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A nosso ver, porém, cenas diferentes são evocadas em cada caso. Crucialmente, a
decisão de entrar ou não cabe ao próprio indivíduo que entra, ao contrário da decisão de
chegar, como se viu em (22). No segundo caso, o indivíduo apenas decide se vai ou não,
ou seja, se desencadeia ou não o processo que culmina na chegada. Nos termos de
Langacker, acreditamos que chegar pressupõe um percurso como base, mas o mesmo
não acontece com entrar, que não é construído como a culminação de um trajeto, mas
como uma ação pontual
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e, portanto, desencadeada por quem o realiza. Uma evidência
disso transparece nos exemplos abaixo:
(25) a. João entrou no quarto de propósito.
b. *João chegou no quarto de propósito.
Em suma, o caráter agentivo do sujeito de (19), (20) e (25a) nos leva a não tratar esses
casos como manifestações da construção locativa, mas como exemplos da construção de
movimento intransitivo
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. Por outro lado, coerentemente, consideramos que em (26) –
em que o sujeito é, por assim dizer, “desagentivizado” – estamos diante de uma CL:
(26) Não entra mais roupa nenhuma na mala.
Em suma, o que se verifica é que tanto ir (nos exemplos oferecidos no início do
capítulo) quanto entrar podem participar da CL e da construção de movimento
intransitivo. A instanciação desses verbos na CL, contudo, faz com que seus sujeitos
assumam o papel de tema (ou, mais especificamente, de objeto locado).
Também não deve induzir ao erro o fato que uma construção de movimento intransitivo
com o verbo ir pode, no PB, lançar mão da preposição em ou de locuções prepositivas
tipicamente estativas, como em “Ele foi no cinema” ou “Elas foram no fundo da
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Mas não como “ponto” no sentido que essa palavra apresenta nas tipologias aspectuais (cf. Mira Mateus et.
al. 2003, Cunha 2007), nas quais um “ponto” é uma atividade que não tem “como uma de suas componentes
um estado conseqüente” (Mira Mateus et. al., 2003, p. 193).
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O termo “movimento intransitivo” é um pouco enganador, já que, a rigor, o oblíquo aqui é nuclear, quer
dizer, funciona como complemento. Na tradição gramatical brasileira, esses verbos são em geral reconhecidos
como transitivos (cf. a Gramática Normativa da Língua Portuguesa, de Rocha Lima). O termo “intransitivo”,
no trabalho de Goldberg (1995, 2006, entre outros) parece pretender contrastar essa construção com a de
“movimento causado”, que tem recebido muito mais atenção nas pesquisas da autora.