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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
DOUTORADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
MARIA CONCEIÇÃO MACIEL FILGUEIRA
ELOY DE SOUZA: UMA INTERPRETAÇÃO SOBRE O NORDESTE
E OS DILEMAS DAS SECAS
NATAL
2009
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MARIA CONCEIÇÃO MACIEL FILGUEIRA
ELOY DE SOUZA: UMA INTERPRETAÇÃO SOBRE O NORDESTE
E OS DILEMAS DAS SECAS
Tese apresentada ao Programa de Pós-
graduação em Ciências Sociais, da
Universidade Federal do Rio Grande do
Norte, como requisito parcial para a obtenção
do título de Doutor em Ciências Sociais. Área
de Concentração: Dinâmicas Sociais, Práticas
Culturais e Representações. Linha de
Pesquisa: Pensamento Social, Sistemas de
Conhecimentos e Complexidade.
Orientador: Prof. Dr. José Antônio Spinelli
Lindoso.
NATAL
2009
Catalogação da Publicação na Fonte
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Biblioteca Central Zila Mamede
Filgueira, Maria Conceição Maciel.
Eloy de Souza : uma interpretação sobre o Nordeste e os dilemas das secas /
Maria Conceição Maciel Filgueira. Natal, RN, 2009.
401 f.
Orientador: Prof.
Dr. José Antônio Spinelli Lindoso.
Capa: Criação de Luana Moreira Pamplona.
Tese (Doutorado em Ciências Sociais) – Universidade Federal do Rio Gran-
de do Norte. Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Programa de Pós-
Graduação em Ciências Sociais. Área de Concentração: Dinâmicas Sociais,
Práticas Culturais e Representações. Linha de Pesquisa: Pensamento Social,
Sistemas de Conhecimento e Complexidade.
1. Souza, Eloy de (1873-1959) – Tese. 2. Pensamento Social – Tese. 3. Nor-
deste – Tese. 4. Secas – Tese. 5. Burguesia agro-industrial – Tese. I. Lindoso,
José Antônio Spinelli. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Tí-
tulo.
RN/BCZM CDU 316.343.652“1873-1959”
MARIA CONCEIÇÃO MACIEL FILGUEIRA
ELOY DE SOUZA: UMA INTERPRETAÇÃO SOBRE O NORDESTE
E OS DILEMAS DAS SECAS
Aprovada em: / / .
BANCA EXAMINADORA
_____________________________________________________
Prof. Dr. José Antonio Spinelli Lindoso
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)
Orientador
___________________________________________________________
Prof. Dr. José Willington Germano
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)
Examinador Titular
___________________________________________________________
Prof. Dr. Douglas Araújo
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)
Examinador Titular
______________________________________________________
Prof. Dr. Benedito Vasconcelos Mendes
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN)
Examinador Titular
___________________________________________________________
Prof. Dr. Hermano Machado Ferreira Lima
Universidade Estadual do Ceará (UECE)
Examinador Titular
_________________________________________________
Prof. Dr. João Emanuel Evangelista
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)
Examinador Suplente
_________________________________________________
Profª Drª Maria Auxiliadora dos Santos
Universidade Federal do Semi-árido (UFERSA)
Examinador Suplente
Tese apresentada ao Programa de Pós-graduação
em Ciências Sociais, da Universidade Federal do
Rio Grande do Norte, como requisito parcial para à
obtenção do título de Doutor em Ciências Sociais.
Área de Concentração: Dinâmicas Sociais, Práticas
Culturais e Representações. Linha de Pesquisa:
Pensamento Social, Sistemas de Conhecimentos e
Complexidade.
À memória de meus pais, Sabino Maciel nior e Isabel de
Queiroz Maciel, minhas verdadeiras escolas, meus primeiros
professores, que apostavam na educação dos filhos, como
garantia de sobrevivência humana.
Às manas, Donária (Lalala), Dolores (Lolole) e Tercina, pela
dedicação, renúncia e sacrifício em função da educação e
bem-estar dos irmãos.
À memória do irmão, Ítalo Maciel (Itinho), meu grande ídolo
intelectual, pessoa por quem eu tinha grande admiração diante
de sua aguda inteligência. Conversador eloquente e profundo
nos seus conhecimentos, grande idealista que me influenciou
com o seu pensamento, instigando-me à leitura, orientando-
me. A ele que sem a sua voz bonita, destruída pela doença, foi
forçado ao sacrifício do silêncio, durante oito meses, antes de
morrer.
Ao esposo, Raimundo Filgueira, o carinho, a confiança, a
paciência, a segurança, o aprendizado conjunto, a amizade, a
tolerância, os desabafos, e o incentivo nesta jornada.
Aos filhos do coração, Lisane (Lili), Cínara (Cici) e Alano
Laninho), preciosos tesouros de minha vida, luzes do meu
caminho.
AGRADECIMENTOS
Acima de tudo a Deus, poder superior, maior que toda a dificuldade, fonte de
sabedoria e amor, imprimindo-me força, coragem e perseverança para vencer esta
trajetória.
À minha família da qual nasci: aos meus pais, Maciel e Isabel, que me deram a
vida e os ensinamentos básicos dentro dos princípios religiosos, cristãos,
indispensáveis a uma convivência humana e fraterna. Uma educação rigorosa,
moralizadora, em que autoridade paterna era inviolável; de Isabel o seu exemplo
de vida, a simplicidade, a paciência, a meiguice, a bondade, a caridade, a humildade
me bastou; da tia-avó Rosa (Tia Santa), a transmissão do catecismo; às manas,
Lalala, Lolole e Tercina, minhas professoras, a solidariedade, as orações; ao mano
Itinho, a contribuição intelectual. Aos manos, Oscalina (Nininha), Davi, Elisabete
(Bebeta), a estima e o estímulo.
À família por mim constituída: marido e filhos, respectivamente, Filgueira,
Lisane (Lili), Cínara (Cici) e Alano (Laninho), que me acompanharam com carinho
nesse trabalho, me estimulando, sugerindo, apoiando, interagindo, vibrando e
compreendendo minhas ausências.
Agradeço em particular, a Lili que vivenciou comigo esse percurso, aliviando os
meus pânicos com o computador e o stress na fase de acabamento da tese, além de
elaborar o Abstract em inglês, que foi revisado por Bruno de França (namorado de
Cínara).
A Luana (noiva de Alano), a atenção e a torcida.
Aos que fazem a Academia
Primeiramente a dois ilustres professores do Programa de Pós-Graduação em
Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte:
- Ao Dr. José Antonio Sinelli Lindoso, Orientador deste trabalho, que de forma
humana, sem o pedantismo e sem os formalismos burocráticos próprios da
academia, de forma competente, séria e criteriosa, teve a atenção necessária,
usando sempre palavras que confortam e encorajam, sem abdicar das críticas que,
por vezes chocam, mas, que estimulam o crescimento intelectual e fazem ir além.
- Ao Dr. José Willington Germano, que me acompanhou desde o mestrado, na
qualidade de competente orientador e professor exemplar e agora, no doutorado, me
norteou e me despertou para o redirecionamento de minha temática no Seminário de
Tese e no Seminário Doutoral; suas sugestões, naquele momento crucial, foram
muito importantes, além de indispensáveis à construção deste trabalho.
Outros professores merecem o devido agradecimento
- Ao Dr. Douglas Araújo, as significativas contribuições na qualificação e a sua
aceitação em participar da Banca Examinadora.
- Aos professores, Dr. Benedito Vasconcelos Mendes - UERN e Dr. Hermano
Machado Ferreira Lima - UECE, por se disporem a participar da Banca
Examinadora, um momento extremamente significativo do trabalho, bem como aos
professores, João Emanuel Evangelista (UFRN) e Maria Auxiliadora dos Santos
(UFERSA), a aceitação condicional como participante da Banca Examinadora.
- Às professoras, Drª Maria da Conceição de Almeida e Drª Norma Takeuti, a
atenção e sensibilidade humana.
Aos demais professores do Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais e
aos secretários Otâneo Revoredo Costa e Natasha Medeiros Hart, pela
competência, atenção e cordialidade no atendimento.
- À Faculdade Mater Christi – FMC
Em especial, a Auxiliadora Tenório Pinto de Azevedo (Diretora Geral), pela
confiança, atenção, amizade, colaboração e compreensão durante esta fase,
priorizando os meus horários.
Aos professores da FMC, Henri Iuri Paiva e Rodrigo Almeida (ex-Coordenador e
Coordenador atual, respectivamente, do Curso de Direito, no qual leciono), a
consideração e o reconhecimento.
- A Leila Karina (Tesoureira da FMC), a atenção e consideração.
- Sônia Maria (Secretária Geral da FMC), a compreensão.
Às colegas e amigas
A Lenina, colega do doutorado em Ciências Sociais, as discussões, as sugestões, a
atenção e consideração.
A Edivânia, amiga e colega do mestrado e do doutorado em Ciências Sociais da
UFRN, com quem compartilhei as dúvidas, alegrias, angústias e os desabafos.
A Angelike Silva, eficiente bibliotecária da Zila Mamede, a atenção, a amizade, a
consideração e o rigor na revisão normativa.
A Lindinês, amiga e colega de algumas disciplinas do curso, os momentos
divertidos incontidos... A expectativa.
A Luana Pamplona, a sensibilidade, a atenção e o capricho na feitura da capa.
A Anunciada Dutra, a correção desta tese, atendendo prontamente à minha
solicitação apressada.
Aos facilitadores de fontes bibliográficas
A Rosalba Ciarline, Senadora da República pelo Rio Grande do Norte,
conterrânea amiga, colocando Obery Júnior, seu Assistente Técnico, à disposição
desta pesquisa.
Antonio José Viana (Toti), o envio da Subsecretaria de Informações do Senado
Federal de alguns pronunciamentos de Eloy no Senado.
A Rejane Serejo Cardoso e Vicente Serejo, a atenção dispensada, sempre
prontos a colaborar neste trabalho.
A Jerônimo Dix-sept Rosado Maia Sobrinho, Diretor Executivo da Fundação
Vingt-un Rosado, a inteira disponibilidade do acerto da Coleção Mossoroense.
A Caio César Muniz, Editor da Coleção Mossoroense, a atenção e colaboração.
A Ranielli Alves da Costa, Auxiliar Administrativo da Fundação Vingt-un Rosado, a
busca de acervos, a presteza e cordialidade.
Ao Raimundo Brito, dedicado historiador mossoroense, a franca disponibilidade
do seu arquivo pessoal.
Ao Valério Mesquita, a disposição em ajudar na pesquisa bibliográfica.
Enélio Petrovich, Diretor do Instituto Histórico e Geográfico (IHG) a atenção,
doação de publicações do IHG e interesse pelo estudo.
Ao professor Elder, o secretário Marcio e Antonio do Departamento de História da
UFRN, a gravação de Cd’s e DVD’s microfilmados do Jornal A República (1889-
1910).
Ao Tarcísio Gurgel, ex-colega do curso de Ciências Sociais em Mossoró, a
disponibilidade de sua biblioteca particular, a presteza e amizade.
A Tereza Aranha, a atenção, colaboração e doação de livros.
A Cláudia Guerra, Secretária do Instituto Otto Guerra, a presteza.
Ao Benedito Vasconcelos Mendes, a doação de livros de sua autoria.
A Rosemary Lima Barreto, Secretária do Memorial Aluízio Alves a pronta
colaboração e a fineza no atendimento.
À professora Maria do Livramento Clementino, o empréstimo de livros.
Ao professor Aldenor Gomes da UFRN, o empréstimo de livros.
A Wandyr Villar, o envio de fotos e textos.
A Anderson Tavares, historiador de Macaíba, o envio de fotos.
A todos que contribuíram para a realização deste trabalho.
SER GRATO
Ceição Maciel
Ser grato
É ter a capacidade de reconhecer
Tudo o que foi recebido
Retribuindo, agradecendo...
Assim, perceber, o quanto na vida,
É importante servir,
Fazer, por fazer,
Sem interesses, despretensiosamente,
Apenas por prazer
De compartilhar, SER ÚTIL, colaborar...
Agradecer,
Permite entender,
A imperfeição do saber humano.
Convence sentir,
A dificuldade do fazer sozinho.
Garante acreditar,
Na importância do agir compartilhado.
Credencia confiar,
Na eficácia da produção socializada.
Agradecer,
Eleva a alma
Aprimora a humildade
Engrandece o espírito
Atesta necessidades humanas
Exercita a calma
Aquece amizades
Exatamente, pela simples virtude de saber RECONHECER.
Agradecer!
Agradecer,
Por quase nada,
Uma atenção, uma amizade.
Por algo que parece insignificante,
Uma carona, algo emprestado, ou mesmo dado.
Por ser gentil,
Um mero gesto, uma cortesia, uma palavra.
Por grande coisa,
Um favor, conforme o caso...
O que mais apraz? Dar ou agradecer?
O prazer de dar (sem alegar), é igualmente,
Tão, ou mais gratificante
Que a alegria de receber.
Simbiose da vida: dar e aceitar,
TROCAR, simplesmente.
Reciprocidade, gerando felicidade,
Tendo maior significado, quando acompanhada
Pela virtude de ser grato.
AGRADECER.
RESUMO
Estuda-se o pensamento de Eloy de Souza (1873-1959), que
deixou uma produção intelectual significativa no âmbito jornalístico, cultural e
político sobre o Nordeste e os dilemas das secas. Através do método de
análise de conteúdo, investiga-se o discurso jornalístico e literário, buscando
compreender a elaboração e/ou reiteração de categorias, de representações
e de valores; verifica-se como se deu a constituição do pensamento político e
quais as principais vertentes; analisa-se o discurso parlamentar, presente em
intervenções no plenário, participação em comissões e em projetos,
particularmente na área temática das secas. Constata-se que sua obra é
construída numa perspectiva política e ideológica inserindo interesses da
burguesia latifundiária e comercial nordestina e dos seus estratos políticos,
no interior do bloco histórico de poder agrário-industrial que tem como foco
de irradiação a "região" do café representada politicamente pelas oligarquias
paulista e mineira. Nesse sentido, emergem duas categorias cruciais: as
secas e o sertanejo, como a síntese do homem nordestino e brasileiro, com
sua capacidade de resistência e adaptação e esforço criador num ambiente
adverso, que Eloy de Souza passou a inserir no discurso político. Porém, a
visão que passa do “sertanejo sofredor”, expressa idealização de um estilo de
vida que corresponde a uma dominação tradicional, a qual pretende que seja
reproduzida. Embora buscasse a solução para a seca através da
modernização da economia mediante a adoção de métodos avançados como
a irrigação, sua preocupação voltava-se para a conservação da hegemonia
política econômica e cultural dessa elite. Assim, a inquietação com o
processo de integração dos setores subalternos, justifica seu discurso
consensual, harmônico como intelectual orgânico da burguesia agrário-
comercial, do Nordeste brasileiro.
Palavras chaves: Eloy de Souza. Nordeste. Secas. Sertanejo. Burguesia
Agro-industrial.
ABSTRACT
The thought of Eloy de Souza is studied (1873-1959), that left a
significant intellectual production in the journalistic, cultural and politicial scope
on the Northeast and the dilemmas of the droughts. Through the method of
content analysis, his journalistic and literary speech is investigated, looking at
to understand the elaboration and/ or reiteration of categories, of
representations and of values; it is verified how was conceived the constitution
of the political thought and which is it´s principal slopes; the parliamentary
speech, present in his interventions is analyzed in plenary session, participation
in commissions and in his projects, particularly in the thematic area of the
droughts. It is verified that his work is built in a political and ideological
perspective inserting the bourgeoisie landowner's interests and Northeastern
commercial and of it´s political strata, inside the historical block of agro-industry
power that has as irradiation focus the area of the coffee represented politically
by the oligarchies person from São Paulo and Minas Gerais. In that sense, two
crucial categories emerge: the droughts and the country, as the Northeastern
and Brazilian man's synthesis, with their resistance capacity and adaptation,
and their creative effort in an adverse enviroment, that Eloy de Souza started to
insert in his political speech. However, the vision that he passes of the "country
suffer", expresses a certain idealization of a lifestyle that corresponds to a
traditional dominance, that he want´s to be reproduced. Although it looked for
the solution for the drought through the modernization of the economy by the
adoption of advanced methods as the irrigation, his concern went back to the
conservation of the economical and cultural political hegemony of that elite.
Thus, his inquietude with the process of integration of the subordinate sections,
justifies his consensual speech, harmonic as organic intellectual of the
agrarian-commercial bourgeoisie of the Brazilian Northeast.
Key words: Eloy de Souza. Northeast. Droughts. Agriculture-industrial
bourgeoisie. Country.
LISTA DE ILUSTRAÇÃO
Mapa 1 - Antigo Polígono das Secas ........................................................................
55
Mapa 2 - Nova Delimitação do Semiárido ................................................................
57
Foto 1 - Eloy de Souza .............................................................................................
100
Foto 2 - Casa ‘Paula Eloy & Cia’................................................................................
111
Desenho 1 – Percurso entre Recife e Macaíba ........................................................
113
Foto 3 - Eloy Castriciano de Souza e Henriqueta Leopoldina de Souza (pais
de Eloy de Souza) ........................................................................................
114
Foto 4 - Eloy de Souza no Jornal A República .........................................................
121
Foto 5 - Faculdade de Direito do Recife ...................................................................
126
Foto 6 - Eloy de Souza no Egito ...............................................................................
128
Foto 7 - Eloy de Souza .............................................................................................
132
Foto 8 - Pedro Velho .................................................................................................
145
Foto 9 - Eloy de Souza .............................................................................................
145
Foto 10 - Eloy de Souza e seus companheiros de prisão ........................................
149
Foto 11 - Eloy de Souza e o amigo Dinarte Mariz ....................................................
150
Foto 12 - Eloy de Souza e esposa Alice Xavier de Paula .........................................
150
Foto 13 - Eloy de Souza na Câmara e no Senado ...................................................
152
Foto 14 - Eloy de Souza e Aluízio Alves ...................................................................
153
Foto 15 - Eloy recebe visita de José Américo ........................................................
154
Foto 16 - Casa em que Eloy passou seus últimos dias ............................................
154
Foto 17 - Parte Posterior da Carteira profissional de Eloy de Souza .......................
172
Foto 18 - Parte Anterior da Carteira Profissional de Eloy de Souza .........................
172
Foto 19 - Fabião das Queimadas .............................................................................
186
Foto 20 - Eloy de Souza ...........................................................................................
229
Foto 21 - Vaquejada em homenagem à Eloy de Souza ...........................................
231
Foto 22 - Eloy de Souza na porteira do curral ..........................................................
232
Foto 23 - Eloy vaqueiro .............................................................................................
233
Foto 24 - Eloy de Souza no Rio de Janeiro ..............................................................
246
LISTA DE QUADROS
Quadro1 - Governadores do Rio Grande do Norte – RN (1889-1896) .................... 140
Quadro 2 - Governadores do Rio Grande do Norte – RN (1896-1943)....................
144
Quadro 3 - Quadro síntese do vestuário de Natal/interior do Seridó meados
do século XIX e início do século XX .....................................................
177
Quadro 4 - Festas Tradicionais Religiosas Natal/Sertão do Seridó meados do
século XIX e Início do Século XX..........................................................
185
Quadro 5 - Quadro síntese dos costumes de Natal/interior do Seridó meados
do Século XIX e início do século XX ......................................................
189
LISTA DE TABELAS
Tabela 1- Secas dos Séculos XVIII e XIX ........................................................... 221
Tabela 2 - Secas nos Séculos XVI e XVII ........................................................... 226
Tabela 3 - Secas dos Séculos XVIII, XIX e XX ................................................... 236
LISTA DE SIGLAS
BNB - Banco do Nordeste do Brasil
BNDES - Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
CEPAL – Comissão Econômica para a América Latina
CNG – Conselho Nacional de Geografia
CTEF – Conselho Técnico de Economia e Finanças
DNOCS – Departamento Nacional de Obras Contra as Secas
EMATER – Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural
FCO - Fundo Constitucional de Desenvolvimento do Centro- Oeste
FINOR – Fundo de Investimentos do Nordeste
FNE – Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste
FNO – Fundos Constitucionais de Desenvolvimento do Norte
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IOCS – Inspetoria de Obras Contra as Secas
IFOCS - Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas
IHGRN – Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte
INSA – Instituto Nacional do Semiárido
GTDN – Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste
GTI – Grupo de Trabalho Interministerial
MI – Ministério do Interior
PDSA - Plano Estratégico de Desenvolvimento Sustentável do Semi-Árido
PRONAF – Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar
SUDENE – Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste
TSA – Trópico Semiárido
SUMÁRIO
1
INTRODUÇÃO
.........................................................................................
15
2
NORDESTE
E
SECAS
............................................................................
4
1
2.1 DINÂMICA DA CONSTITUIÇÃO DO NORDESTE..................................
4
2
2.2
2.3
VISÕES SOBRE O NORDESTE............................................................
A QUESTÃO MERIDIONAL DA ITÁLIA VERSUS A QUESTÃO
NORDESTE NO BRASIL
59
88
3
A CONSTRUÇÃO DE UM PERCURSO
..................................................
10
0
3.1 ENTRE RECIFE E MACAÍBA..................................................................
10
3
3.2 TRAJETÓRIA INTELECTUAL.................................................................
12
1
3.3 BIOGRAFIA POLÍTICA............................................................................
132
4
IMPRESSÕES CULTURAIS DO RIO GRANDE DO NORTE
.................
15
6
4.1 IMAGENS DO LITORAL E DO SERTÃO................................................
157
4.2 CULTURA SERTANEJA..........................................................................
19
1
4.3 VISÃO CULTURAL E ECONÔMICA DA SECA.......................................
2
07
5
O NORDESTE E A S
ECA: UM PROBLEMA POLÍTICO
........................
213
5.1
INTERPRETAÇÕES DE ALGUNS NORTE-RIO-GRANDENSES
SOBRE O NORDESTE E AS SECAS.....................................................
217
5.2
5.3
ELOY DE SOUZA: A LUTA CONTRA AS SECAS E POSSÍVEIS
SOLUÇÕES: A IRRIGAÇÃO...................................................................
RESULTADOS DO DISCURSO DE ELOY DE SOUZA COMO
INTELECTUAL ORGÂNICO....................................................................
245
261
6
CON
CLUSÃ
O
..........................................................................................
269
REFERÊNCIAS
........................................................................................
276
ANEXOS
..................................................................................................
30
4
8
15
1 INTRODUÇÃO
Este trabalho visa estudar o pensamento de Eloy Castriciano de Souza
(1873-1959), mais conhecido como Eloy de Souza, o qual deixou uma marca
exponencial do seu talento representada por meio de uma produção intelectual
jornalística, cultural e política, no Rio Grande do Norte, à época. A obra de Eloy de
Souza até hoje, primeira década do século XXI, não é muito lembrada, razão pela
qual raramente é debatida no meio acadêmico.
A respeito do esquecimento imposto à intelectualidade brasileira, Darcy
Ribeiro, antropólogo, escritor e político mineiro, falava do Brasil como uma máquina
de moer talentos e homens. Vivia assustado com a quantidade de pensadores
brilhantes que eram desprezados jogados num limbo cruel e idiota, a exemplo de
Manoel Bomfim
1
, que durante anos foi hóspede desta zona de esquecimento.
Embora tenha deixado uma obra magistral na qual explicava por meio da noção de
parasitismo, o atraso da América Latina e do Brasil, ao seu modo, revolucionária e
tantos outros como Eloy de Souza, resgatado nesta pesquisa.
Sobre essa questão do que está ausente ou presente nos registros
discursivos, Paul Ricoeur, filosoficamente reflete sobre três elementos que aponta
como indissociáveis: a memória, a história e o esquecimento. A memória e a história
se perdem, quando há esquecimento. “O esquecimento é o emblema de quão
vulnerável é nossa condição histórica.” (RICOUER, 2007, p. 300).
1
Manoel Bomfim nasceu em Aracaju (1868-1932), intelectual, de descendência africana, filho de
família burguesa que se firmara como “senhores de engenhos”, foi médico, pedagogo e
historiador, mas foi como profissional da educação que ele se destacou. Entre suas principais
obras, sobressaem-se, entre outras: América Latina: males de origem, Brasil na História, Através do
Brasil, Brasil Nação.
Sempre vivi no Parlamento e fora dele, o apenas o drama político e partidário
da atividade a que fui chamado e às vezes reluto em acreditar que fosse minha
vocação. Fosse ou não tivesse sido a verdade é que exerci esta atividade com o
pensamento na minha terra e na minha gente, isto é, sofrendo as angústias do
meu Nordeste, tantas vezes morto de fome e de sede e sempre vivo e alerta
com os compromissos da vida para com a Nação.
Eloy de Souza
Prestaria sem dúvida um grande serviço ao Estado quem se desse ao trabalho
de reunir o muito que o Dr. Eloy de Souza deixou escrito e esparso.
. Otto Guerra
16
As principais obras de Eloy de Souza são: Secas do Norte e cabotagem
nacional, discurso pronunciado no Congresso Nacional, Rio de Janeiro, na Sessão
de 28 de novembro de 1906; Costumes Locais primeira conferência proferida, no
Palácio do Governo, publicada na Tipografia do Jornal A República, Natal-RN, em
20-02-1909; Um problema nacional projeto de justificação, Congresso Nacional -
Câmara dos Deputados (Sessão de 30 de agosto de 1911), Rio de Janeiro:
Tipografia do Jornal do Comércio, Rodrigues & C., 1911; Cartas de um
desconhecido (21 cartas publicadas no Jornal A República no ano de 1914) com o
pseudônimo Jacinto Canela de Ferro e publicadas em livro em Natal-RN: Fundação
José Augusto, 1969.
Eloy de Souza foi o redator, tomando posse, como diretor da Imprensa
Oficial do RN em 18 de dezembro de 1937 e em 23 de maio de 1941 é nomeado
diretor efetivo da Imprensa Oficial.
Dando prosseguimento a suas obras, seguem: Conferência em Lages
(sem data determinada, estima-se ter sido proferida no período compreendido entre
1919-1930); Cartas de um Sertanejo (17 cartas publicadas no Jornal Diário de Natal
2
no ano de 1926) com o pseudônimo Jacinto Canela de Ferro e publicadas em livro
em Brasília: Gráfica do Senado, 1983; Alma e poesia do litoral do Nordeste -
Conferência em benefício da construção da Capela de Santa Terezinha, Natal-RN,
1930; O Calvário das secas, considerado o livro mais importante publicado pela
Imprensa Oficial, Natal-RN, em 1938, em 2
ª
edição em Mossoró-RN: Coleção
Mossoroense, 1976 e em 3
ª
edição INL/Pró-Memória, FJA, Brasília/Natal, Rio, 1983.
Este livro foi o resultado de uma rie de artigos da autoria de Eloy de Souza
editados no Jornal A República em 1937, polemizando com o professor Clodomiro
Pereira da Silva, engenheiro da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo,
autor do livro, O problema das secas no Nordeste brasileiro, que discordava dos
propósitos da Inspetoria de Obras Contra as Secas (IOCS), resultante do Projeto de
Eloy de Souza como Deputado Federal; Tobias Monteiro: jornalista e historiador,
publicado no Rio de Janeiro: Ed. Jornal do Comércio, 1942; Habitação do Rio
Grande do Norte, artigo publicado no Jornal A República, Natal-RN, 1943; Getúlio e
o Estado Nacional, discurso proferido em 10-11-1943, nos estúdios da Rádio
2
A folha matutina Diário de Natal foi fundada por Dom José Pereira Alves, Bispo Diocesano em 1924
e pertencia ao Centro de Imprensa Católica, tendo como Diretor Antonio Soares e como
colaborador Eloy de Souza com o pseudônimo de Jacinto Canela de Ferro. (MELO,1987).
17
Educadora de Natal-Rn (não localizado); A política financeira e as Caixas
Econômicas, em 1951 (esse livro não foi localizado, nem na biblioteca da Caixa
Econômica Federal); Memórias, livro iniciado em 1956, ditado por ele aos 83 anos e
datilografado por Câmara Cascudo. Após sua morte (07-10-1959), em 24 de
dezembro de 1959 - Cascudo, anuncia numa Acta Diurna a publicação de Memórias
de um Velho, titulo inicial do livro de memórias de Eloy, que em edição foi
intitulado Memórias, publicado em Natal-RN: Fundação José Augusto em 1975.
Apesar de extensa, a obra de Eloy de Souza encontra-se incompleta, por
vezes, ausente nas bibliotecas acadêmicas, nas bibliotecas públicas e no Instituto
Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte (IHGRN). Na Assembléia Legislativa
em Natal-RN, onde ele foi Deputado Estadual no triênio 1895-1897, o nenhum
documento a respeito de pronunciamento seu, nem na Biblioteca, nem na Secretaria
Legislativa. Inclusive a Câmara Federal, onde teve quatro mandatos, como
Deputado Federal (1897-1899), (1900-1911), (1912-1914), (1927-1930), e o próprio
Senado Federal, onde foi Senador em três mandatos (1914-1921), (1921-1927),
(1935-1937), não dispõem de sua obra nas Bibliotecas; aliás, nos sites, faltam
registros dos seus principais projetos e pronunciamentos, permanecendo dessa
forma, na escuridão. Esses fatos demonstrados reforçam o quanto Eloy permanece
no esquecido.
A Biblioteca Eloy de Souza em Natal-RN, que disponibilizou o acervo para
esta pesquisa, é a mais completa dentre as consultadas, mesmo assim, não contém
toda sua obra.
A Coleção Mossoroense, a maior Coleção de trabalhos sobre o Nordeste
seco, até hoje reeditados, publicou: O Calvário das secas, Costumes Locais e outros
temas, Conferência em Lages e Um problema Nacional, um projeto justificado na
Câmara dos Deputados, inserido no livro Memorial da seca, organizado por Vingt-un
Rosado; Eloy de Souza e Mossoró, organizado por Vingt-un e Josetine Vasque;
outros artigos, retirados dos Jornais A República e A Razão, foram publicados no
20º livro da seca, organizado por Otto Guerra.
Resgatar Eloy de Souza constitui-se da maior relevância, pela inserção
fundamental, como parlamentar, etnógrafo e jornalista, legando uma visão de mundo
e, por conseguinte, influenciando historicamente a vida dos homens. Seria, mais
precisamente, uma forma de perceber as ideias e posições políticas no século XIX,
dando lugar às polarizações ideológicas que marcaram profundamente a primeira
18
metade do século XX, além de representar uma contribuição extremamente
importante ao conhecimento, possibilitando uma reflexão sobre a realidade brasileira
nesse período.
Neto de vaqueiro, perambulando, criança, pelas fazendas da família, cultivara
e intensificara vinculações atávicas com o sertão. Mais tarde, pela
convivência diversificada, havida nas andanças de político, conhecendo a
rudeza dos problemas e auscultando aspirações coletivas, ampliou e
aprofundou a visão preservada da infância, impregnando de racionalidade o
que tecera de intuição. E o dia-a-dia do jornal lhe emprestaria a perspicácia
do repórter, para captar uma realidade por ângulos reveladores de
peculiaridade (PEREIRA, 1983, p. 7-8).
Apesar de pernambucano, sua preocupação estava voltada para o Rio
Grande do Norte, berço dos seus familiares, avós paternos, pai e irmãos, vivendo
parte de infância, adolescência e juventude, entre Recife e Macaíba.
Macaíba era ponto de concentração de todo o comércio do Seridó, Ceará-
Mirim, o José de Mipibu e Ribeira do Potengi. Primitivamente, “Coité”, era
“considerada a capital política desse Estado à época, onde os acontecimentos que
mais interessavam eram conhecidos aí antes de serem em Natal.” (SOUZA, 1975, p.
15). “É importante reconstituir a importância de Macaíba naqueles idos,
compreendendo a presença de investidores de outras terras, sobretudo de
Pernambuco.” (PEREIRA, 1982, p. 6).
Também, conforme Cascudo (1961, p. 25),
Macaíba era a capital econômica da Província do Rio Grande do Norte e
não Natal, que nos idos de 1871, o Presidente Henrique Pereira de Lucena,
futuro Barão de Lucena, dizia ser ‘uma vila insignificante e atrasadíssima do
interior’. Comerciantes de Pernambuco, especialmente, montavam
financiamentos para as safras canavieiras e algodão dos vales do Caipó,
Cajupiranga, Maxaranguape, Ceará-Mirim, até proximidade de
Canguaretama ao Sul e Açu a Oeste, recebendo os produtos que iam em
barcaças vagarosas ou nos navios de três mastros, ancorados e
balançados em Guarapes para a Inglaterra. [...] Até 1872, os navios vindos
de Liverpool e Manchester subiam o rio e vinham carregar açúcar, algodão
e couros, peles e deixar tecidos, enxadas, foices, sapatos, perfumes, jóias
baratas e espelhos, louças de pó-de-pedra e porcelana inglesa, toda a
pacotilha industrial da época. A libra esterlina com relevo bojudo da rainha
Vitória circulava com normalidade de uma nota de dois mil réis.
19
Macaíba foi o lugar do Rio Grande do Norte para onde seus pais, Eloy
Castriciano de Souza (1842-1881), e Henriqueta Leopoldina Pedroza de Souza
(1852 -1879), se deslocaram para residir, depois do nascimento do primogênito, Eloy
de Souza, que ocorreu em Recife, no dia 04 de março de 1873, num sobrado de
azulejo no sítio Arraial, de propriedade de seu avô materno, Francisco de Paula
Rodrigues (1809-1882).
Em Macaíba nasceram os quatro irmãos: Henrique Castriciano de Souza
(1874), Irineu Leão Rodrigues (1875), Auta de Souza (1876) e João Câncio
Rodrigues de Souza (1877), sendo os dois primeiros na Casa do Porto, na rua da
Praia e os dois últimos na Rua do Comércio. “Casa grande, de homem abastado, de
influência política, procurado pelos amigos e fregueses, discutindo eleições e traços
para derrubar o conservador no poleiro administrativo.” (CASCUDO, 2008, p. 46).
Perceber o local ao qual o indivíduo pertence é importante, na medida em
que, a memória se apoia no espaço. A casa é o lugar de acolhimento do ser
humano, o espaço do refúgio e da segurança. Pode-se entendê-la não apenas no
sentido estrito do patrimônio, mas também, do canto da família, do lar. A casa tem
sido também utilizada como uma metáfora para significar tudo aquilo, que prende a
determinados lugares, sejam eles a terra de origem ou da nação
.
Assim, Eloy fazia parte de uma família rica, “porém de ascensão recente
devido ao comércio, por pouco tempo, até a perda paulatina dos seus bens”
(PINHEIRO, 2005, p.94). Seu pai era banqueiro em Macaíba-RN chefe da Casa
‘Paula Eloy & Cia’, uma casa bancária financiadora das safras de açúcar de grande
parte dos municípios de Ceará-Mirim e São José de Mipibu, incluindo o vale de
Cajupiranga, no Rio Grande do Norte. Também político, membro do partido liberal,
do qual era chefe o pernambucano Dr. Amaro Carneiro Bezerra Cavalcanti (1825-
1890), fixando-se no Rio Grande do Norte, tendo dominado a cena política por mais
de vinte anos.
Amparado por essa força política, em duas legislaturas, 1878-1879 e
1880-1881, Eloy Castriciano foi Deputado Provincial e membro da Comissão de
Orçamento. Acresce que a família ainda herdou várias fazendas do a materno,
Francisco de Paula Rodrigues, o avô rico, conforme falava Eloy de Souza em
Memórias. Dessa forma, o filho primogênito do banqueiro e político, Castriciano foi
crescendo ao lado da elite social e política do Estado.
20
Contudo, prematuramente, sofreu o impacto da desestruturação familiar, a
perda da e, aos seis anos, a do pai aos oito anos e a do avô materno aos nove
anos, sendo criado, ele e os quatros irmãos, pela a materna, Silvina Maria da
Conceição (Dindinha – 1828-1908), analfabeta, porém de espírito humanitário e
altruísta. Não obstante essas perdas de entes queridos e a morte do irmão Irineu
aos 12 anos de idade, Eloy como os irmãos, Henrique Castriciano e Auta de Souza,
cedo revelaram seus talentos e mentes privilegiadas.
Henrique Castriciano (1874-1947) foi secretário e colaborador dos
governos de Alberto Maranhão e Tavares de Lyra e vice-governador do Estado.
Destacou-se como escritor e poeta, com as obras, Ruínas, Vibrações e Mãe.
Desenvolveu a campanha pela educação popular, priorizou a educação feminina,
fundando a Liga do Ensino, alicerce para a fundação da Escola Doméstica de Natal,
em 01 de setembro de 1914.
Auta de Souza (1876-1901), nos seus vinte e cinco anos de existência,
rompendo com o preconceito feminino da época, tornou-se escritora e “deixou na
sua poesia a expressão de uma candura de fé religiosa, que lhe valeu o conceito de
primeira, senão única poetisa católica do Brasil, destacando-se com seu único livro,
O horto.” (SOUZA, 1975, p. 46). O horto reflete a gratidão da poetisa dedicando os
seus versos à avó, ‘alma sagrada, velhinha amada, hóstia guardada num cibório de
ouro [...]” (CASCUDO, 2008a, p. 185).
Quanto a Eloy de Souza (1873-1959), em Macaíba aprendeu as primeiras
letras, aos cinco anos de idade. Visando bacharelar-se em Ciências Jurídicas e
Sociais, ingressou na Faculdade de Direito de Recife. Um dos mais antigos e
tradicionais estabelecimentos do ensino superior no Brasil, criado, juntamente com a
de São Paulo, por lei do Imperador D. Pedro I, sob o primeiro Reinado. Continha,
assim, uma existência, onde nasceu e floresceu o movimento intelectual poético,
crítico, filosófico, sociológico, folclórico e jurídico conhecido como a Escola do
Recife, nos anos de 1860 e 1880 e cujo líder era o sergipano Tobias Barreto de
Meneses. Outras figuras importantes do movimento foram Sílvio Romero, Artur
Orlando, Clovis Bevilacqua, Capistrano de Abreu, Graça Aranha, Martins Júnior,
Urbano Santos, Abelardo Lobo, Vitoriano Palhares, José Higino, Araripe Júnior,
Joaquim Nabuco.
A carreira de Direito era a mais valorizada e promissora à época. Para os
nordestinos, a Faculdade de Direito de Recife e o Seminário de Olinda eram as
21
opções para os homens que pretendiam se tornar, bacharéis, políticos e sacerdotes.
As linhas norteadoras do pensamento dessa Faculdade voltavam-se, para o
positivismo, o materialismo darwinista e o evolucionismo.
A base fundamental do positivismo comteano sobre a qual se assentava a
sociabilidade humana e, portanto, a unidade social, era formada por um conjunto de
princípios angulares admitido em consenso pelos diferentes membros da
coletividade, que a partir dele formavam uma maneira de pensar, de construir as
representações do mundo social e suas crenças. Assim sendo, existia sociedade
na medida em que seus membros partilhavam de um corpo de pensamento e
sentimentos coerentemente construído e que refletia a etapa de desenvolvimento da
humanidade (COMTE, 1974).
O positivismo comteano explicava como natural a ordem de dominação
burguesa em processo de construção. Procurava contrapor a ela um poder espiritual
regulador, que ao atingir moralmente os homens, reformulando suas representações
sociais, ofereceria um discurso sobre o social no qual o ponto de vista da classe
dominante, que se esforçava para manter as condições objetivas de sua
predominância na estrutura, aparecia como universal a todos os sujeitos, pois
somente este ponto de vista garantia a manutenção da ordem. A necessidade do
Estado, enquanto coordenador e mantenedor do organismo, tornara-o legítimo,
fazendo dele o ator político capaz de garantir a unidade social. Isso permitia a
construção de uma identidade e homogeneidade natural à sociedade, negando o
processo histórico-social constituído pela divisão em classes e fundado pela luta de
interesses sociais. O Estado, em Comte, englobaria e ocultaria a divisão e a luta de
classes contidas no social, figurando como homogeneizador da sociedade. Suas
divisões inegáveis reduziam-se, a um dado empírico, que faria parte das condições
de vida de cada um, determinadas pelas leis sociais (COMTE, 1974).
Nesse sentido, o centro principal de irradiação da doutrina positivista era a
cidade do Recife, através da Escola de Direito, cujo iniciador foi Tobias Barreto que,
com seu temperamento irrequieto, tomou posteriormente outros caminhos no
domínio do pensamento. O mesmo ocorreu com outros dois vultos eminentes deste
grupo, Sílvio Romero e Clóvis Bevilacqua, que passaram a orientar-se pelo
Evolucionismo spenceriano, apesar da influência comteana que os acompanhou
sempre.
22
A filosofia de Spencer, nada mais era que um desdobramento do
positivismo comteano e uma verdadeira adaptação à doutrina de Darwin. O
evolucionismo de Spencer recebeu importante influência de Comte e apresenta,
simultaneamente, uma compreensão biológica, psicológica, sociológica e ética da
realidade. Quanto à ética da realidade, Spencer postula uma ética utilitarista,
procurando mostrar que as ações que possuem como fim o prazer servem para
aumentar a conservação da vida. A evolução da espécie, desta forma, deverá fazer
com que prazer e dever coincidam naturalmente. Assim, a ética spenceriana radica
no indivíduo, uma vez que, nele, processar-se-á a mais perfeita adaptação entre o
meio externo e seus conteúdos internos. O indivíduo, alcançando este estágio de
evolução, tende por si próprio, servir ao seu próprio aprimoramento e,
simultaneamente, à evolução da coletividade (SPENCER, [1896?]).
Apesar de todo o empenho no intuito de se formar em Direito, Eloy de
Souza encerrou a sua vida acadêmica concluindo o curso de Ciências Sociais, no
qual formou um círculo social de elevado nível cultural. Conviveu com altas figuras
do mundo intelectual, mantendo relacionamento com personalidades importantes
das mais diversas localidades, do Estado, da região e até do país, privando com os
grandes jornalistas brasileiros, poetas, romancistas, historiadores, cronistas, a
exemplo de Capistrano de Abreu, Olavo Bilac, Euclides da Cunha, José do
Patrocínio dentre outros.
Em 1894 interrompeu o bacharelado, pois fora convocado, exortado por
Pedro Velho (1856-1907), conhecido da família em Macaíba, grande oligarca do Rio
Grande do Norte, para representá-lo politicamente. Conforme Eloy de Souza, assim
falou o comandante: “liquide essa bacharelice que preciso de ti no Rio Grande do
Norte.” (SOUZA, 1975, p. 61).
Assim, em 1895 ele “[...] volta definitivamente para o Estado. O onipotente
Pedro Velho, governador, chefe supremo do Rio Grande do Norte, pedira-lhe que
abreviasse os estudos porque necessitava dos serviços dedicados de gente moça e
lépida.” (CASCUDO, 2008a, p. 72).
Em 14-06-1895 Eloy foi “[...] nomeado Delegado de Polícia de Macaíba na
administração do Governador Ferreira Chaves [...]” (SOUZA, 1975, p. 63). Porém,
com base em dados históricos, verifica-se uma contradição, pois o Governador do
Estado à época era Pedro Velho (1892-1896). De acordo com Câmara Cascudo em
Vida de Pedro Velho, este foi “eleito governador pelo congresso Legislativo
23
Estadual, assumindo em 28 de fevereiro de 1892” e entregando o seu mandato em
25 de março de 1896 (CASCUDO, 2008b, p. 132). Desse modo, confrontando as
datas, admite-se que a nomeação de Eloy de Souza tenha sido feita mesmo, por
Pedro Velho. Em seguida é eleito Deputado Federal (1897-1915) aos 24 anos de
idade, na Primeira República, sendo considerado o mais jovem do Brasil.
Nessa perspectiva, a partir da confluência de suas vivências, Eloy de
Souza vai moldar a forma de pensar, de acordo com as ideias de atores políticos do
Rio Grande do Norte que buscavam acompanhar as exigências da evolução,
progresso e modernização do momento. Augusto Severo, José Augusto Bezerra de
Medeiros, Juvenal Lamartine, Henrique Castriciano, Manoel Dantas, Alberto
Maranhão e tantos outros pertencentes a sua geração visavam reformar a ordem
vigente, porém mantendo a estrutura social; modernizar os ares da capital e do
Estado, mas sem alterar a base estabelecida.
Na esteira desses norte-rio-grandenses, Eloy de Souza também se
preocupou com o progresso da região. Ao interpretar o Nordeste e as secas,
explorou o aspecto cultural para criar os núcleos temáticos de seu discurso orgânico:
Nordeste
3
, Rio Grande do Norte, sertão, sertanejo, vaqueiro, tradições sertanejas,
natureza madrasta, seca, flagelado, modernização, irrigação, nação, articulando-as
organicamente, para dar sentido ao seu trabalho literário, jornalístico e, sobretudo,
político.
Através dessas categorias, cria uma certa idealização de um estilo de vida
que corresponde à dominação tradicional, contribuindo para sua reprodução. Por
outro lado, estava interessado em sua sobrevivência política como dirigente,
intérprete e representante de uma fração regional da classe dominante, ao mesmo
tempo em que pensava em dar sentido, ou seja, em dar a essa direção política um
caráter “hegemônico”
4
. Em suma, Eloy pretendia manter direção potica e a garantia
do poder, buscando o consenso, tentando legitimar-se. Ao mesmo tempo, deixou
uma contribuição etnográfica, pelo fato de resgatar e descrever costumes e
tradições culturais.
3
Muitos escreveram sobre o Nordeste em várias perspectivas, daí, para uma maior compreensão da
questão, essa discussão será feita na segunda parte deste trabalho.
4
SPINELLI, José Antonio; LYRA, Rubens Pinto. Capitalismo de acumulação flexível e as categorias
gramscianas. Cronos: Revista do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da UFRN.
Natal, v.8, n.2, p. 567-587, jul./dez. 2007.
24
Por essa via, elaborou uma visão de mundo a partir da realidade sertaneja
vivida na infância, na adolescência, reelaborada na idade adulta e ainda inventou um
personagem para lhe reforçar os argumentos, traduzindo mais fielmente essa
realidade. Chamava-se Jacinto Canela de Ferro, cuja razão ele mesmo explica:
“Quando conto sob o pseudônimo Jacinto Canela de Ferro, episódios da vida
sertaneja ou descrevo as paisagens e os costumes de nossa terra, não faço mais
que recorrer à memória do coração e deixar que ela fale no alvoroço da saudade
que me é tão doce acalentar.” (SOUZA, 2003, p. 25).
Eloy cria um Sertão no seu imaginário para servir de parâmetro para a
nação, em que Canela de Ferro o traduz na realidade. Por conseguinte ressalta as
qualidades sertanejas, esquecidas, distorcidas e discriminadas, equiparando-as e,
por vezes, suplantando-as aos homens do litoral, tentando passar uma identidade
sertaneja a partir do seu imaginário.
Imaginário, na visão do filósofo grego e cientista social, Cornelius
Castoriadis (1922-1997), tem a ver com criação incessante e essencialmente
indeterminada (social-histórica e psíquica) de figuras/formas/imagens, a partir das
quais somente é possível falar-se de alguma coisa. Seus produtos é o que se
denomina realidade e racionalidade. Sua obra ressalta que pensamento de qualquer
objeto é apenas um modo e uma forma do fazer social-histórico (CASTORIADIS,
1982).
Para esse autor, a Sociedade resulta como produto de uma instituição
imaginária. A imaginação, seria, portanto o princípio fundador da sociedade, em uma
dimensão de criação continuada. Sua obra inclui reflexões sobre a linguagem e os
pensamentos, herdados ou construídos, que refletem as tendências da instituição da
sociedade (CASTORIADIS, 1982).
Compreender, captar o simbolismo corresponde a entender as
significações que o constituem, e através da organização de significados e
significantes, transmitir algo com característica global, com sentido articulado, pela
combinação de signos, de modo a permitir definir uma identidade, mesmo que
parcial, no mesmo código de mensagens cuja composição pode ser diferente
(CASTORIADIS, 1982).
Desse modo, a realidade configura-se como o real, retirado pelo
imaginário através do simbólico. Este representa um processo permanente de
criação do fluxo imaginário em seu componente imaginável. Portanto, as
25
representações do sujeito são oriundas de construções históricas, podendo ser
transmitidas e também são construídas individual e coletivamente.
Corroborando nesse ponto, Laplantine e Trindade (1997, p. 24), afirmam
que “o imaginário, portanto de maneira geral, é a faculdade originária de pôr ou dar-
se, sob a forma de apresentação de uma coisa, ou fazer aparecer uma imagem e
uma relação que não são dadas diretamente na percepção.”
A partir desse imaginário sertanejo, como político Eloy vai abarcar a causa
dos flagelados da seca do Nordeste, sem perder de vista o Rio Grande do Norte,
fazendo o seu primeiro pronunciamento na Câmara Federal na sessão de 28 de
novembro de 1906, sobre as secas do Norte. Ele havia visto a seca de 1877, aos
quatro anos de idade, defrontando-se com um triste quadro de um retirante morrer
às portas da fazenda de seus familiares e a de 1904 e 1906, como Deputado, em
Natal, sendo agora a cena de uma invasão à procura de abrigo, que muito o
impressionara.
Para o nordestino, dois tipos de seca, entendida como ausência de
chuvas: a anual, que dura de sete a oito meses, não sendo esta um grande
problema, pois o sertanejo já está preparado, dispondo de reservatórios de água que
permitem atravessar este período. A outra são as secas periódicas, que se efetivam
quando em um período normalmente chuvoso — dezembro a março — não caem as
chuvas esperadas, fazendo com que aquele período seco de sete a oito meses se
estenda por dois e às vezes três a quatro anos. São essas que serão discutidas
neste trabalho, haja vista serem dilemas constantes para o sertanejo nordestino
desde o século XVI.
Vale ressaltar que, o primeiro registro de seca no Nordeste remonta a
1559, segundo narra o livro História de Companhia de Jesus do Brasil, do Padre
Serafim Leite (GUERRA, 1989). Conforme esse autor, apesar de afetarem índios e
os primeiros colonizadores, as secas dos séculos XVI e XVII não tiveram grande
impacto, devido ao número reduzido de habitantes e a abundância de recursos
naturais que minimizavam os efeitos da seca. A partir do século XVIII começam as
secas de maior gravidade, como a de 1777-1788. Dentre as secas que causaram
maiores prejuízos, destaca-se sobremaneira a de 1877-1879, que ocasionou a perda
de mais de meio milhão de vidas. Isto ocorreu também devido à falta de preparo das
autoridades para enfrentar o problema. Por terem sido tão avassaladoras as
consequências desta seca, passaram a ser conhecidas, como “seca grande”,
26
motivando o Império a tomar as primeiras medidas para combater os efeitos das
estiagens no Nordeste
.
No romance mais popular da escritora Raquel de Queiroz, O Quinze, ela
retrata, a esperança, a fome, o milagre, a morte, a separação e a fé em Deus de que
um dia chuvoso irá melhorar a vida de muitos retirantes sofredores. A obra escrita
em 1930 conta a saga de retirantes com muita fome que chegam a se alimentar de
tripas de carneiro e até mandioca crua, envenenando-se durante a seca de 1915,
que também foi vivida pela escritora, afirmando ter sido um dos períodos mais
dramáticos que o povo do interior cearense atravessou, pois tudo era devastado por
um sol escaldante. Entretanto, a seca de 1932 foi o ponto culminante do ciclo fatal.
Ilustrando esse quadro, na literatura brasileira várias obras que contam
a história de sertanejos que emigram isolados ou em grupo, fugindo da seca. Entre
eles estão Vidas Secas, de Graciliano Ramos, A bagaceira de José Américo, Morte
e Vida Severino, de João Cabral de Melo Neto, dentre outras.
Diante dessa realidade, Eloy de Souza se destaca como precursor das
primeiras leis para combater as secas no Nordeste e os seus dilemas. Em 1907
idealiza e redige regulamento para a criação da Inspetoria de Obra Contra as Secas
(IOCS), mais tarde, denominada Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas
(IFOCS), hoje Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS).
Em 1910 Eloy de Souza foi ao Egito visitar as grandes barragens e o
sistema de irrigação perene. Aproveitou para ir a Paris, Alexandria, Jerusalém,
Lausanne e Interlaken, na Suíça (SOUZA, 1975). Em 1911 apresentou um projeto à
Câmara dos Deputados para implantação de amplo programa de obras de irrigação,
ocasião em que defendeu o plantio de algodão em terras irrigadas, cujas plantações
acabara de ver no Egito, sendo publicado sob o título, Um problema nacional. No
entanto, esse projeto foi arquivado por oito anos.
Em 25 de dezembro 1919 o paraibano Epitácio Pessoa ressuscita o
projeto de autoria de Eloy de Souza, que foi aprovado e sancionado, e durante
algum tempo foi chamado Lei de Natal, de número 3.965. “O projeto de 1911 e a Lei
Epitácio Pessoa são uma e a mesma cousa nas suas expressões capitais. Criaram o
Fundo de Irrigação também denominado Caixa das Secas”, segundo o próprio Eloy
(SOUZA, 1975, p. 75).
Ele ainda teve participação ativa na Lei 175, a Terceira Contra as Secas,
sancionada em 7 de janeiro de 1936 pelo Presidente Getúlio Vargas. Essa Lei
27
regulamentou o Art. 177 da Constituição Federal de 1934. O Senador Eloy de Souza
foi relator da Comissão que emitiu o Parecer. Em 1937 encerra a carreira
parlamentar, em função do Estado Novo, porém, ainda ocuparia cargos públicos e
políticos. “Não acabou a minha vida pública. Ela ainda continuou, felizmente, por
pouco tempo nos embates alternativos de grandes prazeres e pungentes
desgostos.” (SOUZA, 1975, p. 71). Ainda ocupou os cargos de Diretor da Imprensa
Oficial do Estado, Presidente do Conselho Consultivo do Estado e Diretor da Caixa
Econômica Federal (SOUZA, 1975).
Em suma, Eloy de Souza se destacou pelo pioneirismo na criação de leis
de combate às secas, iniciando a campanha de irrigação através de técnicas
modernizadoras inspirado na última geração da tecnologia adotada na Argentina,
Egito, Inglaterra, Estados Unidos, propiciando a perfuração de poços, construção de
estradas, visando solucionar os problemas das secas e do atraso regional.
Alguns autores escreveram sobre Eloy de Souza, a exemplo de Câmara
Cascudo, Aluízio Alves, Vicente Serejo, Veríssimo de Melo, Otto Guerra, Francisco
das Chagas Pereira, Tereza Aranha, Benedito Vasconcelos Mendes, João Maria
Furtado, Janice Theodoro da Silva e Rita de Cássia Ribeiro.
Câmara Cascudo, antropólogo e folclorista norte-rio-grandense de renome
internacional, falou a seu respeito em diversas situações, prefaciou os livros,
Calvário das secas, Memórias; redigiu vários artigos e breves apanhados de sua
biografia, salientando o grande potencial como jornalista e político, além de ressaltar
seu pioneirismo no campo da antropologia do Rio Grande do Norte.
No campo jornalístico, segundo Cascudo (1959), nenhum norte-rio-
grandense terá um número de artigos superior a Eloy de Souza; de 1894 até
semanas antes de “fechar os olhos”, Eloy de Souza valeu-se do Jornal como veículo
divulgador e forma de expressão do pensamento. Escreveu milhares de artigos,
onde normalmente, conversava e ditava um artigo, ao mesmo tempo.
Aluízio Alves discorda da versão, na qual se dizia ser comum Eloy ditar
dois, três artigos, concomitantemente, Aluízio diz:
um folclore de que Doutor Eloy de Souza ditava, sistematicamente, três
artigos de uma vez. Não é verdade. Apenas houve o seguinte: ele escrevia
uma série de artigos sobre a zona do Mato Grande, problemas da seca,
problemas de água da região. Artigos a pedido de João Câmara e escrevia o
artigo principal do dia.
28
Prosseguindo, Aluízio
(
1998, p. 29-30) diz:
[...] Um dia ele estava ditando um artigo para mim, quando cobraram o outro
artigo. Ele resolveu: Damasceno, vem pegar esse artigo sobre Mato Grande,
que vou ditar o artigo político, o editorial para Aluízio. Damasceno veio para a
mesa da primeira sala e eu fui para a segunda sala. Ditava um pedaço de um
(porque os dois tinham de sair no mesmo dia), ditava um pedaço do outro,
chegava, punha o dedo em cima da folha de papel e indagava: - O que é que
eu estava dizendo? Eu relia a frase e ele continuava. Mas, isso aconteceu,
ao que me lembro, uma só vez. O resto é folclore.
Era considerado jornalista do artigo-de-fundo, do suelto e da “vária”
informativa e sutilmente orientada. Conheceu e privou da convivência com os
grandes jornalistas do passado: Ferreira de Araújo, Eduardo Salamonde, Quintino
Bocaiúva, José do Patrocínio, João Laje, Edmundo Bitancourt. Tempo em que a
reportagem não se aclimara ao Brasil e apenas os “furos” consagravam os afoitos,
os atrevidos, os felizes vencedores da corrida no campo da primeira informação
(CASCUDO, 1959).
Na área da política, de acordo com Cascudo (1989), uma vez
permanecendo na Câmara e no Senado, de 1897 a 1930 e ainda, 1935 a 1937,
sendo, portanto, um dos mais antigos parlamentares do Brasil, a história política da
Primeira República, naturalmente, passara ao alcance dos seus olhos, tomando
conhecimento de tudo e muitas vezes contando com a sua participação; desde
Prudente de Moraes a Getúlio Vargas, conviveu com todos os Chefes de Estado,
percebendo de perto as batalhas e as escaramuças partidárias.
Quanto ao aspecto cultural Cascudo o considera um dos primeiros
mestres do Folclore (CASCUDO, 1977a), quando chegou a se destacar em 1909
com a obra Costumes locais. O próprio Eloy deixou clara a intenção de contribuir
neste sentido, ao dizer que o seu fim era, “[...] unicamente registrar usanças, fatos,
costumes e tradições, que aproveitem aos que desejem estudar o meio nordestino,”
em Carta sertaneja publicada no livro Costumes locais e outros temas (SOUZA,
1982, p. 62).
29
Corroborando nesse sentido, Vicente Serejo, professor universitário na
área de Comunicação Social, colunista do Jornal de Hoje
5
, vai mais além, ao se
referir a uma série de quatro artigos de Eloy de Souza sobre a Habitação do Rio
Grande do Norte, dizendo formar no seu conjunto “um olhar ensaístico, numa tal
modernidade de observação, pelo talhe de concisão e clareza, que pode ser visto
como um ensaio de compreensão.” (SEREJO, 2003a, p. 2).
Daí Serejo fazer uma comparação dessa obra de Eloy de Souza com a de
Gilberto Freyre, Casa Grande e Senzala:
Casa Grande & Senzala garante a Gilberto Freyre o grande pioneirismo no
estudo do complexo sociológico da casa do homem na sociedade patriarcal
ao longo do século XVIII e início do século XIX. Além de ter publicado [...]
Mas, o pioneirismo do clássico, Casa Grande & Senzala e a simultaneidade
do ensaio dez anos depois, não tiram a importância do ensaio de Eloy de
Souza, pelo que nele há de singular. E nascido de um olhar capaz de
observar e registrar os traços mais fundamentais das casas, urbana e rural,
desde as civilizações do sertão e do mar até a casa desses agrestes de
tabuleiros e Mata Atlântica, alguns bem perto do mar (SEREJO, 2003a, p. 3.)
Conforme Veríssimo de Melo, esboçando traços de sua biografia ao fazer
o “elogio” na Academia Norte-rio-grandense de Letras, ressaltou os valores
intelectuais, não apenas de sua pessoa, como também de seus irmãos, Henrique
Castriciano (homem de letras) e Auta de Souza (poetisa) acrescentando que,
No jornalismo político, onde mais se destacou de estilo espontâneo, incisivo,
claro, Eloy utilizou todas as armas da razão e do bom senso no sentido da
orientação política que defendia com ardor cívico e lealdade. Mas, ao lado do
artigo prudente, sensato, escrevia também terríveis sátiras para demolir o
prestígio dos adversários (MELO, 1974, p. 149).
Otto Guerra (1973) fez um apanhado sucinto da trajetória de Eloy de
Souza numa retrospectiva de sua vida política, de escritor e jornalista por ocasião do
centenário de seu nascimento, na Academia Norte-rio-grandense de Letras, na qual
5
O Jornal de Hoje foi fundado em 31 de outubro de 1997 em Natal-RN, por Marco Aurélio de Sá, que
é o seu Diretor.
30
Eloy de Souza ocupava a Cadeira de número 15, tendo como patrono o Senador
Pedro Velho.
Francisco das Chagas Pereira (1982), professor da Universidade Federal
do Rio Grande do Norte (UFRN), publicou o livro, Eloy de Souza: textos
regionalistas, através do “Projeto Memória”, Coleção Autores Potiguares como
material didático, destinado a estudantes de e graus. Para tanto, priorizou as
cartas, com o pseudônimo de Jacinto Canela de Ferro, chamando a atenção para o
espírito regionalista, voltado para a reflexão da realidade na qual estava inserido, ou
seja, o Estado do Rio Grande do Norte; Pereira ainda organizou e prefaciou o livro,
Cartas de um sertanejo (1983).
Tereza Aranha (1986), assistente social, dedicada ao estudo da seca na
UFRN, hoje documentalista (como ela mesma se autodenomina), organizou os
artigos publicados no Jornal “A razão”, no que resultou o livro, Economia da secas:
artigos de Eloy de Souza.
Benedito Vasconcelos Mendes, professor doutor, aposentado da
Universidade Federal Rural do Semiárido (UFERSA), antes Escola Superior de
Agricultura de Mossoró (ESAM), cientista e pesquisador do Semiárido, na Academia
Norte-rio-grandense de Ciências fez o “elogio” a Eloy de Souza, intitulado, Eloy de
Souza: sua luta contra as secas. Esse texto tornou-se um dos capítulos do livro de
Vasconcelos, O semi-árido na visão de três grandes homens (Felipe Guerra, Eloy de
Souza e Vingt-un Rosado).
Toda a produção sobre Eloy de Souza se reveste de conteúdos
enaltecedores de sua obra, à exceção de João Maria Furtado (1976), em seu livro,
Vertentes, que em várias passagens de suas memórias, não perde a oportunidade
de criticar os posicionamentos situacionistas, conservadores, reacionários.
Igualmente, Janice Theodoro da Silva (1978), professora titular, pós-
doutora da Universidade de São Paulo (USP), em seu livro, Raízes da ideologia do
planejamento: Nordeste-1889-1930 denuncia o seu discurso em favor da ideologia
do ‘progresso nacional’, que emergiu na Primeira República, quando a ‘política dos
governadores’ restringiu a uma só oligarquia o domínio da política e impediu o
surgimento de um debate capaz de questionar o planejamento como única
alternativa para o desenvolvimento do Nordeste. O planejamento, nesse novo
complexo ideológico, configurar-se-ia como resposta técnica aos conflitos políticos e
econômicos geradores das desigualdades regionais.
31
Buscou as raízes da ideologia do planejamento do Nordeste e encontrou,
nas tensões geradas no seio da política oligárquica da República Velha, as
contradições que se tornaram mais acirradas impondo, a busca de soluções aos
permanentes problemas nordestinos numa esfera “neutra” (a do planejamento).
Para entender essa política, retoma-se a acepção original da palavra
oligarquia, como governo de poucos, contudo, observe-se a explicação de Spinelli
Lindoso, a respeito do pensamento de Carone sobre o funcionamento das políticas
oligárquicas na Velha República, vista por ele como pertinentes:
[...] Carone faz uma distinção entre os Estados mais adiantados onde a
estrutura social era mais complexa e a dos Estados ‘menos ricos’. Naquelas
havia maior equilíbrio entre as várias facções e as famílias oligárquicas e, por
isso, a estrutura partidária era mais forte, funcionando as comissões centrais
de Partidos Republicanos como elemento moderador entre as correntes em
luta; ao passo que, nos últimos, ‘o controle do grupo ou família é quase
absoluto.’ O Rio Grande do Norte, Estado atrasado e de economia pouco
diversificada, se enquadrava obviamente neste último caso. A história política
deste Estado, de 1889 a 1914 foi, em certo sentido, a história do predomínio
absoluto da família Maranhão (Pedro Velho, Tavares de Lyra, Alberto
Maranhão e alguns associados), à qual se seguiu a fase do domínio pessoal
de Ferreira Chaves, representando, do ponto de vista político, um momento
de equilíbrio instável entre as facções em luta que se prolonga no período
governamental de Antonio de Souza (1920-1924) (LINDOSO, 1992, p. 9).
Para Lindoso,
A instauração do regime republicano abriu espaço à consolidação das
oligarquias à medida em que a descentralização conferiu maior autonomia ao
aparelho regional de Estado, permitindo às facções regionais das classes
dominantes um maior controle sobre a máquina administrativo-repressiva
(definição da política fiscal, contratação de empréstimos externos, emissão
de apólices, criação de novas repartições e serviços, nomeações de
autoridades e funcionários estatais, etc.) (LINDOSO, 1992, p. 8).
De acordo com Janice Theodoro (1978), na Primeira República, duas
frações de classes dominantes se debatiam no poder do Estado do Rio Grande do
Norte, em favor da descentralização, ou seja, do federalismo: inicialmente, a
Oligarquia Maranhão (tradicional), liderada por Pedro Velho depois, a oligarquia do
Seridó, dos deputados, José Augusto Bezerra de Medeiros e Juvenal Lamartine,
32
embora adversárias, predominaram sobre a tendência centralizadora, industrialista,
de cunho nacionalista, representada por Amaro Cavalcanti.
Conforme Lindoso (1992) Pedro Velho de Albuquerque Maranhão era
tornou-se líder da Oligarquia Maranhão, na Primeira República (1889-1930),
comprometido com os interesses dos grandes proprietários rurais e da burguesia
comercial. Fundou oficialmente o Partido Republicano no RN no início de 1889, em
Natal, e ainda criou o jornal "A República", para divulgação partidária.
Conforme Silva (1978, p. 29), a fase de instalação do regime republicano
de 1889-1892, foi turbulenta e por conseguinte, ocorreram conflitos entre as classes
dominantes, que ela chamará de período das “oposições significativas”, pelo fato de
explicitar a natureza de classe:
[...] temerosos de perder a sua força política, incapazes de se agrupar em
torno de uma mesma posição, os atores lançavam-se à polêmica retratando
a realidade, desvendando as contradições mais significativas, enfim,
desnudando a própria classe a que estavam vinculados.
Quanto ao término do período das oposições significativas, Spinelli
Lindoso discorda de Janice Theodoro da Silva:
O Estado descentralizado, como expressão do poder das oligarquias
regionais, se cristalizou de forma duradoura quando a hegemonia dos
republicanos civis, sob a égide dos ‘paulistas’ se instaurou estavelmente
nos governos de Prudente de Morais e Campos Sales. No entendimento
que aqui se faz o período das ‘oposições significativas’ se estendeu até fins
do governo Floriano ao contrário do que entende Janice Theodoro da Silva,
que coloca o seu término em 1892, quando se desarticulou o governo de
Deodoro (LINDOSO, 1992, p. 8).
Ainda no período da Primeira República, conforme Silva (1978), algumas
alterações de ordem política e econômica modificaram a forma do discurso
democrático no Nordeste. A defesa dos interesses regionais, como ocorreu na
campanha republicana e na instalação do regime republicano (definição das
oligarquias no poder em cada Estado) foi substituído pela defesa dos interesses
nacionais.
33
Essas alterações se configuraram na medida em que as oligarquias
detentoras do poder em cada Estado e da manutenção das máquinas
administrativas, desfrutando, ainda, do apoio da União, não precisavam mais
defender a autonomia regional. Inaugurava-se, uma nova fase, na qual os Estados
em ‘retrocesso’ econômico passavam a exigir o auxílio da federação. Ou seja, o
pleno funcionamento da ‘política dos governadores’ vinculada a um ‘retrocesso’ da
economia nordestina, apenas agravará o desequilíbrio regional. A classe
hegemônica, vinculada ao Estado de São Paulo e Minas Gerais, integrará o
Nordeste no conjunto da Federação como fornecedor da força de trabalho e de
capital, para o fortalecimento da acumulação na região Centro Sul (SILVA, 1978).
A integração do Nordeste dessa forma acentuará o seu retrocesso. Tal
fato não passará despercebido pela bancada nortista, que se lentamente
incorporada à ideologia nacional mais diretamente comprometida com os interesses
da classe hegemônica (oligarquia paulista e mineira). Por essa via iam sendo
amenizados os conflitos no interior da classe dominante (SILVA, 1978).
Essa questão decorre da expansão da produção capitalista no Brasil, que
definiu papéis diversos ao Nordeste e à região Centro-Sul, gerando disparidades,
tendo a ideologia do progresso nacional por objetivo, eliminar essas contradições
surgidas (SILVA,1978).
Desse modo, foi delegado ao Nordeste o papel de defensor dos
‘interesses nacionais’ e alguns problemas específicos do Rio Grande do Norte, como
a seca, dentre outros, serviu de porta de entrada para a formação da ideologia do
‘progresso nacional’. A referida ideologia indicou a Federação como sede centro
do progresso e o planejamento, como técnica engajada em planos que
visassem o desenvolvimento econômico nacional (SILVA, 1978, grifo nosso).
A formulação deste sistema ideológico encontrará sua versão mais
acabada, quando cindir o nível político ao nível econômico, afastando
definitivamente os impasses criados pelo debate sobre a política oligárquica e
formulando ao nível de ‘planos econômicos’, soluções técnicas para resolução dos
dilemas da economia interna (SILVA, 1978).
Esta mudança de enfoque, para a autora, representou um
enfraquecimento da percepção dos problemas políticos, devido “[...] à crescente
pulverização da realidade permitida por esta ideologia progressista e tecnicista
34
elaborada nos Estados do Sul, ansiosos por acelerar o processo do seu
‘desenvolvimento’.” (SILVA, 1978, p. 96, grifo da autora).
A transplantação desta ideologia para os Estados do Nordeste delega ao
nordestino o sentimento de desigualdade em relação aos irmãos ‘desenvolvidos’,
aparecendo, sempre como ‘mendicante da solidariedade nacional.’ (SILVA, 1978,
grifo da autora).
Diante desta realidade, ataca o discurso pronunciado pelo deputado Eloy
de Souza na sessão de 28 de novembro de 1906, ao justificar a necessidade da
União fornecer verbas à produção nordestina, transparecendo que o
desenvolvimento econômico do Nordeste não é mais importante em si mesmo, mas
porque as suas consequências se reverterão em benefício da federação (SILVA,
1978).
Segue a censura, pelo fato de Eloy de Souza sugerir a criação de
comissões técnicas, visando melhorias necessárias ao combate às secas, e afirmar
que “[...] os gastos efetuados reverteriam em benefícios da União na medida em que
gerariam um barateamento de mão-de-obra, que as secas não iriam ‘tirar a vida’
de tantos ‘sertanejos’, que poderiam ser utilizados pelas lavouras do Sul.” (SILVA,
1978, p. 97-98, grifo da autora).
Para essa autora, o discurso demonstra de forma extremamente nítida
como Eloy de Souza assume a ideologia do progresso nacional, baseando-se, não
nas necessidades do Estado de origem, mas nos interesses daqueles mais
desenvolvidos, ou seja, dos cafeicultores que necessitam de mão-de-obra para
trabalhar em suas plantações. O Nordeste, de acordo com as propostas das
bancadas nordestinas, podiam supri-las (SILVA, 1978).
Por conseguinte,
Estabelece-se neste momento um conflito entre a mão-de-obra nacional e a
estrangeira, na medida em que, a preferência dos grandes proprietários de
café era pela mão-de-obra do imigrante europeu, mais qualificada. Nesse
conflito o Nordeste assume o papel de defensor da mercadoria nacional
(trabalho do nordestino), que, contudo, será empregado não na área de
origem, mas na região mais desenvolvida, mais carente de mão-de-obra
(Centro-Sul) favorecendo ainda mais esta região, na medida em que a mais-
valia será produzida nesta região e não no Nordeste (SILVA, 1978, p. 99).
35
A referida autora ainda questiona, por que Eloy de Souza, tão contundente
em sua análise, tão preocupado em medir com exatidão o valor da força de trabalho,
propôs como alternativa para o progresso, tornar o Nordeste um ‘celeiro de
reprodução de mão-de-obra’. Ao que ela mesma responde, amenizando um pouco a
crítica ao deputado:
[...] por um lado, a política que a federação assumiu com a consolidação da
‘política dos governadores’, representou uma omissão da União com as
questões específicas de cada Estado; por outro, as crises econômicas de
outras regiões voltadas essencialmente para o mercado exterior são
agravadas por dificuldades de ordem físicas, como as secas, por exemplo, o
que torna extremamente difícil a sobrevivência das camadas inferiores dos
habitantes destas regiões. Os compromissos políticos das oligarquias que
estavam na situação, com a federação impediam que esta crítica se
aprofundasse sendo os deputados obrigados a aceitar a desigualdade como
premissa. Portanto, a única alternativa que se colocava (respeitando a ordem
estabelecida) era sugerir as melhorias das condições de vida da população
para que esta pudesse sobreviver e auxiliar, enquanto mão-de–obra
disponível, o desenvolvimento da região centro-sul (SILVA, 1978, p. 99).
Em suma, o deputado procura adequar os interesses econômicos do
Estado aos da União, propondo uma reformulação da política de auxílios que, dada
a sua descontinuidade, não possibilitava a realização de obras públicas para o
desenvolvimento da região (SILVA, 1978).
Desse modo, conforme a mesma autora,
Os limites de atuação das oligarquias estaduais eram restritos junto à
Federação. Assim apesar de serem classe dominante eles não eram classe
hegemônica, não tendo forças para definir uma política econômica que
viesse a defender os seus interesses mais imediatos. A União, vinculada aos
interesses dos cafeicultores, procurará, através de mecanismos econômicos,
defender, o setor cafeicultor
(SILVA, 1978, p. 96).
Pelo visto, o sentido de federação no Brasil foi desvirtuado em função das
forças locais e oligárquicas dos Estados mais ricos do país, gerando um Estado
Oligárquico, que feria o princípio básico do federalismo: a garantia de amplos
36
poderes ao Presidente e grande autonomia aos Estados, conforme a Constituição
promulgada em 1891, baseada na Constituição americana.
A dissertação de mestrado de Rita de ssia Ribeiro, intitulada, Eloy de
Souza: sociologia de um sertanejo (2002) explana o seu pensamento, numa
perspectiva cio-antropológica, de base biográfica e histórica e ressalta a imagem
do ‘homem sertanejo’ que ele criou, inserindo esta construção ideológica numa
realidade maior que é a nação.
Conforme essa autora, Eloy de Souza constrói uma identidade nordestina,
essencialmente sertaneja e rural, com qualidades culturais e morais remontando à
história das lutas pela conservação do território nacional. Através dessas qualidades,
o homem sertanejo seria elevado à condição de cidadão, tornando-se parte
integrante da identidade nacional, complementar à litorânea e urbana. Desse modo,
o sertão seria o lugar da construção de uma identidade específica formada por um
certo homem e seu meio, através de uma história e saber locais; uma cultura, a
sertaneja, com um colorido único e próprio. Portanto, o sertanejo é parte integrante
da nacionalidade, contribuindo com valores positivos, como a coragem, a lealdade e
a valentia ao formar a história da conquista e do território nacional (RIBEIRO, 2002).
Mais precisamente, Eloy de Souza desempenhava a tarefa de
"organização da cultura"
6
como intelectual, ou seja, como representante e intérprete
da “hegemonia”, se valendo de um discurso orgânico cujas matrizes temáticas,
Nordeste, Rio Grande do Norte, sertão, vaqueiro, sertanejo, seca, flagelado,
irrigação, fundamentavam um processo de conhecimento, pela mediação
"compreensão" e educação recíproca. Enquanto ele elabora essas categorias, ao
mesmo tempo está fundamentando um discurso ideológico, valendo-se dos
aspectos culturais, para se sustentar como político e garantir a coesão do “bloco
histórico” agrário-industrial do Nordeste brasileiro, do qual fazia parte. Assim, a
tônica do seu discurso por meio de palestras, na tribuna do Plenário e nos jornais
prendia-se intransigentemente a esses núcleos temáticos, sempre em articulação
como “intelectual orgânico” da elite dominante brasileira.
Sua obra merecia inserir-se no circuito intelectual, haja vista a
incontestável e significativa contribuição para o estudo dos costumes, dos problemas
6
GRAMSCI, Antonio, Cadernos do Cárcere. 3.ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004. v.2. p.
15-53.
37
sociais e econômicos regionais, buscando possíveis soluções, como sujeito
construtor do processo histórico do mundo rural sertanejo, especialmente, para a
região interiorana do espaço que corresponde ao Rio Grande do Norte.
Nessa perspectiva, procura-se estudar as interpretações de Eloy de
Souza, sobre o Nordeste e os dilemas das secas em especial as relacionadas ao
Rio Grande do Norte (em 1877, 1904, 1906, 1915 e 1932), como intelectual orgânico
da classe dominante, esperando que ao resgatá-lo, contribua-se para o seu devido
reconhecimento.
Para a implementação deste trabalho tomar-se-á por base a pesquisa
qualitativa, que segundo Minayo (1996), é um estudo sobre o universo não passível
de ser captado por hipóteses perceptíveis, verificáveis e de difícil quantificação. A
imersão na esfera da subjetividade, firmemente enraizada no contexto social do qual
emerge, é condição essencial para o seu desenvolvimento. Através dela, consegue-
se penetrar nas intenções e motivos, a partir dos quais ações e relações adquirem
sentido. Sua utilização é, portanto, indispensável quando os temas pesquisados
demandam um estudo fundamentalmente interpretativo
.
Entre suas características encontram-se as mencionadas por Chizotti
(1991), que implicam a imersão do pesquisador nas circunstâncias e contexto da
pesquisa, a saber, o mergulho nos sentidos e emoções; o reconhecimento dos
atores sociais como sujeitos que produzem conhecimentos e práticas; os resultados
como fruto de um trabalho coletivo resultante da dinâmica entre pesquisador e
pesquisado; considerar: a constância e a ocasionalidade, a freqüência e a
interrupção, a fala e o silêncio, as revelações e os ocultamentos, a continuidade e a
ruptura, o significado manifesto e o que permanece oculto.
Para desenvolver a pesquisa qualitativa, escolheu-se o método de análise
de conteúdo, em virtude de se tratar de uma pesquisa voltada basicamente para
interpretação de textos escritos, “que não é contudo, um método rígido, no sentido
de uma receita de etapas bem circunscritas que basta transpor em uma ordem
determinada, para ver surgir belas conclusões.” (LAVILLE; DIONNE, 1999, p. 216).
Desse modo a pesquisa tomará por base as leituras das obras de Eloy de
Souza, pronunciamentos e artigos de jornais (A República, A Ordem, A razão),
utilizando-se de uma análise crítica, levando-se em conta o desenvolvimento de
suas idéias, tentando decifrar o sentido do texto, o que diz o autor como, por que e
qual a sua real intenção.
38
Para compreender melhor o seu pensamento serão feitas algumas
entrevistas não diretivas ou despadronizadas
7
com alguns familiares de Eloy de
Souza, a fim de serem esclarecidos alguns de seus dados pessoais que não foram
encontrados em livros e demais documentos escritos, por ele ou por outrem.
O trabalho objetiva verificar como se deu a constituição do pensamento
político de Eloy de Souza e quais as suas principais vertentes; analisar o discurso
parlamentar, presente em intervenções no plenário, participação em comissões e em
seus projetos, particularmente na área temática das secas; investigar o discurso
jornalístico e literário, buscando compreender a elaboração e/ou reiteração de
categorias, de representações e de valores.
Ainda busca-se compreender o pensamento e a práxis política e literária
de Eloy de Souza como esforço de construção de uma perspectiva política e
ideológica que procura inserir os interesses da burguesia latifundiária e comercial
nordestina e dos seus estratos políticos, no interior do bloco histórico de poder
agrário-industrial que tem como foco de irradiação a "região" do café representada
politicamente pelas oligarquias paulista e mineira. Nesse sentido, emergem duas
categorias cruciais: as secas e o sertanejo, como a síntese do homem nordestino e
brasileiro, com sua capacidade de resistência e adaptação e seu esforço criador.
Pretende-se reunir e interpretar obra produzida no período compreendido
entre 1906-1937, que abarca a época de sua atuação parlamentar.
Este trabalho constará de uma introdução abordando o objeto, os
objetivos, a justificativa, a metodologia e a temporalidade do trabalho.
O desenvolvimento será dividido em quatro partes: a primeira tratará do
Nordeste, sendo subdividida em outras três em que a primeira discorrerá sobre a
dinâmica da constituição regional; a segunda abordará interpretações sobre o
Nordeste brasileiro e a terceira, onde fará uma discussão sobre a questão meridional
na Itália e a questão Nordeste no Brasil.
A segunda parte abordará o percurso seguido por Eloy de Souza,
subdividindo-se em três outras, que sequenciadamente, descreverão a base de sua
socialização, intitulada Entre Recife e Macaíba; seguindo-se a trajetória intelectual e
por fim a biografia política.
8
OLIVEIRA, Elvira. F. de Araújo; FILGUEIRA, Maria Conceição Maciel. Primeiros passos da iniciação
científica. Mossoró: Fundação Vingt-un Rosado, 2004. p. 230-31. (Coleção Mossoroense. Série “C”,
v. 1412).
39
A terceira parte trata das impressões e contribuições etnográficas de Eloy
de Souza para o Rio Grande do Norte, subdividida em mais três: 1) Imagens do
litoral e do sertão - apreendidas por Eloy de Souza, mostrando como ele se volta
para a defesa do sertanejo; 2) Cultura sertaneja faz uma breve discussão sobre o
sentido de cultura, detendo-se na cultura sertaneja; 3) Visão cultural e econômica da
seca.
A quarta parte prende-se ao Nordeste e à seca como um problema
político. Subdividida em três partes: 1) Interpretações de alguns norte-rio-
grandenses sobre o Nordeste e as secas; 2) Eloy de Souza a luta contra as secas
e possíveis soluções: a irrigação e 3) terceira, os resultados do discurso de Eloy de
Souza como intelectual orgânico.
Por fim, as considerações finais sem, contudo, considerá-lo um trabalho
conclusivo, posto que está aberto a novas contribuições.
40
41
2 NORDESTE E SECAS
Os efeitos negativos, de natureza ecológica e social, atribuídos à seca do
Nordeste, não tem lugar apenas por causa desse fenômeno, mas por causa
da sua estrutura econômica, politicamente ‘funcional’ à estrutura do poder
dominante. Otomar de Carvalho
Muito se falou sobre o Nordeste e em diversos aspectos. Porém,
mesmo ciente disso, será feita uma remontagem de sua constituição para efeito de
embasamento teórico deste trabalho, ou seja, por ser, praticamente, o pano de
fundo, como igualmente a seca que é dele decorrente.
Assim, para melhor situar o pensamento de Eloy de Souza sobre o
Nordeste, faz-se mister ressaltar, pelo menos, en passant, a dinâmica da
constituição regional, sendo esta a primeira subdivisão desta primeira parte.
A segunda subdivisão prende-se a interpretações sobre o Nordeste
brasileiro, buscando subsidiar a discussão, com enfoque em autores, que
constituem balizas indispensáveis para o entendimento dessa questão: Francisco de
Oliveira, Manoel Diégues Júnior, Caio Prado Júnior, Celso Furtado, Durval Muniz,
Wilson Cano, Otomar de Carvalho, Tânia Bacelar de Oliveira, Douglas Araújo e
Benedito Vasconcelos Mendes, dentre outros. A terceira intitula-se, a questão
meridional da Itália versus a questão nordeste no Brasil..
42
2.1 DINÂMICA DA CONSTITUIÇÃO DO NORDESTE
O Nordeste Semiárido é a mais subdesenvolvida e pobre das regiões do
Brasil, pois detém os piores índices de desenvolvimento humano.
Benedito Vasconcelos Mendes
Tratando da formação regional, primeiramente, considera-se oportuno
lembrar, que o espaço que hoje compreende a região Nordeste do Brasil, o mais
antigo do país, em termos de ocupação demográfica e econômica, em 1968, foi
fixado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mediante o
estabelecimento de uma divisão oficial do território brasileiro em macrorregiões.
Ressalte-se que as informações a seguir, sobre o Nordeste (os principais Estados e
cidades, área, população e a sua classificação em quatro subregiões), foram
baseadas nos dados do IBGE, 2007.
Dessa maneira, o Nordeste é aquela porção do território nacional
constituída das seguintes unidades políticas, integralmente: Maranhão, Piauí, Ceará,
Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Bahia, (incluindo o
Distrito Estadual de Fernando de Noronha, hoje pertencendo ao Estado de
Pernambuco com área de 1.556.001, 1km², representando 18,28% do território
brasileiro.
As principais cidades do NE são Salvador, Recife e Fortaleza. População:
51.019.091 habitantes quase 30% da população brasileira, sendo a segunda região
mais populosa do país, atrás apenas da região Sudeste.
Por conseguinte, a diversidade das características físicas que
condicionaram sua ocupação e economia a subdivide em quatro sub-regiões: Zona
da Mata, Agreste, Sertão e Meio Norte.
A Zona da Mata ocupa a faixa litorânea de até 200 km de largura, do RN
ao sul da BA, com clima tropical úmido, chuvas abundantes concentradas no outono
e inverno (de março a junho), exceto no sul da BA onde se distribui ao longo do ano.
O solo, escuro e fértil, denominado massapé. A vegetação natural, praticamente
extinta, é a Mata Atlântica, substituída pela cana-de-açúcar desde o início da
colonização. É a mais povoada, industrializada, urbanizada e a mais rica das sub-
43
regiões, apresentando elevada densidade demográfica, sendo que, nessa zona
localizam-se as principais metrópoles, Salvador e Recife.
Agreste, área de transição situada entre a Zona da Mata, úmida (brejos), a
leste e o sertão semiárido, a oeste. É uma faixa de terras bastante estreita no
sentido leste-oeste e alongada no sentido norte-sul. Seu clima não é tão úmido
quanto o da Zona da Mata, nem tão seco quanto o do sertão. Na porção oeste
normalmente chove menos do que na leste. Sua vegetação em alguns locais se
assemelha à Mata Atlântica; em outros à caatinga. Nessa área predomina a
pequena propriedade os minifúndios, a policultura (algodão, café, agave), aliada à
pecuária.
Sertão – é a maior das sub-regiões nordestinas, abrangendo mais da
metade da área total do Nordeste, correspondendo a terras interioranas. O clima é
semiárido, as chuvas escassas e mal distribuídas, concentrando-se durante dois ou
três meses do ano. Há anos em que quase não chove e às vezes durante anos
seguidos, chove pouquíssimo - são as secas periódicas, fenômeno climático comum
no Sertão. Solos rasos e pedregosos dificultam a agricultura. Tem como vegetação
típica, a caatinga; também, bosques de palmeiras, especialmente, a carnaubeira
(a “árvore providência”, pois todas as suas partes são aproveitadas). O maior rio é o
São Francisco, única fonte perene de água para as populações ribeirinhas, com
várias usinas, como a represa de Sobradinho, em Juazeiro-BA, e a hidrelétrica de
Paulo Afonso. A economia baseia-se em latifúndios de baixa produtividade, com
pecuária extensiva e culturas de algodão seridó. Apresenta s condições de vida
para a população, é a região de onde sai um grande número de migrantes.
Meio Norte, transição entre o sertão semiárido e a região amazônica, com
clima mais úmido e vegetação exuberante. Compreende da Bacia do Rio Grajaú,
Mearim e Itapecuru, no Maranhão, a oeste, até a bacia do rio Parnaíba, que serve
de divisa entre o Maranhão e o Piauí, a leste. A parte ocidental do Maranhão é
amazônica, com um clima mais úmido e matas equatoriais semelhantes à floresta
Amazônica. A maior parte do Piauí pertence ao sertão com clima semiárido e
vegetação sertaneja. Nessa faixa de terras encontra-se a mata dos Cocais,
paisagem típica do Meio Norte, constituída de palmeiras, como a carnaúba e,
principalmente, o babaçu. A economia predominante é o extrativismo vegetal e a
agricultura. A principal cidade é São Luis, capital do Maranhão que teve seu apogeu
econômico no século XVII e parte do XIX, com o cultivo e exportação de algodão.
44
Mas, é necessário ressaltar que, essa definição de Nordeste brasileiro
passou por diversas modificações, levando um tempo para se consolidar. Pode-se
dizer que começou a ter o seu reconhecimento como uma região, ainda que não
expressamente, seja na literatura relacionada, seja na opinião pública ou mesmo
nas políticas governamentais a partir de meados do século XIX. No período colonial,
havia vários “Nordestes”, e dentro do atual Nordeste existiam diversas regiões.
O espaço hoje correspondente aos estados de Pernambuco, Alagoas,
Paraíba e Rio Grande do Norte constituía o locus da produção açucareira por
excelência e era, reconhecidamente, uma região. Enquanto no espaço dos atuais
estados do Ceará e Piauí desenvolviam-se atividades econômicas apenas
subsidiárias em relação à produção açucareira salvo durante o surto algodoeiro
ou qualquer outro comandado pela demanda internacional - se constituía, assim,
uma outra região. O Maranhão era um caso a parte, pois, relativamente isolado dos
principais centros produtores de açúcar, ligou-se diretamente ao capitalismo
mercantil europeu, sendo, pois, mais uma região. E, os espaços hoje,
correspondentes aos estados de Sergipe e Bahia, embora estivessem também
dedicados à monocultura da cana-de-açúcar (principalmente a Bahia, na área do
recôncavo), possuía aquele uma classe proprietária de terras significativamente
autônoma e diferenciada, em termos de ramos familiares, em relação a sua
correspondente da região marcadamente açucareira, mais ao norte. Em outras
palavras, o processo de reprodução do capital mercantil nesse espaço apresentava
sua circularidade na relação, Bahia-Sergipe e Metrópole, constituindo, então, mais
uma região (OLIVEIRA, 1977, p. 32-33).
Aliás, conforme expressa o pernambucano Francisco de Oliveira (1977) o
que existia realmente nesse espaço era um “arquipélago” de regiões que quase não
se ligavam umas com as outras por se articularem predominantemente com o
mercado externo.
Para esse autor, região é um tipo de espaço onde se constituem formas
especiais de relações de produção e acumulação do capital e, por conseguinte, uma
estrutura de classes sociais e um desenvolvimento correlato das lutas de classes e
dos conflitos sociais. Essas formas, por sua vez, nunca se apresentam isoladas nem
em “estado puro” - no sentido dos tipos ideais weberianos mas em estágios onde
há a sobredeterminação de uma delas sobre as demais. As formas capitalistas
dominantes passam a conviver e a se associar com outras, de natureza pré-
45
capitalista, mas também com algumas verdadeiramente capitalistas, porém
superadas ou tornadas arcaicas ao longo do tempo (OLIVEIRA, 1977, p. 29).
Desse modo, as regiões são constituídas pelo modo de produção
capitalista, entendidas como espaços socioeconômicos de dominação política, onde
uma das formas específicas do capital torna-se hegemônica em relação às demais.
Daí, formar um conjunto de relações sociais e econômicas a tais espaços,
constituindo classes sociais específicas, cujos poder e hierarquia dependerão
sempre da posição que ocuparão nas relações de produção e no esquema da
reprodução capitalista. Enfim, para se falar de região na perspectiva desse autor é
necessário entender a função política de fechamento, que é exercida sob o comando
de suas classes dirigentes. Tal função significa, de maneira simplificada, a extensão,
para todo o espaço regional, das relações de dominação de determinadas classes
por outras, conferindo àquele espaço uma singularidade peculiar (OLIVEIRA, 1977,
p. 30-31).
Nesse sentido, quanto maior for a aceitação, por parte das classes
subordinadas, da visão de região colocada pelas classes dominantes, maior será a
coesão regional, no sentido de identificação ou reconhecimento social, nos termos
das relações capitalistas de produção, e não de uma adesão espontânea,
necessariamente. Tal coesão é, portanto, potencialmente conflituosa, em virtude da
própria contradição básica presente nas relações capitalistas. Por outro lado, pouco
importa que as classes dirigentes regionais sejam superadas ou substituídas por
outras, ainda mais associadas aos interesses dos capitais nacionais e
internacionais. Persistindo a função política de fechamento, pode-se dizer que a
região sobrevive, ainda que em contínua reconstrução. Em resumo, esse
fechamento corresponde à extensão da hegemonia das classes dominantes à
totalidade do espaço regional contribuindo para a manutenção de suas posições na
escala hierárquica social.
É importante salientar que, outras perspectivas se abrem a partir do século
XIX, com os estudos sociais no Brasil, quebrando a ilusão que se vinha mantendo
de que o Brasil era um todo orgânico, territorialmente unido e culturalmente uno.
Com o movimento modernista, de um lado, e a revolução de 30 de outro, começam
a se configurar as formas regionais diferenciadas culturalmente, embora a língua, o
cristianismo, a organização da família, a organização política mantivessem a
unidade exterior (DIÉGUES JÚNIOR, 1972).
46
É do culo XIX, por exemplo, a classificação de André Rebouças, a
respeito de zonas agrícolas e no mesmo século, Martius numa antecipação aos
estudos de História do Brasil, lembrava a necessidade de se estudar a formação e a
evolução histórica a partir do foco por onde partiram as linhas mestras de ocupação
do território. No começo do século XX Sílvio Romero sugere a classificação de
zonas sociais ou culturais (DIÉGUES JÚNIOR, 1972).
Seguem outras classificações igualmente sugeridas: Artur Orlando, em
1913, distinguia tipos característicos das populações brasileiras; Roquete Pinto,
baseando-se, nas características de tipo físico classificou: áreas de influência
cabocla, áreas de influência africana, áreas de influência européia. Tristão de
Athayde, através das condições psicológicas das populações e considerando as
sociedades integrantes, diferenciava o litoral e o sertão, a cidade e o campo, o Norte
e o Sul; ainda, Joaquim Ribeiro, com base em “áreas de homogeneidade cultural.”
(DIÉGUES JÚNIOR, 1972).
Porém, é a partir de 1930 que rigorosamente se começa a sentir o
problema de uma classificação regional no Brasil, surgindo algumas fundamentadas
no aspecto cultural (ora em um aspecto, a linguagem, a culinária, por exemplo, ora
procurando encarar a cultura como um todo) (DIÉGUES JÚNIOR, 1972).
Diante desses estudos, constatou-se que seria necessária uma
reformulação do conceito de regiões culturais, levando-se em conta os aspectos,
geográficos, psicológicos, sociais, políticos, históricos e econômicos de forma
integrada; sendo fundado no conhecimento do processo de ocupação humana, onde
se entrelaçavam fatores do meio físico, econômicos e históricos, contemplando-se
desse modo, as características essenciais de uma região cultural brasileira
(DIÉGUES JÚNIOR, 1972, p. 31-32).
Assim, com base nessa caracterização pode-se identificar as seguintes
regiões culturais no Brasil: 1) Nordeste agrário do litoral; 2) Nordeste mediterrâneo;
3) Amazônia; 4) Mineração do Planalto; 5) Centro Oeste; 6) Extremo sul pastoril; 7)
Colonização estrangeira; 8) Café; 9) Faixa industrial. Três outras ainda podem ser
acrescentadas: Região do Cacau, no sul baiano; a região do sal do Rio Grande do
Norte e Rio de Janeiro e a da pesca, abarcando todo o litoral brasileiro (DIÉGUES
JÚNIOR, 1972, p. 32-33). Contudo para efeito deste estudo serão abordados o
Nordeste agrário do litoral e Nordeste Mediterrâneo.
47
O Nordeste agrário do litoral foi a parte do território brasileiro onde
começou a ocupação humana no Brasil, sendo a economia da cana de açúcar, a
princípio, com o engenho de açúcar e depois como usina, o principal responsável
pela formação da sociedade agrária, aristocrática, escravocrata e de características
patriarcais na organização da família.
Caracteriza-se, do ponto de vista étnico, pela maior mestiçagem entre
brancos e negros, do que resultaram o mulato e os tipos secundários, como o
cabra, o pardo, etc. Do ponto de vista social, caracteriza-se pela função
social, econômica, e política da casa grande, como símbolo do engenho de
açúcar, núcleo de exploração econômica que se tornou o principal centro
regional (DIÉGUES JÚNIOR, 1972, p. 33).
Dizendo melhor, a casa grande é utilizada como uma metáfora do Brasil
colonial, cuja sociedade se sustentou na atividade econômica, a monocultura
açucareira no Nordeste, tendo maior expressão nas regiões de Pernambuco e
Bahia, onde as famílias colonizadoras constituíam uma aristocracia agrária
preocupada em ostentar status de nobreza, desempenhado nessas circunstâncias,
pelo senhor de engenho.
Esse quadro é muito bem pintado, em Casa grande & senzala, no qual, o
pernambucano Gilberto Freyre (1900-1987) retrata as relações sociais e o cenário
do Brasil colonial, a partir de sua terra natal, sob a influência da antropologia cultural
norte-americana. Estudando as características sócioculturais dos povos formadores
da sociedade brasileira, sob a ótica do relativismo, valorizou a mestiçagem, antes
depreciada e reconheceu a contribuição do negro, antes ignorada. Contudo, faz uma
análise apologética sobre a sociedade patriarcal, passando uma visão positiva
interpretada por seus críticos como um esvaziamento dos conflitos entre o
colonizador e o colonizado (FREYRE, 1969). Enquanto outros autores, como Sérgio
Buarque de Holanda (1902-1982) em Raízes do Brasil, obra contemporânea à de
Freyre, viram na colonização portuguesa seu aspecto violento e predatório
(HOLANDA, 1995).
O outro Nordeste, também inserido nas regiões culturais, o Nordeste
Mediterrâneo tinha no curral e nas fazendas de criação seu principal centro social,
48
em cujo território, surgiram, outras características, originando quatro sub-regiões:
sertões, babaçuais e carnaubais, terras úmidas e agreste. Nela se destaca o
vaqueiro, um dos tipos característicos do Brasil, a predominância da mestiçagem
entre brancos e índios, resultando o mameluco; uma pequena parte era mulato e
outra, menor ainda, cafuso, fruto do cruzamento entre negros e índios (DIÉGUES
JÚNIOR, 1972).
Seguem outras explicações sobre mutações importantes que o Nordeste
sofreu seguindo um longo percurso de sua formação econômica e social, antes de
ser oficializada como uma macrorregião brasileira, Até fins dos anos 30 do culo
XX inexistia interesse do governo central em dividir o território nacional em grandes
blocos regionais. As propostas de divisão regional do país, surgidas desde fins do
século XIX, partiam de estudiosos nacionais e estrangeiros, em geral pertencentes
ao campo da Geografia, que tomavam por base, o critério de região natural
.
No entanto, para a ciência geográfica, a partir de 1913, de acordo com
Guimarães (1941, p. 346), sob a influência do livro Geografia do Brasil, de Delgado
de Carvalho, foi que a ideia de estudar o país segundo regiões naturais ganhou
maior impulso. Conforme Delgado de Carvalho, uma futura região nordestina se
esboçava, correspondendo, então, ao que o autor denominava de Brasil Norte-
Oriental, indo do Maranhão até Alagoas. Em 1927, Pierre Denis, geógrafo francês,
propõe uma “Região Nordeste”. Esta compreendia, além dos Estados designados
por Delgado de Carvalho, o de Sergipe e as áreas do nordeste e recôncavo da
Bahia, incluindo sua capital, Salvador (GUIMARÃES, 1941).
A própria Constituição Federal de 1934, o reconhecia a existência
formal de Nordeste algum, ao tratar da criação de um plano permanente de combate
aos efeitos da seca e também da instituição de um fundo público para viabilizá-lo, ao
invés, referia-se vagamente aos “Estados do Norte” como aqueles atingidos pelo
fenômeno das estiagens prolongadas.
Em 1938, o IBGE, recém-fundado, pretendendo fixar normas especiais
para a elaboração do Anuário Estatístico Brasileiro, adotou, para fins de
regionalização dos dados, uma divisão regional à época utilizada pelo Ministério da
Agricultura. Nela, havia um Nordeste, que ia do Ceará a Alagoas. Tal divisão foi
incorporada pelo IBGE, ainda que na qualidade de provisória, parecendo ter, esse
Ministério se baseado no critério da localização geográfica, sem base científica da
Geografia física ou humana (GUIMARÃES, 1941, p. 361-363).
49
Em 1939, o Conselho Técnico de Economia e Finanças (CTEF), a fim de
subsidiar os trabalhos da Conferência Nacional de Economia e Administração,
elaborou uma outra divisão regional de caráter geoeconômico, na qual o Nordeste
compreendia os estados do Ceará à Bahia. Contudo, essas duas últimas divisões
regionais, elaboradas no âmbito do governo central, não possuíam amplo caráter
oficial, ou seja, não havia maior empenho no interior da própria administração
pública para que qualquer das duas propostas estabelecidas fosse seguida quanto
às ações de governo (GUIMARÃES, 1941).
Apenas em 1941 é que o Conselho Nacional de Geografia (CNG), através
de Fábio Guimarães, fez um levantamento das várias divisões regionais existentes,
sem excluir as elaboradas pela administração pública, com a finalidade imediata de
proceder à escolha de uma única divisão regional para o país, a fim de facilitar as
diversas ações governamentais (GUIMARÃES, 1941, p.320).
Concluindo sua análise, o autor ressaltou como sendo as duas mais
consistentes divisões regionais do país as elaboradas por Delgado de Carvalho
(região natural) e pelo CTEF (região econômica), sendo mais favorável a primeira,
por ser mais estável, permitindo uma melhor compreensão dos diversos dados ao
longo dos anos.
A recomendação da divisão regional elaborada por Delgado de Carvalho
foi, finalmente, aceita pelo governo federal. Por conseguinte, em 1945, através do
IBGE e do CNG, foi oficializada com as seguintes alterações: decomposição das
cinco grandes regiões, Norte, Nordeste, Leste, Sul e Centro Oeste em 30 regiões e
79 sub-regiões, incluindo os territórios criados em 1943 (GUIMARÃES, 1941).
Portanto, a partir de 1943 passa a vigorar, com pretenso caráter de
uniformidade para a administração pública, a primeira divisão regional oficial do
território brasileiro. Surgia daí um primeiro Nordeste formal, que abrangia, pela faixa
litorânea, do Maranhão até Alagoas. As subdivisões criadas eram um tanto
confusas, complicadas, dificultando a delimitação precisa de certas regiões. Desse
modo, a região Nordeste compreendia a parte ocidental (Maranhão e Piauí) e o
Nordeste Oriental (demais estados), igualmente a Região Leste, era subdividida em
Setentrional e Meridional.
Em termos mais concretos e específicos, persistiam ainda algumas
controvérsias quanto à delimitação das grandes regiões brasileiras, em especial a
50
nordestina. O próprio Guimarães (1941, p. 318)
no início de sua análise evidenciava
a dificuldade da delimitação precisa de um Nordeste:
Quando um autor se refere, por exemplo, ao Nordeste do Brasil, fica-se
freqüentemente em dúvida quanto ao trecho do território nacional que ele
quer considerar: para uns, tal região abrange nove estados, desde o
Maranhão até a Bahia, enquanto que para outros ela compreende apenas
cinco, do Ceará a Alagoas.
Inclusive, o próprio IBGE apresentaria dificuldades históricas para a
definição de uma região nordestina: “durante largo período de tempo o espaço
geográfico pertinente ao Nordeste do Brasil tem oscilado entre o vale do rio Gurupi,
nos lindes do Maranhão com o Pará, e o vale do rio Paraguaçu, em território baiano”
(INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 1962, p. 02). E do
ponto de vista geográfico, os espaços contíguos de Maranhão-Piauí e de Sergipe-
Bahia constituem-se em áreas de transição, principalmente, os extremos, Maranhão
e Bahia.
Na verdade, a divisão regional do território brasileiro pautada no critério de
região natural acabou desconsiderada, sendo mais interessante, diante da nova
dinâmica da economia brasileira, moldada pela expansão do capitalismo industrial,
acelerar o processo de integração interna, criando uma nova divisão inter-regional
do trabalho. Acresce as ações governamentais a esse processo.
Por conta disso, as modernas regiões nacionais, inseridas em uma nova
etapa do capitalismo no Brasil, estavam quase que integralmente representadas na
proposta elaborada pelo CTEF, em 1939, de base geoeconômica. “[...] Dentre as
divisões em regiões econômicas [...] a melhor é a que foi estabelecida pelo
Conselho Técnico de Economia e Finanças [...] tendo-se em vista a atual situação
econômica do país.” (GUIMARÃES, 1941, p. 368). Nessa divisão, já figurava o
Sudeste, com os mesmos Estados de hoje, no entanto, cometeu o equívoco de
inserir Piauí e Maranhão no Norte e não no Nordeste.
Assim, a dinâmica da economia nacional e as ações governamentais em
um curto espaço de tempo, desconsideraram a primeira divisão regional oficial do
território brasileiro. A começar pelas próprias organizações governamentais de
caráter regional, existentes e as que seriam criadas nos mesmos moldes,
51
posteriormente, não adotariam a referida divisão regional. Veja, a respeito, os
seguintes exemplos:
O Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS), “de 1909
a 1959, foi praticamente, o única agência governamental federal executora de obras
de engenharia no Nordeste”, na extensa área assolada pelas secas, compreendia
partes diversas dos estados do Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba,
Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Bahia e Minas Gerais, a qual ficaria conhecida como
polígono das secas (DEPARTAMENTO NACIONAL DE OBRAS CONTRA AS
SECAS, [2007]).
O Banco do Nordeste do Brasil S.A. (BNB), criado pela Lei 1649 de
19/07/1952, Presidente da República Getúlio Vargas, embora com funções
diferentes daquelas do DNOCS, atuava originalmente, na mesma área do polígono.
Por sua vez, a criação da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste
(SUDENE), em 1959, provocaria uma nova concepção de Nordeste: a agência de
planejamento regional tinha como área de atuação os territórios do Maranhão até a
Bahia, integralmente, e ainda a porção norte de Minas Gerais, área também atingida
pelo fenômeno das secas.
Apesar de todo esse encaminhamento “natural” dado pelos aspectos
econômicos, sociais e políticos à constituição oficial da moderna região nordestina,
reinava uma certa confusão: permanecia ainda em vigor a divisão regional oficial de
1945 e as discussões, quando calcadas tãosomente nos aspectos físicos, tomavam
rumos bastante distintos daqueles sugeridos pela realidade da economia nacional,
em franco processo de integração e consolidando, cada vez mais, o estabelecimento
de uma divisão inter-regional do trabalho no interior do território brasileiro. No início
dos anos 60, até mesmo para o próprio IBGE, vislumbrava-se a possibilidade da
retirada do espaço contíguo Maranhão-Piauí, do Nordeste.
Ao se cuidar do espaço geográfico interposto entre o Ceará e o Pará, não foi
possível, face ao seu forte caráter de área de contato, de mesclamento ou de
transição [...] defini-lo como uma unidade geográfica de alta hierarquia [...]
não se poderia [...] filiar todo o território piauiense ao grupo nordestino nem
tampouco integrá-lo no conjunto do Planalto Central. Do mesmo modo, o
Maranhão como que se fraciona entre a Amazônia e o Brasil Central e se
articula com o Piauí, parcialmente nordestino. [...]. Daí a tendência e a
justificação para o reconhecimento de uma área intermédia, à guisa de
transição, entre o Nordeste, a Amazônia e o Brasil Central. Essa área
52
constituiria, então, o Meio-Norte, título que deixa entrever seu caráter
intermédio e transicional. E ficaria, assim, excluído do âmbito do Nordeste
(INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 1962, p. 04).
Entretanto, com relação ao complexo Bahia-Sergipe, parecia prevalecer
mais a idéia de resgatá-lo à região nordestina, embora com ressalvas para o caso
baiano.
A costumeira exclusão de Sergipe e Bahia do âmbito nordestino parece fruto
da forte sugestão, inspirada pela magnífica e fácil linha natural representada
pelo rio São Francisco. Ao mesmo tempo, o fator histórico, associando
Sergipe à Bahia, terá sido outro elemento para a aceitação do São Francisco
como o limite meridional do Nordeste, fixando as terras baianas e sergipanas
em área à parte do domínio nordestino. A realidade, no entanto, é outra.
Bahia e Sergipe possuem características nordestinas, tais como o clima
semi-árido, a vegetação da caatinga, o tipo humano onde é notório o
somatismo sertanejo. [...] Não dúvida que Sergipe deve ser, por inteiro,
considerado dentro do Nordeste, não sucedendo o mesmo quanto à Bahia.
Esta unidade da Federação, a exemplo do Maranhão, fica em posição
intermédia, entre o Nordeste, o Centro-Oeste e o Brasil Oriental. Em território
baiano, o vale do São Francisco introduz uma cunha de ambiente nordestino
até os lindes com Minas Gerais. Na própria Chapada Diamantina, em seu
extremo norte, características do Nordeste. Enfim, o domínio sertanejo
estende-se ao território baiano em largo trecho [...] incluindo-se a tradicional
área do recôncavo baiano. O recôncavo [...] é, na verdade, uma parte do
ecúmeno nordestino (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E
ESTATÍSTICA, 1962, p. 04-05).
Dessa forma, finalmente, o IBGE fixou em 1968 uma nova divisão oficial,
definida pelas várias circunscrições político-administrativas dos estados do território
brasileiro em macrorregiões, conforme já foi especificado anteriormente, onde o
Nordeste conta com nove estados e um território.
Nesse sentido, Otomar de Carvalho (1988) diz que “não importa que o seu
espaço tenha, historicamente no início da colonização, se restringido à Bahia, a
Pernambuco, e Paraíba, ao Rio Grande do Norte e Ceará, alargando-se, depois para
o Sul, Minas Gerais ou para o Norte, em direção ao Piauí e Maranhão.”
(CARVALHO, 1988, p. 9). O cerne da questão, a seu ver, é que a ampliação do
território nordestino se deu por motivos políticos, tendo por base a intenção dos
governos estaduais, a exemplo do de Minas Gerais, de contar com os recursos
destinados às obras contra as secas. Ontem como hoje, o que importa para ele, é o
53
fato de existirem, elementos que agem cataliticamente unindo interesses, na maioria
das vezes conservadores, arcaicos como os que surgiram da “indústria da seca”
8
(CARVALHO, 1988). Daí, confirmar que, os beneficiados nessa “indústria”,
[...] Eram os representantes da elite regional com acesso mais fácil aos
poderes constituídos. Historicamente, esses atores sempre souberam tirar
proveito das calamidades públicas de seca. Nesse processo manuseavam
recursos financeiros destinados a programas de emergência, acessaram
recursos destinados a crédito rural, pagos a taxas altamente subsidiadas, e
se beneficiaram de medidas relacionadas ao perdão de dívidas, empréstimos
contraídos junto à rede bancária oficial. Muitos deles beneficiaram-se ainda
de incentivos destinados à construção de açudes, como os caracterizados
pela concessão de ‘prêmio’ no valor de 50% dos investimentos exigidos para
a implementação dessas obras de infra-estrutura drica (CARVALHO, 2006,
p.9).
Tratando da região, Carvalho diz que o Nordeste constitui uma categoria
recente, que emergiu no século XX, não considerando, que os livros de história
escritos mais de meio século, abordem sobre a região Nordeste, existindo nos
tempos do Brasil Colonial ou do Brasil Império. Ora, “[...] até das secas, quando se
falava dessa anomalia climática, as referências eram feitas a um problema do Norte
[...].” (CARVALHO, 2006, p. 10).
Desse modo, considera que a própria região sofre modificações, ao
mesmo tempo em que concorda com Dijacir Menezes em haver vários Nordestes
diferentes: Nordeste úmido, Nordeste semiárido, Nordeste intermediário, chamado
Agreste, transição entre o Úmido e o Semiárido. “O que não significa que não haja
um Nordeste, mas variações espaciais dentro de um território maior conhecido por
Nordeste.” (CARVALHO, 1988, p. 10).
Detendo-se na Região semiárida, enfatiza que ela é o problema do
Nordeste, mas esclarece que os “efeitos negativos, de natureza ecológica e social,
atribuídos à seca, não tem lugar apenas por causa desse fenômeno, mas por causa
da sua estrutura econômica, politicamente ‘funcional’ à estrutura do poder
dominante.” (CARVALHO, 1988, p. 1).
88
CALLADO, Antonio. Industriais da seca e os “galileus de Pernambuco: aspectos da luta pela
reforma agrária no Brasil. Rio de Janeiro: civilização brasileira, 1960, criou essa denominação para
se referir às práticas inescrupulosas das oligarquias do semiárido nordestino, beneficiando-se dos
recursos destinados para essa região pelo governo federal nos períodos de secas.
54
Reforçando seus argumentos diz que “os espaços constitutivos do
Nordeste Semiárido do Brasil apresentam especificidades particulares diferentes de
todas as áreas semiáridas do mundo” a começar por ser a única região semiárida do
globo localizada na Zona Equatorial da Terra (CARVALHO, 2006, p. 8). Assim,
aponta suas três características sui generis:
[...] a primeira e principal consiste em apresentar uma só estação climática,
chuvosa, com dois máximos de chuvas, que correspondem à passagem dos
equinócios de março e de setembro. [...]. A segunda, o aproveitamento das
águas das chuvas. [...] De fato, 92% de todas as águas das chuvas que caem
no Semi-árido nordestino são ‘consumidas’ pela insolação, evaporação e
evapotranspiração. São aproveitadas apenas 8% de todas as chuvas na
alimentação dos rios, lagos, açudes e sistemas de drenagem dessa região.
[...]. A terceira particularidade é a de ser a área semiárida mais povoada do
mundo (AB’SABER, 1987 apud CARVALHO 2006, p. 8).
Otomar de Carvalho ainda acrescenta outra peculiaridade do Nordeste
Semiárido, que é a de
[...] apresentar dimensões variáveis, tanto do ponto de vista climático, como
político. Ali, áreas onde o clima contribui para que as secas ocorram com
mais intensidade do que outras. Disso decorre a natureza do processo de
expansão e contração geográfica dessa região. Com a melhora do nível de
informações climáticas e meteorológicas, tem sido possível constatar que
esse processo de expansão/contração dos limites do Nordeste Semi-árido
conta com justificativas técnico-científicas sólidas (CARVALHO, 2006, p. 8).
Continuando, (CARVALHO, 2006, p. 10) diz que, a delimitação geográfica
do Semiárido, ou seja, das áreas atingidas pelas secas,
[...] fenômeno que nos anos de 1930 ainda era caracterizado como ‘um
problema do Norte’, [...] veio a ocorrer em 1936.” No primeiro governo de
Vargas, foi criado o Polígono das Secas, [...] figura paradigmática das áreas
de ocorrência das secas na região já conhecida como Nordeste.
55
Essa delimitação era mais que justa, tornando-se, uma questão imperativa
para ele, uma vez que, trata-se do apoio, legitimamente reclamado, aos poderes
públicos, por parte de grupos sociais que não dispõem da necessária capacidade de
enfrentar, sozinhos, as incertezas das variabilidades climáticas. Hoje existe uma
orientação mais clara para se atender a demanda. Mas nem sempre foi assim.
Desse modo, é importante saber que tal delimitação saiu a “duras penas”.
Para que os espaços afetados pelas secas chegassem a ser oficialmente
delimitados, dezenas de milhares de pessoas tiveram que morrer. Centenas
de milhares tiveram de enfrentar a fome e outros malefícios decorrentes da
anulação das atividades econômicas por todos os segmentos da sociedade
regional, em particular dos dedicados à agropecuária (CARVALHO, 2006,
p.9).
Desse modo, a delimitação do Polígono das Secas, como espaço oficial
de ocorrência das secas do Nordeste foi efetuado de acordo com a Lei 175, de 07
Mapa 1- Antigo Polígono das
Secas
Fonte: Parejo (2009).
56
de janeiro de 1936, em regulamentação ao Art. 177
9
da Constituição em vigor e
estabelecia o seguinte:
O plano sistemático da defesa contra os efeitos das secas dos estados do
Norte (hoje Nordeste) abarcaria obras e serviços de natureza permanente,
obras de emergência, e serviços de assistências às populações, durante as
crises climáticas que exigissem imediato socorro. [...] A área desse Polígono
era de 672.281,98km², correspondendo a 43,2% da área total do Nordeste
(CARVALHO, 2006, p. 12).
Contudo, a expressão polígono das secas depois de 1960 começou a ficar
desgastada, submetida ao peso de um certo preconceito, em virtude de ser
portadora de interesses conservadores como sinônimo de “indústria da seca”. Razão
pela qual a SUDENE a substituiu de forma oficiosa, pela expressão, Trópico
Semiárido do Nordeste – TSA, por analogia aos espaços do Trópico Semiárido
encontrados em diversas partes do mundo (CARVALHO, 2006).
Entretanto, a nova expressão Nordeste Semiárido em 1970 passou a
ter uso mais generalizado, embora continuasse em vigor, a figura do Polígono das
Secas. Com a instituição dos Fundos Constitucionais de Financiamentos do Norte -
FNO, do Nordeste - FNE e do Centro-Oeste FCO, com a regulamentação do
Art.159, inciso I, alínea c, da Constituição dd 1988, pela Lei de 7.827, de 27 de
setembro de 1989, os espaços caracterizados pela semiaridez do Nordeste,
passaram a ser chamados, formalmente, de Região Semiárida do FNE
(CARVALHO, 2006).
A iniciativa do Ministério da Integração Nacional em propor uma nova
delimitação da área geográfica de abrangência do semiárido brasileiro decorreu da
constatação da inadequabilidade do critério que levava em conta apenas a
precipitação média anual dos municípios dessa região.
Com base nessa constatação, o MI convocou ministérios e instituições
envolvidas com as diferentes questões atinentes ao semiárido brasileiro e, em março
de 2004, foi instalado o Grupo de Trabalho Interministerial (GTI) incumbido de
redelimitar o espaço geográfico dessa área.
9
Lei 175, de 07 de janeiro de 1936 se fundamentou no Parecer de Eloy de Souza, Deputado
Federal pelo Rio Grande do Norte, que foi o Relator da Comissão instituída para tal finalidade.
57
Para a nova delimitação do semiárido brasileiro, o GTI tomou por base três
critérios cnicos: precipitação pluviométrica média anual inferior a 800 mm; Índice
de aridez (0,21 a 0,50) calculado pelo balanço hídrico que relaciona as precipitações
e a evapotranspiração potencial, no período entre 1961 e 1990; Déficit hídrico -
Risco de seca maior que 60%, tomando-se por base o período entre 1970 e 1990.
Em 10 de março de 2005, o Ministro da Integração Nacional assinou a
Portaria que instituiu a nova delimitação do semiárido brasileiro. Foram incorporados
1.133 municípios, correspondendo a uma área de 969.589,4 km e os 1.133
municípios integrantes do novo semiárido brasileiro se beneficiarão de bônus de
adimplência de 25% dos recursos do Fundo Constitucional de Financiamento do
Nordeste (FNE), enquanto no restante da Região Nordeste esse percentual é de
15%.
O FNE determina que pelo menos 50% de seus recursos sejam aplicados
no financiamento de atividades produtivas em municípios do semiárido;
Mapa 2 - Nova Delimitação do
Semiárido.
Fonte: Brasil (2005).
58
Em 2005, o valor a ser aplicado pelo FNE no semiárido alcança os R$ 2,5
bilhões. Produtores rurais beneficiários do Programa Nacional de Fortalecimento da
Agricultura Familiar (PRONAF) do semiárido m à disposição crédito com juros de
1% ao ano, prazo de pagamento de até 10 anos e três anos de carência.
Essa proposta constitui um dos principais instrumentos do Plano
Estratégico de Desenvolvimento Sustentável do Semiárido (MI e Adene) e não está
totalmente concluída. Já foram integrados (em 2006) mais 2 municípios, agora 1.135
municípios, ampliando a área para 980.089,26 km (CARVALHO, 2006, p. 15).
Em suma, o “Nordeste brasileiro para Otomar de Carvalho, seja qual for a
amplitude do seu território em suas várias delimitações (geográficas, culturais,
históricas, política, administrativa, social, econômica, ou psicossocial), corresponde,
na expressão de Rosa Maria Godoy Silveira, ao
[...] espaço mais antigo do país, em termos de ocupação demográfica e
econômica, disso resultando uma identidade objetiva, geográfica e cultural,
diferenciada de outros espaços posteriormente ocupados [...] Essa identidade
se consubstancia, ainda, através de um longo processo, em um pensamento
regionalista — forma de pensar as suas dimensões, limitações e relações — se
não o mais arraigado, no entanto remanescente com bastante vigor no
arcabouço mental brasileiro (SILVEIRA, 1981 apud CARVALHO, 1988, p. 9).
59
2.2 VISÕES SOBRE O NORDESTE
Para nós o sertão do Seridó no Rio Grande do Norte é um poço rico em
sentidos e contrastes. São imagens que nos vêm à memória, como as da
colheita de algodão; as fazendas com seus moradores; o trabalho do
roçado feito individualmente ou em mutirão do gado passando pelas ruas,
conduzidos pelos vaqueiros a destinos ignorados [...].
Douglas Araújo
Algumas vertentes teóricas explicam a formação nordestina numa
perspectiva mais abrangente, levando em conta a constituição de seu histórico
processo de subdesenvolvimento, a exemplo de Prado Júnior (1961;1989) e de
Furtado (1961), (1978), (1987), (1989), que vão dar destaque ao complexo
socioeconômico nordestino.
Desse modo, interpretam a pobreza do Nordeste em relação ao fenômeno
chamado subdesenvolvimento que constituía um lugar próprio da periferia na divisão
internacional do capitalismo, exprimindo uma relação de dependência e
subordinação em relação aos países centrais do sistema.
Caio Prado Júnior (1907-1990), paulista, foi um dos primeiros intelectuais
marxistas brasileiro
10
que pensou o Brasil na perspectiva do materialismo histórico,
mas usando-o de forma criativa como um método crítico, aberto e dialético.
Sua análise da natureza da colonização brasileira é esclarecedora do
Brasil e dos fundamentos do seu atraso econômico. A formação do Brasil teria sua
explicação essencial na exploração colonial, que é a chave para se entender o
subdesenvolvimento.
Nesse sentido, percebeu as causas do subdesenvolvimento do Brasil, ao
buscar no período colonial as raízes de um atraso que até hoje perdura. Se os
Estados Unidos nasceram como um país periférico na ordem mundial, com colônias
de povoamento ocupadas por pequenas propriedades e homens praticamente
iguais, o Brasil surgiu torto, desigual, porém, “moderno”. Era a grande fronteira de
expansão dos impérios coloniais, num modelo de produção baseado no latifúndio e
na desigualdade, voltado para a acumulação de lucros na metrópole. Assim,
enquanto a “Nova Inglaterra” deu origem a uma verdadeira Nação, por aqui surgiu
10
Astrogildo Pereira, um dos fundadores e primeiro dirigente do Partido Comunista (PC), antes de
Caio Prado, já havia abordado a questão, mas não de forma sistemática como ele.
60
um arremedo de país, em que o povo e a elite não parecem formar um todo
homogêneo.
Para Prado Júnior (1961), o sistema colonial possuía uma economia
majoritariamente agro-exportadora e a produção interna de alimentos estaria
dependente do comércio internacional dos produtos coloniais. Daí, atribuir pouco
dinamismo ao mercado interno que se voltaria exclusivamente para o auto-consumo.
A razão para esta dependência estaria na transferência de recursos para a
metrópole, na escravidão e na produção monocultora. A colônia não possuía, dessa
maneira, uma formação econômica e social autônomas e constituir-se-ia em um
corolário do modo de produção capitalista, inserido no mercado dominante da
Europa.
Em razão dessa origem desfavorável o Brasil atravessou vários ciclos
econômicos, como os do açúcar, do ouro, da borracha e do café, dentre outros,
determinados essencialmente por contingências internacionais. Era a demanda
global que movia e criava grandes riquezas no país. As demais atividades, como a
pecuária e o pequeno comércio, apenas davam suporte às empresas coloniais,
ainda que pudessem gerar algumas pequenas fortunas pessoais. Nos Estados
Unidos, ao contrário, desde cedo o grande motor do desenvolvimento foi seu próprio
mercado interno.
Assim, em História econômica do Brasil, afirma que:
No seu conjunto, e vista no plano mundial e internacional, a colonização dos
trópicos toma o aspecto de uma vasta empresa comercial, mais complexa do
que a antiga feitoria, mas sempre com o mesmo caráter que ela, destinada a
explorar os recursos naturais de um território virgem em proveito do
comércio europeu. É este o verdadeiro sentido da colonização tropical, de
que o Brasil será uma das resultantes; e ele explicará os elementos
fundamentais, tanto no social como no econômico, da formação e evolução
histórica dos trópicos americanos (PRADO JÚNIOR, 1963, p. 22-23).
Pelo visto, o estudo da realidade brasileira para ele deveria ser norteado
pela busca do sentido essencial da evolução histórica do país. Tinha a convicção da
necessidade de buscar no passado a explicação para as condições do presente.
Daí o “sentido” que norteava todo o desenvolvimento histórico da sociedade,
61
apontando para um vínculo, desde a época da colônia, do Brasil com o capital
comercial, em um
[...] processo que acabaria por integrar o universo todo em uma nova ordem,
que é a do mundo moderno, em que a Europa, ou antes, a sua civilização, se
estenderia dominadora por toda a parte. Todos estes acontecimentos são
correlatos e a ocupação e o povoamento do território que constituiria o Brasil
não é senão um episódio, um pequeno detalhe daquele quadro imenso
(PRADO JÚNIOR,1989, p. 20).
No entanto, o entendimento da colonização mercantil e capitalista
segundo o esquema de Caio Prado, negaria a tese do feudalismo brasileiro, definida
a partir do paradigma da revolução burguesa. Daí, não era a pequena exploração
parcelária do feudalismo europeu, o ponto nevrálgico da estrutura econômica do
país, mas, a grande propriedade rural (tanto no passado quanto no presente o
grifo é do autor), associada à exploração do trabalho escravo e voltada para o
mercado externo. Sendo inclusive, via de compreensão da especificidade da
formação brasileira; dela “derivou toda a estrutura do país: a disposição das classes
e categorias de sua população, o estatuto particular de cada uma e dos indivíduos
que as compõem.” (PRADO JÚNIOR, 1989, p. 143).
Na perspectiva de Prado Júnior (1987, apud
MANTEGA, 1991, p. 245),
Não relações de produção feudais e nem restos dela no Brasil, porque a
estrutura colonial brasileira e suas relações de produção (que, no
fundamental, persistem até a atualidade), foi implantada e organizada pelo
sistema capitalista mundial (primeiro pelo comercial, depois pelo imperialista).
A economia camponesa, identificada com a agricultura de subsistência era
encarada como meramente subsidiária e residual. A escravidão, na sua
compreensão, é o que, “antes de mais nada, e acima de tudo, caracteriza a
62
sociedade brasileira de princípios do século XIX [...].” (PRADO JÚNIOR, 1989, p.
269). Assim, analisando a economia do Brasil nos anos finais da escravidão diz que:
[...] as premissas do capitalismo se achavam incluídas na ordem
econômica e social brasileira, ordem essa que se organizara em função de
atividades essencialmente mercantis e voltadas para o mercado, isto é, para
a exportação de produtos tropicais. Assim, o grande desenvolvimento e
progresso econômico verificado no decorrer da segunda metade do século
passado [...], essa grande atividade da vida econômica brasileira se realizará
em moldes essencialmente capitalistas (PRADO JÚNIOR, 1978, p. 115).
Aliás, o traço peculiar da escravidão para ele será o de pertencer a uma
“ordem de acontecimentos que se inaugura no séc. XV com os grandes
descobrimentos ultramarinos”. E subordinada ao capital mercantil procurava garantir
a produção dos gêneros valorizados no mercado internacional e “nunca se desviou
de tal rumo”. Por isso, a contribuição do escravo para a formação brasileira, segundo
Caio Prado, é nula, excetuando-se a “energia motriz.” (PRADO JÚNIOR, 1989, p.
269-272).
Nesse sentido considera-se, no mínimo estranho que seu livro, Formação
do Brasil contemporâneo, mesmo tendo sido escrito posteriormente à Casa Grande
e Senzala, que Caio Prado leu, desconsidere as afirmações de Gilberto Freyre
acerca da contribuição do elemento africano para a cultura nacional.
Mas desprezando o etnocentrismo de Prado Júnior, que chega ao ponto
de definir os escravos, negros e índios, como povos de “nível cultural ínfimo”
(PRADO JÚNIOR, 1989, p.271-272); e o pior, dizer que o ”índio brasileiro, saindo de
uma civilização muito primitiva, não podia adaptar-se [...] ao sistema de uma cultura
tão superior à sua como era a que lhe traziam os brancos.” (PRADO JÚNIOR, 1963,
p. 36). Interessam aqui dois aspectos de sua reflexão acerca da escravidão: o
primeiro é o que ele diz acerca do papel da escravidão americana como geradora de
diferenciação social, mais do que em qualquer outro sistema escravista. Isto porque
a diferenciação racial acentua a rigidez do escravismo, “empresta uma marca
iniludível a esta diferença social. Rotula o indivíduo.” (PRADO JÚNIOR, 1989, p.
274). O outro aspecto, mais importante, diz respeito à sua interpretação acerca das
relações de trabalho pré-capitalistas encontradas no campo brasileiro que, para ele,
63
deveriam ser encaradas como resíduos do escravismo subordinado ao capitalismo,
e não, como resquícios feudais.
Porém, imbricar a grande propriedade com a mão-de-obra escrava e
rotulá-la como capitalista é, certamente, um tanto complicado; como também,
cunfuso seria entender a esfera de circulação de mercadoria e, consequentemente,
o seu agregado, o capital mercantil, como uma categoria eminentemente ou, pelo
menos, identificadora do capitalismo. Para Marx (1967, p. 374), “o capital mercantil
e o comércio – é mais antigo que o mundo capitalista de produção; é na realidade,
do ponto de vista histórico, o modo independente de existência mais antigo do
capital.”
Quanto a suas propostas para a superação do atraso do país
principalmente do campo, Prado Júnior deslocava o ponto crítico da questão agrária
da luta pela terra para as reivindicações dos trabalhadores ligados ao setor
“moderno” da agricultura.
O latifúndio não poderia ser visto como um obstáculo feudal que
deveria ser removido para dar passagem ao desenvolvimento capitalista, mas como
instrumento da inserção do Brasil na economia capitalista. Ao invés da superação
daquele suposto feudalismo, pela destruição do latifúndio e distribuição da terra,
para Caio Prado, tratava-se de superar as permanências do regime de trabalho
escravo. O que se faria pela valorização da forçadetrabalho porque, em seu
esquema teórico, o baixo nível tecnológico da agropecuária brasileira e a baixa
produtividade se deviam ao baixo custo da mãodeobra e à oferta abundante de
terras, o que estimularia a produção extensiva baseada em investimentos
tecnológicos insignificantes. Além disso, maior remuneração significa maiores níveis
de consumo.
Em Evolução Política do Brasil, ao se referir aos acontecimentos ligados à
emancipação política do país, ao mesmo tempo em que aponta a necessidade das
mudanças, impostas pelo desenvolvimento econômico, Prado Júnior (1961, p. 52)
irá apontar os aspectos políticos que evidenciam seu caráter de “arranjo político”, o
“ambiente de manobras de bastidores” que caracterizou aquele processo.
Do que se trata, em suma, é não deixar o funcionamento da economia à
mercê de simples impulsos dos interesses e da iniciativa privados, sem
discriminação do maior ou menor, ou mesmo do negativo interesse geral que
64
possam apresentar. [...] torna-se necessária a intervenção decisiva do poder
público na condução dos fatos econômicos e na orientação deles para
objetivos prefixados (PRADO JÚNIOR,1987, p. 149).
Caio Prado apesar de retratar de forma ampla os problemas do Brasil, não
consegue avançar muito no campo das propostas mais gerais para a sociedade,
todavia, as questões por ele levantadas são importantes para se pensar a pobreza
do Nordeste em relação ao fenômeno do chamado subdesenvolvimento que
constituía um lugar próprio da periferia na divisão internacional do trabalho,
exprimindo uma relação de dependência e subordinação em relação aos países
centrais do sistema.
No que diz respeito ao pensamento do paraibano Celso Furtado (1920-
2004) verifica-se uma aproximação de suas idéias com as de Prado Júnior em
alguns pontos: a preocupação com a economia, na discussão a respeito dos reflexos
da monocultura sobre a economia colonial e o fato de estar implícito nas suas obras
teóricas um programa político. Os dois autores chamam a atenção, sobretudo, para
a ligação, desde a colônia, entre a economia brasileira e a economia mundial.
No entanto, a obra de Celso Furtado vai mais além. Faz parte de uma
tradição mais ampla de trabalhos sobre a América Latina, o Brasil e particularmente
sobre o Nordeste. Seu esforço é, principalmente, o de captar a especificidade da
sociedade brasileira, explicando como são diferentes dos casos "clássicos",
europeus e norte-americanos. E se destaca de outros autores por ter sido dos
poucos a intervir diretamente na realidade, o que tanto seus propósitos, quanto a
experiência de vida permitiram. Acredita-se que o seria demais afirmar que ele foi
como o “divisor de águas” tratando-se dos estudos sobre a realidade do Nordeste e
as desigualdades regionais.
Furtado vai buscar soluções que conduzam à superação do atraso dessa
sociedade numa compreensão da totalidade, através da análise estrutural e do
método histórico, na macroeconomia de Keynes. Na sua visão analítica
interdisciplinar trouxe à economia política elementos antes de cuidado exclusivo de
áreas especificas como a Sociologia (as organizações e forças sociais), a Ciência
Política (o Estado) e a Ecologia (relação do homem e o meio ambiente).
Destacou-se com
a particular contribuição que ficou conhecida como
teoria estruturalista da Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL) ao
65
mostrar como se estabeleceu a relação histórica entre colônias e metrópoles, países
desenvolvidos e subdesenvolvidos, centro e periferia. Assim distinguia entre as
diferentes formas de subdesenvolvimento, a que havia desenvolvimento industrial,
como o Brasil, México, Argentina, Chile, Colômbia e Uruguai e os que ainda não
haviam superado o estágio agrário, como a América Central e Caribe.
Talvez mais surpreendente - sua especial sensibilidade para a influência
da cultura - tenha sido chamar a atenção para problemas, como os sérios padrões
de consumo das classes dominantes latino-americanas, como um fator de
perpetuação do subdesenvolvimento.
Nas décadas de 50 e 60, diversas teorias, sobretudo as norte-americanas,
diziam que o subdesenvolvimento era uma etapa a ser vencida na direção do
desenvolvimento. Mas Furtado mostrou que o subdesenvolvimento é um tipo
específico de desenvolvimento capitalista que acontece na periferia do sistema, pois
a lógica do sistema é fazer com que os países subdesenvolvidos permaneçam
sempre subdesenvolvidos (FURTADO 1961; CANO, 1998). Senão veja:
O Subdesenvolvimento é, portanto, um processo histórico autônomo, e não
uma etapa pela qual tenham, necessariamente, passado as economias que
alcançaram grau superior de desenvolvimento. Para captar a essência do
problema das atuais economias subdesenvolvidas necessário se torna, levar
em conta essa peculiaridade (FURTADO, 1961, p.180).
Logo, o subdesenvolvimento não é uma etapa para se atingir o
desenvolvimento, mas sim uma malformação histórica causada pelo impulso inicial
dado pela expansão do capitalismo. Daí, Furtado demonstra, a necessidade e a
importância da condução do Estado durante o processo de superação do
subdesenvolvimento. Desse modo, o Estado aparece, como um importante
instrumento, passível de ser utilizado para resolver problemas estruturais.
Enquanto o Centro-Sul registrava um desenvolvimento industrial
ascendente e uma economia em expansão, o Nordeste mantinha-se entregue às
oligarquias que se beneficiavam da situação, explorando a chamada ‘indústria da
seca’. As ações em favor da Região limitavam-se a obras esporádicas e de caráter
paliativo. Até então o existia uma política pública específica contra a seca e muito
66
menos um plano de trabalho voltado ao desenvolvimento das atividades agrícolas e
industriais. O País precisava de uma plano de trabalho que contemplasse a Região.
Segundo Furtado (1989, p. 49), apesar de o DNOCS, ser na época, o
principal órgão federal que atuava na região, ocorreram alguns problemas na sua
execução, que mereceram observação, como ele diz: “apoiei o projeto do “Correio
da Manhã” de enviar o jornalista Antônio Callado, como repórter itinerante, para
projetar um pouco de luz nos desvãos das instituições federais atuando no
Nordeste”. E o que se constatou foi o seguinte:
Na Região Semi-árida nesse momento assolada pela seca [...], as máquinas
e equipamentos do DNOCS, [...] eram utilizados por fazendeiros a seu bel-
prazer. Nas terras irrigadas com águas de udes construídos e mantidos
pelo governo federal produzia-se para o mercado do litoral úmido e em
benefício de alguns fazendeiros que pagavam salários de fome. As obras de
emergências eram pré-finaciadas por comerciantes que, de um, lado, se
beneficiavam da forte elevação dos preços dos gêneros de primeira
necessidade e, de outro, cobravam dos trabalhadores juros escorchantes,
implícitos nos adiantamentos que faziam. Em síntese, a seca, era um grande
e próspero negócio para muita gente. Callado, com sua fina ironia, revelava
[...] a existência, no Nordeste, de uma classe social sui generis, os
“industriais das secas”. E essa classe dispunha de importante bancada no
Congresso Nacional (FURTADO, 1989, p. 49).
Em meio a um clima de desesperança, a própria sociedade nordestina,
liderada por alguns setores de participação mais ativa na vida regional, a exemplo
da Igreja, dos sindicatos e de algumas facções políticas menos conservadoras,
mobilizou-se, conquistou a opinião pública e pressionou o Governo Federal no
sentido de adotar medidas mais firmes em benefício do Nordeste. A situação era de
calamidade e a Região em nada refletia a política de industrialização adotada pelo
Governo e que apresentava impactos positivos na economia do Centro-Sul do
País.
Nessas circunstâncias, Juscelino Kubitschek, Governo Federal à época,
pressionado pela sociedade civil e consciente de que as raízes dos problemas
nordestinos não residiam apenas na questão hídrica e confiando na racionalidade,
lucidez e competência técnica de Celso Furtado, criou o Grupo de Trabalho para o
Desenvolvimento do Nordeste (GTDN), entidade ligada diretamente à Presidência
67
da República. Responsável pela elaboração de um plano de trabalho em favor da
Região, o GTDN realizou um minuncioso levantamento das questões regionais,
estudo esse apresentado ao então presidente Juscelino Kubitschek em julho de
1959.
Ao elaborar o documento oficial intitulado Uma política de
desenvolvimento econômico para o Nordeste, o chamado Relatório do GTDN, em
1956, destinado a ser o suporte teórico para a intervenção planejada na região
consubstanciada na criação da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste
(SUDENE) Furtado preconizava a superação do elevado grau de desigualdade
inter-regional no país, sobretudo através da industrialização na região Nordeste;
articulada à própria reorganização da agricultura na sua faixa úmida (para que a
produção de alimentos desse suporte à expansão do parque industrial nos principais
centros urbanos), ambas as ações a serem implementadas pelo Estado nacional-
desenvolvimentista.
Nesse sentido, veja-se o relato de Furtado (1989, p. 37-56) sobre como
se deu a sua participação do GTDN.
[...] Renunciara a meu cargo nas Nações Unidas e aceitara um posto de
diretor do BNDE sob a condição de que minha atuação se circunscreveria à
área do Nordeste. [...]. De imediato coube-me intervir no Grupo de Trabalho
para o Desenvolvimento do Nordeste (GTDN), um dos muitos grupos que
instituíra o Banco, transformado em órgão assessor principal da Presidência
da República. [...]. Fora obtido o apoio de uma missão técnica das Nações
Unidas, cujos membros, em viagens tranqüilas, começavam a descobrir a
região. [...]. Não havia no grupo nenhuma pessoa com conhecimento de
conjunto da região e menos ainda, economistas especializados em
desenvolvimento. Uma equipe assim, improvisada [...]. O texto fora
concebido e redigido por mim. Não houve tempo sequer para submetê-lo a
leitura crítica de outras pessoas. Os estudos setoriais em que se aplicavam
os técnicos do GTDN ainda estavam em gestação. E se afastavam da ótica
da macrroeconomia que eu adotara. Mas evitei assiná-lo [...] Foi distribuído
entre os presentes na reunião do palácio do catete como simples
fundamentação técnica da exposição que fiz. Esta tica de apresentação foi
providencial para sua sobrevivência quando caíram sobre nós os dias
sombrios da ditadura militar, que me cassou os direitos e tornou “suspeito”
tudo o que contivesse o meu nome. Com efeito ele pode continuar a ser
utilizado e citado, atribuindo-se a autoria ao GTDN.
O GTDN foi transformado no Conselho de Desenvolvimento do Nordeste
(CODENO), sendo Celso Furtado o seu responsável principal e teve um papel
decisivo na criação da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste
68
(SUDENE), em 1959. Vale enfatizar que esse estudo deu especial atenção à
problemática do semiárido, percebido no país, pela ótica dos terríveis efeitos
engendrados pelas secas que já vinham provocando suas mazelas, caracterizando o
Nordeste como área-problema, agravando-se a partir da segunda metade do culo
XIX, assumindo a forma de grande calamidade social.
Em se tratando da economia dessa região, Furtado a define como um
complexo de agricultura e pecuária bovina extensiva, ambas de baixo rendimento,
combinando elementos monetários (representados, basicamente, pela pecuária e
pela cultura de xerófilas, voltadas para o mercado) com outros nãomonetários (as
tradicionais lavouras de subsistência). Dadas suas condições naturais, seria
razoável esperar que esse espaço apresentasse uma baixa densidade demográfica,
estabelecendo-se, portanto, um equilíbrio entre a população residente e os recursos
naturais disponíveis. No entanto, o avanço da agricultura de subsistência no semi-
árido provocou um certo adensamento demográfico, o qual está na raiz do problema
da grande vulnerabilidade desse tipo de economia às secas. Trata-se aqui, enfim, de
deslocar a discussão dos fatores climáticos - sem negá-los, evidentemente — para a
estrutura econômico-social, o que equivale a afirmar que esta última tem o poder de
ampliar os efeitos da estiagem (FURTADO, 1987;1989).
Como agravante, o Nordeste Semiárido,
[...] não dispunha de tradição agrícola, sendo insignificante seu
patrimônio tecnológico [...]. As fazendas e áreas mais áridas o
contou com um estoque inicial de técnicas agrícolas e sendo uma
constelação de minifúndios, sem nenhuma capacidade de acumulação
[...] fechou todas as portas para o investimento no fator humano, o que
explica sua estagnação secular [...]. a passividade da população, sua
inaptidão para organizar-se na ação política, seu profundo sentimento
de insegurança, levando-a a buscar segurança, contribuíram para
implantar o imobilismo social e a estagnação econômica. A rígida
hierarquia social e o monopólio da informação em mãos de poucos
explicam a arrogância e o autoritarismo da classe dirigente. Assim, o
econômico, o social e o político se entrelaçam para formar o duro
cimento em que se alicerçou o subdesenvolvimento do Nordeste
(FURTADO, 1989, p. 22-23).
Furtado demonstrou que a saída do subdesenvolvimento só é viável
através da participação ativa do Estado, que deve colocar em prática um projeto de
desenvolvimento. Contudo, não defende a direção da economia pelo Estado, mas
69
sim que esse intervenha no sentido de coordenar e gerar condições para o
desenvolvimento, tanto em âmbito regional (SUDENE) como no nacional (Ministério
do Planejamento). Nessa perspectiva, o planejamento econômico ganha destaque
central, pois se apresenta como um meio de coordenar ao longo do tempo
mudanças estruturais e reformas.
Diante do exposto sobressaem-se diferenças substantivas entre Prado
Júnior e Furtado, e levando-se em conta a questão da superação das heranças
legadas pela colonização e, mais especificamente, como entender a industrialização,
pode-se constatar o seguinte: enquanto o primeiro autor não muita importância
ao fenômeno, que ressalta a dependência de capitais estrangeiros e a
incapacidade de mudar a orientação da economia desde a colônia, o segundo
ressalta o sentido transformador da industrialização. De certa maneira, o autor de
Formação do Brasil contemporâneo ainda está preso ao passado, enquanto o de
Formação econômica do Brasil ajuda a construir o país do futuro. Com efeito, a
industrialização teria se dado mediante políticas keynesianas que, depois da crise
de 1929, a política de defesa dos preços do café mantinha os níveis de renda interna
e a crise de divisas fortes impedia a importação de manufaturas.
Nas palavras de Cano (1998, p. 22), economista crítico da Unicamp, “há
que se fazer justiça a Furtado, que, dirigindo o GTDN, elaborou um diagnóstico e
uma política de desenvolvimento do Nordeste de marcada profundidade, pensando
não apenas em industrializar a região, mas, sobretudo, mudar sua estrutura
econômica” Continuando ele acrescenta:
O diagnóstico, resumidamente, pretendia que se atacasse quatro frentes: a
industrialização; a reforma da estrutura agrária da zona úmida;a
transformação da economia das zonas semi-áridas e o deslocamento da
fronteira agrícola. Com isso aumentar-se-ia a eficiência do antigo setor
exportador, ampliar-se-ia a oferta de alimentos para suporte à nova economia
industrial, e obter-se-ia, ainda, a transferência de parte do excedente
populacional para o Maranhão (CANO, 1998, p. 22-23).
Resumindo ele diz: “Ao contrário do que afirmavam muitos dos seus
críticos, Furtado tentava criar aquilo que o Nordeste nunca tivera, de forma mais
avançada: relações capitalistas de produção, numa economia mais eficiente e
70
internamente integrada.” (CANO, 1998, p. 23). Dele foi a primeira tentativa de
elaboração de uma política sistemática de desenvolvimento regional integrada, com
a criação da SUDENE em 1959.
Celso Furtado é considerado o grande inovador do pensamento
econômico do Brasil e também da América Latina, fundador da política econômica
brasileira e criador da escola de pensamento econômico conhecido como
pensamento cepalino. E, até hoje, suas idéias norteiam o pensamento econômico
brasileiro.
Vale salientar que todo o trabalho de Furtado em favor do Nordeste foi
conquistado a duras penas, depois de muitos percalços, resistências e entraves
enfrentados com os líderes políticos regionais representantes da oligarquia
tradicional agrária, que foram superados, nacionalmente pelo grupo industrial e
pelos setores progressistas desempenhando um papel central nas decisões.
Também pelo fato de os documentos iniciais elaborados por ele, não fazerem
menção estrita e, especificamente, à reforma agrária, deixando apenas contribuições
para soluções reformistas.
Quanto à penetração das economias centrais do sistema na periferia e à
formação da estrutura subdesenvolvida, Furtado (1978, p. 53) esclarece:
O efeito do impacto da expansão capitalista sobre as estruturas arcaicas
variou de região para região, ao sabor de circunstâncias locais, do tipo de
penetração capitalista e da intensidade desta. Contudo, a resultante foi quase
sempre a criação de estruturas híbridas, uma parte das quais tendia a
comportar-se como um sistema capitalista, a outra, a manter-se dentro da
estrutura preexistente. Esse tipo de economia dualista constituiu,
especificamente, o fenômeno do subdesenvolvimento contemporâneo
(Elementos de uma teoria do subdesenvolvimento).
Essa coexistência em uma mesma estrutura econômica de duas
dimensões uma advinda do sistema capitalista e outra pré-capitalista é o
elemento chave do fenômeno do subdesenvolvimento para Furtado. O autor
compreendia, por conseguinte, que o subdesenvolvimento seria um processo
histórico autônomo, ou seja, não era uma etapa pela qual tenham passado
obrigatoriamente todas as economias capitalistas desenvolvidas. Um elemento
71
importante diz respeito ao fato de que na formação das economias híbridas em que
o núcleo capitalista passava a coexistir de forma pacífica com a estrutura arcaica.
Este núcleo capitalista não modificou as condições preexistentes, o que foi
acontecer somente quando as atividades capitalistas necessitavam de uma
absorção em grande escala de mãodeobra, como no Brasil.
No entanto, se a teoria do subdesenvolvimento construída por Furtado
trouxe grandes contribuições para a compreensão da realidade dos países
periféricos, por outro lado, destacam-se as suas debilidades, segundo Oliveira
(1977), que tratou de colocá-las em relevo. O autor fará uma leitura crítica da teoria
do subdesenvolvimento em Furtado, bem como, traçará um novo quadro analítico
para a compreensão da estrutura socioeconômica brasileira.
Nas principais reflexões da abordagem de Chico de Oliveira em relação
aos traços fundamentais da realidade socioeconômica brasileira, o eixo central é que
por trás da aparente oposição formal entre o “moderno” e o “atrasado” existe uma
integração dialética. A agricultura “arcaica” cumpre um papel fundamental no regime
de acumulação: ao invés de se opor ao setor industrial, o alimenta.
Por consequência, o modelo da estrutura econômica desenvolvida por
Chico de Oliveira, não poderia conter a tese de Celso Furtado da separação dual e
antagônica entre os setores. O setor agropecuário atrasado e o setor industrial
conformavam uma unidade de contrários, uma totalidade a qual tinha um sentido
claro, ou seja, o de estabelecer um regime de acumulação conveniente, extrair mais
lucro. Logo, os diversos setores constituíam uma estreita imbricação entre eles, uma
dependência recíproca, um organismo coerente que se compunha de elementos
desigualmente desenvolvidos e combinados. Assim, a dimensão “arcaica” da
economia não podia ser entendida como um polo “marginal” indesejado das
estruturas subdesenvolvidas, mas antes como parte coerente e funcional do modelo
característico de acumulação nos países periféricos. Este modelo, combinando um
intenso processo de industrialização com uma estrutura agrária basicamente
atrasada, produzia taxas fabulosas de acumulação por um lado, e por outros níveis
de exploração da força de trabalho. se encontrava a racionalidade dessa
integração dialética.
Celso Furtado descartou a hipótese evolucionista. No entanto,
compreendia a existência numa mesma estrutura de elementos econômicos
“arcaicos” e “modernos” como duas dimensões que não se encaixam e se separam.
72
Enquanto Chico de Oliveira, por sua vez, defendeu que a junção, desigual e
combinada desses elementos contraditórios formava uma estrutura com sentido
coerente, qual seja o de constituir um modo de acumulação própria dos países
subdesenvolvidos. As partes agora se encaixam e se unem, se alimentando
reciprocamente, num movimento de integração econômica (OLIVEIRA, 1977).
Esse movimento se verifica de forma mais acentuada nas últimas décadas
pelo processo de acumulação de capitais do país, “atingindo o Nordeste e
‘solidarizando’ sua dinâmica econômica às tendências gerais da economia nacional”.
Nesse sentido, no contexto atual, “uma das teses centrais do GTDN ficou
ultrapassada: não se verifica mais o fato de a economia do Nordeste, mergulhada na
estagnação, conviver com o forte dinamismo Centro-Sul. A integração articulou as
diversas dinâmicas ‘regionais’.” (ARAÚJO, 1995, p. 128. Grifos do autor).
Por conseguinte,
[...] as dificuldades de hoje são maiores porque os problemas regionais se
tornam mais complexos, seja no tocante ao Nordeste propriamente dito,
seja no contexto dos problemas nacionais, dada à sua maior integração na
economia nacional e aos mercados internacionais (CARVALHO, 2003, p.
304).
Concordando com a economista pernambucana Tânia Bacelar de Araújo,
hoje, é preciso saber de qual Nordeste se está falando, pois mudanças importantes
vêm se verificando nessa região, nas últimas cadas, contribuindo para remodelar
sua realidade econômica. Pode-se, falar, de quantos “Nordestes” quantas forem as
abordagens, interesses, focos, resistências e mudanças.
Ela ainda adverte para não se tratar o Nordeste e nem uma outra região
como autônoma,
[...] Locus de uma dinâmica própria de seu movimento de acumulação
de capitais [...]. No Brasil nesse novo contexto, não existem mais
‘economias regionais’, mas uma ‘economia nacional regionalmente
localizada (ARAÚJO, 1995, p. 152. Grifo do autor).
73
Bacelar de Araújo remonta ao período colonial no qual o espaço que viria
posteriormente se chamar região Nordeste, era o polo econômico mais dinâmico do
País. Porém, o dinamismo econômico, aliado ao lastro do latifúndio e do escravismo,
representaria a origem histórica da miséria na região.
Ao longo de quatro séculos, desde seu descobrimento pelo capital
mercantil em busca de internacionalização, até o século atual, o Brasil se constituiu
como um país rural, escravocrata e primário exportador. no século XX é que
emerge o Brasil urbano - industrial e de relações de trabalho tipicamente capitalistas.
As antigas bases primário-exportadoras, embora montadas no amplo litoral do país,
eram dispersas em diversas regiões, tendo associadas a elas, as indústrias
tradicionais.
Estudando a trajetória recente dessa região, a referida autora sugere
evitar-se fixar apenas na visão esteriotipada tradicional, como
[...] Nordeste, região problema, Nordeste da seca e da miséria, Nordeste
sempre ávido por verbas públicas, verdadeiro ‘poço sem fundo em que as
tradicionais políticas compensatórias de caráter assistencialistas,
contribuem para consolidar as velhas estruturas socioeconômicas e políticas,
perpetuadoras da miséria. Essas são apenas visões parciais dessa região
nos dias presentes. Revelam parte da verdade sobre a realidade econômica
e social nordestina, mas não apresentam os fatos novos dos anos mais
recentes. Não revelam a atual crescente complexidade da realidade
econômica regional e não permitem desvendar uma das mais marcantes
características do Nordeste atual: a grande diversidade, a crescente
heterogeneidade de suas estruturas econômicas (ARAÚJO, 1995 p. 132).
Na abordagem tradicional das políticas regionais brasileiras a dimensão
regional era sempre tratada subsidiariamente (dada a predominância de políticas de
corte setorial-nacional e a hegemonia de uma macro-região: o Sudeste) e o regional
era visto sempre como problema (questão regional). Prova disso é que as políticas
regionais eram voltadas para as regiões periféricas, de menor dinamismo e de maior
pobreza. O discurso regionalista das regiões menos desenvolvidas era marcado pela
reivindicação de “tratamento diferenciado”, do que tiravam proveito as elites
conservadoras dessas regiões (ARAÚJO, 1999).
Na época atual, a quebra do comando hegemônico do Sudeste pela maior
abertura a articulações internacionais, os diversos fatores que estimulam a
74
desconcentração das bases produtivas (fortalecendo especializações regionais
dispersas no território e geradoras de focos dinâmicos mesmo em antigas áreas
tidas apenas como regiãoproblema) e a descentralização de políticas públicas são
elementos que criam oportunidade para mudar a abordagem e fundar uma nova
Política Nacional de Desenvolvimento Regional no Brasil (ARAÚJO, 1999).
Daí, ser mais que nunca oportuno superar as “choradeiras” regionalistas
de um lado e as posturas discriminatórias de outro, para pensar e agir no Brasil
heterogêneo e diversificado; para tratar como positivo, como potencialidade (e não
como problema) a crescente diferenciação interna das diversas macro-regiões do
país (ARAÚJO, 1999).
A autora atribui o fracasso das políticas públicas, que historicamente foram
destinadas ao Nordeste, à apropriação das demandas transformadoras de tais
políticas pelas elites locais, havendo assim uma tensão que marca decisivamente a
continuidade da miséria no Nordeste: modernização econômica versus cultura
política tradicionalista (ARAÚJO, 1999).
Ainda sobre a questão do Nordeste, torna-se interessante apontar uma
nova abordagem que se apresenta sobre o Nordeste contida no livro, A invenção do
Nordeste e outras artes, de autoria do professor da Universidade Federal do Rio
Grande do Note (UFRN), Durval Muniz Albuquerque Júnior (2001). Fundamentado
em idéias de historiadores da chamada Nova História e do filósofo Michel Foucault,
mostra que a construção de um conceito para a região não deve se restringir apenas
à perspectiva econômica ou política. O resultado do percurso histórico de um espaço
social e afetivo, decorrente de muitas décadas, montado a partir de diferentes
discursos que lhes concederam vários atributos morais, culturais, simbólicos, dentre
outros, devem ser levados em consideração.
O autor do surgimento e consolidação da região Nordeste na “paisagem
imaginária” do país no final da primeira década do século XX, em substituição à
antiga divisão regional do país entre norte e sul, diz que essa região foi fundada na
“Saudade e na Tradição”. Mostra a fantasiosa simbologia criada para este espaço e
a sua evolução no Brasil, situando-a no conjunto dos mecanismos constitutivos de
um projeto de bases culturais e sociais diversificadas..
Assim, na esteira de Foucault desenvolve um trabalho arqueológico e
genealógico sobre os discursos que deram visibilidade e no que foi dito sobre o
Nordeste, realizando uma desconstrução das identidades que estes mesmos
75
discursos atribuíram à região. Por essa via, ele divide a obra em dois grandes
grupos de produções artísticas e culturais, que interpretaram o Nordeste durante o
século passado. Um é composto pelas obras e artistas (escritores, pintores, músicos
etc.) que tomaram a região como “espaço da saudade”, ou seja, que a enxergavam
(e a divulgavam) como um local de passado idílico, cuja transformação a
contragosto era realizada pelo “trator” da modernidade com sua paisagem urbano-
industrial. O outro compõe-se de artistas que cresceram em meio ao processo de
estabelecimento da sociedade burguesa-industrial e que vivenciaram a formação da
classe média no país, fatores que potencializaram a difusão de correntes de
pensamento crítico, principalmente o marxismo; doutrina que foi de grande influência
no ambiente artístico e intelectual e que colaborou de forma decisiva para a
perspectiva do Nordeste como um “território da revolta”
.
A “invenção” do Nordeste se deu inicialmente através das primeiras
formações discursivas acerca da região. Discursos, fortemente marcados por
circunstâncias históricas que foram cruciais na trajetória política e econômica do
país: o declínio da velha oligarquia rural nordestina (principalmente a açucareira) e a
ascensão da nova burguesia industrial do Sudeste (com destaque para a elite
paulista, principal herdeira dos rendimentos das antigas fazendas de café). A
falência da oligarquia agrária do Nordeste trouxe como consequência, além da crise
dos códigos culturais da região, a necessidade das elites locais de se imporem
frente ao crescimento político e econômico do Sudeste (que se transformara, para
essas elites, na grande representação do progresso “destruidor”). Esse antagonismo
regional acarretou no estabelecimento de um embate entre tradição versus
modernidade, que rapidamente se propagou do plano político para o plano cultural.
Precisando se contrapor à região emergente, intelectuais e artistas do
Nordeste conceberam em suas obras uma idéia da região permeada de lirismo e
saudade, valorizando a tradição, o passado rural e pré-capitalista. Para Durval, essa
visão saudosista da região pode-se dizer que foi iniciada e instituída pelo Movimento
Tradicionalista de Recife (iniciado oficialmente em 1924) e pela produção sociológica
e antropológica de Gilberto Freyre, principal articulador intelectual da região na
época. Surgiu numa perspectiva de circulação limitada, patrimônio das elites
artístico-intelectuais e políticas, mas que foi capaz de funcionar como lastro para as
produções culturais e artísticas subsequentes nas mais variadas áreas como a
literatura, as artes plásticas, a arquitetura etc. Para instituir este Nordeste,
76
[...] contribuirão decisivamente as obras sociológicas e artísticas de filhos
dessa ‘elite regional’ desterritorializada, no esforço de criar novos territórios
existenciais e sociais, capazes de resgatar o passado de glória da região, o
fausto da casa-grande, a docilidade’ da senzala, a ‘paz e estabilidade’ do
Império. O Nordeste é gestado e instituído na obra sociológica de Gilberto
Freyre, nas obras de romancistas como José Américo de Almeida, José Lins
do Rego, Rachel de Queiroz; na obra de pintores como Cícero Dias, Lula
Cardoso Ayres etc. O Nordeste é gestado como espaço da saudade dos
tempos de glória, saudades do engenho, da sinhá, do sinhô, da Nega Fulo,
do sertão e do sertanejo puro e natural, força telúrica da região
(ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2001, p. 35).
E por que não dizer, que o sertão de Eloy de Souza também não se insere
nessa gestação do Nordeste em Durval? Afinal, Eloy de Souza concebia o sertão
nordestino, enleado de saudades de tudo que o caracterizava, os costumes, as
vaquejadas, valorizando a tradição, calcado em um passado de lutas heróicas em
defesa do território.
A partir dos anos 30, no entanto, os discursos emanados das obras dos
artistas e intelectuais sobre o Nordeste se invertem: não sonham mais com uma
volta ao passado, e sim com a construção do futuro. O “novo” Nordeste que emerge
é esquerdista, sendo caracterizado pelos trabalhos que denunciam a região como
um espaço onde predominam a miséria e a injustiça social e também como local de
reação às transformações revolucionárias da sociedade. Para Durval, essa mudança
se deveu a fatores como o crescimento urbano, que se fazia notar em algumas
cidades nordestinas; a consequente ampliação da classe média; acentua-se a
difusão de correntes de pensamento crítico, em especial, o marxismo. Para o autor,
o trabalho desses intelectuais define-se como um serviço de reconstrução da região
Nordeste.
No Nordeste, o tom messiânico do pensamento marxista respondeu aos
anseios ideológicos tanto de uma classe média em formação e insegura, quanto das
gerações seguintes da velha elite tradicionalista patriarcal (grandes latifundiários,
donos de engenhos e usinas etc), que estava sem influência na vida política do
país e sendo jogada para esta mesma classe média iniciante. Para alguns
descendentes da velha elite, a opção revolucionária - diferente da negação do
presente e da criação de um passado idílico como ocorrera outrora - foi uma
maneira de tentar estabelecer um novo território no futuro, um território que pudesse
77
tomar o lugar do desconforto pelo qual passavam naquele momento. Desse modo, o
marxismo surge como uma doutrina que os salvaria das transformações trazidas
pela modernidade, como um messianismo oriundo da vontade de retomar a
identidade que se diluía. Porém, é importante considerar que nem todos os
intelectuais e artistas urbanos do Nordeste viam no marxismo a única saída para o
Brasil ou para a região. Diferente dos que tomavam a revolução como caminho para
um novo mundo socialista, alguns também enxergavam no approach revolucionário
a oportunidade do estabelecimento da sociedade burguesa. Por esse
encaminhamento, Albuquerque Júnior (2001, p. 194-195) afirma que:
O Nordeste, como território da revolta, foi criado basicamente por uma série
de discursos acadêmicos e artísticos. Discursos de intelectuais de classe
média urbana. Uns interessados na transformação, outros na manutenção da
ordem burguesa. Por isso, são obras que partem, quase sempre, de um
‘olhar civilizado’, de uma fala urbano-industrial, de um Brasil civilizado sobre
um Brasil rural, tradicional, arcaico. Um espaço da revolta que, ou deve ser
resgatado para a ordem e para a disciplina burguesa, ou para uma nova
ordem futura: a da sociedade socialista. Esse Nordeste rebelde, bárbaro,
primitivo, devia ser domado, ou pela disciplina burguesa ou pela ‘disciplina
revolucionária’. É do ponto de vista da ordem ou de uma nova ordem que se
olha este espaço. É do ponto de vista do poder ou da ‘luta pelo poder’ que se
lê este Nordeste.
Esse autor destaca as obras de Jorge Amado, Graciliano Ramos, Cândido
Portinari, João Cabral de Melo Neto e os filmes realizados pelo Cinema Novo (em
especial os de Glauber Rocha), como representações desse Nordeste às avessas,
região que passa a não mais ser retratada desejando a “doçura” idílica de tempos
anteriores, mas como território da revolta, como “paiol” de onde poderiam explodir as
condições de mudança de sua amarga realidade.
O autor busca compreender o conteúdo e as modalidades da ação dessas
bases culturais, as especificidades dos agentes, os princípios norteadores de sua
intervenção, analisando as determinações mais amplas da regionalização e
diversificação dessa cultura.
Também, pela primeira vez se discute a questão do espaço com um olhar
diferente e até depreciador, dependendo do espaço. Vale salientar que, essa idéia
78
de discutir a importância do espaço social passa a ter um significado maior a partir
da primeira guerra mundial. Ora, a política desencadeada na Europa sempre refletiu
no Brasil; diga-se de passagem, com muita intensidade. Portanto, a primeira guerra
mundial será o anúncio oficial da digladiação dos países europeus economicamente
fortalecidos em busca de espaços. O capital industrial se expandia e precisava
urgentemente apropriar-se de espaços para o escoamento dessa produção e
conseqüentemente dominá-los. Neste sentido, será inventado o Nordeste que, terá a
mesma função destes espaços “conquistados” pelos capitalistas europeus
dominantes. Só que tem um detalhe, no nosso caso será em relação ao Centro Sul.
No que tange a questão da importância do espaço Nacional Brasileiro,
veja o que afirma Albuquerque Júnior (2004, p.69), quando é analisado o espaço do
Norte e do Sul: “seja na imprensa do Sul, seja nos trabalhos intelectuais que adotam
os paradigmas naturalistas, seja no próprio discurso da seca, o Norte aparece como
uma área inferior do país pelas próprias condições naturais [...].” O capítulo conclui
tocando na questão do fator natural (clima) e o étnico (raça), sendo, dentro dessa
vertente que, será moldada a região Nordeste, que irá substituir “a antiga divisão
regional do país entre Norte e Sul.
Partindo do estudo ”Geografia em Ruínas” (ALBUQUERQUE JÚNIOR,
2001, p. 39), pode-se dizer que o desenvolvimento histórico possibilitará a
compreensão de toda essa montagem do mosaico do espaço Centro Sul e o Antigo
Norte. Inicialmente, é abordado a eminência de um novo regionalismo, onde se
busca enfatizar as mudanças significativas ocorridas nestes espaços nos idos do
século XX. De um lado o Centro Sul despontando como centro cultural notável e
também centro glamouroso e financeiro do país, com transformações substanciais
em todos os âmbitos; do outro, o antigo Norte, por sua vez, vivenciando também
essas mudanças; porém, sem expressividade cultural (não que a região fosse
desprovida de cultura; pelo contrário, era riquíssima em todos os aspectos, que,
todos os investimentos e atenções estavam voltados para o Centro Sul), da
dependência e submissão.
Porém, é plausível destacar também que, Abuquerque Júnior (2001)
procede com a analogia da questão regionalista, desta vez dando ênfase ao espaço
no aspecto cultural e político. O espaço em epígrafe será o nordestino que a partir
de então, irá romper com essa dualidade Norte/Sul. Na análise do espaço
nordestino, observa-se que, o plano cultural será mais enfatizado do que o político;
79
embora, não se descarte esse último, pois, o texto deixa transparecer que aquele
discurso disperso de outrora da classe dominante da região, agora tem outra
conotação; prima em mostrar as rupturas e desigualdades existentes em relação ao
Centro Sul. No entanto, os flagelos da seca e da miséria fortalecem esse discurso,
causando até mesmo impacto no plano nacional.
Quanto à abordagem cultural, ela é mais incisiva; pois, através das
análises sociológicas e antropológicas da região frente ao naturalismo, observa-se a
preocupação de vários estudiosos em mostrar e explicar as fissuras sociais
existentes naquele espaço. Dentro desse contexto, o autor afirma que,
[...] é o saber sociológico, preocupado com as questões sociais e culturais,
que vai assumindo um papel de suma importância na definição de uma
identidade para o brasileiro e para o Brasil, bem como na definição de suas
regiões e de seus tipos regionais (ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2001, p. 93).
Como ele mesmo é enfático em dizer, a imagem e o texto do Nordeste
passam a ser elaborados a partir de uma estratégia que visava denunciar a miséria
de suas camadas populares, as injustiças sociais a que estavam submetidas e, ao
mesmo tempo, resgatar as práticas e discursos de revolta popular ocorridos neste
espaço “[...] as terríveis imagens do presente servem de ponto de partida para a
construção de uma miragem futura [...].” (ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2001, p. 184).
A obra de Albuquerque Júnior (2001), como instrumento de análise e
alerta de uma região marginalizada pelos donos do poder, pode ser incluída dentro
de uma perspectiva redentora e valorativa da cultura e do espaço nordestino, uma
vez que,
[...] o Nordeste é uma produção imagético-discursivo formada a partir de
uma sensibilidade cada vez mais especifica, gestada historicamente, em
relação a uma dada área do país. E é tal a consistência desta formulação
discursiva e imagética que dificulta, até hoje, a produção de um nova
configuração de ‘verdades’ sobre este espaço (ALBUQUERQUE JÚNIOR,
2001, p. 49).
80
Por outro ângulo, o professor Cano (1998, p. 12), procurando explicar a
liderança do desenvolvimento capitalista de seu Estado, em relação às demais
regiões do Brasil, discorda veementemente da possibilidade de se buscar a causa
da desgraça periférica no “bode expiatório” sulista. “Bem como seria equivocada a
idéia de que São Paulo crescera e se industrializara a custa da expropriação do
excedente periférico nacional.” (CANO, 2008, p. 12).
Porém, tal afirmação estaria negando a história do domínio das
oligarquias, especialmente, a paulista, que controlava as ações do governo federal
em benefício da expansão cafeeira, impedindo a interferência federal, exceto em
favor do seu grupo agrário-exportador hegemônico. Nesse sentido, a história
registra que a mãodeobra “caipira” serviu de “mais valia” para acumulação da
supremacia paulista,
Aliás, não apenas São Paulo, como principalmente a região Sudeste e
secundariamente a região Sul, tem uma dívida não com o Nordeste, mas com as
demais áreas atrasadas do país, na medida em que ao concentrarem a riqueza,
condenaram ao atraso econômico o restante do país.
Oportunamente, o próprio Marcos Lanna, professor de antropologia da
UFSCAR, baseado no seu livro A dívida divina - troca e patronagem no Nordestes
brasileiro, ao ministrar a aula inaugural do Programa de Pós-Graduação em Ciências
Sociais da UFRN, intitulada "Compadrio, sacrifício, votos, trabalho,
chefia: desigualdades e constituição do social" no dia 13 de março de 2009, no
Auditório da Filosofia (antigo CONSECÃO), reforça o que se afirma no parágrafo
acima.
Também paulista, mas outro olhar, Carlos Lanna reconhece isto, ao
afirmar que São Paulo tem realmente, uma “dívida divina” em relação aos
nordestinos, mas ao invés de os paulistas se colocarem como devedores se
colocam como credores. Complementando ele ainda discorda da noção de se
colocar São Paulo como “herói civilizador”, o representante da modernidade. Para
ele isso não faz muito sentido, uma vez que “por trás de uma nobreza está a dádiva,
o sacrifício de alguém, seja nordestino ou de qualquer um.”
Na verdade, o descompasso regional que sobressai o atraso do Nordeste,
nada mais foi do que a omissão, de uma vontade política que faltou a um governo
que sempre esteve a serviço das grandes oligarquias, sobretudo paulista e dos
81
lucros dos bancos nacionais e estrangeiros e dos grandes industriais em detrimento
dos interesses e das necessidades da população.
Preocupado com os desequilíbrios regionais e, focado na concentração de
renda, Cano (1998, p. 12) diz que o atraso do Nordeste, “está, na distribuição de
renda, no constante desvio do dinheiro público para locupletação dos grupos locais,
da dominação do capital mercantil para manutenção de status quo e na não reforma
agrária.”
Porém, sabe-se que esse problema está embutido na cultura política
brasileira revestida de assistencialismo, paternalismo e clientelismo e outros “ismos”,
que concorrerram para o atraso do Nordeste. E, sobretudo, que essa mesma cultura
favoreceu a ascensão do Sudeste em detrimento do Nordeste, contribuindo para
desvirtuar o sentido da federação em função das forças locais oligárquicas dos
Estados mais ricos do país, gerando um Estado Oligárquico, contrariando o princípio
constitucional de 1891 a garantia de amplos poderes ao Presidente e autonomia
dos Estados.
Fazendo-se um rápido balanço de todo um arco da história do atraso do
Nordeste em relação ao Sudeste, para melhor situar a questão, constata-se, em
suma, que o complexo econômico do Nordeste foi constituído secularmente,
impulsionado pelo setor exportador através da produção do açúcar no litoral e
algodão no interior. Esse complexo compunha uma estrutura industrial incipiente,
formada principalmente por ramos tradicionais, atendendo à demanda regional, de
forma que, historicamente, o setor exportador continuou sendo o determinante do
crescimento da economia nordestina.
Perdendo o seu centro dinâmico, diante da concorrência do açúcar das
Antilhas e do açúcar de Beterraba da Europa, a economia do Nordeste entra em
crise, agravando-se pela ausência de um mercado interno capaz de engendrar uma
industrialização de maior alcance regional, renda concentrada, economia de
subsistência, que absorvia a mão de obra, dispondo de baixo nível de renda e
sofrendo as consequências diretas das secas periódicas.
Para o mesmo autor, os desequilíbrios regionais se acentuaram depois da
‘crise de 29, devido aos diferenciais de ritmo de crescimento entre a economia de
São Paulo (que concentrava expressiva fração da produção industrial brasileira,
antes dessa crise) e as debilidades de desenvolvimento das relações capitalistas de
produção existentes nas demais regiões.
82
Nesse sentido Moreira (1979, p. 36) de forma lúcida diz claramente que as
políticas econômicas adotadas pelo governo “a exemplo da política cambial, através
da qual a acumulação das divisas obtidas pelas exportações do Nordeste se
destinou a financiar a importação dos equipamentos requeridos pela industrialização
do Centro-Sul.”
O avanço da industrialização do Centro-Sul e as medidas impostas de
proteção aduaneira obrigaram as regiões periféricas a comprar no mercado
do Centro-Sul, o que era outra forma de consolidar o crescimento industrial,
mediante a transferência de renda para a região central.
Desse modo, as políticas econômicas voltadas à defesa do preço do café
no mercado internacional, induzindo os demais produtos a assumir um papel
secundário na pauta de exportações, deu margem ao Centro-Sul se consolidar como
o núcleo dinâmico da economia, apoiado, principalmente, na cultura do café, que se
tornava o principal produto de exportação do País.
Lógico, o poder econômico e político alcançado pelo Centro-Sul por meio
das exportações agrícolas, principalmente de café, geraram um ambiente propício
ao desenvolvimento da indústria, uma vez que, o Centro-Sul contava com um
sistema financeiro e um mercado de trabalho mais consolidado em comparação com
a região Nordeste, concentrando os esforços de industrialização da economia
brasileira, o que contribuiu para o fortalecimento das disparidades, em termos de
crescimento, entre as duas regiões.
A divulgação do crescente distanciamento entre Nordeste e Sudeste,
foram dadas a conhecer, quando as contas nacionais e regionais, em 1951-1952
saíram na Revista Brasileira de Economia, informações referentes aos anos de
1950-1951. “A ‘questão regional’, quer dizer o problema dos desequilíbrios regionais
da economia brasileira, aflora definitivamente à consciência nacional entre fins da
década de 50 e início da seguinte.” (CANO, 1998, p. 21).
Assim ficava patente e demarcado o descompasso regional, diante da
acelerada industrialização do Sudeste beneficiada pela política de subsídios
cambiais e os financiamentos governamentais, favorecendo a região Centro-Sul, de
83
maior desenvolvimento, tornando-se, portanto, um obstáculo à industrialização do
Nordeste.
Mas, para Cano (1998, p. 25), a problemática dos desequilíbrios regionais
do país decorreu em última instância do próprio processo histórico de
desenvolvimento de cada região. Daí, aponta aspectos favoráveis que São Paulo
apresentava, possibilitando sua expansão diversificada e concentradora no
mercado nacional, em relação as demais regiões do país:
[...] avançadas relações capitalistas de produção, amplo mercado ‘interno’,
avançada agricultura mercantil, mesmo excluindo o café”. Por isso, na visão
de Cano, “desde cedo se estabeleceu, uma relação de forte predominância
do complexo econômico paulista, sobre as demais regiões do país
imprimindo-lhes em grande medida, uma relação comercial de centro-
periferia.
Contudo, ele não ressalta que São Paulo, ao concentrar uma moderna
agroindústria de exportação, traz como resultado dessa situação não apenas a
miséria e desemprego no campo, mas também o retrocesso na produção, o atraso
tecnológico e o encarecimento dos produtos agrícolas.
Cano (2008) ainda acrescenta que o processo de integração gera três
efeitos diferentes: o efeito de bloqueio, o de destruição e o de estímulo. O primeiro,
age no sentido de evitar que a periferia repita o processo histórico do
desenvolvimento de São Paulo, o segundo, se manifesta pela concorrência onde o
polo opera com empreendimentos mais eficientes implantados pelo capital,
enquanto os similares periféricos levam desvantagens concorrenciais pelas suas
técnicas obsoletas, ocorrendo, pelo visto, a concorrência imperfeita mesmo; o
terceiro, procura ampliar o grau de complementaridade (agrícola e industrial) inter-
regional. Contudo se pesar os efeitos líquidos, se tem mais efeitos positivos que
negativos, como foi o caso do Nordeste, região que mais cresceu.
Assim, Cano
(2008, p. 13)
diz que:
A liderança do desenvolvimento capitalista em São Paulo, uma vez obtida,
[...] tendeu a acentuar-se por razões que dizem respeito, antes de mais nada,
à dinâmica do próprio lo. Isto é, essa liderança pode ser entendida pela
84
crescente capacidade de acumulação de capital em São Paulo, somada à
marcante introdução de progresso técnico e diversificação de sua estrutura
produtiva. Em resumo, o processo de concentração industrial obedeceu
conforme diz a boa doutrina – à fria lógica capitalista de localização industrial.
Para Carlos Rodrigues Brandão, essa questão é explicada na própria
história do capitalismo, que em suma, seria de uma exploração “sangue-suga”. O
capitalismo é um desigualizador, vai desapropriando, assalariando, centralizando o
capital, conforme afirma Brandão. O fenômeno da centralização e concentração,
para ele gera lutas, mesmo internamente entre os capitalistas e o fenômeno da
integração vai destruindo as especificidades (BRANDÃO, 2007).
Porém, integrar o Nordeste no conjunto da Federação como fornecedor de
força de trabalho e de capital para o fortalecimento da acumulação da região Centro-
Sul acentuou o retrocesso do Nordeste, haja vista ter de assumir papel diverso
em relação à região Centro-Sul ditado pela produção capitalista, que o mantinha
marginalizado pela discriminação social e econômica.
Dessa forma, o problema da concentração de riquezas em algumas
regiões é fruto de um desenvolvimento capitalista combinado e desigual no país,
com os setores principais da burguesia concentrados nas regiões Sudeste e,
secundariamente, no Sul. Isso se explica por ser o sistema capitalista voltado
apenas para os interesses dos capitalistas que giram em torno de maiores lucros,
em detrimento do desenvolvimento do país como um todo, relegando assim, a
população pobre do Nordeste e do Norte.
Douglas Araújo, professor da UFRN, de forma cida e original analisa
criteriosamente a problemática nordestina dentro dessas consequências anárquicas
e desumanas do sistema capitalista, que provocou a partir da década de 1970 a
“morte do sertão antigo”, em particular, dos municípios de Caicó e Florânia, no
Seridó. Morte não somente no sentido do aniquilamento do meio rural, mas, a
decadência dos valores, das crenças, de um modo de vida estruturado em um
sistema de parentela familiar e sua atividade produtiva. Forçados a enfrentar a
instável concorrência do mercado cotonicultor, tanto no âmbito nacional, como no
internacional, não conseguiram superar tamanho desafio, diante da queda
constante, sobretudo do preço do algodão e do aparecimento do bicudo, causando a
derrocada do “edifício rural” desses municípios (ARAÚJO, 2006).
85
Em seu livro, A morte do sertão antigo no Seridó: o desmoronamento das
fazendas agropecuaristas em Caicó e Florânia, Araújo (2006, p. 277) mostra como
as transformações ocorridas na realidade do interior do Rio Grande do Norte do
Nordeste brasileiro, nas quais, “o velho mundo rural, que tinha na fazenda e seus
moradores parceiros o cleo gravífico da vida social no campo, ruiu, desapareceu,
não existe mais, senão como escombros ou reminiscências.”
Conforme o referido autor, até a década de 1970 predominavam nesses
municípios a grande, pequena e média propriedade baseada no curral e na parceria.
E a dinâmica da vida social dos caicoenses e floranienses, bem como dos
seridoenses em geral era movida pela agricultura tradicional, tendo como atividade
básica, milho feijão e algodão, acrescido da pecuária (Araújo, 2006).
Com a exigência da modernização progressiva da sua agropecuária,
visando o aumento da produtividade para atender à demanda das cidades
industriais, acabou sucumbindo às fazendas que eram constituídas de pessoas da
mesma família, formadas de até quatro gerações, conformando a parentela, como
uma constante.
Do ponto de vista da miséria do sertão, ele não atribui seu atraso apenas
à seca como o “calcanhar de Aquiles” da questão, mas, soma a esta, outros dois
aspectos, o crescimento demográfico e o crescimento da parentela como geradores
do esfacelamento da grande propriedade, criando a média e a pequena propriedade,
ocasionando o empobrecimento.
Desse modo, Araújo (2006, p. 200-201) afirma que:
[...] pelas condições culturais, sociais e de clima, o parcelamento da grande
propriedade, ao invés de formar uma camada social média, gerou o
empobrecimento das famílias. Dado o caráter familiar e patrimonial da
riqueza e da produção, o aumento populacional, melhor dizendo da
descendência, proporcionou uma pressão intramuros da riqueza campestre,
causando o seu esfacelamento.
Nesse sentido, quanto ao processo de migração que metaforicamente diz
ser “o rio caudaloso e perene”, foi criado pelo crescimento da parentela provocando
a questão da partilha. Esta gerou uma tensão interna tão grande por desagregar
86
tanta pequena propriedade, que forçava a venda. Dessa maneira, diante do conflito
interno ser tão grande, a pressão para migrar era intensa.
Assim, a seca era a gota dágua que vinha desencadear por ocasião da
estiagem o êxodo rural, pois segundo Araújo, “o êxodo foi um fenômeno intenso e
permanente do campo que se associou desde o começo ao fracionamento da
grande propriedade no Seridó. [...] Dessa forma, empobrecidos pela partilha da
herança e tendo a situação agravada pela seca, muitos abandonavam a região.”
(ARAÚJO, 2009, p. 238-240). Eis a imagem do Nordeste na perspectiva desse autor,
perpassada por um tom saudosista e nostálgico.
Depois da década de 1980 o sertão do Seridó, em especial a área rural
dos municípios por ele estudados, vêm se modernizando através da presença de
alguns símbolos de consumo e dos benefícios governamentais, mas, em detrimento
de sua maior ruína verificada pelo desmoronamento das fazendas que foi o seu
empobrecimento geral.
Nessa mesma perspectiva, Benedito Vasconcelos Mendes reconhece que
a situação do Nordeste semiárido está se agravando, pois
[...] a partir da década de 80, com a modernização dos estabelecimentos
rurais e com o desenvolvimento da agricultura, principalmente das regiões,
Sul, Sudeste e Centro Oeste do Brasil, os produtos feitos artesanalmente nas
fazendas do semi-árido nordestino, começaram a perder mercado, por não
terem condições de competir, em preço e qualidade, com os produtos
fabricados, com a economia de escala, nas agroindústrias que utilizavam a
tecnologia de ponta (MENDES, 2003, p. 39-40).
Dessa forma, segundo Mendes (2003) as vilas e as pequenas cidades
passaram a consumir ovos, frango, manteiga, queijo, carne de porco, linguiça e até
fubá de milho e cachaça oriundas da agroindústria de outras regiões do país.
Continuando, Mendes (2003, p. 40-41) apresenta as modificações do
Nordeste de 1980 até a atualidade como um retrocesso
As fazendas no semi-árido que até 1970, abasteciam as cidades com seus
produtos, agora não apresentam condições nem de auto-abastecer. Até os
alimentos típicos do sertão, no momento, estão sendo produzidos em outras
regiões, a exemplo da lingüiça, da carne de carneiro, da goma e da farinha
de mandioca. O boi é trazido de locais com mais de 2.000 quilômetros de
87
distância, principalmente dos estados de Goiáis, Mato Grosso, Pará,
Tocantins e Maranhão. O boi criado no Nordeste seco não tem condições de
competir com o boi importado daqueles estados possuidores de condições
edafoclimáticas apropriadas para a pecuária bovina. [...] O mais intrigante é a
importação da carne de carneiro do Rio Grande do Sul, da Argentina e do
Uruguai para os supermercados das capitais nordestinas, quando sabemos
da grande potencialidade que o semiárido oferece para a criação de caprinos
e ovinos tropicais.
O autor citado destaca o problema das migrações do nordestino para as
cidades, devido ao processo de empobrecimento da zona rural, acarretando o
despovoamento, pois não mais sustentabilidade econômica. “[...] Com as
facilidades de comunicação e de transporte e com o advento da globalização, a
competitividade baseada na qualidade e no preço, dos produtos, está determinando
o local onde eles devem ser produzidos.” (MENDES, 2003, p. 42).
Ele ainda critica o Brasil por ser o único país moderno a fazer a reforma
agrária de forma acelerada, visando repovoar o campo e melhorar a qualidade de
vida de grande parcela da população que vive na extrema miséria, não tendo feito
antes por motivos ideológicos, temendo a socialização dos bens. Ao contrário de
outros países, onde esta prática encontra-se obsoleta, tendo sido implementada
na metade do século XX, visando aumentar a produção e o desenvolvimento
sócioeconômico da população do setor rural (MENDES, 2003).
Apesar das transformações verificadas no Nordeste voltadas para a
emergência da agricultura industrializada, a exemplo do Vale do Açu e da região
Petrolina (Vale do São Francisco), o Brasil é considerado o país da irrealidade, que
não procura dar prioridade para os seus problemas mais gritantes, como as
disparidades regionais, indo ao extremo da discriminação, afetando mais
acentuadamente as camadas desfavorecidas.
Eita Brasil, “Madrasta vil”, como bem expressa Clarice Zeitel Vianna Silva
vencedora do Concurso Mundial de Redação da UNESCO, sob o tema: “Como
vencer a pobreza e a desigualdade? Conforme essa estudante de Direito da UFRJ,
algumas perguntas, quando autoindagadas, se tornam elucidativas. “Pergunte-se:
quero ser pobre no Brasil? Filho de uma mãe gentil ou de uma madrasta vil? Ser
tratado como cidadão ou excluído? Como gente... Ou como bicho? Afinal, de que
serve um governo que não administra? De que serve uma mãe que não afaga? E,
finalmente, de que serve um Homem que não se posiciona?”
88
2.3 A QUESTÃO MERIDIONAL DA ITÁLIA VERSUS A QUESTÃO NORDESTE NO
BRASIL
Nos países ainda atrasados do ponto de vista capitalista [...] existe uma nítida
separação entre a cidade e o campo entre os operários e camponeses. [...]
Antes da guerra não fora possível o surgimento e o desenvolvimento de
amplas e profundas organizações camponesas, nas quais os trabalhadores
rurais se educassem em uma concepção orgânica da luta de classe e na
disciplina permanente [...]. É necessário articular a cidade com o campo,
suscitar no campo instituições de camponeses pobres sobre as quais o
Estado socialista possa se fundar e se desenvolver, produzindo e
promovendo o grandioso processo de transformação da economia agrária.
Antonio Gramsci
Uma visão importante para a análise das desigualdades regionais é a de
Antonio Gramsci (1891-1937) ao tratar daquestão meridional” na Itália, onde deixou
uma enorme contribuição, que além de ser ainda atual tem uma semelhança com a
realidade brasileira, possibilitando uma reflexão sobre a exploração de classe
(GRAMSCI, 1987).
Segundo Gramsci a burguesia setentrional subjugou a Itália meridional e
as ilhas (Sardenha e Sicília), reduzindo-as a colônia de exploração (GRAMSCI,
1987, p. 136). Com efeito, ele se posiciona contra a separação da Sardenha e a
exploração de classe. “Os bancos e o industrialismo parasitário do Norte,
subjugaram como escravos a seus cofres, o camponês do Sul.” (GRAMSCI, 1987,
p. 77). No caso do Brasil, alem da exploração de classe o Norte é explorado pelo
Sul.
A sua preocupação se volta para o fato de que, os camponeses
meridionais “não têm em seu conjunto nenhuma experiência organizativa autônoma.
Eles estão enquadrados nos esquemas tradicionais da sociedade burguesa, nos
quais os agrários, parte integrante do bloco agrário-capitalista, controlam as massas
camponesas e as dirigem segundo seus objetivos.” (GRAMSCI, 1987, p. 131).
Desse modo, caberia ao operário industrial ser o organizador da massa camponesa
meridional, porém orientado pelo partido, como o próprio Gramsci (1987, p. 132),
esclarece:
89
[...] para que este trabalho de organização seja possível e eficaz faz-se
necessário que o nosso partido se aproxime estreitamente do camponês
meridional, [...] destrua no operário industrial o preconceito nele inculcado
pela propaganda burguesa, segundo o qual o Sul é uma bola de chumbo que
se opõe aos grandes desenvolvimentos da economia nacional, destruindo
também, no camponês meridional o preconceito que ainda mais perigoso de
que o Norte da Itália seja um único bloco inimigo de classe.
Vale salientar que Gramsci entende a sociedade como um todo orgânico e
unitário, que se explica a partir da base econômica, mas que não pode ser reduzida
inteiramente a ela, pois tal redução implicaria a negação da ação política e da
própria hegemonia. Assim, conforme Gramsci (1991, p. 38) “é necessário combater
o economismo sobretudo na teoria e na prática política. Nesse campo, a luta pode e
deve ser conduzida desenvolvendo o conceito de hegemonia” Daí se justifica a
importância dada às alianças de classes, que permitem a mobilização da maior parte
possível da população trabalhadora, oferecendo uma base sólida ao Estado
proletário a ser conquistado. Isto significa que a classe que orienta o novo processo
hegemônico necessita apoiar-se em grupos aliados para sustentar a conquista e a
efetivação da hegemonia.
Faz-se essencial entender um aspecto da organização intelectual da
hegemonia através do partido, que representa o verdadeiro sujeito revolucionário.
Cabe ao partido intervir em todos os momentos da vida social, política e movimentar-
se em todas as camadas da população, com o intuito de dar, aos operários e
camponeses, o conhecimento político, ou seja, formação, a educação necessária à
luta pela conquista da nova hegemonia. Gramsci (1991, p. 8) dá ênfase à sua função
educativa: [...] “o moderno príncipe (o partido) deve e não pode deixar de ser o
propagandista e o organizador de uma reforma intelectual e moral [...]”
Em A questão meriidional, Gramsci (1987, p. 139) é incisivo em mostrar a
necessidade de se compreender concretamente uma situação histórica, de se
identificar, na correlação de forças vigentes na sociedade, aquelas que podem e
devem ser mobilizadas na efetivação do processo revolucionário: “o proletariado
pode e deve tornar-se classe dirigente e dominante na medida em que consegue
criar um sistema de alianças de classe que lhe permita mobilizar contra o capitalismo
e o estado burguês, a maioria da população trabalhadora.”
90
O sentido da hegemonia se ampliará do campo de análise, que deixará de
estar circunscrito ao âmbito da ditadura do proletariado Nos Cadernos do Cárcere,
onde Gramsci passará a enfocar, de forma destacada, as práticas de construção e
manutenção da hegemonia das classes dominantes, evidenciando a importância das
questões ligadas à direção cultural e moral que estas classes imprimem ao todo
social. Seu estudo englobará, progressivamente, as estruturas do Estado, vindo a
enriquecer-se com um novo conceito: o de aparelhos de hegemonia.
Nos Cadernos, as análises sobre a hegemonia referem-se tanto à
hegemonia burguesa quanto à hegemonia das classes subalternizadas. Ao referir-se
à hegemonia burguesa e às práticas da classe dominante, seu intuito é o de
aprofundar a análise do Estado moderno, fundado no modo de produção capitalista.
Referindo-se à hegemonia das classes subalternizadas, Gramsci propõe estratégias
que podem guiá-las em um processo de transformação revolucionária, a partir da
criação de um novo bloco cultural, fruto de uma concepção de mundo unitária e
coerente.
O conceito da hegemonia destaca a grande importância da direção cultural
e ideológica que a classe que é ou se propõe ser fundamental hegemônica
imprime à ação das demais classes, exercendo, sobre estas, uma ação
primordialmente educativa. A hegemonia de uma classe significa sua capacidade de
subordinar intelectualmente as demais através da persuasão e da educação,
entendida em seu sentido amplo. Gramsci (1995, p. 37) enfatiza esta perspectiva
afirmando que “[...] toda relação de ‘hegemonia’ é necessariamente uma relação
pedagógica.”
Para garantir essa “hegemonia”, a classe dominante conta com o poder de
difusão ideológica situado no terreno da sociedade civil, por meio do que Gramsci
denomina “aparelhos de hegemonia”. Através desses aparelhos escola, igreja,
instituições de caráter artístico ou científico, meios de comunicação social, dentre
outros efetivam-se as relações de hegemonia que, como foi dito, são relações
pedagógicas.
Em linhas gerais, pode-se dizer que esta forma de relação “de
hegemonia”, ou pedagógica, que objetiva levar as classes subalternizadas a
interiorizarem a concepção de mundo difundida pela classe dominante e a ignorarem
a realidade de sua classe social, contribui, de forma decisiva, para a formação do
homem-massa (GRAMSCI, 1995b).
91
Desse modo,
[...] o poder social [...] aparece a estes indivíduos [...] como uma força
estranha situada fora deles, cuja origem e cujo destino ignoram, que não
podem mais dominar e que, pelo contrário [...] torna-se independente do
querer e do agir dos homens e que, na verdade, dirige este querer e agir
(MARX, 1989, p. 49).
Para conquistar a hegemonia é necessário que a classe fundamental se
apresente às demais como aquela que representa e atende aos interesses e valores
de toda sociedade, obtendo o consentimento voluntário e a permissão espontânea,
garantindo a unidade do bloco social que, embora não seja homogêneo, se mantém,
predominantemente, articulado e coeso. Isto significa que a classe hegemônica deve
ser capaz de converter-se em classe nacional, isto é, na classe capaz de envolver
toda a sociedade em um mesmo projeto histórico e capaz de assumir, como suas,
as reivindicações das classes aliadas. Aqui fica clara a incompatibilidade existente
entre hegemonia e corporativismo. Gramsci (1987, p. 146) ao referir-se à hegemonia
do proletariado diz que este poderá desenvolver sua função dirigente tão somente
se possuir um rico espírito de sacrifício e se for capaz de se “despojar de todo o
resíduo de corporativismo reformista ou sindicalista.”
Ao afirmar que a classe hegemônica deve assumir, como suas, as
reivindicações das demais classes, Gramsci aponta para a estreita relação entre
hegemonia e economia. Na medida em que as expressões da vontade, os
interesses e necessidades das classes aliadas são, na verdade, manifestações
concretas das necessidades econômicas, geradas por determinado modo de
produção, é preciso que a classe hegemônica, ao formular seu projeto econômico,
considere estas necessidades, sem, entretanto, descaracterizar seu projeto
fundamental de classe.
O fato da hegemonia pressupõe, indubitavelmente, que se deve levar em
conta os interesses e as tendências dos grupos sobre os quais a hegemonia
será exercida; que se forme certo equilíbrio de compromisso, isto é, que o
92
grupo dirigente faça sacrifícios de ordem econômico-corporativa. Mas é
também indubitável que os sacrifícios e o compromisso não se relacionam
com o essencial, pois se a hegemonia é ético-política também é econômica;
não pode deixar de se fundamentar na função decisiva que o grupo dirigente
exerce no núcleo decisivo da atividade econômica (GRAMSCI, 1991, p. 33).
Nesse raciocínio a conquista da hegemonia, envolve basicamente as
superestruturas políticas e ideológicas, mas não exclui a base material, deve
anteceder a conquista do que Gramsci denomina de poder governativo, que virá
coroar a luta hegemônica.
Diante do exposto, acredita-se que a saída da situação de exploração e
dependência do Sul da Itália e a do Nordeste do Brasil que lhes insurgiram
historicamente, estava nos intelectuais orgânicos, que são os formuladores e
intérpretes da hegemonia, representando, portanto, um dos papéis centrais no
pensamento gramsciano.
Em suma, Gramsci é convicto da emancipação do camponês e do
proletariado através da educação e aliança entre si. O intelectual orgânico advindo
do proletariado e do camponês terá possibilidade de mudar a história. Para tanto,
ele rompe com as interpretações mais usadas para a questão meridional e
apresenta uma visão nova, com determinantes ainda não pensados, pois, ele não
isolou o Sul em uma análise de caso confinada a suas aparências. Mas, buscou na
complexidade do conjunto das regiões da Itália o porquê de o Sul menos
“desenvolvido” e a quem interessava tal feito, tentar conquistar a transformação do
país como um todo para a transformação da parte meridional
.
Enfatizando, o autor sugere combater o latifúndio do Norte da Itália que
aumentou cada vez mais, em detrimento da pobreza da população rural e coloca como
elemento de superação a essa dicotomia Norte-Sul, a aliança do camponês ao
proletariado forjando um projeto revolucionário de mudanças de concepção. Nas suas
palavras, “[...] a aliança entre o proletariado e as massas camponesas exige essa
formação, e ainda mais a exige essa aliança entre o proletariado e as massas
camponesas do Sul.” (GRAMSCI, 1987, p. 165).
Tentando dar uma resposta única a três questões aparentemente distintas,
a meridional, a nacional e a social, Gramsci despertou para a centralidade da função
exercida pelos intelectuais na sociedade, como um mediador entre a estrutura
93
socioeconômica e superestrutura político-ideológica, visando soldar as fissuras de
um bloco histórico.
Constata-se, que o aspecto educativo é bastante relevante na obra de
Gramsci. Até por que para ele muitas “correntes” revolucionárias acreditavam que a
partir da tomada do poder (como se fosse uma coisa) se organizaria uma nova
ordem burocrática, mas para este o problema é que a classe subalterna não tem
pessoal qualificado, então, em um momento de crise é muito mais fácil se
restabelecer a ordem dominante. Segundo ele,
O proletariado, como classe, é pobre de elementos organizativos, nem tem
nem pode formar um estrato próprio de intelectuais, a o ser muito
lentamente, muito arduamente e apenas depois da conquista do poder do
estado. [...] por sua própria natureza, e função histórica, os intelectuais se
desenvolvem lentamente, muito mais lentamente do que qualquer outro
grupo social (GRAMSCI, 1987, p. 164).
Sendo a hegemonia a capacidade de determinada classe de manter
unificado o bloco social por sua ação no campo ideológico, cultural e moral, é
necessário que essa classe se apresente capaz de dirigir, de solucionar os
problemas da sociedade, de manter articuladas as forças heterogêneas que
compõem esse bloco social. Se por acaso a classe que detém o poder perde a
capacidade de direção, tem contestada sua ideologia e não é mais capaz de
justificar seu projeto político e econômico deixando, então, de ser hegemônica,
perdendo sua supremacia. A partir de então a classe dominante poderá ainda deter
o poder governativo, mas apenas sustentada pela dominação. A classe dominante
perdendo o consenso não é mais dirigente, mas somente dominante, pelo uso da
coerção. Isso leva a crise da hegemonia, que,
[...] ocorre ou porque a classe dirigente faliu em determinado grande
empreendimento pelo qual pediu ou impôs pela força o consentimento das
grandes massas (como a guerra), ou porque amplas massas (especialmente
de camponeses e de pequenos burgueses intelectuais) passaram de repente
da passividade política a certa atividade e apresentam reivindicações que, no
seu complexo desordenado, constituem uma revolução. Fala-se de ‘crise de
94
autoridade’, mas na realidade, o que se verifica é a crise de hegemonia ou
crise de Estado no seu conjunto (GRAMSCI,1991, p. 55).
Analisando a situação de supremacia de uma classe verifica-se que sua
ação sobre as demais ocorre de dois modos diferentes: em relação às classes
aliadas, a classe fundamental é dirigente e é dominante em relação às antagônicas.
Importante ressaltar o caráter expansivo do princípio da hegemonia gramsciana:
“toda força inovadora é repressiva em relação a seus adversários, mas na medida
em que desencadeia, potencia e exalta forças latentes é expansiva e a
expansividade é, em larga medida, seu caráter distintivo.” (GRAMSCI, 1995b, p. 23).
Assim, compreende-se o verdadeiro sentido da coerção, que poderá assumir a
função de complemento da hegemonia de uma classe que se proponha conduzir a
sociedade na concretização de seu projeto societário.
A hegemonia fundamenta-se, portanto, no consentimento “espontâneo” e
“voluntário”, isto é, no consenso, que assume significados diversos de acordo com
as diferentes formas de relações de produção que uma dada hegemonia materializa.
Uma classe, ao tornar-se hegemônica, deverá difundir e sustentar sua concepção de
mundo, influindo em todos os aspectos da vida e do pensamento da sociedade,
através do processo de difusão da ideologia que imprime características específicas
à sua ação. Isso significa dizer que um fator de distinção entre as diferentes formas
hegemônicas consiste na ideologia que está subjacente a cada formação
econômico-social.
A questão do Nordeste, (anteriormente, Norte), em relação ao Sudeste
(antes, chamado Sul) do Brasil, apesar de apresentar semelhanças à questão
meridional da Itália, que ocorreu nas primeiras décadas do século XX, no sentido de
que o atraso de uma é condição de desenvolvimento industrial e capitalista de outra,
não foi abordada diretamente por Gramsci
11
. Contudo, a sua profunda universalidade
ilumina alguns aspectos decisivos da peculiaridade nacional.
11
“Em seus escritos, Gramsci refere ao Brasil uma única vez, Nos Cadernos do cárcere, uma
“breve referência ao Brasil, feita no contexto de uma interessante observação sobre o papel dos
intelectuais na América Latina [...] no plano do método e dos conceitos básicos.”
(COUTINHO,1988, p.25).
95
Ao examinar os problemas econômicos políticos e culturais resultantes da
desigualdade de desenvolvimento entre o Norte e o Sul da Itália, Gramsci
formula alguns indicadores de natureza geral que podem certamente ser
utilizados com proveito no exame da ‘questão nordestina’ brasileira. Quando
por exemplo ele insiste em destacar a funcionalidade do atraso do Sul para o
processo de acumulação capitalista do Norte, recusando qualquer
interpretação dualista do seu país, Gramsci está de certo modo intervindo
numa polêmica de grande importância também no pensamento social
brasileiro, uma polêmica que opôs entre outros, Celso Furtado e Chico de
Oliveira (COUTINHO, 1988, p. 10).
Assim, a concepção política da questão meridional italiana suscita, um
interessante debate brasileiro sobre uma possível aliança entre os operários
industriais e os camponeses, em busca de soluções definitivas para os problemas
econômicos, sociais, culturais e políticos da desigualdade interna, tendo em vista a
criação de uma nova hegemonia em âmbito nacional.
Mas, a questão do Nordeste do Brasil é complexa, pois muitos nordestinos
que saem de sua região com destino às metrópoles do Centro-Sul não partem, só do
Sertão, e sim da Zona da Mata e o motivo dessa migração não é a seca, mas a
estrutura fundiária (distribuição das terras). uma extrema concentração das
propriedades agrárias no Nordeste, ou seja, um pequeno número de grandes
proprietários que possui considerável parcela dos solos bons para a agricultura. Por
conseguinte, as elites agem de forma predatória torpedeando as políticas públicas
que contrariam os seus interesses, a exemplo da reforma agrária. Enquanto os
trabalhadores do campo por não terem terras para trabalhar deixam sua própria
região.
Nesse sentido, Coutinho (1988, p. 104) afirma que:
O Brasil era visto como uma formação social ‘atrasada’, semicolonial, e
semifeudal, que teria necessidade para superar suas contradições e
encontrar o caminho do progresso social - de uma revolução ‘democrático-
burguesa’ ou de ‘libertação nacional’. Foi essa pelo menos desde os anos 30,
a posição do Partido Comunista Brasileiro.
Porém, diferentemente dessa suposição,
96
[...] o Brasil experimentou um processo de modernização capitalista sem por
isso ser obrigado a realizar uma ‘revolução democrático-burguesa ou de
‘libertação nacional’ segundo o modelo jacobino: o latifúndio pré-capitalista e
a dependência em face do imperialismo não se revelaram obstáculos
inseparáveis ao completo desenvolvimento capitalista do país. Por um lado,
gradualmente e ‘pelo alto’, a grande propriedade fundiária transformou-se em
empresas capitalistas agrárias e, por outro lado, com a internacionalização
do mercado interno, a participação do capital estrangeiro contribuiu para
reforçar a conversão do país em país industrial moderno. Com uma alta taxa
de urbanização e uma complexa estrutura social (COUTINHO, 1988, p. 106).
Desse modo os dois processos foram incrementados pela ação do
Estado, que desempenhou o papel de principal protagonista.
Ao invés de ser o resultado de movimentos populares, ou seja, de um
processo dirigido por uma burguesia revolucionária que arrastasse consigo
as massas camponesas e os trabalhadores urbanos, a transformação
capitalista teve lugar graças ao acordo entre as frações de classes
economicamente dominantes, à exclusão das forças populares e à utilização
permanente dos aparelhos repressivos e de intervenção econômica do
Estado (COUTINHO, 1988, p. 106).
Ademais, esta prática foi instituída, cristalizando-se na cultura política
brasileira de tal maneira que
[...] todas as opções concretas enfrentadas pelo Brasil, direta ou
indiretamente ligadas à transição para o capitalismo (desde a
Independência, passando pela Proclamação da República, e Revolução de
1930), encontraram uma solução ‘pelo alto’, ou seja, elitista e antipopular
(COUTINHO, 1988, p. 106-107).
Acresce, que
97
[...] o Estado brasileiro teve historicamente o mesmo papel que Gramsci
atribui ao Piemonte, ou seja, o de substituir as classes sociais em sua
função de protagonistas do processo de transformação e o de assumir a
tarefa de ‘dirigir’ politicamente as próprias classes economicamente
dominantes (COUTINHO, 1988, p. 113).
Concluindo aqui o paralelo entre a realidade italiana e a brasileira,
concorda-se com a seguinte diferença apontada por Carlos Nelson Coutinho:
“enquanto na Itália um Estado particular desempenhou o papel decisivo na
construção de um novo Estado nacional unitário, o Estado que desempenha no
Brasil a função de protagonista das ‘revoluções’ passivas é um estado unificado.”
(COUTINHO, 1988, p. 113). Continuando ele ainda afirma que:
O resultado desse processo, no caso brasileiro tem fortes analogias com a
situação que Gramsci descreve para a Itália quando afirma: ‘é um dos casos
que esses grupos têm a função de ‘domínio’ e não de ‘direção’: ditadura
sem hegemonia. A hegemonia será de uma parte do grupo social sobre o
conjunto do grupo, o desse sobre as outras forças a fim de potenciar o
movimento, de racionalizá-lo, etc, segundo o modelo jacobino (COUTINHO,
1988, p. 113).
Ademais, o que ocorre no Brasil são transformações sempre resultantes
do
[...] deslocamento da função hegemônica de uma para outra fração das
classes dominantes. Mas essas, em seu conjunto, jamais desempenharam
uma efetiva função hegemônica em face das massas populares. Preferiram
delegar a função de ‘direção’ política ao Estado – ou seja, às camadas
militares ou tecnoburocráticas -, ao qual coube a tarefa de controlar e,
quando necessário, de reprimir as classes subalternas (COUTINHO, 1988, p.
113).
98
No entanto, o significa dizer que a burguesia brasileira não tenha
realizado a sua revolução. Fez, sim, mas “através do modelo da ‘revolução passiva’,
que tomou entre nós a forma para utilizar a terminologia de Florestan Fernandes
de uma contrarrevolução, que é outro modo de dizer ‘ditadura sem hegemonia’.”
Fernandes (1975 apud COUTINHO, 1988, p. 113-114). A “ditadura sem hegemonia
indicaria a necessidade de um consenso, uma vez que o Estado protagonista de
uma “revolução passiva”, utilizando a coerção a longo prazo tornaria impossível o
seu funcionamento. Daí Gramsci chamar de “transformismo, ou seja, o modo de se
obter o consenso mínimo, no caso de processo de transição pelo alto.” Mais
precisamente, seria a “cooptação ou assimilação pelo bloco de poder das forças
rivais das próprias classes dominantes ou até mesmo de setores das classes
subalternas.” (COUTINHO, 1988, p. 114).
Dentro desse contexto de desigualdades e mazelas que vem permeando a
realidade brasileira ao longo do tempo, apresentado aqui por diversos autores,
centra-se agora, o foco de atenção deste trabalho nas interpretações de Eloy de
Souza (1873-1959) sobre o Nordeste do Brasil e os dilemas das secas, como
representante político do Rio Grande do Norte, que se insurge no começo do século
XX, na busca de solução para o sertanejo “sofredor” dessa região.
99
100
3 A
CONSTRUÇÃO DE UM PERCURSO
Foi o deputado mais moço do Brasil na sua época (1895); Senador da
República; durante toda a sua vida lutou contra as secas do Nordeste
do Brasil. Orador e Jornalista durante 70 anos. É nome de município
no RN (antigo Caiada de Baixo), de rua no Alecrim e de antiga
Faculdade de Jornalismo da Fundação José Augusto, atual curso de
Comunicação da UFRN. Rejane Cardoso
Nesta parte será discutido o percurso construído por Eloy de Souza ao
longo da vida, na tentativa de apreender a constituição de sua forma de pensar
como jornalista e como parlamentar, plasmado no circuito de uma vivência e
convivência social, transcorrida entre Recife e Macaíba interagindo com familiares e
lideranças políticas norte-rio-grandenses.
Essa parte será subdividida em três. A primeira abordará o desenrolar de
sua vida a partir do ambiente familiar, no qual iniciou seu processo de socialização
dividindo-se, na infância e adolescência, entre as delícias das fazendas do avô
materno, em Recife, bem como no interior do Rio Grande do Norte, e os
movimentados contatos em Macaíba. Por outro lado, assistia perplexo o sofrimento
de sua mãe, acometida de tuberculose, enfermidade incurável à época, ao tempo
em que a acompanhava nas viagens entre Macaíba e Recife na esperança de uma
possível recuperação.
Na segunda, será discorrida a trajetória intelectual de Eloy de Souza,
quando ele iniciou o aprendizado das primeiras letras aos cinco anos, marcada a
Foto 1 - Eloy de Souza.
Fonte: Arquivo Pessoal de
Rejane Cardoso.
Reprodução: Giovanni Sérgio.
101
partir daí, por impactos provocados pela perda precoce na infância, dos pais e avô
materno, o qual teve um papel fundamental no status da família, tendo sido,
portanto, ele e os seus quatro irmãos criados pela avó materna, Dindinha, figura
extraordinária que marcou a sua vida. Ainda sofreu, na adolescência, aos 14 anos, a
perda do seu terceiro irmão, Irineu contando apenas 12 anos, conforme foi citado na
introdução. Diante de vários transtornos teve de mudar diversas vezes de colégio e
até abreviou o quinto e último ano da faculdade, que lhe daria o título de bacharel
em Direito em Recife, concluindo o Curso de Ciências Sociais. Preferiu trocar o
diploma de Direito pela política, se sobressaindo como um autêntico “intelectual
orgânico.”
A terceira tratará da biografia política de Eloy de Souza, mostrando as
razões de ter sido atraído para a política, diante do apelo incisivo de Pedro Velho de
Albuquerque Maranhão, líder da Oligarquia Albuquerque Maranhão do Rio Grande
do Norte.
Conforme Itamar de Souza, no seu livro, A República Velha no Rio Grande
do Norte (1889-1930), os Albuquerque Maranhão remontam ao início da
colonização, quando “os Albuquerques chegaram ao Nordeste brasileiro através de
Jerônimo de Albuquerque, e de sua irmã Bittres de Albuquerque, esposa de Duarte
Coelho Pereira, donatário da Capitania de Pernambuco.” (SOUZA, 1989, p. 115).
Um filho de Jerônimo, que recebeu o mesmo nome do pai, Jerônimo de
Albuquerque, nascido em 1548 em Pernambuco, foi nomeado em 1603, Capitão-mor
do Rio Grande do Norte com a finalidade de proporcionar o povoamento da
Capitania. Visando garantir o patrimônio para os descendentes, doou aos filhos
Antonio e Matias “cinco mil braças quadradas de terra na várzea de Cunhaú,
município de Canguaretama. Nesta Cesmaria Jerônimo de Albuquerque fundou a
Casa de Cunhaú, de onde saiu com seus dois filhos para conquistar o Maranhão em
1615.” (SOUZA, 1989, p. 116).
Por conseguinte, Jerônimo de Albuquerque, em 1603, foi indicado para
“governar o Maranhão, por Alexandre Moura, recebendo mais tarde, por mercê régia
de Felipe IV, o sobrenome de Maranhão (em alusão àquele Estado), pelo qual
ficaram também conhecidos os seus descendentes. Jerônimo faleceu em 1618, aos
70 anos, no Maranhão.” (SOUZA, 1989, p. 116).
102
Da descendência de Matias, nasceu Amaro Barreto de Albuquerque
Maranhão, pernambucano que se estabeleceu na localidade de Guarapes
12
, no Rio
Grande do Norte, era colaborador de Fabrício Gomes Pedroza, casando-se com
uma das filhas, Feliciana Maria da Silva Pedrosa. Dessa união nasceram 14 filhos,
nove homens e cinco mulheres: Fabrício, Maria, Pedro Velho, Inês Augusta, Adelino,
Sérgio, Augusto Severo, Isabel, Cândida, Luís Carlos e Joaquim Scipião (gêmeos),
Amélia Augusta, Alberto Maranhão e Áurea Justa (SOUZA, 1989, p. 117).
Essa família foi no final do século XIX e primeiras décadas do século XX, a
mais representativa da burguesia agro-comercial-exportadora do Rio Grande do
Norte. Amaro Barreto, burguês bem sucedido, proporcionou aos filhos a melhor
educação daquela época. Pedro Velho formou-se em medicina, pela faculdade de
Salvador; Augusto Severo, que estudou engenharia, era o gênio da família,
imortalizando-se como o inventor do balão “PAX”; Amaro e Scipião, dedicaram-se à
música; Alberto Maranhão, bacharelou-se em Direito, governou o Estado por duas
vezes e sucedeu a Pedro Velho no comando da política. Entre as mulheres,
destacou-se Inês Augusta, que se casou com o industrial Juvino Barreto, dono da
fábrica de tecidos de Natal (LYRA, 1982, p. 190-204).
Mas, o grande comandante dessa família, na verdade, foi Pedro Velho de
Albuquerque Maranhão, que empreendeu o movimento abolicionista no Estado,
liderou o movimento republicano e dominou o Rio Grande do Norte por mais de vinte
anos. No auge de sua força, introduziu Eloy de Souza na política, que demonstrou
ser um bom discípulo do grande mestre, mantendo-se trinta dois anos no poder,
como Deputado Estadual (1895-1897), Deputado Federal por quatro mandatos
(1877-1889), (1900-1911), (1912-1914), (1927-30) e Senador em três mandatos
(1914-1921), (1922-1927) e (1935-1937).
11
Guarapes, lugar em Macaíba-RN, povoação à margem do Potengi. Em 1706, era sítio pertencente
ao Ordinando Antônio Àvarez de Souza, de guará-pe, o caminho dos guarás. Guarapes também
era o nome do ancoradouro para carregar e descarregar as mercadorias, tipo um porto de
Macaíba à época e ainda era o nome de um armazém denominado, Casa Comercial Guarapes,
de propriedade do pernambucano Fabrício Gomes Pedroza, (senhor de engenho e grande
comerciante em Macaíba), na qual o pai de Eloy de Souza trabalhou (CASCUDO, 1968, p. 90).
103
3.1 ENTRE RECIFE E MACAÍBA
A capital política do Rio Grande do Norte, naquele tempo, estava em
Macaíba, onde os acontecimentos que mais interessavam eram conhecidos
e antes de serem em Natal
. [...]
era capital honorária da Província,
passando a ditar a moda, atrair Presidentes, autoridades, graduados e os
poucos homens ilustres locais e do Estado, graças à navegação do rio
Jundiaí, que embora não sendo perene, se beneficiava do crescimento das
marés, permitindo acesso aos botes e barcaças. [...] Macaíba naqueles
idos, compreendia a presença de investidores de outras terras, sobretudo
de Pernambuco. Eloy de Souza
Primeiramente, é necessário informar que Macaíba está localizada a 18
km de Natal, a capital do Estado do Rio Grande do Norte e situada às margens do
Rio Jundiaí, tendo uma área de 512 quilômetros quadrados. Passou à categoria de
Município em 27 de outubro de 1877, ganhando, portanto, autonomia político-
administrativa, somente em 1882, com o seu primeiro administrador, o senhor
Vicente de Andrade Lima.
Vale ressaltar que, Macaíba, nos meados do século XIX para o início de
do século XX era a cidade mais importante do Estado, superando Natal, a capital da
Província, que na época,
era
uma vila insignificante e atrasadíssima do interior
(CASCUDO, 1961); se destacando inclusive, sobre Mossoró (a maior cidade do Rio
Grande do Norte), que passou da condição de Vila de Santa Luzia ao status de
cidade em 1870. Ou seja, primeiro que Macaíba.
“Pode-se afirmar que a capital política do Rio Grande do Norte, naquele
tempo, estava em Macaíba, onde os acontecimentos que mais interessavam eram
conhecidos e antes de serem em Natal.” (SOUZA, 1975, p. 15). E o que mais
favoreceu essa condição vantajosa de Macaíba, foi o major Fabrício Gomes Pedroza
(major Fabrício) ter construído o Porto de Guarapes, “com ancoradouro largo e
profundo, onde podia fundear, como fundeavam vários navios estrangeiros de
apreciável calado.” (SOUZA, 1975, p. 25).
Mas, o Major Fabrício não foi só o autor da construção do Porto Guarapes,
foi também o fundador da cidade de Macaíba.
104
Macaíba foi fundada pelo major Fabrício Gomes Pedroza, comerciante de
muito poucas letras, mas homem de negócio e intuição invulgar.
Primitivamente “Coité”, adquiriu prestígio quando ali foi o Dr. Henrique
Pereira de Lucena, depois Barão de Lucena, Presidente da Província a
crismá-la com o nome atual (SOUZA, 1975, p. 25, grifo do autor).
Fabrício Gomes Pedroza, pernambucano, genro do capitão português
Francisco Pedro Bandeira de Melo, um dos moradores do povoado de Coité, dono
da maior parte das terras da região, teria plantado nesse local uma árvore de nome
macaíba e em meio a um clima festivo, Coité mudou de nome, passando a se
chamar Macaíba (PEREIRA, 1982).
Coité é uma árvore de grande fruto o comestível, utilizado para fazer
utensílio doméstico, denominado cuia. Conforme Cascudo provém de qui-eté,
vasilha verdadeira, cabaz, cuia. E macaíba, de maca-íba, árvore da macaba,
Macaúba, Macaiúba, Bocaiúva, côco-de-catarro, pela viscosidade da polpa
comestível (CASCUDO, 1968, p. 83-100).
Além do mais, o major Fabrício, constrói no sítio do sogro, localizado à
margem esquerda do rio Jundiaí, em Macaíba, a Casa Guarapes, um armazém,
para recolher, não apenas o açúcar que era produzido no engenho Jundiaí, do qual
era proprietário, como também para os produtos que fossem comercializados nos
engenhos dos vales de São José e Ceará Mirim.
Conforme Souza (1975, p. 25), “Macaíba era até a construção da estrada
de rodagem para Natal-RN, o ponto de concentração de todo o comércio do Seridó,
Ceará Mirim, São José de Mipibu e Ribeira do Potengi, graças a esta única via de
comunicação com a capital.”
Por encontrar-se numa área estratégica, propiciando uma comunicação
com o centro do Estado, os vales agrícolas e o alto sertão, nos meados do século
XIX para o início do século XX, beneficiou-se com a situação que envolvia a
comercialização e o transporte de algodão, uma vez que desde o século XVIII se
voltava para o cultivo do algodão e cereais.
Vale ressaltar que durante a Guerra de Secessão, considerada a maior
guerra civil do século XIX (1861-1865), os Estados Unidos ao bloquearem a
exportação de algodão a países europeus, provocaram, “o que se convencionou
chamar de cotton hunger, ou seja, uma alta demanda frente a uma baixa oferta do
105
produto, gerando uma rápida subida dos preços.” (TAKEYA; LIMA, 1986, p. 19). Tal
atitude, naturalmente, reverterá benefícios ao povoamento de Macaíba.
Nessa circunstância, a Inglaterra passa a importar o produto diretamente
do Egito e do Brasil. O Rio Grande do Norte, produtor de algodão nessa época,
mandava sua produção em comboios de animais para descarregar no porto de
Guarapes, que servia de intercâmbio entre o interior, produtor de algodão, e o
exterior, no caso a Inglaterra,
que estava em franca expansão industrial.
De acordo com Tarcísio Medeiros, no seu livro Aspectos Geopolíticos e
Antropológicos da História do Rio Grande do Norte, do porto de Guarapes partiam
para o exterior galeras, brigues, caravelões carregados de mercadorias. Diz ainda
que entre os anos de 1869 e 1870, vinte e duas embarcações partiram diretamente
de Guarapes para a Inglaterra. De Natal partiram dezenove, o que vem a comprovar
a importância comercial do local (MEDEIROS, 1973).
Nesse sentido, diante desse forte intercâmbio comercial a província do Rio
Grande do Norte prosperou com a alta do preço desse produto, pois o plantio do
algodão passou a ser feito em vastas extensões, do Agreste ao Sertão, alcançando
o Seridó, “onde se fixou uma espécie de fibra longa, até hoje de valor inestimável.
Daí, as transações comerciais atingiram proporções que lhe deu fama na Província e
nos mercados lindeiros do Ceará e Paraíba.” (SOUZA, 1975, p. 25).
Contudo, foi um período de efêmero apogeu, em que os agricultores
obtiveram lucros fabulosos, partindo para esbanjar e ostentar perante os demais,
“selas inglesas, botas de couros da Rússia, arreios de prata, lençóis de ramagem de
pura seda e fazendas, ou seja, tecidos, caros, para roupas das esposas e filhas.”
(SOUZA, 1975, p. 25).
Segundo Souza (1975). o desperdício de dinheiro era tanto, que um tal
“cigano Pedro chegou ao ponto de lançar a moda de queimar cédula de 10$000 e
de 20$000 para acender cigarro e charuto, sendo imitado por muitos macaibenses
abastados.”
No entanto, para o bem ou para o mal, esta fase impulsionou o
desenvolvimento de Macaíba, que passou a se destacar pela sua importância social,
política e econômica.
106
Tornou-se, inclusive, a capital honorária da Província, passando a ditar a
moda, atrair Presidentes, autoridades, graduados, os poucos homens
ilustres locais e do Estado, graças à navegação do rio Jundiaí, que embora
não sendo perene, se beneficiava do crescimento das marés, permitindo
acesso aos botes e barcaças (SOUZA, 1975, p. 26).
Normalmente, esses transportes faziam o trajeto para Natal, Recife e São
Luiz do Maranhão, e também dentro da própria cidade, facilitando o comércio de
algodão e açúcar.
Por tudo isso, é imprescindível reconstituir Macaíba naqueles idos,
compreendendo a presença de investidores de outras terras, sobretudo de
Pernambuco e o papel desempenhado por líderes locais na política da Província,
“como ocorreu com os dois Eloy de Souza. Eloy Castriciano de Souza pai, Deputado
Provincial e Eloy Castriciano de Souza, o filho, Deputado Federal e Senador da
República.” (PEREIRA, 1982, p. 6). Na verdade, “os negociantes ali estabelecidos,
eram na sua totalidade, pernambucanos, sendo que a maioria deles procedia de
Goiana.” (SOUZA, 1975, p. 25).
Assim, pelo rio Jundiaí vários botes, como “Rogério Primeiro” e “Segundo”,
pertencentes a João Biname; “Flor do Rio”, de João Grande e tantos outros viajavam
entre Natal e Macaíba. Enquanto as rotas marítimas, entre Macaíba/Recife e
Macaíba/São Luiz do Maranhão eram feitas no barco “Dona Sinhá” do proprietário
Joaquim Inácio tendo como perito, o mestre Manoel Cotia (SOUZA, 1975, p. 19).
Num desses trajetos veio de Recife o a materno, Francisco de Paula
Rodrigues (Chico Lateja), natural de Goiana-PE, fixando residência em Macaíba.
Também possuía uma grande casa de sobrado, no Sítio Arraial, a única azulejada
da redondeza, “entre Tamarineira e Mangabeira de Baixo, estação da Estrada de
Ferro suburbana de Recife”. Era, portanto, um rico fazendeiro, que possuía escravos
(Sabino, Felipe, Rita, José, Brasiliano, Luiz e João) e enquanto viajava a negócio, o
sítio ficava sob os cuidados deles. Era ainda, dono de “diversas fazendas no Rio
Grande do Norte, nas regiões do Agreste e do Sertão: Santo Antônio do Salto da
Onça, Santana do Matos e Angicos”, tornando-se grande investidor em Macaíba
(SOUZA, 1975, p. 7-17).
Paula Rodrigues se casou com “Silvina Maria da Conceição,
pernambucana de Goiana, uma jovem “baixa bem morena, de cabelos
107
emarenhados,” uma pessoa humilde que “vivia de fazer pão-de-ló, bolos e doces
diversos em Macaíba,” logo ascendendo socialmente, tornando-se, D. Silvina de
Paula Rodrigues (Dindinha). Porém, “foi sempre uma criatura esquecida dos bens e
do conforto que lhe coubera com o casamento. Continuou humilde e dadivosa.
Falava baixo e nunca deu ordens, mesmo aos escravos, de maneira imperativa.
Analfabeta pela sua condição de origem [...]” (SOUZA, 1975, p. 10-29).
Conforme Souza, (1975, p. 10),
Dindinha devia ter sido bonita para que meu avô, que era homem
mulherengo a ela tivesse se afeiçoado fora do regime do casamento com
um respeito marital muito raro [...] quando minha mãe ficou noiva, meu avô,
no cumprimento do dever de legitimação de todos os filhos, casou com
Dindinha [...].
Analisando essa ascensão vertical, é interessante destacar que, apesar
da rigidez social, de feições nitidamente aristocráticas, que garantia a estabilidade
social numa sociedade senhorial, escravocrata e patriarcal, com poucas
possibilidades de mobilidade social, posto que controlada pelo segmento dominante,
havia exceções deste tipo.
Conforme retrata Gilberto Freyre em Casa Grande & Senzala, a respeito
do processo de miscigenação social no Brasil, casos desse tipo ocorriam, diante da
poligamia entranhada na sociedade patriarcal, monocultora, escravocrata, rural,
sendo, portanto, socialmente admitida, como resultado da herança portuguesa, onde
o machismo se encarregava de empreender a chamada “democracia racial”. A
herança colonial estruturou a família composta, não apenas de marido, mulher e
filhos. Ela, a família, se constituía num verdadeiro clã, incluindo a esposa, eventuais
(e disfarçadas ou declaradas) concubinas, filhos, parentes, padrinhos, afilhados,
amigos, dependentes, escrava(os) e ex-escrava(os) (FREYRE, 1969).
Assim, o patriarca controlava toda a legião de agregados, particularmente
“a mulher”, fosse qual fosse a sua posição social. A condição feminina era de
extrema submissão à autoridade indiscutível que emanava da temida e venerada
figura do patriarca, que se arvorava do direito de controlar a vida da esposa, da(s)
108
amante(s) e, também, das filhas mulheres. O patriarca encarnava, no coração e na
mente de seus subordinados, todas as virtudes e qualidades possíveis a um ser
humano, parecendo até contrariar o que dizia Maquiavel (1977), melhor ser temido
que amado, uma vez que o patriarca era temido e adorado.
Desse modo, a infidelidade do homem era comum, tornando-se uma de
suas características mais marcantes como prova de virilidade e, grosso modo, essa
atitude machista do homem era aceita pelas muheres, como uma forma de evitar
conflitos, a exemplo de Cosma Bandeira de Souza (Tatá), a avó paterna de Eloy de
Souza. Esta, muitas vezes fingia ignorar tal atitude do marido, Félix José de Souza
(Félix do Potengi Pequeno), não admitindo que lhe falasse a respeito, em defesa da
própria felicidade. “Foi tão cristãmente tolerante que criou e educou um menino
sabidamente filho do marido [...] Vovô Felix viveu muitos anos em Macaíba, com
saudade do Potengi Pequeno, onde eram mais freqüentes as oportunidades
concupiscentes.” (SOUZA, 1975, p. 28).
Conforme Cascudo (2008a, p. 37),
[...] sua atividade reduzia-se, intrínseca e extrinsecamente, em personalizar
numa função lógica o velhíssimo verso do sertão pastoril: Fui moço, hoje
sou velho. Morro quando Deus quiser. Tive dois gostos comigo: Cavalo bom
e mulher!
Eloy veio a conhecer a sua avó paterna em Caiçara, já em idade
avançada, dela guardando a recordação do seu riso, que “era a expressão mais
freqüente na sua fisionomia enrugada.” Entrevada com um reumatismo infeccioso,
“viveu anos sentada numa esteira com outras esteiras ao redor sobre as quais se
arrastava tão resignadamente que parecia considerar aquele espaço tão pequeno
como o seu mundo.” (SOUZA, 1975, p. 28).
O avô Felix, nascido em “Ferreiro Torto”, perto de Macaíba, conforme
Cascudo (1961, p. 23) era um vaqueiro ‘escuro’, baixo, magro, competente, por isso
protegido do capitão pernambucano Francisco Pedro Bandeira de Melo,
109
estabelecido nas margens do rio Jundiaí-RN, que o tornou administrador de várias
de suas fazendas, depois de casá-lo com sua filha adotiva, Cosma.
Sendo apadrinhado pelo sogro, Felix teve uma ascensão social, haja vista
passar de vaqueiro a gerenciador de fazendas. Ou seja, houve uma mobilidade, uma
mudança de posição na estratificação social que acabou elevando-o na hierarquia
social, em relação à que era ocupada anteriormente, o que lhe permitiu viver bem,
financeiramente.
Aliás, a figura do vaqueiro gozava de relativos privilégios. Mesmo quando
ele era escravo, ele tinha uma parceria, tendo uma participação no produto, porque
a fazenda de gado era diferente, do engenho de açúcar. Nesta havia um controle do
território pelos capatazes. Mas, nas fazendas de gado não havia esse controle, até
porque, o gado era criado solto nas grandes extensões de terras. Geralmente o
vaqueiro era uma pessoa da confiança do fazendeiro, sendo isso, portanto, um
diferencial, em relação ao escravo dos engenhos, que era preso ao trabalho, se
submetendo a todo um sistema de repressão. Assim, o coronel não tendo como
controlar o vaqueiro, passava a estimulá-lo, oferecendo-lhe algumas vantagens.
Sendo assim, o vaqueiro tinha possibilidades de ascender e, sobretudo, no caso de
Felix que casou com a filha adotiva do capitão Bandeira de Melo, fato que favoreceu
ao genro uma melhor posição social.
Sobre seus avós, Eloy de Souza afirma que um avô era branco e rico,
Vovô Paula e o outro, preto e pobre, Vovô Félix, pois, mesmo Félix tendo ascendido
socialmente, após o casamento, não era, contudo, considerado rico. Numa
passagem em Memórias, ao ser injuriado pela sua cor, e esta é, talvez, a única vez
que ele a menciona, ao tratar das revanches políticas em 1937, ao se reportar à cor
dos avós, diz:
[...] os que me não podem responder pensam injuriar-me aludindo a minha
cor. Saibam estes que a minha maior saudade e a minha admiração não
são pelo meu avô branco e rico, mas pelo que era preto e pobre, porque foi
desde [sic] que herdei a bondade dos fortes e a coragem estóica dos
humildes (SOUZA, 1975, p. 71-72).
110
Eloy tinha dois tios maternos, Lucidíário e Pedro e três tias paternas,
Chiquinha, Zulina e Cordina. Lucidiário era claro, pequeno e franzino, tocava piano,
inteligente, estudou na Bahia pretendendo se formar em medicina, mas a
tuberculose o impediu. Pedro, alto, moreno, de compleição robusta, poucos anos
mais novo que Lucidiário, era menos interessado pela educação formal que este,
não tendo muito proveito quando internado no melhor colégio de Recife. Preferiu ser
administrador de fazendas, se dedicando à vaqueirice, sendo acometido de uma
queda desastrada de cavalo, ficando sequelas, que a medicina atrasada da época
não conseguiu curar. Ainda lançaram mão da medicina popular, de benzedeiras,
recuperando um pouco pela crença, mas uma melhora passageira, logo teve uma
recaída e faleceu (SOUSA, 1975).
Eloy de Souza, em suas Memórias, pouco fala dos tios paternos, de forma
que apenas comenta sobre Chiquinha, que era inteligente, sabia improvisar e desde
a idade de vinte anos sofria de reumatismo, destacando-se por ser extremamente
caridosa, que Zulina morava em Caiçara e Cordina morava com a irmã adotiva,
Mercês, e os agregados, Maroca e Francisco (SOUZA, 1975, p. 28-
29).
Com relação ao seu pai, Eloy Castriciano de Souza (1842-1881),
conforme diz o filho, ao contrário dos avós, era um homem caseiro, “que se distraía
com o trabalho e nunca pôs os pés fora da soleira da porta de sua casa, sem a
companhia de minha e, para retribuir visitas de pessoas amigas. Suas noites
foram sempre para o repouso.” (SOUZA, 1975, p. 26). Era um homem sisudo, fiel
nas amizades e constante na agremiação partidária (SOUZA, 1975, p. 15).
Era banqueiro em Macaíba-RN, chefe da Casa ‘Paula Eloy & Cia’, uma
casa bancária financiadora das safras de açúcar de grande parte dos municípios de
Ceará-Mirim e São José de Mipibu, incluindo o vale de Cajupiranga, no Rio Grande
do Norte.
Essa firma foi criada em 1871, resultado da associação de Eloy Castriciano
de Souza (pai) e Francisco de Paula Rodrigues (seu avô materno), tendo a
participação do coronel Tomaz Pessoa de Melo.
111
Foto 2 - Casa ‘Paula Eloy &
Cia.
Fonte: Arquivo Pessoal do
historiador Anderson
Tavares.
Sobre Castriciano de Souza, afirma o filho,
Meu pai teve apenas instrução primária que lhe foi ministrada pelo padre
José de Paula, vigário de São Gonçalo. Muito inteligente, alargou pelo
estudo, seus conhecimentos, sobretudo, os atinentes à contabilidade, o que
lhe permitiu obter do major Fabrício Pedroza uma colocação em Guarapes
13
que, dentro de pouco tempo, se tornou vantajosa [...] (SOUZA, 1975, p. 16).
Nesse sentido, seu pai “iniciou a sua atividade comercial como aprendiz
de guarda-livros na Casa Comercial Guarapes-RN, fundada pelo major Fabrício
Gomes Pedrosa, genro do comerciante, pernambucano, Francisco Pedro Bandeira
de Melo.” (SOUSA, 1975, p. 61). Com Fabrício Gomes trabalhou treze anos. Ainda
foi político, membro do partido liberal, do qual era chefe o Dr. Amaro Carneiro
Bezerra Cavalcanti (1825-1890).
Amaro Bezerra, como assim era chamado, nasceu em Pernambuco e
casou-se no Rio Grande do Norte com uma herdeira de Cunhaú, tornou-se político
13
Aqui Eloy de Souza está se referindo à Casa Comercial Guarapes de propriedade de Fabrício
Gomes Pedroza na qual o seu pai Eloy Castriciano de Souza trabalhou. A Casa Guarapes ficava
na localidade também chamada Guarapes.
112
desde 1852, mantendo-se no domínio por mais de vinte anos. Iniciou no Partido
Conservador, exercendo, vários mandatos, como Deputado Provincial e Deputado
Geral, quando foi encarregado em 1868 pelo “Centro Liberal da Corte para instalar
no Rio Grande do Norte o diretório do partido local, tornando-se chefe.” (MARIZ;
SUASSUNA, 2005, p.187). Em 1872 Amaro Bezerra cria o “jornal O Liberal Norte
nome depois resumido para O Libera,l visando à divulgação partidária.” (MACÊDO,
1998, p. 106).
Tendo de permanecer a maior parte do tempo no Rio de Janeiro, diante da
sua ligação com o Poder Central, escolheu Eloy Castriciano de Souza, como um de
seus representantes na Província (LYRA, 1982).
Assim, Castriciano de Souza, em duas legislaturas, 1878-1879 e 1880-
1881, foi Deputado Provincial e membro da Comissão de Orçamento, tendo, porém,
uma breve existência, se desvelando numa campanha em favor de seu padrinho
político, Amaro Bezerra, falecendo aos 39 anos, um mês e quinze dias de idade. Um
ano depois morre o avô materno de Eloy de Souza, Francisco de Paula Rodrigues
(SOUZA, 1975, p. 16-17).
Em resumo o filho Eloy conta o motivo da morte do pai, em Memórias,
O Dr. Amaro Bezerra embarcando para a Corte perguntou ao meu pai se
não já era tempo de o partido Liberal derrotar o coronel Bonifácio, Francisco
Bonifácio Pinheiro Câmara, chefe conservador da Província, presidente
perpétuo da Câmara Municipal de Natal. Meu pai respondeu que podia
considerá-lo derrotado [...] Foram seus companheiros no cumprimento desta
promessa, os Doutores José Paula Antunes e Euclides de Albuquerque. A
batalha foi renhida e custou do bolso de meu pai, oito contos de réis,
tendo sido o restante das despesas dividido pelos outros coligados. Tudo
montou a mais de dezesseis contos, quantia em que em 1880 valia uma
fortuna [...] O dinheiro foi pouco em relação ao sacrifício da própria vida.
Veio de Macaíba e permaneceu em Natal durante todo o mês antecedente
ao pleito, sem resguardo as chuvas, que foram, naquele período, copiosas.
Dormia pouco e comia mal, fora dos horários costumeiros. Poucos dias
depois, em conseqüência de um resguardo mal cuidado, que terminou
comprometendo o pulmão, faleceu em 15 de janeiro de 1881, em Macaíba
(SOUZA, 1975, p. 17).
Realmente, o desgaste de uma campanha política é indiscutível,
sobretudo, nas proporções do empenho do pai de Eloy de Souza, excedendo os
limites humanos. Porém, o que pesa nesta questão é o atraso do século com
relação à cura de certas doenças da época, como a tuberculose.
113
Depois da morte de seu pai, o paraibano, Comendador Umbelino Freire de
Gouveia Melo veio, a convite do seu irmão coronel Tomás Antonio de Melo, assumir
a gerência da casa “Paula Eloy”, que conservou o mesmo nome. Todavia, Umbelino
Gouveia priorizava os interesses políticos, em detrimento dos negócios da empresa,
contribuindo para a sua decadência. “O comendador não tinha mãos a medir nas
despesas, naturalmente, lançadas ao débito da firma.” (SOUZA, 1975, p.
24).
Daí, com a falência da Casa Paula Eloy, os herdeiros, filhos e avó, ainda
tiveram o saldo de receber algumas propriedades para vender ou delas tirar rendas
para a família. E coincidência ou não, a falência da firma, ocorreu, mais ou menos
na mesma época do declínio de Macaíba, com a chegada das linhas ferroviárias, à
região.
Pelo visto, Castriciano com o status de político, banqueiro e comerciante
viveu uma fase de prosperidade que lhe propiciou a aquisição de bens favoráveis ao
bem-estar da família, como a fazenda Cará-Cará, O Engenho Jundiaí, alguns
escravos, as barcaças: “D. Silvina”, “Henriqueta” e cúter “Cacique”, que permitiam o
deslocamento entre Macaíba e Recife e na própria região.
Porém, o êxito desses investimentos foi de curta duração e ainda
entremeado pelos problemas de saúde de sua esposa Henriqueta Leolpoldina
Desenho 1 – Percurso entre
Recife e Macaíba.
Fonte: Desenho elaborado por
Pamplona.
114
Pedroza de Souza (1852 -1879), filha natural de Francisco de Paula Rodrigues e
Silvina Maria da Conceição.
Castriciano casou-se em 1872 em Recife, depois de pouco tempo que
conheceu aquela jovem bonita, cor de jambo, de cabelos longos e cacheados, por
intermédio de Paula Rodrigues, quando trabalhava na Casa Comercial Guarapes
(SOUZA, 1975).
Henriqueta teve o seu primeiro filho em 04 de março de 1873, no Sítio
Arraial, em Recife. O batizado foi em oratório privado, dos seus avós maternos e
padrinhos de batismo, pois a criança que recebeu o mesmo nome do pai, Eloy
Castriciano de Souza, oito dias depois de nascido estava entre a vida e a morte,
sendo curado pelo Doutor Teixeira (SOUZA, 1975).
Foto 3 - Eloy Castriciano de Souza
e Henriqueta Leopoldina de
Souza (pais de Eloy).
Fonte: Arquivo pessoal de Rejane
Cardoso.
Reprodução: Giovanni Sérgio.
Após o nascimento do filho primogênito, seus pais mudaram-se de Recife
para Macaíba, onde nasceram os seus quatro irmãos. Na “Casa do Porto”, assim
chamada, como uma tradição da cidade por ser fronteira com o desembarcadouro
do rio Jundiaí, nasceram Henrique Castriciano (1874) e Irineu (1875). Na casa nova
115
da Rua do Comércio nasceram Auta de Souza (1876) e João Câncio (1877)
(SOUZA, 1975).
As primeiras lembranças do pequeno Eloy foram constituídas nas
frequentes viagens entre Recife e Macaíba, iniciadas logo após o nascimento de
Irineu, quando Henriqueta foi com os filhos à cidade de Recife para se consultar a
sumidades médicas. Daí em diante, viveu entre o Sítio Arraial, em Recife e a casa
em Macaíba, se estendendo ao Engenho Jundiaí e às fazendas ao redor, mantendo
sempre o contato com os avós maternos, e, ao mesmo tempo, acompanhando o
tratamento da tuberculose, doença incurável da época que atingira sua mãe
(SOUZA, 1975).
Dessa maneira, ele viveu no Sítio, em contato com a natureza, respirando
ar puro, sentindo a liberdade dos campos, dando margem a expandir o seu
temperamento ativo, extrovertido, aprendendo a andar a cavalo, se deliciando das
variedades de frutas do pomar, escutando histórias da África contadas pelos
escravos, especialmente do Pai José, como era chamado, o que mais lhe fazia os
gostos. Concomitantemente, de acordo com sua mentalidade infantil, presenciou de
perto as aflições da família e os cuidados de todos em função de sua mãe.
Teve, portanto, uma infância bastante movimentada, sempre em contato
direto e frequente com muita gente. Além das viagens constantes que fazia com a
família, o Sítio Arraial era uma casa grande e acolhedora para os amigos,
conhecidos e familiares do Rio Grande do Norte e de Goiana, que habitualmente, ali
se hospedavam. Os objetivos da estada eram os mais diversos, ora resolver
negócios, questões políticas, ora a tratamento de saúde em Recife, ora visitar os
conterrâneos e por ficavam, passando uma temporada e assim por diante. O
mesmo ocorria em Macaíba, a casa era sempre cheia de pessoas, fossem hóspedes
ou não, abordando, sobretudo, assuntos políticos com seu pai, bem como no
Engenho Jundiaí, principalmente, na
doença de sua mãe.
Tudo isso era motivo de divertimento para Eloy, uma criança ativa,
curiosa, que estava sempre de “olho vivo”. Observava quem entrava e quem saía,
acompanhando todo o andamento da casa, participando de tudo, dentro e ao seu
redor, não perdendo oportunidade de conversar com um e com outro, acabando
descobrindo a razão da presença, conquistando amizades e agrados dos visitantes.
Agravando-se o estado de saúde de Henriqueta, devido ao avanço da
tuberculose, resultante dos partos em cinco anos consecutivos, que lhe debilitou o
116
organismo, foram sugeridas várias alternativas a conselho médico visando a sua
cura. A mudança de ambiente foi a mais indicada, passando um tempo na Fazenda
Cará-Cará, bem como no Engenho Jundiaí, mas foi em vão. Sua mãe faleceu em 29
de julho de 1879, aos 27 anos de idade nesse último local, tendo Eloy apenas 6
anos. Dois anos depois morre também seu pai de tuberculose. Eloy contava 8 anos
(SOUZA, 1975).
Do pouco convívio que teve com os seus genitores, ficou a lembrança do
bom exemplo do pai, como homem reto, dinâmico, bem relacionado e íntegro; a
imagem da mãe sempre bonita, compreensiva e tolerante, pois, uma vez
presenciando uma de suas peraltices de criança, estaqueando os cabelos dos
escravos se fazendo de cabeleireiro, ao vê-lo chorar arrependido, não lhe puniu. Ao
invés, o elogiou: - como meu filho é bom! (SOUZA, 1975).
Essa atitude de generosidade, provavelmente, se instalou no seu
psiquismo, justamente na fase da primeira infância, onde a socialização
14
é mais
intensa, como um aprendizado, elevando a autoestima e servindo de guia para sua
conduta vida afora.
O relacionamento familiar permite a interiorização que é a apreensão ou
interpretação imediata de um acontecimento objetivo dotado de sentido, como
manifestação de processos subjetivos dos outros elementos que tornam
subjetivamente significativos para o indivíduo que está nesta fase.
Aliás, a família é o único mundo existente e concebível para a criança, o
mundo tout court, pois “é mais interiorizado no processo de socialização pelos pais
e, portanto, firmemente entrincheirados na consciência.” (BERGER; LUCKMANN,
2004, p. 180).
Assim, a partir do ambiente familiar, o primeiro círculo de sociabilidade de
Eloy de Souza foi constituindo a sua memória individual, se integrando e partilhando
experiências, afetos, vivências, uma vez que, a memória é eminentemente social e
precisa de âncoras, de pontos de apoio para se estruturar e se manter ativa, como
afirma o sociólogo e psicólogo social francês, Maurice Halbwachs (2006).
14
Socialização é o processo de aquisição de conhecimento, padrões, valores, símbolos. É ainda a
aquisição de maneiras de agir, pensar e sentir próprias dos grupos, da sociedade, da civilização
em que o indivíduo vive. Esse processo tem início no instante em que o indivíduo nasce, continua
ao longo da vida e só termina quando o indivíduo morre (GALEANO,1981).
117
A família é considerada o principal agente de socialização primária, que é
a primeira socialização do indivíduo, construída na infância. A pessoa é introduzida
na sociedade por meio de uma família, é ela quem estabelece as regras para se
conviver em uma sociedade que é tomada como certa. Esta socialização (primária)
ocorre em circunstâncias carregadas de emoção, onde a criança se identifica com
os outros significativos (pais, parentes próximos), absorvendo seus papéis e
atitudes, tornando-os seus. “Por meio desta identificação com os outros
significativos, a criança torna-se capaz de identificar a si mesma, de adquirir uma
identidade subjetivamente coerente e plausível.” (BERGER; LUCKMANN, 2004, p.
176-177).
Ressalte-se que a família naquela época destacava-se por sua função
mais pronunciada, sobretudo por seus membros adultos estarem mais disponíveis
para cuidar das crianças que hoje. Ela contribui para a formação da personalidade
básica e o sentido de identidade nos primeiros anos de vida.
Vale salientar que o comportamento que os indivíduos exercem na
sociedade decorre basicamente do aprendizado na infância em seu ambiente
cultural, ou seja, do processo de socialização, por meio do qual buscam objetivos
pessoais, a partir de influências da família e da sociedade onde nasceram e
cresceram, contribuindo, assim, para a formação do pensamento.
Nesse sentido, as relações sociais se dão de uma certa forma quando se
pertence a um determinado grupo social, dentro de uma estrutura social. Elas
revelam o habitus de classe desse grupo (BOURDIEU, 1983). Daí, ser complicada a
análise de um indivíduo isolado das relações sociais. Deve-se compreender os
indivíduos inseridos nas relações em que vivem, no seu mundo histórico, político,
cultural, psicológico.
Por isso, pela análise do indivíduo se conhece o grupo social a que ele
pertence e a sociedade onde ele vive, a partir da posição que ele ocupa nesse grupo
e nessa sociedade. A história do sujeito traz, portanto, a história do tempo, do
mundo – tempo histórico – onde ele vive, e pelas histórias de vida de alguns sujeitos
podemos conhecer um pouco da história da sociedade na qual eles vivem.
As relações entre os níveis político-econômico (infraestrutural,
macrossocial ou das "determinações objetivas") e os níveis sócio-culturais
(superestruturais, do campo do "simbólico" ou das "disposições subjetivas") podem
ser operacionalizadas através da teoria de Bourdieu, e aproximadas de uma leitura
118
psicossocial através dos trabalhos de memória desenvolvidos por Halbwachs (2006),
que possibilita articulação entre memória individual e memória coletiva.
Maurice Halbwachs, em A Memória Coletiva, trabalha a "realidade
subjetiva" do grupo social através das memórias individuais dentro do "grupo de
referência", onde os indivíduos vivenciam as experiências e constroem a memória
coletiva. Os conceitos de memória coletiva, de Halbwachs, e de habitus de classe,
de Bourdieu, permitem a articulação dos discursos e das práticas no campo da
memória lembrada, que engendram práticas, que se fazem memória (HALBWACHS,
2006).
Com efeito, toda lembrança da história de vida dos indivíduos é, de certa
forma, lembrança da história grupal, social, razão pela qual estudar a história de
indivíduos pertencentes a um grupo social é estudar a própria história do grupo.
A teoria da ação de Bourdieu (1992; 1996b) traz elementos que
enriquecem a análise dos discursos, das representações e das práticas dos agentes
sociais. Oferece instrumentos conceituais que permitem articular as condições
objetivas às disposições subjetivas, analisadas a partir de uma estrutura e de uma
conjuntura nas quais os sujeitos constroem suas representações e práticas,
revelados através de seu habitus de classe, que traz ao mesmo tempo as histórias
de vidas individuais e a cultura do grupo.
O habitus de classe diz respeito ao modo de viver e de ser dos indivíduos,
e revelam o grupo social ao qual pertencem. Bourdieu conceitua habitus de classe
como: “sistemas de disposições duráveis, estruturas estruturadas predispostas a
funcionar como estruturas estruturantes.” (BOURDIEU, 1983, p. 60-61). Isto é, como
princípio gerador e estruturador das práticas e das representações que podem ser
objetivamente "reguladas" e "regulares", sem ser o produto da obediência a regras
objetivamente adaptadas a seu fim, sem supor a intenção consciente dos fins e o
domínio expresso das operações necessárias para atingi-los e coletivamente
orquestradas, sem ser o produto da ação organizadora de um regente
Trata-se de uma categoria fundamental em sua elaboração teórica. É um
conceito que retoma a noção aristotélica de Hexis trazendo a noção de potência e
ato, convertida pela Escolástica em habitus para superar a noção estruturalista de
"estrutura", conceito estático, onde o agente é limitado ao papel de suporte trager
da estrutura, e reduzido ao seu aspecto estruturado, determinado, realizado e
constatado. A noção de hábito tem esta marca, da estrutura, não permitindo
119
evidenciar as capacidades atuais, potencialmente inventivas e criadoras
(BOURDIEU, 1983).
Tomando as estruturas simbólicas na leitura do mundo, a sociedade é
uma produção humana, uma realidade objetiva. O homem é uma produção social.
Bourdieu analisa o mundo social através de um processo de causalidade circular
que articula níveis diferentes da realidade separados pela micro e macro sociologia.
Duas noções bem formuladas pelo autor, quando se refere às instâncias que
sustentam o mundo social: campos sociais e habitus. A relação entre estas
instâncias faz com que as estruturas se tornem corpo, e igualmente, que o corpo se
faça estrutura (BOURDIEU, 1983).
Ao pensar a realidade em termos de representação simbólica defende
uma conexão entre as estruturas sociais e as estruturas mentais dos agentes em um
processo mediante o qual a realidade se faz corpo. Ou seja, as classes sociais, a
partir de suas posições na estrutura econômica e social, representam
simbolicamente esta realidade (BOURDIEU, 1983).
Dessa maneira, a identidade vai se formando, como uma invenção de um
nós coletivo, alimentando-se da memória do grupo e de suas práticas para construir-
se e manter-se. Identidade e memória são tão intimamente ligadas porque se
constituem sempre em oposição ao diferente, ao que não é próprio; identidade e
memória possibilitam o sentimento de pertencimento. A memória tende a aplainar as
diferenças, ressaltando aquilo de igual entre os indivíduos e fortalecendo ainda mais
o processo de construção da identidade.
Assim, Eloy de Souza foi formando sua identidade de acordo com seu
processo de socialização, ou seja, de assimilação ao grupo familiar, mal grado a
desestruturação familiar, ficando órfão de pai e mãe e do a materno
prematuramente, sendo criado pela a materna, Dindinha, analfabeta. Tanto ele,
como os irmãos, em particular, Henrique e Auta, se destacaram na sociedade, como
já foi ressaltado anteriormente.
O sucesso, de Eloy, Henrique e Auta, atribui-se, em grande medida a
Dindinha, que viúva e sem instrução, teve de arcar com a responsabilidade da
educação dos cinco netos, na fase de transição entre infância e adolescência. O
próprio Eloy, em Memórias, reconhece o papel da avó-madrinha, cuja “vida foi um
rosário de dedicação amor e sacrifício.” (SOUZA, 1975, p. 35).
120
Acresce que, o status da família, as atitudes de união e solidariedade
entre os irmãos, influíram, consideravelmente, no nível de aspiração desses jovens,
com relação à instrução e ao desenvolvimento dos talentos de cada um, definindo
suas profissões e ações. Os mais velhos estimulavam o crescimento intelectual dos
mais novos e até contribuíam para a sua propagação. Eloy estava sempre em
sintonia com Henrique, frequentando as mesmas escolas, e este, manteve-se ao
lado de Auta apoiando-a e sendo intermediário de seus escritos, fazendo-os chegar
às mãos de escritores, historiadores de renome nacional, publicando-os em jornais e
livros.
Sabe-se também, que o statuscioeconômico da família tem um peso no
sucesso escolar dos filhos, pois conforme Halbwachs (2006), a influência
socializadora da classe social, atua de tal forma que os motivos dos homens e suas
tendências surgem como sendo, na maioria dos casos, inteiramente relativos às
condições que preenchem na sociedade.
Em resumo, o êxito dos irmãos Souza, deve-se, não a um fator isolado,
senão, mais provavelmente, à conjugação dos seguintes fatores: a determinação de
D. Silvina, a articulação e coesão dos irmãos, estimulando-se uns aos outros,
contribuindo para elevar a autoestima mútua, o status sócioeconômico e também, o
talento intelectual intrínseco a cada um deles.
121
3.2 TRAJETÓRIA INTELECTUAL
Todos os homens são intelectuais, mas nem todos os homens têm na
sociedade a função de intelectual.
Antônio Gramsci
Nunca tive período de maior contentamento na minha vida de jornalista do
que durante o tempo em que permaneci n’A República naquele período
de calma e tranqüilidade revolucionária. Raro foi o dia em que não discuti
assuntos atinentes aos grandes problemas sociais, econômicos e
políticos do Rio Grande do Norte e do País.
Eloy de Souza
Em Macaíba Eloy de Souza iniciou a sua trajetória intelectual, que não foi
das mais agradáveis e tranquilas. Aprendeu as primeiras letras, aos cinco anos de
idade, na Escola Masculina do professor Rafael Garcia de Trindade
15
, um professor
de aspecto sempre raivoso que lhe impunha medo (Souza, 1975).
Conduzia-se de sua casa para a escola, montado na maçaneta da sela
do cavalo na companhia do escravo Ambrósio,” que certo dia veio apanhá-lo mais
cedo, em virtude de sua mãe estar às vésperas da morte, embora não sendo
avisado da razão de sair antes da hora. Ainda chegou a tempo de ser reconhecido e
abençoado pela mãe (SOUZA, 1975, p. 9-10).
Diante do impacto, mesmo com a idade de cinco anos, gravou
impressionado aquele cenário de tristeza e dor, seu pai vertido em lágrimas
(pensava que ele não chorava, uma vez que o ria), várias pessoas chorando
silenciosamente e o imponente cortejo de homens importantes de Macaíba,
montados nos seus gordos cavalos: altos comerciantes, pequenos industriais e
políticos da localidade (SOUZA, 1975, p. 9-10).
15
O sobrenome do primeiro professor de Eloy de Souza citado no texto, não confere com o que
consta em uma carta de Eloy na Revista do Instituto Histórico e Geográfico, V. LII, em 17 de
fevereiro de 1959. Na referida carta o nome do professor é Rafael Araújo Pessoa (SOUZA, 1960).
Foto 4 - Eloy de Souza no
Jornal A República.
Fonte: Arquivo pessoal de
Rejane Cardoso.
Reprodução: Giovanni Sérgio
122
Depois da missa de trigésimo dia (29-08-1879), partiram, ele e os irmãos
com Dindinha e Paula Rodrigues na barcaça “Dona Silvina” para Recife a fim de
continuar os estudos, vivenciando novas rotinas, ao mesmo tempo em que,
passaram a seguir algumas normas disciplinares: oito horas estavam bem
vestidos e bem calçados para irem à escola; todos os dias rezavam antes e depois
das refeições, que eram feitas sempre em horas certas; à noite a escrava Rita,
lavava os pés dos meninos antes de dormirem. Sempre “no mês de maio era tirado
o terço diante do oratório, no quarto dos santos, reunião de família que não faltava a
presença dos escravos e principalmente de Rita que com boa voz animava as
músicas da ladainha.” (Souza, 1975, p. 35). E Dindinha não descuidava de fazer os
mais variados tipos de bolos do agrado de todos os netos e esposo. Sem esquecer
dos tradicionais carneiros assados e do sarapatel no São João e dos pastéis fritos
por ocasião do Natal por ela, gostosamente preparados (SOUZA, 1975, p. 62).
É importante ressaltar que a regulação do comportamento na sociedade é
necessária e se pelo uso da força ou pelo estabelecimento de normas e valores
que podem ser aceitos mais ou menos de forma integral, como normas de conduta
obrigatória.
Os sociólogos costumam usar o termo “controle social” para se referir ao
estabelecimento de costumes e normas no sentido de resolver ou diminuir as
tensões e conflitos entre os indivíduos e grupos, mantendo a coesão entre eles.
Existem vários tipos de controle social, como a família, a educação, a moral, a
religião, o Direito e outros mais, conforme Bottomore (1987).
A educação segundo Durkheim (1978) é um sistema que se impõe aos
indivíduos de modo geralmente irresistível, em qualquer sociedade. Consiste numa
socialização metódica das novas gerações, pelas gerações adultas, levando-se em
consideração a existência do duplo aspecto, ao mesmo tempo, uno e múltiplo. Uno
porque toda sociedade, todo povo, possui um certo número de idéias, costumes,
práticas e sentimentos, que a educação deve inculcar aos mais novos; múltiplo,
porque, tudo isso diverge em cada parte, residindo aí o sentido diverso.
Então, para esse autor
Em cada um de nós [...] pode-se dizer que existem dois seres. Um,
constituído de todos os estados mentais que não se relacionam senão
123
conosco mesmo e com os acontecimentos de nossa vida pessoal; é o que
se poderia chamar de ser individual. O outro é um sistema de idéias,
sentimentos e bitos, que exprimem em nós, não a nossa personalidade,
mas o grupo ou grupos diferentes de que fazemos parte; tais são as
crenças religiosas, as crenças e práticas morais, as tradições nacionais, ou
profissionais, as opiniões coletivas de toda a espécie. Seu conjunto forma o
ser social. Constituir o ser social em cada um de nós tal é o fim da
educação. (DURKHEIM, 1978, p. 43).
Sabe-se que a escola, considerada socialização secundária ou formal,
propicia um contato de forma menos emocional que na socialização primária e a
pessoa introjeta outros papéis sociais, entre os quais o papel profissional. A
aprendizagem destes papéis sociais envolve desde rituais até os componentes
normativos, cognitivos e os afetivos, ligados ao seu desempenho.
Assim, a partir da socialização como indivíduo pela família, pela escola e
por todas as instituições agregativas a identidade acontece sem se refletir sobre
todos os aspectos envolvidos. Daí então, começa-se um processo de abstração
progressiva de papéis, que partem de um comportamento aceito por outros
significativos para comportamentos e papéis em geral aceitos pela sociedade e
suas instituições (BERGER, LUCKMANN, 2004).
Desse modo, em Recife, Eloy de Souza volta a estudar e nessa fase,
também passou por experiências traumáticas, se defrontando com problemas, que
ele como irmão mais velho teve de decidir, por vezes de forma impulsiva, diante do
seu temperamento, uma vez que sua avó, sem a mínima instrução escolar, pudesse
orientar.
Estudou em seis escolas, ao mesmo tempo em que ia reconstruindo a
sua identidade, haja vista ser esta uma construção permanente do “ser” ao longo da
vida, que se pela relação dialética dos fatores envolvidos: biológicos, psíquicos e
sociais, iniciada na família.
A primeira foi a Escola Masculina do professor Fragoso e do professor
Vitorino, indo, juntamente com o irmão Henrique. Era a única existente nas
proximidades, onde terminou o primário, mediante um ensino rígido, tradicional à
base de severos castigos, por vezes amenizados pela esposa do professor Vitorino,
que não admitia penalidades violentas.
124
Concluindo o primário os dois irmãos estudaram por pouco tempo no
Colégio Delfino, na rua do Hospício logo saindo por conta da morte do diretor.
Entraram para o famoso Colégio Ascenso Minervino Meira de Vasconcelos, na Rua
da Imperatriz, se destacando por serem bons alunos de português. Depois prestou
exame para o Colégio das Artes, sendo aprovado após enfrentar o diretor por conta
de sua atitude arbitrária reprovando injustamente vários alunos do colégio anterior,
cujo diretor era seu inimigo pessoal, sendo vítima dessa “onda de injustiça”, o seu
irmão Henrique, o melhor aluno da classe.
A tensão deve ter sido forte, pois ao terminar o exame de matemática no
Colégio das Artes, sentiu sensações estranhas, apavorantes, “calafrios alarmantes”,
sendo acometido de medos infundados e angústias. A partir daí, passou a ler o
obituário da cidade no Diário de Pernambuco, citando as causa-morti, atribuindo
para si, todas as doenças provocadoras de mortes, ali estampadas. Assim sofreu de
hipocondria, uma afecção mental em que depressão e preocupação obsessiva
com o próprio estado de saúde: o doente, por efeito de sensações subjetivas, julga-
se preso a condições mórbidas na realidade inexistentes. Assistido em casa pelo
médico, passou a tomar remédios para os nervos, os quais não surtindo efeito,
foram suspensos pelo médico que recomendou banhos frios e passeios a cavalo, o
que veio a solucionar o tal problema de saúde.
Em todos esses quatro estabelecimentos de ensino, estudou em regime
de externato.
No ano seguinte passou a ser interno no Colégio 11 de Agosto, cujos
professores eram mais bem conceituados, a exemplo do Dr. Gabriel Henrique de
Araújo, que lecionava inglês, Martins Júnior, francês, Alfredo Lima dentre outros.
Porém, o diretor era um católico exigente e intolerante que o privou de ir um
domingo em casa, mesmo tendo alcançado a média naquela semana, porque
não quis se confessar. Descontente, depois da missa fugiu do colégio e no dia
seguinte pediu a transferência e foi estudar em outro estabelecimento de ensino.
Matriculou-se no Colégio Instituto Acadêmico, no regime de internato,
onde passou por um grande transtorno. Na hora do recreio, um certo dia, foi
insultado e esmurrado no nariz por Luiz Gonzaga das Neves, mais robusto e mais
velho que ele, conhecido da família. Diante da dor e do sangramento, revidou com
outro murro na testa de Luiz, que bateu com a cabeça na parede, caindo quase
desmaiado, tendo sido apoiado pelos alunos e pelo diretor.
125
Nesse mesmo colégio ainda teve uma enorme indignação, ao tomar
conhecimento de outra injustiça cometida a Henrique, que foi preso na cafua,
juntamente com um grupo de alunos que fizeram baderna na banca de estudo. Com
isso, o mano piorou da crise de defluxos que sofria, passou a ter febre e dores no
pulmão tendo Eloy de ir deixá-lo em casa para ser tratado pelo médico e cuidado
pela escrava Rita. Nesse colégio concluiu o ginásio.
Pelo visto, Eloy de Souza teve um período escolar em Recife um tanto
conturbado, passando por situações adversas na escola e além dos impactos
emocionais em casa, em virtude das perdas dos entes queridos: a morte do avô em
1882, decorrente de pneumonia e asma, antes de sair para o colégio e a tragédia do
incêndio ocorrido com Irineu, seu irmão, em 1887, causado pela explosão de um
candeeiro à gás, padecendo dezoito horas antes de morrer.
Contudo, ele foi superando os desafios, observando o equilíbrio e
serenidade de sua avó, frente a tais situações. Entretanto, as mudanças das escolas
partiram de iniciativa própria pela ausência de uma orientação mais específica, de
alguém mais experiente no âmbito da educação sistemática, uma vez que Didinha,
sendo analfabeta, não tinha como ajudar neste sentido. Eloy muito resolvido e sagaz
era quem decidia o que achava conveniente e o que ele dizia, ela acatava de bom
grado.
Entre Recife e Natal fez os preparatórios, que segundo Filgueira (2000,
p.30), seria um curso que,
[...] tinha o objetivo de habilitar o aluno no menor espaço de tempo,
possível; quer dizer, era uma preparação para o ingresso no curso superior,
baseado no modelo anglo-saxônico. Funcionava com características de
liceus e equivalia a um curso secundário. Para cursá-lo era necessário ter o
curso primário e o ginasial. Mas, as aulas não eram obrigatórias, eram
avulsas e por disciplinas, não levando em conta os anos. Preparava-se de
acordo com a escola ou curso superior a ser seguido. Terminados os
preparatórios exigidos para este ou aquele curso e aprovado nos
respectivos exames, o aluno já estava apto a freqüentar o curso superior.
126
Concluídos os preparatórios em Recife ingressou na Faculdade visando
bacharelar-se em Ciências Jurídicas e Sociais na Faculdade de Direito da
Universidade de Recife, que tinha como doutrina norteadora do pensamento, o
positivismo comteano e o evolucionismo de Spencer.
O positivismo, uma filosofia republicana e anti-escravista, com ênfase na
ordem gerida por uma classe de sábios, encontrou melhor guarida entre cientistas e
militares, principalmente na Corte e em São Paulo. Comte e Spencer estavam
absolutamente de acordo quanto ao papel fundamental da ciência como meio de
intervenção e transformação do mundo humano e natural e como agente da
modernidade e da civilização; o positivismo comteano e o evolucionismo
spenceriano dão o perfeito arremate a esta concepção e, desse ponto de vista, não
pesa entre eles diferença considerável. É o conhecimento científico das leis que
regem a natureza e a história que torna possível a construção de projetos de
civilização (COMTE,1974; SPENCER, [1896?]).
No entanto, os dois sistemas divergiam num ponto fundamental, a via
política e ideológica de alcançar a civilização. O spencerianismo tendeu a fornecer
uma via liberal para o progresso, enquanto o positivismo comteano trazia uma
perspectiva autoritária. Daí havia uma forte tendência da Escola de Direito de Recife
pelo evolucionismo social de Spencer.
O evolucionismo baseado em Herbert Spencer tinha uma visão orgânica
da sociedade, e como um organismo, esta estaria passível de evolução. Num total
Foto 5 - Faculdade de Direito do Recife
.
Fonte: Moura (2007).
127
equívoco na opinião da autora, ou oportunismo, a teoria da seleção natural é
adotada para tratar das sociedades, onde os mais fortes prevalecem e devem
sujeitar os mais fracos para garantir a "seleção natural" dos seres humanos. A
adaptação é a regra de sobrevivência no seio de uma concorrência entre os
indivíduos de forma generalizada. Esse ultra liberalismo de Spencer abraça a teoria
de Darwin justificando e incentivando a concorrência entre os homens. Spencer se
utiliza de Darwin como uma chave para uma antropologia social evolucionista e ou
sociobiologia. Spencer é, então, o fundador do "darwinismo social" e criador de
paradigmas comuns às sociobiologias ulteriores da história (SPENCER, [1896?]).
Pelo visto, em uma das Faculdades mais bem conceituadas da época
Eloy de Souza recebeu as orientações sobre essas correntes norteadoras de
pensamento no intuito de se formar em Direito em cinco anos, porém, cursou até
o quarto ano, que lhe dava direito de receber o diploma apenas de conclusão do
curso de Ciências Sociais, em 1894, extremamente útil à vida e às ações práticas.
Interrompeu o bacharelado em Direito, pois foi convocado, exortado por
Pedro Velho, grande oligarca do Rio Grande do Norte, para representá-lo
politicamente, nas seguintes palavras: “liquide essa bacharelice que preciso de ti no
Rio Grande do Norte.” (SOUZA, 1975, p. 61).
Dessa forma, a sua trajetória intelectual a partir de então tomará outro
rumo. Volta a morar em Macaíba com Dindinha e os irmãos, iniciando sua produção
intelectual, tendo como foco central, as questões do Nordeste e os dilemas das
secas, detendo-se, contudo, no Rio Grande do Norte, não deixando de perceber
também, as questões culturais.
Vale salientar que toda sua obra foi o resultado de artigos de jornais,
palestras, conferências, discursos e projetos parlamentares, exceto o livro Memórias,
ficando difícil separar a atividade jornalística da atividade política, pois uma
reforçava e completava a outra.
Assim, serão elencadas, rapidamente, algumas das suas atividades neste
sentido, uma vez que a segunda e a terceira parte deste trabalho irão abordar mais
detidamente as suas obras.
Em 1906 pronuncia um discurso no Congresso Nacional, intitulado, Secas
do Norte e cabotagem nacional, na sessão de 28 de novembro, que é a sua primeira
grande obra, tratando sobre os problemas da seca.
128
Em 1909 faz a primeira conferência intitulada Costumes locais - um
verdadeiro arrolamento etnográfico sobre o cenário sóciocultural e econômico da
época - realizada no salão de honra do Palácio do Governo, em 20 de fevereiro,
posteriormente publicada na Tipografia da República por iniciativa do “Patrimônio
dos órfãos de Segundo Wanderley.” (CARDOSO, 2007).
Em 1911 publica o opúsculo Um Problema Nacional, projeto apresentado
à Câmara dos Deputados visando a implantação de amplo programa de obras de
irrigação, onde aproveitou para defender o plantio de algodão em terras irrigadas,
cujas plantações acabara de ver no Egito (CARDOSO, 2007).
Em 1912 Eloy e Henrique participam da revista Pax, do Reduto Literário
Augusto Severo, impressa na tipografia do Instituto Histórico, assim como um
grande número de intelectuais da época (CARDOSO, 2007).
Em 1916 Conferência em Lages (sem data, estima-se ter sido proferida
entre os anos de 1916 e 1930)
16
(CARDOSO, 2007).
Em 1924 circula o primeiro número da folha matutina Diário de Natal,
propriedade do Centro de Imprensa Católica, tendo como Diretor Antonio Soares,
fundado por Dom José Pereira Alves, Bispo Diocesano. Eloy participa da extensa
16
“Os originais desta conferência, pronunciada naquela cidade, em data não determinada, no
período compreendido entre 1919-1930, pertenceram a Jorge Gurgel e, ultimamente, a
Raimundo Soares de Brito.” (SOUZA, 2003, p.7).
Foto 6 - Eloy de Souza
no Egito.
Fonte: Arquivo pessoal de Rejane Cardoso.
Reprodução: Giovanni Sérgio.
129
lista de colaboradores nos três primeiros meses de circulação, inclusive com as
Cartas de um Sertanejo, sob o pseudônimo de Jacinto Canela de Ferro (CARDOSO,
2007).
Em 1930 circula o primeiro número do jornal humorístico O Bloco, do qual
Eloy fazia parte com velhos colegas do chamado grupo político “Jardim da Infância”,
os Deputados Federais mais jovens do país à época. No mesmo ano fala sobre a
Alma e Poesia do Litoral do Nordeste na Conferência realizada em benefício da
Capela Santa Therezinha, em construção. Publicada na Tipografia S. Benedito, Rio
de Janeiro. Em 1933 é Diretor de imprensa do jornal A Razão criado em 26 de
janeiro de 1933 (CARDOSO, 2007).
Por iniciativa de Luís da Câmara Cascudo e Aderbal França é fundada 14-
11-1936 a Academia Norte-rio-grandense de Letras. Eloy e Henrique Castriciano
foram acadêmicos, sendo Henrique o Presidente. Em 1949 a 13 de outubro é eleito
para a Cadeira Número 15 da Academia Norte-rio-grandense de Letras, que teve
como Patrono Pedro Velho, tomando posse nessa Academia somente em junho
1956 (CARDOSO, 2007).
Em 1943 publica no jornal A República uma série antológica de artigos
no período de 25 e 29 de julho e 4 e 8 de agosto sobre A Habitação no Rio Grande
do Norte. Em 1951 a revista Bando - Ano III -Vol.II - Número 1, de Agosto/Setembro
de 1951, republica a série de artigos publicados em 1943 n’A República sobre A
Habitação no Rio Grande do Norte, por considerar “material de grande interesse
para o estudo da sociologia rural e passou quase despercebida ao tempo de sua
publicação, quando o noticiário da segunda grande guerra prendia as atenções.”
(CARDOSO, 2007. p. 8).
Por conseguinte, em 1953 a revista Bando - Ano V - Vol.III - Número 4 -
publica: “Um artigo de Eloy de Souza registrado em Washington”: A revista Ciências
Sociais, Vol.III 13, de Washington, órgão do Departamento de Assuntos
Culturais da União Panamericana, registrou com destaque o artigo A Habitação No
Rio Grande Do Norte [...] “El trabajo es un ensayo histórico, descriptive y sociologico
da la vivienda en el estado de Rio Grande do Norte de Brasil y contiene materiales
sumamente interesantes.” (CARDOSO, 2007, p. 8).
Em 1945 circula o primeiro número do jornal O Democrata, órgão do
Partido Social Democrático do Rio Grande do Norte. Dele participaram muitas
figuras de destaque no meio político e literário local. Eloy também participa com o
130
pseudônimo de Jacinto Canela de Ferro na segunda fase, por volta de 1952
(CARDOSO, 2007).
Em 1946 com o pseudônimo de Jacinto Canela de Ferro também colabora
com o jornal A Notícia, órgão da União Democrática Nacional, Secção RN, dirigido
por Gentil Ferreira de Souza, que circula nos anos de 1946 e 1947. Em 1951 publica
o estudo A política Financeira e as Caixas Econômicas (CARDOSO, 2007).
Em 7 de outubro de1959 falece em Natal, aos 86 anos de idade, após
cirurgia realizada em Campina Grande. O então Governador Dinarte Mariz
encarrega-se de transportá-lo de avião para Natal, onde Eloy de Souza fez questão
de morrer (CARDOSO, 2007).
É importante salientar que a prática de Eloy de Souza torná-lo-á um
verdadeiro intelectual, mas não somente no sentido da escolaridade ou formação
acadêmica específica. Até porque, não é o erudito, o teórico, que deve ser assim
considerado, e sim por ser este termo geralmente usado para designar “os que
pensam”.
No sentido gramsciano “todos os homens o intelectuais, mas nem todos
os homens têm na sociedade a função de intelectual” (GRAMSCI, 2004, p. 18).
Quando Gramsci utiliza a noção de intelectual o faz referindo-se à categoria
profissional, apesar de não haver possibilidade de afirmar a existência de não-
intelectuais, pois cada homem exerce alguma atividade intelectual.
Para Gramsci (2004) intelectual significa uma ação social, ser um agente,
um ator essencial para o funcionamento da sociedade moderna, por cumprir uma
função organizadora de um grupo social e ser, portanto, o representante e intérprete
da hegemonia desse grupo.
Conforme o citado autor,
[...] todo grupo social, ao mesmo tempo em que se constitui sobre a base
original da função essencial que ele assume no campo da produção
econômica, cria organicamente uma ou mais camadas de intelectuais que
lhe asseguram homogeneidade e consciência de sua própria função, não
somente no setor econômico, mas também nos setores social e político
[...]. (GRAMSCI, 2004, p. 15).
131
Essas camadas de intelectuais não surgem de forma abstrata, mas sim de
relações concretas dentro do processo histórico de produção social. O intelectual
estaria diretamente relacionado com o lugar que ocupa nas relações materiais e
sociais de uma determinada produção social, como um agente capaz de fazer a
ligação entre a superestrutura e a estrutura (GRAMSCI, 2004).
Em Cadernos do Cárcere, na Introdução ao estudo da filosofia de
Benedito Croce, ele desmistifica que o intelectual, por motivos quaisquer que sejam,
venha a ser considerado o único capaz de “saber”.
É preciso destruir o preconceito, muito difundido, de que a filosofia é algo
muito difícil pelo fato de ser a atividade intelectual própria de uma
determinada categoria de cientistas especializados ou de filósofos
profissionais e sistemáticos. É preciso, portanto, demonstrar preliminarmente,
que todos os homens são filósofos, definindo os limites e as características
desta “filosofia espontânea”, peculiar a todo mundo, isto é, da filosofia que
está contida: na própria linguagem, que é um conjunto de noções e de
conceitos determinados [...] no senso comum [...] na religião popular e [...] no
folclore (GRAMSCI, 2006, p. 93).
Face ao exposto, o que deve ser levado em conta no entendimento de
intelectual para Gramsci é um tipo de logicidade do pensamento, a coerência
sistemática, a possibilidade de usar a própria história do pensamento, o seu sentido
e também o seu desenvolvimento nas ações e tentativas de explicações do mundo.
Logo, todos os homens são filósofos, porque pensar é próprio do homem
como tal e todas as camadas sociais possuem seus intelectuais. Mas, o
intelectual orgânico, propicia a ligação entre a estrutura e a superestrutura, sendo,
portanto, representante e intérprete da hegemonia, esta entendida como direção
moral e direção política de uma classe sobre as classes concorrentes e aliadas.
Sendo assim, Eloy de Souza desempenhou essa função orgânica,
bastante importante no processo da reprodução social, na medida em que ocupou
espaços sociais de decisão, práticas e teóricas, visando manter uma visão de
mundo mais unitária e homogênea, como porta-voz da elite política do Rio Grande
do Norte e brasileira, diante de sua participação em cenários de decisão nacionais
Câmara Federal e Senado da República.
132
3.3 BIOGRAFIA POLÍTICA
Nasci bem fadado para a vida pública porque nela penetrei pelo braço
poderoso de Pedro.
Eloy de Souza.
Eloy desde cedo começou a sentir atração pela política, herdara a
vocação do pai, que havia granjeado prestígio com o Dr. Amaro Bezerra, chefe do
Partido Liberal, cujo, diretório foi por ele criado em 1868 no Rio Grande do Norte,
investindo-o nessa função nas suas ausências em Macaíba, por se encontrar no Rio
de Janeiro a serviço da Corte.
Nesse sentido, o papel desempenhado por Castriciano na política era por
ele admirado e serviu de motivação para a escolha da carreira futura do próprio filho,
quando ele mesmo afirma: “esta referência explica um pouco o meu interesse
prematuro pela política.” (SOUZA, 1975, p. 50-51).
Demais, em 1884, aos 11 anos, as discussões sobre o movimento
abolicionista, efervescente na opinião pública, muito lhe chamaram a atenção, que
mesmo sem ter profundidade no assunto, sentia revolta pela escravidão, diante do
que lhe contavam os escravos com os quais conviveu. E, nas idas e vindas do
colégio, não perdia um lance das conversas dos passageiros do trem do Arraial, a
respeito. Seu entusiasmo pelo assunto aumentou quando um dia se deparou, frente
a frente, com Joaquim Nabuco, esperando um trem na Linha Principal, com destino
Recife/Apipucos, conforme ele diz:
Conhecia-o de nome e tinha por ele uma admiração infantil que chegava ao
máximo do entusiasmo. [...]. Adivinhei ser ele pela estatura elevada e
Foto 7 - Eloy de Souza.
Fonte: Cardoso (2006).
133
esbelta, pelo bom gosto da roupa bem talhada. [...] Certifiquei-me e tive a
alegria de olhar para um homem tão formoso como era proclamado nos
garbos de todos os homens e mulheres. Vê-lo para mim foi um
deslumbramento (SOUZA, 1975, p. 50).
Então, sendo informado de que aquela figura de renome nacional,
conhecido pela sua eloquente oratória, candidato a Deputado Geral pelo primeiro
distrito, iria falar em Afogados, Campo das Princesas, no Teatro Santa Isabel, não
resistiu. Convenceu Dindinha, que era a favor da Abolição da Escravatura, a permitir
a sua ida ao Teatro, não perdendo a oportunidade de ouvi-lo.
Desse modo, aos 12 anos, foi, sob os cuidados do escravo Sabino escutar
o discurso de Joaquim Nabuco em plena campanha de Deputado Geral, em defesa
pela abolição dos escravos em Recife, e ficou impressionado com a sua oratória, ao
ponto de memorizar o seu discurso.
Nesse sentido afirma:
Os discursos por mim ouvidos no teatro Santa Isabel, em Recife,
taquigrafados e publicados, ficaram até hoje indeléveis na minha memória
pela leitura repetida. [...]. Meditando sobre este passado longíncuo, tenho
muitas vezes pensado que o desejo de me queimar na política data
daqueles dias gloriosos. Estes dias chegaram sem solicitação minha, sem
desejo sequer esboçado, quando o Dr. Pedro Velho lembrou-se de atrair-me
ao sacrifício (SOUZA, 1975, p. 52).
Observando a fala de Eloy, percebe-se que, apesar de ele externar um
certo desinteresse de entrar na política ao dizer que as coisas ocorreram,
naturalmente, sem a sua solicitação, concomitante e paradoxalmente, ele vivia
sintonizado com todos os acontecimentos políticos do momento, acompanhando,
vigilante, todos os passos de Pedro Velho pelos meios de comunicação da época.
[...] Do Recife acompanhei todas suas campanhas no Rio Grande do Norte
pela Abolição e pela República com todo o meu entusiasmo juvenil. Seus
descendentes [sic] tinham tido em grande conta os méritos de meu pai. [...]
Por tais motivos a ele dirigi telegramas de calorosa solidariedade política.
[...] Certa vez, estudante no Recife e ali residindo com minha família, li nos
jornais que no dia imediato devia transitar por aquela cidade o Dr. Pedro
Velho a quem eu nunca tinha visto, mas a quem admirava com o
134
entusiasmo arrebatado das almas juvenis. o foi sem grande emoção que
o recebi no cais da Lingüeta [...]. Ao apertar-lhe a mão disse quem era e
logo fui surpreendido pela evocação tocante do nome de meu pai e em
seguida o abraço em que as nossas almas se estreitaram (SOUZA, 1975, p.
61).
Pelo visto, não foi por acaso que Eloy de Souza se encontrou com Pedro
Velho, sendo por este exortado. Ao invés, ele foi ao seu encontro, provocou a
situação e foi correspondido com as maiores atenções possíveis, graças ao prestígio
de seu pai, também chamado Eloy Castriciano de Souza, considerado uma grande
referência política em Macaíba. Além do mais, o seu pai, desde a época em que
trabalhou na Casa Guarapes localizada nessa cidade, tornou-se grande amigo de
Fabrício Gomes Pedroza, avô e sogro de Pedro Velho. Desse modo, se explica toda
a receptividade que o oligarca teve para com Eloy de Souza, justamente, por conta
da consideração à figura do seu pai, ao ponto de o estudante Eloy ser convidado
para o almoço na casa da sogra de Pedro Velho, o qual na despedida propôs:
Liquida este bacharelado e dize à velhinha tua avó que se mude para o Rio
Grande do Norte onde preciso de teus serviços’. Pouco tempo depois,
fixamos residência em Macaíba. Ainda muito jovem fui investido na direção
política naquele município por determinação sua e aquiescência das grandes
figuras que constituem ali o estado-maior do Partido Republicano Federal. A
este castigo foi-me acrescentado ao de Delegado de Polícia em momento
muito delicado. Foi assim que iniciei minha vida pública no Rio Grande do
Norte, terra natal do meu pai e avô materno e de todos os meus irmãos
(SOUZA, 1975, p. 17-18).
Dessa maneira, em 14-06-1895, Eloy de Souza entrou na política,
assumindo o cargo de Delegado de Polícia em Macaíba. Vale lembrar que o
Delegado de Polícia do interior naquela época era um verdadeiro político e até muito
tempo depois. E em novembro do mesmo ano de 1895 ele assume o cargo político
eletivo de representação, sendo eleito Deputado Estadual para o triênio 1895-1897.
Vale salientar que, quando Eloy de Souza entrou na política, Pedro Velho
“era chefe supremo incontestado”, garantindo, com a vitória de Ferreira Chaves,
“o mando absoluto de sua facção até pelo menos 1913, 1914, momento em que as
primeiras fissuras, mais sérias, começaram a relegar a oligarquia Maranhão ao
ostracismo (LINDOSO, 1992, p.19).
135
Porém, não foi pacificamente que Pedro Velho atingiu os píncaros do
poder estadual. Antes disso, vivenciou momentos difíceis e conflituosos na fase de
instalação do regime republicano, tanto em relação às facções do litoral e do Seridó
que disputavam espaços de poder no âmbito estadual, quanto em relação ao
governo federal, que amargou momentos de autoritarismo Deodoro e Floriano
(LINDOSO, 1992).
Para maior entendimento dessa questão, é importante retomar o cenário
da transição do regime Monárquico para a República, no Estado, como reflexo do
contexto político social e econômico do Brasil, a única monarquia da América à
época, cujo Império não conseguia resolver as contradições na sua base de
sustentação, agravando-se cada vez mais a vida política brasileira.
Os dois partidos monárquicos, Liberal e Conservador, praticamente não se
diferiam na sua essência, uma vez que defendiam os interesses da camada social
dominante. Disputavam frequentemente, o poder político, mas, ao se insurgir
qualquer movimento social de reivindicação popular que ameaçava a aristocracia, se
uniam, automaticamente, em sua defesa.
O clima no final do século XIX era de insatisfação geral. Crescia o
descontentamento com os partidos e a inoperância do império provocou as
seguintes situações: acentuou o quadro de desigualdade e miséria, por não levar em
consideração as recentes exigências da classe operária; a aristocracia
antiescravista, republicana e cafeeira do Oeste paulista, irritada, ansiava ampliar o
seu poder econômico e assim, obter o controle político, visando aumentar a
expansão da área mais dinâmica da economia do país; a classe média urbana,
inquieta, também reclamava novos espaços de participação política e mudança na
atuação e organização do Estado e os padres e militares, prejudicados nos seus
interesses, encamparam essa luta.
Os liberais se afastaram do governo e se dividiram entre moderados e
radicais. Os radicais adotaram as idéias republicanas, cujo apoio social se constituía
de fazendeiros e bacharéis.
Essas idéias passaram a ser propagadas através de comícios, de jornais,
de manifestos, organizações de clubes republicanos no Sudeste, a exemplo do
“Manifesto Republicano” publicado no Rio de Janeiro em 1870 no jornal A República
pelo Clube Republicano. Esse Manifesto continha críticas ao Imperador, pelo
acúmulo de poder, manipulando os partidos políticos, subordinando as Províncias,
136
na medida em que nomeava seus presidentes e controlava toda a renda acumulada
sob a forma de impostos. Enfim, esse manifesto levantava a bandeira do federalismo
contra o centralismo, tendo como seus representantes, Quintino Bocaiúva, Saldanha
Marinho, Rangel Pestana, Aristides Lobo e Francisco Glicério no Rio de Janeiro e
endossado em São Paulo, por Prudente de Morais e Campos Sales. Esses eram
chamados, republicanos históricos. Houve ainda uma concepção revolucionária que
partiu de Lopes Trovão e Silva Jardim, os quais acreditavam em um movimento de
agitação que envolvesse todos os setores da sociedade, especialmente as camadas
populares, sendo apenas um sonho vão.
Depois da criação do Partido Republicano no Rio de Janeiro, em 1870,
seguiu-se a criação do Partido Republicano Paulista PRP, em 1873, tornando-se um
dos principais responsáveis pela Proclamação da República, apoiado pela
aristocracia cafeeira paulista. Minas Gerais criou o seu em 1878; Goiás, em 1882;
Paraná, 1883; Santa Catarina, 1885; Pernambuco, 1886, Mato Grosso, 1887 e
assim por diante (NADAI; NEVES, 1991, p.
181).
Até então, ainda não existia o Partido Republicano PR, no Rio Grande
do Norte, apesar da insatisfação geral da elite agrária com a Monarquia. Houve uma
tentativa isolada desde 1886, em Caícó, da iniciativa de Janúncio Nóbrega
17
,
acadêmico de Direito em Recife, mas sem efeito (CASCUDO, 1965a).
Assim, “o Partido Republicano só foi fundado oficialmente em 27 de
janeiro de 1889, em Natal, com Pedro Velho, insinuado por Tobias Monteiro e
instigado pelo entusiasmo do primo João Avelino Pereira de Vasconcelos e ainda
criou o jornal “A República”, para divulgação partidária.” (CASCUDO, 1965a, p. 29-
31).
Porém, conforme o mesmo autor, o primeiro jornal criado com tal
finalidade na Província, foi O Povo, na cidade de Caicó, de propriedade José
Bernardo de Medeiros (1837-1907), mais conhecido como José Bernardo.
Também era chamado “bispo do Seridó” como lhe acunhavam os seus
adversários, pelo fato de seus correligionários lhe obedecerem cegamente.
Dominava a cena política no distrito, sendo Vice-presidente da Província, de
17
Janúncio Nóbrega era filho do Seridó (Caicó), cujo pai era proprietário de terras e Capitão da
Guarda Nacional, estudava Direito em Recife. Após proclamada a República, seria nomeado
promotor de Caicó, passando a Juiz municipal e depois eleito Deputado Estadual em 1892
(MONTEIRO, 2002).
137
1882-1884, Deputado Provincial e Senador pelo Estado do Rio Grande do Norte de
1890 a 1907 (MACÊDO, 1998, p. 108-109).
Esse jornal era mais ou menos ligado aos liberais, para difusão das idéias
republicanas, “que saudou o aparecimento d’A República, em julho de 1889 e por
muito tempo serviu-lhe de eficientíssimo divulgador.” Contudo, a mais antiga tradição
de propaganda republicana no Estado foi de iniciativa do pernambucano Joaquim
Teodoro Cisneiros de Albuquerque em 1871. Este viveu no Estado de 1859 a 1875,
sendo juiz municipal em Ceará-Mirim e secretário de três presidentes provinciais
(CASCUDO, 1965a, p. 31).
Aliás, para Cascudo, a ideia republicana já era ventilada por volta de 1817,
no Rio Grande do Norte e surgiu, como em todo o país, das chamadas ‘classes
cultas’, “ricos oficiais milicianos, fazendeiros, advogados e padres filiados à
maçonaria. O povo nunca percebeu mudança de dono. Acompanha o chefe amado”
A este, bastava a simpatia das pessoas e não as ideias, conforme o mesmo autor
(CASCUDO, 1965a, p. 27).
Essa visão de Cascudo é um tanto elitista, pois ele não expressa as
razões pelas quais o povo não participou do movimento republicano de 1817. Por
acaso, esse movimento teria contemplado os interesses populares? Talvez o povo
não se reconhecesse naqueles políticos.
Daí as ideias republicanas não tinham como sair do povo, mas, lógico, dos
“filhos da elite agrária local que estudaram Medicina e Direito, em Recife ou no Rio
de Janeiro, centro de circulação de debates e ideias, que tiveram oportunidade de
ocuparem cargos públicos na província.” (MONTEIRO, 2002, p.206).
Logo, quem aderia ao movimento, eram pessoas da elite intelectual e
econômica, profissionais liberais, comerciantes, estudantes universitários e
fazendeiros (CASCUDO, 1965a). Corroborando neste sentido, Sodré (1962), afirma
que a participação do exército foi decisiva para a consumação da mudança.
Mesmo sem ter assinado o “Manifesto Republicano” no Jornal A
República publicado no Rio de Janeiro, em 1870, que por sinal teve pouca
repercussão, o exército era favorável à República, sendo alguns dos seus maiores
impulsionadores, lon Ribeiro, Mena Barreto, o positivista Benjamin Constant,
tenente-coronel e professor da Academia Militar. Inclusive, segundo Cascudo
(1965a, p.137), este teria enviado ordem de comando ao Rio Grande do Norte, no
dia 16 de novembro de 1889, via telegrama ao Capitão Felipe Bezerra Cavalcanti
138
para “proclamar a República e empossar um elemento local, de confiança no
momento político.” (CASCUDO, 1965a, p.137).
Contudo, Pedro Velho assumiu o comando no Estado, depois do
recebimento do telegrama do Ministro da Justiça e Interior, Aristides Lobo, mediante
recomendação de José Leão Ferreira Souto, republicano histórico norte-rio-
grandense residente no Rio de Janeiro, nos seguintes termos: ‘Dr. Pedro Velho
assuma o governo, Proclame a República. Aristides Lobo. (SOUZA, 1989, p.111-
112, grifo do autor).
Era o Governador da Província na época, o Tenente-Coronel, Antônio
Basílio Ribeiro Dantas, que, “consciente da mudança histórica que se processava no
país, [...] mandou o Dr. Heráclito de Oliveira Vilar convidar o Dr. Pedro Velho para
ficar à frente do Governo.” (SOUZA, 1989, p.112).
Quanto à postura de Pedro Velho e do Partido Republicano no Rio Grande
do Norte, na opinião de Spinelli Lindoso “em particular, após a Proclamação da
República, traduziu um comprometimento com os interesses e perspectivas de
classe dos grandes proprietários rurais e da burguesia comercial.” (LINDOSO, 1992,
p.17).
Delineando o quadro político do Rio Grande do Norte na Primeira
República, Lindoso (1992) afirma que a descentralização contribuiu para o
surgimento das primeiras oligarquias republicanas onde os Estados pequenos se
uniram aos coronéis locais para comandos estaduais, enquanto os grandes se
uniram para comandar o país.
Vale lembrar que o sentido de oligarquia aqui, entendido, refere-se ao
controle político do “governo baseado na estrutura familiar patriarcal” (CARONE,
1975, p. 269). Assim, no período monárquico, o Brasil foi governado por uma família,
a Família Real, apoiada pelos grupos políticos estabelecidos nas províncias. Com a
Proclamação da República o poder passou a ser diretamente exercido por várias
famílias nos diversos Estados da federação.
Mas, diante dos conflitos entre as oligarquias que geravam o
fracionamento do Congresso, o Presidente Campos Sales consolidou o poder das
oligarquias estaduais no pacto intra e interoligárquico, ou seja, na Política dos
Governadores. Assim, garantia o suporte das grandes bancadas de Minas Gerais,
São Paulo, e Bahia, mudando o regimento da Câmara e impondo ao Congresso uma
certa linha de conduta na fase de reconhecimento dos poderes.
139
Com o Partido Republicano no poder, Pedro Velho passa a ser o
Governador do Estado em 17 de novembro de 1889 e “para surpresa de muitos,
dirigiu-se preferencialmente aos conservadores decaídos e aos liberais, deixando de
lado vários republicanos históricos.” (SOUZA, 1989, p.112).
Desse modo, escolhe para seu secretariado, não aliados republicanos,
exceto, alguns familiares, a exemplo do primo João Avelino Pereira de Vasconcelos,
neto de Fabrício Gomes Pedroza. Preferiu fazer alianças com políticos tradicionais,
grandes latifundiários do agreste e os coronéis do Seridó e do Oeste do Estado,
firmando assim, bases eleitorais seguras (LINDOSO, 1992, p. 17-21).
Explicando a estratégia política de Pedro Velho, é importante perceber
que sua intenção era adotar uma linha aglutinadora, considerando que os partidos
monárquicos encontravam-se divididos: o Conservador - dividido entre o "grupo da
Botica" (liderado por Tarquínio Bráulio Amaranto) e o "grupo da Gameleira" (locais
onde esses grupos se reuniam); o Liberal - dividido entre Amaro Bezerra e José
Bernardo de Medeiros. Queria a convergência desses partidos, ao Partido
Republicano, liderado por ele, Pedro Velho e Janúncio Nóbrega (LINDOSO, 1992).
Apesar de neófito na política, providenciou as articulações necessárias
para manter as rédeas do poder estadual, sem, contudo, evitar descontentamentos,
cisões e choques dentro da própria classe dominante, entre os adeptos do
centralismo (Amaro Cavalcanti) e do descentralismo (Pedro Velho), resultando,
segundo Janice Theodoro da Silva, no período das oposições significativas (SILVA,
1978, p. 29).
Assim, era evidenciada a luta pelo poder e o caráter de classe, uma vez
que ainda não tinham sido estabelecidos os limites e a definição da estrutura da
nova política, terminando em rompimento entre o grupo do Seridó, representado
pelo líder José Bernardo de Medeiros (avô de Dinarte de Medeiros Mariz) e o próprio
Pedro Velho.
Esses, os verdadeiros representantes das Oligarquias no Rio Grande do
Norte na República Velha (1889-1930), a Oligarquia Maranhão dominando até 1914,
defendendo os interesses da atividade açucareira e depois a Oligarquia Bezerra de
Medeiros que promove a mudança do eixo político do litoral para o sertão,
comandada pelo sistema político do Seridó, voltada para os interesse das atividades
algodoeiras (1914-1930).
140
Associando-se Pedro Velho, no âmbito federal, ao Partido Republicano
Paulista, representante da descentralização, acabou sendo deposto pelo Presidente
Deodoro da Fonseca, representante do centralismo. Porém, com a renúncia de
Deodoro e a ascensão de Floriano Peixoto, Pedro Velho volta a governar o Rio
Grande do Norte, que, por conseguinte, vai acabar mantendo o predomínio da
família Maranhão no poder até 1914. Em 14 de junho de 1895 elege o
desembargador Joaquim Ferreira Chaves como seu sucessor. E para suceder
Chaves elege o seu irmão Alberto Maranhão (1890-1894); em 1904 o seu genro
Augusto Tavares de Lira, seguindo, Antonio de Souza, em 1906 e Alberto Maranhão
em 1908-1914 (LINDOSO. 1992).
Segue um quadro demonstrativo com os governadores provisórios do Rio
Grande do Norte após a Proclamação da República.
PERÍODOS
GOVERNADORES DO RN
17.11.1889
06.12.1889
PEDRO VELHO DE ALBUQUERQUE MARANHÃO
06.12.1889
08.02.1890
ADOLFO AFONSO DA SILVA GORDO
08.02.1890
10.03.1890
JERÔNIMO AMÉRICO RAPOSO DA CÂMARA, Chefe de Polícia
10.03.1890
19.09.1890
JOAQUIM XAVIER DA SILVEIRA JÚNIOR
19.09.1890
08.11.1890
PEDRO VELHO D'ALBUQUERQUE MARANHÃO, Vice-Governador
08.11.1890
07.12.1890
JOÃO GOMES RIBEIRO
07.12.1890
02.03.1891
MANUEL DO NASCIMENTO CASTRO E SILVA
Chefe de Polícia, sendo nomeado Governador a partir de 29.12.1890
02.03.1891
13.06.1891
FRANCISCO AMINTAS DA COSTA BARROS
13.06.1891
06.08.1891
JOSÉ INÁCIO FERNANDES BARROS, Vice-Governador
06.08.1891
09.09.1891
FRANCISCO GURGEL DE OLIVEIRA, Vice-Governador
09.09.1891
28.11.1891
MIGUEL JOAQUIM DE ALMEIDA CASTRO
28.11.1891
22.02.1892
Junta Governativa
FRANCISCO DE LIMA E SILVA, Coronel
JOAQUIM FERREIRA CHAVES
MANUEL DO NASCIMENTO CASTRO E SILVA
22.02.1892
28.02.1892
JERÔNIMO AMÉRICO RAPOSO DA CÂMARA
Presidente do Congresso Estadual
28.02.1892
25.03.1896
PEDRO VELHO D'E ALBUQUERQUE MARANHÃO
JERÔNIMO AMÉRICO RAPOSO DA CÂMARA, Substituto
Presidente do Congresso Estadual e Presidente do Superior Tribunal de Justiça
Quadro 1 - Governadores do Rio Grande do Norte – RN (1889-1896).
Fonte:
Quadro elaborado pela autora
141
Vale salientar que a fase de governo provisório se caracterizou pela
instabilidade administrativa, passando por cinco governadores. Estando apenas com
dezenove dias de gestão, Pedro Velho foi substituído por Adolfo Afonso da Silva
Gordo, vindo de São Paulo trazendo um secretário e um ajudante, irritando a todos o
fato de serem administrados por “alienígenas”, fazendo oposição aberta a Pedro
Velho e Janúncio Nóbrega (CASCUDO, 1965a).
Com menos de um mês é nomeado Joaquim Xavier da Silveira Júnior, que
trabalhou em harmonia com o grupo de Pedro Velho, realizando as eleições para a
Constituinte Federal, na qual o Rio Grande do Norte teria sete vagas (cinco de
deputados e duas de senadores), reunindo Pedro Velho, as maiores expressões do
partidarismo no Estado: o Tenente-Coronel José Pedro de Oliveira Galvão, da alta
confiança de Deodoro da Fonseca, Amaro Cavalcanti, norte-rio-grandense, duas
vezes senador, prefeito do Rio de Janeiro, membro do Supremo Tribunal Federal,
precursor do nacionalismo industrialista; Almino Afonso, renomado abolicionista,
Miguel Joaquim de Almeida Castro, Antonio de Amorim Garcia e JoBernardo de
Medeiros (CASCUDO, 1965a, p.149-151). Desse modo, essa chapa vence o grupo
liberal integrado pelo Centro Republicano 15 de novembro, comandado por Amaro
Bezerra, descontente por o ter sido inserido para a disputa da chapa governista
de Pedro Velho.
Após seis meses, Xavier da Silveira foi substituído pelo sergipano João
Gomes Ribeiro, logo saindo, por querer compensar o grupo derrotado por Pedro
Velho, sem prestígio, sendo em pouco tempo destituído do cargo. Logo é nomeado
Manoel do Nascimento de Castro e Silva, ficando do lado de Pedro Velho, que
juntamente com José Bernardo apoiaram Prudente de Morais como candidato do
Partido Republicano Paulista (PRP). Isso gerou indignação em Deodoro, vingando-
se dos paulistas e de seus aliados, demitindo Nascimento de Castro e nomeando
Francisco Amintas da Costa Barros em 28 de fevereiro de 1891 (LINDOSO, 1992).
Amintas apoiado por Deodoro tratou de eliminar o grupo pedrovelhista.
Pedro Velho estava aliado a Jo Bernardo, a força política mais importante do
interior, uma referência política de peso. Porém, no momento, ambos estavam
desprestigiados no âmbito federal e estadual, embora, contassem com o apoio de
Amaro Cavalcanti (LINDOSO, 1992).
142
Em 12 de junho de 1891, o Congresso constituinte Estadual elegeu o
Deputado Federal Miguel Castro para Governador do Estado tendo como Vice,
Joaquim Inácio Fernandes (LINDOSO, 1992).
Convém ressaltar que no final do Século XIX, Currais Novos,
politicamente, dividia-se em duas facções: uma conservadora, liderada pela família
Gomes de Melo, tendo a frente o Major Luiz Gomes de Melo Lula e outra liberal,
comandada pela família Bezerra, cujo chefe natural era o Coronel José Bezerra de
Araújo Galvão.
Com a ascensão de Floriano, Pedro Velho e José Bernardo voltam ao Rio
Grande do Norte, e com o apoio de Amaro Cavalcanti, mesmo lá do Rio, planejam a
deposição de Miguel Castro. O plano se consumou, de fato. Miguel Castro foi preso,
deposto e o velho Congresso Estadual dissolvido em 22 de fevereiro de 1892.
Foram convocadas eleições para um novo substituto, elegendo-se Pedro Velho
Governador e o Coronel Silvino Bezerra de Araújo Galvão, chefe político de Acari,
irmão do “coronel” José Bernardo Bezerra de Medeiros como vice e o coronel
Francisco Gurgel, de Mossoró, como segundo vice (LINDOSO, 1992).
Mas, Pedro Velho indicando o nome de Augusto Severo, o seu irmão para
compor uma vaga na Câmara Federal, provocou divergência dentro do próprio
partido e o rompimento com José Bernardo, para cuja vaga indicava Janúncio
Nóbrega.
Com o rompimento político do Dr. Pedro Velho com o senador José
Bernardo, o coronel José Bezerra, chefe de grande prestígio em Currais Novos e em
todo o Seridó, ficou ao lado de José Bernardo, irmão do coronel Silvino Bezerra, do
Acari, a quem considerava seu “líder” político.
Submetido à eleição, Augusto Severo e Janúncio Nóbrega, vence o
primeiro, porém a eleição foi anulada pelo Congresso Nacional. Em 23 de abril de
1893, novo pleito foi realizado, entre Augusto Severo e Tobias Monteiro (norte-rio-
grandense radicado no Rio, historiador e intelectual de renome nacional). Outra vez
Augusto Severo vence o opositor, agora com o aval do Congresso Nacional. A
chapa vencedora acobertada por Pedro Velho era a seguinte: Almino Afonso –
Senado; Augusto Severo, Augusto Tavares de Lira (genro de Pedro Velho) e Luiz
Francisco Junqueira – Deputado Federal (CASCUDO, 1965a.).
Contudo, Pedro Velho não mantinha relações muito pacíficas com
Floriano em virtude de não haver cumprido alguns de seus pedidos de nomeações,
143
tendo como revanche, demissões de amigos do governador, da Guarda Nacional.
Acresce, o apoio declarado de Pedro Velho à chapa de Prudente de Morais. Daí
criou-se um clima de terror, insuflado por Floriano, aos contrários à sua ala,
enviando o 34° Batalhão (unidade federal sediada no Estado), na pessoa de Virgílio
Napoleão Ramos, com a finalidade exclusiva de depor Pedro Velho. Por outro lado,
“Pedro Velho recebeu auxílio: o Almirante Custódio de Melo, adversário de Floriano,
enviou-lhe trezentas carabinas e Fonseca e Silva, diretor da Intendência de Guerra,
algumas caixas de munição.” Nesse ínterim, houve muita violência, entre o 34°
Batalhão e a polícia, causando brigas, ferimentos e até mortes (LINDOSO, 1992, p.
24-25).
Apesar do impasse, Pedro Velho sai vitorioso, com a posse de Prudente
de Morais em 15 de novembro de 1894, contrariando a expectativa de seus
adversários. E, “a 14 de junho de 1895, ele elege como seu sucessor, o
Desembargador Joaquim Ferreira Chaves, que fizera parte da junta Governativa que
substituiu Miguel Castro”. Tendo como vice, Francisco Sales de Meira e Sá. Pela
oposição foi lançada a chapa, com José Moreira Brandão Castelo Branco (para
governador) e José Gervásio de Amorim Garcia (para vice). Foram vitoriosos os
candidatos de Pedro Velho, sendo esta, a primeira eleição direta no Rio Grande do
Norte. Ferreira Chaves obteve 10.517 votos, contra 832 da oposição (LINDOSO,
1992, p. 26).
Daí em diante, Pedro Velho assegurou o seu domínio absoluto,
consolidando o Regime Republicano no Rio Grande do Norte conseguindo a
reaproximação do “coronel” José Bernardo em 1897, fortificando-se, com o apoio do
Seridó.
Segue um quadro demonstrativo dos governadores do Rio Grande do
Norte a partir de 1896 até 1943, período em que Eloy de Souza encerra a sua
carreira legislativa.
144
GOVERNA
DORES DO
RIO GRANDE DO NORTE
RN
1896-1943
PERÍODOS
GOVERNADORES DO RN
25.03.1896
25.03.1900
JOAQUIM FERREIRA CHAVES
FRANCISCO DE SALES MEIRA E SÁ, Vice-Governador
25.03.1900
25.03.1904
ALBERTO MARANHÃO
25.03.1904
05.11.1906
AUGUSTO TAVARES DE LYRA
05.11.1906
23.02.1907
MANUEL MOREIRA DIAS, Vice-Governador
23.02.1907
25.03.1908
ANTÔNIO JOSÉ DE MELO E SOUSA
01.01.1924
01.01.1928
JOSÉ AUGUSTO BEZERRA DE MEDEIROS
AUGUSTO LEOPOLDO RAPOSO DA CÂMARA, Vice-Governador
FELINTO ELÍSIO DE OLIVEIRA AZEVEDO, Substituto Presidente do Congresso
Estadual
01.01.1928
05.10.1930
JUVENAL LAMARTINE DE FARIA
JOAQUIM INÁCIO DE CARVALHO FILHO, Vice-Governador
06.10.1930
12.10.1930
Junta Governativa
LUÍS TAVARES GUERREIRO, Major
ABELARDO TÔRRES DA SILVA CASTRO, Capitão
JÚLIO PEROUSE PONTES, Tenente
12.10.1930
28.01.1931
IRINEU JOFILI
29.01.1931
31.07.1931
ALUÍZIO DE ANDRADE MOURA, Tenente
31.07.1931
11.06.1932
HERCOLINO CASCARDO, Capitão-Tenente da Armada
ANTÔNIO JOSÉ DE MELO E SOUSA, Substituto
11.06.1932
BERTINO DUTRA DA SILVA, Capitão-Tenente
02.08.1933
Substitutos
EZEQUIAS PEGADO CORTEZ, Diretor-Geral do Departamento da Fazenda
SÉRGIO BEZERRA MARINHO, Tenente
02.08.1933
27.10.1935
MÁRIO LEOPOLDO PEREIRA DA CÂMARA
Substitutos
ANTÔNIO JOSÉ DE MELO E SOUSA, Secretário-Geral
JOSÉ LAGRECA, Diretor-Geral do Departamento da Fazenda
27.10.1935
29.10.1935
LIBERATO DA CRUZ BARROSO, Capitão
Comandante do 21º Batalhão de Caçadores
29.10.1935
30.01.1943
RAFAEL FERNANDES GURJÃO
Substitutos
MONS. JOÃO DA MATHA PAIVA, Presidente da Assembléia Legislativa
ALDO FERNANDES RAPOSO DE MELO, Secretário-Geral
Quadro 2- Governadores do Rio Grande do Norte – RN (1896-1943).
Fonte: Quadro elaborado pela autora.
Dentro desse clima conturbado de contradições e constante mutabilidade,
Eloy de Souza entra na cena política do Estado (1895-1897), como Deputado
Estadual, na gestão de Pedro Velho, conduzido pelas suas mãos poderosas.
Contudo, não se tem conhecimento dos seus projetos na Câmara, por não
existir registros da sua atuação na Assembléia Legislativa Estadual. (Cf. Anexo).
145
Em seu livro Memórias, parte II, Eloy de Souza aponta os colegas que
figuraram na chapa naquela legislatura, cuja forma de escolha indireta, recaiu sobre
a sua pessoa, Fabrício Gomes de Albuquerque Maranhão, Dionísio Filgueira e
Augusto Bezerra (SOUZA, 1975).
Sendo líder do Congresso Legislativo, como Deputado Estadual,
presenciou, certa vez, a leitura de um projeto, que pela redação supôs ser da autoria
de Pedro Velho, que não estava presente naquela sessão, “estabelecendo para os
impostos de algodão e açúcar o mesmo regime de arrecadação vigorante para o
dízimo do gado.” (SOUZA,1975, p. 7).
Percebendo a inconveniência do regime de arrecadação propostos para
aqueles produtos, imediatamente após o término da sessão foi o primeiro a descer
e, apressadamente, dirigiu-se à casa de Pedro Velho a fim de procurar reverter a
situação. A seguir Souza (1975, p.7) explica a razão dessa atitude.
Procurei-o em casa, à Avenida Junqueira Alves, onde funciona hoje a
República. Depois de refletir um instante, disse-me: - ‘fica até que seus
colegas desçam.’ Naquele tempo, os deputados, terminada a sessão
procuravam o chefe do Partido para conversar a respeito dos assuntos
tratados no Congresso.
Foto 8 -
Pedro Velho.
Fonte: Arquivo pessoal de Rejane
Cardoso.
Reprodução: Giovanni Sérgio.
Foto 9 - Eloy de Souza.
Fonte: Arquivo pessoal de Rejane
Cardoso.
Reprodução: Giovanni Sérgio.
146
Na oportunidade devida, quando havia um número suficiente de
deputados, inclusive o que leu o projeto, Pedro Velho argumentou:
Este menino falou-me poucos momentos, de um projeto que foi
apresentado sobre arrecadação dos impostos de algodão e açúcar contra o
qual fez as seguintes objeções.’ Enumerou-as com grande surpresa minha.
‘Refuteias’ e reproduziu fantásticas razões que ouvi espantado; ‘mas Eloy
ganhou para mim com melhores argumentos;’ e concluiu. ‘Meus amigos,
vamos dar um tiro nesta macaca!’ E o projeto morreu (SOUZA,1975, p. 7).
Essa situação retrata as artimanhas do jogo político no qual o papel de
intelectual orgânico que Eloy de Souza desempenha, medeia a solução das
decisões, portando-se fiel ao seu chefe Pedro Velho, com quem ainda conviveu
quatorze anos na vida política.
Quando Pedro Velho foi se fixar no Rio de Janeiro como Deputado
Federal, ao despedir-se de Eloy lhe fez a seguinte confidência: ‘Bico fechado. Serás
Deputado Federal na próxima legislatura’. Contudo, sob a pressão de Francisco
Glicério e Lauro Miller, teve de apoiar Amaro Cavalcanti, que foi chamado por
Prudente de Morais para assumir a pasta da Justiça. Por consequência Eloy
conseguiu assumir a terceira legislatura, em 20 de julho de 1897 (SOUZA, 1975, p.
6).
Ao chegar no Rio de Janeiro em 28 de agosto de 1897 para tomar posse
como Deputado Federal, acompanhado do seu chefe político, foram recebidos pelos
Deputados representantes do Rio Grande do Norte, Augusto Severo, Tavares de
Lira, Francisco Gurgel, o Senador Almino Afonso, além dos Senadores Pinheiro
Machado, José Bernardo e o Vice-Presidente, Manoel Vitorino (SOUZA, 1975).
Eloy passou a morar no Grande Hotel, juntamente com Pedro Velho. A
“Câmara dos Deputados funcionava no velho edifício da Cadeia Velha, prisão
histórica de alguns membros da Inconfidência Mineira, dividida em campos opostos
e aguerridos na defesa dos recíprocos pontos de vistas.” (SOUZA, 1975, p. 9-10).
Até então, Eloy de Souza observava, atônito, aquele ambiente onde
circulava a elite política do país, convivendo com a alta intelectualidade brasileira,
como Rui Barbosa, José do Patrocínio, Olavo Bilac, Machado de Assis, Coelho
Neto, Murat e tantos outros. Por outro lado, assistia concomitantemente, surpreso e
147
apavorado, as sessões da Câmara, normalmente tumultuadas devido à agressão de
alguns oradores, num verdadeiro desrespeito à oposição. Presenciou, assim, J.J.
Seabra chamar de “assassino”, o General Francisco Glicério que “investiu de punho
fechado para esmurrá-lo, o que não fez pela interferência de vários colegas.”
(SOUZA, 1975, p. 10).
Arrenegou ver de perto um Presidente que esteve sempre ameaçado
pelos florianistas radicais, que pretendiam derrubá-lo da Presidência. Prudente de
Morais, o primeiro presidente civil no Brasil, acabou o domínio dos militares e
favoreceu o início do poderio dos fazendeiros, ou seja, da oligarquia agrária. Foi
flexível com a elite rebelde gaúcha e violento com as camadas sofredoras dos
sertões nordestinos. Este foi um período bastante agitado, por questões políticas e
sociais da maior importância, a exemplo de Canudos.
Desse modo, o início da vida parlamentar de Eloy de Souza foi
extremamente tenso e tumultuado, “quase assistindo o atentado contra Prudente de
Morais, e a morte do Marechal Machado Bitancourt.” O primeiro sofreu um atentado
quando recepcionava os soldados vitoriosos da Guerra de Canudos. Um florianista
radical tentou matá-lo, porém, nesse atentado foi vítima, o segundo, então Ministro
da Guerra (SOUZA,1975, p. 10).
Presenciou quando foram processados os Deputados Irineu Machado,
Francisco Glicério, Torquato Moreira, Alcindo Guanabara e Barbosa Lima,
opositores do Presidente e a pressão sofrida pelo próprio Pedro Velho, sendo
intimado a permanecer no Rio de Janeiro (SOUZA, 1975).
Assim, no seu primeiro mandato como Deputado Federal (1897-1899),
Eloy teve mais uma fase de observação e aprendizado. Enquanto no seu segundo
mandato (1900-1911), começou a se sobressair com pronunciamentos e projetos
políticos, nos governos de Campos Sales, Rodrigues Alves e Afonso Pena.
Em 1906 pronuncia o discurso intitulado Secas do Norte e cabotagem
nacional, na mara dos Deputados, combatendo os problemas da seca do Rio
Grande do Norte.
Em 1907 idealiza e redige regulamento para a criação da Inspetoria de
Obra Contra as Secas (IOCS), mais tarde, denominada Inspetoria Federal de Obras
Contra as Secas (IFOCS), hoje Departamento Nacional de Obras Contra as Secas
(DNOCS).
148
Em 1910, resolve, a conselho do baiano Afrânio Peixoto (1876-1947),
escritor, romancista, ensaísta, historiador e Deputado Federal no período de 1924-
1930), ir ao Egito visitar as grandes barragens e o sistema de irrigação perene.
Aproveitou para ir a Paris, Alexandria, Jerusalém, Lausanne e Interlaken, na Suíça.
Em 1911 publica o opúsculo Um Problema Nacional e em 11 de agosto,
do mesmo ano apresenta à Câmara dos Deputados o projeto de implantação de
amplo programa de obras de irrigação, onde aproveitou para defender o plantio de
algodão em terras irrigadas, cujas plantações acabara de ver no Egito.
Em 1914 passa a ser Senador durante os seguintes mandatos: de (08-05-
1914/01-04-1921); (30-04-1921/01-04-1927); (11-10-1935-10.11.1937). Em 1916
publica o opúsculo A Irrigação na Economia Geral do Nordeste.
Em 1919 Epitácio Pessoa ressuscita o projeto, que foi aprovado e
sancionado, e durante algum tempo foi chamado Lei de Natal, de número 3.965. “O
projeto de 1911 e a Lei Epitácio Pessoa são uma e a mesma coisa nas suas
expressões capitais, pois criaram o Fundo de Irrigação também denominado Caixa
das Secas”, segundo o próprio Eloy.
No período, de 1927-1929 é Deputado Federal. Em 18 de julho de 1932 é
preso, assim como 17 membros da oposição ao Interventor Bertino Dutra da Silva,
“um por um, obedecendo a chamados amistosos do Sr. João Café Filho, então chefe
de polícia. Fomos recolhidos ao quartel do 29º Batalhão de caçadores. [...] “Aí
permanecemos, vigiados e incomunicáveis, durante muitos dias” [...] “Deste quartel
saí deportado para o Recife (com 45$000 no bolso e) acompanhado por “secretas”
que cessaram a humilhante vigilância no território paraibano [...].” (SOUZA, 1975,
p. 52-55).
149
Foto10 - Eloy de Souza (terceiro da direita para esquerda, sentado)
e seus companheiros de prisão.
Fonte:
Arquivo pessoal de Rejane Cardoso.
Reprodução: Giovanni Sérgio.
Conforme Souza (1975, p. 55) foram os seguintes, os seus companheiros
de prisão:
Dr. Aderbal de Figueiredo, Manoel Alves Filho, agricultor; Des. Silvino
Bezerra (irmão de José Augusto B. de Medeiros), comerciante José
Mesquita, farmacêutico Omar Lopes Cardoso, Ten. Francisco Bilac de Faria,
agricultor Francisco Gonzaga Galvão, major Luiz Júlio, major Jacinto
Tavares, Cap. Juventino Cabral, major Glicério de Oliveira, major Genésio
Lopes, ex ajudante de ordens do governador Juvenal Lamartine; Ten.
Francisco Marinho de Carvalho, oficiais de Polícia Militar. Foram também
presos os médicos Luiz Antônio, Demétrio Viveiros e José Macedo e em
Mossoró o médico João Marcelino e os comerciantes Joel Carvalho e
Francisco Queiroz.
Em 1933 “Fui na imprensa, como diretor d’A Razão, um dos responsáveis
por esta gloriosa campanha. O jornal apareceu a 26 de janeiro de 1933”. O Partido
Popular, quando criou "A Razão" , designou Aluízio para trabalhar como repórter. O
jornal pertencia a Dinarte Mariz e seu diretor era Eloy de Souza.
150
Em 16 de fevereiro de 1933, casa com D. Alice Xavier, paraibana de João
Pessoa, residente em Natal, viúva com quatro filhos adolescentes (SOUZA, 1975).
Analisando a trajetória de Eloy de Souza, pode-se dizer que, mesmo
diante de alguns percalços enfrentados na vida, teve quatro pontos que lhe foram
Foto 11 - Eloy de Souza e
o amigo Dinarte
Mariz.
Fonte: Cardoso (2006).
Foto 12 - Eloy de Souza e esposa Alice
Xavier de Paula.
Fonte: Cardoso (2006).
151
extremamente favoráveis: primeiro, a sorte de ter nascido em uma família influente,
social e politicamente, sendo por isso, portador de prestígios, não sofrendo
preconceito de cor; segundo a de ter sido muito bem educado pela sua avó materna,
Dindinha, equilibrada e humana, de tamanho discernimento e tirocínio. Prova disso,
foram três netos, bem sucedidos na vida: Eloy, Henrique e Auta de Souza; terceiro,
ser um protegido político de Pedro Velho, um grande oligarca do RN na República
Velha, a quem ele considerava como seu segundo pai.
18
; quarto, pelo privilégio de
ter uma inteligência vivaz, sabendo aproveitar as oportunidades de ascensão que
lhe surgiram na vida, tornando-se um grande jornalista e respeitado político potiguar.
Embora o requisito básico para viver em sociedade seja um mínimo de
padronização nos pensamentos, sentimentos e nas atividades dos seus membros,
eles, os padrões não eliminam totalmente as diferenças individuais, apenas reduzem
os limites das diversidades pessoais.
A uniformidade completa é praticamente impossível, até porque há sempre
diferenças fundamentais quanto ao sexo, idade, inteligência, além das diferenças
individuais, as idiossincrasias, ou seja, a disposição do temperamento do indivíduo,
que o faz reagir de maneira muito pessoal à ação dos agentes externos; afinal cada
um tem a sua maneira de ver, sentir, reagir, própria, que serve para moldar a sua
personalidade e a sua forma de agir.
Acresce o fato de ter casado com Alice Xavier de Paula, em 16 de
fevereiro de 1933, aos 60 anos, paraibana de João Pessoa, residente em Natal,
viúva, com quatro filhos, com quem compartilhou riscos e perigos de campanhas e
sofrimentos da vida. Afora,
[...] a família consangüínea mais próxima, a outra, a que hoje tenho, o é
diferente. No bem-querer porque adquiriu no hábito, a força do sangue. São a
filha e os netos da mulher que encontrei no meu caminho para juntos
vivermos e, juntos, casados, corrermos todos os riscos e perigos de
campanhas políticas duramente pelejadas. Motivos de união mais perfeita,
mais sólida, de maior emoção, foram a daqueles dias em que, enfermeira
inteligente, ajudou cirurgiões e médicos no milagre da minha ressurreição,
quando por quatro vezes, estive entre a morte e a vida. A ela agradeço o
sacrifício de longas vigílias, as orações que rezou pela minha saúde, as
dores que comigo sofreu. Peço a Deus que me leve antes desta criatura, boa
18
“Dr. Pedro Velho, aquele que substituiu na afeição, o meu pai que mal conheci e de pai foi o seu
bem-querer tão grande e tão profundo que ao morrer surpreendeu-se o amigo dedicado que lhe
recolheu o derradeiro suspiro encontrando nos punhos de sua camisa botões com o meu retrato.”
(SOUZA, 1975. p. 70).
152
e forte, porque sem ela minha velhice seria castigo penoso (SOUZA, 1975, p.
50).
Segundo Vicente Serejo - esposo de Rejane Serejo
19
, neta da esposa de
Eloy de Souza - Alice Xavier de Souza era uma mulher extraordinária, decidida,
corajosa, avançada para a época e foi o apoio e equilíbrio em todos os sentidos de
Eloy de Souza, inclusive, financeiro, pois ele era, “mãos abertas” aos que lhe
solicitavam ajuda, com o agravante de, no final da vida. ter os seus salários
rebaixados.
Tanto Rejane Serejo, quanto Otomar Lopes Cardoso, netos de Alice
destacaram o passo acertado dado por Eloy de Souza em casar-se com sua avó.
Mas, uma coisa chama a atenção, Eloy de Souza sempre que a ela se refere, não
menciona o seu nome, Alice mas, sempre a expressão, “minha mulher”.
Em 1935 é eleito Senador da República outra vez: (11-10-1935/10-11-
1937). Em 7 de janeiro de 1936 é sancionada a Lei 175, a terceira Lei contra as
secas, tendo Eloy de Souza participação ativa. Essa Lei regulamentou o Art. 177 da
Constituição Federal de 1934. O Senador Eloy de Souza foi relator da Comissão que
emitiu o Parecer.
19
É importante ressaltar que Rejane Cardoso tem todo o carinho por Eloy de Souza e o considerava
como seu avô, sendo a responsável pela organização da Biblioteca Eloy de Souza, em Natal.
Foto 13 - Eloy de Souza na Câmara e no Senado, o primeiro
à esquerda, em pé.
Fonte: Fundação José Augusto (2006).
153
Em novembro de 1937 o Golpe de Estado dissolve o Congresso,
encerrando também sua carreira legislativa aos 64 anos. Em 18 de dezembro toma
posse como Diretor da Imprensa Oficial do RN, onde era publicada A República. Em
1938 profere a Conferência no Palácio do Governo sobre “O Homem Nordestino e
as Secas”.
Em 1940 Eloy prefacia o livro Angicos, de Aluízio Alves, em forma de
carta, Edições Pongetti.
Foto 14 - Eloy de Souza e Aluízio Alves.
Fonte: Cardoso (2006).
Após uma intensa vida política (1894-1937), Eloy de Souza termina a sua
vida, um tanto desolado e pobre.
154
Foto 15 - Eloy recebe visita de José Américo,
ex-ministro da Viação e autor de
A bagaceira.
Fonte: Cardoso (2006).
Assim, Eloy de Souza termina os seus dias de vida como um homem
comum, em uma casa simples em Natal, diferente dos políticos atuais, que são
frequentemente, denunciados pelo esbanjamento, luxo e ostentação, pela falta de
escrúpulo, ética e bom senso, fazendo mal uso do dinheiro público (dinheiro suado
do povo, do trabalhador brasileiro), afluindo desse modo, constantes e intermináveis
escândalos nas duas casas parlamentares (Câmara Federal e Senado Federal).
Foto 16 - Casa em que Eloy viveu
seus últimos dias. Rua
Manoel Dantas, nº 481.
Bairro Petrópolis, Natal/RN.
Fonte: Arquivo pessoal de Wandyr
Villar..
155
156
4 IMPRESSÕES CULTURAIS DO RIO GRANDE DO NORTE
[...] as elites dirigentes, primeiro lusitanas, depois luso-brasileiras e, afinal,
brasileiras, viveram sempre e vivem ainda sob o pavor pânico do alçamento
das classes oprimidas. Darcy Ribeiro
Nesta parte serão abordadas as impressões de Eloy de Souza sobre a
cultura do Rio Grande do Norte, contidas nas obras Costumes locais, Cartas de um
desconhecido, Cartas de um sertanejo, Conferências em Lages, Cartas sertanejas e
Alma e poesia do litoral do Nordeste, nas quais ele retrata o modo de vida e o
cenário no final do século XIX e início do século XX, mediante um verdadeiro
arrolamento etnográfico
20
, tendo em vista a detalhada descrição de seus vários
aspectos sociais e culturais.
Resgatar e propagar usos, costumes e tradições regionais era o propósito
de Eloy de Souza no intuito de contribuir para o estudo do folclore brasileiro
(SOUZA, 1982). Daí faz um levantamento dos costumes da cidade de Natal, em
consonância com os do sertão do Seridó como uma forma de preservá-los na
memória, mas não de perpetuação, uma vez que entendia que muitos deles não
mais existiam e outros estavam sendo substituídos por novos costumes, como
uma renovação necessária.
Assim, subdividindo esta parte em três, a primeira mostrará a sua
descrição etnográfica extraída da visão do litoral e do sertão, porém, ressaltando os
traços sertanejos como fundamentais e dignos de serem imitados, e tomados como
parâmetro, como forma ideal para o povo brasileiro. A segunda parte trata da cultura
sertaneja e a terceira da visão sociocultural e econômica da seca.
20
Etnografia é o estudo da cultura e do homem que a criam e a transmitem.” (DIÉGUES JÚNIOR,
1972, p. 16). Por conseguinte, os estudos etnográficos dizem respeito à descrição da cultura dos
povos ou de vários aspectos sociais ou culturais de um povo.
157
4.1 IMAGENS DO LITORAL E DO SERTÃO
Eloy de Souza, cronologicamente, é um dos nossos primeiros mestres do
Folk Lore.
Luiz da Câmara Cascudo
Eloy de Souza tinha uma visão estendida e ampliada do litoral e do sertão
norte-rio-grandense, que acredita-se, ter sido ela, em parte, fruto da formação
humanística fornecida pela Escola de Direito e Ciências Sociais de Recife, na qual
Eloy de Souza interrompeu o e último ano. Completando os cinco ele teria se
bacharelado em Direito. Porém, encerrou os seus estudos acadêmicos em quatro
anos obtendo o diploma de Ciências Sociais, que naturalmente possibilitou ampliar o
seu campo de visão sobre a realidade.
Vale ressaltar que o curso de Ciências Sociais propicia a aquisição de
conhecimentos abrangentes e pluralistas, atinentes às questões socioeconômicas,
políticas e culturais indispensáveis ao entendimento da vida humana.
Eloy de Souza, bebendo desta fonte, com o seu olhar agudo soube bem enxergar
não o lado desenvolvido do litoral nordestino, mas, sobretudo penetrar e o que é
mais importante, se deter nos aspectos candentes do interior.
Soma também, no mérito da questão, como foi falado anteriormente, o
tipo de vida móvel que ele levava, convivendo, concomitantemente, na cidade e no
campo, que lhe fez mergulhar nas duas faces assimétricas do Brasil litoral
evoluído e interior atrasado - focando nas questões socioculturais da região, numa
dupla direção: do exterior e do interior.
Nesse sentido, Eloy de Souza viveu com a elite do Rio Grande do Norte,
que tinha penetração tanto no interior quanto no litoral, a exemplo de José Bernardo
que era sertanejo, de Currais Novos, líder do Seridó e os Maranhão no litoral, por
conta da origem deles, pois eram donos de engenhos, sendo também comerciantes,
mas se mantinham ligados, em sintonia direta com o interior. Daí havia um vínculo
muito forte entre os coronéis do Seridó e a Oligarquia Maranhão, no sentido de
contemplarem na agenda política, reciprocamente, os problemas do sertão.
Eloy conviveu na infância e na adolescência tanto no litoral, quanto no
interior, no sertão, com seus familiares. Ainda presenciou de perto a vida dos
158
escravos, observando a situação da pobreza, inclusive, deparando-se com as secas
- como a de 1877, aos quatro anos de idade no interior; a de 1904-1906, a de 1915 e
a de 1932, como político - e seus dilemas, que acentuava mais ainda esse triste
cenário de desigualdade. Desse modo, ele pode ver de perto as diferenças sociais e
como político lutou também pela melhoria de vida do sertanejo, levando em
consideração o progresso técnico, mas, não com a pretensão de, em nenhum
momento, modificar a estrutura social vigente.
Em suma, quanto ao seu pensamento, moldado no ambiente social
tradicional da aristocracia rural, escravocrata, patriarcal, ao redor dos engenhos,
além da educação liberal, católica e republicana no meio político e literário, pode-se
aduzir a representação do seu imaginário.
O imaginário enquanto sistema de representação que existe em toda e
qualquer sociedade, sob formas diferentes, se institui expressando, e reproduzindo
as necessidades das pessoas, os seus objetivos, os seus desejos, sua cultura. O
homem nesta perspectiva torna-se singular. Sua subjetividade é produzida em
função de um imaginário instituído e produzido culturalmente.
Nessa perspectiva, o homem é um ser histórico, permeado de regras,
normas, valores, que ele adquire através das instituições das quais faz parte em
determinada época. E um dos elementos formadores deste homem social é o poder
institucional que, também constrói sua subjetividade, lugar em que ele se julga e age
na sociedade em função de alguns de seus conceitos (CASTORIADIS, 1982).
Daí, o mecanismo institucional, ao mesmo tempo em que constrói o ser
humano, tanto ao nível de sua psique (individual), quanto ao nível social precisa
controlar este homem para manter-se e construir uma sociedade de acordo com os
seus códigos. A instituição e as significações imaginárias, inseridas nela e que ao
mesmo tempo a animam são criadoras de um mundo, o mundo desta sociedade
dada. Ou seja, o imaginário instituído se demonstra no que está sancionado,
legitimado em códigos explícitos ou não pela sociedade.
Assim, Eloy de Souza, ao abordar a vida do litoral e do campo, procurava
realçar acima de tudo, os valores sertanejos, preservando seus traços culturais, ao
mesmo tempo em que buscava a elevação e superação do seu atraso social e
econômico, mas sem alterar a estrutura social arcaica.
Corroborando neste sentido, Francisco das Chagas Pereira ao prefaciar o
livro Cartas de um sertanejo, afirma que, a ênfase dada por Eloy de Souza ao sertão
159
“significava desnudar um universo cultural alimentado desde a infância, de fantasia,
de misticismo, de pitoresco, de literatura de cordel, de alma do povo.” (PEREIRA,
1983, p. 8).
Complementando, o autor acima mencionado explica que, enaltecer o
universo sertanejo para Eloy de Souza “era dar forma a um ato de amor alimentado
na infância e exteriorizado em transfiguração lírica de reminiscências recuperadas.”
(PEREIRA, 1983, p. 10).
A respeito da contribuição de Souza para a etnografia do Rio Grande do
Norte, Câmara Cascudo reconhece que,
Cronologicamente, é um dos nossos primeiros mestres do Folk Lore.
Remoça-o a lembrança de toda a natureza que o ambientou menino. Figuras
desaparecidas, lances de bravuras e comicidades, episódios mímicos ou
supremos, tudo revive, carreado numa reminiscência torrencial e clara, que
revolve o fundo da terra, ressuscitando o ouro das vidas passadas e os
esquecidos diamantes dos gestos empolgantes. [...] olvida as catedrais
góticas para avivar os quadros pobres das capelinhas sertanejas, vigiando,
os pátios melancólicos onde as ruas se alinham. O sertão vive nas suas
veias, com as aventuras maravilhosas de seus vaqueiros, o gemido das
boiadas, o rojão das violas, o estouro das roqueiras, o rumor da apartação, o
lilá das tardes quentes, quando o sol desce como cedendo a melopéia
ondulante do aboio [...] (CASCUDO, 1977, p. 1).
Na verdade, suas descrições sobre os costumes, os hábitos e modos de
vida dos norte-rio-grandenses, encontradas em Costumes locais (1909) e Cartas de
um desconhecido (1914), antecedem Cascudo que veio despontar nesta área,
em 1921, com o livro Alma patrícia, reunindo pequenos estudos a respeito de poetas
e prosadores de Natal-RN, do seu tempo. Cascudo era vinte e cinco anos mais novo
que Eloy, mas existia entre ambos uma aproximação ligada pelo interesse sobre
estudos da cultura regional. Segue-se Joio, Histórias que o vento leva, recriando
narrativas literárias de velhos fatos históricos. em 1939, com Vaqueiros e
cantadores é que seu nome é visto como uma legenda no estudo do saber do povo
nordestino.
Contudo, é importante ressaltar, que a
vertente de Eloy de Souza
caracteriza-se por uma expressão cultural, que tem peculiaridades diferenciadas de
perceber o sertão e o modo de vida sertanejo.
De forma bem própria, ele resignifica o
160
sertão, sem muita sistematização, mas de acordo com o seu mundo vivido e
imaginado. Ao resgatar o vaqueiro, parecia estar evocando a presença da figura do
avô Felix, conferindo a essa idealização um tom “cordial”, sentimental, nostálgico
(nostalgia da infância, da meninice, da adolescência, da juventude nas fazendas,
derrubando marruá). Como intelectual orgânico de uma classe latifundiária,
procurava acompanhar os passos da modernidade, mas sem perder suas velhas
prerrogativas; daí, talvez, a idealização da figura do “vaqueiro”, como síntese do
homem do povo do Nordeste rural.
Por essa via, procurava inscrever o sertão
nordestino no imaginário nacional, aportando elementos importantes para superar e
simplificar a percepção sobre o Nordeste perante o centro sul do país.
Nesse sentido, pode-se dizer que ele iniciou suas interpretações sobre a
realidade brasileira, no começo do século XX, através de palestras, que se
transformaram em livros, abordando a vida do homem no seu meio, caracterizando a
sua cultura. E assim, prosseguiu com essa temática, mediante crônicas ou artigos
de jornais, também compilados em livros.
Aliás, do século XVI ao XIX até início do século XX, em geral, os que
pensaram social e culturalmente o Brasil fizeram-no de forma descritiva, sem fugir
dos dois eixos, da terra e da gente, procurando tirar conclusões próprias, como foi o
caso de Eloy de Souza.
Historicamente falando, os estudos etnográficos no Brasil surgiram com a
Carta de Caminha no século XVI, escrita ao soberano português D. Manuel I,
detalhando as características étnicas e culturais dos indígenas, “os principais
contatos entre o aborígene e o colonizador”. Depois de Caminha, “muitos outros se
lhe seguiram na descrição da terra, dos seus habitantes, dos seus costumes, das
relações que se estabeleceram, da sociedade que se formou.” (DIEGUES JÚNIOR,
1972, p. 15).
Contudo, a partir dos meados para o fim do século XIX surgiram algumas
teorias deterministas que iriam alterar significativamente, as explicações sobre as
relações entre o homem e o meio, quando as discussões sobre o homem passaram
a girar em torno de raça.
161
‘Raça pode significar um grupo de pessoas que é socialmente definido
numa determinada sociedade, com raízes comuns devido a características físicas,
como cor da pele, tipo de cabelo, traços faciais, estatura e gostos.’
21
Conforme Marcone e Presotto (1985, p. 81), o estudo da raça é um dos
campos da Antropologia Física que vem preocupando os estudiosos desde o século
XVIII, mas,
[...] ainda não se chegou a um consenso sobre o que seja raça, em virtude
da: relatividade do tempo; extrema diversidade das características físicas;
distribuição espacial do homem. Há, porém, um ponto em comum: todos
concordam em que o homem pertence ao mesmo gênero, Homo, e a mesma
espécie, Sapiens. No passado houve um tronco comum, mas ninguém sabe
quando nem como começou a diversificação.
No aspecto antropológico, havia uma predominância em se entender por
raça:
Cada uma das grandes subdivisões da espécie humana, e que supostamente
constitui uma unidade relativamente separada e distinta, com características
biológicas e organização genética próprias. [Diversos autores, seguindo
critérios distintos de classificação, propuseram diferentes classificações da
humanidade em termos raciais. A mais básica e difundida é a das três
grandes subdivisões: caucasóide (raça “branca”), negróide (raça “negra”) e
mongolóide (raça “amarela”). O conceito antropológico sofreu numerosas e
fortes críticas, pois a diversidade genética da humanidade parece apresentar-
se num contínuo, e não com uma distribuição em grupos isoláveis, e as
explicações que recorrem à noção de raça não respondem satisfatoriamente
às questões colocadas pelas variações culturais (FERREIRA, 2004, p. 1687).
Nos dias atuais, no campo antropológico, praticamente não se usa o termo
raça para se referir ao tipo humano e a sua cultura, mas etnia ou grupo étnico, que
quer dizer, “população ou grupo social que apresenta relativa homogeneidade
cultural e lingüística, compartilhando história e origem comuns.” (FERREIRA, 2004,
p.843).
21
VIEIRA, Vinícius Rodrigues. Democracia racial, do discurso à realidade: caminhos para a
superação das desigualdades sociorraciais brasileiras. São Paulo: Paulus, 2008, p.18. Apud
BERGHE, Pierre van der. Race: perspective two. In: CASHMORE, Ellis (Org.). Dictionary of race
and ethnic Relations. 4.ed.Routledge: London and New York, 1996, p.267.
162
Desse modo, a expressão raças humanas, que classificava populações ou
grupos populacionais com base em vários conjuntos de características somáticas e
crenças sobre ancestralidade comum
passou a ser fortemente criticada entrando em
desuso desde meados do século XX. Perdeu todo o interesse heurístico face ao
desenvolvimento da genética na segunda metade do século XX. Em stricto sensu,
não haveria por que se falar em raças humanas.
Entretanto, no final do século XIX a categoria raça era a tônica do
momento e servia para delinear o quadro interpretativo do mundo ocidental dos
diversos tipos humanos.
Aliás, para Vieira (2008), a primeira menção do termo raça surgiu em
1684, na França por François Bernier, mediante seu artigo, Uma nova divisão da
terra, de acordo com as diferentes espécies ou raças de homens que a habitam,
referindo-se à linhagem, ao invés da divisão de grupos com diferenças físicas e fixas
como os conceitos atuais.
Segundo Chinoy (1967) o termo raça havia surgido em um período inicial
da ciência moderna e derivou da prática de classificação em espécies e
subespécies, que foi aplicada a vegetais e animais pelo botânico, zoólogo, e
naturalista sueco, Carlos Lineu (1707-1778), apresentado no seu livro Sistema
natural, publicado pela primeira vez em 1735.
Mas somente em 1758, Lineu criou um sistema classificatório para ordenar
o grande número de seres que estavam sendo descritos pelos naturalistas, em
consequência de viagens a terras desconhecidas, dividindo a espécie humana em
quatro grupos, conforme lembra Chinoy (1967, p.100)
[...] Lineu identificou quatro raças, fundamentando-se na cor da pele:
americanus rufus, europaeus albus, asiaticus luridus e Afer Níger. Além
dessas raças, estabeleceu uma categoria a que chamou monstrosus, para
incluir tipos anormais com os quais não estava familiarizado. Tais categorias,
naturalmente, foram depois requintadas e aperfeiçoadas por biologistas e
antropólogos físicos (CHINOY, 1967, p. 100).
A partir dessa primeira classificação de raça, surgiram teorias que ligavam
as diferenças biológicas, às variações sociais e culturais no século XIX, como a do
filósofo e diplomata francês, Joseph Arthur de Gobineau (1816-1882) enunciada no
163
Ensaio sobre a desigualdade das raças humanas (1855). Considerava ele, que
todos os fenômenos de variação e progresso social tinham como causa uma
diferença de raça, ou seja, os traços raciais que determinariam as características
sociais e culturais. Este foi um dos primeiros trabalhos sobre eugenia (estudo das
condições ideais à reprodução e melhoramento genético da espécie humana) e
racismo publicados no século XIX destacando a superioridade da raça branca, onde
se incluía o ramo ariano. “Goubineau com o seu adepto Houston Steveward
Chamberlain, inadvertidamente proporcionou os fundamentos teóricos da doutrina e
prática nazi-racista.” (CHINOY, 1967, p. 100).
Segue-se a difundida teoria da seleção da espécie do naturalista britânico
Charles Robert Darwin (1809-1882), publicada em seu livro A origem das espécies
(1859), tratando da geração e evolução das espécies (vegetais e animais) e da
espécie humana em particular. Nesse livro ele introduz elementos novos no sentido
de mostrar que as mudanças que ocorrem no processo evolutivo, permanecem as
espécies adaptativas, ou seja, as que se revelam com mais capacidade de
sobreviver no meio ambiente, não sendo necessariamente o mais forte (DARWIN,
2000).
Ressalte-se que ele não se refere à sociedade humana contemporânea.
No entanto, há autores que distorcem o seu pensamento, explorando as suas idéias,
erroneamente, como se este não tivesse consciência social, sendo a favor da
desigualdade social. Ele não não falava sobre isso, como o aceitava a
desigualdade social.
Assim, baseado nas suas idéias, mas de forma distorcida, originou-se o
chamado darwinismo social do filósofo inglês Herbert Spencer (1820-1903), também
chamado evolucionismo e organicismo, que defendia o direito natural dos mais
"fortes", governarem os mais "fracos". Isso significa dizer que, no processo de
evolução social, existe uma luta pela supremacia entre os povos ou entre as
pessoas, em que se estabelece, de forma natural, a superioridade, a persistência do
mais forte e a subordinação do mais fraco (SPENCER, [1896?]).
Esse pensamento deitava suas raízes no positivismo de Comte (1798-
1857), que pretendia medir “cientificamente” o valor absoluto das sociedades
humanas, considerando a história da humanidade como uma história unitária
dividida em diversos “estados”, cada um dos quais correspondendo a diferentes
etapas do “progresso” e em que determinados povos seriam, provisória ou
164
definitivamente, mais avançados” que outros. O estágio positivo do espírito humano
marcará a passagem do poder espiritual para as mãos dos sábios, dos cientistas e
do poder material para o controle dos industriais (COMTE, 1974).
Por conseguinte, acreditando na superioridade de sua cultura, os
europeus interferiram, nas formas tradicionais de vida existentes nos outros
continentes de tal forma que a regra darwinista da competição e da sobrevivência do
mais apto foi aplicada às leis de mercado, principalmente pela doutrina do
liberalismo econômico.
Uma teoria de amplo alcance à época foi a do antropólogo e zoólogo
francês, Georges Vacher de Lapouge, (1854-1936), que propagou a supremacia da
raça nórdica (inglesa, alemã, escandinava) em L'Aryen Son rôle social (1899).
inspirado no Darwinismo social, na idéia de luta pela sobrevivência e aí, propôs, por
efeito, a criação de uma nova ciência social que batizou de antropossociologia.
Outra teoria determinista de grande repercussão é a do geógrafo e
antropólogo alemão, Friederick Ratzel, (1844-1904), detendo-se sobre o meio. Em
sua Antropogeografia (1882) mostra a influência que as condições naturais exercem
sobre a humanidade, atuando nos aspectos fisiológicos e psicológicos dos seres
humanos e através deles, na própria sociedade. A natureza também poderia
possibilitar a expansão de um povo, ou criar barreiras, assim como o isolamento ou
uma possível mestiçagem (MORAES, 1990).
Ratzel retirará de Spencer a noção da sociedade como um organismo e a
concepção naturalista do desenvolvimento da sociedade humana. Sendo assim, a
cadeia de raciocínio é basicamente linear, começando com os homens, estes
agrupando-se em sociedades, as sociedades transformando-se em Estados e o
Estado em um organismo. Logo, a Sociedade e o Estado são frutos orgânicos do
determinismo do meio. Segundo Ratzel, a sociedade como um todo, é um
organismo que mantém relações com o solo, nas suas necessidades de moradia e
alimetação e o progresso significa um maior uso do meio, ou seja, uma relação mais
íntima com a natureza (MORAES, 1990).
Por conseguinte, a categoria raça pesou nas interpretações sobre a
realidade brasileira sobretudo, considerando-se as influências teóricas do
darwinismo social, do evolucionismo de Spencer e do positivismo de Comte; bem
como a categoria meio, visto como o inexorável determinismo geográfico dos fatores
físicos (terra, clima, regime de água, sistemas de montanhas), no entendimento de
165
Ratzel. Nesse sentido o homem, ao mesmo tempo, tornou-se condicionado pela
raça e, integralmente produto do meio, no contexto do século XIX e início do século
XX.
Aliás, não se deve esquecer que, o darwinismo social, o positivismo
comteano e o evolucionismo tinham o mesmo sentido: o de que a evolução histórica
dos povos, que naturalmente evoluía do ‘simples’ (povos primitivos), para o mais
complexo (sociedades ocidentais), procurando “estabelecer as leis que presidiriam o
progresso das civilizações.” Dessa forma, propiciava a ‘superioridade’ da civilização
européia, garantindo a posição hegemônica do povo ocidental (ORTIZ, 1986, p.14-
15). Acrescentando que, no Brasil o evolucionismo vai combinar com os dois
conceitos-chaves, meio e raça, que o fatores importantes para a intelectualidade
brasileira por exprimir o que há de mais específico nessa sociedade. (ORTIZ, 1986).
Nesse sentido, Ortiz (1986, p.15) reforça que, “os parâmetros raça e meio
fundamentavam o solo epistemológico dos intelectuais brasileiros de fins do século
XIX e início do século XX.” Em seu estudo sobre a Cultura Brasileira e Identidade
Nacional, ele mostra que o processo de construção da identidade do país se deu a
partir do fim do século XIX, quando as teorias ligadas, principalmente, à raça e ao
meio surgiram para explicar o descompasso do Brasil em relação a outros países do
mundo, principalmente em relação à Europa.
Três pensadores desta época: Sílvio Romero, Raimundo Nina Rodrigues e
Euclides da Cunha, considerados precursores das Ciências Sociais no Brasil que,
influenciados pelas teorias evolucionistas, elaboradas na Europa no século XIX,
procuraram superar a lógica da história natural evolutiva da humanidade, explicando
o Brasil através dos argumentos epistemológicos do meio e da raça. “A
compreensão da natureza, dos acidentes geográficos esclarecia, portanto, os
próprios fenômenos econômicos e políticos do país.” (ORTIZ, 1986, p.16).
O sergipano Sílvio Vasconcelos da Silveira Ramos Romero (!851-1914),
procedente da Faculdade de Direito de Recife, entre 1868-1873, crítico literário,
ensaísta, poeta, filósofo, professor e político brasileiro, destacou-se com as obras,
Ensaios de Sociologia e literatura (1900) e Brasil social (1908).
Influenciado pela questão racial, sua obra desenrola-se numa perspectiva
evolucionista. Para ele as diferenças entre os homens, - indígenas, sertanejos,
citadinos - não seriam de essência, mas de estágios de evolução que os grupos
166
humanos percorriam sucessivamente. Decorriam elas, pois, do fato de grupos
estarem variavelmente colocados na escala da evolução social (ROMERO, 1953).
Acreditava que a questão racial vista como obstáculo ao desenvolvimento
seria passível de superação na medida em que os diversos níveis de evolução em
que as raças se situam, escalonam-se em uma trajetória unilinear rumo ao estágio
superior. E tal estágio corresponderia, no Brasil, à supremacia do homem branco. A
total integração seria o estágio final e harmônico da civilização e da sociedade no
Brasil, como conclusão de um processo de fusão em que, muito embora o branco
“puro” diminuísse sem cessar, terminaria por constituir o elemento dominante
(ROMERO, 1953).
Seguindo o paradigma da época como quadro interpretativo da realidade
brasileira, o carioca Euclides Rodrigues Pimenta da Cunha, na obra clássica, Os
sertões (1903), começa logo em dois grandes capítulos sobre a Terra e o Homem
para, a partir da descrição detalhada das suas características, narrar e
contextualizar a guerra de Canudos ocorrida no sertão da Bahia (CUNHA, 1973).
Desse modo o seu livro está dividido em três partes, correspondentes aos
fatores: terra, homem e luta. Tratando da terra, aborda a geologia e a geografia do
sertão baiano, incluindo o clima do semiárido, a vegetação da caatinga e a
problemática das secas que assolam a região. "Barbaramente estéreis",
"maravilhosamente exuberantes", os sertões formariam uma categoria geográfica
própria, paradoxal e antitética, capaz de oscilar entre a aridez das estepes e
desertos e a abundância dos vales férteis. O "martírio do homem", submetido à
violência dos agentes exteriores e às estiagens prolongadas, seria apenas o reflexo
de uma "tortura maior", que fez com que nascesse o “martírio secular da terra.”
(CUNHA, 1973).
Sobre o homem, discute as origens do homem americano, a formação
racial do sertanejo e os malefícios da mestiçagem. Explicou a guerra, como
resultado do choque entre dois processos de mestiçagem, a litorânea e a sertaneja.
Glorificou o mestiço do sertão, que apresentaria vantagens sobre o mulato do litoral,
devido ao isolamento histórico e à ausência de componentes africanos, que
tornariam mais estável sua evolução racial e cultural. "O sertanejo é, antes de tudo,
um forte. Não tem o raquitismo exaustivo dos mestiços neurastênicos do litoral."
(CUNHA, 1973, p. 137-179).
167
Raimundo Nina Rodrigeus (1862-1906), maranhense, médico legista e
psiquiatra, professor e antropólogo brasileiro, foi o primeiro estudioso da virada do
século XIX para o XX a discutir o problema do negro brasileiro, enquanto problema
social, como uma questão de suma importância para a compreensão da formação
racial da população brasileira (RAMOS, 1947), ainda que pese a perspectiva racista
do autor, reflexo da mentalidade da época.
Para Nina Rodrigues, a inferioridade racial dos negros e indígenas, com
relação ao branco, era indiscutível e quanto à miscigenação entre raças em
diferentes estágios evolutivos resultaria, fatalmente, em indivíduos desequilibrados,
degenerados, híbridos do ponto de vista físico, intelectual e nas suas manifestações
comportamentais.
Em suma, Silvio Romero, Euclides da Cunha e Nina Rodrigues, “refletiam
a ideologia da supremacia racial do mundo branco”, ao proclamarem a diferença
qualitativa intrínseca entre as raças. Ou seja, a “raça branca” seria o estágio mais
avançado de progresso civilizatório da humanidade, enquanto as demais raças
seriam incapazes ou estariam ainda em estágio primitivo do desenvolvimento
humano. Nesse “racismo científico”, que dominou amplamente o meio intelectual, a
miscigenação formaria um ser mais desqualificado para a civilização do que
qualquer raça pudesse conceber, mesmo a negra ou a indígena (ORTIZ, 1986,
p.20).
Assim, a história brasileira é apreendida em termos deterministas. As
noções de clima e raça vão dar singularidade ao país e explicar o seu atraso e a sua
lenta mobilidade. O meio, combinado às características da raça justificava,
categoricamente, os porquês do comportamento do brasileiro. Desse modo, criou-se
um Brasil de tipos (distorcidos) mediante um discurso sobre a identidade nacional,
dando o contorno de alguns estereótipos:
A neutralidade do mulato do litoral se contrapõe, assim, à rigidez do mestiço
do interior (Euclides da Cunha); a apatia do mameluco amazonense revela os
traços de um clima tropical que o tornaria incapaz de atos previdentes e
racionais (Nina Rodrigues. [...] Clima e raça explicando a natureza indolente
do brasileiro, as manifestações tíbias e inseguras da elite intelectual, o lirismo
quente dos poetas da terra [...] ( ORTIZ, 1986, p. 16).
168
Aparece desse modo, um quadro pessimista sobre a construção da
nacionalidade e, consequentemente, sobre o progresso e a modernização do país.
Se o mestiço, considerado indolente, é um dado concreto, o que é apontado como
ideal para o progresso do país é a possibilidade de um branqueamento da
sociedade brasileira, numa tentativa de, paulatinamente, ir minando as
características negativas do povo, para finalmente construir um Estado Nacional.
Neste sentido, a idéia de Nação aparece muito mais como uma meta a ser
alcançada do que como uma realidade (ORTIZ,1986). A nação, de um modo geral, é
vista como uma comunidade imaginada, ou seja, um sistema de representação
cultural que busca unificar um todo heterogêneo.
Este embranquecimento foi considerado essencial para que o país
alcançasse o progresso segundo o ideal de civilização européia. Nesta perspectiva,
fica evidente a importância da imigração européia como fator primordial para o
desenvolvimento do país.
A esse respeito, Oliveira Vianna em Evolução do povo brasileiro, se
apresenta, talvez, como o mais conhecido porta-voz deste ideal. A sua obra contém
a teorização de uma idéia que esteve presente em intelectuais significativos da
época, segundo a qual o Brasil seria uma nação formada por um povo
majoritariamente mestiço, mas em processo de branqueamento (VIANA, 1956).
“Bastante impregnado das idéias arianistas de Goubineau e Lapouge, Viana deixou-
se dominar por preconceitos de superioridade dos grupos brancos. Admitiu a
arianização do povo brasileiro.” (DIEGUES JÚNIOR, 1972, p. 22).
No entanto, é necessário frisar uma diferença importante, pois enquanto
em Nina Rodrigues havia uma descrença na possibilidade de desenvolvimento
nacional, com base na grande massa de negros e mestiços, em Oliveira Vianna
existia a possibilidade de que este problema fosse resolvido pela miscigenação,
considerando-se que a “superioridade racial branca” justificaria a idealização de uma
“identidade nacional.
Fugindo da questão rácica, Eloy de Souza ao iniciar a sua contribuição
etnográfica com a palestra intitulada Costumes locais no salão de honra do Palácio
do Governo, em Natal-RN, em 20 de fevereiro de 1909, em benefício dos órfãos de
Segundo Wanderley não se ateve ao elemento indígena, como fizeram os primeiros
etnógrafos brasileiros, nem tampouco ao negro, ambos considerados portadores de
culturas inferiores.
169
Aliás, em sua obra ele silencia completamente a questão racial,
diferentemente da grande maioria das elites, dos intelectuais, políticos e pensadores
brasileiros do final do século XIX e início do Século XX, que aceitaram o racismo
“científico”, como bem expressa Euclides da Cunha em Os sertões (1902) essa
postura racista da época, inclusive a dele em particular.
De acordo com a afirmação do professor Marshall C. Eakin, da
Universidade de História da Universidade de Tenesse EUA, no prefácio do livro,
Democracia racial, do discurso à realidade: caminhos para a superação das
desigualdades sociorraciais brasileiras, do autor Vinícius Rodrigues Vieira,
A grande maioria das elites aceitou o racismo “científico” do fin de siècle
europeu. A sorte das elites brasileiras foi a de viver numa sociedade não-
européia, numa sociedade em que (pelo menos) a metade da população
tinha sangue de africano ou indígena, e pela gica do pensamento racial
dominante, foi um povo decadente e inferior. Na famigerada lógica do
racismo científico, o povo mestiço foi condenado à inferioridade e ao fracasso
do mundo moderno (EAKIN, 2008, p. 13).
De comum acordo com esse autor, Gilberto Freyre liberou o pensamento
brasileiro do pessimismo euclidiano, em 1933, com sua obra Casa grande &
senzala, invertendo a idéia pessimista e racista, ao propagar a miscigenação, não
como a maldição, mas como a bendição, na medida em que através da amálgama,
os brasileiros tornaram-se, especiais, providenciais, e o melhor povo dentre os
demais (EAKIN, 2008).
Corroborando nessa perspectiva, a Professora Élide Rugai Bastos da
Unicamp, afirma que em Casa Grande & Senzala, Gilberto Freyre rompe com os
intelectuais racistas dessa época, questionando e rejeitando as interpretações que
se fundam na afirmação da superioridade ou inferioridade de algumas raças sobre
outras. E ainda sobre a debilidade biológica e cultural, resultante do caldeamento
racial entre os indígenas, portugueses e africanos.
Na sua gravação em CD sobre Gilberto Freyre e o tema da miscigenação,
Elide afirma que, para Freyre, “as relações entre senhores e escravos no Brasil
impediam a emergência de conflitos”, diante da forte convivência entre os senhores
e escravos no seio da Casa Grande. “Ele aponta na formação nacional uma marca
profunda, menos racial do que cultural no ‘estoque’ africano.” (BASTOS, [1999?]).
170
Porém, essa tese de Gilberto Freyre sobre a democracia racial não se
sustentou por muito tempo, uma vez que no início dos anos 50 foi alvo de sérias
críticas, sobretudo de Florestan Fernandes que reconheceu a democracia racial
como um mito. Assim, esclarece que foi importante para a classe dominante da
época, a sustentação de que a miscigenação fosse o ponto forte da tão proclamada
democracia racial.
Tomou-se a miscigenação como índice de integração social e sintoma, ao
mesmo tempo, de fusão e de igualdade raciais [...] A miscigenação, durante
séculos, antes contribui para aumentar a massa da população escrava e para
diferenciar os estratos dependentes intermediários, que para fomentar a
igualdade social (FERNANDES, 1971, p. 26).
Desse modo, mostrar a miscigenação no Brasil como positiva, antes, e
até depois da Abolição, refutando a idéia da presença do racismo em território
brasileiro, foi a chave para Florestan Fernandes comprovar o mito da democracia
racial.
No contexto histórico surgido após a Abolição, portanto, a idéia da
“democracia racial” acabou sendo um expediente inicial (para o
enfrentarem os problemas decorrentes da destituição do escravo e da
espoliação final de que foi vítima o antigo agente de trabalho) e uma forma
de acomodação a uma dura realidade (que se mostrou como as “populações
de cor” nas cidades em que elas se concentravam, vivendo nas piores
condições de desemprego disfarçado, miséria sistemática e desorganização
social permanente). O “negro” teve a oportunidade de ser livre; se não
conseguiu se igualar ao “branco”, o problema era dele – não do ‘branco’. Sob
a égide da idéia de democracia racial justificou-se, pois, a mais extrema
indiferença e falta de solidariedade para com um setor da coletividade que
não possuía condições próprias para enfrentar as mudanças acarretadas
pela universalização do trabalho livre e da competição (FERNANDES,1971,
p.29).
Na verdade o conceito de democracia racial embora sendo dito, afirmado
como “verdade”, e repetido nos meios políticos, sociais e educacionais, passados,
509 anos de História, 121 anos de Abolição, a população negra ainda sofre
literalmente na pele o peso da discriminação e do preconceito. Os negros não
apenas eram relegados a um segundo plano, mas tachados por estereótipos, como
171
incapazes, o que justifica a utilização de sua mãodeobra nos serviços de menor ou
nenhum prestígio social.
Nessa perspectiva, Cardoso (1977, p. 251) mostra que,
[...] a idéia corrente entre muitos psicólogos sociais e sociólogos de que o
preconceito, enquanto esteriótipo, apresenta-se, como uma deformação,
consciente ou inconsciente, com base parcial na realidade, das qualidades
dos outros avaliados a partir de critérios etnocêntricos, deve ser ampliada.
Com efeito, a avaliação preconceituosa pode ser inteiramente ‘objetiva’, isto
é, apoiada em dados de fato, e nem por isto deixa de ser preconceituosa
.
Vale lembrar que no Brasil não houve, como nos Estado Unidos e na
África do Sul verdadeiras guerras civis, travadas a favor da igualdade de direitos,
almejada pelos negros e negada pelos brancos, abertamente, ao invés disso,
procurou-se encobrir a existência do preconceito e da discriminação, sob o manto do
discurso da democracia racial.
O Movimento Negro (MN) vem trazendo esta realidade à tona, fazendo
com que a real cara do Brasil seja mostrada, tendo alcançado grandes vitórias, mas
ainda um longo caminho a ser percorrido até que, negros e brancos tenham
oportunidades e tratamentos iguais. Com efeito, desconsidera o dia 13 de maio, dia
em que a Princesa Isabel assinou a Lei Áurea em 1888, abolindo a escravatura no
Brasil e comemora o dia 20 de novembro, Dia Nacional da Consciência Negra, em
que os portugueses assassinaram, em 1695, o líder do Quilombo dos Palmares, que
foi o principal foco de resistência ao projeto da escravidão.
Desse modo, não é à toa que hoje se discute no cenário político nacional
a criação de cotas para o ingresso de negros no mercado de trabalho e nas
instituições públicas de ensino superior. Tal medida, não passa de mera reparação
de todos os prejuízos ocasionados em razão da exclusão, da discriminação e do
preconceito. Ao negro foi negado o direito à educação, historicamente, impedidos,
que foram de estudar no período da escravidão. Por conseguinte, a condição
socioeconômica da população negra inviabilizou que eles ocupassem os espaços da
educação, sendo apartados das políticas de inclusão, e ainda lhes têm negado o
direito ao trabalho, à moradia digna, à saúde, enfim.
Frente ao exposto, é inquietante Eloy de Souza silenciar a respeito da
questão racial que se encontrava em plena efervescência no final do século XIX e
172
início do culo XX no Brasil. Será que essa ocultação tinha a ver com a sua cor?
Na sua Carteira Profissional consta que a sua cor era parda (ver a seguir). Nesse
sentido, a questão da cor é um traço distintivo do indivíduo, sendo, inclusive, objeto
de estudo dos levantamentos oficiais.
/
/
Conforme Diegues Júnior (1972, p. 100) pardo é,
[...] descendente dos cruzamentos secundários entre mulatos x mulato,
crioulo x crioulo, mulato x mameluco, etc., onde vigora mais nítida a
pigmentação morena ou tendente à escura. [...] Mulato, procede do branco x
negro; branco, branco x branco; mameluco, branco x índio; crioulo, negro x
negro, cafuso ou cariboca, negro x índio; cabra, negro x mulato; caboclo,
índio x índio.
A esse respeito, de acordo com Vieira (2008, p.24)
As estatísticas oficiais divulgadas pelo IBGE apontam que pretos e pardos,
no geral, possuem, em média, condições de vida bastante similares, estando
num mesmo nível de inferioridade sócio-econômico em relação aos brancos.
Foto 18: Parte Anterior da
Carteira profissional
de Eloy de Souza
(direita).
Fonte: Arquivo pessoal de
Rejane Cardoso.
Reprodução: Giovanni Sérgio
Foto 17: Parte Posterior
da Carteira
profissional de
Eloy de Souza.
Fonte: Arquivo pessoal de
Rejane Cardoso.
Reprodução: Giovanni Sérgio
173
Por isso, os pesquisadores da área decidiram agrupá-los numa mesma
categoria analítica, chamada negros. O movimento negro apropriou-se dessa
soma e defende que, na sociedade, pretos e pardos são considerados
negros, ou em outras palavras, não são considerados brancos e, por isso,
estariam sujeitos ao preconceito e discriminação racial.
Estando a grande maioria dos negros brasileiros inserida nas classes
subalternas, admitia-se, que a questão do preconceito no Brasil, era mais de classe
que racial. Inclusive, o próprio Partido Comunista, defendia que a questão do
racismo era uma questão puramente de classe. Daí, na concepção de Florestan
Fernandes (1989, p.28), os comunistas deveriam saber que:
O preconceito e a discriminação raciais estão presos a uma rede da
exploração do homem pelo homem e que o bombardeiro da identidade racial
é prelúdio ou o requisito da formação de uma população excedente
destinada, em massa, ao trabalho sujo e mal pago [...].
Para Florestan Fernandes acima de tudo precisa-se superar a teoria da
existência da democracia racial. Desmistificando a idéia de convivência pacífica
entre as raças no Brasil, o Movimento Negro ganharia forças para combater a
ideologia dominante, criando suas bases político-culturais para superar não apenas
o racismo, como o capitalismo; não somente a elite branca, mas, também a pequena
camada privilegiada negra que emergiu no início da cada de 40, eximindo-se de
apoiar o movimento negro, aliando-se aos interesses pequeno-burgueses e prontos
para excluir de suas relações os negros inferiores (FERNANDES 1989).
Nesse sentido, Eloy de Souza sendo pardo, trazendo, pois, o sangue
negro nas veias, se encontrava em uma condição diferenciada por fazer parte de
uma classe privilegiada, vivendo o conforto da vida burguesa, em consonância com
os demais negros que viviam em condição inferior, sofrendo discriminação racial, um
dos principais problemas estruturais da nação brasileira, de ampla visibilidade social
e de consequências históricas.
Diante dessa realidade, parece existir em Eloy um certo aprisionamento e
um certo paradoxo que conduz à negação de si próprio, não conseguindo se ver de
fato como pardo, assim visto pelos brancos, parecendo dessa forma, não assumir a
sua cor, não abordando abertamente o assunto.
174
Florestan Fernandes pode ajudar sobre a questão aqui posta, ao ressaltar
que, algumas determinações da relação raça/classe no interior da sociedade
capitalista brasileira interfere no comportamento dos indivíduos. Para o autor, a
estrutura da classe operária brasileira é composta não somente pela questão social,
mas também pela questão racial, o que concretiza a particularidade da luta de
classes no Brasil. Acrescentando que, certa parte dos negros se insere no universo
ideológico das elites (FERNANDES, 1989), como foi o caso de Eloy de Souza.
Acredita-se ter sido esse o motivo da sua ocultação à questão racial.
Assim, Eloy de Souza, que sempre pertenceu à elite considerada branca,
aborda a formação dos costumes da cidade de Natal, herdados dos nobres
portugueses, em contraposição ao modo de vida dos sertanejos do Seridó,
sobretudo Caicó
22
, remontando ao século XVIII. Por essa via, procurou resgatar os
descendentes de portugueses, aqueles que “fizeram a cidade, semearam os
povoados, plantaram as fazendas e moveram os primeiros engenhos.” (SOUZA,
1982, p. 6).
Segundo Manoel Diégues Júnior, os lusitanos que vieram para o Brasil
eram de variadas procedências, podendo ser sintetizados em cinco grupos:
1 Fidalgos e militares, os que tiveram preferência nas concessões de terras,
e que constituíram os elementos de classe mais elevadas na época, não
na sua origem, senão nas participações nas conquistas e navegações
portuguesas; 2 Sacerdotes que representavam a parte espiritual da
colonização, influindo na organização moral da sociedade que se erigia,
sobretudo, os jesuítas; 3 Degredados, aqueles que vieram para o Brasil em
virtude do degredo em que eram condenados, às vezes por crimes ou
pecados assim considerados na época: em sua maioria pecados de amor; 4
Criminosos, os que fugiram para o Brasil por verdadeiros crimes cometidos,
aqui procurando couto e homizio, ou incorporando-se à vida desregrada
verificada em algumas capitanias, contra o que, aliás já falava Duarte Coelho;
5 Homens bons, lavradores, artífices, artesãos, que foram os verdadeiros
colonizadores, capazes de uma atividade sedentária, permanente, rotineira
(DIÉGUES JÚNIOR, 1972, p. 76, grifos nosso).
22
Caicó – município situado na zona do Sertão do Seridó foi criado em 31 de julho de 1788, sendo a
sua sede denominada “Vila do Príncipe”. Através da Lei 612, de 15 de dezembro de 1868,
passou a ser “Cidade do Príncipe; depois, o seu nome mudou para “Seridó” pelo Decreto 12 de
de fevereiro de 1890, no Governo de Adolfo Gordo; por fim, passou a ser chamado Caicó,
conforme o Decreto nº 33, de 07 de julho de 1890, no Governo de Xavier da Silveira.
175
Com relação aos que chegaram a Natal no culo XVIII, Eloy de Souza
baseado em informações secundárias, afirma que, eram nobres, descendentes de
boa linhagem filiadas a casas reinantes no Velho Mundo.
Um documento de 1791, assinado pelo juiz ouvidor da Paraíba menciona
notícias das mais gratas, por ventura tranqüilizadora de dúvidas quanto a
dosagem de bom sangue que houvesse cabido à nossa terra na generosa
partilha que de seus fidalgos andou fazendo Portugal pelas mais afastadas
aldeias de seus domínios (SOUZA, 1982, p. 6-7).
Com isso, Eloy de Souza tenta mostrar de quais tipos de portugueses se
recebeu herança cultural no Rio Grande do Norte. Assim, apoiado em outras fontes
secundárias, seguindo o regimento dos sapateiros e alfaiates, datados de 15 de
março de1791 começa falando da cultura material, iniciando pelo vestuário daquele
tempo, ou seja, como se vestiam uns nobres descendentes de boa linhagem
portuguesa, existentes em Natal à época. Inicia descrevendo como era a roupa
caseira masculina e as usadas por todos os “homens bons” da capitania:
O timão
23
de baeta (tecido grosso de lã) e a calça de ganga de chita,
equivalente do chambre nortista e do pijama, pelo preço módico de
quatrocentos réis, é de presumir fossem as roupas caseiras muito embora as
pessoas idosas tivessem a regalia de usá-las na rua e em visitas à
vizinhança, calçados e sapatos de marroquim com ourêlas [sic], chapéu de
massa à moda dos sacerdotes, o inseparável cajado, símbolo da autoridade
partilhada por todos os homens bons da capitania (SOUZA, 1982, p. 7-8).
Continuando, aponta as roupas comuns aos homens da época em Natal.
A casaca passou a ser a farpela da vida ou da morte; com ela iam para a
cova os magnatas e os remediados, como iam ao seu ofício juízes e
almotacés, oficiais da câmara e provedores da real fazenda. o esses,
23
“Timão é uma espécie de bata, roupão ou chambre, de chita, geralmente usado pelos homens,
em casa. Timão é corrutela do vocábulo português, queimão ou quimão [...] é uma forma
portuguesa do quimono, trazidos por eles do oriente.” (CASCUDO, p. 751, 1980).
176
mas todos os que podiam comprar uma casaca, traziam-na por toda parte,
qualquer que fosse a calça, a camisa, a qualidade dos sapatos,
despreocupados do lugar e do destino a que iam, sendo um fato normal da
vida da cidade encontrar-se o juiz pedante ou o meirinho dos auditórios,
casacalmente vestidos, muitas vezes de calça de ganga e tamancos,
escolhendo tranquilamente o melhor cangulo da pescaria ou, no peso
público, comprando a libra de carne do lugar mais apetitoso (SOUZA, 1982,
p. 8-9).
Desse modo, Eloy de Souza faz a diferença da roupa masculina dos que
viviam no litoral nessa época, mormente, em Natal, com o do interior, mais
especificamente, o povo do Seridó, destacando o traje típico do vaqueiro, apesar de
não ser do interesse dos citadinos:
[...] O traje comum do vaqueiro, cuja variedade nunca passou da perneira de
bico, ou da perneira rolada, permanecendo inalteráveis o guarda-peito e a
veste de couro; nem mesmo o dos albegões que se não distinguiam da
maneira de vestir dos natalenses, senão em antecedê-los no uso da casaca,
não nos constando que a tivesse desrespeitado, vestindo-a com alpercatas
como os daqui a usaram com as bases metidas relesmente em pesados
tamancos (SOUZA, 1982, p. 16).
Quanto ao vestuário feminino do Seridó, Eloy de Souza explica que, diante
de a cidade ter sido povoada, principalmente por pernambucanos, em fins do século
XVII, “as matronas, apesar de não viajarem, maridos e filhos traziam da cidade
pernambucana as modas mais do seu agrado, em regra, as que iam passando,
para figurarem no meio sertanejo, com a última manifestação de gosto.” (SOUZA,
1982, p. 16).
Complementando, ele diz que “este fato explica as freqüentes
comunicações entre seus habitantes e o Recife, em visita a parentes e antigos
conhecidos, já por interesses comerciais cada vez maiores.” (SOUZA, 1982, p.16).
Ao contrário das mulheres do Seridó, as de Natal vestiam, nos atos
solenes e nas missas conforme afirma Eloy de Souza, o que o governador Francisco
de Paula Cavalcante de Albuquerque, representando a metrópole em 1708,
ordenava para que esta mandasse em navios diretos, tecidos de seda e as
novidades aqui desconhecidas e passa a detalhar tudo, até o preço do feitio dos
vestidos.
177
Começou então em 1709 a ser de moda a casaca, a saia de seda, o cabeção
de fina renda portuguesa, os sapatos de cordovão com fivelas de prata, o
chapéu de pêlo exageradamente alto sobre abas tão largas que protegiam
igualmente contra as ardentias do verão e os aguaceiros do inverno. [...] Nos
atos solenes ou quando levassem à missa as donas de vestido espiguilhado
e manto de druquete bandado, trouxessem o rodaque de pano fino e capote
de camelão, trajes, cujo feitio valendo dois mil réis deviam ser de grande
cerimônia (SOUZA, 1982, p. 8).
Dessa forma, para perceber a diferença do vestuário feminino do litoral
e do interior, ou seja, de Natal e de Caicó no século XVIII. As mulheres de Natal
acompanhavam a moda portuguesa, enquanto as caicoenses se mantinham
defasadas neste sentido.
VESTUÁRIO DOS NATALENSES
VESTUÁRIO DOS SERTANEJOS
VESTUÁRIO
MASCULINO
VESTUÁRIO
FEMININO
VESTUÁRIO
MASCULINO
(vaqueiro)
VESTUÁRIO
FEMININO
Casaca Casaca Casaca Casaca
Chapéu de massa
Sapatos de cordovão
com fivelas de prata
Perneira rolada
Perneira de bico
Vestimenta sóbria,
fora de moda
Timão Vestidos de seda Gibões
Calça de ganga Chapéu de pêlo Guarda peito
Calçados de
marroquim
Manto de druquete
bandado
Camisa de mangas
compridas
Cajados Capote de camelão Veste de couro
Tamancos Vestido espiguilhado Chapéu de couro
Alpercatas Gibão
Botas de couro
Quadro 3 - Quadro síntese do vestuário de Natal/interior do Seridó meados do século XIX e
Início do século XX.
Fonte: Quadro elaborado pela autora baseado em Souza (1982).
Mas, todo esse fausto de luxo e riqueza ostentado nas vestimentas da
época, contrastava com Natal do século XVIII, que segundo Eloy de Souza vivia tão
primitivamente como os primeiros habitantes. Na sua descrição, observe-se como
ele se identifica com o colonizador e nega, implicitamente, sua etnia:
178
Dois séculos após a fundação da cidade e criação da capitania, ainda
vivíamos quase tão primitivamente como os naturais contra os quais
havíamos cruelmente pelejado; por ventura, nos encontramos em atraso
maior e pobreza mais generalizada do que ao tempo da ocupação
holandesa, quando se construíram os primeiros engenhos de úcar e a vida
agrícola atravessou uma fase de atividade desconhecida (SOUZA, 1982, p.
11).
Conforme Câmara Cascudo, em História do Rio Grande do Norte (1984),
Natal foi fundada em 25 de dezembro de 1599, primeiramente chamada “Cidade dos
Reis”, por ter se originado de uma pequena povoação formada em torno da
“Fortaleza dos Reis Magos”, construída a setecentos e cinquenta metros da barra do
Potengi, ilhado nas marés altas. O forte tinha a finalidade de proteger a cidade e os
habitantes dos ataques, ao mesmo tempo dos invasores e piratas e dos índios.
Vale ressaltar que, como aconteceu em todo o Brasil, o processo de
ocupação das terras do Rio Grande do Norte, também se deu pelo conflito entre
homem branco e o índio, primitivo habitante. Os indígenas daqui pertenciam aos
Potiguares, integrantes dos Tupi, uma das principais tribos existentes no litoral e
Cariri, grupo dos Tapuia, habitantes no interior.
Como se sabe, a exploração e a colonização do Brasil se deram pelo
processo de divisão de terras em capitanias hereditárias (1534-1536), como uma
forma de a Coroa portuguesa melhor administrar o país. Distribuiu-se 15 capitanias
estendidas, do litoral, até o limite do meridiano de Tordesilhas, para 12 donatários
portugueses. Entretanto, diante de suas inoperâncias, apenas duas capitanias
prosperaram, a de Pernambuco e de São Vicente, sendo substituído pelo sistema de
Governo Geral (1548), mantendo, contudo, a forma de capitanias.
A Capitania do Rio Grande do Norte, primeiramente chamada Capitania
do Rio Grande foi doada em 1535 por D. João III ao funcionário do governo
português, João de Barros. Mas, somente “sob o comando de Jerônimo de
Albuquerque II, um mameluco filho de Jerônimo de Albuquerque com a índia Maria
do Espírito Santo Arco Verde, a exploração foi iniciada.” (ANDRADE, 1981, p. 15).
A partir daí, a Capitania do Rio Grande do Norte começou a caminhar,
porém, “a passos de tartaruga” enfrentando obstáculos, a exemplo das penetrações
francesas para contrabandear pau-brasil com a ajuda dos índios, controlando a área
até 1598; da Invasão holandesa e seu domínio (1633-1654) e da resistência
179
indígena, por isso, evoluindo lentamente. Surgiu o primeiro engenho em 1604 em
Cunhaú e o segundo, nos vales úmidos da porção oriental, por ocasião do domínio
holandês, em 1637 (ANDRADE, 1981, p. 15).
Conforme Homero Homem (1976), apesar de em 1654 o Capitão
Francisco Figueiroa ter expulsado os invasores da região, dando margem aos
portugueses a voltarem a dominar o Rio Grande, os sesmeiros ainda continuaram
em conflito com os índios por todo o século XVII.
De 1701 a 1820, o Rio Grande passou a fazer parte da Capitania de
Pernambuco, igualmente ao Ceará e Paraíba (antes dirigido pela Bahia),
subordinado às ordens do capitão-mor, de tal modo, que “a carne, o sal e outros
produtos poderiam ser produzidos [...] para o consumo interno. Dessa forma a
economia do Rio Grande do Norte foi se arrastando a passos lentos, até a segunda
década do século seguinte.” (HOMEM, 1976, p. 25).
Dentro dessa realidade, Souza (1982, p. 9) imagina Natal no começo do
século XVIII, restrita apenas a,
[...] sua igreja, a cadeia, a forca, o pelourinho, a casa da câmara e as
moradas esparsas pelo areal dos dois bairros (Quintas e Baldo), entaipadas
umas, ou outras e eram o maior número tecidas de ramos e cobertas com
folhas das diferentes palmeiras indígenas; todas afogadas no mata-pasto
embastido e defendidas pelos viçosos urtigais.
Por conseguinte, ele afirma que a vida social em Natal nessa época era
sem atrativos. “As matronas viviam a fiar ao fuso e roca a rezarem o terço ao cair da
noite, faziam doces e guizavam quitutes para maridos gulosos.[...] Os mancebos
eram brigões e lorpas, mexeriqueiros e ociosos.” (SOUZA, 1982, p. 10).
Assim Eloy entra na cultura imaterial, detendo-se nos costumes da mulher
natalense, que nesse contexto do culo XVIII não sabia ler nem escrever, sendo
isso para ele, um desprimor. E mostra as exigências da época para uma moça
casar: “[...] bastava, como prenda para bem maridar-se, manejar algumas dúzias de
bilros, conhecer a doutrina cristã, costurar roupas caseiras e ter dotes.” (SOUZA,
1982, p. 10).
Enquanto os hábitos e costumes referentes às mulheres sertanejas,
segundo ele, pareciam ser mais severos. Elas eram submissas e sujeitas ao
180
carrancismo e o machismo do homem sertanejo. Guardada trancada dentro de casa
até o dia em que a entregavam a um homem, de quem sem ter o direito de escolher,
seria o seu marido.
Segundo o autor citado, em descrever o estilo da casa, era suficiente
para se ter uma idéia do extremo cuidado com que o sertanejo guardava a mulher e
filhas dos olhares cobiçosos de estranhos e até dos próprios parentes e, sobretudo,
dos pretendentes a casamento. Assim, Souza (1982, p.17) detalha os vãos da casa
sertaneja:
Além do copiar, com a porta de entrada indispensável e duas janelas que
davam luz para o resto da casa, os quartos eram divididos por paredes
elevadas ao teto, ladeando o corredor estreito perpendicular à sala de jantar,
seguida da cozinha, onde uma outra porta abria estreita e baixa para o
quintal fechado a adobe ou cercado com a resistência posta a aprova por
valente pulso sertanejo. As moças dormiam trancadas pela mão paterna, mal
alumiados os escuros aposentos pela chama imota [sic] de tosca lamparina
escassamente alimentada, por mal cheiroso azeite de carrapato.
Apesar de toda essa vigilância, segundo Souza (1982, p. 20), “não
impedia, porém, que algumas raparigas fugissem, pondo em prática os infinitos
processos com que a natureza, instintivamente, parece aproximar amantes que se
buscam.” Sendo muito comum à época, o chamado “amor à primeira vista.”
E, quanto aos trabalhos domésticos as mulheres do sertão, “mães e filhas
dividiam-se, entre a cozinha, o cuidado das crianças, o fuso, a almofada, o tear, a
costura, a criação de aves caseiras destinadas a serem imoladas nas quatro festas
do ano.” Os trabalhos subalternos cabiam às escravas (SOUZA, 1982, p. 18).
Desse modo, as mulheres sertanejas tinham mais afazeres e maiores
responsabilidades que as da cidade.
Enquanto isso, em 1817, a capitania aderiu à Revolução Pernambucana,
instalando-se na cidade de Natal uma junta do governo provisório. Com o fracasso
da rebelião, aderiu ao Império e tornou-se Província do Rio Grande do Norte em
1824, tendo ainda de enfrentar dificuldades de instabilidade política no período da
Regência e II Reinado. Mas, conforme Homem (1976, p. 28),
181
[...] na segunda metade do século XIX veio a tranqüilidade experimentou-se
certo surto de progresso. Intensificou-se o cultivo do algodão e apareceram
os primeiros jornais. O Natalense é de 1832, mas atingiria a sua maior
importância em 1872, quando passou a chamar-se O Liberal, Em 1869,
apareceu O Conservador. Terra de muitos jornais de pouca duração e de
amor à polêmica jornalística e à poesia, daí os versos anônimos: Rio Grande
do Norte, capital Natal. Em cada esquina um poeta, em cada rua um jornal
[...].
Desse modo, em pleno domínio do século XIX verificou-se a formação de
grandes fortunas em diferentes zonas onde se desenvolveu a cultura da cana,
dentre elas, Souza (1982, p.13) aponta a riqueza dos Arco-verdes, lembrada pela
tradição, provenientes desses engenhos de cana: léguas de fazendas, incontáveis
escravos (ignoravam-se os nomes e as fisionomias), “o esbanjamento de baixelas
de prata e ouro, de moedas de prata e ouro, semestralmente expostas a arejar sobre
largos couros estendidos no terreiro da casa grande.”
Faziam Viagens a Recife em liteiras puxadas por cavalos cobertos com
mantos de tafetá recamados de ouro. Assim,
[...] primavam pelo exagerado amor ao luxo, chamando a atenção por onde
passavam, inclusive, do indígena humilhado. [...] Era enorme o séqüito de
agregados de todos os matizes; a charanga, as barcaças de seda e toda a
régia mumificência com que iam afrontando o humilde sossego das praias
por onde passava tão fidalgo e ruidoso cortejo (SOUZA, 1082, p. 14).
Daí ele faz o contraste entre a plutocracia açucareira e a realidade do
Seridó, onde não se verificava tal ostentação: “a sobriedade do sertanejo havia
acumulado no século XVIII haveres consideráveis que a seca de 1793 em grande
parte reduziu dizimando os gados e despovoando as fazendas”. Ao invés de
passeios de liteiras, os fazendeiros migravam para escapar da seca, a pé, sendo os
escravos os cabeceiros das bagagens, pois haviam perdido na seca os animais de
cargas. “Vida de insano labor e austera economia” contra as secas. Passada a
calamidade, voltavam a refazer a vida se prevenindo de outras secas futuras
(SOUZA, 1982, p. 14).
182
Nesse sentido ele mostra que o espírito prático do povo seridoense se
explica devido aos “elementos étnicos mais aptos, para ali encaminhados logo aos
primeiros dias do nosso povoamento.” E diz que esse povo era principalmente
pernambucano, descendente de “homens bons” de Portugal, que chegou ao Seridó
em fins do século XVII e povoou a região (SOUZA, 1982, p. 15).
No parágrafo anterior, percebe-se que Eloy não fala em raça, e sim, em
elementos étnicos mais aptos, embora transparecendo um pouco a influência do
evolucionismo da época. Analisando melhor, se evidencia a adesão de Eloy ao
pensamento racista hegemônico.
Continuando ele diz que, o resultado dessa herança cultural foi o
surgimento de uma “civilização relativamente adiantada, assinalada pelo gosto para
o estudo de humanidades, destacando-se o latim
24
, ministrado amesmo na escola
elementar.” (SOUZA, 1982, p. 15).
Daí, explica a razão de existir no Seridó, “homens clarividentes, que
figuraram na política
25
, na administração, na magistratura; e, se não nasceram
poetas nem artistas, as letras jurídicas tiveram entre os sertanejos cultores de
merecido renome.” Com efeito, o resultado dessa herança cultural foi o surgimento
de uma “civilização relativamente adiantada, assinalada pelo gosto para o estudo de
humanidades, destacando-se o latim, ministrado até mesmo na escola elementar.”
(SOUZA, 1982, p.15). Alguns mandavam seus filhos para estudar na metrópole ou
na França. Aqui, novamente, se percebe a lógica do pensamento dominante nas
afirmações de Eloy de Souza.
Assim, ressalta que, em 1909, data de sua palestra, começava-se a se
notar mudanças nos costumes do Seridó: “o carrancismo dos velhos tempos de
24
Francisco de Brito Guerra (Pe. Guerra), foi o grande professor de Latim, aceitando alunos de toda
a região, internando-os e dando aulas de graça também para os da terra. Contribuiu como
Deputado, para a oficialização da cadeira de Latim pelo Estado. Frequentaram, a famosa Escola
de Latim, José Augusto, Manoel Dantas, os irmãos João Maria e Amaro Cavalcanti, dentre outros
que se tornaram grandes personagens Seridoenses. (GURGEL, [2003?].
25
Dentre os políticos mais influentes do Seridó, no regime monárquico e republicano, destacam-se:
O Senador José Bernardo de Medeiros (1837-1907), conhecido como o bispo, o papa do Seridó
(de Caicó); Silvino Bezerra de Araújo Galvão (1836-1921), Chefe político de Acari (irmão de,
Manoel Bezerra de Araújo Galvão, João Bezerra de Araújo Galvão, Cipriano Bezerra Santa Rosa
e José Bezerra de Araújo Galvão); José Bezerra de Araújo Galvão, chefe político liberal de Currais
Novos; Felinto Elísio, de Jardim do Seridó; Clementino Monteiro de Farias, de Serra Negra esses
os mais antigos. Após a morte do Coronel José Bernardo, em 1907, Juvenal Lamartine e José
Augusto ficaram sendo as principais lideranças, no âmbito estadual, da Região do Seridó. Ambos
descendiam das primeiras estirpes familiares que ocuparam o Sertão, com ênfase na vida social,
política e econômica do Seridó.
183
antanho desmanchou-se em carinho, doçura e camaradagem”. a mulher
sertaneja se emancipando:
[...] dona de casa, - antigamente escrava de seu dono filha de seu pai,
outrora serva de uma vontade inflexível - bastou deixar à mulher sertaneja o
gosto de servir livremente na graça e na sedução de sua fragilidade
dominadora para que o mundo que lhe era vedado pampeasse nas louçanias
de uma civilização nova
(SOUZA, 1982, p. 22-23).
Aos olhos de Eloy a mulher começava a agir livremente, revelando a sua
peculiar hospitalidade feminina. Aliás, o tempo todo ele coloca em relevância as
virtudes e atributos da mulher sertaneja, em detrimento da mulher natalense.
Decidida, disposta para o trabalho, delicada e prestativa; enquanto diz que a mulher
natalense, mesmo sendo de uma “cidade igualmente campestre e marítima, não
existe talvez em toda ela três raparigas que saibam nadar ou vinte senhoras que
montem a cavalo.” (SOUZA, 1982, p. 42-43).
Na verdade, euforicamente, ele ressalta o sertão, sobrepondo-o a
qualquer outro lugar, ressaltando as boas qualidades do sertanejo, enquanto,
paradoxalmente transfere à natureza o martírio da raça (aqui refere-se ao sertanejo),
sem explicar as reais causas dos dilemas das secas, como sendo mais de natureza
estrutural, política:
Se quiseres amar de um amor melhor a nossa terra, ide ao sertão. Lá
existem as nossas energias latentes e vivem as tradições que o
prezamos uma coragem ignorada, a fortaleza dos simples, a bondade dos
fortes, a alegria dos sãos e todo o lento martírio de uma raça em
desesperada luta contra uma natureza madrasta (SOUZA, 1982, p. 23).
Embora a temática da palestra de Eloy de Souza fosse sobre “Costumes
locais” que deveria centrar o foco em Natal, dado ao fato de ter sido proferida nessa
cidade, no entanto, ele deu mais ênfase às peculiaridades do sertão do Seridó e vai
sutilmente, procurando incutir uma mentalidade sertaneja sobrepondo-a à da cidade,
pela construção de um discurso orgânico. Assim, passa a comparar os costumes do
184
sertão com os de Natal, elevando as qualidades dos sertanejos, os seus valores e
tradições populares.
Explicando a origem e o sentido das tradições populares, especialmente
as do Brasil, Cascudo (1944, p. 300) em Antologia do folclore brasileiro, afirma que:
As tradições populares não se demarcam pelo calendário das folhinhas; a
história não sabe o seu dia natalício, sabe apenas das épocas de seu
desenvolvimento. O que se pode assegurar é que, no primeiro século da
colonização, portugueses, índios e negros acharam-se em frente uns dos
outros, e diante de uma natureza esplêndida, em luta, tendo por armas o
obuz, a flecha e a enxada, e por lenitivo as saudades da terra natal. O
português lutava, vencia, escravizava; o índio defendia-se, era vencido, fugia
ou ficava cativo; o africano trabalhava, trabalhava [...].
Para esse autor, o amálgama desses três grupos e a fusão deles em um
molde a língua portuguesa formou as tradições populares no Brasil. Essas
tradições segundo ele, obedecem também, às leis de seleção natural, ou seja, vão
se adaptando ao meio, modificando-se e produzindo novos rebentos e novas vidas.
E o europeu foi o concorrente mais robusto por sua cultura, deixando assim, mais
tradições ao povo brasileiro (CASCUDO, 1944).
Por esse raciocínio, Manoel Diegues Júnior ressalta a herança portuguesa
como fundamental para a formação da cultura brasileira: além da língua portuguesa,
a organização social, a religião cristã, a vida em família, estilo das casas (sobrados),
alimentação (farinha-do-reino, manteiga-do-reino, queijo-do-reino, azeite); e as
tradições populares; lendas, contos, cantigas, adivinhas, estórias, festejos do Natal,
Ano Novo, Reis e São João (DIÉGUES JÚNIOR, 1972).
Nesse sentido, Eloy de Souza aponta as festas tradicionais mais
festejadas no sertão: As festas juninas (Santo Antonio, São João e São Pedro),
destacando o São João por ser o santo dos vaticínios e dos encantamentos cujos
costumes abarcam:
[...] as fogueiras crepitantes, o braseiro reacendido para por à prova a dos
que não temem em pisá-lo, uma e mais vezes, descalços e vagarosos . No
terreiro da casa grupos de crianças cantam a ’capelinha de melão’; moças,
segredam à chama milagrosa o nome desejado; enquanto pelas quebradas
185
da serra se vai repetindo, intermitentemente, no meio da paz e do silêncio da
noite misteriosa, o troar das roqueiras festivas (SOUZA, 1982, p. 24).
TRADIÇÃO RELIGIOSA
-
NATAL
TRADIÇÃO RELIGIOSA
-
SERTÃO DO
SERIDÓ
Natal Santo Antonio 13 de junho*
Romarias votivas aos Santos Reis São João 24 de junho
São Pedro 28 de junho
Natal 25 de dezembro
Dia da Senhora Sant’Ana 26 de julho
Quadro 4 - Festas Tradicionais Religiosas Natal/Sertão do Seridó meados do século XIX e
início do Século XX.
Fonte: Quadro elaborado pela autora baseado em Souza (1982).
Além das devoções religiosas não dos três santos do mês de junho, os
sertanejos do Seridó, especialmente Caicó, celebram louvores à Sra Sant’Ana, têm
devoção a Nossa Senhora no mês de maio e “festejam as excelsas virtudes do seu
rosário no mês de outubro”. Além das comemorações natalinas abrangendo, o
presepe e a Missa do Galo.
Depois de discorrer euforicamente sobre o sertão, se detém aos costumes
da cidade de Natal, mais precisamente do período compreendido entre 1846 e a
proclamação da República, 1889 quando “a população estava desafogada dos
males causados pela seca de 1845 e passou a fruir uma prosperidade de 32 anos,
só interrompida em1877.” (SOUZA, 1982, p. 31).
Afirma que nesse período, a vida de Natal girava em torno da Vila de
Extremoz e o sítio/praia da Redinha e que lentamente se deu a sua evolução, no
tempo, proporcionalmente em que ia perdendo seus traços culturais diante da
comunicação com os centros mais adiantados.
Extremoz evolui de antiga vila para um lugar aprazível. “Passou a ser um
lugar procurado para passatempos, pela benignidade do clima do verão, beleza e
frescura da lagoa, doçura dos cajus, gosto ligeiramente acre das mangabas
doiradas.” (SOUZA, 1982, p. 32).
Mas, a preferência dos habitantes era sempre pela praia da Redinha,
frequentada pela alta sociedade. “Tão perto e o bem repousada entre os morros
alvos, a fronda escura do coqueiral, o rio claro deslizando manso e queixoso sob o
186
palio verde dos arvoredos próximos, ela se tornou, naturalmente, a praia mimosa
dos habitantes de Natal.” (SOUZA, 1982, p. 32).
Era costume local poetas e trovadores frequentarem o palácio do governo;
sendo também muito em voga, o recitativo, a modinha, o lundu. “Era usual as
reuniões familiares em que se dançava a polka, a mazurka, o carangueijo não é
peixe, a brincadeira de prendas.” (SOUZA, 1982, p. 34-35).
Escutar os poetas, repentistas e trovadores era um costume caro aos
natalenses, sendo eles muito bem acolhidos nas casas dos políticos, frequentando,
inclusive, o palácio do governo, para cujas reuniões eram convidados, sendo os
mais preferidos, conforme Eloy de Souza: Manoel Riachão, Lourival, Bajão,
Francisco Otílio, João Elísio e Carlos Pinheiro, Manoel Tavares e Fabião das
Queimadas (SOUZA, 1982, p. 34).
Mas, quem se tornou célebre entre a elite do Rio Grande do Norte e que
Eloy de Souza destaca em Costumes locais, foi Fabião das Queimadas
26
, que
segundo Adriano Costa, sendo “Eloy grande admirador da sua inteligência e dos
versos inspirados do poeta popular, providenciou que fosse tirada uma foto de
Fabião, que hoje é sua única foto conhecida.” (COSTA, 2008).
Foto 19 - Fabião das
Queimadas.
Fonte: Costa (2008).
26
Fabião de Barcelona. Disponível em: http://www.barcelona.educ.ufrn.br/fabiao.htm. Acesso em:
outubro de 2008. Fabião Hermenegildo Ferreira da Rocha, popularmente conhecido por Fabião
das Queimadas nasceu em 1848, escravo, trabalhou na agricultura e foi vaqueiro. Com dez anos
o poeta já cantava. Aos dezoito anos de idade, com algumas economias que fez, juntando dinheiro
vendendo couro de animais, mel, legumes e frutas que plantava conseguiu comprar uma rabeca e
saiu cantando e tocando suas toadas e seus repentes pelas vaquejadas, pelas casas e povoados
da região. Foi descoberto pelo pesquisador Hugo Tavares. Fabião é poeta dos vaqueiros foi
estudado por Ariano Suassuna e Orígenes Lessa, além de ter sido musicado por Antônio Nóbrega
(COSTA, 2008).
187
De acordo com Adriano Costa, Fabião das Queimadas era acostumado a
cantar na fazenda Cachoeira, em São Paulo do Potengi de propriedade do
governador Alberto Maranhão bem como no Palácio do Governo. Porém, num
desses dias, estando presente o Senador Eloy de Sousa, Fabião saudou a referida
autoridade com a seguinte quadra: "Seu doutô Eloy de Sousa, minha mãe sempre
dizia, se o senhô não fosse rico, era da nossa famia.” (COSTA, 2008).
Eloy não relata essa quadra, na qual Fabião das Queimadas
implicitamente refere-se à sua cor, comparando com a de sua família de negros.
Assim, Eloy parece não encarar a sua cor com naturalidade. Ele cita outras duas
quadras que assistiu dele e Manoel Tavares sobre o amor dos velhos, que por sinal,
as considerou formosíssimas:
“Fabião nós somos velhos, e velhos não valem nada; porque só vale quem
ama, quem traz a alma enganada. Ao que o outro respondeu: A minha alma de
velho, ainda agora renovada, que a paixão é como o sono, chega sem ser
esperada.” (SOUZA, 1982, p. 26).
O “recitativo é um trecho em poesia ou prosa declamado com
acompanhamento de música; canto declamado, numa ópera, numa cantata ou num
oratório, e que se caracteriza pela liberdade do ritmo e da melodia, e pelo assunto
narrativo.” (FERREIRA, 2004, p.1710).
Quanto à modinha, segundo Cascudo (1980) “é uma canção brasileira de
gênero tradicional quase sempre amorosa e até erótica.” (CASCUDO, 1980, p. 499).
Cultivada, inicialmente, pelas classes mais abastadas, depois, vai se popularizando,
até tornar-se, pouco a pouco, um veículo para a expressividade musical, tanto
portuguesa quanto brasileira.
Mário de Andrade, no texto introdutório de sua antológica publicação de
1930, Modinhas Imperiais, defende que o diminutivo “modinha” está intimamente
relacionado com as características “acarinhantes” tão presentes na cultura luso-
brasileira: chamam-lhe Modinhas por serem delicadas (ANDRADE, 1980).
Sabe-se que a modinha é considerada o primeiro gênero de música
popular brasileira. A autora desse trabalho lembra de várias modinhas cantadas por
sua mãe Isabel, relembrando as serenatas feitas pelo seu pai Maciel, apaixonado às
vésperas do casamento, sendo as mais repetidas contidas no livro, Meu pai Maciel:
memória rediviva, de sua autoria, a exemplo de uma descrita a seguir:
188
Foi nesta quadra
Foi nesta quadra, que eu ti vi ó bela
Foi nesta quadra, que eu ti vi passar
Foi nesta quadra, que flui-te amores
Quando volvi-te o meu primeiro olhar!
Extasiado eu fiquei ó bela!
Ao contemplar-te consegui chorar
Inebriado, de amor tão santo
Quando volví-te o meu primeiro olhar! (FILGUEIRA, 2000, p.90).
O lundu, conforme Cascudo (1980, p. 446) “é uma dança e canto de
origem africana, trazida pelos escravos bantos, especialmente de Angola para o
Brasil.” O escravo, mesmo em condições sub-humanas, sempre cultivou a música,
seja em sua forma ritualística longe dos olhos ocidentais, ou como divertimento nos
terreiros e praças públicas. Desta forma, sem querer adentrar as discussões
sociológicas quanto às condições sociais das diversas camadas que residiam no
Brasil nos séculos XVII, XVIII, ainda que altamente europeizada, a colônia, aos
poucos, foi construindo seu próprio caminho musical à medida em que as vilas se
desenvolviam, dando sua grande contribuição à cultura brasileira.
A polka é uma dança européia, de acordo com Cascudo (1980),
proveniente da Boêmia e foi dançada pela primeira vez no Brasil em 03 de julho de
1845. Tornou-se famosa e dominou os salões na segunda metade do século XIX,
igualmente a mazurka, originada de polaco, Mazurek, também muito difundida no
Brasil.
Carangueijo não é peixe, é uma brincadeira de roda, com cantiga e
coreografia próprias. Cantam versos, quadrinhas, variados, tendo ou não relação
com o assunto, mas o estribilho caracteriza a ronda:
‘Caranqueijo não é peixe,
Carangueijo peixe é;
Carangueijo só é peixe
Na enchente da maré!
Palma, palma, palma!
Pé,´pé, pé!
Carangueijo só é peixe
Na enchente da maré!’ CASCUDO (1980, p.195).
189
Eram também costumes da cidade de Natal à época, dizer adivinhações
em reuniões de família, contar histórias, realizar pagodes.
“Adivinhações: assim chamam-se umas espécies de charadas propostas
para se lhes descobrir o sentido. Caixinha de bem querer, todos os carapinas não
sabem fazer. É o amendoim. Casa caiada, lagoa d’água. É o ovo.” E assim por
diante (CASCUDO, 1944, p. 315).
Os pagodes, realizados na praia da Redinha, segundo Eloy de Souza, “em
nada pareciam com os pobres quase miseráveis, piqueniques de hoje, promovidos
pelas pessoas mais gradas, neles tomando parte o que a sociedade do tempo
possuía de mais seleto.” (SOUZA, 1982, p. 33).
A própria travessia em botes impelidos pelo pulso vigoroso dos nossos
remadores como os não mais resistentes, em canoas primitivas, no
preguiçoso vagar de tartarugas e em jangadas ligeiras, a vela côncava ao
suave contato terral - a própria – travessia era, por si só, uma festa pitoresca,
na sua expansiva cordialidade uniforme. Três dias, às vezes semanas
inteiras, e o pagode ainda durava. Alguns presidentes foram seus fervorosos
devotos e tal sabor achavam nas carapebas do rio, e tão gostosos as
paneladas que por lá ficavam pachorrentamente, assinando o expediente
sobre as mesas toscas, cheias das vitualhas da farta comesaina (SOUZA,
1982, p. 33).
REPENTISTAS
TROVADORES E
POETAS DO RN
LUGARES
FREQUENTADOS
EM NATAL
FOLCLORE EM
NATAL
DIVERTIMENTOS
PREFERIDOS
EM NATAL
Manoel Riachão Estremoz Trovadores Pagode
Lourival, Bajão Praia da Redinha Caranguejo não é
peixe
Recitativo
Francisco Otílio Areia Preta Modinha Passeios de botes e
jangadas
João Elísio Jardins (praças).
Para lá iam amas
com crianças, moças
e rapazes
Lundu
Polka
Mazurka
Visita dos homens às
casas das raparigas
do povo
Carlos Pinheiro Igreja Adivinhações Escutar poetas e
repentistas
Manoel Tavares
Escola Cavalhadas Peixarias ao luar
Fabião das
Queimadas
Bailes no Palácio do
Governo
Carnaval Brincadeiras de
prendas
Quadro 5 - Quadro síntese dos costumes de Natal/interior do Seridó meados do
século XIX e início do século XX.
Fonte: Quadro elaborado pela autora baseado em Souza (1982).
190
Diante do exposto, percebe-se que a empreitada eloyana corre no sentido
de resgatar e preservar os costumes, dando suporte para se ter uma imagem do Rio
Grande do Norte, contemplando o litoral e o sertão. Mas, na verdade, o tempo todo
ele ressalta o sertão como um modelo a ser seguido, mediando e procurando
inculcar uma visão de mundo homogênea e unitária, mesmo que imaginária.
Configurava essa realidade, como o real, a partir do imaginário através do simbólico.
Este representa um processo permanente de criação do fluxo imaginário em seu
componente imaginável.
Castoriadis (1982), nas suas reflexões sobre a linguagem e os
pensamentos, herdados ou construídos, que refletem as tendências da instituição da
sociedade, afirma ser a sociedade produto resultante de uma instituição imaginária.
A imaginação seria, portanto, o princípio fundador da sociedade, em uma dimensão
de criação continuada.
191
4.2 CULTURA SERTANEJA
A cultura é a marca da sociedade humana, que distingue o homem dos
outros animais.
Maria da Conceição Almeida
Primeiramente, é importante ressaltar que a cultura é um fenômeno
complexo, um enigma de difícil decifração, razão pela qual, sobre ela, deitam-se
múltiplas interpretações em diferentes níveis de profundidade nas diversas áreas do
conhecimento, principalmente nas chamadas Ciências Humanas. Inclusive, na
Antropologia, verificam-se divergências em torno da compreensão do seu sentido e
significado no que resultam em inúmeras concepções, por vezes concorrentes e
antagônicas, mesmo que complementares, balizadas, por paradigmas conceituais
distintos.
No evolucionismo, se sobressai o caráter de aprendizado da cultura, em
oposição à idéia de aquisição inata transmitida por mecanismos biológicos, cuja
influência foi visivelmente etnocêntrica, mais precisamente, eurocêntrica. No
funcionalismo, as instituições sociais são funcionalmente integradas para formar um
sistema estável, no qual uma mudança em uma instituição irá precipitar uma
mudança em outras instituições. Na antropologia estrutural, o ser, a pessoa humana
é resultante da construção de sistemas de relações de parentesco determinados
pelo totemismo. O estruturalismo aproxima-se das visões de Marx (a infraestrutura
econômica) e de Freud (o poder do inconsciente). Ambos, como se sabe, entendiam
os fenômenos sociais ou comportamentais como obrigatoriamente condicionados
por forças impessoais (o Capitalismo e o Superego, respectivamente), deslocando,
desde então, o problema do estudo da consciência ou das escolhas individuais para
um quadro bem mais amplo, dos macrossistemas. Os indivíduos, por conseguinte,
nem produzem nem controlam os códigos e as convenções que regem e envolvem a
existência social deles, sua vida mental ou experiência linguística. É o que Marx quis
dizer quando afirmou que: “os homens fazem a história, mas não estão conscientes
disso [...]” (MARX, 2000, p.15), pois, “[...] não é a consciência que determina a vida,
é a vida que determina a consciência.” (MARX; ENGELS, 2004, p. 52).
192
Strauss (1982), em As estruturas elementares de parentesco tenta marcar
o surgimento da cultura, levantando a discussão da natureza e da cultura para a
Antropologia, que é o momento da passagem do homem enquanto ser biológico, da
natureza para a cultura, pelo tabu do incesto. Mediante essa regra, as famílias não
se fechariam entre si, mas iriam constituir as alianças, as trocas e as circulações.
Enfim, ressalta como questão central o fato de que, em todos os sistemas nos quais
as sociedades se organizam refletem processos de comunicação. Os mais
importantes seriam o de parentesco, como forma de circulação das mulheres; o
econômico, como forma de circulação de bens, e a linguagem, como sistemas de
trocas de palavras.
A idéia de cultura no pensamento levistraussiano é vista como uma
manifestação do mundo das idéias abstratas. Entendida como o funcionamento do
espírito - do pensamento. Logo, primeiro é preciso entender o que os homens
pensam, para entender o que fazem, como se organizam. No processo de
aprendizagem da cultura, as pessoas acabam internalizando os valores e as regras
pelo autoconvencimento, diante da eficácia da simbolização. Nessa perspectiva, o
fenômeno da cultura fica caracterizado pelo domínio da regra, da simbolização, da
significação da linguagem.
É interessante ressaltar que, uma discussão sobre o fenômeno da
cultura, mesmo que breve, recai sobre a questão da diferenciação entre o natural
e o cultural, que por sua vez, remete ao entendimento da especificidade humana.
A herança da cultura grega em nosso pensamento: “o homem é um animal...”,
também leva a uma reflexão do quanto o homem ainda é estranho a si próprio, do
quanto o homem não reconhece a si próprio, do quanto não entende sua própria
humanidade.
Para alguns antropólogos, somente o homem é um ser cultural, isto é,
criador de “coisas”, que permanecem no tempo; um ser transformador da
natureza, um ser histórico. Mas, uma carência nas ciências humanas, no que
diz respeito a uma contribuição significativa e consistente quanto ao estudo da
condição humana, precisamente porque estão desligadas, fragmentadas e
compartimentadas, reféns dos códigos do pensamento relativista.
Averso à idéia da fragmentação, Ponty (2004), existencialista, que
recebeu muitas e acentuadas influências tanto da fenomenologia, como da
193
psicologia (gestalt) e da biologia, critica o racionalismo de Descartes “a ciência
clássica”, para ele - centrando-se na relação entre consciência e mundo, cuja
existência é ser-no-mundo, enfrentando o mundo, sem contraposição entre alma
e corpo, psíquico e físico, corpo e mente. Nessa relação ele vê dualidade dialética
de comportamentos. Conforme Ponty (1999), não é possível falar do corpo e da
vida em geral, mas do corpo animal, da vida animal, do corpo humano e da vida
humana. O corpo então, torna-se um conceito central, que este é o ponto de
vista sobre o mundo, é o meio geral de ter o mundo. Existe-se, portanto, no
espaço como seres corpóreos, encarnados.
Serres (2004), também uma centralidade ao corpo como um todo,
ao afirmar que todo conhecimento passa pelo corpo inteiro, mediante a imitação
(o outro serve de espelho para outrem, que o imita e o incorpora) que, por sua
vez, também leva à criação. A memória da espécie corporal é memória
encarnada, aprende-se mais do que se compreende. O corpo pensa? Não é a
mente que pensa? A definição clássica do corpo - cabeça, tronco e membros - e a
dualidade entre corpo e mente, sentimento e razão, não tem sentido para ele. Seu
raciocínio, ante-linear, parece desmanchar, assim, a idéia do Penso, logo existo,
recriando-a - existo e sinto, logo penso. Nesse novo paradigma, o modo de
pensar o mundo é o modo de realizá-lo na carne.
Morin (1999), com sua nova percepção do mundo e da vida, rejeita o
princípio da separatividade estabelecido pelo paradigma tradicional capaz de
dividir realidades inseparáveis, como sujeito e objeto, mente e corpo, rebro e
espírito, consciente e inconsciente, cérebro direito e esquerdo, indivíduo e seu
contexto, o ser humano e o mundo da natureza. Enfatiza o estado de interrelação
e de interdependência essencial a todos os fenômenos físicos, econômicos,
biológicos, socioculturais e, dentre eles, os psicológicos e educacionais. Tudo
está relacionado, conectado e em renovação contínua. O todo é a coisa
fundamental. Todas as propriedades fluem de suas relações. O universo é,
portanto, relacional.
Para Morin (1999), três matrizes constroem as condições bio-
antropológicas do conhecimento e da cultura: uma biologia fundamental; uma
animalidade; e, por fim, uma humanidade do conhecimento. A biologia do
conhecimento ensina que todo ser vivo é auto-eco-organizador. Isto é, necessita
194
extrair informações do exterior, mas as processa por si, em si e para si. Tendo por
base essa aptidão dos sistemas vivos, Morin discute como o processo de
produção de conhecimento depende, sobretudo, do sujeito. Cada um de nós trata
por si as informações que nos chegam. Ninguém aprende por ninguém. A
animalidade do conhecimento emerge do interior da biologia do conhecimento.
Ela nos permite compreender que algumas das características da cultura e
conhecimento humanos (como estratégias cognitivas, ação desinteressada ou
intencional) se encontram de forma lata no mundo animal e se complexificam no
domínio do humano. A humanidade do conhecimento emerge no processo de
construção das sociedades humanas, mas mantém (agora em novos patamares
de complexidade) as características gerais da biologia e animalidade.
Ainda numa perspectiva crítica, Bauman (1998) entende o conceito de
cultura como uma seita de alfabetização, onde uns criam e outros executam -
uma “fábrica de ordem”, cuja regra substitui o acaso; a norma ocupa o lugar da
espontaneidade. Separa, portanto, de um lado, os que sabem e de outro, os que
não sabem; treinadores e treinados. A cultura passa a ter o sentido de uma escola
construindo uma visão de mundo; a brica da ordem visa a coerência, a
reprodução de uma uniformidade, a continuidade e preservação do conhecimento.
Para o autor, esse conceito de cultura não se sustenta mais, apontando como
alternativa a “cooperativa dos consumidores”, como forma de resistência e
mudança social. Quase isso, é o que propõe a concepção de Kristeva (2000), ao
sugerir a cultura da revolta. Só assim, haverá possibilidade de o sujeito se revoltar
contra a normalização da cultura da nova ordem mundial, agindo à semelhança
da “cooperativa de consumidores”, visando estabelecer desordens difusas,
imprimindo espontaneidades e dispersões, que escapam dos controles expressos
nesse sistema cultural.
Mas, como se revoltar, se o sujeito hoje não se define mais por um
espaço-tempo determinado? Na sobremodernidade onde prevalece o excesso de
tempo, de ego e de espaço, criando os “não-lugares”, conforme Augé (1994), a
vida seria uma viagem e o indivíduo um expectador. Ele, o indivíduo, livrar-se-ia
do peso de ser um personagem, um ator, um sujeito, para assumir a liberdade de
ser apenas um viajante, alguém que está de passagem pela vida.
195
E agora? Como conciliar as divergências teóricas das concepções
sobre o fenômeno da cultura? Para Cyrulnik (1995, 1999), tudo está no nível da
ambivalência e da ambiguidade. Daí, ele propõe uma atitude etológica (estudo
comparado do comportamento dos animais, evitando a evidência pela evidência)
de observação meticulosa, permanente, não se detendo apenas nas teorias, para
melhor apreender a “relação paradoxal, entre natureza e cultura; inato e
adquirido”.
Pelo visto a discussão sobre o fenômeno da cultura é inesgotável e,
portanto, não para por aqui, segue em ebulição. Tudo continua em transformação,
tanto o homem como a cultura. Mas, por hora e de uma forma geral, os
antropólogos afirmam que a cultura seria aquilo que especifica a condição
humana, mais precisamente, como bem enfatizou a professora e antropóloga da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Drª Maria da Conceição Xavier
Almeida, durante as aulas da disciplina Teorias Contemporâneas da Cultura, “a
cultura é a marca da sociedade humana, que distingue os homens dos outros
animais”. Logo, é o atributo humano, essencial, distintivo e identificador do
homem entre os demais animais.
Para Eloy de Souza, cultura significa costumes, formas de vestir, de se
alimentar, de habitar, o modo de conviver e de viver construídos socialmente, que
fornecem traços identitários, promovendo a diferenciação dos mais diversos
grupos sociais que ao correr dos anos podem sofrer modificações em uma
dinâmica constante, promovida por elementos internos e/ou externos, contanto
que sejam preservadas as estruturas arcaicas (SOUZA, 1930, 1969, 1975, 1982,
1983, 2003).
Ao tratar da cultura sertaneja, como foi falado anteriormente, refere-
se ao sertão do Seridó, que é marcada acima de tudo pela lida com o gado e a
labuta na agricultura; caracterizada pelo modo de vida simples, alimentação
típica, regional, farta e forte, à base de feijão, paçoca, rapadura, queijo, coalhada,
cuscuz, leite, etc.; vestimenta sóbria, religiosidade aguçada e a peleja constante
da vida adversa com o meio, o clima, o solo e a natureza, enfim.
Apesar de reconhecer todas as dificuldades enfrentadas pelo sertanejo
Eloy vaticina o progresso merecido do interior, porém, sem jamais admitir que a
civilização deturpe as “tradições que fazem o seu encanto e te deram essa alma
196
forte pela bondade gerada e nutrida no amargo sofrimento de três séculos.” Assim o
exalta: “Salve sertão terra melhor da minha terra bem amada.” (SOUZA, 1982, p.
30).
Mas, aqui, Eloy está se referindo ao sofrimento do sertanejo, “gente
desvalida”, cuja situação é diferente dos remediados, os fazendeiros, que ele não
esclarece a sua condição como diferente, não sofrendo nesses três séculos o
amargo sofrimento que o lavrador, pequeno agricultor vem enfrentando sem as
devidas condições.
Aliás, a esse respeito sentido, uma carta datada de 1877, publicada em
Carta da seca, organizado por Oswaldo Lamartine (2005), de autoria de Targino
Pires Pereira destinada ao seu parente, Antonio Pires de Albuquerque Galvão,
mostrava claramente, que as consequências das secas não eram iguais para todas
as camadas da sociedade:
[...] a classe alta não soffre a fome! Oh! O azourague mais áspero e sanhudo
do flagelo da seca!... esse não afeta a classe alta; porqt°., depositária dos
recursos, q’o nossos ubertoso solo pode dar, está guarnecida da fome e da
nudez, sentindo somente neste vácuo de misériasn’atualidade a
qüinquagésima parte do que soffre a classe ínfima e média... Sim meu caro
am°., qd°., um membro da classe mais alta da sociedade tiver fome, p’ causa
da seca actual, poucos rastos de pobres haverão sobre a face da terra
(FARIA, 2005, p. 20).
A cultura sertaneja seridoense que Eloy trata é a parte do interior da
Região Nordeste brasileira, mais atrasada e mais desprestigiada na época que hoje,
estado do Rio Grande do Norte onde ele viveu na infância e adolescência. Por isso,
busca superar tal atraso, exaltando-a, por um lado, a bondade, a coragem, a
diligência do seu povo e a beleza dos seus campos por ocasião das chuvas, como
uma compensação, talvez. Por outro lado, reclama inconformado a sua triste
fisionomia frente à seca que só ocasiona, quando não a morte do sertão e do
sertanejo, a sua penúria eterna.
Vale lembrar que, a cultura do sertão nordestino está intimamente ligada
ao clima, à terra e à história de sua colonização, sendo o primeiro setor interiorano
do Brasil a ser colonizado e muitos falaram do sertão e da vida sertaneja que
surgiu da expansão pastoril, quando se estabeleceram os currais e as fazendas de
197
gado, tornando-se o principal centro social desta região. A pecuária ainda hoje é
uma atividade importante da região, embora incipiente se comparada às regiões
centro-oeste e sul, caracteriza o modo de ser do sertanejo nordestino.
O sertanejo que para Euclides da Cunha, apesar dos pesares, seria antes
de tudo um forte; para Clarice Linspector (1920), seria um paciente; acima de tudo
discriminado, e injustiçado para Eloy de Souza; também para Graciliano Ramos
(1892-1953), que é nordestino do sertão de Alagoas, em seu livro Vidas Secas
(1938), o sertanejo seria uma eterna vítima da injustiça social. Retrato vivo da
miséria, da fome, da desigualdade, da seca, o que nos remete à idéia de que o
homem se animalizou sob condições sub-humanas de sobrevivência. Graciliano
Ramos descreve de forma triste e dramática, a vida de uma família de sertanejos
fugitivos da seca, sem destino e sem outras perspectivas para além da
sobrevivência e do eterno retorno. Retrato puro do sertão - vida de luta e incerteza.
Enquanto José Lins do Rego (1901-1957), nordestino do Engenho corredor da
Paraíba, em Menino de engenho (1932) além de reforçar as desigualdades sociais
verificadas no engenho, reproduz a linguagem do eito, da bagaceira, do nordestino,
tornando-o, um dos mais legítimos representantes da literatura regional nordestina.
Nessa perspectiva, Souza (1982, p. 26-27) retrata a vida do sertão sob a
dependência do meio, preso às condições climáticas, à mercê do inverno:
a beleza da vida do sertão está principalmente nos campos e nas fazendas;
no trabalho das terras fecundas, quando molhadas pelo inverno criador, no
roçado coberto pela lavoura viçosa, nas várzeas rebrilhando ao sol, na
pompa dos milharais maduros, nesse grito enérgico e inconfundível do
vaqueiro destemido a impelir para frente em vertiginosa carreira através do
carrasco bravio, o touro impetuoso, no canto nostálgico e plangente
modulado pelo sertanejo ao cair da tarde à hora de recolher do gado manso.
Reforçando, nesse sentido, parecendo até ser o eco de Eloy de Souza,
mesmo em uma outra geração, Luiz Gonzaga (1912-1989)
27
, é igualmente devotado
ao sertão. Contribuiu para a resistência do sertanejo nos centros industriais do país
27
Em 1945, coincidindo com o fim da II Guerra Mundial, surge a figura do pernambucano de Exu,
Luiz Gonzaga dentro do cancioneiro popular. Sua importância deve-se, sobretudo, por ter
sustentado o ritmo e as origens brasileiras durante os anos de crise para a MPB, pois o fim da
guerra indiretamente acarretou a avalanche de músicas exportadas pelos Estados Unidos e
divulgadas em todo o mundo, inclusive no Brasil. Ele teve, assim, decisiva participação dentro da
afirmação de uma cultura nacional mais ligada às fontes telúricas do Brasil.
198
desde os anos 1950 até o final do século XX.
Através de sua leitura poético-musical,
mesmo diante da incerteza do inverno, cantou o futuro do sertão, numa feição
simbólica e imagética, exprimindo os sinais identificadores dos sertanejos, dos
nordestinos afeiçoados à sua terra.
A vida aqui só é ruim
Quando não chove no chão,
Mas se chover, dá de tudo,
Fartura tem de montão!
Tomara que chova logo,
Tomara, meu Deus tomara!
Só deixo o meu Cariri
No último pau-de-arara!
No intuito de enfatizar suas idéias sobre a realidade do sertão, Eloy de
Souza apresenta o canto do sertanejo numa triste poesia do seu irmão Henrique
Castricano, retratando esse contexto, numa grande penúria. Nela está contida a
submissão do poeta à cultura branca hegemônica, ressaltando os olhos azuis das
crianças e o elogio à cor branca, próprio dos poetas românticos.
Ah! Como é triste o aboio! Ah! Como é triste o canto
Sem palavras – tão vago! – a saudade exprimindo
Das selvas do sertão, no mês de junho rindo
Pelos olhos azuis das crianças, enquanto
No tamarindo verde, asas abertas, trina
À beira dos currais, o galo-de-campina!
Por isso, quando a voz do sertanejo entoa
Seu gorjeado psalmo, a gente queda, cisma;
O nosso coração silencia e se abisma
No pego da saudade e, lá do fundo, arranca
Não sei que doce flor emurchecida e branca
A letra da canção ninguém, ninguém conhece,
Mas sabemos que ali chora e geme uma prece
Desolada e sem fim, cuja modulação
Se coubesse num ritmo, era o do coração! (SOUZA, 1982, p.27-28).
Dando continuidade aos versos do irmão poeta, Eloy afirma que as vozes
dolentes do aboio nele contidos, refletem a angústia do mísero sertanejo.
199
E é partir! É partir!
No alpendre desolado,
No rosto as duas mãos, recorda o seu passado
Ao sinistro clamor dos hirtos arvoredos,
Em cujos ramos nus diz o vento segredo.
Tudo por terra jaz, estarrecido e morto:
Não sofreu mais Jesus na sombra do seu horto.
Desfeita, extinta a fé, exaurida a esperança,
O rude lutador chora como criança:
Pois quem é que resiste à agonia sem nome
De sepultar os seus, mirrados pela fome?
É partir! É partir!
Põe um filhinho ao ombro,
Cede o outro à mulher, cheia de medo e assombro,
Lança a vista em redor... Do alto de uma colina,
Nesse transe infeliz, contempla o lar amado,
O musgoso perfil da capelinha em ruína,
A casa onde nasceu, junto ao rio prateado,
Onde a verde oiticica e o antigo juazeiro
Davam sombra e repouso à manada e ao vaqueiro...
- Adeus, serras azuis! Adeus, serenos montes,
A subir para o céu, rasgando os horizontes!
Ó clareira sem fim no dorso das quebradas,
Onde grita a jandaia e as manhãs orvalhadas
Fulgem, quando sorri, na doce paz dos campos,
A serrana gentil, à luz dos céus escampos!
Moitas de mussambê, florindo em julho e agosto
No leito do riacho, ao morrer do sol-posto!
Ninhos de jaçanãs, à beira das lagoas,
Onde mugem os bois, almas dóceis e boas,
E floresce o jucá, na sonora alegria
Dos meses festivais do amor e da invernia!
Adeus, noites de abril, negras como o veludo,
Várzeas, adeus também, e montanhas e tudo!
É isso o que nos diz, às horas da trindade
O rude sertanejo, ansiando de saudade,
Nessa triste canção, doce como uma prece,
Cuja letra ninguém advinha ou conhece,
Mas, cujo pensamento, ungido de emoção,
Se coubesse num ritmo, era o do coração! (SOUZA, 1982, p.28-29).
Dispensando comentários, esses tristes versos de Henrique, vagueiam,
entre os valores do sertanejo e suas angústias e misérias frente aos dilemas das
secas.
Pelo visto, o termo sertanejo para Eloy de Souza tem um sentido bastante
elástico, uma vez que inclui o fazendeiro, dono da terra; o vaqueiro portador de
fidelidade incomum que cuida das terras, do gado e do fazendeiro com uma
submissão servil; o cangaceiro, homens destemidos que agem em bandos,
obedecendo às leis do chefe do cangaço, vivendo como andarilhos pelo interior
200
isolado, destacando-se Jesuíno Brilhante
28
como bandido social do sertão potiguar.
“[...] Atirou-se a esta vida por vingança ao assassinato do pai por um Preto Limão,
família numerosa e abastada. Um deles, delegado de polícia prendeu o pai de
Jesuíno em sua frente e o esbofeteou. Daí, Jesuíno eliminou todos os homens da
família excluindo o que lhe matou (SOUZA, 1975, p. 18); o perseguidor de
cangaceiros, comissionados pelo governo para combater os cangaceiros que
invadiam as fazendas, sendo Manoel Cirilo, o mais duro, na sua opinião (SOUZA,
1976); a mulher sertaneja (dona de casa e suas filhas), diligentes, rendeiras,
corajosas, decididas, o inverso da mulher litorânea; o lavrador, pequeno agricultor; o
contador de histórias e de anedotas (sendo uma das mais divertidas, a do cachorro
veadeiro contada pelo farmacêutico boticário) na terceira carta de um sertanejo; o
padre da freguesia enfim, são tantas as figuras que representam o sertão, para ele,
ao ponto de dizer: “Quantas figuras sertanejas passam quase hora por hora na
minha lembrança [...]” (SOUZA, 1976, p. 19; SOUZA, 2003, p. 27). Contudo a figura
mais evocada por Eloy em toda a sua obra é a do vaqueiro. Eis as razões:
Os dias mais alegres da juventude eu os vivi entre os nossos vaqueiros,
ouvindo contar os lances arriscados da profissão, assistindo e muitas vezes
acompanhando-os na pega do gado manso e arisco, nesse entusiasmo
alucinante que me fazia segui-los inconsciente do perigo através do juremal
entrelaçado das terras baixas ou rompendo os cardos dos taboleiros
pedregosos
. [...]
Foi nessa idade que compreendi toda a poesia das tardes
em que o vaqueiro assentado no mourão da porteira começava a chamar o
gado curraleiro. Para mim não música mais evocativa do que a dessa
toada (SOUZA, 2003, p. 25-27).
Outras figuras também povoam esse cenário para Eloy são: o
comboieiro/tropeiro, o tangedor de comboio, ou seja, de tropas de animais de
28
Jesuíno Alves de Melo Calado (Jesuíno Brilhante) nascido em 1844, em Patu, Rio Grande do
Norte, tornou-se chefe de cangaço por causa de intrigas com a família Limão. Jesuíno agiu no
semiárido paraibano e potiguar de forma reta e justiceira, tirando do rico para dar ao pobre,
punindo os maus e combatendo o erro. Jesuíno morreu no Riacho dos Porcos, em Belém do Brejo
do Cruz, na Paraíba, no final da seca de 1879, atingido pelo visceral inimigo Preto Limão
(NONATO, 2000).
Jesuíno Brilhante “foi o único cangaceiro saído dos nossos sertões e com o qual os sertanejos
viviam em boa camaradagem, porque no seu ânimo nunca se apagaram completamente os
sentimentos nobres da raça. [...] um homem meão de altura, cabelos castanhos e corridos, olhos
azuis. [...].” (SOUZA, 1983, p.83-86). Observe-se aqui, Eloy elevando os sentimentos nobres, os
cabelos e os olhos azuis da raça branca em consonância com os Pretos, Limão.
201
cargas; curandeiros, benzedeiras; o jagunço, homem de arma, capanga, que
protege, seja o coronel ou alguém com quem tenha uma dívida de honra; acoitador,
aquele que dá asilo ou esconde a criminoso.
Apesar de Eloy falar de alguns coiteiros que acolheram Jesuíno Brilhante,
na Carta nº XVII do livro Cartas de um sertanejo, em Memórias ele diz que:
[...] na zona sertaneja não houve praticamente ‘coiteiros’, porque no Rio
Grande do Norte, não se conheceram famílias poderosas com inimizades e
ódios determinados de vinganças exterminadoras, ao contrário dos estados
limítrofes [...]. O criminoso mais célebre, Jesuíno Brilhante, era um D.
Quixote, vingador da honra das mulheres e viandante acariciador de crianças
e respeitador da velhice (SOUZA, 1975, p. 73).
Acrescem outros personagens do mundo animal, cavalo, carneiro, sapo,
galinha, porco, boi, animais abençoados, enquanto o gado caprino foi por muito
tempo amaldiçoado no sertão, por ser um bicho danado, pulador de cerca,
destruidor de roçados, na mentalidade popular, que dizem respeito ao sertão, que
Eloy completa a sua descrição passando inclusive, uma visão ecológica dessa
realidade (PEREIRA, 1982). Além da variedade de cobras (jararaca, cascavel),
lagartos, lagartixas, gaviões, papagaios, emas, seriemas, carcarás (SOUZA, 1975, p.
92-94).
As estratégias usadas por Eloy para a construção da cultura sertaneja
estão contidas nas categorias acima mencionadas, além de provérbios, aforismos,
máximas, adágios, que refletem a vida sertaneja nas superstições, nas crendices em
meizinha ou medicina caseira.
Provérbio, para Cascudo (1980, p. 639), “do latim, Pro verbum, denuncia a
oralidade funcional. Adágio, aforismo, máximas, anexim, valendo direção moral,
conduta advertência, em breves palavras, facilitando memorização imediata.”
Completado por Ferreira (2004, p. 1650), “[...] uma sentença de caráter prático e
popular, comum a todo um grupo social, expressa em forma sucinta e geralmente
rica em imagens; ditado, exemplo, refrão, refrém, rifão. Ex.: Casa de ferreiro, espeto
de pau.”
Seguem alguns aforismos da cultura sertaneja por ele apontados e
observe-se que todos estão voltados para a relação do homem com o clima.
202
Velho não é nada. A doença vem pela casa de Nosso Senhor Jesus Cristo e
o corpo do velho está pedindo rede e descanso. No inverno, é o
reumatismo, quando o é o puxado ou estalicídio; na seca, é a afrontação
do calor e o escurecimento da vista ou as malditas moradeiras, que não nos
deixam sossegar, a velhice é a pior de todas as moléstias (SOUZA, 1969, p.
7).
A alegria dos campos é igual à alegria da gente. Nas minhas imaginações de
sertanejo rude, quando a terra seca e preta começa a se cobrir de grama
verde, eu penso que esse verde é como o riso dos que estavam doentes e
ficaram bons, o contentamento dos que perderam um amor e acharam um
outro amor (SOUZA, 1969, p. 7).
Com essas máximas procurava mostrar a influência do clima no
comportamento das pessoas.
Sempre reparei que a propensão das crianças sertanejas acompanha as
mudanças da natureza. Essas criaturas, pelo inverno, quando os campos e
as serras, as várzeas e os cabeços estão cobertos de verduras, o braseiro da
terra aplacado pela chuva e os rios cheios de barreira à barreira, são mansas
e obedientes como cordeirinhos sem mãe e os seus brinquedos inocentes
como os pensamentos próprios da idade. Trepar nas árvores em procura dos
ninhos, correr pelos pátios atrás dos bezerros velozes, armar arapucas
debaixo das favelheiras pra apanhar as asas brancas ariscas ou nas veredas
nas cobertas pra pegar os nambus desconfiados e sestrosas juritis. [...]
Todas essas vadiações se passam em paz. Pela seca, entretanto, não sei se
devido à força do sol, a irritação das crianças é permanente, sendo raro o
brinquedo que não acaba por briga (SOUZA, 1969, p. 60).
Nesse sentido, Patativa do Assaré, poeta popular cearense, reforça o
pensamento de Eloy de Souza: “Chegando o tempo do inverno, tudo é amoroso e
terno, sentindo o Pai Eterno sua bondade sem fim. O nosso sertão amado,
estrumicado, pelado, fica logo transformado no mais bonito jardim.” (ASSARÉ, 1978,
p. 55).
Conforme Eloy a alteração do comportamento diante da mudança de clima
ocorre também entre os adultos no sertão.
A mesma coisa sucede aos homens. Pacíficos e cordatos durante o inverno,
ficam resiguentos, arengueiros e assomados no rigor da seca. Amigos de
muitos anos, muitas vezes, se esfaqueiam por um simples mal entendido. Ao
203
contrário disso, inimigos antigos se reconciliam quando as chuvas refrescam
as terras e enchem de fartura a casa do sertanejo (SOUZA, 1969, p. 60).
Conforme Raimundo Nonato, no prefácio do livro de sua autoria, Cartas de
um desconhecido, escrito sob o pseudônimo de Jacinto Canela de Ferro,
[...] Meio a esse cenário de perspectiva impressionante, foi que ele se
descobriu humano e sentimentalmente, o grande tipo característico da
geografia nordestina, procurando dar aos seus problemas seculares solução
mais razoável, inclusive com a recuperação e valorização de sua própria
gente, sempre desamparada e esquecida (SOUZA, 1969, p. 4).
Assim procura desmanchar a fama de indolente e preguiçoso do sertanejo
do Seridó, afirmando que:
O homem do Seridó trabalha sem descanso. Para ele não dia, nem hora,
nem chuva, nem sol. Mesmo no domingo, passada a hora da missa ele volta
ao trabalho interrompido. Não existe naquela ribeira vadios, e por essa razão
não há também quem peça esmola. Todos têm uma ocupação. As mulheres
cuidam da casa e dos filhos com amor e dedicação. Não luxo nas
habitações, mas a casa do sertanejo daquela ribeira é caiada por dentro e
por fora, e o chão ladrilhado está sempre varrido. O terreiro é espaçoso e
limpo à enxada (SOUZA, 1969, p. 47).
Continuando descreve de forma mais detalhada o trabalho feminino
Tanto quanto o homem, trabalha a dona de casa e trabalham as filhas. Nas
famílias remediadas ou chamadas ricas, a ocupação das mulheres é
propriamente caseira, sendo a mais pesada de todas e a mais trabalhosa o
204
fabrico do queijo de manteiga. Dia de queijo é dia perdido pra tudo mais.
Afora esse mister, mães e filhas costuram, fiam, fazem redes, cuidam da
criação, ou tecem panos grosseiros de algodão. As mulheres pobres ajudam
os maridos e pais na lavoura, trabalhando na enxada, na limpa dos roçados e
durante a safra tomando a sua conta o encargo de apanhar o algodão,
debulhar o milho, secar e bater o feijão e pilar o arroz. As próprias crianças
têm uma tarefa qualquer (SOUZA, 1969, p. 47).
Ressalta em detalhe como é feita a coalhada e o queijo, alimentos
regionais, dos mais fortes do sertão, que depende da árdua tarefa do vaqueiro no
trato da vaca para produzir o leite.
A arrumação de um curral não é labuta leviana, principalmente quando
muitas novilhas pra amansar, algumas que consentem arrear o bezerro
passadas no mourão, outras que enjeitam os filhos para fugirem à mão dos
tiradores de leite. Outras, por excessivamente amorosas, arremetem contra
as pessoas que se aproximam nos primeiros tempos do bezerro ainda
trôpego e meio abestado. As vacas mais velhas são, porém, em geral,
pacíficas e habituadas à toada do próprio nome: quando o vaqueiro grita pelo
bezerro da “Maravilha” ou “Ponta de Sede”, filho e mãe respondem à voz que
os chamou, poupando ao vaqueiro o trabalho de tanger pelo curral afora o
bezerro ainda inexperiente. Recolher a vacaria, enchiqueirar os bezerros,
tratar dos que ficam caruaras, curar os que apanham bicheira, habituá-los ao
arreador, e ao apojarem igualmente nos quatro peitos para não viciar a vaca
a esconder o leite, eis a canseira de uma fazenda ocupando quase noite e
dia, os vaqueiros, os filhos, homens e meninos, o camarada e mesmo
pessoas da vizinhança que por um pouco de leite dão até no serviço do
campo. Além dessas obrigações o tráfego do leite trazido do curral para
os potes, onde é despejado pelo coador feito de um pedaço de algodãozinho
amarrado à boca de cada um por uma correia fina quase sempre de couro de
bode. Cobertas as vizinhas, somente à noite, a mulher do vaqueiro vai
verificar qual dos potes está coalhado, escolhendo aquele que parece ter
talhado primeiro. É essa a ceia do sertanejo a coalhada branca e fresca
comida com farinha grossa, com ou sem doce conforme as posses dão para
comprar a rapadura ou algum açúcar mascavo (SOUZA, 1969, p. 52).
Depois de esclarecer minuciosamente toda essa trabalheira, diz o
procedimento da feitura do famoso queijo do Seridó.
205
A coalhada dos potes restantes é, no dia seguinte, depois de desnatada,
despejada dentro de sacos de algodão, os quais amarrados com reios na
parte superior, são depois dependurados nos giraus do quintal ou no
alpendre da casa, onde ficam para escorrer o soro aparado em tigelas ou
cuias grandes colocadas debaixo de cada uma. É essa a primeira parte do
fabrico do queijo de manteiga, trabalho aborrecido, quase sempre feito pelas
mulheres. Em seguida, a coalhada é escorrida, é fervida no leite e depois de
espremida ainda quente é cortada em pequeninos pedaços, salgada, e então
posta na manteiga derretida para cozinhar. Das tigelas de barro passa o
queijo imediatamente pros cinchos ou marca onde adquire forma e
resistência. O queijo feito em tacho de cobre, fica quase sempre muito
cozido, e com um gosto de azinhavre desagradável pela dificuldade de
asseio desse metal. A cor também é mais feia quer a da casca, quer a do
miolo, que com o tempo se torna escuro e fedorento (SOUZA, 1969, p. 53).
Raimundo Nonato ainda afirma que essas cartas constituíram “durante um
certo tempo da vida de A República, uma colaboração de notório interesse para os
leitores do periódico da campanha republicana, pela seriedade dos comentários”,
sobretudo por tratar de temas importantes da Região Nordeste, especialmente dos
sertões norte-rio-grandenses (NONATO, 1969, p. 3).
Ao citar os remédios caseiros feitos pela mulher sertaneja, Eloy demonstra
o seu vasto conhecimento do folclore voltado para a medicina popular.
29
Os remédios vinham do mato e, quando o mal não era de morte, a cura não
demorava. Se o doente estava se abrasando em febre e tinha muita sede,
uma xaropada de quina-quina ou de raiz de angélica punha-o de em
vinte e quatro horas. Nos casos de dor violenta debaixo das costelas, umas
purgas de buchas, tiradas as sementes, com aguardente de cana e açúcar
branco, aliviavam em pouco tempo o doente que, se não quebrava o
resguardo, ficava bom dentro de nove dias. Para ramo de ar a purga era de
frutas de pinhão manso torradas num caco de barro, e depois de piladas
desmanchando o pó em água morna. Antes de beber esse remédio, o
paciente devia por três vezes repetir as palavras “Nas horas de Deus e
Virgem Maria. Amém”. Sucedendo alguém receber uma pancada nos peitos
e botar sangue pela boca, a tintura de entre-casca de jucá bastava pra fazer
estancar. Certa ocasião, um vizinho, estava três dias branco como cal,
tais as golfadas que lhe saíam e por três vezes a velha Vicencinha tinha
tomado sangue de palavra por meio da oração própria, rezando com toda
fé, sem nenhuma melhora do enfermo. Diante da gravidade do mal, nos
29
Nesta obra dentre as 17 cartas de Eloy a Adauto da Câmara, destaca-se a carta nº 2 ,
demonstrando a sua preocupação com a saúde do amigo, pela cura dos remédios caseiros:
“Adauto, vai pelo portador um feixe de raízes de pega-pinto tirada do arisco de mão experiente.
Não mando indicação do modo de usar porque você não ignora a manipulação deste e de outros
remédios caseiros.” Essa é uma raiz que tem o poder de desobstruir o fígado, rins e bexiga, além
de excelente depurativo do sangue (BRITO, 2001. p. 27-28).
206
mandaram pedir socorro e logo a mulher acudiu com aquele remédio,
salvando da morte com cinco doses apenas. Até mesmo pra espinhela
caída a entre-casca do jucá é santa meisinha (SOUZA, 1969, 69).
Eloy, mesmo sabendo que o sertanejo era relegado e apor isso, põe o
sertão no ponto central, como referência de vida e por essa via, ele cria uma
ideologia como uma visão de mundo. Vê o sertão como um parâmetro, cujos
costumes servem de modelo para os demais locais. Vê as qualidades sertanejas e o
próprio sertão como valores culturais a preservar. E ele próprio se coloca como
instrumento, porta-voz do ideário e sentimento sertanejos.
O discurso de Eloy contempla, oferece símbolos, signos inerentes e
decodificadores do imaginário nordestino. Por isso sua obra recria nova identidade
sertaneja. A visão eloyana é essa vinculação de elementos culturais com o discurso
e a sua eficácia simbólica procurando situar o sertanejo num lugar de honra; daí
procura recriar espaços próprios da cultura sertaneja, tentando reconstruir um novo
mundo, beneficiado pelo desenvolvimento técnico, sem no entanto alterar a estrutura
da sociedade.
Enfim, Eloy de Souza se detém em todos os aspectos da vida material e
imaterial do homem sertanejo, valorizando e elevando ao máximo a sua cultura. O
sertão, a cultura sertaneja estão amplamente particularizados em sua obra, como as
atividades do cotidiano, o lúdico, a organização familiar reservando papéis distintos
para homens e mulheres, entre outras, compondo uma paisagem desse espaço,
portanto, bem representada e recriada. Nela, identidade, imaginário e a memória
sertaneja, estão juntas.
A busca de uma equiparação, sinônima de unidade, de homogeneidade
cultural e histórica com o objetivo de legitimação social o faz construir uma
identidade nordestina. Inventar e reinventar, hoje, tem sido posto como uma
discussão crucial para a própria existência do Nordeste, sendo que tal importância
não é algo dado, conforme interpretação de Albuquerque Júnior (2004, p. 193):
Quando se toma a região Nordeste como objeto de um trabalho, [...] este não
é um objeto neutro. Ele traz em si imagens e enunciados que foram fruto de
várias estratégias de poder que se cruzaram; de várias convenções que
estão dadas, de uma ordenação consagrada historicamente [...] São tipos e
estereótipos constituídos como essenciais
.
207
4.3 VISÃO SOCIAL E ECONÔMICA DA SECA
A palavra seca, referida a uma porção do território habitado pelo homem,
tem significação muito mais compreensiva. Com efeito, o fenômeno físico
da escassez da chuva influi no homem de uma região pela alteração
profunda das condições econômicas que, por sua vez, se reflete na ordem
social.
Miquel Arrojado Ribeiro Lisboa
Desde o período colonial, até hoje as secas provocam desordem
econômica e social na Região Nordeste, mas, só passaram a ser consideradas
como um problema relevante no século XVIII, com a penetração da população
branca nos sertões, com o aumento da densidade demográfica e com a expansão
da pecuária bovina. Apenas quando entraram de forma permanente nos relatos
históricos enfatizando a calamidade da fome e acusando os prejuízos dos
colonizadores e das fazendas de gado.
Julgamentos superficiais sobre o fenômeno e interesses políticos locais
conduziram à construção de explicações reducionistas dos problemas regionais
como produtos de condições naturais adversas, do clima, da terra e de sua gente. A
seca tornou-se vilã do drama nordestino, a principal imagem de “uma terra
estorricada, amaldiçoada, esquecida de Deus” (CASTRO, 1967, p.168). “[...]
Sofrimento que caminha para quatro séculos, nessa luta desigual do homem contra
a ‘natureza madrasta’.” (SOUZA,1976, p. 8. Grifo do autor).
Do final do século XIX para o início do culo XX, começaram os estudos
mais sistematizados sobre a problemática quando as ocorrências de secas
prolongadas colocaram em risco o povoamento
e as atividades econômicas no sertão nordestino. Tentavam descobrir e
explicar as cauqsas naturais do fenômeno das secas no Nordeste. Tanto a visão
parcial do Semiárido, como a região das secas, conduziu à adoção de soluções
fragmentadas, cujo núcleo gerador é o combate à seca e aos seus efeitos.
Na primeira metade do culo XX, surgiram outros olhares críticos sobre
as causas estruturais e as consequências da miséria na região semi-árida, a
exemplo de Josué de Castro, ao lançar os primeiros documentários que embasariam
208
a sua Geografia da Fome. O autor desmistificava as causas dos surtos de fome nas
secas atribuindo como a expressão da concentração fundiária, da renda e do poder
(CASTRO, 2001).
Outra contribuição fundamental para desvendar essa situação foi dada
pelo economista Celso Furtado (1959; 1989). Trata-se de um diagnóstico preciso da
seca como crise de produção de uma economia débil, marcada pela baixa
produtividade e pelo reduzido grau de integração nos mercados, sujeita a crises
periódicas nas estiagens prolongadas. Porém, até hoje, reproduz-se o uso político
da seca, transformando-a no “cavalo de batalha em cujos costados se põe toda a
culpa da miséria nordestina.” (CASTRO, 1968, p. 90).
Outros autores desse período, também podem ser citados, Joaquim Alves
(1982); Thomas Pompeu Sobrinho (1982); José Guimarães Duque (2001); Manuel
Correia de Andrade (1999); Marco Antonio Villa (2000), entre outros.
As análises sociológicas ganharam destaque ao enfatizar a forma
predominante de ocupação e exploração do território pelos colonizadores e seus
sucessores que levaram à concentração das riquezas e do poder político, gerando
miséria e dependência da maioria da população sertaneja. Essa visão crítica da
realidade desmistificou as ações de combate à seca que, além de ineficazes,
reproduziam as estruturas locais de dominação.
A seca carrega consigo os marcos simbólicos da cultura do Nordeste, cujo
nordestino se destaca como resistente por se readaptar aos lugares sem perder de
vista, sem abandonar suas raízes, mesmo que fiquem latentes, hibernando para o
acontecer do mito do retorno, quando voltará ao seu lugar de origem:
Rio de Janeiro bota um visgo na gente
É terra boa pro caboco farrear
Eu só num fico porque Rosa diz: Oxente!
Será que o Zeca já deixou de me amar
E desse jeito pode ser que que o diabo atente
Minha Rosa, descontente, bote outro em meu lugá
Tal qual Eloy de Souza, Luiz Gonzaga mapeia a cultura sertaneja em suas
diversas matizes e temáticas. Uma miscelânia de temas são explorados pelo
209
compositor e ambos descrevem não aspectos da paisagem natural do Sertão,
mas também falam de experiências de vida próprias do homem do campo; de
práticas sociais peculiares ao contexto político e econômico relativo às secas; de
uma cultura que é comum à maioria da população regional.
Para o grupo social dos nordestinos ainda há uma relação importante com
a natureza, com as paisagens ambientais como bem ressaltam Eloy e Gonzaga
descrevendo, por isso, um gênero de vida: os atributos sociais, o trabalho, a cultura,
todos os elementos que identificam o sertão e o sertanejo.
Ser nordestino, e a autoatribuição de sê-lo, para Gonzaga, é também uma
forma de resistência à rejeição e à desterritorialização. E, segundo Eloy de Souza,
uma forma de resistência à discriminação social e regional. Ambos evocam um
corpo imagético para dar sentido ao mundo, referenciais para entendê-lo,
construindo uma “nova” realidade para o real posto; uma identidade social, o seu
lugar no mundo e novos significados fixados no imaginário coletivo.
Contudo, o foco de Eloy de Souza é na verdade a seca que não é dilema
somente para ser enfrentado pelo vaqueiro, mas, também pela mulher sertaneja,
que trabalha ao seu lado nesse desafio, que ele o tempo todo está a elevar o seu
papel na sociedade brasileira, lembrando que o criador, o fazendeiro não sofre abalo
igual numa seca que o sertanejo desarremediado. Ele, o fazendeiro, como diz o
matuto, tem “pano pras mangas”.
Aliás, a seca é um problema antiquíssimo, bastante polêmico por sinal, de
muitas facetas, cujas discussões partiram de inúmeras pessoas gerando opiniões
diversas a respeito. Muitos contribuem e agregam novos conhecimentos e novas
visões. Conceituar seca é a primeira dificuldade que enfrenta quem escreve sobre o
tema. Não há uma definição universalmente aceita.
No âmbito socioeconômico, uma seca está relacionada ao campo das
atividades humanas afetadas, aos problemas sociais e econômicos gerados.
Diversos outros pontos de vista poderiam ser enfocados, porém o que interessa aqui
é a visão sócio-econômica e cultural da seca.
Pode-se dizer que dois tipos de seca no Nordeste, a anual que dura de
sete a oito meses, correspondendo ao longo período de estio entre dois períodos
chuvosos de três a quatro meses, e que não é considerado um grande problema, de
vez que o sertanejo está adaptado a ela e dispõe de reservatórios de água que
possibilitam atravessar este período. Ao lado desta existem as secas periódicas, que
210
se efetivam quando em um período normalmente chuvoso - dezembro a março - não
caem as chuvas esperadas, fazendo com que aquele período seco de sete a oito
meses se estenda por dois e às vezes três a quatro anos.
Os dilemas das secas, ou seja, os problemas que elas acarretam,
resultam em prejuízos econômicos e sociais, gerando efeito em cadeia. Assim, no
Nordeste brasileiro, a palavra seca adquiriu uma conotação bem particular. A seca
está intimamente associada à ausência de colheita, morte do gado, à falta de
alimentos, fome e sede, desencadeando a inanição, fraqueza física, indisposição,
predisposição às doenças (demandando médico, remédios, gastos), além de
epidemias, êxodo rural, desvalorização da mãodeobra, desemprego, subemprego,
prostituição, saques, roubos, flagelados, invasões de terras. E ainda, a xique-xique,
penúria, aos carros pipas e às frentes de serviço.
Para o sertanejo, seca, dilemas e catástrofe social são sinônimos. Por sua
vez, a palavra inverno também adquiriu um significado próprio distinto do seu
sentido universal de uma das quatro estações do ano. Para quem desconhece o
conceito regional, a afirmação de um ano sem inverno soa tão absurda à de um ano
sem os meses de junho, julho e agosto. O nordestino entende inverno como a
ocorrência de chuvas regularmente distribuídas ao longo do período tradicional de
cultivo (fevereiro-maio, normalmente) em quantidade suficiente para proporcionar
uma boa safra agrícola. É da ocorrência de um “bom inverno”, ou boa safra, que
depende a subsistência de uma grande massa de agricultores que habitam a
Região.
Para essa população um ano pode ser dividido em duas estações: inverno
e verão ou seca (quando o verão é prolongado). Espera-se o inverno no primeiro
semestre e verão (ou persistência da seca) no segundo semestre. Desse modo, o
conhecimento da estação chuvosa, do total de chuva precipitada, de como elas se
distribuem ao longo do tempo, o de primordial importância para que se possa
majorar a produção agrícola em um dado local. A previsão do inverno, quando
dentro de uma pequena margem de erro, poderá vir a constituir-se também em uma
excelente ferramenta ao gerenciamento das águas pluviais.
O aspecto cultural da seca também está intimamente relacionado ao
aspecto da religiosidade, pois o sertanejo com a sua em Deus acredita que o
inverno é fruto da providência divina. Daí recorre-se outra vez à música de Luiz
Gonzaga, que retrata este faceta da cultura sertaneja.
211
Asa Branca
Luíz Gonzaga
Composição: Luiz Gonzaga / Humberto Teixeira
Quando oiei a terra ardendo
Qual fogueira de São João
Eu preguntei a Deus do céu,ai
Por que tamanha judiação
Que braseiro, que fornaia
Nem um pé de prantação
Por farta d'água perdi meu gado
Morreu de sede meu alazão
Inté mesmo a asa branca
Bateu asas do sertão
"Intonce" eu disse adeus Rosinha
Guarda contigo meu coração
Hoje longe muitas léguas
Numa triste solidão
Espero a chuva cair de novo
Para eu vortar pro meu sertão
Quando o verde dos teus oios
Se espaiar na prantação
Eu te asseguro não chore não, viu
Que eu vortarei, viu
Meu coração.
212
213
5 O NORDESTE E A SECA: UM PROBLEMA POLÍTICO
Desde as primeiras iniciativas governamentais, pesaram os interesses
políticos das oligarquias sertanejas no Nordeste, transformando o combate à
seca em um grande negócio: esses donos da vida das terras e dos rebanhos
agem sempre durante as secas, mais comovidos pela perda de seu gado do
que pelo peso do flagelo que recai sobre os trabalhadores sertanejos, e
sempre predispostos a se apropriarem das ajudas governamentais aos
flagelados.
Darcy Ribeiro
Esta parte tratará do Nordeste e da seca como um problema político.
Logo, não se considera a seca como a maior responsável pelo atraso da região. “Por
trás da seca, e muito antes do seu aparecimento, existe e persiste uma estrutura
social nacional que mantém o Nordeste numa situação de dependência e
subordinação.” (SOUZA; MEDEIROS FILHO, 1983, p. 7).
A questão da seca durante muito tempo foi abordada unicamente como
um problema natural, pois muitos estudos ainda se prendem a uma visão do
fenômeno como puramente climático. Porém, existe atualmente uma vasta literatura
que pensa a seca como um problema com repercussões históricas e sociais, mas
muitas ainda naturalizam o fenômeno, não o abordando como processo histórico de
práticas e discursos, como uma “invenção histórica e social”, mas, como falta de
água.
Segundo Andrade (1985, p. 7), a questão da seca não se resume tão
somente à falta de água. A rigor, não falta água no Nordeste. Faltam soluções para
resolver a sua distribuição e as dificuldades de aproveitamento. É “necessário
desmistificar a seca como elemento desestabilizador da economia e da vida social
nordestina e como fonte de elevadas despesas para a União [...]”, ou seja,
desmistificar a idéia de que a seca, sendo um fenômeno natural, é responsável pela
fome e pela miséria que dominam na região.
Conforme Maria Conceição Maciel Filgueira no seu livro, Meu Pai Maciel:
memória rediviva, no final do século XIX para o início do século XX,
214
[...] era sacrificada a primeira área de povoamento do Brasil, a Região
Nordeste, identificada como região agrária, semi-feudal, escravocrata,
monoculatora, da caatinga, do semi-árido, das secas, da miséria, da fome, do
latifúndio, das injustiças de toda sorte sobretudo, por parte do poderio das
oligarquias (FILGUEIRA, 2000, p. 23).
Continuando ela explica que, essas oligarquias eram constituídas de
famílias patriarcais que se ligavam aos governos estaduais ou nacionais visando
deter o poder político em uma dada região, “através do oligarca ou coronel (termo
este, advindo da patente de coronel que era dada ao chefe local da Guarda
Nacional, que depois se estendeu a qualquer potentado local).” (FILGUEIRA, 2000,
p. 23).
Para a referida autora
Era mesmo espantosa a força dos ‘coronéis’, a partir do final do Império e
começo da República. Trazia no ‘cabresto’ a maior parte das pessoas da
região, dominando principalmente a massa trabalhadora sem terra pela
exploração do seu suor, pagando-lhe salários de fome além de manobrar as
eleições no meio rural, sendo eleitos seus parentes ou protegidos ‘a bico de
pena’, fortificando dessa forma, as oligarquias políticas (FILGUEIRA, 2000, p.
23-24, grifo do autor).
Nesse sentido, o Governo Federal, ao abdicar da adoção de medidas
preventivas no combate à seca, colhe os benefícios da indústria de votos, uma
tradição oligárquica nordestina, que sobrevive da miséria alheia.
Reforçando esse raciocínio, o engenheiro Roberto Duarte Vidal Filho
prefaciando o livro, A civilização da seca, de autoria de Paulo de Brito Guerra,
baseado no conteúdo desse livro, afirma que:
/
[...] a atuação dos governos centrais sobre esta vasta região [...] se sucedem
sempre de maneira igual: seca, aplicam-se recursos para que brasileiros
não morram à míngua; não há seca, a pobre região nordestina é abandonada
à própria sorte; seca, programas são criados, para serem desativados
logo quando aparecem as primeiras chuvas do próximo inverno; não há seca,
215
jamais procura-se investir na terra fértil, mas sedenta, para torná-la mais
resistente a um flagelo climático futuro. E o que se observa é que a epopéia
nordestina continua, sem que tenha havido, até hoje, uma firme resolução de
mudar substancialmente o quadro que apresenta esta grande extensão do
território brasileiro, um dos maiores bolsões de pobreza do mundo
(GUERRA, 1981, p. 17).
Contudo, não se pode negar que o Nordeste tem evoluído desde a
primeira metade do século XX, a partir do DNOCS, o primeiro órgão federal de
combate as secas, que não fez obras para a irrigação. Também implantou obras
de engenharia baseadas em pesquisas, geológicas, hidrológicas, botânicas,
geográficas, mineralógicas, pois esse órgão desenvolveu a pesquisa antes mesmo
das universidades, resultando em construção de estradas, estradas de ferro, açudes
e hospitais, dentre outras. E ainda cuidou da educação. Essa região evoluiu,
conforme Francisco de Oliveira em A metamorfose da arribaçã (1990), com a criação
da SUDENE em 1959 e, sobretudo, com a adoção dos mecanismos de dedução
fiscal para investimentos no Nordeste, conhecidos anteriormente, como dispositivo
34/18. Também com o FINOR (Fundo de Investimento do Nordeste), um benefício
fiscal concedido pelo Governo Federal, criado pelo Decreto-Lei 1.376, de
12.12.1974, graças ao qual, a região vem passando por importantes transformações
econômicas e sociais, não dependendo apenas do setor primário.
No entanto, ainda não é prioridade nacional, pois o Governo Federal, ao
invés de aplicar as diversas tecnologias disponíveis para sanar definitivamente a
questão da água para as populações pobres do Nordeste, ainda opta por uma
política assistencialista, que lhe garante votos em troca de precárias cestas básicas
e frentes emergenciais de trabalho.
Mas, o se deve jogar a responsabilidade do descaso e atraso do
Nordeste toda para o alto”, ou seja, para o governo federal. Os governos estaduais
e municipais também têm a sua parcela de inoperância frente aos dilemas das
secas. Além do mais pesa, sobretudo, a existência de uma estrutura
socioeconômica injusta e predatória, contribuindo para o próprio atraso dessa
estrutura. Inclusive, os fazendeiros, melhor dizendo, os coronéis que imperavam na
época não sentiam os efeitos das secas da mesma forma que os trabalhadores
sofriam.
216
Desse modo, as ações, comportamentos, manobras, entendimentos e ou
desentendimentos dos homens (os políticos) se dão em relação a essa área do país,
tendo em vista a conquista, o interesse e a manutenção do poder, por vezes
adotando uma forma de fazer política com o sofrimento e a miséria do povo,
sobretudo, do sertanejo. Quanto ao sentido de política, para Nicolau Maquiavel
(1469-1527), em O Príncipe, é a arte de conquistar, manter e exercer o poder, o
governo (MAQUIAVEL, 1977).
Sendo assim, rejeita-se a noção propagada e esteriotipada do Nordeste
como “região inviável”, rótulo este, que distorceu e concorreu para alastrar e
intensificar as dificuldades que essa região apresenta. Embora sofresse com a seca
tempos, o sertão transformou-se, a partir do século XIX, na principal imagem do
atraso do Brasil.
Sabe-se que existe solução para o Nordeste, que ele é viável. O seu
atraso são provenientes mais da ação ou omissão dos homens de governo e da
concepção da sociedade que foi implantada, do que propriamente das secas de que
é vítima.
As alternativas de solução existem, e não são implementadas a contento
porque, na verdade, tem faltado aos administradores públicos ações palpáveis,
estruturantes no semiárido. Ademais, as ações política dependem de vários fatores,
como mobilizações, circunstâncias e de um conjunto de forças que se correlacionam
no sentido de atender determinados interesses. E tem faltado porque concretizá-las
significa contrariar interesses, muitas vezes situados na base de apoio parlamentar
do governo.
Nesse sentido, entender o Nordeste e a seca como um problema político,
implica no entendimento desses vários fatores que caracterizam a política.
Nessa perspectiva, esta parte que trata do reconhecimento das chagas da
região, diante das mazelas sociais, será subdividida em mais três: a primeira
abordará a ação de alguns interlocutores norte-rio-grandenses que se debateram
sobre os problemas das secas do Nordeste, voltando-se para o Rio Grande do
Norte. A segunda tratará da luta de Eloy para combater o problema da seca
apontando algumas alternativas como a irrigação e discutirá os resultados
alcançados com os seus projetos políticos e a terceira apontará os resultados do
discurso de Eloy de Souza como intelectual orgânico.
217
5.1 INTERPRETAÇÕES DE ALGUNS NORTE-RIO-GRANDENSES SOBRE O
NORDESTE E A SECA
[...] Será licito ficarmos de braços cruzados, vendo imbecilmente a destruição
de nossas riquezas, assistindo com o estoicismo de um fatalismo idiota, às
devastações que o sol e os alísios ocasionam nesses campos.
Manoel Dantas
Sem portentosas obras de irrigação a nossa vida continuará precária e
eternamente jungida a esse sofrimento que caminha para o quarto século,
nessa luta desigual do homem contra a natureza madrasta.
Eloy de Souza
Aqui serão destacados alguns norte-rio-grandenses que não se
preocuparam com os problemas do Nordeste e os dilemas das secas no final do
século XIX e início do culo XX, mas que deixaram valiosas contribuições no intuito
de solucioná-los, e que ainda são referências capitais, porquanto, substanciais e
atuais.
Dentre outros, destacam-se, os precursores dessa temática no Estado,
Manoel Dantas, Augusto Severo, Juvenal Lamartine, Oswaldo Lamartine, Tavares
de Lyra, Felipe Guerra, Otto Guerra, Paulo Guerra, Joaquim Inácio, Eloy de Souza,
Câmara Cascudo, e Raimundo Nonato, todos de uma geração que deve ser
reconhecida como, os clássicos da seca.
Vale salientar que, grande parte desses autores que se dedicaram à
questão tomaram, como referência, o Sertão do Seridó potiguar, fossem eles
seridoenses ou não, a exemplo de Eloy de Souza, que mesmo o sendo desse
local o ressalta em Costumes locais, Cartas de um sertanejo e Cartas de um
desconhecido, como terra sua, tomando para si as suas dores e dissabores, na
intenção de amenizá-las. Outros se ativeram a outras localidades como Mossoró,
Martins, Augusto Severo, Assu e assim por diante.
O Seridó, de acordo com Manoel Dantas (1867-1924), em Homens de
outrora, foi o último núcleo de povoamento do Estado a se formar, após o extermínio
da população indígena, sendo o primeiro foco o litoral e o segundo, o da ribeira do
Assu e do Apodi, que se ligava à capital pelas estradas do vale de Ceará Mirim e
dos portos de Macau e Mossoró (DANTAS, 1941, p. 39).
218
Por conseguinte, seus primeiros povoadores no início do século XVIII
foram paraibanos e pernambucanos que, diante desse constante contato, justificam
a formação de uma “cultura intelectual pouco comum no alto sertão.” (DANTAS,
1941, p. 40).
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, IBGE, o Seridó
situa-se na porção centro-meridional do Rio Grande do Norte e, atualmente é
representado pelos territórios de dezessete municípios. Os municípios que
compõem o Seridó Ocidental são: Caicó, Ipueira, Jardim de Piranhas, São
Fernando, São João do Sabugí, Serra Negra do Norte e Timbaúba dos Batistas; o
Seridó Oriental tem os seguintes municípios na sua constituição: Acari, Carnaúba
dos Dantas, Cruzeta, Currais Novos, Equador, Jardim do Seridó, Ouro Branco,
Parelhas, Santana do Seridó e São José do Seridó.
Porém, o Seridó e as demais localidades do Rio Grande do Norte o
configurados pelos autores potiguares através de narrativa decorrente do discurso
historiográfico, instituído na relação entre o lugar social desses autores e da prática
discursiva, gerando um estatuto de autoridade do sujeito e de seu espaço.
O Seridó torna-se, então, o espaço da intimidade, traduzido em narrativa
histórica particular e singular de cada um dos autores que sentem o desejo de falar
de sua terra, de (re)afirmar um estatuto de mando fosse político, das letras ou
econômico (BACHELARD, 1993).
Esses interlocutores delineavam um lugar próprio para tal locução, o do
pertencimento. Vislumbrar a escrita é ver seus autores, sujeitos de discursos que
expressam maneiras de subjetivação e vivência dos códigos que definem suas
concepções.
Pensar a relação entre autor e texto significa considerar que sua função é
caracterizar a existência e a circulação de certos discursos numa dada sociedade.
Buscar o autor é dar visibilidade ao lugar particular do sujeito do discurso, os lugares
de autoria, que estão articulados com a história das formas de pensamento.
Assim o espaço subjetivo era o que lhes davam a autoridade em seus
escritos. Falar das lembranças, das secas como problema, divulgar o homem do
Sertão como forte, afirmava para os autores o estatuto de autoridade em termos de
escrever, representar e dizer o local. Daí, as configurações do Seridó no discurso
historiográfico comporem um corpo, um corpo escrito (CERTEAU, 2002) e dessa
forma, o espaço do eu se confunde com a escrita de si e a escrita da história.
219
Face ao exposto, inicia-se com Manoel Dantas (1867-1924), tratando da
realidade do Seridó. Em Homens de outrora, apresenta a seca no seu discurso
historiográfico, como a temática que envolve o espaço e os homens. Desse modo,
afirma que as secas “[...] periodicamente flagelam os Estados do Nordeste que
devem, por igual, preocupar governos e povos, todos eles sofrendo diretamente
suas consequências.” (DANTAS, 1941, p. 111).
Quando ele discute a vida sertaneja, o problema das secas está pensando
como o sertão está em toda parte, em cada vivente, como um espaço marcado pela
prática da pecuária que precisa utilizar a técnica para possibilitar o progresso. Ele
como Eloy de Souza vislumbravam o progresso da região; que Eloy foi mais
além, buscou soluções práticas, sendo considerado um dos maiores estudiosos do
assunto da seca à época, conforme José Augusto Bezerra de Medeiros (1884-1971)
em As secas do Rio Grande do Norte, escrito em 1932: os grandes estudiosos
nordestinos da questão regional e da seca à época chamavam-se Eloy de Souza e
Felipe Guerra no Estado e Idelfonso Albano (1885-1957) no Ceará. (AUGUSTO,
1989).
José Augusto ao tratar do sertão, em Seridó (1954) faz um recorte
espacial a partir de explicações históricas, econômicas e políticas, escrevendo e
prescrevendo o Seridó, tornando-o vivo, ao mesmo tempo em que o apresenta como
o espaço estorricado, seco e duro. Com efeito, sanar o flagelo das secas era
fornecer ao homem as possibilidades de nela e dela viver, inserir-se a ela para
extrair a vida. O Seridó é um desafio, é um lugar marcado por estiagens e a
enunciação mais recorrente ao longo da obra é dar condições para o homem vencer
a natureza, superar suas barreiras e fazer da terra plantio de produção do algodão
de finas fibras. O sertão é um texto e o Seridó é a narrativa deste.
Mesmo não se considerando tão conhecedor quanto Eloy e Felipe Guerra
acerca do assunto, se atreve a apontar as características econômicas do Seridó,
historicizando os usos do espaço, imaginando-o como um grande palimpsesto com
marcas de uma colonização através das fazendas de gado, da bravura dos
vaqueiros, do cultivo do algodão, vislumbrando o progresso econômico. A natureza
atravessa sua narrativa, ditando formas de pensar e agir sobre o espaço como
objeto de análise.
220
A vida do Seridó na sua visão é, enfim, uma eterna peleja com o espaço,
luta com a seca, enfrentando a aridez, levando a uma exigência de novas
alternativas para dirimir o impasse existente entre a natureza e o homem
Juvenal Lamartine de Faria (1874-1956) era outro seridoense, de Serra
Negra do Norte preocupado com o sertão, ligando-o às suas vivências e desejos
trazidos da memória, do viver e do rememorar de uma vida rural de muita labuta. É
ele, o autor de Velhos Costumes do meu Sertão, cujo enredo é pautado nas
lembranças das conversas no copiar da fazenda, nas histórias ouvidas em noites de
luar, nas comidas e festas na infância e primeira juventude.
A narrativa de Lamartine é a voz do sertanejo contando os velhos
costumes de seu sertão, composto de lugares de memória, lugares de uma memória
conservada por identificações quanto ao ser cultural preso às histórias do gado, do
indígena, do senhor da fazenda, da devoção cristã, da intrepidez de uma terra que
produz homens fortes, e assim por diante.
Para ele, a natureza tem o homem como o autor modelador, aquele que a
transforma. Assim, via o homem como um dos agentes construtores de novas
naturezas, que são configuradas a partir da noção de espaço transformado pelo
homem. Ela seria envolvida pelo gesso da tradição, daí o autor evocar a
necessidade de escrever sobre o sertão de outrora para fixar um espaço vivido e
assim manter vivo os seus velhos costumes.
Seguindo a tendência do pai, o natalense, Oswaldo Lamartine de Faria
(1919-2007), tinha suas raízes familiares em Serra Negra do Norte, região do
Seridó. Caçula dos dez filhos do ex-governador Juvenal Lamartine de Faria e Silvina
Bezerra de Faria, apesar de ter morado em lugares como Minas Gerais, Rio de
Janeiro, Fortaleza e Recife, nunca esqueceu de sua origem potiguar.
Durante anos se dedicou à fazenda Lagoa Nova, propriedade de sua
família em São Paulo do Potengi-RN e começou a observar os costumes e a
cultura do sertão, tornando-se grande estudioso da problemática da seca e do
Nordeste brasileiro, priorizando a vida do sertão, a pescaria e açudes.
Começou sua produção literária a partir de 1940, consagrando-se como
grande sertanista brasileiro, diante do trabalho etnográfico sobre a região em
Sertões do Seridó.
Também, coloca-se como o locutor do Sertão de nunca mais, sucumbido
pela
terraplanagem cultural da eletricidade, da eletrônica, das estradas, dos
221
meios de comunicação
. O homem é sempre um interventor junto à natureza e suas
possibilidades.
Tratando da realidade do Nordeste e da seca de um modo mais geral, o
macaibense, Tavares de Lyra (1872-1958), historiador de renome nacional, político
que em 1904-1906, governou o Estado em um período de seca, não se ateve
apenas ao Seridó. Quando convidado pelo conselheiro Afonso Pena, ministro de
Justiça e Interior exerceu tal função com eficiência até 1909, apoiando inclusive Eloy
de Souza, na sua defesa em favor da região. Após a morte do presidente Afonso
Pena, Tavares de Lyra abandonou momentaneamente a vida pública.
É autor dos livros, Domínio holandês no Brasil especialmente no Rio
Grande do Norte, História do Rio Grande do Norte, sua obra mais importante e
também, As secas do Nordeste, ressaltando o descaso e a omissão do governo ao
problema das secas, que assolavam periodicamente a região, desde os tempos
coloniais.
Aponta ainda que a ação do governo nesse período era manifestada
apenas pela distribuição tardia de socorros, quando a crise tinha atingido o maior
grau de intensidade. Por conseguinte, “a imprevidência dos governos frente às
secas tornou-se um legado que passou da Colônia para o Império e deste à
República, não se tomando medidas definitivas, ao ponto de a situação atingir o
auge de sua cronicidade.” (LYRA, 1981, p. 40-41).
Tavares de Lyra ainda apresenta um quadro demonstrativo das secas
ocorridas nos séculos XVIII e XIX (LYRA, 1981, p. 42).
Tabela 1- SECAS DOS SÉCULOS XVIII E XIX
SÉCULO XVIII
SÉCULO XIX
1710-1711
1723-1727
1744-1745
1791-1793
1777-1778
1809-1810
1824-1825
1844-1845
1877-1879*
1888-1889
Fonte: Lyra (1981).
Nota: *Grifo nosso.
222
Diante desse quadro, é lamentável que, mesmo com o registro de todas
essas secas, apenas em 1877-1879, pela primeira vez, se recebeu auxílios públicos,
sem, no entanto, obter resultados eficazes (DANTAS, 1941, p.118-121).
Mas, a temática do Nordeste e da seca que assola essa região para
Felipe Neri de Brito Guerra (1867-1951), era uma tônica da família. Remonta do seu
bisavô paterno, Manoel Antônio Dantas Corrêa, de quem ele descreve uma crônica
de 1847, de sua autoria, no seu livro clássico, Secas contra seca, tratando das
calamidades ocorridas no ano de 1600 e as suas conseqüências, sobretudo, a fome
e, por conseguinte, a morte do sertanejo e do gado (GUERRA; GUERRA, 1909).
No entanto, em Secas do Nordeste Felipe Guerra lamenta que não exista
uma história das secas do Nordeste nem mesmo uma cronologia completa.”
Considera que o que há a respeito é uma “literatura fragmentária” que é mais
abundante no Ceará. No Rio Grande do Norte se conhece muito pouco (GUERRA,
1951, p. 201).
Remontando ao século do descobrimento e ao seguinte, ele afirma que,
O Padre Serafim Leite, S. J. (História da Companhia de Jesus) alude a secas
na Bahia e Pernambuco no século XVI, portanto no século do descobrimento,
fazendo as crônicas referências aos anos de 1559, 1564, 1592. Passando ao
século seguinte, João Brígido em seu ‘Resumo da História do Ceará’, diz que
em 1600 houve uma grande seca. Em relação ao ano de 1692, essa
publicação diz: ‘Nesse ano deu-se uma seca na qual Pernambuco sofreu
muito. Naturalmente esta seca se estendeu ao Ceará; e se na Província não
notícia dela, é que nada ficou nos seus arquivos e o Ceará tinha então
mui diminuta população (GUERRA, 1951, p. 202).
Nesse sentido, percebe-se, que Felipe Guerra tinha razão ao dizer que
praticamente eram inexistentes e incompletos os registros sobre as secas, pois
desse período nada consta do Rio Grande do Norte e Paraíba, que segundo ele
eram os chamados estados da zona central da seca, ao lado do Ceará.
Da mesma família de Felipe Guerra, era Francisco de Brito Guerra (1777-
1845), Padre Guerra, que embora nascido na região de Assu, tornara-se um
autêntico seridoense e a mais importante figura de político potiguar no Império,
mantendo estreita amizade com o regente Diogo Feijó. Como Senador e Deputado,
teve “a iniciativa de combater as mazelas da região pela ação de homem blico,
que na sede da nação ainda não federada, precisava mais que nunca de
competência e habilidade para chamar a atenção do compromisso nacional para
223
com o Nordeste.” (GURGEL, [2003?], p. 5-14). Além do mais fundou a imprensa do
Rio Grande do Norte e bateu-se pela abertura do porto de Natal.” (GUERRA, 2004,
p.5).
Porém, dessa família, o que primeiro procurou abraçar a causa sertaneja
foi Felipe Guerra, firmando-se em dois pontos básicos: a açudagem e a instrução
pública.
Em todos os lugares em que tenho residido proponho-me a lecionar, fazendo
o papel de mestre-escola, quasi sempre gratuitamente. D’haí vários artigos
publicados pela imprensa; e como meios de despertar espíritos adultos, a
propaganda sobre a açudagem (GUERRA; GUERRA, 1909, p. 4).
Conforme Eloy de Souza
Teve em nossa terra a primazia como propagandista da açudagem, único
meio de atenuar os efeitos das calamidades climatéricas. Não se limitou a
escrever artigos exaustivos para demonstrar essa iniludível verdade. Quando
Deputado criou um projeto de lei concedendo prêmios aos fazendeiros e
agricultores que construíssem pequenos reservatórios destinados aos
rebanhos e ao plantio de vazante (SOUZA, 2003, p. 5-6).
Mas, o próprio Eloy afirma que esse projeto foi rejeitado, pois “os tempos
ainda não estavam maduros para que pudessem vingar iniciativas consideradas
meras divagações e sonho de um moço sertanejo.” (SOUZA, 2003, p. 6).
Após se reconciliar com Felipe Guerra, intermediado pelo seu filho Otto
Guerra, Eloy escreve um artigo reconhecendo e enaltecendo o trabalho de Felipe
pela causa do nordeste, publicado no jornal “Diário de Natal”, em 21-12-1947, que
foi incluído no livro, O Mossoroense Felipe Guerra, organizado por Vingt-Un Rosado.
Nele SOUZA (2003, p. 9) afirma que:
O Desembargador Felipe Guerra tem sido no Rio Grande do Norte, o
defensor mais atento e mais capaz dos interesses ligados à debelação das
224
secas, não é menos verdade que por uma convicção igual coloca acima da
solução desse problema a instrução e educação do povo. É ele quem o
afirma em palavras muito precisas e numa demonstração percuciente. Na
juventude ensinou em várias cidades do interior as primeiras letras a crianças
que não podiam freqüentar escolas públicas, por falta de meios. Em Caicó
fundou o Centro Educativo que inaugurou, pronunciando um discurso com
idéias e compreensão dos caicoenses, instruídos ou não.
Além do livro clássico, Secas contra as secas e Secas do Nordeste,
escreveu, Ainda Nordeste, no qual ele trava uma polêmica com o engenheiro Zenon
Fleury Monteiro, autor de, A margem dos Carirys, depreciando as qualidades dos
nordestinos, após dois anos que passou nos Carirys da Paraíba como engenheiro
das secas. Felipe também publicou, Nordete Semi-árido e A seca de 1915. O
primeiro tratando mais precisamente do Semiárido e o segundo descrevendo o
drama da seca de 1915 em Mossoró, onde ocupava o cargo de Juiz de Direito. Ali se
empenhou no sentido de agilizar providências para a conhecida capital do Oeste
Potiguar, ponto de convergência dos flagelados da seca das localidades
circunvizinhas. “A cidade foi invadida por oito mil retirantes, famintos e andrajosos”
(GUERRA, 1985, p. 12). A seca de 1915 é, sobretudo, um registro das providências
não apenas para os efeitos da seca, como também uma peleja oportuna pela
construção da Estrada de Ferro.
Seguindo a tradição da família, dois dos filhos de Felipe Guerra,
mossoroenses, Otto de Brito Guerra (1912-1996) e Paulo de Brito Guerra (1914-
2006), continuaram se dedicando aos estudos sobre o Nordeste e a seca.
Otto Guerra, natural de Mossoró-RN, destacou-se como advogado,
professor, líder católico, jornalista e escritor, sobretudo tratando da questão do
Nordeste, especialmente do Rio Grande do Norte. Publicou O desenvolvimento a
serviço do homem, 1973, Tragédia e epopéia do Nordeste, 1983 e Vida e Morte do
Nordestino: análise retrospectiva, 1989. Todos esses livros, geralmente fazem
referências aos clássicos, como Felipe Guerra, Eloy de Souza, Joaquim Inácio,
Juvenal Lamartine e José Augusto.
O primeiro livro o homem como o centro de tudo, demonstrando ser
inconformado com a situação dos menos favorecidos, marginalizados e por isso,
despreparados para o mercado de trabalho. Daí vislumbra o desenvolvimento
harmônico, propiciando condições dignas para os pequenos.
225
O segundo é uma série de artigos publicados no Jornal, A Ordem, nos
anos de 1948-1953, tratando dos efeitos das secas, sobretudo a de 1877, 1907 e a
de 1915. Os dados alarmantes da mortalidade em massa e a migração forçada do
Nordestino para a Amazônia e para o Sul e a sua correspondente discriminação e
menosprezo, além da desigualdade no tratamento entre o imigrante estrangeiro e o
trabalhador nordestino, ele chama de tragédia; e a resistência incomum, a luta
heróica do sertanejo contra as secas, conseguindo manter-se no solo árido e cultivá-
lo seria uma epopéia, que Ralph Sopper, um dos técnicos estrangeiros das secas
afirmou, ‘se constituir uma das páginas épicas da América Latina.’ (GUERRA, 1983,
p. 5).
O terceiro livro, Vida e morte do nordestino, foi inspirado no Livro Vida e
morte do bandeirante, do autor, Alcântara Machado e baseado nos estudos de
Olavo Medeiros Filho sobre as antigas famílias do Seridó, seus inventários e
testamentos; em estudos de Hélio Galvão sobre as famílias do litoral do Rio Grande
do Norte (Goianinha e Arês) e nos de Sebastião Vasconcelos dos Santos e Nanci
Neiza Wanderlei, a respeito de Mossoró (GUERRA, 1989).
A referida obra trata da vida dos povoadores dos locais estudados, suas
raízes, costumes, características das famílias tradicionais que se sobressaíam à
sujeição das mulheres e à morte desses povoadores, cujas causas, recaíam, à
fome, escassez de médico, fatalidades, epidemias, doenças contagiosas, dentre
outras, fruto do atraso e isolamento da região.
Paulo Guerra o caçula dos filhos de Felipe Guerra, natural de Mossoró,
graduou-se pela Escola Superior de Agricultura e Veterinária de Estado de Minas
Gerais. Deu a sua parcela de colaboração para o desenvolvimento do Nordeste, ao
compor a equipe de técnicos do IFOCS-DNOCS, na Paraíba e no Ceará. Foi
assessor do BNB, especializando-se em irrigação e drenagem no Bureau of
Reclamation em Denver, Colorado, tomando parte da discussão da Lei de Irrigação
e do Projeto Sertanejo, em Recife, Rio de Janeiro e Brasília.
Sua obra principal é a Civilização da seca, na qual ele inicia fazendo uma
caracterização da seca como “a falta de suprimento de água de uma região,
causada pela ausência, insuficiência, interrupção ou distribuição das chuvas.”
(GUERRA, 1981, p. 22).
Continuando, ele faz uma retrospectiva histórica das secas, informando
mais uma remota notícia das secas, ocorrida em 1583, em Pernambuco e Bahia,
226
encontrada nos registros do padre jesuíta Cardim, publicada no livro, História das
secas, de Joaquim Alves. Amplia, portanto, a pesquisa divulgada por Felipe Guerra,
na qual o Padre Serafim Leite, faz referência a uma seca na Bahia, em 1559
(ALVES, 1953 apud GUERRA, 1981).
O referido autor ainda aponta registros de secas no século XVII,
considerados por ele, “registros pobres”, oriundos dos cearenses, “Idelfonso Albano,
Barão de Stuart e Thomas Pompeu de Souza Brasil afirmando a ocorrência de
secas nos anos de 1603, 1614, 1645 e 1692.” (GUERRA, 1981, p. 24).
Assim, baseando-se nas pesquisas de Felipe Guerra e Paulo Guerra, a
autora apresenta o seguinte quadro demonstrativo das secas ocorridas nos séculos
XVI e XVII.
TABELA 2 – SECA DOS SÉCULOS XVI E XVII
Século XVI Século XVII
1559
1564
1583
1592
1600
1603
1614
1645
1692
Conforme Guerra (1981, p. 227) foram as seguintes as secas do Nordeste
que aconteceram nos séculos XVIII, XIX e XX:
Tabela 3 - SECAS DOS SÉCULOS XVIII, XIX E XX
Século XVIII Século XIX Século XX
1723-1727 1808-1809 1900
1744-1746 1814 1902
1766 1817 1907-1908
1777-1778 1825-1826 1915
1837 1930-1932
1844-1845 1942
1860
1868-1869
1877-1879
1885
1888-1889
1891-1892
1898
227
Quanto à assistência dos governos ao problema das secas
Dizem as velhas crônicas e relatórios que a assistência do Governo às
populações, até 1845, limitava-se à distribuição de esmolas, passando-se à
construção de cadeias e igrejas, para dar trabalhos aos flagelados. A seguir o
governo mandou que utilizasse a mão de obra em construção de açudes e
estradas. Tais obras eram pobres, em técnica e em administração, esta a
cargo dos chefes políticos (GUERRA, 1981, p.25-26).
Conforme Felipe Guerra em 1877 surgiram as Comissões com notícias
de defesa contra as secas; as secas de 1900, 1902, 1903 abriram caminho à
Inspetoria de Obras Contra as Secas; com a seca de 1915 intensificaram-se as
obras de infra-estrutura; durante as secas de 1931, 1932, 1933 houve a
reestruturação da política governamental, chamada fase da diferenciação.
Outro norte-rio-grandense dessa geração de estudiosos das secas é
Joaquim Inácio de Carvalho Filho (1888-1948), que nascera na fazenda Pico
Branco, município de Martins, destacando-se com uma larga página de serviços
desenvolvidos na vida pública do Estado. .
Na esteira de Felipe Guerra se detém ao Nordeste, também, com o olhar
direcionado ao Rio Grande do Norte. Fundamentado nos aspectos geográficos,
sociais e econômicos, inquieta-se com a sujeição regional, tornando-se um forte
aliado do sertanejo, protestando contra “as insinuações caluniosas, segundo as
quais a região é mais trucidada pela indolência, pela preguiça do sertanejo, do que
pelo azorrague da seca.” (CARVALHO FILHO, 1976, p.35).
Para ele, o sertanejo não é o entrave, não é o mal do Nordeste. Daí
declara que é preciso acentuar bem, que “o maior mal, é o criminoso abandono, o
terrível isolamento a que os poderes públicos, a União até bem pouco tempo, tinham
condenado o brônzeo sertanejo tostado pelos sóis adurentes, tenham-no
vilipendiado, degradando-o.” (CARVALHO FILHO, 1976, p.35).
Sensível ao problema, empreende estudos sobre, O baixo Açu e o O vale
do Upanema apresentando uma solução notória a partir do aproveitamento dos
vales úmidos, áreas úteis, fixando a população que vive em situação angustiosa e
áspera, evitando migrações. Também estudou o Seridó, analisando o potencial
econômico representado pelo algodão mocó.
228
Nessa perspectiva, em O Rio Grande do Norte numa visão prospectiva,
deixa clara a sua vontade de ver o seu Estado independente, expressando “um
pensamento quanto ao futuro do Estado, qual seja, o de virmos um dia não a
bastar-nos a nós mesmos, como a realizar grandes exportações.” (CARVALHO
FILHO, 1976, p.17).
Dessa forma, Joaquim Inácio antecipava a cantora paraibana, Elba
Ramalho, que em 1983 “sacudiu” a alma da região com a música Nordeste
independente, expressando o grito, a dor da seca, a fome, as belezas e mitos
culturais, de autoria de Ivanildo Vilanova e melodia de Bráulio Tavares.
Ele sonhava com o desenvolvimento harmônico, estável e consolidado das
diversas zonas do Estado,
entre as quais, avulta preponderante a importante região do baixo Assu como
todas as outras atualmente imersas naquele ‘estado comatoso’, a qual alude
Roderic Grandall e do qual é preciso se libertarem para que o Rio Grande do
Norte possa ‘ser posto em plano igual ao dos mais adiantados Estados’
(CARVALHO FILHO, 1976, p. 18).
Mas, o grande sonhador mesmo da redenção do Nordeste, tão quanto ou
mais que Joaquim Inácio, ou mesmo, Felipe Guerra, Manoel Dantas, Juvenal
Lamartine para falar da geração do culo XIX, foi Eloy de Souza (1873-1959). No
seu imaginário, um dia o sertanejo iria se tornar um verdadeiro cidadão brasileiro, ou
seja, sujeito de direitos e deveres nacionais. As suas qualidades positivas, coragem,
força, disposição para o trabalho, o elevariam à condição de cidadão. O sertanejo
era a “raça” que Eloy pretendia libertar do sofrimento provocado pela seca.
229
Na verdade a proposta de Eloy pode ser admitida mesmo no campo
simbólico, pois jamais o trabalhador do campo iria superar a sua condição de
inferioridade social, apenas pela força do trabalho e virtudes positivas, numa
estrutura social capitalista atrasada, que dificulta até a mobilização popular.
Nesse sentido, conforme Maria Fernanda Lombardi Fernandes, em
Introdução à política brasileira organizado por Humberto Dantas e José Paulo
Martins Júnior,
Movimentos populares eclodiram na Primeira República, mas geralmente
eram esmagados pelas forças governamentais. [...] Quanto aos movimentos
políticos propriamente ditos, estes ganharam corpo a partir da década de 10,
principalmente no final, com a greve geral de 1917 e a Fundação do PCB, em
1922 (que cedo ganhou a clandestinidade) [...] (DANTAS; MARTINS
JÚNIOR, 2007, p. 128).
Mas, Eloy demonstrava ser um verdadeiro apaixonado pela região,
dizendo sentir um “alvoroço” interior ao falar do sertão e do sertanejo. “Quando falo
da nossa terra sinto na memória do coração o alvoroço de todas as recordações que
ali dormem acalentadas pela saudade.” (SOUZA, 1930, p. 1).
Foto 20 - Eloy de Souza.
FFonte: Cardoso (2006).
230
Dessa forma Eloy transparece em sua obra a pessoa que ele leva dentro
de si. A esse respeito, a autora deste trabalho lembra de um comentário do escritor
português JoSaramago ao recolher em seu diário a frase de um estudante que
assistira a uma palestra sua na Universidade de Valência, no ano de 1994: ‘Gostei
daquela sua idéia de que os livros levam uma pessoa dentro, o autor.’ “Agradeci-lhe
ter-me compreendido.” (SARAMAGO, 1997, p. 169).
Contudo, existem livros que nem sempre levam dentro dele unicamente a
pessoa do autor, que por vezes o narrador desdobra o gesto autoral para criar um
autor ficcional dotado de identidade e opiniões próprias, distintas daquela de seu
criador literário.
Mas, este não é o caso de Eloy de Souza que é fortemente autoral em sua
obra e revelador de suas opiniões e de uma personalidade emotiva, dinâmica, forte,
tenaz. E mesmo quando ele usa o pseudônimo de Jacinto Canela de Ferro em
Cartas de um sertanejo e Cartas de um desconhecido, usando alguns artifícios para
enfatizar determinadas situações, o autor reflete e reforça as suas intenções, os
seus ideais, as suas revoltas e contentamentos, o que significa dizer que Jacinto
Canela de Ferro é o protótipo do sertanejo bravo, forte, a começar pelas pernas de
ferro, resistentes, para aguentar as intempéries da seca e a rudeza do sertão. Desse
modo, as características de Jacinto são idênticas ao do seu criador Eloy, inclusive,
as suas opiniões, por vezes contundentes, drásticas, críticas.
Nesse sentido, O calvário das secas, sua obra clássica, resultado de 31
artigos publicados no jornal A República em 1937, revela o seu espírito combativo
em defesa do Nordeste ao travar uma polêmica com o engenheiro da Escola
Politécnica da Universidade de São Paulo, Clodomiro Pereira da Silva (1987) que no
seu livro O problema das secas no Nordeste brasileiro, discordava de seu projeto
que deu origem a Inspetoria de Obras Contra as Secas (IOCS).
A ação da Inspetoria de Secas, como elemento civilizador e educativo foi e
continua a ser formidável. O sertão de hoje, a todos os respeitos, não se
parece com o sertão de vinte anos passados, quer no número de cidades e
sua edificação, quer no conforto que elas oferecem, mesmo a forasteiros
exigentes. O livro objeto destas linhas, a esse propósito, é anacrônico. O seu
autor, por tantos títulos merecedor de nossa admiração, se viesse ao
nordeste agora, não teria nenhum constrangimento em refundir suas
opiniões, para ajustá-las à realidade (SOUZA, 1976, p. 28).
231
Cabe lembrar, ainda, que afora a idéia de Saramago de que os livros de
qualquer gênero, “levam dentro”, a pessoa do autor, eles, os livros carregam
inclusive, a leitura que o autor faz do tempo vivido e a sua inserção no tempo e do
lugar de pertença. Assim, a obra de Eloy carrega as marcas do tempo da infância e
adolescência impregnadas no convívio nas fazendas de gado do seu pai e a
materno no agreste e no sertão do Rio Grande do Norte e das influências de seu avô
paterno, vaqueiro. Por outro lado, também trazia impregnados na memória os
reflexos de uma educação familiar aristocrática e de uma convivência com influentes
políticos do ciclo social paterno que lhe garantiam status social e lhe renderam
prestígios futuros tornando-se político por uma identificação ao seu pai. O resultado
disso foi constituição de um político devotado às coisas do sertão.
Desse modo, aprendeu a rotina da vida rural: levantar da rede antes do
sol nascer, tomar banho de cuia nas cacimbas dos rios, ficar em guarda à porteira
do chiqueiro dos animais, acompanhar a faina matinal da vaqueirice - arrear
bezerros e tirar leite nas vacas, presenciando, inclusive, o abate das reses levadas
ao triste sacrifício (Souza, 1975, p. 78-79).
Foto 21 - Vaquejada em homenagem à Eloy de
Souza em Santana do Mato-RN.
Fonte: Cardoso (2006).
232
O sertão e a vida das fazendas me atraíam por uma força atávica
incoercível. Fui na juventude vaqueiro amador e como vaqueiro esportivo
corri todos os riscos dos profissional da vaqueirice. Derrubei gado no pátio
das nossas fazendas e das fazendas alheias. Corri no mato com o mesmo
afã e esforço destemido (SOUZA, 1975, p. 65).
Continuando ele revela a sua afoiteza, coragem e destreza na “pega do
boi”, mesmo já Deputado Estadual.
Foto 22: Eloy de Souza na
porteira do curral.
Fonte: Cardoso (2006).
233
Corri no mato com o mesmo afã e o mesmo impulso destemido. Quando fui a
nossa fazenda “Tostado” passar alguns dias em 1896, incorporei-me, numa
madrugadinha do mês de junho, aos vaqueiros que iam vaqueijar o gado
para a próxima apartação. Ao serem tangidas as rezes amagotadas no
rodeador para o pátio e curral da fazenda, vaquejador afora, coloquei-me
numa das cabeceiras. Um boi arisco rompeu esta linha de defesa do magote
em marcha. Persegui-o, sem detença, o que era dever e foi também vaidade
(SOUZA, 1975, p. 65).
Porém, a aventura de Eloy demonstrando sua habilidade no manejo do
gado, teve por corolário, um arriscado acidente.
No intrincado da caatinga, uma galhada de jurema atingiu-me o pescoço e
não me causou dano maior, porque um outro galho portou valentemente nas
rédeas, detendo o cavalo numa upa, libertando-me da gargalheira eriçada de
espinhos. O sangue jorrou; mas, graças a Deus, os ferimentos não foram
profundos e os olhos foram poupados (SOUZA, 1975, p. 65-66).
Por conseguinte, ficou impossibilitado de trabalhar devido a sua
imprudência, reconhecida pelo próprio Pedro Velho.
Foto 23 - Eloy vaqueiro (o terceiro a cavalo da direita
para a esquerda).
Fonte: Cardoso (2006).
234
Após alguns dias de tratamento, julguei-me capaz de participar dos trabalhos
legislativos. Ao chegar a Macaíba, recebi, dois dias depois, a visita do dr.
Pedro Velho. Verificou a minha condição de convalescente e intimou-me a
aparecer no Congresso quando os vestígios da imprudência se tivessem
tornado menos visíveis (SOUZA, 1975, p. 66).
Conheceu de perto a bonança do inverno e o calvário das secas do
sertão, quando viu retirantes caindo de fome na seca de 1877, presenciando
impressionado a morte de um deles aos quatro anos de idade.
Da seca de 1877 guardo a reminiscência de ter visto morrer a primeira
criatura humana, um pobre retirante abarracado nas proximidades da casa
paterna em Macaíba [...] no subconsciente da criança que ainda não havia
completado cinco anos, nunca mais se apagou a memória do quadro que não
recordo sem o espanto próprio daquela idade e que fujo à amargura de
descrever (SOUZA, 1976, p. 9).
Igualmente ou pior à imagem que teve da seca de 1877, foi assistir o
drama terrível da seca de 1904 em Natal,
Natal viu, então, horas de grande aflição nos longos e intermináveis dias de
sofrimentos cruciantes [...] Os bandos de maltrapilhos cobrem de luto a
cidade. Nos abarracamentos a promiscuidade que não separava os sexos
nem as idades, também não isolavam os doentes dos sãos. Aos gemidos dos
adultos se misturava o choro das crianças, queimadas pela febre, o pranto
das mães martirizadas pela angústia de não encontrarem no seio murcho
uma gota de leite para matar a primeira fome do filho recém-nascido
(SOUZA, 1976, p. 10).
Conforme Itamar de Souza e João Medeiros Filho, em Os degredados
filhos da seca, em 1904 Natal dobrou a população devido a invasão dos flagelados,
gerando problemas na cidade.
235
No dia quatro de abril de 1904 cerca de dois mil famintos homens,
mulheres e crianças dirigiram-se à residência do Governador do Estado,
Dr. Augusto Tavares de Lyra, implorando comida e trabalho, sua Excia
respondeu, através do ajudante-de-ordens que não tinha comida nem
trabalho para lhes oferecer. Diante dessa frieza, os flagelados saíram
perambulando pelas ruas (SOUZA; MEDEIROS FILHO, 1983, p. 52).
Conforme esses autores, passados vinte e três dias, os flagelados não
suportando mais a fome, saquearam os sacos de farinha trazidos de Pernambuco
pelo vapor Rio Formoso para a firma Melo & Companhia. (SOUZA; MEDEIROS
FILHO, 1983, p. 52).
No dia vinte e sete de abril foram novamente à residência oficial do
governador reivindicar a comida para matar a fome. Sua Excia respondeu
que nada podia fazer, que o recebera ainda nenhuma ajuda do Governo
Federal. Saindo a multidão da casa do governador, dirigiu-se para o cais do
porto, onde uma lancha descarregava farinha para a firma Alves &
Companhia. Não obstante a presença da polícia no local, os flagelados
avançaram sobre os sacos de farinha armados de cacetes, facas, e pedras.
Travou-se uma luta violenta entre soldados do Batalhão de Segurança e os
famintos saindo muitos feridos de ambos os lados (SOUZA; MEDEIROS
FILHO, 1983, p. 52).
Percebe-se assim, uma negligência e por que não dizer hipocrisia, falta de
sensibilidade e cinismo do citado governador, que fez parte do governo federal como
ministro e era crítico desse governo, teórico da seca, não tomando nenhuma
iniciativa emergencial, numa total postura de descaso, sequer uma campanha junto
à população, pois a fome grita mais alto! O próprio Eloy nesse sentido, comenta que
“[...] a imprensa desabridamente, ataca os governos estaduais e federais, sobretudo
a este pela falta de auxílios e providências remediadoras.” (SOUZA, 1975, p. 37).
Ainda tratando da seca de 1904 Eloy de Souza foi testemunha, por
ocasião do triste embarque dos retirantes saindo de Natal em busca das terras do
Sul e do Norte.
Foi assim que cerca de vinte e cindo mil retirantes estacionaram aqui
aguardando transporte para o Sul ou para o Norte. Perto de vinte e três mil
236
saíram barra a fora ao léu da sorte. Muitos morreram nos seringais da
Amazônia dos poucos que buscaram terras mineiras e paulistas, alguns
regressaram desencantados, outros por viveram ou vivem ainda
arrastando o infortúnio do trabalhador nordestino. Bem ou mal salvaram-se
os que não partiram e puderam voltar aos lares temporariamente
abandonados e ao calor da terra que tem nutrido tantas gerações para o
calvário das secas (SOUZA, 1976, p. 11).
Eloy viu ainda, aumentando a desgraça dos miseráveis, a contaminação
do surto de varíola ceifando centenas de criaturas. Então, sensibilizado, fez “parte
da comissão vacinadora e como era relativamente moço e sadio, coube-me a tarefa
de percorrer a cidade inteira, entre os limites da Solidão, hoje Tirol, até entestar com
as Dunas da Fortaleza. Vacinei cerca de 800 pessoas.” (SOUZA, 1975, p. 60).
Presenciando penúria igual em Natal, na seca de 1906, se dispôs ao
trabalho de assistência, distribuindo roupas para as “pobres criaturas sem um trapo
que lhes escondesse a nudez.” (SOUZA, 1975, p. 60), mas apavorou-se, quando foi
praguejado pela sobrinha de Jesuíno Brilhante, pelo fato de ter acabado a remessa
de roupas para doação aos flagelados, justamente quando chegou a sua vez.
Nunca mais me esqueci das pragas contra mim irrogadas na distribuição
desses vestuários em frente ao Teatro Carlos Gomes por uma sobrinha de
Jesuíno Brilhante: de joelhos, mãos postas, bradando aos céus, tudo por não
poder ter sido possível dar-lhe um vestido destinado a mocinhas desnudas. –
‘permita Deus que tenhas tanto sossego, como as ondas do mar; que
aumentes tanto como correia no fogo e sejas consumido pelo fogo do inferno’
(SOUZA, 1975, p. 60, grifo do autor).
Estarrecido, diante de tanto sofrimento e depois dessa praga, bastante
abalado, Eloy de Souza fez um “juramento íntimo” a partir de então, de “propugnar
com todas as minhas forças pelo paradeiro desta vergonha, menos das proncias
esquecidas, do que da nação brasileira.” (SOUZA, 1975, p. 60).
Nesse sentido, em 28 de novembro de 1906 fez o seu primeiro grande
pronunciamento no Congresso Nacional, que diante da grande repercussão
nacional, posteriormente foi publicado em livro intitulado, Seca do Norte e
cabotagem nacional. Assim, falou como representante de “um dos Estados mais
237
flagelados pela visita periódica de crises climatéricas, altamente prejudiciais ao
desenvolvimento e ao progresso de uma vasta região do norte”, de forma
sentimental e emotivo, na iminência de sensibilizar mesmo a plenária (SOUZA,
1906, p. 1).
É interessante observar, que Eloy de Souza atribui a causa do atraso da
região, simplesmente ao problema das secas, omitindo os aspectos estruturais do
modo de ocupação do espaço, de exploração dos recursos naturais e de
subordinação da população. A questão é mais profunda, está na base da
reprodução secular das condições de miséria que fragilizam as famílias sertanejas,
impedindo-as de resistir aos efeitos das estiagens prolongadas.
Aliás, não Eloy de Souza, como outros norte-rio-grandenses que
interpretaram a questão das secas do Nordeste, a exemplo de Manoel Dantas, José
Augusto, Juvenal Lamartine, Felipe Guerra, Otto Guerra, para não citar todos, se
prendiam à natureza para explicar os seus dilemas. Essa era uma forma de desviar
a causa da fome nos períodos de secas a uma estrutura de dominação tradicional
que concentrava a terra, a renda e o poder, como bem dizia Josué de Castro na sua
obra clássica, Geografia da fome (CASTRO, 2001). Sendo assim era natural que a
economia do semiárido permanecesse tradicional e estagnada e a situação
estrutural de pobreza ainda se transformasse em calamidade nas estiagens
prolongadas, acentuando as desigualdades sociais.
Continuando, ele clama por uma solução urgente do governo, “a
superioridade dos meus intuitos, quando venho dizer aos poderes públicos do meu
país que é urgente e inadiável resolver eficazmente o problema das secas do norte,
medida econômica de alcance incalculável.” (SOUZA, 1906, p. 3).
Nesse pronunciamento, Eloy critica a omissão dos governos com relação
ao problema das secas, à migração forçada dos flagelados e propõe a solução
baseado na realidade de outros países, como Colorado, Montana, Austrália, Argélia,
Argentina, Índia, Arábia e Egito, a construção de grandes açudes que permitam
governar pela irrigação as lavouras (SOUZA, 1906). Sou, Senhor Presidente,
francamente partidário do consórcio hidráulico para a realização de tais
melhoramentos (SOUZA, 1906, p. 10).
Essa chamada solução hidráulica, pela açudagem e irrigação, era
defendida como a capacidade humana de modificar as condições naturais inóspitas,
ou seja, como solução direta dos problemas das secas.
238
Mas, ao procurar resolver o problema através de técnicas modernas de
irrigação, passa uma visão fragmentada e reducionista, como se soluções
tecnológicas fossem a única e principal solução das secas. É claro que a água é
indispensável à vida humana, porém o que está por trás de sua proposta é o
utilitarismo economicista do combate à seca. Combater a seca é uma crença na
capacidade do progresso, como solução técnica aos problemas que expressa as
crenças e atitudes civilizatórias da modernidade. Sua finalidade implícita é modificar
a natureza, conhecendo as causas naturais da seca e agindo sobre os seus efeitos
para promoção do progresso da humanidade.
Segundo Capra (1999, p. 28), em Ponto de mutação: a ciência a
sociedade e a cultura emergente, essa concepção inclui a crença de que
[...] o método científico é única abordagem válida do conhecimento; a
concepção do universo como um sistema mecânico composto de unidades
materiais elementares; a concepção da vida em sociedade como uma luta
competitiva pela existência; e a crença no progresso material ilimitado, a ser
alcançado através do crescimento econômico e tecnológico. (CAPRA, 1999,
p. 28).
No pronunciamento de 28 de novembro de 1906, Souza (1906, p. 10)
segue, discordando das atitudes monarquistas frente às secas, contestação esta,
vinculada a um quadro mais amplo, ou seja, a luta centralismo versus federalismo.
Como a Câmara sabe o Império não teve mãos a medir nos socorros
enviados no Ceará. Impressionado pelos justos reclamos da imprensa, diante
das notícias emocionantes, que dali chegavam, dia a dia, mais terríveis e
dolorosas, a bondade natural do Imperador foi por tal forma dadivosa que
mandou vendessem as jóias da coroa, quando o erário público não mais
pudesse socorrer às populações famintas. Simplesmente, isto se fez Senhor
Presidente, sem orientação nem resultado. Em vez de aproveitar a
calamidade para a construção de obras defensivas contra os efeitos das
secas futuras, como a Inglaterra faz na Índia, desde muitos anos, deu-se a
esmola aviltante, mal e injustamente distribuída, origem de conflitos e
acusações nada abonadoras da probidade de muitos comissários.
239
Continuando ele mostra que as providências tomadas nos períodos de
secas, tanto no período colonial, quanto no Império e na República tiveram
resultados desastrosos,
[...] nas repetidas secas que têm assolado o norte do Brasil, desde os tempos
coloniais até hoje, a intervenção do Governo pouco tem aproveitado, e, por
mais de uma vez, foi de efeitos desastrosos, pela falta de método na
distribuição dos dinheiros públicos, sempre a título de socorros, enviados às
regiões flageladas, à hora nona do seu aniquilamento, quando não é possível
aplicá-los convenientemente (SOUZA, 1906, p. 3).
Nessa perspectiva, Eloy reconhece que as ajudas dos governos centrais
visando socorrer as populações flageladas são mal distribuídas, contudo ele não
comenta a respeito das responsabilidades que deveriam ter também os poderes
municipais e estaduais, diante de tal calamidade, nem muito menos que os coronéis
se beneficiavam nessa distribuição. Justo porque, os investimentos estatais
significaram um reforço da própria estrutura produtiva, contribuindo para a
reprodução das condições sociais e políticas que sustentam as relações de poder no
semiárido que “expandia a pecuária dos grandes e dios fazendeiros, e contribuía
para reforçar a existência do ‘fundo de acumulação’ próprio dessa estrutura,
representado pelas culturas de subsistência’ dos moradores, meeiros, parceiros e
pequenos sitiantes.” (OLIVEIRA, 1981, p. 55).
Reforçando nesse sentido, Darcy Ribeiro (1995, p.48) afirma que:
Desde as primeiras iniciativas governamentais, pesaram os interesses
políticos das oligarquias sertanejas no Nordeste, transformando o combate à
seca em um grande negócio: esses donos da vida das terras e dos rebanhos
agem sempre durante as secas, mais comovidos pela perda de seu gado do
que pelo peso do flagelo que recai sobre os trabalhadores sertanejos, e
sempre predispostos a se apropriarem das ajudas governamentais aos
flagelados.
240
No entanto, a condição política de Eloy de Souza, partidário de um grupo
oligárquico, preso ao coronelismo e à política dos governadores, consistia em
manter o situacionismo, pois ser oposição era estar condenado à morte política.
Souza (1906, p. 3-4), ainda destaca os drásticos efeitos das secas no
Estado,
[...] as de 1722 a 1727, o compreendeu todo o Rio Grande do Norte e
Ceará, mas ainda o Piauí e a Bahia, onde até as fontes da capital ficaram
estanques, conforme refere o Senador Pompeu. E conforme Ignácio Nunes
Correa de Barros, ‘morreram muitas criaturas humanas a fome a
necessidade, e outras escaparam sustentando-se em couros e bichos
imundos’. [...].
Na seca de 1845 o Rio Grande do Norte, porém, sofreu mais
duros rigores, e não só a criação ali ficou muito reduzida, como no alto
sertão, morreram muitas pessoas a fome e a moléstias próprias da miséria.
Continuando a mostrar os efeitos das secas, ele diz:
Chego, Senhor Presidente, à seca de 1877: e como não tenho o interesse
nem a pretensão de emocionar a Câmara narrando o que foi essa inominada
odisséia, contando as cenas de horror jamais excedidas e raramente
igualadas na história do sofrimento humano, fujo com pena de mim mesmo à
dor exaustiva de relembrar que um dia houve no meu país, em que o pai
faminto devorara o filho pequenino, e fogueiras crepitaram em plena
Fortaleza, num ensaio infeliz de incineração dos cadáveres que as valas
extensas e profundas não mais comportavam (SOUZA, 1906, p. 6).
Prosseguindo na quantificação dos dados, ele afirma:
Em novembro de 1878 (pasme a Câmara!) morreram na capital do Ceará
10.926 pessoas; em dezembro, 15.352; e, em um dia deste mês, mil e
doze criaturas foram devoradas pela varíola e outras epidemias. Computar
em 90.000 os mortos do Rio Grande do Norte não será exagerado,
atendendo-se a que, somente em Mossoró, pequena cidade do litoral
sucumbiram a fome e de várias doenças 35.000 (SOUZA, 1906, p. 6).
241
Eloy de Souza afirma que Mossoró foi um verdadeiro horror, na seca de
1877.
Mossoró foi, nesta província, o teatro das mais tristes cenas da miséria. A
nudez, a fome, as epidemias ceifaram grande mero de vidas, e iam
abrindo espaço aos recém chegados. De janeiro de 1878 até agora (27 de
outubro de 1879) foram sepultados no cemitério público daquela cidade,
conforme a relação de óbitos organizada pelo respectivo e muito digno
vigário, 31 mil vidas, podendo, sem perigo de erro, calcular-se em cinco mil o
número dos que foram enterrados fora do cemitério, pela impossibilidade de
enterrar-se os cadáveres dos que morriam nos abairramentos situados a
alguma distância da cidade (SOUZA, 1906, p. 7).
Nesse pronunciamento Eloy de Souza externa que sua preocupação é
extinguir de uma vez por todas as secas periódicas, com o seu cortejo de desastres
e de infelicidades, pois os governos se lembram de que seca quando o flagelo
assola regiões, matando milhares de pessoas, implantando a ruína, o desastre e a
morte.
Ele também chama atenção para os problemas das enchentes àquela
época: “Será curioso, Senhor Presidente, para melhor destacar os caprichos do
nosso regime climatérico, grupar os anos diluviais, quase o calamitosos como as
maiores secas.” (SOUZA, 1906, p. 12).
Assim afirma que o seu desejo é sistematizar os serviços de tal forma, que
se consiga impedir os efeitos da seca. Daí aponta como prioridade: a construção de
grandes açudes que possibilitem processos modernos de irrigação. Além de
barragens de rios, cultura intensiva, poços artesianos, um trabalho intenso, que
mesmo um governo futuro se veja obrigado a concluir e construção de estradas de
ferro (SOUZA, 1906).
Enfim ele reforça o seu pleito perante a Câmara dos Deputados nos
seguintes termos:
Tomo, entretanto, a liberdade de ponderar a Sua Excelência que não o
exclua do seu plano de obras preventivas contra os efeitos das secas a
grande açudagem. Não a quero nem a pleitearia jamais como tipo comum e
normal; mas ela se recomenda e impõe em pleno coração da terra sertaneja
242
para evitar que nas calamidades excepcionais busquem o litoral, favorecendo
as epidemias, as grandes massas tangidas pela fome (SOUZA, 1906, p. 13).
Esse pronunciamento, “grito de alerta”, espécie de “medida de choque”,
ousado, decisivo, corajoso, do neófito representante de um Estado pequeno,
desprestigiado, sem repercussão política, gerou na verdade impacto nacional,
provocando uma tomada de posição urgente e eficaz do problema.
Dando prosseguimento aos intérpretes norte-rio-grandenses sobre o
Nordeste e a seca, o natalense, Luiz da Câmara Cascudo (1898-1986), etnógrafo,
folclorista, historiador e memorialista, bebendo na fonte de Eloy de Souza e de
Joaquim Inácio, e tantos outros que lhe antecederam no Estado, iniciou aos vinte
anos sua carreira de escritor como cronista no jornal A Imprensa. Esse jornal foi
fundado em 1914 por seu pai, o Coronel Francisco Justino de Oliveira Cascudo e
por ele mantido até 1927 para que, em suas páginas, seu único filho pudesse
realizar o sonho de ser escritor.
Talvez esteja entre os mais propagados cronistas brasileiros e que logo
começou a esboçar seu perfil de escritor polifônico, ao publicar comentários sobre
os mais diversos temas. Estreou na crônica (permaneceu fiel ao gênero até o fim de
sua longa vida) quando assumiu no jornal do pai a coluna Bric-à-brac, inicialmente
assinando com seu nome próprio e, a partir de 1921, utilizando por vezes apenas
seu primeiro nome, Luiz ou suas iniciais L.C.C. ou ainda os pseudônimos Danton de
Castro, Paulo Zoya ou Exalmir.
Cascudo inclui-se entre os clássicos das secas, sobretudo pelas suas
obras, Viajando o sertão (1934), Vaqueiros e cantadores (1937) e História do Rio
Grande do Norte (1955).
Viajando o sertão, é, praticamente, uma ntese da vida sertaneja, através
da qual Cascudo demonstra seu desejo de testemunhar o observado, de eternizar
pela escrita o que é efêmero, de preservar o vivido do esquecimento e da ação
corrosiva do tempo.
Esse livro foi o resultado de uma série de crônicas divulgadas pelo jornal A
República, em 1934, posteriormente reunidas em livro com o título de Viajando o
sertão, e consta de dezoito crônicas escritas como relato de uma viagem pelo
243
sertão, feita em junho de 1934, juntamente com o interventor federal, Mário Câmara,
e outras autoridades locais.
O autor insiste em afirmar que a intenção é registrar, esquecendo como
cronista de que, seu registro é, como todo registro, uma leitura, e, portanto, uma
tradução pela via da representação escrita. Nas suas crônicas, o tempo vivido e
narrado se sobressai nas entrelinhas, e isso faz delas um objeto relevante para a
história social da cultura brasileira.
Considerando que o tempo da história se imiscui no que o autor pretende
registrar é possível destacar uma segunda razão que sublinha o interesse dessa
série de crônicas para os leitores. Viajando o sertão aguça a curiosidade do leitor
para identificar as convicções integralistas de Cascudo naquele momento uma vez
que ele deixa transparecer a sua adesão ao Integralismo no Rio Grande do Norte,
caracterizando dessa forma, o seu conservadorismo.
Compreende-se, daí, a força que a cultura sertaneja - vista como algo
sobrevivente ao tempo, com suas tradições intocadas - exerce sobre grande
parte dos integralistas, entre os quais, Cascudo. Aos 36 anos, militante e
chefe provincial integralista, ainda que desdenhe a política partidária – o
autor partilhara das belezas que encontra nos pequenos povoados,
enfatizando os aspectos mais importantes da vida do sertão. O registro,
quase sempre ao longo da jornada esvoltado para o resgate do conjunto
das tradições e saberes do sertanejo (BARBOSA, 2003, p. 295).
Outro interesse histórico dessas crônicas reside em Cascudo empreender
uma cartografia simbólica do sertão que o transforma no lugar, por excelência, onde
o Brasil revela sua identidade particular e também onde é possível encontrar os
nexos entre essa particularidade e o que, para ele, se apresenta como o universal
da cultura.
No conjunto das crônicas, no entanto, o caráter oficial da comitiva, as
circunstâncias políticas que a cercaram, o evidente alinhamento de seus
companheiros de jornada no novo quadro desenhado pela revolução de 1930 no que
diz respeito ao poder das oligarquias estaduais, e mesmo a pauta integralista e a
244
declaração pessoal de adesão ao integralismo se diluem. No primeiro plano, o que
o cronista pretende registrar é o sertão.
Em Vaqueiros e cantadores, Cascudo Instigado por Mário de Andrade,
numa carta de 1937, iniciou sua vasta bibliografia de folclore, com a publicação
desta obra em 1939. Nela ele reúne a poesia sertaneja sobre animais e literatura de
cordel. É um extenso documentário sobre a arte poética da cantoria do Nordeste,
reflexo cristalino da mentalidade do Brasil sertanejo. É com essa obra que seu nome
é visto como uma legenda no estudo do saber do povo nordestino.
História do Rio Grande do Norte, publicado em 1955, sem comentários,
traz uma panorâmica geral da história do Estado do início da colonização à década
de 1950.
Encerrando com “chave de ouro o elenco dos intelectuais que se
debruçaram sobre a realidade nordestina, destaca-se um dos mais autênticos
clássicos das secas, Raimundo Nonato da Silva (1907-1993), pelo fato de ter sido
um retirante, personagem, portanto, desse drama, deixando sua contribuição através
de sua própria história em Memória de um retirante.
Natural de Martins, proveniente de uma família pobre, menino subnutrido,
aos 10 anos de idade havia escapado da seca de 1915. Daí, quando iniciou a seca
de 1919, “não contou conversa”, com apenas doze anos de idade, acompanhou um
grupo de retirantes anônimos, de sua terra, a pé, caminhando sete dias, até
Mossoró, “atraído pela grande cidade”, ponto de convergência dos flagelados.
Em Mossoró, iniciou a vida como engraxate, alfabetizando-se aos treze
anos, custeando seus estudos na velha Escola Normal e depois, foi professor da
própria Escola Normal, na União Caixeiral, acabando formado em Direito galgando a
magistratura.
Estreou como escritor em 1949, no Rio de Janeiro onde residiu durante
vários anos, com o romance, Quarteirão da Fome, lançando mais de quarenta obras
entre livros e folhetins, sendo os que mais tocam a realidade nordestina, além dos já
citados, Jesuíno Brilhante: cangaceiro romântico; e Lampião em Mossoró, fazendo
um apanhado histórico sobre o tema do cangaço. Contudo, sua obra ainda é um tanto desconhecida pelos intelectuais da
província. Depois de aposentado foi morar no Rio de Janeiro, mas anualmente vinha visitar a terra quente, rever amigos onde ele teve oportunidade de passar a ser gente, pois antes se
considerava “anônimo” na multidão.
Diante dessa linhagem de intelectuais, estudiosos da causa do Nordeste e
seus dilemas das secas, Eloy se sobressai com os seus projetos beneficiando a
região e o Estado do Rio Grande do Norte.
245
5.2 ELOY DE SOUZA: A LUTA CONTRA AS SECAS E POSSÍVEIS SOLUÇÕES: A
IRRIGAÇÃO
[...] tendo a honra de ter feito o primeiro regulamento da Inspetoria de Obras
Contra as Secas e ser o autor que serviu de base a Lei Epitácio Pessoa [...]
ninguém mais do que eu é partidário das rodovias.
Eloy de Souza
Nunca conheceu repouso, férias, despreocupação. Viveu intensamente,
ligados os motores em pleno rendimento mental, desde 1887. A vida não se
esgotou. Abandonou o lidador sem pausa em serviço da terra comum.
Câmara Cascudo
A luta de Eloy de Souza em defesa do Nordeste não foi fácil, pois sendo
parlamentar de um Estado periférico, não tinha muito peso, apesar do prestígio, do
lastro que herdara de Pedro Velho e de ele próprio saber muito bem fazer a sua
parte. Porém, desde a Proclamação da República a bancada cafeicultora paulista
exercia um forte poder no país, assegurando a eleição do Presidente da República e
garantindo o Tesouro.
Entrando na mara Federal em 1897, aos vinte e quatro anos, na época
da chamada República Oligárquica, durante sua vida política conviveu com os
seguintes presidentes: Prudente José de Morais Barros (1894-1898), o primeiro civil,
paulista; Manoel Ferraz de Campos Sales (1898-1902), paulista; Francisco de Paulo
Rodrigues Alves
30
(1902-1906), paulista; Afonso Augusto Moreira Pena (1906-1909),
mineiro; Nilo Procópio Peçanha (1909-1910), Rio de Janeiro; Hermes Rodrigues da
Fonseca (1910-1914), Rio Grande do Sul (exceção solitária); Wenceslau Brás
Pereira Gomes (1914-1918), mineiro; Epitácio Lindolfo da Silva Pessoa (1919-1922),
paraibano, apoiado por Minas Gerais; Artur da Silva Bernardes (1922-1926), mineiro;
Washington Luís Pereira de Souza (1926-1930), Rio de Janeiro e Getúlio Dorneles
Vargas (1930-1934), (1934-1937), Rio Grande do Sul. Vale saber que as exceções
da alternância “café e leite foram escolhas em momentos de crises, impedindo
30
Rodrigiues Alves, depois do mandato de Wenceslau Brás, foi eleito Presidente pela segunda vez,
porém, morreu antes de tomar posse vítima da gripe espanhola, assumindo interinamente o Vice-
presidente Delfim Moreira, mineiro, que foi impedido de se manter no poder diante da Constituição
de 1891 determinar um prazo de noventa dias para a realização de novas eleições em caso de o
Presidente haver governado menos de dois anos.
246
acordos paulistas e mineiros. No caso do fluminense Nilo Peçanha, justificou-se por
ele ser o vice do mineiro Afonso Pena.
Eloy de Souza encontrou uma República com resquícios do Império,
adotando o uso da “máquina eleitoral”, ou seja, “eleição a bico de pena” (eleição
fraudulenta), o “voto de cabresto” (controlado pelo Coronel), e a partir de Campos
Sales, a “política dos governadores” favorecendo São Paulo e Minas Gerais, os dois
Estados mais populosos e poderosos econômica e politicamente. Esta era a
conhecida política de “café com leite”, que prolongou a prática do “coronelismo” na
República Velha, anulando a oposição ao Governo Federal e beneficiando as
oligarquias estaduais.
Contudo Eloy começa a se projetar através de um novo grupo, que surgiu
pouco antes do governo de Afonso Pena constituído de jovens deputados, figuras
proeminentes, talentosas e cultas, mais ou menos da sua idade, cheios de idealismo
e entusiasmo, como “Euclides da Cunha, Afrânio Peixoto, Carlos Peixoto, João
Pinheiro, Celso Bayma, Miguel Calmon, João Luiz Alves, o almirante Alexandrino de
Alencar, Ministro da Marinha, James Darcy, Barbosa Lima”, que se reuniam no
Grande Hotel, para discutir assuntos de interesse político e jornalístico (SOUZA,
1975, p.45-46).
Foto 24: Eloy de Souza caminhando
no Rio de Janeiro,
capital da República.
Fonte: Cardoso (2006).
247
Segundo Eloy de Souza esse grupo foi batizado pelo deputado Augusto
de Freitas, em discurso memorável, dizendo que “o General Pinheiro Machado
31
era
um prisioneiro de nova raça, parecidos como de improviso na representação dos
poderes públicos, convertendo este país em um verdadeiro Jardim da Infância.”
(SOUZA, 1975, p. 45).
Conforme Renato Mocellin, em História crítica da nação brasileira, Afonso
Pena se apoiou e foi apoiado por essas novas lideranças políticas.
Para diminuir a força das oligarquias estaduais no congresso, notadamente a
influência do Senador Gaúcho Pinheiro Machado, Afonso Pena procurou
apoiar-se em novas lideranças políticas, fazendo do jovem, de 24 anos,
Carlos Peixoto Filho, Presidente da Câmara dos Deputados. A oposição
clamava ironicamente de “Jardim da Infância” o legislativo que apoiava
Afonso Pena (MOCELLIN, 1958, p. 170. Grifo nosso).
Malgrado a dissolução do Jardim da Infância depois da morte de Afonso
Pena, “acredito que o grupo teria realizado uma política inteiramente nova no campo
eleitoral, educacional, financeiro e social [...].” (SOUZA, 1975, p. 46).
Eloy afirma que o Jardim da Infância ajudou aos deputados a definirem os
seus projetos de ação e quanto a sua pessoa, se comprometeu nas discussões, em
buscar a “solução adequada para os problemas das secas, esboçadas no
discurso que a este respeito pronunciei em 1906 na Câmara dos Deputados [...].”
(SOUZA, 1975, p. 49).
Diante desse minucioso relato baseado em estudos sobre os Estados
Unidos, Argentina, Austrália, Índia, Argélia, em consonância com a realidade do
Nordeste brasileiro, Eloy vai além dos estudos feitos pelos intérpretes do Nordeste
da sua geração no Rio Grande do Norte, demonstrando profundo conhecimento
sobre o semiárido desses países, na iminência de adequar os modelos mais
modernos neles adotados à realidade brasileira.
31
José Gomes Pinheiro Machado (1851-1915), advogado, agropecuarista, líder político do Rio
Grande do Sul e bastante influente no cenário nacional à época, sobretudo, controlando as bancadas
dos estados médios e pequenos, era amigo íntimo de Pedro Velho, por conseguinte atencioso com
Eloy de Souza.
248
Aliás, no Brasil, a institucionalização das propostas de combate aos efeitos
das secas começou em 1904, no Governo Rodrigues Alves, com a instalação da
“Comissão de Estudos e Obras Contra os Efeitos das Secas” e depois com a criação
da “Superintendência de Estudos e Obras Contra os Efeitos das Secas” em1906, no
Governo Affonso Penna.
Visando pôr em prática seus estudos e depois do discurso de 28
novembro de 1906, ele começou sua luta, firmando compromissos com as pessoas
mais influentes a fim de criar um órgão federal encarregado de resolver
definitivamente a questão.
Os compromissos do Dr. Afonso Pena relativos à solução do problema das
secas foram manifestados em Natal ao Dr. Tavares de Lira, seu Ministro da
Justiça quando da Presidência. Compromissos igualmente foram tomados
comigo em conversas anteriores no Rio de Janeiro. Estava assim eu certo de
que o assunto não demoraria a ser tratado, tanto mais quando, era, o Dr.
Miguel Calmon, íntimo amigo meu e igualmente empenhado pela redenção
do Nordeste (SOUZA, 1975, p. 57).
Continuando ele mostra o desenrolar dos acontecimentos.
Desta sorte, julguei-me autorizado a lembrar ao Presidente Afonso Pena, em
fevereiro de 1907, as providências iniciais com aquela finalidade. Prometeu-
me que o primeiro despacho falaria com o Dr. Miguel Calmon e realmente o
fez. No dia imediato fui por este procurado e dele recebi a incumbência de
redigir, dentro do prazo de quinze dias, um projeto de organização da
Inspetoria de Obras contra as Secas que abrangesse todas as modalidades
do problema e sua execução administrativa. Não cheguei ao fim do prazo
estipulado. Tinha a matéria estudada e meditada, assim pude no prazo de
cinco dias desincumbir-me da tarefa que pessoalmente fui levar no Ministério
da Viação, com um longo relatório justificativo das medidas propostas
(SOUZA, 1975, p. 57).
Prosseguindo, ele destaca que no dia 03 de julho de 1907 O Jornal do
Comércio havia inserido a este propósito a seguinte ‘vária’, que segue na íntegra:
249
Na legislatura passada, na Câmara dos Deputados, entre os inúmeros
discursos pronunciados um houve que despertou a atenção de seus
membros, entre os quais figurava o Dr. Miguel Calmon, hoje Ministro da
Indústria, Viação e Obras Públicas. O orador foi o deputado Eloy de
Souza, representante do Rio Grande do Norte, que pronunciou um discurso
sobre a seca implacável que muitos anos vem assolando o seu Estado
natal, Ceará e Paraíba e outros. Neste discurso, depois de exórdio
mostrando a situação aflitiva e desoladora dos nossos patrícios do Norte, o
Sr. Deputado Eloy de Souza encarou a questão sob o ponto de vista técnico
e científico, reclamando do Governo providências salvadoras. Agora o Sr.
Ministro da Viação, recordando-se das palavras do seu então colega,
encarregou-o de fornecer ao Governo dados técnicos para bases
regulamentares que permitissem organizar de vez um serviço preventivo e
eficaz contra aquele flagelo. Estas bases estão organizadas de acordo
com a Lei de 1904 e autorização da vigente orçamentária. Elas definem os
trabalhos para combater o mal e as condições pelas quais o governo tem de
as executar, bem como as relações da União e dos Estados para este fim.
Na quinta feira da próxima semana o sr. Ministro da Indústria submeterá à
assinatura do Chefe do Estado as referidas bases regulamentares (SOUZA,
1975, p. 58, grifo nosso)
Apesar da promessa, o regulamento não foi expedido, havia sido adiado,
pois o Presidente resolveu passá-lo por um Parecer de uma Comissão formada
pelos seguintes profissionais: Euclides da Cunha, Gravatá, Sampaio Correia
(engenheiro do Rio de Janeiro), Paulo de Frotin (engenheiro carioca), Francisco Sá,
dentre outros entendidos no assunto, que ao analisarem o regulamento não fizeram
alteração em seu conteúdo.
Nessa tramitação, o Presidente Afonso Pena falece sendo Nilo Peçanha
quem vai expedir o Decreto que criou a Inspetoria de Obras Contra as Secas do
Norte, de acordo com o regulamento elaborado pelo deputado, Eloy de Souza. Vale
salientar que o Ministro da Viação, Francisco (engenheiro, político e jornalista
mineiro) foi quem viabilizou a criação do referido órgão, uma vez que conhecia o
regulamento.
Depois de tudo passado Eloy de Souza analisa consciente e
orgulhosamente os saldos obtidos de sua difícil empreitada.
Aquele meu discurso de 1906 se é certo que considerou o lado emotivo e
sentimental do problema, não é menos certo que talvez pela primeira vez no
Parlamento da Monarquia e da República o problema tivesse sido encarado
do ponto de vista geográfico e humano, considerados o valor da vida
humana, a capacidade de trabalho do sertanejo em condições normais de
saúde, o montante de salário como fator de economia doméstica, a
produtividade agrícola e o desfalque incomensurável deste conjunto
250
econômico da vigência das secas calamitosas. Conhecia, eu, a literatura
demográfica do problema. Dele tinha informações precisas dos trabalhos do
Senador Pompeu, ilustre estadista e político cearense que estudara o
problema desde o século XVIII até o XIX (SOUZA, 1975, p. 59).
Assim, ficou consumada a criação de Inspetoria de Obras Contra as Secas
(IOCS) em 21 de outubro de 1909, através do Decreto Presidencial 7.619, de 21
de outubro de 1909, assinado pelo Presidente Nilo Peçanha. Em 1919, passou a se
chamar IFOCS (Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas), conforme Decreto
13.687 e de acordo com o Decreto-Lei 8,846 de 28-12-1945, DNOCS.
Observe-se que a luta institucional organizada de combate às secas,
deflagrou-se com o advento da Inspetoria de Obras Contra as Secas, criada em 21
de outubro de 1909, no Governo Nilo Peçanha, sob a persistência e tenacidade de
Eloy de Souza, Deputado Federal pelo Rio Grande do Norte e do empenho do
mineiro, Dr. Francisco Sá, Ministro da Viação e Obras Públicas (genro de Nogueira
Accioly, grande oligarca cearense).
O Engenheiro Miguel Arrojado Ribeiro Lisboa foi o primeiro Inspetor Geral
da IOCS, permanecendo no cargo, respectivamente, nos governos de Nilo Peçanha
e Hermes da Fonseca. Destacou-se com o mais consistente plano para soerguer o
Nordeste, iniciando-se, assim, os estudos básicos de apoio ao desenvolvimento do
semiárido, na tentativa de torná-lo economicamente viável e menos dependente às
oscilações climáticas da região.
Ainda no governo, Hermes da Fonseca, dirigiu a IOCS, o Eng. José Ayres
de Souza, natural de Santana do Acaraú no Ceará.
Mas o verdadeiro salto no que diz respeito ao tratamento do semiárido na
perspectiva da sustentabilidade, viria em 1919, com a eleição do notável brasileiro,
Epitácio Pessoa, procedente de Umbuzeiros, sertões paraibanos, elegendo-se
Presidente da República para o quadriênio 1919-1922. Assume a Presidência, no
epicentro de uma das mais terríveis secas do século XX, no Nordeste, o “Dezenove”,
alimentada que foi pelos resquícios maléficos da inesquecível “Seca do Quinze”.
Com a transformação da IOCS em Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas
(IFOCS), o Engenheiro José Luiz Mendes Diniz é nomeado o primeiro Inspetor Geral
da IFOCS.
251
Inicialmente, a IOCS teve importante papel na produção de conhecimento,
promovendo pesquisas antes mesmo das universidades. Realizou uma série de
estudos geológicos, hidrológicos, botânicos, geográficos, mineralógicos sobre a
região e desenvolveu uma política predominantemente hídrica. Por esta política
foram detectados, nas grandes bacias dos rios temporários, locais que fossem
favoráveis à construção de barragens, sendo, ainda, construídos açudes de grande
capacidade de retenção de água. Ainda planejou uma educação preocupada com o
trabalhador, tendo em vista as relações de trabalho fabril, possuindo um projeto, que
considerava a ciência como responsável por resolver os problemas sociais através
do estudo sobre a região e da participação efetiva da engenharia civil, que além da
construção dos açudes, teria a “missão” de educar o povo da região. A criação desta
instituição estava ligada a uma idéia de modernização, de levar o progresso ao
semiárido resolvendo um problema social por meio da ciência.
Arrojado Lisboa representava uma linha de pensamento que acreditava no
“combate às secas” através da ação do Estado e por meio da engenharia, uma
forma de educar o povo para o progresso. Esta foi à base de atuação da IOCS nos
dois períodos em que este engenheiro esteve no comando da instituição. Em
conferência publicada pela Biblioteca Nacional em 1913, publicada em Memória da
seca Arrojado Lisboa faz um panorama sobre as atividades da IOCS.
Sobre a ação técnica, o engenheiro apresenta diferentes planos, uma vez
que percebia a região como heterogênea. Cada Estado possuía peculiaridades que
evidenciavam a importância de projetos distintos. As ações da Inspetoria foram
iniciadas com base em estudos realizados pelas comissões que a antecederam,
assim como pelo conhecimento produzido a partir da implantação da mesma. Foi
organizado um corpo de especialistas, entre eles: engenheiros, topógrafos,
economistas, sanitaristas, geógrafos e muitos outros profissionais, que foram
responsáveis por produzir um rico relato científico sobre a região. A ação priorizada
pela Inspetoria, no Ceará, foi à construção de açudes de pequeno, médio e grande
porte, através de investimentos totais da União, em cooperação com fazendeiros da
região ou ainda realizando somente os estudos e o ficando a obra por conta de
particulares. Estas ações eram planejadas segundo uma percepção de que somente
por meio da ciência a região semiárida teria as condições necessárias de
desenvolvimento e progresso.
252
No processo de implantação deste Projeto torna-se visível a vasta
produção científica sobre a região, e coloca em destaque outra face da IOCS,
deixando claro que sua atuação não se restringia somente a dirigir e fiscalizar as
ações da União no “combate às secas”.
Nesse sentido, Duque (2001, p. 61) afirma que,
.
O seu primeiro Inspetor, Eng. Miguel Arrojado Lisboa organizou um estudo
de pluviometria, fluviometria, topografia, geologia, botânica, reflorestamento
e projeto de barragens. Também cuidou da construção de ferrovias, de
estradas e da perfuração de poços. Os técnicos brasileiros e estrangeiros,
integrantes da IFOCS, publicaram muitas monografias sobre geologia, água
subterrânea, botânica e mapas topográficos dos estudos. No Governo
Epitácio Pessoa, foram começadas grandes obras de udagem por firmas
estrangeiras, infelizmente paralisadas no governo seguinte.
Conforme Souza (1990), tudo iniciou com um levantamento de um novo
mapa dos Estados assolados pela seca, recomendado pelo Dr. Francisco Sá,
ficando o Dr. Arrojado Lisboa e Dr. Orville Derby, chefe do Serviço Geológico e
Minerológico do Brasil, encarregados deste serviço.
Para tanto, foi organizada uma turma de geólogos, topógrafos e
auxiliares, dirigida conjuntamente pelos americanos Horace Williams e Roderic
Grandall.
O Sr. Williams seguiu diretamente para Fortaleza, tendo sido proficuamenta
auxiliado, no trabalho notável que ali realizaram pelos Srs. William Lane,
Francisco Coutinho e Francisco Boa Nova no trabalho de topografia e pelos
Drs. Eusébio Paulo de Oliveira e Aberto Berlim Paes Lemos na geologia.
[...] As séries de determinações de coordenadas geográficas no Ceará, aos
Drs. Gastão Gomes e Arnaldo Pimenta da Cunha. Para o Norte o Sr.
Alberto Lofgren, incugido de estudar a flora nordestina, as possibilidades de
reflorestamento da região e adaptação de plantas estrangeiras
economicamente proveitosas, aos estados flagelados (SOUZA, 1990,
p.216)
Por outro lado, o geólogo Roderic Grandall seguiu o seguinte percurso:
253
Iniciou sua viagem pelo Estado de Pernambuco [...] entrou na Paraíba, pelo
Piancó, atravessou Brejo de Santos, Milagres e Icó, localidades estas
situadas no Ceará. Daí se encaminhou para Cajazeiras e Souza, que lhe
abriram caminho para o Rio Grande do Norte, por Pau dos Ferros e Apodi,
em direção a Mossoró, onde permaneceu durante vários dias. Jornadiou
para Campina Grande, via Caicó, de onde rumou para BAturité, Patos,
Pombal, Martins, angicos, Limoeiro e Russas (SOUZA, 1990, p.216-217).
Nesse sentido, Souza ressalta a facilidade de adaptação à região, a
sensibilidade humana e sobretudo, a competência e operosidade de Grandall no
que se refere às pesquisas e relatos sobre a região. “A sua brochura intitulada,
Geografia, geologia, suprimento d’água, transporte e açudagem, constituirá, por
muitos anos, o repositório de consulta mais proveitosa aos estudiosos da vida do
Nordeste [...].” (SOUZA, p. 217).
Continuando, Souza (1990, p. 219) afirma: “Ninguém ainda fez
demonstração mais convincente das vantagens da estrada de ferro de Mossoró e da
construção do porto de Areia Branca, do que Roderic Grandall.”
Nessa perspectiva a Inspetoria de Obras Contra as Secas de uma forma
abrangente, porém, faltou, ao mesmo tempo, o desenvolvimento de uma política de
caráter social, fazendo com que a população da área se beneficiasse da obra
pública em que eram investidos milhões de cruzeiros sem que a população
recebesse em troca áreas onde se cultivasse, com irrigação, produtos alimentícios.
Na verdade, os grandes proprietários eram os verdadeiros beneficiários da ação do
governo.
Com efeito, conforme Guimarães Duque no seu livro, Solo e água no
polígono das secas foi necessário que os técnicos da própria Inspetoria, hoje
Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS), advogassem o
desenvolvimento da agricultura irrigada, utilizando-se os sangradouros dos açudes
(DUQUE, 1980).
No entanto essa era uma questão complicada, uma vez que o governo
não tinha poder político suficiente para desapropriar os grandes latifúndios, os
coronéis, antes da construção dos açudes, ficando impossibilitado de desenvolver
uma política social. A política dos governadores era ancorada no compromisso
coronelístico (LEAL, 1975), compromisso este firmado no voto, que à época não era
secreto e homens adultos maiores de 21 anos, alfabetizados podiam votar,
254
que, a maioria da população era analfabeta. E os que podiam votar, normalmente,
eram comprometidos com o sistema ou então não tinham suficiente politização para
assim usá-lo. Dessa forma, o sistema era conivente com a formação dos “currais
eleitorais”, controlados pelos chefes políticos locais, que funcionavam como base de
sustentação das oligarquias estaduais, e estas, das federais.
O prestígio e o poder dos coronéis eram medidos pelo número de votos
que ele controlava. Era o chamado “voto de cabresto”, ou seja, o eleitor votava,
abertamente, no candidato que o coronel indicava, em troca de favores pessoais.
Toda a estrutura de poder político no Brasil apoiava-se no domínio político dos
fazendeiros, fosse, em nível local, estadual ou federal. Logo, não havia justiça
eleitoral, ficando a fiscalização das eleições a cargo das milícias estaduais e locais,
que controlavam o eleitor, diretamente. Tratando-se dos parlamentares, existia a
Comissão Verificadora de Poderes que se utilizava de um instrumento legal,
responsável pela “lisura” das eleições e encarregada de dar ou não o diploma para o
eleito, a “degola”, que geralmente não eram diplomados oposicionistas, não sendo
reconhecida a sua vitória eleitoral, alegando-se fraudes. Geralmente era controlado
pelo partido dominante, da maioria, o PRP. Em suma, as eleições de um modo
geral, eram a “bico de pena”, ou seja, fraudulentas.
De acordo com Maria Fernanda Lombardi Fernandes, em Introdução à
política brasileira organizado por Humberto Dantas e José Paulo Martins Júnior, “os
coronéis controlavam o processo, as eleições eram decididas pela mesa, eram
freqüentes os ‘fósforos’, eleitores que votavam no lugar de outros, várias vezes. [...]
nas zonas urbanas os efeitos do coronelismo eram menos sentidos.” (FERNANDES,
2007). Esse era o quadro síntese, da República Oligárquica, do domínio dos
“coronéis.
Vale ressaltar que uma das vantagens da política da IOCS era dar
trabalho aos sertanejos na própria da área seca, evitando que eles se deslocassem
para o litoral e congestionassem as grandes cidades, ameaçando-as com saques,
doenças e dificuldades de abastecimento. As estradas de rodagem também
facilitariam a chegada ao Sertão dos auxílios enviados nos períodos de seca.
Diante do exposto e fazendo um balanço da atuação de Eloy de Souza
como parlamentar representante do Rio Grande do Norte, reconhece-se que ficava
difícil para ele se desvencilhar desta estrutura de mando, principalmente por estar
nela inserido, e dela se beneficiando ao tempo em que, também era um eterno
255
dependente. Malgrado essa situação, Eloy de Souza se sobressaiu, perante os seus
contemporâneos com as propostas inovadoras, modernizadoras como a irrigação,
visando resolver o problema do Nordeste e os dilemas das secas, mas evitando falar
em redistribuição de terras e socialização eqüitativa de bens.
Nesse sentido, segundo Benedito Vasconcelos, professor universitário de
Mossoró, cientista e pesquisador do semiárido, ressalta que, “[...] o convite feito a
Eloy de Souza para redigir o regulamento para a criação do IOCS foi a maior prova
de que, naquela época, ele era considerado autoridade em assunto de seca.”
(MENDES, 2001, p. 70).
O DNOCS se constitui na mais antiga instituição federal com atuação no
Nordeste sendo de 1909 a 1959, praticamente a única agência governamental
federal executora de obras de engenharia no Nordeste, na extensa área assolada
pelas secas, que compreendia partes diversas dos estados de, Piauí, Ceará, Rio
Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Bahia e Minas Gerais, a
qual ficaria conhecida como polígono das secas (DEPARTAMENTO NACIONAL DE
OBRAS CONTRA AS SECAS, 2007).
Não se contentando em apenas contribuir para a criação desse tão
importante órgão de combate às secas, continuou a luta, procurando viabilizar as
obras contra as secas. Em 1910, a conselho de Afrânio Peixoto Eloy de Souza visita
o Egito para observar barragens e sistemas de irrigação. Aproveitou para ir a Paris,
a Alexandria, Jerusalém, Lausanne e Interlaken, na Suíça.
Ao chegar ao Rio de Janeiro, procurei me inteirar mais objetivamente sobre
o problema das secas, em correlação com a legislação de outros países
também atormentados por iguais, senão maiores sofrimentos causados por
estas calamidades. Por felicidade encontrei [...] (SOUZA,1975, p. 72).
Assim, de acordo com o que constatou na sua viagem e fundamentado
numa rica documentação a respeito da legislação dos países ingleses, americanos e
argentinos, que se debruçou a estudar com profundidade e apresentou o projeto à
Câmara dos Deputados na Sessão de 30 de agosto de 1911. Seu pronunciamento
foi publicado sob o título, Um problema nacional projeto e justificação.
256
O discurso de apresentação foi conciso [...] Aplaudido depois que deixei a
tribuna, focalizado o assunto na imprensa, nas colunas editoriais e apreciado
pelos técnicos estrangeiros de renome para opinar, foi todavia esquecido,
pelo poder legislativo durante oito anos, de 1911 a 1919. Ressuscitou com o
Dr. Epitácio Pessoa quando Presidente da República (SOUZA, 1975, p. 73,
grifo nosso).
O referido projeto propunha a construção de obras de irrigação no
Nordeste, com recursos de uma caixa especial denominada “Fundo de Irrigação”,
que consistia na contribuição durante dez anos, de 2% da receita geral da República
com base na arrecadação do ano anterior, 5% da receita dos Estados que
quisessem contribuir em dinheiro ou em terras devolutas, ou em outras rendas
(SOUZA, 1976, p. 191-193; 1981).
No mesmo discurso de 1911, o deputado, apresentou à Câmara dos
Deputados nesse projeto de implantação de amplo programa de obras de irrigação,
a defesa do plantio de algodão em terras irrigadas, cujas plantações acabara de ver
no Egito. Assim, mostra a importância do plantio do algodão, “ouro branco”, em
terras irrigadas, contrariando a febre da borracha, o “ouro negro.” (SOUZA, 1981, p.
29).
O projeto de Eloy de Souza oito anos arquivado, de 1911 a 1919 foi
ressuscitado por um nordestino, paraibano o Presidente Epitácio Pessoa em 25 de
dezembro de 1919, transformando o Projeto Eloy de Souza na Lei Epitácio Pessoa
de n° 3.965, de 25 de dezembro de 1919 também chamada Lei de Natal, criando um
Fundo de Irrigação também denominado Caixa das Secas.
Nesse sentido Eloy ainda esclarece,
Foi com esses recursos que o Presidente Epitácio Pessoa iniciou e executou
os trabalhos gigantescos considerados pela engenharia nacional e
internacional como indicados e insubstituíveis na solução de igual problema
da Índia, nos Estados Unidos, na República Argentina e na Argélia (SOUZA,
1975, p. 75).
Reforçando nesse sentido, o professor Benedito Vasconcelos Mendes
afirma:
257
Durante o governo de Epitácio Pessoa o faltaram recursos para a
construção de açudes, canais de irrigação e de outras obras do Nordeste as
quais foram paralisadas pelo Presidente Artur Bernardes que lhe sucedeu.
Depois de Epitácio Pessoa o Nordeste foi ter novo avanço na construção de
obras contra as secas somente em 1932 quando outro paraibano, José
Américo de Almeida, ocupou a pasta da Viação e Obras Públicas, no governo
Provisório de Getúlio Vargas (MENDES, 2001, p. 72).
Vale salientar que Eloy não pronunciou muitos discursos durante a sua
vida parlamentar.
No exercício da minha atividade parlamentar não pronunciei muitos
discursos. Ainda não tinha chegado a liberdade dos deputados lerem
discursos, escritos na meditação do gabinete, e eu não podendo emparelhar
com os oradores nem mesmo os menores, retraí-me e resolvi ser apenas
um representante do meu Estado na atividade extra-parlamentar de
promover e servir os seus interesses junto aos Ministérios e às Comissões
da Câmara e do Senado (SOUZA, 1975, p. 101).
Em meio a todos os entraves que sofreu o parlamentar de um Estado
periférico de um país com acentuadas disparidades regionais econômicas e sociais,
Eloy de Souza ainda foi relator do “Parecer 88, que fundamentou a Lei 175, a última
Lei Contra as Secas, regulamentando o Art. 177 da Constituição Federal de 1934,
sancionada pelo Presidente Getúlio Vargas em 7 de janeiro de 1936.” (SOUZA,
1976, p. 201-202).
A antevisão de Eloy de Sousa sobre o semiárido como uma região
propícia para a agricultura irrigada, no início do século XX, é favorável à pecuária
sendo uma questão presente ainda nos debates atuais. Precisa apenas de um
tratamento racional a essas atividades, especialmente no aspecto ecológico.
O Nordeste e a seca o problemas políticos! Secas o problemas
porque não existe uma séria política oficial para a região, que respeite a realidade
em que vive o nordestino, dando-lhe condições de acesso à terra e ao trabalho.
Soluções existem, porém, não se teria, na verdade, uma solução plausível, antes de
se fazer, efetivamente, uma profunda transformação na economia agrária.
258
Sabe-se que a concentração de terras no Brasil é decorrente da estrutura
de poder e que a luta pela Reforma Agrária assume características essencialmente
anticapitalistas (confronto com o capital), diferente de muitos países que
realizaram a reforma agrária.
O domínio do poder e da terra no país tem suas origens na própria
formação do Estado Brasileiro, plasmando uma sociedade onde a estrutura de poder
das oligarquias está extremamente ligada à estrutura de poder do estado. E, desde
o início, a estrutura montada para a acumulação do capital está diretamente ligada a
terra.
A distribuição da terra no Brasil é um problema histórico, resultado do
modo como no passado ocorreu a posse de terras ou como foram concedidas.
A distribuição teve início ainda no período colonial com a criação das capitanias
hereditárias e sesmarias, caracterizada pela entrega da terra pelo dono da capitania
a quem fosse de seu interesse ou vontade, em suma, como no passado a divisão de
terras foi desigual os reflexos o percebidos na atualidade e é uma questão
extremamente polêmica e que divide opiniões.
Enfim, perpassa por uma sequência de fatos históricos, capitanias
hereditárias, sesmarias, reduções, engenhos, rendeiros/meeiros, quilombos,
comunidades indígenas, leis de terras, imigração européia e seus corolários,
Canudos, Contestado, ligas camponesas, demarcação das terras indígenas, luta
dos povos da floresta e movimento dos trabalhadores rurais sem terra.
A história da reforma agrária, no Brasil, é uma história de oportunidades
perdidas. No período colonial, o Brasil não teve os movimentos sociais que, no
século XVIII, democratizaram o acesso à propriedade da terra e mudaram a face da
Europa. No culo XIX, os avanços sociais da Europa não cruzaram o Oceano
Atlântico, para desfazer no Brasil sua injusta concentração de terras. E, ao contrário
dos Estados Unidos que, no período da ocupação dos territórios do nordeste e do
centro-oeste, resolveram o problema do acesso à terra, a ocupação brasileira - que
ainda está longe de se completar - continuou seguindo o velho modelo do latifúndio,
sob o domínio da mesma velha oligarquia rural.
As revoluções socialistas do século 20 - russa e chinesa, principalmente -
embora tenham chamado a atenção de parcela da elite intelectual brasileira, tiveram
apenas influência teórica. O Brasil também não passou pelas guerras que
impulsionaram a reforma agrária na Itália e no Japão, por exemplo. Tampouco fez
259
uma revolução de bases fortemente camponesas, como a de Emiliano Zapata, no
México do começo do século.
Na Primeira República ou República Velha (1889-1930), grandes áreas
foram incorporadas ao processo produtivo e os imigrantes europeus e japoneses
passaram a desempenhar um papel relevante. O número de propriedades e de
proprietários aumentou, em relação às décadas anteriores, mas, em sua essência, a
estrutura fundiária manteve-se inalterada.
A revolução de 1930, que derrubou a oligarquia cafeeira, impulsionando o
processo de industrialização, reconheceu direitos legais aos trabalhadores urbanos
e atribuiu ao Estado o papel principal no processo econômico, mas não interveio na
ordem agrária. Com o fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945, o Brasil
redemocratizou-se e prosseguiu seu processo de transformação com
industrialização e urbanização aceleradas. A questão agrária apesar de ser discutida
com ênfase era tida como um obstáculo ao desenvolvimento do país. Vários projetos
de lei de reforma agrária foram apresentados ao Congresso Nacional. Nenhum foi
aprovado.
No final dos anos 50 e início dos 60, os debates ampliaram-se com a
participação popular. As chamadas reformas de base (agrária, urbana, bancária e
universitária) eram consideradas essenciais pelo governo, para o desenvolvimento
econômico e social do país. Entre todas, foi a reforma agrária que polarizou as
atenções. Em 1962, foi criada a Superintendência de Política Agrária - SUPRA, com
a atribuição de executar a reforma agrária.
Em março de 1963, foi aprovado o Estatuto do Trabalhador Rural,
regulando as relações de trabalho no campo, que aentão estivera à margem da
legislação trabalhista. Um ano depois, em 13 de março de 1964, o Presidente da
República assinou decreto prevendo a desapropriação, para fins de reforma agrária,
das terras localizadas numa faixa de dez quilômetros ao longo das rodovias,
ferrovias e açudes construídos pela União. No dia 15, em mensagem ao Congresso
Nacional, propôs uma rie de providências consideradas "indispensáveis e
inadiáveis para atender às velhas e justas aspirações da população." A primeira
delas, a reforma agrária. Porém, no dia 31 de março de 1964, caiu o Presidente da
República e teve início o ciclo dos governos militares, que duraria 21 anos.
Desse modo, a estrutura fundiária, a forma como as propriedades agrárias
estão organizadas, isto é, seu número, tamanho e distribuição social, é um dos
260
grandes dilemas agrários do Brasil. A estrutura fundiária: de um lado, um pequeno
número de grandes proprietários de terras - os latifundiários -, que monopolizam a
maior parte das propriedades rurais; no outro extremo, milhões de pequenos
proprietários que possuem uma área extremamente pequena - os minifúndios -,
insuficiente para permitir-lhes uma vida digna.
Na gestão dos militares a reforma agrária destacou-se entre suas
prioridades, sendo sancionada a Lei 4.504, que tratava do Estatuto da Terra.
Constituiu-se na primeira proposta articulada de reforma agrária, feita por um
governo, na história do Brasil.
Em vez de dividir a propriedade, porém, o capitalismo impulsionado pelo
regime militar brasileiro promoveu a modernização do latifúndio, por meio do crédito
rural fortemente subsidiado e abundante. O dinheiro farto e barato, aliado ao
estímulo à cultura da soja - para gerar grandes excedentes exportáveis - propiciou a
incorporação das pequenas propriedades rurais pelas médias e grandes: a soja
exigia maiores propriedades e o crédito facilitava a aquisição de terra. Assim, quanto
mais terra tivesse o proprietário, mais crédito recebia e mais terra podia comprar.
Nesse período, toda a economia brasileira cresceu com vigor - eram os
tempos do "milagre brasileiro" -, o país urbanizou-se e industrializou-se em alta
velocidade, sem ter que democratizar a posse da terra, nem precisar do mercado
interno rural. O projeto de reforma agrária foi esquecido e a herança da
concentração da terra e da renda permaneceu intocada. Enfim, o Brasil chega ao
século 21 sem ter resolvido um problema com raízes no século XVI.
261
5.3 RESULTADOS DO DISCURSO DE ELOY DE SOUZA COMO INTELECTUAL
ORGÂNICO
Eloy de Souza foi na verdade um intelectual orgânico, na medida em que,
se colocou a uma determinada distância do real, criando uma certa visão de
mundo, perpassando, o tempo e as gerações.
Hermano Machado Ferreira Lima
Apesar de pertencer à elite agrária nordestina, Eloy de Souza o era
oligarca, fazendeiro, nem senhor de engenho, mas se destacou como político e
intelectual, deixando o reflexo de suas palavras em ações. Sabe-se que as palavras
têm conseqüências, elas se materializam em atos e seu discurso em favor do
Nordeste e das secas, ao lado das mobilizações políticas, resultaram em vários atos,
encravados em anais, em comissões, nas constituições, em órgãos públicos, com
ressonâncias no Estado Nacional.
Desse modo, as suas palavras tiveram conseqüências efetivas no que diz
respeito à política, comprovada pela notória atuação no parlamento, cujo percurso
por ele seguido, passou por embates, jogo de forças, enfrentando muitas oposições,
a fim de fazer valer as suas argumentações.
Teve um papel decisivo nos debates do Parlamento, sendo as suas
palavras incluídas na coletânea dos discursos, projetos e leis que tramitaram como
documentos envolvidos na dinâmica do Processo Legislativo Brasileiro e se
reuniram ao registro oficial, mediante a participação em sessões realizadas durante
sua vida política, nos plenários do Senado Federal e do Congresso Nacional.
Agregaram o completo teor das Atas das reuniões plenárias, contendo as
mensagens dos Presidentes da República, os pareceres, os projetos de lei, os
projetos de decretos legislativos, os projetos de resolução, as indicações, os
requerimentos, os discursos parlamentares, as discussões e votações em matérias.
As idealizações de Eloy de Souza perpassam o tempo, perpassam
gerações, tendo ressonâncias nos dias atuais.
Inicialmente como observador, em início de carreira política, primeiro
mandato de Deputado Federal 1898-1999, assistiu perplexo a atitude insensível e
262
inflexível do Presidente de Campos Sales (1898-1902) no que diz respeito a grande
seca ocorrida, justamente nesse período.
Esta seca foi assoladora principalmente nos estados do Rio Grande do
Norte e Ceará. O parlamento votou um crédito, creio que de dez mil contos
para socorros às populações atingidas pela calamidade. Apesar dos
telegramas insistentes e angustiados dos governadores dos Estados o
Presidente Campos Sales trancou os ouvidos e não socorreu. Na sua
ausência em retribuição ao General Roca, Presidente da Argentina,
assumiu o governo o Vice-presidente Rosa e Silva, que abriu um crédito de
mil contos para socorrer os Estados flagelados. Quando Campos Sales
regressou, as parcelas que restaram distribuir foram mandadas aplicar
exclusivamente em passagens, de preferência, para o sul do país
(SOUZA, 1975, p. 31).
Eloy de Souza nunca teve relações estreitas com esse Presidente,
contudo, acompanhava pari passu as suas decisões e muitas de suas atitudes lhes
eram confidenciadas por Tobias Monteiro, jornalista e historiador, seu grande amigo
do Rio Grande do Norte, que era íntimo de Campos Sales, podendo assim melhor
compreender o seu comportamento político.
Conforme Souza (1975), isso aconteceu porque Campos Sales
procurando resolver as dívidas com a Inglaterra contraídas depois de eleito, buscou
equilibrar as finanças, diminuindo as despesas em defesa do crédito do Brasil.
Contudo, reconhece que esse governo provocou muitos descontentamentos, sendo
“[...] açoitado pela imprensa do tempo por uma linguagem de ira e fogo [...]” e que
essa política econômica, tendo à frente Joaquim Murtinho, Ministro da Fazenda,
mais agradava os banqueiros europeus. Segundo ele, um telegrama do Governador
Pedro Borges do Ceará e a carta eloqüente que escreveu Francisco Sá, àquele
Presidente por conta de sua inflexibilidade diante da questão da seca “[...] são,
documentos, que as almas sensíveis não recordam ainda hoje sem angústias.”
(SOUZA, 1975, p. 31-32).
Eloy de Souza logo se revelou como um político de uma visão além de
sua época, bastante articulado, se utilizando de uma retórica cortês, civilizada, cuja
polidez lhe favoreceu penetrar e circular entre os diversos grupos políticos. No
Governo do rico latifundiário paulista, Dr. Francisco de Paula Rodrigues Alves (1902-
263
1906), sendo reeleito como Deputado Federal, logo granjeou a sua confiança e
amizade.
[...] De todos os Presidentes do meu conhecimento e amizade foi o único
que nunca encontrei mal-humorado, o único de quem nunca ouvi palavras
indiscretas, nem sobre fatos nem sobre pessoas. Deu-me a honra de sua
amizade e sempre na sua casa na Rua Senador Vergueiro recebeu-me
afetuosamente [...] (SOUZA, 1975, p. 39).
Também tinha um bom relacionamento com os assessores de Rodrigues
Alves, a exemplo de Lauro Muller, Ministro da Indústria, Viação e Obras Públicas, do
engenheiro Sampaio Correia, do engenheiro Paulo de Frontin e do médico
sanitarista Oswaldo Cruz, Diretor da Saúde Pública, sendo Eloy, nesse período,
membro da Comissão de Finanças da Câmara, juntamente com Barbosa Lima
(amigo do “jardim da infância”).
Enquanto membro dessa Comissão se revelou como hábil conciliador,
uma vez que conseguiu aproximar Barbosa Lima de Oswaldo Cruz, que não lhe era
simpático e que por isso, sempre vetava suas solicitações de crédito. Daí solucionou
a incompatibilidade entre ambos, quando chegou um pedido de crédito de 600
contos para Manguinhos, bairro da Zona Norte do Rio de Janeiro, onde se instalava
a Fundação Oswaldo Cruz, de referência nacional em microbiologia, parasitologia e
saúde pública.
Para evitar o veto de Barbosa de Lima, Eloy combinou com Oswaldo Cruz
que iria anunciar na sessão em que o assunto seria discutido, que ele era convidado
de honra de Oswaldo Cruz para visitar Manguinhos e o desfecho acabou sendo
satisfatório: a Comissão, acatando a sugestão de Barbosa Lima, determinou que
Eloy fosse o visitante em nome de todos os membros, devendo apresentar um
relatório para ler na sessão seguinte.
Após a visita a Manguinhos, Eloy se expressa;
Nunca tinha visto Manguinhos e de voltei com uma impressão
deslumbrante de tudo que vi como suntuosidade arquitetônica e técnica dos
laboratórios. Fiz na sessão próxima, uma exposição verbal e a conclusão a
264
que havia chegado. Depois de lido o meu parecer, submetido a discussão,
Barbosa Lima perguntou: - ‘Você acha que 600 contos bastam? E as pazes
com Oswaldo Cruz ficaram feitas (SOUZA, 1975, p. 37),
Conforme Souza (1975), o governo de Rodrigues Alves foi bastante
proveitoso para o Rio Grande do Norte, podendo o Governador Tavares de Lyra,
contar por ocasião da seca de 1904, com as providências do engenheiro Sampaio
Correia, amenizando o sofrimento dos retirantes, ao realizar serviços permanentes,
principalmente de açudagem e construção de estradas de ferro. Por conseguinte,
outros cnicos também vieram para o Estado, como Henrique de Novaes e José
Luiz Batista, sendo, nessa ocasião, abertas as estradas de Lages, Ceará Mirim,
Santa Cruz, Baixa-Verde Lages, em direção ao Seridó.
Durante essa seca, Eloy, sempre vigilante, com a sua vivacidade,
conseguiu na Câmara dos Deputados, uma emenda para a não restituição de
determinada quantia recebida a mais, pelo Governo do Rio Grande do Norte, por
equívoco telegráfico. “[...] Esta emenda ao chegar no Senado ia ser retirada do
orçamento por proposta do Senador Urbano de Gouveia, cunhado do Ministro da
Fazenda, Leopoldo de Bulhões, o relator daquele orçamento.” (SOUZA, 1975, p. 38).
Pelo fato de antecipadamente, ter tratado da questão com o Ministro da
Fazenda, bem como com Rodrigues Alves, obtendo a aprovação de ambos e, por
conseguinte, comunicado a boa notícia ao Governador, Tavares de Lyra, Eloy de
Souza ficou muito magoado ao saber do outro encaminhamento que estava sendo
dado ao dinheiro e imediatamente foi comunicar o caso ao Presidente, dele ouvindo
o seguinte: - “’O caso vai ter remédio’. Tomou de uma folha de papel e escreveu ao
Minisro da Fazenda palavras decisivas, dizendo que o compromisso era seu e o que
devia ser feiro o foi.” (SOUZA, 1975, p.38-39).
Nesse sentido as palavras de Eloy resultaram em ações. Por conseguinte,
as palavras do Presidente calaram fundo, numa época em que a mídia pouco
mostrava, portanto, a eloquência era a arma maior dos tribunos. Suas palavras
propiciaram ações desenvolvidas pelo Estado Nacional, numa perspectiva histórica,
se deram para corrigir as distorções espaciais, econômicas e sociais do semiárido
nordestino.
Ele acreditava que o flagelo da seca seria enfrentado com a magnitude e
seriedade que o problema exigia e também, que o Chefe da Nação revestia-se de
265
valores para tal. Por isso, avigorou-se nas potencialidades econômicas do Nordeste;
na vulnerabilidade de seu processo produtivo; no acudimento social do peso da
população humana e, sobretudo, nos papéis indutor e corregedor do Estado
Nacional nas distorções econômicas, sociais e espacial da Nação.
No seu entusiasmo e eloqüência, como intelectual, interpretou os
universos de situações. A história, como nos diz Eric Hobsbawm, não compete
inventar nada, e, sim, revelar o passado que controla o presente às ocultas,
trazendo à tona fatos por vezes esquecidos.
Mas, o discurso, a palavra, desnuda os fatos, populariza-os e alardeia-os
aos quatros cantos da terra! E foi assim que se operou o grande espetáculo de
Victor Hugo, na França e Charles Dickens, na Inglaterra, quando dispensaram um
olhar diferenciado para conjuntura de sua época e perceberam a dicotomia que
separava os patrícios dos plebeus, os afortunados dos miseráveis.
O mesmo poder-se-ia dizer de Juan Rulfo, no México, Manuel Scorza, no
Peru, Garcia Marquez, na Colômbia, Rachel de Queiroz, Josué de Castro e Eloy de
Souza, no Brasil.
Todavia, esses iluminados pensadores, quando ousaram olhar a pobreza
do mundo, o fizeram com um olhar tão penetrante, que não se limitaram a ver
apenas as feridas do corpo, mas radiografaram a alma dos desfavorecidos.
Chocaram sua geração, incomodaram os reis, encantoaram a igreja, abalaram o
parlamento, mas denunciaram parte da miséria da humanidade!
O Governo do Dr. Nilo Peçanha, não teria instalado Inspetoria de Obras
Contra as Secas em 1909, repartição pública destinada a promover todas as
providências então julgadas úteis, para prevenir ou anular os efeitos perniciosos das
secas calamitosas, se o discurso de Eloy não tivesse tido eco e o seu projeto
consistência. Razão do apoio e interesse do Ministro da Viação e Obras Públicas, o
Engenheiro Francisco Sá.
Ao ser incumbido da tarefa de elaborar o projeto para tirar o Nordeste da
situação de emergência através da irrigação, pelo Dr. Migiuel Calmon, provocou
uma ação do estado brasileiro no “combate às secas”, recebendo os
reconhecimentos de diversas autoridades.
Trechos de uma carta dirigida ao Jornal do Comercio, do Rio de Janeiro,
pelo geólogo americano Roderic Grandall, e publicada na edição de 22 de setembro
266
de 1911, foram publicados no livro, Eloy de Souza e Mosso, destacando as
vantagens do seu projeto:
Uma das provas mais importantes deste progresso do Brasil, manifesta-se
no programa de desenvolvimento dos Estados menos favorecidos pela
natureza, que foi recentemente apresentado ao Congresso pelo Dr. Eloy de
Sousa, Deputado pelo Rio Grande do Norte.
A intenção desta lei no seu
todo é de, se aprovada, permitir a construção de obras de irrigação e
prevenção de todo o gênero, em qualquer Estado que delas vinha a
precisar, ao mesmo tempo ativando, auxiliando e promovendo a
introdução de métodos agrícolas novos e mais adiantados, que
trarão consigo uma melhor escala de vida e de educação. [...] O fim
desta lei é o estabelecimento de um fundo permanente, do qual
possam ser retiradas as quantias necessárias à construção de
diversas obras ao passo que forem precisas. [...] Este projeto de lei
se for aprovado como está, ou antes, com pequenas modificações,
permanecerá um monumento ao estadista que o concebeu e projetou
e ao Congresso que for bastante esclarecido para votá-lo. (SOUZA,
1990, p. 222).
Da mesma forma o Engenheiro Miguel Arrojado Ribeiro Lisboa, que, além
de geólogo estudioso, experimentado, homem viajado e dinâmico recebeu do Sr. G.
A Waring, uma carta com os seguintes elogios a respeito do projeto de irrigação de
Eloy de Souza em carta ao:
Caro senhor, com grande interesse acabo de ler o projeto de lei
apresentado ao Congresso pelo Sr. Eloy de Souza, para construção de
obras de irrigação no nordeste do Brasil. [...] Examinei com cuidado cada
artigo da lei proposta. Algumas disposições são necessariamente diferentes
da s contidas na lei da Reclamation Service dos Estados Unidos, mas tanto
quanto me permite julgar o conhecimento que tenho das condições no
Brasil, os detalhes do projeto me parecem conducentes ao desenvolvimento
adequado das regiões a serem irrigadas.[...] Depois, porém, que esteja
conhecido em outros paises quanto é saudável o clima do nordeste do
Brasil, a região terá um rápido desenvolvimento agrícola; é assim que as
grandes obras, com quanto produzam uma renda pequena durante
alguns anos, mais tarde se tornarão grandemente e permanentemente
valiosa.[...] Examinei com cuidado cada artigo da lei proposta. Algumas
disposições são necessariamente diferentes das contidas na lei da
Reclamation Service dos Estados Unidos, mas tanto quanto me permite
julgar o conhecimento que tenho das condições no Brasil, os detalhes do
projeto me parecem conducentes ao desenvolvimento adequado das
regiões a serem irrigadas. No seu conjunto creio que este projeto oferece a
única solução do problema das secas. Este se tornou um problema sério no
Brasil, mas não acredito que a sua solução, por meio de obras de irrigação,
seja mais dificultosa do que tem sido em outras regiões áridas; e não creio
que haja outra alternativa a seguir. Vosso G. A. Waring, em 11 de Setembro
de 1911. (SOUZA, 1976, p. 195-196).
267
A Projeto de Lei de 30 de agosto de 1911 do Deputado Eloy de Souza,
constituindo o Fundo de Irrigação, também foi transformado em ato através da Lei
Epitácio Pessoa no Senado e na Câmara. “É uma obra de admirável previsão
política, que ficou sendo o ponto de partida de todas as providências capitais a
adotadas para a defesa eficaz do Nordeste [...] (Anais do Senado - dezembro de
1919).” ( SOUZA, 1979, p. 198-199).
Ainda se destacou com o parecer 88-1935, juntamente com Nero de
Macedo (Presidente), sendo o Relator, juntamente com Nilo Gonçalves e Cesário
Melo e em janeiro de 1955, redigindo a Última Lei contra a seca, que regula o
Dispositivo no Art. 177 da Constituição, buscando regulamentar a utilização
deficiente de obras e serviços de cooperação para a implementação dos serviços
da Inspetoria de Obras contra as Secas.
As palavras de Eloy tiveram efeito e os fatos falam por si. As idéias
perpassam o tempo e as gerações.
268
269
6 CONCLUSÃO
Sou um homem de partido, e sou, sobretudo, um homem escravizado
aos interesses sadios do Rio Grande do Norte.
Eloy de Souza
Discutiu-se o Nordeste preso à herança de uma sociedade patriarcal,
escravocrata, monocultora, aristocrática e latifundiária e a um passado colonial que
deixou marcas até os dias atuais.
Sobressaíram-se os entraves existentes numa sociedade de relações
assimétricas, gerando vários tipos de desigualdades, não se limitando apenas a
fatores raciais, econômicos e sociais, como também, destacaram-se, as
desigualdades entre regiões, enfrentando sérias discriminações.
As desigualdades regionais aqui tratadas se relacionaram ao Sudeste em
consonância ao Nordeste, no período compreendido entre o final do século XIX até
1937, quando o governo republicano priorizou o Sudeste, face à expansão cafeeira e
industrial paulista, em detrimento do desenvolvimento do Nordeste.
São Paulo e Minas Gerais, por serem os dois Estados mais populosos e
poderosos, econômica e politicamente, garantiram a maioria dos presidentes na
República Velha, que, por conseguinte, eram manipulados por esses Estados
hegemônicos, como reféns de suas exigências, ficando impedidos de abrir espaço
para os Estados periféricos.
Esse cenário refletiu luzes para se situar a interpretação de Eloy de
Souza, sobre o Nordeste e seus dilemas das secas, como jornalista e político, um
parlamentar representante do Rio Grande do Norte, intelectual orgânico da elite
agrário-comercial do Nordeste brasileiro.
Procurando tecer algumas considerações conclusivas, sem, no entanto,
pretender esgotar esta temática, constatou-se a sua inegável contribuição no intuito
de dirimir o “calvário das secas”, baseado na sua produção desenvolvida no início de
1906 a 1937.
Para tanto, através da análise de conteúdo, verificou-se como se deu a
constituição do pensamento político de Eloy de Souza e quais as suas principais
vertentes; investigou-se o discurso jornalístico, cultural e literário, buscando
270
compreender a elaboração e/ou reiteração de categorias, de representações e de
valores; interpretou-se o discurso parlamentar, presente em intervenções no
plenário, participação em comissões e em seus projetos, particularmente na área
temática das secas.
Com efeito, percebeu-se que o pensamento dele foi marcado pelo
processo de socialização, oriundo de uma família de negros fidalgos e
aristocráticos, possuidora de escravos, o que não era comum para a sociedade da
época; foi, portanto, elaborado no convívio da infância e juventude nas fazendas do
avô materno e do pai, considerando a sua inserção no ciclo social da elite
econômico, social, política e cultural do Rio Grande do Norte.
Acresce o relacionamento com o avô paterno, vaqueiro, “Felix do Potengi
Pequeno”, da ribeira do Jundiaí e a influência de uma educação matriarcal recebida
da sua mãe-avó-madrinha, Dindinha, mulata caridosa, equilibrada e altruísta, da
qual Eloy de Souza absorveu as atitudes humanísticas, a autoestima e
determinação para superar todas as perdas de entes queridos da família, na
infância e adolescência, sequencialmente. Ficou sem mãe aos 6 anos, sem pai, aos
8 anos, sem o avô materno, aos 9 anos e sem o irmão Irineu, aos 14 anos.
Procedente de uma família de cinco irmãos, Eloy foi o mais longevo (viveu 86 anos),
destacando-se politicamente no “Palácio Monroe”, no Rio de Janeiro, no final do
século XIX e primeiras décadas do século XX.
Por conseguinte, a vivência entre Recife e Macaíba lhe ampliou a visão
acerca do litoral e do interior, passando a se preocupar, quando político, para os
problemas do Nordeste e as secas, criando um mundo abstrato, simbólico, fictício,
para aglutinar o sertão e o sertanejo ao litoral, no intuito de dar vida a uma
identidade sertaneja nordestina, integrada à cidade e ao cidadão. Afinal, é uma
prerrogativa do ser humano imaginar, dar luz a mundos novos pela manipulação
ativa de símbolos, ou seja, como forma de comunicar e representar o mundo vivido,
dando-lhe significado.
Quanto ao teor do seu discurso, não se observou diferença significativa,
tanto, no âmbito jornalístico, cultural, como, em termos, literário ou político. Aliás,
toda a obra de Eloy de Souza, foi o resultado de artigos jornalísticos, palestras e
projetos parlamentares os quais, giravam em torno de suas principais vertentes;
Nordeste, secas, sertão, sertanejo sofredor, flagelado, natureza madrasta, retirantes,
vaqueiro, estando imp
lícitas nessas categorias, suas representações e valores.
271
Assim, pautado nas suas convivências e levando em conta as suas
idiossincrasias, Eloy de Souza elaborou o seu pensamento colocando em evidência
o universo miserável e “martirizado” do sertão e do sertanejo, frente à “natureza
madrasta”, submetidos à violência, à fome, à opressão política, à marginalização
econômica e ao descaso dos governos, central, estaduais e municipais.
Contudo, a ênfase maior deveria ter recaído menos para a “natureza
madrasta”, como forma de violência contra o homem, esta é de possível solução,
depende de uma vontade política; e mais para violência do homem para com o
homem, um problema antigo que não tem mais fim: a exploração, a opressão dos
coronéis subjugando os setores subalternos.
Ressaltar a elaboração intelectual eloyana, feita em torno da questão do
Nordeste e o drama das secas, sobretudo, o sofrimento no sertão, a questão da
imigração, ou seja, a visão que ele transmite do padecimento sertanejo, expressa
uma certa idealização de um estilo de vida que corresponde a uma forma de
dominação tradicional, que ele está preocupado em que seja reproduzida.
Manteve-se, obstinadamente fiel à Oligarquia Maranhão, pagando “a
dívida divina” ao venerado Pedro Velho por lhe ter introduzido na política, passando
a se aliar, à Oligarquia do Seridó, liderada por José Augusto e Juvenal Lamartine,
quando a primeira perdeu espaço para a segunda em 1914. Essa mudança, em
praticamente nada alterou a sua prática política, pois, internamente essas
oligarquias não se opunham, uma vez que se constituíam, como se dizia no linguajar
potiguar e popular, “farinha do mesmo saco”. Dessa forma Eloy de Souza foi sempre
o porta-voz, seja dessas duas grandes forças que dominaram a cena política do
Estado do Rio Grande do Norte, seja de outras que emergiram sucessivamente.
Porém, isso não impediu, por outro lado, que ele buscasse a
modernização da economia, com a adoção de métodos mais avançados à época.
Desse modo, propôs medidas solucionadoras para o semiárido, a exemplo da
construção de açudes e barragens para irrigação, de estradas, perfurações de poços
artesianos, propiciando a policultura, a fruticultura - que é uma questão presente e
premente na sociedade contemporânea, mas dentro de um determinado marco;
modernizar, porém conservando uma estrutura arcaica.
Esse era o pensamento de Eloy de Souza e de uma geração de
intelectuais, da qual ele fez parte, ou seja, de uma elite esclarecida que teve uma
importância significativa na Primeira República que pensava modernizar o Rio
272
Grande do Norte, cujas figuras, mais proeminentes, foram Pedro Velho, Alberto
Maranhão e o próprio irmão Henrique Castriciano.
Dessa forma, no O Rio Grande do Norte os ares da modernidade se
apresentavam no espaço urbano no início do século XX, no governo de Alberto
Maranhão, diante do crescimento demográfico, provocando melhorias em termos de
infra-estrutura básica, construindo escolas e propiciando treinamento aos
professores. Enquanto isso, Henrique Castriciano como Vice-governador (1900-
904), procurou modernizar as estruturas da capital, sugerindo o plano diretor da
cidade de Natal baseado nas experiências de viagens feitas para a Europa e
Oriente, priorizando a educação feminina.
Soma-se a esse quadro de intelecutuais considerados avançados para a
época, os interlocutores do Seridó, como Jo Augusto, Joaquim Inácio, Manoel
Dantas, Juvenal Lamartine, dentre outros.
Nesse sentido, a oligarquia do Rio Grande do Norte se modernizou,
estudou na Europa, estando em sintonia direta com as últimas transformações, não
só no plano material, desse continente, mas também no tocante ao mundo da
cultura e das artes, visando adequá-las à realidade local. Assim, construiu teatro,
pois tinha visões futurísticas. A obra de John Dewey (1859-1952), filósofo
progressista, que se tornou um dos maiores pedagogos americanos, adotando o
pragmatismo, foi lida em Natal antes de ter sido lida em São Paulo.
A modernidade está, portanto, associada a uma conotação mais profunda
em termos histórico, social, econômico, cultural, advinda dos culos XVII e XVIII, a
uma visão eufórica do progresso, considerando-a como a inauguração de uma
época de desenvolvimento técnico ilimitado. Porém, o recorte histórico da
modernidade está longe de ser consensual. Considera-se essa época do acesso do
homem, ao livre uso da razão e à consequente autonomia em relação aos entraves
que o impedem de escolher e de seguir por si próprio o seu destino e assim, a
modernidade não é senão outra designação do Iluminismo.
Trata-se de uma modalidade da experiência marcada pela ruptura para
com a tradição ocorrida sempre que os fundamentos e a legitimidade da experiência
tradicional dos seus valores e das suas normas perdem a sua natureza indiscutível e
deixam, por conseguinte de se impor a todos, com obrigatoriedade.
273
Pode-se dizer que a modernidade se instaura sempre que a experiência
tradicional atinge o limite, no sentido etimológico deste termo, de algo que perdeu ou
esqueceu o sentido originário, a arque, ou a memória da sua razão de ser.
Quanto ao espírito de modernidade de Eloy de Souza vale enfatizar: por
um lado, tomou por base, as inovações existentes em países desenvolvidos como a
Europa, Estados Unidos, além da intenção de adequar o sistema eficaz de irrigação
introduzido no Egito, percebido in loco, quando das suas viagens ao Oriente, para
solucionar as repetidas crises do sertão e do sertanejo; mas, por outro lado, sua
preocupação prendia-se à perspectiva de reproduzir a dominação da burguesia
agrário-comercial do Nordeste brasileiro, na qual estava inserido e que era como
político, parlamentar, o seu intelectual orgânico.
O seu sentido de moderno reside na sua permanente tendência de busca
incessante de uma criação inovadora, mas, legitimadora tanto da dimensão
simbólica como da dimensão pragmática, tanto de um sentido para o discurso como
de um sentido para a ação, incluindo as duas dimensões da experiência cultural
(material e imaterial).
Por essa via, deixa transparecer a real preocupação acima de tudo, com a
conservação da hegemonia política econômica e cultural dessa elite, que implica na
garantia do processo de integração dos setores subalternos, estando aí, a razão de
se voltar para o sertanejo, as secas, a imigração do nordestino, a vida sertaneja,
enfim. Como intelectual, elaborou, um discurso consensual, tentando harmonizar
essas categorias, visando manter coeso o bloco histórico.
Foi, contudo, pioneiro no sentido de idealizar e elaborar projetos
garantindo a viabilização de atividades permanentes contra as secas, o que resultou
na criação do IOCS, mediante Decreto 7.619, de 21 de outubro de 1909. Em
1919, passou a se chamar IFOCS (Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas),
conforme Decreto 13.687 e de acordo com o Decreto-Lei 8,846 de 28-12-1945,
DNOCS.
Em 1911, cria o Projeto Eloy de Souza que é transformado na Lei Epitácio
Pessoa de 3.965, de 25 de dezembro de 1919, também chamada Lei de Natal,
criando um Fundo de Irrigação também denominado Caixa das Secas.
Eloy de Souza ainda foi relator do Parecer 88, que fundamentou a Lei 175,
regulamentando o Art. 177 da Constituição Federal de 1934, sancionada pelo
Presidente Getúlio Vargas em 7 de janeiro de 1936. Essa lei estabeleceu o Plano
274
sistemático de defesa contra os efeitos das secas nos Estados do Nordeste previsto
na Constituição. (SOUZA, 1976). “Delimitou o Polígono das Secas e incluiu o
sistema de Apodi, bacia do rio Mossoró/Apodi, como um dos Sistemas Hidrográficos
a ser beneficiado com as verbas do Governo Federal para a construção de açudes e
outras obras pela IFOCS.” (MENDES, 2001, p.72).
Todavia, a política de combate às secas na República Velha se
caracterizou pelo descaso e morosidade dos presidentes, sendo, simplesmente,
“uma oportunidade para o Governo Central fazer um ato de caridade para com os
nordestinos.” (SOUZA;MEDEIROS FILHO, 1983, p.68-71).
Nesse período, apenas no Governo Epitácio Pessoa, único nordestino que
conseguiu chegar à Presidência da República à época, o IOCS foi contemplado com
recursos significativos para o combate às secas. Foi dele a denominação de
Inspetoria Federal de Obras contra as Secas (IFOCS) Nesse sentido, a voz de Eloy
ainda tem eco na atualidade, posto que, o Nordeste ainda continua com o mesmo
padecimento em pleno culo XXI. Depois dele, muitas outras vozes se lhes
seguiram, na peleja contra as secas, por vezes até tirando proveito da situação, não
a resolvendo definitivamente.
Na verdade, não se pode negar a importância de Eloy de Souza,
considerado um dos maiores parlamentares da República Velha pela elaboração de
um visão de mundo, buscando orientar o pensamento dos homens.
Foi notório o seu esforço, como dirigente político-cultural para assegurar a
hegemonia do bloco agrário-industrial, através do consenso, ou seja, procurando
igualar o sertanejo ao cidadão do litoral.
Porém, apesar de Eloy de Souza ter sido um parlamentar extremamente
importante, caracterizando-se como representante e intérprete da hegemonia, como
um intelectual orgânico da burguesia agro-mercantil do Nordeste brasileiro, não teve
o devido reconhecimento por ser um parlamentar de um Estado que não tinha
visibilidade.
Neste 2009, serão comemorados os 50 anos da morte de Eloy de Souza
(07-10-1959) e este trabalho se apresenta como uma pequena contribuição, visando
acender as discussões em torno de sua obra, bastante extensa e esparsa. Nada de
conclusões, apenas algumas constatações provisórias, abertas a novas
contribuições.
275
276
REFERÊNCIAS
OBRA DE ELOY DE SOUZA
FERRO, Jacinto Canela de [Eloy de Souza]. Cartas de um desconhecido. Natal:
Fundação José Augusto, 1969.
SOUZA, Eloy. Secas do Norte e cabotagem nacional. [Rio de Janeiro], [s.n.], 1906.
Discurso pronunciado no Congresso Nacional, na sessão de 28 de novembro de
1906. Digitalizado.
______. Alma e poesia do litoral do Nordeste. Natal: [s.n], [1930]. Conferência em
benefício da construção da Capela de Santa Terezinha, Natal, 29 de abril de1930.
______. Uma carta de Dr. Eloy de Souza. In: ALVES, Aluízio. Angicos. Rio de
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Geográfico do Rio Grande do Norte. Natal: Tipografia Centro de Imprensa S/A, v. LII.
p.48-52, 1960. Penúltimo trabalho de autoria de Eloy de Souza.
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1911), In: Vingt-un Rosado (Org.). Memorial da seca. Mossoró: Fundação
Guimarães Duque, 1981 (Coleção Mossoroense, v.163).
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SOUZA, Eloy. Costumes locais e outros temas. Mossoró: Fundação Guimarães
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ARANHA, Tereza de Queiroz (Org.) Economia das secas: artigos de Eloy de Souza.
Natal: Ed. Universitária UFRN, 1986.
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ROSADO, Vingt-un (Org.). Eloy de Souza e Mossoró. Mossoró: Fundação
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Mossoró: Fundação Vingt-un Rosado, 2003. (Coleção Mossoroense, Série “C”, v.
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SENADO FEDERAL
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SENADO FEDERAL
Períodos Legislativos da Primeira República - 1912-1915
Senador Eloy de Souza
Eloy Castriciano de Souza
Nascimento: 4/3/1873
Natural de: Recife - PE
Filiação: Eloy Castriciano de Souza
e Henriqueta Leopoldina Rodrigues
Falecimento: 7/10/1959
Histórico Acadêmico
Secundário Instituto Acadêmico
Direito Faculdade de Direito
Cargos Públicos
Delegado de Polícia em Macaíba
Diretor da Imprensa Oficial do Estado
Presidente do Conselho Consultivo do Estado
Diretor da Caixa Econômica Federal
Profissões
Jornalista
Servidor Público
Mandatos
Deputado Estadual - 1895 a 1897
Deputado Federal - 1897 a 1899
Deputado Federal - 1900 a 1911
Deputado Federal - 1912 a 1914
Senador - 1914 a 1921
Deputado Federal - 1927 a 1930
Senador - 1921 a 1927
Senador - 1935 a 1937
Trabalhos Publicados
- Getúlio Vargas e o Estado Nacional.
- Calvário das Secas.
- Costumes Locais.
- Conferências: Almas e Poesia do litoral do Nordeste (1930).
- Cartas de um sertanejo, com o pseudônimo de Jacinto Canela de Ferro.
- Biografia de Tobias Barreto, Jornalista e Historiador. Tip. do Jornal do Comércio, Rio de
Janeiro, 1942.
- A Habitação no Rio Grande do Norte em \'A República\' e na Revista \'Bando\'.
- Artigos: a Assistência dos Retirantes dentro e fora das Zonas Flageladas pela seca (1909);
- Um Problema Social; Irrigação na Economia do Nordeste (1916);
- A Política Financeira e as Caixas Econômicas.
- Memórias (Inéditas), publicada pela fundação José Augusto em 1975. Natal - RN.
Pronunciamentos
Proposições
Informações fornecidas pela Subsecretaria de Arquivo
306
307
PARTE DO DISCURSO PRONUNCIADO PELO DEPUTADO FEDERAL ELOY DE SOUZA NO
CONGRESSO NACIONAL NA SESSÃO 28 DE NOVEMBRO DE 1906
.
Senhor Presidente, não será um discurso. Trouxe-me à tribuna tarefa mais
modesta, circunscrita à justificativa de emendas que entendem com a realização de
serviços no Estado, que tenho a honra, bem imerecida, em verdade, de representar
nesta Casa.
Duas destas emendas, pela natureza dos melhoramentos que elas visam
prover, merecem considerações, embora desvaliosas, mas em todo caso necessárias,
ao menos como informação no voto que a Câmara tiver de proferir para aprová-las
ou rejeitá-las.
Uma refere-se ao problema da secas; a outra diz respeito ao porto de Natal,
oferecendo-me o ensejo de discutir o contrato do Loyd, os seus fretes, os ônus e
obstáculos opostos à navegação nacional, no pensamento de que resultará desta
crítica algum bem à nossa cabotagem, que pode e deve viver como complemento de
uma política econômica, racional e eficaz.
Relativamente às secas, a circunstância de representar um Estado dos mais
flagelados pela visita periódica de crises climatéricas, altamente prejudiciais ao
desenvolvimento e ao progresso de uma vasta região do norte, me fez vencer a
natural timidez, reflexo de uma incompetência que não dissimulo, para vir dizer,
sinceramente e sem paixão, o meu depoimento, na esperança de ver problema de
tal relevância definitivamente resolvido.
Tenho, Sr. Presidente, uma grande e imensa fé na obra da federação.
Não desdenhando o passado, antes o amando no quinhão de glórias por ele
conquistadas para a civilização formando, à custa do tato dos grandes homens,
que o serviram uma nacionalidade forte, tolerante e culta estou, entretanto,
convencido de que encontramos na federação a forma definitiva de governo, o
aparelho mais perfeito para atingirmos melhor e mais depressa os altos destinos que
nos estão reservados. (Muito bem).
É tão certo não devermos à República os predicados primordiais do nosso
caráter no que respeita à bondade nativa, à probidade nos negócios, à moralidade
na família, ao carinho na hospitalidade, à confiança no acolher e amar o estrangeiro,
como é certo o termos adquirido com a nova forma de governo qualidades
dinâmicas, assinaladas por uma atividade mais vasta, ambições legítimas e maiores,
melhor compreensão dos deveres do Estado, apego mais forte e interesse mais
acentuado pelos negócios públicos. Assim enriquecidas as forças ativas da nação
puderam contribuir para um progresso material acelerado e ascendente, tanto mais
real e positivo, quanto o vemos realizado, ainda nas menores circunscrições
políticas.
Criando um patriotismo novo, o do amor a terra onde cada um de nós nasceu
ou elegeu por sua, a federação vai assegurando, com a prosperidade década um
dos Estados, a prosperidade da própria nação, transmudando assim para breve
tempo uma desarmonia aparente na mais perfeita unidade.
Não sou dos que pensam que preferências geográficas tenham deixado os
Estados do norte na situação de inferioridade em que muitos ou quase todos se
encontram, em confronto com os seus irmãos do sul, alguns dos quais fazem
justamente o nosso orgulho.
308
Prefiro buscar entre as causas de retardamento do progresso do norte
aquela que, sendo a mais antiga e constante, melhor parece explicá-lo um
passado de lutas, em verdade orientadas pela missão que durante largos anos nos
coube de defender o litoral, para que se pudesse realizar, com o sucesso conhecido,
a obra dos bandeirantes, na áspera conquista do sertão.
Duas vezes precisamos assegurar a integridade da Pátria, e, quando o
sangue das três raças que entraram na nossa formação étnica ensopava o solo de
onde o estrangeiro invasor teve de recuar desbaratado e vencido, mal sabiam os
que o derramaram, na inconsciência com que os fatos sociais se processam, o
extraordinário valor que aquele obscuro sacrifício representava para a nossa
grandeza comum.
Os que me ouvem sabem os vícios de organização que daí resultaram,
influindo no modo definitivo por que se operou o povoamento daquela região,
criando um regime econômico e social determinante de reações políticas
posteriores, se bem que justificadas pela grandeza dos sentimentos que as ditaram;
em todo caso, mal objetivadas e desastrosas, se, porventura, o sonho daqueles
patriotas se houvesse realizado.
Encaro, Senhor Presidente, esses fenômenos da nossa vida nacional, aqui
imperfeitamente esboçados, com a calma de quem, os tendo meditado com o desejo
de tirar deles algum ensinamento, chegou à convicção profunda de que uma
fatalidade histórica criou para o norte um ambiente político-social em que o homem,
possuidor de qualidades intelectuais superiores, somente agora as vai disciplinando
para as lutas da vida prática, produtiva e fecunda.
Deixando consignadas estas idéias, o meu fim principal é assinalar a
superioridade dos meus intuitos, quando venho dizer aos poderes públicos do meu
país que é urgente e inadiável resolver eficazmente o problema das secas do norte,
medida econômica de alcance incalculável, como pretendo demonstrar. Desejando
tratar o assunto, sob todos os seus aspectos, embora sucintamente, releve-me a
Câmara começar por fazer o resumo de algumas daquelas calamidades que mais
prejuízos acarretaram aos povos da bacia do São Francisco, segundo o excelente
testemunho do Senador Pompeu e dos documentos, crônicas e tradições a que
recorri.
Um fato, Senhor Presidente, cumpre destacar desde logo, e é que nas
repetidas secas que têm assolado o norte do Brasil, desde os tempos coloniais até
hoje, a intervenção do Governo pouco tem aproveitado, e, por mais de uma vez, foi
de efeitos desastrosos, pela falta de método na distribuição dos dinheiros públicos,
sempre a título de socorros, enviados às regiões flageladas, à hora nona do seu
aniquilamento, quando não é possível aplicá-los convenientemente. Foi assim em
1791 a 1793, por ocasião da grande seca, que, abrangendo toda a antiga capitania
geral de Pernambuco, começando na Bahia e Sergipe, estendeu-se até o norte do
Maranhão e Piauí, nada poupando, nem homens nem terras, combatendo a vida
onde quer que ela existisse. As crônicas desses tempos remotos narram tragédias
que nenhuma imaginação ousaria criar.
Ayres do Casal afirma que sete das freguesias existentes no Ceará ficaram
desertas. A viúva do capitão Nobre de Almeida, de Pernambuco, em um memorial
dirigido a El-Rei, diz que muitas pessoas, famílias inteiras, que não puderam emigrar
a tempo, foram encontradas mortas pelos caminhos e casas. Seu marido,
proprietário no Recife, possuidor de muitas fazendas na Paraíba e Ceará, tendo ido
ao sertão com sua família, pereceu com as pessoas que o acompanharam, todos
vítimas da inominável calamidade. Uma informação do capitão general de
309
Pernambuco a El-Rei assegura que mais de um terço da população da capitania foi
dizimado pela seca. O padre Joaquim José Pereira, do Rio Grande do Norte, diz, em
uma memória dirigida ao ministro D. Rodrigo de Souza Coutinho, que, além do
flagelo da seca, apareceu nos sertões do Apodi uma tal quantidade de morcegos,
que mesmo à luz solar, atacavam as pessoas e os animais, inanidos pela fome,
não tendo mais força nem ânimo de afastá-los: homens, mulheres e crianças eram
encontrados pelas estradas mortos e moribundos; a par de cadáveres em putrefação
se achavam miseráveis ainda vivos prostrados no chão ou no leito, cobertos pelos
vampiros, que as vítimas não podiam sequer enxotar.
Ao caírem as primeiras chuvas, em 1793, verificou-se que tinha morrido
quase todo o gado da capitania: o comércio das carnes secas extinguiu-se; e a
população continuaria a sofrer, se os raros a quem a fortuna ainda permitiu alguns
recursos não fossem ao Piauí fazer compras de reses para o consumo e para
recomeçar a criação.
A farinha elevou-se de $240 a 8$ o alqueire.
O sertão ficou deserto e a morte colheu no caminho muitos dos que
procuravam refugiar-se no litoral.
O capitão-mor Francisco Gomes da Silva, dono de uma das mais abastadas
casas do Seridó, foi obrigado a emigrar a para o litoral, fazendo transportar pelos
escravos o resto dos seus haveres, em sacos com moedas de ouro e prata.
Não sei de que ordem foram os recursos enviados aos colonos, tão
impiedosamente castigados pelo clima ingrato e incerto. As crônicas falam apenas
de alguns barcos mandados ao Aracati, conduzindo cereais de Pernambuco e
Maranhão. A medida mais notável do governo colonial, em época tão remota,
assinala-se pelas cartas régias de 17 de março de 1796, nomeando um juiz
conservador das matas, e a de 11 de junho de 1799, decretando que se “coíba a
indiscreta e desordenada ambição dos habitantes (da Bahia e Pernambuco) que têm
assolado a ferro e fogo preciosas matas... que tanto abundavam e hoje ficam a
distâncias consideráveis”, atribuindo assim o fenômeno climatérico à destruição das
florestas, assunto que o vinha preocupando desde 1713, como salienta Euclides da
Cunha no seu forte e formoso livro “Os Sertões”.
De umculo antes (1692), data a primeira seca verificada no Ceará,
comum, ao que parece, a toda a bacia do São Francisco. Em Pernambuco, segundo
refere Gama nas suas Memórias Históricas, “constantemente os socorreu o bispo,
mandando a sua custa conduzir em barcos farinha para distribuir com a pobreza”.
Seguiram-se outras secas até a época a que aludi, mais ou menos extensas, mais
ou menos perniciosas na sua obra de devastação.
Entre essas cumpre destacar a de 1722 a 1727, que não compreendeu
todo o Rio Grande do Norte e Ceará, mas ainda o Piauí e a Bahia, onde a as
fontes da capital ficaram estanques, conforme refere o Senador Pompeu.
No Ceará, o gentio que habitava o interior emigrou para as serra mais
frescas. Os brejos e correntes do Cariri, região abundante, de fertilidade pasmosa,
secaram a tal ponto que os habitantes de Missão Velha mudaram-se a falta de água.
Morreram numerosas tribos indígenas; as aves e as feras eram encontradas
mortas por toda parte. O sol era tão abrasador que abriu largas e profundas tendas
no solo ressequido, por uma extensão de muitas léguas.
No Rio grande do Norte, refere Ignácio Nunes Correa de Barros, “morreram
muitas criaturas humanas a fome a necessidade, e outras escaparam sustentando-
se em couros e bichos imundos”.
310
A Câmara da capital representou à metrópole contra o lançamento do
imposto pelo capitão-general de Pernambuco para aumentar o donativo destinado
ao casamento dos príncipes, alegando a extrema miséria a que a capitania havia
ficado reduzida, após seis anos de uma seca, na qual os gados se tinham perdido
quase totalmente, decrescendo os emolumentos das carnes de 800 a 160 réis por
cabeça de gado vacum.
No século passado, os anos de 1824 e 1825 foram de excepcionais
sofrimentos para as populações de Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e
Ceará. Além dos horrores da seca e das epidemias, a calamidade maior que todas
a guerra civil – infringiu, principalmente às dos dois últimos Estados mencionados as
mais dolorosas provações. E pior que o castigo do sol inclemente foi a maldade dos
homens. o era só o morrer a fome e a sede pelas estradas pedregosas e
escaldantes, mas o sucumbir testemunha da desonra da mulher e das filhas,
estupradas pelos assassinos que em numerosos bandos cruzavam, em toda as
direções, aquelas míseras províncias.
Uma só a intervenção do governo: vingar a rebeldia dos patriotas que haviam
ousado sonhar uma reforma política que lhes desse melhores e mais felizes dias,
proclamando essa efêmera e desventurada Confederação do Equador. Ao bastava
criar comissões militares em Pernambuco e Ceará; fuzilar doze dos chefes da mal
lograda revolução; recrutar os poucos braços validos que haviam sobejado da
terrível crise climatérica, era preciso mais, era preciso favorecer o roubo e o
assassinato com a idéia preconcebida, senão de exterminar, ao menos de afligir e
torturar aquela sub-raça de fortes e trabalhadores. É assim que o interior da
província quase ficou despovoado, tantos os criadores e fazendeiros que
procuraram no litoral abrigo contra os audaciosos quadrilheiros, tanto mais
destemidos e perversos, quanto maior era a certeza da impunidade. O Senador
Pompeu, fazendo a narração desses amargos e tristíssimos tempos, acrescenta: “Os
infelizes que fugiam aos ladrões e à fome corriam em bandos aos grandes
povoados; e, pelas estradas, pelos campos, praças e ruas, iam deixando insepultos
os cadáveres dos que não podiam resistir.
A intervenção que houve em Sobral, em Fortaleza e, provavelmente, em
outros grandes povoados, consistiu em mandarem as municipalidades cercar de
estacas um campo, para nele sepultarem-se os cadáveres que se encontravam nas
praças e ruas”. E acrescenta: “O governo geral em fins de 1826 ou em 1827
quando o mal passou, mandou alguma farinha para o Ceará, que nada aproveitou”.
O ano de 1845 foi também calamitoso.
No Ceará, algumas ribeiras sofreram graves perdas nos seus gados; e se
não houve grande mortandade, deve-se à compaixão das províncias irmãs, e ao
auxílio do poder público.
O Rio Grande do Norte, porém, sofreu mais duros rigores, e não só a criação
ali ficou muito reduzida, como no alto sertão, morreram muitas pessoas a fome e a
moléstias próprias da miséria.
Chego, Senhor Presidente, à seca de 1877: e como não tenho o interesse
nem a pretensão de emocionar a Câmara narrando o que foi essa inominada
odisséia, contando as cenas de horror jamais excedidas e raramente igualadas na
história do sofrimento humano, fujo com pena de mim mesmo à dor exaustiva de
relembrar que um dia houve no meu país, em que o pai faminto devorara o filho
pequenino, e fogueiras crepitaram em plena Fortaleza, num ensaio infeliz de
incineração dos cadáveres que as valas extensas e profundas não mais
comportavam. Deixo que fale a eloqüência incontrastável dos algarismos.
311
Em novembro de 1878 (pasme a Câmara!) morreram na capital do Cea
10.926 pessoas; em dezembro, 15.352; e, em um dia deste mês, mil e doze
criaturas foram devoradas pela varíola e outras epidemias.
Os cemitérios de Lagoa Funda e São João Batista, receberam, nesse ano,
118.927 cadáveres. Não é absurdo calcular a mortandade da província, durante a
seca, em 180.000 pessoas, e o número das que emigraram em 60.000,
aproximadamente. Computar em 90.000 os mortos do Rio Grande do Norte não será
exagerado, atendendo-se a que, somente em Mossoró, pequena cidade do litoral
sucumbiram a fome e de várias doenças 35.000. Ouçamos o Dr. Rodrigo Lobato,
ilustre e benemérito paulista, então presidente da província:
“Mossoró foi, nesta província, o teatro das mais tristes cenas da miséria.
A nudez, a fome, as epidemias ceifaram grande número de vidas, e iam
abrindo espaço aos recém chegados. De janeiro de 1878 até agora (27 de outubro
de 1879) foram sepultados no cemitério público daquela cidade, conforme a relação
de óbitos organizada pelo respectivo e muito digno vigário, 31 mil vidas, podendo,
sem perigo de erro, calcular-se em cinco mil o número dos que foram enterrados
fora do cemitério, pela impossibilidade de enterrar-se os cadáveres dos que morriam
nos abairramentos situados a alguma distância da cidade”.
Desprezando o lado moral, encaro a questão, Senhor Presidente, sob o
ponto de vista econômico, aplicando, aliás, com propriedade, o mesmo processo dos
higienistas contemporâneos que, para tornarem mais positivos os prejuízos causados
à sociedade pelas doenças evitáveis, atribuem um certo valor monetário à vida
humana, calculando por ela a perda sofrida.
Esse valor, como Vossa Excelência sabe, pode ser considerado.
1.º. Em fração de riqueza pública, isto é, cada pessoa vale a riqueza
nacional dividida pelo total dos habitantes do país. É bem de ver que, sem
estatísticas capazes de marcar certamente o divisor, sem uma noção exata do
dividendo a riqueza nacional nenhum cálculo, mesmo provável, poderia, por tal
feição, ser tentado no Brasil;
2.º. (Engel). Em custo de criação e educação, isto é, do nascimento até à
idade útil à produção, o homem consome para sua instrução, tamanho, cultura,
quantia que é o seu custo, ou indiretamente o seu valor. Esse cálculo pode ser
tentado com a imensa relatividade do preço de alimentação, habitação, vestuário e
educação nas várias zonas do país;
3.º. Em valor ou juro de produção, isto é, o homem é um utensílio de
trabalho ou um capital capaz de produção; o seu trabalho é o juro ou prêmio do seu
valor. Conhecido um, pode-se calcular o outro. Onde o trabalho é mais barato, o
homem vale menos. Tendo em vista o juro normal do nosso dinheiro em média e a
média do salário, tem-se facilmente o valor de cada homem.
Convém neste cálculo levar em conta o sexo e a idade, em que não são
iguais às condições de trabalho útil. A idade útil de 16 a 60 anos figura como 84% da
população (16% representam os menores de 16 e maiores de 60). Dos maiores de
16 e menores de 60, 57% são homens e 43% mulheres de pouca utilidade produtiva,
pelas nossas condições sociais. Entre nós tem-se tentando cálculos dessa natureza,
especialmente em relação à febre amarela.
Cálculo do Dr. Aureliano Portugal, adotado pelo Dr. Carlos Seidl. Rio de
janeiro, juro 12%, salário médio 1$500 (Portugal).
Homem ........................................... 4$000 (Seidl)
Mulher ............................................. 2$000 “
Valor do homem .............................. 8:333$340 (Seidl)
Valor da mulher ............................... 4:166$670 “
312
Cálculo do Dr. Carneiro de Mendonça:
Levando em conta a quantidade de trabalho, segundo as idades, e o custo
da vida, segundo as mesmas.
Dos 16 aos 55 – valor da vida do homem pelo que produziu... 32:120$000
Dos 16 aos 55 – valor da vida da mulher pelo que produziu.... 21:413$000
Variando-se os dados, outros números se obterão; mas, mesmo um menino
qualquer, é útil para, flagrantemente, perceber-se o prejuízo material que nos
custam a doença e a morte.
Ainda uma observação: se nas enfermidades é mister juntar a esse prejuízo
a chamada taxa de invalidação e despesas com a doença (médico, remédios, dietas,
etc), que é dinheiro perdido, deve-se, no caso das calamidades naturais, igualmente
computar os lucros cessantes, as criações e plantações perdidas, emigrações e
outros prejuízos.
Para não ir além, compare-se o brasileiro flagelado pelas secas com o
imigrante. Este nada nos custou até o momento de ser válido e deixar a mãe-pátria;
despendemos com passagem, alimentação e vários encargos com o seu primeiro
estabelecimento um conto de réis, arriscando-nos a perder esse dinheiro por morte
precoce ou inadaptação do mesmo imigrante, o qual, se nos a sua atividade,
ordinariamente envia para o país do seu nascimento o dinheiro ganho entre nós,
repatriando-se muitas vezes.
Com o brasileiro, é bem diverso o caso, ele custou dinheiro nacional, até ser
útil, nada despendemos com a sua instalação ou estabilidade, não corremos o risco,
relativo ao imigrante, de perder o conto de réis, se morre precocemente, sendo que
é um aclimado e, como tal, mais valioso, além de incorporar a sua fortuna à fortuna
nacional.
Pois bem, embora esse real valor do indígena sobre o estrangeiro - real sob
o ponto de vista em que nós estamos colocados demos, para o cálculo, que o
brasileiro aclimado, que nos custou dinheiro para produzir, que será sempre fração
da nossa nacionalidade política e econômica, valha, apenas, o conto de réis
despendido com o transporte e colocação do estrangeiro, e teremos, como se vai
ver, um prejuízo material assombroso.
Considerando que no Brasil existem mais homens do que mulheres (na
Capital Federal, 57 homens para 43 mulheres), em falta de dados estatísticos
exatos, tomarei para calcular a média de 50 para 50%, de preferência a essa
averiguada no Rio de Janeiro.
Assim figuremos a idade útil de 16 a 60 anos como 84%. Destes, 50% o
homens e 50% mulheres, o que equivale a 42% em condições de produzirem
utilmente.
Na seca de 1877 a 1879, o Ceará e o Rio Grande do Norte perderam
270.000 habitantes; 42% de 270.000 é igual a 113.400 homens de utilidade
produtora.
O prejuízo material é igual a 113.400:000$.
Tomarei outro número, preferindo por sua simplicidade o salário valorizado
em 1$000.
Assim, em 250 dias úteis do ano, cada um terá ganho 250$000 ou seja o
total de 113.400 homens a soma de 28.350:000$000.
Se considerarmos um acréscimo de população de 4%, temos no período de
1879 a 1905 uma perda de trabalho em valor de salário correspondente à fabulosa
soma de 1.105.650:000$000.
313
Com relação à agricultura, poderemos tomar o algodão para exemplo.
Supondo que um homem produza 81 quilogramas, teremos que os 113.400 homens
teriam produzido 9.185.400 quilogramas por ano, 358.230.600 quilogramas, de 1879
a 1905, admitindo o mesmo crescimento de população. Dando ao quilograma de
algodão o valor mínimo de 400 réis (quer dizer 6$000 por 15 quilos) temos que o
prejuízo no período referido seria de 143.292:240$000.
Como a Câmara sabe, o Império não teve mãos a medir nos socorros
enviados no Ceará.
Impressionado pelos justos reclamos da imprensa, diante das notícias
emocionantes que dali chegavam, dia a dia mais terríveis e dolorosas, a bondade
natural do Imperador foi por tal forma dadivosa que mandou vendessem as ias da
coroa, quando o erário público não mais pudesse socorrer às populações famintas.
Simplesmente, isto se fez, Senhor Presidente, sem orientação nem
resultado. Em vez de aproveitar a calamidade para a construção de obras
defensivas contra os efeitos das secas futuras, como a Inglaterra faz na Índia, desde
muitos anos, deu-se a esmola aviltante, mal e injustamente distribuída, origem de
conflitos e acusações nada abonadoras da probidade de muitos comissários.
E foi assim, Senhor Presidente, que o Ceará e o Rio Grande do Norte
consumiram, em pura perda, 79.000:000$000.
É curioso calcular que, se esta quantia tivesse sido aproveitada em estradas
de ferro e obras hidráulicas, dando-se metade a cada aplicação, ter-se-iam 1.000
quilômetros de estradas, e açudes e poços com uma capacidade produtiva
equivalente a 400 bilhões de litros por ano.
Diante desta narrativa seria natural que a Câmara perguntasse pelas causas
dessas crises e pelos remédios aconselhados para extingui-las.
Não tenho, Senhor Presidente, opinião formada sobre as causas
determinantes das secas do norte, coisa, aliás, nada estranhável em um profano,
quando os homens do ofício, não em nosso país, em relação às nossas crises,
como na França, na Inglaterra e nos Estados Unidos, em relação às da Argélia,
Índia, Austrália e Far West, nada sabem, que as explique completamente.
Entre essas causas mencionam os cientistas as manchas solares, os ventos
reinantes e a devastação das florestas. Não me proponho discutir nenhuma delas;
apenas lembrarei que o homem é impotente para mudar a direção dos ventos, e
regular a marcha do sol.
Quanto à desflorestação, a Câmara viu que em períodos os mais remotos o
fenômeno climatérico se repetiu com a marcha cíclica que o caracteriza.
Pelo conhecimento que tenho do interior do Estado do Rio Grande do Norte,
ouso afirmar não haver ali o menor vestígio de matas que o homem tivesse feito
desaparecer. A própria natureza do solo e da vegetação parece antes indicar que
ainda se está processando naquela zona um fenômeno geológico primitivo. A luta
das cactaceas, lichens, parmelias, e verrucarias, com o granito e seus decompostos
confirmarão talvez esta minha incompetente afirmativa.
Não quer isso dizer, porém, Senhor Presidente, que desconheça o elemento
salutar das florestas na climatologia de uma dada região, como fator importante
na conservação da umidade do solo, impedindo a sua erosão, com o corrigir o
regime torrencial das grandes chuvas. Resta, pois, e é isto o que nos importa,
indicar os remédios aconselhados para atenuar os efeitos das secas.
Em 1878, o assunto foi largamente debatido no Instituto Politécnico. A
discussão foi luminosa e nela tomaram parte os homens mais competentes daquele
tempo, alguns dos quais ainda vivem cercados da estima e do respeito dos seus
314
concidadãos, prestando ao pais os serviços de uma larga experiência aliada a um
grande saber.
As providências insistentemente recomendadas, quase que em sua
unanimidade, acertaram em indicar a grande e pequena açudagem como os meios
mais eficazes para resolver o problema.
Vejamos a opinião de alguns desses ilustres cientistas. O Dr. Jozimo Barroso:
“Tenho para mim que na construção de açudes em grande escala está o principal
remédio ao mal. Superfícies de evaporação entretendo um certo grau de umidade
atmosférica, além de produzirem permanentemente grande bem a vegetação,
fornecerão os vapores aquosos necessários à formação das chuvas... No meu
entender, a construção de açudes na província do Ceará, principalmente, é obra de
grande alcance... A província do Ceará deve ter um serviço especial de açudes,
assim como a Holanda tem seu serviço de diques”.
O Sr. Conselheiro Rohan: “Consistem os melhoramentos que proponho no
estabelecimento, em larga escala, de açudes e na plantação de arvoredo em torno
deles...”.
O Dr. Coutinho: “Mostra-se favorável à construção de alguns grandes
açudes, de uma e duas léguas de extensão, que serão considerados como centros
de abastecimento, sendo para esse fim escolhidas localidades convenientes”.
O Dr. Buarque de Macedo: “Não conheço país nenhum do mundo onde se
tenha podido modificar o regime das causas naturais, que são as únicas
inevitáveis... Felizmente, não são estas que mais atuam na província do Ceará.
Referindo-se às medidas mais próprias a serem tomadas, acrescenta:
“As mais urgentes, não duvidar, são os açudes, a estrada de fero de
Baturité. Os que conhecem os sertões do norte sabem que a medida pela qual mais
pugna o sertanejo é a construção de um açude na sua localidade.
Creio que não exagero lembrando que se poderiam construir cerca de 200
açudes na província do Ceará, com capacidade não inferior a 100 milhões de litros e
com o dispêndio de dez mil contos”.
O Dr. Álvaro de Oliveira: “É dos açudes que devemos tratar; o em número
de 5 ou 6... Os açudes devem ser feitos nos vales dos rios, nos sítios, nas fazendas,
em todos os pontos do sertão...”.
Na representação enviada ao governo imperial pelo Instituto, entre outras
medidas indicadas, destaca-se: “construir, quanto antes, no interior da província do
Ceará e outras assoladas pela seca, represas nos rios e açudes nas localidades que
para esse fim forem mais apropriadas”.
Anteriormente, o Dr. Antonio de Macedo e o Senador Pompeu tinham escrito
duas eruditas monografias em que a construção da grande e pequena açudagem era
recomendada como bastante para resolver o problema.
A mara compreende que, falando em açudagem como um dos meios de se
obter água para as necessidades da lavoura e da indústria pastoril em uma região
como a de que me venho ocupando, é do meu dever provar que esta região não é
desfavorecida pela queda de chuvas.
A Câmara vai ver que, tomadas as dias qüinqüenais dos invernos do
Ceará (o mais seco dos Estados da bacia do São Francisco), a altura da chuva
caída é muito superior às necessidades da sua vida pastoril e agrícola.
É assim que temos de 1850 a 1855 as médias seguintes:
1850 a 1854 .............................. 1.354,6
1855 a 1859 .............................. 1.444,8
1860 a 1864 .............................. 1.434,4
1865 a 1869 .............................. 1.488,2
1870 a 1874 .............................. 1.719,7
315
1875 a 1879 .............................. 951,6
1885 a 1889 .............................. 1.088,8
----------
Média geral ................. 1.348,7
Convém salientar que, de 1849 a 1877, duas vezes a média anual foi
inferior a 1.000 milímetros; em 1857, de 883 milímetros e em 1874 de 855
milímetros.
Será curioso, Senhor Presidente, para melhor destacar os caprichos do
nosso regime climatérico, grupar os anos diluviais, quase tão calamitosos como as
maiores secas.
Assim é que tivemos:
1776 1819 1866
1782 1826 1872
1797 1832 a 1839 1873
1805 1842 1874 a 1876
Nas crônicas e documentos antigos, impressionantes vestígios dos
prejuízos causados por esses invernos à população do Rio Grande e Ceará.
Como prova ainda mais robusta do que venho afirmando, devo dizer à
Câmara que, de 1724 a 1877, período correspondente a 153 anos, tivemos 136
anos mais ou menos chuvosos contra 19 que o não foram.
Comparando o Estado do Ceará com algumas zonas do país, verifica-se que
ali a altura média de chuvas durante 28 anos foi maior do que em outros lugares.
Média de chuvas em 28 anos, comparada com a média de alguns lugares do
país em anos favorecidos.
LUGARES ANOS MÉDIA
Fortaleza 28 1.489 mm
Que luz (Minas) 1 1.460 mm
Tatuí (São Paulo) 1 1.393 mm
Barbacena (Minas) 1 1.342 mm
Itabira do Campo 1 1.300 mm
Cuiabá 3 1.166 mm
Rio de Janeiro 36 1.123 mm
Rio Grande do Sul 8 912 mm
Araçuaí (Minas) - 252,6 mm
Sant’Anna do Sobradinho
(Bahia, junho de 1883 a
dezembro de 1886) 3 371 mm
Alagoinhas - 542,9 mm
O ilustre Dr. Thomaz Pompeu, um trabalhador e um capaz, a quem o
Ceará deve os melhores serviços, oferece o seguinte interessante quadro
comparativo entre a quantidade de chuva caída no Ceará e em diversas regiões do
mundo:
REGIÕES CH. ANUAL em Mill..
Colorado (Estados Unidos 175
Barnal (Ásia Cont.)
190
Sind (Índia)
200
Nevada (Estados Unidos) 200
Iakustsk (Sibéria)
225
Califórnia (Estados Unidos) 230
Salamanca (Espanha)
250
Murcia (Espanha)
334
Kazan (Rússia)
350
Breslau
353
Athenas
382
Cidade Real (Espanha) 382
Praga 388
Upsal
397
316
Punjab (Índia)
400
Orenburgo
432
S. Petersburgo 432
Vienna (Áustria)
446
Londres 489
Marselha 512
Berlim 522
Stockolmo
530
Maiaga
532
Christiania
538
Paris 538
Palermo 579
Copenhague 583
Abo (Finlândia) 602
Barcelona 607
Hobart-Town (Tasmânia)
610
Stuttgart 615
Pekin
620
Toulouse 626
Edimburgo 632
Metz
660
Lisboa 638
Dijon
696
Cabo (África) 700
Bruxelas 723
Dublin 740
Nancy 751
Lannaston (Tasmânia)
760
Ruão
784
Gand
777
Roma 785
Geneve
821
Montpellier
822
Pádua 862
Manchester 902
Florença 931
Turim 954
Milão 967
Lauzanne
1.021
Bogotá 1.107
P. Arthur 1.143
Besançon
1.163
Taiti 1.210
Nantes
1.303
Ceará 1.315
Genova 1.345
S. Cerque 1.345
Buenos Aires 1.345
Sandwich
1.400
Nocolaief
1.598
Bergen
1.853
É possível que se objetive serem as médias referidas limitadas à chuva caída
no litoral e terras convizinhas, ficando o interior, mesmo nos anos mais favorecidos,
muito aquém daquelas cotas. Não contesto o fato, antes o confesso,Senhor
Presidente, como intuito lealmente prometido de trazer à Câmara o maior número de
informações, para melhor exame da matéria.
É assim que, segundo os dados que passo às mãos dos colegas, tão
bondosos em escutar-me, a média verificada no observatório de Quixeramobim,
durante seis anos, é apenas de 651,6 mil. Mas á anotar: primeiro, que esse período
compreende uma grande e ma pequena secas; segundo, que, ainda assim, esta
média é muito superior a dos 16 Estados e territórios que formam a região árida e
semi-árida da União Americana.
317
A TABELA DETALHADA DE QUIXERAMOBIM É A SEGUINTE
Janeiro
1897 1898 1899 1900 190 1902
59.5 1.5 82.8 63.6 19.1 32.9
Fevereiro 103.6 169.7 206.1 91.4 130.2 19.8
Março 270.3 52.6 277.4 40.4 213.8 52.0
Abril 122.2 120.4 145.7 25.9 108.4 97.6
Maio 285.8 14.3 78.1 24.3 66.0 111.0
Junho 119.4 9.1 129.5 9.9 52.9 2.2
Julho 35.1 1.7 73.2 3.9 33.9 16.1
Agosto 25.4 0.0 14.3 0.0 0.0 9.0
Setembro 0.0 0.0 0.0 0.0 3.4 0.0
Outubro 0.2 0.0 0.7 0.0 0.0 1.2
Novembro 1.0 2.2 0.2 0.1 8.1 0.2
Dezembro 0.0 61.8 0.5 167.8 0.0 0.9
Total 1.022.1 4333.3 1.048.4 427.3 635.8 342.9
Esses dados mostram, Senhor Presidente, que naquela extensa zona não há
escassez de chuvas; há, sim, uma demorada estiagem que normalmente se
prolonga por sete meses no sertão, e cinco a seis meses no litoral, durando o
inverno quatro meses apenas; acrescendo ainda que as chuvas caídas nesse
espaço de tempo são inconvenientemente distribuídas. Muitas vezes acontece (eu
tenho testemunhado o tato) uma ou duas chuvas bastarem para fazer transbordarem
todos os riachos e rios, sem proveito para as plantações, enquanto que um
excelente inverno criador, abundante e farto não chega sequer a encher os
pequenos lagos existentes nas fracas depressões das chapadas.
Conhecido o relevo do solo sertanejo, sua impermeabilidade, a miséria da
vegetação dos tabuleiros, o declive desses para o talweg dos rios e dos rios ainda
mais acentuadamente para o mar, denunciando um franco regime torrencial, claro é,
Senhor Presidente, que a natureza está indicando ao homem que o único meio de
retardar a precipitação das águas é fazer a açudagem onde e como for possível.
O Sr. J. J. Revy assim se exprime a respeito da impetuosidade das
enchentes no norte:
“O suprimento de água, provindo de chuvas, é, em regra, abundante; a
quantidade de água que o vale do Jaguaribe recebe anualmente é muito superior às
necessidades das mais alta agricultura estendida a cada hectare das suas vastas e
férteis planícies. Assim, em anos regulares, chuvas torrenciais e enchentes
fornecem a rega durante três meses; durante seis meses não chuva alguma de
valor para a agricultura”.
O marechal Beaurepaire Rohan, contando a sua viagem pelo Piauí, diz com
muita observação:
“Tive ocasião de notar que a palavra rio nem sempre exprime naquelas
paragens a idéia de um curso de água permanente. Entendem por ela as grandes
torrentes que se formam na estação pluvial. Verdade é que essas torrentes tomam
então dimensões consideráveis, que as tornam bem semelhantes aos mais
caudalosos rios; mas, logo que cessam as chuvas que as alimentam
acidentalmente, sem que nenhum obstáculo se oponha à sua corrente, a pouco e
pouco, vão diminuindo as águas, até desaparecerem completamente, à exceção de
certos lugares mais depressos do leito, nos quais, por efeito da impermeabilidade do
terreno, se conservam alguns meses e se tornam o único recurso da população
ambiente”.
318
Outro observador inteligente, competência profissional das mais subidas, o
Dr. Gabaglia, acrescenta:
“Profundamente convencido de que o céu concede ao solo cearense água
em abundância, e que as condições topográficas e geológicas concorrem para que o
precioso líquido seja na sua maior porção improficuamente restituído ao primitivo leito,
o oceano, acrescendo que o homem nada ou pouco mais de nada tem feito para
aproveitar-se do que a Providência lhe concede, asseguro que a questão se reduz
aos limites de distribuição de águas, pois fica nos raios do trabalho de engenharia”.
Por tal forma demonstrada, Senhor Presidente, que na zona assim flagelada
periodicamente as secas raramente duram mais de dois anos; verificada a
possibilidade de reter as águas pluviais ali caídas em abundância nos invernos
regulares, resta examinar as vantagens daí resultantes, e eu o farei com o exemplo
do que se obtido em regiões de clima muito mais ingrato que praticam a irrigação
por meio de poços, açudes e canais.
Começarei pelos Estados Unidos.
Antes da construção da estrada de ferro, todo o comércio do Kansas, entre o
Atlântico e o Pacífico, era feito pela velha estrada de rodagem de Santa Fé, através
do grande deserto americano, cujas planícies infindas, varridas pelo vento
impetuoso e mortífero, lembravam o Saara estéril. Quem quer que visitasse aquela
região jamais poderia supor que terra tão desfavorecida passasse da fase pastoril
em que sempre tinha permanecido. Pouco e pouco, porém, à medida que a
construção da estrada caminhava, a idéia da possível fertilidade da zona começou a
tomar vulto, e milhares de dólares foram infrutiferamente despendidos no
aproveitamento das águas do rio Arkansas, que nasce nas montanhas Rochosas.
Verificado, porém, que o rio secava quando a água era mais preciosa, o desânimo
não abateu os audaciosos empreendedores do arrojado tentamen, e, em 1889, a
irrigação com a água do sub-solo começou a ser experimentada. As bombas,
acionadas por moinhos de vento, começaram a trazer do fundo dos inúmeros poços,
perfurados em grande parte da região, a água destinada a fazer a sua prosperidade.
Os fazendeiros abandaram a mania de cultivar grandes extensões e atiraram-se
resolutamente à policultura com o mais notável sucesso. É verdade que a
aprendizagem custou muitos sacrifícios; mas a compensação não se fez esperar, e
a zona, dentro em pouco, tornou-se notável pelo crescimento das suas árvores e
riqueza das suas culturas. Os moinhos custam de 100 a 200 dólares. Acionados por
vento ordinário, enchem um reservatório (de terra ou madeira) de 75 por 150 pés e 6
de profundidade, em dois dias. Um moinho e um reservatório dão água suficiente
para irrigar de 10 a 20 acres. O sucesso de Garden City (nome dado à cidade por um
desconhecido, que, parecendo um sonhador, foi profeta) teve amais larga
repercussão, determinando uma salutar e benéfica imitação.
O Colorado é outro exemplo frisante dos milagres da irrigação. É sabido que
entre os Estados das terras áridas esse é um dos menos favorecidos, bastando
dizer que a chuva anual é ali de 175 milímetros. Terreno arenoso, estéril e rochoso,
onde brotavam cactus e plantas miseráveis, era pelos naturais chamado, com
justiça, o esquecido da natureza.
Solo absolutamente safaro, a opinião geral o julgava propício à vida de
certas plantas, capazes de medrar no deserto, tal como era considerada aquela
vasta extensão do oeste. O Congresso de Irrigação, discutindo as diversas faces do
problema, viu as suas resoluções aprovadas pelo povo e sancionadas pelo
Congresso Federal, que expediu o ato de 17 de junho de 1902, estabelecendo, clara
e positivamente, que o dinheiro proveniente da venda das terras públicas seria
319
aplicado na construção de barragens, reservatórios e canais, para serem usados na
irrigação dos distritos áridos do oeste. Graças a esta e a outras providências
anteriormente tomadas, a terra maldita tornou-se próspera e fecunda, e os Estados
assim melhorados (Montana, Idaho, Wyoming, Colorado, Utah, Nevada, Arizona,
Novo xico, os dous Dakotas, Kansas, Califórnia, Washington, Oregon, Oklehoma e
Texas) adquiriram uma importância extraordinária, pelo aumento da produção e
rapidez assombrosa do seu povoamento.
Um canal trazido de 60 milhas do rio Colorado beneficiou o vale do sueste da
Califórnia, e dezenas de milhares de poços completaram a obra econômica e
civilizadora. Conforme refere Leroy Beaulieu, em onze desses Estados, onde a
colonização começou depois de 1870, não se encontrava, nessa época, pelos
três milhões de quilômetros quadrados, mais que 990.000 habitantes, dos quais
560.000 somente na Califórnia, para onde as minas de ouro tinham atraído, desde o
meado do século, uma importante imigração. Os 430.000 restantes eram
distribuídos pelos outros dez Estados.
Em 1880 a população da mesma região não passava de 7.767.000 almas,
das quais 903.000 fora da Califórnia. Já em 1890 esta cifra elevava-se a 3.102.000
habitantes, para atingir em 1900 a 4.091.000 habitantes. Este efetivo humano,
continua Leroy Beaulieu, relativamente fraco, tem obtido resultados
surpreendentes.
vivem nove milhões de bovinos e caprinos, e mais de 33 milhões de
carneiros. A irrigação estendeu-se por 2.900.000 hectares e as colheitas produzidas
em 1899 atingiram ao valor de 437.000.000 de francos. Um acre de terra pobre não
vale mais de 100 dólares, enquanto que a mesma quantidade de terra irrigada, como
acontece na Califórnia, vende-se por 1.800 dólares, assegurando uma produção
quinze a vinte vezes maior do que a das regiões que dependem exclusivamente das
chuvas. Segundo dados publicados em 1900 pela repartição respectiva, a proporção
das terras irrigadas e das denominadas melhoradas improved land é a seguinte:
Nevada, onde a quantidade de chuva anual não excede de 200 milímetros, 88% das
terras melhoradas o irrigadas; no Wyoming, 80%; em Arizona, a proporção é de
72%; no Colorado 71%; no Novo México, 62%; no Utah, 61%.
Em Montana, onde a quantidade de chuva caída é um pouco maior e melhor
a sua distribuição, esta proporção é ainda de 54%; e no Idaho, cuja parte de
noroeste compreende altas encostas onde as nuvens do Grande Oceano se vêem
condensar, ela desce a 43%.
Sobre 2.863.000 dólares, que valiam em 1899 as colheitas do Nevada,
2.853.000 provinham das terras irrigadas. No Colorado, que tem a produção agrícola
mais importante da zona árida (excetuados os Estados do Pacífico), 15.100.000
dólares dos seus produtos, sobre, 16.860.000, foram colhidos nas terras irrigadas
em uma proporção de 90%. No Arizona, Utah, Wyoming, a proporção do valor das
colheitas produzidas pelas mesmas terras era igualmente superior a 90%; em
Montana, atingia 70 e no Idaho 60%. Na Califórnia, ainda que as terras irrigadas não
formem mais que um oitavo do conjunto das terras melhoradas, o valor dos produtos
obtidos sobre as primeiras atingiam a mais do terço do valor total: 33 milhões de
dólares sobre 93 milhões e meio.
O número dos agricultores que se entregam à irrigação na zona árida era de
102.819, em 1899, contra 52.584, dez anos antes. As superfícies irrigadas
passaram, no mesmo decênio, de 1.436.000 a 2.905.000 hectares.
Quanto à percentagem da produção, as vantagens da irrigação são
extraordinárias.No Colorado um hectare irrigado 19 hectolitros de trigo, mais que
320
a média em França, sendo que nesse mesmo Estado os raros hectares de trigo
cultivado sem irrigação não produzem mais que cinco hectolitros e meio. O que
espanta, porém, é chegarmos à evidência de que as despesas com todos os
serviços de irrigação realizados até 1899 atingiram apenas a 64.289.000 lares,
cifra inferior a 30% do valor das colheitas dos terrenos irrigados.
Passemos à Austrália, onde o clima, como se sabe, é dos piores.
Os poços artesianos ai quer públicos, quer privados, atingiram em 20 anos a
mais de 2.000. Exceção de Victória, eles têm prestado, em todas as outras colônias,
à lavoura e à indústria pastoril, os mais assinalados benefícios, resolvendo, por
assim dizer, o problema agrícola daquela desfavorecida região. Das duas bacias
artesianas, encontradas, a maior e a mais abundante é a que está colocada no
flanco ocidental da cadeia chamada “Dividing Range”.
Estende-se por uma superfície duas vezes maior do que a França e
compreende uma larga parte das províncias de Queensland, da Nova Galles do Sul e
da Austrália Meridional. O preço da perfuração dos poços varia conforme a natureza
do sub-solo, a sua profundidade, e o maior ou menor afastamento das estações dos
caminhos de ferro, ou portos fluviais, sendo que estas duas últimas condições
representam obstáculos que muito encarecem ali a construção de tais obras. No
Far-West”, por exemplo, é preciso contar com despesas excessivas, devido à
carestia dos transportes, feitos em costas de camelos. Pode-se, porém, avaliar o
custo médio de um poço em 25 a 50 mil francos. A duração dos trabalhos não é
menos variável. O poço de Willi, em Nova Galles, tem 308 metros de profundidade.
Dez operários trabalharam, sob a direção de um contra mestre, durante 77 dias.
Um operário ganha de 10 a 15 francos por dia, sendo as despesas da alimentação
por conta do empreiteiro. Atualmente o Queensland possui 960 poços públicos e
privados, dos quais 628 jorrantes. A profundidade total desses poços é de 327
quilômetros e o fornecimento líquido diário de 1.750.192 metros cúbicos. Na
Austrália Meridional os poços estão extraordinariamente disseminados. Alguns deles
são notáveis por sua produção.
O de Coward, por exemplo, 2.448 metros cúbicos por dia. Na Austrália
Ocidental a bacia artesiana é pouco extensa e ainda hoje mediocremente
aproveitada. Em Nova Galles os poços públicos e privados produzem diariamente
631.741 metros cúbicos. Como os de Queensaland, eles fornecem à principal região
criadora da Austrália 2.831.933 metros cúbicos por dia, ou sejam 869.405.545
metros cúbicos por ano. O poço mais profundo é o de Bimorakun, que atingiu à
profundidade de 1.539 metros, e o mais raso é o de Manfred Downs, situado
igualmente no Queensland, com 3 metros apenas. O mais abundante é o de Kerribree,
em Nova Galles, que um suprimento equivalente a 7.945.000 litros por dia. Estes
dados foram colhidos em um artigo muito interessante que o Sr. Paul Privat Deschanel
fez publicar na Génie Civil”, quando regressou da missão que o governo francês lhe
confiou para estudar o assunto no país a que me venho referindo.
A legislação que regula a matéria é mais ou menos a mesma em todas as
colônias australianas. Quando se trata de um poço público, o Estado fixa a sua
colocação mediante inquérito. Jamais ele recusa solicitação para tal fim, quando
pedida por dois terços dos habitantes de um distrito, se representam também dois
terços da propriedade das terras cultiváveis. Determinada a colocação, o governo
estabelece uma taxa especial a perceber sobre os proprietários a quem os poços
vêm aproveitar e põe os trabalhos em concorrência. O proponente fornece os
utensílios e a mão de obra; é o governo, porém, quem fornece e transporta o
revestimento.
321
Esta partilha, um tanto extravagante, é devida ao preço dos transportes, que,
por demais elevado, afugentaria os concorrentes, se o governo não os tomasse à
sua conta. Em relação aos poços privados, o governo não tem a menor interferência.
Há, porém, um tipo intermediário, interessante, que merece referência. Como se
sabe, o Estado é na Austrália o possuidor de direito de todas as terras não alienadas
regularmente. Com o fim de valorizá-las, ele cede grandes extensões aos
particulares a preços reduzidos (20 fr. O. acre ou seja 50 fr. O hectare), por 24 anos,
com a faculdade indefinida de renovação, mediante a obrigação do arrendatário abrir
um poço artesiano de cujas vantagens, ele gozará sem limitação. Findo o contrato e
não lhe convindo a renovação, a cláusula reversiva empossa o estado na
propriedade arrendada e seus benefícios. O poder público, para atender às
necessidades dos rebanhos nas longas travessias para os caminhos de ferro, tem
mandado perfurar às margens das estradas de rodagem poços suficientes. Uma
grande parte do interior da Nova Galles e do Queensland tem sido colonizada pela
facilidade com que o governo oferece a água aos que ali se queiram localizar. É
assim que nessas colônias, como em outras, ele tem mandado dividir as terras
convizinhas a cada poço em lotes de 6 a 8 hectares, que arrenda a preço módico,
cedendo a água correspondente à irrigação das culturas realmente existentes. A
Câmara sabe, e sabe o ilustrado relator deste orçamento, o extraordinário progresso
que a agricultura e a criação na Austrália devem a essas providências, tomadas para
beneficiar terras muito mais pobres do que as terras nortistas.
Vejamos ainda Senhor Presidente, outros exemplos.
Na Argélia, região de regime torrencial semelhante ao do norte do país, mas
com uma altura pluviométrica inferior, sujeita às mesmas crises periódicas que
flagelam a bacia do São Francisco, o problema teve solução eficaz e compensadora.
Não falando nos 13.135 poços ali perfurados de 1850 a 1895, alguns de
grande profundidade, a Argélia conta sete grandes açudes-reservatórios, dos quais
cinco estão na província de Oran e dois na de Argel, construídos de 1849 a 1896. O
governo francês mantém uma comissão permanente com a incumbência especial e
efetiva de superintender todos os serviços de irrigação, seja pela açudagem, seja pelo
suprimento do subsolo.
O governo tem sido ali verdadeiramente pródigo em auxiliar as empresas de
irrigação, tendo chegado a despender em 1902 a soma de 1.626.243,00 francos.
Na Índia, V. Ex.ª e a Câmara conhecem os resultados das obras realizadas
pelo governo inglês.
Madras, Mysora, Kistnah, Sind e outras províncias possuem um número
positivamente fantástico de reservatórios, que têm custado ao governo mais de
200 mil contos. O rendimento tem chegado a ser em algumas províncias de 22.72%
sobre o capital empregado. A capacidade produtiva de algumas circunscrições
aumentou na relação de 250%.
O problema, Senhor Presidente, tem tido, como V. Ex.ª vê, solução vantajosa
em toda parte onde tem sido tentada. Não nos países que acabo de citar, como
ainda na República Argentina, na Arábia, no Egito e tantos outros.
Um único motivo deveria, pois, determinar a adoção de procedimento diverso
no nosso país, e esse viria a ser a esterilidade da zona a melhorar.
Examinemos, Senhor Presidente, esse novo aspecto da questão, e ainda
desta vez deixo aos números o encargo da resposta.
A Câmara vai ver e julgará se tenho ou não motivos de insistir na construção
de barragens para utilizar as águas represadas na irrigação.
322
Dentre alguns açudes existentes no Rio Grande do Norte escolherei em
primeiro lugar o do Cauassú propriedade do Sr. Joaquim da Virgem Pereira,
encravado no município do Acari um dos mais secos do Estado.
Ouçam os meus colegas.
Área inundada – 1.452.000 metros quadrados.
Comprimento da barragem – 330
m
; altura – 7
m
7; espessura da base – 30
m
,8.
A barragem é toda de terra e o custo de construção foi apenas de
8:000$000.
Rendimento:
A sua renda líquida tem sido, desde 1903, época em que foi construído, de
20:000$000, incluída a produção do terreno de jusante, correspondente a 841.840
metros quadrados, irrigados com a água do açude.
O proprietário dividiu todo o terreno cultivável em pequenos lotes que
distribuiu com famílias pobres para trabalharem de parceria.
Produção:
140.000 litros de arroz, a 100 réis o litro (metade) 7:000$000.
6.000 arrobas de algodão, a 3$, 15 quilogramas (metade) 9:000$000.
Cereais e engorda do gado, 4:000$000.
Um Sr. Deputado – Mas isto é prodigioso!
O Sr. Thomaz Cavalcanti – Mas é a expressão da verdade.
O Sr. Eloy de Souza Ainda no município do Acari existe o açude dos
Garrotes, construído pelo Sr. Félix de Araújo Pereira.
A sua barragem é de terra e tem 214 metros de comprimento e 13
m
,20 de
altura.
Preço da barragem 12:500$000. É o açude mais bem construído do Rio
Grande do Norte.
Rendimento:
Não obstante a grande profundidade e, conseguintemente, o maior volume
de água, esse açude fertiliza uma área menor do que o do Cauassú, do Sr. Joaquim
da Virgem Pereira, porque o vale é mais estreito.
A sua renda líquida pode ser avaliada em uma média de 10:000$ anuais,
incluído o peixe. Produz muito bem o algodão, cana de açúcar e arroz.
No município do Caicótambém dois açudes regulares. Um deles, o do Sr.
Januncio Salustiano da Nóbrega, além de produzir admiravelmente cereais, e cana, é
riquíssimo em peixe.
Seu proprietário tem conseguido realizar pescarias, na época apropriada,
de outubro a dezembro, que lhe têm rendido até 10:000$000. Ano houve em que
foram apanhados 80.000 peixes.
Quem conhece, Senhor Presidente, a zona do Seridó, áspera e desnudada,
habitada por um povo viril, trabalhador e honesto, sabe os sacrifícios que a ele tem
custado a construção das barragens ali existentes e graças às quais puderam
melhorar as condições da vida, fundando um centro de trabalho digno da imitação
dos conterrâneos.
O Sr. Juvenal Lamartine – Muito bem.
O Sr. Eloy de Souza Um rápido exame do crescimento da população nos
Estados do Ceará e Rio Grande do Norte, o aumento da sua riqueza, acumulada
nos anos normais, para quase desaparecer na voragem das secas, embora a
deficiência dos dados que passo a oferecer à Câmara, darão bem a idéia do quanto
venho afirmando.
323
É assim, Senhor Presidente, que em 1845, a exportação do Ceará foi de
124.757 quilogramas e em 1871, apesar dos prejuízos causados pela calamidade
daquele ano, ela atingia a 7.906.944 quilogramas.
O dizimo do gado grosso, que rendeu em 1846, 6.180$300, em 1865, no
curto espaço de 19 anos, chegou a produzir 124:309$629, para baixar em 1878, na
constância do flagelo de 1877 a 1879, à miserável quantia de 1:199$800.
A fortuna pastoril era avaliada, em 1876, em 22.388:000$000; em 1878 não
valia mais que 31:300$000.
A população duplicou em menos de 25 anos nos dois estados referidos.
Documentos antigos dão os seguintes algarismos para o Ceará:
1775 ........................................... 34.000
1810 ........................................... 130.000
1812 ........................................... 149.000
1819 ........................................... 201.170
1835 ........................................... 240.000
1857 ........................................... 486.000
1860 ........................................... 504.000
Em 1876 não era exagerado calcular a população deste Estado em 750.000
almas.
No Rio Grande do Norte, dados colhidos em documentos de 1844 dão à
província uma população de 149.072 habitantes; em 1876 esta população era
estimada em 253.000 habitantes, atualmente não é exagero calculá-la em 400.000
criaturas.
O seu orçamento era de 45:085$826. Após a seca, a receita orçada para
1846 a 1847 reduziu-se a 19.504$000; em 1876 a receita orçada foi de 291:277$000
e a arrecadada de 332:258$136.
O gado bovino, depois da seca de 1845, ficou reduzido a 42.000 cabeças;
em 1876 esse número podia ser razoavelmente avaliado em 500 mil reses.
Estes algarismos evidenciam, Senhor Presidente, que a prosperidade desses
Estados irmãos, rivalizaria com os mais felizes do país, se a orientação dos
governos os houvesse melhor acautelado contra crises remediáveis, dever que hoje,
mais do que ontem, se impõe, dada a multiplicidade dos exemplos conhecidos.
Cumpro um dever de lealdade agradecendo ao governo passado o início de
um serviço sistemático contra os efeitos da seca no Estado que represento.
O Dr. Rodrigues Alves e seu digno e competente ministro da Viação,
compenetrados da necessidade de prover eficazmente o desastre de calamidades
futuras, nomearam uma comissão de engenheiros para construir a estrada de
penetração, do Natal ao Seridó, e projetar as obras que fossem necessárias.
O chefe desta comissão foi o Dr. Sampaio Correia, profissional que, pelos
seus talentos, dentro em breve será uma glória da engenharia brasileira.
O Sr. James Darcy – V. Ex.ª pode afirmar eu já o é.
O Sr. Eloy de Souza – V. Ex.ª faz uma justa correção que a nossa conhecida
estima por esse ilustre professor e o nosso agradecimento pelos bons serviços que
tem prestado ao Rio Grande do Norte poderiam tornar suspeita.
Graças à sua atividade, zelo e probidade, correspondida pela dedicação e
esforço dos seus dignos auxiliares, em pouco tempo pudemos, com notável
economia, inaugurar o trecho da estrada que está servindo ao vale do Ceará-
Mirim.
324
Além deste melhoramento, cuja importância para o progresso da nossa vida
econômica seria ocioso encarecer, o referido profissional projetou cinco açudes em
vários municípios do Estado.
Ainda hoje li, com sumo prazer, na Gazeta de Notícias, as seguintes palavras
do Dr. Miguel Calmon:
“Uma das minhas preocupações é o problema do norte a extinção das
secas periódicas, com o seu cortejo de desastres e de infelicidades. Os governos
se lembram de que seca quando o flagelo assola regiões, mata milhares de
pessoas, implanta a ruína, o desastre e a morte. O meu desejo é sistematizar os
serviços de tal forma, que se consiga impedir os efeitos da seca. A maneira pela
qual se de fazer isso? Açudagens, barragens de rios, cultura intensiva, poços
artesianos, irrigações, um trabalho intenso, que mesmo um governo futuro se veja
obrigado a concluir.
Essa sistematização pode bem ser chamada: o problema do norte. quem
conhece as riquezas daquela vastíssima região é que o pode avaliar.
Depois, pelos processos modernos de irrigação não mais terreno safaro.
Veja os resultados obtidos na Índia, no Egito, na América do Norte.
Os americanos têm mesmo uma frase: “Irrigação não é sucedâneo de chuva,
chuva é que o é de irrigação. Nas secas do norte os governos, no fundo, esperam a
chuva e o bando precatório”.
Sua Excelência, que é, entre os mais formosos talentos desta geração
formosíssima; dotado de uma atividade pouco comum, aliada ao trato prático das
questões de governo, filho de uma terra igualmente sofredora, muito poderá fazer, e
certamente o fará, em benefício daquelas populações (Apoiados gerais).
Tudo leva a crer que Sua Excelência já tem mesmo um vasto plano metódico
e profícuo, tanto mais acertado quanto o vem meditando desde os tempos em que
serviu como titular da pasta da Agricultura no seu glorioso Estado.
Consola assinalar, Senhor Presidente, a perfeita identidade entre os francos
desejos do jovem ministro e a promessa que, com o mesmo liberado propósito, o
Senhor Presidente da República, na visão do conjunto que tanto o distingue, fez
inserir como programa de governo na plataforma de outubro do ano passado. (Muito
bem).
Tomo, entretanto, a liberdade de ponderar a Sua Excelência que não o
exclua do seu plano de obras preventivas contra os efeitos das secas a grande
açudagem.
Não a quero nem a pleitearia jamais como tipo comum e normal; mas ela se
recomenda e impõe em pleno coração da terra sertaneja para evitar que nas
calamidades excepcionais busquem o litoral, favorecendo as epidemias, as grandes
massas tangidas pela fome.
Dois grandes açudes no Rio Grande do Norte, com os médios e menores
que em maior número se poderão construir, e teremos resolvido o problema no
sertão propriamente dito.
Na zona a leste da Borborema, na faixa mais próxima ao litoral, eu preferiria
os poços tubulares.
A açudagem aí não tem provado bem.
Os açudes secam como por encanto, devido à dupla perda pela evaporação
e infiltração, o que não acontece no interior onde a impermeabilidade do solo quase
os preserva desta última. Além de que, Senhor Presidente, eu não creio que em
terreno de formação primitiva se possa encontrar água o subsolo. Não fora esta
suspeita, e motivo de orgulho seria para todos s vermos o vento terrível que varre
325
aquelas paragens em um sopro de morte, transformado no auxiliar poderoso da
nossa vida, movendo por toda parte as asas dos moinhos benfazejos.
Entre os açudes projetados pelo Dr. Sampaio Correia, um existe para cuja
construção eu ousarei pedir a boa vontade do governo. Referi-me ao açude de
Sabugi, no município do Caicó, cuja bacia hidrográfica tem 700 milhões de metros
quadrados, sendo o volume de água a armazenar de 106 milhões de metros
cúbicos.
A capacidade da área de irrigação é de 5 mil hectares, ou uma faixa
cultivável de 50 quilômetros de comprimento por um quilômetro de largura.
Admitindo que o açude deva resistir a três anos de seca e distribuindo a
água em proporção conveniente às diversas culturas próprias da zona, a área
irrigada pode fornecer produtos cujo valor de venda no mercado mais próximo é de
cerca de 720 contos.
Supondo que os gastos de produção e transporte, bem como o benefício do
plantador, correspondam a 80% do valor do preço de venda, os 20% restantes
representam uma taxa de arrendamento do terreno irrigado, equivalente a 150
contos anuais.
Os quatro restantes são médios e com uma capacidade variável de 59 a 60
milhões de metros cúbicos.
A Câmara não supor que o cálculo da produção equivalente a 720 contos
tenha sido feito de acordo com os dados, para muitos exagerados, que serviram na
avaliação da renda dos açudes do Acari.
Não. O tipo que preferi foi o das terras do Egito, muito inferiores às nossas,
utilizando-me para tal fim dos algarismos extraídos do livro de Julien Barois “Irrigação
no Egito” e que por interessante passo a ler à Câmara.
Rendimento das terras:
Segundo Girard, da expedição francesa, a distribuição para cultura de 100
hectares de boas terras, bem situadas no Delta, fazia-se outrora do seguinte modo:
hectares
Trevo ............................................ 25
Cereais .......................................... 30
Cevada .......................................... 10
Trigo e cevada misturados ............. 35
100
Dentre 100 hectares, um quarto recebia culturas de estio e outono, seja:
Em milho ....................................... 13
Em sesamo ................................... 6
Em algodão ................................... 6
25
Atualmente 100 hectares de boas terras do Delta podem ser cultivados do
modo seguinte:
Milho, uma seção de trevo e algodão.. 33
Cereais ............................................... 33
Favas ................................................. 17
Trevo ................................................. 17
100
A proporção das culturas do estio está, pois, atualmente aumentada
consideravelmente, em conseqüência dos trabalhos compreendidos durante o
século último.
326
Para as boas terras médias do baixo Egito, bem situadas em relação ao nível
das águas dos canais de irrigação, eis, aproximadamente, como se pode
estabelecer a proporção atual da sua cultura, com a divisão para a cultura indicada
acima, e no caso de um grande domínio explorado diretamente pelo proprietário:
Despesa para uma superfície de 100 hectares:
Francos
1.º Sementes .................................... ................ 3.000
2.º Jornal do pessoal ......................... ................ 2.500
3.º Despesas de irrigação a máquina.. 1.500
4.º Nutrição dos animais Durante o estio, à razão de duas
cabeças por hectare ...................................... 1.900
5.º Salário dos trabalhadores pelo
amanho, plantação, colheita,etc.................... 8.800
6.º Despesas gerais, amortização das
construções e do material, etc ...................... 2.500
Despesa total, não compreendidos os
Impostos .......................................... .................. 19.400
Receita para uma superfície de 100 hectares:
1.º Colheita de milho sobre 33 hectares, deduzida
a despesa de armazenagem ............................. 2.723
2.º Trevo cultivado junto ao milho (33 hectares)......... 3.630
3.º Algodão (33 hectares) ......................................... 27.687
4.º Colheita de cereais (33 hectares) ..................... ... 8.415
5.º Favas (17 hectares) ............................................ 3.805
6.º Trevo, deduzida a ração dos animais .................. 120
7.º Locação ao camponês de 8 hectares e 50
ares, a 100 francos o hectare ........................... .. 850
Receita total .......................................................... 47.830
Deduzida a despesa de ......................................... 19.400
Saldo ....................................................... 27.830
O que representa uma receita de perto de 180 francos por hectare, não
compreendido o pagamento de impostos ou de 190 francos por hectare, deduzidos
os impostos.
Para um domínio do Egito médio, onde se cultiva a cana de açúcar, podem-
se admitir as cifras seguintes, supondo que, como na região do canal de Ibrahimich,
não há despesas de elevação de água.
Despesas para uma superfície de 100 hectares:
Cana do primeiro ano, despesas de cultura ........ 7.600
Cana do segundo ano, despesas de cultura ......... 3.600
Terras em repouso (2 hectares) ........................... 3.600
Cultura nili e chetoui sobre 40 hectares............... 3.100
Amortização das construções e dos materiais...... 1.100
Despesa total, não compreendidos os impostos... 15.400
Receita para uma superfície de 100 hectares:
Canas do primeiro não, compreendidas as folhas,
68 toneladas a 15 frs., 75 cada uma ..................... 21.792
Canas de segundo ano (compreendidas as folhas
no valor de 12 frs., 40) 38 toneladas a 15 frs.,
75 cada uma ........................................................ 12.218
Produto das culturas do Nilo e chetoui ................ 12.400
46.410
Diferença que representa um produto de 310 francos por hectares, não
incluídos os impostos, ou de 220 francos por hectare, deduzidos estes.
327
Quando se é obrigado à irrigação por meio de máquinas a vapor, que
utilizam as águas do Nilo, é preciso deduzir destas somas perto de 85 francos por
hectare de cana e 50 francos por hectare de cultura de Nilo e chetoui (culturas de
inverno e intermédias) pela despesa de elevação d’água, o que, em relação à
superfície total de 100 hectares, uma média de 54 francos de redução de renda,
por hectare.
As melhores terras de irrigação no baixo e no Egito médio arrendam-se a
300 francos o hectare, dedução feita do imposto e as boas terras a 220 francos; as
boas terras de inundação a 180 francos o hectare.
Compreendendo, por conseguinte, de acordo com as cifras acima, que o
ideal de todo o egípcio é possuir uma porção de terra no vale do Nilo.
É como a Câmara vê, mais um valioso subsídio para provar as vantagens da
irrigação.
Sinto na própria fadiga, Senhor Presidente, o enfado dos meus colegas.
O Sr. Simões Lopes - A atenção e o prazer com que o estamos escutando
são uma prova do contrário.
O Sr. Eloy de Souza Agradeço a gentileza de V.Ex.ª e passo a dizer,
ligeiramente, embora, como penso que essas obras altamente produtivas devem,
pela sua urgência ser construídas.
Sou, Senhor Presidente, francamente partidário do consórcio hidráulico para
a realização de tais melhoramentos.
Atendendo por um lado ao custo elevado dessas obras, e por outro lado à
presa que devemos ter em atacar o problema enérgica e resolutamente, entendo
que, tanto os Estados, como a União e mais remotamente os Municípios devem
concorrer para elas.
Aliás, Senhor Presidente, não é outro o intuito do ilustrado relator deste
orçamento, quando, no número XIX, autoriza o governo “a entrar em acordo com os
governos dos Estados e dos Municípios, para a construção e conservação de
açudes, aberturas de poços e aplicação de outras medidas tendentes a prevenir os
efeitos da seca”.
A emenda que ofereço completa esse dispositivo salutar, facultando ao
poder público os meios que permitirão agir proveitosamente.
Em todos os países não é por outra forma que a espécie tem sido resolvida.
Dentro das leis e dos regulamentos da França na Argélia, da Inglaterra na
Índia, da Austrália, dos Estados Unidos, da Itália e do Egito, a União e os Estados
encontrarão certamente um tipo que servirá de modelo a um acordo útil e profícuo.
O que não desejo é ver a demora indefinida na realização desses
melhoramentos; o que não quero é assistir ainda uma vez ao sacrifício dos dinheiros
públicos com os resultados negativos conhecidos.
O meu desvalioso concurso, dentro dos moldes assim superficialmente
esboçados, está por tal forma posto ao serviço de causa tão patriótica.
328
INCUMBÊNCIA PARA ORGANIZAR O PRIMEIRO
REGULAMENTO DA INSPETORIOA DE OBRAS CONTRA AS SECAS
Na Legislatura passada, na Câmara dos Deputados, entre os inúmeros discursos
pronunciados, um houve que despertou a atenção dos –– membros, entre os quais
figurava o Sr. Dr. Miguel Calmon, hoje ministro da Indústria, Viação e Obras
Públicas.
O orador foi o deputado Eloy de Sousa, representante do Rio Grande do Norte, que
pronunciou um discurso sobre a seca implacável que há muitos anos vem assolando
o seu Estado natal, o Ceará, a Paraíba e outros.
Nesse discurso, depois do exórdio mostrando a situação aflitiva e dolorosa dos
nossos patrícios do Norte, o Sr. Deputado Eloy de Sousa encarou a questão sob o
ponto de vista técnico e cientifico, reclamando do governo providências salvadoras.
Agora, o sr. Ministro da Viação, recordando-se das palavras do seu então colega,
encarregou-o de fornecer ao governo dados técnicos para umas bases
regulamentares que permitissem organizar de vez um serviço preventivo e eficaz
contra aquele flagelo. Essas bases estão organizadas de acordo com a lei de
1904 e autorização da vigente lei orçamentária. Elas definem os trabalhos para
combater o mal e as condições pelas quais o governo tem que as executar, bem
como as relações da União e dos Estados para esse fim.
Na quinta-feira da próxima semana, o Sr. Ministro da Indústria submeterá à
assinatura do chefe do Estado as referidas bases regulamentares.
Vária do Jornal do Comercio de 3 de junho de 1907.
329
PROJETO APRESENTADO À CÂMARA
DOS DEPUTADOS EM AGOSTO DE 1911
O deputado pelo Rio Grande do Norte, sr. Eloy de Souza, apresentou, ontem,
justificando, o seguinte projeto de lei:
Art. 1 O governo construirá as obras de irrigação necessárias ao
desenvolvimento agrícola do país.
1.º As obras de que trata o presente artigo serão construídas, de preferência, nos
Estados que se comprometerem a contribuir, durante dez anos, com cinco por cento
do total de sua renda ordinária.
2.º A contribuição dos Estados poderá ser feita em dinheiro, anualmente, ou de
uma só vez em terras devolutas.
3.º Nos casos em que a contribuição dos Estados for feita em terras devolutas, a
área total dessas será determinada segundo a media da receita geral do Estado no
último decênio anterior ao ato de cessão, e pelo preço das tabelas oficias, em vigor
ao tempo da promulgação da presente lei.
Art. 2.º As despesas de construção e do custeio que houverem de ser executadas,
correrão por conta duma caixa especial, denominada “Fundo de Irrigação”, e
constituída com os recursos seguintes:
1.º 2% da receita geral da República, durante dez anos, sob a base arrecadação
do ano anterior;
2.º – 5% da receita ordinária dos Estados que quiserem concorrer, durante dez anos,
para a constituição e contribuição da caixa, na forma do disposto nos parágrafos 1º e
2º do art. primeiro;
3.º – produto da venda das terras cedidas pelos Estados;
4.º – renda proveniente da exploração das obras de irrigação;
5.º – contribuições ou donativos de qualquer procedência.
Art. 3.º As obras de irrigação poderão ser construídas diretamente pelo governo;
contratadas com quem melhores vantagens oferecer em concorrência pública; ou
ainda por associações ou companhias que se proponham executá-las mediante o
pagamento em apólices da dívida pública, contanto que neste caso os
compromissos anuais daí decorrentes não excedam as forças do “Fundo de
Irrigação”.
Parágrafo único A exploração das obras em caso algum poderá ser atribuída às
empresas construtoras.
Art. 4º. – As quantias do “Fundo de Irrigação” serão depositadas no tesouro federal e
não poderão ser aplicadas para fins diferentes dos da presente lei.
Art. 5.º São consideradas de utilidade pública, para os efeitos da desapropriação,
todas as terras irrigáveis; as necessárias à construção das barragens e obras
complementares; as inundadas; e bem assim indispensáveis à manutenção dos
cursos dágua.
Parágrafo único As terras dos proprietários que se comprometerem a pagar as
taxas de irrigação, e a conservação das obras, não serão desapropriadas, salvo
caso de falta ao compromisso, ficando convencionado que, nesta hipótese, a
desapropriação será feita por uma avaliação correspondente ao estado anterior das
mesmas terras.
330
Art. 6.º A União terá a administração e exploração das obras, a pagar-se da
importância que houver despendido, entregando-a a cada Estado, logo que a
exploração de todas ou de parte, houver coberto das despesas efetuadas.
Art. 7.º O Governo cobrará taxas anuais de arrendamento das terras irrigadas,
taxas de fornecimento de água para irrigação e taxas de conservação das obras.
Art. 8
o
. As taxas de irrigação serão calculadas sobre o custo total de cada obra, e
divididas por anuidades, fixas por hectare.
Parágrafo único Uma vez e por esta forma pago do custo total da obra, o governo
deixará de perceber a taxa da irrigação respectiva.
Art. 9.º – A taxa de conservação será permanente e cobrada simultaneamente com a
de irrigação, e corresponderá à décima parte desta.
Art. 10.º A taxa de arrecadação deverá guardar uma relação determinada pelo
valor da desapropriação, não podendo exceder a 10 % desse valor.
Art 11
o
. – o modo de percepção dessas taxas será regulado pelo governo.
Art 12
o
. – A terras desapropriadas serão vendidas ou arrendadas, preferentemente a
famílias de agricultores, e por um prazo fixo nunca superior a dez e inferior a quatro
anos.
Parágrafo único Todas serão vendidas ou aforadas, com direito a irrigação, que
será obrigatória.
Art. 13
o
. No caso de venda, as terras deverão ser pagas em quotas anuais,
começando o pagamento no ano imediato à primeira colheita, e entregue o titulo de
prosperidade depois de satisfeita a última prestação.
Art, 14
o
. – A família proprietária ou arrendatária deverá residir no terreno adquirido.
Art. 15
o
. A falta de pagamentos de alguma das quotas anuais determina a perda
de direito à terra vendida, sem que o prejudicado possa reclamar ao “Fundo de
Irrigação” as anuidades já pagas.
Art. 16
o
. – O proprietário que deixar de cultivar sua porção pelo espaço de dois anos,
será desapropriado pelo preço por quanto a houver adquirido, acrescido da
importância das benfeitorias, segundo avaliação judicial.
Art. 17
o
. A taxa de arrendamento começará a ser paga no primeiro ano após a
colheita, e nos subseqüentes, semestralmente.
Art. 18
o
. A inovação de arrependimento não poderá ser recusada, salvo por falta
de pagamento de algumas das quotas.
Art. 19
o
. A família arrendatária terá preferência na aquisição definitiva do seu
quinhão.
Art. 20
o
. O governo continuará a premiar os indivíduos, municipalidades ou
sindicatos agrícolas, que construírem açudes médios e pequenos, na forma e
segundo as condições dos artigos 37 a 47 do regulamento expedido com o decreto
nº 7.619, de 21 de outubro de 1909 e, bem assim, a executar todas as obras
destinadas a atenuar os efeitos das secas, e constantes do mesmo regulamento.
Parágrafo único Para esse fim, o “Fundo de Irrigação” contribuirá anualmente com
uma importância nunca inferior a 70% de sua receita, até a completa ultimação
dessas obras.
Art. 21
o
. Os estudos, projetos, construção exploração das obras ficarão a cargo da
atual Inspetoria de Obras Contra as Secas, que passará a denominar-se “Inspetoria
de Irrigação”, continuando subordinada ao Ministério da Viação e Obras Públicas.
Parágrafo único O governo poderá aumentar o número de secções regionais da
Inspetoria, conforme a necessidade e desenvolvimento do serviço.
Art. 22
o
. Esta lei entrará imediatamente em execução, independente dos atos que
o governo tenha de expedir para a sua regulamentação.
331
Art. 23
o
. Revogam-se as disposições em contrário.
DUAS OPINIÕES VALIOSAS
1) Trechos da carta dirigida ao Jornal do Comercio, do Rio de Janeiro, pelo
geólogo Roderic Grandall, e publicada na edição de 22 de setembro de 1911, a
propósito do projeto apresentado pelo deputado Eloy de Sousa sobre irrigação.
“Uma das provas mais importantes deste progresso do Brasil, manifesta-se no
programa de desenvolvimento dos Estados menos favorecidos pela natureza, que
foi recentemente apresentado ao Congresso pelo Dr. Eloy de Sousa, Deputado pelo
Rio Grande do Norte.
A intenção desta lei no seu todo é de, se aprovada, permitir a construção de obras
de irrigação e prevenção de todo o gênero, em qualquer Estado que delas vinha a
precisar, ao mesmo tempo ativando, auxiliando e promovendo a introdução de
métodos agrícolas novos e mais adiantados, que trarão consigo uma melhor escala
de vida e de educação.
Tais resultados não poderão ser imediatos, mas demandarão tempo, e uma década
ou uma geração o será período demasiado para permitir que sejam realizados os
resultados de tais obras.
O fim desta lei é o estabelecimento de um fundo permanente, do qual possam ser
retiradas as quantias necessárias à construção de diversas obras ao passo que
forem precisas.
Este dinheiro não é dado pelo governo, mas simplesmente emprestado aos Estados,
temporariamente, sem juro, e será mais tarde restituído. Isto equivale às condições
em que nos Estados Unidos foi adiantado dinheiro ao “Reclamation Service”, pelo
governo federal.
As disposições do Artigo 1.º determinam que parte das despesas seja feita pelos
Estados a serem beneficiados, o que é como dever ser. Isto é semelhante ao que
tem sido feito nos Estados Unidos, mas o dinheiro do Fundo de Irrigação era
obtido pela venda de terras federais dentro dos limites dos Estados, que desde
então têm sido auxiliados pelas obras de irrigação.
As condições do artigo 5.º que permite ao proprietário de terras reter todas as suas
propriedades e receber água para elas, não parecem apropriadas às necessidades
do caso. É fácil de imaginar um caso extremo desta disposição, em que toda a terra
esteja nas mãos de um homem e o governo construa um sistema de irrigação
para beneficiar e enriquecer o proprietário somente. O que é muito desejável é que
as grandes propriedades sejam um pouco retalhadas, de modo que a gente mais
pobre possa ao menos ter a oportunidade de tentar ser proprietária de terras. Por
esta razão, uma certa área deveria ser desapropriada e vendida ou arrendada aos
que quisessem obtê-la e em termos razoáveis. Como os atuais proprietários são
presentemente os mais competentes e sem dúvida alguma os mais capazes de
desenvolver a região, parece justo permitir-lhes possuir ou reter áreas equivalentes
a várias vezes a área que será vendida ou arrendada como uma unidade.
O artigo 6.º estipula a retenção das obras pela União até que tenha sido feito o
pagamento completo das mesmas, transferência delas ao Estado em que estiverem
situados, depois de feito esse pagamento. Considerando as reconhecidas condições
atuais de muitos dos governos dos Estados, e a extensão em que poder de
fiscalização de obras irrigação pode ser usado como uma política, parece que
melhor política estatuir o regime que foi adotado pelo congresso dos Estados
332
Unidos, na letra de sua lei de irrigação. Com as disposições daquele ato, a posse de
todas as obras é dada ao Governo Federal até a ocasião de ser feita nova
disposição especial.
No artigo 9.º poderia com mais vantagem ficar estabelecido que a verba de
conservação para cada projeto fosse determinada pelo cálculo das verdadeiras
necessidades de obras em questão, em lugar de ser fração da taxa de água, com a
qual não tem necessariamente relação alguma definida.
As disposições dos artigos 10 a 20, relativas aos direitos do individuo, no que diz
respeito a água e terra, não deixam nada a desejar.
O artigo 20 estipula a continuação da concessão de auxílios a indivíduos para a
construção de açudes pequenos, o que constitui parte muito importante do trabalho
presente da Inspetoria, tão importante mesmo que merece o aumento de verbas,
que serão afetadas a isso na legislação proposta.
Este projeto de lei se for aprovado como está, ou antes, com pequenas
modificações, permanecerá um monumento ao estadista que o concebeu e projetou
e ao Congresso que for bastante esclarecido para votá-lo.”
2) Ao Sr. Dr. Arrojado Lisboa, Inspetor de Obras Contra as Secas, dirigiu o
Sr. G. A Waring a seguinte carta:
“Caro senhor Com grande interesse acabo de ler o projeto de lei apresentado ao
Congresso pelo Sr. Eloy de Souza, para construção de obras de irrigação no
nordeste do Brasil.
Os lucros que ele apresenta como devendo ser obtidos pela irrigação, são
favoravelmente dignos de confiança, mas o modo pelo qual ele apresenta o assunto
tende a criar a opinião de que uma grande renda imediata advirá dali ao Governo
Federal. o acredito que isto aconteça, pois a população atual da região é muito
exígua para o cultivo de áreas extensas. Depois, porém, que esteja conhecido em
outros paises quanto é saudável o clima do nordeste do Brasil, a região terá um
rápido desenvolvimento agrícola; é assim que as grandes obras, com quanto
produzam uma renda pequena durante alguns anos, mais tarde se tornarão
grandemente e permanentemente valiosas”.
Examinei com cuidado cada artigo da lei proposta. Algumas disposições são
necessariamente diferentes das contidas na lei da Reclamation Service dos Estados
Unidos, mas tanto quanto me permite julgar o conhecimento que tenho das
condições no Brasil, os detalhes do projeto me parecem conducentes ao
desenvolvimento adequado das regiões a serem irrigadas.
No seu conjunto creio que este projeto oferece a única solução do problema das
secas. Este se tornou um problema sério no Brasil, mas não acredito que a sua
solução, por meio de obras de irrigação, seja mais dificultosa do que tem sido em
outras regiões áridas; e não creio que haja outra alternativa a seguir.
Os projetos de irrigação devem ser construídos porque são necessários:
1.º – Para proteger a população atual contra os períodos de fome; 2.º – Para permitir
o desenvolvimento natural da região, pois esta não pode progredir nem como região
agrícola, nem como região de criação de gado sem possuir um suprimento
permanente de água.
O custo total dos projetos de irrigação será grande, mas não serão eles mais
dispendiosos do que têm sido os semelhantes em outros paises, e enquanto eles
não forem construídos, o Governo Federal estará sujeito a grandes e contínuas
despesas com a concessão de auxílios à população em tempos de seca. Vosso G.
A. Waring, em 11 de Setembro de 1911.”
333
LEI EPITÁCIO PESSÔA
Autoriza a construção de obras necessárias à irrigação de terras cultiváveis no
nordeste brasileiro e dá outras providências
O Presidente da República dos Estados Unidos no Brasil:
Faço saber que o congresso Nacional decretou e eu sanciono a resolução seguinte:
Art. 1.º O governo construirá por administração ou por contrato e , neste caso,
mediante concorrência blica, sempre que for possível, as obras necessárias à
irrigação de terras cultiváveis no nordeste brasileiro, nelas compreendidas todas as
que forem julgadas preparatórias e complementares da sua execução, mantidas,
igualmente, aquelas de que trata o decreto n.º 13.687, de 9 de julho de 1919.
Art. 2.º As despesas de construção, de custeio e de conservação das obras e
serviços mencionados no art. precedente correrão por conta de uma caixa
constituída com os seguintes recursos:
a) operações de crédito externas ou internas que o governo fica autorizado a
realizar até o máximo de duzentos mil contos e nunca excedente de quarenta mil
contos em cada exercício;
b) dois por cento da receita geral da República;
c) dois até cinco por cento da receita ordinária dos Estados em que as obras e
serviços terão de ser executados, entrando para este fim o Poder Executivo em
acordo com os respectivos Governos e podendo receber a mesma contribuição em
terras devolutas e irrigáveis;
d) produto da venda ou do arrendamento das terras cedidas pelos Estados e das
que forem desapropriadas nos termos desta lei;
e) rendas provenientes das obras e serviços mencionados no art. 1.º
f) contribuições e donativos de qualquer outra procedência.
Parágrafo único Os recursos compreendidos nas letras b, c, d e e, serão também
destinados ao serviço de juros e amortização dos empréstimos autorizados na letra
a.
Art 3.º São consideradas de utilidade pública, para os efeitos da desapropriação,
as terras necessárias à construção das barragens e obras complementares e
preparatórias, as inundadas, as irrigáveis e bem assim as florestas indispensáveis à
manutenção dos cursos de água.
§1.º As terras irrigáveis, porém, somente serão desapropriadas quando seus
proprietários se recusarem a entrar em acordo com o Governo sobre a construção
das obras necessárias à irrigação, deixarem de pagar durante dois anos as taxas de
que trata a presente lei, ou não cultivarem as mesmas terras segundo as
determinações constantes dos regulamentos que forem expedidos.
§2.º Esta obrigação constará de termos de compromisso que deverão ser
assinados após a aprovação dos projetos de cada obra.
§3.º No caso dos parágrafos primeiro e segundo deste artigo, a importância da
indenização será determinada pelo valor das terras antes da aprovação dos projetos
de captação e irrigação conseqüente, devendo este valor constar dos termos de
compromisso.
334
Art 4.º A União terá a administração e exploração das obras, até pagar-se da
importância que houver despendido, entregando-as aos Estados respectivos logo
que a exploração delas houver coberto as despesas efetuadas.
Art. 5.º O governo cobrará as taxas que forem fixadas em regulamento, tendo em
vista as despesas efetuadas, de capital e de conservação e custeio das obras e,
bem assim, a natureza das culturas exploradas nas zonas irrigadas.
Art. 6.º As terras irrigáveis que forem desapropriadas serão cedidas por venda ou
arrendamento, mas sempre em pequenos lotes e, de preferência, a agricultores
residentes nos respectivos Estados.
§1. º No caso de venda, as terras terão o valor da desapropriação e deverão ser
pagas em quotas anuais e por prazo nunca superior de dez anos, começando o
pagamento no ano imediato à primeira colheita.
§2.º No caso de arrendamento, as prestações deverão ser pagas anualmente, a
partir do fim da primeira colheita, devendo o Governo, para fixar o seu preço,
atender também ao valor da desapropriação.
Art 7.º – O Governo providenciará para que os serviços agrícolas na região tenham a
assistência de agrônomos e veterinários, e também para que aos lavradores sejam
fornecidos, por venda ou arrendamento, os instrumentos, sementes, adubos e outros
auxílios necessários à maior produção do solo, conservação, beneficiamento,
transporte e colocação comercial dos produtos.
Art. 8.º – O Governo expedirá regulamentos para o funcionamento da caixa especial,
para a arrecadação das taxas e prestações e para a exploração e administração das
obras, providenciado para que os contratos de que fala o art. 1.º tenham a mais
ampla publicidade.
Art 9.º – Revogam-se as disposições em contrário.
Rio de Janeiro, 25 de dezembro de 1919,
98 da Independência e 31 da Republica
EPITÁCIO PESSÔA
J. Pires do Rio
335
A LEI EPITÁCIO PESSÔA NO SENADO E NA CÂMARA
“O relator da lei Epitácio Pessoa, no Senado, depois de fazer uma síntese brilhante
sobre os esforços empregados para a solução do problema escreveu o seguinte: – É
para consegui-la que o Sr. Presidente da Republica tomou a corajosa e benemérita
iniciativa de pedir a colaboração do Congresso Nacional para um esforço decisivo no
Senado, de dar ao angustioso problema a solução que as crises recentes tornaram
inadiáveis. A esse patriótico apelo, respondeu a Câmara dos srs Deputados,
aprovando projeto de lei em que se concretizaram as medidas arbitradas pelo chefe
do Poder Executivo. Delas, a fundamental, a criação dos recursos financeiros que a
execução dos trabalhos planejados reclama, e a instituição de uma caixa especial,
constituindo Fundo de Irrigação, segundo as bases calcadas no projeto de 30 de
agosto de 1911, do então deputado sr. Elói de Sousa, obra de admirável previsão
política, que ficou sendo o ponto de partida de todas as providências capitais
adotadas para a defesa eficaz do Nordeste, pois que assegura a continuidade de
ação que a inconstância dos programas governamentais e parlamentares não tem
até agora permitido” (Anais do Senado 12- 1919).
Final do brilhante parecer do deputado Otacílio de Albuquerque, membro da
Comissão Especial das Secas sobre a Lei Epitácio Pessoa.
Filho da região varrida repetidas vezes, em intervalos variáveis, pelo sopro da
implacável desdita, o dr Epitácio Pessôa está aparelhado com o conhecimento direto
e exato que tem da intensidade do fenômeno e da extensão das necessidades do
nosso malsinado sertão, para agir resolutamente, estabilizando no solo, onde
nasceu, uma população de mártires, em luta continuada com a natureza inclemente,
mas ainda assim sempre nobre nos estos de seu patriotismo e altiva na consciência
de sua força, como parte integrante da comunhão brasileira.
E, encaminhando os seus esforços, a sua vontade enérgica, o seu patriotismo a
melhor política, que é a que melhor governa a que suaviza as formas matérias da
existência, a que sabe desentranhar das situações difíceis, das atualidades
adversas, dos momentos de confusão e perigo, germens de prosperidade,
elementos de ordem, meio de governo”, o sr. presidente da Republica terá os
aplausos da nossa nacionalidade e o apoio franco, leal, decidido do Congresso
Nacional para quem, mais uma vez apelamos, submetendo à sua douta apreciação
o seguinte projeto de lei, onde estão compreendidas as idéias contidas na
mensagem que, sobre as secas, dirigiu ao parlamento o chefe do Poder Executivo,
combinadas com as disposições magistralmente estabelecidas no projeto do ilustre
senador Eloi de Sousa.
(Do Jornal do Comercio, do Rio, 28-9-1919).
336
SENADO FEDERAL
PARECER N. 88-1935
O projeto que apresentei à Câmara dos Deputados em agosto de 1911 sobre
irrigação ainda hoje continuaria esquecido se o Presidente Epitácio Pessoa não o
tivesse adotado como base da lei que o Congresso votou em dezembro de 1919.
A adaptação de leis então vigorantes em vários países, notadamente nos Estados
Unidos, aquele meu Projeto se houvesse sido aprovado representaria, praticamente,
do ponto de vista financeiro e até mesmo econômico, um esforço precário, se leis
posteriores não o modificassem com medidas mais adequadas às condições
peculiares ao Nordeste.
O que sucedeu nos Estados Unidos com a lei votada em 1902, teria sucedido, com
maioria de razão, a respeito das providências estatuídas naquela minha iniciativa e
sucederá, fatalmente, com a lei Epitácio Pessoa, quando algum dia as obras de
irrigação forem concluídas e os ônus da amortização e juros do capital empregado
tiverem de pesar sobre os agricultores situados na zona irrigável.
Não é a primeira vez que abordo esse aspecto do problema. o fiz em outra
oportunidade, como jornalista, para o fim de confessar o erro de quem se louvou nas
cifras dos documentos ali publicados até a data apresentação do meu projeto.
Esses documentos ainda tiveram confirmação no relatório que o Sr. Arthur Dawes,
então diretor da “Reclamation Service”, apresentou ao Secretário do Interior em
1919 e no qual a prosperidade da região beneficiada pela irrigação apresentava
vantagens surpreendentes em relação ao custo das obras executadas.
É assim que a barragem “Salt River”, na qual o governo despendeu a soma de 10
milhões de dólares (números redondos), teve o valor das suas colheitas elevado em
1918, à importância de 18 milhões.
A produção agrícola da barragem o Yuma, naquele mesmo ano, foi de 15 milhões,
quando o custo de sua construção pouco excedeu de 9 milhões. O reservatório de
Jakima, cujo preço de construção não alcançou 10 milhões e meio, produziu,
entretanto, em um ano quase oito milhões, guardando mais ou menos a mesma
proporção, o resultado obtido em outras obras de maior ou menor importância. Se
acrescentarmos ao valor das colheitas o aumento dos rebanhos, devido ao cultivo
de pastagens mais ricas e água melhor e mais abundante, claro é que os
coeficientes citados atingem uma relação muito mais elevada, sem falar na renda
proveniente da produção da energia obtida dos volumes acumulados nos
reservatórios. Basta considerar que a Barragem de Arrowrock produz 20.000
cavalos vapor; a de Pottffinder, 60.000 e a de Shorhone, 40.000 para não falar de
outras, tanto e até mais importantes do que elas.
Vale a pena recordar que, de uma parte considerável da região beneficiada pela
irrigação disse no Senado, Dantel Webster, o maior orador dos Estados Unidos no
seu tempo, que nada se podia fazer de vastos e impenetráveis terrenos situados
num deserto de pó, cactos e ervas daninhas, grandes solidões onde cordilheiras de
montanhas nunca se despiam de neves eternas, acrescentando na condenação
definitiva daquela região: “Sr Presidente, eu nunca votarei um centímetro para o
tesouro blico colocar a costa do pacifico uma polegada mais perto de Boston do
que ela está hoje”.
337
Não de outro modo pensava Thomaz Benton, senador pelo Missouri, quando
afirmava de modo peremptório que a cordilheira das montanhas rochosas devia ser
o conveniente, natural e nunca transposto limite daquele país. “Ao longo desta
cumiada, dizia ele, o limite ocidental da República deve ser traçado e a estátua do
Deus Terminus erguida no seu pico mais elevado para nunca mais ser transposto”.
Do Oregon sentenciou o Senador Dickerson, que nunca poderia ser um Estado
federado; e se os Estados Unidos estendessem até as suas leis devia ser para
considerar esse território como uma simples colônia.
Não vale a pena citar outros vaticínios ou condenações irrevogáveis de homens
eminentes daquele país, a propósito de terras consideradas daninhas e que,
beneficiadas pela ciência e pela vontade perseverante do homem, constituem nos
dias de hoje fontes de riqueza coletiva e mansão de milhões de lares felizes e
prósperos. Também entre nós não têm faltado vozes, para proclamar que o nordeste
é uma região na qual a Nação não deve gastar alguns milhares de contos em
melhoramentos que a redimam das secas devastadoras, sob o fundamento de haver
no país áreas imensas e vastas, onde os nordestinos encontrariam solo rtil,
favorecido por condições climatéricas insuperáveis.
Não é preciso refutar agora, e mais uma vez, essa tese defendida pela ignorância de
mãos dadas com a falta de visão política e econômica dos que ainda a sustentam,
malgrado a Constituição haver considerado as obras preventivas contra os efeitos
das secas um dos grandes problemas nacionais, cuja solução ela deixou de modo
sistemático e permanente a cargo da União.
As grandes obras de irrigação dos Estados Unidos foram empreendidas, como é
sabido, com a finalidade de localizar nas terras irrigáveis colonos que deviam pagar,
dentro de 20 anos, o seu custo, sem prejuízo do bem estar e felicidade que o
governo americano prometeu aos que, confiantes nessa promessa, foram fundar ali
novos núcleos de produção, aumentando ao mesmo tempo a riqueza pública. O
relatório de 1919, a que fiz menção , realmente, a quem o lê sem o conhecimento
exato do fato econômico, tal como o governo americano sempre o encarou, a
impressão de uma prosperidade iniludível, quando, em verdade, condições várias e
iniciais determinavam a necessidade de uma revisão geral da legislação, para aliviar
os agricultores de encargos acima de suas possibilidades.
O pragmatismo americano para corrigir as lacunas verificadas, não se empenhou em
nenhuma discussão na qual erros técnicos ou de outra natureza fossem debatidos,
com o fim de demolir a reputação dos que tiverem ali a responsabilidade direta dos
projetos e sua execução. Tudo se resolveu dentro das boas normas administrativas,
tendo cabido ao Presidente Coolidge, a iniciativa da reforma mediante providências
sugeridas na mensagem enviada ao Congresso, em 21 de abril de 1924, de acordo
com as conclusões a que havia chegado a comissão, nomeada pelo Secretário do
Interior em 1923, para estudar o assunto e indicar as medidas adequadas à sua
solução.
Nessa mensagem o Presidente assinalou a precariedade de muitos ocupantes das
terras irrigáveis do oeste e a penúria financeira que os incapacitava para o
pagamento dos compromissos assumidos.
Alguns deles viviam em terras irrigadas em condições que lhes era de todo
impossível acudir normalmente às necessidades domésticas e ao mesmo tempo
saldar o que deviam ao governo. A situação era de tal ordem - e os colonos estavam
338
tão perto da miséria que o Presidente não julgava bastante para remediá-la uma
suspensão temporária dos encargos, que serviria apenas para aumentar as dividas
e agravar-lhes as aflições.
O que se impunha, como providência eficiente, era o cancelamento das dividas e
uma assistência temporária que lhes permitisse o desenvolvimento das culturas e o
aumento e a melhoria dos rebanhos.
Várias causas contribuíram para esse relativo desastre, sumariamente expostas na
mensagem, e devidamente examinadas pela comissão de técnicos no relatório
aludido. A causa primordial, porém, estava na fixação anual que os ocupantes
deviam pagar sobre o custo de construção das obras, independentemente da
capacidade produtora das terras. A substituição dessa forma de amortização se
impunha; e a única maneira razoável seria subordinar os pagamentos a uma
produção provável, tendo em vista a qualidade do solo.
A alta de juros, além das dificuldades agrícolas, que incapacitavam os agricultores
para a obtenção de empréstimos como auxilio temporário, levou o Presidente
Coolidge a solicitar do Congresso a criação de um fundo de crédito pelo governo, no
qual os colonos pudessem obter o capital destinado a auxílios permanentes para
compra de gado e utensílios indispensáveis à manutenção produtiva das fazendas.
A mensagem punha em relevo a circunstância de se encontrarem atingidos por tais
condições mais de 30.000 consumidores de água e insistiu pela urgência de meios
que assegurassem a prosperidade dos prejudicados.
Na sua opinião, os prejuízos verificados não significavam de modo algum que a
irrigação do oeste tivesse falido. A soma total dos benefícios já verificados em
construção de cidades, cooperação agrícola e considerável aumento de produção,
eram enormes; e uma nova legislação se fazia necessária e urgente para que a
irrigação das terras áridas da região alcançasse o seu máximo desenvolvimento.
A situação desse serviço era, entretanto, conforme acentuou a comissão dos peritos,
a mais grave. Três projetos tinham sido abandonados. Se medidas de caráter
permanente não fossem desde logo adotadas, muitos outros se tornariam
ineficientes e a iniciativa do governo federal, inspirada no mais elevado alcance, não
se salvaria de um ruidoso descrédito.
Financeiramente, os números divulgados pelos peritos mostraram a errônea
previsão das estimativas. O custo líquido dos projetos construídos e sujeitos a
reembolso até 30 de junho de 1932, era de 143 milhões de dólares, dos quais
apenas 101 milhões estavam garantidos por contratos da água para irrigação,
restando 30 milhões sem essa garantia.
Em todo o período da existência do serviço até aquela data, 10,9 por cento do total
do custo de construção sujeito a reembolso, tinham sido devolvidos ao fundo de
irrigação.
Quatorze e dois décimos por cento estavam em mora ou fossem: 537.222,46
dólares, aos quais cabia acrescentar o atraso das contribuições de operações e
manutenção das obras, que representavam 17,6 por cento ou fossem mais
2.423.640,6 lares. Impunha-se sorte aproveitar a lição de uma experiência que
contava 21 anos.
Cumpria eliminar as causas do fracasso, e essa providência não admitia demora,
porquanto o que importava era adoção de medidas capazes de atingir essa
339
finalidade, salvando a situação individual dos colonos e com ela a prosperidade de
toda a região.
Para que tiremos o maior proveito da lição americana, vale a pena considerar outros
aspectos da questão, os quais não deixam, em uma certa medida, de entrelaçar os
dois casos, muito embora as diferenças que marcam os motivos determinantes dos
respectivos empreendimentos.
Quando foi conhecida nos Estados Unidos a lei que mandava construir obras de
irrigação nos 16 Estados nela mencionados e na proporção de venda das terras
publicas ali existentes, foram inúmeras as propostas da aquisição imediata. A área
de captação das águas havia sido estudada e bem assim a localização dos
reservatórios. Não é possível negar que as condições do solo tivessem sido
examinadas antes da passagem da lei. As informações, porém, relativas às
condições agrícolas e ás vantagens econômicas justificativas da escolha de cada
qual dos 24 projetos aprovados, não tiveram base cientifica. Vinte desses projetos
foram simultaneamente construídos e acarretaram uma despesa de 150 milhões de
dólares. Essa construção em bloco prejudicou a experiência, certamente obtida se
as obras tivessem obedecido a um programa gradativo e metódico. Daí, as
despesas terem excedido os orçamentos respectivos, exaurido os fundos destinados
a custear os serviços de irrigação, determinando um empréstimo de 20 milhões,
autorizado pelo congresso para que pudessem ser continuadas. Essa imprevidência
determinou maior demora nas construções e os erros irremediáveis das locações
primitivas aumentaram o seu custo e, como conseqüência, os encargos dos colonos,
comprometidos a reembolsar as despesas nessa base, sem outra renda senão a da
produção da terra cultivada. Acresce que foram incluídas no cômputo para o
reembolso, obras imprevistas, algumas de caráter monumental.
Desta sorte, muitos colonos foram surpreendidos com um aumento sensível de
contribuição, fonte de ataques constantes e justificados contra o serviço de irrigação
e descontentamento dos colonos, cujas reclamações encontraram eco na opinião
pública.
Calcular as estimativas com mais cuidado e conduzir a construção com a necessária
rapidez, era assegurar, no conceito daqueles peritos, uma concordância razoável
entre os orçamentos e o custo real das obras.
A base cientifica dos projetos era, assim, o único meio de habilitar o colono a
reembolsar o preço da construção e ganhar o bastante para viver com o produto da
irrigação das terras.
Este princípio hoje adotado na irrigação do oeste americano muito nos interessa
porque, sem a sua observância, a mesma precariedade que atingiu aqueles colonos
nos atingirá igualmente, como será fácil demonstrar.
A discussão travada a propósito das obras do nordeste, principalmente no tocante à
construção das grandes barragens para fins de irrigação, foi longa; e bem pode
acontecer que a qualquer momento venha a ressurgir. A critica feita, entretanto a
esse serviço, numa proporção mínima visou corrigir erros ou indicar uma
orientação mais proveitosa ao fim colimado.
Os contratos com os quais a Inspetoria de Obras Contra as Secas procurou garantir
a ultimação de todos os reservatórios reconhecidamente indispensáveis à redenção
econômica do nordeste, foram combatidos com desusada veemência e injustificados
motivos.
340
As próprias percentagens atribuídas às firmas contratantes e que foram a
consideradas leoninas e desonestas, ficaram, todavia, muito aquém das vantagens
comumente obtidas em concorrência pública para construção de estradas de ferro
ou rodovias. Ninguém, porém, quis ver esse aspecto contratual; e creio até que nos
debates em torno do assunto ficou esquecida essa comparação, por si bastante
para destruir a acusação infundada. Se as obras a executar eram, no seu conjunto,
em maior número do que os recursos financeiros disponíveis permitiam, não nos
devemos esquecer de que sendo o Presidente Epitácio Pessoa nordestino, o seu
empenho foi, principalmente, assegurar, contratando-as de uma vez, a execução
de todas elas.
Se o qüinqüênio estipulado não bastasse, novos prazos seriam abertos, mas as
construções teriam de prosseguir até sua conclusão.
A alegação de falta de recursos seria procedente se outras obras tivessem sido
suspensas para atender a economias impostas pela nossa situação financeira. A
verdade, porém, é que a suspensão radical atingiu as grandes barragens do
nordeste, sendo para notar que outras obras de vulto foram na mesma época
iniciadas no sul, sem oposição da imprensa e mesmos ainda do parlamento que
para elas votou os créditos necessários. Basta assinalar que naquele mesmo ano o
orçamento consignava 83 mil contos para obras novas. E, se estou em erro, nada
menos de 35 mil contos se destinavam à construção de caminhos de ferro num
determinado Estado Meridional.
É força confessar, entretanto, que o Presidente Epitácio Pessoa e o Dr. Arrojado
Lisboa viram com muita clareza a necessidade de apressar a construção das
barragens, por isso que, conclui-las no menor prazo, não somente contribuía para
reduzir os encargos dos agricultores situados nas terras irrigáveis, como atendia
sem maiores delongas aos fins humanitários e, sobretudo, econômicos da região.
No passo de tartaruga em que se vão arrastando esses serviços, quando as obras
chegarem a termo, as taxas a cobrar, sobre o seu custo total, serão tão elevadas
que a água por tal preço não encontrará consumidores. Incluí no meu projeto e
defendi com convicção a amortização das barragens e obras complementares em
vinte anos. Depois do exemplo americano, que dilatou esse prazo para o duplo, e da
prática adotada por outros povos de visão mais larga ou maior experiência do
problema na sua aplicação prática, estou hoje convencido de que a lei revisora deve
dilatar a amortização para igual ou maior período, principalmente depois do
encarecimento do custo das obras por uma demora imprevisível. Penso, aliás, que o
alvitre melhor, mais conveniente e mais produtivo seria adotar o regime vigorante do
Egito, onde o governo inglês não tece a preocupação de reembolsar os milhões
despendidos com as obras e os serviços de irrigação naquele país.
Os lucros indiretos provenientes de várias fontes, o objeto humanitário do problema
e sua finalidade política têm compensado de sobra os capitais ali investidos para
destino tão reprodutivo.
Não me consta, tão pouco, que a França tenha seguido critério diferente nas suas
colônias, ou a Itália no saneamento das lagoas Pontinas, empreendimento este que,
embora diferente quanto à natureza das obras é, todavia idêntico nos seus fins.
Penso que os nordestinos, e conosco a Nação, devemos todos ter a coragem de
defender esse ponto de vista, perfeitamente honesto uma vez que tais obras em
nada diferem de tantas outras pagas com as rendas da Nação, para o
341
desenvolvimento das regiões a que servem, sem a cláusula de reembolso das
quantias nelas despendidas.
encarei o assunto mais com sentimento de filho da região do que à luz da
meditação agora escoimada de interesses nativistas, do quais graças a Deus me
emancipei, para uma melhor compreensão do fato econômico em sua correlação
com o maior proveito coletivo. Hoje reconheço que o problema da irrigação do
nordeste é complexo e contém aspectos de ordem social, econômica e jurídica da
maior relevância. A lei destinada a regulá-lo deve abranger todas essas
modalidades, para evitar injustiças e entraves individuais em detrimento do esperado
e desejado proveito. Os peritos americanos assinalaram no referido relatório que a
iniciativa do Presidente Roosevelt veio demonstrar que o governo podia construir
obras de irrigação dificílimas e perfeitas, mas ainda estava por demonstrar que os
agricultores das terras irrigadas pudessem reembolsar o custo das construções
dentro de um limite de tempo razoável. Além das causas do insucesso, existiam
outras, que também igualmente nos tocam, e o por condições peculiares ao meio
econômico de mais difícil solução. Lá as terras pertenciam à União e os colonos
eram admitidos sob a fiscalização direta do governo que os podia selecionar em
harmonia com a finalidade econômica determinante da construção das obras.
Bastou que em muitos casos essa seleção não se tivesse feito, consideradas
devidamente a habilitação do colono para o cultivo da terra pela irrigação e sua
capacidade financeira, para que da ausência desses fatores resultasse, em grande
parte, o insucesso do empreendimento. Muitos ali se estabeleceram por mera
aventura, sem a menor noção dos obstáculos que iam encontrar na fundação de
uma lavoura que reclama alguma cousa mais do que os conhecimentos
rudimentares da agricultura corriqueira. O governo, por sua vez, não lhes deu
conselhos prudentes, nem meios financeiros para ajudá-los a vencer as primeiras
dificuldades.
Casos houve em que não faltavam ao colono coragem individual e reconhecida
honestidade, mas nem sempre essas virtudes por si sós asseguram o sucesso no
exercício das atividades pacificas, principalmente no cultivo da terra.
Entre nós não haverá colonos a localizar, mas proprietários das áreas irrigáveis a
quem o governo terá de fornecer a água necessária para fins agrícolas. esse
aspecto do problema nos sugere dificuldades que não autorizam pensar em
soluções remediáveis pelos dispositivos da lei atual, bem distanciada dos
princípios modernos que regulam o direito de propriedade em função do interesse
coletivo. O que ai se encontra a esse respeito, nem por ser matéria transplantada do
meu aludido projeto para o estatuto em vigor, é motivo para que eu lhe não
reconheça a ineficiência para o destino econômico de tais obras. A própria
Constituição autoriza modificações assecuratórias desse interesse, e tanto mais
quanto se trata de empreendimentos que custaram o dinheiro da nação, visando fins
econômicos e sociais que não é licito deixar ao critério individual, nem embaraçar e
menos ainda obstar sob a proteção de um direito em franca evolução socialista.
Tratando-se de secas e obras de irrigação, não devemos deixar em esquecimento
como lição proveitosa os milhões que a Inglaterra tem despendido com essa
finalidade na Índia, além dos gastos formidáveis com outras formas de assistência
fartamente liberalizadas por ocasião das secas que ainda, vez por outra, assolam
aquele imenso país. Antes da ocupação, como é sabido, períodos de onde e doze
anos dizimaram, aos milhões, populações inteiramente desamparadas. Em 1770 um
terço da província de Bengala, ou fossem dez milhões de habitantes, morreu de
342
inanição, e em 1792, a maior calamidade registrada pela história, fez ali um tão
grande número de vitimas que a fome das caveiras” como e conhecida pela
tradição, ainda é hoje lembrada como terror supersticioso dos que teimam em
vislumbrar na região maldita espectros da catástrofe remota. Foi naquele ano que o
governo de Madras fez diligências no sentido de socorrer os famintos.
Desde que Warren Hastings iniciou o domínio britânico na Índia, já lá se vão mais de
150 anos, o número de secas calamitosas pode ser calculado em 25, senão acima
dessa estimativa.
Parece que os governos nacionais daquele país nunca empregaram meios para
aliviar os sofrimentos dos famintos na vigência das calamidades. O próprio governo
inglês a1811, ainda não tinha criado o “policiamento da fome” iniciativa do povo
britânico que, por ocasião da seca daquele ano, ocorrida na província do Orrissa,
forçou o parlamento a nomear uma comissão presidida por Sir. George Campbell. A
ele se deve a primeira organização de socorro aos famintos, a que se seguiram
outras providências destinadas a resolver o problema de modo proveitoso e
definitivo. Em 1879 Lord Lytton instituiu uma forma de seguro contra a fome, que
deu origem à “Caixa da Fome”, cujos fundos eram destinados a uma assistência
direta por ocasião das crises e igualmente utilizados na construção de canais,
estradas de ferro e outros trabalhos capazes de atenuar os efeitos de calamidades
futuras. Outras providências e outras leis foram decretadas em 1880, 1898 e 1901 e
de sua aplicação seguida e metódica resultaram tais benefícios que, na calamidade
ocorrida nesse último ano, aliás das mais violentas, a mortandade foi apenas de 3%,
ou sejam 30 vezes menos do que o número de mortos verificado na fome de
Bengala, no ano de 1770 a que já fizemos referência. Estradas de ferro, trabalhos de
irrigação, perfuração de poços, desapropriação de terras baldias para formação de
pastos subsidiários e obtenção de lenha, introdução de melhoramentos agrícolas,
multiplicação das indústrias locais, são os meios empregados pelo governo inglês
para que mais rapidamente seja atingida a solução em marcha acelerada. A função
dos caminhos de ferro na distribuição rápida dos cereais tem sido ali tão importante
como a função dos serviços de irrigação no aumento das colheitas regionais. Faço
essas referências com o propósito de por em relevo a obra realizada pela Inglaterra
num país colonial, em contraste com quase nada que tem feito a nação brasileira
para redimir uma vasta região brasileira, ainda quatro séculos após o descobrimento
sujeita ao flagelo de secas impiedosas. Na Inglaterra é a própria nação que se
comove e obriga o governo a tomar medidas eficientes em beneficio de um povo
conquistado. Aqui, quando um Presidente, filho do nordeste, tomou a peito resolver
o problema, não faltaram vozes que de mesmo prestigiassem os inimigos das
obras iniciadas, num alarido tão desatinado que deu azo justificado à sua
suspensão, sem que a outras vozes ponderadas fosse dado reclamar contra a
injustiça clamorosa.
Graças à sabedoria do governo britânico o rendimento das colheitas na Índia tem
aumentado numa proporção de 50 e 60 por cento, milagre da irrigação obtida por
meio de poços, reservatórios e canais. Os poços e os pequenos e dios
reservatórios, como, aliás, sucede no nordeste, são de propriedade individual. Em
Bengala, e no Pendjab os agricultores se reúnem em cooperativas de irrigação,
modalidade inexistente entre nós, à falta de iniciativas, que uma legislação mais
adequada podia e pode proveitosamente estimular. Quando aos canais, eles são
quase todos construídos e mantidos pelo Estado.
343
Em 1921, a irrigação proveniente dos poços era estimada em 29 e 6 décimos, a dos
reservatórios (açudes) em 14 e 8 décimos, a dos canais governamentais em 43%,
representado os canais privados ou cooperativas, apenas 5 e 2 décimos por cento.
Foi sobretudo do fim do século passado para que a irrigação progrediu
vertiginosamente, graças à coragem com o que o governo inglês se resolveu a
empreender obras formidáveis, que tanto têm concorrido para diminuir a assistência
aos necessitados, aumentando a produção agrícola em extensão e rendimento. A
superfície irrigada, que em 1890 era de 29 milhões de acres, atingia em 1921 a 51
milhões, beneficiados por 67. 000 milhas de canais, representando o valor das
colheitas mil e quatrocentos milhões de rúpias.
Pendjab, Madras, as Províncias Unidas que antigamente se contavam entre as
unidades mais devastadas pelas secas, estão hoje transformadas em celeiros, cuja
produção a irrigação normalizou. Naquela primeira província, o famoso deserto de
Syalle foi conquistado pela irrigação e tornou-se uma das regiões mais férteis da
Índia. Atualmente três grandes projetos estão em via de execução: a barragem de
Sukkur para irrigar 5 milhões de acres, que ainda estão na dependência de chuvas
da monção e irrigará mais 4 milhões de acres presentemente incultos. Por sua vez o
grande reservatório de Covery em Madras, permitirá regularizar a distribuição de
água a um milhão de acres e estenderá o seu beneficio a trinta mil acres de terras
novas. Enquanto por toda parte, irrigação e agricultura são hoje termos correlatos,
ainda no Brasil homens cultos (até parece mentira) que reclamaram a construção
de qualquer das grandes barragens do nordeste, para que, feita a demonstração de
suas vantagens, fossem então construídas as restantes,
Há milhares de anos que essa demonstração está feita. Infelizmente existe, na
atividade pública, muito letrado que ignora os nossos problemas capitais e também
porque desconhecem a hegemonia de certos povos da antiguidade, riem-se quando
lhes falam nos milagres da irrigação e também nas condições excepcionais com que
a natureza nos favoreceu, para transformarmos, por esse meio, as terras do
nordeste num dos centros mais opulentos do nosso país.
Muito devemos esperar do dispositivo constitucional que consigna recursos
permanentes para as obras do nordeste e a cuja distribuição atende a proposição, a
respeito da qual esta comissão é convidada a interpor parecer.
Essa proposição é, como se sabe, da autoria do eminente Deputado Sampaio
Correa, que além de engenheiro e professor emérito, conhece o problema das secas
sob todos os aspectos e a ele tem dado, em outras oportunidades, uma colaboração
inteligente e luminosa. A circunstância de lhe haver sido confiada a direção dos
serviços para minorar os efeitos da calamidade que assolou o Rio Grande do Norte
em 1904, solidarizando-o com os inenarráveis sofrimentos dos sertanejos norte-
riograndenses, identificou-o ao mesmo tempo com o destino doloroso de toda a
região periodicamente flagelada, e à qual desde então tem servido com toda a força
de sua poderosa inteligência e generoso coração.
O autor da lei Epitácio Pessoa desobrigou-se agora e mais uma vez, redigindo o
projeto em apreço, de uma tarefa extremamente delicada, dada a soma de
interesses a conciliar e a orientação inicial, da qual em grande parte depende o
sucesso definitivo das medidas estatuídas na Constituição e mediante as quais o
nordeste, não muito longe desta data, se terá libertado de um martírio multissecular.
Seu trabalho representa assim o primeiro marco dessa nova era, e se aqui ou ali
o que retocar, nem os retoques divergem dos seus pontos de vista, nem alteram
344
substancialmente a matéria, podendo-se dizer de um modo geral que são de sua
própria iniciativa, ou têm o seu assentimento, conforme esclarece na justificação das
emendas que apresentou, o senador Ribeiro Gonçalves, emendas com as quais
estou de pleno acordo, como acredito que de acordo igualmente estará a nossa
Comissão.
Relativamente à limitação da zona seca do nordeste pela poligonal estabelecida na
proposição, e que a emenda visa corrigir na parte atinente aos Estados do Ceae
Piauí, ela não tem para mim, de modo geral, considerada a geografia humana do
problema, senão uma importância de ordem cientifica, pouco interessante para o
fato econômico que deve predominar no conjunto das medidas propostas à solução
de assunto tão complexo.
Foi por pensar assim que inclui no regulamento que organizou a Inspetoria de Obras
contra as Secas, regulamento expedido, sem alterações substanciais, pelo ministro
Francisco Sá, na Presidência Nilo Peçanha, a drenagem dos vales úmidos do litoral
nordestino, medida que justifiquei como indispensável ao ritmo de nossa produção
agrícola. O mesmo regime meteorológico que condiciona no sertão a construção de
diferentes tipos de açudes e sobretudo a construção de grandes reservatórios para o
cultivo da terra para uma irrigação sistemática, impõe igualmente aquela providência
na zona litorânea. Sem essa realização, dado o incerto regime de chuvas também ai
verificado, não haverá continuidade de produção, notadamente de cereais, somente
obtida nas terras secas com uma precipitação pluviométrica igual ou superior a
quatrocentos milímetros, convenientemente distribuídos.
O desequilíbrio ocasionado no sertão por uma estação invernosa deficitária e no
litoral por chuvas excessivas, tem determinado um estado de penúria equivalente a
verdadeiras secas, conforme por mais de uma vez se tem verificado no Rio Grande
do Norte. Esse descompasso só poderá ser corrigido pela drenagem dos vales
encharcados ali existentes, cujo cultivo oportuno permitiria abastecer o interior nas
fases de necessidade mais intensa.
A açudagem e a providência indicada para os vales se completam como solução
harmônica no problema da alimentação, que constitui por sua vez uma das questões
mais sérias do nordeste e particularmente do Rio Grande do Norte, cujos habitantes,
pode-se dizer, passam necessidades alimentares pelo menos durante três meses no
ano. Essa circunstância o lhes diminui a capacidade de trabalho, como os
torna pouco resistentes às endemias. Ninguém ignora que um homem mal nutrido,
mesmo em bom estado de saúde, é uma utilidade deficitária. O operário sertanejo,
se produz mais do que o do agreste, não é apenas por ser mais sadio, mas
principalmente porque o agricultor divide o salário em dinheiro e alimentação,
fazendo servir coletivamente aos trabalhadores uma refeição abundante e
substanciosa, maneira inteligente de obter maior rendimento no serviço prestado,
onde vão vigora o regime de parceria, como na zona seridoense, com o melhor
proveito para os associados.
O patrão sertanejo é, por via de regra, um amigo do operário agrícola a quem ele
não se limita a dar morada permanente em suas propriedades com garantias
tranqüilas e claras, lhe também amizade, assistência e uma confiança
dignificante. Os hábitos patriarcais da família sertaneja, mantidos, sem interrupção,
desde os tempo coloniais até hoje, têm contribuído para esse regime proveitoso. No
agreste, entretanto, a tradição escravagista ainda perdura, infelizmente, mantendo
entre o trabalhador e o senhor de engenho aquela distância que, em raríssimos
345
casos, permitiam aos escravos conquistar-lhe a amizade protetora. Aludo a estas
circunstâncias porque, a meu ver, a continuidade do trabalho poderia permitir
uma legislação capaz de corrigir essa condição aviltante. Para min o problema não
tem limitação geográfica, mas deve abranger e tem abrangido a totalidade dos
Estados Nordestinos por ocasião das calamidades devastadoras, alcançando até,
pela emigração forçada, outros Estados imunes do flagelo climatérico. O ministro
José Américo teve ainda neste particular a visão de verdadeiro homem de Estado
quando, corajosamente, providenciou para que os retirantes tangidos do Rio Grande
do Norte, Paraíba e Ceará, por ocasião da última seca, pudessem encontrar noutras
terras brasileiras, mais favorecidas, localização sedentária e produtiva. Sem
embargo, todavia, da minha opinião pessoal, não vejo nenhum inconveniente na
limitação poligonal, estabelecida no projeto e corrigida na emenda, como meio de
fixar a construção das obras de utilidade mais geral em tempos normais.
No tocante aos prêmios estabelecidos para estimular a pequena e média açudagem,
a proposição melhorou o regime atual e as emendas apresentadas a tal propósito
visam apenas esclarecer a matéria, a fim de evitar interpretações que possam
embaraçar a aplicação da lei.
O assunto tem, na solução do problema das secas, importância capital e a
disseminação de tais reservatórios deve ser incentivada como um imperativo das
necessidades mais prementes da região.
Quando estabeleci no regulamento expedido pelo ministro Francisco Sá, vantagens
mínimas, o fiz não atendendo à insuficiência dos recursos com que então era
possível contar, como também por se tratar de uma iniciativa que não encontrava
grandes simpatias naquele momento. Alterações subseqüentes melhoraram
consideravelmente as vantagens primitivas, havendo a destacar as inovações
estatuídas na reforma do ministro José Américo.
Pelo maior conhecimento que hoje tenho dos proveitos da pequena e dia
açudagem, elevaria o prêmio concedido aos particulares de 50 para 70%, sem
outras condições além das estabelecidas no art. 21 do regulamento da Inspetoria de
Obras contra as Secas; e até estou convencido de que o governo teria a lucrar,
adiantando o dinheiro necessário aos agricultores que tivessem em suas
propriedades lugares apropriados à construção de açudes daqueles tipos, mas não
possuíssem os meios necessários para custear as respectivas despesas iniciais.
O auxilio do poder público em tais condições seria uma forma de cooperação
altamente vantajosa à economia geral do nordeste.
O rendimento dos açudes particulares autoriza esse adiantamento e sua influência
como elemento fixador das populações na vigência das calamidades é tão notório e
importante, que sua disseminação evitaria, numa considerável proporção, o êxodo
dos habitantes atingidos pela calamidade.
Por ocasião da última seca, defendi a conveniência do governo estudar uma forma
de empréstimo aos fazendeiros ou agricultores, em condições morais e materiais de
assumirem o compromisso da manutenção de famílias proporcionalmente à
extensão de suas propriedades, mediante remuneração razoável aos elementos
úteis empregados na construção de obras, que beneficiariam certamente os
proprietários, mas aproveitaria por igual a coletividade, retendo os braços destinados
aos trabalhos da lavoura e da criação, uma vez passada a calamidade.
346
Estão nesse caso, a pequena e média açudagem, a perfuração de poços e outras
obras de interesses da comunhão. Acredito que não estará longe o dia em que, para
estimular o cooperativismo, em matéria de irrigação, tal como ele existe na Índia, ou
fomentar o consórcio hidráulico por uma adaptação do modelo italiano ao meio
nordestino, o governo do país venha a liberalizar favores pecuniários sem a
preocupação de reembolso apressado, certo de que realiza uma economia em
confronto com as despesas de emergência a que é obrigado por ocasião das
calamidades devastadoras.
Não tomo a iniciativa de elevar o prêmio para a açudagem particular, de 50 para
70% nos termos acima referidos, mas não hesitarei em aconselhar esse aumento se
com ele estiver de acordo a comissão.
Se me alonguei nessa exposição não o fiz senão com o intuito de comunicar aos
meus colegas de comissão e ao Senado que, dentro das idéias aqui enunciadas,
pretendo apresentar um projeto na próxima sessão, remodelando a legislação
vigente, o que antecipo para lhes pedir sugestões que me possam melhor orientar.
Precisamos, nós, os filhos do nordeste, dar à nação, por uma lei proveitosa e um
trabalho perseverante e honesto, a prova de que somos dignos dos recursos com
que ela atendeu aos nossos reclamos, na constituição de 16 de julho; e é para a
elaboração dessa lei que convocamos os legisladores brasileiros.
Sala das Comissões, 2 de dezembro de 1935.
Nero de Macedo, Presidente. – Eloy de Sousa, Relator – Ribeiro Gonçalves –
Cesário de Melo.
347
AS SECAS E A DEFESA NACIONAL
Final de uma longa carta do Capitão José de Figueiredo Lobo a propósito do artigo
“As secas e a defesa nacional”
De tudo quanto se vem referindo, conclui-se como concluiu em seu trabalho o
coronel Dr. Artur Lobo, que a altura mínima brasileira é de 1m.54 para o Exército,
podendo ser elevada a 1m.56, porque ela deve ser sempre 10 centímetros abaixo da
media total da estatura da população, que no Brasil é de 1m.65.
Mas 1m.54 para o Sul e não para o Norte, onde a estatura decresce sensivelmente
para 1m.52
Juntando-se a essa altura o peso e o perímetro toráxico mínimo de 0,78. para os de
média altura ou pequena, teremos as bases do incapaz para o serviço militar. No
brasileiro a dia do índice e de 0,891. Com isso, podemos nos calcar no principio:
“As proporções do corpo humano dependem do desenvolvimento de seus órgãos,
assim como das proporções dos órgãos deriva-se o valor fisiológico do corpo”. Para
a vida militar, esse princípio é básico, fundamental.
Parece que no Nordeste, ou mesmo no norte, a baixa estatura está ligada não ao
fator raça, como também a outras causas acidentais, tais como insalubridade das
zonas, gênero de trabalho, espécie de alimentação, vida sedentária, condições
morais, etc. Ora, à estatura segue-se o peso, que é importante, porque um soldado
leva às costas o seu equipamento e outros apetrechos que não devem ser
superiores ao terço do peso do individuo, porque seria inútil e contraproducente
qualquer esforço na guerra a falta de observação desse preceito de higiene militar.
No norte os brancos têm 23,3 de soldados de pequeno peso, enquanto que no sul
desce a 16,3%. Os de grande peso no norte se encontram na razão de 8,8% e no
sul eleva-se a 17%. Como se vê, os fatores da estatura estão ligados a fatores
variáveis, entre eles o da alimentação, que não poderá deixar de ser um motivo para
o desenvolvimento do homem no norte. Se essa alimentação é escassa em
conseqüência de fatores vários, entre eles as secas, aridez, clima, etc., não
dúvida que a precariedade na estatura se reflete, bem como no peso e no perímetro,
vindo tudo isso recair contra os interesses da defesa nacional com os homens
procedentes das regiões mártires.
Terminando essa longa carta, com o auxilio dos mestres e cnicos militares, creio
ter dado uma idéia do que se passa em nosso Exército e espero que do pouco
esclarecimento que prestei ao amigo algo se salvará pela sua benévola amizade,
felicitando-o pelo vigor por que tem tratado o assunto. Todos podemos ser-lhe
gratos, pelo relevante serviço prestado com os artigos blicos, defesa salutar e
patriótica rincões, que amamos e estremecemos.
Com um forte abraço de admiração, sou seu amigo certo e leitor Cap. José de
Figueiredo Lobo.
348
A ÚLTIMA LEI CONTRA AS SECAS
REGULA O DISPOSTO NO ART. 177 DA CONSTITUIÇÃO
O presidente da Republica dos Estados Unidos do Brasil:
Faço saber que o Poder Legislativo decreta e eu sanciono a seguinte lei:
Art. 1.º) O plano sistemático da defesa contra os efeitos das secas nos Estados do
Nordeste, de que trata o art 177 da Constituição compreende.
I – Obras e serviços de execução normal e permanente
II Obras de emergência e serviços de assistência às populações durante as crises
climáticas que, pela sua intensidade e pela extensão de área então flagelada, exijam
imediato socorro às populações.
Art 2.º) A área dos Estados do norte a considerar no plano referido no art 1”, é
limitada pela poligonal cujos vértices são os seguintes: cidades de Aracati, Acarau e
Camocim, no Ceará intersecção do meridiano de 41 W. G com o paralelo de 9o.,
intersecção do mesmo meridiano, com o paralelo de 11 e cidade de Amargosa, no
Estado da Baia; cidade de Traipu, no Estado de Alagoas, cidade de Caruarú, no
Estado de Pernambuco; cidade de Campina Grande, no Estado da Paraíba, e
cidade de Natal, no Estado do Rio Grande do Norte.
§1.º A lei poderá alterar os limites assim fixados se novas observações revelarem a
manifestação das secas em outras zonas dos Estados no Norte, com os mesmos
característicos já observados na área delimitadas neste artigo.
§2.º O Governo providenciará para que sejam construídos ou terminados os açudes
e estradas projetados ou iniciados, na data desta lei, embora não incluídos na área
delimitada neste artigo.
Art 3.º As obras e serviços considerados no no. I do art I serão projetados e
executados com os recursos orçamentários correspondentes a três por cento da
receita tributária federal, sem aplicação especial e os considerados no n II do
mesmo art I, com os recursos provenientes dos saldos do depósito formado pela
contribuição de um por cento da referida receita tributária federal, sem aplicação
especial.
§Io. As leis de orçamento incluirão, na despesa, as importâncias correspondentes às
determinações deste artigo e subordinadas ao titulo geral Obras e serviços
prescritos no art 177 da Constituição dividido nos dois subtítulos seguintes,
respectivamente Obras e serviços de execução normal e permanente e Obras de
emergência e serviços de assistência.
§2.º As importâncias correspondentes ao subtítulo Obras e serviços de execução
normal e permanente serão distribuídas nas leis de orçamento, de acordo com as
regras prescritas no art 6.
§3.º As importâncias correspondentes ao subtítulo Obras de emergência e serviços
de assistência não serão distribuídas nas leis de orçamento, ficando em depósito
no Tesouro Nacional, e poderão ser aplicadas na forma e nas épocas
determinadas nesta lei.
Art 4.º) As obras e serviços considerados no n. II do artigo Iº só poderão ser
executados após autorização expressa do Poder Executivo, em decreto
fundamentado e especial, referendo pelos ministros da Fazenda e da Viação e
Obras Publicas, e que deverá fixar, em cada caso, o limite das despesas a realizar
por conta dos saldos do depósito referido no art. 3.º e a área da região, então
flagelada, em que se impõe imediata assistência às respectivas populações.
349
§1.º O decreto de que trata este artigo, deverá ser submetido à aprovação do
Senado, dela independendo, entretanto, a sua execução, enquanto sobre ele não se
manifestar o Senado.
§2.º Para os fins da aplicação do disposto neste artigo o Poder Executivo enviará
anualmente à Câmara dos Deputados, conjuntamente com a proposta do
orçamento, a conta de movimento, no exercício anterior, do depósito referido no art.
3º, com demonstração do saldo existente, acompanhadas do respectivo parecer do
Tribunal de contas.
§3.º As despesas a realizar por conta dos saldos do depósito referido no art. 3.º
serão feitas mediante distribuição de crédito de tomada de contas ou mediante
adiantamentos, nos casos para esse fim especificados no decreto fundamentado e
especial prescrito neste artigo.
Art 5.º) As obras e serviços de execução normal e permanente, consideradas no
número I do art 1.º compreendem:
1 a regularização e a derivação de rios para fins de irrigação ou outros, nelas
incluídos os canais adutores, as barragens, a elevação mecânica das águas, o
preparo e a drenagem das áreas irrigáveis e, bem assim, quaisquer outras obras e
serviços complementares ou conexos;
2 a perfuração de poços e a abertura de galerias de captação de água para os
mesmos fins, considerados no número anterior, nelas também incluídos as obras de
serviços complementares ou conexos;
3 – a piscicultura nos rios, lagos e açudes, para seleção e melhoramento das
espécies de peixes, e as instalações próprias ao preparo e à conservação do
pescado;
4 – o estabelecimento e a cultura de hortas florestais e de campos de forragem, para
seleção das espécies vegetais recomendáveis na área assolada pelas secas e para
distribuição de sementes e mudas;
5 o estudo e a sistematização dos métodos e processos de irrigação, para
conveniente orientação dos agricultores no aproveitamento das áreas irrigadas;
6 a construção e conservação das rodovias precisas à execução e à utilização
eficiente das obras e serviços considerados nesta lei;
7 a coleta sistemática, com as instalações dos postos de observações
necessários, de dados e informações sobre a geologia, a hidrologia e a meteorologia
da área delimitada no art 2.º;
8 a organização sistemática de estatística dos dados e informações previstos no
número anterior e, bem assim, das obras e serviços projetados e executados.
Parágrafo único. As obras e os serviços considerados nos ns. 3 e 4 deste artigo
serão de preferência executados sobre o regime admitido no art. 8.º
Art 6.º) O subtítulo de orçamento, obras e serviços de execução normal e
permanente – considerado no §I.º do art. 3.º deverá ter as duas dotações seguintes:
I – Inspetoria Federal de Obras contra as Secas.
II – Obras e serviços novos em prosseguimento.
§1.º a importância relativa à dotação n. I deste artigo será sempre distribuída
discriminadamente nas leis de orçamento quer quanto a pessoal, quer quanto ao
material e compreenderá despesas necessárias ao projeto e à execução das obras e
serviços considerados nos ns. 3, 4, 5, 7 e 8 do art. 5o. e ao projeto das obras e
serviços considerados nos ns. 1, 2 e 6 do mesmo artigo 5o.
§2º. A importância relativa à dotação n. II deste artigo será destinada à execução
das obras e serviços considerados nos ns. 1, 2 e 6 do art. 5.º e assim será
distribuída nas leis de orçamento:
350
a) cinqüenta por cento para a regularização e derivação de rios (artigo 5.º n.1) nas
seguintes bacias ou sistemas hidrográficos:
1 Sistema do Jaguaribe, no Estado do Ceará.
2 Sistema do Alto Piranhas, no Estado da Paraíba.
3 Sistema do Baixo Piranhas, e do Apodi, no Estado do Rio Grande do Norte.
4 sistema do Acaraú, no Estado do Ceará.
b) quinze por cento para regularização e derivação do rio São Francisco (art 5o., n1),
nos Estados de Pernambuco, Bahia, Alagoas e Sergipe;
c) quinze por cento para obras e serviços considerados no n. 1 do artigo 5.º dos
Estados da Bahia, Sergipe, Alagoas, Pernambuco e Piauí.
d) dez por cento para as obras e serviços considerados no n. 6, do art 5º,
principalmente para a construção e a conservação das linhas tronco de viação
rodoviária, previstas no art. 14 do regulamento aprovado pelo decreto n. 19.726, de
20 de fevereiro de 1931, nelas incluindo o prolongamento até Petrolina;
e) dez por cento nas obras e serviços de cooperação considerados nos artigos 7º, 8º
e 9º seguintes:
§3.º Nas obras e serviços referidos nas letras a, b, e c. do parágrafo anterior,
consideram-se incluídas as rodovias de acesso às mesmas obras e serviços.
Art 7.º) Os governos do Estados e os Municípios poderão solicitar do Governo
Federal a execução de qualquer das obras e serviços considerados nos ns. 1, 2 e 6
do art 5º, desde que se proponham contribuir com cinqüenta por cento do orçamento
do respectivo custo provável de execução.
§1.º os estudos, projetos e orçamentos das obras e serviços considerados neste
artigo serão feitos sem ônus algum para os governos que os solicitarem.
§2.º a execução das obras e serviços considerados neste artigo depende da
aprovação, por decreto do poder Executivo, dos projetos e orçamentos respectivos,
e da assinatura de conseqüente contrato de cooperação, em que os governos
solicitantes se obriguem:
I ao pagamento, por conta, dos recursos prescritos no §3º do art.177 da
Constituição, de cinqüenta por cento do orçamento aprovado, em prestações
eqüitativamente distribuídas pelo tempo de execução da obra ou do serviço;
II à conservação e a administração da obras ou do serviço executado pelo
Governo Federal, a isso destinando parte dos recursos prescritos no §3.º do art. 177
da Constituição.
§3.º As disposições deste artigo são também aplicáveis às ampliações e obras e
serviços estaduais ou municipais já existentes;
art 8.º) Os particulares ou sindicatos, as cooperativas e as empresas privadas, de
fins agrícolas ou pastoris, poderão requerer ao Governo Federal a execução de
qualquer das obras ou serviços considerados nos números 1 e 2 , do art 5.º, desde
que instruam o pedido com prova da propriedade das terras a beneficiar e se
proponham contribuir com trinta por cento do orçamento do custo provável de
execução.
§1. Os estudos, projetos e orçamentos das obras e serviços considerados neste
artigo serão feitos gratuitamente pelo Governo Federal, mas sempre a juízo
exclusivo deste.
§2. A execução das obras projetados e orçados nos termo do parágrafo anterior,
depende da aprovação dos projetos e orçamentos respectivos pelo Ministro da
Viação e Obras Públicas, e da assinatura de consequente contrato de cooperação
em que o interessado se obrigue ao pagamento aprovado em prestações
351
eqüitativamente distribuídas pelo tempo de execução da obra ou do serviço, e de
que uma será efetiva em dinheiro, antes de iniciada essa execução.
§3.º o pagamento da porcentagem estipulada no parágrafo anterior, quando houver
de se realizar por particulares, individualmente, poderá ser feito em dinheiro, ou em
material de construção ou serviços, observadas as normas adotadas pela Inspetoria
Federal de Obras contra as Secas.
§4.º A entrega das obras ou serviços considerados neste artigo se tornará efetiva
após o pagamento da última prestação.
§5.º As disposições deste artigo são também aplicáveis às ampliações de obras e
serviços já existentes.
Art 9.º) A cooperação do Governo Federal na execução das obras e serviços
referidos no artigo anterior poderá ser prestada se assim o requererem os
interessados, de conformidade com as regras e prescrições constantes dos arts. 21,
22, 23, 24, 25, 26, 27, 29 e 30 do regulamento aprovado pelo decreto n. 19.726, de
20 de fevereiro de 1931.
Art 10) As obras e serviços de que trata esta lei serão administrados, construídos ou
fiscalizados pela Inspetoria Federal de Obras contra as Secas, diretamente
subordinada ao Ministério da Viação e Obras Públicas.
Art 11) O Governo providenciará para que haja sempre, em qualquer ocasião, um
conjunto de obras e serviços definitivamente projetados, pronto para imediata
construção durante as crises climáticas consideradas no n .II do art 1.º e de modo a
permitir a colocação rápida de, pelo menos, trinta mil operários não especializados
em cada um dos Estados do Norte referidos nesta lei.
§1.º As obras e serviços de que trata este artigo serão de preferência as barragens
de terra e as rodovias.
§2.º Os estados e projetos das obras e serviços considerados neste artigo correrão
por conta da dotação número 1, referida no art. 6.º, relativa à Inspetoria Federal de
Obras contra as Secas.
Art. 12) O Governo proporá à Câmara dos Deputados, até o inicio da sessão
legislativa de 1936, as alterações a introduzir no quadro do pessoal e na distribuição
dos serviços a cargo da Inspetoria Federal de Obras contra as Secas, no sentido de
adaptá-los às prescrições desta lei.
Art 13) O Governo poderá assinar acordos ou convênios, com um ou mais de um
dos Estados do Norte considerados nesta lei, no sentido:
a) de sistematizar a execução das obras e serviços que aos mesmos Estados
cumpre fazer, “ex-vi” do disposto no §3do art 177 da Constituição e com recursos
nele prescritos, afim de enquadrá-los no plano geral decorrente desta lei;
b) de regular a utilização eficiente das obras e serviços de cooperação considerado
no art 7.°
Parágrafo único. Acordos ou convênios, e com os mesmos objetos poderão ser
assinados com os Governos dos Municípios.
Art 14) As disposições desta lei não derrogam as dotações e discriminações de
verbas, consignadas na lei de orçamento para o exercício de 1936 .
Art 15) Continuam em vigor, quando não colidirem com esta lei, a disposições
constantes do regulamento aprovado pelo decreto n. 19.726. de 20 de fevereiro de
1931.
Art 16) Ficam revogadas as disposições em contrário.
Rio de Janeiro, 7 de Janeiro de 1936, 115o. da Independência e 48° da Republica
GETÚLIO VARGAS
352
Marques dos Reis
__________________
(Publicada no “Diário Oficial” de 16 de janeiro de 1936, às páginas 1266 e 1267, e
retificada no “Diário Oficial” de 20 de janeiro de 1936, às páginas 1538 e 1539, e , e
no de 3 de fevereiro à página n. 2569.
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