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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS
DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL
PROGRAMA DE PÓS - GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL
ASSENTAMENTO HIPÓLITO:
REALIDADE E PERSPECTIVAS DOS JOVENS ASSENTADOS
LIBÂNIA MARIA BRAGA
NATAL
2006
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ASSENTAMENTO HIPÓLITO:
RELIDADE E PERSPECTIVAS DOS JOVENS ASSENTADOS
Por
LIBÂNIA MARIA BRAGA
Dissertação apresentada como exigência parcial para a
obtenção do grau de mestre em Serviço
Social/PPGSS, do Departamento de Serviço Social da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, na área
de Serviço Social, Cultura e Relações Sociais
Orientadora: Profa. Dra. Severina Garcia de Araújo
NATAL
2006
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS
DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL
PROGRAMA DE PÓS - GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL
ASSENTAMENTO HIPÓLITO:
REALIDADE E PERSPECTIVAS DOS JOVENS ASSENTADOS
Dissertação aprovada como exigência parcial para obtenção do grau de mestre
em Serviço Social na área de Serviço Social, Cultura e Relações Sociais, pela comissão
formada pelos professores:
_______________________________
Profª. Dra. Severina Garcia de Araújo
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Presidente
______________________________
Prof. Dr. Aécio Cândido de Sousa
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte
Membro da Banca
______________________________
Profª. Dra. Iris Maria de Oliveira
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Membro da Banca
______________________________
Profª. Dra Denise Câmara de Carvalho
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Suplente
NATAL 23/08/2006
4
Dedico
Ao meu irmão Cláudio Braga (in
memorian), meu ídolo, meu amigo, cuja
existência interrompida bruscamente,
interrompeu também seus projetos,
traçados, principalmente, em prol da defesa
dos trabalhadores rurais, sobretudo,
daqueles mais desprovidos de recursos e
das condições necessárias para lutar por
melhores condições de vida.
Dinho, você não deixou para seus filhos,
familiares e amigos, apenas essa saudade
imensa, deixou-nos também, um grande
exemplo de pai e de cidadão, firme nos seus
propósitos; incansável no combate às
injustiças sociais; imbatível pelas forças
dominantes, que, por vezes, ameaçam a
integridade dos que se empenham na defesa
dos oprimidos. Infelizmente,
“navegar é preciso, mas viver não é preciso”
(Fernando Pessoa)
5
AGRADECIMENTOS
Mais que uma conquista pessoal, a conclusão desse curso de mestrado é resultado de
um esforço conjunto que envolveu solidariedade, compreensão e, sobretudo, carinho de
muitos.
Agradeço, primeiro a Deus, força maior nessa caminhada, que me fez entender que é
possível seguir em frente, mesmo depois dos acontecimentos trágicos que a vida possa
nos oferecer.
À professora/orientadora Severina Garcia, que sempre nos atendeu com presteza, e
demonstrou acreditar em nós, nos fazendo confiar nas nossas potencialidades,
despertando em nós, o desejo de ir além.
Às professoras Alba Pinho de Carvalho, Célia Nicolau e ao professor João Dantas que
demonstraram acreditar no nosso projeto, por ocasião da seleção do mestrado. Celinha,
obrigada pelo carinho e atenção.
Ao meu pai Odeon, exemplo de fortaleza e sabedoria que se mantém firme, mesmo
diante de momentos de perdas por que passamos e à minha mãe Severina (in
memorian), cuja ausência se faz mais forte, a cada momento de grandes tristezas ou de
comemorações não compartilhadas.
Aos meus sobrinhos Cláudio Júnior, Claudia Gabriela e Carlos Gabriel, que se
tornaram meus filhos (de direito), após perderem recentemente o pai, pelas vezes que
fiquei ausente neste momento tão delicado. Gabriel, que nos seus seis aninhos, às vezes
me chamando de mãe, outras vezes de tia, demonstrando uma compreensão incomum
na sua idade e em momentos de perdas me dizia: tia, eu gostaria tanto de saber ajudar,
pra você voltar logo pra casa. Ou, mainha, eu vou sentir muita saudade, mas sei que
você precisa ir! Você me ajudou muito sim, meu filho, estou de volta.
A Bel, que durante a minha ausência assumiu nossa casa, cuidando com zelo do nosso
pai e do nosso sobrinho/filho, em nome de quem agradeço aos demais irmãos e irmãs
que de alguma maneira contribuíram para a realização desse trabalho.
6
Aos meus sobrinhos e sobrinhas, que torceram por mim, com destaque para Ceres,
Marcos, Maurílio, Pedro Igor, Priscyla e Thiago que acompanharam mais de perto,
contribuindo, seja na digitação do trabalho, me acompanhando nas pesquisas, ou me
substituindo em tarefas fora de casa.
Aos professores do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da UFRN, pela
seriedade encarada nos seus trabalhos.
Aos professores do Departamento de Economia do Campus Avançado de Açu, meus
amigos e companheiros que não mediram esforços ao me liberar para que pudesse
concluir esse trabalho.
Ao professor Aécio Cândido, que pelo esforço empreendido enquanto pró-Reitor de
Pesquisa, nos assegurou bolsas de estudo, tornando viável a realização de mestrado
e/ou doutorado para nós docentes e pelo companheirismo e incentivos ao nosso
crescimento profissional.
Ao professor José Willington Germano, que com a sua sabedoria de mestre e
compromisso profissional me encorajou em um momento de dor e indecisão, a
prosseguir e concluir, com êxito, a disciplina por ele ministrada.
À tia Cornélia, que esteve ao meu lado, torcendo e me dando forças, diante da
ansiedade, quando esperava o resultado da seleção do mestrado;
Às duas Socorro Oliveira, Socorro de Mossoró, minha amiga (meio irmã). Não tenho
palavras para agradecer todo o carinho e solidariedade dedicada, desde o nosso
reencontro no início do Mestrado. Obrigada Socorro, por tudo. Pela força no período
de seleção, pelo abrigo, pelas palavras amigas, pelas vezes que se deslocou de
Mossoró, renunciando as poucas horas disponíveis para o convívio com sua família,
apoiando-me nos momentos mais difíceis.
E Socorro de Açu, obrigada principalmente pela dedicação ao meu pai, a Gabriel e a
Bel, fazendo-se companhia na minha ausência em Açu ou em Natal;
Às Colegas e aos colegas de curso, da minha turma ou de outras turmas com as quais
convivi durante o mestrado e que fazem parte, hoje, do meu precioso quadro de
7
amizades;
Aos moradores do assentamento Hipólito e, em particular, ao Sr. Tertuliano da Cruz e
a Srª Rita Jácome, hoje meus amigos, pelo acolhimento e disponibilidade em nos dar as
informações que precisávamos;
Enfim, agradeço a todos que colaboraram direta e indiretamente para a concretização
desse trabalho que, por serem muitos, preferimos não nomeá-los.
8
RESUMO
Analisa a inserção da população jovem em assentamentos rurais, tomando como referência o
Assentamento Hipólito, no município de Mossoró, no Estado do Rio Grande do Norte (RN). O
contato com alguns jovens assentados levou à inquietação frente à problemática situação por
eles descrita, em relação aos seus cotidianos e às suas perspectivas, o que aponta para o
entendimento de que faltam políticas públicas, ou estas não estão sendo adequadas para a
população em estudo. As políticas de juventude são, além de recentes, ainda muito escassas;
sobretudo, quando se trata da juventude rural. Nessa perspectiva, procura rastrear a trajetória
dos jovens no referido Assentamento, visando a uma melhor percepção da inserção social
destes na condição de assentados, com a atenção voltada para as suas relações com o seu
meio, e com o poder público (local, estadual e federal), as condições de vida, as perspectivas
de futuro e as ações governamentais, frente às suas demandas. Os resultados dessa análise
apontaram para a ausência de políticas públicas condizentes com a realidade dessa parcela da
população, reforçando, mediante a precariedade das condições de vida em que se encontra, o
argumento de que a luta pela terra não se encerra com a conquista desta. Pois a consolidação
dessa posse vai depender da luta posterior em prol de melhores condições econômicas e
sociais. Reforça ainda a necessidade de reconhecer a capacidade potencial dos sujeitos
coletivos, na avaliação de seus problemas e necessidades, e fomentar a participação social e
política dos trabalhadores, na conquista de seus direitos e na construção de sua cidadania. E
ainda que a participação efetiva da juventude é fundamental a qualquer processo de
transformação social. Portanto, os jovens rurais são atores inegavelmente importantes quando
se pretende entender a dinâmica dos assentamentos rurais no seu contexto maior.
PALAVRAS-CHAVE: Jovem assentado. Assentamentos Rurais. Participação. Políticas
Públicas.
9
ABSTRACT
Analyzes the insert of the young population in rural establishments, taking as reference the
establishment Hipólito, in the municipal district of Mossoró, in the State of Rio Grande do
Norte. The contact with some seated youths took to the inquietude front to the problem
situation for them described, in relation to their daily ones and to their perspectives, what
points for the understanding that they lack public politics, or these are not being appropriate for
the population in study. Youth's politics are, besides recent, still very scarce, above all when it
is the rural youths. In that perspective it tried to track the youths' path in the establishment,
seeking a better perception of the social insert of these in the condition of having seated, with
the attention half gone back to the relationships of those with their and with the public power
(place, state and federal), the life conditions, the future perspectives and the actions
government front to their demands. The results of that analysis appeared for the absence of
suitable public politics with the reality of that portion of the population, reinforcing, by the
precariousness of the life conditions in that it is, the argument that the fight for the earth
doesn't close up with the conquest of this, because, the consolidation of that ownership will
depend on the subsequent fight on behalf of better economical and social conditions. It still
reinforces the need to recognize the potential capacity of the collective subjects in the
evaluation of their problems and needs and to foment the workers' social and political
participation in the conquest of their rights and in the construction of their citizenship and that
the participation executes of the youth and fundamental the any process of social
transformation, therefore, the rural youths are actors undeniably important to understand the
dynamics of the rural establishments in his/her larger context.
Words - key: seated youth, rural establishments, participation end public politics.
10
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO........................................................................................................ 11
CAPÍTULO I
QUESTÃO AGRÁRIA E EMERGÊNCIA DOS ASSENTAMENTOS RURAIS
NO RIO GRANDE DO NORTE................................................................................ 15
A estrutura fundiária e a luta pela posse da terra .......................................... 15
A origem dos assentamentos rurais no Rio Grande do Norte....................... 22
O município de Mossoró: caracterização geral............................................ 28
O Pólo Fruticultor de Mossoró .................................................................... 31
CAPÍTULO II
ASSENTAMENTO HOPÓLITO: trajetória e realidade atual .............................. 42
A irrigação que não deu certo..................................................................... 60
CAPÍTULO III
JOVENS NO ASSENTAMENTO HIPÓLITO: trajetória e perspectivas............. 69
Conceito de juventude................................................................................ 70
Caracterização dos jovens assentados........................................................ 75
Aspectos educacionais no assentamento Hipólito..................................... 81
Reforma agrária sob a ótica dos assentados................................................ 99
CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................. 101
BIBLIOGRAFIA.................................................................................................... 106
ANEXOS
11
INTRODUÇÃO
“As lutas titânicas pela sobrevivência e defesa da
dignidade humana são o cotidiano de milhões e motivo
de desprezo de milhares”
(Wanderley – 1987).
No processo de lutas pela terra, novas demandas têm sido incorporadas ao
mundo rural, induzindo a novas formas de enfrentamento dos problemas emergentes
desse processo. Os assentamentos rurais situam-se nesse contexto, e, embora
representem um inquestionável avanço no que diz respeito à luta pela conquista da
terra, ainda estão longe de representar a garantia de sustentabilidade para muitas das
famílias assentadas.
As políticas voltadas para o setor rural, uma vez atreladas ao grande capital
têm favorecido a expansão das grandes e modernas empresas agrícolas, contribuindo
para a concentração da terra, do capital, da riqueza e da renda; paralelamente ao
agravamento da pobreza, da miséria e da marginalização de grande parte da população,
intensificando as diferenças entre a riqueza e a pobreza, nesse cenário onde cresce
contínua e progressivamente o número de trabalhadores excluídos ou impedidos de se
incluírem no processo de produção.
Os jovens, filhos e filhas de assentados fazem parte dessa história. E, o pouco
conhecimento acerca da realidade vivenciada por eles no âmbito do assentamento e do
destino que lhes é reservado, inspirou este trabalho que analisa a problemática dos
jovens em assentamentos de reforma agrária, sob a ótica da inserção destes jovens no
processo de desenvolvimento do assentamento.
Para tanto, procura-se analisar o perfil dos jovens do Assentamento Hipólito
no município de Mossoró no RN e como se dá a sua participação no processo de
construção e desenvolvimento do assentamento. Busca-se, ainda, identificar a ação dos
agentes sociais envolvidos naquele projeto, apreender o envolvimento do poder público
nos níveis local, estadual e federal, frente às demandas da população em estudo; e, ao
mesmo tempo, apreender o cotidiano desses jovens e a sua percepção sobre as
perspectivas de futuro.
A literatura sobre a emergência dos assentamentos rurais mostra que estes
estão diretamente associados à demanda por Reforma Agrária, e que esta se constitui
numa das formas de expressão da Questão Agrária, à medida que emerge como parte
constituída de solução para o bem-estar da população rural. Sem a pretensão de esgotar
um assunto de tamanho alcance que é o emaranhado histórico da problemática agrária,
12
no intuito de fundamentar a análise, a pesquisa se volta para o estudo dos
assentamentos rurais, os quais, apesar dos diferentes motivos que lhes deram origem, e
de acordo com a sua formação apresentam algumas diferenciações quanto às suas
demandas, reivindicações e experiências diversificadas. Há uma unidade na
diversidade: trata-se das demandas dos trabalhadores por terra, condições de trabalho e
de vida; pelo acesso às políticas públicas como condições de assegurar tais demandas.
A partir do entendimento de que a Reforma Agrária no RN, como em todo o
país, tem se revelado uma política compensatória, ao invés de uma política efetiva, que
contemple as demandas das classes trabalhadoras rurais, tendo em vista a situação de
pobreza verificada em alguns assentamentos do estado, buscou-se investigar o processo
de acesso à terra, tomando como base o Assentamento Hipólito, tendo-se como
principal preocupação analisar o processo de inserção dos jovens no âmbito familiar e
na dinâmica daquele assentamento. E, ainda, indagar quais os problemas enfrentados
por esses jovens no seu cotidiano, e quais as suas perspectivas em relação ao futuro.
Os procedimentos metodológicos utilizados para este fim foram
diversificados. Durante as primeiras visitas procurou-se, de maneira informal, junto aos
representantes da Associação do Projeto de Assentamento de Reforma Agrária da
Fazenda Hipólito (Aparahi), do Sindicato da Lavoura de Mossoró (SLM), dos
assentados e membros da Organização não Governamental, “Terra Livre
1
”, que
atualmente desenvolve um trabalho no assentamento, indagar sobre a problemática dos
jovens assentados, que fluiu como uma das principais preocupações.
Como não foi possível conseguir dados seguros sobre o número de jovens, a
partir dos dados fornecidos pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
- Incra sobre o número de famílias assentadas no Hipólito 137 (cento e trinta e sete), e
de informações prestadas pelo presidente da Aparahi, segundo as quais existe uma
média de 05 (cinco) pessoas, por família, e que coincide com os dados fornecidos pelos
assentados entrevistados, chegou-se a um total de 685 (oitocentos e oitenta e cinco)
habitantes no Assentamento Hipólito. Segundo pesquisa realizada por Souza (2003),
apenas 10% dessa população é jovem, o que nos dá uma estimativa de
aproximadamente 85 (oitenta e cinco) jovens habitando hoje no Assentamento, cujas
demandas se expressam, sobretudo, por melhores condições de saúde, educação, lazer
e, principalmente, trabalho no Assentamento e/ou qualificação para desenvolver
atividades externas.
Dos 18 (dezoito) jovens entrevistados nessa pesquisa, apenas 02 (dois)
1
Organização Governamental sem fins lucrativos, com sede em Mossoró-RN.
13
trabalham com carteira assinada na AGROSSOL
2
. Os outros 16 (dezesseis), o
equivalente a 94%, só conseguem algum trabalho na agricultura, no período de chuvas
ou nos projetos de irrigação que vêm sendo implantados nas proximidades do Hipólito
por empresas particulares. Também se verificou o pouco interesse daqueles jovens em
participar das atividades a eles destinadas, descritas por integrantes da Aparahi e por
representantes da Terra Livre, mesmo quando essas ações são dirigidas a algumas de
suas demandas, e voltadas para os seus interesses, demonstrando que tais atividades
não têm conseguido atingir a sua finalidade devido à falta de envolvimento dos jovens.
A opção de realizar essa pesquisa no Assentamento Hipólito deu-se por ser
este um dos primeiros implantados no estado do RN, sendo também um dos maiores,
em se tratando de área ocupada 6.685,24(seis mil, seiscentos e oitenta e cinco virgula
vinte e quatro)hectares, com uma população assentada constituída de 137 (cento e
trinta e sete) famílias, e com um tempo de existência de 17 (dezessete) anos, portanto,
capaz de fornecer maiores subsídios para a análise da temática proposta.
A pesquisa qualitativa que norteou esse estudo de caso constituiu-se de
entrevistas semi-estruturadas (com questões abertas e fechadas), direcionadas a
lideranças locais, beneficiários e instituições atuantes no Assentamento e,
principalmente, aos jovens assentados, no sentido de conduzir ao entendimento da
realidade em estudo.
Considerou-se nesse estudo, a temporalidade compreendida a partir da década
de 1980, período esse importante, por permitir avaliar a evolução do referido
Assentamento a partir dos antecedentes históricos que lhe deram origem até a realidade
atual.
Nessa perspectiva, estruturou-se o trabalho em 03 (três) capítulos. O primeiro
trata da questão agrária e da emergência dos assentamentos rurais no RN. Procura-se,
em primeiro lugar, fazer um “rastreamento” da estrutura fundiária, com ênfase para a
região Oeste do estado e o município de Mossoró, onde está localizado o assentamento
Hipólito.
O segundo capítulo visa a compreender a trajetória do Projeto de
Assentamento Hipólito, espaço rural onde os jovens, que constituem este objeto de
estudo vivem, e onde são reproduzidas as suas relações sociais.
O terceiro capítulo, no sentido de apreender o grau de inserção da população
jovem no Assentamento, procura analisar a realidade, do ponto de vista dos sujeitos
envolvidos na sua totalidade.
Neste sentido, priorizou-se, na pesquisa de campo, aspectos como a
2
Empresa agro-industrial que explora a produção de melão irrigado.
14
caracterização dos jovens assentados e o contexto social em que eles se inserem, assim
como o tratamento que lhes tem sido dado pelo poder público, além de procurar-se
apreender a percepção destes sobre a problemática vivenciada.
15
CAPÍTULO I
A QUESTÃO AGRÁRIA E A ORIGEM DOS ASSENTAMENTOS RURAIS RN
“O processo de produção capitalista,
considerado como um todo articulado ou como
processo de reprodução, produz, por
conseguinte, não apenas a mais-valia, mas
produz e reproduz a própria relação de capital,
de um lado o capitalista, do outro o trabalhador
assalariado”
(MARX, 1984, p. 161).
A estrutura fundiária e a luta pela posse da terra
A questão agrária brasileira está presente na formação histórico-social do país,
desde o declínio do regime escravocrata, quando, em 1850, o governo brasileiro,
pressionado pela Inglaterra, criou a Lei de Terras, em substituição ao Regime de
Sesmarias que havia entrado em crise a partir da Independência. Essa Lei impôs [...]
um direito fundiário novo, que faz da terra equivalente de mercadoria e instrumento de
desigualdade social (Martins, 2003, p.164).
Entender a “Lei de Terras”, requer uma contextualização geral das mudanças de
ordem social e política que ocorreram na primeira metade do século XIX, no cenário
mundial, quando as grandes potências como França e Inglaterra viviam a euforia da
sociedade capitalista, a partir do avançado processo de modernização política e
econômica. Nesse período, sob a atuação do desenvolvimento capitalista, a terra
passou a ser incorporada à economia comercial, e foi transformada em mercadoria de
grande valor pela sua capacidade de gerar lucro, e de produzir outros bens, o que
mudou a relação do proprietário com este bem.
No Brasil, a proibição do tráfico negreiro, em 1830, um dos fatores que
contribuíram para a criação da Lei de Terras, foi a preocupação dos Barões do Café em
relação à possibilidade de escassez de mão-de-obra. Também a política de incentivos à
emigração européia, como alternativa para a substituição de trabalhadores escravos por
homens livres, conduziu à discussão sobre a incorporação desses novos colonos às
relações de trabalho nas grandes fazendas. É que tais incentivos acabaram sendo vistos
como ameaças, ao permitirem aos emigrantes o acesso livre a terras devolutas onde
16
poderiam produzir alimentos de forma independente.
Neste sentido, a possibilidade de que esses posseiros viessem a se instalar nas
periferias urbanas, deixando de trabalhar nas lavouras de café, onde eram assalariados
e semi-escravizados, também contribuiu para a criação da Lei de Terras. Essa Lei, não
tinha como sua principal finalidade o acesso à terra. O seu interesse maior era permitir
o controle desse acesso, por meio da coerção da força de trabalho, evidenciando que os
colonos viriam para o Brasil com o objetivo de servirem às necessidades da produção
do café.
Valorizar a terra, foi a maneira mais prática de torná-la inacessível aos
emigrantes e aos escravos livres, garantindo, ao mesmo tempo, o fornecimento de mão-
de-obra abundante e um preço baixo para os latifundiários.
A partir daí, a posse da terra, e não a de escravos, passou a ser considerada
reserva de valor e símbolo de poder, gerando a questão agrária que, ora em evidência,
ora esquecida ou escamoteada pelas forças dominantes, vem acompanhando a evolução
histórica do país, à medida que as relações capitalistas de produção avançam no
campo, afetando os níveis de renda e de emprego da população rural, levando-a à
expropriação e, conseqüentemente, ao êxodo rural, ao subemprego e à pauperização
que cresce paralela à expansão das grandes empresas agro-exportadoras capitalistas,
destinadas ao ganho dos grandes capitais.
Não se pretende nesse capítulo, esgotar um tema de tamanha extensão como é
a questão agrária. Mesmo porque já existe uma vasta literatura em torno desse assunto,
a qual inclui autores como, por exemplo: CARMO, 2000; TAVARES, 1996;
PALMEIRA; LEITE, 2002; MULLER, 1989; SAMPAIO, 1988; GRAZIANO, 1996;
ABRAMOVAY, 1998; ARAÚJO, 1998; MEDEIROS, 1994; ARAÚJO, 2005; entre
outros. Dada a sua importância para o entendimento do objeto de pesquisa do presente
estudo, trata-se da questão agrária, mais especificamente no período compreendido
entre as décadas de 1980 e 1990, que corresponde á criação e à expansão do
assentamento Hipólito, lócus da juventude rural em estudo.
Entende-se que a questão agrária não deve ser tratada como um fenômeno
isolado, uma vez que é parte de um contexto maior, no que se refere à problemática
relacionada à estrutura fundiária e. às relações de produção na agricultura. Assim, no
sentido de situar melhor a questão agrária, a partir da década de 1980, sente-se a
necessidade de fazer uma breve abordagem ao contexto histórico anterior,
correspondente, no caso brasileiro, ao período da Ditadura Militar que se estendeu de
1964 a 1984.
O meio rural brasileiro sofreu transformações muito rápidas a partir da
17
política de desenvolvimento do Regime Militar, que deixou a agricultura e a pecuária a
cargo das grandes empresas capitalistas e dos grandes grupos econômicos, aos quais
concedeu incentivos financeiros altíssimos. Essa política, segundo Martins (1984),
modificou, transformou e, até mesmo, destruiu velhas estruturas e relações de
dominação, além de promover o esvaziamento político no campo.
Dada a maneira brutal que caracterizou tal política, com o registro de
despejos, assassinato de trabalhadores, queimas de casas, destruição de roças etc, essa
política gerou um clima de descontentamento social, o qual contribuiu para o
amadurecimento político dos trabalhadores rurais, vindo a desencadear novas lutas
sociais por estes trabalhadores, que passaram a contestar essa política de
desenvolvimento, principalmente, a maneira como estava sendo conduzida a política
fundiária, situação essa que expressa a grande contradição política no campo.
Durante a Ditadura Militar, o governo federal criou e expandiu várias
instituições de intervenção, como o Mobral, o Projeto Rondon e o Ministério de
Assuntos Fundiários. Este último, sob a tutela dos militares e do Conselho de
Segurança Nacional, constituiu o ponto máximo da militarização da questão agrária de
que fala Martins: “Através da militarização, o governo tenta controlar e domesticar o
demônio político que ele libertou com a sua política agrária econômica” (MARTINS,
1984, p.15).
Na verdade, a repressão do governo militar teve como principal objetivo fazer
recuar os movimentos sociais voltados para a questão agrária, enfraquecendo assim, o
andamento político das lutas pela terra. Isso se fez por meio de medidas adotadas no
sentido de tornar inviável a reforma agrária no Brasil. O Estatuto da Terra, por
exemplo, ao ser promulgado no primeiro governo militar, tinha a pretensão de conciliar
a defesa da propriedade e a reivindicação por maior apoio à agricultura, atendendo às
dificuldades dos grandes produtores e à reivindicação de trabalhadores rurais pelo
acesso à terra, mediante as lutas empreendidas por estes por meio das suas
representações (LEITE, 2004),. Essa era uma tentativa de garantir e pôr um limite nos
direitos dos que já eram proprietários de terras, de levar aos que não eram ainda
proprietários a possibilidade de se tornarem. Com essa preocupação, o Estatuto tornou
possível juridicamente a intervenção sistemática na distribuição da propriedade da
terra. Para tanto, de acordo com os autores mencionados. O Estatuto da Terra,
Criou conceitos novos, inclusive uma tipologia dos imóveis rurais
(latifúndio por dimensão, latifúndio por exploração, minifúndio,
empresa rural, propriedade familiar) e critérios para a identificação
desses imóveis, alguns passíveis de desapropriação e outros não.
18
Estabeleceu também uma sistemática de intervenção prevendo a
realização de estudos para o ‘zoneamento do país em regiões
homogêneas’, capazes de indicar ‘as regiões críticas que estão
exigindo reforma agrária com progressiva eliminação dos
minifúndios e latifúndios’ e ‘as regiões em estágio mais avançado do
desenvolvimento social e econômico, em que não ocorram tensões
nas estruturas demográfica e agrária’. A partir daí poderiam ser
caracterizadas ‘áreas prioritárias de reforma agrária’ (Estatuto da
Terra, art. 43), dentro das quais seriam identificadas as áreas
passíveis de desapropriação por interesse social (LEITE, 2004, p.
38).
Porém, na prática, essa intervenção sistemática não se fez notar durante o
Regime Militar. Na realidade, foi dada uma maior ênfase ao desenvolvimento agrícola
em detrimento da reforma agrária defendida pelo Estatuto. Enquanto as estratégias de
desenvolvimento do Governo Militar se voltaram para a modernização do latifúndio,
favorecendo as exportações de produtos agrícolas e agroindustriais, as medidas
tomadas em prol da reforma agrária se limitaram a algumas desapropriações de
“interesse social” as quais ocorreram como forma de atenuar os conflitos no campo.
Não é por acaso que a luta dos trabalhadores rurais pela terra cresceu
consideravelmente nesse período de redefinição da política fundiária do Governo
Militar. O favorecimento dos sucessivos governos militares às grandes empresas
capitalistas (industriais, comerciais e bancárias), provocou uma proliferação muito
rápida dos conflitos, mesmo diante da repressão e da censura impostas pelos militares.
A opinião de vários autores sobre o Estatuto da Terra converge para o
entendimento de que este, enquanto instrumento legal, possibilita a desapropriação de
latifúndios ou de terras improdutivas. No entanto, o Governo Militar não demonstrou
real interesse de realizar uma reforma agrária, o que se pode perceber ao considerar a
grande concentração de terra acentuada ao final dos 21 anos de Ditadura Militar.
Os privilégios concedidos ao latifúndio se tornam explícitos, e compreendem
desde o crédito subsidiado, pelo qual este pode se transformar em empresas, às
vantagens oferecidas a essas empresas. Dentre estas vantagens, a isenção do processo
de desapropriação, mesmo quando inseridas em áreas consideradas prioritárias para a
concretização da reforma agrária.
Assim sendo, a política de reforma e desenvolvimento agrário, que deveria ser
orientada pelo Estado, não passou de uma estratégia perversa que, uma vez dirigida às
áreas de conflitos, pretendia, de fato, abafar os focos de pressão popular, sem nenhuma
preocupação para com a situação de precariedade de milhões de famílias à espera de
soluções para o problema da falta de acesso à terra. A efetivação do Estatuto deixou de
ser prioridade no que tocava às desapropriações, mas com relação a favorecer a entrada
19
do capital urbano (industrial e financeiro), cumpriu fielmente sua finalidade maior,
pautada no controle das reivindicações dos trabalhadores rurais.
A mudança na política fundiária do Governo Militar do Presidente Emilio
Garrastazu Médici veio a se confirmar no governo Ernesto Geisel, correlacionando-se
com a intensificação da luta pela terra. Nesse contexto, razões militares e estratégicas
do governo se sobressaíram sobre as razões sociais, e o Estatuto da Terra ofereceu um
amplo aparato legal para a resolução da questão fundiária, o que favoreceu a
federalização e militarização da questão agrária. Frente ao favorecimento dado pelo
governo à grande empresa privada, tornaram-se mais evidentes a aliança ente o Estado
e as empresas e a oposição de interesse e de projetos dirigidos aos camponeses,
levando à multiplicação dos conflitos. Esses conflitos, segundo Martins, já se
encontravam disseminados no Sul, no Sudeste, e no Nordeste,
[...] multiplicaram-se rapidamente na Amazônia, sobretudo depois
das medidas de regularização de grilagens de terra, que se deu no
governo Geisel, em 1976. De 715 conflitos, no país, cadastrados pela
Comissão Pastoral da Terra, cujo começo se conhece, ocorridos entre
janeiro de 1979 e julho de 1981, 88.1% começaram a partir de 1973,
e apenas 11.9% antes dessa época [...]. E 77.6% ocorreram a partir de
1977. De um total de 913 conflitos, para os quais se tem informação
sobre a região de ocorrência, envolvendo um milhão e meio de
pessoas, 146 ocorreram no Sul/Sudeste, 207 no Nordeste (exclusive
Maranhão) e 560 no Norte/Centro - Oeste (inclusive Maranhão)
(MARTINS, 1985. p. 54-55).
Embora muito aquém do crescimento das ocorrências, à medida que têm se
multiplicado, os conflitos têm obrigado o governo a multiplicar, também, as
desapropriações por interesse social para fins de reforma agrária, conforme a define o
Estatuto da Terra.
Segundo Guilherme Delgado (1985, p. 98), o Estatuto da Terra, considerado o
marco legal da política fundiária, orientava a política agrária, mediante duas condições
normativas: uma, que orientava as bases para a realização de uma reforma agrária;
enquanto a outra tinha como princípio garantir a inviolabilidade da chamada “empresa”
rural. Nesse contexto, o Estatuto foi direcionado à modernização do latifúndio e ao
incentivo da empresa privada, comprometida com os critérios da racionalidade do
capital e com os trabalhadores sem terra. “[...] As medidas que poderiam beneficiar os
agricultores, não os atingiram, e o governo destruiu no nascedouro os canais de
viabilização das aspirações populares” (ANDRADE, 2000, p. 45).
A literatura que trata do assunto, com raras exceções, é conceitual quanto à
concepção de que, no Brasil, ainda não foi consolidado um programa de reforma
agrária, capaz de trazer mudanças significativas em relação à estrutura de posse e uso
20
da terra. Os assentamentos rurais, muito embora representem uma grande conquista
dos trabalhadores rurais na luta pela posse da terra, têm sido criados muito mais por
pressão dos movimentos sociais, do que pela vontade política dos governantes. O que
se tem ainda hoje, na realidade, “[...] são programas pontuais de assentamento e não
processos amplos, gerais e massivos de reforma agrária” (GRAZIANO, 1993, p. 65).
Na verdade, os assentamentos rurais existentes no Brasil, em sua maioria,
foram conseguidos pelo empenho dos trabalhadores rurais sem terra, ou com pouca
terra, a partir de intensos processos de mobilização. Esses trabalhadores, quase sempre,
só conseguiram ser incluídos definitivamente nas áreas de assentamento, depois de
permanecerem acampados, em situações de muito desconforto; sendo, às vezes,
despejados dessas áreas ocupadas.
No estado do Rio Grande do Norte esses acampamentos continuam crescendo
progressivamente em quantidade e extensão á medida que cresse o número de
trabalhadores excluídos do mundo do trabalho e esperançosos de conquistarem
melhores condições de vida através da conquista de terra, alimentando o sonho da tão
proclamada reforma agrária como se pode observar nas seguintes figuras.
21
Figuras 01 e 02
Acampamentos nos municípios de Riachuelo e Ielmo Marinho-RN, dez / 2005
Fonte: arquivos da autora.
No caso do Assentamento Hipólito, como se vê mais detalhadamente no
próximo item, a primeira ocupação se deu em um terreno pertencente à Escola Superior
de Agricultura de Mossoró - ESAM. Os ocupantes, à época, eram residentes na
periferia da cidade de Mossoró, Mas, a maioria, senão todos, trabalhadores rurais sem-
terra, (filhos de pequenos agricultores, arrendatários, posseiros, meeiros ou
empregados rurais), expulsos da terra, frente às transformações que mudaram as
relações de trabalho no campo.
No RN, o espaço agrário também não ficou imune às transformações
estruturais engendradas durante a Ditadura Militar. Suas condições produtivas também
sofreram mudanças significativas, causadas pela modernização da agricultura. Tais
mudanças representaram duas formas de expressão distintas.
De um lado, foram notáveis os ganhos trazidos, em se tratando do volume de
produção
3
e produtividade
4
para o setor agropecuário. Do outro, foram causadores de
distorções sociais agudas, à medida que promoveram, em ritmo acelerado, o processo
de concentração de terra, de capital e de renda, aumentando o êxodo rural e
contribuindo para o aumento do preço da terra.
3
Ato ou efeito de produzir, criar, gerar.
4
Relação entre a quantidade ou valor produzido e a quantidade ou valor dos insumos aplicados à
produção; eficiência produtiva.
22
A reação ou recusa dos trabalhadores a esse processo de expropriação e
exclusão social conduziu à retomada das lutas anteriores, e novas formas de
organização da demanda por terra e reforma agrária, traduzidas na formação dos
assentamentos rurais. Luta essa empreendida em função do trabalho, cujas relações
foram modificadas pelo processo de globalização, trazendo como resultado, o
desemprego em massa e a conseqüente pauperização da classe trabalhadora que vive
no campo.
Com as modificações a partir da intensificação da globalização nos anos 1990,
quando se agravou a situação dos trabalhadores nos centros urbanos, as demandas por
reforma agrária passaram a incorporar, em muitos casos, trabalhadores desempregados
das periferias urbanas.
A Origem dos assentamentos rurais no RN
Segundo dados fornecidos pelo Incra, no período compreendido entre 1987 e
2003, foram criados no RN 232(duzentos e trinta e dois) assentamentos rurais. Desses,
26(vinte e seis) localizam-se no município de Mossoró onde foram assentadas
1.116(mil cento e dezesseis) famílias.
Os conflitos gerados na disputa pela propriedade da terra, assim como as
iniciativas dos trabalhadores rurais, foram os elementos propulsores das
desapropriações que originaram a criação dos assentamentos rurais no país.
Enquanto unidades territoriais e administrativas, e enquanto referência para
políticas públicas, a existência dos assentamentos rurais conduzem, de acordo com
Leite et all,(2004), a uma ampliação das demandas por infra-estrutura e à pressão sobre
o poder público nas esferas local, estadual e federal. Assim sendo,
Ao mesmo tempo em que podem ser vistos como ponto de ‘chegada’
de um processo de luta pela terra, os assentamentos tornam-se ‘ponto
de partida’ para uma nova condição de vida, onde muitas vezes tudo
está por fazer, desde a organização do lote e construção do local de
moradia até toda infra-estrutura coletiva e de serviços necessária à
viabilização econômica e social das novas unidades de produção
familiar criadas (LEITE et all, 2004, p. 260).
Sabe-se que o trabalhador que sonha e vai à luta pela conquista da terra, não
está querendo simplesmente ser proprietário. A terra para ele significa muito mais:
significa libertação, deixar de ser “escravo” e passar a caminhar com seus próprios pés,
23
ser proprietário do seu produto, ir à busca das perspectivas de futuro que considera
dignas para si e para a sua família.
Nesse contexto, a conquista da terra representa, sem dúvida, uma grande vitória
frente ao processo de lutas, que, por vezes, levou muitos anos envolvendo negociações,
conflitos e, às vezes, o uso de violência, até mesmo com mortes. No entanto, a
viabilização econômica e social da terra conquistada vai depender ainda de várias
mediações entre os trabalhadores assentados e o poder público, o que leva,
necessariamente, a desencadear novas lutas no sentido de viabilizar as demandas
emergentes, como: escolas, atendimento à saúde, estradas, transporte, créditos e
assistência técnica, fundamentais para a consolidação do assentamento.
Essa nova situação exige a intensificação de experiências, até então não
vivenciadas na vida anterior dos assentados, por falta de acesso. Nesse sentido, faz-se
necessário que estes se organizem, procurem o poder público, demandem, pressionem,
negociem. É o exercício da participação política que vai lhes conferir uma atuação no
cotidiano da vida pública, à medida que se colocam como interlocutores nas suas
iniciativas.
Para que isso ocorra, é necessário também que novos atores entrem no cenário
econômico, social e político local. É necessário considerar os antecedentes históricos
de cada assentado que agora formam um todo, mas que trazem, nas suas origens, as
heranças de uma população historicamente excluída, e a inserção desta população no
mercado de trabalho não se dava de maneira homogênea quanto às atividades que
desenvolviam e às condições de trabalho a que estavam submetidos antes da posse,
quando só tinham em comum a instabilidade e precariedade, próprias dos trabalhadores
rurais sem terra ou com pouca terra.
Os próprios assentados reconhecem a necessidade de atores que os orientem nas
suas trajetórias em busca de melhores condições de vida. É o que se pode observar no
relato feito pela senhora Maria Gomes, assentada, que embora apresentando uma visão
até certo ponto distorcida do Serviço Social, mostra na sua simplicidade de mulher do
campo, o que muitas pessoas letradas não enxergam, ou não querem enxergar. Quando
interrogada sobre a atuação de órgãos no assentamento ela assim se expressa:
Hoje não tem mais não. Antes vinha as mulheres da Emater
[referência às extencionistas, nem sempre Assistentes Sociais].
Devido certas coisas que estão havendo na comunidade, o pessoal
tão rejeitando as reuniões. Agora é que é o tempo para gente lutar
para conseguir alguma coisa. Porque é na luta, é na conversa, é no
entendimento, é discutindo com os órgãos que aparecem, que a gente
consegue resolver os problemas da gente. A gente tem que assistir.
24
Eu aprendi meus direitos foi assistindo reunião, lutando. Ali vai ler,
dá uma norma que você não tem. Você não teve uma prioridade para
aprender aquilo ali [...] Se eu estou com a senhora e a senhora é
Assistente Social, eu estou segura. Eu adoro quando diz assim: É
uma Assistente Social, meu coração fica deste tamanho [gesticula
com as mãos, dando a idéia de grandeza], porque é junto com a
Assistente Social que a gente se fortalece. Porque a luta de um
Assistente Social é a luta de uma mãe. É, pra quem entende, pra
quem valoriza o que é uma Assistente Social [...] Foi com uma
Assistente Social que eu ajudei a criar minha família. Eu era uma
pessoa que acho que não tinha nada na vida, nem talento eu tinha.
Ta vendo como é a história? Agora eu quero lhe dizer que a
assistente social entrando na comunidade, ah minha filha, está
fortalecida! Porque ela sabe de tudo. Sabe dos problemas e das
dificuldades de cada um mais do que a gente. Para quem entende é,
mas para quem diz: ah! Eu não vou escutar ninguém não. Que
história! Não é dessa maneira não (GOMES, 2005.).
5
Continuando o seu relato, a Sra. Maria Gomes diz que aprendeu a costurar,
fazer crochê, fazer bonecas. Aprendeu a fazer congelamento, e passou a trabalhar para
uma senhora em Mossoró que, além de pagar pelo seu serviço, lhe dava o material
necessário para iniciar alguns trabalhos como artesã, o que a tornou conhecida como
Maria das Bonecas, trabalho que ainda desenvolve hoje, mesmo depois de aposentada.
Desse trabalho ela fala com orgulho quando assim se expressa:
Eu aprendi com meus pais que todos tem que trabalhar. Trabalhar
pra você ter, pra na hora que você precisar saber onde vai buscar.
Trabalhar, pra na hora que você precisar de um remédio não estar
na porta dos políticos: Hei fulano, pegue essa receita, me dê esse
remédio! Não é dessa forma. Os medicamentos são caros mais a
gente trabalha. A gente quer ter, não é pedir não. (GOMES, 2005.)
No seu relato, a Sra. Maria deixa transparecer a idéia que passa de pai para
filhos, da importância que tem o trabalho, e do valor que é atribuído pelo trabalhador
aos frutos desse trabalho, no sentido de torná-los independentes do clientelismo que
favorece aos que estão no poder, mas não traz nada de concreto para a melhoria de vida
da classe trabalhadora, além de expor o trabalhador à humilhação, de ter que pedir para
a sua sobrevivência o que por direito lhe pertence.
Longe ainda de representar um avanço significativo no processo de reforma
agrária, haja vista não se verificar alterações radicais no quadro de concentração
fundiária, a política de assentamentos rurais possibilita, além do acesso à terra, uma
inegável alternativa de trabalho para uma parcela da população. Esta, historicamente
5
Considerando-se o grau de instrução dos entrevistados (assentados) não foi utilizada a expressão SIC.
25
excluída, submetida a condições instáveis e de grande precariedade no que se refere à
inserção no mercado de trabalho rural/agrícola mediante as transformações da
agricultura. Muito embora os efeitos dessas transformações não se façam sentir de
maneira uniforme, uma vez que as diferentes dinâmicas regionais nas quais se inserem
e a maior ou menor capacidade administrativa dos assentados faz com que os impactos
causados pela presença dos assentamentos sejam bastante diferenciados (LEITE et. cit:
258).
Várias significações vêm sendo atribuídas aos assentamentos rurais por
pesquisadores e estudiosos do assunto. Para Bergamasco; Norder (1996), estes
representam
A criação de novas unidades de produção agrícola, por meio de
políticas governamentais visando o reordenamento do uso da terra
em benefício dos trabalhadores rurais sem terra ou com pouca terra,
envolvendo também a disponibilidade de condições adequadas ao
uso da terra e o incentivo à organização social e à vida comunitária
(p.7 - 8).
Os autores mencionados classificam os assentamentos existentes no Brasil em
cinco tipos, de acordo com a origem de cada um, em:
a) projetos de colonização, formulados durante o Regime Militar, a partir dos anos
1970, visando à ocupação de áreas devolutas e à expansão da fronteira agrícola;
b) reassentamento de populações atingidas por barragens e usinas hidrelétricas;
c) planos estatais de valorização de terras públicas e a regularização possessória;
d) programas de reforma agrária, via desapropriação por interesse social;
e) criação de reservas extrativistas para seringueiros da região amazônica e outras
atividades relacionadas ao aproveitamento de recursos naturais renováveis.
Os assentados, mesmo nos casos em que os assentamentos foram criados com
o objetivo único de regularizar situações fundiárias, passam a ser alvo privilegiado de
políticas públicas. E, independente de suas origens, os assentamentos rurais, pela sua
constituição, implicam a introdução de novos elementos e agentes que interferem nas
relações de poder e produzem novas demandas. Como mostram Leite et al (2004),
No diálogo que estabelecem com o Estado, esses grupos, agora
26
‘assentados’, passam a se deparar com um conjunto bastante amplo
de atores, de instituições governamentais (Incra, prefeituras,
secretarias de agricultura estaduais e municipais, organismos de
assistência técnica, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente-IBAMA);
de organizações não governamentais (voltadas para o apoio e
assessoria às demandas dos trabalhadores, ou especializadas na
elaboração de projetos específicos de ‘desenvolvimento’); de
entidades vinculadas às igrejas; de entidades locais e regionais de
representação (como movimento de luta pela terra, sindicatos,
federações de trabalhadores na agricultura, organizações de âmbito
nacional como a CONTAG e o MST, associações de produtores,
cooperativas, entidades patronais, entre outros) (p. 21 - 22).
Os mesmos autores apontam para a dificuldade de se generalizar os impactos
dos assentamentos, uma vez que estes envolvem uma multiplicidade de relações, cujos
resultados variam de acordo com as suas trajetórias. Nesse sentido, Ferreira; Fernandes
(2001), destacam a importância da capacidade de organização para demandar e
pressionar os poderes locais, na busca por serviços sociais básicos para os
trabalhadores assentados e suas famílias. Os autores exemplificam mostrando que,
Por força das negociações, pressões e apelos populares multiplicam-
se nos assentamentos os postos de saúde, e os serviços médico,
odontológico, laboratorial e de enfermagem, levando à contratação
de médicos, dentistas, auxiliares de enfermagem, agentes de saúde,
gerando também emprego na área de saúde (FERREIRA;
FERNANDES, 2001, p 26.).
De um modo geral, os estudos sobre assentamentos rurais revelam que estes
têm se mostrado de grande importância, pela resistência que representam ao processo
que separa o trabalhador rural da propriedade ou do uso da terra, o que os torna
valiosos à medida que oferecem subsídios para reflexões sobre a reforma agrária,
instigando-os a novas lutas. No entanto, apesar desses atributos, os assentamentos
rurais nem sempre representam a garantia de sustentabilidade dos assentados e de suas
famílias, tendo em vista a precariedade do atendimento às suas demandas. Sobre essa
questão Araújo argumenta:
Os assentamentos rurais embora representem um ponto de chegada,
ou o resultado de um processo de luta empreendido por trabalhadores
demandantes de terra, não significa a garantia de direitos básicos
necessária ao seu desenvolvimento auto-sustentável. A ausência, ou
escassez de ações do poder público nas três esferas do Estado, impele
27
os assentados a empreenderem novas lutas ou abandonar o sonho
parcialmente conquistado [...] No caso particular das políticas
relativas à questão agrária na experiência brasileira, as relações de
poder têm pesado em favor de políticas direcionadas à grande
propriedade e ao grande capital, esvaziando e adiando um processo
de reforma agrária. Os critérios de seletividade têm sido amplamente
utilizados. A reforma agrária tem se imposto pela luta dos
trabalhadores e sua representação, expressa nos assentamentos
(2001
p. 99).
Como não estão inseridos num programa estratégico de desenvolvimento sócio-
econômico, os assentamentos rurais representam para os seus beneficiários, as
condições básicas para o encaminhamento de suas reivindicações em favor das
demandas por serviços técnicos e financeiros, essenciais para o desempenho das
atividades no campo, e de difícil acesso aos trabalhadores rurais quando isolados.
Acontece que, para alcançar o desenvolvimento sócio-econômico, não basta aos
protagonistas estarem preparados para encaminhar as reivindicações. Para que isso
ocorra, Abramovay (1998, p. 3) afirma ser essencial que os trabalhadores tenham as
capacidades, as qualificações e as prerrogativas de se deslocar, de participar dos
mercados e de estabelecer relações humanas que enriqueçam a sua existência.
De acordo com Leite; Palmeira (2004), a grande maioria dos assentamentos é
resultado de situações de conflito. Ou seja, da disputa pela propriedade da terra,
independente da existência ou não, do uso da violência; mas do confronto, que resulta
da desapropriação da área e criação de um assentamento, decidida pelo poder público.
Assim, segundo esses autores,
Mesmo os casos em que, segundo informações dos assentados, os
antigos proprietários omitiram-se, diante de uma ocupação ou da
reivindicação de desapropriação ou demonstram certa cordialidade
diante dos ocupantes foram considerados como conflitos, a menos
que ficasse claro algum acordo prévio entre os proprietários e
trabalhadores ou entre aqueles e algum órgão público que tivesse
levado a um uso meramente instrumental da ocupação como
expediente para acelerar o processo de desapropriação (LEITE et al
2004, p. 41)
Inserido nesse contexto historicamente marcado pela alta concentração na
distribuição da posse da terra, o RN não é um caso à parte. Marcado historicamente
pela alta concentração na distribuição da posse da terra, [...] a estrutura fundiária e as
relações de trabalho no seu interior seguem a mesma tendência do conjunto do
Nordeste e do país (ARAÚJO, 2005, p. 42)
28
Também não foge à regra no RN, o processo de acesso à terra, o qual encerra
vários conflitos, seguidos de agressões e até assassinatos. A esse respeito, Araújo
(2005) observa que,
No Rio Grande do Norte, um balanço recente (FETARN, 1998)
registra a existência de 208 conflitos de terra no período de 1960 a
1998, descortinando um cenário marcado por todo tipo de violência:
ameaças de morte, despejos policiais, prisões, espancamentos, fome,
frio, insegurança, usurpação e/ou negação de direito das diferentes
categorias de direitos dos trabalhadores no campo. Entre 1991 e 1998
foram assassinados quatro trabalhadores e sete foram baleados [...].
Tal cenário demarca a persistência da concentração da terra no Rio
Grande do Norte, conforme atesta um estudo comparativo entre os
Censos de 1970 e 1995, feito pelo Censo Agropecuário de 1996,
segundo o qual não teria havido mudança na estrutura fundiária do
Rio Grande do Norte, em que pese o número de ocupações e
desapropriações que vêm ocorrendo nos últimos anos (p. 38).
Por outro lado, também se registra no Estado alguns assentamentos cuja
desapropriação não implicou a existência do uso de violência. Isso não quer dizer que
todas as lutas culminarão em desapropriações, nem que todas as desapropriações no
RN foram conseguidas pela violência. Verificaram-se casos em que estas foram
realizadas pelo Incra, observando-se em alguns acordos prévios estabelecidos entre
proprietários e trabalhadores para ocupar o imóvel; e, com isso, acelerar o processo de
desapropriação ou o aproveitamento de terras hipotecadas. Portanto, pertencentes ao
Estado para a implantação de projetos de assentamento. O Assentamento Hipólito no
município de Mossoró, de acordo com o processo como foi criado, situa-se nesse
último caso.
O município de Mossoró: Caracterização geral
Figura 03-
Mapa do RN
29
Fonte: IBGE
O município de Mossoró está localizado na Microrregião de Mossoró, na
Meso-Região do Oeste Potiguar, estado do RN, Região Nordeste do Brasil. Abrange
uma área de 2.110 Km². Dessa área, 236,9 Km² compõem a área urbana e 1.873,1 Km²
correspondem à área rural.
A população do município de Mossoró é de 218.841 habitantes, dos quais
199.081, que representam 93.1% da população total, vivem na zona urbana; enquanto
14.760, equivalente a 6,9% da população do município habita na zona rural (IBGE,
2000). Essa concentração do espaço urbano teve início com as agroindústrias, já na
década de 1920, quando o comércio do RN se afirma por meio do estabelecimento de
Firmas Estaduais voltadas para a exportação de produtos, como algodão, sal, açúcar e
cera de carnaúba. Nesse período, o Estado contava com 05 grandes firmas comerciais,
das quais 03 estavam localizadas em Mossoró.
As estratégias preconizadas pela Superintendência para o Desenvolvimento do
Nordeste (Sudene), visando a alavancar a industrialização nordestina, proporcionou
uma ascensão contínua do número de indústrias em Mossoró. Segundo dados do IBGE,
a especialização industrial em Mossoró se caracteriza em duas fases. Na primeira fase,
que vai de 1920 a 1954, a cidade chegou a ter 30 unidades industriais, passando para
132 na fase seguinte, de 1954 a 1968. Esse é um dos fatores que contribuíram para o
crescimento populacional de Mossoró, que passou de 97.245 habitantes em 1970, para
213.845 no ano de 2000. Observe-se que, enquanto a população urbana cresceu nesse
período, passando de 79.509 para 199.081, a população rural decresceu passando de
17.736 para 14.760, mesmo tendo apresentado um crescimento paralelo no ano de
1980, como mostra a tabela a seguir:
30
Tabela 1 – População absoluta urbana e rural de Mossoró 1940 – 2000
Ano População total População urbana População rural Taxa de urbanização
1940
1950
1960
1970
1980
1991
2000
31.515
40.681
50.690
97.245
145.989
192.267
213.845
13.730
20.088
41.476
79.509
122.861
177.331
199.081
17.785
20.593
16.214
17.736
23.128
14.936
14.760
43,56%
49,37%
81,82%
81,76%
84,15%
92,2%
93,1%
Fonte: IBGE (2000)
De acordo com Rocha (2005), esse aumento da população rural em 1980, foge
aos padrões de comportamento demográfico do país naquele período, mas explica-se
pelas novas economias introduzidas no município, que produziram mudanças, tanto na
estrutura produtiva quanto na sociedade mossoroenses. A autora ressalta como
atividades econômicas propulsoras desse aumento populacional, a mecanização das
salinas, a fruticultura irrigada e a atividade petrolífera.
A partir da década de 1980, o RN sofreu mudanças significativas,
ocasionando um novo perfil na sua base produtiva, com destaque para a região Oeste
do Estado, onde a modernização da agricultura e a exploração do petróleo entraram em
cena, produzindo impactos, sobretudo, nas relações de trabalho, mediante as alterações
nas relações de produção. Foi também nesse período que a mecanização salineira
transferiu o trabalho de moagem para as instalações urbanas, produzindo o desemprego
em massa dos trabalhadores das salinas, verificando-se uma grande migração para
Mossoró, em busca de emprego na construção civil, que se expandiu face às ações do
Governo Federal que se voltavam para construções como o Campus Universitário da
Uern, o prédio do Instituto Nacional de Seguridade Social - INSS e conjuntos
habitacionais.
Em relação à migração cidade/campo, a consolidação da fruticultura irrigada
no mesmo período de 1980 atraiu, para a área rural, um grande número de famílias. A
Mossoró Agro Industrial S/A - MAISA, hoje extinta, e a Fazenda São João, em franca
expansão nessa época, contribuíram, ao lado de outras empresas, para o aumento da
população rural, ao oferecerem trabalho assalariado para muitos trabalhadores e
membros de suas famílias.
Merece destaque nesse contexto, as mudanças no padrão produtivo e
tecnológico trazidas pela produção de frutas tropicais do Pólo Açu/Mossoró, que
conseguiu conquistar mercado além das fronteiras, incorporando-se à produção
31
capitalista globalizada, conquistando assim, o favorecimento e incentivos financeiros
públicos, tornando mais acentuada a concentração de renda local.
Existe uma vasta bibliografia que trata desse assunto, inclusive, um grupo de
pesquisas lideradas por professores da área de Ciências Humanas e Sociais da
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN), denominado de
“Desenvolvimento Regional: agricultura e petróleo”, dirigido a estudos tanto sobre a
atividade petrolífera quanto à atividade agrícola.
Assim, limitou-se esse estudo a algumas considerações sobre o
desenvolvimento da agricultura irrigada na região, no sentido de orientar para o
conhecimento que se pretende alcançar sobre a trajetória da população jovem do
Assentamento Hipólito, inserido nesse contexto. Nos últimos anos, a região Nordeste
foi fortemente afetada pela repercussão de movimentos que foram destaque na
economia brasileira. De acordo com Araújo,
Tendências da acumulação privada, reforçadas pela ação estatal,
quando não comandadas pelo Estado brasileiro, fizeram surgir e se
desenvolver no Nordeste diversos subespaços dotados de estruturas
modernas e ativas, focos de dinamismo, em grande parte
responsáveis pelo desempenho relativamente positivo apresentado
pelas atividades econômicas da região. Tais estruturas são tratadas na
literatura especializada ora como ‘frentes de expansão’, ora como
‘pólos dinâmicos’, ora como ‘manchas’ ou ‘focos de dinamismo’ ou
até ‘enclaves’ (ARAÚJO, 2000, p.210).
O Pólo Fruticultor de Mossoró
O Pólo Fruticultor do RN faz parte desse contexto. Localizado na região Oeste
do Estado, onde ocupa uma área de 8.074,4 Km², o Pólo de Desenvolvimento
Integrado Açu/Mossoró, apesar de ter tido início ao final dos anos 1960, só veio se
consolidar a partir da segunda metade da década de 1980, quando o Estado resolveu,
de fato, a partir de uma ação decisiva e eficiente, proporcionar o apoio necessário a
essa consolidação. Nesse sentido, foram feitos altos investimentos na infra-estrutura
destinada à irrigação, incluindo a perfuração de poços profundos a custos muito
elevados e a construção do maior reservatório hídrico do Estado, a barragem Armando
Ribeiro Gonçalves – cuja capacidade de armazenamento é de 2,7 bilhões de metros
cúbicos de água.
Antes da construção da Barragem era praticada nas formas tradicionais. A
32
escassez de recursos hídricos tornava essa prática dependente de chuvas que
alimentassem os rios ou pequenos açudes da Região. os instrumentos utilizados na
agricultura era ainda muito rudimentares. Uma nova fase foi então inaugurada a partir
da década de 1970, com a implantação dos Projetos de Irrigação instalados no Estado.
Em Mossoró, a Agricultura Irrigada , implementada pelas Políticas Governamentais
para o Pólo de Mossoró, as quais ofereceram subsídios a partir da isenção de impostos,
do favorecimento das grandes empresas e com melhorias produzidas na Infra-Estrutura
principalmente em relação a estradas, energia e perfuração de poços.
Figuras 04 e 05
Barragem Armando Ribeiro Gonçalves, Jan. 2006
Fonte: arquivos da autora.
Construída no leito do rio Piranhas/Açu, dentro da lógica do envolvimento do
Estado em grandes projetos de barragens, a barragem do Açu desapropriou 51.799
hectares de terra. Sua inauguração, em maio de 1983, deu-se em meio a um clima
bastante conflituoso na região, criado em torno dos possíveis danos que aquele projeto
poderia causar às populações atingidas, a exemplo da cidade de São Rafael, “[...]
totalmente submersa, além de grande parte de suas terras, em especial toda a faixa de
terra mais fértil às margens do rio Açu” (ARAÚJO, 2005, p. 49).
Não se intenciona, nesse trabalho, entrar em detalhes sobre a problemática em
torno da construção da barragem Armando Ribeiro Gonçalves e do projeto de irrigação
33
que lhe deu origem. No entanto, dada a sua relevância no contexto de desenvolvimento
sócio/econômico/cultural da região em destaque, cabe aqui apontar alguns estudos que
merecem destaque, pela clareza com que trazem à tona a realidade, até certo ponto
camuflada. Ou, nas palavras de Nazira Vargas
6
, “[...] vista por olhares diferentes a
enxergar uma mesma realidade”. Merecem destaque, nesse sentido, os estudos
realizados à época da construção, pela então professora do Departamento de Serviço
Social, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), cujo acervo pode ser
consultado no Núcleo de Estudos das Secas da referida Instituição de Ensino Superior
(IES) e pela professora do mesmo Departamento, Doutora Severina Garcia de Araújo,
que em recente estudo sobre assentamentos rurais, aborda o tema, ao mesmo tempo em
que aponta outras fontes de informação, como os registros dos eventos coordenados
pela Fetarn e das Assembléias Pastorais da Arquidiocese de Natal e da Diocese de
Mossoró. É, em especial, as pesquisas da professora Doutora Nazira Vargas (1987),
que oferecem uma visão abrangente dessa problemática.
Neste sentido, Araújo (2005) trata da face oculta do projeto de irrigação da
Barragem e argumenta que,
[...] é somente após a instalação de várias empresas nacionais e
algumas estrangeiras de fruticultura, que se transforma essa região,
juntamente com a Fazenda Maisa e Fazenda São João, em Mossoró,
no terceiro mais importante pólo de fruticultura irrigada do Nordeste,
ficando claro aquilo que não era dito pelos mentores e construtores
do projeto da barragem Armando Ribeiro Gonçalves naquele
momento. O dinamismo da fruticultura irrigada, sob o mais moderno
sistema tecnológico, tem, na sua contra face, não apenas um grande
contingente de trabalhadores assalariados, estimado em torno de seis
mil em momento de pico, segundo os dirigentes sindicais, mas
também um grande número de desempregados compondo uma
população considerada indigente (ARAÚJO, 2005, p. 49)
Retornando ao Pólo Fruticultor, este, durante a sua trajetória, sofreu algumas
alterações na sua definição, ao serem incorporados novos conhecimentos às pesquisas
iniciais. O próprio Banco do Nordeste, que o definiu, no decorrer dos anos de 1970,
como Pólo Agroindustrial do Açu, passou, a partir da incorporação de novos padrões, a
denominá-lo de Pólo de Desenvolvimento Integrado Açu/Mossoró. Segundo Gomes da
Silva
7
, uma nova delimitação daquela área tornou-se necessária, uma vez que o (Banco
6
Educadora preocupada na viabilização da expressão cultural do povo brasileiro, sobretudo, no RN.
Autora de obras como: História que o povo conta: opressão e sobrevivência, 1987.
7
Engenheiro agrônomo, doutor em economia, professor. do Programa de Pós-Graduação em Ciências
Sociais, UFRN; Pesquisador do Rurbano.
34
do Nordeste do Brasil) BNB deixara de considerar aspectos importantes, dentre os
quais, dados quantitativos, como o número de hectares irrigados pelo setor público,
aspectos da irrigação realizada pela iniciativa privada e “[...] outras características,
como a participação do município na oferta de mão-de-obra e, principalmente,
diferentes formas de integração no mercado de produtos” (Silva, 2004, p. 119-120).
Assim, a partir da revisão de trabalhos de pesquisas, visando a uma definição
mais atualizada, foi dada àquela área uma nova delimitação e denominação, passando a
ser conhecida como Pólo Fruticultor do RN, composto inicialmente por 11 (onze)
municípios distribuídos em torno de Açu e Mossoró. O Pólo ganha uma nova
configuração em termos de caracterização a partir do trabalho do professor Aldenor
Gomes da Silva, que incorpora mais 03 (três) municípios (Governador Dix-Sept
Rosado, Caraúbas e Apodi), à definição original do Pólo. Segundo o autor,
Por serem comprovadamente municípios que há muito tempo vêm
desenvolvendo experiências com agricultura irrigada, principalmente
com melão e melancia, e que essas produções são comercializadas
via estrutura de mercado que se estabelece entre Mossoró e Baraúna.
Destaque para o município de Apodi, onde essa produção é realizada
em assentamentos de reforma agrária
(SILVA, 2004, p. 120).
Tendo como centros mais dinâmicos as cidades de Açu e Mossoró, o Pólo é
formado por duas subzonas distintas, diferenciadas entre si pela forma de captação da
água utilizada na irrigação. Assim sendo, na subzona de Mossoró, composta pelos
municípios de Mossoró, Apodí, Baraúna, Governador Dix-Sept Rosado, Serra do Mel,
Upanema e Caraúbas, a captação da água é feita através de poços artesanais. Enquanto
que na subzona de Açu, composta pelos municípios de Açu, Ipanguaçu, Carnaubais,
Alto do Rodrigues, Afonso Bezerra, Pendências e Itajá, a água utilizada na agricultura
irrigada é captada diretamente do leito do rio Piranhas-Açu, que teve sua vazão
regularizada pela construção da barragem Armando Ribeiro Gonçalves.
Para Gomes da Silva (317), a grande diferença que marca a forma de captação
da água na difusão da agricultura irrigada do Pólo reside no fato de que a irrigação feita
a partir de poços artesanais é bem mais cara e a sua ação localizada, permite que seja
“facilmente apropriada por grandes iniciativas privadas”. No entanto, essa apropriação
pela iniciativa privada não está limitada à subzona de Mossoró. Ela também se faz
presente na subzona de Açu, onde, conforme Araújo,
35
Em lugar dos trabalhadores, instalaram-se ali grandes empresas,
enquanto estes, que haviam ousado resistir, permaneceram isolados
entre os pedregulhos e o grande lago que submergiu as terras férteis
de vazantes que lhes proporcionavam até duas safras anuais, quando
não havia seca além de jazidas de mármore, scheelita e do carnaubal
que constituíam outros meios de assegurar sobrevivência a uma vasta
população pobre da região do vale do Açu
(ARAÚJO, 2005, p. 51).
Somente a partir da última metade da década de 1990, período em que se dá a
segunda fase de consolidação do Pólo, é que a agricultura irrigada deixou de ser
privilégio das grandes empresas privadas, abrindo espaço também para empresas de
porte médio e estabelecimentos agrícolas, com base no núcleo familiar e em áreas de
assentamentos do Incra.
Para o Assentamento Hipólito, localizado na subzona de Mossoró, o projeto de
irrigação implantado em maio de 1993, representava, pela ótica dos assentados e dos
próprios técnicos do Incra, grande importância no sentido de alavancar o
desenvolvimento daquela área. Porém, estudos sobre a realidade do semi-árido
potiguar têm demonstrado que mesmo naquelas áreas em que a intervenção do Estado
é responsável pela criação de um espaço econômico planejado, os índices de produção
e produtividade não têm se mostrado suficientes no sentido de garantir a
sustentabilidade dos trabalhadores rurais e de suas respectivas famílias.
De acordo com pesquisa realizada por Rodrigues
8
(2001), no caso do Pólo
Irrigado Açu/Mossoró essa situação ocorre porque é bastante limitado o número de
agricultores familiares que conseguem modernizar suas unidades de produção.
Segundo o autor,
O que se pode constatar é que a produção de frutas irrigadas por parte
de pequenos agricultores familiares, por si só, não significa que estes
estejam, de fato, modernizando suas unidades. Isso fica evidente
quando se trata dos agricultores assentados, pois, neste segmento,
apenas as áreas coletivas recebem os recursos tecnológicos próprios
da fruticultura irrigada (RODRIGUES, 2001, p. 157).
Segundo esse autor, a participação dos agricultores familiares no Pólo
Açu/Mossoró se dá sob as formas de parceria
9
, terceirização ou assalariamento; sendo
8
Professor assistente IV do Departamento de Ciência Sociais e Políticas da Faculdade de Filosofia da
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte
9
Termo usado para designar integração produtiva.
36
mais comum a parceria, pela qual os pequenos produtores se integram. Nesse caso, ao
plantarem uma certa área com culturas irrigadas –melão, no caso do Hipólito-, recebem
algum apoio da empresa âncora
10
, como sementes e assistência técnica, por meio de
um contrato de comercialização, segundo o qual a empresa se compromete a comprar
a produção, e os agricultores não podem vendê-la a outra empresa, se não àquela
empresa âncora com a qual têm o contrato de comercialização.
No Assentamento Hipólito, o primeiro contrato foi feito com a Maisa, logo na
primeira safra de melão irrigado 1993/94. Gilvan, técnico da COOPERMIX
11
,
cooperativa que, à época, prestava assistência técnicas aos irrigantes do Hipólito, falou
em entrevista para essa pesquisa, que até o ano de 2000 o projeto funcionou muito
bem, mas a diretoria da associação do projeto, julgando que já tinha conhecimento
suficiente para desenvolver a irrigação, dispensou essa assistência. Para Gilvan, foi aí
que começou o fracasso. Findo o contrato com a Maisa, uma nova integradora entrou
em cena, a Nolem, Comercial Importadora e Exportadora LTDA.
A Nolem financiou o melão que os integrados plantaram mudando,
por conta própria, o espaçamento. Aí eles chegaram a plantar 25
hectares e perderam tudo [...] Daí o Incra não investiu mais nada
dentro do Hipólito. Os assentados formaram parcerias com outras
cooperativas, mas não têm recursos para tocar o projeto para frente
e o resultado é que o projeto foi sucateado. Muito material foi
roubado de lá e o que resta não está em condições de funcionamento
(ALVES, 2005, Informação Verbal).
Nesse contexto, faz-se necessário levar em consideração os motivos que
levam as duas partes (grupos agroindustriais e agricultores familiares) à integração. É
consensual na literatura sobre a integração, que para a empresa essa traz várias
vantagens, como a preocupação para com a eficiência econômica. Os assentamentos de
reforma agrária, considerando-se o caso do Hipólito/Nolem, além de uma infra-
estrutura própria para irrigação, oferecia ainda, a exemplo de outros assentamentos,
uma mão de obra com alguma experiência no cultivo do melão.
Além disso, sabe-se que a contratualização poupa investimentos fundiários,
uma vez que as terras tornam-se ainda mais valorizadas quando localizadas em áreas
de expansão da fruticultura irrigada. Outra grande vantagem para as agroindústrias é
que esses contratos as deixam isentas da seleção, do treinamento, da fiscalização e do
pagamento de encargos trabalhistas da mão-de-obra assalariada necessária à produção
10
Empresas integradoras que fazem intermediação de pequenos e médios produtores.
11
Cooperativa Mixta de Consultoria, com sede em Mossoró/RN.
37
irrigada. Por esse contrato, a empresa empregadora estabelece ainda “[...] o volume da
compra, o preço mínimo garantido, o prazo de pagamento, a variedade dos melões e as
obrigações da empresa perante o vendedor e as deste perante aquela” (Souza
12
;
Sousa
13
, 2001).
E o referido contrato ainda esclarece sobre algumas interdições e obrigações
dos integrados, o que os proíbem de vender melões a terceiros, e ainda exigem desses
integrados viabilizar as embalagens do produto e concordar com a seleção dos frutos,
feita segundo as exigências da empresa integradora.
Em relação aos agricultores, os motivos que os leva à integração são vários. A
literatura faz referência ao insucesso de outros projetos anteriores desenvolvidos pelos
assentados, e à segurança apregoada pelos técnicos das empresas interessadas na
parceria.
Segurança essa, importante para os pequenos produtores integrados, por lhes
oferecer certas “garantias”, como a venda do seu produto, o cumprimento dos prazos
estipulados, a assistência técnica; garantias enfim, em relação aos riscos de mercado:
É inegável que a integração representa uma redução dos riscos
impostos pelo mercado capitalista globalizado, no qual o pequeno
agricultor coloca-se face a face com setores altamente competitivos.
Dessa maneira, os riscos não são poucos e a competitividade
exacerbada exclui pessoa e territórios do processo de geração de
oportunidades econômicas e sociais (SOUZA; SOUSA, 2001 p.16).
Segundo opiniões de vários assentados entrevistados, não são poucos os que
acreditam ainda ser possível reverter a situação de precariedade em que se encontram
hoje, pela reativação do projeto do melão irrigado. Para estes, se o projeto anterior não
deu certo, foi devido à má administração por parte dos dirigentes. Apesar dos prejuízos
da última safra do melão, quando o valor resultante das vendas, segundo dados
fornecidos pelo presidente da associação, foi apenas R$ 18.765,51(dezoito mil,
setecentos e sessenta e cinco reais, cinqüenta e um centavos). Quanto às despesas com
insumos somaram R$ 48.180,81(quarenta e oito mil, cento e oitenta reais, oitenta e um
centavos), o que representou uma dívida para com a empresa de R$ 29.414,80(vinte e
nove mil, quatrocentos e quatorze reais e oitenta centavos), Ainda paira sobre aquela
população, a ilusão de que a integração seria a alternativa mais viável para a re-
12
Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente e Professor do Centro Federal de Educação
Tecnológica do Rio Grande do Norte – CEFET-RN, Unidade Mossoró.
13
Doutor em Sociologia Rural. Professor Adjunto do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento
e Meio Ambiente, da Uern.
38
estruturação do Assentamento.
No entanto, a pesquisa realizada por Souza e Sousa em 2002, já apontava para a
“[...] insustentabilidade do plantio integrado do melão no assentamento Hipólito”. Para
estes, a garantia quanto ao escoamento da produção é ameaçada em função da
qualidade dos frutos produzidos, o que, por sua vez, ameaça o lucro tornando vã a
suposta segurança; uma vez que, além do prejuízo, caso não consiga vender todo o
melão - o que vai depender da seleção feita pela integradora - ainda podem ocorrer
outras situações de risco, como o desgaste do solo, provocado pelas possíveis
deficiências no seu manejo; e ainda, a possibilidade de contaminação com agrotóxicos.
Assim, não se pode afirmar que a cultura do melão no Hipólito foi um desastre
total. No entanto, tendo em vista as precárias condições de vida em que se encontra
hoje aquela população, a conclusão a que se chega é que as vantagens oferecidas pela
integração tornam-se insignificantes quando comparadas às deficiências que levaram
ao insucesso do Projeto.
A produção integrada, de acordo com os critérios que definem a
sustentabilidade
14
, não tem se revelado (SOUZA e SOUSA, 2001) capaz de contribuir
para o crescimento econômico-social, já que não tem gerado melhorias significativas
nas condições de vida das populações que vivem da pecuária no Semi-Árido
Nordestino, onde a integração tem se dado por faltar a essa população, outras opções
de sobrevivência. Em relação ao projeto de irrigação do Hipólito, os autores citados
argumentam que,
Da forma como tem se apresentado nos anos 2000 e 2001, a
produção integrada do melão possui suas bases assentadas no
imediatismo. Ela é uma alternativa temporária e não uma solução
duradoura, capaz de proporcionar melhorias de vida. Mesmo no seu
início, na década de 1990, quando tinha financiamento, ela possuía
esse aspecto cosmético, pois criava uma “sustentabilidade” apenas
por um pequeno espaço de tempo, durante uma safra apenas
(SOUZA; SOUSA, 2001, p. 27).
A análise da realidade vivenciada atualmente pelos assentados do Hipólito
confirma a veracidade da problemática exposta.
Se a geração de emprego e renda com a agricultura irrigada, já não era
suficiente para garantir melhorias satisfatórias nas condições de vida dos assentados do
Hipólito, uma vez que, de um total de 137, apenas 55 famílias estiveram integradas.
Isto quer dizer, “que o Projeto de Irrigação do Melão empregou apenas 10% da
14
Critérios que envolvem o crescimento econômico, eqüidade social e prudência ecológica.
39
população assentada” (Souza - 2001). Com a paralisação do Projeto, a situação ficou
mais difícil. Aos assentados restou muitas dívidas e maior número de desempregados;
conseqüentemente, maior acentuação da situação de precariedade, induzindo os jovens,
filhos e filhas de assentados, a partirem em busca de meios de sobrevivência, seja em
atividades agrícolas ou não agrícolas, no próprio assentamento ou fora deste.
Aliás, essa situação não é peculiar aos assentamentos rurais. A crise no setor de
fruticultura irrigada tem atingido também empresas de renome, como é o caso da
(Frutas do Nordeste S/A) Frunorte e da (Mossoró Agroindústria LTDA) Maisa,
localizadas na Micro-Região Açú-Mossoró, cujo fechamento trouxe conseqüências
sérias, sobretudo, para a classe trabalhadora, sejam trabalhadores rurais ou outros
assalariados que ocupavam postos de trabalho na empresa.
A Frunorte, no Vale do Açu, por exemplo, que conforme pesquisa realizada
por Silva (2001), chegou a empregar mais de mil pessoas em 1991, teve esse quadro
reduzido em 1996 para aproximadamente novecentas pessoas, a partir da “[...]
introdução e inovações tecnológicas gerenciadas nos campos de produção e nos
sistemas de embalagens e produção”. Ao fechar suas portas em 2000. A Frunorte
contava com apenas quatrocentos e sessenta e cinco funcionários, número esse que
parece bem pequeno em relação ao total anterior. Mas, se torna de grande expressão,
quando considerado sob o ponto de vista do total de trabalhadores desempregados,
cujos salários contribuíam para “[...] uma melhoria no padrão de renda dos
trabalhadores ‘da empresa’ durante o seu período de funcionamento” (MEDEIROS
15
,
2001, p. 29)
A referida pesquisa revela também que no caso da Frunorte, os trabalhadores
desempregados apresentam o mesmo otimismo dos assentados do Hipólito em relação
à possível reestruturação. Eles também alimentam a esperança de voltar a ter um
emprego e superar as dificuldades de sobrevivência, vítimas que são das estratégias
perversas, próprias do processo capitalista de produção.
A atividade petrolífera por sua vez também introduziu mudanças significativas
ao município de Mossoró. Essa atividade trouxe consigo
Várias empresas prestadoras de serviço para a cidade, dinamizando
todos os setores de comércio e serviços locais, também foi outra
atividade que contribuiu para a efetivação de importantes mudanças
estruturais no município, em cujas estruturas e demandas
socioeconômicas essa reestruturação produtiva provocou grande
modificações (ROCHA, 2005, p. 245).
15
Secretário de administração, prefeitura de Carnaubais.
40
Além desses fatores, a literatura sobre o assunto aponta outros que
contribuíram para o fluxo migratório na cidade, como a eqüidistância para Natal e
Fortaleza, e a existência na cidade de 03 instituições de grande porte: a Uern, a Esam e
o Cefet-RN que atraíram estudantes da região Oeste e de outros Estados, com Ceará e
Paraíba. Tal fato coloca Mossoró entre os dez municípios do Nordeste que
apresentaram taxa de crescimento demográfico entre 3% e 4% ao ano, nas décadas de
1980 e 1990, conforme quadro a seguir.
Quadro 1 : Municípios do Nordeste com maior crescimento demográfico 1980 - 1991
Entre 3% a 4% ao ano Igual ou maior que 4% ao ano
Gerais de Balsa MA
Teresina PI
Fortaleza CE
Natal RN
Mossoró
João Pessoa PB
Maceió AL
Jeremoabo BA
Salvador
Senhor do Bom Fim
Guarapi MA
São Luiz
Imperatriz
Pacajus CE
Petrolina PE
Sertão do São Francisco AL
Aracaju SE
Barreiras BA
Fonte: IBGE (Censo Demográfico de 1980 e 1991)
Esse incremento populacional urbano, no entanto, apesar de apontar para um
considerável crescimento do setor econômico, assim como da grande expansão urbana,
não significou a oferta de condições de vida favoráveis para a totalidade dos seus
habitantes. Pelo contrário, com o crescimento acelerado da cidade, multiplicaram-se os
problemas de desemprego, moradia, etc.
Em contraste com os amplos condomínios fechados nos bairros considerados
nobres, que abrigam moradores bem acomodados, com direito a se deslocarem
voluntariamente para onde melhor lhes convier, encontram-se, na periferia da cidade,
centenas de favelados(as) que não escolheram viver ali, mas são obrigados a isto por
não lhes restar outra opção. Sobrevivendo em condições precárias, expostos “[...]a uma
situação complexa que envolve a violência, a informalidade, a irregularidade, a
41
pobreza e a baixa escolaridade” (ROCHA, 2005, p. 248).
Segundo dados da Secretaria Municipal do Desenvolvimento Territorial e
Meio Ambiente-Sedetema, em 2004 existiam em Mossoró 11 favelas nas quais
habitavam um total de 8.237 pessoas. De acordo com Felipe,
A cidade apresenta as mesmas mazelas da maioria das cidades
brasileiras, onde as infra-estruturas têm dificuldades de acompanhar
os processos velozes de construção de novos espaços, principalmente
nessas últimas décadas pelas mudanças no processo migratório, que
tem agora nos espaços intra-regionais a maioria dos seus destinos.
Mossoró e a região de Natal são dois dos maiores centros de
recebimento dos que vêm do interior do Estado (2001, p. 250).
Vindos, na maioria das vezes, da zona rural, apresentando baixo índice de
capacitação profissional ou educacional, muitos trabalhadores não conseguem se
engajar no mercado de trabalho. Isso faz crescer cada vez mais o excedente de mão-de-
obra de reserva nesse espaço onde o crescimento econômico que produziu o processo
de urbanização é responsável, principalmente, pelo crescimento da desigualdade social,
mediante a ausência de políticas públicas dirigidas para a geração de emprego e renda,
fato, aliás, que não é peculiar à cidade de Mossoró. Essa é mais uma das cidades
brasileiras que experimenta as contradições próprias do modelo econômico excludente
e concentrador do país. E é nesse cenário onde a questão agrária continua sem solução,
enquanto os interesses capitalistas se sobressaem à realização da reforma agrária.
Esse contexto de exclusão, agravado pelo processo de modernização, levou
grande parcela dos trabalhadores de Mossoró, a exemplo de outras realidades, a se
organizarem e partirem para a luta em prol de melhores condições de vida. Luta essa
que inclui os movimentos pela posse da terra e as ocupações que posteriormente vão
ser transformadas em assentamentos rurais como é o caso do Assentamento Hipólito;
que, embora não tenha até omomento, apresentado solução para os problemas da
população que abriga, foi inegavelmente uma conquista da luta empreendida por parte
da classe trabalhadora rural.
Em meio às transformações trazidas por esse processo de modernização que
vem dificultando a vida dos trabalhadores no campo, um segmento da população, não
obstante ter sido profundamente afetado por esse processo, ficou, por muito tempo,
invisível aos olhares da esfera política e do meio acadêmico brasileiro. Trata-se da
juventude rural, essa parcela da população, vítima das mais acentuadas formas de
exclusão social do país.
42
Muito pouca atenção tem sido dada aos jovens rurais brasileiros. E essa pouca
visibilidade os tem deixado à margem do processo de desenvolvimento; uma vez que,
invisíveis, não têm se tornado sujeitos de direitos sociais, nem alvo de políticas
públicas, o que torna inviável o rompimento da própria situação de exclusão, bem
como a inclusão na agenda governamental. Esse segmento, sob muitos aspectos, não
acessa nem usufrui do conjunto de direitos básicos que estruturam a condição de
cidadão, além de conviver com diversas outras situações de não-reconhecimento,
preconceito, marginalidade e exclusão. Nessa situação,[...] a falta de perspectivas tira
dos jovens o direito de sonhar com um futuro promissor no meio rural
(WEISHEIMER, 2005, p. 8).
Apesar do reconhecimento de que a partir da década de 1990 as demandas da
juventude passaram a integrar as pautas reivindicativas e as agendas políticas de
algumas entidades, foi apenas em 2005 que o Governo Federal tomou medidas mais
abrangentes expressas na criação da Secretaria Nacional da Juventude
16
e do Conselho
16
Coordena políticas e ações voltadas para promover a participação econômica e social dos jovens.
CAPÍTULO II
ASSENTAMENTO HIPÓLITO: trajetória e realidade atual
43
“O homem faz parte desta cadeia [que une as coisas
aos seres] e em suas relações com o que os cerca, ele é
ao mesmo tempo ativo e passivo, sem que seja fácil de
determinar, na maior parte dos casos, até que ponto ele
é um ou outro”
(LA BLACHE, 1921, p.104).
Compreender a realidade na qual se encontram inseridos os jovens do
Assentamento Hipólito exige, necessariamente, resgatar o processo histórico desse
Assentamento, por representar o lócus onde se reproduzem as relações sociais
vivenciadas por esses sujeitos, que constitui o objeto desse estudo.
A partir do conhecimento da influência que tem a história, a cultura e o
ambiente na formação e caracterização da juventude, e da vulnerabilidade que
apresentam os jovens, frente às influências externas, analisa-se nesse capítulo a
organização socioespacial do Projeto de Assentamento Hipólito. Faz-se tal análise por
meio de um levantamento da sua origem e desenvolvimento, com vistas a entender
como se dá a relação no contexto jovem/assentamento/relacionamento social, o que é
de capital importância para uma melhor visualização da problemática que se pretende
conhecer.
Desta forma, é preciso reconhecer que os jovens rurais das classes
trabalhadoras e, em especial, dos assentamentos rurais, apresentam marcas herdadas
dos seus ascendentes, que repercutem nas suas formações socioculturais, dotando-os de
características próprias. Conforme argumenta Sposito,
Se assumirmos que a condição juvenil recobre uma pluralidade de
situações de sujeito, que vivem a fase de vida, percorrendo trajetos
diferentes, reconheceremos que as políticas de juventude percorrerão
necessariamente, caminhos diversificados. Poderão ser de inclusão,
afirmativas de identidade e de formas de expressão voltadas para o
presente, ou de integração na vida adulta, mas o que as unifica deve
ser a sua inserção no campo de luta pelos direitos e de construção da
democracia (2003, p. 71).
O Projeto de Assentamento de Reforma Agrária da Fazenda Hipólito está
localizado no município de Mossoró-RN, às margens da BR 304, distando 28 Km da
sede do município. No sentido oposto, dista 35 Km do município de Assu, e 243 Km
de Natal. Ocupa uma área de 6.685,24 ha e contempla um total de 137 famílias. Esse
Assentamento foi um dos primeiros dos gêneros implantados no RN e o primeiro no
44
município de Mossoró.
Figura 07
Assentados do Hipólito
A desapropriação da Fazenda Hipólito deu-se em 10/10/1986 quando esta,
antes pertencente ao BNB por hipoteca, foi colocada à disposição do I Plano Nacional
de Reforma Agrária (I PNRA), ora em vigência, com a finalidade de assentar famílias
rurais sem terra, conforme Decreto n° 91.766, de 10/10/1985. Coube ao Incra, após
emissão da posse da terra pelos trâmites legais, criar o Projeto de Assentamento de
Reforma Agrária da Fazenda Hipólito em 09/07/1987, momento em que, segundo a
bibliografia consultada, constatava-se, no município de Mossoró e circunvizinhança, a
existência de grandes latifúndios improdutivos, enquanto um número também
expressivo de trabalhadores rurais sem-terra chegava a formar verdadeiros bolsões de
pobreza situação essa que justifica o interesse social pelo imóvel supracitado para fins
de reforma agrária.
Da área total do imóvel (6.746 ha), 4.864 ha foram desapropriados para
implantação do Projeto de Assentamento; sendo que, segundo Souza (1993), 4.010 ha,
foram distribuídos em lotes de 30 ha para cada uma das 137 famílias alocadas. A terra
restante, segundo o Senhor Tertuliano, presidente da associação (Aparahi), destina-se à
reserva ambiental.
Vale Neto (1993), relata que até a ocupação em 1987, a Fazenda Hipólito
pertencia ao Senhor Inácio Pereira. E, antes de ser hipotecada, era destinada,
principalmente, à produção da pecuária bovina e caprina; e, embora também fosse
praticada a atividade agrícola, essa não era tão expressiva. Nesse período, residiam no
imóvel 04 famílias, na qualidade de parceiros, cuja forma de pagamento era realizada
45
em função da reprodução animal, cabendo aos moradores 01 (um) de cada 05 (cinco)
dos animais que nasciam.
Certamente, não é por acaso que o início do Assentamento coincide com um
período em que grandes e numerosos conflitos por terra estavam ocorrendo no interior
do RN. Segundo Araújo (2005), trata-se de um “[...] momento de maior incidência de
conflitos por terra no estado”. O que não por acaso coincide com o Primeiro Plano
Nacional de Reforma Agrária da Nova República (I PNRA). Dos 57 conflitos
registrados na década de 1980 no Estado, 42 ocorreram após 1985.
Segundo depoimentos de alguns entrevistados presentes no momento da
ocupação da Fazenda Hipólito, essa aconteceu sem maiores problemas, não sendo
verificado nenhum tipo de violência, uma vez que não houve resistência por parte do
proprietário, pois a terra já havia sido hipotecada. Alguns desentendimentos entre os
moradores que ainda ocupavam o imóvel e os novos ocupantes foram contornados pela
ação do Incra, sem maiores conseqüências.
A Senhora Rita Pereira, uma beneficiária que esteve presente desde o início da
luta pela terra, relata em detalhes todo o processo para a ocupação da Fazenda Hipólito.
Assinala que a primeira ocupação ocorreu num terreno pertencente à, hoje,
Universidade Federal Rural do Semi-Árido (Ufersa). À época, a Sra. Rita Pereira
ainda era casada, mas o esposo era aposentado, e com medo de perder o benefício,
incentivou-a a encabeçar um movimento para ocupar o terreno.
A partir daí a Sra. Rita Pereira, numa demonstração viva de que as mulheres
também têm exercido uma importante participação nas lutas camponesas, passou a
organizar um grupo e começou a luta, assim traduzida, enfaticamente, por ela:
De início falei com meu filho que ficou assim em dúvida, mas
depois disse:
- Mamãe, se a senhora quiser mesmo... Sem a senhora eu não
vou não, mas, se a senhora for eu vou.
- Eu vou. (PEREIRA, 2005, Informação Verbal
16
).
Daí, partiram para mobilizar os vizinhos, e logo foi formado um grupo de 25
homens, que se reuniram na casa de Sra. Rita Pereira para discutir como seria feita essa
ocupação. Ela se empolga para descrever todos os detalhes:
46
Aí um dos homens perguntou:
- Bem D. Rita, como é esse negócio? A senhora vai enfrentar o
governo?
- Meu filho, o governo é que tem o que dar pra nós. Ninguém
dá nada pra nós fora o governo. Só Deus e mais ninguém.
Então, se para nós invadir algo que é cercado, uns ‘lascados’
de nossa qualidade! Mata, bota na cadeia. E o governo não vai
fazer isso com nós, não. Como de fato que não fez. Foi lindo a
minha chegada lá! Foi lindo o meu serviço de desmatamento...
(PEREIRA, 2005, Informação Verbal)
Segundo a Sra. Rita Pereira, na ocupação da Esam não houve praticamente
participação de famílias. Somente ela foi quem levou dois filhos. Destes, um era
paraplégico e ficava com ela no barraco. O outro integrava o grupo dos 25 homens,
todos chefes de família que, naquele momento, moravam na periferia de Mossoró. Não
soube dizer com precisão se todos eram oriundos da zona rural, provavelmente sim:
“Eu não sei não, eu acho que eles trabalhavam assim em serviço de canal. Pegava um
aqui, pegava outro acolá. Viviam assim, eles não tinham nada. Eram uns pobres
coitados. Não tinham nada mesmo” (PEREIRA, 2005, Informação Verbal).
A entrevistada continua a descrever os acontecimentos ocorridos por ocasião
da ocupação da Esam, dando demonstração de que lá, realmente, não tiveram grandes
problemas, pois apesar de uma fiscalização rigorosa, não foram registrados conflitos
entre os fiscais e os ocupantes. Ela relata que depois de três dias de ocupação e
desmatamento, chegou um grupo armado que parecia disposto a mandá-los embora,
mas tudo foi resolvido à base do entendimento.
Este foi, nas palavras da Sra. Rita Pereira, o episódio mais marcante na luta
pela terra desencadeada por aquele grupo. Foi quando os policiais se aproximaram do
local onde ela se encontrava, preparando a comida para o grupo de trabalhadores
encarregados do desmatamento. Ressalta que, depois de três dias de luta, era a única
mulher daquele grupo de 26 trabalhadores que se encontravam no meio da mata.
A corajosa Sra. Rita Pereira narra, de forma enfática, este episódio. Diz que
quando notou a aproximação dos “policiais” - não ficou claro se eram realmente
policiais ou representantes do Incra - , assim falou para o seu filho:
- Mundinho, ali vem quente!
- Quem mamãe?
- Vem escopeta ali que nem presta! Aí, Ave Maria! Ele saiu de
quatro. Eu fiquei de pé, mas ele coitado, saiu de quatro pés pra
47
dentro do mato (PEREIRA, 2005, Informação Verbal).
Quando os “supostos” fiscais do Incra se aproximaram, os trabalhadores, que
já estavam vindo para o almoço, também foram chegando, e a partir desse instante
estabeleceu-se um diálogo de forma amigável e até mesmo descontraída. Um dos
“fiscais” perguntou se eles já iam almoçar, ao que a Sra. Rita Pereira respondeu que
sim. Disse que eles haviam chegado numa hora boa e os convidou a almoçar. Aí então
os fiscais passaram a fazer perguntas sobre o trabalho que estava sendo desenvolvido
pelo grupo e sobre quem comandava aquela ocupação. A Sra. Rita respondeu ser ela a
responsável, e a conversa passou a ser dirigida a ela. Nessa oportunidade, ela foi
informada que a finalidade daquela visita era que o Incra estava pedindo, por meio de
seus representantes, para os trabalhadores fazerem uma pausa nas suas atividades de
desmatamento por um período de 20 dias, tempo considerado suficiente para conseguir
uma solução no sentido de conseguir um local melhor para eles se estabelecerem. Isso
porque as terras da Esam eram destinadas às atividades de campo (estudo e pesquisas)
da Escola.
Prosseguindo na sua narrativa, a Sra. Rita Pereira conta que, no último dia do
prazo estabelecido, decorridos desde a suspensão do “paradeiro”, foi chamada à Esam,
juntamente com os demais integrantes do grupo, para uma reunião. Ela faz questão de
mencionar que, naquele momento, estavam sozinhos. Não contavam nem mesmo com
o apoio do Sindicato da Lavoura de Mossoró, pois o presidente à época (hoje falecido),
negou-se a fazer parte do movimento: “Ele disse que eu estava era doida. Ora,
enfrentar o governo! Não dissesse nem que ele existia, viu?” (PEREIRA, 2005,
Informação Verbal).
Tal atitude demonstra até que ponto os órgãos representantes das classes
trabalhadoras podem se omitir de participar das suas lutas. O que, de certa forma
enfraquece os movimentos reivindicatórios, favorecendo os opositores. Ou ainda fazer
parte da orientação do movimento sindical que, àquela época, apostava nas formas de
negociação, e não de ocupação.
Nessa reunião os representantes do Incra, convenceram o grupo a desistir das
terras da Esam e aconselhou os integrantes a ocuparem a Fazenda Hipólito, que era do
governo, e podia ser destinada à reforma agrária. E assim foi:
Lá, não houve problema, o Incra mandou que eu botasse a boca no
48
mundo e chamar gente para encher porque cabia muita gente aqui
que o terreno é muito grande. Aí era eu mandando e o povo entrando
é... E hoje está assim de gente. O problema aqui foi só com os
moradores que ainda estavam aqui. O Incra até apreendeu os nossos
instrumentos [acredita-se que armas], para evitar agressões, mas não
precisou. Depois de muitos bate boca eles [os moradores] resolveram
desocupar as terras.
(PEREIRA, 2005, Informação Verbal).
Em relação à participação do Sindicato da Lavoura de Mossoró no processo
de mobilização das pessoas, há uma certa divergência entre os assentados. Por
exemplo, a omissão deste citada pela Sra. Rita Pereira é negada pelo atual presidente
da associação do projeto, o Sr. Tertuliano. Segundo este, “[...] a organização e
mobilização do pessoal foram obras do Sindicato da Lavoura de Mossoró, que também
se encarregou de fazer a seleção das pessoas que podiam receber terras” (CRUZ,
2005, Informação Verbal) .
Depois dessa seleção (VALE NETO,1993), o cadastramento das famílias
passou a ser feito pelo Incra, sendo que outras entidades também colaboraram para a
organização dos trabalhadores assentados no início da história daquele assentamento,
como a Igreja Católica, por intermédio do Movimento de Educação de Base (MEB),
que ajudou através de reuniões no local e apoio material. (VALE NETO, 1993) ainda
faz referências a um fato - para ele estranho - que é a ausência da participação dos
partidos políticos de esquerda, como o Partido dos Trabalhadores Rurais e/ou Partido
Comunista Brasileiro, que, apesar de ocuparem posição de destaque na história política
de Mossoró, só vieram se manifestar no âmbito do Assentamento. Assim como as
autoridades de Mossoró, depois da desapropriação pelo Incra, quando passaram a lutar
pela implementação da infra-estrutura para o assentamento.
As dificuldades no início do assentamento são expressas na fala da maioria
dos assentados entrevistados, e giram em torno dos problemas de moradia e falta
d’água para o consumo humano, conforme relato a seguir:
Quando vim morar aqui não tinha casa. Era só mato, sabe? Aí nós
moramos seis meses debaixo da bueira
16
, até fazer um barraco no
lote que era do terreno, sabe? Quando já fazia dois anos que morava
nesse barraco... as casas foram construídas aí nós viemos morar
aqui. Quando chegamos aqui, também não tinha água, não. Só
salgada. Aí vinha um carro de Mossoró com água boa... quem não
tinha carroça carregava água em latinhas. Ainda me lembro disso.
Quando o carro chegava, eu corria com os meninos
(AUXILIADORA, 2005, Informação Verbal).
49
Ao eleger terra, água e moradia como suas principais aspirações, aquela
população ao ser assentada, ao que parece, nem se dava conta de outras necessidades,
como escola, serviços de saúde, lazer etc. Essa situação deixa transparecer que o real
interesse do poder público ao criar um assentamento é abafar as situações conflituosas,
sem ter a preocupação de garantir aos assentados as condições básicas para que se
tornem auto-sustentáveis. As famílias dos assentados, no caso do Hipólito, foram
consideradas, em termos numéricos, para dar visibilidade às ações governamentais.
Mas faltaram a essas famílias as condições necessárias a uma convivência digna
naquela nova situação a que foram submetidas.
Figuras 08 e 09
Bueira sob a BR-304 que corta o Hipólito
Fonte: arquivos da autora
Com exceção “de uma escola” que foi construída bem depois do
Assentamento, nenhum outro projeto foi dirigido às crianças e jovens, no sentido de
favorecer a sua afirmação como sujeitos de direito, condição essa necessária para que
viessem a se expressar na busca de intervenção em suas realidades, propondo e
cobrando respostas para suas necessidades. Pois, de acordo com Abad,
Qualquer situação que precise ser objeto de intervenção, mediante
50
decisões vinculadoras para toda a sociedade, necessitará, por força,
ser expressa como um problema político e, portanto, instalar-se na
esfera pública como um conflito ou demanda que afeta, de certa
forma, a convivência social, envolvendo atores sociais relevantes
com capacidade de exercer pressão sobre a agenda governamental,
dentro da institucionalidade ou fora dela (2002, p.15).
Nesse contexto, em se tratando de população assentada, é preciso considerar a
distância que existe entre a conquista da terra e a conquista dos direitos básicos
necessários ao desenvolvimento sustentável dessa terra, no sentido de viabilizar
melhoria nas condições de vida das famílias assentadas.
O Projeto de Assentamento Hipólito teve início com 137 famílias; ou seja,
com o total de sua capacidade. Segundo o Sr. Tertuliano, presidente da Aparahi, desde
a sua formação, houve uma intensa rotatividade desde os primeiros anos de
funcionamento do projeto. Para ele, um problema gerado pelos critérios de seleção, o
que permitiu a entrada de pessoas “[...] que só queriam pegar o dinheiro, mas não se
importavam com o futuro do assentamento” (CRUZ, 2005, InformaçãoVerbal).
Figura 10
Sede da Aparahi
Fonte: arquivos da autora
A Aparahi, foi criada aos 20 de maio de 1988, tendo como objetivo
fundamental
[...] o fortalecimento e a melhoria das condições de emprego e
renda, através do apoio às atividades de natureza variada
capazes de equacionar a comercialização da produção, além
de promover e dotar a comunidade de instrumentos de
assistência ao trabalhador, contribuindo para a formação de
grupos de interesse social, como forma de garantir a auto-
51
gestão do empreendimento associativo (OLIVEIRA; SILVA,
1995, p.14).
Mediante esse objetivo, era de se esperar que a Associação nascesse da necessidade de
organização sentida pela população local. No entanto, como geralmente acontece nos
assentamentos rurais de reforma agrária, a criação dessa Associação se deu em função
das exigências do Estado, para quem tal criação se constituía num dos pré-requisitos
para o repasse dos financiamentos. De acordo com alguns depoimentos que constam no
estudo realizado por Oliveira & Silva (1994), a sua fundação foi uma idéia “vinda de
fora” como se verifica nas seguintes falas: “[...] No fundo, acho que foi incutido na
cabeça deles a necessidade de se criar uma associação” (OLIVEIRA, 2005, Informação
Verbal).
O próprio presidente da associação também emite sua opinião a respeito
quando assim se expressa:
Nós pensávamos em nos organizar de uma maneira diferente. Nós
falávamos em criar um conselho comunitário. O importante para nós
naquele momento era ter uma organização de base. Mas existia um
estatuto governamental. Parece que foi feitos pelo Incra, Itern
(Instituto de Terras do RN), Fetarn (Federação dos Trabalhadores
na Agricultura do RN) e Sindicato que aconselhavam nós formar
uma associação. Hoje eu concordo (CRUZ, 2005, Informação
Verbal).
O Sr. José Manoel, um dos assentados, relata que ao chegar ao Assentamento,
diante das dificuldades com que se depararam, os próprios beneficiários começaram a
discutir a possibilidade de criação de um Conselho Comunitário, que lhes
proporcionasse as condições de se organizarem em prol das suas reivindicações, junto
aos governos. Com muita dificuldade, devido “à pouca participação de alguns”,
conseguiram, segundo o Sr. José, aglutinar um número razoável em várias reuniões.
Mas quando o conselho estava praticamente formado, chegou um estatuto que ele não
lembra se foi da Fetarn ou do Incra, pedindo para que fosse formada uma associação. O
Conselho foi assim deixado de lado, o que significa que as decisões para o
Assentamento estavam vindo de “cima para baixo” sem que fossem consideradas as
aspirações dos trabalhadores e de suas famílias.
Na pesquisa realizada por Oliveira & Silva (1994), também foi ouvido o então
presidente do SML, o qual revelou que não houve nenhuma discussão em torno do
nível de organização dos assentados, o que demonstra que “[...] não foi uma
52
necessidade sentida por eles” (MEDEIROS, 1995, Informação Verbal). A criação da
Aparahi partiu da exigência dos agentes financiadores de projetos, que tinham como
princípio conceder financiamentos somente a quem estivesse organizado formalmente.
O entrevistado comenta que houve discussões com os trabalhadores para a elaboração
do estatuto. Mas, a prova de que este não foi elaborado pelos assentados é que a
eleição da primeira diretoria ocorreu na Esam num encontro que durou dois dias.
Essa opinião coincide com a visão de uma representante do MEB, que na
mesma pesquisa argumenta:
A organização dos assentados surgiu de fato da necessidade de se ter
uma associação, porque para se ter acesso aos projetos financeiros
uma das primeiras exigências era estar formalmente organizado em
associações. Eles sabiam que era importante uma associação para
que os recursos viessem. Foi uma decisão imposta de cima para
baixo. Não partiu da necessidade deles. Acho até que contribuiu
para desorganizá-los ainda mais (VANIRA, 1994, Informação
Verbal).
Não é descartada a possibilidade dessa desorganização, uma vez que é
consensual na literatura que trata do associativismo, para que haja interesse dos
membros de qualquer associação, e estes venham a participar, é necessário, antes de
tudo, que tal associação corresponda aos interesses/necessidades do grupo como um
todo.
Segundo alguns dos entrevistados, a Associação foi formada apenas pelos
beneficiários contemplados com a posse da terra, deixando de fora os outros
segmentos, no caso, os dependentes, mulheres e jovens, que embora aptos a votarem e
serem votado(as), foram excluídos - ou deixaram de ser incluídos - no processo de
eleição. Tal procedimento deve-se, naturalmente, ao fato de aquela Associação ter sido
criada dentro dos padrões das relações políticas entre a sociedade e o Estado, que,
enquanto propositor e gestor das políticas públicas, tende a manipular a reprodução
dessas relações. No caso dos assentamentos, usando as associações como um de seus
instrumentos para gerir sua política para criação e desenvolvimento dos assentamentos
como liberar recursos, disciplinar o processo; e, claro, nesse processo, impor sua
política, suas exigências, pois não há neutralidade. De acordo com Araújo (2005),
Uma concepção que tende a reduzir ou a conceber o assentamento
como unidade administrativa e não como o resultado de lutas e
mobilizações em torno da terra, ignorando as distintas trajetórias dos
53
demandantes de terra, sua heterogeneidade, experiências de vida,
culturas etc. Dessa forma acaba impondo propostas que, como
observa Ferrante (1992), não são ou podem não ser compatíveis com
as demandas, tradições culturais e experiência dos trabalhadores...
(p.15).
Em relação à prática associativa, o Sr. Tertuliano, presidente da Aparahi,
argumenta que essa situação mudou quando o estatuto foi modificado em janeiro de
2005, permitindo o ingresso, no quadro associativo, dos dependentes. Com isso, houve
um aumento significativo do número de associados.
Porém, esse aumento não significa dizer que melhorou a participação política
dos beneficiários. Esse crescente número de associados pode ser considerado resultante
do poder de coerção assegurado pela condição jurídico-legal, segundo a qual ser
associado é uma das condições necessárias para que os assentados venham a ser
contemplados com as política públicas necessárias à construção e ao desenvolvimento
do assentamento, como crédito, moradia, assistência técnica etc; mas, não os leva a
participar efetivamente desse processo.
Na verdade, o que cresceu foi somente o número de associados. A
participação desses novos integrantes no processo político-organizativo do
Assentamento, como no caso dos jovens, não ocorreu, segundo alguns entrevistados,
devido à maneira ditatorial como vem acontecendo o processo sucessório dos
dirigentes da Aparahi. “Não tem havido uma abertura para que seja feita uma eleição
com direito a escolha. As coisas acontecem de última hora e como sempre sai uma
chapa única que não tem como não sair vencedora” (GOMES, 2005. Informação
Verbal).
No Projeto de Intervenção elaborado por Oliveira & Silva em 1995, estes já
colocavam a reestruturação da Aparahi, como sendo fator imperativo para que se
confirme a consolidação/emancipação do Projeto Hipólito.
O referido Projeto de Intervenção, intitulado “Reestruturação da Associação
do Projeto de Assentamento de Reforma Agrária da Fazenda Hipólito”, foi elaborado a
partir da necessidade sentida pelo Incra e pela Associação de Apoio às Comunidades
do Campo no RN (AACC/RN
16
), tendo em vista buscar auxílio externo de apoio ao
crescimento do quadro associativo da Aparahi frente aos apelos dos próprios
associados, segundo os quais, o atendimento precário das demandas emergentes estaria
dificultando o desenvolvimento daquele assentamento.
A análise desse documento conduz a uma reflexão sobre as causas do atraso
socioeconômico verificado naquele assentamento; e, embora, não seja esse o objeto de
54
investigação que se pretende, é preciso considerar esse atraso, pela sua relevância para
o conteúdo do tema em foco, dada a impossibilidade de se conhecer a realidade
vivenciada pelos jovens daquele assentamento, fora do seu contexto socioeconômico e
cultural.
Os proble
m
instalaram na área com interesses comerciais, decisões impostas por agentes externos
(ou internos), sem contemplar as reais necessidades dos assentados.
No entanto, não há registro de ações voltadas para corrigir essas falhas. E as
conseqüências destas no processo de desenvolvimento do assentamento têm sido
desastrosas.
O exemplo marcante que se tem dessa situação é o insucesso do Projeto de
Irrigação do Melão que surgiu como sendo de grande relevância para o avanço do
processo produtivo. Mas, na realidade, o resultado deste foi desastroso, deixando os
assentados descapitalizados e endividados, além de comprometer o meio ambiente,
deixando sem produzir a terra desmatada, além de deixar ao relento um patrimônio de
alto valor. No caso, as máquinas e implementos utilizados na irrigação; e ainda, por
deixar sem condições de trabalho os agricultores e membros de suas famílias, que
tinham nas atividades do projeto de irrigação, os meios para a sua sobrevivência.
O Projeto de Intervenção já mencionado merece destaque pela maneira como
trouxe à tona toda a problemática do assentamento apontando, inclusive, um Plano de
Ação voltado para a superação das dificuldades vivenciadas, tanto na área da
capacitação quanto na área da organização, a partir do entendimento de que, segundo
observações dos consultores do Projeto de Intervenção, aquele assentamento se mostra
viável técnica e politicamente, de acordo com algumas condições básicas para esse fim.
Dentre essas condições consideradas básicas, destaca a existência de terra para
trabalhar, infra-estrutura, crédito especial, orientação técnica e mão-de-obra disponível.
Esses aspectos, sumariamente abordados, apontam para a necessidade de
capacitação dos dirigentes, assim como de toda a comunidade, no sentido de formar
novas lideranças. O que não aconteceu até o presente, haja vista que os dirigentes da
Aparahi ainda são hoje os mesmos desde a sua fundação, há 18 anos. E os problemas
existentes também não mudaram. No entanto, é preciso considerar a observação feita,
há 11 anos, em relação a esta situação: “tanto as instituições governamentais como as
não governamentais envolvidas com o Projeto concordam que, enquanto não forem
saneados os problemas internos daquela associação, esse progresso que se procura não
será alcançado” (OLIVEIRA; SILVA, 1995, p. 86).
Essa observação conduz ao entendimento de que, por traz das acusações feitas
55
à Aparahi, se esconde a omissão do poder público no sentido de contornar os
problemas que emperram o desenvolvimento do Assentamento ou a intenção de
esconder as falhas cometidas, quando do planejamento das atividades a serem
desenvolvidas não só pelos irrigantes, considerando também que outros projetos como
o de uma malharia e outro de um armazém comunitário, que também não obtiveram
sucesso.
Apesar do “desafio” empreendido pelos consultores e, considerando-se
principalmente a origem citada do pedido de intervenção, não obstante as falhas e as
propostas de solução apontadas pelos consultores responsáveis pelo Projeto de
Intervenção, elaborado em 1995 por Oliveira & Silva, esse parece ter sido mais um
projeto fadado a não sair do papel. Hoje, 11 anos depois, tal projeto ainda não
apresenta indícios de concretização
Nesta situação, a cada dia, vai se tornando mais difícil alcançar o objetivo
geral do Projeto de Desenvolvimento Técnico, Econômico e Social do Assentamento
Hipólito, o qual se resume em:
Transformar o Assentamento em uma empresa moderna, eficiente e
competitiva no mercado nordestino e criar um sistema de
organização solidário entre os camponeses que permita incrementar a
produção e a produtividade da Associação do Hipólito, melhorando
as condições de alimentação saúde, educação e habitação, gerando
excedentes para emancipação dos beneficiários de Reforma Agrária,
tanto nas áreas individuais como nas coletivas, num perfil temporal
de 08 anos (OLIVEIRA; SILVA, 1994, p. 34).
Se tal objetivo corresponde ou não aos interesses dos trabalhadores
envolvidos, também não se percebe por parte destes, nenhuma ação conjunta voltada
para adequá-lo às suas necessidades. Em relação à forma de organização no
assentamento Hipólito, um comentário feito por Oliveira & Silva (1995) ainda
representa hoje a realidade concreta já observada àquela época quando colocavam que,
Os esforços e empenho do atual Presidente da Associação, Sr.
Tertuliano, têm sido responsáveis, segundo suas próprias palavras,
pela atualização da contabilidade, balancetes balanços, pelo
conhecimento dos associados dos créditos que recebem, pelo bom
funcionamento das comissões setoriais, pela maior participação dos
sócios no Conselho fiscal, conseqüência da transparência
administrativa e da descentralização adotada nos trabalhos [...]
Todavia, o comportamento, as atitudes, a condução dos trabalhos em
determinados momentos, por parte da direção da associação, tem
gerado insatisfações, dúvidas e até desconfianças entre os associados.
56
Certos comportamentos assumidos pela direção chegam a levantar
suspeitas quanto à vigência dos princípios básicos que regem o
associativismo, como a democracia e a igualdade plena [...] A
associação utiliza com fragilidade os mecanismos legais de
deliberação (reuniões, assembléias etc). Assim, as decisões acabam
sendo obras de poucos membros da Direção que passam a assumir
uma posição de destaque, tornando-se imprescindíveis à organização
e, por conseguinte, impossibilitando o surgimento de novos lideres
(OLIVEIRA; SILVA, 1995, 76.).
Hoje, já no seu sexto mandato, a direção da Aparahi continua a mesma sem
alterações também na forma de organização. Mudou o estatuto, o qual passou a
garantir às mulheres e aos jovens alguns direitos, antes restritos ao chefe da família
(conforme aditivo anexo). No entanto, não se verifica ainda a participação desses
novos integrantes nas ações do Projeto.
Nesse contexto, os jovens são os mais excluídos. As atividades hoje
desenvolvidas nos lotes são de pouca expressão, não oferecendo trabalho que envolva
toda a família. As chances de participação nas políticas públicas, no âmbito do
Assentamento, também são mínimas, restando aos jovens poucas alternativas, quais
sejam: trabalhar em regime de assalariamento, o que poucos conseguem, e os que
conseguem, quase sempre, ocorre em atividades sazonais nas empresas agroindustriais
da região; e migrar para os centros urbanos, em busca de trabalho, ou entrar para a lista
de espera, para serem inseridos como novos assentados, o que, quase sempre, demora,
pois para isso dependem de critérios de seleção. Segundo Frank Fernando, “Não existe
um trabalho específico que busque o jovem para a organização, nem que lhe ofereça
condições para adquirir renda para ajudar à família. As entidades que prestam
assessoria á área não estimulam os jovens a participar” (FERNANDO, 2005,
Informação Verbal).
Janildo Batista, assim descreve a não participação dos jovens na vida política
do Hipólito: “Eu acho que os jovens ficam de fora das atividades da Associação, são
excluídos. O que acontece é que eles não têm vontade de ir e a associação também não
cria incentivos para que eles participem. Não tem uma programação voltada para os
jovens (BATISTA, 2005, Informação Verbal).
Essa “falta de vontade”, traduzida como uma questão de desestímulo, também
é reconhecida por uma socióloga da ONG Terra Livre, que trata da dificuldade em
formar um grupo de jovens no Hipólito. Várias foram as estratégias com vistas a
mobilizar os jovens, segundo Alexandra. A tentativa de compatibilizar o horário das
reuniões com o horário das aulas, apontado por eles como empecilho, não funcionou,
57
como também a contratação de professores de educação física “para trabalhar uma
coisa mais dinâmica” e ainda a articulação de uma dinâmica por meio de vídeos entre
outras tentativas. Ela aponta ainda outras tentativas de aproximação com os jovens
quando relata que
Aí nós começamos a perceber que era realmente uma questão de
desestímulo[...] Nas primeiras reuniões ainda conseguimos juntar
uns 08 (oito) jovens, depois foi morrendo... morrendo... e, não deu
certo mesmo. Eu considero que agente teve lá nossas dificuldades,
talvez a gente não tenha conseguido compreender o que eles estavam
a fim mesmo... Pretendemos voltar lá e dar continuidade, no
momento, estamos aguardando a renovação do convênio
Incra/Sebrae [
Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas
Empresas
] (ALEXANDRA, 2005, Informação Verbal).
Esse “desestímulo” descrito por Alexandra não causa surpresa, ao se
considerar que esses jovens, que por muito tempo ficaram afastados da dinâmica social
do Assentamento, deixaram de ser vistos como sujeitos de direitos; e, assim, sem
acesso aos direitos básicos que estruturam a sua condição enquanto cidadãos. É lógico
que se sintam abalados quanto às suas perspectivas, o que pode gerar essa falta de
vontade em participar das atividades que lhes parecem sem sentido. Provavelmente,
esses jovens desconhecem as recentes e escassas políticas públicas de juventude e,
conseqüentemente, as formas de organização necessárias para lutar pelas suas
inserções em tais políticas.
Na ocasião da pesquisa ouviu-se também, o presidente da ONG Terra Livre,
Dr. Ney, que falou do empenho daquela ONG como pioneira no trabalho de
organização dos jovens no Assentamento, da parceria que mantém com a Fetarn e da
elaboração de projetos tipo Pronaf-A, Pronaf-C e Pronaf Mulher. E ainda da existência
de 27 projetos do Pronaf-A, já elaborados; e 80 do Pronaf-C em fase de elaboração
para o Assentamento Hipólito; todos na área de caprinovinocultura, projetos esses que
tiveram início a partir de 2002, sob a orientação da ONG Terra Livre.
Em relação aos jovens do Assentamento o presidente da ONG Terra Livre
demonstra estar otimista, quando afirma: “[...] temos a compreensão de que esse
processo é contínuo e leva muito tempo” (NEY, 2005, Informação Verbal). Ele
reconhece também que o trabalho com grupos e famílias é um processo lento, e
acrescenta que o pessoal mais velho tem a “cabeça fechada” para essas coisas, “[...]
então trabalhamos com os jovens para que eles tomem consciência e façam cursos de
capacitação. Imaginamos, que a partir dos jovens as coisas caminhem (NEY, 2005,
58
Informação Verbal).
Representantes de outros segmentos que atuam no Assentamento Hipólito
também acreditam na participação da juventude como força propulsora do
desenvolvimento socioeconômico e cultural daquele assentamento. É o caso do atual
presidente do SLM, o Senhor Francisco Elpídio, ao dizer que, “[...] no Sindicato temos
uma comissão dos jovens, pois acreditamos neles. Não esquecemos os outros [os
velhos e as mulheres], mas achamos que os jovens são fundamentais para a
transformação social nos assentamentos (ELPÍDIO, 2005, Informação Verbal).
O presidente fala ainda sobre a existência do Pronaf-Jovem e de sua
importância no sentido de incentivar os jovens a se qualificar e assumirem, eles
mesmos, a educação dentro do Assentamento porque, segundo ele, “[...] gente de fora
não sabe dar o valor que o campo tem... as pessoas que vão da cidade para lecionar
no campo não passam o valor que o campo realmente tem para os jovens” (ELPÍDIO,
2005, Informação Verbal)
Esse reconhecimento da importância que tem a educação para os jovens, pode
representar uma oportunidade a mais dos jovens assentados, para o seu ingresso no
mercado de trabalho. No entanto, o “assumir” esse compromisso ainda não é uma
realidade. No caso do Hipólito, o que se vê na prática são casos como o de Leandro
Aquino, de 22 anos, filho de assentado, em cujo depoimento diz:
Meu sonho é ser professor. Conclui o 2º Grau [Ensino Médio] com
muita dificuldade e até cheguei a lecionar no Espinheirinho
[assentamento vizinho], mas como professor substituto. Ainda penso
em fazer faculdade e concurso para professor. Os professores daqui
vêm todos de Mossoró porque têm curso superior. Também gosto de
política. Fui candidato a vereador, mas não ganhei não (AQUINO,
2005, Informação Verbal).
O Secretário da Agricultura de Mossoró, o Senhor Gilberto Jalles, também
enfatiza a importância da inserção dos jovens nas atividades dos assentamentos:
Não temos nenhum projeto especificamente voltado para os jovens,
mas, em um novo projeto de assentamento que está sendo formado –
o Nova Lajinha - onde a grande maioria é formada por casais jovens
filhos de assentados do Hipólito... e, dentro do programa de
capacitação e de linhas de crédito do município a grande maioria do
59
público é jovem, até porque nós percebemos que o jovem tem maior
abertura á implementação de novas tecnologias. Ás vezes os mais
velhos têm paradigmas muito fortes, difícil de se fazer alguma coisa
com eles (JALLES, 2005, Informação Verbal).
O referido secretário destaca, ainda, a possibilidade de aproveitamento desse
potencial dos jovens para trabalhar junto com eles a questão ambiental, a educação, e a
questão das drogas “[...] que infelizmente já percebemos que estão chegando no
assentamento” (JALLES, 2005, Informação Verbal).
Não obstante, esse reconhecimento em relação ao potencial da população
jovem, a juventude do Hipólito ainda não foi incluída nos programas criados pela
administração municipal. E ainda não foram tomadas providências em relação ao uso
das drogas, o que aponta mais uma vez à indiferença do poder público para com os
problemas que afetam aquela parcela da população apesar do conhecimento de que os
seus segmentos possam ter da existência de tais problemas.
Durante a pesquisa, constatou-se que o problema das drogas já é uma
preocupação dentro do Assentamento, mas este assunto ainda é visto pelas famílias
com “tabu”. Poucos dos jovens ou dos pais entrevistados abordaram o problema, e
quando o fizeram foi como se tivessem medo de comentar. Interrogados sobre os
problemas enfrentados pelos jovens no Assentamento, as respostas de alguns
entrevistados foram do tipo:
Porque aqui sabe? não tem muito recurso. Porque logo quando nós
chegamos... Porque tem muito jovem que gosta muito de pegar mau
caminho. É... Das drogas, beber e caçar muita confusão né? pra si.
Às vezes caça confusão e trás até para os próprios pais
(FERNANDO, 2005, Informação Verbal).
[...] a gente trabalha e quer ter, não é pedir não [baixando a voz]. Ali
atrás tem um grupo puxando droga. Tem um grupo de uns quatro ou
cinco que agente já tá sabendo que está se envolvendo com isso e eu
já to revoltada sobre esse tipo de coisa, já me lembrando que essa
doença pode chegar no terreiro da minha casa. Que Deus me livre!
(GOMES, 2005, Informação Verbal).
Do exposto, pode-se perceber que existe uma certa preocupação para com os
jovens do Assentamento por parte dos agentes envolvidos com o Projeto, mas é coisa
recente, que não representa ainda nenhum resultado concreto em relação à melhoria
das condições de vida dos mesmos. Não se pode negar, no entanto, que já é um bom
começo. O reconhecimento das suas potencialidades pode ser o primeiro passo para a
60
instrumentalização necessária à participação destes nas ações políticas e sociais do
Projeto de Assentamento.
É necessário lembrar que a criação do Assentamento Hipólito, em 1987,
coincide com um período de grandes transformações econômicas e sociais no país que
acarretaram mudanças significativas na vida dos trabalhadores.
Essas transformações, como não podia ser diferente, atingiram também os
trabalhadores rurais, uma vez que, sob a lógica da globalização, o espaço rural assume
novas características em um novo contexto no qual atuam, ao mesmo tempo, empresas,
corporações, conglomerados industriais e também a agricultura familiar.
No caso brasileiro, as transformações verificadas no setor rural ao final do
século XX, transformaram-no num mundo diferente e novo. Nesse contexto, “[...] tem-
se criado e se redefinido políticas públicas e práticas sociais visando adequar o novo
ideário de sustentabilidade à atividade agrícola” (SOUZA, 2002).
No RN, mais especificamente, na Região Oeste do estado, a exemplo de
outras partes do país e do mundo, a fruticultura de exportação adotou um processo de
reestruturação produtiva, no qual, de acordo com Andrade,
No esforço de chegar a um mercado mais amplo para colocar seus
produtos e, portanto, participar diretamente do disputadíssimo lucro
do agronegócio, pequenos e médios produtores têm realizado
contratos de produção com as agroindústrias da região. Um caso em
particular é o dos assentamentos do programa de reforma agrária, os
quais em virtude dos estímulos dados pelas políticas de
financiamentos especiais para áreas de reforma agrária, através do
Programa de Crédito Espacial para a Reforma Agrária – PROCERA
– e do Programa de Apoio ao Pequeno Produtor Rural – PAPP -, têm
se dedicado à cultura do melão para as exportações através de
empresas âncoras, tradicionalmente produtoras e exportadoras de
frutos tropicais (ANDRADE, 1998, p. 75).
No caso do Assentamento Hipólito, os estudos sobre a realidade vivenciada
pelos assentados têm mostrado que a produção integrada, via produção de melão, não
produziu melhorias socioeconômicas significativas nas condições de vida dos
beneficiários e de suas famílias, do ponto de vista do desenvolvimento sustentável,
quando se considera que este implica eficiência econômica, eqüidade social e
prudência ecológica.
Figura 11
A irrigação que não deu certo
61
Fonte: arquivos da autora
A literatura sobre assentamentos rurais vem mostrando, a exemplo de Heredia
et all (2004), que estes provocaram impactos bastante diferenciados, de acordo com as
diferentes dinâmicas regionais nos quais se inserem. Assim, se por um lado, a análise
destes revela aspectos que os coloca numa posição de destaque, pela importância que
representam para as melhorias de vida das populações assentadas; por outro lado,
constata-se que alguns, como é o caso do Hipólito, apresentam uma situação de
precariedade, pouco condizente com as expectativas em que foram criados.
Precariedades essas que evidencia além de uma intervenção inadequada em relação ao
processo de transformação fundiária, a ineficácia das políticas públicas no sentido de
potencializar as demandas e reivindicações da população assentada na sua totalidade.
No Assentamento Hipólito, os estudos sobre a realidade vivenciada pelos
assentados mostraram que a produção integrada, via produção de melão, não produziu
melhorias socioeconômicas significativas nas condições de vida dos beneficiários e de
suas famílias, do ponto de vista do desenvolvimento sustentável. Como já foi visto
anteriormente, a integração é uma farsa, cujas “vantagens” ficam aquém das
desvantagens por ela produzidas.
Figura 12
Plantio de acerola abandonado por inviabilidade de irrigação
62
Fonte: arquivos da autora
Nesse sentido, de acordo com o estudo realizado por Morais (1996), sobre
fumicultura no RN, a produção integrada consiste numa forma disfarçada de
assalariamento, na qual os agricultores que se integram não são mais do que
trabalhadores para o capital, que vendem a sua força de trabalho, e não o produto do
seu trabalho.
Como já se mencionou, neste e em outros trabalhos, a conquista da terra, por
si só, não garante a sustentabilidade dos trabalhadores. Para tanto, tornam-se
necessárias novas conquistas, sem as quais a tão sonhada posse da terra não teria
sentido. Trata-se da conquista de certos elementos essenciais para tornar essa terra
produtiva como sejam: crédito, assistência técnica, infra-estrutura apropriada para as
atividades agrícolas e/ou pecuárias; e, sobretudo, de um nível de organização que
venha permitir garantia de mercado para o escoamento da produção e políticas sociais
que venham a garantir uma produção e produtividade com eqüidade.
Segundo Souza (2002) a conquista da terra no Assentamento Hipólito logo
revelou que tinha muitos obstáculos a superar:
O maior deles era a consolidação econômica e esta, dada a amplitude
da modernização agrícola na região estava associada a adoção de
uma tecnologia moderna, concebida como a única maneira possível
de não ficar ‘para trás’. Assim, a chegada ao mercado passou a ser
visto pelos assentados e pelos técnicos do INCRA como um
imperativo para a superação da pobreza
(SOUZA, 2002, p. 63).).
63
Vários trabalhos de pesquisa sobre o Hipólito mostram que a iniciativa de
plantar melão não partiu dos assentados, e sim dos técnicos e agrônomos da Emater-
RN - Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural e do Incra, os quais, baseados
no conhecimento da viabilidade dessa cultura em outras realidades na Região,
trouxeram a idéia para o Assentamento, a qual foi aceita. Contribuiu para essa
aceitação, tanto o poder de persuasão exercido pelos profissionais citados quanto o
exemplo de sucesso de outros irrigantes. Assim fala o Sr. José Manoel (Assentamento
Hipólito), em entrevista concedida a Oliveira & Silva (1995):
Eles [os técnicos] disseram que o melão é o que estava com o melhor
preço do comércio e que se a gente plantasse ia melhorar nossas
condições de vida. Nós tinha também o exemplo do Sr. Fernando
[Japonês, proprietário vizinho ao Assentamento Hipólito], e muitos
companheiros nossos que trabalhavam lá, tão trabalhando aqui dentro
hoje
. (informação verbal)
De início, o cultivo do melão representou, para o imaginário dos assentados
do Hipólito, total segurança quanto ao sucesso. No entanto, os benefícios gerados por
essa atividade não corresponderam às expectativas. A ilusão de sucesso sucumbiu,
mediante as inúmeras dificuldades comuns ao pequeno produtor rural, principalmente,
quando se trata de comercialização. De acordo com Oliveira & Silva¹ a necessidade de
assegurar a comercialização de forma eficiente, a melhor saída é eliminar ao máximo a
figura do atravessador, para que os benefícios gerados sejam apropriados pelos que de
direito o merecem. Ainda de acordo com os autores citados,
O Incra – enquanto órgão responsável pela formulação da política de
Assentamento, bem como pela orientação, coordenação e execução
das atividades de provisionamento de recursos, de gerência dos
Projetos de Assentamento, tem sentido a necessidade de aperfeiçoar
sua ação, garantindo um desempenho suficiente, compatível com as
metas propostas no Programa de reforma Agrária, de maneira a
buscar maior capacidade de organização e de participação dos
assentados, objetivando a conquista da auto-gestão dos
empreendimentos, e por conseguinte, a viabilização econômica
(OLIVEIRA; SILVA
16
).
64
É nesse contexto que, em maio de 1993, o Projeto de Irrigação foi implantado
no Hipólito, trazendo para aquela população a esperança de dias melhores. O melão
representava, naquele momento, devido a sua franca expansão, a redenção para aqueles
trabalhadores que viam neste produto a realização de bons negócios; pois, além da
renda com a cultura do melão, ainda oferecia a possibilidade de outra renda pela
ocupação da área por culturas de sequeiro à época das chuvas, quando o plantio do
melão se torna desfavorável, garantindo melhorias de vida para os beneficiários e suas
famílias. Apesar de não atingir a produtividade estimada, a primeira safra do melão em
1993/94, que representou a defasagem de 32,5% entre a produtividade estimada em
14.000 kg/ha e a produtividade obtida de 9.455 kg/ha, ainda assim rendeu aos
assentados envolvidos no projeto um repasse equivalente a 2,27 Salários Mínimos
mensais. Oliveira & Silva (op.cit. 29) atribuem a defasagem entre a estimativa e o
resultado obtido no final, principalmente, às fragilidades do sistema de financiamento
do Projeto, pela falta de capacitação adequada. Como se pode visualizar no quadro a
seguir:
Quadro 2 Destino da Produção e Receita – 1993/1994
Mercado europeu (Inglaterra) 337.900 kg CR$ 19.123.134,00
Mercado local 55.740 kg CR$ 1.196.866,00
Consumo das famílias 20.000 kg CR$ 640.000,00
Consumo animal 11.720 kg CR$ 70.320,00
Total Geral
CR$ 21.430.320,00
Receita em dinheiro
CR$ 20.320.000,00
Repasse para os assentados
CR$ 17.820.000,00
Saldo em Caixa
CR$ 2.500.000,00
Fonte: Oliveira & Silva (1995, p. 29) - Projeto de Intervenção da Aparahi.
A segunda safra, mesmo registrando uma diferença no desempenho por parte
de alguns assentados cuja produção/produtividade ficou muito aquém do esperado, o
resultado final superou as expectativas, quando a estimativa foi calculada em 15.000
kg/ha, o resultado obtido chegou a 17.942,07 kg/ha; o que deixa transparecer a vocação
daquela área para o cultivo, e a assimilação da tecnologia pelos assentados. No entanto,
65
já a partir dessa safra, a comercialização, anteriormente conduzida pelos técnicos da
Emater nesse momento a cargo da Maisa - empresa integradora - começou a dar
problemas. A interrupção da terceirização com a Maisa resultou em negócios isolados,
que vieram a contabilizar sérios prejuízos: Além dos altos custos de produção, a venda
do melão para um atravessador de Recife causou um prejuízo de 10.000 reais pois, foi
pago com um cheque sem fundos (CRUZ, 2005, Informação Verbal).
Quadro 3 Destino da Produção e Receita - 1994/1995
Mercado externo (Inglaterra) 18.000 kg R$ 30.240,00
Mercado interno 331.325 kg R$ 42.507,00
Troca em insumos (esterco) 20.407 kg R$ 612,22
Consumo das famílias 10.203 kg R$ 1.326,48
Consumo animal 16.326 kg R$ 489,77
Total Geral
kg R$ 72.747,00
Receita em dinheiro
(por hectare = R$ 2.404,32)
R$ 72.747,00
Repasse para os assentados
(custeio por hectare = R$ 2.404,32)
R$ 72.129,60
Saldo em caixa (não existe)
Fonte: Oliveira & Silva (op. cit.).
Não foi possível durante essa pesquisa conseguir-se dados concretos sobre os
recursos destinados com exclusividade para o Projeto de Irrigação no Hipólito.
Constatou-se, no entanto, que este se inclui entre um dos planos de financiamentos
destinados àquele assentamento. Plano este elaborado em 1992 com vistas a um projeto
integrado, abrangendo a área de sequeiro, concluindo o desmatamento de 400,00 ha
para milho, feijão e algodão, fundação de 60,00 ha de melão irrigado, produção de
leite, fabricação de ração, aquisição de 100 matrizes bovinas e 04 reprodutores.
A contratação do referido projeto no valor de CR$ 16.150.110.280,00
(dezesseis bilhões, cento e cinqüenta milhões, cento e dez mil e duzentos e oitenta
cruzeiros) deu-se em maio de 1993, pelo Programa da Terra, com recurso do Fundo
Constitucional de Financiamento do Nordeste - FNE, o que significou à época, 1993,
um dos maiores investimentos do RN. E “[...] tinha tudo para ser um grande projeto
(NOGUEIRA, 2005, Informação Verbal), conforme argumenta Gilvan Nogueira, ex-
técnico da Emater.
66
Outros financiamentos foram feitos ao Hipólito, no período de 1993/94, por
exemplo: Cr$ 29.720.000,00 (vinte e nove milhões e setecentos e vinte mil cruzeiros)
foram financiados para a implantação de uma mini-indústria de confecções e,
posteriormente, mais CR$ 2.266.127,00 (dois milhões, duzentos e sessenta e seis mil,
cento e vinte e sete cruzeiros) destinados, entre outros investimentos, à assistência
técnica e à capacitação profissional que, segundo depoimentos de algumas mulheres
assentadas, nunca aconteceu. É o que se pode perceber nas falas a seguir:
As mulheres nem sabiam operar as máquinas. Só depois que a gente
teve ajuda de Dona Neide [uma professora de Mossoró] é que nós
aprendemos alguma coisa
(SELMA, 2005, Informação Verbal)
Tinha delas que não sabia pegar na máquina, muito menos botar a
linha
(SILVA, 2005, Informação Verbal).
Estes depoimentos conduzem ao entendimento de que, a exemplo da irrigação,
o projeto da malharia também não partiu da necessidade sentida pela população
assentada. Não parecem ter sido levados em consideração a origem, as experiências e a
cultura, presentes nessa população antes do Assentamento. A ausência de
planejamento, de um controle externo e a maneira ineficaz como foi conduzida a
comercialização estão explícitos no depoimento de Antônia Selma, quando em
entrevista realizada por Oliveira & Silva op. cit assim se expressa:
A gente trabalhava muito desordenado. Uma fazia um número ‘x’ de
peças; outras, outro tanto. Não tinha nenhum tipo de planejamento.
No final a gente nem sabia quantas peças tinha feito. No começo
Maria Silva, que era chefe, propôs que cada uma fizesse suas peças,
vendesse e ficasse o apurado só para essa pessoa. Isso criou muitos
problemas. Outro dia chegou um monte de gente para visitar a
malharia. Foi uma loucura, cada um que queria vender mais. No
final de tudo a gente não sabia quem vendeu porque nós não tinha
controle de dizer assim: a gente tem 60 peças estocadas para depois
de vender, saber quantas foram vendidas e conferir com o dinheiro
apurado. Só sei que nesse dia ficou bem pouquinha roupa e o
dinheiro cadê? Ninguém viu. Nós não tínhamos controle de nada.
Para resolver isso, nós três da coordenação decidimos e
participamos as outras que 20% das vendas era pra nós dividir em
partes iguais. Teve muitas que não queria, que dizia que queria
ganhar pelo que fazia.
(SELMA, 2005, Informação Verbal).
A Sra. Antônia Selma cita ainda a dificuldade crescente em face da
concorrência, à época que barateou os preços em Mossoró, e ainda o fato da mini-
67
indústria ser ligada diretamente à Associação do Projeto, que por não ser inscrita na
Receita Estadual e, portanto, não emitir Nota Fiscal, dificultou as operações de compra
e venda. Tais motivos já são suficientes para que o projeto da malharia tenha sido mais
um que não contribuiu para as melhorias das condições de vida no assentamento
Hipólito. Ainda em relação aos investimentos no Hipólito, segundo informações que se
colheu nessa pesquisa, em 1994, também foi contratados através do Programa da
Terra/FNE, um projeto de custeio no valor de CR$ 53.947.873,00 (cinqüenta e três
milhões, novecentos e quarenta e sete mil, oitocentos e setenta e três cruzeiros),
destinados à fundação de 710 ha com algodão herbáceo, milho e feijão. Em recente
entrevista para essa pesquisa o presidente da associação do projeto, o Sr. Tertuliano,
assinala que
Essa mão já assinou muitos projetos. Em um projeto eu assinei 320
matrizes e 12 reprodutores caprinos; noutro projeto assinei 48 vacas
matrizes e 02 reprodutores. Assinei 01 adutora com 4.600 metros que
pegava do projeto para cá [vilas] e mais a encanação para cada casa
(CRUZ, 2005, Informação Verbal).
Gilvan Nogueira, ex-técnico da Emater, também afirma que o Hipólito foi um
dos assentamentos que mais recebeu recursos, e também o que mais empregou mal os
recursos recebidos. Segundo ele,
Só do PAPP [Programa de Apoio ao Pequeno Produtor] foram 06
[seis] projetos, todos a fundo perdido e todos foram sucateados. Não
há um compromisso sério para o desenvolvimento dos
assentamentos. O Hipólito já teve uma estrutura muito boa, mas está
sucateado... Lá está tudo sucateado... Não tem assistência técnica.
Como podemos pensar em reforma agrária?
(NOGUEIRA, 2005,
Informação Verbal).
Do exposto pode-se concluir que não foi a falta de recursos que impediu o
desenvolvimento sócio-econômico do assentamento Hipólito, e sim, a ausência de uma
política séria, comprometida com o fortalecimento e a melhoria das condições de vida
dos trabalhadores (no caso os assentados), apoiando as atividades produtivas no
sentido de equacionar a comercialização dessa produção além de promover e dotar a
comunidade de instrumentos de assistência ao trabalhador, condição necessária para
68
Nacional da Juventude. Até o presente, a juventude rural brasileira ainda figura como
um setor extremamente fragilizado da sociedade, visto que as políticas públicas a ela
dirigidas, além de recentes, são ainda muito escassas.
É nesse contexto que se encontram inseridos os jovens do Assentamento
Hipólito, permeados pela ausência de políticas públicas coerentes com as suas
demandas e o descrédito que os torna desmotivados para uma participação ativa na sua
comunidade. Entretanto, isso não significa dizer que não são conscientes da
problemática que os envolve, mas que, mediante o descaso de que têm sido vítimas, se
sentem pouco valorizados. Portanto, sem estímulo para uma participação a qual não
lhes confere nenhuma certeza ou, sequer, esperança de retorno.
Aprofunda-se essa problemática em torno dos jovens assentados nos próximos
capítulos, que tratarão, respectivamente, da trajetória do Assentamento Hipólito e da
inserção desses jovens no âmbito desse assentamento.
dar garantia à auto-gestão do Programa de Reforma Agrária.
Figura 13
Local onde funcionou a malharia do Assentamento Hipólito
Fonte: arquivos da autora
Os estudos sobre o Assentamento Hipólito apontam vários problemas como
responsáveis pelo atraso socioeconômico daquele assentamento. Citam-se, por
exemplo, a irregularidade e a insuficiência das chuvas; os altos custos de produção,
cuja política de preços mínimos não cobre; e a falta de estrutura de armazenagem,
descapitalização e/ou desorganização por parte de alguns assentados. Há um consenso
por parte da literatura que se pesquisou de que esses problemas acarretaram um quadro
de inadimplência tanto nas operações de responsabilidade individual quanto da própria
Associação, dificultando novos investimentos.
69
CAPÍTULO III
OS JOVENS NO ASSENTAMENTO HIPÓLITO: trajetória e perspectivas
70
“As idades não possuem um caráter universal. A
própria noção de infância, juventude e vida adulta é
resultante da história e varia segundo as formações
humanas”
(CARRANO, 2000, p. 12).
O conceito de juventude
O conceito de juventude, pelo seu caráter histórico, leva consigo as marcas do
contexto sócio-histórico-cultural em que se encontre inserido, dificultando assim, uma
definição de caráter universal. De um modo geral, a classificação da faixa etária não é
considerada apenas do ponto de vista biológico, mas - não desprezando esse aspecto - ,
leva em conta, principalmente, os condicionamentos históricos e culturais de cada
sociedade.
A idéia de que a juventude, assim como a infância, também tem seus espaços
de pertencimento e inserções na sociedade determinada pelas diferenças
socioeconômicas e culturais dessa sociedade, é assinalada por Moreira & Vasconcelos
quando afirmam que:
Numa sociedade com manifestações nítidas das mais aviltantes
desigualdades como a que vivemos hoje, as diferenças nas etapas de
vida entre os jovens advindos de espaços sociais distintos
apresentaram-se enfaticamente, e, ao compararmos suas experiências,
pudemos visualizar como suas inserções diferenciadas os colocam
em modos de vida cada vez mais distantes [...] (
2003, p. 174).
Assim sendo, o fato de ser criança, jovem ou idoso, não quer dizer pertencer a
uma faixa etária distinta. Os indivíduos levam consigo as marcas das diversidades do
espaço que ocupam. Portanto, se a juventude começa quando termina a infância, e essa
depende de condições espaço-temporal A passagem de uma forma a outra não pode
ser determinada pela idade cronológica. “Em cada período histórico e nas várias
formações sociais, as concepções, as representações, as funções atribuídas aos jovens
na vida social e a compreensão do seu desenvolvimento serão diferentes” (CASSAB,
2001, p. 64).
Passível de influências exógenas, o conceito de juventude não é o mesmo de
uma sociedade para outra, chegando a apresentar diferenças até mesmo dentro de uma
mesma sociedade, adequando-se às divisões internas que essa possa apresentar.
A necessidade de reconhecimento na vida social leva as pessoas a
determinadas classificações no sentido de se orientarem socialmente. Ser alto, ser
baixo, ser jovem, ser idoso são características que distinguem as pessoas ou os grupos
71
sociais com base na experiência dos sujeitos, por características que seus corpos
apresentam e, segundo Cassab (2001)), essas características podem ser permanentes,
como ser alto ou baixo, ou podem ser transitórias, como é o caso das classificações por
grupo etário. Pois,
[...] ser jovem, é sempre uma condição transitória, é uma travessia,
uma passagem sinalizada não só por algumas peculiaridades físicas,
sem dúvida, mas também por atributos que são históricos e
socialmente construídos. Como a travessia, não está nitidamente
delimitada, é mais longe nas sociedades industriais, e foi
extremamente breve em outros períodos; mas, de todo modo, ela
apareceu marcada por seu caráter limiar, de superação da infância e
de margear a idade adulta (2001, p. 63-64).
A complexidade que envolve o conceito de juventude encerra uma série de
símbolos e valores, que vão lhe dar significações diferenciadas em cada momento
histórico e formações sociais variadas. Portanto, ao se falar de juventude, necessário se
faz esclarecer de que a juventude da qual está-se falando, uma vez que a construção da
identidade dos jovens depende do espaço social ao qual pertencem, e este abriga
diversas juventudes, sejam rurais ou urbanas.
Considera-se espaço, nesse estudo, como aquele correlacionado diretamente
com a prática social na qual são reproduzidas as relações sociais de produção. É o
espaço, que segundo Lefébvre (1976), [...] desempenha um papel ou uma função
decisiva na estruturação de uma totalidade de uma lógica e de um sistema. O mesmo
autor argumenta ainda que,
Do espaço não se pode dizer que seja um produto como qualquer
outro, um objeto, uma soma de objetos, uma coisa, ou uma coleção de
coisas, uma mercadoria, ou um conjunto de mercadorias. Não se pode
dizer que seja simplesmente um instrumento, o mais importante de
todos os instrumentos, o pressuposto de toda produção e de todo o
intercâmbio. Estaria essencialmente vinculado com a reprodução das
relações (sociais) de produção (LEFÉBVRE, 1976, p. 34).
Essa definição de espaço é importante para que possamos entender a
complexidade que envolve o conceito de juventude, e porque este se apresenta sob
diferentes formas no âmbito de algumas entidades e organizações, independente se
estas atuam entre os mesmos espaços ou em espaços diferenciados, como mostra Silva,
A Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e
Cultura, conhecida pela sigla em inglês - UNESCO, define a
juventude como o período entre 15 e 25 anos de idade. A
Organização Ibero-americana (OII) reconhecida como um dos mais
72
conceituados organismos que trabalham com a juventude, a define
como a fase que vai dos 15 aos 29 anos (Prog. Juventude mostra tua
cara, p. 22). As Organizações das Nações Unidas (ONU) define a
juventude como a faixa que vai dos 14 aos 24 anos (Silva, 2001,
p.25).
Definir-se o conceito de juventude foi uma das primeiras dificuldades na
delimitação do objeto de estudo para a realização desta pesquisa que analisa a inserção
dos jovens no Assentamento de Reforma Agrária da Fazenda Hipólito, considerando-se
o fato de que, embora presentes em todas as sociedades, as faixas etárias possuem
diferenciações de sociedade para sociedade, assumindo significados, duração e
condições de transição diferenciados, de acordo com o contexto sócio-histórico-
cultural específico. O conceito definido pela Organização Ibero-americana foi o
escolhido para tal fim, por ser o que melhor corresponde à realidade que se pretende
conhecer.
Em suas especialidades e cotidiano singulares, os jovens vivenciam situações
adversas que lhes confere identidades também contraditórias, apesar do repetido
discurso que todos são iguais perante a lei, independente da sua inserção
socioeconômica cultural. (MOREIRA et all,) destacam que,
O próprio Estatuto da Criança e do Adolescente reconhece que todas
as crianças possuem direitos que devem ser respeitados pela família,
sociedade e Estado. Entretanto, no chão das relações sociais, os
diferentes acessos e inserções acabam por limitar, impedir ou
parcializar a concretização de tais direitos... Essa fase da vida, não é
vivida da mesma forma: algumas crianças têm acesso a tal direito,
outras não chegam a conquistá-lo, e há ainda aquelas que vivem-no
muito parcial ou indiferentemente[...] (MOREIRA, 2003, p. 177).
O novo cenário brasileiro redesenhado a partir das mudanças econômicas e
políticas, sobretudo, na década de 1990, afetou as formas de organização da
reprodução social, tanto dos trabalhadores quanto de suas famílias, mediante o
agravamento do nível de pobreza e precariedade, tornando cada vez mais difícil a auto
sustentabilidade.
De acordo com Alencar (2004), as condições de vida humana dependem, em
grande parte, da inserção social de todos os membros da família, sendo nela que se
articulam as mais diversas formas de alternativas para superar as situações de
precariedade social, diante do desemprego ou da inserção precária no mundo do
trabalho.
No Brasil, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) expressa a conquista
73
de um novo ordenamento jurídico-legal. Nele, estão previstos os programas voltados
para a garantia do direito e da convivência na família e na comunidade.
Acontece que os programas ditos de apoio sociofamiliar na realidade conduzem
a propostas que se afastam dos princípios de justiça e cidadania, pois, conforme
argumenta Mioto, tais programas
Têm sido implantados, à medida que recursos lhes são destinados,
sem que haja um debate aprofundado acerca de suas ambigüidades,
senão de suas contradições, no campo ideário de defesa dos direitos
sociais [...] trazem embutidos princípios assistencialistas e
normatizadores da vida familiar que imaginávamos ultrapassados
(MIOTO, 1997, p. 44).
A Constituição de 1988 estabeleceu a cidadania como “direito universal”
quando definiu a previdência social, a saúde e a assistência social como componentes
do Sistema de Seguridade Social. No entanto, “[...] os efeitos da crise econômica e das
políticas de ajuste econômico, postos em execução a partir, principalmente, do início
da década de 1990, não tornaram possíveis, na prática, as reformas institucionais
mais amplas nos sistemas de proteção social (ALENCAR, 2004, p. 74).
Nesse cenário, com as mudanças sociais, transformou-se também a estrutura
do mercado de trabalho e a desproteção dos trabalhadores. Cresceu o empobrecimento
das famílias brasileiras e acentuaram-se as situações de desigualdade. Enquanto isso,
para homens, mulheres, jovens e crianças, diminuíram as possibilidades de
encontrarem um lugar de pertencimento, de situarem-se no mundo como cidadãos.
As experiências vivenciadas na juventude não são diferentes na infância na
sociedade em que se vive. Os direitos dos jovens são também violados. E estes, à
margem do processo de desenvolvimento econômico e tecnológico, arrastam-se pela
vida, muitos deles sem perspectivas de futuro, quando na realidade, também como as
crianças, deveriam portar as esperanças de um mundo mais justo e melhor.
Essa sociedade, marcada pelas desigualdades e contradições, abriga uma
juventude cujas inserções diferenciadas levam os seus componentes a diferentes modos
de vida. Por esse campo contraditório, sujeito às imposições do sistema capitalista de
produção, numa fase de crescente destruição do trabalho vivo, caminham
paralelamente, jovens que desfrutam de todas as condições básicas de vida, do ponto
de vista socioeconômico, ao lado de outros, cujas condições precárias de vida os
colocam em situação de miséria e abandono.
Enquanto os primeiros dispõem da proteção familiar e têm assegurados os
direitos que lhes confere uma vida confortável, incluindo condições de moradia em alto
74
estilo, meio de transporte próprio, tempo livre para estudar, para atividades culturais e
de lazer e têm acesso a uma infinidade de brinquedos e equipamentos eletrônicos; os
demais se encontram inseridos em realidades totalmente adversas, marcadas pela
negação de seus direitos e mergulhados numa situação de pobreza, quando não de
miséria absoluta.
Para esse segmento da juventude, fome, desemprego, condições precárias de
moradia e de educação fazem parte do seu cotidiano, sempre às voltas na luta pela
sobrevivência, frente às privações e necessidades que os afastam do mínimo necessário
a uma qualidade de vida digna de ser vivida por cidadãos e cidadãs, membros de uma
sociedade que se diz democrática, mas não respeita os princípios básicos de
democracia.
Esse cenário pode ser visualizado no espaço social brasileiro e, particularmente,
no Nordeste. As desigualdades sociais a partir da concentração da terra e da renda vêm
se agravando nas últimas décadas. A não realização de uma reforma agrária condizente
com as necessidades dos trabalhadores do campo, tem reduzido a capacidade dos
assentamentos em se constituírem em alternativas para superação da pobreza no
campo.
Inserido nesse cenário, está o Estado do Rio Grande do Norte, o qual segundo
dados apresentados pela Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios
(PNAD/IBGE), no ano de 2003, a População Economicamente Ativa (PEA) era
constituída por 1,29 milhão de pessoas. A mesma pesquisa revela que os jovens
17
representam 25,86% dessa população, o que corresponde a 334.804 (trezentos e trinta e
quatro mil, oitocentos e quatro). Desse total, apenas 153.085(cento cinqüenta e três mil
e oitenta e cinco) estão empregados e assim distribuídos: 59.168 (cinqüenta e nove mil,
cento, sessenta e oito) têm carteira assinada; 9.394(nove mil, trezentos e noventa e
quatro) pertencem à categoria de militares, os demais, 84.523 jovens são funcionários
públicos (estatutários e outros).
Essa realidade aponta para a vulnerabilidade a que está submetida a população
jovem do RN em relação à sua inserção no mercado de trabalho, cujo quadro de
precariedade acentua-se ainda mais quando levados em consideração o emprego
doméstico, o trabalho sem remuneração e os trabalhos revertidos para consumo
próprio.
Esse quadro se torna mais visível quando se trata da juventude rural, cujas
opções de trabalho são ainda mais escassas.
Uma vez criados pelo Estado, os assentamentos rurais ficam subordinados à
17
A pesquisa adotou os padrões internacionais da ONU que contemplam a faixa etária compreendida de
75
gestão e à ingerência dos órgãos estatais, cujas ações voltadas para as questões
relativas à pobreza e à exclusão social, no caso brasileiro, têm-se revelado insuficientes
e irregulares. Suas contribuições têm se limitado a minimizar as conseqüências
negativas dos programas de ajuste estrutural.
A política de reforma agrária implementada no Brasil tem sido alvo de críticas
por parte de vários autores, para os quais os problemas vividos pelos assentados
revelam que tal política, na verdade, tem se apresentado de maneira equivocada ao se
limitar à distribuição de terras. O que, por si só, não significa melhoria efetiva de vida
dos beneficiários e de seus dependentes. Na realidade, essa tem se constituído em
medidas pontuais por parte do Estado, em resposta às lutas desencadeadas pelos
movimentos sociais. Como argumentam Leite et al,
O Estado assegura o acesso á terra, mas é preciso produzir dentro de
parâmetros aceitáveis pela burocracia estatal escolhendo produtos
definidos como “de mercado”, usando sementes selecionadas,
defensivos agrícolas, fertilizantes aprovados e assim por diante. Em
contrapartida, o Estado compromete-se a assegurar condições ao
assentado para que produza dentro desses limites (2004, p. 65).
Para esses autores, o fato de o Estado assumir a responsabilidade de viabilizar
os assentamentos é contraditório; pois, se de um lado oferece aos assentados a garantia
de sua produção - o que nem sempre acontece -, por outro lado, esses trabalhadores
ficam à mercê do Estado, sujeitos então, às suas exigências. De positivo nessas
relações, de acordo com os mesmos autores, essa vinculação com o Estado proporciona
o reconhecimento da legitimidade das cobranças em prol das demandas do
assentamento, além de favorecer a inter-relação entre assentados, assentamentos e
outros segmentos rurais: isso, por sua vez, tem contribuído para a permanência da
mobilização depois da conquista da terra.
Caracterização dos jovens assentados
Ao procurar visualizar a situação atual da população jovem no Assentamento
Hipólito, identificou-se nessa pesquisa um cenário preocupante em relação ao
cotidiano e às condições sociais em que se encontram esses jovens.
Desemprego, baixa escolaridade, ausência de perspectivas e migração estão
15 a 24 anos.
76
presentes na vida daquela população, cuja situação de extrema precariedade, marcada
pela negação dos direitos sociais básicos, mesmo aqueles garantidos pelo ECA (saúde,
educação, lazer...) não têm se constituído prioridades para o Estado, principal gestor
das políticas públicas no sentido de exercer um controle sobre aquela realidade.
De acordo com Iamamoto (2001), para que a força de trabalho possa ser
consumida e transformada em atividade, é necessário haver meios, ou instrumentos de
trabalho, e uma matéria-prima ou objeto de trabalho que sofrerá alterações mediante a
ação transformadora do trabalho.
Aos jovens do Hipólito essa matéria prima, ou objeto de trabalho, tem se feito
presente apenas através de atividades sazonais o que faz com que aquela força de
trabalho deixe de ser consumida durante grande parte do tempo, intensificando a
exclusão social daquela parcela da população cuja ociosidade contribui para a
migração além de colocar os indivíduos em situação de grande precariedade.
No assentamento Hipólito, os poucos postos de trabalho por exigirem
“qualificação” são geralmente ocupados por pessoas de outras localidades. As atuais
atividades produtivas do assentamento não oferecem condições para absorver a PEA
local, principalmente a população jovem, pois esta só encontra trabalho em atividades
não remuneradas (com os pais nas atividades domésticas), ou em atividades sazonais,
como no caso do beneficiamento da castanha trazida para o assentamento através de
intermediários entre os assentados e os produtores de castanha da Serra do Mel.
Como essa atividade depende de intermediário e da maior ou menor produção
na Serra do Mel, não é uma atividade garantida anualmente. Na época da pesquisa, por
sinal estava interrompida devido a problemas fitossanitários que prejudicaram essa
produção. Segundo algumas pessoas entrevistadas, a interrupção dessa atividade causa
grandes dificuldades para aqueles que têm nela a garantia de uma renda, embora que
mínima, mas, de grande importância para a sobrevivência daquelas famílias.
Figura 14
Assentados realizando beneficiamento da castanha de caju –nov,2005
77
Fonte: arquivos da autora
Se no âmbito geral do Assentamento Hipólito, as ações governamentais têm se
revelado pouco eficazes, em se tratando dos jovens, a situação é ainda mais grave. A
população jovem daquele assentamento pertencente à faixa etária que se considera
nesse estudo (15 a 29 anos) é composta, na sua maioria, por rapazes e moças, filhos de
trabalhadores assentados (88,8%). A estes se somam outros (11%) que foram se
incorporando ao Assentamento, pela aquisição de lotes, geralmente pela compra a
beneficiários desistentes ou ainda pela união conjugal com jovens assentados. Alguns
parecem muito tímidos e insatisfeitos com a situação em que vivem, mas ao mesmo
tempo conformados, não demonstrando nenhum entusiasmo ao falar de suas
expectativas. É como se já não lhes restem mais esperanças de um futuro melhor.
Outros são mais comunicativos e falam de suas dificuldades e aspirações e, por
vezes, até se apresentam revoltados com a forma de tratamento que lhes é dispensada
por parte dos órgãos e representações a quem caberiam viabilizar condições mais
dignas nas suas trajetórias.
Sousa (2003), conclui em sua pesquisa que os jovens representam apenas 10%
da população total do Hipólito. População esta composta por mais 20% na faixa etária
compreendida entre 30 a 40 anos; 40% entre 50 a 60 anos e 30% com mais de 60 anos.
Esse baixo percentual de jovens no Assentamento é atribuído pelo autor [...] à possível
falta de perspectivas em relação ao futuro no meio rural [...] o que pode contribuir para
a elevação do ciclo migratório desses jovens para outros setores da economia, bem
78
como, para a manutenção histórica do êxodo rural.
Essa ainda é a realidade que se apresenta no momento atual o Hipólito, de
acordo com o que se pode constatar em depoimentos dos próprios assentados. Em suas
falas, tanto os jovens quanto os seus pais expressam os vários motivos que os levam a
deixar as famílias e partir em busca de oportunidades de vida. Dentre a multiplicidade
de dificuldades enfrentadas no Assentamento, o principal problema detectado é a falta
de trabalho.
Falta trabalho porque o modelo de desenvolvimento agrícola predominante no
país conduz às desigualdades e às exclusões que afetam a maioria das populações que
vivem no campo. A concentração fundiária no Brasil tornou-se mais grave a partir do
processo de modernização da agricultura, trazendo conseqüências desastrosas para essa
parcela da população, acarretando, por exemplo, “[...] um dos maiores êxodos rurais
do mundo: 28 milhões de pessoas deixaram o campo entre 1960 e 1980” (MOLINA,
2004. 63.). Para Molina,
O centro da questão agrária refere-se a níveis de concentração
fundiárias vigentes no Brasil e às distorções que esta concentração
produz em diferentes aspectos. Concentrar terras nas mãos de poucos
proprietários determinou um ciclo vicioso que impede a evolução de
grandes parcelas da população e reproduz miséria econômica, social,
política e cultural no campo e na cidade (MOLINA, 2004, p. 63).
De acordo com Sampaio (2002), a formação desse ciclo vicioso confirma a
presença da questão agrária no processo de desenvolvimento do país, embora às vezes
negada. Nesse contexto, a reforma agrária e, conseqüentemente, a criação de
assentamentos rurais precisa ser encarada como uma política estratégica para estimular
e desencadear alterações no modelo de desenvolvimento agrícola. Deve ser parte, de
um projeto político do Estado e da sociedade, no sentido de alterar as condições
socioeconômicas de grande parte da população brasileira para níveis melhores de renda
e cidadania (MOLINA, op. cit, p. 69).
Não resta dúvida de que, em muitos casos, os assentamentos rurais representam
uma alternativa significativa de trabalho e inserção social. A pesquisa “Impactos dos
Assentamentos um estudo sobre o meio rural brasileiro”, coordenada por Leite et al
(2004), mostra que, nas regiões estudadas, os assentamentos possuem um potencial
relevante no que diz respeito ao trabalho e à geração de emprego, tanto para as famílias
79
quanto para outras pessoas. O que, de acordo com os autores, indica uma das maiores
contribuições da reforma agrária. Como demonstra a tabela a seguir, 90% dos
assentados maiores de 14 anos, quando foi realizada a pesquisa, trabalhavam ou
ajudavam no lote. Desses, 79% trabalhavam somente no lote, 11% no lote e também
fora do lote, 1% somente fora do lote e apenas 9% declararam não trabalhar, com
poucas variações sobre as manchas consideradas na pesquisa.
Segundo esses autores, essa situação, no entanto, não é comum para a
totalidade dos assentamentos no país. A potencialização destes está diretamente
relacionada com a capacidade organizativa e com a conjuntura política local no qual
estão inseridos e as condições internas dos lotes. Assim como a estrutura dos
assentamentos depende da relação específica dos assentados com o Estado, que pode
tornar viável ou não os projetos de assentamento e a melhoria das condições de vida
dos assentados, o que contribui para a multiplicidade das potencialidades políticas dos
assentamentos.
No caso do Assentamento Hipólito, verifica-se uma situação bastante deficiente
no que se refere à geração de emprego. Assim, da forma como vem se dando a
produção no Assentamento, falta trabalho para os pais, o que torna difícil manter as
famílias com o que é produzido nos lotes. Desta forma, os jovens são impelidos a
procurar meios de sobrevivência para a sua própria manutenção e, às vezes, para
ajudar no orçamento da família. Alguns conseguem emprego nas firmas particulares,
sobretudo, nas agroindústrias. Mas, segundo os entrevistados, essas são exigentes e
priorizam os que já têm alguma experiência na área, ficando assim, restrito aos que
estiveram envolvidos na produção do melão. Complementando esta informação,
apresentamos, em síntese, alguns depoimentos de entrevistados:
A maioria dos jovens daqui sai para trabalhar fora para ajudar os
pais e mães. Poucos ficam aqui (SILVA, 2005, Informação Verbal).
Hoje a maioria dos jovens sai daqui para trabalhar porque não têm
condição de viver aqui dentro, porque não tem trabalho. Antes
quando tinha o projeto do melão, apesar deles serem de menor e não
trabalhar, mas os pais trabalhavam, já ajudava mais, aí os jovens
poderiam só estudar (SILVA, 2005, Informação Verbal)
Ah! A maioria sai daqui para trabalhar fora. Eles não voltam.
Alguns vêm de 15 em 15 dias, de mês em mês. Quem sai pra longe
passa anos sem vir aqui (SILVA, 2005, Informação Verbal).
Tenho duas irmãs, mas, uma mora em São Paulo. Ela foi para
trabalhar e mora com a tia porque aqui não tem recursos
80
(FERNANDO, 2005, Informação Verbal).
Dos 18 (dezoito) jovens entrevistados nessa pesquisa, 61,12% não estudam;
desses, 45% não completaram o 3º ano do Ensino Fundamental. São aqueles que, ainda
crianças, chegaram ao Assentamento com essa escolaridade; e, como não tinha escola
nem meios de deslocamento para outras localidades, não prosseguiram os estudos.
Para estes jovens, a Escola chegou tarde ao Assentamento e, embora contem
hoje com o Programa de Educação para Jovens e Adultos (EJA), várias são as
dificuldades apontadas por eles em relação à questão de voltar à escola. Alegam falta
de tempo e incompatibilidade de horário, o que é justificável, pois o EJA funciona no
turno vespertino; e, como se trata de jovens na faixa etária compreendida entre 21 a 29
anos, mesmo os que exercem atividades domésticas ou outras no próprio Assentamento
não dispõem de tempo nesse horário. Para os que trabalham fora e só voltam para casa
à noite, fica ainda mais difícil. Há ainda os que dizem não ter mais interesse pelo
estudo:
Eu não estudo mais. Não tenho mais interesse. Não dá para estudar
se um dia agente pode ir, depois não pode mais, quando aparece
trabalho (LIMA, 2005, Informação Verbal).
Eu não estudo mais não. Não tenho mais vontade (DANTAS, 2005,
Informação Verbal).
Eu sou casada, tenho essa menina [dois anos] e não tenho com quem
deixar, mas quando ela estiver maiorzinha, eu vou porque eu a levo
comigo (OLIVEIRA, 2005, Informação Verbal).
Essa situação é mais um exemplo de que muitos dos projetos que são levados
ao campo são elaborados fora da realidade. Como não há um conhecimento prévio das
reais necessidades e das condições de participação da população, muitos deles se
tornam vazios, não contribuindo, ou contribuindo muito pouco, para as mudanças
requeridas pela população.
Dos oito jovens entrevistados que estudam, cinco, o fazem no próprio
Assentamento. Destes, três cursam do 6º ao 9º ano do Ensino Fundamental; e dois
cursam a EJA (6º e 7º anos). Os outros três cursam o Ensino Médio em Mossoró. Estes
últimos, por ocasião da entrevista (set/2005), estavam afastados da escola por falta de
transporte. Pois o ônibus da Prefeitura que os transporta não estava indo buscá-los no
Assentamento. Essa é mais uma demonstração do pouco interesse por parte do poder
público em atender às demandas dos assentados, e reflete também a ausência de
81
mobilização destes, no sentido de se organizarem para exigir do poder público a
efetivação do direito à educação. Tal direito, legalmente constituído, mas, muitas
vezes, negado na prática; pois, construir escolas não é o suficiente para garantir o
acesso das populações à educação. É necessário, sim, construir escolas; mas é
necessário também adaptar essas escolas às demandas da população na qual estão
inseridas, não somente em relação aos conteúdos pedagógicos. Mas, considerar
também as condições necessárias para que a comunidade chegue até essa escola.
Aspectos educacionais no assentamento Hipólito
No caso particular do Assentamento Hipólito, percebe-se que existe uma lacuna
em termos de escolaridade, deixada pelo longo período que aquela população ficou
sem Escola (início do Assentamento, em 1987, até 1994, quando começou a funcionar
a primeira escola). Essa lacuna não foi preenchida, e o resultado é que os jovens que
interromperam seus estudos para vir para o Assentamento não deram mais
continuidade. E hoje são adultos que apresentam um índice de escolaridade muito
baixo. Além dessa situação, também os que chegaram analfabetos, assim continuam,
como se vê adiante.
Para analisar-se a inserção dos jovens no Assentamento Hipólito requer um
mergulho no contexto social do qual estes fazem parte, a fim de verificar o seu
cotidiano, com vistas a compreender como tem se dado a inserção da juventude no
âmbito do Assentamento. Para tanto, necessário se faz examinar as ações do poder
público destinadas a esse segmento social, no atendimento de suas necessidades
básicas, como: educação, saúde, capacitação, associativismo, condições de trabalho e
lazer; a existência ou não de programas de governo destinados ao atendimento das
demandas daí decorrentes; e ainda, apreender a percepção dos jovens assentados
quanto ao seu cotidiano e suas expectativas em relação ao futuro.
De acordo com os dados citados anteriormente, a maioria dos jovens do
Assentamento, 72%, mora com os pais; 16% moram com os avós; e apenas 11%
moram em seus próprios lotes. Esses últimos são jovens que já construíram novas
famílias e conseguiram se enquadrar na qualidade de beneficiários, seja por meio de
seleção ou pela compra de lotes a beneficiários desistentes. Os que moram com os avós
são filhos de filhos de beneficiários que moram e trabalham na cidade de Mossoró e
deixam os filhos sob os cuidados dos avós que, aposentados, têm mais condições de
mantê-los economicamente, e ainda de garantir-lhes, no Assentamento, a segurança
que não encontram na cidade.
82
Quanto aos jovens casados que ainda moram com os pais, segundo o presidente
da Associação, Sr. Tertuliano, “[...] estão na lista de espera, aguardando a
oportunidade de serem inseridos em novos assentamentos que estão sendo formados
nas proximidades (CRUZ, 2005, Informação Verbal).
Em relação às condições de moradia, as 137 casas do Assentamento são em
alvenaria e cobertas com telhas. Dessas, 85% são rebocadas e têm piso de cimento. O
restante ainda possui piso de chão batido e não são rebocadas. Apesar do repasse dos
recursos destinados à construção das casas pelo Incra, estas foram entregues aos
beneficiários inacabadas. Segundo informações dos entrevistados, as que hoje possuem
piso e rebocos foram terminados com recursos dos próprios moradores.
Para a implantação do Projeto Hipólito, conforme Oliveira & Silva (1994),
foram repassados aos beneficiários, créditos destacados do orçamento do Incra. Mas,
os recursos que deveriam ser aplicados nos planos imediatos foram destinados à
manutenção das famílias assentadas, em virtude das condições de precariedade em que
se encontravam. Para a finalidade a que se destinavam, foram aplicados somente os
recursos referentes à construção das 137 casas.
Mediante essa situação fica uma interrogação a respeito da aplicação desses
recursos. Alguns dos entrevistados afirmam ter havido desvios de recursos,
principalmente de material, o que pode ser constatado no seguinte depoimento:
Essas casas, pelo dinheiro que veio para construir, era pré serem de
ouro, mas o material foi vendido (SILVA, 2005, Informação Verbal).
No entanto, ninguém se pronuncia a respeito de como, por quem e em quais
circunstâncias se deram tais desvios.
As deficiências no setor educacional são bem marcantes no Assentamento
Hipólito, não fugindo à regra das características próprias dos países em
desenvolvimento. Se, em termos nacionais, essa questão apresenta deficiências
significativas, quando se trata da Região Nordeste, o problema toma uma dimensão
bem maior, agravando-se ainda mais no meio rural, uma vez que a parcela da
população que ali vive e trabalha não conta com políticas públicas adequadas que
garantam, sequer, o usufruto dos direitos conquistados enquanto cidadãos.
Ao tratar da história da educação, Araújo (2005) se refere ao não acesso ou
acesso precário da população do campo à educação, e defende que a educação de
qualidade ainda é um privilégio de classe. A autora faz referências ainda ao descaso
com que a Educação do Campo vem sendo tratada pelo poder público. E em relação ao
83
Nordeste argumenta que
O cenário é mais nebuloso quando se olha para o Nordeste. Pesquisas
revelam que a situação é mais grave que no restante do país. A
tendência histórica de pobreza e exclusão social acima da média
nacional reproduziu-se também na educação. Segundo o Atlas da
exclusão social no Brasil, as regiões Norte e Nordeste concentram os
municípios com maior problema de exclusão social. Identifica-se
uma vulnerabilidade social, de origem antiga, que se reflete hoje,
entre outros aspectos, por um acesso muito restrito à educação, à
alimentação, ao mercado de trabalho e a outros mecanismos de
geração de emprego e renda (Pochmann, 2003). Assim, dentre os
2.290 municípios com maior índice de exclusão social, a região
\nordeste é apontada como recordista, com 72 deles, 1% dos
municípios do território nacional (ARAÚJO, 2004, p. 174).
O direito à educação é assegurado aos jovens pelo ECA, desde 1990, o qual
garante a estes, todos os direitos fundamentais básicos necessários ao seu
desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual, e social o ECA afirma que
[...] a família, a comunidade, a sociedade em geral e o Poder
Público devem, por lei, assegurar que sejam respeitados e
aplicados os direitos de nossos jovens à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à
profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à
liberdade e à vivência familiar e comunitária (BRASIL –
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃ 2000).
O Estatuto prevê ainda a punição a qualquer forma de negligência,
discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão às crianças e adolescentes
de todo o país.
No entanto, fazer valer esses direitos ainda é um grande desafio. Da forma
como vem se agravando a exclusão social no país, torna-se difícil acreditar nessa
possibilidade, mesmo que em longo prazo. Quando se trata da juventude rural, o
problema ganha uma dimensão ainda maior. É notório que a essa população tem dado
um tratamento diferenciado em relação à juventude urbana, sobretudo, no Nordeste,
cuja tendência histórica de pobreza e exclusão social, acima da média nacional,
reproduziu-se também na educação. Segundo Khan (2003), “[...] mais que a produção
de riquezas, a educação se constitui em importante fator de conquista para a
cidadania, participação da vida política com maior consciência, e maior engajamento
84
na relação terra, capital e trabalho eficientes.
Assim, promover a educação não é sinônimo de construir escolas. É necessário
também eliminar as barreiras que dificultam o acesso das populações à educação por
meio da promoção de políticas e serviços públicos eficientes e adequados.
Segundo Coelho, para que uma escola atenda realmente aos interesses dos
trabalhadores, é preciso que a sua estrutura de poder seja democratizada e essa
democratização não será efetiva se para isso não houver o fortalecimento da sociedade
civil. Não basta compreender ou denunciar a ausência de escolas ou o seu mau
funcionamento. É necessário lutar, mas de forma organizada, por uma educação de
qualidade.
O caso do Assentamento Hipólito confirma a realidade acima exposta. Percebe-
se que não houve, no início do Assentamento, o envolvimento de políticas públicas de
fomento à educação, situação essa responsável pelo alto índice de pessoas adultas
analfabetas ou semi-analfabetas e por jovens com baixa escolaridade ou que não
estudam; cujos efeitos se fazem presentes no processo de organização política no
âmbito do Assentamento.
Segundo pesquisa realizada por Souza (2003), 50% dos agricultores assentados
do Hipólito são analfabetos ou semi-analfabetos; 40% não chegaram a concluir o
Ensino Fundamental o que foi conseguido por apenas 10%.
O Assentamento Hipólito conta hoje com uma Escola Municipal que funciona
nos turnos matutino e vespertino, atendendo a alunos da Educação Infantil ao 9º ano do
Ensino Fundamental e uma turma de EJA, somando um total de 289 (duzentos e
oitenta e nove) alunos matriculados. Entretanto, grande parte procede de outros
assentamentos ou localidades circunvizinhas.
O quadro funcional consta de uma diretora, 10 (dez) professoras e 15 (quinze)
funcionários, todos ligados à Prefeitura de Mossoró - exceto o vigia, que presta
serviços -. Todos os professores têm nível superior e residem em Mossoró. Dez dos
quinze funcionários têm o Ensino Médio completo, e cinco não completaram o Ensino
Fundamental. Seis são merendeiras e moram no Assentamento. Enquanto que os outros
nove procedem de outras localidades: 03 (três) do município de Upanema, 01 (um) do
Assentamento Espinheirinho; e os demais, 05 (cinco), são procedentes de Mossoró.
Quanto ao funcionamento da Escola, a secretária entrevistada (Antônia
Paulino), aponta como a maior dificuldade, a questão de transporte para os professores
e funcionários que se deslocam diariamente de Mossoró com recursos próprios.
Dificuldade essa que em períodos anteriores também se estendia aos alunos que vêm
de outras localidades, sendo que estes contam agora com um ônibus da Prefeitura de
85
Mossoró para fazer o transporte.
Os assentados apresentam outras dificuldades em suas falas, como a ausência
de estradas para o deslocamento dos alunos dentro do Assentamento; sobretudo, no
período de chuvas, cujo acesso fica limitado à BR-302; a questão da merenda escolar,
que segundo alguns depoimentos já citados, é insuficiente e às vezes deixa de ser
servida por faltar merendeiras; e a ausência de cursos no turno noturno para os jovens e
adultos que trabalham e ainda querem estudar. Eis algumas das falas dos entrevistados:
Tem essas estradas aqui que são péssimas. Quando está chovendo
tem um grande problema também que é levar as crianças... tem que
ir por cima da pista. O problema é esse, é porque é um perigo
né?...meu Deus do céu.. (MARINHO, 2005, Informação Verbal).
[...] Sim, a merenda. Valha meu Deus! E a merenda do colégio?
Olha, de manhã não está havendo merenda porque não tem
merendeira. A merenda é muito menos que isso (mostra mão). Isso
não é merenda. Acho que não é culpa da prefeitura é?
(AUXILIADORA, 2005, Informação Verbal).
Pelo que se pode perceber nas entrevistas, o tratamento dado ao Assentamento
pelo poder público, com destaque para o poder municipal, tem sido diferenciado por
parte dos sucessivos administradores:
No tempo de Rosalba [ex-prefeita], Rosalba fez o colégio, que não
tinha escola Era um armazém velho. Aí Rosalba reformou. Mas, Fafá
(atual prefeita) até aqui não fez nada. Aqui no inverno é tudo cheio
de lama. Ninguém consegue andar de sapato (GOMES, 2005,
Informação Verbal).
Em entrevista concedida em dezembro de 2005, o atual secretário de agricultura
de Mossoró, o Sr. Gilberto Jalles, declarou sobre a problemática das vias de acesso
dentro do assentamento Hipólito que
Logo na implantação do Hipólito houve uma opção da comunidade em
construir duas vilas. Então, são duas vilas que estão aproximadamente
a quatro quilômetros uma da outra, e a administração pública sempre
teve dificuldade para construir órgãos públicos dentro da
comunidade. Porque não era interessante colocar duas escolas, dois
postos de saúde etc. aí a solução encontrada foi construir esses órgãos
numa distância entre uma vila e outra. Aí eles não têm dificuldades
para se deslocarem para outras comunidades e mesmo para Mossoró
porque o assentamento está do lado da BR. Mas, quando eles vão se
86
deslocar internamente para ir ao colégio, ao posto de saúde, ou para a
Associação, eles têm que usar a BR 304 e aí é perigoso para eles. Foi
colocado como prioridade pela comunidade no orçamento cidadão a
construção de uma via paralela à BR. Isso foi aprovado pela
comunidade. Hoje, já está sendo encaminhado este pedido de
construção de uma via no Hipólito. Acreditamos que em 2006 esta
construção será feita (JALLES, 2005, Informação Verbal).
18
De acordo com as pessoas entrevistadas, a questão educacional no Hipólito
vem sendo prejudicada tanto por fatores de ordem pessoal quanto pela falta de estímulo
e de perspectivas por parte da população. Essa falta de estímulo pode ser justificada
pela ausência de credibilidade no processo ensino/aprendizagem, mediante a ausência
de políticas que viabilizem as condições necessárias ao atendimento das necessidades
daquela população, cujas demandas, mesmo as mais urgentes, como no caso da
educação, não são priorizadas, a exemplo do problema de acesso à escola e da
irregularidade quanto ao transporte, que têm contribuído para que os estudantes tenham
os seus ciclos de estudo interrompidos. Problema esse que repercute também na baixa
escolaridade que se verifica no Hipólito.
Apesar do número expressivo de analfabetos, não se registra a presença de
cursos de alfabetização para adultos, contradizendo a filosofia do Programa Nacional
de Educação na Reforma Agrária (Pronera) que, criado em 1998 a partir da parceria
entre o Governo Federal, as Instituições de Ensino Superior - IES e os movimentos
sociais rurais, tem como “[...] objetivo desencadear um amplo processo de promoção
da educação, em todos os níveis, nos Projetos de Assentamento da Reforma Agrária
(ANDRADE, 2004) apresentando como objetivo estratégico, reduzir o analfabetismo e
elevar o nível de escolarização das crianças, jovens e adultos assentados.
Não se trata aqui de colocar em dúvida a importância do Pronera, pois se sabe
que, em termos gerais, este tem apresentado resultados positivos nas ações educativas a
que se propõe. No entanto, essas ações não conseguiram ainda atingir a totalidade dos
assentados, que representam, segundo dados de pesquisa realizada para avaliação do
referido Programa em 2004, mais de 500 mil famílias espalhadas em 6.175
assentamentos rurais. Isso porque o Pronera, apesar da importância, depende de
convênios entre várias instituições, não tendo sido incorporado ainda ao MEC -
Ministério da Educação e Cultura como uma política de Estado. No caso do
Assentamento Hipólito, constata-se que para as pessoas cuja idade não permite mais
freqüentar a EJA, não existe nenhum programa de acesso à educação, embora seja
entre os adultos que se concentra o maior número de analfabetos ou semi-analfabetos,
18
Até a presente data (15/08/06), não foram tomadas providências em relação à construção da referida
87
como é o caso de uma entrevistada que diz: “Eu tenho essa idade, mas se tivesse estudo
pra adulto aqui eu ia. Porque é muito ruim não saber ler. Eu conheço as letras, mas eu não sei
juntar elas... aí eu digo que eu não sei ler” (SANTOS, 2005, Informação Verbal).
Também não se verifica, naquele Assentamento, nenhuma ação do poder
público no sentido de incentivar os jovens assentados a prosseguirem os estudos. As
dificuldades enfrentadas por estes no sentido de concluírem o Ensino Médio são tão
marcantes em suas vidas, que alguns já nem alimentam ou nem chegaram a alimentar o
sonho de fazer um Curso Superior:
Eu estudo, vou ver se termino o 3º ano... Eu não tenho plano de dizer
assim que eu vou fazer uma faculdade. Não, isso aí é ilusão... É
ilusão que a gente não tem não, porque não vai pra frente não.
Porque pra terminar o 3º ano taí...Todo mundo desistiu esse ano
porque o ônibus não vem mais. Aí, faculdade... Eu vou fazer
faculdade? A realidade é essa. É difícil. Só se for depois que eu tiver
trabalhando, mas aqui... (AQUINO, 2005, Informação Verbal).
Essa questão é comum não apenas entre os jovens dos assentamentos e dos
agricultores familiares e assalariados rurais, mas também entre os jovens pobres das
periferias urbanas desse país. É, portanto, um problema estrutural grave.
As dificuldades enfrentadas pelos assentados, em relação às condições de
prosseguirem, ou mesmo de iniciarem os estudos pode ser uma das causas que
determinam o baixo índice de participação das pessoas no processo organizativo do
Assentamento.
É bem verdade que as dificuldades que emergem após a conquista da terra são
inúmeras e a ausência de uma política agrícola condizente com as reais necessidades
dos
pequenos e médios trabalhadores rurais tem constituído um grande obstáculo no
sentido de garantir a viabilidade socioeconômica de assentamentos rurais como é ocaso
do Hipólito, que se acredita não ser exceção. A dívida social para com os analfabetos
adultos é reconhecida segundo Andrade; Di Pierro (2004), pela maioria das avaliações
do sistema educacional brasileiro, assim como são reconhecidos os grandes desafios
pendentes com relação à qualidade de ensino. Por outro lado, o referido sistema
costuma festejar a universalização do acesso de crianças e adolescentes ao Ensino
Fundamental; o que, de acordo com as autoras, não é coerente com a realidade
nacional, porque:
via.
88
Olhando pelo prisma do meio rural, entretanto, o diagnóstico não
enseja comemoração: 45% das crianças de 4 a 6 anos e 10% de 7 a
14 anos não freqüentavam escolas em 2000, seja pela inexistência de
centros educativos próximos à moradia, pela falta de transporte
escolar ou porque as miseráveis condições de vida de suas famílias
lhes impunham trabalhar em casa ou na roça desde muito cedo. O
analfabetismo absoluto era a condição à qual estavam submetidos
três em cada 10 jovens ou adultos habitantes nas zonas rurais, em
uma população cuja escolaridade média não alcançava sequer quatro
anos de estudos tidos como patamar mínimo para uma alfabetização
funcional. Essa situação de exclusão extrema atingia também um
quarto das crianças e adolescentes, e jovens de 15 a 24 anos, dentre
os quais havia quase um milhão de analfabetos (ANDRADE; DI
PIERRO, 2004, p. 19).
Em relação aos assentados do Hipólito, seja no que se refere ao alto índice de
analfabetos, já mencionado, seja no que diz respeito às dificuldades enfrentadas ao
buscarem prosseguir ou mesmo iniciar os estudos, os obstáculos atingem a todas as
faixas etárias.
Se para uns falta escola, como no caso dos adultos analfabetos e dos jovens que
conseguem terminar o Ensino Fundamental; para outros, a escola existe, mas não
oferece condições de acesso à totalidade dos educandos, a exemplo da EJA que atende
apenas a uma turma, e no turno vespertino, deixando de atender àqueles que trabalham
e que só teriam disponibilidade para estudar à noite. Registre-se ainda as dificuldades
de acesso à escola pelas crianças que arriscam a vida trafegando pela BR-304, por falta
de estradas dentro do Assentamento. Para aquela população, dificilmente o estudo se
constituirá em prioridade, uma vez que a necessidade primeira é a questão da
sobrevivência.
Não se verifica, portanto, a preocupação por parte do poder público em dar um
tratamento adequado àquela população, no sentido de oferecer as condições básicas
necessárias à superação dos seus principais problemas, como o caso, da questão
educacional. Embora já se tenha passado mais de 16 anos, desde a criação do
Assentamento, problemas como a melhoria das vias de acesso ainda não foram
solucionados, prejudicando o deslocamento das pessoas que precisam freqüentar a
única escola destinada a atender às duas vilas rurais (Hipólito I e II) no período das
chuvas, levando pais e filhos a se arriscarem à pé ou de bicicleta, utilizando a BR-101,
único acesso possível e que já registra um número bem elevado de acidentes, inclusive
com mortes.
É verdade, como mostra a literatura a respeito, que por meio da capacidade
produtiva e organizativa dos assentados, os assentamentos ganharam, em muitos
89
lugares, “[...] reconhecimento social e político pelos demais setores sociais” (LEITE et
al, 2005, p. 87). Nesse sentido, Bergamasco argumenta que,
Os assentamentos procuram estabelecer diversas estratégias de
produção e reprodução social, desde a formação de modernas
cooperativas agropecuária até a orientação da atividade agrícola para
prática de subsistência alimentar e da família. E nessa luta cotidiana
de construção da cidadania os assentamentos vão se descobrindo e
garantindo a delimitação de espaços para a atenuação da exclusão
social e da miséria que atingem milhões de brasileiros, além de
constituir as bases para a constituição de um novo modelo de
desenvolvimento socioeconômico para o Brasil (BERGAMASCO,
1996, p. 42).
Essa seria a lógica natural dos assentamentos, no cumprimento do seu papel.
No entanto, a viabilização econômica e social dos assentados não se dá
espontaneamente. Ela vai depender da capacidade e das ações dos vários atores
envolvidos no processo e, particularmente, de políticas públicas estratégicas que
assegurem o desenvolvimento sustentável
19
dos assentamentos.
Nessa situação, não causa nenhuma estranheza o baixo grau de escolaridade
apresentado pelos assentados do Hipólito, o que, por sua vez, pode influenciar para a
pouca eficácia de políticas voltadas para o desenvolvimento daquele espaço. Não se
pretende afirmar aqui que esse seja o único ou o principal motivo por que o Hipólito
não atingiu ainda o índice de desenvolvimento esperado. Também não se pode
descartar a importância que tem a escolaridade no sentido de alavancar o
desenvolvimento socioeconômico e cultural, e proporcionar a melhoria da qualidade de
vida dos trabalhadores assentados e de suas famílias.
É necessário ter-se em mente que, mesmo os assentados que exerciam
atividades agrícolas antes da aquisição da terra, o faziam em situações bem diferentes e
adversas, muitos em condições de extrema pobreza - assalariados, posseiros, parceiros,
arrendatários, membros não remunerados da família -. Portanto, torna-se necessário
todo um aprendizado para conviverem com a nova situação. Logo, a educação precisa
de ser vista também não só do ponto de vista formal, mas como um instrumento
dirigido a despertar nas populações assentadas, o espírito de cidadania necessário para
uma interação efetiva no enfrentamento das novas situações as quais estão submetidos
tanto os beneficiários quanto os seus dependentes, mulheres e jovens, que constituem a
19
Processo de desenvolvimento econômico em que se procura preservar o meio ambiente, levando-se
em conta os interesses das futuras gerações.
90
População Economicamente Ativa.
Atualmente, a produção agrícola no Assentamento Hipólito está resumida a
algumas culturas de sequeiro, suficientes apenas para o consumo; e, dependendo das
condições pluviométricas, há anos em que não se produz nem o necessário para o
sustento da família. Como se não bastasse o flagelo das secas, os trabalhadores ainda
se deparam com problemas operacionais, como a ausência de créditos e o mau uso dos
instrumentos de trabalho de que dispõem: “De certos tempos para cá o inverno tem
sido pouco, além disso, temos um trator que é da associação,mas às vezes quando ele
chega o inverno já tem passado” (GOMES, 2005, Informação Verbal).
A quase totalidade dos jovens entrevistados aponta a “falta de trabalho” como
sendo o principal problema do Hipólito, o que é evidente. Ora, se a base de sustentação
do Assentamento é a agricultura, e falta suporte para que esta tenha continuidade, não
se pode esperar que a força de trabalho jovem, que é uma população crescente, seja
absorvida no interior do Assentamento.
A ausência de qualificação da população assentada contribui para a presença
de pessoas externas ocupando os poucos postos de trabalho ofertados pelo serviço
público como é o caso da escola. Todos os professores e a maioria dos funcionários
vêm de Mossoró. Apenas os casos que não exigem maior escolaridade - merendeira e
vigia -, que são também os que oferecem menores rendimentos salariais, são ocupados
por assentados.
Além da questão educacional, os assentados do Hipólito enfrentam outros
problemas nas suas trajetórias, que bloqueiam o processo de desenvolvimento. Entre os
quais, destacam-se as deficiências em relação ao associativismo e à ausência de
atividades de lazer. Atividades estas necessárias, no sentido de favorecer a participação
da população no processo de organização social, necessária aos trabalhadores enquanto
seres sociais. Sabe-se que o homem é, por sua natureza, um ser social. E como tal, é
incapaz de viver sozinho. Mas não basta viver em conjunto, é preciso participar dos
processos societários, o que induz, necessariamente, a alguma forma de organização
social.
Na verdade, o associativismo, por si, só não assegura a participação do
indivíduo no seu sentido mais amplo. Mas ainda pode ser o caminho mais viável para
populações excluídas, como no caso dos jovens rurais assentados, rumo aos processos
decisórios do Assentamento. Como instrumento para alavancar o processo produtivo, a
importância do associativismo parece crucial nos assentamentos rurais. De acordo com
Safira Ammann (1981), o associativismo “pode, e deve,” conduzir à participação
91
popular, desde que as associações venham a viabilizar,
A reflexão crítica sobre a conexão da problemática local com a
regional e nacional; a reivindicação dos direitos do cidadão e das
classes oprimidas; a pressão por mudanças estruturais; a ação
organizada, de cunho transformador que venha, pelo menos em longo
prazo, repercutir sobre o todo societário. E que as associações,
mesmo quando realizam atividades num primeiro momento
imediatistas – tais como a melhoria das condições locais de
habitação, saúde, educação, lazer, etc, utilizem tais projetos como
espaço para uma pedagogia de participação que objetive em última
instância a formulação de políticas sociais mais justas (p.148).
A autora acrescenta ainda o fato de que muitas associações não atuam no
sentido de conduzir à participação. E que, em vez de contribuir para que as classes
subalternas tenham voz e representatividade, servem de “[...] aparatos ideológicos do
Estado” (AMMANN, 1981, p. 148), contribuindo para a reprodução e o agravamento
das desigualdades sociais, ao desviarem as aspirações reais da população, além de
enfraquecer o poder reivindicatório dos trabalhadores.
Frei Beto, para quem o idealismo juvenil é temido pela cultura neoliberal,
tendo em vista que todos os grandes revolucionários da história tenham menos de 30
anos de idade ao ousarem consagrar sua vidas, a transformar sonhos em realidade
(BETO, 2006,p.01). O neoliberalismo procura neutralizar “as motivações utópicas da
juventude”, fazendo uso de três recursos: a desisstoriação do tempo, a redução da
cultura ao mero entretenimento e o consumo como fonte de valor humano.
Em um minúsculo texto (menos de uma folha), intitulado Juventude e
cultura neoliberal, o autor citado faz uma síntese dos três recursos e ao mesmo aponta
sugestões por ele denominadas de “antídoto”, no sentido de neutralizar os efeitos das
estratégias neoliberais. Para ele a desistorização do tempo tem por finalidade,
Extirpar o caráter histórico do tempo, herdado dos hebreus e tão
presente na mensagem de três judeus paradigmáticos à nossa cultura:
Jesus, Marx, Freud. Sem o varal da história, o tempo transforma-se
num movimento cíclico.A historicidade cede lugar à simultaneidade,
o compromisso ao ficar. O projeto ao prazer imediato. Assim, perde-
se a dimensão biográfica da vida, agora reduzida à esfera biológica.
(Beto, 2006, p.01).
92
De acordo com Frei Beto, a arma mais eficiente para combater esse “atentado à
cultura” é a participação política [...] no grêmio ou no diretório estudantil; nos
movimentos sociais ou partidários; na luta por direitos humanos ou pela defesa do
meio ambiente. Toda escola deveria ser um centro de formação política, sem
partidarismo, mas tendo clareza de formar cidadãos e não consumidores. (BETO, 2006,
p.01)
Em relação à redução da cultura, o autor trata dos programas televisivos onde
são valorizados os que apelam para “o sensitivo, o jogo de imagens, o voyeurismo, a
pornografia e a violência”, em detrimento daqueles que possam vir a despertar a
consciência ou a imprimir densidade ao espírito,
neste caso, o antídoto é a própria cultura. Acostumar as crianças a
lerem livros e jovens a debaterem temas da conjuntura nacional e
internacional. Educar o olhar em cineclubes e sessões de vídeos, em
que filmes, capítulos de novela e clipes publicitários são analisados
criticamente. (BETO, 2006, p. 01)
Já o consumo como fonte de valor humano é, de acordo com Frei Beto, a
estratégia do neoliberalismo que leva a pessoa a acreditar que, por si só, não tem
nenhum valor. Nesse caso, obter seria mais importante do que o ser. Mercadorias
valiosas (carro importado, mansão, grifes) é que vão imprimir valores às pessoas.
Neste caso, o antídoto é a espiritualidade. Quem abre- se ao
transcendente, faz experiência de Deus, entusiasma-se no serviço ao
próximo, já não busca fora de si a felicidade saboreada no seu
espírito.Prefere a solidariedade à competitividade. Vive o amor, não
como dever, mas como prazer de ser feliz por fazer os outros
felizes.(BETO, 2006. 01)
Percebe-se que estes recursos perversos do neoliberalismo se fazem presentes
na trajetória do assentamento Hipólito. Não se tem conhecimento de qualquer tipo de
associação destinada a aglutinar os jovens enquanto categoria, logo, não proporcionando
aos jovens, oportunidade de tornarem protagonistas da sua própria história.
Essa juventude rural, que durante muito tempo passou despercebida é hoje alvo
da mídia, como argumenta Silva,
No momento em que as fronteiras entre o rural e o urbano diminuem
cada vez mais e diferentes universos culturais interpenetram as
dificuldades socioeconômicas dificultam a vida de quem vive da
agricultura, emerge a juventude rural como uma população
profundamente afetada por esses processos. (Silva 2002 p.100-155).
93
Os jovens do assentamento Hipólito, não fogem à regra e assim como grande
parte da população jovem brasileira, tem na televisão brasileira, além da principal forma
de lazer, o principal meio de informação e de mediação com o mundo. Essa parcela da
população, além do difícil acesso a livros, revistas, cinema, teatro ou outros produtos
considerados culturais e apesar de contar hoje como uma escola que tem um quadro de
professores “qualificados”, ainda se encontra dividida entre os que têm ou não acesso à
essa escola, o que é mais um complicador para o desenvolvimento do potencial
cognitivo dessas pessoas.
Considera-se, nesse contexto, a escola no cumprimento do seu papel de formar
cidadãos dotados de uma instrumentalidade dentro dos princípios de libertação
atribuindo-lhes a consciência para uma melhor compreensão de si mesmo, dos seus
semelhantes e do mundo que os cerca. Não a escola identificada como fator de
reprodução da sociedade capitalista, defendida por Althusser
20
,
Aparelho ideológico, em que a força do trabalho aprende a se submeter
às regras que garantem a dominação de uma classe sobre a outra e em
que os exploradores (a classe que se encontra no poder) e seus
auxiliares aprendem a manobrar ao seu favor a ideologia
dominante.(Althusser. 1980 )
Em relação ao “consumo como fonte de valor humano” a falta de interesse o
antídoto (espiritualidade) dessa estratégia capitalista é bem visível quando se observa
que mais de noventa por cento da população, segundo dados da pesquisa, se dizem
católicos, no entanto, não existe nem uma igreja, ou local de reunião desse contingente,
muito embora aconteça, todos os anos, no mês de julho, festa comemorativa ao dia do
padroeiro (São Cristóvão). Cuja imagem se encontra na sede da associação. Os festejos
acontecem no pátio da Escola, e, segundo argumenta o presidente da Aparahi, Sr.
Tertuliano,
Nós estamos tentando construir uma igreja católica no assentamento:
já temos R$ 600, 00 (Seiscentos reais que foram arrecadados na festa
de São Cristóvão. Ainda não temos porque somos
desorganizados[...] Agora nós já temos uma área social para construir
nossa igreja; já estamos autorizados pelo Incra; já temos o
documento que dá legitimidade à construção da igreja, dado pelo
Incra, porque nós só fazemos alguma coisa com a autorização do
Incra porque nós não somos titulados ainda (CRUZ, 2005,
Informação Verbal).
20
Filósofo francês , conhecido pelas suas idéias e análises marxistas
94
Essa situação não se justifica em um assentamento com mais de 11(onze) anos
de existência e uma população católica, quase na sua totalidade, a não ser pela falta de
interesse em aglutinar algumas pessoas, ou pela falta de conhecimento de que a
espiritualidade da qual fala Frei Beto, pode ser um caminho para despertar nas
pessoas ou grupos, o espírito de solidariedade e do valor das pessoas enquanto seres
humanos que podem moldar e ser moldados, conforme os requisitos da sociedade que
queiram construir.
Assim sendo, pode-se deduzir que para a população jovem do Assentamento
Hipólito, o associativismo é praticamente inexistente. Não existe, nem existiu ali,
qualquer associação destinada a aglutinar os jovens enquanto categoria.
Com a criação do Assentamento, uma nova realidade foi posta; pois, frente ao
novo contexto, uma nova dinâmica é estabelecida ao surgirem novas formas de
organização. Esse novo contexto induz, necessariamente, novas demandas, desta vez
voltadas para as negociações com os agentes de governo, acerca da organização interna
dirigidas, principalmente, à obtenção de créditos e infra-estrutura.
Segundo Leite et. al (2004), a presença de algum tipo de representação dos
trabalhadores é quase obrigatória no processo de luta pela terra. No entanto, uma vez
criado o Assentamento, essa presença nem sempre continua. E quando é mantida, a sua
força é bastante variável. De acordo com esses autores,
As lideranças que participam do processo de conquista da terra
podem ou não se consolidar no novo contexto e as formas
organizativas tendem a se reestruturar. Algumas lideranças se
mantêm, outras sucumbem ao novo cotidiano, há processos de
desfiliação sindical, lideranças que se desligam dos movimentos aos
quais eram anteriormente vinculadas, novas surgem, entre outras
mudanç
as (LEITE et al, 2004, p.112)
Nesse novo contexto, vários organismos internos de representação surgem nos
assentamentos, com destaque para as associações. Estas representam a personalidade
jurídica dos assentamentos, fazendo parte, inclusive, das exigências do Estado para o
repasse de créditos, o que torna quase obrigatória a sua presença naquelas unidades
produtivas.
É inegável a importância das associações, pelos múltiplos significados que
encerram; seja como formas de sociabilidade, seja como mecanismos que contribuem
para fortalecer os assentados, econômica, social e politicamente, ao darem suporte às
95
relações deste com outras entidades e/ou atores exteriores ao assentamento. No
entanto, apesar da literatura sobre o assunto mostrar o envolvimento de associações nos
mais variados aspectos da trajetória dos assentamentos, seja na interlocução com os
agentes e instâncias governamentais na busca do atendimento às suas demandas por
bens e serviços, seja pela organização da produção, comercialização etc, outras
associações existem de forma visivelmente formal, pouco representando para a
maneira organizativa dos assentamentos.
A Aparahi destina-se, principalmente, aos beneficiários do Projeto,
contemplados com lotes, sendo poucos os jovens que fazem parte do seu quadro. Para
alguns jovens, a Associação não tem sentido, pois, não oferece nada que justifique a
participação destes no seu quadro de sócios, uma vez que esta não tem apresentado
atividades que venham a despertar nestes a necessidade dessa participação.
Essa falta de incentivos confirma o caráter formal daquela associação. E, uma
vez voltada para as exigências do Estado no repasse dos créditos, afasta do seu quadro
ou deixa de aglutinar neste, a maioria dos jovens assentados, os quais, por não fazerem
parte dos que têm direito aos créditos (detentores de lotes), não se sentem atraídos para
tal pertencimento, e passam a encarar a existência da associação com certa indiferença
como nos depoimentos que se seguem:
Eu acho que os jovens ficam de fora das atividades da associação.
São excluídos. Rapaz, o que acontece é que os jovem não têm
vontade de ir, e a associação não cria incentivos pra eles
participarem. Não tem uma programação voltada para os jovens
(LIMA, 2005, Informação Verbal).
A atuação da Associação do Projeto não é nada. A coisa é zero. Não
tem influência de nada não. Agente só vê reunião, não vê resultado
dessa reunião nem nada...não sabe assunto de reunião nem nada.
Um dia é um assunto, outro dia é outro(...) tem muito jovem aqui,
que depois de 18 anos tem carteirinha, mas é só pra pagar todo mês,
pra botar em dia pronto. É bem dizer neutra. Eu não tenho não mas
João e Francisco aí(apontando para a casa vizinha) têm. Tudo tem
carteirinha mas é só pra ter. Nem pra que serve eu não sei. (LIMA,
2005, Informação Verbal).
O SLM que também atua no Assentamento, segundo relato das pessoas
96
entrevistadas (jovens e pais), também não oferece nenhum incentivo que possa levar
esses jovens a fazerem parte do mesmo.
Quando questionado sobre essa relação jovem/sindicato, o atual presidente do
SLM, o Sr. Francisco Elpídio, demonstrou reconhecer a necessidade de envolver os
jovens no processo de desenvolvimento dos assentamentos. Mas, não apresentou o que
existe de concreto em relação à filiação destes ao sindicato ao relatar que,
A gente tem na federação uma comissão dos jovens, isso para poder
incentivar os jovens. Pessoas com 40 ou 50 anos, não conseguem
mais mudar esse quadro não. Se o Incra não conseguir juntar os
jovens para mudar esse quadro, com os velhos não muda mesmo! Por
isso é que no Sindicato temos uma comissão dos jovens, pois
acreditamos neles. Não esquecemos os outros (os velhos e as
mulheres), mas, achamos que os jovens são fundamentais para a
transformação social nos assentamentos
(ELPÍDIO, 2005,
Informação Verbal).
Essa ausência de organização e, conseqüentemente, de participação política,
reflete de certa forma o processo de exclusão social a que está submetida uma parcela
significativa dos jovens rurais no Brasil, cujas políticas de desenvolvimento não têm
atingido os seus interesses, ou melhor, as suas necessidades.
Claro está que, a realidade do Hipólito não é um dado suficiente para
confirmar a existência da exclusão em termos nacionais. Mas a escassez de pesquisas e
de projetos voltados para a juventude rural das camadas populares, comprovada no
decorrer dessa pesquisa aponta para a existência dessa desigualdade.
No Assentamento Hipólito, poucos filhos de assentados conseguiram se
enquadrar na condição de beneficiário pela aquisição de lotes, enquanto outros moram
com os pais e aguardam a vez de conseguir também essa condição que depende de
critérios de seleção estabelecidos pelo Incra. A literatura tem mostrado que o
Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra - MST tem em suas estratégias uma
atenção especial para os jovens, tanto em termos de assegurar o acesso à terra quanto
no campo do conhecimento. No entanto, não se verifica que essas estratégias estejam
sendo levadas à prática de maneira uniforme, quando se passa a conhecer realidades
como no caso do Hipólito, no qual os jovens não parecem ter sido alvo de qualquer
ação neste sentido. Em nenhum momento, o MST é citado nas falas dos entrevistados
como uma figura presente na trajetória daquele assentamento.
Nesse sentido, quando indagado sobre a situação dos jovens, o presidente da
Aparahi, o Sr. Tertuliano, assim se expressa:
97
É muito desigual porque uns acreditam na Reforma Agrária e outros
não. Os que acreditam na Reforma Agrária vão permanecer aqui. A
Reforma Agrária depende dos jovens. Eles têm que ter amor por isso,
pelo assentamento. Quem chegou menino hoje está adulto, casam e
constroem família e nós temos aonde alocar eles sim. Aqui
dificilmente vai inchar porque nos distribuímos em assentamentos
próximos como Lagoinha, Espinheirinho, Quixaba e Nova Lagoinha
(CRUZ, 2005, Informação Verbal).
Não obstante às potencialidades e perspectivas apontadas pelo presidente da
Associação, em relação aos jovens e à reforma agrária, cabe indagar, face a situação
em que se encontra o Assentamento Hipólito, se é possível àqueles jovens acreditarem
em reforma agrária. O que seria reforma agrária para aquela população? O discurso
formal sobre reforma agrária não encontra eco no cotidiano dos assentados e, mais
precisamente, daqueles jovens. Não há indícios de tais possibilidades. Alguns
depoimentos são reveladores do que entendem por reforma agrária:
A reforma agrária ajuda porque quando a gente planta aí compra
uma televisão. Quando dá a gente compra um chinelo, uma roupa...
e assim vamos levando a vida (ROCHA, 2005, Informação Verbal).
Ta é... foi uma coisa melhor do mundo essa. Eles arrumaram terra
porque tem muitos deles que querem trabalhar, porque é muito bom
trabalhar em agricultura. Eu sou velha com 57 anos e trabalho na
agricultura [...] a questão daqui é a água. Falta água [...] porque
com a água paga a gente não pode plantar (SILVA, 2005,
Informação Verbal).
A reforma agrária aqui é boa. É porque ninguém soube aproveitar,
tocar pra frente... tem gente que pegou arame, cabra, casa,
forrageira, vaca... mas acabou com tudo, nem o lote cercou...
(LIMA, 2005, Informação Verbal).
A reforma agrária faz muita coisa pelos assentados, porque ela dá
empréstimo. Eu acho que está melhorando. Os assentamentos são
muito bons, é uma oportunidade, por mais que tenha dificuldade
(SILVA, 2005, Informação Verbal).
A reforma agrária não é boa para o Hipólito. Poderia ser melhor,
ajudar mais (SILVA, 2005, Informação Verbal).
A mesma questão foi dirigida ao Presidente da Associação, o Sr. Tertuliano, o
qual oferece uma visão mais complexa ao tocar uma das questões recorrentes em
relação à política do assentamento no tocante à reforma agrária. Em sua fala revela:
98
o que nós precisamos na reforma agrária é que ela não seja apenas
distribuição de terra. Seja uma reforma agrária, mas uma
REFORMA AGRÁRIA!!!. Com distribuição de terra, com crédito. O
que o governo vem fazendo é distribuir terra e nós se matando de
trabalhar. Tivemos assentamentos com 5 [cinco] anos que tiveram
apenas o crédito alimentação e fomento. Isso dói! Nós precisamos
ser mais vistos, porque todos eles sabem que nós somos a base ...
Porque se não fosse o homem do campo era difícil. Ele precisa ser
mais visto e o poder público não vê a gente como pessoas de base e
não prepara nós para produzir
(CRUZ, 2005, Informação Verbal).
Não menos significativa é a visão do presidente do SLM, O Sr. Francisco
Elpídio, sobre a existência ou não da reforma agrária, ao expressar assim o seu
pensamento:
A nossa visão é a seguinte: temos uma luta aí que dura mais de 100
anos pela reforma agrária e na realidade ela não existe ainda. O
que existe hoje no país é a distribuição de terra, e muito mal
distribuída. São desapropriações nas quais não há a mínima
condição de produção[...] não tem no assentamento uma boa
educação, enfim, não tem uma boa estrutura com a infra-estrutura
necessária para desenvolver dignamente a produção (ELPÍDIO,
2005, Informação Verbal).
Nesse contexto, se as políticas que deveriam assegurar aos trabalhadores
assentados a produção, além de outras demandas necessárias ao desenvolvimento do
Assentamento não são assegurados como parte do projeto de reforma agrária, o que
pode ser reservado aos jovens assentados? Como poderão preencher os requisitos
apontados pelo presidente da Associação, para que venham a se constituir em novos
assentados? Certamente, para acreditar na reforma agrária preciso por necessário
conhecer o seu significado, e vivenciá-la na prática. Esse conhecimento prático é o que
poderia levar os indivíduos a sentirem esse “amor” que lhes é cobrado.
Quando indagados sobre o seu dia-a-dia no Assentamento, os jovens deram
algumas respostas vagas, do tipo: “só jogo bola, muito pouco”. A grande maioria
aponta como atividade de lazer o jogo de futebol, no qual os rapazes jogam e as moças
vão assistir; o banho de rio e um bar, onde rapazes e moças vão dançar nos finais de
semana.
Estuda, joga bola e ajuda os pai no trabalho da casa. O que tem a
99
gente é um jogo que a gente se ajuda todo mundo e faz um jogo de
bola. Mas pra esse povo mais novo... No dia de domingo não tem o
que fazer. Aqui era pra ter uma quadra ... alguma coisa pra...porque
tem muito jovem aqui nas duas vila, tem muito (SILVA, 2005,
Informação Verbal).
no momento os meninos estão jogando bola . Aí, as meninas sempre
saem para assistir o torneio... sai para o bar ali... (SILVA, dez/2005,
informação verbal).
No dia-a-dia aqui é complicado. Aqui não tem lazer não tem nada.
Aqui o que tem é um futebol. Nos finais de semana as moças e
rapazes vão para o bar dançar e assistir o futebol no campinho do
assentamento. Aqui é difícil ter uma festinha e a gente não costuma
ir para outros cantos... (LIMA, dez/2005, informação verbal).
o dia-a-dia dos jovem aqui tem muito jovem que trabalha, mas, tem
muitos que passa o dia sem fazer nada às vez dá trabalho aos pais
né? Aí as vez tem muito que é porque não tem trabalho mesmo pros
jovem (FERNANDO, 2005, Informação Verbal)
.
Como as entrevistas foram realizadas durante o dia, a quase totalidade dos
entrevistados não trabalha fora do lote. Daí porque se encontravam em casa. No
entanto, ficou comprovado que outros o fazem. Desses que trabalham fora do lote,
contatou-se que os rapazes trabalham, geralmente, em empresas privadas de irrigação;
e as moças, grande parte trabalha, segundo informações dadas tanto pelos jovens
quanto pelos pais entrevistados, em serviços domésticos na cidade de Mossoró. Umas
trabalham só para conseguir o sustento e ajudar aos pais ou irmãos; e outras, porque,
além dessa necessidade, essa é a opção encontrada para dar continuidade aos estudos,
uma vez que no Assentamento só tem escola até 9º ano do Ensino Fundamental.
Quanto ao acesso aos serviços de saúde a maioria das pessoas entrevistadas
(jovens e adultos), afirma que as condições melhoraram muito. No entanto, percebe-se
que o atendimento nessa área deixa muito a desejar. No Assentamento não existe posto
de saúde e nem a presença regular de médicos. Segundo informações dos próprios
moradores, uma vez por semana vem uma equipe médica e um dentista, cujo
atendimento é feito na Escola. Pelo que se pode perceber, esse atendimento fica restrito
a consultas médicas; e atendimento odontológico, aos casos considerados de urgência.
O que, na visão dos assentados, já representa uma grande melhoria “porque antes nem
isso tinha”. É assim que eles falam:
aqui Graças a Deus a gente tem atendimento. Graças a Deus que a
gente tem. Também aqui a gente tem um pessoal que, Graças a Deus,
100
também aqui ninguém tem doença aguda, epidemia, essas coisa[...]
(MARINHO, 2005, Informação Verbal).
aqui tem muito doutor já. Tem remédio... tem muita coisa de saúde já
aqui. Eles despacham lá na Escola, mas tem muita coisa...Eles dão
remédio, extração de dente[...] (MOURA, ago/2005,informação
verbal)).
A ausência de posto de saúde e a permanência de profissionais especializados
na área, por si só já confirma a precariedade dos serviços de saúde. Considere-se ainda
que são 137 famílias residindo no Assentamento que, apesar da proximidade de centros
urbanos como Mossoró e Assu, conta com outras dificuldades, como a carência de
transporte coletivo e, em muitos casos, de recursos financeiros para deslocamento.
Toda essa problemática vivenciada pela população do Assentamento Hipólito
traz à tona, além das marcas da questão agrária que lhe deu origem, a repercussão da
intervenção do Estado nos seus segmentos administrativos em níveis federal, estadual e
municipal, a qual tem deixado muito a desejar.
Os assentamentos, de um modo geral, têm possibilitado o acesso à propriedade
da terra a uma parcela da população historicamente vítima de exclusão social, uma vez
que mesmo quando inserida de alguma forma no mercado de trabalho, encontrava-se
muitas vezes em condições de grande precariedade. No entanto, isso não quer dizer que
a criação dos assentamentos represente a garantia de sustentabilidade para esses novos
proprietários de terra e suas famílias, visto que a posse da terra, por si só, não é
condição suficiente, embora seja necessária para mudar a situação socioeconômica de
quem a conquista. Uma nova dinâmica é posta com a criação dos assentamentos, e o
sucesso ou fracasso destes vai depender não somente da forma como os assentados se
organizam para apreender novas lutas no sentido de tornar o imóvel eqüitativamente
produtivo. Mas, e principalmente, das políticas de governo adotadas e postas em
prática. Essas necessitam ser racionais, de modo a atender às demandas dos assentados,
de acordo com as suas reais necessidades, sem deixar de levar em consideração as
heranças culturais e experiências anteriores de cada beneficiário e suas respectivas
famílias. Também não se entende a melhoria de vida dos trabalhadores rurais
assentados, principal objetivo da luta pela terra, senão a partir de uma participação
política consciente e organizada, requisito necessário à conquista do espaço político e à
pressão pelo atendimento às demandas dos interesses concretos e imediatos dessa
parcela da população.
101
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os estudos sobre a inserção da população jovem no Hipólito revelaram a
existência de graves problemas naquele assentamento. Não só em relação à questão dos
jovens, pois essa já é uma conseqüência de outras situações que vêm comprometendo a
sua sustentabilidade, e apontam para a necessidade de alternativas políticas,
econômicas e sociais no sentido de reordenar aquela unidade produtiva, buscando
compensar alguns aspectos negativos verificados ao longo da sua trajetória.
A expectativa de um projeto consistente, capaz de expressar as aspirações dos
trabalhadores assentados, seja em relação ao problema agrário, ou no que se refere às
organizações (econômica, social e política) volta-se, necessariamente, para a melhoria
da qualidade de vida, associada ao crescimento econômico e sócio-cultural da
população alvo.
Em se tratando de assentamentos rurais, estes têm origem no processo de lutas
gestadas frente à problemática em torno da questão agrária. Mas não representam ainda
o final do processo. Pode-se dizer que a sua formação é a primeira fase desse processo
e o início de novas lutas na busca de condições de sustentabilidade, cuja viabilização
cabe agora ao Estado e vai depender das formas de relação que se estabelece entre este
nas suas esferas administrativas (municipal, estadual e federal) e os trabalhadores
assentados.
Criado o Assentamento, uma nova dinâmica é posta na vida dos assentados
(beneficiários e seus dependentes). O sucesso ou insucesso deste vai depender do
atendimento, ou não, às reivindicações às várias demandas por infra-estrutura
(estradas, escolas, programas de saúde, energia elétrica créditos) decorrentes do
processo, e fundamentais para garantir o desenvolvimento nos segmentos social,
econômico e cultural dos assentados como um todo.
A capacidade organizativa dos assentados tem se revelado um dos principais
requisitos para a potencialização dessas demandas, cujo atendimento depende,
sobretudo, de uma maior pressão sobre os agentes públicos responsáveis pela prestação
dos respectivos serviços.
No caso, do Assentamento Hipólito, a pesquisa revelou que as famílias
assentadas apresentam um estado bem acentuado de precariedade. As dificuldades
102
financeiras em que se encontram, fruto do insucesso das atividades exploratórias,
apontam para grandes dificuldades em relação à superação dos problemas. Isto, por sua
vez, implica perspectivas negativas para os beneficiários e suas famílias, sobretudo
para os jovens, que sempre ficaram de fora dos projetos e programas.
Com a preocupação voltada para a problemática dos jovens, procura-se tentar
qualificar a inserção destes no Assentamento, a partir da análise de suas condições de
vida e das possibilidades de acesso destes aos bens e serviços, e às oportunidades que
lhes são oferecidas no âmbito do Assentamento. Pela pesquisa, demonstram-se, nesse
aspecto, que essa parcela da população assentada ficou à margem desde o início do
Assentamento, não lhes sendo destinado por parte do poder público com exceção da
escola, que como foi visto, não atende a sua totalidade, e de um atendimento bastante
precário no setor de saúde, não se verifica a existência de nenhum outro programa no
sentido de oferecer aos jovens assentados qualquer oportunidade de acesso a serviços e
bens.
De um modo geral, o Projeto do Hipólito não obteve o sucesso esperado. Dos
fatores que contribuíram para esse insucesso, a análise da situação atual, observada in
loco e repassada pelos agentes consultados na pesquisa (beneficiários, jovens, ex-
técnicos e representantes de entidades como associação, sindicato, ONG e prefeitura),
apontam, em primeiro lugar, para a falta de estrutura organizacional operante.
A investigação sobre o Projeto da Irrigação no Assentamento Hipólito é um
exemplo marcante de que a posse de terra não garante a sustentabilidade da agricultura
familiar. No caso dos assentamentos rurais é importante levar em consideração que a
população assentada, na sua maioria, tem alguma experiência anterior na agricultura.
Acontece que a sua inserção no mercado de trabalho rural se dava de maneira
diferenciada.
No próprio Assentamento Hipólito, verifica-se que a maioria dos assentados
veio do próprio Município, mas outros procedem de municípios e até de Estados
diferentes. E o que é mais importante; no geral, ocupavam atividades agrícolas também
diferentes (assalariados rurais, posseiros, parceiros, arrendatários ou membros não
remunerados da família, em que estão incluídos os jovens com mais de 14 anos, filhos
de produtores sem terra, moradores da periferia urbana, aposentados).
Portanto, apresentando um perfil que não condiz com a realidade do
Assentamento, no que diz respeito às exigências de adequação ao trabalho coletivo,
que agora exige critérios organizacionais e tecnológicos em que o domínio e a eficácia
sejam prioridades para garantir a sustentabilidade. Ou no caso do Projeto Hipólito,
para reverter o quadro observado na realidade vivenciada cujas análises realizadas
103
conduzem às constatações de que faltou um direcionamento político eficaz, tanto no
que se refere às ações dirigidas aos jovens quanto outros problemas que afetam o bom
andamento das atividades produtivas. Como exemplos, tem-se: a baixa lucratividade
das atividades exploratórias, que não permitem uma rentabilidade financeira e
econômica que permitam um padrão de vida digno às famílias assentadas; alguns
problemas de ordem interna da Associação do Projeto, que dificultam o progresso
social e econômico dos trabalhadores assentados; além da falta de assistência técnica,
financeira e social, necessárias à exploração racional das atividades de produção.
A análise da situação vivenciada hoje pelos beneficiários do Assentamento
Hipólito e suas respectivas famílias permitiu identificar alguns aspectos que
contribuíram para que o seu processo de desenvolvimento não viesse a alcançar os
resultados esperados. Identificou-se também que aquele Projeto é dotado de um
potencial favorável à sua viabilidade técnica e política, faltando, para tanto, um
processo de organização rural consistente, que transforme esse potencial (terra para
trabalhar, infra-estrutura, possibilidades de créditos especiais e orientação técnica,
mão-de-obra disponível) em atividades produtivas. O que se acredita ainda ser
possível, já que existe, por parte da população, o desejo e a credibilidade nessa
possibilidade.
Com a pretensão de contribuir de maneira acadêmica para a reestruturação do
Projeto de Assentamento Hipólito, caminho viável para a inserção dos jovens no seu
processo de desenvolvimento, ousa-se aqui, dirigir ao poder público, assim como à
população assentada, algumas sugestões de ações, consideradas necessárias e urgentes
para que os jovens assentados venham a conquistar o espaço que lhes assegure o
exercício da cidadania.
Compreende-se que o desenvolvimento sustentável pressupõe decisões de
planejamento, e que, para se alcançar as mudanças pretendidas, é necessário que essas
decisões estejam dirigidas no sentido de inserir as potencialidades locais num contexto
regional mais abrangente.
No intuito de que as atividades desenvolvidas não se transformem em
soluções parciais do problema social, é necessário que os atores sociais participem das
decisões políticas. Daí, a necessidade de estruturas organizacionais operantes, que
atuem no sentido de definir as estratégias básicas e os objetivos propostos, de forma
racional, respeitando certas peculiaridades do desenvolvimento sustentável, como a
escolha dos meios para alcançar o fim sem excluir o respeito às entidades sócio-
culturais dos beneficiários e seus familiares.
A partir do conhecimento da importância que tem o Assentamento Hipólito
104
para as famílias assentadas, entende-se que algumas ações poderão vir a redirecionar a
posição de insustentabilidade em que se encontra hoje e que reflete diretamente para a
não inserção dos jovens no processo de desenvolvimento.
Uma vez que se trata de ações que envolvem mudanças tanto estruturais
quanto de comportamentos das populações envolvidas, estas certamente não
acontecerão de imediato. Mas, sem dúvida, se postas em prática trarão uma grande
contribuição, considerando-se, por um lado a redução do estado de precariedade dos
assentados, e por outro, o reaproveitamento do que ainda resta dos investimentos
anteriores. Ou seja, parte dos acessórios utilizados no sistema de irrigação (máquinas e
implementos), que se já não cobrem mais o total da área irrigada podem servir para o
início de um projeto menor que, além de servir de alavanca para outros investimentos,
contribuirá para o não sucateamento dos instrumentos que se encontram sem uso.
Outro benefício será o aproveitamento da área antes destinada à irrigação, cujo
abandono além de comprometer o meio ambiente, compromete também a credibilidade
nos assentamentos rurais e naqueles segmentos da sociedade que ainda acreditam na
possibilidade e lutam pela consolidação de uma reforma agrária que não se restrinja
apenas à distribuição de terras; mas, principalmente, as novas gerações precisam de
estar conscientes de que essa luta tem que ser perpetuada.
Não se defende aqui que o retorno da irrigação do melão para o Hipólito seja a
solução para reverter o quadro de precariedade em que se encontra aquela população.
Isso seria contraditório, quando se tem o exemplo da sustentabilidade dessa cultura. O
que se coloca é que, mediante a possibilidade de aproveitamento da área, dos
equipamentos hoje em desuso e da experiência e credibilidade de alguns dos
assentados, que essa cultura seja reimplantada, sim, não como atividade prioritária,
mas como uma alternativa dentre outras, que venham a contemplar as necessidades e
potencialidades dos trabalhadores assentados e do próprio Assentamento.
Nesse sentido, torna-se necessário uma maior atenção para com a população
jovem do Assentamento, não só pela condição de ser jovem, também por ser a parcela
da população menos favorecida quando se trata das condições de trabalho e renda. E
esta sempre esteve excluída dos programas e projetos, restando-lhes poucas
alternativas de autosustentabilidade, a não ser a migração ou trabalhos quase sempre
sazonais e exteriores ao Assentamento.
Os pais e mães desses jovens contam, na maioria dos casos, com acesso a
alguns financiamentos como os concedidos pelo Pronaf, e com benefícios com
aposentadorias, cujo Salário Mínimo se torna máximo; pois, dele dependem outros
membros da família. Para esses pais ou mães, o trabalho já não representa mais o
105
mesmo valor, muito embora não se neguem que a este quando surgem oportunidades, o
que é raro, exceto em atividades agropecuárias em seus próprios lotes, quando
conseguem algum financiamento ou quando as condições climáticas lhes são
favoráveis ao plantio de culturas de subsistência, por vezes, não raro, em quantidades
que não excedem o próprio consumo.
A situação da população mais jovem é mais delicada. A estas falta terra,
financiamentos, trabalho, condições de moradias etc. Os que chegaram ao
Assentamento adolescentes, hoje são adultos que formam novas famílias, sem
nenhuma garantia quanto à sua inserção em relação ao acesso à terra, dependentes de
critério seletivos, quando surge uma oportunidade nos assentamentos existentes, ou
sujeitos às condições subumanas dos acampamentos, onde famílias inteiras
permanecem, às vezes, durante anos, dando continuidade à incansável luta por uma
reforma agrária que, no seu sentido real, parece caminhar na contra-mão por caminhos
paralelos e infinitos.
Também não se questiona aqui, a importância dos assentamentos rurais, pelos
vários motivos já referidos no decorrer desse trabalho. Mas o tratamento que tem sido
dado aos assentados pelas políticas públicas e pelas entidades responsáveis, os quais
não têm contribuído de maneira eficiente para a sustentabilidade dessas unidades
produtivas, pelo menos na sua totalidade, como se pode observar no assentamento em
estudo.
Reverter esse quadro passa, também, sem sombra de dúvida, pela necessidade
de mediações com atores comprometidos com os novos desafios impostos à sociedade
brasileira nos anos recentes. Atores, dotados dos valores e da instrumentalização
necessários para uma atuação eficiente nos processos sociais. Capazes de pensar,
analisar e decifrar a realidade, e nela atuar de formas a moldar os rumos da história
dessa sociedade em prol de uma sociedade mais justa e igualitária na qual sejam
respeitados os critérios de cidadania na perspectiva de um novo ordenamento das
relações sociais.
106
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111
ANEXO 1
PESQUISA DE CAMPO
ENTREVISTA COM OS JOVENS DO ASSENTAMENTO HIPÓLITO
1. NOME__________________________________________2.
IDADE___________________
3. SEXO_____________________ 4. RELIGIÃO___________________________
5. HÁ QUANTO TEMPO E COM QUEM MORA NO ASSENTAMENTO?
6. QUAIS OS PRINCIPAIS PROBLEMAS QUE VOCÊ DETECTA NO
ASSENTAMENTO?
7. COMO OS JOVENS TÊM SE ENVOLVIDO NAS LUTAS EM BUSCA DE
MELHORIAS PARA O ASSENTAMENTO HIPÓLITO?
8. COMO VOCÊ SE SENTE NO ASSENTIMENTO? E POR QUE?
9. A VIDA NO HIPÓLITO HOJE É DIFERENTE DO INÍCIO? POR QUE?
10. VOCÊ ESTUDA? ONDE E QUE SÉRIE?
11. A MAIORIA DOS JOVENS DO HIPÓLITO MORA AQUI OU É COMUM
SAÍREM PARA OUTRA COMUNIDADE? POR QUE SAEM?
12. COMO É O DIA-A-DIA DOS JOVENS AQUI NO HIPÓLITO?
13. TEM OU JÁ TEVE ALGUMA INSTITUIÇÃO ATUANDO COM OS JOVENS
AQUI?
14. VOCÊ TEM PARTICIPADO DE CURSOS/PALESTRAS AQUI NO HIPÓLITO?
15. OS JOVENS PARTICIPAM DAS ATIVIDADES DA ASSOCIAÇÃO?
16. COMO VOCÊ VÊ A PARTICIPAÇÃO DOS JOVES NA VIDA POLÍTICA DO
HIPÓLITO?
17. TEM ÓRGÃOS DO GOVERNO TRABALHANDO AQUI NO HIPÓLITO?
18. O QUE VOCÊ DESEJA PARA O SEU FUTURO E COMO ACHA QUE É
POSÍVEL REALIZAR ESSE SONHO?
19. O QUE VOCÊ ACHA DA REFORMA AGRÁRIA E DOS ASSENTAMENTOS
RURAIS?
112
ANEXO 2
PESQUISA DE CAMPO
PRODUTORES ASSENTADOS
Localidade: Assentamento Hipólito Data:
____/____/_____
NOME__________________________________________
IDADE__________________
SEXO_________________________
RELIGIÃO________________________________
1. QUANDO E PORQUE VEIO PARA O ASSENTAMENTO?
6. JÁ TEVE TERRA ANTES DE VIR PARA O ASSENTAMENTO?
7. COMO O(A) SR.(A) TRABALHAVA ANTES DE VIR PARA CÁ?
8. QUAIS AS PRINCIPAIS DIFICULDADES NO INÍCIO DO ASSENTAMENTO?
9. QUAIS OS ÓRGÃOS QUE ATUAVAM AQUI NO INÍCIO?
10. QUAIS OS ÓRGÃOS/ENTIDADES QUE ATUAM HOJE?
12. COMO SE DA A PARTICIPAÇÃO DOS ASSENTADOS NA ASSOCIAÇÃO?
13. O QUE É PRODUZIDO HOJE NO ASSENTAMENTO?
14. DE ONDE VEM OS RECURSOS PARA O PLANTIO E QUAL O DESTINO DA
PRODUÇÃO?
15. QUAL A RENDA MENSAL DA FAMÍLIA?
16. QUE MUDANÇAS CONSIDERA URGENTE PARA O ASSENTAMENTO
HOJE?
17. COMO VIVEM OS JOVENS NO ASSENTAMENTO?
18. EM DETERMINADAS ÉPOCAS DO ANO O(A) SR.(A) OU ALGUM FILHO,
TRABALHAVA NA LAVOURA DE OUTRA PESSOA COMO TRABALHADOR
ALUGADO?
19. O(A) SR.(A) VENDE O QUE PRODUZ, OU PLANTA APENAS PARA O
CONSUMO DA FAMÍLIA?
20. O(A) SR(A) OU OUTRA PESSOA DA SUA CASA, TEM OUTRA RENDA
(GANHO) FORA DA AGRICULTURA?
(continuação)
21. SE TEM, MESMO QUE ÀS VEZES, CITAR A ATIVIDADE E QUEM
113
PRATICA.
22. DE QUANTO É ESSA OUTRA RENDA?
23. O RELACIONAMENTO DO(A) SR.(A) COM AS OUTRAS FAMÍLIAS
ASSENTADAS É BOM?
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