103
O diabo é que vivo agitado, as idéias coladas nela, nos braços, nas
ancas, não sei. Impossível desguiar. Olhei para aqueles cabelos, dei
com o corpo inteiriço. Desejei. Sonhei. Com os olhos de Fujie, sonhei
com a boca, com Fujie inteira. (Malaguetas, Perus e Bacanaço, p.57)
Jornal que compro não abro, vai debaixo do sovaco. Lerdo, pesado
até a pedra do Leme, quietamente. À frente não há luzes, mas o mar
escuro; passo o calçadão, as areias e me sento nas beiradas. Mando
ao diabo uma lembrança. Mas sinto um medo. Um vento frio batendo
na cara e me vem um samba, dos antigos, besteirada, engrupimento,
gemido lá no inferninho. (Leão-de-Chácara, p.67)
Ademais, há uma grande mudança no tom, de ambos os predecessores a
Abraçado ao meu rancor. Os contos trazem maior amargura, os abismos da
realidade social brasileira aparecem com maior largura. O próprio passeado, que
permeia, por motivos cronológicos óbvios, os livros antecedentes, adquire uma aura
paradisíaca nos contrastes fortes presentes sobretudo no conto homônimo, mas
também ao longo de todo o livro. Os malandros de ''Abraçado...'' carregam
melancolia e frustração, enquanto os malandros do início, se não são heróicos e
alegres, tem menos da melancolia e do derrotismo que os últimos. Nos primeiros há
algo do pícaro, do herói malandro e sorridente do povo, como representado na
antiga literatura espanhola, e, a partir dela, em tantas outras. O melhor analista dos
primeiros malandros é o próprio João Antônio:
Amo. Malucamente adoro três vagabundos numa noite paulistana
com suas misérias, camaradagens e um relógio de pulso. (...) É
nessa batida o conto. Vai num intenso rebolado em que Bacanaço é
rufião, Malagueta é um trapo e Perus, um menino. O drama é de
Perus, coitado. Sozinho no meio dos outros, ilhado, fazendo as
coisas por fazer. Bacanaço é um safado e Malagueta é um cínico.
(p.5)
29
O que, Malagueta, se esconde nesta sua cabeça, que eu não sei
como conto? Que é essa ruga aí no canto da boca, Malagueta? (...)
29
Citado em “O Primeiro Amor” de João Antônio de Rodrigo Lacerda, encarte a Malagueta, Perus e Bacanaço.
Cosac etc.