99
que a criminalidade menor mereça a intervenção jurídica do Estado, o
que acarreta a sensação de impunidade e o próprio aumento da
criminalidade. Só que, neste passo, ao invés de escolher o caminho da
"descriminalização" ou só o do direito administrativo penal, preferiu o
legislador brasileiro, precipuamente, a via processual, concebendo, como
bem percebido por Afrânio Silva Jardim, uma "engenharia" diferente.
7
Antes da veiculação da pretensão punitiva pelo caminho clássico do
processo, com as bênçãos da própria Constituição (art. 98, I), erigiu-se
uma via alternativa e anterior, de índole administrativa, na qual, se
alcançado o consenso, atingem-se, a um só tempo, tanto a pacificação
social quanto a prevenção perseguida por todo e qualquer preceito
sancionatório. E é isso, afinal, o que se busca, pouco importando para o
Estado qual deva ser o caminho por ele trilhado para alcançar tais
objetivos, até porque, como modernamente se reconhece, não há
diferenças ontológicas entre a sanção penal e administrativa.
8
O que se
alteram, profundamente, são o iter a ser seguido nas duas hipóteses,
sendo o processo penal naturalmente mais "degradante", e a
drasticidade decorrente da própria sanção penal, representada pela
possível privação da liberdade, além dos seus efeitos sociais bem mais
deletérios. Por conseguinte, somente se frustrada a via pré-processual
pela discordância manifestada pelo autor do fato ou mesmo pelo
descumprimento da transação, surgirá, com todas as suas
peculiaridades, inclusive garantistas, o caminho verdadeiramente
jurisdicional, do qual, só então, poderá advir a aplicação da sanção
penal. (ALVES, 2000, p. 484-5) (grifos do autor).
Em resumo, a despeito da polêmica gerada em torno da transação
penal, imperioso reconhecer que ela representa um importante instrumento legal,
de previsão inclusive constitucional, a garantir a efetiva aplicação das chamadas
penas alternativas. E mais, através do consenso, tem o condão de solucionar
conflitos, possibilitando o alcance da tão almejada paz social. Isso,
verdadeiramente, é o que importa.
Considerações fazem-se necessárias também sobre a
constitucionalidade da transação penal, assentando-se esta em abalizados
conceitos doutrinários (ADA PELLEGRINI GRINOVER, ANTONIO SCARANCE
FERNANDES, LUIS FLÁVIO GOMES e ANTONIO MAGALHÃES GOMES FILHO)
a sustentarem que
[...] a aceitação da proposta de transação penal, pelo autuado (
7
"Essa lei tem uma engenharia, vamos dizer assim, importante. Ao invés de optar pela
descriminalização. atendendo ao chamado Princípio da Intervenção Mínima do Direito Penal,
Direito Penal Mínimo, optou pela descriminalização de forma indireta, através do processo. Seria
mais ou menos o seguinte: já que o Direito Penal não teve a ousadia de descriminalizar, o Direito
Processual Penal, por vias indiretas, para essas infrações de pequena monta, através de
determinados institutos, visa à despenalização" (Direito processual penal. Rio de Janeiro: Forense.
1999. p. 348).
8
Sustentando que a distinção entre sanções penais e administrativas é meramente quantitativa,
vide José Cerezo Mir. "Sanções penais e administrativas no direito espanhol". RBCCrim 2/27-40.