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Anos antes, o célebre escritor, Marquês de Sade, já nos mostrava estar bem
cônscio dessa afirmação de Freud em seu livro A Filosofia na alcova (1795). Vejamos o
seguinte trecho do diálogo entre Dolmancé, Saint-Ange e Eugénie:
DOLMANCÉ – (...) A imaginação é o aguilhão dos prazeres. Em gente dessa
espécie, ela regula tudo, é o móvel de tudo; ora, não é por ela que gozamos?
Não é dela que nos vem as volúpias mais picantes?
SAINT-ANGE – Certo. Mas Eugénie deve tomar cuidado. A imaginação só
nos serve quando temos o espírito absolutamente livre de preconceitos: basta
apenas um para arrefecê-la. Essa porção caprichosa de nosso espírito é de uma
libertinagem que nada pode conter. Seu maior triunfo, suas mais eminentes
delícias consistem em romper todos os freios que lhe são impostos. Ela é
inimiga da regra, idólatra da desordem e de tudo que leva as cores do crime.
Eis de onde vem a singular resposta de uma mulher de imaginação, que fodia
friamente com o marido: – “Por que tanto gelo?” – perguntou ele. – Oh,
realmente,” – respondeu essa criatura singular, – “porque é muito simples o
que fazes”.
EUGÉNIE – Amo loucamente essa resposta... Oh, minha amiga, quanta
disposição sinto para conhecer esses impulsos divinos de uma imaginação
desregrada! Não imaginas, desde que estamos juntas... e a partir de então
somente, não, querida amiga, não podes conceber todas as idéias voluptuosas
que meu espírito vem acariciando... Oh, como agora compreendo o mal!...
como meu coração o deseja!
SAINT-ANGE – Que as atrocidades, os horrores e os crimes mais hediondos
não te espantem demais, Eugénie; o que há de mais sujo, de mais infame e de
mais proibido é o que melhor excita a cabeça (...)
EUGÉNIE – mas tu, doce amiga, diz-me, peço-te, o que fizeste de mais
extraordinário em tua vida?
SAINT-ANGE – Fiquei numa roda de quinze homens; fui fodida noventa
vezes, em vinte e quatro horas, pela frente e por trás.
EUGÉNIE – Mas isso são deboches, provas de resistência. Aposto como
fizeste coisas mais singulares (...) conheço, tua mente... já foste bem mais
longe. (...) não me disseste que nossas mais deliciosas sensações morais vêm
da imaginação? (...) Quereis então me convencer, caros mestres, que jamais
fizestes o que concebestes?
SAINT-ANGE – Já me aconteceu algumas vezes.
EUGÉNIE – Chegamos onde eu queria!
DOLMANCÉ – Que cabeça!
EUGÉNIE, prosseguindo. – O que te pergunto é o que imaginaste e o que
fizeste após ter imaginado?
SAINT-ANGE, balbuciando. – Eugénie, qualquer dia te contarei minha vida.
Continuemos tua educação... pois me faria dizer coisas... (SADE, 2003, pp. 61-
64).
Ora, em um livro no qual não há limites para as práticas sexuais, temos essa passagem
em que Saint-Ange, em sua singularidade, mostra-se acuada frente às suas fantasias, o
que não deixa dúvidas quanto à afirmação de Freud.