cabível a sugestão de que a ontologia marxiana dos Manuscritos é uma ontologia empirista que põe
em equivalência essência objetiva e essência sensível no sentido de que o que é real é tão-somente o
que advém de nossos sentidos (físicos)
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, tal como aventa Della Fonte (2007, p. 333). Como se
destacará, a compreensão da esfera dos sentidos humanos, para Marx, extrapola os limites físicos,
diz respeito aos órgãos da individualidade (Marx, 2006a).
“O homem é imediatamente ser natural” (Marx, 1978a, p. 40), e tal como os outros seres,
sua condição corpórea, sensível, é que o torna objetivo. Ou seja, os objetos de suas necessidades
existem fora dele, como objetos independentes, indispensáveis à exteriorização de sua própria
existência. A conseqüência desta proposição é que “ser objetivo é também ser objeto para um outro
ser”
48
(Della Fonte, 2007, p. 333). Essa dimensão do carecimento dos seres é sinônimo de
padecimento por ter seu ser fora de si. “Ser sensível é padecer” (Marx, 1978a, p. 41).
Desta afirmação poder-se-ia contestar que antes fora dito (vide capítulo anterior) que
no ato de trabalho apenas o homem existe de modo independente do objeto, a partir do momento
que cria mediações, enquanto que “o animal identifica-se prontamente com a sua atividade vital”
(Marx, 2006a, p. 116). Nossa afirmação mostrava apenas que no ato de trabalho (a satisfação da
carência através da relação metabólica com a natureza) e em seu resultado, apenas no homem, sua
atividade vital se torna “objeto da vontade e da consciência” (Marx, 2006a, p. 116), daí sua atividade
ser uma atividade vital consciente, lúcida.
Retomando. O outro elemento do teorema é, portanto, que um ser não-objetivo é um
não-ser; “ele não tem necessidade de, nem é necessário para um outro; ele não carece de nenhum
objeto e não é, para nenhum outro ser, objeto de necessidade; é atemporal” (Della Fonte, 2007, p.
333-334).
“O homem, no entanto, não é apenas ser natural, mas ser natural humano” (Marx,
1978a, p. 41). O homem ergue todo o tecido social mediado pela sua atividade vital. Ele humaniza a
natureza, fazendo-a o material onde imprime sua finalidade consciente, criando uma progressiva
riqueza humana, uma constelação de objetivações exteriores a ele, apesar de sua dependência do
criador. O ser humano produz-se a si mesmo no e pelo trabalho universalmente, como ser
genérico, onde a vida individual só pode constituir-se como tal enquanto vida genérica
49
.
47
“Gostaria de lembrar que o conceito de essência humana, ao contrário do que dizem os críticos das obras de
juventude de Marx, não está, de forma alguma, ancorado na compreensão que tinha Feuerbach do mesmo
conceito. Essência humana, para Marx, diz respeito à disponibilidade histórica do homem tornar-se social por
meio de suas relações e interações mundanas a partir do domínio da natureza e da organização do trabalho,
ao passo que, em Feuerbach, o conceito de essência humana está vinculado a aquilo que ele, Feuerbach,
compreende como sendo predicados imutáveis no homem, no sentido de que tais qualidades (a razão, o amor
e a vontade) moldam, mas ao mesmo tempo originam-se da referida essência” (Ranieri, 2006, p. 68, nota de
rodapé 3).
48
“[o homem, V. B.] enquanto ser natural, corpóreo, sensível, objetivo, é um ser que sofre, condicionado e
limitado, tal como o animal e a planta, quer dizer, os objetos das suas pulsões existem fora dele, como objetos
independentes, e, no entanto, tais objetos são objetos das suas necessidades, objetos essenciais, indispensáveis ao
exercício e à confirmação das suas faculdades. [...] Ser objetivo, natural, sensível e simultaneamente ter fora de si
o objeto, a natureza, o sentido para uma terceira pessoa, é a mesma coisa. A fome é uma necessidade natural;
portanto, requer uma natureza fora de si, um objeto fora de si, de maneira a satisfazer-se e a acalmar. A fome
constitui a necessidade objetiva de um corpo por um objeto exterior, indispensável à sua integração e à
expressão da própria natureza. O Sol é o objeto da planta, objeto indispensável e que lhe assegura a vida, da
mesma maneira que a planta é objeto do Sol, enquanto expressão da força suscitadora de vida do sol, do poder
objetivo do Sol” (Marx, 2006a, p. 182).
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“A edificação prática de um mundo objetivo, a manipulação da natureza inorgânica, é a ratificação do homem
como ser genérico lúcido, ou seja, um ser que avalia a espécie como seu próprio ser ou se tem a si mesmo
como ser genérico. Sem dúvida, o animal também produz. Ergue um ninho, uma habitação, como as abelhas,
os castores, as formigas, etc. Mas só produz o que é absolutamente necessário para si ou para os seus filhotes;
produz apenas numa só direção, ao passo que o homem produz universalmente; produz somente sob a
dominação da necessidade física imediata, enquanto o homem produz quando se encontra livre da
necessidade física e só produz verdadeiramente na liberdade de tal necessidade; o animal apenas se produz a
si, ao passo que o homem reproduz toda natureza; o seu produto pertence imediatamente ao seu corpo físico,
enquanto o homem é livre diante do seu produto. O animal constrói apenas segundo o padrão e a
necessidade da espécie a que pertence, ao passo que o homem sabe como produzir de acordo com o padrão
de cada espécie e sabe como aplicar o apropriado ao objeto; assim, o homem constrói também em acordo
com as leis da beleza” (Marx, 2006a, p. 117).
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