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MARIA FÁTIMA VAQUERO RAMALHO LEYSER
ASPECTOS PROCESSUAIS DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA
DOUTORADO EM DIREITO
PUC/SP
São Paulo - 2007
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2
ASPECTOS PROCESSUAIS DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA
Tese apresentada à Banca Examinadora
da Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo, como exigência parcial para
obtenção do título de DOUTOR em
Direito Processual Civil, sob a orientação
da Professora Doutora TERESA
ARRUDA ALVIM WAMBIER.
PUC/SP
São Paulo - 2007
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3
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4
Ao NOSSO SENHOR e SALVADOR JESUS CRISTO, luz espiritual e
salvação de toda a humanidade, que me concedeu bênçãos para a elaboração
deste trabalho.
À memória de meus pais, MANUEL MARIA PINTO RAMALHO e
BENITA GARCIA VAQUERO, como demonstração de amor e gratidão.
Ao meu esposo, MARTIN LINO LEYSER e à minha filha MARIA
CAROLINA VAQUERO RAMALHO LEYSER, como reconhecimento do
meu amor e carinho.
À professora e orientadora TERESA ARRUDA ALVIM WAMBIER, pela
paciência, incentivo e apoio na conclusão deste curso.
Aos mestres JOSÉ MANOEL DE ARRUDA ALVIM NETTO e THEREZA
ARRUDA ALVIM, como fruto de admiração.
5
RESUMO
O presente trabalho tem por objetivo o estudo da tutela jurisdicional
coletiva. Em primeiro lugar, procurou-se conceituar as categorias de
interesses transindividuais, destacando a ação civil pública como tutela
diferenciada. Em seguida, procurou-se apontar os antecedentes da lei da
ação civil pública e a legislação posterior. Delimitou-se o objeto da
ação civil pública e, finalmente, foram apontados aspectos processuais
da tutela coletiva.
Os interesses coletivos lato sensu sempre existiram, todavia,
anteriormente estavam a cargo da Administração Pública e hoje
ganharam importância, a ponto de se tornar necessária sua tutela, por
parte da jurisdição. O processo é um instrumento e, como tal, tem valor
se for apto a atender seus fins, permitindo a adequada aplicação do
direito subjetivo, de modo a promover a pacificação social com justiça.
Nesse ponto, a demanda coletiva proporciona a efetiva tutela
jurisdicional dos interesses metaindividuais. A evolução do processo
coletivo brasileiro fica patenteada no exame da legislação vigente, que
vem buscando, a cada dia, o reconhecimento, proteção e implantação
instrumental da tutela judicial coletiva.
No exame das questões processuais do processo coletivo, procurou-se
destacar que as premissas válidas para as ações individuais são
insuficientes para viabilizar a adequada dimensão e operatividade das
demandas coletivas, de modo a se alcançar o fim colimado.
ABSTRACT
This work aims at the study of judicial protection collective. Firstly,
tried to define the categories of overindividual interests, highlighting
the action as a civil public guardianship differently. Then tried to
pinpoint the history of the law of civil public action to subsequent
legislation. The object of the action civil public was limited itself and,
finally, have been identified procedural aspects of collective authority.
The collective interests “lato sensu” always existed, however, were
previously in charge of Public Administration and today gained
importance, to the point of becoming their supervision required by the
court. The process is a tool and as such, has value if it is able to fulfill
its purpose, allowing the proper application of the law subjective, so as
to promote peace with social justice. At this point, demand collective
provides the effective judicial protection of the overindividual
interests. The evolution of the process is patented in the Brazilian
collective examination of the existing legislation, which is seeking,
every day, the recognition, protection and deployment of instrumental
collective judicial supervision.
In the examination of procedural issues of collective process, tried to
emphasize that the assumptions valid for the individual actions are
insufficient to enable the appropriate size and operation of the
collective demands in order to reach the end intented.
6
S U M Á R I O
I – CATEGORIAS DE INTERESSES ...................................... 11
1 – Interesse e interesse jurídico ............................................. 11
2 – Interesse público ............................................................... 13
3 – Interesses metaindividuais ou transindividuais ................ 15
3.1 – Interesses difusos ..................................................... 20
3.2 – Interesses coletivos .................................................. 22
3.3 – Interesses individuais homogêneos ......................... 23
II – A AÇÃO CIVIL PÚBLICA COMO TUTELA DIFEREN-
CIADA ................................................................................... 27
1 – Conceito de tutela jurisdicional ....................................... 27
2 – A efetividade da tutela jurisdicional ................................ 29
2.1 – As tutelas diferenciadas ........................................... 32
2.2 – A cognição em tema de tutelas diferenciadas ......... 35
2.3 – Tipos de tutelas diferenciadas no direito processual
civil brasileiro ......................................................... 37
III – ANTECEDENTES DA LEI DA AÇÃO CIVIL PÚBLI-
CA E LEGISLAÇÃO POSTERIOR ................................. 40
1 – Ação popular ....................................................................40
2 – Ação civil pública ............................................................ 51
3 – Constituição Federal de 1988 e legislação posterior ...... 55
4 – Mandado de segurança coletivo ...................................... 56
IV – OBJETO DA LEI DA AÇÃO CIVL PÚBLICA – LEI Nº
7.347/85 ................................................................................. 70
1 – Campo de incidência ........................................................ 70
1.1 – Meio ambiente ......................................................... 71
1.2 – Consumidor ............................................................. 76
1.3 – Bens e direitos de valor artístico,estético, histórico,
turístico e paisagístico ............................................. 78
1.4 – Qualquer outro interesse difuso ou coletivo ........... 84
7
1.4.1 – Defesa das pessoas portadoras de deficiên-
cia ................................................................ 84
1.4.2 – Defesa dos investidores do mercado de va-
lores mobiliários .......................................... 86
1.4.3 – Defesa da criança e do adolescente ............. 87
1.4.4 – Código de Defesa do Consumidor .............. 90
1.4.5 – Lei de Improbidade Administrativa ............. 94
1.4.5.1 – Conceito de improbidade adminis-
trativa ............................................ 94
1.4.5.2 – Legitimação para agir ................... 97
1.4.5.3 – Competência: a questão do foro
privilegiado ................................. 101
1.4.5.4 – Notificação prévia do demandado 109
1.4.5.5 – Medidas acautelatórias na ação de
improbidade administrativa .......... 110
1.4.5.6 – Sanções do art.12 da Lei de Impro-
bidade administrativa ................... 114
1.4.5.7 – Prescrição ..................................... 117
1.4.6 – Defesa do idoso ........................................... 120
1.4.7 – Defesa das mulheres .................................... 123
1.5 – Defesa da ordem econômica e da livre concorrência 124
1.6 – Ordem urbanística .................................................... 126
2 – Causa de pedir e pedido ..................................................... 130
V – COMPETÊNCIA ................................................................... 135
1 – Jurisdição e competência .................................................... 135
1.1 – Distribuição da competência ................................... 137
1.2 – Critérios determinantes da competência ................... 138
1.3 – Competência da Justiça Federal ................................ 138
1.4 – Competência absoluta e relativa ............................... 139
2 – Foro competente para a propositura da ação civil públi-
ca e ações coletivas do Código de Defesa do Consumidor 140
2.1 – Competência objetiva em razão da matéria .............. 140
2.2 – A determinação do foro competente:dano de âmbito
local ............................................................................ 141
2.3 – A determinação do foro competente:dano de âmbito
regional ou nacional ................................................. 142
2.4 – Interesses difusos e coletivos propriamente ditos ... 144
8
2.5 – Interesses individuais homogêneos ........................... 145
3 – Competência das ações civis públicas envolvendo ques-
tões de meio ambiente do trabalho ...................................... 146
VI – LEGITIMAÇÃO PARA AGIR ............................................ 148
1 – Generalidades ..................................................................... 148
2 – Espécies de legitimação: ordinária e extraordinária .......... 149
3 – Legitimação ativa na Lei da Ação Civil Pública ............... 150
4 – Natureza jurídica da legitimidade ativa .............................. 152
5 – Legitimados ativos .............................................................. 157
5.1 – Ministério Público ...................................................... 158
5.2 – Defensoria Pública ..................................................... 168
5.3 – Entes políticos: União, Estados, Municípios, Distrito
Federal e seus órgãos .................................................. 169
5.4 – Associação, sociedade, fundação e sindicatos ........... 171
6 – Legitimidade passiva nas ações coletivas ........................... 177
VII – INQUÉRITO CIVIL ............................................................ 184
1 – Generalidades ................................................................... 184
2 – Instauração, competência e objeto ................................... 186
3 – Instrução e sigilo .............................................................. 187
4 – Conclusão ......................................................................... 189
5 – Arquivamento e seu controle ........................................... 189
6 – Recursos no inquérito civil .............................................. 191
7 – Compromisso de ajustamento de conduta ....................... 193
VIII – TUTELA CAUTELAR, ANTECIPAÇÃO DA TUTELA
PROVIMENTOS CAUTELARES ................................... 199
1 – Considerações sobre o processo cautelar ...................... 199
1.1 – A liminar na medida cautelar ............................... 204
1.2 – Natureza jurídica da liminar ................................. 206
1.3 – Pressupostos da concessão ................................... 207
1.4 – Ação cautelar e ação civil pública ........................ 210
2 – Tutela antecipada e específica ....................................... . 213
2.1 – Requisitos para concessão ..................................... 214
2.2 – Cabimento .............................................................. 215
9
2.3 – Revogação e modificação ...................................... 218
2.4 – Tutela antecipada e específica nas ações coletivas. 219
3 – A liminar na ação civil pública ....................................... 220
IX – INTERVENÇÃO DE TERCEIROS NAS AÇÕES COLE-
TIVAS ...................................................................................... 227
1 – Introdução ........................................................................... 227
2 – Oposição e nomeação à autoria .......................................... 229
3 – Denunciação da lide ........................................................... 231
4 – Chamamento ao processo ................................................... 232
5 – Assistência e litisconsórcio ................................................ 233
X – SENTENÇA, COISA JULGADA E LITISPENDÊNCIA
NAS AÇÕES COLETIVAS .................................................... 238
1 – Sentença................................................................................ 238
1.1 – Classificação das sentenças ........................................ 239
1.2 – Sentenças nas ações coletivas ..................................... 239
1.3 – Sentença condenatória na ação de improbidade admi-
nistrativa ...................................................................... 241
1.4 – A sucumbência nas ações coletivas ............................ 241
2 – Coisa julgada ....................................................................... 244
2.1 – A legislação brasileira para as ações voltadas à defe-
sa de interesses e direitos difusos e coletivos ........... 245
2.2 – A coisa julgada no sistema do Código de Defesa do
Consumidor ............................................................... 247
2.2.1 – Coisa julgada erga omnes e coisa julgada
ultra partes .................................................... 253
2.2.2 – Transposição in utilibus da coisa julgada da
Lei nº 7.347/85 e das ações penais para as
ações de indenização por danos pessoalmen-
te sofridos ...................................................... 257
2.3 – Litispendência nas ações coletivas ........................... 259
2.4 – Class Action do Direito Norte-Americano ............... 264
2.4.1 – A coisa julgada nas class actions ................. 267
10
XI – LIQUIDAÇÃO E CUMPRIMENTO DAS SENTENÇAS
NAS AÇÕES COLETIVAS ................................................. 270
1 – Liquidação de sentença .....................................................270
1.1 – Formas de liquidação de sentença ........................... 271
1.1.1 – Liquidação por cálculo ................................ 271
1.1.2 – Liquidação por arbitramento ....................... 272
1.1.3 – Liquidação por artigos ................................. 272
1.2 – Liquidação de sentença nas ações coletivas ............ 273
2 – Cumprimento de sentença ................................................. 275
3 – Fundo para reparação dos interesses difusos lesados ....... 281
XII – CONCLUSÕES ................................................................... 285
BIBLIOGRAFIA ........................................................................... 302
11
CAPÍTULO I
CATEGORIAS DE INTERESSES
SUMÁRIO: 1. Interesse e interesse jurídico – 2. Interesse público – 3.
Interesses metaindividuais ou transindividuais: 3.1. Interesses difusos –
3.2. Interesses coletivos – 3.3.. Interesses individuais homogêneos
1. Interesse e interesse jurídico
A doutrina não estabeleceu um conceito
preciso de interesse. A propósito, pontifica EMÍLIO BETTI: “Le
nozione correnti di interessi sono approssimative e imprecise: difetti,
questi, che in generale hanno radice nella erronea impostazione del
concetto in termine psicologici, anziche in termine normative”
1
.
Acompanhando CARNELUTTI
2
, podemos
dizer como interesse “a posição favorável à satisfação de uma
necessidade”.
Considerando o interesse sob o ponto de
vista do seu sujeito, podemos entendê-lo como uma necessidade, ao
passo que, visto sob o ângulo de seu objeto, ele representa uma
utilidade.
1
Emílio BETTI, “Interesse (Teoria Generale)” in Novíssimo Digesto Italiano, Utut, Milão, 1962.
2
Francesco CARNELUTTI, Sistema de Diritto Processuale Civile, Pádua, 1936, p. 7.
12
Nesse diapasão, os interesses se apresentam
numa variedade muito grande. Todavia, vamos examinar a acepção
jurídica que se emprega à palavra interesse
3
.
No caso, vamos considerar o conceito de
JOSÉ CRETELLA JÚNIOR
4
, o qual preleciona que interesse “é a
vontade do homem dirigida a atingir uma finalidade. Se o interesse é
protegido pela norma jurídica estamos diante de direito”.
Para PÉRICLES PRADE
5
, “interesse
jurídico significa a relevância de ordem material ou também
instrumental, subjetivada ou não subjetivada, conferida pelo direito
positivo a determinadas situações respeitantes ao indivíduo isolado, ao
grupo ou à coletividade maior”.
O interesse jurídico é aquele que possui
valor material ou processual, outorgado pelas normas do direito
3
“O interesse há de ser entendido como a íntima relação entre a necessidade do ser humano e o
bem da vida apto a satisfazê-la, que pode consistir em um objeto individualizado, uma coisa, ou
em um serviço. Cabe ao direito, como inegável técnica de disciplina da convivência social,
definir, num primeiro momento, quais os interesses que serão privilegiados, no sentido de
merecerem a proteção legal e quais os que serão deixados de fora dessa proteção, tendo em vista
que, embora os bens da vida sejam limitados, as necessidades humanas são ilimitadas, de modo
que sempre restarão desprotegidos certos interesses....Os interesses que recebem a tutela do
direito, em detrimento de outros e que, por isso, são interesses protegidos, constituem os
chamados direitos subjetivos, cuja concepção, embora não aceita por grandes juristas, constitui o
principal fundamento de todo o sistema do direito positivo do mundo moderno, com natureza
marcadamente individual” (Francisco Wildo Lacerda DANTAS, “A execução específica e os
interesses metaindividuais” in Revista dos Tribunais volume 712, fev., 1995, p. 25).
4
Introdução ao Estudo do Direito, Rio de Janeiro, Editora Forense, 1984, p.162.
5
Conceito de interesses difusos, 2ª edição, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1987, p. 11.
13
positivo, pertinentes tanto a indivíduos isoladamente considerados
como à coletividade, definida ou não.
2. Interesse público
A antiga definição de interesse público
identifica-o, exclusivamente, como o interesse dos órgãos da
Administração, ou seja, o interesse do Estado enquanto pessoa jurídica
de direito público.
Com o passar do tempo, esse conceito foi
ampliado, de modo que passou a significar também o interesse da
coletividade como um todo, isto é, o interesse do bem comum.
Nessa linha de entendimento, na precisa
lição de HÉLIO TORNAGHI
6
, o interesse público é conceituado como
“aquele que afeta diretamente o bem comum, identificando-se como
interesse da coletividade como um todo, opondo-se ao interesse
particular, que concerne apenas a determinado indivíduo, embora possa
ser útil a todos”.
Desse modo, o interesse público não só
coincide com o interesse do Estado, como pessoa jurídica, como se
confunde com os interesses difusos, como, por exemplo, o meio
ambiente ecologicamente equilibrado. “Hoje a expressão interesse
6
Comentários ao Código de Processo Civil, volume I, 2ª edição, São Paulo, Editora Revista dos
Tribunais, 1976, p. 283.
14
público tornou-se equívoca, quando passou a ser utilizado para alcançar
também os chamados interesses sociais, os interesses indisponíveis do
indivíduo e da coletividade, e até os interesses coletivos ou os
interesses difusos etc. O próprio legislador não raro abandona o
conceito de interesse público como interesse do Estado e passa a
identificá-lo com o bem geral, ou seja, o interesse geral da sociedade ou
o interesse da coletividade como um todo. Em segundo lugar, porque,
nos últimos anos, tem-se reconhecido que existe uma categoria
intermediária de interesses que, embora não sejam propriamente
estatais, são mais que meramente individuais, porque são
compartilhados por grupos, classes ou categorias de pessoas, como os
moradores de uma região quanto a questões ambientais comuns, ou os
consumidores de um produto quanto à qualidade ou ao preço dessa
mercadoria”
7
.
O conceito abrangente de interesse público
alcança o interesse público primário e o interesse público secundário, os
quais, nem sempre, coincidem ou são uma só coisa. O interesse público
primário é o interesse do bem geral, isto é, o interesse da sociedade ou
da coletividade como um todo. Já, o interesse público secundário é o
interesse público visto pelos órgãos da Administração, o qual, nem
sempre, coincide com o efetivo interesse da comunidade.
3. Interesses metaindividuais ou transindividuais
7
Hugo Nigro MAZZILLI, A defesa dos interesses difusos em juízo, 20ª edição, São Paulo, Editora
Revista dos Tribunais, 2007, p. 46
.
15
A partir de 1974, com os trabalhos de
MAURO CAPPELLETTI
8
, sofreu dura crítica a tradicional divisão de
interesse, que reunia, como únicas modalidades, o interesse privado,
entendido como o interesse individual (surgido nas relações entre as
pessoas) e o interesse público secundário (titularizado pelo Estado
enquanto Administração Pública).
Em uma obra ímpar, em que discutem os
problemas do acesso à justiça, MAURO CAPPELLETTI e BRYANT
GARTH
9
propugnavam a existência de uma zona intermediária de
interesses, em que o titular não seria o cidadão, individualmente
considerado, nem o Estado, enquanto pessoa jurídica de direito público.
Eles começaram a enfatizar a existência dos interesses coletivos, ou
seja, “aqueles referentes a uma categoria de pessoas (como os
condôminos de um edifício de apartamentos, os sócios de uma empresa,
os membros de uma equipe esportiva, os empregados do mesmo
patrão)”. Esses interesses, porque atingem grupos de pessoas que têm
8
“Formazione sociali e interessi di gruppo davanti alla giustizia civile” in Revista di Diritto
Processuale volume 30, 1975, p. 367.
9
“Interesses difusos são interesses fragmentados ou coletivos, tais como o direito ao ambiente
saudável, ou à proteção do consumidor. O problema básico que eles apresentam – a razão de sua
natureza difusa – é que ninguém tem o direito de corrigir a lesão a um interesse coletivo, ou o
prêmio para qualquer indivíduo buscar essa correção é pequeno demais para induzi-lo a tentar
uma ação...Um exemplo simples pode mostrar por que essa situação cria especiais barreiras de
acesso. Suponhamos que o governo autorize a construção de uma represa que ameace de maneira
séria e irreversível o ambiente natural. Muitas pessoas podem desfrutar da área ameaçada, mas
poucas – ou nenhuma – terão quaisquer interesses financeiros direto em jogo. Mesmo esses, além
disso, provavelmente não terão interesse suficiente para enfrentar uma demanda judicial
complicada. Presumindo-se que esses indivíduos tenham legitimação ativa (o que é
freqüentemente um problema), eles estão em posição análoga à do autor de uma pequena causa,
para quem uma demanda judicial é anti-econômica. Um indivíduo, além disso, poderá receber
apenas indenização de seus próprios prejuízos, porém não dos efetivamente causados pelo infrator
à comunidade”(Acesso à Justiça, título original: Acess to justice: The Worldwide Movement to
Make Rights Effective, Porto Alegre, Sergio Antonio Fabris Editor, 1988, pp. 26 e ss).
16
algo em comum e não o sujeito isoladamente, são chamados de
metaindividuais.
O liame que une os titulares de tais
interesses consiste em estarem todos na mesma situação de fato ou na
circunstância de compartilharem a mesma relação jurídica.
Um interesse é metaindividual quando,
além de ultrapassar o círculo individual, corresponde aos anseios de
todo um segmento ou categoria social. Dentro desses interesses
metaindividuais é possível estabelecer uma distinção entre aqueles que
atingem uma categoria determinada (ou determinável) de pessoas e os
que atingem um grupo indeterminado (ou de difícil determinação) de
indivíduos.
A expressão interesses difusos já era
conhecida dos romanos e encontra-se referida por VITTORIO
SCIALOJA
10
: “direitos públicos que chamávamos difusos, que não se
concentram no povo considerado como entidade, mas que têm por
próprio titular realmente cada um dos participantes da comunidade”.
Esses direitos difusos representavam o culto
à divindade, o direito à liberdade, ao meio ambiente etc.
10
Procedimiento civil romano, trad. Santiago Sentis Melendo e Marino Ayerra Reden, Buenos
Aires, EJEA, 1954, p. 474, § 69.
17
Cumpre lembrar, após a contribuição do
direito romano para a tutela dos direitos difusos, a criação da figura do
ombudsman no direito escandinavo.
Os antecedentes do ombudsman se deram
na Suécia, no século XVI, com o surgimento do Grande Senecal
(drotsen), a quem incumbia velar, sob a autoridade do Rei, o bom
funcionamento e administração da justiça
11
.
O ombudsman nasceu com a finalidade de
exercer o controle da administração pública. Com o passar do tempo,
coube ao ombudsman o atendimento dos mais variados interesses
coletivos (consumidor, saúde pública etc.).
Após a iniciativa da Suécia, foi implantada
a figura do ombudsman na Finlândia (1919), na Dinamarca (1954), na
Noruega (1950), Inglaterra (1958), Nova Zelândia (1962), Irlanda do
Norte e Canadá (1967).
Na Alemanha e nos Estados Unidos há
instituições semelhantes ao ombudsman em pleno funcionamento.
Embora com outra denominação, temos as figuras do “Defensor Del
Pueblo” e “Provedor de Justiça” instituídas, respectivamente, na
Espanha
12
e Portugal
13
, a nível constitucional.
11
André LEGRAND, L’Ombudsman scandinave, Paris, LGDJ, 1970, pp. 22/23.
12
Conforme artigo 54 da Constituição de 27 de dezembro de 1978.
13
Conforme artigo 24 da Constituição de 2 de abril de 1976.
18
O ombudsman ou o organismo revestido de
outra denominação, conforme o país, somente defende os interesses
dito difusos no âmbito administrativo, cabendo ao Ministério Público,
tradicionalmente e, em regra, a tutela jurisdicional dos interesses
indisponíveis da sociedade.
Às vezes, o termo difuso parece a qualificar
o coletivo, como em HENRY SOLUS e ROGER PERROT
14
:
“l’extreme diversité des situations parti culières qui s’amalgament et se
juxtaposint au sien des groupements fait que l’intérêt allégué n’est pas
toujours un intérêt direct et persomel, mais un simple intérêt collectit
beaucoup plus diffus”.
Alguns autores entendem que os termos
interesse “difuso”, “coletivo”, “de grupo”, “meta” ou “supra-
individual” são sinônimos
15
, embora admitam haver tentativas de
distinção desses conceitos
16
.
14
Droit Judiciaire Privé, t. 1, Paris, ed. Sirey, 1966, p. 218.
15
Ana De VITA diz: “la precisazione aprioristica è inevitabilmente o troppo astratta o troppo
generica. Tali concetti si intendono spesso con valore sinonimo e indubbiamente si riferis cono a
situazioni per molti aspectti analoghe” (“La tutela degli interessi collettivi” in La tutela degli
interessi diffusi nel diritto comparato, Milão, Giaffrè, 1976, p. 350).
16
Celso BASTOS afirma: “os interesses coletivos dizem respeito ao homem socialmente
vinculado, ao passo que os interesses difusos se baseiam numa identidade de situações de fato,
sujeitando-se a lesões de natureza extensiva, disseminada ou difusa” (“A tutela dos interesses
difusos no direito constitucional brasileiro”, Revista de Processo volume 23, São Paulo, Editora
Revista dos Tribunais, 1981, p. 40). José Carlos Barbosa MOREIRA sugere a separação desses
conceitos ao mencionar “certos grupos de pessoas com referência às quais é possível identificar
uma relação-base de que participam os membros do grupo e um interesse derivado que para cada
um dos membros nasce daquela relação, mas que com ela não se confunde. Essa hipótese, que
seria a do interesse coletivo, aparta-se então daquela referida no texto imediatamente acima, de
inexistência da relação base em que o conjunto dos interessados apresenta contornos fluídos,
19
3.1 – Interesses difusos
Partindo-se do próprio texto do art. 81,
parágrafo único, inciso I do Código de Defesa do Consumidor extrai-se
o seguinte conceito: “interesses ou direitos difusos, assim entendidos,
móveis, esbatidos, a tornar impossível, ou quando menos superlativamente difícil, a
individualização exata de todos os componentes, hipótese esta do interesse difuso” (“A ação
popular do direito brasileiro como instrumento de tutela jurisdicional dos chamados interesses
difusos” in Temas de Direito Processual, São Paulo, Saraiva, 1977, p. 112). Ada Pellegrini
GRINOVER aduz: “embora se trate sempre de interesses meta-individuais, a doutrina reserva a
denominação “coletivos” para os comuns a categorias de pessoas, unidas entre si por uma
relação-base: a sociedade comercial, o condomínio, a família, os entes profissionais, o próprio
sindicato. E esse vínculo jurídico, ou relação base, permite a identificação dos componentes do
grupo. Ao contrário, entendem-se por interesses difusos aqueles que, não se fundando em um
vínculo jurídico, repousam sobre dados de fato freqüentemente genéricos e contingentes,
acidentais e mutáveis: morar na mesma região; consumir o mesmo produto, viver sob
determinadas circunstâncias sócio-econômicas, submeter-se a particulares empreendimentos. Seus
titulares são, portanto, uma pluralidade de pessoas, em número indeterminado e indeterminável”
(“As garantias constitucionais do processo nas ações coletivas” in Revista de Processo volume 43,
São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1986. p. 22). Rodolfo de Camargo MANCUSO
assevera: “conquanto os interesses coletivos e os difusos sejam espécies do gênero “interesses
meta (ou super) individuais”, tudo indica que entre eles existem pelo menos duas diferenças
básicas, uma de ordem quantitativa, outra de ordem qualitativa: sob o primeiro enfoque, verifica-
se que o interesse difuso concerne a um universo maior do que o interesse coletivo, visto que
enquanto aquele pode mesmo concernir até à toda humanidade, este apresenta menor amplitude,
já pelo fato de estar adstrito a uma “relação-base”, a um “vínculo jurídico”, o que o leva a se
aglutinar junto a grupos sociais definidos; sob o segundo critério, vê-se que o interesse coletivo
resulta do homem em sua projeção corporativa, ao passo que no interesse difuso, o homem é
considerado simplesmente enquanto ser humano” (Interesses difusos: conceito e legitimação para
agir, 3ª edição, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1994, pp. 67/68). Acrescenta, ainda,
Rodolfo de Camargo MANCUSO: “interesses difusos são interesses meta-individuais que, não
tendo atingido o grau de agregação e organização necessário à sua afetação institucional junto a
certas entidades ou órgãos representativos dos interesses já socialmente definidos, restam em
estado fluído, dispersos pela sociedade civil como um todo (v.g., o interesse à pureza do ar
atmosférico), podendo, por vezes, concernir a certas coletividades de conteúdo numérico
indefinido (v.g., os consumidores). Caracterizam-se pela indeterminação dos sujeitos, pela
indivisibilidade do objeto, por sua tendência à transição ou mutação no tempo e no espaço” (Op.
cit., pp. 114/115). Também, o mesmo autor, preceitua: “quanto às notas caracterizadoras dos
interesses coletivos temos: a) um mínimo de organização, a fim de que os interesses ganhem a
coesão e a identificação necessárias; b) a afetação desses interesses a grupos determinados (ou ao
menos determináveis) que serão os seus portadores (enti esponenziali); c) um vínculo jurídico
básico, comum a todos os participantes, conferindo-lhes situação jurídica diferenciada” (Rodolfo
de Camargo MANCUSO, Comentários ao Código de Proteção ao Consumidor, coordenador
Juarez de Oliveira, São Paulo, Saraiva, 1991, p. 276). Hugo Nigro MAZZILLI informa: “Difusos
são, pois, interesses de grupos menos determinados de pessoas, entre as quais inexiste vínculo
jurídico ou fático muito preciso. Os interesses coletivos compreendem uma categoria determinada
20
os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares
pessoas indeterminadas ou ligadas por circunstâncias de fato”.
Interesses difusos são aqueles em que os
titulares não são previamente determinados ou determináveis e se
encontram ligados por circunstâncias de fato. São interesses indivisíveis
e, embora comuns a uma categoria mais ou menos abrangente de
pessoas, não se pode afirmar com precisão a quem pertencem, nem em
que medida quantitativa são por elas compartilhados.
Para PÉRICLES PRADE
17
, “interesses
difusos são interesses que pertencem de maneira idêntica a uma
pluralidade de sujeitos mais ou menos vasta e mais ou menos
determinada, a qual pode ser ou não unificada, e unificada mais ou
menos estreitamente, em uma coletividade”.
Em outras palavras, são interesses cujos
titulares não se pode determinar. A ligação entre eles se dá por
circunstâncias. O objeto é indivisível, de modo a não permitir cisão. É
difuso, por exemplo, o direito de respirar ar puro.
A indivisibilidade diz respeito ao objeto de
interesse. O interesse na boa qualidade do ar atmosférico ou a pretensão
ou pelo menos determinável, de pessoas unidas pela mesma relação jurídica básica, como grupos
unidos por uma relação fática comum” (Op. cit., 6ª edição, pp. 21/22).
17
O autor enumera as principais características: a) ausência de vínculo associativo; b) alcance de
uma cadeia abstrata de pessoas; c) potencial e abrangente conflituosidade; d) ocorrências de
21
ao meio ambiente sadio é compartilhado por um número indeterminado
de pessoas, embora não pertença individualmente a nenhuma delas, por
ser indivisível. Do mesmo modo, uma propaganda enganosa, veiculada
na televisão, atinge pessoas indeterminadas, tendo como fator de
ligação unicamente o fato de que tiveram acesso a ela. Não é
quantificável ou divisível o direito de cada integrante da sociedade para
que a propaganda seja coibida ou corrigida ou para que o meio
ambiente seja protegido.
Sobre a questão da indivisibilidade convém
trazer à colação a precisa lição de BARBOSA MOREIRA
18
, no sentido
de que “os interesses coletivos ou difusos referem-se a um bem
(latíssimo senso) indivisível, no sentido de insuscetível de divisão
(mesmo ideal) em quotas atribuíveis individualmente a cada um dos
interessados. Estes se põem numa espécie de comunhão tipificada pelo
fato de que a satisfação de um só implica, por força, a satisfação de
todos, assim como a lesão de um só constitui, ipso facto, lesão da
coletividade”.
Assim, o direito difuso surge de uma
situação de fato, homogeneamente esparsa em um número indefinido de
indivíduos. São muitos os atores e contingências sociais que podem
relevar ou ensejar direitos difusos. De forma geral, isso sucede quando
os interesses envolvidos são de massa, implicando um número vasto e
lesões disseminadas (difusas) em massa; e) vínculos fáticos entre os titulares dos interesses” (Op.
cit., 45 e 47-55).
18
“A legitimação para a defesa dos ‘interesses difusos’ no direito brasileiro” in Revista Ajuris
volume 32, Porto Alegre, 1984, p. 82.
22
indefinido de indivíduos, como ocorre em relação aos serviços
públicos, medicamentos, consumo em geral, controle ambiental,
qualidade de vida, direitos humanos, inflação, minorias raciais, política
econômica etc.
3.2 – Interesses coletivos
Ainda, partindo-se do próprio texto do art.
81, parágrafo único, inciso II do Código de Defesa do Consumidor
extrai-se o seguinte conceito: “interesses ou direitos coletivos, assim
entendidos, os transindividuais de natureza indivisível de que seja
titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a
parte contrária por uma relação jurídica base”.
São coletivos somente os interesses que
compreendem uma categoria determinada, ou pelo menos determinável,
de pessoas, dizendo respeito a um grupo, classe ou categoria de
indivíduos ligados pela mesma relação jurídica básica, entre eles (como
se dá num sindicato de classe) ou com a parte contrária (como por
exemplo, os pais de alunos de uma escola particular, onde todos estão
ligados por um vínculo jurídico – contrato – e titularizam, portanto, o
interesse coletivo de combater aumentos ilegais e abusivos da
mensalidade). Do mesmo modo que os difusos, os interesses coletivos
têm natureza indivisível, na medida em que não podem ser partilhados
individualmente entre os seus titulares. Admitido o interesse de um
satisfaz-se o de todos indiscriminadamente.
23
3.3 –Interesses individuais homogêneos
Da mesma forma, o Código de Defesa do
Consumidor, no art. 81, parágrafo único, inciso III prescreve que “os
interesses ou direitos individuais homogêneos assim entendidos os
decorrentes de origem comum”
19
.
São os direitos individuais cujo titular é
perfeitamente identificável e cujo objeto é divisível e cindível.
Diferenciam-se, pois, dos interesses coletivos, em virtude da
divisibilidade do direito titularizado pelos vários sujeitos. O que
caracteriza um direito individual como homogêneo é a natureza
comum, similar, semelhante entre os interesses de cada um dos vários
titulares.
Esta foi a grande novidade do Código de
Defesa do Consumidor: permitir que esses direitos individuais
pudessem ser defendidos coletivamente em juízo. Não se trata de
pluralidade subjetiva de demandas (litisconsórcio), mas de uma única
demanda, coletiva, objetivando a tutela dos titulares dos direitos
19
“Pensamos que o legislador teve em mira certas situações amiúde ocorrentes em nossa
sociedade, como, v.g., a cobrança abusiva de mensalidades escolares; as frustrações e prejuízos
causados a integrantes de planos para aquisição de telefones, casa própria, ou ainda os que
confiaram na “segurança” das cadernetas de poupança e as tiveram “bloqueadas” (Rodolfo de
Camargo MANCUSO, Comentários ao Código de Proteção ao Consumidor, cit., p. 277). Nelson
NERY JÚNIOR define: “os direitos individuais homogêneos são aqueles cujos titulares são
perfeitamente individualizáveis, detentores de direito divisível. O que une esses titulares a ponto
de propiciar a defesa coletiva desses direitos individuais, é a origem comum do pedido que
24
individuais homogêneos, ainda que de conteúdo genérico a eventual
condenação daquele que tenha infringido tal modalidade de interesses
transindividuais (art. 95 da Lei nº 8.078/90).
Com relação aos interesses difusos, os
interesses individuais homogêneos têm um ponto de contato: ambos se
originam de circunstâncias de fato comuns. Diferenciam-se, contudo,
porque, enquanto, nos interesses difusos, os titulares são
indeterminados e o objeto é indivisível, nos interesses individuais
homogêneos, os titulares são determináveis e o dano ou a
responsabilidade se caracteriza pela divisibilidade, isto é, pela
possibilidade de mensurar individualmente a extensão do prejuízo e da
respectiva reparação.
Em relação aos interesses coletivos, os
interesses individuais homogêneos também têm um ponto de contato:
reúnem um grupo, uma categoria ou uma classe de pessoas. A diferença
está em que os interesses individuais homogêneos são divisíveis e
assentam-se em situações de fato comuns, já os interesses coletivos são
indivisíveis e fundados na mesma relação jurídica base.
A distinção entre interesses difusos,
coletivos e individuais homogêneos torna-se mais fácil, a partir do
exemplo do consumidor. Dessa forma, se numa série de bens de
consumo vendidos ao consumidor final, um deles foi fabricado com
pretendem fazer em Juízo” (“O processo civil no Código de Defesa do Consumidor” in Revista de
Processo volume 61, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1991, p. 26).
25
defeito. O consumidor tem interesse individual na indenização
correspondente. Ainda, assim, será o interesse coletivo, quando toda a
série saía da fábrica com o mesmo defeito, embora vendida a vários
consumidores finais (hipótese que o Código de Defesa do Consumidor
denomina de interesses individuais homogêneos, prevendo-os no inciso
III do artigo 81) ou, também, quando se verificar um aumento indevido
das prestações de um consórcio (nesta situação, o Código de Defesa do
Consumidor denomina de interesse coletivo, previsto no inciso II do
artigo 81). O interesse do consumidor só será considerado difuso, se
houver impossibilidade de se identificarem as pessoas ligadas pelo
mesmo fato jurídico, derivado da relação de consumo, v.g., os
destinatários de uma propaganda enganosa veiculada pela televisão ou
pelo rádio)
20
.
Para NELSON NERY JÚNIOR
21
, “a pedra
de toque do método classificatório é o tipo de tutela jurisdicional que
se pretende quando se propõe a competente ação judicial”.
20
“Assim, são difusos os interesses dos consumidores que pretendem a proibição de circulação de
determinado produto reputado nocivo à saúde, tanto que são indetermináveis estes consumidores,
unidos apenas pela circunstância fática de estarem mais ou menos sujeitos a consumir o produto
prejudicial à saúde. São igualmente difusos os interesses dos consumidores que se insurgem
contra uma propaganda enganosa, como ainda são difusos os interesses dos habitantes de
determinada região que almejam a interdição de um estabelecimento que produz poluição nociva
à saúde. Todavia, já seriam qualificados como coletivos, por exemplo, se a pretensão fosse para
proibir a circulação de um produto ou a propaganda enganosa em detrimento, especificamente, da
classe dos diabéticos (porque o produto ao contrário da propaganda não era dietético). Os
interesses individuais homogêneos não se situam propriamente como um tertium genus de
interesses meta-individuais, a par dos interesses difusos e coletivos. Parecem se situar, isto sim,
como uma modalidade de interesses difusos ou coletivos. O que se pretende é uma condenação
genérica, uma utilidade processual indivisível, em favor de todas as vítimas ou seus sucessores,
em virtude de danos que tem origem comum” (Alcides A. Munhoz da CUNHA, “Evolução das
Ações Coletivas no Brasil” in Revista de Processo volume 77, São Paulo, Editora Revista dos
Tribunais, 1995, pp. 232/233).
21
“Da ocorrência de um mesmo fato podem originar-se pretensões difusas, coletivas e individuais.
O acidente com o “Bateau Mouche IV”, que teve lugar no Rio de Janeiro há alguns anos, pode
ensejar ação de indenização individual por uma das vítimas do evento pelos prejuízos que sofreu
26
É importante lembrar a lição de HUGO
NIGRO MAZZILLI
22
, no sentido de que “para identificar corretamente
a natureza de interesses transindividuais ou de grupos, devemos, pois,
responder a estas questões: a) o dano provocou lesões divisíveis,
individualmente variáveis e quantificáveis? Se sim, estaremos diante de
interesses individuais homogêneos; b) o grupo lesado é indeterminável
e o proveito reparatório, em decorrência das lesões, é indivisível? Se
sim, estaremos diante de interesses difusos; c) o proveito pretendido em
decorrência das lesões é indivisível, mas o grupo é determinável, e o
que une o grupo é apenas uma relação jurídica básica comum, que deve
ser resolvida de maneira uniforme para todo o grupo? Se sim, então
estaremos diante de interesses coletivos”.
CAPÍTULO II
A AÇÃO CIVIL PÚBLICA COMO TUTELA DIFERENCIADA
SUMÁRIO: 1. Conceito de tutela jurisdicional - 2. A efetividade da
tutela jurisdicional: 2.1. As tutelas diferenciadas - 2.2. A cognição em
tema de tutelas diferenciadas - 2.3. Tipos de tutelas diferenciadas no
direito processual civil brasileiro.
(direito individual), ação de obrigação de fazer movida por associação das empresas de turismo
que têm interesse na manutenção da boa imagem desse setor da economia (direito coletivo), bem
como ação ajuizada pelo Ministério Público, em favor da vida e segurança das pessoas, para que
seja interditada a embarcação a fim de se evitarem novos acidentes (direito difuso)” (“O processo
civil no Código de Defesa do Consumidor”, cit., p. 25).
22
A defesa dos interesses difusos em juízo, 20ª edição, cit., pp. 55-56.
27
1. Conceito de tutela jurisdicional
O Estado proibiu a autotutela privada e
assumiu o encargo de solucionar os conflitos
23
. Preleciona o mestre
DONALDO ARMELIN
24
que a “tutela jurisdicional se apresenta como
a contrapartida do direito, ou melhor, poder de provocar a atuação da
jurisdição, se enfocada pelo ângulo de quem a requer. Se, ao revés, vier
a ser apreciada pela ótica do seu prestador, será obviamente a atividade
do Poder Judiciário desenvolvida, em esfera que lhe é normalmente
adstrita com exclusividade, a partir, geralmente, de provocação da parte
ou interessado. Assim, na medida em que o exercício desse poder
subjetivo se dá, necessariamente adimplidos determinados requisitos,
tal prestação ocorre de forma total ou parcial, consoante haja ou não
apreciação do próprio pedido veiculado através de tal exercício. Não se
exclui, por outro lado, em casos excepcionais, uma prestação
espontânea de tal tutela, à mingua de correspondente provocação”.
A tutela jurisdicional deve ser entendida
como aquela apta a tornar efetivo o direito, em casos concretos, trazidos
ao Judiciário, para apreciação
25
.
23
José Carlos BARBOSA MOREIRA, “Tutela Sancionatória e Tutela Preventiva” in Temas de
Direito Processual, 2ª série, São Paulo, Editora Saraiva, 1980, p. 21.
24
“A tutela jurisdicional cautelar” in Revista da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo
volume 23, São Paulo, 1985, p. 111.
25
Explica, ainda, Donaldo ARMELIN que “essa prestação pode corresponder a uma simples
declaração em sentido lato, envolvendo a simples declaração, a constituição ou desconstituição de
situações jurídicas, a declaração de um direito acoplada a de sua violação e individualização da
sanção correspondente e a uma modificação no mundo empírico ou, ainda, a um comando
específico. Mas sempre se efetiva através do único instrumento legal hábil para tal fim: o
processo. Este, por sua vez, se desenvolve sob várias formas, adequando-se à sua finalidade
precípua. A prestação pode se reportar a um fato futuro e será, destarte preventiva. Ou a um fato
pretérito assumindo, por vezes, função reparatória ou represtinatória. Evidentemente a primeira
forma de tutela é mais eficaz, porquanto reparação ou repristinação, esta impondo o retorno ao
status quo anterior, nem sempre são realizáveis. De outra parte, o processo permite acelerar a
prestação jurisdicional de diversos modos, propiciando o que alguns processualistas italianos
28
Em outras palavras, a tutela jurisdicional
preocupa-se com “o resultado jurídico-substancial do processo,
conduzindo a uma relativização do fenômeno direito-processo”
26
-
27
.
2. A efetividade da tutela jurisdicional
A respeito desse tema, BARBOSA
MOREIRA
28
ensina que “o mecanismo criado para prover a essa
necessidade precisa corresponder a uma lógica, mas terrível exigência:
atuar de tal maneira que, em toda a extensão da possibilidade prática,
venham as coisas a passar, de acordo com os preceitos do ordenamento.
Que significa isso ao ângulo do jurisdicionado? Recorrendo à Justiça,
ele há de poder esperar, ao menos em princípio, que se o seu direito se
vê reconhecido, o processo lhe proporcione cabal proteção, pondo-o em
condições de fruir, de maneira tão completa quanto possível, da
denominam tutela jurisdicional diferenciada, fruto de sumarização do procedimento ou da
cognição, seja mediante a antecipação da tutela considerando-se o seu ‘iter’ procedimental,. seja
através de atuação de outras técnicas processuais” (“Tutela jurisdicional do meio ambiente” in
Revista do Advogado nº 37, São Paulo, AASP, 1992, p. 49).
26
Luiz Guilherme MARINONI, A antecipação da tutela na reforma do Código de Processo Civil,
São Paulo, Malheiros Editores, 1995, p. 20.
27
José Roberto dos Santos BEDAQUE explica bem este fenômeno: “a tipicidade não é da ação,
mas da tutela pleiteada. Existe um nexo entre o direito de agir em juízo e a tutela a um direito
substancial, o que não significa, todavia, sejam a ação, a demanda e a defesa passíveis de
classificações e distinções de conteúdo, relacionadas, na verdade, ao tipo de provimento e de
tutela. O elemento variável da demanda é exatamente o tipo de tutela, que leva em conta o
resultado do processo e que pode ser objeto de classificação. Na verdade, todos os institutos
fundamentais do direito processual recebem reflexos significativos da relação jurídica material
(jurisdição, ação, defesa e processo). O mesmo se diga das condições da ação, das nulidades
processuais (especialmente quanto ao princípio da instrumentalidade das formas), coisa julgada,
prova. Isso revela o nítido caráter instrumental do direito processual e reforça a necessidade de
relativizar o binômio direito processo” (Direito e processo: influência do direito material sobre o
processo, 2ª edição, São Paulo, Malheiros Editores, 1997, p. 28).
28
“Tutela sancionatória e tutela preventiva” in Temas de Direito Processual, cit.,2ª série, pp. 21-2.
29
vantagem prometida pela norma. Em outras palavras, o processo
avizinha-se do optimum na proporção em que tende a fazer coincidir a
situação concreta com a situação abstrata prevista na regra jurídica
material; e afasta-se progressiva e perigosamente desse ideal na medida
em que o resultado na verdade obtido difere daquele que se obteria caso
os preceitos legais fossem observados de modo espontâneo e perfeito
pelos membros da comunidade”.
Nesse passo, a tutela jurisdicional se revela
efetiva ou eficaz, “quanto menor for, dentro dos limites do praticamente
possível, a diferença entre o resultado que ela proporciona à parte
vitoriosa e o resultado que esta última obteria, em face do ordenamento
jurídico, se não tivesse recorrido ao processo para obter esse mesmo
resultado”
29
.
A síntese desse pensamento traduz-se pela
célebre expressão de CHIOVENDA, ou seja, o processo deve dar a
quem tem um direito tudo aquilo e precisamente aquilo que ele tem o
direito de obter
30
.
A exigência de prestação efetiva da tutela
jurisdicional decorre da idéia de Estado de Direito, de onde se extrai os
29
Marcelo Lima GUERRA, Estudos sobre o processo cautelar, São Paulo, Malheiros Editores,
1995, p. 11.
30
Aduz Cândido Rangel DINAMARCO que “é preciso romper preconceitos e encarar o processo
como algo que seja realmente capaz de “alterar o mundo”, ou seja, de conduzir as pessoas à
“ordem jurídica justa”. A maior aproximação do processo ao direito, que é uma vigorosa
tendência metodológica hoje, exige que o processo seja posto a serviço do homem, com o
30
princípios do monopólio da jurisdição (proibição de autotutela)
31
e a
garantia de proteção jurisdicional de qualquer lesão ou ameaça de lesão
a direito
32
(rectius, afirmação de direito).
O papel do processo e do procedimento na
efetividade da tutela jurisdicional refere-se à questão da duração do
processo
33
.
As normas processuais devem sempre
seguir pelo caminho da efetividade do processo. De outro modo, o
processo definido por LIEBMAN, como “l’attivitá con cui si svolge in
concreto la funzione giurisdicionale...con una serie coordinata di atti
che si svolgano nel tempo e che tendono alla funzione di un atto
finalle”
34
deve ser analisado em função do tempo. E isto porque, no
contexto social, político e jurídico, o fator tempo assumiu papel de
relevo e decisivo na solução das lides (=pretensões de direito).
instrumental e as potencialidades de que dispõe, e não o homem a serviço da sua técnica” (A
instrumentalidade do processo, 4ª edição, São Paulo, Malheiros Editores, 1994, p. 297).
31
“Vislumbra-se uma correlação (ou, mais precisamente, uma decorrência) entre a proibição da
justiça privada e a assunção, pelo Estado, da outorga de proteção plena às solicitações de tutela
jurídica, através dos magistrados, inclusive contra os seus próprios órgãos, independentemente
mesmo de verificação aprofundada e a priori de estar ou não fundada a situação, em face do
direito material” (José Manoel de ARRUDA ALVIM NETTO, Tratado de Direito Processual
Civil, volume 1, 2ª edição, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1990, p. 21).
32
Como observa Luiz Guilherme MARINONI, “tal direito é garantido por princípio
constitucional, pois a Constituição da República de 1988, em seu art. 5º, XXXV, estabelece que a
lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário, lesão, como também ameaça a direito, com o
visível intuito de propiciar ao cidadão o asseguramento constitucional de seu direito à “adequada
tutela jurisdicional” (Efetividade do Processo e Tutela de Urgência, Porto Alegre, Sérgio
Antônio Fabris Editor, 1994, p. 67).
33
“O processo é um sistema onde mais deve ser acentuado o seu caráter entrópico de tal sorte que
a sua excelência deve ser medida em função do menor espaço de tempo possível entre o seu início
e a sua conclusão eficaz, entendida esta expressão como o término do processo que produz efeitos
normais’ (Donaldo ARMELIN, “Tutela jurisdicional cautelar”, in Revista da Procuradoria Geral
do Estado de São Paulo volume 23, cit., p. 115).
31
Em resumo, a tendência do direito
processual civil moderno é no sentido de conferir maior utilidade aos
provimentos jurisdicionais
35
, isto é, propiciar ao processo os meios para
realizar os fins ou produzir os efeitos a que se ordene
36
.
Como salienta LUIZ GUILHERME
MARINONI
37
, “uma das questões que emerge quando tratamos da
efetividade do processo, e que é o ponto fundamental a inspirar a razão
de ser deste trabalho, é a da equação do problema rapidez-segurança”
38
-
39
.
34
Manuale di Diritto Processuale Civile, Milano, Giuffrè, 1992, p. 31.
35
Cândido Rangel DINAMARCO, A instrumentalidade do processo, cit., p. 320.
36
Como aduz BARBOSA MOREIRA, “toma-se consciência cada vez mais clara da função
instrumental do processo e da necessidade de fazê-lo desempenhar de maneira efetiva o papel que
lhe toca. Pois a melancólica verdade é que o extraordinário progresso científico de tantas décadas
não pôde impedir que se fosse dramaticamente avolumando, a ponto de atingir níveis alarmantes,
a insatisfação, por assim dizer, universal, com o rendimento do mecanismo da justiça civil”
(“Tendências contemporâneas do direito processual civil” in Revista de Processo volume 31, São
Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1983, p. 199).
37
Tutela cautelar e tutela antecipatória, 1ª edição, 2ª tiragem, São Paulo, Editora Revista dos
Tribunais, 1994, p. 15.
38
Donaldo ARMELIN refere-se, também, à questão da efetividade do processo, salientando que
“se o processo não é o mal social, mas o remédio para esse mal - que é o conflito de interesses -
será ele tanto mais eficaz quanto mais rápido for seu resultado” (Vide: “A tutela jurisdicional
cautelar” in Revista da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo 23:115).
39
A questão do acesso à justiça e da efetividade do processo foi amplamente estudada por Mauro
CAPPELLETTI e Bryant GARTH, os quais ressaltam que “em muitos países, as partes que
buscam uma solução judicial precisam esperar dois ou três anos, ou mais, por uma decisão
exeqüível. Os efeitos dessa delonga, especialmente se considerados os índices de inflação, podem
ser devastadores. Ela aumenta os custos para as partes e pressiona os economicamente fracos a
abandonar suas causas, ou a aceitar acordos por valores muito inferiores àqueles a que teriam
direito” (Acesso à Justiça, título original: Acess to justice (The worldwide movemen to make
rights effective, trad. De Ellen Gracie Northfleet, Porto Alegre, Sérgio Antônio Fabris Editor,
1988, p. 20).
32
2.1 – As tutelas diferenciadas
Cumpre reconhecer a existência das
chamadas tutelas diferenciadas e, como enfatiza ANDREA PROTO
PISANI
40
, elas são necessárias para assegurar o exercício do direito à
adequada tutela jurisdicional, que representa a concretização do
princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, consagrado no
artigo 5º, inciso XXXV da Constituição Federal.
As tutelas jurídicas diferenciadas
caracterizam-se como formas alternativas de tutela sumária, para
atender a situações urgentes
41
.
Como revela DONALDO ARMELIN
42
, a
tutela jurisdicional diferenciada “prende-se talvez mais remotamente à
própria questão da indispensável adaptabilidade da prestação
40
“o processo civil deve ser visto como uma espécie de contrapartida que o Estado oferece aos
cidadãos diante da proibição da autotutela; contrapartida esta que se deve traduzir na
predisposição de meios de tutela jurisdicional adequados às necessidades de tutela das
particulares situações de direito substancial” (“I rapporti fra diritto sostanziale e processo” in
Appunti sulla giustizia civile, Bari, Cacucci, 1982, p. 42).
41
Para que seja “assicurata la tutela giurisdizionale di una determinata situazione di vantaggio,
non basta, non è sufficiente, che a livello di diritto processuale sia predisposto un procedimento
quale che sia, ma è necessario che il titolare della situazione di vantaggio violata (o di cui si
minàccia la violazione) possa utilizzare un procedimento strutturato in modo tale da potergli
fornire una tutela effetiva e non meramente formale o astatta del suo diritto” (Andrea PROTO
PISANI, “Breve premessa a un corso sulla giustizia civile” in Appunti sulla giustizia civile, Bari,
Cacucci, 1982, p. 11).
42
Explica o autor que “realmente, presentes diferenciados objetivos a serem alcançados por uma
prestação jurisdicional efetiva, não há porque se manter um tipo unitário desta ou dos
instrumentos indispensáveis a sua corporificação. A vinculação do tipo da prestação à sua
finalidade específica espelha a atendibilidade desta; a adequação do instrumento ao seu escopo
potencia o seu tônus de efetividade. A adoção de técnicas diferenciadas versando a tutela e os
instrumentos de sua prestação se insere, considerando que o processo é também técnica, ainda que
informada e condicionada por princípios e valores jurídicos” (“Tutela jurisdicional diferenciada”
in Revista de Processo volume 65, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1992, p. 46).
33
jurisdicional e dos instrumentos que a propiciam à finalidade dessa
mesma tutela”.
Ainda, como mostra KAZUO
WATANABE
43
, para visualizarmos tutelas próprias à concretização da
efetividade do processo, precisamos ter em mente que “se de um lado
há exigências próprias do direito material por uma adequada tutela, há
de outro as técnicas e soluções específicas do direito processual, não
somente quanto à natureza do provimento, como também no tocante à
duração do processo, à eventual antecipação da tutela, à intensidade e
amplitude da cognição, e a muitos outros aspectos”.
Finalmente, como salienta DONALDO
ARMELIN
44
“dois posicionamentos, pelo menos, podem ser adotados a
respeito da conceituação de “tutela diferenciada”. Um, adotando como
referencial da tutela jurisdicional diferenciada a própria tutela, em si
mesma, ou seja, o provimento jurisdicional que atende a pretensão da
parte, segundo o tipo da necessidade de tutela ali veiculado. Outro,
qualificando a tutela jurisdicional diferenciada pelo prisma de sua
cronologia no iter procedimental em que se insere, bem assim como a
antecipação de seus efeitos, de sorte a escapar das técnicas
tradicionalmente adotadas nesse particular”.
Com a introdução da antecipação da tutela
pretendida, total ou parcialmente, no bojo do processo de
43
Da cognição no processo civil, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1987, p. 19.
44
“A tutela jurisdicional diferenciada” in Revista de Processo volume 65, cit., p. 46.
34
conhecimento, nos termos do artigo 273 da lei processual civil, bem
como da tutela específica prevista para as ações que tenham por objeto
o cumprimento de obrigações de fazer ou não fazer, segundo o artigo
461 do referido diploma legal, ambos com a redação dada pela Lei nº
8.952/94, procurou-se minimizar a complexa questão da efetividade do
processo ou, em outros termos, objetivou-se a realização in natura do
bem jurídico discutido, deixando-se, para segundo plano, a conversão
em seu sucedâneo patrimonial.
2.2 – A cognição em tema de tutelas diferenciadas
Enfatiza DONALDO ARMELIN
45
que se
“situa no instrumento processual a sede da investigação da tutela
jurisdicional diferenciada, cuja diversidade resulta de técnicas relativas
ao procedimento de onde ela emerge e/ou do grau de cognição
indispensável a sua efetivação. Assim derivaria ela de uma antecipação
no iter procedimental de processo de cognição plena e exauriente,
efetiva ou eventual, ou de processo autônomo de cognição sumária, não
cautelar. Também poderia surgir no procedimento de execução
específica, ou seja, de certa forma, constituiria uma tutela prestada em
instrumento processual marcado pela cognição sumária, que não se
confunde com o procedimento sumário caracterizado pela simplificação
ou abreviação do seu iter. A cognição sumária corresponde àquela
superficial, embora sem limitação no plano horizontal, contrapondo-se,
destarte, à plena e exauriente, ainda que horizontalmente limitada”.
45
“A tutela jurisdicional diferenciada” in Revista de Processo volume 65, cit., p. 49.
35
Somente através da combinação das
diferentes espécies de cognição é que se pode buscar os procedimentos
adequados
46
, para o fim de tornar eficaz o direito à adequada tutela
jurisdicional
47
.
O processo deve propiciar a efetiva tutela
do direito da parte, isto é, “deve conduzir ao mesmo resultado que seria
obtido se espontaneamente cumprida a norma de direito substancial ou
realizada a ação de direito material”
48
.
46
“Os limites para a concepção destes procedimentos estão estabelecidos pelo princípio da
inafastabilidade do controle jurisdicional e pelos princípios que compõem a cláusula do “devido
processo legal” (Kazuo WATANABE, Da cognição no processo civil, cit., p. 94).
47
“no direito à adequada tutela jurisdicional está ínsito o direito à cognição adequada da lide.
Nesta perspectiva, pois, é de se anunciar a impossibilidade de uma ação de cognição sumária
autônoma, tal como pretendem alguns eminentes processualistas. Efetivamente, ao lado do
processo de cognição sumária sempre deve estar predisposto um processo onde a cognição possa
ser exauriente. É que em nome do direito à tutela urgente, não podemos, evidentemente, admitir o
sacrifício do direito à adequada cognição da lide, que também integra a cláusula do due process of
law” (Luiz Guilherme MARINONI, Tutela Cautelar e Tutela Antecipatória, cit., pp. 29-30).
48
Sobre o assunto manifestou-se com pertinência Luiz Guilherme MARINONI, no seguinte
sentido: “a perspectiva de direito material possibilita o ajuste da tutela jurisdicional às
peculiaridades da pretensão de direito material. A idéia de que ‘a todo direito corresponde uma
ação que o assegura’ é resgatada; porém, como queria Barbosa Moreira, com sonoridades
modernas. Com efeito, como diz Watanabe, para que do art. 75 do Código Civil ‘se retire toda a
conotação imanentista, basta que se leia o texto como se nele estivesse escrito que à toda
afirmação de direito (e não um direito efetivamente existente) ‘corresponde uma ação que o
assegura’. O direito ‘afirmado’, como é cediço, não é a mesma coisa que direito existente. Aliás,
mesmo o texto constitucional (art. 5º, n. XXXV) deve ser lido com o mesmo cuidado, pois seu
texto afirma que ‘a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito’,
e sua leitura apressada poderá conduzir a uma conclusão imanentista, quando na verdade o que
nele se afirma é que nenhuma afirmativa de lesão ou ameaça a direito poderá ser excluída da
apreciação do Poder Judiciário” (Efetividade do processo e tutela de urgência, cit., pp. 38-9).
Como bem acentua Thereza ARRUDA ALVIM, em trabalho que analisa pontos da reforma do
Código de Processo Civil à luz dos novos valores ditados pela atual doutrina do processo: “em
face da moderna interpretação desse art. 75, do CC, combinado com o art. 5º, inc. XXXV, da CF,
pode-se afirmar que o processo, como instrumento, deve oferecer o caminho que assegure à parte
individual ou coletiva, solução o mais possível aproximada, se não igual àquela que obteria não
tivesse havido transgressão da norma legal. Essa tutela, em sendo o processo efetivo, deve ser
oferecida em breve espaço de tempo, respeitando-se, porém, o princípio do contraditório” (“A
tutela especifícica do art. 461, do Código de Processo Civil” in Revista de Processo vol. 80, São
Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1995, p. 104).
36
A pretensão de direito material que deve ser
realizada de modo urgente, porque existente uma situação de perigo de
dano, requer provimento diferenciado, ou seja, provimento apto a
atender esta situação particular de direito material.
É cada vez maior a preocupação com a
efetiva tutela dos direitos, por essa razão houve a introdução no sistema
processual positivo, da antecipação dos efeitos da tutela de mérito, que
“representa, sem a menor sombra de dúvida, a construção, por via
legislativa, de regra com a mesma finalidade: estabelecer mecanismos
para obtenção de concordância prática, de formas de convivência
simultânea, entre o direito fundamental à efetividade do processo e o
direito fundamental à segurança jurídica, naquelas hipóteses em que tais
direitos fundamentais estiverem em rota de colisão”
49
.
2.3Tipos de tutelas diferenciadas no direito processual civil brasileiro
Para a efetividade da tutela jurisdicional é
necessária uma ação que permita a realização do direito com base em
cognição sumária
50
. Este tipo de cognição, inerente ao processo
cautelar, ocorre, por exemplo, em formas não cautelares de antecipação
de tutela, como são as liminares das ações possessórias (artigo 928 do
CPC), da ação de nunciação de obra nova (artigo 937 do CPC), da ação
de busca e apreensão do Decreto-lei nº 911/69 e nos embargos de
49
Teori Albino ZAVASKI, “Antecipação da tutela e colisão de direitos fundamentais” in
Repertório de Jurisprudência e Doutrina sobre Liminares, Coordenadora: Teresa Arruda Alvim
Wambier, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1995, pp. 87-8.
37
terceiro, dentre outras. Também pode ser observada nos procedimentos
das medidas provisionais do artigo 888 do Código de Processo Civil.
As tutelas jurídicas diferenciadas podem ser
concebidas com a criação de instrumentos mais efetivos à solução da
lide ou com mecanismos de agilização da prestação jurisdicional
51
.
Exemplos da primeira hipótese são a Lei da Ação Popular (Lei nº
4.717, de 29.6.65, art. 5º, § 4º), Lei da Ação Civil Pública (Lei nº 7.347,
de 24.7.85, art. 12), Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078, de
11.9.90, art. 84, § 3º), Lei do Mandado de Segurança (Lei nº 1.533, de
31.12.51, art. 7º) e Lei da Ação de Desapropriação (Decreto-Lei nº
3.365/41, art. 15). Exemplos da segunda hipótese são os juizados
especiais cíveis e criminais (Lei nº 9.099/95) e a tutela antecipatória
instituída pelo CPC 273 e 461, § 3º, com a redação da Lei nº 8.952/94.
As reformas introduzidas no Código de
Processo Civil tiveram como objetivo completar o elenco do gênero
denominado “tutelas de urgência”
52
, de que são espécies o provimento
antecipatório e o liminar, de modo a evitar ou reparar eventual lesão a
direito.
50
Luiz Guilherme MARINONI, Efetividade do processo e tutela de urgência, cit., p. 58.
51
Nelson NERY JÚNIOR, Atualidades sobre o Processo Civil - A reforma do Código de
Processo Civil brasileiro de 1994 e de 1995, 2ª edição, revista e ampliada, São Paulo, Editora
Revista dos Tribunais, 1996, p. 60.
52
Basicamente são três as tutelas sumárias urgentes: a) cautelar (próprias, típicas e atípicas ou
nominadas ou inominadas; b) antecipatória satisfativa interinal e c) satisfativa autônoma
(conhecida por ‘cautelar satisfativa’ ou cautelar imprópria)
38
A tutela de urgência encontra-se prevista na
Constituição Federal. Observa-se essa norma diante da expressão
“ameaça de lesão a direito” contida no inciso XXXV do artigo 5º da
Carta Magna. Esse dispositivo “revela o propósito de o constituinte
garantir constitucionalmente a tutela de urgência, seja a cautelar, seja a
sumária antecipatória. Existe, pois, direito constitucional à tutela de
urgência”
53
.
A previsão de tutelas diferenciadas, a nível
constitucional, visa, precipuamente, a ampliação dos mecanismos de
acesso à justiça
54
.
Entre as hipóteses de tutelas diferenciadas
previstas na Carta Magna temos a ação popular, a ação civil pública, o
mandado de injunção, o habeas corpus e o mandado de segurança
(individual e coletivo).
53
Luiz Guilherme MARINONI, Efetividade do processo e tutela de urgência, cit., p. 31.
54
“O acesso à justiça, portanto, pode ser encarado como o requisito fundamental - o mais básico
dos direitos humanos - de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir, e não
apenas proclamar os direitos de todos” (Mauro CAPPELLETTI e Bryant GARTH, Acesso à
Justiça, cit., p. 12).
39
CAPÍTULO III
ANTECEDENTES DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA E LEGISLAÇÃO
POSTERIOR
SUMÁRIO: 1. Ação popular – 2. Ação civil pública – 3. Constituição
Federal de 1988 e a legislação posterior – 4. Mandado de segurança
coletivo.
1. Ação popular
A ação popular encontra-se regulada pela
Lei nº 4.717, de 29 de junho de 1965, permitindo aos cidadãos atuar em
juízo contra atos lesivos ou potencialmente lesivos da Administração
Pública
55
.
A ação popular, todavia, “a despeito de
representar a vanguarda da proteção dos interesses meta-individuais,
55
“Ação popular é o meio constitucional posto à disposição de qualquer cidadão para obter a
invalidação de atos ou contratos administrativos - ou a estes equiparados - ilegais e lesivos do
patrimônio federal, estadual e municipal, ou de suas autarquias, entidades paraestatais e pessoas
jurídicas subvencionadas com dinheiros públicos” (Hely Lopes MEIRELLES, Mandado de
Segurança e Ação Popular, 9ª edição ampliada, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1983,
p. 81).
40
hoje qualificados como difusos ou coletivos, em sentido estrito, não era
suficiente para assegurar uma efetiva tutela aos interesses meta-
individuais, diante da complexidade e multiplicidade cada vez mais
crescente das relações sociais. Objetivamente, a insuficiência da ação
popular se manifestava, porque tradicionalmente, através dela, somente
os interesses meta-individuais pertinentes à preservação do patrimônio
público seriam passíveis de tutela, pelo menos até o advento da
Constituição de 1988. Não ficavam abrangidos pela ação popular os
interesses meta-individuais de membros de grupos ou coletividades
pertinentes à proteção da infância e juventude, consumidores, classe de
trabalhadores etc., havendo surgido dúvidas se era possível incluir no
conceito de patrimônio público a defesa de interesses pertinentes à
saúde pública, segurança pública, meio ambiente etc.”
56
.
Com o advento da Constituição Federal de
1988, o inciso LXXIII do artigo 5º
57
foi claro ao dizer que podem
figurar como objeto da ação popular a proteção do patrimônio público
ou de entidade que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao
meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, que contra si
tiverem sido praticados atos lesivos.
56
Alcides A. Munhoz da CUNHA, “Evolução das Ações Coletivas no Brasil”, cit., p. 227.
57
Art. 5º, inciso LXXIII da CF/88: “Qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular
que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à
moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor,
salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência”.
41
Com grande propriedade, RODOLFO DE
CAMARGO MANCUSO
58
, ensina que “a ação popular está, de
indústria, inserida no capítulo da Constituição Federal concernente aos
direitos e garantias fundamentais, e, se ela se apresenta coletiva em sua
finalidade, o seu exercício é assegurado ao indivíduo, embora de
maneira concorrente-disjuntiva com os demais cidadãos. Quando toma
tal iniciativa, o autor popular está exercendo, enquanto cidadão no gozo
de direitos políticos, a sua quota-parte no direito geral a uma
administração proba e eficaz, pautada pelos princípios assegurados nos
arts; 37, 170, 215 e outros da CF”.
Para ADA PELLEGRINI GRINOVER
59
“a
ação popular garante, em última análise, o direito democrático de
participação do cidadão na vida pública, baseando-se no princípio da
legalidade dos atos administrativos e no conceito de que a coisa pública
é patrimônio do povo. Já nesse ponto nota-se seu estreito parentesco
com as ações que visam à tutela jurisdicional dos interesses difusos,
vistas como expressão de participação política e como meio de
apropriação coletiva de bens comuns”.
A ação popular consiste, assim, em ação
coletiva em defesa de um direito difuso
60
. Dessa forma, aplica-se à ação
popular o regime jurídico-processual coletivo do Código de Defesa do
58
Ação popular, 4ª edição, revista, atualizada e ampliada, São Paulo, Editora Revista dos
Tribunais, 2001, p. 153.
59
“A tutela jurisdicional dos interesses difusos” in Revista Forense 268, Rio de Janeiro, Editora
Forense, 1979, p. 67.
42
Consumidor e da Lei da Ação Civil Pública, no que for cabível
61
,
especialmente, no que diz respeito à questão da coisa julgada
62
.
Um ato da Administração Pública, por
exemplo, pode violar um direito difuso (ato atentatório à moralidade
administrativa e ao erário) e um direito individual (perda de uma
empresa de licitação contra as disposições constantes do edital). Para a
defesa do direito difuso violado, qualquer cidadão tem legitimidade
para propor ação popular, objetivando anular uma licitação fraudulenta,
mediante ação coletiva. Já, para a tutela do direito individual
prejudicado, isto é, a do proponente preterido (pessoa física ou
jurídica), somente aquele poderá ajuizar ação própria individual.
A lesividade do ato ao patrimônio público é
um dos requisitos da ação popular.
Indaga-se se a lesividade deve ser efetiva
ou presumida.
A respeito do assunto, preleciona HELY
LOPES MEIRELLES
63
que “na conceituação atual, lesivo é todo ato ou
omissão administrativa que desfalca o erário ou prejudica a
60
José Carlos BARBOSA MOREIRA, “A ação popular do direito brasileiro como instrumento de
tutela jurisdicional dos chamados “interesses difusos”, cit., p. 110-23.
61
Neste sentido, temos o entendimento de Rodolfo de Camargo MANCUSO, Ação popular, cit.,
p. 196.
62
Se a ação popular for julgada improcedente após instrução suficiente, os efeitos erga omnes da
coisa julgada não poderão prejudicar os direitos individuais (art. 103, § 1º do CDC). Se a ação
popular for julgada procedente, os efeitos benéficos da imutabilidade do comando da sentença
deverão favorecer a esfera individual de cada prejudicado (art. 103, I do CDC).
43
Administração, assim como o que ofende bens ou valores artísticos,
cívicos, culturais, ambientais ou históricos da comunidade. E essa lesão
tanto pode ser efetiva quanto legalmente presumida, visto que a lei
regulamentar estabelece casos de presunção de lesividade (art. 4º), para
os quais basta a prova da prática do ato naquelas circunstâncias para
considerar-se lesivo e nulo de pleno direito. Nos demais casos impõe-se
a dupla demonstração da ilegalidade e da lesão efetiva ao patrimônio
protegível pela ação popular”.
A par da lesividade, é de rigor que o ato
impugnado seja ilegal/ilegítimo.
A grande maioria dos julgados, além de
sublinhar a lesividade, expressamente alude à ilegalidade
64
-
65
.
Lembra, RODOLFO DE CAMARGO
MANCUSO
66
, que “à vista da dicção da vigente Carta Constitucional,
fica, como primeira impressão, que a causa de pedir na ação popular
continuaria a reclamar o binômio “ilegalidade-lesividade”; até porque
se bastasse a só alegação de lesividade, poderia dar-se muita vez que o
Judiciário acabasse colocado na incômoda posição de, a certos
respeitos, ter que avançar no mérito ou na discricionariedade
63
Mandado de segurança, ação popular, ação civil pública, mandado de injunção, habeas data,
16ª edição, São Paulo, Malheiros Editores, 1995, pp. 90-91.
64
Não pode vingar a ação popular se não demonstrada a ilegalidade e lesividade do ato
impugnado” (RT 600:52).
65
“Estão presentes os requisitos da ilegalidade e lesividade do patrimônio público a legitimar a
propositura da ação popular, quando ocorre anistia fiscal concedida por lei municipal
irregularmente elaborada com prejuízo para o erário público” (RJTJSP 96/38).
44
administrativa do ato sindicado, em busca da afirmada lesividade,
quando de correlata ilegalidade não se tivesse queixado o autor
popular”.
O Egrégio Tribunal de Justiça já teve
oportunidade de decidir que “são pressupostos da ação popular, sem os
quais a pretensão é inacolhível entre outros: a lesividade do ato ao
patrimônio público e que o ato lesivo seja contaminado de vício ou
defeito de nulidade ou anulabilidade. São, pois, duas as condições da
actio populares, de coexistência necessária e indeclinável, que
interessam ao debate. A falta de qualquer dessas condições afasta a
admissibilidade da ação”
67
.
Além disso, evidencia-se também a lesão à
moralidade administrativa.
O princípio da moralidade administrativa
está consagrado na Constituição Federal e constitui fundamento de
validade do ato administrativo.
A moralidade administrativa, diante da
ampliação do objeto da ação popular, pode representar uma causa
autônoma, independentemente do requisito da lesão, efetiva ou
presumida ao erário.
66
Ação popular, cit., p. 95.
67
RT 714/116.
45
Nesse sentido, é o posicionamento de
CLÓVIS BEZNOS, referido por RODOLFO DE CAMARGO
MANCUSO
68
, o qual preleciona que “a ampliação do objeto da ação
popular, introduzida pelo Texto Constitucional de 1988, sujeitando a
contraste judicial a lesão à moralidade administrativa, faculta o
ajuizamento da mesma independentemente do tradicional requisito da
lesão patrimonial, efetiva ou presumida, que desde a sua previsão
primeira no ordenamento, impunha-se como condição de sua
procedência”.
É certo que a moralidade, como requisito de
validade do ato administrativo, sujeita-se ao controle jurisdicional. A
moralidade administrativa integra o direito como elemento
indissociável na sua aplicação e finalidade, erigindo-se em fator de
legalidade
69
.
Cumpre lembrar que a legitimação ativa
70
para a ação popular reside na condição do cidadão encontrar-se no gozo
de seus direitos políticos, estabelecendo a lei que a petição inicial
deverá estar instruída com o título eleitoral ou com documento que a ele
corresponda
71
. Daí, pode-se admitir, também, como legitimados ativos,
o brasileiro eleitor menor de dezoito anos e o analfabeto, a quem a
68
Ação popular, cit., p. 89.
69
“O controle jurisdicional se restringe ao exame da legalidade do ato administrativo; mas por
legalidade ou legitimidade se entende não só a conformação do ato com a lei, como também com
a moral administrativa e com o interesse coletivo” (TJSP, RDA 89:134).
70
Súmula 365 do STF: “Pessoa jurídica não tem legitimidade para propor ação popular”. Esta
súmula é anterior à Lei nº 4.717/65, que manteve a mesma orientação.
71
Art. 1º, parágrafo 3º da Lei nº 4.717/65.
46
Constituição atribui a faculdade ao direito de voto (art. 14, § 1º, inciso
II da CF).
O autor da ação popular defende
mediatamente interesses da sociedade, a quem pertencem, em última
análise, os bens tutelados.
O art. 5º da Lei da Ação Popular (Lei nº
4.717, de 29 de junho de 1965), estabelece que “conforme a origem do
ato impugnado, é competente para conhecer da ação, processá-la e
julgá-la, o juiz que, de acordo com a organização judiciária de cada
Estado, o for para as causas que interessem à União, ao Distrito
Federal, ao Estado ou ao Município”.
Comentando esse dispositivo legal,
RODOLFO DE CAMARGO MANCUSO
72
ensina que “a lei se vale de
três critérios especiais de competência: a) Como regra, a causa será
proposta no foro ou juízo competente ao ente político interessado,
considerando-se para tanto a origem do ato sindicado (art. 5º,
caput)...b) Essa vis attractiva competencial em favor do ente político
interessado, é de ser observada, também, quando o ato (ou a omissão
lesiva) seja imputável a ente paraestatal (empresa pública, autarquia,
sociedade de economia mista, ente subvencionado). Ainda nesse caso, o
critério segue sendo o do ente político (União, Estado, Município), que
mantém, subvenciona ou tem interesse patrimonial no ente a que se
72
Ação popular, cit., pp. 183/184.
47
atribui a prática ou omissão lesivas (§ 1º do art. 5º)...c) Quando o ato ou
omissão sindicados na ação toque a mais de um nível de governo, a
competência se desloca em favor do ente político mais proeminente, no
caso a União, o mesmo se dando se a concomitância de interesses
envolver Estado e Município (§ 2º do art. 5º)”.
A respeito da matéria, HELY LOPES
MEIRELLES
73
ensina que “a competência para processar e julgar ação
popular é determinada pela origem do ato a ser anulado. Se este foi
praticado, autorizado, aprovado ou ratificado por autoridade,
funcionário ou administrador de órgão da União, entidade autárquica ou
paraestatal da União ou por ela subvencionada, a competência é do juiz
federal da Seção Judiciária, em que se consumou o ato. Se o ato
impugnado foi produzido por órgão, repartição, serviço ou entidade do
Estado ou por ele subvencionado, a competência é do juiz que a
organização judiciária estadual indicar como competente para julgar as
causas de interesse do Estado. Se o ato impugnado foi produzido por
órgão, repartição, serviço ou entidade do Município ou por este
subvencionado, a competência é do juiz da comarca a que o Município
interessado pertencer, e que, de acordo com a organização judiciária do
Estado respectivo, for competente para conhecer e julgar as causas de
interesse da Fazenda Municipal (Lei nº 4.717, de 1965, art. 5º, e Lei nº
5.010, de 1966, art. 10 a 15)”.
73
Mandado de segurança, ação popular, ação civil pública, mandado de injunção e hábeas data,
12ª edição, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, p. 101.
48
O art. 6º, caput da Lei da Ação Popular
estabelece que “a ação será proposta contra as pessoas públicas ou
privadas e as entidades referidas no art. 1º, contra as autoridades,
funcionários ou administradores que houverem autorizado, aprovado,
ratificado ou praticado o ato impugnado, ou que, por omissas, tiverem
dado oportunidade à lesão, e contra os beneficiários diretos do mesmo.
Ainda, o art. 7º, inciso III da referida lei
estatui que “qualquer pessoa, beneficiada ou responsável pelo ato
impugnado, cuja existência ou identidade se torne conhecida no curso
do processo e antes de proferida a sentença final de primeira instância,
deverá ser citada para a integração do contraditório, sendo-lhe
restituído o prazo para contestação e produção de provas. Salvo, quanto
a beneficiário, se a citação se houver feito na forma do inciso
anterior”
74
.
O texto objetiva alcançar todos os que, por
qualquer forma, tenham participado do ato impugnado
75
, estando
presente a figura do litisconsórcio necessário
76
-
77
. No caso, a natureza
74
Confira a respeito, a ementa que cuida do litisconsórcio necessário: “Ação popular –
Litisconsórcio necessário – Todos os beneficiários diretos do ato tido por ilegal são litisconsortes
necessários, devendo ser citados, circunstância que o autor popular já assinalava em sua inicial.
Recurso a que se nega provimento” (TJSP, AI nº 71.879-5 – São Paulo – 2ª Câmara de Direito
Público – Relator: Lineu Peinado – 11.08.98 – v.u.).
75
Confira: RTJ 123/203.
76
O art. 47 do Código de Processo Civil estabelece que “há litisconsórcio necessário, quando, por
disposição de lei ou pela natureza da relação jurídica, o juiz tiver de decidir a lide de modo
uniforme para todas as partes, caso em que a eficácia da sentença dependerá da citação de todos
os litisconsortes no processo”.
77
Para Nelson NERY JÚNIOR e Rosa Maria Andrade NERY, “caso se trate de litisconsórcio
necessário, todos os litisconsortes devem ser citados para a ação, sob pena da sentença ser dada
49
da relação jurídica é que determina a necessidade do litisconsórcio, na
medida em que a sentença decorrente da inicial deverá atingir de forma
unânime a todos, sendo inadmissível a aceitação de solução diversa
para o mesmo caso e para pessoas intimamente e juridicamente
relacionadas.
LOPES DA COSTA
78
ensina que “sempre
que a pretensão dos litisconsortes ou contra os litisconsortes se funda
na mesma relação jurídica haverá litisconsórcio necessário".
Complementa dizendo que: "quando o interesse é uno e incindível
quanto aos sujeitos ativos ou passivos deverão necessariamente
participar da relação processual porquanto a sentença atinge a todos”.
No mesmo sentido, enfocando o
litisconsórcio necessário, CELSO AGRÍCOLA BARBI
79
preleciona
que "o litisconsórcio necessário, como já se viu acima, é aquele cuja
formação não pode ser dispensada pelas partes. Justifica-se a sua
formação quando o direito em discussão vincula várias pessoas, ou
então pertence, ou interessa, a uma pluralidade de pessoas. Nesses
casos, seria injurídico que a causa fosse decidida sem a participação
dessas pessoas diretamente interessadas. O legislador de 1973 preferiu
determinar a formação do litisconsórcio necessário pela uniformidade
da sentença a ser proferida. Dispôs, então, no artigo 47, que haverá esse
inutilmente (inutiliter data), isto é, não produzir nenhum efeito” (Código de Processo Civil
comentado, 2ª edição, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1994, p. 416).
78
Apud Moacyr Amaral Santos, Primeiras linhas do processo civil, vol. 1, São Paulo: Saraiva.
79
Comentários ao Código de Processo Civil, vol. 1, 6'ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 1991,
p.164-165.
50
litisconsórcio quando 'o juiz tiver de decidir a lide de modo uniforme
para todas as partes. Resumindo: haverá litisconsórcio necessário
quando a) a lei o determinar em casos específicos, podendo, então ser
ativo ou passivo; b) pela natureza da relação jurídica, o juiz tiver de
decidir a lide de modo uniforme para todas as partes e, além disso, o
litisconsórcio for passivo”.
Nesse sentido, é uníssona a jurisprudência
do Egrégio Supremo Tribunal Federal
80
e do Tribunal de Justiça de
Estado de São Paulo
81
.
A sentença de procedência deverá decretar
a invalidade do ato impugnado e condenar ao pagamento das perdas e
danos os responsáveis pela sua prática e os beneficiários dele (art. 11),
bem como condenar os réus no pagamento, ao autor, das custas e
demais despesas judiciais e extrajudiciais, diretamente relacionadas
com a ação e comprovadas, além de honorários advocatícios (art. 12).
Se a ação for julgada improcedente, o autor
só estará sujeito ao pagamento dos ônus sucumbenciais, em caso de
ficar reconhecida “lide manifestamente temerária”, caso em que será
condenado ao pagamento do décuplo das custas (art. 13).
80
“Sendo, o beneficiário, litisconsorte necessário do ato de provimento que se pretende
ineficacizar, é nulo, ab initio, o processo em que não foi citado para o contraditório e defesa,
podendo essa nulidade ser postulada pelo Ministério Público” (RSTJ 43/332).
81
“Ação popular – Litisconsórcio necessário – Todos os beneficiários diretos do ato tido por
ilegal são litisconsortes necessários, devendo ser citados, circunstância que o autor popular já
assinalava em sua inicial. Recurso a que se nega provimento” (TJSP, AI nº 71.879-5 – São Paulo
– 2ª Câmara de Direito Público – Relator: Lineu Peinado – 11.08.98 – v.u.).
51
A sentença que extinguir o processo sem
julgamento do mérito e aquela que julgar improcedente o pedido
estarão sujeitas a reexame necessário (art. 19, caput), sem prejuízo do
recurso de apelação, que poderá ser interposto não só pelo autor, como
também pelo Ministério Público e por qualquer cidadão (art. 19,
parágrafo 2º).
2. Ação civil pública
Antes da edição da Lei da Ação Civil
Pública (Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985), havia poucas fórmulas
para a defesa dos interesses difusos e coletivos
82
.
ADA PELLEGRINI GRINOVER
83
informa
que foi o trabalho de José Carlos Barbosa Moreira, publicado sob o
título “A ação popular do direito brasileiro como instrumento de tutela
jurisdicional dos chamados interesses difusos”, que surgiu como obra
82
“Uma delas era a ação popular, ajuizada pelo cidadão (artigo 153, § 31, da Carta de 1969, hoje,
art. 5º, LXXIII, da CR em vigor). Outra, era a ação civil conferida ao Ministério Público, como,
exemplificativamente, o requerimento de interdição (artigo 1.177, III, do CPC), a ação de
nulidade de casamento (art. 208, parágrafo único, do CC), a representação ao Supremo Tribunal
Federal para declarar-se a inconstitucionalidade de lei (art. 119, I, letra “l”, da Carta de 1969,
hoje, arts. 101, I, letra “a” e 103, VI, da CR), a notificação do loteador para regularizar o
loteamento (art. 38, § 2º, da Lei nº 6766/79), a ação de responsabilidade por danos ao meio
ambiente (art. 14, § 1º, da Lei nº 6.938/81), a ação de responsabilidade de administradores em
casos de liquidação extrajudicial de instituições financeiras (art. 46 da Lei nº 6.024/74) e ainda
várias hipóteses esparsas. Ainda outra fórmula era encontrada quando se autorizavam entidades
de classe a postular interesses coletivos em juízo, como quanto à Ordem dos Advogados do Brasil
e ao seu presidente (arts. 1º, § único, e 129 da Lei n. 4.215/63), ou quanto às associações de
defesa de direitos autorais (art. 104 da Lei nº 5.988/73)” (Hugo Nigro MAZZILLI, A defesa dos
interesses difusos em juízo, cit., pp. 26/27).
83
A tutela dos interesses difusos, 1ª edição, São Paulo, Max Limonad, 1984, pp. 2 e 55.
52
de vanguarda no tema da tutela dos interesses difusos. Em seguida, os
trabalhos de Waldemar Mariz de Oliveira Júnior e Ada Pellegrini
Grinover trouxeram grandes contribuições no período anterior ao
advento da Lei nº 7.347/85, para o desenvolvimento da matéria. Os
citados doutrinadores, em conjunto com os professores Cândido Rangel
Dinamarco e Kazuo Watanabe, participaram do denominado “Projeto
Bierrenbach”, que serviu de marco para a edição da Lei da Ação Civil
Pública, o qual, todavia, ressentia de melhor aperfeiçoamento, porque
não existia previsão, por exemplo, para a ação cautelar.
Além disso, cumpre realçar o trabalho
desenvolvido por membros do Ministério Público Paulista discutindo os
interesses difusos, quais sejam, Antônio Augusto Mello de Camargo
Ferraz, Édis Milaré e Nelson Nery Júnior, que resultou em uma obra
denominada “Ação Civil Pública e a Tutela Jurisdicional dos Interesses
Difusos”, principiada no XI Seminário Jurídico de Grupo de Estudos do
Ministério Público do Estado de São Paulo
84
.
O referido trabalho transformou-se em
anteprojeto, que foi encaminhado ao Ministério da Justiça e pelo fato de
ser mais abrangente que o “Projeto Bierrenbach”, acabou sendo
apresentado como mensagem do Governo Federal. Em seguida, foi
aprovado pelo Congresso Nacional, com alguns vetos importantes pelo
84
“Teses e Relatórios”- XI Seminário Jurídico dos Grupos de Estudos do Ministério Público do
Estado de São Paulo - Grupos de Estudos Associação Paulista do Ministério Público, São
Lourenço, 1983, Editora Saraiva, São Paulo.
53
Presidente da República, transformando-se na Lei nº 7.347 de 24 de
julho de 1985.
A Lei nº 7.347/85 foi modificada pelo
Código de Defesa do Consumidor, o qual acrescentou dispositivos
importantes, ou seja, seria a ação civil pública admitida em defesa de
qualquer outro interesse difuso ou coletivo (antes objeto de veto
presidencial), bem como haveria interação da parte processual entre os
dois diplomas legais. Em seguida, o artigo 88 da Lei nº 8.884, de 11 de
junho de 1994 (Lei Antitruste) modificou o caput do art. 1º da Lei da
Ação Civil Pública, deixando expressa a circunstância de indenizar
danos não só patrimoniais como morais, bem como acrescentou ao
mencionado dispositivo, o inciso V relacionado à infração da ordem
econômica. A Medida Provisória nº 2.180-35/01, art. 6º acrescentou no
inciso V do art. 1º da Lei da Ação Civil Pública a defesa da economia
popular, acrescentando, como inciso VI, a defesa da ordem
urbanística
85
.
Desse modo, a redação do artigo 1º
da Lei
da Ação Civil Pública passou a ser a seguinte: “Regem-se pelas
disposições desta lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de
responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados: I – ao meio
ambiente; II – ao consumidor; III – a bens e direitos de valor artístico,
estético, histórico, turístico e paisagístico; IV – a qualquer outro
85
O inciso VI do art. 1º da LACP tinha sido acrescentado pelo art. 53 da Lei nº 10.257/01, como
inc. III do referido art. 1º, renumerando-se os demais. Depois, por força do art. 6º da Medida
Provisória nº 2.180-35/01, passou a constar do rol do art. 1º da LACP, mantidos os demais.
Outrossim, o art. 21 da mesma medida provisória revogou o art. 53 da Lei nº 10.257/01.
54
interesse difuso ou coletivo; V – por infração da ordem econômica e da
economia popular e VI – à ordem urbanística”.
Medidas provisórias
86
introduziram um
parágrafo único ao art. 1º da Lei da Ação Civil Pública
87
, com o
objetivo de impedir a tutela coletiva na defesa de alguns interesses.
Todavia, essa norma fere a regra constitucional de que a lei não
excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.
Essa regra não se refere apenas a direitos individuais e sim, também,
coletivos, pois de ambos cuida o art. 5º da Carta Magna.
3. Constituição Federal de 1988 e a legislação posterior
A Constituição Federal de 1988, tendo em
conta os bons resultados práticos da Lei da Ação Civil Pública, ampliou
a defesa dos interesses transindividuais ou metaindividuais.
Dessa forma, o art. 5º, inciso XXI conferiu
às entidades associativas, quando expressamente autorizadas, a
legitimidade para representar seus filiados. O art. 5º, inciso LXX
cuidou do mandado de segurança coletivo, que pode ser impetrado por
partido político, organização sindical, entidade de classe ou associação
legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano. O
art. 5º, inciso LXXIII ampliou as hipóteses de propositura da ação
86
Medidas provisórias 2.102-26/00 e 2.180-35/01 e s.
87
Art. 1º, parágrafo único da LACP: “Não será cabível ação civil pública para veicular pretensões
que envolvam tributos, contribuições previdenciárias, o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço
– FGTS ou outros fundos de natureza institucional cujos beneficiários podem ser individualmente
determinados.
55
popular pelo cidadão. O art. 8º, inciso III cometeu ao sindicato a defesa
dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria. O artigo
103 aumentou o rol dos legitimados ativos da ação de
inconstitucionalidade. O artigo 129, III, IV e V e seu parágrafo 1º deu
ampla legitimação ao Ministério Público para a propositura de ações
civis públicas na defesa de interesses coletivos ou difusos. Por fim, o
artigo 232 cometeu aos índios, suas comunidades e organizações a
legitimação ativa para as ações em defesa de seus interesses.
Posteriormente à Lei da Ação Civil Pública,
surgiram leis esparsas, objetivando a defesa dos interesses difusos e
coletivos. Em regra, são elas: a Lei nº 7.853, de 24 de outubro de 1989
(que cuidou da ação civil pública em defesa das pessoas portadoras de
deficiência); a Lei nº 7.913, de 7 de dezembro de 1989 (que tratou da
ação civil pública de responsabilidade por danos causados aos
investidores no mercado de valores mobiliários); a Lei nº 8.069, de 13
de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), a Lei nº
8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor);
a Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992 (Lei de Improbidade
Administrativa); a Lei nº 8.884, de 11 de junho de 1994 (que se refere à
responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados por
infrações de ordem econômica); a Lei nº 10.257, de 10 de julho de
2001, conhecida como Estatuto da Cidade (que cuida da ordem
urbanística); a Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003 (que instituiu o
Estatuto do Idoso – direitos das pessoas com idade igual ou superior a
56
sessenta anos) e a Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (que instituiu a
defesa das mulheres).
4. Mandado de Segurança Coletivo
88
O mandado de segurança
89
é uma garantia
constitucional, estando previsto no inciso LXIX, do art. 5º da
Constituição Federal. Da mesma forma, o mandado de segurança
coletivo, como garantia constitucional, encontra-se expresso no inciso
LXX do referido art. 5º da Carta Magna.
Existe divergência doutrinária sobre a
natureza jurídica do mandado de segurança coletivo.
JOSÉ ROGÉRIO CRUZ E TUCCI
90
entende o mandado de segurança coletivo “como espécie do mandado
de segurança podendo ser conceituado como um instituto de direito
processual constitucional, cujo objetivo precípuo diz com a verificação
88
José CRETELLA JÚNIOR define: “é a ação de rito especial que determinadas entidades,
enumeradas expressamente na Constituição, podem ajuizar para a defesa, não de direitos próprios,
inerentes a essas entidades, mas de direito líquido e certo de seus membros, ou associados,
ocorrendo, no caso, o instituto da substituição processual”. O Prof. Alfredo Buzaid conceitua: “é
uma ação judicial impetrada por partido político, organização sindical, entidade de classe ou
associação constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, fundando-se em direito
líquido e certo ameaçado ou violado por ilegalidade ou abuso de poder, praticado por autoridade
pública” (Prof. Alfredo BUZAID, Considerações sobre o Mandado de Segurança Coletivo, São
Paulo, Editora Saraiva, 1992, pp. 9/10).
89
“Mandado de segurança é o meio constitucional posto à disposição de toda pessoa física ou
jurídica, órgão com capacidade processual, ou universalidade reconhecida por lei, para a proteção
de direito individual ou coletivo, líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas
data, lesado ou ameaçado de lesão, por ato de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais
forem as funções que exerça” (Hely Lopes MEIRELLES, Mandado de Segurança, 16ª edição
atualizada pela Constituição de 1988 e legislação posterior por Arnoldo Wald, São Paulo,
Malheiros Editores, 1995, pp. 17-8).
90
“Class Action” e Mandado de Segurança Coletivo, São Paulo, Editora Saraiva, 1990, p. 38.
57
da inconstitucionalidade ou ilegalidade de ato de agente do Poder
Público ou a ele equiparado, responsável pela sua efetuação”.
Para o Prof. ALFREDO BUZAID
91
, o
mandado de segurança coletivo “é, pois, uma ação judicial preordenada
a tutelar uma categoria especial de direitos líquidos e certos ameaçados
ou violados por autoridade pública ou por quem lhe exerça as funções
delegadas. Neste sentido, é o entendimento de OVÍDIO BAPTISTA
DA SILVA
92
.
NELSON NERY JÚNIOR
93
relata que a
doutrina vem se posicionando no magistério de Ada Pellegrini Grinover
e Kazuo Watanabe, no sentido de entender “o mandado de segurança
como ação potenciada, destinada a defesa de direitos difusos, coletivos
e individuais, homogêneos tratados coletivamente”
94
.
A ligação entre o mandado de segurança
individual e o coletivo é evidente, sendo certo que o constituinte deixou
91
Considerações sobre o mandado de segurança coletivo, cit., pp. 20/21.
92
“O mandado de segurança coletivo é o mesmo mandado de segurança tradicional a que apenas
se outorgou legitimidade especial às entidades representativas de grupos sociais na defesa do
mesmo direito subjetivo - pertencente aos respectivos grupos sociais - quando ameaçados ou
violados por ato ilegal” (Carlos Eduardo Faraco BRAGA, “Ações coletivas” in Revista de Direito
do Consumidor volume 7, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1993, p. 87).
93
Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto, 2ª
edição, Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1992, p. 616.
94
Ada Pellegrini GRINOVER aduz que essa “eficácia potenciada”, reside em certas
circunstâncias: “a) por ele, a Constituição firma o princípio da inviolabilidade do direito líquido e
certo, ao mesmo tempo fustigando a ilegalidade ou abuso de poder; b) ao proteger o direito
líquido e certo (entendido como aquele que exsurge de simples prova documental), a Constituição
desde logo impõe um procedimento abreviado, sem qualquer dilação probatória para a fase
instrutória; c) a Constituição promete um provimento jurisdicional que elimine ou evite a lesão e
que restaure efetivamente o direito, mediante tutela in natura e não pelo equivalente monetário;
d) o mandado de segurança coletivo reforça o princípio da efetividade do processo” (“Mandado
58
de definir os contornos deste último, porque já o fizera em relação ao
primeiro no inciso LXIX do artigo 5º da Constituição Federal
95
.
Ao mandado de segurança coletivo
aplicam-se os dispositivos da Lei nº 1.533/51 (Lei do mandado de
segurança), no que se refere às generalidades do instituto, tais como as
condições da ação (direito líquido e certo e o ato ilegal ou abusivo da
autoridade) e disposições procedimentais
96
, como, por exemplo, o
rito
97
.
O mandado de segurança coletivo difere do
mandado de segurança individual, no que respeita à legitimação ativa,
coisa julgada e quanto à concessão da liminar (art. 2º da Lei nº
8.347/92
98
).
de Segurança Coletivo: Legitimação, Objeto e Coisa Julgada” in Revista de Processo volume 58,
São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1990, p. 76).
95
”Na análise do mandado de segurança coletivo, a primeira afirmação, embora possa parecer um
truísmo, é de que não estamos frente a um novo instituto jurídico, mas sim a Constituição veio,
apenas, ampliar o elenco das pessoas capacitadas ao ajuizamento da garantia mandamental, para
tanto utilizando a técnica da substituição processual. Assim, no pólo ativo da relação processual
não irá figurar somente a pessoa cujo direito subjetivo tenha sido, ou se afirma que o foi, violado
por ato ilegal ou praticado com abuso de poder, por autoridade pública ou por agente de pessoa
jurídica no exercício de atribuição do Poder Público, mas poderá figurar também ‘a organização
sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo
menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados’, assim como ‘partido
político com representação no Congresso Nacional’ (Constituição Federal, art. 5º, LXIX e LXX)”
(Athos Gusmão CARNEIRO, “Aspectos do mandado de segurança coletivo” in Direito & Justiça,
Brasília, Correio Brasiliense, 1992, p. 4).
96
Lourival Gonçalves de OLIVEIRA, “Interesse processual e mandado de segurança coletivo” in
Mandados de segurança e de injunção, Coordenador: Sálvio de Figueiredo Teixeira, São Paulo,
Editora Saraiva, 1990, p. 140.
97
Uadi Lamêgo BULOS, Mandado de segurança coletivo, São Paulo, Editora Revista dos
Tribunais, 1996, p. 68.
98
”Art. 2º da Lei nº 8.347/92: a liminar será concedida quando cabível, após a audiência do
representante judicial da pessoa de direito público que deverá se pronunciar no prazo de setenta e
duas horas”.
59
São incompatíveis com o mandado de
segurança coletivo, os dispositivos contidos nos artigos 1º, parágrafo
99
; 3º
100
e 7º, inciso II
101
da Lei nº 1.533/51.
Os artigos 1º, parágrafo 2º e 3º da Lei nº
1.533/51 não se harmonizam com o mandado de segurança coletivo,
porque neste é vedada a defesa dos interesses pelos indivíduos.
A liminar no mandado de segurança
coletivo
102
não será concedida inaudita altera pars, diante o disposto no
artigo 2º da Lei nº 8.347/92.
O preceito constitucional do mandado de
segurança coletivo, quando se refere à “defesa dos interesses de seus
membros ou associados” (artigo 5º, LXX, alínea “b”) quer dizer
interesse coletivo lato sensu dessas entidades e não direito líquido e
certo, que já é seu pressuposto.
99
“Art. 1º, § 2º da Lei nº 1.533/51: quando o direito ameaçado ou violado couber a várias pessoas,
qualquer delas poderá requerer o mandado de segurança”.
100
“Art. 3º da Lei nº 1.533/51: o titular de direito líquido e certo decorrente de direito, em
condições idênticas, de terceiro, poderá impetrar mandado de segurança a favor do direito
originário, se o seu titular não o fizer, em prazo razoável, apesar de para isso notificado
judicialmente”.
101
“Art. 7º, inc. II da Lei nº 1.533/51: ao despachar a inicial, o juiz ordenará: II - que se suspenda
o ato que deu motivo ao pedido, quando for relevante o fundamento e do ato impugnado puder
resultar a ineficácia da medida, caso seja deferida”.
102
“A liminar, neste tipo de mandado, ganha uma maior dimensão na medida em que, ao evitar a
ineficácia da prestação jurisdicional obtida através da sentença, estará evitando, ao mesmo tempo,
a lesão ao direito de vários indivíduos” (Betina Rizzato LARA, Liminares no processo civil, São
Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1998, p. 155).
60
ADA PELLEGRINI GRINOVER
103
ressalta que “a locução parece restritiva, à primeira vista, levando
eventualmente a ser interpretada no sentido de que os interesses visados
são apenas os coletivos e os individuais homogêneos. Mas a
interpretação que restringisse o objeto da segurança coletiva aos
interesses dos membros da categoria fugiria ao critério da maior
amplitude do instrumento potenciado. E ainda, a adotar-se essa posição,
chegaríamos à conclusão de que o dispositivo é supérfluo, absorvido
como ficaria, para os sindicatos, pelo disposto no art. 8º, III e, para as
entidades associativas, pelo inc. XXI do art. 5º”.
A questão sobre quais os direitos tuteláveis
pelo mandado de segurança coletivo (difusos, coletivos e individuais
homogêneos) é polêmica.
UADI LAMÊGO BULOS
104
, JOSÉ
ROGÉRIO CRUZ e TUCCI
105
, CARLOS MÁRIO DA SILVA
VELLOSO
106
e ERNANE FIDÉLIS DOS SANTOS
107
, entre outros,
entendem que o mandado de segurança coletivo não pode tutelar
interesses difusos.
103
“Mandado de segurança coletivo: legitimação e objeto” in Revista de Direito Público volume
93, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1990, p. 21.
104
Mandado de segurança coletivo, cit., p. 64.
105
“Class action” e mandado de segurança coletivo, cit., pp. 40-1.
106
“Do mandado de segurança e institutos afins na Constituição de 1988” in Mandados de
segurança e de injunção, Coordenador: Sálvio de Figueiredo Teixeira, São Paulo, Editora Saraiva,
1990, p. 97.
107
“Mandado de segurança individual e coletivo (legitimação e interesse)” in Mandados de
segurança e de injunção, Coordenador: Sálvio de Figueiredo Teixeira, São Paulo, Editora
Saraiva, 1990, p. 132.
61
De outra parte, ADA PELLEGRINI
GRINOVER
108
, NELSON NERY JÚNIOR
109
, LOURIVAL
GONÇALVES DE OLIVEIRA
110
, ALFREDO BUZAID
111
, CARLOS
ARI SUNDFELD
112
e CELSO AGRÍCOLA BARBI
113
, entre outros,
entendem que o mandado de segurança coletivo pode ter por objeto
direito ou interesse difuso.
Ao que parece, este último posicionamento
deve prevalecer, não se podendo efetuar uma interpretação restritiva do
texto constitucional.
Assim sendo, os direitos tuteláveis pelo
mandado de segurança coletivo são os difusos
114
, os coletivos
propriamente ditos
115
e os individuais homogêneos
116
.
Na petição inicial do mandado de segurança
coletivo não é necessário nominar todos ou alguns dos associados ou
108
“Mandado de segurança coletivo: legitimação, objeto e coisa julgada” in Revista de Processo
volume 58, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1990, pp. 78-9.
109
“Mandado de segurança coletivo” in Revista de Processo volume 57, São Paulo, Editora
Revista dos Tribunais, 1990, pp. 154-5.
110
“Interesse processual e mandado de segurança coletivo” in Mandados de segurança e de
injunção, Coordenador: Sálvio de Figueiredo Teixeira, cit., p. 142.
111
Considerações sobre o mandado de segurança coletivo, cit., p. 51.
112
“Mandado de segurança coletivo na Constituição de 1988” in Revista de Direito Público
volume 89, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1989, p. 41.
113
“Mandado de segurança coletivo” in Mandado de segurança, Coordenador: Aroldo Plínio
Gonçalves, Belo Horizonte, Del Rey, 1996, p. 66.
114
“Interesses difusos são os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares
pessoas indeterminadas ou ligadas por circunstâncias de fato” (art. 81, parágrafo único, inciso I
do Código de Defesa do Consumidor).
115
“Interesses coletivos propriamente ditos são os transindividuais de natureza indivisível de que
seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma
relação jurídica-base” (art. 81, parágrafo único, inciso II do Código de Defesa do Consumidor).
116
“Interesses individuais homogêneos são os decorrentes de origem comum” (art. 81, parágrafo
único, inciso III do Código de Defesa do Consumidor).
62
filiados do impetrante, porque não se configura a natureza jurídica da
legitimação em representação, mas sim, em legitimação própria para as
ações coletivas (rectius, legitimação coletiva).
O procedimento do mandado de segurança
individual e coletivo é o mesmo. A diferença entre o mandado de
segurança individual e o coletivo é que o primeiro visa a proteção de
direito individual e o outro a de direito coletivo lato sensu.
Sem dúvida, é cabível a liminar no
mandado de segurança coletivo, presentes os pressupostos para sua
concessão (relevante fundamento e ineficácia da medida).
Como salienta BETINA RIZZATO
LARA
117
“a liminar, neste tipo de mandado, ganha uma maior
dimensão na medida em que, ao evitar a ineficácia da prestação
jurisdicional obtida através da sentença, estará evitando, ao mesmo
tempo, a lesão ao direito de vários indivíduos”.
Releva notar quanto ao mandado de
segurança coletivo a circunstância do artigo 2º da Lei nº 8.437, de 30 de
junho de 1992, a qual determina que “a liminar será concedida, quando
cabível, após a audiência do representante judicial da pessoa jurídica de
direito público, que deverá se pronunciar no prazo de setenta e duas
horas”. Contudo, desde que a prévia oitiva do representante judicial da
pessoa jurídica de direito público, no prazo de setenta e duas horas,
63
acarrete a ineficácia do ato, não poderá o juiz sujeitar a concessão da
medida liminar requerida no bojo do mandado de segurança coletivo ao
regime deste artigo 2º
118
.
Com a Constituição de 1988 autorizou-se o
mandado de segurança para utilização “por certas entidades para, na
condição de substitutas processuais, buscarem tutela de um conjunto de
direitos subjetivos de terceiros”
119
, proporcionando maior facilidade de
acesso à justiça.
As partes legítimas para impetrar o
mandado de segurança coletivo, em conformidade com o inciso LXX
do artigo 5º da Constituição Federal, são: a) o partido político com
representação no Congresso Nacional e b) organização sindical,
117
Liminares no processo civil, cit., p. 155.
118
“Em casos excepcionalíssimos, nos quais a demora na tutela antecipada colocaria em risco
valores exponenciais, o juiz afastará a incidência dessa regra, para prover liminar com
fundamentação diretamente calcada na Constituição. Imagine-se a hipótese, já ocorrida no âmbito
da competência da Justiça Federal, em que o Governo proíbe a operação de câmbio ou a onera
excessivamente e o requerente precisa comprar moeda estrangeira, com urgência, para submeter-
se a cirurgia somente praticada no exterior. Se o magistrado for ouvir o Banco Central, em 72
horas, antes de deferir a liminar, a causa pode esvaziar-se pela perda da vida do postulante. A
medida será, então, deferida imediatamente, sem prejuízo da intimação do requerido, para
manifestação, dada a prevalência absoluta do direito à vida e à aplicação da garantia da
inafastabilidade da tutela jurisdicional, em situação na qual o tempo poderia torná-la ineficaz.
Não é possível afastar-se a aplicação dessa regra em situações nas quais o esforço de realização
rápida da notificação baste para o Juiz abrir a oportunidade de manifestação à entidade pública. A
pretexto de haver direito em risco, não poderá o magistrado descumprir o comando legal, sem que
haja razões muito fortes para tanto, apoiadas, repito, na iminência de o requerente sofrer grave e
irreparável lesão se for observado o prazo de 72 horas para ouvida da parte contrária” (José
Lázaro Alfredo GUIMARÃES, As ações coletivas e as liminares contra atos do poder público,
edição, Brasília, Brasília Jurídica, s.d., p. 37).
119
“O que há de novo, destarte, é apenas uma forma de defesa coletiva de direitos individuais e
não uma forma de defesa de direitos coletivos” (Teori Albino ZAVASCKI, “Defesa de Direitos
Coletivos e Defesa Coletiva de Direitos” in Revista de Processo volume 78, São Paulo, Editora
Revista dos Tribunais, 1995, p. 39)
64
entidade de classe ou associação legalmente constituída e em
funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus
membros ou associados
120
.
O tipo de legitimação para a causa que a
Constituição estabelece é ordinária
121
.
ADA PELLEGRINI GRINOVER
122
ao
interpretar a expressão “defesa dos interesses de seus membros ou
associados” preleciona: “a locução parece restritiva à primeira vista,
levando eventualmente a ser interpretada no sentido de que os
interesses visados são apenas os coletivos. Mas a interpretação que
restringisse o objeto da segurança coletiva aos interesses dos membros
da categoria fugiria ao critério da maior amplitude do instrumento
potenciado. E ainda a adotar-se esta posição, chegaríamos à conclusão
120
“O escopo da Constituição Federal quando criou o mandado de segurança coletivo, não foi o de
restringí-lo a que as entidades legitimadas defendessem somente os direitos de seus associados,
ou, ainda, os coletivos de uma categoria ou grupo de pessoas. Ao contrário, foi de estabelecer
única e simplesmente regra processual de legitimação ativa para a causa. Com efeito, o termo
coletivo do art. 5º, não se refere ao interesse ou direito buscado pelo mandado de segurança, mas
sim à qualificação de um instituto novo, que se contrapõe à titularidade ativa do já tradicional
mandado de segurança, que se prestava à defesa de interesse unicamente individual segundo a
Constituição Federal de 1969. Em outras palavras: mandado de segurança coletivo é o mesmo
mandado de segurança do inciso LXIX do art. 5º da Constituição Federal de 1988, somado à
peculiaridade de que a legitimatio ad causam para sua impetração é conferida a entidades e
partidos políticos com representação no Congresso Nacional, isto é, com uma legitimação não
individual para a causa” (Nelson NERY JÚNIOR, “Mandado de Segurança Coletivo - Instituto
que não alterou a natureza do mandado de segurança já constante das Constituições anteriores -
Partidos políticos - Legitimidade “ad causam” in Revista de Processo volume 57, cit., p. 153).
121
“Se a entidade age na defesa de seus interesses institucionais - proteção ao ambiente, aos
consumidores, aos contribuintes, por exemplo -, neste caso a legitimação seria ordinária; se atua
no interesse de alguns de seus filiados, membros ou associados, que não seja comum a todos, nem
esteja compreendido em seus objetivos institucionais, neste caso, sim, haveria uma verdadeira
substituição processual” (Ada Pellegrini GRINOVER, “Mandado de Segurança Coletivo:
Legitimação, Objeto e Coisa Julgada”, cit., p. 77).
122
“Mandado de segurança coletivo: legitimação e objeto”, cit., p. 21.
65
de que o dispositivo é supérfluo, absorvido como ficaria para os
sindicatos, pelo disposto no art. 8º, III e para as entidades associativas
pelo inciso XXI do art. 5º.
Uma questão relevante que se coloca é a de
saber da necessidade ou não de autorização ao ente legitimado para que
este possa impetrar o mandado de segurança coletivo.
Ao que parece, a resposta é negativa,
porque a legitimação ativa no mandado coletivo é de natureza
constitucional. Como diz o Prof. ALFREDO BUZAID
123
, “a
autorização para litigar em nome próprio por interesse de terceiro foi
dada pela Constituição de forma ampla, não sendo lícito ao intérprete
limitá-la justamente no ponto em que foi ela ampliada, criando
condição não prevista pelo constituinte. A impetração de mandado de
segurança coletivo independe, pois, de deliberação da assembléia da
entidade de classe ou de associação”. Este posicionamento é seguido
por JOSÉ ROGÉRIO CRUZ E TUCCI
124
, RODOLFO DE CAMARGO
MANCUSO
125
, ADA PELLEGRINI GRINOVER
126
, entre outros.
123
Considerações sobre o mandado de segurança coletivo, cit., p. 67.
124
“A exemplo do que se dá nas class actions não se afigura necessário, como alguns imaginam,
autorização formal e expressa dos membros do grupo para que a entidade legitimada atue no
interesse daqueles. Trata-se, in casu, “de legitimação substitutiva extravagante”, não reclamando,
como nas demais hipóteses de legitimação extraordinária, previstas em nosso ordenamento
jurídico, qualquer manifestação de vontade dos titulares do direito material” (Class action e
mandado de segurança coletivo, cit., p. 42).
125
“Aliás, a exigência de autorização dos substituídos, no caso do inciso LXX, sobre não ter
sentido lógico, acabaria por descaracterizar a ratio essendi do mandado de segurança coletivo,
que, repousa, exatamente, na consideração de que certos “corpos intermediários” são
recepcionados no Direito como sendo os “representantes adequados” (enti esponenziali, adequati
portatori, na doutrina italiana) de certos interesses coletivos, tornando de todo supérflua e
desprovida de interesse a “autorização dos integrantes da coletividade concernente” (Rodolfo de
66
Uma indagação que se apresenta é a de
saber se o Ministério Público possui legitimidade ad causam para
impetrar mandado de segurança coletivo.
Embora o Ministério Público não se
encontre elencado no inciso LXX do artigo 5º da Constituição Federal,
podemos afirmar, com segurança, no sentido de sua legitimidade ativa
para o ajuizamento do mandado de segurança coletivo.
Considerando que o mandado de segurança
coletivo representa uma ação coletiva, exsurge daí, portanto, a presença
de interesse social.
É função institucional do Ministério
Público a defesa do interesse social. Assim, sempre que se estiver
diante de uma ação coletiva, estará aí presente o interesse social, que
legitima a intervenção e a ação em juízo do Ministério Público (artigos
127, caput e 129, inciso IX da Constituição Federal).
Camargo MANCUSO, “Uma Análise Comparativa entre os Objetos e as Legitimações Ativas das
Ações Vocacionadas à Tutela dos Interesses Metaindividuais: Mandado de Segurança Coletivo,
Ação Civil Pública, Ações do Código de Defesa do Consumidor e Ação Popular” in Revista
Justitia volume 160, São Paulo, 1992, pp. 191/192).
126
“Não temos dúvida em afirmar que, para o ajuizamento do mandado de segurança coletivo,
nem os partidos, nem as organizações sindicais, nem as entidades de classe e nem mesmo as
associações legalmente constituídas necessitam daquela autorização a que alude o inciso XXI do
art. 5º da Constituição para outras ações que não a segurança coletiva” (“Mandado de segurança
coletivo: legitimação, objeto e coisa julgada, cit., p. 59).
67
Quanto à coisa julgada, em matéria de
mandado de segurança coletivo, ADA PELLEGRINI GRINOVER
127
conclui: “A Constituição brasileira, contudo, não acolheu o critério da
aferição, caso a caso, da adequação da representatividade, satisfazendo-
se com a existência e a pré-constituição dos corpos intermediários
legitimados à ação; diante disso, a única técnica capaz de harmonizar,
de constitutione lata, as peculiaridades da coisa julgada no mandado de
segurança coletivo, com as garantias do devido processo legal, é a da
extensão do julgado secundum eventum litis. Em caso de sentença
desfavorável, os interessados poderão mover demandas pessoais, a
título individual”.
ANTÔNIO GIDI
128
entende que o tema da
coisa julgada no mandado de segurança coletivo, à falta de
regulamentação própria, encontra-se previsto nos artigos 103 e 104 do
Código de Defesa do Consumidor e lembra que a questão foi tratada
com precisão por MICHEL TEMER.
O sujeito passivo do mandado de segurança
coletivo é a autoridade pública ou agente de pessoa jurídica, quando
ameaça ou viola direito líquido e certo, não amparado por habeas
corpus ou habeas data.
127
“Mandado de segurança coletivo: legitimação, objeto e coisa julgada, cit., pp. 121-122.
128
“Michel TEMER aduz: deriva, assim, da Constituição, a autorização - se não mesmo a
determinação para o legislador ordinário, ao regulamentar o mandado de segurança coletivo,
estabelecer que a decisão judicial fará coisa julgada quando for favorável à entidade impetrante e
não fará coisa julgada quando a ela desfavorável. Com isso fica aberta a possibilidade do
mandado de segurança individual quando a organização coletiva não for bem sucedida no pleito
judicial” (Antônio GIDI, cit., pp. 83/84).
68
CAPÍTULO IV
OBJETO DA LEI DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA – LEI Nº 7.347/85
69
SUMÁRIO: 1. Campo de incidência – 1.1. Meio ambiente – 1.2.
Consumidor – 1.3. Bens e direitos de valor artístico, estético, histórico,
turístico e paisagístico – 1.4. Qualquer outro interesse difuso ou
coletivo: 1.4.1. Defesa das pessoas portadoras de deficiência – 1.4.2.
Defesa dos investidores do mercado de valores mobiliários – 1.4.3.
Defesa da criança e do adolescente – 1.4.4. Código de Defesa do
Consumidor – 1.4.5. Lei de Improbidade Administrativa: 1.4.5.1.
Conceito de improbidade administrativa – 1.4.5.2. Legitimação para
agir – 1.4.5.3. Competência: a questão do foro privilegiado – 1.4.5.4.
Notificação prévia do demandado – 1.4.5.5. Medidas acautelatórias na
ação de improbidade administrativa – 1.4.5.6. Sanções do art. 12 da Lei
de Improbidade Administrativa – 1.4.5.7. Prescrição – 1.4.6. Defesa do
idoso – 1.4.7. Defesa das mulheres – 1.5. Defesa da ordem econômica e
da livre concorrência – 1.6. Ordem urbanística – 2. Causa de pedir e
pedido
1. Campo de incidência
Uma leitura apressada do art. 1º da Lei da Ação
Civil Pública poderia causar a impressão de que somente poderia ser objeto
de ação civil pública a responsabilidade por danos materiais e morais a
interesses transindividuais. Entretanto, a ação civil pública pode ter por
objeto: a) pedido destinado a evitar os danos (art. 4º da LACP); b) pedido
cominatório (art. 3º, segunda parte da LACP) e c) qualquer outro pedido
para a eficaz tutela coletiva (art. 21 da LACP e arts. 83 e 90 do CDC).
Além disso, é possível, através da ação civil pública, a tutela dos interesses
individuais homogêneos, diante da interação com o Código de Defesa do
Consumidor (art. 21 da LACP, introduzido pelos arts. 117 e 90 do CDC).
70
1.1 – Meio ambiente
A primeira categoria de interesses difusos
de que versa a Lei da Ação Civil Pública é o meio ambiente.
A Constituição Federal, no seu artigo 225,
caput, dispõe que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade
de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de
defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.
Observa-se, pois, que o meio ambiente sadio
foi alçado à categoria de verdadeiro dogma constitucional, essencial à
sadia qualidade de vida e como a vida é direito fundamental da pessoa
humana, o meio ambiente equilibrado, sadio, é essencial à vida humana,
portanto direito fundamental. O meio ambiente, pois, é indispensável e
indissociável do direito à vida, conseqüentemente de uma vida digna,
ou seja, essencial à vida humana com dignidade, princípio maior
erigido constitucionalmente (art. 1º, inciso III da Carta Constitucional).
A Constituição do Estado de São Paulo, na
mesma linha da Carta Maior, confere, igualmente, inteira guarida ao
meio ambiente.
Com efeito, encontramos no artigo 191 que
“o Estado e os Municípios providenciarão, com a participação da
71
coletividade, a preservação, conservação, defesa, recuperação e
melhoria do meio ambiente natural, artificial e do trabalho, atendidas as
peculiaridades regionais e locais e em harmonia com o
desenvolvimento social e econômico”.
A preocupação com o meio ambiente ainda
é destacada na legislação infraconstitucional.
A Lei 6.938, de 31 de agosto de 1981, que
dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, constitui um
marco na defesa do meio ambiente. Esse diploma legal, inteiramente
recepcionado pela Carta Constitucional, prevê, como objetivo principal,
a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental,
entendendo-a propícia à vida e necessária à dignidade da vida humana
(art. 1º, caput), contemplando, de forma pioneira, a responsabilização
objetiva e solidária dos responsáveis pelos danos ambientais (art. 14,
parágrafo 1º).
Verificando os diplomas legais
colecionados, especialmente o texto constitucional, não há dúvida do
papel primordial reservado ao Estado na proteção do meio ambiente.
Repousa no Poder Público, a missão de principal guardião do meio
ambiente, daí concluirmos que é insustentável quando o próprio Estado
afronta o meio ambiente e as posturas legais que visam a sua
preservação e proteção.
72
A palavra “ambiente” indica a esfera, o
círculo, o âmbito que nos cerca, em que vivemos, afigurando-se tudo
aquilo que for essencial à sadia qualidade de vida.
A Constituição Federal, tendo por prumo o
disposto no art. 225, ampliou o espectro do meio ambiente,
contemplando no seu texto o meio ambiente natural, o meio ambiente
artificial, o meio ambiente cultural e o meio ambiente do trabalho.
O meio ambiente, portanto, é único.
Todavia, a Carta Constitucional estabeleceu as quatro espécies de meio
ambiente para melhor identificar o bem agredido, a atividade
degradante, bem como estabelecer instrumentos efetivos de tutela para
cada vertente contemplada.
O meio ambiente natural
129
é aquele
constituído pelo solo, pela água, pelo ar atmosférico, pela fauna e pela
flora, envolvendo “todos os elementos responsáveis pelo equilíbrio
dinâmico entre os seres vivos e o meio em que vivem”
130
.
129
O conceito de meio ambiente pode ser extraído do inciso I do art. 3º da Lei nº 6.938, de 31 de
agosto de 1981, como sendo: “a) o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem
física, química, biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas; b) a
alteração adversa das características do meio ambiente; c) poluição, a degradação da qualidade
ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente: prejudiquem a saúde, a segurança
e o bem estar da população; criem condições adversas às atividades sociais e econômicas; afetem
desfavoravelmente a biota, afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente; lancem
matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos; d) recursos
ambientais: a atmosfera, as águas interiores, superficiais e subterrâneas, os estuários, o mar
territorial, o solo, o subsolo e os elementos da biosfera”.
73
O meio ambiente artificial, também
chamado de meio ambiente urbano, é constituído pelo espaço urbano
construído, consistente no conjunto de edificações (o denominado
espaço urbano fechado) e equipamentos públicos (espaço urbano aberto
– aqui compreendidos, os espaços livres em geral, as ruas, praças e
áreas verdes).
Quanto ao meio ambiente cultural, o objeto
de sua tutela é o patrimônio cultural brasileiro, cuja definição encontra-
se no art. 216 da Carta Constitucional, o qual estatui que “constituem
patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial,
tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à
identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da
sociedade brasileira, nos quais se incluem: I – as formas de expressão;
II – os modos de criar, fazer e viver; III – as criações científicas,
artísticas e tecnológicas; IV – as obras, objetos, documentos,
edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-
culturais; V – os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico,
paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e
científico”.
Quanto ao patrimônio cultural, a Carta
Constitucional atual amplia o espectro de bens que o integram, pois no
regramento constitucional estão incluídos bens tangíveis e intangíveis,
considerados individualmente ou em conjunto. Destarte, não se discute
130
Celso Antônio Pacheco FIORILLO e Marcelo Abelha RODRIGUES, Manual de Direito
Ambiental e legislação aplicável, São Paulo, Editora Max Limonad, 1997, p. 54.
74
mais se o patrimônio cultural constitui-se apenas dos bens de valor
excepcional ou também daqueles de valor documental cotidiano; se
inclui monumentos individualizados ou também conjuntos; se dele faz
parte tão-só a arte erudita ou também a popular; se contém apenas bens
produzidos pela mão do homem ou também os naturais; se esses bens
naturais envolvem somente aqueles de excepcional valor paisagístico
ou, inclusive, ecossistemas; se abrange bens tangíveis e intangíveis.
Todos esses bens estão incluídos no patrimônio cultural brasileiro,
desde que sejam portadores de referência à identidade, à ação, à
memória dos diferentes grupos formadores da nacionalidade ou da
sociedade brasileiras, nos termos constitucionais.
O meio ambiente do trabalho está previsto
no art. 200, VIII da Constituição Federal. Constitui no “espaço meio de
desenvolvimento da atividade laboral, como o local hígido, sem
periculosidade, com harmonia para o desenvolvimento da produção e
respeito à dignidade da pessoa”
131
.
1.2 – Consumidor
A Lei nº 7.347/85 menciona, também, a
proteção ao consumidor
132
.
131
Luiz Alberto David ARAÚJO e Vidal Serrano NUNES JÚNIOR, Curso de Direito
Constitucional, São Paulo, Editora Saraiva, 1998, p. 355.
132
Ressaltamos que o VI Congresso Nacional do Ministério Público, realizado em São Paulo, no
ano de 1985, aprovou a seguinte conclusão: “consumidor é o adquirente ou usuário que utiliza,
para fins não profissionais, produtos ou serviços colocados à sua disposição tanto por comerciante
como por particulares que exercitem a produção ou distribuição de bens de consumo ou até pelo
75
WALDÍRIO BULGARELLI
133
conceitua
consumidor como “aquele que se encontra numa situação de usar ou
consumir, estabelecendo-se, por isso, uma relação atual ou potencial,
fática sem dúvida, porém a que se deve dar uma valorização jurídica, a
fim de protegê-lo, quer evitando quer reparando os danos sofridos”.
J. M. OTHON SIDOU
134
, em seu Esboço de
Lei de Proteção ao Consumidor, denomina consumidor: “qualquer
pessoa, natural ou jurídica, que contrata para sua utilização, a aquisição
de mercadoria ou prestação de serviço independentemente do modo de
manifestação da vontade (artigo 2º)”.
E para o italiano GUIDO ALPA
135
, o
conceito que melhor atende a preferência da comunidade européia,
consumidor é “un soggeto che acquista o é fruitore di servizi ad uso
personale”.
Não se pode esquecer o entendimento
manifestado por THIERRY BOURGOIGNIE
136
, considerando
consumidor “toda pessoa individual que adquire ou utiliza, para fins
privados, bens e serviços colocados no mercado econômico por alguém
que atua em função de atividade comercial ou profissional”.
Estado” (Tese: A proteção ao consumidor e o Ministério Público, apresentada por José Geraldo
Brito FILOMENO e Antônio Herman de Vasconcellos e BENJAMIN).
133
“A Tutela do Consumidor na Jurisprudência Brasileira e de Lege Ferenda”, in A Tutela dos
Interesses Difusos, São Paulo, Max Limonad, 1984, p. 113.
134
Proteção ao Consumidor, Rio de Janeiro, Editora Forense, 1977, p. 106.
135
Tutella del Consumatore e Controlli Sulla Impresa, Bologna, Itália, ed. Il Mulino, 1977.
76
O Código de Defesa do Consumidor, no seu
art. 2º, prescreve que “consumidor é toda pessoa física ou jurídica que
adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”. Ainda,
no parágrafo único, dispõe que “equipara-se a consumidor a
coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo
nas relações de consumo”.
Também, o Código de Defesa do
Consumidor, nos artigos 17 e 29
137
equipara a consumidores todas as
vítimas do fato do produto e do serviço (intermediário, comerciante e
terceiros, mesmo que não participem da relação jurídica, ou seja, as
vítimas do evento) e todas as pessoas expostas às práticas previstas nos
capítulos referentes às práticas comerciais e à publicidade.
A doutrina ainda não chegou a um conceito
uniforme sobre consumidor. A definição de consumidor é importante
para a delimitação do sujeito da relação jurídica de consumo tutelada
pelo Direito do Consumidor.
A definição dada por ANTÔNIO
HERMAN VASCONCELLOS E BENJAMIN
138
parece-nos mais
136
“Realité et spécificté du Droit de la Consommation”, in Journal des Tribunaus 5.08, 1979, p.
296.
137
“Art. 17 do CDC: para os efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas
do evento”. “Art. 29 do CDC: “para os fins deste Capítulo e do seguinte, equiparam-se aos
consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas”.
138
“Consumidor é todo aquele que, para seu uso pessoal, de sua família, ou dos que se
subordinam, por vinculação doméstica ou protetiva a ele, adquire ou utiliza produtos, serviços ou
77
abrangente, porque reflete o consumidor, sob os prismas de sujeitos,
objeto e finalidade da relação de consumo, bem como pela natureza do
vínculo com o produtor.
1.3 – Bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e
paisagístico
A Lei nº 7.347/85, em seu art. 1º, inciso III,
refere-se expressamente à defesa em juízo dos bens e direitos de valor
artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, não os definindo,
como também deixando de exigir o prévio tombamento deles
139
. Esses
interesses integram o patrimônio cultural e seu conceito encontra-se no
art. 216 da Carta Magna.
Para HUGO NIGRO MAZZILLI
140
, “a arte
constitui o conjunto de meios, processos e regras, que dizem respeito ao
desempenho de uma atividade; consiste ainda nos processo por meio do
quaisquer outros bens ou informações colocados a sua disposição por comerciantes ou por
qualquer outra pessoa natural ou jurídica, no curso de sua atividade ou conhecimento
profissionais” (“Conceito Jurídico de Consumidor” in Revista dos Tribunais, volume 628, São
Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1988, p. 78).
139
“O conceito de arte, de estética, de história, de turismo e de paisagem deve ser somado ao
conceito de valor desses bens e direitos” (Paulo Affonso LEME MACHADO, Ação civil pública
(ambiente, consumidor, patrimônio cultural) e tombamento, São Paulo, Editora Revista dos
Tribunais, 1986, p. 16). Afirma Hugo Nigro MAZZILLI: “constituem patrimônio cultural
brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto,
portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da
sociedade brasileira, nos quais se incluem: as formas de expressão; os modos de criar, fazer e
viver; as criações científicas, artísticas e tecnológicas, as obras, objetos, documentos, edificações
e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; os conjuntos urbanos e sítios de
valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico (CF,
art. 216)” (“Interesses coletivos e difusos” in Revista dos Tribunais volume 668, São Paulo,
Editora Revista dos Tribunais, 1991, p. 51).
140
A defesa dos interesses difusos em juízo, 20ª edição, São Paulo, Editora Saraiva, 2007, p. 183.
78
qual o homem cria objetos ou faz apresentações destinadas a produzir
em seus semelhantes um estado de sensibilidade ligado ao prazer
estético; nesse sentido, é um modo de expressão da beleza. Estética, por
sua vez, é a teoria do belo e da sensação que a beleza deixa em nós”.
Uma das formas de se realizar a proteção de
bens integrantes do patrimônio cultural brasileiro é o tombamento.
Nesse sentido, o artigo 216, parágrafo 1º da Carta Constitucional,
estabelece que “o Poder Público, com a colaboração da comunidade,
promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de
inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação e de
outras formas de acautelamento e preservação”.
Tombamento é o ato administrativo pelo
qual “o Poder Público declara o valor cultural de coisas móveis ou
imóveis, inscrevendo-as no respectivo Livro do Tombo, sujeitando-se a
um regime especial que impõe limitações ao exercício de propriedade,
com a finalidade de preservá-las. Portanto, trata-se de ato ao mesmo
tempo declaratório, já que declara um bem de valor cultural, e
constitutivo, vez que altera o seu regime jurídico”
141
.
Outrossim, o tombamento resulta de um
procedimento administrativo complexo, de qualquer das esferas do
Poder Público, por via do qual se declara ou reconhece valor cultural a
141
José Eduardo Ramos RODRIGUES, “Meio ambiente cultural: Tombamento – Ação civil
pública e aspectos criminais” in Ação Civil Pública Lei 7.347/85 – 15 anos, Coordenador: Édis
Milaré, 2ª edição revista e atualizada, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2002, p.354.
79
bens que, por suas características especiais, passam a ser preservados
no interesse de toda a coletividade. Seu fundamento, portanto, assenta-
se na imperiosa necessidade de adequação da propriedade à
correspondente função social, como disposto nos arts. 5º, XXIII, e 170,
III, da Carta Magna.
A finalidade do tombamento é,
principalmente, a preservação da cultura de um país, ou seja,
preservação de bens que reflitam a sociedade, a coletividade e seus
valores, daí porque o tombamento é um instituto a serviço da própria
cidadania. A ofensa ao tombamento acarreta, em última análise, em
agravo à cidadania, à dignidade e à história da coletividade.
A Constituição Federal, no art. 23, incisos
III e IV prevê que “é competência comum da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios: ...III – proteger os documentos, as
obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os
monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos;
IV – impedir a evasão, a destruição e a descaracterização de obras de
arte e de outros bens de valor histórico, artístico ou cultural”.
A disciplina legal do tombamento em vigor
é antiga, vem do Decreto-lei Federal nº 25, de 30 de novembro de 1937,
que “organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional”.
80
O artigo 1º desse Decreto-lei determina que
“constitui o patrimônio histórico e artístico nacional o conjunto dos
bens móveis e imóveis existentes no país e cuja conservação seja de
interesse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da
história do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou
etnográfico, bibliográfico ou artístico”. Mas é no artigo 17, caput, que
está a regra fundamental de direito material que, impondo restrição ao
direito de propriedade, proíbe expressamente qualquer alteração na
coisa tombada.
No âmbito estadual, a atribuição para
promover o tombamento é do Secretário da Cultura, que o faz através
de Resolução, por força do disposto no art. 139 do Decreto Estadual
paulista nº 13.426, de 16 de março de 1979. O artigo 137 do Decreto
nº 13.426, de 16 de março de 1979 passou a ter nova redação com a
publicação do Decreto nº 48.137, de 7 de outubro de 2003, pelo qual
deve ser delimitada a área envoltória, também sujeita a restrições de
ocupação e de uso do solo.
Nesse passo, a proteção ditada pela
legislação não compreende tão-somente a coisa tombada, mas também
a área envoltória. A finalidade da proteção da área vizinha, extrai-se
dos dispositivos colecionados, ou seja, proteger a visibilidade do bem
tombado, sob o aspecto puramente visual – atributos paisagísticos e
arquitetônicos. Todavia, essa proteção é ampla, devendo ser bem
compreendida.
81
Com efeito, PAULO AFFONSO LEME
MACHADO
142
ensina que a proteção à visibilidade da coisa tombada
tem a finalidade de permitir, por parte das pessoas, uma fruição estética
e paisagística do bem, mesmo ao longe. Enfatiza que “não só o
impedimento total da visibilidade está vedado, como a dificuldade ou
impedimento parcial de se enxergar o bem protegido”.
Portanto, a área de entorno de bem tombado
merece proteção obrigatória e essa proteção é ditada em função da
natureza dos predicados que levaram ao tombamento, assegurando que
todos possam usufruir o bem tombado, sob o aspecto visual e estético,
preservando a disposição e qualidade ambiental que essa vizinhança
espelhava quando do tombamento, única maneira de se perpetuar o
estado de coisas, sob o prisma ambiental, que se visou preservar.
Dessa maneira, é importante salientar que o
aspecto de proteger a visibilidade do bem não se limita tão somente a
“poder enxergar o bem”, mas tal proteção tem por objetivo permitir o
destaque do bem na massa urbana, a manutenção de seus predicados
culturais, históricos, arquitetônicos, estéticos e paisagísticos, de forma a
assegurar a preservação das características que o identificam como
integrante do patrimônio cultural brasileiro.
Assim, a manutenção do estado originário
142
Ação civil pública (ambiente, consumidor, patrimônio cultural) e tombamento, cit., p. 58.
82
do entorno é obrigatória, uma vez que só haverá respeito ao
tombamento do bem se mantida a harmonia do bem em relação á área
vizinha, que no Estado de São Paulo, é a “área compreendida num raio
de 300 (trezentos) metros em torno de qualquer edificação ou sítio
tombado”.
1.4 – Qualquer outro interesse difuso ou coletivo
143
Não há uma taxatividade para a defesa dos
interesses transindividuais.
143
Ada Pellegrini GRINOVER ensina: “A Lei nº 7.347/85 - a lei da denominada ação civil pública
- cuidava somente da defesa do consumidor e do meio ambiente, em sentido lato, e no estrito
âmbito dos interesses difusos ou coletivos, ou seja, quando se tratasse de bens indivisíveis. Foi o
Código de Defesa do Consumidor que ampliou a abrangência da referida lei, determinando sua
aplicabilidade a todos os interesses difusos e coletivos (artigo 110, CDC) e ainda criando uma
nova ação coletiva, para a tutela dos que denominou “interesses ou direitos individuais
homogêneos”, ou seja, direitos subjetivos divisíveis, titularizados nas mãos de pessoas
determinadas, tradicionalmente tratadas apenas a título individual (ou, quando muito, pela figura
do litisconsórcio) e agora passíveis de reunião num único processo, em virtude de sua
homogeneidade, decorrente de uma origem comum (art. 81, III, CDC). Diga-se, antes de mais
nada, que a nova figura não se limita à defesa dos consumidores, mas se estende ao âmbito da lei
da ação civil pública, agora ampliado a todo e qualquer interesse ou direito: é certo que o art. 89
do CDC, expresso nesse sentido, foi vetado; mas o veto foi ineficaz, porquanto permaneceu
íntegro o artigo 117 do CDC, que determinava a aplicabilidade dos dispositivos processuais do
Código à defesa dos “direitos e interesses difusos, coletivos e individuais’, que se faça pela Lei
7.347/85” (“As novas ações coletivas nos tribunais” in Folha de São Paulo, de 3 de novembro de
1991, p. 4.4).
83
Assim sendo, além das hipóteses referidas
no art. 1º da Lei da Ação Civil Pública e em leis esparsas, quaisquer
outros interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos podem
ser defendidos em juízo por meio da tutela coletiva, por qualquer um
dos seus co-legitimados ativos
144
.
1.4.1 – Defesa das pessoas portadoras de deficiência
A Lei nº 7.853, de 24 de outubro de
de 1989 disciplinou a proteção das pessoas portadoras de deficiência, o
que representou um grande avanço, quanto à abrangência material da
tutela dos interesses metaindividuais.
A referida lei contém normas de direito
material, aumentando o âmbito da previsão já constante na própria
Constituição Federal
145
. Também explicitou princípios gerais, direitos
básicos e medidas específicas a serem implementadas na tutela material
dos interesses dos portadores de deficiência
146
.
144
Art. 5º da LACP e art. 82 do CDC.
145
A Carta Magna de 1988 já estabelecia a proteção, no que se refere à necessidade de adaptação
de logradouros, edifícios e veículos para transporte coletivo (arts. 244 e 227, parágrafo 2º); a
possibilidade de acesso ao serviço público (art. 37, inc. VIII), a proibição de qualquer
discriminação no tocante a salários e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência
(art. 7º, inc. XXXI) e garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de
deficiência, que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida
por sua família (art. 203, inc. V).
146
Confira: arts. 1º e 2º da Lei nº 7.853/89.
84
Quanto à legitimidade para agir, na tutela
desses interesses, foi mantida a mesma iniciativa concorrente dos
legitimados na Lei da Ação Civil Pública
147
.
O legislador também fez referência
expressa à aplicação dos dispositivos previstos na Lei da Ação Civil
Pública
148
. Em conseqüência das alterações posteriores, aplicam-se as
normas do Código de Defesa do Consumidor, inclusive, para a
postulação em juízo de interesses individuais homogêneos de pessoas
portadoras de deficiência, por parte de qualquer um dos co-legitimados.
Ainda, a referida lei cuidou das ações
individuais, afirmando a obrigatoriedade da intervenção do Ministério
Público, na qualidade de custos legis
149
.
Por fim, a Lei nº 7.853/89 cuidou da tutela
penal dos interesses das pessoas portadoras de deficiência.
1.4.2 – Defesa dos investidores do mercado de valores mobiliários
147
O art. 3º, caput da Lei nº 7.853/89 estabelece a possibilidade da propositura da ação por parte
do Ministério Público, União, Estados, Municípios e Distrito Federal, por associação constituída
há pelo menos um ano, nos termos da lei civil; autarquia; empresa pública; fundação; sociedade
de economia mista; que incluam entre seus fins institucionais a proteção das pessoas portadoras
de deficiência. Hoje, podemos incluir também a Defensoria Pública, diante da nova redação do
art. 5º da Lei nº 7.347/85.
148
Vide art. 7º da Lei nº 7.853/89.
149
Art. 5º da Lei nº 7.853/89: O Ministério Público intervirá obrigatoriamente nas ações
públicas, individuais ou coletivas, em que se discutam interesses relacionados à deficiência das
pessoas”.
85
A Lei nº 7.913, de 7 de dezembro de 1989
foi a primeira a cuidar da tutela dos interesses individuais homogêneos,
os quais surgem, com essa denominação, quando do advento do Código
de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90).
Conferiu-se ao Ministério Público a
legitimidade para adotar medidas judiciais, de modo a evitar prejuízos
ou obter o ressarcimento de danos causados aos titulares de valores
mobiliários e aos investidores de mercado
150
. Contudo, no art. 3º, ficou
consignado, que se aplica aos casos nela previstos, no que couber, as
normas da Lei da Ação Civil Pública. Assim, os demais co-legitimados
ativos constantes da Lei nº 7.347/85 são habilitados a postular em juízo
os interesses metaindividuais dos investidores do mercado de valores
mobiliários
151
.
1.4.3 – Defesa da criança e do adolescente
150
“Art. 1º da Lei nº 7.913/89: Sem prejuízo da ação de indenização do prejudicado, o Ministério
Público, de ofício ou por solicitação da Comissão de Valores Mobiliários – CVM, adotará as
medidas judiciais necessárias para evitar prejuízos ou obter ressarcimentos de danos causados aos
titulares de valores mobiliários e aos investidores do mercado, especialmente quando decorrerem
de: I - operação fraudulenta, prática não eqüitativa, manipulação de preços ou criação de
condições artificiais de procura, oferta ou preço de valores mobiliários; II – compra ou venda de
valores mobiliários, por parte dos administradores e acionistas controladores de companhia
aberta, utilizando-se de informação relevante, ainda não divulgada para conhecimento do
mercado, ou a mesma operação realizada por quem a detenha em razão de sua profissão ou
função, ou por quem quer que a tenha obtido por intermédio dessas pessoas; III – omissão de
informação relevante por parte de quem esteja obrigado a divulgá-la, bem como sua prestação de
forma incompleta, falsa ou tendenciosa”.
151
Neste sentido, confira o posicionamento de Hugo Nigro MAZZILLI, 20ª edição, cit., p. 615.
86
A tutela dos interesses transindividuais da
criança e do adolescente surgiu com a edição da Lei nº 8.069, de 13 de
julho de 1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente.
A Constituição Federal de 1988, no seu art.
227, caput
152
, estabeleceu os principais direitos ligados à proteção da
infância e da juventude.
O Estatuto da Criança e do Adolescente
reforçou a norma constitucional
153
, cuidando dos seus direitos
fundamentais (direito à vida e à saúde; à liberdade; ao respeito e à
dignidade; à convivência familiar e comunitária; à educação; ao esporte
e ao lazer; à profissionalização e à proteção no trabalho, quer
individuais ou transindividuais.
No capítulo VII, o Estatuto da Criança e do
Adolescente regulamentou a proteção judicial dos interesses
individuais, difusos e coletivos relacionados à infância e juventude.
A proteção conferida por essa lei, cuja
enumeração é meramente exemplificativa, indicou, no art. 208, as
seguintes hipóteses de proteção: ensino obrigatório; atendimento
educacional especializado aos portadores de deficiência; atendimento
em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade; ensino
noturno regular adequado às condições do educando; programas
152
“Art. 227, caput da CF/88: É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e
ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao
lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar
e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão”.
87
suplementares de oferta de material didático-escolar; transporte e
assistência à saúde do educando do ensino fundamental; serviço de
assistência social visando à proteção da família, à maternidade, à
infância, e à adolescência, bem como amparo às crianças e adolescentes
que dele necessitem; acesso às ações e serviços de saúde; escolarização
e profissionalização dos adolescentes privados de liberdade. O
parágrafo único do mesmo art. 208 da Lei nº 8.069/90 previu
expressamente que o rol de direitos anotados em seu caput não exclui a
proteção judicial de outros interesses individuais, difusos ou coletivos,
próprios da infância e adolescência, protegidos pela Constituição e pela
Lei.
Embora o Estatuto da Criança e do
Adolescente tenha se referido expressamente aos interesses difusos e
coletivos, nada impede que se postule a defesa dos interesses
individuais homogêneos, diante da aplicação integrada da Lei da Ação
Civil Pública e do Código de Defesa do Consumidor, que consagrou
essa terminologia.
Quanto à legitimação para agir, o Estatuto
da Criança e do Adolescente previu a atuação do Ministério Público, da
União, dos Estados, Municípios e Territórios e das associações
154
.
Embora a norma legal não faça referência expressa à legitimação das
autarquias, fundações públicas, sociedades de economia mista e
153
Confira: art. 4º e parágrafo único, 7º e 106 e s. da Lei nº 8.069/90.
154
Vide art. 210 da Lei nº 8.069/90.
88
empresas públicas, impõe-se o seu reconhecimento, diante da
integração com a Lei da Ação Civil Pública
155
.
O Estatuto da Criança e do Adolescente
conferiu ao Ministério Público a iniciativa da ação civil pública, na área
da infância e juventude, até mesmo a defesa de interesses individuais
indisponíveis de uma única criança ou adolescente
156
, bem como a
instauração de inquérito civil para apurar a violação desses
interesses
157
.
Por fim, o legislador preocupou-se em
prever, no Estatuto da Criança e do Adolescente, no seu título VII, as
infrações penais e administrativas.
1.4.4 – Código de Defesa do Consumidor
O Código de Defesa do Consumidor,
disciplinado pela Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, na parte
processual, previu as ações individuais e coletivas. Estas últimas
155
O art. 224 do ECA determinou a aplicação subsidiária das disposições da Lei nº 7.347/85,
surgindo, assim, a legitimação das entidades da Administração Pública indireta e também da
Defensoria Pública, nos termos constantes do art. 5º da Lei da Ação Civil Pública.
156
O Ministério Público poderá ingressar com ação civil pública para assegurar vaga em escola
tanto para uma única criança como para dezenas, centenas ou milhares delas. O Superior Tribunal
de Justiça reconheceu mais do que a legitimidade, o próprio dever de a instituição efetuar essa
defesa (STJ, REsp. nº 212.961-MG, 1ª Turma, rel. Min. Humberto Gomes de Barros, j. em
15.08.00, v.u., DJU 18.09.00, p. 100).
157
“Art. 201 do ECA: Compete ao Ministério Público: V – promover o inquérito civil e a ação
civil pública para a proteção dos interesses individuais, difusos ou coletivos relativos à infância e
à adolescência, inclusive os definidos no art. 220, parágrafo 3º, inciso II, da Constituição
Federal”.
89
compreendem as ações essencialmente coletivas (interesses difusos e
coletivos propriamente ditos) e individuais homogêneos.
No plano individual, o legislador apontou
instrumentos para a execução da Política Nacional das Relações de
Consumo, quais sejam, manutenção de assistência jurídica, integral e
gratuita, para o consumidor carente; instituição de Promotorias de
Justiça de Defesa do Consumidor, no âmbito do Ministério Público;
criação de delegacias de polícia especializadas no atendimento de
consumidores vítimas de infrações penais de consumo; criação de
Juizados Especiais de Pequenas Causas e Varas Especializadas para a
solução de litígios de consumo e concessão de estímulos à criação e
desenvolvimento das Associações de Defesa do Consumidor
158
.
O objetivo foi, sem sombra de dúvida,
proteger o consumidor individual. À título de ilustração, criou-se
dispositivo visando facilitar também o ingresso em Juízo, com
determinação da competência pelo foro do domicílio do consumidor
autor. Proibiu-se a denunciação da lide e estipulou-se uma nova forma
de chamamento ao processo; criou-se a possibilidade de se pleitear em
Juízo por qualquer espécie de ação, bem como se instituiu a inversão do
ônus da prova, a favor do consumidor, quando, a critério do juiz, for
verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as
regras ordinárias de experiência.
158
Confira: art. 5º, incisos I a V do CDC.
90
Embora a Lei nº 7.913, de 7 de dezembro
de 1989, que disciplinou a defesa coletiva dos investidores do mercado
de valores mobiliários, tenha sido o primeiro diploma legal, que cuidou
da tutela dos interesses individuais homogêneos, em juízo, somente
com o Código de Defesa do Consumidor é que a espécie foi
expressamente introduzida em nosso ordenamento jurídico
159
.
Ainda, foi com a edição do Código de
Defesa do Consumidor, que se inseriu o inciso IV do art. 1º da Lei da
Ação Civil Pública, o qual admitiu a possibilidade de tutela de toda e
qualquer espécie de interesse difuso ou coletivo
160
.
O artigo 83 do Código de Defesa do
Consumidor estatui: “para defesa dos direitos e interesses protegidos
por este Código são admissíveis todas as espécies de ações capazes de
propiciar sua adequada e efetiva tutela”.
O referido dispositivo indica que poderão
ser propostas ações de conhecimento; medidas cautelares, nominadas
ou não; de execução e quaisquer outras ações que se ajustem à
efetividade da tutela
161
.
159
O conceito de interesses individuais homogêneos encontra-se expresso no art. 81, parágrafo
único, inciso III do CDC.
160
Com o acréscimo do art. 21 da Lei nº 7.347/85, determinando a aplicação dos dispositivos
processuais do Código de Defesa do Consumidor, estendeu-se a possibilidade de tutela de toda e
qualquer espécie de interesses individuais homogêneos.
161
“Este texto deve ser correlacionado, entre outros, com o art. 102 (que diz com a ação coletiva),
em que se encontram idealizadas várias modalidades de providências possíveis, para se vedar o
que for nocivo ou perigoso à saúde pública, ou, ainda, à incolumidade pessoal, referindo-se este
último artigo expressamente à possível atividade de todos os legitimados pelo art. 82 do Código
91
Conquanto tenha sido assumida a
integralidade do sistema jurídico processual, desde que apto ou
adequado para proporcionar efetiva tutela, isto deve ser compreendido
como tendo sido somado ao sistema do Código de Proteção e Defesa do
Consumidor. Ou seja, além das tutelas existentes no Código de
Proteção e Defesa do Consumidor, podem ser utilizadas aquelas
presentes em todo o sistema processual. Este texto, com esta
interpretação, ademais, prevalece para todos os possíveis interesses e
direitos difusos”
162
.
O Ministério Público pode, inclusive,
impetrar mandado de segurança para a defesa dos interesses e direitos
difusos, coletivos e individuais homogêneos, porque o inciso LXIX do
artigo 5º da Constituição Federal permite a sua utilização diante de
ofensa a direito por ato ilegal ou abuso de autoridade.
Importante consignar, também, a tutela
específica nas ações que visem o cumprimento de obrigação de fazer ou
não fazer, bem como a extensão objetiva da coisa julgada para
beneficiar as pretensões individuais.
de Proteção e Defesa do Consumidor” (ARRUDA ALVIM, Thereza ALVIM, Eduardo Arruda
ALVIM e James MARINS, Código do Consumidor Comentado, 2ª edição revista e ampliada, 2ª
tiragem, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1995, p. 391).
162
V. o art. 21 da Lei da Ação Civil Pública (Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985), em que se
estabeleceu o seguinte: “aplicam-se à defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e
individuais, no que for cabível, os dispositivos do Título III da Lei que instituiu o Código de
Defesa do Consumidor” (Ibidem, p. 391).
92
A antecipação da tutela definitiva, além de
ser prevista no parágrafo terceiro do art. 84 do Código de Defesa do
Consumidor
163
, nas obrigações de fazer ou não fazer, também é
aplicável a toda e qualquer pretensão deduzida em juízo com base no
referido Código, desde que presentes os seus pressupostos, quais sejam,
a verossimilhança do dano irreparável ou de difícil reparação, mediante
decisão fundamentada.
Cumpre destacar a importante interação do
Código de Defesa do Consumidor e da Ação Civil Pública, formando
um sistema integrado do processo coletivo, inclusive, estendendo-se tal
aplicação a todos os diplomas que tratam da tutela de outros interesses
transindividuais (investidores do mercado de valores mobiliários,
pessoas portadoras de deficiência, criança e adolescente)
164
.
1.4.5 – Lei de Improbidade Administrativa
Com a edição da Lei n° 8.429, de 2 de
junho de 1992, passou a ocorrer a repressão judicial dos atos de
improbidade administrativa, que afetam a moralidade administrativa e o
patrimônio público. A referida lei veio regulamentar dispositivo
constitucional, que cuidava da matéria
165
.
163
Artigo 84, § 3º do Código de Defesa do Consumidor: “sendo relevante o fundamento da
demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder
a tutela liminarmente ou após justificação prévia, citando o réu”.
164
O art. 21 da Lei nº 7.347/85 determina a aplicação, à defesa dos direitos e interesses difusos,
coletivos e individuais homogêneos, dos dispositivos processuais do Código de Defesa do
Consumidor. O art. 90 do Código de Defesa do Consumidor determina que se aplicam às
denominadas ações coletivas nele previstas as normas do Código de Processo Civil e da Lei da
Ação Civil Pública, inclusive no que respeita ao inquérito civil, formando um sistema integrado.
165
“Art. 37, parágrafo 4º da CF/88: os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão
dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento
ao erário, na forma e gradação prevista em lei, sem prejuízo da ação penal cabível”.
93
Levando em conta a importância dada pela
Constituição Federal ao princípio da moralidade administrativa, como
fundamento autônomo para impugnação dos atos da Administração
Pública na ação popular
166
e colocando-o entre os princípios, que
devem reger a atividade pública, houve ampliação da possibilidade de
verificação da legitimidade dos atos discricionários do Poder Público,
por parte do Poder Judiciário.
1.4.5.1 – Conceito de improbidade administrativa
Para MARINO PAZZAGLINI FILHO,
MÁRCIO FERNANDO ELIAS ROSA e WALDO FAZZIO
JÚNIOR
167
, “improbidade administrativa é o designativo técnico para a
chamada corrupção administrativa que, sob diversas formas, promove o
desvirtuamento da Administração Pública e afronta os princípios
nucleares da ordem jurídica (Estado de Direito, Democrático e
Republicano), revelando-se pela obtenção de vantagens patrimoniais
indevidas às expensas do erário, pelo exercício nocivo das funções e
empregos públicos, pelo ‘tráfico de influência’ nas esferas da
Administração Pública e pelo favorecimento de poucos em detrimento
dos interesses da sociedade, mediante a concessão de obséquios e
privilégios ilícitos”.
166
V. art. 5º, inciso LXXIII da CF/88.
167
Improbidade administrativa – Aspectos jurídicos da defesa do patrimônio público, 2ª edição,
São Paulo, Editora Atlas, 1997, pp. 37-38.
94
Ora, o administrador público tem o dever de
bem gerir a coisa pública, com a observância irrestrita da lei, não se
questionando eventual dolo ou culpa.
A Lei de Improbidade Administrativa
definiu “os atos de improbidade em três dispositivos: no artigo 9º, cuida
dos atos de improbidade administrativa que importam enriquecimento
ilícito; no artigo 10, trata dos atos de improbidade administrativa que
causam prejuízo ao erário, e no artigo 11, indica os atos de
improbidade administrativa que atentam contra os princípios da
administração pública. Entre esses últimos, alguns são definidos
especificamente em 7 incisos; mas o caput deixa as portas abertas para
a inserção de qualquer ato que atente contra “os princípios da
administração pública ou qualquer ação ou omissão que viole os
deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às
instituições. Vale dizer que a lesão ao princípio da moralidade ou a
qualquer outro princípio imposto à Administração Pública constitui
uma das modalidades de ato de improbidade. Para ser ato de
improbidade, não é necessária a demonstração de ilegalidade do ato;
basta demonstrar a lesão à moralidade administrativa. Concluindo, a
legalidade estrita não se confunde com a moralidade e a honestidade,
porque diz respeito ao cumprimento da lei; a legalidade em sentido
amplo (o Direito) abrange a moralidade, a probidade e todos os demais
princípios e valores consagrados pelo ordenamento jurídico; como
princípios, os da moralidade e probidade se confundem; como infração,
a improbidade é mais ampla do que a imoralidade, porque a lesão ao
95
princípio da moralidade constitui uma das hipóteses de atos de
improbidade definidos em lei”
168
.
Ressalte-se, outrossim, que o artigo 21,
inciso I da Lei nº 8.429/92 estabelece que a aplicação das sanções nela
previstas independe da efetiva ocorrência de dano ao patrimônio
público.
Analisando esse dispositivo, mais uma vez,
MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO
169
ensina que “seria
inconcebível punir-se uma pessoa se de seu ato não resultasse qualquer
tipo de dano. Tem-se que entender que o dispositivo, ao dispensar o
‘dano ao patrimônio público’ utilizou a expressão patrimônio público
em seu sentido restrito de patrimônio econômico. Note-se que lei de
ação popular (Lei nº 4.717/65) define patrimônio público como ‘os
bens e direitos de valor econômico, artístico, estético, histórico ou
turístico’ (art. 1º, § 1º), para deixar claro que, por meio dessa ação, é
possível proteger o patrimônio público nesse sentido mais amplo. O
mesmo ocorre, evidentemente, com a ação de improbidade
administrativa, que protege o patrimônio público nesse mesmo sentido
amplo. Assim, o que quis dizer o legislador, com a norma do artigo 21,
I, é que as sanções podem ser aplicadas mesmo que não ocorra dano ao
patrimônio econômico. É exatamente o que ocorre ou pode ocorrer com
os atos de improbidade previstos no artigo 11, por atentado aos
168
Maria Sylvia Zanella di PIETRO, Direito Administrativo, 13ª edição, São Paulo, Editora Atlas,
2001, pp. 659-660.
169
Ibidem, pp. 674-675.
96
princípios da Administração Pública. A autoridade pode, por exemplo,
praticar ato visando a fim proibido em lei ou diverso daquele previsto
na regra de competência (inciso I do art. 11); esse ato pode não resultar
em qualquer prejuízo para o patrimônio público, mas ainda assim
constituir ato de improbidade, porque fere o patrimônio moral da
instituição, que abrange as idéias de honestidade, boa-fé, lealdade,
imparcialidade”.
1.4.5.2 – Legitimação para agir
No que pertine à tutela jurisdicional do
patrimônio público
170
, no sistema anterior à Lei da Ação Civil Pública,
“somente era possível mediante ação popular, cuja legitimação ativa era
e é do cidadão (CF, art. 5º, LXXIII). O Ministério Público podia
assumir a titularidade da ação popular, apenas na hipótese de
desistência pelo autor (LAP, art. 9º).
A Constituição Federal, no seu art. 129, III,
conferiu legitimidade ao Ministério Público para instaurar inquérito
civil e ajuizar ação civil pública na defesa do patrimônio público e
social, melhorando o sistema de proteção judicial do patrimônio
público, que é uma espécie de direito difuso. O amplo conceito de
patrimônio público é dado pela LAP, art. 1º caput e § 1º
171
.
170
Patrimônio público é o conjunto de bens e direitos de valor econômico, artístico, estético,
histórico, arqueológico ou turístico, ou ainda de caráter ambiental. V. arts. 5º, LXXIII, 20, 26 e
206 da CF/88 e art. 1º, parágrafo 1º da Lei nº 4.717/65.
171
Nelson NERY JÚNIOR e Rosa Maria Andrade NERY, Código de Processo Civil comentado,
São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1994, p. 1018.
97
Realmente, enquanto o artigo 9º, da Lei
4.717, de 29 de junho de 1965, previa a assunção do pólo ativo da
demanda popular pelo Ministério Público, em caso de desistência da
ação pelo autor popular, os artigos 1º e 5º, da Lei nº 7.347, de 24 de
julho de 1985, vieram reconhecer, sem prejuízo da ação popular, a sua
legitimidade para a ação civil pública tendente a garantir a proteção de
qualquer outro interesse difuso ou coletivo, com a redação que lhe deu
o artigo 110 do Código de Defesa do Consumidor
172
.
A tendência legislativa foi consagrar
definitivamente a legitimidade ativa do Ministério Público para a ação
judicial perseguidora do ressarcimento do prejuízo causado ao
patrimônio público, até para respeitar a norma constitucional, já
suficiente para tal finalidade, com os artigos 7º, 14, § 2º, 15, 16, 17 e
22, da Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992, disso também se
convencendo o Poder Judiciário
173
-
174
.
172
“A Constituição Federal, porém, no seu artigo 129, III, ao enumerar as funções institucionais
do Ministério Público, apontou a de ‘promover o inquérito civil e ação civil pública para a
proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e
coletivos’. O texto constitucional introduziu no campo do direito positivado o conceito do
‘patrimônio público e social’. bem como o de ‘interesses difusos e coletivos’. Por desdobramento
natural, a Lei 8078/90, que dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências, veio
a acrescentar o inciso IV ao artigo 1º da Lei 7.347/85, incluindo no campo da ação civil pública a
imputação de responsabilidade por danos causados a qualquer outro interesse difuso ou coletivo.
O Ministério Público surge, no caso, como autêntico representante da Nação incrustado na
Constituição, para defender seus interesses difusos, inclusive o patrimônio público e os princípios
que devem reger a Administração Pública” (TJSP, AI 213.408-1/4, São Paulo, 8ª Câmara Cível,
v.u., Agravantes: Carlos Eduardo Rayel e sua mulher; Agravados: Fazenda do Estado de São
Paulo e o Ministério Público, Rel. Desembargador Walter Theodósio, j. 31.08.95).
173
“A legitimação atacada advém do art. 129, III, Constituição Federal, entregando ao Ministério
Público o dever de proteção ao patrimônio público, através da ação civil pública. Em harmonia
com a preceituação constitucional, a Lei nº 8.429/92, legitimou o Ministério Público a ajuizar
ação de ressarcimento de lesões aos cofres públicos por agentes públicos ou terceiros” (TJSP, AI
nº 198.572-1, Comarca de Pirassununga, 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça, Rel. Des. Jorge
de Almeida, j. em 17.11.93).
98
Não seria plausível que um único indivíduo
pudesse impugnar ato administrativo lesivo ao patrimônio público
através da ação popular, enquanto essa legitimação não fosse
reconhecida à população, como um todo, por meio do Ministério
Público e através da ação civil pública prevista constitucionalmente.
Para completar, vieram as Leis Orgânicas
Federal
175
e Estadual
176
do Ministério Público, confirmando-lhe a
mencionada legitimação ativa ad processum (capacidade para estar em
juízo).
Ademais, a doutrina reconhece a
legitimidade ativa do Ministério Público para a proteção do patrimônio
público
177
. Nesse mesmo sentido, temos a posição da jurisprudência
178
.
174
“Sendo inegável que com o advento da Lei 8.429, de 1992, ampliaram-se os objetivos das
ações civis públicas, com possibilidade de ser ressarcido o dano ao patrimônio público e a
concomitantemente, punindo o agente que, por ação ou omissão, dolosa ou culposa, ensejar perda
patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das
entidades que menciona, entre as quais a União, os Estados e os Municípios” (RT 721:222).
175
Vide artigo 25 da Lei 8.625/93.
176
Confira: artigo 103 da Lei Complementar Estadual nº 734/93.
177
Confira a respeito, entre outros, Nelson NERY JÚNIOR e Rosa Maria Andrade NERY, Código
de Processo Civil comentado, cit., pp. 1018-1023; Hugo Nigro MAZZILLI, A defesa dos
interesses difusos em juízo, São Paulo, 6ª edição, cit., pp. 153-6; Rodolfo de Camargo
MANCUSO, Ação civil pública, 4ª edição, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1996, p. 14,
Arnold WALD, Luiza Rangel de MORAES e Alexandre de M. WALD, O direito de parceria e a
nova lei de concessões, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1996, p. 110 e Jessé Torres
PEREIRA JÚNIOR, Comentários à lei de licitações e contratações da administração pública,
edição, Rio de Janeiro, Renovar, 1995, p. 58.
178
“Ação civil pública – Improbidade administrativa – Possibilidade jurídica e legitimidade ativa
do Ministério Público – Agravo improvido. “(...) A possibilidade jurídica do pedido está expressa
na Lei n. 8.429/92, cujo artigo 18 dispõe que a sentença que julgar procedente ação civil pública
de reparação de dano ou decretar a perda dos bens havidos ilicitamente determinará o pagamento
ou a reversão dos bens, conforme o caso, em favor da pessoa jurídica prejudicada pelo ilícito.
Esse dispositivo, por sinal, repete os mesmos preceitos enunciados na Lei n. 3.502/58 (Lei Bilac
Pinto), que previa o perdimento de bens como sanção aplicável aos administradores do interesse
público que, no exercício de suas funções, se vissem em improbidade, carreando os bens
99
Assim, a Constituição Federal, as leis
federais, a jurisprudência e a doutrina deixam claro que o Ministério
Público tem legitimidade ativa para a propositura de ação civil pública,
que objetiva a defesa do patrimônio público.
Cumpre ressaltar, por fim, que o próprio
Superior Tribunal de Justiça, em 2 de agosto de 2006, aprovou a
Súmula n° 329, a qual dispõe que “o Ministério Público tem
legitimidade para propor ação civil pública em defesa do patrimônio
público”.
seqüestrados ao patrimônio da pessoa jurídica litisconsorte (art. 5º e § § 3º, 4º e 5º). (...) Quanto à
ilegitimidade ativa do Ministério Público, também não prospera a matéria preliminar, pois o
regime jurídico da Eletropaulo não se confunde com a natureza de seu patrimônio, para o qual
concorre prioritariamente a Fazenda do Estado de São Paulo, que detém com exclusividade
47,57% do quadro de ações ordinárias da empresa. E dada a natureza dos serviços de interesse
coletivo por esta prestados à comunidade, sua direção é reservada ao poder público. Bem por isso,
a Constituição Federal considera como funções institucionais do Ministério Público promover,
privativamente, a ação penal pública, na forma da lei; zelar pelo efetivo respeito dos poderes
públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados na Carta, promovendo as
medidas necessárias à sua garantia; promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a
proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e
coletivos (art. 129, incisos I, II e III). Já a Lei n. 8.429/92, que dispõe sobre as sanções aplicáveis
aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício do mandato, cargo,
emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional, outorga a
legitimidade ao Ministério Público para requerer ao juízo competente a decretação do seqüestro
dos bens do agente, ou terceiro que tenha enriquecido ilicitamente ou causado dano ao patrimônio
público (arts. 16 e 17). Igual faculdade é prevista na Lei n. 7.347/85, que disciplina a ação civil
pública, com a redação dada pelos arts. 110 e seguintes da Lei n. 8.078/90 (Código de Defesa do
Consumidor), como anotado no parecer do ilustre Promotor de Justiça José Benedito Tarifa (fls.
131/132). Por tais fundamentos, nega-se provimento ao recurso”
(TJSP, Agravo de Instrumento
214.432-1/0, São Paulo, 1ª Câmara Cível, Relator Desembargador Alexandre Germano, v.u., 27-
09-1994).
100
Além do Ministério Público, a pessoa
jurídica interessada
179
possui legitimidade para propor a ação civil
pública, fundada da Lei de Improbidade Administrativa.
1.4.5.3 – Competência: a questão do foro privilegiado
É importante lembrar que se pretendeu
admitir o foro privilegiado, nas ações de improbidade administrativa,
através do artigo 84, parágrafo 2º, do Código de Processo Penal, com a
redação que lhe foi dada pela Lei nº 10.268, de 24 de dezembro de
2002
180
.
O foro privilegiado é garantido apenas no
julgamento de matéria de responsabilidade penal e não nas ações civis
públicas, por prática de atos de improbidade administrativa contra
prefeitos municipais, as quais devem ser ajuizadas perante a primeira
instância, conforme pacífica jurisprudência do Egrégio Tribunal de
Justiça do Estado de São Paulo
181
-
182
.
179
“Art. 17 da Lei nº 8.429/92: A ação principal, que terá o rito ordinário, será proposta pelo
Ministério Público ou pela pessoa jurídica interessada, dentro de trinta dias da efetivação da
medida cautelar”.
180
Esse dispositivo legal estabeleceu que a ação de improbidade administrativa, com base na Lei
8.429/92, “será proposta perante o tribunal competente para processar e julgar criminalmente o
funcionário ou autoridade na hipótese de prerrogativa de foro em razão do exercício de função
pública”.
181
“AÇÃO CIVIL PÚBLICA. Agravo de Instrumento, Insurgência contra decisão que concedeu
liminar. Cabimento. Preliminares incompetência de foro por prerrogativa de função; oitiva do
representante judicial da pessoa jurídica de direito público (arts. 21 da Lei Federal e 8.437/92 e
17, § 7º, da Lei Federal n. 8429/92); ilegitimidade do Ministério Público para propor ação civil
pública visando a defesa de interesse individual, privado e disponível; determinação de
manifestação do Vice-Prefeito Municipal (art. 2º da Lei Federal n. 8.437/92); e não possibilidade
de deferimento da liminar como antecipação da tutela, pois a ação civil pública tem regras
especiais, afastadas. No mérito, presentes os requisitos do fumus boni iuris, do periculum in mora,
além daqueles disciplinados pelo art. 273, do CPC. Preliminares rejeitadas e recurso improvido”
101
Bem sintetiza ALEXANDRE DE
MORAES
183
, que “a Constituição Federal de 1988 não incluiu o
julgamento das ações por ato de improbidade administrativa na esfera
de atribuições jurisdicionais originárias do STF, STJ, TRF ou quaisquer
outros tribunais "(...) a Constituição Federal, consagrando o princípio
do Juiz Natural (art. 5
o
, incisos XXXVII e LIII), não permite alterações
de foro por conveniências ou analogias políticas. O legislador
constituinte foi claro ao direcionar os foros especiais em função da
dignidade da função somente para o processo penal - bastando, por
exemplo, a leitura do art. 102, I, a -; excluindo-se, portanto, de forma
peremptória o processo e julgamento das ações civis por ato de
improbidade administrativa originariamente nos Tribunais”.
Ressalte-se, outrossim, que em 13 de agosto
de 2003, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo declarou
inconstitucional o parágrafo 1º do art. 84 do Código de Processo Penal,
por votação unânime. Posteriormente, em
15 de setembro de 2005, o
plenário do Supremo Tribunal Federal, julgando a ADIN n° 2.797,
proposta pela Associação Nacional dos Membros do Ministério Público
(CONAMP), declarou a inconstitucionalidade dos parágrafos 1° e 2° do
(TJSP, AI nº 313.238-511 – 9ª Câmara de Direito Público – Comarca de Dracena – Agravante:
Elzio Stelato Júnior; Agravado: Ministério Público; Relator Des. Antônio Rulli).
182
Diferente, não foi a conclusão da Quinta Câmara de Direito Público, no enfrentamento de caso
semelhante:
“Competência – Ação civil pública – Ex-prefeito – Improbidade administrativa – A
competência de processar e julgar a ação civil pública é do Juízo de Mirante do Paranapanema,
onde a ação foi aforada – A Lei nº 10.628, de 24 de dezembro de 2002, que alterou o artigo 84 do
Código de Processo Penal, não se aplica ao caso dos autos, pois cuida apenas da parte penal da
ação de improbidade administrativa – Recurso provido” (TJSP, Agravo de Instrumento n°
319.347-5/2, tendo como Relator, o eminente Desembargador Alberto Zvirblis).
102
art. 84 do Código de Processo Penal, que estabelecia foro privilegiado a
autoridades e ex-autoridades processadas por ato de improbidade
administrativa.
No que diz respeito à Reclamação n°
2138/DF foi sustentada a tese, em síntese, de que os agentes políticos
não estariam sujeitos ao processo e às sanções decorrentes da prática de
atos de improbidade administrativa, nos termos da Lei n° 8.429/92.
Pretendia-se, com aquela demanda, aforada originariamente no Colendo
Supremo Tribunal Federal, que os referidos agentes fossem submetidos
exclusivamente à denominada responsabilidade política, ou seja, ao
processo de impeachment.
Há conhecida controvérsia doutrinária e
jurisprudencial a respeito da natureza jurídica da Reclamação.
A corrente majoritária é no sentido de que
se trata de ação de extração constitucional, cuja finalidade é assegurar a
competência, bem como a autoridade das decisões proferidas pelo
Supremo Tribunal Federal, conforme o previsto no artigo 102, inciso I
da Constituição Federal
184
.
183
Constituição do Brasil interpretada,, São Paulo, Editora Atlas, 2002, p. 2645.
184
A respeito da natureza jurídica da reclamação, confira: Cândido Rangel DINAMARCO, “A
reclamação no processo civil brasileiro”, em Nova era do processo civil, São Paulo, Malheiros
Editores, 2003, p. 198/199. Vide também Marcelo Navarro Ribeiro DANTAS, Reclamação
constitucional no direito brasileiro, Porto Alegre, Sérgio Antônio Fabris editor, 2000, p.459/461.
Tal é o entendimento que se consolidou no STF, nada obstante a origem jurisprudencial da
Reclamação, como noticia Alexandre de Moraes, Constituição Interpretada, São Paulo, Atlas
2005, p.1462, citando, entre outros arestos, o contido em RTJ 112/504.
103
O que releva notar, para a solução das
dúvidas apontadas inicialmente, é a afirmação aceita, de forma pacífica,
no sentido de que a Reclamação não se insere na sistemática
constitucional do controle concentrado de constitucionalidade das leis e
atos normativos do Poder Público.
Isto importa dizer que as decisões
proferidas em sede de Reclamação não possuem eficácia erga omnes e
efeitos vinculantes, em relação aos demais entes do Estado,
diferentemente do que ocorre com a Ação Direta de
inconstitucionalidade, a Ação Declaratória de Constitucionalidade, a
Ação Declaratória de Inconstitucionalidade por Omissão e Argüição do
Descumprimento de Preceito Fundamental.
Nesse passo, sustentamos a interpretação
sistemática dos dispositivos relativos aos instrumentos de controle
concentrado de normas e, especialmente, a contrario sensu, do que
dispõe o art. 103, parágrafo 2º da Constituição Federal.
O que o sistema constitucional e processual
pretende, pelo instrumento da Reclamação, é viabilizar um meio para a
fiscalização da observância e preservação, tanto da competência do
Pretório Excelso, como ainda da autoridade de suas decisões.
104
As decisões do Supremo Tribunal Federal,
proferidas em casos concretos de sua competência recursal ou
originária (recurso extraordinário, recurso ordinário, outras hipóteses de
impugnação e ações cíveis e criminais iniciadas no próprio Tribunal)
possuem, como qualquer outra decisão judicial de inferior ou superior
instância, eficácia apenas inter partes. Vinculam apenas os litigantes no
feito considerado, deixando incólume, como não poderia deixar de ser,
pessoas e entidades estranhas ao processo. Até porque, solução diversa
significaria na prática vincular terceiros à coisa julgada proferida inter
alios.
Deste modo, é correto concluir que não
sendo a Reclamação instrumento processual destinado ao controle
concentrado de constitucionalidade, as decisões nela proferidas não
possuem eficácia vinculante com relação a terceiros, estranhos ao feito.
Não se nega que as decisões proferidas pelo
Pretório Excelso fora dos casos das denominadas ações de controle de
constitucionalidade, embora não vinculantes, tenham eficácia de
precedente persuasivo.
Mas elas deixam livres os magistrados de
todas as instâncias e graus de jurisdição para o exame incidental da
constitucionalidade de atos normativos, com a evidente possibilidade,
posterior, de reexame da questão de direito pelo próprio Supremo
Tribunal Federal, por meio de recurso extraordinário.
105
Em resumo, a decisão proferida na
reclamação não é prejudicial com relação a outros feitos pendentes
envolvendo outras partes. Não se tratando de questão prejudicial, nem
havendo qualquer espécie de vinculação, não gera a suspensão do
processo, não se aplicando à hipótese qualquer dos fundamentos
previstos no art. 265 do Código de Processo Civil, especialmente
aquele previsto na letra a do inciso IV do mesmo artigo.
É importante lembrar que a Reclamação n°
2138/DF foi veiculada com extensa argumentação. Entre outras coisas,
sustentou-se que, tendo sido negada a liminar em Ações Diretas de
Inconstitucionalidade propostas contra a Lei n° 10.628/02 (que conferiu
nova redação ao artigo 84 e parágrafos do Código de Processo Penal,
prevendo a competência originária para as ações de improbidade
administrativa, quando o demandado ostenta a referida prerrogativa nas
respectivas ações penais), esta negativa seria vinculante, com relação às
ações por ato de improbidade, pendentes em todo o País.
Tratavam-se das ADINs 2797-2 e 2860-0,
que ao final foram julgadas procedentes, com declaração de
inconstitucionalidade dos parágrafos 1º e 2º do artigo 84 do Código de
Processo Penal, com a redação decorrente da Lei n° 10.628/02.
Esta interpretação, de discutível acerto,
acabou sendo acolhida pelo então Presidente do Supremo Tribunal
106
Federal, Ministro Nelson Jobim, que determinou a suspensão da ação
pendente em face do autor da reclamação, ex-Ministro de Estado.
Todavia, com a declaração da inconstitucionalidade nas mencionadas
ADINs dos dispositivos já referidos (parágrafos 1º e 2º do artigo 84 do
Código de Processo Penal), o próprio argumento que justificaria a
liminar na Reclamação 2138/DF deixou de subsistir.
Ocorre que, no dia 13 de junho de 2007, o
Supremo Tribunal Federal, por maioria de votos, deliberou pela
rejeição das prejudiciais suscitadas pela Procuradoria Geral da
República e pelo Ministro Joaquim Barbosa. Também, por maioria,
rejeitou a questão de ordem suscitada pelo Ministro Marco Aurélio, no
sentido de sobrestar o julgamento, até decisão de outra reclamação
versando sobre o mesmo tema. No mérito, por seis votos contra cinco, o
Tribunal julgou procedente a reclamação, vencidos os Senhores
Ministros Carlos Velloso, Joaquim Barbosa, Celso de Mello e
Sepúlveda Pertence, que a julgavam improcedente. Não participaram da
votação, quanto ao mérito, os Ministros Cármen Lúcia, Ricardo
Lewandowski, Eros Grau e Carlos Britto.
A reclamação n° 2.138/DF, não se estende a
outros casos, refletindo o entendimento de uma maioria não mais
existente no Supremo Tribunal Federal. Preocupados em afastar
qualquer idéia contrária, exigiram os Ministros Pertence, Celso de
Mello, Marco Aurélio, Joaquim Barbosa, Carlos Britto, Ricardo
Lewandowski e Carmém Lúcia o julgamento, na mesma sessão, de
107
outra causa que tratasse da mesma questão, no caso a PET 3923,
envolvendo o Deputado Paulo Salim Maluf (PET 3923), onde se
enfatizou, pela nova maioria, a irrestrita aplicação da Lei 8.429/92, sua
natureza civil e o descabimento do privilégio de foro.
Note-se que esta posição tem sido sufragada
pelo Superior Tribunal de Justiça
185
-
186
, em casos em que se pretendeu a
185
“Processual civil. Agravo regimental no recurso especial. Improbidade administrativa. Pedido
de suspensão do processo indeferido. Questão prejudicial externa. Reclamação 2138-6/DF. Não
configuração. Decisão mantida. Desprovimento do agravo regimental. 1. O Plenário do STF
julgou improcedente a ADIN 2797/DF ‘para declarar a inconstitucionalidade da Lei 10.628, de 24
de dezembro de 2002, que acresceu os §§ 1º e 2º ao art.84 do Código de Processo Penal” (rel.
Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, DJ de 26.9.2005, p.36). Portanto, não há falar na possibilidade
da suspensão da ação de improbidade administrativa com relação à referida ação constitucional.
2. A Reclamação 2138/DF, pendente de julgamento perante o STF, não configura
prejudicialidade externa apta a suspender o processo, com fundamento no art. 265 IV ‘a’, do
Código de Processo Civil, em que se discute suposto ato de improbidade administrativa cometido
por prefeito. 3. Precedentes do STJ. 4. Agravo regimental desprovido” (STJ-AgRg no Recurso
Especial 764.836-SP, 1ª Turma, rel. Ministra Denise Arruda, v.u., j. em 06.12.2005, DJ.
06.02.2006).
186
“Processual Civil e Administrativo. Recurso Especial. Omissão. Inexistência. Ação de
Improbidade Administrativa contra ex-Prefeito. Suspensão do processo. Aguardo do julgamento
da constitucionalidade da Lei n° 10.628/02. Improbidade. Princípio da presunção de
constitucionalidade das leis. Precedentes do STF e do STJ. Recurso especial provido. 1. Ação
civil pública proposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
contra RENATO SELHANE DE SOUZA, ex-prefeito de Xangri-Lá/RS, em que se discute a
ocorrência de ato de improbidade administrativa. Acórdão do TJRS suspendendo o processo por
tramitar no STF a Reclamação n° 2138/DF, em que se discute a aplicação da Lei n° 8.429/92 aos
agentes políticos, sob pena de possível nulidade do julgamento, uma vez que, dada da
peculiaridade do caso, ainda que a referida Reclamação não produza efeitos erga omnes, a
decisão do STF irradiará seus efeitos para todos os Tribunais do país. Recurso especial
apresentado pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL alegando
violação dos arts. 535 e 265 do CPC, em razão de Reclamação que tramita no STF dizer respeito
aos Ministros de Estado (Lei n° 1.079/50 – que cuida dos crimes de responsabilidade). Aduz,
ainda, que o regime de responsabilidade por ato de improbidade administrativa praticado por
prefeito é o DL n° 210/67, não mencionado pelo STF e que a Reclamação n° 2.138-6 não se erige
em antecedente impeditivo do julgamento das ações de improbidade administrativa contra
Prefeitos e Ex-Prefeitos, pois não terá eficácia com vinculação erga omnes, Contra-razões não
apresentadas. 2. Inexiste omissão no acórdão que transcreve e adota como razões de decidir
trecho de decisão que aborda o tema objeto de recurso. 3. Não cabe suspensão de ação de
improbidade para o aguardo de pronunciamento incidental do Supremo Tribunal Federal sobre a
constitucionalidade da Lei n° 10.628/02. Princípio da presunção da constitucionalidade das leis.
Precedentes do STF e do STJ. 4. Recurso especial conhecido e provido” (STJ-Recurso Especial
108
suspensão de ações de improbidade, sob o equivocado argumento de
que haveria prejudicialidade externa, com relação à Reclamação n°
2138/DF.
1.4.5.4 – Notificação prévia do demandado
Cumpre lembrar que o art. 17, parágrafo 7°
da Lei n° 8.429/92, com a redação dada pela Medida Provisória n°
2.225-45, de 4 de setembro de 2001, estando a petição inicial, em
forma, previa a notificação do demandado, para oferecer manifestação
por escrito, com a juntada de documentos e justificações, no prazo de
quinze dias.
Contudo, essa defesa preliminar já não
existe mais, na medida em que cessaram os efeitos da medida
provisória, que não foi mais editada. Além disso, por força da Emenda
Constitucional n° 32, de 11 de setembro de 2001, foi vetada a reedição
de medida provisória sobre matéria relativa a direito processual civil
187
.
703387/RS – 1ª Turma – Rel. Min. José Delgado – v.u. – j. em 14/06/2005 – DJ 01.08.2005 p.
342).
187
“Direito administrativo – Agravo de instrumento – Ação de improbidade administrativa –
Medida provisória n° 2.225-45, de 04.09.2001 – Prévia notificação para apresentação de
alegações – Desnecessidade e descabimento – Com efeito, a medida provisória n° 2.225-45, de
04.09.2001, até a presente data, não foi reeditada, nem mais poderá sê-lo, por força da Emenda
Constitucional n° 32, de 11.09.2001, que, dentre outros casos, passou a vedar sua reedição sobre
matéria relativa a direito processual civil. Como não foi, também, convertida em lei, perdeu ela, a
toda evidência, sua eficácia e efeitos jurídicos, de sorte que a mera citação dos requeridos e
apresentação de contestação não ostentam nenhuma ilegalidade – Inteligência da CF/1988, artigo
62, inciso I, alínea “b” e seu parágrafo 3° - Decisão mantida – Recurso desprovido” (TJSP – AI
323.340-5/5-00 - 5ª Câmara de Direito Público – Rel. Des. Xavier de Aquino – v.u. – j. em
29.04.2004).
109
1.4.5.5 – Medidas acautelatórias na ação de improbidade administrativa
A Lei de Improbidade Administrativa prevê
providências acautelatórias, que servem como garantia ao Juízo, no
sentido de impedir que atos ruinosos em face do erário fiquem impunes
pela ação nefanda do tempo e da esperteza dos desonestos.
Essas medidas podem consistir em
indisponibilidade e seqüestro ou bloqueio de bens do demandado, desde
que necessário para garantia da reparação do dano causado e perda
daquilo que foi obtido como proveito do enriquecimento ilícito
188
.
A indisponibilidade dos bens, segundo
esclarece MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO
189
, “tem nítido
caráter preventivo, já que tem por objetivo acautelar os interesses do
erário, durante a apuração dos fatos, evitando a dilapidação, a
transferência ou ocultação dos bens, que tornariam impossível o
ressarcimento do dano”.
Para a concessão dos pedidos de
indisponibilidade, seqüestro ou bloqueio dos bens do demandado, deve
ser feita, pelo autor, comprovação, de plano, de que os atos foram
praticados em total desrespeito aos princípios emanados pelo artigo 37
da Constituição Federal, enquadráveis na Lei nº 8.429/92 e passíveis
das sanções por esta estabelecidas, demonstrando a presença do fumus
boni iuris. Além disso, deve estar presente o periculum in mora, na
188
V. arts. 7º e 16, caput da Lei nº 8.429/92.
189
Direito Administrativo, 13ª edição, cit., p. 677.
110
medida em que é preciso assegurar o resultado prático do processo,
garantindo a possibilidade de execução de eventual sentença
condenatória de obrigação de reparar os danos aos cofres públicos e de
pagar multa civil. Aguardar o julgamento da procedência da ação e
depois adotar medidas para viabilizar a futura penhora, será dificultar
sobremaneira a efetividade do processo, relegando, talvez, ao
esquecimento, a reparação do direito material difuso violado.
Ainda, a Lei de Improbidade
Administrativa prevê a possibilidade de concessão de medida cautelar
de afastamento do agente público do exercício do cargo, pela
autoridade judicial ou administrativa
190
.
Para o afastamento cautelar do agente
público do exercício do cargo, a lei exige que tal medida se faça
necessária à instrução processual.
É preciso levar em conta que a expressão
"instrução processual" contida no parágrafo único do artigo 20 da Lei
de Improbidade, não pode ter interpretação acanhada. Há de ser
entendida dentro do contexto em que se encontra inserida. Se existe
indícios de que o agente público, ficando em seu cargo, poderá
perturbar, de algum modo, a coleta de provas do processo, o
afastamento liminar se impõe, imediatamente, inexistindo poder
discricionário da autoridade judiciária. É suficiente que, pela
190
Confira: art. 20, parágrafo único da Lei nº 8.429/92.
111
quantidade dos fatos, pela complexidade da demanda, pela notória
necessidade de dilação probante, se faça necessário, em tese, o
afastamento compulsório e liminar do agente público do exercício de
seu cargo, sem prejuízos de seus vencimentos, enquanto persistir a
importância da coleta de elementos informativos ao processo.
Em outras palavras, a efetivação da medida
cautelar prevista no artigo 20 da Lei n° 8.429/92 também necessita da
presença do fumus boni iuris e do periculum in mora. Enquanto o
primeiro requisito se caracteriza pela viabilidade da acusação exposta
na petição inicial, a presença do periculum in mora deve ser auferida
pela constatação da necessidade de afastamento do servidor público em
face da regular coleta de provas durante a instrução processual.
Há precedente do Egrégio Tribunal de
Justiça do Estado de São Paulo, de afastamento de agente público
demandado por improbidade administrativa, em que não se fez constar
como fundamento o artigo 20, da Lei de Improbidade, mas a simples
presença dos requisitos genéricos para a cautelar
191
. Nesse sentido, é o
entendimento do Superior Tribunal de Justiça
192
.
191
“Ação Civil Pública. Liminar. Pretendida revogação da medida que, em caráter provisório,
determinou o afastamento de vereador do exercício de suas funções. Inadmissibilidade. Presença
dos requisitos da relevância da fundamentação e do perigo da demora. Decisão mantida” (TJSP,
AI 72.549.5/5, 4ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. SOARES LIMA, j. em.13.8.98
)..
192
“De qualquer sorte, não se pode aplicar o disposto no artigo 20, da Lei de Improbidade, a partir
de sua interpretação isolada, recomendando-se uma leitura sistemática do preceito sem deixar de
considerar todo o contexto jurídico pertinente. Para que a proteção jurídica da instrução
processual? Para a produção de um julgamento absolutamente justo. Não há outra alternativa.
Esta é realmente a única resposta razoável. Entretanto, contenta-se o legislador com isso?
Evidentemente, não. A sentença justa é um bem jurídico, mas sem que possa efetivamente ser
executada e o seja, de nada valerá. Indispensável, pois, que o juiz se utilize de seu poder geral de
112
Nesse ponto, não custa mencionar também
que o disposto no art. 4º da Lei da Ação Civil Pública, autorizaria, de
qualquer modo, o ajuizamento de qualquer medida cautelar.
Outrossim, a jurisprudência admite o
afastamento do funcionário em geral, como medida cautelar
193
-
194
-
195
.
De outra parte, MARINO PASSAGLINI
FILHO, MÁRCIO FERNANDO ELIAS ROSA e WALDO FAZZIO
JÚNIOR
196
ensinam que o afastamento cautelar se justifica sempre que
for “indispensável para garantir a efetividade dos princípios
constitucionais da Administração Pública, por certo mais privilegiado
que o direito individual que restringe”.
cautela, tomando todas as medidas provisórias necessárias para evitar que o demandado, se
condenado, possa prejudicar a sua execução. Com efeito, não só na defesa da boa instrução
processual, seria possível o afastamento do prefeito. Essa providência é possível também para
evitar a continuação da prática de atos danosos ao patrimônio público municipal” (STJ, MC 1730
– SP, 5ª Turma, Rel. Min.JORGE SCARTEZZINI, j. em 07.12.99).
193
“Ajuizamento com fundamento no artigo 12, III, da Lei de Improbidade (Lei nº 8.429/92).
Liminar. Decisão que determinou o afastamento dos requeridos do exercício de seus cargos de
vereador. Presença dos requisitos do "fumus boni juris" e do "periculum in mora". Inocorrência
de ofensa ao art.5º, LVI, da CF” (TJSP, AI.107.460.5/7-00, 8ª Câmara de Direito Público, São
Sebastião, Rel. Des. Paulo Travain, j. em 24.3.99)
194
“Responsabilidade civil por improbidade administrativa. Manutenção da liminar concedida que
afastou o impetrante do cargo de Prefeito Municipal por mais de 6 meses. Admissibilidade. Art.
20, parágrafo único, da Lei nº 8.429/92, que autoriza o afastamento do agente público, sem
delimitação de tempo, persistindo enquanto a medida se fizer necessária à instrução processual”
(TJSP, AI.125.114.5/0, 4ª Câmara de Direito Público, Guarulhos, Rel. Des. Clímaco de Godoy, j.
em 11.11.99).
195
“Ação de improbidade administrativa promovida pelo Ministério Público. Liminar para o
afastamento do cargo do Prefeito de Bauru e decretação da indisponibilidade de seus bens.
Admissibilidade. Aplicação dos arts. 16 e 20, § único, da Lei Federal 8.429/92” (TJSP, AI
108.448.5/0, Bauru, Rel. Des. Jovino de Sylos, j. em 20.12.99).
113
1.4.5.6 – Sanções do art. 12 da Lei de Improbidade Administrativa
Quanto à responsabilidade dos agentes
públicos, há que ressaltar que todos aqueles que gastam dinheiro
público, em desconformidade com a lei, produzem lesão aos cofres
públicos, devendo arcar com o completo ressarcimento do erário
197
-
198
.
A Lei de Improbidade Administrativa, a par
do reconhecimento judicial da nulidade do ato administrativo atacado e
do ressarcimento do erário, tendo em conta a aplicação ao agente
público, da regra contida no artigo 37, parágrafo 4º da Constituição
Federal
199
, previu outras sanções (perda da função pública, suspensão
dos direitos políticos por oito anos, pagamento de multa civil e
proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou
incentivos fiscais ou creditícios por qualquer meio).
196
Improbidade Administrativa - Aspectos Jurídicos da Defesa do Patrimônio Público, cit., p.
181.
197
”Quem gastar em desacordo com a lei, há de fazê-lo por sua conta, risco e perigos. Pois,
impugnada a despesa, a quantia gasta irregularmente, terá de retornar ao Erário Público. Não
caberá a invocação, assaz de vezes realizada, de enriquecimento da Administração. Ter-se-ia,
consoante essa linha de argumentação,, beneficiado com a obra, serviço e fornecimento e, ainda
mais, com o recolhimento do responsável ou responsáveis pela despesa considerada ilegal”
(Sérgio FERRAZ e Lúcia Valle FIGUEIREDO, Dispensa e inexigibilidade de licitação, São
Paulo, Malheiros Editores, 1994, p. 93).
198
A Constituição Federal contém norma determinação o ressarcimento do erário, nas hipóteses de
prática de atos de improbidade administrativa. O artigo 37, parágrafo 4º dispõe que: “os atos de
improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função
pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas
em lei, sem prejuízo da ação penal cabível”.
199
Esse dispositivo constitucional não restringiu a liberdade do legislador ordinário, seja para
formular casos específicos de improbidade administrativa, seja na fixação de limites mínimos e
máximos para as penas, seja para a criação de novas reprimendas. Mesmo porque não se trata de
matéria de domínio reservado à Constituição ou à legislação complementar, nada obstando que o
114
Pelo art. 12 da Lei nº 8.429/92, o legislador
estabeleceu uma gradação decrescente, em termos de gravidade, isto é,
em primeiro lugar, os atos que acarretam enriquecimento ilícito; em
segundo, os atos que causam prejuízo ao erário e, em terceiro, os atos
que atentam contra os princípios da Administração Pública.
Essa gradação foi estatuída, em relação a
algumas penas, do seguinte modo:
a) a suspensão dos direitos políticos, que varia de 8 a 10 anos, no
primeiro caso; de 5 a 8 anos, no segundo; e de 3 a 5 anos, no terceiro
caso;
b) o valor da multa civil, que pode ser de até três vezes o valor do
acréscimo patrimonial, em caso de enriquecimento ilícito; de até
duas vezes o valor do dano, no caso de dano ao erário; e de até cem
vezes o valor da remuneração percebida pelo agente, no caso de
atentado aos princípios da Administração;
c) a proibição de contratar com a Administração ou de receber
benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios pode ser aplicada pelo
prazo de 10, 5 e 3 anos, respectivamente.
Quanto à aplicação das sanções previstas no
art. 12 da Lei nº 8.429/92, discute-se a sua cumulatividade ou não.
O Superior Tribunal de Justiça vem se
posicionando no sentido de que o juiz “não está obrigado a aplicar
legislador ordinário sponta sua decidisse estatuir conseqüências jurídicas a atos contrários à
moralidade administrativa.
115
cumulativamente todas as penas previstas no art. 12 da Lei 8.429/92,
podendo, mediante adequada fundamentação, fixá-las e dosá-las
segundo a natureza, a gravidade e as conseqüências da infração,
individualizando-as, se for o caso, sob os princípios do direito
penal”
200
.
Com efeito, na esteira da lição de de HUGO
NIGRO MAZZILLI
201
, entendemos que não se há falar em cumulação
de penas, na medida em que se deve examinar, em cada concreto, a
extensão do dano causado e o proveito patrimonial obtido pelo agente
público.
1.4.5.7 – Prescrição
É importante ressaltar que o art. 23 da Lei
n
° 8.429/92
202
previu a prescrição da ação civil pública.
A doutrina tem se manifestado, no sentido
de que a prescrição, a que se refere o disposto no artigo 23 da Lei de
200
STJ, REsp 513.576-MG, 1ª Turma, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, 03-11-2005, m.v., DJ 06-
03-2006, p. 164. No mesmo sentido: STJ,. REsp 713.146-PR, 2ª Turma, Rel. Min. Eliana
Calmon, 13-03-2007, v.u., DJU 22-03-2007, p. 324.
201
“...desarrazoado seria punir da mesma maneira o agente público que comete um dano culposo
de pequena monta que proveito algum traga a ele ou a terceiros, e aquele que de maneira dolosa
se enriqueça ilicitamente à custa do patrimônio público” (A defesa dos interesses difusos em juízo,
20ª edição, cit., p. 195).
202
“Art. 23 da Lei n° 8.429/92: As ações destinadas a levar a efeitos as sanções previstas nesta lei
podem ser propostas: I – até cinco anos após o término do exercício do mandato, de cargo em
comissão ou de função de confiança; II – dentro do prazo prescricional previsto em lei específica
para faltas disciplinares puníveis com demissão a bem do serviço público, nos casos de exercício
de cargo efetivo ou emprego”.
116
Improbidade Administrativa, diz respeito à ação para a perda da função
e suspensão dos direitos políticos.
Em relação ao ressarcimento do dano incide
a norma do artigo 37, parágrafo 5° da Carta Magna
203
.
Ora, na forma do artigo 37, parágrafo 5º da
Constituição Federal “a lei estabelecerá os prazos de prescrição para
ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem
prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento”.
CELSO RIBEIRO BASTOS
204
ensina que
“este parágrafo é suscetível de abordagem sob três óticas diferentes no
que respeita à responsabilidade: a penal, a funcional e a civil. Com
relação às duas primeiras, a Constituição quer deixar claro que é a lei
que fixará os prazos prescricionais dos ilícitos praticados pelos agentes,
que o texto não esclarece explicitamente mas que se dessumem serem
públicos, não importa de que categoria: se servidor, se contratado ou até
mesmo se político. No que tange aos danos civis, o propósito do texto é
de tornar imprescritíveis as ações visando ao ressarcimento do dano
causado”.
203
Marcelo FIGUEIREDO, Comentários à Lei n° 8.429/92 – Probidade Administrativa, 2ª edição,
São Paulo, Malheiros Editores, 1997, p. 104.
204
Comentários à Constituição do Brasil, 3º volume, Tomo III, São Paulo, Editora Saraiva, 1997,
p.167.
117
WALLACE PAIVA MARTINS JÚNIOR
205
defende a imprescritibilidade do ressarcimento do dano do ato ilícito
praticado em detrimento do patrimônio público, diante da regra contida
no artigo 37, parágrafo 5° da Carta Maior.
No mesmo sentido, é o entendimento de
MARINO PAZZAGLINI FILHO, MÁRCIO FERNANDO ELIAS
ROSA e WALDO FAZZIO JÚNIOR
206
e de JOSÉ AFONSO DA
SILVA
207
.
Como se vê, a Carta Magna define a
imprescritibilidade da ação de ressarcimento de danos ao erário. Nesse
sentido, é a posição jurisprudencial
208
-
209
.
205
Probidade Administrativa, São Paulo, Editora Saraiva, 2001, p. 291.
206
“O § 5° do art. 37, da Constituição Federal, deixa claro que a lei estabelecerá os prazos de
prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízo ao
erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento. O texto constitucional, pois, ao
excepcionar as ações de ressarcimento em relação à regra geral da prescrição, tornou
imprescritíveis tais ações contra agentes públicos que, ilicitamente, geraram lesão ao patrimônio
público” (Improbidade administrativa – Aspectos jurídicos da defesa do patrimônio público, cit.,
pp. 202-203).
207
“A prescritibilidade, como forma de perda da exigibilidade de direito, pela inércia de seu
titular, é um princípio geral de direito. Não será pois de estranhar que ocorram prescrições
administrativas sob vários aspectos, quer quanto às pretensões de interessados em face da
Administração, quer quanto às desta em face de administrados...Vê-se porém que há uma ressalva
ao princípio. Nem tudo prescreverá. Apenas a apuração e punição do ilícito, não, porém, o direito
da Administração ao ressarcimento, à indenização do prejuízo causado ao erário. É uma ressalva
constitucional e, pois, inafastável, mas por certo, destoante dos princípios jurídicos, que não
socorrem quem fica inerte” (Curso de Direito Constitucional Positivo, 8ª edição, São Paulo,
Malheiros Editores, 1992, p. 574).
208
“Ação civil pública – Improbidade Administrativa – Ressarcimento de danos causados ao erário
público – Despacho saneador – Acolhimento da preliminar de prescrição da ação –
Inadmissibilidade – A ação visando a recomposição do patrimônio público é imprescritível (art.
23 da Lei 8.429/92 c.c. art. 37, § 5°, da Constituição Federal) – Agravo provido” (TJSP, Agravo
de Instrumento 328.226-5/1-00, Comarca de São Paulo, Rel. Des. Milton Gordo, j. em
03.11.2003).
209
“Ação civil pública. Improbidade administrativa. Prescrição. Não ocorrência. A pretensão
relativa ao ressarcimento de danos provocados ao erário, nos termos do art. 37, § 5º da
Constituição Federal, não se sujeita à prescrição. Diversamente, as demais sanções previstas na
Lei federal 8.429/92 (perda do mandato, suspensão dos direitos políticos, proibição de contratar,
118
1.4.6 – Defesa do idoso
A Constituição Federal
210
atentou para a
proteção das pessoas idosas, impondo à família, à sociedade e ao
Estado o dever de ampará-las, assegurando-lhes participação na
comunidade, defendendo-lhes a dignidade, o bem-estar e o direito à
vida.
Posteriormente, a Lei n° 8.842, de 4 de
janeiro de 1994 estabeleceu a política nacional do idoso
211
. Consoante o
art. 1°, a política nacional do idoso tem por objetivo assegurar os
direitos sociais do idoso, criando condições para promover sua
autonomia, integração e participação efetiva na sociedade. O art. 2°
considerou idoso, para os efeitos da lei, a pessoa maior de sessenta
anos.
Por fim, a Lei n° 10.741, de 1° de outubro
de 2003 criou o Estatuto do Idoso, regulando os direitos das pessoas
com idade igual ou superior a sessenta anos.
etc), sujeitam-se ao prazo previsto no art. 23, inciso I (‘cinco anos após o término do exercício de
mandato’). Proposta a ação dentro desse lastro, a determinação de citação faz interromper a
prescrição, retrotraindo tal termo à data da propositura da ação – Exegese dos arts. 219, ‘caput’
c/c § 1º do Código de Processo Civil. Recurso desprovido” (TJSP, Agravo de Instrumento nº
580.523-5/6, Comarca de São Miguel Arcanjo, 7ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. Nogueira
Diefenthäler, v.u., j. em 29/01/2007).
210
“Art. 230 da CF/88: A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas
idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e
garantindo-lhes o direito à vida. § 1° Os programas de amparo aos idosos serão executados
preferencialmente em seus lares. § 2° Aos maiores de sessenta e cinco anos é garantida a
gratuidade dos transportes coletivos urbanos”.
119
O Estatuto do Idoso estabeleceu o sistema
de sua proteção integral, o qual goza de todos os direitos fundamentais
inerentes à pessoa humana, devendo ser lhe asseguradas todas as
oportunidades e facilidades, para preservação de sua saúde física e
mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social, em
condições de liberdade e dignidade
212
.
No que se refere à defesa dos interesses
transindividuais dos idosos, o Estatuto dispõe que se consideram
legitimados, concorrentemente: I – o Ministério Público; II – a União,
os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; III – a Ordem dos
Advogados do Brasil; IV – as associações legalmente constituídas há
pelo menos um ano e que incluam entre os fins institucionais a defesa
dos interesses e direitos da pessoa idosa, dispensada a autorização da
assembléia, se houver prévia autorização estatutária
213
.
O art. 93 do Estatuto do Idoso estatui que se
aplica, subsidiariamente, no que couber, as normas contidas na Lei n°
7.347/85 – Lei da Ação Civil Pública.
Quanto à atuação do Ministério Público,
houve uma ampliação de atribuições, quais sejam: I – instaurar o
inquérito civil e a ação civil pública para a proteção dos direitos e
211
O Decreto n° 4.227/02 criou o Conselho Nacional dos Direitos do Idoso, a quem compete,
entre outras atribuições, supervisionar a política nacional do idoso. A Lei n° 9.802/97 previu o
Conselho Estadual do Idoso.
212
Vide art. 2° da Lei n° 10.741/03.
120
interesses difusos ou coletivos, individuais indisponíveis e individuais
homogêneos do idoso; II – promover e acompanhar as ações de
alimentos, de interdição total ou parcial, de designação de curador
especial, em circunstâncias que justifiquem a medida e oficiar em todos
os feitos em que se discutam os direitos de idosos em condições de
risco; III – atuar como substituto processual do idoso em situação de
risco, conforme o disposto no art. 43 do Estatuto; IV – promover a
revogação de instrumento procuratório do idoso, nas hipóteses previstas
no art. 43 do Estatuto, quando necessário ou o interesse público
justificar; V – instaurar procedimento administrativo e, para instruí-lo:
a) expedir notificações, colher depoimentos ou esclarecimentos e, em
caso de não comparecimento injustificado da pessoa notificada,
requisitar condução coercitiva, inclusive pela Polícia Civil ou Militar;
b) requisitar informações, exames, perícias e documentos de
autoridades municipais, estaduais e federais, da administração direta e
indireta, bem como promover inspeções e diligências investigatórias; c)
requisitar informações e documentos particulares de instituições
privadas; VI – instaurar sindicâncias, requisitar diligências
investigatórias e a instauração de inquérito policial, para a apuração de
ilícitos ou infrações às normas de proteção ao idoso; VII – zelar pelo
efetivo respeito aos direitos e garantias legais assegurados ao idoso,
promovendo as medidas judiciais e extrajudiciais cabíveis; VIII –
inspecionar as entidades públicas e particulares de atendimento e os
programas de que trata esta Lei, adotando de pronto as medidas
administrativas ou judiciais necessárias à remoção de irregularidades
213
Vide art. 81 da Lei n° 10.741/03.
121
porventura verificadas; IX – requisitar força policial, bem como a
colaboração dos serviços de saúde, educacionais e de assistência social,
públicos, para o desempenho de suas atribuições; X – referendar
transações envolvendo interesses e direitos dos idosos previstos no
Estatuto
214
.
1.4.7 – Defesa das mulheres
A Lei n° 11.340 de 7 de agosto de 2006 –
conhecida como Lei Maria da Penha – foi criada para coibir a violência
doméstica e familiar contra a mulher. Pela referida norma legal, a
mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual,
renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos
fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as
oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua
saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e
social
215
.
Serão asseguradas às mulheres as condições
para o exercício efetivo dos direitos à vida, à segurança, à saúde, à
alimentação, à educação, à cultura, à moradia, ao acesso à justiça, ao
esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao
respeito e à convivência familiar e comunitária
216
.
214
Art. 74 da Lei n° 10.741/03.
215
V. art. 2° da Lei n° 11.340/06.
216
V. art. 3°, caput da Lei n° 11.340/06.
122
O art. 37, caput da Lei n° 11.340/06
estabelece que a defesa dos interesses e direitos transindividuais nela
previstos poderá ser exercida, concorrentemente, pelo Ministério
Público e por associação de atuação na área, regularmente constituída
há pelo menos um ano, nos termos da legislação civil. O requisito da
pré-constituição poderá ser dispensado pelo juiz quando entender que
não há outra entidade com representatividade adequada para o
ajuizamento da demanda coletiva.
1.5 –Defesa da ordem econômica e da livre concorrência
A Lei n° 8.884, de 11 de junho de 1994
dispõe sobre a prevenção e repressão às infrações contra a ordem
econômica, diante das normas constitucionais de liberdade de iniciativa,
livre concorrência, função social da propriedade, defesa dos
consumidores e repressão ao abuso do poder econômico.
O art. 20 da Lei n° 8.8884/94 considera
infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob
qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam
produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados: I –
limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou
a livre iniciativa; II – dominar mercado relevante de bens ou serviços;
III – aumentar arbitrariamente os lucros; IV – exercer de forma abusiva
posição dominante. Para esses fins, acrescenta a lei, que não caracteriza
dominação punível de mercado, a simples conquista de mercado,
123
resultante de processo natural fundado na maior eficiência de agente
econômico em relação a seus competidores
217
. A posição dominante e
punível, ocorre: a) de forma efetiva, quando uma empresa ou grupo de
empresas controla parcela substancial de mercado relevante, como
fornecedor, intermediário, adquirente ou financiador de um produto,
serviço ou tecnologia a ele relativa e de b) forma presumida, quando a
empresa ou grupo de empresas controla 20% (vinte por cento) de
mercado relevante, podendo este percentual ser alterado pelo Conselho
Administrativo de Defesa Econômica – CADE para setores específicos
da economia
218
.
A Lei n° 8.884/94 estatui, no seu art. 12,
que o Procurador-Geral da República, ouvido o Conselho Superior,
designará membro do Ministério Público Federal para, nesta qualidade,
oficiar nos processos sujeitos à apreciação do Conselho Administrativo
de Defesa Econômica – CADE
219
.
Cumpre destacar que os prejudicados, por si
ou pelos legitimados do art. 82 da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de
1990, poderão ingressar em juízo para, em defesa de seus interesses
individuais ou individuais homogêneos, obter a cessação de práticas
que constituam infração da ordem econômica, bem como o recebimento
de indenização por perdas e danos sofridos, independentemente do
217
V. art. 20, parágrafo 1° da Lei n° 8.884/94.
218
Confira: art. 20 parágrafos 2° e 3° da Lei n° 8.884/94.
219
O CADE poderá requerer ao Ministério Público Federal que promova a execução de seus
julgados ou do compromisso de cessação, bem como a adoção de medidas judiciais, no exercício
124
processo administrativo, que não será suspenso em virtude do
ajuizamento de ação
220
. Contudo, é possível a defesa de qualquer
interesse difuso, coletivo ou individual homogêneo, relacionado com a
defesa da ordem econômica e financeira, como, por exemplo, à livre
iniciativa, à livre concorrência, aos consumidores, à função social da
propriedade, o combate ao abuso do poder econômico
221
. O art. 83 da
Lei nº 8.884/94 determinou a aplicação subsidiária, aos processos
administrativo e judicial, tanto do Código de Defesa do Consumidor
como da Lei da Ação Civil Pública. Por fim, o art. 84 da referida norma
legal estabeleceu que as multas nela previstas serão revertidas ao fundo
de reparação dos interesses da Lei nº 7.347/85.
1.6. Ordem urbanística
A Lei nº 10.257 de 10 de julho de 2001,
conhecida como Estatuto da Cidade, estabelece normas de ordem
pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em
prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem
como do equilíbrio ambiental.
De acordo com o art. 2º, a política urbana
tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais
da atribuição estabelecida pela alínea b do inciso XIV do art. 6º da Lei Complementar nº 75, de
20 de maio de 1993 (art. 12, parágrafo único da Lei n° 8.884/94).
220
Vide art. 29 da Lei n° 8.884/94.
221
Neste sentido, temos a posição de Marcelo SCIORILLI, A ordem econômica e o Ministério
Público, São Paulo, Editora Juarez de Oliveira, 2004, p. 127.
125
da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes
gerais:
I – garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito
à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura
urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer,
para as presentes e futuras gerações;
II – gestão democrática por meio da participação da população e de
associações representativas dos vários segmentos da comunidade na
formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e
projetos de desenvolvimento urbano;
III – cooperação entre os governos, a iniciativa privada e os demais
setores da sociedade no processo de urbanização, em atendimento ao
interesse social;
IV – planejamento do desenvolvimento das cidades, da distribuição
espacial da população e das atividades econômicas do Município e do
território sob sua área de influência, de modo a evitar e corrigir as
distorções do crescimento urbano e seus efeitos negativos sobre o meio
ambiente;
V – oferta de equipamentos urbanos e comunitários, transporte e
serviços públicos adequados aos interesses e necessidades da população
e às características locais;
VI – ordenação e controle do uso do solo, de forma a evitar:
a) a utilização inadequada dos imóveis urbanos;
b) a proximidade de usos incompatíveis ou inconvenientes;
c) o parcelamento do solo, a edificação ou o uso excessivos ou
inadequados em relação à infra-estrutura urbana;
126
d) a instalação de empreendimentos ou atividades que possam
funcionar como pólos geradores de tráfego, sem a previsão da infra-
estrutura correspondente;
e) a retenção especulativa de imóvel urbano, que resulte na sua
subutilização ou não utilização;
f) a deterioração das áreas urbanizadas;
g) a poluição e a degradação ambiental;
VII – integração e complementaridade entre as atividades urbanas e
rurais, tendo em vista o desenvolvimento socioeconômico do Município
e do território sob sua área de influência;
VIII – adoção de padrões de produção e consumo de bens e serviços e
de expansão urbana compatíveis com os limites da sustentabilidade
ambiental, social e econômica do Município e do território sob sua área
de influência;
IX – justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do processo de
urbanização;
X – adequação dos instrumentos de política econômica, tributária e
financeira e dos gastos públicos aos objetivos do desenvolvimento
urbano, de modo a privilegiar os investimentos geradores de bem-estar
geral e a fruição dos bens pelos diferentes segmentos sociais;
XI – recuperação dos investimentos do Poder Público de que tenha
resultado a valorização de imóveis urbanos;
XII – proteção, preservação e recuperação do meio ambiente natural e
construído, do patrimônio cultural, histórico, artístico, paisagístico e
arqueológico;
127
XIII – audiência do Poder Público municipal e da população
interessada nos processos de implantação de empreendimentos ou
atividades com efeitos potencialmente negativos sobre o meio ambiente
natural ou construído, o conforto ou a segurança da população;
XIV – regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas por
população de baixa renda mediante o estabelecimento de normas
especiais de urbanização, uso e ocupação do solo e edificação,
consideradas a situação socioeconômica da população e as normas
ambientais;
XV – simplificação da legislação de parcelamento, uso e ocupação do
solo e das normas edilícias, com vistas a permitir a redução dos custos e
o aumento da oferta dos lotes e unidades habitacionais;
XVI – isonomia de condições para os agentes públicos e privados na
promoção de empreendimentos e atividades relativos ao processo de
urbanização, atendido o interesse social.
Os arts. 53 e 54 do Estatuto da Cidade
alteraram a redação dos arts. 1º e 4º da Lei nº 7.347/85, para incluir, no
âmbito da ação civil pública, a defesa judicial de interesses
transindividuais ligados à ordem urbanística, inclusive, no campo
cautelar.
A doutrina reconhece a legitimidade ativa
do Ministério Público para a propositura da ação civil pública por dano
urbanístico
222
.
222
Confira a respeito a lição de João Francisco Moreira VIEGAS, o qual preleciona que
“manifesta é a legitimidade do Ministério Público, uma vez que tais interesses se caracterizam
128
A jurisprudência do Colendo Superior
Tribunal de Justiça manifesta-se no sentido de reconhecer a
legitimidade ativa do Ministério Público, em questões urbanísticas,
como por exemplo, naquelas envolvendo loteamentos
223
.
2. Causa de pedir e pedido
A causa de pedir (ou causa petendi)
significa, resumidamente, o conjunto de fundamentos levados pelo
autor a juízo, constituído pelos fatos e pelo fundamento jurídico a eles
aplicável.
O Código de Processo Civil adotou a teoria
da substanciação, pela qual são necessárias, além da fundamentação
jurídica, a alegação e a descrição dos fatos sobre os quais incide o
direito alegado como fundamento do pedido. A fundamentação jurídica
é, via de regra, a causa de pedir próxima, enquanto o fato gerador do
como difusos. É o patrimônio de uma coletividade que está sendo agredido de maneira ilegal, e o
efeito do ato nocivo sobre cada interessado é módico em demasia a proporcionar demandas
individuais” (“Ação civil por dano urbanístico: questões controvertidas” in Temas de Direito
Urbanístico, volume 2, São Paulo, Ministério-Público-Imprensa Oficial, 2000, p. 62).
223
“Administrativo e Processual Civil – Ação Civil Pública – Patrimônio público – Interesse
coletivo – Loteamento – Regularização – Interesses individuais homogêneos – Legitimidade do
Ministério Público – Lei n. 6.766/1979, arts. 38 e 40 – Lei n. 7.347/1985, art. 21 – CF, art. 129,
III e IX – Precedentes STF e STJ. É dever constitucional do Ministério Público a defesa do
patrimônio público e social, dos interesses difusos e coletivos e de outras funções compatíveis
com a sua natureza (art. 129, III e IX, CF). O Ministério Público é parte legítima para a defesa
dos interesses dos compradores de imóveis loteados, em razão de projetos de parcelamento de
solo urbano, face a inadimplência do parcelador na execução de obras de infra estrutura ou na
formalização e regularização dos loteamentos. A iterativa jurisprudência do Pretório Excelso
acompanhada por incontáveis julgados desta Egrégia Corte, vem reconhecendo a legitimidade do
129
alegado direito se constitui, também na generalidade dos casos, na
causa de pedir remota.
Nas ações coletivas, a causa de pedir
também está relacionada aos fatos e fundamentos jurídicos a elas
aplicáveis. Todavia, dizem respeitos a um outro contexto, sendo que
alguns doutrinadores defendem que a teoria embasadora da causa de
pedir seria a da individualização
224
.
Pela análise da causa de pedir e do pedido,
é que se pode saber qual a espécie de direito coletivo, que se pretende
tutelar (difuso, coletivo propriamente dito ou individual homogêneo).
O fato da ação coletiva conter determinadas
peculiaridades, em relação ao processo civil individual, não autoriza a
que se deixe de descrever, na inicial, os fatos relativos à lesão ou à
ameaça dos direitos transindividuais pleiteados
225
.
O autor, ao exercer o direito de ação e dar
início ao processo, quer que, ao seu final, o pedido seja atendido, de
forma que o Poder Judiciário decida pela sua procedência e emita, para
Ministério Público para a defesa dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos.
Recurso conhecido e provido” (RSTJ 134/175).
224
Para Rodolfo de Camargo MANCUSO, “no caso da lei da ação civil pública, a interpretação
conjunta dos arts. 3°, 11, 13 e 16 sugere, em princípio, que o legislador, sem descurar da teoria
adotada pelo Código de Processo Civil, aproximou-se um tanto da teoria da individualização.
Com efeito, o art. 3° permite a formulação de pedido condenatório-pecuniário, mas, como nem
sempre o interesse difuso lesado pode ser reparado dessa forma, permite a formulação alternativa
de pedido de natureza cominatória (fazer ou não fazer)” (Ação civil pública, cit., pp. 85-86).
225
Sandra Lengruber da SILVA, Elementos das ações coletivas, São Paulo, Editora Método,
2004, p. 86-87.
130
esse fim, um provimento que resolva a lide, pondo fim à discussão a
respeito daquela situação jurídica e, enfim, faça valer aquele direito de
que o autor se diz titular.
Alguns autores preferem tratar esse
elemento identificador da ação como objeto da ação, ou seja, o bem
jurídico a respeito do qual se reclama uma providência jurisdicional. E
esse objeto classificar-se-ia em: a) imediato, que é o tipo de providência
jurisdicional solicitada (de natureza processual) e b) mediato, que é o
próprio bem jurídico reclamado (de natureza material).
Cumpre lembrar que alguns doutrinadores
admitem que o pedido, na ação civil pública, é tipicamente
condenatório, quer visando uma prestação em dinheiro, quer
pretendendo uma obrigação de fazer ou de não fazer
226
-
227
.
Contudo, em matéria de ação coletiva,
admitem-se não somente ações condenatórias, mas de qualquer
natureza, diante da regra contida no art. 83 do Código de Defesa do
Consumidor
228
.
Em uma só ação civil pública, é possível
pedir a tutela de mais de um tipo de interesse transindividual, bem
como a cumulação de pedidos, desde que compatíveis.
226
Rogério Lauria TUCCI, “Ação Civil Pública: Abusiva utilização pelo Ministério Público e
distorção pelo Poder Judiciário” in Revista dos Tribunais vol. 802, São Paulo, Editora Revista dos
Tribunais, agosto de 2002, p. 41
227
J. M. Othon SIDOU, Habeas corpus, mandado de segurança, mandado de injunção, hábeas
data, ação popular, 4ª edição, Rio de Janeiro, Editora Forense, 1992, pp. 496-497.
131
O art. 3º da Lei nº 7.347/85 estabelece que
“a ação civil pública poderá ter objeto a condenação em dinheiro ou o
cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer”. Embora pareça que
não é possível a condenação do réu ao cumprimento de obrigação de
fazer ou não fazer e, cumulativamente, ao pagamento em dinheiro, é
importante lembrar apenas que não se pode condenar o réu à integral
reparação do dano e também à indenização pecuniária. Contudo, nada
impede, por exemplo, que se condene o demandado a pagar a
indenização pelos danos causados e, ao mesmo tempo, a cumprir uma
obrigação de fazer, como colocar um filtro na chaminé da fábrica, de
modo a evitar danos futuros. Ainda, é possível condenar o réu a
cumprir uma obrigação de fazer e/ou não fazer e a pagar multa fixada
na forma do art. 11 da Lei da Ação Civil Pública.
No regime da lei processual civil, o pedido
deve ser certo e determinado. Nas ações coletivas, por exceção, a lei
admite o pedido genérico, nos termos do art. 95 do Código de Defesa
do Consumidor
229
.
A ação coletiva também está sujeita à
observância do princípio da congruência, segundo o qual o juiz deve
decidir a lide dentro dos limites do pedido
230
. Dessa forma, se o autor
da ação civil pública quer que a sentença também forme título
228
Confira: Hugo Nigro MAZZILLI, cit., p. 129, Sandra Lengruber da SILVA, cit., 87.
229
Neste sentido: Sandra Lengruber da SILVA, cit., p. 88.
230
Art. 460 do Código de Processo Civil
132
executivo, em favor de lesados individuais homogêneos, deverá
formular pedido correspondente.
CAPÍTULO V
DA COMPETÊNCIA
SUMÁRIO: 1. Jurisdição e competência: 1.1. Distribuição da
competência – 1.2. Critérios determinantes da competência – 1.3.
Competência da Justiça Federal; 1.4. Competência absoluta e relativa –
2. Foro competente para a propositura da ação civil pública e as regras
do Código de Defesa do Consumidor: 2.1. Competência objetiva em
razão da matéria – 2.2. A determinação do foro competente: dano de
âmbito local – 2.3. A determinação do foro competente: dano de âmbito
133
regional ou nacional – 2.4. Interesses difusos e coletivos propriamente
ditos – 2.5. Interesses individuais homogêneos – 3. Competência das
ações civis públicas envolvendo questões de meio ambiente do trabalho
1. Jurisdição e competência
Os conceitos de jurisdição e competência
não se confundem, embora, às vezes, encontrem-se em uma “zona
cinzenta”.
Tecnicamente, a distinção é clara. No dizer
de DINAMARCO, GRINOVER e CINTRA
231
, “a jurisdição é, ao
mesmo tempo, poder, função e atividade. Como poder, é manifestação
do poder estatal, conceituado como capacidade de decidir
imperativamente e impor decisões. Como função, expressa o encargo
que têm os órgãos estatais de promover a pacificação de conflitos
interindividuais, mediante a realização do direito justo e através do
processo. E como atividade ela é o complexo de atos do juiz no
processo, exercendo o poder e cumprindo a função que a lei lhe
comete”.
Através da jurisdição, o Estado concretiza
uma de suas finalidades, na medida em que se proíbe a autotutela dos
interesses individuais.
231
Teoria geral do processo, p. 125.
134
A jurisdição é informada por alguns
princípios fundamentais, ou seja, a investidura, a aderência do
território, a indelegabilidade, a inevitabilidade, a inafastabilidade, o juiz
natural e a inércia
232
.
A competência, por sua vez, “é a atribuição
a um dado órgão do Poder Judiciário daquilo que lhe está afeto em
decorrência de sua atividade jurisdicional específica dentro do Poder
Judiciário, normalmente excluída a legitimidade simultânea de qualquer
outro órgão com o mesmo poder”
233
.
Em verdade, a competência é apenas a
medida da jurisdição. Isto significa que se todos os juízes têm
jurisdição, nem todos, porém, se apresentam com competência para
conhecer e julgar determinada lide.
232
“O princípio da investidura corresponde à idéia de que a jurisdição só será exercida por quem
tenha sido regularmente investido na autoridade de juiz. No princípio da aderência ao território
manifesta-se, em primeiro lugar, a limitação da própria soberania nacional ao território do país:
assim como os órgãos do Poder Executivo ou do Legislativo, também os magistrados só têm
autoridade nos limites territoriais do Estado. O princípio da indelegabilidade é, em primeiro
lugar, expresso através do princípio constitucional segundo o qual é vedado a qualquer dos
Poderes delegar atribuições. O princípio da inevitabilidade significa que a autoridade dos órgãos
jurisdicionais, sendo uma emanação do próprio poder estatal soberano, impõe-se por si mesma,
independentemente da vontade das partes ou de eventual pacto para aceitarem os resultados do
processo; a situação de ambas as partes perante o Estado-Juiz é de sujeição. O princípio da
inafastabilidade (ou princípio do controle jurisdicional), expresso na Constituição (art. 5º, inc.
XXXV), garante a todos o acesso ao Poder Judiciário, o qual não pode deixar de atender a quem
venha a juízo deduzir uma pretensão fundada no direito e pedir solução para ela. O princípio do
juiz natural, relacionado com o anterior, assegura que ninguém pode ser privado do julgamento
por juiz independente e imparcial, indicado pelas normas constitucionais e legais. O princípio da
inércia significa que o titular de uma pretensão (penal, civil, trabalhista, tributária, administrativa
etc.) vem a juízo pedir a prolação de um provimento que, eliminando a resistência, satisfaça a sua
pretensão e com isso elimine o estado de insatisfação”(Ibid., pp. 129-34).
135
1.1 – Distribuição da competência
A competência encontra-se definida na
Constituição Federal, nas leis processual civil e de organização
judiciária.
Na Constituição Federal está estabelecida a
estrutura do Poder Judiciário, com as atribuições do Supremo Tribunal
Federal (art. 102), do Superior Tribunal de Justiça (art. 105) e da Justiça
Federal (arts. 108 e 109), bem como das Justiças Especiais (Eleitoral,
Militar e Trabalhista; arts. 114, 121 e 124).
Dessa forma, a distribuição da competência,
obedecidos os limites da Carta magna, é matéria de legislação
ordinária: da União, quanto à Justiça Federal e às Justiças Especiais; e
dos Estados, no que concerne às justiças locais.
1.2Critérios determinantes da competência
A partir das doutrinas de WACH e
CHIOVENDA, a competência leva em conta os seguintes critérios:
objetivo
234
, funcional
235
e territorial
236
. O Código de Processo Civil
233
José Manoel de ARRUDA ALVIM, Manual de Direito Processual Civil, vol. 1, 5ª. edição,
revista, atualizada e ampliada, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1996, pp. 219-20.
234
“Critério objetivo: que se funda no valor da causa, na natureza da causa ou na qualidade das
partes” (Humberto THEODORO JÚNIOR, Curso de Direito Processual Civil, vol. I, 18ª edição,
revista e atualizada, Rio de Janeiro, Editora Forense, 1996, p. 162).
136
adota o seguinte sistema de definição da competência interna:
competência em razão do valor da causa e da matéria (art. 91);
competência funcional (art. 93) e competência territorial (arts. 94 a
101).
1.3 – Competência da Justiça Federal
A Constituição Federal determina a
competência da Justiça Federal sobre os critérios objetivos: a) em razão
da matéria (ratione materiae)
237
e b) em razão da pessoa (ratione
personae)
238
.
235
“Critério funcional: que atende às normas que regulam as atribuições dos diversos órgãos e de
seus componentes, que devam funcionar em um determinado processo, como se dá nas sucessivas
fases do procedimento em primeiro e segundo graus de jurisdição” (Ibid., p. 162).
236
”Critério territorial: que se reporta aos limites territoriais em que cada órgão judicante pode
exercer sua atividade jurisdicional. Sua aplicação decorre da necessidade de definir, entre os
vários juízes do país, de igual competência, em razão da matéria ou em razão do valor, qual o que
poderá conhecer de determinada causa. Baseando-se ora no domicílio da parte, ora na situação da
coisa, ou ainda no local em que ocorreu o fato jurídico, o legislador atribui a competência da
respectiva circunscrição territorial” (Ibid., p. 162).
237
Competência ratione materiae da Justiça Federal: I - as causas fundadas em tratado ou contrato
da União com Estado estrangeiro ou organismo internacional (CF/88, art. 109, III); II - a disputa
sobre direitos indígenas (CF/88, art. 109, XI) e III - os crimes de ingresso ou permanência
irregular de estrangeiro, a execução de carta rogatória, após o “exequatur”, e de sentença
estrangeira, após a homologação, as causas referentes à nacionalidade, inclusive a respectiva
opção, e à naturalização (CF/88, art. 109
, X).
238
Competência ratione personae da Justiça Federal: I - as causas em que a União, entidade
autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes
ou oponentes, exceto as de falência, as de acidente de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à
Justiça do Trabalho (CF/88, art. 109, I); II - as causas entre Estado estrangeiro ou organismo
internacional e Município ou pessoa domiciliada ou residente no País (CF/88, art. 109, II) e III -
os mandados de segurança e os “habeas data” contra ato de autoridade federal, excetuados os
casos de competência dos tribunais federais (CF/88, art. 109, VIII).
137
O Estado não tem um foro comum ou geral,
mas, sim especial, levando em conta ora a qualidade das pessoas, ora a
qualidade da causa.
1.4 – Competência absoluta e relativa
A competência é absoluta “quando não
pode ser modificada pelas partes ou por fatos processuais como a
conexão ou a continência de causas. A competência absoluta pode ser
reconhecida pelo juízo, de ofício, independentemente da argüição da
parte, gerando, em sentido contrário, se violada, a nulidade do
processo”
239
.
A competência relativa “refere-se aos casos
em que é possível a sua prorrogação ou derrogação por meio de
cláusula contratual firmada pelas partes, de inércia da parte, no caso do
réu que deixa de opor a exceção, chamada declinatória de foro, ou por
fatos processuais como a conexão ou a continência”
240
.
As competências material e funcional são
de natureza absoluta, enquanto as competências territorial e pelo valor
da causa são relativas, porque aquelas são ditadas pelo interesse público
e, estas últimas, pelo interesse privado.
239
Vicente GRECO FILHO, Direito Processual Civil Brasileiro, 1º vol., 10ª edição atualizada,
São Paulo, Editora Saraiva, 1995, p. 208.
240
Vicente GRECO FILHO, Direito Processual Civil Brasileiro, 1º vol., cit., p. 208.
138
2 – Foro competente para a propositura da ação civil pública e as
regras do Código de Defesa do Consumidor
2.1 – Competência objetiva em razão da matéria
Ressalvada a competência da Justiça
Federal – aquela disciplinada na Constituição Federal, que prevalece
sobre as regras do Código de Defesa do Consumidor, a competência
objetiva em razão da matéria é atribuída à justiça local (Justiça comum
dos Estados ou do Distrito Federal).
Essa competência é absoluta
241
,
significando que não poderá ser prorrogada ou modificada.
ADA PELLEGRINI GRINOVER
242
ressalta que “a competência objetiva em razão da matéria, mesmo
havendo interesse da União, é da Justiça Estadual, nas comarcas que
não forem sede de vara do juízo federal, cabendo recurso para o TRF na
área de jurisdição do juiz de primeiro grau (§§ 3º e 4º do art. 109, CF)”.
2.2 – A determinação do foro competente: dano de âmbito local
A determinação do foro competente
verifica-se em razão da extensão do dano. Quando o dano for de âmbito
241
Ada Pellegrini GRINOVER, Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos
autores do anteprojeto, p. 550.
242
Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto, p. 550.
139
local, a competência é do lugar onde ocorreu ou deva ocorrer o dano
243
,
nos termos do inciso I do artigo 93 do Código de Defesa do
Consumidor
244
.
De outro lado, o artigo 2º da Lei nº
7.347/85 estabelece que “as ações previstas nesta lei serão propostas no
foro do local onde ocorrer o dano
245
, cujo juízo terá competência
funcional para processar e julgar a causa”
246
.
O Estatuto da Criança e do Adolescente foi
claro ao se referir ao “foro do local onde ocorreu ou deva ocorrer a ação
ou omissão, cujo juízo terá competência absoluta para processar a
causa”
247
.
243
“É plenamente justificável que assim seja: é claro que é o juízo ‘do local onde ocorrer o dano’
o mais indicado, mais habilitado na espécie, pela proximidade física com o evento. Demais disso,
a ação é de índole reparatória, condenatória; o objeto prevalecente é o dano produzido e a
recondução das coisas ao statu quo ante. O mesmo raciocínio é de se aplicar às hipóteses em que
o dano é iminente, exigindo tutela cautelar (art. 4º da Lei 7.347/85), Embora se possa falar numa
lide cautelar, com pressupostos e finalidades distintos da lide principal, o fato é que ambas
apresentam, na espécie, um núcleo comum: o dano a certos interesses difusos, podendo ser
efetivo ou potencial” (Rodolfo de Camargo MANCUSO, Ação civil pública, cit., p. 50).
244
”Art. 93 do CDC: Ressalvada a competência da Justiça Federal, é competente para a causa a
justiça local: I - no foro do lugar onde ocorreu ou deva ocorrer o dano, quando de âmbito local”.
245
Conquanto o aludido dispositivo da Lei da Ação Civil Pública mencione apenas “o local onde
ocorrer o dano”, “a norma deve ser entendida como igualmente aplicável ao foro do local onde o
dano possa ou deva ocorrer” (Hugo Nigro MAZZILLI, A defesa dos interesses difusos em juízo,
6ª. edição, cit., p. 210).
246
Preleciona Rodolfo de Camargo MANCUSO que “já da leitura desse dispositivo se percebe que
o legislador atrelou dois critérios fixadores de competência que, ordinariamente, aparecem
separados, porque um - o local do fato - conduz à chamada competência ‘relativa’, prorrogável,
porque estabelecida em função do interesse das partes ou da facilidade para a colheita da prova;
outro - competência funcional - leva à chamada competência ‘absoluta’, improrrogável e
inderrogável, porque firmada em razões de ordem pública, de interesse do processo” (Ação civil
pública ,cit., p. 48).
247
V. art. 209 do ECA.
140
Quando esses dois diplomas legais referem-
se à competência determinada pelo lugar do dano ocorrido ou pelo local
em que este possa vir a ocorrer, “isto quer dizer que a competência
poderá vir a fixar-se em qualquer comarca de Estado federado
respectivo, ou na do Distrito Federal, se o caso desta hipótese”
248
.
2.3 – A determinação do foro competente: dano de âmbito regional ou
nacional
O foro será o da capital do Estado ou do
Distrito Federal, quando o dano for de âmbito regional ou nacional,
consoante o inciso II do artigo 93 do Código de Defesa do
Consumidor
249
, o que significa, neste último caso, que o dano deve
248
ARRUDA ALVIM, Código do Consumidor Comentado, cit., p. 425.
249
“Art. 93 - Ressalvada a competência da justiça federal, é competente para a causa a justiça
local: II - o foro da Capital do Estado ou no Distrito Federal, para os danos de âmbito nacional ou
regional, aplicando-se as regras do Código de Processo Civil aos casos de competência
concorrente”.
141
transcender à área estadual, ou seja, além dos limites de um Estado
250
-
251
.
Se o dano transcender a uma determinada
circunscrição judiciária, mas, dentro de um mesmo Estado federado ou
no Distrito Federal tratar-se-á de dano regional. Quando o dano
transcender a área territorial de um Estado federado ou do Distrito
Federal tratar-se-á dano de âmbito nacional. Nas duas hipóteses, a
250
“A análise perfunctória da redação do inciso II do prefalado art. 93 do CDC poderia levar o
aplicador da lei a interpretá-la como se existentes duas situações distintas, ou seja, quando o dano
for ‘regional’, o foro competente é o da capital do Estado; quando for ‘nacional’, é o do Distrito
Federal. Mas a leitura mais atenta do dispositivo desautoriza tal exegese, como se verá adiante.
Primeiramente, se quisesse realmente o legislador criar três critérios de fixação de competência,
tê-los-ia inserido em incisos distintos. Ao revés, optou por dividir o art. 93 em apenas dois, ou
seja, um (art. 93, I) para os danos de âmbito local (foro do lugar onde ocorreu ou deva ocorrer o
dano) e outro (art. 93, II) para os danos de âmbito regional ou nacional (foro da Capital do Estado
ou no Distrito Federal). Isto significa que o inciso II, para duas situações distintas (danos
regionais e danos nacionais), deu solução idêntica, qual seja, ‘foro da Capital do Estado’, tendo
apenas se referido ao Distrito Federal em face de sua natureza sui generis de cidade-estado.
Obviamente, em se tratando de dano nacional, todas as capitais do país, e o Distrito Federal,
seriam, em tese, competentes para o aforamento da presente ação, sendo de se aplicar o critério da
prevenção em caso de eventual conflito, ficando prevento aquele que primeiro despachar” (TJSC,
Agravo de instrumento nº 10.335, 2ª Câmara, Rel. Des. Gaspar Rubik, v.u., j. em 2.4.96).
251
“O mencionado inciso II do art. 93 refere-se, laconicamente, ao foro da capital do Estado ou do
Distrito Federal, sem adiantar qualquer critério distintivo. Cabe, portanto, ao intérprete buscá-lo.
A referência destacada a Distrito Federal no inciso II deveu-se a um rigor técnico do legislador. É
que o Distrito Federal, elevado pela Carta de 1988 à condição de ente estadual autônomo,
integrante da Federação (art. 18), aproxima-se mas não se equipara ao Estado-membro. Com
efeito, embora nele existam os três Poderes - inclusive o Judiciário que falta aos Municípios - sua
autonomia é mais restrita que a dos Estados, notadamente por sofrer a interferência da União em
áreas diversas(...). Na feliz síntese de Hely Lopes Meirelles, o Distrito Federal é um Estado-
membro anômalo”. Por esta razão, o legislador terá achado conveniente a menção expressa, e
tecnicamente mais precisa, a Distrito Federal, a demonstrar que ele não se confunde com o
Estado. Mas o Poder Judiciário do Distrito Federal, embora formalmente organizado e mantido
pela União (art. 21, XIII), tem o mesmo status do Poder Judiciário Estadual, não integrando o
sistema da Justiça Federal, quer comum, quer especializada. Alguém poderá cogitar que, em caso
de interesse regional, a competência seria do foro da Capital do Estado e, em caso de interesse
nacional, seria do foro do Distrito Federal. Mas também essa interpretação não se sustenta. É que
o dispositivo menciona primeiro: Capital do Estado e âmbito nacional e depois Distrito Federal e
âmbito regional. De modo que o critério da respectividade levaria à incongruência de que as ações
de âmbito nacional devem ser propostas no foro da Capital do Estado e as de âmbito regional no
142
competência para a causa é do foro da capital do Estado ou do Distrito
Federal.
2.4 – Interesses difusos e coletivos propriamente ditos
Em se tratando de interesses difusos ou
coletivos propriamente ditos, cujo dano é de âmbito local, qual o juízo
competente para esta ação? A questão se resolve pelo lugar onde se
verificou o dano. Assim, se o dano se verificou na cidade de Campinas,
a ação deverá ser proposta no foro da Comarca de Campinas e a
sentença de procedência fará coisa julgada erga omnes (art. 103 do
Código de Defesa do Consumidor), valendo para todo o território
nacional.
Em se tratando de interesses difusos ou
coletivos propriamente ditos, cujo dano é de âmbito nacional, qual o
juízo competente para esta ação? A questão se resolve pela
prevenção
252
. Assim, se a extensão do dano atingir todo o território
nacional e a ação for proposta, em primeiro lugar, na capital do Estado
do Ceará, este juízo torna-se prevento e a sentença fará coisa julgada
foro do Distrito Federal. E isso não faria sentido” (TJSC, Agravo de instrumento nº 8.131, de
Blumenau-SC, Rel. Des. Vanderlei Romer, j. em 25.10.94).
252
”O juiz que conhecer da causa em primeiro lugar, terá sua jurisdição preventa. Ele, que era
cumulativamente competente com outros juízes, igualmente competentes, para conhecer de
determinada causa, pelo fato de haver tomando conhecimento dela em primeiro lugar passou a ser
o único competente. A prevenção, portanto, firma, assegura a competência de um juiz, já
competente” (Moacyr AMARAL SANTOS, apud Rodolfo de Camargo MANCUSO, Ação civil
pública, cit., p. 56).
143
erga omnes (art. 103 do Código de Defesa do Consumidor), valendo
para todo o território nacional.
2.5 – Interesses individuais homogêneos
Em se tratando de interesses individuais
homogêneos, cujo dano é de âmbito local, qual o foro competente para
esta ação? Se o dano ocorreu na cidade de Campinas, a ação deverá ser
proposta no foro da Comarca de Campinas e a sentença de procedência
fará coisa julgada erga omnes somente para beneficiar aqueles titulares
de interesses e direitos individuais homogêneos, ou seus sucessores (art.
103, inciso III do Código de Defesa do Consumidor), ou seja, essa
decisão não surtirá efeitos em todo o país.
Em se tratando de interesses individuais
homogêneos, cujo dano é de âmbito nacional, qual o juízo competente
para esta ação? A questão também se resolve pela prevenção. Assim, se
a extensão do dano atingir todo o território nacional e a ação for
proposta, em primeiro lugar, na capital do Estado do Ceará, este juízo
torna-se prevento e a sentença fará coisa julgada erga omnes (art. 103
do Código de Defesa do Consumidor), valendo para todo o território
nacional.
144
3. Competência das ações civis públicas envolvendo questões de
meio ambiente do trabalho
Cabe à Justiça do Trabalho, processar e
julgar os dissídios coletivos, segundo a norma constitucional
253
.
Contudo, discute-se a competência, em
relação às ações civis públicas que cuidam da defesa do meio ambiente
do trabalho e outras questões, que possam envolver os interesses
transindividuais dos trabalhadores.
De um lado, há o argumento de que cabe à
Justiça do Trabalho conciliar e julgar as ações individuais e coletivas
oriundas da relação de trabalho, incluídas as ações de indenização por
dano moral ou patrimonial decorrentes da relação de trabalho.
Por outro lado, há a afirmação de que nada
impede que a Justiça comum também decida as ações civis públicas,
que discutam mais do que controvérsias diretamente advindas da
relação de trabalho, como, por exemplo, a colocação de filtros nas
chaminés da empresa.
A Súmula 736 do Supremo Tribunal
Federal dispõe que “compete à Justiça do Trabalho julgar as ações que
tenham como causa de pedir o descumprimento de normas trabalhistas
relativas à segurança, higiene e saúde dos trabalhadores”.
253
V. art. 114, parágrafos 2º e 3º, com a redação dada pela Emenda Constitucional 45/04.
145
Diante da edição da Emenda Constitucional
45/04, o Plenário do Supremo Tribunal Federal passou a entender que
compete à Justiça do Trabalho processar e julgar as ações de
indenização por danos morais e patrimoniais decorrentes de acidente de
trabalho propostas por empregado tanto contra o empregador como
contra a autarquia previdenciária (INSS)
254
.
Quando a relação de trabalho constituir
objeto da ação civil pública, portanto, a competência para sua
apreciação será da Justiça do Trabalho
255
.
254
STF, Pleno, CComp. 7.204-MG, rel. Min. Carlos Britto, m.v., j. em 29-06-05, DJU 09-12-05,
p. 5.
255
Neste sentido, temos a posição de Hugo Nigro MAZZILLI, 20ª edição, cit., p. 260.
146
CAPÍTULO VI
LEGITIMAÇÃO PARA AGIR
SUMÁRIO: 1. Generalidades – 2. Espécies de legitimação: ordinária e
extraordinária – 3. A legitimação ativa na Lei da Ação Civil Pública –
4. Natureza jurídica da legitimidade ativa – 5. Legitimados ativos: 5.1.
Ministério Público – 5.2. Defensoria Pública – 5.3. Entes políticos:
União, Estados, Municípios, Distrito Federal e seus órgãos – 5.4.
Associação, sociedade, fundação e sindicatos – 6. Legitimidade passiva
nas ações coletivas.
1. Generalidades
O artigo 90 do Código de Defesa do
Consumidor estatui que se aplicam às ações coletivas as normas da Lei
nº 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública) e as do Código de Processo
Civil, naquilo que não contrariar suas disposições
256
.
ARRUDA ALVIM
257
ensina que “o que
parece importante é ter-se presente que as ações coletivas emergiram no
contexto de uma temática inteiramente diferenciada, daquela em que se
assenta o processo tradicional, de caráter individual.
Conseqüentemente, todo o sistema de defesa a título coletivo foi
256
“É imprescindível observar que do CDC e da Lei da Ação Civil Pública emerge a base da
sistemática das ações coletivas no direito brasileiro (tendo-se no Código de Processo Civil fonte
subsidiária), e não só aquela relativa às ações que dizem respeito ao consumidor” (Tereza Arruda
Alvim WAMBIER, “Apontamentos sobre as Ações Coletivas”, cit., p. 273).
257
“Da Defesa do Consumidor em Juízo” in Revista da Procuradoria-Geral da República nº 1, São
Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1992, pp. 55/56.
147
idealizado como uma modalidade de tutela “a mais”, mas que, em
última análise não prejudica ou faz perecer o “interesse” ou o “direito”
individual, se, o resultado da ação coletiva for negativo. Não importa
que o “bem jurídico”, objeto da tutela coletiva haja sido idealizado
como “outro” bem jurídico, diferente do bem jurídico individual. Isto
porque, também, em última análise é, praticamente possível imaginar-se
ou fazer-se uma redução da “parcela” do “bem jurídico coletivo”,
traduzindo-o para compreendê-lo no plano de sua subjetivação
individual. Mas é exatamente a configuração diferenciada do bem
jurídico, no plano da ação coletiva, que viabiliza a distinção entre esta
ação e a ação individual”.
2. Espécies de legitimação: ordinária e extraordinária
No processo civil, a legitimação pode ser
ordinária ou extraordinária
258
.
A legitimação extraordinária pode ser
autônoma e exclusiva ou autônoma e concorrente
259
.
258
“Na legitimidade ordinária coincidem a figura das partes com os pólos da relação jurídica,
material ou processual, real ou apenas afirmada, retratada no pedido inicial” (Donaldo
ARMELIN, Legitimidade para Agir no Direito Processual Civil Brasileiro, São Paulo, Editora
Revista dos Tribunais, 1979, p. 117). “Por legitimação extraordinária entende-se a possibilidade
de alguém, em nome próprio, defender interesse alheio” (Hugo Nigro MAZZILLI, A defesa dos
interesses difusos em juízo, 6ª edição, cit., p. 25). Cintra, Grinover e Dinamarco asseveram: “os
casos excepcionais, previstos na parte final do artigo 6º do CPC, caracterizam a chamada
legitimação extraordinária, ou substituição processual”(Antônio Carlos de Araújo CINTRA, Ada
Pellegrini GRINOVER e Cândido Rangel DINAMARCO, Teoria Geral do Processo, cit., p.
259).
259
“É exclusiva, quando aquele que seria o legitimado ordinário está impedido de assumir a ação
como parte principal. É concorrente quando o titular da relação jurídica de direito material não
148
Assim, “segundo a corrente na qual se filia
DONALDO ARMELIN, JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA,
WALDEMAR MARIZ DE OLIVEIRA, FRANCISCO BARROS
DIAS, EPHRAIM DE CAMPOS JÚNIOR, entre outros, não há que se
falar em substituição processual em legitimação extraordinária
concorrente, pois, ambos, legitimado ordinário e extraordinário, podem
figurar simultaneamente no processo como litisconsortes. Concluímos,
portanto, que legitimação extraordinária somente ocorre quando esta for
exclusiva”
260
.
3. A legitimação ativa na Lei da Ação Civil Pública
O Código de Defesa do Consumidor, ao
cuidar da legitimação ativa, a exemplo da Lei da Ação Civil Pública,
seguiu um rol de entidades, cuja legitimidade é concorrente
261
,
está impedido de assumir a posição de parte principal”(Carlos Eduardo Faraco BRAGA, “Ações
Coletivas”, cit., p. 95).
260
Ibidem, pp. 95/96.
261
“A legitimidade se diz concorrente porquanto a legitimidade de uma das entidades não exclui a
de outra: são todas simultânea e independentemente legitimadas para agir. Concorrente, aqui,
significa não-exclusiva de uma só entidade” (Antônio GIDI, “Legitimidade para Agir em Ações
Coletivas” in Revista de Direito do Consumidor volume 14, São Paulo, Editora Revista dos
Tribunais, 1995, p. 55). ARRUDA ALVIM, Thereza ALVIM, Eduardo Arruda ALVIM e James
MARINS aduzem: “a legitimação concorrente significa que qualquer um dos legitimados “ex
lege” pode agir processualmente, independentemente da atividade simultânea de outro legitimado,
ou seja, inexiste necessidade de atividade paralela de qualquer um dos outros legitimados.
Concorrente significa que a atividade de qualquer um desses legitimados, se dirige ou tende para
uma mesma e comum finalidade, e que, por isso mesmo, pode autonomamente ser desempenhada
por qualquer um dos legitimados” (Código do Consumidor Comentado, 2ª edição revista e
ampliada, 2ª tiragem, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1995, p. 382). No mesmo sentido:
Ada Pellegrini GRINOVER. Kazuo WATANABE e Nelson NERY JÚNIOR, Código Brasileiro
de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto, cit., pp. 515, 545 e 643 e
Rodolfo de Camargo MANCUSO, Interesses Difusos, cit., pp. 148/149.
149
disjuntiva
262
-
263
-
264
e exclusiva
265
, não se podendo olvidar que se
“admite a legitimidade individual, ou seja, a do consumidor
prejudicado, que pode agir individualmente, pois esta seria insuscetível
de ser afastada (artigo 81, “caput” do Código de Proteção e Defesa do
Consumidor, e, acima deste, a Constituição Federal, art. 5º, XXXV)”
266
.
Assim, nem as pessoas físicas, nem as
pessoas jurídicas terão legitimidade para propor uma ação coletiva
267
,
exceto nos estritos casos de ação popular, em que somente a pessoa
física no gozo de seus direitos políticos tem legitimidade.
262
“A legitimidade é disjuntiva no sentido de não ser complexa, vez que qualquer uma das
entidades co-legitimadas poderá propor, sozinha, a ação coletiva sem necessidade de formação de
litisconsórcio ou de autorização por parte dos demais co-legitimados. É facultada, entretanto, a
formação voluntária de litisconsórcio” (Antônio GIDI, “Legitimidade para Agir em Ações
Coletivas”, cit., p. 55). No mesmo sentido: Ada Pellegrini GRINOVER. Kazuo WATANABE e
Nelson NERY JÚNIOR e Rodolfo de Camargo MANCUSO, cit., pp. 515, 545, 643 e 148/149.
263
“Legitimação concorrente e disjuntiva significa que qualquer um deles pode agir de modo
autônomo, independentemente da concordância ou atividade do outro...Outra expressão da
legitimidade disjuntiva é o fato de o autor da ação de conhecimento não coincidir necessariamente
com aquele que ajuíza a execução” (Sérgio SHIMURA, Tutela coletiva e sua efetividade, cit., pp.
54 e 55).
264
“Sendo a legitimação concedida a vários entres, é concorrente. Disjuntiva, porque qualquer um
dos legitimados pode atuar em juízo sem necessariamente contar com a participação de outro
habilitado. Não obstante a possibilidade de atuação em litisconsórcio, ele não figura como
requisito imprescindível ao exercício da demanda. Cada um dos habilitados pode promover a
ação, isoladamente ou em conjunto com outros (litisconsórcio), facultativamente. Em síntese, é
concorrente (qualquer um dos habilitados pode propor a ação) e disjuntiva (a atuação de um
legitimado independe do concurso de outro)” (Ricardo de Barros LEONEL, Manual do processo
coletivo, cit., p. 162).
265
“Trata-se de uma legitimidade exclusiva somente porque aquelas entidades taxativamente
previstas em lei (LACP, art. 5º e CDC, art. 82, v.g.) poderão propor uma ação coletiva” (Antônio
GIDI, cit., p. 55).
266
ARRUDA ALVIM, Thereza ALVIM, Eduardo Arruda ALVIM e James MARINS, Código do
Consumidor Comentado
, cit., p. 362).
267
Neste sentido é o posicionamento de Antônio GIDI, Coisa Julgada e Litispendência em Ações
Coletivas, cit., p. 38; Kazuo WATANABE, Código brasileiro de defesa do consumidor
comentado pelos autores do anteprojeto, cit., p. 509; Carlos Alberto BITTAR FILHO, “Tutela do
meio ambiente: a legitimação ativa do cidadão brasileiro” in Revista dos Tribunais volume 698,
São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1993, pp. 12/16.
150
4. Natureza jurídica da legitimidade ativa
À época da edição da Lei da Ação Civil
Pública havia duas teorias sobre a natureza jurídica da legitimação
ativa.
A primeira, defendida por BARBOSA
MOREIRA
268
admitia a possibilidade de tutela jurisdicional dos direitos
metaindividuais, independentemente de expressa autorização da lei
processual.
A outra teoria, preconizada por KAZUO
WATANABE
269
, admitia “uma legitimação ordinária por parte das
entidades criadas no seio da sociedade (corpos intermediários) com a
finalidade de defesa de direitos superindividuais”.
Uma terceira teoria, introduzida por
NELSON NERY JÚNIOR
270
, com supedâneo na doutrina alemã,
268
José Carlos BARBOSA MOREIRA solidificou sua teoria na lição de Arruda Alvim, segundo a
qual: “a possibilidade de legitimidade extraordinária não se sujeita a uma permissão expressa da
lei, mas pode ser inferida do ordenamento jurídico enquanto sistema” (“A ação popular do direito
brasileiro como instrumento de tutela dos chamados “interesses difusos”, cit., p. 111).
269
“Tutela jurisdicional dos interesses difusos: a legitimação para agir” in A tutela dos interesses
difusos, São Paulo, Max Limonad, 1984, pp. 85-97.
270
“A doutrina alemã vem distinguindo os casos de substituição processual determinados pela lei
das hipóteses de ações de classe. Na substituição processual, o substituto busca defender direito
alheio de titular determinado, enquanto que nas ações coletivas o objetivo dessa legitimação
extraordinária é outro, razão pela qual essas ações têm de ter estrutura diversa do regime da
substituição processual” (Nelson NERY JÚNIOR, Código brasileiro de defesa do consumidor
comentado pelos autores do anteprojeto, cit., p. 628; idem, “Aspectos do processo civil no
Código de Defesa do Consumidor” in Revista de Direito do Consumidor volume 1, São Paulo,
Editora Revista dos Tribunais, 1992, p. 209; idem, Princípios do processo civil na Constituição
Federal, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1992, p. 108).
151
admite haver uma legitimação autônoma para a condução do
processo
271
, de modo que não se há falar na clássica divisão da
legitimação em ordinária e extraordinária.
A expressão “autonomia”, ao que nos
parece, objetiva distinguir a legitimidade processual da titularidade do
direito material contido no processo. Essa questão foi claramente
abordada por TERESA ARRUDA ALVIM WAMBIER
272
, RODOLFO
DE CAMARGO MANCUSO
273
. RICARDO DE BARROS LEONEL
274
e VINCENZO VIGORITTI
275
.
Por fim, uma quarta teoria, que considero a
mais adequada, foi inaugurada por THEREZA ALVIM
276
, a qual
271
Ensina Sérgio SHIMURA que “ partindo do esquema processual tradicional, pode-se afirmar
que, nas ações coletivas que tenham por objeto a proteção de direitos difusos e coletivos, a
legitimação de tais entes é ordinária, que agem com legitimidade para condução autônoma do
processo” (Tutela coletiva e sua efetividade, cit., p. 53).
272
“Alterou-se, assim, o conceito clássico de legitimidade, que pressupunha haver uma
coincidência entre a titularidade da relação jurídica de direito material posta sob a análise do
Judiciário e a titularidade da relação jurídica de direito processual, ou seja, aquele que, no plano
do direito material, tivesse contratado seria quem teria, agora, legitimidade para figurar num dos
pólos da relação jurídica de direito processual em que se discutisse a validade daquele mesmo
contrato. Esse mecanismo de estabelecimento do fenômeno legitimidade, ad causam e ad
processum, só poderia ser quebrado em face de disposição legal expressa de caráter
absolutamente excepcional (art. 6º do CPC). Todavia, a regra, quando se fala em interesses supra
individuais é a de que haja justamente certa dissociação entre os antigos conceitos de legitimidade
ad causam e ad processum. Assim, se de acordo com o sistema individualista do CPC, tenha
legitimidade para figurar no processo (legitimatio ad processum) exata e precisamente aquele de
quem era a legitimidade ad causam justamente por isso, agora, no sistema das ações supra-
individuais não ocorre isto” (“Apontamentos sobre as Ações Coletivas”, cit., p. 279).
273
Interesses difusos: conceito e legitimação para agir, cit., pp. 129, 130, 133 e 134.
274
Manual do processo coletivo, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 159.
275
“A exigência de garantia que, nas situações individuais, vem satisfeita pela rigorosa correlação
entre a titularidade da situação de vantagem e a legitimação para deduzi-la em juízo assume um
conteúdo diverso nas situações coletivas, nas quais tal correlação não somente é desnecessária
como pode até mesmo ser contraproducente” (Interessi collettivi e processo - la legittimazione ad
agire, Milano, Giuffrè, 1979, p. 100-6).
276
O direito processual de estar em juízo, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1996, p. 118
e ss., n. 2.6.
152
observa que “a lei da ação civil pública, seguida pelo Código de Defesa
do Consumidor, são exemplos de legislação com a finalidade precípua
de propiciar a efetividade do processo e a facilitação do acesso à
justiça, daí por que esses novos institutos jurídicos nem sempre
apresentam as mesmas características daqueles previstos pelo direito
processual civil. Assim, a legitimação prevista no art. 5º, LACP, não se
enquadra na legitimação ordinária. Cuida-se de legitimação própria (ou
legitimação coletiva), ou, sendo o Ministério Público, legitimação
coletiva institucional”
277
.
É importante frisar que “os legitimados pelo
artigo 82 agem ex lege, independentemente de autorização daqueles em
cujo benefício agem, mas o fazendo no interesse destes (ou seja, no
interesse alheio); ou, agem em seu próprio nome, mas em função de um
interesse que não lhes é pessoal ou patrimonial, direta ou
indiretamente”
278
.
Conclui-se, portanto, que somente os entes
elencados pelos artigos 82 do Código de Defesa do Consumidor e 5º da
277
“Assim, não há falar em legitimidade ordinária ou extraordinária, eis que a noção de
titularidade da relação jurídica material vem à reboque. Antes, parece-nos especialmente profícua
a utilização da teoria das partes em razão do cargo (Parteien kraft Amtes) para um adequado
enquadramento dogmático da legitimidade para agir do Ministério Público no âmbito de direitos
metaindividuais” (Luciano Velasque ROCHA, Ações coletivas – O problema da legitimidade
para agir, Rio de Janeiro, Editora Forense, 2007, p. 151).
278
ARRUDA ALVIM, Thereza ALVIM, Eduardo Arruda ALVIM e James MARINS, Código do
Consumidor Comentado, cit., pp. 360/361.
153
Lei da Ação Civil Pública, no plano da ação coletiva, possuem
legitimidade ativa
279
.
Quanto às ações coletivas em defesa de
direitos individuais homogêneos, a maioria dos doutrinadores considera
hipótese clássica de legitimação extraordinária, ainda mesmo aqueles
autores que admitem ser a legitimidade ordinária, nos casos de ação
coletiva em defesa de direitos metaindividuais (difusos e coletivos)
280
.
Em que pese a posição sustentada pelos
doutos autores, não percebemos qualquer diferença entre as ações
coletivas que defendem direitos metaindividuais e aquelas propostas à
título de defesa dos direitos individuais homogêneos. Em todas as
hipóteses, há, de um lado, um titular (comunidade, coletividade ou
conjunto de vítimas, que se afigure o direito difuso, coletivo ou
individual homogêneo) e, de outro lado, um legitimado (quer os
elencados no artigo 5º da Lei da Ação Civil Pública, quer aqueles
indicados no artigo 82 do Código de Defesa do Consumidor)
281
.
279
“De um lado a lei somente a estes conferiu legitimidade, e de outra parte, inibiu que um
indivíduo pudesse ter legitimidade para a ação coletiva, que se restringe àqueles nominados
taxativamente, ou seja, às hipóteses do artigo 82, tendo em vista as ações a que se alude no art. 81
(Ibidem, p. 361).
280
Considerando haver legitimidade ordinária nas ações coletivas em defesa de direitos difusos e
coletivos e legitimidade extraordinária clássica nas ações coletivas em defesa de direitos
individuais homogêneos: Ada Pellegrini GRINOVER e Kazuo WATANABE, Código brasileiro
de defesa do consumidor comentado pelos autores do anteprojeto, 2ª edição, Rio de Janeiro,
Forense Universitária, 1992, pp. 553 e 541, Rodolfo de Camargo MANCUSO, Comentários ao
Código de Proteção ao Consumidor, cit., p. 313 e Sérgio SHIMURA, Tutela coletiva e sua
efetividade, cit., p. 53.
281
“A divergência deriva do fato de que aqueles que consideram a ação coletiva em defesa de
direitos individuais homogêneos como exemplo de legitimidade extraordinária não vêem como
titular desse direito o conjunto de vítimas indivisivelmente considerado, mas cada um das vítimas
como titular do seu direito individual. Ainda assim, ad argumentandum, ação coletiva em defesa
154
Ainda, no que se refere às ações que
tutelam direitos individuais homogêneos, consoante o Código de
Defesa do Consumidor, “os particulares podem, por assim dizer,
“aderir”, e o CDC chama esta figura de litisconsórcio. No nosso
entender, todavia, apesar da dificuldade antes ventilada, relativa ao
“transplantar” instituto do sistema do CPC para as ações coletivas,
parece que se trataria de uma figura quiçá mais próxima à do assistente
litisconsorcial, uma vez que é seu o direito sobre o qual se discute, mas
ele, enquanto particular, não pode formular pretensão (como um
litisconsorte poderia)”
282
-
283
.
O artigo 91 do Código de Defesa do
Consumidor, para muitos autores, constitui uma hipótese de legitimação
extraordinária, na medida em que preceitua que “os legitimados de que
trata o art. 81 (na verdade, artigo 82) poderão propor, em nome próprio
e no interesse das vítimas ou seus sucessores, ação civil coletiva de
responsabilidade pelos danos individualmente sofridos, de acordo com
de direitos individuais homogêneos não poderia ser considerada como exemplo de legitimidade
extraordinária. Isso porque é regra da substituição processual, e mesmo sua própria razão de ser,
suprimir a possibilidade de o substituído ir novamente a juízo, dado que já foi atingido pela
autoridade da coisa julgada material. E isso, manifestamente, não ocorre no caso da ação coletiva
em defesa de direito individual homogêneo, pois as vítimas poderão propor a sua ação individual,
independentemente da improcedência da ação coletiva” (Antônio GIDI, Coisa Julgada e
Litispendência em Ações Coletivas, cit., pp. 43/44).
282
Teresa Arruda Alvim WAMBIER, “Apontamentos sobre as Ações Coletivas”, cit., p. 279.
283
“É apenas possível, na hipótese do art. 94, que a vítima ou sucessor atue como “litisconsorte”,
mas, em verdade, essa atuação mais se aproxima da figura do assistente litisconsorcial e,
particularmente, tendo em vista o direito material, pois que os benefícios neste existentes podem
ser alcançados pela procedência, quer no plano da ação coletiva, como, igualmente, no da ação
individual” (ARRUDA ALVIM, Thereza ALVIM, Eduardo Arruda ALVIM e James MARINS,
Código do Consumidor Comentado, cit., nota 32, p. 358).
155
o disposto nos artigos seguintes”
284
. Contudo, ao que nos parece, a
legitimação aqui, também, não pode ser analisada com base nas
categorias tradicionais do processo civil.
A legitimação deste dispositivo refere-se à
ação coletiva de responsabilidade civil, por danos individualmente
sofridos, mas tão somente nas hipóteses de danos individuais
considerados homogeneamente (art. 81, parágrafo único, inciso III do
Código de Defesa do Consumidor). Assim, a legitimação, in casu,
também é própria (legitimação coletiva).
5. Legitimados ativos
O art. 5º da Lei da Ação Civil Pública, com
a nova redação dada pela Lei nº 11.448, de 15 de janeiro de 2007,
dispõe que tem legitimidade para propor a ação principal e a ação
cautelar: a) o Ministério Público; b) a Defensoria Pública, c) a União,
os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; d) a autarquia, empresa
pública, fundação ou sociedade de economia mista; e) a associação que,
concomitantemente, esteja constituída há pelo menos um ano nos
termos da lei civil, e inclua, entre suas finalidades institucionais, a
proteção ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre
concorrência ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e
paisagístico.
284
Ada Pellegrini GRINOVER, Código de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do
anteprojeto, cit., p. 545 e Rodolfo de Camargo MANCUSO, Comentários ao Código de Proteção
ao Consumidor, cit., pp. 313/315.
156
A este rol de legitimados, o Código de
Processo Civil acrescenta “as entidades e órgãos da administração
pública, direta ou indireta, ainda que sem personalidade jurídica,
especificamente destinados à defesa dos interesses e direitos protegidos
por este Código”
285
.
5.1 – Ministério Público
Com o advento da Constituição Federal de
1988, o Ministério Público é inserido em capítulo próprio, como
função essencial à Justiça, ao lado do Poder Judiciário.
A Carta Magna, no art. 127, destinou ao
Ministério Público o caráter de instituição permanente, essencial à
função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem
jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais
indisponíveis.
A destinação do Ministério Público deve ser
compreendida à luz dos demais dispositivos constitucionais, que
cuidam de sua atividade, sempre voltada ao zelo de interesses sociais e
individuais indisponíveis e do bem geral. Assim, o art. 129, inciso IX
da Carta Magna veda ao Ministério Público exercer outras funções que
285
V. art. 82, inciso III do CDC.
157
não sejam compatíveis com sua finalidade, como a representação
judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas.
Outrossim, o art. 129 da Carta Magna
estabelece que “são funções institucionais do Ministério Público: II –
zelar apelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de
relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição,
promovendo as medidas necessárias à sua garantia; III – promover o
inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio
público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e
coletivos”.
São princípios institucionais do Ministério
Público: a unidade, a indivisibilidade e a autonomia funcional.
Os membros do Ministério Público gozam
de independência no exercício de suas funções e não estão
subordinados hierarquicamente entre si ou ao Procurador-Geral.
Unidade significa que os membros do
Ministério Público integram um só órgão, sob a direção de um só chefe.
A indivisibilidade significa que seus
membros podem ser substituídos uns pelos outros, segundo a forma
estabelecida na lei.
158
Só há unidade e indivisibilidade, dentro de
cada Ministério Público, nos limites da lei.
Esse limite encontra-se na independência
funcional dos membros do Ministério Público.
A Constituição Federal, no seu artigo 127,
parágrafo 2º, dispõe que “ao Ministério Público é assegurada autonomia
funcional e administrativa, podendo, observado o disposto no art. 169,
propor ao Poder Legislativo a criação e extinção de seus cargos e
serviços auxiliares, provendo-os por concurso público de provas ou de
provas e títulos, a política remuneratória e os planos de carreira; a lei
disporá sobre sua organização e funcionamento”.
Os membros do Ministério Público são
considerados agentes políticos, pois não se submetem a qualquer órgão
ou poder, estando investidos de atribuições constitucionais relevantes,
cuja atuação e decisões exigem independência funcional.
Detém o Ministério Público a iniciativa do
processo legislativo para criação e extinção de seus cargos e de seus
serviços auxiliares, e para organização da própria instituição, através da
edição de leis complementares.
Segundo a Constituição: a) o Ministério
Público da União é organizado por lei federal, de iniciativa do
159
Presidente da República; faculta-se, entretanto, ao Procurador-Geral da
República a iniciativa de lei complementar que estabeleça a
organização, as atribuições e o estatuto do Ministério Público da União;
b) cabe privativamente ao Presidente da República a iniciativa da lei
que estabeleça normas gerais para a organização do Ministério Público
dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios; c) em cada Estado
haverá uma lei complementar que estabeleça a organização, as
atribuições e o estatuto de cada Ministério Público, facultando-se
iniciativa concorrente aos Procuradores- Gerais locais.
O art. 128 da Carta Magna estabelece que o
Ministério Público abrange o Ministério Público da União e os
Ministérios Públicos dos Estados e, por sua vez, o primeiro compreende
o Ministério Público Federal, o do Trabalho, o Militar e o do Distrito
Federal e Territórios.
Cumpre destacar que a Lei Orgânica
Nacional do Ministério Público
286
, no seu art. 25, estabelece que “além
das funções previstas nas Constituições Federal e Estadual, na Lei
Orgânica e em outras leis, incumbe, ainda, ao Ministério Público....IV –
promover o inquérito civil e a ação civil pública, na forma da lei: a)
para a proteção, prevenção e reparação dos danos causados ao meio
ambiente, ao consumidor, aos bens e direitos de valor artístico, estético,
histórico, turístico e paisagístico, e a outros interesses difusos, coletivos
e individuais indisponíveis e homogêneos”.
286
Lei nº 8.625, de 12 de fevereiro de 1993.
160
O Ministério Público, no Brasil, por
questões históricas, é peculiar, como constatou MAURO
CAPPELLETTI
287
.
Desde que os estudos doutrinários dos
interesses difusos e coletivos converteram-se em lei, o Ministério
Público tornou-se seu destinatário natural. Assim, a atuação do
Ministério Público, no que se refere à defesa dos interesses
metaindividuais é realizada a partir da Lei da Ação Civil Pública (Lei nº
7.347/85), que se aplica subsidiariamente ao sistema de outras normas
legislativas destinadas à proteção desses interesses (Leis 7.853/89;
7.913/89, 8.069/90, 8.078/90 e 8.884/94).
A partir da legislação vigente, o Ministério
Público tem legitimidade para intentar ação civil pública na defesa de
“qualquer outro interesse difuso ou coletivo” (art. 1º, inciso IV da Lei
da Ação Civil Pública).
O Código de Defesa do Consumidor, no
artigo 82, conferiu legitimidade ao Ministério Público para ajuizar
287
”L’inaptitude de ministére public à se faire la défensuir, dans le procès civi aussi bien que dans
le procès penal, de ces intérêts collectifs, ne peut éttoner. Em realité, tout l’histoire pluriséculaire
du Parquet est telle qu’elle exclut la possibilité de son adaptation e cetti nouvelle fonction
extrêmement importante” (Marcus Vinicius Rios GONÇALVES, “O Ministério Público e a
Defesa do Consumidor”, in Revista de Direito do Consumidor volume 7, São Paulo, Editora
Revista dos Tribunais, 1993, p. 62).
161
ações coletivas na defesa de direitos difusos, coletivos e individuais
homogêneos dos consumidores
288
.
A legitimidade do Ministério Público para
ajuizar ações fundadas em direitos individuais homogêneos, ao que nos
parece, deve se restringir àquelas demandas em que se verifique o
interesse social, pelo que se infere da atuação do Parquet no exercício
de sua função institucional (art. 127 da Constituição Federal)
289
. Nesse
sentido, foi editada a Súmula 7 do Conselho Superior do Ministério
Público do Estado de São Paulo
290
.
288
“Assim agindo, a lei infraconstitucional (CDC) agiu em conformidade com a Constituição
Federal, porque a defesa do consumidor, além de garantia fundamental (art. 5º, n. XXXII, CF) é
matéria considerada de interesse social pelo art. 1º do CDC. Como é função institucional do
Ministério Público a defesa dos interesses sociais (art. 127, caput, CF), essa atribuição dada pelo
art. 82 do CDC, obedece ao disposto no art. 129, n. IX, CF, pois a defesa coletiva do consumidor,
no que tange a qualquer espécie de seus direitos (difusos, coletivos ou individuais homogêneos) é,
ex vi legis, de interesse social. Pode o Ministério Público ajuizar qualquer demanda coletiva, na
defesa de qualquer direito que possa ser defendido por meio de ação coletiva (difuso, coletivo ou
individual homogêneo - CDC 81, par. ún.). O que lhe é vedado é agir na defesa de um interesse
individual puro, determinado” (Nelson NERY JÚNIOR, “O Ministério Público e as Ações
Coletivas” in Ação Civil Pública (Lei 7.347/85-Reminiscências e Reflexões após dez anos de
aplicação), São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1995, pp. 358/359).
289
“A defesa de interesses de um grupo determinado ou determinável de pessoas pode convir à
coletividade como um todo. Isto, geralmente, ocorre em diversas hipóteses como quando a
questão diga respeito à saúde ou à segurança das pessoas; ocorre, também, quando haja
extraordinária dispersão de interessados, a tornar necessária ou pelo menos conveniente sua
substituição processual pelo órgão do Ministério Público (p. ex., v. art. 1º da Lei nº 8.913/89; arts.
91 e 92 da Lei nº 8.078/90); ocorre, ainda, quando interessa à coletividade o zelo pelo
funcionamento correto, como um todo, de um sistema econômico, social ou jurídico. Mais
especificamente quanto ao âmbito da atuação ministerial na defesa dos chamados interesses
individuais homogêneos, cremos deva firmar-se interpretação de caráter finalístico. O art. 129, III
da CR comete ao Ministério Público a defesa de interesses difusos e coletivos. Quanto aos
difusos, não há distinguir; por coletivos, entretanto, até estão os interesses da coletividade como
um todo. O referido dispositivo deve ser examinado em harmonia com a destinação institucional
do Ministério Público (CR, art. 127, caput)” (Hugo Nigro MAZZILLI, Funções institucionais do
Ministério Público, São Paulo, APMP, 1991, pp. 66/67).
290
Súmula 7 do Conselho Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo: O Ministério
Público está legitimado à defesa de interesses ou direitos individuais homogêneos que tenham
expressão para a coletividade, tais como: a) os que digam respeito a direitos ou garantias
constitucionais, bem como aqueles cujo bem jurídico a ser protegido seja relevante para a
162
Em relação ao Ministério Público, não se
exige o requisito da representatividade adequada, na medida em que é
da essência da sua finalidade institucional a defesa dos interesses
transindividuais.
O art. 5º, parágrafo 3º da Lei nº 7.347/85
trata da obrigação do órgão do Ministério Público de assumir a
promoção da ação, em caso de desistência infundada ou abandono por
associação co-legitimada.
Deve-se entender que o Ministério Público
assumirá a ação, quando for o caso, ou seja, com o mesmo critério que
utiliza para propor a ação civil pública consistente em identificar a
presença de justa causa para a sua intervenção. Neste sentido, temos o
posicionamento de RODOLFO DE CAMARGO MANCUSO
291
,
HUGO NIGRO MAZZILLI
292
, RICARDO DE BARROS LEONEL
293
e
sociedade (v.g., dignidade da pessoa humana, saúde e segurança das pessoas, acesso das crianças
e adolescentes à educação); b) nos casos de grande dispersão dos lesados (v.g., dano de massa); c)
quando a sua defesa pelo Ministério Público convenha à coletividade, por assegurar a
implementação efetiva e o pleno funcionamento da ordem jurídica, nas suas perspectivas
econômica, social e tributária”.
291
Ação civil pública, 8ª edição, revista e atualizada, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais,
2002, p.127.
292
“Sobrevindo desistência ou abandono de qualquer co-legitimado em ação civil pública ou
coletivo, nenhum dos demais está obrigado a nela prosseguir; nem mesmo o Ministério Público.
Para este, a obrigatoriedade de agir surge apenas quando identifique em concreto a hipótese que
exija sua atuação”.(A defesa dos interesses difusos em juízo, 20ª edição, cit., p. 366).
293
Manual do processo coletivo, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 200.
163
GALENO LACERDA
294
. Em sentido contrário, temos o entendimento
de HUGO FILARDI
295
.
Cumpre indagar a possibilidade ou não do
Ministério Público desistir da ação civil pública por ele movida.
A respeito do assunto, há dois
posicionamentos: para alguns, assim como ocorre com a ação penal
pública, também não poderia o Ministério Público desistir da ação civil
pública
296
-
297
-
298
.
294
“O dispositivo é cogente mas eu entendo que não pode ser interpretado de modo imperativo.
Ele não tolhe, a meu ver, a liberdade do Ministério Público de se opor à ação e não assumi-la.
Entendo que essa regra deve ser interpretada no sentido de se reconhecer a discrição do órgão do
MP de prosseguir ou não com a demanda onde houve desistência ou abandono” (Ação civil
pública. Conferência proferida em 17 de outubro de 1985. Revista do Ministério Público do Rio
Grande do Sul vol. 19, 1986, p. 22).
295
“Ação civil pública e acesso à justiça” in Revista de Processo volume 133, São Paulo,
Editora Revista dos Tribunais, 2006, pp. 39-40.
296
“A Lei 7.347/85 atribui ao Ministério Público a obrigação de assumir a titularidade ativa da
ação, quando uma associação desistir da ação ou abandoná-la. Deduz-se que ao Ministério
Público não é dado desistir da ação” (Paulo Afonso LEME MACHADO, “Ministério Público,
ambiente e patrimônio cultural” in Revista do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul
volume 19, 1986, p. 86).
297
“Com efeito, proposta a ação civil pública, o Ministério Público não mais poderá dela desistir,
devendo prosseguir até a prolação da sentença. Inexiste norma expressa a respeito, mas dentro de
uma interpretação sistemática e teleológica oura não pode ser a conclusão. Assim, no processo
penal é vedada a desistência da ação já proposta pelo Ministério Público (cf. art. 42 do CPP), o
que também deve ocorrer com a ação civil, mesmo porque, lei processual que é, o Código de
Processo Penal se aplica subsidiariamente ao processo civil e vice-versa” (Édis MILARÉ, “O
Ministério Público e a ação ambiental” in Cadernos informativos, Curadoria do Meio Ambiente,
São Paulo, APMP, 1988, p. 39).
298
“Relativamente ao Ministério Público, não é aceitável o argumento segundo o qual, por não ser
vedada em lei, a desistência estaria permitida. Se a proposição vale para o particular, o mesmo
não se dá em relação ao Ministério Público que, como órgão do Estado que é, obedece à regra
básica do direito público: os agentes do Estado somente podem praticar atos para os quais estejam
autorizados por norma legal válida. Não bastaria, portanto, ausência de proibição, como ocorre na
atividade dos particulares. A atuação do Ministério Público é vinculada não à vontade pessoal de
seus agentes, mas a uma finalidade impessoal e pública, definida em lei....Nessa linha de
pensamento, a conclusão a que se chega é a de que a desistência, contraposição que é do poder-
dever do Ministério Público e promover a demanda, imposto por lei, somente será cabível quando
164
Para outros, o Ministério Público pode
desistir da ação civil pública
299
-
300
-
301
, não da ação penal por ele
movida.
Filiamo-nos à esta última posição, que
admite a desistência da ação civil pública, pelo Ministério Público, na
medida em que essa análise não viola o seu dever de agir, que
pressupõe a valoração do interesse envolvido, bem como a apreciação
da justa causa para o prosseguimento na ação.
a lei a autorizar. Não havendo essa autorização, a regra é a de que a desistência não é admitida.
Todavia, essa regra não pode ser encarada como absoluta. Não há absolutos no plano do direito.
As regras devem ser interpretadas e aplicadas levando em consideração a sua razão de ser. Se o
que se objetiva com o impedimento da desistência, é resguardar os interesses tutelados, pode,
excepcionalmente, ocorrer situação em que tais interesses estarão melhor atendidos exatamente
pela providência oposta, ou seja, pela desistência. Isso será plausível, por exemplo, em hipóteses
em que a ação contenha evidentes vícios formais. Em casos tais, a desistência ensejará a
propositura de nova demanda, sem os defeitos da anterior. Esse caminho, nas circunstâncias, será
mais adequado do que levar o processo adiante, até a sua inevitável extinção sem julgamento do
mérito” (Teori Albino ZAVASCKI, Processo coletivo – Tutela de direitos coletivos e tutela
coletiva de direitos, 2ª edição revista e atualizada, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais,
2007, pp. 155-156).
299
Para Hugo Nigro MAZZILLI, “se no curso da ação civil pública surgirem fatos que
comprometam seu êxito (como se a questão se tornou superada, ou caso se afira que a ação está
insuficiente, inadequada ou erroneamente proposta), o exame do cabimento de desistir ou não da
ação em nada viola o dever de agir, que pressupõe não só a livre valoração do interesse público,
como ainda a apreciação da justa causa para prosseguir na ação. Desde que se convença, de
maneira fundamentada, de que não mais há ou até mesmo nunca houve a lesão ou a ameaça de
lesão apontada na petição inicial, o Ministério Público poderá desistir da ação civil pública por
ele próprio proposta, sem que com isso esteja cometendo qualquer quebra do dever de agir” (A
defesa dos interesses difusos em juízo, 20ª edição, cit., p. 371).
300
Rodolfo de Camargo MANCUSO entende que “ao menos em algumas hipóteses, é de se
admitir possa o Ministério Público desistir da ação civil que intentou: primeiro, como legitimado
institucional, mantém ele a disponibilidade sobre o conteúdo processual da lide, rubrica que
abrange a desistência; segundo, não parece razoável tenha o Ministério Público que prosseguir
numa ação que, como lembra Mazzilli, tenha perdido o objeto ou mesmo tenha sido mal proposta;
em terceiro lugar, mesmo no processo penal, sem embargo da indisponibilidade da ação penal
pública (arts. 42 e 576 do CPP), nem por isso é vedado ao Ministério Público deixar de oferecer
denúncia, pedindo o arquivamento do inquérito (art. 28 do CPP), e, presentemente, admite-se a
transação penal (Lei 9.099/95, arts. 76 a 89). (Ação civil pública, 8ª edição, cit., p. 130).
301
José Marcelo Menezes VIGLIAR, Tutela jurisdicional coletiva, São Paulo, Editora Atlas, 1998,
p. 158.
165
Outrossim, se a ação civil pública ou
coletiva for intentada por qualquer outro legitimado, que não o
Ministério Público, este intervirá no processo, obrigatoriamente, como
fiscal da lei
302
.
O parágrafo 5º do art. 5º da Lei da Ação
Civil Pública (Lei nº 7.347/85), acrescentado pelo art. 113 do Código
de Defesa do Consumidor, aplicável às ações propostas com base no
Código por força dos artigos 21 da LACP e 90 do CDC, prevê o
litisconsórcio facultativo entre os Ministérios Públicos da União, do
Distrito Federal e dos Estados.
Para NELSON NERY JÚNIOR
303
, “na
verdade, não se trata de litisconsórcio puro, mas sim de representação
da instituição do Ministério Público, que é una e indivisível”
304
-
305
.
De outra parte, discute-se a
constitucionalidade do referido parágrafo 5º do art. 5º da Lei nº
7.347/85, alegando violação ao princípio federativo, pelo qual a
302
“Art. 5º, parágrafo 1º da Lei nº 7.347/85: O Ministério Público, se não intervier no processo
como parte, atuará obrigatoriamente como fiscal da lei”.
303
“Aspectos do processo civil no Código de Defesa do Consumidor, cit., pp. 209/210.
304
“O veto presidencial aos arts. 82, parágrafo 3º, e 92, parágrafo único do CDC, não atingiu o
parágrafo 5º do art. 5º da Lei da Ação Civil Pública. Não há veto implícito.
“Aspectos do processo civil no Código de Defesa do Consumidor, cit., pp. 209/210.
305
Ricardo de Barros LEONEL entende pela viabilidade do litisconsórcio entre os Ministérios
Públicos da União, do Distrito Federal e dos Estados. O autor assevera que “se o dano atinge dois
ou mais Estados, é verdade que basta a ação proposta pelo Parquet de um dos entes federativos
para que a instituição Ministério Público esteja presente na demanda. Mas, em virtude da
peculiaridade e da abrangência dos danos metaindividuais, o legislador estabeleceu exceção ao
sistema, permitindo que o Ministério Público de outro Estado lesado ou da União atuem em
166
unidade institucional do Ministério Público e a divisão dos trabalhos
devem seguir o modelo que separa a União dos Estados.
Nessa linha de raciocínio, JOSÉ ANTONIO
LISBÔA NEIVA
306
entende ser impossível a existência desse
litisconsórcio, ressaltando que “a atuação simultânea de Ministérios
Públicos numa mesma relação jurídica processual, na tutela de uma
indisponibilidade, é uma superfetação”.
Na esteira do entendimento de SÉRGIO
SHIMURA
307
, “não vemos possibilidade de um representante do
Ministério Público promover, isoladamente e sem atribuições para
determinada questão, ação civil pública, seja perante a mesma justiça,
seja perante outra”.
5.2 – Defensoria Pública
A Lei nº 11.448, de 15 de janeiro de 2007
atribuiu legitimidade ativa para a Defensoria Pública, na defesa dos
interesses transindividuais.
Anteriormente, a Defensoria Pública já
podia propor ações civis públicas, diante do permissivo contido no art.
82, inciso III do Código de Defesa do Consumidor, na medida em que é
‘litisconsórcio’, com o que, inicialmente, aforou a demanda coletiva” (Manual do processo
coletivo, cit., pp. 247-248).
306
“Ação Civil Pública – Litisconsórcio de Ministérios Públicos” in Revista dos Tribunais volume
707, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1994, p. 240.
307
Tutela coletiva e sua efetividade, São Paulo, Editora Método, 2006, pp. 65-66.
167
órgão público destinado a exercitar a defesa dos necessitados. Contudo,
o legislador expressamente reconheceu a legitimidade ativa da
Defensoria Pública
308
.
5.3 – Entes políticos: União, Estados, Municípios, Distrito Federal e
seus órgãos
A legitimação dos entes públicos para a
tutela dos interesses ou direitos do consumidor, por exemplo, deflui da
própria Constituição
309
.
Um avanço importante dado pelo Código de
Defesa do Consumidor foi atribuir legitimidade ativa aos entes
públicos, sem personalidade jurídica, como, por exemplo, o PROCON,
que possui atuação relevante e eficiente na defesa, especialmente, dos
interesses dos consumidores.
Releva consignar que o fato dos entes supra
mencionados possuírem legitimidade ativa não lhes proíbe de virem a
figurar no pólo passivo da ação movida na tutela dos interesses
metaindividuais.
Os legitimados públicos não estão sujeitos
aos requisitos de pré-constituição há pelo menos um ano. Um Estado ou
Município recém-criados podem imediatamente ajuizar ação civil
308
Art. 5º, inciso II da LACP, com a redação dada pela Lei nº 11.448/07.
309
O inciso XXXII do artigo 5º da Constituição Federal dispõe que incumbe ao Estado promover,
na forma da lei, a defesa do consumidor.
168
pública. Nessa linha, as autarquias e empresas públicas não necessitam
adimplir este requisito.
Já, a pertinência temática aplica-se às
entidades e os órgãos da administração pública direta ou indireta, ainda
que sem personalidade jurídica.
A respeito do assunto, MÁRCIO
FERNANDO ELIAS ROSA
310
, invocando os incisos XIX e XX do art.
37 da Constituição Federal, ensina que, “por conta do princípio da
especialidade, as entidades estatais não podem abandonar, alterar ou
modificar os objetivos para os quais foram constituídas. Sempre atuarão
vinculadas e adstritas aos seus fins ou objeto social. Não se admite,
então, que uma autarquia criada para o fomento do turismo possa a vir a
atuar, na prática, na área da saúde, ou em qualquer outra diversa
daquela legal e estatutariamente fixada”.
Só não tem sentido exigir pertinência
temática da União, dos Estados, dos Municípios, do Distrito Federal,
tendo em conta a sua vocação à defesa de interesses públicos e
coletivos lato sensu
311
.
Contudo, as pessoas jurídicas de direito
público, os entes da administração indireta e órgãos despersonalizados
devem demonstrar o interesse processual
312
-
313
-
314
-
315
.
310
Direito Administrativo, 4ª edição, São Paulo, Editora Saraiva, 2003, p. 20.
311
Neste sentido, temos a posição de Hugo Nigro MAZZILLI, A defesa dos interesses difusos em
juízo, 20ª edição, cit., p. 293.
312
Confira: Sérgio SHIMURA, Tutela coletiva e sua efetividade, cit., p. 81.
169
5.4 – Associação, sociedade, fundação e sindicatos
Em primeiro lugar, cumpre delinear o
conceito de associação e sociedade, bem como sindicato e fundação.
A doutrina e a lei distinguem as associações
e as sociedades.
313
“Portanto, nem sempre para quaisquer ações coletivas os Municípios, o Distrito Federal, a
União e os Estados-membros estarão legitimados. Substitutos processuais que são, devem manter
algum nexo mínimo com os substituídos” (José Marcelo Menezes VIGLIAR, Tutela jurisdicional
coletiva, cit., p. 145).
314
“A ampla legitimação dos entes públicos para a tutela dos interesses ou direitos dos
consumidores decorre de mandamento constitucional. A legitimação será concorrente e disjuntiva
sempre que todos os entres públicos tenham, pelas características da lide, seja pela natureza do
bem jurídico ameaçado ou lesado, seja pela amplitude da ameaça ou da lesão, seja ainda pela
quantidade e localização dos titulares dos interesses ameaçados ou lesados, a atribuição de
promover a defesa dos consumidores no caso concreto, em razão do vínculo que possuam com
esses consumidores. Se nenhum nexo mantém, porque os consumidores pertencem a outro
Município, ou a Estado diverso, evidentemente a legitimação ad causam não lhes diz respeito”
(Kazuo WATANABE, Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do
anteprojeto, 4ª edição, Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1996, p. 516).
315
A respeito do assunto, Ricardo de Barros LEONEL ensina que “analisando a atuação da União,
Estados, Distrito Federal e Municípios, autarquias, fundações públicas, empresas públicas ou
sociedades de economia mista, bem como de entes despersonalizados destinados à defesa de
interesses supra-individuais, verifica-se que, por sua natureza pública, é a princípio presumível a
existência de interesse material (pertinência temática) ínsito à própria legitimação. Entretanto, há
necessidade de verificação dessa pertinência temática entre a atuação do legitimado e a hipótese
concretamente considerada. Esta constatação decorre das peculiaridades da própria existência,
limites de atuação e finalidade institucional de cada um destes entes. Exemplificando,
determinado Município evidentemente é habilitado a promover a defesa em juízo de interesses
difusos relacionados ao meio ambiente. É presumível seu interesse concreto em atuar, não
havendo necessidade de demonstrar pertinência entre sua legitimação e o objeto da tutela.
Entretanto, somente poderá fazê-lo dentro do âmbito material e geográfico de suas competências
constitucionais. Está habilitado a promover a demanda coletiva para a defesa dos atos que
ocasionem danos a rios, florestas, parques situados na sua própria área territorial, mas não em
outro Município. Salvo se o dano não for exclusivo àquele ente (v.g., o dano regional), caso em
que o equacionamento do problema poderá ser diverso, dependendo de outras regras relacionadas
à competência e à prevenção” (Manual do processo coletivo, cit., pp. 164-165).
170
Para MARIA HELENA DINIZ
316
, “a
associação é uma modalidade de agrupamento, dotada de personalidade
jurídica, sendo pessoa jurídica de direito privado, voltada à realização
de finalidades culturais, sociais, pias, religiosas, recreativas etc., cuja
existência legal (Dasein) surge com o assento de seu estatuto, em forma
pública ou particular, no registro competente, desde que satisfeitos os
requisitos legais, tendo ela objetivo lícito e estando regularmente
organizada. Há casos em que pode ser exigida para a sua constituição
uma prévia autorização governamental para que a associação seja uma
pessoa jurídica (Lei nº 6.015/73, arts. 114 a 121)”.
O Código Civil define sociedades, no art.
981 e parágrafo único, da seguinte forma: “celebram contrato de
sociedades as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com
bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha,
entre si, dos resultados. A atividade pode restringir-se à realização de
um ou mais negócios determinados.
A sociedade simples é a reunião de duas ou
mais pessoas (que, caso atuassem individualmente seriam consideradas
autônomas), que reciprocamente se obrigam a contribuir com bens ou
serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si,
dos resultados, não tendo por objeto o exercício de atividade própria de
empresário. Já, a sociedade empresária deverá adotar um dos tipos de
316
Curso de Direito Civil brasileiro, 1º volume, 22ª edição, São Paulo, Editora Saraiva, 2005, p.
232.
171
sociedades previstos no novo Código Civil brasileiro, com exceção da
"cooperativa" e da "sociedade em conta de participação".
Fundação é um “acervo de bens livres, que
recebe da lei a capacidade jurídica para realizar as finalidades
pretendidas pelo seu instituidor, em atenção aos seus estatutos, desde
que religiosas, morais, culturais ou assistenciais (CC, art. 62, parágrafo
único)”
317
.
AMAURI MASCARO NASCIMENTO
ensina que: “os sindicatos têm por função cuidar dos direitos e
interesses de toda a categoria em razão da qual exercem a sua
representação e também dos direitos individuais dos seus membros”
318
.
As associações, a partir de 1988, passaram a
ter legitimidade ativa para a propositura de mandado de segurança
coletivo, desde que constituída há mais de um ano.
O art. 5º, inciso V, letras a e b da Lei da
Ação Civil Pública estabelece que as associações legalmente
constituídas há pelo menos um ano e que incluam, entre suas
finalidades institucionais, a proteção ao meio ambiente, ao consumidor,
à ordem econômica, à livre concorrência ou ao patrimônio artístico,
estético, histórico, turístico e paisagístico, possuem legitimidade ativa
317
Maria Helena DINIZ, Curso de Direito Civil brasileiro, 1º volume, cit., p. 229.
318
Renata Lorenzetti GARRIDO, “Legitimidade ativa das associações para propositura de ações
coletivas” in Revista de Direito do Consumidor volume 16, São Paulo, Editora Revista dos
Tribunais, 1995, p. 94.
172
na tutela desses interesses. O parágrafo 4º do referido art. 5º estabelece
que o requisito da pré-constituição poderá ser dispensado pelo juiz,
quando haja manifesto interesse social evidenciado pela dimensão ou
característica do dano, ou pela relevância do bem jurídico a ser
protegido.
Para a atuação coletiva, as associações civis
não necessitam de autorização assemblear
319
.
Afirma RODOLFO DE CAMARGO
MANCUSO
320
, que a dispensa de autorização assemblear tem “o intuito
de facilitar a atuação judicial dessas entidades, mormente no que
concerne ao aspecto da rapidez com que elas devam atuar, ante a
iminência do dano ao consumidor”.
Contudo, quando a associação estiver
atuando em nome alheio e na defesa de direito alheio – caso de
representação – quer na esfera judicial ou extrajudicial, deve existir a
autorização expressa de seus filiados
321
, como, por exemplo, quando a
associação impetra mandado de segurança individual na defesa de um
direito do seu associado.
319
Há, inclusive, previsão legal, dispensando essa autorização assemblear (Vide: art. 210 do
Estatuto da Criança e do Adolescente, art. 82, inciso IV do Código de Defesa do Consumidor e
art. 81 do Estatuto do Idoso).
320
Comentários ao Código de Proteção ao Consumidor, cit., p. 286.
321
“Art. 5º, XXI da CF/88: “as entidades associativas, quando expressamente autorizadas, têm
legitimidade para representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente”.
173
Entretanto, na ação civil pública, enquanto
inexigível autorização assemblear, as associações civis precisam ter
representatividade adequada do grupo que pretendam defender em
juízo. Essa representatividade adequada é verificada em função de dois
elementos: a) pertinência temática – corresponde à finalidade
institucional compatível para a defesa judicial do interesse e b) pré-
constituição há pelo menos um ano nos termos da lei civil – requisito
que o juiz poder dispensar por interesse social, conforme a dimensão ou
as características do dano, ou conforme a relevância do bem jurídico a
ser defendido.
Quanto à finalidade institucional das
associações civis, ela pode ser razoavelmente genérica, mas não deve
ser desarrazoada e nem pode ser dispensada pelo juiz
322
.
Já a pré-constituição da associação civil, de
pelo menos um ano, destina-se a estabelecer um tempo mínimo de
existência para lhe dar condições legais de representatividade do grupo.
Esse requisito não é imposto aos demais co-legitimados ativos da ação
civil pública.
322
“Às associações culturais cabe tutelar direitos de seus filiados relacionados à cultura (e não a
outros, estranhos ao âmbito associativo); às associações esportivas e recreativas, os interesses
relacionados com esporte e recreação; às associações de defesa do consumidor, os direitos
decorrentes de relações de consumo; às associações de defesa do consumidor, os direitos
decorrentes de relações de consumo, às entidades profissionais, os direitos dos seus filiados
ligados ao exercício da sua profissão. Quem se filia a associação destinada a pesca submarina não
o faz imaginando que a entidade vá tutelar seus direitos relacionados à questões fiscais, ou suas
relações condominiais ou de vizinhança” (Teori Albino ZAVASCKI, Processo coletivo: Tutela
de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos, cit. p. 180).
174
O parágrafo 1º do artigo 82 do Código de
Defesa do Consumidor concedeu ao juiz, a faculdade de dispensa da
pré-constituição das associações, “quando haja manifesto interesse
social evidenciado pela relevância do bem jurídico a ser protegido”.
Esta dispensa é essencial nos casos de calamidade pública e acidentes
com grande número de vítimas.
Com o advento da Constituição Federal de
1988, “os sindicatos deixaram de ser tutelados pelo governo e têm hoje
o perfil de associação civil. A eles foi dada legitimidade para a defesa,
inclusive em juízo, dos direitos e interesses coletivos e individuais da
categoria (artigo 8º, inciso III, CF), podendo, outrossim, impetrar
mandado de segurança coletivo (artigo 5º, LXX, b, CF).
Assim, caracterizados ontologicamente
como associações civis, gozam dos poderes descritos nos artigos 5º da
Lei 7.347/85 e 82, IV da Lei 8.078/90”
323
.
Se o sindicato ajuíza ação, no interesse da
categoria
324
, os beneficiários podem ou não ser sindicalizados. Deve
estar presente a finalidade institucional e a representatividade adequada,
323
Celso Antonio Pacheco FIORILLO, Os sindicatos e a defesa dos interesses difusos no direito
processual civil brasileiro, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1995, p. 42.
324
“Em tese, o sindicato pode defender interesses transindividuais não só em matérias diretamente
ligadas à própria relação trabalhista, mas também em questões relativas ao meio ambiente do
trabalho ou à condição de consumidores de seus associados, ou ainda em outras hipóteses de
interesse da classe, grupo ou categoria, desde que haja autorização dos estatutos ou de assembléia
(não se exige autorização de cada substituído processual)” (Hugo Nigro MAZZILLI, A defesa dos
interesses difusos em juízo, 20ª edição, cit., p. 305).
175
isto é, requer o vínculo jurídico que sirva de liame entre a lesão e a
categoria respectiva.
6. Legitimidade passiva nas ações coletivas
Os legitimados passivos nas ações coletivas
são todos aqueles que causarem um dano a um grupo de pessoas,
lesando interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos.
Em resumo, poderão ser sujeitos passivos
das ações coletivas, pessoas físicas ou jurídicas, de direito público ou
privado, ou entes despersonalizados, mas dotados de capacidade
processual, que tenham ocasionado ou concorrido para a lesão de algum
interesse transindividual e, em razão disso, deva ser responsabilizado.
Devemos ressaltar que o Ministério Público
não pode ser sujeito passivo nas ações coletivas, porque é “órgão estatal
desprovido de personalidade jurídica”
325
-
326
-
327
.
Quanto aos entes políticos, é mais
corriqueiro que estejam no pólo passivo das ações coletivas, “seja
porque eles podem dar causa à lesão, por ação ou omissão (esta última
hipótese seria a mais ocorrente), seja porque, em sede de
325
José Marcelo Menezes VIGLIAR, Tutela jurisdicional coletiva, cit., p. 159.
326
Rodolfo de Camargo MANCUSO, Ação civil pública, cit., p. 175.
327
Ricardo de Barros LEONEL, Manual do processo coletivo, cit., pp. 201-202.
176
responsabilidade por danos aos interesses metaindividuais, preconiza-se
a aplicação da responsabilidade objetiva, ou do risco integral”
328
.
Cumpre lembrar que o Estado, na qualidade
de legitimado passivo, não pode se valer do instituto da denunciação da
lide, a fim de exercer o direito de regresso contra os agentes
responsáveis pelo dano, na medida em que a responsabilidade, na ação
coletiva, é objetiva e a responsabilidade pessoal de seus agentes é
subjetiva
329
-
330
.
Entretanto, esse entendimento merece ser
analisado, de maneira mais elástica, diante de ação coletiva voltada à
tutela de interesses concernentes a um número indeterminado de
sujeitos, como, por exemplo, em caso de degradação da cobertura
vegetal em área de mananciais, por ação ilegal de loteadores
clandestinos. Nessa hipótese, a denunciação da lide ao responsável
direto pelo dano ecológico haverá de ser admitida, levando em conta à
efetiva tutela à defesa de meio ambiente ecologicamente equilibrado
331
.
É importante destacar, outrossim, quando
os agentes públicos tiverem autorizado, aprovado, ratificado ou
328
Rodolfo de Camargo MANCUSO, Ação civil pública, cit., p. 176.
329
“Não cabe propor ação civil pública ou coletiva contra órgãos do Estado desprovidos de
personalidade jurídica, como, p. ex., o governador do Estado, o presidente do Tribunal de Justiça,
o procurador-geral de Justiça etc. Sem dúvida, enquanto pessoa física que tenha causado danos a
interesses transindividuais, em tese, qualquer um pode ser réu em ação civil pública ou coletiva.
Entretanto, na qualidade de órgãos impessoais do Estado, esses agentes não podem ser réus em
ação civil pública ou coletiva” (Hugo Nigro MAZZILLI, A defesa dos interesses difusos em
juízo, 20ª edição, cit., pp. 345-346).
330
Ricardo de Barros LEONEL, Manual do processo coletivo, cit., p. 202.
177
praticado o ato impugnado ou, ainda que por omissão, houverem dado
oportunidade ao surgimento da lesão, no caso concreto, pode ocorrer
que devam ser responsabilizados pessoalmente por meio da ação civil
pública, enquanto pessoas físicas, como poderá ocorrer nas hipóteses
previstas na Lei de Improbidade Administrativa
332
.
Sendo a responsabilidade pela prática do
ato ilícito, de natureza solidária, a reparação do dano pode ser exigida
indistintamente de um, de alguns ou de todos os co-legitimados a
figurar no pólo passivo da relação jurídica processual. Nesse caso, nada
impede a utilização pelo demandado do chamamento ao processo, de
modo a trazer para a ação de conhecimento, os demais responsáveis, em
caráter solidário.
Em se tratando de relação de consumo, são
legitimados passivos, os fornecedores, consoante a definição do art. 3º
do Código de Defesa do Consumidor e, supletivamente, o comerciante.
O Código de Defesa do Consumidor, no seu
art. 3º, caput conceitua: “fornecedor é toda pessoa física ou jurídica,
pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes
despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção,
montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação,
distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços”.
331
Rodolfo de Camargo MANCUSO, Ação civil pública, cit., p. 182.
332
Neste sentido: Hugo Nigro MAZZILLI, A defesa dos interesses difusos em juízo, 20ª edição,
cit., p. 346.
178
De modo resumido, JAMES MARINS DE
SOUZA
333
define: “fornecedor é todo aquele que provisione o mercado
de consumo, de produtos ou serviços”.
Já, JOSÉ GERALDO BRITO
FILOMENO
334
aduz que “são fornecedores todos quantos propiciem a
oferta de produtos e serviços no mercado de consumo, de maneira a
atender às necessidades dos consumidores, sendo despiciendo indagar-
se a que título, sendo relevante, isto sim a distinção que se deve fazer
entre as várias espécies de fornecedor nos casos de responsabilização
por danos causados aos consumidores, ou então para que os próprios
fornecedores atuem na via regressiva e em cadeia da mesma
responsabilização, visto que vital a solidariedade para a obtenção
efetiva de proteção que se visa oferecer aos mesmos consumidores.
Tem-se, por conseguinte que fornecedor é qualquer pessoa física, ou
seja, qualquer um que, a título singular, mediante desempenho de
atividade mercantil ou civil e de forma habitual ofereça no mercado
produtos ou serviços, e a jurídica, da mesma forma, mas em associação
mercantil ou civil e de forma habitual”.
333
“Legitimidade “Ad Causam” Ativa e Passiva nas Ações Individuais do Código do Consumidor”
in Revista de Processo volume 69, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1993, p. 70.
334
Código brasileiro de defesa do consumidor comentado pelos autores do anteprojeto, 2ª edição,
Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1992, pp. 29/30.
179
Exsurge do caput do art. 12 do Código de
Defesa do Consumidor
335
, as espécies do gênero “fornecedor” (o
fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro e o
importador), os quais respondem extracontratualmente
independentemente de culpa, pela indenização devida em função do
fato do produto.
No art. 13 do Código de Defesa do
Consumidor
336
temos a previsão da responsabilidade subsidiária do
comerciante pelo fato do produto, em duas situações: a) dificuldade ou
impossibilidade de identificação do fabricante, construtor, produtor ou
importador; b) erro do comerciante no acondicionamento de produtos
perecíveis.
Por fim, no caput do art. 14 do Código de
Defesa do Consumidor
337
temos a responsabilidade civil do fornecedor
pelo fato do serviço, que também é objetiva, ressalvada a hipótese do
335
Artigo 12, caput do Código de Defesa do Consumidor: “o fabricante, o produtor, o construtor,
nacional ou estrangeiro e o importador respondem, independentemente da existência de culpa,
pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto,
fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de
seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e
riscos”.
336
Artigo 13 do Código de Defesa do Consumidor: “o comerciante é igualmente responsável, nos
termos do artigo anterior, quando: I - o fabricante, o construtor, o produtor ou o importador não
puderem ser identificados; II - o produto for fornecido sem identificação clara do seu fabricante,
produtor, construtor ou importador; III - não conservar adequadamente os produtos perecíveis.
Parágrafo único - Aquele que efetivar o pagamento ao prejudicado poderá exercer o direito de
regresso contra os demais responsáveis, segundo sua participação na causação do evento danoso”.
337
Artigo 14, caput do Código de Defesa do Consumidor: “o fornecedor de serviços responde,
independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores
por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou
inadequadas sobre sua fruição e riscos”.
180
parágrafo 4º do mesmo artigo 14
338
, que trata da responsabilidade dos
profissionais liberais, a qual é apurada através da verificação de culpa.
Na esteira do entendimento de JAMES
MARINS e NELSON NERY JÚNIOR
339
podemos dizer que os bancos
e instituições similares podem ser enquadrados no conceito geral de
fornecedores de serviços, “porque são pessoas jurídicas que
desenvolvem atividade consistente na prestação de serviços fornecida
mediante remuneração, no mercado de consumo”.
Ainda, JAMES MARINS citando NELSON
NERY JÚNIOR
340
afirma que “segundo o autor encontram-se
igualmente sob o regime do Código de Proteção e Defesa do
Consumidor o contrato de cartão de crédito e os contratos de abertura
338
Artigo 14, parágrafo quarto do Código de Defesa do Consumidor: “a responsabilidade pessoal
dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa”.
339
James MARINS, Responsabilidade da Empresa pelo Fato do Produto: os acidentes de
consumo no Código de Proteção e Defesa do Consumidor, São Paulo, Editora Revista dos
Tribunais, 1993, p. 84.
340
“Nelson NERY JÚNIOR, explica com precisão a extensão que se pode dar ao fato de o Código
do Consumidor ter incluído expressamente as atividades bancárias como passíveis de ensejar
relações de consumo. Esclarece o citado autor que para que se possa classificar um contrato de
natureza bancária como relação de consumo é preciso que se analise a finalidade do mesmo,
exemplificando da seguinte forma: “Havendo outorga do dinheiro ou do crédito para que o
devedor o utilize como destinatário final, há a relação de consumo que enseja a aplicação dos
dispositivos do CDC. Caso o devedor tome dinheiro ou crédito emprestado do banco para
repassá-lo, não será destinatário final e portanto, não há que se falar em relação de consumo (et
alli, Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, Forense Universitária, Rio, 1991, p. 305). No
mesmo sentido José CRETELLA JÚNIOR, que sintetiza: “Fornecedor é o estabelecimento
bancário; consumidor é o que se beneficia com esse fornecimento, como destinatário final”.
FERREIRA DE ALMEIDA entende que nos contratos de mútuo que destinam dinheiro à pessoa
física que não desenvolva atividade comercial reside ínsita a presunção de que o dinheiro
emprestado será destinado ao consumo final, estando evidenciada a existência de relação de
consumo (Os Direitos dos Consumidores, p. 142, Almedina, Coimbra, 1982)” (Op. cit., p. 85 e
notas 186 e 187).
181
de crédito - “cheque especial”, como as relacionadas, notadamente os
bancos e as seguradoras, sejam públicos ou privados”.
CAPÍTULO VII
INQUÉRITO CIVIL
SUMÁRIO: 1. Generalidades – 2. Instauração, competência e objeto –
3. Instrução e sigilo – 4. Conclusão – 5. Arquivamento e seu controle –
182
6. Recursos no inquérito civil – 7. Compromisso de ajustamento de
conduta.
1. Generalidades
O inquérito civil foi criado pela Lei da
Ação Civil Pública, visando dotar o Ministério Público de meio
investigatório e inquisitivo, para apuração de eventual lesão a interesses
difusos e coletivos e para embasar eventual ação civil pública
341
.
Posteriormente, o inquérito civil passou a
ser atribuição do Parquet ao nível constitucional, como função
institucional (artigo 129, III da Constituição Federal).
Ainda, a Lei Orgânica do Ministério
Público de São Paulo
342
disciplinou o inquérito civil e previu que ele
fosse objeto de regulamentação interna pelo Órgão Especial do Colégio
de Procuradores
343
-
344
.
341
O inquérito civil é instrumento exclusivo do Ministério Público, não podendo os demais co-
legitimados dos artigos 5º da LACP e 82 do CDC proceder a sua instauração.
342
Lei nº 734, de 26 de novembro de 1993.
343
Em razão dessa previsão foi editado o Ato nº 19/94, de 25 de fevereiro de 1994 estabelecendo as
normas internas que regem o inquérito civil, sem prejuízo das regras regimentais do Conselho
Superior do Ministério Público relacionadas às matérias de sua competência, quais sejam,
homologação do arquivamento do inquérito civil e recursos dos interessados contra o
indeferimento de representação para abertura de inquérito civil e contra a sua própria instauração
(aliás, existente apenas no Estado de São Paulo).
344
Atualmente, o Ato Normativo nº 484-CPJ, de 5 de outubro de 2006 disciplina o inquérito civil
e demais investigações do Ministério Público na área dos interesses difusos, coletivos e
individuais homogêneos, as audiências públicas, os compromissos de ajustamento de conduta e as
recomendações.
183
O inquérito civil é de instauração
facultativa, quando haja ofensa ou ameaça de lesão a quaisquer
interesses difusos e/ou coletivos, não sendo requisito para a propositura
da ação civil pública
345
.
Como lembra NELSON NERY JÚNIOR
346
,
“o inquérito civil, instaurado sob a presidência do órgão do Ministério
Público, pode prestar-se também para eventual ajuizamento de ação
penal pública. Isto porque, se na colheita desse material, o Promotor de
Justiça vislumbrar elementos que bastem para o oferecimento de
denúncia e, tendo ele atribuição para oficiar na esfera criminal, as peças
do inquérito civil servem de base para tanto”.
Também, “o inquérito civil permite que o
Ministério Público faça o controle administrativo das cláusulas
contratuais nos contratos de consumo. Esse controle pode ser feito de
modo abstracto ou in concreto. Este se dá quando oriundo de caso
específico de relação de consumo já concluída; aquele, relativamente às
cláusulas contratuais gerais, antes, portanto, de receberem a adesão do
consumidor. Ao final do inquérito civil, verificando o Ministério
345
O artigo 2º do Ato nº 484/06 do Órgão Especial do Colégio de Procuradores dispõe: “o
inquérito civil é investigação administrativa, de caráter inquisitorial, unilateral e facultativo,
instaurado e presidido pelo Ministério Público e destinado a apurar a ocorrência de danos efetivos
ou potenciais a direitos ou interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos ou outros que
lhe incumba defender, servindo como preparação para o exercício das atribuições inerentes às
suas funções institucionais. Parágrafo único – O inquérito civil não é pressuposto processual para
o ajuizamento das ações a cargo do Ministério Público, nem para a concretização das demais
medidas de sua competência própria”.
346
“Aspectos do processo civil no Código de Defesa do Consumidor”, cit., p. 204.
184
Público que a cláusula é abusiva, portanto nula, poderá ajuizar ação
civil pública buscando o controle judicial do contrato de consumo”
347
.
2. Instauração, competência e objeto
O ato normativo nº 484-06, em seu art. 23,
estabelece que, de ofício ou mediante representação ou peças de
informação, sempre que necessário para formar seu convencimento, o
membro do Ministério Público poderá determinar providências
preparatórias à instauração de inquérito civil – são os procedimentos
preparatórios. Esses procedimentos preparatórios deverão ser
concluídos no prazo máximo de sessenta dias. Encerrado esse prazo, o
membro do Ministério Público deverá: a) arquivar as investigações; b)
promover ação civil pública; c) instaurar inquérito civil.
A instauração do inquérito civil cabe ao
membro do Ministério Público que, em tese, teria atribuições para
propor a ação civil pública que nele deva ser baseada. Deve-se levar em
conta as regras de competência previstas na Lei da Ação Civil Pública e
no Código de Defesa do Consumidor, bem como as normas de
organização do Ministério Público, que cuidam das atribuições de seus
integrantes.
Nesse passo, o inquérito civil poderá ser
instaurado de ofício
348
, mediante representação ou comunicação, nos
347
Nelson NERY JÚNIOR, “Aspectos do processo civil no Código de Defesa do Consumidor”, cit.,
pp. 204/205.
185
termos dos artigos 6º e 7º da Lei nº 7.347/85, ou, ainda, por
determinação do Procurador Geral de Justiça ou do Conselho Superior
do Ministério Público
349
.
No inquérito civil investigam-se fatos cuja
ocorrência possa ensejar a propositura de ação judicial ou outra atuação
funcional por parte do Ministério Público. Por exemplo, havendo a
caracterização de infração penal, o inquérito civil pode eventualmente
servir de base para o oferecimento de denúncia.
3. Instrução e sigilo
O membro do Ministério Público, que
preside o inquérito civil, possui poderes instrutórios gerais próprios à
atividade inquisitiva.
A investigação dos fatos constantes da
portaria será feita por todos os meios admitidos em direito, inclusive, o
uso de gravações, filmagens e registros eletrônicos dos atos do
inquérito civil, excluindo-se a prova obtida por meio ilícito.
Na instrução do inquérito civil, o membro
do Ministério Público poderá expedir notificações, requisições, realizar
inspeções e vistorias, efetuar audiências públicas, juntar documentos e
ouvir testemunhas.
348
O inquérito civil será instaurado de ofício pelo membro do Ministério Público dotado de
atribuição, ao tomar ciência, de fato determinado, ainda que não identificado o representante (art.
12 do Ato Normativo nº 484/06 do Órgão Especial do Colégio de Procuradores).
349
Art. 11 do Ato Normativo nº 484/06 do Órgão Especial do Colégio de Procuradores...
186
Os atos e peças de investigação são
públicos, salvo disposição legal em contrário; como medida de
conveniência para eficiência das investigações ou como garantia da
ordem pública, decretadas em decisão motivada ou em razão da
proteção jurídica da privacidade e da intimidade, em especial do sigilo
fiscal, bancário, financeiro, comercial ou industrial e, conforme o caso,
dos dados pessoais ou sensíveis
350
.
A restrição à publicidade deverá ser
decretada em decisão motivada, para fins do interesse público, e poderá
ser, conforme o caos, limitada a determinadas pessoas, provas,
informações, dados, períodos ou fases, cessando quando extinta a causa
jurídica que a motivou
351
.
O membro do Ministério Público é
pessoalmente responsável, nos termos da lei, pela determinação da
preservação e decretação do sigilo e pelo uso adequado das informações
sigilosas obtidas para fins de interesse publico
352
.
4. Conclusão
350
Cf. art. 8º, parágrafo 3º do Ato Normativo nº 484/06 do Órgão Especial do Colégio de
Procuradores.
351
Cf. art. 8º, parágrafo 4º do Ato Normativo nº 484/06 do Órgão Especial do Colégio de
Procuradores...
352
Cf. art. 8º, parágrafo 5º do Ato Normativo nº 484/06 do Órgão Especial do Colégio de
Procuradores.
187
O inquérito civil deverá ser concluído no
prazo de cento e oitenta dias
353
, prazo esse prorrogável, quando
necessário, cabendo ao órgão de execução motivar a prorrogação nos
próprios autos.
5. Arquivamento e seu controle
Se o órgão do Ministério Público, ao final
do inquérito civil, entender que não há embasamento para o
ajuizamento da ação civil pública, depois de esgotadas todas as
diligências ou na hipótese de a ação civil pública ou as recomendações
expedidas não abrangerem todos os fatos referidos na portaria de
instauração, ou, ainda, quando celebrado compromisso de ajustamento
definitivo, efetuará a promoção de arquivamento dos autos,
fundamentadamente, remetendo os autos, no prazo de três dias, sob
pena de falta grave, ao Conselho Superior do Ministério Público
354
-
355
.
O Conselho Superior do Ministério Público,
ao receber a promoção de arquivamento, poderá: a) homologá-la; b)
determinar o ajuizamento da ação civil pública; c) determinar a
instauração de inquérito civil, quando se tratar de peças de informação e
ainda não haja base para propositura de ação ou d) determinar a
conversão do julgamento em diligência, com o prosseguimento no
353
Artigo 24 do Ato nº 484/06 do Órgão Especial do Colégio de Procuradores.
354
V. art. 110, parágrafos 1º e 2º da Lei nº 734/93
355
Súmula 12 do CSMP de São Paulo: “Sujeita-se à homologação do Conselho Superior do
Ministério Público qualquer promoção de arquivamento de inquérito civil ou de peças de
informação, bem como o indeferimento de representação, desde que contenha peças de
informação alusivas à defesa de interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos”.
188
inquérito civil já instaurado, indicando, de forma expressa, as
diligências necessárias
356
.
Se o Conselho Superior do Ministério
Público deixar de homologar a promoção de arquivamento, comunicará
o fato, desde logo, ao Procurador Geral de Justiça, para a designação de
outro órgão do Ministério Público para o ajuizamento da ação ou
prosseguimento das investigações
357
.
Convertido o julgamento em diligência,
reabre-se ao Promotor de Justiça, que tinha promovido o arquivamento
do inquérito civil ou das peças de informação a oportunidade de
reapreciar o caso, podendo manter sua posição favorável ao
arquivamento ou propor a ação civil pública
358
, como lhe pareça mais
adequado
359
. Neste último caso, será desnecessária a remessa dos autos
ao Conselho Superior, bastando comunicar, por ofício, o ajuizamento
da ação
360
.
356
V. art. 100, parágrafo 1º do Ato nº 484/06 do Órgão Especial do Colégio de Procuradores.
357
Artigo. 110, parágrafo 3º da Lei nº 734/93 e art. 100, parágrafo 2º do Ato nº 484/06 do Órgão
Especial do Colégio de Procuradores.
358
Súmula 16 do CSMP de São Paulo: “O membro do Ministério Público que promoveu o
arquivamento de inquérito civil ou de peças de informação não está impedido de propor a ação
civil pública, se surgirem novas provas em decorrência da conversão do julgamento em
diligência”.
359
Súmula 17 do CSMP de São Paulo: “Convertido o julgamento em diligência, reabre-se ao
Promotor de Justiça que tinha promovido o arquivamento do inquérito civil ou das peças de
informação, a oportunidade de reapreciar o caso, podendo manter sua posição favorável ao
arquivamento ou propor a ação civil pública, como lhe pareça mais adequado. Neste último caso,
desnecessária a remessa dos autos ao Conselho, bastando comunicar o ajuizamento da ação por
ofício”.
360
Artigo 101 do Ato nº 484/06 do Órgão Especial do Colégio de Procuradores.
189
O Conselho Superior do Ministério Público
do Estado de São Paulo tem entendido que não há necessidade de
homologação dos procedimentos ou peças de informação, quando neles
não houver notícia de lesão a interesses difusos, coletivos ou
individuais homogêneos
361
.
Há possibilidade de desarquivamento do
inquérito civil ou peças de informação, se tiver notícias de outras
provas ou fatos conexos, bem como se surgirem novos dados técnicos
ou jurídicos.
O desarquivamento do inquérito civil
deverá ser feito por decisão, na qual seja indicado o fundamento de fato
ou de direito que determinar o início de novas investigações,
comunicando-se o fato ao Centro de Apoio Operacional respectivo
362
.
6. Recursos no inquérito civil
A Lei Orgânica do Ministério Público de
São Paulo previu o controle do indeferimento da representação
363
e da
instauração do inquérito civil
364
.
361
V. Súmulas 37 e 38 do CSMP de São Paulo.
362
V. art. 105 do Ato nº 484/06 do Órgão Especial do Colégio de Procuradores.
363
Confira: art. 107, parágrafos 1º e 2º da Lei nº 734/93 e artigos 118 a 120 do Ato nº 484/06 do
Órgão Especial do Colégio de Procuradores.
364
Vide art. 108 da Lei nº 734/93 e artigos 121 a 125 do Ato nº 484/06 do Órgão Especial do
Colégio de Procuradores.
190
O controle do indeferimento da
representação para a instauração de inquérito civil pelo órgão do
Ministério Público dá-se através de recurso do interessado ao Conselho
Superior
365
, dando-se ciência do seu indeferimento ao representante,
que terá o prazo de dez dias, para interpor o recurso. O recurso deverá
vir acompanhado das respectivas razões, sob pena de indeferimento e
será interposto perante o órgão do Ministério Público oficiante. Antes
de remeter os autos ao Conselho Superior do Ministério Público, o
membro do Ministério Público poderá, no prazo de cinco dias,
reconsiderar a decisão recorrida. Mantida a decisão, de forma
fundamentada, os autos serão encaminhados, no prazo de três dias, ao
Conselho Superior do Ministério Público.
Da instauração do inquérito civil também
caberá recurso do interessado, com efeito suspensivo ao Conselho
Superior do Ministério Público, no prazo de cinco dias, contados da
juntada da cópia da respectiva publicação. Da mesma forma anterior, o
recurso deverá vir acompanhado das respectivas razões e será
interposto perante o órgão do Ministério Público oficiante. O presidente
do inquérito civil, no prazo de cinco dias, lançará nos autos do
procedimento manifestação de sustentação do ato impugnado. Não se
poderá seguimento ao recurso, ainda que intempestivo. O recurso
subirá, nos próprios autos do inquérito civil, que deverão ser remetidos
ao Conselho Superior do Ministério Público, no prazo de três dias.
365
Súmula 40 do CSMP de São Paulo. “Realizada alguma diligência investigatória a partir de
representação, eventual encerramento do procedimento deve ser feito por promoção de
arquivamento, devendo os autos ser remetidos ao Conselho Superior para reexame obrigatório”.
191
Essa forma de controle é polêmica e traz
duas posições: a primeira entende que esse mecanismo acarreta ofensa
ao princípio da independência funcional (art. 127, parágrafo 1º da
Constituição Federal)
366
; a segunda, sustenta que o recurso é um meio
de autotutela da própria Instituição, visando corrigir ilegalidades
cometidas na instauração do inquérito civil.
7. Compromisso de ajustamento de conduta
A transação ou compromisso de
ajustamento de conduta
367
-
368
, na verdade, é um meio de por fim à
demanda – no curso da ação ou simplesmente evitá-lo – quando se está
na fase investigatória.
O compromisso de ajustamento de conduta
pode ser realizado por quaisquer entes legitimados (dos artigos 5º da
Lei da Ação Civil Pública e 82 do Código de Defesa do Consumidor) e,
quando elaborado pelo órgão do Ministério Público, deverá ser
366
Hugo Nigro MAZZILLI, A defesa dos interesses difusos em juízo, 20ª edição, cit., p. 438.
367
O artigo 5º, parágrafo 6º da Lei da Ação Civil Pública estatui: “os órgãos públicos legitimados
poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais,
mediante cominações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial”. A Lei Orgânica
Estadual disciplina a matéria no artigo 112 e seu parágrafo único, nos seguintes termos: “o órgão
do Ministério Público, nos inquéritos civis que tenha instaurado e desde que o fato esteja
devidamente esclarecido, poderá formalizar, mediante termo nos autos, compromisso do
responsável quanto ao cumprimento das obrigações necessárias à integral reparação do dano. A
eficácia do compromisso ficará condicionada à homologação da promoção de arquivamento do
inquérito civil pelo Conselho Superior do Ministério Público”. O Ato Normativo nº 484/06 do
Órgão Especial do Colégio de Procuradores, nos artigos 83 a 89, disciplina a questão.
368
Esse instrumento de composição de conflitos vem previsto também no art. 211 do Estatuto da
Criança e do Adolescente.
192
realizado nos próprios autos do inquérito civil e/ou peças de
informação, impondo o cumprimento das obrigações necessárias à
prevenção, cessação ou reparação do dano
369
.
Ainda, o compromisso de ajustamento de
conduta é título executivo extrajudicial e, para sua plena eficácia,
deverá revestir-se da característica de liquidez, estipulando obrigação
certa, quanto à sua existência e determinada, quanto ao seu objeto.
Como garantia do cumprimento da obrigação principal, deverão ser
estipuladas multas cominatórias
370
, desde que possível
371
.
A eficácia do compromisso de ajustamento
de conduta firmado pelo órgão do Ministério Público ficará
369
Fernando Grella VIEIRA entende que “se é imprescindível a participação do Ministério Público
como fiscal da lei nas ações propostas pelos demais co-legitimados, a mesma razão há de
prevalecer para tornar obrigatória sua participação na celebração do compromisso extrajudicial
eis que se trata, da mesma forma, de exercer a competência constitucional que lhe foi reservada
quanto à defesa dos interesses sociais, em ato do qual resultará a definição das obrigações
(liquidez e certeza) e, conseqüentemente, título executivo. A ausência do Ministério Público na
celebração do compromisso representa supressão ilegítima do exercício de função institucional
que lhe é cometida pela Constituição (art. 127). Assim como a sua não intervenção na relação
processual acarreta nulidade do processo, consoante o disposto no art. 84 do CPC, o mesmo vício
pode compreender a validade do compromisso havido sem a sua participação. É de notar, a
propósito, que o Código de Processo Civil se aplica subsidiariamente ao regime da Lei 7.347/85
(art. 19), e esta, como visto, diz ser obrigatória a participação do Ministério Público como fiscal
da lei, não sendo ele autor” (“A transação na esfera da tutela dos interesses difusos e coletivos:
compromisso de ajustamento de conduta” in Ação Civil Pública – Lei 7.347/85 – 15 anos,
Coordenador Édis Milaré, 2ª edição revista e atualizada, São Paulo, Editora Revista dos
Tribunais, 2002, p.275-276).
370
Súmula 23 do CSMP de São Paulo: “A multa fixada em compromisso de ajustamento de
conduta não deve ter caráter compensatório, e sim cominatório, pois nas obrigações de fazer ou
não fazer normalmente mais interessa o cumprimento da obrigação pelo próprio devedor que o
correspondente econômico”.
371
Súmula 9 do CSMP de São Paulo: “Só será homologada a promoção de arquivamento de
inquérito civil, em decorrência de compromisso de ajustamento, se este constar que seu não
cumprimento sujeitará o infrator a suportar a execução de título executivo extrajudicial ali
firmado, devendo a obrigação ser certa, quanto à sua existência, e determinada quanto ao seu
objeto”.
193
condicionada à homologação da promoção de arquivamento do
inquérito civil pelo Conselho Superior do Ministério Público
372
.
Entretanto, quando o compromisso de ajustamento de conduta tiver a
característica de ajuste preliminar, que não dispense o prosseguimento
de diligências para uma solução definitiva, salientado pelo órgão do
Ministério Público que o celebrou, o Conselho Superior homologará
somente o compromisso, autorizando o prosseguimento das
investigações
373
.
Homologado pelo Conselho Superior do
Ministério Público a promoção de arquivamento de inquérito civil ou
das peças de informação, em decorrência de compromisso de
ajustamento de conduta, incumbirá ao órgão do Ministério Público, que
o celebrou, fiscalizar o efetivo cumprimento, do que lançará certidão
nos autos
374
.
Quanto à transação promovida pelo
Promotor de Justiça, no curso da ação civil pública ou coletiva, firmou-
se o entendimento de que não há intervenção do Conselho Superior do
Ministério Público
375
, na medida em que o controle, na espécie, não é
372
Súmula 4 do CSMP de São Paulo: “Tendo havido compromisso de ajustamento que atenda
integralmente à defesa dos interesses difusos objetivados no inquérito civil, é caso de
homologação do arquivamento do inquérito.
373
Cf. Súmula 20 do CSMP de São Paulo.
374
Cf. Súmula 21 do CSMP de São Paulo.
375
Segundo os termos da Súmula 25 do CSMP de São Paulo.
194
administrativo, mas jurisdicional, consistente na homologação por
sentença do Juízo
376
.
Cumpre destacar que se a transação não
contemplou todas as exigências para atender a situação lesiva ao
interesse coletivo reclamado, ela será válida, mas, não impedirá a ação
civil pública para se exigir do autor do dano a obrigação faltante.
A questão que se coloca diz respeito à
possibilidade ou não de se transacionar em matéria de interesses
transindividuais. A resposta é afirmativa. Deve-se entender que a
transação, em se tratando de interesses metaindividuais, não tem por
objeto o próprio direito indisponível
377
. Será objeto de transação a
forma de adoção de medidas positivas ou negativas, destinadas a
impedir, minorar, recompor, recuperar os interesses coletivos violados.
À título de exemplo, poderá ser objeto de
transação, em matéria de meio ambiente, “a forma de adoção de
medidas destinadas à sua recuperação em relação ao direito a meio
ambiente ecologicamente equilibrado, ou, ainda, o estabelecimento de
376
Esta posição, antes da edição da Súmula 25 do CSMP de São Paulo, já era sustentada por
Marino Pazzaglini Filho (Inquérito Civil, São Paulo, APMP, 1995, p. 30).
377
“Por serem de natureza indisponível os interesses difusos e coletivos – assim como o são os
individuais homogêneos, quando objeto de defesa coletiva –, seria de se reconhecer, em princípio,
a impossibilidade jurídica da transação, seja ela judicial ou extrajudicial. A experiência
demonstrou, todavia, que a disposição do responsável pelo dano de se adequar às exigências da
lei ou de satisfazer integralmente o dano acabava por atender, finalísticamente, aquilo que seria de
se buscar ou já se estaria postulando na via judicial, por meio da ação civil pública” (Fernando
Grella VIEIRA, “A transação na esfera da tutela dos interesses difusos e coletivos: compromisso
de ajustamento de conduta”, cit., p.267-268).
195
certas regras de conduta a serem observadas pelo interessado, de tal
forma que o ecossistema seja preservado de agressões”
378
.
Contudo, diante da natureza do interesse
difuso, há limitação material absoluta à possibilidade de transação
quando se trata de tutela do patrimônio público e da moralidade
administrativa, na forma da Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992, que
cuida das sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de
enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego, função
na Administração Pública, direta, indireta e fundacional”.
Salienta FERNANDO GRELLA VIEIRA
379
que, em se tratando de ato de improbidade administrativa, “no que se
refere ao ressarcimento do dano e a perda da vantagem ilícita auferida
pelo agente (enriquecimento ilícito), não há óbice ao termo de
ajustamento. É que não se pode negar ao agente responsável a iniciativa
de reparar, espontaneamente, o prejuízo causado ao erário, e de
proceder à entrega, a título de perda em favor do Poder Público, do
produto ilicitamente obtido. Todavia, a aplicação das sanções previstas
para atos de improbidade tipificados na lei somente será possível por
meio da ação civil pública e não ficará ilidida pelo fato de ter havido,
por meio de termo de ajustamento, a reparação do dano e a perda da
vantagem indevida, quando for o caso. Assim, a punição do ato de
378
Daniel Roberto FINK, “Alternativa à ação civil pública ambiental - Reflexões sobre as
vantagens do termo de ajustamento de conduta” in Ação Civil Pública – Lei 7.347/85 – 15 anos,
Coordenador Édis Milaré, 2ª edição revista e atualizada, São Paulo, Editora Revista dos
Tribunais, 2002, p. 118.
196
improbidade, que compreende penas que vão desde a multa até a perda
do cargo, mandato ou função, suspensão dos direitos políticos e
proibição de contratar com o Poder Público etc., constitui atividade
privativa da jurisdição e, por isso, somente por meio do processo
judicial pode ser exercida”.
CAPÍTULO VIII
TUTELA CAUTELAR, ANTECIPAÇÃO DA TUTELA E
PROVIMENTOS LIMINARES
SUMÁRIO: 1. Considerações sobre o processo cautelar: 1.1. A liminar
na medida cautelar – 1.2. Natureza jurídica da liminar – 1.3.
Pressupostos da concessão – 1.4. Ação cautelar e ação civil pública – 2.
Tutela antecipada e específica: 2.1. Requisitos para concessão – 2.2.
379
“A transação na esfera da tutela dos interesses difusos e coletivos: compromisso de ajustamento
197
Cabimento – 2.3. Revogação e modificação – 2.4. Tutela antecipada e
específica nas ações coletivas – 3. A liminar na ação civil pública
1. Considerações sobre o processo cautelar
O processo cautelar originou-se no Direito
Romano, encontrando-se inserto em outros tipos de tutela jurisdicional
e não sob a forma de processo autônomo.
Essa prática de tutela cautelar encontrava-se
no Digesto, 16.3.6, relacionado ao seqüestro, conforme registra
WILLARD DE CASTRO VILLAR
380
.
Com o desenrolar do tempo, começaram a
surgir novas práticas de procedimentos, onde podemos identificar a
figura por nós nominada de arresto.
Em seguida, surgiu o direito intermédio,
onde a maior evolução das cautelares se deu no direito italiano
381
.
O primeiro trabalho científico de que se tem
notícia surgiu da obra do processualista alemão ADOLF WACH,
de conduta”, cit., p. 274.
380
Paulo definiu seqüestro como ‘Proprie autim in sequestre est depositum quod a pluribus in
solidum certa condicione custodiendum reddendumque traditur” (Medidas cautelares, São Paulo,
Editora Revista dos Tribunais, 1971, p. 18).
381
“O primeiro Código Processual de que se teve notícia, já nos moldes dos de hoje, foi o Código
Sardo de 1854; depois, o Código Nacional da Itália, já unificada, de 1865. Nestes dois diplomas
legais, a medida cautelar foi melhor trabalhada do que no Direito Romano, mas seu tratamento
carecia ainda da cientificidade. Era assunto tratado no correr do Código, sem muita minúcia e sem
preocupação de se dotar de um caráter científico de melhor nível” (Nelson NERY JÚNIOR, “Do
Processo Cautelar” in Revista de Processo volume 39, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1985, p.
178).
198
denominada “O Processo de Arresto no Direito Italiano”, no ano de
1868.
Entretanto, foi CALAMANDREI quem
cuidou das medidas cautelares, nos moldes que se apresenta atualmente,
em obra publicada no ano de 1936.
Em seguida, há outros doutrinadores
inovadores do processo cautelar, quais sejam, GIUSEPPE
CHIOVENDA e FRANCESCO CARNELUTTI.
PIERO CALAMANDREI
382
considera a
providência cautelar como a antecipação provisória de certos efeitos da
providência definitiva, antecipação justificada pela necessidade de
prevenir o dano que pode resultar da demora desta.
Por sua vez, GIUSEPPE CHIOVENDA
383
define a providência cautelar como sendo “a medida provisória que
corresponde à necessidade efetiva e atual de afastar o temor de um dano
jurídico, pois, se na realidade esse dano é ou não iminente, apurar-se-á
na verificação definitiva”.
382
“Dopo aver cosi isolato la sostanza del provvedimento cautelare come anticipazione
provvisoria di certi effetti del provvedimento definitivo, volta a prevenire il danno che potrebbe
derivare dal ritardo del medesimo, non sem brerá inutile indugiare su qualche precisazione
cautelare, le cui inesattezze sono probabilmente indizio di insufficiente ponderazione su alcuni
concetti fondamentali dell’argomento” (Introduzione Allo Studio Sistematico dei Provvedimenti
Cautelari, p. 22).
383
Apud Sérgio Seiji SHIMURA, Arresto cautelar, São Paulo, Editora Saraiva, 1983, p. 24.
199
Ainda, FRANCESCO CARNELUTTI
384
anota que “é imperioso que a justiça seja rápida. Entretanto, por maior
que seja a rapidez com que funcione a máquina judiciária, sempre
algum tempo se interpõe entre a propositura da ação e o seu termo final.
Então, pendente uma lide durante certo lapso temporal, inevitável que
ocorram danos pela morosidade, defeito constitucional e uma das
razões de seu custo. Para prevenir os danos, deve-se recorrer a uma
composição provisória da lide, apreciando-se provisoriamente a
situação que surgiu ou está para surgir, decretando-se providências
aptas a afastar o prejuízo resultante da duração do processo destinado à
composição definitiva da lide”.
Grande parte da doutrina considera o
processo cautelar como “um meio pronto e eficaz para assegurar a
permanência ou conservação do estado das pessoas, coisas e provas,
enquanto não atingido o estágio último da prestação jurisdicional”
385
.
O Código de Processo Civil de 1939
cuidava do processo cautelar como medida preventiva e misturava uma
série de institutos, sem qualquer relação entre si.
O processo cautelar, no atual Código de
Processo Civil, está colocado no Livro III, depois do processo de
conhecimento e de execução.
384
Ibidem, pp. 24-5.
385
Humberto THEODORO JÚNIOR, Processo cautelar, 8ª edição revista e atualizada, São Paulo,
Leud-Livraria e Editora Universitária de Direito Ltda., 1986, p. 41.
200
Trata-se, na verdade, de processo
autônomo, como um tertium genus de prestação da tutela
jurisdicional
386
.
Em outras palavras, o processo cautelar
“tem por finalidade assegurar a efetiva prestação jurisdicional dos
outros dois, do de conhecimento e do de execução”
387
. No dizer de
CALMON DE PASSOS
388
, “o processo cautelar é processo a serviço
do processo, não processo a serviço do direito material”.
Na esteira desses entendimentos, pode-se
concluir que o processo cautelar é um instrumento do instrumento
389
.
Como ensina BETINA RIZZATO
LARA
390
, “o processo cautelar tem o fim de prevenir, precaver os
processos de conhecimento e de execução contra os danos que possam
advir da demora na sua conclusão”.
386
Esta posição é defendida, entre outros, por João Carlos Pestana de Aguiar SILVA, “Processo
Cautelar” in Revista de Processo volume 33, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1984, p.
26. Também é o pensamento de LIEBMAN (“Unità del procedimento cautelare” in Riv. Dir.
Proc. I, 1954, pp. 253-4).
387
Nelson NERY JÚNIOR, “Processo cautelar”, in Revista de Processo vol. 39, cit., p. 179.
388
Comentários ao Código de Processo Civil, v. X, tomo I, São Paulo, Editora Revista dos
Tribunais, 1984, p. 46.
389
Virgilio ANDRIOLI diverge dessa posição, afirmando que “a ação cautelar é uma ação pura
por excelência” (Lezione di Diritto Processuale Civile, Nápoles, 1973, p. 289).
390
Liminares no Processo Civil, cit., p. 83.
201
O procedimento cautelar poderá conciliar a
eficácia, rapidez e a segurança
391
.
No sentir de DONALDO ARMELIN
392
, a
importância da tutela cautelar deriva do fato de suprir as deficiências da
prestação jurisdicional do tipo satisfativo.
Releva consignar, ainda, o trabalho de
FRITZ BAUR
393
, o qual salienta que a visão moderna da tutela
jurisdicional cautelar alargou-se consideravelmente
394
.
1.1 – A liminar na medida cautelar
Para que as medidas cautelares possam
atingir o seu objetivo, em muitas situações, apresenta-se necessário que
a cautela seja concedida e executada rapidamente, de forma antecipada
à futura sentença cautelar.
Daí, a figura da liminar, cuja possibilidade
de concessão, encontra-se prevista no artigo 804 do Código de Processo
Civil
395
.
391
“tra il far presto ma male, e il far bene ma tardi, í provvedimenti cautelari mirano innanzitutto a
far presto, lasciando che il problema del bene e del male, cioè della giustizia intrinseca del
provvedimento, sia risolto successivamente colla necessaria ponderatezza nelle riposate forme del
processo ordinario” (Piero CALAMANDREI, Introduzione allo Studio Sistematico dei
Provvedimenti Cautelari, cit., p. 20).
392
“A tutela jurisdicional cautelar” in Revista da Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo,
volume 23, São Paulo, 1985, p. 125
393
Tutela jurídica mediante medidas cautelares, tradução de Armindo Edgar Laur, Porto Alegre,
Sérgio Fabris Editor, 1985, pp. 11-8.
394
Tutela jurídica mediante medidas cautelares, tradução de Armindo Edgar Laur, pp. 11-8.
202
Pela mera leitura desse artigo, observa-se
que a liminar nele prevista é aquela que pode ser concedida sem a oitiva
do réu, ou seja, inaudita altera pars.
Alguns doutrinadores entendem que a única
hipótese em que o juiz pode conceder a liminar inaudita altera pars é
quando se verificar a ineficácia da medida, por atitude do réu
396
.
Entendemos que a interpretação do artigo
804 não pode ser restringida, razão pela qual a liminar pode ser
concedida se a demora da citação do réu, fizer com que se ponha em
risco a efetivação da própria medida cautelar.
Releva consignar o entendimento de
CALMON DE PASSOS
397
que resume bem a questão, segundo o qual
“a dispensa da ciência do réu não se prende necessariamente a ato seu
doloso ou culposo, mas a situações concretas de risco de frustração da
medida, em sua eficácia mediata ou imediata. O comportamento do réu,
no caso, é fator que também autoriza, se risco existe de ineficácia, mas
não é indispensável para deferir-se a medida”.
395
“Art. 804 do CPC: É lícito ao juiz conceder liminarmente ou após justificação prévia a medida
cautelar, sem ouvir o réu, quando verificar que este, sendo citado, poderá torná-la ineficaz, caso
em que poderá determinar que o requerente preste caução real ou fidejussória de ressarcir os
danos que o requerido possa vir a sofrer”.
396
“A faculdade conferida ao juiz pelo artigo 804 só deve ser exercitada quando a inegável
urgência da medida e as circunstâncias de fato evidenciaram que a citação do réu poderá tornar
ineficaz a providência preventiva” (Humberto THEODORO JÚNIOR, Processo cautelar, cit., p.
136).
397
Comentários ao Código de Processo Civil, cit., p. 203.
203
BARBOSA MOREIRA
398
salienta que a
“concessão da liminar se legitima sempre que, nas circunstâncias se
mostre necessária para preservar o suposto direito ameaçado, quer parta
do réu, quer não, a ameaça, configurável até em fato da natureza”.
Concluindo, a “liminar inaudita altera
parte, portanto, pode ser conferida sempre que houver uma urgência
redobrada na concessão da medida cautelar em virtude da existência de
uma situação de perigo que poderá torná-la ineficaz”
399
.
1.2 – Natureza jurídica da liminar
BETINA RIZZATO LARA
400
-
401
posiciona-se no sentido de que a liminar “apresenta, neste tipo de ação,
uma natureza cautelar, pois ela depende, para ser deferida, da
demonstração do risco de dano que poderá prejudicar a efetividade da
398
O novo processo civil brasileiro, 18ª edição revista e atualizada, Rio de Janeiro, Forense, 1986,
p. 357
.
399
Betina Rizzato LARA, Liminares no Processo Civil, cit., p. 87.
400
Liminares no Processo Civil, cit., pp. 90-91.
401
“Uma liminar pode ser ao mesmo tempo cautelar e satisfativa. Se a liminar for concedida com o
fim de evitar a ocorrência de um dano que possa impedir a efetividade do processo, ela será
cautelar. Se, ao mesmo tempo, satisfizer a pretensão do requerente, esta satisfação não irá lhe
retirar o caráter cautelar. Se, ao contrário, a liminar visar conceder de imediato a providência que
se obteria ao final da ação e nas provas apresentadas acerca da existência de elementos objetivos,
ela será satisfativa. Se ao mesmo tempo tiver um aspecto de cautelaridade, no sentido de evitar
prejuízos ou mesmo o agravamento destes, a liminar não deixará de ser satisfativa” (“A
satisfatividade no âmbito das liminares” in Repertório de jurisprudência e doutrina sobre
liminares - Coordenação: Teresa Arruda Alvim Wambier, p. 47).
204
tutela cautelar. O que pode ocorrer é que, em determinados casos, a
liminar será simplesmente cautelar e em outros poderá apresentar a
feição de cautelar-satisfativa”.
De outra parte, existem autores que
afirmam ser a liminar na ação cautelar de natureza satisfativa e não
cautelar
402
.
Foi MANDRIOLI
403
quem advertiu para a
existência das providências cautelares antecipatórias.
Ao que nos parece, a primeira posição
revela melhor a natureza jurídica da liminar.
É importante ressaltar que a liminar jamais
antecipa a própria decisão de mérito contida na sentença, mas, sim,
somente os efeitos que decorrem dessa decisão
404
.
1.3 – Pressupostos de concessão
402
Ovídio A. Baptista da SILVA, Comentários ao Código de Processo Civil, p. 11.
403
“esiste una categoria di provvedimenti che il legislatore ha construito con la tecnica il cui
elemento strutturale è dato dal fatto che un provvedimento, da pronunciarsi prima della sentenza
di primo grado, inriste, almino in parte, la medesima materia che costituirà oggetto di quella
sentenza; ed il cui elemento funzionale immediato (ossia specificamente inerente alla tecnica
dell’anticipazione, è dato dalla semplice esigenza di ovviare al ritardo col quale viene pronunciata
la sentenza de primo grado, con la conseguente implicita limitazione della durata del
provvedimento al giudizio di primo grado”(Crisanto MANDRIOLI, “Per una Nozione Strutturalle
dei Provvedimenti Anticipatori o Interinali” in Rivista di Diritto Processuale, XIX, 1964, p. 552).
404
“...esso potrà, come spenso aviene nella tutela urgente, anticipare gli effeti della sentenza di
merito, ma non mai contenere un’anticipazione del giudizio...” (Ferrucio TOMASEO, I
provvedimenti d’urgenza - Strutura e limite della tutela anticipatororia, Pádua, CEDAM, 1983,
p. 170).
205
Os principais requisitos para que se admita
a instauração do processo cautelar são o fumus boni iuris e o periculum
in mora, previstos no artigo 801, inciso IV do Código de Processo
Civil
405
-
406
.
O periculum in mora significa “o perigo de
dano derivado do retardamento da medida definitiva”
407
.
CALAMANDREI
408
entende que o
periculum in mora é o interesse específico, que justifica a medida
cautelar.
Não podemos admitir que a simples demora
na prestação jurisdicional possa trazer prejuízos, sendo necessária a
existência de um risco de que o provável direito venha a ser frustrado
na sua atuação prática. A demora do processo pode servir apenas como
fator agravante do risco de um dano
409
.
405
“Art. 801 - O requerente pleiteará a medida cautelar em petição escrita, que indicará: (...) IV - a
exposição sumária do direito ameaçado e o receio de lesão”.
406
“Esses requisitos se provam mediante “summaria cognitio”, ao passo que na ação de mérito a
cognição é plena. No processo principal cuida-se do bem, no cautelar, da segurança. Por isso, o
programa do processo principal concentra seu objetivo na ambiciosa fórmula da busca da
verdade, enquanto o da cautelar se contenta com o desígnio, mais modesto, da busca da
probabilidade. Assim, têm - processo principal e processo cautelar - campos de instrução distintos
e inconfundíveis” (Revista dos Tribunais volume 603, p. 203).
407
Willard de Castro VILLAR, Medidas cautelares, p. 61.
408
“periculum in mora, che è condizione tipica e distintiva dei provvedimenti cautelari, con quel
generico pericolo di danno giuridico, in vista del quale in certi casi la tutela giurisdizionale
ordinaria può assumere carattere preventivo” (Introduzione allo studio sistematico dei
provvedimenti cautelari, cit., pp. 15-6).
206
DONALDO ARMELIN
410
esclarece bem a
questão, ressaltando que a expressão latina periculum in mora “não
pode ser interpretada literalmente, porquanto não é somente a demora a
causa fundamental do risco de tais danos. Mas, se não é o elemento
temporal o único que se encarta em tal rótulo, à evidência é ele o mais
significativo dos ingredientes justificadores da invocação de tal tutela”.
Claro está que quando se fala em perigo de
dano, não se está referindo ao genérico perigo de dano que pode ser
evitado com a própria tutela ordinária
411
-
412
. É o perigo de dano que
deve ser evitado por uma medida de urgência.
Quanto ao fumus boni iuris, SYDNEY
SANCHES
413
informa que “consiste na probabilidade da existência do
direito invocado pelo autor da ação cautelar. Direito a ser examinado
aprofundadamente, em termos de certeza, apenas no processo principal
já existente, ou, então, a ser instaurado”.
409
“che il pregiudizio no deriva direttamente dalla durata del processo ma solo dal perdurare di
una determinada situazione antigiuridica el tempo e, in particolare, nel tempo necessario per lo
svolgimento del giudizio” (Ferrucio TOMASEO, I provvedimenti d’urgenza, p. 135).
410
“Tutela jurisdicional cautelar” in Revista da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, vol.
23, p. 115.
411
Giovanni ARIETA, I provvedimenti d’urgenza, 2ª edição, Pádua, cedam, 1985, p. 45.
412
“Não basta, também, o mero receio subjetivo de lesão, é preciso que se demonstre uma ameaça
concreta, de que a não adoção da providência cautelar requerida causaria dano a um direito da
parte, dano este que se traduz na própria ineficácia da providência jurisdicional objeto da ação
principal, de conhecimento ou de execução” (Nelson Luiz PINTO, “Medidas Cautelares - Poder
cautelar geral do Juiz” in Revista de Processo volume 59, São Paulo, Editora Revista dos
Tribunais, 1990, 182).
413
Poder cautelar geral do juiz, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1978, p. 43
207
Há críticas ao entendimento de que o fumus
boni iuris seria a verificação da existência de um provável direito
material.
Destaca-se a posição de RONALDO
CUNHA CAMPOS
414
que assevera que “qualquer exame a respeito de
direito material deve ser feito na processo principal. No processo
cautelar, analisa-se somente se a parte tem ou não direito de ação e, se
esse direito existe, se ele está ameaçado ou não, ou seja, se há a
possibilidade do processo resultar ineficaz”.
Uma posição intermediária, defendida por
BETINA RIZZATO LARA
415
, revela que “o que se analisa
verdadeiramente através do fumus boni iuris é se existe a chance de que
o requerente da medida cautelar tenha êxito no processo principal ou de
que o requerente da liminar tenha êxito no processo cautelar. Verifica-
se se há probabilidade de que a sentença final definitiva seja favorável
ao requerente da medida cautelar ou a sentença cautelar seja favorável
ao requerente da liminar”.
Este último entendimento parece-nos mais
adequado para esclarecer o sentido do fumus boni iuris.
1.4Ação cautelar e ação civil pública
414
Apud Humberto THEODORO JÚNIOR, Processo cautelar, cit., pp. 75-6.
415
Liminares no Processo Civil, cit., p. 102.
208
É importante lembrar que, por força do
comando da subsidiariedade, contido nos artigos 19 da Lei nº 7.347/85
e 90 da Lei nº 8.078/90, apenas as cautelares nominadas do Código de
Processo Civil são aplicáveis às ações coletivas. As cautelares
inominadas dos artigos 798 e 799 da lei processual civil são
expressamente previstas na lei da ação civil pública.
Antes da edição da Lei da Ação Civil
Pública, a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente – Lei nº
6.938/81–, no seu art. 14, parágrafo 1º, apenas mencionava a
possibilidade de propositura de ação de responsabilidade civil e
criminal por danos ao meio ambiente, não fazendo qualquer referência
expressa à proteção cautelar.
Já, o art. 4º da Lei nº 7.347/85
416
alarga o
âmbito da ação cautelar, em sede de ação civil pública. Contudo, alguns
doutrinadores não admitem essa tutelar cautelar, com o que
discordamos, em se tratando de interesses metaindividuais, diante de
sua natureza satisfativa
417
-
418
.
416
“Art. 4º da Lei nº 7.347/85: Poderá ser ajuizada ação cautelar para os fins desta lei, objetivando,
inclusive, evitar o dano ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem urbanística ou aos bens e
direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico”.
417
Para Sérgio FERRAZ, “a ação cautelar possa, aqui, ter o fito de evitar o dano, cuja
reparabilidade (este é o alvo principal consagrado no art. 1º do diploma), ao lado da recomposição
do statu quo ante (este é o alvo basilar no art. 2º), constituem as metas desse precioso
instrumento. É dizer, a ação cautelar na ação civil pública, em razão do ora examinado art. 4º, se
reveste inclusive de feição satisfativa, de regra de se repelir nas medidas dessa natureza. A
aceitação dessa nota não infirma a incidência do arcabouço peculiar às ações cautelares; bem
antes, a reforça. Com tal assertiva pretendemos dizer que, exatamente em razão da força
eventualmente satisfativa de que dotada aqui a cautelar, com muito mais razão deverá o juiz usar
o mecanismo de segurança das cauções, a serem prestadas pelos beneficiários da tutela.
Discordamos assim, com a vênia devida, dos sólidos argumentos daqueles que até admite, em
209
De outra parte, para RODOLFO DE
CAMARGO MANCUSO
419
, “o art. 4º contém uma particularidade: a
cautela não é apenas preventiva, como seria curial, mas pode conter um
comando, ma determinação para um non facere, ou mesmo para um
facere, tudo em ordem a “evitar o dano ao meio ambiente, ao
consumidor...etc.”, quer dizer, em nível preventivo, já se pode obter um
provimento de controle executório, v.g., o fazendeiro que ameaça atear
fogo à floresta para implantar o seu soi disant “projeto agropecuário”
será impedido de fazê-lo; o industrial cuja empresa lança dejetos na
atmosfera será constrangido, desde logo, a instalar os equipamentos
antipoluentes; a companhia de pesca que recalcitra em desrespeitar o
período de desova dos peixes será proibida de fazê-lo, tudo em nível
cautelar”.
vista da concessão da cautela satisfativa, a dispensa, por falar de objeto, da ação principal: de ser
assim, não estaríamos, em verdade, em face de ação cautelar!”(“Provimentos antecipatórios na
ação civil pública” in Ação Civil Pública: Lei 7.347/1985 – 15 anos, 2ª revista e atualizada, São
Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2002, pp. 831-832)
418
“Entretanto, a lei parece ter ido um pouco longe demais no que se refere ao conteúdo da norma
supratranscrita. É que, quando o texto legal faz referência à expressão “evitar o dano”, percebe-se
nitidamente uma preocupação com a possibilidade de satisfação do direito material objeto do
conflito. Há, ou pode haver, portanto, satisfação do direito postulado, o que, teoricamente, seria
impossível em sede de processo cautelar. É a concretização da chamada “cautelar-satisfativa”,
acerca da qual tanto já se discutiu” (José Rubens Morato LEITE e Marcelo Buzaglo DANTAS,
“Tutela de urgência e demandas coletivas” in Revista AJURIS volume 69, Porto Alegre,
Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul, 1997, p. 330).
419
“Dir-se-á que, nesse caso, a tutela cautelar fica um tanto descaracterizada, colorida com os
matizes de uma ação de conhecimento, de conteúdo predominantemente executivo. Não será de
todo equivocada
tal impressão, mas, superiormente, se dirá que se trata de uma cautelar cuja força
coercitiva se faz necessária, a fim de que a tutela pretendida seja eficaz. É preciso não esquecer
que estamos em sede de proteção a interesses metaindividuais, não intersubjetivas; sendo assim, o
que conta é evitar o dano, até porque o sucedâneo da reparação pecuniária não tem o condão de
restituir o statu quo ante” (Ação Civil Pública, cit., p. 199).
210
Cumpre lembrar, na esteira do
entendimento de NELSON NERY JÚNIOR
420
, que são plenamente
utilizáveis as cautelares preparatórias, esclarecendo que o Ministério
Público “ajuizou duas medidas cautelares de produção antecipada de
prova, preparatórias de ação de reparação do dano ambiental. Uma,
relativamente, ao derramamento de óleo verificado em Bertioga, litoral
paulista; outra, referente ao derramamento de vinhoto de cana no Rio
Piracicaba”.
2. Tutela antecipada e específica
A necessidade de se tornar efetivo o
processo exigiu a criação de tutelas jurídicas diferenciadas.
A possibilidade genérica de concessão de
tutelas antecipadas foi introduzida com a edição da Lei nº 8.952/94, que
deu nova redação ao art. 273 do Código de Processo Civil.
A antecipação de tutela prevista no art. 273
do Código de Processo Civil é dada mediante cognição sumária e
objetiva conceder ao requerente, total ou parcialmente, a pretensão
deduzida em juízo ou os seus efeitos.
420
“Responsabilidade civil por dano ecológico e ação civil pública” in Revista Justitia volume
126, 1984.
211
Os doutrinadores são unânimes em afirmar
que a tutela antecipada dos efeitos da sentença de mérito não é tutela
cautelar, porque não se limita a assegurar o resultado prático do
processo, nem a assegurar a viabilidade da realização do direito
afirmado pelo autor, mas tem por objetivo conceder, de forma
antecipada, o próprio provimento jurisdicional pleiteado ou seus
efeitos. As medidas cautelares, impropriamente denominadas
“satisfativas”, podem, agora, ser colocadas, em juízo, como tutela
antecipatória do pedido.
De qualquer modo, a distinção entre
cautelar e antecipação de tutela perdeu sentido, na medida em que
expressamente a lei adotou a fungibilidade entre as duas
421
.
A tutela antecipada é tratada pelo Código
de Processo Civil, nos artigos 273 e 461, parágrafo 3º
422
, sendo este
específico para as ações, que tenham por objeto o cumprimento de
obrigações de fazer e não fazer.
Em última análise, a tutela antecipada
constitui instrumento para a efetividade do acesso à justiça, de modo a
evitar demoras injustas impostas ao demandante.
421
“Art. 273, parágrafo 7º do CPC: Se o autor, a título de antecipação de tutela, requerer
providências de natureza cautelar, poderá o juiz, quando presentes os respectivos pressupostos,
deferir a medida cautelar em caráter incidental do processo ajuizado”.
422
“Art. 461, parágrafo 3º do CPC: sendo relevante o fundamento da demanda e havendo
justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente
ou mediante justificação prévia, citado o réu. A medida liminar poderá ser revogada ou
modificada, a qualquer tempo, em decisão fundamentada”.
212
2.1 – Requisitos para concessão
O art. 273 do Código de Processo Civil
condiciona a antecipação da tutela à prova inequívoca e convencimento
da verossimilhança da alegação. Examinando-se essas expressões,
chega-se ao conceito de probabilidade e de prova suficiente.
O primeiro requisito do art. 273, somado ao
supra referido, é o de fundado receio de dano irreparável ou de difícil
reparação.
Esta hipótese, em verdade, corresponde ao
denominado periculum in mora, ou seja, o receio de a parte vir a
padecer dano irreparável caso o Poder não intervenha para antecipar o
direito.
A segunda hipótese (abuso do direito de
defesa ou manifesto propósito protelatório do réu), prevista no art. 273,
inciso II da lei adjetiva civil, é independente da primeira e verificar-se-á
pela demora no comportamento desleal do demandado, ensejador da
litigância de má fé.
2.2 – Cabimento
213
A tutela antecipada poderá ser requerida por
todos aqueles que deduzem pretensão em juízo (autor; denunciante, na
denunciação da lide; o opoente, na oposição; ao autor da ação
declaratória incidental; o réu, quando reconvém; o assistente (simples e
litisconsorcial) e o Ministério Público.
O pedido de tutela antecipatória pode estar
contido na petição inicial ou ser feito no curso do processo até a
prolação da sentença. O juiz somente poderá conceder a tutela
antecipatória, diante de pedido expresso, sendo-lhe vedado examiná-la
ex officio, diante do princípio dispositivo.
A tutela antecipada pode ser concedida sem
a ouvida da parte contrária, quando a urgência assim indicar ou quando
a citação do réu puder tornar ineficaz a medida. Se achar conveniente, o
juiz designará audiência de justificação prévia.
O parágrafo primeiro do art. 273 prescreve
que “na decisão que antecipar a tutela, o juiz indicará, de modo claro e
preciso, as razões do seu convencimento”.
Infere-se desse dispositivo legal, que a
decisão que aprecia a antecipação da tutela, seja concessiva ou de
indeferimento, há de ser motivada, sob pena de nulidade. Claro está que
a preocupação maior é evitar eventual arbitrariedade, dando-se
segurança às partes.
214
O parágrafo segundo do art. 273 estatui que
“não se concederá a antecipação da tutela quando houver perigo de
irreversibilidade do provimento antecipado”.
Em verdade, essa previsão legal, impedindo
que o provimento provisório acabe se tornando definitivo, pela
impossibilidade concreta de se retornar ao statu quo ante, se
improcedente ao final a ação, deve ser analisada em cada caso concreto,
levando-se em conta os valores em conflito, como, por exemplo, o
direito à vida, à saúde etc.
O parágrafo 6º do art. 273
423
da lei
processual civil foi introduzido pela Lei nº 10.444, de 7 de maio de
2002,
prevendo a tutela antecipada, em caso de incontrovérsia.
Em tese, é admissível a antecipação da
tutela em toda ação de conhecimento, seja processada pelo rito comum
ou especial, inclusive na ação rescisória e declaratória incidental
negativa.
Nas ações possessórias, que tramitam pelo
rito comum (se o esbulho ou turbação ocorreu há mais de ano e dia) é
possível a antecipação da tutela, obedecidos os requisitos do art. 273.
423
“Art. 273, parágrafo 6º do CPC: a tutela antecipada também poderá ser concedida quando um
ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso”.
215
O art. 273 do Código de Processo Civil é
norma geral, aplicável às ações para as quais não exista regra especial,
como ocorre na ação de condenação em obrigação de fazer ou não
fazer, cuja antecipação da tutela está regulada pelo parágrafo terceiro
do artigo 461.
O parágrafo 3º do art. 461 liga-se, portanto,
ao sistema de antecipação de tutela jurisdicional, estruturado no art. 273
da lei processual civil.
Embora o art. 461 não reproduza a hipótese
do inciso II do art. 273 para admissibilidade da tutela antecipada em
razão da conduta protelatória do réu, pode-se asseverar a aplicação do
inciso II também à antecipação da tutela específica, mesmo porque não
haveria razão para pretender a lei uma suposta exclusão.
2.3 – Revogação ou modificação
O parágrafo 4º do art. 273 dispõe que “a
tutela antecipada poderá ser revogada ou modificada a qualquer tempo,
em decisão fundamentada”.
Neste dispositivo, o legislador repetiu o
princípio constitucional da motivação das decisões judiciais.
A revogação ou modificação da tutela
antecipada será admitida, quando surgirem fatos novos, podendo a
216
alteração ser quantitativa, observados sempre os limites do pedido
inicial, vale dizer, concedida integralmente a antecipação da tutela,
pode-se mostrar ao magistrado a procedência apenas parcial do pedido;
contrario sensu, concedida a antecipação parcial, demonstra-se
posteriormente a verossimilhança total do pedido. Já, a modificação
qualitativa é espécie rara.
Outrossim, a revogação pode ser decretada,
de ofício, pelo juiz, pelo mero exercício do poder de dirigir o processo.
A decisão que concede ou nega a tutela
antecipada é decisão interlocutória, sujeita ao recurso de agravo.
O parágrafo 5º do art. 273 estabelece que
“concedida ou não a antecipação da tutela, prosseguirá o processo até
final julgamento”.
Esse dispositivo visa impedir o abandono
do feito, após a concessão da antecipação da tutela. Eventual abandono
da causa permite ao magistrado revogar a liminar concedida.
2.4 – A tutela antecipada e específica nas ações coletivas
A doutrina, de modo geral, admite a tutela
antecipada e específica, no âmbito das ações coletivas
424
-
425
-
426
-
427
-
428
.
424
Lúcia Valle FIGUEIREDO enfatiza a importância da tutela antecipatória na ação civil pública,
afirmando que “deverá o magistrado, pela prova já trazida aos autos, no momento da concessão
217
O Código de Defesa do Consumidor
429
, que
antecedeu a reforma processual, já havia previsto a possibilidade de
antecipação de tutela, especificamente, nas obrigações de fazer ou não
fazer, no âmbito das relações de consumo.
Nesse passo, inexiste qualquer óbice à
concessão das tutelas de urgências previstas nos artigos 273 e 461 do
Código de Processo Civil, em sede de ação civil pública.
3. A liminar na ação civil pública
da tutela, estar convencido de que – ao que tudo indica – o autor tem razão e a procrastinação do
feito ou sua delonga normal poderia pôr em risco o bem de vida pretendido – dano irreparável ou
de difícil reparação. A irreparabilidade do dano na ação civil pública é manifesta e o fluid
recovery não será suficiente a elidir o dano” (“Considerações sobre a discricionariedade na
outorga e no pedido de suspensão da liminar; na concessão do efeito suspensivo nos recursos e na
tutela antecipatória” in Ação civil pública – Reflexões e Reminiscências após Dez Anos de
Aplicação, Coordenador: Edis Milaré, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1995, p. 349).
425
“Deve-se ter presente que, no plano da ação civil pública o raciocínio do operador do Direito
deve se pautar, primordialmente, pela
imperiosidade de uma efetiva tutela ao interesse
metaindividual objetivado, de sorte que, em princípio, ainda nessa hipótese pode ser cabível a
antecipação da tutela (pense-se, v.g., na ação fundada em ato de improbidade administrativa – Lei
8.429/92, art. 16)” (Rodolfo de Camargo MANCUSO, Ação civil pública, cit., p. 194).
426
Hugo FILARDI, “Ação civil pública e acesso à justiça” in Revista de Processo 133, cit., p. 44.
427
“Sem dúvida é possível a tutela antecipada em ação civil pública ou coletiva. Não bastasse a
regra genérica do art. 273 do CPC, ainda temos que o parágrafo 3º do art. 84 do CDC permite que
o juiz conceda liminarmente ou após justificação prévia; ora, esta regra não vale apenas para as
ações coletivas do CDC, mas estende-se a todo o sistema das ações civis públicas, por força do
art. 21 da LACP” (Hugo Nigro MAZZILLI, A defesa dos interesses difusos em juízo, 20ª edição,
cit., p. 223).
428
Francisco Antônio de OLIVEIRA, “Da ação civil pública: instrumento de cidadania –
Inconstitucionalidade da Lei 9.494, de 10.09.1997” in Revista dos Tribunais volume 744, São
Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1997, pp. 37-38.
429
“Art. 84, parágrafo 3º do CDC: Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo
justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente
ou após justificação prévia, citado o réu”.
218
O art. 12, caput da Lei da Ação Civil
Pública prevê a concessão de mandado liminar
430
.
A concessão da liminar depende da
demonstração de urgência do provimento e da plausibilidade dos
fundamentos jurídicos invocados pelo demandante, analisados pelo
magistrado, em cognição sumária (periculum in mora e fumus boni
iuris). Poderá também ser realizada audiência de justificação prévia,
para fins de concessão da liminar.
Em ação civil pública, a liminar pode
consistir na autorização ou vedação da prática de ato ou na concessão
de qualquer providência de cautela, com ou sem imposição de multa
liminar diária.
As leis infraconstitucionais vedam a
concessão de liminar em diversas hipóteses
431
. Existe previsão legal de:
a) não cabimento de liminar contra atos do poder público, quando
providência semelhante não puder ser concedida em mandado de
segurança
432
; b) necessidade de prévia oitiva do poder público, quando
430
“Art. 12, caput da Lei nº 7.347/85: poderá o juiz conceder mandado liminar, com ou sem
justificação prévia, em decisão sujeita a agravo”.
431
Confira: Lei nº 8.437/92, com as modificações da Medida Provisória 2.180-35/01.
432
“Art. 1º da Lei nº 8.437/92: não será cabível medida liminar contra atos do Poder Público, no
procedimento cautelar ou em quaisquer outras ações de natureza cautelar ou preventiva, toda vez
que a providência semelhante não puder ser concedida em ações de mandado de segurança, em
virtude de vedação legal”.
219
este figura no pólo passivo da ação, antes da concessão da liminar
433
; c)
não cabimento de liminar quando esgote no todo ou em parte o objeto
da ação
434
.
É importante lembrar que o art. 1º da Lei nº
9.494/97, fruto da conversão da medida provisória, manda aplicar à
tutela antecipada, as regras das Leis 4.348/64, 5.021/66 e 8.437/92. O
Supremo Tribunal Federal suspendeu liminarmente até julgamento da
ação, qualquer decisão sobre pedido de tutela antecipada contra a
Fazenda Pública, salientando que a vedação não é irrestrita, referindo-
se apenas à concessão de vantagens pecuniárias, reclassificação,
equiparação, aumento ou extensão de vencimentos aos servidores
públicos. Contudo, os tribunais têm atenuado essa regra.
Em se tratando de interesses
transindividuais, devemos lembrar que essas restrições impostas à
concessão de liminares não podem ser aceitas, na medida em que,
normalmente, se não concedida a tutela preventiva, em caráter liminar,
verifica-se o perecimento do bem jurídico tutelado e impossibilidade de
reconstituição.
RICARDO DE BARROS LEONEL
435
cita
o exemplo, em que “um particular promova despejo de resíduos
433
“Art. 2º da Lei nº 8.437/92: no mandado de segurança coletivo e na ação civil pública, a liminar
será concedida, quando cabível, após a audiência do representante judicial da pessoa jurídica de
direito público, que deverá se pronunciar no prazo de setenta e duas horas”.
434
“Art. 1º, parágrafo 3º da Lei nº 8.437/92: não será cabível medida liminar que esgote, no todo
ou em parte, o objeto da ação”.
220
poluidores em manancial, a demanda voltada à proteção ambiental
deverá conter pedido em caráter liminar de concessão da tutela
específica, consistente no cumprimento de obrigação de não-fazer (a
cessação do despejo lesivo ao manancial). Há antecipação dos efeitos
da tutela, pois, na hipótese de procedência da ação, aquela medida se
tornará definitiva. Na mesma situação (de acordo com as normas
criticadas), supondo que o despejo de resíduos químicos seja praticado
pela Administração Pública, o magistrado não poderá conceder a
liminar sem antes ouvir o representante da pessoa jurídica do direito
público. Aliás, em verdade, sequer será viável a liminar – antecipação
de tutela com determinação de cessação do despejo – pois a medida
estará “esgotando” no todo ou em parte o objeto da ação”.
O parágrafo 1º do art. 12 da lei da ação civil
pública estabelece que “a requerimento de pessoa jurídica de direito
público interessada, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à
segurança e à economia pública, poderá o Presidente do Tribunal a que
competir o conhecimento do respectivo recurso suspender a execução
da liminar, em decisão fundamentada, da qual caberá agravo para uma
das turmas julgadoras, no prazo de 5 (cinco) dias a partir da publicação
do ato”.
A redação desse dispositivo é análoga à do
art. 4º da Lei nº 8.437/92, que prevê a suspensão da liminar, em sede de
mandado de segurança.
435
Manual do processo coletivo, cit., pp.301-302.
221
SÉRGIO FERRAZ
436
critica a previsão da
suspensão da liminar, pelo Tribunal, em ação civil pública, salientando
que essa suspensão, “por autoridade diversa da que a concedeu, é
constitucionalmente inadmissível, à vista dos princípios norteadores da
função jurisdicional, bem como das garantias do contraditório, da
ampla defesa e, particularmente, do devido processo legal. Se a liminar
for deferida com desprezo a outros interesses supostamente mais
relevantes, o remédio não é sua cassação de cima para baixo imposta,
mas seu ataque, seja pela via recursal, seja por mandado de segurança,
seja, enfim, por outra ação, eventualmente apta para o fim colimado”.
De outra parte, LÚCIA VALLE
FIGUEIREDO
437
preleciona que “a suspensão da liminar outorgada na
ação civil pública há de ser concedida com muita cautela. Por isso
mesmo, não bastará apenas a alegação da ocorrência de qualquer das
situações enumeradas na norma. Será mister, sem sombra de dúvida, a
prova concreta, robusta, no caso sub judice. Não, como soi acontecer, a
mera alegação do interesse público em perigo. É mister prove a pessoa
jurídica de direito público qual o fato ou fatos que estão a causar, ou
podem causar, ameaças a valores tão importantes”.
Tanto em relação à concessão da liminar,
quanto à sua denegação, cabe recurso de agravo, na medida em que na
436
“Provimentos antecipatórios em ação civil pública”, cit., pp.456-457.
437
“Considerações sobre a discricionariedade na outorga e no pedido de suspensão da liminar; na
concessão do efeito suspensivo nos recursos e na tutela antecipatória”, cit., p. 344.
222
ação civil pública se aplica, de forma subsidiária, o sistema recursal do
Código de Processo Civil.
Cumpre registrar ainda que a liminar poderá
vir acompanhada de multa, nos termos do parágrafo 2º do art. 12 da Lei
nº 7.347/85
438
.
O sistema da multa liminar, de caráter
cominatório, constitui meio de coerção sobre a parte, com o fim de
obter de imediato o cumprimento da obrigação – trata-se da astreinte
439
.
Não se confunde essa multa fixada initio
litis com aquela estabelecida no art. 11 da lei da ação civil pública
440
,
que é atrelada à sentença. A multa liminar, conquanto somente exigível
após o trânsito em julgado da decisão favorável do autor é computada,
desde o dia em que se houver configurado o descumprimento, ou seja,
desde o desatendimento ao mandado liminar.
438
“Art. 12, parágrafo 2º da Lei nº 7.347/85: a multa cominada liminarmente só será exigível do
réu após o trânsito em julgado da decisão favorável o autor, mas será devida desde o dia em que
se houver configurado o descumprimento”.
439
“A astreinte é uma condenação pecuniária proferida em razão de tanto por dia de atraso (ou por
qualquer unidade de temo, conforme as circunstâncias), destinada a obter do devedor o
cumprimento de obrigação de fazer pela ameaça de uma pena suscetível de aumentar
indefinidamente. Caracteriza-se a astreinte pelo exagero da quantia em que se faz a condenação,
que não corresponde ao prejuízo real causado ao credor pelo inadimplemento, mas depende da
existência de tal prejuízo. É antes uma pena imposta com caráter cominatório para o caso em que
o obrigado não cumprir a obrigação no prazo fixado pelo juiz” (Enrico Tullio LIEBMAN,
Processo de execução, 4ª edição, São Paulo, Editora Saraiva, 1980, p. 97).
440
“Art. 11 da Lei nº 7.347/85: na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer
ou não fazer, o juiz determinará o cumprimento da prestação da atividade devida ou a cassação da
atividade nociva, sob pena de execução específica, ou de cominação de multa diária, se esta for
suficiente ou compatível, independentemente de requerimento do autor”.
223
Considerando a multa como meio de
coerção, não se pode aceitar que o seu valor seja limitado ao montante
da obrigação principal. A multa deve ser alta, de modo a constituir um
fator intimidativo.
Uma questão que se coloca diz respeito à
destinação do valor da multa.
No processo civil, embora não exista
previsão expressa sobre o assunto, predomina o entendimento de que o
montante auferido com a multa diária deve ser destinado ao credor.
No âmbito do processo coletivo, a solução é
diversa.
O valor da multa deve ser destinado à
reparação dos interesses difusos lesados, criado pela lei
441
-
442
. Há
previsão expressa, neste sentido, com relação às multas relativas aos
interesses da criança e do adolescente
443
e à defesa contra o abuso do
poder econômico
444
.
441
V. art. 13 da Lei nº 7.347/85.
442
A lei nº 9.008/95, que instituiu o Conselho Federal Gestor do Fundo de Defesa dos Direitos
Difusos, na estrutura do Ministério da Justiça, no seu art. 1º, parágrafo 2º determina que o valor
das multas seja carreado ao fundo.
443
Cf. art.214 da Lei nº 8.069/90.
224
CAPÍTULO IX
INTERVENÇÃO DE TERCEIROS NAS AÇÒES COLETIVAS
SUMÁRIO: 1. Introdução – 2. Oposição e nomeação à autoria – 3.
Denunciação da lide – 4. Chamamento ao processo – 5. Assistência e
litisconsórcio
1. Introdução
Em regra, o processo se desenvolve tendo
como sujeitos: o juiz (sujeito imparcial) e as partes que originariamente
formaram a relação jurídica processual, isto é, o autor que propôs a
ação e o réu, contra quem foi a ação proposta. Essa situação nada muda
se se tratar de litisconsórcio, seja ativo, passivo ou misto, porque
continua a relação jurídica processual triangularizada entre os três
sujeitos processuais.
444
V. art. 84 da Lei nº 8.884/94.
225
Todavia, pode ocorrer a intervenção de
terceiro em processo alheio. Há terceiros que remanescem terceiros
apesar de terem passado a integrar o processo (assistentes) e outros que,
no momento em que passam a integrar o processo, assumem a condição
de parte, como, por exemplo, o denunciado à lide ou o nomeado à
autoria.
Num primeiro momento, poder-se-ia
genericamente afirmar que terceiro é um contra-conceito, isto é, é
terceiro todo aquele que não for parte.
Pode-se falar em terceiros desinteressados
— e a esses a lei não fornece caminho algum para que possam intervir
em processo alheio, instrumentando-lhes com os embargos de terceiro,
para que possam justamente dizer que não podem ser atingidos por que
nada têm que ver com o processo — em que terceiros interessados de
fato — cujo interesse é meramente econômico, moral ou espiritual, mas
não jurídico — e em terceiros que podem intervir e se tornar partes.
Na intervenção de terceiros ocorre a
intromissão de terceiro, voluntária ou coativamente, devendo ser
demonstrado interesse jurídico, que justifique essa intervenção.
A regra geral, no sentido de que somente
entre partes, isto é, entre autor e réu é que a sentença produz efeitos é,
na verdade, princípio que deve ser observado genericamente pelo
226
sistema positivo. Todavia, há circunstâncias em que os efeitos podem
alcançar terceiros, diretamente, quando se tratar, por exemplo, da
existência de afirmações de direito simultâneas e mutuamente
excludentes a respeito do mesmo objeto ou indiretamente, quando o
terceiro tiver de suportar algum tipo de efeito, ainda que por via oblíqua
(efeito indireto), da sentença que for proferida no processo entre as
partes.
Já, no âmbito do processo coletivo, o tema
da intervenção de terceiros, possui peculiaridades próprias
445
.
2. Oposição e nomeação à autoria
Oposição é o instituto por meio do qual
terceiro (C) ingressa em processo alheio, exercendo direito de ação
contra os primitivos litigantes (A e B), que figuram, no pólo passivo,
como litisconsortes necessário.
Existe nexo de prejudicialidade entre a
oposição e a ação principal, sendo aquela prejudicial a esta. Este nexo
de prejudicialidade foi criado pelo legislador, quando determinou, no
445
Na tutela dos interesses transindividuais, há menção no art. 5º, parágrafo 2º, da Lei nº 7.347/85
da faculdade de habilitação dos co-legitimados como litisconsortes de qualquer das partes, sendo
certo ainda que o parágrafo 5º do mesmo artigo admite o cabimento de litisconsórcio facultativo
entre Ministérios Públicos da União, Distrito Federal e Estados. Do mesmo modo, a possibilidade
de litisconsórcio de Ministérios Públicos é reafirmada no art. 210, parágrafo 1º da Lei 8.069/90. O
art. 3º, parágrafo 5º da Lei 7.853/89 prevê a faculdade de habilitação como litisconsorte de co-
legitimado ativo, nas ações propostas por qualquer legitimado. O art. 94 da Lei 8.078/90
determina que, proposta a ação, seja dada publicidade da iniciativa, a fim de que possam os
interessados intervir no processo como litisconsortes. Note-se ainda que a própria Lei da Ação
Popular, Lei nº 4.717/65, no art. 6º, parágrafo 5º, determinava a possibilidade ou faculdade de
qualquer cidadão habilitar-se como litisconsorte ou assistente do autor popular.
227
art. 61 do CPC, que a oposição deve ser decidida em primeiro lugar e
depois a ação originária, embora deva decidir ambas simultaneamente,
ou seja, na mesma sentença.
Como característica da oposição, pode-se
mencionar a unidade procedimental e decisória, do ponto de vista
formal. Instaurada a oposição, esta e a ação principal terão o mesmo
procedimento, correndo simultaneamente e serão decididas, a final, por
uma sentença que será una sob o aspecto formal, embora, na verdade,
estruturalmente, esteja-se diante de duas sentenças que decidem, na
verdade, duas lides. Uma outra característica apontada pela doutrina é a
facultatividade. Isto significa que o terceiro pode ou não fazer uso da
oposição para, por meio dela, fazer valer seu direito frente aos opostos.
Se preferir, todavia, pode esperar o desfecho da ação em que
controvertem A e B para, depois de findo o processo, voltar-se contra
aquele a quem coube o bem em torno do qual controvertiam.
Com relação à oposição, diante da natureza
do seu instituto, não há possibilidade de incidência no processo
coletivo.
A nomeação à autoria é instituto por meio
do qual se introduz no processo aquele que deveria ter sido
originariamente demandado, Aquele que passa a integrar o processo
assume a condição de réu, deixando, portanto, de ser terceiro.
228
Este instituto tem por finalidade a correção
da legitimidade passiva da ação, configurando-se numa exceção ao já
mencionado princípio da perpetuatio legitimationis
.
Nesse passo, embora seja difícil, não é
impossível, a verificação da nomeação à autoria, em ação coletiva, pois
se destina somente à correção do pólo passivo da demanda.
3. Denunciação da lide
A denunciação da lide é instituto criado
com o objetivo de, levando a efeito o princípio da economia processual,
inserir num só procedimento duas lides, interligadas, uma de que se diz
principal e outra de que se diz eventual, porque, na verdade, o potencial
conflituoso da lide levada a conhecimento do juiz através da
denunciação só se realiza concretamente em função de um determinado
resultado, que será obtido com a solução da lide principal. Não sendo
vencido o denunciante na ação originária, a lide eventual não deve ser
examinada, já que a denunciação como que perderá seu objeto.
Assim, na maioria dos casos, a denunciação
acontece quando o raciocínio do réu é o seguinte: se eu for
eventualmente condenado, porque se entenda que eu tenho
responsabilidade perante o autor A, eu (B) tenho o direito de ressarcir-
me perante C. Como C é o verdadeiro responsável, vou me servir do
instituto da denunciação da lide para evitar que, posteriormente, se for
condenado a indenizar A, tenha que mover outra ação, regressiva,
contra C.
229
Na denunciação à lide existe ampliação
objetiva e subjetiva da demanda. Também, aqui, não se vislumbra a
possibilidade de utilização da denunciação da lide nas ações coletivas.
Poderia se indagar se o Estado, como réu,
em ação coletiva, poderia denunciar à lide os responsáveis pela lesão
referida na demanda, de modo a viabilizar o seu direito de regresso
contra os agentes responsáveis pelo dano.
Aqui a resposta é negativa, na medida em
que na demanda coletiva, a responsabilidade do Estado é objetiva e a
responsabilidade pessoal dos seus agentes é subjetiva, dependendo da
verificação da culpa
446
.
4. Chamamento ao processo
O chamamento ao processo consiste num
meio de formação de litisconsórcio passivo, por iniciativa do próprio
réu. Em outras palavras, aquele que lança mão do instituto do
chamamento ao processo chama aqueles que devem tanto quanto ele, ou
446
“Em matéria de responsabilidade regressiva, deve-se recusar a denunciação da lide sempre que
a ação civil pública ou a ação coletiva se fundarem em responsabilidade objetiva (v.g , as ações
ambientais ou em defesa do consumidor), para não introduzir fundamento novo na demanda
(discussão de culpa). O mesmo deve ocorrer nas ações de responsabilidade movidas pelo lesado
contra o Estado em razão de danos causados a terceiros pelos agentes públicos. Nestas ações, a
responsabilidade também é objetiva, de forma que o direito de regresso que o Estado tem contra o
agente, porque fundado em dolo ou culpa, deve ser exercido em ação própria e não por via de
denunciação à lide” (Hugo Nigro MAZZILLI, A defesa dos interesses difusos em juízo, 20ª
edição, cit., p. 348).
230
mais do que ele, para responderem conjuntamente a ação, ampliando,
assim, o pólo passivo da relação processual.
O objetivo fundamental deste instituto é a
criação de título executivo para posterior sub-rogação. Com isso, quer-
se dizer o seguinte: B sendo acionado por A, e perdendo a ação, se tiver
chamado ao processo os demais devedores solidários, pode, pagando A,
sub-rogar-se em seus direitos de credor, para acionar os demais co-
devedores. Com isso, leva-se a efeito o princípio da economia
processual.
Na ação civil pública, havendo
solidariedade entre os obrigados à indenização, pode o ente legitimado
movê-la apenas contra um, alguns ou todos os co-responsáveis.
Nesse passo, na ação civil pública, cabe, em
tese, o chamamento ao processo dos co-devedores solidários
447
-
448
.
447
“Dada a solidariedade entre os responsáveis pelo dano difuso, coletivo ou individual
homogêneo, a reparação pode ser exigida de qualquer um deles. Natural que procure o autor
endereçá-la ao responsável que tenha melhor aporte econômico para fazer frente à reparação, ou
àqueles que tenha conseguido identificar. Nesse caso, razoável a aceitação do chamamento ao
processo dos co-responsáveis, para que seja acertada a respectiva responsabilidade, mormente
considerando que prejuízo algum trará à proteção do interesse coletivo, servindo, ao contrário,
como reforço da possibilidade concreta de reparação. É evidente que, se outros responsáveis
solidários são chamados ao processo pelo demandado originário, aumentam as chances de êxito
no ressarcimento integral” (Ricardo de Barros LEONEL, Manual do processo coletivo, cit., pp.
239-240).
448
Hugo Nigro MAZZILLI, A defesa dos interesses difusos em juízo, 20ª edição, cit., 347.
231
5. Assistência e litisconsórcio
A figura da assistência simples é, na
verdade, a mais autêntica das formas de intervenção de terceiro, já que
se trata do único terceiro que permanece na condição de terceiro,
mesmo depois de ter integrado o processo. O que há de mais marcante
com relação a essa figura é, indiscutivelmente, o tipo de interesse que
tem relativamente ao objeto do processo que pende entre A e B e no
qual pretende ele, C, intervir.
No Código de Processo Civil, a assistência
é modalidade de intervenção de terceiros que está prevista fora do
capítulo próprio, estando disciplinada em conjunto com o
litisconsórcio.
Trata-se de intervenção em que o terceiro, a
que se denomina, num primeiro momento, genericamente, de assistente,
ingressa em processo alheio com o objetivo de prestar colaboração a
uma das partes, isto é, àquela a quem assiste, tendo em conta o alcance
de resultado satisfatório, no processo, para o assistido. O interesse do
assistente consiste na vitória da parte a quem assiste e na conseqüente e
correlata sucumbência da parte contrária.
O assistente não formula pretensão, nem
defesa e a sua presença no processo não faz nascer uma outra lide, para
que o juiz decida conjuntamente com a lide originária (como ocorre,
por exemplo, na denunciação da lide ou na oposição). O grau de
232
intensidade do interesse jurídico do assistente determina seu
enquadramento numa ou noutra das modalidades de assistência.
A lei prevê duas hipóteses de assistência. A
primeira delas, assistência simples, é a assistência propriamente dita; a
assistência litisconsorcial, a seu turno, consiste numa figura híbrida, já
que o assistente litisconsorcial, sob certos aspectos, pode ser
considerado parte, e sob outros, não.
Na assistência simples, disciplinada no art.
50 do CPC, o assistente tem interesse jurídico, evidentemente diferente
do interesse jurídico da parte. Esse interesse nasce da perspectiva de
sofrer efeitos reflexos da decisão desfavorável ao assistido, de forma
que sua esfera seja afetada.
Na assistência litisconsorcial, o assistente
tem interesse jurídico próprio, qualificado pela circunstância de que sua
própria pretensão (ou melhor, a pretensão que lhe diz respeito, mas que
não formulou), que poderia ter sido deduzida em juízo contra o
adversário do assistido, mas não o foi, será julgada pela sentença, razão
pela qual assume, quando intervém no processo alheio, posição idêntica
à do litisconsorte.
O legislador, em se tratando de ação
coletiva, não previu a figura da assistência. Todavia, é admissível o
233
cabimento da assistência – simples e litisconsorcial
449
-
450
-
451
–, tanto no
pólo ativo e passivo da demanda, por parte de co-legitimados ou de
indivíduos isoladamente.
O litisconsórcio ocorre quando há duas ou
mais pessoas no mesmo pólo do processo, como autores, como réus ou
como autores e réus. Trata-se, portanto, da possibilidade de que exista
no processo cumulação de sujeitos (cumulação subjetiva).
Admite-se nas ações coletivas, o
litisconsórcio ativo entre mais de um ente co-legitimado, diante do fato
da legitimação ser concorrente e disjuntiva
452
-
453
, inclusive, o
litisconsórcio ulterior, com a possibilidade de aditamento da inicial pelo
interveniente
454
.
449
Para Hugo Nigro MAZZILLI, “os co-legitimados à ação civil pública ou coletiva, se não a
tiverem proposto como litisconsortes, podem nela intervir na qualidade de assistentes
litisconsorciais”. Acrescenta que o indivíduo lesado poderá intervir na ação coletiva, na qualidade
de assistente litisconsorcial, embora não tenha legitimidade para tanto (A defesa dos interesses
difusos em juízo, 20ª edição, cit., p. 330).
450
Apesar de o art. 5º, parágrafo 2º, não se referir expressamente a essa figura, estamos em que no
âmbito da ação civil pública ela comporta, em princípio, as modalidades “simples/adesiva” ou,
ainda, “litisconsorcial/qualificada” (Rodolfo de Camargo MANCUSO, Ação civil pública, cit., p.
219).
451
“Esta solução (cabimento também da assistência) já era aventada para a ação popular, e os
motivos que ali legitimaram a previsão legislativa são válidos nas demandas decorrentes do
ordenamento coletivo. Onde presentes as mesmas razões, a mesma solução de direito deve ser
implementada, pois ubi eadem legis dispositio. Assim, aplica-se analogicamente às demandas
coletivas o dispositivo da ação popular que prevê o cabimento da assistência” (Ricardo de Barros
LEONEL, Manual do processo coletivo, cit., p. 241).
452
Rodolfo de Camargo MANCUSO, Ação civil pública, cit., p. 217.
453
Hugo Nigro MAZZILLI, A defesa dos interesses difusos em juízo, 20ª edição, cit., p. 319.
454
Confira: Ricardo de Barros LEONEL, Manual do processo coletivo, cit., pp. 242-243
234
Da mesma forma, “não se pode negar a
possibilidade de litisconsórcio no pólo passivo
455
, mesmo porque o
parágrafo 2º do art. 5º fala que o poder Público e as associações podem
habilitar-se sob aquela qualidade em relação a “qualquer das partes”, o
que abrange a situação subjetiva da lide em seus dois pólos”
456
.
Cumpre lembrar, no que se refere aos
interesses individuais homogêneos, a regra do art. 94 do Código de
Defesa do Consumidor, o qual estabelece que “proposta a ação, será
publicado edital no órgão oficial, a fim de que os interessados possam
intervir no processo como litisconsortes, sem prejuízo de ampla
divulgação pelos meios de comunicação social por partes dos órgãos de
defesa do consumidor”.
Quanto à essa norma, RODOLFO DE
CAMARGO MANCUSO
457
ensina que “embora a eficácia do julgado
não vá poder prejudicar os indivíduos ausentes ao feito (o art. 103, III,
dá eficácia erga omnes só para “beneficiar todas as vítimas e seus
sucessores”), mesmo assim a idéia é que a propositura da ação alcance a
455
Paulo Roberto de Gouvêa MEDINA dá um exemplo, tendo por objeto a hipótese de danos
causados a um bem de valor histórico, não devidamente protegido pelo Poder Público: “haverá,
pois, comunhão de obrigações relativamente à lide (CPC, art. 46, I), a justificar, no caso de ação
proposta pelo Ministério Público ou por associações legitimadas, o litisconsórcio entre o causador
dos danos e a entidade pública mais diretamente ligada ao bem atingido. Tratar-se-á, em regra, de
litisconsórcio facultativo; podem-se imaginar, contudo, situações em que a eficácia da sentença
exija a citação da entidade pública como litisconsorte necessário. Ë o que se dará, p. ex., numa
ação que vise evitar a demolição de prédio a que se atribua valor histórico, não obstante a licença,
para tanto, deferida pela Prefeitura do Município. Esta, em tal circunstância, será litisconsorte
passivo necessário do proprietário do imóvel” (“Aspectos da ação civil pública” in Revista de
Processo volume 47, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1987, pp. 222-223).
456
Rodolfo de Camargo MANCUSO, Ação civil pública, cit., p. 221.
457
Ação civil pública, cit., pp. 224-225.
235
máxima divulgação, a fim de que o maior número possível de
indivíduos abrangidos pela situação coletiva homogênea dela tome
conhecimento e dela participe”.
CAPÍTULO X
SENTENÇA, COISA JULGADA E LITISPENDÊNCIA NAS AÇÕES
COLETIVAS
SUMÁRIO: 1. Sentença: 1.1. Classificação das sentenças – 1.2.
Sentenças nas ações coletivas – 1.3 – Sentença condenatória na ação de
improbidade administrativa – 1.4. A sucumbência nas ações coletivas –
2. Coisa julgada: 2.1. A legislação brasileira para as ações voltadas à
defesa de interesses e direitos difusos e coletivos – 2.2. A coisa julgada
no sistema do Código de Defesa do Consumidor – 2.2.1. Coisa julgada
erga omnes e coisa julgada ultra partes – 2.2.2. Transposição in utilibus
da coisa julgada da Lei nº 7.347/85 e das ações penais para as ações de
indenização por danos pessoalmente sofridos; 2.3. Litispendência nas
ações coletivas; 2.4. Class Action do Direito Norte-Americano: 2.4.1. A
coisa julgada nas class actions.
1. Sentença
Em consonância com o art. 162, parágrafo
1º do Código de Processo Civil, sentença é o ato do juiz pelo qual este
põe fim ao processo, decidindo ou não o mérito da causa.
236
Sentença é o pronunciamento judicial que
tem por conteúdo o estabelecido nos artigos 267 e 269 do Código de
Processo Civil, e que tem por efeito principal o de pôr fim ao
procedimento em primeiro grau de jurisdição e, em não havendo
recurso, também ao processo.
1.1 – Classificação das sentenças
As sentenças são tradicionalmente
classificadas em: a) sentenças terminativas (aquelas que põem fim ao
processo, sem resolver, no entanto, o mérito. São as que correspondem
aos casos de extinção previstos no art. 267 da lei processual civil) e b)
sentenças definitivas (aquelas que decidem o mérito da causa, no todo
ou em parte).
A classificação importante das sentenças é a
que leva em conta a natureza do bem jurídico visado pelo julgamento,
ou seja, a espécie de tutela jurisdicional concedida à parte. Assim, as
sentenças classificam-se em condenatórias, constitutivas, declaratórias,
executivas lato sensu e mandamentais.
1.2 – Sentenças nas ações coletivas
A análise da espécie de sentença cabível nas
ações coletivas leva em conta a situação concreta.
237
Precipuamente, a natureza da sentença, na
ação civil pública, diante do conjunto dos artigos 11 e 13 da Lei nº
7.347/85, é cominatória, ou melhor, voltada para a tutela específica de
um interesse transindividual e não para a obtenção de uma condenação
pecuniária.
Ainda, tendo em conta o disposto no art. 3º
da Lei nº 7.347/85, dizendo que a ação civil pública poderá ter por
objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de
fazer ou não fazer, deve-se buscar a preservação do interesse
metaindividual, em detrimento do seu sucedâneo pecuniário.
Sendo cabíveis todas as espécies de pedidos
não vedados pelo ordenamento jurídico
458
, serão admissíveis todas as
hipóteses de sentença, desde que adequadas aos pleitos formulados,
diante do princípio da congruência ou correlação.
A respeito da questão, JOSÉ DOS
SANTOS CARVALHO FILHO
459
esclarece que “apesar de ser
condenatória, a ação pode ter dois desfechos diversos: a) indenização
em dinheiro; b) obrigação de fazer ou não fazer. No primeiro caso,
pode-se considerar que a ação tenha a natureza condenatória pecuniária:
o objetivo do autor é o de obter do réu o pagamento de determinado
quantum fixado na sentença. No segundo, a ação pode classificar-se
como condenatória mandamental, visto que a pretensão do autor é a de
458
V. art. 83 da Lei nº 8.078/90 e 21 da Lei nº 7.347/85.
459
Ação Civil Pública, 2ª edição, Rio de Janeiro, Lúmen Júris, 1999, p. 62.
238
obter determinação judicial para que o réu se conduza na forma
decidida na sentença, fazendo ou deixando de fazer alguma coisa”.
O sistema de tutela dos interesses
metaindividuais possibilita fixação de multa para as hipóteses de
cumprimento de obrigação de fazer ou de não fazer, nas sentenças
cominatórias, haja ou não pedido do autor, para compelir o devedor ao
cumprimento da obrigação
460
. É o caso da multa condenatória
461
.
1.3 – Sentença condenatória na ação de improbidade administrativa
A sentença condenatória, em pecúnia, em
sede de ação de improbidade administrativa, será contra a pessoa física,
que tenha praticado o ato tido como ímprobo e não contra a pessoa
jurídica de direito público.
Na realidade, a pessoa jurídica de direito
público – o erário – será o destinatário final do montante de
indenização, oriundo do devido ressarcimento e não o fundo previsto
no art. 13 da lei da ação civil pública.
460
“Art. 11 da Lei nº 7.347/85: na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer
ou não fazer, o juiz determinará o cumprimento da prestação da atividade devida ou a cessação da
atividade nociva, sob pena de execução específica, ou de cominação de multa diária, se esta for
suficiente ou compatível, independentemente de requerimento do autor”..
461
“Visando o cumprimento ou à execução específica de obrigação de fazer, tem o juiz ampla
margem de liberdade, seja para influenciar a vontade do devedor (meios de coação), seja para
239
1.4 – A sucumbência nas ações coletivas
A Lei da Ação Civil Pública, no seu art.
18
462
, ao disciplinar a questão da sucumbência, só subordina o
pagamento de custas, honorários advocatícios e demais despesas
processuais, em havendo litigância de má-fé.
Ocorre, contudo, que tal dispositivo se
aplica somente à parte autora, não podendo ser estendido este benefício
aos réus.
A propósito da questão, é importante a
precisa lição de HUGO NIGRO MAZZILLI
463
, o qual ensina que “há
isenção do Ministério Público, enquanto instituição, pelos encargos de
sucumbência, que devem ser carreados ao Estado-membro, ao Distrito
Federal ou à União, conforme o caso. O vencido pagará as custas do
processo, é o que dispõe o art. 20 do Código de Processo Civil. Sendo
improcedente o pedido formulado pelo Ministério Público, por certo
que, instituição do Estado, cujos órgãos são agentes políticos,
responsabilidade haverá para o próprio Estado, nunca para a instituição
do Ministério Público, desprovida de personalidade jurídica. O
Ministério Público é instituição permanente do Estado, que age por
força de lei e estritamente nessa qualidade, responsabilizando, pois, a
substituí-la (meios de sub-rogação)” (Hugo Nigro MAZZILLI, A defesa de interesses difusos em
juízo, 20ª edição, cit., p. 491).
462
“Art. 18 da Lei nº 7.347/85: nas ações de que trata esta lei, não haverá adiantamento de custas,
emolumentos, honorários periciais e quaisquer outras despesas, nem condenação da associação
autora, salvo comprovada má-fé, em honorários de advogado, custas e despesas processuais”.
463
A defesa dos interesses difusos em juízo, 7ª edição, São Paulo, Editora Saraiva, 1995, pp. 489-
90.
240
pessoa jurídica a que pertence, da mesma forma ou até mais ainda,
aliás, do que ocorreria se o próprio Estado, por seus procuradores,
tivesse proposto a ação civil pública e viesse a sucumbir. O Ministério
Público não sucumbe, não paga custas, nem honorários. Na ação civil
pública ou coletiva proposta pelo Ministério Público na defesa de
interesses gerais da coletividade, quem arca com tais despesas, no caso
de improcedência do pedido, será o próprio Estado”.
Neste mesmo sentido, é o posicionamento
de NELSON NERY JÚNIOR e ROSA MARIA ANDRADE NERY
464
,
que prelecionam que “como órgão público destinado à defesa, em juízo,
dos direitos difusos e coletivos (CF 129 III), bem como do interesse
social (CF 127 caput; CDC 1º) e individual indisponível (CF 127
caput), não pode o MP arcar com os ônus da sucumbência, quando
improcedente o pedido por ele formulado na ACP. O regime da isenção
dos ônus da sucumbência é o mesmo para qualquer dos co-legitimados
à propositura da ACP. No caso de o MP agir com comprovada má-fé,
os ônus da sucumbência deverão ser carreados à Fazenda Pública, pois
o MP é órgão desprovido de personalidade jurídica”.
Esses entendimentos doutrinários citados
são confirmados pela jurisprudência
465
-
466
-
467
.
464
Código de Processo Civil comentado e legislação processual civil extravagante em vigor,
edição, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1997, p. 1160.
465
RJTJESP 118:304; RT 714:122.
466
“Ação civil pública ambiental – Isenção do Ministério Público às despesas processuais e
honorários de advogado. O Ministério Público não está sujeito ao adiantamento das despesas
processuais, nem a condenação nestas ou em honorários de advogado” (TJSP – Sexta Câmara
241
Portanto, somente ao Ministério Público é
inaplicável a condenação aos ônus da sucumbência.
A jurisprudência também entende que o
Ministério Público vencedor na ação, não recebe honorários
advocatícios.
Da mesma forma, quando é vencido, não
responde por despesas processuais e honorários de advogado
468
.
2. Coisa julgada
O principal aspecto relevante da coisa
julgada nas ações coletivas, em relação à coisa julgada individual, é a
delimitação da eficácia da coisa julgada.
ANTÔNIO GIDI
469
, citando FREDERICO
CARPI demonstra que “as peculiaridades do direito material a ser
tutelado em juízo justificam a necessidade de ser adotada uma extensão
ultra partes da coisa julgada. Com efeito, uma delimitação
excessivamente rigorosa dos limites subjetivos da coisa julgada nas
Civil – Apelação Cível nº 89.556-1 – Comarca: Porto Feliz - Relator: Des. J.L.Oliveira –
27/08/87).
467
“Honorários de advogado – Ação civil pública – Propositura pelo Ministério Público –
Sucumbência – Condenação da ré ante a procedência da ação, no pagamento da honorária
advocatícia – Inadmissibilidade – Exercício de função institucional do Ministério Público, a teor
do artigo 129, inciso III da Constituição da República – Inexistência de gastos a serem ressarcidos
– Necessidade de tratamento igualitário – Verba não devida” (TJSP – Quinta Câmara Civil –
Apelação Cível nº 157.725-1/3 – Comarca: Guarujá – Rel. Des. Marco César – 20/02/92).
468
JTACivSP 74:266; 68:206; RT 453:222.
242
ações coletivas pode constituir um obstáculo irremovível à tutela
jurisdicional dos direitos superindividuais”.
Os doutrinadores não sabiam entender os
efeitos da coisa julgada, quanto aos seus limites subjetivos para as
ações coletivas, já que no processo tradicional, nas ações individuais,
havia a previsão de que ela somente valeria para as partes entre as quais
era proferida a decisão, não prejudicando, nem beneficiando
terceiros
470
.
Com a evolução da sociedade e o
surgimento das novas formas de proteção e defesa dos direitos, houve a
necessidade de se adaptar os institutos jurídicos aptos a tutelar os
interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, sem ferir os
princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa.
2.1 – A legislação brasileira para as ações voltadas à defesa de
interesses e direitos difusos e coletivos
Com o surgimento da ação popular (Lei nº
4.717/65), o legislador ampliou a extensão subjetiva dos efeitos da
sentença nela proferida, de modo que fossem atingidos também
terceiros, que não foram parte na ação.
469
Coisa Julgada e Litispendência nas Ações Coletivas, cit., p. 58.
470
Artigo 472, caput do Código de Processo Civil: “a sentença faz coisa julgada às partes entre as
quais é dada, não beneficiando, nem prejudicando terceiros”.
243
O artigo 18 da Lei da Ação Popular estatuiu
que a extensão dos efeitos da sentença dar-se-ia da seguinte maneira: a)
em caso de procedência, eficácia erga omnes; b) em caso de
improcedência, por ser infundada a ação, também, eficácia erga omnes
e c) em caso de improcedência por insuficiência de provas, poderia ser
reproposta por qualquer legitimado, inclusive aquele autor vencido na
ação já julgada.
A Lei da Ação Civil Pública veio a regular
a matéria da extensão dos limites subjetivos da coisa julgada
471
do
mesmo modo previsto na ação popular.
Com o advento do mandado de segurança
coletivo, criado pela Constituição Federal de 1988, não houve a adoção
de regramento próprio, aplicando-se o disposto na lei do mandado de
segurança individual.
O primeiro doutrinador a sugerir a
aplicação do instituto da coisa julgada coletiva ao mandado de
segurança coletivo foi o Prof. Calmon de Passos
472
, segundo o qual
471
Artigo 16 da LACP: “a sentença civil fará coisa julgada erga omnes, exceto se a ação for
julgada improcedente por deficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá
intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova”.
472
“Assim, se estenderiam os efeitos da coisa julgada a todos, com a diferença que defende ele a
posição de que, também, em casos de improcedência, os efeitos atingiriam a todos que, caso
pretendessem se ver liberados dos seus efeitos, deveriam valer-se da ação rescisória, a fim de se
verem excluídos dos efeitos ultra partes, típicos das decisões proferidas em sede de Mandado de
Segurança Coletivo. Acrescenta, ainda, o ilustre mestre, que não haveria aqui a hipótese de
improcedência por insuficiência de provas, pois o Mandado de Segurança somente se presta para
a defesa de direitos líquidos e certos e, portanto, o julgamento de improcedência por insuficiência
de provas implicaria em não julgamento do mérito, o que - como já visto anteriormente - não
244
aplicar-se-ia a esta ação coletiva o já previsto na Lei da Ação Popular e
Lei da Ação Civil Pública (extensão da coisa julgada secundum
eventum litis).
Com a edição do Código de Defesa do
Consumidor, a questão da coisa julgada veio delineada, bem como foi
estendido o seu regramento a todas as modalidades de ações coletivas
para a defesa de interesses e direitos difusos, coletivos e individuais
homogêneos (artigos 90 e 117 do Código de Defesa do Consumidor)
473
.
2.2 – A coisa julgada no sistema do Código de Defesa do Consumidor
Como informa ADA PELLEGRINI
GRINOVER
474
, “o art. 103 contém toda a disciplina da coisa julgada
nas ações coletivas, seja definindo seus limites subjetivos (o que
equivale a estabelecer quais as entidades e pessoas que serão alcançadas
pela autoridade da sentença passada em julgado), seja determinando a
pode ensejar formação de coisa julgada material, já que de mérito não se trataria a mesma e
referida decisão terminativa, não impedindo, pois, fossem repropostos tantos Mandados de
Segurança quantos fossem o número de legitimados” (Cláudio Cintra ZARIF, “Da Coisa Julgada
nas Ações Coletivas” in Revista de Direito do Consumidor volume 15, São Paulo, Editora Revista
dos Tribunais, 1995, pp. 127/128).
473
Nelson NERY JÚNIOR ensina que “a aplicação dos sistemas do CDC e da LACP ao mandado
de segurança coletivo tem importância prática, na medida em que, por exemplo, pode ser
utilizado o regime da coisa julgada daquelas leis, dado que nada existe na lei sobre a coisa julgada
no mandado de segurança coletivo. Dentro do sistema da coisa julgada parece-nos ser relevante a
fixação dos limites subjetivos nos moldes traçados pelo artigo 103 do CDC, quando o objeto do
mandado de segurança for a tutela de direito não individual em sentido estrito (individual
homogêneo, coletivo ou difuso)” (Código brasileiro de defesa do consumidor comentado pelos
autores do anteprojeto, cit., p. 659).
474
Código brasileiro de defesa do consumidor comentado pelos autores do anteprojeto, cit., p.
580.
245
ampliação do objeto do processo da ação coletiva, mediante o
transporte, in utilibus, do julgamento coletivo às ações individuais”.
A maioria dos autores afirma que a coisa
julgada nas ações coletivas regidas pelo Código de Defesa do
Consumidor é secundum eventum litis ou in utilibus.
Com precisão, ANTÔNIO GIDI
475
esclarece que “rigorosamente, a coisa julgada nas ações coletivas do
direito brasileiro não é secundum eventum litis. Seria assim, se ela se
formasse nos casos de procedência do pedido, e não nos de
improcedência. Mas não é exatamente isso o que acontece. A coisa
julgada sempre se formará, independentemente de o resultado da
demanda ser pela procedência ou pela improcedência. A coisa julgada
nas ações coletivas se forma pro et contra (independentemente de o
resultado da demanda ser favorável ou contrário aos interesses jurídicos
da parte ou de terceiro).
O que diferirá, de acordo com o “evento da
lide”, não é a formação ou não da coisa julgada, mas o rol de pessoas
por ela atingidas. Enfim, o que é secundum eventum litis não é a
formação da coisa julgada, mas a sua extensãoerga omnes” ou “ultra
partes” à esfera jurídica individual de terceiros prejudicados pela
conduta considerada ilícita na ação coletiva (é o que se chama extensão
in utilibus da coisa julgada).
475
Coisa julgada e litispendência em ações coletivas, cit., pp. 73/74.
246
São três as hipóteses a distinguir:
i) Em caso de improcedência após instrução suficiente, a sentença
coletiva fará coisa julgada ultra partes para atingir a comunidade ou a
coletividade titular do direito superindividual (difuso ou coletivo) ou
individual homogêneo em litígio e impedir que qualquer legitimado do
art. 82 reproponha a mesma ação coletiva pleiteando a mesma tutela
para o mesmo direito através do mesmo pedido, invocando a mesma
causa de pedir. Ações individuais, em defesa de direitos individuais
(homogêneos ou não), entretanto, continuam podendo ser propostas.
ii) Em caso de improcedência após instrução insuficiente (por falta de
prova), a sentença coletiva não fará coisa julgada material.
iii) Em caso de procedência do pedido, a sentença coletiva fará coisa
julgada erga omnes ou ultra partes para tutelar o bem coletivo,
atingindo a comunidade ou a coletividade titular do direito
superindividual, e atingindo, para beneficiar, também a esfera
individual de todos os componentes da comunidade ou da coletividade
que sejam titulares do correspondente direito individual homogêneo.
Como se vê, é apenas nessa última hipótese,
de procedência do pedido coletivo, que ocorre a extensão subjetiva erga
omnes ou ultra partes e secundum eventum litis da coisa julgada para
beneficiar (in utilibus) a esfera jurídica individual dos consumidores
interessados. Mas também na primeira hipótese de improcedência, a
coisa julgada se opera ultra partes para atingir a comunidade ou a
247
coletividade titular do direito superindividual ou individual homogêneo
em litígio”
476
.
Enfim, se os titulares dos interesses forem
indetermináveis (interesses difusos), a sentença de procedência
beneficiará indistintamente todo o grupo lesado, mas se os titulares
forem determináveis (interesses coletivos ou individuais homogêneos),
a extensão da imutabilidade do decisum dependerá do pedido e do
respectivo deferimento, considerada sempre a aptidão que tenha o ente
legitimado ativo para defender os interesses do grupo
477
.
Questão que se coloca é a alteração do art.
16 da Lei da Ação Civil Pública
478
, com a redação dada pelo art. 2º da
Lei nº 9.494/97 (antes Medida Provisória 1.570/97), com o intuito de
restringir o alcance da coisa julgada aos limites territoriais da
competência do juiz prolator.
476
Antônio GIDI, Coisa julgada e litispendência em ações coletivas, cit., pp. 73/74.
477
“Numa ação civil pública ambiental movida pelo Ministério Público ou por uma associação, a
coisa julgada que mande fechar uma fábrica que polui um rio interestadual, beneficiará
indistintamente até mesmo pessoas que não morem na comarca do juiz que proferiu a sentença. Já
a sentença definitiva que decrete a nulidade de uma cláusula abusiva em contrato de adesão,
poderá beneficiar um grupo maior ou menor de lesados, pois isso dependerá: a) de quem tenha
feito o pedido; b) de qual tenha sido a extensão do acolhimento do pedido na sentença. Assim, se
o Ministério Público pediu e obteve a nulidade de uma cláusula abusiva em relação a todos os
beneficiários de planos de saúde no País, a coisa julgada beneficiará todos os segurados que se
encontrem nessa condição; mas se uma associação autora, dentro de seus fins estatutários, obteve
a procedência da ação coletiva em proveito apenas de seus associados, o decisum só beneficiará
aqueles que eram seus associados no momento da propositura da ação” (Hugo Nigro MAZZILLI,
A defesa dos interesses difusos em juízo, 20ª edição, cit., p. 531).
478
“Art. 16 da Lei nº 7.347/85: a sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da
competência territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente por
insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com
idêntico fundamento, valendo-se de nova prova”.
248
Para HUGO NIGRO MAZZILLI
479
“não há
como confundir a competência do juiz que deve conhecer e julgar a
causa com a imutabilidade dos efeitos que uma sentença produz e deve
mesmo produzir dentro ou fora da comarca em que foi proferida,
imutabilidade essa que deriva de seu trânsito em julgado e não da
competência do órgão jurisdicional que a proferiu (imutabilidade do
decisum entre as partes ou erga omnes, conforme o caso)”.
Na mesma linha de entendimento, NILTON
LUIZ DE FREITAS BAZILONI
480
afirma que “ao dizer o legislador
sobre o juízo competente, tanto para a ação como a execução, inserindo
no art. 16 a expressão ‘nos limites da competência territorial’, quis
apenas reforçar a competência funcional e, portanto, absoluta, do juízo
a quem competir a apreciação da causa. Por certo não pretendeu e nem
poderia, limitar a um território a eficácia da sentença que julgasse
procedente a demanda. Se essa fosse a intenção, pouco adiantaria, eis
que ineficaz essa determinação pela estreita ligação entre a LACP e o
CDC, na medida em que a coisa julgada permanece nas ações coletivas,
com disciplina no art. 103, do CDC, incluindo as ações propostas com
base na LACP”.
479
“Assim, p.ex., uma sentença que proíba a fabricação de um produto nocivo que vinha sendo
produzido e vendido em todo o País, ou uma sentença que proíba o lançamento de dejetos tóxicos
num rio que banhe vários Estados – essas sentenças produzirão efeitos em todo o País ou, pelo
menos, em mais de uma região do País. Se essas sentenças transitarem em julgado, em certos
casos poderão restar imutáveis em face de todos, mas isso em nada se confunde com a
competência do órgão jurisdicional que deve proferi-las, a qual caberá a um único juiz, e não a
cada um dos milhares de juízes brasileiros, absurdamente ‘dentro dos limites de sua competência
territorial’, como canhestramente sugere a nova redação do art. 16 da LACP...Admitir solução
diversa seria levar a milhares de sentenças contraditórias, exatamente contra os mais elementares
fundamentos e finalidades da defesa coletiva de interesses transindividuais” (A defesa dos
interesses difusos em juízo, 20ª edição, cit., p. 263).
249
Na realidade, essa lei confundiu
competência com coisa julgada
481
-
482
-
483
. Contudo, a intenção do Poder
Público é restringir a eficácia erga omnes do julgado coletivo aos
“limites da competência territorial do órgão prolator”, como se verifica
pela redação do art. 2º-A da Lei nº 9.494/97, conforme a Medida
Provisória 2.180-35/2001)
484
.
480
A coisa julgada nas ações coletivas, São Paulo, Editora Juarez de Oliveira, 2004, p. 66.
481
Este é o entendimento, também, de Gilberto SCHÄFER, ressaltando, ainda, que a redação do
referido artigo já foi afastada na reclamação 622-6 do Supremo Tribunal Federal procedente de
São Paulo com extensão para pessoas fora do seu limite territorial: “O Banco Mercantil de São
Paulo S/A. ajuizou a presente reclamação alegando que na Ação Civil Pública n. 580.262-2, que
lhe moveu o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor – IDEC, o primeiro Tribunal de
Alçada Civil de São Paulo, pela sua 11ª Câmara, declarou a inconstitucionalidade, em relação a
alguns aspectos da Lei n. 7730/89, com efeito erga omnes, para todo o território nacional,
ampliando, assim, a competência da Justiça local e dando-lhe a possibilidade de fazer normas
para todo o Brasil em matéria de inconstitucionalidade de lei: Afastadas que sejam as
mencionadas exceções processuais – matéria cujo exame não tem aqui cabimento – inevitável é
reconhecer que a eficácia da sentença, no caso, haverá de atingir pessoas domiciliadas fora da
jurisdição do órgão julgador, o que não poderá causar espécie, se o Poder Judiciário, entre nós, é
nacional ou local. Essa propriedade, obviamente, não seria exclusiva da ação civil pública,
existindo, ao revés, outros remédios processuais, como o mandado de segurança coletivo, que
pode reunir interessados domiciliados em unidades diversas da federação e também fundar-se em
alegação de inconstitucionalidade de ato normativo, sem que essa última circunstância possa
inibir o seu processamento e julgamento em juízo de primeiro grau que, entre nós, também exerce
controle constitucional das leis” (Ação civil pública e controle de constitucionalidade, Porto
Alegre, Sérgio Antônio Fabris Editor, 2002, p. 64).
482
Rodolfo de Camargo MANCUSO, Ação civil pública, cit., p.299.
483
Embora, Humberto THEODORO JÚNIOR reconheça o erro da técnica jurídico-processual,
ressalta que “não é tarefa própria do Judiciário negar-lhe aplicação ou modificar-lhe o sentido, se
não estiver a norma de direito comum em atrito com a ordem constitucional” (“Algumas
observações sobre a ação civil pública e outras ações coletivas” in Revista dos Tribunais volume
788, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 72)..
484
“Art. 2º-A da Lei nº 9.494/97: A sentença civil prolatada em ação de caráter coletivo proposta
por entidade associativa, na defesa dos interesses e direitos dos seus associados, abrangerá apenas
os substituídos que tenham, na data da propositura da ação, domicílio no âmbito da competência
territorial do órgão prolator. Parágrafo único: Sendo a ação proposta contra a União, os Estados, o
Distrito Federal, os Municípios e suas autarquias e fundações, a petição inicial deverá
obrigatoriamente estar instruída com a ata da assembléia da entidade associativa que a autorizou,
acompanhada da relação nominal dos seus associados e indicação dos respectivos endereços”.
250
Ainda, HUGO FILARDI
485
entende que “a
redação atual do art. 16 da Lei 7.347/85 é manifestamente
inconstitucional por afrontar o substantive due process of law, o
princípio da razoabilidade, o princípio da eficiência da Administração
Pública também aplicável ao Poder Judiciário, a inafastabilidade da
tutela jurisdicional, o próprio poder de jurisdição, ao juiz natural e o
imperioso tratamento isonômico entre as pessoas”
486
.
Com efeito, o sistema regrado pelo Código
de Defesa do Consumidor passa a reger a coisa julgada, em todos os
processos coletivos, não só aqueles relativos à defesa do consumidor,
como, de maneira integrada, os que digam respeito à defesa de
quaisquer interesses transindividuais
487
.
2.2.1 – Coisa julgada erga omnes e coisa julgada ultra partes
ANTÔNIO GIDI
488
entende que não há
diferença entre as expressões “erga omnes” e “ultra partes” e que elas
significariam que a coisa julgada estenderia seus efeitos a pessoas que
485
“Ação civil pública e acesso à justiça”, cit., p. 46.
486
Francisco Antônio de OLIVEIRA também sustenta a inconstitucionalidade da Lei 9.494/97:
vide “Da ação civil pública: instrumento de cidadania – Inconstitucionalidade da Lei 9.494, de
10.09.1997”, cit., pp. 55-60.
487
V. art. 21 da LACP e art. 90 do CDC.
488
“Com efeito, significaria exatamente a mesma prescrição normativa tanto se constasse do inciso
III do artigo 103 que a sentença em ação coletiva faz coisa julgada erga omnes “para beneficiar
todas as vítimas e seus sucessores”, como se constasse que faz coisa julgada ultra partes “para
beneficiar todas as vítimas e seus sucessores”. Tanto faz o inciso II prescrever que a sentença faz
coisa julgada ultra partes “mas limitadamente ao grupo, categoria ou classe”, como prescrever
que faz coisa julgada erga omnes “mas limitadamente ao grupo, categoria ou classe”. Da mesma
maneira, referindo-se o inciso I do art. 103, indiferentemente, a erga omnes ou ultra partes,
251
não fizeram parte do processo (a coisa julgada não se opera exatamente
“contra todos” mas somente em relação aos titulares do direito violado).
Defende o eminente processualista, ainda,
que “os dispositivos legais constantes nos três incisos do art. 103
poderiam ter sido redigidos de duas formas dogmaticamente
indiferentes, no que diz com as expressões latinas empregadas (erga
omnes ou ultra partes), que acarretariam, inelutavelmente, a mesma e
única interpretação”.
HUGO NIGRO MAZZILLI
489
entende que
“ao contrário do que ocorre com a coisa julgada no processo civil
individual, na tutela coletiva a imutabilidade do decisum alcançará
pessoas que não participaram da relação processual. Sob esse aspecto,
ambas as expressões significam a mesma coisa”. Acrescentou, ainda,
em crítica a Antônio Gidi, que “a imutabilidade não fica limitada à
comunidade titular do direito’, porque, graças à indeterminabilidade do
grupo reunido em torno de interesses difusos, a imutabilidade do
decisum em relação a todo o grupo social é a solução mais adequada
para a espécie”
490
.
Com acerto, temos o posicionamento de
ANTÔNIO GIDI
491
, no sentido de que, tecnicamente, seria mais precisa
conteria, precisa e exatamente, o mesmo comando, o mesmo preceito normativo” (Coisa julgada
e litispendência em ações coletivas, cit., pp. 109-110).
489
A defesa dos interesses difusos em juízo, 20ª edição, cit., p. 531
490
Ibidem, p. 531.
491
Coisa julgada e litispendência em ações coletivas, cit., p. 110.
252
a utilização da expressão ultra partes nos três incisos do artigo 103 do
Código de Defesa do Consumidor, porque “o que diferencia os regimes
jurídicos da coisa julgada nos referidos incisos não é, propriamente, a
expressão latina utilizada, mas o texto que se lhe faz seguir e que lhe dá
sentido”.
A diferença de redação entre os incisos I e
II do artigo 103 e o inciso III, do mesmo art. 103, reside em que, nas
duas primeiras hipóteses, admite-se que, se julgada improcedente por
insuficiência de provas e em face de nova prova, que ocorra
repropositura da ação coletiva pela inocorrência de coisa julgada, o que
não se passa com o caso do inciso III, do art. 103.
Isto assim é porque nas duas primeiras
hipóteses inexiste colaboração possível, ou, ao menos, um “convite”
para que os interessados, propriamente ditos, possam atuar.
Conseqüentemente, é possível e plausível que venha a surgir nova
prova, porque a cognição dos legitimados do art. 82 é ou pode ser, por
certo, compreensivelmente limitada, pela circunstância de maior
distanciamento dos fatos e, pois, das possíveis provas a esses
referentes”
492
.
Os parágrafos primeiro e terceiro do art.
103, do Código de Defesa do Consumidor impedem que o efeito
prejudicial da coisa julgada decorrente de ação coletiva venha em
492
ARRUDA ALVIM, Thereza ALVIM, Eduardo Arruda ALVIM e James MARINS, Código do
Consumidor Comentado, cit., p. 468.
253
detrimento dos interesses e direitos individuais dos integrantes da
coletividade, do grupo, categoria, ou classe. Logo, se na ação coletiva
(visando à defesa de interesse difuso) a empresa fornecedora provar que
o seu produto é adequado às exigências impostas pelo Código de
Defesa do Consumidor, ou na ação coletiva (tutelando interesse
coletivo em sentido estrito), o estabelecimento universitário provar que
o hospital é despiciendo para a boa formação acadêmica do seu quadro
discente, sendo o pedido julgado improcedente, em ambas as ações
coletivas, nada impede que o consumidor, individualmente, consiga
provar em ação própria que o produto adquirido é inadequado, ou que
teve prejuízo com o fechamento do hospital universitário, e obter a
correspondente compensação financeira
493
.
Há peculiaridades aplicáveis só
relativamente ao julgado sobre interesses individuais homogêneos.
Se improcedente a ação coletiva, os
interessados que não tiverem interferido como “litisconsortes” poderão
propor ações individuais de indenização e de que os autores de
demandas individuais. Contudo, os autores de demandas individuais
não serão beneficiados pela decisão coletiva, se não for requerida a
suspensão da ação individual, no prazo de trinta dias a contar da
ciência, no feito, do ajuizamento da coletiva
494
.
493
Sérgio Ricardo de Arruda FERNANDES, “Breves considerações sobre as ações coletivas
contempladas no CDC” in Revista de Direito do Consumidor volume 14, São Paulo, Editora
Revista dos Tribunais, 1995, pp. 102/103.
494
Cf. artigos 103, parágrafo 2º e 104 da Lei nº 8.078/90.
254
2.2.2 – Transposição in utilibus da coisa julgada da Lei nº 7.347/85 e
das ações penais para as ações de indenização por danos pessoalmente
sofridos
O parágrafo 3º do art. 103 do Código de
Defesa do Consumidor preceitua que “os efeitos da coisa julgada de
que cuida o art. 16, combinado com o art. 13 da Lei nº 7.347, de 24 de
julho de 1985
495
, não prejudicarão as ações de indenização por danos
pessoalmente sofridos, propostos individualmente, ou na forma prevista
neste Código, mas, se procedente o pedido, beneficiarão as vítimas e
seus sucessores, que poderão proceder à liquidação e à execução, nos
termos dos arts. 96 a 99”.
Para ADA PELLEGRINI GRINOVER, o
referido dispositivo foi “inspirado no princípio de economia processual
e nos critérios da coisa julgada secundum eventum litis, bem como na
ampliação ope legis do objeto do processo, expressamente autoriza o
transporte, in utilibus, da coisa julgada resultante de sentença proferida
na ação civil pública para as ações individuais de indenização por danos
pessoalmente sofridos”
496
. Esta posição também é defendida por
ANTÔNIO GIDI
497
e RICARDO DE BARROS LEONEL
498
.
495
Art. 16 da Lei nº 7.347/85: “a sentença civil fará coisa julgada “erga omnes”, exceto se a ação
for julgada improcedente por deficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá
intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova”. Art. 13 da Lei nº
7.347/85: “havendo condenação em dinheiro, a indenização pelo dano causado reverterá a um
fundo gerido por um Conselho Federal ou por Conselhos Estaduais de que participarão
necessariamente o Ministério Público e representantes da comunidade sendo seus recursos
destinados à reconstituição dos bens lesados”.
496
”Isto quer dizer que duas hipóteses podem ocorrer: a) a ação civil pública é julgada
improcedente. Os terceiros titulares de pretensões indenizatórias, são imunes à coisa julgada,
255
É importante realçar que a sentença
proferida em ação coletiva valerá como título executivo judicial para as
execuções individuais dos danos individualmente sofridos
499
.
Ainda, é preciso ressalvar para aquele que
já intentou ação individual seja beneficiado com a coisa julgada erga
omnes da ação coletiva é preciso que requeira a suspensão do seu
podendo ajuizar suas próprias ações reparatórias. Nenhuma novidade traz a primeira parte do § 3º
do art. 103, pois realmente as ações são diversas, não só com relação às partes, como também
pelo objeto; b) a ação civil pública é julgada procedente. Pelas regras clássicas sobre a coisa
julgada, não haveria como transportar, sem norma expressa, o julgado da ação civil pública às
demandas individuais: não só por tratar-se de ações diversas, pelo seu objeto, como também
porque a ampliação do objeto do processo só pode ser feito por lei. Todavia, por economia
processual, o Código prevê o aproveitamento da coisa julgada favorável oriunda da ação civil
pública, possibilitando às vítimas e seus sucessores serem por ela beneficiados, sem necessidade
de nova sentença condenatória, mas passando-se incontinenti à liquidação e execução da
sentença, nos termos do disposto nos artigos 97 a 100 do Código. Ocorre aqui, além da extensão
subjetiva do julgado, a ampliação do objeto do processo, ope legis, passando o dever de indenizar
a integrar o pedido. Exatamente como ocorre na reparação do dano ex delito, em que a decisão
sobre o dever de indenizar integra o julgado penal” (Ada Pellegrini GRINOVER, Código
brasileiro de defesa do consumidor comentado pelos autores do anteprojeto, cit., pp. 586/587).
497
“Se a ação civil pública em defesa de direito superindividual for julgada procedente, a norma
sob comento autoriza a extensão in utilibus da coisa julgada para a esfera individual das vítimas
ou seus sucessores. A disciplina é exatamente a mesma prevista para as ações coletivas propostas
com base no CDC. Enfim, seja uma ação civil pública, seja uma ação coletiva do CDC, o certo é
que, em qualquer ação coletiva em defesa de direito superindividual julgada procedente, a coisa
julgada beneficiará os titulares dos correspondentes direitos individuais homogêneos” (Antônio
GIDI, Coisa julgada e litispendência nas ações coletivas, cit., pp. 156/157).
498
“Deste modo, o julgado coletivo em ação sobre interesses difusos ou coletivos não prejudcará
as ações de indenização por danos pessoalmente sofridos, mas, se procedente, beneficiará as
vítimas e seus sucessores. Isso significa uma elogiável evolução voltada ao efetivo acesso à
justiça, à economia processual, e contra a possibilidade do conflito teórico de julgados.
Exemplificando: proposta uma ação ambiental em razão de um acidente nuclear ou derramamento
de óleo, havendo procedência, os indivíduos lesados poderão, valendo-se da sentença coletiva,
promover sua execução individual (para a reparação de lesões isoladamente consideradas), sem
novo processo de conhecimento. A sentença de procedência coletiva serve como tutela
declaratória da responsabilidade do réu, e condenatória à indenização dos danos causados.
Bastará ao lesado proceder à liquidação, comprovando o dano individual, o nexo entre o dano e a
conduta reconhecida como lesiva na tutela coletiva, e o quantum debeatur (o an debeatur já se
encontra na decisão coletiva)” (Manual do processo coletivo, cit., pp. 274-275).
499
Se no prazo de um ano não se verificar a habilitação de interessados, cabe a qualquer um dos
legitimados do art. 82 proceder a ação de execução coletiva dos créditos, a serem revertidos ao
256
processo individual, no prazo de trinta dias, a contar da ciência nos
autos, da existência de ação coletiva com objetivo idêntico.
O parágrafo 4º do art. 103 dispõe que
“aplica-se o disposto no parágrafo anterior à sentença penal
condenatória”.
O objetivo desse dispositivo é o mesmo do
parágrafo terceiro, segunda parte, ou seja, os efeitos de uma sentença
condenatória, sejam aproveitados em favor das vítimas e seus
sucessores, nos termos dos artigos 97 a 99 do Código de Defesa do
Consumidor
500
.
2.3 Litispendência nas ações coletivas
O art. 104 do Código de Defesa do
Consumidor prescreve que “as ações coletivas previstas nos incisos I e
II do parágrafo único do artigo 81, não induzem litispendência para as
ações individuais, mas os efeitos da coisa julgada “erga omnes” ou
“ultra partes” a que aludem os incisos II e III do artigo anterior não
beneficiarão os autores das ações individuais, se não for requerida sua
Fundo, a que se refere o art. 13 da Lei nº 7.347/85 (art. 100 e parágrafo único do Código de
Defesa do Consumidor).
500
“A regra fixada neste parágrafo quarto é a de que, estabelecida a responsabilidade penal, “ipso
facto”, haverá direito para as vítimas ou sucessores, que poderão proceder à liquidação, na forma
dos arts. 97 ao 99, do Código de Proteção e Defesa do Consumidor. É o que deflui da aplicação
do disposto na segunda parte do parágrafo terceiro, deste art. 103, quando disciplina a
procedência da ação civil pública. Ou seja, os efeitos penais condenatórios servem de base - à
semelhança de uma sentença civil genérica de condenação - para que se proceda, na esfera civil, à
responsabilidade neste campo” (ARRUDA ALVIM, Thereza ALVIM, Eduardo Arruda ALVIM e
James MARINS, Código do Consumidor Comentado, cit., p. 485).
257
suspensão no prazo de trinta dias, a contar da ciência nos autos do
ajuizamento da ação coletiva”.
Os doutrinadores, em primeiro lugar,
referem-se ao erro de remissão do artigo 104, do Código de Proteção e
Defesa do Consumidor.
Para ADA PELLEGRINI GRINOVER
501
,
“a referência do dispositivo ‘aos efeitos da coisa julgada erga omnes ou
ultra partes a que aludem os incisos II e III do artigo anterior’ deve ser
corrigida como sendo à coisa julgada ‘a que aludem os incisos I, II e III
do artigo anterior’, e isto porque a coerência interna do dispositivo
exige a relação entre a primeira e a segunda remissão, pelo que não se
pode excluir da segunda a menção do inciso I do artigo 103 que,
ademais, se sujeita ao mesmo regime previsto no inciso III. Quando
muito, poder-se-ia entender a segunda remissão como feita aos incs. I e
II do art. 103, levando em conta a própria ordem de indicação dos
efeitos da coisa julgada (erga omnes e ultra partes) seguida pelo
dispositivo”. No mesmo sentido, temos o entendimento de ANTÔNIO
GIDI
502
, ARRUDA ALVIM
503
e LUIZ PAULO DA SILVA ARAÚJO
FILHO
504
.
501
Código brasileiro de defesa do consumidor comentado pelos autores do anteprojeto, cit., pp.
590/591.
502
Coisa julgada e litispendência em ações coletivas, cit., p. 193.
503
Código do Consumidor Comentado, cit., p. 487.
504
“Tutela jurisdicional dos direitos individuais homogêneos” in Revista Forense volume 360, Rio
de Janeiro, Editora Forense, 2002, p. 367.
258
Já para NELSON NERY JÚNIOR
505
a
“remissão que o art. 104 faz ao parágrafo único do art. 81 é sempre aos
incisos I e II, e não II e III como constou do texto publicado no DOU”.
Esta posição é perfilhada por RODOLFO DE CAMARGO
MANCUSO
506
.
Ao que nos parece, a primeira posição
revela a melhor interpretação do artigo 104, eis que se aplica a toda
ação coletiva, em defesa de direitos difusos, coletivos ou individuais
homogêneos.
Pela leitura do artigo 104 do Código de
Defesa do Consumidor deflui duas normas importantes para o
microssistema das ações coletivas. A primeira norma assevera que o
consumidor poderá propor a sua ação individual, mesmo que uma
correlata ação coletiva esteja ou venha a estar em andamento. A
segunda regra diz que, mesmo que o consumidor intente a sua ação
individual, nada obsta que ele se beneficie pela extensão in utilibus da
imutabilidade do comando da sentença
507
.
Aqueles que tenham requerido a suspensão
das ações individuais, na hipótese de improcedência da demanda
505
“Aspectos do processo civil no Código de Defesa do Consumidor”, cit., p. 219.
506
“Defesa do Consumidor: reflexões acerca da eventual concomitância de ações coletivas e
individuais” in Revista de Direito do Consumidor volume 2, São Paulo, Editora Revista dos
Tribunais, 1992, p. 151.
507
Para que o consumidor se beneficie da eventual procedência da ação coletiva, deverá requerer a
suspensão do seu processo individual, no prazo de trinta dias, a contar da ciência nos autos do
ajuizamento da ação coletiva (parte final do artigo 104 do CDC).
259
coletiva, não serão prejudicados. Contudo, a exclusão dos efeitos do
julgado coletivo, com relação ao autor individual, depende da
comprovação, na ação singular, da propositura da ação coletiva e de
que não tenha sido requerida a suspensão daquela ação singular no
prazo de trinta dias a contar da notificação. Desse modo, se não houve
cientificação da propositura da ação coletiva, não poderá o indivíduo
ser prejudicado, em face da oportunidade para aderir previamente ao
resultado daquela ou dela se excluir.
Se a ação coletiva for julgada
definitivamente procedente antes da individual, onde se requereu a
suspensão, está deverá ser julgada extinta sem julgamento do mérito,
por falta de interesse de agir.
Se houver ação individual julgada
improcedente e já transitada em julgado, na qual não tenha havido o
requerimento de suspensão e, posteriormente, a ação coletiva for
julgada procedente, o indivíduo não poderá se beneficiar do julgado
coletivo, sob pena de violação da coisa julgada anterior (a individual).
Para se reconhecer a litispendência, deve
haver uma correspondência entre a lide individual e a lide coletiva
508
.
508
“Note-se dever existir correspondência entre o objeto de um processo (lide ou pedido) e o que
será, quando julgado, objeto da sentença e coisa julgada. Para que haja litispendência (vedada
para que não possam coexistir decisões praticamente conflitantes) deve haver duas ações
pendentes entre as mesmas partes (identidade subjetiva), a mesma causa de pedir (fundamentos de
fato e de direito) e o mesmo pedido” (ARRUDA ALVIM, Thereza ALVIM, Eduardo Arruda
ALVIM e James MARINS, Código do Consumidor Comentado, cit., p. 487).
260
Pode-se concluir, na esteira do
entendimento de ANTÕNIO GIDI
509
de que, quanto às ações coletivas
propostas na defesa dos interesses difusos e coletivos, não se induz
litispendência ou coisa julgada em relação às ações individuais,
“porque se trata de ações diversas, por possuírem partes, causa de pedir
e pedido absolutamente diferentes”.
Quanto às ações coletivas para a defesa dos
interesses individuais homogêneos e as respectivas ações individuais,
há uma relação de continência
510
-
511
-
512
.
Já, ANTÔNIO GIDI
513
, ao contrário,
entende que não há continência entre a ação coletiva em defesa de
direitos individuais homogêneos e a ação individual, “porque trata-se
de pedidos diversos. Haveria uma espécie de ‘continência’ na hipótese
de o autor da ação individual ser interveniente na ação coletiva em
defesa do mesmo direito individual, atendendo ao chamado do edital
previsto no art. 94”.
509
Coisa julgada e litispendência em ações coletivas, cit., p. 207.
510
“A regra do art. 104, que não inclui a menção ao inc. III do parágrafo único do art. 81, e mais o
fato de que o legislador teve que dizer expressamente que a sentença coletiva do inc. III do art.
103 não prejudica os interessados a título individual (v. § 2º do art. 103), levam à conclusão de
que a questão da relação entre a ação coletiva de responsabilidade civil e as ações reparatórias
individuais se resolve pelo regime da reunião dos processos ou, quando esta for impossível, pela
suspensão prejudicial, tudo em virtude da continência” (Ada Pellegrini GRINOVER, Código
brasileiro de defesa do consumidor comentado pelos autores do anteprojeto, cit., p. 592).
511
“É evidente que não se poderia até mesmo pela própria dimensão maior da ação coletiva,
pretender-se falar em identidade de lides, propriamente dita. No entanto, é possível cogitar-se de
identidade parcial, consistente em que a ação coletiva em parte, contém a ação individual, toda
ela. Seria, portanto, uma hipótese de continência, à qual não é estranho o fenômeno da
igualdade, ainda que parcial” (Arruda ALVIM, Thereza ALVIM, Eduardo Arruda ALVIM e
James MARINS, Código do Consumidor Comentado, n. 8, p. 492).
512
Rodolfo de Camargo MANCUSO, “Defesa do consumidor: reflexões acerca da eventual
concomitância de ações coletivas e individuais”, cit., p. 152.
513
Coisa julgada e litispendência nas ações coletivas, cit., pp. 210/211.
261
Havendo uma pendência entre uma ação
coletiva em defesa de direitos individuais homogêneos e a
correspondente ação individual, pode-se apontar as seguintes soluções:
a) o consumidor individual poderá requerer a extinção do processo sem
julgamento do mérito, desistindo da ação, para intervir como
litisconsorte, na ação coletiva ou b) requerer a suspensão do seu
processo individual
514
.
Finalmente cumpre realçar a litispendência
entre duas ações coletivas, ainda que interpostas por diferentes
legitimados (exemplo: Ministério Público e uma associação)
515
-
516
.
2.4 Class action do direito norte-americano
A class action do sistema norte-americano,
baseada da equity pressupõe “a existência de um número elevado de
titulares de posições individuais de vantagem no plano substancial,
possibilitando o tratamento processual unitário e simultâneo de todas
elas, por intermédio da presença, em juízo, de um único expoente da
classe. Encontrando seus antecedentes no Bill of Peace do século XVII,
o instituto, antes excepcional, acabou aos poucos adquirindo papel que
hoje é visto pela doutrina como central do ordenamento dos EUA,
ampliado como foi, de início, com contornos imprecisos, até ser
disciplinado pelas Federal Rules of Civil Procedure de 1938.
514
Ibidem, pp. 215/218.
515
Ibidem, pp. 218/219.
262
A Rule n. 23 fixou as seguintes regras
fundamentais: a) a class action seria admissível quando impossível
reunir todos os integrantes da class; b) caberia ao juiz o controle sobre a
adequada “representatividade”; c) também ao juiz competiria a aferição
da existência da “comunhão de interesses” entre os membros da
class
517
.
As class actions foram definidas de modo
geral e unitário, com o acréscimo dos requisitos de admissibilidade
518
-
519
.
De qualquer modo, persiste no sistema
norte-americano a tutela judicial, a título de class action dos interesses
e direitos coletivamente tratados, quer se trate de bens indivisivelmente
516
Arruda ALVIM, Thereza ALVIM, Eduardo Arruda ALVIM e James MARINS, Código do
Consumidor Comentado, cit., p. 488.
517
Ada Pellegrini GRINOVER, “O Novo Processo do Consumidor” in Revista de Processo
volume 62, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1991, p. 142/143.
518
“A ação é admissível, como class action, quando: a) o número de componentes da class é tão
elevado que não permitiria a intervenção em juízo de todos os seus membros; b) existe uma
questão de fato e de direito comum a toda a class; c) as demandas e execuções das partes
correspondem às que toda a class poderia propor; d) as partes representam de forma correta e
adequada os interesses da class. E ainda quando: a) o ajuizamento de ações separadas individuais
- por parte ou contra os membros da class - poderia levar a julgamentos contraditórios com
relação a quem não figura no processo; b) o juiz entende que a questão comum a todos os
membros da class deve prevalecer sobre as questões atinentes aos membros individualmente; c) a
class action é o meio mais idôneo para a decisão da controvérsia” (Ada Pellegrini GRINOVER,
“O Novo Processo do Consumidor”, cit. p. 151).
519
São diretrizes da “class action”: “1ª) é necessário restar demonstrado um “interesse comum”;
2ª) que seja definível uma classe de autores; 3ª) que essa classe seja tão numerosa, que inviabilize
litisconsórcio, que existam questões comuns, de direito e de fato; 4ª) a Corte haverá de determinar
que, as questões de direito ou de fato, não só existem, mas, também, que predominam sobre as
questões individuais e 5ª) dever-se-á evidenciar que a class action é mais operativa do que a ação
individual” (Arruda ALVIM, Thereza ALVIM, Eduardo Arruda ALVIM e James MARINS,
Código do Consumidor Comentado, cit., nota de rodapé nº 6, pp. 348/349).
263
considerados; bens como se refira àqueles divisíveis e
individualizáveis, pertencentes pessoalmente a cada membro da class.
No magistério de CARLOS FERREIRA DE
ALMEIDA
520
, “as class actions têm por objeto a avaliação de danos
individuais comuns a um grupo (class) de pessoas. Em face de um
prejuízo causado por uma empresa a um certo número de
consumidores, qualquer deles pode exercer a ação civil, tanto em seu
nome como em representação das restantes lesadas.
Numa temerosa comparação e mutatis
mutandis, poder-se-ia dizer que a class action se assemelha, em alguns
aspectos, com a ação coletiva dos interesses ou direitos individuais
homogêneos (decorrentes de origem comum), amparada pelo artigo 81,
inciso III do Código de Defesa do Consumidor.
Entretanto, temos o registro da primeira
forma assemelhada de class action no Brasil, através da Lei nº 7.913, de
7 de dezembro de 1989, legitimando o Ministério Público a tutelar os
interesses dos investidores no mercado de valores mobiliários”
521
.
No sistema do direito norte-americano,
qualquer um do grupo pode ser, em regra, o representante dos demais
(representação adequada), enquanto que no direito brasileiro, os
520
“Ações coletivas”, cit., p. 89.
521
Carlos Eduardo Faraco BRAGA, “Ações coletivas”, cit., p. 89.
264
legitimados são taxativamente indicados por lei (artigos 5º da Lei da
Ação Civil Pública e artigo 82 do Código de Defesa do Consumidor).
2.4.1 – A coisa julgada nas class actions
Na class action, o sistema da coisa julgada
está diretamente relacionado com a legitimação adequada, “que
significa ter sido o terceiro não integrante do processo, mas com igual
interesse jurídico que a parte, ou integrante do grupo, tenha sido por ela
adequadamente representada, ou seja, a parte ou a entidade
representante do grupo deve ter exercido de forma ampla e plena a
defesa dos direitos e interesses de grupo, sendo que os adequadamente
representados não são terceiros”
522
.
Satisfeitas as exigências das class actions
“a imutabilidade do comando da sentença proferida em uma class
action atingirá a todos os componentes do grupo (class) que dele não se
auto-excluíram voluntariamente através do right to opt out. Seja a
sentença favorável ou não, tenham participado do processo ou não,
522
“Assim, eles analisam caso a caso se a representação foi adequada ou não, e se foi haverá coisa
julgada, não importando qual foi o resultado da demanda, se procedente ou improcedente. E
definem conforme nos dá conta Frederico Carpi, por “bar” a eficácia preclusiva que impede que o
autor reproponha a mesma demanda reconhecida como infundada diante do mesmo conteúdo; por
“merger” para indicar o efeito normativo de relação que vem absorvido na sentença, por
“collateral estoppel” a decisão que define em um sucessivo processo se houve ou não coisa
julgada no anterior. Indica ainda que a sentença tem efeito de “estoppel”, quando decidido o
mérito de questão, querendo com tal expressão indicar que a decisão proferida que tenha decidido
o mérito da questão tem efeitos análogos à preclusão, obstando assim que as partes afirmem em
um sucessivo Juízo os fatos jurídicos que já foram objeto de uma anterior decisão” (Tânia Lis
Tizzoni NOGUEIRA, “Limites subjetivos da coisa julgada no Código de Defesa do Consumidor”
in Revista de Direito do Consumidor volume 11, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1994,
pp. 50/51).
265
todos os componentes do grupos sofrerão os efeitos da coisa julgada
(former adjucation).
Assim, àquele que foi, com o seu
beneplácito (i.e., sem exercer o right to opt out), adequadamente
representado, não há como impugnar a decisão que o prejudica. E é
exatamente porque qualquer ausente pode esquivar-se do binding effect
(efeito vinculante, efeito da coisa julgada), alegando inadequada
representação ou insuficiente divulgação, que esses aspectos devem ser
aferidos e controlados ex officio pelo juiz durante todas as fases da
tramitação do processo”
523
.
Em resumo, no sistema da class action, a
coisa julgada que se forme sobre a decisão estenderá seus efeitos em
benefício ou em prejuízo dos integrantes da classe.
Já, no sistema do Código de Defesa do
Consumidor, a situação é diversa. O parágrafo 1º do artigo 103
estabelece que a coisa julgada que se forme em ação coletiva julgada
improcedente não atinge os interesses individuais dos integrantes do
grupo, ficando proibida a via da ação coletiva. Contudo, se a ação foi
julgada improcedente por insuficiência de provas não se formará coisa
julgada, podendo a ação ser reproposta, individual ou coletivamente.
523
Antônio GIDI, Coisa julgada e litispendência em ações coletivas, cit., pp. 242/243.
266
CAPÍTULO XI
LIQUIDAÇÃO E CUMPRIMENTO DAS SENTENÇAS NAS
AÇÕES COLETIVAS
SUMÁRIO: 1. Liquidação de sentença: 1.1. Formas de liquidação da
sentença – 1.1.1. Liquidação por cálculo – 1.1.2. Liquidação por
267
arbitramento – 1.1.3. Liquidação por artigos – 1.2. Liquidação de
sentença nas ações coletivas – 2. Cumprimento de sentença – 3. Fundo
para reparação dos interesses difusos lesados.
1. A liquidação de sentença
A função da liquidação é apenas a de gerar
o quantum debeatur, que se contém e em complementação da sentença.
A Lei nº 11.232, de 22 de dezembro de
2005 deslocou a liquidação de sentença para o âmbito do próprio
processo de conhecimento
524
.
O art. 475-A, caput dispõe que “quando a
sentença não determinar o valor devido, procede-se à sua liquidação”.
O parágrafo 2º do referido art. 475-A estatui que “a liquidação poderá
ser requerida na pendência de recurso, processando-se em autos
apartados, no juízo de origem, cumprindo ao liquidante instruir o
pedido com cópias das peças processuais pertinentes”.
Diante do atual panorama da lei processual
civil, pois, a liquidação de sentença deixou de dar origem a processo
autônomo, tornando-se mero incidente processual, ou melhor, fase
posterior à decisão condenatória e antecedente ao seu cumprimento.
1.1 – Formas de liquidação da sentença
524
V. Livro I, Título VIII, Capítulo IX do CPC, com o título “Da Liquidação da Sentença”
268
Persistem as formas tradicionais de
liquidação, quais sejam, por cálculo aritmético, por arbitramento ou por
artigos.
1.1.1 – Liquidação por cálculo
Com a Lei nº 8.898, de 29.06.94 restou
abolida a liquidação por simples cálculo. Agora, o artigo 475-B permite
que o próprio credor venha requerer o cumprimento da sentença,
instruindo o pedido com a memória discriminada e atualizada do
cálculo.
Quando a elaboração da memória do
cálculo depender de dados existentes em poder do devedor ou de
terceiro, o juiz, a requerimento do credor, poderá requisitá-los, fixando
prazo de até trinta dias para o cumprimento da diligência. Se os dados
não forem, injustificadamente, apresentados pelo devedor, reputar-se-ão
corretos os cálculos apresentados pelo credor e se houver resistência do
terceiro configurar-se a situação prevista no art. 362 do Código de
Processo Civil.
Poderá o juiz valer-se do contador do juízo,
quando a memória apresentada pelo credor aparentemente exceder os
limites da decisão exeqüenda e, ainda, nos casos de assistência
judiciária. Se o credor não concordar com esse demonstrativo, far-se-á a
execução pelo valor originariamente pretendido, mas a penhora terá por
base o valor encontrado pelo contador.
269
1.1.2 – Liquidação por arbitramento
Far-se-á a liqűidação por arbitramento,
quando: a) determinado pela sentença ou convencionado pelas partes;
b) o exigir a natureza do objetivo da liquidação (art. 475-C do CPC).
O procedimento segue as normas gerais da
prova pericial. Requerida a liquidação por arbitramento, o juiz nomeará
o perito, marcando, desde logo, o prazo para a entrega do laudo. Após a
apresentação do laudo, as partes poderão se manifestar, no prazo de dez
dias e o juiz proferirá decisão ou, se necessário, designará audiência.
1.1.3 – Liquidação por artigos
Far-se-á a liqűidação por artigos, quando,
para determinar o valor da condenação, houver necessidade de alegar e
provar fato novo.
O credor, em petição articulada, indicará os
fatos a serem provados (um em cada artigo) para servir de base à
liquidação. Serão arrolados os fatos que tenham influência na fixação
do valor da condenação ou na individuação do seu objeto, não podendo
se reabrir a discussão em torno da lide, definitivamente decidida na
sentença de condenação
525
, adotando-se, no que couber, o procedimento
comum
526
. (art. 475-F do CPC). Mesmo havendo essa aplicação
subsidiária do procedimento comum, a liquidação por artigos deixa de
525
V. art. 475-G do CPC.
526
V. art. 475-F do CPC.
270
caracterizar processo autônomo, terminando com decisão interlocutória,
sujeito a recurso de agravo de instrumento
527
.
1.2 – Liquidação de sentença nas ações coletivas
Se a sentença proferida em ação civil
pública não determinar o valor devido, é preciso proceder à sua
liquidação.
A Lei da Ação Civil Pública nada dispõe
sobre a liquidação da sentença. De outra parte, o Código de Defesa do
Consumidor só faz referência à liquidação da sentença, nas ações
envolvendo interesses individuais homogêneos
528
-
529
.
Nesse passo, o regramento contido nos
artigos 475-A a 475-H do Código de Processo Civil aplica-se, também,
à liquidação das sentenças relativas aos interesses coletivos lato sensu.
Em regra, a sentença condenatória,
envolvendo interesses difusos e coletivos, fixa, desde logo, a
responsabilidade o montante numérico, levando em conta a prova
pericial e o próprio pedido formulado pelo autor.
527
Gustavo Filipe Barbosa GARCIA, Terceira fase da reforma do Código de Processo Civil, São
Paulo, Editora Método, 2006, p. 67.
528
“Art. 95 do CDC: Em caso de procedência do pedido, a condenação será genérica, fixando a
responsabilidade do réu pelos danos causados”.
529
“Art. 97 do CDC: A liquidação e a execução da sentença poderão ser promovidas pela vítima e
seus sucessores, assim como pelos legitimados de que trata o art. 82”.
271
Contudo, quanto aos interesses individuais
homogêneos, dificilmente haverá a fixação do montante global da
indenização, na medida em que depende da identificação de cada um
dos lesados e da especificação dos danos pessoalmente sofridos, o que é
inviável, na fase de conhecimento.
É possível que, na maioria dos casos, em se
tratando de interesses individuais homogêneos, a liquidação seja
realizada por artigos, diante da necessidade de se provar fato novo para
determinar o valor individual da condenação. Eventualmente, a
liquidação será por arbitramento, tanto nos interesses individuais
homogêneos, como difusos e coletivos, quando o exigir a natureza do
objeto da obrigação.
A liquidação da sentença, em sede de
interesses transindividuais, poderá ser promovida por qualquer um dos
co-legitimados mencionados no art. 82 do Código de Defesa do
Consumidor
530
.
2. Cumprimento de sentença
O cumprimento de sentença, diante da
edição da Lei nº 11.232, de 22 de dezembro de 2005, passou a
constituir a fase seguinte à decisão condenatória, ou melhor, a última
etapa do processo de conhecimento.
530
V. art. 98 do CDC.
272
Diante da nova sistemática processual, o
cumprimento da sentença passa a ter uma das seguintes formas: a) em
se tratando de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela
específica da obrigação ou determinará providências que assegurem o
resultado prático equivalente ao adimplemento
531
; b) na ação que tenha
por objeto a entrega de coisa, o juiz, ao conceder a tutela específica,
fixará o prazo para o cumprimento da obrigação
532
e c) cuidando-se de
obrigação por quantia certa, o cumprimento da sentença será feito na
forma dos artigos 475-I e seguintes do Código de Processo Civil.
O cumprimento da sentença coletiva,
envolvendo interesses difusos e coletivos, efetuar-se-á através de
requerimento do ente legitimado para que o devedor efetue o
pagamento, em quinze dias, sob pena de multa de dez por cento, valor
esse que será recolhido ao fundo previsto no art. 13 da Lei nº 7.347/85.
Contudo, em se tratando de interesses individuais homogêneos, impõe-
se a instauração do processo conhecido como liquidação da sentença.
Existe, também, a possibilidade da sentença
penal condenatória
533
configurar título executivo.
Se a associação civil autora, por exemplo,
não promover o cumprimento da sentença, no prazo de sessenta dias
531
Artigos 475-I e 461 do CPC.
532
Artigos 475-I e 461-A do CPC.
533
V. crimes ambientais previstos na Lei nº 9.605/98 e crimes tipificados no Código de Defesa do
Consumidor.
273
após o trânsito em julgado, deverá fazê-lo o Ministério Público,
facultada igual iniciativa aos demais legitimados
534
. Essa regra vale
somente para interesses difusos e coletivos e não individuais
homogêneos, pois, em relação a estes, a execução será individual, salvo
se os lesados não se habilitarem no prazo legal
535
.
Na nova sistemática, na etapa do
cumprimento da sentença, não haverá embargos do executado, devendo
qualquer objeção do réu ser veiculada mediante mero incidente de
impugnação
536
, cuja decisão poderá ser objeto de agravo de
instrumento.
Na seqüência, expede-se mandado de
penhora e avaliação, excluindo-se a oportunidade do devedor proceder
à nomeação de bens à penhora, em sede de cumprimento de sentença.
Na defesa dos interesses difusos e coletivos,
é possível a execução coletiva de modo provisório ou definitivo
537
.
O art. 14 da Lei da Ação Civil Pública
dispõe que “o juiz poderá conferir efeito suspensivo aos recursos, para
evitar dano irreparável à parte. Nesse passo, a regra é que o recurso
534
Cf. art. 15 da LACP e art. 87 da Lei nº 10.741/03.
535
V. art. 100 do CDC.
536
A impugnação somente poderá versar sobre: a) matérias que podem ser conhecidas de ofício,
como falta de pressuposto processual ou condição da ação; b) matérias que devem ser argüidas
pela parte, como inexigibilidade do título ou qualquer causa impeditiva, modificativa ou extintiva
da obrigação, se superveniente à sentença; c) defeitos na execução, como penhora incorreta,
avaliação errônea ou excesso de execução.
274
deve ser recebido no efeito devolutivo, o que autoriza a execução
provisória
538
.
A execução provisória, envolvendo
interesses difusos e coletivos, não requer a prestação de caução
539
, o
que inviabilizaria a tutela jurisdicional concedida na sentença.
Quanto aos interesses individuais
homogêneos há predominância da tutela ressarcitória.
A sentença condenatória fixa,
genericamente, a responsabilidade do réu pelos danos causados à
coletividade.
Em conseqüência, a liquidação ou a
execução da sentença poderão ser promovidas pelos co-legitimados à
ação coletiva ou pelas vítimas e seus sucessores
540
.
537
V. artigos 14 e 15 da LACP.
538
Patrícia Miranda PIZZOL, Liquidação nas ações coletivas, São Paulo, Editora Lejus, 1998, p.
214.
539
“Em que pese posicionamento diverso, não se pode exigir caução para a execução provisória
coletiva. A exigência seria contrária à índole do processo coletivo, dificultando a implementação
da tutela obtida na sentença. Recorde-se que a aplicação das normas do Código de Processo Civil
no sistema coletivo deve incentivar e facilitar as demandas coletivas, e não o contrário...Exigir-se
caução para os atos de execução provisória coletiva, considerando as características dos entes
legitimados, é contrariar os princípios da efetividade, instrumentalidade e inafastabilidade da
jurisdição, impedindo que a tutela assegure a quem tem um direito exatamente aquilo que deve
receber, de modo similar à tentativa de impedimento de acesso à justiça vertente dos atos
normativos que vedam a concessão de liminares contra o poder público. Os exeqüentes não
disporão de meios materiais nem vias legais para dispor de elevadas quantias a fim de assegurar o
juízo. Isso levará à vedação da satisfação dos interesses lesados, como conseqüência, v.g., da
dissipação do patrimônio do devedor, que dele se desfaça após a sentença. Riscos de
irreversibilidade serão considerados caso a caso, excluindo-se atos de alienação, ou o
levantamento de dinheiro” (Ricardo de Barros LEONEL, Manual do processo coletivo, cit.,
pp.371-372).
275
Na execução individual, a vítima ou seus
sucessores, mediante prévia liquidação, deve comprovar a ocorrência
do seu dano individual, o nexo causal com a situação reconhecida na
decisão e o montante do respectivo prejuízo. O foro competente será o
da liquidação da sentença ou da ação condenatória
541
.
A execução coletiva só poderá ser
promovida pelos co-legitimados à ação civil pública
542
, a qual deverá
ser proposta no mesmo foro do processo de conhecimento
543
.
Ainda, é possível a liquidação individual,
simultaneamente com a coletiva (na defesa de interesses difusos ou
coletivos), como, por exemplo, na hipótese de sentença condenatória
por danos ao meio ambiente. A liquidação será feita visando ao
quantum destinado ao Fundo de Interesses Difusos, ao passo que a
vítima terá sua própria liquidação, visando obter a reparação do dano
individualmente sofrido.
Decorrido o prazo de um ano, sem
habilitação de interessados, em número compatível com a gravidade do
dano, os legitimados do art. 82 do Código de Defesa do Consumidor
540
“Art. 97 do CDC: a liquidação e a execução de sentença poderão ser promovidas pela vítima e
seus sucessores, assim como pelos legitimados de que trata o art. 82”.
541
“Art. 98, parágrafo 2º, inciso I do CDC: é competente para a execução o juízo da liquidação da
sentença ou da ação condenatória, no caso de execução individual”
542
“Art. 98 do CDC: a execução poderá ser coletiva, sendo promovida pelos legitimados de que
trata o art. 82, abrangendo as vítimas cujas indenizações já tiverem sido fixadas em sentença de
liquidação, sem prejuízo do ajuizamento de outras execuções”.
543
“Art. 98, parágrafo 2º, inciso II do CDC: é competente para a execução o juízo da ação
condenatória, quando coletiva a execução”
276
poderão promover a liquidação e a execução devida
544
, cujo produto da
indenização reverterá para o Fundo previsto no art. 13 da Lei da Ação
Civil Pública. Trata-se de espécie de fundo fluído ou fluid recovery,
cujos valores serão utilizados em atividades correlatas à qualquer
espécie de interesse transindividual
545
.
Esse prazo será contado a partir da
publicação do edital, por ser o meio hábil de cientificar os interessados
da sentença proferida na ação coletiva
546
.
Discute a doutrina a natureza jurídica do
prazo do art. 100 do CDC, se prescricional ou decadencial
547
. Contudo,
na esteira do entendimento de SÉRGIO SHIMURA
548
, podemos
afirmar que esse prazo de um ano, na verdade, é processual, de modo a
544
V. art. 100 do CDC.
545
O fundo fluído não mantém as mesmas características originárias das class actions, previstas no
sistema norte-americano. Nos EUA, os recursos destinados ao fundo são direcionados à própria
classe envolvida no litígio, vinculada especificamente à tutela dos direitos dos consumidores ou
do meio ambiente. Em nosso sistema, a destinação do numerário é livre e diversificada, para
qualquer outro interesse difuso ou coletivo (art. 1º, parágrafo 1º da Lei nº 9.008/95).
546
Esta posição é defendida por Patrícia Miranda PIZZOL, Liquidação nas ações coletivas, cit., p.
184. No mesmo sentido, temos o entendimento de Sérgio SHIMURA, Tutela coletiva e sua
efetividade, cit., p. 187 e de Hugo Nigro MAZZILLI, 20ª edição, A defesa dos interesses difusos
em juízo, cit., p. 504. Em sentido contrário, sustentando que esse prazo deve ser contado a partir
do trânsito em julgado da sentença: Ricardo de Barros LEONEL, Manual do processo coletivo,
cit., p. 381.
547
“Não se pode negar a natureza decadencial do prazo do art. 100 do CDC. Com efeito, passado o
prazo, o direito de executar se transfere aos legitimados como representantes do Fundo e não seria
sustentável considerar como ainda subsistente, nessas circunstâncias, o mesmo direito em favor
do titular individual que até então não se habilitou. Isso abriria a possibilidade de dupla execução
do mesmo crédito. Pois bem, admitida a natureza decadencial do prazo previsto no art. 100, não
há como estender a sua aplicação a outras situações, já que isso importaria criar, por via de
interpretação analógica, uma hipótese de decadência não prevista pelo legislador” (Teori Albino
ZAVASCKI, Processo coletivo: tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos, cit., p.
206).
548
Tutela coletiva e sua efetividade, cit., p. 187
277
autorizar a instauração da liquidação e execução coletiva, cujos
recursos serão destinados ao Fundo
Além disso, podemos afirmar que esse
prazo é genérico, de modo que prevalece para a execução de qualquer
interesse individual homogêneo, que não tenha norma específica, diante
da interação existente entre as vias de tutela coletiva.
No caso dos interesses individuais
homogêneos dos investidores do mercado de valores mobiliários, existe
norma específica para a liquidação e execução dos prejuízos
549
.
Cumpre lembrar que a execução coletiva
não impede que os lesados ingressem com a liquidação e execução
individuais, limitadas pela prescrição, segundo as regras de direito
material
550
.
3. Fundo para reparação dos interesses difusos lesados
549
“Art. 2º da Lei nº 7.913/89: As importâncias decorrentes da condenação, na ação de que trata
esta Lei, reverterão aos investidores lesados, na proporção de seu prejuízo. Parágrafo 1º As
importâncias a que se refere este artigo ficarão depositadas em conta remunerada, à disposição do
juízo, até que o investidor, convocado mediante edital, habilite-se ao recebimento da parcela que
lhe couber. Parágrafo 2º Decairá do direito a habilitação o investidor que não o exercer no prazo
de 2 (dois) anos, contado da data da publicação do edital a que alude o parágrafo anterior,
devendo a quantia correspondente ser recolhida como receita da União.
550
Inexistindo norma específica, prevalece a regra do art. 205 do Código Civil.
278
O art. 13 da Lei da Ação Civil Pública
551
criou um fundo, para o qual devem ser destinadas as condenações em
dinheiro.
A Lei nº 9.008, de 21 de março de 1995, no
âmbito da estrutura do Ministério da Justiça, criou o Conselho Federal
Gestor do Fundo de Defesa de Direitos Difusos.
O art. 1º, parágrafo 1º da Lei nº 9.008/95
estabelece que o Fundo de Defesa de Direitos Difusos tem por
finalidade a reparação dos danos causados ao meio ambiente, ao
consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico,
turístico, paisagístico, por infração à ordem econômica e a outros
interesses difusos e coletivos.
Ainda, prevê o parágrafo 2º do art. 1º da
referida Lei nº 9.008/95, que constituem recursos do fundo, “o produto
da arrecadação: I – das condenações judiciais de que tratam os arts. 11 e
13 da Lei nº 7.347, de 1985; II – das multas e indenizações decorrentes
da aplicação da Lei nº 7.853, de 24 de outubro de 1989, desde que não
destinadas à reparação de danos a interesses individuais; III – dos
valores destinados à União em virtude da aplicação da multa prevista
no art. 57 e seu parágrafo único e do produto da indenização prevista no
art. 100, parágrafo único, da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990;
551
“Art. 13 da Lei nº 7.347/85: Havendo condenação em dinheiro, a indenização pelo dano
causado reverterá a um fundo gerado por um Conselho Federal ou por Conselhos Estaduais de
que participarão necessariamente o Ministério Público e representantes da comunidade, sendo
seus recursos destinados à reconstituição dos bens lesados. Parágrafo único – Enquanto o fundo
279
IV – das condenações judiciais de que trata o § 2º do art. 2º da Lei nº
7.913, de 7 de dezembro de 1989; V – das multas referidas no art. 84 da
Lei nº 8.884, de 11 de junho de 1994; VI – dos rendimentos auferidos
com a aplicação dos recursos do Fundo; VII – de outras receitas que
vierem a ser destinadas ao Fundo; VIII – de doações de pessoas físicas
ou jurídicas, nacionais ou estrangeiras”
.
Se possível, o próprio bem lesado deve ser
reparado ou, na hipótese de impossibilidade, o dinheiro da condenação
poderá ser utilizado para preservar ou restaurar outros bens
compatíveis
552
.
O Fundo de Defesa de Direitos Difusos
distingue-se de outros fundos, como, por exemplo, o Fundo Nacional
do Meio Ambiente
553
, Fundo dos Direitos da Criança e do
Adolescente
554
e Fundo do Idoso
555
.
Na esfera estadual, o Fundo de Reparação
dos Interesses Difusos Lesados foi criado pela Lei estadual paulista nº
não for regulamentado, o dinheiro ficará depositado em estabelecimento oficial de crédito, em
conta com correção monetária”
552
“Como exemplo, em se tratando de dano irreparável a uma obra de arte, a indenização poderá
ser utilizada para reconstituição, manutenção ou conservação de outras obras de arte, ou até
mesmo para conservação de museus ou lugares onde elas se encontrem. Na destruição irreparável
de um sítio ambiental, pode ser cogitada a preservação de outros locais dotados pela natureza. No
caso de extinção de animais, poderemos criar condições que favoreçam a procriação ou o habitat
da mesma ou de outras espécies em extinção. Enfim, a aplicação do produto do fundo depende de
discernimento e imaginação” (Hugo Nigro MAZZILLI, A defesa de interesses difusos em juízo,
20ª edição, cit., p. 497).
553
É formado pelos valores arrecadados em pagamento de multas por infração ambiental.
554
É constituído por valores das multas impostas com base no Estatuto da Criança e do
Adolescente, exceto aquelas derivadas de sanção criminal (arts. 154 e 214 do ECA).
555
V. art. 84 da Lei 10.741/2003.
280
6536/89, cujo Conselho é composto pelos Secretários de Estado da
Cultura, da Justiça e Defesa da Cidadania, da Fazenda e do Meio
Ambiente, pelo Procurador-Geral de Justiça, pelos Procuradores de
Justiça (Coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias
de Justiça do Consumidor; Coordenador do Centro de Apoio
Operacional de Urbanismo e Meio Ambiente) e por três representantes
de associações, referidas nos incisos I e II do art. 5º da Lei nº
7.347/85
556
.
Cumpre destacar a norma do art. 99 do
Código de Defesa do Consumidor
557
, que trata do concurso de créditos
entre a condenação prevista na lei da ação civil pública e de
indenizações pelos prejuízos individuais resultantes do mesmo evento
danoso, esclarecendo que estas terão preferência no pagamento sobre
aquela.
Nesse passo, os indivíduos lesados, que
hajam liquidado seus créditos, poderão obter ressarcimento junto ao
fundo, com base nos valores ali arrecadados em decorrência da ação
coletiva
558
-
559
.
556
Este Conselho integra a estrutura organizacional do Ministério Público do Estado de São Paulo.
557
“Art. 99 do CDC: Em caso de concurso de créditos decorrentes de condenação prevista na Lei
n. 7.347, de 24 de julho de 1985, e de indenizações pelos prejuízos individuais resultantes do
mesmo evento danoso, estas terão preferência no pagamento. Parágrafo único – Para efeito do
disposto neste artigo, a destinação da importância recolhida ao Fundo criado pela Lei n. 7.347, de
24 de julho de 1985, ficará sustada enquanto pendentes de decisão de segundo grau as ações de
indenização pelos danos individuais, salvo na hipótese de o patrimônio do devedor ser
manifestamente suficiente para responder pela integralidade das dívidas”.
558
V. Sérgio SHIMURA, Tutela coletiva e sua efetividade, cit., p. 198 e Ricardo de Barros
LEONEL, Manual do processo coletivo, cit., p. 388.
281
CAPÍTULO XII
CONCLUSÕES
01. O interesse é metaindividual quando, além de ultrapassar o círculo
individual, corresponda aos anseios de todo um segmento ou
categoria social, distinguindo-se entre aquele que atinge um número
determinado (ou determinável) de pessoas e o que alcança um
grupo indeterminado (ou de difícil determinação) de indivíduos.
559
“Em suma, somente se tiver havido execução coletiva de interesses individuais homogêneos, e
se o produto da indenização tiver sido depositada no fundo de interesses difusos lesados por falta
de habilitação dos lesados, somente neste caso é que o órgão gestor do fundo não poderá utilizar
esse dinheiro enquanto estiverem pendentes de decisão de segundo grau as ações de indenização
282
02. Os interesses transindividuais (ou coletivos lato sensu)
compreendem os interesses difusos, coletivos (propriamente ditos)
e os individuais homogêneos.
03. Interesses difusos são aqueles em que os titulares não são
previamente determinados ou determináveis e se encontram ligados
por circunstâncias de fato. São interesses indivisíveis e, embora
comuns a uma categoria mais ou menos abrangente de pessoas, não
se pode afirmar com precisão a quem pertencem, nem em que
medida quantitativa são por elas compartilhados.
04. Interesses coletivos são os que compreendem uma categoria
determinada, ou pelo menos determinável, de pessoas, dizendo
respeito a um grupo, classe ou categoria de indivíduos ligados pela
mesma relação jurídica básica, entre eles (como se dá num sindicato
de classe) ou com a parte contrária (como por exemplo, os pais de
alunos de uma escola particular, onde todos estão ligados por um
vínculo jurídico – contrato – e titularizam, portanto, o interesse
coletivo de combater aumentos ilegais e abusivos da mensalidade).
Do mesmo modo que os difusos, os interesses coletivos têm
natureza indivisível, na medida em que não podem ser partilhados
individualmente entre os seus titulares. Admitido o interesse de um
satisfaz-se o de todos indiscriminadamente.
por danos individuais homogêneos” (Hugo Nigro MAZZILLI, A defesa dos interesses difusos em
juízo, 20ª edição, cit., p. 522).
283
05. Interesses individuais homogêneos são os direitos individuais cujo
titular é perfeitamente identificável e cujo objeto é divisível e
cindível. Diferenciam-se, pois, dos interesses coletivos, em virtude
da divisibilidade do direito titularizado pelos vários sujeitos. O que
caracteriza um direito individual como homogêneo é a natureza
comum, similar, semelhante entre os interesses de cada um dos
vários titulares.
06. A ação coletiva é considerada como tutela jurisdicional
diferenciada, na medida em que objetiva a efetividade dos conflitos
coletivos e a pacificação social.
07. Antes da edição da Lei da Ação Civil Pública, havia poucas
fórmulas para a defesa dos interesses difusos e coletivos. A
Constituição de 1988, levando em conta os bons resultados da Lei
da Ação Civil Pública ampliou a tutela dos interesses
metaindividuais, especialmente, com a previsão da figura do
mandado de segurança coletivo (art. 5º, inciso LXX da Carta
Magna de 1988).
08. Além das hipóteses referidas no art. 1º da Lei da Ação Civil Pública
e em leis esparsas, quaisquer outros interesses difusos, coletivos e
individuais homogêneos podem ser defendidos em juízo, por meio
da tutela coletiva, por qualquer um dos seus co-legitimados ativos.
284
09. Cumpre destacar a importante interação do Código de Defesa do
Consumidor e da Lei da Ação Civil Pública, formando um sistema
integrado de tutela coletiva, inclusive, estendendo-se tal aplicação a
todos os diplomas que tratam da tutela de outros interesses
transindividuais (investidores do mercado de valores mobiliários,
pessoas portadoras de deficiência, criança e adolescente, idoso e
mulheres).
10. Quanto à tutela jurisdicional do patrimônio público são legitimados
o Ministério Público e a pessoa jurídica interessada.
11. O foro privilegiado é garantido apenas no julgamento de matéria de
responsabilidade penal e não nas ações civis públicas, por prática
de atos de improbidade administrativa contra prefeitos municipais,
as quais devem ser ajuizadas perante a primeira instância.
12. Não se há falar em notificação prévia do demandado, em sede de
ação civil pública por ato de improbidade administrativa.
13. A Lei de Improbidade Administrativa prevê as seguintes medidas
acautelatórias: indisponibilidade e seqüestro ou bloqueio de bens do
demandado, desde que necessário para garantia da reparação do
dano causado e perda daquilo que foi obtido como proveito do
enriquecimento ilícito; bem como afastamento do agente público do
exercício do cargo, pela autoridade judicial ou administrativa.
285
14. Não se há falar em cumulação das penas previstas no art. 12 da Lei
de Improbidade Administrativa, na medida em que se deve
examinar, em cada concreto, a extensão do dano causado e o
proveito patrimonial obtido pelo agente público.
15. A prescrição, a que se refere o disposto no artigo 23 da Lei de
Improbidade Administrativa, diz respeito à ação para a perda da
função e suspensão dos direitos políticos. Para o obter o
ressarcimento do dano do ato ilícito praticado em detrimento do
patrimônio público, a regra é a imprescritibilidade, diante da norma
contida no art. 37, parágrafo 5º da Constituição Federal.
16. A determinação do foro competente verifica-se em razão da
extensão do dano. Quando o dano for de âmbito local, a
competência é do lugar onde ocorreu ou deva ocorrer o dano, nos
termos do art. 93, inciso I do Código de Defesa do Consumidor. O
foro será o da capital do Estado ou do Distrito Federal, quando o
dano for de âmbito regional ou nacional, consoante o inciso II do
art. 93 do Código de Defesa do Consumidor.
17. Quando a relação de trabalho constituir objeto da ação civil pública,
portanto, a competência para sua apreciação será da Justiça do
Trabalho.
18. A legitimação ativa nas ações civis públicas é concorrente,
disjuntiva e exclusiva.
286
19. A legitimação prevista no art. 5º, LACP cuida-se de legitimação
própria (ou legitimação coletiva), ou, sendo o Ministério Público,
legitimação coletiva institucional.
20. A legitimidade do Ministério Público para ajuizar ações fundadas
em direitos individuais homogêneos deve se restringir àquelas
demandas em que se verifique o interesse social, pelo que se infere
da atuação do Parquet no exercício de sua função institucional.
21. Em caso de desistência infundada ou abandono da ação coletiva por
associação co-legitimada, o Ministério Público assumirá a
demanda, quando for o caso, ou seja, com o mesmo critério que
utiliza para propor a ação civil pública consistente em identificar a
presença de justa causa para a sua intervenção.
22. O Ministério Público poderá desistir da ação civil pública, por ele
proposta, na medida em que essa análise não viola o seu dever de
agir, que pressupõe a valoração do interesse envolvido, bem como a
apreciação da justa causa para o prosseguimento na ação.
23. Se a ação civil pública ou coletiva for intentada por qualquer outro
legitimado, que não o Ministério Público, este intervirá no
processo, obrigatoriamente, como fiscal da lei.
287
24. Não vemos possibilidade de litisconsórcio facultativo entre os
Ministérios Públicos da União, do Distrito Federal e dos Estados,
de modo que um representante do Ministério Público possa
promover, isoladamente e sem atribuições para determinada
questão, ação civil pública, seja perante a mesma justiça, seja
perante outra.
25. Os legitimados públicos não estão sujeitos aos requisitos de pré-
constituição há pelo menos um ano. Já, a pertinência temática
aplica-se às entidades e os órgãos da administração pública direta
ou indireta, ainda que sem personalidade jurídica.
26. Só não tem sentido exigir pertinência temática da União, dos
Estados, dos Municípios, do Distrito Federal, tendo em conta a sua
vocação à defesa de interesses públicos e coletivos lato sensu.
Contudo, as pessoas jurídicas de direito público, os entes da
administração indireta e órgãos despersonalizados devem
demonstrar o interesse processual.
27. Para a atuação coletiva, as associações civis não necessitam de
autorização assemblear.
28. Quanto à finalidade institucional das associações civis, ela pode ser
razoavelmente genérica, mas não deve ser desarrazoada e nem pode
ser dispensada pelo juiz.
288
29. Quanto aos sindicatos, deve estar presente a finalidade institucional
e a representatividade adequada, isto é, requer o vínculo jurídico
que sirva de liame entre a lesão e a categoria respectiva.
30. Os legitimados passivos nas ações coletivas são todos aqueles que
causarem um dano a um grupo de pessoas, lesando interesses
difusos, coletivos ou individuais homogêneos. Em resumo,
poderão ser sujeitos passivos das ações coletivas, pessoas físicas ou
jurídicas, de direito público ou privado, ou entes despersonalizados,
mas dotados de capacidade processual, que tenham ocasionado ou
concorrido para a lesão de algum interesse transindividual e, em
razão disso, deva ser responsabilizado.
31. O inquérito civil é de atribuição do Ministério Público, a nível
constitucional, como função institucional (artigo 129, III da
Constituição Federal).
32. O inquérito civil é de instauração facultativa, quando haja ofensa ou
ameaça de lesão a quaisquer interesses difusos e/ou coletivos, não
sendo requisito para a propositura da ação civil pública.
33. Se o órgão do Ministério Público, ao final do inquérito civil,
entender que não há embasamento para o ajuizamento da ação civil
pública, depois de esgotadas todas as diligências ou na hipótese de
a ação civil pública ou as recomendações expedidas não
abrangerem todos os fatos referidos na portaria de instauração, ou,
ainda, quando celebrado compromisso de ajustamento definitivo,
289
efetuará a promoção de arquivamento dos autos,
fundamentadamente, remetendo os autos, no prazo de três dias, sob
pena de falta grave, ao Conselho Superior do Ministério Público.
34. O compromisso de ajustamento de conduta pode ser realizado por
quaisquer entes legitimados (dos artigos 5º da Lei da Ação Civil
Pública e 82 do Código de Defesa do Consumidor) e, quando
elaborado pelo órgão do Ministério Público, deverá ser realizado
nos próprios autos do inquérito civil e/ou peças de informação,
impondo o cumprimento das obrigações necessárias à prevenção,
cessação ou reparação do dano.
35. Quanto à transação promovida pelo Promotor de Justiça, no curso
da ação civil pública ou coletiva, firmou-se o entendimento de que
não há intervenção do Conselho Superior do Ministério Público, na
medida em que o controle, na espécie, não é administrativo, mas
jurisdicional, consistente na homologação por sentença do Juízo.
36. É possível a transação, em se tratando de interesses
metaindividuais, porque não tem por objeto o próprio direito
indisponível, mas, a forma de adoção de medidas positivas ou
negativas, destinadas a impedir, minorar, recompor, recuperar os
interesses coletivos violados.
37. O art. 4º da Lei nº 7.347/85 alargou o âmbito da ação cautelar, em
sede de ação civil pública.
290
38. Inexiste qualquer óbice à concessão das tutelas de urgências
previstas nos artigos 273 e 461 do Código de Processo Civil, em
sede de ação civil pública.
39. O art. 12, caput da Lei da Ação Civil Pública prevê a concessão de
mandado liminar.
40. A concessão da liminar depende da demonstração de urgência do
provimento e da plausibilidade dos fundamentos jurídicos
invocados pelo demandante, analisados pelo magistrado, em
cognição sumária (periculum in mora e fumus boni iuris). Poderá
também ser realizada audiência de justificação prévia, para fins de
concessão da liminar.
41. Em ação civil pública, a liminar pode consistir na autorização ou
vedação da prática de ato ou na concessão de qualquer providência
de cautela, com ou sem imposição de multa liminar diária.
42. Em se tratando de interesses transindividuais, devemos lembrar que
as restrições impostas à concessão de liminares não podem ser
aceitas, na medida em que, normalmente, se não concedida a tutela
preventiva, em caráter liminar, verifica-se o perecimento do bem
jurídico tutelado e impossibilidade de reconstituição.
291
43. Cumpre registrar ainda que a liminar poderá vir acompanhada de
multa, nos termos do parágrafo 2º do art. 12 da Lei nº 7.347/85. O
sistema da multa liminar, de caráter cominatório, constitui meio de
coerção sobre a parte, com o fim de obter de imediato o
cumprimento da obrigação – trata-se da astreinte. A multa deve ser
alta, de modo a constituir um fator intimidativo.
44. O valor da multa deve ser destinado à reparação dos interesses
difusos lesados, criado pela lei. Há previsão expressa, neste sentido,
com relação às multas relativas aos interesses da criança e do
adolescente e à defesa contra o abuso do poder econômico.
45. No âmbito do processo coletivo, o tema da intervenção de terceiros,
possui peculiaridades próprias.
46. Com relação à oposição, diante da natureza do seu instituto, não há
possibilidade de incidência no processo coletivo.
47. Embora seja difícil, não é impossível, a verificação da nomeação à
autoria, em ação coletiva, pois se destina somente à correção do
pólo passivo da demanda.
48. Na denunciação à lide existe ampliação objetiva e subjetiva da
demanda e, assim, não se vislumbra a possibilidade de sua
utilização nas ações coletivas.
292
49. Na ação civil pública, cabe, em tese, o chamamento ao processo dos
co-devedores solidários.
50. O legislador, em se tratando de ação coletiva, não previu a figura da
assistência. Todavia, é admissível o cabimento da assistência –
simples e litisconsorcial, tanto no pólo ativo e passivo da demanda,
por parte de co-legitimados ou de indivíduos isoladamente.
51. Admite-se nas ações coletivas, o litisconsórcio ativo entre mais de
um ente co-legitimado, diante do fato da legitimação ser
concorrente e disjuntiva, inclusive, o litisconsórcio ulterior, com a
possibilidade de aditamento da inicial pelo interveniente.
52. Não se pode negar a possibilidade de litisconsórcio no pólo passivo,
mesmo porque o parágrafo 2º do art. 5º fala que o poder Público e
as associações podem habilitar-se sob aquela qualidade em relação
a “qualquer das partes”, o que abrange a situação subjetiva da lide
em seus dois pólos”.
53. Quanto aos interesses individuais homogêneos, o art. 94 do Código
de Defesa do Consumidor estabelece que “proposta a ação, será
publicado edital no órgão oficial, a fim de que os interessados
possam intervir no processo como litisconsortes, sem prejuízo de
ampla divulgação pelos meios de comunicação social por partes dos
órgãos de defesa do consumidor”.
293
54. A análise da espécie de sentença cabível nas ações coletivas leva
em conta a situação concreta.
55. Precipuamente, a natureza da sentença, na ação civil pública, diante
do conjunto dos artigos 11 e 13 da Lei nº 7.347/85, é cominatória,
ou melhor, voltada para a tutela específica de um interesse
transindividual e não para a obtenção de uma condenação
pecuniária.
56. Tendo em conta o disposto no art. 3º da Lei nº 7.347/85, dizendo
que a ação civil pública poderá ter por objeto a condenação em
dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer,
deve-se buscar a preservação do interesse metaindividual, em
detrimento do seu sucedâneo pecuniário.
57. Sendo cabíveis todas as espécies de pedidos não vedados pelo
ordenamento jurídico, serão admissíveis todas as hipóteses de
sentença, desde que adequadas aos pleitos formulados, diante do
princípio da congruência ou correlação.
58. O sistema de tutela dos interesses metaindividuais possibilita
fixação de multa para as hipóteses de cumprimento de obrigação de
fazer ou de não fazer, nas sentenças cominatórias, haja ou não
pedido do autor, para compelir o devedor ao cumprimento da
obrigação. É o caso da multa condenatória.
294
59. A sentença condenatória, em pecúnia, em sede de ação de
improbidade administrativa, será contra a pessoa física, que tenha
praticado o ato tido como ímprobo e não contra a pessoa jurídica de
direito público.
60. A Lei da Ação Civil Pública, no seu art. 18, ao disciplinar a questão
da sucumbência, só subordina o pagamento de custas, honorários
advocatícios e demais despesas processuais, em havendo litigância
de má-fé.
61. O sistema regrado pelo Código de Defesa do Consumidor passa a
reger a coisa julgada, em todos os processos coletivos, não só
aqueles relativos à defesa do consumidor, como, de maneira
integrada, os que digam respeito à defesa de quaisquer interesses
transindividuais.
62. Em caso de improcedência após instrução suficiente, a sentença
coletiva fará coisa julgada ultra partes para atingir a comunidade
ou a coletividade titular do direito superindividual (difuso ou
coletivo) ou individual homogêneo em litígio e impedir que
qualquer legitimado do art. 82 reproponha a mesma ação coletiva
pleiteando a mesma tutela para o mesmo direito através do mesmo
pedido, invocando a mesma causa de pedir. Ações individuais, em
defesa de direitos individuais (homogêneos ou não), entretanto,
continuam podendo ser propostas.
295
63. Em caso de improcedência após instrução insuficiente (por falta de
prova), a sentença coletiva não fará coisa julgada material.
64. Em caso de procedência do pedido, a sentença coletiva fará coisa
julgada erga omnes ou ultra partes para tutelar o bem coletivo,
atingindo a comunidade ou a coletividade titular do direito
superindividual, e atingindo, para beneficiar, também a esfera
individual de todos os componentes da comunidade ou da
coletividade que sejam titulares do correspondente direito
individual homogêneo.
65. Há peculiaridades aplicáveis só relativamente ao julgado sobre
interesses individuais homogêneos. Se improcedente a ação
coletiva, os interessados que não tiverem interferido como
“litisconsortes” poderão propor ações individuais de indenização e
de que os autores de demandas individuais. Contudo, os autores de
demandas individuais não serão beneficiados pela decisão coletiva,
se não for requerida a suspensão da ação individual, no prazo de
trinta dias a contar da ciência, no feito, do ajuizamento da coletiva.
66. Quanto às ações coletivas propostas na defesa dos interesses
difusos e coletivos, não se induz litispendência ou coisa julgada em
relação às ações individuais, porque se trata de ações diversas, por
possuírem partes, causa de pedir e pedido absolutamente diferentes.
296
67. Quanto às ações coletivas para a defesa dos interesses individuais
homogêneos e as respectivas ações individuais, há uma relação de
continência.
68. Se a sentença proferida em ação civil pública não determinar o
valor devido, é preciso proceder à sua liquidação. A Lei da Ação
Civil Pública nada dispõe sobre a liquidação da sentença. De outra
parte, o Código de Defesa do Consumidor só faz referência à
liquidação da sentença, nas ações envolvendo interesses individuais
homogêneos. Nesse passo, o regramento contido nos artigos 475-A
a 475-H do Código de Processo Civil aplica-se, também, à
liquidação das sentenças relativas aos interesses coletivos lato
sensu.
69. A liquidação da sentença, em sede de interesses transindividuais,
poderá ser promovida por qualquer um dos co-legitimados
mencionados no art. 82 do Código de Defesa do Consumidor.
70. O cumprimento da sentença coletiva, envolvendo interesses difusos
e coletivos, efetuar-se-á através de requerimento do ente legitimado
para que o devedor efetue o pagamento, em quinze dias, sob pena
de multa de dez por cento, valor esse que será recolhido ao fundo
previsto no art. 13 da Lei nº 7.347/85. Contudo, em se tratando de
interesses individuais homogêneos, impõe-se a instauração do
processo conhecido como liquidação da sentença.
297
71. Na defesa dos interesses difusos e coletivos, é possível a execução
coletiva de modo provisório ou definitivo.
72. A execução provisória, envolvendo interesses difusos e coletivos,
não requer a prestação de caução, o que inviabilizaria a tutela
jurisdicional concedida na sentença.
73. Na execução individual, a vítima ou seus sucessores, mediante
prévia liquidação, deve comprovar a ocorrência do seu dano
individual, o nexo causal com a situação reconhecida na decisão e o
montante do respectivo prejuízo. O foro competente será o da
liquidação da sentença ou da ação condenatória.
74. A execução coletiva só poderá ser promovida pelos co-legitimados
à ação civil pública, a qual deverá ser proposta no mesmo foro do
processo de conhecimento.
75. Decorrido o prazo de um ano, sem habilitação de interessados, em
número compatível com a gravidade do dano, os legitimados do art.
82 do Código de Defesa do Consumidor poderão promover a
liquidação e a execução devida, cujo produto da indenização
reverterá para o Fundo previsto no art. 13 da Lei da Ação Civil
Pública.
298
76. Esse prazo será contado a partir da publicação do edital, por ser o
meio hábil de cientificar os interessados da sentença proferida na
ação coletiva.
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