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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS
Faculdade de Letras
Pós-graduação em Estudos Lingüísticos
Maria Juliana Horta Soares
ASPECTOS INTRA E INTERDISCURSIVOS DE UM JORNAL:
ANÁLISE DE NOTÍCIAS SOBRE TRANSPORTE E TRÂNSITO
NO ESTADO DE MINAS (1955-1956 E 2005-2006)
Belo Horizonte
2008
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3
Maria Juliana Horta Soares
ASPECTOS INTRA E INTERDISCURSIVOS DE UM JORNAL:
ANÁLISE DE NOTÍCIAS SOBRE TRANSPORTE E TRÂNSITO
NO ESTADO DE MINAS (1955-1956 E 2005-2006)
Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de
Pós-graduação em Estudos Lingüísticos da Faculdade
de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais,
como requisito parcial para a obtenção do título de
Mestre em Lingüística.
Área de concentração: Lingüística
Linha de pesquisa: Análise do Discurso
Orientador: Prof. Dr. Antônio Augusto Moreira de
Faria
Belo Horizonte
Faculdade de Letras da UFMG
2008
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4
AGRADECIMENTOS
Ao Professor Antônio Augusto Moreira de Faria, meu exemplo de
sabedoria, competência e bom humor desde os tempos de graduação;
À minha mãe, primeira professora que conheci, de formação
e vocação, e ao meu pai e irmãos, companheiros do dia-a-dia;
Ao Raphael, pelo constante incentivo;
Aos mestres e colegas da Letras, pelo aprendizado.
5
As palavras, se o não sabe, movem-se muito, mudam de
um dia para o outro, são instáveis como sombras,
sombras elas mesmas, que tanto estão como deixaram de
estar, bolas de sabão, conchas de que mal se sente a
respiração, troncos cortados. (SARAMAGO)
6
Resumo
Quais as principais mudanças ocorridas no discurso jornalístico brasileiro nos últimos 50
anos? Essa questão foi o ponto de partida para o trabalho em que analisamos as diferenças
entre os anos 1955-1956 e 2005-2006 no discurso do jornal Estado de Minas. A temática
escolhida, transporte e trânsito, ocupa espaço central nas sociedades contemporâneas e
aparece diariamente nas páginas do Estado de Minas nas duas épocas. Entre os aspectos
selecionados para a análise estão os sintáticos, como uso dos tempos verbais e do discurso
relatado ou citado, e os semânticos, como os percursos temáticos ou figurativos e as
estratégias discursivas de persuasão. Entre as principais estratégias, estudamos algumas
intradiscursivas (seleção lexical e de personagens), outras interdiscursivas (silenciamento)
e, ainda, estratégias simultaneamente intra e interdiscursivas (relação entre explícitos e
implícitos), para, por fim, estudar outros aspectos relativos à captação de leitores por parte
do jornal e à credibilidade das notícias junto ao público.
Résumé
Quels sont les principaux changement dans le discours journalistique bresilién au cours de
50 années? Cette question a été le point de départ pour le travail dans lequel nous
analysons les différences dans le discourse du journal Estado de Minas dans les années
1955-1956 et 2005-2006. Le thème choisi, le transport e la circulation, occupe une place
très importante dans le périodes sélectionnés. Parmi les questions retenues por l’analyse,
on peut trouver des aspects synthaxiques, tels que l’utilisation des verbes, du discours
direct et du discours rapporté, en ce qui concerne la sémantique, tels que les parcours
thématiques ou figuratives et les stratégies de persuasion. Parmi les principales stratégies,
on a étudié quelquesunes intradiscursive (par exemple: la séléction léxicale et les
personnages), d’autres interdiscursive (le silence) et encore des stratégies en même-temps
intra et interdiscursive (des rapports entre les aspects explicite et implicites), pour en
dernière analyse, étudier d’autres aspects relatifs à la captation des lecteurs, et à la
crédibilité des nouvelles auprès du public.
V
I
7
Sumário
Resumo / Résumé ............................................................................................................... VI
1. Introdução
1.1.Considerações iniciais ............................................................................................ 11
1.2. Objetivos
1.2.1. Objetivo Geral ............................................................................................. 15
1.2.2. Objetivos Específicos ...................................................................................15
1.3. Justificativa
1.3.1. A Temática .................................................................................................. 16
1.3.2. O discurso jornalístico não se limita à dimensão mercadológica ................ 17
1.4. Fundamentação Teórica
1.4.1. Discurso e Ideologia .................................................................................... 21
1.4.2. Intradiscurso e interdiscurso .........................................................................23
1.4.3. Estratégias discursivas de persuasão ideológica ..........................................26
1.4.4. Reflexo e refração ........................................................................................29
1.4.5. Outros aspectos da produção jornalística .................................................... 34
1.4.6. Transação, transformação, captação e informação ...................................... 37
1.5. Metodologia .......................................................................................................... 43
2. Aspectos intra e interdiscursivos do EM na década de 50 ............................................. 45
2.1. Aspectos relacionados à semântica discursiva ...................................................... 45
2.1.1. Percursos semânticos ................................................................................... 45
2.1.2. Estratégias de persuasão .............................................................................. 47
2.1.2.1. Aspectos intradiscursivos: seleção lexical e de personagens
8
2.1.2.1.a. Meios de transporte ............................................................ 48
2.1.2.1.b. Obras .................................................................................. 55
2.1.2.1.c. Custos, tarifas, preços ........................................................ 59
2.1.2.1.d. Política, legislação ............................................................. 62
2.1.2.1.e. Reivindicações, greves, outras manifestações ................... 67
2.1.2.1.f. Queixas, denúncias ............................................................ 70
2.1.2.1.g. Acidentes ........................................................................... 73
2.1.2.1.h. Combustível ....................................................................... 77
2.1.2.2. Aspecto interdiscursivo: silenciamento ............................................80
2.1.2.3. Aspectos simultaneamente intra e interdiscursivos: relação entre
explícitos e implícitos .................................................................................. 82
2.1.3 Aspecto interdiscursivo: oposições .............................................................. 85
2.1.3.1. Oposição /progresso/ x /atraso/ ............................................. 85
2.1.3.2. Oposição /mais poderosos/ x /menos poderosos/ ................ 88
2.1.3.3. Oposição /denúncia/ x /conformismo/ .................................. 89
2.1.4 Credibilidade e captação ............................................................................. 90
2.2. Aspectos da sintaxe discursiva ............................................................................. 92
2.2.1. Tempos verbais........................................................................................... 92
2.2.2. Discurso relatado e discurso citado............................................................. 95
2.2.3. Diagramação: a organização formal de temas e figuras semânticas .......... 96
3. Aspectos intra e interdiscursivos do EM nos anos de 2005 e 2006 .............................. 101
3.1. Aspectos relacionados à semântica discursiva .................................................... 101
3.1.1. Percursos semânticos ................................................................................. 101
3.1.2. Estratégias de persuasão ............................................................................ 102
3.1.2.1. Aspectos intradiscursivos: seleção lexical e de personagens .........103
9
3.1.2.1.a. Meios de transporte .......................................................... 104
3.1.2.1.b. Obras ................................................................................ 111
3.1.2.1.c. Custos, tarifas, preços ...................................................... 116
3.1.2.1.d. Política, legislação ........................................................... 122
3.1.2.1.e. Reivindicações, greves, outras manifestações ................. 127
3.1.2.1.f. Queixas, denúncias ........................................................... 133
3.1.2.1.g. Acidentes ......................................................................... 140
3.1.2.1.h. Combustível ..................................................................... 145
3.1.2.1.i. Outros aspectos ................................................................. 147
3.1.2.2. Aspecto interdiscursivo: silenciamento ........................................151
3.1.2.3. Aspectos tanto intra quanto interdiscursivos: relação entre explícitos
e implícitos .................................................................................................153
3.2.3. Aspecto interdiscursivo: oposições interdiscursivas
3.1.3.1. Oposição /progresso/ x /atraso/ .................................................... 154
3.1.3.2. Oposição /mais poderosos/ x /menos poderosos/ ........................ 157
3.1.3.3. Oposição /denúncia/ x /conformismo/ ......................................... 158
3.2.4 Credibilidade e captação ............................................................................ 159
3.2. Aspectos da sintaxe discursiva ........................................................................... 162
3.2.1. Tempos verbais.......................................................................................... 162
3.2.2. Discurso relatado e discurso citado............................................................ 164
3.2.3. Diagramação: a organização formal de temas e figuras semânticas...........165
4. Conclusões ................................................................................................................... 170
4.1. Aspectos da semântica discursiva ....................................................................... 170
4.1.1. Percursos semânticos ................................................................................ 171
4.1.2. Seleção de personagens e seleção lexical .................................................. 173
10
4.1.3. Silenciamento ............................................................................................ 176
4.1.4. Explícitos x implícitos ............................................................................... 177
4.1.5. Oposições .................................................................................................. 178
4.1.6. Credibilidade e captação ........................................................................... 181
4.2. Aspectos da sintaxe discursiva
4.2.1 Tempos verbais........................................................................................... 183
4.2.2. Discurso relatado e discurso citado............................................................ 184
4.2.3. Diagramação: a organização formal de temas e figuras semânticas ......... 185
4.3. Considerações finais ........................................................................................... 186
5. Referências Bibliográficas ........................................................................................... 190
6. Anexos .......................................................................................................................... 193
11
1. Introdução
1.1. Considerações iniciais
A presente dissertação insere-se no projeto de pesquisa do Núcleo de Análise do
Discurso da Faculdade de Letras da UFMG Análise do Discurso: Gêneros, Comunicação e
Sociedade. O Projeto, desenvolvido de 2005 a 2008 e coordenado pela Profa. Ida Lúcia
Machado, tem como objetivo geral “verificar o alcance efetivo da Análise do Discurso na
compreensão dos discursos mantidos/criados/modificados na sociedade”
(MACHADO,2004:16). Nossa proposta enquadra-se no Subprojeto 3 (Discurso em
Comunicação), já que analisa o discurso jornalístico.
A análise do jornal pelo viés da AD interessa-nos por dois motivos principais. O
primeiro deles refere-se à desmistificação da notícia e de sua aparente objetividade. Ao
fazer uma análise cuidadosa do discurso jornalístico, o que a AD propicia, torna-se
possível apontar as estratégias usadas por um jornal em suas notícias para convencer e
conquistar os leitores, o que corrobora a idéia de que a notícia, como qualquer outro
discurso, busca persuadir e conquistar, não apenas informar. Assim, em vez de
simplesmente repetir que notícias não se igualam a acontecimentos, ao analisá-las usando
categorias lingüísticas, como, por exemplo, seleção de personagens, seleção lexical, entre
outras, podemos mostrar como o jornalismo trata os acontecimentos/fatos. À negação da
objetividade jornalística estão ligados ainda os conceitos bakhtinianos de reflexo e
refração, que caracterizam qualquer discurso, e os conceitos de transformação, transação,
credibilidade e captação. Esses últimos, tratados por Patrick Charaudeau como uma
especificidade do discurso das mídias, mostram que o jornalista e sua empresa preocupam-
se com vários outros fatores além de noticiar algo (por exemplo, a vendagem do jornal).
Todos esses conceitos serão melhor elucidados na seção 1.4 deste capítulo
12
(Fundamentação Teórica).
Outra contribuição da análise lingüística de discursos jornalísticos é o enfoque na
relação entre o produto e o processo discursivo. Apesar de para os lingüistas ter se
tornado bem freqüente o estudo de textos noticiosos, as escolas de comunicação ainda
tendem a trabalhar mais com teorias que estudam questões relativas à recepção ou à
produção. O produto costuma ficar de lado, e mostrar que o produto jornal traz marcas do
processo que o produziu, marcas essas intimamente ligadas aos efeitos que se pretende
provocar no leitor, é bastante útil para entendermos melhor o funcionamento do discurso
jornalístico.
Cabe ressaltar também que meu interesse particular em aproximar jornalismo e
Análise do Discurso surgiu (e foi sendo amadurecido) ao longo da graduação em
jornalismo, no Centro Universitário de Belo Horizonte – Uni-BH, simultaneamente à
graduação em Português, na Faculdade de Letras da UFMG. A oportunidade de estudar ao
mesmo tempo disciplinas relativas à Análise do Discurso na FALE e a produção
jornalística e teorias ligadas a esse campo no Uni-BH aguçou minha vontade de entender
mais a fundo como funciona e como é produzido o discurso jornalístico.
Foi daí que veio a proposta de analisar notícias, na monografia de conclusão de
curso no Uni-BH, à luz da Análise do Discurso e da Teoria da Comunicação. No estudo,
nomeado VERSÕES DE UM FATO: um estudo sobre a diferença de cobertura do atentado
contra a ONU, em agosto de 2003, nas revistas Época, Isto É e Veja (SOARES,2004),
foram comparadas as coberturas dos três veículos com o objetivo de compreender suas
diferenças a partir da análise de seleção lexical, fontes, títulos, metáforas e adjetivações,
entre outros aspectos, em cada uma das reportagens.
Apesar de o corpus ter sido restrito, não possibilitando, pois, conclusões para os
veículos, e sim para as matérias analisadas, foi possível perceber os efeitos causados pelas
escolhas feitas por cada uma das três revistas. Na cobertura do atentado que matou o
13
diplomata Sérgio Vieira de Mello, desde o título é possível notar que os três veículos se
diferenciam, construindo discursos bastante distintos. Podemos afirmar, sem receio, que
cada veículo se destaca por determinada(s) característica(s), e são justamente essa(s)
característica(s) que fazem com que sejam apresentadas versões diferentes de um mesmo
fato. Não resta dúvida: por mais que os próprios veículos digam o contrário, as notícias que
trazem não podem de forma alguma ser vistas apenas como registros de acontecimentos, e
sim como parcelas do discurso do veículo em que estão inseridas.
A monografia motivou-me ainda mais a estudar o discurso jornalístico. Como a
chance de aprofundamento foi maior na Teoria da Comunicação (já que o trabalho foi
apresentado como conclusão do curso de jornalismo), restou o interesse em pensar mais
minuciosamente o discurso jornalístico pelo viés da AD.
Optamos, nesta nova pesquisa, por comparar textos jornalísticos, porém, desta vez,
de um mesmo veículo. Escolhemos como base para nossa comparação o jornal Estado de
Minas em duas épocas distintas e relativamente distantes uma da outra: 1955-1956 e 2005-
2006 (primeiro semestre de cada um dos anos). A escolha de tal período deve-se ao
interesse em analisar notícias contemporâneas e compará-las a notícias mais antigas, no
intervalo de 50 anos. o assunto foi escolhido em função de pesquisa desenvolvida pelo
Prof. Antônio Augusto Moreira de Faria, dentro do Projeto mencionado no primeiro
parágrafo, em conjunto com o Prof. Dimas Alberto Gazolla Palhares (UFMG, Escola de
Engenharia, Departamento de Engenharia de Transportes), cujo assunto principal é o
discurso jornalístico sobre transporte e trânsito, da qual faço parte. Cabe ainda ressaltar que
o Estado de Minas (EM) é o jornal referência
1
de maior circulação em MG, o que faz supor
que tenha importante papel na construção da memória e da opinião dos leitores.
1
O jornalismo padrão ou referência diferencia-se do jornalismo popular por formato (diagramação,
fotografias, ilustrações etc.) e teor das publicações (temáticas, principais percursos semânticos etc.).
14
Nesta análise, nos concentraremos nos principais aspectos semânticos e sintáticos
do discurso, tanto intra quanto interdiscursivamente. O interesse em tais aspectos decorre
de compartilharmos da afirmação de Fiorin (FIORIN,2001:17-18) de que qualquer
discurso estrutura-se a partir de uma sintaxe e uma semântica discursivas, sendo que a
primeira compreende os processos de estruturação formal e a segunda compreende não a
estrutura, mas o conteúdo (personagens e temas, por exemplo). A partir dessas categorias
mais abrangentes, procuraremos destacar as estratégias de persuasão empregadas pelo
jornal nas matérias, o que nos interessa para explicar melhor como as notícias procuram
captar leitores, tentam seduzi-los e ganhar sua confiança, tanto há 50 anos quanto na
atualidade.
15
1.2. Objetivos
1.2.1. Objetivo Geral: o objetivo central de nossa pesquisa é apontar as principais
diferenças intra e interdiscursivas entre os dois grupos de notícias, para entender melhor o
discurso do jornal nos dois momentos. Para isso, focalizaremos os aspectos semânticos e
sintáticos detalhados abaixo.
1.2.2. Objetivos Específicos
I. Identificar os principais aspectos da sintaxe discursiva (tempos verbais, escolha
do discurso direto ou indireto etc.).
II. Identificar os principais aspectos relacionados à semântica discursiva:
a) principais percursos semânticos intradiscursivos;
b) principais estratégias de persuasão, a saber: seleção lexical e seleção de
personagens (aspectos intradiscursivos), relação entre explícitos e implícitos
(aspecto intra e interdiscursivo) e silenciamento (aspecto interdiscursivo);
c) principais oposições interdiscursivas.
III. Após a identificação das estratégias persuasivas, relacioná-las às visadas de
captação e credibilidade.
16
1.3. Justificativa
1.3.1. A temática
Não é novidade para os estudos sobre o discurso jornalístico o fato de a estrutura
das notícias ter mudado bastante ao longo dos anos. No entanto, apesar de vários estudos e
teorias analisarem as estruturas do discurso da mídia, pouco se leva em conta aspectos
envolvendo a produção do discurso.
Nossa dissertação se propõe analisar o noticiamento da temática transporte e
trânsito, para entender melhor as mudanças ocorridas na produção do discurso jornalístico
e nas estruturas das notícias das duas épocas. Propomo-nos a estudar como é construído o
discurso jornalístico, pensando tanto no sujeito que o produz, o que inclui as estratégias
discursivas por ele utilizadas e os efeitos por elas produzidos, quanto no próprio produto
(que nos dará indícios necessários para as questões anteriores).
O problema por nós levantado, portanto, é: quais foram as mudanças na produção
do discurso jornalístico que acabaram por causar grandes diferenças na forma (estrutura)
da notícia/matéria e em seu sentido? Tais aspectos serão percebidos a partir do
levantamento das principais diferenças de aspectos intradiscursivos (textuais) e
interdiscursivos (relação entre textos/discursos) entre os dois blocos de notícias.
A escolha da temática deve-se, principalmente, à importância que o assunto tem nas
sociedades modernas, o que é comprovado pelo destaque que merece na mídia. Todos os
grandes jornais brasileiros, incluindo o EM, têm hoje um caderno específico para tratar
sobre transporte e trânsito. No EM esse caderno chama-se “Veículos” e trata não de
aspectos ligados ao consumo (modelos novos, compra, venda etc.), mas de temas como
segurança (“Campanha alerta pais”, de 04/02/2005), legislação (“Quando o contra é a
favor”, de 25/01/2005, discutindo o uso do bafômetro), comportamento (“Cuidado para
17
não explodir”, orientando motoristas sobre sintomas do estresse, em 01/02/2005),
acidentes, economia (“Dicas que pesam no bolso”, de 16/01/2005), entre outros. Em outras
editorias do EM como “Gerais”, “Economia”, “Bem-Viver” (saúde) ou “Política”, o
assunto também é recorrente, trazendo matérias ligadas a acidentes (“Seis mortos nas
estradas”, de 09/05/2005), obras, saúde (“Danos por excesso de ruído”, de 15/5/2006),
fiscalização (“Feriado sem abuso nas estradas”, de 23/02/2006), multas (“Liminar livra 5
mil de multas em Minas”, de 30/05/2006) etc. Retiramos os exemplos de jornais da
atualidade por ser mais fácil identificar esses temas, que estão mais bem distribuídos por o
jornal ser hoje dividido em Editorias e cadernos, o que não acontecia na década de 50. Mas
isso não quer dizer que o tema também não estava todos os dias nas páginas dos jornais
dessa época. Apesar da maior dificuldade de localização, que a separação se dava,
geralmente, apenas entre primeiro e segundo cadernos, ao longo do primeiro semestre de
1955 encontramos quase 600 matérias sobre a temática transporte e trânsito nas páginas do
EM.
Nos primeiros semestres de 1955 e de 2005, o número manteve-se alto: quase 500
no ano de 1955 e mais de 700 notícias em 2005 trazendo o assunto (só em janeiro/2005 são
83). Todos esses números mostram a importância do assunto não em nossa sociedade
como também no jornalismo (mais especificamente no EM), que se trata de uma fonte
recorrente de material para o jornal.
À importância social e jornalística da temática por nós escolhida soma-se ainda a
importância lingüística que a análise de discursos jornalísticos pode trazer, como
começamos a apontar na seção 1.1 acima. Se por um lado tal temática se faz importante na
vida moderna, o que podemos perceber pelo número de matérias publicadas envolvendo
transporte e trânsito, por outro podemos mostrar, através dos aspectos lingüísticos por nós
escolhidos, que o jornal não apenas transpõe os fatos para suas páginas, e sim os
transforma. No processo de produção de uma notícia, o jornal usa o fato como matéria
18
bruta, mas a ele somam-se a visão de mundo, os interesses em divulgar a matéria, os
aspectos ressaltados e os omitidos, entre outros.
Na notícia “A colaboração do DNER recusada em Porto Firme”, de 03/03/1956,
podemos perceber claramente como o EM se posiciona a favor do DNER e contrário ao
prefeito de Porto Firme ao noticiar que ele recusara a ajuda do órgão público. O jornal
parte do seguinte acontecimento: “O prefeito exigiu a retirada de uma máquina que seria
usada no reparo de estradas”. A escolha de “exigiu” mostra que o EM, desde o começo
da matéria, coloca o prefeito como intransigente. Desde a primeira frase, portanto, o jornal
adota uma postura que não se enquadra apenas na categoria de relato, mas de
posicionamento. A notícia continua: “Fato realmente estranho acaba de ocorrer na cidade
de Porto Firme. O Departamento de Estradas de Rodagem (...) determinou o envio de uma
moto-niveladora (...) O ofício salienta caber ao prefeito ‘afastar os intrusos’.” Além de
intransigente, o prefeito é tido pelo jornal como psicologicamente instável (o que pode ser
comprovado pelas expressões “fato estranho” e “‘afastar os intrusos’”). O EM não dá voz
ao prefeito para saber seus motivos, nem mesmo relata o que diz o ofício em sua íntegra. E
se o DNER passou por cima de sua autoridade? E se a ajuda havia sido pedida mais
tempo e negada, o que enfureceu o prefeito? O leitor só fica sabendo dos fatos pelo lado do
DNER.
Assim, estudar as notícias envolvendo transporte e trânsito é válido o pela
importância da temática. A oportunidade de mostrar como o jornal manipula informações
em busca de convencer seu interlocutor deve, sem dúvida, ser levada em conta. É através
dos aspectos lingüísticos (intradiscursivos) e das relações entre o que é defendido no
discurso do EM e o que é defendido por outros discursos (aspectos interdiscursivos) que
podemos perceber com mais clareza o posicionamento desse veículo jornalístico.
19
1.3.2. O discurso jornalístico não se limita à dimensão mercadológica
Muitos dos estudos que buscam explicar por que a estrutura da notícia foi
modificada ao longo dos anos atêm-se ao plano mercadológico, supondo que a mudança
ocorreu em função da necessidade de vender cada vez mais jornais e em função da
crescente concorrência. A explicação não deixa de ser verdadeira, mas será a única
explicação plausível? Será que a mudança da forma (e do sentido) das notícias não é
também decorrente de outros fatores além da finalidade de vender mais?
Como Charaudeau (2006), acreditamos que as mídias não vivem apenas de uma
lógica comercial, mas também se constituem em uma maneira própria de construção da
realidade:
(...) por que analisar o discurso midiático, se as mídias parecem viver uma
lógica comercial onde haveria lugar para estudos econômicos,
tecnológicos ou de marketing? (...) É claro que a resposta é negativa para
quem acredita que, para além da economia e da tecnologia, o simbólico,
essa máquina de fazer viver as comunidades sociais, que manifesta a
maneira como os indivíduos, seres coletivos, regulam o sentido social ao
construir sistemas de valores. (...) estudos como o que ora apresentamos se
justificam sob a condição precisamente de não cair na armadilha das falsas
aparências. (CHARAUDEAU,2006:17)
O autor atribui à mídia uma dupla lógica: se por um lado há uma evidente dimensão
mercadológica, por outro há, como já apontado no trecho acima, uma dimensão simbólica:
(...) pode se dizer que as mídias de informação funcionam segundo uma
dupla lógica: uma lógica econômica que faz com que todo organismo de
informação aja como uma empresa, tendo por finalidade fabricar um produto
que se define pelo lugar que ocupa no mercado de troca de bens de consumo
(os meios tecnológicos acionados para fabricá-lo sendo parte dessa lógica); e
uma lógica simbólica que faz com que todo organismo de informação tenha
por vocação participar da construção da opinião pública. (Idem:21)
Um exemplo pode nos ajudar a entender melhor essa dupla gica. Na matéria
“Ladrões assassinam vítima após rendição”, de 04/05/2005, podemos perceber uma dupla
função. Por um lado, o jornal presta-se a fazer uma denúncia, como no trecho a seguir, em
20
que informa o ocorrido: “O funcionário terceirizado da empresa Distribuidora Santa Cruz
Medicamentos Luiz Antônio de Oliveira, de 59 anos, morreu durante um roubo de
carregamento de remédios e produtos de perfumaria, na madrugada de ontem, na BR-381,
em Nova União, região metropolitana de Belo Horizonte.” Já em outros trechos, as
escolhas feitas na produção da notícia mostram que a pretensão não é informar, mas
chocar o leitor e arrebatar sua atenção. É o que acontece, por exemplo, no “bigode”
2
“Assaltantes atacam carga de remédios em Nova União, atiram em funcionários
dominados e os abandonam na capital” (grifos nossos). A escolha dos termos sublinhados
tende a produzir um efeito de comoção no leitor e mostrar covardia dos assaltantes. Se, em
vez desses termos, o jornalista tivesse usado outros como “roubam”, “rendidos” e
“deixam”, o texto seria menos impactante. O “chapéu”
3
da matéria é outro exemplo,
trazendo a expressão “À queima-roupa”, termo popular que se refere a crimes com armas
de fogo cometidos à curta distância.
Vários outros exemplos serviriam para ilustrar esse duplo propósito de notícias,
que todas, sem exceção, possuem essa característica. Alguns títulos a explicitam logo:
“Sabotagem na Leopoldina” (21/06/1956), “Questão de dias o início do serviço de táxis”
(13/06/1956), “Motorneiro resgata as emoções do passado” (07/05/2005), “Estradas na
mira da justiça” (15/06/2005), “Vida amarga depois do acidente” (31/05/2006), “Em busca
do ouro perdido” (15/03/2006), “Caos chega com obras e chuvas” (17/03/2006), “Dez
micos no trânsito” (31/05/2006), “Pancadaria entre PM e estudantes” (07/01/2006). Todos
esses exemplos estão entre os inúmeros que mostram a necessidade de informar a
população e participar da construção de sua opinião, mas também a necessidade de lucrar
com o jornal e vender o maior número de exemplares possível.
2
Termo jornalístico usado para nomear subtítulos. Também conhecido como “linha-fina” (“Novo Manual da
Redação”, Folha de S. Paulo, 1996)
3
Palavra ou expressão colocada no alto da gina, acima da notícia. Diferencia-se das Editorias (Política,
Esportes etc.) e é usada para indicar o assunto tratado no texto (“Novo Manual da Redação”, Folha de S.
Paulo, 1996).
21
1.4. Fundamentação Teórica
1.4.1. Discurso e Ideologia
Antes de ressaltarmos mais alguns conceitos primordiais para o desenvolvimento
de nosso trabalho, cabe ressaltar o que entendemos por discurso. Compartilhamos da
definição de Fiorin (2001), autor que relaciona o conceito de discurso ao conteúdo e o
conceito de texto ao suporte deste conteúdo:
O signo lingüístico é formado por dois componentes: um conceito e um
suporte do conceito, que serve para expressá-lo, manifestá-lo, veiculá-lo. Ao
conceito chama-se significado ou conteúdo; ao suporte denomina-se
significante ou expressão. (...) O discurso pertence ao plano do conteúdo. Ele
é manifestado por um plano de expressão. A manifestação é, portanto, o
encontro de um plano de conteúdo com um plano de expressão (...). Neste
nível surge o texto. Enquanto o discurso pertence exclusivamente ao plano
do conteúdo, o texto faz parte do nível da manifestação. (FIORIN,2001:37)
A partir de uma sintaxe e de uma semântica discursivas, um mesmo conteúdo ou
idéia pode ser defendido ou refutado, ou enfatizado, inúmeras e inúmeras vezes.
(...) o mesmo discurso pode ser manifestado por diferentes textos e estes
podem ser construídos com materiais de expressão diversos. Um conteúdo
como ‘negação’ pode ser textualizado por signos verbais, como ‘não’, no’,
non’, ou pelo gesto de mover a cabeça de um lado para o outro diversas
vezes. (Idem:38)
É o que acontece, por exemplo, no noticiamento de acidentes. Dentro de um mesmo
veículo jornalístico, como, no caso de nosso estudo, o EM, podemos observar
determinados tipos de acontecimento serem noticiados de rias formas distintas.
Comparando novamente títulos de matérias, em junho de 2005 encontramos notícias como
“Helicóptero cai e dois morrem”, no dia 28, e “Motorista carbonizado na 381”, apenas 2
dias antes. Nos dois casos as vítimas morreram carbonizadas, o que é mostrado no título da
matéria do dia 26 e no “bigode” da matéria do dia 28 (“Tripulantes foram carbonizados,
22
quando aeronave da Marinha bateu em prédio e caiu”). Mas em apenas uma delas a
informação da causa mortis aparece no título, lugar de maior destaque de uma notícia. Essa
escolha nos mostra que a notícia não depende somente do acontecimento que será
noticiado, mas de como se pretende noticiar esse acontecimento. Uma possibilidade
implícita no caso do acidente com o helicóptero seria o jornal não pretender causar alarde,
por ser aquele veículo usado por empresas e pessoas de maior poder aquisitivo, o que não
é, na maioria das vezes, o caso de automóveis e seus ocupantes.
Mas como um jornal faz essas escolhas? Como o EM decide diariamente de que
forma divulgará uma notícia? Fiorin associa os conceitos de formação ideológica e
formação discursiva, sendo que o primeiro deve ser entendido “como a visão de mundo de
uma determinada classe social, isto é, um conjunto de representações, de idéias que
revelam a compreensão que uma dada classe tem do mundo”, enquanto o segundo
compreende “um conjunto de temas e figuras que materializa uma dada visão de mundo.
(...) Assim como uma formação ideológica impõe o que pensar, uma formação discursiva
impõe o que dizer.” (Idem:32). A maneira com a qual nos relacionamos com tudo que está
à nossa volta e o modo como construímos nossas idéias, ou seja, nossa maneira de
enxergar o mundo e a ele reagir é construída de acordo com nossa vivência cultural e
social, que resulta em uma dada formação ideológica. Essa formação do pensar, por sua
vez, determina o nosso dizer, que, ainda segundo Fiorin, “não existem idéias fora dos
quadros da linguagem, entendida no seu sentido amplo de instrumento de comunicação
verbal ou não-verbal” (Idem:32).
Assim, o discurso manifesta a nossa formação ideológica, o que para nós pode não
ser consciente, mas determinará o nosso dizer desde o assunto a ser tratado até como isso
será feito. O exemplo dado acima, envolvendo acidentes com mortes, porém noticiado de
maneiras diferentes, ilustra como o posicionamento do jornal influi na produção da notícia.
Ao comparar os títulos “Helicóptero cai e dois morrem” e “Motorista carbonizado na 381”,
23
podemos perceber claramente que o segundo título foi criado de forma a impactar mais o
leitor, o que não acontece da mesma forma na notícia sobre o acidente aéreo. Como
dissemos anteriormente, o jornal escolheu tratar de uma forma leitores de notícias sobre
acidentes de carro, não se importando em chocar motoristas e passageiros de automóveis,
pois muitas vezes o leitor, principalmente em notícias tidas como mais chocantes, coloca-
se no lugar dos envolvidos, principalmente timas. Já no acidente aéreo, portou-se de
maneira mais sóbria, deixando os detalhes para o subtítulo e o corpo da matéria, poupando
os leitores nesse caso.
1.4.2. Intradiscurso e interdiscurso
Discursos relacionam-se de forma complexa e fluida, ora negando-se, ora
aproximando-se, num limiar que inclui fronteiras movediças e porosas. Assim, apesar de se
manifestarem de forma a podermos determinar sua procedência, no sentido de ser possível
dizer que aquele discurso jornalístico põe-se favorável a determinada idéia ou a nega, não é
tão cil separarmos esse discurso dos outros que com ele convivem em uma sociedade.
Logo, não basta analisar um discurso jornalístico baseando-se apenas no que ele veicula. É
preciso colocá-lo em perspectiva com outros, principalmente porque esses outros farão
parte dele na medida em que ele os negar, os aceitar, os combater, os ignorar, os silenciar
etc. Em outros termos: o interdiscurso é inseparável do intradiscurso.
Faria (2001 b) facilita o entendimento dessa questão ao relacionar intradiscurso,
principalmente, à categoria de percurso semântico, e interdiscurso à categoria de
contradição, de oposição.
Essas categorias [percurso semântico e contradição] decorrem da concepção
teórica segundo a qual o discurso abrange duas dimensões, integradas e
complementares: por um lado, o do intradiscurso, organiza-se em um
conjunto, uma trajetória de sentidos que se desenvolve ao longo do texto; por
outro lado, o do interdiscurso, constitui-se por contradição, por oposição a
outros discursos. (FARIA, 2001b:31)
24
Como dissemos há pouco, um discurso não pode ser definido apenas por si mesmo,
mas por suas relações com outros.
Se um discurso cita outro discurso, ele não é um sistema fechado em si
mesmo, mas é um lugar de trocas enunciativas (...), uma vez que é um
espaço conflitual e heterogêneo ou um espaço de reprodução. Um discurso
pode aceitar, implícita ou explicitamente, outro discurso, pode rejeitá-lo,
pode repeti-lo num tom irônico ou irreverente. (...) Um discurso sempre cita
outro discurso. Um texto pode citar outro texto. (FIORIN,2001:45)
Em outro texto, Fiorin, a partir de Maingueneau, afirma ainda que “a identidade de
um discurso depende de sua relação com outros, isto é, ele não se constitui
independentemente de outros discursos, para, em seguida, pôr-se em relação com eles, mas
se constrói, de maneira regrada, no interior dessa oposição, define-se no limite dessa
relação polêmica”. (FIORIN,1999:231).
Para completar os conceitos de intra e interdiscurso, é importante ressaltar, por fim,
as noções de percurso semântico e de oposição interdiscursiva. O conceito de percurso
semântico diz respeito ao conjunto de temas ao longo de todo um texto, desde o seu título.
O tema principal pode ser desenvolvido em forma de temas, elementos semânticos mais
abstratos, e/ou figuras, elementos mais concretos exatamente porque concretizam os temas
usados para construir uma narrativa. “O conceito de percurso semântico engloba os
conceitos greimasianos de percurso temático e percurso figurativo
4
, por se tratarem ambos
de revestimentos – mais abstratos ou mais concretos, respectivamente – de estruturas
narrativas.” (FARIA,2001b:32). Para Faria, são os percursos semânticos que possibilitam
determinar a visão de mundo defendida por um discurso, daí a importância da categoria:
“Quanto à visão de mundo que um discurso defende, ela pode ser descrita a partir dos
percursos semânticos encontrados no intradiscurso, ou seja, nos textos que materializam o
4
No discurso jornalístico, com exceção de artigos e discursos opinativos, como os Editoriais, é muito mais
comum encontrarmos percursos predominantemente figurativos, que é característico deste discurso
concretizar temas com figuras, relatando fatos, dando exemplos, entrevistando personagens, etc.
25
discurso dado.” (Idem:32).
Se um texto defende uma certa visão de mundo, ele se contrapõe a outra(s). O
termo oposição interdiscursiva remete ao confronto entre o que é defendido no texto e o
que outros discursos defendem. “É por isso que propomos a contradição como categoria
descritiva do interdiscurso; ela permite, a partir de um dado discurso, caracterizar o outro
discurso, a outra ‘visão de mundo’ contra a qual aquele discurso dado se constitui.”
(Idem:32).
Podemos perceber, por exemplo, um alinhamento do discurso do EM com o
discurso oficial, principalmente o do governo estadual. Tanto em 1955-1956 quanto em
2005-2006, as matérias que se colocam favoráveis ao governo aparecem em número maior
do que as que se manifestam contrárias a ele. Na matéria “O Sr. Juscelino Kubitschek
inspeciona a estrada Belo Horizonte-Rio”, de 08/03/1956, o jornal reproduz boa parte do
discurso do Presidente JK na referida obra, dando destaque ao trecho em que elogia o
governador mineiro Bias Fortes: “‘A política que o Sr. Bias Fortes realiza em Minas é a
que pretendo executar no plano nacional’, diz o chefe do governo. [federal]”.
Cinqüenta anos depois, é possível encontrar inúmeras matérias com o mesmo tom,
como as tantas que promoveram a Linha Verde, obra do governo do estado apontada pelo
EM como solução para o engarrafamento da região central de BH e a melhora do acesso ao
Aeroporto de Confins (ex: “Arrudas some do centro”, de 28/03/2006, que traz como
“bigode”: Instalação de vigas cobre trecho do ribeirão na avenida dos Andradas, em obra
que vai permitir o alargamento das vias de tráfego e reduzir o congestionamento na região”
(grifo nosso) ou em “Demolição acelera obra”, do dia 31 do mesmo mês, que divulga o
início de mais uma etapa de obras da referida via expressa).
Isso não quer dizer que o EM não publique denúncias. Também é possível
encontrar várias notícias relativas ao estado precário das ruas e estradas, à fiscalização
abusiva ou falta de fiscalização, ao descaso de autoridades etc. Mas de um modo geral, o
26
jornal não é de oposição, e sim um veículo favorável aos interesses do governo. Assim,
através de percursos semânticos como o das obras, como é o caso da Linha Verde, o EM
posiciona-se a favor do governo estadual, usando desse recurso (o noticiamento de obras e
outros feitos do governo) para validar o discurso governista. Ao fazer isso, opõe-se a tantos
outros discursos que se posicionam contra o governo.
1.4.3. Estratégias discursivas de persuasão ideológica
Após essas definições, cabe ainda uma pergunta. Para que o enunciador de um
discurso o constrói ora explicitando outros discursos, ora os silenciando? Por que o jornal,
a exemplo de nosso objeto de estudo, seleciona vários personagens, mas nunca dando o
mesmo espaço a eles em seu texto? Para Fiorin, a reposta encontra-se na finalidade de todo
discurso, não só do jornalístico:
A finalidade última de todo ato de comunicação não é informar, mas
persuadir o outro a aceitar o que está sendo comunicado. Por isso, o ato de
comunicação é um complexo jogo de manipulação com vistas a fazer o
enunciatário crer naquilo que se transmite. Por isso, ele é sempre de
persuasão. Nesse jogo de persuasão, o enunciador utiliza-se de certos
procedimentos argumentativos visando a levar o enunciatário a admitir como
certo, como válido o sentido produzido. A argumentação consiste no
conjunto de procedimentos lingüísticos e lógicos usados pelo enunciador
para convencer o enunciatário. (FIORIN,2005:75)
Isso quer dizer que, por mais que informar seja um grande enfoque dos veículos
midiáticos, o que ressaltamos antes e que pode ser comprovado, por exemplo, pela
criação do lide, que procura responder a algumas perguntas de cunho essencialmente
informativo (quem? o quê? quando? onde? como? por que?), persuadir será sempre o seu
objetivo final. A informação não é, portanto, despretensiosa, mas carregada de intenções,
que afloram no texto como efeitos que o enunciador quer produzir em seu enunciatário.
Mas como convencer o leitor? Seria extremamente inadequado explicitar para ele
27
esse jogo de persuasão, dizendo-lhe o que pensar de determinada notícia. Na década de 50,
por exemplo, seria inoportuno e “pouco jornalístico” (ao menos para os moldes do
jornalismo daquela e de nossa época) dizer em uma notícia sobre investimentos do governo
em petróleo que o jornal apoiava Juscelino Kubtschek politicamente e por isso divulgava
seu governo (ou mesmo, por exemplo, que o jornal estava do lado do presidente por
interesses econômicos ou algo do tipo). Em vez disso, o EM colocou em suas ginas
incontáveis matérias sobre a Petrobrás, quase todas elogiosas à companhia e a suas
iniciativas, como em “Decréscimo na importação de produtos petrolíferos”, de 25/5/1956
(“A influência das refinarias nacionais de petróleo começa a ser observada através das
estatísticas correspondentes à importação de gasolina e de óleos combustíveis e
lubrificantes”), “Aumento do capital da Petrobrás”, de 25/05, “Oleoduto e refinaria”, de
23/05 (“O presidente da Petrobrás teve ocasião de informar dias nesta capital que se
cogita de montar mais duas refinarias no país. Deixou mesmo a entrever que a
possibilidade de uma delas se localizar em Minas”), “Produzirá o Brasil este ano 5,5
milhões de barris de petróleo”, de 15/5, entre outras.
Algumas estratégias de convencimento são pontuais e não tão difíceis de detectar.
Perceber quais personagens foram convocados a falar, que tipo de vocabulário foi
empregado no texto (mais técnico? mais informal? mais humorado?) são algumas dessas
categorias que nos dizem a respeito de como o enunciador de um texto trabalhou nele
para guiar seu leitor e levá-lo a certas conclusões/opiniões. Já outras, menos explícitas,
podem ser um pouco mais difíceis de perceber, mas, assim como as que acabamos de citar,
são escolhas feitas com o objetivo de fazer prevalecer uma verdade: a do enunciador. São
exemplos desse segundo grupo de estratégias persuasivas a relação entre explícitos e
implícitos e o silenciamento.
Existem ainda várias outras estratégias, verbais ou o verbais. O uso de imagens
em campanhas publicitárias, por exemplo, tem um forte apelo de sedução, assim como as
28
fotografias nas páginas de um jornal. Mas nos focaremos nessas descritas no parágrafo
acima e na seção 1.2 (Objetivos) por estarmos mais preocupados com os aspectos
lingüísticos dos textos (apesar de reconhecermos a importância de aspectos não verbais,
que analisaremos também a diagramação das páginas) e por acreditarmos serem tais
estratégias as principais em notícias. São elas: seleção lexical e seleção de personagens
(aspectos intradiscursivos), relação entre explícitos e implícitos (aspecto intra e
interdiscursivo) e silenciamento (aspecto interdiscursivo). As primeiras tratam da escolha
dos itens lexicais e dos personagens, respectivamente. Na matéria “A colaboração do
DNER recusada em Porto Firme”, de 03/03/56, que mostramos acima, vimos que termos e
expressões como exigiu”, “Fato realmente estranho” e “‘afastar os intrusos’” foram
usados para atacar o prefeito, personagem, que apesar de ter sido selecionado, não teve voz
durante a matéria, a não ser no trecho do ofício que serviu para o ridicularizar. Fica
explícito que o prefeito não aceitou a ajuda do DNER, personagem coletiva que é
apresentada, implicitamente, como benfeitora. Como também apontamos acima, os
motivos do prefeito e o ofício por ele escrito são silenciados, sendo que o leitor não tem
acesso ao que o levarou a recusar a ajuda (pode aser que ele realmente seja autoritário e
intransigente, mas o jornal o “diagnóstico” pronto para o leitor, sem apresentar-lhe as
duas versões).
29
1.4.4. Reflexo e refração
Após definirmos o que para nós é um discurso e como os discursos se caracterizam,
passemos agora a alguns outros conceitos, que, apesar de não serem tão “básicos” quanto
os trazidos nas subseções anteriores, são essenciais para a compreensão do discurso, no
nosso caso o discurso jornalístico. Comecemos pelos conceitos bakhtinianos de reflexo e
refração. Se o tempo do acontecimento e o do discurso jornalístico são diferentes (já que
ainda não se consegue produzir notícias em tempo real, pois mesmo imagens feitas por
câmeras digitais trazem alguma diferença mínima temporal, de transmissão), o que o
jornalismo faz é reconstruir fatos, não só os reconstituindo, mas os recriando.
O discurso jornalístico não é, portanto, isento, neutro, mas uma construção que
contempla várias vozes. Vozes essas internas ao jornalismo, com técnicas, divisão social
do trabalho, vozes das fontes, anônimas ou não, vozes de outros campos de saberes e por aí
em diante. “Espécie de um interdiscurso, o discurso jornalístico ocorre à base do processo
de acolhimento amplo que faz e, ao mesmo tempo, em que é movido por diversas tensões e
práticas discursivas” (FAUSTO NETO, 1991:32).
Guimarães (1999) é um dos autores que recusam a caracterização do discurso
midiático como sendo objetivo, característica essa que as empresas de comunicação
insistem em alardear. Segundo o autor, a mídia
procura controlar ao máximo sua economia significante interna, “dobrada” à
verdade do objeto que ela deve simplesmente representar, fiel à ilusão
referencial que a chamada objetividade jornalística teima em sustentar, de
uma maneira paradoxal. Não existem fenômenos nem fatos absolutos, eles
são construídos pelo discurso, sabemos bem, mas, mesmo assim, deve-se
controlar, regrar, regulamentar (sob a forma de um protocolo) esse
movimento da linguagem que não apenas relata o referente, mas o significa.
(GUIMARÃES,1999:111).
Outro aspecto interessante sobre o jornalismo refere-se ao fato de a mídia ter se
feito tão presente e tão forte nas sociedades modernas, que parece haver uma inversão na
30
ordem natural das coisas: para ser considerado fato tem que ter sido notícia. É como se o
que não estivesse na mídia não existisse. Para construir essa realidade, a mídia apodera-se
de vários discursos operantes na sociedade. Mas ela não simplesmente os reproduz, e sim
constrói o seu próprio discurso, aproveitando o que julga proeminente e livrando-se do que
não lhe serve. Quando constrói seu discurso, portanto, a mídia não apenas reflete algo que
já está na sociedade, mas também cria uma realidade própria, fruto de um complexo
processo de produção e de uma maneira própria de olhar sobre os acontecimentos.
Na matéria “Pânico num trem da Central”, de 29/01/1956, o EM noticia um
incêndio em um dos vagões de um trem da Estrada de Ferro Central do Brasil. No entanto,
a forma como o jornal constrói a notícia mostra que ela não é apenas um relato, mas uma
maneira própria de enxergar o ocorrido. no tulo, com a escolha da palavra pânico,
percebemos o tom que a matéria terá, pois ele poderia ter sido escrito de uma forma menos
dramática (como, por exemplo, “Incendiou-se um dos carros do trem da Central”
5
). O
parágrafo de abertura segue a mesma tônica: “Um trem da Central, que rumava para a
Estação de D. Pedro II, teve incendiado um de seus carros, ocasionando um tremendo
pânico entre os passageiros que se jogavam entre os trilhos. O trem elétrico desenvolvia, na
ocasião, grande velocidade. Em conseqüência teve morte horrível uma jovem de 23 anos”.
Vários outros exemplos, como todos os títulos citados na página 11, serviriam para ilustrar
que a mídia não só reproduz fatos, mas os reconstrói.
A idéia de que qualquer discurso, não só o jornalístico, não apenas reflete a
realidade, mas a refrata, reconstrói, modifica, remonta a Bakhtin, em Marxismo e Filosofia
da Linguagem. Segundo o autor, todo signo é ideológico, e é próprio da ideologia não
reproduzir a realidade, como modificá-la.
5
Apesar de ser pouco comum nos dias de hoje, um título como esse, usando o pretérito perfeito e a voz
passiva pronominal, seria perfeitamente cabível na década de 50.
31
Um produto ideológico faz parte de uma realidade (natural ou social) como
todo corpo físico, instrumento de produção ou produto de consumo; mas ao
contrário destes, ele também reflete e refrata uma outra realidade, que lhe é
exterior. Tudo que é ideológico possui um significado e remete a algo fora
de si mesmo. Em outros termos, tudo que é ideológico é um signo.
(BAKHTIN/VOLOSHINOV,1979:17).
Após afirmar que mesmo objetos físicos e instrumentos de produção podem se
converter em signos, dando como exemplo a ideologização da foice e do martelo como
símbolos da União Soviética, o autor trata da linguagem verbal. Se tudo que é ideológico
possui um valor semiótico (Idem:18), esse aspecto semiótico (...) não aparece em
nenhum lugar de maneira mais clara e completa que na linguagem. A palavra é o fenômeno
ideológico por excelência. (...) A palavra é o modo mais puro e sensível de relação social.”
(Idem:22).
Charaudeau (2006), à sua maneira, particulariza os conceitos de reflexo e refração
para o discurso midiático:
Se são um espelho, as mídias não são mais do que um espelho deformante,
ou mais ainda, são vários espelhos deformantes ao mesmo tempo, daqueles
que se encontram nos parques de diversões e que, mesmo deformando,
mostram, cada um à sua maneira, um fragmento amplificado, simplificado,
estereotipado do mundo. (CHARAUDEAU,2006:20)
É por isso que ocorrem significativas diferenças entre as coberturas dos veículos,
mesmo quando se referem a um mesmo acontecimento. Um texto jornalístico difere de
outro desde a seleção de como o fato será abordado até a escolha das palavras para
descrevê-lo, como discute Clóvis de Barros Filho:
A objetividade aparente é característica do texto informativo, por sua
estrutura, seu léxico, seus limites e também sua posição entre os demais
produtos da mídia. (...) Além das escolhas estritamente formais de sintaxe e
léxico, opera-se uma seleção temática. (...) ao oferecer de forma mais ou
menos consonante um conjunto limitado de temas, um ‘menu’ temático
comum, permite-se ao sujeito dominar uma realidade social simplificada.
BARROS FILHO,1995:69-70).
32
Assim, toda e qualquer escolha feita no processo da produção de uma notícia
(escolhas do léxico e do tema, entre outras) serve para exemplificar que a notícia não é
apenas relato, mas também construção. A isso se deve grande parte das diferenças entre as
notícias em 55-56 e 2005-2006. A análise, por exemplo, dos tempos verbais na titulação
das notícias (aspecto relativo à sintaxe discursiva) mostra que um mesmo tipo de
acontecimento era relatado de uma forma 50 anos e o é de outra hoje. Escolhemos os
títulos como exemplo porque, além de serem um espaço no qual é fácil perceber essa
diferença, eles são, para Mouillaud, “não como enunciado posto sobre um suporte, mas
como uma inscrição, quer dizer, como enunciado da língua e como uma marca - a marca
maior - da articulação do jornal: uma região-chave que é o articulado e articulador do
jornal, a expressão de sua estrutura.” (MOUILLAUD,2002:99).
A mudança nesse espaço tão característico de um jornal mostra que diferenças
significativas entre dois grupos de notícias produzidas em tempos diferentes, o que reforça
a idéia de construção (e de refração). Em 55-56, encontramos, nos títulos, um número
muito maior de verbos no passado. Uma hipótese é que não havia naquela época tamanha
preocupação com o fato de trazer ao espectador a informação como o agora, o presente. A
questão aqui não se refere a noticiar ou não fatos ocorridos. Desde que a imprensa
escrita surgiu, jornais impressos trazem hoje o que foi escrito ontem ou até mesmo antes.
No entanto, parecia não haver na década de 50 a preocupação em causar no leitor um efeito
de presente, mesmo que o presente da informação. Aparentemente, o que se pretendia era
simplesmente informar o que aconteceu, mesmo que há mais tempo e indicando essa
distância temporal.
Alguns exemplos servem para ilustrar tal escolha sintática: “A barca foi ao fundo”
(01/01/1955), “Rodando a 120km, o Cadilac bateu de encontro ao ônibus” (10/02/1955),
“Capotou espetacularmente o lotação” (18/01/1956), “Caiu o avião destruindo cinco casas”
(02/03/1956), “Visitou Varginha o Ministro da Aeronáutica” (19/04/1956), “Feita a defesa
33
do DER no caso do pagamento a empreiteiros” (19/04/1956), “Trabalhador caiu de um
ônibus e morreu” (19/04/1956), “Morreram esmagados quatro operários” (20/04/1956),
“‘Jeep’ capotou” (29/04/1956), “Tombaram a máquina e dois vagões de carga”
(31/05/1956), “Caiu o ônibus sobre uma árvore” (07/06/1956), entre vários outros
semelhantes.
Em comparação com as matérias da atualidade (2005-2006), podemos notar uma
grande diferença. Os verbos não mais descrevem ações que ocorreram no passado, ocorrem
no presente ou ocorrerão no futuro. Ainda de acordo com Mouillaud (2002), a relação
estabelecida nos dias de hoje passa a ser com o próprio jornal e com a informação, não
com datas históricas antecedentes ou posteriores: “Cada número do jornal cria um
presente. O ato de leitura e o referente da informação, supostamente, pertencem a um
mesmo momento no tempo: o que eu leio é o que se espera que esteja ocorrendo, no
momento em que leio.” (Idem:176). Dessa forma, quando enuncia um título como “Ponte
da BR-135 é liberada”, de 10/05/2006, o jornal não parece simplesmente fazer tal escolha
para enganar o leitor, para convencê-lo que aquele fato é fresco, atual. Ele o faz para
colocar leitor e acontecimento in praesentia, para fazer prevalecer o tempo da informação,
que é o agora em que se a leitura. Outros exemplos: “Transcon regulariza linhas”
(15/01/2005), “Cerol mata motoqueiro” (16/01/2005), “Pesquisa revela que brasileiro anda
a (12/03/2005), “Estado assume ponte e obra” (20/04/2005), “Audiência discute
fechamento da rua” (20/04/2005), “Meia-tarifa começa a valer” (11/02/2005) etc.
Assim, perceber os jornais como dispositivos discursivos, que operam na
reconstrução dos fatos, ajuda a ver como, por exemplo, as matérias estabelecem cada vez
mais seu próprio tempo, em detrimento do tempo histórico. “O jornal se inscreve no
dispositivo geral da informação e contém, ele próprio, dispositivos que lhe são
subordinados (o sistema dos títulos, por exemplo).” (MOUILLAUD,2002:35).
34
1.4.5. Outros aspectos da produção jornalística
Teorias sobre a produção midiática também são úteis para trazer alguns
esclarecimentos, pois explicitam melhor como trabalham os veículos e profissionais da
área na produção de notícias. Suas escolhas, que vão desde a seleção no vasto material de
acontecimentos para virarem notícia até a forma como isso será feito, obedecem a critérios
que, de tão usados, acabam tornando-se rotineiros para os produtores de notícias. São esses
critérios, trabalhados em conjunto, que ditam quais fatos são noticiáveis e quais não o são.
Wolf (1995) sintetiza alguns dos estudos sobre essas “regras” que norteiam a
produção jornalística (newsmaking). Destacam-se os critérios de importância e de
noticiabilidade (newsworthiness). São eles que fazem com que, num universo imenso de
acontecimentos diários, sejam enfatizados aqueles de maior relevância, os notáveis que vão
virar notícia, e que eles sejam tratados de uma forma padrão, não como idiossincráticos,
mas simplesmente como acontecimentos noticiáveis.
Os critérios de noticiabilidade estão ligados aos interesses do órgão informativo e
dos jornalistas, fazendo parte da rotina produtiva: “A noticiabilidade, portanto, constitui
um elemento da distorção involuntária
6
contida na cobertura informativa dos mass media
(WOLF,1995:193). Os valores-notícia (news values) determinam, por sua vez, quais
acontecimentos são suficientemente interessantes para virarem notícias.
Definida a noticiabilidade como o conjunto de elementos através dos quais o
órgão informativo controla e gere a quantidade e o tipo de acontecimentos,
de entre os quais que selecionar as notícias, podemos definir os
valores/notícia (news values) como uma componente da noticiabilidade.
Esses valores constituem a resposta à pergunta seguinte: quais os
acontecimentos que são considerados interessantes, significativos e
relevantes para serem transformados em notícias? (WOLF, 1995:195)
6
Involuntária, aqui, provavelmente se refere à rotina da produção jornalística, que leva o jornalista a escrever
de determinada maneira quase que automaticamente. Nesta pesquisa, considera-se que a maioria das
distorções é voluntária.
35
Apesar de serem estudados separadamente, os valores-notícia funcionam em
conjunto e acabam sendo aplicados inconscientemente pelos produtores de notícia, que
por eles são interiorizados. Também é importante ressaltar que os critérios variam,
principalmente em razão da passagem do tempo e das características do veículo.
Os critérios podem ser divididos em cinco categorias: os critérios substantivos
(relacionados à importância e ao interesse da notícia), os relativos ao produto (que abrange
categorias como Disponibilidade, Brevidade, Ideologia da informação, Atualidade,
Qualidade, Equilíbrio), os relativos ao meio de comunicação (materialidade, freqüência e
formato), ao público (gosto e compreensão dos receptores) e à concorrência (semelhança
de cobertura para não “tomar furos”).
É a partir de todos esses critérios de produção que se estabelece a agenda do
veículo e a agenda dos leitores. Agenda é aquilo que será publicado pelo veículo e que, por
decorrência, fará parte das informações às quais o público terá acesso. São justamente as
escolhas feitas pelos jornalistas as responsáveis pelo assunto do dia.
Esse breve apontamento sobre alguns conceitos da Teoria da Comunicação faz
por corroborar o que havia sido dito até então sobre o discurso midiático pelo viés da AD,
cada vez mais explorada em todas as atividades humanas. Mello (2005), ao fazer um
histórico da Análise do Discurso, em artigo no qual considera a interface literatura/AD,
trata da crescente preocupação da disciplina ao longo do tempo com o que chama de “toda
a situação de comunicação”:
Aos poucos, entretanto, percebeu-se que a Lingüística não
precisaria/deveria se preocupar somente com o sistema da língua, com suas
regras, ou seja, com o sistema abstrato das formas. Para conhecer a Língua
também é preciso pesquisar todo o processo, ou melhor, toda a situação de
comunicação, incluindo, aí, não o enunciado, mas, também, a interação
verbal, todas as condições da enunciação, seus múltiplos sujeitos, o espaço,
o tempo, o texto e o contexto... (MELLO, 2005:33)
36
Ao tratar da Lingüística da Enunciação, por exemplo, o autor diz que a linguagem
“deixa de ser vista apenas como instrumento externo de comunicação e de transmissão de
informação, para ser vista como uma forma de atividade entre os protagonistas do
discurso” (Idem:33).
A partir de Ducrot, Mello afirma que “compreender um enunciado não se resume
em registrar seu conteúdo semântico, mas implica igualmente em decifrar a representação
da enunciação em situação de discurso” (Idem:38). É justamente a situação de discurso,
neste caso específico a do discurso midiático, que procuraremos compreender em relação
ao corpus escolhido.
Ao analisarmos aspectos intra e interdiscursivos das duas épocas, pretendemos
entender melhor o que era uma notícia na década de 50, para o jornal Estado de Minas, e o
que é uma notícia no EM de hoje. Apesar de nossa pesquisa ainda estar em
desenvolvimento, já é possível notar importantes mudanças nesse meio século. Além das
apontadas anteriormente, a mais óbvia delas refere-se à diagramação das notícias. Em
capas dos jornais de 55-56, encontramos inúmeras notas (matérias pequenas, de dois, três
parágrafos) que não são desenvolvidas no interior do jornal. Hoje, entretanto, sabemos que
a primeira página de um jornal serve muito mais como chamariz ou índice para notícias de
outras páginas do que como matérias propriamente ditas. O espaçamento entre as notícias e
o uso de fotografias para ilustrá-las também é extremamente diferente nas duas épocas: na
década de 50 as notícias pareciam concorrer por um espaço na gina, espremendo-se sem
espaçamento ou uso de fotografias; na atualidade, temos capas com espaços em branco,
justamente para harmonizar os textos e destacar as fotografias, que têm hoje importante
papel na mídia impressa (Anexo 1).
Alguns temas de 55-56 também causariam estranheza em leitores de hoje. São
extremamente comuns matérias que tragam acidentes para nós hoje inusitados, como em
“[Passageiro de bonde] Bateu com a cabeça no poste” (14/04/1956) ou seções como
37
Informações Várias, que traz, entre outros tópicos, a coluna Passageiros, com nomes de
passageiros que chegaram a Belo Horizonte pelos trens noturnos de Montes Claros, Ponte
Nova, da Vitória Minas ou do Rio de Janeiro, também presente com enorme freqüência.
Além de os temas serem inusitados, houve entre 1955-1956 e 2005-2006 uma diminuição
considerável no uso do transporte ferroviário, principalmente de passageiros, mas também
de carga, e transportes como bonde foram abolidos (com algumas exceções, como de
passeios turísticos). É a transformação no produto jornalístico, mudança essa fruto das
várias formas de dizer e da evolução dessas formas ao longo dos anos, que nossa pesquisa
pretende mostrar.
1.4.6. Transação, transformação, captação e informação
Outros conceitos tratados por Charaudeau que não apontam a importância do
jornal na vida social, mas esclarecem mais sobre a produção do texto-notícia, são os
conceitos de transação e transformação, além das visadas de captação e informação. Todos
esses conceitos estão ligados fortemente aos conceitos de reflexo e refração, parecendo,
muitas vezes, equiparar-se a eles. No entanto, a validade desses conceitos que
apresentaremos abaixo está no fato de especificarem para o discurso midiático os conceitos
bakhtinianos, já que Charaudeau preocupou-se em aprofundar-se no jornalismo, não em
determinar o que são os discursos de uma forma mais geral, o que fez Bakhtin em
Marxismo e filosofia da linguagem, além do próprio Charaudeau em outras oportunidades.
Passando, pois, a esses “novos” conceitos, para o pesquisador francês a produção
de sentido num ato de comunicação ocorre num duplo processo: de transformação e de
transação. O primeiro consiste em dar forma (no caso, texto, falado ou escrito) ao que se
deseja significar, ou seja, “transformar o ‘mundo a significar’ em ‘mundo significado’,
estruturando-o segundo um certo número de categorias que são, elas próprias, expressas
38
por formas.” (CHARAUDEAU,2006:41). Já transação, agora no nível discursivo, implica
atribuir objetivos à comunicação em função das formas imaginárias acerca da identidade
do parceiro, dos efeitos que se pretende produzir, das restrições da situação, entre outros
aspectos. No contrato de comunicação midiática, transforma-se o acontecimento em
notícia, que é construída em função do público que a irá receber, do veículo etc.
o processo de transformação consiste, para a instância midiática, em fazer
passar o acontecimento de um estado bruto (mas interpretado), ao estado
de mundo midiático construído, isto é, de “notícia”; isso ocorre sob a
dependência do processo de transação, que consiste, para a instância
midiática, em construir a notícia em função de como ela imagina a instância
receptora, a qual, por sua vez, reinterpreta a notícia à sua maneira.
(Idem:114)
Isso quer dizer que, quando o jornal parte de um acontecimento qualquer, esse
acontecimento pode ser noticiado de diversas formas, pois será transformado em notícia
pelo veículo. Podemos perceber a transformação em alguns recursos comuns em matérias,
como o uso de fontes, previsto pelo gênero jornalístico (tanto na década de 50 quanto em
nossa década). Nas duas épocas, as fontes são selecionadas principalmente para confirmar
o que é dito pela matéria jornalística, no entanto tal uso se dá de forma bastante diferente.
Nos anos 50, temos entre as fontes pessoas de destaque na sociedade, como
políticos importantes. Há, nessa época, o uso recorrente do discurso direto, em falas
longas, quase sem corte. A matéria “Revisão das tarifas de bonde” (07/06/1956) reproduz
boa parte do discurso de Milton Campos, à época presidente da UDN, e de Cunha Melo,
“um dos líderes do Governo no Senado”. São mais de dois parágrafos longos (39 linhas ao
todo) dedicados às falas dos políticos, sem intervenção do jornal, o que é raro nos jornais
de hoje, em que é muito mais fácil encontrar estruturas como a que aparece em “Boeing da
Gol desaparece com 155” (30/09/2006). Nessa notícia, a fala do presidente da Infraero é
reproduzida de maneira reduzida, com intervenção do jornalista (“destacou”): “De acordo
com o presidente da Infraero, o Boeing conta com dispositivos que informam o piloto
39
sobre a eminência de uma colisão e sugere a solução para o problema: ‘Esse mecanismo
informa, inclusive, como corrigir a rota, a necessidade de fazer uma curva, entre outras
soluções’, destacou. ‘Por isso, a investigação sobre o que causou o acidente será bastante
complexa’.”.
Também é comum nos jornais de hoje o uso de discurso indireto, estrutura pouco
usual na cada de 50: “Em depoimento à Polícia Rodoviária Federal (PRF), o motorista
do ônibus, Reinaldo Keler Monteiro, de 25 anos, que sobreviveu junto a 12 passageiros,
disse que o acidente teria sido provocado pela falta de visibilidade na pista, devido ao
nevoeiro que o levou a perder a direção do veículo” (“Ônibus despenca em rio” -
02/01/2005).
Tratemos agora dos conceitos de visada de informação e de captação, os quais
decorrem do fato de o discurso jornalístico fazer-se da constante tensão entre mercado e
informação, ou, como apontado por Charaudeau, entre “fazer sentir” e “fazer saber”. As
intenções dividem-se, pois, entre captar o leitor e fazer com que ele acredite sempre que o
que ali está escrito é informação da mais alta credibilidade e veracidade.
A finalidade do contrato de comunicação midiática se acha numa
tensão entre duas visadas, que correspondem, cada uma delas, a uma lógica
particular: uma visada de fazer saber, ou visada de informação propriamente
dita, que tende a produzir um objeto de saber segundo uma lógica cívica:
informar o cidadão; uma visada de fazer sentir, ou visada de captação, que
tende a produzir um objeto de consumo segundo uma lógica comercial:
captar as massas para sobreviver à concorrência. (Idem:86)
Quando se preocupa em informar, a mídia tem que fazer os leitores acreditarem que
o veiculado em suas páginas é exatamente o que aconteceu: Dizer o exato é dar a
impressão de controlar o mundo no instante em que ele surge, e nada nem ninguém poderia
se opor a essa verdade capturada no momento em que sai da fonte; eis por que as mídias
estão sempre em busca da transmissão direta.” (Idem, 90). Por outro lado, qualquer veículo
midiático pretende captar o maior número de destinatários, tendo que se preocupar, por
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esse ângulo, com a sensação, o espetáculo, a emoção. É no conjunto dessas duas
condições, a princípio contraditórias, que a mídia organiza seu discurso (como nos
exemplos mostrados à página 18, ilustrando a dupla lógica dos meios de comunicação:
informar e seduzir).
Assim, o contrato de informação midiática é, em seu fundamento,
marcado pela contradição: finalidade de fazer saber, que deve buscar um
grau zero de espetacularização da informação, para satisfazer o princípio de
seriedade ao produzir efeitos de credibilidade; finalidade de fazer sentir, que
deve fazer escolhas estratégicas apropriadas à encenação da informação para
satisfazer o princípio de emoção ao produzir efeitos de dramatização.
(Idem:92).
Se considerarmos as estratégias de persuasão (apontadas na seção 2, Objetivos),
podemos pensar que todos os recursos usados pelo jornal para convencer o leitor
percorrem esses dois aspectos: ao mesmo tempo procuram seduzi-lo e informá-lo, sempre
na busca de que ele acredite na “verdade” do que ali está escrito. No entanto, algumas
estratégias parecem querer mais captar do que informar ou vice-versa.
Se pensarmos, por exemplo, na seleção lexical, muitas vezes ela parece ser uma
tentativa de sedução por parte do jornal, tanto em 1955-1956 quanto em 2005-2006. A
escolha de palavras que choquem ou prendam a atenção do leitor é bastante comum na
década de 50, como podemos observar nesses exemplos: “Capotou espetacularmente”
(18/01/1956), Locomotiva matou a velhinha surda” (07/06/1956), “causando-lhe morte
horrível e imediata” (em “Criancinha esmagada por um caminhão”, 23/05/1956). Em
2005/2006 também encontramos palavras como “trágico”, “gravemente feridas”, entre
outros termos. No entanto, são menos freqüentes e menos “dramáticas”.
Por outro lado, na seleção lexical também a preocupação em informar, às vezes
com grande precisão, como em “sofreu traumatismo cranio-encefálico, com fratura exposta
do parieteral” (“Dramático Acidente” - 24/05/1956). A precisão é um recurso bastante
comum atualmente, talvez mais do que em 50, justamente por se associar à credibilidade
de uma maneira quase indissolúvel. O uso de números precisos mostra ao leitor que aquela
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matéria conhece, a fundo, o assunto do qual trata, a ponto de reconhecer suas minúcias. É o
que acontece em “Metrô mais caro 37,5%”, de 21 de fevereiro de 2006, em que aparecem
vários números como “índice oficial de inflação (IPCA), de 5,7%”, “uma elevação de
16,32% na receita”, “onerar 34% dos passageiros”, “correspondia a 78,26% do preço da
passagem do diametral” e por em diante. Esses números demonstram a propriedade do
jornal para trazer a matéria em suas páginas, mas, se buscam informar, buscam também a
adesão do leitor.
A seleção de personagens, por outro lado, parece ter o papel de comprovar o que o
jornal traz, como dissemos antes. Raramente apresenta novas informações, servindo, na
maioria das vezes, para corroborar o dito (estando, pois, mais ligada à captação). É por isso
que, tanto em 1955-1956 quanto em 2005-2006, personagens importantes como políticos e
outras personalidades públicas ganham mais espaço nos jornais. Em 55-56, os personagens
comuns, os ditos “populares”, aparecem apenas como parte de uma história. Estão
envolvidos na notícia, são, por exemplo, vítimas de acidentes, mas a eles nunca é dada a
chance de falar. Os que têm voz no jornal são, em sua maioria, políticos e militares. Em
2005-2006, o apreço pelos políticos e pessoas consideradas importantes se mantém, mas
uma grande diferença: muitos “populares” são entrevistados como testemunhas de algo
ocorrido. É o que acontece, por exemplo, no trecho “O motorista da carreta cegonheira,
Israel Pereira de Souza, de 34 anos, saiu ileso do acidente (...). ‘Voltava do Rio de Janeiro
e vi que o caminhão entrou na curva desgovernado. Joguei para a contramão para evitar o
choque de frente (...)’.” (“Trecho da morte na rodovia BR-040”, de 12/03/2005). Outra
situação em que as pessoas comuns têm voz ocorre quando o jornal busca personificar um
acontecimento, o que podemos ver com muita freqüência em matérias nas quais estudantes,
aposentados, donas de casa, enfim, pessoas comuns são convocadas a dar um depoimento
em relação ao noticiado (ex: depoimento do taxista em “Farta Distribuição de placas”, de
10/03/2005, que fala da liberação de concessões para motoristas em Confins e usa o
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depoimento de alguns deles para ilustrar a história: “Feliz da vida por ter sido premiado
por uma das placas, o taxista Adail Julio da Silva, de 49 anos, dos quais 20 na praça,
comprou um carro novo (...). ‘Finalmente vou trabalhar com minha placa porque anos
sou diarista. Agora, vou poder rodar mais e ganhar uns R$ 2 mil’”).
Podemos perceber, com exemplos de mais esses dois recursos, a seleção lexical e a
seleção de personagens, como é difícil separar captação e informação, já que, como
apontado por Charaudeau, a mídia relaciona-se com o leitor através desses dois objetivos
concomitantemente: seduzi-lo e informá-lo. Tentaremos, como apontado em Objetivos,
perceber qual a maior recorrência em cada um dos recursos persuasivos justamente para
diferenciar com mais clareza quando o jornal quer captar a atenção e quando quer trazer
informação (nunca despretensiosamente, que as duas visadas estão sempre presentes em
conjunto, com maior ou menor intensidade).
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1.5. Metodologia
O material coletado, tanto de 1955-1956 quanto de 2005-2006, foi analisado a
partir do estudo detalhado dos textos que traz e da distribuição desses na página (não serão
analisadas, a priori, fotografias ou outros recursos não-verbais). Os textos foram estudados
de acordo com os critérios explicitados no item Objetivos (1.2). Retomando os objetivos,
são eles: 1) identificar os principais aspectos da sintaxe discursiva (tempos verbais, escolha
do discurso direto ou indireto etc); 2) identificar os principais aspectos relacionados à
semântica discursiva (principais percursos semânticos intradiscursivos; principais
estratégias de persuasão, a saber: seleção lexical e seleção de personagens, relação entre
explícitos e implícitos e silenciamento; identificar as principais oposições interdiscursivas);
3) por fim, após a identificação das estratégias persuasivas, relacioná-las às visadas de
captação e credibilidade. No capítulo 2 serão analisados os discursos da década de 50, no
capítulo 3 os de 2005-2006 e no quarto capítulo os dois grupos serão comparados.
Para que nossos objetivos fossem alcançados, o primeiro passo foi a coleta de
material na Hemeroteca Pública de Minas Gerais, no caso das edições de 1955 e 1956, e no
site do Estado de Minas, através da ferramenta “Edições Passadas”, para coleta dos jornais
de 2005 e 2006. Tendo o material sido selecionado, passaremos mais especificamente aos
objetivos. Primeiro, os quatro grandes grupos de matéria jornalística serão redivididos de
acordo com os percursos semânticos. Dessa forma, elas serão reagrupadas em lotes
menores, de acordo com o principal trajeto temático ou figurativo desenvolvido em cada
uma (exemplo: combustível, acidentes, obras, fraudes, legislação etc). Resolvemos dividi-
las desse modo para ter uma noção mais clara de quais temas e figuras eram notícia na
década de 1955-1956 e quais constam nas páginas do EM na atualidade (dentro da temática
maior transporte e trânsito).
O passo seguinte consiste em analisar mais detidamente os textos. Como o número
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de matérias é muito grande, começamos a separar aquelas que mais nos chamaram atenção
ou por serem bastante representativas da época (como é o caso da coluna Informações
Várias, dos jornais de 50, que usamos na seção 1.4.5, Outros aspectos da produção
jornalística) ou por serem um bom exemplo de um dos aspectos que escolhemos analisar,
especialmente aqueles ligados à persuasão (seleção lexical; seleção de personagens;
relação entre explícitos e implícitos; silenciamento). As matérias foram ainda analisadas
em relação à sintaxe, o que também foi exemplificado anteriormente, como a seleção de
tempo verbal (na seção 1.4.4, Reflexo e Refração). Por fim, faremos o levantamento das
principais oposições interdiscursivas.
Após a identificação das estratégias persuasivas e das principais oposições
interdiscursivas, pretendemos relacioná-las às perspectivas de captação e credibilidade, o
que, a nosso ver, nos ajudará a concluir o trabalho levantando mais essa importante
característica sobre o jornal EM (e por que não sobre o jornalismo?) nas duas épocas. Em
linhas gerais, acreditamos que nossa análise tenderá a mostrar as diferenças mais
marcantes entre os dois períodos (1955-1956 e 2005-2006) e, portanto, as principais
mudanças no discurso do EM.
45
2. Aspectos intra e interdiscursivos do EM em 1955 e 1956
Seguindo o objetivo geral delineado na Introdução deste trabalho (seção 1.2),
iremos apontar os principais aspectos intra e interdiscursivos em cada um dos dois grupos
de notícias (1955-1956 e 2005-2006), para entender melhor o discurso do EM nos dois
momentos e, então, compará-los. Este capítulo será reservado para as notícias do primeiro
grupo, enquanto no seguinte – Capítulo 3 – trataremos das coletadas em 2005-2006.
Finalmente, no Capítulo 4, apontaremos as diferenças entre os dois grupos, antes de
chegarmos às nossas considerações finais.
2.1. Aspectos da semântica discursiva
Começaremos nossa discussão pelos aspectos semânticos. Para melhor organizar
tais aspectos, faremos a análise de cada um deles a partir dos principais percursos
semânticos encontrados nas ginas do EM em 1955 e em 1956. Portanto, será a partir de
cada um desses percursos que analisaremos as estratégias persuasivas e as oposições
discursivas. Por fim, analisaremos a credibilidade e a captação no EM dos anos
selecionados.
2.1.1. Percursos semânticos
Apesar de já termos afirmado algumas vezes na Introdução que acontecimento e
notícia não se sobrepõem, basicamente porque a notícia não reflete um fato acontecido,
mas o refrata (BAKHTIN/VOLOSHINOV,1979:17-18), ainda podemos fazer algumas
considerações no que diz respeito à tematização.
Charaudeau (1994) afirma que o sujeito comunicante circula por dois espaços de
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organização do sentido: um espaço de tematização e um espaço de relação. O primeiro, que
mais nos interessa no momento, diz respeito à identificação (o “dar conta” dos seres do
mundo), à qualificação (descrição das propriedades desses seres), representação (mudanças
de estado) e explicação (razão dos seres de ser e fazer).
Pour signifier le monde pour l’adresse d’un autre, à certaines fins, on dira
que le sujet communiquant doit intervenir dans deux espaces d’organisation
du sens: un espace de thématisation’ et un espace de ‘relation’. Dans
l’espace de ‘thématisation’, il se livre à plusieurs types d’óperations
langagières qui consistent à rendre compte d’un mode d’existence des êtres
du monde (opération d’identification), de leurs propriétés (opération de
qualification), de leurs changements d’état (opération de représentation de
faits et actions), de leur raison d’être et de faire (opération de explication).
(CHARAUDEAU,1994:64)
Trata-se, portanto, não só de recortar o que é de interesse do veículo publicar, mas
identificar, qualificar, representar e explicar os acontecimentos, o que, sem dúvida, varia
de enunciador para enunciador e de acordo com cada situação de comunicação. Assim,
uma notícia no EM não é escrita da mesma forma hoje que 50 anos, pois a situação de
comunicação não é a mesma. As temáticas podem até se repetir, mas a maneira como serão
tratadas varia.
Por isso, mesmo que acidentes de trânsito continuem acontecendo nos dias de hoje,
será muito difícil vermos nos jornais notícias como “Cabeça no poste”, de 20/05/1956,
noticiando que um passageiro, ao andar no estribo do bonde, bateu a cabeça em um poste,
ou “Bicicleta abalroada”, de 06/06/1956, informando que uma bicicleta foi danificada em
um acidente de trânsito. No caso do primeiro exemplo, o motivo parece mais simples:
como quase não bondes hoje, com exceção de alguns turísticos e de poucos em bairros
históricos, como o bonde de Santa Tereza, no Rio de Janeiro, não mais passageiros
andando em seus estribos. No caso da bicicleta, se cada bicicleta atingida por um
automóvel ainda fosse motivo de notícia, os jornais da atualidade não se ocupariam de
outro tipo de acontecimento.
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Após essa pequena consideração, enumeremos os principais conjuntos de percursos
figurativos encontrados na década de 50. Em 1955, encontramos o seguinte conjunto,
listado a seguir do mais freqüente (aquele que apareceu em mais matérias) ao menos:
acidentes (200 matérias); meios de transporte (90); combustível (58); queixas, denúncias
(46); reivindicações, greves, outras manifestações (38); obras (38); política, legislação
(19); e custos, tarifas, preços (16). Em 1956, encontramos basicamente o mesmo: acidentes
(157); meios de transporte (112); queixas, denúncias (93); obras (61); combustível (27);
custos, tarifas, preços (14); reivindicações, greves, outras manifestações (10); e política,
legislação (7). Todos esses percursos semânticos serão explicados e exemplificados a
seguir.
2.1.2. Estratégias de persuasão
Partindo dos percursos semânticos levantados acima (na ordem em que serão
analisados: meios de transporte; obras; custos, tarifas, preços; política, legislação;
reivindicações, greves, outras manifestações; queixas, denúncias; acidentes; combustível),
identificaremos as principais estratégias de persuasão em cada um deles. São elas a seleção
lexical, a seleção de personagens, a relação entre explícitos e implícitos e o silenciamento.
Com isso, conseguiremos compreender melhor o desenvolvimento de cada conjunto
figurativo ou temático no EM e, por conseguinte, caracterizar melhor cada um deles.
Por motivos de organização de nossa dissertação, estudaremos os aspectos
apontados acima em três grandes blocos: aspectos predominantemente intradiscursivos,
aspectos predominantemente interdiscursivos e aspectos tanto intra quanto
interdiscursivos. Os aspectos predominantemente intradiscursivos são aqueles encontrados
na trama do texto, em seu interior. Os predominantemente interdiscursivos são os que
remetem a relações com outros discursos e não são encontrados de forma explícita no texto
48
o que está escrito nos aponta para relações exteriores, mas não de forma direta, clara,
aberta. Já aspectos tanto intra quanto interdiscursivos são aqueles que trazem indícios
explícitos nos textos, sendo que esses indícios apontam para relações de afinidade ou
enfrentamento com relação a outros discursos circulantes.
2.1.2.1. Aspectos intradiscursivos: seleção lexical e de personagens
2.1.2.1.a. Meios de transporte
Dentro do percurso semântico figurativo dos meios de transporte, encontramos as
figuras dos táxis ou carros de aluguel, do transporte sobre trilhos (trens e bondes), do aéreo
e do marítimo. Não encontramos nos exemplares examinados outros meios em quantidade
significativa, como, por exemplo, o de transporte fluvial.
A primeira figura semântica, dos táxis (“carros de aluguel”), destaca-se por ter
ocorrido na época a institucionalização do sistema de táxis em Belo Horizonte, o que torna
abundante o número de matérias envolvendo tal meio de transporte. A matéria “Que
venham os táxis” (18/01/1955) traz a informação de que BH era uma das únicas grandes
cidades brasileiras que ainda não possuíam o serviço (“Dentre as cidades de sua categoria,
Belo Horizonte talvez seja a única do país que o possui serviço de táxi.”). Os carros de
aluguel (como era conhecido esse meio de transporte antes da implantação do taxímetro)
circulavam com passageiros pela cidade, mas não havia fixação de tarifa, nem controle
efetivo do serviço por órgãos públicos (como o SET – Serviço Estadual de Trânsito).
Dentro das matérias encontradas, podemos distinguir três grupos de personagens: 1)
o grupo dos “chauffeurs” (motoristas), que em sua maioria é contra a institucionalização;
2) órgãos públicos, prefeitura e legislativo, que insistem no novo sistema; e 3) usuários,
que aparecem de forma mais implícita do que explícita nas matérias, mas estão envolvidos
diretamente na questão.
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No editorial “Uma reivindicação da cidade” (16/03/1956), o EM trata da demora de
implantação e das relações entre os três grupos citados acima: “os chauffeurs profissionais
de Belo Horizonte”, a população” ou “povo” (usuários) e os setores responsáveis pela
implantação “vereadores”, que aprovaram a lei, e “SET”, responsável pela elaboração da
tabela. O primeiro e o segundo grupo se opõem, que a população é a favor da
implantação dos taxímetros (“as queixas contra os elevados preços dos autos de aluguel,
em Belo Horizonte, não são apenas dos habitantes da Capital. Os forasteiros também se
espantam.”) e os chauffeurs acreditam que o aparelho lhes trará prejuízo, fazendo
exigências tidas pelo jornal como descabidas (“chega (sic) a ser irritante, de tão descabidas
que são, as últimas pretensões da classe dos motoristas”). o SET busca fazer a
implantação, mas de forma a negociar com os dois grupos.
Como no exemplo citado acima, em muitos outros os motoristas, os políticos e os
funcionários do SET (principalmente de alto escalão) são citados como fonte e
entrevistados, enquanto os usuários aparecem como personagem coletivo que não é
entrevistado, sem ter sua fala relatada pelo discurso jornalístico. São, portanto, citados pela
matéria, mas não convocados por ela a falar, como podemos ver na frase “Desde há alguns
anos a população os deseja [táxis]”, retirada do mesmo editorial citado no parágrafo
anterior.
“Não aceitam os motoristas as tabelas organizadas” (20/03/1956) noticia uma mesa
redonda promovida pela Rádio Guarani (pertencente ao mesmo grupo do EM).
Participaram da mesa “o superintendente do SET, sr. Davidson Pimenta da Rocha, os srs.
Ney Otaviani Bernis, procurador geral da prefeitura, Constantino Siqueira, Altair Marques
Aguiar e Dílson de Aquino, representantes dos motoristas profissionais, (...) e os srs. Guy
Xavier e Márcio Paixão, da Prefeitura Municipal, (...) [e] o vereador Hugo Pinheiro Soares,
autor do projeto de lei”. Os usuários não participam do programa nem são convocados pela
50
matéria a dar qualquer opinião, aspecto que exploraremos melhor ao longo desta
dissertação, quando tratarmos especificamente do silenciamento no discurso do EM.
Nos dois semestres analisados (primeiros semestres de 1955 e 1956), a questão fica
sem solução, apesar de o EM vez ou outra anunciar o provável fim do impasse: “Táxis
dentro de 15 dias” (04/04/1956) e “Os primeiros taxímetros vão chegar nesta semana”
(17/04/1956). No entanto, outras matérias mostram que a questão não é simples, como o
editorial “Ainda os táxis” (26/05/1956), e “Intactos nas prateleiras os taxímetros” (19/06),
que tratam da dificuldade de negociação entre motoristas e órgãos públicos e da demora
em colocar a lei em prática.
A seleção lexical nessas matérias não é tão sensacionalista ou técnica como a que
poderemos observar, mais adiante, no percurso semântico figurativo dos acidentes. Fora
termos como “SET” ou “taxímetros”, não uso de nenhum jargão, sendo que mesmo
termos como esses dois são explicados em algumas matérias. No entanto, as matérias
também fazem uso recorrente de advérbios (“Lamentavelmente, porém, não puderam os
motoristas adaptarem em seus veículos os taxímetros”, em “Através de fraude o motorista
pode elevar o preço da corrida”, de 27/03/1956) e de adjetivos (como “decisão definitiva”,
em “Cinco membros da comissão a favor da tabela feita pelo SET”, de 15/03/1956), que
são usados para prender a atenção do leitor ou mesmo causar um efeito de certeza e
credibilidade junto a ele, como em “decisão definitiva”.
Outros meios de transporte recorrentes em 1955-1956 são os sobre trilhos. Trens e
bondes faziam parte do cotidiano da população brasileira, o que se reflete em um número
grande de matérias sobre o assunto. A temática se divide em transporte de cargas e de
passageiros, ambos largamente utilizados naquela época.
No transporte de cargas, encontramos, entre os personagens, principalmente
empresários e políticos, que são ouvidos pelo jornal para dar depoimentos sobre transporte
de minérios e outros produtos. “O caso do transporte de minérios de ferro pela Central do
51
Brasil” (24/01/1956) traz como personagens o industrial Lídio Lunardi, o ex-Presidente
Café Filho, que assinou decreto determinando “o transporte do minério de ferro para a
nova usina da CIPA, a ser instalada no litoral paulista”, Nereu Ramos (Presidente da
República interino de novembro de 1955 a janeiro de 1956), “assessores técnicos,
representantes da Associação Comercial e da Sociedade Mineira de Engenheiros” e
acompanhantes de Lunardi. São personagens considerados de prestígio, o que mostra, mais
uma vez, a preferência pela seleção de personagens tidas como socialmente importantes.
Os personagens comuns não costumam ter voz, nem mesmo em matérias que
tratem do transporte de passageiros. “Um trem elétrico novo por semana” (25/02/1956),
que divulga a incorporação de 300 novos veículos ferroviários ao tráfego nos subúrbios do
Rio atendidos pela Central do Brasil, fazendo uma denúncia de que a entrega dos vagões
estava atrasada, menciona os passageiros apenas na parte em que informa que os novos
veículos não vão permitir “pingentes”, usuários pendurados para fora das portas dos trens.
Seria uma oportunidade de tratar de questões relativas a problemas no transporte coletivo,
o que não é feito.
Algumas raras exceções, como “Servidores da Central fora da classificação”
(24/02/1956), trazem como personagem principal personagens do povo, trabalhadores,
neste caso os ferroviários, que trabalhavam “sem regime jurídico definido” que não
havia “nenhum quadro para os servidores admitidos desde 1941, ano em que foi
transformada a Estrada de repartição pública em autarquia”. O personagem que aparece, no
entanto, é coletivo (“40 mil ferroviários”, “a União dos Ferroviários do Brasil”, “antigos
funcionários”), não sendo colhido nenhum depoimento individual (nem mesmo de um líder
desses trabalhadores).
Ainda dentro do percurso semântico figurativo dos meios de transporte,
encontramos o meio aéreo. Dentro desse percurso semântico encontramos inaugurações de
vôos ou aeronaves (“Passarão a descer no aeroporto Santos Dumont, no Rio, os ‘Super-
52
Convair 340’ da Real Aerovias Brasil” 19/02/1956), viagens de políticos e reformas de
aeroportos, principalmente para receber aeronaves mais modernas. Os personagens
reduzem-se novamente a políticos, empresários e pessoas consideradas de prestígio. Desta
vez, pode até ser que o jornal não tenha selecionado esses personagens e excluído os
demais “propositalmente”, como em outros casos. Como sabemos, voar naquela época era
para poucos, para pessoas de maior poder aquisitivo. “Viagens de helicóptero do Rio
Negro ao Catete” (26/02/1956), por exemplo, traz notícia sobre o teste do helicóptero do
então presidente Café Filho (abertura: “O helicóptero que serve ao presidente Café Filho
realizou, na tarde de hoje, uma aterrissagem de experiência nos jardins do Catete.”).
Mas e nas matérias que não tratam de viagens? Nas matérias sobre obras, por
exemplo? Também nessas os “comuns” não são ouvidos, nem passageiros, nem operários,
nem cidadãos anônimos. “Um moderno aeroporto para a segunda cidade de Minas”
(09/03/1956), que trata da modernização do campo de pouso de Juiz de Fora, apenas cita
que o novo aeroporto é uma “aspiração da população”. “Prepara-se a Pampulha para
operação de quadri-motores e aviões a jato” (14/03/1956) traz as obras de extensão do
aeroporto, que incluem a ampliação da pista “para mais de 1.600 metros de extensão”) e
uma nova estação de passageiros. Os passageiros, usuários da estação, não são ouvidos,
apenas o engenheiro responsável pela obra, José Filho, o chefe de operações da Base Aérea
e o encarregado de obras, que são citados no corpo do texto.
Seguindo o tema das inaugurações, em “Estão sendo ampliados os mais
importantes aeroportos do país” (04/04/1956) o tom se repete. A matéria traz como
personagens o brigadeiro Macedo, diretor de engenharia da Aeronáutica, que tem seu
discurso de seis parágrafos reproduzido. Na seleção lexical, adjetivos como “grande”
(“obras de grande vulto”), “novo” e “confortável” (“novo e confortável restaurante”) e
“amplas” e “modernas” (“amplas e modernas Estações de Passageiros”) .
Outras matérias sobre inaugurações também buscam ouvir apenas políticos e
53
empresários. É o caso de “Inaugurada pela ‘Nacional’ a linha Belo Horizonte Aimorés
(02/02/1955) e “Importante melhoramento na ligação aérea entre Belo Horizonte e Rio”
(04/05/1955). São personagens, respectivamente, os dirigentes da Nacional e os da Real
Aerovias Brasil. A seleção lexical aponta para progresso e benefícios trazidos com as
inaugurações, o que é feito com o uso de adjetivos como importante (“importante
melhoramento”) e magnífico (“magnífico empreendimento da Real Aerovias Brasil”),
termos semelhantes aos encontrados na seleção lexical que expusemos nos parágrafos
acima.
“Oitenta novos ônibus elétricos” (11/02/1956) informa sobre a abertura de
concorrência para o fornecimento dos ônibus, “destinados a revolucionar todo o sistema de
condução da capital, constituindo plano arrojado, inédito no Brasil”. O verbo
“revolucionar” e os adjetivos “arrojado” e “inédito” conferem à matéria tom eufórico,
beirando o espetacular e afirmando que, em breve, seria “amenizado o angustioso
problema com que se debate, há muito tempo, a população da cidade”. É como se a compra
dos ônibus viesse para resolver quase todos os problemas do transporte coletivo. Outros
adjetivos usados: “confortáveis” (“confortáveis ônibus elétricos”), “aperfeiçoado”
(“aperfeiçoado sistema de transporte coletivo”) e “vertiginoso” (“vertiginoso
desenvolvimento”).
Um subtema inusitado dentro do tema aéreo é o das viagens aeronáuticas. As
previsões feitas pelo EM eram de que a evolução desse meio de transporte seria muito
maior do que de fato se deu, o que é mostrado na matéria “As viagens inter-planetárias
serão tão simples como um passeio de bonde” (27/02/1955), que profetizava que na nossa
época atual (anos 2000) os foguetes seriam um meio corriqueiro de transporte (subtítulo:
“Transporte de foguete dentro de 50 anos: 25 mil kms (sic) por hora”).
Por fim, o último meio de transporte encontrado: o marítimo. Trata-se da discussão
de um acordo comercial feito pelos governos de Minas Gerais e Bahia para ceder o uso do
54
porto de Caravelas a nosso estado. No editorial “Caravelas” (10/06/1956), o EM atribui
grande importância ao acordo. Apesar de o porto ficar “fronteiro a uma zona de Minas de
baixa produtividade (...) é o que ficará mais próximo de Brasília, a futura capital. (...)
Enquanto não tivermos qualquer controle sobre um porto de mar, iremos esbarrando em
receitas fracas que não permitem o desenvolvimento estadual nas medidas de nossas reais
possibilidades.” A matéria cita, como personagem explícito, apenas o governandor Bias
Fortes, e a colocamos aqui mais como outro termo inusitado da época (apesar de,
interdiscursivamente, ser antiga a aspiração das elites mineiras por acesso a portos de mar).
Outras notícias envolvendo transportes marítimos limitam-se a notícias de acidentes, sendo
agrupadas com as demais notícias daquele percurso semântico.
Vale ressaltar mais alguns aspectos dentro do percurso semântico figurativo dos
meios de transporte também bastante inusitados para nós leitores do século XXI.
Encontrada com bastante freqüência nos exemplares pesquisados em 55-56, a coluna
“Informações Várias (Anexo 2) traz, entre temas como “Sinopse do Tempo” e
“Hóspedes”, a listagem completa de passageiros que desembarcavam em Belo Horizonte
transportados pelos trens “noturno de Montes Claros”, “noturno de Ponte Nova”, “noturno
da Vitória Minas” e “noturno da R.M.V [Rede Mineira de Viação]”. Os passageiros são
citados por seu nome completo e de acordo com o trem pelo qual chegaram à capital
mineira, não havendo qualquer outra informação explícita. A coluna não tinha
periodicidade definida no EM, mas tinha mais de uma veiculação semanal.
Outra temática que também nos chamou a atenção, embora pouco comum à época,
é referente a problemas no tráfego. A matéria “Estudos do SET para desafogo do tráfego”
(20/04/1955) informa sobre estudos realizados pelo Serviço Estadual de Trânsito para
desafogar o a rua Tamoios, sendo a primeira solução passar “para a rua Tupis os pontos de
coletivos da rua Tamoios”. É no mínimo curioso ver que naqueles tempos, em que a
frota de veículos ainda era bastante reduzida, o trânsito começava a apresentar problemas.
55
“Regulamento do tráfego de bicicletas” (25/03/1956) também se enquadra nesta temática.
2.1.2.1.b. Obras
O percurso figurativo das obras é um importante percurso semântico dentro da
temática por nós estudada por alguns motivos, entre eles o critério de noticiabilidade.
Como mostramos na Introdução deste trabalho (Seção 1.4.5. Outros aspectos da produção
jornalística), a produção jornalística obedece alguns critérios que acabam por ficar
automatizados em uma redação. Esses critérios têm a ver com a importância de uma
notícia e classificam-se, como explicitamos, em substantivos (relacionados à
importância e ao interesse da notícia), relativos ao produto (que abrange categorias como
Disponibilidade, Brevidade, Ideologia da informação, Atualidade, Qualidade, Equilíbrio),
os relativos ao meio de comunicação (materialidade, freqüência e formato), ao público
(gosto e compreensão dos receptores) e à concorrência (semelhança de cobertura para não
“tomar furos”). O percurso semântico figurativo das obras preenche alguns dos mais
importantes desses requisitos: é de grande interesse da população por tratar-se, na maioria
das vezes, de obras de melhorias; é atual, que divulga algo que irá acontecer em breve,
com data mais ou menos definida; e, por ser amplamente divulgado pelos governos e suas
assessorias, o jornal que não os divulga corre o sério risco de “tomar um furo”. Esses
critérios justificam, em parte, a grande ocorrência de matérias sobre obras em 1955-1956.
Outra explicação plausível, complementar a essa, é histórica. O governo de
Juscelino Kubitschek, iniciado em 1956, comprometeu-se a desenvolver o Brasil como
nunca antes, o que, sem dúvida, levaria a investimentos maciços, principalmente na infra-
estrutura de nosso país. Encontramos em 1956 o percurso semântico das obras em um
número de matérias bem mais elevado que em 1955 (61 contra 38), o que aponta para
56
essa diferença de governos
7
. A isso, soma-se uma tendência de posicionamento pró-
governo do EM, como apontamos anteriormente e iremos ver mais a fundo nas seções
seguintes, especialmente as que tratarão de aspectos interdiscursivos (o que nos dará a
oportunidade de aproximar/afastar os discursos em circulação no EM e no restante da
sociedade, entre eles os discursos políticos).
Após essa breve consideração, passemos
à
s seleções lexical e de personagens.
Como era de se esperar, são personagens, mais uma vez, políticos e personalidades, que
planejam ou prometem obras
à população
. “Será inaugurada hoje a ferrovia Brasil Bolívia”
(05/01/1955) traz como personagens os presidentes dos dois países, que foram
homenageados na ocasião. Outra matéria de 1955 que traz políticos como personagens
principais é “Túnel ligando Rio de Janeiro a Niterói” (08/01/1955), que divulga a visita do
governador do Rio a Nova York para tentar conseguir um financiamento para a obra (como
sabemos, a tentativa foi frustrada...). “Vão ser retomadas as obras da Fernão Dias em S.
Paulo” (05/01/1956) traz como personagem explícita apenas o diretor-geral do DER e o
governador Lucas Nogueira Garcez (nome completo). Ficam implícitos outros
personagens, como funcionários de alto escalão do DNER (no trecho “acordo entre o
DNER e o DER”) e os trabalhadores envolvidos nas “obras de terraplanagem” e “obras da
Fernão Dias no geral, além da população por ela beneficiada (de Vargem, Bragança,
Guaripoca, Rio Jaguari etc.).
Como pudemos observar no último exemplo citado acima, além de políticos
também são personagens freqüentes pessoas que ocupam cargos de direção de órgãos
envolvidos no assunto, como o DNER (Departamento Nacional de Estradas de Rodagem).
“Vão prosseguir intensamente as obras da BR-3 e da ‘Fernão Dias’” (13/02/1955)
questiona o diretor do DNER “se o ritmo das obras federais [em MG] será mantido ou
7
Como dito há pouco, Café Filho havia sido Presidente da República entre agosto de 1954 e novembro de
1955 e Nereu Ramos Presidente interino de novembro de 1955 a janeiro de 1956.
57
sofrerá redução, em virtude da deliberação do governo federal de suspender, até segunda
ordem, a execução de muitas delas”, ao que o diretor respondeu positivamente. “O sr.
Juscelino Kubitschek inspecionou a estrada Belo Horizonte RIO” (08/03/1956)
apresenta, como personagens, além do presidente da república, o governador de Minas,
Bias Fortes, e o diretor do DNER, Régis Bittencourt, reafirmando a tendência de dar voz
somente a políticos e demais personagens em evidência na sociedade.
A matéria Início da grande rodovia Belo Horizonte Planaltina” (19/01/1956)
explicita a importância dada a esses personagens considerados ilustres: “Com a presença
de altas autoridades, representações dos municípios mineiros que serão beneficiados com o
empreendimento e figuras de destaque em nossos círculos técnicos, políticos e sociais,
serão iniciados amanhã os trabalhos de construção do trecho Contagem-Esmeraldas.”
(grifos nossos).
A seleção lexical nesse percurso semântico deixa implícito o progresso,
a
modernização
8
, como pudemos ver em Início da grande rodovia Belo Horizonte
Planaltina”. O implícito é tornado explícito em “Trilhos do progresso” (19/01/1956). Além
da palavra progresso no título, temos ainda o discurso do governador de São Paulo, que diz
que “‘Presidente Prudente, agora, não é apenas uma cidade paulista, mas brasileira e sul-
americana’”, elevando a outro patamar de desenvolvimento a cidade de onde partiria a
Estrada de Ferro Sorocabana. A afirmação é reforçada pelo discurso do jornalista e
empresário Assis Chateaubriand, também presente na solenidade: “‘Vemos aqui o
governador diposto a resolver (...) [o problema] de toda uma região, que nessa solução se
transformará em extraordinária metrópole’”. O substantivo metrópole, sozinho, já carrega
consigo, implícitas, as idéias de modernidade e crescimento, citadas acima. Ao lado do
adjetivo “extraordinária”, ganhou, sem dúvida, um peso ainda maior.
8
Como pudemos perceber no percurso semântico dos meios de transporte, nas figuras da inauguração de
linhas aéreas e vôos.
58
“Vão ser retomadas as obras da Fernão Dias em S. Paulo” (05/01/1956) divulga o
destino de verba do DNER para tal obra (“204 milhões de cruzeiros por ano”), ressaltando,
o EM, que “A rodovia ‘Fernão Dias’ se uma das mais belas estradas paulistas. (...)
Enormes aterros foram feitos e a rodovia poder-se-á orgulhar de possuir uma verdadeira
obra de arte: o túnel da Mata Fria.”
À
melhoria tecnológica (o túnel), soma-se a estética:
beleza. Essa matéria também é interessante por trazer, logo após a descrição elogiosa
citada acima, detalhes extremamente técnicos do túnel, que pouco descrevem sua beleza, e
sim suas características técnicas construtivas: “Terá ele 250 metros de comprimento. A
rampa máxima da estrada é de 5%, tendo a pista carroçável uma largura de 9,50 metros. A
largura dos passeios é de 70 centímetros, a altura é de 7 metros.”
“Poderosa contribuição
à
modernização do sistema rodoviário de Minas Gerais”
(09/03/1956) é outra matéria repleta de adjetivos enaltecedores. Já no título, o uso do
adjetivo “poderosa” traz uma qualificação eufórica da contribuição”. Além do adjetivo,
encontramos na matéria ‘moderno’ (no subtítulo “moderno maquinário será cedido pelo
Estado aos interessados” e em “Assinado o primeiro contrato de cessão do primeiro grupo,
constante de moderna usina de asfalto”), que explicita o conceito de modernização
(substantivo que também aparece no tulo). Outros adjetivos usados na matéria são
“extraordinária”, no parágrafo de abertura (“extraordinária expansão que vêm
experimentando as atividades da Caixa Econômica do Estado de Minas Gerais”) “elevado”
e “oportuna” (“elevado sentido de oportuna iniciativa”) e “profunda” (“a mais profunda
influência na vida econômica de Minas”).
Outro exemplo, “Minas ficará mais próxima do mar” (15/04/1956), trata de uma
possível ligação ferroviária entre Itabirito e Angra dos Reis para transporte de minérios,
tendo como personagens o governador Bias Fortes e representantes da Ferrostaal, empresa
alemã interessada na construção (presidente mundial, presidente da organização no Brasil e
acompanhantes). Entre o léxico, destaca-se a locução adjetiva “mais curta”, em “devendo
59
constituir-se na mais curta via de acesso da região ferrífera de Minas a um porto de mar”,
reforçando, mais uma vez, a idéia de melhoria e modernidade. A obra (como grande parte
das outras aqui apresentadas) é posta pelo discurso jornalístico do EM como uma solução
para Minas e seu sistema de transportes.
2.1.2.1.c. Custos, tarifas, preços
Neste percurso semântico desenvolve-se o percurso jornalístico sobre tarifas de
transportes, como ônibus, bondes e trens, além de custos e preços, entre eles os de fretes de
cargas e preços de combustíveis. A grande maioria das matérias jornalísticas trata de temas
políticos ligados ao aumento de tarifas e custos, como é o caso de “Revolução no
transporte de gêneros” (30/05/1956), sobre a participação do Exército no transporte de
alimentos para centros consumidores “para o bairateamento (sic) do custo da vida”. Como
era de se esperar, tais matérias vêem a questão do ponto de vista dos políticos,
entrevistando-os para falarem sobre o assunto. Na matéria citada, são personagens o sr.
Salgado Sobrinho, que discursou na Assembléia a favor da intervenção do Exército (“‘O
ministro da Guerra [general Lott] vai fazer a revolução do transporte de neros
alimentícios para os centros consumidores. É o que necessita o Brasil.’”), e o sr. Plácido da
Rocha, do PSP, “que declarou que apóia integralmente o plano do governo Juscelino para o
bairateamento (sic) do custo da vida”. Apesar de não terem seus cargos citados na notícia,
fica implícito, subentendido, que ambos são políticos, principalmente o sr. Plácido, que
tem seu nome ligado a uma sigla de partido.
Na matéria “Revisão das tarifas de bonde” (07/06/1956), que citamos na
Introdução desta dissertação, o EM reproduz boa parte do pronunciamento de Milton
Campos, à época presidente da UDN, e de Cunha Melo, “um dos líderes do Governo no
Senado.” São mais de dois parágrafos longos destinados aos personagens. Os usuários do
transporte, mais uma vez, não são ouvidos.
60
Outro exemplo semelhante, “Depredados 212 bondes pelos estudantes”
(31/05/1956), mostra o posicionamento do EM. O subtítulo da matéria, “O presidente julga
insuficientes as providencias (sic) tomadas pela policia”, aponta que o EM se
posicionaria a favor do governo e contra os manifestantes. Na matéria, além do presidente
e do prefeito, são personagens o juiz de menores e o chefe de polícia, Augusto Magesat
(cuja nota de nove parágrafos é reproduzida na íntegra, fazendo um “apelo aos pais e
mestres”). Aos estudantes, cabe a acusação de estarem ligados ao Partido Comunista, como
podemos ver nos trechos “Elementos estranhos à classe participaram do movimento
estudantil” (parte do subtítulo) e “Em manifesto dirigido à nação, a Frente da Juventude
Democrática denunciou a infiltração comunista na manifestação dos estudantes contra o
aumento das passagens de bondes.”.
Isso faz de “Unificação do sistema de transportes coletivos” (06/06/1956) uma
exceção. É noticiada a redução provisória de 50 centavos no preço das passagens de
bondes no Rio de Janeiro. São personagens da matéria o prefeito da cidade, Negrão de
Lima, que ganha o espaço dos dois parágrafos de abertura da matéria, que abordam o
decreto assinado pelo prefeito, prevendo a redução provisória até que algumas melhorias
no sistema fossem implantadas; o reitor da PUC, Pedro Calmon, apoiador da campanha
contra o aumento do preço das passagens de bonde; e, como personagem coletivo, a
“comissão estudantil contra o aumento de passagens dos bondes”. A matéria, portanto, dá
espaço ou procura ouvir vários envolvidos na questão do aumento das passagens, que
deflagrara uma greve estudantil: governo, estudantes (que são ao mesmo tempo usuários e
líderes do movimento anti-aumento) e até o reitor, que apoiava o movimento. Poderíamos
pensar que o reitor foi ouvido pelo cargo que ocupava, mas a sua posição, a favor dos
grevistas, vai contra o que o EM costumava noticiar (como veremos nas seções 2.1.2.2,
2.1.2.3 e 2.1.3 a seguir, na década de 50 o discurso do EM mostra-se muito favorável aos
governos estadual e federal).
61
“Aumento das tarifas nas ferrovias” (12/02/1956), por sua vez, noticia o aumento
das tarifas para o transporte de mercadorias em todas as estradas de ferro pertencentes à
União e o aumento dos preços das passagens nos trens suburbanos da Central do Brasil e
da Leopoldina. São personagens apenas a COFAP, órgão que iria autorizar o aumento
(personagem coletivo), e o representante do Ministério da Viação, sr. Ernani Assis Silveira.
Por fim, tarifas e preços relacionados aos combustíveis. O discurso jornalístico,
como nos demais casos, ignora a opinião de usuários e trabalhadores. “Decisão hoje sobre
a gasolina” (09/02/1955) trata de uma reunião do Conselho Nacional de Petróleo para
decidir o preço do litro do combustível. “Ainda não foi aumentado o preço da gasolina”
(15/02/1955) ouve o presidente da COFAP, general Pantaleão Pessoa, que informa não ter
chegado às suas mãos processo sobre o aumento. Já “Revendedores e motoristas
descontentes com o aumento da gasolina” (15/02/1955), “Os motoristas vão tratar
diretamente com o prefeito do aumento da gasolina” (21/02/1955) e “Os carreteiros de
gasolina pleiteiam melhores fretes” (06/04/1955) diferem das demais matérias por
colocarem em destaque personagens comuns, entre eles trabalhadores, que merecem
destaque desde o título. No entanto aparecem apenas como personagens coletivos (não são
eleitos, pelo jornal, representantes para falarem em nome das respectivas categorias
profissionais).
62
2.1.2.1.d. Política, legislação
Neste percurso semântico englobamos todos os temas e figuras envolvendo
iniciativas dos poderes Executivo e Legislativo, como planos lançados pelos governos,
discursos de políticos, posses e nomeações de dirigentes, leis, impostos etc.
Como é de se esperar neste caso (diferentemente do que aconteceu nos anteriores,
excetuada a observação que fizemos em relação ao meio de transporte aéreo),
encontraremos entre as personagens políticos e ocupantes de cargos importantes (diretorias
de departamentos, ministros etc.), que o principal aspecto temático é a política. Mas isso
não impediria, mais uma vez, que a população aparecesse como personagem, que está
diretamente envolvida em leis e demais temas e figuras ligados à política, principalmente
por ser o foco final dessas ações.
Começando pelas nomeações e posses de dirigentes, são exemplos dessas notícias
“Tomou posse o ministro da Viação” (01/02/1955), em que o coronel Rodrigo Otávio
Jordão Ramos substitui o engenheiro Lucas Lopes, e “No discurso de posse, o sr. Bias
Fortes expõe as diretrizes de sua administração” (01/02/1956), tratando o governador em
seu pronunciamento da melhoria dos transportes. A primeira matéria narra em terceira
pessoa gramatical a posse do novo Ministro da Viação e seus planos para o cargo,
enquanto a segunda simplesmente reproduz, provavelmente na íntegra, o pronunciamento
de Bias Fortes, introduzindo-o pela frase “Ao investir-se nas funções de governador de
Minas, o sr. Bias Fortes pronunciou o seguinte discurso:”.
“No discurso de posse (...)”, o governador diz: “teremos de exercer junto ao
governo da União e com o apoio do povo mineiro e da nossa bancada na Câmara Federal,
sem distinção de partidos, uma política capaz de remover as causas da deficiência do nosso
serviço de transporte, melhorando as condições das nossas estradas de ferro, das nossas
rodovias e da navegação fluvial”. É interessante notar como o governador cita o “povo
mineiro” como apoiador de suas ações, o que, de certa forma, faz com que esse
63
personagem coletivo perca um pouco sua passividade no discurso do EM e ganhe, mesmo
que retoricamente, características de agente. O governador também trata da navegação
fluvial, tema bastante raro nas páginas do jornal à época.
Como citamos no início desta seção, também encontramos no percurso semântico
da política matérias envolvendo anúncios de medidas governamentais. “Financiamento dos
planos rodoviário e ferroviário” (16/06/1956) trata de um projeto de lei “a ser
imediatamente enviada ao Congresso, transformando em ‘ad valorem’ o imposto sobre
combustíveis” para atender “às necessidades financeiras dos planos quinquenais (sic)
rodoviário e ferroviário, bem como à elevação do capital da Petrobrás”. São personagens o
presidente Juscelino Kubitschek, “os ministros da Viação e da Agricultura, o presidente de
Finanças da Câmara e representantes do Ministério da Fazenda”.
“Os principais problemas da economia mineira abordados pelo governador”
(29/01/1956) trata dos problemas de infra-estrutura do país. A palestra proferida pelo então
governador Clóvis Salgado no Fórum Econômico da Federação das Indústrias aborda,
entre assuntos como educação, energia elétrica, siderurgia, saúde pública, agricultura etc.,
problemas ligados ao sistema ferroviário e às rodovias mineiras, temas que merecem
destaque já no subtítulo, abaixo na íntegra:
Palestra do sr. Clóvis Salgado no “Fórum Econômico da Federação das
Indústrias” Urge modernizar e ampliar nosso sistema ferroviário
Rodovias, energia elétrica, pecuária, agricultura, fertilizantes, Vale do São
Francisco, saúde pública, educação Reação contra a siderurgia estatal fora
de Minas (EM,29/01/1956,p.5)
“A
travessa o município de São Gotardo fase de grande progresso” (27/01/1956)
informa sobre as realizações do prefeito da cidade, Cyro Franco, em “extraordinária obra
administrativa em sua comuna”. Encontramos diversos adjetivos ao longo do texto, entre
eles “próspera comuna”, “fase de grande progresso e realizações”, “as melhores
[plantações de café] do mundo”, “notáveis obras públicas”, franco desenvolvimento”,
64
“larga importância”, entre outros. Quando trata de transportes, a matéria mantém o tom
eufórico:
Não sendo dotada de ferrovia, São Gotardo tem, no entanto, excelente rede
rodoviária (...). As estradas municipais (...) estão entregues ao tráfego e
turmas de conserva da Prefeitura asseguram-lhe perfeitas condições de uso,
durante todo o ano. Cerca de 15 ônibus diários (...) passam diariamente em
São Gotardo, evidenciando o grande movimento da cidade e possibilitando-
lhe completo intercâmbio comercial e humano com os demais pontos do
território mineiro. (EM,27/01/1956,p.5)
Também vale ressaltar que a matéria traz uma foto grande do prefeito (Anexo 3), o
que não era comum (uso de fotos) e confere ainda mais força à matéria e aos elogios
cunhados ao administrador, que ganha um rosto e personifica a referida “extraordinária
obra administrativa”.
Matérias como essa são comuns na década de 50, como podemos ver em “Doze
meses à frente da prefeitura de Belo Horizonte” (02/02/1956), que faz um balanço de um
ano da Prefeitura na administração Celso Azevedo. A matéria, que ocupa quase uma
página inteira do EM, traz vários feitos atribuídos ao prefeito, entre eles melhorias em
“abastecimento e transporte”. Para comprovar o que diz, a matéria traz várias tabelas e
números, que fazem uma comparação entre as administrações anteriores e a da época.
Segundo o discurso do EM, esses números “são bastante expressivos e fornecem a certeza
de que, ao final do mandato de seu dinâmico prefeito, Belo Horizonte terá à sua civilização
e ao seu progresso novos e poderosos instrumentos de estímulo, conforto e bem-estar.”.
Duas dessas tabelas (abaixo) concernem à temática transporte e trânsito: uma sobre
“obras públicas e melhoramentos urbanos” e outra sobre “Transporte coletivo”. A primeira
traz uma comparação entre o ano de 1955 e as médias dos anos de 1952 a 1954, em relação
à quantidade (m² e m³) de calçamento e asfaltamento nesses períodos. A segunda traz a
receita obtida com o transporte coletivo, segundo levantamento do Departamento de
Bondes e Ônibus. Apesar de, por motivos que apontamos, a fonte não ser totalmente
65
confiável
9
, o uso de números não deixa de ser um esforço do EM para justificar com dados
concretos o que é dito na matéria (o que era muito pouco comum). Por outro lado, o uso
também pode ser explicado por uma necessidade do jornal de “agradar” o prefeito (daí o
tamanho da matéria, quase uma página inteira) e criar um efeito de credibilidade junto aos
leitores.
(EM,02/02/1956,pp.8 e 9)
“Minas e a expansão rodoviária” (09/06/1956) é outro exemplo de promoção do
governo, desta vez concomitantemente do estadual e do federal. O discurso do EM não
poupa elogios a JK:
Quando o eminente presidente Juscelino Kubitschek desenrolou a bandeira
do binômio, como base de propaganda de sua candidatura no governo das
alterosas, sentiu-se que um sopro de inspiração divina lhe orientava os
passos para essa arrancada que acordou Minas do pesado letargo do
preconceito e da apatia, vinculado ao conservantismo retrógrado daqueles
que descrêem da inteligência do homem e do poder da vontade que
personifica os grandes varãos (sic) a serviço da coletividade, como força
criadora que esmaga o negativismo com o punho forte da decisão e da
iniciativa. (EM,9/6/1956,p.5)
9
Como forma se de eximir de prováveis divergências nos dados, o jornal coloca uma nota, abaixo da tabela
“Transporte coletivo”: “Dados sujeitos a retificação”.
66
É preciso esclarecer que o texto não vem assinado e não ocupa os espaços
destinados a artigos, que, diferentemente de outros textos jornalísticos, têm um lugar bem
definido no EM (na página 4, junto ao editorial, ou em cadernos veiculados aos domingos,
junto com contos e matérias mais culturais). A seleção lexical usada destoa da usada na
época, que, mesmo trazendo adjetivos e advérbios cotidianamente, não usava hipérboles
como as encontradas nesta matéria .
Um último exemplo demonstra a importância que a temática transporte e trânsito
tinha no discurso do EM. Em 29/06/1956, os Diários Associados publicaram um caderno
inteiro, veiculado pelo EM, e provavelmente por mais veículos do grupo, sobre Minas.
Intitulado “Caderno especial sobre a economia mineira”, o caderno traz mais de dez
páginas sobre o que considera avanços e necessidades de Minas, não economicamente,
mas também política e socialmente.
Entre matérias sobre agropecuária, siderurgia e turismo, as sobre transportes são as
que ocupam a maior parte do caderno. São elas: 1) “Ligações ferroviárias para solucionar o
problema do transporte em Minas Gerais”, que trata das “finalidades econômicas, políticas
e sociais” da ampliação da rede ferroviária; 2) “O progresso de Minas estará sempre ligado
aos transportes terrestres”, que critica a falta de planejamento e o fato de as linhas férreas
mineiras representarem pouco mais de 23% do total das linhas brasileiras; 3) “Mais de sete
mil quilômetros de novas rodovias em Minas”, que elogia o “magnífico” trabalho que vem
sendo realizado pelo DER; 4) “As condições de tráfego no rio São Francisco”, que aponta
melhoria para alguns trechos e determina a “rede navegável” em “2 mil e 500 quilômetros”
(como já apontamos, matérias sobre navegação fluvial eram extremamente raras, fazendo
dessa reportagem uma exceção); 5) “Há 10 anos atrás não contava o Vale do rio Doce com
uma única estrada de rodagem de tráfego permanente”, que noticia o avanço da região,
afirmando que “A grande bacia aponta hoje como um dos grandes centros produtores de
riqueza do Estado de Minas” e traça “o panorama atual dos transportes no Leste mineiro”;
67
e 6) “Minas necessita de 35 mil quilômetros de rodovias”, que explicita transformações
pelas quais passaram as rodovias mineiras e planos de construções futuras.
Como nas demais matérias, políticos e especialistas são os principais personagens e
fontes. O caderno traz várias tabelas e números para ilustrar o dito nos textos do jornal,
esforço pouco comum então (como já afirmamos). Apesar de ter um tom eufórico e
divulgar os avanços alcançados nos governos JK e Bias Fortes, os textos apontam
problemas e deficiências do transporte em Minas, não os silenciando como fizeram várias
outras matérias jornalísticas (principalmente as que promovem os governos e fazem deles
um balanço absolutamente positivo, como mostramos há pouco).
2.1.2.1.e. Reivindicações, greves, outras manifestações
Nos anos de 1955-1956, são comuns as matérias que tratam de greves e outras
manifestações reivindicatórias. No discurso do EM, esses movimentos são considerados
ilegítimos, como podemos perceber nos exemplos a seguir.
Em 1955, a greve dos pilotos da empresa Panair do Brasil, iniciada após a demissão
de um comandante, ganha espaço quase diariamente no EM, ao longo de todo o mês de
janeiro. A primeira notícia, “Não haverá greve antes de sexta-feira” (05/01/1955), coloca a
greve como algo sob o controle da empresa, negando que o movimento teria começo
naquela semana. “Não haverá greve na Panair” (11/01/1955) segue o mesmo tom da
matéria anterior, reforçando que o movimento não se firmaria . É interessante notar nessas
duas matérias o uso do advérbio de negação no título, na primeira palavra, procurando
causar um efeito de contrariedade, de negação. Ao associar “não” e “greve” na
manchete, o discurso do EM coloca-se, implicitamente favorável à empresa e contrário aos
pilotos, posição que assume de modo explícito no parágrafo de abertura do texto: “Tendo
prevalecido a ponderação e o bom senso da maioria, felizmente não se concretizou a
ameaça de greve dos pilotos da Panair do Brasil, como protesto pela dispensa do
68
comandante Lauro Roque”. A seleção dos substantivos “ponderação” e “bom senso”,
assim como do advérbio “felizmente”, mostra que o EM é contra greves ou, ao menos,
contra a greve na Panair.
Apenas 5 dias após a matéria que elogiava “a ponderação e bom senso da maioria”,
os pilotos entram em greve. “Entraram em greve pilotos da Panair” (16/01/1955) traz nota-
oficial da empresa sobre o ocorrido, dizendo, no subtítulo, que a “empresa não quis
considerar o ato”. Assim como nas matérias anteriores, o discurso do EM se posiciona
contra os grevistas, o que podemos perceber pelo fato de o jornal ter publicado a nota
oficial da Panair na íntegra e não ter dado voz aos pilotos, nenhuma chance de se
explicarem. Os grevistas aparecem como personagens na matéria, que são os agentes da
greve, mas a eles não é dada a palavra. Assim, silenciando os pilotos, o EM leva a
conhecimento do público-leitor apenas o discurso patronal, o discurso da Panair,
legitimando, portanto, esse discurso em detrimento do discurso dos empregados. No
embate, fica claro o posicionamento discursivo e ideológico do EM.
A seleção lexical de “Prossegue a greve da Panair” (18/01/1955) continua a mostrar
a contrariedade do EM, no parágrafo de abertura: “Ao contrário do que se esperava,
ainda hoje o movimento não foi debelado.” “O movimento paredista da Panair”
(21/01/1955) traz uma expressão ainda mais forte de posicionamento ideológico do jornal.
O subtítulo da matéria caracteriza a greve como um “traumatismo moral” (“Nenhuma
alteração no dia de ontem – ‘Traumatismo moral’”).
Assim, greves são condenadas pelo discurso do EM em todas as matérias que o
jornal traz sobre o tema. Como apontamos acima, o EM não oferece nenhuma
oportunidade de defesa aos grevistas, nem ao menos questiona a demissão do comandante,
fato que desencadeou a greve. “Mesmo ilegal, a greve continua” (29/01/1955) reforça a
ilegalidade do movimento (“A greve dos pilotos da Panair do Brasil, declarada ilegal pela
Justiça do Trabalho, apesar de tudo continua estacionária”). “Proposta da Panair para a
69
solução da greve” (26/02/1955) confere, mais uma vez, voz somente ao lado oficial
(“Presidida pelo Ministro Alencastro Guimarães, realizou-se na tarde de hoje uma mesa
redonda destinada a estudar a situação criada com a greve dos pilotos da Panair”.)
Outra greve acontecida em 1955 demonstra novamente o claro posicionamento do
EM. “Agitadores tentam levar os motoristas a greve” (28/04/1955) traz como subtítulo
“Ignoram o movimento tanto os sindicatos patronais como os de empregados
Advertência da Delegacia de Ordem Pública Somente os inimigos do regime, agitadores
contumazes e os comunistas são capazes de agir assim”. Os termos por nós sublinhados
mostram mais uma condenação desse tipo de ação pelo discurso do EM, que a associa
apenas a inimigos, agitadores e comunistas. “Não preparação de greve por parte de
motoristas na capital ou no interior” (01/05/1955) reforça o posicionamento ideológico do
jornal, afirmando que “a polícia está em condições de reprimir qualquer tentativa de
perturbação da ordem”. Os grevistas são, portanto, desordeiros, perturbadores da paz.
Em 1956, outras greves merecem destaque, como em Vitória a greve de estudantes,
que pleiteavam desconto nas passagens de ônibus. “‘Quebra-quebra’ em Vitória”
(25/05/1956) traz a foto de um tumulto na cidade envolvendo um ônibus (Anexo 4). No
texto, a seleção lexical e de personagens reafirma a posição do EM: A cidade de Vitória
foi abalada (...) por uma série de distúrbios e agitações”. Apesar disso, o EM diz que o
quebra-quebra foi promovido por estudantes “inconformados com a intransigência dos
empresários”, o que, implicitamente, chega a dar razão aos manifestantes.
“Depredação de bondes e ônibus também em S. Paulo” (07/06/1956) traz
vocabulário semelhante: “visando a restabelecer a ordem e deter os responsáveis pelas
agitações”. Nessa matéria, os agitadores não são apenas os manifestantes, mas também
personagens ligados ao Partido Comunista. Além de posicionar-se contra a greve, o
discurso do EM adota, novamente, uma postura anticomunista. Militantes do PCB são
qualificados na matéria como aproveitadores, misturando-se aos manifestantes para fazer
70
propaganda: “Enquanto isso, o DOPS está envidando esforços para alijar do meio dos
manifestantes elementos que se aproveitam dessas circunstâncias para explorações
políticas. (...) foram presos dois funcionários do CTMC que distribuíam boletins e vendiam
‘selos’ para o Quarto Congresso do PCB”. Logo, os desordeiros são de duas categorias: os
grevistas e os comunistas, ambos os grupos perturbadores da ordem social vigente, do statu
quo.
2.1.2.1.f. Queixas, denúncias
Este percurso semântico figurativo difere um pouco dos demais por dar um espaço
privilegiado aos discursos dos leitores do EM, os cidadãos comuns que temos
constantemente afirmado não terem voz no jornal. A coluna “Queixas e Reclamações” abre
espaço para que os cidadãos se queixem de serviços, públicos ou não, envolvendo, entre
outros assuntos, transportes em BH, asfaltamento de ruas e estradas, empresas de viagem
etc. É importante ressaltar que não havia na época um espaço destinado aos leitores, como
acontece nos dias de hoje com a coluna “Cartas
à
redação”. “Queixas e reclamações”, de
certa forma, conseguia abrir esse espaço.
No dia 03/02/1956, a coluna traz, entre outras reclamações, “Buracos nas ruas” e
“O transporte de gados”. Na primeira, O motorista Euclides Barbosa Cunha, com
estacionamento na avenida Afonso Pena, afirma que muitas ruas estão praticamente
intransitáveis em vista da grande quantidade de buracos” e “pergunta qual o motivo pelo
qual a prefeitura suspendeu o serviço de conserva das vias públicas”. Segundo o EM, a
reclamação “está diretamente ligada aos serviços do Departamento de Obras da Prefeitura,
a quem a endereçamos”.
Na segunda, a queixa vem de fazendeiros de Montes Claros, que “se mostram
irritados com os contínuos atrasos dos [trens] especiais de gado da Central do Brasil.
Afirmam que esses atrasos sempre foram mais ou menos freqüentes, mas agora se
71
tornaram diários e prolongados”. Segundo os fazendeiros, “os bois perdem peso durante a
viagem, com prejuízo para os interessados”. A queixa, segundo a nota, foi encaminhada
à
direção da Central do Brasil. Dois dias depois, no dia 05/02, o jornal trouxe uma matéria
sobre o assunto, “Continuam atrasando as cargas destinadas a Montes Claros”. A matéria,
que trata não do atraso de mercadorias, mas do desconforto dos passageiros, que para
conseguirem um leito na Central precisam “dar gorjeta aos funcionários”, mostra que a
coluna “Queixas” não abre espaço aos leitores como pode até mesmo virar pauta para
matérias.
também, neste percurso semântico figurativo, espaço para denúncias feitas pelo
EM, como acontece em “Ônibus e lotações em mau estado continuarão a trafegar na
cidade” (13/01/1955), Colapso na viação férrea do Rio Grande” (19/01/1955), “Parece
que uma quadrilha de ladrões de automóveis está agindo na cidade (15/02/1955),
“Esqueceu o Brasil de cobrar o preço da construção da Corumbá Santa Cruz
(“05/04/1955), em que o EM afirma que “O Rio de Janeiro (...) construiu praticamente
sozinho a ferrovia Corumbá Santa Cruz de la Sierra, sem ter recebido um pagamento
efetuado por parte da Bolívia”, “Continuam em tráfego os ônibus e auto-lotações em mau
estado” (01/05/1955), entre outras.
Costumam aparecer nessas matérias muitas siglas de órgãos do governo ou
associações, muitas vezes os responsáveis pelos assuntos denunciados. Essas siglas (SET,
COFAP, DBO) raramente vêm acompanhadas de seu significado, dificultando a leitura
para quem com elas não está familiarizado e constituindo-se em linguagem quase técnica,
restrita a um grupo. Fora essa nomenclatura, a seleção lexical costuma ser a mesma das
notícias do dia-a-dia do jornal.
Sobre os Editoriais, é importante ressaltar que encontramos vários desses textos que
traziam denúncias sobre irregularidades de transportes, obras, contrabando, entre outros.
São exemplos: “Duas obras morosas” (25/02/1956), que denuncia a demora do
72
asfaltamento da BR-3 (“essa obra federal está se movendo com uma lentidão que chega a
revoltar.”) e da construção da rodovia Belo Horizonte – Curvelo, esta do governo estadual;
“Velho abuso sempre renovado” (07/03/1956), apontando o uso irregular de carros oficiais;
ou Um escândalo” (04/04/1956), sobre a importação clandestina de automóveis de luxo,
tema recorrente nas páginas do EM (“Se este fosse um país em que a seriedade imperasse
de alto a baixo, (...) em que o desejo de enriquecimento rápido e fácil cedesse lugar ás (sic)
boas praxes de atividade comercial, de muito não se teria notícia (...) [da] descida
incessante de automóveis de luxo no Rio e em outros portos nacionais.”).
Voltando à seleção lexical, que, como afirmamos, costuma seguir uma linguagem
jornalística mais comum na maioria das matérias, pudemos perceber que em algumas
notícias mais “inflamadas” ela se destaca, como é o caso de “O Brasil coleciona desertos
por falta de transportes” (21/03/1956). A matéria trata da palestra do escritor Gustavo
Corção, proferida na Confederação do Comércio do Rio. Já no subtítulo, o uso de uma
metáfora afasta-se da linguagem jornalística mais corriqueira: “Sentimos na própria carne
as deficiências em nosso serviço público”. A matéria termina com a frase “Temos oito
milhões de quilômetros quadrados de território e, devido a nossa deficiência de transportes
e a nossa falta de comunicações, vivemos numa espécie de coleções de desertos, uns dentro
dos outros”, expressão que também difere do usual, mesmo naquela época. Nada do que
vem escrito no texto é atribuído diretamente ao escritor Corção (nem pelo uso de aspas,
nem pelo uso de outro procedimento relativo a discurso relatado), o que descarta a hipótese
de o uso ter sido feito justamente por estar reproduzindo o discurso do palestrante.
Na nota “Questão de transporte”, publicada no dia 01/01/1956, em meio a outras
em uma página destinada a uma espécie de retrospectiva do ano de 1955, podemos
perceber um tom mais irônico, que também difere da linguagem usual de um jornal:
73
Desastre com o rápido mineiro: quatro mortos, 50 feridos. Continua
sangrento o ano de cinqüenta e cinco. (...) Maquinista apontado como
causador do desastre. Afinal, achou-se o responsável: e os trilhos velhos, e a
péssima conservação, e o excesso de carga, e os vagões velhos, e a
locomotiva imprestável? Verdade? Quem quer a verdade?
(EM,01/01/1956,p.1/3
a
S)
Quanto aos personagens, fora a coluna “Queixas e Reclamações”, mais uma vez
políticos, ocupantes de cargos de destaque, empresários e, vez ou outra, especialistas
(engenheiros, técnicos, entre outros) são ouvidos em detrimento da população, mesmo que
a matéria a envolva diretamente. “Com o crescimento da cidade agrava-se o problema dos
transportes coletivos” (27/05/1956), por exemplo, trata de um assunto ligado diretamente
ao usuário, que mais uma vez não é ouvido. O discurso do EM afirma ser “indispensável a
criação de novas linhas de ônibus e lotações para sanar as falhas da rede de [ônibus]
elétricos” e que habitantes de vilas e bairros afastados são “muito sacrificados”. No
entanto, os personagens convocados a falar o do DBO (Departamento de Bondes e
Ônibus). Não há ninguém para falar em nome da população.
2.1.2.1.g. Acidentes
Em 55-56, matérias que trazem como principal percurso semântico o dos acidentes
costumam se assemelhar a boletins de ocorrência policial. Uma hipótese é que o discurso
jornalístico usava como fonte esses boletins, não os de delegacia, mas também os de
médicos. Por conseqüência, é muito comum ver nas matérias uso de vocabulário específico
a tal gênero e citação de personagens policiais. As testemunhas e vítimas têm espaço
reduzido – são, na maioria das vezes, apenas citadas como participantes do ocorrido,
apesar de serem identificadas de maneira bastante completa por nome, sobrenome, idade,
ocupação, estado civil e residência. A elas, portanto, não é dada voz; o discurso jornalístico
não recolhe o testemunho dos envolvidos.
74
Na matéria “Choques de veículos” (04/01/1955), o acidente é descrito como em
uma narrativa policial, com detalhamento da hora exata do acidente e do número da placa
do carro: “Às 3,30 horas do dia 1°, na confluência da avenida Santos Dumont com a rua
Bahia, o ônibus de chapa 1-83-07, dirigido por Francisco Xavier (...)” (grifos nossos). Em
“Um morto e dois feridos num choque de veículos” (31/01/1956), encontramos narrativa
semelhante, também com riqueza de detalhes:
Um jovem morreu e dois outros ficaram feridos em grave acidente de
transito (sic) verificado à noite na estrada dos Borges, à à (sic) altura do
quilometro 12. A caminhonete de placa 7-15-84, dirigida por José Rocha
Silveira, de 20 anos, motorista, solteiro, residente à rua Jacuí, 901, rodava
desta capital em direção ao Borges. Em sentido contrário trafegava o
caminhão de chapa 7-18-69, conduzido por motorista ignorado e que fugiu
após o acidente. No ponto acima indicado, por motivo ainda não esclarecido,
ocorreu o choque entre os dois carros. (EM,31/01/1956,p.10)
Nos dois últimos parágrafos da matéria, destaque para as autoridades chamadas
ao local do crime, apesar de não ser colhido o depoimento delas, o que corrobora a
hipótese dos boletins como fonte da matéria (e não os próprios policiais):
Cientificado da ocorrência, o plantão Guerra, do Serviço Estadual do
Trânsito, enviou ao local o motociclista 258 e o perito Cláudio. Também ali
compareceu o delegado Alfredo Carneiro, de plantão na Inspetoria de
Transito, o qual promoveu a remoção do corpo do infortunado motorista
para o necrotério do DML e dos feridos para o hospital de emergencia (sic).
Foi aberto inquérito de praxe para esclarecer o fato. (Idem)
É o que também acontece em “Atropelada uma senhora pela caminhonete”
(26/01/1956), que cita a ida de um oficial para fazer a ocorrência, sem colher dele qualquer
depoimento:
Grave acidente de transito (sic) registrou-se ontem, cerca das 19 horas, nas
proximidades do Colégio Estadual. A caminhonete de placa 7-06-52,
dirigida por motorista não identificado e que fugiu após a ocorrência,
trafegava pela avenida Augusto de Lima, em direção à praça Raul Soares.
Ao atingir o cruzamento daquela via pública com a rua Ouro Preto, o citado
veículo bateu contra o auto de chapa 5-05-37 e que se encontrava
estacionado junto ao meio-fio. Em seguida a caminhonete atropelou a sra.
Maria da Costa Araújo, de 46 anos, casada, residente à rua João de Matos,
10, ocasionando-lhe sérios ferimentos. (...) O motociclista Celestino, do
Serviço Estadual de Transito, esteve no local colhendo dados para o relatório
que apresentou ao plantão Américo Vitor . (EM,26/01/1956,p.16)
75
Quanto aos boletins médicos, o uso de jargões também sugere a cópia desses textos,
como acontece em Atropelada uma senhora pela caminhonete” (26/01/1956): Apurou a
reportagem que d. Maria de Araújo sofreu entre outros ferimentos fratura da base do
craneo (sic). Por esta razão, acreditam os médicos que a tem sob seus cuidados ser difícil
seu salvamento.” Outra matéria, “Quinze pessoas feridas num desastre” (13/01/1956), traz
a lista completa das pessoas internadas no Pronto Socorro, deixando implícito
(subentendido) que o repórter esteve lá e teve acesso às fichas médicas ou a dados relativos
às internações
: “Deram entrada no Pronto Socorro, a fim de se medicarem, os seguintes
passageiros: Francisco Sales Fonseca, 72 anos, comerciante, residente em Caratinga;
Alfredo Correia da Silva, 35 anos, casado, mineralogista, residente em São Paulo (...)”. A
matéria se diferencia das demais por trazer “populares” como fontes do acidente, o que é
bastante incomum. No entanto, as pessoas não são nomeadas, mas apenas citadas como
“testemunhas”:
Segundo depoimento de testemunhas, ambos os motoristas, dos onibus (sic)
de Araxá e de Patos de Minas apostavam corrida na ocasião do desastre, não
sendo esta, por outro lado, a primeira vez que praticam ato toã (sic)
condenável. Em seguida, afirmaram que tão logo passaram da Cidade
Industrial, o onibus (sic) que se destinava a Patos passou à frente do
“Araxá”. Teve início ali a “aposta”. Em certo trecho da estrada de Betim,
rodando a quase cem quilômetros horários, conforme afirmaram vários
passageiros, o onibus “Araxá” passou à frente do “Patos de Minas”. Já nas
proximidades de Betim, “Araxá” perdeu terreno para o competidor, ocasião
em que seu motorista, Livio Gonzaga Coelho, para ganhar a aposta, tentou
passar à frente. Ocorreu, porém, o inevitável. (EM,13/01/1956,p.14)
Outra característica das notícias envolvendo acidentes, como apontamos
anteriormente, é o uso de palavras dramáticas para descrever esses acontecimentos,
beirando o sensacionalismo. Substantivos que chamem a atenção do leitor são usados em
substituição da palavra acidente, como em “A catástrofe verificou-se com um trem da
Sorocabana, entre Itapevi e Amador Bueno”. O trecho foi retirado da matéria “Horrível
desastre ferroviário em São Paulo” (02/03/1955). O item lexical sublinhado no título nos
76
aponta outro uso bastante freqüente nas matérias da época: advérbios e adjetivos são
comuns e parecem querer sempre envolver o leitor, sensibilizando-o para os
acontecimentos e as vítimas. O uso, por exemplo, do adjetivo “trágico” é recorrente para
descrever os acidentes, como podemos perceber em “Trágico desastre com o rápido
mineiro” (05/01/1955), matéria sobre um acidente ferroviário envolvendo mais de 70
pessoas; “Trágico desastre na rodovia de Nova Lima” (12/02/1955), que traz ainda no
corpo da matéria o verbo esmagar, que, sem dúvida, tende a causar um efeito de choque no
leitor (“destacando-se do caminhão, bobina esmagou o operário”); e “Morte trágica de uma
criança” (15/02/1955).
Outros adjetivos tendem a causar efeitos similares, buscando sempre o
envolvimento do leitor. É o que acontece em “Caminhonete em disparada matou uma linda
criança” (11/01/1955), que também traz no corpo da matéria a palavra “trágico” (“O
trágico acidente verificou-se na Rua Santa Quitéria”), e na matéria “Carro dirigido por uma
senhora colheu e matou um fazendeiro” (04/05/1955), cujo parágrafo de abertura traz dois
adjetivos e um advérbio: “Atropelamento fatal verificou-se pouco depois das 15 horas de
ontem no cruzamento da av. Afonso Pena e da rua da Bahia. O auto chapa 63-83 (...)
colheu violentamente (...) o infortunado homem do campo”). Encontramos, ainda, outros
termos sintáticos com o mesmo objetivo (emocionar o leitor). É o caso dos verbos
empregados na voz gramatical passiva “Desconhecido esmagado por uma locomotiva”
(11/01/1955) e Inteiramente destroçado o avião” (20/04/1955). Como dissemos antes,
esses termos tendem a envolver o leitor com o acontecimento e, conseqüentemente, com a
matéria, e a causar nele diferentes sensações, entre elas tristeza, compaixão, pena,
consternação, entre outras.
77
2.1.2.1.h. Combustível
Percurso semântico bastante explorado na década de 50, o percurso figurativo dos
combustíveis desenvolveu-se, principalmente, em matérias que noticiavam descobertas de
novos lençóis petrolíferos e outros avanços da Petrobrás durante o governo JK. “Petróleo:
vastos lençóis no país” (15/02/1955) é uma dessas matérias que traz a descoberta dos
lençóis no território brasileiro, fruto do investimento do governo, assim como “Aumento
da produção de petróleo(14/03/1956), que aventa a possibilidade de exportação (“Já se
cogita da exportação do produto”), “Novos poços de petróleo na Amazônia” (20/02/1956),
“Decréscimo na importação de produtos petrolíferos” (27/05/1956) e “Trabalho intensivo e
arrojado da Petrobrás na Bahia” (26/06/1956).
Em “Há esperanças de uma solução rápida para a exploração de petróleo no país”
(19/04/1956), o discurso jornalístico reproduz parte do pronunciamento de Juscelino
Kubitschek, em Manaus, durante banquete que lhe foi oferecido “pelas classes
conservadoras no Hotel Amazonas”, personagem coletivo não identificado na matéria. A
respeito do petróleo, o Presidente da República diz, em discurso direto, repetido pelo EM,
que o presidente da Petrobrás lhe havia informado “que esperanças de encontrarmos
uma breve solução para o difícil e tardonho problema da exploração de nosso combustível
líquido, já então se transformando em realidade, em coisa concreta, em possibilidades
verdadeiras.”
São personagens comuns às matérias “dirigentes da Petrobrás”; Janary Nunes,
presidente da empresa; o Presidente da República Juscelino Kubitschek; entre outros
políticos e ocupantes de posições destacadas. Quanto ao léxico, os adjetivos (sublinhados)
“vastos lençóis”, “novos poços”, “Trabalho intensivo e arrojado da Petrobrás na Bahia”,
retirados dos exemplos acima, reforçam os temas implícitos modernidade e progresso,
associados pelo discurso do EM ao tema do crescimento da Petrobrás.
78
Um texto que destoa de todos esses envolvendo o percurso semântico dos
combustíveis é um artigo assinado por Assis Chateaubriand, publicado pelo EM em
21/03/1956, no qual o jornalista e empresário desautoriza e ridiculariza o depoimento dado
pelo presidente da Petrobrás para o jornal O Globo:
Não sei de declarações mais deploráveis do que essas que aos nossos
confrades d’O Globo vem de formular o cel. Janary Nunes. Causa espanto
que (...) possa cunhar as afirmações intempestivas e desastradas que se
contém na sua entrevista. (...) de outro modo não se explica o tom lírico com
que lança os maiores disparates no campo de atividades ligadas ao óleo
combustível. Para um presidente da Petrobrás atirar aos quatro ventos a
afirmativa feita de que dentro de quatro meses entregará ao Presidente da
República a solução do problema do petróleo, será preciso que ele esteja
totalmente ausente do assunto. (EM,21/03/1956,p.4)
Artigos assinados eximem o jornal da responsabilidade do que ali foi dito. Mas não
podemos ignorar que o personagem articulista era o principal proprietário da rede “Diários
Associados” da qual o EM fazia parte. É, portanto, como se o jornal prestigiasse a
Petrobrás e seus dirigentes, enaltecendo seus feitos e divulgando descobertas e avanços, e o
artigo de Chateaubriand aparecesse para perturbar essa ordem perfeita, alertando seus
leitores (porém sem muita ênfase, por se tratar de um artigo de opinião) de que nem tudo
era tão perfeito como se dizia.
Outra possibilidade é o discurso do EM adotar uma linha editorial mais
independente dos “Diáriose seguir o que ditavam o discurso hegemônico da imprensa
mineira. Essa hipótese pode ser aventada pela publicação de “Aumento do capital da
Petrobrás” (25/05/1956), em que o jornal abre espaço para a empresa contradizer por
completo um artigo publicado por Chateaubriand em O Jornal. Ao subtítulo
“Esclarecimentos a propósito de um artigo do sr. Assis Chateaubriand” segue a abertura “A
propósito do artigo ‘Terra de tontos’ do sr. Assis Chateaubriand, publicado na edição de ‘O
Jornal’, a direção da Petrobrás enviou carta ao matutino associado com os seguintes
esclarecimentos (...)” – e seis parágrafos retirados da carta.
79
Temas e figuras relacionados com exploração do petróleo são, sem dúvida, a
grande maioria no percurso semântico dos combustíveis, mas outros tipos de textos,
explorando outras formas de combustível. É o caso de “Uso do álcool anidro pelos
automóveis” (05/06/1956), que divulga testes feitos com o álcool anidro para seu uso em
veículos “em melhores condições que até então ou no lugar da gasolina”. A matéria
conclui afirmando que, Se aprovado o invento [‘um aparelho denominado aquecedor que
(...) permitirá aos veículos de motor a explosão o uso de álcool anidro’], os automóveis
poderiam deixar de usar gasolina, com apreciável vantagem para a economia nacional.”
Outra reportagem envolvendo um meio alternativo de energia é “Tardarão ainda os
automóveis atômicos” (11/03/1956), em que um especialista (“dr. Peter Sykes”) fala sobre
os avanços da energia atômica. O subtítulo da matéria afirma que a “energia nuclear
progride, no entanto, a passos largos”, dizendo implicitamente ao leitor que a tecnologia
chegaria, em não muito tempo, ao uso doméstico, como, por exemplo, combustível para
automóveis. Mais uma matéria inusitada no discurso jornalístico da década de 50.
Além das matérias envolvendo diferentes tipos de combustível, encontramos outras
referentes a preços, que resolvemos agrupar em custos, tarifas, preços por acharmos se
tratarem de temas nos quais há predomínio desse percurso semântico (custos, tarifas,
preços), apesar de se referirem também ao dos combustíveis.
80
2.1.2.2. Aspecto interdiscursivo: silenciamento
Como procuramos mostrar na seção 2.1.2.1, a seleção de personagens em 1955-
1956 pretere cidadãos comuns como personagens, dando espaço, na grande maioria das
vezes, apenas a políticos e demais personagens considerados importantes, por influência de
cargo ou formação (como no caso de engenheiros e outros especialistas). Se o discurso do
EM sequer cita esses personagens comuns, do povo”, mesmo em matérias que os
envolvem diretamente, acaba por silenciar tais grupos de pessoas (usuários, trabalhadores
etc.).
É o que mostramos no percurso semântico figurativo dos meios de transporte.
Matérias sobre o tema deveriam ao menos citar usuários, que não haveria transporte
coletivo se não fossem eles. Não é o que pudemos ver em matérias como “Não aceitam os
motoristas as tabelas organizadas” (20/03/1956), que noticia uma mesa redonda promovida
pela Rádio Guarani (pertencente ao mesmo grupo do EM) da qual participaram “o
superintendente do SET, sr. Davidson Pimenta da Rocha, os srs. Ney Otaviani Bernis,
procurador geral da prefeitura, Constantino Siqueira, Altair Marques Aguiar e Dílson de
Aquino, representantes dos motoristas profissionais, (...) e os srs. Guy Xavier e Márcio
Paixão, da Prefeitura Municipal, (...) [e] o vereador Hugo Pinheiro Soares, autor do projeto
de lei”. Os usuários não participam do programa de rádio nem são convocados pela matéria
do jornal a dar qualquer opinião, como ressaltamos. Apesar de o assunto os envolver
diretamente, por se tratar da institucionalização dos táxis em BH, eles não ganham espaço
em nenhum dos dois veículos, tendo, portanto, seu discurso abafado pelos outros discursos
que são ouvidos pelo EM e pela Guarani.
Em grande parte das matérias sobre política e legislação também é possível
perceber o silenciamento de um discurso: o da oposição. Prefeitura, Governo Estadual e
Governo Federal são elogiados rasgadamente, como na matéria “Minas e a expansão
81
rodoviária” (09/06/1956), que usamos de exemplo no item 2.1.2.1.h. Em matérias como
essa, os governos são apresentados como dinâmicos, não havendo nelas espaço para
críticas. E todas as denúncias que o próprio jornal faz sobre a precariedade de estradas e do
transporte coletivo? São culpa apenas das administrações anteriores?
No percurso semântico figurativo das queixas, denúncias, os silenciados ganham
voz, como vimos em “Buracos nas ruas” (03/02/1956), em que o motorista Euclides
Barbosa Cunha questiona “o motivo pelo qual a prefeitura suspendeu o serviço de conserva
das vias públicas”. A reclamação do motorista mostra precisamente o que fora silenciado
apenas um dia antes, em “Doze meses à frente da prefeitura de Belo Horizonte”
(02/02/1956). Como mostramos, o balanço de página inteira de um ano da Prefeitura Celso
Azevedo divulga “aberturas de logradouros e calçamentos”, afirmando o EM que, “ao final
do mandato de seu dinâmico prefeito, Belo Horizonte terá à sua civilização e ao seu
progresso novos e poderosos instrumentos de estímulo, conforto e bem-estar.” O motorista
questionou a suspensão do serviço de conserva (segundo o EM, “diretamente ligada aos
serviços do Departamento de Obras da Prefeitura”), enquanto “Doze meses” não denuncia
nenhum problema relativo aos transportes. Ao contrário, divulga a quantidade de
calçamento feito em um ano de administração. Fica claro que os dois discursos do próprio
jornal se opõem e um deles é comumente deixado em segundo plano pelo jornal: o do
trabalhador/ membro do povo.
Esses são alguns exemplos que ilustram como o EM priorizava certos personagens
em detrimento de outros. É comum em qualquer discurso essa “tomada de partido”, mesmo
em discursos jornalísticos, apesar de os jornais afirmarem o oposto. Uma das grandes
diferenças entre o discurso jornalístico do EM na década de 50 e o de hoje, aspecto que
veremos mais detidamente no Capítulo 4, destinado às nossas considerações finais, é que o
82
jornal sequer ouve a outra parte em 1955-1956
10
. Ele simplesmente a deixa de fora da
matéria. Isso não em casos em que oposição entre dois discursos, mas também em
matérias nas quais os dois poderiam ser citados perfeitamente, sem conflitos, o que não é
feito por falta de prestígio de um deles (sempre a população, os trabalhadores, os sem
poder).
2.1.2.3. Aspectos simultaneamente intra e interdiscursivos: relação entre
explícitos e implícitos
Diferentemente do que acontece na estratégia de silenciamento, na relação entre
explícitos e implícitos o discurso jornalístico faz referência explícita a um tema, mas os
desdobramentos deste tema ficam implícitos. Cabe ao leitor estabelecer as relações
possíveis entre o discurso jornalístico e outros discursos em circulação, formando, então,
as pontes possíveis entre o dito (explícito) e o não-dito explicitamente a ele ligado
(implícito).
No percurso semântico figurativo dos meios de transporte, por exemplo, no tocante
à seleção de personagens, muitas vezes os passageiros ficam apenas implícitos nas
matérias, sendo citados explicitamente apenas em pronunciamentos de políticos. Estão
associados a personagens como “povo” ou “população” ou ainda implícitos em temas
como melhorias, por exemplo em “Vagões para a Central” (06/03/1956), que afirma que
“As novas unidades [“vagões”] destinam-se a melhorar as condições de transportes tão
difíceis e precárias naquela ferrovia”, o que nos leva a inferir como personagens nos
usuários que enfrentam tais condições. Ficam implícitos não apenas os personagens
usuários, mas os temas relacionados às causas da precariedade da ferrovia. Os motivos
10
Na parte dedicada à produção jornalística, o Novo Manual de Redação (1996) da Folha de S. Paulo
registra a entrada “ouvir o outro lado”, em que afirma que “Todo fato comporta mais de uma versão. Registre
sempre todas as versões para que o leitor tire suas conclusões”.
83
poderiam ser, entre outros, a falta de conservação ou o número reduzido de “vagões”, que
poderiam ser traduzidos, qualquer um dos dois, em falta de investimento.
Outra matéria ligada ao transporte ferroviário e que também trata da questão do
investimento federal é “De 4 e meio bilhões o déficit das ferrovias brasileiras”
(19/04/1956), cujo principal percurso semântico figurativo é o dos custos, tarifas, preços. O
que, a princípio, julgamos ser uma denúncia não passa da legitimação do discurso oficial.
Juscelino Kubitschek, em fala ao Congresso, “traça algumas considerações absolutamente
justas em relação às ferrovias brasileiras”, segundo o discurso do EM. “Afirmando que a
fase pioneira das estradas de ferro foi ultrapassada”, o personagem Presidente questiona
a construção de novas ferrovias “que o venham atender a um tráfego nimo razoável,
ou pelo menos completar malhas interrompidas da rede de transporte existente”. Afirma,
ainda, que a exploração das ferrovias “precisa se orientar segundo novo espírito industrial”
e que “somente em casos especiais se justificam os ‘déficits’ de operação das empresas
industriais do estado, como as ferrovias com a alegação de lucros indiretos e de estímulo
ao desenvolvimento econômico”. As considerações “justas” são justificativas para a falta
de investimentos nesse meio de transporte, tema que, apesar de extremamente complexo, é
tratado pelo discurso oficial em seu aspecto puramente financeiro, de investimento público,
que, nas palavras do presidente, deve ser pensado com “espírito industrial”.
Essas considerações podem ser feitas com base não na própria matéria
jornalística, mas em outras, como a que citamos anteriormente e que denuncia a
precariedade do transporte ferroviário de passageiros, e como o Editorial “Ferrovia para
minérios” (29/04/1956), também do percurso semântico dos meios de transporte. Nele, o
discurso do EM defende que a prioridade do governo Juscelino seria o transporte de
minérios, não o transporte de passageiros, que o primeiro teria uma relação mais direta
com o desenvolvimento econômico do país. Apesar de a matéria ter sido escrita em tom
eufórico, o título pode nos levar, implicitamente, a crer que o transporte de passageiros
84
não é prioridade. Ferrovia somente para minérios e não para outros propósitos é uma
leitura possível desse título, apesar de não ser a única. O texto trata do transporte dos
minérios, que ganham nova perspectiva em Minas devido ao anúncio da última etapa de
um projeto da Mannesmann de construção de uma nova ferrovia para ajudar no
escoamento da produção mineira para o litoral. Segundo o EM, “A expectativa é de que
dentro em pouco tempo terão os mineiros resolvido um dos problemas mais graves de sua
vida econômica, que é o da falta de transporte.” Transporte, aqui, se reduz ao transporte de
cargas (minérios, para sermos mais exatos), não ao tema do transporte de passageiros.
Outro aspecto a ser considerado sobre este assunto é o transporte rodoviário. Como
pudemos perceber no percurso semântico figurativo das obras, o número de obras
envolvendo rodovias (asfaltamentos, aberturas de estradas, construções de pontes etc.) foi
maior que o de obras envolvendo ferrovias. Mais de 2/3 das matérias selecionadas
trouxeram como tema principal obras rodoviárias, enquanto o restante dividiu-se em outros
tipos de obras (entre elas obras em ferrovias e em aeroportos). Tal mero reforça o
destaque dado no governo JK ao meio de transporte rodoviário, em detrimento a outros
meios, mesmo que tal relação não apareça explicitamente nos exemplos que encontramos.
Mais um percurso semântico que podemos explorar nas relações entre explícitos e
implícitos é o das reivindicações, greves, outras manifestações. Como pudemos ver em
mais de um exemplo, a presença comunista em meio às manifestações contra aumento de
tarifas era rechaçada veementemente pelo EM. Na matéria “Agitadores tentam levar os
motoristas a greve” (28/04/1955), que citamos anteriormente, o jornal expõe sua opinião
negativa sobre o partido, afirmando que “Somente os inimigos do regime, agitadores
contumazes e os comunistas são capazes de agir assim”. “Depredação de bondes e ônibus
também em S. Paulo” (07/06/1956) faz um ataque menos aberto: “Enquanto isso, o DOPS
está envidando esforços para alijar do meio dos manifestantes elementos que se aproveitam
dessas circunstâncias para explorações políticas. (...) foram presos dois funcionários do
85
CTMC que distribuíam boletins e vendiam ‘selos’ para o Quarto Congresso do PCB”. De
qualquer forma, nas duas matérias, mesmo que mais abertamente em uma do que na outra,
o EM se posiciona contra as manifestações (“agitações”).
2.1.3. Aspecto interdiscursivo: oposições
Discursos opõem-se ou encontram-se, completam-se ou distanciam-se. Não
discurso que não se relacione com outros, que ocupe uma posição estanque e isolada em
uma comunidade discursiva. Como afirmamos anteriormente, mesmo que um discurso
defenda determinada ideologia, traz em si fragmentos de outros discursos, seja a favor
dela, seja contra.
No discurso do EM pudemos ver uma tomada de posição muitas vezes clara do
jornal. Se em poucas denúncias e artigos o discurso jornalístico trouxe críticas ao governo,
na grande maioria das matérias cobriu-o de elogios, principalmente o governo de Juscelino
Kubitschek. De uma maneira ou de outra, dois principais discursos afloravam: o discurso
governista e o discurso antigovernista, ou oposicionista. O primeiro, hegemônico,
predominante, apontava os méritos do governo, enquanto o segundo, na maioria das vezes
implícito ou silenciado, questionava falhas e cobrava ações. A seguir, iremos rever cada
um dos principais percursos encontrados, para levantar a oposição interdiscursiva neles
predominante.
2.1.3.1. Oposição /progresso/ x /atraso/
Em alguns dos percursos semânticos encontrados por nós no discurso do EM na
década de 50, esta parece ser a maior oposição: entre progresso e atraso. É o que acontece
nos percursos semânticos dos meios de transporte, das obras, da política e legislação e dos
combustíveis.
86
No percurso semântico dos meios de transporte, se, por um lado, o discurso
jornalístico denunciou que nosso país “coleciona desertos” por causa de deficiências na
comunicação e nos transportes, por outro, noticiou que JK “acordou Minas do pesado
letargo do preconceito e da apatia” quando “desenrolou a bandeira do binômio [Energia e
Transporte]”, o que significa implicitamente que o presidente trouxe desenvolvimento nas
duas áreas para os mineiros. implícitos, respectivamente, discursos que se reportam ao
atraso e ao progresso, à estagnação e às melhorias. O jornal não traz os dois discursos em
uma mesma matéria: ora defende o governo e suas obras públicas; ora o ataca, acusando o
governo de má conservação do patrimônio.
Mesmo que dois discursos apareçam no jornal, predomina claramente o discurso do
progresso, encontrado, como já ressaltamos antes, em um número muito maior de matérias
do que o discurso do atraso. Assim, acaba ficando claro também o posicionamento
ideologicamente governista do EM no que tange o percurso semântico figurativo dos meios
de transportes. O jornal não deixa de publicar denúncias, mas o faz em uma quantidade de
vezes bem menor do que a publicação de elogios de melhorias nos meios de transporte
existentes à época.
A mesma oposição prevalece no discurso sobre as obras em 1955-1956. Como
pudemos ver no tópico destinado a tal percurso semântico (2.1.2.1.b. Obras),
prevalência de matérias que divulguem obras do governo ou futuros projetos, como
mostram os títulos das seguintes matérias jornalísticas: “Será inaugurada hoje a ferrovia
Brasil Bolívia” (05/01/1955), “Vão ser retomadas as obras da Fernão Dias em São Paulo”
(05/01/1956), “Início da grande rodovia Belo Horizonte Planaltina” (19/01/1956),
“Trilhos do progresso” (19/01/1956) e “Estão sendo ampliados os mais importantes
aeroportos do país” (04/04/1956).
Tais matérias indicam, mais uma vez, um posicionamento ideológico do discurso
jornalístico favorável ao(s) governo(s) da época, fazendo o jornal papel semelhante ao de
87
assessor de imprensa dos órgãos públicos: a divulgação se de forma direta, sem
questionamentos. Títulos como “Início da grande rodovia Belo Horizonte Planaltina”
(19/01/1956) e “Trilhos do progresso” (19/01/1956), retomados acima, reforçam o tom
eufórico nos noticiários sobre obras públicas e ressaltam, explicitamente no segundo
exemplo, o discurso do progresso adotado pelo EM. No percurso semântico figurativo das
obras, o EM, mais uma vez, deixa de lado o papel de crítico ou fiscalizador do poder
público para adotar uma postura favorável aos governos estaduais e federais, simplesmente
retransmitindo ao público leitor algo semelhante a uma propaganda política.
No percurso semântico da Política e legislação não é diferente. Assim como nos
exemplos anteriores, o jornal divulga fatos relativos aos governos estadual e federal como
benefícios ao povo brasileiro. Também nesse percurso semântico prevalece a defesa do
progresso, trazido com os personagens novos governantes, em detrimento de denúncias
que poderiam abordar aspectos relativos ao atraso. Foi o que mostramos em exemplos
como “Doze meses à frente da prefeitura de Belo Horizonte” (02/02/1956), que trouxe uma
página inteira recheada de aspectos positivos da administração de Celso Azevedo, ou
“Minas e a expansão rodoviária” (09/06/1956), um levantamento também dos feitos, desta
vez do governo estadual, em relação ao transporte rodoviário.
Nas poucas vezes em que o jornal se refere a atrasos, ou seja, a aspectos disfóricos
envolvendo os governos, ouve justamente o lado oficial. Não se trata, pois, de um ataque,
mas de uma chance dada aos governantes de se defenderem. É o caso de “Os principais
problemas da economia mineira abordados pelo governador” (29/01/1956), que trata dos
problemas de infra-estrutura do país através da palestra proferida pelo então governador
Clóvis Salgado. O que seria uma chance de o jornal questionar os reais problemas
econômicos do estado não passa de uma divulgação da palestra do personagem governador
mineiro.
Outro percurso semântico que desenvolve como principal oposição a entre
88
/progresso/ e /atraso/, novamente enfatizando o progresso, é o percurso semântico
figurativo dos combustíveis. Como pudemos ver no item 2.1.3.h., a maioria das matérias
envolvendo esse percurso semântico tratou de descobertas científicas, investimento em
pesquisa e crescimento da Petrobrás. São exemplos: “Trabalho intensivo e arrojado da
Petrobrás na Bahia” (26/06/1956), “Há esperanças de uma solução rápida para a
exploração de petróleo no país” (19/04/1956), que aponta o cessar de importação de
petróleo em nosso país para breve, e “Uso do álcool anidro pelos automóveis”
(05/06/1956). Tais matérias jornalísticas apontam para avanços em nosso país, reforçando
a ideologia que inclui os temas modernização e progresso, abraçadas pelo governo de
Juscelino e divulgadas pelo EM na maioria de suas edições.
2.1.3.2. Oposição /mais poderosos/ x /menos poderosos/
Diferentemente do que aconteceu nos percursos semânticos citados acima, no
percurso figurativo dos custos, tarifas e preços, o posicionamento ideológico do EM não se
mais em torno da oposição /progresso/ x /atraso/ ou /denúncia/ x /conformismo/. A
principal oposição aqui parece ser entre o discurso dos empresários, proprietários dos
meios de transporte, e o discurso dos usuários, entre eles estudantes e trabalhadores. O
jornal divulga em suas páginas matérias que mostram o embate entre os personagens
proprietários dos meios de transporte e aqueles personagens que fazem uso deles,
principalmente no que diz respeito ao tema aumento de passagens.
Foi o que procuramos mostrar com as matérias jornalísticas “Revisão das tarifas de
bonde” (07/06/1956) e “Unificação do sistema de transportes coletivos” (06/06/1956). Se,
por um lado, a primeira ênfase ao discurso empresarial, já que não voz aos
personagens usuários para se manifestarem, a segunda procura ouvir vários personagens
envolvidos na questão do aumento das passagens, inclusive os estudantes (que são ao
mesmo tempo usuários e líderes do movimento anti-aumento). Mas, novamente, o jornal
89
abre espaço ao discurso oficial em detrimento ao da oposição, como mostramos em
“Depredados 212 bondes pelos estudantes” (31/05/1956), matéria que ouve os personagens
Presidente, o prefeito, o juiz de menores e o chefe de polícia. Os personagens
manifestantes não foram, mais uma vez, ouvidos.
A mesma oposição parece se repetir em reivindicações, greves, outras
manifestações, percurso semântico figurativo em que o jornal elege como “legítimo” o
discurso patronal. “Entraram em greve pilotos da Panair” (16/01/1955) traz nota-oficial da
Panair na íntegra. Aos pilotos não é dada nenhuma chance de explicação, apesar de serem
personagens chave na matéria (já que são os agentes da greve e aparecem desde o título).
Outra expressão que indica fortemente o posicionamento ideológico no discurso do EM
(que também usamos como exemplo anteriormente) caracteriza a greve da Panair como um
“traumatismo moral” (“O movimento paredista da Panair” - 21/01/1955).
2.1.3.3. Oposição /denúncia/ x /conformismo/
Uma exceção ao posicionamento ideológico predominantemente governista do EM
encontra espaço no percurso semântico das queixas e denúncias. Nesse percurso, ao
contrário do que vimos nos demais, o jornal abre espaço para críticas ao governo. O
descaso dos personagens governantes aflora em matérias como “O Brasil coleciona
desertos por falta de transportes” (21/03/1956), “Duas obras morosas” (25/02/1956),
“Velho abuso sempre renovado” (07/03/1956) sobre o uso irregular de carros oficiais,
“Ônibus e lotações em mau estado continuarão a trafegar na cidade” (13/01/1955) e
“Colapso na viação férrea do Rio Grande” (19/01/1955). O discurso da denúncia e da
indignação, nessas matérias, é priorizado em detrimento ao do conformismo, assumindo o
jornal papel de denunciador e questionador.
Apesar de as matérias jornalísticas resumirem-se, na maioria das vezes, ao simples
noticiamento de acontecimentos no percurso semântico figurativo dos acidentes, também é
90
possível destacar nesse percurso semântico o inconformismo. Os títulos “O delírio de
velocidade faz mais uma vítima” (01/01/1955) e “O acidente foi provocado por dois
irresponsáveis” (13/01/1956) apontam para a irresponsabilidade dos personagens
motoristas que causaram dois graves acidentes, adquirindo, ambos, um caráter de denúncia
e acusação. Alguns adjetivos, usados na matéria, como ressaltamos anteriormente, para
prender a atenção do leitor e o emocionar, também possuem um tom disfórico que ganha
nuances de denúncia, como em “Horrível desastre ferroviário em São Paulo” (02/03/1955),
“Trágico desastre com o rápido mineiro” (05/01/1955) e “Trágico desastre na rodovia de
Nova Lima” (12/02/1955). Apesar de esses adjetivos tenderem a provocar efeito de
compaixão e choque muito maior do que o de indignação, não deixam de chamar a atenção
para os acidentes de uma maneira negativa, provocando no leitor inferências sobre temas
como violência, irresponsabilidade etc.
2.1.4 Credibilidade e captação
Como apontado no Capítulo 1, credibilidade e captação não se separam. Ao mesmo
tempo em que o discurso de um veículo midiático busca seduzir seu leitor, pretende que ele
acredite que o que ali está veiculado é incontestável. A relação, portanto, acontece num
constante jogo de persuasão, tanto para vender o produto (no caso do EM as notícias e
anúncios veiculados junto a elas) quanto para fazer-se acreditar. No entanto, alguns
recursos ou estratégias parecem ter em vista mais um aspecto do que outro, o que também
ressaltamos na Introdução deste trabalho.
Analisando as estratégias de persuasão, por exemplo, pudemos notar que a principal
maneira de captação usada pelo discurso do EM na década de 50 (ao menos nas matérias
analisadas) acontece pelo uso de seleção lexical apelativa, forte, dramática. Ao criar
manchetes como as que citamos anteriormente (“Capotou espetacularmente
”, de
91
18/01/1956, “Locomotiva matou a velhinha surda”, de 07/06/1956, “Criancinha esmagada
por um caminhão”, de 23/05/1956, entre outros), o jornal jornalístico, sem dúvida, tende a
prender a atenção do leitor e sensibilizá-lo.
A credibilidade, por sua vez, encontra respaldo na voz discursiva de personagens
considerados importantes. Quando convoca um político ou um especialista para falar em
suas páginas, é como se o discurso jornalístico se afastasse e, ao mesmo tempo, se eximisse
de responsabilidade: quem passa a falar não é o jornal, é o personagem convocado. Assim,
quando reproduz um pronunciamento de Juscelino Kubitschek, o EM encontra respaldo na
autoridade do presidente para fazer seus leitores crerem que o que ali é tratado é
verdadeiro. O mesmo acontece quando o EM apresenta como personagens delegados,
plantonistas e outras autoridades a par dos acontecimentos noticiados. Quando o EM
escreve que ali compareceu o delegado Alfredo Carneiro, de plantão na Inspetoria de
Transito, o qual promoveu a remoção do corpo do infortunado motorista para o necrotério
do DML” (“Choques de veículos” - 04/01/1955) deixa claro que o personagem responsável
pelas informações é um policial ocupante de cargo importante, que fala de um lugar que
inspira confiança.
A seleção lexical também busca produzir efeito de verdade nos leitores quando usa,
por exemplo, termos técnicos para informar sobre ferimentos de vítimas, como acontece
em “sofreu traumatismo cranio-encefálico, com fratura exposta do parieteral” (“Dramático
acidente” - 24/05/1956). O detalhamento técnico, por mais que tenha pouco significado
para os leitores leigos, tende a criar a sensação de se estar dizendo a verdade.
Assim, seja selecionando termos “apelativos”, seja entrevistando personalidades
públicas ou especialistas (como médicos e policiais) o discurso do EM procurava
conquistar seus leitores e os convencer. Se o jornal se preocupasse apenas em captar
leitores, não conseguiria mantê-los e ser tido como um veículo de referência, de confiança.
Por outro lado, caso se preocupasse apenas com sua credibilidade, não conquistaria seus
92
leitores.
2.2. Aspectos da sintaxe discursiva
Após essa longa discussão dos aspectos semânticos, passemos agora aos relativos à
sintaxe discursiva. Como apontado anteriormente, iremos tratar neste trabalho de três
principais: diagramação, escolha dos tempos verbais e discurso relatado (escolha do
discurso direto ou indireto de personagens). Escolhemos esses aspectos em função da
importância que têm não para a AD, já que são categorias recorrentes em diversos
estudos da área, mas também para o jornalismo. Esses recursos o extremamente válidos
em análise de discursos jornalísticos por serem imprescindíveis a qualquer matéria: não
existem matérias fora da organização interna/diagramação de um jornal (as matérias vêm
inseridas em um determinada página, em uma certa seção ou editoria etc.), os tempos
verbais ganham grande destaque no espaço mais nobre de um jornal, que são as manchetes,
e não existem matérias sem personagens, daí a importância de se analisar como o EM lhes
dá voz.
2.2.1. Tempos verbais
No tocante à escolha dos tempos verbais, como apontamos na Introdução,
estudamos o uso de tempos verbais nos títulos por julgarmos ser este um espaço de grande
importância no intradicurso jornalístico, “uma região-chave que é o articulado e articulador
do jornal, a expressão de sua estrutura.” (MOUILLAUD,2002:99). Tal importância se deve
essencialmente pelo fato de os títulos ou manchetes serem o lugar de apresentação da
notícia, com o qual o leitor tem contato antes de ler a matéria jornalística e os detalhes do
acontecimento ali tratado. São, pois, como uma sinopse do que virá a seguir, um forte
93
indicativo do que esperar.
Antes de tratarmos dos tempos verbais nesse espaço tão característico do jornal,
uma das diferenças mais visíveis em relação aos dois grupos que analisamos, vale ressaltar
que os tulos encontrados em 1955-1956 diferem pelo menos em mais um aspecto dos da
atualidade. É comum, por exemplo, encontrarmos títulos nominais, como “Providência
danosa para o povo” (11/02/1955), “Verba para a Leopoldina” (18/05/1956), “Automóveis
nacionais dentro de 3 anos” (21/06/1956), Revisão das tarifas de bonde” (07/06/1956), o
que é pouco usual nos jornais da atualidade. Com exceção de matérias que tratam de dicas
e comportamento, como “Ao volante na maturidade” (23/04/2005) e “Cuidados que valem
uma vida” 13/05/2006, é comum vermos nos jornais de hoje o uso recorrente de verbos nas
manchetes, que, como trataremos no capítulo 3, têm por função principal colocar leitor e
acontecimento in praesentia.
Tais verbos são conjugados, na grande maioria das vezes, no presente do
indicativo, diferentemente do que acontecia em 55-56, quando os verbos no passado
construíam uma relação estreita com os fatos que o jornal trazia. Nessa época, a lógica
discursiva do jornal parece ser, portanto, que fatos acontecidos no tempo passado sejam
noticiados com verbos no passado. São exemplos: “Caminhonete em disparada matou uma
linda criança” (11/01/1955), “Caminhão matou um trabalhador” (30/01/1955), “O
presidente viajou em helicóptero” (06/02/1955), “Jovem professora que pretendia ser freira
foi morta por um caminhão” (06/02/1955), “A locomotiva atirou longe o agricultor”
(07/02/1956), “Caiu do caminhão” (01/03/1956), “Criancinha esmagada por um caminhão”
(23/05/1956).
No entanto, nem todos os verbos são conjugados no pretérito. Alguns aparecem no
presente, como é o caso de “Entram em greve pilotos da Panair” (16/01/1955), “Mesmo
ilegal a greve continua” (29/01/1955), “Os carreteiros de gasolina pleiteiam melhores
fretes” (06/04/1955), “Continuam atrasando as cargas destinadas a Montes Claros”
94
(05/02/1956), “Estão sendo ampliados os mais importantes aeroportos do país”
(04/04/1956), “Donos dos ônibus intermunicipais fazem ameaças” (05/04/1956) e Falta
dinheiro à Amazônia para a produção de petróleo” (13/06/1956). Nesses casos, parece
haver o intuito, por parte do discurso jornalístico, de enfatizar o presente ou de causar um
efeito de presente no leitor, levando-o a perceber a importância do fato que está
acontecendo agora (o uso do verbo ‘continuar’ em “Continuam atrasando as cargas
destinadas a Montes Claros” se dá justamente para enfatizar a idéia do agora, do hoje).
É o que também acontece com verbos empregados no futuro, como nos exemplos
“Será inaugurada hoje a ferrovia Brasil-Bolívia” (02/01/1955), “Não haverá greve antes de
sexta-feira” (05/01/1955), “Não haverá greve na Panair” (11/01/1955), “Ônibus e lotações
em mau estado continuarão a trafegar na cidade” (13/01/1955), “As viagens
interplanetárias serão o simples como um passeio de bonde” (27/02/1955), “Vão ser
retomadas as obras da Fernão Dias em São Paulo” (05/01/1956), “Minas ficará mais
próxima do mar” (15/04/1956). Nessas manchetes, o que se causou foi um efeito de futuro
nos leitores, mostrando-lhes fatos que acontecerão/não acontecerão em um tempo que
ainda está por vir. Nesses casos, é também interessante perceber como o discurso do EM se
faz assertivo, certo do que diz, em suas manchetes. A manchete de 11 de janeiro de 1955,
por exemplo, parece garantir que não haverá greve na Panair, apesar de apenas cinco dias
depois o jornal noticiar em suas páginas a greve (“Entram em greve pilotos da Panair” -
16/01/1955). É o que também acontece em “As viagens interplanetárias serão tão simples
como um passeio de bonde”, de 27 de fevereiro de 1955. O discurso do EM não apresenta
o fato como provável, o que poderia ser alcançado com o uso de um modalizador (como
em “as viagens poderão ser simples”), mas como certo (elas, com certeza, serão simples).
Logo, em relação à categoria dos tempos verbais, cabe ressaltar que, na década de
50, a relação da manchete era muito mais com o fato, com o acontecimento noticiado, do
que com as edições do jornal. Como mostramos no capítulo anterior, para Mouillaud
95
(2002:176), a relação estabelecida nos jornais de hoje passa a ser com o próprio jornal e
com a informação, não com datas históricas, o que discutiremos melhor no capítulo
seguinte, quando tratarmos dos tempos verbais em 2005-2006.
2.2.2. Discurso relatado e discurso citado
Dentro dos aspectos relativos à sintaxe discursiva, no caso do discurso relatado,
podemos perceber, na década de 50, um grande desequilíbrio entre o espaço dado a
personagens como políticos e demais autoridades e aquele dado a pessoas comuns, mesmo
estando elas envolvidas nos acontecimentos. Os que têm voz no jornal são, em sua maioria,
políticos, militares e outras personalidades de destaque. Muitas vezes, o discurso desses
personagens é praticamente reproduzido pelo jornal, sem cortes.
Na matéria “Revisão das tarifas de bonde” (7/6/1956), por exemplo, o EM traz boa
parte do discurso de Milton Campos, à época presidente da UDN:
Assim se manifestou o sr. Milton Campos: - Não oculto o meu regozijo ante
a vitória popular que foi o reconhecimento, pelo governo, da procedência da
reivindicação relativa ao aumento dos bondes. Lamento, entretanto, que o
Chefe do Governo se tenha lançado na exploração demagógica que não
poupou nem mesmo o alto recinto do Supremo Tribunal e que culminou
ontem no Catete quando procurou dar a impressão de que não era aos
estudantes a que atendia. Muito mais correto seria proclamar que o atendido
era o povo, e nem isso haveriam de ficar menos satisfeitos os estudantes, que
não atuaram como classe e sim como povo, e, segundo reiteradamente
declararam, não reivindicavam para si, mas para toda a população. A lição a
tirar do episódio é esta: os moços seguiram uma inspiração democrática e
trabalharam, não no interesse de sua classe, mas no interesse popular.
Merecem, pois, os aplausos da população.
(EM,7/6/1956,p.4)
Cunha Melo, “um dos líderes do Governo no Senado”, é outro personagem que
ganha bastante espaço na notícia (quase um parágrafo inteiro). Os usuários do transporte,
no entanto, personagens de grande importância para uma matéria que trata de aumento de
passagens, não são ouvidos.
96
Apesar de ser bastante comum o uso do discurso direto, como pudemos ver no
exemplo acima, também encontramos várias ocorrências do discurso indireto, como
acontece em “De 4 e meio bilhões o déficit das ferrovias brasileiras”, de19/04/1956. A
matéria explora o pronunciamento do presidente à época, Juscelino Kubitscheck, mas, em
vez de reproduzir seu discurso, o cita em terceira pessoa.
Em sua mensagem anual ao Congresso, o sr. Juscelino Kubitscheck traça
algumas considerações absolutamente justas em relação às ferrovias
brasileiras. Afirmando que a fase pioneira das estradas de ferro foi
ultrapassada, o presidente da república manifesta-se contra a construção
daquelas que não venham atender a um tráfego mínimo razoável, ou, pelo
menos, completar malhas interrompidas da rede de transportes existentes. A
exploração das ferrovias – adianta- precisa de se orientar segundo novo
espírito industrial. (EM,19/04/1956,p.11)
Assim, tanto usando de aspas quanto parafraseando a fala de seus personagens, o
EM na década de 50 apenas dá espaço em suas páginas a personagens considerados
ilustres. Pessoas comuns aparecem nas matérias, mas são personagens sem voz, que
compõem o cenário, mas não participam dele ativamente.
2.2.3. Diagramação: a organização formal de temas e figuras semânticas
Como apontamos no capítulo anterior, muitos aspectos no discurso do EM da
década de 50 causariam estranheza em leitores dos dias de hoje, e um deles é, sem dúvida,
a organização e distribuição dos temas e figuras em matérias no jornal, mais conhecida
como diagramação, no discurso jornalístico. Em uma primeira leitura, superficial, as
matérias do EM podem parecer arranjadas de forma caótica, distribuídas quase que por
acaso entre as diversas páginas do jornal. A primeira página, por exemplo (veja Anexo 1),
traz uma infinidade de notas que, segundo a linha editorial do jornal, merecem destaque,
mas quase nenhuma delas é desenvolvida no interior do jornal. Trata-se, portanto, de um
emaranhado de pequenas matérias, pouquíssimas delas ilustradas por fotografias (há
97
apenas duas ou três fotografias na página de uma edição da época). Mas quando nos
familiarizamos com o jornal, percebemos que esta é a função da primeira gina à época:
trazer os destaques do dia, de forma reduzida, no primeiro contato com o jornal. O que
está impresso na primeira página não é, portanto, um índice para o que virá no interior
(como estamos acostumados hoje), mas pequenos resumos das notícias que o veículo
deseja destacar.
Outro aspecto que chama a atenção é que o jornal traz, na grande maioria das
edições, apenas dois cadernos ou “secções” (não raramente, o exemplar resume-se a um
caderno). Como não a divisão entre cadernos, parece não haver também uma divisão
entre editorias. As notícias parecem não ter uma hierarquia ou mesmo uma distribuição
lógica, como podemos perceber abaixo, na página 14 do dia 18/01/1956:
(EM,18/01/1956,p.14)
Como essa, a maioria das páginas do EM é composta por um emaranhado de
pequenas notas. Dentro da matéria “Capotou espetacularmente o lotação” (18/01/1956),
por exemplo, aparecem vários outros temas e figuras não diretamente ligados ao título,
98
como “O jovem foi ferido a bala”, “Larápios detidos”, “Furtado pelas mulheres”, “Tentou
o suicídio”, “Agredido”, “Briga”, “Não foi infanticídio” e “Medicados no Pronto-Socorro”,
todos entre-títulos da matéria jornalística que citamos. Fica a impressão de que as notas são
arranjadas nas ginas de acordo com o espaço que ocupam, mas essa impressão logo se
desfaz quando percebemos que cada página costuma trazer um mesmo tipo de notícia.
A página dois sempre traz notícias relativas à economia, sendo dividida, muitas
vezes, entre as seções “Comércio Finanças Produção” e Bolsas & mercados”. A
página três traz notícias de política; e a quatro, o Editorial, artigos assinados e a maioria
das continuações de matérias de outras ginas, uma peculiaridade do EM em 55-56. As
matérias que não cabiam nas páginas às quais estavam destinadas, independentemente de a
página vir antes ou depois da página quatro, teriam ali a parte final de seu texto. No
exemplo abaixo, podemos ver que a matéria “Oitenta novos ônibus elétricos” (01/03/1956)
termina no meio de uma frase “(...) em suma, substituir, na sua maioria, os velhos bondes
com” seguida de “CONCLUI NA 4ª PAG.”.
(EM,01/03/1956,p.16)
99
Na página 4 encontramos realmente a continuação da matéria, o que parece
engraçado já que a primeira parte estava na página 16, posterior a essa continuação. Assim,
mesmo que as notícias viessem na última página do jornal, todas as continuações eram
escritas na página quatro, respeitando a organização diária do EM.
Nas demais páginas do jornal, não podemos perceber uma organização muito fixa,
mas há, sim, uma gica que normalmente é obedecida: as páginas de cinco a oito
costumam trazer notícias de política; a dez, esportes; a onze, a doze e a treze trazem,
comumente, anúncios (muitas vezes com matérias de temáticas variadas “salpicadasentre
os anúncios); e a última página sempre traz notícias policiais (comumente introduzidas
pelo chapéu
11
“Na Polícia e no Pronto-Socorro).
Como dissemos, as edições costumam dividir-se em um ou dois cadernos, mas
algumas edições especiais podem trazer até quatro partes. Essas edições maiores costumam
ser publicadas aos domingos e trazer algum caderno especial produzido pelos Diários
11
Como já explicado na Introdução, chapéu é o termo jornalístico que designa a palavra ou expressão
colocada no alto da página, acima da notícia. Diferencia-se das Editorias (Política, Esportes etc) e dos
sobretítulos e é usada para indicar o assunto tratado no texto (“Novo Manual da Redação”, Folha de S.
Paulo, 1996). Veja um exemplo de chapéu no Anexo 5.
(
EM
,01/03/1956,
p.
4)
100
Associados, que publicam ou temáticas culturais, como crônicas, artigos, passatempos etc.,
ou mesmo temáticas ligadas à economia e à política. É o caso da “Edição especial dedicada
à economia mineira”, publicada em 29/06/1956, que traz um caderno inteiro tratando de
planos do governo, infra-estrutura (dando destaque à parte de transportes), entre outros
aspectos. Mas o que mais interessa para s é que, apesar de ser diferente do que estamos
habituados nos dias de hoje, a diagramação do EM obedece uma gica, e, apesar de
parecer a princípio completamente desordenada, é essa lógica que determina o lugar das
matérias nas edições de 1955 e 1956.
101
3. Aspectos intra e interdiscursivos do EM nos anos de 2005 e 2006
Passemos agora aos aspectos intra e interdiscursivos das matérias jornalísticas mais
atuais, primeiros semestres de 2005 e 2006. Seguindo a ordem adotada no capítulo
anterior, analisaremos primeiro os aspectos referentes à semântica discursiva, intra e
interdiscursivos, para depois analisarmos aspectos sintáticos.
3.1. Aspectos relacionados à semântica discursiva
Para melhor organizar os aspectos relacionados à semântica discursiva, faremos a
análise de cada um deles a partir dos principais percursos semânticos encontrados nas
páginas do EM em 2005-2006, assim como o fizemos em relação às matérias de 1955-
1956.
3.1.1. Percursos semânticos
Nas matérias encontradas em 2005 e em 2006, os percursos semânticos são
basicamente os mesmos que encontramos na década de 50. Em 2005, temos, como
percursos principais das matérias: queixas, denúncias (125); meios de transporte (112);
acidentes (90); política, legislação (89); obras (86 15 da linha verde); reivindicações,
greves, outras manifestações (54); custos, tarifas, preços (35); combustível (18); e outros
aspectos (turismo, consumo, tráfego, segurança, comportamento, saúde, trabalhador
282). Em 2006, os percursos semânticos se repetem: obras (103; linha verde 21); acidentes
(70); meios de transporte (67); queixas, denúncias (66); política, legislação (55);
reivindicações, greves, outras manifestações (47); combustível (38); custos, tarifas, preços
(29); e outros aspectos (turismo, comportamento etc. – 204).
102
Apesar de a ordem de produtividade mudar quando comparamos os dois semestres,
sendo que em 2005 encontramos mais matérias
12
sobre denúncias e obras e em 2006 sobre
obras e acidentes, por exemplo, todos os percursos semânticos aparecem em ambos. Até
mesmo as temáticas relacionadas a outros aspectos (comportamento, segurança, tráfego
etc.), que aparecem em quantidade significativa nos dois anos, repetem-se.
A seguir, conforme a organização proposta no Capítulo 2, estudaremos cada um
desses percursos semânticos separadamente, para analisar, entre outros aspectos, as
estratégias persuasivas utilizadas em cada um deles.
3.1.2. Estratégias de persuasão
Assim como fizemos no capítulo anterior, partiremos dos percursos semânticos
levantados acima (na seguinte ordem: meios de transporte; obras; custos, tarifas, preços;
política, legislação; reivindicações, greves, outras manifestações; queixas, denúncias;
acidentes; combustível; outros aspectos), para, então, analisarmos as principais estratégias
de persuasão em cada um (seleção lexical e a seleção de personagens - aspectos
intradiscursivos, a relação entre explícitos e implícitos - aspecto intra e interdiscursivo - e o
silenciamento - aspecto interdiscursivo). Novamente, faremos primeiro a análise dos
aspectos intradiscursivos para depois analisarmos os aspectos interdiscursivos e, por fim,
os aspectos simultaneamente intra e interdiscursivos.
12
Sem levar em conta “Outros aspectos”, que engloba vários percursos distintos.
103
3.1.2.1. Aspectos intradiscursivos: seleção lexical e de personagens
A seleção de personagens, como veremos em todos os percursos semânticos
listados por nós, mudou muito nos últimos 50 anos. As matérias de 2005-2006 procuram
sempre ilustrar o que nelas é divulgado com pessoas diretamente envolvidas na situação, o
que é hoje denominado, no discurso da imprensa, “personagem”. O conceito jornalístico,
menos abrangente que o lingüístico, leva em conta os personagens de destaque de uma
matéria que são convocados por um veículo de dia para personificar um acontecimento.
Ocupando o lugar discursivo de vítimas, testemunhas ou mesmo de pessoas que
vivenciaram ou vivenciam uma situação, esses “personagens” tornam o acontecimento
mais acessível, compreensível aos leitores.
Segundo o jornal Folha de S. Paulo, em seu Novo Manual da Redação, o
personagem é uma das formas de envolver o leitor, despertando seu interesse para a
matéria:
Uma das formas de despertar o interesse do leitor é provocar identificação,
ou empatia, com o personagem da notícia. Procure sempre levantar e
registrar o máximo de informações (biográficas, físicas, de comportamento)
sobre o entrevistado ou sobre os envolvidos no fato. Elas serão úteis no
momento de descrever a pessoa. (FOLHA DE S. PAULO - Novo Manual da
Redação,1996).
A captação dos leitores (por “identificação ou empatia”) é, portanto, um aspecto
importante da seleção de personagens, o que é uma das justificativas do uso corriqueiro
desse recurso no discurso jornalístico contemporâneo, como mostraremos nos exemplos a
seguir.
104
3.1.2.1.a. Meios de transporte
No percurso semântico figurativo dos meios de transporte, encontramos matérias
que fazem referência a táxis, metrôs, ônibus, transporte aéreo e até mesmo ao transporte
feito a . “Pesquisa revela que brasileiro anda a pé” (12/03/2005), por exemplo, divulga
relatório do Ministério das Cidades e da Associação Nacional de Transportes Públicos
(ANTP) apontando que “35% da população [brasileira] se desloca a pé, 32% de transporte
público, 28% de automóvel, 3% de bicicleta e 2% de moto”. Para ilustrar os diferentes
tipos de transportes, a matéria traz o servente Bernardino Ferreira dos Santos, que “decidiu
trocar o ônibus pela bicicleta”, o estudante Luiz Inácio Santos Araújo, que “caminha pelo
menos uma hora por dia do deslocamento de casa para a escola, mesmo pegando ônibus”, e
o fazendeiro José Bonjardim, que tem “dois carros em casa, mas prefere usar o ônibus para
as atividades diárias”. No parágrafo de fechamento, faz-se uma denúncia. Apesar de a
maioria da população deslocar-se a pé, “A infra-estrutura para pedestres e ciclistas, de um
modo geral, é reduzida. As ofertas de vias exclusivas para pedestres representam 0,02% do
sistema viário e as ciclovias representam 0,15%.”.
Nas matérias sobre transporte coletivo, o discurso do EM costuma priorizar
assuntos de utilidade pública, que instruam os usuários para novas normas, rotas, horários
etc. “Vale-transporte deve ser trocado” (06/01/2005) informa que os vales-transporte de
papel com tarifa antiga poderiam ser usados até o dia 10 de janeiro e poderiam ser
trocados até 10 de fevereiro. Em matérias como essa, ouvem-se órgãos públicos e
especialistas, personagens que orientam a população sobre a melhor forma de proceder. A
BHTrans, como personagem coletivo, informa os prazos para uso e troca dos vales, e
funcionários da gerência de Marketing e Comunicação da empresa fornecem ao jornal o
número de usuários que já faziam uso dos cartões (313 mil em 1,4 milhões de passageiros /
dia).
105
“Mudança em 450 pontos” (08/04/2005) noticia estudo da BHTrans para
“remanejar paradas de embarque e desembarques (...) [e] trazer melhorias para
passageiros”. Os pontos em questão são do centro da cidade e o estudo previa o
remanejamento de algumas paradas e acréscimo de outras. A diretora de desenvolvimento
e implantação de projetos da BHTrans, Jussara Bellavinha, “explica que as mudanças são
necessárias para adequar o volume de passageiros nas paradas”. O lojista do shopping
Tupinambás, Décio Augusto Vieira, sugere a revitalização da região para melhorar o
movimento. A matéria traz, ainda, endereços para trocar vales-transporte de papel, que
deixariam de ser aceitos, e um telefone para obter informações, o que significa
implicitamente que a matéria busca informar a população, como dissemos acima.
“O morronão anda a pé” (19/02/2005) noticia a implantação de microônibus nos
aglomerados de BH, “driblando as rotas em que impera a violência, para servir a quem
precisa se deslocar, diariamente, até o trabalho”. São personagens os moradores que usam
os microônibus (como Paulo Ezequiel Oliveira Rodrigues, de 20 anos, que reclama da
superlotação do veículo), motoristas (“‘Já tive que mudar a rota por causa de um
homicídio’, conta um motorista que prefere não ser identificado”) e o assessor de
Mobilização Social da BHTrans, José Walter Gomes Vieira, que fala das dificuldades de se
instalar o transporte e do aumento da oferta de ônibus.
“Do ônibus para o metrô” (07/04/2006) e “Ônibus muda na capital” (19/06/2005)
também tratam de mudanças no transporte coletivo. A primeira matéria trata da integração
ônibus-metrô nas estações São Gabriel e José Cândido. A segunda, apesar de apresentar
mudanças, denuncia que “muitas intervenções previstas para o BHBus permanecem no
papel, dez anos após a implantação do sistema de transporte”.
Na temática dos táxis, a maioria das matérias também divulga novas normas ou,
ainda, prazos e regras que devem ser cumpridos pelos motoristas. Em grande parte delas,
os trabalhadores são ouvidos para opinarem sobre os assuntos. Em “Taxistas têm novo
106
registro” (06/01/2005) são personagens os taxistas Márcio Codo Santos, de 35 anos, e
Maria das Graças Gomes, 54. Ambos dizem desconhecer a necessidade de nova aferição
do taxímetro. São personagens coletivos, já que aparecem apenas no plural, sem dar
nenhum depoimento, os usuários ou passageiros e o Instituto de Pesos e Medidas de Minas
Gerais (Ipem).
“Acordo acerta preço do táxi” (11/03/2005) traz como personagens o prefeito
Fernando Pimentel (PT), os prefeitos de Confins e de Lagoa Santa, Celso Antônio e
Antônio Carlos Fagundes, e o presidente do Sindicato Intermunicipal dos Condutores e
Taxistas (Sincavir), Dirceu Efigênio Reis, que haviam fechado na véspera da edição acordo
sobre a tarifa dos táxis de BH ao aeroporto de Confins. São ainda personagens da
retranca
13
“Promotoria analisa concessão”, sobre a concessão de placas de táxi em Confins,
o diretor-presidente da Coopertramo
14
, Sérgio Soares, o cnico em direito da Promotoria
de Pedro Leopoldo, Marcelo Gontijo, o diretor de transporte metropolitano do DER, Luiz
Otávio Mota Valadares, o procurador-geral de Confins Fernando Elias (que “não foi
localizado”) e, como personagem coletivo, os passageiros. Com exceção dos passageiros,
o EM buscou ouvir todas as autoridades e órgãos envolvidos no controverso assunto. A
escolha de não entrevistar passageiros pode ter sido fruto justamente de uma tentativa de
não aumentar ainda mais a polêmica em torno dos táxis de Confins. Mas não deixa de ter
sido uma opção do EM ouvir apenas autoridades e deixar usuários de fora.
Na temática do transporte aéreo, muitas matérias trataram da mudança dos vôos do
aeroporto da Pampulha para Confins, ocorrida em 2005. A seqüência de matérias “Infraero
começa a divulgar a mudança” (09/03/2005), “Eixo Norte ganha com a transferência”
(12/03/2005), “Prova de fogo em Confins” (13/03/2005), “Confins sem susto”
(14/03/2005) e “Confins passa no teste” (15/03/2005) retrata o período de transição. Na
13
Termo jornalístico para nomear uma matéria menor, ou “sub” [matéria], dentro de outra matéria principal.
14
Cooperativa de Trabalho dos Motoristas Autônomos
107
primeira dessas matérias, o departamento de Aviação Civil (DAC) publicou portaria que
confirmava a transferência dos vôos. São ouvidos Maria Tereza Monteiro de Castro
Lisboa, gerente do DER, o engenheiro Ângelo Alvarenga Pires, usuário do transporte
aéreo, o comerciante do aeroporto da Pampulha Antônio Nemer, que “perdeu mercadorias
e uma máquina usada para pagamentos com cartão de crédito” em uma enchente, além de
representantes de empresas e instituições como DAC, Infraero, Cemig e Unir, todos
personagens coletivos. Nas outras matérias, o jornal também busca ouvir os órgãos
envolvidos na transferência (como os citados acima e o Sincavir - Sindicato Intermunicipal
dos Condutores e Taxistas) e os usuários dos aeroportos.
Em relação aos passageiros, o discurso do EM privilegia os que aprovaram a
mudança, como o industrial Ariosvaldo Ferraz, de 60 anos, para quem “a mudança
recompôs a elegância da capital mineira: ‘O Aeroporto da Pampulha tem uma localização
maravilhosa, mas em contrapartida apresenta a pior estrutura do Brasil. Já cheguei a
esperar 30 minutos para sair do estacionamento (...)’.”. Genival Tourinho, de 72 anos, diz
que “‘Aqui [Pampulha] voltou a ser aquele aeroporto fantasma e melancólico que tínhamos
uns seis anos’”, mas “se rende aos efeitos positivos da mudança: ‘O grande número de
vôos estava comprometendo nossa segurança e estávamos sendo mal-atendidos, era um
grande pandemônio’, conta.”.
“Céu aberto para o interior” (10/04/2005) traça um diagnóstico da aviação em
Minas e trata das mudanças ocorridas com a transferência dos vôos. Segundo a matéria, os
“vôos regionais ganham força em Minas, após a transferência de rotas da Pampulha para
Confins. Mas os preços ainda são muito altos e os aeroportos precisam de reformas”. São
personagens Deilson Cunha Matoso, superintendente da Total Linha Aéreas, que opera
vôos regionais, Júlio César Diniz Oliveira, gerente da Central Aeroportuária, além de
representantes da Secretaria do Estado de Obras Públicas, Ocean Air, DAC, Programa
108
Federal de Auxílio aos Aeroportos (Profa) e técnicos da Secretaria dos Transportes
(personagens coletivos).
Outro assunto tratado dentro do transporte aéreo encontrado no período foi a quebra
da Varig. “Varig sofre mais um golpe” (19/04/2006) e “Novela da Varig continua com
novos atores” (24/06/2006) tratam, respectivamente, da rejeição da venda da Variglog pela
ANAC (“a principal chance de a companhia aérea fazer caixa”) e da anulação do leilão
para os funcionários, que não depositaram sinal de US$ 75 milhões. Além do presidente da
empresa, Marcelo Bottini, as matérias ouvem juízes envolvidos nos processos (Luiz
Roberto Ayoub, juiz da Vara Empresarial do Rio, e Paulo Roberto Fragoso), o ministro
da defesa, Waldir Pires, e o comandante da Aeronáutica Luiz Carlos Bueno. “Novela da
Varig (...)” traz, na “Análise da Notícia”, comentário do jornalista Pedro Lobato:
A novela da Varig está sendo longa e cansativa como as da televisão. Mas
tem a vantagem de trazer à tona aspectos do atraso brasileiro em relação às
economias competitivas. Na primeira etapa, assistimos à má-gestão e ao
perfil autárquico afundando uma marca de prestígio. Na fase que ora se
inicia, veremos como a falta de um marco regulatório atualizado pode
impedir a realização de negócios importantes, com prejuízos para toda a
sociedade. (EM,24/06/2006,p.13)
Matérias sobre o transporte ferroviário, por sua vez, são muito raras nos jornais de
2005-2006. Algumas tratam da história de cidades e suas linhas, como “Progresso chega
pela linha do trem” (08/01/2005), que conta como se deu a construção dos trilhos que
chegavam a Cristiano Otoni, desativados em 1972. A matéria ouve moradores da cidade,
como Windeu Magella, de 72 anos, que se lembra que “a chegada da locomotiva,
pontualmente às 20h20, era o principal acontecimento do dia para os moradores”, e o
presidente da Câmara Municipal, Gerson Luiz de Souza, que pretende transformar o prédio
da estação em um museu.
“Passado e futuro na linha do trem” (11/06/2005) e “das cabritinhas à eletrônica”
(15/06/2005) também fazem um resgate do passado. A primeira faz menção aos 93 anos de
109
Divinópolis e às mudanças pelas quais passou a cidade, que ainda conta com uma estrada
de ferro (“À noite, quando o barulho do trânsito diminui, é possível ouvir em quase toda
região central o apito do trem.”). Os trilhos são usados, provavelmente, apenas para o
transporte de cargas, mas a matéria silencia o tema. A segunda faz uma retrospectiva do
transporte coletivo: “Ônibus urbanos passaram por transformações desde os tempos em
que disputavam os espaços das ruas com bondes e trólebus. Acompanhe algumas dessas
modificações”.
Algumas matérias falam do metrô, que, com a integração aos ônibus, conseguiu
aumentar o atendimento aos usuários. É o caso de “Grande BH integrada ao metrô”
(07/05/2005), que noticia a integração dos ônibus da região metropolitana de Belo
Horizonte ao metrô da capital. Mas essa temática também não é comum. Como sabemos e
podemos inferir a partir da matéria do parágrafo acima, bondes e trens de passageiros não
dividem mais as ruas com os ônibus. O transporte ferroviário, extremamente sucateado
(como poderemos ver também no percurso semântico das denúncias), restringe-se hoje
quase exclusivamente ao transporte de cargas e mesmo assim em uma extensão muito
menor do que já foi um dia.
Por isso, muitas matérias acabam por se restringirem à temática do turismo. “Bonde
volta às ruas de BH” (13/04/2005) e “Bonde descarta uso de trilhos” (16/04/2005) tratam
do projeto da prefeitura de colocar um bonde em circulação nas ruas da cidade ligando
Museu Abílio Barreto, Praça da Liberdade, Mercado Central e Parque Municipal, aos fins
de semana e feriados. “Viagem à memória de BH” (17/04/2005) e “Bonde sobre trilhos”
(04/05/2005) tratam do mesmo assunto, sendo que a última matéria informa que a
prefeitura havia feito a opção por bondes com trilhos, ao contrário do que havia sido
divulgado anteriormente.
Quanto à seleção lexical, no percurso semântico figurativo dos meios de transportes
numerais são usados para dar credibilidade às matérias e, em alguns casos, informar os
110
leitores sobre as mudanças às quais as notícias se referem. É o caso de matérias que, por
exemplo, trazem os números das linhas ou rotas que sofreriam alterações. “Do ônibus para
o metrô” (07/04/2006) traz todas as linhas que seriam integradas ao metrô nas estações São
Gabriel e José Candido (“5505B (Vista do Sol), 5525 A (Belmonte), 5525 B (Parque
Belmonte), 5526 B (Paulo VI) (...)”). “Prova de fogo em Confins” (12/03/2005), por sua
vez, traz vários números envolvendo a transferência de vôos do aeroporto da Pampulha
para Confins: “transferência de 120 vôos domésticos comerciais”, “de uma média de 1,2
mil passageiros (...) Confins começa a transportar uma média de 8,2 mil pessoas”, “Trinta
e nove quilômetros separam o centro de BH do terminal”, “serão necessários R$ 132
milhões para a reforma das avenidas”, “com 5 milhões de metros quadrados, Confins
gerava, até ontem, 1,8 mil empregos diretos. A partir de hoje serão 3 mil postos”, entre
outros dados.
Assim, como veremos com relação a outros percursos semânticos, números e dados
precisos são usados com dois intuitos principais em 2005-2006. Por um lado, buscam
informar os leitores com exatidão, prestando um serviço à população, como mostramos em
matérias que trouxeram mudanças no transporte público. Nesses casos, o discurso do EM
poderia apenas ter indicado onde o usuário encontraria a informações mais precisas sobre
as mudanças, mas, em vez disso, traz a relação das linhas de forma detalhada, optando,
pois, por prestar esse tipo de serviço. Por outro lado, o uso de números sem dúvida confere
autoridade ao jornal e credibilidade à informação que veicula, como veremos em outros
exemplos a seguir.
1
11
3.1.2.1.b. Obras
No percurso semântico figurativo das obras, encontramos, como no percurso
semântico dos meios de transporte, vários personagens comuns, que são chamados para
ilustrar as matérias. Eles dão opiniões sobre obras e melhorias ou fazem apelos e
reclamações sobre obras morosas ou que foram prometidas, mas ainda não foram
cumpridas. No entanto, não é sempre que esses personagens são convocados para falar.
Muitas matérias ouvem apenas especialistas e políticos, sendo que o “povo”
(trabalhadores, moradores, passageiros) é apenas citado como beneficiado das obras
noticiadas.
“Canteiro de obras e promessas” (02/01/2005) trata das promessas de obras para
2005 e de outras que ficaram no papel, como mostra o sobretítulo: “Como acontece a
cada novo ano, o momento é ideal para renovar sonhos. Na administração pública, a
situação se repete, mas boa parte das propostas permanece no campo das idéias”. Como
personagens coletivos, a prefeitura e a União são apontadas como responsáveis por
algumas obras e responsabilizadas pelo atraso de outras. Os camelôs também aparecem
nessa categoria quando a matéria trata das obras de revitalização do centro de Belo
Horizonte e da transferência desses trabalhadores informais para os shoppings populares.
Como personagens individuais, são ouvidos o prefeito Fernando Pimentel (PT), que
“garantiu que iria transformar a região [da Pampulha] em mais um ponto de lazer para os
belo-horizontinos”, o secretário municipal de Política Urbana e Meio Ambiente, Murilo
Valadares, que atribui o atraso para desassorear a lagoa da Pampulha ao intervalo entre os
recursos recebidos para a obra, e a secretária municipal de Meio Ambiente, Flávia Mourão,
que “informa que será feita uma programação para futuras intervenções nos espaços
[‘pequenas florestas resistentes ao crescimento urbano’], que podem ser transformados em
parque”. Não é ouvido ninguém do governo federal, nem da população (apesar de serem
personagens citados). A matéria resume-se ao âmbito da administração municipal.
112
Em “Projeto busca mais segurança para motorista” (20/04/2005) novamente apenas
o especialista é ouvido, o gerente de Coordenação de Projetos de Trânsito da BHTrans,
José Carlos Ladeira. A matéria afirma que a comunidade participou de discussões internas
com a BHTrans por mais de um ano, mas o próprio gerente afirma que “as mudanças não
eram reivindicações da comunidade, mas necessidade identificada pelo órgão de trânsito da
capital”. “Verba para los da Estrada Real” (06/05/2005) também se limita a ouvir “o
lado oficial”. Na matéria, apenas o diretor-geral do IER (Instituto Estrada Real), Ebhard
Hans Aichinger, fala sobre o investimento de U$ 6,8 milhões na região pelo Banco
Interamericano de Desenvolvimento e pela Fiemg (Federação das Indústrias do Estado de
Minas Gerais). Apesar de citar os empreendimentos (“hotéis, pousadas, restaurantes,
agências de viagem, guias de turismo e a trabalhadores autônomos, como os
charreteiros”) e as cidades (indicadas em um mapa) que serão beneficiados, o EM não ouve
nem comerciantes, nem moradores da região.
Em “BR-262 é recuperada” (05/03/2005) acontece algo semelhante. O único
ouvido é o engenheiro supervisor do Dnit em Bom Despacho, Tarcísio Araújo Anunciação.
Apesar de a estrada estar interditada desde janeiro, como aponta a matéria, o engenheiro
afirma que “As obras ficaram prontas antes do tempo esperado”, referindo-se ao período de
60 dias previsto para execução. Os motoristas são citados (“os motoristas que transitavam
pela rodovia federal se viam forçados a passar por dentro da cidade”), mas não são
consultados para opinarem sobre o assunto.
“Duplicação aguarda edital” (16/03/2005), sobre a duplicação da rodovia MG-
010, de acesso a Confins, ouve, além de especialistas (como a engenheira civil Maria
Tereza Monteiro de Castro Lisboa, gerente do Projeto de Reestruturação da Plataforma
Logística e de Transportes da Região Metropolitana de BH, e o sargento José Geraldo
Buitrago), motoristas e trabalhadores que passam pela estrada. O mecânico Cláudio
Barbosa Silva, que viaja diariamente de ônibus de São João da Lapa a Santa Luzia, elogia a
113
nova iluminação, mas reclama que o pedestre tem que atravessar a pista. São ouvidos
também a doméstica Débora Cristina Alves, Joaquim Nicássio de Assis, que pedala
diariamente de BH a Vespasiano por motivo de construção de sua casa, o assistente de
almoxarife Fernando Barbosa dos Santos e o operador de roçadeira Ivanir Gomes dos Reis.
Como as profissões nos permitem inferir, são todos personagens de baixa renda, que
precisam da estrada para se locomover do trabalho para casa. Não é ouvido, por exemplo,
ninguém que mora em Belo Horizonte e passa os fins de semana em um condomínio em
Lagoa Santa ou mesmo usuários do transporte aéreo que usam a rodovia para chegar ao
aeroporto. Ao usar apenas personagens do “povo”, o discurso do EM tende a ganhar a
simpatia dos leitores, que se compadecem com a situação desses personagens.
A matéria acima está dentre as inúmeras sobre a Linha Verde que o EM publicou
em 2005 e 2006, obra do governo estadual para melhoria do acesso ao Aeroporto
Internacional Tancredo Neves. São, ainda, exemplos: “R$200 milhões até Confins”
(17/05/2005), “Linha Verde para Confins”, “Pista Livre para carro e pedestres” e “Novo
acesso a Confins (todas de 25/05/2005, ocupando três páginas do caderno Gerais,
incluindo a capa), “Projeto anima população” (26/05/2005), “Obra para corrigir gargalos”
(27/05/2005), “Um passo rumo à Linha Verde” (22/06/2005), “Pista de ônibus é
eliminada” (19/01/2006), “Trânsito muda no centro” (27/01/2006), “Explosão de pedras
amplia a MG-010” (29/01/2006), Integração vai avançar” (02/02/2006), “Obras
adiantadas no Bulevar Arrudas” (05/02/2006), “Ajustes na linha verde” (21/02/2006),
“Obras avançam na Linha Verde” (05/03/2006), “Linha verde lança site” (09/03/2006),
“Obras interditam trânsito” (18/03/2006) e “Rodovia ganha passarelas” (19/04/2006).
Além do governador Aécio Neves, constantemente entrevistado nas matérias, são
personagens o prefeito Fernando Pimentel, especialistas do DER-MG, da Secretaria de
Estado de Transporte e Obras Públicas, da Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam) e
da Secretaria Municipal de Meio Ambiente, entre outros. Todos os “populares” ouvidos
114
aprovam a obra: “‘As obras no Arrudas, além de gerar muitos empregos, vão melhorar
minhas vendas’ José Luiz Guimarães, ambulante”; “‘Acredito que o projeto vai resolver
os problemas de congestionamento e reduzir os números de acidentes’ – Gerson Gonçalves
Vieira, instrutor de auto-escola”; “‘Com viadutos e trincheiras a Cristiano Machado vai
melhorar demais’ Ricardo José dos Santos, comerciante”, entre outros depoimentos. Os
que reclamam, questionam a situação antes das obras, como na matéria “Obra para corrigir
gargalos” (27/05/2005), em que um pedestre, um motorista e uma passageira opinam, cada
um de seu lugar, sobre a situação na Avenida Cristiano Machado e região.
(EM,27/05/2005,p.20)
Em relação à seleção lexical, numerais continuam sendo usados para dar
informações exatas sobe obras e orçamentos. Em “Obras começam na Amazonas”
(16/01/2006) são informados o valor destinado ao recapeamento da avenida (“R$ 4,3
milhões”) e até detalhes do quanto de asfalto seria retirado em um dos tipos de
manutenção: “Em determinados pontos, será usada a máquina de fresagem, que raspa cerca
de 5 cm do asfalto onde houver trincas e ondulações”, trecho que parece ter sido retirado
115
de um press release
15
. “Agronegócio ganha corredor ferroviário” (31/05/2006) também
traz os valores do investimento (“R$ 15 bilhões” no total e “R$ 2,53 bilhões” investidos
inicialmente), a porcentagem da redução de trens em BH com a obra (“O diretor-presidente
da Companhia de Armazéns e Silos do Estado de Minas Gerais (Casemg), Célio Gomes
Floriani, explica que apenas essas obras vão representar uma redução de 70% no fluxo de
trens na região metropolitana”) e até o aumento de velocidade dos trens com a mudança
(“a velocidade dos trens poderá passar de 16 para 60 quilômetros por hora”).
Figuras de linguagem, que levem o leitor a questionamentos e agucem sua
curiosidade, são outro recurso comumente usado nessas matérias, principalmente nas que
tratem de temáticas mais “polêmicas”, como a política. “O trem-bala eleitoral”
(06/02/2006) divulga o lançamento de um “megaprojeto” na área de transportes, “um trem-
bala orçado em US$ 9 bilhões (R$ 20 bilhões), que vai ligar o centro das duas principais
capitais do sudeste em apenas 88 minutos”. Trem-bala, no título, remete denotativamente
ao projeto, mas também, agora implicitamente, metaforicamente, ao impulso que daria à
campanha de Lula, como o sobretítulo comprova: “Governo trabalha para lançar, às
vésperas da campanha, obra para ligação ferroviária entre as cidades dos principais
adversários de Lula na disputa pelo Palácio do Planalto”. É, portanto, uma referência direta
ao meio de transporte e uma referência metafórica à campanha de Lula, que viria com toda
velocidade e força.
Em “Lula e Aécio em a campanha nos trilhos” (06/05/2006), “trilhos” é usado
em sentido implícito metafórico, que a campanha é colocada nos trilhos, mas também
como referência explícita ao principal tema da matéria, a inauguração do trem turístico
entre Ouro Preto e Mariana. Ao inaugurar o trem, colocando-o de volta em circulação nos
trilhos ferroviários, denotativamente, os políticos alavancariam suas campanhas,
15
“Informação que assessoria de imprensa envia ou fornece a jornalistas. (...) deve ser encarado sempre com
precaução (...) como subsídio adicional ao texto jornalístico.” (“Novo Manual da Redação”, Folha de S.
Paulo, 1996).
116
colocando-as nos trilhos políticos - metaforicamente. A comparação repete-se em outras
matérias, como em “Linha Verde para Confins(25/05/2005), em que o governador Aécio
Neves afirma que ‘Minas é como uma locomotiva. Começa a se mover vagarosamente e
vai ganhar uma velocidade que nenhum outro trem do país irá alcançar’.”.
“Corrida para cumprir metas” (02/01/2005) traz um box com o título “Dez
promessas para Belo Horizonte”. As promessas, descritas e analisadas no interior desse
quadro, são classificadas como “Promessa não cumprida”, “Promessa que começa a ser
cumprida”, “Promessa cumprida, em parte”, Promessa quase cumprida”, “Promessa
adiada”, “Promessa em atraso” e “Eterna Promessa” (grifos nossos). Apesar de cada obra
ser explicada e de a matéria trazer os motivos de atrasos e adiamentos, as expressões
levam o leitor a conclusões. Mesmo que na obra que se refere à conclusão da Avenida
Pedro II, por exemplo, o EM afirme que a desapropriação já foi iniciada (e paralisada por
falta de verbas), a classificação da obra como “Eterna Promessa” é, sem dúvida, o que mais
marcará o leitor.
3.1.2.1.c. Custos, tarifas, preços
Como na década de 50, nesse percurso semântico figurativo situam-se o aumento
de tarifas de transportes coletivos, o aumento dos táxis, de combustíveis, financiamentos,
entre outros assuntos. Por afetarem, na maioria das vezes, o consumidor final diretamente,
as matérias jornalísticas trazem depoimentos de passageiros e trabalhadores, que opinam
sobre o assunto e o personificam. Ouvem também especialistas e políticos, que contribuem
com informações mais precisas ou técnicas.
Em “Detran reajusta taxas em até 42,8%” (04/01/2005) são personagens o
estudante de medicina Carlos Eduardo Faria Ferreira e o delegado Adilson Aguido, chefe
do Serviço de Habilitação do Detran. Adilson Aguido explica o motivo do aumento:
117
De acordo com o delegado (...) o índice de até 42,8% de alguns serviços foi
necessário porque, pelo menos três anos, eles não estavam no mesmo
patamar: “Esses valores são pagos pelos serviços prestados pelas oito clínicas
conveniadas ao Detran, que não eram revistos vários anos” garante.
(EM,04/01/2005,p.17)
Carlos Eduardo reclama do preço, afirmando que ganha apenas um salário mínimo
e tirar a carteira representaria, no mínimo, 70% de sua renda. “‘Esse valores vão pesar
muito no meu orçamento, mas preciso aprender a dirigir’, afirma. (...) ‘Vou ter que me
virar, porque não recebo nenhuma ajuda de meus pais’, conlui”. O estudante ilustra
perfeitamente a matéria não apenas por vivenciar o aumento de perto, mas por preencher o
estereótipo do “batalhador brasileiro”, que, além de ter vindo do interior e passado em um
dos cursos mais disputados, consegue se sustentar com apenas um salário. A escolha desse
personagem tende a fazer muitos leitores se identificarem com ele (acreditando ser também
um “batalhador”) ou, ao menos, se compadecerem de sua situação.
“Táxi quer cobrar mais” (01/04/2005) conta, como personagens, com o presidente
do Sindicato Intermunicipal dos Condutores Autônomos de Veículos Rodoviários, Taxistas
e Transportadores Rodoviários Autônomos de Bens de Minas Gerais (Sincavir), Dirceu
Eugênio dos Santos, o DER e a BHTrans, que aparecem como personagens coletivos. A
matéria, que trata de um possível aumento nas tarifas para corridas ao Aeroporto de
Confins, não ouve nenhum passageiro, o que é compensado na página 22, para a qual a
matéria aponta (“Leia mais sobre táxi página 22”). Neste desdobramento, “Terminal
causa polêmica”, também é a vez dos passageiros e moradores falarem. O assunto é outro.
Em vez das tarifas, discute-se o terminal de ônibus e táxis, instalado na avenida Álvares
Cabral, com destino a Confins. São personagens dessa matéria os moradores, vizinhos ao
terminal, Clícia Valadares e Marco Antônio Alvarenga, o gerente de operações da empresa
de ônibus, Murilo Sérgio Nogueira, o diretor de transportes metropolitanos do DER, Luiz
Otávio Valadares, e a Infraero, como personagem coletivo (“A Infraero argumenta que
(...)”). Clícia e Marco Antônio, caracterizados por idade e ocupação, reclamam da
118
instalação, que, segundo eles, trouxe barulho e desorganização ao local. O gerente da
empresa de ônibus e o diretor de transportes do DER colocam-se à disposição para discutir
o assunto, apesar de não apontarem uma saída (o gerente de ônibus alega “que qualquer
mudança no sistema é tarefa do DER” e o diretor do DER descarta a possibilidade de
mudar o terminal de lugar” e diz que “a área escolhida para instala-lo é comercial e,
portanto, adequada à atividade”).
“Táxi com cartão de crédito” (14/06/2006) traz a opinião de taxistas a favor e
contra o projeto de lei que regulamenta o pagamento de corridas com o cartão de crédito. O
taxista Osmar Ferreira de Lima discorda: “‘Já tenho muitos gastos com o combustível e o
desgaste do carro. Não posso apertar mais o orçamento’.”. Já Ronaldo Andrade Ferreira
acredita que a mudança seria benéfica: “‘Quase 20% dos meus passageiros já pedem
cartão. Para mim é uma boa, porque ando com menos dinheiro’.”. São personagens, ainda,
o vereador Fred Costa, autor do projeto de lei, o presidente do Sincavir, Dirceu Efigênio
Reis, e o passageiro técnico em telecomunicações Gilmar Freitas Diniz, que paga suas
corridas com o cartão (“‘Em geral, gasto R$ 600 por mês e só viajo com quem aceita. Não
me preocupo com troco e no fim do mês tenho controle do que gasto’, diz ele.”).
“Qualificação eleva despesa” (29/05/2005) enfoca os gastos que trabalhadores têm
com custos como educação, vestuário e transporte, sendo que “Andar de ônibus é um dos
custos mais elevados. Representa, no mínimo, um terço das despesas com o trabalho”
(legenda da foto principal da matéria). Como nas demais matérias, são personagens
trabalhadores que a ilustram, neste caso a consultora de Recursos Humanos Patrícia
Alvarenga, o advogado André Luiz Barbosa, além de especialistas, consultores da
Braga&Marafon, de SP, e o advogado Waldir Luiz Braga. Os especialistas são fonte para
os cálculos dos gastos e opinam sobre o assunto, defendendo, por exemplo, que seria justo
deduzir tais despesas do Imposto de Renda. Dentro do tema (gastos dos trabalhadores), os
transportes ganham um espaço exclusivo, com subtítulo “Transporte consome até 69% dos
119
custos”. São personagens desta retranca “Wanderley Ramalho, diretor-adjunto da
Fundação Ipead, vinculada à UFMG”, além do estudante de economia Mário Ferreira
Campos Filhos, além da consultora Patrícia e do advogado André, citados anteriormente na
matéria.
“BH lidera alta da inflação” (25/01/2006) é outra matéria que trata da alta nos
custos de vida, afirmando que a alta dos combustíveis tem representação significativa nos
gastos do consumidor. Provavelmente por ser matéria menor, ocupando menos de 1/2
página com ilustração de uma fotografia (de um carro sendo abastecido em um posto de
combustível), a matéria traz como único personagem França Maria Araújo, “responsável
pela Divisão de Gestão de Dados da FGV na capital”. A Fundação Getúlio Vargas é a
responsável pelos dados trazidos na matéria, que são muitos, mas não há, como na grande
maioria das matérias jornalísticas do EM de 2005-2006, um personagem que ilustre ou
“represente” (no sentido de “dar cara”) como o cidadão tem sentido a alta.
“BHTrans amplia rotativo” (28/04/2006) traz, entre seus personagens, a estudante
de direito Celeste Dias Aguiar, que “reclama dos gastos”, o motorista Arlindo Cézar dos
Santos, que “teme que o rotativo atraia flanelinhas, interessados em vender talões”, e a
dentista Cláudia Beatriz Teixeira, para quem “as mudanças são positivas”. Esses
personagens servem para dar exemplos do que foi dito na matéria desde a abertura, como a
afirmação O motorista que circula pela área central de Belo Horizonte pode preparar o
bolso.” A continuação da matéria, na página 26, traz ainda o personagem José Raimundo
Figueiredo, motorista que concorda com a redução de tempo no faixa-azul. São ainda
personagens agentes da BHTrans, a Polícia Militar (ambos personagens coletivos) e o
gerente de Estacionamento da empresa, Sérgio Rocha, que explicações sobre a
ampliação.
Em relação à seleção lexical, podemos notar o uso recorrente de numerais, gráficos
e tabelas, usados para ilustrar o que vem escrito na matéria e também para trazer uma
120
informação mais concisa, que facilita a consulta e a leitura. Detran reajusta taxas em até
42,8%” (04/01/2005) traz duas tabelas, uma com a comparação das taxas em 2004 e em
2005, mostrando o percentual de reajuste, e outra com a escala de pagamento do IPVA.
“Terminal causa polêmica” (01/04/2005) também traz muitos numerais (“Desde a
transferência dos vôos, em 13 de março, pelo menos 700 pessoas passam pelo terminal
(...). As 46 viagens começam às 4h20 e terminam às 0h40”, “cerca de 500 moradores
dos dois prédios residenciais mais próximos”, “a transferência de 120 vôos” etc.).
“Qualificação eleva despesa” (29/05/2005) traz gráficos projetando como ficaria o
Imposto de Renda (IR) caso fosse permitida a dedução dos custos para trabalhar (roupas,
calçados, cursos, transporte etc.). O discurso do EM, portanto, não apenas traz números
que ilustrem a matéria, mas faz projeções, que funcionam mais como uma análise do que
como a notícia propriamente. A mesma matéria traz dois boxes (“No bolso”). Um destaca a
porcentagem dos gastos dos trabalhadores, dados que também vêm no interior da matéria.
O outro traz a “Análise da notícia”, que, como ressaltamos nos aspectos referentes à
sintaxe discursiva, é um texto, assinado, que analisa o que foi dito na matéria ou um
aspecto principal dela. Neste caso, o texto destaca que os gráficos apresentados simulando
o desconto no IR são apenas “um exercício”, mas demonstram o quanto o trabalhador gasta
com as despesas. O jornalista (Pedro Lobato) ainda reforça que “despesas com a educação
e com o aperfeiçoamento profissional puderam ser integralmente abatidas, incluindo o
material escolar e curso de línguas”, lamentando que as perdas do contribuinte “refletem o
desestímulo e a falta de apoio de que padece o trabalhador brasileiro”, finalizando: “É pena
porque é com ele que o país tem que contar se quiser ser competitivo no mercado
mundial”.
“BH lidera alta da inflação” (25/01/2006), como afirmamos acima ao falar da
seleção de personagens, vem recheada de números. Foram usados 31 numerais ao longo do
texto para demonstrar a alta, entre vários produtos e serviços. Já no parágrafo de abertura,
121
que dá destaque à alta do álcool, podemos perceber esse aspecto da seleção lexical:
Puxada pelos reajustes do álcool combustível, seguro obrigatório de veículos
e açúcar cristal, a inflação de Belo Horizonte subiu 1,46% na terceira
semana, segundo o Índice de Preços ao Consumidor Semanal (IPC-S)
divulgado ontem pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). O aumento (...)
representou variação de 0,01 ponto percentual (...) em relação ao índice
registrado na segunda semana, de 1,45%. O IPC-S Brasil (...) foi de 0,74% na
terceira semana do mês, com queda de 0,02 ponto percentual em relação à
última pesquisa anterior. (EM,25/01/2006,p.15)
“Metrô mais caro 37,5%” (21/02/2006), além de vários numerais, traz um box
(“Promessas sem fim”) com retrospectiva de 15 anos das obras realizadas ou prometidas
para o metrô de Belo Horizonte. A tabela começa com o ano de 1981, data atribuída pelo
EM ao início das obras, e termina em 2006, afirmando que apenas a linha 1 está concluída
após os 15 anos, sendo que as linhas 2 e 3, que foram planejadas e sofrerão licitação nesse
período, “continuam no sonho”.
(EM,21/02/2006,p.21)
122
3.1.2.1.d. Política, legislação
Nesta seção, trataremos de todas as matérias jornalísticas cujo principal percurso
semântico figurativo é a política, sejam temas relacionados ao poder executivo, sejam ao
legislativo (projetos de lei, novas leis etc.).
“Não precisa ter pressa” (05/01/2005) trata de resolução do Conselho Nacional de
Trânsito (Contran), que previa o uso de novos extintores de incêndio nos veículos a partir
de de janeiro. A matéria avisa aos motoristas que “a troca deve ser feita aos poucos, à
medida que vencer o prazo de validade dos modelos antigos”. Apenas um personagem é
ouvido, o diretor do Detran-RS Carlos Ubiratan dos Santos, que “chegou a afirmar ao
ESTADO DE MINBAS (sic) que a nova medida teria pego (sic) todos de surpresa”. Os
demais personagens são coletivos (Contran, consumidores, Associação Brasileira de
Engenharia Automotiva, Detrans, ESTADO DE MINAS) e são apenas citados na matéria. O
EM parece ter optado, nesse caso, por fazer uma explicação passo a passo da nova
exigência, esclarecendo ao leitor “o que é”, “validade” e “o que olhar” no extintor,
“quando trocar” e trazendo, ainda, informações sobre “multa”. Os pormenores se
sobressaíram, portanto, a depoimentos que ilustrariam a notícia, como motoristas
contrariados com a nova norma.
É o que acontece em várias outras matérias que também buscam apenas trazer
esclarecimentos sobre alguma norma, lei ou imposto. A idéia não é tanto ouvir o que os
motoristas e órgãos têm a dizer e a defesa de cada um dos lados, mas instruir a população.
Por isso, os personagens são reduzidos, principalmente os que dão depoimentos. “IPVA
deve render R$2,5 milhões” (18/02/2005) noticia o aumento da arrecadação do imposto em
Coronel Fabriciano. O único personagem ouvido na matéria é o secretário de
Administração e Finanças, Marcos da Luz, que propõe campanhas para “incentivar
proprietários de veículos que têm placas de outros municípios a transferi-las para a
cidade”. Os motoristas são apenas citados, assim como outros órgãos (como a Secretaria de
123
Estado da Fazenda). A matéria termina com a frase “Para mais informações sobre guias e
prazos, acesse: www.sef.mg.gov.br”, mais um indício de que o objetivo principal é
informar o leitor (e não ouvir reclamações, por exemplo).
“Quando é legal não pagar” (20/04/2005) alerta os personagens motoristas para a
possibilidade de converter multas em advertências: “Grande parte dos motoristas não sabe
que pode pedir a conversão da penalidade em advertência por escrito, quando cometer
infração leve ou média pela primeira vez”. A matéria também traz detalhes do que o
motorista deve fazer para pedir a conversão, explicando a quem deve ser endereçado o
“pedido”, “o que dizer” e como corre o “procedimento”
16
. São ouvidos agentes da Polícia
Rodoviária Federal e funcionários do Detran-MG, do DER-MG e do Dnit, que dão
depoimentos de quantos pedidos foram feitos desde a implantação do digo de Trânsito
Brasileiro, em 1998. Todos afirmam que os pedidos são muito poucos, mas Andréa Bravo,
responsável pela defesa da autuação do Detran-MG acredita que talvez falte preparo: “‘(...)
Mas não sei se os órgãos de trânsito estão preparados’, pondera”.
“Táxis têm poucos dias para vistoria semestral” volta a ouvir personagens que
representam todos os lados envolvidos. William Tadeu Alves, diretor do Centro de
Inspeção Veicular, fala da importância da vistoria. O engenheiro mecânico Robert Cirilo
afirma que os carros reprovados têm 30 dias para fazer os reparos e submeterem-se a nova
inspeção. O taxista Antônio Félix de Sousa, que já havia levado seu carro para a avaliação,
concorda com a norma. A matéria não traz nenhum motorista insatisfeito com a
fiscalização, provavelmente porque o custo não é elevado ressaltado no texto que “A
inspeção custa R$50 e são fiscalizados 128 itens”).
Algo semelhante acontece em “Motorista ganha confiança” (03/06/2005), sobre a
lei que altera velocidade nas ruas de BH durante as madrugadas. São ouvidos vários
16
As palavras citadas entre aspas são todas entretítulos, palavras de destaque ao longo do texto que o
dividem em várias partes.
124
personagens motoristas que discutem o assunto. O cardiologista Vinícius Maia Machado
diz que, “‘Quando você anda a 60km/h, de madrugada, fica sujeito à ação dos marginais’”.
O engenheiro civil Evandro Carvalho “acredita que a decisão poderia ficar restrita aos dias
úteis” para evitar a mistura excesso de velocidade com álcool nos fins de semana. José
Silva, de 19 anos, “destaca o fato de o sinal luminoso piscante alertar o motorista sem
exigir que pare o carro”. o, ainda, depoimentos o taxista Nelson Gonçalves Aquino, o
advogado Henrique Albuquerque Araújo e o motorista de ônibus Cláudio Abílio, todos
comentando a lei da ótica dos motoristas. Outro personagem ouvido é o major Rogério de
Andrade, do Comando de Policiamento da Capital (CPC), que pondera sobre os possíveis
riscos ligados ao aumento de velocidade.
“Projeto pede cinto em ônibus” (21/01/2006) colhe depoimentos de personagens
especialistas e passageiros sobre o projeto para fazer do uso do cinto de segurança uma
obrigação também nos ônibus de passageiros. A aposentada Joana D’Arc e o eletricista
Júlio César dos Santos são a favor do projeto, enquanto outro eletricista, Rosenildo Chaves
Aguiar, e o estudante Rui Ribeiro Carvalho Couto o contra. Como podemos ver, o EM
busca, em boa parte das matérias, equilibrar as opiniões contrárias e a favor, ouvindo dois
representantes de cada lado. O autor do projeto, vereador Paulo Lamac (PTN) afirma que
as medidas aumentariam a segurança dos passageiros, mesmo que o cinto possa ser “‘a
desconfortável’”.
“Novas regras para renovar habilitação” (16/06/2005) mescla os dois tipos de
matéria jornalística. Além de trazer um quadro, explicando com detalhes como funcionam
os cursos de reciclagem preparatórios para as provas obrigatórias (programação, horas-aula
e formas de reciclagem presencial ou não), a matéria traz, em destaque, depoimentos de
motoristas relutantes com a resolução: “‘Se tiver que fazer o curso, farei. Mas isso não vai
mudar em nada minha maneira de dirigir’ Newerson de Campos Capanema, 67 anos,
aposentado” e “‘Vou encerrar de vez a carreira. Não vou voltar para a auto-escola, depois
125
de ter dirigido por mais de 40 anos’ – Geraldo Francisco Solano, 69 anos, motorista”.
“A volta por cima no trânsito” (21/05/2006) trata do mesmo assunto, mas, em vez
de motoristas pessimistas e relutantes, traz personagens animados com os cursos de
reciclagem. No parágrafo de abertura, pondera-se que a grande maioria dos motoristas se
revolta com as novas regras de renovação: “A primeira reação de quem recebe o aviso de
que a carteira de habilitação está vencendo é, normalmente, de revolta. agonia de
pensar no curso de reciclagem”. Mas, desde o sobretítulo, o outro lado, o otimista, é
ressaltado: “Motoristas convocados a renovar a carteira de habilitação trocam desânimo
pela certeza do dever cumprido, depois de assistir às aulas do curso de reciclagem exigido
pelo Detran”. Todos dão depoimentos entusiasmados sobre os cursos. O serventuário da
Justiça aposentado Luiz José Antônio Marques diz que “‘quem faz esse curso está de
parabéns’”. Para a consultora de informática Mônica Fernandes Barbosa, “o curso é uma
oportunidade de obter informações”. O médico urologista Marcelo Martins Costa “diz que
chegaram a lhe oferecer ‘milhões’ de alternativas para se livrar da reciclagem”, mas fez o
curso por três motivos: “‘porque é lei, porque sou uma pessoa correta e porque queria dar
um bom exemplo aos meus filhos’”. O último personagem fala em nome do Detran-MG. O
chefe de habilitação e controle, Robson Lima, “defende que o curso seja incluído nos
currículos escolares, como prevê o Código Brasileiro de Trânsito”. A matéria não ouve
nenhum motorista insatisfeito, provavelmente porque o enfoque é a satisfação após um
primeiro momento de má-vontade.
Em relação à seleção lexical, assim como nos demais percursos, numerais são
usados com freqüência nas matérias, conferindo-lhes precisão e, por conseqüência,
credibilidade junto aos leitores. “Novas regras para renovar habilitação” (16/06/2005),
no parágrafo de abertura, traz o número de motoristas afetados com a decisão: “A partir de
segunda-feira, 25 milhões de motoristas brasileiros que quiserem renovar a Carteira
Nacional de Habilitação (CNH) terão que voltar aos bancos dos centros de formadores de
126
condutores (CFCs).”. A matéria traz vários outros dados: “deverão ser submetidos às
provas 62,5% do total de 40 milhões de motoristas habilitados”, “1 milhão de pessoas terão
que se reciclar”, “o preço da prova será o mesmo cobrado atualmente para outros exames:
R$32,35”, entre outros.
“Projeto pede cinto em ônibus” (21/01/2006) afirma que “2,8 mil ônibus
municipais que circulam em Belo Horizonte podem ser obrigados a equipar os bancos a
maioria tem 54 lugares com cinto de segurança e encosto para cabeça.” e relembra “uma
batida entre dois coletivos que transportavam 95 passageiros” resultou em “trinta e quatro
pessoas” atendidas no Pronto-Socorro João XXIII.
“Quando é legal não pagar” (20/04/2005) e “Quando o contra é a favor”
(25/01/2006) são matérias que chamam a atenção dos motoristas para detalhes ou
possibilidades nas leis pouco conhecidos. “Quando”, repetido no título das duas, já aponta,
desde o começo da matéria, para o fato de que ela trará uma exceção. Normalmente, não
pagar algo vai contra a lei, assim como o contra nunca se a favor. Mas as matérias
mostram, respectivamente, que os motoristas podem converter multas em advertências,
deixando de pagá-las, e usar o bafômetro a seu favor (“Testes de alcoolemia podem ser
chance de defesa para motorista que bebeu, mas não ficou embriagado”). Apontam,
portanto, para detalhes que podem ser usados em benefício próprio pelos condutores.
“PRF multa para educar’” (03/03/2006) usa o verbo entre aspas para questionar o
motivo do uso de radares em estradas. A matéria não chega a questionar, explicitamente, a
afirmação, mas a atribui ao personagem coletivo Polícia, que “diz que radar inibe
motoristas apressados”. Os radares são muitas vezes acusados de terem como objetivo
principal a arrecadação de dinheiro, como lembra a motorista Soraya Araújo Campolina
Rezende, na matéria “Estradas de Minas terão 251 radares” (03/03/2006): ‘Radar é bom,
desde que não vire caça-níquel. excessos e esse sistema está se transformando em
exploração.’”.
127
3.1.2.1.e. Reivindicações, greves, outras manifestações
Como nos demais percursos semânticos, pessoas comuns são personagens
constantes também no percurso figurativo das reivindicações, greves, outras manifestações.
Mais uma vez elas servem para dar depoimentos, ilustrar algum aspecto explorado na
matéria e deixá-la, além de mais humanizada, mais próxima do leitor, que pode vir a se
colocar no lugar do outro (mesmo estando em um lugar discursivo completamente
diferente, como já ressaltamos em outros exemplos).
“Moradores querem a volta do trem de ouro” (04/01/2005) noticia que, com a
criação da Associação de Preservação das Tradições e do Patrimônio Cultural de Santa
Bárbara (Apito), a cidade poderia, em breve, ter restaurado seu patrimônio ligado à estrada
de ferro. Além da organização não-governamental, que tem citados seus coordenadores
(segundo os quais “o ramal ferroviário foi ‘abandonado à própria sorte com a desativação
do trem de ferro, que, de maneira modesta, movimentava a economia local’”) e seu diretor-
presidente, Sérgio Motta de Mello, são personagens os “moradores do município”,
“pessoas da comunidade” e ex-ferroviários (personagens coletivos). Também aparecem na
matéria o bandeirante Antônio da Silva Bueno, desbravador da região, Mestre Ataíde,
pintor de painéis localizados na Igreja Matriz, e a Associação dos Amigos de Santa
Bárbara, responsável pela restauração dos painéis sob a coordenação de Rosângela Reis
Costa, último personagem. Podemos perceber, através das personagens eleitas para serem
personagens da matéria, que o discurso do EM não questiona hora nenhuma a legitimidade
da reivindicação, ao contrário, abre espaço para ela e para a história de Santa Bárbara.
“Estudantes param o trânsito” (01/03/2005), matéria sobre um protesto de alunos
contra a proibição de pararem carros no campus da Faculdade de Medicina da UFMG, na
avenida Alfredo Balena, dá chance igual às partes envolvidas de se pronunciarem. O
diretor-geral do Hospital das Clínicas, Ricardo Castanheira, defende que a decisão foi
estudada com ajuda da BHTrans e que, ao contrário de professores e servidores, que estão
128
lá o dia inteiro e não têm hora para chegar ou sair, os alunos são “usuários temporários”. O
coordenador cultural do Diretório Acadêmico, Herzen Neto, representa os alunos, para
quem “a decisão foi arbitrária” e “uma garantia de privilégios para os docentes”, que
“muitos professores deixam os carros no estacionamento e ficam em seus consultórios,
ocupando a vaga o dia todo”. Além disso, a matéria ouve o analista de Transporte da
Regional Central da BHTrans, Carlyle Francisco dos Santos, que fala sobre o que o órgão
tem feito para melhorar as condições de estacionamento e o trânsito da região. A matéria
não se restringe, portanto, a divulgar o protesto e a ouvir os envolvidos. Trata, também, dos
problemas de trânsito envolvendo a região.
“Cratera avança na BR-262” (04/03/2005), ao mesmo tempo em que denuncia a
falta de conservação da estrada, noticia duas ações na justiça, uma movida pelo prefeito de
Manhuaçu, Sérgio Breder, para a interdição da pista, e outra pelo promotor Sérgio Faria,
para “exigir que o trabalho seja acelerado para resolver definitivamente o problema”.
Ambos os personagens são citados em discurso direto, sendo ouvidos, ainda, o secretário
de Obras de Manhuaçu, Adejair de Barros, e o funcionário aposentado do DNER João
Batista, que também depõem sobre a precariedade da estrada. A matéria não abre espaço
para a defesa do governo federal, responsável pela conservação da rodovia, que poderia
alegar que as chuvas estavam impedindo as obras, que faltavam verbas ou apresentar
qualquer outra justificativa. Desta vez, portanto, a parte silenciada é o discurso oficial.
Aspecto semelhante pode ser percebido em “Ônibus fazem lingüição”
(09/03/2005), que divulga protesto de motoristas de ônibus em Divinópolis após a morte
de um colega durante assalto na cidade. São personagens os motoristas, o Sindicato dos
Transportes Rodoviários de Divinópolis e seu presidente, Erivaldo Adami, além de pessoas
que “observavam a carreata e apoiavam a iniciativa” (sendo que a costureira Maria da
Silveira e o comerciante Afonso Cunha dão seus depoimentos), e quatro suspeitos presos
pela Polícia Militar e um adolescente que poderia também estar envolvido no crime. A
129
Polícia Militar aparece na matéria como a responsável pela prisão dos suspeitos, mas
ninguém da corporação é ouvido sobre a reivindicação dos motoristas, sobre as más
condições de trabalho e a falta de segurança. Ao ouvir apenas a parte reivindicante, o EM
não à Polícia, à Prefeitura ou à Secretaria de Segurança chance de se justificar ou ao
menos de falar sobre os problemas de segurança na cidade.
“Paralisações continuam(31/03/2005) trata de uma ação movida por um sindicato
patronal contra um de trabalhadores. O Sindicato das Empresas de Transporte
Metropolitano (Sintran) entraria, no dia de circulação da matéria, com pedido de dissídio
coletivo contra o Sindicato dos Rodoviários de Belo Horizonte e Região Metropolitana,
alegando que a paralisação do trabalho seria descabida pelo fato de os dois sindicatos
estarem em fase de negociação. São ainda personagens o juiz Sebastião Geraldo de
Oliveira, que “propôs a suspensão de qualquer tipo de paralisação”, e o bombeiro
hidráulico Lourival de Souza, “obrigado a faltar o trabalho”. A matéria dá voz ao Sintran,
mas apenas cita o Sindicato dos Rodoviários, não dando chance à entidade de se defender.
“Norte de Minas luta pela volta do trem (11/04/2005) trata do transporte
ferroviário. Nela, “prefeitos e lideranças de rios municípios do Norte de Minas”, entre
elas a vereadora Fátima Pereira, de Montes Claros, e demais participantes do movimento
pleiteiam, junto à Comissão de Transportes da Câmara dos Deputados, a volta do “Trem do
Sertão”, desativado em 1996. A matéria ênfase à fala da vereadora, colocando-a
separadamente do texto, entre aspas destacadas: “Já foi demonstrada a viabilidade
econômica e social do transporte ferroviário de passageiros. O que falta agora é vontade
política do governo”. A fala reforça o que o jornal tinha trazido no subtítulo
(“Documento mostra viabilidade da retomada do transporte de passageiros e será enviado à
Câmara dos Deputados”) e a legitimidade do movimento.
“Motoboy quer ser enquadrado” (11/06/2005) traz personagens, pessoas/órgãos
envolvidos no assunto (o gerente da BHTrans, o presidente da Associação dos Motoboys e
130
motoboys). A matéria foge da rotina ao publicar, provavelmente na íntegra, um longo
depoimento de um desses trabalhadores:
Para o despachante Handerson Botelho, de 32 anos, que mora no Barreiro e
trabalha no Centro, (...) os órgãos de trânsito devem investir na educação.
Para ele, falta ética nas ruas: “Se um colega entra na minha frente, por que
não ter companheirismo ou mais paciência? O trânsito na cidade está se
tornando insuportável, e as pessoas, sem educação. Acho que com a
regulamentação, a tendência é melhorar algumas exigências estabelecidas
pela CLT. A moto é opção de trabalho hoje. Quem fica desempregado,
financia a compra de uma motocicleta e vai pagando com seu trabalho. E ele
ganha, muitas vezes, apenas para pagar a gasolina. Eu tenho um serviço
programado e, por isso, ando tranqüilo e soluciono o problema das empresas.
Mas o trabalho nas ruas é estressante. O trânsito cansa demais.”
(EM,11/06/2005,p.20)
Como ressaltaremos adiante, não é mais usual encontrarmos no EM falas de
personagens longas como essa, nem mesmo de pessoas importantes, como políticos, por
exemplo. O mais comum são falas intercaladas a afirmações ou considerações do próprio
jornal, sendo que as falas servem, normalmente, para corroborar ou exemplificar o trazido
pela matéria. Nesse caso, fugiu-se da regra provavelmente pelo fato de a fala do
personagem ser coerente e politizada, distanciando-se do senso-comum do que seria uma
fala de outro motoboy. Ao reafirmar a necessidade de as pessoas serem mais educadas no
trânsito e, em contra-partida, mostrar os problemas pelos quais passam esses trabalhadores,
Handerson um exemplo de cidadania e talvez isso tenham motivado o jornal a publicar
sua fala na íntegra.
“Auto-escolas cobram punição” (12/05/2006) traz, entre outros personagens,
pessoas que foram pegas em flagrante pelo EM. Como costuma acontecer nos dias de hoje,
alguém da redação se faz passar por um interessado na fraude e consegue dos entrevistados
uma espécie de confissão do crime “ao vivo”. Na matéria, a jornalista, que se identifica
como Izabela, liga para o Detran e para uma auto-escola para comprar seu certificado sem
fazer a prova de direção-defensiva. Reproduz-se o diálogo inteiro dela com os dois
personagens, “Messias Rocha, da Seção de Prontuário do Detran-MG”, e “Augusto
131
Rodrigues, responsável pela Auto-Escola Santo Agostinho” (identificados no box que traz
os diálogos, já no topo, por nome completo e cargo). A função desses personagens,
portanto, é de comprovar a denúncia feita pelo jornal, mostrando como a fraude é
corriqueira e acessível a qualquer um.
Quanto à seleção lexical, podemos ver, nas matérias, uma associação das
manifestações e paralisações com luta, o que ajuda a legitimar esses movimentos. É o que
acontece em “Moradores querem a volta do trem de ouro” (04/01/2005), cujo parágrafo de
abertura traz: “Após quatro anos de luta para recuperar o seu patrimônio ferroviário, os
moradores do município de Santa Bárbara, a 112 quilômetros de Belo Horizonte, começam
a ver uma luz no fim do túnel”. O uso se repete em “Norte de Minas luta pela volta do
trem” (11/04/2005) e em “Motoboys lutam por baú”, (13/04/200). Nessa última matéria,
podemos perceber novamente o uso do verbo lutar, não no título, mas na “Análise da
Notícia”, em que o jornalista Guilherme Aragão pondera sobre a reivindicação dos
motoboys (“seria razoável aos motociclistas o benefício da dúvida”) e opina sobre o que
deveriam pleitear: “A luta deveria ter como foco a mudança na legislação”.
A “Análise da Notícia” em “Trânsito e mendicância” (12/04/2005), do jornalista
Arnaldo Viana, elogia o envolvimento da população e usa termos (grifos nossos) que
incentivam essa participação:
Envolvimento. Era o que faltava. Uma cidade não evolui sozinha e não pode
depender apenas do poder público. Todos nós temos uma parcela de
responsabilidade pra com o lugar que escolhemos para viver. Em uma capital
como BH muitas carências e quem as conhece melhor é a população. (...)
E, diante das grandes questões, nossos avós já diziam que duas cabeças
pensam melhor do que uma. (EM,12/04/2005,p.22)
Ao usar personagens como “todos nós”, na primeira pessoa do plural, e “nossos
avós”, o jornalista confere ainda mais força ao tema “envolvimento”, justamente para
causar maior impacto.
Por outro lado, em “Morte gera conflito em Vitória” (30/01/2006), que noticia
132
protesto de rodoviários após o assassinato de um colega e confronto entre motoristas,
trocadores e passageiros, temos, como na década de 50, a manifestação ligada à falta de
bom senso. Apesar de o termo ter sido usado por um personagem, não se deixa de fazer a
associação: “‘Todo o sistema está parado. Apesar de ser solidária com a morte do
cobrador, a população não aceitou ficar sem transporte. Não houve bom senso por parte
dos rodoviários’, afirmou Ferraz [Marcelo Ferraz, presidente da Companhia Estadual de
Transportes Públicos Ceturb].”. Ferraz afirma que a população se solidarizou com a
vítima, mas não aceitou ficar sem transporte, culpando os rodoviários de falta de bom
senso, afirmação que o jornal publicou. Na mesma matéria, divulga-se que a população
promoveu quebra-quebra nos ônibus (“Depois da morte do cobrador, população se revolta
com a paralisação dos ônibus no Espírito Santo e apedreja e quebra vidros dos veículos”).
De quem terá sido a falta de bom senso?
“Paralisações continuam(31/03/2005), também traz um vocábulo que aponta para
a discordância do jornal com o movimento de paralisação dos rodoviários. A matéria toma
o depoimento de um personagem trabalhador, o bombeiro hidráulico Lourival de Souza.
Ao lado de sua foto, afirma que fora “obrigado a faltar o trabalho”. Não fica explícito, mas
quem o “obrigou” a faltar o trabalho foram os rodoviários, que, segundo o discurso do EM,
desconsideraram as necessidades da população e fizeram a paralisação, numa atitude
unilateral.
Quanto ao uso de numerais, “Estudantes param o trânsito” (01/03/2005), que
noticia protesto dos estudantes de medicina desencadeado pela proibição de pararem
dentro da Faculdade, é um texto bastante ilustrativo. A matéria traz o número exato de
vagas disponíveis na região em que foi feita a paralisação, tanto na Faculdade de Medicina
(“540 vagas para atender 6,1 mil pessoas”), quanto em seu entorno (“Na região hospitalar
94 quarteirões com estacionamento rotativo, o que equivale a 3095 vagas físicas e
13648 rotativas”).
133
3.1.2.1.f. Queixas, denúncias
Como pudemos ver em 3.1.1 Percursos Semânticos, o percurso semântico
figurativo das queixas e denúncias é bastante produtivo nos semestres analisados de 2005 e
2006. Foram encontradas quase 200 matérias jornalísticas que traziam esse percurso
semântico como o principal. Parte dessa mudança, do aumento significativo da quantidade
de denúncias, deve-se ao fato de, com o passar dos anos, o discurso jornalístico ter
assumido um papel mais investigativo, mesmo que superficialmente. Não podemos ignorar
que jornais continuam fazendo recortes da forma que melhor lhes convém e, mesmo que a
sociedade cobre deles postura mais crítica, anunciantes e outros interessados têm papel
cada vez mais importante nas mídias. Logo, se por um lado o EM faz mais denúncias do
que 50 anos, por outro essas denúncias continuam ligadas aos interesses empresarias e
políticos (entre outros) do jornal.
Em relação ao temas das denúncias, encontramos as mais diversas matérias, entre
elas denúncias de obras paradas ou morosas. “À espera do dinheiro federal” (10/01/2005)
denuncia atraso na liberação de verbas para Minas, sendo que o estado, na data, ainda
esperava receber verbas referentes a 2004 para investimentos e obras. São personagens da
matéria o governador Aécio Neves, o deputado federal Nárcio Rodrigues e o senador
Eduardo Azeredo, todos políticos do PSDB que reclamam do atraso, chegando a acusar o
governo federal de discriminação (acusação feita pelo deputado). Rebate críticas o
deputado Gilmar Machado, do PT, para quem “o importante é que o ano termine com os
recursos empenhados, o que dá a garantia aos estados que eles serão liberados, mesmo que
no ano seguinte”. Apesar de Gilmar Machado defender o governo, vale ressaltar que o
personagem aparece no fim da matéria, no último parágrafo. Nos dias de hoje, em que
as matérias jornalísticas são extensas, é comum que o leitor não chegue ao fim da matéria
(daí o uso corriqueiro de parágrafos de abertura mais completos - no formato de lide - e o
uso de recursos que destaquem e resumam informações, como tabelas e ilustrações, para
134
facilitar a leitura). Assim, é possível que muitos leitores tenham lido sobre o
questionamento dos políticos mineiros, mas não sobre a resposta do governo.
“Trilhos somem em meio ao descaso” (16/01/2005) é uma das várias matérias que
denunciam o abandono do patrimônio ferroviário. São personagens da matéria o ex-
presidente Fernando Henrique Cardoso (“governo FHC”), o secretário executivo do
Ministério dos Transportes, Paulo Sérgio de Oliveira Passos, e o Presidente Lula, acusado
de “desfiar um rosário de promessas” na comemoração do dia 21 de abril, em 2003, na
cidade de Ouro Preto. São ainda personagens coletivos as concessionárias privadas
responsáveis por 26 mil quilômetros das ferrovias brasileiras (sete empresas privadas),
crianças que brincam em meio aos trilhos abandonados (foto que ilustra a matéria), e
Gilvan, jovem que faz parte da abertura da matéria (“Há dez dias, um jovem que se
identificou apenas como Gilvan, munido de uma serra de metal e da força dos braços,
retirava dormentes de madeira da ferrovia e os empilhava em um canto.”) e de seu
fechamento (“O jovem Gilvan, que carrega dormentes no ombro e corta trilho com serra
manual, é um dos autores do furto miúdo. Centenas de metros de trilhos apartados dos
dormentes estavam cortados a maçarico, em pedaços iguais de 2,5 metros, (...) obra de
quadrilha”). Assim como a seleção lexical funciona, na matéria, para sensibilizar o leitor, o
personagem Gilvan também é selecionado para comovê-lo. Ele não faz parte de quadrilhas,
é apenas um aproveitador do abandono, autor de “furto miúdo”.
“A longa agonia da RFFSA” (19/01/2005) trata, além do abandono do patrimônio,
de prejuízos atribuídos à ferrovia estatal e de ações judiciais movidas contra a empresa.
Além de companhias e concessionárias, como a Companhia Ferroviária do Nordeste
(CFN), a Companhia Vale do Rio Doce, a Ferrovia Centro-Atlântica (FCA), as Ferrovias
Paulistas S/A (Fepasa), entre outras, são personagens coletivos o Tribunal de Contas da
União, responsável pelo cálculo das dívidas da RFFSA, a Corregedoria Geral da União, o
grupo Gerdau e o grupo Votorantim. São personagens consultados pela matéria, ainda,
135
Luiz Cláudio Leiva, procurador regional da República no Rio, e o presidente da FCA,
Mauro Dias.
“Patrimônio abandonado” (19/03/2006) traz depoimentos de vários moradores
(comerciantes, “viúvas da seca”, lavradores) que viram suas cidades e povoados
empobrecerem rapidamente com o abandono das linhas e estações de trem. A matéria
divulga que “Iphan e rede ferroviária pretendem estimular criação de museus regionais
para preservar bens”, mas o enfoque é mesmo no abandono e descaso, não com o
patrimônio, mas com os moradores (o sobretítulo da matéria que vem no interior do
Caderno é “Moradores do interior de Minas se lembram com carinho das locomotivas, que
transportaram pessoas e histórias que contribuíram para o desenvolvimento do país, e
renovam a expectativa de vê-las em atividade novamente. Parte do patrimônio da Rede
Ferrroviária está em ruínas”)
“Minas exigirá obras da Vale” (14/02/2005) noticia que o “Governo mineiro exige
a aplicação integral no estado dos R$482 milhões devidos pela mineradora à União (...)
decorrentes do acerto de contas entre a mineradora e a Rede Ferroviária Federal S.A
(RFFSA), estatal em liquidação.” Além das empresas e dos governos federal e mineiro,
personagens coletivos, é personagem individual o secretário de Transportes e Obras
Públicas de Minas Gerais, Agostinho Patrus, que “sustenta que a dívida refere-se à compra,
pela CVRD, no início da década de 90, de um trecho de ferrovia em Minas, a ligação pelo
Horizonte-Santa Bárbarae acredita que a dívida deveria ser paga com obras em Minas (o
acerto combinado entre governo federal e Vale previa apenas uma obra em Minas, que,
segundo Agostinho Patrus, iria consumir uma parcela muito pequena dos R$482 milhões).
Outra tema comum no percurso semântico das denúncias é o transporte clandestino.
Nessas matérias são ouvidos passageiros (que como nos demais exemplos comprovam e
exemplificam o dito pelo jornal), ocupantes de cargos públicos (Prefeitura, BHTrans, entre
outros) representantes de empresários e trabalhadores dos transportes legalizados (como o
136
Sindpas-MG Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros de Minas Gerais) e
até mesmo dos ilegais, que, por motivos óbvios, pedem para não serem identificados.
“Perueiros avançam nas estradas” (26/01/2005), que noticia o aumento do
transporte clandestino em BH, ouve passageiros (“Manuel Gomes”, que viaja de van para
Betim, devido ao preço da passagem”), órgãos envolvidos (o chefe da Divisão de
Fiscalização do DER-MG, Lindberg Ribeiro Garcia e o presidente do Sindpas-MG,
Antônio Afonso da Silva) e até um “perueiro”, que não é identificado, mas afirma, em
discurso citado, que ‘A rapidez e o nosso diferencial. Se não pisássemos um pouco mais,
ninguém andaria conosco’ e que trabalha com transporte clandestino porque precisa
‘pôr comida em casa’”.
“Perueiros ganham fachada” (02/03/2005) acusa motoristas de se cadastrarem para
o transporte de turistas mas trabalharem como clandestinos dentro das cidades. São
novamente personagens o chefe da Divisão de Fiscalização do DER-MG, Lindberg Garcia,
o inspetor de transporte coletivo do Denatran Luiz Macedo e as empresas que fazem o
transporte, sendo que uma delas é pega em flagrante por telefone em uma ligação
telefônica feita pelo EM. Neste caso, a ligação não foi feita para ouvir o lado da empresa,
como aconteceu na matéria anterior, mas para provar que a fraude acontece de fato.
“Carros disfarçam perueiros” (24/01/2006) é sobre a mesma temática. A matéria também
ouve DER, BHTrans, passageiros e motoristas (“Um deles, que se identifica como José,
resolveu aposentar, ano passado, a perua que usava desde 1998. A compra de um Monza
velho, com aparência de carro de família, deu tão certo que ele chega a fazer 15 viagens
diárias”).
Outro tema recorrente é a falta de conservação do meio-ambiente. São exemplos:
“Praças sufocadas” (16/02/2005), “Tranqüilidade ameaçada” (04/04/2005), “O verde
agoniza nas ruas” (06/04/2005), “Poluição sonora sem controle” (10/06/2005) e “Praças
ficam no nome” (14/06/2005). A grande maioria dos personagens entrevistados são
137
moradores da região, que reclamam do desconforto que sentem com a degradação e
cobram uma ação dos órgãos públicos. Prefeitura , BHTrans e PM, personagens coletivos,
também são ouvidos, para explicar a situação e apontar soluções.
Outras denúncias encontradas nas páginas do EM contemplam o tema da política.
“Frota tem reforço de luxo” (09/02/2005) noticia licitação feita por deputados para aluguel
de carros que de tão luxuosos não foram encontrados nas principais locadoras de BH.
Segundo a matéria, o gasto com o aluguel “permitiria a compra de quatro modelos
semelhantes”. Os personagens da matéria são a direção-geral da Assembléia, que abriu a
licitação para o aluguel, o presidente da Casa, Mauri Torres (PSDB), o primeiro vice-
presidente Rêmulo Aloise (PL), o primeiro secretário, Antônio Andrade (PMDB), o der
do governo Alberto Pinto Coelho (PP), e o diretor-geral João Franco Filho, que
funcionários com acesso a veículos semelhantes (a reportagem questiona se os novos
carros substituiriam os carros usados por esses personagens). Nenhum deles foi ouvido, no
entanto, e a Assessoria de Imprensa da Assembléia “disse apenas que os sete veículos
serão usados por parlamentares, mas não comentou se os carros estão sendo licitados para
substituir frota.”.
O tema do comportamento (normalmente do mau-comportamento) também aparece
cotidianamente no discurso do EM. “O perigoso hábito de andar nas ruas” (09/06/2005),
“Pedestre fora da linha” (continuação da matéria anterior, no mesmo dia), “Reféns dos
celulares” (08/02/2006) são matérias, entre outras, que criticam hábitos ruins de pedestres e
motoristas. Apesar de ouvir as justificativas dos infratores, as matérias procuram também
ouvir autoridades e especialistas, que expõem os perigos para a população: “‘Qualquer
coisa que tira a atenção do motorista, e o celular é um exemplo, pode provocar acidentes
graves’, alerta o delegado de Acidentes de Veículos, José Salgado Filho.”. A citação,
retirada da matéria “Reféns dos celulares”, exemplifica bem o tom dos textos que abordam
esse tipo de assunto: alertar a população.
138
Quanto à seleção lexical, continuam recorrentes vocábulos que envolvam o leitor e
o comovam ou chamem a sua atenção. Em “Trilhos somem em meio ao descaso”
(16/01/2005), termos fortes são usados para chamar atenção para a depredação do
patrimônio ferroviário brasileiro. no título, podemos perceber o uso de uma imagem
para se referir à depredação: os trilhos somem literalmente, porque são roubados, mas
também somem metaforicamente em meio ao descaso político. No parágrafo de abertura,
afirma-se que “a destruição dos 18 quilômetros de linha entre os dois conjuntos barrocos
mais preciosos do Brasil [Ouro Preto e Mariana] é uma pequena mostra da desenfreada
mutilação das ferrovias brasileiras”. Destruição” e “desenfreada mutilação” são termos
que tendem a sensibilizar o leitor para o que vem acontecendo nas ferrovias (são, sem
dúvida, vocábulos ainda mais impactantes que “descaso”, utilizado no título). “Mais
preciosos”, apesar de ser um termo eufórico, que eleva as duas cidades ao posto mais
importante de nosso patrimônio, acaba por causar o mesmo impacto negativo, que o
associa aos termos citados anteriormente. “Empreitada contra o patrimônio público” é
outro termo utilizado para falar da depredação, também usado com o intuito de chamar
atenção do leitor para a causa defendida na matéria: a necessidade de denunciar e tentar
proteger o que ainda resta de nossa malha ferroviária.
“A longa agonia da RFFSA” (19/01/2005) não é diferente. A matéria, que também
trata, entre outros aspectos, da depredação do patrimônio ferroviário, afirma que esses bens
estão “desmanchando ao relento”. Vale ressaltar também o termo “agonia” usado no título
que remete a dor, desespero. Ao personificar a Rede Ferroviária, o discurso do EM tende a
sensibilizar seus leitores.
Outra matéria que usa da personificação para comover o leitor é “Artérias levam
País à UTI” (23/04/2005), que trata do “estado deplorável das estradas brasileiras”. Ao
comparar as rodovias ao sistema sanguíneo humano, o jornal cria a idéia de que nossas
estradas agonizam, termo usado na matéria anterior, e reforça a importância dessa estrutura
139
para o país (as artérias são vasos nobres do corpo humano, assim como as estradas são
responsáveis pela maior parte do escoamento dos país). “Crateras assassinas”
(25/01/2006) usa a mesma estratégia de persuasão, mas, apesar de atribuir aos buracos
característica de assassinos, alerta que os motoristas “podem entrar na Justiça ou alertar o
Ministério Público contra os ‘donos do (sic) buracos’”, governo estadual ou federal.
Numerais em textos, tabelas e infografias são freqüentes também no percurso
semântico figurativo das denúncias. “À espera do dinheiro federal” (10/01/2005) traz uma
tabela com os projetos de Minas que foram aprovados mas o receberam a verba a eles
destinada (ou receberam apenas parte dessas verbas). São rias cifras que comprovam a
denúncia trazida pela matéria: que Minas ainda aguardava a maior parte dessas verbas. A
tabela traz, ainda, a fonte da informação (SIAFI Câmara dos Deputados) e a data em que
foi elaborada (5 de janeiro de 2005), dados que reforçam a veracidade do que foi
apresentado e a atualidade desses dados (apenas 5 dias antes da publicação da matéria).
“240 mil passageiros a pé” (08/05/2006) também vem recheada” de numerais. A
matéria revela que “perto de 17% dos 1,42 milhões de usuários que usam o transporte
coletivo diariamente, ou mais de 240 mil pessoas”, viajam em nos ônibus da capital. A
matéria ainda divulga uma pesquisa da BHTrans, realizada no mesmo mês, sobre o que os
passageiros achavam da duração das viagens, “49% da população avaliam esse item como
negativo (27%) ou regular (22%)”.
O editorial “Gargalo nos transportes” (04/03/2005), por sua vez, traz uma série de
porcentagens para comprovar a deficiência do transporte brasileiro e traçar um panorama
da situação:
Pesquisa da Associação Nacional do Transporte de Cargas e Logística (NTC
Logística) constata que 80% das rodovias são deficientes, ruins ou
péssimas e 63% das mercadorias são transportadas por rodovias. Existem
apenas 18 mil quilômetros de ferrovias (ficam com 24% da demanda),
quando o normal seria uma rede de 100 mil quilômetros, coerente com a
extensão territorial do país. (EM,04/03/2005,p.8)
140
“Viaduto de promessas” (17/02/2006) traz uma tabela com a retrospectiva (ou
histórico) de todo o processo de construção de um novo viaduto, que se estende desde
1979. Esses dados mostram ao leitor quanto tempo os projetos ou “promessas” (para
usar termo de matéria anterior) se arrastam. Comprovam para o leitor que a denúncia é
séria e o alertam, ainda mais, para a morosidade com que o governo estaria tratando
assuntos de grande pertinência.
Seja por meio do uso de termos impactantes, seja pela riqueza de números,
porcentagens e detalhes, o discurso do EM reforça as denúncias que faz e “convoca” seus
leitores a se indignarem com elas. Não são simples denúncias, mas denúncias apresentadas
como graves, sérias, efeito que o jornal tende a provocar nos leitores, principalmente
fazendo uso dos recursos citados acima.
3.1.2.1.g. Acidentes
As matérias mais curtas envolvendo o percurso semântico figurativo dos acidentes
assemelham-se às matérias de 1955-1956. No entanto, as vítimas não são mais
identificadas de forma tão detalhada como acontecia naquela época, e sim apenas por nome
completo, idade e ocupação. “Batida deixa três mortos na BR-116” (09/01/2005) é um
exemplo do que costuma acontecer nessas notas. São personagens da matéria as vítimas
dos dois acidentes noticiados, “três mortos e três feridos graves” de um primeiro acidente,
todos identificados por nome completo e idade, e seis feridos de um segundo, entre eles o
motorista Alfredo Magno Chula José, ferido gravemente e encaminhado para o hospital.
São ainda personagens a Polícia Rodoviária Federal, que sua versão sobre o primeiro
acidente, e, implicitamente, os trabalhadores dos hospitais para onde as vítimas foram
levadas.
141
(
EM, 09/01/2005,p.21)
matérias mais longas, como “Atropelamento faz três vítimas sobre a calçada”
(10/01/2005), trazem depoimentos de testemunhas. A matéria noticia dois acidentes: “Dois
carros invadem o passeio e ferem três pessoas em ponto de ônibus da avenida Amazonas.
Na BR-352, no Centro-Oeste de Minas, capotamento de van mata três pessoas e deixa um
ferida” (sobretítulo
17
). No primeiro, acidente principal que foi o noticiado no título, os
dois motoristas contam suas versões do acidente.
Segundo o taxista, ele perdeu o controle do carro depois que foi atingido na
lateral (...): “Foi tudo muito rápido e não deu para evitar o atropelamento,
que meu carro foi jogado em direção ao ponto de ônibus”, contou José Luiz.
o comerciante Edmundo Pinto disse que foi fechado por um motorista
num carro de cor prata: “Eu seguia na faixa próxima ao canteiro central
quando surgiu o carro que estava na pista do meio e entrou na minha frente.
Ao desviar para a direita, fui atingido na lateral pelo táxi”, afirmou o
comerciante. (EM,10/01/2005,p.20)
“Caminhonete cai no rio e 7 desaparecem” (09/02/2005), sobre uma caminhonete
que afundou quando atravessava ponte parcialmente encoberta, traz depoimentos de
17
Segundo a Folha, “nome que se dá à linha-fina quando está diagramada acima do título e não abaixo, como
de hábito”. (FOLHA DE S. PAULO - Novo Manual da Redação,1996).
142
testemunhas para identificar os desaparecidos. Uma delas, o lavrador João Pereira
Machado, “contou que 15 pessoas estavam na caminhonete (...): ‘Quatro pessoas desceram
da caminhonete. (...) O resto não teve medo e seguiu para fazer peso na caminhonete’,
afirmou.”. O servidor da Prefeitura de Capada do Norte, José Maria Aparecido Alves
Silva, “um dos responsáveis para as providências do resgate das vítimas”, explica que não
passar pela ponte significa um desvio de 100 quilômetros em estrada de terra. É ele quem
identificou o dono do veículo (“um fazendeiro identificado apenas como Ié’”) e disse
como o acidente aconteceu: ‘Até o meio da ponte, com mais de 20 metros de extensão,
foi o secretário Nelito que dirigiu o veículo. Ele então desceu para fazer peso na carroceria
e o rapaz assumiu a direção. Foi quando os pneus saíram dos pranchões e o carro caiu no
rio’, explicou o contador.”. É, portanto, uma testemunha do acidente a responsável por
descrevê-lo. Provavelmente, foi também o contador quem passou o nome das vítimas,
“identificadas apenas pelos prenomes”.
“Muita calma nessa hora” (09/02/2005), diferentemente da grande maioria das
matérias, não noticia um acidente, mas faz recomendações ao motorista de como proceder
nesses casos: “Nada mais desagradável do que se envolver em acidente de trânsito. Mas é
bom ficar atento a alguns detalhes e saber como proceder, pois um descuido pode resultar
em multa.” (sobretítulo). “Quem bate pode ter razão” (15/06/2005) e “Campanha alerta
pais” (04/02/2006) também trazem conselhos aos motoristas. A primeira desmistifica a
afirmação do senso comum de que o motorista que bate na traseira de outro é sempre
culpado: “Nem sempre o responsável pela batida na traseira é o motorista do carro de trás”.
A segunda divulga o início da campanha Criança Protegida, promovida por sociedades
médicas para alertar os pais sobre os perigos do transporte inadequado de crianças e
adolescentes de até 17 anos. As duas matérias ouvem especialistas para falar sobre o
assunto, o perito criminal Paulo Ademar de Souza Filho e o supervisor de operações da
área central da empresa de Transportes e Trânsito de Belo Horizonte (BHTrans), Carlile
143
Francisco Tavares, respectivamente.
É comum, mesmo em matérias cujo principal objetivo seja o noticiamento de um
acidente ou atropelamento, que os motoristas sejam alertados para os riscos e motivos de
acidentes. “Trânsito caótico na saída para o feriado” (26/02/2005) divulga os acidentes
registrados pela Polícia Rodoviária Federal no primeiro dia da Operação Carnaval,
alertando, já no sobretítulo, para as causas: Polícia Rodoviária Federal registra 61
acidentes e duas mortes no primeiro dia da Operação Carnaval. Excesso de velocidade e
imprudência são as principais causas”. Além dos envolvidos gravemente nos acidentes,
identificados por nome completo e idade, são personagens o inspetor da Central da PRF,
Ailton Batista, e o inspetor da PRF em Sabará Márcio Neves.
“Recorde de morte nas rodovias” (02/03/2006) trata da mesma temática um ano
depois: “Acidentes no feriadão de carnaval nas estradas federais que cortam Minas Gerais
matam 22 pessoas, duas a mais que no ano passado. Falha humana é a principal causa”.
São personagens as vítimas graves ou fatais do acidente mais sério, que “matou sete
pessoas e deixou três feridos”, além do inspetor da PRF Aristides Júnior e do engenheiro e
empresário Humberto Álvares da Silva, dono de uma fazenda na região central do estado,
em que uma ponte cedeu, que comemora a organização do fluxo de veículo no local.
Em relação à seleção lexical, podemos perceber, em um número grande de
matérias, a opção pelo uso de vocábulos que prendam a atenção do leitor, seja pelo choque
seja pela sensibilização. “O dia em que BH parou” (05/03/2005) traz, em seu parágrafo de
abertura, palavras fortes, que causem impacto nos leitores: “Belo Horizonte viveu um dia
de caos na tarde e na noite de ontem, com grandes engarrafamentos na área central e em
vários bairros. (...) O megatranstorno foi causado pela queda de uma árvore de grande
porte”. “Jovem morre em acidente” (07/03/2005), que noticia a morte de um adolescente
de 14 anos, traz vários adjetivos para a rua em que o acidente acontece, também com o
objetivo de chamar a atenção do leitor: “a estreita
, sinuosa e acidentada rua Patagônia”.
144
Algo similar acontece nos títulos das matérias a seguir. “Caminhão invade quarto
de bebê” (19/03/2005), além do verbo invadir, traz no título que o quarto danificado foi
um quarto de bebê, o que, sem dúvida, confere tom dramático à matéria. “Motorista
carbonizado na 381” (26/06/2005) choca pela causa mortis, exposta também já na
manchete. Imprudência mata 32 em rodovia em SP” (24/01/2006) usa do substantivo
“imprudência” e do número grande de vítimas, “32”, para causar espanto, que não teria o
mesmo efeito se o título fosse, por exemplo, “Acidente faz várias vítimas fatais”. “Saldo
trágico nas estradas de Minas” (23/04/2005), “Tragédia no fim das férias” (13/02/2006) e
“Tragédias fora da estrada” (02/03/2006) buscam o efeito com o uso do substantivo
tragédia ou do adjetivo trágico. O parágrafo de abertura da última matéria chega a ser
sensacionalista, apelando para imagens como “manchar de sangue”, significando acidente
fatais: “Os acidentes durante o carnaval não mancharam de sangue apenas as estradas do
interior de Minas. O fim do feriado prolongado também foi marcado por mortes na região
metropolitana, onde oito pessoas perderam a vida em dois acidentes trágicos”.
“Morte e medo na pista” (21/04/2005) ouve vítimas que saíram ilesas do acidente e
usam os depoimentos comovidos desses personagens para envolver o leitor.
No meio de tanta destruição e dor, as pessoas que saíram ilesas
choraram de felicidade e agradeceram. É o caso do economista Olandim de
Souza, de 35 anos, que se emociona ao relembrar a cena do caminhão
rolando em sua direção. Souza subia o anel rodoviário com a mulher, que
amamentava o filho de sete meses. Diante dos olhos do motorista, segundo
ele, tudo acontecia em câmara lenta. “Parece que meu filho pressentiu o
perigo e começou a chorar. Eu pensei: ‘Deus, ele acabou de nascer e vai
morrer?’. (...) Se eu não tivesse jogado o carro para a direita estaríamos todos
debaixo do caminhão”, acredita.
Outro que diz ter visto a cara da morte é o supervisor financeiro Vagner
Ferreira Pires, de 28 anos. (...) Joguei meu carro para fora da pista, passei
por cima de um canteiro lateral e fui atingido de leve por um Uno, que era
arrastado pelo caminhão. (...)”, conta Pires. (EM,21/04/2005,p.25)
Portanto, como na década de 50, mesmo que em menor quantidade, as palavras ou
depoimentos continuam a ser escolhidos nos anos de 2005-2006 com o intuito de
145
sensibilizar os leitores. Seja através do uso de termos dramáticos como “tragédia” e “caos”,
seja pelo depoimento de timas dos acidentes, como o do pai cujo filho haveria
pressentido o acidente (acima), o jornal busca envolver e comover quem o lê.
3.1.2.1.h. Combustível
O principal tema encontrado no percurso semântico figurativo dos combustíveis são
descobertas e investimentos relativos aos mais diversos tipos de combustíveis e derivados,
entre eles gasolina, álcool e biodiesel. Por se tratarem de descobertas científicas e
inovações, os entrevistados são especialistas, entendidos no assunto, e políticos, envolvidos
em projetos e investimentos na área. Não encontramos aqui personagens comuns.
“Brasil fatura com biodiesel” (14/02/2005), por exemplo, escuta o chefe de energias
renováveis da AIE (Agência Internacional de Energia), Rick Sellers, que apresenta dados
ao jornal (“Segundo Rick Sellers (...) o biodiesel representa apenas 2% do mercado
global”), faz prognósticos sobre o futuro dos combustíveis (“como os produzidos a partir
da mamona e do pequi, [que] devem crescer muito nos próximos anos”) e tece
comparações entre os diferentes tipos (“‘Um barril [de petróleo] de US$ 25 torna, por
exemplo, a cana-de-açúcar brasileira mais barata como fonte de combustível’, afirma”).
Em relação ao biodiesel, apesar de nessa e em outras matérias o EM divulgar o
crescimento e o potencial do combustível, no Editorial “Problemas do biodiesel”
(27/06/2005) questiona as políticas de incentivo do governo e a viabilidade de pequenos
agricultores fornecerem toda a produção necessária. O engenheiro agrônomo Afonso
Lopes, da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp) considera “difícil obter o produto
básico de pequenas glebas que não usem sistemas mecanizados de preparo da terra, plantio
e colheita.”. O Editorial propõe a discussão da concessão de isenção fiscal temporária
também para grandes produtores.
146
“Ônibus com tecnologia limpa” (26/01/2005), que também trata de fontes
alternativas de energia, usa como fonte o professor Paulo Emílio Valadão de Miranda,
coordenador de projeto da UFRJ que desenvolveu protótipo de ônibus movido a
hidrogênio. São ainda personagens, embora coletivos, a Petrobrás, que iria fornecer o
hidrogênio, e a Iveco, empresa que financiou projeto semelhante na Itália.
“Petróleo avança do País” (18/06/2005) também traz um ocupante de alto posto, o
diretor da Agência Nacional do Petróleo (ANP) Victor Martins, para falar sobre o aumento
da participação do setor no PIB Brasileiro, “de 6,8% para 9,05% em dois anos,
movimentando R$143 bi”. “Petrobrás investe R$ 1 bi em Minas” (25/01/2005), por sua
vez, elege como personagens o presidente da Petrobrás, José Eduardo Dutra, e o
governador mineiro Aécio Neves, além de seu secretário de desenvolvimento Econômico
Wilson Grumer.
Era de se esperar que, em matérias nas quais especialistas fossem os principais
personagens, o uso de numerais fosse recorrente. “Petróleo avança no País” (18/06/2005)
traz várias informações numéricas sobre o assunto: Além dos contidos no sobretítulo
(aumento da participação de 6,8% para 9,05% em dois anos, movimentando R$143 bi”), a
matéria informa que entre 1997 e 2004 “o setor de petróleo apresentou uma expansão de
318,2%”, que “as áreas de extração de petróleo, gás natural e de refino (...) cresceram
juntas 40,2%” e “representaram aproximadamente 87% do valor agregado do setor em
2004” e que o “barril de petróleo cru para entrega em julho fechou cotado a US$58,47, alta
de 3,34%”, entre outras informações. “Petrobrás investe R$ 1 bi em Minas” (25/01/2005)
também abusa dos números: o investimento será de “US$407 milhões, o que representa
cerca de R$1 bilhão”, “investirá ainda outros US$437 milhões na Regap até 2012”,
“comprou 40% da Companhia de Gás de Minas Gerais”, que “prevê gastos de US$298
milhões na construção de um gasoduto de transporte e US$177 milhões para
redistribuição”, entre outros dados.
147
Como em outros casos, podemos perceber também o uso de palavras,
principalmente verbos, que descrevem a situação do petróleo brasileiro com euforia. É o
caso de “Petrobrás investe R$1bi em Minas” (25/01/2005), “Petrobrás amplia produção em
MG” (29/03/2006), “Melhorando o desempenho” (19/06/2005) e “Petróleo avança na
economia do país” (18/06/2005).
3.1.2.1.i. Outros aspectos
Alguns aspectos semânticos encontrados nos exemplares coletados em 2005-2006,
apesar de não serem tão produtivos como os apontados acima se considerados
separadamente, merecem destaque. Por isso, agrupamos nesta seção os que se destacaram
principalmente por serem inexistentes ou inexistentes na década de 50. São eles os
percursos semânticos do turismo e do lazer; do tráfego; do consumo; da segurança; do
comportamento e da saúde; entre outros. Se por um lado (como apontamos no capítulo
anterior), encontramos em 1955-1956 aspectos inusitados para nós, leitores de hoje, como
a coluna “Informações Várias” ou os acidentes em que passageiros batiam com a cabeça no
poste dependurados nos estribos dos bondes, por outro encontramos em 2005-2006
matérias que eram inimagináveis naquela época.
Muitas dessas mudanças temáticas e figurativas apareceram devido a mudanças
sociais e econômicas, como é o caso das matérias sobre consumo. Na década de 50, o
Brasil possuía poucas montadoras de automóveis, e comprar carros de passeio implicava
quase sempre importá-los. Hoje, com várias fábricas em nosso país e com o mercado mais
aberto, a oferta aumentou muito, daí um grande número de matérias jornalísticas sobre
novos modelos, avaliação de desempenho, comparação entre marcas, entre outras.
“Estranha no ninho” (06/03/2005) avalia um novo modelo de motocicleta da marca alemã
BMW: “a nova K 1200R é uma musculosa roadster, que chega assombrando o mercado
com um visual ousado, motor de 4 cilindros e, linha, que fornece 163cv de potência, e
148
muita tecnologia”. A matéria, assinada, traz os prós e contras do modelo segundo avaliação
do jornalista. Não há outros personagens explícitos, a não ser coletivos (a BMW e a
“freguesia”). “Omega ganha novo motor V6” (01/06/2005) ganhou nota na primeira página
do jornal, onde se lê: “O Chevrolet Omega, importado da Austrália, teve ligeira alteração
de estilo e passa a ser equipado com novo motor V6. Rodar macio, conforto e desempenho
excelente são algumas das qualificações desse sedã. Entretanto, falhas na ergonomia e
falta item básico de segurança.”. “Vida fácil na magrela” (25/01/2006) divulga lançamento
de uma bicicleta “sofisticada, com câmbio automático e suspensão controlada por
computador” pela Mercedes-Benz. A matéria traz apenas um personagem identificado por
nome (fora o fabricante e os ciclistas personagens explícitos, mas coletivos): o
engenheiro mecânico Luiz Esteves Fernando Celestino, que desenvolveu no Brasil
protótipo também equipado com câmbio automático.
Outro tipo de matéria interessante e inexistente na década de 50 é a que traz
conselhos aos leitores. São exemplos “Manual do Viajante” (09/01/2005) sobretítulo:
“Férias e estradas são parceiros da moto nesta época do ano, quando as opções de destino
são as mais variadas. Mas, para ir e voltar com segurança é preciso fazer um bom
planejamento”; “Procurando pêlo em ovo” (12/06/2005) sobretítulo: “Carro usado com
pequenos defeitos é sinônimo de despesas extras. Por isso, é bom ficar atento no momento
da escolha”; “Transporte seguro” (24/01/2006) – abertura: “Na hora de contratar uma
empresa de transporte escolar, os pais precisam tomar alguns cuidados.”; e “Quanto tempo
dura um motor?(25/06/2006) sobretítulo: “Evolução tecnológica aumenta durabilidade
dos propulsores, que, mesmo assim, um dia chegam ao fim. Saiba quantos retíficas são
possíveis nos nacionais”, entre vários outros exemplos encontrados. Como os sobretítulos e
parágrafos de abertura indicam, o objetivo dessas matérias é aconselhar sobre os mais
diversos assuntos, daí o uso de expressões como “é preciso”, “é bom ficar atento”, “saiba”,
entre outros.
149
Ainda dentro das matérias jornalísticas que trazem alertas e fazem recomendações
aos leitores, encontramos os temas saúde e comportamento. Na primeira, são exemplo as
matérias “Deixe seu carro mais saudável”, de 27/04/2005 (sobretítulo: “Alguns sistemas do
automóvel precisam estar sempre em boas condições de uso para não afetarem a saúde dos
ocupantes. Saiba quais são e os cuidados de que necessitam”); “Danos por excesso de
ruído” (15/05/2005); “Vida dos pequenos em risco” (26/01/2005) “muitas crianças ainda
são transportadas de forma inadequada nos veículos”; e “Ilegal e assassino” (19/03/2005),
sobre “banco que aumenta a capacidade de passageiros em picape com cabine estendida”.
Todas essas matérias trazem conselhos aos leitores e alertam sobre diversos riscos
envolvidos, alertas esses sempre balizados por profissionais e especialistas. No último
exemplo que citamos anteriormente, “Ilegal e assassino” (19/03/2005), o presidente da
Associação Brasileira de Engenharia Automotiva (AEA), Marco Antônio Saltina, seu
parecer “‘Em termos de ergonomia, não é possível alojar uma pessoa corretamente naquele
espaço. Além disso, os cintos de segurança traseiros têm que obedecer a uma série de
regras para serem seguros, que, com certeza, este banco não respeita’.”. Assim, o discurso
do EM não só faz um alerta, como comprova o que diz por meio do depoimento do
personagem Marco Antônio Saltina.
Em relação ao tema comportamento, encontramos matérias sobre o consumo de
álcool entre motoristas (“Alerta ao motorista jovem”, 08/04/2006: “Pesquisa encomendada
pelo governo estadual mostra que o consumo de álcool entre pessoas de 18 e 30 anos
representa um risco a mais para o trânsito em Belo Horizonte”) e até dicas para não “ser
considerado um chato no trânsito” (“Dez micos no trânsito” 31/05/2006) ou para
aprender se controlar (“Cuidado para não explodir”, de 01/02/2006: “Alterações no
batimento cardíaco, mudanças na constituição da pele e insônia são alguns sintomas de
estresse, que podem levar o motorista a situações de alto risco”).
Outro aspecto semântico figurativo que aparece nos jornais de 2005-2006 são novas
150
profissões, veiculadas no caderno D+. “Atuação em empresas de todo porte” (19/04/2005)
traz informações sobre o administrador de logística, “profissional que lida com
armazenagem, controle de estoque, transporte e distribuição de produtos”. O coordenador
do curso de administração com habilitação em logística e varejo de uma faculdade de BH,
Tueli Rodrigues Tavares, é quem caracteriza melhor a profissão e o mercado de trabalho.
“Mobilidade nos centros urbanos” (25/04/2006), por sua vez, trata do especialista em
transporte e trânsito, profissional de formação variada que “usa conhecimentos para atuar
na área educacional ou para organizar fluxo de veículos na cidade”. O entrevistado é
Antônio Prata, coordenador do curso de pós-graduação em transporte e trânsito do Cefet-
MG.
Outro tema que ganha destaque é o do tráfego, especialmente problemas de
engarrafamentos, como “Plano para evitar o caos” (17/05/2006), que divulga “projeto de
emergência para conter congestionamento e dar fluidez ao trânsito da capital, em caso de
grandes manifestações, acidentes e eventos inesperados”. Outros exemplos: “Polícia proíbe
caminhões em Nova Serrana” (07/01/2005), “Timóteo proíbe tráfego pesado”
(01/03/2005), “O dia em que BH parou” (05/03/2005), “À espera dos sinais inteligentes”
(31/05/2005), “Lei contra tráfego pesado” (01/06/2006), “Retorno calmo nas estradas”
(06/03/2006), “Mais de um milhão deixam BH” (01/01/2006).
Por fim, vale ressaltar as colunas “Aviação”, de Antônio do Nascimento, e “Papo
de Roda”, de Boris Feldman, que trazem, aos sábados, no caderno “Veículos”, comentários
dos dois colunistas sobre assuntos ligados a aviação e a automóveis. Na coluna “Ganhamos
todos”, de 04/06/2005, Antônio do Nascimento elogia o projeto da Linha Verde, dizendo
que a obra “embelezará a cidade, agilizará o tráfego urbano e diminuirá o tempo de acesso
ao Aeroporto Internacional Tancredo Neves”. Boris Feldman, em “Pé direito”
(21/01/2006) elogia o novo diretor do Denatran por “proibir o uso de pneus reformados em
motos”.
151
3.1.2.2. Aspecto interdiscursivo: silenciamento
Apesar de o discurso do EM ter incorporado personagens que não fossem políticos
ou pessoas de destaque, entrevistados quase com exclusividade 50 anos, não podemos
desconsiderar que todo discurso (inclusive o jornalístico) ressalta alguns discursos e
silencia outros, num constante jogo de aproximação e distanciamento. Assim, apesar de o
discurso jornalístico contemporâneo apregoar que é necessário ouvir todos os lados
envolvidos em uma matéria, como atesta o Novo Manual de Redação da Folha de S.
Paulo, sabemos que não é exatamente isso o que acontece.
Todo fato comporta mais de uma versão. Registre sempre todas as versões
para que o leitor tire suas conclusões. Quando uma informação é ofensiva a
uma pessoa ou entidade, ouça o outro lado e publique as duas versões com
destaque proporcional. Se a versão ofensiva aparece em título, publique a do
outro lado também em tulo ou pelo menos em linha-fina. Dar destaque
proporcional é, por exemplo, dedicar para o outro lado um box de uma
coluna dentro de um texto de três colunas. A resposta a uma acusação, crítica
ou opinião divergente jamais deve ser ocultada no final de um texto ou
omitida. (FOLHA DE S. PAULO - Novo Manual da Redação,1996).
O percurso semântico figurativo das obras pode nos ajudar a exemplificar o que
afirmamos acima. Mostramos uma série de matérias que trouxeram, como tema principal, a
construção da Linha Verde, obra do governo estadual de melhoria do acesso ao aeroporto
de Confins. Em seu portal (www.mg.gov.br), o governo anuncia a obra, que teve início em
novembro de 2005, como o “mais amplo complexo de obras viárias para Belo Horizonte e
Região Metropolitana das últimas décadas, com forte impacto econômico e social na
capital e nos municípios de sua área de influência.”. A obra é também apontada como
“contribuição fundamental” para a solução de problemas de transporte e trânsito em BH:
“A construção da Linha Verde vai dar uma contribuição fundamental para ajudar a resolver
os graves problemas de transporte na Região Metropolitana de Belo Horizonte.”. Além
disso, “o estímulo ao desenvolvimento econômico, o impacto social e a melhoria efetiva da
152
qualidade de vida da população são as bases desse planejamento.”. O discurso do governo,
portanto, é que a obra beneficiaria cerca de “3 milhões de pessoas em BH” e ajudaria a
resolver rios problemas relacionados ao transporte. É exatamente este o discurso
reproduzido pelo EM. Não encontramos, entre as matérias jornalísticas, sequer uma que
questionasse as obras ou a necessidade, por exemplo, de um meio de transporte público
mais eficiente ligando o aeroporto ao centro da cidade. Tais aspectos são silenciados, assim
como outros grupos, como a oposição, que pudessem questionar o discurso governista.
Em “Acordo acerta preço do táxi(11/03/2005), no percurso semântico dos custos,
tarifas e preços, sobre a tarifa dos táxis de BH ao aeroporto de Confins. Com exceção dos
passageiros, o EM buscou ouvir todas as autoridades e órgãos envolvidos no controverso
assunto. “Táxi quer cobrar mais” (01/04/2005), sobre a mesma temática, conta, como
personagens, com o presidente do Sindicato dos Condutores Autônomos de Belo Horizonte
(Sincavir), Dirceu Eugênio dos Santos, o DER e a BHTrans, que aparecem como
personagens coletivos. A matéria não ouve nenhum passageiro, a não ser em sua
continuação (“Leia mais sobre táxi página 22”). Neste desdobramento, “Terminal causa
polêmica”, passageiros e moradores têm chance de falar, mas em vez das tarifas, discute-se
o terminal de ônibus e táxis, instalado na avenida Álvares Cabral, com destino a Confins.
O tema, portanto, é outro.
“Paralisações continuam(31/03/2005) trata de uma ação movida por um sindicato
patronal contra um de trabalhadores. O Sindicato das Empresas de Transporte
Metropolitano (Sintran) entraria, no dia de circulação da matéria, com pedido de dissídio
coletivo contra o Sindicato dos Rodoviários de Belo Horizonte e região metropolitana,
alegando que a paralisação seria descabida. São ainda personagens o juiz Sebastião
Geraldo de Oliveira, que “propôs a suspensão de qualquer tipo de paralisação”, e o
bombeiro hidráulico Lourival de Souza, “obrigado a faltar o trabalho”. A matéria dá voz ao
153
Sintran, mas apenas cita o Sindicato dos Rodoviários, não dando chance à entidade de se
defender.
Logo, apesar de o discurso jornalístico difundir, nos dias de hoje, o quanto é
importante ouvir os lados envolvidos ou “todas as versões”, como sugere o “Novo Manual
de Redação da Folha”, podemos perceber, a partir dos exemplos acima, que não é
exatamente isso o que acontece. Grupos de personagens são silenciados para que os
leitores só escutem o lado que interessa ao jornal divulgar ou, mesmo que sejam ouvidos, a
eles não é dado o mesmo espaço ou destaque que aos grupos/discursos defendidos pelo
discurso do EM. Vale ressaltar, como afirmamos no Capítulo 1 (em 1.4.5. Outros aspectos
da produção jornalística), que para nós essa e outras distorções em um texto jornalístico
não são involuntárias, mas motivadas por razões das mais variadas, entre elas as
econômicas.
3.1.2.3. Aspectos tanto intra quanto interdiscursivos: relação entre explícitos e
implícitos
Na relação entre explícitos e implícitos, o leitor é o responsável por construir
inferências (identificar implícitos) a partir daquilo que foi trazido pelo jornal (o explícito),
como apontamos no capítulo anterior. “Canteiro de obras e promessas” (02/01/2005), por
exemplo, trata das promessas de obras para 2005 e de outras que ficam no papel, como
mostra o sobretítulo (“Como acontece a cada novo ano, o momento é ideal para renovar
sonhos (...) mas boa parte das propostas permanece no campo das idéias”). A matéria traz
como promessa as obras de revitalização do centro de BH, informando sobre o projeto de
transferência dos camelôs para os shoppings populares. Esses trabalhadores são citados
explicitamente na matéria jornalística, mas fica implícita a temática do trabalho informal
nos centros de grandes capitais. O assunto, de grande importância em um país como o
154
nosso, em que o número de empregos sem carteira assinada ainda é grande, preocupa
autoridades e freqüenta diariamente as páginas da mídia, mas nessa matéria aparece apenas
como uma informação implícita a ser inferida a partir do explícito “camelôs”.
“Corrida para cumprir metas” (02/01/2005) é outra matéria que trata das promessas
da prefeitura. Descritas e analisadas no interior do box “Dez promessas para Belo
Horizonte”, são classificadas como “Promessa não cumprida”, “Promessa que começa a
ser cumprida”, “Promessa cumprida, em parte”, “Promessa quase cumprida”, “Promessa
adiada”, “Promessa em atraso” e “Eterna Promessa”. Cada obra citada no quadro é
explicada, trazendo a matéria os motivos de atrasos e adiamentos, o que não impede o
leitor de realizar algumas inferências. Em relação à obra de duplicação da Avenida Pedro
II, por exemplo, apesar de o EM afirmar que a desapropriação foi iniciada, a
classificação da obra como “Eterna Promessa” diz implicitamente que a obra demorará
muito para ser concluída. Assim, apesar de o jornal dizer que a obra “saiu do papel”, o
leitor a associa ao adjetivo ‘eterna’, passando a não acreditar em seu término.
No percurso semântico figurativo das reivindicações, greves e outras
manifestações, o discurso do EM deixa implícito seu posicionamento ideológico, ora a
favor das manifestações, ora a elas contrário. Como mostramos anteriormente, é possível
encontrar, em rias matérias, manifestações e paralisações associadas com a luta de uma
classe, associação que contribui para legitimar esses movimentos. Tais manifestações
deixam de ser simples “agitações”, como o próprio discurso do EM as classificaria na
década de 50, para adquirirem essa legitimidade. É o que podemos perceber no parágrafo
de abertura de “Moradores querem a volta do trem de ouro”, de 04/01/2005: “Após quatro
anos de luta para recuperar o seu patrimônio ferroviário, os moradores do município de
Santa Bárbara, a 112 quilômetros de Belo Horizonte, começam a ver uma luz no fim do
túnel” e em “Norte de Minas luta pela volta do trem” (11/04/2005) (termos grifados por
nós).
155
“Paralisações continuam” (31/03/2005) deixa implícita, subentendida a
discordância do jornal com o movimento de paralisação dos rodoviários. Ao tomar o
depoimento do bombeiro hidráulico Lourival de Souza e afirmar que ele fora “obrigado a
faltar o trabalho” a matéria deixa implícito que quem o “obrigou” a faltar foram os
rodoviários, sendo a paralisação, nesse caso, tomada em aspecto negativo.
3.2.3. Aspecto interdiscursivo: oposições interdiscursivas
3.2.3.1. Oposição /progresso/ x /atraso/
Assim como na década de 50, em 2005-2006 podemos perceber um duplo
posicionamento no discurso do EM, ora enaltecendo ações governistas, ora denunciando
irregularidades e o desrespeito com a população e o patrimônio.
No percurso semântico dos meios de transporte, muitas matérias jornalísticas
divulgam mudanças consideradas positivas em diversos meios, enquanto outras revelam
fatos não tão otimistas. Essa oposição pode ser percebida nas matérias “O morro não
anda a pé” (19/02/2005), que noticia a implantação de microônibus em favelas, e “Pesquisa
revela que brasileiro anda a pé” (12/03/2005), que divulga relatório do Ministério das
Cidades e da Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP) apontando que “35%
da população [brasileira] se desloca a pé, 32% de transporte público, 28% de automóvel,
3% de bicicleta e 2% de moto”. A primeira matéria, divulgando projeto implantado pela
BHTrans, aponta para o progresso e para a melhoria do transporte coletivo junto a classes
socioeconomicamente desfavorecidas. a segunda denuncia, implicitamente, que a
maioria dos brasileiros não tem acesso aos meios de transporte coletivos ou individuais,
provavelmente por dificuldades financeiras, e que, por isso, desloca-se a pé.
Várias outras matérias que tratam de mudanças possuem tom eufórico, deixando
transparecer um discurso de exaltação ao progresso. É o caso de “Confins sem susto”
156
(14/03/2005) e “Confins passa no teste” (15/03/2005), que trataram das mudanças da
maioria dos vôos de Belo Horizonte para o aeroporto de Confins, e “Céu aberto para o
interior” (10/04/2005), que tratou da implementação de novos vôos da capital para o
interior do estado. Sobre a mudança envolvendo Confins, ação do governo Aécio Neves, é
interessante perceber que o jornal pouco discutiu aspectos desfavoráveis da mudança,
abordando, na maioria das matérias, aspectos positivos.
O atraso, por sua vez, também ganha espaço em matérias como “Novela da Varig
continua com novos atores” (24/06/2006). No quadro Análise da Notícia, o jornalista que o
assina afirma que a vantagem de toda a confusão com a Varig é “trazer à tona aspectos do
atraso brasileiro em relação às economias competitivas.”. Dessa vez, portanto, o discurso
que enfatiza o atraso aparece explicitamente.
A mesma oposição aparece no percurso semântico das obras. No entanto, a grande
maioria das matérias exalta o progresso em detrimento do atraso. A obra da Linha Verde,
como também já ressaltamos, é outra obra tratada apenas em seus aspectos positivos, como
em “Projeto anima população” (26/05/2005), “Obra para corrigir gargalos” (27/05/2005) e
“Um passo rumo à Linha Verde” (22/06/2005), todas manchetes otimistas.
No percurso semântico da política e da legislação, novas leis são divulgadas, na
maioria das vezes, como avanços. “Novas regras para renovar habilitação” (16/06/2005) e
“A volta por cima no trânsito” (21/05/2006) tratam das novas condições para renovar a
carteira de motorista, entre elas a obrigatoriedade do curso de reciclagem. As matérias
mostram motoristas otimistas com as novas regras e a elas favoráveis, deixando de lado
personagens contrários à mudança.
O último percurso semântico que parece ter a oposição /progresso/ x /atraso/ como
central é o dos combustíveis. “Brasil fatura com biodiesel” (14/02/2005), “Ônibus com
tecnologia limpa” (26/01/2005), “Petróleo sobe” (08/01/2005), “Petrobrás investe R$1bi
em Minas” (25/01/2005), “Petrobrás amplia
produção em MG” (29/03/2006),
157
“Melhorando o desempenho” (19/06/2005) e Petróleo avança na economia do país”
(18/06/2005) são alguns dos títulos que divulgam avanços do nosso país, seja por meio de
descobertas, como é o caso do biodiesel, seja por investimentos, no caso da Petrobrás.
3.2.3.2. Oposição /mais poderosos/ x /menos poderosos/
Assim como na década de 50, em alguns percursos semânticos, a principal oposição
é a entre o discurso relatado dos empresários, proprietários dos meios de transporte, e o dos
usuários, entre eles estudantes e trabalhadores. No percurso semântico dos custos, tarifas e
preços, a matéria “Qualificação eleva despesa” (29/05/2005) enfoca os gastos que
trabalhadores têm com educação, vestuário e transporte, afirmando que “Andar de ônibus é
um dos custos mais elevados.”. “Táxi quer cobra mais” (01/04/2005), “BH lidera alta da
inflação” (25/01/2006) e “Metrô mais caro 37,5%(21/02/2006) também são matérias que
colocam de um lado os trabalhadores / consumidores e de outro os detentores dos meios de
transporte, sendo que os primeiros sofrem com altas de preços e são retratados pelo jornal
como oprimidos pela situação econômica. Até mesmo ao governo cabe esse papel de
opressor, como mostram “BHTrans amplia rotativo” (28/04/2006) e “Detran reajusta taxas
em até 42,8%” (04/01/2005), matérias em que os órgãos públicos aparecem como
“exploradores” da população.
Algo semelhante acontece no percurso das reivindicações, greves e outras
manifestações. Na luta entre trabalhadores / estudantes e donos dos meios de transporte,
apesar de escutar os dois lados na maioria das vezes, parece haver uma tendência do EM a
priorizar o discurso patronal, como pudemos ver em “Paralisações continuam”
(31/03/2005), matéria que, como ressaltamos anteriormente, espaço ao Sintran e a
seus dirigentes, mas apenas cita o Sindicato dos Rodoviários, não lhes dando chance de se
defender.
158
3.2.3.3. Oposição /denúncia/ x /conformismo/
Assim como na década de 50, no percurso semântico figurativo das queixas e
denúncias, o discurso do EM assume papel de denunciante e coloca-se a serviço da
comunidade. É o que acontece nas matérias “À espera do dinheiro federal” (10/01/2005),
“Trilhos somem em meio ao descaso” (16/01/2005), “A longa agonia da RFFSA”
(19/01/2005), “Perueiros ganham fachada” (02/03/2005), “Frota tem reforço de luxo”
(09/02/2005) e “Golpe da placa azul” (24/04/2005), entre outras.
É o que também podemos perceber no percurso figurativo dos acidentes. Matérias
como “Imprudência mata 32 em rodovia em SP” (24/01/2006), “Saldo trágico nas estradas
de Minas” (23/04/2005), “Tragédia no fim das férias” (13/02/2006), “Tragédias fora da
estrada” (02/03/2006) e “Morte e medo na pista” (21/04/2005) parecem ao mesmo tempo
alertar motoristas para graves acidentes e denunciar ou o estado ruim de muitas rodovias e
estradas, o que acontece na maioria das matérias, ou falhas humanas (como em
“Imprudência mata 32 em rodovias de SP”).
Já o conformismo no discurso do EM pode ser encontrado, por exemplo, em
matérias jornalísticas que anunciam obras e mudanças sem questioná-las. Como
mostramos na oposição /progresso/ x /atraso/, várias matérias do EM que tratam de
mudanças exaltam o progresso. É o caso das que trouxeram como tem principal a mudança
da maioria dos vôos para o Aeroporto de Confins, como “Confins sem susto” (14/03/2005)
e “Confins passa no teste” (15/03/2005). O discurso do jornal não aborda aspectos
desfavoráveis da mudança, apenas aspectos positivos. Não há, portanto, denúncias de
irregularidades, de mau uso de verbas públicas ou simplesmente qualquer discussão por
parte do discurso do EM que pudesse apontar outras possibilidades ou ao menos escutar
personagens insatisfeitos (como seria o caso, por exemplo, de comerciantes instalados no
159
Aeroporto da Pampulha ou de usuários que reclamassem da distância do aeroporto de
Confins do centro de BH e da falta de transporte coletivo até o Aeroporto).
3.2.4 Credibilidade e captação
Como procuramos mostrar na seção 3.1.2.1. Aspectos intradiscursivos: seleção
lexical e de personagens, é bastante comum aos exemplares do EM de 2005-2006 o uso de
numerais, gráficos e outras informações precisas para dar credibilidade às matérias. É o
que acontece, por exemplo, no percurso semântico dos meios de transporte. “Prova de fogo
em Confins” (12/03/2005) traz vários numerais envolvendo a transferência de vôos do
aeroporto da Pampulha para Confins: “transferência de 120 vôos domésticos comerciais”,
“de uma média de 1,2 mil passageiros (...) Confins começa a transportar uma média de 8,2
mil pessoas”, “Trinta e nove quilômetros separam o centro de BH do terminal”, “serão
necessários R$ 132 milhões para a reforma das avenidas”, “com 5 milhões de metros
quadrados, Confins gerava, até ontem, 1,8 mil empregos diretos. A partir de hoje serão 3
mil postos”, entre outros dados.
Em alguns casos, o uso de numerais tem utilidade pública, buscando informar o
leitor com exatidão, como em “Do ônibus para o metrô” (07/04/2006), matéria que traz
todas as linhas que sofreriam integração com o metrô nas estações São Gabriel e José
Candido (“5505B (Vista do Sol), 5525 A (Belmonte), 5525 B (Parque Belmonte), 5526 B
(Paulo VI) (...)”). Nesse caso, o intuito maior não é convencer o leitor da veracidade do
que ali é trazido, mas informar-lhe, prestando-lhe um serviço.
Outros recursos usados com bastante freqüência, como afirmamos anteriormente,
são as infografias e gráficos, que veremos mais detalhadamente, com alguns exemplos, a
seguir, no item Diagramação: a organização formal de temas e figuras semânticas
(3.2.3.). Além de ilustrarem as matérias e facilitarem o entendimento do leitor por trazerem
160
vários dados resumidos em quadros e ilustrações, esses recursos também m por objetivo
a credibilidade, que trazem, como os numerais, informações exatas, que conferem ao
jornal autoridade sobre o assunto que traz em suas páginas.
ainda o uso de personagens, que servem tanto para convencer os leitores quanto
para lhes prender a atenção. Matérias que venham acompanhadas de um depoimento
podem não causar comoção no leitor, mas tornarem-se verossímeis para ele. “Obra para
corrigir gargalos” (27/05/2005), por exemplo, convoca um pedestre, um motorista e uma
passageira para opinarem sobre a Avenida Cristiano Machado e região. Além de se
identificar com algum desses personagens, o leitor pode acreditar que o depoimento ali
trazido é verdadeiro, o que confere mais veracidade à matéria jornalística.
Por outro lado, a seleção de personagens busca também envolver o leitor, como
acontece em “Perueiros avançam nas estradas” (26/01/2005), que noticia o aumento do
transporte clandestino em BH. Os depoimentos do passageiro Manuel Gomes, que “viaja
de van para Betim, devido ao preço da passagem”, e de um perueiro não identificado, que
trabalha com transporte clandestino porque precisa “‘pôr comida em casa’”, sem dúvida
tendem a causar um efeito de comoção, que ambos atribuem a relação com o transporte
clandestino à falta de dinheiro.
Algo semelhante acontece com a seleção lexical, que não confere credibilidade
às matérias como é usada para captar leitores e prender-lhes a atenção. Como mostramos
em “O dia em que BH parou” (05/03/2005), a matéria traz, em seu parágrafo de abertura,
palavras impactantes, como Belo Horizonte viveu um dia de caos na tarde e na noite de
ontem, com grandes engarrafamentos na área central e em vários bairros. (...) O
megatranstorno foi causado pela queda de uma árvore de grande porte”. Tais vocábulos
conferem ainda maior dramaticidade à notícia, que já tinha uma carga apelativa por
divulgar um grande congestionamento de tráfego.
O mesmo acontece em “Jovem morre em acidente” (07/03/2005), que noticia a
161
morte de um adolescente de 14 anos. A matéria traz rios adjetivos para a rua em que o
acidente aconteceu, também com o objetivo de chamar a atenção do leitor: “a estreita,
sinuosa e acidentada rua Patagônia”. Outros exemplos, também no percurso semântico dos
acidentes, são Imprudência mata 32 em rodovia em SP” (24/01/2006), que usa o
substantivo “imprudência” e o grande número de vítimas, “32”, para causar espanto;
“Saldo trágico nas estradas de Minas” (23/04/2005); “Tragédia no fim das férias”
(13/02/2006); e “Tragédias fora da estrada” (02/03/2006). Como apontamos anteriormente,
o parágrafo de abertura da última matéria apela para imagens sensacionalistas como
“manchar de sangue” para qualificar um acidente como fatal: “Os acidentes durante o
carnaval não mancharam de sangue apenas as estradas do interior de Minas. O fim do
feriado prolongado também foi marcado por mortes na região metropolitana, onde oito
pessoas perderam a vida em dois acidentes trágicos”.
Mas a captação pode ser feita também em tom humorado, não precisando ser,
necessariamente, dramática ou sensacionalista como mostramos nos exemplos acima. “Dez
micos no trânsito” (31/05/2006) é um exemplo de texto que tende a prender o leitor pelo
divertimento: “Enfiar a cabeça no buraco, ficar com o rosto corado, fingir que não é o
centro das atenções e o alvo do buzinaço. Pagar mico no trânsito nunca é agradável. Veja
as mancadas que fazem o condutor virar motivo de chacota e de cara feia dos outros
motoristas”. As expressões/palavras grifadas são bastante coloquiais, seguindo o título da
matéria. “Onde o calo aperta” (30/01/2005), “Estranha no ninho” (06/03/2005),
“Procurando pêlo em ovo” (12/06/2005) e “Vida fácil na magrela” (25/01/2006) são outros
exemplos.
162
3.2. Aspectos da sintaxe discursiva
Em relação aos aspectos que concernem à sintaxe discursiva, iremos tratar neste
capítulo de três principais: escolha dos tempos verbais, discurso relatado e citado e
diagramação.
3.2.1. Tempos verbais
Analisaremos, novamente, o uso dos tempos verbais nas manchetes. Além de ser um
dos espaços mais nobres do discurso jornalístico, como dissemos, as manchetes dão
destaque aos verbos, que no interior da matéria eles são conjugados praticamente em
todos os tempos, e no título costuma haver somente um verbo.
Nos exemplares coletados nos dois semestres de 2005 e 2006, verbos no presente são
a grande maioria. Independentemente do tempo do acontecimento (passado, presente ou
futuro), os verbos estabelecem uma ligação com a edição do jornal (o hoje do leitor), não
com o fato ocorrido. São exemplos “Rodovias recebem R$901 mi” (14/01/2005), “BR-381
volta a matar” (19/02/2005), “BR 262 é recuperada” (05/03/2005), “Trem atropela e mata
mulher (20/06/2005), “Radares voltam às ruas de Ipatinga” (05/04/2005), “Cai a gangue do
carro-forte” (10/06/2005), “Helicóptero cai e mata um” (23/01/2006), “Briga com usineiros
provoca reajuste da gasolina” (22/02/2006), Roubo de cargas perde o seu chefe”
(23/03/2006), “Detran afasta acusado”(13/05/2006), “Mercado de motos cresce 33% este
ano” (10/04/2006) e “Kit de gás causa polêmica” (10/06/2006), entre inúmeros outros.
Podemos perceber com esses exemplos que mesmo matérias que fazem nítida referência a
algo que aconteceu no passado, como acidentes, prisões ou reajustes, são anunciadas no
presente.
Em meio às matérias coletadas, também encontramos alguns títulos no futuro (“BR-
163
381 terá R$178 milhões” - 15/01/2005; “Motoqueiros serão orientados pela PM” -
08/05/2005) e outros no pretérito perfeito (“O Renault ficou mais invocado” - 9/3/2005;
“Dois sobreviveram à queda de avião” - 03/01/2006), exceções em meio a uma maioria
absoluta de verbos no presente do indicativo e, por isso, pouco representativas de
características corriqueiras no jornal.
Outro uso comum, mesmo que em quantidade bem menor que o uso do presente, são
os títulos nominais, como “Muita calma nessa hora” (09/02/2005), Morte e medo na
pista” (21/04/2005), “R$200 milhões até Confins(17/05/2005), “Pacotes de obras para as
estradas mineiras” (04/05/2006), “Obra improvisada no anel” (22/03/2006), “Verba para o
metrô” (14/04/2006), “A hora das hidrovias” (05/06/2006), entre outras matérias. Nesses
exemplos, o discurso do EM enfatiza, com as construções sintaticamente nominais,
aspectos semânticos, sintáticos ou figurativos.
Portanto, o que pudemos ver nesta seção (e que já havíamos ressaltado no Capítulo
1) é que a maior parte das matérias traz, em seus títulos, verbos no presente do indicativo.
Tal uso não se trata de uma tentativa de enganar o leitor, mas de criar, a cada matéria, o
efeito de novidade, de atualidade. Por mais que um acidente tenha acontecido horas e
que o inquérito tenha sido aberto, ao escrever “Ultraleve cai e mata dois homens”
(27/02/2005) o discurso jornalístico acaba por resgatar o fato para o leitor, colocando-os in
praesentia, como teoriza Mouillaud:
Inicialmente, pode-se perceber que o presente do número [edição] recobre
três momentos diferentes: o presente da redação; o da publicação; e aquele
da leitura. Entretanto, a diferença entre eles é apagada: pressupõe-se que
essas três instancias componham apenas uma no presente da leitura.
(MOUILLAUD,2002:176).
164
3.2.2. Discurso relatado e discurso citado
Como pudemos ver com mais detalhamento na seção sobre a seleção de personagens,
também diferentemente do que acontecia na década de 50, em 2005-2006 o cidadão
comum ganha destaque no discurso do EM sobre transporte e trânsito. Além de serem
entrevistados como testemunhas de um acontecimento, personagens tidas como comuns
aparecem nas matérias para as ilustrarem, para mostrar que o que ali está sendo noticiado é
verdadeiro e acontece com personagens da vida real. Assim, encontramos com facilidade
trechos de fala destacados entre aspas, trazendo ainda uma foto do personagem
entrevistado, como nos exemplos abaixo, retirados da matéria “Metrô mais caro 37,5%”. A
estudante e a aposentada são eleitas pelo jornal para, em nome de todos os usuários do
metrô, reclamarem do grande aumento nas passagens:
(EM,21/02/2006,p.21)
165
Além das falas destacadas entre aspas, encontramos cotidianamente o discurso citado
no meio das matérias, muitas vezes junto a discursos relatados. Em “Obras que não
andam” (26/04/2006), o superintendente da Sudecap tem seu discurso tanto reproduzido
(abaixo, em itálico) quanto relatado pelo jornal (sublinhado, também por nós):
O superintendente da Sudecap, Paulo Takahashi, afirma que a obra só deverá
ser entregue no fim do mês que vem. Segundo ele, apesar de praticamente
pronta, a construtora tem prazo contratual até 21 de maio para conclui-la: “A
via está apta a receber o tráfego, mas não podemos exigir pressa, porque a
empresa está cumprindo o cronograma”, afirma, acrescentando que a
inauguração pode demorar mais: “A data certa será marcada de acordo com
a agenda do Prefeito (Fernando Pimentel) e do secretário de Políticas
urbanas (Murilo Valadares), que querem participar do evento. Estamos na
dependência dos compromissos deles.”
(EM,26/04/2006,p.23)
Essa é a forma mais comum de citação nos jornais contemporâneos. O jornal
apresenta o entrevistado, parafraseia algo dito por ele e o comprova por uma citação entre
aspas. Falas muito longas ou reproduzidos na íntegra são praticamente inexistentes.
3.2.3. Diagramação: a organização formal de temas e figuras semânticas
Ao contrário do que apontamos no Capítulo 3, em 2005-2006 a divisão de cada
edição do EM em cadernos é bastante rigorosa. Se antes a localização das notícias
poderia ser feita por um leitor acostumado ao veículo, hoje as separações se dão de forma
clara, com indicação, no topo de toda gina, da respectiva Editoria: “Economia”, “EM
Cultura”, “Esportes”, “Gerais”, “Internacional”, “Nacional”, “Opinião ou “Política”.
Como Suplementos, cadernos que saem com periodicidade própria e não a cada edição, o
EM traz, ainda, os cadernos “Bem-Viver”, “Ciência”, “Agropecuário”, “D+” (voltado para
o público jovem), “Direito & Justiça”, Emprego”, Especial”, “Feminino & Masculino”,
“Guia de Negócios”, “Guia de Gastronomia”, “Gurilândia” (público infantil), “Imóveis”,
“Informática”, “Pensar”, “Prazer EM Ajudar”, “Turismo”, “TV” e “Veículos”.
166
Cada caderno, com exceção do primeiro, que abriga várias Editorias, tem
diagramação própria, que o diferencia dos demais. Assim, apesar de possuírem um padrão
estético e, obviamente, jornalístico, os cadernos possuem características próprias (cor,
ilustrações etc.) que falam diretamente a seu público (o “Gurilândia”, por exemplo, é bem
mais colorido e ilustrado do que o “Ciência”). Em relação à primeira página do jornal, cabe
a esse espaço o papel de índice: traz os temas e figuras mais importantes do dia, em
destaque, sendo que todos terão desdobramento no interior da edição.
Mas não é a distribuição das matérias no interior do veículo que mudou muito
nos últimos 50 anos. Diferentemente do que acontecia na década de 50, ao abrirmos
qualquer edição mais atual do EM, nos deparamos com um jornal ao mesmo tempo
colorido e limpo. Além das fotografias, usadas quase em todas as matérias, o discurso
jornalístico incorporou em sua organização formal ilustrações, tabelas e outros recursos
que ajudam a “enfeitar” as páginas do jornal e a facilitar a leitura, tornando-a mais rica e
dinâmica. É importante apontar que a evolução na tecnologia nos últimos tempos
possibilitou melhorar, em muito, a diagramação e impressão dos jornais o no Brasil,
mas mundo afora. Entretanto, não foi a tecnologia que sofreu mudanças nos últimos
anos, mas a própria concepção espacial das matérias jornalísticas dentro do discurso da
imprensa escrita. Se antes as matérias eram blocos pesados de texto, hoje trazem vários
recursos que ajudam no entendimento do assunto e suavizam as páginas, tornando-as mais
agradáveis ao olhar.
Nas matérias “Metrô mais caro 37,5%” (21/02/2006) e “BHTrans amplia rotativo”
(28/04/2006) podemos perceber vários desses recursos formais recentes. A primeira traz,
em um box
18
, a “Análise da Notícia”, recurso bastante comum nas edições do EM
atualmente, que trazem comentário sobre a matéria, ou destaque de algum aspecto ou
18
Termo usado para designar informações ou textos trazidos pela matéria com destaque de uma caixa de
texto (ou de fios, linhas) que o separa do resto da matéria.
167
mesmo um desdobramento. Esses textos são assinados e têm caráter de opinião. É como se
naquele espaço o discurso jornalístico se permitisse desvencilhar da objetividade para
comentar o assunto.
A outra matéria traz uma ilustração com as mudanças no estacionamento rotativo
no centro de Belo Horizonte. A infografia (arte criada especialmente para a matéria) traz a
imagem de um agente de trânsito, representando a BHTrans, e um mapa das ruas da região,
indicando as ruas em que o estacionamento já está implantado e as ruas que sofrerão
mudanças.
“Metrô mais caro 37,5%” (21/02/2006)
(EM,21/02/2006, p.21) (EM,28/04/2006, p.21)
“Trânsito e mendicância” (12/04/2005) (Anexo 6) também conta com vários
Recursos utilizados nas matérias
“Metrô mais caro 37,5%” (21/02/2006) – ao
lado – e “BHTrans amplia rotativo”
(28/04/2006) - abaixo
168
recursos gráficos para ilustrar a matéria ou completar as informações por ela trazidas. São
eles três boxes, um com a entrevista de um personagem especialista (arquiteto e urbanista e
ex-secretário municipal de Planejamento urbano de São Paulo, uma espécie de retranca),
outro com a “Análise da Notícia”, do jornalista Arnaldo Viana, que elogia o envolvimento
da população nos problemas da cidade, e um terceiro, com a relação de todas as
Associações do Movimento Defenda BH. Há, ainda, uma citação em destaque, do
advogado Guilherme Siqueira de Carvalho: “Melhorar as vias de acesso aos bairros é
importante para a qualidade de vida da população”, o que acaba por destacar a necessidade
de obras na cidade, aspecto também ressaltado no subtítulo (“Movimento Defenda BH
quer união de forças para melhorar vias de acesso aos bairros e para combater a exploração
de menores como pedintes, nos cruzamentos da capital”).
“Vida no Brasil é mais cara do que nos vizinhos” (29/06/2006) traz, além do box
“Análise da Notícia”, recurso citado anteriormente, uma infografia contendo
representações gráficas do custo de vida em outros países, em relação à América do Sul,
além de dados quantitativos (numerais) sobre os países onde mais se gasta com itens como
alimentação, vestuário, transporte e habitação, entre outros.
169
Como podemos ver por todos esses exemplos, as matérias do discurso jornalístico
são compostas por vários elementos formais, além de textos e fotografias. Os objetivos
principais são destacar ou resumir dados, esclarecer algum aspecto da matéria, fazer
projeções, comentários e, junto a todos esses aspectos, deixar as matérias mais “palatáveis”
ao gosto do leitor moderno.
170
171
4. Conclusões
Antes de passarmos às nossas considerações finais, iremos revisitar todos os
aspectos analisados nesta pesquisa para fazer uma análise comparativa entre os dois grupos
de notícia que foram objeto de nosso estudo. Dessa forma, pretendemos aproximar ou
distanciar as matérias jornalísticas no discurso do EM de 1955-1956 e as de 2005-2006 de
acordo com as características levantadas em cada um dos aspectos semânticos e sintáticos
escolhidos por nós. Pretendemos perceber, assim, quais foram as maiores mudanças
ocorridas no discurso do EM nos últimos 50 anos.
4.1. Aspectos da semântica discursiva
Obedecendo à ordem em que os aspectos foram analisados, iremos primeiro
comparar os dois grupos no tocante aos aspectos da semântica discursiva analisados nesta
pesquisa (percursos semânticos figurativos; estratégias persuasivas: seleção lexical e de
personagens, silenciamento, relação entre aspectos implícitos e explícitos; principais
oposições interdiscursivas; e aspectos relativos à credibilidade e captação). O passo
seguinte será comparar os aspectos sintáticos (diagramação; escolha de tempos verbais;
discurso citado e discurso relatado).
172
4.1.1. Percursos semânticos
Retomando os percursos semânticos figurativos encontrados nas duas épocas, em
1955 e 1956, encontramos os seguintes: acidentes (357 matérias no total
19
); meios de
transporte (202); queixas, denúncias (139); combustível (103); obras (99); reivindicações,
greves, outras manifestações (48); custos, tarifas, preços (30); e política, legislação (26).
Em 2005-2006, temos, como percursos semânticos mais freqüentes nas matérias
jornalísticas: outros aspectos (turismo, consumo, tráfego, segurança, comportamento,
saúde etc. 486); queixas, denúncias (191); obras (189 36 da linha verde); meios de
transporte (179); acidentes (160); política, legislação (144); reivindicações, greves, outras
manifestações (101); custos, tarifas, preços (64); e combustível (56).
A listagem dos percursos semântico figurativos e do número de matérias
relacionadas com cada um deles permite-nos destacar basicamente dois aspectos. O
primeiro diz respeito à produtividade de alguns percursos semânticos nas duas épocas.
Com exceção de “outros aspectos”
20
, que reúne vários percursos que não foram
encontrados na década de 50 (ou que eram quantitativamente insignificantes nessa época),
os dois períodos mantiveram os mesmos três percursos figurativos como mais freqüentes:
meios de transporte; acidentes; queixas e denúncias. Era de se esperar que os percursos
semânticos dos meios de transporte e dos acidentes fossem bastante produtivos nos dois
grupos por envolverem uma série de temáticas de grande interesse público ou de forte
apelo junto aos leitores (como no caso de acidentes graves), preenchendo esses dois
grupos, portanto, vários dos critérios de noticiabilidade que apontamos na seção
Fundamentação Teórica (1.4.5. Outros aspectos da produção jornalística).
19
Total de matérias selecionadas nos primeiros semestres de cada um dos anos, conforme ressaltado na
Introdução.
20
Por motivos de comparação, excluímos dos três percursos semânticos mais produtivos apontados acima o
item Outros aspectos, selecionado no grupo de matérias de 2005-2006 com quase 500 textos sobre lazer,
tráfego, consumo, segurança, comportamento e saúde, entre outros, com os quais trabalharemos agora.
173
O que mais nos chama atenção, sob esse aspecto, é que, na década de 50, o número
de denúncias e queixas publicadas não é tão inferior ao de 2005-2006 e é superior ao
número de matérias relacionadas com outros percursos semânticos, como obras,
combustível, custos, política e legislação etc. Apesar de o discurso do EM se mostrar mais
“combativo” na contemporaneidade, o que podemos inferir pelo fato de o jornal dar mais
espaço a discursos não oficiais do que dava antes, não podemos, de fato, perceber uma
mudança significativa. Assim, apesar de em 2005-2006 o discurso do EM dar voz a grupos
que não eram ouvidos na década de 50, o número de denúncias não aumentou.
A outra questão tem a ver com o desaparecimento de alguns temas e o surgimento
de outros, como já apontamos. Se na década de 50 o país ainda não tinha tantas montadoras
e o contrabando de carros era assunto discutido nas páginas do EM, em 2005-2006
encontramos com facilidade matérias como “Estranha no ninho” (06/03/2005), que avalia
um novo modelo de motocicleta da marca alemã BMW, “Omega ganha novo motor V6”
(01/06/2005) e “Vida fácil na magrela” (25/01/2006), que divulga lançamento de uma nova
e sofisticada bicicleta. Ambas as matérias promovem, portanto, veículos para serem
consumidos.
Matérias que trazem alertas e fazem recomendações aos leitores também passam a
ser comuns na contemporaneidade, principalmente as envolvendo saúde e comportamento,
como “Vida dos pequenos em risco” (26/01/2005) “muitas crianças ainda são
transportadas de forma inadequada nos veículos”; “Ilegal e assassino” (19/03/2005), sobre
“banco que aumenta a capacidade de passageiros em picape com cabine estendida”;
“Alerta ao motorista jovem”, 08/04/2006, que revela pesquisa mostrando que o consumo
de álcool entre os jovens representa um risco a mais para o trânsito em BH; ou “Meu
primeiro carro” (22/05/2005), que traça o perfil dos jovens proprietários de um primeiro
veículo.
174
Logo, se em 1955-1956 encontramos aspectos hoje inusitados como a coluna
“Informações Várias” (como apontamos no Capítulo 2), em 2005-2006 surgem matérias
que eram inimagináveis naquela época, como as que mostramos nos dois parágrafos acima.
Se, por um lado, notícias envolvendo o meio de transporte sobre trilhos eram
extremamente comuns na década de 50, acidentes que encontramos noticiando que
passageiros bateram com a cabeça no poste quando dependurados nos estribos dos bondes,
por outro, em 2005-2006 essas notícias são raras pelo simples fato de o transporte sobre
trilhos, principalmente o de passageiros, ter sido reduzido.
4.1.2. Seleção de personagens e seleção lexical
Como também afirmamos nesse estudo, pudemos perceber que a seleção de
personagens e a seleção lexical são usadas no discurso do EM nas duas épocas como forma
de captar os leitores do jornal ou ganhar credibilidade junto a eles. No entanto, como
pudemos ver nos Capítulos 2 e 3, essas duas estratégias persuasivas mudaram bastante em
50 anos.
Em 1955-1956, como demonstramos com vários exemplos no Capítulo 2, apenas
personagens ilustres eram convocados a falar, entre eles políticos e ocupantes de cargos de
destaque (diretores de empresas, coordenadores de projetos etc.). Personagens comuns,
entre eles trabalhadores e usuários de diversos meios de transporte, aparecem em 50 apenas
como personagens coletivos ou, por exemplo, vítimas de acidentes. Em quase nenhuma
matéria representantes do povo para falar desse lugar discursivo, ao contrário do que
acontece em 2005-2006.
As matérias de 2005-2006 procuram sempre ilustrar o que nelas é divulgado com
pessoas diretamente envolvidas na situação, o que atualmente é chamado de
“personagem”. Assim, pessoas comuns, cidadãos do povo, são comumente convocados
175
pelo EM para personificar um acontecimento ou para prestar testemunho ou dar um
depoimento. Noticiar um acidente torna-se muito mais impactante se a vítima for ouvida e
contar a sua versão, o que não acontecia na década de 50, quando os boletins de ocorrência
pareciam ser as fontes mais costumeiras dos jornalistas.
Basta compararmos “Um morto e dois feridos num choque de veículos”
(31/01/1956), matéria em que a narrativa é toda construída em terceira pessoa (“Um jovem
morreu e dois outros ficaram feridos em grave acidente de transito (sic) verificado à noite
na estrada dos Borges, à à (sic) altura do quilometro 12. A caminhonete de placa 7-15-84,
dirigida por José Rocha Silveira (...)”) com Atropelamento faz três vítimas sobre a
calçada” (10/01/2005), que traz depoimentos de testemunhas (“Segundo o taxista, ele
perdeu o controle do carro depois que foi atingido na lateral (...): Foi tudo muito rápido e
não deu para evitar o atropelamento, que meu carro foi jogado em direção ao ponto de
ônibus’, contou José Luiz”).
Quanto à seleção lexical, também pudemos perceber uma grande mudança com o
passar de 50 anos. Em 2005-2006, numerais, gráficos e tabelas são usados não apenas para
resumir informações, mas para, por exemplo, fazer projeções, que funcionam mais como
uma análise do que como a notícia propriamente. É o que acontece em “Qualificação eleva
despesa” (29/05/2005), que apresenta gráficos projetando como ficaria o Imposto de Renda
(IR) caso fosse permitida a dedução dos custos para trabalhar (roupas, calçados, cursos,
transporte etc.).
Essas informações exatas são usadas como fator de credibilidade, enquanto
vocábulos impactantes são usados para envolver o leitor, seja para comovê-lo (como em
“Artérias levam País à UTI”, de 23/04/2005, que compara o “estado deplorável das
estradas brasileiras” a um paciente grave, internado em uma Unidade de Terapia
Intensiva), seja para entretê-lo (como no exemplo “Dez micos no trânsito”, de 31/05/2006:
“Enfiar a cabeça no buraco
, ficar com o rosto corado, fingir que não é o centro das
176
atenções e o alvo do buzinaço. Pagar mico no trânsito nunca é agradável. Veja as
mancadas que fazem o condutor virar motivo de chacota e de cara feia dos outros
motoristas”.).
Na década de 50, o uso de numerais não era freqüente, e a credibilidade das
matérias estava muito mais ligada às fontes consultadas do que às informações exatas que
o intradiscurso trazia (aspecto que retomaremos mais à frente no item 4.1.6. Credibilidade
e captação). Essas fontes eram reproduzidas fielmente nos textos, o que resultava em
jargões médicos, como “sofreu traumatismo cranio-encefálico, com fratura exposta do
parieteral” (“Dramático acidente” - 24/05/1956), ou mesmo em informações como em
“Atropelada uma senhora pela caminhonete” (26/01/1956): “O motociclista Celestino, do
Serviço Estadual de Transito, esteve no local colhendo dados para o relatório que
apresentou ao plantão Américo Vitor”.
Além desse tipo de informação, era comum à época o uso de vocábulos dramáticos,
exagerados, inclusive com construção gramatical diminutiva, usados para chocar e
sensibilizar os leitores, como “Locomotiva matou a velhinha surda”, de 07/06/1956, e
“Criancinha esmagada por um caminhão”, de 23/05/1956, entre outros exemplos como os
que trouxemos no Capítulo 2.
177
4.1.3. Silenciamento
Como apontamos em várias outras oportunidades, a última delas na seção acima,
em 1955-1956 o discurso jornalístico do EM pretere cidadãos comuns como personagens,
priorizando, na grande maioria das vezes, políticos e demais personagens considerados
importantes à época. A população acaba sendo apenas citada, quando isso acontece, e o
mais comum é que não haja espaço para personagens desse grupo se pronunciarem.
Mas não é só o discurso do povo o silenciado. Como procuramos mostrar, o
discurso da oposição também é abafado nas matérias da época. Obras e benfeitorias dos
governos municipal, estadual e federal são citadas, mas nenhuma delas é questionada.
Muitas vezes, matérias de denúncia deixam em aberto quem seria o responsável pelo fato
denunciado, justamente para não acusar nenhum dos governos envolvidos.
Apesar de a população ganhar espaço no discurso do EM em 2005-2006, o jornal
continua a calar a oposição. Um exemplo que usamos e que nos ajuda bastante a entender
essa questão é do percurso semântico das obras, a construção da Linha Verde, obra do
governo estadual de melhoria do acesso ao aeroporto de Confins. O discurso do governo,
ao qual tivemos acesso no site www.mg.org.br, é reproduzido pelo discurso do EM, e a
obra é “adotada” pelo jornal como grande solucionadora de problemas de tráfego na
capital. Não matérias que questionem qualquer aspecto relativo às obras, nem mesmo
que cogitem outras soluções (como a melhoria do transporte público).
A exceção nos dois períodos parece ser mesmo o percurso semântico figurativo das
queixas e denúncias. Os silenciados ganham voz, como vimos, por exemplo, em “Buracos
nas ruas” (03/02/1956), em que o motorista Euclides Barbosa Cunha, questiona “o motivo
pelo qual a prefeitura suspendeu o serviço de conserva das vias públicas”, e em
“Patrimônio abandonado” (19/03/2006), que traz depoimentos de vários moradores
178
(comerciantes, “viúvas da seca”, lavradores) que viram suas cidades e povoados
empobrecerem com o abandono das linhas e estações de trem.
4.1.4. Explícitos x implícitos
Na relação entre explícitos e implícitos, o discurso jornalístico faz referência
explícita a um tema ou figura semântica, mas cabe ao leitor estabelecer as ligações entre
este (o dito) e os desdobramentos dele, que ficam implícitos - subentendidos ou
pressupostos. Nesse aspecto não foi possível ver uma mudança clara entre as duas épocas,
que implícitos, sejam eles mais sejam menos trabalhados linguisticamente, são inerentes
a todo discurso. Assim, nos dois grupos levantamos exemplos que nos mostraram algumas
inferências possíveis de serem feitas a partir das matérias jornalísticas que encontramos.
Na década de 50 pudemos ver, por exemplo, que no percurso semântico figurativo
das obras o número de matérias envolvendo figuras semânticas rodoviárias (asfaltamentos,
aberturas de estradas, construções de pontes etc.) foi maior que o relativo a ferrovias. Fica
implícito, nessa comparação, que houve prioridade ao meio de transporte rodoviário, em
detrimento a outros meios.
Outro percurso semântico que exploramos nas relações entre explícitos e implícitos
foi o das reivindicações, greves e outras manifestações. O substantivo ‘agitadores’ e a
locução verbal ‘tentam levar’, no título “Agitadores tentam levar os motoristas a greve”
(28/04/1955), por exemplo, apontam para um posicionamento ideológico no discurso do
EM, que, implicitamente, o jornal condena a greve e acusa os manifestantes
(‘agitadores’) de praticamente forçar os trabalhadores a pararem de trabalhar, contra a
vontade deles. O mesmo acontece em “Depredação de bondes e ônibus também em S.
Paulo” (07/06/1956), matéria que afirma que “o DOPS está envidando esforços para alijar
do meio dos manifestantes elementos que se aproveitam
dessas circunstâncias para
179
explorações políticas.”. Como no exemplo anterior, os termos aqui sublinhados por nós
deixam subentendida a posição ideológica no discurso do EM, contrária às manifestações.
Assim como em 1955-1956, em 2005-2006 várias matérias jornalísticas apontam
para implícitos subentendidos ou pressupostos, desdobramentos cuja construção por
inferência cabe ao leitor. Mostramos um exemplo de desdobramento com a matéria
“Canteiro de obras e promessas” (02/01/2005), que traz como promessa as obras de
revitalização do centro de BH, informando sobre o projeto de transferência dos camelôs
para os shoppings populares. Esses trabalhadores são citados explicitamente na matéria
jornalística, mas fica implícito o tema do trabalho informal nos centros de grandes capitais.
No percurso semântico das reivindicações, greves e outras manifestações, a
exemplo do que vimos em 1955-1956, o discurso do EM também deixa subentendido seu
posicionamento ideológico em 2005-2006. Na “Análise da Notícia” de “Trânsito e
mendicância” (12/04/2005), por exemplo, o jornalista Arnaldo Viana elogia o
envolvimento da população e usa termos que incentivam essa participação:
“Envolvimento. Era o que faltava. (...) Todos nós temos uma parcela de responsabilidade
pra com o lugar que escolhemos para viver. (...) E, diante das grandes questões, nossos
avós diziam que duas cabeças pensam melhor do que uma”. Os termos grifados, entre
eles verbos conjugados na primeira pessoa do plural, tendem a causar nos leitores efeitos
de participação e de indignação, sendo que o discurso jornalístico praticamente conclama
os leitores para tomar parte na batalha (ficando, portanto, a favor da reivindicação tratada
na matéria).
Po
r outro lado, em “Morte gera conflito em Vitória” (30/01/2006), que noticia
protesto de rodoviários após o assassinato de um colega e confronto entre motoristas,
trocadores e passageiros, o discurso do EM elege para falar um personagem que associa a
manifestação à falta de bom senso, levando o leitor a fazer essa mesma ligação: “‘Todo o
sistema está parado. Apesar de ser solidária com a morte do cobrador, a população não
180
aceitou ficar sem transporte. Não houve bom senso por parte dos rodoviários’, afirmou
Ferraz [Marcelo Ferraz, presidente da Companhia Estadual de Transportes Públicos
Ceturb].”.
“Paralisações continuam” (31/03/2005) também aponta para a discordância do
jornal com o movimento de paralisação dos rodoviários quando toma o depoimento de um
trabalhador e ao lado de sua foto afirma que ele fora “obrigado a faltar o trabalho”,
deixando implícito que quem o “obrigou” a faltar o trabalho foram os rodoviários. Assim,
por meio desses exemplos, pudemos ver que inferências podem indicar o posicionamento
ideológico de um jornal, o que ficará mais claro ainda quando compararmos as oposições
interdiscursivas que pudemos perceber nas duas épocas, no próximo item.
4.1.5. Oposições
Como principais oposições interdiscursivas nas duas épocas, elegemos as
dicotomias /progresso/ x /atraso/, /mais poderosos/ x /menos poderosos/ e /denúncia/ x
/conformismo/. Tanto nas matérias que analisamos em 1955-1956 quanto nas matérias
mais atuais, de 2005-2006, pudemos ver uma tomada de posição muitas vezes clara do EM.
Se em poucos percursos semânticos, como o das queixas e denúncias ou o das
reivindicações, greves e outras manifestações, o discurso jornalístico trouxe críticas ao
governo e deu voz a outros grupos, na grande maioria das matérias priorizou o discurso
oficial.
Quanto à oposição /progresso/ x /atraso/, por exemplo, fica clara a predominância
do suposto progresso, priorizado, como já ressaltamos antes, em um número grande de
matérias. O jornal não deixa de publicar denúncias, mas o faz em uma quantidade bem
menor do que a publicação de “feitos” dos governos. Foi o que mostramos na década de
50 com, entre outras, as matérias “Trilhos do progresso” (19/01/1956) e “Trabalho
181
intensivo e arrojado da Petrobrás na Bahia” (26/06/1956), ambas extremamente elogiosas
ao governo JK.
Em 2005-2006, matérias como “Confins sem susto” (14/03/2005) e “Confins passa
no teste” (15/03/2005), que trataram das mudanças da maioria dos vôos de Belo Horizonte
do aeroporto da Pampulha para o aeroporto de Confins, também abordaram somente
aspectos positivos da mudança promovida pelo governo Aécio Neves. O discurso do EM
não chegou a discutir os aspectos desfavoráveis (e queixas de usuários e de comerciantes,
que devem ter sido muitas) ou mesmo a questionar tal mudança.
Quanto à oposição /mais poderosos/ x /menos poderosos/, o discurso do EM mostra
embates entre os donos dos meios de transporte, principalmente empresários, e aqueles que
fazem uso deles, como trabalhadores e estudantes, confrontos representados dentro do
percurso figurativo das reivindicações, greves e outras manifestações. Em 1955-1956, o
jornal elege como “legítimo” o discurso patronal, como mostramos em matérias como
“Entraram em greve pilotos da Panair” (16/01/1955), que traz nota-oficial da Panair na
íntegra, mas não aos pilotos chance de se explicarem; e “O movimento paredista da
Panair” (21/01/1955), que caracteriza a greve da Panair como um “traumatismo moral”.
Em 2005-2006, também encontramos várias matérias que opõem trabalhadores /
consumidores aos detentores dos meios de transporte, sendo que os primeiros sofrem com
altas de preços, como na matéria “Metrô mais caro 37,5%” (21/02/2006). Apesar de
escutar os dois lados na maioria das vezes, parece continuar a haver uma tendência do EM
a priorizar o discurso patronal. Foi o que pudemos perceber, por exemplo, em
“Paralisações continuam” (31/03/2005), matéria que, como ressaltamos, espaço ao
Sintran e a seus dirigentes, mas apenas cita o Sindicato dos Rodoviários. A esses
personagens não é dada a chance de se defender ou de falar em nome da categoria.
Uma exceção ao posicionamento predominantemente governista no discurso do EM
encontra espaço no percurso semântico figurativo
das queixas e denúncias, em que o jornal
182
abre espaço para críticas aos governos. O descaso é destacado em matérias como “O Brasil
coleciona desertos por falta de transportes” (21/03/1956), “Duas obras morosas
(25/02/1956) e “Velho abuso sempre renovado” (07/03/1956), que criticam abertamente
governantes e atitudes por eles tomadas (ou não tomadas). Dessa vez, portanto, no embate
entre /denúncia/ e /conformismo/, o primeiro parece prevalecer. É o que também acontece
em “O acidente foi provocado por dois irresponsáveis” (13/01/1956), que aponta para a
irresponsabilidade dos motoristas que causaram dois graves acidentes, denunciando,
portanto, esse tipo de comportamento.
Em 2005-2006, também encontramos, no mesmo percurso semântico das queixas e
denúncias, o discurso do EM no papel de denunciador, a serviço da comunidade. Matérias
como “A longa agonia da RFFSA” (19/01/2005), “Frota tem reforço de luxo” (09/02/2005)
e “Imprudência mata 32 em rodovia em SP(24/01/2006) denunciam, respectivamente, o
abandono das estradas de ferro no país, a contratação desnecessária de carros de luxo para
o serviço público e a irresponsabilidade de motoristas nas estradas brasileiras.
4.1.6. Credibilidade e captação
Como ressaltamos no Capítulo 2 e no item 4.1.2. acima, a principal estratégia de
captação no discurso do EM na década de 50 parece ser a escolha do uso de vocábulos
apelativos, fortes, dramáticos, que prendam a atenção do leitor e o comovam, como os
destacados nas manchetes “Caminhonete em disparada matou uma linda criança”, de
11/01/1955, “Locomotiva matou a velhinha surda”, de 07/06/1956, e “Criancinha
esmagada por um caminhão”, de 23/05/1956.
A credibilidade, por sua vez, encontra respaldo na voz de personagens considerados
importantes. Quando, por exemplo, reproduz um pronunciamento de Juscelino Kubitschek,
o discurso do EM encontra respaldo na autoridade do presidente para fazer seus leitores
183
crerem que o que ali é tratado é verdadeiro. O mesmo acontece quando o EM escreve que
“ali compareceu o delegado Alfredo Carneiro, de plantão na Inspetoria de Transito, o qual
promoveu a remoção do corpo do infortunado motorista para o necrotério do DML”
(“Choques de veículos” - 04/01/1955), informando ao leitor que o personagem responsável
pelas informações é um policial, que ocupa um lugar que inspira confiança.
em 2005-2006, personagens não são usados apenas como uma maneira de
conferir credibilidade às matérias, mas como forma de captar os leitores. Personagens
comuns, usados para ilustrar as matérias, não as tornam mais críveis aos olhos do leitor,
que os fatos são citados e comprovados com exemplos, como o sensibilizam, seja por
empatia seja por identificação.
Outro recurso lingüístico bastante usado para captar leitores e prender-lhes a
atenção é a seleção lexical. O discurso do EM continua selecionando termos chamativos,
sejam eles palavras impactantes, como o substantivo tragédia e suas variações (“Saldo
trágico nas estradas de Minas” - 23/04/2005; “Tragédia no fim das férias” - 13/02/2006; e
“Tragédias fora da estrada” - 02/03/2006), sejam termos mais lúdicos e informais, que
prendam a atenção do leitor divertindo-o (como no exemplo que já citamos “Dez micos no
trânsito” (31/05/2006), que traz expressões como “Enfiar a cabeça no buraco, ficar com o
rosto corado, fingir que não é o centro das atenções e o alvo do buzinaço. Pagar mico no
trânsito nunca é agradável. Veja as mancadas que fazem o condutor virar motivo de
chacota e de cara feia dos outros motoristas”).
A credibilidade, por sua vez, encontra respaldo no depoimento de especialistas e
personagens tidos como importantes, mas também, principalmente, no uso de numerais,
gráficos e outras informações precisas. Além de resumirem dados da matéria e tornarem a
leitura mais fácil, esses dados podem ter utilidade pública, informando, por exemplo, sobre
mudanças em linhas de ônibus, aumento de tarifas etc., ou mesmo de análise, fazendo
projeções e simulações para o leitor.
184
4.2. Aspectos da sintaxe discursiva
4.2.1. Tempos verbais
Em relação aos tempos verbais, pudemos perceber que na década de 50 a maioria
dos títulos usava verbos no passado, construindo uma relação estreita com os fatos que o
discurso jornalístico noticiava. Na grande maioria das matérias, fatos que tinham
acontecido eram noticiados com verbos no pretérito perfeito do indicativo, como nos
exemplos “Caminhão matou um trabalhador” (30/01/1955), “A locomotiva atirou longe o
agricultor” (07/02/1956) e “Caiu do caminhão” (01/03/1956). Há também verbos no
presente, como em “Entram em greve pilotos da Panair” (16/01/1955) e Mesmo ilegal a
greve continua” (29/01/1955), casos em que o discurso jornalístico parecia querer enfatizar
o aspecto atual dos fatos, ressaltando que continuam acontecendo no momento da leitura,
como no exemplo citado anteriormente e em “Continuam atrasando as cargas destinadas a
Montes Claros” (05/02/1956). É o que também acontece com verbos empregados no
futuro, em que a ênfase recai no por vir. São exemplos: “As viagens interplanetárias serão
tão simples como um passeio de bonde(27/02/1955) e “Minas ficará mais próxima do
mar” (15/04/1956). Mas, na grande maioria dos exemplos, o uso o pretérito predomina.
O contrário acontece nos exemplares coletados nos dois semestres de 2005 e 2006,
em que verbos no presente do indicativo são a grande maioria. Independente do tempo do
acontecimento (passado, presente ou futuro), os verbos estabelecem uma ligação com a
edição do jornal (o hoje do leitor), não com o fato ocorrido. Como ressaltamos no Capítulo
3, não se trata de uma tentativa de enganar o leitor, mas de criar, a cada matéria, um efeito
de novidade, de atualidade.
Verbos no passado continuam a ser usados, mas a segunda maior ocorrência
(abaixo do presente do indicativo) é de títulos nominais (ex: “Pacotes de obras para as
185
estradas mineiras” - 04/05/2006). Nesses casos, a ênfase parece ser no fato, sem destacar
seu aspecto de acontecimento (fato no espaço/tempo).
4.2.2. Discurso relatado e discurso citado
No último aspecto relativo à sintaxe, ressaltamos, mais uma vez, que era freqüente
no EM a reprodução, em discurso direto, dos pronunciamentos de personalidades de
destaque (políticos, militares, especialistas etc.). Também é possível encontrar várias
ocorrências do discurso indireto, como acontece em “De 4 e meio bilhões o déficit das
ferrovias brasileiras”, de19/04/1956, matéria que explora o pronunciamento de Juscelino
Kubitscheck, mas, em vez de reproduzir diretamente seu discurso, o cita em terceira
pessoa.
O que julgamos mais importante ressaltar é que, tanto usando de aspas quanto
parafraseando os discursos de seus personagens, o EM na década de 50 não dava espaço a
discursos de pessoas comuns, que aparecem nas matérias, mas são personagens sem voz,
como já destacamos outras vezes.
em 2005-2006, falas longas e discursos produzidos quase sem cortes
desaparecem. A forma mais comum de citação nos jornais contemporâneos passa a ser a
seguinte: o entrevistado é apresentado; parafraseia-se algo dito por ele; usa-se uma citação
entre aspas para comprovação do que foi parafraseado. Isso tanto para os personagens
“ilustres” quanto para representantes da população, que têm seu discurso frequentemente
reproduzido, às vezes em destaque na página, acompanhados do retrato do entrevistado
(como mostramos na seção 3.2.2. Discurso relatado e discurso citado).
186
4.2.3. Diagramação: a organização formal de temas e figuras semânticas
Em 1955-1956, pudemos perceber que o EM parece não ter uma organização
formal mais rígida, impressão que se desfaz quando nos familiarizamos com o jornal. A
primeira gina, por exemplo, tinha a função de trazer os destaques do dia, de forma
reduzida, sem desenvolver essas notas no interior do jornal. A página dois sempre trazia
notícias relativas à economia; a página três, notícias de política; e a quatro, o Editorial,
artigos assinados e a maioria das continuações de matérias de outras páginas, e assim por
diante. Outro aspecto que chama a atenção é que o jornal traz, na grande maioria das
edições, apenas dois cadernos ou “secções”, aspecto bem diferente do que encontramos
hoje.
Em 2005-2006, a divisão formal de cada edição do EM em cadernos é bastante
rigorosa. São eles: “Economia”, “EM Cultura”, “Esportes”, “Gerais”, Internacional”,
“Nacional”, “Opinião e “Política”. Como Suplementos, o EM traz, ainda, os cadernos
“Bem-Viver”, “Ciência”, “Agropecuário”, D+” (voltado para o público jovem), “Direito
& Justiça”, “Emprego”, “Especial”, Feminino & Masculino”, Guia de Negócios”, “Guia
de Gastronomia”, Gurilândia” (público infantil), Imóveis”, “Informática”, “Pensar”,
“Prazer EM Ajudar”, “Turismo”, “TV” e “Veículos”.
Além disso, o uso de fotografias, ilustrações, tabelas e outros recursos que ajudam a
“enfeitar” as páginas do jornal e a facilitar a leitura tornaram-se corriqueiros. Se antes as
matérias eram blocos de texto, quase sem fotografias, hoje trazem vários recursos que
tornam a leitura mais agradável.
187
4.3. Considerações finais
Pudemos ver, a partir de vários exemplos retomados neste capítulo, que o discurso
do Estado de Minas apresentou mudanças significativas no tocante às matérias jornalísticas
que trouxe, sobre a temática transporte e trânsito, ao longo de 50 anos. Quando começamos
este trabalho, imaginávamos que as matérias teriam sofrido várias alterações com o
passar do tempo. Tanto que nossa pergunta inicial não foi se haveria mudanças entre os
dois grupos de notícias, mas quais seriam as principais mudanças ocorridas no discurso
jornalístico do EM.
Nossa hipótese apoiava-se não somente em evidências jornalísticas, mas em
acreditarmos, como Bakhtin (1992), que as regras do discurso são regras de um jogo não
muito rígido. Além de apresentarem margem de manobras, elas podem se transformar,
transformando, por conseguinte, todo discurso (entre eles, o jornalístico). Dessa forma,
sabíamos que encontraríamos várias mudanças; e algumas delas, que nos pareciam mais
explícitas, de fato o foram.
As mudanças relativas aos aspectos sintáticos, por exemplo, foram, em nossa
pesquisa, sem dúvida as mais fáceis de serem percebidas. Na diagramação, o aumento
significativo do uso de ilustrações e gráficos e a divisão cada vez mais rígida entre
cadernos e editorias, entre outros, foram elementos formais que puderam ser percebidos no
primeiro contato com exemplares das duas épocas. Foram diferenças que nos saltaram aos
olhos.
Outros aspectos sintáticos, menos visíveis, também apontaram para mudanças
importantes. Ao analisarmos aspectos referentes ao uso do discurso direto ou indireto,
pudemos ver que, se antes discursos de políticos eram praticamente repetidos na íntegra
pelo jornal, hoje é muito mais freqüente o uso do discurso indireto, sendo as citações bem
mais curtas.
188
Mas, apesar de “menos visível”, esse aspecto é tão simples de detectar quanto o
anterior, da diagramação. São aspectos quantitativos, aos quais temos acesso com uma
simples leitura das matérias e comparações superficiais entre elas. Exemplificando o que
acabou de ser dito: na década de 50, encontramos algumas matérias com citações que
ocupavam rias linhas; em 2005-2006, não encontramos nenhum caso semelhante, sendo
todas as citações mais curtas; podemos perceber que o discurso direto, antes comum,
perdeu espaço para o discurso indireto. É uma comparação relativamente simples de ser
feita. Por isso, não são essas diferenças as que consideramos mais expressivas (apesar de
também serem importantes para nosso trabalho, como já ressaltamos).
As mudanças que mais nos interessaram foram as referentes aos aspectos
semânticos, entre eles o relativo à captação de leitores. Se antes o discurso jornalístico
precisava ser mais dramático, beirando o sensacionalismo, hoje seduz seus leitores através
do uso de personagens do povo, que causem empatia ou identificação. O léxico, por sua
vez, deixa de ser apelativo para tornar-se lúdico, atraente. Já a credibilidade, que antes
ganhava respaldo na fala de personagens consideradas importantes, passou a ser
conquistada pelo uso recorrente de numerais e gráficos. O que é dito acaba sendo
“matematicamente” comprovado, ou, se não o é, os números estão ali para causar um
efeito de afirmação, de veracidade.
Em todos esses aspectos houve, sim, grandes mudanças em 50 anos. No entanto,
um outro aspecto que analisamos parece demonstrar que essas mudanças foram mais
superficiais do que podemos imaginar. Ao pensarmos no posicionamento ideológico do
discurso jornalístico, 50 anos e na atualidade, alguns aspectos poderiam apontar para
uma mudança. Na estratégia persuasiva da seleção de personagens, pudemos ver que o
discurso do EM abriu espaço para trabalhadores, estudantes e demais cidadãos “sem
poder” falarem em suas páginas. Vimos, com isso, que muitos grupos que antes eram
silenciados passaram a ter voz no jornal, atitude aparentemente muito mais “democrática”
189
por parte do EM quando comparamos as duas épocas. Entretanto, ao analisarmos as
oposições, pudemos perceber que o discurso do EM, apesar de ter ganhado uma nova
“roupagem” e novas estratégias para seduzir o leitor e convencê-lo, continua priorizando
os mesmos discursos que priorizava há 50 anos.
Ao levantarmos as mesmas oposições discursivas como as principais nos dois
grupos de matéria jornalística, pareceu-nos bem mais claro que as mudanças no discurso
do EM foram menos profundas do que as que julgaríamos encontrar. O discurso
jornalístico, mesmo passando a ouvir os populares e lhes dando espaço em suas páginas,
continua elegendo como mais importante o discurso oficial. Há um novo espaço para os
grupos minoritários que não pode ser desprezado, mas no embate entre esses dois grupos o
discurso jornalístico do EM defende o grupo do poder, político e financeiro (como no caso
dos governos e empresas).
Ouvir o outro, portanto, deixa de ser uma obrigação do jornalista, como
amplamente defendido pelas redações na atualidade, a exemplo do que encontramos no
“Novo Manual de Redação” da Folha de S. Paulo
21
, para ser uma estratégia de despiste (e
sedução) do leitor. Ele tem a impressão que o jornal está ouvindo todos os lados, quando,
na verdade, está conferindo conotações e exposições completamente diferentes a discursos
opostos.
Essas considerações, na verdade, não podem ser aplicadas ao jornal Estado de
Minas como veículo de comunicação, que nossa análise se restringiu à temática
transporte e trânsito nos primeiros semestres dos anos 1955, 1956, 2005 e 2006. No
entanto, são um forte indício para a hipótese que levantamos ao final deste estudo: as
várias mudanças sofridas pelo EM, na temática por nós estudada em 50 anos, são pouco
significativas se pensarmos que os discursos defendidos ou preteridos continuam sendo os
21
“Todo fato comporta mais de uma versão. Registre sempre todas as versões para que o leitor tire suas
conclusões”. (FOLHA DE S. PAULO - Novo Manual da Redação,1996).
190
mesmos. O jornal mudou sua forma de fazer notícia, em relação a aspectos sintáticos e
semânticos, mas seu posicionamento ideológico manteve-se o mesmo.
191
6. Referências Bibliográficas
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194
195
Anexo 1
(EM,03/06/1956,p.1)
(EM,16/01/2005,p.1)
196
Anexo 2
(EM,29/05/1956,p.7)
197
Anexo 3
(EM,27/01/1956,p.2)
198
Anexo 4
(EM,25/05/1956)
199
Anexo 5
(EM,16/02/1956,p.7)
200
Anexo 6
(EM,12/05/2005,p.22)
201
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