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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
ESCOLA DE COMUNICAÇÕES E ARTES
LUIZ ANTONIO DE PAULA
As sete mortes do Diário Popular:
117 anos de um jornal à procura de identidade
Dissertação apresentada
como exigência parcial para a
obtenção do título de Mestre
em Ciências da Comunicação
pelo Programa de Pós-Graduação
em Ciências da Comunicação
da Escola de Comunicações e
Artes da Universidade de São Paulo
(ECA/USP), área de concentração
Estudo dos Meios e da Produção
Mediática, sob orientação
do Prof. Dr. José Luiz Proença
São Paulo
2008
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2
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
ESCOLA DE COMUNICAÇÕES E ARTES
LUIZ ANTONIO DE PAULA
As sete mortes do Diário Popular:
117 anos de um jornal à procura de identidade
Dissertação apresentada
como exigência parcial para a
obtenção do título de Mestre
em Ciências da Comunicação
pelo Programa de Pós-Graduação
em Ciências da Comunicação
da Escola de Comunicações e
Artes da Universidade de São Paulo
(ECA/USP), área de concentração
Estudo dos Meios e da Produção
Mediática, sob orientação
do Prof. Dr. José Luiz Proença
São Paulo
2008
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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
ESCOLA DE COMUNICAÇÕES E ARTES
LUIZ ANTONIO DE PAULA
As sete mortes do Diário Popular:
117 anos de um jornal à procura de identidade
COMISSÃO JULGADORA
_____________________________________________
Orientador e Presidente
_____________________________________________
Examinador
_____________________________________________
Examinador
_____________________________________________
Data da aprovação
4
Aos homens e mulheres que, ao descobrir que
ser jornalista é ter dois patrões o leitor e a
pessoa ou grupo que lhe paga o salário – e que
os interesses dos dois, na maioria das vezes,
são divergentes, podendo optar a qual servir,
optaram pelo primeiro e, não podendo, por
necessidade de sobreviver, procuraram todas
as brechas que lhes garantissem manter-se
profissionalmente dignos.
5
RESUMO
Esta pesquisa analisa a vida e a morte, aos 117 anos, do jornal paulistano Diário
Popular, retirado das bancas em 2001, e substituído pelo Diário de S. Paulo, numa
operação anunciada como troca de título. Resgatando sua trajetória, desde sua fundação
como instrumento político, em 1884, destacam-se os períodos de altos e baixos que a
publicação viveu. Comparando-se seu conteúdo e estratégia empresarial à dos veículos
existentes em cada um desses momentos históricos, é feita uma reflexão sobre jornal
popular, a utilização da Imprensa com fins políticos e sua transformação em empresa, e
sobre como e quando ocorrem as mortes de jornais. A metodologia utilizada foi a
comparação de conteúdo editorial, posicionamento político, receptividade de leitores e
resultados econômicos conseguidos, a partir de consulta às páginas das publicações, a
trabalhos acadêmicos a respeito da história do jornalismo e a obras sobre teorias da
comunicação.
PALAVRAS CHAVES: Diário Popular, jornal, jornal impresso, jornal popular, morte de
jornal.
ABSTRACT
This research analyses the life and the death, after 117 years of existence, of the
newspaper “Diário Popular” from São Paulo city, which was taken out from circulation in
2001 and substituted by the newspaper “Diário de S. Paulo” in an operation as announced
to be just an exchange of titles. Bringing back its trajectory since its foundation as a politic
instrument, in 1884, the high and low periods of the newspaper are shown. Comparing its
contents and business strategy with the ones from other present vehicles, in each one of
these historical moments, a reflection is done about popular newspapers, about the
utilization of press with political aims, its transformation into enterprise and also about the
death of newspapers. The methodology applied in the research was based on the
comparison of editorial contents, political postures, reader’s reception and economic
results obtained by consulting the pages of the publications, academic researches about
journalism history and publications about communication theories.
KEY WORDS: Diário Popular, newspaper, press, popular newspaper, death of
newspapers.
6
7
SUMÁRIO
AGRADECIMENTOS..................................................................................................................................... 9
INTRODUÇÃO .............................................................................................................................................. 11
CAPÍTULO 1 A MORTE QUE NÃO FOI ASSUMIDA ............................................................................ 17
1.1 QUANDO, COMO E QUANTAS VEZES MORRE UM JORNAL.......................................................................... 17
1.1.1 Um nome reúne referenciais avalizados pelos leitores ................................................................... 27
1.2 DEFINIR O POPULAR É TOMAR POSIÇÃO................................................................................................ 31
1.2.1 O jornalismo popular e o “popular” no jornalismo ....................................................................... 35
CAPÍTULO 2 O NASCIMENTO E O FINANCIADOR ESQUECIDO ................................................. 41
2.1 A ESCOLHA DO NOME E A MAQUIAGEM DA PRIMEIRA PÁGINA 110 ANOS DEPOIS.................................. 41
2.2 UM NOVO ATOR EM UM CENÁRIO ONDE JORNAL SIGNIFICA INSTRUMENTO POLÍTICO............................... 45
2.2.1 Antonio Bento, o abolicionista que foi além das palavras .............................................................. 53
2.2.2 Lobo e Campos no Governo e Lisboa desiste de ser constituinte................................................... 60
2.3 JORNAL E POLÍTICA SE INTERLIGAM NA HISTÓRIA DAS TRANSFORMAÇÕES SOCIAIS................................ 62
2.3.1 – Usos, manipulação e influência da Imprensa na política brasileira............................................ 65
2.3.2 Jornais mantêm poder político, mas diminuem os políticos nos jornais......................................... 71
CAPÍTULO 3 DEPOIS DA PRIMEIRA MORTE..................................................................................... 75
3.1 A NECESSIDADE DE SER EMPRESA APÓS ATINGIR OS OBJETIVOS POLÍTICOS ...................................... 75
3.1.1 uso do “popular” se revela no conteúdo dos pioneiros jornais paulistanos.................................. 83
3.2 NÃO TER SIDO VÍTIMA DE REPRESSÃO POLÍTICA RELATIVIZA IMPORTÂNCIA HISTÓRICA ......................... 90
CAPÍTULO 4 A OPÇÃO POR SER UMA EMPRESA PEQUENA ...................................................... 109
4.1 NA CONTRA-MÃO DO MERCADO EM DOIS MOMENTOS IMPORTANTES.................................................... 109
4.2 DESENTENDIMENTOS FAMILIARES INFLUENCIAM DESTINO DO JORNAL................................................. 113
4.3 A PARADOXAL GESTÃO DOS FERRENTINIS MODERNIZOU, MAS VALIDOU O ATRASO........................ 125
4.3.1 O uso dos recursos da linguagem publicitária para atrair leitores ............................................ 136
4.4 FALTA DE COMANDO LEVA À INEVITABILIDADE DA VENDA.................................................................. 152
CAPÍTULO 5 ASCENSÃO E QUEDA DE UM “REI DAS BANCAS”................................................. 164
5.1 UMA MORTE POLÊMICA E A VOLTA DO PARADIGMA ÚLTIMA HORA ...................................................... 164
5.1.1 Equipe de jornalistas lutava para superar falta de recursos........................................................ 170
5.2 UM PROJETO JORNALÍSTICO AO QUAL NÃO FALTOU RECURSOS FINANCEIROS........................................ 176
5.3 MIRANDA JORDÃO E SUAS LIÇÕES DE RESPEITO AO LEITOR.................................................................. 184
5.3.1 Enfim, o jornal local e com características de “popular”............................................................ 191
5.4 A SAÍDA DE MIRANDA E A PREPARAÇÃO DA NOIVA........................................................................... 203
5.5 DIÁRIO DE S. PAULO, O SUCESSOR QUE NÃO SUCEDE.............................................................................. 208
5.5.1 Sub-segmentação do “popular”, uma tendência paulistana......................................................... 214
5.5.2 Preço reduzido, anabolizantes e sinergia entre veículos viram receita ...................................... 220
CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................................................................... 225
BIBLIOGRAFIA.......................................................................................................................................... 232
RELAÇÃO E CRÉDITOS DAS ILUSTRAÇÕES .................................................................................... 239
ANEXOS ....................................................................................................................................................... 241
8
9
AGRADECIMENTOS
Este projeto é resultado de muitos apoios e, mesmo com o risco de cometer injustiça
por eventual omissão causada por lapsos de memória, agradeço aqui a pessoas
fundamentais em sua idealização, estruturação e concretização. Como acredito que tudo
que se consegue na vida é cumulativo, procuro, também, registrar a gratidão aos que me
ajudaram nos caminhos que me trouxeram até este ponto.
Ao orientador Prof. Dr. José Luiz Proença sou grato pelas defesas constantes da
função do jornalista, pela confiança demonstrada durante a pesquisa, por ter compreendido
minhas oscilações de foco e ter apontado caminhos que permitiram unir o interesse pessoal
de resgatar uma história vivida à necessidade de oferecer uma contribuição à pesquisa da
história dos meios de comunicação.
Ao Prof. Dr. Luiz Roberto Alves agradeço por ter mostrado a importância de
estudar a cultura popular e ter esclarecido, com exemplos simples, diferenças entre
linguagem acadêmica e jornalística. Ao Prof. Dr. Osvaldo Humberto Leonardi Ceschin
agradeço pelos ensinamentos sobre como a comunicação evolui em paralelo com a língua e
sobre como é fascinante mergulhar na origem das palavras. Ao Prof. Dr. Manuel Carlos
Chaparro agradeço por sua crença de que lutar pela ética em jornalismo vale a pena.
Eu não teria chegado a lições de tão destacados acadêmicos sem a base que me
deram dedicados professores que tive o privilégio de encontrar nas salas de aula em todos
os níveis de aprendizado, aos quais agradeço, destacando as mestras Silvia, Irene, Elizabeth
e Lindinalva do curso primário completado com dificuldades na, hoje o mais existente,
Escola Municipal da Vila Silveira, em Nova Esperança (PR).
Mas, as lições mais importantes que recebi na vida foram de Dona Lídia, minha
mãe, a quem agradeço pelo cuidado e dedicação, por me transmitir forças em todos os
momentos e por me ensinar, na sua simplicidade e bondade, a importância de entender a
pequenez humana. À Neli, companheira, namorada e mulher, agradeço pelo apoio neste e
em outros desafios que enfrentamos em 26 anos juntos, marcados por obstáculos
superáveis apenas com a força do amor.
A meu pai, Maurício (in memoriam), agradeço por transmitir-me seu apreço à
honestidade. Aos meus irmãos Nádia, Ne (in memoriam), Edson, Francisco e Valéria
agradeço pelo incentivo e colaboração e por terem me ajudado em todas as necessidades.
Aos sobrinhos Amanda, Rafael (in memoriam), Graziela, Aline Batista, Michel,
Alessandra, Nathália, Aline Silva, Nicolas, Kamilla, Bruna, Ana Laura e Vitória agradeço o
carinho e apoio. Aos cunhados e cunhadas (Batista, Sônia, Cida e Wanderley, José Carlos e
Sílvia), tios e tias especialmente, tia Ceci (in memoriam), que viabilizou minha vinda a
São Paulo –, primos e primas, e sogro (“Seo Benê”, in memoriam, que deu licões de como
valorizar a vida) e sogra sou grato por poder festejar o fato de ter uma família unida.
Entre os muitos amigos tenho a obrigação de destacar Márcia Vescovi Fortunato, a
responsável maior por eu ter iniciado este projeto e que esteve presente a cada passo,
sugerindo, apontando erros e torcendo pelo sucesso. Outro incentivador que preciso
destacar é Mauro Ramos, que me apoiou sempre e confiou na minha capacidade de contar
10
uma história da qual ele também fez parte. Ao Miguel, Ricardo e Horácio agradeço pelas
muitas horas de conversas em mais de 30 anos, cujas lições se revelam em vários pontos da
linha do projeto. A Girlande, Ricardo Gracia, Mário, José Roberto (“Bola”) e todos os que
me receberam em São Paulo com carinho e me deram seguidas provas de amizade também
registro meus agradecimentos. A Iracema Cidade Nuvens sou grato por ter me ajudado
muito em uma das fases que me faltou saúde e, com sua boa-vontade, garantido que eu não
perdesse um ano no bacharelado.
Aos amigos que ficaram em Nova Esperança (especialmente a Toninho Xavier,
Eduardo, Sueli Pádua, Adérico, Sueli Dacome, Edecir, Miranda, Luiz Carlos e Roberto
Mustafa) ou se espalharam pelo mundo, mas que me ajudaram na infância e na juventude
também manifesto minha gratidão, assim como aqueles moradores da pequena cidade com
quem não pude conviver mais estreitamente e que hoje fazem parte do grupo dos
“dinossauros” novaesperancenses e torceram sinceramente pelo êxito dessa empreitada.
Também registro minha gratidão a Armando de Lima Uchôa, um homem público exemplo
de comportamento ético, pela confiança em me dar o primeiro emprego.
A Edgard de Oliveira Barros, Jorge de Miranda Jordão e Moziul Moreira Lima (in
memoriam) agradeço seus conceitos (boa parte divergentes) do que é fazer jornal. Aos
companheiros de 17 anos de lutas no Diário Popular agradeço pela colaboração e por terem
resistido nos momentos de crise. A Luiz Augusto de Castro, Mario Romano, Odair
Rodrigues Alves, Paulo Malfatti e Antonio Quirino agradeço pelos depoimentos. A Nelson
Nunes, além do depoimento, agradeço pela colaboração e por ter facilitado o acesso aos
dados históricos disponíveis no arquivo do jornal. A Manuel Pereira do Vale Jr agradeço
pelas pistas sobre fatos do jornal.
A revisão de Alessandra Batista (com competentes e gidos olhos acadêmicos) e a
de Raphael Ramos (com a visão apaixonada de quem gosta de jornal), bem como a
diagramação e produção gráfica de Michel Sousa de Paula contribuíram para melhorar a
qualidade do trabalho. Na elaboração do projeto, foram fundamentais a disposição para
colaborar dos funcionários do Arquivo Público do Estado, de Jonas Dorival, do Arquivo do
Diário de S. Paulo, de Paulo Cesar Buontempi, do serviço de pós-graduação da ECA, de
Gilka Teixeira de Souza, responsável pela transcrição entusiasmada das gravações, de
Linda Mello, sempre disposta a resolver os imprevistos, e da amiga Socorro por suas
diligências no sentido de resgatar documentos na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.
Aos colaboradores dos quase onze anos de Ipiranga News e Jabaquara News, tendo
à frente a amiga Vera Helena, agradeço por terem se empenhado em viabilizar os jornais
geradores dos recursos que deram a tranqüilidade para poder me dedicar a este trabalho.
Por fim, agradeço ao Prof. Dr. Antonio Eduardo Benedito da Silva e sua competente
e dedicada auxiliar Cecília por estarem comigo na luta contra os vírus da Hepatite C,
dando-me condições de desenvolver este trabalho com o fígado funcionando bem, ao Dr.
Manoel Miranda, pela disposição em usar até a última gota de antibiótico para acabar com
as bactérias que poderiam me colocar diante de uma cirurgia cardíaca de alto risco, e aos
amigos do grupo de apoio a portadores do vírus HCV, Unidos Venceremos, pela luta contra
o descaso oficial para com essa doença silenciosa e por me incentivarem a cada momento.
11
INTRODUÇÃO
“Neste ambiente de super-
mercado, mata-se um jornal com a
mesma frieza com que se muda a
embalagem do biscoito.[...}.. O Diário
Popular foi enterrado como indigente,
não merecia: sem necrológio, coroa de
flores ou lápide. O Diário de S.Paulo
renasceu sem loas. O pesquisador do
futuro sequer conhecesua história”
(Alberto Dinnes)”.
1
‘Quem matou o Diário Popular?’ e ‘Por que os jornais têm medo do popular?’. A
inter-relação entre essas indagações, surgidas em 22 de setembro de 2001, quando, após
117 anos, deixou de circular o Diário Popular, substituído, no dia seguinte, pelo Diário de
S. Paulo, foi a principal fonte inspiradora desta pesquisa. Conceituar como morte uma
operação divulgada por seus planejadores como simples troca de títulos foi o primeiro
desafio no estabelecimento das linhas do projeto. A análise dos referenciais que se
amalgamam na definição do que é um jornal permite a superação desse obstáculo e vai
além, viabilizando a interpretação de que esse produto cultural pode morrer mais de uma
vez, como o título do trabalho ressalta.
Concentrando-se apenas no fato de que a decisão de retirar das bancas o Diário
Popular foi tomada pelo grupo empresarial que o comprara havia sete meses, a pergunta
inicial pode parecer desprovida de sentido. Porém, ao se trabalhar com o conceito de
multiplicidade de mortes é preciso investigar a relação entre elas e se as mesmas
aconteceram em função de um processo cumulativo. Além disso, quando se liga a questão
inicial à segunda interrogação básica do projeto, surgida a partir da justificativa usada para
explicar a última morte, a operação assume uma complexidade que amplia o leque de
1
DINNES, Alberto. “Morte sem necrológio, nascimento sem batismo”. 2001. Disponível em
(http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/circo/cir260920011.htm). Acesso 07 jun. 2008.
12
possíveis responsáveis por esse final. As causas da substituição, ainda de acordo com seus
autores, seriam o desgaste da expressão “popular”, que teria sido detectado em pesquisas, e
a rejeição acentuada que ela enfrentava por parte do mercado publicitário.
Durante as primeiras investigações em busca dos caminhos epistemológicos do
estudo, sobressaiu-se outro fato que reforça as evidências de que, um jornal pode morrer
várias vezes e de que entre o jornalismo e o “popular” um conflito que deve continuar a
ser analisado: trata-se de entrevista ao programa Roda Viva da TV Cultura de 4 de abril de
2004, concedida pelo jornalista e empresário Ruy Mesquita. Em um lamento paradoxal, ele
se dizia frustrado por ver o Jornal da Tarde, do qual é diretor-responsável, superar uma
crise financeira ao se transformar no que ele definia como “publicação popular”. Ao ser
perguntado se o jornal em questão havia de fato “entrado no azul”, respondeu: “Entrou, a
custo de uma deterioração terrível da qualidade, virou um jornal popular, mas...”. Depois de
um suspiro, emendou “para minha tristeza profunda” (MESQUITA, 2004).
O reconhecimento de Mesquita de que o Jornal da Tarde fundado como referência
em inovação gráfica e editorial havia morrido, sua concepção de que ser “popular” se
associa à perda de qualidade e a justificativa das Organizações Globo
2
para a morte do
Diário Popular uniram as problematizações iniciais e indicaram os rumos que deveria
tomar a pesquisa sobre o desaparecimento do jornal. Apesar da instigação da opinião de
Mesquita, não no projeto a pretensão de ser um libelo em defesa do “popular”, seja em
seu aspecto geral como adjetivador de uma cultura específica, seja como diferenciador de
um tipo de jornalismo. Diversos pesquisadores, como Proença (1992), Batista (2000) e
Bernardes (2004), produziram trabalhos sobre o tema, ressaltando que jornal popular não é
antônimo de jornal bem-feito ou de jornal sério.
Porém, em uma análise da trajetória do jornal que está no foco central deste
trabalho, torna-se fundamental evidenciar aspectos definidores do conceito de “popular
que, se, para muitos, classifica um segmento jornalístico, também admite ser substantivado
como instrumento utilizado pelos meios de comunicação para atrair o público. A exigência
se impõe na medida em que se torna necessário esclarecer se o Diário Popular foi e
(principalmente) quando foi “popular”. Por outro lado, se o seu nome acabou sendo
2
Apesar de a empresa que comprou o Diário Popular ser a Infoglobo Comunicações Ltda, subsidiária das
Organizações Globo para o setor impresso, o projeto vai adotar a denominação do grupo, ao se referir ao atual
proprietário do jornal.
13
anunciado como motivador da morte, não como negar que esse mesmo nome reuniu
referenciais de afinidade que foram preservados em suas várias trocas de perfis (várias
mortes), lhe permitindo superar crises e lhe garantindo condições de se transformar em “rei
das bancas”, na última década do século passado.
O enigma gerado pelas perguntas que estão na raiz da pesquisa se aprofunda ao se
considerar que a retirada do título aconteceu em contexto incomum. Enquanto a memória
da imprensa brasileira registra que a quase totalidade dos desaparecimentos de jornais se
após longas agonias, nas quais tiragens vão se reduzindo e equipes de redação sofrendo
cortes, com os profissionais remanescentes enfrentando atrasos de salários e outros
constrangimentos, o Diário morreu como líder de vendas e com os salários pagos em dia.
Este trabalho, além de refletir sobre as diversas vidas do Diário Popular e de propor
um debate sobre o “popular” no jornalismo e sobre o conceito de morte de um jornal, visa
homenagear os profissionais que se dedicaram a preservar seu nome e suas tradições. Mais
de uma centena de jornalistas de várias gerações desempenharam suas funções com
dedicação e respeito ao leitor, em todos os momentos de dificuldades, superando limitações
impostas pelo desinteresse de administradores que menosprezavam a importância da
informação e o preconceito da parte da categoria, que também considera “popular” um
adjetivo de conotação negativa. O fato de a equipe que o produzia em 1988 ter sido
totalmente aproveitada na implantação do projeto que o transformou, em menos de seis
anos, em sucesso de público e referência em conteúdo comprova que as causas da situação
difícil que a empresa vivia não estavam na redação.
Essa constatação leva à necessidade de revisar a trajetória do Diário Popular como
veículo informativo e como empresa, a partir dos personagens que determinaram seus
caminhos e dos cenários históricos onde ele atuou. Isto deverá validá-lo como depositário
crível de registros da história brasileira e também como parâmetro do desenvolvimento da
Imprensa na capital paulistana. O jornal é pouco citado por historiadores. Quintão (2002) e
Capelatto (1988 e 1989) são exceções. A situação é mais constrangedora quando se olha a
história da Imprensa. É quase total a falta de referências à publicação nas obras sobre a
evolução do jornalismo brasileiro. Na grande maioria das pesquisas é apenas mencionada a
fundação do Diário Popular e só em 2000, com Batista (2000), ele se transforma em objeto
de estudo acadêmico devido ao seu sucesso de vendas iniciado no final da década de 1980.
14
Uma das explicações para esse “esquecimento” pode ser encontrada no fato de que a
aceleração do desenvolvimento das pesquisas sobre a história da comunicação no Brasil,
verificada a partir do final dos anos 70, coincidiu com períodos problemáticos para o
Diário Popular, no qual começaram a aflorar equívocos administrativos e a falta de uma
orientação editorial. Foi a fase em que se cristalizava a imagem de “jornal de classificados”,
rótulo que não atraia interesse dos pesquisadores pioneiros. O Diário Popular não
conseguiu ser, no momento em que se intensificaram as pesquisas em jornalismo no Brasil,
nem tema para especialistas que se dedicavam a estudar títulos catalogados como
“populares” (ou sensacionalistas) nem para os que concentravam atenção nas publicações
rotuladas como “elitistas” ou “não-populares”. Porém, para permanecer 117 anos em um
mercado de alta concorrência e marcado por seguidas crises e muitos desaparecimentos de
títulos, é evidente que o Diário Popular ofereceu aos leitores atrativos dignos de serem
registrados na memória da Imprensa.
A metodologia da pesquisa prioriza a utilização das ferramentas do jornalismo
comparado. Para se mostrar que o Diário Popular consolidou sua marca, especialmente em
suas primeiras vidas, graças a um conteúdo muito próximo ao dos concorrentes, sua
descrição dos fatos e sua opinião (e a falta de) sobre eles serão colocadas lado a lado com
as de publicações existentes nos momentos históricos destacados. Também será feito o
cotejamento de sua própria pauta em épocas diferentes, de forma a mostrar como ele foi
vários jornais o que implica na possibilidade de se investigar suas outras mortes, além da
registrada a partir da decisão das Organizações Globo de retirá-lo das bancas.
Essas duas linhas de ação, ao lado da comparação de sua estratégia empresarial
com a dos concorrentes, fornecerão subsídios para o debate de vários aspectos da história
do jornalismo brasileiro. O surgimento do jornal como instrumento político, a sua
transformação em produto e a necessidade de conciliar as visões do jornalista e do
administrador na gerência da empresa são pontos que afloram da investigação sobre os 117
anos do jornal.
A preocupação em não deixar que o envolvimento pessoal de quem vivenciou
episódios cruciais da história da publicação influa no desenvolvimento do projeto é outro
15
motivo para se optar pelo método da comparação
3
. Confrontado com risco semelhante,
Proença (1992), ao analisar o jornal Notícias Populares, onde ocupou cargos de comando,
encontrou a solução de orientar-se pelas impressões e necessidades do leitor. No caso do
Diário Popular, esse caminho é inviabilizado pela distância no tempo de fases que o
fundamentais serem investigadas para dar sentido de cumulatividade e interdependência
entre as rupturas equiparadas a mortes. Assim, o estudo comparado surge como o melhor
caminho para se evitar o perigo de superestimar os fatos positivos e negligenciar negativos
do Diário Popular.
Para atingir seus objetivos, o trabalho será dividido em cinco capítulos e a
conclusão. Invertendo a ordem cronológica pela necessidade de fundamentar as razões de
se definir como morte do Diário Popular a operação de substituição dos títulos, o primeiro
capítulo, além de refletir sobre episódios da história da Imprensa que estimulam o debate
sobre quando um jornal morre, analisará a importância dos referenciais agregados à marca
de um produto jornalístico. Os conflitos gerados na conceituação do termo “popular” e uma
compilação dos debates sobre sua aplicação ao jornal e ao jornalismo também estarão nessa
parte. O nascimento da publicação constará do segundo capítulo, no qual se revelará
também que 110 anos depois foi feita uma operação de “maquiagem” da primeira página de
seu número 1, que contribuiu para a consolidação de uma visão distorcida de sua origem. A
comparação de seu conteúdo com o dos principais jornais da capital paulistana, à época de
sua fundação, a utilização do jornal como instrumento político e um painel histórico sobre a
imbricação do jornalismo e da política nas imprensas mundial e brasileira serão outros
pontos em debate nessa parte.
O terceiro capítulo destacará o momento em que o jornalismo da capital se
instado a assumir caráter empresarial, diante de uma nova realidade criada pela vitória das
causas pelas quais a Imprensa se empenhara até então (Abolição da Escravatura e
Proclamação da República) e da eleição ou designação de seus principais nomes para
cargos públicos. No caso do Diário Popular, esse é o marcador temporal que o trabalho
estabelece como sua primeira morte, pois, apesar de não ter tirado totalmente a política de
sua pauta, ele deixou de ser um jornal político.
3
O autor trabalhou no Diário Popular entre 01/03/1979 e 02/10/1995, tendo sido admitido como repórter
plantonista. Em 01/05/1986 foi nomeado secretário de redação e, em 01/02/1988, editor-chefe.
16
a segunda morte do jornal, também destacada nessa divisão do trabalho, ocorre
no momento, em que, com o falecimento, em 1943, de José Maria Lisboa Jr (Zeca Lisboa),
o filho do fundador, a administração passa para dois de seus sobrinhos. Além de abdicar
totalmente do debate político, numa mudança da postura que era adotada por Zeca Lisboa, a
publicação se conforma em assumir o perfil de empresa pequena.
O quarto capítulo se inicia com os anos 60, quando a Imprensa da capital enfrentou
dificuldades, tendo ocorrido a morte do Correio Paulistano, a decadência da Última Hora,
o início da derrocada dos Diários Associados e a mudança de proprietários da Folha de S.
Paulo. Para o Diário Popular esse é o momento em que ele deixa de ser dirigido por
membros da Família Lisboa, sua terceira morte. Sob a administração do ex-linotipista Nello
Ferrentini, o jornal se propõe a ampliar seu espaço no mercado e mudar, com a utilização
de uma linguagem próxima da publicitária, a imagem de “jornal de classificados, mas vive
uma fase de euforia marcada pela explosão do faturamento com os anúncios pequenos. A
reversão dessa curva ascendente se na entrada dos anos 80, se agudiza com
desentendimentos entre o proprietário e os dirigentes e culmina na quarta morte. Ainda
nesse capítulo estará a quinta morte, que, após uma crise de identidade provocada por uma
administração inexperiente, se revela na venda da empresa pelo bisneto do fundador.
O quinto capítulo abordará como se deu a transformação do jornal, sob o risco de
falir e comprado pelo ex-governador Orestes Quércia, em “rei das bancas”. As
circunstâncias políticas e financeiras que permitiram a reforma editorial, comandada por
Jorge de Miranda Jordão que levou o jornal a ser referência em jornalismo popular estarão
em destaque junto com o debate sobre a relação entre as verbas publicitárias oficiais e o
desempenho de publicações jornalísticas. A sexta morte do jornal será considerada a saída
de Miranda, que foi seguida pela modernização tecnológica e a adoção dos instrumentos
estimuladores de venda, rotulados pelo jargão jornalístico como “anabolizantes”, na
tentativa frustrada de concorrer com Estado de S. Paulo e Folha de S. Paulo. A sétima e
última morte será considerada a decisão das Organizações Globo de substituir o jornal pelo
Diário de S. Paulo, que não consegue herdar a coroa de “rei das bancas”. Este último
capítulo também trará um painel da posição atual do mercado dos jornais “populares”, no
qual está inserido o sucessor do Diário Popular, analisando a intensificação da utilização
dos “anabolizantes” e o surgimento de publicações com preços de capa reduzidos.
17
CAPÍTULO 1 A morte que não foi assumida
1.1 Quando, como e quantas vezes morre um jornal
As pessoas que foram às bancas em 22 de setembro de 2001 encontraram o Diário
Popular com o número 38.926, ano 117, e o aviso acima da manchete: “A partir de
amanhã, o Diário Popular passa a se chamar Diário de S. Paulo. Veja nesta edição o
suplemento com todos os detalhes do seu novo jornal”. No dia seguinte, surgiu o novo
jornal, como o próprio comunicado enfatizava, trazendo o número 38.927 e o Ano 117 e o
nome Diário de S. Paulo. Na página 2, estava a seção “Há 100 anos”, na qual se via um
logotipo do Diário Popular, em letras góticas e sem acento, como foi usado de sua
fundação até 17 de novembro de 1988, medindo uma coluna por um centímetro de altura.
Em 9 de julho de 2008, quem comprou o Diário de S. Paulo encontrou na capa a
18
numeração 41.408 e o ano 124, e viu na Página 2 o mesmo logotipo do antigo Diário
Popular , acima de algumas notas publicadas em 9 de julho de 1908.
A estratégica de retirar das bancas o Diário Popular, depois de 117 anos de
circulação, substituindo-o pelo Diário de S. Paulo, cujo título, segundo Oliveira, J. (1978),
havia sido utilizado cinco vezes na imprensa paulistana
4
, mas tentando estabelecer um
significado de continuidade, indica que as Organizações Globo ambicionavam transferir ao
novo produto valores positivos agregados pelo nome original e livrar-se das conotações
negativas que foram impostas ao conceito de “popular” durante os tempos. Nelson Nunes,
atualmente editor executivo do jornal e que participou da transição, relembra que os
responsáveis pelo projeto garantiam dispor de pesquisas que apontavam a rejeição à palavra
“popular” e acreditavam haver um grande contingente de possíveis leitores a ser
conquistado, sem perder os que eram fiéis (NUNES, 2008).
Essa crença levou a empresa a investir na estratégia de indicar sequência dos
títulos, de maneira a insinuar que falar em morte da publicação seria uma imprecisão
histórica ou uma interpretação esquizofrênica do processo. Afinal, a palavra morte, no
ensinamento dos dicionaristas e filólogos, conduz a significados relacionados a fim ou
desaparecimento, admitindo seu uso figurado. Essa concessão permite se utilizar a palavra
com múltiplos patamares denotativos. Nessa linha, Motta (2004) lembra da possibilidade de
se estabelecer um acordo e criar um código de significantes:
Os atos de comunicação são regidos por acordos implícitos entre os interlocutores
(inclusive o ato de comunicação jornalística), que tornam possível não apenas
compreender o significado literal das palavras, mas também inferir outras
significações a partir da força do enunciado. Esse acordo [...] revela as intenções
de quem fala e sugere, cooperativamente, interpretações para quem lê, vê ou ouve
(MOTTA, 2004, Vol. 1, n. 2, p. 117-134)
Considerando que um jornal é a soma dos referenciais agregados ao seu nome, dos
conceitos humanos, sociais e profissionais dos jornalistas que o produzem, da
4
OLIVEIRA (1978, p.105,107,114,121 e 122) cita o Diário de São Paulo, fundado em 1865 por Pedro
Taques de Almeida Alvim, um que circulou em 1883, sob direção de Augusto de Souza Queiroz, outro que
circulou em 1898, sob direção de Eugênio Leonel, o quarto em 1909, dirigido por Augusto de Castilho e o
quinto fundado em 1929 por Assis Chateaubriand, que foi o terceiro título da cadeia de jornais Diários
Associados, circulou até 1979). SODRÉ (1999, p.463) cita apenas dois: o jornal de Chateubriand e o fundado
em 1865, colocando ao lado de Taques, os fundadores Delfino Pinheiro de Ulhoa Cintra Junior e Henrique
Schroeder. Em DUARTE (1972, p.16 e 32), também se encontra esses dois periódicos com o nome escolhido
para substituir o Diário Popular.
19
ideologização do conjunto de seus leitores e dos interesses políticos e/ou comerciais de seus
proprietários, emerge a evidência de que a perda de um desses pilares também tem
características de uma morte. Essa premissa é um fator de relativização do registro
cronológico como marcador efetivo ou único da vida de um jornal. Apesar de as estratégias
de marketing valorizarem a longevidade de um título como sinônimo de qualidade e o
senso comum admitir esse posicionamento, não como fugir das evidências de que a
inconstância na trajetória de qualquer publicação relativiza esse parâmetro. (Senso comum
aqui é usado de acordo com o entendimento de Silverstone (2002, p.21) “tanto expressão
como precondição da experiência”).
Se a análise dos 117 anos do Diário Popular permite falar de suas várias mortes,
estabelecendo como datadores do evento as transformações de perfil e de responsáveis pelo
seu comando, essa multiplicidade de vidas não é fato raro na história da imprensa
paulistana. Entre os exemplos mais contundentes destaca-se o emblemático processo vivido
pelo Jornal da Tarde. A decepção manifestada por seu diretor Ruy Mesquita na entrevista
citada na introdução deste trabalho equivale ao lamento por uma morte e essa analogia não
é exagerada: evidentemente, o jornal idealizado e lançado em 4 de janeiro de 1966 por um
grupo de jornalistas defensores de uma visão vanguardista da Imprensa morreu. Dos pilares
citados como essenciais para se definir um jornal, ele perdeu os valores culturais dos
profissionais que o criaram, a malha de leitores que avalizavam seu modelo e a imagem que
esses lhes garantiram. Restou o nome
5
, que o proprietário lamenta ver abarcando um
conteúdo que ele rejeita e não se assemelha em nada ao do período do lançamento.
Dentre os jornais mais antigos do Brasil, são muitos os que admitem análise similar,
quando se reflete sobre morte de veículos. O caso mais recente, ainda em implantação e que
depende de acompanhamento dos pesquisadores para se consumar a caracterização do
processo de morte, envolve outro título do qual Mesquita é diretor responsável. Trata-se de
O Estado de S. Paulo, em fase de aprofundamento de transição administrativa que acontece
algum tempo depois de uma mudança gráfica e editorial. Um dos mais tradicionais jornais
5
A história da imprensa paulistana registra que a cidade teve um outro Jornal da Tarde, quase 88 anos antes
de a família Mesquita lançar seu segundo título. Trata-se de uma publicação que viveu três anos, com tiragem
inicial de 1.600 exemplares, que chegou a 2 mil, conforme informava em sua primeira gina. O jornal,
vendido a 60 reis, se orgulhava de ser o único que era publicado “todos os dias do ano, inclusive domingos e
dias santos” e tinha como editor Antonio Elias da Silva, que era sócio de João Benedicto da Veiga Cabral,
João Baptista Paes, Carlos Augusto Pereira de Andrade e João Raymundo de Oliveira.
20
do país, o Estadão, como passou a ser conhecido do público e que comemorou 133 anos de
existência e 128 de vida livre
6
em janeiro de 2008, viu-se obrigado a retirar dos cargos de
comando os herdeiros da família Mesquita e dar lugar na direção a pessoas indicadas por
seus credores. Na entrevista à TV Cultura, Mesquita revelou que foi voto vencido entre os
acionistas na decisão de entregar a uma consultoria (Galeazzi & Associados) a
reestruturação da empresa. Garantia que a opção não era definitiva e o processo tivera
sucesso, mas fora traumático.
Eu sou minoritário dentro do jornal não acho que essa questão esteja decidida de
fato [...] depois da intervenção da empresa que saneou lá (sic), fez o trabalho
que um Mesquita não seria capaz de fazer, porque é um trabalho extremamente
desumano, de dispensa de emprego e tudo isso e pôs ordem nas finanças do
jornal, com a ajuda de convidados nossos como o Tapias (MESQUITA, 2004).
Sandro Vaia, jornalista da empresa por mais de 40 anos, que estava no cargo de
diretor de redação desde agosto de 2000, quando substituiu Antonio Marcos Pimenta
Neves, que acabara de matar a ex-namorada Sandra Gomide, lembra em artigo na revista
Piauí de setembro de 2007, da primeira parte da intervenção dos credores:
Por pressão dos bancos credores, preocupados com a solvência da empresa, e
com as conseqüências que um eventual calote teria em seus balanços, foi
planejada uma operação de “reengenharia” – ou qualquer outro nome que se
queira dar cujo objetivo era resgatar a dívida a médio prazo. Na prática, a
reengenharia significava afastar a família controladora dos cargos executivos
(havia nove Mesquitas trabalhando na empresa) e, para cortar custos, demitir
algumas centenas de funcionários. (VAIA, 2007)
Vaia, que formara, com Célio Virgínio Santos Filho e Elói Gertel, o trio escolhido
para ser o comitê de comando da empresa nessa primeira etapa, acabou sendo vítima na
segunda, quando o controle se intensificou com a contratação de Cláudio Galeazzi, sócio da
Galeazzi & Associados, para ser o principal executivo do grupo. Vaia foi substituído por
Ricardo Gandour, ex-diretor responsável e diretor superintendente do Diário de S. Paulo,
escolhido por “Carlos Alberto Di Franco, que aulas e escreve sobre ética no jornalismo,
um inabalável cavalheiro que representa no Brasil a Universidade de Navarra, pertencente à
prelazia da Opus Dei” (VAIA, 2007). As revelações de quem conviveu muito próximo dos
6
O jornal não conta o período em que ficou sob intervenção da Ditadura Vargas de 25 de março de 1940 a
7 de dezembro de 1945 (DUARTE, 1972, p.34-35).
21
detentores do poder sobre as divisões entre membros da família, que deságuam na ruptura
com um modelo, que Ruy, em abril de 2004, ainda não dava por superado, contribuem para
se concluir que se já não ocorreu, está ocorrendo a morte do Estadão dos Mesquita.
A retrospectiva histórica da publicação colabora com a idéia de que ela teve mais de
uma vida, estabelecendo-se como marcadores temporais disso o momento em que Julio
Mesquita se tornou único proprietário da empresa que a editava, bem como o ano de sua
morte (1927), quando houve a assunção ao comando da empresa de seu genro Armando
Salles de Oliveira, ficando o filho Julio Mesquita Filho responsável pela direção editorial.
O raciocínio que autoriza a interpretação sobre quando um jornal morre, apesar de
seu título continuar circulando, se reforça se a linha de raciocínio desvincula seus
parâmetros definidores daqueles utilizados para caracterizar a empresa que o edita. A
mudança de proprietários, como as duas acontecidas em doze anos no Diário Popular,
rompe inevitavelmente a cadeia de referenciais que conceituam um jornal. Nesse sentido,
outra publicação tradicional da capital deve ser citada como paradigma da multiplicidade
das mortes de um jornal: a Folha de S.Paulo, que exibe, em sua edição de 9 de dezembro
de 2007, abaixo de seu logotipo, a informação “ano 87, nº 28.739”.
Mota e Capelato (1981) e Taschner (1992) subsidiam a afirmação de que esse é um
exemplo de empresa que passou por vários controladores, tendo cada um deles implantado
uma diretriz específica, tanto nas questões administrativas, como editoriais, que resultaram
em uma publicação que assumiu perfis diversos capazes de permitir ao pesquisador
estabelecer que em cada uma dessas fases ela editou um jornal. Até mesmo, sob o controle
seus atuais proprietários, é válido dizer que existiu mais de uma Folha.
A Folha de S.Paulo se originou na Folha da Noite criada em 1921 por Olival Costa
e Pedro Cunha, e que começou a circular em 19 de fevereiro de 1921, e na Folha da Manhã
nascida em 1 de julho de 1925, sendo ainda, que, em 1 de julho de 1949, foi fundada a
Folha da Tarde. Esses títulos foram unificados em 1960, tendo o último voltado a circular
em 1967. Não está na alteração de títulos a evidência concreta da afirmação acima, mas sim
nas características do jornal. Não como negar que a Folha de Olival, que pretendia ser
“popular”, morreu ao ser empastelada em 1930, por assumir claras posições políticas.
22
Os autores do ataque foram paulistanos adeptos da Aliança Liberal
7
, grupo político
que promoveu a revolução e impediu a posse de Julio Prestes. Os agressores se mostraram
extremamente irados por o jornal ter se colocado ao lado do Governo. A respeito dessa
morte, Mota e Capelato (1981) lembram:
A Folha da Noite e a Folha da Manhã se caracterizavam pelo oposicionismo ao
Governo. No entanto, essa posição não foi mantida até o final do período a
partir de 1929 (momento em que Pedro Cunha se retirou da Sociedade) as Folhas
passaram a ser governistas. Com a ‘Revolução de 30’, os jornais foram
empastelados. A empresa se modificou completamente a partir de então, dando
início à segunda fase de sua existência.
(MOTA ; CAPELATO, 1981, p.VI-VIII)
O que os autores definem como segunda fase da empresa, quando se pensa em
jornal, se adequa à idéia de um segundo jornal, propriedade de Octaviano Alves de Lima,
cujo desiderato era defender os interesses da cafeicultura. Essa publicação morre em 1945 e
lugar a um jornal comandado por José Nabantino Ramos. Ele teve como sócios Alcides
Ribeiro Meirelles e Clóvis Medeiros de Queiroga, que, segundo Morais (1994, p.445) era
considerado representante do Conde Francisco Matarazzo Júnior, o italiano dono do maior
império industrial do país na época, que desejava possuir um veículo para defendê-lo dos
ataques dos Diários Associados de Assis Chautebriand. Após a tentativa frustrada de
Matarazzo no ramo, Nabantino passou a ter controle total do jornal e implantou conceitos
administrativos voltados para a viabilização do projeto como empresa. Dezessete anos
depois, a Folha inicia sua quarta vida, quando, em 4 de novembro de 1962, passa a ser
controlada por Octávio Frias de Oliveira. Esse momento, na visão de Taschner (1992),
representa a instauração na imprensa brasileira dos padrões empresariais definidos, a partir
dos quais o jornal passa a se amoldar aos conceitos preconizados pela Escola de Frankfourt
8
e se transforma em produto de uma nascente indústria cultural brasileira.
Além das mortes acima citadas que se caracterizaram pela mudança de
proprietários, ocorrência que avaliza a afirmação do surgimento de um novo jornal, a
7
A Aliança Liberal foi uma coligação política formada a partir de Minas Gerais e Rio Grande do Sul que
apoiou a candidatura do então ex-ministro da Fazenda, Getúlio Vargas, contra o preferido do presidente
Washington Luis. Em São Paulo, a coligação foi apoiada pelo Partido Democrático (recém fundado), que
tinha a simpatia de O Estado de S. Paulo.
8
Ficou conhecido como Escola de Frankfurt o grupo de sociólogos e filósofos reunidos em torno de Theodor
Adorno e Max Horkheimer e que estabeleceu os primeiros parâmetros para a conceituação de indústria
cultural.
23
Folha, sob o comando de Frias e seu sócio Carlos Caldeira Filho experimentou
alternâncias de modelos e de estilos passiveis de se enquadrar no critério de morte de uma
publicação, fundamentando-se nos pressupostos de que a vida de um jornal sustenta-se
também a partir dos princípios de sua linha editorial, conduzida por pessoas que possuem
referenciais profissionais e ideológicos próprios. A retirada do comando da redação de
Cláudio Abramo, que havia dado um caráter político participativo ao jornal, correspondeu à
perda desse pilar definidor. O episódio, ocorrido em 1977, teve origem na prisão de
Lourenço Diaféria, em 15 de setembro, pela publicação no dia de uma crônica
considerada ofensiva aos militares que estavam no poder. O jornal no dia seguinte trouxe o
espaço ocupado pelo colunista em branco o que levou uma reação do Governo militar, com
o general Hugo Abreu, chefe da Casa Militar ameaçando fechar o jornal se o protesto se
repetisse no dia seguinte. Julgando-se impotentes para manter o posicionamento do jornal,
Frias e seu sócio decidiram retirar seus nomes da primeira página e do expediente, afastar
Cláudio Abramo, do comando da redação e Alberto Dines, da principal coluna política,
além de deixar de publicar editoriais (PASCHOAL, 2007, p.161).
A morte da Folha “de Abramo” foi um dos momentos mais trágicos da história do
jornalismo brasileiro. Para cristalizar a constatação de ter sido ela a publicação que mais
vidas teve na história da imprensa paulistana, é importante citar a Folha do Projeto Folha
(ou Folha do Otavinho), uma das maiores revoluções empreendidas em jornais brasileiros
que consistiu em estabelecer um padrão de operação baseado em conceitos da moderna
administração e na sistematização de procedimentos. Também deve ser citada a Folha dos
“anabolizantes”
9
, que, aproveitando a euforia do Plano Cruzado, atingiu tiragens recordes,
graças à distribuição de livros e fascículos e não à venda de um produto informativo.
Fora do mercado paulistano de dia impressa, área priorizada neste trabalho,
também são possíveis prospectar exemplos de jornais que morreram uma ou mais vezes,
porém continuam circulando com o mesmo título e tentando se aproveitar do valor
agregado por sua trajetória. É embremático o caso do Jornal do Brasil, uma das
publicações mais tradicionais do país, fundada em 1891 com o objetivo político de defender
a restauração da monarquia. Esse veículo mudou sua orientação dois anos depois com a
9
Essa expressão foi incorporada ao jargão jornalístico para denominar os fascículos para colecionar, os
brindes conseguidos ao se juntar selos e os cupons para sorteio utilizados largamente para estimular a venda
de jornais. Essa ferramenta permitiu a Folha de S. Paulo superar a marca de 1,5 milhão em sua tiragem.
24
entrada de Ruy Barbosa na redação, mas chegou ao século XX como jornal empresa que
vivia de classificados e assim continuou até 1956, quando, sob a direção da condessa
Pereira Carneiro e de seu genro Manoel Francisco do Nascimento Brito, iniciou uma
transformação editorial comandada por Odilo Costa, filho e Jânio de Freitas e gráfica, a
partir de projeto de Amílcar de Castro. Contando com a participação de Ferreira Gullar e
outros nomes de expressão do jornalismo brasileiro, o novo JB passou em 1962 a ser
dirigido por Alberto Dines que o comandou por 12 anos. Curiosamente nenhum dos nomes
que estavam à frente da remodelação ficou como referência da publicação, sendo mais
comum se ouvir falar em JB da Condessa ou JB do Dines, certamente devido à forte
personalidade deste jornalista que passou por diversas publicações no eixo Rio-São Paulo.
Afundado em uma dívida calculada em 750 milhões de dólares, o jornal que tanto
orgulhou a classe jornalística carioca, caiu nas mãos do polêmico empresário Nelson
Tanure. Esta transação, ainda nebulosa por envolver uma separação de passivos que
prejudicou a Previdência Social e outros credores, pode ser considerada como a quarta
morte do jornal. Ele continua nas bancas, com sua redação diminuída e uma versão on line
dinâmica, e Tanure, que não tinha nenhuma relação com o meio jornalístico, é dono da
Gazeta Mercantil e da rede de TV CNT. O JB do Tanure tem sido alvo do
acompanhamento de pesquisadores por ter adotado um novo formato, denominado
berliner
10
, que em várias partes do mundo está se impondo como uma saída para amenizar o
impacto do alto custo do papel.
O mercado mundial acompanha a transferência de controle acionário do tradicional
Wall Street Journal. Mais importante publicação econômica dos Estados Unidos, o jornal
foi adquirido pelo magnata multimídia australiano Rudolph Murdoch. Os membros de sua
redação, entidades que defendem a qualidade jornalística e parcelas importantes dos leitores
estão preocupados com o futuro do WSJ. O temor de que ele perca os referenciais de
excelência e que isto implique em uma morte sem sepultamento do título se baseia na
tradição de Murdoch, que, por seus métodos administrativos que usam a pasteurização de
seus títulos para alavancar lucros inspirou a criação do neologismo “murdoquizaçao”. Caso
10
O formato berliner, que tem sido adotado com sucesso em tradicionais jornais europeus, tem seu tamanho
entre o Standard e o Tablóide, 47 cm de altura por 31,4 de largura, com área de mancha para redação e
publicidade de 40 cm de altura por 24,6 de largura.
25
se confirme a implantação desse estilo, o WSJ será mais um jornal morto, cujo título
continuará circulando sem nada transmitir dos valores que o transformaram em referência.
A constatação da multiplicidade de mortes
não se restringe a jornais ainda em circulação.
Também entre os que sobrevivem apenas em
acervos de arquivos públicos e no imaginário dos
antigos leitores o fenômeno pode ser detectado. O
Correio Paulistano e as constantes mudanças nas
suas linhas editoriais partidarizadas é o caso mais
antigo, porém a determinação do início e fim de cada uma de suas vidas é muito complexa,
pois, além das trocas de proprietários, ele experimentou fases em que alterava sua
orientação por conveniência política, como na reviravolta em que passou de conservador e
monarquista para republicano, logo após a instauração do novo regime.
quando se analisa a Última Hora é evidente que o jornal morreu quando Samuel
Wainer o vendeu. A afirmação vale tanto para a edição paulista que em 1965 passou a fazer
parte do conglomerado de Octavio Frias, quanto para a carioca comprada por um grupo
liderado por Mauricio Lacerda em 1972 (alguns anos depois o jornal passaria a ser dirigido
por Ary Carvalho que compraria a marca). Esses jornais se despojaram de praticamente
todos os dogmas estabelecidos por Wainer e sua equipe e, como o próprio fundador
relembrou em auto-biografia, editada por Augusto Nunes, isso equivalia à morte:
Às 12 horas do d21 de abril de 1972, quando saí do escritório de Maurício
Alencar, a Última Hora já não era minha. A próxima edição seria rodada nas
oficinas do Correio da Manhã, com outra linha editorial, outra equipe, outra alma.
Fui para o prédio da Última Hora e convoquei meu pessoal para comunicar-lhe o
desfecho de um capítulo importantíssimo da história do jornalismo brasileiro.
(WAINER, 2005, p. 363)
Também tendo feito parte do conglomerado criado por Octavio Frias, a Folha da
Tarde, relançada em 1967, antes de ser retirada de circulação e substituída pelo Agora, teve
fases bem nítidas em sua trajetória. A primeira foi logo após voltar às bancas, quando era
produzida por equipe composta por profissionais considerados de esquerda, sob a liderança
de Jorge Antonio de Miranda Jordão. Em 1969, ela se transformou em veículo destinado ao
26
público que apoiava a ditadura militar implantada em 1964 e, sob o comando de Antonio
Aggio Jr, assumiu o discurso dos setores mais radicais da sociedade, sendo ilustrativo desta
opção seu comportamento diante do assassinato do jornalista Wladimir Herzog em 1977.
Com a distensão política, este jornal morreu e o título deu uma guinada ideológica
expressiva, assumindo um papel crítico e irreverente sob o comando de Carlos Brickmann e
Adilson Laranjeira. Um dos recursos utilizados para mudar o perfil foi a criação do
personagem Toninho Malvadeza, alter-ego de Brickman, que comentava de maneira jocosa
os fatos políticos e econômicos. Toda essa irreverência não foi suficiente para consolidar a
nova Folha da Tarde, que acabou saindo de cena em 1999.
Essa enumeração de jornais que tiveram mais de uma vida usada para fundamentar a
argumentação de que o Diário Popular teve sua última morte em setembro de 2001 pode
ser fechada com a citação do Notícias Populares, não por seu título também ligar-se à
expressão rejeitada pelo mercado, segundo as Organizações Globo, mas também devido à
publicação ter conseguido viver dois modelos de jornalismo popular ou sensacionalista.
Criado como instrumento político, bancado por um grupo liderado por Herbert Levy, em
contraposição à Última Hora, o NP marcou a história do jornalismo brasileiro e, antes de
ser retirado das bancas, foi um jornal de forte viés policial, ao ponto de ter sua imagem
ligada a expressão “espreme que sai sangue”. Seu modelo, concebido por Jean Mellé
11
e
consolidado por Ebrahim Ramadan, acabou dando lugar a uma publicação comandada por
Laura Capriglione, onde o principal apelo estava na linguagem assumidamente chula e nas
matérias de conteúdo erótico e, muitas vezes, próximo do pornográfico. Apesar de o NP de
Ebrahim também utilizar dmatérias que procuravam atiçar a libido do público, o NP de
Laura e seus seguidores se caracterizou pelo exagero, de forma a permitir a afirmação de
que foram dois jornais
12
.
Outro validador da visão de que jornais podem ter vidas múltiplas se encontra no
discurso publicitário, onde a cada reforma gráfica ou editorial de uma publicação, as
campanhas de divulgação apostam na expressão “novo” ou “nova”. Os momentos em que é
lançado “o novo jornal A ou B” não necessariamente coincidem com a delimitação de uma
11
O nome de Jean Mellé era Ittik Mellé, um jornalista profissional considerado especializado em jornal
popular. Ele fora proprietário de um jornal policial em seu país natal, a Romênia (PROENÇA, 1992, p.35).
12
Sobre a história do Notícias Populares da fundação ao início dos anos 90 cf. PROENÇA (1992) e sobre
suas demais outras fases até a saída de circulação cf. CAMPOS Jr et al (2002).
27
fase distinta da publicação A ou B. Porém, ao se utilizar desse recurso semântico o mercado
parte da constatação de que o novo existe porque existiu um velho e, por ilação inevitável,
esse velho morreu para dar lugar ao novo.
Ainda sobre a posição das Organizações Globo com relação ao título Diário
Popular destaca-se que o grupo tem se preocupado em evitar que a marca caia em outras
mãos. Para impedir a caducidade do direito de publicar, que, segundo a legislação, acontece
se o jornal deixa de circular, a cada cinco ou seis meses é feita uma edição de oito páginas
com as mesmas características gráficas da publicação encerrada em 22 de setembro de
2001. Assim, leitores de pontos distantes do centro podem se surpreender ao ver expostos
os dois jornais em alguma banca. Em 18 de agosto de 2006, uma sexta-feira, foram
impressas a edição normal do Diário de S. Paulo, número 40.717 e preço de capa de R$
1,50, com a manchete “Caixa muda regra para compra de imóvel usado com o FGTS” e
edição do Diário Popular, sem numeração e com preço de R$ 1,00, na qual a manchete foi
“Moto popular é arma de paulistano contra o rodízio”
1.1.1 Um nome reúne referenciais avalizados pelos leitores
A partir dos parâmetros utilizados na definição de um jornal, a relação de mortes de
publicações analisadas na primeira parte deste capítulo mostra uma variada gama de
“causas-mortis”. os casos em que a perda se deu no estoque de referências agregado
pelos profissionais que orientaram suas linhas editorais, tenham sido eles donos ou não,
onde se enquadrariam, entre outros, o Diário Popular de Américo de Campos
(proprietário), dos irmãos Ferrentini, e o de Miranda Jordão, o Estado de Júlio Mesquita
(gerente e depois proprietário), a Folha de Olival Costa (proprietário) e Cláudio Abramo
(editor), a Última Hora de Samuel Wainer (proprietário), o Jornal do Brasil de Alberto
Dines (editor), a Folha da Tarde de Antonio Aggio (editor) e o Notícias Populares de
Ebrahim Ramadan e o de Laura Capriglione (editores em períodos diferentes).
A desvinculação com o público que avalizou seus valores explica os fins de vidas
originados em fugas de leitores como no caso do Jornal da Tarde engajado politicamente,
quando assumiu o perfil popular. A Folha de Abramo e a dos “anabolizantes” se
enquadram neste parâmetro, apesar dos motivos totalmente diversos para a perda de
28
tiragem. O Diário Popular enterrado pelas Organizações Globo é outro exemplo desta
desvinculação com o público. Também a alternância ideológica de conteúdo na busca de
novo nicho de mercado (a Folha da Tarde na abertura política nos anos 80 e o Notícias
Populares da linguagem chula) e a troca de proprietários (as várias vendas da Folha, as
duas do Diário Popular e a do Jornal do Brasil, por exemplo) foram fatores enumerados
como marcas do fim de vida de um jornal. Na grande maioria dos casos, dois ou mais
desses pilares foram demolidos, nem sempre simultaneamente. Porém, em todas as
mudanças, inclusive as que o Diário Popular experimentou antes de se transformar em
mais um veículo das Organizações Globo o nome do jornal acabou sendo preservado.
Haveria uma exceção se fosse aceita como coerente a visão do Agora como
sucessor da Folha da Tarde, retirada do mercado pelo Grupo Folha, pois não houve
alterações na equipe que passou a produzir o novo título. No entanto, nesse caso,
diferentemente da substituição do Diário Popular pelo Diário de S. Paulo, a intenção dos
idealizadores da troca era claramente apagar da memória do público os referenciais da
marca suprimida, tendo inclusive sido adotada uma nova numeração. Curiosamente, a
estratégia desse lançamento vinculou o jornal ao “popular”, com a mensagem Agora, o
novo jornal popular de São Pauloe a campanha coincidiu com um momento em que o
então proprietário do Diário Popular, o ex-governador Orestes Quércia, almejava mudar a
imagem do jornal e competir com os que dominavam o mercado: Folha e Estado.
Quércia, cinco anos após o fracassso da operação promovida pelas Organizações
Globo garante que nunca pensou em mudar o nome do jornal. (QUÉRCIA, 2006). No
entanto, em depoimento a Marcela Batista, o então diretor de anúncios classificados,
Antonio Carlos de Souza Machado, garantia no auge do sucesso de vendas do jornal que a
medida era estudada pela diretoria. “Só que nós registramos mais três marcas registradas
(sic). Uma delas Diário de São Paulo, porque existe um projeto futuro de mudar por causa
da palavra popular que encontra uma rejeição, não nos classificados, mas nos anúncios
inseridos na parte editorial” (BATISTA, 2000, p. 94).
A respeito da importância do nome como catalisador dos referenciais de afetividade
conquistados por um produto, Kapferer (2004) afirma: “Um nome é uma força coesiva
dentro de sua clientela, o signo de uma confiança construída com paciência” (KAPFERER,
2004, p.37). No caso do jornal, isso fica bem patenteado pela manutenção dos títulos por
29
maior que seja a guinada dada à publicação e pela exploração sistemática das chamadas
datas redondas, como centenários e décadas. No caso do Diário Popular sua edição de 100
anos, em 8 de novembro de 1984, funcionou como revigorante em momento extremamente
delicado da empresa, permitindo-lhe iniciar lentamente o processo de melhoria de
equipamentos, com a compra das antigas rotativas dos Diários Associados, aquisição, em
um leilão judicial, no qual a marca Diário de S. Paulo fazia parte do pacote.
A sinergia marca-leitor também se comprova com a constatação de que pessoas ou
grupos ao decidirem investir no mercado de mídia optam pela compra de um título
existente, em vez de lançar um novo. A estratégia das Organizações Globo de ressuscitar
um título para substituir o Diário Popular, tem um precedente clássico na história do
jornalismo brasileiro, que é o caso do Correio Brasiliense, fundado em 1960, na capital
federal por Assis Chateaubriand, dentro de seu complexo de comunicação denominado
Diários Associados. Até hoje, a publicação traz, abaixo do logotipo, a referência
“Londres,1808, Hipólito José da Costa. Brasília, 1960, Assis Chateaubriand”, procurando
se legitimar como herdeiro daquele que é considerado por grande parte dos pesquisadores o
primeiro jornal brasileiro, mesmo tendo sido publicado em Londres. A mais simples análise
histórica, porém, comprova que nada une os dois jornais além da coincidência de títulos.
Outra evidência fundamental de que o jornal vive é seu público. Nesse sentido, a
diferença entre a circulação do Diário Popular e a do Diário de S. Paulo é indicador visível
de que houve a morte do primeiro. Em 2000, ainda tendo no logotipo o “popular”, a
publicação teve venda média, nas bancas da Grande São Paulo de 129.479 exemplares, em
2001 circulou 106 dias como Diário de S. Paulo, e esse número teve queda para 117.696
(variação negativa de -9,08%). Nesse período a soma da venda média em bancas da Grande
São Paulo, dos jornais paulistanos (Agora, Diário, O Estado de S. Paulo, Folha de S.
Paulo, Jornal da Tarde e Notícias Populares deixou de circular em janeiro de 2001 -)
caiu 12,85%, mas as publicações que se colocaram como herdeiras do “popular” tiveram
redução menor: o Agora perdeu 3,56% (de 104.739 para 101.007) e o Jornal da Tarde
4,72% (de 19.234 para 18.325)
13
. As variações revelam um início de migração de leitores.
O Diário de S. Paulo, segundo dados do Instituto Verificador de Circulação (IVC)
divulgados pela Folha de S. Paulo, seguiu em queda, fechando 2002 com venda média total
13
Dados do Instituto de Verificação de Circulação (IVC).
30
de 99,6 mil, indo a 81,1 mil em 2003, 78,9 mil em 2004 e 72,8 mil em 2005. Na troca, as
Organizações Globo, que se vangloriam de ser líder de mercado na grande maioria dos
segmentos onde atuam, viram o Agora lhe tomar a posição em 2004 com circulação média
de 80,2 mil, que passou a 80,6 mil em 2005. (CIRCULAÇÃO...,2006)
A discrepância entre a queda total (-14%) dos jornais brasileiros auditados pelo IVC
entre 2000 e 2005 e a perda (-44%)
14
do Diário de S. Paulo permite afirmar que o Diário
Popular teve sua última morte quando lhe privaram do estoque de referências acumulado
por seu nome em mais de um século. Kapferer (2004) adverte sobre mudança de marca:
“Com ela, evaporam-se todas as emoções associadas a esse nome, tanto interna, como
externamente [...] Cada mudança de marca é, portanto, um decréscimo de energia, uma
diminuição da prestação de serviço” (KAPFERER, 2004, p.37).
O depoimento de Ricardo Gandour, diretor responsável e diretor superintendente do
Diário de S.Paulo entre abril de 2002 e outubro de 2006, reforça a constatação.
Encarregado de estabelecer um plano de recuperação do novo título, ele revelou, cinco
meses antes de trocar de empresa, a certeza de que a operação de substituição aconteceu em
hora errada e em ritmo errado:
Quando eu cheguei aqui em abril de 2002, oito meses depois da mudança, eu
encontrei toda a cadeia de valor traumatizada. A cadeia se sentia dona do Diário
Popular, tinha uma relação de afetividade muito grande, o distribuidor, o
jornaleiro, o leitor, primeiramente, e até o anunciante. A empresa, no momento
em que oferta algo ao mercado ela quase que não é mais dona daquilo porque
passa algum tempo, aquilo se entranha, você mexe em um produto, a comunidade
reclama. (GANDOUR, 2006).
Nelson Nunes, que entrou na empresa em 1989 como chefe de reportagem do
caderno Esportes e foi um dos que elaboraram a última edição do Diário Popular e a
14
Variação da venda total dos veículos auditados pelo IVC, e a variação do Diário Popular/de São Paulo:
Período Total Auditado Diário
2001/2000 -2,7% -9,08%
2002/2001 -9,1% -22,81%
2003/2002 -7,2% -18,57%
2004/2003 +0,8% -2,77%
2005/2004 +3,9% -9,22%
31
primeira do Diário de S. Paulo, lembra que o clima na redação naqueles dias era de
desânimo e que a equipe entendia que se tratava da morte de um jornal.
Confesso que quando a gente fechou a última edição do Diário Popular, eu me
senti meio órfão. A redação sentiu demais. A redação do Diário tinha uma
característica de uma redação de “vestir camisa” de que se tivesse que trabalhar
14 horas, trabalhava, se tivesse que trabalhar sábado e domingo se trabalhava, não
era um jornalismo com estrelismo, era uma redação, uma redação horizontal, as
pessoas têm quase a mesma formação, o mesmo padrão de vida, os mesmos
salários, você não tinha essa coisa de ter uma estrela aqui, uma estrela ali. [...] e
para nós, era uma coisa meio paradoxal porque, inegavelmente, a gente via que o
produto estava dando um salto de qualidade, com a modernização da redação [...}
então a gente sabia que estava fazendo um produto melhor mas que,
romanticamente, você estava enterrando uma marca do passado. (NUNES, 2008).
1.2 Definir o “popular” é tomar posição
Ao justificar a morte do Diário Popular pela rejeição do mercado publicitário à
expressão “popular”, as Organizações Globo contribuem para reforçar uma das conotações
mais polêmicas agregadas a esse adjetivo: aquela que o coloca em conflito com o conceito
de “elitista” ou “não popular” ao qual reserva características positivas. O quadro teórico de
referências a respeito de cultura popular, gosto popular ou comunicação popular ressalta,
historicamente, o desafio enfrentado por pesquisadores na hora de conceituar o termo.
Revel (1989), na procura de uma trilha segura para a definição, prospecta diversos
estudiosos do tema e destaca uma constatação perturbadora: “O que é popular? No seu
estudo sobre ‘popular e povo’, Marcel Maget fala da ‘impossibilidade de definir’ e de
‘aporias
15
lógicas’. Soma e multiplica os critérios que a sua crítica remete para outros,
indefinidamente, até a vertigem”(REVEL, 1989, p. 59).
Bourdieu (1990, p. 182 e 185) também ressalta a sensação de “andar em círculos”
ao falar das formas de uso do povo por parte de intelectuais, religiosos e políticos. Ele
lembra que povo e popular são os alvos no jogo entre intelectuais e que as classificações se
inserem na questão de forma e conteúdo da produção cultural. Depois se pergunta: “mas
tudo o que dizem as pessoas comumente designadas como “o povo” é realmente “popular”?
15
Aporia, segundo o dicionário de Antonio Huaiss, disponível no portal UOL é definida por Aristóteles (384
a.C.-322 a.C.), problema lógico, contradição, paradoxo nascido da existência de raciocínios igualmente
coerentes e plausíveis que alcançam conclusões contrárias. O mesmo dicionarista se refere às aporias
formuladas pelo filósofo grego Zenão de Eléia (sV a.C.), que tinham por objetivo provar que as idéias de
multiplicidade e movimento conduzem o pensamento a impasses e contradições lógicas insuperáveis.
32
e conclui que volta ao ponto de partida, apesar de longe da concepção populista de povo”.
Finalmente, desabafa “em suma , a “cultura popular” é um saco de gatos”. (BOURDIEU,
1990, p. 186)
Stuart Hall é outro pesquisador que tem se empenhado na busca de caminhos
viáveis para conceituar “popular”. Ele se aproxima de Revel e Bordieu ao revelar a
complexidade da questão: Tenho quase tanta dificuldade com ‘popular’ como tenho com
‘cultura’. Quando colocamos os dois termos juntos, as dificuldades podem se tornar
tremendas” (HALL, 2003, p. 253).
O sociólogo jamaicano radicado na Inglaterra lembra:
o significado que mais corresponde ao senso comum: algo é popular porque as massas o
escutam, compram, lêem, consomem e parecem apreciar imensamente”. Ele prefere não
utilizar essa opção, que chama de comercial ou de “mercado”. (HALL, 2003, p. 253).
No entanto, Hall (2003) não descarta totalmente a opção por duas razões opostas: ao
mesmo tempo em que reconhece a força de manipulação da indústria cultural, ele não
aceita a idéia de as pessoas que consomem seus produtos serem consideradas como vivendo
em permanente estado de “falsa consciência”. O pesquisador também descarta a segunda
possibilidade que seria ver a cultura popular como “todas essas coisas que o ‘povo’ faz ou
fez por a considerar essencialmente descritiva e abranger um inventário que se expande
infinitamente. Sua opção é por uma terceira via que leva a definição de cultura popular para
uma posição de “tensão contínua (de relacionamento, influência e antagonismo) com a
cultura dominante”. (HALL, 2003, p. 253).
A amplitude do leque de opções para se interpretar a expressão justifica o alerta
feito por Ecléa Bosi, em sua análise sobre cultura popular: “a definição de cultura popular
não é tarefa simples; depende da escolha de um ponto de vista e, em geral, implica tomada
de posição”
(BOSI, 1972, p.53). Essa obrigatoriedade de se definir em qual patamar
semântico ou ideológico o observador vai se colocar é premissa básica na análise de
qualquer fenômeno social ou produto adjetivado como popular.
Apesar das várias recomendações sobre o cuidado na utilização de dicionários
como referência em trabalhos científicos, no caso do termo “popular” a consulta a dois
importantes pesquisadores das palavras no Brasil se constitui recurso epistemológico
válido, por trazer exemplos emblemáticos de como até a imparcialidade exigida de quem se
propõe a dicionarizar deixa espaço para tomadas de posição.
33
Holanda (1986, p.1365), enumera significados que denotam participação: “do ou
próprio do povo”, submissão: “feito para o povo”, capacidade de julgar: “agradável ao
povo, que tem a simpatia dele, democrático”, além de alguns que, através dos tempos,
agregaram denotação de caráter preconceituoso: “vulgar, trivial, ordinário, plebeu” Essa
pluralidade de interpretação dos significados propostos cede lugar a uma opção opinativa
do autor, quando remete a outros verbetes.
Seguindo a ordem alfabética temos: aura popular significando estima pública, casa
popular como “a que é construída por órgão de assistência social, para moradia de famílias
de baixo poder aquisitivo” (nessa acepção, observa-se a ligação do “popular” com pobreza),
edição popular, como “edição compacta, em papel barato, de certos textos publicados para
grande divulgação” (aqui reforça-se a referência ao baixo poder aquisitivo do “popular”
pela citação do “papel barato” e permite-se a analogia entre popularização e grandes
números).
No verbete nome, encontramos o reforço, enfatizado pela repetição, da ligação do
“popular” com vulgar. Nesse sentido, o autor do dicionário que passou a ser conhecido
popularmente ou vulgarmente como Aurelião”, registra: nome popular: “Bot e Zool: o
nome dado à planta ou animal pelo povo, tendo em vista, geralmente o aspecto, a qualidade
ou o emprego de uma ou de outra; nome vulgar” e “nome vulgar”: “nome popular”. É
interessante notar que essa equivalência se dá em um plano pragmático, como a feita por
Morin (2005, p.53): “os processos elementares de um processo de vulgarização são,
simplificação, modernização, maniqueização, atualização”. Em um de seus exemplos que
permite extrair significado positivo da vulgarização, Morin cita a transformação do clássico
da literatura francesa, “O Vermelho e o Negro” de Stendhal, em filme e folhetim.
Na referência que envolve de maneira mais visível a questão política do popular, o
dicionarista conceitua república popular: “Ciênc Pol. Designação dada aos Estados
constituídos por uma Frente Popular
16
formada por todas as correntes democráticas do país,
com hegemonia do proletariado e de seu Partido Comunista”. Nesse item, verifica-se a
referência à democracia popular: “Ciênc Pol. Designação comum aos regimes políticos
monopartidários dominantes nos países da área socialista”. Em democracia, encontra-se a
remissão à vulgocracia: “preponderância das classes populares”. A última indicação no
16
No verbete frente, HOLANDA (1986) não registra “frente popular”.
34
verbete “popular” é “sabedoria popular”: “sabedoria das nações, sendo que a essa confere-
se a definição “moral corrente expressa em provérbios, sabedoria popular”. No Dicionário
Houaiss da Língua Portuguesa, temos como principais definições:
1 - relativo ou pertencente ao povo, esp. à gente comum. Ex.: indignação p., 2 -
feito pelas pessoas simples, sem muita instrução Ex.: arte p., 3- relativo às
pessoas como um todo, esp. aos cidadãos de um país qualificados para participar
de uma eleição Ex.: voto p, 4 - encarado com aprovação ou afeto pelo público
em geral Ex.: político p. artista p. santo p. no Nordeste do Brasil, 5- aprovado ou
querido por uma ou mais pessoas; famoso ex.: ser p. junto à garotada, 6-que
prevalece junto ao grande público, esp. às massas menos instruídas Ex.: crendice
p, 7- dirigido às massas consumidoras Ex.: música p. 8-adaptado ao nível
cultural ou ao gosto das massas Ex.: edição p. de um clássico da literatura,
espetáculo p. 9- ao alcance dos não ricos; barato Ex.: ingressos a preços p..)
(HOUAISS, 2008, versão digital)
Note-se a contradição entre o primeiro significado que coloca a “gente comum”
como uma parte do povo e o quarto que fala em aprovação pelo “público em geral”. A sexta
definição faz nova restrição de foco ao ressaltar “massas menos instruídas” exemplificando
com crendice popular. A oitava possibilidade também fala em massas, repetindo o exemplo
de Holanda da edição popular e permitindo a mesma correlação com o conceito de processo
de vulgarização definido por Morin (2005). Por fim, a nona acepção revela a preocupação
em não ser preconceituoso ao tomar a posição de registrar “não ricos” em vez de pobres.
Ao se referir a sinônimos de “popular”, Houaiss remete à antonímia de arbitrário e à
sinonímia de comum. Nesse caminho, encontramos “popular” no final de uma seqüência
alfabética composta por: “benevolente, benigno, democrata, democrático, humano, justo e
liberal” . Na lista de sinônimos de comum, “popular” está entre 52 definições das quais
podem se destacar: “igual, normal, ordinário, simples, trivial e vulgar”. (HOUAISS, 2008) .
Das acepções cristalizadas nos dicionários consultados e das propostas de definição
encontráveis no quadro teórico de referências, emerge uma questão desafiadora: O
“popular” é o “feito pelo povo” ou o “feito para o povo”? As duas alternativas são
defensáveis (característica de aporia proposta por Maget), dependendo do lugar de
observação onde se coloca o pesquisador. A primeira se fundamentaria em um dogmatismo
histórico, garantindo ao povo o papel de sujeito das transformações de suas preferências e a
segunda em argumentos pragmáticos da economia e do marketing, encarando o povo como
consumidor de produtos, inclusive culturais, que possuem características específicas.
35
Como a primeira encontra dificuldade para se viabilizar em um momento
econômico onde a competitividade é acirrada e implanta modelos globalizados de produtos
e a segunda, dentro de seu viés capitalista-mercadológico, só é facilmente aplicável quando
se o “popular” como adjetivo de produtos individualizados, a opção que o projeto adota
é a de seguir pelo meio termo, num ponto em que as duas vertentes confluem. Assim, o
“popular” seria “feito para e pelo o povo”, reservando-se ao povo o papel de contribuinte
na “feitura” (produção) dos parâmetros do produto, ao validar por sua preferência o que os
produtores culturais decidiram fazer para ele.
1.2.1 O jornalismo popular e o “popular” no jornalismo
Todas as considerações e condicionantes explicitadas na análise da conceituação de
“popular” quando se refere à cultura são cabíveis no debate sobre o jornalismo popular. A
contraposição entre o “feito pelo povo” e “feito para o povo”, se revela até mais
ideologizada, como se depreende do artigo “Jornalismo da Exclusão”, do conceituado
professor e pesquisador Carlos Chaparro veiculado pelo portal Comunique-se:
Durante alguns dias comprei, em São Paulo, jornais daqueles que se auto-rotulam
de “populares”. E é impressionante como até nesses jornais o discurso
preponderante é o das elites. De um desses jornais, o Agora São Paulo, guardo
manchete exemplar, da edição de 30 de novembro: “Veja como escolher a
previdência privada”. Que operário, que trabalhador, que morador de Capão
Redondo te condições financeiras e perspectivas de vida para pensar em
previdência privada?... Jornalismo popular é aquele que capta, compreende e
relata a atualidade na perspectiva oposta à das elites.(CHAPARRO, 2003)
Em 3 de fevereiro de 2003 Gisela Taschner, em entrevista a Leda Letra da
Faculdade de Comunicação Cásper Líbero, seguia na mesma linha:
Nunca vi o povão fazendo jornal para si mesmo. Então não podemos falar em
jornalismo popular e sim em jornalismo popularesco. A partir disso, passamos à
cultura de massa. Nos anos 60, apenas 15% dos operários paulistas liam jornal. O
primeiro jornal popularesco foi Última Hora (UH), que tinha antes de tudo uma
mensagem política com o intuito de divulgar as idéias de Getúlio Vargas.(...).
Depois apareceu o Notícias Populares, que difere do UH por não ter lado político
(TASCHNER, 2003, entrevista).
36
É importante ressaltar que Taschner olha o jornal com a visão de administradora,
tendo, inclusive, produzido uma obra clássica no assunto (GOLDENSTEIN, 1987). Sua
inclusão como referência ao se buscar um ponto de observação para determinar qual a
vertente adequada para se debater o “popular” no jornalismo tem como objetivo mostrar
como o conceito se flexibiliza. Ela, que foi peremptória na afirmação acima, em seu livro
havia definido a Última Hora como “popular”, tendo inclusive enquadrado o Notícias
Populares na mesma categoria, mas com concepções diferentes. Baseada na distribuição de
vendas em banca dos jornais envolvidos em seu estudo pelos bairros da capital, a
pesquisadora conclui: “além de Notícias Populares e Última Hora, podem ser considerados
populares os jornais; O Dia (com as limitações assinaladas), O Esporte, A Hora (já finada
quando do lançamento do Notícias Populares), A Gazeta Esportiva e o Diário da Noite”
(GOLDENSTEIN, 1987, p. 93 e 114)
A mudança de sua posição, inclusive colocando na argumentação mais recente a
questão da cultura de massa serve também para enfatizar a amplitude do leque de opiniões.
Na área da linguagem, por exemplo, observa-se a utilização de dois rótulos para
publicações que, do ponto de vista de conteúdo, tinham perfis semelhantes. Pedroso (2001)
analisa o discurso de A Luta, extinto jornal carioca que define como “sensacionalista” e
Dias (2003) prefere a classificação “popular” ao colocar o Notícias Populares como objeto
de seu estudo sobre a utilização da oralidade no discurso do jornal. É importante lembrar
que esse segundo título se tornou exemplo emblemático de publicação feita para o povo,
mas também “feita a partir do povo”, como comprovado em Proença (1992).
Na tentativa de resolver os dilemas gerados pela dificuldade de definir “popular” e,
por extensão jornalismo popular e jornal popular, os pesquisadores deste campo se
empenharam na busca de uma lvula de escape. A opção que vem dando sinais de ter
mais chances de se impor é a de usar a classificação “popular-massivo” ou simplesmente
“massivo”. A classificação utilizada por Lopes (2003) e Bernardes (2004) afasta-se da
inferência ideológica do “popular” e, ao privilegiar a abrangência do público atingido por
veículos nela enquadrados, remete ao conceito de “cultura de massa” e de homegeinização.
O conceito “cultura de massa”, principalmente nos anos 70, se colocou no centro de
estimulantes polêmicas acadêmicas, com intelectuais de expressão reduzindo-o à condição
de “indústria”, principalmente a partir do destaque conseguido pelos teóricos da Escola de
37
Frankfurt. A homogeneização foi usada pelo sociólogo francês Edgar Morin, em sua análise
sobre a tendência do conteúdo dos jornais e produtos culturais europeus e norte-americanos
no final da década de 60. Seu diagnóstico referenda a classificação de “indústria cultural”.
Diz ele que os meios de comunicação e de entretenimento começaram a padronizar
seus produtos na tentativa de satisfazer “um público universal”, “se destinando a todos e a
ninguém” (MORIN, 2005, p. 35). Em Lopes (2003), verifica-se uma visão mais branda do
fenômeno e a explicitação do massivo como alternativa aos que não desejam aprofundar-se
na delimitação do espaço da cultura popular e da cultura erudita, ou “elitista”, ou “não-
popular”. A pesquisadora frisa a abrangência maior do massivo, que pode comportar o
“popular’ e o “não-popular”:
A cultura de massas, por ser a forma histórica em que a cultura se organiza no
capitalismo atual, concomitantemente às fortes tendências de homogeinização
que põe em marcha, repõe as distinções sociais em outro patamar, reproduzindo e
produzindo novos hábitos de classe. Portanto, o enfoque macroestrutural e
histórico da cultura de massas permitiria falar do massivo como um dos modos de
existência do popular e também do não popular (elementos culturais de outras
classes) numa sociedade hoje.(LOPES, 2003, p. 53)
A opção de se direcionar o debate para uma nova vertente envolve dois riscos. O
primeiro é o de se estabelecer apenas uma mudança de rótulo. O segundo (mais grave) é o
de cristalizar o preconceito de que o “popular” não se transforma ou evolui. Assim, para
cumprir uma exigência ideológica de manter o termo como conceito puro, os defensores da
preservação do “popular”, paradoxalmente, podem cair na armadilha de dar argumentos aos
que Canclini (2006) chama de modernizadores, quando esses ligam o culto e o “não-
popular” ao moderno e hegemônico e o “popular” ao tradicional e subalterno.
A bibliografia sobre cultura costuma supor que existe um interesse intrínseco dos
setores hegemônicos em promover a modernidade e um destino fatídico dos
populares que os arraiga às tradições. Os modernizadores extraem dessa oposição
a moral de que seu interesse pelos avanços, pelas promessas da história, justifica
sua posição hegemônica, enquanto o atraso das classes populares às condena à
subalternidade.
(CANCLINI, 2006 P. 206)
Evidentemente é essa visão que justifica o inconformismo de Ruy Mesquita ao
admitir que o Jornal da Tarde precisou popularizar-se. Por outro lado, não dúvida que
os modernizadores” definidos por Canclini são maioria no mercado publicitário que as
38
Organizações Globo alegam ter pesquisado e que a inspiraram a tirar das bancas o Diário
Popular. Ainda parece prematuro, no caso específico do jornalismo, se criar a classificação
“massivo” distinguindo-a da “popular”. Mais adequado é, lembrando-se a linha definidora
de “feito para e pelo povo”, notar que o ”popular” também é reflexo da evolução da
sociedade e, por isso, não é conceito estático. Além disso, sempre focando o jornalismo
como objeto de análise, há sinais evidentes no conteúdo das publicações “elitistas” ou “não-
populares” de que elas também experimentam uma ampliação de sua pauta de interesses,
cedendo espaço em suas páginas a temas que já foram quase exclusivos do segmento
popular.
Na mídia impressa diária paulistana, Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo têm
dado seguidas demonstrações de que a utilização do repertório de assuntos “populares”,
principalmente nas notícias envolvendo crimes, celebridades, esportes e ocorrências
pitorescas se transformou em atrativo para seus leitores. A partir dessa constatação, que
significa o reconhecimento de uma conquista de espaço do “popular”, seria injusta a criação
de um novo adjetivo para definir o local onde se amalgamam as preferências do povo.
Na verdade, o que se observa na trajetória da Imprensa é que a discussão sobre
jornalismo popular pode perfeitamente ser substituída pelo debate sobre o “popular” no
jornalismo. E o caso do Diário Popular serve adequadamente a esse objetivo, tornando-se,
inclusive, mais fascinante pelo complicador de ter a polêmica característica em seu
logotipo, o que teria motivado seu desaparecimento. Com relação à argumentação das
Organizações Globo também é importante lembrar que são muitas as publicações no Brasil
que se mostram sólidas no mercado tendo a expressão “popular” ou “povo” em seus
logotipos. A capital do estado de Goiás, Goiânia, tem como líder de mercado o jornal O
Popular, fundado em 1938 e que segundo o IVC teve, em abril de 2007, circulação média
de 31.135 exemplares nos dias úteis e 49.882, aos domingos
17
. Em Fortaleza, O Povo, que
existe 80 anos, disputa espaço junto às classes A e B com o Diário do Nordeste e seu
conteúdo se assemelha em muito ao dos jornais chamados “não-populares” do Rio e São
Paulo, especialmente por reproduzir colunas compradas das agencias Globo e Estado. Um
dos orgulhos de seus dirigentes é ser o segundo jornal do país a ter ombudsman
18
.
17
Dados em http://portalimprensa.uol.com.br/mapa/velhos/tabela_jornal_resultado.asp. Acesso 08 jun.2008.
18
Ombudsman é uma palavra sueca que significa representante dos cidadãos, na Imprensa designa o
representante dos leitores na redação dos órgãos de comunicação.
39
Na região Sul, duas capitais têm veículos com nomes relacionados a povo. Porto
Alegre tem o Correio do Povo, uma das publicações mais tradicionais do país, que
enfrentou sérias dificuldades financeiras, mas sempre primou por ter seu noticiário e seu
público-alvo enquadrados na classificação “não-popular”. Também a Gazeta do Povo de
Curitiba, fundada em 1919, pode ter seu perfil enquadrado em definição similar. Nessa
cidade, desde 1963, circula o Diário Popular de pequena tiragem, mas que não seu
desempenho comprometido pelo nome. Na gaúcha de Pelotas, circula um jornal centenário
(fundado em 1896) com o nome de Diário Popular e cuja história não mostra nenhum
momento em que assumiu característica de “popular”.
A paulista Campinas, com cerca de um milhão de habitantes, registra fenômeno
curioso: seus dois principais jornais são o Correio Popular e o Diário do Povo, atualmente,
propriedade da mesma empresa. O ex-governador Orestes Quércia, que foi proprietário do
Diário Popular, também foi dono do Diário do Povo e conta que, diversas vezes, ouviu dos
responsáveis pelo departamento comercial que o jornal era rejeitado pela elite da cidade e
por grandes anunciantes, devido à palavra “povo” no logotipo. Segundo ele, a resposta
quando se indagava qual o jornal da elite era o Correio Popular (QUÉRCIA, 2006)
Vale lembrar que diversos autores ligam o conceito de “popular’ ao produto que
vende mais, e, em todo mundo, cristalizou-se o dogma de que jornal popular implica em
grande tiragem. Porém no universo deste projeto (mídia impressa diária na capital
paulistana), descartados os especializados em economia, temos três títulos “populares’
(Agora S.Paulo, Diário de S.Paulo e Jornal da Tarde) contra dois “não-populares” (O
Estado de S.Paulo e Folha de S.Paulo), sendo que a circulação desses é o triplo dos
“populares”, segundo os dados do IVC de 2005. Essa inversão de posições, que não ocorre
em outras grandes capitais como Rio de Janeiro, Porto Alegre e Belo Horizonte, não parece
se relacionar apenas à diminuição do poder aquisitivo da população, porém também à
aproximação de conteúdos dos dois segmentos.
E a aproximação continua com o advento da chamada cibercultura. Hoje, os
principais portais informativos da internet oferecem ampla cobertura dos assuntos ligados à
vida de celebridades, incluindo as aventuras dos personagens da ficção, aos variados
esportes e aos casos policiais, temas preponderantes no repertório do jornalismo popular.
40
Além disso, oferecem espaço expressivo a notícias curiosas que também se enquadram na
definição de faits divers, da maneira como Barthes (2003) conceitua estas informações:
O fait divers é uma informação total, ou mais exatamente, imanente (grifo de
Barthes), ele contém em si todo seu saber, não é preciso conhecer nada do mundo
para consumir um fait divers, ele não remete a nada além dele próprio,
evidentemente seu conteúdo não é estranho ao mundo: desastres, assassínios,
raptos, agressões, acidentes, roubos, esquisitices, tudo isto remete ao homem, a
sua história, a sua alienação, a seus fantasmas, a seus sonhos [...] ele constitui um
ser imediato total, que não remete, pelo menos formalmente, a nada de implícito.
(BARTHES, 2003, p. 58-59)
41
CAPÍTULO 2 O nascimento e o financiador esquecido
2.1 A escolha do nome e a “maquiagem” da primeira página 110 anos depois
A escolha do nome Diário Popular, que acabaria se transformando em motivo de
sua morte, não é explicada em nenhum dos vários relatos sobre o nascimento do jornal
encontrados em suas páginas. A despreocupação dos fundadores em abordar esse ponto
mostra que o termo “popular”, no Brasil de então, não estava impregnado das
42
características conflituosas que veio agregando com o passar do tempo. Era auto-
explicativo em seu significado etimológico estrito de “relacionado ao povo”.
Por outro lado, apesar de o país, no fim do século XIX, possuir uma divisão de
classes marcadamente estabelecida, o conceito de povo depreendido dos textos dos jornais
que circulavam na capital e dos discursos políticos reproduzidos em suas páginas, se
conectava à definição dos dicionaristas de “conjunto de indivíduos que falam a mesma
língua, têm costumes e hábitos idênticos, afinidade de interesses, uma história e tradições
comuns”. A conotação restritiva de “o conjunto de pessoas pertencentes às classes menos
favorecidas, plebe” (HOLANDA, 1986, p.1375), se manifesta a partir da aceleração do
processo de urbanização e industrialização no início do século XX, devida à intensificação
da chegada de estrangeiros ao país e à migração da população rural para as cidades.
Nesse sentido, é ilustrativo registrar a preocupação dos jornais da época em evocar
o povo como bloco único. Ao noticiar, em estilo festivo, o fim da escravidão, tanto A
Província de São Paulo, que aderiu efetivamente à causa apenas às vésperas da Lei Áurea,
quanto o Diário Popular, que tinha entre os envolvidos em sua fundação abolicionistas
históricos, fizeram referência à vontade popular e mesmo o Correio Paulistano, contrário à
abolição, saúda a mudança, referindo-se à unidade da população. Capelato (1988) reproduz
trecho de A Província ressaltando a participação do povo e do Correio propondo o
esquecimento das lutas e a unificação do corpo social:
Ignoram-se aqui as lágrimas, suor e sangue dos negros no cativeiro e suas lutas
pela liberdade. O Correio propõe, em seu lugar, “lágrimas de benção e redenção”,
o esquecimento, enfim. O conflito entre escravagistas e abolicionistas também
desaparece na festa: “Não vencidos nem vencedores, brasileiros filhos da
mesma terra. [...] Os dizeres de A Província de S. Paulo são significativos ‘O
general que dirigiu a batalha e conquistou a vitória foi esse grande anônimo que
se chama povo [...] Glória a pátria que se engrandece libertando os pacientes
cooperadores de seu progresso (15/5/1888)(CAPELATO, 1988, p. 41, grifo do
original)
O Diário também se preocupou em dar crédito ao povo: “No dia 14 de maio, o
Diário Popular dá na primeira página íntegra da Lei Áurea, com comentários diversos e um
parágrafo editorial bem interessante: ´Bem raro, em nossa terra, o poder executivo é, como
agora, mero executor de um decreto do povo’”( O PAÍS..., 1984).
43
A proximidade entre as três publicações na contextualização do povo como o todo
social torna improvável a ilação feita em alguns textos comemorativos mais recentes
encontrados nas páginas do Diário Popular de que a opção pelo título implicava em
posicionamento político. Também não como se aceitar que a escolha visava atingir um
novo nicho do mercado. Essa conclusão indevida sobressaiu-se em 2004, quando, já com o
nome Diário de S. Paulo, foi produzido um livro comemorativo dos 120 anos do jornal,
com as primeiras páginas consideradas mais importantes pelos organizadores, em cuja
apresentação, lê-se:
O Diário nasceu com o nome de Popular e isso não era apenas uma marca, mas o
compromisso de uma publicação que não queria ‘perder de vista os interesses
municipaes’ como escreveu um dos fundadores Américo de Campos, na primeira
página da edição de número 1, de 8 de novembro de 1884. ‘Podem ver aí o desejo
de fazer popularidade ou meio de ter à mão assunto fácil’, acrescentou ele, sem
receio, referindo-se a temas que outras publicações consideravam menores,
inconvenientes ou até escandalosos. (LEITE ; NUNES, 2004)
A conclusão indevida de que o jornal iria dar espaço a assuntos desprezados pelos
concorrentes se origina na falta de comparação com as edições dos outros dois jornais de
destaques na cidade, na época e em uma operação de “maquiagem” da primeira página do
jornal número 1, ordenada, em 1994, pela diretoria da empresa, comandada pelo
superintendente Ricardo Saboya. Como o original da página estava em avançado estado de
deterioração e com rios trechos perdidos, para conseguir melhor efeito estético em livro
comemorativo dos 110 anos do Diário Popular (OLIVEIRA, S., 1994), distribuído como
brinde a clientes de destaques, agências publicitárias e formadores de opinião, foi feita uma
montagem de nova página. Com a operação de lesa-memória, desapareceram os trechos
ainda legíveis do verdadeiro editorial de apresentação do jornal.
O texto citado, 10 anos depois, como base para a ilação de que a publicação seria
“popular” em um dos sentidos do termo atualmente em debate, na verdade, saiu no número
2, que circulou em 10 de novembro de 1884. E o problema, que poderia ser definido apenas
como um erro de data, é mais complexo, quando se descobre que o texto, assinado por A.
Campos, teve vários parágrafos suprimidos o que prejudica a interpretação do que ele
pretendia ao valorizar os “assuntos municipaes”, especialmente o fundo político de sua
44
reflexão. Um dos trechos deste artigo revela sua crença na educação política da população
para se atingir seu objetivo de estabelecer um regime republicano no país.
E nada melhor para, além do mais, para fazer republicanismo ensaiando
democracia pratica no proprio
19
estudo e coordenação do actual e desordenado
viver municipal, imaginando no municipio um pequeno Estado estudando em
escala minima e de mais accessivel comprehensão os vicios que temos, as
virtudes que nos faltam ou sobram, aprendendo, assim, ao vivo, a ver como o
governante é em summa a imagem e o producto do governado; como um pelo
outro modificam-se, transformam-se e completam-se e por último como é
profundamente verdade que os governados são cumplices e os melhores
responsáveis do governo que tem e mantem. (CAMPOS, 1884, grifos do original)
Batista (2000) reproduz o texto mutilado, após afirmar “Isso tudo aconteceu em
outubro de 1884 e um mês depois começava a circular o Diário Popular. No editorial de
estréia, o título dizia tudo, ‘Uma promessa’” (BATISTA, 2000, p.52). A pesquisadora,
por ver o texto como editorial de estréia
20
e sem ter acesso à sua versão completa, também
deduziu que havia uma orientação diferenciada no novo jornal. Ela, inclusive, colocou a
reprodução da gina adulterada como anexo de sua dissertação. A descaracterização da
página foi praticamente total. Apenas o logotipo, tendo ao lado a discriminação de preços e
o endereço do jornal, o expediente e o comunicado pedindo a quem, recebendo o jornal e
não desejando assiná-lo que o devolve são iguais aos da página verdadeira
21
. Não fazem
parte da verdadeira página: as colunas Lettras e Artes”, Um pouco de tudo”, onde se
informações sobre um Congresso de Medicina em Copenhague e orientações para “evitar as
convulsões das creanças” e Notícias”, miscelânia de informações que iam de um torneio
de xadrez a um caso de loucura em Paris onde um comerciante assassinou o sócio.
Na gina original, além do editorial assinado por A. de Campos e José Maria
Lisboa, iniciado com a frase “São necessárias duas palavras para explicar nosso
apparecimento á frente deste jornal”, estão legíveis a matéria sobre três exposições
industriais que aconteceriam pelo mundo nos dois anos seguintes e a seção Cartas do
Rio”. O capítulo do folhetim “Os dois maridos de Martha” de Gabriel Ferry, com tradução
19
Com o objetivo ilustrativo de mostrar a evolução ortográfica verificada desde a fundação do Diário
Popular, optou-se pela transcrição fiel dos textos dos jornais pesquisados usados em citações.
20
Além de o texto não constar da primeira edição, não pode ser considerado como editorial, pois teve apenas
a assinatura de Américo de Campos. a apresentação feita na primeira página correta é assinada por Campos
e José Maria Lisboa se aproximando do conceito de editorial que é a opinião do veículo e de seus donos.
21
Ver anexos A1 e A2.
45
de Horácio de Carvalho, que está na página montada, em vez de ser o início da trama é a
parte que saiu na edição de número 3. Felizmente, a perda não foi total, graças ao cuidado
do responsável pelo arquivo do jornal, na época da montagem, Manuel Pereira do Valle Jr,
que se preocupou em conservar num cofre do departamento as duas versões. Ele afirma que
a página original se encontra em microfilme no acervo da Biblioteca Nacional, no Rio de
Janeiro, porém a instituição fornece a quem solicita o número 1 do jornal, a página
montada. A leitura do editorial de apresentação dos fundadores também é possível
consultando-se a página 2 da edição de 11 de novembro de 1.884 do Correio Paulistano
que saudou o surgimento do novo jornal e reproduziu as palavras de Campos e Lisboa. Esse
exemplar encontra-se em microfilme na hemeroteca do Arquivo Público do Estado de São
Paulo. Ironicamente, o livro onde se reproduziu a montagem que induziu a seguidos erros
tem como introdução uma crônica de Lourenço Diaféria, então colunista do jornal, onde se
registra no primeiro parágrafo;
Mais que rosto, a Primeira Página de um jornal reflete sua personalidade. E com
freqüência, suas intenções. Vale isto para os jornais que nascem por instinto e
para os que nascem por vocação. [...] A Primeira Página é o editorial da vida.
Nesse espaço, onde o leitor é o primeiro donatário, o argumento mais válido e
irrefutável são os fatos. Os fatos grandes e pequenos de todos os dias. No caso de
alguns raros jornais, os fatos que marcam mais de um século. Um poeta diria,
como disse, que a Primeira Página do jornal se funde e se confunde com os sustos
do cotidiano. O resto do jornal, às vezes, é mera seqüela (DIAFÉRIA, 1994).
2.2 Um novo ator em um cenário onde jornal significa instrumento político
As biografias dos envolvidos no lançamento do Diário Popular, Américo de
Campos e José Maria Lisboa, considerados historicamente como fundadores do jornal
22
,
Antonio Bento de Souza e Castro, incentivador e responsável pela viabilização da
empreitada, e Aristides Lobo, o mentor político, indicam que o projeto foi um amálgama de
interesses comerciais, pessoais e ideológicos. Entre os motivos pessoais, se destacavam a
necessidade de suprir a própria subsistência, especialmente no caso de Lisboa, e provar a
capacidade profissional. O editorial publicado na primeira gina do número 1, mostrava
que continuar no ramo era a melhor maneira de perseguir este objetivo: “experimentados
22
Além dele e de Américo de Campos, Lisboa cita, em 10 de junho de 1895, Hipólito Junior como sócio.
46
nestes labores, tendo-lhes um certo amor, e ao mesmo tempo, diga-se com franqueza
pouco preparados para abraçar nova vida;-que fazer?”.
Sobre a saída dos dois de A Província de São Paulo, o jornal que tinham ajudado a
fundar em 1875, existem versões controversas a respeito das circunstâncias em que ela
ocorreu. Sodré (1999, p. 228) assinala que: “Em 1884, A Província de São Paulo assumia
posição francamente republicana. Nesse ano, José Maria Lisboa abandonava a gerência do
jornal para fundar com Américo de Campos, o Diário Popular”. Duarte (1972, p.20)
registra: “o único jornal realmente de importância surgido na época foi o Diário Popular,
cuja fundação se deve ao fato de Alberto Sales haver despedido de A Província de São
Paulo, Américo de Campos e José Maria Lisboa”. Batista (2000, p. 52) ressalta “Mas em
1884 a chefia de A Província foi mudada. Um novo sócio apareceu. Alberto Salles, que
dispensou os serviços de Américo de Campos, Horácio de Carvalho e outros. Lisboa não
chegou a ser demitido, mas saiu por estar insatisfeito com os novos rumos tomados”.
A versão da saída voluntária, inclusive consta da cronologia histórica do Grupo
Estado, disponível em seu portal da internet, onde registra-se: “1884- Alberto Salles, irmão
de Manuel Campos Salles, entra na sociedade injetando capital, tornando-se diretor-
gerente. Américo de Campos e José Maria Lisboa saem contrariados com a campanha anti-
lusitana empreendida pelo novo sócio e fundam o Diário Popular(CRONOLOGIA, [199-
?). Porém no editorial do primeiro número, citado acima, assinado pelos dois sócios,
encontra-se claramente “Postos inesperadamente á margem pela nova empreza da A
Província, como é sabido, póde-se dizer que ressurgimos de um mergulho”(CAMPOS ;
LISBOA, 1884 p.1)
Lisboa ainda, no dia 10 de junho de 1895,
em texto de primeira página no qual lembra estar
completando 39 anos de sua chegada a São Paulo,
faz um resumo de sua trajetória na cidade e deixa
claro ter sido demitido: Escreveu ele: “A 9 de
outubro de 1884, tendo entrado como cio para
a Província de São Paulo o dr Alberto Salles,
nesse mesmo dia, esse senhor dispensou os serviços do dr Américo de Campos, Horário de
Carvalho e os meus” (ASSUMPTOS..., 1895) No aniversário de 11 anos do jornal, um
47
artigo, sem título e ilustrado pelas fotos de Lobo, Lisboa e Campos, assinado por Furtado
Filho, que se transformara em responsável pela publicação diante de problemas de saúde
de Lisboa (então único proprietário do veículo), reforça ter sido a dispensa uma surpresa e
expõe a mágoa dos atingidos:
Um desgosto grande, sem duvida causou um facto desta ordem. [...].Compreende-
se facilmente o que vai de magoa num espírito, quando um homem se sente
exhausto e se inopinadamente sujeito a recomeçar a vida porque um superior
passa a esponja num passado de serviços e sacrifícios, no prurido de reformar,
apertando os cordões da bolsa. (FILHO, 1895).
Aliado ao interesse pessoal da dupla de provar a capacidade de iniciar uma nova
empresa, havia a perspectiva de se aproveitar comercialmente da simpatia que Lisboa
desfrutava entre os portugueses, que se sentiriam ofendidos com o preconceito do novo
diretor da Província. Na saudação ao novo jornal, o Correio Paulistano se refere a esta
ligação entre o ex-gerente da Província e seus conterrâneos:
Mas o Diário vae ter, tambem, no sr. José Maria Lisboa um valioso factor de
bom êxito. Gozando de bem conquistada reputação de honestidade, dotado de
inexcedível actividade, profundamente conhecedor da organização dos jornaes
nacionaes e de todas as questões administrativas, technicas e economicas relativas
a publicidade, o sr José Maria Lisboa tem direito de esperar do publico e
sobretudo do commercio a animação que lhe desejamos. Entre os commerciantes
desta cidade são numerosos os amigos do laborioso ex-administrador da
Província de S. Paulo, cumprindo destacarmos principalmente, os commerciantes
portugueses á cujos interesses o sr José Maria Lisboa tem consagrado longa e
inteligente dedicação” (DIÁRIO..., 1884).
Assim, o fator pessoal do orgulho profissional ferido e a possibilidade de atrair
leitores e, especialmente, anunciantes ligados à colônia portuguesa se uniram à motivação
política. Dos quatro envolvidos na empreitada, Lisboa era o que tinha a mais discreta
atuação na vida partidária, apesar de defensor dos ideais republicanos e abolicionistas.
Aristides Lobo, que seria o correspondente no Rio, estava envolvido desde 1870, em
campanhas pela Proclamação da República e Campos, além de militante dessa causa e
importante participante da fundação do Partido Republicano em São Paulo, também tinha
se empenhado na luta abolicionista. Antonio Bento, por sua vez, era defensor apaixonado e
radical do fim da escravidão e se mostrava convencido de que seria impossível atingir
esse objetivo, lutando apenas através das páginas de jornais e discursos políticos.
48
Utilizando-se parâmetros conceituais da atualidade, é certo afirmar que estar ligado
à defesa da Abolição significava ser mais “popular”, na medida em que o movimento,
mesmo contando com o apoio de alguns membros da aristocracia, era liderado por
intelectuais (poetas, jornalistas, etc) e profissionais liberais e comerciantes. a luta pela
República, apesar de agregar o amplo apoio dos intelectuais (a grande maioria deles era
adepta das duas reivindicações), era financiada por pessoas destacadas da elite do final do
século XIX. Além disso, é importante ressaltar que as duas causas, apesar de se confluírem
nos últimos anos do Império, não conviveram harmonicamente nas suas origens. Os jornais
de expressão que defendiam a república, mesmo contando com abolicionistas notórios entre
os colaboradores, hesitavam em colocar o fim da escravidão como destaque em suas
páginas, pois não podiam afastar os fazendeiros a quem procuravam atrair para a luta contra
a monarquia e que viam na libertação dos escravos uma forte ameaça para seus negócios.
Essa condicionante levou a que A Província de São Paulo tenha ampliado seu
espaço para o tema quando era irreversível a libertação e após o Partido Republicano se
posicionar favoravelmente à medida. Sobre esse tema, Costa (1982) assinala:
Durante o ano de 1887, o Partido Republicado paulista, que receoso de perder o
apoio dos fazendeiros evitara se definir em relação à questão da emancipação dos
escravos alegando sempre que era uma questão de responsabilidade dos partidos
monarquistas mudou de tática. Decidiu-se a apoiar, publicamente, um projeto-de-
lei libertando os escravos em 14 de julho de 1889, ocasião do centenário da
Tomada de Bastilha, símbolo da Revolução Francesa (COSTA, 1982, p. 91).
Dilema semelhante marcou os primeiros dias de vida do Diário Popular, tendo esse
choque de interesses sido determinante para que fosse empregado tom bem menos
contundente na defesa da Abolição se comparado com a firmeza das críticas à Monarquia.
Apesar da falta de registro claro de que essa posição política foi necessária para a
viabilidade econômica do jornal, é fácil encontrar-se indícios de que não lhe convinha ser
claramente vinculado ao abolicionismo. Percebe-se isto pelo distanciamento de suas
páginas do polêmico Antonio Bento, que, além de não ser citado nas primeiras edições, não
assina nenhuma colaboração no jornal. O número 2 do Diário Popular traz um artigo de
primeira página, cuja assinatura B (iniciais eram muito usadas na época como crédito a
textos) pode ser considerada uma pista de autoria, porém se o tom incisivo do conteúdo
permite a ligação, a qualidade da redação indicaria que, no mínimo, ele foi revisado por
49
alguém mais hábil com o manejo das palavras e da gramática. A esse respeito, Duarte
(1972) observa: “Conheciam-se os artigos de Antonio Bento não apenas por esse
característico de vigor, mas também pela redação e falta de gramática com o que pouco
se importava o seu autor” (DUARTE, 1972, p.21).
O indicador mais claro da vinculação do jornal com a questão abolicionista se revela
na ausência em suas páginas de anúncios sobre escravos fugidos, que eram normais em A
Província e no Correio. Por outro lado, reforça a constatação de que não era conveniente a
um jornal que desejasse angariar leitores e anunciantes ter sua linha editorial estigmatizada
como abolicionista, a forma encontrada pela Província para a se referir à fundação do novo
jornal. Inserida na rubrica Chronica Local”, na primeira página da publicação, em 8 de
novembro de 1884, aparece a informação: “Os abolicionistas da capital, precedidos da
banda de musica da N.S. dos Remédios, foram cumprimentar o dr Bittencourt Sampaio
Filho, que hontem recebeu o gráu de bacharel em sciencias jurídicas e sociaes. Ao passarem
pelo escriptorio do Diario Popular, levantaram enthusiasticos vivas á imprensa abolicionista
e ao dr Américo de Campos, redactor daquella folha” (CHRONICA...,1884)
A nota é inusitada por ter saído em um jornal matutino no dia em que circularia à
tarde o primeiro número do novo jornal e por procurar adiantar ou denunciar a posição
ideológica do Diário Popular. Posição esta que não é claramente definida no editorial de
apresentação, assinado por Campos e Lisboa, cujos nomes aparecem na primeira edição sob
o logotipo e com as funções de redator chefe e gerente, respectivamente. A preocupação
dos dois, além de explicar o aparecimento do jornal é de ressaltar a desvinculação com
grupos políticos ou econômicos, como se depreende do trecho:
Eis-nos, pois de novo na imprensa: não na imprensa fundada á custa de muitos,
assente em fortes capitaes e cercada de abastados protectores...Só precisamos do
favor publico, e tudo faremos para o merecer. Não temos programma; nada valem
compromissos que podem falhar e ao demais são bem conhecidas as ideas dos
fundadores do Diario Popular e não exagero em dizer que suas
individualidades valem bem um programma (CAMPOS ; LISBOA, 1884 p.1).
A referência a “imprensa fundada a custas de muitos” evidentemente lembra o fato
de A Província de São Paulo ter sido lançada graças à união de um grupo de republicanos
ricos que formaram uma sociedade comanditária e reuniram 50 contos de réis para
viabilizá-la. A característica de possuir “abastados protetores” se aplicava facilmente ao
50
Correio Paulistano, que, como porta-voz dos grandes fazendeiros, entre eles Antonio
Prado, era um órgão ligado ao Partido Conservador.
As edições de 8 de novembro de 1884 dos dois jornais que se destacavam na época,
mostram claramente sua orientação partidária. O Correio, no lado direito de sua primeira
página, como fez nos dias anteriores e continuaria fazendo nos seguintes, trazia a relação
dos candidatos conservadores para a eleição a ser realizada em 1º de dezembro, que
escolheria os nove representantes da província no Congresso. A lista começava pelo
pretendente a representante do distrito, Antonio da Silva Prado, definido como
fazendeiro, residente na capital. O candidato do distrito era o advogado de Taubaté
Francisco de Paula Rodrigues Alves, que viria a ser presidente com a República. A
informação frisava, que os candidatos conservadores eram:
[...] adversos, ao projecto do Governo reformando tão profundamente a lei de 28
de setembro de 1871
23
, cujo systema parecia geralmente aceito...filiados a um
partido, cujas idéas, tendencias e tradicções para a resolução dos problemas
políticos e sociaes não podem prescindir da collaboração do direito e do tempo,
os candidatos da UNIÃO CONSERVADORA –absolutamente adversos ao
projecto do governo- sel-o-ão egualmente a quaesquer reformas, que attentem
contra a propriedade ou envolvam elementos desorganizadores do trabalho
agrícola (ELEIÇÃO..., 1884)
A relação de candidatos do Partido Republicano foi publicada em A Província
sendo que Francisco Rangel Pestana seu redator surge como concorrente em dois distritos o
e o . O partido não indicou pretendente ao Distrito e o entre os nomes propostos
havia dois futuros presidentes: Manoel Ferraz de Campos Sales e Prudente José de Moraes
Barros. Além de Campos Sales e Rangel, mais dois candidatos - Francisco Glicério e
Martinho Prado Junior - estavam na relação dos que participaram da fundação do jornal,
sendo que a comissão permanente do partido contava com mais dois daqueles nomes José
Alves de Cerqueira César, sogro de Julio Mesquita, e Rafael Paes de Barros
(BOLETIM...,1884). A presença de tantos personagens ligados ao jornal no comando da
legenda evidencia a característica de instrumento político que o veículo tinha, enquanto a
23
O projeto referido é a Lei do Ventre Livre, que tornara livres os filhos de escravas nascidos a partir daquela
data. Porém, segundo Emilia Viotti da Costa, a lei dava ao proprietário do escravo a opção de entregar a
criança quando ela atingisse 8 anos ao Estado sendo indenizado em 600$000 ou continuar com a criança até
os 21 anos, período em que ela ficava obrigada a prestar serviços gratuitos em retribuição a seu sustento.
(COSTA, 1982, p.47)
51
opção conservadora do Correio deixa nítido o ambiente de polarização que dominava a
imprensa paulistana na época da fundação do Diário Popular.
Porém, se o antagonismo partidário era claro, no plano ideológico o país vivia em
um cenário indefinido, como se via na mesma página de A Província que trazia a relação de
candidatos republicanos. Ela destacava artigo de Rangel Pestana, com críticas às
inconstâncias e incoerências do quadro partidário. No texto, o jornalista e político que, ao
lado de Américo de Campos, comandou a primeira fase da Província, condena
vigorosamente a posição de um influente líder do Partido Liberal (Ambrosio Machado, de
Pernambuco), que se alinhava com a facção da legenda classificada como “democrata”.
Esta subdivisão dos liberais se opunha à que era chamada de “aristocrata”, mais
conservadora e representante de oligarquias, porém Machado, diante da indicação
consensual das duas alas da candidatura de Joaquim Nabuco, havia se posicionado contra o
nome do destacado abolicionista, por ser ele defensor da aceleração do processo de
libertação dos escravos. A incoerência indignava Rangel que concluía:
Os Ambrosios políticos abundam em todos os partidos; é raro haver quem não se
apregoe democrata no Brasil. Não se dão ao trabalho de saber o que o termo
exprime em sociologia. São democratas conservadores, liberaes, republicanos,
ultramontanos e escravocratas! Podem mesmo ser tudo dependendo da occasião...
E por isso tambem que não opiniões definidas e tudo vai em plena anarchia
moral (DEMOCRACIA..., 1884)
Esse quadro explica a postura dos fundadores do Diário Popular de ressaltar que o
jornal não tinha programa e que suas individualidades valiam por um. A afirmação o
continha exagero. Os dois lembravam sua experiência na Imprensa da capital; um como
typographo, administrador, etc, durante 34 annos, o outro dedicando-se ao jornalismo ha
cerca de 20” (CAMPOS ; LISBOA, 1884, p.1), para concluir que tinham suas idéias já bem
conhecidas. Lisboa chegara de Portugal em 10 de junho de 1856 tendo entrado, sete dias
depois, para o Correio Paulistano. Participou da fundação da Gazeta de Campinas e de A
Província de São Paulo, desempenhando em ambas as empresas o cargo de gerente, sem
participação acionária.
Campos entrara para a vida jornalística em 1864, ao lado do irmão Bernardino,
colaborando com o Diabo Coxo, fundado por Ângelo Agostini (precursor da ilustração no
jornalismo), em parceria com Sizenando Nabuco e Luis Gama. Tratava-se de uma
52
publicação de caráter abolicionista, assim como o Cabrião, que Américo lançaria em 1866,
junto com Agostini e Antonio Manoel dos Reis. Essa publicação dominical e humorística,
além de abolicionista e republicana, se caracterizava por ser anti-clerical tendo se envolvido
em polêmicas com o Diário de S. Paulo da época que chegou a processá-la pela veiculação
de uma ilustração referente ao dia dos mortos, considerada ofensiva à Igreja.
Os dois veículos lançados por Campos, antes de se dedicar exclusivamente ao seu
trabalho no Correio Paulistano, onde estava desde 1865, eram simpáticos ao Partido
Liberal
24
, na época, de oposição. Como diretor do Correio, Campos em 1869 foi
fundamental para colocar o jornal ao lado dos liberais. Alguns anos depois, ele abriu as
páginas do jornal aos republicanos, porém teve de recuar quando a publicação passou a ser
controlada financeiramente por membros do Partido Liberal, que era monarquista.
Esse movimento ideológico do Correio, que passou a ser praticamente o órgão
oficial do partido, levou Campos a ser um dos financiadores da empresa que lançaria A
Província para lutar pela república. Inclusive, por investir uma cota maior do que a dos
demais participantes da sociedade foi escolhido, junto com Rangel Pestana, para dirigir o
jornal do qual, após várias mudanças no controle da empresa, seria demitido nove anos
depois. Ter Campos como responsável pela linha editorial era um sinal claro de que o
Diário Popular tinha posição claramente favorável à República. transformado em
conservador, Correio Paulistano
25
ressalta isso na saudação que faz ao novo jornal:
não estão por se contarem tão numerosas são ellas, as differenças de opiniões
politicas e sóciaes que nos separam do provecto redactor do Diario Popular, o sr
dr Américo de Campos...Saudando a nova folha, reproduzimos fielmente o geral
sentimento do publico da capital e da província ambos habituados a contar o dr
Américo de Campos como jornalista notável por mais de um título...”(DIARIO...,
1884)
24
ALVES (1986, p.48) observa a respeito dos partidos existentes antes da República: “.Os partidos políticos
–Conservador e Liberal– também se mostravam de certa forma manietados, pois o imperador, muito
inteligentemente, os alternava no poder, isto é, formava o gabinete com elementos conservadores uma vez e
na seguinte com liberais, a o ser que um dos partidos se rebelasse e caísse em seu desagrado” Ele ressalta
ainda como a situação gerou incoerências. “.É o caso da escravidão negra tão combatida pelos liberais sendo
abolida pelo gabinete conservador de João Alfredo, ao passo que a República, combatida pelos liberais, foi
proclamada quando eles se encontravam no poder (gabinete do conde de Ouro Preto) (ALVES, 1986, p.49)
25
O Correio Paulistano teve como principal característica a alta volatilidade de posicionamento político
devido a seguidas mudanças de proprietário e acordos por eles mantidos. Alternou-se entre os liberais e os
conversadores antes da proclamação da republicana, para depois, transformar-se em órgão do Partido
Republicano Paulista- PRP, que tanto havia combatido.
53
2.2.1 Antonio Bento, o abolicionista que foi além das palavras
A história do Diário Popular tem sido escrita a partir de Lisboa e Campos,
reservando-se a Aristides Lobo o mérito de transformar o jornal em símbolo da luta
republicana. Ao homem que viabilizou financeiramente o projeto restaram rápidas citações
e algum mistério sobre sua participação na vida do jornal. Esse ator praticamente esquecido
é Antonio Bento de Souza e Castro, cunhado de Lisboa. Católico fervoroso, enquanto os
outros três envolvidos eram membros atuantes da Maçonaria, e filiado ao Partido
Conservador, que não queria a República, ele doou as oficinas de uma publicação que havia
fundado um ano antes (O Jornal do Commércio), conforme conta Lisboa, relembrando a
demissão da Província ocorrida em 8 de outubro de 1884:
A 10 do mesmo mez, o dr Antonio Bento, meu cunhado, procurou-me,
offerecendo-me a transferência do Jornal do Commercio e respectivas offiicnas,
tudo de sua propriedade. Depois de certa reluctancia, acceitei a offerta e a 25 do
mesmo tornava-me proprietário daquella folha e seu effetivo material.
Entendendo que devia associar Américo de Campos á minha sorte, isto lhe
propuz e ele acceitou e a 8 de novembro, isto é, antes de um mez, o Diario
Popular fazia sua apparição, dando occupação aos dispensados
(ASSUMPTOS...,1895)
A expressão “transferir”, pelo que se nota, em textos da época, tanto poderia
significar “vender” como “doar”, porém no caso é possível inferir que se trata do segundo
sentido. Correspondem a evidências disso, em primeiro lugar, outra expressão do texto,
qual seja, “acceitei a offerta”, (na época, se fosse uma venda a palavra usada seria proposta,
pois o termo “oferta” era empregado no sentido de “dar sem receber algo em troca”) e da
personalidade inquieta de Antonio Bento, que, segundo relatos de amigos, confessara várias
vezes ter desistido de usar as palavras como instrumento de luta pela libertação dos
escravos. Em segundo lugar, não se depreende da biografia de Lisboa nenhum elemento
que permita acreditar que tinha ele condições financeiras de adquirir os equipamentos
necessários à fundação de um jornal, especialmente com oficina própria.
Desde sua chegada ao Brasil, vindo de Portugal, sempre fora assalariado. Publicou
um jornal literário A Esperança que teve 17 números, saindo o primeiro em de junho de
1862 e o último em 26 de novembro do mesmo ano. Trabalhou um longo período no
Correio Paulistano (assim como Américo de Campos), onde, como descreveu no texto
54
citado, fez de tudo na parte administrativa e de arrecadação de anúncios chegando a
escrever textos quando estes faltavam para fechar a edição. Essa produção foi reunida em
janeiro de 1866 em uma publicação que ele,com humildade, assim definiu:
Um livrinho de 162 páginas, collecção de diversas variedades publicadas no
Correio, sob vários pseddonymos e que intitulei Cousas e lousas por nada
exprimir o titulo que ia abrigar meus modestos rabiscos, escriptos, quasi sempre,
em falta de outros originaes (ASSUMPTOS...,1895)
Em artigo publicado em 18 de março de 1938, quando se comemorou o centenário
de nascimento de Lisboa, Assis Cintra revelou outro fato que confirma sua falta de recursos
para o empreendimento:
Trabalhador incansável, orientado por um providencial espírito de economia, José
Maria Lisboa conseguiu após vários annos, um pecúlio de trinta contos de is.
Era essa toda a sua fortuna. Collocou-a no Banco Mauá, a espera de trasnsformal-
a em uma empreza que lhe desse lucros. Uma tarde quando ia pra casa recebeu de
um amigo a notícia do fechamento do banco. Fallira o Visconde de Mauá. Não
havia fundos para o pagamento dos depositantes do Banco (CINTRA, 1938).
Além dessas evidências, ainda o depoimento de um sobrinho-neto de Antonio
Bento, que, apesar de ter nascido 26 anos após a morte desse herói abolicionista quase
esquecido, tem na memória diversas histórias ouvidas a respeito. Trata-se de Antonio
Quirino Souza e Castro, hoje com 83 anos, neto de Antonio Quirino Souza e Castro
26
,
irmão mais velho de Antonio Bento. Também jornalista, tendo iniciado carreira no Diário
Popular em 1941, aos 17 anos, Antonio Quirino conviveu com o primo em segundo grau
José Maria Lisboa Jr, então com 70 anos, e com outros herdeiros do fundador. Ele conta
que muitas vezes ouviu parentes criticarem o comportamento de Bento, especialmente por
ter ele gasto grande parte das posses da família na luta contra a escravidão. A revolta era
maior, segundo, ele, entre os descendentes de Clementino Souza e Castro, outro irmão de
Bento e que deu nome à Vila Clementino na Zona Sul da capital paulistana. Desses,
Quirino conta ter ouvido muitas vezes lamentações sobre o fato do tio idealista e filantropo
ter “dado um jornal ao cunhado” (CASTRO, A., 2007).
26
O jornalista autor do depoimento foi registrado sem a expressão “neto” normal em pessoas que têm o
mesmo nome em homenagem ao avô.
55
A explicação para o afastamento de Antonio Bento do Diário Popular desde seu
inicio está na rejeição que seus métodos radicais de luta sofria da sociedade da época. Uma
boa noção de seu estilo se encontra nas edições dos jornais de 9 de dezembro de 1898, no
dia seguinte à sua morte. Apesar de reconhecer que a atuação radical de Bento e seus
“Caifazes”
27
, foi fundamental para apressar a abolição, O Estado de S. Paulo
28
faz um
necrológio com algumas referências depreciativas, relembrando fracassos em tentativas de
eleger-se a cargos públicos e enfatizando:
Não era um brasileiro ilustre [...] formou-se na em nossa Faculdade de Direito
[...]dedicou-se por vezes ao jornalismo...mas nem na Faculdade, nem na
magistratura, nem no jornalismo conseguiu salientar-se. Não revelou jamais dotes
superiores de intelligencia e seu espírito era notavelmente inculto. A ouvil-o
fallar (fallava como um homem rude do sertão) ou a lêr o que elle publicava em
seus ephemeros jornaes de combate (era deploravelmente incorrecto e quasi
sempre nunca subia alem da aggressão verbal ao adversário) ninguem diria que
era elle um homem que havia sentado cinco anos nos bancos de um
estabelecimento de ensino superior (ANTONIO...,1898)
Após esse parágrafo, que poderia ser classificado como deselegante, o jornal
ressalvava; “E entretanto seu nome fez-se celebre e glorioso em todo Pais e justamente
celebre e justamente glorioso”(ANTONIO...,1898). O texto todo é marcado pela dicotomia
entre os elogios à atuação política e as depreciações a seu modo de vida. Um dado
interessante é que o texto se não foi escrito por Julio Mesquita companheiro de Antonio
Bento nas idéias abolicionistas e que era o redator do jornal à época, muito provavelmente,
foi por ele lido antes da publicação. O nome de Mesquita ainda não constava nas páginas
do jornal que informava ser propriedade de J. Filinto e Comp, sendo gerente José Filinto da
Silva. Na cronologia histórica do jornal, disponível no portal Estadão, informa-se que o pai
de Júlio, Francisco Mesquita, entrara como sócio da empresa em 1897 e que este se
transformou em único proprietário da publicação em 1902.
27
Caifazes era como se chamavam os membros de um grupo organizado por Antonio Bento que, além da
defesa da abolição através de panfletos, discursos e atos públicos, agia, secretamente estimulando as fugas de
escravos das fazendas paulistas. Historiadores como COSTA (1982) e Quintão (2002) ressaltam que a
desorganização do sistema de produção agrícola provocada por essas fugas foi fundamental para a aceleração
da abolição. A denominação faz associação com uma passagem bíblica na qual Caifaz entrega Jesus a Pilatos,
depois de afirmar; “Vós nada sabeis, não compreendeis que convém que um homem morra pelo povo para
que o povo todo não pereça”. (QUINTÃO, 2002, P.79)
28
Com a Proclamação da República, A Província de São Paulo, mudou seu nome para O Estado de S. Paulo.
56
A morte de Antonio Bento foi noticiada também pelo Correio Paulistano, que ao
contrário do Estado não se preocupou em destacar pontos negativos de sua biografia. Na
verdade, foi além, ao reconhecer que sua posição radical era a única saída para apressar a
abolição e ao ressaltar sua coragem e a maneira como encarou ou adversários:
Objecto de todos os odios que desperta sempre o interesse offendido, o dr
Antonio Bento affrontou todos os perigos, consagrando se com inexcedível
denodo e inexcedível lealmente á preoccupação absorvente do ideal político-
social, que tinha, tão perto de si e tão intenso a contaminal-o o sentimento da
humanidade e protecçao aos mais fracos (DR ANTONIO...,1898).
O texto do Diário Popular sobre a morte de Antonio Bento foi caracterizado em
todos os parágrafos pela mágoa contra quem ainda criticava o abolicionista radical. Além
de contar episódios marcantes da vida do falecido, como sua decisão de recusar-se a
agradecer aos professores na formatura do curso de Direito, o que lhe valeu a suspensão do
diploma e a cassação do cargo de promotor, o necrológio pedia compreensão por seu estilo
e justificava seu radicalismo: “seria um violento, mas foi um útil, o que elle não teria sido
se usasse a brandura da acção, que victoria ao convencionalismo da facção, que não
utilisa ao geral (DR ANTONIO BENTO...,1898). Enquanto Estado e Correio não fizeram
menção aos caifazes, o Diário repetiu texto publicado dois anos antes, assinado por
Hipólito da Silva, que fora membro da associação secreta, contando detalhes das ações do
grupo, no sentido de libertar escravos e enviá-los ao Quilombo do Jabaquara, onde,
segundo pesquisadores, chegou-se a reunir 10 mil fugidos. Hipólito ressaltava a
característica supra-partidária do grupo, lembrando que Bento era conservador, ele
republicado e Fernandes Coelho liberal, mas os três escreviam em a Redempção, jornal
fundado por Bento, defendendo a abolição. Sobre o grupo dizia:
Trabalhavamos todos secretamente, com esse fim: subtrahir escravizados ao
senhor...O cocheiro da praça, o carregador, o caixeiro, o negociante, o acadêmico,
o jornalista, o advogado, o médico, todos, todos, que não tinham escravos
queriam fazer jus ao titulo de caiphaz, subtrahindo um escravo: ao irmão, ao pae,
a sogra, a quem quer fosse, contanto que o dono perdesse a cabeça a procural-o
sem saber como se deu a fuga e indo queixar-se a polícia para pedir providencia.
A polícia, indignada, fazia cercar a casa de Antonio Bento, que cautelosamente
os havia feito fugir...Choviam as cartas anonymas, as ameaças, as tentativas de
agressão, os caiphazes dedicados, temendo as arremetidas cobardes do
escravismo, não mais abandonavam o chefe (DR ANTONIO BENTO...., 1898).
57
A descrição da revolta dos donos de escravos contra Antonio Bento explica seu
afastamento do Diário Popular e a necessidade que ele teve de lançar uma nova publicação
que não precisava se preocupar em colher anúncios ou defender outra causa que não fosse o
fim da escravatura. Este jornal foi a Redempção, que circulou em 1887 e 1888 e que, nas
palavras de Hipólito Silva no artigo citado, todos liam, uns por curiosidade, outros por
medo, já que suas páginas eram repletas de denúncias sobre violência praticada contra
escravos Duarte (1972) ressalta: Fundada a “Redempção” por Antonio Bento não podia
deixar de ser redigida como realmente era, com linguagem violenta e inteligente contra os
escravagistas.” (DUARTE, 1972, p. 21).
O perfil de Bento, por mais que fosse decisiva a doação das oficinas e instalações do
Jornal do Commercio, não permitiria que o Diário Popular sobrevivesse tendo-o como
sócio. Nesse sentido, o necrológio que o homenageia assumia um caráter de reparação,
apesar de não repetir a revelação da doação como José Maria Lisboa fizera antes. Aliás, na
linha da conciliação uma noticia publicada em 29 de novembro de 1888, quando, com o
pretexto de comemorar os 20 anos de sua recusa em agradecer aos professores, durante a
formatura, Antonio Bento, “revolucionário de então quiz tornar-se o anjo da paz de hoje
congrassando diversos cavalheiros, intrigados entre si, entre os quaes avultam o da
imprensa” (VINTE...,1888). Entre os convidados que o abolicionista histórico desejava
harmonizar estavam José Maria Lisboa e Julio Mesquita, já redator de A Província.
Outro ponto que impedia a participação de Bento no jornal era a presença de
Américo de Campos como redator-chefe e sócio, pois, esse, por mais que tivesse se
destacado como defensor da abolição da escravatura, colocava a luta pela Proclamação da
República como prioridade. Nota-se isso, claramente, na edição de 13 de maio de 1889,
quando se comemorava o primeiro aniversário da Abolição da Escravatura, com a notícia
de que libertos realizavam uma manifestação pelas ruas que confluíam para a residência de
Antonio Bento sendo colocada sem destaque na gina 2, enquanto na primeira página,
entre vários artigos, sobressaia-se um de Campos homenageando e apontando como
fundamentais para a conquista Ferreira Menezes e Luiz Gama, que foi antecessor de Bento
na liderança campanha abolicionista mais radical. Registre-se que o der dos caifazes
lembrou a data editando um número especial de A Redempção.
58
Assim, o Diário Popular, inspirado em uma causa popular e com interesses
comerciais definidos pela necessidade de gerar recursos para se manter a empresa e um de
seus sócios, começa sua vida como um instrumento político, como eram seus concorrentes,
mas centrado no fim da Monarquia e procurando disputar o mesmo público dos
concorrentes, notadamente da republicana A Província. A configuração social de São Paulo
quando o Diário Popular foi fundado, com pequenas concentrações urbanas espalhadas
pelo interior da então província, e a grande maioria da população analfabeta, além de
atrapalhar o próprio desenvolvimento da Imprensa, não permite imaginar o nascimento de
um jornal destinado a um público diferente e de menor poder aquisitivo do que o que
consumia as publicações existentes.
Nenhum veículo que investisse nessa possibilidade, sem ter o respaldo financeiro de
algum grupo político forte, poderia ambicionar ter vida longa. É importante lembrar que a
época foi caracterizada pelo surgimento de muitas publicações de existência efêmera e de
conteúdo marcadamente político. A inviabilidade desses veículos é outro indicador da
limitação da fatia do público que podia adquirir jornais. Para ampliar este espaço seria
necessário ter preço menor, conforme se verifica na análise da evolução da imprensa
européia e em alguns exemplos do Rio de Janeiro de então, com destaque para o Diário do
Rio de Janeiro, que entrou
para a história como o
Diário do Vintém pelo
preço reduzido.
O Diário Popular
não se diferenciou dos seus
principais concorrentes
pelo preço. Assim como A
Província de São Paulo e o
Correio Paulistano, em 8
de novembro de 1884
custava 60 réis o exemplar
59
avulso
29
. Nas assinaturas, havia uma diferenciação, enquanto Correio e Província
cobravam, pela anual, 14$000 (quatorze mil réis), o Diário cobrava 12$000, mas não
circulava aos domingos, como os outros. Sobre o preço como referencial na caracterização
do jornal, Proença (1992) assinala “O barateamento no preço do exemplar tem um papel tão
importante no desenvolvimento da imprensa que o lançamento do Le Petit Journal , em
de fevereiro de 1863 é considerado como data do nascimento da chamada imprensa
popular. Era o mais barato dos jornais do mundo, custava cinco cêntimos, e era vendido por
número. Antes dele, as vendas eram feitas só por assinatura”( PROENÇA, 1992, p. 21).
A certeza de que o público a ser disputado era o mesmo levou os fundadores do
Diário Popular a lançá-lo como vespertino, visando fugir de uma concorrência direta e ser
lido também por quem consumia os matutinos. Citações de matérias publicadas em outros
títulos e constantes respostas a críticas aparecidas nas páginas dos concorrentes mostram
que a superposição de leitura era característica da época. Esse fenômeno também explica o
forte viés político que os jornais de São Paulo dos anos pré-República ostentavam, pois a
consciência de que as mensagens dos adversários ideológicos também atingiam o público a
ser doutrinado exigia um posicionamento claro ou até radical. Esse confronto, na capital
paulistana, se dava claramente entre o Correio Paulistano, porta-voz do Partido
Conservador, legenda monarquista, e A Província de S. Paulo, criada com o objetivo
específico de lutar pela Proclamação da República. Nesse ambiente polarizado, o Diário
Popular se destacou por não se ligar a nenhum partido, apesar de defender de forma
entusiasmada a República.
29
Tanto O Estado (que foi lançado em 1875 a 200 réis, o número avulso), quanto Correio e Diário, do dia
8/11/1884 ostentavam o valor de 60 réis para o número do dia. Para atrasados, o Estado cobrava 200 réis e o
Correio e Diário, 100 réis. Duarte (1972) faz um resumo dos preços de jornais paulistanos sem citar fonte que
contém um equivoco. “Há um dado curioso na vida dos jornais de S. Paulo. É preço de venda avulsa. O
primeiro jornal impresso aqui aparecido, ´O Farol Paulistano’ custava 80 réis o exemplar. Já em 1853 passara
a 120 réis, preço de venda avulsa do primeiro jornal diário O Constitucional. O Correio Paulistano manteve
esse preço, que vigorou para A Província de S. Paulo, para o Diário Popular, até a República. O mais
esquisito é que o preço dos jornais voltava anos depois para 100 réis, preço que vigorou até 1915 (DUARTE,
1972, p.23) Também em Batista (2000), um equivoco no preço do Diário Popular: “O primeiro exemplar
do Diário Popular tinha seis páginas e foi vendido a 40 réis.” (Batista, 2000, p.53). Os valores citados neste
trabalho são os constantes nos exemplares disponíveis no Arquivo Público do Estado de São Paulo.
60
2.2.2 Lobo e Campos no Governo e Lisboa desiste de ser constituinte
Entre os efeitos imediatos da Proclamação da República sobre a Imprensa destaca-
se a migração da maioria de seus militantes mais destacados para a vida pública. O Diário
Popular registrou a retirada de Aristides Lobo, designado Ministro do Interior do Governo
Provisório, e de Américo de Campos nomeado cônsul em Nápoles. Em A Província, que se
transformou em O Estado de S. Paulo, o proprietário Rangel Pestana foi fazer parte do
Governo Provisório do estado, da mesma forma que o redator Julio Mesquita, porém esse
continuou na empresa e passou a acumular a função de gerente
Embora cidadão português, José Maria Lisboa foi eleito com expressiva votação
para a Assembléia Constituinte paulista, em 1890, porém logo renunciou a fim de dedicar-
se exclusivamente ao jornal. A esse respeito, na edição que comemorou seu centenário de
nascimento, um dos textos em sua homenagem ressaltava:
A política, certa vez, no alvorecer do regimen democrático, chamou-o para o seu
regimento. Attendendo ao appello se foi José Maria, eleito deputado á
Assembléia Constituinte de S. Paulo, em 1890. Poz-se em contacto mais directo,
mais intimo, com os homens da política. O seu atilado bom senso, que sempre lhe
foi admiravel guia, aconselhou-o a renunciar o mandato de deputado. E
renunciou, para continuar a ser exclusivamente jornalista. (CINTRA, 1938)
O Estado (ex-A Província) e o Diário, em razão das vocações distintas de Mesquita
e Lisboa, passam a ter trajetórias diferentes, apesar de não diferir no conteúdo de seus
noticiários. Em 1891, Rangel Pestana, então senador, desgostoso com a política vende sua
participação acionária majoritária em O Estado à Cia Impressora Paulista, controlada pelo
Coronel Teixeira de Carvalho. O jornal, com Júlio Mesquita como o mais votado deputado
constituinte estadual, intensificou a participação política, que se reafirmaria vigorosa em
1901, no rompimento com o terceiro presidente civil do Brasil, Campos Salles, um dos
61
fundadores da publicação, devido à chamada política dos governadores
30
e, posteriormente,
na campanha civilista a partir de 1909.
31
José Maria Lisboa, como único proprietário do Diário, optou por uma posição
próxima da neutralidade. Em 8 de novembro de 1895, um artigo de primeira página,
assinado por A. Barjona (muito provavelmente um pseudônimo, pois na mesma página o
jornal trazia a relação de seus funcionários e colaboradores, sem nenhum que tivesse o
sobrenome), resume esse posicionamento. Depois de lembrar que dos três envolvidos no
lançamento do jornal, apenas Lisboa estava na ativa, o texto relatava que Américo de
Campos continuava “sob o céu puríssimo de Nápoles, aquele dolce far niente, aquella
despreocupação das materialidades da vida” (BARJONA, 1895).
De Aristides Lobo falava que “alquebrado por doença pertinaz, não mais illumina as
paginas do jornal com os fulgores do seu estylo, com a violencia dos seus argumentos. A
irritabilidade nervosa, traduzida na causticidade e a ironia quase ferina dos seus discursos,
exgottou-lhe as forças” (BARJONA, 1895, p.1). Ao falar do único que continua em seu
posto, em dos seis parágrafos elogiosos, o artigo justificava a posição de Lisboa:
José Maria Lisboa é o único que continua no posto. Comprehendendo
perfeitamente que a política de hoje não se arregimenta em partidos definidos deu
ao seu jornal uma forma conciliadora e sem os excessos do radicalismo, sem os
extravassamentos da bilis partidaria. Deste modo de encarar a missão jornalística,
conseguiu dar elle a seu jornal uma feição conservadora e assim realisou muito
aproximadamente esse ideal da imprensa neutra”. (BARJONA, 1895).
Assim, o jornal, depois de dar espaço às criticas de Aristides Lobo decepcionado
com a forma como a República era conduzida em seu início e de elogiar a intervenção do
Marechal Floriano Peixoto que deu o golpe contra o Marechal Deodoro da Fonseca e
reabriu o Congresso, reduziu drasticamente suas manifestações opinativas. A volta de uma
participação maior se verificou quando o filho de Lisboa, José Maria Lisboa Jr (Zeca
Lisboa), passou a comandar efetivamente o jornal. Mesmo a posição declarada do Diário
30
Ficou conhecida como política dos governadores, a estratégia de Campos Salles de aceitar que os partidos
estaduais agissem de forma autônoma desde que elegessem representantes fiéis ao governo central. A prática
permitia a continuidade dos famigerados “currais eleitorais” mantidos pelas oligarquias regionais.
31
A campanha civilista representou uma ruptura no acordo denominado “política do café com leite”, que
garantia a alternância de representantes de São Paulo e Minas Gerais na presidência da República. Diante do
lançamento do Marechal Hermes da Fonseca, do Rio Grande do Sul, com apoio mineiro, os paulistas
passaram a apoiar o Ruy Barbosa, um baiano e civil - daí a denominação.
62
pró-Floriano, no movimento que ficou conhecido como a Revolta da Armada, tinha a
inspiração de Zeca, na época morando no Rio, onde foi jornalista em vários veículos,
iniciando a carreira em O País. Ele, ainda muito jovem, se revelara admirador do vice-
presidente como se depreende de texto com dados biográficos publicado no dia de sua
morte (27 de julho de 1943).
Por ocasião da Revolta da Armada, Lisboa Junior se colocou ao lado da causa
legal, defendida pelo Marechal Floriano Peixoto, do qual sempre foi um grande e
sincero admirador e cujo governo serviu como auditor de guerra em S. Paulo e
com o posto de capitão honorário do Exército Nacional (JOSÉ MARIA...,1943 )
2.3 Jornal e política se interligam na história das transformações sociais
A relação entre jornalismo e política se liga à própria gênese desse meio de
comunicação. Aceitando-se a tese dos pesquisadores que consideram as “Acta Diurna”,
comunicados distribuídos na Roma Antiga, como precursoras dos informativos periódicos
se constata a existência do interesse dos detentores do poder em divulgar seus atos e,
principalmente, sua versão desses atos. Albert e Terrou (1990) apontam as “folhas
volantes” dos séculos XV e XVI como a uma das primeiras formas de circulação de
notícias dividindo-as entre as gazzetas
32
, pasquins e libelos. As primeiras descreviam
grandes acontecimentos como batalhas, festas e fatos da vida de príncipes e os segundos se
concentravam em fatos sobrenaturais, crimes e catástrofes, remetendo ao jornalismo
popular baseado em fait divers que se consolidaria quase cem anos depois. Se os pasquins
permitem estabelecer um paralelo com esse segmento de jornalismo, chamado por muitos
de sensacionalista, os libelos fazem a correlação com o jornal político ou de causa:
No início do século XVI, o movimento da Reforma e, posteriormente, o da
Contra-Reforma suscitaram a publicação de uma considerável massa de folhas
volantes que alimentavam as polêmicas religiosas e, depois, políticas. Esses
libelos, injúrias, boatos...suscitaram em todos os Estados europeus um
endurecimento da legislação repressiva e da censura dos impressos” (ALBERT E
TERROU, 1990 , p. 5)
32
Esta denominação era a adotada na Itália, onde também se usava “coranta”. Em latim, eram chamadas
relationes, na França occasionnels, na Alemanha zeitungen (Albert, P, Terrou F, 1990, p. 5).
63
O fato de ter sua trajetória desenvolvida paralelamente ao crescimento do instituto
da censura é um indicador de como, desde seu início, o jornal era reconhecido como
eficiente instrumento político. Albert e Terrou (1990) descrevem a situação da Inglaterra
como a mais complicada no período entre 1621 e 1791. Sob a dinastia Tudor e Stuart, as
folhas podiam publicar acontecimentos do reino enquadrados como notícias oficiais.
Entre 1632 e 1641, a proibição se ampliou, com o veto atingindo também às informações
vindas do Exterior, sobre qualquer tema. Esse excesso de controle torna difícil a
enumeração histórica dos títulos que circulavam, pois, na maioria, eram publicações
efêmeras. A censura foi amenizada após 1668, mas em 1712, o Parlamento inglês
encontrou uma nova maneira de restringir a ão da Imprensa, estabelecendo uma opressão
econômica. Foram criadas pesadas taxas de selos que eram cobrados sobre os exemplares e
os anúncios. Deste período, sobreviveu a London Gazette, um órgão de característica
oficiosa que nasceu em Oxford, quando o Rei Charles II, em 1865, transferiu sua corte para
aquela cidade fugindo da peste que assolava a capital.
A Alemanha foi uma das nações onde os jornais, no formato dos libelos, foram
mais usados como instrumento político por partidos que lutavam pelo poder, nas guerras da
primeira metade do século XVII. O restabelecimento da paz possibilitou a criação de várias
folhas, mas submetidas a um regime muito severo de autorização e censura, especialmente
na Prússia sob Frederico II, e ao arbítrio das autoridades. Diante dessas limitações tiveram
“tiveram vida medíocre e seu conteúdo apresentava pouco interesse” (ALBERT; TERROU,
1990, p.19)
Responsável pelo movimento social – A Revolução de 1789 que estabeleceu
como um direito humano, a informação, a França viveu períodos distintos no
desenvolvimento de sua Imprensa. Durante o chamado Ancien Regime (Antigo Regime),
havia um sistema de autorização prévia que permitia às autoridades ter um controle dos
veículos ao mesmo tempo em que concedia aos órgãos autorizados privilégios que lhes
garantia estabilidade. O controle era centrado nos jornalistas, sendo que só as folhas oficiais
podiam tocar em assuntos políticos. A Gazette de France (um dos três jornais controlados
pelo Ministério do Exterior) tinha o monopólio do tema tanto no que se referia ao reino
quanto ao Exterior.
64
Esse panorama, segundo Albert e Terrou (1990), fez com que o conteúdo dos
jornais fosse mais literário e de reflexão destinada a um público culto. A liberdade
possibilitada pela Revolução mudou este perfil e o jornal como instrumento político revelou
sua força.
Houve uma florescência extraordinária de folhas dos mais variados tipos, desde o
panfleto periódico com publicação irregular, inteiramente escrito por um único
homem, até o verdadeiro diário de informação redigido por uma equipe
numerosa...todas as tendências estavam representadas e tanto a concorrência
obstinada como a virulência das paixões políticas deram a muitas delas um tom
de extrema violência e às vezes , pois, também se dirigiam a um público popular,
de surpreendente grosseria. A vida da maioria dessa folhas foi breve. (ALBERT;
TERROU, 1990, p,22)
A postura editorial ao comemorar os 100 anos da Revolução Francesa, adotada
pelos dois jornais paulistanos que lutavam pela República mostra que os fundadores tanto
de A Província de S. Paulo quanto do Diário Popular viam o movimento como um
paradigma a ser seguido no Brasil. Os eventos promovidos em Paris foram destaques das
primeiras páginas de ambas as publicações e editoriais e artigos enalteciam os ideais de
liberdade, sem as ressalvas de que foram pouco mais de três anos de liberdade de Imprensa.
A pujança da imprensa francesa, descrita por Albert e Terrou (1990). acabou em
10 de agosto de 1792, quando o Governo Revolucionário proibiu as publicações de
oposição e executou os principais jornalistas contrários a sua orientação. Sob Napoleão, a
imprensa francesa continuou sentindo o peso da censura, apesar do surgimento de várias
publicações políticas. Após a derrota de Napoleão na Batalha de Waterloo, a imprensa
francesa lutou várias décadas para recuperar a liberdade desfrutada entre 1789 e 1792.
Em 1870, ainda segundo Albert e Terrou (1990), a França já multiplicara sua
tiragem passando dos 36 mil exemplares para um milhão, atingidos em 1903. O progresso
da Imprensa era visível também na Inglaterra e na Alemanha (em menor escala),
impulsionado pela melhora do nível de educação das populações, pelo crescimento do
interesse por temas políticos e pelo barateamento do produto jornal, sendo esse último fator
fundamental para o sucesso da imprensa popular de grande tiragem na Europa.
Também foi o custo baixo o principal responsável por fenômeno equivalente
verificado, também na virada dos séculos XIX para XX, nos Estados Unidos. Nesse país,
onde, nas palavras de Albert e Ferrou, (1990) predominava entre a população “uma massa
65
de novos imigrantes de mentalidade rude e cultura primária”, dois nomes se transformaram
em ícones do jornalismo popular, graças à criação de publicações baratas que exploravam
assuntos que interessavam a esse público. Foram eles Joseph Pulitzer e Willian Randolph
Hearst os pais do que se convencionou chamar de “imprensa amarela”, sinônimo, para
muitos pesquisadores, de jornalismo popular. Pulitzer transformou o New York World em
recordista de vendas, cobrando 1 cent o exemplar, e Hearst seguiu a mesma trilha,
lançando o New York Journal, que tinha o mesmo preço e mesma linha editorial. Nos dois
jornais, com tiragens acima dos 700 mil exemplares, verificava-se a embricação do
“político” e do “popular”. Tanto Pulitzer, quanto Hearst empenharam seus veículos em
campanhas políticas, especialmente o segundo a quem se atribui a responsabilidade por ter
colocado os Estados Unidos em guerra contra a Espanha.
2.3.1 – Usos, manipulação e influência da Imprensa na política brasileira
Também no Brasil, o jornal surgiu como instrumento político. Em seus tempos de
Colônia portuguesa o país não registra, até a chegada da Família Real ao Rio de Janeiro,
nenhum movimento digno de nota nesse campo. Sodré (1999) usa o fato de mesmo durante
o período de domínio holandês em Recife, caracterizado por um surto de desenvolvimento
em várias áreas, não ter se verificado progresso no setor para argumentar que a pobreza não
se originava em ações repressivas de Portugal, mas na configuração social vigente. Duarte
(1972) também registra o espanto por não ter um personagem esclarecido como Mauricio
de Nassau
33
patrocinado a instalação de nenhuma tipografia nas terras em que dominava e
cita relatos controversos sobre a instalação de um estabelecimento desse tipo em 1634, em
Recife, por um holandês chamado Brown (DUARTE, 1972, p. 3). Capelato (1988) não
isenta a corte pelo atraso.
A imprensa surge tardiamente no Brasil. razões internas e externas a explicar
a sua ausência na Colônia. A Coroa Portuguesa sempre criou obstáculos ao seu
desenvolvimento para impedir que as críticas à dominação metropolitana se
propagassem através das folhas impressas. Além disso, os núcleos urbanos eram
33
Maurício de Nassau é o nome “abrasileiradodo conde Johann Moritz of Nassau-Siegen, que comandou
uma república holandesa instalada no Nordeste brasileiro entre 1637 e 1644, cuja capital foi Recife. Ficou
conhecido por ser um incentivador das atividades culturais e por ter implantado um projeto urbanístico para a
cidade arrojado para os padrões da época.
66
poucos significativos na sociedade colonial havendo predominância de uma
população do campo, analfabeta, constituída na sua maioria por escravos,
dispersa em áreas distantes (CAPELATO, 1988, p.38)
O descompasso, no entanto, não implicou em diferença sobre a característica das
publicações surgidas nos primórdios da história da impressa brasileira se comparada com as
pioneiras européias datadas de até 300 anos antes. Como aquelas, as surgidas no Brasil
também revelavam ter uma missão política específica. Qualquer que seja o lado escolhido
na polêmica a respeito do nome do primeiro jornal do país, estará confirmada a constatação.
Se a conclusão for dar razão aos pesquisadores que colocam nessa posição a Gazeta do Rio
de Janeiro que começou a circular em 10 de setembro de 1808 que se registrar que ela
era impressa em tipografia trazida pelo Rei D. João VI e seu objetivo era enumerar e
enaltecer feitos oficiais.
No caso de se dar tal primazia ao Correio Braziliense, que circulava com o subtítulo
Armazém Literárioe cujo primeiro número foi impresso em Londres em de junho de
1808, por iniciativa de Hipólito José da Costa, a conclusão será a mesma. Essa publicação e
seu responsável são um dos pontos mais polêmicos da história da Imprensa no Brasil. A
primeira controvérsia é se o seu formato e a periodicidade mensal não se aplicariam melhor
dentro das características que definem uma revista. Sodré (1999) descreve assim as duas
publicações:
Representavam, sem a menor dúvida, tipos diversos de periodismo: a Gazeta era
embrião de jornal, com a periodicidade curta, intenção informativa mais que
doutrinária, formato peculiar aos órgãos impressos do tempo, poucas folhas,
preço baixo; o Correio era brochura de mais de cem páginas, geralmente 140, de
capa azul escuro, mensal, doutrinário muito mais do que informativo, preço muito
mais alto...Em tudo o Correio Brasiliense se aproximava do tipo de periodismo
que hoje conhecemos como revista doutrinária, e não jornal: em tudo a Gazeta se
aproximava do tipo de periodismo que hoje conhecemos como jornal embora
fosse exemplo rudimentar desse tipo (SODRÉ, 1990, p. 22)
Melo (2003, p.31 e p. 228) registra a disparidade de opiniões sobre esse jornal e,
especialmente sobre seu criador, citando a admiração expressa na opinião de Barbosa Lima
Sobrinho para quem Hipólito foi “o mais brasileiro dos jornalistas” e a decisão de VII
Congresso Nacional de Jornalistas, realizado no Rio de Janeiro em 1957, que execrou o
fundador do Correio aprovando uma moção de Fernando Segismundo considerando-o
jornalista venal.. Essa pecha é atribuída a Hipólito a partir da história contada por Mecenas
67
Dourado (1957), considerado por Sodré (1999) seu melhor biógrafo, sobre as evidências de
que o fundador do Correio Brasiliense recebia, através de seu amigo, Heliodoro Jacinto de
Araújo Carneiro Alvelos, dinheiro de D. João VI para preservá-lo de críticas e reivindicar
mudanças que o rei desejava implantar.
Chaparro (1998) é outro importante pesquisador da história do jornalismo que se
preocupa em esclarecer como era mantida a publicação que chegava de Londres aos
principais portos brasileiros em navios a um custo elevado. Ele cita a hipótese levantada em
Tangarrinha (1989) de que o governo inglês poderia ser o financiador, lembra a proteção
que Hipólito recebia da Maçonaria para permanecer em Londres e destaca a revelação de
Dourado (1957), concluindo: Pode-se pensar, então, que D. João, apesar de respeitado por
Hipólito (o rei nunca foi atacado ou desrespeitado pelo jornalista), preferiu não arriscar e
fechou um acordo com o editor do Correio Brasiliense” (CHAPARRO, 1998, p. 26-27)
Bahia (1990) não se preocupa com o aspecto econômico do Correio Brasiliense e se
revela no mais entusiasmado admirador de Hipólito entre os pesquisadores consultados
como suporte a este projeto. Diz ele:
Hipólito da Costa luta no Correio por princípios liberais e democráticos, contra as
práticas obscurantistas e despóticas. Defende mudanças substanciais no sistema
político, administrativo, econômico e social vigentes no Brasil e em Portugal.
Quer a emancipação de seu país, não por métodos violentos, mas por meios legais
(BAHIA 1992 p.27).
Enquanto Duarte (1972) se alinha a Bahia (1990), ao enaltecer o brasileiro que
fugiu da prisão em Portugal, onde estava por ser maçon, e foi a Londres fundar um jornal
que influenciou o pensamento das pessoas mais esclarecidas da colônia, Oliveira, J. (1978)
adiciona mais um fato a dar argumento aos que põem em dúvida seus convicções. Depois
de opinar que Hipólito pertencia ao número dos jornalistas pouco seguros de sua missão e
disposto a negociar com os adversários, ele relata:
Na verdade, Hipólito Joda Costa, que residia em Londres, transigira com o
Governo de Lisboa. Domingos Antônio de Souza Coutinho, ministro português
na Inglaterra, numa carta ao Conde de Linhares, datada de 7 de março de 1810
comunica-lhe a aproximação do diretor do Correio Braziliense com aqueles a
quem, historicamente, combatia Esse caso, aliás foi referido pelo Visconde de
Porto Seguro, em sua História Geral do Brasil. (OLIVEIRA, J.,1978, p.34).
68
Se a respeito da firmeza de caráter de Hipólito encontram-se versões conflitantes
entre os pesquisadores, há consenso de que o jornal sofreu censura não no Brasil como
em Portugal como ressalta Bahia: O jornal é proibido, apreendido, censurado, processado.
Não só no Brasil. Em Portugal a leitura do Correio Brasiliense é violação da lei. A
administração do Reino edita avisos e mobiliza a polícia para impedir a sua circulação”
(BAHIA, 1990, p.25). Também todos concordam que Portugal, através de seu embaixador
em Londres, Conde Funchal, financiou a publicação entre 1811 e 1819, do jornal
Investigador Português, que tinha como missão rebater denúncias do jornal de Hipólito.
O Correio Brasiliense teve 175 números e circulou até dezembro de 1822. Hipólito
foi nomeado cônsul do Império em Londres onde morreu antes de assumir o cargo. A
polêmica sobre qual foi o primeiro jornal brasileiro acabou provocando um episódio
insólito na vida nacional que foi a mudança da data considerada o Dia da Imprensa. A
decisão, tomada em 1945 por Getúlio Vargas, de considerar 10 de setembro, fundação da
Gazeta do Rio de Janeiro, como mais adequado para a homenagem foi mudada, em 2000
no Governo Fernando Henrique Cardoso, após o Congresso Nacional ter considerado o
de junho, quando circulou o número 1 do jornal fundado por Hipólito Costa, como o
nascimento do jornalismo no Brasil.
As dúvidas sobre quem bancava o Correio Brasiliense são difíceis de serem
dirimidas, mas esta questão não atrapalha a constatação de que o jornal como instrumento
político está na origem da história da imprensa brasileira. A possibilidade de ele ter sido
mantido graças a uma ajuda prestada de maneira escondida por D João VI, aliada ao férreo
controle das publicações exercido pelos homens de destaque do Reino, inclusive, contribui
para ressaltar sua importância.
Neste sentido, não há dúvida de que a decisão, em 1821, de D Pedro I de extinguir a
censura prévia às publicações, após assumir a Regência com a volta da corte a Portugal, foi
decisiva para o desenvolvimento da Imprensa no Brasil. Após a Independência, o país viu
surgir uma série de publicações de caráter extremamente político Bahia (1990) assinala:
Na regência de D Pedro e durante o Primeiro reinado, no entanto, condições
políticas e sociais peculiares exacerbam a militância, a participação e a retaliação,
e é por que se movem muitos jornais e revistas. Entre 1822 e 1831 um ano
antes da Independência caíra a censura prévia- há um surto de pequenos veículos,
de jornais radicais e de panfletos (BAHIA, 1990, p.43).
69
O exemplo mais característico do jornal dessa época chamava-se A Malagueta,
fundado por um ex-funcionário português Luís Augusto May. Esse é também um
personagem polêmico da história do jornalismo brasileiro. Tendo lançado o jornal em 18 de
dezembro de 1821, sob a liberdade proporcionada pelo fim da censura prévia, May se
vangloriava de ter sido a sua a primeira publicação a noticiar a decisão de D. Pedro de
ignorar as ordens de Portugal e permanecer no Brasil, no que se transformou em “dia do
Fico” (9 de janeiro de 1822), saindo à frente do Reverbero Constitucional Fluminense e do
Espelho, os dois defensores da medida e aliados do príncipe. Segundo Bahia (1990, p. 49),
May poupava e adulava D. Pedro, com quem se correspondia e atacava o ministério,
principalmente José Bonifácio de Andrada e Silva.
Sodré (1999, p.61) assinala que, depois de uma interrupção de circulação, A
Malagueta voltou em 1823 como oposição ao Governo. O pesquisador externa a suposição
de que May ficara aborrecido por não ter conseguido um cargo no exterior e reeditou o
jornal, como vingança. A linha contrária ao imperador valeu ao jornalista ataques do
Espelho, sendo que atribui-se ao próprio D. Pedro I a autoria dos textos mais virulentos
divulgados pelo jornal. May também acabou sendo vítima de violenta agressão física em 6
de junho de 1823 que o deixou com uma mão aleijada. Também nesse episódio, são fortes
os indícios de que o imperador, patrono do fim da censura prévia, estava entre os agressores
e que May poderia tê-lo reconhecido, tendo se aproveitado para tirar vantagem, pois
relatou o ataque covarde em março de 1824. A notoriedade ganha ao denunciar o fato lhe
facilitou a eleição para deputado da primeira legislatura brasileira, em 1826,
transformando-se no primeiro jornalista brasileiro a ser eleito, graças à profissão.
Em 1827, surge a Aurora Fluminense¸ de propriedade de José Apolinário de
Morais, Francisco Valdetaro e José Francisco Sigald, que teve logo como colaborador e em
seguida único proprietário Evaristo da Veiga, que Bahia (1990, p.45) considera o primeiro
brasileiro a ter o jornalismo como fonte de sustento, que nunca fez parte do Governo e
morreu pobre. A afirmação merece ser analisada com cautela, quando se que Veiga foi
eleito deputado por Minas, assim como May, graças à atuação jornalística, tendo exercido o
cargo entre 1830 e 1837. Também a biografia constante do portal da Academia Brasileira
70
de Letras coloca a informação em xeque, ao revelar que ele teve uma livraria que lhe
garantiu viver confortavelmente e patrocinar estudos de dois jovens jornalistas de Niterói
34
.
Os pesquisadores apontam importante exceção nesse cenário de jornais com linhas
editoriais ideologizadas. Trata-se do Diário do Rio de Janeiro de Zeferino Vito Meirelles,
surgido em 1821, que fazia questão de se dizer apenas informativo. O detalhe ressaltado por
todos é sua preocupação de mostrar-se tão distante da política que chegou a não dar notícia
da independência do Brasil. O que, para os padrões atuais, é uma gravíssima falha no
cumprimento da missão jornalística de informar, por ironia, acaba sendo registrado
historicamente como principal indício do surgimento da imparcialidade no jornalismo
brasileiro.
O diferencial estabelecido pelo Diário do Rio de Janeiro, que circulou a1878,
reforçado pelo lançamento, também na Corte, em 1827, do Jornal do Commercio não
encontra paralelo na imprensa paulistana, que se mostrou sempre muito mais engajada. A
explicação para isto vem do boicote da Corte à principal província que se encontrava em
fase de franco desenvolvimento cultural. Produzir um jornal em São Paulo, na época,
seria possível com vontade política e dedicação a determinada causa. Baseando-se em
estudos de Afonso E. De Freitas, Oliveira, J. (1990) conclui ter:
A Corte envidado todos os esforços para que São Paulo não viesse a ter uma
imprensa, existentes nos principais centros do país. E tal não se deu por falta
do desejo de se fundar jornais. Muito menos para ausência de homens arrojados e
capazes que quisessem tomar iniciativa nesse particular. Prova disso é ter-se
publicado em São Paulo O Paulista folha manuscrita, com organização invejável,
mas de vida efêmera em vista das descabidas exigências do Governo
(OLIVEIRA, J., 1990, p.37)
Assim, apenas em 1827, surge em São Paulo, o Farol Paulistano, o primeiro jornal
impresso da cidade que foi fundado por José da Costa Carvalho e tinha entre seus redatores
Antonio Mariano de Azevedo Marques, conhecido como Mestrinho, e responsável pelo
manuscrito, O Paulista. Se a movimentação política pela Independência e as brigas pelo
poder entre liberais e conservadores foram os principais motivadores da expansão do
jornalismo no Rio, as questões da Abolição e da República se concentraram em São Paulo e
impulsionaram sua Imprensa. Duarte (1972) assinala, referindo-se ao período entre 1860 e
34
Biografia cedida pela Academia Brasiléia de Letras ao site www.biblio.com.br. Link disponível em
http://www.biblio.com.br/conteudo/EvaristodaVeiga/EvaristodaVeiga.htm. Acesso. 10.jun. 2008.
71
1870, que “começaram a pulular os jornais republicanos e abolicionistas, confundindo-se os
dois matizes em quase todos eles” (DUARTE, p 21). O principal fato desse período foi a
histórica Convenção de Itu, quando representantes dos fazendeiros paulistas se reuniram e
decidiram fundar o Partido Republicano e de criar um jornal para divulgar suas idéias.
Fracassado o plano inicial de comprar o Correio Paulistano, surge A Província de São
Paulo.
2.3.2 Jornais mantêm poder político, mas diminuem os políticos nos jornais
Os primeiros anos pós-República na imprensa paulistana, segundo Duarte (1972),
foram marcados pelo surgimento de vários jornais monarquistas de vida curta e de alguns
de oposição aos rumos do novo regime, entre os quais se sobressaíam os orientados por
Américo Brasiliense que fora pressionado a deixar o cargo de presidente do estado por ter
apoiado Deodoro. Também foi o período em que se desenvolveu o jornalismo ligado aos
trabalhadores, a maioria de orientação socialista e alguns anarquistas.
Depois de A Gazeta, fundada, em 1906, por Adolfo Araújo e que se transformou em
propriedade de Cásper Líbero em 1918, São Paulo viu nascer um jornal bem estruturado e
com conteúdo fortemente político em 1921. Nesse ano, liderado por Olival Costa, um grupo
de jornalistas que havia trabalhado na edição vespertina de O Estado de S. Paulo, que havia
circulado desde 1916 e era conhecida como Estadinho, forma uma empresa e lança a Folha
da Noite que se propõe a ser um jornal popular.
Outra publicação criada
especificamente com fins
políticos foi o Diário de S.
Paulo, que começou a circular
em 5 de janeiro de 1929. De
propriedade de Assis
Chateubriand, que viria a ser o dono do maior império de comunicação brasileiro nos anos
50 e 60 (o conglomerado Diários Associados), o jornal tinha como objetivo apoiar a
Aliança Liberal, formada em torno de Getúlio Vargas para fazer oposição ao presidente
Washington Luis e ao candidato a sucedê-lo, Julio Prestes. Assis possuía, no Rio, O
72
Jornal e, em São Paulo, o Diário da Noite. O lançamento do Diário de S. Paulo foi baseado
em uma estratégia agressiva de marketing, com distribuição de assinaturas gratuitas, pois o
objetivo era disseminar as idéias da oposição. Duas curiosidades ressaltam-se na trajetória
da publicação. A primeira é ter sido ela, assim como o Estado de S. Paulo, apoiadora de
Getúlio para depois virar oposição e ser perseguida. A segunda é que sua marca, após a
falência da parte paulista dos Associados, foi comprada em leilão, junto com uma de suas
rotativas, pelo Diário Popular e acabou utilizada pelas Organizações Globo em 2001.
A constatação de que o objetivo político está na origem dos grandes jornais
brasileiros e de que esse meio de comunicação se mostrou uma arma eficiente na guerra
partidário-ideológica se reforça quando se analisa um dos maiores fenômenos da imprensa
nacional: a Última Hora, lançada por Samuel Wainer em 12 de junho de 1951. Esta foi uma
das publicações mais estudadas da história brasileira e um dos modelos jornalísticos de
maior sucesso. Criada com o fim específico de abrir espaço para o então presidente Getúlio
Vargas, que, depois de governar 15 anos como ditador, havia sido eleito pelo voto direto, a
Última Hora foi acusado de receber ajuda oficial para sua sobrevivência.
Wainer foi atacado violentamente pelos demais jornais, tendo se envolvido em uma
verdadeira guerra contra a Tribuna da Imprensa, jornal carioca de pequena tiragem, porém
de grande influência, fundado por Carlos Lacerda, político de destaque no cenário nacional
que chegou a ser governador do antigo estado da Guanabara
35
. Entre os efeitos gerados pelo
projeto da Última Hora, destaca-se o fato de sua concepção editorial ter explicitado, no
Brasil, a embricação entre o “político” e o “popular”.
O sucesso da Última Hora também explica o surgimento de um jornal que se
caracterizou pela intenção de ser um “jornal político sem política”. Trata-se do Notícias
Populares, fundado por um grupo liderado pelo político conservador Herbert Levy com a
finalidade de anular ou minimizar a influência do jornal de Wainer. O objetivo
explicitamente político deveria ser atingido através da eliminação dos temas políticos com a
preponderância da cobertura dos assuntos que começavam a ser rotulados como de
interesse popular.
O fim da Última Hora e a adoção pelo Notícias Populares de um caráter popular,
que para muitos pesquisadores é melhor definido como sensacionalista, se dão em um
35
A respeito da disputa entre Wainer e Lacerda cf. Laurenza (1998).
73
cenário em que o jornal no Brasil deixa de ser expressamente um instrumento político, mas
não abre mão do papel de ser um influente ator político. A compra da Folha de S. Paulo por
Octavio Frias de Oliveira e Carlos Caldeira Filho, empresários vindos de setores alheios aos
meios de comunicação, e a absorção da Última Hora e Notícias Populares pelo mesmo
grupo havia sido o sinalizador desse novo tempo, no qual as empresas jornalísticas,
principalmente na região Sul e Sudeste, não têm no seu quadro de acionistas detentores
de mandatos e dirigentes partidários.
Isto não impediu que a Imprensa desempenhasse papel fundamental em episódios
importantes da História, como a derrubada do presidente João Goulart e o estabelecimento
de uma ditadura militar que durou 20 anos. O combate a esse regime autoritário também se
deu, em parte significativa, nas páginas de vários jornais que denunciaram torturas,
ilegalidades e fizeram de tudo para driblar a censura.
O movimento “Diretas Já” foi outro episódio onde a Imprensa foi fundamental,
destacando-se a atuação dos meios impressos, notadamente da Folha de S. Paulo e Jornal
da Tarde, e a entrada tardia da mídia eletrônica que começava a ser vista como suporte
noticioso mais utilizado pela população. A televisão funcionou como aliada do meio
impresso (jornais e revistas) na campanha pelo impeachment do presidente Fernando Collor
de Melo, em 1992.
Atualmente, a análise da composição acionária dos principais grupos proprietários
de veículos impressos mostra que nas regiões Sul e Sudeste do Brasil o modelo de jornal
que tem o político como dono deixou de existir. O Diário Popular, que teve envolvidos em
sua fundação militantes de causas partidárias, acabou sendo o último veículo da capital
paulistana a ser propriedade de um líder partidário, quando o ex-governador Orestes
Quércia o comprou em 1988. Durante os doze anos em que o controlou, este político, que
amealhou uma grande fortuna após entrar na vida pública e foi alvo de várias denúncias de
irregularidades, durante os mandatos que cumpriu, se diferenciou de paradigmas históricos
ao, praticamente, não usar a publicação como arma na luta por poder.
Com exceção da eleição municipal de 1988, quando ele ainda não assumia ser
proprietário da empresa e tentou fazer prefeito seu Secretário de Obras, João Oswaldo
Leiva, e na reta final do segundo turno da disputa estadual de 1994 entre Mário Covas
(PSDB) e Francisco Rossi (PDT), quando ele orientou a redação a abrir espaço para o
74
segundo, Quércia não estigmatizou o jornal como instrumento político. No depoimento
dado ao autor, o ex-governador repetiu várias vezes que sempre se preocupou em separar as
atividades políticas dos negócios e frisou que a transferência do Diário Popular para as
Organizações Globo, em 2001, foi o fechamento de uma operação lucrativa.
Se na cidade de São Paulo, a saída de Quércia do setor significou a despolitização
personalística completa do controle dos jornais, nas regiões Norte e Nordeste, o mercado de
mídia impressa ainda tem publicações cujos acionistas são caciques políticos. Os exemplos
mais notórios por se tratar de propriedades das antigas oligarquias regionais se encontram
no Maranhão, onde a Família Sarney é proprietária de O Estado do Maranhão, de São Luis,
e na Bahia, onde o clã do recém falecido Antonio Carlos Magalhães tem entre seus veículos
o jornal A Tarde, de Salvador. Valem ser destacados também o caso do Pará no qual a
família do ex-governador e ex-presidente do Congresso Nacional, Jader Barbalho é dona do
Diário do Pará, de Belém, o do Rio Grande do Norte, com a Família Alves, que tem entre
seus membros os primos Garibaldi, atual presidente do Senado, e Henrique Eduardo, líder
do PMDB na Câmara Federal, sendo proprietária da Tribuna do Norte o de Alagoas, cujo
destaque é a Organização Arnon de Melo, que tem o ex-presidente e atual senador
Fernando Collor de Melo como principal acionista e detém o controle da Gazeta de
Alagoas, de Maceió, e o de Sergipe, onde em Aracaju circula o Correio de Sergipe de
propriedade do ex-governador João Alves Filho.
75
CAPÍTULO 3 Depois da primeira morte
3.1 A necessidade de ser empresa após atingir os objetivos políticos
Um dos fatos marcantes da trajetória do Diário Popular ainda não registrado com
relevância merecida pela história da imprensa brasileira foi como ele, ao ver vitoriosas suas
lutas ideológicas, ajustou rapidamente seu perfil, invertendo a posição de seus objetivos.
Assim, se, na fundação, preponderava o interesse político, vindo a seguir as necessidades
pessoais, tão logo as bandeiras da Abolição da Escravatura e da Proclamação da República
saíram das páginas das publicações na última década do século XIX, ele priorizou seu
desenvolvimento como negócio, passando a tratar a política como mais um item de sua
pauta noticiosa e afastando-se do partidarismo.
Esse momento, no qual ele deixa de ser instrumento de uma causa, é considerado
como a primeira morte do Diário Popular e acontece nas saídas do sócio Américo de
Campos e do correspondente no Rio, Aristides Lobo. José Maria Lisboa, o remanescente do
grupo idealizador do jornal, passa a ser o único dono e sua experiência administrativa,
adquirida como gerente de três grandes publicações (Correio Paulistano, Gazeta de
Campinas e A Província de S. Paulo), foi fundamental na transformação e contribuiu para
76
dar ao Diário Popular o direito de ser pretendente à posição de um dos precursores do
jornal empresa no país, notadamente na capital paulistana.
A datação do surgimento do jornal como empresa, no Brasil, assim como os
parâmetros definidores dela como organização são pontos teóricos que dividem os
estudiosos. A bibliografia disponível tanto pode apontar, como em Sodré (1999) e Duarte
(1972), a fundação de A Província de São Paulo, em 1875, como esse momento ou
considerar, como em Taschner (1992), a consolidação do Grupo Folha, na cada de
1960, o fato que reúne os parâmetros necessários para se estabelecer esse divisor de águas.
Entre datas tão distantes, Bahia (1990) aponta o Jornal do Brasil, como um veículo
fundado em 1891 dentro de conceitos empresariais e Sodré (1999) destaca também o
surgimento da Folha da Noite (embrião da atual Folha de S. Paulo), em 1921, que para ele
foi uma publicação criada com a finalidade de dar lucro. O lançamento da Última Hora, por
Samuel Wainer em 1951, é descrito por vários autores, incluindo seu fundador –Wainer
(2005)–, como baseado em uma estrutura empresarial, mesmo tendo o objetivo político
claramente definido de apoiar Getúlio Vargas. Diante da diversidade de paradigmas, é
fundamental analisar os elementos utilizados na classificação para se debater quais dos
exemplos propostos os abrangem, bem como quais, por falta de um ou mais desses
definidores, sofreriam restrições ou teriam sua inclusão no modelo inviabilizada.
Os nascimentos citados se referem a jornais juridicamente definidos como
propriedades de empresas. Essa constatação poderia levar ao simplismo de se definir
cronologicamente qual dos eventos merece a primazia de ser considerado o surgimento do
jornal empresa no Brasil. Porém, os critérios epistemológicos confluem para dois requisitos
fundamentais para o enquadramento na definição: a finalidade lucrativa e a estrutura
disponível para se atingir o objetivo. Assim, a Província de 1875 satisfazia a segunda
exigência, mas são vários os indicadores de que seus fundadores não almejavam retorno
financeiro do investimento, mas sim o sucesso de seu projeto político. No caso da Folha da
Noite, a situação seria inversa, como aponta Taschner (1992), ao analisar sua fundação.
A pesquisadora ressalta que a publicação nasceu da decisão de um grupo de
jornalistas que trabalhava na edição vespertina de O Estado de S. Paulo e teve apoio
integral dos proprietários desse, principalmente do superintendente, o genro de Julio
77
Mesquita, Armando Salles de Oliveira
36
, os quais facilitaram a impressão dos primeiros
números, além de terem permitido que os donos do jornal que viria a se transformar em
concorrente continuassem seus funcionários. Além disso, Julio de Mesquita Filho, que
começara a carreira jornalística no Estadinho e que com o fim deste assumira a secretaria
do jornal da família, escreveu para a Folha, sendo autor de seu artigo de apresentação.
Os motivos dessa inusitada condescendência não ficam esclarecidos nos relatos
reproduzidos pela pesquisadora, mas é significativo lembrar as movimentações políticas de
Salles, do sogro e dos cunhados Julio e Francisco. Os quatro estiveram entre os
incentivadores de uma tentativa de reordenamento partidário na época, que acabaria
propiciando a fundação do Partido Democrático, por Antonio Prado, ao qual Francisco se
filiaria. Em sua cronologia histórica disponibilizada em seu portal na internet, o jornal
destaca o discurso desse Mesquita na fundação da legenda. Tomando-se como referência a
estratégia usada pelo chefe do clã após a proclamação da República de viabilizar a
transformação do Correio Paulistano em órgão oficial do Partido Republicano para
preservar o Estado como veículo descompromissado partidariamente, é possível se
visualizar uma tentativa de repetir a operação.
O fato de a Folha ter opinião editorial semelhante à do Estado desde seu primeiro
número e se notabilizar por elogiar seguidamente o PD reforça a impressão. Outro detalhe
indicativo dessa tendência é a necessidade de o novo partido falar com um segmento mais
amplo e “popular” da capital, como pretendiam seus líderes, público semelhante ao visado
pela Folha. O PD chegou a ter seu próprio jornal, o Diário Nacional, mas sem dúvida seu
ideário esteve bem veiculado pela Folha, que divergiria dos Mesquita na Revolução de
1930, quando houve a separação dos sócios Pedro Cunha e Olival Costa. O primeiro
fundou A Platéia que ficou ao lado da Aliança Liberal, seguindo o Estado, enquanto o
segundo, como proprietário único da Folha alinhou-se ao Governo, o que lhe custaria o
empastelamento do jornal em ação de adeptos da revolução que levou Vargas ao poder.
O interesse financeiro em repor a renda perdida com o fechamento do Estadinho
permite a conclusão de que os criadores da Folha da Noite pensavam em ter uma estrutura
36
Casado com Raquel de Mesquita, filha de Júlio Mesquita, o engenheiro Armando Salles de Oliveira foi
interventor federal no Estado, governador eleito indiretamente pela Assembléia Estadual Constituinte e
candidato a presidente, na eleição que não houve em 1937. Em sua administração foi criada a Universidade de
São Paulo-USP.
78
empresarial, mas a precariedade de seus recursos materiais, na opinião de Taschner, impede
que se enquadre o projeto inicial na definição de jornal empresa. Nesse aspecto, o caso da
Última Hora, no início da década de 50, se adaptaria mais ao conceito, pois, sua
organização foi cuidadosamente planejada e as ações administrativas se mostraram bastante
concatenadas. Porém o objetivo confesso de Samuel Wainer de criar um veículo de apoio
ao presidente Getúlio Vargas e o fato de sua fundação ter sido financiada por entidades e
personalidades ligadas ao poder, tornariam o jornal um produto de classificação
hibridizada.
Diante desse painel, conclui-se ser mais adequado pensar no aparecimento do jornal
empresa no Brasil como um processo evolutivo/cumulativo e a melhor época para ser
estabelecida como sua primeira fase é a imediatamente posterior à República. Essa
realidade garante ao Diário Popular o crédito, até por necessidade de sobrevivência, de ter
se organizado como empresa antes dos concorrentes paulistanos. O Estado, sob a
administração de Júlio Mesquita (gerente), passou primeiramente por um processo que
pode ser chamado de profissionalização da administração, acelerado quando seu pai
Francisco Mesquita se tornou sócio da empresa em 1897, vindo a sedimentar suas
características de empresa no rompimento com o presidente Campos Salles em 1901.
Medina (2003) faz uma análise da situação da imprensa brasileira (com ênfase nas
publicações cariocas) no final do século XIX na qual conclui que a empresa jornalística
montada com fins lucrativos produz veículos com conteúdo “sensivelmente diferente” do
oferecido pelos jornais do período anterior ligados a grupos políticos, aos quais ela chama
de jornais de causa:
Objetivando a maior circulação possível (em função da qual gira, grosso modo, o
valor do espaço vendido), o jornal empresa passa a considerar preferencialmente
o gosto do leitor. A ênfase recai sobre o que o público quer e não sobre a opinião
do grupo que manipula o jornal. Surge, então, pouco a pouco, o jornal noticioso,
que logo se transforma em sensacionalista, surge também a crônica esportiva,
policial e social (MEDINA, 2003, p. 47).
Essa descrição baseia-se em títulos editados no Rio de Janeiro, Gazeta de Notícias,
Jornal do Comércio, Jornal do Brasil e Correio da Manhã, sendo que os dois últimos a
pesquisadora considera que nasceram estruturados como empresa e com o objetivo
principal de gerar lucro. Sua interpretação sobre mudança no conteúdo é similar ao que se
79
relata, em Albert e Terrou (1990), sobre a evolução dos mercados europeu e norte-
americano, também no final do Século XIX. São muitos os autores que associam este
momento da história da imprensa mundial à intensificação do oferecimento de uma forma
de jornalismo que por muitos é definida como “popular”. É um momento em que
publicações registram explosões em suas tiragens, como no caso da chamada “imprensa
amarela”, nos Estados Unidos, destacando temas mais ligados ao interesse humano (fait-
divers), com uma construção visual de forte apelo e a preços bastante baixos, uma receita
que vale para qualquer tipo de empresa ou mercadoria.
Apesar de Medina (2003) colocar entre os títulos que considera lançados com
interesses comerciais específicos, ao lado do portoalegrense Correio do Povo, o paulistano
Diário Mercantil, o desenvolvimento dos jornais da capital de São Paulo se deu de maneira
menos brusca. Uma transformação que se enquadre em um dos significados do neologismo
“popularização”, no conteúdo dos jornais Correio Paulistano, Diário Popular e O Estado
de S. Paulo não é sentida, ao se ver seus exemplares da passagem do século XIX para o
XX. O primeiro manteve a sina de volúvel instrumento político, passando a ser o órgão
oficial do Partido Republicano, graças à manobra de Júlio Mesquita, então com muita
influência na legenda e que se revelava incomodado em ver o jornal que dirigia e do qual se
tornaria dono desempenhando esse papel. Diário e Estado se empenharam em
alternativas para garantir sua subsistência, implantando estratégias de cunho empresarial.
Porém, nenhum dos três modificou, sensivelmente, a tendência das pautas que destacavam
nos tempos de defensores de causas.
Ao se propor a análise dos rumos diversos tomados pelos jornais de Lisboa e de
Mesquita, é válido frisar o ponto central da argumentação que permite ao Diário Popular
reivindicar a posição de precursor do jornal empresa em São Paulo, que é a diferença no
perfil profissional dos homens que o comandavam. Enquanto Lisboa tinha a necessidade de
manter a família com rendimentos gerados pela publicação e, após a proclamação da
República, preocupou-se em pensar o jornal como negócio, atenuando, o tom político do
noticiário, no Estado, como relata Caldeira (2002), Júlio Mesquita ainda contou por algum
tempo com recursos vindos do Governo em pagamento pela publicação dos debates na
Constituinte Estadual. Além disso, era ele próprio um político com mandatos tendo sido
secretário do primeiro Governo republicano paulista, deputado estadual constituinte e
80
senador estadual (da Proclamação da República até 1932, os estados tinham um Congresso
Estadual composto por deputados e senadores). O jornal de Mesquita não abriu mão de sua
atuação política, que na verdade, se confundiu com partidarismo, no início, com o próprio
Júlio e, nas décadas de 20 e 30, com seu genro Armando de Salles Oliveira e o filho Júlio
Mesquita Filho.
É evidente que ter receitas geradas por publicações oficiais ou mesmo por
propaganda de governos não implica na impossibilidade de um jornal se caracterizar como
empresa. Nos dias atuais, os recursos vindos destas fontes são fundamentais para a
sustentação dos grandes grupos de comunicação e não há nenhuma dúvida que eles são
conglomerados empresariais. Mesmo a presença de políticos com mandato no comando
dos veículos, como nos casos citados que persistem em estados do Norte e Nordeste
brasileiro, não é elemento impedidor dessa classificação. Na retrospectiva histórica, a
ressalva no paralelo que se traça entre os primeiros anos do Diário Popular e de O Estado
de S. Paulo, visa mostrar que o jornal de Lisboa teve menos facilidades de se consolidar no
novo momento. Visando o mesmo objetivo, qual seja o de fortalecer economicamente suas
empresas, Lisboa e Mesquita adotaram estratégias diferentes. O primeiro optou por investir
na ampliação da área de publicidade, conforme relata Batista (2000), ao mostrar como o
dono de jornal formado dentro dos princípios de um especialista em administração,
percebeu rapidamente que, com a República, havia mudado o perfil econômico do país e da
cidade, devido à falência de muitas fazendas de café e a conseqüente aceleração da
urbanização e a criação de novos tipos de negócios.
Lisboa percebeu que as mudanças tinham criado uma nova preocupação na
cabeça de patrões e empregados. Como encontrar trabalho, no caso dos
empregados, e para os patrões, onde buscar mão-de-obra adequada para o
negócios. Lisboa então começou a publicar pequenos anúncios para a colocação
de candidatos a empregos. A novidade foi um estouro e fez do jornal, no fim do
século, um precursor dos classificados (BATISTA (2000, p. 58).
Mesquita preferiu concentrar suas ações no aumento da tiragem, investindo na
distribuição avulsa nas ruas e disciplinando a assinatura. Essa forma de venda, no período
em que a publicação estava em campanha pela República, era encarada como uma maneira
de ampliar o público atingido pela mensagem política. No intuito de ampliar o número de
assinantes, o jornal, na sua primeira década de existência, costumava sortear prêmios em
81
dinheiro, entre as pessoas que efetuassem o pagamento de suas assinaturas até o último dia
de outubro do ano anterior a vigorar da assinatura. Junto com o anúncio da promoção, o
jornal diariamente informava o número de pessoas que estavam concorrendo. Em 31 de
outubro de 1884, o jornal detalhava a promoção, sob o título “Vantagens aos srs
assignantes”
Os srs assignantes d`esta folha que satisfizerem a importância de sua assignatura
POR UM ANNO, aqui em nosso escriptorio, ate 31 de outubro próximo, ficarão
com direito ás vantagens que nos annos anteriores temos offerecidos e conforme
as condições já conhecidos. Prevenimos, porém, que ficam com direito a taes
vantagens UNICAMENTE aquellles que effectuarem o pagamento em nosso
escriptorio, não podendo ser inscripto o que fizer o pagamento em outra parte,
mesmo em maos de nossos agentes, ao menos emquanto as respectivas quantias
não chegarem ao nosso poder. O numero dos srs. Assignantes que se acham
inscriptos até hoje com direito ás vantagens, eleva-se a 1430
Prêmios a distribuir: um de 600$, outro de 400$000. Prevenimos egualmente que
suspenderemos a folha aos que se acharem em atrazo.(VANTAGENS..., 1889,
destaque para o número do original)
O fato de 1430 pessoas terem pago suas assinaturas, num universo de
aproximadamente 3000 compradores
37
, é importante amostragem de como a empresa não
se importava muito com a receita gerada desta forma. Mesquita, que entrara como jornalista
para A Província em 1885, no meio da desastrada administração de Alberto Salles, e se
tornara gerente em 1888, quando ela passou a pertencer a Rangel Pestana & Cia, apostou na
regularização deste setor. Caldeira (2002) assinala:
Quando assumiu o jornal, Julio Mesquita encontrou uma média histórica de 45%
de inadimplência entre assinantes e esta era uma das mais baixas da cidade,
num momento em que os leitores não estavam no centro da preocupação de
jornais políticos. Somente oito anos depois de assumir ele foi capaz de cortar
assinaturas dos que não pagavam e de anunciantes que faziam o mesmo –,
acabando com o último resquício administrativo do jornalismo partidário
(CALDEIRA, 2002)
As estratégias adotadas pelos dois jornais se mostraram eficientes e ambos puderam
comemorar a elevação das tiragens e a consolidação das empresas. Essa similaridade de
37
Este número é estimado nas referências de vários pesquisadores que apontam que a tiragem do jornal girava
em torno de 4 mil exemplares, dos quais 800 eram vendidos de forma avulsa. O portal Estadão, em seu
resumo histórico, aponta que a tiragem chegou aos 4 mil em 1888. Em 1889, o jornal, já sob a direção de Julio
Mesquita coloca em sua primeira página a tiragem, sendo que no dia 13 de janeiro, um domingo, o número
estampado era de 4.200, enquanto em 12 de maio do mesmo ano (também domingo) a informação era de
4600 exemplares.
82
resultados ressalta o enigma sobre o porquê de as duas publicações terem se desenvolvido
de maneiras opostas e, ao superar os 100 anos de existência, desfrutarem de imagens
diferentes: uma transformada em referência em jornalismo, se esforçando para se conservar
no topo das maiores tiragens do país, e a outra se arrastando com inexplicáveis dificuldades
financeiras, envolvida em brigas familiares que a levaram a acabar nas mãos de um grupo
que renegou os valores agregados por seu nome. A comparação desfavorável ao Diário é
feita com base nas realidades encontradas no final dos anos 80, quando o jornal acabou
vendido pelo último herdeiro de Lisboa ao ex-governador Orestes Quércia, enquanto o
Estado se permitia pensar em ampliar sua área de atuação e ganhar muito dinheiro com a
privatização da telefonia. O fracasso deste plano e o arrependimento da família por ter
entrado no setor são explicitados por Ruy Mesquita.
Acreditávamos que estávamos fazendo um grande negócio, fomos convidados a
participar da licitação [...] pela Bell South, e Banco Safra [...]como uma garantia
de honestidade na licitação, que eles desconfiavam que pudesse haver um
favorecimento da Globo naquela ocasião, e nos achamos que era um negócio
muito interessante [...] , nossa intenção era em pouco tempo ter um lucro enorme
com a participação que nós tivemos e para nós enorme, mas, era coisa de 6%
inicialmente depois chegou a oito, enfim. Foi uma coisa de 100 milhões de
dólares a participação nossa. Nós esperávamos que, em quatro ou cinco anos nós
podíamos vender isso por dez vezes [....] começou errado o lance que a Bell
South deu, como eu ia imaginar que esses gênios de ganhar dinheiro, coisa que
Mesquita nunca soube fazer (sic). Eles deram um lance que era de 2 bilhões de
dólare,s quando podiam ter ganho a licitação com 1 bilhão e 100 milhões de
dólares. Começou por aí (MESQUITA, 2004).
Assim se que os problemas econômicos que afetaram nos últimos tempos o
Estado, levando ao afastamento dos herdeiros de Mesquita da direção executiva do grupo,
são de natureza diversa dos acumulados pelo Diário Popular. Por isso e por terem se
tornados agudos em épocas diferentes, devem ser desconsiderados quando se investiga as
razões de o crescimento das duas empresas, após a República, ter se dado em ritmo
desigual. A análise dessa disparidade remete a um outro aspecto diferenciador na formação
dos homens que tiveram a missão de conduzir as duas publicações a partir da virada do
século XIX, que é a prática profissional.
O Diário Popular, com a saída de Américo de Campos, deixou de contar com a
orientação jornalística do projeto inicial e se transformou então em uma exceção no
mercado da época, por ser o único jornal, cujo proprietário (José Maria Lisboa), apesar de
83
ser autor de raros textos, não era jornalista. Essa realidade o jornal enfrentaria novamente, a
partir de 1943, situação que se agravaria nos anos 60, quando os condutores do projeto,
além de não ter ligação com o jornalismo não faziam parte da estirpe do fundador. Por
outro lado, o Estado se beneficiou do ecletismo de Julio Mesquita, que aliou a implantação
de preceitos empresariais no jornal à preservação da qualidade jornalística, por entender
que a notícia era o produto a ser vendido. Seus herdeiros seguiram sua filosofia o que torna
injusta a afirmação do atual diretor-responsável de que “Mesquita não sabe ganhar
dinheiro” (MESQUITA, 2004).
3.1.1 uso do “popular” se revela no conteúdo dos pioneiros jornais paulistanos
84
O uso dos temas definidos como de “interesse humano” (fait-divers), destacado
como um dos requisitos fundamentais para se caracterizar o jornalismo popular, é um dos
pontos merecedores de análise quando se objetiva entender a consolidação da empresa
jornalística no mercado paulistano. Enquanto o surgimento dos grupos nas imprensas
européia e norte-americana guarda relação estreita com a exploração deste recurso e o
desenvolvimento do jornalismo no Rio se acentuou no momento em que a pauta de seus
veículos trocou a defesa de causas por assuntos que atraiam o público conforme Medina
(2003 ) – , São Paulo registrou um processo peculiar.
Ao escolher estratégias capazes de gerar lucro, tanto Diário Popular quanto O
Estado de S. Paulo não tiveram entre as opções a possibilidade de mudar os temas que
destacavam em suas páginas, utilizando recursos do “popular” porque esses já estavam
sendo explorados. Na verdade, a confluência verificada na Europa entre o “popular” e o
jornal como produto oferecido por uma empresa, se deu em São Paulo entre o “popular” e o
jornal instrumento político que tinha uma mensagem ideológica a divulgar e aconteceu
ainda na época das lutas pela Abolição da Escravatura e Proclamação da República. O
noticiário de interesse humano, antes de ser motivador de venda do produto jornal na
imprensa paulistana do fim do século XIX, foi chamariz para artigos em defesa de causas,
conceitos, valores e posições políticas.
Isso se evidencia no cotejamento das páginas publicadas pelos dois jornais, antes
das transformações na vida política do país, com as editadas após essas mudanças, onde não
se verifica incremento significativo no espaço destinado a assuntos gerados fora da esfera
política. A explicação para o Rio de Janeiro ter testemunhado uma diferenciação mais
rápida e visível entre os conteúdos dos jornais, como apontam Medina (2003) e Bahia
(1990), está no fato de ser a cidade, como sede do Império, o centro da efervescência
política, além de contar com uma população mais engajada. Assim, os jornais de causa
contavam com um número de leitores adeptos de suas idéias e a manifestação editorial
ideologizada se dirigia mais aos adversários ou visava, em muitos casos, conseguir recursos
de financiadores com interesses partidários. Além disso, contou a cidade ao fechamento,
em 1878, do Diário do Rio de Janeiro, oDiário do Vintém”, com uma opção para aqueles
que desejassem informações de caráter geral, com destaque para os fait-divers.
85
A utilização de elementos do “popular” como suporte para veicular mensagens
políticas, prática observada no processo evolutivo do jornalismo em São Paulo no pré e
pós-República, se assemelha à estratégia do magnata norte-americano Hearst em seu jornal
“imprensa amarela”, evidentemente sem os exageros e nem o preço reduzido. Também
possui similaridade com o projeto da Folha da Noite e Folha da Manhã, em sua primeira
fase sob o comando de Olival Costa, sendo que a Última Hora de Samuel Wainer foi a
publicação que, em 1951, aperfeiçoou essa sinergia e revelou a melhor receita para unir o
“popular’ e o político. Essas comparações são admitidas definindo-se o “popular” a partir
do conceito do que “é feito para o povo, mas também é feito pelo povo”, que é o parâmetro
deste estudo.
A opção por essa vertente da classificação do”popular” não se invalida pelo fato de
que, especialmente ao se focar a luta pelo fim da Monarquia, o contingente a quem os
jornais da época procuravam conscientizar para a necessidade de mudança estava longe do
que viria a ser rotulado, décadas depois, nos estudos sociólogicos, como “povo”. Ao
contrário, a transposição de conceitos recentes para a comparação entre os jornais
existentes no fim do século XIX, serve para fundamentar a argumentação de que se nos
primeiros tempos da imprensa paulistana não existia o jornal popular, existia,
indubitavelmente, o “popular” no jornal.
Outro ponto a reforçar a constatação de que São Paulo entrou no século XX sem
nenhuma evidência de contar com um jornal popular é a inexistência de um antípoda desse
perfil. Seus jornais apresentavam um repertório de pautas parecido e tinham público-alvo
semelhante. Considerando-se que a contraposição de características de um modelo é um
dos mais expressivos sinais de sua existência, o cenário norte-americano foi paradigmático
ou abrir espaço para o surgimento do New York Times, que se apresentava como o oposto
dos jornais da “imprensa amarela”, usando como suportes da diferenciação a seriedade e o
estilo sóbrio.
O exemplo norte-americano permite entender as razões pelas quais as pesquisas
sobre jornalismo popular, inclusive no Brasil, seguiram a tendência de contrapor modelos e
definições, enfatizando diferenças. Com a predominância desta metodologia, foram criados
paradigmas que consolidaram estereótipos carregados de preconceitos e capazes de induzir
à crença de que o “popular” agrega defeitos e o “não-popular” tem virtudes. O
86
primeiro é acusado de sensacionalista, o segundo é classificado como sério. O primeiro se
utilizaria do vulgar, o segundo expressaria o culto. O primeiro se contentaria em oferecer
amenidades, o segundo seria formador de opinião. Muitos outros parâmetros foram
utilizados durante as últimas décadas para estabelecer distâncias entre os dois conceitos e a
grande maioria deles contribuiu para transformar “popular” em adjetivo com o significado
implícito de má-qualidade.
Se esta visão é contestável no Brasil, mesmo a partir das décadas de 60 e 70, nos
primórdios da empresa jornalística paulistana ela é inaceitável, principalmente por estarem
os elementos do “popular” presentes em todos os jornais. A existência (sempre efêmera) de
publicações dedicadas a veicular ofensas políticas e pessoais e de alguns títulos satíricos, de
gosto duvidoso, e até pornográficos não compromete a afirmação de que o nível dos
principais jornais era elevado. As diferenças de posicionamento político, revelada em troca
de citações, algumas vezes agressivas, eram parte de campanhas, mas na grande maioria
dos casos eram explicitadas de forma educada e fundamentadas em argumentações
coerentes, onde o leitor encontrava base para decidir a quem dar razão ou mesmo aderir.
O posicionamento político definido se juntava à prestação de serviços, como
cotações de produtos agrícolas e câmbio, ao destaque aos fatos internacionais e ao
noticiário sobre os temas de interesse humano para formar um perfil similar dos conteúdos
dos três jornais de destaque na época. Sobre essas informações variadas, é importante
detalhar os aspectos levantados por Barthes (2003) sobre os fait-divers para se enumerar
exemplos desta similitude. O pesquisador francês faz a mais utilizada e uma das mais
respeitadas análises desse tipo de notícia, ressaltando não o fascínio que ele exerce sobre
o leitor, mas sua facilidade de entendimento e absorção.
Um estudo comparativo do conteúdo de algumas primeiras páginas dos jornais
paulistanos que circularam nos anos que precederam a mudança do poder no país com as
publicadas depois comprova a ampla utilização dos fait-divers e de outros elementos do
“popular”, como a publicação de folhetins em capítulos. Essa constatação contribui para
esclarecer que o surgimento do jornal empresa em São Paulo não foi alavancado pelo tom
do conteúdo jornalístico, mas sim por estratégicas administrativas, quais sejam, o
investimento nos pequenos anúncios, no caso do Diário Popular, e a elevação da tiragem,
opção de O Estado que teve como conseqüência o crescimento do faturamento com
87
grandes anunciantes. A diferenciação que se verificaria na primeira cada do século XX,
com o primeiro deixando de priorizar o posicionamento político e com o segundo se
envolvendo diretamente nas disputas partidárias ocorreu apenas em virtude dos interesses
pessoais e das características próprias das personalidades de seus proprietários.
As primeiras ginas dos jornais de 8 de novembro de 1884, quando circulou o
número 1 do Diário Popular, são exemplos de como a variedade de assuntos e a mistura de
temas políticos e de interesse popular era normal. O Correio Paulistano reservava o espaço
mais nobre de sua primeira página a relação de candidatos do Partido Conservador,
enquanto o A Província de São Paulo colocava os nomes dos pretendentes do Partido
Republicano na página 2. Dois fatos foram noticiados simultaneamente nas duas
publicações, o que não era corriqueiro quando se tratavam de temas da cidade, pois não se
percebe nas pautas, na época, a preocupação de noticiar antes do concorrente. A primeira
nota comum foi sobre a quantidade de freqüentadores da Biblioteca da Faculdade de
Direito, com a enumeração de temas mais consultados e em que línguas eram as obras. A
segunda era de caráter policial e falava da tentativa de assassinato a tiro, ocorrida na cidade
de Descalvado, que teve como vítima o comerciante José Monteiro, tendo sido o autor do
disparo preso, no entanto, seu nome não era informado por nenhum dos jornais.
A Província trazia ainda em sua página 2, com assinaturas que não permitiam saber
se eram matérias pagas ou de responsabilidade da redação, a denúncia da existência na rua
da Consolação de uma casa de prostituição (a palavra utilizada era corrupção, mas a
referências a casamentos desfeitos e a mulheres que atraem homens nas janelas mostram
que o termos se equivaliam) e de falhas no acendimento da iluminação pública das ruas da
Quitanda e do Comércio. O Correio ainda tinha na primeira página, entre os assuntos da
cidade, a prisão por embriaguez de Manoel Bertola e a liberação da mesma estação
(delegacia) de Santa Iphigenia de Maria Ferreira de Godoy. Informava-se ainda que
Henrique Destimido, “hóspede habitual das estações da guarda urbana” fora posto em
liberdade “ante-hontem”. A primeira página do jornal trazia o capítulo 30, último da
primeira página do folhetim “Um drama de família” de Emilio de Richebourg. Esse
instrumento de atração de leitores era utilizado pelas três publicações.
A edição de A Província de 9 de julho de 1884, quando ainda apareciam, como
redactores, F. Rangel Pestana e Américo de Campos e, como administrador, José Maria
88
Lisboa, tinha em sua primeira gina um artigo assinado por Pestana com o título “O
Ministério e os liberaes”, analisando e criticando a posição dos políticos liberais diante do
novo gabinete ministerial. A parte política se evidenciava também na reprodução de artigo
da Gazeta de Notícias condenando a indefinição ideológica dos partidos existentes e a
economia estava representada pelo balanço do Banco Mercantil de Santos. A parte de fait-
divers era representada por uma nota vinda do Ceará, contando da tragédia de um
seminarista de 14 anos que fora levado pelas ondas do mar de Fortaleza, cujo corpo foi
encontrado alguns dias depois. Havia também destaque para a carta de um senhorio
afirmando ser mentirosa a informação publicada no dia 4 daquele mês dando conta de que
ele expulsara o juiz da cidade de casa, jogando “seus trensinhos no olho da rua”. O autor da
carta garantia que o inquilino saira porque a casa era pequena para ele e a família e que
tinha recebido todos os alugueres.
Em 10 de outubro de 1884, tendo, como
redactor político, F Rangel Pestana e, como redactor e
gerente Alberto Salles, o jornal misturava em sua
primeira página notícias da Itália sobre o controle da
epidemia de cólera, constava uma reparação à nota
publicada no dia 4 sobre um juiz de São João da Boa
Vista. Relatava uma caçada a fugitivos das cadeias e
que “dormiram no chilindró por ebrios Benedicto
Alfredo Jacahuna e Estevam Pulheus. Na mesma
primeira página, destaca-se o alerta “É com o sr. fiscal
Existe na travessa do Rosário ha dous dias uma
gallinha morta. O cheiro que exalla é desagradável...
Pois não bastam as boccas de lobo?.”
Nas vésperas da proclamação da República, A
Província de 1 de novembro de 1889 em sua primeira
página que continha a informação da tiragem de 4900
exemplares e no expediente, além do nome e função de Rangel, bem como o de Julio
Mesquita como redactor gerente trazia dois exemplos de assuntos que seriam
classificáveis de “populares”: uma piada “machista”, na coluna denominada Fogo Fátuo, e
89
informações sobre a autópsia do cadáver de Paulina Augusta de Almeida, com detalhes
que, guardadas as devidas proporções, lembram o Notícias Populares da fase na qual ele se
ligava à expressão “espreme que sai sangue”. No dia da proclamação da República, A
Província colocou, na primeira página, um editorial forte contra a monarquia e a
informação do assassinato de Feliciana de Tal, “uma mulher parda”.
Esses tipos de notícias podem ser encontrados facilmente nas páginas dos três
jornais. Na verdade, pela análise das ginas das edições iniciais do Diário Popular é
possível até se falar que os assuntos por ele enfocados eram mais elitistas, como se percebe
em sua verdadeira primeira página verdadeira, onde se comentam exposições internacionais
e se destacam assuntos científicos e jogos de xadrez. A edição de 29 de novembro de 1888
é emblemática. Na primeira página, há as “Cartas do Rio”, nas quais Aristides Lobo ataca o
Governo Imperial, um artigo científico sobre a utilidade das abelhas, um outro sobre as
vantagens da manteiga fresca, diversas notícias internacionais e a coluna “Humorismo”. Na
página 2, há as cotações do câmbio, mais algumas informações relativas ao exterior e, entre
os assuntos locais, destacam-se a colisão entre um bonde e uma carroça, a morte de dois
cavalos atingidos por um trem no Bom Retiro e a exposição na redação de uma abóbora de
44,5 quilos, colhida no quintal da casa “do sr. dr Domingos Corrêa de Moraes, residente a
rua dos Bambus”, que foi parabenizado pelo cultivo do “monstro vegetal”.
A similaridade do conteúdo dos jornais da capital paulistana no fim do culo XIX
demonstra a inconsistência do pressuposto de que o nome Diário Popular significava a
idealização de um modelo diferente. Isso amplia a gravidade da desastrada operação de
maquiagem da primeira página do número 1, que culminou na mutilação do artigo de
Américo de Campos induzindo pesquisadores, como Batista (2000), e organizadores de
edições comemorativas, como Leite e Nunes (2004), a considerarem que a promessa de
destacar “assuntos municipaes” seria abrir espaço para as ocorrências locais. Seguindo essa
linha Batista (2000) analisa a gestão de José Maria Lisboa Jr como aprofundadora da
opção.
O Diário Popular passou a ser comandado exclusivamente por Zeca Lisboa. E foi
evoluindo. A primeira página sem fotos e com diagramação pesada, sem variação
grande nos títulos foi mudando aos poucos. As notícias internacionais aos poucos
vão perdendo espaço e ganham destaque os fatos do Brasil. Em especial de São
Paulo. Característica que marca o jornal até hoje. Em 9 de outubro de 1928, a
manchete foi: Em 24 horas a polícia esclarece o crime da mala. O texto ocupa
90
quase toda a primeira gina e narra com riqueza de detalhes a prisão de José
Pistone, um italiano de 31 anos, recém-chegado ao Brasil, que é acusado de matar a
mulher, Maria Fea Mercedes Pistone, e esconder o corpo dentro de uma mala
(BATISTA, 2000, p.59)
O trecho acima destacado, referente ao crime, adapta-se perfeitamente ao que se
encontra no Correio Paulistano, Folha da Manhã e O Estado de S. Paulo da mesma data.
Com relação ao último, a diferença seria apenas de página, pois a notícia com o tulo “A
sinistra descoberta a bordo do Massilia” está na página 7. O destaque dado por toda a
Imprensa da época ao caso é mais um indicativo de que não havia se instituído a
compartimentação do mercado.
Com relação ao fim do século XIX percebe-se também que a distribuição dos
anúncios era um elemento padronizador. O Correio Paulistano destinava espaço menor a
seus anúncios, mas os clientes eram, praticamente os mesmos dos dois concorrentes. Um
exemplo comprobatório de que essa proximidade também se dava na área publicitária, está
na campanha feita em 1889 pelo distribuidor do óleo Valvoline, após o produto ter ganho
um prêmio em uma feira os Estados Unidos. O anúncio de gina inteira aparecia tanto no
Diário Popular quanto em O Estado de São Paulo. Em exemplares consultados no Arquivo
Público do Estado foi encontrada a mensagem nas páginas 3 do Diário de 7 de fevereiro de
1889 e de O Estado de 3 de março do mesmo ano. Na década de 20, se nota a concentração
dos anúncios maiores no jornal dos Mesquita, sendo comum a própria primeira página estar
toda tomada.
3.2 Não ter sido vítima de repressão política relativiza importância histórica
Consagrado como bem inalienável do ser humano, o direito de expressar opinião e
ser informado elevou a Imprensa à posição de um dos agentes fundamentais na
consolidação da democracia. Esse papel, se lhe garantiu uma capacidade de influir que
chegou a lhe dar a denominação de “Quarto Poder”, implicou também em transformá-la em
alvo de perseguições por parte de regimes autoritários e de grupos econômicos e políticos
aos quais não interessa a circulação livre de informações. Esse confronto, que se observa na
trajetória dos meios de comunicação em todas as partes do mundo, acabou cristalizando um
91
silogismo que progrediu para senso comum, segundo o qual, se a grande maioria dos
jornais independentes sofreu ou sofre qualquer tipo de agressão dos detentores do poder, ter
sido ou ser vítima destes atos é pré-requisito para comprovação de independência.
O Brasil assistiu várias reviravoltas políticas nos 95 anos entre a Proclamação da
República e o fim da ditadura militar em 1984, onde se destacaram períodos de governos
autoritários. Foram muitos os jornais que sentiram os efeitos das violências oficial e
oficiosa, que foram além da simples censura de conteúdo. A história do Diário Popular
registra que ele foi vítima do cerceamento da liberdade de informar em várias
oportunidades tendo, inclusive, em algumas delas, avisado aos leitores sobre o que não
podia noticiar, como em 26 de janeiro de 1926, quando o assunto proibido era a
movimentação da Coluna Prestes ou em 25 de outubro de 1930, ocasião em que o jornal
informou que não podia dar detalhes sobre a deposição de Washington Luis, o presidente
que impusera a censura em 1926 (A EPOPÉIA...1984;OS MILITARES...,1984).
Apesar dos diversos momentos em que sofreu com a censura e da disposição de
mostrar que isto ocorria, faltam na trajetória do Diário Popular passagens traumáticas
como as registradas na história de outras publicações que viveram os mesmos episódios
políticos que ele, notadamente O Estado de S. Paulo. Essa comparação retoma as reflexões
sobre jornalismo político, mais especificamente a respeito do jornalismo partidário, fazendo
lembrar do artigo assinado por A. Barjona, em 8 de novembro de 1895 no Diário Popular,
enaltecendo a opção de José Maria Lisboa de perseguir o ideal da neutralidade jornalística,
e de como é tênue a distinção entre os conceitos de neutralidade e omissão. A dificuldade
de se observar esse limite e a opção dos dirigentes, que assumiram o jornal após sua
segunda morte, em 1943, explicam, em grande parte, o porquê de quase 50 anos de vida da
publicação terem sido menosprezados pelos pesquisadores da evolução da imprensa
brasileira.
No entanto, mesmo após a morte do jornal político, orientado por Américo de
Campos e estimulado pelo radicalismo de Aristides Lobo, e apesar da preocupação
explícita com a meta da neutralidade, visando possibilitar a geração de lucro, é
perfeitamente possível, a partir de suas páginas, resgatar provas de que o jornal não
descuidou do noticiário político e, deixou clara sua opinião, em momentos cruciais da vida
nacional. É possível se discordar de alguns posicionamentos, especialmente na relação com
92
a ditadura de Getúlio Vargas, na fase mais dura do Estado Novo, porém, neste caso é
importante lembrar que o período foi de censura rígida o que compromete a análise através
do conteúdo das páginas. Além disso, o relacionamento entre os jornais paulistanos e o
caudilho gaúcho que comandou o Brasil por 15 anos como ditador e voltou ao poder pelo
voto foi marcado por alternâncias de comportamento, como se vê nas trajetórias de veículos
como A Gazeta, Diário de S. Paulo e o próprio Estado.
Com relação a esse último título, que se transformou em paradigma do jornal que
luta pela democracia, não se pode citá-lo sem, além de registrar sua participação política
bem mais contundente que a do Diário Popular, ter em mente seu profundo envolvimento
em questões partidárias. Além dos episódios já mencionados do rompimento com o
presidente Campos Salles, em 1901, e do engajamento nas tentativas fracassadas de eleger
Ruy Barbosa presidente, na chamada campanha civilista, há a participação efetiva do jornal
na vida partidária do estado, nas décadas de 20 e 30, primeiro se colocando ao lado dos
dissidentes republicanos que fundariam o Partido Democrático, que teve a publicação como
eficiente divulgador, e depois tendo Armando de Salles Oliveira candidato a presidente.
A fase oposicionista dos anos 20 acabou levando à prisão de Julio Mesquita durante
a Revolução de 1924. O movimento eclodiu em 5 de julho, foi dominado no dia 28, o jornal
teve seu diretor detido no dia 29 e foi impedido de circular até 16 de agosto, segundo o
histórico disponível no portal Estadao.com (CRONOLOGIA, 199-?). Uma evidência de
que a represália se ligava à atuação prática dos diretores do jornal no jogo partidário, além
de a ofensiva ter acontecido depois de debelada a rebelião, é o fato de que o veículo, apesar
de concordar com os preceitos do movimento comandado pelo general reformado Isidoro
Dias Lopes, condenava a via armada como instrumento de luta contra o estado de sítio
decretado pelo presidente Arthur Bernardes.
A Folha da Noite e o Diário Popular não sofreram retaliação oficial equivalente,
apesar de também serem críticos do Governo. O Diário demonstrara sua posição contrária
aos métodos do grupo político que se instalava no poder desde o noticiário sobre a eleição,
onde destacavam-se denúncias de fraudes e críticas ao clima de terror que imperava no
país, patrocinado pelos “bernardistas”. As edições dos três primeiros dias de março de 1922
(a eleição aconteceu em de março, uma quarta-feira de cinzas) estavam repletas de
informações neste sentido. No dia da posse (15 de novembro de 1922) o jornal, ao contrário
93
do que fez nas outras mudanças de Governo, não publicou nenhum prognóstico sobre a
gestão que se iniciava nem analisou a que se findava. Além disso, 50 dias depois sua
posição de condenação aos desmandos do Governo que dava seus primeiros passos fica
bem clara no editorial de 6 de janeiro de 1923, contra a prorrogação do estado de sítio:
O Governo Federal, amarfanhando a Constituição, espalhou em larga zona
brasileira, a cortina de fumaça de um sitio illegal, dentro de cuja penumbra
propicia a todas as violências e a mais commoda irresponsabilidade, e aperta a
garganta dos jornaes independentes, effectua prisões inexplicáveis [...] exaggera
impostos, trama planos financeiros contra os quaes se insurgem os mais
abalizados banqueiros, exige uma temerosa causa orçamentaria e vae
desenvolvendo, desembaraçadamente, uma politicagem sombria, interesseira e
pessoal...(Diário Popular – 6-1-1923) (ARTHUR...,1984)
A maneira como Arthur Bernardes aparece nas páginas do jornal comprova que a
neutralidade pretendida por José Maria Lisboa, ao ficar como único dono da publicação, foi
seguida, por seu filho Zeca Lisboa, em seus s primeiros anos no comando. Ainda presidente
de Minas Gerais, Bernardes, que se transformara em candidato imbatível da máquina
política viciada que dominava a política nacional, foi vítima de uma manobra de baixo
nível de seus adversários. Na tentativa de intrigá-lo com os militares, foi forjada uma carta
dele ao senador mineiro Raul Soares, na qual se fazia referência ao Marechal Hermes da
Fonseca em termos altamente ofensivos. O Diário Popular se posicionou imediatamente
pela necessidade de se esclarecer se o documento era verdadeiro. “a carta que appareceu
publicada no ´Correio da Manhan` em reproducção photographica e assignada pelo dr.
Arthur Bernardes [...] é um desses documentos terríveis [...], mas a carta é verdadeira? É
necessário, em primeiro logar, responder a esta pergunta para se chegar depois a uma
conclusão (Diário Popular -11.10.1921)” (CARTAS..., 1984)
No mesmo dia, o jornal noticiava a disposição do Clube Militar de tomar atitude
contra Bernardes e, dois dias depois, contava a história da carta forjada, cujo responsável só
confessaria o crime após a posse de Bernardes. A seção Cartas do Rio de 13 de outubro de
1921 levantava detalhes, como a diferença de estilo de Bernardes e as formas de tratamento
inusual que se via no texto, que convergiam para a conclusão de que houvera uma fraude.
Um retorno ao início conturbado da República, também contribui fortemente para se
entender a noção de neutralidade do fundador do jornal. A edição de 7 de novembro de
1891, traz um artigo de Aristides Lobo, que ficou no ministério do Interior do Governo
94
Provisório apenas até março daquele ano. Seu estilo continuava contundente frisando “esta
política é o maior despotismo que conheço...”, ao repudiar as ações arbitrárias de Deodoro,
porém o texto não refletia a opinião do jornal como nos tempos pré-República de Américo
de Campos. Essa fora externada de forma amena no dia 3, 48 horas após o golpe, em
editorial que dizia: “cumpre nos lembrar que é preciso que haja prudência e calma”. Apenas
em 30 de novembro de 1891, sete dias após a posse do vice Marechal Floriano Peixoto, o
jornal elogiava “É preciso render homenagens aos denonados auctores do contragolpe que
restaurou a legalidade”.
Essa demora em se posicionar indica as dificuldades de acomodação que enfrentava
o jornal, diante do quadro político instável que não aconselharia a uma publicação que
precisava gerar recursos para se manter correr o risco de ter problemas políticos que a
impedissem de circular. A linha editorial, nos anos seguintes, manteve-se na proposta de
noticiar todos os eventos e opinar apenas em momentos cruciais. Até 1910, o fundador do
jornal participava da administração e da orientação de seu posicionamento diante dos fatos
políticos apesar de estar muito doente. Desse ano em diante, o agravamento da enfermidade
o leva a transferir todo o controle ao filho José Maria Lisboa Jr. O fundador do jornal, que
morreu em 20 de novembro de 1918, teve também as filhas Leonor Lisboa Caldas, Mariana
Lisboa Soares e Mercedes Lisboa Seng e o filho Amadeu de Castro Lisboa. Esse não
aparece como herdeiro do jornal, condição desfrutada pelas irmãs e o irmão que ficou no
comando da empresa
38
.
Com o pai moribundo, Zeca Lisboa coloca a publicação em um nível mais avançado
no debate sobre questões sociais, se posicionando, principalmente, com relação a problemas
que afligem o dia-a-dia da cidade, como se depreende de sua opinião sobre os conflitos
durante a greve de 1917 que paralisou a capital.
38
Sobre Amadeu de Castro Lisboa, as citações são desencontradas. Em 9 de novembro de 1964, o jornal fala
“Por volta de 1906[...] foi atacado por insidiosa enfermidade que inopinadamente derrubou o jovem de 27
anos e dêle fez um inválido” (COMO É....,1964). No necrológio de José Maria Lisboa Junior, (em julho de
1943) ele é citado como residente no Rio e casado com Palmira Lisboa. Em 17 de agosto de 1956, quando da
morte de Mariana Lisboa, informa-se que ele era falecido. De qualquer forma, ele não foi herdeiro do
fundador do Diário Popular, como se vê na Escritura de Sociedade Anônima de 31/12/1947 de transformação
da empresa J. M. Lisboa & Cia Ltda em Empresa Jornalística Diário Popular S/A lavrada no 21º Tabelião da
capital e registrada sob número 35.355 na Junta Comercial do Estado de São Paulo.
95
Os deploraveis excessos de hontem que tão desagradavel impressão estão
causando no espírito público são o desenlace fatal de uma situação dificílima para
as classes proletarias, situação que podia e devia ter sido remedeada em tempo
conveniente se os poderes competentes tivessem demonstrado maior cuidado em
se interessar pela sorte dos que trabalham e luctam Nada se fez para travar
efficazmente o preço ascencional das substancias alimentares (...) Os homens do
governo estão ainda convictos de que mediante uma manifestação de força,
mandando sahir para as ruas batalhões de soldados diminuirão o movimento
(Diário Popular 10-07-1917) (JULHO..., 1984)
O tom incisivo da crítica à truculência policial e à falta de capacidade de diálogo do
Governo, assim como a cobertura ampla dada ao movimento que dividia as primeiras
páginas com o noticiário sobre a primeira guerra mundial que agitava e ensangüentava a
Europa, deve ser cotejada com o comportamento do Correio Paulistano, então defensor do
PRP no Governo, e do Estado. Segundo Capelato (1989), os dois flutuavam entre o
reconhecimento da justeza das reivindicações e críticas duras ao que consideravam
excessos dos grevistas. O impasse entre trabalhadores e patrões levou a que a Imprensa
fosse alçada ao posto de intermediadora das negociações. Quem consulta a cronologia
histórica do portal Estadão citada acima encontra em sua referência ao ano 1917:
Durante a grande greve na cidade de São Paulo, Júlio de Mesquita Filho é
convidado pelos operários para ser o mediador entre estes e seus intransigentes
patrões nas suas justas reivindicações : jornada de oito horas, proibição do
trabalho noturno para mulheres e crianças e melhores salários.
(CRONOLOGIA...[199-?)
Essa citação não se adequa à versão dos historiadores, cuja maioria destaca que a
mediação foi feita por uma comissão de imprensa, sendo que Capelato (1989) cita J F
Dulles que atribui a idéia a Miguel Costa, capitão da Força Pública e encarregado de
reprimir os grevistas, mas que era simpático a causa dos trabalhadores. Ele teria sugerido a
um diretor de O Combate que a Imprensa fizesse o papel de mediadora. Corrobora com
essa versão o fato de Mesquita nem assinar o documento redigido pela “comissão de
imprensa diária de São Paulo”, como a chama o Diário. Os signatários pelo Estado são
Nestor Pestana e Amadeu Amaral. Pelo Diário, assinou J. M. Lisboa Junior (o Zeca
Lisboa).
96
A posição do Diário na greve de 1917 e sua postura durante o Governo Bernardes
mostram que sua linha editorial não pecava pela omissão, mas andava no fio da navalha que
tão bem metaforiza a neutralidade. Vale lembrar ainda que, se no seu noticiário se
mesclavam os temas internacionais, nacionais e locais, como se percebe na divisão do
espaço entre as informações sobre a primeira guerra mundial e a paralisação dos
trabalhadores na indústria paulistana, na hora de opinar o jornal dava prioridade aos
assuntos da cidade. Capelato (1989) um exemplo dessa linha ao analisar o
comportamento da Imprensa diante da questão da pobreza que se via nas ruas da capital na
transição entre a República Velha e a Era Vargas, ressaltando mais uma vez a proximidade
de opinião entre os veículos.
A imprensa paulista não acreditava na eficácia da ão caritativa para resolver o
grave problema da pobreza. Havia constantes acusações contra os ´falsos
mendigos´ e denúncias de ´exploração da caridade pública...O Diário Popular
alertou contra o perigo da ´legião de mendigos –mulheres com crianças no colo,
menores e sem trabalho – que atuavam em São Paulo´ A Prefeitura, com o auxilio
da polícia, deveria estabelecer ´rigorosa vigilância de modo a poder separar os
que não podem trabalhar dos que podem.O jornal propôs que os primeiros fossem
internados nos abrigos e os segundo processados nos termos do código penal que
prescreve a mendicância como contravenção....(28-11-1930) (CAPELATO, 1989
p.131) .
Essa visão, além de assinalar um dos efeitos colaterais mais graves da rápida
urbanização da cidade, mostra uma das principais distinções entre o fundador José Maria
Lisboa e seu filho. O primeiro tinha uma tendência forte para a caridade e transformava a
redação em um local de recepção de ajuda para os pobres
39
. A unidade de opinião na
Imprensa também é reforçada por Capelato (1989) ao lembrar que Armando Salles de
Oliveira ao assumir a interventoria de São Paulo proibiu a mendicância, atitude elogiada
pelo jornal do qual era diretor e seu cunhado responsável pela redação.
O OESP aplaudiu a iniciativa, argumentando: ´Assim cessará uma das mais
sórdidas chagas sociais que é a exploração da caridade pública em beneficio da
vagabundagem criminosa... A solução proposta para o problema foi semelhante à
do Diário Popular: internação em ´hospicio ou asilos` dos que não tivessem saúde
ao aptidão para o trabalho e punição para os que abusassem do sentimentalismo
público. Assim, a repressão à mendicância pela polícia foi considerada ´ato
39
Notas sobre o recebimento de donativos para os necessitados eram comuns nas páginas do jornal. Em 8 de
novembro de 1888, via-se “Recebemos 10$ para os pobres do Diário”. A maioria das vezes os doadores eram
anônimos. JoMaria Lisboa também foi um dos colaboradores que conseguiram fundar a Sociedade de
Beneficência Portuguesa, hoje mantenedora de um dos mais importantes hospitais da capital paulistana.
97
heróico que mostra que somos uma terra de gente civilizada` (OESP, 1.10.1933)
(CAPELATO, 1989, p.132/3).
Também com relação ao tumultuado período de governo de Getúlio Vargas, não se
pode dizer que as incoerências do Diário Popular tenham sido diferentes das dos demais
veículos. Se a Revolução de 1932 foi marcada pelo apoio irrestrito e militante do Estado,
que teve seus diretores exilados, o Diário também estava ao lado dos paulistas que se
insurgiram contra a ditadura implantada. Capelato (1989, p.33) assinala: “Durante a
Revolução de 1932, a imprensa paulista invocou as `qualidades ancestrais´ do povo esse
estado sua `energia férrea´ e a ´abnegação dos pioneiros de antanho` (Diário Popular,
4.10.1932). A posição do jornal ficou clara na matéria “São Paulo viveu horas de intenso
civismo” de 26 de janeiro de 1932, sobre o comício feito na comemoração dos 378 anos da
cidade onde se destaca:
O Brasil e São Paulo carecem urgentemente de um regime [...] com a
possibilidade de se garantir a mais livre representação de todas as correntes de
opinião, terminados de uma vez por todas os methodos deploraveis de
auctoritarismo dictatorial de emergencia quer o auctoritarismo definitivo,
consagrado numa constituição que fez de cada Estado uma satrapia de algumas
famílias, e a republica uma vasta mesa de banquete para todo os piratas e
capadocios. São Paulo deu hontem no comício promovido para exaltar a sua
grandeza, a demonstração iniludivel de seu cansaço (Diário Popular, 26.01.1932)
(SEM A CONSTITUINTE..., 1984).
A clareza das críticas ao regime desautoriza que se considere o jornal como sem
opinião, porém, assim como em 1924, o Diário não sofreu represálias. Mais uma vez é
possível se encontrar no posicionamento partidário de O Estado a diferença de tratamento
repressivo. Assim como a prisão de Mesquita pai em 1924, a prisão e exílio de seus filhos
Júlio e Francisco em 1932, a extrema violência da ditadura do Estado Novo que exilou
novamente Júlio, agora ao lado de Armando de Salles Oliveira, e o ápice das retaliações
com a intervenção de 1940, quando o jornal passou a ser comandando por profissionais
nomeados por Vargas, se transformaram em validadores da classificação de O Estado como
defensor dos valores democráticos liberais e símbolo de Imprensa independente. Esse
reconhecimento histórico é feito, na maioria das vezes, sem que se mencione as oscilações
de posicionamento do jornal, inspiradas por interesses partidários.
98
O veículo apoiou a Aliança Liberal, movimento oposicionista que colocou no poder
Getúlio Vargas que viria a se tornar ditador. Após a vitória do grupo, seu redator chefe
Plínio Barreto foi nomeado para um secretariado que dirigiu São Paulo por 40 dias. Depois
de discordâncias com o comportamento do novo Governo, o Estado engajou-se no
movimento constitucionalista de 1932, com seus proprietários chegando a pegar em armas
e, após a derrota do movimento, sendo mandados a Lisboa. O jornal se reconciliaria com
Vargas, sendo que Salles de Oliveira foi interventor de São Paulo de 21 de agosto de 1933 a
11 de abril de 1935, e eleito primeiro governador civil paulista pós República Velha
40
. Para
assumir o cargo, ele exigiu a anistia dos revoltosos, o que significa a volta dos cunhados ao
país. Sobre esse fato, Capelato (1989) registra a reação de A Gazeta, que ela define como
adepta do PRP, criticando a Constituição de 1934 e atacando o jornal dos Mesquita:
Camarilha que 20 anos vinha agindo para conseguir o que agora conseguiu (a
interventoria do Estado), não em pleito livre, via voto secreto, que lhe merece
tantos louvores, mas por meio da felonia mais vil, transações indecorosas,
agachando-se diante do Sr. Getulio Vargas’. O representante do periódico
lembrava que ‘após a Revolução de 1932, na prisão, em companhia do mesmo
Julinho (homem de inteligência curta) ouvira, como os demais prisioneiros, sair
de sua boca a exclamação; ah quando eu tomar conta do Brasil [...] imaginem o
Brasil entregue a esse cretino...(25.7.1934) (CAPELATO, 1989, p.188)
Ainda em Capelato (1989, p.189), a autora ressalva que a Gazeta acabou se
compondo com o ditador e, no período mais tenebroso de seu comando, “Durante o Estado
Novo, A Gazeta viveu em paz com o chefe do Governo. Cásper Libero e Vargas trocaram
elogios: as mágoas de 1932 pareciam esquecidas”. em Capelato (1980), ela reforçava a
ambiguidade de O Estado:
Armando de Sales Oliveira foi nomeado interventor em agosto de 1933. Esse ato
do presidente (agora Getúlio já não era considerado pelo jornal ditador e sim
presidente provisório) foi saudado pelo ‘O ESP como uma homenagem à
‘opinião pública’ e à autonomia de São Paulo. Segundo o jornal, o que São Paulo
sempre quis foi apenas ‘o direito de ser governado por seus filhos, respeito de sua
autonomia e o restabelecimento rápido da ordem legal (18-8-1933) (CAPELATO,
1980, p.53)
O rompimento de O Estado com a ditadura se deu quando Salles, que havia deixado
o cargo de governador para se candidatar a presidente, teve seus planos frustrados pelo
40
Sobre a alternância no comando do Estado no período pós-Vargas cf. Alves (2006).
99
golpe de 1937, que instaurou o Estado Novo, com uma nova Constituição de cunho fascista
e iniciou um período de opressão, com o aprofundamento da ditadura e o cancelamento da
eleição presidencial que Sales disputaria. Apesar da censura gida que sofreu, o Estado
representava uma ameaça a Getúlio e isso motivou a intervenção em 1940, que teve como
pretexto uma denúncia de que existiram armas na redação do jornal que seriam usadas para
derrubar o governo. (DUARTE, 1972, p.34).
É viável fazer um paralelo entre o posicionamento do Estado em relação à Era
Vargas e o adotado em outro período ditatorial brasileiro no qual o jornal dos Mesquita
chegou a defender medidas de exceção e depois deve de combater os efeitos da ruptura
democrática. Trata-se do golpe militar de 1964, no qual a participação da Imprensa foi
fundamental e que acabou instaurando uma ditadura, em cujos momentos mais rígidos, O
Estado chegou a ser impedido de circular em dois dias e depois publicou trechos dos
Lusíadas, de Camões, no lugar de matérias censuradas. A diferença fundamental entre os
dois momentos é que em 1964 a publicação agia por ideologia e seguia o pensamento da
grande maioria de seus leitores, sem interesse particularmente partidário, como nas décadas
de 20 a 40. De qualquer maneira, sem dúvida, os episódios pós 64, contribuíram
emblematicamente na cristalização do conceito de um jornal defensor dos ideais
democráticos que a publicação ostenta até hoje.
O período ditatorial de Vargas possibilitou outro exemplo de como a truculência
oficial pode se transformar em “certificado” de boa conduta a veículos de posições não
claramente definidas. A prisão de Assis Chateubriand, opositor de Getúlio, é usada como
indício de que sa rede Diários Associados seria formada por jornais livres e combativos. A
repercussão da truculência oficial na primeira fase da ditadura getulista acaba deixando em
segundo plano a simpatia do jornalista pelas idéias nazistas e o uso feito por ele das páginas
de suas publicações para pedir, após a instalação do Estado Novo, a Getúlio Vargas que
aqui implantasse as medidas adotadas por Adolf Hitler na Alemanha. Capelato (1989,
p.224- 226), depois de transcrever trechos de vários textos do Diário de São Paulo, é
taxativa: “No período inicial do Estado Novo, Chateaubriand aderiu completamente ao
nazismo. A exaustiva exposição de seus textos revela o quanto o diretor dos Diários se
identificava com a teoria organicista do Estado totalitário”.
100
Morais (1994) também enfatiza a adesão do todo-poderoso dono dos Diários
Associados às idéias do Fascismo e comenta como sua defesa do estado forte, usada para
elogiar o novo golpe de Getúlio, foi explicitada desbragadamente “Dos artigos de
Chateubriand emanava tamanha e tão convicta louvação das virtudes da ditadura recém-
implantada que o Governo decidiu que a oficial Agência Nacional passaria a distribuí-los
em seu serviço gratuito despachado diariamente para jornais de todo o país” (MORAIS,
1994, p.376). Segundo Morais (1994, p. 376) ao explicar ao amigo Dario de Almeida
Magalhães a guinada ideológica de seus veículos, Assis disse “Os homens públicos passam,
seu Dario, mas os jornais são permanentes. [...]. Vamos ter que apoiar o Estado Novo para
que nossos jornais possam sobreviver”.
Além da comparação do tratamento dado ao Diário Popular com o recebido pelas
publicações que alternaram seu posicionamento favorável e contrário a Getúlio, é
esclarecedor fazer também um paralelo com aquelas que não se alinharam à Aliança
Liberal, especialmente a Folha da Noite e Folha da Manhã, de Olival Costa, que deram
origem à Folha de S. Paulo. Os dois veículos foram empastelados em 1930 por terem
ficado ao lado do Governo. Capelato (1989, p. 26) registra: “No fim da Primeira República,
o governo contava com seus tradicionais aliados; O Correio Paulistano, órgão do Partido
Republicano Paulista, dirigido por Abner Mourão; A Gazeta, de Cásper Líbero; o Jornal do
Comércio, dirigido por Mário Guastini, e o Diário Popular, de José Maria Lisboa (sic)”.
Essa relação, com o Diário na classificação de situacionista, também se vê em Sodré (1999,
p.371), porém o teor das páginas da publicação não permitem afirmação tão enfática.
Após a vitória dos revolucionários, os jornais de Olival foram destruídos por
populares adeptos de Getúlio e o Correio, que teve suas oficinas confiscadas. O Diário
Popular não sofreu represálias nem oficial nem da população e registrou o episódio em
suas páginas em 25 de outubro de 1930:
O ataque ao ‘Correio Paulistano’ assumiu num relance de olhos o aspecto de um
assalto...Das janellas principiou então uma projecção ininterrupta de objectos de
toda espécie: mesas, cadeiras, secretarias, poltronas, machinas de escrever,
cortinas, pedaços de janella, quadros e retratos, tapetes e por fim um piano de
cauda que ruiu fragorosamente do 1 andar e se esphacelou com estrondo na
calçada...Formaram-se grupos diversos que assaltaram os edifícios de ‘A Gazeta’,
‘Correio Paulistano’, ‘São Paulo Jornal’, ‘Combate e ‘Folha da Noite’,
destruindo o mobiliário, jogando-o à rua e queimando tudo (OS MILITARES...,
1984).
101
O fato de o Diário Popular ter passado incólume por esse traumático período da
história da imprensa brasileira motiva reflexões sobre seu comportamento. Ter sido
poupado pelos populares que atacaram os jornais considerados governistas sinaliza que ele
não era visto como de situação. Diversos editoriais criticando atos do Governo Washington
Luis e do Congresso reforçam essa impressão. No dia da posse, o editoral lembrava, depois
de lamentar “quatro annos de odios” do período Bernardes, que o presidente que assumia
“na sua carreira politica nem sempre acertou. S.S praticou erros na gestão da Secretaria da
Justiça e Segurança Pública, da Prefeitura e na Presidência de São Paulo, mas nunca sofreu
ataques á sua integridade de caracter e á sua probidade de administrador [...]. É muito mas
não é o bastante para um homem público...Diário Popular 15/11/1926 (A REPÚBLICA....,
1984)
em 8 de junho de 1927, o jornal condena a não aprovação da anistia aos militares
que participaram do movimento tenentista e da Coluna Prestes e em 1 de agosto do mesmo
ano mostra sua indignação com a antecipação da discussão do processo sucessório, para,
quatro dias depois, criticar com veemência a fraqueza dos membros do Congresso:
Os defensores do Governo não estão nem em dia com os factos e os
acontecimentos contemporaneos. (Mesmo os mais brilhantes) continuam a votar
com o Governo porque sabem como foram eleitos e sabem que perderão o
emprego...E emprego com seis contos por mês está cada vez mais seductor.
Diário Popular 05/08/1927). (A REPÚBLICA...,1984).
Entre 1927 e 1930, o jornal continua criticando o Governo, especialmente nas
questões econômicas, alertando para as dificuldades enfrentadas pela agricultura, pelo
comércio e pelos assalariados, como em 27 de novembro de 1929 ao noticiar, ao lado de
outros indicadores da crise, que “a crise vem extendendo seus tentáculos, ferindo o
commercio em geral, as industrias e o operariado...10 mil casas tiveram suas ligações
electricas cortadas por falta de pagamento” (SUCESSÃO:...,1984). Também as manobras
do presidente para fazer do governador paulista, Julio Prestes, seu sucessor, desrespeitado o
acordo “café-com-leite” que previa a eleição de um mineiro era alvo de comentários
reprovadores.
102
a colocação do jornal entre os que davam apoio ao Governo, como fazem Sodré
(1999) e Capelato (1989) poderia ser explicada pela falta de reação contra a censura
imposta pelo Governo após a eclosão da Revolução de 30, mas a própria notícia de que
estava sob censura, conforme publicado em 30/03/1930, além de servir como uma
prestação de contas aos leitores, indicaria uma maneira de protesto. Assim, também nesse
momento conturbado da vida nacional, vale afirmar que o melhor rótulo para o
comportamento do jornal diante dos fatos é o da neutralidade. Essa classificação se adequa,
por exemplo, à cobertura do assassinato do governador da Paraíba, João Pessoa, que foi
usado como pretexto para o desencadeamento da revolução comandada por Getúlio Vargas.
O jornal se preocupou em mostrar que a causa do crime era passional (conforme a história
comprovaria) e na sua edição de 28 de julho de 1930, publicava essa visão, ressalvando, no
entanto, que o estado nordestino vivia uma ferrenha disputa política.
41
A possibilidade de se tachar de situacionista a maneira cautelosa como eram
redigidas as notícias do Diário Popular diminui significativamente quando se que os
irados vencedores da disputa de 1930, no calor da comemoração, não deram ao Diário
Popular o mesmo tratamento dispensado aos demais órgãos enumerados por historiadores
como governistas. Ressalte-se que a localização das publicações, todas no centro da cidade
e em ruas próximas, contribuiria para a generalização dos ataques. A interpretação mais
viável seria de que os autores da represália não reconheciam o jornal como adversário da
Aliança Liberal. Já o entusiasmo da manchete “Victória da Revolução Brasileira”, de 25 de
outubro de 1930, serviria para se questionar a possibilidade de ter o jornal feito uma adesão
oportunista aos vencedores. Também é válido indagar se a falta de repressão não se
relacionava a uma imagem de desimportância. Isso o descredenciaria como formador de
opinião, não exigindo também por parte do novo Governo a adoção de reprimendas.
O consenso de que um jornal constrói sua tradição de maneira cumulativa não
avaliza essa análise, pois o Diário Popular nessa altura de sua trajetória se consolidava
como referência, o que prova sua própria sobrevivência em um mercado em que grande
parte das publicações dava sinais de debilidade e de despreparo para as crises que viriam, as
41
A morte de Joäo Pessoa foi assumida por João Dantas, adversário político do governador que dizia ter
vingado sua honra, uma vez que o governador havia mandado invadir sua casa para se apropriar de
documentos que comprovavam o envolvimento amoroso de Dantas com a professora Anayde Beiriz.
103
quais reduziriam sensivelmente o número de títulos em circulação, nos anos 50 e 60,
período no qual a industrialização se tornaria um processo acelerado no Brasil.
Também desautorizam a ilação de ser a publicação comandada por Zeca Lisboa um
veículo que não era levado em conta, tanto pelos revolucionários quanto pelo Governo, sua
participação na divisão do bolo publicitário destinado aos jornais da época e o conceito de
seu proprietário na categoria jornalística e na sociedade paulistana. O Diário Popular que
continuava investindo nos pequenos anúncios classificados também tinha em suas ginas
mensagens de grandes lojas, de lançamentos imobiliários (na época, loteamentos que
começam a marcar os novos limites da capital) e empresas importantes em vários
segmentos. Sua carteira de clientes não se diferenciava das exibidas por seus concorrentes.
Símbolo da utilização da dia impressa como veiculadora de suas mensagens, o
tradicional Mappin Store colocava seus anúncios em vários jornais, incluindo o Diário.
Assim, é mais plausível afirmar que a passagem incólume pelos dias de violência
contra a Imprensa em 1930 se explica pela percepção do público de que o jornal não se
alinhava politicamente a nenhuma facção. Sua importância, inclusive, foi reconhecida pelos
novos detentores do poder que se aproximaram do jornal e ganharam a simpatia de José
Maria Lisboa Jr. Determinar se a adesão do Diário Popular ao Governo ditatorial foi uma
imposição da censura ou estava sustentada na crença de seu proprietário é tarefa
complicada. A primeira dificuldade surge ao se lembrar da habilidade maquiavélica com
que Getúlio desenvolveu o jogo de relacionamento com a Imprensa que lhe permitiu
transformar inimigos em amigos e vice-versa constantemente, como prova o conturbado
relacionamento de seu Governo com o Estado de S. Paulo, o Diário de S.Paulo e os demais
títulos pertencentes à rede Diários Associados de Assis Chateubriand. Com relação ao
Diário Popular e, especialmente a seu proprietário e diretor, é necessário fazer-se justiça a
posicionamentos claros assumidos em editoriais publicados durante os períodos em que a
censura getulista foi mais condescendente. Neles, vê-se a opinião clara do jornal favorável
à restauração da normalidade institucional, como o texto veiculado em um momento em
que se gestava o golpe que estabeleceria o Estado Novo.
O que necessitamos desde já é saber ler nas entrelinhas (dias antes, Getúlio
pronunciara um discurso em que sugeria o continuísmo pessoal ou a indicação de
um nome de sua confiança). Precisamos declarar bem alto não concordamos que
o novo Presidente seja indicado e sim queremos que seja eleito. Leiam o discurso
104
recente (de Vargas). Não se fala em successão. Repete-se a velha forma, nos
moldes de uma indicação (...) Estamos deante de um dilemma cada vez mais
grave. Duas simples palavras “meu sucessor”, num discurso mudariam o
ambiente político e essas duas palavras não foram pronunciadas. Por que? (Diário
Popular – 07.01.1937) (NA ‘CAÇA..., 1984)
Das pessoas que conviveram com Zeca Lisboa, ainda vive o seu primo em segundo
grau Antonio Quirino de Souza e Castro, sobrinho neto de Antonio Bento (doador dos
equipamentos que viabilizaram a fundação do Diário Popular). Ele lembra das histórias
contadas por sua família sobre os negócios dos “parentes ricos”, como seu pai definia os
proprietários do jornal, e de seu trabalho na empresa. “Eu entrei no Diário Popular aos 17
anos no setor de publicidade na coleta de anúncios. trabalhei seis anos. Depois passei
para revisão onde fiquei mais alguns anos e finalmente fui para a redação de esportes”
(CASTRO, A., 2007, entrevista).
Era o ano de 1941, Zeca Lisboa já estava com 70 anos e preparava dois sobrinhos
para sucedê-lo. Politicamente, o Brasil vivia o auge da repressão do Estado Novo de
Getúlio Vargas, O Estado de S. Paulo circulava sob o comando dos interventores nomeados
pela ditadura e as demais publicações da cidade haviam se submetido à censura do temível
DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda). Quirino lembra do diretor do jornal como
um homem que tinha um relacionamento cordial com o interventor federal Adhemar de
Barros e a saúde abalada pelo diabetes, arrogante e habituado a esbravejar e a usar palavras
chulas. “E o Zeca Lisboa só falava palavrão. Realmente, se dizia do Zeca que ele falava
duas palavras e três eram palavrões, ele era desbocado”.
À imagem preservada na memória de quem presenciou o dia-a-dia do jornal nos
últimos dois anos do comando de Zeca Lisboa, Quirino acrescenta referências ouvidas de
parentes que traçam um perfil muito menos positivo do dono do jornal, do que o
depreendido de citações de fatos históricos e depoimentos encontrados em páginas do
Diário Popular, do Correio Paulistano e de outras publicações. Diferentemente da visão
familiar, o conceito desfrutado por ele no mercado era o de um profissional bem
relacionado entre os jornalistas e os proprietários de jornais. Sua citada participação na
negociação da greve de 1917 alia-se a outro evento importante para a imprensa paulista,
acontecido dez anos depois, como prova de seu bom trânsito no setor e de que o jornal tinha
um papel significativo no cenário de então. Em 1927, com a morte do proprietário de O
105
Estado de S. Paulo, Julio Mesquita, decidiu-se que os jornais deveriam homenageá-lo com
um monumento, tendo sido o Diário Popular o escolhido para centralizar as contribuições,
como se vê na nota, que circulou sob o título Dr. Julio Mesquita:
Está aberta nesta folha a subscripção popular para erecção de um monumento ao
grande e saudoso jornalista dr. Julio Mesquita. Por decisão dos orgams da
imprensa paulista , que assumiram a iniciativa dessa homenage, em seguida á
idéa lançada pelo `Jornal do Commercio`foi escolhida esta folha para receber as
quantias subscriptas, afim de não se dispersar o trabalho de recepção das
contribuições. O monumento ao dr. Julio Mesquita, levantado pelo povo,
representará uma justa consagração do nobre jornalista, por quem sempre foram
defendidos as boas causas e advogados os diretos e aspirações da população
brasileira” (UM GESTO..., 1984)
Essas citações comprovam que a consolidação do Diário Popular como ator
importante na história da imprensa paulistana se deu de forma cumulativa e que o ponto
alto desse processo foi a eleição de Zeca Lisboa para presidir a Associação Paulista de
Imprensa (API) em abril de 1939. A entidade, atualmente, ressente-se de falta de
reconhecimento entre os profissionais da Imprensa e a opinião pública, seja porque, ao
contrário de sua congênere no plano nacional (a ABI - Associação Brasileira de Imprensa),
não teve uma atuação política notável nos últimos tempos, seja porque a categoria dos
jornalistas do estado sente-se mais bem representada pelo seu sindicato. No entanto, em
seus primeiros anos de vida, ela foi considerada de significativa importância para o
desenvolvimento da imprensa estadual e seu comando foi sempre muito disputado. A
eleição na qual, com 510 votos contra 422, a chapa encabeçada por José Maria Lisboa Jr
venceu a de oposição liderada por Ayres Martins Torres foi uma das mais acirradas da
história da API.
O pleito teve como característica principal o envolvimento dos jornais na campanha,
ressaltando-se o entusiasmo do Correio Paulistano, que ficou ao lado do Diário Popular,
cujo proprietário encabeçava a chapa de situação apoiada pelo presidente da entidade
Guilherme de Almeida. Do outro lado o destaque foi a participação também radical do
Diário de S. Paulo, ao lado do outro título pertencente aos Diários Associados, o Diário da
Noite. as Folhas da Manhã e da Noite também se alinharam à oposição, tendo O Estado
de S. Paulo dado pouca importância ao evento, apesar de seu redator Mario Sergio Cardim,
diretor do sindicato dos jornalistas, ter sido um dos mais inflamados oradores no último dia
de propaganda. Seu discurso e os de outros apoiadores, além do feito pelo candidato, foram
106
transmitidos pela Rádio Record, enquanto a Rádio Tupi, pertencente aos Diários
Associados de Assis Chateaubriand, deu espaço à oposição.
O tema central da campanha foi a participação de um dono de jornal como
candidato. A chapa de oposição era denominada “A A.P.I. para os trabalhadores em
jornaes” e seu apelo aos associados com direito a voto era no sentido de transformar a
entidade em órgão dos empregados. Nesse sentido, o Correio Paulistano, que dedicou toda
sua página 5 e parte da 2 para o assunto ressaltou o discurso do presidente que deixava o
cargo Guilherme de Almeida, que fazia-se um trocadilho com as expressões “patrão de
jornalista” e “padrão de jornalista”.
O estudio da Radio Record, hontem, ás 21 horas, estava literalmente repleto de
jornalistas que ali foram ouvir os discursos dos srs dr. José Maria Lisboa Junior,
director do Diário Popular e candidato a presidencia da Associação Paulista de
Imprensa e dr Guilherme de Almeida presidente daquella associação [...] Em
seguida, emocionado, falou o candidato da presidencia da A.P.I. A sua bella
oração que deixou no auditorio a melhor impressão reafirmou bem alto os altos
predicados de espirito e de coração do velho jornalista que na phrase feliz de
Guilherme de Almeida não é patrão, mas, sim padrão de jornalista”.(EM 54
ANNOS...,1939)
A vitória de Zeca Lisboa ocupou grande espaço, no dia 16 de abril de 1939, nas
páginas de seu jornal e nas do Correio, sendo ignorada pelo Diário de São Paulo que
noticiou apenas, na primeira página de seu segundo caderno a eleição indireta da diretoria
do sindicato dos jornalistas comandada por Arsenio Tavoglieri. A grafia usada difere da
encontrada na Folha (Tavolieri), publicação que deu em sua página 20, as informações
sobre as duas eleições, frisando que a escolha de Arsenio tinha sido muito comemorada no
jornal onde “a noite o pessoal lhe prestou significativa homenagem bebendo uma chopada
pela sua vitória” (TEM NOVO..., 1939). Outro detalhe que desperta a atenção na cobertura
da Folha é o tratamento dado ao vencedor: no lugar de “doutor” José Maria Lisboa Jr,
como fazia o Correio, ela o chamava de “senhor”. Por outro lado, numa evidência de que
havia um distanciamento entre as duas entidades da classe jornalística, não se encontra no
Diário Popular e Correio Paulistano a notícia sobre a eleição no sindicato, que aconteceu,
segundo Ribeiro, J. (1998, p.206), após a categoria decidir não aceitar a suspensão das
atividades da entidade determinada pelo decreto 1.402.
107
Zeca Lisboa não teve um período calmo no comando da API. O início de sua gestão
indicava que tinham razão os que consideraram sua chapa como defensora dos interesses do
governo ditatorial. A primeira gina de 19 de maio de 1939, do Diário Popular trazia
como destaque principal a visita que o interventor federal Adhemar de Barros fizera no dia
anterior a residência de Lisboa, com um texto marcado por elogios recíprocos, assim
concluido: ...”Saudado pelo dr Lisboa Junior, num brinde de agradecimento pela distincção
que lhe era feita, o dr. Adhemar de Barros declarou que prazer maior era o seu em poder
cumprimentar um jornalista authentico de São Paulo, absolutamente dedicado, um uma
existencia utilissima, ás causas populares”(VISITA..., 1939)
Na mesma página e também com bastante destaque o jornal trazia notícia com o
título “Reducção, aos jornalistas, no preço das passagens de estradas de ferro”. A
informação se referia a um decreto do interventor disciplinando a concessão do desconto
nas passagens aos jornalistas filiados à API e ao sindicato da categoria. O texto reproduzia
telegramas de Lisboa Jr. agradecendo ao interventor e ao secretário de viação, Guilherme
Winter, pela medida. Vale registrar a convergência de interesses das duas entidades de
classe no benefício aos profissionais e lembrar que foi uma praxe do governo Getúlio tentar
cooptar jornalistas com este tipo de tratamento diferenciado.
Mas nem telegramas de agradecimento marcaram a gestão Lisboa na API. Os
grandes desafios se colocaram diante dele ainda antes de completar o primeiro ano no
cargo. Getúlio decidiu apertar ainda mais o cerco à imprensa e além de criar, nos últimos
dias de 1939, o famigerado DIP que colocou os jornais sob controle total, incluindo a
presença de censores nas redações, suspendeu a isenção do imposto de importação sobre o
papel imprensa. Essa medida representou um pesado ônus para as empresas que, assim
como hoje, dependiam em muito da compra no exterior de sua principal matéria prima.
A publicação no dia 4 de janeiro de 1940 da íntegra do telegrama enviado a Getúlio
pedindo a revisão da medida foi uma das últimas informações que o jornal conseguiu dar
revelando o caráter autoritário do Governo. Falando em nome da API, Lisboa mostrava a
surpresa do setor e as dificuldades que seriam geradas com o fim da isenção:
A Associação Paulista de Imprensa, reflectindo pensamento unanime, jornaes de
São Paulo, por seus representantes reunidos, toma liberdade ponderar V. Excia.
Decreto-lei 1.938, hoje divulgado, vem crear situação insustentavel para
manutenção jornaes, em virtude suppressão a isenção concedida decreto 300 e
108
restabelecimento taxas sobre importação papel, cujo valor sera superior ao
próprio custo papel. Decreto ora promulgado causou grande surpresa jornaes,
tanto mais que veiu antecedida de considerados que, enaltecendo imprensa,
faziam prever desfecho justamente opposto (...) (a) José Maria Liboa Junior
Presidente – Diário Popular – 04-01-1940” (CENSURA..., 1984)
O telegrama caiu no vazio e essa represália econômica atrapalhou em muito a vida
dos jornais. O ano de 1940 também entrou para a história da imprensa brasileira pelo ato
mais violento da ditadura Vargas que foi a intervenção no O Estado de S. Paulo. Numa
ação descrita em Duarte (1972, p.34) como armação de uma “polícia cheia de torpeza”,
metralhadoras foram “descobertas” no forro da redação do jornal e como punição o jornal
foi ocupado e passou cinco anos sob domínio de administradores nomeados pela ditadura.
Sobre esse episódio, Quirino conta que circulavam na redação do Diário Popular, quando
ele passou a ser funcionário, comentários de que Zeca Lisboa teria servido como uma das
testemunhas do “encontro” das armas. Essa versão colide frontalmente com o relato de
Duarte (1972) que pode ser considerado insuspeito por ser um dos jornalistas mais
destacados do Estado e amigo pessoal de Julio Mesquita Filho. Diz ele:
.Assim, o Estado passou à posse da ditadura, que teve o cinismo de convidar José
Maria Lisboa Júnior, homem de bem, para dirigi-lo, por encargo do DIP. O
íntegro jornalista negou-se energicamente a representar aquele papel torpe. Mas
há sempre indivíduos, principalmente jornalistas neste Brasil, capazes de todos os
papéis. Assim, encontrados os necessários testas de ferro, voltou o jornal a sair a
7 de abril de 1940, 13 dias depois do escândalo. ( DUARTE, 1972, p. 34)”
A redação do Estado foi confiada a Abner Mourão, o diretor-responsável do
Correio Paulistano, que era ligado a Zeca Lisboa. Esse morreu em 27 de julho de 1943,
ainda presidindo a API e não viu a queda de Vargas nem a devolução do jornal da Família
Mesquita a seus proprietários em 1945.
109
CAPÍTULO 4 A opção por ser uma empresa pequena
4.1 Na contra-mão do mercado em dois momentos importantes
As alternâncias de perfis experimentadas
pelo Diário Popular durante os 45 anos entre a
morte de Zeca Lisboa e a venda ao ex-
governador Orestes Quércia explicitam também
diferenças entre o jornal que tem um jornalista
como proprietário ou como principal condutor e
o que pertence ou segue a orientação de alguém
com formação administrativa ou similar. A
constatação de que as duas visões têm focos
distintos não equivale a descartar a possibilidade
de existirem pessoas formadas em uma dessas
áreas com capacidade de agregar os
conhecimentos e princípios da outra e implantá-
los na condução do veículo. São exemplos deste
perfil, Julio de Mesquita, jornalista que gerenciou e impôs conceitos empresariais ao Estado
na passagem do século XIX para o século XX e, no lado oposto, José Nabantino Ramos,
empresário que, segundo suas próprias palavras, quando assumiu o Grupo Folha, em março
de 1945 “de jornalismo sabia somente o que sabem os leitores” (MOTA ; CAPELATO,
1981, p.107) e deu aos veículos, além da administração direcionada a resultados
econômicos, padrão editorial que obedecia os princípios caros aos jornalistas.
Com relação à Folha, há também o caso do sucessor de Nabantino, Octavio Frias de
Oliveira, falecido em 29 de abril de 2007, aos 94 anos, que tinha sua formação empresarial
desenvolvida em outros setores e adotou, além de um modelo eficaz de gestão, um padrão
editorial que permitiu à publicação inserir seu nome na história da Imprensa como
referência de jornalismo de qualidade, baseado na imparcialidade. As obras que têm a
Folha como tema não permitem concluir se ele fez esta opção por convicção ou por visão
empresarial. O citado recuo diante da repressão militar em 1977, após o episódio
110
Diaféria, ainda suscita dúvidas sobre se houve excesso de pragmatismo. O fato de o Grupo
ser proprietário da Folha da Tarde, que assumiu orientação claramente pró-ditadura militar
e ideologicamente à direita do espectro político, reforça esta dúvida.
Ao se analisar a trajetória do Diário Popular, a comparação entre a publicação que
tinha Américo de Campos como redator chefe e a que ficou sob o comando exclusivo de
José Maria Lisboa faz aflorar distinções nos assuntos destacados em primeira gina e no
estilo dos textos, assim como no incremento do número de anúncios, principalmente os
classificados. Nas outras mudanças dos detentores do poder decisório, que se sucederam
após a morte do filho do fundador, essa distância conceitual dos modelos editoriais e
empresariais se torna mais nítida. Cotejar os veículos que circularam na capital paulista no
período imediatamente posterior à ditadura Vargas, em sua quase totalidade com posições
ideológicas e interesses políticos definidos que se evidenciavam na administração orientada
por jornalistas, com o Diário Popular reforça a constatação de que o jornal assumiu, em
uma fase de efervescência política, posição secundária e priorizou, na destinação de seu
espaço, os anúncios.
O filho do fundador tinha um perfil que se adequava à definição de híbrido por ser
um dirigente de formação jornalística que se viu diante da necessidade de dominar técnicas
inerentes ao especialista em administração. Nesse sentido, e por ter acontecido uma direção
compartilhada durante vários anos entre ele e o pai, não é obrigatória a classificação desta
sucessão como uma das mortes do jornal, dentro das premissas deste trabalho, pois ela
implicou em transformação insignificante na filosofia da empresa. Apesar de ter retomado
com mais ênfase o interesse pelos temas políticos, Zeca Lisboa manteve a estratégia de
procurar receitas dos classificados, o que valida a rotulação de sua condução como um
amálgama dos modelos debatidos. Sobre este período, Batista (2000) reforça a impressão
de que houve falta de percepção das possibilidades geradas pelos novos tempos e das
mudanças no mercado.
Ainda na gestão de Zeca Lisboa eram os classificados que garantiam a
independência do jornal, mas outros veículos haviam percebido o trunfo dos
Lisboa e também investiram nos anúncios. Zeca Lisboa, no entanto, esqueceu de
modernizar o departamento comercial. Erro que seria percebido anos mais tarde,
talvez tarde demais (BATISTA, 2000, p.64)
111
A ressalva não anula a constatação de que o jornal mantinha suas características de
empresa voltada para a geração de lucro, pois, em nenhum movimento do jornal, são
encontrados sinais de que o veículo teria objetivos políticos, especialmente partidário. Os
posicionamentos diante de fatos relevantes da vida nacional que foram relatados no capítulo
anterior se constituíam em defesa de princípios que eram de interesse da população. A
disposição de Zeca Lisboa de ser presidente da API liga-se à realização de uma ambição
pessoal, tendo a campanha assumido o efeito colateral de destacar entre os apoiadores das
chapas adversárias jornais que viam o Governo Vargas de maneira diferente. Se o Diário de
S.Paulo (adepto da chapa contrária) vivia sua fase de anti-getulismo e o Correio Paulistano
(principal cabo eleitoral de Zeca) tinha simpatia pelo regime autoritário, a ponto de seu
diretor assumir o Estado de S. Paulo em nome da ditadura, com relação ao Diário Popular
pode se dizer que a convivência amigável com o interventor Adhemar de Barros também
era uma posição pessoal do dono do jornal.
Diante dessa análise, referendada pelas lembranças de Antonio Quirino Souza e
Castro e pela maneira personalista como foi noticiada a visita do interventor à residência do
dono do jornal (e não à redação, o que enfatiza a diferença) é possível se estabelecer como
segunda morte do jornal o momento em que assumem os sobrinhos de Zeca Lisboa (ele não
teve filhos). Comandada por esses herdeiros indiretos, a publicação renuncia à pretensão de
desempenhar papel influente no cenário político e, assim como no pós-República, parecia
estar à frente na implantação de padrões empresariais no setor, pois os concorrentes
passaram a valorizar com destaque essa necessidade a partir dos anos 60. No entanto, o
jornal não aproveitou a oportunidade de se consolidar e absorver uma parcela maior do
mercado em função de sua a posição descompromissada politicamente e optou por ser uma
empresa pequena.
Esse aspecto da ruptura merece ser destacado: enquanto a primeira morte encerrava
a vida de um jornal político para o surgimento do jornal empresa, a segunda não
representou mudança de foco, mas de porte, abandonando a possibilidade de tentar ser
grande para conformar-se em ser uma empresa pequena. Seus novos controladores
colocaram em segundo plano o noticiário de conteúdo político, mesmo após a normalização
democrática com a derrubada de Vargas em 1945. Essa vida abrangeu 20 anos, tendo a
112
terceira morte ocorrido quando, em uma reviravolta nas relações familiares, surgiu o jornal
administrado por pessoas que não tinham o sobrenome Lisboa.
O “Diário dos irmãos Ferrentini” durou até 1982, quando se iniciou a mais efêmera
das vidas do Diário Popular, que tinha como objetivo principal conseguir que a publicação
completasse um século ou fosse vendida. A falta de diretrizes administrativas claras, a
inexperiência dos escalados para dirigir a empresa, a descapitalização acelerada e o
fracasso na tentativa de se conseguir uma identidade, ao lado de mudanças econômicas
provocadas por uma crise no país, se alinham entre as causas-mortis deste Diário de difícil
adjetivação. As possibilidades Diário do centenário”, Diário do Rodriguinho”, Diário
do Waltinho”, apesar de marcarem detalhes destacados deste período, não expressariam
totalmente a realidade, sendo aceitável a versão Diário à vendacomo a mais próxima de
cumprir esse papel.
Se faltam rótulo a esse jornal, que viu o conflito do herdeiro Rodrigo Lisboa Soares
(Rodriguinho) com os irmãos Ferrentini e depois com Walter Luiz Soares Holz
(Waltinho)
42
, namorado de Marina Lisboa Soares, filha de Rodriguinho, ao que surgiu do
fim desse período caótico, e existiu até as Organizações Globo resolverem retirá-lo das
bancas, sobram possibilidades de denominação. Pode-se chamá-lo de Diário rei das
bancas”, Diário do Quérciaou Diário do Miranda”, dependendo do patamar escolhido
para se estabelecer a definição. A primeira se justifica pelos resultados alcançados, a
segunda pelo fato de que foi fundamental para o êxito a injeção de recursos vindos do
grupo do ex-governador, especialmente, aqueles gerados pelo incremento da utilização do
espaço publicitário pelos órgãos públicos e empresas estatais paulistas, enquanto a terceira
se liga ao debate proposto no início do capítulo.
Por estratégia política (evitar a visibilidade do favorecimento na distribuição de
verbas publicitárias oficiais em uma publicação de sua propriedade) e empresarial (não
veicular o jornal como produto a seu nome desgastado junto à opinião pública), Quércia
delegou amplos poderes a Jorge Antonio de Miranda Jordão para conduzir o jornal e definir
seu modelo. A carta-branca recebida por Miranda, inclusive com relação aos custos do
42
Este trabalho vai utilizar os nomes Rodrigão e Rodriguinho (como eram citados entre os funcionários)
quando se referir, respectivamente a Rodrigo Soares Jr (sobrinho de Zeca Lisboa) e seu filho Rodrigo Lisboa
Soares. Walter Luiz Soares Holz (o Soares é apenas coincidência), namorado da filha de Rodriguinho será
citado como Waltinho, tratamento que lhe era dado pelos funcionários.
113
projeto, permite afirmar que o Diário Popular voltou, 45 anos depois da morte de Zeca
Lisboa, a ter um jornalista em seu comando. Ironicamente, mais uma vez o jornal se
colocava na “contra-mão” do mercado. Se com a assunção dos sobrinhos de Zeca Lisboa a
publicação se transformou na participante do mercado que menos valorizava a redação,
Miranda Jordão comandou um jornal cujo grande diferencial era estar fora do padrão
vigente que previa a modernização e a implantação de conceitos industriais. O Diário
Popular chegou a “rei das bancas’ (BATISTA, 2000), impresso em preto e branco (atraso
tecnológico herdado da administração Ferrentini) quando os concorrentes utilizavam a cor e
com prioridade para a redação na questão dos prazos de fechamento, enquanto os demais
operavam “engessados” pelos cronogramas de horários estabelecidos pela área industrial.
4.2 Desentendimentos familiares influenciam destino do jornal
A reconstrução e análise da vida do jornal a partir da segunda metade do século
passado são facilitadas pela possibilidade de agregar depoimentos de profissionais que
participaram em variados níveis de sua elaboração. O cruzamento dessas informações traça
um painel que explica as oscilações de posicionamento no mercado que a publicação
experimentou. Os episódios marcantes dessa terceira vida ainda estão presentes na memória
não de Antonio Quirino, o citado primo em segundo grau de Zeca Lisboa, mas
também nas de Paulo Malfatti, Mario Romano e Odair Rodrigues Alves. À visão desses
profissionais se somam à de Luiz Augusto de Castro, que foi diretor da empresa durante
toda a gestão dos irmãos Ferrentini e na transição desses para Waltinho, e de Edgard de
Oliveira Barros, secretário de redação
43
da fase em que a publicação, assumindo um
modelo de jornalismo publicitário, fez a mais importante tentativa de recuperar a imagem
que tinha entre os paulistanos e fora perdida com a opção dos sobrinhos de Zeca Lisboa de
se conformar em atuar em segundo plano.
43
Na estrutura da redação do Diário Popular, até 1979, o cargo de secretário de redação era o mais
importante, reportando-se apenas ao diretor-gerente e aos proprietários. Em 1979, a função foi dividida com a
nomeação de um diretor de redação, o general reformado Moziul Moreira Lima, que já era o editorialista do
jornal e passou a cuidar da parte administrativa da redação, especialmente do controle de pessoal. Em 1986,
foi criado o cargo de editor-chefe, cabendo ao secretário de redação, a execução do fechamento das edições
segundo as diretrizes do editor e diretor. A nomeação de Miranda Jordão como diretor de redação mudou o
perfil do cargo, passando ele a cuidar, com apoio do editor-chefe, do conteúdo, estilo e pauta do jornal.
114
Zeca Lisboa não tinha filhos e havia preparado seus sucessores prevendo uma
divisão de tarefas: a Jose Maria Lisboa Walter Seng, filho de sua irmã Mercedes e do
médico Walter Seng, um dos fundadores do Hospital Santa Catarina, caberia a
administração, enquanto a Rodrigo Soares Júnior (que passou a ser chamado de Rodrigão,
após o início da participação do filho na empresa), filho de Mariana Lisboa Soares e
Rodrigo Soares, um pintor português de grande expressão na sociedade paulistana, estava
destinado o comando da redação. Isso não aconteceu. José Walter centralizou o comando
de todas as áreas da empresa, apesar de ter 5,33% da empresa, percentual que mesmo
somado aos de suas irmãs, atingia apenas 26,66%, contra 46,66% de Rodrigão.
Na escritura de transformação da empresa J. M. Lisbôa & Cia. Ltdaem “Empreza
Jornalística Diario Popular S/A”, lavrada em 31/12/1947, no 21º Tabelião da capital, e
registrada sob número 35.355 na Junta Comercial do Estado de São Paulo, é contada a
evolução societária a partir de 31 de maio de 1919, após a morte do fundador José Maria
Lisboa. A divisão da sociedade feita entre Zeca Lisboa e suas três irmãs (Amadeu nada
herdou) previu que os casais Zeca e Amélia de Abreu Lisboa, Walter Seng e Mercedes
Lisboa Seng e Rodrigo Soares e Mariana Lisboa Soares teriam 4/15 avos do capital. Viúva,
Leonor Lisboa Caldas, ficou com 3/15 avos.
Em 11 de maio de 1932 houve nova alteração contratual devido às mortes de Walter
Seng e Leonor Lisboa Caldas. A participação do primeiro passou à sua mulher Mercedes,
enquanto Leonor deixou sua parte para o sobrinho Rodrigo Soares Junior (neste trabalho
citado como Rodrigão). Em 27 de outubro de 1934, os sócios registraram que a empresa
tinha um capital de Cr. 200.000,00 (duzentos mil cruzeiros), cabendo a Zeca, Mercedes e
Rodrigo Soares cotas iguais de Cr. 53.333.33 (cinqüenta e três mil, trezentos e trinta e três
cruzeiros e trinta e três centavos) cada um e a Rodrigão a cota de Cr. 40.000,00 (quarenta
mil cruzeiros).
As mortes de José Maria Lisboa Jr e de sua irmã Mercedes implicaram em nova
alteração na composição do capital. A viúva Amélia de Abreu Lisboa herdou totalmente a
parte do marido e a cota de Mercedes foi dividida entre seus filhos, Antonia Seng das
Neves, José Maria Lisboa Walter Seng, Mercedes Seng da Silva, Leonor Seng do Amaral e
Ruth Seng Pacheco Chaves. Das 3.000 ações que passaram a representar o capital,
Rodrigão ficou com 1.400, a viúva com 800 e os cinco filhos de Mercedes com 160 cada
115
um. A morte de Amélia aumentou o número de acionistas, pois sua parte foi dividida entre
seus sobrinhos: Carlos Abreu Costa, Marina D’Abreu Costa, Alice D’Abreu Costa e Irene
Costa Pereira Almeida, conforme consta da Ata da Assembléia Extraordinária realizada em
14 de julho de 1956.
A explicação para o fato de o minoritário José Walter se transformar em
comandante da empresa pode ser encontrada nas características da personalidade do primo.
Rodrigão é descrito por todos que o conheceram como um homem de cultura elevada, mas
a quem não agradava ter responsabilidades e compromissos com o trabalho. Batista (2000)
registra o depoimento de Manoel Pereira do Vale Júnior, que, na época em que foi ouvido
pela pesquisadora, era responsável pelo arquivo do jornal. Ele revelou que entrou no jornal
em dezembro de 1963 e conviveu com os dois netos do fundador que, teoricamente,
dividiam na administração da empresa. Apesar de ressaltar a cultura do “Dr. Rodrigo”,
como fez questão de chamá-lo na entrevista num sinal de admiração, e, depois de lembrar
que o patrão fora filho único, teve toda sua formação escolar na Europa, inclusive cursando
Direito na Universidade Sorbonne em Paris e que falava oito idiomas, Vale Jr. lembra:
O Dr Rodrigo não queria muito aquele negócio de trabalhar, levantar cedo. Ele
vinha à tarde, fazia o artigo dele, conversava na redação. Mas saber se
funcionário veio e cuidar dos outros problemas ficava por conta do primo dele,
Walter Seng. Que aliás foi quem mudou o jornal da rua João Brícola para a rua
do Carmo, comprou equipamentos e o montou, era engenheiro. (BATISTA, 2000,
p.81)
Esses reparos à personalidade de Rodrigão feitos por Vale Jr. são idênticos aos
manifestados por Paulo Malfatti (também admirador), Mario Romano, Odair Rodrigues
Alves e Luiz Augusto de Castro. Esses três são mais adequadamente classificados como
neutros ao falar do patrão. Já Antonio Quirino, que não esconde a mágoa por não ter sido
ouvido pelo parente longínquo em denúncias que fez contra Nello Ferrentini, é mais
cáustico:
O Diário não evoluiu jornalisticamente e faltou ousadia porque o Rodrigo era
muito fechado. O José Walter trabalhava, o Rodrigo não trabalhava. Era um
jornalista que de vez em quando escrevia alguma coisa, era inteligente, foi orador
na turma da faculdade, mas ele não era trabalhador e não era um jornalista
competente. Tinha alguns artigos muito bons, mas não era constante, como o
Zeca também não era. (CASTRO, A. , 2006)
116
Explicitar comentários sobre a personalidade do sobrinho de Zeca Lisboa que se
absteve de participar da condução do jornal não é fazer uma mera coletânea de aspectos
pitorescos da vida do Diário Popular. O que poderia ser encarado como a abertura de
espaço para revelação de mágoas ou de simples fofocas, quando fruto do cruzamento de
opiniões e reforçado por fatos verificáveis, se transforma em pistas que contribuem para
elucidar as causas de a publicação não ter conquistado a relevância que indicava sua
participação na história brasileira nas décadas anteriores. Além disso, serve como elemento
para o debate sobre a simbiose entre a pessoa física que comanda um jornal e a imagem da
publicação. Essa personalização, atualmente, é considerada dispensável segundo padrões
administrativos globalizados que demandam a profissionalização dos gerenciadores, porém,
nos anos 50, era requisito básico a presença de um nome forte à frente de um jornal para
definir seu estilo. Rodrigão tem em sua biografia o mérito de ter conseguido uma entrevista
exclusiva com Luiz Carlos Prestes, o lendário líder comunista que, com sua Coluna Prestes,
foi determinante na história do país. Porém, sua ausência na condução do jornal lhe tirou o
direito de ter o nome na galeria dos grandes jornalistas que foram donos de jornal.
Dois depoimentos são ilustrativos de como José Maria Lisboa Walter Seng
centralizava o comando. Tanto Mario Romano, que entrou em 1951 como revisor e no
mesmo ano se transformou em redator, quanto Paulo Malfatti, contratado como office-boy
em 1954, foram entrevistados, tiveram salários definidos e se reportaram a José Walter. Os
dois ainda estão vinculados ao Diário Popular por serem os últimos funcionários estáveis
que a empresa não conseguiu demitir. Em 2004, as Organizações Globo decidiram demitir
aqueles que tinham seus contratos assinados antes da lei que instituiu o FGTS e haviam se
aposentado. A decisão gerou inúmeras ações trabalhistas, mas a empresa já ganhou a
maioria delas em primeira e segunda instâncias. Romano seguiu a orientação do amigo e
ex-ministro do Tribunal Superior do Trabalho, Almir Pazzianotto e não requereu a
aposentadoria e hoje recebe o salário em casa. Malfatti, que viu lógica na argumentação de
Romano e fracassou na tentativa de convencer Vale Jr. a não se aposentar, cumpre a
jornada diária no prédio da redação sem ter uma função definida.
Malfatti se orgulha de ser sobrinho da pintora Anita Malfatti, um dos expoentes do
modernismo brasileiro, e de ter trabalhado, na década de 50, na agência noticiosa France
117
Presse com Patrícia Galvão (a Pagu), musa do movimento. Ele desempenhou diversas
funções no jornal, cujas características lhe permitiram conhecer todas as áreas. De office-
boy chegou ao cargo de coordenador, que envolvia a ligação entre redação, gráfica e
distribuição, tornando-se homem de total confiança dos irmãos Ferrentini. Sua descrição de
José Walter enfatiza a o caráter centralizador e de empresa pequena do jornal nos anos 50:
Ele não era jornalista, era aquele dirigente empresarial que acompanhava o jornal
o tempo todo, desde a entrada do funcionário até a rodagem do jornal. Era ele
quem admitia todos os funcionários, conversava com todo mundo, era um cara
que, independente da área que ele fosse, ele conhecia todo mundo. Em 54 o
Diário Popular tinha 97 funcionários, dava pra conhecer todo mundo.
(MALFATTI, 2005)
Sobre a opção de mercado feita pelo jornal é emblemática a citação feita por
Malfatti de um episódio envolvendo o Mappin que até a década de 90 era a principal loja de
departamentos da cidade e grande anunciante dos jornais.
Em uma ocasião nós tivemos um problema com o Mappin, que queria fazer um
anúncio de página inteira. O José Walter se negou a aceitar , inclusive ele queria
que quando fizesse um anúncio de página inteira, avisasse com três dias de
antecedência. Então, nós ficamos sem relacionamento com o Mappin durante
muitos anos e depois o Armando conseguiu restabelecer esse relacionamento. O
Mappin era o magazine da época e o Diário Popular se dava ao luxo de não
aceitar seus anúncios (MALFATTI, 2005).
Esse tipo de restrição é característico do período de comando de Walter Seng. Em
fases anteriores, o jornal inseria normalmente mensagens publicitárias de página inteira,
como se comprova vendo que, na edição de 7 de fevereiro de 1889, o jornal trazia uma
anúncio deste tipo da Valvoline ou que, na de 18 de maio de 1939, a Drogasil também
ocupava uma gina. Além disso, o Mappin era anunciante freqüente do jornal nos anos
anteriores. Armando Ferrentini, (o Armando citado por Malfatti), que implantou o
departamento comercial do jornal na década de 60, lembra de consulta da agência de
publicidade MPM Propaganda sobre as condições para colocar um anúncio da Ford
comunicando sua chegada ao país que deveria sair em todos os jornais, sendo que o Diário
118
Popular não aceitou a inserção, pois não tinha conta corrente das agências e exigia
pagamento à vista.
44
Romano é outro a destacar a característica de jornal que não queria expandir sua
participação no mercado, mas ressalta a preocupação do comandante da empresa em
garantir bons salários aos funcionários “quando chegava a época de reajuste de salário, por
exemplo, tinha o Sindicato, mas ele mandava ver quanto o Estadão estava pagando e o
Diário Oficial e ele sempre pagava acima”
(ROMANO, 2005). Esse lado “bom patrão
também é destacado por (ALVES, 2008), que lembra que, na greve dos jornalistas de 1961,
José Walter além de liberar quem quisesse aderir ao movimento não descontou nenhum dia
daqueles que o fizeram.
Sobre o perfil pessoal de José Walter, Antonio Quirino é quem dá mais detalhes, por
ter entrado no jornal quase ao mesmo tempo que ele. A opinião não esconde o fato de o
depoente ter uma afinidade maior com José Walter e colocar a culpa pelo atraso no
crescimento da empresa em Rodrigão.
O José Walter foi um playboy, fazia sucesso com as mulheres e o Rodrigo tinha
uma inveja danada dele. Ele gostaria de ser aquilo que o José Walter era. O José
Walter casou-se na Suíça muito moço, mas foi anulado o casamento porque eles
eram menores. Mais tarde, ele veio a casar-se com Carmita Azevedo Marques.
Antes da Camita ele casou com a filha de um político. Ele casou-se e teve um
filho que foi sua grande paixão e morreu de fogo selvagem. Ele ia todo ano ao
Rio no aniversário do filho, de carro, dirigindo para levar flores no túmulo. Foi
sua grande paixão e sua grande frustração (CASTRO, A., 2006).
Quirino é incisivo em defender a sua opinião de que José Walter não é responsável
pelo fato de a empresa não ter assumido papel de destaque no mercado e não ter fixado uma
imagem positiva como jornal. Ele se fundamenta no fato de Rodrigão ter a maior parte do
controle acionário e ser formalmente o responsável pela redação. Credita a José Walter o
resultado positivo que permitiu a construção de uma nova sede própria e a compra de uma
rotativa moderna Marinoni. Luiz Augusto de Castro, que entrou na empresa em 1964,
44
Depoimento ao autor não gravado em 12 de setembro de 2005, durante almoço na Editora Referência.
Na oportunidade, Armando Ferrentini disse que falaria em nome do irmão Nello e se comprometeu a marcar
uma data para gravar as declarações feitas e acrescentar detalhes sobre a passagem dos dois pelo Diário
Popular. Depois de seguidas trocas de e-mails, em 9 de junho de 2008, ele solicitou que fossem enviadas as
questões por mensagem eletrônica. Em 11 de julho de 2008, foram enviadas 25 perguntas sobre os pontos em
que os irmãos Ferrentini são citados. Às 09:16, do mesmo dia, foi recebida a confirmação de que a mensagem
fora exibida no computador do destinatário: aferrentni@editorareferencia.com.br
, porém não foram dadas
respostas até 25 de julho de 2008, prazo máximo para encadernação e entrega deste trabalho.
119
reconhece a importância desse equipamento, mas ressalta a ociosidade do novo prédio,
localizado na antiga rua do Carmo, em local desapropriado anos depois para a construção
do Metrô.
O jornal funcionava em um prédio de seis andares na rua do Carmo que nessa
ocasião estava absolutamente vazio. Nós tínhamos pouca gente na redação, uma
bonita sala de diretoria, o andar era redação, o andar era linotipia, o
andar a tipografia, no andar a administração, no andar não tinha ninguém,
no 6° andar também não (CASTRO, L., 2006).
Malfatti também se recorda do prédio, da infra-estrutura da empresa e do sucesso
dos anúncios classificados:
Entrei no Diário como office-boy em 54, eu trabalhava no balcão, o Diário
mudou (da rua João Brícola) para a rua do Carmo em janeiro de 54 e eu entrei
em agosto de 54, estavam fazendo os últimos retoques no prédio, mas o
interessante da rua do Carmo é que tinha aquele balcão de anúncio, era em
formato de ferradura, tínhamos 5 balconistas e 2 caixas e formavam-se filas de
anunciantes. Em 54 o Diário Popular tinha 3 carros de distribuição. O jornal era
distribuído no Largo da Concórdia, Praça da e na Praça Roosevelt. Os
jornaleiros iam buscar nesses locais (MALFATTI, 2005).
Romano lembra que o prédio da João Brícola também era próprio e foi vendido a
um banco, que, no final dos anos 50, existiam apenas duas peruas Kombi para a
distribuição e que, logo após a mudança, o jornal chegou a publicar 4 mil anúncios. A
maioria desses era chamada, segundo ele, de “anúncio de letra”, por ter como destaque
apenas a primeira letra em caixa alta e corpo maior. Cita também que o jornal era
vespertino, circulando por volta das 14 horas, e que o mercado, com O Estado de S. Paulo
se destacando, estava sendo muito disputado pelo Diário da Noite e Diário de S. Paulo, de
Assis Chateubriand, e pela Folha da Noite e Folha da Manhã, de José Nabantino Ramos.
Ao se refletir sobre o comando de José Walter no Diário Popular é necessário
ressaltar que o saldo representado pela construção de uma nova sede e a compra de uma
impressora mais moderna em pouco mais de dez anos de gestão é positivo. O reparo à sua
estratégia é que ela, ao colocar o conteúdo jornalístico como acessório, impediu a
consolidação desse crescimento, enquanto a opção por privilegiar os pequenos anúncios
não lhe permitiu preparar-se para os tempos de custo alto do papel que coincidiram com o
120
“boom desenvolvimentista” do país. Esses equívocos levaram a empresa a entrar nos anos
60 com as finanças fragilizadas e a imagem do jornal comprometida.
A retomada do cenário em que José Walter assumiu, após a morte de Zeca Lisboa, e
a análise da posição dos concorrentes do Diário Popular que, de maneiras diferentes, ao
lado dele conseguiram entrar no terceiro milênio permitem uma avaliação mais exata da
oportunidade perdida. Enquanto nos dois primeiros anos da gestão dos primos ainda
imperava a censura rígida da ditadura Vargas, com os veículos concentrando sua atenção na
Segunda Guerra Mundial, o que garantia a atração de leitores sem grande esforço, o
panorama se transformou totalmente em 1945.
A derrubada de Getúlio e a volta do Estado de S. Paulo às mãos de seus
proprietários fizeram com que voltasse à disputa um concorrente forte. Por ironia, o jornal
devolvido, estava ferido pelo longo período em que foi colocado a serviço da divulgação da
ditadura, porém a empresa estava em excelente situação graças à boa administração
realizada pelos interventores. Ruy Mesquita conta que as pessoas colocadas na gerência
pelo interventor demonstraram competência e garantiram uma boa situação à empresa.
Quando o Estado foi devolvido [...], em 1945, foi a fase mais próspera do jornal,
porque a gestão financeira da ditadura no Estado foi muito boa. Os homens que o
Getúlio s para gerir a parte comercial e a parte financeira do jornal eram
homens que não tinham nada de político, tanto que foram mantidos lá por meu tio
Francisco que era o diretor da administração do jornal, e ficaram até o fim da
carreira deles e o jornal atravessou a fase mais próspera da vida dele.
(MESQUITA, 2004)
A Folha também experimentou grandes mudanças em 1945, com a transferência de
seu controle acionário. O jornal deixou de ser o porta-voz dos agricultores, como relatam
Mota e Capelato (1981), e Nabantino Ramos, que tomou a frente do negócio, se preocupou
em procurar um equilíbrio entre a racionalização da atividade jornalística e a liberdade de
expressão. Os autores ressaltam que sua passagem pela Folha “deixará a marca de seu estilo
jacobino, de seus esforços para reestruturar a empresa, dentro de padrões modernos e
procurando diminuir o alto grau de improvisação que caracterizava a atividade jornalista
(MOTA ; CAPELATO, 1981, p.99).
A consolidação de O Estado, a partir de sua reordenação como empresa feita pelos
prepostos da ditadura, a estratégia de Nabantino de investir na modernização da Folha e o
121
surgimento da Última Hora em 1951, baseado em um planejamento empresarial, indicam
que José Walter, com aval de Rodrigão e dos demais acionistas, cometeu um equívoco ao
optar por se retrair. O Diário Popular, tendo garantida uma receita expressiva com os
anúncios classificados, estava em condições de disputar uma fatia maior dos anúncios do
grande comércio e dos lançamentos imobiliários, além de ter a possibilidade de aumentar
sua tiragem melhorando a qualidade do conteúdo jornalístico.
Nesse aspecto, salienta-se o consenso de que os anúncios classificados foram
sempre considerados o recurso mais viável para garantir independência a uma publicação.
Falando sobre a importância deste tipo de anúncio para a viabilidade do jornal, o professor
Antonio Costela ressalta:
Assim como nosso corpo, além do ar, precisa de comida, assim também o jornal,
além de liberdade, necessita de dinheiro. Sua produção tem um custo. Ora, quem
detiver o controle do ingresso desse dinheiro terá em suas mãos o próprio destino
do jornal... Quanto mais anúncio classificado o jornal tiver, quanto mais sua
receita dele depender, tanto mais independente será o jornal. Os pequenos
anunciantes jamais se poderiam reunir e impor sua ortodoxia ao jornal. De mais a
mais, devido a seu grande número, eles são em si mesmo necessariamente
heterogêneos (COSTELA, 1984).
O trunfo de poder ter implantado um projeto de desenvolvimento alavancado pelo
volume de classificados não foi usado pela administração José Walter, que se caracterizou
pela negligência com a redação, apesar de não excluí-la da política de bons salários. Esse
abandono, aparentemente, no curto prazo, não influía na tiragem, devido ao atrativo de
vendas representado pelos classificados, especialmente os de emprego. Porém, no médio e
longo prazos se mostrou determinante para colocar o jornal em posição secundária no
cenário da imprensa paulistana e o tornou mais vulnerável à crise do setor provocada pelo
descontrole da inflação no início dos anos 60. José Walter mantinha um quadro muito
reduzido de jornalistas. Romano lembra que em 1951, eram 10 profissionais, número que
não se alterou até 1954, como confirma Malfatti, acrescentando apenas que havia dois
fotógrafos. As editorias não eram bem definidas, com exceção do Esportes que contava, em
1957, com dois redatores, um deles Joelmir Beting, recém chegado de Tambaú e iniciando-
se no jornalismo. As demais páginas eram preenchidas pelo secretário de redação (cargo
equivalente a editor chefe), por um sub-secretário, por um editorialista, por um responsável
122
pelas notícias gerais, um crítico de teatro e um setorista na assembléia legislativa e outro no
aeroporto.
Essa limitação de pessoal, aliada ao fato de o jornal ser vespertino, acabou
estabelecendo uma prática que transformou o Diário Popular em “jornal das cozinheiras”.
São muitas as pessoas que relacionam essa expressão pejorativa que predominou entre os
profissionais do setor com o tipo de anúncio classificado em busca de trabalhadores de
menor qualificação, mas Romano (2005) esclarece: Entre os colegas nossos, se falava que
o Diário Popular era o jornal das cozinheiras, não por causa dos anúncios, mas porque
tinha pouca gente, você pegava outro jornal, lia a notícia e refazia. Era chamado de
“cozinha”, você pegava o que saía de manhã e reescrevia com outro estilo”
Encontram-se acusações contra o jornal pela prática de reescrever matérias
aproveitando-se do horário de circulação, também no final do século XIX, quando o Diário
Popular era alvo de ironias por parte do Correio Paulistano. Esse jornal, que defendia a
Monarquia, tinha uma seção dedicada a analisar o conteúdo dos concorrentes, chamada
Revista dos Jornaes”. O espaço não perdoava os veículos republicanos e abrigava
respostas aos ataques recebidos. Na edição de 12 de março de 1889, via-se elogios a
Chronica da Assembléia por ter condenado discurso de Campos Salles, tachado de
anarquista, e ao Federalista. Referências depreciativas sobraram para A Província de São
Paulo e Diário Popular, sendo que com relação a esse era citado com acentuada
animosidade Aristides Lobo, o ferrenho republicano, e ressaltado que as demais seções
continuavam produzidas “á tesoura e grude”.
Mas circular somente à tarde, em um tempo em que não havia a instantaneidade das
coberturas televisivas e da informação on line podia representar também um diferenciador.
Romano cita o caso do suicídio do presidente Getúlio Vargas em 1954 para ressaltar esse
fato: “O Diário Popular foi o único que saiu com edição extra. O Walter Fontenele era o
secretário e tivemos a notícia às 8 horas ou 8h20 e quando era 10 horas o jornal estava na
rua com duas ou três páginas sobre o assunto. Foi o único jornal que saiu uma hora e meia
depois de chegar a notícia.” (ROMANO, 2005).
O experiente Romano também faz questão de esclarecer uma declaração que
circulava na redação, nos anos 70 e 80, sobre a participação do jornal na histórica greve de
1961. Em tom de deboche, muitos jornalistas da própria publicação comentavam que a
123
desimportância do jornal era tamanha que haviam esquecido de comunicar sobre a
paralisação e que o jornal circulou enquanto os demais foram impedidos de sair às ruas e
deixou de sair quando esses decidiram voltar ao trabalho. Essa versão tem sido atribuída a
Romano, sem que ele saiba como se originou. Na verdade, pouco antes da assembléia que
decidiu que a categoria não deixaria circular os jornais do sábado, 2 de dezembro, o Diário
acabara de enviar às bancas sua edição de 1 de dezembro de 1961, com um pequeno texto,
na primeira página, falando da paralisação e relacionando-a com a aceleração do processo
de aumento de preços por falhas do governo. Informava ainda que havia concedido
antecipação de 30% e instava os jornalistas a demonstrarem sua lealdade à empresa.
Ribeiro, J. (1998, p. 91) informa “Sábado, 2 de dezembro, 2 de dezembro de 1961. Nenhum
jornal circulou em São Paulo nesse dia. Nem no domingo, dia 3. Imaginou um ‘Estadão’ de
domingo, com aquele mundo de cadernos e de anúncios, ficar preso na oficina?” Na página
14, do seu 2º caderno, o Diário informava no sábado (dia 2) que a greve era parcial:
Jornalistas de vários orgãos da imprensa desta Capital se encontram em greve. A
categoria exige aumento de 60% de aumento com mínimo de 26 mil cruzeiros.
No dia de ontem, o movimento decorreu em clima de calma, não se registrando
incidentes. Piquetes de grevistas foram destacados para a porta de jornais, a fim
de impedir que companheiros entrassem em serviço. Apesar disso, porem, a greve
não foi total, e vários jornais, como o “Diário Popular”, puderam circular hoje.
Nas salas de imprensa do Palácio da Polícia e do plantão da Zona Centro,
jornalistas cortaram os fios dos telefones. [...] As agencias telegráficas “UPI” e
“AFP” funcionaram somente até a tarde. Na agencia “Asapress” não houve
expediente. Em conseqüência, o nosso serviço se apresentá bastante falho. em
nota ontem inserida, o “Diário Popular” salientou a sua posição em face da greve
dos jornalistas, cuja reivindicações esta folha vem atendendo, disposta a acatar a
decisão da Justiça Trabalhista. (MOVIMENTO...,1994).
O jornal não circulava aos domingos e a segunda-feira, dia 4, foi o único dia em que
não foi as bancas em virtude da paralisação. Na terça-feira (dia 5), publicou na gina 12
do 2º caderno, a informação sobre o fim da greve, agradecendo a lealdade dos funcionários.
Nesse dia, na primeira página, saiu um manifesto dos jornais paulistas à Nação
denunciando a violência dos piquetes, falando das diferenças entre empresas que podiam
dar reajustes maiores e as menores e, numa referência política, alertando para o perigo de a
ideologização do movimento contribuir para o acirramento dos ânimos do país e levar à
uma ditadura.
124
O texto criticava duramente o Governo do estado por não ter determinado à polícia
que garantisse o direito de quem queria trabalhar. O documento não foi assinado pelo O
Estado de S. Paulo, jornal que havia concedido o aumento próximo do reivindicado pelos
jornalistas, nem por Correio Paulistano e Última Hora (onde a paralisação atingiu um dos
mais altos índices de adesão). A circulação de O Estado foi motivo de discussão entre a
categoria, pois na assembléia que aprovou a paralisação prevaleceu a linha do presidente do
Sindicato Ewaldo Dantas e dos membros do Partido Comunista Brasileiro de que o jornal
devia sair às ruas não tanto pelo ter concedido o aumento, mas porque sua presença nas
bancas seria uma forma de pressão contra as demais empresas.
Um grupo significativo de jornalistas não concordou com a decisão e o jornal
também foi impedido de circular no sábado, graças a solidariedade dos gráficos da
empresa. A descrição do cenário em que aconteceu a paralisação, com a constatação de que
os relatos e análises do movimento não fazem referência ao jornal, é mais um indicador de
que o Diário Popular entrava na década de 60 com uma imagem bastante negativa junto à
categoria.
A greve além de ter sido um divisor de águas na história do sindicalismo no
jornalismo também contribuiu para uma mudança importante no cenário da imprensa
paulistana. Mota e Capelatto (1981) falam da decepção de Nabantino Ramos que encarou o
movimento como uma traição pessoal dos profissionais que ele considerava, inclusive do
chefe da redação Mario Mazzei. Isto reforçaria sua decisão de vender o Grupo Folha em
1962 para Octavio Frias de Oliveira e Carlos Caldeira Filho, que iniciaram um processo de
modernização e profissionalização do grupo, passando a geri-lo dentro de parâmetros de
conglomerado. Além da frustração pessoal, Nabantino também culpou os problemas
econômicos que o país enfrentava com a aceleração da inflação pela sua desistência de
seguir com a empresa. O quadro era de dificuldade geral no setor, especialmente para os
administrados com visão de empresa pequena. No entanto, Mota e Capelato (1981, p.186)
citam análise de Nabantino onde ele defende, anos depois, que a inflação chegou a ser
benéfica para as empresas jornalísticas bem estruturadas, pois o preço de capa dos veículos
subiu mais que o custo do papel, invertendo a equação que apontava a venda em banca
como geradora de prejuízo.
125
Para o Diário Popular essa possibilidade de lucrar com a venda em banca era
menos viável devido à sua reduzida tiragem. Além disso, a emergência desse cenário
econômico complicado coincidiu com o surgimento de uma questão familiar que viria a
determinar transformações no comando da empresa. Rodrigão, pressionado pela mulher
Leontina, desejava agregar o filho à condução da empresa. A primeira medida foi a
realização de uma assembléia extraordinária em 8 de maio de 1964, onde foi criado mais
um cargo de diretor, para o qual Rodriguinho foi nomeado. Esse estabeleceu como
condição para participar da vida da empresa ter o controle da administração. Mesmo
possuindo a maior participação acionária, Rodrigão não tentou disputar do poder
diretamente com José Walter, optando por dar força a outros dirigentes, especialmente a um
ex-linotipista que já era diretor-gerente da empresa e que se intitulava jornalista e professor
universitário. Era ele, Nello Ferrentini, que gostava de estudar economia e gozava da
amizade dos dois Rodrigos.
4.3 A paradoxal gestão dos Ferrentinis modernizou, mas validou o atraso
Entre as personalidades polêmicas que influíram no destino do Diário Popular
destacam-se os irmãos Nello e Armando Ferrentini. De um lado, eles são citados como os
heróis que salvaram o jornal da falência, no início dos anos 60, e o fizeram crescer e voltar
a desfrutar de visibilidade no mercado. Em compensação, ficaram estigmatizados como
vilões que atrasaram o desenvolvimento tecnológico do jornal. As duas interpretações são
baseadas em fatos e evidências e se sustentam em conclusões lógicas, na medida em que se
considera que eles pegaram o jornal em situação financeira difícil e com a imagem
deteriorada, o transformaram em uma empresa sólida e em um título revigorado, porém
acabaram entregando-o em situação pior do que a que a dos anos 60, pois além dos indícios
da volta dos problemas de caixa e da imagem despersonalizada, havia a urgência de
significativos aportes de recursos para revigorá-lo. Ressaltando-se que os dois exerceram a
administração do jornal com plenos poderes - a ponto de serem considerados como “donos
de fato” - fazem jus ao crédito pelo crescimento da empresa, mas arcam com a
responsabilidade por não tê-la preparado para a modernização.
126
A chegada dos Ferrentinis ao comando se deu em duas etapas: a primeira como uma
manobra para desestabilizar José Maria Lisboa Walter Seng, quando Nello foi nomeado
gerente encarregado de cuidar da parte administrativa e Vitor Jandalia da parte financeira.
Essas nomeações, impostas por Rodrigão a pedido de Rodriguinho, segundo relato de
Antonio Quirino, incomodaram José Walter que estava acostumado a centralizar as
decisões. Além disso, orientado por Nello, Rodrigão adquiriu a participação na sociedade
que estava em mãos da família Abreu Costa. Luiz Augusto de Castro lembra que a compra
teve uma parte quitada em dinheiro e o saldo com a transferência de um prédio na rua
Aurora, centro de São Paulo, que na época não era uma parte da cidade deteriorada como o
é atualmente. Pouco depois desta mudança acionária, pela qual Rodrigão e sua esposa se
tornaram donos de aproximadamente 70% do capital, aconteceu o suicídio de José Walter.
A causa, na versão oficial difundida na empresa, teria sido a descoberta de estar com
câncer, mas Luiz Augusto, que fazia parte da equipe contratada por Nello e era amigo de
infância de Armando Ferrentini tem outra versão:
Essa estória do câncer, eu nunca soube, ouvi falar depois. Foi a versão que ficou.
Eu sei que ele entrou em uma profunda depressão com essa estória toda, sentiu
que perdia poder, sabia que ia sair, que não tinha mais espaço pra ele, tanto é que
ele saiu e quatro ou cinco meses depois os familiares venderam tudo. O que
demorou para vender foram as ações do Walter por causa do inventário.
(CASTRO, L., 2006)
Antonio Quirino, que antipatizava com Rodrigão e viria a entrar em sério atrito com
os Ferrentini, acrescenta um elemento familiar que teria agravado a depressão do suícida
lembrando que, à época, ele estava vivendo com uma norte-americana, o que contrariava as
irmãs, inclusive Ruth, casada com um político de expressão no cenário estadual, o ex-
deputado federal Pacheco Chaves. Ele relaciona os fatos, do seguinte modo:
E um dia eu estava na redação, na editoria Internacional, e o José Walter me
disse: ‘Quirino, é muito triste o que está acontecendo por aqui’. Respondi: ‘Você
tem forças pmudar isso aqui. Então mude’ Ele suicidou-se. Então eu acho que
foi mais por frustração o suicídio dele. Essa frustração aumentou quando as irmãs
implicaram com a norte-americana com quem ele vivia ali no Jardim. Europa e
ela foi embora e ele ficou só. (CASTRO, A., 2006)
Com a saída de cena de José Maria Walter Seng morreu o Diário Popular que tinha
como objetivo principal ser uma empresa pequena e rentável. Essa terceira morte também
127
se caracterizou por marcar o fim do jornal administrado por um descendente do fundador
que remanesceu após a primeira morte. A chegada ao poder dos irmãos Ferrentini é
considerada por todos os que testemunharam aquele momento como a salvação do jornal.
As duas primeiras grandes mudanças foram deixar de ser vespertino e passar a circular
todos os dias da semana. Malfatti, Romano, Luiz Augusto, Odair, Edgard, que estava então
no Diário da Noite de Assis Chateubriand e viria a ser responsável por campanhas
publicitárias do jornal e depois por sua redação, e até Quirino ressaltam este fato.
Luiz Augusto, mais ligado à administração, recorda que foi adquirida uma frota de
60 veículos para distribuição também com recursos da família Soares. Esse detalhe é
reforçado por Armando Ferrentini (informação verbal)
45
que lembra do trabalho de
convencimento para conseguir que dona Leontina Prado Lobo Soares, a esposa de Rodrigão
e herdeira de uma grande fortuna familiar, aceitasse investir mais dinheiro na empresa.
A importância da ampliação pode ser avaliada ao se ver em Mota e Capelato (1981)
que, na época em que os veículos do Diário se resumiam a três Kombis, a Folha tinha uma
frota de 24 aumentada progressivamente na administração de Octavio Frias de Oliveira até
chegar a 165, em 1965. A tiragem do jornal na época ficava entre oito e 12 mil exemplares
dependendo do número de anúncios classificados da edição. Ainda para efeito de
comparação os números equivaliam a menos de 10% da circulação das três edições da
Folha da época, também segundo Mota e Capelato (1981).
Outro ponto digno de ser ressaltado é que o Diário estava em meio a um processo
de diminuição da tiragem, pois dez anos antes, ela girava em torno de 16 mil exemplares
(com pico de 30 mil, nos dias em que publicava notícias de impacto, como o suicídio de
Getúlio ou a renúncia de Jânio Quadros). Esses números são informados por Paulo Malfatti,
que, sempre circulou entre as várias áreas da empresa. No início, como office-boy, levava
anúncios para a linotipia e conseguia ver os números de exemplares que estavam
programados para ser impressos e, no ponto máximo da carreira, era um dos poucos a ter
acesso aos números definidos por Nello.
Na época da entrada dos Ferrentinis no jornal, o mercado de venda em bancas era
disputado, durante a manhã, pelo Diário de São Paulo, Folha edição, Última Hora, A
Hora e o Correio Paulistano, esse em estado terminal. À tarde dominava absoluto o
45
Informação verbal concedida por Armando Ferrentini em 12 de setembro de 2005 em entrevista ao autor.
128
Diário da Noite, o que indicaria haver espaço para publicações vespertinas. Esse fato seria
comprovado pelo lançamento do Jornal da Tarde em 1966. O sucesso do jornal da Família
Mesquita não leva à ilação de ter sido errada e estratégia dos Ferrentinis de mudar o horário
de circulação. Para o Diário, ela se justificava por ser ele um jornal que se sustentava
basicamente de anúncios classificados, onde se destacavam ofertas de emprego, que
atraíam mais leitores no início do dia. Além disso, quatro anos depois, quando o JT do
Grupo Estado estava consolidado, a empresa lançou, para aproveitar-se do início da
decadência do Diário da Noite, o Popular da Tarde, um jornal de esportes que deveria ser
vespertino, mas que era distribuído no mesmo horário do Diário. A distribuição simultânea
também foi adotada anos mais tarde pelo Grupo Estado valendo o “da tarde” do título do
JT, apenas como nome.
A mudança do horário de circulação, a concentração do controle acionário nas mãos
de Rodrigão e dona Leontina e a ampliação da frota de distribuição permitiram à
administração Ferrentini comemorar um crescimento significativo do jornal. Armando e
Luiz Augusto lembram que esse desenvolvimento facilitou o trabalho de revitalização da
imagem do jornal, iniciado na festa de 80 anos de fundação. Enquanto Nello fixava novos
procedimentos administrativos, valendo-se de seus conhecimentos de economia, Armando
ampliava sua rede de contatos no meio publicitário numa tentativa de angariar anunciantes
de expressão. É importante notar que as mudanças na administração não equivaliam a
profissionalizar o setor. A preocupação de Nello era com a rentabilidade, como esclarece
Luiz Augusto, lembrando que o controle de receitas e despesas era feito em um caderno e
que eram recebidos anúncios escritos em papel de embrulhar pão.
A redação foi ampliada, porém não era tratada com a devida atenção. Nello
preservava as amizades dos tempos de linotipista e dava toda prioridade à gráfica. Romano,
que assumiu a secretaria de redação em 1969, é incisivo sobre os Ferrentinis “Se eles
pudessem fazer um jornal sem redação, eles fariam, jornalista era considerado despesa”
(ROMANO, 2005). Um detalhe confirmador de como a redação estava relegada a um plano
inferior na gestão dos Ferrentinis é que os secretários de redação desta fase que foram
fontes de pesquisa neste trabalho (Romano e Edgard) não eram informados da tiragem do
jornal. O primeiro ressalta “eles falavam muito pouco”, o segundo alega que não tinha
129
grande interesse e faz a relação entre tiragem e número de anúncios, enfatizando como
Nello definia a tiragem independentemente dos assuntos que eram abordados;
Qualquer coisa que eu te fale, eu vou estar mentindo. Eu ficava preocupado,
lógico, que aumentasse, mas não tenho idéia. Uma coisa era definitiva: quanto
mais classificado publicasse, mais vendia. E o Nello, inclusive, falava. Quantos
anúncios entraram? 10 mil? 50 mil? Então põe a tiragem desse número prá mais.
Por que? Porque o cara que publicou o anúncio vai comprar o jornal no dia
seguinte. Fatalmente. Pra que? Pra ver se o anúncio dele saiu. Olha que absurdo.
É lógico que sai, se você pagou pra sair... Mas o cara quer conferir, sei lá. Então,
tinha essa variação na medida do número de anúncios. Mas eu não tenho esses
números. Me interessava saber se estava, mas não quanto.(BARROS, 2006)
Com o crescimento da frota de distribuição, o jornal passou a investir na abertura de
agências coletoras de anúncios classificados, o que lhe garantiu triplicar a tiragem em dois
anos, como lembra Luiz Augusto, ao revelar que o jornal colocava nas bancas, em
média, 30 mil exemplares, em 1967. Ele, pela posição de segundo na hierarquia
administrativa, oficialmente no mesmo nível de Armando Ferrentini, tinha acesso aos
números de tiragem, mas admite que havia a possibilidade de não se contabilizar
corretamente o que se vendia, uma vez que os apontamentos eram feitos manualmente e em
cadernos que ficavam em poder de Nello.
Com relação à tiragem, ele ressalta especificamente o salto verificado na mudança
para a rua Major Quedinho. Esse momento representou uma importante virada na vida do
jornal e aconteceu ainda sob os efeitos do crescimento econômico do país, numa fase que
ficou conhecida como milagre”
46
, fato que, aliado a uma campanha publicitária intensa
colaborou para o incremento, como relata ele; “Foi uma campanha publicitária muito feliz.
Em 30 mil que estava, estoura para 60 mil, 70 mil exemplares e venda em banca, nunca
houve um esforço de venda de assinatura”. (CASTRO, L. 2006). Além dos testemunhos de
Malfatti e Castro, tem-se uma idéia da tiragem do jornal nos tempos dos irmãos Ferrentini
por referências de pesquisadores a levantamento do Instituto Marplan (Batista, 2000) e
Ibope (Taschner, 1992). Após a saída dos dois a distribuição de informações sobre tiragem
46
Sob o comando do ministro Delfim Neto, o chamado “milagre econômico” é considerado o período de
1968 a 1974, quando o Brasil cresceu 10% em média, mas teve uma das maiores concentrações de renda e
ampliou significativamente seu endividamento externo. Alguns especialistas, em análise que corrobora a
versão de Luiz Augusto, ampliam o período para até o início dos anos 80, quando o mesmo Delfim se
transformou em ministro forte do governo do general João Batista Figueiredo e começou a enfrentar a
inflação.
130
foi mais democratizada e, principalmente, a Redação passou a ter acesso aos dados,
processo que se completou com a entrada do jornal no IVC no ano de 1990.
O primeiro grande equívoco administrativo de Nello, na visão dos diretores que o
sucederam, ocorreu em 1967 e acabou criando um problema que comprometeu o
desenvolvimento da empresa. Nesse ano, foi instituído no país, através de lei do regime
militar que havia assumido o poder com o golpe de 1964, o Fundo de Garantia por Tempo
de Serviço (FGTS), acabando com a possibilidade de quem tinha menos de dez anos de
serviço conseguir estabilidade no emprego A grande maioria das empresas passou a chamar
os funcionários que estavam perto de completar esse período e propor acordos, pelo qual
ele era demitido e recontratado
47
.. Nello não adotou essa tática.
Entre os depoimentos colhidos prevalece a explicação de que essa atitude se ligava à
amizade que ele mantinha com o pessoal mais antigo da gráfica a quem preferiu proteger
com a estabilidade. Armando rebate e explica que faltavam recursos para arcar com as
indenizações. Na verdade, tendo sido por motivos pessoais ou por incapacidade de cobrir o
custo ou até mesmo por ser adotada a partir da visão de curto prazo de quem não era dono,
a decisão gerou um contingente muito grande de estáveis, especialmente na área gráfica.
Issoe se transformou em um inibidor do avanço tecnológico, além de gerar expressivo
passivo trabalhista. Luiz Augusto que administrou a empresa no momento em que os
concorrentes estavam mudando os sistemas de impressão e abandonando a linotipia, apesar
de não acreditar que a intenção tenha sido de beneficiar amigos de Nello, pois poderia ser
feita de forma seletiva, não tem dúvida de que o erro estratégico trouxe conseqüências
danosas ao jornal. Ele lembra que em muitas áreas, inclusive a redação, com o passar do
tempo, foi necessário afastar, sem deixar de pagar salários, muitos profissionais
incompatibilizados com chefias ou despreparados para serem reciclados.
A concentração de poderes em mãos dos Ferrentinis e a desconfiança sobre os dados
oficiais, divulgados em balanços obrigatórios, aliadas ao que os entrevistados chamaram de
“sinais de aumento de patrimônio dos irmãos”, alimentaram a circulação de análises
questionando a administração implantada. Enquanto alguns fazem acusações sérias, mas
não permitem a gravação, e outros ficam nas insinuações ou citações de revelações de
47
Os acordos previam o pagamento em dobro de um salário mensal por cada ano trabalhado pelo funcionário,
contados a partir do 10º ano na empresa.
131
outras testemunhas, Quirino conta o episódio que, segundo ele, iniciou uma série de atritos
dele com Nello:
Um dia eu subi em uma balança de vender papel e a balança pesou 17 quilos a
menos do que eu tinha. Eu cheguei para o Rodrigo e disse [...]. Ele disse está tudo
muito controlado. Eu disse, então não está aqui quem falou. Essa balança era
onde pesava o material que era vendido como sucata, entre eles o Popular da
Tarde que não saía. (CASTRO, A. , 2006)
As explicitações das dúvidas sobre a administração da empresa levantadas pelas
pessoas que deram depoimentos sobre a vida do jornal, da mesma forma que as referências
a aspectos polêmicos da personalidade dos proprietários da empresa, não implicam em
nenhum juízo de valor. O procedimento é necessário por estarem em debate relações de
causa e efeito, em que o segundo foi o desaparecimento das bancas de um título tradicional
da história do jornalismo paulistano. Especificamente quanto às análises do período de
comando dos irmãos Ferrentini, elas foram desconsideradas por Armando, que as
classificou como besteiras (informação verbal)
48
. Sem nenhuma pretensão, até por faltarem
ferramentas para isso, de realizar investigações contábeis, o trabalho está alicerçado na
premissa de que houve erros e omissões dos envolvidos na administração do Diário
Popular e que apontar as evidências de quando e onde isso ocorreu contribui para o
entendimento dos motivos que levaram às suas várias mortes. Assim, além de ressaltar o
cenário onde o jornal atuou, com as variáveis econômicas e políticas de cada época, e de
mostrar as estratégias utilizadas por seus principais concorrentes, é fundamental colocar em
questão a capacidade e o resultado das ações dos responsáveis pelas várias gestões, pelos
seus sucessos e pelos seus fracassos.
Uma das principais ferramentas do trabalho acadêmico é a consulta a documentos e
quando se enumera entre as razões que levaram uma empresa a ter problemas financeiros a
gerência de sua administração ou mesmo a possibilidade de desvio de recursos, esses
são elementos comprobatórios definitivos. Porém, é um consenso que a dificuldade de se
encontrar papéis onde se recolham registros de irregularidades é enorme. A instituição do
chamado “caixa 2” nas empresas e a “maquiagem” de balanços são denunciadas com
freqüência mesmo em grupos de grande porte, ainda nos dias atuais, quando sistemas
48
Informação verbal concedida por Armando Ferrentini em 12 de setembro de 2005 em entrevista ao autor.
132
informatizados permitem muito maior transparência. Com certeza, em uma empresa de
média ou pequena, com o poder decisório concentrado e que os controles eram manuscritos
em um caderno, a apuração cabal, depois de décadas, é praticamente impossível.
Outro recurso de muita valia são depoimentos de pessoas que acompanharam o
processo. Esses, preferencialmente, devem ser gravados, mas isto não implica em
desqualificar as fontes que solicitam anonimato. Nos dois casos exige-se o cruzamento das
declarações para se fundamentar raciocínios que apontem incompatibilidade do perfil dos
proprietários com a condução de um jornal e a gerência de terceiros como fatores
contribuintes para o fracasso e morte investigados. A coerência entre tais declarações, na
determinação de datas, personagens e conseqüências pode evidenciar que aconteceu algo
fora da normalidade. Nas obras que podem ser chamadas de “livro-reportagem” ou nas que
romanceiam fatos reais, a exposição de intrigas familiares e conflitos pelo poder e até de
maneiras condenáveis de se construir patrimônios é admitida com mais facilidade, pois não
se está obrigado a emitir conclusões.
Na primeira classificação, está Morais (1994), onde a vida de Assis Chateubriand, o
fundador do maior império de comunicação que existiu no Brasil, é contada, sem deixar
de lado os detalhes de suas disputas com os filhos e familiares, seus achaques a
empresários e a utilização do poder de seus veículos para chantagear políticos. Essa opção é
facilitada ainda pela possibilidade de se comprovar com as páginas do jornal, o uso
editorial para fins criticáveis.
Na segunda categoria, a dos relatos romanceados, o exemplo mais destacado é
Talese (2000), sobre a história do New York Times. Esse tipo de obra, apesar de montada
basicamente a partir dos relatos das pessoas que conviveram com os detentores do poder e
das impressões do autor, deixa no campo de análise do leitor as inferências sobre o grau de
influência dos conflitos pessoais, das falhas e fraquezas humanas e dos erros de estratégia
no destino da organização. Essa permissão para a subjetividade exime a obra do risco de
cometer injustiças.
Mais fácil ainda para se elencar, entre causas de sucesso ou fracasso de um projeto,
manobras contestáveis e ajudas facilitadoras que impliquem em concorrência desigual é
quando o próprio beneficiário as admite. Nesse tipo inclui-se a história de um outro
133
fenômeno da comunicação impressa brasileira que é uma autobiografia do responsável pelo
projeto Samuel Wainer - editada pelo jornalista Augusto Nunes. Em Wainer (2005), os
detalhes da operação são expostos pelo próprio envolvido, inclusive na questão de como
conseguiu dinheiro para lançar o jornal. Vale lembrar que ele sempre negara ter lançado o
veículo com o objetivo de garantir a Getúlio Vargas, o ex-ditador que voltava ao poder pelo
voto, um espaço na dia e que a origem dos recursos foi investigada por inimigos de
Vargas exaustivamente, mas nada pode ser comprovado a ponto de a nacionalidade de
Wainer ser o ponto mais atacado pelos que desejavam tirar a Última Hora de combate.
49
No caso de trabalhos científicos, o primeiro desafio do pesquisador é estabelecer o
que é relevante para a confirmação de suas premissas, de maneira que o compartilhamento
de sua experiência, quando ele tem participação direta no processo, signifique contribuição
para a ciência. Carlos Eduardo Lins da Silva, no prefácio da obra, onde reviu seu trabalho
sobre o Projeto Folha, lembra que se abalou com uma crítica ao trabalho onde o defeito
apresentado era ele optado por abster-se de contar de “forma engajada, emotiva e detalhada
os conflitos humanos, a luta pelo poder, as incoerências, dúvidas e incertezas que
certamente haviam feito parte dos acontecimentos da Redação naquele período entre 1984 e
1987 (SILVA, 2005 p. 20). Sua defesa foi de que o que importava era a descrição do
processo.
O jornal Notícias Populares, um dos maiores sucessos de venda em banca na
Grande São Paulo, foi objeto de estudo de um dos mais envolvidos participantes de sua
elaboração em sua fase áurea: José Luiz Proença, experiente jornalista que contribuiu com a
ciência da comunicação ao mostrar o papel do leitor na definição da linha de uma
publicação. Seu trabalho (PROENÇA 1992) dissecou a origem política do jornal e mostrou
as razões empresariais que o colocaram como um importante gerador de receitas,
permitindo-se a concessão de ressaltar o papel da contribuição do jornal para garantir que o
Grupo Folha atuasse de forma independente de pressões políticas e econômicas. Esse fato
só poderia ser analisado por quem convivia ao lado da direção.
No caso do Diário Popular, por suas mortes se originarem em causas que se
acumulam nas diversas vidas e por ser impossível separar o desempenho do veículo das
estratégias empresariais que se sucederam, a opção mais viável é expor todas as evidências.
49
Cf. Laurenza (1998).
134
Essas, na fase iniciada na metade dos anos 50, brotam dos depoimentos de profissionais que
vivenciaram seus problemas e, unidas às revelações encontradas nas próprias ginas do
jornal, permitem que os elos se encaixam unindo os fatos relatados ao que o próprio autor
observou, no período de 1979 a 1995, e a documentos disponibilizados pelos entrevistados
(os balanços oficiais publicados não são considerados).
São fontes que permitem questionar os resultados obtidos, mas que se revelam
insuficientes para se afirmar se (e quais) irregularidades foram cometidas na administração
da empresa. O fato apontado por muitas pessoas indicando que se verificou um o
incremento no patrimônio pessoal de responsáveis pela direção pode ser agregado como um
alimentador de pistas sobre eventuais problemas, porém, não possui caráter conclusivo.
A solução para se manter a reflexão dentro de um parâmetro científico, sem correr o
risco de avalizar suspeitas e acusações contra este ou aquele administrador, é encontrada na
utilização das ferramentas do jornalismo comparado. Nesse sentido, ao se comparar o
desempenho das várias publicações que atuaram no mesmo cenário que o Diário Popular,
especialmente nos tempos do “milagre econômico”, torna-se viável afirmar que, pelo
volume de anúncios publicados e por ainda não estar sofrendo os efeitos do atraso
tecnológico, o jornal, nos anos 70, desfrutava de condições para investir na modernização.
Essa constatação é reforçada quando se recorda que o jornal tinha um volume de
vendas atrelado ao volume de classificados que publicava e que seu preço de capa era igual
ao dos concorrentes, como lembra Malfatti; “o Nello tinha uma teoria de que o Diário tem
que custar a mesma coisa que o Estado e a Folha, ele dizia eles não são melhores do que
nós’. O Nello achava que iríamos depreciar o produto se vendêssemos mais barato, então
tinha que ser o mesmo preço” (MALFATTI, 2005). Vendendo ao mesmo preço, gastando
menos papel, pois seu espaço redacional era menor, apesar de ter um encalhe médio oficial
alto (entre 15% e 17%, também segundo Malfatti), e com um custo de mão-de-obra mais
baixo, o jornal deveria ter um acúmulo de reservas significativo.
No entanto, os relatos indicam o contrário, convergindo para a necessidade do que
Edgard de Oliveira Barros, em seu depoimento, definiu como “segurar o Rodriguinho”, que
estaria empolgado com a mudança de prédio em 1976 e tinha iniciado um movimento de
valorização da redação que envolveu a troca de Mário Romano, na secretaria, por Nino
Cecílio. A compra do prédio e dos equipamentos do Estado de S. Paulo na rua Major
135
Quedinho também foi realizada com recursos dos proprietários da empresa, que se
desfizeram de aplicações no mercado de ações, e de um empréstimo bancário junto ao
Banco Finasa. Essa operação está preservada na memória de Luiz Augusto de Castro que
registra no seu currículo no Diário Popular a condução da compra e da venda do prédio.
Luiz Augusto lembra que em 1974, surgiram as notícias de que a área onde o jornal
se localizava na rua do Carmo seria desapropriada para a construção da Estação do
Metrô. A informação o levou a uma reunião com o prefeito da cidade, à época, Miguel
Colassuono que a desmentiu, mas 48 horas depois assinou o decreto tornando a região de
interesse público. Além da decisão de proibir a veiculação do nome de Colassuono, que
deveria ser chamado de “o alcaide” em matérias que fosse personagem obrigatório, a
diretoria comandada por Nello passou a tentar contatos políticos que revertessem a
situação. Em 1975, com Olavo Setúbal na Prefeitura, a mudança se tornou fato
consumado e restou negociar o valor a ser recebido e procurar um novo local para o
jornal. Não se tratava de uma tarefa fácil.
Na época, O Estado de S. Paulo construía nova sede na Marginal Tietê e Luiz
Augusto recorda que a primeira indicação de que seria viável negociar com o jornal dos
Mesquita surgiu em uma conversa com José Maria Homem de Montes, diretor do Estado.
Eles construíam um prédio grandioso, com expectativa de 700 mil a 1 milhão de
exemplares, 500 páginas. Era a época do milagre brasileiro, o país crescia 8 a
10% ao ano e era um crescimento uniforme, então a imprensa também acreditava
que aquilo nunca mais iria parar, se projetou para 10, 15 anos tiragens absurdas o
que não aconteceu. Mas voltando ao caso específico, nós procuramos nova casa e
um dia o José Maria Homem de Montes, numa conversa comigo no Hotel Plaza
de Montevidéu [...] falou das dificuldades que o Estado tinha, da necessidade que
ele tinha de vender aquela outra casa pra quitar umas hipotecas junto ao Banco de
Boston. Ele não falou isso claramente mas deixou nas entrelinhas. O Montes
sempre foi muito sutil. Eu voltei para o jornal, falei com o Nello, o Nello
procurou o Montes (CASTRO, L., 2006).
A operação foi interessante para as duas partes, pois o Estado precisava receber a
metade do valor da negociação para investir no término de sua nova sede, mas poderia
entregar as instalações quando isto acontecesse no ano seguinte. Além disso, o prédio
estava hipotecado e o Diário corria o risco de perder o que adiantaria se o débito dos
Mesquita com o Banco de Boston não fosse quitado. Luiz Augusto explica:
136
Em uma das reuniões foi colocado pelo dr. Juca Mesquita, que foi nosso
interlocutor na negociação ao lado de Paulo de Tarso Nogueira, que tinha um
problema, que essa hipoteca existia, que essa hipoteca eles não podiam liquidar,
enfim, que eles precisavam do dinheiro de entrada, então o que a gente
simplesmente fez foi negociar um prazo de 24 meses pra pagar a metade do
prédio.houve uma história de que se eles não pagam a hipoteca, nós perdemos
o prédio e eu lembro bem que em uma reunião, dr. Rodrigo disse eu conheço
essa gente, tenho a maior confiança neles’, o Nello apoiava a operação e o dr.
Rodrigo bancou na verdade. (CASTRO, L. 2006)
50
4.3.1 O uso dos recursos da linguagem publicitária para atrair leitores
A mudança de prédio representou um melhora muito grande na visibilidade do
jornal. Nessa etapa entra em cena Edgard de Oliveira Barros, jornalista que dominava as
técnicas da publicidade, atividade que desenvolvia na MPM depois de deixar o Diário da
Noite. Na agência, ele havia conhecido Armando Ferrentini, com quem estabeleceu uma
relação de amizade e troca de experiências profissionais. A abertura de sua própria empresa
coincidiu com a vontade dos irmãos Ferrentini de tentar entrar no segmento dos anúncios
de varejo e institucionais. Edgard desenvolveu diversas campanhas com esse objetivo, até
criar a peça que repercutiu fortemente no mercado que era o anúncio da mudança. A frase
Diário Popular, o novo jornal da Major Quedinho, com a mesma dignidade de seu
antecessor” se transformou em um dos grandes momentos da propaganda de veículos de
comunicação. Eficiente para valorizar o Diário, a mensagem foi recebida com desconforto
por pessoas ligadas ao Estado e repelida por muitos profissionais que consideravam muita
pretensão a ligação entre as duas publicações.
Esse momento do jornal foi um dos raríssimos que despertaram o interesse de
Rodriguinho pela empresa. A ponto de os irmãos Ferrentini desencadearem a operação de
contenção de sua participação, que Edgard detalha.
O Rodriguinho se empolgou e resolveu assumir o cargo e começou a encher de
gente a redação, além da conta, porque o jornal era pequeno. Quando mudou da
rua do Carmo para aquele monstro que era o Estadão, ele deslumbrou. E aquilo
estava virando em vermelho. Foi quando o Armando e o irmão dele me falou:
fica uns três meses. E eu tinha a agência, mas era botar fogo na gasolina. Eu
adorava jornalismo, mas ganhava bem com propaganda (BARROS, 2006)
50
O diretor referido como Juca Mesquita é José Mesquita Vieira de Carvalho (já falecido), primo de Ruy
Mesquita. O dr Rodrigo citado trata-se de Rodrigão.
137
Essa visão de perigo financeiro não se coaduna com as análises de Luiz Augusto
que lembra do crescimento da tiragem, da abertura de novas agências coletoras de anúncios
por toda a cidade, da facilidade como foram pagas as parcelas da metade da compra do
prédio e liquidado o financiamento contratado para suprir a outra metade do preço. A visão
de Romano (2005) que aponta a nomeação de Edgard como uma ação com o objetivo de ter
no comando da redação uma pessoa de confiança e de afastar um profissional que estava se
reportando a Rodriguinho tem mais evidência lógica.
Edgard ficou aproximadamente nove anos como secretário de redação do Diário
Popular. Introduziu, especialmente nas manchetes e títulos principais, uma linguagem
híbrida entre o publicitário e o jornalístico, muito próxima das inovações que o Jornal da
Tarde adotava. Para se afastar uma possível ilação de que havia inspiração ou imitação do
jornal caçula dos Mesquita, vale lembrar que seu estilo era instrumento de atração no
Diário da Noite, onde foi criador da manchete que, na sua própria opinião, avaliada por
muitos jornalistas da época, foi marco do jornalismo esportivo. Na Copa do Mundo de
1966, disputada na Inglaterra, na véspera de um jogo decisivo do Brasil, Pelé se encontrava
machucado e o país vivia dias de apreensão com o futuro do futebol então bi-campeão, o
que levou Edgard a colocar como manchete do Diário da Noite: “Pelé, jogai por nós”. O
pedido, manifestado em trocadilho com uma expressão utilizada nas missas católicas,
subvertia a prática jornalística de valorizar a informação direta nos títulos, mas trazia
subjacente o fato de o jogador ser a grande esperança dos torcedores..
Esse estilo de manchete, em muitos casos utilizando interrogações, foi constante no
Diário Popular no período comandado por Edgard, que também empregava a “linha fina”
como recurso em muitos títulos. Em 10 de dezembro de 1980, o recurso foi usado na
notícia da morte do mais famoso ex-beatle: “Afinal, por que morreu John Lennon? (talvez
porque um louco quisesse um autógrafo). Em 14 de janeiro 1981, a manchete foi:
“Perdoa, João de Deus” (ele segurava uma criança quando foi alvejado a tiros), ao informar
que o Papa João Paulo II fora atingido a tiros pelo turco Mehmet Ali Agca. Em 20 de abril
de 1984, diante da grande frustração popular pela rejeição da emenda que reestabeleceria a
eleição direta para presidente da República, o tulo era “Rejeitaram. E agora?”. O outro
destaque da página era “Corinthians e Portuguesa se classificaram. Pelas vias diretas”.
138
Entre junho e julho de 1979, o mundo acompanhava com atenção a desintegração da
nave espacial norte-americana Skylab, colocada em órbita em 1973. Os técnicos foram
surpreendidos com um problema no artefato e tentaram destruí-lo fora da atmosfera
terrestre, mas fracassaram e ficou a dúvida sobre onde
cairiam alguns fragmentos que ultrapassaram a
atmosfera. Depois de vários dias utilizando o tema como
chamariz principal em sua primeira gina, o jornal, ao
noticiar que o último pedaço tinha caído, publicou em 12
de julho de 1979 a manchete, até então, com menor
número de caracteres do jornalismo brasileiro; “Caiu”.
Na véspera (o dia previsto para a queda), uma manchete
sensacionalista: “Hoje pode ser uma quarta-feira de
cinzas”.
Na época do fato a redação já se ressentia do corte
radical na equipe, como represália pela greve decretada
em 23 de maio de 1979. Edgard, que foi um jovem e atuante piqueteiro na paralisação de
1961, viu-se na obrigação de demitir grande parte do pessoal. Ele lembra do episódio da
orientação de Nello e Armando para cortar quem parou, mas afirma não recordar de ter
decidido fazer um corte seletivo, onde “entregaria” os profissionais mais destacados,
porque eles teriam mais facilidade de se recolocar. “Posso ter feito essas bobagens, a gente
fica envolvido emocionalmente”. O autor deste trabalho, que participou da paralisação,
testemunhou o processo e foi um dos beneficiados, pois tinha sido registrado em 1º de
março como jornalista provisionado. A possibilidade deste tipo de contratação foi extinta
13 dias depois, o que lhe impediria de ser registrado em outro veículo caso fosse demitido.
Nello se aproveitou da greve para mais uma vez mostrar seu desinteresse pela
redação, pois, se fosse apenas para punir grevistas, as vagas poderiam ser preenchidas por
substitutos, o que não aconteceu. Houve algumas promoções de revisores e raras
contratações com salários reduzidos. As lembranças de Luiz Augusto descartam a hipótese
de a desvalorização da redação ter se dado por necessidade financeira, pois 1979, na
concepção dele, foi considerado o auge da empresa. Boletins do Ibope, analisados em
Taschner (1992, p. 150), sobre as vendas em banca da capital de cada grupo de jornais
139
mostravam sinais evidentes de que o jornal estava em ascensão indicando que a redução
não se justificava, a não ser se houvesse algum plano de acumulação para investimentos.
Os boletins apontavam que em 1978, o Diário Popular mais o Popular da Tarde
tinham 17,6% das vendas em bancas da capital e que desde 1971, quando a porcentagem
era de 10,5%, a participação vinha subindo. Perdiam significativamente a Gazeta (somada a
Gazeta Esportiva) que caiu de 10,2% para 7,1%, enquanto os Diários Associados (Diário
de S.Paulo e Diário da Noite) despencavam de 14,7% para 7,5%. O Grupo Folha (Folha de
S. Paulo, Folha da Tarde, Notícias Populares e Última Hora) teve uma pequena elevação
(40,4% para 42,8%), mesmo desempenho do Grupo Estado (Estadão e Jornal da Tarde)
que subiu de 22,9% para 24,9%. A análise da variação de 1976, quando o jornal mudou-se
para a rua Major Quedinho mostra que, enquanto os dois títulos subiram de 13,9% a 17,6%,
os do Grupo Folha caíram de 44,9% para 42,8% e os do Grupo Estado de 25,3% para
24,9%. Segundo Malfatti, a tiragem, no ano de 1978, chegava a atingir 104 mil exemplares.
Batista (2000, p. 64) confirma a curva ascendente mostrando que em 1978, o jornal era lido
por 3% dos moradores da capital. Em 1980, o jornal estava em seu ponto mais elevado, em
números absolutos, com 240.330 leitores, de terça a sábado, 214.000, aos domingos, e
301.800, na segunda-feira.
Em 1979, pouco antes da greve, a redação passou a ter como diretor, o general da
reserva Moziul Moreira Lima, amigo dos Ferrentinis e que esteve na Coluna Prestes,
combateu, em 1932, contra os paulistas, e tinha orgulho de citar sua participação na
Segunda Guerra, onde esteve ao lado de Rubem Braga, um dos maiores cronistas do
jornalismo brasileiro. A nomeação, para o mercado, significava intervenção e a presença
de um militar orientando jornalistas contribuiu para piorar a imagem da publicação na
categoria. Edgard discorda da interpretação e diz que tinha feito o pedido para deixar de
cuidar dos problemas administrativos; “entrou um general pra trabalhar naquele negócio,
porque eu era bagunceiro, meu negócio era criação” (BARROS, 2005. O Diário foi o
terceiro lugar onde Edgard e Moziul trabalharam juntos. Quando entrou nos Diários
Associados, Edgard era obrigado a prestar contas de seus constantes atrasos ao general, que
exercia cargo de diretor no grupo. Sobre esse período, o jornalista recorda que ele e
140
Margarida Izar eram os únicos repórteres aceitos pelo poderoso Assis Chateubriand em sua
famosa “casa amarela”
51
.
Alguns anos depois, o general foi para a MPM indicado por Armando Ferrentini e
convidou Edgard para entrar na área de publicidade. O passo seguinte da carreira de Moziul
foi ser editorialista do Diário Popular, num gesto de simpatia de Nello para com o regime
militar, pouco depois de Edgard assumir a redação. Como diretor de redação, ele ficou até
1988, quando o jornal foi comprado pelo ex-governador Orestes Quércia, tendo então
voltado à posição de editorialista, mas submetido a uma ação de desgaste que o faria se
demitir um ano depois.
Nos anos de 1977 e 1978, o Diário se empenhou em sua campanha de maior
repercussão, a ponto de Edgard não considerar exagerado lhe dar o título de “o jornal que
salvou um rio”. Na época, a empresa Braskraft anunciou seu projeto de construir uma
fábrica de celulose nas margens do rio Paranapanema. Edgard, nascido na pequena Itaí,
banhada pelo rio, e que tinha um sítio em Piraju, uma das cidades que mais se mobilizaram
para evitar a poluição, abriu as páginas do jornal para combater a instalação. Durante vários
meses foram produzidas matérias, a grande maioria pela repórter Ane do Valle, mostrando
os prejuízos que traria a Braskraft.
A forte reação da opinião pública, registrada pelo jornal, fez com que os donos da
empresa mudassem seus planos e transferissem o projeto para o Paraná. Edgard reconhece
que a campanha se alastrou por outros veículos, mas ressalta o fato de o Diário ter saído na
frente e o apoio recebido dos Ferrentinis:
A Ane foi brilhante, foi uma luta terrível, eu passei (todo mundo passou) por
comunista, outra hora falavam que a gente estava ganhando dinheiro dos
fazendeiros. Fazendeiro de onde?, do Paranapanema?, os caras não têm onde
cair morto até hoje. Toda a mídia descompromissada, jornal e rádio, batalhava
bastante. Uma coisa heróica. [...] Eu falava: uma hora vão me mandar parar, aí os
caras (referindo-se a Nello e Armando) foram comprando a idéia porque estava
dando repercussão até que um dia a Braskraft foi lá e comprou 4 ou 5 páginas, eu
me lembro que eu cheguei triste porque fiquei sabendo da estória e fui na sala
do Nello perguntar: os homens vieram aí, né? Vieram. E? Não sei quantas
páginas vão pagar. Cada uma que eles pagaram, vocês m mais duas, foi o que
os dois falaram pra mim. nós caímos matando porque os filhos da puta foram
51
A casa amarela, residência de Assis, ficava na Rua Polônia e era onde ele, enquanto se recuperava do
problemas de saúde gerados por um AVC, ditava matérias e orientava a linha de seu jornal. A respeito, cf.
Morais (1994).
141
lá, vieram aqui pra comprar a gente, pensam que vão comprar com essa merda?
Coisa de carcamano, de italiano. Aí foi maravilhoso, detonou. (BARROS, 2006).
Durante setembro de 1977, a empresa publicou uma série de anúncios de 5 colunas
por 45 cm de altura, dando sua versão do projeto. Em uma das peças, o presidente da
Braskraft, Mario Barboza Ferraz, prometia tomar água que sairia das máquinas depois de
purificada. No dia 29 daquele mês, o jornal publicou duas páginas de um debate entre os
diretores da empresa e editores, onde um dos títulos dizia: “Mesmo sendo tratada, a água
não sairá tão pura” (de um diretor da Braskraft) (AFINAL...,1977)
O sucesso alcançado nos primeiros anos de gestão dos Irmãos Ferrentini implicou
em um afastamento mais visível de Rodrigão da condução da empresa, sem que
Rodriguinho se empenhasse. Romano, que se lembra do último Lisboa a ser dono do jornal,
desde que esse era criança, fala dos atritos familiares provocados pela resistência de
Rodriguinho em assumir o jornal:
Ele ia lá, contava umas piadas, falava dos Estados Unidos. Naquele tempo eles
faziam racha na rua Augusta, era perto da casa dele. O Rodrigão achava ruim.
Não do racha, mas porque um dia ele teria que assumir a direção do jornal, e ele
fazia os rachas, levantava tarde e não ia e o Rodrigão mandava telefonar,
mandava o Manoel que era fotógrafo para chamar o Rodriguinho e a Dona
142
Leontina ficava puta com o Rodrigão. Ele estava certo. Se era ele que seria o
herdeiro do troço e não queria assumir. (ROMANO, 2005).
A situação também é analisada por Edgard, que, sobre Rodrigão afirma: “ele
aparecia lá, mas também estava velhinho”. a respeito de Rodriguinho, ressalta: “tinha
quatro ou cinco pessoas com quem ele brincava, jogava dominó, que era a paixão dele, e
pronto. O expediente dele era jogar dominó. E irritava muita gente. O Armando queria
matar” (BARROS, 2006). Edgard garante que nunca interrompeu o fechamento do jornal
para jogar dominó, mas quando Rodriguinho mudou de hobby, trazendo dos Estados
Unidos, onde passava a maior parte do tempo em sua casa em Miami, um órgão japonês
teve de ver algumas demonstrações do proprietário do jornal com o instrumento. A história
do órgão se transformou em motivo de piadas na redação, com apostas para ver quem seria
o escolhido do dia para subir ao sexto andar. Com o passar do tempo, o editor de Nacional,
Marcelo Martini, estável na empresa e que exercia a advocacia antes de chegar à redação
por volta das 17 horas, se tornou o ouvinte habitual, o que atrasava rotineiramente o
fechamento da página sob sua responsabilidade.
Diante dessa posição de quase inércia do proprietário e do desinteresse de seu
herdeiro, o controle de Nello sobre o jornal aumentava na proporção em que se consolidava
a confiança depositada em sua administração por Rodrigão. Paralelamente, se
intensificavam os comentários na empresa sobre o crescimento da fortuna dos irmãos
Ferrentini. Neste momento (início da década de 80), as vendas começam a cair, apesar da
redação, mesmo reduzida após a greve, manter um nível de qualidade na informação
condizente com o mercado. A linha editorial aprofundava a exploração dos temas locais, o
futebol ganhava espaço e Edgard procurava garantir maior proximidade com o leitor,
através da seção Que fique bem claro”, publicada na página 2, composta por pequenas
notas assinadas pelos jornalistas do veículo, criticando atos do Governo, dando sugestões
de programas, etc. O publicitário Carlito Maia era um dos mais assíduos e cáusticos
redatores, assinando seus comentários com o pseudônimo Plínio Quartim Penteado, cujas
iniciais lembravam um palavrão. Nas edições dominicais, se destacavam duas páginas de
entrevista intitulada Olho no olho”, onde personalidades políticas, ídolos da música, TV e
teatro e especialistas em assuntos variados eram ouvidos.
143
O Asterisco, que havia surgido como coluna assinada por Armando Ferrentini e se
transformado em caderno com o noticiário do mundo da propaganda, se consolidava como
leitura habitual entre profissionais do setor. Esse produto fora lançado com a expectativa
de fazer o papel de alavancador da venda de anúncios. Edgard e Armando, seus
idealizadores, partiam da premissa de que se o jornal era bom para o publicitário sair como
personagem de notícias, deveria ser bom para ele indicar como mídia a seus clientes. Mas a
prática não validou a teoria e, neste ponto, se evidencia a cristalização do preconceito
contra a expressão “popular”. Apesar de os criadores do Asterisco relutarem em admitir
isso, Luiz Augusto conta que era grande o número de publicitários que sugeriam a mudança
de nome do jornal.
No plano político, o comportamento do jornal sob o comando dos Ferrentinis foi
marcado por complacência e simpatia com o regime militar. A primeira fase da ditadura
transcorreu sob obediência total das regras da censura. Romano, que assumira a secretaria,
em 1969, sucedendo a Leonardo Paulino que se aposentava praticamente no mesmo
momento da subida ao poder do general Emilio Médici, considerado o mais duro dos
presidentes do período, lembra que os irmãos não se importavam com a situação: “o
negócio deles não era brigar, era ganhar dinheiro, então um tal de Richard telefonava pra
mim, era um agente da censura do governo, depois eu soube que ele era um polonês
perseguido. O nome Richard era de guerra e ele telefonava, dizendo: ‘isso não pode sair’ e
eu não podia fazer nada”. (ROMANO, 2005). Ele destaca um episódio pitoresco em que o
jornal acabou sendo o único a dar uma informação proibida: “Quando o Darci Ribeiro, que
foi vice-governador do Rio, foi exilado, ficou com câncer e permitiram que ele voltasse. O
Richard me telefonou e disse: ‘ele está voltando, pode dar notícia, o cara está nas últimas’.
Só que ele não morreu, foi vice de Brizola e senador”. (ROMANO, 2005).
A ligação do jornal com os detentores do poder se dava não pela presença na
direção da redação de um general da reserva que tinha entre seus amigos militares na ativa
o general Ednardo D’Avila Melo, exonerado do comando do II Exército depois das mortes
do jornalista Wladimir Herzog e do metalúrgico Manoel Fiel em dependências militares,
mas também através do sub-secretário José Ramos. Esse era o único repórter da imprensa
paulista setorista no DOPS (Departamento de Ordem Política e Social), o órgão de
repressão responsável por prisões e torturas de militantes da esquerda. Ramos era amigo do
144
delegado chefe do órgão Romeu Tuma, hoje senador pelo PTB, e de Harry Shibata, o
médico legista que, entre outros laudos, atestou que Herzog tinha cometido suicídio nas
dependências do DOI-CODI. Essa amizade permitia a Ramos tanto tirar da prisão membros
da redação do jornal como ter acesso e divulgar informações sobre ações da polícia política,
evidentemente apenas as que interessavam aos líderes da ditadura.
Ramos também tinha ligação de amizade com Antonio Aggio Jr, o diretor de
redação da Folha da Tarde, considerado, na época, o porta-voz oficioso da direita. Diversas
informações sobre eliminação de adversários do regime eram compartilhadas pelos dois
veículos a partir da atuação de Ramos. Luiz Augusto também lembra das dificuldades do
período “Aí veio o AI-5
52
, a coisa ficou muito difícil. Nossa redação sofreu também, tinha
uns quatro ou cinco visados. Tinha um diagramador, o Pantera, que, acontecia qualquer
coisa na rua, iam prender o Pantera, tinha que esconder o cara na caixa d’água, tinha que ir
na rua tirar gente do DOPS e veio um general pra auxiliar na redação que escrevia uns
editoriais” (CASTRO, L., 2006)
Como atenuante da ação de Ramos, Romano, que era um de seus amigos mais
íntimos na redação, ressalta que ele sempre estava disposto a interceder pelos jornalistas
“da casa”, livrando alguns de investigações e evitando suas prisões, tendo inclusive
impedido que uma jovem repórter que participava de uma passeata fosse levada por
militares. Gestos como esse, a convivência cordial com membros do Partido Comunista
Brasileiro que trabalhavam no jornal e a simpatia pessoal não impediram que Ramos, a
partir da abertura do regime, fosse encarado, pelos companheiros mais politizados da
redação, como homem capaz de assistir torturas impassivelmente e produzir textos
simpáticos aos seus amigos agentes da repressão.
Ainda com relação ao comportamento político do jornal, no período Ferrentini,
Edgard, que frisa considerar Armando como um “amigo-irmão” e justifica muitas das ações
de Nello, procura passar a imagem de que eles não interferiam na redação. Porém, havia a
determinação de um tratamento favorável a Paulo Maluf, que chegou ao Governo do estado
numa manobra ousada que pegou desprevenido o regime militar. Maluf, hoje deputado
federal pelo PP, tinha a oposição ferrenha dos jornais O Estado de S. Paulo e Jornal da
52
O AI5 foi como ficou conhecido o Ato Institucional editado em 13 de dezembro de 1968, no governo
ditatorial do general Costa e Silva e que suprimiu todas as garantias constitucionais no país e deu todo poder à
ditadura. Ele vigorou até 31 de dezembro de 1978.
145
Tarde e a indiferença do Grupo Folha. O jornal de Frias ainda estava vivendo o período no
qual tinha optado por abrir mão de posicionamento político.
O alinhamento com o político que desafiou os militares ao impor-se candidato a
governador demonstra a tendência dos Ferrentinis de se colocar sempre ao lado de quem
estava no poder. Afinal, o derrotado fora Laudo Natel que tentava voltar ao poder e em cuja
gestão (1971 a 1974), contou com apoio do jornal, tendo estabelecido uma relação de
extrema cordialidade com Nello e Armando. Natel também enfrentou forte oposição do
jornal O Estado de S. Paulo, com o qual rompeu, porém era personagem constante em
matérias positivas no Diário. Em 8 de novembro de 1974, foi a mais alta personalidade a
visitar o jornal que completava 90 anos e sua foto ao lado de Nello foi publicada na página
3. Em 20 de setembro de 1977, pensando em voltar a dirigir o estado, Laudo esteve no
jornal e, mais uma vez, saiu em foto ao lado de Nello, desta vez na página 21.
Edgard admite que Nello também tinha uma afinidade com as idéias do então todo
poderoso ministro Delfim Neto, mas insiste em afirmar que não havia orientação para ser
simpático ao governador biônico. Pelo menos dois episódios (um no início e outro no fim
da gestão Maluf provam que ela existia. O primeiro aconteceu pouco depois da posse,
quando um dos secretários de Maluf dormiu numa reunião e o repórter Amundsen Limeira,
setorista no Palácio dos Bandeirantes que registrou o fato, foi demitido por determinação de
Nello. O segundo se deu na cobertura do primeiro debate entre candidatos na TV, no início
da abertura política. O jornal publicou a íntegra do debate, promovido no Programa
Ferreira Neto, transmitido pelo atual SBT. Franco Montoro, o grande favorito na disputa
pelo Governo, se defrontou com Reynaldo de Barros, prefeito que se licenciara para o
pleito e candidato apoiado por Maluf. Por determinação dos irmãos Ferrentini, o Diário
Popular deveria dar que Reynaldo havia se saído melhor, o que contrariava a opinião
pública. Edgard procurou a saída em um tulo vago “Debate: só se fala disso na cidade. E
dizem que Reynaldo foi mais objetivo”.
Outro personagem considerado intocável no período de comando dos Ferrentinis foi
o administrador regional (o cargo hoje é subprefeito) da por vários anos, Victor David.
Esse político exerceu a função durante o regime militar e continuou na administração
Maluf. Era também presidente da Ordem dos Economistas de São Paulo. Romano lembra
que os Ferrentinis “quando queriam dar, eles davam mesmo que fosse um absurdo e quando
146
eles queriam proibir, proibiam. Naquela época o administrador da era o Victor David
que era amigo dele. Eu dei uma notícia uma vez, ele achou ruim, o Nello ficou bravo
comigo.(ROMANO, 2005).
Victor David fez parte da folha de pagamentos do Diário Popular sem que se
encontre qualquer indício de ter desenvolvido alguma atividade na empresa, até por
evidente incompatibilidade de tempo
53
. Outra comprovação de como Nello comandava o
jornal de acordo com os seus interesses pessoais e amizades era o espaço garantido a
atividades desenvolvidas pela ESAN (Escola Superior de Administração de Negócios) onde
ele foi professor. Essa ligação permitiu que o jornal se transformasse em um dos pioneiros
na divulgação de listas de classificados nos exames vestibulares, afirma Malfatti (2005).
A ingerência de Rodrigão na redação, nos anos 60, foi mínima, Ele não se
preocupava com assuntos nacionais, mas acompanhava o noticiário sobre a guerra do
Vietnã e reclamava quando havia alguma informação que considerava desfavorável aos
norte-americanos. Rodriguinho também se mostrava indiferente à condução da linha
editorial do jornal, mas ao lado do pai, apoiou a posição dos Ferrentinis de vetar citações do
nome do prefeito do prefeito Miguel Colassuono devido à desapropriação do prédio da rua
do Carmo.
O ressurgimento do movimento sindical, tendo à frente o metalúrgico Luiz Inácio da
Silva (Lula ainda era um apelido, não incorporado ao nome), teve cobertura sem
interferência de Nello, garantindo destaque ao jornal no meio trabalhista. Lula foi um dos
entrevistados da série “Olho no Olho”. Havia uma restrição velada à divulgação dos atos do
arcebispo metropolitano Paulo Evaristo Arns chamado de “comuna” pelo direitista convicto
José Ramos e por cuja visão política Edgard não demonstrava simpatia. A derrota do
candidato de Maluf, na eleição de 1982, deixou o jornal sem um posicionamento político
claro. O setorista no Palácio dos Bandeirantes, Renato Miranda, que substituíra Amundsen
Limeira e tinha simpatia por Maluf, ao ponto de ter sido visto aplaudindo discursos de
Reynaldo de Barros em comícios, continuou no posto. Depois de um noticiário mais crítico
53
No suplemento comemorativo do centenário do jornal, que circulou em 08/11/1984, na página 127 foi
publicada a relação de funcionários da empresa, fornecida, pelo Departamento de Pessoal. Victor David
constava da lista. Uma das perguntas não respondidas por Armando Ferrentini era sobre sua contratação.
Também não foi conseguida junto à empresa até quando ele fez parte do quadro de funcionários.
147
no episódio das grades derrubadas do Palácio
54
, a linha adotada passou a ser de
neutralidade, muito próxima do que se pode definir como oficiosa, com Renato se
aproximando dos novos detentores do poder.
A falta de posicionamento político claro no momento em que o país começava a
respirar os ares da reabertura democrática, com a população recuperando o interesse pelo
tema e os concorrentes abrindo espaço a esse tipo de noticiário, aliada a sinais preocupantes
na economia, fizeram o Diário Popular entrar nos anos 80 sob o alerta da redução do
faturamento. A dependência dos classificados para vender em bancas é apontada por Luiz
Augusto como uma das causas de o jornal iniciar a década com tendência a enfrentar
problemas. Ele lembra que começou o que ele chama de briga fratricida na disputa pelos
classificados com a Folha de S. Paulo decidindo entrar no segmento e oferecendo anúncios
de graça para cativar consumidores. Ele aponta ainda entre os motivos das dificuldades o
efeito do fim do milagre econômico, o custo de não ter se modernizado, problemas internos
na família Lisboa Soares, como a doença de Rodrigão, e finaliza admitindo que “teve um
problema também de vaidade do Nello e do Rodrigo” (CASTRO, L., 2006).
Ainda na linha de influência das idiossincracias pessoais na condução da empresa
os depoimentos colhidos e o comportamento dos profissionais da área gráfica denotam que
Nello resistia à composição off-setpor ter sido linotipista. Essa tendência havia se
revelado na compra do prédio do Estado, quando se optou por ficar com uma rotativa
antiga do antecessor e adquirir mais quatro unidades e uma dobradeira que estavam sendo
substituídas pelo O Globo. A análise do mercado de mídia impressa na época aponta que a
“guerra dos classificados”, ressaltada por Luiz Augusto, atingiu o Diário Popular, mas não
foi um fator determinante para se iniciar o período de crise. Ele mantinha a tradição de
aglutinar anúncios de empregos para profissionais com vel de qualificação baixo ou
médio, enquanto as promoções da Folha de ofertas gratuitas se concentravam em anúncios
de imóveis de padrão mais elevados e o espaço para ofertas de emprego era aproveitado por
agências que buscavam trabalhadores de outro padrão.
54
O governo Franco Montoro enfrentou em seus primeiros dias manifestações de funcionários públicos que
chegaram a derrubar as grades do Palácio. O episódio foi utilizado pelos defensores do regime autoritário, que
estava em sua fase final, como argumento contra a abertura política, fundamentado em uma suposto fraqueza
de governantes civis para manter a ordem e impor autoridade.
148
A desaceleração da economia, com a redução do mercado de empregos, prejudicou
a trajetória da empresa no mesmo nível que afetou a concorrência, porém seria um
problema superável se tivesse acontecido o investimento no aperfeiçoamento tecnológico.
Malfatti, que é o maior defensor da administração de Nello, entre os ouvidos para este
trabalho, lembra de conversas entre os Ferrentinis e Rodriguinho, no início dos anos 1980,
nas quais se aventava a possibilidade de implantação de um sistema informatizado na
redação, que eliminaria a linotipo. Seria um salto impressionante se houvesse a
concretização daquele “sonho”, que reavivava a megalomania de Rodriguinho revelada na
compra do prédio do Estado, porém Luiz Augusto e Edgard concordam que as sugestões
eram apenas para mostrar a dificuldade e o custo do empreendimento. Malfatti detalha os
entraves que deveriam ser enfrentados:
O jornal encontrava um grande problema, pra gente mudar para computador, nós
tínhamos no parque industrial mais ou menos 150 funcionários e desses, a metade
tinha estabilidade, então para mudar o sistema, seria preciso se desfazer desse
pessoal todo, você não teria suporte para pagar indenização para todo mundo,
coisa que o Estado teve em 76.. Isso nos atrapalhou muito. Se tivesse mudado na
época, o custo para fazer jornal cairia bastante, porque você eliminaria 50% da
folha de pagamento, a nossa folha de pagamento era cara porque a mão de obra
era cara na época. Então nós ficamos defasados em relação aos outros jornais, não
tinha mais ninguém no chumbão, só nós (MALFATTI, 2005).
A qualidade da impressão do jornal também foi muito comprometida por esse
atraso. Houve época em que se apelou até para o contrabando de zinco do Chile e
Argentina para se confeccionar os clichês
55
, Malfatti lembra que nos últimos anos
necessitou reaproveitar o material utilizando o verso dos clichês “As fontes de letras para
linotipo íamos buscar na Itália, nós estávamos perdendo as fontes pelo tempo de uso, o
chumbo era caro foi uma época terrível” (MALFATTI, 2005). Nesta fase, os Ferrentini
não estavam na direção do jornal.
Romano e Odair são defensores da linha de raciocínio que começou a preponderar
na redação, cuja base era a de que, com o agravamento do estado de saúde de Rodrigão, os
irmãos Ferrentini não se preocuparam em estancar a crise, chegando a potencializá-la no
sentido de “assustar” Rodriguinho e conseguir comprar o jornal. Romano recorda que o
55
O chichê era uma placa gravada em relevo sobre zinco, a traço ou a meio-tom, para impressão de imagens
e textos por meio de prensa tipográfica.
149
jornal chegou a atrasar os salários por um dia, nessa época, sendo que isto aconteceu apenas
uma vez, nos 57 anos em que ele trabalhou e que este fato, realmente, apavorou
Rodriguinho. Luiz Augusto, alegando sua amizade com os Ferrentini, não entra nessa
discussão, mas afirma que houve uma oferta de compra feita por Victor David. Não
evidências de que esse personagem, que aparecia na folha de pagamento do Diário
Popular, teria recursos para comprar o jornal e isso sugere que, ao fazer a proposta, ele agia
em nome de outra pessoa ou de um grupo.
Luiz Augusto também lembra a crise de identidade do jornal “que não assumia que
era a classe C e, não podia dar trombada direto contra a Folha e o Estadoe ressalta que
faltou profissionalismo para enfrentar os efeitos da crise do petróleo em 1979:
Não era uma administração profissional, não era mesmo, eu participei dela, não era. A
gente tentou profissionalizar aquilo depois. Não tinha um orçamento, não tinha nada que
te encaminhasse, tinha algumas idéias, era o jeitão do Nello fazer, o Nello funcionava para
o caixa. Agora, era uma empresa que tinha três receitas, basicamente: agência de
publicidade, classificados e venda avulsa. 66% da receita era feita na boca do caixa. Daí a
possibilidade (sic), então quando diminuiu, quando a Folha começou a dar anúncio,
chegou a crise de desemprego você começa a ter menos coisa pra fazer, pra vender, veio o
momento de exacerbar a inflação. (CASTRO, L., 2006)
Dentro do objetivo central deste trabalho, a individualização da responsabilidade
por uma das principais causas dos problemas enfrentados pelo Diário Popular nos anos 80,
que foi seu atraso tecnológico, assume dois aspectos relevantes. O primeiro é a percepção
de que a administração com amplos poderes da empresa por não-proprietários não em
função de uma profissionalização da gerência, mas por desinteresse do proprietário,
provoca um afastamento das estratégias de longo prazo. Isso fica patente nas opções
administrativas de Nello. O outro ponto que conflui para a mesma conseqüência é o próprio
afastamento do proprietário. É nessa segunda vertente que Armando se apóia para eximir o
irmão da responsabilidade pelo atraso do jornal que, em sua visão, foi gerado pela vontade
sempre constante de Rodriguinho de vender o jornal.
Ele conta que na fase áurea do faturamento do jornal foi convidado, junto com
Nello, pelo empresário Mario Garnero, para conversar com um político interessado na
compra do jornal. Os dois compareceram à sede da Brasilinvest, na esquina da Avenida
Rebouças com a Faria Lima, em São Paulo, onde foram apresentados ao pretendente, o qual
era Orestes Quércia, então senador. Voltando ao jornal, relataram a conversa a Rodriguinho
150
que teria respondido “Para o Quércia nem por um caralho.” (informação verbal)
56
. O ex-
governador, no depoimento dado ao autor, confirmou o interesse e o encontro.
Luiz Augusto, além da proposta feita por emissários de Victor David, relembra dois
episódios envolvendo as Organizações Globo em que o jornal foi oferecido ao grupo
carioca. O primeiro, acontecido também na fase de faturamento em alta, durante um
encontro de empresários do setor com o ministro da Fazenda do último ano do Governo
Geisel, Karlos Richbieter.
O Dr. Roberto Marinho me chamou e perguntou como estávamos. Eu disse:
Estamos no auge, vendendo muito, vendemos no domingo 50, 60 páginas de
Classificados. “É, vocês estão de parabéns, mesmo. Vocês cresceram tudo isso
graças ao Estado de S. Paulo”. Eu disse: desculpe, dr. Roberto, a gente cresceu
tudo isso graças ao nossos esforços. Aí ele disse: “Olha, me foi oferecido o
Diário Popular”. Eu perguntei: Quem ofereceu? Ele disse: “Eu nem me
preocupei em estudar muito porque eu jamais teria um jornal longe dos meus
olhos, que eu não pudesse ver”. Isso ele falou pra mim. (CASTRO, L.,2006).
O segundo episódio ocorreu na fase pós-Ferrentinis. Luiz Augusto conta, sem
conseguir recordar a data exata do fato, que Rodriguinho lhe telefonou falando que tinha
entrado em contato com João Roberto Marinho, o qual teria manifestado interesse no
jornal. “ele me pediu pra ir pra pra ver o que os caras queriam. Fui na Globo, conversei
com o João Roberto, almocei com ele, passei o dia na Globo, eu tinha amigos lá, [os
diretores Francisco Grael, Artur de Almeida, Luiz Paulo Vasconcelos]. Eles ficaram de
ver” (CASTRO, L., 2006).
A vontade de se desfazer do jornal é apontada por Armando como o motivo da
pressão exercida para a saída dele e do irmão da empresa. Porém, a versão mais difundida
entre diretores e funcionários é a de que de o rompimento teria acontecido em decorrência
de uma discussão entre a filha de Rodriguinho e Armando. Ele não confirma o
desentendimento e insiste na versão de que tudo estava ligado à vontade de Rodriguinho de
se desfazer do jornal., acrescentando que foi determinante a pressão de Francisco
Strasburgo Machado de Moura, parente de Rodriguinho e um dos diretores da empresa, que
defendia a idéia de que, sem os Ferrentinis, a venda seria mais fácil.
56
Informação verbal concedida por Armando Ferrentini em 12 de setembro de 2005 em entrevista ao autor.
151
Segundo a lógica que rege um trabalho cientifico, diante de versões diferentes para
um mesmo fato, o caminho epistemológico deve ser apurar qual se revela mais coerente e
se concatena com ocorrências anteriores e, principalmente, com as registradas na seqüência.
Assim, a primeira conclusão é que a ruptura foi intempestiva, uma vez que poucos meses
antes dela, a empresa havia realizado uma Assembléia Geral Extraordinária que ampliou o
número de diretores e elevou o status de Armando, oficializado no cargo de Diretor
Comercial. A medida não teria sentido se estivesse em curso uma operação para afastar os
dois irmãos do comando.
A constatação de que a saída foi traumática também se verifica na determinação,
através do diretor de Redação Moziul Moreira Lima, ao autor deste trabalho, que era
responsável pela edição do centenário do jornal, de que o nome dos Ferrentinis deveria ser
omitido da história do jornal que o suplemento publicaria. Também a disputa na Justiça
pelo título Asterisco, criado por Armando para uma coluna que se transformou em caderno,
mostrou que Rodriguinho guardava rancor dos irmãos. O dono do jornal determinou que
fosse gasto o necessário com advogados para não deixar Armando com a marca e,
reforçando a impressão de que havia um sentido de vingança na decisão, ao vencer a
disputa, resolveu não utilizá-la. O Diário passou a ter um suplemento chamado Dipo na
Publicidade”, e Armando foi para a Folha da Tarde, onde publicou o caderno
Propaganda e Marketing”. Esse evoluiu para uma publicação independente, circulando até
hoje, no meio publicitário e empresarial, sendo impressa pela na Editora Referência,
localizada no bairro do Cambuci, em São Paulo, de propriedade dos irmãos. A compra
dessa empresa
57
, com gráfica própria, se enquadra no conceito de incremento do patrimônio
questionado por membros da redação que continuaram no jornal depois da retirada dos
irmãos. Antonio Quirino testemunha a raiva de Rodriguinho, lembrando diálogo mantido
no enterro de Rodrigão, em.1985.
Passado o tempo, morreu o Rodrigo e no dia do enterro, o Rodriguinho me disse:
Papai gostava muito de você. Eu disse: eu também gostava muito do seu pai. O
Rodriguinho disse: Você sabe que depois de 20 anos, eu descobri que estava
57
Nos registros da Junta Comercial do Estado de São Paulo consta que a Editora Referência Ltda, CNPJ
62.630.777/0001-07, foi constituída em 04/02/1971, está localizada na rua François Coty, 228 e tem como
sócios Armando Crisostomo Ferrentini e Nello Ferrentini. Seu capital social atual é de R$ 900.000,00
divididos em partes iguais entre os irmãos (Dados liberados em 26/06/2008, às 14:07).
152
sendo apunhalado pelas costas? Eu disse: seu pai me contou. Ele falou: o rombo
é de 20 milhões. (CASTRO, A., 2006)
Malfatti, ferrenho defensor da imagem de Nello e Armando como salvadores do
jornal, tem outra visão da ruptura:
O Rodriguinho nunca se dedicou de corpo e alma ao jornal, ele não vivenciou o
trabalho do jornal, como se fazia o jornal, ele deixou na mão de terceiros e
sempre procurou levar uma vida mais tranquila, depois quando o jornal entrou em
crise, começou a arrumar o culpado e para quem iria sobrar? Iria sobrar para o
Nello (MALFATTI, 2005).
As permanências de Edgard e Luiz Augusto no jornal após o rompimento foram
encaradas de maneira diferente pelos Ferrentinis. O primeiro relata que, na despedida, eles
foram claros em deixar o secretário de redação tranqüilo por continuar no posto. O segundo
teve sua decisão vista de maneira diferente. Luiz Augusto acredita que as características da
função, o fato de ter tomado a frente na condução da empresa e a amizade que o unia,
especialmente a Armando, explicam porque sua permanência não foi bem aceita em um
primeiro momento. Ele lembra que teve de explicar que não podia deixar a empresa à
deriva e precisava “pensar no sustento dos próprios filhos e dos filhos dos demais
funcionários”. Atualmente, as relações são distantes, mas cordiais.
4.4 Falta de comando leva à inevitabilidade da venda
A morte do “Diário dos Ferrentins” se deu em um momento delicado da vida da
empresa. O jornal estava a poucos meses de completar seu centenário e a efeméride passou
a ser considerada emblemática para as pessoas que estavam no comando. Luiz Augusto,
que foi o encarregado da administração, acreditava que investir na edição do aniversário era
uma maneira de revigorar a empresa. Ele lembra que conseguiu um financiamento junto ao
extinto Banco Commind, que possibilitou uma reestruturação do fornecimento de papel e
permitiu manter em dia salários e impostos, além de custear uma campanha publicitária
para a edição. Ele assinala: “a gente iria fazer 100 anos e achava-se que era o momento. Se
chegasse até lá, virava”. Edgard foi testemunha este sentimento: “Nessa época, eu
153
encontrava com o Luiz [Augusto de Castro] quase diariamente e ele falava, vamos ver se
chegamos até novembro e nós faremos uma festa de 24 horas, a gente vai beber até o fim
ou acabar com o resto” (BARROS, 2006).
Luiz Augusto detalha as providências tomadas que envolveram redução de custo, o
empréstimo bancário e a mudança no relacionamento com os fornecedores de papel. A
empresa comprava o produto das empresas T. Janer e Samab, que importavam uma parte e
repassavam o restante da maior fabricante brasileira, a Klabin. Na época houve uma
redução do preço do papel no mercado internacional e a Klabin foi obrigada a competir
com o importado, vendendo diretamente. O Diário Popular ganhou um período de alívio
com essa situação, pois seu prazo normal para pagamento que era de 30 dias, foi esticado
para 180. Também o estoque foi reforçado.
Quando assumi, a gente trabalhava com 80 toneladas na Klabin e banquei uma
cota de 500 toneladas. Como apareceu essa linha de crédito do Commind, com
um ano de carência, nós pegamos 2 milhões de dólares de empréstimo, não era
bem empréstimo, nós tínhamos uma linha de crédito correspondente a isso. Com
isso, a gente comprava a 200 dólares a tonelada de papel. Houve uma redução no
consumo, nós reduzimos o número de páginas, passamos a gastar 400, 500
toneladas/mês naquele momento mais difícil. A tiragem estava em 50 mil.
(CASTRO, L., entrevista)
Luiz Augusto reforça sua crença de que aquele
seria o momento da virada. “Nossa edição de
aniversário teve 160 mil de tiragem, foi a maior o
jornal até então -172 páginas no total - e demos uma
festa no jornal de 24 horas sem parar, com o pessoal
comemorando o centenário” (CASTRO, L., 2006). O
autor deste trabalho, pouco depois do rompimento
entre Rodriguinho e os Ferrentinis, recebeu a
incumbência de coordenar a edição dos 100 anos do
jornal. Apesar da aposta que a empresa fazia no
suplemento e dos investimentos em sua divulgação, os
recursos eram reduzidos. A pesquisa e redação foram
divididas entre o próprio editor, uma jornalista experiente, deslocada da reportagem geral, e
dois free-lancers. Os conhecimentos de outros membros da redação foram utilizados para a
154
produção de matérias específicas e artigos de especialistas destacados no meio científico e
cultural foram publicados. A receptividade encontrada entre essas personalidades e líderes
da sociedade civil foi uma das evidências claras de que o nome do Diário Popular
continuava desfrutando de respeito.
Além dos colaboradores que faziam parte da equipe do jornal, escreveram para a
edição do centenário, sem nenhuma remuneração: Antonio Costella, Antonio Soares
Amora, Ary Silva, Benedito Lima de Toledo, Beatriz Pardi, Bolívar Lamounier, Cacilda
Lanuza, Carlos Gonzalez, Dalmo Dallari, Décio de Almeida Prado, Edgard Carone, Edgard
Luiz Gutierrez Alves, Enio Mainardi, Francisco B. Assumpção Jr, Jacob Pinheiro
Goldberg, Jair Meneghelli, João Antônio Zuffo, João Batista de Andrade, Joaquim dos
Santos Andrade, José Carlos Bruni, Manuel Pereira do Vale, Marco Aurélio Garcia, Maria
Cecília Spina Forjaz, Maria Conceição D’Incao, Maria Lucia Montes, Maria Nilde
Mascellani, Mauricio Kubrusly, Paulo Sérgio Pinheiro, Paul Singer, Pietro Maria Bardi,
Shozo Motoyama, Sobral Pinto, Vladimir Rodrigues dos Santos e Walter Barelli.
Também a relação de anunciantes da edição revela que a marca do jornal ainda
tinha apelo no mercado. Além de fornecedores e alguns órgãos governamentais, que eram o
que se poderia chamar de “anunciantes obrigatórios”, havia grandes empresas como a
Antarctica, cuja mensagem utilizou pequenos anúncios publicados no veículo no final do
século XIX, em sua chegada ao Brasil. Além da cervejaria, fizeram inserções publicitárias
no suplemento: Varig, Coca-Cola, Philips, Café Seleto, Nestlé, Rhodia, Esso, Ford, e
General Motors, entre outros grupos de grande porte que não eram freqüentadores das
páginas do jornal no dia-a-dia. Os principais bancos e as lojas de varejo que estavam nas
páginas com maior assiduidade também estiveram presentes na edição histórica
A presença de um mero expressivo de anunciantes que reconheceram a
importância da data, mesmo não tendo o veículo como instrumento de divulgação, e o
sucesso da venda em bancas, com os exemplares se esgotando na maioria dos pontos antes
das 9 horas, indicavam que a marca continuava forte e justificavam o otimismo de Luiz
Augusto, com relação à possibilidade de reerguer a empresa. Esse patrimônio de afinidade
acumulado, no entanto, estava em risco devido à situação financeira abalada nos últimos
anos dos irmãos Ferrentinis e que se agravava pela coincidência de a crise na empresa
155
acontecer junto com a decisão de Rodriguinho de oficializar a separação com a ex-mulher
Salette, mãe de seus filhos, com quem ele não vivia há mais de 10 anos.
Este ponto é importante para se esclarecer a venda do prédio que havia sido
comprado, em 1976, de O Estado de S. Paulo. A necessidade de se desfazer do patrimônio
não se ligava, exclusivamente, à situação problemática de caixa, mas, em grande parte, às
questões familiares. Luiz Augusto comenta:
A empresa estava com dificuldade. Isso era inegável. Nós vendemos o prédio e
aquilo alavancou a empresa, pagou vários passivos e fez a empresa se
desenvolver porque, a partir da edição de aniversário, você tinha que investir para
ir para a frente. A venda do prédio se deu por isso, mas muito mais porque
também a família estava se separando. O Rodrigo estava querendo morar no
Exterior, ele queria liquidez na mão, ele estava se separando da mulher, ele tinha
dado uma garagem para a mulher na separação. Foi uma série de coisas. A venda
do prédio não representou o fato de que estava indo à bancarrota, não era isso, o
jornal estava saindo da bancarrota, ele saiu. (CASTRO, L., 2006).
A venda do prédio para a Imobiliária Savoy que o locou ao jornal foi o último ato
administrativo de relevância de Luiz Augusto, na condução do Diário Popular. Ele afirma
não ter dúvida de que foi usado, no período entre a saída dos Ferrentinis e a própria, e que
essa seria inevitável, diante da pressão do que ele chama de grupo familiar (Strasburgo, a
ex-mulher Salete e os filhos Marina e Rodrigo) sobre Rodriguinho, em favor da nomeação
de Waltinho. Com essa interpretação, ele reforça a convicção de que a personalidade de
Rodriguinho foi determinante para a agudização dos problemas:
Realmente ele não tinha condição intelectual, não tinha estrutura acadêmica, não
tinha vontade, não tinha objetivo, ele era de uma personalidade fraca, fraco como
homem, como gente, ele não era de lutar, ele se apavorava diante das dificuldades
e naquela hora a gente tinha que ajudar, não tinha o que fazer. Eu saí de lá quando
chegou o Walter, que pegou o dinheiro do prédio e não sei o que ele fez. Eu segui
minha vida e fui feliz, graças à Deus. Eu saí bem com o Rodrigo, saí bem com a
dona Leontina, eu estive na casa deles uma tarde, o meu filho ficou na casa dele
em Miami. (CASTRO, L., 2006)
Na verdade, Luiz Augusto trabalhou com Waltinho quase um ano, pois esse
assumiu a direção do jornal poucos meses após a retirada dos Ferrentinis, sendo que em
maio de 1985, após a venda do prédio do jornal, ele foi empossado oficialmente como
superintendente. Ao se referir a Walter, Luiz Augusto usa expressões pesadas “Ele não
tinha nenhuma idéia do que estava fazendo, do que era o jornal. Ele pôs ali um tal de
Vicente Bola, amigo dele, um monte de gente, ninguém sabia o que estava fazendo. A
156
única coisa que ele fazia bem era ‘comer’ a filha do dono”. (CASTRO, L., 2006)
58
.
Edgard, que foi demitido pouco depois, também não economiza termos de baixo calão ao
falar de Waltinho.
A revista Imprensa de junho de 1988, em reportagem sobre a venda do jornal,
lembra que Waltinho tinha assumido o cargo com “currículo de namorado firme da filha do
dono” e era um engenheiro civil recém-formado pela Faculdade de Mogi das Cruzes (AO
ESTILO..., 1988). Waltinho, na reportagem, jactava-se de ter encontrado uma dívida de 2,5
milhões de dólares e papel para apenas três dias e de ter deixado o comando com papel para
cinco meses, dois balanços com lucro e outras vantagens. Luiz Augusto contesta a
afirmação, garantindo que Rodriguinho, depois de acertar a separação oficial com a ex-
mulher, deixou uma quantia alta em caixa, que seria suficiente para regularizar todos os
débitos e começar a investir na modernização da empresa.
A administração de Waltinho se caracterizou, após a saída de Edgard, por mais uma
tentativa de fazer o jornal retomar a influência no mercado. Se com Edgard e Armando o
caminho tinha sido se aproximar do meio publicitário e investir no noticiário local, a
estratégia passou a ser a aproximação ao mundo político e a ampliação da circulação
nacional. O primeiro passo, nesse sentido, foi a contratação de Emilio Braga para ser o
cargo de editor-chefe do jornal, mas mantendo o general Moziul Moreira Lima como
diretor de redação e com a função de ser um “fiscal” a serviço de Rodriguinho. O autor
deste trabalho foi nomeado secretário de redação, responsável pela produção do jornal,
enquanto Braga se incumbia da definição política e dos contatos com ocupantes de cargos
do poder.
Vindo de Brasília, onde cobria as atividades do Congresso Nacional, Braga investiu
em uma sucursal na capital, contratando nomes de expressão do jornalismo político como
Tarcisio Holanda, Hermano Alves, Mauro Santayana e Carlos Marchi. A opção não
provocou nenhuma variação na venda do jornal. O faturamento originário dos classificados
e dos anúncios de varejo também não se alterou. No segundo segmento, o principal (e
praticamente único) cliente eram as Casas Bahia, mesmo assim com o relacionamento
abalado por um episódio de falsidade na declaração da tiragem. A rede de lojas inseria
encartes no jornal e enviava um reparte de 100 mil, numa época em que a tiragem girava,
58
O Vicente Bola é Vicente De Benedictis amigo de Waltinho e que foi seu braço direito no jornal.
157
em média, entre 60 mil e 80 mil. O excesso era destinado a um posto de gasolina de
propriedade de Rodriguinho situado à Avenida do Estado, em São Paulo, e usado para
forrar o piso de carros lavados. Um funcionário de alto escalão do setor de divulgação da
empresa, ao abastecer no local, viu alguns encartes e inquiriu um funcionário que revelou a
manobra. O Diário perdeu o faturamento com os encartes, mas, algum tempo depois,
recuperou os anúncios nas páginas.
Em 1985, na primeira eleição direta para prefeito, após o fim da ditadura militar
instaurada com o golpe de 1964, o jornal se alinhou a Fernando Henrique Cardoso, por
influência de Braga, que era amigo de Ana Tavares, a principal assessora do senador e de
João Rodarte, coordenador da campanha. Esse envolvimento impedia que o editor-chefe se
convencesse do crescimento da candidatura de Jânio Quadros, desdenhado inclusive da
avaliação do repórter especial Álvaro Faria que, na cobertura do comício de encerramento
da campanha do presidente que renunciou, em 1961, chegara a conclusão de que seu nome
concentrava um apoio muito grande nas camadas menos favorecidas da capital.
O desgaste pela derrota de Fernando Henrique foi compensado em 1986, quando o
jornal foi o primeiro a perceber a força de Orestes Quércia no interior, que lhe garantiria a
vitória na eleição para o Governo do estado. O
jornal produziu uma série de suplementos
semanais chamados Caderno da Eleição
que foi responsável por um reforço no
faturamento. Inspirado por Braga e
coordenado por Mauro Montoryn, misto de
publicitário e assessor político, a publicação
em seu início apostava no líder das pesquisas,
o empresário Antonio Ermírio de Moraes. A
legislação eleitoral da época não restringia os
anúncios políticos e isso possibilitava a
captação de mensagens de apoio aos
candidatos pagas por várias empresas. Com a
percepção de que a situação mudava, Montoryn desviou o foco para os apoiadores de
Quércia.
158
Antes de assumir o jornal, Waltinho conhecia Quércia, mas tinha simpatia por
Ermírio também e, por isso, pouco participou da definição da pauta do suplemento.
Rodriguinho, como sempre fez, não influiu nem no posicionamento pró-Jânio, nem na
sucessão estadual. Resolvida a pendência com a ex-mulher, equacionados os problemas de
caixa com a venda do prédio e achando que o futuro marido da filha era a solução de seus
problemas, afastou-se mais uma vez do jornal, mas as pessoas que o cercavam, inclusive o
próprio Waltinho, que revelaria isso ao deixar o jornal, tinham a sensação de que para ele a
solução ideal seria vender o jornal.
A aproximação de Waltinho a Quércia deixou Braga em posição desconfortável,
uma vez que ele tendia a colocar o jornal em oposição ao Governo Sarney. Além disso,
com a Assembléia Nacional Constituinte, que seria empossada no ano seguinte, temia-se
que as posições de Braga influenciassem a linha do jornal e elas não se adequavam ao
pensamento de Waltinho e seu círculo de amigos. Por isso, seu posicionamento político
passou a ser vigiado com mais rigor pelo general diretor de redação. Isso aumentou sua
insatisfação e o levou à retirada reclamando da tutela exercida por Moziul, que por
afinidade ideológica e amizade, decidiu passar o fechamento do jornal para
responsabilidade de José Ramos, o antigo setorista nos órgãos de repressão. Esse, com a
saúde abalada e desatualizado profissionalmente, ficou menos de dois meses no posto,
período em que o jornal teve manchetes com linguagem arcaica e a primeira página feita
sem nenhum cuidado. O autor deste trabalho o sucedeu, ainda com o cargo de secretário de
redação que só seria alterado em fevereiro de 1988.
Uma medida de impacto da gestão Waltinho foi a contratação de Orlando Murad,
conceituado profissional da área gráfica que era o segundo na hierarquia da área industrial
de O Estado de S. Paulo. A entrada de Murad, acompanhado de uma equipe de assessores
com salários acima dos praticados na empresa, provocou um aumento do custo operacional,
pois diversos funcionários com experiência foram encostados por não poderem ser
demitidos em função da estabilidade, entre eles Paulo Malfatti que foi transferido para área
comercial. Junto com a alteração na condução da área industrial, Waltinho investiu na
compra através de leilão de uma máquina rotativa pertencente à massa falida dos Diários
Associados, que estava inativa na sede da Rua 7 de Abril em São Paulo embargada pela
Justiça do Trabalho.
159
A aquisição, comemorada pela equipe de Waltinho como uma evolução, na verdade
significava pouco, em termos de modernização do jornal, pois exigiria um processo de
“selagem” para evoluir para a impressão em nylonprint, no qual se abandonaria a linotipia.
Isto implicaria em um investimento considerável, além da manutenção das despesas com os
antigos empregados que gozavam de estabilidade. Também a distribuição teve um novo
responsável com a contratação de Tabajara Ferro Abranches, o que passou a produzir
pesquisas diárias sobre o andamento das vendas em banca, inclusive dos concorrentes.
No departamento comercial, aconteceram diversas tentativas de ampliar o mercado,
sucedendo-se vários nomes no comando do setor. Porém, a carteira, em se tratando de
grandes clientes seguia, praticamente, restrita às Casas Bahia. A saída de Armando
Ferrentini tinha fechado algumas portas de agências, uma vez que todo o trabalho feito por
ele durante quinze anos em favor da imagem do jornal, tinha se revertido contra o jornal,
devido à solidariedade dos publicitários. Um exemplo disso era o Mappin, na época em
situação confortável, cujo marketing era comandando por Sérgio Orciullo, ex-membro da
equipe de Armando no Diário Popular. Na tentativa feita com a nomeação para diretor
comercial do amigo de infância de Waltinho, Vicente de Benedictes, encontrou-se um
contato alternativo na empresa e foi feito um acordo, onde seria publicado um anúncio de
três colunas por 26 centímetros de altura na primeira página do jornal vendendo um modelo
de geladeira. Numa operação amadora decidiu-se comprar três desses eletrodomésticos em
pontos variados da cidade. Hayde Terezinha Panini, uma assessora de Rodriguinho que
estava na empresa desde os tempos de Rodrigão, foi encarregada da compra, mas a
tentativa de conquistar o cliente foi em vão. Não houve explicação do departamento
comercial para o fracasso da iniciativa, aparentemente causado pela insatisfação do
anunciante, com o resultado.
Os dois anos e meio de Waltinho na condução do jornal e seus projetos para o
futuro são motivos de muitas controvérsias. evidências de que sua intenção sempre foi
preparar a empresa para a venda. Malfatti, que continuou interlocutor de Rodriguinho,
mesmo após ser afastado da área industrial comenta; “Quando o Walter trouxe o Murad pra
ele estava com a intenção de vender o jornal e queria ter um pessoal que fizesse um
planejamento de mudança do sistema gráfico” (MALFATTI, 2005). O volume de anúncios
160
do governo do estado, durante 1987, leva a maioria dos entrevistados a explicitar a ilação
de que venda pretendida seria para o então governador Orestes Quércia.
Em 28 de outubro de 1987, o jornal O Estado de S. Paulo publicou o relatório de
verbas de publicidade do governo, ainda com pequeno reflexo dos gastos da administração
Franco Montoro que deixou o cargo em 15 de março. O Diário Popular aparece com
11,1% do total gasto, muito próximo do Estado que teve 12,6%. Os valores absolutos em
cruzados, a moeda da época, foram de respectivamente 22.102.664,00 e 25.080.980.
(MILIONÁRIA...,1987). Por mais que o governador considerasse o jornal da família
Mesquita como inimigo, a relação é desproporcional às tiragens e ao prestígio dos dois
veículos. Acrescente-se a isso o fato de que Waltinho alardeava em reuniões da diretoria
sua amizade com Carlos Rayel, assessor de imprensa do Palácio dos Bandeirantes e
coordenador de comunicação da vitoriosa campanha de Quércia.
O estilo de Waltinho dirigir a empresa se caracterizava por pouco comentar a
situação financeira e a falta total de orientação com relação ao conteúdo editorial.
Preocupava-se em ver nas páginas do jornal o que ele queria ler e não o que os leitores
esperavam, por isso as manchetes, continuavam tendo como temas a linha herdada de
Braga com destaque para assuntos econômicos e políticos, especialmente as propostas que
circulavam na Assembléia Nacional Constituinte. Outro complicador foi a transferência da
chefe de reportagem com muita experiência em coberturas locais, Maria Angélica Nery,
para uma editoria específica para os assuntos de Constituinte. A superposição dos temas
com a política tornou clara a inviabilidade da a divisão. Dois assuntos eram os preferidos
de Waltinho: o noticiário de Fórmula 1 pois ele havia sido corredor de categorias
menores, na adolescência – o movimento da Bolsa de Valores, uma vez que era um
investidor habitual. O jornal viveu, sob seu comando, o período mais complicado de venda
em bancas. Os estudos Marplan, citados por BATISTA (2000, p.65) apontam que 1987 e
1988 foram os piores anos da publicação na participação do mercado. Esse desempenho era
resultado da escassez de recursos, que aviltava salários e reduzia a redação pela não
reposição dos jornalistas que saíam. A parte industrial continuava privilegiada, com Murad
e seus assessores prestigiados.
Waltinho gostava de repetir o dito popular “o porco deve ser frito na própria
gordura” para explicar seus vetos a contratações e gastos. Ele estava sempre solicitando o
161
levantamento de custos de projetos para melhorar a qualidade editorial, mas os engavetava,
em uma evidência de que a redação não era valorizada, Waltinho manteve a política
instituída por Nello Ferrentini de que, se na hora de fechamento das páginas de
classificados elas fossem em número fosse ímpar ,devia ser “sacrificada” uma página de
esportes. Malfatti, enquanto foi responsável pela execução dessa tarefa, tirava a página com
o resultado do turfe. Mesmo quando o jornal era o único a dar estas informações, a prática
foi mantida, o que irritava leitores que se interessavam pelo tema.
Com todas as
limitações de recursos, a
equipe que elaborava o jornal
se mostrava empenhada em
dar ao leitor o melhor possível
dentro daquelas condições. Foi
neste período de dificuldades
que o Diário Popular ganhou
seu principal prêmio: O Esso
de Fotografia, de 1987, graças
à uma imagem registrada por Luiz Luppi durante ação da polícia militar numa desocupação
de terreno em Sapopemba, na Zona Leste de São Paulo.
Assim como a dos irmãos Ferrentini, a saída de Waltinho da empresa não foi
amigável e uma convergência das versões que falam em desavenças familiares. A única
diferença entre a explicação do quase genro e a que circulou na redação era relativa à
identidade da pessoa com quem ele tinha se desentendido. À revista Imprensa (AO
ESTILO...,1988), ele colocou em destaque sua divergência com Rodriguinho que não teria
concordado em investir na modernização da empresa, e reprisou a tese de que o bisneto do
fundador do jornal pensava em se desfazer do patrimônio. a versão que circulou entre
os funcionários ligados ao diretor superintendente apontam o fim do noivado com Marina,
como causa do afastamento. Essa linha de raciocínio encontra apoio no fato de Waltinho ter
se casado pouco tempo depois com Renata Fontoura, herdeira de um tradicional
laboratório.
162
Quando se faz um paralelo entre os rompimentos de Rodriguindo com os Ferrentins
e o ocorrido com o quase genro, coincidências se ressaltam. Em ambos os casos, a
surpresa com o anúncio da ruptura, a versão de que Marina seria o motivo e a justificativa
dos que saíram argumentando que estariam atrapalhando a disposição de Rodriguinho de
vender a empresa. Uma análise da lógica do comportamento dos personagens envolvidos
solidifica a impressão de que, na verdade, o destino do jornal nas duas oportunidades
mudou por desentendimentos pessoais. No primeiro caso, os Ferrentinis não seriam
empecilho para a venda até por existirem sinais, e o depoimento de Luiz Augusto de Castro
sobre a proposta de Victor David mostra isso, de que eles tinham interesse em se
transformar em donos de direito.
Na saída de Waltinho, sua explicação colide com a impressão geral de que ele
trabalhava no sentido de transferir o jornal e que Quércia seria o pretendente. A interrupção
da veiculação de anúncios do governo estadual, após o desligamento de Waltinho, reforça a
evidência. Ele deixou o cargo dizendo que em sua administração o jornal saiu do prejuízo
de 1985 para dar lucro, em 1986 e 1987, (AO ESTILO...,1988). O auto-elogio não leva em
conta o fato de 1985 ter sido um ano todo administrado por ele e ainda com a renda da
aplicação do que restou da venda do prédio; além de desconsiderar que, em 1986, o
faturamento com anúncios políticos, especialmente o proporcionado pelo Caderno das
Eleições, foi alto e que, em 1987, a injeção de recursos por parte do governo estadual
também foi elevada.
Outra coincidência nas mudanças foi a desconfiança revelada por Rodriguinho
sobre eventuais desvios ocorridos na gestão dos que saíam. A revelação, por parte de
Quirino, do desabafo no enterro de Rodrigão e as palavras usadas ao vetar a menção dos
irmãos na edição do centenário mostram uma convicção muito forte. Com relação à
administração de Waltinho, Rodriguinho foi além e contratou uma auditoria da Price
Waterhouse para apurar possíveis irregularidades. O trabalho não foi concluído, pois
Quércia preferiu os serviços da Revisora Nacional para verificar a situação da empresa.
Waltinho garante que nada de irregular foi encontrado. O diretor de Redação, Moziul
Moreira Lima, que havia se transformado em aliado de Waltinho, confidenciava que tinha
tentado demover Rodriguinho da idéia de contratar a auditoria. Para ele, Waltinho não
havia cometido e nem permitido nenhum desvio. Por isso, confessou-se decepcionado
163
quando descobriu que havia sido montado um esquema fraudulento entre diretores do jornal
e um gerente de banco, por meio do qual as guias de recolhimento de contribuições
previdenciárias tinham suas autenticações falsificadas. Quércia diz não lembrar
precisamente dos dados da auditoria, mas revela que havia problemas ao dizer que utilizou
o programa Refis para quitar dívidas com o INSS. “Eu sucedi os problemas. Eu acertei tudo
com todo mundo. Eu comprei barato porque estava cheio de problemas, cheio de ações
trabalhistas, INPS (sic), eu fiz parcelamento e fiz tudo pelo Refis.” (QUÉRCIA, 2006).
Rodriguinho, ao contrário do comportamento diante da saída dos Ferrentinis, nunca
se manifestou claramente sobre os problemas com o quase genro. Com a nova mudança, ele
trouxe de volta à empresa, para assumir a administração, Ari Baddini Tavares, que fora
contratado por Nello. Baddini é apontado como o profissional que estava com Rodriguinho
na definição da venda
59
. Quércia. hoje, além de vangloriar-se de ter ganho muito dinheiro
com a compra e venda do jornal, afirma que adquiriu a empresa por insistência de
Rodriguinho que estava desesperado (QUÉRCIA, 2006, entrevista).
59
Baddini, mesmo após vários recados deixado em sua residência, não deu retorno ao pedido de um
depoimento sobre a transação. No Diário Popular, circulava a informação de que ele seria o informante de O
Estado de São Paulo, nas matérias que apontavam Quércia como comprador do jornal.
164
CAPÍTULO 5 Ascensão e queda de um “rei das bancas
5.1 Uma morte polêmica e a volta do paradigma Última Hora
Além de marcar a retirada, depois de 104 anos, do sobrenome Lisboa do seu
expediente, a quinta morte do Diário Popular encerrou o período no qual o jornal viveu
profunda crise de identidade. Essa fase durou seis anos, envolvendo desde a saída dos
Ferrentinis, que o queriam como um veículo local, até a retirada do quase genro de
Rodriguinho, que sonhou fazer a publicação ser influente nacionalmente. A transferência se
deu em meio a uma forte polêmica e a versões contraditórias sobre quem era o comprador.
165
Quércia, atualmente, repete a versão de que a operação foi uma sociedade com o
empresário Ary Carvalho
60
, dono do jornal O Dia do Rio de Janeiro. Na época da
aquisição, ele negava peremptoriamente qualquer participação no negócio. O jornal O
Estado de S. Paulo publicou uma série de matérias, revelando o que seriam detalhes das
tratativas. A primeira informação, estampada em 25 de maio de 1988, falava em sociedade
entre Quércia e Carvalho, com os desmentidos dos dois, o primeiro alegando que
considerava jornal um mau negócio e o segundo garantindo que O Dia era rico o suficiente
para comprar o Diário Popular e fazer os investimentos necessários em sua modernização.
(QUÉRCIA É...,1988). No dia seguinte o jornal da família Mesquita rebaixava Ary de sócio
a testa de ferro (‘DIÁRIO POPULAR’..., 1988).
Em reportagem intitulada “Ao estilo de Gekko”, numa referência ao personagem
principal do filme “Wall Street - Poder e Cobiça”
61
, Gordon Gekko, especialista em
grandes manobras especulativas no mercado financeiro, a revista Imprensa de junho de
1988 analisou a transação. O resumo da matéria era “Por um preço abaixo do real e em
apenas cinco dias, o controvertido Ari de Carvalho assume o Diário Popular e finca em
São Paulo” (AO ESTILO...,1988). Além dos auto-elogios de Waltinho e da classificação da
compra como um “negócio da China”, considerando-se o valor de sete milhões de dólares
que circulou no mercado (o comunicado oficial foi de 244 milhões de cruzados,
equivalentes a aproximadamente um milhão de dólares), a publicação trazia a declaração de
Quércia que ele próprio desmentiria alguns anos depois:
O governador Orestes Quércia nega categoricamente que tenha comprado o
jornal: “Eu realmente me interessei pelo negócio. Conversei algumas vezes com o
Rodrigo, aqui no Palácio, e estive na casa dele, no dia do aniversário. Mas,
depois, fiquei sabendo que ele tinha vendido para esse Ari de Carvalho, que eu
nem conheço. Se tivesse comprado o jornal, ia e assumia, como fiz com o
Diário do Povo de Campinas” (AO ESTILO..., 1988)
60
O nome completo do empresário era Antonio Ari de Carvalho (NEM GENRO...,1988). Neste trabalho, será
utilizada a forma como aparecia no expediente do jornal.
61
O filme Wall Street (título original), com direção de Oliver Stone, foi lançado em 1987 e tem o enredo
baseado em negociações suspeitas e manipulações no mercado acionário norte-americano.
166
Quércia assumiu a propriedade do jornal somente após entregar o governo a Luiz
Antonio Fleury Filho, candidato de seu partido (PMDB), e em cuja campanha se empenhou
com todas as forças, tornando clássica a afirmação a ele atribuída (e negada) de que
quebraria o Banespa (Banco do Estado de São Paulo), mas elegeria seu sucessor. Anos
depois, declarou à pesquisadora Marcela de Matos Batista:
Eu e o Ary Carvalho entramos juntos na negociação da compra do Diário
Popular.. Eu chamei o Ary, ficamos sócios e ele deu uma arrumada no jornal...eu
estava no final do governo, faltava um mês ou dois para encerrar meu mandato.
Eu fiquei sócio na época do jornal O Dia, do Ary, no Rio de Janeiro. A certa
altura, ela achou melhor encerrar a sociedade, ele queria investir no Rio de
Janeiro...Eu fiquei sozinho aqui e ele ficou sozinho lá (BATISTA, 2000, p. 85)
O ex-governador, cinco anos depois de ter vendido o jornal, repetiu a mesma versão
ao autor do presente, preocupando-se inclusive em ressaltar que a compra aconteceu
quando ele estava saindo do governo estadual. Dono de uma memória prodigiosa, qualidade
fundamental em um político, Quércia alterou o rumo da discussão, durante o depoimento,
quando questionado sobre a falsidade de sua afirmação, pois, na verdade, ele completara o
primeiro ano no cargo havia 68 dias. Diante da insistência na pergunta sobre o equívoco,
ele alegou confusão de datas e também tergiversou ao ser indagado sobre o volume de
anúncios do Governo que o Diário Popular passou a ter após a compra.
A versão de Quércia, segundo a qual, ele era cio de Ary, em O Dia, apresenta
uma incoerência temporal. Para Batista (2000), ele afirmou ter ficado sócio na época da
compra do Diário, ao autor deste trabalho ele declarou que dividia a propriedade da
publicação carioca antes da compra paulistana. Miranda Jordão garante nunca ter ouvido
nada a esse respeito por parte do empresário com quem mantinha uma relação de amizade
familiar (JORDÃO, 2008). Após o depoimento no qual fez a declaração, Miranda entrou
em contato com a outra pessoa que poderia saber desta participação que seria Ricardo
Saboya, que fora diretor financeiro de O Dia até vir a ser superintendente do Diário
Popular e esse, igualmente, descartou a possibilidade.
A ascensão do Diário Popular registrada a partir de sua compra pelo ex-governador
foi um dos fenômenos mais destacados na história recente da imprensa paulistana pelo fato
de o jornal ter chegado à posição de mais vendido nas bancas do estado de São Paulo,
apesar de ser o único veículo da capital ainda impresso em preto e branco e que não
167
utilizava a prática, amplamente difundida no mercado, de distribuir brindes, coleções de
fascículos e cupons para sorteios. Esse desempenho o transformou em referência de jornal
popular, restringindo-se o conceito à sua acepção simplista “que agrada ao povo” e dentro
da classificação, que muitos pesquisadores adotaram seguindo uma tendência do mercado
publicitário, na qual se enquadram os veículos com tiragens altas. Esse paradigma se soma
a uma linha editorial baseada em assuntos policiais, esportivos e de variedades, destacando
o tipo de notícia que BARTHES (2003) define como fait-divers.
O Diário Popular que conseguiu agregar o qualificativo de “rei das bancas”
utilizava, na definição do repertório de temas em destaques, o padrão da Última Hora, da
década de 50. Os três principais envolvidos no projeto tiveram relações profissionais com o
veículo criado por Samuel Wainer. Jorge Antonio Miranda Jordão, o diretor de Redação
que comandou a transformação do perfil do Diário, foi setorista da edição carioca da
Última Hora, no Aeroporto do Galeão no Rio, no início da carreira, e, depois de alguns
anos de experiência como repórter, foi transferido como chefe de reportagem para a edição
paulistana. No posto, teve como subordinado Ary Carvalho, repórter de economia e Orestes
Quércia, repórter na sucursal de Campinas.
O primeiro, que apareceu como comprador do Diário Popular e que o ex-
governador admite ter sido seu sócio, seguiu carreira assumindo a edição de Curitiba do
jornal de Wainer, enquanto Miranda foi para Porto Alegre. Com o retorno de Miranda ao
Rio, Ary assumiu a edição gaúcha, da qual chegou a ser proprietário, tendo transformado-a
no Zero Hora, hoje pertencente ao conglomerado RBS que predomina no mercado de
comunicação da região Sul. Os dois voltaram a trabalhar junto quando Ary comprou a
Última Hora carioca da família Alencar que o havia adquirido de Wainer. Miranda passou
então a ser diretor e principal conselheiro de Ary.
Quércia foi demitido, por Miranda, da sucursal de Campinas. Sobre o episódio, o
jornalista conta o diálogo mantido quando foi ao Palácio dos Bandeirantes, pela primeira
vez, falar com o então governador sobre sua função no jornal. Quércia teria lhe perguntado
se o experiente jornalista sabia que era responsável por ele ter iniciado a carreira política,
pois foi com o dinheiro da indenização que ele teria feito sua campanha para vereador.
Miranda disse ter se mostrado surpreso, mas revela os detalhes da dispensa que, por
motivos compreensíveis, nenhum dos dois comentou durante o mencionado encontro:
168
Ele fazia Luzes da Cidade em Campinas. Era uma coluna social [...] um dia o
diretor me disse: eu estou recebendo uma informação de que o Orestes Quércia
está recebendo dinheiro para colocar notas na sua coluna. Eu disse: então demita
o Orestes Quércia. E ele demitiu o Orestes Quércia. Essa parte de que recebia
dinheiro p coluna, o Quércia não me falou, falou que eu tinha demitido.
Parte da indenização, ele pediu que rodasse na rotativa 500 mil santinhos ou
100 mil santinhos, que ele era candidato a vereador mas que ele não tinha
dinheiro para bancar a campanha, então parte da indenização dele foi convertida
em santinhos e com esses santinhos ele inundou a cidade, foi eleito vereador e fez
a política dele. (JORDÃO, 2008)
As condições em que se deu a nomeação de Miranda, como ressaltado no início
do Capítulo 4, significaram a volta, depois de 45 anos, de um jornalista à posição de
definidor dos rumos da publicação. O fato de ele ter recebido amplos poderes foi uma
surpresa, pois a expectativa no mercado e entre as lideranças partidárias era de que o Diário
Popular se transformasse em instrumento político, o que, praticamente, não ocorreu. As
informações, desmentidas em um primeiro momento e confirmadas pelos fatos, de que
Quércia comprara o jornal foram interpretadas como um lance estratégico de alguém que
ambicionava “vôos mais altos” do que o Governo de São Paulo. O fato de se estar, à época,
a pouco mais de um ano da primeira eleição direta para presidente inspirou diversas
análises apontando que a operação visava fortalecer uma possível candidatura de Quércia
pelo PMDB. Outra versão difundida foi a de que o então governador, alvo de uma série de
denúncias de enriquecimento ilícito e malversação de dinheiro público, desejava ter uma
tribuna para defendê-lo e até foi ventilada a hipótese de ele decidir competir com os jornais
tradicionais de São Paulo, numa espécie de vingança.
A colocação da ressalva “praticamente” quando se fala na interferência política de
Quércia no jornal se justifica em função de dois momentos distintos. O primeiro foi a
disputa municipal de 1988, quando o então governador apostou na vitória de seu secretário
de Obras, João Oswaldo Leiva. Miranda lembra tê-lo alertado de que “achava Leiva o
melhor candidato, mas o leitor do jornal queria Erundina. Tanto que depois disso, sempre
que ele me ligava, perguntava: ‘como vai nosso jornal petista’” (JORDÃO, 2008). Em
função das observações do jornalista, que ainda não havia assumido o comando da redação,
o apoio em espaço editorial foi reduzido, transformando-se em anúncios. No dia da eleição,
o jornal trouxe, em primeira página, pesquisa atribuída à Telemídia, a qual teria ouvido,
via telefone, 18.936 pessoas e apurado que Leiva liderava com 22% das intenções de votos,
169
Paulo Maluf tinha 19% e Luiza Erundina, apenas 12%. O resultado das urnas mostrou que
o paulistano elegeu com 37% dos votos a paraibana que se transformou na primeira mulher
a dirigir a cidade. Maluf terminou em segundo com 27% e Leiva recebeu 18% dos votos.
A segunda eleição em que Quércia mostrou interesse ocorreu em 1994. Tratava-se
do segundo turno entre Mário Covas e Francisco Rossi pelo cargo de governador.
Adversário ferrenho do falecido ex-senador e ex-governador, Quércia ordenou que fossem
abertos os arquivos do jornal ao coordenador da campanha de Rossi, Denoy Oliveira, em
busca de material que pudesse comprometer o candidato tucano. A poucos dias da eleição,
mandou que fosse publicada uma matéria agressiva contra Covas, redigida por um
jornalista de seu escritório político. O texto, contendo referências ofensivas ao candidato,
foi vetado por Miranda, que instruiu o autor deste trabalho, responsável pelo fechamento da
edição daquele dia, a não publicá-lo. O diretor-superintendente Ricardo Saboya defendia
que deveria ser seguida a determinação de Quércia e a solução paliativa adotada foi editá-lo
como informe publicitário em tipologia e formato diferentes do normal.
Mesmo como anúncio, a publicação deu motivo à ação judicial da campanha de
Covas que obrigou o jornal a dar o direito de resposta no mesmo espaço. Os dois episódios,
distanciados por um intervalo de seis anos, foram os únicos testemunhados pelo autor até
sua saída da empresa e não invalidam a interpretação de que a operação foi feita com a
visão empresarial de que seria um bom negócio. Quércia enfatiza esse aspecto e, a respeito
da utilização do jornal como instrumento político, insiste em dizer que sempre separou os
papéis.
Quando tenho uma empresa, eu sou empresário, não sou político. Eu tenho hoje o
DCI, como eu tive o Diário do Povo em Campinas, que acabei vendendo. É o
que aconteceu com o Diário Popular em São Paulo, pegamos o jornal com uma
situação difícil, cresceu, mas eu nunca fui, nem no Diário Popular, nem hoje no
DCI, eu sou político. Eu sou empresário. Ao contrário. Era o jornal que menos
noticiava coisas minhas, era liberdade total da redação. É claro que de vez em
quando se dava uma notícia aqui e ali porque a pessoa quer dar, mas não significa
que o jornal teve objetivo político. Isso nunca teve. Eu sou empresário, antes de
ser político Eu sou jornalista profissional, sindicalizado, fui repórter na Última
Hora. Eu comecei no Diário do Povo, em Campinas, com 17 anos, virei
empresário com negócios imobiliários e acabei adquirindo órgãos de imprensa,
rádio, televisão e jornal. Mas eu nunca uso os órgãos de imprensa com objetivo
político pessoal (QUÉRCIA, 2006).
170
5.1.1 Equipe de jornalistas lutava para superar falta de recursos
A chegada de Miranda Jordão ao Diário Popular foi cercada de mistério, que
acabou quebrado pela desinformação de uma telefonista que atendeu a uma filha do
jornalista. Como essa alegava querer falar com o pai que era diretor de redação, a ligação,
depois de passar por alguns editores e repórteres, foi atendida pelo secretário de redação,
Mauro Ramos, responsável pelo fechamento da edição no domingo em que se deu o fato.
Na ocasião tornou-se de conhecimento geral que havia alguém no andar do prédio da
Rua Major Quedinho preparando-se para dirigir a redação e analisando as edições do jornal
e dos concorrentes.
O clima entre os jornalistas da empresa era de grande expectativa, pois, especulava-
se sobre nomes que deveriam ser contratados e o fechamento do Popular da Tarde era dado
como certeza. o diretor de Redação, general Moziul Moreira Lima, tinha acesso a Ary
Carvalho, que aparecia pouco em São Paulo. A situação do jornal, em maio de 1988,
refletia o desgaste em sua imagem, provocado pela decisão da administração, liderada por
Waltinho, de procurar ser nacional, sem dispor de recursos tecnológicos e de capital o
investimento na expansão da equipe. Apesar dos prejuízos provocados por essa tentativa
sem base, a publicação ainda gozava de uma relação de afetividade com a população
paulistana. Essa ligação foi um elemento facilitador da recuperação do jornal.
Mesmo em meio a dúvidas sobre o futuro, a redação continuava empenhada em
cumprir a tarefa de dar o melhor aos leitores. A cobertura das atividades da Assembléia
Nacional Constituinte era feita com material das agências Globo e Jornal do Brasil e pela
sucursal de Brasília, que ainda contava com jornalistas experientes contratados na época de
Emilio Braga. Na campanha pela sucessão municipal, os candidatos João Oswaldo Leiva,
Luiza Erundina e Paulo Maluf tinham suas atividades de campanha acompanhada por um
repórter específico. Os setoristas no Palácio dos Bandeirantes, na Prefeitura, na Assembléia
Legislativa e na Câmara Municipal completavam a parte política do jornal.
Dispondo de apenas quatro repórteres, a editoria de Polícia conseguia ser respeitada
pelas autoridades da área e tinha sido responsável, ao lado da Rádio Jovem Pan, pela
revelação da extorsão praticada por membros do Grupo Anti-Sequestro (GAS) da Polícia
Civil, incluindo seu chefe Josecyr Cuoco, na investigação do seqüestro do diretor do
Bradesco, Antonio Beltran Martinez. O caso terminou com a exoneração e prisão de Cuoco.
171
A editoria de esportes tinha um repórter cobrindo cada uma das equipes de futebol
consideradas grandes, um responsável pelos esportes amadores e um colunista de turfe. Na
editoria de economia, havia quatro repórteres e, na de variedades, somente dois, além do
colunista de fofocas Nelson Rubens. A Local tinha 12 repórteres, sendo que duas delas se
dedicavam exclusivamente ao Mural da Cidade, seção que publicava reclamações dos
moradores dos bairros da capital. Esse contingente, encarregado de cobrir a cidade, somava
33 profissionais e, com exceção da Variedades e Esportes, se subordinava à chefia de
reportagem.
Cada editoria contava com um editor e um sub-editor e poucas dispunham de copy-
desk. Eram cinco diagramadores, um na função de chefe, e havia um secretário gráfico. O
departamento fotográfico era bastante reduzido e a revisão tinha uma dezena de
profissionais, dos quais, vários estáveis. Trabalhavam como rádio-escuta mais três
jornalistas. O jornal publicava semanalmente os suplementos DipoTur, DipoCar e Dipo na
Publicidade, que contavam com um editor e colaboradores. O Popular da Tarde também
sofria com a falta de pessoal. Sobre o número de jornalistas que encontrou e as contratações
que fez, praticamente dobrando a equipe, Miranda lembra:
Eu dobrei a redação porque ela estava na metade. Eu não (sic) dobrei a redação.
Eu fiz uma redação em função do jornal que tinha que ser feito. Antes de fazer a
redação, na Folha da Tarde também foi assim, eu bolei o jornal. O Diário
Popular foi um projeto. Eu fiz isso junto com o Ary. E fui montando a redação
com o número da necessidade do jornal. Eu não podia fazer um jornal, o Diário
Popular tinha o que? 16 páginas na cabeça? 8 no Caderno, 8 no Esporte. Eu
não posso fazer um jornal com 30 páginas com três repórteres. Também nunca fiz
um jornal de 30 páginas com 200 repórteres. O número era exatamente aquilo que
o jornal precisava. Tanto que saía um, era reposto outro. (MIRANDA, 2008)
Somando os jornalistas dos dois títulos, incluindo a revisão, o departamento
fotográfico, o arquivo e a sucursal de Brasília não se chegava a uma centena, além de haver
alguns estáveis sem função. Em 1993, segundo dados do Sindicato dos Jornalistas
Profissionais, sem contar com colaboradores que recebiam através de notas fiscais, a
empresa tinha 185 jornalistas dos quais foi descontada a contribuição confederativa.
(RIBEIRO, J., 1998, p. 185).
A data escolhida para colocar nas bancas o primeiro número do Diário Popular da
nova fase foi 17 de novembro de 1988, uma quinta-feira, dois dias após as eleições. Porém,
172
Miranda, empolgado com a possível vitória de Erundina, que se configurava na abertura
das primeiras urnas na noite de terça-feira, participou ativamente da preparação da primeira
página do dia 16, dando sinais de como seria sua orientação gráfica. Baseado na informação
do repórter Valmir Salaro (que também trabalhava na rádio Jovem Pan), segundo a qual, a
emissora, apesar de ter uma pesquisa de boca-de-urna indicando que candidata petista
deveria vencer com grande margem, hesitava em confirmar a vitória, ele foi incisivo;
“Vamos colocar: Erundina Prefeita”. Foi o único jornal da capital que apostou na
informação, na edição do dia seguinte ao pleito.
Como estava sendo anunciado, desde o dia 11 de novembro, o Popular da Tarde
passou a ser o caderno Esportes e a editoria de variedades se transformou no caderno
Revista. Os avisos aos leitores, publicados diariamente, ressaltavam que eles iriam ter dois
jornais pelo preço de um. Dos profissionais que trabalhavam no jornal extinto, apenas
Roberto Petri, a pedido próprio, não foi aproveitado no novo esquema. Os profissionais da
editoria de esportes do Diário foram alocados em outras áreas, depois de consultados sobre
suas preferências, da mesma forma que os encarregados da geral do Popular da Tarde. O
logotipo em letras góticas, que era o mesmo desde a fundação, foi trocado por uma fonte
moderna e o nome do jornal continuou sem o acento por decisão de Miranda, assim
permanecendo até a reformulação gráfica de 1998 na implantação da impressão em cores.
O fechamento da primeira edição foi bastante complicado e a rodagem demorou
porque se decidiu colocar, na primeira página, o logotipo do Esportes, em azul e o do
Revista, em vermelho. Poucos dias antes, havia se integrado à empresa outro profissional
experiente em sua área e com relação antiga de amizade com Miranda e Ary: Raphael
Pagliuca que assumiu a diretoria de distribuição. Atuando muitos anos na área e
desfrutando da amizade de muitos jornaleiros, inclusive na cúpula do sindicato da
categoria, Pagliuca fortaleceu seu vínculo com Miranda. Todas as noites, antes de definir a
tiragem e as áreas da cidade que seriam mais abastecidas, os dois conversavam sobre os
fatos destacados na primeira página.
A situação do Diário Popular, quando Miranda assumiu, também foi descrita de
maneira diversa em vários momentos. A revista Imprensa, ao noticiar a compra, sem
apontar se Ary ou Quércia era o novo dono afirmou: “o Diário Popular, um jornal de 103
anos cuja força está com classificados com 80 mil exemplares de tiragem e uma circulação
173
não-comprovada de 64 mil exemplares, restrita à cidade de São Paulo (AO ESTILO...,
1988). Em outubro de 1993, em texto de Carolina Tarrio, a mesma publicação noticiou:
quatro anos e meio atrás (sic), o atual “rei das bancas’ e seu colega o Popular
da Tarde títulos da mesma empresa estavam falidos. Comprados por Ary
Carvalho em 1988, os dois títulos juntos não chegavam a tirar 30 mil exemplares.
Suas 30 páginas de classificados tinham caído para meia e a impressão não era
feita numa rotativa (sic). A composição ainda era em linotipo e o pessoal da
redação estava, obviamente, desanimado. (TARRIO, 1993)
A revista Veja São Paulo de 22 de setembro de 1993 informou: “Até 1988, a
publicação tinha uma tiragem baixa, em torno de 15.000 exemplares por dia”
(MANCHETES...,1933). Em Batista (2000, p. 65), encontra-se “No ano da venda, o Diário
Popular registrava uma das piores marcas em número de leitores; 129 mil leitores por dia, o
que significava 1% do mercado. A Folha de S. Paulo abocanhava 6% deste mercado e O
Estado de S. Paulo outros 4%”. Em outro trecho, a pesquisadora registra:
No ano seguinte, Ary Carvalho chama Jorge Miranda Jordão para dirigir o Diário
Popular
62
e implantar todas as mudanças necessárias para torná-lo um jornal
popular e aumentar as vendas. Miranda Jordão assume o jornal e encontra uma
situação caótica. A tiragem é de 20 mil exemplares e, das 30 páginas de
classificados que o Diário Popular havia se orgulhado e que fora o segredo do
sucesso, restava apenas meia página (BATISTA, 2000, p.67)
Em seus depoimentos para a pesquisadora, Miranda e Quércia também falam em
números diferentes; O primeiro declara que: “Até então os leitores do Diário eram
tradicionais e conservadores. Vendia-se à época 27 mil jornais por dia” (BATISTA, 2000,
p.95). Quércia reconhece que o jornal tinha bom volume de classificados e lembra que eram
dois jornais. “Tudo estava muito desmantelado, o jornal tinha muito classificado porque
tinha tradição, mas a tiragem era muito baixa, 20 ou 25 mil, se não me engano. Até então
tinha o Popular da Tarde que vendia mais 15 mil”. (BATISTA, 2000, p.85)
Essa profusão de números é justificável pelo fato de o jornal não ter sua tiragem e
venda auditadas pelo IVC. O autor deste trabalho recebia, até a venda do jornal, diariamente
o “Relatório de Tiragem” assinado por Umberto M. Costa Filho, responsável operacional
62
Também no depoimento de Miranda transcrito em Batista (2000), a confusão de datas, pois ele declara
ter entrado no jornal em 1989, quando a primeira edição sob sua direção foi a de 17 de novembro de 1988, dia
em que o Popular da Tarde deixou de circular.
174
pela circulação e por Tabajara Ferro Abranches, gerente da área. Os números constantes
dos documentos referentes à penúltima semana antes da venda são os seguintes:
DATA DIÁRIO POPULAR POPULAR DA TARDE
29/04/1988 SEXTA-FEIRA 34.851 31.859
30/04/1988 SÁBADO 32.185 32.223
01/05/1988 DOMINGO 54.330 36.030
02/05/1988 SEGUNDA-FEIRA 33.709 36.884
03/05/1988 TERÇA-FEIRA 37.817 30.322
04/05/1988 QUARTA-FEIRA 38.127 30.717
05/05/1988 QUINTA-FEIRA 49.080 36.529
Os relatórios de venda (denominados “Boletim Diário de Distribuição”) eram
entregues alguns dias após a circulação e vinham em partes, devido a atrasos na prestação
de contas de algumas bancas e à distribuição no interior e outros estados, cuja relação era
mensal. Os documentos eram cópias xerocadas de originais manuscritos. A ação do tempo
fez com que muitos dos conservados pelo autor se deteriorassem e, atualmente têm sua
leitura prejudicada, especialmente no campo data. Do período acima citado estão em
condições de leitura os referentes a 30/04/08, onde do reparte do Diário Popular distribuído
às bancas da capital, Grande ABC e Mogi das Cruzes, que foi 24.807 exemplares, foram
vendidos 14.331 com encalhe de 10.476, arrecadando Cz$ 401.268,00. O Popular da
Tarde, na mesma data, vendeu 13.612, do reparte de 22.488, com encalhe de 8.876 e
arrecadação de Cz$ 285.652,00.
Os números de 03/05/88 são os seguintes: Diário Popular: reparte de 30.633,
encalhe 10.851, venda 19.782, arrecadando Cz$ 692.370,00 e Popular da Tarde: reparte de
20.845, encalhe de 9.836, venda de 11.009, arrecadando Cz$ 269.729,50. Outras duas datas
nas quais é possível confrontar o “Relatório de Tiragem” e o “Boletim Diário de
Distribuição” são 23/04/88 (sábado) e 24/04/88 (domingo). Em tais datas, as tiragens foram
de 32.990, Diário, e 32.126, Popular da Tarde, e 55.933, Diário e 38.756, Popular da
Tarde, respectivamente. As vendas do sábado foram: Diário, reparte de 24.775, encalhe
175
10.524, venda de 14.251, arrecadação de Cz$ 399.028,00 e Popular da Tarde: reparte de
21.640, venda de 11.779, encalhe de 9.861, arrecadação de Cz$ 247.359,00. No domingo, o
Diário, de um reparte de 42.793, vendeu 30.314 e teve encalhe de 12.479, com arrecadação
de Cz$ 848.792,00 e o Popular da Tarde do reparte de 26.115, vendeu 12.640 e teve
encalhe de 13.475, com arrecadação de Cz$ 265.440,00.
Das vendas no interior do estado, no documento intitulado “Interior
Demonstrativo de Venda Avulsa”, distribuído em anexo a memorando de 26 de abril de
1988 assinado pelo gerente de circulação, referente aos meses de janeiro, fevereiro e março
daquele ano, vê-se que foram enviados em março 94.650 exemplares do Diário Popular,
dos quais foram vendidos 40.282 que renderam Cz$ 1.004.707,50, enquanto do Popular da
Tarde, foram distribuídos 255.677 e vendidos 152.104, rendendo Cz$ 2.785.627,50.
Com relação ao número de páginas de classificados, a planilha “Controle de
Páginas” referente janeiro de 1988 revela que naquele mês foram produzidas 1006 páginas
do Diário Popular, das quais 596,5 eram de redação e 409,5 de publicidade. Das 474
páginas do Popular da Tarde, 42,7% foram de redação e 48,3% de publicidade. Essa
proporção não se alterou significativamente nos meses seguintes. Outra evidência de que a
situação financeira não era tão dramática como se alardeava é um documento de 25 de abril
de 1988 (a 18 dias da venda), no qual se projetava o custo de se aumentar em duas ginas
o jornal, prevendo-se a contratação de oito profissionais para a redação. O valor orçado era
de Cz$ 833.471,64, entre salários e encargos, e despesas industriais de Cz$ 1.334.071,00
para uma tiragem média de 43,3 mil exemplares.
Essa evidência é acentuada com a revelação de Luis Frias de Oliveira, diretor
comercial do Grupo Folha, à revista Imprensa de maio de 1988:
O Notícias Populares tem de 60 a 90 páginas de publicidade por mês. A Folha da
Tarde está na faixa de 80 a 100 páginas, e a Folha de S.Paulo no patamar de 1000
a 1300 páginas/mês. Acho que as agências ainda mantêm algum preconceito em
relação ao NP em função do sensacionalismo e da agressividade no tratar a
notícia. Mas isso está mudando, com a mudança gradual do veículo. Nosso
projeto pra o NP não é modernizante, nem renovador. Vamos melhorar o produto
que já tem boa circulação. (A MANCHETE...,1988)
176
As vendas médias do Notícias Populares eram de 69.506 exemplares, aos
domingos, 100.380, na segunda-feira, e 82.394, de terça a sábado
63
. Números bem
melhores que os do Diário Popular. A Folha da Tarde não era auditada pelo IVC na época
e passava por uma reformulação editorial comandada por Carlos Brickmann e Adilson
Laranjeira, mas pesquisas informais realizadas em bancas pelo departamento de circulação
do Diário, para avaliar o fluxo de vendas, apontavam que tinha um público semelhante ao
do Diário. O Jornal da Tarde vendia, em média, 129.987 exemplares, na segunda-feira, e
88.335 de terça a sábado.
64
A relação entre o volume de anúncios dos jornais do Grupo Folha, revelado por seu
diretor, e suas tiragens quando comparadas com aos mesmos referenciais do Diário
constantes dos documentos mostram que o jornal ainda preservava um potencial de atração
de anúncios classificados que poderia viabilizar sua recuperação. Esse panorama justifica a
expressão “negócio da China” utilizada pela revista Imprensa (AO ESTILO...,1988) e
permite entender o porquê de Quércia repete que comprou “barato” o jornal fundado em
1884 por José Maria Lisboa.
5.2 Um projeto jornalístico ao qual não faltou recursos financeiros
De todos os patamares admissíveis para se observar a escalada de sucesso do Diário
Popular iniciada após o fim do controle acionário da família Lisboa, percebe-se a
importância da condução de Miranda e de sua intuição sobre as expectativas do leitor e da
capacidade da equipe que implantou as alterações. Porém, essas análises ficam incompletas
se não se considerar um aspecto fundamental que foi a disponibilidade de recursos para se
investir na transformação. O modelo implantado era caro e exigiu a ampliação da equipe de
redação e de áreas correlatas, um reajuste importante nos salários e investimentos em infra-
estrutura, como a disponibilização de uma frota maior para a reportagem, equipamentos
para o departamento de fotografia, verbas para viagens mais freqüentes, criação de uma
rede de correspondentes no interior e até coisas elementares como o franqueamento de
ligações telefônicas interurbanas.
63
IVC de fevereiro de 1988. revista Imprensa , abril 1988
177
O montante e a origem dos recursos no investimento de quem se dispõe a comprar e
recuperar uma empresa, seja para revendê-la no futuro com lucro (o caso de Quércia), seja
para valorizar seu patrimônio, normalmente, estão previstos no momento em que se efetua
a transação. O detalhe diferenciador e de interesse público a ser salientado na análise da
operação de revitalização do Diário Popular, comparando-a com processos semelhantes em
empresas do mesmo setor ou de outros, é o fato de que a injeção de dinheiro novo foi
fortemente reforçada através da publicidade oficial do estado. Uma consulta às páginas do
jornal e a comparação com o volume de anúncios de órgãos públicos encontrados no
período anterior à compra e nos meses que se seguiram demonstram que houve crescimento
significativo de publicidade oficial.
Quércia reconhece o fato, mas garante que não houve orientação sua neste sentido.
A negativa não invalida a constatação de que a destinação da verba publicitária do governo
e das estatais, especialmente do Banco do Estado de São Paulo (Banespa), da Sabesp
(Companhia de Saneamento Básico de São Paulo) e da Fepasa (Ferrovias Paulistas S/A),
tinha uma diretriz clara na distribuição entre os veículos: havia a publicação obrigatória,
que era o Diário Oficial, e mais dois jornais recebiam os anúncios. Na definição desses, os
balanços e publicações especiais sempre apareciam no Diário Popular, com a alternância
entre a Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo como o segundo a receber a verba. O
tratamento diferenciado do Diário foi mantido pelo sucessor de Quércia, Luiz Antonio
Fleury Filho, por três anos, sendo que no segundo semestre de 1993 e no primeiro de 1994
houve um estremecimento das relações entre “criador” e “criatura” e os anúncios
desapareceram.
Na gestão Quércia, verificou-se um período, no seu último ano no cargo, em que as
páginas do Diário Popular ficaram sem as publicações oficiais e a divulgação das estatais.
Na época, Miranda confidenciava que tinha consultado Ary e este o tranqüilizara dizendo
que estava tudo bem, sem mais explicações. Hoje, ele esclarece o fato, afirmando que a
retirada foi pressão para que Ary vendesse sua parte no Diário. Miranda se declara
convencido de que o empresário carioca possuía de algum percentual da empresa, mas não
se arrisca a dizer se ele tinha entrado com dinheiro no negócio ou apenas com know-how e
o nome visando a não comprometer o governador com os casos de privilégio na
64
Idem.
178
distribuição de verbas oficiais. O que ele ressalta não ter dúvidas é que a saída não foi
pacífica e que as relações entre Ary e Quércia ficaram estremecidas, durante algum tempo.
Sobre esse fato, Miranda relata:
Quando o Ary vendeu a parte dele do Diário Popular para o Quércia, ele me
disse: estou vendendo minha parte para o Quércia, vou sair. (O Saboya
65
conhece
bem essa história). Mas o Quércia vai te chamar e vai querer que você fique aqui
no Diário Popular. Mas eu não quero que você fique com esse filho da puta.
desse ladrão, esculhambou com o Quércia. Eu disse: então, como eu faço? Ele
disse: ele vai te chamar e você vai dizer que você quer ir para o Rio comigo... Eu
não quero ir para o Rio com você porque eu não tenho lugar no Dia.
(JORDÃO, 2008).
Como é improvável que a troca de proprietários do jornal seja esclarecida de forma
cabal, principalmente por Rodriguinho e o empresário carioca estarem mortos, o episódio
da retirada dos anúncios em 1990 também tende a continuar misterioso. Persiste a dúvida se
a pressão citada por Miranda seria para a compra de uma parte da sociedade ou uma forma
de prevenir eventual manobra de Ary para se apropriar do controle, no pressuposto de ter
sido ele apenas “testa de ferro” do ex-governador. Para a história do jornalismo, o fato de a
pressão ter dado resultado é o que deve ser ressaltado por se tratar de elemento provocador
de reflexão, como comprovação de que, naquele momento, a empresa não poderia
sobreviver sem o dinheiro vindo do governo. Da constatação aflora o debate sobre a
dependência dos veículos midiáticos das verbas públicas, questão sempre presente nas
pesquisas sobre os meios de comunicação e sua viabilidade econômica.
No Brasil, são vários os casos desse tipo merecedores de investigação cientifica.
Além da polêmica sobre a origem dos recursos que garantiam a circulação do primeiro
jornal do País, o Correio Braziliense de Hipólito José da Costa, um dos episódios
marcantes foi o embate, no início do século XX, entre O Estado de S. Paulo e o ex-
presidente Campos Sales, que declarara ter dado dinheiro a jornais não ser criticado,
durante seu mandado de 1898 a 1902. Bahia (1990, p.160) lembra que as revelações
constam de um livro do influente político que esteve entre os fundadores de A Província de
São Paulo, transformada em O Estado. O pesquisador também destaca a reação de Julio
Mesquita que rebateu as acusações de que a publicação por ele dirigida estivesse entre as
beneficiárias:
179
As reflexões de Julio Mesquita partem de sua constatação de que circulam
histórias sobre favores financeiros a O Estado [...] ‘Isto é redondamente falso’
afirma Mesquita [...] Lembra que o atual diretor do Tesouro é de outra corrente
política. ‘Se faltamos à verdade, ele que nos desminta. A isso o autorizamos’. E
pontifica: ‘A nossa independência não tem preço’. ‘Os governos, quer os que
apoiamos, quer os combatemos, pagam’ pelos anúncios, editais, reproduções.
Mesquita esclarece: ‘Não há nenhuma consideração de ordem moral que nos
obrigue, ou simplesmente nos aconselhe, a fornecer aos governos publicidade
gratuita’. E ainda: ‘Os governos que apoiamos não pagam mais do que os que
combatemos e ambos pagam como público nem mais nem menos. Isto basta para
a tranqüilidade de nossa consciência’ (BAHIA, 1990, p.161 – grifo do original)
Em sessão comemorativa do centenário do Instituto Histórico e Geográfico de São
Paulo, Adérito Calado fez homenagem ao Diário Popular, na qual se refere à manifestação
semelhante de José Maria Lisboa Júnior, durante a ditadura Vargas. O texto, com data de
11 de maio de 1994 e que tem uma cópia no arquivo do jornal, conta:
Quando no auge da ditadura de Getúlio Vargas foi criado o famigerado
Departamento de Imprensa e Propaganda, com a expressa finalidade de informar
à opinião pública apenas o que realmente interessava ao próprio governo e
implícito suborno (sic) foi chamado o ‘Diário Popular’ para ser cientificado de
que havia ao seu dispor uma polpuda subvenção mensal, recebida com grande
entusiasmo pelos outros jornais. Ao tomar conhecimento disso, a repulsa de
Lisboa Junior foi imediata, embora de certo modo prudente. Subvenção não
aceitaria de forma alguma. Porém, como o jornal não podia recusar os
comunicados do governo, o noticiário oficial seria publicado. Contudo, no fim de
cada mês seria medido o espaço ocupado pelas publicações feitas e se faria,
então, a devida cobrança como se simplesmente se tratasse de qualquer outro
cliente (CALADO, 1994, p.11-12).
100 ou 120 anos, em um modelo limitado de negócio, contar com o suporte de
verbas públicas era algo normal para os veículos e vários chegavam a orientar seu
posicionamento editorial de acordo com os recursos recebidos. O Correio Paulistano, cuja
linha editorial se aliava aos conservadores republicanos, publicava em sua primeira página
de 9 de novembro de 1884, que entre os requerimentos apresentados à sessão da Câmara
Municipal de 5/11/1884 estava o do gerente do jornal solicitando o pagamento de 137$500
referentes a publicações feitas no mês de outubro. O exemplar do jornal era vendido a 60
reis e a assinatura anual custava 14$000, o que significa que as publicações oficiais do mês
noticiado equivaliam a 10 assinaturas anuais. Do outro lado do espectro ideológico, O
65
Ricardo Saboya foi diretor superintendente do Diário Popular de 1989 a 1996.
180
Estado de S. Paulo, logo após a proclamação da República, causa que motivou sua
fundação, auferiu receitas vindas da publicação das sessões da Assembléia Estadual.
A transparência pode validar estas negociações, assim como torna normais as que se
vêem nos dias de hoje quando o governo continua a ser um dos maiores anunciantes em
todos os meios de comunicação. Sua distribuição através de critérios políticos é o ponto
questionável tanto no começo da história da Imprensa como atualmente, porém isso acabou
se tornando inerente à relação entre poder e mídia. Um ponto a destacar da participação
desproporcional do Diário Popular na divisão do “bolo publicitário oficial” no período
Quércia/Fleury é que suas conseqüências na configuração do mercado foram impactantes.
Para efeito de análise é conveniente desdobrar os reflexos das estratégias de
expansão em dois períodos, especialmente por a injeção de recursos, via anúncios do
Governo, ter acontecido em uma fase inicial onde o alvo era a conquista de leitores. Essa
etapa foi da chegada de Miranda até sua saída do comando da redação, que é considerada
neste trabalho como a sexta e penúltima morte do jornal. É admissível a ressalva de que a
partir do segundo semestre de 1993, o jornal deixou de receber anúncios do estado com a
mesma prodigalidade dos quase seis anos anteriores, mas isso não invalida a constatação de
que ele se robusteceu para enfrentar a concorrência nos tempos de privilégio. Além disso,
com a estabilização financeira do período, ficou facilitada a contratação de financiamentos
para investir em tecnologia e promoções de marketing que levaram à segunda etapa,
quando, sem Miranda no comando editorial, se procurou conquistar uma fatia maior no
mercado de anúncios classificados e atrair mais leitores com essa tática.
O custo de ambas as iniciativas foi alto, principalmente ao se notar que o
faturamento do jornal, após a saída do Fleury Filho do governo, não era suficiente para
cobrir as despesas da empresa. Uma planilha de previsão de receita e despesas de maio de
1993 mostra que a diretoria administrativa contava com o faturamento de 250 mil dólares
naquele mês oriundos de receitas de anúncios do Governo. Com essa entrada, estimava-se o
lucro operacional de U$ 224.862,00, enquanto, a coluna “resultado operacional sem
governo” mostrava que, sem ela, a previsão era de prejuízo de U$ 25.138,00
66
. Era
prevista a venda equivalente a 190,4 páginas de classificados, com o preço médio do
centímetro por coluna de U$ 7,50, 33,4 páginas de anúncios indeterminados (que eram
181
chamados de “anúncios de noticiário”), ao preço médio de U$ 30,00, e 7,02 páginas de
anúncios do Governo, ao preço médio de U$ 90,00. Quando se tratavam de inserções
oficiais nos classificados a diferença era mais acentuada, com o governo pagando U$ 42,00
por centímetro de coluna.
Como a empresa deixou de ser sociedade anônima ao ser adquirida por Quércia, não
foi mais obrigada a tornar seus balanços públicos. Por isso, a análise do reflexo da injeção
de recursos oficiais é possível de forma empírica. Com relação à fase de crescimento da
tiragem, é mais visível o efeito na configuração do mercado. O primeiro a sentir a
concorrência foi o Notícias Populares. A respeito Campos et al (2002 p.210) lembram que
o Diário havia entrado na década de 90 disposto a atropelar os adversários e detalham a
opção de contra-ataque do NP.
Mesmo com NP e Dipo garantindo ter alvos diferentes no mercado, as empresas
sabiam que uma boa parcela dos leitores estava em uma mesma alça de mira.[...]
Ainda pouco afetado pelo crescimento constante do Diário Popular nas bancas, o
NP percebeu o risco da situação [...] Repetindo uma experiência sagrada para
Mellé, o jornal custaria a metade do seu rival direto e ainda menos se comparado
aos outros. Em novembro de 1992, o NP tornou a estratégia pública. Ao lado do
preço Cr$ 2 mil na época – uma enorme chamada entregava; ‘NP é mais legal e
custa a metade do preço do Diário Popular’. Em 1º de dezembro, já custando Cr$
2.500, o NP se limitava a anunciar: ‘Mais barato que o Diário Popular’. Duas
semanas mais tarde, o preço batia em Cr$ 3 mil e o periódico apelava para uma
desanimada marchinha no lugar da chamada: o Diário Popular caro, caro pra
chuchu, compre o NP e economize seu tutu” (CAMPOS et al, 2002, p.210-211)
Os dados do IVC mostram que, em dezembro de 1992, nas quintas-feiras (seu
melhor dia da semana), o Notícias Populares teve uma média de 73.835 exemplares
vendidos contra 104.707 do Diário Popular. Em dezembro de 1993, sempre com base na
quinta-feira, os dois cresceram, com NP chegando aos 96.752 exemplares e o Diário a
136.143. Em 1994, houve um quase empate com o NP atingindo 112.315 exemplares e o
Diário registrando 113.104. Em 1995, ano em que Miranda foi afastado da redação no
início do segundo semestre, os números foram 153.536 para o Diário contra 88.838 do NP.
A proporção se manteria em 1996 e 1997, dando sinais de aprofundamento em 1998,
quando, em julho o Diário passou a ser impresso em cores e a utilizar os “anabolizantes”.
66
Planilha “Projeção Econômicas das Edições Mês:Maio/93” entregue os diretores da empresa (arquivo do
autor)
182
Ainda na fase do jornal em preto e branco, o concorrente que mais perdeu espaço
com o crescimento do Diário Popular foi o Jornal da Tarde, que nas palavras de Ruy
Mesquita, por ironia, viria a ser o que mais se aproveitaria da migração de leitores
acontecida em função da operação implantada pelas Organizações Globo (MESQUITA,
2004). Tomando por base o mês de outubro de 1990, quando o Diário Popular, passou a
ser auditado pelo IVC, e o mesmo mês nos anos subseqüentes e comparando-se aos
melhores dias do JT nas bancas, a segunda-feira (quando sua edição de esportes é destaque)
e a quarta-feira (dia em que circula o Jornal do Carro, de grande poder de atração sobre os
leitores), confere-se os seguintes números:
ANO JT DE 2ª DIÁRIO DE 2ª JT DE 4ª DIÁRIO DE 4ª
1990 140.438 83.701 140.350 76.267
1991 149.320 114.113 151.334 103.387
1992 100.493 107.552 148.481 105.091
1993 99.930 129.557 122.757 99.930
1994 88.664 124.221 136.603 120.539
1995 81.200 140.638 130.479 132.992
O desempenho do Jornal da Tarde continuou em queda e, considerando-se apenas
as vendas em banca na Grande São Paulo, segundo o IVC, ele teve a venda média em 1999
de 22.599 exemplares contra 133.591 do Diário Popular. Nesse ano, houve mais um
movimento no mercado da mídia impressa da capital que se relacionava com a performance
do Diário Popular. Repetindo o projeto das Organizações Globo que criaram no Rio de
Janeiro, o Extra para combater o Dia no segmento dos jornais classificados pelo mercado
como populares, o Grupo Folha decidiu colocar um novo título em circulação. Campos et
al (2002) comentam a escolha do conglomerado que tinha duas publicações competindo
por públicos semelhantes:
A alternativa era reformular apenas um, seguindo a trilha do Extra, aproveitando
para conter a escalada de vendas do Diário Popular, que vendia como água e já
assustava a própria Folha de S. Paulo. Com vendas maiores, o Notícias Populares
183
seria o candidato natural à injeção de recursos. Na avaliação da empresa,
entretanto, era um risco: a marca do NP tinha enorme rejeição. [...] Em 21 de
março de 1999, a empresa acabou com a FT; no dia seguinte, o Agora São Paulo
estava nas bancas (CAMPOS et al, 2002, p. 242).
Tendo passado a maioria dos anos de sua vida em posição secundária no mercado, o
Diário Popular, ao conquistar uma fatia significativa do público leitor, passando a influir
em mudanças de estratégia dos concorrentes, como foi o caso da troca da Folha da Tarde
pelo Agora e do fim do Notícias Populares, se transformou em fenômeno comunicacional
merecedor de estudo. Sua importância histórica se acentua quando se considera o fato de
que o modelo implantado por Miranda viabilizou o projeto que levaria Quércia a lucrar
significativamente com sua venda e que a decisão das Organizações Globo de substituir o
jornal nas bancas abriu espaço para a “salvação” do Jornal da Tarde.
É necessário ressaltar que a consolidação das mudanças de Miranda se deram
concomitantemente às alterações nas pautas dos dois títulos considerados “não-populares”,
que dominavam (e dominam) o mercado paulistano. A abertura de um espaço maior para
assuntos policiais, valorização do noticiário esportivo, notadamente com relação ao futebol,
e a elevação da televisão, como instrumento de entretenimento, a assunto de primeira
página, bem como a criação de cadernos próprios sobre o tema, foram mudanças nesses
veículos que ocorreram a partir do momento em que o Diário Popular iniciou sua escalada
rumo à liderança nas bancas. Considerando-se que o jornal foi pioneiro na utilização, como
elemento de atração de leitores, desses temas, que se ligam ao conceito de “popular”
substantivado, é possível afirmar que as alterações promovidas pelos concorrentes foram,
em parte, inspiradas na pauta adotada pelo veículo, sob o comando de Miranda.
Duas questões afloram a partir dos efeitos da estratégia do Diário Popular no
mercado midiático paulistano: 1)- Seria possível implantar um projeto com as mesmas
chances de sucesso sem os recursos que foram investidos? 2)- A disponibilização de
recursos garante, por si só, o sucesso de um projeto editorial? A história da Imprensa e do
Diário Popular indicam que a resposta para ambas as perguntas é não. Afinal, como
reconhece Miranda, não seria possível à equipe reduzida, que, em 1988, lutava para manter
o jornal vivo, produzir o conteúdo que foi oferecido com o novo modelo. Por outro lado, se
dispor de dinheiro para investir fosse garantia de sucesso, as Organizações Globo não
teriam fracassado em sua tentativa de ressurreição do Diário de S. Paulo.
184
5.3 Miranda Jordão e suas lições de respeito ao leitor
Não existe uma receita básica para o sucesso de um empreendimento jornalístico.
Ele é a combinação de circunstâncias, que vão desde as necessidades do mercado e da
capacidade de se implantar um projeto que as atenda até ao estabelecimento de uma
filosofia clara, que, preferencialmente, deve ser transmitida por exemplos. Nesse sentido, a
condução da transformação do Diário Popular em “rei das bancas’, por parte de Miranda
Jordão, foi paradigmática. Além de estabelecer os critérios da publicação e exigir o
envolvimento da equipe na disseminação dos compromissos com o público, ele estava
sempre presente na vigilância do cumprimento deles. Sua premissa básica era o respeito ao
leitor. Ainda na fase inicial do crescimento de tiragem, Miranda deu uma demonstração
antológica de sua maneira de ver jornalismo que ficou registrada na memória de todos que
estavam na redação em uma madrugada de fechamento bastante atrasado.
No dia anterior, o INSS mandara ao jornal um comunicado dizendo que mais de 11
mil aposentadorias bloqueadas no órgão tinham sido liberadas. Miranda decidiu publicar a
relação. O diretor industrial Orlando Murad foi consultado sobre a possibilidade de a
mesma ser composta e sobre o custo das horas extras de linotipistas e do papel a mais que
seria necessário. Miranda precisou se esforçar para convencer o superintendente Joaquim
Carlos Barros, genro de Ary Carvalho, de que valeria a pena o investimento. Foi uma
operação complicada e o jornal acabou ficando pronto para a impressão somente por volta
das quatro horas da madrugada.
Os jornalistas que acompanhavam a liberação das chapas para impressão, ao subir à
redação, encontraram Miranda em meio a dezenas de flãs espalhados pela sala, contando os
nomes inseridos em cada página. Diante da pergunta se estaria “maluco”, que a
composição tinha passado pela revisão, Miranda respondeu que, no dia seguinte, 60 mil
pessoas iriam comprar o jornal e mais de 200 mil poderiam ler as ginas e que havia a
possibilidade de uma delas contar os nomes. Diante do espanto dos ouvintes, acrescentou
que se tal pessoa achasse alguma diferença, o jornal perderia um leitor e concluiu alertando
que havia o risco de alguém que teve seu benefício liberado não ver o nome na relação. A
divulgação das listas de benefícios liberados pela Previdência passou a ser chamariz de
vendas, um sistema de impressão direto dos arquivos enviados facilitou a publicação e os
185
outros jornais da capital optaram por fazer uso do recurso. Ainda hoje, as relações do INSS
são destaques de primeira gina, especialmente no Diário de S. Paulo e no Agora, do
Grupo Folha.
O compromisso com a exatidão foi a principal marca da direção de Miranda. A
respeito da importância desse atributo no jornalismo, Kovach e Rosensteil (2004) contam
que, em julho de 1997, foi criado nos Estados Unidos, o Comitê dos Jornalistas
Preocupados, grupo de influentes profissionais do setor cujo objetivo era descobrir porque
o público o mais confiava na Imprensa como antes. Das reuniões do comitê surgiram
recomendações que poderiam contribuir para a recuperação da credibilidade, em um
momento em que os interesses comerciais e políticos começavam a preponderar nas
empresas jornalísticas. Os três primeiros itens destacados pelo comitê ressaltavam; “A
primeira obrigação do jornalismo é com a verdade, sua primeira lealdade é com os
cidadãos, sua essência é a disciplina da verificação” (KOVACH ; ROSENSTEIL, 2004).
O caso da lista do INSS foi emblemático do valor dado por Miranda à verificação
de cada informação. Como lia cópia de todas as matérias, na fase em que o jornal ainda era
datilografado em laudas, ou no vídeo, depois da informatização, verificava em todas as
reportagens que discriminavam nomes se o total citado na abertura ou em título conferia
com a relação. Era comum surgirem matérias onde se via no lead “oito pessoas morreram
em acidente” e na discriminação constavam sete nomes ou nove. Miranda se exaltava
diante disso e advertia repórteres e editores sobre o erro. Dizia, em tom sarcástico, que
sonhava criar um jornal chamado “Foda-se o leitor” para editar matérias produzidas com
descaso e sem preocupação com a exatidão.
Apesar de haver uma recomendação expressa aos editores para que não deixassem
sair a mesma informação em duas colunas diferentes, também elas passavam pelo crivo de
Miranda. Ele sabia que devido à chegada de releases sobre determinado assunto para várias
pessoas na redação, havia o risco da repetição e conferia uma a uma. Também aproveitava
para cortar tudo que lhe parecia ser apenas de interesse comercial. A coluna de Amaury Jr
era a que mais tinha notas retiradas por esse motivo. Miranda também se dava ao direito de
incluir informação nos espaços assinados. Isso criou uma situação constrangedora para
Amaury em maio de 1989, quando se casaram o empresário da noite José Victor Oliva e a
jogadora de basquete Hortência. O colunista era amigo do casal e freqüentador assíduo do
186
Gallery, casa noturna de propriedade de Oliva e cenário de muitas das notícias que ele
divulgava. No dia do casamento, foi escalada a fotógrafa Ésmelin Fernandez para registrar
o fato e trazer a imagem para ser inserida junto ao texto elogioso preparado previamente
por Amaury. Na volta, ela descreveu cenas incompatíveis com a versão adiantada e
Miranda ordenou que fosse editada a realidade do acontecimento, caracterizado por
episódios marcados pela comicidade, como se vê:
A única coisa que funcionou como a praxe, após vários meses de preparação, foi
o atraso de uma hora da noiva. A longa espera no interior da igreja causou
nervosismo e cansaço nas três mil pessoas convidadas, dentro de um local com
capacidade para a metade desse público [...] Na hora do sim, um verdadeiro
pandemônio. A loucura era tanta que até o cálice de água benta caiu no chão e a
cerimônia durou apenas meia hora. Final de festa. Classe alta e baixa se
misturaram num verdadeiro carnaval. Foi uma briga para levar pedaços da
decoração [...] Na saída da noiva, penetras penduravam-se pelas colunas da igreja
e comentavam que a noiva não era tão bonita. (O CASAMENTO... , 1989)
No dia seguinte, Amaury, inconformado com a repercussão da notícia e temendo
por sua amizade com os noivos, pediu autorização para dar uma nota, onde esclarecia não
ter sido autor do texto. Miranda não permitiu a publicação, aceitando apenas que nos dias
seguintes, a coluna fosse recheada com fotos de personalidades convidadas, todas
elogiando a cerimônia e a festa.
O estilo de Miranda, caracterizado pelo controle total do conteúdo editorial, e sua
determinação ao impor os interesses da redação sobre as demais áreas impressionavam aos
jornalistas, acostumados a ver o setor industrial ditar o ritmo da empresa, desde os tempos
do ex-linotipista Nello Ferretini. O horário de fechamento das edições consideradas
normais passou a ser alguns minutos depois de corrido o último páreo no Jóquei, mudando
a regra anterior, onde a publicação dos resultados dependia do número de classificados.
Suas requisições de compras eram atendidas imediatamente, assim como não se
questionavam as contratações de pessoal e os reajustes salariais.
De suas demonstrações de autoridade o escapavam nem os diretores. Em sua
primeira semana no comando da redação, o próprio Ary Carvalho teve de recuar diante da
contrariedade de Miranda, que não aprovou a maneira como o empresário ordenou que
fosse demitido o cartunista Fausto Bergocce. Ary não havia gostado de uma charge do
ilustrador, mas aceitou a recomendação de Miranda de que voltasse atrás e Fausto
187
permaneceu na empresa por, aproximadamente, dez anos. Ricardo Saboya, o diretor
superintendente colocado por Ary como substituto do genro Barros, foi o que mais teve de
aceitar as condições de Miranda.
O episódio mais marcante da série de
constrangimentos infligidos a Saboya aconteceu em 15 de
fevereiro de 1992. Em um desafio entre lutadores de Jiu-
Jitsu e Full Contact, realizado no Ginásio do Ibirapuera,
em São Paulo, onde eram feitas altas apostas, acabaram
detidos, entre outros expectadores, o ator Stepan
Nercessian e o então diretor da Rede Globo Miguel
Coelho Neto Pires, filho do ministro do Exército no
governo Sarney, Leônidas Pires Gonçalves. No 36º
Distrito Policial, na Vila Mariana, em São Paulo, Miguel
alertou ao repórter Gilvan Ribeiro que não adiantaria
escrever a matéria, pois nada sairia, uma vez que ele era
amigo de infância do superintendente do jornal. Gilvan
elaborou a matéria contando a confusão, inclusive ressaltando que o apresentador Sérgio
Mallandro conseguira escapar de ser preso, e a entregou ao editor Arnaldo Branco Filho.
Esse a colocou com destaque na página, no momento em que começaram os telefonemas de
Saboya pedindo que a matéria fosse esquecida. Miranda estava de folga, mas, contatado, foi
claro em dizer que os repórteres precisavam ter a garantia do respaldo da chefia de que
nenhuma pressão externa os impediria de executar sua função. Assim, Saboya teve de
explicar ao amigo de infância, diretor da Rede Globo e filho de ex-ministro do Exército,
que não havia como impedir que sua passagem pelo distrito ficasse registrada. A única
concessão foi a troca das fotos da matéria, sendo publicada uma em que Miguel aparecia
em segundo plano ( cf. RIBEIRO, G.,1992).
O superintendente tinha outro amigo de infância que era pauta dos jornais: o atual
presidente da CBF (Confederação Brasileira de Futebol), Ricardo Teixeira. Em sua
primeira eleição, acontecida em 1989, no início da campanha, Saboya ainda era diretor
financeiro de O Dia, mas preparava-se para assumir em São Paulo. Ele pediu a Miranda
um tratamento especial ao amigo na cobertura do pleito e conseguiu a publicação de uma
188
entrevista sobre os planos de Teixeira. Nelson Nunes lembra que foi complicado conciliar o
noticiário com as opiniões de Saboya:
Foi complicado porque o Diário sempre teve uma postura de independência, de
ser um jornal que se posicionava contra a “cartolagem”, que não tinha rabo preso,
criticava pra caramba os cartolas e principalmente a CBF, talvez até levantando a
bandeira dos clubes paulistas contra a opressão da CBF e, de repente, o
superintendente passou a ser uma pessoa muito ligada ao Ricardo Teixeira, amigo
de infância, colega de escola e tivemos muitos problemas, tivemos que fazer, com
muito constrangimento, uma página de aniversário do João Havelange, que era
contra o espírito do jornal. (NUNES, 2008, entrevista)
Na verdade essa abertura à influência de Saboya no Esportes foi facilitada por ele
ter estabelecido relacionamento direto com os editores, principalmente no início, quando o
cargo era ocupado por Sérgio Carvalho. Percebia-se, também que Miranda não se
importava muito com as interferências nesta área como uma forma de compensar suas
outras negativas, entre as quais as mais conflituosas eram em relação à publicação de cartas
na seção Defesa do Consumidor, reclamando das Casas Bahia, que continuavam sendo o
maior cliente dos anúncios de varejo. Os diretores comerciais que se sucederam no período
queixavam-se a Saboya que repassava o problema e pedia que as queixas fossem
publicadas, após resposta do cliente, mas Miranda não abria mão das regras estabelecidas
que eram de publicar a crítica e aguardar a reposta. Seu argumento sempre foi o de que era
preciso respeitar o leitor que esperava que o jornal resolvesse seu problema.
Para Miranda, o respeito ao leitor implicava na proteção das fontes e no apoio aos
profissionais da redação. Uma demonstração desse espírito foi dada em 1993, em um caso
que se transformou em disputa judicial, na qual o autor deste trabalho, por seu cargo de
editor-chefe foi processado pelo Tacrim (Tribunal de Alçada Criminal)
67
, condenado em
primeira instância e inocentado em segunda. A ação, movida pelo presidente do órgão do
Judiciário, Evilásio Lustosa Goulart, se deu pela recusa do jornal em entregar cópia de
abaixo-assinado enviado por funcionários reclamando do não-cumprimento de cláusulas de
um acordo trabalhista. O presidente do Tacrim chegou a expedir mandado de busca e
apreensão do documento, que foi guardado em local seguro. Fracassada essa tentativa,
67
O Tribunal de Alçada Criminal, Tribunal de Alçada Cível e Tribunal de Justiça eram divisões da Justiça em
Segunda Instância. Com a Emenda Constitucional 45, de 8 de dezembro de 2004, eles foram unificados
com suas funções e estrutura funcional sendo concentradas no Tribunal de Justiça.
189
usando o argumento de que, ao não revelar quem tinha feito a reclamação, jornal estaria
assumindo seu teor, o órgão ingressou com ação por injúria, calúnia e difamação, contra o
Diário Popular, na figura de seu editor-chefe.
Durante todo o processo, o jornal, que contratou o advogado Geraldo Jabur para a
defesa, manteve-se firme na posição de não entregar os nomes dos reclamantes e prestou
toda assistência ao jornalista processado. A redação, além de elogiar a posição, comentava
a diferença entre esse episódio e outro semelhante, em 1988, no qual o então candidato a
prefeito Jânio Quadros processara o jornalista Mauro Ramos e o diretor de redação Moziul
Moreira Lima, argumentando que o comentário considerado ofensivo estava assinado,
decidiu não apoiar o funcionário.
Apesar de adepto da imparcialidade jornalística, Miranda não escondia sua
simpatia pelas idéias consideradas à esquerda e isto fez com que o jornal tivesse um
posicionamento simpático com relação à administração petista de Luiza Erundina.
Enquanto a quase totalidade dos órgãos de imprensa da capital abria espaço para seus
críticos, o Diário Popular, mesmo apontando os equívocos de uma gestão inexperiente,
ressaltava o lado positivo. Os espaços para artigos opinativos passaram a abrigar textos de
pessoas ligadas a movimentos sociais e a assinatura de Frei Betto entre eles, era freqüente.
Miranda nasceu em uma família conservadora do Rio de Janeiro, estudou na Suíça e
fala fluentemente francês e inglês. Ele lembra que sua primeira reportagem assinada no
semanário Flan, de Samuel Wainer, tinha como personagem uma das “certinhas do
Lalau”
68
, chamada Luana, que saiu na capa praticamente nua. Seu pai o chamou e
perguntou se ele não poderia tirar o sobrenome das matérias. Com isso, ele passou a assinar
os textos como Jorge Antonio. Por ser poliglota, foi escalado como setorista do Aeroporto
do Galeão, onde chegou a trabalhar para cinco jornais, inclusive Diários Associados e O
Globo.
Sem ser militante de nenhuma das organizações que lutavam contra a ditadura,
Miranda se define, hoje, como “colaborador anônimo” do movimento e lembra que
cultivava amizades com jornalistas filiados a partidos considerados proscritos e,
68
As Certinhas do Lalau” foram criadas, na década de 50, pela irreverência de Stanislaw Ponte Preta,
pseudônimo do jornalista Sérgio Porto, como paródia da lista das mulheres mais bem vestidas publicada na
Revista Manchete. Eram mulheres bonitas, a grande maioria vedetes do teatro. Em 14 anos, foram eleitas 142
“certinhas”, entre elas, Betty Faria, Wilza Carla, Íris Bruzzi, Virginia Lane, Darlene Glória e Norma Bengell.
190
especialmente, com os freis dominicanos, tachados de subversivos pela ditadura militar.
Esse perfil deu origem a seu único emprego fora da órbita da Última Hora. Foi em 1967,
quando, desejando negociar sua volta do exílio, Samuel Wainer pediu que o jornal
aliviasse as críticas aos militares no poder. Miranda não concordou e foi substituído no
comando da Última Hora carioca por Jânio de Freitas. A troca coincidiu com um convite de
Octavio Frias de Oliveira, que planejava relançar a Folha da Tarde. Miranda relata:
eu chego no Frias que conhecia meu trabalho no Última Hora de São Paulo e
ele me levou no 2º andar do prédio da Folha, não tinha nada, era um salão vazio.
Ele disse: eu te trouxe aqui porque quero te fazer um convite. vendo esse
salão? Eu quero um jornal de esquerda pra sair em novembro. Eu disse: um jornal
de esquerda a essa hora? Ele disse: não. Um jornal de esquerda que eu digo, é um
jornal popular que hoje para esse governo que está aí, o popular é sinônimo de
esquerda. Você pede o que você quiser: mesa, cadeira, tudo. E realmente fez-se
um número 0 no mês de outubro e a Folha da Tarde foi que inaugurou o off-set,
da Folha. No número 0, eu coloquei no alto do número 0, a máscara mortuária do
Che Guevara. Ele disse: é isso mesmo que eu queria [...] levei o Frei Beto para
ser chefe de reportagem (JORDÃO, 2008).
Com a radicalização da ditadura militar, houve a edição do AI-5, em dezembro de
1968. No começo do ano seguinte, Miranda foi comunicado por Frias que a Folha da Tarde
não podia continuar com ele. O jornalista recebeu a indenização em dinheiro em uma pasta
e o conselho (aceito) para sair do país. Foi preso no Uruguai, onde o dinheiro e seus
documentos foram retidos por militares. Na volta, procurou Frias que lhe perguntou qual
teria sido o prejuízo. Ao ouvir que toda a indenização tinha sumido, o dono do Grupo
Folha ligou para o departamento pessoal e ordenou que a quantia fosse reposta. Depois
desse episódio, Miranda ficou nove anos fora do mercado, trabalhando em publicidade de
produzindo house-organs. Sua volta foi à mesma Última Hora do início da carreira,
propriedade de Ary. Logo em seguida, o jornal foi vendido a um grupo baiano, liderado por
José Nunes, e Ary pediu para que Miranda permanecesse na empresa, a fim de observar
como seria a administração. O grupo comprou o Jornal de Minas e Miranda foi para Belo
Horizonte, onde teve uma breve passagem e saiu para comandar o Diário Popular.
191
5.3.1 Enfim, o jornal local e com características de “popular”
Com Miranda assumindo a redação e utilizando como paradigma a Última Hora de
Samuel Wainer, o Diário Popular, pela primeira vez, reuniu características que permitiam
enquadrá-lo na definição de jornal popular. O respeito ao leitor implantado como filosofia
não era suficiente para adjetivá-lo dessa maneira, a partir da vertente ideologizada do
termo, mas o colocava próximo disso. Por outro lado, sua linha editorial foi direcionada
para atender todos os requisitos da conceituação de jornal popular, que tem predominado
entre os pesquisadores da área. É fundamental, frisar que esse foi um momento inédito na
história da publicação, pois desde sua fundação, ela não tinha agregado nenhum
diferenciador nesse sentido. Outra alteração significativa foi ter assumido a função de
jornal local, atributo que ele, nos períodos anteriores, teve apenas durante a administração
dos irmãos Ferrentini.
Miranda, por intuição e longa experiência, sempre teve a percepção do que Wolf
(2005) explicita ao falar em valores/notícia (new values) “componente da noticiabilidade
que responde à pergunta: quais acontecimentos são considerados suficientemente
interessantes, significativos e relevantes para serem transformados em notícia?” (WOLF,
2005, p. 202). Mas, ainda hoje, defende que esse processo deve ter como foco o leitor,
apesar de, numa aparente contradição, não acreditar em pesquisa com leitores:
Quando você faz uma fábrica de salsicha, você está fazendo a salsicha pra quem?
Para o consumidor. Vofaz jornal para o cara que vai ler o jornal. Então você
tem que dar a ele aquilo que ele quer e, sobretudo, informar, já que ele não pode
estar em todos os lugares ao mesmo tempo, mas o jornal, em princípio deveria
estar em todos os lugares ao mesmo tempo. É essa a importância do leitor. Não é
que você tenha que ouvir. Eu não acredito muito em pesquisa com o leitor. Se
você faz pesquisa com 100 leitores, cada um vai querer um negócio diferente,
cada um vai criticar, tem que ter uma visão geral (MIRANDA, 2008, entrevista).
Essa filosofia de Miranda amplia a noção de credibilidade que deixa de se restringir
à exatidão da matéria impressa, mas abrange também a satisfação de expectativas. Essa
diretriz se implantou em todas as editorias, mas teve seu ponto mais significativo na Local e
na Polícia. A premissa era de uma cobertura completa baseada na idéia de que todo
paulistano que passasse de ônibus ou de carro em um determinado ponto da cidade e
192
percebesse algo fora da rotina, ficaria com a certeza de que no dia seguinte iria ter os
detalhes do acontecimento se comprasse o Diário Popular.
Para tentar cumprir essa missão formou-se uma equipe de repórteres e fotógrafos
maior do que a dos concorrentes. A frota de carros de reportagem também foi reforçada em
um esquema de terceirização de táxis e os profissionais passaram a dispor de rádios para se
comunicar com a redação (os telefones celulares e os lap-tops ainda eram equipamentos
que começavam a ser lançado em países desenvolvidos). O esquema era coordenado, na
parte classificada como de local, que envolviam acontecimentos ligados a acidentes de
trânsito, catástrofes naturais, eventos comemorativos, protestos contra falhas na
administração pública, entre outros pela chefe de reportagem Maria Angélica Nery, que
estava no jornal desde os anos 70 e conhecia profundamente a cidade. Era ela também a
encarregada de estabelecer a logística das coberturas das demais editorias, no fornecimento
de viaturas e solicitação de fotógrafos.
A editoria de Polícia dispunha de um chefe de reportagem próprio, posto entregue,
nos primeiros anos da gestão de Miranda, ao experiente Antonio Reche Reche, vindo do
Popular da Tarde e que contava em seu currículo com longa passagem pelos Diários
Associados. O editor Paulo Breitenvieser e o sub-editor Gilberto Lobato Vasconcelos
supervisionavam a produção de uma equipe que mesclava jornalistas com larga vivência na
área e jovens recém-promovidos que revelavam vocação para a reportagem investigativa.
A estrutura para a cobertura do dia-a-dia da Grande São Paulo se movia a partir de
uma rede de fontes que passou a ser cultivada em paralelo à ampliação de espaço para os
assuntos locais e policiais. O maior volume de aviso de pautas era conseguido na checagem
dos distritos policiais, feita até três vezes por dia e das ligações ao serviço de comunicação
do Corpo de Bombeiros e outros órgãos que atuam nas questões urbanas. Os leitores eram
responsáveis por uma parcela significativa dos fatos a serem cobertos.
A editoria de Polícia contava também com um rastreador das comunicações via
rádio da polícia, equipamento que, oficialmente, tinha seu uso proibido, mas era utilizado
na maioria das redações. Nesta área, foi estabelecida uma rede de informantes entre os
próprios membros da corporação. Quando a Secretaria de Segurança reforçou a orientação
para que não fossem feitas fotos de presos nas delegacias, policiais militares passaram a se
comunicar com a editoria, quando se viam diante de casos por eles considerados
193
importantes, e avisavam que estavam indo a determinado distrito e que permitiriam o
registro fotográfico antes de entregar os acusados ou detidos em flagrante ao delegado de
plantão. Muitas vezes, eram marcados encontros a meio do caminho para as fotos e houve
casos de viaturas passando pelo jornal para que os envolvidos fossem fotografados.
O jornal acreditava que pessoas com histórico de várias prisões ou pegos em
flagrante deveriam ter fotos publicadas para que fossem identificados por outras eventuais
vítimas ou por quem com elas convivessem. Da mesma forma, Miranda exigia as fotos de
mortos em crimes violentos ou acidentes, pois alegava que conhecidos do passado, como
ex-companheiros de trabalho, deviam ser informados da morte através do jornal. A
absorção por parte dos fotógrafos do conceito de que precisavam trazer imagens dos
personagens gerou um caso antológico protagonizado pelo repórter Manoel Isidoro na
cobertura de um crime em Diadema. Depois de passar pelo local da morte e conversar com
os vizinhos da vítima, sem conseguir foto, ele foi até o velório, onde convenceu a viúva a
entrar na viatura do jornal e ir até em casa pegar um documento do falecido para ser
reproduzido e ilustrar a matéria.
Além de investir na quantidade de informações, a editoria de Polícia também se
especializou em destacar os crimes de maior repercussão da cidade, adotando a linha
investigativa e prendendo o interesse do leitor através das suítes
69
diárias. O primeiro caso
deste tipo, acontecido na nova fase do jornal, ficou conhecido como o crime da Rua Cuba.
Na véspera do Natal de 1988, o casal Jorge em Maria Cecília Bouchabki foi encontrado
morto em sua residência por seu filho Jorginho. A Polícia começou a investigar a partir do
pressuposto de que se tratava de obra de ladrões, mas a seqüência da apuração acabou
levando o Ministério Público a apontar Jorginho como assassino. Isto deu ao drama um
grau muito maior de interesse e a imprensa paulistana investiu alto na cobertura do caso. O
Diário Popular ainda estava formando sua equipe na área e concorria com o Jornal da
Tarde na disputa para antecipar informações. O JT contava com jornalistas experientes
como Percival de Souza, bem relacionado com a cúpula da Secretaria da Segurança
Pública, o que lhe garantia informações exclusivas, e Fausto Macedo. Confiando em suas
fontes, o JT acabou investindo numa linha de culpa do filho e Anélio Barreto, seu editor-
chefe, produziu uma matéria especial, na qual praticamente condenava o rapaz.
194
O Diário Popular, realizando uma cobertura factual e completa, conseguiu dar um
primeiro impulso em suas vendas e, ao mesmo tempo, se fazer respeitar pelas fontes
policiais. A morte do casal, não esclarecida e cujo suspeito principal não foi pronunciado
por falta de provas, também levou O Estado de S. Paulo e Folha de S. Paulo a abrirem
espaço para o tema. Essa estava em situação precária no setor, como admitiu em entrevista
à revista Imprensa de maio de 1989, Luiz Carlos Caversan, editor de Cidades, à qual o tema
era subordinado. “Temos um estrutura precária [...]. Estou tentando formar um quadro, pois
quero um repórter de polícia aqui. O caso da rua Cuba confirmou o que suspeitávamos:
matérias desse tipo têm um enorme índice de leitura” (SANGUE...,1989).
Foi na área policial que aconteceu o fato de maior repercussão na vida recente do
Diário Popular, com o jornal se tornando referência em preocupação com a exatidão da
notícia, por não ter dedicado nenhuma linha à cobertura do chamado “Caso Escola Base”.
A história é considerada um dos maiores erros da Imprensa de todos os tempos e vem sendo
motivo de condenações judiciais de vários veículos que apostaram na denúncia de que em
uma escola infantil do bairro Aclimação, na capital paulistana, crianças eram abusadas
sexualmente pelos proprietários e dois funcionários do estabelecimento. O Diário Popular,
que poderia ter dado a informação um dia antes do início da cobertura atabalhoada e que
chegou à beira do histerismo feita pelos concorrentes, foi o único que ficou fora dessa onda
que destruiu a reputação de duas famílias e acarretou-lhes grandes prejuízos financeiros.
Passados 14 anos da noite de 28 de março de 1994, Miranda Jordão, a quem foram
reservados os maiores elogios pela decisão de não publicar a matéria, quando indagado
sobre por que o jornal não deu o caso, devolve a pergunta “Por que, não demos a Escola
Base?, coisa de feelling?, tinha o problema do delegado” (MIRANDA, 2008). O problema
tinha sido com o delegado Edélson Lemos, que havia apreendido um filme de um fotógrafo
do jornal e, na tentativa de se recompor com a redação, oferecera uma notícia exclusiva ao
editor Paulo Breitenvieser que enviou o repórter Antonio Carlos Silveira para a verificação.
As versões sobre como se deu a decisão de não publicar a matéria são várias.
Arruda (2006, p.161-162) registra: “O diretor de redação do Dipo, Jorge Miranda Jordão,
optou por não publicar, após uma meticulosa análise das informações obtidas. Com isso,
69
No jargão jornalístico chama-se de suíte à publicação nos dias seguintes sobre novidades e conseqüências
de um caso.
195
recaíram sobre o Diário Popular várias acusações [...]. O próprio tempo se encarregou de
mostrar o acerto por parte do experiente jornalista”. Campos Jr. et al. (2002) reforçam:
Todos participaram do bombardeio, com exceção do Jornal da Tarde, que tratou
o assunto com precaução e do Diário Popular justo o maior concorrente do NP
que não publicou absolutamente nada sobre o caso [...] A única menção à Escola
Base veio em sua seção de cartas. O jornal publicava a missiva de uma irritada
leitora que pergunta “Por acaso, algum jornalista, diretor, redator tem o rabo
preso com a Escolinha Base? [...] O Dipo deu sua justificativa: A única coisa
certa é que faltavam evidências que permitissem divulgar o caso com isenção e o
compromisso com a verdade que caracterizam este jornal” (CAMPOS JR. et al.,
2002, p.221-222)
Ribeiro, A. (2003) fez a mais minuciosa investigação sobre o comportamento da
Imprensa no caso. Antonio Carlos e Breitenvieser foram ouvidos. O primeiro relata que
“chegou à redação por volta das oito da noite e foi direto conversar com o editor [...]
Como é? A matéria é boa? Está redonda, tem fotos de todo mundo, mas não tem prova
nenhuma contra a escola. [...] ‘Se a gente desse a matéria ferrava o japonês’, conta Antonio
Carlos, mas se a gente não desse e saísse em outro jornal quem estava ferrado era a gente’”
(RIBEIRO, A., 2003, p.36). Depois de informar que Breitenvieser ficou na dúvida e que o
caso foi levado a Miranda, o pesquisador ressalta:
Entre os muitos pontos que foram levados em consideração nessa reunião estava
a experiência anterior com Lemos. Ele tinha dado uma grande mancada e poderia
estar forçando as coisas para se redimir. “Decidimos aguardar o laudo técnico do
IML”, conta o editor. “É a prova definitiva de que houve ou não o crime” Essa
era a postura irredutível que o Diário Popular iria manter durante todo o caso
(RIBEIRO, A, 2003, p.37).
Os detalhes dos diálogos entre repórter e editor e as dúvidas de cada um são dignos
de toda credibilidade, mas o que aconteceu na sala de edição, no dia da decisão, e que
responde a questão que Miranda ainda se faz acabou tendo uma versão mais romanceada.
Na verdade, assim que Breitenvieser entrou na sala com as laudas na mão, alegando que se
tratavam de matéria exclusiva e perguntando se a Local poderia editá-la, pois estava com o
espaço “estourado”, Sandra Manfredini, a editora de Local, foi chamada e também alegou
que não tinha espaço. Miranda, ao se recordar do episódio, diz que se fosse uma matéria
fundamental, teria encontrado onde colocá-la e sorri ao ser perguntado se a circunstância de
estar com o espaço limitado não foi boa sorte.
196
Assim, a matéria ficou para ser analisada no dia seguinte, quando a TV Globo pôs
no ar a versão de duas famílias que diziam ter seus filhos molestados sexualmente na
escola. Miranda, que orientou para que o caso fosse acompanhado normalmente,
demonstrava má vontade com a matéria e, argumentando que não a tinha publicado quando
poderia fazê-lo com exclusividade, preferiu mantê-la fora do jornal. Assim, os demais
veículos foram entrando em uma “roda-viva” de matérias sensacionalistas, sem que o
Diário noticiasse nada a respeito das denúncias. A história não é feita com suposições, por
isso não é possível se garantir que o jornal teria publicado a matéria inicial em um dia de
noticiário menos intenso. Talvez a “análise meticulosa” que ARRUDA (2006) diz ter sido
feita acontecesse realmente e o texto fosse jogado fora, mas é entrar no terreno das
possibilidades. Efetivamente, o Diário entrou para a história, como exceção em um dos
erros mais destacados da imprensa nacional. Em meio aos elogios, RIBEIRO, A. (2003) faz
uma lúcida e oportuna reflexão, em momento algum realizada pelo jornal. Pondera ele:
No dia em que surgiram as denúncias, o jornal tomou uma decisão ousada: não
publicou nenhuma linha sobre o assunto, pois, segundo sua avaliação, não havia
provas. Neste primeiro momento, o comportamento pode ser considerado correto.
Mas, e depois? As denúncias assumiram dimensões gigantescas [...] Se o jornal
considerava as provas precárias, teria obrigação de publicar matérias apontado as
contradições do inquérito (RIBEIRO, A., 2003, p.161).
A história do jornalismo policial registra que os crimes envolvendo as classes
sociais mais ricas, especialmente os passionais, crianças ou que tenham o insólito como
característica exercem uma atração muito forte sobre os leitores. Evidentemente, uma
relação dos casos mais destacados nos últimos anos seria demasiado extensa, mas para
efeito de tipificação pode-se destacar no primeiro rol: o assassinato da chamada “pantera de
Minas” Ângela Diniz, pelo namorado, o playboy Doca Street, em dezembro de 1976; o
crime da atriz Dorinha Duval que matou o marido com três tiros, em outubro de 1980; o
assassinato da cantora Eliane de Grammont pelo ex-marido Lindomar Castilho, em março
de 1981; e a execução, com requintes de crueldade, em dezembro de 1992, da atriz Daniela
Perez, filha da autora da TV Globo, Glória Perez, pelo seu colega de elenco da novela
Corpo e Alma, Guilherme de Pádua, e sua mulher Paula Thomaz. No plano internacional,
tornou-se célebre o assassinato cometido pelo ex-ídolo do futebol norte-americano, O. J.
Simpson, que matou a ex-mulher e o namorado dela.
197
A respeito de comoção com tragédias envolvendo crianças pode-se recordar que, em
maio de 1973, o país se revoltou com a notícia de que, em Vitória (ES), a menina Araceli
Crespo, de 8 anos, fora violentada e morta por um grupo de jovens de classe alta em uma
festa regada a drogas. Em agosto do mesmo ano, houve o caso do garoto Carlinhos (Carlos
Ramires da Costa, de nove anos), desaparecido ao que tudo indica, seqüestrado no Rio
de Janeiro e até hoje não encontrado
70
. Esse drama tem no plano internacional um paralelo
com o do bebê Lindbergh, seqüestrado em março de 1932 e encontrado morto menos de
três meses depois. Nessa história, o interesse do público se potencializou, por ser a vítima
filho do pioneiro da aviação norte-americana Charles Lindbergh. O citado “crime da
mala”, acontecido em 1928, os ataques do Bandido da Luz Vermelha (João Acácio Pereira
da Costa) que aterrorizou São Paulo nos anos 60
71
e as mortes atribuídas a Jack, o
Estripador, no fim do século XIX em Londres, são típicos dos casos que apresentam o
insólito como referência. Sobre esse último, encontra-se reproduzido no suplemento de
centenário do Diário:
A policia de Londres preoccupa-se actualmente com um crime da mesma ordem
dos do famoso Jack, o estripador. Uma horizontal appareceu com o corpo
mutilado pelo mesmo systhema. Acredita-se que se trata do mesmo assassino que
agora reapareceu. (Diário Popular, 05-12-1894) (JACK...,1984).
Os casos dos três tipos acima arrolados funcionam como eficientes alavancadores de
tiragem, mas a influência do noticiário policial no crescimento das vendas do Diário
Popular revelou-se constante, pelo fato de se abrir espaço, também, aos casos envolvendo
pessoas que não faziam parte das faixas de maior renda. A explicação para esta repercussão
estaria na banalização da violência experimentada pela metrópole nas últimas décadas. As
mortes por brigas no trânsito, as execuções de jovens da periferia por traficantes e os
assaltos violentos se tornaram comuns, mas paradoxalmente, esse aspecto de rotina os
transformaram em atrativos de leitura, dentro da concepção de Miranda de que as pessoas
queriam saber de quem era o corpo que viram estendido quando iam para o trabalho, ou
70
O jornalista Dirceu Alves, que trabalhava nos Diários Associados na época e fez parte da equipe do Diário
Popular, escreveu um livro sobre o caso (ALVES, Dirceu. Ninguém quer achar esse cadáver, São Paulo:
Soma, 19??)
71
Em seu suplemento Um século de lutas pela liberdade (disponível no arquivo do jornal), o Diário Popular
traz nas páginas 86 a 90, um resumo dos casos de maior repercussão até 1884. A morte de Daniela Perez foi
explorada em várias edições desde o dia seguinte ao crime.
198
saber o resultado de tiros ouvidos durante a noite. A cobertura ampla da cidade e o
acompanhamento dos registros nos distritos policiais permitiram ao jornal dar essas
respostas e lhe garantiram a imagem de veículo com o maior número de informações
policiais.
Se o noticiário local e policial foi o primeiro vértice do triângulo de conjuntos de
temas valorizado pelo Diário Popular após a chegada de Miranda, o segundo foi o esporte.
A extinção do Popular da Tarde, com sua transformação em caderno, possibilitou um
incremento no volume do noticiário que ocorreu paralelamente à modernização da
linguagem. Nelson Nunes lembra que um importante diferencial no estilo implantado,
quando se comparava com os concorrentes, era a liberdade na utilização do humor:
Naquela época, o grande destaque, o diferencial, era uma coisa percussora do que
faz o jornal Lance, hoje, que era tratar o esporte de forma bem humorada. A gente
tinha muito essa coisa de batizar jogador, apelidar jogadores, eu lembro que a
gente chamava o Amaral do Palmeiras de do Caixão porque ele tinha
trabalhado em uma agência funerária e ele veio pedir para não ser chamado de Zé
do Caixão e passamos a chamá-lo de ex-Zé do Caixão. Você perdia o amigo, mas
não perdia a piada. (NUNES, 2008).
Dentro do conceito de heterogeneidade do público que o jornal adotou, baseado no
fato de circular em todos os estratos sociais
72
, a pauta esportiva era abrangente. Havia
espaço para esportes considerados elitistas, como o golfe e o tênis, e para competições de
futebol varzeano. O fato de São Paulo ser uma cidade formada por migrantes de todas as
partes do país levou o jornal a abrir espaço para os resultados das competições que
aconteciam em todos os estados e nas mais diversas modalidades, transformando-o, no que
Nelson Nunes define como “jornal de resultados”:
A gente chamava de placar de A a Z porque dava o placar do campeonato
amazonense até o goiano, enfim, o Brasil inteiro, de quinta, sábado e domingo,
aquelas edições fortes de resultado. Na verdade, o Diário, não no futebol mas
em outros esportes se caracterizou por ser um jornal de resultados. Então o cara
comprava o jornal no dia seguinte, sabendo que iria achar os resultados do Brasil
inteiro, dos jogos de vôlei da noite, campeonato paulista de basquete. era um
jornal quente, a gente fechava no limite do horário dos jogos (NUNES, 2008).
72
Os XXXV Estudos Marplan semestre/93 Grande São Paulo, apontam que a distribuição por estratos
sociais dos leitores do Diário Popular, naquele período era: 5% classe A, 38%, classe B, 40% classe C, 16%
classe D e 1% classe E.
199
Uma comprovação da disposição do jornal em atender a expectativa de todas as
faixas de público se encontra na criação de um espaço específico para as informações sobre
as diversas maneiras de se tentar ganhar dinheiro, no Brasil, arriscando a sorte. Além do
resgate do turfe, reuniu-se o noticiário das loterias oficiais brasileiras em uma seção
denominada “Cassino Brasil”. Nesse espaço, o leitor encontrava a programação e os
resultados das partidas que faziam parte dos testes da loteria esportiva, as dezenas sorteadas
nas diversas modalidades de jogos patrocinados pela Caixa Econômica Federal, além dos
números premiados pelas loterias Federal e Estadual. A decisão de publicar resultados do
ilegal jogo do bicho, sob a vinheta Deu no Poste, foi uma das ousadias que o jornal se
permitiu nessa área e surgiu da insistência de Miranda em uma interpretação de que não
havia diferença entre apostas exploradas pelo governo e o jogo do bicho, contravenção
enraizada na cultura nacional e tolerada pela polícia em várias partes do país.
A prática se transformou em tradição e seu nível de leitura pode ser avaliado pelo
número de reclamações recebidas pelas Organizações Globo ao deixarem de publicar o
resultado do turfe e do jogo do bicho, no lançamento do Diário de S. Paulo: Sob o título
“Jogo-do-bicho e cavalos ainda vendem jornal?”, o portal Comunique-se informou, dez dias
após começar a circular o título que se pretendia sucessor do Diário Popular.
Está tudo direito no jornal", disse Merval Pereira, que cuida da mídia impressa e
das rádios das Organizações Globo. Mas fontes independentes e confiáveis
afirmam que o Diário, na primeira semana, não correspondeu inteiramente à
expectativa [...]. Por exemplo, Merval e outros responsáveis pelo projeto
parecem ter subestimado a força do jogo-do-bicho. A posição oficial das
Organizações Globo é de que seus jornais não podem nem devem divulgar algo
ilegal. Mas ninguém esperava o número de reclamações que têm chegado ao
jornal porque ele deixou de publicar (e era o único em São Paulo que fazia isso)
os milhares nossos de cada dia. (O JOGO...,2001)
A outra fonte de reclamações que a matéria revelava terem sido recebidas pelos
criadores do novo projeto era o conjunto de temas que completava o triângulo de
sustentação (local-polícia/esporte/variedades) da pauta do “rei das bancas”. Ressaltava o
texto: “Mas o pior de tudo parece ter sido a retirada do caderno de TV, que era seguramente
uma das atrações do Diário Popular.” (O JOGO...,2001). O destaque dado ao noticiário
sobre celebridades e às programações de TV e espetáculos foi um dos pilares da
sedimentação de um leitorado fiel.
200
Se é evidente que a linha editorial do jornal foi marcada pela intenção de agradar ao
público universal que Morin (2005) explicita, dentro da necessidade de uma visão geral
defendida por Miranda (2008, entrevista) ao relativizar as pesquisas com o público, não
duvida de que foi no caderno Revista que a multiplicidade de interesses mais foi satisfeita.
O sucesso da pauta definida pelo Diário Popular e a coincidência de outras publicações,
inclusive as que se colocavam no segmento do “não-popular”, terem aberto espaço para
esses temas lembra o conceito de circularidade social, explicitado em Bakhtin (1999), e
retomado como evidência de que as culturas de classes afastadas economicamente se
relacionam. Bakthin (1999) usou o termo para ressaltar como na Idade Média, através do
culto ao carnaval, as camadas mais pobres puderam inserir sua visão do espetáculo no
ideário da nobreza. Ginsburg (1987) mostrou que o caminho inverso também é possível ao
estudar o processo da Inquisição contra um moleiro de uma pequena cidade medieval
italiana que divulgava idéias que na época poderiam ser cultivadas por membros da
intelectualidade. As indicações dos dois pesquisadores contribuem para a explicação de
como uma miscelânea de temas pode atingir a variados estratos da população.
De forma empírica e por algumas contingências extra-editoriais, Miranda foi
agregando ao caderno Revista jornal um leque de opções cuja soma de atributos o tornava
interessante a um amplo público. A variedade de temas ia de uma coluna de xadrez
assinada por um grande mestre brasileiro como Helder Câmara a um espaço explícito para a
exploração da imagem da mulher como objeto de desejo, como a seção As Boas do Arley;
de uma galeria de notas com fofocas sobre astros da TV, assinada pelo apresentador Gugu
Liberato e depois por Sônia Abrahão, a uma crítica abalizada sobre a programação de
responsabilidade do professor Carlos Chaparro; de uma coluna de badalação de membros
da sociedade feita por Amaury Jr, a uma com a temática mais ferina de Walcyr Carrasco,
substituído depois por Chaves Jr., entre outros exemplos.
O roteiro sobre a vida cultural da cidade e as crônicas de Lourenço Diaféria eram
grandes pólos de atração. A interação com as pessoas “comuns” se dava através da coluna
Correio Afetivo, assinada pela psicóloga Luisa Graziela Schwartz, onde os leitores
(especialmente leitoras) expunham suas dúvidas sobre relacionamentos sentimentais e
recebiam conselhos, e da página dominical Casamentos. Essa seção, além de orientações
sobre festas, etiquetas e documentações e sugestões de roupa para noivos, publicava fotos
201
de cerimônias religiosas e comemorações que aconteciam em vários pontos da cidade,
mesclando uniões acontecidas em igrejas luxuosas do jardim, com as celebradas em
templos simples de bairros pobres. Também no domingo, saía a página Aquarela, com
galerias de fotos da vida social do interior coletadas por Vera Martins e a página infantil
Amarelinha que evoluiu para o caderno Diário Criança. Havia ainda, durante a semana,
espaço para esoterismo, moda e palavras cruzadas e diversos tipos de passatempos. A
primeira gina do caderno trazia, praticamente, todo dia uma única reportagem com texto
maior e várias fotos, onde eram destacados temas de comportamento, estréias de filmes ou
shows , lançamentos de discos e personalidades artísticas de destaque.
Amaury Jr também teve, nos primeiros meses do projeto de Miranda, um
suplemento de dez páginas, chamado Flash, onde se destacavam, a coluna assinada por
Marisa Raja Gabaglia, a seção Moda e Modos, de responsabilidade de Helô Machado, e
uma entrevista com personagens de destaque do mundo das badalações da considerada alta
sociedade e do mundo artístico.
Um exemplo de como a formação do repertório do caderno se deu de maneira
empírica foi a inclusão da coluna de xadrez, que, num primeiro momento, se adequava mais
ao caderno Esportes. No entanto, como esse estava produzindo uma quantidade grande de
material, Miranda decidiu colocar o assunto no Revista. A contratação do responsável pelo
espaço, que recebia uma pequena quantia semanal como colaborador, se originou numa
relação de amizade que superou a primeira impressão de que xadrez era tema que
interessaria a um público mais intelectualizado. O mestre internacional e várias vezes
campeão brasileiro Hélder Câmara passou a fazer parte das páginas do jornal a pedido da
campeã nacional e colunista do assunto no Jornal do Brasil Iluska Simonsen, mulher do ex-
ministro Mário Henrique Simonsen (falecido em 1997). O casal era amigo de Ary Carvalho
e solicitou que fosse aberto espaço para o enxadrista que lhe garantisse alguma
remuneração, pois o mesmo passava por dificuldades financeiras.
Outro exemplo de conteúdo acrescentado por motivos de amizade foi a coluna de
Ibrahim Sued, que era publicada pelo O Globo no Rio. Ibrahim, o mais conhecido colunista
social da imprensa brasileira à época, revelou a Ary sua vontade de entrar no mercado
paulista e lhe pediu para ter a coluna inserida nas páginas do Diário, o que aconteceu, antes
ainda da implantação do modelo criado por Miranda. Jesus Rocha, um colunista de humor,
202
que estava na Última Hora também foi incorporado ao jornal, depois da extinção da
publicação carioca, pelo relacionamento de amizade que tinha com Miranda. Já Arley
Pereira, devido a desentendimentos que teve com Miranda no passado temia não
permanecer no quadro, pois sua coluna que, priorizava assuntos de TV e era publicada no
Popular da Tarde, sobrepunha-se a de Gugu Liberato. Miranda, no entanto, o encarregou
de produzir As boas do Arley, com notícias ligadas à movimentação noturna e que
destacava sempre uma mulher em pose sensual, em um estilo que lembrava a Última Hora.
O ponto alto do investimento na área de celebridades foi o lançamento do Diário na
TV, suplemento tamanho tablóide que circulava aos domingos, com informações sobre o
mundo da ficção. A divulgação dos capítulos das telenovelas era um dos destaques do
caderno que foi o pioneiro no formato na imprensa paulistana, com Folha de S. Paulo e O
Estado de S. Paulo lançando produtos similares, quando o caderno do Diário se consolidou
como atrativo de vendas.
Miranda, apesar da abertura a todos os temas, impôs um padrão de
proporcionalidade na hierarquização dos destaques. É emblemático de seu critério, o
acontecido no dia da morte de Charles Bukowski
73
. O editor Danilo Angrimani entrou na
sala com a prova da página, que deveria ser a primeira do caderno Revista, cujo espaço total
era dedicado ao escritor falecido, incluindo uma foto de grandes proporções. Miranda
observou por alguns minutos e perguntou; “E quando morrer o Roberto?”. Essa citação ao
cantor Roberto Carlos, um dos mais destacados ídolos populares do Brasil, para caracterizar
a noção de que havia exagero na edição, passou a ser um referencial na redação, na hora de
se decidir o valor/notícia (Wolf, 2005) de um fato. Curiosamente, Miranda infringiu seu
conceito de proporcionalidade no noticiário sobre o assassinato de José Aparicio Basílio. O
empresário, dono da marca de perfumes Rastro e figura constante nas colunas sociais, foi
morto com 97 facadas por um garoto de programa e Miranda, argumentando que desejava
ser comentado na chamada alta sociedade, determinou que fossem editadas duas páginas
sobre o crime, incluindo depoimentos de diversos amigos da vítima.
Além do triângulo de sustentação que dominava a maior parte do espaço do jornal, o
Diário, que se transformou em “rei das bancas”, investiu na área sindical, com a estratégia
73
Charles Bukowski nasceu na Alemanha em 16 de agosto de 1920 e viveu nos Estados Unidos desde os nove
anos. Morreu em 9 de março de 1994 de leucemia e foi um dos escritores e poetas mais influentes da literatura
norte-americana, caracterizando-se por seu estilo considerado “maldito” ou underground”.
203
de colocar em suas páginas categorias que não conseguiam visibilidade efetiva nos demais
veículos. A editoria também dava destaque ao noticiário de interesse dos aposentados, que
formavam expressiva fatia do público do jornal, e contava com o Diário do Servidor, uma
tradicional coluna publicada desde os tempos dos Ferrentinis, com informações sobre o
funcionalismo das várias instâncias. O noticiário macro-econômico era completo, mas
havia a preocupação de estabelecer um viés didático aos textos e a página dominical
Economia Popular cumpria o papel de ressaltar possibilidades de investimentos para
pequenas quantias, além de fornecer dicas de como gastar menos em contas de luz, água,
etc. Na segunda-feira, eram editadas duas ginas com a Defesa do Consumidor, onde
reclamações dos leitores insatisfeitos com fornecedores e prestadores de serviço eram
colocadas.
Ao noticiário político eram destinadas de duas a três páginas diárias, além da página
de opinião. Nessa, publicava-se uma charge sobre tema de destaques nas esferas do poder,
o editorial que passou a ser redigido por Mário Romano, com o afastamento definitivo do
general Moziul Moreira Lima, e colunas assinadas por Hermano Alves, Mauro Santayana,
da sucursal de Brasília, além de colaboradores eventuais. O noticiário internacional era o
que tinha o menor espaço: uma página, salvo em casos de guerras e grandes tragédias.
Completando seu leque de temas para agradar a todo tipo de leitor, o jornal
publicava um suplemento de Turismo e o Caderno de Automóvel que ganhou impulso e se
transformou em importante fonte de receitas, através do crescimento do número de
anúncios classificados. Entre as iniciativas para agregar valor ao conteúdo do jornal, houve
duas que enfrentaram problemas e não aumentaram a tiragem: o Diário Sertanejo, lançado
durante o boom das grandes duplas do nero, que vendiam mais de um milhão de cópias
de cada disco (o CD estava em fase embrionária), e o Diário da Zona Leste, que acabou
tendo sua pauta superposta com a do jornal no geral.
5.4 A saída de Miranda e a “preparação da noiva”
A globalização da economia tem provocado seguidas vendas de empresas e fusões
de grandes conglomerados. Essa movimentação gerou o jargão “preparar a noiva” para se
204
referir a operações em que uma empresa é saneada financeiramente, tem seus custos
redimensionados e vendas estimuladas de diversas maneiras para tornar-se atraente a um
possível comprador. A análise das circunstâncias em que ocorreu a venda do Diário
Popular para as Organizações Globo indicam que o jornal passou por um momento deste
tipo. No entanto, não é possível estabelecer quando exatamente foi colocada em prática a
operação. A saída de Miranda do comando da redação facilitou o processo, mas ainda
indicava a ambição de mudar o perfil do jornal e concorrer com Estado e Folha. Ao
explicar a substituição de Miranda, Quércia ressalta:
Por que o Miranda saiu? Porque o jornal começou a crescer e nós queríamos que
o jornal crescesse. O Miranda, enquanto ele não chegasse no jornal, ninguém
fazia nada. Você deve saber disso. A reunião de pauta tem que ser feita de manhã
cedo, você tem que ver o que está acontecendo na cidade, precisa organizar o
pessoal na área de esportes, polícia. O Miranda concentrava tudo na mão dele.
Ele era um gênio, ele sabia dar a primeira página, mas ele ficava até de
madrugada, ia dormir às 5 da manhã e chegava no jornal às 2 da tarde. Enquanto
ele não chegava, o jornal não começava a trabalhar na redação. veio o
Josemar, aí o Miranda ficou como conselheiro (QUÉRCIA, 2006.
exagero na afirmação de Quércia, pois a redação contava com uma eficiente
chefia de reportagem e um quadro de editores que estava conscientizado do padrão do
jornal. A saída de Miranda, na verdade, se ligava à intenção de mudar o perfil do jornal.
Essa estratégia revelou o paradoxo de a publicação ter ensaiado um movimento de rejeição
paulatina das características editoriais que explicavam seu sucesso. O processo orientado
pelo substituto de Miranda, Josemar Gimenez, atualmente diretor de O Estado de Minas e
Correio Brasiliense, ficou a meio caminho, deixando o Diário Popular com o mesmo
problema da fase anterior que era a indefinição do perfil. Nelson Nunes, ao falar das
diretrizes da troca de diretores, revela:
O Josemar tentou qualificar um pouco o jornal. E eu lembro que ele se empenhou
muito e me envolveu pessoalmente na contratação do Alberto Helena Jr., um
colunista muito conceituado da Folha, talvez um dos melhores textos da imprensa
esportiva do Brasil. O Josemar queria qualificar o Esportes com a coluna do
Alberto Helena e a gente conseguiu tirá-lo da Folha [...] e em outras editorias o
Josemar tentou fazer isso, de trazer gente mais qualificada para escrever,
colaboradores, criou aquela coisa da reportagem especial com Xico Sá, com o
José Luis Longo (NUNES, 2008).
205
O recorde de vendas, em 1996, não veio em função das mudanças no sentido de
qualificação, mas sim graças aos efeitos do crescimento da capacidade de consumo da
população gerado pelo Plano Real, implantado em 1994. Foi o período em que todos os
veículos da capital melhoraram seus desempenhos, sendo que tanto Folha quanto Estado
cresceram proporcionalmente mais que o Diário que ambicionava enfrentá-los. Em 5 de
julho de 1998, o jornal inaugurou um moderno parque gráfico na via Anhanguera e passou
a ser impresso em cores.
A modernização foi acompanhada de uma intensa campanha para atrair leitores que
envolveu sorteios de apartamentos e distribuição. Foi nesse momento que Quércia fez sua
segunda tentativa de se posicionar como concorrente de Folha de S. Paulo e O Estado de S.
Paulo, tanto na tiragem como no número de anúncios classificados. Em Batista (2000,
p.86), ele deixa claro a intenção ao rechaçar a idéia de que disputava mercado com o
Agora: “Com a Folha de S. Paulo nós brigamos, Estadão também a gente briga se for
preciso. São estes nossos concorrentes”. A estratégia se concentrou em fortalecer edição de
domingo, intensificando a distribuição de brindes, aumentando o número de páginas e
lançando a revista .
Nunes lembra da importância que a edição dominical assumiu, após o início da
impressão a cores: “o sorteio dos apartamentos foi nessa época, o lançamento da Revista
foi nessa época, a idéia foi transformar o jornal de domingo em um produto diferenciado do
dia-a-dia” (NUNES, 2008). Batista (2000) mostra o efeito positivo dos anabolizantes que
levaram o jornal a ter seu melhor ano em 1999:
Junto com a nova edição colorida, o jornal lança uma outra novidade. Comprar o
Diário Popular a partir daquela data passou a valer prêmios para os leitores. No
início quem juntasse 40 selos, de julho a setembro, ganharia três CDs. Depois
vieram outros prêmios e outros atrativos para levar o leitor a comprar todos os
dias [...] Os investimentos e, em especial, as promoções parecem dar resultado. A
circulação média do Diário Popular em 1999 ficou em 143.618 exemplares,
segundo o IVC. Mas analisando mês a mês estes dados, momentos em que o
jornal chega a vender 234 mil exemplares, como aconteceu aos domingos no mês
de novembro de 99. (BATISTA, 2000, p.74-75)
Sobre a utilização dos “anabolizantes” valem duas observações. A primeira
encontra-se em Silva (2005), numa tentativa de encontrar atenuante para a prática
implantada na Folha de S. Paulo: “a Folha, ao contrário de outros jornais no Brasil e em
206
outros países, limitou os brindes a produtos culturais (em vez de carros, imóveis ou objetos
de uso doméstico). Deu certo: em 12 de março de 1995, a Folha atingiu a circulação paga
de 1,6 milhão de exemplares” (SILVA, 2005, p. 29). O segundo registro é que oferecer
atrativos extra-redação a assinantes e leitores é uma estratégia antiga no Brasil. A Província
de São Paulo, desde seu primeiro mês de vida, em 1875, sorteava entre os que pagavam
corretamente suas assinaturas quantias em dinheiro, normalmente dois prêmios pela loteria
oficial. Em dezembro de 1898, a estratégia do jornal foi dar um livro a quem fazia uma
assinatura semestral e dois a quem fizesse a anual, podendo os leitores escolher entre sete
títulos, arcando com as despesas com o envio, como se na página 1 da edição de 9 de
dezembro de 1898. Da mesma forma, se encontra no Correio Paulistano de outubro de
1928, anúncios de sorteios de prêmios em dinheiro entre quem fizesse assinaturas.
a Folha da Manhã de 6 de outubro de 1931 mostrava em sua primeira página a
foto de um “palacete” que seria sorteado entre os leitores e assinantes, numa promoção que
daria ainda uma “baratinha” Fiat, um terreno na “Villa Congonha” e outros prêmios que
totalizariam “105 contos”.
74
Também os leitores da Folha da Tarde seriam beneficiados e o
sistema de premiação seria através da troca de 300 cupons que seriam vinculados a um
número de loteria.
No caso do Diário Popular, não registro, nos exemplares pesquisados para a
elaboração deste trabalho, de que a utilização desses recursos tenha ocorrido até a iniciativa
de Quércia, na implantação da impressão em cores. Inclusive, no período de sucesso de
vendas sob a direção de Miranda, um dos pontos destacados pelos analistas do setor era o
fato de o jornal ser líder em bancas sem oferecer brindes ou promover sorteios. A opção por
essa estratégia, que é considerada parte da “preparação da noiva”, se deu paralelamente ao
investimento para conseguir incrementar o volume de anúncios classificados. A tática
adotada, que permitiu ao jornal bater recordes no segmento, foi conceder a imobiliárias e
revendedoras de automóveis espaços a preços baixos e, muitas vezes, gratuitos. Enquanto
Quércia se vangloria deste feito, lembrando de campanhas publicitárias, nas quais foram
explorados os personagens Mana e Mingo, gatos estilizados que devoraram o “rato”
utilizado na propaganda dos classificados da Folha de S. Paulo, Malfatti, que trabalhava na
época no departamento comercial dirigido por Roberto Loberto, questiona a estratégia:
74
Ver anexo A17.
207
Ele conseguiu vender muito mais jornal, com 15 mil anúncios no final de semana,
você apresenta na banca um jornal com 200 páginas de anúncios. Você gastar
dinheiro de papel do jornal de 200 páginas não é fácil, você tem que ter um
investimento. O investimento deu certo? Talvez tenha dado certo para o Quércia,
ele conseguiu o objetivo dele, vender o jornal com uma tiragem boa nas bancas
(MALFATTI, 2005).
O período em que Quércia investiu na tática de alavancar simultaneamente o
volume de classificados e a venda em banca remete à constatação de Ricardo Gandour de
que o jornal estava em um processo de “bolha” na tiragem quando foi adquirido pelas
Organizações Globo (GANDOUR, 2006). A esse respeito circulava na redação a
informação de que o ex-governador também inflava as vendas de domingo, comprando o
encalhe, numa tentativa de burlar o IVC, outra maneira de “preparar a noiva”
75
. Quando
solicitado a comentar as insinuações, Quércia, referindo-se às Organizações Globo, diz
“eles ficaram dois meses lá, analisando tudo” (QUÉRCIA, 2006).
O ex-governador, ao falar de sua incursão pelo mercado de mídia impressa
paulistana repete à exaustão que agiu como empresário e que ganhou dinheiro com a
compra e venda do Diário Popular. Diz que, muito antes da efetivação do negócio, foi
sondado pelas Organizações Globo sobre sua disponibilidade em vendê-lo, mas esperou o
momento que lhe pareceu ideal, bem como assinada que tratou diretamente dos detalhes
com João Roberto Marinho. Segundo a Folha de S. Paulo os valores envolvidos na
transação foram de R$ 200 milhões (aproximadamente US$ 90 milhões, pela cotação da
moeda norte-americana publicada na mesma edição do jornal), dos quais R$ 100 milhões
corresponderiam a dívidas assumidas. (GLOBO...,2001). Ao se candidatar a governador em
2006, Quércia, que mantém o controle do PMDB paulista e influência na legenda a nível
nacional, a ponto de ser assediado constantemente por antigos adversários que o
acusaram de corrupção, apresentou à Justiça Eleitoral declaração de Imposto de Renda
mostrando ser o mais rico pretendente ao cargo com patrimônio de R$ 111.365.991,20.
Um saldo credor de R$ 35.094.582,35 junto às Organizações Globo pela venda do Diário
75
O método de controle do IVC envolve a apuração do total de papel comprado, a verificação da saída dos
exemplares das rotativas, a comparação entre as vendas declaradas e as receitas de circulação contabilizadas
no caixa e a contagem do encalhe. Para burlar o sistema, a empresa tem de desviar o encalhe e colocar o
dinheiro da venda simulada no caixa. É uma operação possível, mas de difícil execução por envolver muitas
pessoas o que facilitaria o vazamento de informações sobre a fraude.
208
Popular aparece como o item mais significativo na relação de bens, onde se misturavam
ações de empreendimentos imobiliários e investimentos em agropecuária.
Auferir lucro com a compra de empresas familiares em situação financeira
complicada, em razão de desentendimentos entre acionistas, e a venda, depois de
organizadas, é uma prática de oportunidade disseminada em todos os setores da economia,
não se caracterizando a transação como irregular. No caso do Diário Popular, este aspecto
que poderia ser relevado, fixando-se o interesse acadêmico apenas no modelo editorial que
sustentou o reerguimento da empresa, porém ele se tornou elemento preponderante na
medida em que foi custeado, em grande parte, por verbas publicitárias do estado.
Ao contrário da operação na qual o Diário Popular deixou de ser propriedade do
bisneto do fundador e passou a pertencer ao ex-governador Orestes Quércia, a transferência
para as Organizações Globo não foi feita de maneira misteriosa. Precedida por alguns
meses de boatos sobre a disposição de Quércia de se desfazer da empresa, a venda foi
comunicada na edição de 7 de abril de 2001, em um quadro de duas colunas, na parte
inferior da primeira página, com o título “DIÁRIO POPULAR passa a fazer parte das
Organizações”. O texto enfatizava que o jornal era líder em classificados e de vendas em
bancas no estado. No dia anterior, os editores haviam sido informados da concretização da
negociação por Joaquim Alessi, que estava no cargo de diretor de redação e cuja efetivação
pelo governador no posto, após interinato provocado pela saída de Josemar, fora um dos
indícios, captados pela equipe de jornalistas, de que a publicação estava à venda.
5.5 Diário de S. Paulo, o sucessor que não sucede
O Diário Popular sobreviveu menos de cinco meses como propriedade das
Organizações Globo. As informações de que pesquisas detectaram a rejeição do mercado
publicitário à expressão “popular e levaram a seu fim merecem ser analisadas com
reservas, pois os estudos para a substituição começaram imediatamente após a chegada dos
novos executivos. O tempo para se auscultar a opinião do mercado, analisar os resultados e
tomar uma decisão tão radical como é extinguir um jornal e lançar outro, seria insuficiente
a menos que as pesquisas tivessem sido feitas antes da assinatura do contrato de compra.
209
Joaquim Alessi, após três meses passando informações à direção, inclusive à cúpula do
grupo no Rio de Janeiro, foi demitido e Orivaldo Perin, editor executivo de O Globo, foi
nomeado diretor de redação.
A indicação sinalizava a possibilidade de as mudanças no perfil serem pequenas,
uma vez que Perin tem em seu currículo a participação na consolidação de O Dia carioca.
Esse jornal, de propriedade de Ary Carvalho, foi um fenômeno de vendas capaz de assustar
as Organizações Globo que se viram obrigadas a lançar o Extra, para ocupar espaço no
segmento popular. Mesmo com um diretor de redação com essa experiência, os passos da
nova direção acabaram indicando que o jornal vivia mais crise de identidade, comparável
ao período de 1983 a 1988, quando tentou se descolar da imagem de local sem condições
de ser nacional. Nelson Nunes lembra que Juan Ocerin, o executivo espanhol que assumiu a
transição, foi quem mais lutou pela opção de criar um novo jornal. Nas reuniões, ele
projetava um público de um milhão de pessoas que poderiam se transformar em leitores.
Ele imaginava que existia um grande universo da classe média não atendida por
jornais de São Paulo. Por que a Folha e o Estado eram muito altos e o Agora e o
Diário eram muito baixos e tinha uma camada de um milhão de pessoas que não
era atendida por nenhum dos quatro veículos. Então ele imaginou criar um jornal
que atendesse esse um milhão de pessoas, que era um jornal popular, mas
qualificado, menos polícia, não usar termos como “Timão”, “Verdão”. É obvio
que isso descaracterizou o jornal, você não criou nem um produto novo e
descaracterizou o que você tinha (NUNES, 2008).
Como Ocerin desfrutava da plena confiança dos proprietários do grupo, sua opinião
equivalia à sentença de morte (a sétima) para o Diário Popular. faltavam os detalhes da
“execução”. Nunes (2008) diz que as pesquisas apontando “que a palavra ‘popular’ jogava
o jornal para baixo e provocava uma enorme confusão com o Notícias Populareseram
sempre citadas nas reuniões para definir o novo projeto gráfico, no qual se analisou a
hipótese de se utilizar apenas o nome Diário”. Um ano depois da ressurreição do Diário
de S. Paulo, Perin revelou a Arruda (2006), as dúvidas que cercaram a operação:
O diretor de redação, Orivaldo Perin, conta que um ano depois, as pesquisas
indicavam que o projeto tinha alcançado seus objetivos: ser um jornal de
qualidade voltado para São Paulo. “Na verdade, era um jornal que em seus
primeiros meses sabia mais o que não queria ser do que o contrário”, conta o
diretor, acrescentando que o Diário de S. Paulo tinha certeza de que não queria
ser como os grandes e tradicionais jornais da capital paulista, nem como os
210
jornais populares estigmatizados pelo mercado anunciante e pela maioria da
população (ARRUDA, 2006, p.125)
A matéria de O Globo publicada em 24 de setembro de 2001 sobre a substituição do
jornal, que tinha como título Um novo diário para São Paulo”, mostra que a visão interna
do grupo era de que estava se matando a publicação fundada em 1884. A abertura foi clara:
“Herdeiro direto do ‘Diário Popular’, chamado de ‘rei das bancas’ paulistanas, estreou
ontem o ‘Diário de S. Paulo’”. (UM NOVO..., 2001). A palavra “herdeiro” e a repetição do
adjetivo “novo” três vezes no texto indicavam que o redator se preocupava em enfatizar a
existência de um outro jornal. O texto falava das novidades, do incremento nos
classificados, de novos colunistas e da circulação:
A seção de classificados também ganha força no domingo, com segmentos de
cursos, concursos, veículos e imóveis. Entre as novidades do novo diário
paulistano estão colunistas como Miriam Leitão, Ancelmo is, Carlos
Nascimento, Manoel Carlos, Osmar Santos e Karen Kupfer. Segundo o IVC o
‘Diário Popular’ ocupava em agosto a terceira posição em vendas, com 124,3 mil
exemplares durante a semana e quase 181 mil no domingo (UM NOVO..., 2001).
O lançamento do novo jornal foi marcado por promoções junto aos jornaleiros e a
primeira edição da nova fase teve tiragem de 350 mil exemplares, dos quais teriam sido
vendidos 250 mil, conforme declarou na época Merval Pereira ao portal Comunique-se.
Como no final de 2001, segundo o IVC, o jornal terminou com a venda média diária de
129.080 exemplares, deduz-se que o número da semana de estréia o se repetiu. Em
dezembro, as Organizações Globo realizaram cortes na redação, dispensando 26
profissionais, e o Comunique-se registrou:
A justificativa é a queda no faturamento publicitário, mas fonte próxima
a agência de publicidade disse a Comunique-se que o Diário Popular tinha um
primeiro caderno de 16 páginas e, agora, está com média de 22. "Veja bem" -
disse a fonte - "o consumo de papel aumentou uns 30 por cento, mas o
faturamento caiu, ou seja, o jornal foi obrigado a vender seu espaço mais barato,
para poder enfrentar a ofensiva que a Folha e o Estado lançaram contra ele"
(DIÁRIO DE..., 2001)
211
Oito meses depois da mudança, Ocerin deixou a empresa e foi para a revista Época
de onde veio Ricardo Gandour. É ele quem reconhece que houve um erro de foco no
lançamento. Comparando a incursão das Organizações Globo no mercado da mídia
impressa diária de São Paulo com a tomada de Constantinopla pelos turcos
76
, Gandour
admite que o grupo, ao realizar a compra, tinha como meta se transformar em concorrente
de O Estado de S.Paulo e da Folha de S.Paulo. “Embora o discurso do relançamento
tivesse sido de visar a classe B, classe do meio, as iniciativas de relançamento jogaram o
jornal muito pra cima, pra competir com Folha e Estado, mesmo” (GANDOUR, 2006). Na
análise sobre as razões de o objetivo não ter sido atingido, Gandour, ao citar a divisão do
mercado leitor de São Paulo, faz uma observação que converge para as teorizações de
Kapferer (2004) de que existe ligação profunda entre marca e público:
Nos últimos 14 anos, todos caíram e dois ou três anos, ensaiam uma
estabilização, eu digo ensaiam porque é cedo demais para dizer se vão parar de
cair. Agora, quando se analisa a participação percentual de cada jornal no total, o
famoso share é mais ou menos a mesma, ou seja, São Paulo parece ser um
mercado em que cada jornal tem seu clube de leitores e está. Não há, nos
últimos cinco anos, de 2000 para nenhum movimento de troca de posição
(GANDOUR, 2006).
A afirmação ignora o fato de o Agora ter superado o Diário de S. Paulo em 2004,
situação que permanece até hoje, mas reforça a impressão de que as Organizações Globo
menosprezaram a relação de afetividade entre leitor e veículo. Um dos responsáveis pela
troca dos jornais, o diretor da Infoglobo Merval Pereira, na véspera da operação, em
entrevista ao Comunique-se, mostrava as incoerências do discurso do grupo: “O desenho do
novo Diário de São Paulo é lindo’, disse Merval ao Comunique-se, explicando que ele não
sofrerá com o fracasso do título no passado, porque “não há mais memória do antigo Diário
de São Paulo(NOVO..., 2001). Apostando que o tempo havia eliminado a memória do
jornal ressuscitado, o grupo, contraditoriamente, ambicionava ter a manutenção automática
da memória positiva da publicação que estava enterrando. O efeito acabou sendo a
76
A tomada de Constantinopla pelos turcos em 1453 marcou o fim do Império Bizantino, também conhecido
como Império Romano do Oriente, e representou o fim de uma cultura, além de obrigar o Ocidente a se
mobilizar na procura de um novo caminho para o Oriente.
212
migração do público do Diário Popular para o Agora e Jornal da Tarde, conforme Ruy
Mesquita informou à TV Cultura:
O Jornal da Tarde está em muito boa situação financeira e concorrendo com o
Diário de S. Paulo que o Globo cometeu o erro inicial (sic) de mudar de nome,
um jornal que tinha um público tradicional, chamava Diário Popular, virou
Diário de S. Paulo e que, com toda propaganda gratuita da poderosíssima
Televisão Globo e tudo isso, não vai lá (sic) das pernas (MESQUITA, 2004).
Os primeiros resultados negativos da troca levaram a uma intensificação da tática de
denotar continuidade e isso acabou por deixar o jornal sem identidade. Gandour, a quem
coube definir um caminho, assinala:
Procurei dar mais nitidez a uma lógica de mercado porque voltar é impossível,
loucura. Pra mim ficou claro, que em São Paulo, até por mérito das suas
trajetórias, a Folha e o Estado se tornaram nacionais, então a metrópole ficou
sem um veículo. O Jornal da Tarde tentou e ocupou o posto por várias
oportunidades, mas naquele momento estava desfocado e o Agora, na pesquisa,
aparece como o sucessor do NP, o melhor sucessor, então a gente optou por
sedimentar um posicionamento intermediário. Eu fui estudar no mundo como
estava isso e achei guarida, principalmente na Inglaterra e Espanha. Na Inglaterra
eles chamam de middle-market, é um jornal que não é popularesco, mas também
não é quality, não é macro, lá é o Dailly Mail que é um jornal popular mas tem
credibilidade, é levado à sério. E na Espanha eles chamam de híbrido, seria o
caso do El Periódico, que é um jornal que se apropria de ingredientes do
jornalismo popular que é forte em polícia, esporte, celebridades, TV, mas cobre
bem política, é levado a sério. (GANDOUR, 2006)
É importante ressaltar que as características encontradas por Gandour em seus
paradigmas europeus são praticamente idênticas às que definiam o perfil do Diário Popular
em sua época de “rei das bancas”. Suas palavras, além de explicitarem a preocupação de
separar “popular” de “jornal levado a sério”, revelam o recuo das Organizações Globo e
comprovam o exagero da comparação de seu projeto com a tomada de Constantinopla.
Também é válido lembrar que os conceitos de middle-market e híbrido que ele destaca se
equivalem ao modelo que vários pesquisadores brasileiros passaram a denominar,
“massivo” ou “popular-massivo”, enquadrando na categoria o Extra e O Dia (do Rio de
Janeiro), Agora e Jornal da Tarde (de São Paulo) e Diário Gaúcho (de Porto Alegre).
Com Gandour houve a substituição do diretor de redação, saindo Perin e assumindo
Paulo Moreira Leite, que era correspondente de O Globo em Washington. Nunes (2008)
assinala que a troca levou a nova crise de identidade:
213
O jornal sofreu um processo de novo de perda de identidade porque o Paulo
Moreira Leite é um cara de revista e muito ligado em matérias investigativas, de
política, de economia, então o jornal largou mão um pouco de novo do que vinha
fazendo para tentar entrar em uma seara mais de jornalismo investigativo, de
grandes reportagens. O jornal fez grandes reportagens, reportagens muito boas
mas abandonando o seu DNA de jornal popular. E o período do Paulo durou um
ano e meio. Ele se desentendeu com o Gandour, saiu, o Gandour assumiu a
redação e a gente brincava que ele tocava do caixa a notícia (NUNES, 2008).
Gandour se transformou em um executivo que chegou a lembrar diretores de jornais
do começo da história da imprensa brasileira, acumulando as funções de superintendente da
empresa, com controle das áreas de produção, financeira, comercial e circulação, e de
diretor responsável, equivalente a editor-chefe. Com o apoio de três editores-executivos, ele
administrou a empresa até setembro de 2006 e marcou a definição do jornal como
concorrente do JT, que ele considerava o outro paradigma de middle market da capital.
Ao sair do Diário, Gandour foi contratado para ser diretor de conteúdo do Grupo
Estado, onde passou a comandar também o jornal com o qual disputava leitores. Isto
obrigou as Organizações Globo a definir uma estratégia de fortalecimento da publicação,
tarefa entregue a Luiz André Alzer, vindo do carioca Extra para ser o novo editor-chefe.
Em abril de 2007, os dois jornais anunciaram mudanças, registradas por Eduardo Ribeiro,
em sua coluna Jornalistas & Cia do portal Comunique-se, em matéria com o título As
reestruturações de JT e Diário de S. Paulo”. No jornal dos Mesquita, houve o afastamento
do editor-chefe Celso Kinjô e do editor executivo Fernando Fernandes. Ambos tinham sido
responsáveis pelo projeto de “popularização” do jornal, que lhe garantiu deixar de ser
deficitário e entristeceu Ruy Mesquita. Eles também comandaram a reformulação gráfica e
de conteúdo, em abril de 2006, planejava para realçar o perfil de middle-market, ou
“popular-massivo”. No Diário, as alterações não atingiram a equipe, mas o conteúdo:
O pacote de novidades editoriais anunciado tem por objetivo deixar o Diário mais
atraente, melhor editado e ainda mais próximo de seus leitores. Acompanhe as
mudanças. O caderno Viver, de Variedades, passa a se chamar, de 2ª a sábado,
Vamos Ver, mantendo o nome anterior nas edições dominicais. Em termos de
conteúdo, o Vamos Ver terá como carro-chefe as notícias de tevê e o Viver,
temas como comportamento, saúde e bem estar. O caderno passa a adotar
oficialmente o formato tablóide [...] A contracapa do caderno muda e passa a
abrigar diariamente o Diário da Fama, sob a responsabilidade de Guilherme
Samora. Essa página abrirá espaço para mostrar os bastidores do mundo das
celebridades e será feita em sinergia com a Retratos da Vida, do Extra [...] Outra
contracapa que ganhará uma seção fixa é a do caderno de Economia, sobre Saúde,
214
com edição de Jaqueline Falcão e circulação de a sábado.[...] Esta página
também está ganhando a seção Qual é o seu problema, com perguntas de leitores
[...]. Na 2ª.feira, dia mundial do início das dietas, essa página será temática,
dedicada exatamente a Dieta e Boa Forma, sempre apresentando uma receita
light. [...] A página 2 também foi inteiramente remodelada. Além de incluir
Previsão do Tempo, Diário do Leitor (com cartas dos leitores) e a tradicional
seção Há cem anos, com notícias publicadas pelo jornal um século atrás, a Página
2 terá diariamente uma coluna âncora[...]. Às 2ªs.feiras tem o Gente da Cidade,
produzida por Donizete Costa, com o perfil de personalidades marcantes, mas
anônimas, da cidade; às 3ªs é a vez de Nós Testamos, com Carol Knoeloch, que a
cada semana testará um serviço tradicional da cidade, [...] às 4ªs é o dia de Meu
Começo, com Eric Fujita, que vai mostrar o começo e a evolução da vida de
personalidades da cidade[...]às 5ªs, o espaço será ocupado por Glenda Pereira,
com Trânsito Livre, que vai se debruçar sobre as condições de tráfego da cidade,
além de trazer dicas de trânsito de motoboys e motoristas de táxi [...] às 6ªs, chega
São Paulo que eu Adoro, com Marcos Carrieri, que toda a semana convidará uma
personalidade da cidade para elaborar um roteiro de fim de semana que considere
ideal [...] os sábados serão dedicados ao Cadê Você, com Nicolau Radamés
Creti, seção que, como o nome diz, procurará descobrir e mostrar como estão
hoje personalidades que um dia foram famosas [...] os domingos vão abrir espaço
para Júlio César Barros mostrar o É cada Coisa!, com um resumo das notícias
mais pitorescas da semana (RIBEIRO, E., 2007)
5.5.1 Sub-segmentação do “popular”, uma tendência paulistana
O acompanhamento das edições do Diário de S. Paulo
no período de 8 a 17 de julho de 2008 mostra que a divisão
implantada 15 meses continua em vigor, praticamente
sem alterações, apenas com mudanças de responsáveis pelas
seções. Colocando essas edições ao lado das do Jornal da
Tarde e das do Agora, que completam o segmento
denominado popular na capital paulistana, e comparando-as
com as edições de 8 a 14 de julho de 1996 do Diário
Popular, último ano de Miranda, ressaltam-se duas
evidências: a primeira é a significativa diferença na
quantidade de informações sobre a vida da cidade
77
, como
mostra a tabela abaixo. Cotejados dias da semana iguais, o
77
Foram contadas informações da capital e do interior, independentemente do espaço que ocuparam nas
páginas, sobre as ocorrências em que os moradores são personagens ou sofrem alguma conseqüência, como
sejam problemas de violência, obras viárias greves que alteram rotina, shows em áreas públicas, etc. Política,
economia, variedades e esportes ficaram fora desta compilação, considerada empírica e de amostragem
limitada. Devido ao feriado de 9 de julho, criado em 1997, comemorado numa quarta-feira em 2008, a
comparação envolveu duas edições de cada publicação de terça à quinta referentes ao período atual.
215
Diário Popular, publicava, em média, o triplo de notícias enquadráveis na classificação de
“matérias locais”, como se observa na tabela abaixo:
INFORMAÇÕES SOBRE A VIDA DA CIDADE
DIA DA
SEMANA
DATA
DIÁRIO SP JT AGORA
DIÁRIO POPULAR
3ª FEIRA
08/07/08
15/07/08
21
18
12
21
23
26
55 11/07/96
4ª FEIRA
09/07/08
16/07/08
32
28
20
25
31
30
58 12/07/96
5ª FEIRA
10/07/08
17/07/08
20
26
14
25
20
28
70 13/07/96
6ª FEIRA 11/07/08 28 14 36 79 14/07/96
SÁBADO 12/07/08 36 20 28 76 08/07/96
DOMINGO 13/07/08 22 19 22 58 09/07/96
2ª FEIRA 14/07/08 18 12 16 51 10/07/96
A segunda constatação é de que os três jornais oferecem um repertório de temas que
guarda relação com a pauta do Diário Popular, porém nenhum tem a preocupação de
agradar ao “público universal” a que Morin (2005) se refere e que o jornal comandado por
Miranda se dispôs a atingir. Apesar de enquadrados em um mesmo segmento, eles
estabeleceram patamares diferenciados de atuação, numa acomodação que remete à idéia de
sub-segmentação, onde o Agora visa a parte inferior do grupo, o JT a mais elevada e o
Diário de S. Paulo flutua entre as duas. Isso não implica que as três publicações deixem de
se mobilizar para retirar nacos da fatia das outras. Nunes (2008), ao falar da posição do
Diário no mercado, revela a dificuldade da redação tem para visualizar seu espaço editorial:
O leitor do Diário está mais próximo do leitor da Folha do que do leitor do
Agora. A gente tem feito pesquisas qualitativas com grupos de leitores e muitos
dos nossos assinantes, são ex-assinantes da Folha. Acharam a Folha mais cara e
passaram a assinar o Diário. A gente quase não tem essa migração do Agora. O
nosso concorrente de venda em banca é o Agora. Mas o nosso concorrente é
mais o cotidiano da Folha, no sentido de cobertura de cotidiano, a gente não quer
concorrer com a Folha na política, economia, mas como a gente é um jornal
metropolitano, um jornal local, a nossa cobertura de cidades está muito mais
216
próxima da Folha do que do Agora, embora na banca a gente trafega no mesmo
universo dos leitores do Agora e do Jornal da Tarde (NUNES, 2008).
Essa sub-segmentação de um universo de leitores, que pode ser considerado
pequeno se consideradas a população da cidade, a tiragem dos títulos classificados como
“não-populares” e as vendas em outros mercados do país, cria o desafio de se conciliar a
necessidade de fidelizar o público do nicho-alvo e de oferecer opções aos demais. Mesmo
com a amostragem limitada de dez edições, percebe-se que o Agora se posiciona mais
claramente sobre quem deseja atingir. Exemplo disso é o destaque ao noticiário que
interessa aos aposentados e o espaço para informações sobre o funcionalismo. No período
analisado, sete manchetes se destinam aos aposentados ou a quem pensa em se aposentar. O
Diário de S. Paulo tem, às terça-feiras, seu Diário do Aposentado, em uma página.
Os dois se assemelham também na maneira de abordar o mundo das celebridades.
O Agora destaca, sempre, uma mulher em pose sensual na página 2 (coluna Olá de Odair
Del Pozzo) e o Diário de S. Paulo usa este recurso no Diário da Fama, na contracapa do
primeiro caderno. Em 8 de julho, os dois dão a mesma foto da auxiliar de palco do
programa da TV Globo, Dany Bananinha, fornecida pela divulgação da revista VIP. O
caderno Show do Agora e o Vamos Ver do Diário, ambos em formato tablóide, privilegiam
personagens das novelas da TV Globo.
A preocupação com o consumidor, no Diário, merece menos de uma gina
semanal, às segundas-feiras e a seção “Nós Testamos”, nas terças-feiras. O Agora publica
uma página diária Defesa do Cidadão
78
que mostra uma média de seis reclamações com
resposta das empresas e inclui a seção Desabafo com mesmo número de cartas de leitores
sobre assuntos variados. Nessa área, se aproxima do Jornal da Tarde que diariamente
publica a seção, de quase uma página no caderno Seu Bolso”, chamada Advogado de
Defesa. A editoria do Agora para assuntos econômicos é denominada Grana”, numa
explicitação da linguagem coloquial (ou “popular”) que adota. Na verdade, a questão de
linguagem utilizada registra poucas variações entre os jornais. Na área do esporte, por
exemplo, as expressões “Timão” e “Verdão” para se referir aos times de futebol da capital
78
Como curiosidade, vale notar que nos dias 8 e 9 a página publicou reclamações contra as Casas Bahia, em
edições que continuam anúncios da loja.
217
paulistana Corinthians e Palmeiras, tão criticada pelos idealizadores do Diário de S.Paulo,
estão presentes com constância nos três veículos.
A característica determinante para a colocação do Agora em um patamar mais
próximo do “popular”, na concepção do termo como indicador de classe social, do que o
Diário e o JT se encontra nas matérias especiais de cidade. Enquanto esses dois preferem
destacar um problema geral da população e escolhem como cenários de suas reportagens,
áreas mais nobres da capital, o Agora individualiza os problemas e se desloca para a
periferia. No período analisado registraram-se três casos de impacto que tomaram espaço
na mídia: a morte do menino João Roberto de 3 anos no Rio de Janeiro, depois que o carro
onde estava com a mãe e o irmão foi metralhado por policiais (edições de 8 de julho, sendo
que caso semelhante também na capital carioca se repete em 15/ de julho); a prisão do
empresário Daniel Dantas, do ex-prefeito da capital Celso Pitta e do mega-investidor Naji
Nahas, pela Polícia Federal (edições de 9 de julho) e o desbaratamento de uma quadrilha de
fiscais que extorquiam camelôs paulistanos (edições de 12 de julho).
Apesar da concentração do interesse nesses assuntos, é possível elencar exemplos
da diferença na maneira de ver a cidade dos três jornais. O Jornal da Tarde teve como
destaque uma matéria sobre as estações do Metrô mais perigosas (dia 10 de julho) e outra
sobre o uso da avenida Paulista como pista de skate (dia 11 de julho). O Diário deu uma
página sobre o perigo da venda ilegal de gás de cozinha (dia 10 de julho) e uma sobre o
envolvimento de policiais rodoviários com a organização criminosa PCC (dia 8 de julho).
Por outro lado, o Agora, no dia 8 de julho, mostra que depois de reportagem publicada na
edição anterior, uma costureira conseguiu consulta em uma unidade de saúde municipal na
Zona Leste e a ocorrência de problemas no atendimento em outra, em Parelheiros, bairro
distante e pobre da Zona Sul. Com relação a assuntos de interesse da cidade, ressalta-se
também que a relação de falecimentos, liberada pelo Serviço Funerário Municipal aparece
diariamente no Agora e no JT, enquanto o Diário a publica quando há espaço, o que no
período analisado só ocorreu no dia 15 de julho.
Com relação aos casos que concentraram a atenção da mídia, o Diário de S. Paulo,
valendo-se da estrutura do Extra, deu ampla cobertura à morte do menino João Roberto,
dando o caso em manchete e seguidas suítes, inclusive com as pessoas que receberam
córneas doadas pela família da vítima. O Agora deu fotos do menino e título em fontes
218
grandes, mas a manchete foi sobre revisão de aposentadorias (destaque secundário no
Diário) e o JT teve procedimento similar com a manchete para o preço do pão que não
baixou no balcão, apesar da diminuição de impostos. No caso das prisões pela Polícia
Federal, os três jornais começaram os títulos pelo ex-prefeito Pitta, ao contrário dos jornais
considerados “não-populares” que iniciaram pelo polêmico empresário Daniel Dantas. Já a
máfia dos fiscais mereceu manchete e espaço farto nas três publicações. O período
analisado também foi marcado por séries de reportagens no Diário e no Jornal da Tarde
lembrando a queda do Airbus da TAM em Congonhas que causou 199 mortes em 18 de
julho de 2007. O Agora deu menos espaço, concentrando-se na data do aniversário da
tragédia.
Na economia também se percebe uma escolha diferenciada de pautas. No dia 9 de
julho, o Agora destacava o começo do pagamento do PIS, o JT falava com um público mais
bem posicionado ao orientar sobre quanto custa, através da Previdência Privada, conseguir
uma aposentadoria de R$ 3 mil a partir dos 60 anos. O Diário mantinha sua postura
intermediária falando de liquidações de inverno nos shoppings. Essa pauta foi destaque no
JT de 12 de julho, com a diferença de que o Diário focalizou shoppings que servem a classe
média baixa nas regiões do Brás e do Bom Retiro e o JT se restringiu aos mais sofisticados.
Por fim, é de se salientar que o Agora publica o resultado das várias extrações diárias do
jogo do bicho, ousadia que Miranda Jordão praticava no Diário Popular.
Os domingos estão se transformando em dias de acirramento da disputa pelos
leitores. O Agora, que vende mais que o dobro do Jornal da Tarde e 25% mais que o
Diário, traz a Revista da Hora com assuntos variados, que marca uma elevação no nível
das pautas. Essa tendência, sinalizadora do interesse de ampliar o público, também se
percebe no Diário, que tem o Diário Dez, produzido em papel de melhor qualidade e
formato maior que o da revista do Agora. O JT tem a Revista JT no mesmo tamanho do
suplemento do jornal das Organizações Globo, com temas mais sofisticados. O Diário de
domingo custa R$ 2,50 e tem colunas assinadas por nomes destacados como Padre Marcelo
Rossi, Paulo Coelho, o narrador esportivo da TV Globo Cléber Machado e a apresentadora
Ana Maria Braga. Seus concorrentes mantêm o preço de R$ 1,50 de segunda a domingo.
A briga pelo público aficcionado por automóveis também está intensa. O tradicional
Jornal do Carro do JT, nas quartas-feiras, passou a ter a concorrência da edição de quarta
219
do Caderno de Automóvel do Diário. Como troco, o jornal dos Mesquita lançou sua edição
de sábado. No período analisado, verificou-se que o Jornal do Carro, de 16 de julho
(quarta-feira), era composto de um suplemento de 52 páginas, com informações e anúncios,
no formato tablóide e grampeada, mais 40 páginas de anúncios no formato standard,
enquanto o Caderno de Automóvel do Diário saiu com 24 páginas tablóide mais oito de
anúncios classificados. Na quarta anterior, feriado de 9 de julho, o Diário teve seu
suplemento com uma edição especial de 36 páginas e foi distribuído em esquinas da cidade.
No sábado (12 de julho), o Diário tinha 96 ginas divididas em quatro cadernos, no
formato tablóide, entre os quais estava, a edição especial o que fora entregue nas ruas, e o
JT tinha um caderno com 92 páginas grampeadas no formato tablóide. O Agora também
está investindo na setor, publicando aos sábados seu suplemento Máquina.
Os dados do IVC de maio de 2008 mostram que se acha em curso uma disputa
bastante acirrada entre os três títulos, com o Diário de S. Paulo se aproximando do Agora e
o Jornal da Tarde com as assinaturas ultrapassando a venda em banca. Também fica
evidente a queda que os três registraram em seu desempenho nos últimos anos.
DIÁRIO SP AGORA JT
MAIO/08 ABRIL/08 MAIO/08 ABRIL/08 MAIO/08 ABRIL/08
DOMINGO
93.102 86.265 110.241 116.921 54.525 50.350
SEGUNDA
77.729 68.834 81.727 81.440 58.556 55.791
TERÇA
74.532 60.422 75.961 77.909 50.715 48.969
QUARTA
74.123 68.056 73.743 77.202 90.886 90.239
QUINTA
76.302 68.798 78.832 78.812 55.770 50.795
SEXTA
72.872 66.059 76.243 78.429 54.259 52.898
SÁBADO
78.952 72.374 81.570 84.625 58.517 57.033
MÉDIA
SEMANAL
78.230 70.973 82.617 85.048 60.463 57.982
ASSINATURA
21.048 23.267 34.829
TRIAGEM
99.101 91.327 117.062 117.774 85.030 80.933
220
Os boletins
79
dos quais foram retirados os números registrados neste trabalho,
trazem observações sobre promoções de venda no período. As do Diário foram: “Diário +
Época R$ 8,90” e “Junte 07 selos + R$ 3,99 = 01 moto miniatura”. O Agora teve: “Coleção
DVDs Mazzaropi”, “Kit Bijuterias Folheadas Galle”, “Assadeiras Marinex”, Livro CD
O Segredo de Ana Maria Braga”, “DVD Bruno e Marone” e “DVD Banda Calypso”. O JT
tem apenas uma promoção citada: “Coleção Curso de Qualificação em Telemarketing
09/04 a 04/06) R$ 6,90”. Sobre o uso de estimuladores de venda (os chamados
anabolizantes) Nelson Nunes ressalta como ele tem sido importante para as vendas do
Diário “As promoções também têm puxado muito as vendas. A promoção de celular fez a
gente crescer 15 mil exemplares por dia que é um número muito bom” (NUNES, 2008).
A promoção que o editor executivo cita aconteceu entre 15 de abril e 15 de maio e
os leitores, para ganhar um celular Sony-Ericson, com preço médio nas lojas de R$ 175,00,
deviam preencher cartelas com 30 selos publicados diariamente. Atualmente, o jornal está
com a promoção que motos em miniatura a quem juntar sete selos e dar mais R$ 3,99
nos postos de troca e iniciou, no domingo (dia 13), a venda da coleção de livros com aulas
preparatórias para concursos públicos, pelos quais o leitor, além de comprar o Diário, deve
desembolsar R$ 5,90. O Jornal da Tarde está em meio à promoção Mude com o JT”,
iniciada em 14 de maio, que sorteia quatro apartamentos e é alavancada por uma campanha
publicitária na televisão. Na edição do dia 10 de julho, na primeira página e na página 4B,
foi informado que a advogada Leila Serpa ganhou o terceiro apartamento, avaliado em R$
136 mil. As promoções do Agora em julho são a “Coleção Dona Benta”, cujos volumes são
comprados nas quintas-feiras por R$ 4,90 mais o jornal e o Especial Beleza”, que garante
a quem comprar o jornal, aos domingos, e der mais R$ 11,90 um caderno sobre beleza e um
kit com batom hipoalergênico, um pó compacto, um brilho labial e um delineador.
5.5.2 Preço reduzido, anabolizantes e sinergia entre veículos viram receita
A explosão de tiragens dos jornais de preço reduzido rotulados, por isso, pela pauta
que privilegia o trinômio variedades/polícia/esportes e pelos textos curtos e superficiais,
221
como “populares” está sendo responsável pelo crescimento do total de exemplares vendidos
no país. Estranhamente, o fato de, praticamente, todos se destacarem por distribuir brindes
e sortear prêmios, não tem sido destacado pelo setor de mídia impressa quando se fala dos
resultados conseguidos. A Associação Nacional dos Jornais, em seu site, ao analisar os
dados de 2007, no artigo “Comentários sobre o meio jornal”, passa ao largo desse
importante ponto e comemora:
O ano de 2007 foi excepcionalmente positivo para a indústria jornalística
brasileira. De acordo com o Instituto Verificador de Circulação (IVC), a
circulação média diária aumentou 11,8% em relação a 2006, que já havia
registrado elevação de 6,5% em relação ao ano anterior. [...] Com o crescimento
da economia, a manutenção da inflação sob controle e a maior distribuição de
renda, as camadas mais pobres da população foram beneficiadas pelo aumento do
seu poder aquisitivo. Com isso, houve uma forte expansão dos jornais populares,
que alavancaram o crescimento geral da venda de jornais no Brasil.
(COMENTÁRIOS..., 2008)
A enumeração das promoções feitas, em julho de 2008, pelas publicações que estão
chamando a atenção de especialistas do setor e de pesquisadores das ciências da
comunicação demonstra que não é admissível qualquer reflexão sobre o meio jornal sem
levar em conta os “anabolizantes”. Desde 2003 na terceira posição entre os mais vendidos
no país, o Extra também das Organizações Globo, registrou média mensal de 273.560
exemplares vendidos em 2007. Atualmente, tem as mesmas promoções do Diário de S.
Paulo. Para ganhar a miniatura da motocicleta, fascículo e pôster, o leitor precisa juntar
sete selos e dar mais R$ 3,95. Como seu preço de capa nos dias de semana é R$ 1,00, o
brinde fica mais barato que o do seu co-irmão paulistano. no domingo, o exemplar custa
R$ 2,30 e vende junto o livro preparatório dos concursos por mais R$ 4,90, o que
representa menos R$ 1,20 do desembolso em São Paulo.
Concorrente do Extra, para quem perdeu a liderança do mercado carioca, e
enfrentando queda constante na tiragem, O Dia está sorteando uma cobertura no bairro de
Cascadura, avaliada em R$ 149 mil, e mais prêmios que somam meio milhão de reais. No
domingo (dia 13), foi publicada a foto do ganhador de um carro gol e na quinta-feira (dia
17) a do leitor que levou uma motocicleta. O jornal também iniciou a promoção pela qual
ao se juntar 15 selos e desembolsar mais R$ 25,00 se adquire uma mochila. O Dia, depois
79
Dados fornecidos pelo IVC, referente a maio de 2008.
222
da morte, em 2003, do proprietário Ary Carvalho, sentiu as conseqüências de briga entre
suas três filhas e herdeiras e perdeu espaço. Visando atingir um público de classe menos
privilegiada, lançou o Meia Hora, que, em 2007, se transformou no sexto jornal em
circulação entre os auditados pelo IVC, com 205.768 exemplares vendidos. Trata-se de
uma publicação em formato tablóide com forte noticiário policial e linguagem coloquial,
que custa R$ 0,50 e também apela aos “anabolizantes”, distribuindo atualmente um kit
lancheira gratuito a quem preencher as cartelas com selos. Para concorrer com esse veículo,
as Organizações Globo lançaram o Expresso, com características editoriais idênticas e
promoções equivalentes e preço igual.
O novo fenômeno do mercado “popular de baixo custo” é o SuperNotícia de Belo
Horizonte, graças ao seu preço de R$ 0,25, a muitos sorteios e brindes e a uma distribuição
agressiva que conta com uma equipe de vendedores nas ruas da cidade. Ele chegou a ser o
mais vendido do Brasil por dois meses em 2007 e fechou o ano na quinta posição com
238.611 de venda média mensal. Atualmente, ele repete a promoção encontrada no Diário
de S. Paulo e no Extra, com o leitor que junta sete selos e paga mais R$ 5,95, levando
miniaturas de motos, fascículo e pôster. Enquanto o leitor do Diário adquire sete edições e
gasta o total de R$ 10,99 pelo brinde, o da capital mineira despende R$ 7,70. O jornal
também tem o Super Show de Prêmios”, que promete sortear duas casas, duas motos, oito
DVDs e outros prêmios a quem enviar a cartela/cupom completada com 15 selos
publicados em sua capa. ainda a promoção Um estouro de sabor’, na qual, com cinco
selos e sendo pagos R$ 12,95 leva-se um fascículo e uma pipoqueira. Por fim, a chance
de se ganhar cinco kits de pintura para casa que serão sorteados semanalmente.
Para enfrentar essa avalanche de promoções o concorrente do SuperNotícia, que é o
Aqui, também vendido a R$ 0,25, anunciava que os leitores podiam juntar sete selos e pagar
mais R$ 24,90 para ter uma barraca de camping, enquanto cinco selos mais R$ 2,99 valiam
um kit maquiagem, bem mais simples que o distribuído pelo paulistano Agora, pois tem
apenas um brilho e dois hidratantes além do suplemento Beleza Aqui. Também nas bancas
de Porto Alegre encontra-se um representante do “jornal anabolizado”, Trata-se do Diário
Gaúcho, com um perfil mais identificado ao do Extra carioca e ao dos três paulistanos que
se digladiam no segmento. Vendendo uma média mensal de 155.238, a publicação está na
oitava posição entre os mais vendidos. Em sua edição de 18 de juho, preço de R$ 0,60, via-
223
se no alto da primeira página o selo 23 que os leitores deviam colar numa cartela que,
completa, valeria um jogo com uma jarra, um multipote e quatro copos Duralex.
Além do repertório de temas das pautas e da utilização de cores fortes, outra
semelhança entre os jornais enquadrados como “populares” é o fato de serem propriedades
de grupos que possuem outros veículos. Essa constatação ressalta uma outra marca
histórica do Diário Popular que é o fato de ele ter sido o último jornal na capital paulistana
a sobreviver como produto único de uma empresa. A prática de otimizar a utilização de
parques gráficos, diversificando os títulos oferecidos remonta à década de 30, com os
Diários Associados e a fase embrionária do Grupo Folha, porém a sinergia preponderava
no setor industrial, com as redações se assemelhando apenas pela utilização de material
produzido por agências noticiosas do conglomerado, mas concorrendo entre si para dar
informações exclusivas. Atualmente, a interação se intensificou, envolvendo os veículos
digitais. No Diário de S. Paulo, Nelson Nunes explica a profundidade do processo:
Têm duas grandes áreas compartilhadas que são o caderno de variedades e o
Diário 10, é o Canal Extra. Então você tem a mesma capa nas duas revistas,
tem o mesmo material interno. Nas edições do Vamos Ver também, não
necessariamente, um material feito lá. Pode ser que a gente produza aqui e eles
repiquem lá. Tem uma sinergia muito grande com o pessoal de Esportes,
noticiário de seleção brasileira, noticiário de CBF, quando um clube paulista vai
jogar lá, aproveita o material que O Globo faz. Informalmente com a agência
Globo porque o material deles é compartilhado com a gente, O Globo e o Extra.
E a gente também tem agora uma parceria com o G1 que produz matéria aqui e a
gente pode usar. O G1 também usa matérias nossas. G1, Globo On Line, em todas
as mídias de internet da Infoglobo, a matéria é compartilhada. (NUNES, 2008)
Além do mercado paulistano, onde o Diário de S. Paulo funciona como extensão do
Extra, e o Agora funciona como o “irmão mais novo” da Folha de S. Paulo e o Jornal da
Tarde também recebe esse tratamento, a consolidação de subprodutos, sempre no padrão
classificado como “popular”, se disseminou pelo Brasil, seguindo uma tendência mundial
imposta pela globalização da economia. O Diário Gaúcho pertence ao Grupo RBS,
proprietário do líder do mercado regional Zero Hora. No Rio, as Organizações Globo, além
do tradicional O Globo e do Extra, edita o título de baixo preço Expresso, e O Dia investe
no Meia Hora. O fenômeno de vendas mineiro SuperNotícia é editado pela Editora
Sempre, dona de O Tempo e seu concorrente Aqui pertence aos Diários Associados que tem
o Estado de Minas. Em Santos, o Expresso Popular, subproduto da Tribuna de Santos e
224
em Vitória, a líder de mercado A Gazeta, pertencente ao maior grupo de comunicação do
Espírito Santo, vai às bancas junto com o “popular” Tribuna de Vitória.
A configuração atual do mercado de mídia impressa do Brasil mostra que o cenário,
onde o Diário Popular foi um sucesso de vendas, graças a sua linha editorial eclética e sua
capacidade de responder o que estava acontecendo ao paulistano que enxergasse do ônibus
algum problema na cidade, não existe mais. Supor como ele atuaria nos dias de hoje se não
fosse “executado” pelas Organizações Globo seria um exercício inútil, mas apontar as
diferenças com seu sucessor serve para reflexões sobre o futuro do meio jornal. Para isso
vale enfatizar que a grande diferença entre ele e o Diário de S. Paulo e seus dois
concorrentes está na quantidade de informações publicadas, especialmente sobre a cidade.
O Diário de S. Paulo começa a enfrentar limitações por culpa da necessidade de
uma nova transformação tecnológica. Constantemente é obrigado a editar a página 3 em
preto e branco por dificuldades na impressão. Também está atrasado em relação ao
mercado na ocupação de espaço na Internet. É o único entre os títulos analisados, tanto em
São Paulo quanto nas outras praças, que não disponibiliza conteúdo informativo na web.
225
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A retirada das bancas do Diário Popular, depois de 117 anos de circulação, e sua
substituição pelo Diário de S. Paulo atraiu a atenção de pesquisadores das ciências da
comunicação, jornalistas e publicitários. Entre as causas do interesse estavam a presença do
maior grupo de mídia no país como condutor da operação e a explicação para a medida, que
colocava em xeque o conceito de “popular”. Como o Diário Popular registrava boas
tiragens atribuídas à linha editorial que amalgamava temas considerados “populares”, como
casos policiais, histórias do cotidiano, eventos esportivos, vida de celebridades e as
variações enquadráveis no que se convencionou chamar de fait-divers, sua extinção
explicitou os conflitos ainda latentes na conceituação de jornal popular e o estigma
depreciativo que o adjetivo “popular” carrega. Ao se investigar as causas da reação
negativa dos leitores diante da substituição, detectou-se que seus planejadores ignoraram os
referenciais de afetividade acumulados pela marca abandonada e que o Diário Popular
ainda não tinha sua origem e suas várias mortes devidamente pesquisadas, considerando-se
morte de um jornal todo momento em que esse produto cultural perde um ou mais
referenciais que o identificam com o público.
O principal equívoco de interpretações recentes sobre o Diário Popular está na
afirmativa de que ele teria nascido como jornal popular, no sentido de ter uma pauta
diferenciada em relação aos concorrentes. Também se encontram análises de que ele teria
sido fundado como “popular” dentro da vertente ideologizada do conceito que assim define
jornais dedicados a defender interesses de classes sociais menos favorecidas. Ambas as
visões não se sustentam. Ao se verificar as primeiras edições do jornal e ao se fazer a
comparação entre elas e as dos outros órgãos que preponderaram na época - A Província de
São Paulo, que se transformou em O Estado de S. Paulo, e Correio Paulistanovê-se uma
semelhança na escolha dos temas o que afasta a primeira possibilidade do enquadramento.
Também depõe contra essa visão o fato de seu preço ser o mesmo dos demais, pois o custo
menor é um dos definidores de jornal popular quando se focaliza o final do século XIX e
início do século XX. Há ainda a questão do público a que se destinava que era o mesmo dos
concorrentes, razão pela qual ele nasceu vespertino.
226
Com relação à definição ideologizada do “popular” também existem obstáculos
insuperáveis para essa classificação. O jornal teve seu lançamento viabilizado
economicamente pela doação de equipamentos feita por Antonio Bento de Souza e Castro,
abolicionista radical e cunhado de um dos fundadores (José Maria Lisboa), e defendeu a
Abolição da Escravatura. Apesar disso, priorizou a utilização de suas páginas como
instrumento político na luta pela Proclamação da República. A análise da relação entre as
duas bandeiras históricas mostra que havia dificuldades para um jornal ser explicitamente
favorável às duas, uma vez que a libertação dos escravos, causa que admite, com
parâmetros da atualidade, a adjetivação de “popular”, não interessava aos grandes
fazendeiros que os republicanos desejavam ter como aliados no combate à monarquia.
Assim, as ginas do Diário Popular se revelaram anti-escravocratas ao não aceitar
anúncios de negros fugidos, mas a visão pragmática de Américo de Campos, o segundo
nome de expressão no jornalismo da época que aparece como seu fundador, prevaleceu e se
encontram muito menos libelos abolicionistas do que republicanos.
Outra ilação distorcida, difundida em diversos momentos, é a de que o jornal
revelava vocação para ser local ao ser fundado. Não há evidência disso, pois tanto o Diário
quanto A Província e o Correio se caracterizavam por misturar noticiário da cidade,
inclusive ocorrências policiais, aos debates políticos que aconteciam na corte e aos fatos
internacionais. A interpretação de que haveria uma diferença se tornou um erro mais fácil
de acontecer depois de um crime de lesa-memória cometido em 1994 em livro
comemorativo aos 110 anos da publicação. Como a primeira página do mero 1 do jornal
estava deteriorada, com pedaços perdidos, foi feita uma montagem em que restou pouco de
original. Entre os textos usados para “reinventar” a página um artigo, publicado, na
verdade, no número 2, sobre a vigilância que se pretendia exercer sobre assuntos
municipais, com vários parágrafos cortados o que impede sua compreensão exata. Esse
artigo acabou sendo classificado como editorial de apresentação, quando o texto que
cumpre essa função pode ser lido na edição mutilada e em reprodução feita pelo Correio
Paulistano, três dias depois.
Esta pesquisa conclui que o Diário Popular nasceu como instrumento político, teve
um período de jornal local durante os anos 70, mas reuniu uma gama de atributos
suficiente para adequá-lo ao paradigma do que seria o jornal popular, no sentido de “que
227
agrada ao povo”, entre 1988 e 1995, já propriedade do ex-governador Orestes Quércia e sob
a condução editorial de Jorge Antonio de Miranda Jordão. Da fundação até sua retirada das
bancas, o jornal teve sete rupturas de perfis passíveis de serem consideradas como mortes.
O primeiro evento desta natureza se deu com a Proclamação da República e a saída de
Américo de Campos, quando morre o jornal político, e surge uma publicação administrada
com a visão empresarial, adquirindo o direito de se colocar como um dos precursores desse
modelo em São Paulo. É o período da abertura de espaço aos pequenos anúncios,
principalmente de procura e oferta de empregos, iniciando a consolidação de uma imagem
de “jornal de classificados”. Esse qualificativo, se viabilizou economicamente o Diário
Popular, acabou o condenando a um papel secundário no cenário da imprensa paulistana. A
tendência foi agravada por ele ter atravessado os conturbados anos 30 e 40, sem um
posicionamento partidário.
Assumida desde o final do século XIX, sua opção pela neutralidade em relação às
forças aglutinadas em legendas contrastava com o engajamento de publicações como O
Estado de S. Paulo, Gazeta de S. Paulo, Folha da Manhã, Diário de S. Paulo e Correio
Paulistano. Porém, a noção de que ele se tornara omisso na época também deve ser
repensada, pois seu noticiário e sua análise dos fatos mostravam coerência, apesar de
algumas oscilações, no período ditatorial de Getúlio Vargas, atribuíveis ao relacionamento
ambíguo entre a Imprensa e o político que dominou o país por 15 anos.
Em 1943, José Maria Lisboa Jr. (Zeca Lisboa), filho do fundador, morre e dois de
seus sobrinhos passam a dirigir o jornal consolidando o distanciamento político e fazendo a
opção por ser uma empresa pequena. A adoção dessa diretriz é considerada a segunda
morte do jornal, também, por ele deixar de ser comandado por um diretor com formação
jornalística, com o engenheiro José Maria Lisboa Walter Seng centralizando as decisões.
Sua administração reforça a imagem de “jornal de classificados”. É com essa característica
e com os primeiros sinais de desentendimentos entre os herdeiros que o Diário Popular
entra nos anos 60.
Esse período da história da imprensa paulistana é marcado por muitas
transformações: agrava-se a decadência do Correio Paulistano, as dificuldades da Última
Hora crescem e acontece a compra da Folha pelos empresários Octávio Frias de Oliveira e
Carlos Caldeira Filho. A nova configuração do mercado, onde continuava a se destacar O
228
Estado de S. Paulo, que desfrutava de estabilidade econômica conseguida, ironicamente,
por ser administrado financeiramente com competência pelos prepostos da ditadura de
Vargas durante cinco anos, exigia uma gestão mais ousada do Diário Popular. O fato de
isso não ter acontecido remete à constatação de que o desempenho do jornal a partir da
morte de Zeca Lisboa sofreu o reflexo negativo da falta de ambição de seus dirigentes e dos
aspectos polêmicos de suas personalidades.
As desavenças entre os acionistas levaram à unificação do controle, com Rodrigo
Soares Jr. e seu filho Rodrigo Lisboa Soares tornando-se donos da totalidade das ações e
entregando a direção da empresa a Nello Ferrentini, um ex-linotipista, que dividiu a tarefa
de recuperá-la com seu irmão Armando. A ausência dos proprietários na definição dos
rumos da publicação representou sua terceira morte. Nesse período, houve a implantação de
uma linguagem mesclada entre a jornalística e publicitária e se cristalizou a imagem de
“jornal de classificados”. Vale ressaltar que ter um volume significativo de anúncios
classificados é considerado fundamental para um jornal garantir sua independência e ter
influência social e política. Porém, o Diário Popular arcou com o ônus da classificação,
conformando-se com um papel secundário e desprezando o bônus que seria viabilizar-se
como empresa de maior porte.
A administração dos Ferrentinis é definida de maneira polêmica e contraditória,
sendo considerada salvadora do jornal, por ter ampliado sua infra-estrutura na década de
60, e causadora dos problemas que o levaram à venda, em 1988. A visão negativa é
explicada por Nello ter se influenciado por seus laços com o setor gráfico e se omitido em
dois momentos importantes: na criação do FGTS, quando não propôs acordos a
funcionários prestes a ter estabilidade, e na hora de investir na modernização tecnológica.
Os irmãos também são acusados de terem conduzido a empresa visando, a médio prazo, se
tornarem seus proprietários. Através das ferramentas do jornalismo comparado, constata-se
que o volume de anúncios e a tiragem do Diário Popular permitem estimar que seu
faturamento, na década de 70, seria suficiente para lhe garantir posição melhor no mercado.
Essa constatação não implica em juízo de valor sobre destinação de recursos, porém
funciona como comprovante de que a história do jornal foi marcada fortemente por
decisões personalistas.
229
A retirada repentina e conflituosa dos irmãos é considerada a quarta morte do
Diário Popular e deu origem a um período errático do jornal, com sua gestão sendo
entregue ao namorado da filha do dono. Esse inexperiente engenheiro recém formado
apostou em mudar as características de jornal local para nacional, mas sem recursos para
investir na atualização tecnológica e na ampliação da equipe. Foi uma fase curta e
tumultuada, onde a mudança de comando se deu em meio ao mesmo tipo de acusação de
malversação de recursos que marcou a ruptura com os administradores anteriores e que
precipitou a venda (quinta morte) do jornal, desaparecendo então o sobrenome Lisboa de
seu expediente.
Enfim, com a venda ao então governador Orestes Quércia, o Diário Popular, aos
104 anos, graças à implantação de um modelo consagrado nos anos 50 pela Última Hora,
assumiu as características de “popular” e local, que algumas interpretações de sua história
consideram terem se manifestado na sua fundação. Em nenhum outro período, o jornal
conseguiu tanta visibilidade no mercado e entre os estudiosos da comunicação, por ter se
transformado em fenômeno de vendas. A grande questão que aflora da transformação do
Diário Popular no título mais vendido nas bancas da Grande São Paulo é se ela seria
possível sem a forte injeção de recursos ocorrida na implantação do projeto. Esse ponto,
que pode até ser relevado, ao serem feitos estudos sobre modelos de jornal de sucesso, deve
obrigatoriamente ser destacado no caso do Diário Popular devido ao dinheiro ter entrado
via verbas publicitárias do estado. O fato de o governador ser o proprietário do jornal torna
mais grave esse aspecto e propõe uma reflexão sobre a viabilidade econômica dos veículos
de comunicação sem as verbas públicas e como a distribuição dessas deveria ser
disciplinada.
A substituição de Miranda (sexta morte) revelou uma estratégia de Quércia de tentar
concorrer com a Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo. A impossibilidade de essa meta
ser alcançada pelo conteúdo editorial, levou a uma nova frente, aberta após a inauguração
de um moderno parque gráfico: a adoção da distribuição de brindes e cupons e o
barateamento e até gratuidade de anúncios. Usando essa tática, Quércia conseguiu manter a
tiragem alta e o volume de páginas de publicidade chegou a ser recorde, mas a operação,
atualmente, é entendida como preparação para a venda da empresa, efetivada em 2001 e
230
que levaria as Organizações Globo a retirar o Diário Popular das bancas (sétima e última
morte) e a lançar o Diário de S. Paulo.
A reparação de equívocos que marcam a história disponível do Diário Popular, o
resgate de momentos significativos de sua vida, especialmente a participação do
abolicionista radical Antonio Bento em sua fundação, a revelação da fraude na primeira
página do número 1 e a contribuição para o esclarecimento de como ele acabou nas mãos
do ex-governador Orestes Quércia e depois das Organizações Globo foram objetivos
alcançados por essa pesquisa. Porém, esses pontos não esgotam o debate sobre as perguntas
que motivaram o projeto ‘Quem matou o Diário Popular?’ e ‘Por que os jornais têm
medo do popular?’. Nas duas questões, as reflexões ainda devem ser estendidas ao
profissional de jornalismo.
Quando se investiga quem matou o Diário Popular e as pistas convergem para as
pessoas que detinham seu controle nos momentos em que se registraram as várias mortes, é
preciso analisar a postura dos profissionais em relação ao jornal. Os depoimentos que
relatam preconceitos da categoria com relação aos colegas que se submetiam no Diário à
obrigação de “cozinhar” matérias, nos anos 60, a forma passiva como a categoria, tanto os
membros da redação quanto os ligados à representação sindical, assistiu a consolidação do
atraso tecnológico da publicação e o aviltamento dos salários, nos anos 70, e o fato de o
jornal ser encarado como posição de início de carreira e trampolim para se tentar
oportunidades em publicações consideradas de “nível mais elevado”, nas décadas seguintes,
justificam a necessidade de se esclarecer como os jornalistas viram o Diário Popular
durante seus 117 anos.
Também com relação à segunda indagação é possível se prospectar o grau de
responsabilidade do jornalista na definição da maneira como as publicações encaram o
“popular”, na medida em que a utilização do “popular” substantivado tem sido recurso de
profissionais para atrair leitores e garantir suas posições nas empresas. Outro ponto a
merecer estudos é o perfil do jornalista que atua nas publicações consideradas “populares”
que investem nos “anabolizantes”. É preciso analisar qual o grau de motivação que o move
a dar qualidade e credibilidade à informação que se produz quando se sabe que o interesse
(atributo indelével do valor/notícia) do público estaria direcionado a um selo para formar
coleções ou a um cupom para sorteio.
231
Por fim, o sucesso do Diário Popular em seus tempos de “rei das bancas” quando,
apesar de seu atraso tecnológico, superava os concorrentes graças a uma pauta baseada
fortemente na cobertura dos fatos da cidade remete à indagação sobre a viabilidade da
fórmula nos tempos da instantaneidade digital. A função de estar em todos os lugares para
informar o leitor sinais de ter sido transferida ao jornalismo on-line e isto impõe um
novo desafio aos veículos impressos: definir exatamente seu papel, sob o risco de ser
condenado a se transformar em “entregador” de mala direta de seus anunciantes, vendedor
indireto de coleções ou de viabilizador do “sonho da casa própria”. Ao profissional de
jornalismo o desafio é semelhante, por caber a ele encontrar fórmulas de despertar nos
“compradores de selo e cupons” o interesse pelo mundo das informações e conseguir a
fidelização desse público.
232
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ARTIGOS E REPORTAGENS ON LINE
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Disponível em http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos/al301020024.htm. Acesso 13 jun. 2008
.
CHAPARRO, Manuel Carlos. Jornalismo da Exclusão. Disponível em http://www.comunique-se.com.br
Coluna Reescrita, 2003. Acesso 07 jun.2008.
COMENTÁRIOS sobre o meio jornal. ANJ, 2008. Disponível em http://www.anj.org.br/a-industria-
jornalistica/comentarios-sobre-o-meio-jornal Acesso. 17.jul.2008
CRONOLOGIA Histórica do Grupo Estado. [199-?] Disponível em
http://site.estadao.com.br/historico/cronologia/crono2.htm#. Acesso. 09 ago. 2007.
DIÁRIO DE S. Paulo demite jornalistas. Portal Comunique-se, 2001, disponível em http://www.comunique-
se.com.br Acesso em 14.jul. 2008
DINNES, Alberto. “Morte sem necrológio, nascimento sem batismo”. 2001. Disponível em
(http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/circo/cir260920011.htm
). Acesso 07 jun. 2008.
237
JOGO-do-bicho e cavalos ainda vendem jornal? Portal Comunique-se, 2001. Disponível em
http://www.comunique-se.com.br/conteudo/newsshow.asp?Requery=N&idnot=1389&editoria=8 Acesso 30
jun. 2008.
NOVO Diário quase nasce sem acento. Observatório da Imprensa, 2001 Disponível em
http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos/asp1909200199.htm,. Acesso 07 jun. 2008.
RIBEIRO, Eduardo. As reestruturações de JT e Diário de S. Paulo, portal Comunique-se, 2007- Disponível
em www.comunique-se.com.br
UM NOVO diário para São Paulo. O Globo, 2001. Disponível em
http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos/asp2609200195.htm
Acesso 14 jul. 2008
VAIA, Sandro. De trás das dunas do Estadão. Revista Piauí, digital. Disponível em
http://www.revistapiaui.com.br/artigo.aspx?id=260&pag=1&anteriores=1&anterior=92007. Acesso 07 jun.
2008
ENTREVISTAS
ALVES, Odair Rodrigues. Odair Rodrigues Alves: entrevista [Jun.2008]: São Paulo, 2008, 1 cassete sonoro.
Entrevistador: o autor.
BARROS, Edgard de Oliveira. Edgar de Oliveira Barros: entrevista [abr.2006]: São Paulo, 2006, 1 cassete
sonoro. Entrevistar: o autor.
CASTRO, Antonio Quirino de Souza e. Antonio Quirino de Souza e Castro; entrevista [ 2006]: São
Paulo, 2006, 1 cassete sonoro, Entrevistador: o autor.
CASTRO, Luiz Augusto de. Luiz Augusto de Castro: entrevista [abr.2006]: São Paulo, 2006, 1 cassete
sonoro, Entrevistador: o autor.
GANDOUR, Ricardo Gandour: entrevista [maio 2006]: São Paulo, 2006, 1 cassete sonoro. Entrevistador: o
autor.
MALFATTI, Paulo Malfatti: entrevista [set.2005] São Paulo, 2005, 2 cassetes sonoros. Entrevistador: o
autor.
MESQUITA, Ruy. Ruy Mesquita: entrevista ao Programa Roda Viva da TV Cultura [abr.2004]. São Paulo,
2004, 1 fita de vídeo VHS com som e imagem. Entrevistadores: Paulo Markun, Caio Túlio Costa, Milton
Coelho da Graça, Roseli Fígaro, João Roberto Martins Filho, Mauro Salles e Beatriz Kushnir.
NUNES, Nelson. Nelson Nunes: entrevista [jun.2008], São Paulo, 2008, 1 cassete sonoro. Entrevistador: o
autor.
QUÉRCIA, Orestes. Orestes Quércia : entrevista [jun.2006]. São Paulo, 2006, 1 cassete sonoro.
Entrevistador: o autor.
ROMANO, Mário. Mário Romano: entrevista [out.2005]. São Paulo, 2005, 2 cassetes sonoros.
Entrevistador: o autor.
JORDÃO, Jorge Antonio Miranda. Jorge Antonio Miranda Jordão: entrevista [jun.2008] 1 cassete sonoro.
Entrevistadores: o autor e Mauro Ramos.
TASCHNER, Gisela. Gisela Taschner: entrevista [mar ] Entrevistadora Leda Letra no site da Faculdade
Casper Libero. Acessado em 11 mar. 2006, às 8h20 e impresso em
238
http://www.facasper.com.br/jo/entrevistas.php?tb_jo=&id_noticias=144 , não mais disponível no endereço
eletrônico.
DOCUMENTOS
Escritura de Sociedade Anônima de 31/12/1947 de transformação da empresa J. M. Lisoa & Cia Ltda em
Empresa Jornalística Diário Popular S/A lavrada no 2 Tabelião da capital e registrada sob número 35.355 na
Junta Comercial do Estado de São Paulo.
Ata da Assembléia Geral Extraordinária de 14 de julho de 1956 da Empresa Jornalística Diário Popular S/A
registrada, sob o número 110.000, na Junta Comercial do Estado de São Paulo.
Ata da Assembléia Geral Extraordinária de 8 de maio de 1964 da Empresa Jornalística Diário Popular S/A
registrada, sob o número 258153, na Junta Comercial do Estado de São Paulo.
Planilha “Projeção Econômicas das Edições – Mês:Maio/93” entregue os diretores da empresa (Arquivo do
autor).
PALESTRA
CALADO, Adérito. O Diário Popular e os Lisboa, 1994.
239
RELAÇÃO E CRÉDITOS DAS ILUSTRAÇÕES
PÁG. DOCUMENTO FONTE
17
Reprodução 1ª página do Diário Popular número 38.926,
de 22 de setembro de 2001, seu último dia de circulação.
Arquivo do Jornal Diário de
S.Paulo.
17
Reprodução 1ª página do Diário de São Paulo número
38.927, de 23 de setembro de 2001, seu primeiro dia de
circulação.
Arquivo do Jornal Diário de
S.Paulo.
25
Reprodução de detalhe da 1ª página do Correio Paulistano
de 08 de novembro de 1884, publicação da relação de
candidatos da União Conservadora (monarquistas).
Hemeroteca do Arquivo Público do
Estado de São Paulo.
25
Reprodução de detalhe da 1ª página do Correio Paulistano
de 09 de dezembro de 1898, com a classificação sob o
logotipo de “ORGAN REPUBLICANO”.
Hemeroteca do Arquivo Público do
Estado de São Paulo.
41
Reprodução 1ª página do Diário Popular de 16 de
novembro de 1889, informando a Proclamação da
República.
(OLIVEIRA, S., sup edit, 1994).
41
Reprodução da parte superior da 1ª página do Diário
Popular de 09 de dezembro de 1898, noticiando a Morte de
Antonio Bento.
Hemeroteca do Arquivo Público do
Estado de São Paulo.
46
Reprodução de detalhe da 1ª página do Diário Popular de
10 de junho de 1885, com o relato de José Maria Lisboa
sobre sua demissão de A Provincia de São Paulo.
Hemeroteca do Arquivo Público do
Estado de São Paulo.
58
Reprodução de detalhe da 1ª página de A Província de São
Paulo de 08 de novembro de 1884, constando o preço de 60
réis do número avulso do dia.
Hemeroteca do Arquivo Público do
Estado de São Paulo.
71
Reprodução da parte superior do Diário de São Paulo
número 1, de 05 de janeiro de 1929, jornal fundado por
Assis Chateaubriand.
Hemeroteca do Arquivo Público do
Estado de São Paulo.
75
Reprodução da parte superior da 1ª página do Diário
Popular de 19 de maio de 1939, com a notícia da visita do
interventor federal do estado, Adhemar de Barros, à
residência de José Maria Lisboa Junior.
Hemeroteca do Arquivo Público do
Estado de São Paulo.
83
Reprodução da 1ª página da Folha da Manhã de 09 de
outubro de 1928, totalmente ocupada pela notícia do
“Crime da Mala” incluindo três fotos.
Hemeroteca do Arquivo Público do
Estado de São Paulo.
83
Reprodução da 1ª página do Diário Popular de 08 de
outubro de 1928, destacando o “Crime da Mala” com uma
foto do cadáver esquartejado dentro da mala.
Hemeroteca do Arquivo Público do
Estado de São Paulo.
83
Reprodução da parte superior da página 8 do Correio
Paulistano de 09 de outubro de 1928, que foi totalmente
tomada pela notícia do “Crime da Mala”, incluindo fotos da
vitíma, do assassino e de policiais observando a mala no
porto de Santos.
Hemeroteca do Arquivo Público do
Estado de São Paulo.
83
Reprodução da parte superior da página 7 de O Estado de S.
Paulo de 09 de outubro de 1928, que foi praticamente
tomada pela notícia do “Crime da Mala”, incluindo foto dos
policiais observando a mala.
Hemeroteca do Arquivo Público do
Estado de São Paulo.
88
Reprodução de detalhe da 1ª página de a Provincia de São
Paulo de 10 de outubro de 1884, com notícias locais e
policiais.
Hemeroteca do Arquivo Público do
Estado de São Paulo.
109
Reprodução da 1ª Página do Diário Popular de 06 de
fevereiro de 1952, informando o falecimento do Rei Jorge
VI e a ascensão da Princesa Elizabeth ao trono da Inglaterra.
(OLIVEIRA, S., sup edit, 1994).
240
PÁG. DOCUMENTO FONTE
138
Reprodução da 1ª página do Diário Popular de 12 de julho
de 1979, na qual lê-se a manchete “Caiu” sobre a queda do
último pedaço da nave Skylab
Hemeroteca do Arquivo Público do
Estado de São Paulo.
141
Reprodução de anúncio da empresa Braskraft, publicado na
página 16 do Diário Popular de 25 de setembro de 1977.
Hemeroteca do Arquivo Público do
Estado de São Paulo.
141
Reprodução da página 22 do Diário Popular de 29 de
setembro de 1977, com parte do debate entre diretores da
empresa Braskraft e editores do jornal.
Hemeroteca do Arquivo Público do
Estado de São Paulo.
153
Reprodução da 1ª página do Suplemento Especial “Um
Século de Lutas Pela Liberdade”, integrante da Edição do
Diário Popular de 08 de novembro de 1985.
Arquivo do autor.
157
Reprodução da 1ª página do Suplemento “Caderno das
Eleições” integrante da Edição do Diário Popular de 24 de
agosto de 1986.
Arquivo do autor.
161
Reprodução da foto ganhadora do Prêmio Esso de
Fotografia de 1987 de autoria de Luiz Luppi.
Arquivo do Jornal Diário de
S.Paulo.
164
Reprodução da 1ª página do Diário Popular de 17 de
novembro de 1988, primeiro dia em que circulou com novo
logotipo e nova programação gráfica.
Arquivo do Jornal Diário de
S.Paulo.
187
Reprodução da página 6 do caderno Esportes do Diário
Popular de 16 de fevereiro de 1992.
Arquivo do Jornal Diário de
S.Paulo.
214
Reprodução de montagem com as primeiras páginas do
Jornais Agora, Diário de São Paulo e Jornal da Tarde,
todos do dia 15 de julho de 2008.
Arquivo do autor.
241
ANEXOS
N. DESCRIÇÃO - FONTE
A01
1ª pág. original do Diário Popular de 08/11/1884 – Arquivo do Diário de S.Paulo.
A02
1ª pág. do Diário Popular de 08/11/1884, montada para edição de suplemento comemorativo aos
110 anos do jornal (OLIVEIRA, S., sup edit, 1994) – Fundação Biblioteca Nacional.
A03
1ª pág. de A Provincia de São Paulo de 08/11/1884 com destaque do autor assinalando nota sobre
o Diário Popular – Arquivo Público do Estado.
A04
1ª pág. do Correio Paulistano de 08/11/1884 – Arquivo Público do Estado.
A05
Pág. 2 do Correio Paulistano de 11/11/1884 com reprodução do editorial de apresentação
publicado pelo Diário Popular na primeira página de 08/11/1884 – Arquivo Público do Estado.
A06
1ª pág. do número especial de A Redenpção, editado por Antonio Bento em 13/05/1889 para
comemorar o 1º aniversário da Abolição – Revista História, EditoraTrês, n.1, pág.31.
A07
1ª pág. do n. 1 de A Provincia de São Paulo de 04/01/1875, onde aparece o nome de Américo de
Campos como redator e de José Maria Lisboa como Gerente – Arquivo Público do Estado.
A08
1ª pág. do n. 1 do Diário de S. Paulo, lançado em 09/08/1865 por Pedro Taques – Arquivo
Público do Estado.
A09
1ª pág. do n. 1 do Diário de S. Paulo, lançado em 05/01/1929 por Assis Chateaubriand , cuja
marca foi usada pelas Organizações Globo – Arquivo Público do Estado.
A10
1ª pág. do Diário Popular de 08/11/1895 – Arquivo Público do Estado.
A11
1ª pág. do Diário Popular de 25/10/1930 – Arquivo Público do Estado.
A12
1ª pág. da Folha da Manhã de 06/10/1931, anunciando o sorteio entre os assinantes e leitores de
um palacete, um carro, um terreno e outros prêmios – Arquivo Público do Estado.
A13
Pág. 3 do Diário Popular de 16/04/1939, eleição na API – Arquivo Público do Estado.
A14
1ª pág. do Diário Popular de 05/12/1961, manifesto sobre greve dos jornalistas – Arquivo Público
do Estado.
A15
1ª pág. do Diário Popular de 14/01/1981, atentado ao Papa – (OLIVEIRA, S., sup edit, 1994).
A16
1ª pág. do Diário Popular de 20/04/1984 – rejeição das Diretas – (OLIVEIRA, S., sup edit, 1994).
A17
1ª pág. do Diário Popular de 24/04/1987 e reprodução da foto ganhadora do Prêmio Esso de
Fotografia 1987, de Luiz Luppi – Arquivo do Diário de S. Paulo.
A18
Boletins de tiragem do Diário Popular e Popular da Tarde de 24/04/1988 e 01/05/1988 – Arquivo
do autor.
A19
Relatório de vendas em banca do Diário Popular de 24/04/1988 – Arquivo do autor.
A20
Relatório de vendas em banca do Popular da Tarde de 24/04/1988 – Arquivo do autor.
A21
Controle de páginas do Diário Popular e Popular da Tarde de janeiro/1988 – Arquivo do autor.
A22
1ª pág. da última edição do Popular da Tarde em 16/11/1988 – Arquivo do Diário de S.Paulo.
A23
Folheto enviando às agências de publicidade no segundo semestre de 1990 anunciando que o
Diário Popular passava a ter sua tiragem auditada pelo IVC – Arquivo do autor.
A24
1ª pág. da 1ª edição do suplemento Diário na Tevê em 25/04/1990 – Arquivo do Diário de S.Paulo.
A25
1ª pág. do Diário Popular de 24/10/1992 - Assassinato do dono da Rastro com 97 facadas –
Arquivo do Diário de S.Paulo.
A26
1ª pág. do Diário Popular de 30/12/1992 – Assassinato da atriz Daniela Perez e renúncia de Collor
– Arquivo do Diário de S.Paulo.
A27
1ª pág. do Diário Popular de 11/07/1996 – Com destaque para a execução de sete bandidos pela
polícia – Arquivo do Diário de S.Paulo.
A28
Planilha de projeção de despesas e receitas do Diário Popular do mês de maio/1993 – Arquivo do
Autor.
A29
1ª pág. do Diário Popular de 22/09/2001 – Anunciando que no dia seguinte sairia com o nome de
Diário de S.Paulo – Arquivo do Diário de S.Paulo.
A30
1ª pág. do Diário de S. Paulo de 18/08/2006 e 1ª pág. do Diário Popular que circulou na mesma
data para garantia de manutenção da marca – Arquivo do Diário de S.Paulo.
A01
A02
A03
A04
A05
A06
A07
A08
A9
A10
A11
A12
A13
A14
A15
A16
A17
A18
A19
A20
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A22
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A27
A28
A29
A30
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