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ela não ocorra na solidão
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. Assim, cicatrizar a falha básica implica, necessariamente, em
uma relação bipessoal que a suporte:
Todos os novos começos acontecem na transferência, isto é, em uma relação objetal,
levando a uma relação modificada com os objetos de amor e ódio do paciente e, em
conseqüência, a uma considerável diminuição da angústia. (...) Novo começo
significa: a) voltar a algo “primitivo”, a um ponto anterior ao início do
desenvolvimento defeituoso, o que poderia ser descrito como uma regressão e, b) ao
mesmo tempo, a descoberta de um novo meio, mais adequado, que leva a uma
progressão. (...) chamamos a soma total desses dois fenômenos básicos de regressão
em favor da progressão. (ibidem, p.123)
Assim, Balint parece tentar “reabilitar” toda a força que o conceito de transferência
traz, em uma época em que a corrente teórica dominante, apoiada nas concepções kleinianas,
propunha como técnica a interpretação da transferência, enfatizando seu entendimento como
um processo eminentemente centrado na repetição, na reedição das imagos parentais. Balint é
bastante crítico com relação a este tipo de manejo, destacando, sobretudo, o quanto tal
procedimento técnico parece deixar o paciente em uma situação cada vez mais infantilizada e
dependente, às custas de uma certa hipocrisia do analista, que permanece em uma posição
onipotente e onisciente, essencialmente defensiva. Para Balint, em relação aos pacientes
regredidos em análise, este é um dos maiores “erros técnicos” que se pode cometer. Pois,
nestes casos, a orientação é, precisamente, tentar diminuir ao máximo a desigualdade, a
distância entre analista e paciente
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, criando uma atmosfera favorável à regressão - e daí toda
a importância da noção do analista como substância primária. Assim, insistir em sua posição
de um objeto separado, distinto e independente é tudo que o analista deve evitar.
Desta forma, mais do que repetição, Balint enfatiza a concepção de transferência como
sendo, essencialmente, da ordem de uma criação. Pois é no ato presente da transferência, sua
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A referência a Winnicott e seu texto sobre a capacidade de estar só é inevitável. Nele,
Winnicott discute sobre o quanto o estar só é um sinal de maturidade emocional que só é
possível acontecer na medida em que a criança tenha experienciado uma situação
fundamental - e a princípio paradoxal - de estar só na presença de alguém. E é interessante
a sua descrição desta situação, na qual o mais importante é a qualidade da relação e da
atmosfera estabelecida. Trata-se, assim, de uma situação onde é possível ao bebê estar só,
mas com a mãe ou quem a substitua “confiantemente presente, ainda que representada, por
um momento, por um berço ou um carrinho de bebê, ou pela atmosfera geral do ambiente
próximo” (WINNICOT, 1958/1990, p.33).
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Referência a Ferenczi e suas experimentações de inovações na técnica analítica, em
especial seu conceito de tato, também utilizado por Balint, que se refere a uma
compreensão empática da situação analítica, por parte do analista, que só pode advir
mediante sua própria análise pessoal, não devendo ser confundida com algo “místico”
(FERENCZI, 1928) .