RJ, IBRADES, UFRJ, Fundação Carlos Chagas, IESAE-FGV/RJ. Para
Gadotti (2004), o I Seminário de Educação Brasileira, motivado pelo CEDES, teve
importância fundamental para o desenvolvimento de encontros nacionais, as Conferências
Brasileiras de Educação que tiveram uma seqüência de quatro eventos nacionais: A primeira
ocorrida em Campinas-SP, em 1980; a segunda Conferência em Belo Horizonte-MG, em
1982; o terceiro encontro, em Niterói-RJ, em 1984 e o último evento em Goiânia-GO, em
1986.
Na edição de junho de 1980, Educação & Sociedade No. 6 dividiu sua publicação a
partir de artigos com características gerais relativas às políticas públicas e a crítica sobre o
desenvolvimento da justiça no país. Dos temas abordados na Revista, estão: “Saúde e Política
Nacional de Ciência e Tecnologia”, de José Carlos Pereira; “População e Economia: A
Ideologia do Controle Populacional de Malthus a Simonsen”, de Doris Acioly e Silva; e
“Ciência e Capitalismo: Simples Notas Teóricas, de José Willington Germano. Entre estes
artigos, observa-se o ideário pautado nas teorias críticas respaldadas pelo (s) marxismo (s) e
184
suas variações a partir dos clássicos, tais como F. Engels: “Socialismo Utópico e Socialismo
Científico”; K. Marx, “O Capital”; K. Marx e F. Engels, “A Ideologia Alemã”. Do
pensamento social brasileiro, são citados nos artigos e sua bibliografias: Florestan Fernandes,
“A Sociologia numa Era de Revolução” e “Universidade Brasileira: Reforma ou Revolução?”;
Francisco de Oliveira, “A Economia da Dependência Imperfeita”; Luiz Gonzaga Belluzzo,
“Um Estudo sobre a Crítica da Economia Política”; Maurício Tragtemberg, “Burocracia e
Ideologia” e Álvaro Vieira Pinto, “Ciência e Existência”.
Especialmente, a Revista N° 6 do CEDES trouxe os registros da I Conferência
Brasileira de Educação. Nesta coletânea de documentos, ficaram evidentes os caminhos que
o pensamento educacional brasileiro trilhou no transcorrer dos anos de 1980. Percebe-se
nitidamente o ambiente tensionado entre vertentes no campo educacional que defenderam
uma transição para a democracia como um avanço para a sociedade e outro setor mais
enfático, em seu discurso a favor da educação nacional e a ampliação das formas de
participação e intervenção na democracia brasileira. Realizada entre os dias 31 de março a 03
de abril de 1980, a I Conferência foi iniciada com a apresentação do Manifesto dos
Participantes, um texto introdutório que afirmava os objetivos gerais do encontro, bem como
a tentativa de se estabelecer os parâmetros para o bom desenvolvimento da programação. Pelo
Manifesto respondeu a comissão organizadora do evento, intelectuais envolvidos na gestão do
CEDES e no I Seminário de Educação Brasileira: Guiomar Namo de Mello, Jacques R.
Velloso, Luiz Antonio Cunha e Moacir Gadotti. Sobre o Manifesto, fica explícita as intenções
dos autores nas expectativas da Conferência. Na tentativa de apontar os indicadores do
encontro, a comissão organizadora destacou o seu otimismo na ascensão da sociedade civil na
“conquista de uma educação democrática que esteja de fato comprometida com os interesses
da maioria de nosso povo...” (p. 140). Nota-se ainda uma preocupação com os “diferentes
caminhos, estratégias e práticas” da sociedade diante dos desafios para a democracia, porém,
admitem que “é em torno dessas divergências que se faz o debate...” (Idem). Nesta
perspectiva sobre a Conferência, seus organizadores destacaram:
A I Conferência Brasileira de Educação foi organizada para ser um espaço
aberto a mais ampla discussão e circulação de ideias... Não evitemos nem
escondamos as divergências. Aprendamos a conviver com elas, rejeitando as
unanimidades artificialmente arranjadas ou impostas... Não podemos nos dar
ao luxo de investir todo nosso tempo e energia na aprendizagem da
discordância. Enquanto isso, a tarefa de pensar, propor e fazer uma educação
185
nova poderia ser realizada sem nós, se não apesar de nós.” (EDUCAÇÃO &
SOCIEDADE, 1980, p. 141).
A leitura possível para se interpretar este texto e levantar hipóteses é a de que as
indicações encaminhadas pela comissão organizadora a I Conferência, no Manifesto aos
Participantes já indicava o embate entre os setores do campo educacional que disputavam a
hegemonia do movimento de educadores, seja nas leituras críticas diante da conjuntura
política da transição do autoritarismo – democracia, ou nas expressões de um novo
sindicalismo emergente da experiência dos metalúrgicos do ABC. Mas o discurso pela
democratização dos canais de participação foi o consenso referenciado no Manifesto, pois os
sinais da distensão política já demonstravam os anseios sociais pelas liberdades civis,
culturais, enfim, de expressão e participação. A comissão organizadora buscou definir
objetivamente o sentido do encontro antecipando aspectos propositivos que deveriam surgir
com a agenda do movimento dos trabalhadores em educação. Neste contexto, a última
exortação do Manifesto reconheceu a herança da cultura autoritária presente naqueles que,
contraditoriamente, discursavam em nome da democracia. Este aspecto entendido no
ambiente da I Conferência na preocupação dos seus organizadores com o transcorrer do
encontro é um dos elementos que fortalecem o entendimento de que a experiência republicana
brasileira, e sua condução autoritária, esteve presente entre os períodos de liberdade política
mantendo-se como matriz cultural no interior das elaborações intelectuais, nos discursos
democratizantes, também presentes no pensamento educacional brasileiro:
É sempre bom lembrar que nós, educadores – educandos fomos formados
por instituições autoritárias. O autoritarismo contra o qual lutamos está fora,
mas também está dentro de nosso meio, como força escondida, mas ativa.
Por isso, em encontros como estes, freqüentemente afloram o golpismo, o
sectarismo ideológico, o fascismo partidário e o estrelismo personalista.
(EDUCAÇÃO & SOCIEDADE, 1980, p. 141).
Dos documentos conclusivos da I Conferência Brasileira de Educação, foram
produzidas as proposições – declarações da Conferência relativas aos temas centrais e o
documento conclusivo que realizou uma avaliação do encontro. O que se percebe é que entre
o Manifesto dos Participantes, texto inicial da Conferência e o documento conclusivo
existiram características comuns na análise dos problemas educacionais e que mantém um
discurso moderado, as proposições se expressaram de forma mais incisiva, buscando um
embate direto com o poder constituído, apesar de não nomeá-lo explicitamente. Este discurso
186
incisivo definia a aspiração de que o processo democrático deveria ser construído a partir da
estratégia do conflito, elemento destoante dos discursos oficiais da organização do evento.
Nas indicações, as expressões usuais, tais como “exigem”, “repudiam”, “manifestam-se”,
identificavam o perfil daqueles participantes da I Conferência. O consenso esteve na crítica ao
autoritarismo” e a defesa de mecanismos de participação na “democracia”. Destas
indicações, o núcleo reivindicatório às autoridades foi o caminho condicionante do discurso
oficial do plenário da Conferência, conforme o observado nas notas aprovadas:
Os participantes da I Conferência de Educação, realizada em São Paulo de
31/03 a 03/04/80, Entendem que as associações e entidades de classes são
fortalecidas na medida em que promovem a integração entre docentes de
todos os níveis e graus e de todos os trabalhadores do ensino; Exortam todos
os trabalhadores do ensino a se associarem a essas entidades, em especial, os
que atuam na rede particular de ensino, para que se sindicalizem e criem
uma força capaz de devolver aos sindicatos de professores aos seus
verdadeiros membros; Manifestam: 1º. Seu restrito apoio às campanhas e
lutas desenvolvidas pelos trabalhadores de ensino em todo o país, que visam
à melhoria das condições de trabalho e de educação... e ainda advertem
quanto às nefastas conseqüências que as intransigências do poder,
manifestadas em relação aos mesmos, trazem para a educação nesses estados
e no país; 2º. Seu repúdio a todas as formas de intervenção autoritária do
Estado em entidades representativas da categoria, seja pela extinção, como a
do Centro Estadual de Professores do Estado do Rio de Janeiro, como no
Sindicato de Professores de Brasília (...). Exigem das autoridades
educacionais, 1º. Uma ação no sentido de possibilitar aos docentes condições
adequadas de aperfeiçoamento profissional; 2º. Que a definição da política
educacional do país, seja estabelecida através da participação de todos os
setores da sociedade. (EDUCAÇÃO & SOCIEDADE, 1980, p. 142).
Das indicações aprovadas na I Conferência, os temas que definiram a lista de
manifestações, estavam: “Investidas do Governo de São Paulo na Tentativa de Implantar o
Ensino Pago nas Universidades Estaduais”; “Critérios de Avaliação para Desativação dos
Cursos de Pós-Graduação Altamente Questionáveis”; “A Favor da Extinção do Ensino da
Disciplina Educação Moral e Cívica, Bem como de suas Variantes nos Diversos Graus de
Ensino (Organização Social e Política Brasileira e Estudos de Problemas Brasileiros)”; “A
Deficiência Quantitativa do Atendimento à Criança de zero a Seis Anos”. No documento
conclusivo, este de caráter moderado em sua linguagem, buscando um discurso mais racional
do que os discursos contidos nas proposições, enfatizando a participação de 1.400
profissionais (não usando o termo “trabalhadores”, usual nas proposições) e na característica
do encontro em sua amplitude, fugindo da tradição dos encontros setoriais. Nesta declaração
187
final da I Conferência, os temas abordados, seguidos de uma pequena avaliação crítica e
apontamentos para a resolução destes problemas cruciais, estavam entre as linhas conclusivas:
“Educação Popular”; “Pré-Escola”; “1º. Grau”; “2º. Grau”; “Ensino Público”; “Associações
de Docentes” e “Ensino Superior”. Assinaram este documento a comissão organizadora –
Associação Nacional de Educação - ANDE, Associação Nacional de Pedagogia - ANPED,
CEDEC e o Centro de Estudos Educação e Sociedade – CEDES.
Na Associação Nacional de Educação, fundada em 11 de agosto de 1979 – ANDE, a
representação da entidade formou-se também a partir de uma Revista. Na organização da
Revista da ANDE
98
e sua proposta de atuação apresentava-se como a de “atuar na sociedade
brasileira na busca de uma educação plenamente identificada com os princípios da
democracia e justiça social”. (ANDE-1984). A publicação da Revista da ANDE, ano 4, N° 8
de 1984, trouxe um grupo de temas que representavam uma síntese do pensamento
educacional brasileiro neste período, nos assuntos pedagógicos que nortearam os debates
sobre a escola, a educação e o ensino. A ênfase de se conceber uma escola de caráter
progressista, revendo a atuação docente e as formas de se ensinar, definiram esta edição. Dos
artigos apresentados, três deles têm especial referência à agenda educacional dos anos de
1980: “Relação do Saber e Relação Social – Um Ensaio”, de Carlos R. Jamil Cury; “Função
da Escola de 1º. Grau Numa Sociedade Democrática", de Neidson Rodrigues; e “Didática e
prática Social”, de José Carlos Libâneo. Ainda nesta edição, comparece uma avaliação sobre a
III Conferência Brasileira de Educação, ocorrida na Universidade federal Fluminense – UFF,
em Niterói.
Com uma presença aproximada de cinco mil educadores, a III CBE veio de uma
seqüência de conferências anteriores promovidas a cada dois anos pelas entidades ANDE,
CEDES e pela Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação – ANPED. A característica
própria deste encontro foram os eventos regionais, chamados de simpósios, e que estimularam
os debates prévios da Conferência buscando ressaltar “a heterogeneidade da realidade
educacional..., a análise e o debate sobre os desafios e obstáculos permanentemente colocados
à atuação dos professores comprometidos com a transmissão democrática do saber.” (p. 41).
O tema central da III Conferência, foi “Das críticas às propostas de ação”, fruto de intenso

98
Na composição original da Revista da ANDE, estavam: Equipe Editorial, Dermeval Saviani e Lia Rosemberg
(coordenadores); Conselho Editorial, Guiomar Namo de Mello, Tereza Roserley Neubauer da Silva, José Carlos
Libâneo, Maria Cristina de Almeida e Selma Garrido Pimenta; Colaboradores, Carlos R. Jamil Cury, Neidson
Rodrigues, dentre outros.
188
debate prévio para a definição do que seria o fundamental como eixo de organização ao
encontro. Este tema refletia também o consenso programático na “defesa da educação pública
e gratuita para toda a população brasileira.” (p. 42). Na avaliação realizada pela ANDE,
representadas por Selma Garrido Pimenta e Maria Christina de Almeida, a consideração de
que a III Conferência havia ocorrido num ambiente de abertura política, “no seio de
movimentos que têm mobilizado grande parte da população com o movimento das Diretas-
já”. Afirmaram ainda que a educação fora um objeto de questionamento desde o final da
década de 1970. (p. 43).
A agenda da III Conferência apresentou um elenco de questões – problema sobre a
educação nacional, tendo como cenário a escola pública, os temas comprometidos com a
reconstrução desta escola que buscava romper com seus problemas atuais, tais como a
qualidade de ensino e a questão crônica da alta evasão escolar. A constatação de que entre os
anos de 1970 a escola pública sofreu com as críticas e denuncias de que a instituição era um
lugar privilegiado, aparelho ideológico responsável em transmitir os valores da cultura
dominante, fez com que as conseqüências destas leituras desencadeassem primeiramente uma
reação às variadas manifestações de autoritarismo que marcavam a sociedade brasileira. A
segunda leitura era a de enfrentar o “pessimismo imobilista” diante das críticas do discurso
sócio-político que retirou da escola o seu caráter e componentes progressistas, quando este
ressaltava a importância e preponderante da “educação popular”. (p. 43). O evento trouxe com
destaque a participação de Paschoal Lemme, o último remanescente dos Pioneiros da
Educação e que assinou o Manifesto de 1932. Na III Conferência, Lemme enfatizou em seu
discurso “o fato de que o passado pode ser recuperado como um patamar estratégico através
do qual os educadores de hoje estarão municiados para dar prosseguimento à luta pela
democratização da escola...” (p. 44). Na avaliação da ANDE, a III CBE garantiu a maturidade
entre os educadores e o reconhecimento da complexidade no tratamento da educação, mas ato
necessário e possível, num trabalho coletivamente construído.
A III CBE tomou importância política quando o então candidato à Presidência da
República, Tancredo Neves, escreveu carta “Aos Educadores do Brasil”, documento
apresentado na abertura do encontro. Deste documento enviado aos educadores, Tancredo
sinalizava quatro preocupações em relação aos rumos da educação brasileira: “1. O
compromisso constitucional de universalização do ensino básico está muito longe de ser
alcançado. (o ensino público e gratuito é instrumento democrático insubstituível de formação
189
da cidadania consciente e responsável); 2. Entendo a educação como instrumento de
valorização do indivíduo e de criação de condições científicas, técnicas e políticas para a
formação intelectual e moral dos cidadãos; 3. Confio no esforço e na capacidade dos
educadores que têm sido capazes de, com denodo, dedicação e fá no seu trabalho, manter viva
a esperança de milhões de cidadãos que passam diariamente pelas escolas; 4. Assistimos a
uma perda gradativa da importância da educação dentro das prioridades governamentais. É
preciso reverter esta tendência, não apenas no discurso mas na canalização dos recursos
financeiros necessários ao aprimoramento do sistema educacional.” Do discurso sobre a
questão educacional do país, Tancredo Neves buscava apoio de um dos setores com maior
organização nacional e que, apesar da diversidade de forças políticas do movimento de
educadores, na ascensão dos sindicatos regionais de professores, tendo ainda o respaldo destes
setores reforçava mais ainda sua marcha ao Planalto. O caráter político do documento esteve
na evidência dos compromissos do candidato com a educação nacional: “a) envidaremos
todos os esforços para restaurar a dignidade da escola pública através da valorização do
magistério e da melhoria da qualidade de ensino; b) uma participação coletiva na busca e na
implementação de uma política nacional de educação que possa ser elaborada a partir do
verdadeiro laboratório da educação – as escolas; c) os compromissos com a educação
asseguram amplas condições para a promoção de um grande debate nacional, capaz de incluir
todos os segmentos da sociedade...” (REVISTA DA ANDE/NEVES, 1984, p. 68/69).
O conteúdo da carta expõe ainda o compromisso do candidato em cumprir a Emenda
João Calmon, Senador da República que garantia um aporte financeiro obrigatório ao
orçamento da União, estados e municípios para a área educacional. O discurso moderado,
porém incisivo fez Tancredo reproduzir o gesto das lideranças políticas do seu tempo e do
passado também, quando afirmou que “através deste fórum e de outros que se organizem , as
sugestões que haverão de embasar a ação do futuro governo
99
.” (Idem, 1984). Este documento
representou sinais de um novo bloco de poder em que se acreditava estar prestes a assumir o
Estado, num governo de transição entre o longo período ditatorial e o ingresso da sociedade
na democracia. Os pontos ressaltados por Tancredo soaram positivamente aos ouvidos dos

99
Nacif Xavier (2002) comenta as falas de Francisco Campos e de Getúlio Vargas e os gestos de convocarem os
educadores a apresentarem propostas para que incorporadas em políticas públicas e ao governo, isto na sessão
inaugural da IV Conferência Nacional de Educação (1931): “Mais direto em seu discurso, o Presidente Getúlio
Vargas solicitou aos conferencistas que colaborassem com o governo provisório na definição da política
educacional, buscando por todos os meios a “fórmula mais feliz” para “a unidade da educação nacional” sob a
promessa de obterem todo o amparo da administração sob sua chefia.” (p. 19).
190
educadores que conceberam seus compromissos com as lutas e bandeiras levantadas pelos
movimentos organizados na educação. A III CBE não se furtou em reconhecer a carta e a
candidatura de Tancredo e, oficialmente, envia-lhe a “Resposta dos Educadores ao Candidato
da Aliança”
100
, quando “sensibilizados pela mensagem que lhes enviou”, expõem uma
avaliação histórica sobre a condição educacional brasileira relatando o papel importante da
presença dos renovadores da educação ao longo dos anos de 1920 e 1930 e a crítica à política
educacional imposta no período pós-1964:
A política posta em prática no período pós-64 atingiu o conjunto do sistema
educacional por meio de reformas derivadas da conexão entre a educação e o
binômio “segurança e desenvolvimento”. Tal conexão levou o Estado a
descomprometer-se dos ideais de uma educação democrática e popular. Este
mesmo período, no entanto viu surgir uma nova geração de profissionais
formada na resistência ao autoritarismo... (REVISTA DA ANDE/IIICBE,
1984).
Cabe lembrar que nas discussões sobre a democratização do país, a análise sobre o
papel do Estado esteve presente quando da transição que se estabelecia diante de um novo
quadro, na recuperação institucional de um regime que contemplasse os direitos civis e a
liberdades constitucionais. A discussão sobre o Estado se colocava como um dos pontos da
agenda da sociedade e dos movimentos organizados, tal era a necessidade de repensá-lo num
novo contexto, sem as características que foram impostas pelo regime autoritário, da
arbitrariedade diante à perseguição daqueles que enfrentaram o regime, limitador dos direitos
de cidadania. A crítica ao Estado interventor nas atitudes de uma sociedade civil em ascensão
foi o mote para o desencadeamento dos debates, onde a defesa pela garantia das ações das
instituições democráticas, àquelas concebidas fora e independentes da esfera estatal. A
proposta desta nova geração nascida da resistência ao regime foi a de apresentarem-se como
possíveis quadros a disposição em participar do governo que se vislumbrava como vencedor
no embate ao voto indireto do Colégio Eleitoral: “Esta geração manifesta ao candidato
Tancredo Neves a sua disposição de participar ativamente da formulação e implantação da
política educacional do novo governo... Os educadores que assim se posicionam esperam
poder participar na indicação de diretrizes e pontos programáticos para o novo governo.

100
De 30 de outubro de 1984, Niterói, entregue ao candidato, em mãos, no dia 22 de novembro de 1984.
(ANDE, 1984).
191
(Idem, 1984).
101
O gesto do documento, quase que explicitamente aderindo à candidatura da
Aliança Democrática, registra a vitória, no ambiente da III CBE, do campo político de
intelectuais e educadores defensores da transição, no apoio ao projeto liderado pelo PMDB.
No parágrafo final do Manifesto sublinhou-se a justificativa de que, “ele (o documento, gripo
meu) expressa à opinião daqueles que nela participaram e incorpora posições consensuais de
amplos setores da área educacional (REVISTA DA ANDE/IIICBE, 1984).
Avaliando a década de 1980 e as repercussões diante das mobilizações a favor da
educação pública e a democracia no país, Saviani (2010) ressaltou a importância da criação da
ANDE como um núcleo aglutinador dos debates nacionais sobre a educação, tendo como
inspiração o emblema da ABE, da década de 1920 e a necessidade de se reagrupar intelectuais
e educadores para a agenda nacional sobre o tema. Nas comparações entre as décadas de 1920
e 1980, afirmou a importância desta última, principalmente pela natureza das mobilizações
ocorridas na transição política do país, no pós-regime civil-militar:
Na década de oitenta, nós vamos ter a partir da criação da ANDE as
Conferências Nacionais de Educação. De fato, quando nós criamos a ANDE,
a ideia era reativar a ABE. E aí nós verificamos que de fato ela ainda existia
e existe ainda... Então a mobilização que se fez aí, foi muito mais intensa do
que aquela que ocorreu na década de 1920, até porque a década de 1920
tinha certa marca chapa branca, porque além da iniciativa de governos
estaduais, os poucos intelectuais que assumiram essa tarefa também eram
vinculados ao governo, da elite e ainda sem o viés comercial que iam
defender a necessidade de profissionalizar o campo da educação. Agora nós
tínhamos o campo da educação de certo modo profissionalizado e foi uma
mobilização muito mais ampla e de iniciativa da sociedade civil. Era a
mobilização que organizava esse processo sem apelar ou sem o apoio do
governo, mesmo porque era um governo militar.
102

101
O desdobramento deste movimento é preciso a partir do depoimento de Vanilda Paiva dado ao autor, em 19
de maio de 2010: “Daí nasce uma comunicação com políticos de Brasília e também se articula a elaboração de
um programa do PMDB – efetiva ainda em 1984 através de uma reunião nacional ocorrida em Porto Alegre. O
grupo mais articulado nesta reunião se encontrou na volta em São Paulo para fazer uma lista de nomes a ser
entregue a Dr. Ulisses Guimarães com os cargos que demandávamos no Ministério da Educação. Eram todos os
cargos importantes, dos quais o Marco Maciel nos deu apenas o inofensivo INEP... Estavam presentes Guiomar,
Rose, Luis Antônio, Elba de Sá Barreto, Jacques Velloso, Walter Garcia e eu (talvez eu esteja esquecendo
alguém).” Dos quadros que saíram do movimento de educadores e tiveram experiência na administração pública
estiveram: Guiomar Namo de Mello foi Secretária Municipal de Educação no governo de Mário Covas em São
Paulo, vereadora pela cidade de Santos e membro do Conselho Nacional de Educação; Vanilda Paiva assumiu a
presidência do INEP, na gestão de Marco Maciel no MEC onde observou-se uma mistura de quadros de
vertentes partidárias da frente política que elegeu Tancredo Neves – José Sarney. Neidson Rodrigues foi
Superintendente Educacional da Secretaria Estadual de Educação em Minas Gerais. Carlos J. Cury, no Conselho
Nacional de Educação nos anos de 1996-2004.
102
Depoimento dado ao autor por Dermeval Saviani em 26 de abril de 2010.
192
3.4 Intelectuais e o Consenso Teórico-Metodológico na Leitura Sobre A Educação Brasileira –
A Construção do Labirinto
Neste ponto, analisarei o pensamento educacional e os sinais sobre um consenso
teórico-metodológico, um acordo epistemológico a partir das categorias marxianas
103
e
marxistas. Na publicação N° 8 da Revista da ANDE trouxe artigos que podem ser referência
da reflexão educacional, não só pelos seus autores e de suas obras que se tornaram
motivadoras dos debates educacionais da década de 1980. Em “Relação do Saber e Relação
Social”, Carlos R. Jamil Cury desenvolveu o tema no campo da filosofia da educação, suas
relações com a cultura historicamente constituída e a utopia educacional. Na década de 1980,
duas obras de Jamil Cury tornaram-se indicativos sobre a Educação Brasileira: “Ideologia e
Educação Brasileira: Católicos e Liberais”, fruto de sua dissertação de mestrado, onde
abordou as ideologias católicas e liberais entre as décadas de 1930 e as implicações no ideário
da educação brasileira. Em 1985, o texto “Educação e Contradição”, conseqüência de sua
tese de doutorado abordou um estudo pormenorizado sobre as categorias filosóficas que
estariam consolidando a cultura educacional e política, trabalhando conceitos da teoria crítica
diante do fenômeno social e educacional. Se na primeira obra Jamil Cury realizou um
diagnóstico das ideias educacionais entre católicos e liberais, numa ênfase histórico-cultural;
em “Educação e Contradição”, Cury discutiu teoricamente os princípios epistemológicos do
marxismo aplicados à educação. Cury seguiu a trajetória de muitos quadros que surgiram do
catolicismo, ex-seminaristas que receberam influência do pensamento marxista em suas
formações posteriores à filosofia na graduação.
Em Relação do Saber e Relação Social” Cury desenvolveu sua reflexão a partir do
que foi apresentado em “Educação e Contradição”. Buscando entender a escola como
mediadora das relações entre os saberes, propôs um estudo crítico da instituição considerando
a dialética materialista como elemento teórico-metodológico, instrumento para a interpretação
desta escola. A dinâmica entre os elementos que se negam mutuamente e o ponto de síntese
como superação dos impasses ou contradições, traduziam o pensamento sobre a educação
brasileira. Neste caso, Jamil Cury quando discutiu a relação entre o saber e o social, analisou
o movimento entre a herança cultural e o porvir, o projeto que se lança ao futuro – elementos

103
A expressão “marxiana” refere-se às ideias originais de K. Marx, sendo que o marxismo seria o legado e as
interpretações realizadas a partir dos textos originais. In. NETTO, José Paulo. (1990) O Que é Marxismo? RJ,
Editora Brasiliense. 6ª. Edição.
193
contraditórios, porém simultâneos e que se completam na construção do saber social. A escola
é a principal expressão do pensamento produzido pela classe dominante e aparelho ideológico
que reproduz uma cultura de dominação; esta concepção exerceu forte influência nos anos de
1980, entre os principais intelectuais envolvidos com as interpretações sobre a sociedade e a
educação, traduzindo um otimismo pedagógico por conta do ambiente favorável à
democratização do país. A articulação na crítica à escola, conseqüência dos anos do regime
civil-militar precisava ser revista, sua práxis pedagógica, outra expressão usual deste tempo,
enfatizando o materialismo histórico como instrumento de observação dos fenômenos
educacionais. No confronto entre a herança cultural de dominação burguesa e o provir, sendo
este a utopia da democracia progressiva, a crítica centrou-se no interior da cultura capitalista,
em seu reprodutivismo ideológico de dominação. Nesta reflexão, Cury expõe sua metodologia
de estudos nesta relação-contradição entre o saber e as relações sociais:
Uma reflexão dialetizada entre a herança e o porvir deve ser posta de modo
superador. A validade histórica de um produto não fica cunhada em função
de sua origem... Dialetizar a herança e o porvir de modo relativo implica a
consideração da relação social presente na sociedade capitalista. Não
vivemos em uma sociedade de classes, mas em uma sociedade de relação
entre as classes sociais... É preciso dialetizar a herança e o porvir, porque
esta relação social é crítica na medida em que há uma ruptura possível em
curso dentro do próprio movimento social. Os germes do porvir estão na
possibilidade de uma descontinuidade histórica já existente no interior de
uma formação social que se quer contínua. (CURY, 1984, p.6).
As ideias de Jamil Cury, imbuídas da perspectiva do materialismo dialético,
estabelecem as possibilidades de uma grande e profunda síntese, chamada por ele da
“emancipação das relações sociais”.
104
Identificou então no porvir a oportunidade da ruptura,
conduzida pelos movimentos sociais. A herança cultural produziu um saber comprometido
com os interesses das classes dominantes, mas, para Cury, “a herança também é provisória”,
mas a noção de temporalidade, pois “o acento exclusivo no porvir torna o tempo presente
como se fosse um tempo já passado e em certo rumo romantiza um futuro ainda não
totalmente presente.” (CURY, 1984, p. 7).
Nas discussões propostas por Neidson Rodrigues, suas teses estiveram no
entendimento da função da escola como instituição social e suas relações políticas que se

104
Cabe observar que entre as reflexões que são tomas a partir das categorias do marxismo os intelectuais -
educadores citados trabalham de formas a adjetivar a “redenção” revolucionária. Os termos “ruptura”,
“emancipação”, “grande síntese”, etc.
194
desdobravam no interior da unidade escolar, na sociedade e o Estado. Seu pensamento foi
conseqüência de sua experiência administrativa em educação, quando foi diretor da
Superintendência Educacional da Secretaria de Educação do Estado de Minas Gerais. De suas
principais obras, destacaram-se, em 1985, “Por Uma Nova Escola: O transitório e o
Permanente na Educação”. Neste trabalho estudou as relações entre a sociedade e o Estado
no Brasil e as perspectivas de uma “nova” educação, tendo como exemplo de Minas Gerais na
experiência democrática do Congresso Mineiro de Educação. Em 1984, “Lições do Príncipe e
Outras Lições”, discutia os princípios da filosofia política de Maquiavel, através de sua
principal obra, O Príncipe, aplicando estes elementos à política e à educação brasileira.
No artigo publicado na Revista da ANDE, “Função da Escola de 1º. Grau Numa
Sociedade Democrática”, Rodrigues preocupava-se em discutir as funções da escola de 1º.
Grau a partir do que foi imposto a partir de 1968, no ambiente do regime civil-militar, nas
perspectivas de uma nova escola. Quando apresentou a função da escola numa perspectiva de
uma sociedade democrática, Rodrigues afirmou que a instituição escolar não deveria se
limitar ao papel instrumental, retomando o conceito clássico de educação escolar dentro dos
parâmetros do moderno – burguês. Na sociedade moderna, três campos seriam fundamentais
para o desenvolvimento da escola: a cultura, a política e a profissão sendo que a cultura, numa
concepção moderna, não seria a de tradição renascentista num enfoque das letras e artes, mas
na compreensão e absorção do individuo - cidadão. No reconhecimento destes valores sociais
e políticos, Neidson entendeu que o papel da escola deveria avançar no conceito de educação:
“Preparar os indivíduos para a vida cultural não significa, única e exclusivamente, dotá-lo de
uma série de informações, de uma série de floreios a respeito de um saber superficial, mas
inseri-los na concepção de mundo emergente da sociedade.” (RODRIGUES, 1984, p. 17).
Trabalhando nesta escola que se considera nova, Rodrigues defendia que a escola deveria
possibilitar aos indivíduos uma visão de mundo onde pudessem agir – “aceitando,
transformando, participando” das mudanças sociais.
Destacou a vida política, o exercício cidadão, na polis sendo que a escola não deveria
se limitar à educação para o trabalho, projeto do regime ditatorial: “A preparação para o
trabalho, para o exercício de uma determinada profissão, é uma atividade a mais que a escola
passa a exercer para preparar o indivíduo para a vida social. Ela não pode ser considerada –
como foi a partir de 1968 – como a função principal, fundamental e única da educação.”
(IDEM, p. 17). O ideal da nova escola parte do princípio do relacionamento educador –
195
educando, onde nesta relação deve “determinar as demais no interior da escola”. Este
princípio deve ser definido nas bases da organização do planejamento educacional. No
reconhecimento desta relação entre educador – educando, a escola assumiria a função de
“detentora da direção moral e intelectual do processo educativo” (p. 20). Para Rodrigues, o
cuidado com o planejamento do ensino estaria nos critérios que estabeleceriam a distinção dos
currículos e programas, sendo que esta concepção aplicava-se também à prática educativa da
escola e na convergência aos processos sociais.
Um dos marcos do marxismo eclético na expansão dos debates educacionais dos
anos de 1980 esteve na discussão proposta por José Carlos Libâneo, de uma didática
contextualizada social e historicamente. Numa perspectiva de se conceber o ensino a partir de
uma prática histórico-social, onde a identificação e escolha dos conteúdos passariam por uma
leitura crítica na busca da funcionalidade dos conhecimentos no contexto histórico. Em seu
artigo “Didática e Prática Histórico-Social”, Libâneo discute o trabalho docente e seu
compromisso com uma prática transformadora analisando os condicionantes econômicos,
sócio-culturais e históricos que podem determinar a concepção de conhecimento, articulado
didaticamente na escola. Neste caso, a redenção da escola passava pela democratização da
sociedade e na “difusão da escolarização para todos, colocando a formação cultural e
científica nas mãos do povo como instrumento de luta para a sua emancipação”. (LIBÂNEO,
1984, p. 22).
A proposta de Libâneo trouxe aos anos de 1980 um longo debate sobre a prática
docente e o desenvolvimento do conhecimento escolar. Seu ideário esteve na elaboração de
uma teoria pedagógica através de fundamentos de uma visão de mundo que viesse a revelar
“os interesses majoritários de classe” e que considerasse elementos concretos, determinantes
no processo de escolarização, no reconhecimento de uma sociedade dividida em classes
sociais. A Pedagogia Crítico-Social dos Conteúdos parte então da interpretação das condições
concretas e materiais da sociedade, articulado as situações do meio escolar, daquilo que ele
(re) produz como conhecimento no confronto com o contexto histórico, econômico e social.
Observou-se que o eixo analítico do objeto de estudos de Libâneo acompanhou a leitura
teórico-metodológica dos autores apresentados anteriormente. Tanto Jamil Cury, quanto em
Neidson Rodrigues, trataram o processo educativo onde as categorias do marxismo
predeterminaram o enfoque interpretativo sobre o fenômeno social. No caso das teses de
Libâneo, conduzidas de forma similar à Cury e Rodrigues, o materialismo histórico, na
196
garantia da preponderância das análises a partir das “condições materiais da sociedade”,
orientava a didática, esta reconhecida como “um conjunto de regras e preceitos consolidados,
objetivando a direção técnica da aprendizagem.” (p. 24). A didática exerceria uma ação
teórico-metodológica partindo do pressuposto de que as bases econômicas e sociais seriam
elementos determinantes, impulsionadores de uma leitura crítica diante dos procedimentos
pedagógicos, na seleção dos conteúdos e na prática docente.
No transcorrer do artigo, Libâneo realizou um histórico dos enfoques da didática, de
suas tendências pedagógicas que influenciaram a prática educacional: a tradicional, o
renovado - tecnicista e o sócio-político. O enfoque tradicional caracterizou-se por uma
didática centrada na transmissão cultural fazendo com que o aluno tivesse uma atitude
receptora dos conteúdos, sendo um elemento passivo no processo ensino-aprendizado onde os
conteúdos teriam um caráter dogmático e a - histórico. O enfoque renovado – tecnicista seria
então uma versão “modernizada” da Escola Nova onde se enfatizava a característica prático-
técnica do ensino e o enfoque sócio-político que se comprometeria com uma visão crítica
diante dos dois enfoques anteriores, reconhecendo que os indicadores sociais na educação são
as principais referências de análise.
No enfoque renovado – tecnicista, o autor afirmava que a conciliação dos valores
escolanovistas, desde os anos de 1920 em movimento no país, com a influência norte-
americana através da instituição de convênios a partir da segunda metade dos anos de 1950,
caracterizou uma concepção educacional centrada na produtividade, nas ações eficientes e no
rendimento. Tendo como fonte teórica as tendências educacionais progressistas, o enfoque
sócio-político caminhou de forma coerente na consideração de se valorizar a “especificidade
da pedagogia, não para isolá-la do conjunto das demais práticas sociais”, mas entendê-la a
partir de um enfoque globalizador. No âmbito das tendências educacionais progressistas, o
enfoque sócio-crítico fez uma critica nas versões das pedagogias libertadora e libertária
considerando a preponderância das perspectivas sócio-políticas em relação às questões
pedagógico-didáticas. Ocorrendo este processo, os aspectos da realidade escolar seriam
reduzidos aos problemas de caráter político. Em sua conclusão confirmou que as três posições
contêm reducionismos: no dogmatismo pedagógico o privilégio da transmissão de
conhecimentos. No técnico- renovador e no sócio-político “estrito”, estes dois últimos
valorizando o “pólo formal do ensino”. Para Libâneo, do ponto de vista pedagógico-didático,
a crítica aos enforques analisados esteve na separação entre os aspectos “material/formal” do
197
ensino – na ênfase à transmissão dos conteúdos e na forma de recepção destes conteúdos
pelos alunos. (p. 25). Na Pedagogia Crítico-Social dos Conteúdos, a integração dos elementos
formal/material, articulando-os no ensino e visando à transformação social, sendo esta
pedagogia o processo de valorização da escola como “mediadora” entre o aluno e o mundo da
cultura, esta construída socialmente. (p. 26). No interior desta Pedagogia, a defesa de Libâneo
em considerar que o processo de ensino, de transmissão/assimilação crítica dos
conhecimentos, mergulhados numa prática social concreta: “A Pedagogia dos Conteúdos
parte da compreensão crítica das diferentes versões da pedagogia progressista, procedendo à
análise histórica do contexto social, onde se dá o processo educativo e dos condicionantes
sociais que incidem sobre o indivíduo concreto e o tornam um ser social.” (LIBÂNEO, 1984,
p. 26).
A geração de intelectuais da educação da década de 1980 elaborou um campo teórico
da educação brasileira, realizando uma interpretação crítica das condições da escola, e do
projeto educacional da ditadura. Partindo estão do lócus do progresso educativo, mantendo
certa uniformidade teórico-metodológica na leitura da realidade educacional, mas se abrindo
num leque da variação de temas. No pensamento educacional de Neidson Rodrigues, as
questões políticas e sociais no envolvimento da escola e a revisão das perspectivas da escola
nos aspectos relacionais e curriculares encontram fonte de reflexão. Com Libâneo, percebe-se
o esforço deste intelectual sobre o trabalho docente e o seu ofício teórico-metodológico no
desenvolvimento e aplicação dos conteúdos. O reconhecimento de que a educação é
determinada pela ordem social a partir de uma sociedade dividida em classes sociais,
reproduzindo uma cultura de dominação fez com que a escola na democracia reagisse de tal
forma que reelaborasse sua pedagogia sob uma visão crítico-social. A síntese deste
pensamento educacional esteve nas bases doutrinárias de um marxismo eclético, variante das
leituras/interpretações aplicadas à realidade brasileira. Deste leque de marxismos, observa-se
um conjunto nas aplicações epistemológicas à educação brasileira em seu contexto.
O leque dos interlocutores que auxiliariam o pensamento educacional brasileiro entre
os anos de 1980, muitos oriundos das dissertações e teses desenvolvidas na década anterior,
teve ampla variação e ecletismo, a partir dos textos clássicos da obra marxiana, tais como: “O
Capital”, com Engels, “A Ideologia Alemã” – “Introdução à Crítica da Economia Política”.
Na cultura marxista, o pensamento educacional brasileiro se apropriou das categorias teóricas
de alguns intelectuais onde suas ideias serviram como instrumentos para a leitura sobre a
198
realidade educacional. Para a educação brasileira, o conceito de Aparelho Ideológico do
Estado, de Althusser, serviu para se observar a escola como um instrumento a serviço das
classes dominantes, reprodutora de uma cultura de dominação. Nas teorias críticas
reprodutivistas, segundo Saviani, estariam, além de Althusser, Bourdieu - Passeron e
Baudelot – pensadores que se encaixaram, oferecendo elementos teóricos para uma avaliação
crítica da educação Brasileira.
Antonio Gramsci
105
deve ser citado como autor que, naquela década, começou a
influir e a ser seguido pelas análises dos educadores brasileiros. A escola também foi pensada
como um núcleo reprodutor de uma cultura hegemônica, defensora da manutenção da ordem
social, reprodutora e fortalecedora de uma sociedade de classe. Na década de 1980, Gramsci
foi apresentado como o intelectual que via a cultura como um processo de emancipação, onde
a escola proporcionaria uma visão de mundo material e do mundo social que as auxiliasse a se
integrarem entre as relações sociais de uma sociedade moderna. (MOCHOCOVITCH, 2004,
p. 63). A figura do professor como intelectual orgânico, categoria importante no pensamento
gramsciano, é que faria um personagem comprometido com uma práxis, num crítico diante da
realidade, porém fazendo de seu ofício um processo revolucionário de “elevação cultural das
massas”. A Escola Unitária de Gramsci serviu como paradigma desta recuperação da escola
pública no Brasil.
Neste aspecto, a filosofia da educação brasileira recebeu profunda influência do
marxismo e suas variantes, na tentativa de se buscar as razões da educação e da escola no
ambiente da transição política no país. Dos que já foram abordados neste trabalho, um dos que
se destacaram no esforço de se articular a epistemologia marxista junto à filosofia educacional
deste período esteve Moacir Gadotti, autor de uma obra relativa aos princípios teóricos para a
leitura crítica da educação brasileira na década de 1980. Das obras publicadas neste
período
106
, “Concepção Dialética da Educação”, de 1983, ofereceu uma longa discussão
sobre o(s) conceito(s) da dialética, desde a sua origem na antiga Grécia, aprofundando-se
como instrumento filosófico. Fica explícita a intenção de Gadotti em oferecer ao pensamento

105
Do levantamento realizado neste trabalho, a partir das obras citadas e editadas no transcorrer dos anos de
1980 e em seu pensamento educacional brasileiro, são constantes as seguintes em obras de Antonio Gramsci:
Coleção Educação Contemporânea (Cortes Editora/Autores Associados – principais autores: C. R. Jamil Cury,
Moacir Gadotti, Neidson Rodrigues, Bárbara Freitag, Dermeval Saviani, Guiomar Namo de Mello, Luis Antonio
Cunha): “Concepção Dialética da História”, “O Intelectuais e a Organização da Cultura”, “Cartas do Cárcere”,
“Maquiavel, a Política e o Estado Moderno”, “O Materialismo Histórico”.
106
“Comunicação Docente”. SP, Edições Loyola, 1975; “Educação e Poder: Introdução à Pedagogia do
Conflito”. SP, Cortes Editora/Autores Associados, 1980; “A Educação Contra a Educação”. RJ, Editora Paz e
Terra, 1981.
199
educacional brasileiro um novo instrumental, uma metodologia do materialismo dialético,
bases singulares para a re-leitura do processo educativo:
A dialética opõe-se necessariamente ao dogmatismo, ao reducionismo,
portanto é sempre aberta, inacabada, superando-se constantemente. Todo
pensamento pedagógico á antidialético. O “marxismo acadêmico”, reduzindo
Marx a um código, transformando o seu pensamento em lei... A crítica e a
autocrítica, pelo contrário, são e revolucionárias... Enquanto instrumento de
análise, enquanto método de apropriação do concreto, a dialética pode ser
entendida como crítica... A tarefa é essencialmente crítica. (GADOTTI,
1983, p. 38).
No Capítulo II, da “Concepção Dialética da Educação”, sob o título “Crítica da
Educação Burguesa”, Gadotti apropriou-se de Gramsci para buscar o entendimento de uma
pedagogia do trabalho; citando Wagner G. Rossi, articulou a construção de uma concepção
educativa entre Marx e Gramsci, afirmando o ideário marxiano (Teses sobre Feuerbach), de
que educador e educando, juntos, educam-se numa práxis revolucionária, mediadores que são
no mundo em transformação. A análise da escola nos aspectos relativos à produção, o
conceito de trabalho como elemento desencadeador do sistema econômico traduz a
necessidade de se superar esta etapa, onde o “sistema escolar seria, então, o grande
instrumento do capitalismo na preparação de mão – de – obra improdutiva, responsável pela
criação e desenvolvimento de uma classe média em expansão com a própria expansão do
Capital. (Idem, p. 48). O esgotamento do modelo liberal-burguês centrava-se na dicotomia
existente entre a educação escolar e extra- escolar – elementos que, segundo Marx, o trabalho
e sua dimensão cultural e econômica, assumiriam um processo formativo, na superação entre
o trabalho manual e o trabalho intelectual. (p. 53). O conceito de “ominilateralidade” assumiu
função teórica importante sendo que o homem projetado em sua integralidade histórica, único,
e a partir do trabalho, criador de suas potencialidades. A “ominilateralidade” seria então a
concepção de homem e sua formação de uma totalidade das capacidades humanas. (p. 58).
Mas a categoria “hegemonia” para o autor corrobora para se perceber a educação como um
processo dialético, crítico, voltado à cultura. Em Gramsci, o ambiente político favorável à
classe trabalhadora, se definiria quando a ciência, a cultura e a educação estivessem sob o seu
controle e dos meios – de – produção: “A hegemonia é ao mesmo tempo ideologia da classe
dirigente, concepção do mundo difundida em todas as camadas sociais, e direção ideológica
da sociedade. A hegemonia da classe dominante supõe que esta classe produza seus
intelectuais, cuja função é garantir o consenso da sociedade.” (Idem, p. 65).
200
Em Educação e Poder: Introdução à Pedagogia do Conflito” (1985), Gadotti
propôs, nos estudos relativos à filosofia da educação brasileira, analisar a “pedagogia do
conflito”, não como uma teoria acabada, mas como reflexão por se fazer, pois se referia a
“uma prática pedagógica que procura não esconder o conflito, mas ao contrário, o afronta,
desocultando-o...” (GADOTTI, 1985, p. 17). Reconhecendo que a obra é resultado de textos
que são fragmentos, justifica a centralidade da discussão do poder como elemento importante
da filosofia da educação e da pedagogia. Não o poder a partir do Estado, de dominação, mas o
poder numa perspectiva ampla, de “possibilidade, hegemonia e projeto”. Defendeu ainda que
a publicação de “Educação e Poder...” é um ato político, não só “meio acadêmico”, mas...
“Outros trabalhadores da educação possam construir uma pedagogia capaz não apenas de
transmitir um legado histórico de maneira crítica, mas igualmente de plantar as sementes de
uma nova cultura que supere as contradições atuais, as falsas dicotomias, a opressão e o
desamor presentes nas estruturas burocráticas do nosso edifício educacional.” (Idem, p. 18).
Da obra, em sua primeira parte, existiu a defesa da tese “por uma filosofia crítica da
educação”, quando valorizava o exercício da dúvida e a tarefa da educação, o debate da
filosofia, ideologia e educação. Na segunda parte, a introdução à pedagogia do conflito e o
seu caráter epistemológico, o papel do pedagogo numa revisão crítica na “atual sociedade
brasileira” e a postura do educador numa sociedade em conflito. Na parte final discutiu as
condições da educação brasileira a partir das categorias ideologia e contra-ideologia. Nesta
obra, Gadotti relacionou uma fonte muito próxima ao ideário de um marxismo eclético,
quando fundamentou seus argumentos a partir de Gramsci, Marx e Engels, Mao Tsé Tung, H.
Marcuse, Habermas (pouco conhecido, neste momento, no Brasil), George Snyders, além de
chamar à contribuição do pensamento social e educacional brasileiro, a partir de Paulo Freire,
Roland Corbisier e Vanilda Paiva.
Na esteira da consolidação do “consenso teórico-metodológico” em torno do
marxismo e na inferência de análise do pensamento educacional dos anos de 1980, a obra de
Wagner Gonçalves Rossi, “Pedagogia do Trabalho
107
, trouxe a contribuição em oferecer
uma visão geral do pensamento educacional à esquerda, a partir dos intelectuais
comprometidos com a educação e a revolução social. Rossi, ao justificar a obra, oferece a

107
Volume I (1981) – Pedagogia do Trabalho: Raízes da Educação Socialista; Volume II (1982) – Pedagogia
do Trabalho: Caminhos da Educação Socialista; Volume III (1983) – Princípios da Pedagogia do Trabalho
– Socialismo e Educação. (SP, todos publicados pela Editora Moraes). Nesta coletânea, Rossi agradece
especialmente a dois intelectuais brasileiros, “pelo estímulo intelectual” propiciado na convivência com
Maurício Tragtemberg (seu orientador no mestrado/UNICAMP) e Paulo Freire.
201
educação socialista, numa tentativa de recuperar a história da educação e que foram
obscurecidas pelos interesses dos dominadores. No primeiro volume, estudou as contribuições
dos pensadores utópicos, como Campanella e Thomas Morus; “os grandes pedagogos”, como
Rabelais, Montaigne e Rousseau; os “teóricos das comunidades”, como Cabet, Fourier, Owen
e Considerant; “os revolucuionários pré-marxistas”, como Babeuf e Saint Simon; “os
libertários”, como Proudhon, Bakunin, Robin e Ferrer; “um liberal” como Martí e uma síntese
entre K. Marx, Engels e Lenin. No segundo volume estão presentes, a “composição da
pedagogia do trabalho em Pistrak”; “Dewey e o Pragmatismo Americano”, “Antonio Gramsci
e a questão da hegemonia”, Paulo Freire e a Pedagogia Dialógica”, o trabalho de educadores,
tais como Makarenko e Freinet, Snyders e Maria Tereza Nidelcoff. No terceiro volume a
discussão sobre as “condições, os princípios e práticas para a construção em nossos dias da
pedagogia do trabalho, a educação revolucionária dos trabalhadores...” (ROSSI, 1981, p. 12).
Na introdução do primeiro volume, Rossi ressaltou o projeto da educação socialista e
sua crítica à educação imposta pela burguesia, pois a mesma produzia uma educação classista,
discriminatória e repressiva à classe trabalhadora, onde o projeto de educação do trabalho e
dos trabalhadores seria um processo complexo de confronto e luta em oposição à organização
burguesa da sociedade. A pedagogia do trabalho deveria ser compreendida como
possibilidade crítica aos modelos tradicionais da relação educação – trabalho. Seus estudos
partiram da constatação de que o processo educativo não estaria isolado dos fenômenos
sociais e econômicos, onde os efeitos da educação capitalista se manifestariam através da
“taxa de exploração do trabalho”. Quando rebateu as críticas de que a mais valia limitava-se a
uma categoria econômica totalmente distante da influência educacional, afirmou que: “A taxa
de exploração do trabalho determina-se grandemente na luta social e política entre as classes e
não por equações econométricas. Uma educação que, socializando o trabalhador nas
“verdades” da burguesia, diminua sua capacidade de organizar-se e assumir-se como classe...”
(ROSSI, p. 17). Nesta perspectiva, a educação socialista ou a contra-educação seria a agenda
principal da luta política pelo controle da sociedade, uma alternativa da classe trabalhadora à
“educação classista da burguesia”. A pedagogia do trabalho teria esta tarefa, uma proposta
que desencadeasse uma transformação radical e abrangente para toda a sociedade.
A ideologia capitalista no contexto escolar compôs também os trabalhos de Bárbara
Freitag na análise da situação da escola brasileira a partir da obra; “Sociedade e Consciência
202
108
, publicada em 1984, trazia um estudo considerando os elementos teóricos da psicogenética
de Piaget, das condições sociais e lingüísticas da criança em seu meio de vida, entre a escola e
a favela. Entre 1979 - 1981 Freitag atuou em suas pesquisas com financiamento da
Comunidade de Pesquisa Alemã, na área urbana de São Paulo, o “desenvolvimento cognitivo
e lingüístico de crianças em idade escolar.” (FREITAG, 1984, p. 7). Outra obra que se tornou
referência nesta década, foi à avaliação dos livros didáticos e a constatação de que a
reprodução da cultura de dominação estava presente nas publicações usadas em nossas
escolas, fazendo da obra de Maria Chagas Deiró, “As Belas Mentiras – A Ideologia
Subjacente aos textos Didáticos”, de 1979. Este trabalho, fruto de sua dissertação de mestrado
em Filosofia da Educação, em 1978, na PUC-SP, baseou-se em extensa bibliografia onde as
concepções da teoria crítica estavam presentes, a partir de Althusser: “Ideologia e Aparelhos
Ideológicos do Estado”; Bordieu – Passeron: “A Reprodução: Elementos Para Uma Teoria do
Sistema de Ensino”; F. Engels, “A Origem da família, da Propriedade Privada e do Estado”.
Dentre os intelectuais brasileiros, completam a bibliografia, Miriam Limoeiro Cardoso,
“Ideologia do Desenvolvimento no Brasil: JK/JQ”; Florestan Fernandes, “A Revolução
Burguesa no Brasil: Ensaios de Interpretação Sociológica”; Paulo Freire em várias obras;
Darcy Ribeiro, “Configurações Sociais dos Povos Americanos”; Dermeval Saviani,
“Educação Brasileira: Estrutura e Sistema”. (DEIRÓ, 1980, P. 13, 185, 186 E 187).
Os estudos referentes à “Teoria do Capital Humano” e a sua aplicabilidade à
educação e por conseqüência na escola, fez do trabalho de Gaudêncio Frigotto no contexto
dos anos de 1980 e no uso da metodologia do marxismo aplicado à análise da realidade
educacional brasileira. Em “A produtividade da Escola Improdutiva”, de 1989, estudou a
natureza das relações de produção, o caráter do trabalho numa economia capitalista e como a
educação serve como instrumento racional ao reforço do sistema econômico. Desta geração
de intelectuais que produziram uma rigorosa reflexão sobre a educação brasileira nesta
década, houve uma polêmica que aprofundou as questões interpretativas voltadas às
categorias do marxismo.
Do lançamento de “Magistério de 1º. Grau – Da Competência Técnica ao
Compromisso Político”, de Guiomar Namo de Mello (1982, Cortez/Autores Associados),
quando a autora defendia o caráter da capacitação profissional como vetor importante à
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108
Outra obra importante de Bárbara Freitag foi “Escola, Estado e Sociedade”, (1980). SP, Cortez Editora.
Nesta obra, observa-se uma crítica ao modelo de escola imposto pelo capitalismo e que serviu de paradigma
quase que hegemônico ao pensamento educacional brasileiro neste período.
203
prática política à formação docente. Publicando um questionamento diante desta tese de
Guiomar, Nosella (1983, Revista Educação e Sociedade, N° 14), no artigo Compromisso
Político como Horizonte da Competência Técnica, discutiu as teses de Guiomar afirmando
que ocorria uma justaposição entre o ato técnico da prática pedagógica e seu compromisso
político, considerando-os separados e distantes um do outro. Tal polêmica gerou a mediação
de Dermeval Saviani entre seus dois orientandos dos tempos de doutoramento na PUC-SP,
revelando um dos principais debates sobre as categorias do marxismo na área educacional
desta década. (NOSELLA, 2005, p. 223-238).
Dentre as bases teórico-metodológicas que constituíram o consenso do pensamento
educacional brasileiro na década de 1980, no elenco de intelectuais, da origem das reflexões
do marxismo, um dos intelectuais que foram indicadores, apropriando-se das suas ideias
formatadas como fundamentos de leitura e interpretação à realidade educacional brasileira foi
George Snyders. Francês, professor universitário e militante comunista – sua produção
acadêmica a partir dos anos de 1950 sempre esteve vinculada às atividades políticas. Filiado
então ao marxismo, Snyders desenvolveu temas envolvidos com a escola e que vão além das
simples interpretações relativas às relações de produção e a educação. Sua obra “Escola,
Classe e Luta de Classes”, serviu a quase totalidade dos intelectuais - educadores, em suas
reflexões sobre o “problema” educacional brasileiro. Crítico das pedagogias reprodutivistas e
não-reprodutivistas, propôs em sua obra “La Joie à L’école”, a escola dos seus sonhos e o
valor crítico que expressou à “cultura elaborada” assumindo concepções utópicas e
essencialmente otimistas. (BRAYNER, 1998, p. 28). Sua preocupação com a caracterização
da sociedade de classes e sua natureza de dominação articula-se com as possibilidades de
perceber a alegria de se aprender na escola.
A alegria e o prazer na escola parecem ser também, uma questão de elite,
porque são as crianças das classes mais favorecidas que são bem-sucedidas
na escola. As crianças burguesas sintam ou não alegria na escola, continuam
a estudar, porque os pais acompanham-nas, ajudam-nas a formar hábitos de
estudos e reforçam a ideias de que o futuro delas dependa da escola. A maior
parte das crianças em situação de fracasso são as de classe popular e elas
precisam ter prazer em estudar; do contrário, desistirão, abandonarão a
escola, se puderem. Se não puderem, continuarão, mas não aprenderão.
(SNYDERS, 1990).
Em sua primeira fase, a que influenciou a pedagogia progressista no Brasil, além da
obra “Escola, Classe e Luta de Classes”, publicou também “Pedagogia Progressista, Para
204
Onde Vão as pedagogias Não-Diretivas?”, onde identifica as perspectivas da pedagogia de
inspiração marxista como alternativa para a transformação de escola e da sociedade, porém
gestada para a realidade da sociedade capitalista. Na crítica que realizou sobre Bordieu e
Passeron, Baudelot e Establet, propôs uma concepção em contraponto ao pensamento destes
intelectuais, a partir do pensamento gramsciano. Às pedagogias não-diretivas, identificou o
caráter “reacionário” deste modelo educacional, apontando este ideário espontaneísta que, no
campo educacional serviria como a legitimação da ordem vigente. (ROSSI, 1982, p. 124).
Diante dos trabalhos de Neill, Dary e Johnson, I. Rogers – estes “inovadores” educacionais,
sua crítica esteve na relação professor-aluno, onde o professor assuma o seu papel de
orientado no processo ensino-aprendizagem, responsável que é pela “evolução da criança”.
(Idem, p. 124).
3.5 A Matriz do Consenso: Influências de Dermeval Saviani ao Pensamento
Educacional Brasileiro nos anos de 1980
A obra desenvolvida por Saviani
109
partiu de um conjunto de variáveis e uma
extensão do seu objeto de estudos que vai da análise crítica da estrutura e funcionamento do
ensino brasileiro, como fez nos estudos sobre a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (Lei N° 2024/61). Em sua tese de doutoramento, concebeu uma interpretação
filosófica sobre os conceitos de sistema e estrutura, mesclando a leitura da legislação
educacional. Partindo então da filosofia da educação, realizou seus estudos nas áreas da
legislação educacional e a história da educação, abordando também elementos constituintes
sobre as políticas públicas para a educação. Sua produção influenciou muito dos intelectuais,
formadores do pensamento educacional dos anos de 1980. Muitos inclusive passaram por
Saviani como orientandos seus nos Programas de Pós-Graduação, principalmente na
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109
Dermeval Saviani teve a sua formação básica de graduação em Filosofia (estudou em Seminário católico em
São Paulo). Sua especialização em Filosofia da Educação teve a influência do prof. Joel Martins, então
responsável pela Pós-Graduação da PUC-SP. Por mediação do prof. Joel Martins, realizou leituras a partir de
Dilthey, Merleau-Ponty, Husserl. Licenciando na PUC-SP em 1976, foi aceito como monitor do prof. Joel
Martins. Sob influência do prof. Casemiro dos Reis Filho, enveredou pelos estudos do marxismo. (MÁXIMO,
2008, p.35-39).
205
UNIMEP, PUC-SP e UNICAMP.
110
Sua reflexão partia do princípio filosófico de que a
necessidade primeira era a de que, aos educadores, haveria a necessidade de elaboração de
uma teoria educacional voltada para uma “práxis”, buscando uma sistematização da educação,
articulando uma filosofia educacional na discussão epistemológica das categorias estrutura e
sistema.
Das principais obras que influenciaram o campo educacional da década de 1980, há
uma característica comum entre elas, onde são definidas a partir dos textos, artigos e palestras,
excetuando “Educação Brasileira: Estrutura e Sistema” (1978, 3ª edição). Em “Educação:
Do Senso Comum à Consciência Filosófica” (1985), uma das principais obras sobre a
filosofia da educação brasileira no período, reúniu fragmentos, resultados de sua trajetória de
trabalhos sobre a educação brasileira. Neste leque de temas, a convergência esteve na análise
da educação nacional buscando interpretar filosoficamente seus aspectos fundamentais como
a filosofia na formação do educador e sua importância como área de estudos, valores e
objetivos da educação trazendo certa homogeneidade para a obra. Por outro lado, espalham-se
pela obra ensaios como o problema da pesquisa na pós-graduação em educação, subsídios
para o equacionamento do problema do livro didático em face da Lei N° 5692/71, dentre
outros. A obra “Educação: Do Senso Comum à Consciência Filosófica” teve importância de
se discutir a superação do senso comum, o ideário fragmentado, incoerente e desarticulado,
mecânico, passivo e simplista na passagem à “consciência filosófica”, numa concepção
unitária, coerente, articulada e explícita, original, intencional, ativa e cultivada. (SAVIANI,
1985, p. 10). A leitura realizada por Saviani sofreu influência do ideário gramsciano, quando
da justificativa das categorias, senso comum e consciência filosófica. Sua referência ao senso
comum esteve na concepção intrínseca à “mentalidade popular”, percebendo o povo como
“um conjunto de classes subalternas”; por outro lado a consciência filosófica constituía
“expressão de hegemonia” favorável a “elevação cultural” da sociedade. No ensaio “Para
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110
Foram orientandos de Dermeval Saviani: Betty Antunes (mestrado 1974 – Universidade Metodista de
Piracicaba - UNIMEP, doutorado 1978 – PUC-SP); Neidson Rodrigues (doutorado, 1979 – PUC-SP), Guiomar
Namo de Mello (doutorado, 1981- PUC-SP), Paolo Nosella (doutorado, 1981, PUC-SP), Carlos Roberto Jamil
Cury (doutorado, 1979, PUC-SP), Osmar Fávero (doutorado, 1984, PUC-SP), Luis Antônio Cunha (doutorado,
1980, PUC-SP), Miriam Jorge Warde (mestrado, 1976, PUC-SP) - (primeira turma, 1977, PUC-SP/ Depoimento
dado ao autor por Dermeval Saviani, em 26 de abril de 2010). Das referências que faço neste trabalho, cabe
ainda destacar aqueles que também receberam as orientações acadêmicas de Saviani e fizeram parte desta
geração de intelectuais que influenciaram o pensamento educacional dos anos de 1980: José Carlos Libâneo
(doutorado, 1990, PUC-SP), Gaudêncio Frigotto (doutorado, 1983, PUC-SP), Acácia Z. Kuenzer (doutorado,
1984, PUC-SP), Selma Garrido Pimenta (mestrado, 1979, PUC-SP), Ester Buffa (mestrado, 1975, UNIMEP),
Paulo Ghiraldelli Jr. (doutorado, 1990, PUC-SP) e Maria de Lourdes Chagas Deiró Nosella (mestrado, 1979,
PUC-SP).
206
Uma Pedagogia Coerente e Eficaz”, quando discutiu a função da filosofia e a sua intervenção
na tentativa de se compreender o homem: “Esta é definida como uma reflexão de modo
radical e rigoroso os problemas surgidos na educação a partir de uma perspectiva de conjunto.
Com efeito, a educação tal como foi considerada encontra-se em todas as sociedades... as
pessoas se comunicam tendo em vista objetivos que não o de educar e, no entanto, educam e
se educam...” (SAVIANI, 1985, p. 51).
111
No ensaio “Educação Brasileira Contemporânea: Obstáculos, Impasses,
Superação”, Saviani realizou um estudo a partir da trajetória da educação, do papel do projeto
educacional da burguesia, “porque ela traduzia os interesses comuns de toda sociedade”. (p.
166), porém, tinha um “potencial de servir à hegemonia da classe dominante” (Idem). A
transição da “escola redentora da humanidade”
112
e sua manifestação histórica no Brasil com
o movimento da “Escola Nova”, sendo este movimento considerado uma segunda fase do
pensamento liberal na educação, superando os aspectos políticos da primeira fase, para buscar
os fundamentos psico-técnico-pedagógicos. A natureza da “Escola Nova”, sua essência liberal
a partir das influências culturais norte-americanas foi considerada por Saviani uma etapa
importante em relação à educação tradicional.
As considerações de Saviani sobre a “Escola Nova” se tornaram quase que
hegemônicas no pensamento educacional dos anos de 1980, principalmente aos intelectuais
que conceberam suas reflexões baseadas em princípios teórico-metodológicos do marxismo.
Em Saviani, a “Escola Nova” tornava-se inadequada porque o seu projeto não se adaptara às

111
Em sua experiência de magistério, ainda na PUC-SP, 1972, na Pós-Graduação, quando discutia as questões
sobre a liberdade e a consciência utilizava o pensamento de Paulo Freire (Educação como Prática de
Liberdade), textos sobre lógica dialética - marxistas e não marxistas. (MÁXIMO, 2008, p.35-39). Apesar de não
destacar como fundamental a influência do pensamento de Álvaro Viera Pinto sobre a sua obra, Saviani ressaltou
o papel deste intelectual isebiano e sua inferência na filosofia brasileira (sobre a lógica dialética). No ensaio,
Educação Brasileira – Problemas”, Saviani (1985, p. 120), discutiu a fragmentação da cultura brasileira,
citando Álvaro Vieira Filho quando este definia a influência da dupla realidade da cultura a partir da
materialização em “instrumentos, objetos manufaturados e produtos de uso correte” (Idem, 1985, p. 122-123).
Há sinais em seu texto de características isebianas (apesar de Saviani ter descartado esta possibilidade), onde por
intermédio de A. V. Pinto, definia etapas culturais de desenvolvimento para o alcance do país a democracia e ao
desenvolvimento, quando acentuou neste ensaio a função da inovação, “em face de nossa desintegração cultural,
como poderemos através da educação, sistematizar a tendência a inovação solicitando deliberadamente o poder
criador do homem” (Idem, p. 127). Na Revista Educação & Sociedade, N° 27, de setembro de 1987, em artigo
Tributo a Álvaro Vieira Pinto, Saviani registrou a importância intelectual de Vieira Pinto, “Uma das
inteligências mais brilhantes já surgidas em nosso país, soube aliar a amplidão de erudição as responsabilidades
do intelectual comprometido e identificado com as mais legítimas aspirações da sociedade brasileira.” A
identificação do pensamento de Vieira Pinto à educação, vinculada à ideologia do nacionalismo
desenvolvimentista está em PAIVA, Vanilda. (2000). Paulo Freire e o Nacionalismo Desenvolvimentista.
112
Saviani refere-se à obra do escritor argentino Zanotti (1972), quando este, em “Etapas Históricas de La
Política Educativa”, propõe a etapa da educação na valorização da democracia, a partir da escola, envolvia a
própria sociedade (p. 165).
207
conjunturas históricas do pós-guerra. Neste contexto, os limites da “Escola Nova”
encontravam-se na falsa qualidade, fator exemplificado a partir dos anos de 1960 e a crítica da
sociedade norte-americana ao “aprofundamento” do ensino e a baixa qualidade, permitindo
que a União Soviética ultrapassasse os EUA no avanço científico e tecnológico,
principalmente com o marco da “guerra espacial” no lançamento do “Sputnik”, em 1957.
Quando discutia a “Escola Nova” e seu movimento no Brasil, apropriou-se das categorias
marxistas para analisar a educação nacional, concebendo uma leitura de acordo com a os
instrumentos que reforçavam a análise totalizante dos processos históricos na perspectiva de
que este movimento acentuasse a consolidação da hegemonia liberal e capitalista na
sociedade. A “Escola Nova” apresentava-se como “trama” da classe dominante e o seu
projeto hegemônico de controle social: “A Escola Nova, no meu modo de ver, aparece
cumprindo essa função de recomposição dos mecanismos de hegemonia da classe dominante
e, nesse sentido é que, voltando às atenções para o interior da escola e para o aspecto
qualitativo, ela, ao mesmo tempo, reduziu a expansão quantitativa a níveis compatíveis com
os interesses dominantes...” (SAVIANI, 1985, p. 171).
A obra de Saviani, editada principalmente no transcorrer dos anos de 1980, na crítica
realizada à “Escola Nova” serviu como matriz, referência teórica básica nos desdobramentos
de interpretação da educação brasileira. Esta matriz crítica à Escola Nova coincide com a
conjuntura política de transição ao regime democrático e a busca das alternativas à educação
nacional neste cenário que se estabelecia historicamente. A leitura e interpretação de que o
escolanovismo se esgotara como movimento de caráter liberal articulava-se com o fim do
regime civil-militar considerando que o modelo político e econômico imposto nos vinte e
cinco anos de governo autoritário foi o responsável pela realidade educacional brasileira,
justificando a opção das elites em abraçar o capitalismo e sua manifestação pedagógica - A
“Escola Nova”. Há, pois um percurso na construção crítica da “Escola Nova” de Saviani e que
se inicia em sua tese de doutoramento (1972), publicada com o título “Educação Brasileira:
Estrutura e Sistema” (1975, 2ª Edição), a obra “Educação: Do Senso Comum à Consciência
Filosófica” (1981, 2ª Edição). A trilogia se completa no aprofundamento crítico em relação à
Escola Nova, com “Escola e Democracia”. (1983, 1ª edição).
Em Escola e Democracia”, um dos sucessos editoriais entre as décadas de 1980 e
1990, Saviani dedicou-se aos aprofundamentos dos estudos sobre a realidade da educação
brasileira, mantendo a coerência teórico-metodológica já registrada em outras obras.
208
Realizando uma classificação das teorias educacionais, baseando-se em estudos de Zanotti e
Snyders, dividiu-as em dois grupos a partir da consideração de que “a realidade da
marginalidade relativamente ao fenômeno da escolarização” (2006, p. 3), Saviani apresentava
as tendências educacionais, sendo que a primeira seria, no processo educativo, “um
instrumento de equalização social... de superação da marginalidade (Idem). A segunda
tendência seria o conjunto de “teorias que entendem em ser a educação um instrumento de
discriminação social (ibidem). Ambas as tendências percebem a escola/educação como
mantenedoras entre as “teorias não-críticas” e as “teorias crítico - reprodutivistas”. Nas
“teorias não-críticas”, Saviani propôs uma subdivisão de correntes pedagógicas: A Pedagogia
Tradicional, A Pedagogia Nova e a Pedagogia Tecnicista (nas ênfases à instrução programada
como metodologia de ensino). É preciso, pois considerar que Saviani mantém o paradigma
marxiano na lógica das classes sociais antagônicas, onde uma se sobrepõe à outra a partir das
relações de dominação nas bases políticas, econômicas e culturais. Na “Pedagogia Nova”,
desenvolvida no transcorrer do século XIX, o caráter da “marginalidade” se concentra não na
ignorância do indivíduo, conforme pregava a “Pedagogia Tradicional”, mas na rejeição deste.
Sendo assim, a “Pedagogia Nova” concentrava-se na “biopsicologização” da sociedade; “O
eixo da questão pedagógica do intelecto para o sentimento; do aspecto lógico para o
psicológico; dos conteúdos cognitivos para os métodos ou processos pedagógicos; do
professor para o aluno; do esforço para o interesse; da disciplina para espontaneidade; do
diretivismo para o não-diretivismo; da quantidade para a qualidade...” (SAVIANI, 2006, p. 9).
O escolanovismo, no Brasil foi abraçado como um processo renovador à educação,
penetrando “nas cabeças” dos educadores, mas atendendo especialmente ao ensino destinado
às elites, agravando assim a questão da marginalidade. Na Pedagogia Tecnicista sua crítica
esteve na afirmativa de que, sob o controle do regime autoritário e como síntese dos métodos
pedagógicos presentes no escolanovismo, com a articulação e ênfase da eficiência
instrumental, o fundamento positivista da neutralidade científica pautada de princípios da
racionalidade, eficiência e produtividade imperava neste período. Nesta vertente, a
marginalidade centra-se na incompetência, na ineficiência e improdutividade. No campo das
“Teorias-Reprodutivistas”, a marginalidade foi vista como problema social, sendo que a
educação seria o instrumento de intervenção, transformando ta realidade sociedade. (p. 10, 11,
12 e 13). O desdobramento das “Teorias - Reprodutivistas” se desenvolvem a partir da teoria
do sistema de ensino como violência simbólica; teoria da escola como Aparelho Ideológico do
209
Estado e a teoria da escola dualista. Baseados nas concepções de Bordieu & Passeron (1975),
sobre a violência simbólica (dominação cultural) e a violência material (dominação
econômica), onde em qualquer sociedade em sua formação constrói-se a partir de um sistema
de relações de base e força material entre grupos ou classes sociais. Existe então uma relação
entre a violência material quando esta se organiza determinadamente em fundamentos
econômicos, e o vínculo conseqüente na formação de “um sistema de relações de força
simbólica cujo papel é reforçar, por dissimulação, as relações de força material”. Esta
violência simbólica desenvolve-se de forma variada: no controle e formação da opinião
pública a partir dos meios de comunicação de massa. (p. 18 e 19).
Na Teoria da Escola como Aparelho Ideológico de Estado (AIE)” Saviani trabalhou
com as categorias propostas por Althusser, em sua análise de quando se observa o Estado
como aparelho repressivo e o seu desdobramento nos AIE, instituições sociais a serviço da
manutenção da classe dominante. A escola foi identificada como AIE, como um instrumento
de equalização social constituído como “mecanismo construído pela burguesia para garantir e
perpetuar seus interesses”. Na “Teoria da Escola Dualista”, pautada no pensamento francês de
C. Baudelot e R. Establet (1971), Saviani demonstrou as reflexões destes autores que se
esforçaram em representar escola, apesar da aparência unitária esta instituição dividia-se em
duas, em grandes redes que se manifestam concebendo a sociedade capitalista a partir de duas
classes fundamentais – a burguesia e o proletariado. Esta escola dualista tem seu projeto de
“impedir o desenvolvimento da ideologia do proletariado e a luta revolucionária”. (p. 26, 27).
Em Escola e Democracia”, Saviani expôs seus estudos sobre a trajetória das
tendências educacionais referenciando-se nas bases do marxismo e seu legado teórico. Entre
as discussões sobre as teses; “quando mais se falou em democracia no interior da escola,
menos democrática foi a escola”; “quando menos se falou em democracia, mais a escola
esteve articulada com a construção de uma ordem democrática”. (p. 36). Como derivação
destas teses, Saviani propôs uma teoria, invocando os comentários de Althusser relativos à
expressão atribuída à Lênin, a “Teoria da Curvatura da Vara”. Criticado por manter posições
radicais, Lênin teria usado a metáfora da “curvatura da vara”, quando a inflexão para um lado
deixava-a torta, ocorrendo a necessidade de curvá-la para o lado oposto buscando endireitá-la.
(p. 37). Esta perspectiva, Saviani justifica-se ao pensar o uso desta metáfora leninista:
Meu objetivo era reverter a tendência dominante. Uma vez que a concepção
corrente, na qual o reformismo acabou por prevalecer sobre o
210
tradicionalismo, tende a considerar a pedagogia nova como portadora de
todas as virtudes e de nenhum vício atribuído, inversamente, à pedagogia
tradicional todos os vícios e nenhuma virtude, empenhei-me, no texto citado,
em demonstrar exatamente o inverso... Com efeito, se a vara havia sido
curvada para o lado técnico-pedagógico, o referido slogan forçou-a em
direção ao pólo político... (SAVIANI, 2006, p. 59 e 81).
Sua vertente crítica à “Escola Nova”, baseando-se no ideário de que o movimento
teve comprometimento com os interesses do controle hegemônico da classe dominante.
Realizou então um histórico do escolanovismo no Brasil enfatizando o papel deste movimento
a partir da década de 1920. Sobre o projeto escolanovista, afirmou que a defesa da escola para
todos atenderia aos interesses da burguesia que acreditava na consolidação da democracia,
mas também aos interesses do operariado, “porque ele era importante participar do processo
político, participar das decisões.” (p. 52). A tese de Saviani era a de que a “Escola Nova”
serviria como “armadilha” para a recomposição hegemônica da classe dominante: “E surgiu a
Escola Nova que tornou possível, ao mesmo tempo, o aprimoramento do ensino destinado às
elites e o rebaixamento do nível do ensino destinado às camadas populares...” (SAVIANI,
2006, p. 53). Como projeto de superação ao modelo escolanovista, Saviani propôs a
concepção de uma escola na perspectiva progressista, num ideário onde a educação deveria
ser concebida como ato político.
113
O impacto destas leituras referentes à Escola Nova e a
conjuntura dos anos de 1980, fez com que Saviani percebesse de forma singular a presença da
publicação “Escola e Democracia” e os debates em torno dos temas:
Agora, essa década teve tal impacto que provocou até a impressão de que a
visão crítica de esquerda se tornou hegemônica, porque de fato a produção
intelectual vinha da esquerda, a crítica movida contra as pedagogias
conservadoras e mesmo as pedagogias liberais da década de setenta foi
muito forte, primeiro lançando mão da crítica ao positivismo e depois
tentando ultrapassá-lo. Eu acho que nesse sentido o “Escola e Democracia”
foi um marco, porque ele é de oitenta, é da primeira CBE que eu lancei
aquela polêmica da Teoria da Curvatura da Vara, de Lênin, depois incorporei
o “Escola e Democracia” em 1983, então ali era para demarcar o campo. O
campo da direita, o campo dos conservadores, o campo dos liberais e o
campo da esquerda, o campo progressista, o campo dos que procuram ir
além desta forma de atuação de sociedade.

113
Em Entre o Consenso, a Armadilha e o Labirinto Teórico-Metodológico (ponto N° 3.9 deste Capítulo),
realizo uma análise desta avaliação de Saviani sobre o movimento escolanovista no Brasil republicano, além de
identificar sua utopia redencionista diante do projeto a partir de uma educação progressista.
211
3.6 Paulo Freire, O Nacionalismo Desenvolvimentista e os Debates sobre a Educação
Popular
Acolhido contraditoriamente pela intelectualidade do consenso teórico-metodológico
do marxismo eclético na década de 1980, Paulo Freire retomou suas atividades como
educador e tornou-se uma das referências na (re) construção da educação popular no país.
Freire representou neste período a ponte da nostalgia dos movimentos sociais e da educação
popular promovida da segunda metade dos anos de 1950 até 1965 nos anos do pós-regime
civil-militar. A crítica ao Movimento Brasileiro de Alfabetização – MOBRAL, modelo
imposto pela ditadura como alternativa às Campanhas de Alfabetização de Jovens e Adultos
ocorridas, principalmente no nordeste dos anos de 1960 e a rearticulação da educação popular
dentro das perspectivas pautadas através das comunidades eclesiais de base trouxe a Paulo
Freire a representação de uma liderança aos movimentos sociais, sendo um tipo de ícone da
democracia e educação popular. No confronto entre as naturezas dos projetos, em Freire a
educação era parte de um plano político de libertação social, no MOBRAL o projeto do
regime civil-militar entendia a educação-alfabetização como investimento sócio-econômico,
alicerçado pela ideologia do Capital Humano,
Para o MOBRAL, educação é adaptação, investimento sócio-econômico,
preparação de mão-de-obra para o mercado de trabalho... Enquanto para
Paulo Freire o mundo “é aberto”, podendo caminhar em diversas direções
desde que seja possível a libertação de todos da opressão de uns sobre os
outros, o MOBRAL assume o mundo como “acabado”, dentro do modelo de
desenvolvimento brasileiro (1970/1975) e que necessita de certo tipo de
educação capaz de contribuir com este “modelo”. (JANNUZZI, 1977, p.
207).
A aproximação de Freire com os movimentos sociais e a educação popular esteve na
mediação entre os setores da Igreja Católica comprometidos com a Teologia da Libertação, no
entendimento teórico-metodológico da dialética opressor-oprimido, fundamento filosófico do
pensamento educacional do intelectual pernambucano. As reflexões sobre a libertação a partir
da educação serviram de apoio à interpretação da realidade, fator central dos movimentos
sociais no projeto da educação popular no país. No entendimento de Leonardo Boff, Paulo
Freire foi um dos fundadores da Teologia da Libertação: “A importância de Paulo Freire foi
ter mostrado que o oprimido jamais é somente um oprimido. É também um criador de cultura
212
e um sujeito histórico... A Teologia da Libertação ao fazer a opção pelos pobres contra a sua
pobreza assume a visão de Paulo Freire...” (BOFF, 1996, 497).
Na década de 1980, Freire transitou entre três campos distintos da esquerda política e
que nem sempre estavam integrados, apesar de uma convergência natural nos discursos e
concepções de mundo: Ícone da intelectualidade do consenso teórico-metodológico do
marxismo eclético, do ambiente acadêmico, referência e inspiração da educação popular e dos
movimentos sociais, secretário municipal de educação na gestão de Luiza Erundina, do
Partido dos Trabalhadores de São Paulo, em 1989, atuando então no Estado/governo. A
ascensão dos movimentos sociais e o seu desenvolvimento e organização entre os anos de
1980 trouxe a convergência das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) na presença de um
catolicismo popular e militante, fundamentado na Teologia da Libertação, a reorganização dos
trabalhadores num tipo de novo sindicalismo, crítico ao modelo tradicional historicamente
defendido pelo PCB, até 1964, então hegemônico em sua visão estratégica de se conceber a
“revolução”. A tendência das ciências sociais naquele momento, especialmente na leitura
antropológica sobre as questões da pobreza e da miséria acentuavam a opção de se buscar
alternativas de superação dos problemas sociais, além de se valorizar o discurso “popular”.
Lançado no início da década pela Editora Vozes, em co-edição com a Organização Não-
Governamental NOVA – Pesquisa, Assessoramento e Avaliação em Educação, os Cadernos
de Educação Popular, exprimiam o ideário de educação popular numa perspectiva de um
marxismo simples para se aplicar às condições sociais brasileiras e também como um
instrumento para se “ler o mundo”, tentando transformá-lo. Numa coletânea de sete
Cadernos
114
que reproduziam as falas daqueles agentes, comprometidos nas ações entre as
comunidades, instituições religiosas e sindicais, o objetivo de exposição destes relatos era o
de apresentar novos tipos de “saberes” oriundos das classes populares, numa cultura feita a
partir das realidades e experiências do povo.
115

114
Cadernos de Educação Popular (1984. 4ª. Edição/VOZES): N° 1. “Para Analisar Uma Prática de
Educação Popular”, (COSTA, Beatriz) e “Educação Popular: Um Depoimento”, (VON DER WEID,
Bernard); N° 2. “Depoimento: Fala Um Operário”; N° 3. “Conversando Com os Agentes”, (BEZERRA,
Aida) e “Saber Popular/Educação Popular” (GARCIA, Pedro Benjamim); N° 4. “Só a Gente que Vive é que
Sabe – Depoimento de Uma Doméstica” e “O que é a Seca - Narrativa de Um Camponês”; N° 5.
“Movimento dos Trabalhadores: Um Debate”; N° 6. Do Fruto à Raiz” (TIAGO, Zeca); N° 7. “Saúde e
Educação Popular”.
115
No artigo: Anotações para Um Estudo Sobre o Populismo Católico e Educação no Brasil, PAIVA (1986),
abordou as matrizes do pensamento católico e sua perspectiva populista no que se refere à pedagogia da
educação popular. Acentuou ainda que tal movimento ampliou-se nos espaços acadêmicos enfatizando que o
objetivo, o concreto e imediato seriam os referenciais pedagógicos para a aprendizagem: “Deve ir ao grupo para
aprender. E, como os conteúdos devem servir imediatamente à compreensão e orientação da “prática”, aboliu-se
213
No Caderno de abertura da série, a publicação trouxe a reflexão sobre “uma prática
de educação popular” e num depoimento de um agente e suas intervenções num bairro da
cidade de São Paulo. No primeiro texto, a característica marcante foi na ênfase de um
linguajar simples, acessível de se apresentar as ideias, sinalizando que tais publicações tinham
o objetivo de ingressar diretamente às comunidades populares. Observa-se então a
preocupação de se organizar os conceitos didaticamente, como na relação da educação
popular e a prática social: “O que diferencia uma prática social da outra é aquilo que cada
uma delas transforma (produz, cria, elabora) na sociedade, dentro de relações sociais dadas.”
(1984, p. 8). Esta afirmativa acentuou a conjugação do uso do marxismo como teoria para se
ler a realidade, numa perspectiva dicotômica entre bem x mal, Estado x sociedade,
conservação x revolução. Neste texto, a intenção em se explicar os conceitos de forma
explícita, trouxe uma concepção da categoria classes sociais ao centro de toda reflexão. Neste
sentido, a autora considerou que toda a prática social é uma prática política, como um “jogo
de poder”: “Nas sociedades de classe, o jogo de poder existente nas práticas sociais é um jogo
entre a classe dominante e a classe dominada: a classe dominante procurando conduzir e
controlar cada prática social – e, portanto toda a sociedade – de acordo com seus interesses e a
classe dominada procurando opor-se ao poder que a domina.” (COSTA, 1984, p. 4). A análise
esquemática apresentada demonstrava os princípios de uma leitura reducionista da própria
complexidade social brasileira. Esta classe dominante, uniforme e sem contradições internas
em sua existência e desenvolvimento, automaticamente impõe seu domínio, pois numa
sociedade com estas características, “quem determina as regras desse jogo é a classe
dominante.” (Idem, p. 9). Continuando na lógica marxista, limitada nesta relação “causa-
conseqüência”, a resistência revolucionária vem da reação da classe dominada, “quando brota
da própria necessidade que as pessoas têm de sobreviver como seres humanos, de não serem
oprimidas pela fome, pelo cansaço, pela doença, de não serem exploradas...” (Ibidem, p. 11).
Na perspectiva da resistência das classes dominadas (populares), a educação popular
é uma ação, uma “matéria-prima” de conhecimento criado, transformado, e que nasce das
pessoas que “pensam e refletem sobre a sua experiência vivida”. O que se desenvolveu nesta
concepção de educação popular foi a rejeição dos fatores externos, estranhos à cultura dos
movimentos de base, de uma cultura popular pura, isenta e imune às influências da classe

a curiosidade intelectual: interessa o aqui e o agora e somente aquilo que seja serventia imediata. A conexão tem
que ser vista antes...”. Este pensamento lembra os “padrões ideológicos do populismo russo do século XIX”. In.
PAIVA, Vanilda (Org.). Perspectivas e Dilemas da Educação Popular. RJ, Graal Editora. (p. 23-235).
214
dominante. Sendo assim, desdobrando-se a partir da máxima de proteção de classe, “o
conhecimento é o modo como cada uma apreende e explica todos os acontecimentos da vida:
o trabalho, as classes sociais, as relações pessoais, os fenômenos da natureza, a família, os
valores, as organizações de classe, o movimento dos astros no universo, a própria vida...”
(COSTA, 1984, p. 14).
Entre o consenso teórico-metodológico do marxismo, onde um conjunto de
intelectuais - educadores fizeram uma interpretação sobre as condições educacionais e a
cultura da educação popular desenvolvida no cenário dos anos de 1980, encontrava-se
diferenças no cuidado do uso das categorias marxistas. No campo dos movimentos sociais, o
marxismo foi aplicado dentro de circunstâncias e influências oriundas das experiências
religiosas e sindicais, onde a conjuntura política exigia interpretações imediatas para a
formulação política. No ambiente da produção acadêmica, de certa forma, o ecletismo das
fontes do marxismo produziu um conteúdo diferenciado. A ponte entre o campo da educação
popular e os intelectuais educadores estava justamente na figura de Paulo Freire, pois,
respeitado por ambos os setores, foi usado para mediar estas tendências. Freire também foi à
representação de um passado que se renovou, da experiência dos movimentos de educação de
base dos anos de 1960, dos movimentos civis iniciados a partir de 1958 até 1964 a
emergência da educação como uma das estratégias de democratização da sociedade entre os
anos de 1980.
Na segunda parte dos Cadernos de Educação Popular, No. 1 Von Der Weid depôs
sobre sua experiência como agente oriundo de classe média atuando entre as camadas
populares. A ênfase em situar-se como uma pessoa de classe média fortalecia a categoria de
classe social em sua utilização reduzida e mecanicista e demonstrava a rejeição aos indivíduos
de origens distintas a partir dos fatores econômicos, sociais e culturais. Outra representação
que se estabelecia nesta cultura como verdade absoluta ao conceito de educação popular foi a
concepção epistemológica entre a teoria e a prática. Observa-se no depoimento do agente
popular a defesa pela secundarização da teoria em relação à experiência concreta, objetiva,
predominando então a “realidade” como princípio da análise crítica, como um fim em si
mesmo: “Mas é no esforço de apreender o desenrolar da prática concreta que posso verificar
até que ponto essas referências teóricas estão se dogmatizando ou se estão sujeitas às
reformulações impostas pela própria prática.” (VON DER WEID, 1984, p. 49).
215
O termo “realidade” assumia então um caráter de única referência na dinâmica
metodológica apreendida na Igreja, onde o ver – julgar - agir representava o princípio de
análise da conjuntura social. A experiência pragmática, o real como pressuposto para a
reflexão e formulação política no que abastecia a teoria e esta, sendo vista como um elemento
externo, perigoso, pois formulado pelas classes médias dos intelectuais distantes da realidade,
poderiam deformá-la. Paulo Freire contribuiu para estabelecer esta concepção e que foi
dogmatizada num tipo de defesa dos movimentos sociais que se protegiam de todos os
elementos indicadores de classe (dominante): O Estado, a classe média, a fábrica, a cultura
elaborada dos intelectuais, etc. No Cadernos de Educação Popular Nº 2 ficou evidente este
posicionamento diante da educação formal ou de uma cultura elaborada. O depoimento do
operário e sua experiência a partir de “alguns lugares de trabalho”:
Eu sou um trabalhador que li um punhado de livros, adquiri mil informações
teóricas, participei de muitas reuniões por aí... Mas eu não conseguia
passar... As informações me valeram mais, havia sim uma certa diferença
com o pessoal... Aí eu descobri que tinha que jogar de lado tudo aquilo que
eu aprendi pelo caminho dos livros e daquelas reuniões, e refazer de novo
nas discussões e experiências vividas no dia-a-dia com meus próprios
companheiros de fábrica... Quer dizer, a minha tentativa não é confirmar na
prática as coisas que pensão; e sim é buscar o conhecimento lá, junto com os
companheiros que vivem a mesma realidade que eu. (1984, p. 9).
A leitura da realidade, a partir dela própria, pressupunha a verdade pura e soberana
politicamente, revolucionária porque emergia do povo, sem retoques ou filtros da cultura
elaborada “burguesa”. Primeiro a realidade, depois a teoria ou a teoria emergindo da própria
realidade sendo esta a única mediadora de uma interpretação crítica e libertadora – um
engessamento da própria dialética materialista.
116
As reflexões de Carlos Rodrigues Brandão ofereceram uma ampliação do conceito de
educação popular ao estabelecer uma crítica à própria nomenclatura, advertindo que o termo
poderia pressupor uma dualidade simplista, “oposições binárias”, tais como sociedade civil
contra Estado, oficial versus alternativo, educação de adultos e/ou educação popular,
revelando ou ocultando os interesses e projetos de classe. (BRANDÃO, 1986, 173). Sendo
assim, Brandão alargou não só a nomenclatura “educação popular”, acrescentando a categoria
“educação de subalternos”, mas a análise da complexidade em que apresentava, naquele

116
BRANDÃO, Carlos Rodrigues (1986). Educação Alternativa na Sociedade Autoritária. In. PAIVA,
Vanilda (Org.). Perspectivas e Dilemas da Educação Popular. RJ, Graal Editora.
216
período dos anos de 1980, este campo de atuação política. Ao justificar a educação de
subalternos (educação popular), chamou a atenção de que o termo equivaleria à “educação
com setores populares”, quando o nome oferecia um sentido que “recobre aqui, todos os tipos
de modalidades de trabalho pedagógico dirigido a sujeitos, periferias de cidades, operários,
camponeses e todas as categorias de produtores rurais do trabalho direto, subempregados e
desempregados do campo e da cidade...” (Idem, p. 172). Do projeto identitário da educação de
subalternos, Brandão ressaltou que no plano político, “é uma estratégia social de classe”. Se a
educação escolar se manifestava em modelos fixos em suas experiências didáticas, na
educação formal, outro termo para se ampliar a discussão sobre a educação popular, cada
experiência chamou por um modelo, ou trabalho pedagógico singular. Em sua crítica à
dicotomia entre as relações do Estado e a sociedade Civil verificada nas leituras do campo da
educação popular, propôs uma revisão no que se refere à educação de subalternos e, neste
sentido, avaliou a postura de alguns setores dos movimentos sociais, dentre eles os da Igreja
Católica
117
.
Rodrigues Brandão apresentava, no contexto de suas reflexões, uma preocupação
diante das concepções sedimentadas no ambiente da educação popular, vendo esta relação
como armadilha daqueles que dominam as relações de poder; por isto que chamou a atenção
para a necessidade de se superar os equívocos interpretativos, limitadores do contexto da
educação popular. Diferentemente de um olhar linear e positivista diante dos fenômenos
sociais, pois entre as relações das classes subalternas diante do Estado, ocorria um vasto
caminho de contradições e oportunidades que se apresentam numa dialética própria,
autônoma diante das ações concomitantes da sociedade e do Estado: “De um lado e de outro,
entre as três alternativas de orientação que nos tem acompanhado até aqui, em todo momento
surgem modelos emergentes de trabalho e de educação com sujeitos e comunidades “de
periferia”, “camponesas” e equivalentes. No entanto, jurídica, teórica e praticamente, eles não
substituem modelos anteriores cuja existência, nem por tornar-se a partir de então mais
silenciosa, deixa de ser menos importante”. (BRANDÃO, 1986, p. 200).
A preponderância do marxismo como fonte quase que hegemônica no pensamento
educacional brasileiro dos anos de 1980, alimentou os intelectuais, tanto aqueles envolvidos

117
Na obra de Roberto Romano (1979), “Igreja Contra o Estado” o filósofo de formação dominicana, analisa o
desenvolvimento da Igreja na história política do Brasil, sua capacidade de se transformar, mantendo-se
instituição presente através dos processos políticos e sociais do país. Discutiu ainda o populismo católico e suas
formas de atuação no mundo do laicato.
217
no ambiente universitário, quanto os que vivenciavam a experiência de construção e
participação na educação popular e nos movimentos sociais. De Paulo Freire, o mediador
entre intelectuais destes diversos campos, cabe percebermos a natureza de seu pensamento e
como o próprio tornou-se presente como emblema do pensamento educacional brasileiro.
Suas reflexões espalharam-se como princípios que nortearam a militância na educação
popular, num discurso comprometido com um projeto de libertação, perspectivas evidentes da
década de 1980. Mas o discurso freireano deve ser concebido na trama entre as variações
filosóficas dos anos de 1950 e meados dos anos de 1960, como uma primeira fase de
elaboração de seu pensamento educacional. Identificar então estas matrizes significa a
possibilidade de se entender Paulo Freire e sua importância nos debates educacionais dos anos
de 1980.
Sento Sé (2000), relacionou o pensamento freireano como um “anticanône”, pois “é
concebido como experimento, é inspirado por matrizes filosóficas e concepções de mundo
diversas. Seu próprio criador o submete a redefinições, segundo cada experimento, cada
crítica, cada contexto.” (p. 16). Este elenco de vertentes filosóficas que vão do
existencialismo, das influências fundamentais do Concílio Vaticano II e do pensamento
católico de João XXIII, do isebianismo como projeto político de caráter nacional-
desenvolvimentista, compuseram a formação de Freire, estando presentes com ele em seu
pensamento na conjuntura de transição entre o regime civil-militar, em seu fim e o ingresso
do país à democracia formal. Neste sentido, a leitura desenvolvida por Paiva (1980), no
pensamento freireano e suas origens do nacionalismo desenvolvimentista contribuíram para o
debate nacional sobre as questões fundamentais diante da educação popular, a educação
oficial e o debate sobre a concepção sobre a democracia, a única obra e reflexão deste período
a buscar elementos teóricos para explicar As origens e desenvolvimento deste pensamento.
Nas ideias freireanas e no Nacionalismo Desenvolvimentista, a discussão que permeou a obra
são as percepções e a construção do sentido da democracia, da liberdade, porém difundidos
num leque filosófico contraditório, das influências do pensamento filosófico católico europeu
e latino-americano, do período do pós-guerra e a partir da bipolaridade dos anos de 1960 num
ambiente da “guerra fria”.
Na confluência entre a filosofia da existência e do pensamento católico renovado entre
os anos de 1950-1960, o discurso freireano sobre a democracia é retomado vinte anos após,
sendo uma das referências da elaboração de uma transição política de caráter mais à esquerda.
218
A formulação básica do seu método surge na conjunção do ideário isebiano, principalmente
da necessidade do país fazer a passagem do arcaico para o moderno, através da democracia
formal, entendendo todo o processo como a necessidade de se acelerar a alfabetização, devido
a proibição do voto do analfabeto naquele momento. A influência escolanovista no modo de
se perceber a educação ativa, principalmente nos debates sobre as condições de vida do
educando – alfabetizando. Em Freire está ainda a concepção de democracia americana, na
perspectiva desenvolvida por Dewey, onde a integração das pessoas ao mundo produtivo se
apresentava como projeto educacional e, no caso brasileiro, incluir as massas sociais
marginalizadas nas favelas das grandes cidades do país.
Estes fatos são aprofundados em contradições, apontadas por Paiva (1977), quando
sinalizou que os princípios ideológicos que pautavam o discurso freireano, transformaram-se
no ideário da esquerda política: “Como explicar que um discurso pedagógico de cunho liberal
seja amplamente percebido como de esquerda? Quais são os elementos presentes nesse
discurso, manheimiano, que permitem ir além dele, que sustentam uma releitura à luz da
prática pedagógica ou sob o impacto de novas influências?” (PAIVA, 1980, p. 165). Nas
próprias questões desenvolvidas por Paiva, percebe-se um roteiro para as respostas e
inquietações da intelectual sobre o pensamento freireano. A partir de Manheim
118
, surgiu uma
sociologia da educação, articulada, mas entendida numa revisão de Freire sobre o pensador
húngaro. De seu pensamento social desenvolveu-se principalmente as ideias sobre a
democracia e o seu planejamento; nos temas principais que se apresentavam entre os anos de
1960 na agenda política brasileira, a passagem entre o atraso e o progresso, a transição entre o
arcaico e o moderno, incorporou-se ao pensamento de Freire, numa interpretação particular às
reflexões de Manheim. Na obra “Educação Como Prática de Liberdade”, referência dos
estudos e análises de Paiva, através das ideias isebianas, adaptando-as à conjuntura do início
da década de 1960, Freire acentuou o transito como perspectiva para se alcançar o moderno,
na avaliação que faz do Brasil e as questões da educação nacional:
“Nutrindo-se de mudanças, o tempo de trânsito é mais do que simples
mudança. Ele implica realmente nesta marcha acelerada que faz a sociedade
à procura de novos temas e de novas tarefas. E se todo Trânsito é mudança,
nem toda mudança é trânsito. As mudanças se processam numa mesma

118
De marxista, passou para um posicionamento liberal, quando no transcorrer da 2ª. Guerra se aproximou de
grupos de militares ingleses para discutir as questões sobre o Estado de Bem-Estar Social. Escreveu sobre
planejamento democrático, algo recebido com muita simpatia aos intelectuais do ISEB.
219
unidade de tempo histórico qualitativamente invariável, sem afetá-la
profundamente. É que elas se verificam pelo jogo normal das alterações
sociais resultantes da própria busca de plenitude que o homem tende a dar
aos temas. Quando porém estes temas iniciam o seu esvaziamento e
começam a perder significado e novos temas emergem, é sinal de que a
sociedade começa a passagem para outra época.” (FREIRE, 2006, p. 54).
119
Paulo Freire se apoiou
120
nos estudos em que o ISEB, onde se analisava a situação do
país, a partir de fases a serem cumpridas, ideias que encontramos em Alfred Weber e
Manheim que definiriam, no contexto do nacionalismo desenvolvimentista, a passagem para o
moderno, o urbano, enfim, a fase superior da industrialização. Mas quais são os vínculos de
Paulo Freire entre Manheim e o ISEB? Paiva nos apontou os caminhos para este
entendimento, pois:
“Foi na obra de Manheim que os isebianos encontraram um catalisador das
variadas tendências que ecoaram sobre seu trabalho. Evitando a crítica dos
princípios da sociedade e buscando indicar estratégias que permitissem à
sociedade capitalista evoluir pacificamente num mundo caracterizado pelo
rápido desenvolvimento tecnológico (a Europa dos anos 30/40) e pelas
conseqüentes mudanças no nível da organização nacional, Manheim sintetiza
– mediante propostas práticas e de análises com sentido pragmático – o que
outros autores que influíram sobre os intelectuais do ISEB indicavam de
forma abstrata.” (PAIVA, 2000, 161).
Mas entre Freire e o ISEB encontraram-se também ramificações entre o
existencialismo, o historicismo e o culturalismo, síntese presente no ISEB e seus intelectuais,
Roland Corbisier e Álvaro Vieira Pinto. Na análise e mapeamento das matrizes do
pensamento freireano, Paiva percebeu as redes que constituíram a confluência resultaram nas
ideias do intelectual pernambucano. Entre Vicente Ferreira da Silva e Vieira Pinto, Freire
buscou o problema da consciência, elemento central de seu pensamento. Neste sentido, Freire
forja-se como intelectual influenciado por referências múltiplas e contraditórias, mas fincado
em duas bases próprias, em seus desdobramentos teóricos e filosóficos. Recebeu influências
de K. Jaspers, das obras dos isebianos Vieira Pinto, aproximando-se de um grupo de
intelectuais identificados com o nacionalismo desenvolvimentista:
“Assim, Freire recuperou, ao final dos anos 50 e início dos anos 60, uma
literatura e ideias correspondentes que empolgaram os isebianos históricos

119
Trabalho com a 29ª. Edição publicada, mas sabemos que a primeira edição foi de 1954.
120
No primeiro capítulo deste trabalho identifico a natureza e as vertentes filosóficas do ISEB e a ideologia do
nacionalismo desenvolvimentista.
220
antes mesmo da criação do ISEB e que se fizeram presentes nos seus escritos
ao longo da década. Em seu entusiasmo pelo hegelianismo de Corbisier e
Vieira Pinto (referido diretamente ao seu problema específico: o da
consciência) e pela versão dada por Jaspers ao existencialismo cristão fez
que o desdobramento de suas ideias tomasse rumo que as aproximava
daquelas expostas por Vicente ferreira da Silva...” (PAIVA, 2000, 99).
As influências recebidas de Freire vêm do pensamento social brasileiro e dos clássicos
da literatura brasileira, nas áreas da antropologia e da história. Sendo assim quando analisou o
mundo colonial brasileiro em “Educação como Prática de Liberdade”, tem como fonte E. L.
Berlink, Gilberto Freyre, Padre Vieira, Antonil e especialmente Oliveira Vianna
121
, pois, será
nas suas ideias o apoio que Freire formatará seu pensamento em ralação ao “passado político
brasileiro”. Freire construiu seu ideário a partir dos clássicos da antropologia e sociologia
brasileiras. Sendo assim, trabalhou com o pensamento de Gilberto Freyre e Oliveira Vianna
traduzindo a importância destes dois intelectuais na formação do pensamento social brasileiro
e especialmente em suas análises sobre a história do Brasil e o seu “trânsito”. Em Paulo
Freire, o autor acompanhou ambos nesta concepção, acentuando que em Gilberto Freyre e
Oliveira Vianna a leitura da História não se concebe no pressuposto das “forças sociais” e
suas contradições, mas nos ambiente psicológicos destes grupos. Mais uma vez Freire
encontra na leitura dos clássicos do pensamento social brasileiro, com a mediação do ISEB e
de suas reflexões e neste caso Oliveira Vianna tornando-se fonte dos intelectuais isebiannos a
partir de Roland Corbisier, Guerreiro Ramos e Hélio Jaguaribe. (PAIVA, p. 109, 113).
Entre os anos de 1950 e meados dos anos de 1960, a centralidade do pensamento
freireano esteve nas questões sobre o desenvolvimento nacional e ainda sem a inserção de
uma reflexão sobre as relações de produção, de caráter marxista, o que surgiu em sua obra
Pedagogia do Oprimido”, editada em 1970
122
. Mas Freire é um homem do seu tempo e

121
As presenças do pensamento de Gilberto Freire e Oliveira Vianna serão notadas também nos trabalhos de
Darcy Ribeiro, significando dizer que os clássicos do pensamento social brasileiro e suas matrizes doutrinárias
foram apropriadas considerando as conjunturas de cada época, pelos intelectuais que pensaram a educação no
país na década estudada. A partir da página N° 23 deste trabalho, em Reflexões Sobre Pensamento Social e
Educacional no Brasil e Suas Matrizes Autoritária, identifico as influências de G. Freyre e de Oliveira Vianna,
principalmente este último, entre as principais correntes de influência de um pensamento autoritário republicano
próximo ao projeto político de Vargas. Em Darcy Ribeiro: Nacionalismo - Exaltação e a Utopia Civilizatória,
página 68 deste trabalho, busco identificar esta presença de G. Freire e Oliveira Vianna na obra de Ribeiro, “O
Povo Brasileiro”. Em Paulo Freire e o Nacionalismo Desenvolvimentista, Paiva realiza uma análise
pormenorizada, relacionando a teia de ideias e concepções filosóficas que formariam a “inteligência” freireana a
partir dos clássicos do pensamento social brasileiro e as matrizes do pensamento católico e do existencialismo
humanista europeu.
122
Em “Paulo Freire, Uma Biobibliografia”, os registros sobre a primeira edição da “Pedagogia do
Oprimido”, são as seguintes: “New York: Herder and Herder, 1970ª (manuscrito em português de 1968).
221
recebeu as influências do catolicismo renovado. Na definição desta genealogia católica, Paiva
discorreu sobre as ramificações que variam de uma teologia conservadora ao pensamento
progressista, de caráter “libertador”, também apropriado aos discursos dos movimentos de
educação de base – M.E.B.
123
, ao final dos anos de 1960, revivido na década de 1980,
primeiro como nostalgia, um símbolo de um tempo de organização dos movimentos sociais de
resistência ao autoritarismo militar.
“... o pensamento pedagógico católico vai se processando ao longo da
década, manifesta-se nas concepções pedagógicas do Movimento de
Educação de Base e encontra finalmente, na obra de Freire, uma espécie de
amálgama, que sela a dissolução do conflito ao se apresentar (em 1965) e se
difundir, exatamente no período em que – por diversos motivos – a defesa do
ensino privado perde relevância, seja entre a hierarquia, seja entre os leigos
católicos conservadores.” (PAIVA, p. 117).
A pedagogia formulada por Freire, oriunda das variações deste pensamento católico
traduziu-se na “Pedagogia do Oprimido”, obra que se observa um Paulo Freire, somando às
suas ideias originais de “Educação como Prática da Liberdade”, o princípio da “luta de
classes” e o confronto inexorável entre os interesses antagônicos entre si. Essa dialética
materialista investida dos princípios para um cristianismo latino-americano, invocado por
João XXIII e legitimado pela Igreja do continente, articulou-se numa pedagogia da libertação,
assumida pela esquerda como forma de se preencher um vazio de projeto que faltava aos
próprios setores dos movimentos populares.
124
O discurso produzido pelos movimentos
sociais no acompanhamento da educação popular entre os anos de 1980 foi concebido a partir
desta trajetória, na formação de Paulo Freire abasteceu o projeto político destes setores, ao
fim do regime civil-militar e o retorno à democracia formal. Em seu artigo “Anotações Para
Um estado sobre o populismo Católico e Educação no Brasil”, escrito em 1983, Paiva (1986)
indicou a natureza destes discursos, nas concepções educacionais articuladas nestes
movimentos sociais buscando encontrar as matrizes históricas que direcionavam encontrar as
matrizes históricas que direcionavam este processo.

Publicado com prefácio de Ernani Maria Fiori. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1970...” GADOTTI, Moacir (1996),
p. 262.
123
Na obra “Uma Pedagogia da Participação Popular: Análise da Prática Educativa do MEB – Movimento de
Educação de Base (1961-1966), Fávero (2006) constrói a história deste movimento no nordeste e as correntes
do pensamento educacional que formataram o ideário do movimento.
124
No Capítulo II deste trabalho, em Igreja e Pensamento Social: Contradições entre Intelectuais e os
Catolicismos, cito o pensamento católico progressista que formou a intelectualidade católica, lideranças
acadêmicas e políticas, no tempo-espaço dos anos 50-60 e 1980.
222
A analogia entre os padrões ideológicos do populismo russo e dos
movimentos populistas do terceiro mundo havia sido anteriormente apontada
por Andzej Walick, um dos melhores conhecedores do populismo russo
sobre cujo trabalho se apoiou Kadt... Tais intelectuais teriam horror à
manipulação do povo e seu pressuposto central seria o de que as soluções
para os problemas vividos pelo povo deveriam provir, em última instância,
do próprio povo. As ideias e interpretações dos intelectuais, desenvolvidas
em meio inteiramente diverso, poderiam servir, no máximo, como caixa de
ressonância e não como indicador de caminhos. (PAIVA, 1986, p. 234).
Na leitura proposta neste texto, Paiva identificou o conteúdo do projeto e do discurso
entre os dois ambientes mediados por Freire e suas ideias, “dentro das universidades exprime
a articulação de elementos ideológicos de livre trânsito nos meios católicos progressistas...
eles aparecem radicalizadas nos cursos organizados pela igreja para agentes de pastoral, nos
grupos de assessoria a movimentos de educação popular de inspiração católica e no próprio
trabalho político – pedagógico - pastoral”. (p. 122). Ora, esta leitura neste contexto revelaria,
ou apresentava-se para o debate colocando em jogo a orientação política de parte dos
movimentos sociais, trazendo evidências de que a questão entre democracia – autoritarismo
deveria ser discutida, inclusive pelos grupos que defendiam o ideal da participação, da
ampliação das liberdades civis e a ação de intervenção na sociedade em favor dos interesses
populares. Tanto a revelação das matrizes do pensamento freireano quanto a identificação de
que a natureza da reflexão progressista tinham em comum naturezas contraditórias do “ideal
democrático”, resultaram num debate importante na década de 1980. Em outro artigo,
publicado em 1985, Paiva apresentou argumentos diante da “genealogia” da Igreja, seus
posicionamentos do pós-guerra
125
, mostrando-a como uma instituição com status político de
Estado transnacional, presente nos recantos do planeta, com objetivos próprios entre os quais
o primeiro é a conversão, a “comunicação das consciências”. A discussão é proposta a partir
de sete teses, onde a autora concebeu a trajetória do discurso eclesiástico católico, seus
motivos e interesses políticos até a objetivação do pensamento católico e seu projeto político
manifestado na educação popular, nas orientações pastorais e na formação de suas lideranças
leigas. Nesta perspectiva, Paiva reforça sua tese, e que trouxe forte polêmica e debate na
década de 1980, de que houve uma compatibilidade entre os princípios da Igreja moderna e o
isebianismo, consubstanciado na ideologia do nacionalismo desenvolvimentista, uma
confluência histórica, um encontro de perspectivas filosóficas e políticas, fazendo em

125
Vanilda Paiva (org.). (1985). A Igreja Moderna no Brasil. In. IGREJA E QUESTÃO AGRÁRIA. Editora
Loyola, São Paulo.
223
particular no Brasil os rumos dos movimentos sociais, em meados dos anos de 1960 e
revivido e adaptado às circunstâncias dos anos de 1980. Na Tese No. 4, Paiva apontou o
destino das lideranças leigas forjadas no ambiente dos anos de 1960, a ação da Igreja destes
intelectuais e os destinos de cada um quando do acirramento do regime militar:. “No que
concerne aos leigos, uma parte radicalizou até chegar ao maoísmo. Aqueles, porém, que se
mantiverem fiéis à problemática “massificação x personalização”, através de um trabalho
educativo-pastoral, atenderão ao apelo de João XXIII em número considerável, “indo ao
povo”. Neste contato, eles radicalizaram aspectos da ideologia que endeusa o povo simples e
o seu saber, principalmente no caso do campesinato.” (PAIVA, 1985, p. 32), aspecto que, não
raro, foi enfatizado nos anos de 1970 e 1980, no trabalho com as comunidades de base,
ampliando-se no contexto dos movimentos sociais.
3.7 Herbert de Souza: A Idealização da Sociedade Civil: Um Contraponto à Transição
do Estado Autoritário
Representante de um discurso que esteve fortemente presente nas pressões populares
à Assembléia Nacional Constituinte, interventor-limitador das liberdades civis e os
movimentos sociais irmanados numa sociedade civil atuante, verdadeira instituição
democrática, H. de Souza, o “Betinho”, avaliou a década de 1980 e sua crítica ao
“autoritarismo em nível do executivo federal”, fortalecendo a tese da transição negociada
entre a “ditadura e o Congresso”. Sobre a “forma dramática” diante da morte de Tancredo
Neves e o inevitável governo Sarney, Betinho já sinalizava os rumos do Estado e a e a
decepção com o primeiro governo civil depois dos anos de regime civil-militar: “O período
Sarney foi um dos desgovernos mais prolongados da história brasileira, caracterizado pela
produção da crise social mais profunda, pelo agravamento da crise econômica, por todas as
tentativas de continuísmo e de desmoralização do processo de democratização...” (SOUZA,
1991, p. 26).
Já vislumbrando o impacto neoliberal na sociedade brasileira, identificava na figura
de Collor de Mello o representante das elites responsável em conduzir as reformas, porém,
acreditando na resistência dos movimentos sociais diante do enfrentamento ao poder
constituído. A idealização dos poderes do Estado, numa sociedade viva e combativa, trazia o
224
anseio renovado pela transformação, de fora para dentro do Estado: “Mas ao lado disso a
sociedade civil, os movimentos sociais, os partidos políticos, avançavam no sentido da
democratização como nunca havíamos visto até agora.” (Idem, p. 27). Sua crítica aos
resultados do processo constituinte e à própria Carta Magna acentuou as “falhas graves” como
a questão agrária, mas reconheceu também avanços, principalmente com o fim do poder
absoluto do executivo federal e a recomposição da função do parlamento em todos os níveis.
A apropriação do conceito de sociedade civil numa perspectiva liberal-progressista
126
, já
sinalizava mudanças na concepção marxista, hegemônica no pensamento deste intelectual
militante em décadas anteriores. A revisão de seu pensamento político não significou uma
guinada à direita, ao contrário re-significou sua trajetória, mesclando a nostalgia da década de
1980 com a decepção pelas alternativas feitas “pelo alto” no amadurecimento da transição
política no país. “A lembrança das grandes mobilizações de massa, do entusiasmo produzido
pelo processo de discussão dos grandes problemas nacionais, dos lances de golpe, de
manipulação da mídia, de candidaturas tiradas de algumas cartolas, do baixo nível
transformando em tática eleitoral ainda está insistindo em permanecer no presente, recusando-
se a ser passado, a passar para o tempo do passado...”(p. 28).
3.8 Entre a Militância e o “Fazimento”: Pensamento Social e Educacional de Florestan
Fernandes e Darcy Ribeiro entre os Anos de 1980
Do percurso que este trabalho realizou até o momento sobre o pensamento social e
educacional do país, se destacou as reflexões, falas e as concepções de projeto nacional a
partir de dois intelectuais que vieram da mesma matriz de formação acadêmica, da
Universidade de São Paulo. Florestan Fernandes cuidou de sua carreira acadêmica, pensou o
Brasil a partir de seus estudos sobre as comunidades indígenas, a organização do capitalismo
e da burguesia brasileira. Entre os anos de 1980, Florestan dedicou-se ao mandato de
deputado federal pelo Partido dos Trabalhadores - SP, representando o seu estado na
Assembléia Nacional Constituinte. Darcy Ribeiro buscou conciliar seu caminho entremeando

126
Diferentemente do conceito de Sociedade Civil em Gramsci, que reconhecia nesta categoria a ampliação do
Estado, pertencente então à superestrutura, “Na contraposição Sociedade Civil – Estado, entende-se por
Sociedade Civil a esfera das relações entre indivíduos, entre grupos, entre classes sociais, que se desenvolvem à
margem das relações estatais...”. (BOBBIO, 1983, p. 1210).
225
uma produção científica, nas áreas da antropologia, educação, política, literatura e as
atividades de administrador público. Entre os anos de 1980, compatibilizou as atividades
políticas, exercendo diversos cargos na gestão pública, filiado do Partido Democrático
Trabalhista-PDT. Ambos vivenciaram a década e se constituíram em sujeitos ativos da
conjuntura política e, a partir da educação propuseram um projeto nacional de
desenvolvimento e percepções peculiares sobre a democracia. Na comparação entre o ideário
de Florestan e Darcy, entre os anos de 1980, esteve o objetivo de se identificar a extensão do
pensamento social e educacional de cada um, produzido em décadas anteriores
127
, a
experiência universitária e como suas obras e pensamentos estiveram presentes na década
estudada, além de se buscar suas incongruências e formas de pensar o Brasil no quadro
educacional daquele tempo.
A partir de 1983, Florestan começou a escrever para a Folha de São Paulo,
realizando em sua coluna uma avaliação permanente sobre a “Nova República”. A sua
participação como deputado constituinte representou a defesa pela escola pública e a
democratização da educação, ocupando a Subcomissão de Educação, Cultura e Esportes e
neste espaço de atuação defendeu verbas públicas exclusivas ao sistema público de educação;
autonomia técnico-científico-financeira para as universidades públicas; ensino laico, público e
gratuito em todos os níveis e graus. Destas propostas, algumas foram incorporadas, outras,
pelo caráter ideológico progressista, foram rejeitadas pelo campo conservador constituinte. O
pensamento de Florestan que repercutiu entre os anos de 1980 manteve a coerência da obra
que foi construída nas três décadas anteriores. Suas teses diante da posição da burguesia
nacional, “desprovida da faculdade de autonomia”, limitada a uma expectativa reduzida à
mediação à intervenção do imperialismo no país: As classes dominantes seriam uma mera
“burguesia compradora”, destituída de meios políticos para evitar a regressão a uma condição
colonial e neocolonial, se não dispuseram dessa faculdade para criar e utilizar o seu próprio
espaço político nas relações com seu pólo externo. (FERNANDES, 1979, p. 29).
Florestan manteve esta visão crítica incorporando ao projeto político as convicções
do intelectual-militante e que acreditava numa transição para a sociedade socialista surgindo a
partir de uma revolução burguesa, produzindo a modernização nacional, etapa importante para
as condições objetivas para a transformação social. Sua crítica à burguesia nacional,

127
Florestan Fernandes, a partir da página 49 deste trabalho é analisado considerando seu ideário e leitura sobre
o país. A partir da página 68, identifico o pensamento nacionalista de Darcy e suas perspectivas diante da
formação do Povo Brasileiro.
226
dependente do capital externo, foi o reconhecimento do impasse republicano no avanço da
democracia e ao desenvolvimento econômico. Esta concepção, mantida por Florestan entre os
anos de 1980, separa-o da intelectualidade do que chamamos de consenso teórico-
metodológico do marxismo, hegemônico às realidades educacionais desta década. Se o
conjunto de intelectuais buscava alternativas às etapas da revolução socialista, entendendo o
processo educativo como um dos meios à contra-hegemonia capitalista, reconhecia
timidamente a natureza do “moderno” e os avanços da democracia articuladas no interior das
tendências educacionais liberais, porém, destacava a etapa das possibilidades da implantação
da “modernização” a partir de uma “revolução burguesa”, reflexão preponderante também no
pensamento de esquerda, via PCB, entre os anos de 1960.
128
Quando estudou a “transição democrática”, Florestan criticou os movimentos
contraditórios da classe dominante brasileira nesta passagem entre o regime civil-militar e a
“Nova” República. Ressaltou a própria armadilha montada por uma burguesia
descomprometida com um projeto nacional de desenvolvimento, mas não deixando de fora a
fragilidade da esquerda e suas intenções políticas. Apontou ainda o erro estratégico das elites
na condução política reforçando que a própria burguesia nacional fragilizou-se diante das
possibilidades de construção, inclusive no desinteresse em forjar uma cultura nacional de
desenvolvimento sinalizando o caminho equivocado de se construir um candidato à
Presidência da República de forma artificial (Fernando Collor de Mello): “Se em vez de
apoiarem isso os empresários tivessem montado um “banco de cérebros” e articulado uma
política consistente para sepultar a “Nova República”, liquidar a “transição lenta e gradual e
segura” e oferecer à nação as alternativas burguesas democráticas e reformistas, eles estariam
constituindo para cortar os nós que amarraram o Brasil arcaico ao Brasil Moderno.”
(FERNANDES, 1989, 21/08 – Folha de São Paulo).

128
No artigo Decálogo Em Defesa do Ensino Público, Guiomar Namo de Mello (1986), quando enumerou
princípios em defesa da escola pública sintetizou o pensamento educacional dos anos de 1980 na discussão sobre
a função da burguesia no contexto da educação liberal, “A escola não resolve sozinha as injustiças sociais, nem
a passagem por ela pode mudar a condição de classe. Mesmo assim ela é importante para as camadas
subalternas, pois pode lhes transmitir elementos úteis as suas estratégias de melhoria da vida e de organização
política.” – “1º. ACREDITARÁS NA AUTONOMIA RELATIVA DA ESCOLA PÚBLICA, OU DESISTIRÁS
DE SER UM EDUCADOR COMPROMETIDO COM O POVO. (A escola pública e gratuita foi uma
conquista da burguesia na sua luta pela abolição dos privilégios da nobreza).” O reconhecimento da função
da burguesia como modernizadora dos processos econômicos e políticos, elemento desencadeador de uma
possível revolução social, de caráter proletário, praticamente é abordada de forma tímida nas obras sobre a
educação, no campo do consenso teórico-metodológico do marxismo. In. CUNHA, L. A. (Organizador). (1986).
Escola Pública, Escola Particular e a Democratização do Ensino. SP, Cortez Editora/Autores Associados.
227
No entendimento de Florestan, concebendo o pressuposto de que o desenvolvimento
do capitalismo no Brasil, desde o período Vargas, em 1930, perpassando pelos anos JK e na
ditadura militar, foi conflituoso com um Estado democrático, reduzindo no campo
educacional as possibilidades da “democratização do ensino e sua radicalidade.” (HECKERT,
2005, 113). Pensando na estratégia socialista e a inexorável passagem para a modernização
pelo viés das transformações burguesas, Florestan reconhecia a função da escola pública
como conquista desta classe. Citado por Gadotti (2004), Florestan comentou, em 1961, a LDB
sancionada e sua posição diante do ensino privado analisando o retrocesso de tal Lei: “O que
prevaleceu foi à vontade da Igreja Católica e as aspirações dos donos das escolas particulares,
contra a orientação que caracterizava a política educacional que herdamos da I República, e
que devíamos defender, intransigentemente, de envolver financeiramente o Estado apenas na
expansão do sistema público de ensino.” (FERNANDES, 1961, O Estado de São Paulo).
Este é, pois, outro aspecto qualitativo e diferencial nos debates sobre a educação
brasileira na década de 1980, entre Florestan e o “intelectuais do consenso teórico-
metodológico do marxismo”. Enquanto Florestan não se comportou como um pensador social
atado aos labirintos oferecidos a partir de um marxismo dogmático, realizando uma leitura
crítica e ponderada em relação à “Escola Nova”, avaliando-a como processo histórico
interrompido de uma fase republicana importante para a formação política da sociedade, os
intelectuais - educadores, cercados pelo ecletismo marxiano e marxista, elegeram a “Escola
Nova” como a representação do modelo liberal, reprodutora do projeto de dominação
capitalista. Florestan é um liberal? Absolutamente não o é, ao contrário, mantém-se na lógica
de um marxismo - trotkismo moldado por uma cultura acadêmica que qualificou a sua
reflexão, numa interpretação crítico-social que elaborou a partir da matriz marxista,
historicizando seu pensamento às contradições sociais.
Se Florestan envolveu-se nas questões parlamentares, buscando formular um projeto
alternativo para a nação e especificamente para a educação brasileira, Darcy Ribeiro
comprometeu-se com a implantação de um projeto político educacional no estado do Rio de
Janeiro. Em 1983, tomou posse como vice-governador, sendo liderado por Leonel Brizola, no
Partido Democrático Trabalhista-PDT. No governo, acumulou as funções de Secretário de
Ciência e Cultura, Diretor do Teatro Municipal, FUNARJ/FAPERJ e Coordenador do
Programa Especial de Educação - PEE. Este PEE, forjado para a implantação da recuperação
da escola pública visando sua ampliação de vagas, sendo que, “o grande objetivo, a ser
228
cumprido dentro do quadriênio do mandato governamental, é democrático, capaz de ensinar
todas as crianças a ler, escrever e contar, no tempo devido – e com a correção desejável.”
(RIBEIRO, 1986, p. 35). Mas o PEE concentrava-se na idealização e expansão de um novo
modelo de escola, os Centros Integrados de Educação Pública, bandeira e prioridade do
governo Brizola
129
.
No pensamento educacional brasileiro da década de 1980 e a expressão de parte
deste no Rio de Janeiro, convém traçarmos a discussão na coerência das reflexões e trajetória
de Darcy Ribeiro, buscando encontrar no PEE, via CIEPs, sinais do ideal do nacionalismo –
exaltação, contido em sua obra “O Povo Brasileiro”. O plano educacional e os CIEPs foram
também expressão do projeto político de Leonel Brizola, no desejo pessoal de se alcançar a
Presidência da República. Da implantação destas escolas entre os anos de 1980 e 1990, existe
um número elevado de estudos aprofundados sobre a natureza, impacto, filosofia dos CIEPs e
sua presença no estado do Rio de Janeiro.
130
Em junho de 1979, na sede do Partido Socialista Português, em Lisboa, encontraram-
se as lideranças espalhadas entre os continentes, brasileiros no exílio, e, em sua maioria,
àqueles comprometidos com o movimento do trabalhismo no Brasil, envolvidos com o último
governo civil do pós-1964. A vontade deste grupo foi o de organizar um Partido que viesse a
garantir os valores de esquerda, de um socialismo democrático aos moldes do que surgira na
Europa, pautados nos ideais do trabalhismo, no legado de Vargas, Alberto Pasqualini, João
Goulart e na expressão viva, herdeiro das bandeiras deste movimento, Leonel Brizola. A
releitura das estratégias políticas na conjuntura que sinalizava o esgotamento do regime civil-
militar e o reagrupamento das forças políticas sejam presentes no exílio ou em território
nacional, fazia com o grupo de Brizola buscasse alternativas à manutenção do trabalhismo
renovando-o, principalmente dando-lhe um discurso moderno referenciado na social-

129
Na Dissertação de Mestrado: “As Razões da Descontinuidade: Centralização e Descentralização do
Ensino no Estado do Rio de Janeiro – O Exemplo de Paracambi.” analiso os antecedentes e a política
educacional dos governos em que Brizola esteve à frente: Capítulo 2: A (Des) Construção do Sistema
Estadual de Educação: Centralização e Descentralização como as Razões da Crise”. (SANTOS, Lincoln de
Araújo. UFF, 2003).
130
Não é objetivo deste trabalho o de aprofundar um diagnóstico sobre os CIEPs, fato este já desenvolvido
amplamente em trabalhos acadêmicos, mas discutir seu ideário a partir do pensamento social e educacional dos
anos de 1980. Destaco os primeiros trabalhos a serem considerados na análise sobre os CIEPs: EMERIQUE,
Raquel Balmant. (1997). Do Salvacionismo à Segregação: A Experiência dos Centros Integrados de
Educação Pública do Rio de Janeiro. RJ. UERJ. (Dissertação de Mestrado); MIGNOT, Ana Chrystina
Venâncio. (1988). CIEP - Centro Integrado de Educação Pública. Alternativa Para a Qualidade de
Ensino ou Nova Investida do Populismo na Educação? RJ. PUC. (Dissertação de Mestrado); SANTOS,
Jailson A. (1994). Os Governos do Estado do Rio de Janeiro e o Financiamento do Ensino Fundamental:
As Mudanças Sem Diferença (1980 – 1989). RJ. FGV/IESAE. (Dissertação de Mestrado).
229
democracia européia, de vertente acentuada na Internacional Socialista: “Alguns
sobreviventes da luta armada e militantes mais jovens apostavam na possibilidade de
recuperar a vocação popular e a capacidade de mobilização de massas do antigo trabalhismo,
redefinindo-o e atualizando-o mediante a incorporação de novos temas da agenda política
brasileira e internacional.” (SENTO-SÉ, 2007, p. 433).
A figura de Brizola tornou-se, naturalmente, o centro da organização deste Partido
Político, vislumbrando as possibilidades objetivas de conquista do poder no Brasil. O legado
trabalhista, na tríade Vargas – Jango - Brizola tornou-se singular na configuração destas
lideranças, todas oriundas da mesma região, o Rio Grande do Sul. A geografia influenciou e
determinou a cultura política projetando-se como ideário, como programa de governo,
embalando a utopia nacionalista misturada ao projeto educacional. Este trabalhismo renovado
não abandonou a tradição, metamorfoseou-se cultivando contraditoriamente o novo – velho,
pensando o Brasil a partir das bases do castilhismo republicano, seus princípios filosóficos e
agenda política, dentre os pontos fundamentais, o ímpeto no investimento à educação. A
síntese deste novo Partido estava na ideologia, no somatório de princípios como democracia,
socialismo e o nacionalismo. (SENTO-SÉ, 2007, 440). O trabalhismo renovado assumiria
contornos de um projeto socialista, mas com especificidades de natureza nacional, da cultura
brasileira e de sua sociabilidade onde a frase cunhada do próprio Darcy, durante a campanha
ao governo estadual em 1982, defendendo um novo modelo político para o Brasil, um
socialismo moreno, repercutira de tal forma que:O nacionalismo aí observado, portanto, não
era apenas de ordem econômica, mas, também, cultural, social e política. Tratava-se de forjar
um socialismo à brasileira, uma democracia à brasileira, uma cultura à brasileira, um povo
efetiva e genuinamente brasileiro.” (SENTO-SÉ, 2007, 442).
A criação da sigla do Partido Democrático Trabalhista - PDT trouxe a realização da
primeira etapa do projeto político de Brizola, este concebido ainda nos tempos de exílio e a
vitória nas eleições de 1982 significando possibilidades reais de iniciar o seu projeto maior, a
Presidência da República. Sento-Sé (2007), quando analisou a ramificação partidária na
conjuntura política dos anos de 1980 observou a presença singular do PDT como instituição
entre o passado e o presente, atualizando projeto e discurso, apegado a história republicana
galgada nas trilhas de Vargas e Jango, mas preocupada com as questões contemporâneas
sociais, acirradas pelo regime militar e o capitalismo excludente. Nesta perspectiva, se a
bandeira do PMDB concentrou-se na “questão da democracia”, os princípios do PT estavam
230
voltados na “defesa dos trabalhadores”, o PDT caminhava sua conduta centrada nas
“minorias” (Idem, p. 436). Os Centros Integrados de Educação Pública exprimem este
pensamento, na utopia de um socialismo moreno, instrumento de promoção de bem-estar
social, no atendimento as crianças em tempo integral, onde “O CIEP inaugura uma nova etapa
na história da educação de base em nosso país aquela em que os direitos das crianças
começam a ser efetivamente respeitados, mediante a oferta de um programa educacional
integrado, capaz realmente de mobilizar para a aprendizagem o potencial dos alunos.”
(LIVRO DOS CIEPs, 1986, p. 47).
Os CIEPs na década de 1980 traduziram o projeto político do PDT apropriando-se
das reflexões políticas de Darcy Ribeiro e suas formulações antropológicas e educacionais
sobre o Brasil a sua formação nacional. A proposta pedagógica dos CIEPs defendia a ruptura
com o “antigo isolamento da Escola Pública”, buscando refazê-la, tornando-a “promotora
efetiva da maior participação social das classes mais pobres”. O zelo com as minorias,
excluídas do modelo produtivo capitalista, sejam estes nos negros, mulheres e
prioritariamente as crianças, dando-lhes vez e voz, oferecendo-lhes pela educação uma
identidade, resgatando-lhes em sua origem de “ninguém”, forjando assim uma civilização do
terceiro milênio, conforme idealizou Darcy Ribeiro em sua obra “O Povo brasileiro”.
131
A
Escola Pública em seu resgate através dos CIEPs seria na concepção de Darcy e Brizola a
redenção destes abandonados pelo modelo econômico e de um sistema educacional perverso,
onde a “ninguendade” da formação do povo brasileiro estaria presente, reinventada como
cidadania, exaltando um nacionalismo próprio, culturalmente identificado como um marco
político e educacional brasileiro.
132
A afinidade de Darcy e Brizola, sendo o primeiro com o discurso e a formulação e o
segundo com o projeto político, conciliou também, na composição dos CIEPs, com a
arquitetura de Oscar Niemeyer. Para Brizola, “O CIEP era uma nova instituição que surgia,
“questionando, por dentro, esta realidade social injusta, desumana e impatriótica.” O projeto

131
Neste trabalho, a partir de: Darcy Ribeiro: Nacionalismo - Exaltação e a Utopia Civilizatória, página 68
deste trabalho comento a idealização de Darcy Ribeiro em “O Povo Brasileiro”, sua forma de conceber as
matrizes da formação do povo brasileiro. Apresenta a metáfora de formação do brasileiro a partir de uma
ninguendade”, origem do brasileiro a partir das misturas raciais entre negros, brancos e a cultura indígena e
suas condições antropológicas, culturais e sociais de “nascimento”. O “ninguém” seria uma nova identidade de
um povo (brasileiro) que surgiu como aqueles bastardos resultantes dos contatos entre os status sociais e
culturais diversificados, impactados por hábitos, costumes, espaços físicos em conflito.
132
Em “Nossa Escola é Uma Calamidade” (...), RJ, Editora Salamadra, Darcy realizou um diagnóstico sobre a
educação no Brasil fundamentando a partir daí o plano de intervenção de uma nova escola pública, os CIEPs.
231
de Brizola, via CIEPs, garantiria que “estas novas escolas proporcionariam às crianças,
alimentação completa, aulas, a segunda professora que os pobres nunca tiveram esporte, lazer,
material escolar, assistência médica e dentária...” (LIVRO DOS CIEPs, 1986, p. 8). Para
Niemeyer sua defesa em relação aos CIEPs ressaltou sua filosofia de intervenção no espaço
físico “O pré-fabricado limita a nossa fantasia, o nosso desejo de especular nos requintes da
técnica do concreto armado.” Examinando o projeto do CIEP, é fácil constatar como nele o
concreto é bem concebido e como apesar das limitações do pré-fabricado ele se apresenta
inovador plasticamente. (Idem, p. 110). Em seu projeto pedagógico dos CIEPs, a lembrança
permanente das concepções educacionais de Anísio Teixeira e o modelo das Escolas – Parque
serviria na implantação da filosofia educacional, mesclando linhas pedagógicas,
proporcionando um amplo leque de tendências no campo do ensino-aprendizado.
133
Nesta
perspectiva, os CIEPs não fazem parte do campo intelectual que chamo aqui de consenso
teórico-metodológico marxista, concentrado hegemonicamente em São Paulo, apesar de se
reconhecer a sociedade de classes, as injustiças sociais oriundas das relações de produção, o
projeto pedagógico dos CIEPs não explicitou uma opção teórico-metodológica, em sua
totalidade do marxismo.
Nesta tensão entre o passado – presente, movimento permanente e como
característica essencial em sua identidade de Partido Político, o PDT primou sua existência a
partir de fatos históricos, datas marcantes da tradição trabalhista, elementos que inauguravam
o traço da cultura partidária e a sua forma de apresentar-se a sociedade. Sendo assim, o
suicídio de Getúlio Vargas e a Carta Testamento (1954), o retorno de Leonel Brizola do
Exílio e a reunião de Lisboa (1979) e especialmente para a educação, o Encontro de Mendes
(estado de Rio de Janeiro – 1983). O Encontro de Mendes, um verdadeiro “anticongresso de
características inéditas no país” (p. 31), segundo comentário oficial contido no LIVRO DOS
CIEPs (1986), agregou professores que discutiram os problemas educacionais ficando no
imaginário partidário pedetista como o marco impulsionador dos ideais da educação pública

133
Para L. A. CUNHA (2001), “A proposta pedagógica dos CIEPs era bastante confusa, já que não derivava de
uma concepção geral. Resultou da junção de propostas de grupos de trabalho das diversas áreas do currículo do
1º. Grau, o que propiciou a justaposição de variadas correntes de pensamento, dificilmente articuláveis umas as
outras, como as que se inspiravam no populismo de Paulo Freire, no ativismo de Jean Piaget, no psicologismo de
Carl Rogers ou na diretividade de Antonio Gramsci... O termo integrado, do nome da escola que se queria criar,
não tinha um significado preciso, cada um podendo lhe atribuir o que quisesse, já que não havia uma definição
para ele. Parecia que o uso desse adjetivo pudesse valorizar o designado, como se ele fosse chamado “novo”,
“alternativo”, “comunitário”, “moderno”, termos que atraíam a simpatia geral, dispensando maiores
explicações.” – CUNHA, L. A. (2001). Educação, Estado e Democracia no Brasil. RJ. Cortez
Editora/EDUFF/FLACSO.
232
no estado do Rio de Janeiro. Entre homens e ideias, os CIEPs foram à confluência, em suas
concepções e idealização política, das matrizes de um pensamento republicano. Foi castilhista
no ideal de se investir em educação e cultura como forma de se alcançar o desenvolvimento
pleno, formando o cidadão. Foi também fonte das reflexões de Darcy Ribeiro, num eclético
campo educacional que perpassou pelo escolanovismo de Anísio Teixeira
134
, o traço
modernista de Niemeyer – na lembrança estética do legado da Pampulha (BH), de Brasília e
do projeto de universidade contido na UnB, no castilhismo marcante da formação política da
liderança principal deste projeto político, além do nacionalismo exaltação, presente como
utopia de formação do povo brasileiro.
3.9 Entre o Consenso, a Armadilha e o Labirinto Teórico-Metodológico
Realizando uma avaliação crítica em relação à evolução do pensamento socialista no
Brasil entre os anos de 1970-1980, entre o papel do Estado numa polarização entre o
“estatismo” autoritário do regime civil-militar e o “liberalismo” como projeto da oposição
comprometida com a transição política, “fazendo com que o pensamento socialista
encontrasse dificuldades para conceber o seu próprio espaço de reflexão”. Em seu
entendimento, principalmente a partir das ideias gramscianas limitaram-se ao campo de
análise considerando o autor restrito ao “teórico das superestruturas”. (SADER, 1990, 11).
Da discussão que se apresentou como pressuposto teórico para a leitura sobre o
problema educacional dos anos de 1980, o marxismo e o ideário original da filosofia
marxiana, já situado como eclético na variedade de fontes e que foram introduzidas como
filtros de apoio e sustentação teórica diante da educação como paradigma de análise. Esta
variedade, oriunda da literatura clássica das obras de K. Marx e F. Engels, passando pelos
intelectuais formados na matriz da Escola de Frankfurt e aqueles resultantes de uma recente
geração de intelectuais, filhos conseqüentes da cultura dos movimentos de 1968,
influenciaram a rede de intelectuais - educadores brasileiros, da geração de formandos nos
mestrados e doutorados das Universidades Brasileiras, introduzidos entre o final dos anos de
1960 e o transcorrer dos anos de 1970. Na lógica de interpretação no uso do marxismo como

134
No artigo “50 Anos de Governo Pedro Ernesto, de que espólio falamos?”, Paiva, (1985) debate as vertentes
que identificarão as diferentes matrizes do pensamento educacional entre Paulo Freire, Darcy Ribeiro e as
referências à Anísio Teixeira.
233
principal formatação de um modo de se ler e interpretar a realidade educacional brasileira teve
como conseqüência um ideário comprometido com os limites teóricos propostos por essas
categorias conceituais. Mesmo até com a variedade de autores e suas nuances diante do
pensamento produzido num tipo de armadilha teórico-metodológica, num labirinto construído
a partir das próprias reflexões oriundas deste padrão epistemológico. Ainda com o
alargamento das visões de um marxismo crítico, no enfoque político – cultural entremeado às
reflexões Gramsci e também na inserção da categoria Aparelhos Ideológicos de Estado de
Althusser, o pensamento educacional brasileiro mergulhou nas características gerais deste
pensamento. Numa leitura latino-americana a partir de Althusser, o pensamento da chilena
Martha Harnecker marcou presença no Brasil, tendo inclusive contato com brasileiros nas
discussões sobre “os conceitos elementares do Materialismo Histórico”, em curso oferecido
na Europa. Sua obra teve influência na igreja e também na militância política, através de seus
estudos relativos à K. Marx, Lênin e Althusser.
135
O determinismo diante do projeto político caracterizado ainda num historicismo que
reduzia a importância de fatos e processos históricos, tais como a importância do primeiro
período republicano e a ascensão do movimento escolanovista. Na desconsideração de se
reconhecer atitudes regionais dos governos em estabelecer reformas educacionais da década
de 1920, a criação da ABE, em 1924, como um núcleo de debates e preocupações diante dos
problemas da educação nacional e o próprio movimento de intelectuais que se misturavam
doutrinariamente formando um leque de concepções educacionais convergindo para os
princípios escolanovistas. A generalização dos processos históricos, reduzindo a categoria
burguesia como uniformização de uma determinada classe social entre os anos de 1930 fez
com que a máxima de que a “Escola Nova” fosse um movimento de caráter liberal, num
sentido a - crítico, sem perceber as diferenças internas deste pensamento ao longo das
experiências políticas e na formação dos intelectuais entre a monarquia e a inauguração da
república no país. Nisto, José Murilo de Carvalho nos auxilia em sua análise sobre as

135
Principais obras: Harnecker, Marta (1999): Haciendo posible lo imposible: La izquierda en el umbral del
siglo XXI; Harnecker, Marta (1990): América Latina, izquerda y crisis actual: Izquierda y crisis actual, Siglo
Veintiuno Editores; Harnecker, Marta (1986): La Revolución Social: Lenin y América Latina, Siglo Veintiuno
Editores, 307 páginas.
234
correntes filosóficas de se misturam na transição Império-República e como estas ideias se
adaptam à cultura nativa.
136
Dentro do espectro da própria literatura marxista e do projeto político proposto pelo
movimento comunista no Brasil, a burguesia teria uma função revolucionária importante na
transição entre o atraso e o moderno, este configurado nas bases econômicas via
industrialização. Nesta perspectiva, a revolução proletária deveria ser precedida por uma
revolução burguesa, garantindo assim um cenário propício para as profundas transformações
sociais. Já identifiquei as diferenças desta concepção dentro do próprio campo dos intelectuais
à esquerda, principalmente nas avaliações conjunturais de Florestan Fernandes, seu
reconhecimento da importância deste pensamento liberal - escolanovista de início de século
XX, em oposição ao próprio consenso teórico-metodológico de intelectuais – educadores da
década de 1980, onde estes viam na burguesia a classe dominante promovendo culturalmente
seu controle social a partir dos princípios que foram defendidos pela “Escola Nova”, o que é
de forma correto, porém isolando esta avaliação conjuntural da história republicana e suas
especificidades, aspecto percebido em Florestan Fernandes. A aplicação restritiva da categoria
burguesia na análise histórica da educação brasileira voltada às características deterministas
negligenciou fatores variados do processo histórico na constituição do movimento
escolanovista no país e que deveria ser percebido como um movimento amplo, com
intelectuais de diversas matrizes doutrinárias em suas visões de mundo e de educação, porém
mantendo uma síntese programática, um projeto para o país que se apresentava naquele
momento, apresentado em documento como o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, de
1932. A indagação é pertinente para se buscar as razões deste uso do termo burguesia pelo
consenso teórico-metodológico do pensamento educacional da década de 1980: Que
liberalismo? Qual burguesia?
A contribuição de Werneck Vianna nos auxilia na ampliação destes termos,
liberalismo e burguesia, ambos tendo o cuidado de inseri-los nas conjunturas históricas em
que emergem e o cuidado de observar suas matrizes nativas de profundo caráter autoritário.
Sendo assim, “nosso” liberalismo manifestou-se de forma contraditória no país, não como um
processo automático buscando igualar este mesmo movimento dos que ocorreram na Europa e

136
Em O Estado Republicano, o Rio de Janeiro e a Cidadania que Faltou, no Capítulo I deste trabalho, a partir
da página 18, apresentei os debates sobre o pensamento republicano que se inaugurava, seus conflitos e
contradições a partir das visões de mundo diante de uma nova forma de governo e o seu caráter autoritário, bem
como as observações de José Murilo de Carvalho, Wanderley Guilherme dos Santos e Renato Lessa.
235
nos Estados Unidos onde a cultura liberal e a formação da burguesia seguiram trajetórias
próprias, historicamente comprometidas com a formação nacional, econômica e cultural
destas sociedades. No caso brasileiro, “O liberalismo devia consistir em uma teoria confinada
nas elites políticas, que saberiam administrá-lo com conta – gotas, sob o registro de um tempo
de longa duração, a uma sociedade que ainda não estaria preparada para ele, sob pena da
balcanização do território, da exposição do caudilhismo e à barbárie.” (WERNECK
VIANNA, 2004, p. 45). Sobre 1930, Saviani, em Escola e Democracia, tratou o movimento
liderado por Vargas aplicando-lhe o conceito de classe dominante numa perspectiva uniforme
fazendo a entender que o projeto liberal no país fosse um bloco coerente e linear. Cabe então
perceber que os fatos desdobrados a partir de 1930 acentuaram os princípios do controle
autoritário do Estado, com permanências políticas, sociais e culturais do antigo regime
monárquico ressaltado no golpe de Estado republicano. Da mesma forma que não se concebeu
a característica de classe dominante (quais?) unitária em sua natureza no país, pois há
interesses difusos dentre os setores dominantes, principalmente entre o mundo agrário e os
setores urbanos e industriais em ascensão neste período.
A (in)definição do conceito de democracia em sua precisão também representou ao
pensamento educacional dos anos de 1980 tentativas de idealização diante do projeto que se
apresentava. Presos à armadilha epistemológica do marxismo eclético, intelectuais –
educadores, se ao mesmo tempo buscavam uma utopia libertária entendendo a função
educacional como instrumento para a “elevação cultural das massas” garantindo-lhes um
processo educativo eficaz na busca do socialismo, a inexistência difusa de um projeto
concreto tornava as análises sobre a realidade brasileira um labirinto a ser explorado.
137
Analisando o fim do Estado a partir de Marx, Lênin e Gramsci (entre os conceitos sobre
sociedade política e sociedade civil), Saviani defendeu que o primado da política e a
submissão da educação em uma sociedade de classes se encerrariam. Neste caso, num
processo de ruptura onde “a dominação cede lugar à hegemonia, a coerção à persuasão, a
repressão se desfaz, prevalecendo à compreensão. Aí sim, estarão dadas historicamente as
condições para o pleno exercício da prática educativa.” (SAVIANI, 2006, p. 87). Este fim
esperado seria então a manifestação da prática educativa ocorrendo efetivamente no campo
político hegemônico do socialismo, onde a sociedade civil ampliaria – absorveria a sociedade

137
No Capítulo II deste trabalho faço comentário sobre a composição dos artigos desta rede de intelectuais onde
a “utopia” libertária, via educação e cultura, e a redenção revolucionária apareceria com vários nomes e títulos:
ruptura”, “emancipação”, “grande síntese”.
236
política. Encerrava-se a política como um primado para o exercício da democracia?
Encerravam-se aí os antagonismos de classe? No pensamento educacional dos anos de 1980,
entre aqueles articulados no consenso teórico-metodológico do marxismo, o ponto de chegada
apresentava-se de várias formas, pelo viés da democracia ampliada nos mecanismos de
participação social e de decisão na escola, pela construção de uma nova consciência
individual e coletiva, promovida no ensino e este visto não como um mero reprodutor do
pensamento dominante, mas a partir de conteúdos crítico – sociais historicizados e
comprometidos com as transformações sociais na crítica ao modelo econômico do
capitalismo. Se o projeto político das esquerdas entre os anos antes do golpe civil-militar
ocorrido no Brasil apontavam para uma primeira etapa da revolução burguesa, aspecto que
unia de certa forma setores diferentes, tais como o nacionalismo desenvolvimentista isebiano,
nos anos de 1980 o projeto revolucionário não deveria mais aguardar a burguesia,
aprofundando o ambiente para o acirramento final e o confronto entre as classes, buscando
assim a ruptura e as novas condições culturais e educacionais ao povo.
237
CONSIDERAÇÕES FINAIS: Entre utopias e labirintos... Reflexões pós Tese...
O consenso teórico-metodológico como um filtro de interpretação sobre a educação
brasileira entre os de 1980 representou a metáfora do labirinto. Dédalo, criador da obra
arquitetônica, foi vítima da própria idealização, testemunhando ainda a morte de Ícaro. O
marxismo eclético, apropriado pela intelectualidade neste período criou impasses
epistemológicos para a leitura da educação brasileira. A crítica generalizada ao movimento
escolanovista como expressão máxima da ideologia dominante através da educação, bem
como a exegese de se conceber a categoria de classes sociais no Brasil de forma rígida, sem
perceber as singularidades das relações de produção, as peculiaridades próprias da história
social brasileira, sedimentaram um olhar restrito à dimensão histórica da educação, revelando
um labirinto que ao propor caminhos diversos, as alternativas percorridas retornavam sempre
para o mesmo caminho.
O pensamento educacional brasileiro e suas reflexões oriundas da década de 1980
tiveram a importância histórica em conceber uma reação ao regime civil-militar e ao modelo
de educação imposto neste período. O discurso favorável à democracia, à participação dos
atores responsáveis para a reconstrução da escola pública, popular, crítica e cidadã
referenciou a utopia da redemocratização, luta-esperança que foi além dos limites da
educação, impulsionada pelos movimentos sociais. A igreja, os partidos políticos, intelectuais,
sindicatos, várias instituições tramaram juntos o desejo de transformação e liberdade, de
justiça social na conjuntura que se inaugurava. Mas o jogo das decisões políticas feitas pelo
alto, conforme leitura de Werneck Vianna, a tradição republicana do pacto intra-elites
funcionou de forma incisiva nos momentos cruciais dos anos de 1980, traduzindo-se nas
eleições congressuais para a Presidência da República e na fatalidade de termos o primeiro
presidente civil, do pós - regime ditatorial, um personagem político nascido das entranhas do
autoritarismo, comprometido com ele, sendo um dos fiadores da transição, representante do
dilema republicano brasileiro: filho do udenismo urbano e das práticas do coronelismo
brasileiro, típica característica da República Velha.
A utopia das ruas e das reflexões, sinceras no desejo de mudança, na educação
significou uma veemente crítica à falência da escola pública, resultante da opção política do
regime civil-militar em favorecer a rede privada de ensino. O intelectual forjado neste tempo
criou o seu ofício como um ato político, responsável em elaborar uma reflexão sobre o seu
238
tempo. Pensar um projeto para o país, escrever, ministrar aulas e palestras – atos/eventos em
defesa da democracia – o educador usou suas melhores “armas”. Mas quais são os limites
entre a utopia e o labirinto? As pistas para a resolução desta questão podem estar na forma em
que a sociedade vem se comportando na construção de uma república que pouco se
comprometeu com os valores culturais da cidadania. A inauguração da República significou
um povo atordoado que buscava entender uma nova cultura política que se estabelecia num
ideário autoritário daqueles que defendiam a nova forma de governo, na imposição de
princípios importados dentro de um liberalismo político nunca antes experimentado no
cotidiano social. José Murilo de Carvalho (1991) analisou esta transição monarquia –
república identificando o cenário do Rio de Janeiro num tipo de República artificial, alheia às
práticas sociais da cidade, distante dos costumes e sociabilidades desenvolvidas por
brasileiros da época.
138
Ícaro experimentou a liberdade e faleceu. Dédalo, criador do labirinto, encarcerou-se
na edificação que criara. As utopias libertárias dos anos de 1980 sofreram com o impacto e a
vitória do autoritarismo republicano. No campo da reflexão teórico-metodológica, no
consenso diante das análises sobre a educação, o marxismo eclético contribuiu para um tipo
de interpretação sobre a educação e o Brasil, mas limitou-se a reduzir o processo educacional
aos mecanismos epistemológicos da generalização entre as categorias do marxismo na história
social da educação no país. Isto não desvalorizou a geração de intelectuais que formularam
uma leitura sobre a educação brasileira, pois se tem hoje o retrato de um tempo que contribuiu
na tentativa de se entender o país e seu caminho de conquistas no campo da democracia.
A leitura - interpretação da educação brasileira sob a ótica do marxismo criou no
contexto da década de 1980, uma análise dependente do uso das categorias conceituais de
forma a acentuar características de um pensamento que já estava sendo revisto em outras
regiões do mundo. O uso de um determinismo diante da leitura dos processos históricos, a
crença que a redenção próxima traria as transformações radicais ao país, foram as bases desta
visão teórica sobre a conjuntura histórica da educação brasileira. Mas cabe aqui a
consideração de que mesmo com a identificação deste marxismo, os intelectuais que se
apropriaram das categorias de Althusser, Gramsci, Poulantzas, Adorno, Snyders, dentre
outros, utilizaram os instrumentos disponíveis como um campo teórico de resistência ao

138
CARVALHO, José Murilo de. (1991). Os Bestializados: O Rio de Janeiro e a República que Não Foi. SP,
Companhia das Letras/Editora Shwarcs; 3ª. Edição.
239
regime civil-militar, buscando ler o Brasil e especialmente a educação sob a vertente de que
se trouxesse vigor teórico de enfrentamento ao poder estabelecido. O que se espalhou como
forma de se pensar a realidade educacional parte de um marxismo em processo de
esgotamento teórico do final dos anos de 1970, o que se evidenciou com a crise do socialismo
real e a dissolução dos regimes autoritários do bloco chamado de comunista, chamando a
atenção para uma nova ordem mundial em gestação desde a reestruturação das funções do
Estado em seu modelo de gestão e planejamento aplicado na Europa e Estados Unidos do
Pós-Guerra.
A condição do marxismo como instrumental para a leitura crítica da sociedade
brasileira significou o desenvolvimento de um longo debate no campo educacional, sobre o
seu diagnóstico e as possibilidades favoráveis às mudanças. Tais intelectuais, aprisionados
pela tradição de uma república autoritária, comprometidos com a leitura crítica diante dos
inimigos comuns – o regime civil-militar e o capitalismo – foram homens e mulheres de seu
tempo histórico, como sujeitos que interferiram no jogo político que se apresentava naquele
momento. Não se tratou então, neste trabalho, de julgar estes intelectuais, mas, a partir do
olhar distanciado pelo tempo, perceber seus percursos e pensamentos tecidos em “redes” de
apoio mútuo.
No transcorrer dos anos de 1980 e principalmente ao final da década, uma crítica
revisionista “trotskista” aos paradigmas do marxismo concebido antes da crise do socialismo
real, consubstanciava-se na necessidade de renová-lo, reinventando-o. Michel Löwy (1991)
propôs este exercício intelectual, discutindo a impossibilidade de tratar o marxismo como
estrutura de um pensamento sistemático e ritualístico, similar às rezas budistas, pois a
necessidade principal era o de renová-lo, atualizando-o num processo de reflexão crítica e
autocrítica. (Löwy, 1991, 113). O avanço nas reflexões de Löwy esteve no reconhecimento da
importância de fertilização do ideário marxista, valorizando a partir da busca de uma
interlocução com a sua própria “negação”, no pensamento teórico não-marxista, de Max
Weber a Freud, de Manheim à Habermas, de Piaget à Foucault. Este alargamento do campo
teórico na construção de uma dialética, num confronto metodológico entre os núcleos
epistemológicos e na produção do conhecimento, para Löwy, o próprio Marx foi exemplo
deste movimento quando chamou para o embate teórico às figuras de Hegel, Feuerbach,
Ricardo, Diderot, Rousseau, Morgan, dentre muito outros.
240
As críticas de Löwy ao marxismo universitário, quando da tentação a um ecletismo
que tecia um método marxista somando-se ao positivismo, o funcionalismo, o darwinismo
social, a filosofia analítica, o materialismo vulgar, onde “nenhuma síntese possível” poderia
ocorrer refere-se à experiência dos anos de 1980 no Brasil. O fundamental para a reconstrução
do marxismo seria a partir da integração de um leque de contribuições enriquecedoras
constituindo um quadro teórico sólido e unificado traduzindo assim o “método dialético-
revolucionário”. (Idem, p. 114). Mas a renovação da concepção teórico-metodológica do
marxismo parte da crítica interna pelo uso equivocado de sua epistemologia: “Enquanto
cientistas sociais, os marxistas muitas vezes reproduziram o modelo positivista, baseado na
projeção, arbitrária ao campo da história e da sociedade, do paradigma epistemológico das
ciências naturais, com suas leis, seu determinismo, suas “previsões” puramente objetivas e seu
evolucionismo linear.” (Löwy, 1991, 115).
Das pistas que nos ofereceu para uma crítica rigorosa e sincera a este marxismo
desenvolvido no transcorrer dos anos de 1980, enfatizou a necessidade de se retornar à
tradição de um marxismo humanista, presente em Rosa Luxemburgo, Gramsci e Mariátegui,
mas também “diversas contribuições, desde as utopias sociais do passado até as críticas
românticas da civilização industrial...” ressaltou ainda o papel fundamental do marxismo
como um instrumental renovado para ser utilizado na reflexão diante de temas
contemporâneos, tais como a democracia direta e a democracia representativa, a articulação
da planificação democrática com as sobrevivências do mercado, a reconciliação do
desenvolvimento econômico com os imperativos ecológicos. Nas reflexões de Löwy, mesmo
propondo uma ampliação do campo de reflexão, mantém os princípios teóricos do marxismo
tradicional. Sua crítica realizada já havia ocorrido a partir dos intelectuais da escola
frakfurtiana, principalmente nos diálogos com a psicanálise, da estética, desde o início do
século XX. De um elenco de intelectuais que no transcorrer do século realizaram releituras
sobre as matrizes do pensamento marxista estão Jürgen Habermas que a partir de seus estudos
acompanharam-no Gadamer e Luhmann. Na França, Pierre Bordieu realizou um diálogo sobre
o marxismo através de Max Weber, da mesma forma Roger Garaudy junto com o pensamento
católico e C. Dubar com Piaget e G. H. Mead.
Neste contexto, a atuação de Dermeval Saviani significou primeiramente a liderança
de um intelectual-educador que contribuiu na formação de uma geração de pensadores da
educação brasileira nesta década de 1980. Como orientador acadêmico de parte daqueles que
241
produziram e pensaram a educação nacional no pós - regime civil-militar, com o auxílio de
muitos outros, criou um campo de análise sobre as questões relativas ao ensino, a função da
escola, o papel do professor e do Estado. Sobre a década de 1980 afirmou que esta foi
classificada como a década perdida,
mas isso é um viés do campo da economia. No campo da educação foi uma
década riquíssima. Talvez uma das décadas mais dinâmicas que a educação
viveu nesse país. O único paralelo que a gente poderia fazer seria com a
década de 1920. Mas acho eu que a década de 1980 vai além. Porque a
década de 1920 é uma década rica no debate pedagógico com as reformas
estaduais... (Depoimento dado ao autor, em 26 de abril de 2010).
Diante do ideário marxista, embora se mantenha ligado àquelas concepções,
reconhecendo uma revisão do que foi pensado e escrito no transcorrer das últimas décadas.
Tais revisões em seus trabalhos originais fizeram com que Saviani revitalizasse sua obra,
renovando-a. Mas a sua “crença” no marxismo se mantém como instrumento necessário para
se entender o mundo e especialmente a educação:
Eu me reporto àquela frase de Sartre: “O marxismo foi a filosofia
insuperável de nosso tempo”. Todas as concepções que se voltam contra ele,
em última instância, ou retornam de outra forma ou se equivocam. É, mas
porque ele disse que a filosofia foi insuperável no nosso tempo? Porque a
filosofia de uma dada época é aquela que expressa com maior clareza os
problemas da época. E com os problemas da nossa época são os problemas
do capitalismo e a concepção, a filosofia que analisou esse problema e
buscou explicar o marxismo... Marx mostrava que nenhuma forma social
desaparece sem que tivesse esgotado suas possibilidades e portanto o
socialismo surgia do esgotamento das possibilidades do capitalismo e por
isso o princípio seria a partir dos países mais desenvolvidos. (Idem, em 26 de
abril de 2010).
Em 2008, quando o livro “Escola e Democracia” chegou a 40ª edição aos vinte e cinco
anos da primeira edição de 1983, a editora Autores Associados resolveu publicar uma edição
comemorativa desta obra. Nela, estão contidos todos os prefácios, todos os quatro capítulos e
a inclusão de um prólogo, fruto de um artigo apresentado num Seminário ocorrido em Belo
Horizonte, em 2002, onde Saviani realizou uma reflexão a partir da história da educação,
afirmando que a obra original de Escola e Democracia não se tratava de um trabalho
historiográfico, pois não tinha ele um caráter gnosiológico, mas sim o objetivo de causar
polêmica. Nesta perspectiva, Saviani revê os princípios discutidos sobre a educação brasileira
da década de 1980, justificando ao mesmo tempo as teses elaboradas naquela conjuntura:
242
Por isso é que o combate travava no campo dos slogans. Eu demonstrava os
slogans escolanovistas, e desmontados, invertia-os... o capítulo anterior é
uma análise das teorias, na síntese, as principais teorias. Aí vem o texto
polêmico que demarca posições. Depois vem o Para Além da Curvatura da
Vara, aí sim o texto procurou superar onde a Escola Nova é tratada não
como uma sloganização, mas como uma teoria que procurou avançar e
superar os limites da pedagogia tradicional, mas que tem limites e os limites
devem ser dados pelo seu horizonte ideológico que é o liberalismo, a
perspectiva burguesa. (Ibidem, 26 de abril de 2010).
No transcorrer deste trabalho foi concebido um termo que pressupôs a composição
política e aproximação acadêmica entre intelectuais que se agrupavam como formas de
participação política, construção de espaços que pudessem garantir possibilidades de
exposição de suas ideias e debates. Vimos isto na organização da Universidade de São Paulo,
da Universidade do Brasil, onde intelectuais aproximavam-se de acordo com as simpatias
pessoais, compromissos políticos e acadêmicos. Estas redes sustentavam-se a partir de formas
de pressão junto aos interesses próprios das instituições como nas articulações em torno das
ideias católicas, onde Alceu Amoroso Lima foi liderança incontestável. Na USP, entre os anos
de 1950-1960, Florestan Fernandes construiu um grupo político a partir da coordenação geral
das pesquisas que eram concebidas sob seu controle e orientação. Nos anos de 1980, isto
ocorreu também na composição das entidades que se apresentaram como porta vozes dos
movimentos de educação, na ANDE, CEDES, UNICAMP, IBRADES, PUC-SP/RJ, Fundação
Carlos Chagas, onde o agrupamento de professores, membros do consenso teórico-
metodológico do marxismo, constituíram as redes de apoio mútuo, espaços de convivência, de
interesses privados, troca de ideias e promoção de encontros nacionais onde a agenda
educacional colocava-se na ordem do dia a favor da utopia democrática e a defesa da escola
pública.
Cabe aqui lembrar o papel fundamental da Cortez Editora e a Autores Associados
como uma das instituições que mais divulgaram e publicaram parte deste pensamento
educacional dos anos de 1980
139
. Saviani também participou do processo de organização,
principalmente dos Autores Associados. Quando da necessidade de buscar alternativas para a
publicação dos trabalhos da Universidade, docentes da PUC-SP procuraram os livreiros da

139
Caberia em outro trabalho um estudo sobre o pensamento editorial das principais editoras deste período,
dentre elas as Edições Loyola, Editora Vozes e a Paz e Terra, todas com origens dos quadros do catolicismo
brasileiro, como as importantes publicações da Editora Civilização Brasileira, tais como a Coleção “Encontros
com a Civilização Brasileira”, literatura que registrou o pensamento social brasileiro na transição política da
década de 1980.
243
instituição, Moraes e Cortês e acordaram a possibilidade da editoração e distribuição dos
trabalhos. O primeiro “conselho editorial” informal para as publicações da Moraes e Cortês
Editora foi composto por Casimiro dos Reis Filho, Walter Garcia, Mauricio Tragtemberg,
Dermeval Saviani e Joel Martins. Com a separação dos sócios Cortez e Moraes, o grupo
manteve-se em acordo com um dos sócios, o Cortez, criando também a co-editoria Autores
Associados, no início dos anos de 1980. Foram publicados na coleção “Educação
Universitária”, as primeiras edições de: Educação: Do Senso Comum à Consciência
Filosófica, de Saviani; Pedagogia do Conflito, de Moacir Gadotti. (Depoimento dado ao autor
por Dermeval Saviani, em 26 de abril de 2010). A rede constituiu-se aqui abrindo
possibilidades de publicação dos trabalhos que serviram de referência do pensamento
educacional a partir do consenso teórico-metodológico do marxismo eclético, muitos deles,
orientando de Saviani da PUC-SP.
Saviani é originário da vertente de formação católica e que influenciou
inexoravelmente o pensamento social e educacional brasileiro. Esta matriz de pensamento
contribuiu e também consolidou dialeticamente, as mentalidades de uma cultura de viés
autoritário e democratizante, contraditoriamente. Sendo assim, Francisco Campos, Alceu
Amoroso Lima, Barbosa Lima Sobrinho, Anisio Teixeira, Fernando de Azevedo, Gustavo
Capanema, Meira Matos e Newton Sucupira, Durmeval Trigueiro Mendes, Cândido Mendes
de Almeida, Lourenço Filho, Paulo Freire, Herbert de Souza, Moacir Gadotti, Carlos Roberto
Jamil Cury, José Carlos Libâneo, Carlos Rodrigues Brandão, dentre outros, formaram um tipo
de genealogia de uma intelectualidade que ingressou na política ou no mundo acadêmico a
partir de suas formações católicas. Este mesmo tipo de genealogia identifica-se nos
fundadores da Ação Popular – AP que continuou a atuar após o exílio, em especial Herbert
José de Souza – o Betinho e Luiz Alberto Gomes de Souza. Nem todos seguiram as
orientações eclesiásticas, tais como Anísio Teixeira, Fernando de Azevedo. Outros se
transformaram em quadros, intelectuais orgânicos leigos da Igreja, como Gustavo Capanema,
Alceu Amoroso Lima, Barbosa Lima Sobrinho, Cândido Mendes e Newton Sucupira. O que
se entende então é de que independentemente das ideologias e posições políticas, a Igreja
exerceu forte presença na formação da intelectualidade republicana brasileira criando
ramificações de pensamento político e educacional, variações de um autoritarismo explícito
ou de uma democracia contraditória, questões interessantes para uma possível seqüência nos
estudos sobre pensamento educacional brasileiro. Entendendo ainda que este trabalho não
244
esgotou o seu campo de pesquisa, ao contrário, a partir dos estudos realizados outros objetos
de estudos surgem e, sendo assim, aponto outra linha de pesquisa para futuras investigações
que é a de se analisar uma “linhagem” protestante deste pensamento educacional dos anos de
1980, considerando as presenças de Guiomar Namo de Mello, Waldo Cesar e Neidson
Rodrigues.
Somos herdeiros de um legado político social contraditório, onde a memória política é
entrecortada entre as crises institucionais que em 121 anos de república, impediram a
construção, a apreensão dos valores e princípios da democracia e cidadania. O dilema
republicano brasileiro voltou à cena na década de 1980 quando o discurso progressista, diante
de seus fundamentos teórico-metodológicos, conclamava à democracia, a participação popular
e até a revolução operária para uma sociedade que ainda não havia se comprometido com uma
república, não se achava pertencente a ela. Para Hobsbawm (1997), a tradição inventada,
visava a inculcar valores, normas de comportamento, o que implicava necessariamente, “uma
continuidade com um passado”. O dilema (e o labirinto) da década de 1980 é que, de certa
forma, se repete nos dias de hoje, o desejo de se determinar os modelos para a democracia, na
ênfase de participação, sem antes de tê-los experimentado historicamente, impedindo a
invenção da tradição.
O intelectual é um homem do seu tempo, influenciado por sua formação pessoal,
sociabilidades, leituras, pesquisas e instituições. Desenvolve suas reflexões a partir destas
circunstâncias. É um personagem da história política do país, seu pensamento emerge de
acordo com os tempos vividos, muitas vezes, condicionados para além de suas convicções
ético-pessoais, alia-se aos planos políticos do Estado, como nos casos de Francisco Campos e
Gustavo Capanema. Operadores da política e intelectuais orgânicos do regime varguista que
tiveram uma formação erudita, somados à habilidade na condução de se governar o Estado,
forjaram uma maneira peculiar da expressão da cultura autoritária no país, reforçando o
caráter pragmático diante da política real. Gustavo Capanema foi exemplo disto quando,
equilibrando-se como um pêndulo, cumpriu o projeto do Estado Novo conciliando forças
políticas aparentemente antagônicas, no campo cultural e educacional. A permanência deste
pensamento autoritário manifestou-se entre os anos de 1960, naqueles responsáveis em
formular o plano educacional no ambiente do regime civil-militar. Respeitando as
peculiaridades históricas e suas conjunturas, intelectuais comprometidos com o regime
245
renovaram este ideário no projeto imposto pelas forças coercitivas e a cumplicidade -
comprometimento civil.
No pensamento de Florestan Fernandes e Darcy Ribeiro observou-se a trajetória de
intelectuais que nasceram do mesmo berço acadêmico uspiano, centrados no primeiro
momento entre as pesquisas etnológicas, partiram depois para pensarem os projetos para o
país. Ambos foram homens de Estado, considerando o percurso de cada um, seja no
parlamento ou em funções executivas. Mas estes intelectuais vivenciaram um modelo de
universidade que reproduzia a lógica do poder concentrado, o controle e o mando a partir das
estruturas da Cátedra, que contraditoriamente, para atender uma medida de modernização do
sistema de ensino superior, foi extinta na reforma universitária promovida pelo regime civil-
militar em 1968. Florestan seguiu sua carreira como intelectual concentrado em seus
princípios do marxismo – trotskismo, mas articulando o caráter teórico-metodológico de tal
forma que soube perceber os movimentos históricos e contradições internas da República que
se estabelecia ponderando uma análise sobre o país. Entre os anos de 1980, como parlamentar,
manteve o discurso em defesa da escola pública (ideal “liberal” escolanovista), reproduzindo
a sua liderança que, ao final dos anos de 1950, levantou a bandeira em defesa da educação
pública em oposição ao “substitutivo Lacerda” que garantia em Lei repasses públicos à
iniciativa privada, mas avançou em perceber as armadilhas da Nova República e sua
incapacidade em criar um ambiente de modernização burguesa para o país. Florestan
Fernandes contribuiu para a formação de uma geração de intelectuais que tomaram sua
autonomia de pensamento, buscaram caminhos próprios, construíram as bases das ciências
sociais do Brasil e receberam as mais variadas influências, à esquerda ou a partir de uma
reflexão liberal-conservadora. Esta geração de intelectuais que se abriam em tendências,
desde o pensamento cepalino até aos propósitos neoliberais diante da reforma do Estado,
estabelecidas no país entre os anos de 1990.
Na conjuntura de 1980 a atuação de Darcy Ribeiro como intelectual e governante,
traduziu aspectos singulares dos movimentos políticos e de reflexão diante da questão
educacional brasileira. Primeiramente, a objetivação de um projeto político educacional
através dos CIEPs significou a representação momentânea do seu pensamento, seus estudos e
de sua produção literária até os anos de 1970. O emblema literário de “O Povo Brasileiro”,
um esforço de Darcy em buscar os sentidos da formação do brasileiro, somados à exaltação
deste povo afirmando que a complexidade dos fundamentos da sua formação nacional, suas
246
disparidades étnico - regionais, as inter - relações tramadas pela lógica do domínio e a
violência serviram como aspectos qualitativos para o cultivo de uma nação próspera. Um
modelo excêntrico que fugiu às construções históricas de acordo com as formações européias
e norte - americana. A idealização dos CIEPs convergiu com esta visão escatológica de se
arquitetar, pela educação, a redenção dos “ninguéns” – expressão utilizada por Darcy
retratando o nascimento daqueles que formaram o povo brasileiro, conseqüências destas
relações de dominação, de misturas multi-étnicas, nos espaços geográficos que se constituíam
expressões de poder político.
No Rio de Janeiro, cidade que vivenciou, como em algumas outras, a transição do
escravo – homem livre, assistiu a inauguração republicana, ex-capital federal e como centro
urbano receptor de caboclos, matutos, caipiras, sertanejos e nordestinos de todo o país os
“ninguéns” metaforicamente criados por Darcy, serviu como a referência de exaltação deste
povo, no embalo político de se restaurar as identidades destes, oferecendo-lhes a educação.
Através dos CIEPs, a educação – cidadania também consolidava o ímpeto político de Leonel
Brizola e sua natureza política a partir dos princípios de um positivismo castilhista,
articulados ao cultivo do signo do trabalhismo no legado de Vargas e Jango. O traço
modernista de Niemeyer objetivou este ideário implantado no Rio de Janeiro, realizando a
síntese entre o projeto pensado e o construído: Manifestou-se entre os anos de 1980, no Rio
de Janeiro, o nacionalismo exaltação aos “ninguéns” – protagonistas do socialismo moreno,
da herança política gaúcha do início republicano do século XX e no trabalhismo varguista. O
personalismo do projeto dos CIEPs e a aceleração da implantação dos “brizolões”
significaram um distanciamento da intelectualidade e a tendência à rejeição ao modelo
proposto e a crítica à proposta “populista” de se conceber o processo educativo. Pela
relevância das questões que se apresentam sobre os CIEPs, até porque da fusão entre os
estados do Rio de Janeiro e o da Guanabara, ocorrida em 1974, os CIEPs foram, até o
momento o projeto de governo que viu a educação como prioridade enquanto política pública.
O estudo deste processo não se esgotou oferecendo alternativas para futuras pesquisas sobre o
tema.
O pensamento educacional de 1980 foi a síntese da tradição republicana e a expressão
contraditória do ideal democrático, onde intelectuais em oposição ao regime civil-militar em
agonia, procuravam alternativas, através de uma reflexão, sobre os temas fundamentais para a
educação nacional. Traziam consigo a herança da mentalidade concebida através das
247
sociabilidades de mando e controle, de uma cultura estabelecida através dos modelos políticos
prontos, concebidos pelo alto, resultando daí convivências sociais sem um acordo social
pautado numa ética republicana e democrática e que precisa ser (re) inventada. O dilema e o
labirinto deste tempo traduziram-se num discurso democrático de ambos os lados, no governo
da “Nova República” e no campo das oposições, onde o seu núcleo representava uma lógica
autoritária natural de nossa origem e vivência.
A náusea dos anos neoliberais da década seguinte, o início titubeante do século XXI, o
pensamento liberal-conservador impondo nas últimas décadas sua lógica e compromissos com
a macroeconomia vêm demonstrando que o percurso é longo e descontinuo. Falta-nos então a
invenção da tradição, naquilo que Hobsbawm sinalizou como fundamento social e histórico
de uma nação. Mas as pistas para o ressurgimento das utopias no país estão em nossa própria
história, nos lapsos de participação social e comprometimento com o desenvolvimento e
consolidação da justiça social que em alguns momentos deram sinais de um sistema político
avançado e pronto. O tempo passado, revisto e re-conceituado é fonte de caminhada, pois a
chegada ao mesmo tempo é a nossa referência de partida, de projeto. A década de 1980 foi
uma tentativa que não se perdeu no tempo, talvez tenhamos que enxergá-lo permanentemente
para renovarmos a crença na política, na educação como um dos instrumentos de autonomia,
nacional e internacional.
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