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ROBERTO CAMPOS
A escalada da criminalidade violenta e a total
impunidade dos menores de 18 anos estão
levando mais de 70% da população das grandes
cidades brasileiras a quererem a pena de morte. A
raiva não é boa conselheira, tanto mais quanto,
no caso a irreversibilidade da punição se combina
com a falibilidade dos nossos mecanismos
judiciais. Mas é bom reconhecer-se que os limites
do tolerável já foram ultrapassados, e que, à
quase falência múltipla dos órgãos do Estado, é
preciso acrescentar-se a precariedade do processo
normativo, de uma ponta à outra.
A criminalidade, obviamente, é uma questão
complexíssima, em que interagem fatores
econômicos, ambientais, culturais, sociais,
genéticos, psicológicos etc. E é justo reconhecer-
se que pesam muito o desemprego, a recessão, a
anomia das situações de crise, os problemas
urbanos, a televisão, a droga, o consumismo, a
falta de estruturas sociais de integração e a
deterioração dos valores comuns, inclusive
religiosos.
Sociedade alguma é isenta de delito, porque
os indivíduos variam segundo uma distribuição
estatística de Gauss, ou "normal", aquela em
forma de sino. Numa aba, uns poucos santos, na
outra, outros tantos demônios, e na larga faixa
intermediária, a maioria (para quem gosta de
detalhe, 68%, dentro de um desvio padrão para
cada lado). A mesma distribuição observável em
todo o universo, das peças de automóveis e
tampinhas de garrafas, aos desvios dos chutes dos
atacantes no futebol. Sempre haverá desvios em
relação à norma - e só resta tirar os que fiquem
fora do gabarito.
Sem que a sociedade exija efetivamente um
alto padrão de ordem pública, dificilmente a
repressão ao crime funcionará bem. O que quer
dizer polícias eficientes, que dêem resultados e
respeitem o cidadão. Criou-se, porém, uma
demagógica confusão entre direitos humanos e
operação do sistema. Madre Teresa não seria a
melhor chefe de polícia. Além disso, a irrefletida
descentralização da autoridade, na Constituição
de 88, ainda que agrade aos políticos que têm
vinculações com as polícias locais, atrapalha a
coordenação e o combate às máfias.
Os problemas seriam menores se a vontade da
maioria da sociedade fosse expressada
firmemente. Infelizmente, os interesses gerais
difusos acabam dominados por manipulações de
minorias estridentes ou que controlam
mecanismos-chave do sistema. Para mais,
persiste entre nós ainda uma fantasia ideológica à
la J. J. Rousseau, século XVIII, pela qual a
responsabilidade do crime fica transferida do seu
perpetrador para "a sociedade" - quando não, nas
versões mais ingênuas, para a própria vítima, a
qual, como "privilegiado", tem a "culpa objetiva"
de ser um "inimigo de classe".
Questões em que as conseqüências recaem
sobre terceiros não são moralmente gratuitas.
Quem desqualifica a violência contra o inocente
torna-se ipso facto cúmplice dela. E que dizer dos
que, tornando impune o menor, fizeram dele o
natural veículo do crime organizado e da droga?
Nas sociedades pré-modernas, a idéia da lei
estava presa a uma concepção moral, inseparável
de uma visão religiosa, que funcionava como o
cimento da estrutura social. Hoje, porém, não
temos a experiência do que era o culto dos
antepassados de uma "religião cívica", como a
dos romanos antigos. E a noção de "culpa" é uma
idiossincrasia judaico-cristã, enxertada na
civilização clássica (que também nos legou, por
outro lado, a lei formalizada em conceitos
universais).
Nas sociedades modernas, não mais
integradas pela religião, a norma passou a ser
encarada como "regra do jogo". Não há mais
como esperar-se que a consciência do indivíduo
esteja fundida na consciência sacralizada do
grupo. Idéias de culpa e perdão são hoje
percebidas como questões da consciência de cada
um, e não como referências operacionais para o
sistema. A norma deve garantir a previsibilidade
de condutas aceitáveis e a exclusão das não-
aceitáveis. Clubes, condomínios, jogos de
futebol, tudo precisa de regras. Os europeus, há
muitos anos, passaram a tratar acidentes de
trânsito, mesmo sem vítimas, como de
responsabilidade objetiva. Quem bate por trás,
por exemplo, é responsabilizado, sem discussões
de "culpa".
É essa objetividade que se faz necessária. A
norma está aí para ser cumprida. Graças à
"tolerância zero", Nova York reduziu quase pela
metade os índices de criminalidade. "Almas
sensíveis" profissionais objetaram que a
repressão iria recair sobre os grupos minoritários
- negros, latinos, marginalizados, pobres. O que
era até possível. Só que, para surpresa dos seus
autonomeados defensores, tais minorias não
quiseram saber dessa "defesa". Em vez de se
deleitarem com a gloriosa perspectiva do
sacrifício às mãos dos "injustiçados", preferiram