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Olha só, talvez se você me colocar de cabeça pra baixo, não vai achar um
centavo no meu bolso, mas eu digo assim, mas se você ver o que eu tenho
hoje, se eu tivesse empregado na cidade, eu trabalharia vinte anos e não ia
conquistar o que eu tenho aqui hoje, entendeu? Tem esse barraco aqui que eu
to terminando, e ainda não pude fazer ele, mas modéstia a parte isso aqui era
um curral que eu transformei numa casa. Era um curral, então essa casa
maravilhosa que eu tenho hoje. E eu acho que isso é gratificante pra mim,
porque se eu tivesse na cidade ia tá trabalhando e meu dinheiro ia todo para
pagar aluguel, pra pagar, sei lá, outros tipos de coisas, e eu não teria esse
espaço, aqui pra tá morando, aonde eu recebo os amigos (D.).
Contudo, os assentados fazem questão de enfatizar em seus discursos que o retorno, à
entrada ou permanência no campo se fez por meio de muito sacrifício. A cidade aparece nos
relatos como uma espécie de contraponto para explicitar as adversidades vividas. Deste modo,
recorrentemente em seus depoimentos evocam o passado recente em que precisaram ficar no
barraco de lona preta para conseguir seus lotes de terra, comparando-os com as casas no
perímetro urbano. Alguns assentados declaram abertamente que não ficaram em tempo
integral no acampamento e atribuem a justificativa às condições precárias presentes naquele
espaço, aos compromissos e vínculos que ainda tinham com a cidade, haja vista que
precisavam garantir a manutenção da família, ou mesmo porque já residiam nas casas que
existiam dentro das fazendas, destinadas ao sistema de morada.
Eu trabalhava de acompanhante numa casa e dormia na outra. E ajudava o
pessoal do acampamento a sobreviver com sacolão, pra eu poder arrumar um
lotezinho pra mim. (...) Nos fins de semana, tirava serviço no acampamento,
ficava, lá. Minha luta foi grande. Cozinhar eu não cozinhava não, mas eu
ficava lá, porque a gente às vezes, de noite tinha que tirar vigia, vigiar o
acampamento. Eu ajudava as pessoas, comprava leite pra criança, ajudava na
limpeza. Porque eu tava trabalhando nessa época, cozinhava numa casa e
servia de acompanhante na outra. E aí chegava fim de semana, vinha pra cá.
Aí, quando saiu separaram um lote pra mim (Dona E.).
Vim [para o acampamento], mas no caso eu não acampei não. (...) É que meu
sogro morava aqui, aí ele comentou com a gente, aí a gente veio pra cá, mas
não acampou não. Ele morava aqui, mas não acampou também não (...).
Morava na outra casa ali, na casa da usina (Dona L.).
(...) Eu tô dizendo a você que fiquei na barraca, mas não vou dizer a você que
eu, que a gente ficou assim todo dia não. A gente revezava, dia sim, dia não
porque meus filhos eram pequenos ainda. Aí o que aconteceu? Quando tava
um tempo fresco a gente ficava, e quando chove? É lama, entendeu? Aqui
ficava úmido, mosquito, essas coisas todinhas (Dona S. P.)
As mudanças climáticas, principalmente a ação da chuva e dos ventos são referidas
como as piores dificuldades passadas no local, já que a maioria dos assentados afirma que a