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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS
FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS E FILOSOFIA
MESTRADO EM SOCIOLOGIA
ASSENTAMENTO RURAL – JUVENTUDE E TRABALHO
Dissertação de mestrado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em
Sociologia da Faculdade de Ciências
Humanas e Filosofia da Universidade
Federal de Goiás como parte dos
requisitos para a obtenção do título de
Mestre.
Goiânia, agosto de 2007.
UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS
FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS E FILOSOFIA
MESTRADO EM SOCIOLOGIA
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ASSENTAMENTO RURAL – JUVENTUDE E TRABALHO
Aluna: Nilda Ferreira dos Santos
Orientador: Profº. Drº. Jordão Horta Nunes
Goiânia, agosto de 2007.
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Dedico este trabalho ao meu amor, companheiro de todas as horas, Marcelo e
à filha querida que está chegando, enchendo nossas vidas de esperança,
Maria Bárbara.
1
AGRADECIMENTOS
A Deus, em primeiro lugar e sobre todas as coisas.
A minha família: meus pais, irmãos, sobrinhos, tios e primos que têm me
acompanhado durante a longa caminhada acadêmica sempre incentivando e
colaborando para a conclusão deste trabalho.
Aos amigos pelo carinho e compreensão nos vários momentos em que estive
ausente.
Aos professores e colegas do mestrado que muito contribuíram para meu
crescimento acadêmico.
Agradeço especialmente ao professor Dr. Jordão Horta Nunes, pela dedicação e
incentivo durante toda a orientação, sem deixar de lado o rigor das correções.
A família de Josué, pela acolhida e pelas as informações importantes que obtive
durante o trabalho de campo no Projeto de Assentamento Che.
Aos primos Altina e José, pelo apoio e carinho durante todos os momentos em
que precisei ir a campo.
2
RESUMO
A partir do processo de luta pela terra inserido em um importante movimen-
to social – MST – o presente trabalho procurou compreender a realidade dinâmica
da luta por reforma agrária no Brasil. A preocupação central desta pesquisa este-
ve voltada para os jovens enquanto atores sociais capazes de darem continuida-
de à luta iniciada pelos pais.
A pesar de ainda haver poucos estudos sobre a realidade dos jovens do
campo, a maior parte da bibliografia consultada demonstra que poucos deles têm
interesse em permanecer no campo. Não vêm no trabalho realizado no campo um
meio de obter renda capaz de garantir um futuro melhor. Isto se acentua ainda
mais quando se trata de jovens que pertencem a um Projeto de assentamento,
como é o caso desta pesquisa.
Sendo assim, diante da perspectiva desmotivadora destes jovens, os proje-
tos de reforma agrária parece tornarem-se inviáveis em longo prazo. Esta pesqui-
sa procurou compreender, partindo da concepção dos jovens do assentamento
“Che”, como se constitui esta realidade hoje. Levando-se em conta que esta é
uma realidade dinâmica, neste trabalho podemos perceber os vários aspectos
que levam a motivação ou desmotivação dos jovens em permanecer no campo.
Hino à Santa Rosa de Lima
3
(Padroeira do Projeto de Assentamento Che, Fazenda Santa Rosa)
REFRÃO
Viva a nossa Padroeira
Da América Latina
Mulher forte e amorosa
Santa Rosa de Lima
Lutadora e camponesa
Tinha sua tradição
Sempre foi religiosa
Com o povo em oração
I
Com o seu povo trabalhava
Lá no campo tinha o poder
De proteger as plantações
Difícil luta pela vida contínua
Com muito amor aos excluídos
E às nações
II
Ela vivia sempre em contato
Com Deus em altas noites
Costurava em seu lar
Contemplativa de experiências
Místicas louvando a Cristo
Com o seu povo a cantar.
Autor: Sr. Antônio da viola (Assentamento Che)
4
“Camponês sem-terra não é apenas um sujeito desprovido de terra. É um
sujeito humilhado pelos grandes latifúndios”.
(João Pedro Stédile)
SUMÁRIO
5
Introdução...................................................................................................... 07
Apresentação................................................................................................ 09
Capítulo I – Economia agrícola em Goiás
1 – Trajetória: Das colônias aos Projetos de Assentamentos............. 20
Capítulo II – Luta pela terra: a atuação dos movimentos sociais no aprendizado
coletivo
1 – MST e CPT: participação destes atores sociais na consolidação dos
assentamentos............................................................................................... 31
2 – Assentamento – conquistar e permanecer: o difícil aprendizado... 45
Capítulo III – “A juventude no campo”
1 – O conceito de juventude em geral e juventude assentada.............. 53
2 – Jovens e o trabalho na terra: permanecer ou sair?......................... 57
Capítulo IV – De assentados à pequenos produtores: a expectativa dos jovens
quanto ao trabalho no campo
1 – Terra conquistada – novos desafios................................................. 63
2 – Escola Família Agrícola de Goiás (EFAGO): uma opção na tentativa de
manter os jovens np campo.............................................................................. 67
3 – Aprendendo a permanecer – cursos profissionalizantes.................. 70
Conclusão – A viabilidade dos Projetos de Assentamentos Rurais.................. 76
Referência bibliográfica..................................................................................... 85
Anexos.............................................................................................................. 92
Introdução
6
O interesse pelo estudo de um assentamento rural partiu do um projeto de
pesquisa intitulado Sociabilidade de crianças e adolescentes na periferia de
cidades e assentamentos rurais goiano: inserção no mundo do trabalho e
educação, do qual participei como bolsista do CNPq.
Na ocasião, a pesquisa focalizou três momentos distintosantes e durante
o acampamento, e depois de assentados. Quando estão assentados surgem
novos desafios marcando a dinâmica da vida daqueles que partem para a luta da
terra. O simples fato de conquistar uma terra, via projeto de assentamento rural,
não cessa os problemas das famílias que buscam sobreviver do trabalho no
campo. A partir daí surge o interesse pelo objeto desta dissertação.
No projeto desenvolvido enquanto era bolsista, foram realizadas algumas
entrevistas com as famílias, que posteriormente, já na dissertação, serviram como
base de apoio e sugestão para a aplicação de novas entrevistas.
Para compreender as motivações que levaram estas famílias a enfrentar
todo um processo de luta, foi necessário questionar cada momento nesta
dinâmica social. O antes foi resgatado pela memória dos pais ou responsáveis
através de entrevistas elaboradas anteriormente. O durante ainda trazia um pouco
daquilo que foi relatado nas entrevistas uma idealização da terra como
provedora que vida, como meio de sobrevivência e garantia de um futuro
melhor aos filhos através do trabalho na terra.
No primeiro momento, os pais pensavam em possuir uma terra, trabalhar
nela e passar para os filhos este legado, de ter uma vida digna na terra. Tinham
consciência de que, possivelmente, não ficariam ricos. Ainda assim voltar para
cidade era algo totalmente fora de seus planos. Somente após algum tempo de
7
assentamento é que esta visão da terra, até certo ponto romantizada, começa a
tomar novas proporções.
Diante das dificuldades que surgiam, os adultos passaram a ver o trabalho
na terra de uma outra forma, diferente da perspectiva que tinham anteriormente. A
renda do assentamento acaba ficando somente para as despesas básicas como a
alimentação, vestuário e pagamento de energia elétrica. Isso leva os pais a
refletir sobre o trabalho na terra nos dias atuais e a desejar novos rumos para os
filhos, conforme nos revela as entrevistas agora aplicadas no assentamento.
É neste momento que particularmente interessa a opinião dos jovens sobre
o trabalho no campo. É a possibilidade deles permanecerem no campo, dando
continuidade ao trabalho dos pais e desta forma, viabilizando a luta pela terra.
Assim, foi necessário enfocar, nas entrevistas, as mudanças ocorridas na cultura
do trabalho e na concepção sobre as atividades na terra como meio de
sobrevivência. Portanto, o recurso metodológico priorizado nesta pesquisa
científica, foram as entrevistas semi-estruturadas, além das conversas informais e
das observações realizadas nas várias idas à campo.
Um levantamento bibliográfico nos permitiu perceber a dinâmica do
trabalho no campo. Estes dados secundários nos revelam uma certa descrença
dos jovens rurais em permanecer no campo desenvolvendo atividades agrícolas.
Outra questão importante é o fato de que esta categoria (jovens rurais), têm sido
pouco contemplada nos meios acadêmicos.
Diante desta dinâmica, não para ser pessimista acreditando que
somente a cidade tem oferecido oportunidades de trabalho aos jovens em geral.
Novas perspectivas têm surgido como alternativa aos jovens rurais.
Apresentação
8
Goiás, assim como outros estados brasileiros, passa a se desenvolver
economicamente a partir do processo de ocupação do vasto território nacional.
Historicamente, este processo poder ser divido em três fases (Carneiro, 1988).
A primeira compreende o período de descobrimento das minas de ouro,
que gera um grande fluxo migratório até 1780. Com o esgotamento das minas
auríferas, a agricultura e a pecuária extensiva tornam-se as únicas atividades
econômicas possíveis. A pecuária extensiva reforça a formação de grandes
propriedades e a relação de autoritarismo, típica da política dos Coronéis
Coronelismo (Campos, 1975). Até 1930, a política em Goiás se limitava às
sucessões entre as famílias Bulhões e Caiados.
A segunda fase inicia-se por volta de 1913, com a chegada da ferrovia à
cidade de Ipameri. Goiás tornou-se um grande produtor de grãos, principalmente
milho, arroz e feijão com vistas a atender as exigências do mercado nacional e
internacional. A propriedade, contudo, encontrava-se concentrada nas mãos de
uma pequena elite. Até 1920, não se registrava a existência de ocupantes,
posseiros em Goiás (Carneiro, 1988).
O período conhecido como “Marcha para o Oeste” constitui uma terceira
fase. A partir de 1938, o Estado Novo, com a intenção de promover a ocupação
dos vazios demográficos e a integração do vasto território nacional, promoveu
alguns projetos de colonização como forma de legitimar uma “Reforma Agrária”
controlada. Tais projetos visavam a promoção do desenvolvimento rural através
da expansão do capitalismo no campo, o que agravou ainda mais questão agrária
no país. No caso de Goiás, inicia-se em 1941 a implementação da CANG
(Colônia Agrícola Nacional de Goiás), que discutiremos no primeiro capítulo.
9
Para uma melhor compreensão do objeto discutido nesta dissertação,
utilizamos o conceito de Representação Social. Antes de recorrer a este conceito
para complemento teórico desta pesquisa, é preciso buscar sociologicamente sua
origem.
Durkheim se destaca como o primeiro autor a trabalhar o conceito de
Representação Social quando define as Representações Coletivas como
categorias de pensamentos através das quais uma determinada sociedade
elabora e expressa sua realidade. Para ele, essas categorias não são dadas a
priori nem são universais. Elas surgem ligadas aos fatos sociais, tornando-se elas
mesmas, fatos sociais que podem ser observados e interpretados.
Na teoria durkheimiana é a sociedade que pensa, portanto, as
representações não são necessariamente “sentidas”, “percebidas” pelo indivíduo.
As Representações Sociais são hoje definidas como um “saber” que diz
algo sobre a realidade, uma forma de conhecimento socialmente elaborada e
partilhada, com objetivo prático e que contribui para a construção de uma
realidade comum a um conjunto social (Jodelet, 2001). Também designada como
senso comum, saber ingênuo difere do conhecimento científico. Porém, devido a
sua importância na vida social e nas interações sociais, torna-se indispensável na
produção do conhecimento.
Nesta dissertação, a contribuição de Bourdieu também se torna importante,
especialmente quanto à elaboração dos conceitos de habitus e campo. O habitus,
segundo Bourdieu, deve ser entendido não como espírito universal, nem como
uma razão humana, mas o habitus como a ação de um agente, ressaltando o lado
ativo do conhecimento prático.
10
Resumidamente, o conceito de habitus está ligado aos valores, costumes
que são internalizados, se constitui como uma pré-disposição para agir de
determinada maneira, que reflete a forma de socialização no grupo. Se constitui
ainda como uma disposição estruturada que também é estruturante, ou seja,
produto das estruturas sociais, sem ser uma simples reprodução delas. Também
pode ser definido como o acúmulo de capital simbólico denominado pela
interiorização daquilo que é exterior e, posteriormente, exteriorização do que foi
internalizado (Bourdieu, 2002).
O conceito de campo será utilizado nesta pesquisa para o entendimento das
esferas econômicas, sociais e culturais que estão presentes na análise do
assentamento a que me proponho analisar. Para Bourdieu, o campo é um estado
de relações objetivas perpassadas pelo poder. E dentro de um campo, seja ele
econômico, social, cultural, religioso, existem várias posições e, para cada
posição, um habitus diferente. Bourdieu se interessa pela posição que o indivíduo
ocupa dentro de um determinado campo, pois é a partir desta posição que se
determina a relação do sujeito dentro de um grupo social.
Para Bourdieu, o saber científico não pode ser construído apenas sobre as
bases do racionalismo nem tão pouco com ênfase em um empirismo radical. O
objeto é construído e para tanto, não se deve priorizar apenas uma forma de
construção do conhecimento. Neste sentido, nesta perspectiva dual, Bourdieu é
constantemente citado em obras que trazem o conceito de Representação Social
como forma de se conhecer uma dada realidade social.
No livro As representações sociais, Doise escreve sobre a estreita relação
entre Atitudes e Representações Sociais, ou seja, entre valores sociais e atitudes
psicológicas. Os valores sociais representam objetivamente o modo de vida social
11
e coletivo enquanto as atitudes são vistas como tendências ou, nas palavras de
Bourdieu, disposições para agir, tão objetivas quanto às primeiras. Assim, as
atitudes e até as mudanças de atitudes representam uma determinada posição
que indivíduo ocupa em seu grupo social.
Os psicólogos americanos passam a dar especial atenção à realidade
social no período pós-guerra contra a Alemanha nazista porque neste momento
surge a necessidade de propagandas contra o nazista porque neste momento
surge a necessidade de propagandas contra o nazismo e, portanto, a difusão de
atitudes democráticas.As opiniões e atitudes são importantes para manter os
vínculos entre os indivíduos de um mesmo grupo. E nesta relação é fundamental
o estudo das relações sociais.
Para Bourdieu, a imprensa representa um princípio gerador de tomada de
posições que será mais ou menos eficaz, dependendo da posição que seu leitor
ocupa no campo das classes e posição de seu jornal. Assim, as representações
sociais são princípios organizadores das relações simbólicas entre os atores
sócias (Doise 2001, p.193).
Outra grande contribuição de Bourdieu (2003) provém do livro As estruturas
sociais da economia, no qual enfatiza como o mundo social está presente em
cada “ação econômica”, criticando a posição radical de alguns economistas.
Nesta obra, Bourdieu diz que é necessário romper radicalmente com a chamada
ciência pura e propõe que na análise das disposições dos agentes, seus
sentimentos e suas necessidades sejam levados em consideração.
Bourdieu demonstra, neste texto, que a economia nunca é tão neutra como
pretende crer e fazer crer. Enuncia como exemplo, a economia neoliberal que
tende atualmente, a se impor ao mundo inteiro através de instituições como FMI
12
(Fundo Monetário Internacional) e Banco Mundial. Este modelo de
desenvolvimento econômico está imerso em uma sociedade particular
(Estadunidense).
Para melhor elucidar a estreita ligação entre as esferas econômicas e
sociais, Bourdieu procura demonstrar que até mesmo a compra, a aquisição de
um bem, resulta de características particulares em que o componente simbólico
ocupa um lugar de destaque. Os investimentos e aplicações envolvem, além dos
aspectos econômicos, razões afetivas particularmente importantes.
Segundo Bourdieu, em muitas sociedades, a construção de uma casa nova
envolve, como na antiga Cabília, uma empreitada coletiva, que congrega todo o
grupo familiar/consangüíneo em uma tarefa voluntária. A aquisição de uma casa
tem propriedades históricas, não se caracterizando como um mero bem capital.
Ter uma casa significa vontade de criar um grupo permanente, no caso, a família.
Assim, também os assentados retomando agora o objeto desta
dissertação percebiam a terra como um bem capaz de manter a família. A terra
então aparece como uma necessidade socialmente construída. Todo o sistema
ideológico e estratégia de fixação do homem no campo, incluindo o processo
de educação e conscientização, criou uma necessidade, procurando sempre
satisfazer os interesses dos envolvidos, no caso, os trabalhadores Sem Terra.
Pensando na estrutura desta dissertação, procuramos trabalhar com três
tipos de representações: a primeira, que se constitui como uma representação do
tipo tradicional da vida no campo, refere-se à visão da terra como meio de
sobrevivência, garantia de futuro melhor para os filhos, portanto, uma visão mais
tradicional; a segunda, representação idealizada, é aquela em que os atores
estão unidos por um objetivo em comum luta pela terra –, momento em que se
13
todo um processo de conscientização da legitimidade desta luta; e, por último,
as novas representações que têm surgido, embora ainda poucas, refere-se ao
período em que estão assentados, surgindo uma nova perspectiva, uma
nova visão sobre o trabalho a terra como meio de sobrevivência.
A partir de fontes secundárias e também das pesquisas de campo,
procuramos compreender estas novas representações, que parecem existir e que
integram a cultura do trabalho no campo. A terra deixa de ter o sentido de
representação tradicional, nesta última denominação, ou seja, deixa de ser vista
como meio de sobrevivência capaz de garantir por si só um futuro melhor. Ainda é
valorizada como lugar de tranqüilidade, sossego, vida saudável, e a cidade é
buscada como alternativa ao emprego.
Mesmo com as mudanças ocorridas, o fato deterem um pedaço de terra,
serem considerados e respeitados como pequenos proprietários faz com que os
assentados considerem que o período de luta pela terra, no acampamento,
debaixo de barracas, não tenha sido em vão.
Muitos jovens ainda manifestam o desejo de permanecerem no campo.
Porém, o fato da terra ser muito pequena, inviabiliza sua permanência na terra
como projeto de vida e futuro melhor. À medida que vão crescendo, estudando ou
até mesmo constituindo família, os jovens procuram cada vez mais a cidade como
meio de lhes garantir trabalho e renda para o sustento da família ou para a
concretização de seus sonhos.
A maneira como a juventude rural rapazes e moças têm pensado o
universo do trabalho, as transformações nele ocorridas foram fundamentais para
as conclusões desta pesquisa. Seus desejos e aspirações quanto ao futuro são
14
importantes para perceber se estes estão ligados a uma vida no meio rural ou se
referem a outras formas de cultura de trabalho.
O assentamento Che, objeto de análise desta dissertação, está localizado
no município de Itaberaí, a 92 quilômetros de Goiânia. A escolha deste
assentamento se deu pelo fato de que conhecemos a região, e principalmente
por este ter ocorrido em 1996, mesmo ano do massacre de Eldorado dos Carajás
no Estado do Pará (conflito entre policiais militares e trabalhadores rurais sem
terra, em que 19 trabalhadores foram mortos), o que levou Itaberaí aos destaques
dos principais jornais do país.
Neste mesmo ano, cerca de 300 famílias invadiram sob a orientação do
MST (Movimento dos Trabalhadores Sem Terra) – a fazenda Santa Rosa naquele
município alegando que esta seria improdutiva e, portanto, adequada para a
reforma agrária. Ali montaram acampamento e lhe deram o nome de “Che”, em
homenagem a um dos líderes da Revolução cubana Ernesto Che Guevara. A
própria nomeação do acampamento denota o cumprimento das orientações de
coordenadores do MST, enfatizando que o nome dos acampamentos deve fazer
referências a grandes líderes revolucionários.
No momento em que se encontravam acampados, recebiam
constantemente apoio, orientação, e, principalmente, são conscientizados dentro
de um processo educativo desenvolvido pelo MST. O referido assentamento
surgiu especificamente promovido e organizado sob as diretrizes deste
movimento social.
A atuação do MST tem sido significativa na luta pela Reforma Agrária no
Brasil desde a década de 80. A partir da atuação deste movimento os
trabalhadores recebem informações e orientação política para atuarem de forma
15
consciente no processo de luta pela terra. A atuação política do MST se fez
presente nesta dissertação no momento em que buscamos compreender como
são repassados os ensinamentos para que os trabalhadores se conscientizem da
legitimidade da luta pela terra.
Os assentamentos rurais surgem como alternativa à falta de emprego nas
cidades e envolvem a fixação do homem à terra. Grosso modo, os assentamentos
são vistos como garantia de sustento da família através do trabalho no campo
(meio rural) – “representação do tipo tradicional”.
Antônio Cândido (1979), traz uma importante contribuição para elucidação
dos aspectos referentes à cultura do homem do campo, no caso, do caipira, e sua
cultura diante do trabalho no campo. Esta obra, contribui para elucidação dos
aspectos referentes à representação do tipo tradicional sobre a vida no campo.O
livro tornou-se uma referência para o estudo da cultura brasileira, principalmente
por analisar a vida do “caipira”, habitante do campo até então marginalizado na
sociedade. O estudo que ele apresenta está dividido basicamente em três partes
em que procurou descrever a vida dos caipiras desde suas formações
tradicionais, rústicas até a transformação desde grupo com o advento da
modernização brasileira.
O termo “caipira” é utilizado por Antônio Cândido para designar os
aspectos culturais exprimindo o modo de ser, tipo de vida e nunca um tipo racial.
A sociedade caipira do tipo tradicional, segundo Antônio Cândido, estava
condicionada ao estabelecimento de uma vida social do tipo fechada, com base
na economia dos mínimos para a sobrevivência. Esta visão está mais próxima
daquela que chamamos de representação tradicional. E aqui especialmente nos
interessa a obra de Antônio Cândido.
16
O tipo de manifestação solidária mais importante na sociedade caipira é o
mutirão, que além de solucionar o problema da falta de mão-de-obra nos grupos
de vizinhança, também tem um caráter festivo, ponto marcante na cultura caipira.
Este tipo de manifestação também está presente nesta pesquisa, principalmente
quando se trata de uma visão mais tradicional da vida no campo.
A posse irregular de terras, tomadas à força, expulsando os pequenos
proprietários, fez surgir o latifúndio produtivo. Assim, a cultura tradicional caipira
não foi feita para o progresso, daí o surgimento de tantos estereótipos, como o da
figura do Jeca Tatu, de Monteiro Lobato.
Mudanças ocorridas na cultura caipira revelam a passagem de uma
economia auto-suficiente para o âmbito da economia capitalista, o que não ocorre
sem gerar uma crise social e cultural. A prática de uma agricultura comercial,
porém, não excluí o caipira. Esta passa por transformações e adaptações, pois o
aumento da dependência econômica condiciona um novo ritmo de trabalho por
vezes incorporado às atividades urbanas.
Na realidade, segundo Antônio Cândido, o caipira teve que se adaptar
penosamente a uma nova situação dentro do processo de urbanização e
industrialização. Sem um planejamento mínimo, racional, a urbanização do campo
se processou, de acordo com o autor, de maneira traumática no que se refere aos
aspectos culturais e sociais.
Esta falta de planejamento parece se configurar até os dias atuais no que
diz respeito à Reforma Agrária. A expulsão do homem do campo, as
transformações ocorridas ao longo dos anos, reflete as mudanças observadas
nesta pesquisa. Isto implica também em uma mudança na construção da
identidade do homem do campo.
17
A representação do tipo tradicional encontra-se transformada ou em
transformação, o que possibilita um novo olhar, uma nova perspectiva que surge
principalmente aos mais jovens inseridos no meio rural.
A partir das entrevistas realizadas com jovens neste assentamento,
percebemos que um consenso entre eles no sentido de que a terra, como
lugar de trabalho e garantia de um futuro melhor, atualmente não representa a
perspectiva dos pais no momento que partiam para a luta da terra.
Os pais – que em geral têm ou tiveram vínculo com o campo – acreditavam
que o trabalho na terra ainda poderia manter a união da família e garantir a
sobrevivência do grupo. Porém, esta perspectiva tem se modificado
principalmente na concepção dos jovens. Para eles, o trabalho na terra
futuro para os que têm uma grande quantidade, que não é o caso dos que são
assentados.
Assim, partindo da perspectiva dos jovens, buscamos analisar as possíveis
transformações ocorridas na cultura do trabalho que diferenciam a visão de
jovens e adultos acerca do trabalho na terra.
O surgimento dessas novas representações pode estar relacionado às
novas relações comerciais entre o campo e cidade, no caso de Itaberaí, com o
surgimento de grandes plantações para fins comerciais, com inserção de novas
tecnologias e maquinários cada vez mais modernos. Isto acaba de certa forma,
desmotivando e/ou tornando inviável a prática modesta da agricultura de pequena
escala, típica de assentamentos rurais.
Toda esta mudança leva a uma transformação na maneira de pensar a vida
no campo, tanto para os jovens quanto para os adultos ali inseridos que também
passam a perceber esta nova realidade. São estas mudanças, transformações
18
que têm nos levado a refletir sobre as novas relações de trabalho na terra, tema
central nesta pesquisa.
No capítulo I, traçamos o perfil histórico da formação do Estado de Goiás
especificando as relações de trabalho no meio rural desde a implantação das
colônias até o surgimento dos assentamentos rurais.
O segundo capítulo tratou do resgate das representações que levaram os
trabalhadores a partirem para a luta da terra mesmo conhecendo os riscos que
envolvem está luta e também da contribuição do MST e CPT no processo de luta
pela terra.
No terceiro capítulo, buscamos destacar o conceito de juventude
enfocando principalmente aqueles jovens que vivem com campo.
No quarto capítulo e último capítulo, tratamos da realidade atual, ou seja,
dos problemas, dificuldades e novas perspectivas que surgem depois de
assentados. E como esta nova realidade influencia e motiva os jovens assentados
que participaram do processo de luta pela terra.
Finalizando esta dissertação, apresentamos as conclusões da pesquisa
realizada sempre destacando que esta se constitui numa realidade dinâmica, e
que poderá nos mostrar novos resultados daqui algum tempo.
19
Capítulo I – Economia agrícola em Goiás
1 – Trajetória das colônias aos assentamentos rurais
A análise da formação econômica do estado de Goiás exige a
compreensão da questão fundiária, essencial para a análise da estrutura
econômica, social e política que sustentou o processo de formação deste estado.
A mineração e, conseqüentemente, as outras atividades ligadas ao
abastecimento dos mineradores foram elementos catalisadores da formação
econômica de Goiás. Neste aspecto é importante destacar o trabalho de AGUIAR
(2003), embasada principalmente em registros paróquias que se encontram sobre
a guarda da Procuradoria Geral do Estado.
Nas primeiras décadas do século XIX Goiás apresentava um vazio
econômico decorrente da falta de integração entre o mercado tanto externo
quanto interno. Tal situação levou um segmento de produtores a pressionar as
decisões políticas e econômicas do governo. Nessa época Goiás passou por um
crescimento populacional considerável, o que intensificou a ocupação de terras
rurais, sendo a agropecuária a principal atividade, pelo fato de o gado ser
autotransportável.
De acordo com AGUIAR (2003), com o novo alento do café, a partir de
1930, produto de ótima aceitação no mercado internacional, cresce o interesse
pela terra. Apesar da cafeicultura se efetivar bem mais tarde em áreas distan-
tes como Goiás, o interesse pela posse e propriedade da terra se intensifica nesta
região.
O período compreendido entre 1930 1945 marcou a sociedade brasileira
em seus aspectos econômicos. O país passou, no período, de uma economia
20
agroexportadora para uma economia urbano-industrial ao mesmo tempo em que
ocorriam as colonizações (DAVID, 2002).
As bases político-ideológicas do Estado Nacional a partir de 1937, tinham
como meta a ocupação de áreas menos desenvolvidas, entre elas, o Estado de
Goiás. Esta ocupação se deu principalmente através dos imigrantes que se con-
centravam, em geral, na região sul do Estado, servida pela rede ferroviária.
Elaine Dayell (1974) relata a primeira experiência de colonização ocorrida
em Goiás, entre os anos de 1941 1951, onde se evidenciavam os problemas
que presenciamos hoje. A implantação das Colônias Agrícolas Nacionais dentre
elas, a de Goiás (CANG) foi criada dentro do programa de superação das ca-
rências do modelo brasileiro de desenvolvimento a partir dos anos 40. As famílias
com maior número de filhos (no mínimo cinco), teriam prioridade no cadastramen-
to.
Localizada no Mato Grosso Goiano a área escolhida para a colonização fa-
vorecia a concentração demográfica em virtude da excelência de seu solo que
permitia principalmente o cultivo de milho, arroz, cana e café. Antes da criação da
CANG, a região escolhida era visada por grupos econômicos que pretendiam
valoriza-la em proveito próprio.
Em1941 inicia-se a primeira fase da colônia que vai até 1951, sendo
responsável por esta etapa o engenheiro agrônomo Bernardo Sayão Carvalho
Araújo. Neste período a região passa a atrair pessoas de várias regiões,
principalmente mineiros, paulistas, nordestinos. Em números menos significativos,
havia também gaúchos e até estrangeiros (americanos). Eles chegavam a pé, de
caminhão, a cavalo, em carros de boi ou de trem até Anápolis seguindo o restante
21
do percurso como pudessem. De modo geral, os colonos formavam famílias
paupérrimas.
Inicialmente ocupavam uma parte da terra e trabalhavam na derrubada de
parte da mata para construir uma habitação primitiva e a primeira roça. Mas o
plano inicial que previa 20 hectares com casa de tijolos, um burro, uma carroça,
ferramentas e assistência técnica não foi cumprido. Em 1950 existia ali cerca de
4.000 famílias morando, em sua maioria, em choças muito precárias. Até esta
data, somente 23 casas haviam sido construídas, alegando-se a falta de verba.
A construção de escolas agrícolas e a organização de uma cooperativa de
produção, entre outras obras de infra-estrutura, fracassaram, e Bernardo Sayão
atribuía este resultado à mentalidade dos colonos pobres e sem educação
que adotavam práticas agrícolas primitivas. A mentalidade dos colonos neste
período, como menciona Sayão, está de acordo com a classificação que Antônio
Cândido faz sobre o caipira do tipo tradicional, que não via a terra como
possibilidade de obtenção de lucro, mas apenas como meio de garantir a
sobrevivência da família.
Uma das principais preocupações de Bernardo Sayão, era a abertura de
estradas. Para ele, a criação de estradas que possibilitassem a integração do
Brasil de Norte a Sul, impulsionava o desenvolvimento da região, e assim,
desviava-se de sua função como administrador da CANG. Por este motivo, ele foi
considerado mais engenheiro do que agrônomo e sofreu severas críticas. Como
engenheiro, arquitetava o desenvolvimento da região de forma a atender as
necessidades que surgiam para o desenvolvimento do país naquele momento.
Assim, planejava desenvolver um sistema de produção que pudesse atender às
novas exigências do mercado em expansão.
22
As perspectivas dos colonos que para ali se deslocaram não estavam de
acordo com as aspirações de Sayão. Os colonos desejavam obter a terra como
meio de garantir o trabalho para a sobrevivência da família, numa perspectiva
mais tradicional, sem os anseios do ponto de vista capitalista como desejava
Sayão. Em 1950, ele foi exonerado do cargo de administrador da CANG, por um
decreto, assumido em seu lugar o Dr. Dátis Lima de Oliveira que havia sido
encarregado da Colônia do Pará.
Os objetivos da Colônia Nacional de Goiás, como a fixação do trabalhador
no campo, o associativismo cooperativista, entre outros, não foram alcançados.
Um dos principais motivos deste insucesso foi atribuído à falta de apóio do
Governo Federal (DAYRELL, 1974).
Porém, quando considerados o programa de colonização e a marcha para
o Oeste, vê-se que o insucesso da CANG foi apenas aparente. A criação das
cidades de Ceres e até mesmo Goiânia e Brasília, aliadas à construção de
importantes rodovias como a Belém-Brasília e a Transamazônica, destacam a
importância deste suporte demográfico no avanço para o Norte. Neste sentido, as
contribuições de Sayão como engenheiro foram válidas.
Vários motivos, entre eles a falta de qualificação dos colonos, que utiliza-
vam técnicas primitivas de cultivo, e os núcleos vizinhos baseados em proprieda-
des maiores, contribuíram desfavoravelmente para o insucesso da colônia. Mas a
criação da comarca de Ceres possibilitou a expansão do sistema econômico bra-
sileiro atendendo aos objetivos do Governo, que visava principalmente a expan-
são de novos territórios utilizáveis favorecendo o domínio econômico dos grandes
proprietários e comerciantes.
23
No final da década de cinqüenta, início dos anos sessenta, com a crise do
Estado Novo, intensificaram-se os debates sobre as reformas estruturais, entre
elas, a Reforma Agrária. “Nesse processo, os movimentos sociais rurais ganha-
vam força, destacando-se as ligas camponesas, a União dos Lavradores e Traba-
lhadores Agrícolas do Brasil (ULTAB), O Movimento dos Agricultores Sem-Terra
(MASTER), entre outros” (DAVID, 2002, p. 28).
A partir da década de sessenta, a agricultura deu um passo importante com
relação às técnicas de produção, resultando no processo de modernização do
campo. Este período ficou conhecido como “modernização conservadora”, que
nem todos participaram dos benefícios desta.
As ligas Camponesas tiveram um importante papel nos primórdios do pro-
cesso de luta pela terra. Em Goiás, o plano de governo, na gestão de Mauro Bor-
ges 1961-1964, consegue o apóio dos trabalhadores rurais e unifica as forças po-
líticas do estado promovendo uma reforma agrária controlada por meio das colo-
nizações.
Em 1963 surgem alguns núcleos de colonização como Tocantinópolis e
Araguacema e os combinados agrourbanos como os Arrais (CARNEIRO, 1988, P.
85). O governo de Mauro Borges foi marcado pela sua capacidade de conter as
reivindicações do acesso a terra e ainda concilias os interesses da elite agrária.
Segundo Pessoa (1999), pode-se dizer que depois de governo de Mauro Borges
até os dias atuais, não houve melhora em relação à luta pela terra.
A partir de 1964, o governo militar passa a tratar a questão agrária como
um problema de segurança nacional, eliminando a atuação de lideranças políticas
e sindicais.
24
No início da década de 1970 o país experimentava um intenso processo de
desenvolvimento econômico. Havia naquele momento uma grande preocupação
em ocupar os espaços demográficos brasileiros, principalmente a Amazônia e o
Centro-Oeste. A política Agrária no Brasil, baseada no Estatuto da Terra de 1964,
englobava os planos de colonização como forma de impedir o alto grau de con-
centração da propriedade.
Em meados da década de 80 surge o MST, com o objetivo de lutar pela
terra através de ocupações e acampamentos como forma de pressionar o Estado,
retomando a organização dos trabalhadores do campo.
Na região do município de Goiás, próximo à Itaberaí, ocorreram vários
processos de ocupação de terra a partir da década de oitenta. A que mais se
destaca, com a participação do MST que surge em Goiás em 1986 é a
ocupação da Fazenda Mosquito. Outros assentamentos como Rancho Grande,
Retiro e Velha nos municípios de Goiás e Itapirapuã, Rio Paraíso, na região de
Jataí, Fazenda Maria Alves, também no município de Itapirapuã; todos estes
ocorreram no estado de Goiás durante a década de 80.
Os assentados de João de Deus (Silvânia), Barro Amarelo (Abadiânia) e
São João da Lavrinha (Cidade de Goiás) constituíram-se de maneira diferenciada
no contexto histórico de sua criação e formação. Também se diferenciam quanto
ao aspecto “sócio-político-cultural-econômico” das famílias assentadas (PINHEI-
RO, 1999). O assentamento São João da Lavrinha que fica no município da Cida-
de de Goiás está localizado relativamente perto do assentamento “Che”, onde re-
alizo minha pesquisa. Por estarem próximos, pretendo estabelecer algumas com-
parações.
25
Em 1964, o governo sanciona a lei nº. 4.504, que regulamenta o Estatuto
da Terra. No ano de 1985, o PNRA Plano Nacional de Reforma Agrária foi
sacramentado pelo Decreto nº. 91.766 (10/101985). O estatuto da Terra e o
PNRA definem a Reforma Agrária como um meio eficiente de promover a
distribuição de terras, evitando os latifúndios, e assim atender aos princípios de
justiça social e respeitar o direito de cidadania do trabalhador rural. Além, é claro,
de contribuir com o desenvolvimento do país. Para tanto, é definida no PNRA a
interação de outras instituições entre elas a Emater (Empresa de Assistência
Técnica e Extensão Rural), Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa
Agropecuária) com a finalidade de prestar assistência e supervisão técnica aos
assentados.
Entre os anos de 1985 –1989, o PNRA estabeleceu como meta o
assentamento de cerca de um milhão e quatrocentas mil famílias. Os
assentamentos João de Deus e Barro Amarelo foram promovidos através de
programas governamentais em parcerias com Sindicato dos Trabalhadores Rurais
e FETAEG (Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de Goiás)
que atuavam como mediadores no processo de concessão das áreas.
O movimento que resultou na ocupação da Fazenda São João da Lavrinha
surge no final da década de 80 na periferia de Goiânia, em geral, com moradores
do Jardim Nova Esperança, Guanabara, Finsocial etc. Estes movimentos acabam
possibilitando a ação de oportunista como foi o caso de João Rosa Dias que
chegou a fundar uma associação como nome de: Comunidade dos Sem-Terra do
Estado de Goiás, em que extorquia dinheiro dos trabalhadores mediante
cobranças de taxas (Pessoa, 1999).
26
Somente em 1991, com o apóio da CPT (Comissão Pastoral da Terra) e
coordenação do MST (Movimento dos Sem-Terra), um grupo de 42 famílias
ocuparam a Fazenda São João da Lavrinha. O período de acampamento durou
cerca de três anos, mesmo tempo de duração do acampamento “Che”. Em 1994,
somente 28 famílias foram selecionadas para o projeto oficial de assentamento.
Entre os três modelos de assentamentos mencionados, o que obteve maior
sucesso foi o de São João da Lavrinha, em que os assentados adquiriram maior
percepção crítica por meio da socialização, formação e principalmente, da
politização promovida pelo MST e pela CPT durante o acampamento. Isto
contribuiu significativamente para uma melhor integração das famílias ao meio
rural, mesmo que estas sejam procedentes de áreas urbanas, segundo
Pinheiro(1999).
O processo de conscientização da legitimidade da luta pela terra está
presente nos discursos dos organizadores dos movimentos sociais que defendem
esta idéia e procuram manter uma organização política, social e ideológica desde
a luta pela terra até a concretização do assentamento. Este processo também
ocorreu na constituição do Assentamento “Che”, e será objeto de minha análise à
frente.
Pessoa (1999) faz uma reconstituição histórica do processo de ocupação,
povoamento do estado de Goiás destacando entre outras coisas, a importância
das ferrovias e da construção de Brasília. Segundo o autor, os camponeses
assentados, após vivenciarem um processo de luta política organizada, precisam
se constituir e se reproduzirem como classe e como produtores de mercadorias
para sustentar a si próprios e a suas famílias, demonstrando a viabilidade da
posse de sua pequena propriedade.
27
O processo de socialização das crianças no campo, em famílias de
pequenos agricultores passa tradicionalmente pela valorização do trabalho como
meio de sobrevivência. Em livro recente, MARIN (2005) evidencia essa
característica da socialização no campo em Goiás, na região de Itaberaí:
De maneira geral, a família dos agricultores de Itaberaí era nuclear, isto é, composta pelo
casal e filhos solteiros. O homem, como chefe de família, encarregava-se de viabilizar a
organização do coletivo de trabalhadores disponíveis na instituição familiar.
Responsabilizava-se pela organização dos espaços dos espaços produtivos da lavoura:
era de sua alçada gestionar quando e como deveriam ser feitos os trabalhos, bem como
mobilizar os recursos humanos e materiais necessários ao bom andamento de seu roçado
(Marin, 2005 p. 134).
Nas famílias campesinas tradicionais o homem é chefe e principal
responsável pela sua integridade. À mulher cabia o serviço doméstico como:
cuidar da casa, dos filhos e preparar os alimentos, além de ajudar nas atividades
do roçado juntamente com os homens nos momentos de maior demanda de
mão-de-obra.
A socialização de meninos e meninas dava-se de forma diferenciada os
meninos eram estimulados ao exercício de posições de comando para
futuramente tornarem-se chefes de família enquanto as meninas, desde muito
pequenas, eram preparadas e socializadas de forma que reproduzissem os
valores de submissão e subalternidade.
No assentamento “Che” as relações de gêneros serão importantes
para compreensão de diferentes aspectos da vida social, principalmente entre os
jovens. As oportunidades de estudo, trabalho e lazer parecem se diferenciar
quando se trata dos aspectos relativos às questões de gênero.
28
Em relação ao trabalho, MARIN (2005) constatou que os agricultores
consideravam este como uma necessidade primordial em detrimento das
atividades escolares. Estudar seria mais “uma perda de tempo”, do que
propriamente um investimento. O trabalho, especialmente para classe
trabalhadora é visto como um meio de garantir a subsistência, em alguns casos,
como maneira de disciplinar e educar os futuros trabalhadores (MARIN 2005), e
também como possibilidade de ascensão social.
Todo trabalhador que parte para a luta da terra tem como projeto de vida,
em seu imaginário, seus sonhos, a garantia de trabalho para si e para seus
familiares. A conquista da terra não é, para eles, um fim a ser alcançado, mas se
configura como etapa na trajetória de vida familiar e do trabalho agrícola. Porém,
quando não um projeto de acompanhamento desses assentados, começa a
surgir alguns impasses que inviabiliza a produção dos pequenos agricultores. Isto
impossibilita a fixação do trabalhador rural na terra, como assentado, ao mesmo
tempo em que faz surgir uma nova forma de conceituação da pequena
propriedade de terra, ainda não claramente definida.
Assim, pode-se compreender que a política agrária brasileira,
historicamente, esteve voltada para o desenvolvimento do capitalismo no campo.
Esta atitude acabou privilegiando uma minoria de proprietários que, em geral, têm
uma produção pouca expressiva, enquanto aumentava a exclusão dos pequenos
produtores familiares.
Embora temos presenciado um aumento considerável no número de
assentamentos rurais em Goiás nos últimos anos, que se considerar
igualmente a grande quantidade de insucesso na efetivação destes
assentamentos. As dificuldades que surgem depois de assentados, fazem
29
aumentar a massa de excluídos. Porém, algumas experiências de êxito devem
ser consideradas apesar da falta de apóio.
Diante de um quadro geralmente desolador da Reforma Agrária, ainda é
possível encontrar casos de superação das dificuldades e uma relativa satisfação
de pequenos produtores rurais assentados. Estes ainda mantêm a esperança de
permanecer na terra e ainda deixar este legado aos filhos. E são estes desafios
que pretendo analisar do ponto de vista sociológico.
30
Capítulo II – Luta pela terra: a atuação dos movimentos sociais no
aprendizado coletivo
1 MST e CPT: participação destes atores sociais na consolidação dos
assentamentos
Historicamente a luta pela terra não é um fato novo em nosso país, nem
tão pouco em Goiás. Desde o período colonial no Brasil a conquista da terra foi
sempre algo marcante, quer pela sua capacidade de mobilizações, quer pelo
caráter violento resultando em muitas mortes. Para ilustrar melhor esses
momentos, Martins (1995) em seu livro “Os camponeses e a Política no Brasil”,
procurou, a partir de uma série de fotografias, sintetizar estes momentos de luta
ocorridos no final do século XIX e século XX. Nas imagens está registrada a
Guerra de Canudos na Bahia em 1897; Guerra do Contestado em Santa Catarina,
1912-1916; Revolta do Porecatu em 1950, no Estado do Paraná, sendo
considerada a primeira desapropriação por interesse social no Brasil; Revolta de
Trombas e Formoso aqui em Goiás entre os anos de 1948-1964; Revolta do
Sudeste do Paraná em 1957 e Lutas das Ligas Camponesas do Nordeste entre
1955-1984.
De acordo com Martins, este período foi marcado pela disputa entre partido
político como o PCB (Partido Comunista Brasileiro), as Ligas Camponesas e a
Igreja Católica, sendo que esta última cria em 1975 a Comissão Pastoral da Terra
(CPT), instituição importante na luta pela superação das desigualdades sociais no
campo. Desde o início seu objetivo foi apoiar a luta pela Reforma Agrária
organizando os trabalhadores rurais e mediando os conflitos. Também estava a
cargo da CPT o apoio material aos trabalhadores em luta através de campanhas
31
de arrecadação de alimentos, remédios, roupas e até dinheiro, que chegou a ser
usado, por exemplo, na aquisição de terras para o Acampamento Encruzilhada
Natalino (RS), conforme registrou Colleti em sua tese de doutorado em Ciências
Sociais (2005).
Assim, apoiando os trabalhadores rurais, a CPT contribuiu para o
nascimento do MST. Em janeiro de 1984, a Comissão Pastoral da Terra promove
o I Encontro Nacional dos Sem Terra, e como resolução deste encontro, no
mesmo ano, foi fundado o MST na cidade de Cascavel, Paraná. Nesse encontro
foram definidos alguns princípios básicos do movimento, como: lutar pela reforma
agrária; lutar por uma sociedade justa e igualitária; reforçar a luta pela terra com a
participação de todos os trabalhadores rurais, sejam eles meeiros, arrendatários,
assalariados ou pequenos proprietários. Também ficou definido que a
participação das mulheres deveria ser estimulada.
A criação do MST coincide com o início de um acontecimento histórico em
nosso país o retorno ao regime democrático que possibilitou a retomada dos
movimentos sociais populares, interrompidos pelo golpe militar de 1964.
Durante o regime militar o modelo de desenvolvimento capitalista da
agricultura acabou trazendo como conseqüência a miséria do trabalhador rural,
cuja única saída foi deixar o campo rumo à cidade – êxodo rural.
Com o forte crescimento da economia brasileira nos anos 70, uma pequena
parte desses trabalhadores consegue ser incorporada ao mercado de trabalho
urbano, ainda que de maneira precária e, em geral, com baixa remuneração.
Porém, com a recessão dos anos 80 e 90, esta incorporação ficou mais difícil,
tendo como conseqüência desta vez, a miséria do trabalhador urbano.
32
A falta de perspectiva de inserção no mercado de trabalho urbano contribui
definitivamente com o desejo de retorno ao campo de muitos trabalhadores.
Quando a cidade deixa de ser uma alternativa viável para a sobrevivência, voltar
ao campo passa a ser o principal objetivo daqueles que um dia tiveram que partir
para a cidade. Diante desta situação, a luta efetiva pela terra, e “terra de trabalho
e não de negócio”, é retomada no início dos 80, o que reforçou ainda mais a
criação do MST com a participação desses trabalhadores.
Com o intuito de retornar ao campo, os trabalhadores excluídos na cidade
engrossam o contingente de pessoas dispostas a enfrentar as conseqüências da
luta pela terra. Em geral, tomam consciência de sua posição após passar por um
“trabalho de base”, como denominam os coordenadores do movimento, nas
palestras organizadas pelo MST e CPT nas periferias das cidades.
Antes, era gasto um tempo maior de preparação e conscientização das
famílias, mas isto dificultava a ação massiva do movimento, ou seja,
impossibilitava que um número maior de famílias participasse da luta, objetivo
maior do MST. Atualmente, os movimentos sociais envolvidos na luta pela terra
têm encurtado esse período e com isso, aumentado o contingente de famílias
dispostas a lutar por uma terra de trabalho, embora se considere que, com essa
estratégia, perde-se um pouco do trabalho político organizado pelos movimentos
no acampamento.
Assim, é essencial a contribuição desses dois movimentos (MST e CPT) na
conscientização da legitimidade da luta pela terra e, como estratégias para
preservar a identidade dos acampados, coordenadores do MST orientam para
que cada um utilize nome fictício, um apelido para que não seja identificado, a
não ser entre eles mesmos, evitando a identificação pelos policiais.
33
Portanto, nas entrevistas que se seguem, alguns ainda mantêm o nome
improvisado na época do acampamento, enquanto outros se identificam pelo
próprio nome, sendo que procuramos deixar a critério dos entrevistados sua
identificação na entrevista.
A importância dada à atuação do MST na conscientização dos acampados
está expressa na entrevista concedida por Pelé, um dos assentados que ainda
preserva o apelido adquirido no acampamento:
O que mais me impressiona e que você pode analisar é o seguinte: o que entra no
Movimento dos Sem Terra, não é aquele que mora na ponta do Fernanda Parque
(bairro afastado, na periferia de Itaberaí) ou na Vila dos Ciganos, ou nas Vilinhas.
Esses não têm noção, o que vem, geralmente, tem uma noção básica, assim, que analisa
bem a vida. É um pedreiro, um carpinteiro, um cara que tem uma noção básica. (Pelé,
assentamento “Che”).
Algumas pessoas partem de sua terra natal em busca de melhores
condições de vida por meio do trabalho em outras cidades. Mas nem sempre seus
sonhos se concretizam. E quando isto acontece, segundo depoimento a seguir, o
desejo de voltar ao campo significa também a garantia de sobrevivência da
família.
Antes de chegar ao movimento (MST), eu não sou daqui, eu sou do Estado da Bahia, eu
trabalhei muito tempo em Goiânia, depois vim pra Goiás conheci minha esposa, casei,
né. Trabalhava no frigorífico de Goiás Velho. era um abre e fecha danado, ficava
empregado um tempo, o outro tempo desempregado. Vivi com meu sogro quando eu
casei. Aí a gente quando estava trabalhando ajudava, na hora que não estava era ele que
mantinha. Então depois que eu saí do frigorífico, ficou brabo pra mim porque eu não tinha
futuro. Às vezes você tem emprego, hoje empregado, amanhã desempregado. Não
34
tem segurança. Pra mim aqui (assentamento) é meu futuro. fora a pessoa que tem a
quarta série, ela não vai conseguir emprego que compensa na cidade. Então meu futuro é
aqui. (Josué, assentamento “Che”).
No caso do assentamento “Che”, pelo menos uma família das que foram
entrevistadas havia participado de um processo de luta pela terra
anteriormente. Na entrevista, fica evidente a atuação do MST no processo de
tomada de consciência da situação e, portanto, a motivação necessária para se
ingressar nesta luta:
Antes de nós ocupar aqui a Fazenda Santa Rosa, nós vinha de uma origem
camponesa. Nós participamos da ocupação de terra ali na fazenda Rancho Grande, em
Goiás, hoje, assentamento. A gente passou ali uma fase da juventude. Então a gente pôde
ver a dificuldade que é, de se conquistar um pedaço de terra, de se ter um espaço para se
produzir alimento e desenvolver. Meus pais vieram de agregação em fazenda. Nunca
tiveram oportunidade. A gente vinha desse sofrimento, dessa dificuldade e nunca houve
melhora. Minha mãe era viúva e eu ainda era solteiro quando o MST convidou ela pra ser
integrante desse movimento. Então a gente desde de novo aprendeu que só poderia haver
mudança, dividir o poder, se a gente partisse pra luta mesmo. (Sebastião do facão e
esposa, assentamento “Che”).
O MST procurou difundir, desde o início, a necessidade da luta pela terra
em todos os estados e durante o movimento de luta, era importante ressaltar a
preocupação dos organizadores em fortalecer a participação dos trabalhadores
nos sindicatos através de uma formação política que os conscientizasse dessa
luta. Para o MST, o sindicalismo rural no Brasil deixara um vazio político que o
movimento, através de um processo constante de conscientização, procurava
preencher.
35
Durante o período em que estiveram acampados, tanto o CPT quanto o
MST exerceram um papel importante na elaboração de um processo educativo
que visasse orientar e estimular a participação. O MST procurava formar líderes,
coordenadores, pessoas do próprio acampamento que passavam por um
processo educativo diferenciado na tentativa de formar militantes politizados que
eram encarregados de repassar seus ensinamentos aos demais acampados,
conforme assinalou uma ex – coordenadora do acampamento:
Nós tinha um trabalho de informação. Vinha pessoas de fora, ligadas ao MST, para
explicar para nós o que significava assentamento, o que significava ter uma terra, o motivo
que nós estava ali, o porquê, e como a gente deveria agir. A gente não tava ali nem pra
matar nem pra morrer! A gente queria uma terra pra trabalhar. (Dona Sebastiana,
Coordenadora no acampamento “Che”).
Todas as atividades realizadas nos acampamentos eram organizadas
dentro de uma ação coletiva, que incentivava a cooperação. Essas novas
relações traziam outros valores e costumes que passaram a ser internalizados
pelo grupo. Este processo de internalização dessa nova realidade refletia uma
pré-disposição para agir de determinada maneira, que caracteriza o que Bourdieu
(2002), chamou de habitus, refletindo a socialização no grupo.
Para melhor compreender como se estruturavam essas novas relações
internas dentro do movimento social, faz-se necessário também utilizar o conceito
de campo deste autor, que o MST, partidos políticos como PC (Partido
Comunista), sindicatos e associações rurais fazem parte deste campo social, no
caso, o campo da Reforma Agrária.
36
De acordo com Pessoa (1999), a lei 979, de 06 de janeiro de 1903,
regulamentava o sindicalismo no Brasil de maneira altamente favorável à
formação de elites agrárias.
Em 1943 foi promulgada a CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas),
porém esta não contemplava os interesses do homem do campo. Somente em
1963 foi sancionada a lei 4.214 ou Estatuto do Trabalhador Rural que possibilitou
a criação de vários sindicatos e federações em todo país. Em Goiás, por exemplo,
neste mesmo ano, foram criados 34 sindicatos (PESSOA, p. 65-6).
Durante o governo de Mauro Borges de 1961-1964, eleito pelos partidos
políticos que representavam as forças políticas tradicionais (PSD-PTB),
desenvolveu-se um plano de reforma agrária controlada pelo sistema de
colonização. Com isto, o governo obteve o apóio dos trabalhadores rurais e
também uniu as forças políticas tradicionais do estado. Assim, Mauro Borges
consegue conter as reivindicações de acesso a terra e consolida a modernização
da agricultura no estado, preservando a grande propriedade (p. 65).
No cenário nacional, com a imposição do golpe militar em 1964, o governo
cria o Estatuto da Terra (Lei 4.502), que contribuiu para uma transformação
conservadora no que se refere à realidade agrária brasileira. Como resultado do
regime militar, tivemos o aumento da concentração da propriedade da terra e um
período de intensa perseguição aos líderes camponeses (Pessoa, 1999 p. 70).
Assim, todo o cenário de luta pela terra no Brasil deve contemplar historicamente,
o momento político e as diversas estratégias para a efetivação da reforma agrária.
É a partir desta realidade que os movimentos sociais como MST e CPT, inseridos
no campo da reforma agrária, traçam suas estratégias de conscientização e
preparação para a luta pela terra.
37
É neste sentido que se evindenciava também uma constante preocupação
dos agentes sociais envolvidos na luta em repassar os ensinamentos e a
disciplina ocorridos no acampamento também para as crianças que vivenciavam
aquele momento com os pais:
Nós fazia reunião com as crianças para conscientizar, dar aulas. Mas nem sempre era
possível porque toda hora entrava polícia. Preparava as crianças para aprender a receber
as pessoas diferentes que chegava. Essa preparação pra nós era muito importante. A
gente reunia com os pais e com as crianças também. (Dona Sebastiana, Coordenadora
no acampamento “Che”).
O MST, em conjunto com a CPT, promove uma “mística” no acampamento
que é semelhante a um ritual religioso, em que se fala a língua do povo através
da dança, música, palestras; cultua-se os símbolos, hinos e instrumentos de
trabalho no campo etc. Esta prática populariza o sentido ideológico da luta pela
terra e reforça a “identidade Sem Terra”, como afirma Kozlowski em sua
dissertação de Mestrado (Kozlowski, 2003 p. 35).
A “mística” não é em si uma tarefa religiosa. Ela tem uma função política
cuja estratégia é fortalecer os laços entre as famílias motivando e alimentando a
luta, renovando as esperanças e assim, tornando os momentos difíceis mais
amenos, mantendo a união do grupo enquanto fortalece o espírito de
comunidade. Percebemos a eficácia dessa mística no depoimento de Dona
Valdeci, quando ela relembra o período do acampamento:
A gente sofre muito, mas não sei por quê, mas quando a gente num acampamento,
aquela turma toda unida, a amizade é muito forte. A gente vive como uma família, não
passa a ser amigo. Ali, se a gente precisar um do outro, qualquer coisa, pronto pra
38
servir a gente. Parece que a luta, o sofrimento faz a gente formar amizade, alegria.
Tristeza não tinha. Só alegria. (Dona Valdeci, sobre a união no acampamento “Che”).
Luiz Bezerra Neto, em sua dissertação de mestrado, procurou definir o
significado da mística para o MST: “Considerada pelo movimento como um dos
mais importantes instrumentos de manutenção da esperança e do fervor na luta
em defesa de seus interesses, a mística é meio através do qual o MST procura
encontrar forças para manter viva a memória de seus mártires e buscar, com isso,
dar esperança à massa de trabalhadores sem terra na defesa de seus ideais”
(1998, p. 51).
É também através da mística que o MST procura manter viva a memória de
seus líderes relembrando seus atos corajosos, como podemos constatar no
depoimento de Josué:
Luiz Ozório foi uma pessoa que deu muita força pra gente. Morreu em um acidente. Então
o nome do acampamento é uma homenagem a ele. O nome dos acampamentos,
assentamentos, sempre vem homenageando uma pessoa que lutou pelo direito, não só do
movimento (sem terra), mas da população em geral. Um exemplo: o “Che”, ele não tem
nada a ver com a terra. Ele sempre lutou por outras coisas, né? Mas sempre defendeu a
pobreza. Tem Luiz Freire, tem Canudos, todo mundo conhece a luta de Canudos. É uma
homenagem às pessoas que sempre levou à luta o movimento, porque o movimento,
vai mudando de nome, mas é uma coisa só. (Josué, assentamento “Che” sobre o apóio
dos assentados ao acampamento Luiz Ozório, saída para Itaguarí, próximo a Itaberaí).
O MST procura impor uma disciplina rígida, com componentes
revolucionários, defendendo um modelo de desenvolvimento socialista em
39
detrimento do capitalismo. E manter esta disciplina depende fundamentalmente da
eficácia da mística produzida no acampamento.
Nessa “mística”, os acampados são preparados para a socialização,
cooperação, solidariedade e igualdade de gênero. A participação das mulheres e
das crianças serve como estratégia para garantir a segurança do grupo nos
momentos de confronto com a polícia, conforme relata o Sr. Milton: “O dia que tinha
confronto com a polícia, a meninada ia na frente. Menino, criança, os mais velhos,
mulher, as mães, tudo ia na frente. Os homens ficava mais atrás. Os meninos não
tinham medo de jeito nenhum. Pegava pau, fazia facãozinho de pau. Sem medo”.
(Sr. Milton, assentamento “Che”).
Colocar crianças e mulheres na frente era uma estratégia utilizada
principalmente para sensibilizar a opinião pública sobre aquilo que estava
realmente acontecendo conforme aparece em outras entrevistas:
Às vezes nós colocava as crianças na frente, às vezes não. Dependia da conjuntura, do
momento. Nós não colocava criança pra ser escudo. A gente só colocava as crianças num
momento de comoção pra mostrar pra sociedade. Quando a imprensa tava, a gente
gostava de mostrar as crianças pro povo que tava a família ali, né? A criança faz parte
da família. Então tava o pai, a mãe e a criança. Eles sempre faziam parte das ações do
acampamento. (Sebastião do facão, assentamento “Che”).
As crianças passavam por uma preparação para amenizar o impacto da
mudança que estava ocorrendo em suas vidas. Dona Sebastiana que atuou como
coordenadora durante o acampamento, nos uma idéia de como funcionava a
preparação das crianças naquele período:
A atividade que a gente tinha com as crianças dentro do acampamento é que tirava uma
pessoa pra brincar, orar com elas. Tinha equipe da educação pra conversar com elas,
40
explicar o motivo que elas estavam ali, respeitar as pessoas que chegasse, as
autoridades, tratar bem, e se realmente queriam ficar. O acampamento sem terra ele faz
parte do homem, da mulher e do filho. Da família, né? (Dona Sebastiana, Coordenadora
no acampamento “Che”).
Todos, sem exceção, são chamados a participar ativamente das atividades
desenvolvidas no acampamento, sejam elas palestras para troca de idéias e
experiências, ou atividades do cotidiano como o cuidado com a água que é
consumida, alimentação, construção de banheiros, recolhimento do lixo etc, como
mais uma vez destaca Dona Sebastiana:
Eu era coordenadora de grupo, de núcleo. Então na coordenação a gente separava as
tarefas, divida as pessoas em grupo pra discuti como que a gente ia fazer, como trabalhar
e orientar as pessoas, que era muita gente na época. A gente tinha quem orientasse nós
também, pessoas ligadas ao MST. Trabalhava com o pessoal pra formar equipes de
higiene, saúde, segurança. Se acontecesse qualquer coisa dentro do núcleo dele, o
coordenador tinha que tá sabendo.
A valorização do trabalho dividido em equipes reforça o sentimento de
comunidade, de um grupo de pessoas unidas por um objetivo em comum: ter um
pedaço de terra para trabalhar.
Os novos valores e costumes aprendidos durante o acampamento refletem
uma nova maneira de pensar a realidade e, portanto, um novo modo de agir que
está presente na interiorização do processo educativo promovido pelo MST em
conjunto com a CPT durante o acampamento. A assimilação desses novos
valores e costumes ilustra bem o conceito de habitus de Bourdieu, significando o
acúmulo de um novo capital simbólico adquirido que expressa a interiorização e,
41
posteriormente, a exteriorização desta nova realidade e, tudo isto, dentro de um
campo social específico, que é o campo da reforma agrária.
Neste processo constante de aprendizado, os atores inseridos na luta
adquirem valores sociais que resultam em novas atitudes psicológicas,
representando a estreita relação entre atitudes e representações sociais. Assim,
atitudes e valores sociais representam o novo modo de vida social e coletivo que
os atores têm experimentado. As atitudes representam uma disposição para agir,
ou seja, um habitus, na acepção de Bourdieu.
O processo de aprendizado político e social exercido cotidianamente
durante o acampamento que, no caso do “Che”, foi de aproximadamente quatro
anos, segundo os entrevistados, nem sempre são suficientes para garantir a
união das famílias na etapa seguinte assentamento conforme os objetivos do
MST.
É por este motivo que o MST procura formar novos líderes através de um
processo educativo continuamente renovado, preparando militantes para difundir
a causa da luta pela terra. Toda a expectativa do MST é que essas sementes
plantadas no acampamento possam render frutos quando os trabalhadores e
suas famílias estiverem definitivamente assentados.
O assentamento representa uma vitória, uma etapa importante. Porém, não
significa o encerramento da atuação do MST, que pretende dar continuidade em
seus projetos de gerar um novo modo de viver em que se apresente o valor
idealizado durante a luta pela terra.
Martins (2000), em sua obra Reforma agrária o impossível diálogo,
problematiza uma questão que está na pauta dos debates acadêmicos: a
42
situação social e o destino histórico dos trabalhadores rurais, especialmente os
assentados e acampados, atores e vítimas dos programas da reforma agrária.
Assim, CPT e MST, principais agentes envolvidos na luta pela terra,
parecem direcionar seus discursos e práticas para um posicionamento mais
ideológico do que para uma efetiva luta por terra de trabalho.
No caso do assentamento “Che” a atuação do MST foi interrompida e o
motivo pode ter origem no repasse de contribuições ao movimento, conforme
consta em matéria recortada do jornal “O Popular” publicada no dia 02 de outubro
de 1998, disponível na sede da CPT em Goiânia. O rompimento (que não é muito
comentado pelos assentados, especialmente durante as entrevistas) torna o
assentamento “Che” diferente de outros, como o de “Canudos”, onde este
movimento ainda permanece atuante. A coordenação do MST procura difundir
entre os assentados, através de um trabalho educativo, a viabilidade do sistema
cooperativo de produção.
Contudo, embora reconheçam a importância da atuação deste movimento
na luta pela terra, cerca de 30 a 40% dos assentados de Canudos manifestaram,
em pesquisa recente (Kozlowski, 2003) o desejo de serem independentes,
construir e atuar em seu próprio lote de maneira individualizada, e não no coletivo
como pretende a coordenação do MST.
As pessoas com mais de 45 anos, em sua maioria analfabetas, apegadas a
um modo de vida bem tradicional, têm maior resistência em assimilar os valores
propostos pelo movimento. Os mais jovens, entre 20 a 35, que passaram pelo
processo educativo do MST durante o acampamento na faixa etária de 12 a 20
anos, são os que melhor se identificam com estas novas orientações,
43
representando 70% daquela população, segundo Kozlowski em sua pesquisa no
assentamento Canudos.
Elisa Guaraná, pesquisadora na área de cultura do trabalho, em seu artigo
“Os jovens estão indo embora”, afirma que “jovens que passaram pelo processo
de luta pela terra, internalizam fortemente este processo de socialização e isto
contribui para que ele queira permanecer no lote”. Sua fala ilustra como a
“mística” realizada no acampamento reforça e intensifica a participação e,
posteriormente, a reprodução dos valores repassados pelo MST em conjunto com
a CPT. Daí a importância da divulgação ideológica do movimento durante o
acampamento no sentido de fortalecer e dar continuidade ao ideal de luta pela
terra.
No processo de luta, ou seja, durante o acampamento, o desejo, o sonho
de ter a terra cria novos valores e representações sociais que aparecem como
alternativas àquela realidade vivida na cidade: desemprego, subemprego, salários
baixos.
Um problema que se coloca hoje acerca da permanência do jovem na terra
é um descompasso entre os projetos de reforma agrária via movimentos sociais
como MST e CPT e a falta de acompanhamento técnico após o assentamento e
de projetos que focalizem a realidade do trabalhadores rurais; a falta de políticas
públicas que viabilize, incentive e garanta a permanência do jovem no
assentamento como forma de dar continuidade à fixação do homem na terra.
Após o período de acampamento, esse novo trabalhador rural, que passou
por um processo de luta organizada, adquire uma nova consciência política e
precisa agora se repensar e se reorganizar enquanto pequeno proprietário,
pequeno agricultor. A conquista da terra é vista como uma vitória compartilhada
44
por toda a família e também é uma maneira de demonstrar para a sociedade a
viabilidade do assentamento. Essa conquista significa o resgate da terra para o
cultivo, criação e moradia, conforme depoimento de uma assentada relembrando
as dificuldades da família antes da conquista da terra:
Eu morava na cidade pagando aluguel, os filhos comeram a trabalhar muito cedo. A gente
sempre foi fraca de situação, então era uma vida muito corrida, tendo de pagar aluguel,
água, luz, comprar de tudo para os filhos na escola. Era difícil. Então eu dou muito valor
nesse pedacinho de terra aqui, porque foi um sonho. Pra mim significa tudo. Pra quem não
tinha nem uma casa pra morar na cidade, essa terra significa riqueza, né? Porque se a
gente quiser trabalhar na terra você tira bem dizer tudo, a gente não precisa comprar
quase nada se tiver coragem de trabalhar. (Dona Vanda, assentamento “Che”).
2 – Assentamento – conquistar e manter: o difícil aprendizado
A luta pela terra não deve ser compreendida apenas como uma “volta ao
passado”. Essa luta é um processo social que reforça os vínculos locais e as
relações de pertencimento a um determinado lugar. Acampamento e
assentamento são o resultado de conflitos e lutas sociais que dão identidade e
sentimentos de familiaridade àqueles inseridos nesse processo.
O processo de modernização do campo ocorrido principalmente através da
introdução de máquinas, insumos e implementos agrícolas reforçou esta exclusão
e fez com que um grande contingente de trabalhadores rurais buscasse a cidade
como alternativa para sobrevivência. Porém, como se sabe, esta mudança não foi
a solução e voltar para a terra passa a ser o meio encontrado por muitos
trabalhadores para garantir o sustento da família, e mais do que isto, o retorno a
um tempo de fartura e boa educação moral, conforme sugerem alguns
45
depoimentos: “É muito mais fácil educar o filho aqui na roça do que na cidade.
Porque na cidade depois do horário de aula ele pode enturmar com algum
malandrinho que não quer saber de estudar e pode virar a cabeça dele. Aqui não.
Chegou, não tem ninguém pra induzir, ele vai fazer as tarefas e ficar tranqüilo.
Dorme mais cedo e descansa a mente”. (Sebastião Mendanha, assentado,
preocupado com a educação dos filhos).
É por meio do trabalho que todas as famílias envolvidas na luta pela terra
procuram garantir o sustento e a sobrevivência da família. O trabalho possui um
valor real e simbólico dos mais importantes nos momentos de luta pela terra. É o
direito ao trabalho como garantia de cidadania que move esses trabalhadores
inseridos na luta. Também é no trabalho e pelo trabalho que observamos as
novas representações que surgem e justificam todas as atitudes e perspectivas
dos mais jovens agora assentados: “A terra é para aquele que quer trabalha na
terra! Não é uma coisa de hobby, de fim de semana e tal, como é no Brasil, não!
A terra tem que ser para quem quer trabalhar nela!” (Pelé – assentamento “Che”).
Os depoimentos a seguir indicam que os inseridos na luta pela terra não
são apenas trabalhadores rurais que perderam o acesso à terra, mas sim um
número expressivo de desempregados urbanos e sem tetos que geralmente
fazem parte de uma segunda ou terceira geração de migrantes, ex-trabalhadores
rurais:
Nós fomos criados na roça. Meu pai criou nós na roça. Não tinha esse negócio de pobre
morar na cidade. Depois é que nós fomos pra cidade. Mas não acostumou não. Morar na
cidade era muito difícil. E quando eu vi na televisão assim, a reforma agrária, aquilo me
chamou a atenção e eu falei para meu esposo: - eu quero ir para aquela luta. Ele disse
46
que eu estava louca, mas eu fui com a cara e a coragem. E fiquei nessa luta até o fim.
Minha vontade era sair da cidade que era um sacrifício. (Dona Elizete, assentamento
“Che”).
Eu fui nascida e criada em fazenda dos outros. O que eu sei, aprendi com meu pai e
minha mãe trabalhando pros outros. Na época (do acampamento), nós morávamos em
Goiânia. Era difícil demais emprego. Nós morávamos com minha irmã e depois nós
conseguimos um lote na invasão e construímos dois cômodos. Minha mãe me falou sobre
invasão de terras. Mas eu tinha medo deles matar a gente, de ter massacre. Passa na
televisão e agente fica com medo das coisas que acontece. Mas deu certo e agora o
meu sonho é de cada dia melhorar mais, para os meus filhos. Porque agora, graças a
Deus, a luta tá ganha. Agora tem que trabalhar em cima da terra. Eu não penso em vender
nunca. (Joana do Galego, coordenadora no acampamento “Che”).
Os assentamentos são vistos por esses trabalhadores como possibilidade
de reconstrução da produção agrícola, que geralmente é pensada pelos mais
velhos nos moldes tradicionais da agricultura familiar. O acesso à terra propicia a
eles uma melhora visível na qualidade de vida, principalmente com relação à
alimentação. Assim, os assentados sentem-se orgulhosos em relatar a expressiva
melhora que tiveram em suas vidas, principalmente quanto à alimentação, como
indicam as entrevistas de Dona Maria Francisca e Dona Elizete que participaram
do acampamento “Che” desde o início das ocupações: “Aqui no assentamento
melhorou muita coisa, principalmente no modo de alimentar. Esse ano mesmo eu
fiz uma boa colheita. Colhi 77 volumes de arroz, muito milho, feijão, quer dizer,
não compra, né?” (Dona Maria Francisca); “Aqui a gente planta e colhe banana,
quiabo, jiló, vende um frango, vende um ovo na feirinha do pequeno produtor”.
(Dona Elizete, sobre a melhora na alimentação).
47
Atualmente, ser assentado significa ter o reconhecimento da sociedade que
antes lhes atribuía uma série de nomes pejorativos como: vagabundos,
desocupados, ladrões de terra, etc. O assentamento hoje representa para estes
trabalhadores mais autonomia e estabilidade resgatando a dignidade dos
assentados como relata Dona Joana do Galego: “Na época, ninguém queria
vender nada pra gente na cidade. Até no dinheiro eles tinha medo de vender pra
gente. Eles tinham medo da gente chegar e invadir. Morriam de medo. Tratava a
gente como bandido mesmo. Hoje em dia não. Nós compramos até fiado em
qualquer lugar, de todo mundo”.
Além de todas as dificuldades relatadas, os assentados ainda ressaltam
a questão do preconceito que sofreram durante o acampamento e que ainda
parece não ter chegado ao fim. O Sr. Sebastião do facão, que além de ter sido um
dos coordenadores no acampamento e que atualmente se destaca pela influência
religiosa como pastor de uma igreja evangélica no assentamento, é quem nos traz
esta informação: “Hoje ainda tem preconceito, não pra fala que acabou, mas
diminuiu bastante. A gente vai na cidade, é bem recebido, as pessoas quer
vender pra gente. Todo mundo tem seu crédito nas lojas, no supermercado. A
pessoa se sente cidadão mesmo”.
Os assentamentos representam a retomada de um processo produtivo
visto como viável, desejável e, mais do que isto representa um meio de vida, uma
garantia de sobrevivência para estes agricultores e suas família. De modo geral
os assentados, ex-trabalhadores rurais ou arrendatários, têm a idéia da terra
como economia moral muito forte, portanto, ela se constitui como local de trabalho
e não como uma mercadoria, conforme assinalaram Costa e Bergamasco (2002).
48
As entrevistas realizadas no assentamento “Che” evidenciam a satisfação
dos trabalhadores, em especial dos chefes de família, das pessoas mais velhas
do assentamento. Muito embora tenham a consciência de que ainda
problemas a serem resolvidos, principalmente com relação à saúde, educação e o
lazer, são unânimes em ressaltar sua satisfação com a posse legítima da terra.
Apesar das dificuldades e problemas, o assentamento é a concretização de
um sonho socialmente construído entre conflitos e disputas ocorridas durante o
acampamento. A conquista efetiva da terra é garantia de uma considerável
melhora nas condições de vida, como afirmam os mais velhos. Entretanto,
mesmo considerando os aspectos que levam à satisfação com a posse da terra,
os pais, e principalmente os jovens, consideram que a garantia de um futuro
melhor não se encontra nos limites do assentamento.
Tornar-se dono da terra marca a passagem definitiva que vai do sonho, no
período de acampamento, à realidade, o assentamento. E a única motivação
daqueles que lutam pela terra é o trabalho. É conquistar a terra para trabalhar e
sustentar a família. Mas administrar o próprio patrimônio para quem estava
acostumado a executar ordens e tarefas revela-se como um novo desfio para os
assentados, que precisam aprender a planejar e executar, enfim, a gerenciar seu
próprio trabalho e de sua família. Para isto, terão que rever seu conceito sobre o
modo de produção na terra, deixando de lado uma perspectiva limitada, ou uma
representação do tipo tradicional, provinda de sua cultura do trabalho.
A falta de preparo desses agricultores, resultado de um longo período de
afastamento do trabalho na terra, acaba dificultando sua adaptação quando se
torna um assentado. Contudo, a falta de apóio dos órgãos responsáveis pala
consolidação do assentamento aparece como a principal causa de um expressivo
49
número de venda de lotes no início do assentamento, segundo revela a
entrevista com a família do Sr. Marcelino:
Se o governo não ajudar a gente aqui no assentamento, porque só promete, só promete, é
por isso que muitos desistiram. A gente é persistente e vai ficando. Você vai plantar roça é
porque você vendo um gadim. A única renda que você tem é o gado pra entregar o leite.
você vende ele pra plantá roça e o dinheiro da roça não retorna pra comprar o gado
porque aí você já tem que pagar outras coisas, e só vai acabando. Muitos acabou. Mas se
trazer recurso aqui pra gente igual eles falou que ia trazer, a gente tava firme pra poder
melhorar as coisas. (Dona Cida e Sr. Marcelino, assentamento “Che”).
Opinião semelhante tem a família do Sr. Milton que, como a do Sr.
Marcelino, estava na luta por esta terra desde o início das reuniões para
organização do acampamento. Sua entrevista está carregada de um apelo
emocional e até mesmo denunciativo:
Tem uma coisa que eu quero falar. É assim: nós ganhamos a terra aqui numa luta, né?
tem cinco anos que nós tamo aqui em cima do lote. O INCRA, pois nós na terra, dividiu,
deu um dinherim pra comprar um gado, e sumiu pra lá! Cê entendeu? Não tem assistência
de INCRA, de governo, né? Não tem nada. não tem jeito. peleja pra plantar, planta
um arroz aqui no coletivo não certo porque tem uns que são unidos outros é desunido.
Então é essa coisa, sabe? O INCRA abandonou o assentamento, não assistência, não
tem agrônomo aqui, não tem nada. O MST ajudou conseguir a terra e sumiu pra lá. Nunca
mais voltou. Quando nós morava na cidade, nós trabalhava na rua, tinha uma vidinha lá.
Nossa casinha nós comeu ela debaixo da barraca. eu achei que desde que fez um
assentamento desse tamanho, tinha que ter uma autoridade aqui dentro. Aqui não tem
autoridade pra nada. É gente vendendo, é gente comprando, trocando, gambirando. Os
que ficou aqui na luta da terra desde o início mesmo, são poucos. (Dona Nilda e Sr.
Milton, assentamento “Che”).
50
De acordo com Pessoa (1999 p. 155), a consolidação de um assentamento
pressupõe a conclusão de duas etapas importantes: a primeira delas, é a
demarcação dos lotes; a segunda e mais importante na perspectiva do autor, é a
garantia de permanência na área, que será obtida tanto mais eficazmente quanto
melhor for a assimilação dos assentados aos novos modos de produção e
representação da cultura do trabalho no campo, ou seja, às novas formas de
representação desse trabalho.
É justamente nesta etapa que os recursos e o apóio técnico por parte do
governo são essenciais e definitivos para os assentados. Pessoa afirma que as
desistências das parcelas ocorrem principalmente nos primeiros anos da
consolidação da posse da terra como resultado do despreparo dos trabalhadores
e da falta de assistência por parte dos órgãos competentes, o que, portanto, não
deve ser atribuído à falta de competência (p. 156).
Portanto, as motivações que levaram estas famílias a enfrentarem todos os
riscos durante o acampamento vão além de um mero significado econômico da
terra. Nas palavras de Pessoa (1999 p. 151), “o que verdadeiramente os conduziu
ao resgate da terra foi o desejo de liberdade, de viver melhor, de poder controlar o
próprio tempo”.
As entrevistas no assentamento “Che” revelam uma constante volta ao
passado quase sempre lembrado como um tempo de fartura, sossego, boas
amizades. Esse passado remoto, que também é idealizado pelos “caipiras”
(Cândido, 1979), é cada vez mais retomado como um lugar ideal, e é a busca por
esse “paraíso perdido” que motiva o longo percurso até o reencontro com a terra
depois de perambular de fazenda em fazenda trabalhando como assalariado de
51
um fazendeiro ou como diarista de vários. Isto é o que podemos perceber como
motivação nos relatos de Dona Helena e Sr. Moacir do assentamento “Che”:
Nós trabalhava principalmente nas fazendas dos outros, trabalhava a meia, outra hora
trabalhava e ganhava meio salário. E na cidade foi um pouco ainda pior porque tinha
que pagar o aluguel, energia, e dificultava ainda mais. Nós ficamos três anos pelejando
na cidade e depois voltamos pra roça. Pelo menos nós plantava o arroz, o feijão e colhia e
não pagava nem aluguel nem energia. Minha mãe falava que ia chegar um dia que todo
mundo teria seu pedaço de terra pra trabalhar, que era a reforma agrária, que tinha essa
lei, mas não tava sendo cumprida. E ela ainda falava que era tampada pelos grandão lá de
cima que não deixava ela acontecer. Então a gente sempre ficava com aquilo na mente,
pensando que podia acontecer com a gente. Aí nós procuramos informar direito e partimos
pra luta.
Dona Helena e Sr. Moacir estiveram na luta por esta terra desde o
acampamento até a finalização do processo e conquista definitiva da terra.
Atualmente moram com eles na mesma parcela, os filhos mais novos que, apesar
de ainda jovens (20 e 22 anos), constituíram família e dividem com os pais o
trabalho na terra. Em entrevista em conjunto com os dois jovens, Júnior e Fábio,
eles revelam a importância de conquistarem esta terra de trabalho: “Foi muito
bom pra nós conseguir aqui essa terra pra nós trabalha. Se não nós tava na
cidade e a vida era pior, não tem emprego pra todo mundo lá. Aqui é difícil, mas
ainda é melhor que lá (cidade). Com muito esforço, é possível viver do trabalho na
terra”.
52
Capítulo III – “A juventude no campo”
1 – O conceito de juventude em geral e juventude assentada
Do ponto de vista jurídico, de acordo com o ECA Estatuto da Criança e
do Adolescente a categoria adolescente compreende o período que vai dos 12
aos 18 e excepcionalmente até os 21 anos de idade, sendo esta a fase que em o
indivíduo se prepara para a vida adulta. Neste período eles experimentam
diversas mudanças físicas e psicológicas. É um momento de efervescência que,
no caso dos jovens assentados, representou muitas mudanças e um aprendizado
diferenciado, conforme relato de um professor do ensino médio: “Eles têm uma
visão que faz com que eles se diferenciem dos outros alunos. A própria história de
vida deles, de luta, de sofrimento e de engajamento nesses movimentos sociais é
que fez com eles desenvolvessem mais esse lado crítico”. (Professor Agnaldo,
sobre a experiência de vida dos jovens assentados).
Um estudo específico sobre a juventude rural, em especial aquela que se
encontra assentada, torna-se relevante para compreendermos um problema
sociológico que se coloca na atualidade: a viabilidade dos assentamentos de
reforma agrária como forma de fixar o homem à terra, ou seja, a possibilidade de
permanência dos jovens no campo como para concretização dos objetivos dos
pais.
Os adultos assentados são, em geral, pessoas que viveram no campo e
que por conta de uma acentuada exclusão social que se constituiu em nosso país
ao longo dos anos, se viram obrigadas a buscar outros caminhos para garantir a
sobrevivência. Mais do que deixar o campo entendido como meio de trabalho,
53
elas abandonaram também um estilo de vida, uma cultura específica, algo que vai
além da mera luta por alimentos.
Assim, os assentamentos são compreendidos como retorno ao lugar de
origem, de suas raízes culturais. Porém, é necessário entender até que ponto as
novas gerações assimilam esta realidade, até que ponto elas estão dispostas a
assumirem este modo de viver e dar continuidade ao trabalho no campo tendo em
vista todas as tecnologias que têm sido incorporadas ao modo de produção no
meio rural. A nova maneira de conduzir as atividades laborais no campo não está
acessível a todos, principalmente aos pequenos agricultores familiares, como é o
caso dos assentados.
A cultura do agronegócio que visa a produção em grande escala, para um
mercado voltado para exportação, por exemplo, pouco ou nada contribui com o
pequeno produtor. A menos que, por falta de opção, estes pequenos agricultores
trabalhem nessas empresas com a finalidade de complementação de renda. Essa
nova realidade da vida no campo acaba contribuindo com a falta de perspectiva
de permanência do jovem no meio rural.
Para se discutir as concepções dos jovens acerca de sua permanência na
terra, é necessário primeiramente compreender o vem a “ser jovem”, um conceito
de juventude. Para tanto, é preciso compreender como se a passagem da
infância à juventude.
De acordo com Sousa e Duque (2002), quando se trata de juventude rural,
a infância é vista como um período da vida em que a criança se prepara para
trabalhar. Tal representação é fundamental para que se perceba, desde cedo, que
o trabalho na terra, mais do que garantir sustento é uma forma de possibilitar a
permanência e, portanto, a continuidade do trabalho na terra pelas novas
54
gerações. Segundo as autoras, não existe uma definição universalmente aceita
para os limites da idade em que se encontra a juventude. Parece mais haver uma
transição direta da infância à fase adulta a partir da incorporação precoce do
indivíduo ao mundo do trabalho.
Dois outros momentos importantes, ainda de acordo com as autoras,
marcam a passagem da juventude à fase adulta. É quando o indivíduo se casa,
mesmo com pouca idade, ou quando o jovem deixa a casa dos pais para
trabalhar fora, adquirindo definitivamente o status de adulto.
No assentamento “Che”, por exemplo, as crianças são estimuladas desde
cedo a acompanhar os pais nos trabalhos do dia-a-dia. “Desde de pequeno eles
ajudam o pai na roça, capina o quintal, olha as vacas, fazem de tudo. Aqui é
melhor pra eles não virar o que não presta. Porque depois que vira, a gente não
conta mais”. (Dona Joana, sobre a importância do trabalho como forma de
disciplinar os filhos).
A socialização ocorre de forma diferenciada para meninos e meninas, o
que confirma Marin (2005) em sua pesquisa realizada entre os pequenos
agricultores de Itaberaí: No processo de socialização, os meninos tinham mais
estímulos para o exercício de posições de comando para que futuramente se
tornassem chefes de família; as meninas, por sua vez, desde muito pequenas,
eram socializadas numa teia de relações que privilegiavam e reproduziam valores
de submissão e subalternidade, não apenas aos de casa, mas também aos
parentes e vizinhos” (p. 141).
O trabalho no assentamento, tanto para meninas como para meninos, é
estimulado pelos pais e organizado de maneira diferenciada, conforme indicam as
entrevistas:
55
A criança tem que trabalhar! Ela tem a hora de lazer. Não é você escravizar ela, mas
alguma coisa ela tem que saber fazer. Os meninos homem, por exemplo, vai apartar as
vacas, tirar leite, pegar um cavalo, capinar. E pra mulher é difícil. Elas arrumam a casa,
lava vasilha, cuidam da casa, ajudando as mães. Os meninos é mais no campo com os
pais. (Josué, sobre o trabalho dos meninos e das meninas);
As meninas sempre faz mais em casa. A minha menininha fica aqui dentro arrumando a
casa pra mim. Os meninos vai pra roça com o pai, plantar um milho, buscar uma banana,
né? Esse tipinho de coisa que não prejudica eles. (Dona Valdeci, sobre o trabalho
diferenciado para meninos e meninas).
Para compreender definitivamente o que é ser juventude, devemos
contemplar o que a comunidade entende por “ser jovem”. Carneiro (1998)
reconhece a dificuldade de se delimitar esta categoria e argumenta que, muitas
vezes, eles são reconhecidos apenas como filhos de agricultores; desta forma,
são vistos apenas sob a ótica do trabalho. A categoria “jovem rural” parece ser
invisível para a maioria dos pesquisadores acadêmicos. muito recentemente
essa categoria imprecisa e variável vem chamando a atenção de estudiosos da
questão rural, segundo a autora.
Carneiro procurou evitar a definição universal de juventude mantendo a
classificação do próprio meio em que a pesquisa foi realizada, respectivamente,
nas áreas rurais de São Pedro da Serra, no Estado do Rio de Janeiro, e Nova
Pádua, na região colonial do Rio Grande do Sul.
Assim adotamos também esta estratégia no assentamento “Che”, constatando
que tanto do ponto de vista dos adultos quanto dos próprios jovens, esta
concepção está diretamente ligada à maneira como eles estão vivendo naquele
56
momento, ou seja, eles constroem suas concepções a partir de sua realidade
específica. Por exemplo: o jovem, mesmo que tenha apenas 17 ou 18, se ele
constituiu família, casou-se (o que é muito comum no assentamento), ele se
autodenomina como adulto, reconhecendo o aumento da responsabilidade,
adquirindo o status de maturidade. Isto ocorre tanto entre os rapazes quanto entre
as moças. E a juventude pode prolongar-se além dos trinta anos, se estes
permanecem solteiros.
Algumas entrevistas nos revelam como os jovens do assentamento Che
definem ser jovem: “Jovem aqui não é como na cidade, tipo adolescente que fica
indo pra Shopping. Aqui não tem disso não. A gente começa a trabalha cedo,
ajudando o pai, a mãe. Deixa de brincar mais cedo pra ajuda no trabalho”,
(Juliana, 12 anos); “Olha, eu ainda sou jovem, porque eu ainda não casei, né?
(risos). Quando a gente casa vem mais responsabilidade e não pra fazer as
coisas que pode fazer agora, sair com os amigos, ir pra farra”, (Leandro, 27 anos).
2 – Jovens e o trabalho na terra: permanecer ou sair?
Segundo Maria José Carneiro (2005), uma questão importante nessa
temática refere-se ao desejo dos jovens de permanecer ou não no campo,
buscando conciliar a realização desses desejos e suas aspirações profissionais
que, geralmente não está vinculada ao trabalho na terra.
A autora realizou uma pesquisa no oeste catarinense, onde constatou que
cerca de 70% dos jovens e 75% das jovens demonstraram vontade de não
permanecer no campo, contrariando a perspectiva de seus pais. A maioria dos
jovens rurais, 95%, destacavam importância da escola para seu futuro profissional
57
e, neste sentido, não viam no campo uma possibilidade de ascensão social,
portanto, não pretendem fixar-se à terra.
De acordo com Belezia (2002, p. 1403), os jovens “ao mesmo tempo em
que têm como plano de vida a permanência ‘na roça’, apenas o farão se
encontrarem condições que permitam a construção de uma qualidade de vida
compatível com suas aspirações e necessidades”. Mas isto parece longe de ser
atingido porque a falta de uma estrutura bem planejada e de crédito para os mais
jovens e até mesmo a questão de lazer são objetos de constantes reclamações
da juventude assentada.
Os assentamentos rurais, como perspectiva de mudança na vida das
famílias a partir do trabalho, de acordo com a representação dos pais, parece não
se concretizar na visão dos jovens rurais. Porém, esta realidade não se limita a
uma juventude assentada que, por estar exposta a toda sorte que envolve a luta
pela terra, encontra-se excluída.
Na realidade, de acordo com Ferrari e Abramovay (2004) em pesquisa
realizada no oeste catarinense, cada vez mais os jovens estão deixando a casa
dos pais. Dos jovens entrevistados com idade entre 25 e 30 anos, cerca de 70%
deles manifestaram o desejo “continuar na agricultura como proprietário”
realizando as atividades que aprenderam com os pais. Este fato pode estar
ligado, segundo os autores, a um menor grau de instrução que estes jovens
possuem, tendo cursado geralmente até o 4º. ano do ensino fundamental, o que
não os permitem sonhar com um futuro melhor longe do meio rural (p.239).
os mais novos, que ainda estão estudando, não demonstram outra
perspectiva se não deixar o meio rural. Esta tendência também perpassa o viés
de gênero na medida em que as moças, de um modo geral, manifestam o desejo
58
de não continuarem a reproduzir o papel de suas mães como parte fundamental
da estrutura familiar, e assim, intensificando o êxodo das agricultoras (p. 238).
A simples manifestação do desejo de continuar na terra não é suficiente
para garantir a permanência dos jovens agricultores. As estratégias de
reprodução social das famílias para viabilizar esta permanência encontram
limitações, que vão desde problemas na concessão de créditos até os limites
impostos pelos novos modelos de desenvolvimento agroindustrial. O novo modelo
tende a privilegiar o agronegocio em detrimento da agricultura familiar, presente
na pequena propriedade e única possível nos assentamentos rurais.
Muitos jovens estão sendo descartados por estas transformações que têm
ocorrido no campo. Apesar de serem dotados de um saber aprendido desde a
infância, tendem cada vez mais a buscar a cidade como alternativa à falta de
renda. Porém, em geral, eles têm baixa escolaridade e por isso mesmo, pouca
oportunidade fora do mundo que os educou, conforme destaca José de Souza
Martins no prefácio do livro Os impasses sociais da sucessão hereditária na
agricultura familiar (2001).
entre os jovens um manifesto desejo de permanecer no campo.
entre as jovens, esta situação se inverte e tem-se uma maioria que pretende
deixar de trabalhar na terra. Entre os rapazes, foi notável o desejo de ali
permanecer, mas entre as moças fica claro, nas tabelas apresentadas pelos
autores, que permanecer na terra para elas parece mais uma fatalidade do que
uma opção (p. 42/3). Mesmo assim, não basta apenas o desejo de ficar. É preciso
encontrar os meios para garantir um bom futuro como agricultor.
A falta de capital para investimentos e falta de novas oportunidades de
geração de renda estão entre as principais dificuldades apontadas pelos jovens
59
participantes dessa pesquisa, no oeste catarinense. Esta constatação não está
distante da realidade vivida por outros jovens agricultores, especialmente os
assentados.
De acordo com Abramovay (2004), os jovens, principalmente com idade
entre 13 a 18 anos, não manifestam desejo em dar continuidade à profissão de
agricultor, principalmente em se tratando das moças que preferem construir um
futuro profissional fora da agricultura.
O que está claro nas pesquisas com jovens rurais é que embora uma
maioria manifeste o desejo de deixar o campo, porque não consegue ver ali uma
possibilidade de futuro melhor, esta mesma maioria afirma que se houvesse
condições de trabalho e renda compatíveis com suas aspirações, os resultados
certamente seriam diferentes, conforme nos relato de alguns jovens assentados:
O trabalho na terra pra nós jovens não dá. Pro meu pai e pra minha mãe dá. Mas pra
mais pessoas não não. pra viver... mas é difícil. Falta mais oportunidade. Tinha que
ter outras coisas pra ganhar dinheiro aqui. Então, meu futuro era pensando na terra, mas
se não tiver trabalho, meu futuro é na cidade. O que faz a gente querer ir pra cidade
também, além de oportunidade de trabalho e renda, é o lazer também. Jovem gosta de
lazer. (Weber, jovem do assentamento “Che”).
Eu gosto de ficar na fazenda, sabe? porque a gente vai crescendo, vai estudando, o
espaço vai ficando pequeno pra nós aqui, né? Assim, eu penso assim, igual meu pai,
minha mãe ficar aqui, eles são mais velhos, na cidade eles não vão se adaptar.
também pra eles... não tão mais na idade. Mas eles aqui, eu que uma área legal, ar
puro, como eles falam. E pra que está mais na adolescência, a cidade vai indo a gente
quer ir. Mercado de trabalho mesmo pede. (Érica, jovem do assentamento “Che”).
60
Pro meu futuro, eu gostaria de continuar na trabalhando na terra, de maneira mais
moderna, né? Ter assim, umas vacas melhor de leite, talvez até um maquinário que podia
auxiliar a gente no campo. E trabalhar autônomo, que eu acho que é o mais interessante.
Que hoje em dia, sei lá. Eu não nunca trabalhei pra patrão nenhum. Eu acho que as vezes
a gente agüenta muita humilhação de patrão a toa. Então preferia trabalhar pra mim.
Queria ter um pedacinho de terra pra trabalhar. Não que eu ganhasse muito dinheiro, não.
Ganhando o suficiente pra viver tava bom. (Marin, jovem do assentamento).
Os jovens assentados reconhecem que o simples fato de se mudar para a
cidade em busca de um emprego melhor, não é suficiente para tornar o sonho
possível. Ainda seguindo o depoimento do jovem Weber que fez a experiência
de se mudar para a cidade, constatamos esta realidade: “Fui pra cidade por causa
da falta de trabalho. que a gente vai pra cidade e que não fácil
também. Tá bem difícil”.
Neste sentido, entendemos como essencial um estudo mais aprofundado
sobre a realidade dos jovens rurais, suas representações sobre o trabalho
manifestada na vontade de ali permanecer. Principalmente quando se trata de
jovens assentados que passaram por toda uma experiência de luta capaz de
conscientizá-los do significado de “lutar pela terra”.
Os jovens do assentamento que não vivenciaram o momento de luta
durante o acampamento, e, portanto, não passaram pelo aprendizado coletivo, ou
mais precisamente, não foram submetidos aos ensinamentos do MST, costumam
ter opiniões diferente daqueles que acompanharam e vivenciaram o momento da
luta. É o que podemos perceber na entrevista de Thaís, jovem de 16 anos, filha
de assentados, mas que não esteve presente durante o acampamento e
atualmente mora na cidade de Itaberaí: “Acho o assentamento muito parado,
muita solidão, muito triste. Eu não gosto de não. Se Deus quiser eu não quero
61
voltar nunca mais pra lá”. Isto ressalta mais uma vez a importância dos
ensinamentos, da “mística” promovida pelo MST no momento de luta pela terra.
62
Capítulo IV – De assentados à pequenos produtores: a expectativa
dos jovens quanto ao futuro no campo
1 – Terra conquistada – novos desafios
Após a conquista da terra, quando estão assentados, os trabalhadores
rurais têm como novo desafio tornarem-se pequenos produtores, inseridos na
chamada “agricultura familiar”. O desafio agora não é mais a posse da terra, mas
o difícil aprendizado de tornar-se dono, permanecendo na terra.
Neste momento, apesar da não atuação do MST no processo de
consolidação do assentamento “Che”, é inegável a eficácia do processo educativo
que os trabalhadores vivenciaram no acampamento, elaborando saberes na luta
pela terra, conforme nos relata Pelé, um dos assentados que participou
ativamente do movimento: “Nós teve essa educação, orientação porque nós
sempre interessou em procurar o pessoal do MST e da CPT que orientava nós”.
As raízes desse processo educativo conduziram, por exemplo, à criação de
uma nova associação, com o nome sugestivo de Liberdade, sendo presidida por
Pelé, um dos assentados mais atuantes desde a época do acampamento. Esta
associação recentemente tem melhorado a captação de recursos, tornando
possível o sonho, o desejo de permanecer na terra, segundo informação dos
próprios assentados.
O INCRA reconhece uma associação como unidade jurídica capaz de
representar formal e legalmente o Projeto de Assentamento na defesa dos
assentados. Tanto o INCRA como MST concordavam com uma organização
mista do trabalho, no caso do assentamento Che. No sistema misto, cada
63
trabalhador realizaria parte dos dias de trabalho em atividades coletivas e a outra
parte, de maneira individual ou com sua família.
No assentamento Che, inicialmente, a maioria dos trabalhadores perdeu o
interesse de lutar juntos para alcançarem seus objetivos. Isto pode estar
relacionado com o modo como estes trabalhadores vinham tecendo suas relações
de trabalho antes de partirem para a luta da terra relação de subalternidade,
além do fato de permanecerem com uma visão tradicional do modo de vida no
campo. Para Pelé, esta maneira limitada de pensar o trabalho no campo acaba
dificultando a permanecia do assentado:
Quando tem curso, por exemplo, muitos não querem participar. Diz que antigamente não
precisava. Não que hoje é outro tempo. Quando eu era pequeno, morava com meus
pais na roça, era uma agricultura mais primitiva, plantava tudo era com a mão, desbravava
a terra era na mão. Pessoas mais velhas que era do campo mesmo, hoje tem dificuldade
porque o campo não é mais aquela coisa, é tudo mecanizado. Hoje a terra é como uma
pequena empresa. Se você não anota tudo que entra e tudo que sai, naturalmente vai
vender seu lote. (Pelé, assentamento “Che”).
Neste depoimento, fica claro a limitação daqueles que ainda possuem uma
visão tradicional no modo de trabalhar a terra. Ainda assim, apesar das
dificuldades que enfrentam no campo, a grande maioria dos assentados não
demonstra desejo em deixá-lo, principalmente os adultos. Em geral, são
unânimes em afirmar que a vida no campo é mais saudável, tranqüila, além de
garantir o básico para a sobrevivência da família, como podemos verificar
novamente nos depoimentos de Sr. Marcelino e Dona Cida, respectivamente:
64
O assentamento, pra mim, não tem nada ruim não. melhor que vivê na rua
trabalhando diário. É bem melhor no assentamento. planta, colhe, tira leite, num tem
patrão pra te encher o saco. Melhor coisa que tem é isso. Minha vida é dez mil vez melhor
aqui. A luta compensou, graças a Deus compensou.
Pra mim também foi bem melhor. Porque na cidade eu nunca entrei numa loja pra comprá
um móvel, uma coisa pra casa, nova. Sempre era usado ou ganhado. Depois que nós
aqui assentado, de dinheiro de leite nós comprou coisa aqui pra casa. Tem nossas
criação. Na cidade a gente num pode criar nada. A única coisa que ruim em assentamento
é que o INCRA tinha que ser mais organizado, ter dada assistência melhor pra nós no
começo talvez hoje nós taria melhor do que nós já tá.
A representação das novas identidades desses assentados, o
reconhecimento deles como cidadãos pelas pessoas da cidade, reforçam ainda
mais o desejo de ficar no campo como uma forma de dizer e provar para a
sociedade que todo o processo de luta pela terra valeu a pena.
O que os adultos lamentam é o fato de não visualizar um futuro melhor
para os filhos no assentamento, como podemos confirmar na fala de Sr. Rafael
sobre o futuro de seu filho:
A terra é muito pequena, ele vai estudar pra fazer o quê aqui dentro? Eu não vejo futuro
pra ele aqui dentro não. Se a gente conseguir um bom grau escolar pra ele... Eu vejo
pra mim, que não tenho escola, até a quinta série, eu vejo um futuro melhor aqui do
que fora. Agora, se a gente conseguir faculdade pra ele, vejo o futuro dele melhor
fora. (Sr. Rafael, assentamento “Che”).
Pessoa (1999) aplicou questionários em três assentamentos distintos: Rio
Paraíso, em Jataí; Mosquito e Rancho Grande, em região próxima à cidade de
65
Goiás, onde se concentra o maior número de assentamentos do Estado. O
pesquisador indagava sobre a disposição dos assentados em permanecer na
terra e o de desejarem isto também para os filhos.
De modo geral, nos assentamentos analisados, segundo o autor, os
assentados respondem positivamente ao desejo de permanência no campo.
Quanto ao questionamento sobre a permanência dos filhos de ambos os sexos,
mais especificamente sobre a profissão que desejam para eles, juntando
“agricultor” e “técnico agrícola”, as respostas chegam a 56,6% a favor de que eles
permaneçam.
Mas é interessante ponderar algumas coisas. O Rio Paraíso, por exemplo,
é constituído basicamente por pessoas vindas da região Sul, com um índice maior
de escolarização, menor número de filhos e desenvolvem atividades mais
mecanizadas, destinadas à comercialização. Isto pode ter relação com duas
respostas para o item “engenheiro ou advogado”. que aparece nas respostas
desses assentados (p.290).
Resumidamente, a expectativa maior de permanência dos filhos na
agricultura e de tendência a uma escolarização básica encontra-se nas respostas
dos assentados do Rancho Grande e do Mosquito, enquanto o Rio Paraíso
apresentou um grande interesse na máxima escolarização e até mesmo na
“urbanização” de seus filhos (p. 291). Isto se deve ao fato de que, nos dois
primeiros a produção está voltada para uma agricultura mais tradicional, ao passo
que no último, é praticada uma agricultura mais comercial, segundo a análise
de Jadir Pessoa.
66
2 Escola Família Agrícola de Goiás (EFAGO): uma opção na tentativa de
manter nos jovens o interesse pelo trabalho no campo
A educação rural no Brasil sempre foi um problema tratado com pouca
importância pelos governos, que tratam com desprezo o trabalhador rural e o
pequeno produtor, enquanto supervalorizam o agronegocio.
No Brasil, temos os CEFFAs Centros Familiares de Formação por
Alternância, que se dividem em EFAs Escolas Famílias Agrícolas, e CFRs
Casas Familiares Rurais. Ambos possuem suas origens nas Maisons Familiales
Rurales da França, e posteriormente, da Itália, de acordo com informações de
Nascimento (2005).
Em 25 de abril de 1968 surgiu no Brasil a primeira experiência da
Pedagogia de Alternância com o nome EFA Escola Família Agrícola, no estado
do Espírito Santo, que foi se expandindo desde então. Pode-se afirmar que,
naquele momento, o Brasil, segundo dados do IBGE de 1960, era um país
extremamente rural, tendo cerca de 70% de sua população vivendo no campo.
Nascimento (2005), em sua dissertação de Mestrado, procura destacar a
importância desta escola na preparação dos jovens agricultores: “As EFAs têm
por objetivo pedagógico proporcionar aos jovens do meio rural uma possibilidade
de educação a partir de sua realidade, da sua vida familiar e comunitária e das
suas atividades. Isto é feito procurando desencadear juntos aos jovens um
processo de reflexão e ação que possa transformar essa mesma realidade” (p.
55).
Este modelo de educação diferenciada implantada no Brasil coincide com o
auge do regime militar que tinha por objetivo promover o progresso e o
67
desenvolvimento através da urbanização e industrialização do país. Esta postura
trás como conseqüência a modernização do campo e com isto, o êxodo rural, que
na década de 80 chegou ao índice de 48% da população se mudando para as
cidades e, conseqüentemente aumentando o número de pobres e excluídos.
Quando esta população resolve retomar o caminho de volta cidade-
campo através das lutas organizadas pelos movimentos sociais como o MST,
encontra uma situação não muito distante da anterior, que atualmente é
possível perceber um alto investimento por parte dos grandes proprietários de
terra e incentivos do governo na expansão do chamado agronegócio, produção
em larga escala destinada principalmente à exportação. Daí uma das possíveis
causas da dificuldade dos sem-terra, agora pequenos agricultores, em se fixar
novamente na terra.
Os assentados, quando tomam posse da terra estão mobilizados por uma
motivação comum, ou seja, todos têm o mesmo objetivo. Porém, com o passar do
tempo, vão se individualizando na maneira de conduzir o trabalho na terra.
No assentamento “Che”, por exemplo, houve uma preocupação com a
educação dos filhos no sentido de dar continuidade ao trabalho dos pais na
agricultura. Neste sentido, os pais buscaram informações sobre o projeto Escola
Família Agrícola EFA e assim vários filhos destes assentados começaram a
freqüentar a EFAGO Escola Família Agrícola de Goiás que fica no município
da Cidade de Goiás, próximo a Itaberaí, onde foram submetidos a um sistema
diferenciado de aprendizagem, chamado Pedagogia da Alternância, cujo objetivo
é associar a formação geral com a formação profissional. Esta pedagogia consiste
em alternar o tempo de estudo, permanecendo o aluno 15 dias na escola, em
regime de internato, e 15 dias em casa com a família.
68
A EFAGO, segundo Nascimento, inicia suas atividades a partir de 1994,
tendo sido pensada desde 1989 como alternativa principalmente aos filhos de
assentados da Cidade de Goiás e região, embora também atenda filhos de
pequenos proprietários da região.
O trabalho realizado na Escola Família Agrícola, com um estudo voltado
para a formação técnica em agricultura, parecia corresponder às expectativas dos
pais como forma de manter nos filhos o interesse pela terra que, além da
educação formal, aprendem com a família a valorizar o trabalho na terra e, assim,
dar continuidade àquilo que conquistaram: “Eu coloquei meu filho pra estudar
na escola de Goiás, porque eu queria que ele fosse um técnico agrícola. Mas não
tinha transporte direito, eu não tinha como levar, ele acabou tendo que desistir”.
(Pelé, sobre a dificuldade de manter o filho na EFAGO).
Para permanecer no campo, as famílias assentadas precisam se adaptar à
novas situações que estão em constante mudança. A escolha de uma EFA
(Escola Família Agrícola), parece acertada, tendo em vista sua proposta
pedagógica diferenciada, mas logo começaram os problemas.
Os alunos do assentamento “Che” reclamam da falta de transporte que tem
que ser custeado pela família, o que dificultava muito a regularidade da
freqüência. Além disso, deixam claro que o ensino pouco tem de diferenciado, e
que na maioria das vezes é idêntico ao que se cursa no ensino médio regular, na
cidade de Itaberaí.
Sendo assim, não justifica o gasto excessivo dos pais e os jovens acabam
desistindo. “Eu fui estudar em Goiás (EFAGO). No começo tava até bom, mas
depois foi ficando difícil, não tinha transporte e o ensino foi ficando igual ao de
Itaberaí mesmo. Então resolvi vim pra mesmo, que tem o transporte da
69
prefeitura”. (Creoni, jovem assentado, sobre o motivo da desistência de freqüentar
uma escola diferenciada).
A EFAGO chegou a ter freqüentando os cursos cerca de 15 alunos do
assentamento “Che”, mas atualmente apenas um aluno encontra-se matriculado
nesta escola. Nascimento conclui, em sua dissertação, que a EFAGO ainda não
atingiu seus objetivos em sua plenitude, deixando a desejar principalmente quanto
à aplicabilidade efetiva da pedagogia da alternância que deveria incluir visitas às
famílias, o que não tem ocorrido.
Com isso, uma escola que deveria ser alternativa, acaba se voltando para
o ensino regular, tradicional e assim, inviabilizando a permanência dos alunos,
filhos de assentados ou pequenos produtores. Mas ainda existe a possibilidade de
mudança já que a escola encontra-se em sua adolescência. Esta mudança é bem
possível porque é desejada por coordenadores, pais e alunos.
3– Aprendendo a permanecer – cursos profissionalizantes
Apesar de reconhecerem as dificuldades, o desejo de que os jovens
permaneçam na terra é mais forte por parte dos pais. Dona Cida, por exemplo,
nos relata que um de seus filhos foi embora, mas deixa claras as motivações
que o levara a tomar esta decisão: “Eu penso agora que um dos meus filhos já foi
pra cidade, é que o outro vai acabá indo embora daqui também. Eles vai ficando
rapaz, sabe, a gente não tem como manter eles aqui sem renda. O sonho de
todos os jovens daqui é ir embora. Infelizmente é isso”.
70
Sr. Milton também se declara não muito otimista com relação ao futuro dos
filhos no assentamento, destacando além da falta de renda, também a falta de
lazer: “O que eu penso pra eles é terminar os estudos e seguir enfrente, pegar um
salário melhor na cidade. Meu filho mesmo não gosta daqui. Então é na cidade.
Aqui na roça acho que nenhum dos dois (rapaz e moça) tem futuro. Além de não
ter renda, eles não têm lazer também. Pros meninos, tem um campim de futebol
pra eles intertê um pouquinho, mas pras meninas, não tem nada, coitadas”.
Apesar do pessimismo exposto na entrevista acima, analisando as
entrevistas das 15 famílias participantes da pesquisa, a fim de compreender suas
expectativas quanto a permanência ou não dos filhos no assentamento,
chegamos aos seguintes resultados: 11 delas confirmam o desejo de que os filhos
permaneçam no assentamento, apesar de ressaltarem todas as dificuldades; e 4
desejam que os filhos estudem e procure um futuro melhor na cidade.
A Escola-Fazenda de Araçu, desde 2003, vem sendo revitalizada e
administrada pela Fundação Pró-Cerrado (FPC), entidade governamental que, em
parceria com o Instituto Unibanco, iniciativa privada, está oferecendo cursos de
capacitação para os jovens rurais, entre eles, os do assentamento “Che”.
Segundo Letícia Loures, coordenadora do projeto, que vem sendo
desenvolvido no assentamento, a FPC, com o intuito de produzir um ensino em
linguagem mais simples e acessível, qualificando mão-de-obra, está executando o
Projeto Jovem Gestor Rural com o objetivo de melhorar a vida do jovem no
campo.
O objetivo deste projeto é a capacitação apropriada à realidade do jovem
do campo com a finalidade de promover um desenvolvimento sustentável. Para
atingir tal objetivo, o projeto também utiliza a Alternância como estratégia
71
pedagógica, intercalando um período em salas de aula e outro em casa, com a
família. Enquanto estão em sala de aula, o estudo parte da realidade destes
jovens, se aprende sobre o trabalho, sobre a vida no campo, as dificuldades
enfrentadas pelos jovens para se fixarem na terra.
De acordo com a coordenadora, o Projeto Jovem Gestor Rural busca
educar para a vida, preparando jovens de famílias de assentados rurais e
agricultores familiares para administrarem pequenas propriedades rurais, de
maneira competitiva e sustentada, de forma a garantir níveis crescentes de renda
para suas famílias e amenizar o êxodo rural.
O projeto tem funcionado da seguinte forma: o curso tem duração de 560
horas, distribuídas em sete sessões em sala e seis com a família; cada sessão
tem duração de duas semanas com quatro horas por dia. O curso tem sido
ministrado no próprio assentamento, o que agradou muito os pais, já que os filhos
não precisam se deslocar, e também os jovens porque podem conciliar o curso
com as atividades desenvolvidas na propriedade.
Há uma constante preocupação da coordenação do projeto em aproximar o
estudo oferecido da realidade do aluno, além de procurar envolver toda a família e
a comunidade na execução do projeto.
Inicialmente, o objetivo do projeto era atender jovem a partir dos 16
anos.
Mas conhecendo realidade do assentamento e levando em consideração o que a
comunidade entende por “se jovem”, foram incluídos jovens a partir dos 12 anos
de idade. Esta decisão aumentou o número de jovens participando do projeto e
agradou aos pais, que o viram como mais um incentivo para permanência dos
filhos no campo. Foi a primeira vez que um projeto desta natureza (destinado
especialmente aos jovens) aconteceu no assentamento.
72
Projeto Jovem Gestor Rural tem renovado as expectativas daqueles
jovens, inclusive de quemhavia deixado de morar no assentamento para tentar
a vida na cidade ou daqueles que só aguardavam uma oportunidade para deixar a
terra e buscar outras alternativas. É o caso, por exemplo, do jovem Weber, que
morou em Goiânia tentando conseguir trabalho, porém não obteve êxito e voltou
para o assentamento, embora continuasse alimentando o desejo de ir embora.
Em entrevista recente, ele manifesta otimismo com relação ao curso:
Se vir as coisas que a professora está falando que vem pra nós, vamos aprender
bastante, com certeza. A gente aprendendo como se deve viver na terra, eles vai
ensinar nós como fazer um projeto pra nós. Se eu souber como fazer esse projeto, posso
conseguir recurso pra esse projeto, com certeza vai melhorar muito. Eu vejo um futuro
bem melhor agora. vindo muitas oportunidades pra cá. Ninguém precisa ir embora.
Pode continuar morando com os pais aqui na fazenda mesmo. Quem não sonha em ir
morar na fazenda um dia? Acho que todo mundo sonha. (Weber, jovem assentado, agora
mais otimista com relação a permanecer no campo).
O otimismo presente na fala deste jovem reflete um sentimento que tem
contagiado a maioria dos jovens deste assentamento, como ficou claro em uma
conversa informal. Estão participando do curso quarenta jovens, dividido em duas
turmas de 20 alunos nos horários matutino e vespertino. A própria divisão das
turmas foi feita tentando atender às necessidades dos alunos, para não prejudicar
suas atividades laborais.
Durante o Projeto os alunos serão treinados, preparados, qualificados para
elaborar projetos que possam melhorar sua renda no campo. Cada aluno será
acompanhado por um monitor na elaboração de seu projeto, que deve ser
73
pensado de acordo com as necessidades e possibilidades de desenvolvimento
dentro de sua parcela.
Através deste curso, os jovens do assentamento “Che” tiveram a
oportunidade de participarem da Agro Centro-Oeste 2007. Na ocasião
assistiram palestras e participaram de mini-cursos sobre os projetos que
pretendem desenvolver no assentamento. Os projetos que mais despertaram
interesse dos jovens são: Suinocultura (criação de porcos); Produção de frango e
galinha caipira; Piscicultura (criação de peixes); Cadeia leiteira e produção de
leite. Portanto, para participarem da feira, os alunos foram divididos em grupos,
de acordo com os projetos que pretendem desenvolver no assentamento.
Durante a feira, foi possível uma conversa rápida e informal com os
jovens do assentamento “Che”. Mesmo com esta correria, foi possível perceber o
otimismo, o entusiasmo diante das novas oportunidades que vem surgindo.
Para executarem estes projetos, os jovens participantes do curso contarão
com créditos do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar
(Pronaf), recurso do governo para incentivar a pequena produção familiar.
Recentemente, algumas alternativas têm sido pensadas sobre a juventude
rural para evitar o êxodo rural desta categoria como vem acontecendo. Um bom
exemplo é o primeiro assentamento rural formado por jovens no estado do Piauí,
que fica a 200 km de Teresina, com o nome sugestivo de Paraíso. Ao contrário do
que temos encontrado nos assentamentos (falta de perspectiva dos jovens quanto
a vida no campo), os jovens deste assentamento afirmam estar felizes com esta
oportunidade. Eles têm idade entre 18 e 23 anos e conseguiram captar recursos
do Governo Federal para criar o primeiro assentamento rural de jovens do
74
Piauí. Neste grupo de jovens assentados, 13 deles são ex-alunos, formados no
curso técnico agrícola da Fundação Santa Ângela (FSA), escola familiar agrícola
que oferece educação para filhos de agricultores de baixa renda, semelhante ao
que acontece na EFAGO. A iniciativa de se criar o assentamento foi dos próprios
jovens que, após trabalharem durante meses em projetos para conseguir recursos
e provar a sua sustentabilidade, conseguiram finalmente ter sua própria terra.
É este tipo de desejo de ficar na terra, de tornarem-se pequenos
produtores, que parece mover um novo sentimento de pertencimento, de
construção da categoria “jovem rural”, e que tem renovado as forças no
assentamento “Che”. Toda esta expectativa poderá ser confirmada após um
certo tempo, um distanciamento do que tem ocorrido até agora.
75
Conclusão – A viabilidade dos Projetos de Assentamento Rural em
Goiás
A fazenda Santa Rosa, localizada no município de Itaberaí, onde hoje se
encontra o assentamento “Che”, foi palco de um dos mais notáveis processos de
ocupação de terras em Goiás. Inicialmente, cerca de 300 famílias se dispuseram
a enfrentar todas as dificuldades e os perigos que envolvem a luta pela terra, sob
a orientação MST.
Alguns dados do ponto de vista legal devem ser ressaltados sobre o
Projeto de Assentamento “Che” (P.A. Che). A área total destinada a este
assentamento é de 4.219.3908 ha, onde foram assentadas 106 famílias. O projeto
de assentamento foi concluído em conformidade com a Lei Federal 8.629, artigos
18 e 2, que determinam que o título de domínio é inegável, a exploração é
pessoal e intransferível. A reforma agrária gera emprego, renda, reduz a pobreza
no campo e traz progresso para o município.
Os constantes conflitos com fazendeiros e policiais acabam funcionando
como um “filtro” capaz de promover uma seleção daqueles que conseguem
realmente chegar ao final. Das 300 famílias aproximadamente no início, somente
106 foram efetivamente assentadas. Deste total, segundo informações dos
assentados, cerca de 24 parcelas foram vendidas.
Em todos os processos de luta pela terra organizados pelo MST uma
legítima preocupação com a conscientização dos acampados e a formação de
uma identidade coletiva. Um bom exemplo para ilustrar a atuação deste
movimento é caso da Fazenda Annoni, localizada na região Norte do Rio Grande
do Sul, sub-região denominada Alto Uruguai que envolve parte dos municípios de
Sarandi e Pontão.
76
A ocupação da Fazenda Annoni é mais um dos casos de conflitos
violentos de luta pela terra no Brasil. Sua conquista foi possível através da
cooperação de todos os envolvidos na luta pela terra. A formação de uma
identidade coletiva possibilitava o êxito nos enfrentamentos com a polícia e
promovia a própria sobrevivência do grupo, unida por um ideal coletivo.
Atualmente, os assentados dessa fazenda estão satisfeitos. Alguns
escolheram a produção coletiva e outros a familiar, mas ambos concordam que
seus produtos devem ser comercializados no coletivo, através de uma
cooperativa, com o objetivo de conseguir maior valorização dos seus produtos.
A história desta ocupação, que se tornou mais um conflito com desfecho
violento na luta pela terra, pode ser conferida no filme “Da terra ao sonho de
Rose”, que descreve toda a saga destes trabalhadores rurais sem-terra. O
depoimento a seguir revela a viabilidade da reforma agrária:
A reforma agrária é um conjunto de medidas que garante o acesso à terra, a
desapropriação do latifúndio pra que possibilite esse acesso, crédito pra que esse
assentado possa conseguir produzir e si manter na terra, educação aos filhos dos
assentados. É saúde a esses assentados. É um conjunto de medidas necessárias, de
mudanças, de políticas pro campo. Nós acreditamos que se houvesse mais apoio de uma
política global do governo era possível que nessa vida todo trabalhador, pequeno produtor
conseguiria não deixar o campo e ir pra cidade, viver uma vida ilusória. (Darci,
assentamento da fazenda annoni).
Na luta pela terra tem-se a constituição de novas sociabilidades na vida em
comunidade. Segundo Sérgio Sauer (2002 p.3292), “esta luta além de garantir
bem estar social e melhoria das condições de vida – é também impulsionadora de
transformações culturais, simbólicas e representacionais, gestando novos valores
77
e resignificações”. Ainda de acordo com Sauer, isto cria novas perspectivas para
o mundo rural possibilitando a construção de uma nova ruralidade, passando pela
valorização do ambiente (sustentabilidade), do lugar (reterritorialização) e entre as
pessoas (sociabilidade).
Dentro destas novas perspectivas apontadas por Sauer, é possível
perceber no assentamento “Che” que, para se viver no campo, sobrevivendo da
renda que vem do campo, é preciso repensar algum conceitos, rever alguns
valores.
De um modo geral, os assentamentos surgem, ou antes disso, a luta pela
terra se concretiza como forma de resgatar diretos perdidos ao longo de todo um
processo de exclusão. Neste embate, o mais forte argumento daqueles que se
dispõem ao enfrentamento desta luta é a busca por uma terra de trabalho, sem
fins comerciais. Os que tomam esta decisão são os pais, os adultos enfim. Mas
estes não partem para a luta sozinhos; levam consigo a família: mulher, filhos e
filhas.
Todo projeto de assentamento tem em vista a preservação da unidade
familiar como forma de garantir a reprodução da mesma. Porém, o que se
observa após um certo período de conclusão do assentamento, é o
envelhecimento e, conseqüentemente, o empobrecimento das famílias que ainda
permanecem assentadas. Os filhos não têm dado continuidade nos projetos dos
pais nos assentamentos. Em geral, tendem a deixar cada vez mais cedo o
trabalho no campo.
Na tentativa de compreender esta realidade, de por que os jovens não
procuram dar continuidade ao trabalho dos pais no assentamento, surgiu o
interesse pelo tema desta dissertação. Compreender o que leva os jovens, que
78
deveriam ser os sucessores dos pais no assentamento, a decidirem entre
permanecer ou sair do meio rural, tornou-se nossa principal preocupação.
No assentamento pesquisado, por se tratar de uma categoria em constante
mudança juventude procuramos compreender o que mais influencia suas
decisões entre sair ou ficar. Uma das principais dificuldade apontadas pelos
jovens para permanecer no assentamento referem-se a questões de lazer, por
exemplo, além da dificuldade de transporte quando estão estudando.
Os jovens, tanto rapazes quanto moças, argumentam que nesta idade,
neste momento específico de suas vidas, precisam se divertir, desejam “curtir a
vida”, e no assentamento, isto é muito difícil, especialmente para as moças, de
acordo com as entrevistas a seguir:
Eu acho que jovem quer mais é lazer, né? Muiiito. Então acho que isto influencia a gente,
porque cê tá aqui, tem uma festa, cê que ir, não tem jeito. Daqui até Itaberaí não tem jeito,
a gente fica com vontade. Fica pensando: - Se eu tivesse morando na cidade eu podia ir
na festa... (Érica, jovem do assentamento Che).
Aqui no assentamento não tem muita opção de lazer, né? Mas pros rapazes ainda tem o
futebol. Agora pra menina mulher igual eu assim, não tem nenhum tipo de diversão. Às
vezes, assim, reuni as meninas, vamos na Igreja. Nem sempre junta todas. Quando tem
uma festinha, juntamos a turma e vamos. Mas isso é muito difícil de acontecer. (Cristina,
jovem do assentamento Che).
Além da falta de lazer, o que realmente os faz pensar em sair são as
questões que envolvem trabalho e renda no assentamento. O processo de
modernização da agricultura faz aumentar a produtividade em larga escala, o que
dificulta a reprodução da agricultura familiar, típica dos assentamentos.
79
Os jovens do assentamento manifestam, em suas entrevistas, que desejam
permanecer no campo atuando na produção familiar mas que, ao mesmo tempo,
também são atraídos pelas possibilidades de uma vida melhor na cidade, devido
à quase impossibilidade de aumento da renda no assentamento, conforme
acompanhamos na entrevista com o jovem Weber: “Eu acho que quase a maioria
dos jovens, nenhum se pudesse escolher, não queria ficar na roça. Porque eu
acho que ninguém quer ficar na roça, porque não futuro, eu acho. A terra é
muito pequena. O trabalho na terra, pra nós jovem, não dá. O jovem quer mais é
ir pra cidade grande, ter renda melhor, emprego melhor”.
O fato de a terra ser pequena, e diante da impossibilidade financeira dos
pais em adquirir novas terras, resta aos jovens, seus sucessores, a diversificação
produtiva, ampliando novas formas de produção em que possam aumentar a
renda da família.
Neste sentido, iniciativas como o Programa Jovem Gestor Rural, têm
trazido um novo alento, criando novas perspectivas que podem contribuir com a
permanência do jovem no campo, fortalecendo a agricultura familiar. Esta atitude
é vista como positiva, que a categoria Jovem Rural, geralmente, não se
encontra na pauta de prioridades por parte do poder público, nem tão pouco faz
parte dos programas sociais destinados à categoria juvenil.
Segundo Durston (1998), existem poucos organismos especializados no
trabalho com jovens rurais, e assim, fica difícil criar atividades destinadas à
categoria jovem no desenvolvimento rural. Esses jovens são visto, de acordo
Durston, como uma categoria “invisível”, assim como foi com as mulheres
alguns anos atrás.
80
Tendo o jovem como enfoque importante no desenvolvimento rural, e para
superar a pobreza no campo, deve-se levar em conta três atividades básicas: a
capacitação, o apoio à agricultura familiar e o fortalecimento da pequena
propriedade rural, segundo Durston.
Com relação à capacitação, o autor argumenta que os jovens rurais hoje
possuem um nível educacional mais alto que o dos pais, portanto, são mais
flexíveis a novas estratégias e situações diversas.
No terreno da agricultura familiar, ponto chave dos programas de apoio aos
pequenos produtores, o tema da sucessão é digno de destaque. Se a agricultura
familiar é vista como uma pequena empresa, aqueles que a sucedem além de
herdarem a terra herdam também o aprendizado do ofício de agricultor.
No assentamento Che, com este curso que ainda está em andamento,
começa a se desenhar uma nova perspectiva para os jovens e também para os
pais, como o fortalecimento da agricultura familiar, podendo agora contar com a
participação dos filhos nas atividades da parcela, que eles têm manifestado o
desejo de permanecer no campo.
Na conclusão desta dissertação, observamos que tanto do ponto de vista
das famílias (adultos) entrevistadas, quanto dos jovens, a conclusão é de que,
apesar de todas as dificuldades a que estiveram expostos, a luta por uma terra de
trabalho valeu a pena. Nilton, jovem assentados que atualmente mora e trabalha
na cidade de Itaberaí, ficando na parcela somente nos finais de semana, não
deixa de ressaltar a satisfação em conquistar a terra: “Essa terra, a gente olha pra
ela e que o sofrimento que a gente teve quando tava no acampamento deu
resultado, né? Assim, que a gente não ficou debaixo de uma barraca pra nada”.
81
Os assentamentos surgem como forma de garantir a produção e
reprodução da vida familiar. Neste sentido, as representações que os pais
constroem sobre a vida no campo depois de assentados, não se concretização na
realidade. As dificuldades vão surgindo e a maior delas refere-se a permanências
dos filhos no assentamento.
As famílias preferem deixar a denominação assentadas e passam a se
auto denominar pequenos produtores com vista a desenvolver uma agricultura
familiar. E se perderem a força de trabalho dos filhos, a reprodução financeira da
unidade familiar fica comprometida.
Por outro lado, a saída dos jovens do campo a fim de encontrar emprego
na cidade é reconhecidamente temerosa, porque o mercado de trabalho no meio
urbano também não tem conseguido absorver todo o contingente da demanda.
com vistas a essa problemática, alguns jovens, como nos relata Marim recorrendo
a um informante de sua pesquisa, preferem mesmo é ficar no campo: “O futuro da
gente, brasileiro não vai muito longe não. Tem muita universidade e não tem
emprego. Então eu penso muito, gastar dinheiro com estudo, tanto sacrifício pra
nada? Então é ficar quieto aqui mesmo. O futuro bom, ficar aqui... Vou levando
a vida assim”.
A opção “permanecer na terra” foi muito rejeitada pelos jovens que
sempre ressaltam como o principal motivo desta decisão a falta de renda no
campo, especialmente para eles, mais jovens. Com as novas oportunidades que
vem surgindo, existe um desejo manifestado pelos jovens de continuar na terra e
procurar obter a renda que necessitam, trabalhando junto com a família.
Concluímos que para consolidação de um Projeto de Assentamento, para a
garantia do seu sucesso, é preciso ir além da simples concessão do título de
82
posse da terra. É preciso manter nos assentamentos um acompanhamento
técnico especializado, levando se em consideração o tempo que, em geral, a
maioria dos assentados estiveram fora do trabalho na terra; criar linhas de
créditos compatíveis com a pequena produção, única possível em
assentamentos.
De todos os incentivos, o mais importante e que foi tema central desta
dissertação, refere-se a juventude rural, às políticas públicas destinas a ela como
forma de tornar viável os assentamentos não somente às primeiras gerações
(pais), mas às segundas (jovens), e quem sabe até às terceiras (netos).
Todos os entrevistados (pais e jovens), admitem ter interesse em
permanecer na terra que conquistaram com muita luta. Os pais, quando partem
para a luta da terra têm como objetivo maior a garantia de sobrevivência da
família, já que na cidade viviam em condições precárias. Portanto, o fato de terem
feito o caminho cidade-campo na tentativa de amenizar as dificuldades do
cotidiano da cidade, desencoraja os filhos a fazerem o percurso contrário, campo-
cidade, pois a situação na cidade não se modificou, no que se refere à oferta de
trabalho para egressos do campo.
A implantação de um assentamento deve prever com muita cautela a
viabilidade deste a curto, médio e longo prazos, respeitadas as condições de cada
região. Após longas tentativas, por vezes violentas, de se promover a reforma
agrária no Brasil, cada dia fica mais claro que para resolver as questões dos
agricultores sem terra, é preciso articular um desenvolvimento rural eficiente com
a finalidade de se conseguir apoio e boa vontade dos órgãos governamentais, e
também o reconhecimento de toda a sociedade civil.
83
A reforma agrária pode ser uma alternativa eficiente para se evitar o
inchaço das grandes cidades, tal como ocorreu nas décadas de 60 e 70. O
contingente de migrantes não consegue ser absolvidos pelo mercado de trabalho
urbano, ficando marginalizados, aumentando o número de excluídos.
84
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