92
melódicas, até que o espírito do ouvinte seja suficientemente cativado.
47
(SULZER
apud BONDS, 1991, p. 95)
Os gêneros assim são chamados por referirem-se a determinado universo
musical, aparentado à sua finalidade. Para uma sala pequena não se escreve uma
sinfonia, mas um dueto ou um quarteto de cordas. Para uma igreja (na qual
tradicionalmente não se louvam valores profanos), danças são menos adequadas do que
missas. Também a instrumentação acompanhava a finalidade proposta. Os trombones,
por exemplo, que não estão presentes nas sinfonias de Mozart e Haydn (e são apenas
utilizados por Beethoven a partir de sua quinta sinfonia), estão presentes no Réquiem e
em A Flauta Mágica, ambos de Mozart, por serem adequados ao universo sacro e às
revelações iniciáticas, ou seja, a utilização dos três trombones tem função simbólica.
Quanto às formas notemos, entretanto, que um conceito abstrato de forma,
utilizado indiscriminadamente, nega, em princípio, as diferentes adjetivações que um
gênero demanda. Utilizar um mesmo tipo formal, por exemplo, um rondó,
abstratamente concebido, num movimento final de uma sinfonia, de um quarteto de
cordas ou mesmo na parte final de uma missa (como às vezes faz Mozart, por exemplo,
no Dona nobis pacem) parece ser tarefa desprovida de sentido, dadas as finalidades
envolvidas. Entretanto, se a melodia desenvolve-se coerentemente, sendo devidamente
liderada por um Hauptsatz pertinente ao gênero utilizado, o padrão “rondó” não pode
ser fixamente concebido, mas retoricamente orientado, adequando-se ao contexto em
que se encontra, o que permite sua utilização eficiente nos diferentes casos citados.
Assim sendo, a forma sonata dos primeiros movimentos das sinfonias, quartetos,
concertos solistas, sonatas e outros, não pode ser tomada como tipologia formal fixa,
como molde que se impõe aos gêneros, mas, pelo contrário, como elaboração dirigida
ao objetivo a ser alcançado. E tal inteligibilidade é, em grande parte, papel da melodia,
contínua e fluente, que tem no Hauptsatz a enunciação de seu caráter fundamental.
Esta perspectiva é a postura preponderante durante todo o século XVIII no que
diz respeito às distinções entre forma e gênero, e relembra as adequações necessárias
47
“It is in this manner that the form of most of our usual current musical works has arisen:
concertos, symphonies, arias, duets, trios, fugues, etc. They all have this in common: that they
are based on a Hauptsatz presented in a main period, brief and appropriate to the expression of a
sentiment; that this Hauptsatz is supported or interrupted by smaller, interpolated ideas
[Zwischengedanken] appropriate to it; that this Hauptsatz and these Zwischengedanken are
repeated often enough, in different harmonies and keys, and with small melodic variations, so
that the spirit of the listener is sufficiently captivated.”