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RENATA UTUNI FACURI
AS RESPONSABILIDADES DECORRENTES DO DESVIO DE PODER
NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
Franca
2007
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2
RENATA UTUNI FACURI
AS RESPONSABILIDADES DECORRENTES DO DESVIO DE PODER
NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
Dissertação apresentada à Faculdade de História,
Direito e Serviço Social da Universidade Estadual
Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, para a obtenção
de Título de Mestre em Direito.
Orientador: Prof. Dr. Élcio Trujillo.
FRANCA
2007
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Facuri, Renata Utuni
As responsabilidades decorrentes do desvio de poder na
Administração Pública / Renata Utuni Facuri. –Franca :
UNESP, 2007. 175 f.
DissertaçãoMestrado – Direito – Faculdade de História,
Direito e Serviço Social – UNESP.
1. Direito- Responsabilidade estatal. 2. Administração pú-
blica – Desvio de poder. 3. Improbidade administrativa.
CDD – 341.361
4
RENATA UTUNI FACURI
AS RESPONSABILIDADES DECORRENTES DO DESVIO DE PODER
NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
Dissertação apresentada à Faculdade de História, Direito e Serviço Social da
Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, para a obtenção de
Título de Mestre em Direito.
COMISSÃO JULGADORA
Presidente e Orientador – Prof. Dr. Élcio Trujillo – Unesp/Franca
Examinador: Prof. Dr. _________________________________
Examinador: Prof. Dr. _________________________________
Franca, de dezembro de 2007.
5
Aos meus queridos pais, Aparecida Helena e Chafi, exemplos para minha vida.
Às minhas irmãs, Roberta e Raquel,sempre companheiras.
Aos meus tios, Antônio Henrique e Lílian, e à minha avó, Maria Aparecida,
pelo essencial apoio nessa jornada.
Ao Andreas, com amor.
6
Agradecimentos Acadêmicos
A todos os Professores da Unesp – Franca
pelo constante incentivo e apoio valioso
à querida Mércia Rossi e as gaúchas Cláudia e Katerine,
grandes amigas colaboradoras
7
Agradecimento especial
Ao Prof. Dr. Élcio Trujillo
Meu reconhecimento pelas sábias lições.
Extraordinária importância na minha trajetória acadêmica.
Dileto orientador, muito obrigada.
8
RESUMO
O agente público ao desempenhar a função pública submete-se a obrigações e
deveres que são regidos essencialmente pelo princípio da legalidade, o qual se
vincula a outros princípios que regem a Administração Pública, estabelecidos na
Constituição, leis ou regulamentos, entre eles o da finalidade e o da moralidade
administrativa. Em virtude desses princípios, o agente público tem o dever de boa
administração e da probidade administrativa como substância da sua atividade, Há,
sobretudo, de se primar pelo interesse blico e a ética da relação existente entre o
agente e a Administração Pública. A probidade administrativa é a norma que rege a
conduta do agente público, sendo elemento subjetivo da prática da sua atividade
pública na Administração. A violação corresponde ao ato de improbidade
administrativa, regulada pela Lei n. 8.429/92. Assim, o princípio da moralidade e da
legalidade é ameaçado por atos que violam a ética, sendo estes combatidos pela
responsabilização do agente corrupto no âmbito administrativo, civil e penal. O
desvio de poder (ou de finalidade) figura entre outras formas de procedimento ilícito
que podem gerar conduta de improbidade administrativa. Este se caracteriza pelo
exercício de uma competência administrativa tendo em mira finalidade diversa da
que lhe corresponde segundo o comando legal.O ato administrativo maculado do
desvio de poder é inválido, não sendo passível de convalidação. Trata-se de vício de
estrita legalidade que atinge um dos aspectos legais da competência administrativa:
a finalidade. Embora óbvia sua importância, por ser meio de controle dos atos
administrativos, raras são as obras atuais que tratam sobre o tema, igualmente,
escassos são os julgados. Demonstrar um caráter atual à teoria, relacionando-a,
sobretudo, à lei de improbidade administrativa traz maior destaque ao desvio de
poder, amplia a sua aplicabilidade nas fundamentações das decisões dos Tribunais,
contextualizando, enfim à responsabilidade da Administração Pública decorrente de
atos de desvio de poder.
Palavras-chave: responsabilidade, Estado, desvio, ato, improbidade
9
ABSTRACT
Whenever the public agent performs any kind of public activity he submits himself to
obligations and duties which are essentially governed by the principles of legality and
this one is linked to other principles that rule the Public Administration established in
the Constitution, laws or regulations, namely the one related to finality and also the
one about administrative morality. Due to such principles, the public agent must have
good administration and administrative probity as the essence of his activity. One
should, above all, to excel at the public interest and the ethics of the existing relation
between the agent and the Public Administration. The administrative probity is the
norm which regulates the public agent conduct, a subjective element of the practice
of his public activity in the Administration. The violation corresponds to an act of
administrative improbity, regulated by the Law 8.429/92. Thus, the morality and
legality principle is threatened by acts which violate the ethics and these are
combated through the accountability of the corrupt agent in the penal, civil and
administrative circuit. The power deviation (or finality deviation) appears among other
forms of illicit procedure which may well lead into administrative improbity conduct.
This is characteristic of the exercise of an administrative competence aiming at an
objective which is different from the one correspondent to it according to the legal
command. The maculated administrative act of the power deviation is invalid, not
liable to conformation. It is a case of vice of strict legality which affects one of the
legal aspects of the administrative competence: the finality. Despite its obvious
importance as a means of control of the administrative acts, one seldom finds current
works related to the theme and just as rare are the judged ones. Demonstrating a
modern character to the theory, relating it particularly to the law of administrative
improbity highlights even more the power deviation and magnifies its applicability in
the recitals of the decisions in the Courts, finally contextualizing to the responsibility
of the Public Administration resulting from power deviation acts.
Key-words: responsibility, State, deviation, act, improbity.
10
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO............................................................................................. 13
1 DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA............................................................. 16
1.1. Generalidades: o vocábulo Administração e a expressão
Administração Pública........................................................................... 16
1.2. Administração Pública e Governo.......................................................... 17
1.2.1. Aspecto objetivo................................................................................ 17
1.2.2. Aspecto subjetivo.............................................................................. 18
1.3. Administração Pública em sentido estrito.............................................. 21
1.4. Administração Pública em sentido objetivo........................................... 21
1.5. Administração Pública em sentido subjetivo.......................................... 22
1.6. A Administração Pública na Constituição Federal de 1988................... 22
1.7. Princípios da Administração Pública – art. 37, CF................................. 24
1.7.1. Princípio da Legalidade..................................................................... 27
1.7.2. Princípio da Impessoalidade............................................................. 28
1.7.3. Princípio da Moralidade..................................................................... 30
1.7.4. Princípio da Publicidade.................................................................... 31
1.7.5. Princípio da Eficiência....................................................................... 33
1.8. Outros Princípios da Administração Pública......................................... 34
1.8.1. Princípio da Supremacia do Interesse Público.................................. 34
1.8.2. Princípios da Razoabilidade e Proporcionalidade............................. 36
1.8.3. Princípio da Especialidade................................................................ 38
1.8.4. Princípio do Controle Administrativo ou Tutela................................. 38
1.8.5. Princípio da Autotutela Administrativa............................................... 39
1.8.6. Princípio da Hierarquia...................................................................... 40
1.8.7. Princípio da Motivação...................................................................... 41
1.8.8. Princípio da Continuidade do Serviço Público.................................. 42
1.9. A visão moderna do controle da atividade administrativa...................... 42
2. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA........................................................ 46
2.1. Visão geral............................................................................................ 46
11
2.2. Probidade e Moralidade........................................................................ 46
2.3. Princípio da Moralidade........................................................................ 47
2.4. Princípio da Probidade.......................................................................... 49
2.5. Evolução no Direito Positivo................................................................. 50
3. LEI n. 8.429/92........................................................................................ 55
3.1. Lei n. 8.429/92, improbidade administrativa e desvio de poder............ 55
3.2. Agentes da improbidade administrativa................................................ 56
3.2.1. Sujeito ativo........................................................................................ 56
3.2.2. Agentes políticos................................................................................ 58
3.2.3. Sujeito passivo................................................................................... 60
3.3. Modalidades dos atos de improbidade administrativa.......................... 60
3.3.1. Dos atos que importam enriquecimento ilícito................................... 62
3.3.2. Dos atos que importam prejuízo ao erário......................................... 65
3.3.3. Dos atos que atentam contra os princípios da Adm. Pública............. 68
3.4. Das sanções......................................................................................... 69
3.4.1. Espécies............................................................................................. 70
3.4.1.1. Suspensão dos direitos políticos..................................................... 70
3.4.1.2. Ressarcimento integral do dano e perda dos bens havidos
Ilicitamente...................................................................................... 72
3.4.1.3. Multa civil........................................................................................ 73
3.4.1.4. Perda da função pública................................................................. 74
3.4.1.5. Proibição de contratar com a Admin. Pública e dela receber
benefícios, incentivos ou subvenções, fiscais ou creditícias.......... 74
3.4.1.6. Quadro resumo............................................................................... 75
3.5. Das prescrições.................................................................................... 76
3.6. Declaração de bens.............................................................................. 77
3.7. Do procedimento administrativo e do processo judicial........................ 77
3.8. Da inconstitucionalidade da Lei n. 10.628/02 ao conceder foro
privilegiado nos atos de improbidade administrativa............................. 79
4. ATO ADMINISTRATIVO.......................................................................... 83
4.1. Conceito................................................................................................ 83
12
4.2. Atributos................................................................................................ 85
4.2.1. Presunção de legitimidade e veracidade........................................... 86
4.2.2. Imperatividade.................................................................................... 87
4.2.3. Auto-executoriedade.......................................................................... 88
4.2.4. Tipicidade........................................................................................... 89
4.3. Elementos............................................................................................. 90
4.3.1. Sujeito................................................................................................ 91
4.3.2. Objeto................................................................................................. 92
4.3.3. Forma................................................................................................. 93
4.3.4. Motivo................................................................................................. 93
4.3.5. Finalidade…………………………………………………………………. 94
4.4. Discricionariedade e vinculação............................................................ 95
4.4.1. Generalidades.................................................................................... 95
4.4.2. Ato discricionário................................................................................ 97
4.4.3. Ato vinculado...................................................................................... 100
4.5. Extinção................................................................................................ 100
4.5.1.Modalidades........................................................................................ 101
4.5.2. Vícios................................................................................................. 102
4.5.3. Conseqüências decorrentes dos vícios............................................. 106
4.5.4. Atos administrativos nulos ou anuláveis............................................ 107
4.5.5. Convalidação..................................................................................... 108
5. O DESVIO DE PODER............................................................................ 110
5.1. Conceito de desvio de poder................................................................ 110
5.1.1. Dificuldade conceitual........................................................................ 112
5.1.2. Conceituação francesa...................................................................... 113
5.1.3. Conceituação italiana......................................................................... 114
5.1.4. Conceituação pátria............................................................................ 115
5.2. A prova do desvio de poder................................................................... 116
5.2.1. Considerações preliminares: controle jurisdicional dos atos
administrativos vinculados e discricionários...................................... 119
5.2.2. Natureza do desvio de poder............................................................. 120
5.2.3. Modalidades do desvio de poder....................................................... 121
5.2.4. A intencionalidade do agente............................................................. 122
13
5.2.5. Prova no desvio do fim....................................................................... 123
5.2.6. Os indícios......................................................................................... 124
5.2.7. Conclusão.......................................................................................... 125
5.3. A matéria de fato................................................................................... 125
5.3.1. Fato, lei e fim...................................................................................... 126
5.3.2. Conclusão.......................................................................................... 126
5.4. Fundamentos históricos do desvio de poder........................................ 127
5.4.1. Origem histórica................................................................................. 127
5.4.2. A origem de desvio de finalidade no Brasil........................................ 128
5.5. Direito Comparado: sistema de base romanística x ings................... 130
5.5.1. França................................................................................................ 131
5.5.2. Itália.................................................................................................... 132
5.5.3. Portugal.............................................................................................. 133
5.5.4. Outros países..................................................................................... 134
5.5.5. Inglaterra............................................................................................ 135
5.5.6. Estados Unidos da América............................................................... 136
5.6. Desvio de poder no Brasil...................................................................... 137
5.6.1. Na doutrina......................................................................................... 137
5.6.2. No direito positivo............................................................................... 139
5.6.3. Na jurisprudência............................................................................... 141
6. RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL DO ESTADO................ 146
6.1. Introdução............................................................................................. 146
6.2. Responsabilidade Objetiva do Estado.................................................. 151
6.3. Causas excludentes e atenuantes de responsabilidade....................... 153
6.4. Responsabilidade por Atos Legislativos e Judiciais.............................. 154
6.5. Reparação do dano e Ação Regressiva............................................... 156
6.6. Responsabilidade Penal do agente público.......................................... 158
CONCLUSÃO.............................................................................................. 160
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................ 162
JULGADOS................................................................................................. 174
14
INTRODUÇÃO
A Administração pública manifesta em todos os instantes sua vontade. O
aparelho administrativo movimenta-se, faz e desfaz relações jurídicas, cumpre
deveres, extingue direitos através dos atos administrativos. Dessa forma, esta
vontade se concretiza nos atos dos agentes administrativos que se tornam
competentes em razão de poderes que lhes foram outorgados pela lei.
Contudo, para que tais atos tenham plena validade, eles deverão preencher
requisitos caracterizados em lei, em conformidade aos meios e formas nela
estabelecidas, sempre visando o interesse público. Logo, pode-se afirmar que a
função administrativa é subordinada à legislativa. Com efeito, só é possível à
Administração Pública agir se houver lei formal que lhe outorgue competência, e
mais, nos precisos limites da lei autorizadora, do contrário, have desvio de
finalidade ou de poder.
Assim, configurará desvio de poder quando o exercício de uma competência
administrativa tiver em mira finalidade diversa da que lhe corresponde segundo o
comando legal. Tal ato, vinculado ou discricionário, é praticado por agente
competente de maneira adversa ao fim para o qual fora criado.
Historicamente, o desvio de poder surge no Conselho de Estado francês,
que buscava um instrumento para controlar a discricionariedade administrativa.
Ampliando a abrangência do recours pour excès de pouvoir, chegou o
Conselho de Estado ao détournement de pouvoir, figura que atualmente
es difundida na doutrina não da França, mas em diversos países,
inclusive o Brasil
1
.
Esse recurso visa à anulação dos atos administrativos praticados em ofensa
à lei. Num primeiro momento, a anulação decorria tão somente da incompetência do
agente, para em seguida abranger também os casos de cio de forma, destacando,
nesse sentido, os vícios externos de ilegalidade dos atos administrativos. Mais tarde,
passou-se a acei-lo como instrumento que invalidasse atos viciados em sua
finalidade, motivo e conteúdo, ou seja, para vícios internos de ilegalidade.
1
MELO, Rafael Munhoz de. O desvio de poder. Revista de direito administrativo. Rio de Janeiro, v. 228, p. 31-
66, abr/Jun. 2002, p.44.
15
Após décadas de utilização, a figura do desvio de poder tornou-se um dos
mais eficazes instrumentos de controle da atividade administrativa. Ao permitir que o
recurso de excesso de poder fosse utilizado como instrumento para invalidar os atos
administrativos viciados em sua finalidade, deu origem o Conselho de Estado
francês à teoria do desvio de poder, em 1864.
Na Itália, o excesso de poder surge com a Lei de 2 de junho de 1889, que
disciplinava as funções do Consiglio di Stato, atribuindo-lhe competência para julgar
os recursos administrativos nos casos de incompetência, excesso de poder e
violação à lei.
no Brasil, a adoção da teoria do desvio de poder foi bem mais tardia,
infelizmente. Deu-se apenas com Seabra Fagundes, em 1941, na primeira edição de
sua principal obra, O controle dos atos administrativos pelo poder judiciário, na qual
que o autor arrolava o desvio de finalidade entre os motivos de invalidação dos atos
administrativos
2
.
Porém, do ponto de vista legislativo, havia um desenvolvimento maior. Além
da Lei n. 221/1894, que fazia expressa referência ao excesso de poder como causa
de invalidade de medida administrativa tomada em virtude de uma faculdade ou
poder discricionário
; em 1951, surge a Lei n. 1.522, que em seu art. 28 alude ao
desvio de poder, não para eivar de nulidade o ato administrativo, mas sim para
sujeitar o agente que praticou o ato à destituição do cargo, sem prejuízo das
sanções penais correspondentes.
Mesmo assim, embora, no Brasil, haja embasamento jurisprudencial e
legislativo à aplicação da teoria do desvio de poder, é de lamentar que sejam raros
os atos administrativos invalidados por força de tal vício, não obstante é prática
corrente na vida administrativa brasileira a inobservância da finalidade legal no
exercício das competências administrativas.
Em verdade, os casos de desvio de poder são incontáveis e parecem
assentar-se na concepção ingênua, até mesmo primitiva, de que as autoridades,
sobretudo as investidas em cargos políticos, são como que donas dos poderes
públicos enquanto titularizam ditos cargos. Assim,
2
Ainda, cabe citar o leaging case, quando em Março de 1940, o Tribunal de Justiça de Pernambuco decidiu ser
nulo um decreto expropriatório, que não se fundamentara no interesse público, mas em objetivos privados.
16
[...] são corriqueiras, e feitas de público, ameaças de utilização da própria
competência para retaliar adversários políticos ou opositores que, no uso
regular de competências públicas em outras esferas (como as estaduais e
municipais) ou como cidadãos, resistem às orientações políticas do Governo
Federal as quais, muitas vezes, padecem de ilegitimidade gritante ou
escandalizam pela tolice, sobretudo nos dias que correm
3
.
Por tudo isso, pode-se perceber que o problema levantado é merecedor de
estudo detalhado, em virtude da necessidade de se dimensionar perfeitamente o
fenômeno em questão, propondo uma evolução jurídica do tema e de fixar a teoria
do desvio de poder, dando-lhe maior destaque em nosso mundo jurídico.
3
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Discricionariedade e controle jurisdicional. São Paulo: Malheiros,
2001, p. 68.
17
1 DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
1.1. Generalidades: o vocábulo administração e a expressão Administração Pública
Basicamente, têm-se duas versões para a origem do vocábulo
administração.
Segundo o entendimento de Oswaldo Aranha Bandeira de Mello
1
,
primeiramente, pode-se entender que advém da preposição ad mais ministro, as, are
verbo -, que significa servir, executar; num segundo momento administração viria
de ad manus trahere, ou seja, gestão ou direção. Em ambas, afirma-se a idéia de
relação de subordinação, de hierarquia.
Para o ilustríssimo jurista, administração, então, vincula o sentido de dirigir,
governar, exercer a vontade com o objetivo de obter resultado útil. O vocábulo
assume, portanto, “[...] o sentido de atividade superior de planejar, dirigir, comandar,
como a atividade subordinada de executar”
2
.
Num segundo momento, ao tratar-se da expressão Administração Pública,
necessário se faz a feitura de outras observações.
Na primeira classificação, vinculam-
se a esta expressão
dois sentidos, sendo um formal e outro material. “O sentido formal ou subjetivo ou
orgânico refere-se ao próprio Estado, conjunto de órgãos e entidades incumbidos da
realização da atividade administrativa, com vistas a atingir fins do Estado
3
. Assim,
designa-se às pessoas jurídicas, órgãos e agentes blicos incumbidos de exercer
os poderes do Estado Executivo, Legislativo e Judiciário em que se triparte a
atividade estatal.
O outro sentido, o material, também chamado de objetivo ou funcional
dispõe sobre a natureza da atividade exercida pelos referidos entes. Dessa forma, a
Administração Pública é a função pública em si, sendo, o Poder Executivo aquele ao
qual incumbe majoritariamente o seu exercício.
1
MELLO, Oswaldo Aranha Bandeira de. Princípios gerais de direito administrativo. Rio de Janeiro: Forense,
1979, v. 2, p. 33-34.
2
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 53.
3
ANDRADE, Flávia Cristina Moura de. Direito administrativo. São Paulo: Premier Máxima, 2005, p. 51.
18
A segunda classificação comumente feita pelos doutrinadores é que a idéia
de administrar compreende planejar e executar.
A Administração Pública, subjetivamente considerada, em sentido amplo,
abrange os órgãos governamentais, aos quais cabe planejar, dirigir e comandar;
bem como os órgãos administrativos, hierarquicamente subordinados, aos quais
incumbe executar os planos governamentais. Ademais, ainda no sentido amplo, mas
no foco objetivo, a Administração compreende a função blica, que traça as
diretrizes governamentais e a função administrativa que a executa.
Por último, em seu sentido estrito, a Administração Pública, no aspecto
subjetivo, se forma apenas dos órgãos administrativos, excluindo-se, sobretudo, os
órgãos governamentais. na ótica objetiva, inclui-se somente a função
administrativa, excetuando-se a função política.
1.2. Administração Pública e Governo
1.2.1. Aspecto objetivo
A Constituição Federal consagrou em seu art. a tradicional tripartição de
Poderes, ao afirmar que são Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre
si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário. “Com Base nessa proclamação solene, o
próprio legislador constituinte atribuiu diversas funções a todos os Poderes, sem,
contudo, caracterizá-la com a exclusividade absoluta”
4
.
Nesse sentido, cada poder possui uma função característica e
predominante, que o torna detentor da soberania estatal, entretanto, além dessa
função típica, encontram-se outras funções, também previstas no texto
constitucional, porém atípicas.
Ao Legislativo cabe estabelecer regras gerais e abstratas que irão reger a
sociedade. Por seu turno, ao Executivo e ao Judiciário cabe a aplicação da lei ao
4
MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. São Paulo: Atlas,
2002, p. 982.
19
caso concreto. Mas, enquanto a jurisdição atua sob provocação da parte
interessada, quando esta achar seu direito lesado; a administração age
independentemente de provocação, pois, prima, essencialmente, pelo cumprimento
do comando legal e pelos fins estatais.
É possível dizer que nestes dois últimos a distinção seria que “[...] no Poder
Executivo existe a função política, atividades co-legislativas e de direção; e a função
administrativa compreende o serviço público, a intervenção, o fomento e a polícia
5
.
Função política ou de governo
[... ] implica uma atividade de ordem superior referida à direção suprema e
geral do Estado em seu conjunto e em sua unidade, dirigida a determinar os
fins da ação do Estado, a assinalar as diretrizes para as outras funções,
buscando a unidade da soberania nacional
6
.
Concluindo, segundo Maria Sylvia Zanella di Pietro, [...] a função política
abrange atribuições que decorrem diretamente da Constituição e por esta se
regulam; e dizem respeito mais à polis, à sociedade, à nação, do que a interesses
individuais”
7
. Os atos de convocação extraordinária do Congresso Nacional, a
nomeação de Comissões Parlamentares de Inquérito, as nomeações de Ministros de
Estado, as relações com Estados estrangeiros, bem como a declaração de guerra e
de paz são exemplos de atos políticos.
1.2.2. Aspecto subjetivo
Como foi dito, conforme a teoria tripartite de Montesquieu, o poder estatal é
uno, indivisível e indelegável
; entretanto, tal poder desdobra-se em três típicas
funções: legislativa, executiva e jurisdicional.
A própria Constituição Federal, em seu artigo 2º, ao afirmar que os Poderes
da União são independentes e harmônicos entre si, consagra em seu corpo,
respectivamente, as teorias da separação dos três poderes e dos freios e
5
DI PIETRO, 2005, op. cit., p. 56.
6
ALESSI, Renato. Instituciones de derecho administrativo. Buenos Aires: Bosch, Casa Editorial, 1970. t.1, p. 7-
8.
7
DI PIETRO, op. cit., p. 56.
20
contrapesos.
A divisão segundo o critério funcional é a célebre separação de poderes,
que consiste em distinguir três funções estatais, quais sejam, legislação,
administração e jurisdição, que devem ser atribuídas a três órgãos
autônomos entre si, que as exercerão com exclusividade. Foi esboçada pela
primeira vez por Aristóteles, na obra Política, detalhada, posteriormente por
Jonh Locke, no Segundo tratado do governo civil, que também reconheceu
três funções distintas e, finalmente, consagrada por Montesquieu, O espírito
das leis, a quem se deve a distribuição clássica, tornando-se princípio
fundamental da organização político liberal
8
.
Para Montesquieu, era, sobretudo, necessário existir equilíbrio dos poderes,
afirmando que,
Para formar-se um governo moderado, precisa-se combinar poderes, regrá-
los, temperá-los, fazê-los agir; dar a um poder, por assim dizer, um lastro,
para pô-lo em condições de resistir a um outro. É uma obra-prima de
legislação, que raramente o acaso produz, e raramente se deixa a
prudência produzir [...]. Sendo o seu corpo legislativo composto de duas
partes, uma acorrenta a outra pela mútua faculdade de impedir. Ambas
serão amarradas pelo Poder Executivo, o qual o será, por seu turno, pelo
Legislativo. Esses três poderes deveriam originar um impasse, uma inação.
Mas como, pelo movimento necessário das coisas, são compelidos a
caminhar, eles haverão de caminhar em concerto
9
.
Assim, cada um dos três poderes possui uma função predominante ou
função típica, que o caracteriza, sendo certo que, além daquela, possui outras
funções constitucionalmente previstas – as atípicas.
Pode-se dizer que o funções do Poder Legislativo as de legislar e
fiscalizar. ”As duas têm o mesmo grau de importância, mas a primeira é a típica, ou
seja, cabe ao Congresso Nacional elaborar as normas jurídicas, conforme as regras
constitucionais; enquanto a segunda é atípica, cabendo ao mesmo Poder, a
fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial do Poder
Executivo”
10
.
O Poder Executivo, por seu turno, “[...] constitui órgão constitucional cuja
função precípua é a prática dos atos de chefia de Estado, de Governo e de
8
MORAES, 2002, op. cit., p. 137.
9
MONTESQUIEU, Charles Louis de Secondat. O espírito das leis. Introdução, tradução e notas de Pedro Vieira
Mota. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1994, p 25-26.
10
Art. 70, CF: “A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das
entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação de
subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo
sistema de controle interno de cada Poder
21
administração”.
11
Assim, embora administre a coisa pública, também legisla
(medidas provirias) e julga (contencioso administrativo), no exercício de suas
funções atípicas.
o Poder Judiciário tem como função a de julgar, aplicando a lei ao caso
concreto, que lhe é posto, resultante do conflito de interesses. Além dessa, possui
funções atípicas tais como administrativa (concessão de férias a seus membros) e
legislativa (edição de normas regimentais).
Os três Poderes revelam, portanto, as três funções do Estado. A legislativa:
ato de produção jurídica primária pela qual o Estado regula as relações; a executiva
ou função administrativa, em que se converte a lei em caso individual concreto; e,
por fim, a jurisdicional, onde ocorre a aplicação da lei aos litigantes.
A Administração Pública, portanto, em sentido amplo e subjetivo abrange os
órgãos governamentais (Governo) e os órgãos administrativos (Administração
Pública em sentido próprio e estrito).
No que diz respeito ao poder político, é possível dizer que o Poder Executivo
o exerce predominantemente, mas não de maneira exclusiva.
No direito brasileiro, de regime presidencialista e com grande concentração
de poderes nas mãos do Presidente da República, é justificável a tendência de
identificar-se o Governo com o Poder Executivo. E quando se pensa em função
política como aquela que traça as grandes diretrizes, que dirige, que comanda, que
elabora os planos de governo nas suas várias áreas de atuação, verifica-se que o
Poder Executivo continua, na atual Constituição, a deter a maior parcela de atuação
política, pelo menos no que diz respeito às iniciativas, embora grande parte delas
sujeitas à aprovação, prévia ou posterior, do Congresso Nacional; aumenta a
participação do Legislativo nas decisões do Governo”
12
.
Concluindo, certo é dizer que o poder político se reparte entre os Poderes
Executivo e Legislativo. Ao contrário dos Estados Unidos, no Brasil o Poder
Judiciário não desempenha relevante papel nesta área, sem grande influência nas
decisões políticas do Governo.
11
MORAES, 2002, op. cit., p.1209.
12
DI PIETRO, op. cit., p. 58.
22
1.3. Administração Pública em sentido estrito
Analisando a Administração Pública em sentido estrito, pode-se dizer que
esta compreende, em sentido subjetivo, as pessoas jurídicas, órgãos e agentes
públicos que exercem a função administrativa. em sentido objetivo, a
Administração se compõe da atividade administrativa exercida por aqueles entes.
Assim, a Administração Pública é objeto de estudo do Direito Administrativo,
enquanto o Governo e a função política são objetos predominantemente estudados
pelo Direito Constitucional.
1.4. Administração Pública em sentido objetivo
A Administração Pública em sentido objetivo ou material trata-se da
atividade concreta que o Estado desenvolve, sob regime jurídico de direito público,
visando à
realização efetiva dos interesses coletivos.
O fomento, a polícia administrativa e o serviço público são expressões da
função administrativa atribuída, preferencialmente, aos órgãos do Poder Executivo.
Entende-se por fomento a atividade administrativa que incentiva a iniciativa
privada através de financiamentos, sob condições especiais, para construção de
moradias populares, incentivo à cultura ou ao turismo; políticas fiscais;
desapropriações; e, ainda, auxílios financeiros.
Por seu turno, a polícia administrativa faz parte da execução de atos que
limitam direitos individuais em nome do interesse coletivo. Em outras palavras, “[...] é
a faculdade de que dispõe a Administração Pública para condicionar e restringir o
uso e gozo de bens, atividades e direitos individuais, em benefício da coletividade ou
do próprio Estado”
13
. Assim, o Estado detém a atividade dos particulares que se
revela contrária ao bem-estar social, ao desenvolvimento e à segurança nacional.
Compreende como tais medidas as licenças, autorizações, fiscalizações e sanções.
O serviço blico, conforme o entendimento de Maria Sylvia di Pietro, [...] é
13
MEIRELLES. Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 22. ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 115.
23
toda atividade que a Administração Pública executa, direta ou indiretamente, para
satisfazer a necessidade coletiva, sob regime jurídico predominantemente público.
Abrange atividades que, por sua essencialidade ou relevância para a coletividade,
foram assumidas pelo Estado, com ou sem exclusividade
14
.
1.5. Administração Pública em sentido subjetivo
Em sentido subjetivo, compõem a Administração Pública, todos os entes aos
quais a lei atribui o exercício dessa função, isto é, todas as pessoas jurídicas de
direito público interno União, Estados, Municípios e Distrito Federal órgãos da
Administração Pública Direta; bem como, as pessoas jurídicas de direito blico e
direito privado que formam a Administração Pública Indireta do Estado.
De acordo com o Decreto-lei n. 200, de 25-2-67, com a redação dada pela
Lei n. 7.596, de 10-4-87:
A administração federal compreende:
I – a administração direta, que se constitui dos serviços integrados na
estrutura administrativa da Presidência da República e dos Ministérios;
II a administração indireta, que compreende das seguintes categorias de
entidades, dotadas de personalidade jurídica própria:
a) autarquias
b) empresas públicas;
c) sociedades de economia mista;
d) fundações públicas.
Sendo assim, a Administração Pública é composta tanto pelos órgãos da
Administração Direta do Estado, como da Indireta.
1.6. A Administração Pública na Constituição de 1988
A Constituição da República de 1988, ao constitucionalizar os princípios e
preceitos básicos da Administração Pública, permitiu um alargamento da função
14
DI PIETRO, op. cit., p. 60.
24
jurisdicional sobre os atos administrativos, consagrando a plena incidência do
controle de constitucionalidade.
Essa permissão, juntamente com a característica aberta dos princípios e
preceitos constitucionais básicos sobre a Administração Pública, acabou por
ampliar a ingerência do Poder Judiciário nos negócios da Administração
Pública, autorizando-o a definir, por exemplo, quais os atos imorais do
administrador público (art. 37, caput); os requisitos possíveis para ingresso
na carreira pública (art. 37, II); os limites da publicidade oficial (art. 37, §1º),
entre outras importantes normas.
15
Dessa forma, o Poder Judiciário passou a exercer o papel de legislador
negativo.
Embora ao Judiciário o seja permitido avaliar os atos discricionários da
Administração Pública, com a constitucionalização das normas da Administração
Pública, foi possível que ele controlasse a constitucionalidade dos atos do Executivo
quando estes se manifestassem de maneira contrária aos princípios e preceitos
fundamentais.
A finalidade desse controle nada mais é que retirar do ordenamento jurídico
lei ou ato normativo em dissonância com o sistema constitucional. Portanto, ao STF
cabe retirar tanto lei quanto ato normativo inconstitucional do ordenamento, agindo
como legislador negativo. “Tal contenção do controle de constitucionalidade dentro
dos limites do controle negativo é justificada pelo princípio democrático e pelo
princípio da separação e interdependência dos órgãos da soberania”
16
.
Continuando,
[...] com a codificação constitucional dos preceitos básicos de Direito
Administrativo, tornou-se possível a interpretação judicial desses institutos,
[...] ampliando-se a ingerência do Poder Judiciário em assuntos
tradicionalmente da alçada do administrador.
17
Ensina José Cretella Júnior que, “[...] pela primeira vez na história do Direito
Constitucional positivo brasileiro vamos encontrar, na lei Magna, a expressão
Administração Pública, no Capítulo VII, cujo título é precisamente este:
Administração Pública”.
18
Ademais, convém frisar que nenhuma das outras
15
MORAES, 2002, op. cit., p.768.
16
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 2. ed. Coimbra: Almedina, 1998,
p. 922.
17
MORAES, 2002, op. cit., p.770.
18
CRETELLA JÚNIOR, José. A Administração Pública. In: Vários autores. A Constituição Brasileira de 1988.
2. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1990, p. 94.
25
constituições havia constitucionalizado os princípios e preceitos fundamentais de
Direito Administrativo desta maneira como a Magna Carta de 1988, nem em direito
comparado.
Então, sendo o Direito Administrativo um direito essencialmente
jurisprudencial, a partir da constitucionalização, formou-se uma construção
jurisprudencial decorrente da interpretação destas regras. Essa interpretação
constitucional, atividade realizada precipuamente pelo STF, passou a incidir sobre
todos os princípios, preceitos do Direito Administrativo.
Concluindo,
[...] a codificação constitucional das normas administrativas possibilitou a
consagração de uma Teoria Geral do Direito Constitucional Administrativo,
voltada para a observância dos princípios constitucionais básicos e tendo
por finalidade limitar o poder estatal, prevendo instrumentos de controle e
meios de responsabilização dos agentes blicos, para garantia de
transparência e probidade na administração e voltados para o combate à
corrupção.
19
1.7. Princípios da Administração Pública – art. 37, CF
Os princípios de uma ciência são disposições básicas, fundamentais, que
condicionam todas as estruturações subseqüentes.
São, em outras palavras, normas jurídicas primárias, que “[...] constituem a
essência e a própria identidade da Carta Magna, predefinem, orientam e vinculam a
formação, a aplicação e a interpretação de todas as demais normas componentes do
sistema jurídico”.
20
Quando se fala de princípios, remete-se à idéia de normas jurídicas, cuja
substância integral de supremacia e importância é presumida.
Segundo Agustín Gordillo,
[...] o princípio exige que tanto a lei como o ato administrativo respeitem
seus limites e, ademais, tenham o seu mesmo conteúdo, sigam sua mesma
19
MORAES, 2002, op. cit., p.771.
20
PAZZAGLINI FILHO, Marino. Princípios constitucionais reguladores da administração pública: agentes
públicos, discricionariedade administrativa, extensão da atuação do Ministério Público e do controle do poder
judiciário.o Paulo: Atlas, 2000. p. 48.
26
direção, realcem seu mesmo espírito. Mas ainda mais, esses conteúdos
básicos da Constituição regem toda a vida comunitária e não somente os
atos a que mais diretamente se referem ou as situações que mais
expressamente contemplam; por serem ‘princípios’ são a base de uma
sociedade livre e republicana, são os elementos fundamentais e
necessários da sociedade e de todos os atos de seus integrantes.
21
Embora anteriormente tais princípios fossem vistos como meras normas
programáticas, destituídas de imperatividade, utilizadas para contemplação; hoje,
gozam de valor jurídico de normas postas à observância da sociedade estatal e de
todos que a ela se submetem e participam.
Inúmeras são as funções dos princípios. Conforme a classificação do mestre
português Canotilho, podem-se identificar seis funções: normogenética, sistêmica,
orientadora, vinculante, interpretativa e supletiva.
Em resumo,
[...] os princípios constitucionais funcionam como vetores que direcionam a
elaboração, o alcance e a aplicação da norma jurídica; permitem uma vio
universal e unitária de todo o texto constitucional; servem de norte à criação
legislativa e à aplicação de todas as normas jurídicas, desde constitucionais
e infraconstitucionais; vinculam as regras do sistema jurídico aos princípios
constitucionais que as inspiram; servem, ainda, para o ajuizamento do
sentido, da dimensão e do conteúdo de regras jurídicas em harmonia com
os princípios; e por fim, são aplicados diretamente aos casos concretos nas
hipóteses de insuficiência ou falta de norma jurídica peculiar deles
22
.
Por tudo isso,
[...] possuem destaque fundamental no sistema e, se uma vez violados,
importará em ruptura da própria Constituição. Será, antes de tudo, uma
inconstitucionalidade muito mais grave do que a violação de uma simples
norma, mesmo constitucional.
23
Os alicerces básicos da Administração pública estão previstos no art. 37,
CF, somados a outros expressos e implícitos. Em verdade, pouco importa se
implícito ou explícito, basta que exista ou não.
Esclarece o art. 37, caput, CF:
Administração blica direta e indireta de qualquer dos Poderes da União
dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios
21
GORDILLO, Agustín A. Tratado de derecho administrativo. Buenos Aires: Macchi, 1974. t. 1, p.12.
22
CANOTILHO, J. J. GOMES. Direito constitucional. Coimbra: Livraria Almedina, 1995. p.169.
23
BORGES. José Souto Maior. Lei complementar tributária. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1975. p. 27.
27
da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
Tais princípios constitucionais são de observância obrigatória, prioritária e
universal no exercício de toda a atividade administrativa do Estado. Além
desses fundamentais princípios, o agente público deve observar os demais,
que são consagrados de forma expressa ao longo do texto constitucional,
relativos a sua atuação. E, ainda, os implícitos decorrentes deles ou da
própria essência da Constituição.
24
Segundo a classificação de José Cretella Júnior
25
, os princípios se
classificam em onivalentes ou universais, comuns a todos os ramos do saber, como
o da identidade e o da razão suficiente; plurivalentes ou regionais, comuns a um
grupo de ciências, informando-as nos aspectos em que se interpenetram;
monovalentes, que se referem a um campo do conhecimento, por exemplo, os
princípios gerais do direito; por último, estão os setoriais, que informam os diversos
setores em que se divide determinada ciência princípios do Direito Civil,
Administrativo, etc.
Os princípios da legalidade e da supremacia do interesse público, embora
não sejam específicos do Direito Administrativo por formarem todos os ramos do
direito público, são essenciais porque a partir deles ocorre a construção dos demais.
Além disso, são fundamentais, pois, como menciona Maria Sylvia di Pietro, “[...]
decorrem da bipolaridade do próprio Direito Administrativo: liberdade do indivíduo e
autoridade da Administração Pública.”
26
O art. 37, caput, CF, como fora dito, traz os princípios que norteiam a
Administração Pública: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e
eficiência. a Constituição do Estado de São Paulo, em seu art. 11, apresenta
outros princípios – razoabilidade, finalidade, motivação e interesse público.
Por fim, a Lei n. 9.784, de 29-1-99 Lei do Processo Administrativo Federal
em seu art. , elenca os princípios da legalidade, finalidade, motivação,
razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contradirio,
segurança jurídica, interesse público e eficiência.
24
PAZZAGLINI FILHO, 2000, op. cit., p. 48.
25
CRETELLA JÚNIOR, Jo. Os cânones do direito administrativo. Revista de Informação Legislativa.
Brasília, D.F., ano 25, n. 97, p.5. 1988.
26
DI PIETRO, 2005, op. cit., p. p. 66.
28
1.7.1. Princípio da Legalidade
Trata-se de vetor basilar do Estado Democrático de Direito, segundo o qual,
ao administrador somente é dado realizar o quanto previsto em lei. Dessa forma,
possibilita-se a atuação do agente público, ou da Administração Pública, apenas se
permitida, concedida ou deferida por norma legal, não se admitindo qualquer
atuação que não contenha prévia e expressa permissão legal.
Celso Bandeira de Mello entende que
[...] para se extrair a verdadeira tradução jurídica deste princípio, deve-se
avaliar o seu propósito político: o de submeter os exercedores do poder em
concreto o administrativo a um quadro normativo que embargue
favoritismos, perseguições ou desmandos. Com efeito, i garantir que a
atuação do Executivo nada mais se senão a concretização da vontade
geral representada na lei editada pelo Poder Legislativo.
27
O princípio da legalidade, além de estar previsto no art. 37, CF, está
disposto também nos artigos , inc. II e XXXV, e ainda, art. 84, IV, CF. O art. 5º, inc.
II, CF dispõe que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa
senão em virtude de lei.
Dessa forma, ao particular é dado a oportunidade de fazer ou deixar de fazer
tudo aquilo que a norma o o proíbe, isto é, somente a lei poderá inibir seu livre
comportamento. Em contrapartida, o agente público tem uma relação de
subordinação à norma jurídica, ou seja, somente poderá fazer aquilo que a lei
autorize.
Ainda, especialmente, no que diz respeito ao direito administrativo, o
conceito de legalidade contém em si o a lei, mas, também, o interesse blico
e a moralidade. Afirmar isso é entender que tanto a moralidade como o interesse
público fazem parte da legalidade administrativa.
Assim, o ato administrativo o telegalidade se o administrador agiu em
consonância ao interesse próprio, ainda que obedecida, formalmente, a lei; e
também, se o administrador não atuar conforme a moral administrativa ou ética
profissional, que consiste num conjunto de princípios morais que se devem observar
27
MELLO, Celso A. Bandeira de. Curso de direito Administrativo. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 91.
29
no exercício de uma profissão. Nas palavras do professor Bandeira de Mello, [...]
violar a moral corresponde a violar o próprio direito”.
28
Também, no que diz respeito ao princípio ora tratado, cabe lembrar que este
vem diretamente confirmado pelo art. 84, IV, da Magna Carta, quando esclarece que
compete privativamente ao Presidente da República [...] sancionar, promulgar e
fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel
execução.
É, em última análise, dizer que mesmo os atos mais elevados do Executivo,
como regulamentos e os decretos em geral, não inovaram, mas apenas são fiéis
executores daquilo que a priori já se encontra estabelecido em lei.
Portanto, inexiste no nosso sistema a possibilidade de se editar
regulamentos e decretos de maneira aleatória desvinculada das letras legais. Em
verdade, o que se observa são atos gerais e normativos efetuados pelo chefe do
Executivo em cumprimento de situações anteriormente não regulamentadas em lei e
não quaisquer tendências de exacerbação personalista dos governantes.
Sendo assim, a legalidade é a matriz de todos os demais princípios
constitucionais que instruem as atividades administrativas.
1.7.2. Princípio da Impessoalidade
O princípio da impessoalidade foi pela primeira vez acrescido pelo legislador
constituinte com essa denominação e encontra-se no mesmo campo de incincia
dos princípios da igualdade e da legalidade.
Hely Lopes Meirelles diz que
[...] o princípio da impessoalidade, referido na Constituição de 1988 (art. 37,
caput), nada mais é que o clássico princípio da finalidade, o qual impõe ao
administrador público que pratique o ato para o seu fim legal. E o fim
legal é unicamente aquele que a norma de direito indica expressa ou
virtualmente como objetivo do ato, de forma impessoal.
29
Assim, pelo princípio da impessoalidade entende-se que a administração
28
MELLO, Celso A. Bandeira de. Curso de direito administrativo. 9. ed. São Paulo, Malheiros, 2003. p. 72.
29
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 21. ed. São Paulo: Malheiros, 1995. p. 82.
30
deve servir a todos sem preferências ou aversões partidárias ou pessoais. A atuação
deverá voltar-se ao atendimento impessoal, geral, ainda que interessar pessoas
determinadas, não sendo a atuação atribuída ao agente público, mas à entidade
estatal. É o mesmo que dizer: o mérito dos atos pertence à administração e não às
autoridades que os exerçam.
Nas lições de Carmem Lúcia Antunes Rocha, aprende-se que
[...] a impessoalidade revela o Estado não-César, contrário àquele que
prevaleceu desde a Antigüidade e que tinha na figura do governante o seu
padrão normativo e político. A figura do Estado era uma e a mesma coisa
que o César, por isso a sua face se espelhava em sua lei, em sua bandeira
e até mesmo em sua moeda.
30
A agressão a este princípio ocorrerá na prática do nepotismo na
Administração Pública, por exemplo. Isto significa, a concessão por agentes
públicos, valendo-se das funções por eles exercidas, de favores, ajudas e privilégios
de cunho público a seus parentes e amigos.
Outra forma de agressão, encontra-se no art. 37, § da Constituição
Federal, que proíbe a utilização do ato administrativo como meio de promoção
pessoal, símbolo e imagens; conforme se subscreve:
A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos
órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação
social, dela não podendo constar nomes, mbolos ou imagens que
caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos.
É o que demonstra jurisprudência selecionada:
Improbidade administrativa. Prefeito municipal. Publicidade. Publicação de
jornal com nítido caráter de promoção pessoal. Utilização do erário
municipal. Afronta ao art. 37, parágrafo único, da Constituição da República.
Condenação. Ressarcimento do dano, corrigido monetariamente, bem como
da suspensão dos direitos políticos. Recurso provido parcialmente. (Apel.
Cível n° 191.796-5/00. Votos n° 14.712 e 12.479. LEX – 264/136).
Finalmente, o objetivo final desse dispositivo constitucional é de garantir a
imparcialidade na relação de agentes públicos e de particulares que queiram
contratar com a Administração Pública. Qualquer desvio invalida imediatamente o
30
ROCHA, Carmem Lúcia Antunes. Princípios constitucionais da administração pública. Belo Horizonte: Del
Rey, 1994. p. 147.
31
ato e impugna tal atuação.
1.7.3. Princípio da Moralidade
Com o advento da Constituição de 1988, o princípio da moralidade, assim
como o da finalidade e legalidade, tornou-se pressuposto de validade de todos os
atos da Administração Pública.
Quando se fala em moralidade jurídica, está-se tratando de forma diversa à
comum. Por considerações de Direito e de Moral, o ato administrativo não terá que
obedecer somente à lei jurídica, mas tamm à lei ética da própria instituição,
porque nem tudo que é legal é honesto.
A moral comum é a imposta ao homem para sua conduta externa; a moral
administrativa é imposta ao agente público para sua conduta interna,
segundo as exigências da instituição a que serve e a finalidade de sua
ação: o bem comum.
31
A evolução da moralidade administrativa mostra que foi no direito civil que a
regra moral primeiro se imiscuiu na esfera jurídica, por meio da doutrina do
exercício abusivo dos direitos e, depois, pelas doutrinas do não-
locupletamento à custa alheia e da obrigação natural. Essa mesma
intromissão verificou-se no âmbito do direito público, em especial no Direito
Administrativo, no qual penetrou quando se começou a discutir o problema
do exame jurisdicional do desvio de poder.
32
Maurice Hauriou foi o primeiro a cuidar do assunto, tendo feito a sua
colocação definitiva na 10ª edição do Précis de Droit Administratif, onde
define a moralidade administrativa como o “[...] conjunto de regras de
conduta tiradas da disciplina interior da Administração”; implica saber
distinguir o só o bem e o mal, o legal e o ilegal, o justo e o injusto, o
conveniente e o inconveniente, mas também entre o honesto e o desonesto;
uma moral institucional, contida na lei, imposta pelo Poder Legislativo, e
uma moral administrativa, que “[...] é imposta de dentro e vigora no
próprio ambiente institucional e condiciona a utilização de qualquer poder
jurídico, mesmo o discricionário”.
33
Tal princípio se mostra intimamente ligado ao tema central da pesquisa.
A imoralidade administrativa surgiu e se desenvolveu ligada à idéia de
desvio de poder, pois se entendia que em ambas as hipóteses a Administração
31
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 27. ed., São Paulo: Malheiros, 2002. p. 88.
32
BRANDÃO, Antônio José. Moralidade administrativa. Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro, n.
25, p. 454, 1951
33
DI PIETRO, 2005, op. cit., p. 77.
32
Pública se utiliza de meios ilícitos para atingir finalidades metajurídicas irregulares. A
imoralidade estaria na intenção do agente. “[...] Essa a razão pela qual muitos
autores entendem que a imoralidade se reduz a uma das hiteses de ilegalidade
que pode atingir os atos administrativos, ou seja, a ilegalidade quanto aos fins
(desvio de poder).
34
É através da ação popular, prevista no art. 5º, LXXIII, CF, que qualquer
cidadão poderá questionar, visando à anulação de ato lesivo à moralidade
administrativa. Há, em verdade, consagrado, constitucionalmente, o direito público
subjetivo à administração honesta e moral.
Ainda, o art. 129, inc. III, CF, confere ao Ministério Público a função de zelar
pela moralidade da atuação dos agentes públicos, atribuindo-lhe os direitos de
instaurar inquérito civil e promover ação civil pública para garantir a moralidade dos
atos administrativos.
Resumindo, em consonância ao princípio da moralidade, a atuação
administrativa nunca poderá distanciar-se da moral, dos princípios éticos, dos bons
costumes, da boa-fé e da lealdade, isso significa que, não contrário à lei, à
honestidade, em suma, aos deveres da boa administração. Ademais, é pela
imoralidade administrativa que se qualifica o ato de improbidade administrativa.
1.7.4. Princípio da Publicidade
O princípio da publicidade consiste na obrigação à divulgação e o
fornecimento de informações a todos os atos da Administração Pública a fim de
facilitar o controle e conferir possibilidade de execução. Ainda que meramente
interna, constitui um requisito de eficácia aos atos administrativos, pois a partir de
seu conhecimento pelo particular, possibilitar-lhe-á impugná-los. Existe, sobretudo,
um dever administrativo de manter a transparência em seu comportamento.
A publicidade faz-se pela inserção do ato no Diário Oficial ou por edital
afixado no lugar próprio para divulgação de atos públicos, para
conhecimento do público em geral e, conseqüentemente, início da produção
de seus efeitos, pois somente a publicidade evita os dissabores existentes
34
DI PIETRO, 2005, op. cit., p. 78.
33
em processos arbitrariamente sigilosos, permitindo-se os competentes
recursos administrativos e as ações jurídicas próprias.
35
Além da previsão constitucional no art. 37, caput, é possível reconhecê-lo
em manifestações específicas no art. 5º, inc. XXXIII e XXXIV, ‘b’, e também, art. ,
inc. LX e LXXII, da mesma Carta.
O art. , inc. XXXIII assegura o direito a todos de obter informações nos
órgãos públicos, que sejam de interesse pessoal, coletivo e geral; salvo, se estiver
em jogo a segurança da sociedade e, ou, do Estado. Ao combinar este inciso ao LX,
tem-se que é garantido o sigilo dos atos processuais quando necessário à defesa da
intimidade e proteção do interesse social.
Já o inc. XXXIV destaca a respeito da expedição de certidão, no prazo de 15
dias, independentemente do pagamento de taxas, conforme a lei n. 9.051/95, para
defesa de direito e esclarecimento de situações de interesse pessoal. No caso da
certidão ser expedida para outros fins, como para proteção de interesses coletivos,
esta ou mesmo o direito à informação não será gratuita.
Ademais, no inc. LXXII, CF, encontra-se o remédio constitucional, habeas
data, que garante ao indivíduo o conhecimento de informações relativas à pessoa
interessada, constante de registro ou banco de dados de entidades governamentais
ou de caráter público.
A Lei n. 9.507/97 disciplina o direito à informação que será exercido
mediante requerimento dirigido ao órgão ou entidade depositária do registro ou
banco de dados e deve ser deferido ou indeferido no prazo de 48 horas, sendo a
decisão comunicada ao requerente em 24 horas. Em caso de deferimento, o
depositário deve comunicar ao requerente o dia e hora em que tomará
conhecimento da informação.
Como visto, o art. 5º da Magna Carta contempla de forma clara e evidente o
princípio da publicidade. Ressalta-se, ao final, que negar publicidade aos atos
oficiais, conforme o art. 11, IV, da Lei n. 8.429/92, configura-se ato de improbidade
administrativa.
35
MORAES, 2002, op. cit., p. 785.
34
1.7.5. Princípio da eficiência
A partir da Emenda Constitucional n°19, de 4-6-98 inseriu-se o princípio da
eficiência entre os princípios constitucionais da Administração Pública, previstos no
caput do artigo 37.
Na doutrina, Sérgio de Andréa Ferreira já apontava a existência do princípio
da eficiência em relação à Administração Pública, pois
[...] a Constituição Federal prevê que os Poderes Legislativo, Executivo e
Judiciário manterão, de forma integrada, sistema de controle interno com
finalidade de comprovar a legalidade e avaliar os resultados, quanto à
eficácia e à eficiência da gestão orçamentária, financeira e patrimonial nos
órgãos e entidades da administração federal, bem como da aplicação de
recursos públicos por entidades de direito privado (CF, art. 74, II).
36
Analisando o direito comparado, a Constituição Espanhola, promulgada em
27-12-1978, prevê expressamente, em seu art. 103, o princípio da eficácia, ao
consagrar que “[...] a administração pública serve com objetividade aos interesses
gerais e atua de acordo com o princípio da eficácia, hierarquia, descentralização,
desconcentração e coordenação, com obediência plena à lei e ao Direito”.
Pode-se dizer que,
[...] o princípio da eficiência é aquele que impõe à Administração Pública
direta e indireta e a seus agentes a persecução do bem comum, por meio
do exercício de suas competências de forma imparcial, neutra, transparente,
participativa, eficaz, sem burocracia e sempre em busca da qualidade,
primando pela adoção dos critérios legais e morais necesrios para a
melhor utilização possível dos recursos públicos, de maneira a evitar-se
desperdícios e garantir-se maior rentabilidade social. Note-se que não se
trata da consagração da tecnocracia, muito pelo contrário, o princípio da
eficiência dirige-se para a razão e fim maior do Estado, a prestação dos
serviços essenciais à população, visando a adoção de todos os meios
legais e morais possíveis para satisfação do bem comum.
37
Segundo a classificação de Alexandre de Moraes, compõem-se das
seguintes características: direcionamento da atividade e dos serviços públicos à
efetividade do bem comum, imparcialidade, neutralidade, transparência, participação
36
MORAES, 2002, op. c)t., p. 786.
37
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. São Paulo: Atlas, 1999. p. 294.
35
e aproximação dos serviços públicos da população, eficia, desburocratização e
busca da qualidade.
Nesse sentido, a Constituição Federal diz que constitui um dos objetivos
fundamentais da República Federativa do Brasil promover o bem de todos, sem
preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade ou quaisquer outras formas de
discriminação. Também, para ser coerente ao princípio da eficiência, deverá a
Administração agir de maneira imparcial e independente, sem privilegiar interesses
privados, individuais ou de grupo. Ainda, deverá agir com transparência,
neutralidade e eficácia, visando à manutenção de cargos públicos conforme a
observância de fatores objetivos como mérito funcional e competência, repudiando,
sobretudo, o tráfico de influência.
Sendo assim, o agente público tem o dever jurídico de buscar, em seus atos,
a consecução do melhor resultado possível, exercendo suas atividades com
presteza, perfeição e rendimento funcional, e ainda, quanto à forma de organização
da Administração pública, deverá atentar para os padrões modernos de gestão ou
administração, vencendo o peso burocrático.
1.8. Outros princípios da Administração Pública
O art. 37, caput, CF, pre cinco princípios básicos que guiam a
Administração Pública. Entretanto, é possível observar outros princípios
infraconstitucionais que regem tamm a Administração, tais como, supremacia do
interesse público, razoabilidade, proporcionalidade, especialidade, controle
administrativo ou tutela, autotutela, hierarquia, continuidade do serviço público e
motivação.
1.8.1. Princípio da Supremacia do Interesse Público
Pelo princípio da supremacia do interesse público ou da finalidade pública,
entende-se que a atividade e os serviços públicos se prestam à efetividade do bem
36
comum. Esse princípio serve como fundamento para todo o direito blico e vincula
a Administração Pública em suas decisões, os interesses blicos têm supremacia
perante os individuais.
A sua observância demonstrar-se-á na esfera dos três Poderes: Executivo,
Legislativo e Judiciário. Estará presente tanto no momento da elaboração
da lei como no momento da sua execução em concreto pela Administração
Pública. Ele inspira o legislador e vincula a autoridade administrativa em
toda a sua atuação.
38
O artigo, IV, CF, prevê tal princípio ao referir que constitui um dos
objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil promover o bem de todos,
sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de
discriminação. Da mesma forma, o artigo 37, caput, CF, reforça tal pensamento
tendo em consideração que a idéia de interesse público está intimamente ligada à
eficiência da administração pública. E ainda, é possível conferir o artigo, caput, da
Lei n. 9.784/99, que expressamente se refere a esse princípio, especificando no
parágrafo único, com exigência de “[...] atendimento a fins de interesse geral,
vedada a renúncia total ou parcial de poderes ou competência, salvo autorização em
lei” (inciso II).
Esse princípio reflete, sobretudo, a idéia de que os interesses públicos têm
supremacia sobre os individuais. Em nome do primado do interesse público, várias
modificações ocorreram, como surgimento de novos preceitos constitucionais que
buscassem a interferência do Estado na vida econômica e no direito de propriedade,
ou, ainda, uma preocupação com interesses difusos como meio ambiente e
patrimônio cultural.
Incumbe ao Estado, portanto, tutelar tudo aquilo que for de interesse público.
E a lei, para que isso se efetive, concede poderes à Administração de desapropriar,
de punir, de policiar, visando ao interesse geral. No entanto,
[...] se ao usar tais poderes, a autoridade administrativa objetiva prejudicar
um inimigo político, beneficiar um amigo, conseguir vantagens pessoais
para si ou para terceiros, estará fazendo prevalecer o interesse individual
sobre o interesse público e, em conseqüência, estará se desviando da
finalidade pública prevista na lei
39
.
38
DI PIETRO, 2005, op. cit., p. 68.
39
Ibid., p.70.
37
Daí, o vício do desvio de poder ou desvio de finalidade, que torna o ato
ilegal.
Por último, cabe ainda ressaltar que, para Celso Antônio Bandeira de Mello,
[...] ligado ao princípio da supremacia do interesse público está o da
indisponibilidade do interesse público - significa que, sendo interesses
qualificados como próprios da coletividade – internos ao setor público – não
se encontram à livre disposição de quem quer que seja, por inapropriáveis
40
.
Assim, as pessoas administrativas não possuem disponibilidade sobre os
interesses públicos, uma vez que esta disponibilidade está à guarda do Estado em
sua manifestação legislativa.
1.8.2. Princípios da Razoabilidade e Proporcionalidade
O artigo 111 da Constituição do Estado de São Paulo dispõe:
A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos
Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade,
motivação e interesse público.
A razoabilidade é mais um princípio do Direito Administrativo aplicado com o
intuito de limitar-se à discricionariedade administrativa, fazendo com que o ato
administrativo seja apreciado pelo Judiciário.
Embora o ato administrativo discricionário cumpra a norma concreta
expressa, é possível observar a afronta à legitimidade quando esse o tiver
fundamentos de fato ou de direito que o sustentem; ou quando não levar em conta
fatos notórios ou públicos; e ainda, quando não guardar proporcionalidade entre os
meios empregados e o fim alcançado que a lei deseja buscar.
Nesse sentido, [...] a decisão discricionária será sempre ilegítima, desde que
irracional, mesmo que não transgrida explicitamente norma concreta e expressa
41
.
Assim, o princípio da razoabilidade tem suma importância, pois irá corrigir aqueles
40
BANDEIRA DE MELLO, Celso A. Curso de Direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 69.
41
GORDILLO, Augustin. Princípios gerais de direito público. São Paulo: Revista dos tribunais, 1977. p. 183.
38
atos que não respeitam os critérios de proporcionalidade ou não apresentam
atendimento satisfatório dos interesses públicos.
A Lei n. 9.784/99 faz referência aos princípios da razoabilidade e da
proporcionalidade, separadamente, mas, na realidade, entende-se que este constitui
um dos aspectos contidos naquele.
Isto porque o princípio da razoabilidade, entre outras coisas, exige
proporcionalidade entre os meios de que se utiliza a Administração e os fins que ela
tem que alcançar. “E essa proporcionalidade não deve ser medida pelos cririos
pessoais do administrador, mas segundo padrões comuns na sociedade em que
vive; e não pode ser medida diante dos termos frios da lei, mas diante do caso
concreto”
42
.
Sendo assim,
[...] o princípio da razoabilidade exige proporcionalidade, justiça e
adequação entre os meios utilizados pelo Poder Público, no exercício de
suas atividades administrativas ou legislativas –, e os fins por ela
almejados, levando-se em conta critérios racionais e coerentes
43
. A
razoabilidade engloba a prudência, a proporção, a indiscriminação, a
proteção, a proporcionalidade, a causalidade, em suma, a não-
arbitrariedade
44
.
Cabe, ao final, mencionar que a Emenda Constitucional n. 45, de 8-12-2004,
dispõe sobre a Reforma do Judiciário, acrescentou um inciso LXXVIII ao artigo 5º da
Constituição, assegurando a todos, no âmbito judicial e administrativo, “[...] a
razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua
tramitação”.
Entretanto, não basta tal emenda para que se solucione o grande problema
da morosidade dos processos judiciais e administrativos no sistema brasileiro.
Necessário se faz que se implementem meios para que a celeridade seja alcançada.
A súmula vinculante, prevista nos artigos 102, parágrafo 2º e 103-A, CF, trata
importante medida que poderia colaborar para a redução dos prazos de tramitação
dos processos administrativos e judiciais.
42
DI PIETRO, 2005, op. cit., p. 81.
43
DALLARI BUCCI, Maria Paula. O princípio da razoabilidade em apoio à legalidade. Cadernos de Direito
Constitucional e Ciência Política. Revista dos Tribunais, São Paulo, ano 4, n. 16, p. 173, jul/set. 1996;
BANDEIRA DE MELLO, Celso A. Regulamentação profissional: princípio da razoabilidade. Revista de Direito
Administrativo, São Paulo, v. 204, p. 333 ss, abr/jun. 1996.
44
DROMI, José Roberto. Derecho administrativo. 6. ed. Buenos Aires: Ediciones Ciudad. Argentina, 1997. p.
36
39
1.8.3. Princípio da Especialidade
“Dos princípios da legalidade e da indisponibilidade do interesse público
decorre, dentre outros, o da especialidade, concernente à iia de descentralização
administrativa
45
.
O princípio da especialidade refere-se às entidades da Administração
Pública indireta e dotadas de personalidade jurídica de direito público ou privado,
criadas com o objetivo de prestar serviços blicos ou realizar a exploração de
atividade econômica.
Esse princípio, em outras palavras relaciona-se à descentralização
administrativa, por determinar que as pessoas jurídicas criadas pelo Estado devam
agir de acordo com a finalidade definida em lei, dado o fato de seus administradores
não serem dotados de livre disponibilidade dos interesses públicos.
A Magna Carta, em seu artigo 37, inciso XIX, determina que apenas por lei
específica poderá criar autarquia e autorizar instituição de empresa pública, de
sociedade de economia mista e de fundação, cabendo à lei complementar, neste
último caso, fixar as áreas de atuação.
Sendo assim, a lei,
ao criar uma pessoa jurídica pública, como a autarquia,
estabelececom precisão as finalidades que incumbe atender, de tal maneira que
não será possível que seus administradores fujam dos objetivos definidos em lei, por
não terem, como dito, a livre disponibilidade do interesse público.
1.8.4. Princípio do Controle Administrativo ou Tutela
Para que se garantisse a efetiva observação do princípio da especialidade
por parte das entidades da Administração Pública indireta, editou-se um outro
princípio denominado como o do controle administrativo ou da tutela. Segundo esse
princípio, a Administração Pública direta fiscaliza as atividades dos referidos entes,
com o intuito de garantir a observância de suas finalidades institucionais.
45
DI PIETRO, 2005, op. cit., p 72.
40
Alexandre de Moraes entende como corolário ao princípio da especialidade:
Trata-se de corolário ao princípio da especialidade, uma vez que surgiu a
partir da necessidade de assegurar que os entes da administração pública
indireta respeitem estritamente as finalidades e os objetivos determinados
em lei para suas atuações. Dessa forma, caberá à administração pública
direta, na forma e nos limites previamente fixados em lei, a fiscalização das
atividades dos entes da administração pública indireta, com o objetivo de
garantir o cumprimento de suas finalidades institucionais
46
.
Ao final, cabe lembrar que em respeito à independência e à autonomia
existentes nas entidades da administração pública indireta, somente por meio de
previsão legal haverá a possibilidade de controle por parte da administração direta.
1.8.5. Princípio da Autotutela Administrativa
Enquanto pela tutela a Administração exerce controle sobre outra pessoa
jurídica por ela mesma instituída, pela autotutela o controle se exerce sobre
os próprios atos, com a possibilidade de anular os ilegais e revogar os
inconvenientes e inoportunos, independentemente de recurso ao Poder
Judiciário
47
.
“A autotutela é um privilégio subjetivo da Administração, que a utiliza quando
for necessário, mas não necessariamente em todos os seus atos jurídicos”
48
. Tal
entendimento é consagrado em duas súmulas do STF:
Súmula 346: “A Administração Pública pode declarar a nulidade dos seus
próprios atos”;
Súmula 473: “A Administração pode anular os seus próprios atos, quando
eivados de vícios que os tornem ilegais, porque deles não se
originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência e
oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada
em todos os casos, a apreciação judicial”.
46
MORAES, 2002, op. cit., p. 794.
47
DI PIETRO, 2005, op. cit., p. 73.
48
GARCIA DE ENTERRÍA, Eduardo; FERNÁNDEZ, Tomás R. Curso de derecho administrativo. Madri:
Civitas, 2000. t. 1. p. 372.
41
Concluindo, a Administração pode anular seus próprios atos, quando
eivados de vícios que os tornem ilegais, porque deles não se originam direitos.
Ademais, a Administração pode zelar pelos seus bens, sem necessariamente
recorrer ao Judiciário, através de medidas de polícia administrativa, impedindo que
ponham em risco a conservação desses bens.
1.8.6. Princípio da Hierarquia
Em consonância com o princípio da hierarquia, os órgãos da Administração
Pública são estruturados de tal forma que se cria uma relação de
coordenação e subordinação entre uns e outros, cada qual com atribuição
definida na lei
49
.
se comparou, com muita felicidade, o aparelhamento administrativo a
uma grande pirâmide, cujo vértice é ocupado pelo superior em torno do qual
se vão dispondo em graus diversos, cada vez mais baixos, os demais
funcionários até a base [...] tal escalonamento mostra, em primeiro lugar,
que os órgãos do aparelhamento administrativo estão permanentemente
vinculados e que, pelo instituto da hierarquia, fica firmada e graduada a
competência da autoridade
50
.
Do princípio da hierarquia decorrem as seguintes conseqüências: a unidade
de direcionamento das funções administrativas, possibilidade de revisão dos atos
dos subordinados, possibilidade de delegação e avocação de atribuições, dever de
vigilância para com os subordinados, dever de obediência dos subordinados,
existência de mecanismos de resolução de conflitos e atribuições.
Enfim, é oportuno salientar que esse princípio não se aplica às funções
legislativas, judiciárias e do Ministério Público, uma vez que a Constituição Federal
consagrou o princípio da autonomia funcional.
49
DI PIETRO, 2005, op. cit., p. 74.
50
CRETELLA JR. José. Curso de direito administrativo. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1987. p. 84-85.
42
1.8.7. Princípio da Motivação
Segundo o princípio da motivação,
[...] a formalização dos atos administrativos deverá trazer a narrativa escrita
dos fatos ensejadores de sua prática (motivos de fato), suas razões jurídicas
(motivos de direito) e a demonstração de pertinência lógica entre ambos os
motivos, de modo a garantir-se a plena possibilidade de controle de sua
validade
51
.
Tal princípio se encontra, hoje, consagrado na doutrina e na jurisprudência,
não havendo mais a indagação quanto ao alcance da sua obrigatoriedade apenas
aos atos vinculados ou aos atos discricionários, ou se está presente em ambas
categorias. Fato é que se justifica em todo tipo de ato, por se tratar de formalidade
necessária para permitir o controle da legalidade dos atos administrativos.
A Lei n. 9.184/99 pre expressamente o princípio da motivação em seu
artigo , caput, indicando no parágrafo único do inciso VII a exigência quanto à
indicação dos pressupostos de fato e de direito que determinarem a decisão.
Ademais, o artigo 50 expõe a obrigatoriedade da motivação quando o ato negar,
limitar ou afetar direitos ou interesses; impor ou agravar deveres, encargos ou
sanções; decidir processos administrativos de concurso ou seleção blica, dentre
outros.
Essa previsão legal, contudo, não exclui a observância do princípio em
outras hipóteses, pois seu cumprimento é fundamental para o controle da legalidade
do ato administrativo. Ademais, é possível observar a exigência de motivação em
leis esparsas, tal como na Lei n. 8.666/93, que trata da licitação e contratos.
Embora fora dito que a observância da motivação é entendida como
obrigatória, Alexandre de Moraes
52
propõe que a motivação poderia ser excluída,
excepcionalmente, em três casos.
Primeiro quando atos administrativos não escritos (verbais ou gestuais).
Como no caso a Constituição Federal prevê no inciso XXV, do art. , o direito de
requisição do Poder Público, ao estabelecer que, em caso de iminente perigo
51
MORAES, 2002, op. cit., p.196.
52
Ibid., p. 796.
43
público, a autoridade competente poderá usar de propriedade particular, assegurada
ao proprietário indenização ulterior, se houver dano.
Num segundo momento, no caso de atos administrativos cujos motivos de
fato e de direito sejam notórios e induvidosos. E, por fim, quando os atos
administrativos decorrentes de uma vontade tácita da administração, ou seja,
quando o silêncio, por expressa previsão do ordenamento jurídico, for considerado
como ato administrativo.
Concluindo, a motivação não exige formas específicas, podendo ser feita
com o ato ou por órgão diverso daquele que proferiu a decisão.
1.8.8. Princípio da Continuidade do Serviço Público
De acordo com esse princípio, entende-se que a atividade da Administração
Pública é ininterrupta e não se admite a paralisação dos serviços sicos, cujas
funções são essenciais ou necessárias a toda coletividade. Dessa situação
decorrem certas conseqüências que garantam a efetivação do princípio.
O artigo 37, VII, CF determina que o direito de greve será exercido nos
termos e nos limites definidos em lei específica, sendo pacífico entendimento do STF
de que inexiste a auto-aplicabilidade do direito de greve do servidor público,
principalmente, dos serviços essenciais, enquanto não existir a edição da referida lei
específica.
Ademais, é reconhecido à Administração que esta realize a utilização de
equipamentos e instalações da empresa que ela contrata para garantir a
continuidade do serviço, bem como sendo impossibilitado àquele que contrata com a
Administração de invocar o exceptio nom adimpleti contractus nos contratos cujo
objeto seja a execução de um serviço público.
1.9. A visão moderna do controle da atividade administrativa
O controle da atividade administrativa tem o objetivo de regular o exercício
44
de autoridade blica, sem esse controle, todos os atos realizados pelos servidores
públicos seriam vinculados a sua própria vontade e não ao interesse comum.
A administração pública é tutora de interesses e bens públicos. Tem seu
surgimento marcado no período de transição do Estado-Polícia para o Estado legal.
Identificam-se três aspectos fundamentais no Estado-Polícia: a atividade
estatal não se encontraria vinculada a qualquer regra jurídica; inexistiriam direitos
subjetivos públicos dos particulares oponíveis a tal atividade e os fins colimados pelo
Estado (e, pois, pelo detentor do poder: o Príncipe) não se subordinariam a qualquer
limite”.
Em contrapartida, no Estado Moderno, dito Estado de Direito, outras
nuanças far-se-iam notar: a atuação estatal, em face dos particulares,
limitar-se-ia à forma prescrita pelo Direito; existiriam garantias efetivas dos
cidadãos a serem observadas pela Administração Pública e os únicos fins a
serem alcançados haveriam de ser anteriormente exigidos e legitimados
pelo sistema jurídico
53
.
Resumindo, aquele primeiro seria caracterizado pelo autoritarismo do chefe
do poder, no qual os atos estatais coincidiam com os anseios arbitrários do déspota,
e este, por submeter todos seus atos aos ditames legais.
A verdade é que, a concepção inicial de Administração pública filia-se a idéia
da lei, ao princípio da vinculação legal.
Desse modo, a administração limita-se duplamente: internamente, quando
na vinculação jurídica das autoridades às tarefas que lhes competem, e não mais a
simples instruções e divisão do trabalho vinculado à obediência ao soberano; e,
externamente, pela observância dos direitos subjetivos dos particulares.
No entanto, este impulso positivista, acarretou numa falência da
administração pública, pois, passou-se a editar uma enorme quantidade de normas,
abrangendo diversas hipóteses, no sentido de que o ato administrativo não
contrariasse a lei, nem atacasse a liberdade e à propriedade individuais, permitindo-
se somente quando existisse a expressa autorização legal. Tal situação gerou a
produção exagerada de normas, fazendo com que elas perdessem suas
características essenciais: generalidade, abstração e elasticidade.
A partir daí, passou-se a buscar novas fontes jurídicas que legitimassem o
53
FERREIRA, Daniel. Probidade e razoabilidade como limitações à discricionaridade administrativa. Revista
Trimestral de Direito Público, São Paulo, n. 18. Estudos e comentários. p. 233, 1997.
45
ato administrativo. Então, neste momento, considerou-se também os princípios
gerais do direito, da mesma forma capazes de orientar a atividade administrativa ao
interesse público.
Sendo assim, a recente concepção de Administração Pública é marcada
pela busca de se estratificar o projeto político segundo os princípios democráticos,
influenciada pelo direito constitucional contemporâneo, que prima pelo Estado
Democrático de Direito.
Para Carlos Ari Sundfeld, Estado Democrático de Direito é aquele
[....] criado e regulado por uma Constituição, seus agentes públicos
fundamentais são eleitos e renovados periodicamente pelo povo e
respondem pelo cumprimento de seus deveres, e ainda o poder político é
exercido, em parte diretamente pelo povo, em parte por órgãos estatais
independentes e harmônicos, que controlam os outros. Ademais, a lei
produzida pelo Legislativo é necessariamente observada pelo demais
poderes e os cidadãos, sendo titulares de direitos, inclusive políticos, podem
opô-los ao próprio Estado
54
.
Logo, a atividade administrativa desenvolvida pelas pessoas políticas,
órgãos, Administração direta ou indireta, autarquias, sociedades de economia mista,
empresas públicas, fundações governamentais, servidores blicos dentre outros,
baseia-se em normas de direito administrativo num contexto de Estado Democrático
de Direito.
As normas de direito administrativo regulam a realização do interesse
público e conferem à Administração, encarregada de buscá-lo, poderes de
autoridade, cujo exercício produz relações jurídicas verticais, em que ela
tem uma posição de superioridade frente ao particular. Mas esses poderes
o muito condicionados: a Administração tem quando previstos em lei
(legalidade); seu exercício não é mera faculdade, mas dever do
administrador, e só pode ocorrer para realizar os fins previstos em lei
(função). Para permitir seu registro e controle, a ação administrativa es
sujeita à publicidade e ao formalismo, exigindo a realização de
procedimentos e a observância de inúmeros requisitos formalísticos
55
.
É preciso lembrar novamente que, o objetivo principal do direito
administrativo é da negação do poder arbitrário. Daí o vigor de vários princípios
informadores, principalmente da legalidade, no qual todos os atos administrativos
não poderão ser fruto dos caprichos das autoridades e também a submissão de toda
54
SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de direito público. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 54.
55
Ibid., p.105.
46
a ação administrativa a diferentes níveis de controle, sem o que não há como
impedir o arbítrio.
Concluindo, o Estado atual tenta adaptar-se à nova realidade e atender o
quanto mais próximo à efetivação dos princípios democráticos almejados pelo
homem na concretização de uma vida digna. Esta máquina estatal, mediante novos
contornos, almeja reformular suas atividades e seus órgão para que alcance do
interesse público, do bem comum.
47
2 IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
2.1. Visão geral
Improbidade é o mesmo que desonestidade, mau caráter, falta de probidade.
É aquele ato praticado por agente público, contrário às normas da moral, à lei e aos
bons costumes, ou seja, ato que indica falta de honradez e de retidão de conduta no
modo de proceder perante a administração pública direta, indireta ou fundacional,
nas três esferas políticas: Executiva, Legislativa e Judiciária.
No mesmo sentido, leciona Plácido e Silva, “[...] improbidade revela a
qualidade do homem que não procede bem, por não ser honesto, que age
indignamente, por não ter caráter, que não atua com decência, por ser amoral
1
”.
Pode-se concluir, pois, que, improbidade administrativa é o ato que afronta
os princípios norteados da atuação administrativa. Trata-se do designativo da
corrupção administrativa, ou ainda, fatos jurídicos decorrentes de conduta humana,
positiva ou negativa, de efeitos jurídicos involuntários. Sendo, portanto, um ilícito
político administrativo, cuja conseqüência é a aplicação de sanções de natureza
extra penal em processo judicial.
2.2. Probidade e Moralidade
Ao tratar sobre improbidade administrativa, considera-se de suma
importância analisar dois conceitos básicos: moralidade e probidade. Embora seja
comum encontrar doutrinadores entendendo-os como sinônimos por ambas se
relacionarem à idéia de honestidade, é possível identificar distinção clara.
José Afonso da Silva defende a tese de que “[...] a probidade administrativa
é uma forma de moralidade administrativa, devidamente qualificada”.
2
Em outras
1
DE PLÁCIO e Silva, Vocabulário Jurídico. 27. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, pp. 431.
2
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 1998. p.571
48
palavras, contida na moralidade administrativa está o da probidade; a probidade é
espécie do gênero moralidade administrativa.
Quando se fala na moralidade administrativa, alude-se ao art. 37, caput e
seu § da CF. O princípio da moralidade é invocado de modo muito mais amplo,
como forma de contenção para os atos que, embora em consonância com a lei,
ofenderiam a moral, os bons costumes, as regras de boa administração, os
princípios da justiça e de eqüidade e a iia comum de honestidade.
a probidade administrativa é subprincípio decorrente da moralidade
administrativa e dever dos agentes públicos, garantindo o direito público subjetivo,
atendendo a idéia de honestidade entre os meios e fins empregados pela
Administração Pública e seus agentes, influenciada por valores convergentes à
noção de boa administração e de finalidade pública, bem como ao cumprimento de
regras éticas administrativas que manifestem a vocação institucional do órgão ou
entidade administrativa, preservando valores materiais e morais da Administração
Pública e exigindo de seus agentes atuação conformada com os princípios e
deveres do exercício da função pública.
2.3. Princípio da Moralidade
“Primeiramente, deve-se considerar que a moralidade administrativa não se
trata da moral comum, mas da jurídica. Entende-se como conjunto de regras de
conduta tiradas da disciplina interior da administração.”
3
Para Carmemcia Antunes Rocha,
[...] a moralidade administrativa não se restringe à verificação da obtenção
de utilidades para a garantia de um determinado interesse público tido como
meta da ação do agente. Mais que isso, a moralidade administrativa que se
pretende ver acatada adentra o reino da finalidade de garantia da realização
de valores expressos na idéia do bem e da honestidade, que se pretendem
ver realizados segundo o direito legítimo.
4
3
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 18. ed. São Paulo, Malheiros, 1990. p. 83.
4
ROCHA, Carmem Lúcia Antunes. Princípios Constitucionais da Administração Pública. Belo Horizonte: Del
Rey, 1994. p. 193.
49
Trata-se, sobretudo, da legalidade em sentido amplo, que abrange não a
lei em sentido formal, mas também a observância dos princípios e valores que estão
na base do ordenamento jurídico.
O princípio da moralidade administrativa adquiriu no direito brasileiro, em
1988, uma derivação da legitimidade política, isto é, a atuação estatal dirigida ao
interesse público, e ainda, finalidade pública como parâmetro da moralidade a ser
medida na proporção entre meios e fins.
Assim, possui, base firmada em dois vértices, que implicam a mesma
conclusão: finalidade, sempre deverá ser pública, porque é a que alcança o
interesse público, e proporcionalidade ou razoabilidade, limitadora da decisão do ato
discricionário conforme o interesse público.
A legislação, ao tratar da Administração Pública determina princípios
fundamentais, de vital importância no controle da administração, referindo-se, am
da moralidade, ao da lealdade e da boa-fé, uma vez que o bom administrador na
esfera de sua atuação, não poderia expedir atos desleais ou que burlassem a boa-
fé.
Celso Antônio Bandeira de Mello, quando faz alusão à moralidade
administrativa, identifica-a como
[...] forma e contenção de atitudes não conformes com os princípios éticos,
destacando que em seu bojo ainda estariam acobertados os princípios da
lealdade e da boa-fé, segundo os quais o administrador deveria agir com
sinceridade e lhaneza, sendo-lhe interdito qualquer comportamento
astucioso, eivado de malícia, produzindo de maneira a confundir, dificultar
ou minimizar o exercício de direitos pelos cidadãos.
5
Neste sentido, determina o art. 37, §4º, regra geral norteadora da
Administração Pública:
A administração pública direta, indireta ou fundacional de qualquer dos
Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios
obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade,
publicidade e, também ao seguinte:
§4º - os atos de improbidade administrativa importarão a perda da função
pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma
e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.
Ainda, o art. 5º, LXXIII, CF garante:
5
BANDEIRA DE MELLO, Celso A. Curso de direito administrativo. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p.69.
50
Qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a
anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado
participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio
histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de
custas judiciais e do ônus da sucumbência.
Portanto, o agente blico, em conformidade com o ordenamento jurídico
próprio, deve distinguir o lícito do ilícito, o legal do ilegal, o justo do injusto. E
também, utilizando a base da relação humana, deve traçar a linha divisória entre o
bem e o mal, honesto e desonesto, de tal modo que o conteúdo jurídico de suas
atitudes correspondam à conduta ética.
Desse modo, sua conduta deverá estar de acordo tanto com a legislação
escrita quanto com a lei ética, ou seja, com a moral pública, bons costumes, regras
de boa-fé, princípios de justiça e eqüidade.
2.4. Princípio da Probidade
Conforme anteriormente dito, o princípio da probidade é subprincípio da
moralidade administrativa. Tal princípio está intimamente ligado ao aspecto da
conduta do agente e não a um alcance amplo de atuação. É o dever de probidade
como aquele pelo qual o funcionário deve servir à Administração com honestidade,
procedendo no exercício de suas funções sempre no intuito de realizar os interesses
públicos, sem aproveitar os poderes ou facilidades delas decorrentes em proveito
pessoal ou de outrem a quem queira favorecer.
Marcelo Figueiredo esclarece:
O princípio da moralidade administrativa é de alcance maior e mais genérico
conformando a todos os poderes e funções do Estado uma atuação
conforme o padrão jurídico da moral, da boa-fé, da lealdade, da
honestidade, enquanto que o princípio da probidade está exclusivamente
vinculado ao aspecto da conduta do administrador. A probidade, desse
modo, seria o aspecto “pessoal-funcional” da moralidade administrativa.
6
Nessa lógica, pode-se dizer que todo ato contrário à moralidade
6
FIGUEIREDO, Marcelo. Probidade Administrativa: comentários à Lei 8.429/92 e Legislação Complementar.
São Paulo: Malheiros Editores, 1995. p. 20.
51
administrativa é ato configurador de improbidade. Porém, nem todo ato de
improbidade administrativa representa violação à moralidade administrativa.
Note-se que o princípio da probidade impõe ao agente público limites para a
sua atuação discricionária.
O agente público não deve ofender a moral, os bons costumes, as regras de
boa administração, os princípios da justiça e de equidade e a idéia comum
de honestidade; não deve fazer do exercício de sua função uma forma de
obtenção de vantagens para si ou para outrem; não causar lesão aos bens
e interesses públicos; agir com ética, lealdade e boa-fé para com os
administrados e também cumprir a lei, não atentando por ato omissivo ou
comissivo, contra os princípios da Administração Pública, através da
violação dos deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e
lealdade.
7
A Lei n. 8.429/92 sistematizou juridicamente a improbidade administrativa.
“Suas regras advêm desse princípio, norma superior, que exige do agente blico e
de terceiros atos honestos e leais para com a Administração Pública.”
8
Exsurge,
portanto, a probidade administrativa como instrumento de atuação do princípio da
moralidade administrativa - impessoalidade, publicidade, imparcialidade, finalidade,
razoabilidade - por meio de proibição de comportamentos infringentes.
de se considerar que
o legislador ordirio, em respeito ao texto
constitucional, enumerou três modalidades de atos contrários à probidade
administrativa: atos que importem em enriquecimento ilícito, ou que causem dano ao
erário e, por fim, atos de improbidade administrativa que atentam contra os
princípios da administração pública. Por fim, as sanções previstas são de ordem
política, administrativa e patrimonial.
2.5. Evolução no Direito Positivo
A Constituição Federal, ao tratar do ato de improbidade no capítulo da
Administração Pública, inovou, pois, em momentos anteriores, embora houvesse
7
FERREIRA, Daniel. Probidade e Razoabilidade como limitações à discricionariedade administrativa. Revista
Trimestral de Direito Público , São Paulo, v. 18. Estudos e comentários. p. 238. 1997
8
FREITAS, Juarez. Do princípio da probidade administrativa e de sua máxima efetivação. Revista de Direito
Administrativo, Rio de Janeiro, v. 204, p.65-84, abr./jun. 1996. p. 70-71.
52
no direito brasileiro legislação prevendo sanções para atos que importassem
prejuízo para a Fazenda Pública e locupletamento ilícito para o indiciado, apenas em
1988 conferiu-se de maneira expressa.
É possível identificar a previsão de sanções à improbidade administrativa
desde o Decreto-lei Federal n. 3.240, de 8-5-41. Sujeitavam-se ao seqüestro e à
perda de bens os autores de crimes que resultaram prejuízo à Fazenda Pública,
desde que produzisse locupletamento ilícito, e subsidiariamente a reparação do civil
do dano e a incorporação ao patrimônio público de bens de aquisição ilegítima de
pessoa que exercesse ou tivesse exercido função pública.
Em seguida, a Constituição de 1946, em seu artigo 141, § 31, que “[...] a lei
disporá sobre o seqüestro e o perdimento de bens, no caso de enriquecimento ilícito,
por inflncia ou com abuso de cargo ou função pública, ou de emprego em
entidade autárquica”.
A regulamentação legal veio com a Lei n. 3.164/57 – Lei Pitombo-Godói Ilha,
[...] que sujeitava também a seqüestro e perda, em favor da Fazenda
Pública, dos bens adquiridos pelo servidor público, por influência ou abuso
de cargo ou função pública, ou de emprego em entidade autárquica, sem
prejuízo da responsabilidade criminal em que tenha aquele incorrido. As
medidas eram decretadas pelo Ministério Público, ou de qualquer pessoa do
povo.
9
Mais tarde, o Congresso Nacional editou a Lei Bilac Pinto, Lei n. 3.502/58,
sem revogar a anterior, estabelecendo as providências para o combate ao
enriquecimento ilícito, por influência ou abuso de cargo ou função.
Dentre as inovações dessa lei encontram-se: a aplicação do seqüestro e
perda de bens ao servidor público e ao dirigente ou empregado de autarquia; definiu
nos artigos , e , os casos de enriquecimento ilícito para os fins da lei; deixou
claro que é servidor público todas as pessoas que exercessem, na União, nos
Estados, nos Territórios, no Distrito Federal e nos Municípios, quaisquer cargos,
funções ou empregos, civis ou militares, nos órgãos dos três Poderes do Estado;
manteve a natureza civil da sanção, aplicável independentemente da
responsabilidade criminal; dentre outras.
9
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2005. p 712.
53
O AI 14/69, ao estabelecer nova redação ao art. 150, § 11, pela EC
1/69, da mesma maneira que a Constituição de 1946, estabeleceu a
possibilidade de regulamentação legal sobre o confisco e sobre o
perdimento de bens por danos causados ao Erário, ou no caso de
enriquecimento ilícito no exercício de cargo, função ou emprego na
Administração Pública direta ou indireta
10
.
Esse confisco, que implicava a perda de bens sem o devido processo legal e
sem possibilidade de apreciação judicial (conforme artigo 11 do referido Ato
Institucional), contrariava norma expressa do artigo 150, § 11, que proibia o confisco
e deixou de existir com a Emenda Constitucional 11, de 13-10-78, que, no seu
artigo , revogou
[...] os atos institucionais e complementares, no que contrariarem a
Constituição Federal, ressalvados os efeitos dos atos praticados com base
neles, os quais estão excluídos de apreciação judicial”. Além disso, alterou a
redação do artigo 153, § 11, ao prever lei que dispusesse sobre o
perdimento de bens por danos causados ao erário, ou no caso de
enriquecimento ilícito no exercício de função pública.
11
O parágrafo do artigo 37 da atual Magna Carta determina que os atos de
improbidade administrativa importarão: a suspensão dos direitos políticos; a perda
da função pública; a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na
forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.
A Lei 8.429/92 veio regulamentar o artigo 37 que “[...] dispõe sobre as
sanções apliveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no
exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta,
indireta ou fundacional e dá outras providências”.
Com a Lei do Colarinho Branco, os atos de improbidade administrativa
ganharam amplitude maior por enquadrarem as três modalidades: enriquecimento
ilícito (art. 9º), atos que causam prejuízo ao erário (art. 10) e dos que atentam contra
os princípios da Administração Pública (art. 11).
Assim, “[...] embora a Constituição tenha sido promulgada em 5-10-88,
prevendo as sanções para os atos de improbidade, o artigo 37, § , não era auto-
aplicável, não podendo a Lei n. 8.429/92 ser aplicada com efeito retroativo”
12
. Até a
10
MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. São Paulo: Atlas,
2002. p.2610
11
DI PIETRO, 2005, op. cit., p 714.
12
Irretroatividade da Lei n. 8.429/92: STJ – “A Lei n. 8.429/92, que tem caráter geral não pode ser aplicada
retroativamente para alcançar bens adquiridos antes de sua vigência, e a indisponibilidade dos bens só pode
atingir os bens adquiridos após o ato tido como criminoso” (1ªT. – Re. Min. Garcia Vieira, decisão: 19-3-1999).
54
entrada em vigor dessa lei, apenas eram puníveis os atos que implicassem
enriquecimento ilícito, sendo cabíveis, em sede judicial, apenas o seqüestro e a
perda de bens (na esfera cível) e as sanções penais cabíveis (na esfera criminal).
Na esfera administrativa, as penalidades aplicáveis eram as previstas no estatuto os
servidores de cada nível de governo. “As penas previstas no artigo 37, § , da
Constituição, repita-se, podem ser aplicadas por atos de improbidade praticados
após a entrada em vigor da Lei n. 8.429/92”
13
.
Com relação ao crime de responsabilidade, é necessário afirmar “[...] a lesão
à probidade administrativa sempre foi prevista como crime de responsabilidade do
Presidente da República, desde a primeira Constituição em 1891, em seu artigo 54,
sendo mantida em todas as demais”
14
.
Crimes de responsabilidade são infrações político-administrativas definidas
na legislação federal, cometidas no desempenho da função, que atentam
contra a existência da União, o livre exercício dos Poderes do Estado, a
segurança interna do país, a probidade da Administração, a lei
orçamentária, o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais e o
cumprimento das leis e das decisões judiciais
15
.
Embora a doutrina majoritária entenda que o crime de responsabilidade
trata-se de instituto de natureza política, pois as infrações o político-
administrativas e o processo e o julgamento, igualmente, serão políticos; no
Supremo Tribunal Federal, o instituto possui natureza penal.
Nesse sentido, destaca-se o seguinte julgado: Entenda-se que a definão
de crime de responsabilidade, imputáveis embora a autoridades estaduais, é matéria
de Direito Penal, da competência privativa da União como tem prevalecido no
Tribunal
16
”.
O art. 85, CF prevê rol meramente exemplificativo dos crimes de
responsabilidade, uma vez que, o Presidente poderá ser responsabilizado por todos
os atos atentatórios à Constituição Federal passível de enquadramento intico ao
referido rol, desde que exista previsão legal.
A Lei n. 1.079/50 define os crimes de responsabilidade e regula o processo
de julgamento. O Presidente da República, os Ministros de Estado, os Ministros do
13
DI PIETRO, 2005, op. cit., p.714.
14
Constituição de 1934 (artigo 57, f); 1937 (artigo 85, d), 1946 (artigo 89, V), 1967 (artigo 84, V) e 1988 (artigo
85, V).
15
MORAES, 2002, op. cit., p. 1236.
16
STF - Pleno – Adin n. 834-0/MT – Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Diário da Justiça, Seção I, 9 abr. 1999, p. 2
55
Supremo Tribunal Federal, o Procurador-geral da República, os Governadores e
Secretários de Estado são sujeitos dessa lei.
O artigo 52, parágrafo único, da Magna Carta, ainda prevê duas sanções
autônomas e cumulativas a serem aplicadas na hipótese de condenação por crime
de responsabilidade: perda do cargo e inabilitação, por oito anos, para o exercício de
função pública.
Cabe ressaltar que, embora a doutrina afirme que o ato definido pela Lei n.
1.079/50 possa enquadrar-se como ato de improbidade administrativa previsto na
Lei n. 8.429/92 e não impedimento na aplicação da Lei n. 1.079/50, uma vez que
o artigo 37, § , CF indica sanções cabíveis por improbidade, “[...] sem prejuízo da
ação penal cabível”; o STF manifestou recentemente entendimento diverso.
A Reclamação n. 2.138/DF (relator Ministro Nelson Jobim) apresentada
perante o Supremo Tribunal Federal, sustenta que os agentes políticos não estariam
sujeitos às sanções previstas na Lei n. 8.429/92, mas tão-somente aos crimes de
responsabilidade previstos na Lei 1.079/50 e no Decreto-Lei 201/1967.
Essa tese da inaplicabilidade da Lei n. 8.429/92 vingou e os agentes
políticos deixaram de ser sujeitos da Lei de Improbidade Administrativa, sob
justificativa de bis in idem, o que representou um grande retrocesso na prática
administrativa instituída no Brasil após a Constituição da República de 1988.
Ademais, contrariou a esmagadora tendência doutrinária jurídica e humanística de
sempre promover a interpretação evolutiva dos direitos fundamentais contidos na
Carta Magna, nos quais está incluído o direito a uma gestão pública norteada pela
probidade e moralidade.
56
3 LEI n. 8.429/92
3.1. Lei n. 8.429/92, Improbidade Administrativa e o Desvio de Poder
A Lei n. 8.429/92 define o ato de improbidade administrativa, os sujeitos
ativo e passivo, as penalidades cabíveis, bem como regula o procedimento
administrativo e o processo judicial para investigação e punição do agente público
infrator. Como anteriormente mencionado, dentre outros motivos, a importância
dessa lei se pelo fato dela ter definido os atos de improbidade administrativa em
seus artigos 9º, 10 e 11.
A Lei de Improbidade Administrativa constitui-se em apenas um dos
instrumentos de controle repressivo, mas perpassa a própria ilicitude do ato
e seus possíveis desdobramentos, sendo um instrumento potencialmente
eficaz para coibir o mau exercício das funções públicas e o chamado desvio
de poder alçado à categoria de improbidade, diante das penalidades que
comina aos agentes públicos
1
.
Define-se a improbidade administrativa como uma patologia associada ao
mau exercício das funções públicas, decorrentes de ações ou omissões do
agente competente. Trata-se do desempenho de condutas por parte de
agentes públicos, em desacordo com a normativa, constitucional,
infraconstitucional e, eventualmente, também administrativa stricto sensu,
que preside seus atos. Improbidade é, no bojo da Lei no. 8.429/92, em
sintonia com o art. 37, parágrafo , da Carta de 1988, má gestão pública
lato sensu, seja por desonestidade, seja por intolerável ineficiência
2
.
A densidade das proibições e sanções, dirigidas aos ímprobos, é alcançada
pela obediência ao devido processo legal, que articula a funcionalidade dos
princípios da legalidade, tipicidade, culpabilidade, segurança jurídica,
proporcionalidade e simetria entre Direito Penal e Direito Administrativo
Sancionador. Nesse cenário, a conduta proibida é previsível diante dos tipos
sancionadores desenhados na Lei Geral de Improbidade, considerando-se as
interfaces entre normativas inerentes às normas punitivas em branco que compõem
esse verdadeiro Código Geral de Conduta dos agentes públicos brasileiros.
1
MEDINA OSÓRIO, Fábio. Improbidade administrativa: reflexões sobre laudos periciais ilegais e desvio em
face da Lei federal n. 8.429/92. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 880, 30 de novembro de 2005. Disponível
em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7642. Acesso em: 14 ago. 2006.
2
Ibdem.
57
O desvio de poder é uma das figuras centrais de improbidade, alcançando
todo e qualquer bloco normativo previsto no bojo da Lei 8.429/92, tanto nas
cláusulas gerais, quanto nas casuísticas.
A formação do desvio de poder, na modalidade ímproba, pode ocorrer no
seio de tipos que sancionam enriquecimento ilícito, lesão ao erário ou pura
agressão às normas, tal como se percebe nos artigos , 10 e 11 da Lei
Geral de Improbidade. A constatação da improbidade depende da valoração
que recai sobre o desvio de poder e a nota de gravidade perceptível
3
.
muitos tipos de desvio de poder, eis que se trata de uma categoria
historicamente relevante na própria formação do Direito Administrativo
contemporâneo, na medida em que interfere no reconhecimento da
chamada ilegalidade substancial, além de emprestar conteúdo à
imoralidade e pessoalidade administrativas. valorização do desvio do
poder, pois, diante de seus virtuais conteúdos, integra-se num processo
interpretativo complexo, que de levar em conta os valores, as normas e
os atores envolvidos. Nem todo desvio de poder é considerado improbidade
administrativa, mas essa configura, normalmente, uma modalidade de
desvio de poder acentuadamente grave, nas suas formas mais agressivas
4
.
Portanto,
[...] no conceito de improbidade está inserido qualquer desvio ético de
conduta do agente público, qualquer que seja a função exercida, afrontoso à
moralidade no desempenho de função pública em qualquer dos Poderes da
República (como estabelece o art. ) e que envolve enriquecimento ilícito,
prejuízo ao erário e atentado aos princípios da Administração Pública.
5
3.2. Agentes da improbidade administrativa
3.2.1. Sujeito ativo
De acordo com a Lei n. 8.429/92, toda e qualquer pessoa pode ser sujeito
ativo da ação de improbidade administrativa desde de que se envolva com
Administração Pública, inclusive se dela não faça parte, mas dela se beneficie da
3
MEDINA OSÓRIO, Fábio. Improbidade administrativa: reflexões sobre laudos periciais ilegais e desvio em
face da Lei federal n. 8.429/92. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 880, 30 de novembro de 2005. Disponível
em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7642. Acesso em: 14 ago. 2006.
4
Ibdem, p. 2
5
MARTINS NIOR, Wallace Paiva. Improbidade Administrativa, agentes políticos e foro privilegiado. Revista
de Direito Administrativo. Rio de Janeiro, v. 232, p.231-254, abr./jun. 2003. p. 249.
58
ação imoral.
Assim, são considerados sujeitos ativos tanto o agente público (art. 1º) como
o terceiro que, mesmo não sendo agente, induza ou concorra para a prática do ato
de improbidade administrativa, ou dele se beneficie de forma direta ou indireta (art.
).
Nesse sentido, dispõe o art. 1º da referida lei:
Os atos de improbidade praticados por qualquer agente público, servidor ou
não, contra a administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos
Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de
Território, de empresa incorporada ao patrimônio público ou de entidade
para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais
de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual, serão punidos na
forma desta lei.
Parágrafo único. Estão também sujeitos às penalidades desta lei os atos de
improbidade praticados contra o patrimônio de entidade que receba
subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de órgão público bem
como daquelas para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou
concorra com menos de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita
anual, limitando-se, nestes casos, a sanção patrimonial à repercussão do
ilícito sobre a contribuição dos cofres públicos.
Ainda, o artigo preque as disposições desta lei são apliveis, no que
couber, àquele que, mesmo o sendo agente público, induza ou concorra para a
prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou
indireta.
Ademais, segundo seu artigo , reputa-se agente público, para os efeitos
desta lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração,
por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de
investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades
mencionadas no artigo anterior. De tal sorte, o próprio legislador já definiu o agente
público, para os fins da lei.
Portanto,
[...] são sujeitos do ato de improbidade administrativa o agente público,
servidor ou não, que exerça, embora transitoriamente, ou sem
remuneração, seja por eleição, nomeação, designação, contratação ou por
qualquer outra forma de investidura ou vínculo, [...], cargo, emprego ou
função na Administração Pública direta ou indireta, em empresa incorporada
ao patrimônio público ou entidade para cuja criação ou custeio erário tenha
concorrido ou concorra mais de 50% do patrimônio ou da receita anual
6
.
6
MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. São Paulo: Atlas,
2002.Pp.2614.
59
Por fim, com relação aos agentes políticos, necessário se faz afirmar que,
recentemente, o Supremo Tribunal Federal manifestou entendimento de que a Lei
de improbidade administrativa não se aplica a tais sujeitos, uma vez que, esses
respondem pelo crime de responsabilidade, como se verá a seguir.
3.2.2. Agentes poticos
Agentes políticos são aqueles que, no âmbito do respectivo Poder,
desempenham as funções políticas de direção previstas na Constituição,
normalmente de forma transitória, sendo a investidura realizada por meio de
eleição (no Executivo, Presidente, Governadores, Prefeitos e, no Legislativo,
Senadores, Deputados Federais, Deputados Estaduais, Deputados Distritais
e Vereadores) ou nomeação (Ministros e Secretários Estaduais e
Municipais)
7
.
Vê-se, então, que a iia de agente político está ligada à de governo e à de
função política, a primeira remete à idéia de órgão (aspecto subjetivo) e a segunda,
à de atividade (aspecto objetivo).
Assim, cabe ao agente político a função política que
[...] implica em uma atividade de ordem superior referida à direção suprema
e geral do Estado em seu conjunto e em sua unidade, dirigida a determinar
os fins da ação do Estado, a assinalar as diretrizes para as outras funções,
buscando a unidade de soberania estatal
8
.
Os agentes políticos são, portanto, os que agem em nome e por conta do
Estado, como titulares do direito de participação ativa na vida deste, para
cujo exercício são chamados. Por conseguinte, ligados ao Estado por
relação de representação. Incumbe-lhes propor, estabelecer ou decidir as
diretrizes políticas dos entes públicos, enfim, focalizar os princípios diretores
e coordenadores da sua atividade.
9
Acontece que, recentemente, o Supremo Tribunal Federal proferiu decisão
que afastou os agente políticos como sujeitos da Lei de improbidade administrativa.
Para o Supremo Tribunal Federal, guardião da Constituição Federal, não se
7
GARCIA, Emerson. Sujeitos dos atos de improbidade: reflexões. Jus Navegandi, Teresina, ano 9, n. 715, 20
jun. 2005. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6912 .Acesso em: 14 ago. 2006.
8
ALESSI, Renato. Institucines de derecho administrativo. Buenos Aires: Bosch, Casa Editorial, 1970. t. 1.
9
MELLO, Oswaldo Aranha Bandeira de. Princípios gerais de direito administrativo. Rio de Janeiro: Forense,
1969. v. 2. Das pessoas. p. 287.
60
aplica a Lei n. 8.429/92 aos agentes políticos, pois, conforme decisão, os atos de
improbidade, em verdade, redundariam em crimes de responsabilidade, sujeitando,
assim, o agente potico à responsabilidade de igual natureza.
Isso significa dizer que grande parte dos atos de improbidade administrativa
possuem correspondência na tipologia da Lei n. 1.079/50, que trata dos crimes de
responsabilidade, o que seria suficiente para demonstrar que a infração política
absorveria o ato de improbidade.
Além disso, segundo esta lógica desenvolvida, o artigo 85 do texto
constitucional teria recepcionado esse entendimento ao dispor que o Presidente da
República praticaria crime de responsabilidade sempre que atentasse contra a
probidade da administração, o que possibilitaria o seu impeachment.
O impeachment, desde a sua gênese, é tratado como um instituto de
natureza político-constitucional que busca afastar o agente político de um
cargo público que demonstrou não ter aptidão para ocupar. Os crimes de
responsabilidade, do mesmo modo, consubstanciam infrações políticas,
sujeitando o agente a um julgamento de igual natureza. Essa constatação,
por si, já demonstra o desacerto da tese que procura equipará-los às
condutas disciplinadas pela Lei de Improbidade, afeitas à seara cível e
sujeitas a uma relação processual conduzida por um órgão jurisdicional
10
.
Observa-se que retirar os agentes políticos como sujeitos ativos da lei
significa desprovê-los da obediência ao artigo 37, parágrafo 4º, CF, pois, somente
seria aplivel aos servidores públicos.
Retirou-se, sobretudo, a aplicação da Lei de improbidade administrativa
àqueles que têm participação da vida ativa do Estado, os agentes políticos, sujeitos
que ocupam, geralmente, o mais alto grau hierárquico do Poder Executivo, os
principais destinatários das normas que disciplinam a Administração Pública e que
definem os atos de improbidade.
O novo entendimento do STF é de tamanha estranheza, pois, nega ao
Legislativo a possibilidade de atribuir conseqüências criminais, cíveis, políticas e
administrativas a um mesmo fato. Se o próprio constituinte origirio não vedou tal
possibilidade, como pode o intérprete fazê-la?
10
GARCIA, Emerson. Sujeitos dos atos de improbidade:reflexões. Jus Navegandi, Teresina, ano 9, n. 715, 20
jun. 2005. Disponível em:
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6912 .Acesso em: 14 ago. 2006.
61
3.2.3. Sujeito Passivo
Dispõe o artigo da Lei n. 8.429/92 as entidades que podem ser atingidas
por atos de improbidade administrativa, abrangendo “[...] a administração direta,
indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito
Federal, dos Municípios, de Terririo, de empresa incorporada ao patrimônio público
ou de entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra
com mais de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual”.
Portanto, o sujeito mediato é o Estado, uma vez que a Lei n. 8.429/92 tem
por escopo proteger o patrimônio público, a administração da coisa pública (bens,
direitos, recursos com ou sem valor econômico).
O sujeito passivo imediato é a pessoa jurídica efetivamente afetada pelo
ato, desde que incluída no seguinte rol, previsto no artigo , caput, da Lei n.
8.429/92: órgãos da Administração Pública direta; órgão da Administração
indireta
11
ou fundacional; empresa ou entidade para cuja criação o erário
haja concorrido ou concorra com mais de 50% do patrimônio ou receita
anual; empresa ou entidade que receba subvenção, benefício ou incentivo,
fiscal ou creditício, de órgão público; empresa incorporada ao patrimônio
público
12
.
3.3. Modalidades dos atos de improbidade administrativa
Como foi dito, improbidade é desonestidade, relaciona-se com a conduta do
administrador e pode ser praticada não apenas pelo agente público, lato sensu,
senão também por quem não é servidor e infringe a moralidade pública.
A lei classifica e define três espécies de atos de improbidade administrativa:
11
Improbidade administrativa e servidores de sociedade de economia mista e de empresas públicas: STF
“Considerando que o disposto no parágrafo do artigo 327 do CP, que equipara a funcionário público, para
efeitos penais, quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal, abrange os servidores de
sociedade de economia mista e de empresas públicas e que esta equiparação se aplica tanto ao sujeito passivo do
crime como ao ativo, a Turma indeferiu habeas corpus impetrado em favor de paciente acusado da prática do
delito de tráfico de influência (CP, art. 332) – teria recebido determinada importância para exercer influência
sobre funcionários de sociedade de economia mista –, em que se alegava a atipicidade do fato (CP, art. 332:
‘Solicitar, exigir, cobrar ou obter, para si ou para outrem, vantagem ou promessa de vantagem, a pretexto de
influir em ato praticado por funcionário público no exercício da função’). Precedentes citados RHC 61.753-RJ
(RTJ 111/267 e HC 72.198-PR (DJU de 26-5-95)” (STF – 1ª T. – HC n. 79.823/RJ – Rel. Min. Moreira Alves,
decisão: 28-3-2000. Informativo STF, n. 183).
12
MORAES, 2002, op. cit., p.2614.
62
os que importam em enriquecimento ilícito (art.); os que causam prejuízo ao erário
público (art. 10); e os que atentam contra os princípios da Administração Pública (art.
11).
Antes de analisar cada uma delas, é mister que se realize um parêntese
sobre a incidência do princípio da proporcionalidade na adequação típica das
condutas às descrições das normas.
A tipicidade do ato ímprobo é vaga composta por conceitos jurídicos
indeterminados, especificamente, por cláusulas gerais, que descrevem de maneira
abstrata a conduta. Admite-se, portanto, no direito administrativo, a tipificação de
condutas através destas cláusulas limitando o comportamento positivo ou negativo
do agente público.
Note-se que, a partir da legalidade administrativa, dá-se substrato básico na
compreensão da possibilidade
de o Estado proibir e sancionar condutas sem
ofender ao sistema constitucional do Estado Democrático de Direito.
Assim, a tipificação do ato ímprobo passa por um dúplice estágio: formal e
material.
Quando se fala na tipicidade formal de um ato ímprobo, está se
considerando que o intérprete deverealizar um juízo de adequação entre a norma
e o fato.
Esta interpretação é bastante aberta, dotada de conceitos jurídicos
indeterminados; nunca é, rigorosamente, completamente formal, pois
pressupõe, não raro, o ingresso de valores sociais e metajurídicos no ato
hermenêutico, configurando especial complexidade de elementos
interpretativos.
13
Tal fato não gera a responsabilidade objetiva do agente, devendo sempre
haver a demonstração, dependendo da previsão legal, da existência do dolo ou
culpa. Nesse sentido, gis de Oliveira afirma que “[...]evidente está, no entanto,
que qualquer comportamento pressupõe o elemento subjetivo da plena consciência
da infração do comportamento previsto”.
14
Adotou-se, portanto, a regra da responsabilidade subjetiva em relação aos
13
OSÓRIO, Fábio Medina. Princípio da proporcionalidade constitucional: notas respeito da tipificação
material e do sancionamento aos atos de improbidade administrativa reprimidos na Lei 8.429/92. Estudos e
comentários. Revista Trimestral de direito público, São Paulo, n. 26. p.268. São Paulo. 2005.
14
OLIVEIRA, Régis Fernandes de. Moralidade e impessoalidade administrativa. Revista dos Tribunais, São
Paulo, v. 766, p. 107. 1999
63
atos de improbidade administrativa, excluindo, também, a inversão do ônus da prova
na hipótese de evolução desproporcional de patrimônio do agente público.
Continuando, pode-se, desse modo, encontrar condutas que reúnem os
elementos típicos, que formalmente se enquadram na Lei 8.429/92, porém, esse
enquadramento se mostra incompatível com as exigências elementares de justiça e
bom senso.
Seria o caso, por exemplo, citado pelo autor Francisco de Assis Toledo,
quando se refere a um processo contra antigo servidor blico, o qual era acusado
de haver cometido peculato consistente no desvio de algumas poucas amostras de
amêndoas. de se reconhecer uma eventual ausência de tipicidade material de
comportamentos com escassa ou nenhuma lesividade ao bem jurídico tutelado pela
norma, com controle de constitucionalidade baseado no princípio da
proporcionalidade, decretando-se a atipicidade do comportamento.
Em verdade, não haveria ofensa material aos valores proporcionalmente
tutelados pela Lei 8.429/92, em termos a exigir o desencadeamento de processos e
sanções rigorosas, perda de função, suspensão de direitos políticos, multa civil,
justificando, apenas, uma advertência de chefia ao servidor.
Sendo assim, deve-se lembrar que, a Lei de Improbidade Administrativa se
destina a coibir aqueles comportamentos que, independentemente da lesão ao
erário e do enriquecimento ilícito, se apresentem altamente lesivos à comunidade e
aos princípios regentes da administração pública.
Feito o parêntese, oportuno é o estudo das modalidades de atos de
improbidade administrativa.
3.3.1. Dos atos que importam o enriquecimento ilícito
Segundo o art. , caput, haverá enriquecimento ilícito quando o agente
auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do vínculo com a
Administração Pública. É preciso ressaltar que
essa vantagem não se limita à
patrimonial, mas abrange inclusive aspectos da moralidade administrativa, a ética,
ou seja, a licitude da conduta.
No direito romano é possível encontrar princípios como suun cuique tribuere
64
a cada um o que é seu -, e neminem laederenão lesar a ninguém, clássicos que
deram fundamento a esta modalidade.
Nos seus doze incisos posteriores, o art. indica algumas situações
específicas. São elas:
I) Auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do
exercício de cargo, mandato, função ou emprego, ou atividades nas
entidades mencionadas no art. 1º desta Lei.
II) Receber, para si ou para outrem, dinheiro, bem móvel ou imóvel, ou
qualquer outra vantagem econômica, direta ou indireta, a título de
comissão, percentagem, gratificação ou presente de quem tenha
interesse, direto ou indireto, que possa ser atingido ou amparado por ação
ou omissão decorrente das atribuições do agente público;
III) Perceber vantagem econômica, direta ou indireta, para facilitar a
aquisição, permuta ou locação de bem móvel ou imóvel, ou a contratação
de serviços pelas entidades referidas no art. 1º por preço superior ao valor
de mercado.
IV) Utilizar, em obra ou serviço particular, veículo, máquinas, equipamentos ou
material de qualquer natureza, de propriedade ou à disposição de
qualquer das entidades mencionadas no art. desta Lei, bem como o
trabalho de servidores públicos, empregados ou terceiros contratados por
essas entidades.
V) Receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indireta,
para tolerar a exploração ou a prática de jogos de azar, de lenocínio, de
narcotráfico, de contrabando, de usura ou de qualquer atividade ilícita, ou
aceitar promessas de tal vantagem.
VI) Receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indireta,
para fazer declaração falsa sobre medição ou avaliação em obras
públicas ou qualquer outro serviço, ou sobre quantidade, peso, medida,
qualidade ou característica de mercadorias ou bens fornecidos a
qualquer das entidades mencionadas no art. 1º desta Lei.
VII) Adquirir, para si ou para outrem, no exercício de mandato, cargo,
emprego ou função pública, bens de qualquer natureza cujo valor seja
desproporcional à evolução do patrimônio ou à renda do agente público.
VIII) Aceitar emprego, comissão ou exercer atividade de consultoria ou
65
assessoramento para pessoa física ou jurídica que tenha interesse
suscetível de ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente
das atribuições do agente público, durante a atividade.
IX) Perceber vantagem econômica para intermediar a liberação ou aplicação
de verba pública de qualquer natureza.
X) Receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou
indiretamente, para omitir ato de ofício, provincia ou declaração a que
seja obrigado.
XI) Incorporar, por qualquer forma, ao seu patrimônio, bens, rendas, verbas
ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas
no art. 1º desta Lei.
XII) Usar em proveito próprio, bens, rendas, verbas ou valores integrantes do
acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. desta Lei.
Indicadas as situações, parece-nos necessário, ainda, mencionar, a respeito
do enriquecimento ilícito, sobre o ônus da prova.
Assim, constitui ato de improbidade administrativa essas doze condutas
descritas, auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do
exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade da Administração
Pública direta, indireta ou fundacional de qualquer dos três Poderes da União, dos
Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de Território, empresa incorporada ao
patrimônio público ou de entidade para cuja criação ou custeio o erário haja
concorrido ou concorra com mais de 50% do patrimônio ou da receita anual.
Para que haja a tipificação, necessário se faz o preenchimento de quatro
requisitos: a) dolo do agente – vontade livre e consciente do agente em qualquer das
condutas citadas; b) obtenção de vantagem patrimonial pelo agente não
obrigatoriamente patrimonial, basta que receba algum benefício, qualquer prestação
positiva ou negativa que aufira ao agente enriquecimento ilícito
15
; c) ilicitude da
vantagem obtida; e d) existência de nexo causal entre o exercício funcional e a
vantagem indevida (nexo de oficialidade).
15
“Ainda que não concorra o prejuízo ao erário ou ao patrimônio das entidades referidas no artigo 1º, a
percepção, ainda que indireta, de dinheiro, bem móvel ou imóvel, ou qualquer outra forma de vantagem
econômica, já realizada o tipo. Todavia, nos casos tratados nos incisos III, IV, XI e XII ocorrerá,
necessariamente, dano material”. PAZZAGLINI FILHO, Marino; ROSA, Márcio Fernando Elias; FAZZIO JR.
Waldo. Improbidade administrativa. 3ªed. São Paulo: Atlas, 1998.Pp. 60.
66
Cabe, enfim, ressaltar que esse rol é meramente exemplificativo, havendo a
possibilidade de tipificação como ato de improbidade administrativa de outras
condutas, contanto que haja congruência com os elementos do tipo do artigo.
Ademais, a tipificação dos atos de improbidade administrativa, por serem de
natureza civil, são descrições mais genéricas e conceituais do que as exigidas pelo
Direito Penal, possibilitando uma interpretação mais construtiva por parte da doutrina
e jurisprudência
16
.
3.3.2. Dos atos que causam prejuízo ao erário
O art. 10 refere-se ao ato de improbidade que causa prejuízo ao erário,
quando o sujeito por ação ou omissão, dolosa ou culposa, enseja perda patrimonial,
desvio, apropriação, malbaratamento por desaviso ou negligência, ou dilapidação
dos bens ou haveres das entidades públicas.
Da mesma forma, o artigo dispõe de treze incisos exemplificativos que
revelam condutas ímprobas:
I) Facilitar ou concorrer por qualquer forma para a incorporação ao
patrimônio particular, de pessoa sica ou jurídica, de bens, rendas ou
valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no
art. 1º desta Lei.
II) Permitir ou concorrer para que pessoa física ou jurídica privada utilize
bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das
entidades mencionadas no art. 1º desta Lei.
III) Doar a pessoa física ou jurídica, bem como ao ente despersonalizado,
16
Enriquecimento ilícito de agente público e credibilidade do cargo: TJSP – “Demais, de se ressaltar que o
enriquecimento ilícito abala a credibilidade do cargo ocupado pelo agente ímprobo, destruindo em conseqüência,
os alicerces das instituições democráticas” (TJSP – 4ª Cam. Direito Público – Ag. Instr. N. 160.658-5/9-00 Rel.
Dês. Soares Lima, decisão: 25-5-2000).
Ato de improbidade e elemento subjetivo: TJSP – “Inexistindo prova de que o funcionário público agiu de má-
, presume-se a sua boa-fé, o qual deve ser excluído do pólo passivo da demanda...(RT 735/266). No mesmo
sentido: TRT – “o nosso ordenamento jurídico propõe para a caracterização do ato de improbidade
administrativa que, além da prática do ato, há de se perquirir a existência do elemento subjetivo, isto é, do dolo.
Não há ato de improbidade administrativa se dos elementos colhidos no caderno processual apenas se vislumbra
a caracterização de culpa” (TRT – 9ª Região – 2ª T. – Recurso Ordinário n. 10807/97 – Curitiba-PR; Rel. Juiz
Luiz Celso Napp, decisão: 23-6-1998).
67
ainda que de fins educativos ou assistenciais, bens, rendas, verbas ou
valores do patrimônio de qualquer das entidades mencionadas no art.
desta Lei, sem observância das formalidades legais e regulamentares
aplicáveis à espécie.
IV) Permitir ou facilitar a alienação, permuta ou locação de bens integrantes
do patrimônio de qualquer das entidades referidas no art. desta Lei,
ou ainda a prestação de serviços por parte delas, por preço inferior ao
mercado.
V) Permitir ou facilitar a aquisição, permuta ou locação de bem ou serviço
por preço superior ao mercado.
VI) Realizar operação financeira sem observância das normas legais e
regulamentares ou aceitar garantias insuficientes ou inidôneas.
VII) Conceder benefício administrativo ou fiscal sem a observância das
formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie.
VIII) Frustrar a licitude do processo licitatório ou dispensá-lo indevidamente.
IX) Ordenar ou permitir a realização de despesas não autorizadas em lei ou
regulamento.
X) Agir negligentemente na arrecadação de tributo ou renda, bem como no
que diz respeito à conservação do patrimônio público.
XI) Liberar verba pública sem a estrita observância das normas pertinentes
ou influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular.
XII) Permitir, facilitar ou concorrer para que terceiro se enriqueça
ilicitamente.
XIII) Permitir que se utilize, em obra ou serviço particular, veículos,
máquinas, equipamentos ou material de qualquer natureza, de
propriedade ou à disposição de qualquer das entidades mencionadas no
art. desta Lei, bem como o trabalho de servidor público, empregados
ou terceiros contratados por essas entidades.
Ressalta-se que é possível a verificação de outras condutas, tidas como ato
de improbidade administrativa, desde que ocorra na tipificação a congruência com
os elementos do tipo previsto no caput do artigo.
Na tipificação, dever-se-á atentar para o preenchimento dos seguintes
requisitos: a) conduta dolosa ou culposa do agente – ou seja, não se exige apenas a
68
existência da vontade livre e consciente do agente para concretizar qualquer das
condutas descritas, também se responsabiliza o agente que manifestar conduta
culposa (imprudência, negligência ou imperícia); b) conduta ilícita – a conduta
deverá ser caracterizada como ilícita, vale dizer, uma conduta que analisar per si
seja inicialmente lícita, mas acabe por gerar perda patrimonial ao erário não ensejará
a responsabilidade por ato de improbidade administrativa
17
; c) existência de lesão ao
erário ou perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos
bens ou haveres isto é, deverá acarretar prejuízo concreto ao erário; d) não-
exigência de obtenção de vantagem patrimonial pelo agente não se exige
necessariamente a ocorrência de vantagem do agente dolosa ou culposa; e)
existência de nexo causal entre o exercício funcional e o prejuízo concreto gerado
ao erário público.
Portanto, mesmo que não gere lesão ao Erário, este agente público
responderá pelo ato em razão de ter produzido lesão moral, também prevista na lei
em questão. Deverá o intérprete, contudo, observar o princípio da proporcionalidade,
essência dos direitos fundamentais.
No caso da lei de improbidade, a presença do elemento subjetivo é tanto
mais relevante pelo fato de ser objetivo primordial do legislador constituinte
o de assegurar a probidade, a moralidade, a honestidade dentro da
Administração Pública. Sem um mínimo de má-fé, não se pode cogitar da
aplicação de penalidades tão severas como a suspensão dos direitos
políticos e a perda da função pública
18
.
Uma lei não deve onerar o cidadão mais intensamente do que o
imprescindível para a proteção do interesse público. Assim, a intervenção
deve ser apropriada e necesria para alcançar o fim desejado, nem deve
gravar em excesso o afetado, isto é, deve poder ser dele exigível.
19
17
Exemplo clássico citado pela doutrina aponta a inexistência da ocorrência de ato de improbidade
administrativa por parte do funcionário público – motorista que conduzindo veículo oficial, em atividade
oficial, por imprudência, acabe gerando uma colisão com terceiros. Essa conduta, certamente, acarretará sua
responsabilidade penal e a responsabilidade civil do Estado (risco administrativo, CF, art. 37,§ ), porém, não
importará ato de improbidade, uma vez que, a análise da conduta per si – dirigir veículo oficial em atividade
oficialnão é ilícita. (MORAES, 2002, op. cit., p.2623).
18
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 18ª ed. São Paulo: Atlas, 2005. Pp. 728.
19
HECK, Luís Afonso. O Tribunal Constitucional Federal e o Desenvolvimento dos Princípios Constitucionais.,
Porto Alegre: Fabris Editor, 1995. p. 43.
69
3.3.3. Dos atos que atentam contra os princípios da Administração Pública
A última modalidade dos atos de improbidade administrativa é dos atos que
atentam contra os princípios da Administração Pública.
De acordo com o art. 11 da referida lei, será ímprobo, o agente que por
qualquer ação ou omissão violar os deveres de honestidade, imparcialidade,
legalidade e lealdade às instituições, atentando contra os princípios da
Administração Pública. Ofenderão, assim, aos princípios, aquele que:
I) Praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele
previsto, na regra de competência.
II) Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício.
III) Revelar fato ou circunstância de que tem ciência em razão das
atribuições e que deve permanecer em segredo.
IV) Negar publicidade aos atos oficiais.
V) Frustrar a licitude de concurso público.
VI) Deixar de prestar contas quando obrigado a fazê-lo.
VII) Revelar ou permitir que chegue ao conhecimento de terceiro, antes da
respectiva divulgação oficial, teor de medida política ou econômica capaz
de afetar o preço da mercadoria, bem ou serviço.
Nesse sentido, a tipificação da conduta prevista pelo art. 11 deverá cumprir
os seguintes requisitos: a) conduta dolosa do agente existência de vontade livre e
consciente do agente em relação a qualquer das condutas descritas; b) conduta
comissiva ou omissiva ilícita que, em regra, não gere enriquecimento ilícito ou o
cause lesão ao patrimônio público
20
; c) violação dos deveres de honestidade,
imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições; d) atentado contra os princípios
da Administração Pública – além dos princípios elencados no art. 37 da Constituição
Federal, cabe também o respeito aos princípios da supremacia do interesse público,
razoabilidade, proporcionalidade, presunção da legitimidade, especialidade, controle
20
A ratio legal para a existência do art. 11 é a necessidade da existência de um tipo subsidiário, para que possa
haver a responsabilização do agente cuja conduta seja ilícita e em afronta aos princípios da administração
pública, mesmo que não haja o enriquecimento ilícito, exigido no art. da lei, ou lesão ao patrimônio público,
cuja exigência é feita pelo art. 10. (MORAES, 2002, op. cit., p.2625)
70
administrativo, autotutela administrativa, hierarquia, motivação e continuidade do
serviço público; e) existência de nexo causal entre o exercício funcional e o
desrespeito aos princípios da administração pública.
Em suma, chega-se à conclusão de que se tutela o dano moral efetuado
contra a Administração Pública. Havendo, portanto, um conteúdo eminentemente
ético. Os danos são inúmeros ao afrontar os princípios da administração pública,
por isso, cabe analisar cada caso, indagar a intenção do agente, para verificação do
dolo, pois, de outro modo, não acarretará em ilícito previsto em lei.
3.4. Das sanções
Uma vez tipificado o ato ímprobo, o legislador impõe sanções cumulativas
visando à proteção da probidade administrativa. Em consonância ao princípio da
proporcionalidade, prima-se pelo interesse coletivo impondo ao agente ímprobo
punição correta, proporcional e justa.
De tal sorte, o parágrafo do art. 37 da Magna Carta prevê penas que
consistem na suspensão de direitos políticos, na perda da função pública, na
indisponibilidade dos bens e no ressarcimento do erário, sem prejuízo da ação penal
cabível.
Note-se que o dispositivo constitucional, ao indicar as medidas cabíveis, não
se refere a elas como sanções. E, na realidade, nem todas têm essa natureza.
“É o caso da indisponibilidade dos bens, que tem nítido caráter preventivo já
que tem por objetivo acautelar os interesses do erário durante a apuração dos fatos,
evitando a dilapidação, a transferência ou ocultação dos bens, que tornariam
impossível o ressarcimento do dano”
21
.
Também, o art. 12 da Lei n. 8.429/92 institui várias penalidades, dentre elas:
cominação da multa, proibição de contratar com o Poder público ou de receber
incentivos fiscais ou creditícios.
Da mesma forma que se referiu a respeito do princípio da proporcionalidade
na adequação típica das condutas às descrições das normas, é oportuno relacioná-
21
DI PIETRO, 2005, op. cit., p. 729.
71
lo também na atenuação dos rigores sancionatórios abstratos.
O princípio da proporcionalidade exige o exame da natureza do ataque ao
bem juridicamente protegido e a sanção prevista a esse ataque. A sanção
deve estar relacionada ao bem jurídico protegido. Há, sempre, uma cláusula
de necessidade embutida nas medidas que buscam salvaguardar a
segurança, saúde, ou moral pública.
22
Assim, a proporcionalidade fundamenta o grau de reprovabilidade incidente
à conduta proibitiva. Com efeito, quando da fixação de sanções decorrentes de
improbidade administrativa, fatos atribuídos aos agentes que não merecem a
cumulação de todas as sanções.
Ainda, previamente, cabe mencionar que, o caráter das sanções
estabelecidas no art. 12 da Lei n. 8.429/92 não é penal, em razão da própria
Constituição Federal aludir em seu art. 37, §4º, a respeito, pela ausência da vedação
constitucional a que se consagrem sanções extra penais nos moldes previstos pela
Lei n. 8.429/92.
Ademais, segundo entendimento majoritário, as modalidades de atos de
improbidade administrativa descritas no art. , 10 e 11 não constituem crime no
âmbito da referida lei. Portanto, prevê-se uma sanção de natureza civil ou política,
independentemente das sanções penais, civis ou administrativas previstas em leis
específicas.
3.4.1. Espécies
3.4.1.1. Suspensão dos direitos políticos
Dentre os direitos fundamentais garantidos na Constituição, está o de gozo
dos direitos políticos. Trata-se da possibilidade de o indivíduo votar ou ser votado,
em outras palavras, “[...] é a realidade em que cada um deve poder exercer o seu
direito eleitoral ativo e passivo de modo formal com o máximo de igualdade”.
23
22
OSÓRIO, op. cit., p. 260.
23
HECK, op. cit., p. 248.
72
Contudo, as sanções previstas na Lei de Improbidade Administrativa
impõem determinados limites jurídicos perante os direitos fundamentais. Deve-se
lembrar que, numa realidade de Estado Democrático de Direito, os direitos
fundamentais e a democracia estão implicados em relacionamento mútuo: [...] a
democracia pressupõe liberdade individual protegida juridicamente para todos; a
liberdade para todos pressupõe democracia”.
24
A própria Constituição, Lei maior do ordenamento, expressamente, prea
vedação à cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão, todavia,
somente se admite nas hiteses estritas do art. 15, incs. I, II, III, IV, V da CF,
quando trata da improbidade administrativa, criando-se sanção potico civil.
Note-se também que, em seu art. 37, §4º, a Magna Carta estabelece que a
improbidade administrativa gera a suspensão dos direitos políticos na forma e
gradação previstas em lei.
A Lei n. 8.429/92 regula a forma e a gradação da sanção relativa à
suspensão dos direitos políticos decorrente da condenação por improbidade
administrativa, devendo incidir o princípio da proporcionalidade na eleição
dessa modalidade sancionatória, tendo em vista sua especial intensidade e
peculiar força.
25
A ação civil pública é a forma eleita para obtenção da sanção. quanto à
gradação, faz-se necessário observar que o decreto condenatório vi da
constatação do dolo ou culpa, dependendo do tipo proibitivo da Lei em questão.
Sendo certo que não se admite a responsabilidade objetiva.
No caso de enriquecimento icito, a suspensão dos direitos políticos é de
oito a dez anos, cabendo ao julgador fixar o quantum , fundamentando-se na
periculosidade do evento. Quando for hipótese de lesão ao erário, o prazo
obrigatório de suspensão de direitos políticos varia entre cinco a oito anos.
Agora, se o ato de improbidade se configurar na modalidade de agressão
aos princípios da Administração Pública, sem danos ao erário e sem o
enriquecimento ilícito, a suspensão pode oscilar entre três e cinco anos.
Como foi mencionado, nestes três casos, a suspensão deverá ser expressa
e a decisão do juiz será limitada pelo termo mínimo e máximo, não conferindo a ele
24
OSÓRIO, op. cit., p. 260.
25
Ibdem, p. 148
73
o poder discricionário, ademais, a sentença será fundamentada. Por outro lado,
constatada a tipicidade do ato ímprobo e preenchidos os requisitos, não podeo
julgador optar pela exclusão da sanção relativa à suspensão dos direitos políticos,
ou reduzi-los a um patamar fora do legal. É incabível o desprezo às normas legais e
aos comandos constitucionais.
3.4.1.2. Ressarcimento integral do dano e perda dos bens havidos ilicitamente
O patrimônio do agente responde pelo dano material e moral causado à
Administração Pública. Nessa óptica, o Estado é legitimado, nos limites legais, a
exigir o ressarcimento ao erário e recuperação dos bens incorporados ilicitamente ao
patrimônio do agente ímprobo.
Conforme já foi dito, na Lei n. 8.429/92, o ato ímprobo pode causar tanto o
dano material quanto moral contra a Administração, por isso o agente desleal e
desonesto com o Poder Público fica obrigado à recomposição do ato icito por dano
patrimonial e extra patrimonial, independentemente da origem dos bens, seja ela
lícita ou ilícita.
quem considere que, em verdade, não se trata de sanção, mas
reparação, pois busca-se restabelecer o status anterior ao ato ímprobo, restaurando
o patrimônio público lesado.
Essa medida poderá ser aplicada nas três modalidade de atos de
improbidade administrativa.
No art. , no caso do ressarcimento ao erário, poderá ser aplicada, pois não
se exige a ocorrência de prejuízo ao erário para caracterização desse ato de
improbidade; já na perda dos bens havidos ilicitamente, deve ser aplicada, uma vez
que se exige como requisito para os atos de improbidade previstos nesse artigo a
obtenção de vantagem patrimonial.
O ato de improbidade que causar prejuízo ao erário terá como sanção o
ressarcimento ao erário uma vez que exige a ocorrência de prejuízo ao erário para a
caracterização desse ato de improbidade; enquanto a perda dos bens acrescidos
ilicitamente podeser aplicada se houver o acréscimo ilícito, pois, não se exige a
obtenção patrimonial pelo agente para caracterização dos atos de improbidade
74
desse artigo.
Por fim, as possibilidades do art. 11 o compatíveis à aplicação do
ressarcimento ao erário por não exigir a ocorrência de prejuízo ao erário para a
caracterização desses atos de improbidade. Ademais, quanto a perda dos bens
acrescidos ilicitamente, não previo específica no art. 12, porém há a genérica
do art. (“no caso de enriquecimento ilícito, perderá o agente público ou terceiro
beneficiário os bens ou valores acrescidos a seu patrimônio”).
3.4.1.3. Multa civil
Salvo na descaracterização da tipicidade do ato de improbidade
administrativa, qualquer modalidade de improbidade administrativa terá,
invariavelmente, o pagamento de multa civil como sanção, o que, por força
constitucional, ocorrerá o pedido de indisponibilidade de bens (art. 37, §4º, CF).
Trata-se de sanção menos grave que a suspensão dos direitos políticos e a
interdição temporária de direitos (proibição de contratar com a
Administração Pública por determinado período ou dela receber benefícios,
incentivos ou subvenções, fiscais ou creditícios), donde a sua aplicabilidade
não poderia sequer ser deixada de lado com suposta invocação do princípio
da proporcionalidade ou razoabilidade.
26
Mesmo no caso de ausência de prejuízo ao erário, é certa a medida de
aplicação da multa em qualquer das três espécies de atos, vez que a multa assume
um caráter sancionatório moral.
A cobrança dos valores relativos à multa civil seem conformidade com o
devido processo legal. O valor estipulado levará em conta a gravidade do fato e o
montante do prejuízo causado ao erário. Ademais, a conduta do agente como um
todo, a capacidade econômica do agente e os efeitos gerados na sociedade,
também, serão parâmetros considerados.
O valor da multa, então, pode ser de até 3 vezes o valor do acréscimo
patrimonial, em caso de enriquecimento ilícito; de até 2 vezes o valor do dano, no
26
OSÓRIO, op. cit., p. 154.
75
caso de dano ao erário; e de acem vezes o valor da remuneração percebida pelo
agente, no caso de atentado aos princípios da Administração.
É relevante lembrar que, no caso de ausência de bens ou de patrimônio
passível de execução, liberará o demandado dos efeitos dessa sanção; observar-se-
á, contudo, o prazo prescricional comum para a execução por dívida certa em
dinheiro pelo Poder Público contra os particulares.
3.4.1.4. Perda da função pública
A perda da função pública é sanção genérica prevista para as três espécies
de atos de improbidade administrativa. Assim, o agente público que praticar atos que
importem no enriquecimento ilícito, dano ao erário ou desrespeito aos princípios da
Administração Pública, perderá toda e qualquer função pública que estiver
exercendo na atualidade da condenação exeqüível.
Isto importa dizer que, ao tempo da condenação, perde o agente público a
função pública, cargo eletivo ou não, que estiver exercendo independentemente de
qual for.
Tal sanção é dada em conjunto com a suspensão dos direitos políticos.
Respeitará o direito a ampla defesa e ao contraditório, na esfera administrativa
mesmo antes do processo judicial.
3.4.1.5. Proibição de contratar com a Administração Pública e dela receber
benefícios, incentivos ou subvenções, fiscais ou creditícias
Em verdade, a última sanção prevista no art. 12 da Lei n. 8.429/92
compreende várias sanções. O legislador limita o exercício da atividade profissional
do agente condenado por qualquer das modalidades de atos de improbidade
administrativa, e ainda limita os direitos de percepção de benéficos e/ou incentivos
fiscais ou creditícios do agente ímprobo junto ao Poder Público.
76
Nesse caso, o limites estipulados na restrição de liberdade no mundo
negocial. O julgador, mediante fundamentação, e considerando a gravidade do ato
ímprobo, estipulará o prazo da pena. Com relação ao artigo , o prazo será de 10
anos; já o art. 10 será de 5 anos, e por fim, o art. 11 tem como prazo 3 anos.
Para Luís Afonso Heck,
[...] o legislador somente pode limitar o livre exercício da profissão no
interesse do bem-estar comum. Além disso, o legislador deve ter condições
de poder justificar a intervenção nesse direito fundamental com
considerações apropriadas e razoáveis e não deve buscar de sua potestade
legislativa para fins inadequados.
27
Identifica-se, portanto, respeito aos princípios da razoabilidade e
proporcionalidade na aplicação da sanção.
3.4.1.6. Quadro resumo
Em suma, as sanções aplicadas a cada modalidade de atos de improbidade
administrativa reger-se-ão desta maneira:
Os atos de improbidade administrativa que importam em enriquecimento
ilícito estão sujeitos às seguintes cominações: perda dos bens ou valores acrescidos
ilicitamente ao patrimônio; ressarcimento integral do dano, quando houver; perda da
função pública; pagamento de multa civil de até três vezes o valor do acréscimo
patrimonial; proibição de contratar com o Poder público ou receber benefícios ou
incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de
pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de dez anos.
No caso de prática de atos de improbidade que causem prejuízo ao erário,
as sanções aplicáveis são: ressarcimento integral do dano, se houver; perda dos
bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta
circunstância; perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de cinco a
oito anos; pagamento de multa civil de até duas vezes o valor do dano; proibição de
contratar com o Poder público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou
27
HECK, op. cit., p.181.
77
creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da
qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos.
Por último, se a prática de atos de improbidade atentarem contra a
moralidade e demais princípios da Administração, haverá a sanção: ressarcimento
integral do dano; perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a
cinco anos; pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração
percebida pelo agente; proibição de contratar com o Poder Público ou receber
benefício ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que for
intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos.
3.5. Das prescrições
A Constituição Federal, em seu art. 37, § 5º, determinou que a lei
estabelecesse os prazos prescricionais para ilícitos praticados por qualquer agente,
servidor ou não, que causem prejuízo ao erário, ressalvadas as respectivas ações
de ressarcimento.
de se revelar que o prazo para o ajuizamento das ações da referida Lei
n. 8.429/92 é de cinco anos após o término do exercício de mandato, cargo em
comissão ou função de confiança.
“Já nos casos de exercício de cargo efetivo ou emprego, devem as ações
respeitarem o prazo prescricional previsto na lei específica para faltas disciplinares
puníveis com demissão a bem do serviço público”
28
.
Cabe observar que somente as ações para obtenção de ressarcimento por
dano causado ao erário público são imprescritíveis.
28
Prazo prescricional e Regime jurídico dos Servidores Públicos Civis da União, das Autarquias e das
Fundações Públicas Federais (Lei n. 8.112/90): Em seu art. 142, a Lei n. 8.112/90 estabelece o prazo
prescricional para as infrações disciplinares: Art. 142. A ação disciplinar prescreverá: I – em 5 anos quanto às
infrações puníveis com demissão, cassação de aposentadoria ou disponibilidade e destituição de cargo em
comissão; II – em 2 anos, quanto à suspensão; III – em 180 dias, quanto à advertência. § 1º O prazo de
prescrição começa a correr da data em que o fato se tornou conhecido. § 2º Os prazos de prescrição previstos
na lei penal aplicam-se às infrações disciplinares capituladas também como crime. § 3º A abertura de
sindicância ou a instauração de processo disciplinar interrompe a prescrição, até a decisão judicial proferida
por autoridade competente. § 4º Interrompido o curso da prescrição, o prazo começará a correr a partir do dia
em que cessar a interrupção.
78
3.6. Declaração dos bens
Com o intuito de possibilitar uma fiscalização efetiva e um acompanhamento
da evolução patrimonial dos agentes públicos, evitando o acréscimo ilegal do seu
patrimônio, a Lei de Improbidade Administrativa pre em seu art. 13 a
obrigatoriedade de todo e qualquer agente blico a apresentação de declaração,
anualmente atualizada, dos bens, e valores que compõem o seu patrimônio privado.
Em seguida, a Lei n. 8.730/93 estipulou que tais declarações também
fossem entregues aos Tribunais de Conta com indicações de suas fontes, para
exercício de cargos, empregos ou funções nos três Poderes. Assim sendo, coube a
este Tribunal averiguar as situações e mutações patrimoniais, em relação ao
patrimônio dos agentes públicos, para que se verificasse possível aumento
injustificado, havendo desproporção entre suas rendas e seus rendimentos.
De tal sorte, ambos os dispositivos têm o intuito de dar condições de
fiscalizar atos de improbidade de enriquecimento ilícito do agente público.
3.7. Do procedimento administrativo e do processo judicial
O procedimento administrativo e o processo judicial m o intuito de apurar
os atos de improbidade administrativa e aplicar devidamente as sanções aos
agentes ímprobos. “A lei prevê um procedimento administrativo, que servirá de base
para o processo judicial visando à aplicação de sanções, notadamente a perda de
cargo e suspensão dos direitos políticos, de competência privativa do Poder
Judiciário”.
29
Primeiramente, no que concerne ao procedimento administrativo, devemos
considerar que, qualquer cidadão é legitimado para representar à autoridade
administrativa com a finalidade de que seja instaurada a investigação destinada a
apurar a prática de ato de improbidade administrativa, conforme o art. 14 da Lei
30
.
29
FERNANDES, Flávio Sátrio. Improbidade administrativa. Jus Navegandi, Teresina, a. 2, n. 21, nov. 1997.
Disponível em: <http:// www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=359>. Acesso em: 14 de Agosto de 2006.
30
Observe que, por se tratar de instrumento de participação político-fiscalizatória dos negócios do Estado, cuja
finalidade é a defesa da legalidade constitucional e do interesse público geral, o exercício da representação
79
Além desta, outra possibilidade seria a de o interessado representar diretamente
perante o Ministério Público, bem como, este último pode de ofício requisitar a
instauração de inquérito policial ou procedimento administrativo.
No caso de o autor da denúncia imputar falsamente ao agente público a
prática do ato de improbidade administrativa, o art. 19 prevê punição, embora o
próprio Código penal cuide expressamente a respeito da denunciação caluniosa.
A partir da denúncia, uma comissão será encarregada de apurar a prática de
improbidade administrativa e esta dará conhecimento da sua instauração ao
Ministério Público e ao Tribunal de Contas, os quais poderão designar
representantes para acompanharem o procedimento administrativo.
Após a investigação, inicia-se o processo judicial e podeser solicitado pelo
Ministério Público ou qualquer pessoa jurídica interessada o seqüestro de bens do
agente ou de terceiro que tenha enriquecido ilicitamente ou tiver causado dano ao
erário, e ainda, no mesmo pedido poderá incluir a investigação, o exame e o
bloqueio de bens, contas bancárias e aplicações financeiras mantidas pelo indiciado
no terririo nacional ou, mesmo no exterior segundo as leis e tratados
internacionais.
Ademais, outra medida cautelar prevista em lei, é a disposta no art. ,
aplicada nos casos de enriquecimento ilícito ou lesão ao patrimônio público: a
indisponibilidade dos bens do indiciado.
Entende a melhor doutrina que a indisponibilidade dos bens, como medida
cautelar, inominada que é, tem por finalidade a proibição de alienar,
negociar, transacionar, dispor de bens e valores, sendo medida anterior ao
arresto, que a lei chama equivocadamente de seqüestro, este, medida
cautelar nominada, visa à apreensão de coisa litigiosa, certa e determinada,
entregue a um depositário. A indisponibilidade é dos bens genericamente
considerados, enquanto que o arresto é de um bem específico e requerido
toda vez que houver fundados indícios de responsabilidade.
31
Feito isso, cabe aduzir a respeito do foro competente. Será competente a
justiça comum ou federal, dependendo dos bens, serviços ou interesses que tenham
sido afetados, se da União ou não.
prevista no presente artigo estará desvinculado da comprovação da existência de qualquer lesão a interesses
próprios do peticionário. (MORAES, 2002, op. cit., p. 2632).
31
MATTOS NETO, Antônio José de. Responsabilidade civil por improbidade administrativa. Revista Trimestral
de Direito Público, São Paulo, n.20. Doutrina. p. 62, 1997.
80
A respeito da Lei n.8.429/92, conclui-se que se trata de importante
instrumento no controle da Administração Pública que visa a assegurar seus
princípios norteadores da moralidade e da probidade, tutelando não danos
materiais quanto morais, impondo precioso valor ético em nosso ordenamento
jurídico.
3.8. Da inconstitucionalidade da Lei n. 10.628/02 ao conceder foro privilegiado nos
atos de improbidade administrativa
A Lei n. 10.628/02, de 24 de Dezembro de 2002, alterou em seu art. 1
o
, o
art. 84 do Código de Processo Penal, nas seguintes formas:
A competência pela prerrogativa de função é do Supremo Tribunal Federal,
do Superior Tribunal de Justiça, dos Tribunais Regionais Federais e
Tribunais de Justiça dos Estados e Distrito Federal, relativamente às
pessoas que devam responder perante eles por crimes comuns e de
responsabilidade.
1
o
A competência especial por prerrogativa de função, relativa a atos
administrativos do agente, prevalece, ainda que o inquérito ou ação judicial
sejam iniciados após a cessação do exercício da função pública;
2
o
A ação de improbidade, de que se trata a lei n. 8.429, de 02 de junho de
1992, secomposta perante o tribunal competente para processar e julgar
criminalmente o funcionário ou autoridade na hipótese de prerrogativa de
foro em razão do exercício de função pública, observado o disposto no 1
o.
Com isso, instaurou-se, mediante lei ordinária, o foro por prerrogativa de
função para a ação de improbidade administrativa.
O debate acerca da inconstitucionalidade reside neste específico instante
em que se alega como competente para criar e dispor sobre rol taxativo de cada
Tribunal, apenas o poder constituinte derivado, que somente poderia alterá-lo
através de emenda constitucional.
Ademais, sabe-se ainda que, em nosso ordenamento jurídico, a repartição
de competência originária para processo e julgamento de crimes comuns e de
responsabilidade é expressa pela Constituição Federal, sendo vedada qualquer
interpretação extensiva.
Portanto, no regime jurídico brasileiro, [...] o sistema é de reserva
81
exclusivamente constitucional para criação de privilégio de foro
32
. Não haverá
outros foros privilegiados que os instituídos pela própria Constituição.
Além disso, no que tange aos crimes de improbidade administrativa não
caberia falar em condutas criminosas, sob pena de violação ao princípio da reserva
legal e garantias constitucionais dos indivíduos e da sociedade, uma vez que se
cuidou de extrair as conseqüências no âmbito administrativo, quando se tratar da Lei
n. 8.429/92.
Doutrinadores, estudiosos e juízes do país inteiro questionaram a
inconstitucionalidade da lei promulgada no final do mandato do então presidente
Fernando Henrique Cardoso. Regia, entre eles, o entendimento de que a alteração é
inadmissível por lei ordinária se a matéria é regulada pela Lei Fundamental.
Além do mais, entende-se como medida casuística e um desserviço à
nação, aprovada em caráter de urgência, com o intuito de proteger o ex-presidente e
sua equipe de duzentos possíveis processos a que estariam sujeitos. Dessa forma,
de acordo com a nova lei, seriam julgados não no foro de 1
a
instância, mas pelo
STF, órgão vinculado ao poder, que tem os juízes nomeados pelo presidente.
No entanto, os Congressistas justificaram o foro privilegiado para
autoridades como Presidente da República, Ministros do Estado, Governadores,
Secretários de Estado e Prefeitos, por
33
resguardarem a figura daqueles que
decidem o destino e direcionam os rumos do País, que os julgamentos efetuados
nos tribunais seriam mais imparciais ou isentos do que os dos juízes de 1
o
grau; que
a prorrogação da competência, mesmo depois de cessado o exercício funcional,
seria saída útil para proteção do próprio exercício da função pública.
Apesar disso, os opositores insistiram em haver uma dupla
inconstitucionalidade na Lei n.10.628/02: material e formal.
A inconstitucionalidade material figuraria em razão da desobediência à teoria
gradualista da ordem jurídica em que a norma busca sua validade na Constituição,
obedecendo à forma prevista e ao órgão constitucionalmente competente para sua
elaboração.
Ao dispor em lei ordinária o foro privilegiado aos atos de improbidade
32
MIRANDA, Pontes de. Comentários à Constituição de 1967 com a Emenda 1 de 1969. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1971. p. 239, t. V.
33
SILVA, Danni Sales. Lei n.º 10.628/02: um privilégio inconstitucional ataca o controle da improbidade
administrativa . Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 63, mar. 2003. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3886>. Acesso em: 18 set. 2007.
82
administrativa, os congressistas vestiram uma competência que, segundo os juristas
contrários, é originária a Constituição, não podendo haver qualquer extensão. Assim,
somente o Poder Constituinte Reformador, através de emenda constitucional,
poderia modificar a competência originária dos Tribunais.
Quanto à inconstitucionalidade formal, esta viria pela malícia do legislador
ordirio em confundir dois conceitos: jurisdição e competência. Aquela seria de
direito material constitucional, atribuição constitucionalmente assegurada ao poder
constituinte derivado;
enquanto esta refere-se fora das incidências especiais de
direito constitucional. Daí a inconstitucionalidade, pelo fato de o legislador ordirio
invadir atribuição restrita ao poder constituinte.
Como resposta a esta situação, em “[...] apenas três dias após entrar em
vigor, a lei foi questionada pela Associação Nacional do Ministério Público
CONAMP.”
34
A ação de inconstitucionalidade tramitou no Supremo Tribunal Federal, sob o
2.797. Inicialmente, denegaram a liminar, ao fundamento de ausência de perigo
na demora de concessão da tutela, em decisão lavrada pelo Ministro Ilmar Galvão.
E, enquanto a questão permaneceu sem resposta definitiva, juízes federais e
estaduais em todo o País atropelaram a Lei do Foro Privilegiado, exercendo o
controle pela via difusa.
É sabido que, em nosso país,
o controle de constitucionalidade dá-se, na
órbita do Poder Judiciário, “[...] sob o sistema misto, o qual se caracteriza pela
permissão a todo e qualquer juiz ou tribunal de realizar no caso concreto a análise
sobre a compatibilidade do ordenamento jurídico com a Constituição Federal”.
35
A exemplo disso, cita-se o caso ocorrido na Comarca de Jaguarão, no
Estado do Rio Grande do Sul, no qual o juiz Orlando Faccini Neto, em processo de
improbidade administrativa movido pelo Ministério Público contra o prefeito da
cidade, entendeu como competente a Justiça Comum do RS, excluindo o foro por
prerrogativa de função.
Em 15 de setembro de 2005, a questão resolveu-se enfim. Por maioria, o
Tribunal julgou procedente a ação, conforme o entendimento do relator, declarando
a inconstitucionalidade da Lei n. 10.628/02:
34
MACEDO, Fausto. Juízes desafiam nova lei e barram foro privilegiado. O Estado de São Paulo, Suplemento
nacional, p. A-11, 16 fev. 2003.
35
MORAES, Alexandre de Direito Constitucional. 6. ed. revista, ampliada e atualizada. São Paulo: Atlas, 1999.
p. 541.
83
O Tribunal, por unanimidade, rejeitou as preliminares. Votou o presidente:
ministro Nelson Jobim. Em seguida, após o voto do senhor ministro
Sepúlveda Pertence, relator, que julgava procedente a ação, pediu vista dos
autos o senhor ministro Eros Grau. Falaram, pela Associação Nacional dos
Membros do Ministério Público CONAMP, o Dr. Aristides Junqueira
Alvarenga; pela Advocacia-Geral da União, o Dr. Álvaro Augusto Ribeiro da
Costa, Advogado-geral da União, e, pelo Ministério Público Federal, o Dr.
Cláudio Lemos Fonteles, Procurador-Geral da República. Plenário,
22.09.2004. Renovado o pedido de vista do senhor ministro Eros Grau,
justificadamente, nos termos do parágrafo 001º do artigo 001º da Resolução
278, de 15 de dezembro de 2003. Presidência do senhor ministro Nelson
Jobim Plenário, 10.11.2004. O Tribunal, por maioria, julgou procedente a
ação, nos temos do voto do relator, para declarar a inconstitucionalidade da
Lei n. 10.628, de 24 de dezembro de 2002, que acrescentou os parágrafos
e ao artigo 84 do Código de Processo Penal, vencidos os senhores
ministros Eros Grau, Gilmar Mendes e a presidente. Ausente,
justitficadamente, neste julgamento, o senhor ministro Nelso Jobim
(presidente). Presidiu o julgamento a senhora ministra Ellen Gracie (vice-
presidente). – Plenário, 15.09.2005.
O Congresso Nacional, portanto, saiu perdedor, ao tentar criar via lei
ordiria o inconstitucional foro por prerrogativa de função. Entretanto, revelam-se
os parlamentares insistentes ao apreciar, atualmente, a PEC 358, da reforma do
Judiciário, que amplia o foro privilegiado a agentes públicos e a extensão daquele às
ações de improbidade administrativa.
Concluindo, até o momento, buscou-se realizar uma análise prévia que
consiste na base argumentativa do próprio tema proposto. Ofereceram-se noções
fundamentais sobre Administração Pública, seu controle e princípios constitucionais
norteadores; em seguida, partiu-se para o essencial entendimento sobre
improbidade administrativa, legislação constitucional e ordinária, agentes,
modalidades de atos contra a probidade, sanções, dentre outros tópicos.
Contudo, agora, é preciso enfatizar outros pontos importantes para a
conduta do raciocínio lógico a ser formado introduzindo a segunda parte do estudo.
84
4. ATO ADMINISTRATIVO
4.1. Conceito
O ato administrativo é um ato jurídico, pois se trata de uma declaração que
produz efeitos jurídicos. Sendo um ato jurídico, aloca-se dentro do gênero
fato jurídico. Este se define como: qualquer acontecimento a que o Direito
imputa e enquanto imputa efeitos jurídicos. O fato jurídico, portanto, pode
ser um evento material ou uma conduta humana, voluntária ou involuntária,
preordenada ou o a interferir na ordem jurídica. Basta que o sistema
normativo lhe atribua efeitos de direito para qualificar-se como um fato
jurídico.
1
Os atos jurídicos distinguem-se dos fatos, pois, aqueles são declarações,
enunciados, falas prescritivas, pronúncia sobre certa coisa ou situação,
dizendo como deverá ser; enquanto os fatos não são declarações nem
prescrições, apenas ocorre, uma vez que, a lei que fala sobre ele.
2
Tal distinção se revela importante porque, em direito administrativo, existem
tanto os atos quanto os fatos jurídicos, sendo certo que apenas os atos
administrativos podem ser anulados e revogados, dentro dos limites do Direito; já os
fatos administrativos
3
não são anuláveis ou revogáveis. Ademais, os atos
administrativos possuem presunção de legitimidade enquanto os fatos não.
Cabe ainda ressaltar a distinção entre os atos da Administração e os atos
administrativos, uma vez que, “[...] nem todo ato da Administração é ato
administrativo e, de outro lado, nem todo ato administrativo provém da
Administração Pública”
4
.
É possível observar que existem atos da Administração, atos em sentido
amplo, ou seja, praticados no exercício da função administrativa; e os atos
administrativos em sentido estrito, pois fazem parte apenas certa categoria de atos
praticados no exercício da função administrativa.
1
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 1994.
p. 169.
2
Classificação desenvolvida pelo Ilustríssimo Doutrinador Celso Antônio Bandeira de Mello in Curso de Direito
Administrativo. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 1994. p. 170.
3
Maria Sylvia Zanella di Pietro explica que quando o fato descrito na norma legal produz efeitos no campo do
direito administrativo, ele é um fato administrativo, como ocorre com a morte de um funcionário, que produz a
vacância de seu cargo; com o decurso do tempo, que produz a prescrição administrativa. Se o fato não produz
qualquer efeito jurídico no Direito Administrativo, ele é chamado de fato da Administração. In Direito
Administrativo. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2005. p.183.
4
BANDEIRA DE MELLO, 1994, op. cit., p. 173.
85
A Administração Pública pratica inúmeros atos, por exemplo, que não
merecem ser chamados de administrativos, tais como: atos regidos pelo direito
privado, como a simples locação de uma casa para nela se instalar uma repartição
pública. Seu conteúdo bem como seus correspondentes efeitos não são regidos pelo
direito administrativo, e sim, apenas as condições da emanação. Outro exemplo
seriam os atos políticos ou de governo praticados com margem de discrição e
diretamente em obediência à Constituição Federal, no exercício da função política.
Ademais, há atos materiais da Administração,
[...] que não contêm manifestadamente vontade, mas que envolvem apenas
execução, como a demolição de uma casa, a apreeno de mercadoria, a
realização de um serviço; bem como os chamados atos de conhecimento,
opinião, juízo ou valor, que o expressam uma vontade e, portanto,
também não podem produzir efeitos jurídicos atestados, pareceres, votos
– que são, da mesma forma, atos da Administração
5
.
Assim, existem atos que não são praticados pela Administração Pública,
mas são incluídos entre os atos administrativos, por se submeterem à mesma
disciplina jurídica aplicável aos demais atos da Administração tidos como
administrativos. É o caso, por exemplo, de atos relativos aos servidores dos Poderes
Legislativo e Executivo, como as licitações.
Feita essa análise prévia, cabe partir para o conceito em si dos atos
administrativos.
Muitos critérios foram desenvolvidos para definir o ato administrativo.
Entretanto, é possível dizer que existem características comuns que formam o
conceito de ato administrativo.
Odete Medaur ensina que ato administrativo constitui
[...] um dos modos de expreso das decisões tomadas por órgãos e
autoridades da Administração Pública, que produz efeitos jurídicos, em
especial no sentido de reconhecer, modificar, extinguir direitos ou impor
restrições e obrigações com observância da legalidade
6
.
Segundo o entendimento de Bandeira de Mello,
[...] o ato administrativo é a declaração do Estado (ou de quem lhe faça as
vezes como, por exemplo, um concessionário de serviço público) no
5
DI PIETRO, Maria Sylvia. Direito administrativo. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2005. p.184
6
MEDAUR, Odete. Direito administrativo moderno. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998. p. 147.
86
exercício de prerrogativas públicas, manifestada mediante providências
jurídicas complementares da lei, a tulo de lhe dar cumprimento, e sujeitas a
controle de legitimidade por órgão jurisdicional
7
.
Maria Sylvia Zanella di Pietro leciona que ato administrativo é “[...] a
declaração do Estado ou de quem o represente, que produz efeitos jurídicos
imediatos, com observância da lei, sob regime jurídico de direito público e sujeita a
controle pelo Poder Judiciário
8
”.
Sendo assim, é possível identificar características necessárias para
conceituar o ato administrativo: “[...] declaração de vontade expressa ou tácita do
Estado ou de quem lhe faça as vezes; sujeição ao regime jurídico de direito blico;
produção de efeitos jurídicos imediatos; possibilidade de controle jurisdicional
9
”.
Finalmente, com relação à declaração tácita do ato administrativo, é possível
dizer que
[...] se trata da vontade normativa - a presunção juris et jure que a lei manda
ver no facto do silêncio do órgão da Administração que tenha o dever de se
pronunciar, dentro de certo prazo, sobre questão que lhe seja submetida. A
norma atribui ao silêncio ou abstenção do órgão, nesses casos, o valor de
uma declaração positiva aprovação, deferimento ou negativa
reprovação, indeferimento de vontade. A conduta passiva do órgão, a sua
abstenção, tem caráter voluntário porque a lei manda atribuir valor de
vontade a certo comportamento
10
.
4.2. Atributos
Os atos administrativos distinguem-se dos atos privados, por óbvio. Daí
dizer que aqueles possuem prerrogativas e se submetem ao regime jurídico
administrativo ou ao regime jurídico de direito público. Tais atos, como
emanação do Poder Público, trazem em si certos atributos que os
distinguem dos atos jurídicos privados e lhes emprestam características
próprias e condições peculiares de atuação
11
.
A importância desses atributos reside no fato de conferirem ao ato
administrativo qualidades diferenciadas para permitir a produção efetiva de seus
efeitos típicos.
7
BANDEIRA DE MELLO, 1994, op. cit., p. 173.
8
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 11. ed. São Paulo: Atlas, 1999. p. 162.
9
MORAES, 2002, op. cit., p. 797.
10
CAETANO, Marcelo. Princípios fundamentais do direito administrativo. Coimbra: Almedina, 1996. p. 97.
11
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 22. ed. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 141.
87
A doutrina tradicional, representada por Hely Lopes Meirelles, menciona
como atributos do ato administrativo a presunção de legitimidade, imperatividade e
auto-executoriedade. Maria Sylvia Zanella di Pietro fala em presunção de
legitimidade e veracidade e acrescenta a esse rol a tipicidade.Celso Bastos retira
a tipicidade e adiciona a exigibilidade como o quarto atributo do ato administrativo.
Adotar-se-á o posicionamento de Maria Sylvia Zanella di Pietro.
4.2.1. Presunção de legitimidade e veracidade
Os atos administrativos, qualquer que seja sua categoria ou espécie,
nascem com a presunção de legitimidade, independentemente da norma
legal que a estabeleça. Essa presunção decorre do princípio da legitimidade
da Administração, que, nos Estados de Direito, informa toda a atuação
governamental. Além disso, a presunção de legitimidade dos atos
administrativos responde a exigências de celeridade e segurança das
atividades do Poder Público, que o poderiam ficar na dependência da
solução de impugnação dos administrados, quanto à legitimidade de seus
atos, para só após dar-lhes execução.
12
Embora se fale em presunção de legitimidade ou veracidade, as expressões
não têm o mesmo significado. Há de se observar que a presunção de legitimidade se
refere à conformidade do ato com a lei, portanto, em razão disso, até que se prove o
contrário, o ato administrativo foi emitido com a observância legal. A presunção de
veracidade, por seu turno, propõe-se aos fatos motivadores do ato. Presumem-se
verdadeiros os fatos alegados pela Administração – certidões e atestados – dotados
de fé pública.
A presunção de legitimidade, então, autoriza a imediata execução ou
operatividade dos atos administrativos, mesmo que argüidos de vícios ou
defeitos que os levem à invalidade. Enquanto, porém, não sobrevier o
pronunciamento de nulidade, os atos administrativos são tidos por válidos e
operantes, quer para a Administração, quer para os particulares sujeitos ou
beneficiários de seus efeitos. Admite-se, todavia, a sustação dos efeitos dos
atos administrativos através de recursos internos ou de mandado de
segurança, ou de ação popular, em que se conceda a suspensão liminar,
até o pronunciamento final de validade ou invalidade do ato impugnado
13
.
Assim, o ato administrativo, por ser considerado verdadeiro e legal, é de
12
DIEZ, apúd MEIRELLES, 2001, op. cit., p.150.
13
MEIRELLES, 1997, op. cit., p. 141.
88
execução imediata, criando deveres e obrigações ao particular, independentemente
de sua aceitação.
Os fundamentos que justificam esse atributo do ato administrativo
envolvem-se na idéia central de que se não existisse tal princípio, toda a
atividade administrativa seria diretamente questionável, gerando, sobretudo,
obstáculos ao cumprimento dos fins públicos, pois, estar-se-ia antepondo o
interesse privado ao interesse social, ou seja, ao interesse público
14
.
Ademais, dentre outros motivos, o ato administrativo é forma de expressão
da soberania do Estado, de tal sorte que ele é praticado com o consentimento de
todos.
Enfim, concluindo, da presunção de veracidade, decorrem alguns efeitos: a)
o ato administrativo produzi seus efeitos enquanto não for decretada a sua
invalidade pela Administração ou pelo Judiciário, sendo, entretanto, possível a
suspensão de seus efeitos caso o interessado consiga em juízo ou através de
recurso administrativo; b) ao contrário do que ocorre com os atos privados, é defeso
ao Judiciário apreciar ex officio a validade do ato, havendo a necessidade da parte
interessada requerer; c) a presunção da veracidade inverte o ônus da prova, porém
não é de modo absoluto, cabendo a parte que propôs a ação, provar os fatos,
inicialmente, que fundamenta a pretensão como verdadeiros.
4.2.2. Imperatividade
A imperatividade é o atributo pelo qual os atos administrativos se impõem a
terceiros, independentemente de sua concordância
15
. Decorre do que
Renato Alessi denomina como “poder extroverso”, que permite ao Poder
Público editar provimentos que vão além da esfera jurídica do sujeito
eminente, ou seja, que interferem na esfera jurídica de outras pessoas,
constituindo-as unilateralmente obrigações
16
.
14
Diversos são os fundamentos que os autores indicam para justificar esse atributo do ato administrativo: o
procedimento e as formalidades que precedem a sua edição, os quais constituem garantia de observância da lei;
o fato de ser uma das formas de expressão da soberania do Estado, de modo que a autoridade que pratica o ato
o faz com o consentimento de todos; a necessidade de assegurar celeridade no cumprimento dos atos
administrativos, já que eles têm por fim atender ao interesse público, sempre predominante sobre o particular; o
controle a que se sujeita o ato, quer pela própria Administração, quer pelos demais Poderes do Estado, sempre
com a finalidade de garantir a legalidade; a sujeição da Administração ao princípio da legalidade, o que faz
presumir que todos os seus atos tenham sido praticados de conformidade com a lei, que cabe ao poder
público a sua tutela. (DI PIETRO, 2005, op. cit., p. 191).
15
DI PIETRO, 2005, op, cit., p. 193.
16
BANDEIRA DE MELLO, 1994, op. cit., p. 195.
89
de se frisar que, por óbvio, a imperatividade somente existe nos atos
administrativos que impõem obrigações, isto é, atos administrativos normativos,
ordenatórios, punitivos. Não haverá tal atributo quando forem atos enunciativos,
negociais ou, ainda, tratar-se de direitos dos administrados, tais como licença,
pareceres, permissão e autorização.
A imperatividade decorre da existência do ato administrativo, não
dependendo da sua declaração de validade ou invalidade. Assim sendo,
[...] todo ato dotado de imperatividade deve ser cumprido ou atendido
enquanto o for retirado do mundo jurídico por revogação ou anulação,
mesmo porque as manifestações de vontade do Poder Público trazem em si
a presunção de legitimidade
17
.
Destaca-se, por fim, que a imperatividade distingue o ato administrativo do
privado uma vez que este o cria qualquer obrigação para terceiros sem a sua
concordância.
4.2.3. Auto-executoriedade
“Entende-se por auto-executoriedade a qualidade pela qual o Poder Público
pode compelir materialmente o administrado, sem precisão de buscar previamente
as vias judiciais, ao cumprimento da obrigação que impôs e exigiu”
18
.
Em outras palavras, significa dizer que a Administração Pública pode impor
a execução de determinado ato administrativo ao particular sem necessariamente
recorrer ao Poder Judiciário.
Ao contrário do direito privado que possui raras exceções de execução sem
título, tais como: legítima defesa, a retenção da bagagem do hóspede que o
pague as despesas de hospedagem, bem como a defesa da posse em caso de
esbulho, o corte de ramos da árvore do vizinho que invadem propriedade alheia; a
regra no Direito Administrativo é da auto-executoriedade.
Contudo, nem todos os atos administrativos admitem esse atributo. Por
17
MEIRELLES, 1997, op. cit., p. 144.
18
BANDEIRA DE MELLO, 1994, op. cit., p. 195.
90
exemplo, quando se tratar expressamente de hipótese prevista em lei ou de medida
urgente que, se não adotada de imediato, pode ocasionar prejuízo maior para
interesse público.
A auto-executoriedade administrativa, por óbvio, deve respeito aos
princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa (CF, art. ,
LV), que deverão ser observados no procedimento administrativo instaurado
para fazer cumprir determinado ato administrativo. Essa observância é, em
regra, necessária para que o administrado possa socorrer-se ao Judiciário
no caso de ameaça ou lesão a direito
19
.
É possível afastar o contraditório e a ampla defesa em favor da auto-
executoriedade do ato administrativo em virtude do interesse público,
excepcionalmente, quando tal interesse estiver a sofrer um perigo iminente
e a atuação cautelar do Poder Público fizer-se necesria para garantir a
eficácia da medida administrativa
20
.
Em caso de eventuais abusos ou prejuízos, esses serão analisados e
responsabilizados posteriormente.
4.2.4. Tipicidade
Tipicidade é o atributo pelo qual o ato administrativo deve corresponder a
figuras definidas previamente pela lei como aptas a produzir determinados
resultados. Para cada finalidade que a Administração pretende alcançar existe um
ato definido em lei
21
.
Trata-se de atributo absolutamente necessário em um Estado de Direito,
uma vez que se refuta a possibilidade de a administração pública praticar
atos administrativos inominados, em desrespeito ao princípio da legalidade,
e, conseqüentemente, obrigar os administrados a cumpri-lo, em função dos
atributos da imperatividade e executoriedade
22
.
Ademais, cabe ressaltar que a tipicidade existe apenas com relação aos atos
unilaterais. Inexiste nos contratos em razão de estes dependerem da aceitação do
19
MORAES, 2002, op. cit., p.800.
20
Auto-executoriedade do ato administrativo. TJSP – “Mandado de segurança – Ato administrativo
Apreensão de aparelhos sonoros – Estabelecimento comercial autuado inúmeras vezes por infração à legislação
sobre limites do somPossibilidade de a Prefeitura promover manu propria, o cumprimento da lei – Exercício
do poder de polícia caracterizado – Ordem concedida – Recurso não provido” (Rel. Dês. Silva Ferreira –
Apelação Cível n. 143.646-1 – São Paulo – decisão: 4-8-1992).
21
DI PIETRO, 2005, op. cit., p. 194.
22
MORAES, 2002, op. cit., p.801.
91
particular, a Administração não pode impor a sua vontade. Entretanto, não há
impedimentos de que se compactue um contrato inominado, desde que atenda
melhor ao interesse público e ao particular.
4.3. Elementos
O ato administrativo goza de presunção de legitimidade e veracidade, desde
o momento de sua edição. No entanto, para que este tenha validade e eficácia,
necessário se faz que ocorra a observância de cinco elementos: sujeito, objeto,
forma, motivo e finalidade.
Assim, como prescreve João Caetano:
[...] para que o ato administrativo seja válido é necessária a verificação de
vários requisitos. Em primeiro lugar, a conduta há de ser proveniente de um
órgão da administração competente para a adaptar. Depois, é indispensável
que, havendo exigências legais quanto ao processo de formação e de
manifestação de vontade, sejam observadas as formalidades, e formas
prescritas. O ato visa a produzir efeitos jurídicos num caso concreto: tal é o
objeto. Ora, para que os efeitos jurídicos se produzam validamente é
preciso que sejam respeitadas certas normas quanto à individualização do
caso concreto e quanto aos requisitos objetivos e subjetivos que o
pressupostos da lei. Enfim, o ato administrativo tem de ter um fim de
interesse público. Este fim reveste a maior importância no caso de serem
exercidos poderes discricionários
23
.
Note-se que há a divergência da doutrina sobre a melhor nomenclatura a ser
adotada: elementos ou requisitos. Hely Lopes Meirelles, Cretella Júnior e Diógenes
Gasparini posicionam-se pela terminologia requisitos; enquanto Maria Sylvia, Odete
Medaur e Alexandre de Moraes adotam elementos.
Quanto à diferença entre elementos e requisitos, [...] os primeiros dizem
respeito à existência do ato; enquanto são indispensáveis para sua
validade. Nesse caso, agente, forma e objeto seriam os elementos de
existência do ato, enquanto os requisitos seriam esses mesmos elementos
acrescidos de caracteres que lhe dariam condições para produzir efeitos
jurídicos: agente capaz, objeto cito e forma prescrita ou não defesa em
lei
24
.
23
CAETANO, Marcello. Princípios fundamentais do direito administrativo. Coimbra: Almedina, 1996. p. 114.
24
DI PIETRO, 2005, op. cit., p.195.
92
No entanto, embora a maioria dos autores prefiram apresentar os vocábulos
como sinônimos, no direito positivo brasileiro, na Lei n. 4.717/65 Lei da ação
popular, em seu artigo menciona os cinco elementos dos atos administrativos:
competência, forma, objeto, motivo e finalidade.
Por outro lado, cabe lembrar que,
[...] sendo o ato administrativo um ato jurídico, nele componentes para
que atue com a validade e eficácia em campo próprio. A ausência ou
presença viciada de alguns desses elementos tem como efeito imediato a
produção de atos inexistentes, de atos nulos ou de atos anuláveis, conforme
a maior ou a menor gravidade verificada no processo etiológico do ato
25
.
Será válido e perfeito o ato administrativo que contiver os três requisitos de
ato jurídico: agente capaz, objeto lícito e forma prescrita ou não proibida pelas leis
gerais e pelos regulamentos administrativos.
4.3.1. Sujeito
Sujeito é o produtor do ato. Trata-se do elemento exterior a quem a lei atribui
competência para a prática do ato. Enquanto no direito civil para ser titular de
direitos e obrigações é necessário que o sujeito tenha capacidade, no direito
administrativo é necessário ainda que o sujeito tenha competência.
Considerando que em direito administrativo quem tem capacidade para a
prática dos atos administrativos são pessoas públicas políticas União, Estados,
Distrito Federal e Municípios – é possível dizer que as funções do Estado competem
aos entes da Federação e tais funções são distribuídas em órgãos administrativos,
que, por sua vez, são formados por agentes, pessoas físicas. Sendo assim, a
competência é o conjunto de atribuições das pessoas jurídicas, órgãos e agentes,
fixadas pelo direito positivo.
“Tal competência decorre de lei, deriva diretamente da Constituição Federal
ou da legislação, o cabendo ao próprio órgão administrativo estabelecer suas
25
CRETELLA JÚNIOR, José. O desvio de poder da Administração Pública. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense,
1997. p.34.
93
próprias atribuições.”
26
Ademais, ao analisar a competência do agente, para que o ato seja válido,
cabe a verificação de três pontos básicos: competência material, territorial e
temporal.
A competência material ratione materiae significa que a matéria a ser
tratada pelo ato administrativo deve estar arrolada no rol de atribuições legais do
agente, considerando-se, sobretudo, o grau hierárquico e delegações.
a competência territorial ou ratione loci, apreciar-se-á o limite territorial
para que o agente possa exercer suas atribuições legais.
Por último, “[...] quanto à
competência temporalratione temporis – o
agente somente podeexercer suas atribuições a partir de sua investidura legal e
até o rmino de suas atividades, seja pelo seu falecimento, demissão ou
aposentadoria, sob pena de o ato ser declarado como inexistente”.
27
A capacidade do agente, enfim, é o primeiro requisito que se exige no ato
administrativo. Pode-se dizer ser o defeito mais grave dentre os vícios deste ato uma
vez que o ato administrativo editado por agente incapaz sequer chega a ingressar no
mundo jurídico, é inexistente.
4.3.2. Objeto
Diz-se que o segundo requisito do ato administrativo é o objeto. Entende-se
por objeto aquilo que se busca pela ação direta ou indireta do ato administrativo, ou
seja, é o próprio conteúdo do ato.
O objeto do ato administrativo, sobretudo, deverá ser lícito, moral, possível e
certo, desde sua origem até a evolução do ato.
Para possuir tais atributos, o ato apresenta não contrariedade à
norma
legal nem aos princípios da ordem ética vigente em certa coletividade. Ainda, caberá
demonstrar sê-lo possível, necessidade lógica, tendo em vista que todo ato jurídico
deverá ter possibilidade às exigências físicas da realidade.
26
MEIRELLES, 1997, op. cit., p. 134.
27
Competência do ato administrativo e validade: Conforme decidiu o TJSP, é ato administrativo inexistente a
aplicação de multa em veículo por agente que não faz parte do corpo encarregado do poder de polícia (TJSP –
Relator: Benini CabralApelação Cível n. 206.779-1 – São Paulo, decisão: 15-6-1994).
94
E, por fim, o ato administrativo apresentará, também, a certeza. O que
significa que a vontade manifestada almeja efeitos jurídicos precisos e perfeitos.
4.3.3. Forma
“Forma é o meio pelo qual se exterioriza o ato ou a manifestação de vontade
do agente público. Em sentido amplo, é o procedimento em cujo bojo será editado o
ato administrativo, ou conjunto de solenidades com que a lei cerca a exteriorização
dos atos administrativos.”
28
Cretella Júnior, ao tratar da classificação das formas do ato administrativo,
esclarece por fim:
A forma do ato administrativo tem essencialmente um caráter material. Entre
as formas, podemos citar a oral, a escrita, a mímica, os sinais
convencionais, a assinatura, lugar, dia, hora, acesso ao público. Pode-se
falar ainda nas formas típicas de que se revestem os atos administrativos:
decreto, portaria aviso, despacho, regulamento, circular, resoluções. As
formas podem ser solenes ou o solenes. formas importantíssimas
para a perfeição do ato, ao passo que há outras que, faltando, não afetam a
perfectibilidade do ato administrativo. Tratando-se do ato administrativo, a
forma oral é exceção, a forma escrita é regra
29
.
4.3.4. Motivo
Abstraindo-se, então, os elementos comuns a todos os atos administrativos,
tais como a capacidade das partes (ou competência), a licitude do objeto (objeto) e a
adequação da forma à lei (forma), a doutrina do direito administrativo elenca outros
dois elementos peculiares: motivo ou causa e a finalidade.
A dificuldade em tratar a respeito do conceito de motivo do ato administrativo
paira no fato de que alguns autores entendem motivo como uma causa, enquanto
outros como fim.
28
ANDRADE, Érico. Desvio de poder no direito administrativo brasileiro - exame da doutrina e jurisprudência
do STJ. Direito Administrativo, Contabilidade e Administração Publica, São Paulo: Iob, v. 8, n. 1, p. 3-22, 2004.
p. 5.
29
CRETELLA JÚNIOR, 1997, op. cit., p. 36.
95
Porém, “[...] motivos são as razões de fato e de direito que ensejam a edição
do ato administrativo, são seus suportes de fato e de direito”.
30
O motivo pode manifestar-se após o ato, este se denomina como ato
administrativo motivado. Caso não se exija a motivação do ato, então, estaremos
frente aos atos administrativos imotivados.
Sobre a motivação, distingue-se a situação que abriga os atos discricionários
e outra que se limita aos atos vinculados.
Os atos discricionários, por exemplo, não precisam ser motivados, regra
geral. A autoridade, tendo competência naquela esfera, para editá-los ou
não, pratica o ato, sem explicar-lhe os motivos, porque estes motivos estão
implícitos: oportunidade, conveniência, motivos que informam a esfera da
discricionariedade da Administração Pública
31
.
Por exemplo, na escolha de agente público que integra a lista tríplice de
nomes sufragados por um colegiado, não é preciso dar o motivo.
A autoridade superior escolhe um dos três, mas na declaração
expropriatória, que é típico ato administrativo, veiculado por decreto, é
necessário que o poder público fundamente, isto é, os motivos por que
declarou de utilidade pública, a necessidade pública ou o interesse social,
determinado imóvel ou determinado bem
32
.
4.3.5. Finalidade
A finalidade é o resultado prático que se busca alcançar através do ato.
Trata-se do fim a ser atingido com a edição do ato. Ademais, ressalte-se que a
finalidade de todos os atos administrativos será sempre o interesse público.
A cada um desses elementos de legalidade corresponde uma causa de
nulidade do ato administrativo. São vícios de legalidade externa a
incompetência (em cujo conceito se inclui a usurpação de poder), o vício de
forma e a ilicitude do objeto. São vício de legalidade interna a inexistência
material ou jurídica dos motivos e o desvio de poder
33
30
ANDRADE, 2004, op. cit., p. 5.
31
CRETELLA JÚNIOR, 1997, op. cit., p. 37
32
Ibid, p. 37.
33
ANDRADE, 2004, op. cit., p.6.
96
Enfim, é possível resumir-se dizendo, com certa margem de segurança, que
[...] a competência corresponde à destinação subjetiva do poder
administrativo; a forma significa a exteriorização material e jurídica desse
poder; a finalidade, o escopo previsto explícita e implicitamente na regra
atributiva de competência; o motivo ou causa seriam as considerações de
fato e de direito que impelem o administrador à prática de ato; e, finalmente,
o objeto ou conteúdo confundir-se-ia com a criação, extinção, declaração ou
modificação jurídica produzida pelo ato administrativo
34
.
Ademais, ao analisar os cinco elementos do ato administrativo, cabe a
observação final a respeito do grau de liberdade que a lei outorga ao administrador
para a realização do ato.
Importa registrar que a lei outorga ao administrador, para a realização do
ato, um grau de liberdade diferenciado em relação aos elementos. Quanto a
competência, forma e finalidade, serão sempre vinculados, visto que contidos na
tipicidade legal. os outros dois, motivo e objeto, ora se apresentarão vinculados,
conforme estejam ou não descritos na regra de competência. Assim, no primeiro
caso fala-se em poder administrativo vinculado; enquanto no outro, em
discricionário.
4.4. Discricionariedade e vinculação
4.4.1. Generalidades
A clássica teoria da repartição de funções estatais entre vários órgãos
independentes, cujos contornos iniciais surgiram com Aristóteles, reservou
ao Poder Executivo as funções de gerenciamento da res pública e
prestação de serviços à comunidade. Ocorre que, para o bom desempenho
dessas funções e o alcance de suas finalidades, sempre em prol do
interesse público, a administração pública tem assegurada uma posição de
supremacia em relação aos administrados, com a existência de diversos
poderes da Administração
35
.
O Estado necessita visceralmente do exercício do poder, sem o que o
pode assegurar a realização ou alcance de seus fins. Este poder se
encontra institucionalizado e se expressa através de autoridades que, pelo
fato de ocuparem determinados postos na sociedade, têm a capacidade de
34
CASTRO, Carlos Roberto de Siqueira. Considerações acerca do desvio de poder na Administração Pública.
Arquivos do Ministério da Justiça. Brasília: Imprensa Nacional, v. 34 n. 138, p. 92-105, ABR/JUN/1976, p. 94.
35
MORAES, 2002, op. cit., p. 805.
97
editar normas cuja obediência é forçosa. Não, é portanto, a lei do mais forte,
mas a lei daquele que é legitimado a editá-la. Daí, o porquê do fenômeno do
poder no Estado estar intrinsecamente ligado com o direito.
36
Os poderes da Administração, genericamente, possuem caráter
instrumental, ou seja, são os instrumentos através dos quais a Administração busca
atingir seu fim, visando sempre ao interesse público. Considera-se, sobretudo, que
tais poderes têm o significado de poder-dever. Não se trata de faculdade do
administrador realizar ou não determinado ato. Certo é que se trata de dever, não
podendo dispor de seu exercício, conforme o princípio da indisponibilidade do
interesse público. Assim, os poderes da Administração Pública o irrenunciáveis e
a omissão do agente, em caso de dever agir, caracteriza-se como abuso de poder.
Celso Antônio Bandeira de Mello chega a mencionar que é dever-poder, de
forma a dar maior ênfase à sua utilização compulsória:
Tendo em vista este caráter de assujeitamento do poder a uma finalidade
instituída no interesse de todos e não da pessoa exercente do poder –, as
prerrogativas da Administração não devem ser vistas ou denominadas como
“poderes” ou como “poderes-deveres”. Antes se qualificam e melhor se
designam como “deveres-poderes”, pois nisto se ressalta sua índole própria
e se atrai atenção para o aspecto subordinado do poder em relação ao
dever, sobressaindo, então, o aspecto finalístico que as informa, do que
decorrerão suas inerentes limitações.
37
Tradicionalmente, a doutrina divide os poderes quanto à espécie como
hierárquico, disciplinar, regulamentar ou normativo e de polícia; quanto à margem da
liberdade como discricionário e vinculado.
Segundo o entendimento de Maria Sylvia Di Pietro, quanto aos chamados
poderes discricionários e vinculados, “[...] não existem como poderes autônomos; a
discricionariedade e a vinculação são, quando muito, atributos de outros poderes e
competências da Administração.”
38
Entretanto, tal entendimento demonstra-se
minoritário.
Em linhas gerais, afirma-se que poder hierárquico trata-se daquele conferido
ao agente público para que este organize a estrutura da administração e fiscalize a
atuação de seus subordinados. Dessa maneira, a Administração confere graus de
36
BASTOS. Celso Ribeiro. Curso de direito administrativo. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 2.
37
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 4. ed. São Paulo: Malheiros,
1994. p. 195.
38
DI PIETRO, Maria Sylvia. Direito administrativo. 5. ed. São Paulo: Atlas, 1995. p. 73.
98
subordinação entre os agentes e os órgãos, sendo possível todos conhecerem quem
é o competente para realização de cada ato.
o poder disciplinar, é o poder de o agente público aplicar sanções aos
demais agentes, em razão da prática de infração disciplinar funcional. Tais sanções
são apenas as administrativas: advertência, suspensão, demissão, dentre outras.
Cabe, ainda, ressaltar que a punição o corresponde a uma opção que a
Administração tem ou não de punir, sob pena de o agente público ser
responsabilizado por cometimento do crime de condescendência criminosa e
improbidade administrativa. Haverá, portanto, discricionariedade apenas na escolha
de qual pena será aplicada.
O poder regulamentar ou normativo revela-se, por sua vez, em dois
sentidos: amplo, quando se confere ao agente público para expedição de atos
normativos gerais e abstrato o poder normativo em si; e sentido estrito, caso em
que se
concede autorização ao chefe do executivo para expedição de decretos,
sendo denominado como poder regulamentar.
Observa-se, em seu turno, o poder de polícia quando a Administração
fiscaliza ou exige o cumprimento das leis. A atividade do Estado limita o exercício
dos direitos individuais em benefício do direito coletivo.
Por último, o poder vinculado demonstra-se quando o agente se
encontra
diante de uma situação em que a ele é dada a possibilidade de um único agir. A sua
margem de liberdade é mínima na prática dos atos administrativos. É através da
obediência restrita à lei que o agente age, não sendo possível que ele realize
qualquer juízo de conveniência ou oportunidade na concretização do ato.
4.4.2. Ato discricionário
O Estado de Direito assegura à sociedade que todas as suas funções devem
se realizar da forma do Direito e as normas do Direito são quadro da sociedade do
próprio Estado. Assim, a sua maneira de agir está pré-determinada dentro de esfera
balizada pelas normas jurídicas.
Segundo Afonso Rodrigues Queiro,
99
[...] o princípio característico e essencial do Estado de Direito é
precisamente o de que o Estado se comporta em relação aos particulares
na forma do direito, [...], ligado pelas normas jurídicas, qualquer que seja a
sua fonte; e que, diversa e opostamente, no Estado-Pocia a atividade do
Estado, incluindo aquela que está em imediata relação com os particulares,
não se encontra sujeita, vinculada a qualquer regra jurídica de que os
mesmos particulares possam exigir o cumprimento.
39
O poder discricionário demonstra-se nos atos discricionários os quais são
aqueles cuja prática exige do administrador, por força da maneira como a lei
regulou a matéria, que sopese as circunstâncias concretas do caso, de tal
modo que seja inevitável uma apreciação subjetiva sua quanto à melhor
maneira de proceder para dar correto atendimento à finalidade legal.
40
Neste poder, o agente público tem uma margem de liberdade fixada pela lei.
Dessa maneira, é possível que ele avalie a situação em que deve agir e escolher
qual caminho pode seguir. Ao administrador são oferecidos dois critérios
conveniência e oportunidade – para discernir quando e como deve agir.
Sendo o critério do discernimento a conveniência e a oportunidade, há,
assim, nos atos administrativos, dois aspectos inconfundíveis: mérito e legalidade. O
mérito é a indagação da oportunidade e conveniência do ato, a zona livre em que a
vontade do administrador decide sobre as soluções mais adequadas ao interesse
público. É a sede do poder discricionário do administrador, que se orienta por
critérios de utilidade.
“A legalidade é a observância da lei, que vincula a manifestação de vontade
do administrador, estabelecendo um nexo de causalidade entre o resultado do ato e
a norma de direito.”
41
Nas palavras de Caio Tácito, a primeira condição de legalidade é a
competência do agente.
Não há, em direito administrativo, competência geral ou universal: a lei
preceitua, em relação a cada função pública, a forma e o momento do
exercício das atribuições do cargo. Não é competente quem quer, mas
quem pode, segundo a norma de direito. A competência é, sempre, um
elemento vinculado, objetivamente fixado pelo legislador.
O ato vinculado se concretiza pela vontade condicionada ou cativa da
Administração, obrigada a manifestar-se positivamente, desde que o
interessado preencha, no caso, determinados requisitos fixados a priori pela
lei. Tratando-se de ato vinculado, o exame da legalidade pelo Judiciário
importa na indagação da existência de fato ou motivo que o legitime.
42
39
QUEIRÓ, Afonso Rodrigues. Reflexões sobre a teoria do desvio de poder em direito administrativo. Coimbra:
Coimbra Editora, 1940. p. 1.
40
BANDEIRA DE MELLO, 1994, op. cit., p.171.
41
TÁCITO, Caio. O abuso de poder administrativo no Brasil (conceito e remédios). Rio de Janeiro:
Departamento administrativo do serviço público e Instituto Brasileiro de Ciências administrativas, 1959. p. 26.
42
CRETELLA JÚNIOR, José. Direito administrativo brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 246.
Assim, o administrador tem o dever de obedecer aos ditames legais que ele
mesmo prescreveu.
Em verdade, o existe arbitrariedade no exercício do poder discricionário.
Todo ato discricionário contém uma parte vinculada, em que o agente tem uma
opção, sob pena de cometer ilegalidade. Como foi dito, a competência é sempre
vinculada, sendo certo que, a Administração age por meio de seus funcionários, nos
limites de suas competências, conforme regras legais.
Segundo Bandeira de Mello,
[...] não se confundem discricionariedade e arbitrariedade. Ao agir
arbitrariamente, o agente estará agredindo a ordem jurídica, pois terá se
comportado fora do que lhe permite a lei. Seu ato, em conseqüência, é ilícito
e, por isso mesmo, corrigível judicialmente. Ao agir discricionariamente o
agente estará, quando a lei lhe outorga tal faculdade (que é
simultaneamente um dever) cumprindo a determinação normativa de ajuizar
sobre o melhor meio de dar satisfação ao interesse público por força da
indeterminação legal quanto ao comportamento adequado à satisfação do
interesse público no caso concreto
43
.
Quando o agente público age no exercício do poder discricionário, portanto,
é dada
a ele uma margem de liberdade conferida pela própria lei. Então, de acordo
com a situação, o agente pode agir e escolher qual o comportamento que poderá
tomar, guiado pelos limites da lei.
Em suma,
[...] discricionariedade é liberdade dentro da lei, nos limites da norma legal, e
pode ser definida como a margem de liberdade conferida pela lei ao
administrador a fim de que este cumpra o dever de integrar com sua
vontade ou juízo a norma jurídica, diante do caso concreto, segundo
critérios subjetivos próprios, a fim de dar satisfação aos objetivos
consagrados pelo sistema legal
44
. A discricionariedade existe, por definição,
única e tão somente para proporcionar em cada caso a escolha da
providência ótima, isto é, daquela que realize superiormente o interesse
público alvejado pela lei aplicanda
45
.
43
BANDEIRA DE MELLO, 1994, op. cit., p.205.
44
Ibid., p.204.
45
Ibid., p. 208.
4.4.3. Ato vinculado
Atos vinculados ou regrados são aqueles para os quais a lei estabelece os
requisitos e condições de sua realização. Nessa categoria de atos, as
imposições legais absorvem, quase que por completo, a liberdade do
administrador, uma vez que sua ação fica adstrita aos pressupostos
estabelecidos pela norma legal para a validade da atividade administrativa.
Desatendido qualquer requisito, compromete-se a eficácia do ato praticado,
tornando-se passível de anulação pela própria Administração, ou pelo
Judiciário, se assim o requiser o interessado
46
.
Ao falar que o ato vinculado depende do preenchimento de todos os
pressupostos legais, refere-se, na verdade, à chamada vontade objetiva da
administração. Em contrapartida, a lei pode estabelecer regramentos básicos para
edição de determinado ato administrativo, concedendo, de modo implícito ou
explícito, maior liberdade de escolha ao administrador, permitindo ao administrador
público uma atuação formada de vontade subjetiva, o que se observa no ato
discricionário.
É importante afirmar que a necessidade de equilíbrio entre as atividades
vinculadas e discricionárias da administração pública, pois,
[...] a atividade da Administração não pode conformar-se com uma
generalização da competência vinculada: é-lhe indispensável adaptar-se
constantemente às circunstâncias particulares e mutáveis que a norma não
pode prever. Inversamente, uma Administração amplamente discricionária
não ofereceria aos administrados qualquer segurança; seria voltada ao
arbítrio. Donde a necessidade de uma dosagem entre as duas
47
4.5. Extinção
De acordo com a classificação de Celso Antônio Bandeira de Mello,
diversas maneiras de extinção do ato administrativo: pelo cumprimento de seus
efeitos, pelo desaparecimento do sujeito ou do objeto da relação jurídica, pela
renúncia feita pelo próprio beneficiário do ato, e ainda, pela retirada, que abrange a
46
MEIRELLES, 1997, op. cit., p. 150.
47
RIVERO, Jean. Direito administrativo. Coimbra: Almedina,1981. p. 94.
cassação, a caducidade, contraposição, revogação e anulação
48
.
4.5.1. Modalidades
Primeiramente, sobre a revogação diz-se que consiste na retirada de ato
administrativo lido em razão de a Administração considerá-lo inconveniente e
inoportuno. Trata-se de ato discricionário em que a realização de um novo juízo
com relação ao mérito do ato administrativo. Então, isso significa que no momento
da edição do ato, considerava-se conveniente e oportuno, porém com o tempo, por
algum motivo, a Administração desejou cancelá-lo por meio de revogação.
Por características próprias, a revogação não retroage, ou seja, tem efeitos
ex nunc, pois o ato em sua origem era válido, parando de gerar efeitos apenas com
a sua revogação. Tal apreciação do mérito cabe ressaltar que apenas a
Administração o realiza, não podendo o Poder Judiciário reapreciá-lo.
Sendo ato discricionário, a revogação deverá observar limites legais,
implícitos e explícitos, sob pena de ilegalidade.
Maria Sylvia elenca que
[...] não podem ser revogados os atos vinculados, precisamente porque
nestes não há os aspectos concernentes à oportunidade e conveniência. Da
mesma forma, não podem ser objeto de revogação os atos que exauriram
os seus efeitos, pois, como a revogação não retroage, apenas impede que o
ato continue a produzir efeitos, se o ato já se exauriu, não há de se falar em
revogação. Também, não podem ser revogados os atos que geram direitos
adquiridos, conforme a Súmula 473, do STF
49
.
A respeito da competência, cabe lembrar que apenas quem pratica o ato ou
aquele que tem poderes, implícitos ou explícitos, para dele conhecer de ofício ou por
via de recurso, poderá revogá-lo por motivos de conveniência ou oportunidade. Tal
competência é intransferível, salvo por força de lei.
Por outro lado, a anulação pode ser feita tanto pela Administração quanto
pelo Judiciário. Anulação é a invalidação do ato em virtude de ilegalidade. Esta
48
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Elementos do direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 1992. p.
151-152.
49
DI PIETRO, 2005, op. cit., p. 238.
produz efeitos retroativos (ex tunc) alcançando o ato desde sua edição viciada.
O fundamento legal que permite que a Administração anule seus próprios
atos está contido nas Súmulas 346 e 473, ambas do STF. Pela primeira entende-se
que “a Administração Pública pode declarar a nulidade de seus próprios atos”; e
esclarece a segunda que a Administração pode anular seus próprios atos, quando
eivados de vícios que os tornem ilegais, porque deles não se originam direitos, ou
revoga-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos
adquiridos e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial”.
Ademais, a própria Lei do Processo Administrativo Federal, Lei n. 9784/99,
em seu artigo 53 estipula que “a Administração deve anular seus próprios atos,
quando eivados de vício de legalidade, e pode revogá-los por motivo de
conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos”.
Por último, no Estado de São Paulo, a Lei do Processo Administrativo, Lei n.
10.177/98, determina em seu artigo 10 que a Administração anulará seus atos
inválidos, salvo quando: a) ultrapassado de dez anos contados de sua produção; b)
da irregularidade não resultar qualquer prejuízo; c) forem passíveis de convalidação.
No que tange ao Poder Judiciário, o artigo 5º, XXXV, CF determina que “a lei
não excluida apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Dessa
forma, a anulação pode também ser feita pelo Poder Judiciário, mediante
provocação de interessado que se achar lesado.
Enfim, se de um lado, deverá o interessado provocar o Judiciário para que
ele anule ato administrativo, por outro, a Administração independe de provocação,
tendo em vista o princípio da legalidade, pois ela tem o poder-dever de zelar pela
observância do interesse público em face também dos princípios da supremacia do
interesse público e da indisponibilidade do interesse público.
4.5.2. Vícios
Quando se fala em vícios do ato administrativo, deve-se ter em mente que,
embora seja ato jurídico e que muitos princípios de direito civil a ele se aplicam, não
se pode esquecer que tal ato apresenta peculiaridades, como maior mero de
elementos, bem como natureza um pouco diversa do ato de direito privado. Portanto,
não se pode aplicar literalmente os artigos 166 e 171 do Código Civil aos atos
administrativos.
Em Direito Administrativo, os vícios podem atingir cinco elementos do ato
administrativo, quais sejam: competência, forma, objeto, motivo e finalidade.
Os vícios relativos ao sujeito apresentam-se em duas categorias:
incompetência e incapacidade. Quanto à competência, esta vem definida em lei,
sendo assim, se ilegal o ato praticado por administrador incompetente ou que
exorbite suas atribuições ou por excesso de poder ou função de fato.
O artigo 328 do Código Penal define como crime usurpação de função o ato
que o sujeito pratica não investido no cargo, emprego ou função, logo se apossa por
conta própria sem ter a qualidade.
No caso do excesso de poder, este ocorre quando o agente público
ultrapassa os limites de sua competência, por exemplo quando alguma autoridade
vai além da medida das atribuições de seus atos, aplica penalidade mais gravosa,
para a qual é incompetente.
o desvio de poder, o vício, aloca-se na finalidade do ato, em que o sujeito
pratica ato com finalidade diversa da lei. Tanto o excesso como o desvio de poder
são espécies de abuso de poder e podem configurar como crime de abuso de
autoridade “[...] infrações previstas na Lei n. 4.898, de 9-12-65, alterada pela Lei n.
6.657, de 5-6-79, hipótese em que ficará sujeito à responsabilidade administrativa e
à penal, podendo ainda responder civilmente, se de seus ato resultarem danos
patrimoniais
50
”.
Ainda, haverá vício relativo ao sujeito em função de fato no caso de agente
publico estar irregularmente investido no cargo, emprego ou função, mas a sua
situação é de aparente legalidade.
“Ao contrário do ato praticado por usurpador de função, que a maioria dos
autores considera como inexistente, o ato praticado por funcionário de fato é válido,
precisamente pela aparência de legalidade de que se reveste; cuida-se de proteger
a boa-fé do administrado”
51
.
A respeito dos vícios de incapacidade, que se encontram previstos nos
artigos e do Código Civil, bem como os resultantes de erro, dolo, coação,
50
DI PIETRO, 2005, op. cit., p.230.
51
Ibid., p.230.
simulação ou fraude, o há de se falar em distinção de nulidade relativa ou
absoluta porque, em direito administrativo, aplica-se critério diverso.
Em verdade, cabe falar das hipóteses de impedimento e suspensão
previstas como casos de incapacidade do sujeito, no artigo 18, Lei n. 9.784/99 Lei
do Processo Administrativo Federal.
O artigo determina estar impedido de atuar em processo administrativo o
servidor ou autoridade que:
I – tenha interesse direto ou indireto na matéria;
II tenha participado ou venha a participar como perito, testemunha ou
representante, ou se tais situações ocorrem quanto ao cônjuge,
companheiro ou parente e afins até o terceiro grau;
III esteja litigando judicial ou administrativamente com o interessado ou
respectivo cônjuge ou companheiro.
No caso de suspeição, existe previsão legal no artigo 20 da referida lei, ao
prever que esta poderá ser argüida no caso de autoridade ou servidor ter amizade
íntima ou inimizade notória com algum dos interessados ou com os respectivos
cônjuges, companheiros, parentes e afins até o terceiro grau.
Se por um lado, em direito processual, o impedimento gera nulidade
absoluta, podendo ensejar inclusive ação rescisória e a suspeição gera nulidade
relativa, uma vez que o vício desaparece se o argüido em momento oportuno; por
outro lado, em direito administrativo, ambas as hipóteses são casos de atos
anuláveis, visto que passiveis de convalidação pela autoridade que não esteja em
idêntica situação de impedimento ou suspeição.
Num segundo momento, sobre os vícios relativos ao objeto, faz-se
necessário lembrar o que dispõe o artigo , parágrafo único, c, da Lei n. 4.717/65
que diz: “[...] a ilegalidade do objeto ocorre quando o resultado do ato importa em
violação de lei, regulamento ou outro ato normativo”.
Em verdade, para ser isento de vício, o objeto do ato deve ser lícito,
possível de fato e de direito, moral e determinado. Assim, não poderá ser proibido
pela lei, ou impossível porque os efeitos pretendidos o irrealizáveis, ou ainda,
imoral e incerto.
Quanto à forma, o vício consiste no caso de se configurar omissão ou
inobservância incompleta ou irregular de formalidades indispensáveis à existência ou
seriedade do ato
52
. Será, sobretudo, ilegal quando a lei expressamente exigir ou
visar finalidade que só se alcança pela prática de certa formalidade.
No caso de vício quanto ao motivo, dever-se-á observar a inexistência de
motivos ou falsidade de motivos. É o caso, por exemplo, em que a Administração
transfere funcionário alegando motivos que na verdade não existem, havendo, na
realidade, perseguição política.
Por derradeiro, quanto aos vícios relativos à finalidade, cabe destacar que
são casos em que se configuram o desvio de poder ou desvio de finalidade.
A lei n. 4.717/65 define desvio de poder em seu artigo 2º, parágrafo único, e,
como aquele que o agente pratica ato visando a fim diverso daquele previsto,
explícita ou implicitamente, na regra de competência”.
Entretanto, necessária à ressalva que, ao falar de desvio de finalidade, deve-
se apreciar a intenção subjetiva do administrador e do legislador.
Nesse sentido, Cretella Júnior esclarece que:
O desvio de poder difere dos outros casos, porque não se trata aqui de
apreciar objetivamente a conformidade de um ato com uma regra de direito,
mas de proceder-se a uma dupla investigação de intenções subjetivas: é
preciso indagar se os móveis que inspiram o autor de um ato administrativo
são aqueles que, segundo a intenção do legislador, deveriam realmente,
inspira-lo.
53
Haverá desvio de finalidade, por exemplo, no caso de desapropriação
realizada a fim de prejudicar determinada pessoa e não em vista do interesse
público.
Concluindo, fato muito comentado pela doutrina é a questão da prova no
desvio de poder, visto que de maneira alguma o agente blico irá declarar sua
verdadeira intenção, pois procurará oculta-la para não ser responsabilizado pelo ato
ilegal. Por essa razão, entende-se que o desvio de poder se comprova por meio de
indícios, quais sejam: motivação insuficiente, motivação contraditória, camuflagem
dos fatos, dentre outros.
52
Art. , parágrafo único, b, da Lei n. 4.717/65.
53
CRETELLA JÚNIOR, 1997, op. cit., p. 32.
4.5.3. Conseqüências decorrentes dos vícios
No que tange às conseqüências decorrentes dos vícios, é preciso a ressalva
de que grandes são as divergências doutrinárias. Isso se porque alguns autores
entendem que é possível a aplicação da classificação de nulidade relativa e absoluta
conforme os artigos 166 e 171 do Código Civil, enquanto outros entendem que não.
Seabra Fagundes
54
, por exemplo, entende que “[...] é possível aplicar-se ao
direito administrativo a teoria de nulidades do direito civil, agrupando os atos
administrativos em três categorias: atos absolutamente inválidos ou nulos, atos
relativamente inválidos ou anuláveis e os atos irregulares.”
Os atos nulos seriam aqueles que violam regras fundamentais atinentes à
manifestação da vontade, ao motivo, à finalidade ou à forma. os atos anuláveis
enquadrariam os que infringem regras dos cinco elementos do ato administrativo,
mas face ao caso concreto, prefere-se dar-lhes invalidade parcial em observância ao
interesse público. Enfim, “[...] denominam-se atos irregulares aqueles que possuem
defeitos irrelevantes que não afetam o interesse público em si, logo seus efeitos
perduram”
55
.
No entendimento de Celso Antônio Bandeira de Mello
56
, “[...] o critério
importantíssimo para distinguir tipos de invalidade reside na possibilidade ou
impossibilidade de convalidar-se o vício do ato”.
Atos nulos não se convalidam.
Classificam-se naqueles que a lei assim declarar ou atos em que é
materialmente impossível a convalidação, pois, se o mesmo conteúdo fosse
novamente produzido, seria reproduzida a invalidade anterior; é o que
ocorre com os vícios relativos ao objeto, à finalidade, ao motivo, à causa.
São anuláveis os que a lei assim o declare e os que podem ser praticados
sem vício, é o caso dos atos praticados por sujeito incompetente, com vício
de vontade, com defeito de formalidade
57
.
Ademais, serão inexistentes, para Bandeira de Mello, os atos eivados de
comportamento de condutas criminosas, vedadas pelo direito.
54
FAGUNDES, Seabra. O controle dos atos administrativos pelo Judiciário. São Paulo: Saraiva.1984. p. 42-51
55
Caso em que a lei exige portaria e se expede outro tipo de ato. Em geral, os atos irregulares possuem vício
relacionado à forma.
56
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros. 2004. p. 431
57
DI PIETRO, 2005, op. cit., p. 234.
Por fim, na concepção de Cretella Júnior
58
, os atos são nulos, anuláveis e
inexistentes; sendo que os dois primeiros distinguem-se conforme a possibilidade de
serem ou não convalidados. Por sua vez, o ato inexistente não chega sequer a
entrar no mundo jurídico pela ausência de elemento essencial, como ocorre por ato
que deveria ser praticado por funcionário investido de suas funções e, na verdade,
advém de particular.
4.5.4. Atos administrativos nulos e anuláveis
Os vícios em Direito Civil como em Direito Administrativo podem gerar
nulidades absolutas ou relativas.
Ocorre que, no Direito Civil, as nulidades previstas nos artigos 166 e 171,
não podem ser transpostas no Direito Administrativo sem considerar suas
peculiaridades.
No Direito Civil, a nulidade absoluta não pode ser sanada, enquanto a
relativa pode. Ademais, a nulidade absoluta pode ser decretada de ofício ou
mediante provocação do interessado ou do Ministério Público pelo juiz; a relativa
prescinde da provocação da parte interessada.
Ao tratar do Direito Administrativo, deve-se lembrar que esta última distinção
com relação às nulidades relativas e absolutas não se faz necessária, porque a
Administração possui o poder de autotutela e, assim, o depende de provocação
do interessado para decretar nulidade, independentemente de qual for.
Em contrapartida, cabe a primeira distinção, por alguns vícios poderem ser
sanados e outros não. Diz-se sanável ou convalidável nos casos de nulidade
relativa. Do contrário, será absoluta.
58
CRETELLA JÚNIOR, José. Do ato administrativo. São Paulo: Bushstsky. 1977. p. 138.
4.5.6. Convalidação
“Convalidação ou saneamento é o ato administrativo pelo qual se supre um
vício existente em um ato ilegal, com efeitos retroativos à data em que este foi
praticado”
59
.
A doutrina aceita a convalidação no caso de vícios sanáveis, notadamente
relacionados com a competência, desde que não exclusiva, ou com a forma do ato,
quando incluídos os aspectos formais dos procedimentos administrativos.
O artigo 55 da Lei n. 9.784/99, lei do processo administrativo federal,
estabelece que “em decisão na qual se evidencie não acarretarem em lesão ao
interesse público nem prejuízo a terceiros, os atos que apresentarem defeitos
sanáveis poderão ser convalidados pela própria Administração”. Trata-se, pois, de
faculdade da Administração.
Também, a Lei do Processo Administrativo Paulista em seu artigo 11 dispõe
que :
A Administração poderá convalidar seus atos inválidos, quando a invalidade
decorrer de vício de competência ou de ordem formal, desde que:
I na hipótese de vício de competência, a convalidação seja feita pela
autoridade titulada para a prática do ato, e não se trate de competência
indelegável;
II – na hipótese de vício formal, este possa ser suprido de modo eficaz.
§ - Não será admitida a convalidação quando dela resultar prejuízo à
Administração ou a terceiros ou quando se tratar de ato impugnado.
discussão doutrinária quanto a convalidação ser ato discricionário ou
vinculado. Aqui, segue o entendimento de que a convalidação é ato que pode ser
tanto discricionário como vinculado.
Para Weida Zancaner, o ato de convalidação é, às vezes, vinculado, e
outras vezes, discricionário. Segundo a autora, “[...] só existe uma hipótese em que a
Administração Pública pode optar entre o dever de convalidar e o dever de invalidar
segundo critérios discricionários”
60
.
Assim,
[...] tratando-se de ato vinculado praticado por autoridade incompetente, a
autoridade competente não poderá deixar de convalidá-lo, se estiverem
59
DI PIETRO, 2005, op. cit., p. 235.
60
ZANCANER, Weida. Da convalidação e da invalidação dos atos administrativos. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1990. p. 50
presentes os requisitos para a prática do ato; a convalidação é obrigatória,
para dar validade aos efeitos produzidos; se os requisitos legais não
estiverem presentes, ela deverá necessariamente anular o ato. Se o ato
praticado por autoridade incompetente é discricionário e, portanto, admite
apreciação subjetiva quanto aos aspectos de mérito, não pode a autoridade
competente ser obrigada a convalidá-lo porque não é obrigada a aceitar a
mesma avaliação subjetiva feita pela autoridade incompetente; neste caso,
ela pode convalidar ou não, dependendo de sua própria apreciação
discricionária
61
.
Por outro lado, nem sempre sepossível a convalidação. Dependerá, pois,
do tipo de vício que atinge o ato.
No caso de vício quanto ao sujeito, se o ato for praticado por autoridade
incompetente, admitir-se a convalidação, isto é, ratificação desde que não seja
competência exclusiva, situação em que se exclui a delegação ou avocação. Da
mesma forma, não se admite ratificação em razão da matéria, no caso de existir
exclusividade de atribuições.
Quanto à forma, é possível se ela não for essencial à validade do ato. no
que tange ao
motivo e à finalidade, nunca será possível a convalidação, tendo em
vista que o motivo se refere à situação de fato que ocorreu ou não, enquanto a
finalidade pode ser diversa da lei ou contra o interesse blico, portanto, em ambos
não se corrige a intenção do agente.
Por fim, sobre o objeto ou conteúdo ilegal, não pode ser objeto de
convalidação, mas é viável a conversão, ou seja, ato administrativo em que se
converte um ato inválido em ato de outra categoria, com efeitos retroativos à data
original. Visa, sobretudo, aproveitar os efeitos já produzidos.
61
DI PIETRO, 2005, op. cit., p. 236.
5. O DESVIO DE PODER
5.1. Conceito de desvio de poder
O desvio de finalidade ou de poder verifica-se quando a autoridade, embora
atuando nos limites de sua competência, pratica o ato por motivos ou com fins
diversos dos objetivados pela lei ou exigidos pelo interesse público.
O desvio de poder é, assim, a violação da ideologia da lei, ou, por outras
palavras, a violação da moral da lei, colimando o administrador público fins
não queridos pelo legislador, ou utilizando motivos ou meios imorais para a
prática de um ato administrativo aparentemente legal
1
.
Sobre a nomenclatura, Carlos Castro comenta que:
O Direito Administrativo não logrou em sistematizar de modo uniforme a
nomenclatura e o conceito das diversas hipóteses de exercício patológico
do poder administrativo, comumente designadas por abuso, excesso e
desvio de poder. Autores que entendem sinônimas essas expressões a
exemplo de GASTON JÈZE. Para outros, como D´ALESSIO e VITOR
NUNES LEAL, o desvio de poder seria mais uma modalidade do excesso de
poder. Um terceiro grupo, enfim, bem representado entre nós por CRETELA
JÚNIOR, HELY LOPES MEIRELES e CAIO TÁCITO, prefere ver no abuso
do poder um gênero de que seriam espécies o excesso e o desvio de poder.
Agrada-me mais a terceira posição, por razões de fidelidade para com a
doutrina clássica francesa, que engendrou com distinção conceitual as
figuras do excés de puvoir e do détournement de pouvoir, e que sérvio de
magistério ao administrativo brasileiro, embora modernamente a tendência
seja no sentido de assimilá-las
2
.
Logo, o abuso de poder se caracterizaria pela violação de legalidade,
extrínseca ou intrínseca, na prática dos atos administrativos, pela qual se romperia o
equilíbrio ditado pela ordem jurídica. Dessa forma, haveria abuso de poder nos
vícios de legalidade externa, como a incompetência, vício de forma e ilicitude do
objeto. Ademais, figurariam os vícios de legalidade interna do ato administrativo,
como inexistência material ou jurídica dos seus motivos e, também, a imoralidade
desses motivos, caracterizadora do desvio de poder.
1
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 22. ed. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 97.
2
CASTRO, Carlos Roberto de Siqueira. Considerações acerca do desvio do poder na administração pública.
Arquivos do Ministerio da Justiça, Brasília, D.F, v. 34, n. 138, p. 92-105, abr./jun. 1976. p. 95.
É possível, então, dizer que existem dois tipos básicos de abuso de poder: o
excesso e o desvio. Naquele se incluem todos os casos de violação de legalidade
administrativa, tanto externa quanto interna, com exceção apenas do desvio de
poder, que se restringiria a uma forma especial de ilegalidade intrínseca, marcada
pela ilicitude moral dos motivos que conduzem o administrador público ao realizar o
ato.
Ilustra tal definição, a situação em que a autoridade pública decreta
desapropriação, alegando utilidade pública, porém, visando, na verdade, à
satisfação de interesse político ou pessoal, ou ainda, favorecer interesse de
particular ou prejudicar algum desafeto. Tal ato é ilícito e apresenta disfarçadamente
como se legal fosse e tivesse interesse público.
Então,
[...] se infringida a finalidade legal do ato (em sentido estrito), seja
desatendido o seu fim de interesse público (sentido amplo), o ato será ilegal,
por desvio de poder. Tanto ocorre esse vício quando a Administração
remove o funcionário a título de punição, como no caso em que ela
desapropria imóvel para perseguir o seu proprietário, inimigo político. No
primeiro caso, o ato foi praticado com finalidade diversa da prevista na lei;
no segundo caso, fugiu ao interesse público e foi praticado para atender ao
fim de interesse particular da autoridade
3
.
O desvio de poder é, por definição, um limite à ação discricionária, um freio
ao transbordamento da competência legal além de suas fronteiras, de modo
a impedir que a prática do ato administrativo, calcada no poder de agir do
agente, possa dirigir-se à consecução de um fim de interesse privado, ou
mesmo de outro fim público estranho à previsão legal
4
.
Em outras palavras,
[...] o uso do poder discricionário pelo administrador para atingir fins
privados, divorciados do interesse público, ocorre quando a má fé ou
qualquer sentimento pessoal informa a edição do ato
5
.
A lei regulamentar da ação popular (Lei n. 4.717, de 29.6.65) já consigna o
desvio de finalidade como vício nulificador do ato administrativo lesivo do
patrimônio público e considera caracterizado quando “[...] o agente pratica o
ato visando o fim diverso daquele previsto, explicita ou implicitamente, na
regra de competência” (art. , “e”, e parágrafo único, “e”). Com essa
definição legal, o desvio de finalidade entrou definitivamente para o nosso
Direito Positivo como causa de nulidade dos atos da Administração.
6
.
3
DI PIETRO, Maria Sylvia. Direito administrativo. 18.ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 203.
4
TÁCITO, Caio. O desvio de poder no controle dos atos administrativos, legislativos e jurisdicionais. Revista de
Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 228, p. 1-12. abr/jun. 2002. p. 2
5
CRETELLA JÚNIOR, José. A prova no desvio de poder. Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro, v.
230, p. 197-216, out/dez. 2002. p. 198.
6
MEIRELLES, 1997, op. cit., p.97.
Por fim, percebe-se que o instituto do desvio de poder surge pelo
descompasso entre a finalidade legal, ou seja, a finalidade contida na regra
conferidora de competência, e aquela efetivamente visada pelo agente público com
a prática do ato administrativo. Daí, porque alguns autores preferem dizer desvio de
finalidade ao desvio de poder.
Ainda que a norma não se refira à finalidade blica, subentende-se que
qualquer ato administrativo é vinculado ao fim público. Quando a autoridade usa do
poder discricionário para atingir fim diferente do que a lei fixou, o Poder Judiciário
fica autorizado a decretar nulidade do ato, que a Administração fez uso indevido
da discricionariedade, ao desviar-se dos fins de interesse público definidos na lei.
5.1.1. Dificuldade conceitual
Caio Tácito, ao registrar que a noção de abuso de poder de autoridade
administrativa “[...] é o reverso do princípio da legalidade da administração pública,
conclui que o abuso do poder se caracteriza pela violação da legalidade extrínseca
ou intrínseca dos atos administrativos
7
.
Entende-se que o doutrinador considera que qualquer violação da lei ou
ilegalidade enquadra-se no conceito de abuso de poder, ou seja, adota o conceito
amplo do recurso de excesso de poder dos franceses.
Em contrapartida, doutrinadores como Hely Lopes Meirelles e José dos
Santos de Carvalho Filho adotam conceito mais restrito. Para eles, excesso de poder
e desvio de poder o espécies de abuso de poder. Dessa forma, haveria excesso
de poder quando a autoridade, embora competente para praticar o ato, vai além do
permitido e exorbita os limites de suas faculdades administrativas. o desvio de
finalidade, configurar-se-ia quando a autoridade, ainda que atuando nos limites de
sua competência, pratica atos por motivos ou fins diversos daqueles almejados pela
lei ou exigido pelo interesse público.
Do ponto de vista de Seabra Fagundes, “[...] o abuso de poder corresponde
7
TÁCITO, Caio. Temas de Direito Público. Rio de Janeiro: Renovar, 1997, v. 1. p. 39 e 42.
a tudo que diga respeito à infração às regras de competência”
8
. Ademais, o desvio
de poder é espécie do gênero ilegalidade.
Ocorre que a noção e o conteúdo do excesso de poder são mais incertos.
Ao traçar o conceito de desvio de poder, deve-se ter em mente que, no decorrer do
tempo, diferentes acepções foram aceitas. Os países oram restringiram, ora
ampliaram seu conteúdo, o que significou diferentes conceitos nos sistemas
jurídicos.
Feito isso, cabível é, em linhas gerais, distinguir as diferentes conceituações
dadas pela doutrina do direito comparado, antes mesmo do próprio estudo histórico
da teoria do desvio de poder.
5.1.2. Conceituação francesa
Os doutrinadores franceses o unânimes, não só na aceitação da figura
em apreço como também se empenham com entusiasmo em expor de
maneira completa, a paralela teoria do desvio de poder, apresentada como
instrumento de liberdade oposto a qualquer parcela de despotismo, utilizado
por autoridade administrativa arbitrária
9
.
Leon Duguit, escrevendo a respeito da distinção entre o desvio de poder e
abuso de poder menciona:
O agente edita um ato que entra em sua competência, mas ele o faz,
perseguindo fim diverso daquele que a lei tinha em vista, dando-lhe tal
competência. aí, ainda, verdadeiramente, ultrapassagem de poder.
Quando é executado um ato de ordem jurídica em que o funcionário age em
vista de fins diversos daquele que a lei teve em vista, dando-lhe
competência, diz-se, em terminologia definitivamente consagrada, que
desvio de poder, mas (dar-se-ão exemplos mais adiante), esta espécie de
violação da lei funcional pode apresentar-se mesmo para atos não jurídicos;
propomos denominá-la então abuso de poder
10
.
No direito francês, diferentemente do direito brasileiro,
[...] o desvio de poder é vício que afeta o ato, mediante o qual a
Administração prossegue rumo diverso do que lhe foi assinalado pela norma
8
FAGUNDES, M. Seabra. O controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário. 4. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 1967. p. 273.
9
CRETELLA JUNIOR, José. O desvio de poder na Administração Pública. Rio de Janeiro: Forense, 1997. p.
133.
10
DUGUIT, Leon. Manuel de Droit Constitutionnel, apud CRETELLA JÚNIOR, 1997, op. cit., p.135.
jurídica; desvia-se, assim o poder de seu fim legal
11
.
excesso de poder quando o agente da Administração embora
executando ato de sua competência e seguindo as formas prescritas pela
legislação, usa do poder discricionário de que é detentor para casos e
motivos diversos daqueles em vista dos quais tais poderes lhe foram
outorgados
12
.
Por fim, Francis-Paul Benoit, depois de observar que o termo poder é usado
aqui no sentido preciso de competência, adota a definição clássica, conceituando
esta figura jurídica como “[...] a decisão administrativa na qual a autoridade que a
editou agiu em vista de um fim diverso daquele para o qual fora conferido o poder de
editá-lo”
13
.
5.1.3. Conceituação italiana
Por sua vez, o direito italiano não definiu o conceito de excesso de poder
como causa anulatória do procedimento administrativo. Foi através da jurisprudência
que os italianos buscaram um caminho para identificar o desacordo entre os dados
materiais e a manifestação subjetiva do agente. Identificaram, pois, como
modalidades de excesso de poder: a inexistência ou falsa apreciação dos fatos, a
insuficiência ou notória impropriedade dos motivos e a contradição de cririos.
O direito italiano confunde o excesso de poder e o desvio de poder do direito
francês. A jurisprudência italiana acompanha a lição do Conselho de Estado da
França e repele tanto o ato administrativo inspirado em um fim de natureza privada,
como o que objetive um fim público diverso do endereço legal
14
.
Umberto Fragola esclarece que a expressão excesso de poder é acolhida
em duas leis diversas com dois significados diferentes. Na lei sobre conflitos de
atribuição, de 31 de março de 1877, n. 2.761, excesso de poder é excesso de poder
jurisdicional. É o que a doutrina italiana denomina de “defeito de jurisdição”, como se
vê, no novo Código de Processo Civil Italiano, arts. 37, 41, 360 e 362. Conceito bem
diverso é o de excesso de poder administrativo, acolhido pelas leis sobre Conselho
11
MAJADAS, Marcia Fratari. Desvio de poder no direito comparado. Revista de Direito Administrativo, Rio de
Janeiro: Fundação Getúlio Vargas; Renovar, v. 236, p. 111-120, Papel. abr./jun. 2004.p. 113.
12
AUCOC, Leon. Conférence sur l´Administration et le Droit Administratif. Paris, 1869, vol. I, pp. 399-400.
13
Le Droit Administratif Français apud CRETELLA JÚNIOR. 1997, op. cit., p.19.
14
MAJADAS, 2004, op. cit., p. 114.
de Estado Italiano e sobre a Junta Provinicial administrativa de 1888
15
.
Para Alessio,
[...] o desvio de poder seria cometido pelo agente da Administração, o qual,
embora operando nos limites de sua competência e observando as formas
prescritas em lei, usa do seu poder discricionários em casos e por motivos
diversos daqueles em vista dos quais o poder lhe fora atribuído
16
.
Ugo Forti aponta que
[...] o desvio de poder ocorre quando a Administração faz uso da faculdade
que lhe compete, mas não nos casos e nos fins para os quais o direito lha
conferira. Isso ocorre ou porque tenha feito uso desse poder para interesse
público diverso daquele que a lei havia contemplado, ou visando interesse
privado que, por definição, é diverso daquele na contemplação do qual pode
e deve agir a Administração
17
.
Portanto, nos Direitos Italiano e Francês, a teoria do desvio de poder é de
cunho jurisprudencial.
O desvio de poder pode ser declarado administrativamente, solvendo-se à
revelia da intervenção jurisdicional. Diferentemente, no Direito Brasileiro,
leva-se ao exame do motivo do ato administrativo pelo Poder Judiciário, que
encontra, apoio na jurisprudência e na doutrina
18
.
5.1.4. Conceituação pátria
Segundo o entendimento de Cretella Júnior, para que ocorra o desvio de
poder, quatro elementos devem estar presentes: ) autoridade administrativa; )
competência; 3º) uso do poder discricionário; 4º) fim diverso do fixado em lei.
A “autoridade administrativa” (causa eficiente do ato administrativo), “usa de
sua competência”, de acordo com as formas prescritas em lei (causa
formal), “para exercer o poder discricionário que lhe é posto nas mãos
(causa material), não, entretanto, “para perseguir o fim previsto em lei”, mas
para “fim diverso” (causa final) daquele que a lei lhe fixara
19
.
15
CRETELLA JUNIOR, Jose. O desvio de poder na administração publica. Rio de Janeiro: Forense, 1997. p.
21
16
ALESSIO,Renato. Instituzioni di Diritto Amministrativo Italiano, 4 ed., 1949, vol. II, pp. 245-246.
17
CRETELLA JUNIOR, 1997, op. cit., p. 140.
18
MAJADAS, 2004, op. cit., p. 116.
19
CRETELLA JUNIOR, 1997, op. cit., p. 140.
Logo, desvio de poder é o vício que incide sobre o fim do ato administrativo
que gera a nulidade. Tal fenômeno surge com o intuito de impor limitação ao âmbito
de atuação discricionária por parte da Administração Pública, buscando eliminar
qualquer tipo de arbitrariedade.
5.2. A prova do desvio de poder
Como foi dito, desvio de poder quando ocorre o uso do poder
discricionário da Administração para atingir fins privados, divorciados do interesse
público. Existe grande dificuldade em apurar a prova do desvio de poder, sobretudo
quando o prejudicado pelo ato pretende recorrer ao Poder Judiciário.
A questão da prova do desvio de poder tem desafiado os estudiosos desde
que elaborada a teoria na França, nos fins do culo XIX. Isso ocorre pois, o desvio
de poder é cio que se contamina com a validade interna do ato administrativo,
caracterizando pela ilicitude moral dos motivos pessoais do administrador, que não
se compatibilizam com a finalidade constante na lei.
O desvio de poder é conduta mais visível nos atos discricionários. Decorre
desse fato a dificuldade na obtenção da prova efetiva do desvio, sobretudo
porque a ilegitimidade vem dissimulada sob a aparência de perfeita
legalidade
20
.
A prova no desvio de poder deverá consistir em algo palpável, concreto, fato
que se projete no mundo jurídico, criando a certeza da conduta ilegal e
fornecendo, desse modo, fato concreto para o julgador formar sua
convicção sobre a patologia do ato e prolatar a sentença, anulando-o
21
.
Cretella Júnior, ao dissertar sobre a prova do desvio de poder menciona
brilhantemente:
No caso, a prova, regra geral, é difícil. Assim como os sintomas
denunciadores de moléstia insidiosa resistem aos esforços do especialista
para fazer o diagnóstico que revele a causa do mal, a prova do desvio de
poder desafia também a argúcia do intérprete que pretende surpreender o
animus do administrador, mascarando-se essa conduta de maneira sutil e
20
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 8. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris,
2001. p. 29.
21
CRETELLA JÚNIOR, 2002, op. cit., p.198.
escapando, não raro, à apreensão objetiva
22
.
O administrador, portanto, via de regra, tenta manifestar o ato discricionário
de maneira coerente à legalidade e à finalidade pública, escondendo, pois, o
verdadeiro motivo. Entretanto, em algum deslize, o animus nocendi, prejudicando o
funcionário, ou então, favorecendo amigo, acaba que o administrador se entrega.
Dificilmente, o administrador irá confessar ou deixar vestígios concretos de sua
conduta irregular. Mas, certas indiscutíveis condutas do administrador o revela.
O ato praticado com desvio de finalidade como todo ato ilícito ou moral
ou é consumado às escondidas ou se apresenta disfarçado sob o capuz da
legalidade e do interesse público. Diante disso, que ser surpreendido e
identificado por indícios e circunstâncias que revelem a distorção do fim legal,
substituído habilidosamente por um fim ilegal ou imoral não desejado pelo legislador.
A propósito, já decidiu o STF que:
[...] indícios vários e concordantes o prova”. Dentre os elementos
indiciários es a falta de motivo ou discordância dos motivos com o ato
praticado. Tudo isto dificulta a prova do desvio de poder ou de finalidade,
mas não torna impossível se recorrermos aos antecedentes do ato e à sua
destinação presente e futura por quem o praticou
23
.
Para Carlos Castro, essa questão de prova do desvio de poder sobreleva em
importância no direito brasileiro, onde prolifera uma diversidade de vias judiciais que,
em tese, se prestam a controlá-lo, como sejam as ações ordinárias, a ação popular e
o mandado de segurança.
O processo de conhecimento é o que normalmente comporta fases de
instrução bem demarcadas, que se destinam justamente à perquirição da verdade
dos fatos através de todo gênero de provas.
A ação popular, embora admita uma ampla instrução cognitiva, está
constitucionalmente reservada à anulação dos atos lesivos ao patrimônio público,
erigindo-se a lesividade, consoante assinalado pela melhor doutrina, em requisito
essencial do seu cabimento.
A sua vez, o mandado de segurança, conquanto não seja uma via
incompatível com a discussão do desvio de poder, não é a sua sede
própria, já que esbarra na exigência, muitas vezes impossível de satisfazer,
22
CRETELLA JÚNIOR, 2002, op. cit., p. 198
23
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 17. ed. São Paulo: Malheiros, 1992. p. 97.
de se demonstrar de plano, mediante documentos, a imoralidade subjetiva
do agente administrativo lesadora de direito individual
24
.
Hely Lopes Meireles dispõe a respeito da prova no mandado de segurança
que:
As provas tendentes a demonstrar a liquidez e certeza do direito podem ser
de todas as modalidades admitidas em lei, desde que acompanhem a
inicial. O que se exige é prova pré-constituída das situações e fatos que
embasam o direito invocado pelo impetrante. Por exigirem-se situações e
fatos comprovados de plano, é que não há instrução probatória do mandado
de segurança. Há, apenas, uma dilação para informações do impetrado
sobre as alegações e provas oferecidas pelo impetrante e subseqüente
manifestação do Ministério Público sobre a pretensão do postulante. Fixada
a lide nestes termos, advirá a sentença considerando unicamente o direito e
os fatos comprovados com a inicial
25
.
Contudo, o mandado de segurança pode ser utilizado para o
questionamento de desvio de poder. Assim já decidiu em acórdão célebre relatado
pelo então Desembargador Seabra Fagundes, cuja ementa é:
O ato administrativo discricionário que encobrindo fins de interesse público,
deixe à mostra finalidades pessoais, poderá cair na apreciação pelo Poder
Judiciário, não obstante originário de competência livre. O fim legal dos atos
da Administração pode vir expresso ou apenas subentendido na lei. O
direito que resulta não da letra da lei, mas do seu espírito, exsurgindo
implicitamente do texto, também pode apresentar liquidez e a certeza que
se exige para a concessão do mandado de segurança
26
.
Sendo assim,
[...] a imoralidade administrativa, verificável pelo contraste entre os motivos
internos do agente administrativo e as finalidades objetivas contidas
explicita ou implicitamente, na norma legal conferidora da competência.
Para essa verificação, pode valer-se o administrado de todo o gênero de
provas, notadamente as que indiciam a conduta ilegítima, que devem ser
pesadas pelos órgãos que controlam a legitimidade dos atos da
Administração [...], compensando-se assim a dificuldade normalmente
existente de demonstrar-se um defeito oculto, quando não simulado
27
.
24
CASTRO, Carlos Roberto de Siqueira. Considerações acerca do desvio de poder na Administração Pública.
Arquivos do Ministério da Justiça. Brasília, D.F., v. 34, n. 138, p. 92-105, abr./jun., 1976. p. 104.
25
MEIRELES, Hely Lopes. Problemas do mandado de segurança. Monografia publicada. Revista de Direito
Administrativo, Rio de Janeiro, v. 73. p. 40-41, 1999.
26
RDA, 14/52.
27
CASTRO, 1976, op. cit., p.105.
5.2.1. Considerações preliminares: controle jurisdicional dos atos administrativos
vinculados e discricionários
O poder Judiciário exerce controle sobre os atos administrativos vinculados
e discricionários. É possível dizer que em relação ao ato administrativo vinculado,
este controle demonstra-se pleno, uma vez que inexiste vontade subjetiva da
Administração em sua realização.
os atos discricionários têm, por definição, maior liberdade da
Administração na concretização. Dessa forma, o controle judicial deverá respeitar a
discricionariedade administrativa nos limites em que ela é assegurada à
Administração Pública pela lei.
Isto ocorre precisamente pelo fato de a [...] discricionariedade ser um poder
delimitado previamente pelo legislador; este, ao definir determinado ato,
intencionalmente deixa um espaço para livre decisão da Administração Pública,
legitimando previamente a sua opção; qualquer delas será legal
28
. Nesse sentido,
cabe à autoridade observar a conveniência e a oportunidade diante o caso concreto
com fundamento permissivo do legislador.
De tal sorte que o Judiciário poderá decidir, ao apreciar o ato discricionário,
aspectos de legalidade e verificar se o administrador ultrapassou os limites que lhe
foram traçados. Caso se configure uma das hipóteses, invalidará o ato sob
justificativa de invadir o campo da legalidade.
A teoria do desvio de poder atinge justamente na defesa da ampliação do
campo de apreciação pelo Poder Judiciário.
Considerando que desvio de poder se faz no momento em que o agente
público utiliza poder discricionário para atingir fim diverso do fixado pela lei, fica o
Judiciário autorizado a anular o ato administrativo por desviar-se do interesse blico
legal.
Da mesma forma, a teoria dos motivos determinantes defende a idéia de que
todos os atos administrativos devem ser motivados, pois, é através da análise destes
motivos que o Poder Judiciário fará o controle de legalidade do ato. Se, por hipótese
os motivos verdadeiros do ato não forem demonstrados através da apreciação do
28
DI PIETRO, 2005, op. cit., p. 210.
motivo, ou seja, os pressupostos de fato e as provas de sua ocorrência, certo é que
o ato será anulado.
Revela-se, pois, uma tendência a limitar-se a discricionariedade
administrativa e ampliar-se o controle judicial. Isto ocorre, em virtude do uso de
conceitos legais indeterminados do legislador ao tratar da finalidade e dos motivos
do ato administrativo. Este atual posicionamento observado na doutrina é de grande
importância porque restringe a vontade do intérprete e impede arbitrariedades que a
Administração Pública pratica sob o argumento de agir discricionariamente.
5.2.2. Natureza do desvio de poder
Pode-se dizer que o desvio de poder atinge o espírito da lei considerando-se
que aquele se configura pelo exercício de competência administrativa com finalidade
diversa da que lhe corresponde o comando legal.
Em razão disso, por um tempo, defendeu-se na França que o desvio de
poder era, na verdade, um vício à moralidade e o à legalidade. Porém, a doutrina
mais moderna negou por entender que, ao pensar dessa forma, desenvolvia-se uma
visão estreita da legalidade e de sua relação com a finalidade.
Sendo a finalidade uma das faces da legalidade do ato administrativo, e a
competência da Administração Pública outorgada pela lei tendo em mira interesse
público específico, deverá ser este objetivado na realização do ato administrativo.
Pois bem, se a competência é exercida visando fim legal diverso, contraria-se
certamente a lei, havendo, portanto vício à legalidade.
Isto não significa que o princípio da moralidade dispensa importância no
estudo, uma vez que se trata de princípio constitucionalmente previsto no artigo 37,
cabendo à Administração e aos seus agentes atuar conforme os princípios éticos.
Mas, de qualquer forma, havendo desvio de poder ocorrerá vício à
legalidade.
5.2.3. Modalidades do desvio de poder
A finalidade do ato administrativo será sempre o interesse público. Contudo,
por vezes, pode haver interesse público específico, vinculado à competência
administrativa.
Dessa forma, diz-se que existem duas modalidades básicas de desvio de
poder. A primeira identifica-se quando o agente administrativo pratica ato visando à
finalidade totalmente diversa ao interesse blico; a segunda, embora alcance o
interesse público, este não se revela como o ligado à competência do agente
administrativo.
Portanto, na primeira hipótese o agente pratica ato que não atende ao
interesse público e sim interesses particulares ou de terceiros. É o caso, por
exemplo, da contratação pelo Município de empresa de coleta de lixo, sem licitação,
com intuito de beneficiar terceiro. Sobretudo, ocorrerá afronta direta a texto legal
visando a beneficiar alguém e não à
coletividade.
na segunda modalidade, o agente público almeja interesse público
distinto do ato administrativo praticado. Exemplo típico da segunda
modalidade de desvio de finalidade é a utilização do poder de polícia para
aumentar a arrecadação tributária do ente estatal. O aumento da
arrecadação do Estado não é, a toda evidência, finalidade de interesse
particular, mas sim de interesse público. Nem por isso deixa de se
configurar desvio, pois a competência outorgada à Administração Pública
para exercer sua atividade de polícia não se presta para tal fim
29
.
Revela-se esta modalidade igualmente grave como a anterior.
Ao alterar o interesse público, há usurpação da função legislativa pelo
agente administrativo, uma vez que cabe ao legislador definir a competência da
Administração na busca da finalidade pública específica. Ademais, afronta-se a
segurança jurídica, pois, o indivíduo tem nas leis a medida da competência da
Administração; se alterada arbitrariamente pelo administrador, surpreenderá o
particular, pois o ato administrativo praticado não respeitará as formalidades.
A existência dessa segunda modalidade do desvio de finalidade coloca uma
de cal sobre a tese de que o desvio de finalidade seria vício de
29
MELLO, Rafael Munhoz de. O desvio de poder. Revista de direito administrativo. Rio de Janeiro, v.228, p.31-
66, abr/jun. 2002. p 55.
moralidade [...], pois, o agente exerceu sua competência para atender o
interesse público, mas não aquele interesse cujo atendimento lhe fora
atribuído pela lei
30
.
5.2.4. A intencionalidade do agente
O desvio de poder suscita delicadíssimo problema de prova. Tratando-se de
percrustar intenções, a dificuldade não causará espanto.
Com muita sabedoria o juiz administrativo exige provas, de qualquer modo,
palpáveis, quer resultantes da própria redação do ato, hipótese rara, mas
que pode ocorrer porque, inadvertidamente, o autor da decisão fornece, às
vezes, elementos que caracterizam a ilegalidade de suas intenções, quer do
dossier, ou seja, do cotejo do ato impugnado com outros documentos.
31
Assim, na apuração do desvio de poder é comum haver o vício da intenção
do agente, ou seja, a intenção da autoridade de praticar o ato para satisfação de
interesse outro que não aquele legalmente previsto. Entretanto,
[...] para a configuração do desvio de poder interessa apenas que a
finalidade do ato tenha sido diversa da finalidade da competência,
independentemente da indagação ou da prova da efetiva intenção ou querer
do agente
32
.
O vício está na situação em razão de o ato não manter relação adequada
com a finalidade em vista da qual poderia ser praticada. Não é o defeito da intenção
que vicia em si o ato, e sim o desacordo existente entre a finalidade do ato e a
finalidade da competência.
Entretanto, há quem entenda que o desvio de poder é um vício subjetivo,
[...] que se configura nas hipóteses em que o agente administrativo exerce
sua competência, visando a atingir finalidade diversa da legal, seja ela
particular ou distinta do interesse público. Nesse caso, apenas haveria o
desvio se configurasse que a intenção do agente fosse viciada
33
.
30
MELLO, 2002, op. cit., p.57.
31
Lê Droit Administratif Français apud CRETELLA JÚNIOR, 1997, op. cit., p. 102.
32
ANDRADE, Érico. Desvio de poder no direito administrativo brasileiro - exame da doutrina e jurisprudência
do STJ. Direito Administrativo, Contabilidade e Administração Publica, São Paulo: Iob, v. 8, n. 1, p. 3-22, 2004.
p. 10.
33
Nesse sentido, Carmen Chinchilla Marin. In. MARIN, Carmem Chinchilla. La desviación de poder. 2. ed.
Madri: Civitas, 1999. p. 118
Acontece que não se compartilha de tal entendimento. Embora seja
relevante a intenção do agente para a investigação do desvio de finalidade,
principalmente nos casos de competência discricionária, ela será apenas indicativo
de que houve vício à legalidade.
5.2.5. Prova no desvio do fim
O ato administrativo é a forma primária de exercício da função
administrativa, que por seu intermédio adquire objetividade. “O conceito do ato
administrativo e de suas conseqüências jurídicas é, pois, o núcleo do Direito
Administrativo, o centro por assim dizer do seu sistema planetário”
34
.
Pela característica do nosso ordenamento jurídico, os atos administrativos
presumem-se válidos. O ônus da prova incumbe a quem alega os fatos. De tal sorte
que o vício deverá ser comprovado por aquele que o alega.
Segundo Caio Tácito,
[...] o Poder Executivo (salvo os casos excepcionais de desapropriação de
bens públicos subordinada à autorização legislativa) é o único competente
para a apreciação do mérito do ato, não podendo o juiz substituir pelo seu o
juízo de valor que somente à Administração incumbe exprimir
35
.
Quando se possa comprovar que o móvel verdadeiro da vontade do
administrador extravasou desse balizamento teleológico e a realmente, ao
invés de servir ao interesse público qualificado na norma de direito, serviu-
se dela para, sob a capa de legitimidade formal, realizar um objetivo não
querido pelo legislador, o respeito à supremacia da lei impõe o desfazimento
do ato violador de própria essência da ordem jurídica
36
.
A prova do desvio de poder deve-se encontrar tanto na documentação do
expediente administrativo como na testemunhal e indiciária, exigindo-se, contudo
que haja critérios restritivos com presunções graves e precisas.
Portanto, a prova do desvio de finalidade é negativa, bastando demonstrar
que a finalidade não foi objetivada pelo exercício de competência, sendo
desnecessária a prova de qual finalidade efetivamente buscada pelo agente. É, pois,
34
TÁCITO, Caio. Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 1975. p. 55.
35
Ibid., p. 132.
36
Ibid., p. 132.
pela análise dos indícios que se levará à convicção de que o agente visou outra
finalidade senão a legal.
Passa-se ao estudo dos indícios.
5.2.6. Os indícios
A doutrina e a jurisprudência pátrias mencionam os indícios denunciadores
do desvio de poder, que são alguns dados que permitem concluir pela
ocorrência dessa ilegalidade, tais como: contradição entre fatos invocados a
título de motivo e o conteúdo do ato; desproporção entre meios e fins;
contradição entre os motivos expostos; ocultação de fatos relativos à
situação, etc
37
.
Maria Sylvia Zanella di Pietro, no mesmo sentido, afirma que:
A grande dificuldade com relação ao desvio de poder é a sua comprovação,
pois o agente não declara a sua verdadeira intenção; ele procura ocultá-la
para produzir a enganosa impressão de que o ato é legal. Por isso mesmo,
o desvio de poder comprova-se por meio de indícios, são os sintomas a que
se refere Cretella Júnior:
a) a motivação insuficiente; b) a motivação contraditória; c) a irracionalidade
do procedimento acompanhada da edição do ato; d) a contradição do ato
com as resultantes dos atos; e) a camuflagem dos atos; f) a inadequação
entre os motivos e os efeitos; g) o excesso de motivação
38
.
Nesse sentido, os indícios podem ser os mais variados.
Dessa forma, cabe ao magistrado, no controle do desvio de finalidade, em
especial quanto a sua prova, o atuar como mero espectador, que aguarda que as
partes tragam as evidências para o processo. Deve-se, sobretudo, lembrar que o
processo tem funções sociais, jurídicas e políticas a serem perseguidas, que o
condizem com tal figura.
Ademais, dificuldades são certas para o indivíduo na produção probatória,
visto que a Administração pode retardar elementos necessários à demonstração.
Assim, o juiz deve utilizar-se dos poderes que detém para alcançar a verdade real.
Tal posicionamento revela-se mais coerente aos princípios constitucionais e ao
Estado Democrático de Direito.
37
MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 181 e
182.
38
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2000. p. 224.
5.2.7. Conclusão
Concluindo, ao demonstrar que o ato praticado pelo agente público é eivado
de vício objetivo, que consiste na hipótese do distanciamento entre a competência
legislativa e a finalidade legal, revela-se o desvio de finalidade.
Necessário se faz que na prova do desvio de finalidade se investigue o
móvel do agente, principalmente nos casos de competência discricionária, embora
não se possa exigir prova contundente sob pena de se tornar este desvio uma figura
sem relevância prática.
É mister, assim, que o intérprete não se contente com a letra dos motivos
determinantes, mas mergulhe em seu espírito, atento a suas omissões e
contradições, pondere a veracidade e a proporcionalidade dos meios em
razão do fim colimado, preferindo, em suma, verificar sob a roupagem do
ato os verdadeiros contornos de sua ossatura
39
.
5.3. A matéria de fato
Considerando que o desvio de poder é um vício relacionado à legalidade,
poder-se-ia dizer que cabe ao juiz a análise pura e simplesmente das questões de
direito.
Mas, tratando-se de ato administrativo, entende-se, pois, necessário apreciar
a materialidade dos fatos, visto que os fatos condicionam a própria legalidade do
ato.
Assim, agirá corretamente o magistrado, ao analisar, antes mesmo dos tipos
de ilegalidade relacionados ao motivo, os fatos objetivos do ato jurídico. Do
contrário, se fiscalizasse apenas a legalidade, deixaria de lado o rigor jurídico na
apreciação da legalidade no modo concreto, pelas próprias condições de fato.
Segundo Cretella Júnior,
39
TÁCITO, 1997, op. cit., p.180.
[...] o exame completo dos elementos de fato é que fornecerá índice
seguro para o patrulhamento do domínio da legalidade, pois [...] a existência
material, sua correlação com a lei, não só se acham fora do terreno preciso
da legalidade, como, em nossos dias, são condições da mais alta relevância
para o exame concreto dessa mesma legalidade
40
.
5.3.1. Fato, lei e fim
“O defeito de mérito do ato administrativo é um dos vícios da ilegalidade.
Esta inoportunidade ou inconveniência deriva de errônea visão e apreciação dos
fatos, em relação com os fins que a lei tem em mira
41
”.
Para Cretella Júnior, “[...] é possível que o judiciário examine na matéria de
fato a motivação, por ser questão de grande importância, pois, a antinomia
legalidade-oportunidade não corresponde, modernamente, ao binômio questão de
direito questão de fato, já que estes termos se vinculam de maneira bastante
íntima”
42
.
Dessa forma, não está proibido o exame dos elementos internos do ato
administrativo, uma vez que se o fato inexistiu ou se o fato real foi interpretado
erroneamente, o ato será inválido.
Logo, apreciar o fato não signitica, porém, de maneira alguma, apreciar só o
fato, porque a referida apreciação é sempre feita para verificar se as
condições exigidas pela lei para que a decisão fosse tomada estavam
reunidas ou não e, por conseguinte, se as decisões eram legais ou não. Em
outras palavras: o juiz aprecia os fatos apenas na medida em que isso é
necessário para resolver a questão de direito
43
.
5.3.4. Conclusão
Sendo assim, imprescindível é o exame dos elementos de fato. Por tratar-se
de desvio de poder, na maioria das vezes haverá malícia da autoridade na prática do
40
CRETELLA JÚNIOR, 1997, op. cit., p. 111.
41
VITTA, Cino. Diritto Amministrativo, 3. ed., 1949, vol. I, p. 435-436
42
CRETELLA JÚNIOR, 1997, op. cit., p. 113
43
WALINE, Marcel. Droit Administratif. 9. ed. Paris, Éditions Sirey, 1963. p. 476.
ato para que este não demonstre sua verdadeira intenção. Então, forçoso se faz a
análise dos elementos constitutivos do ato para que os julgadores possam alcançar
pelo motivo e o fim, inclusive da matéria de fato, na verificação da legalidade.
Contribuiria sobretudo para o declínio da teoria do desvio de poder apreciar apenas
a competência e a forma do ato.
5.4. Fundamentos históricos do desvio de poder
Observa-se na maioria dos institutos jurídicos atuais, que suas origens
advêm das raízes do direito romano. Em contrapartida, o desvio de poder é produto
de elaborações doutrinárias recentes do século XIX.
A teoria do desvio de poder surge no Conselho de Estado Francês para
coibir abusos dos governantes e agentes públicos.
Waline explica que a
[...] criação da teoria do desvio de poder se deve, em parte, à timidez dos
tribunais judiciários, receosos de atentarem contra o princípio da separação
das autoridades administrativas e judiciárias. Eis uma primeira razão pela
qual a jurisprudência sobre o desvio de poder é criação original do Conselho
de Estado
44
.
5.4.1. Origem histórica
O desvio de poder foi primeiramente admitido como vício de ilicitude do ato
administrativo no caso LESBATS, em decisão tornada célebre no contencioso
administrativo de França, no ano de 1864. Lá, o Prefeito de Fontainebleau, a
pretexto de executar lei que lhe conferia competência para ordenar o
estacionamento de ônibus defronte à estação rodoviária municipal, proibiu uma certa
empresa de estacionar seus veículos no pátio da estação, permitindo, porém, a outra
empresa fazê-lo.
44
CRETELLA JÚNIOR, José. O desvio de poder na Administração Pública. Rio de Janeiro: Forense, 1997. p.
118.
O Conselho de Estado, em grau de recurso, anulou tal ato da Prefeitura,
sob a motivação de que ocorrera détournement de pouvoir, uma vez que a
lei atributiva da competência não tinha o alcance de permitir ao Executivo
local estabelecer privilégios e discriminações entre os administrados
45
.
Na realidade, o caso Lesbats é tido como o leading-case do direito
administrativo francês, embora não tenha sido o primeiro, uma vez que, antes dele,
houve o caso Vernes, de maio de 1858. De qualquer forma, foi aquele que obteve
maior repercussão.
A importância da decisão Lesbats está no fato de que a autoridade judiciária
tinha declarado por duas vezes legal o ato do Prefeito e o Conselho de
Estado o havia anulado duas vezes por excesso de poder. O juiz ordinário e
o juiz administrativo tinham, ambos, razão, considerando o ato com critérios
de juízo inerentes a cada caso
46
.
5.4.2. A origem de desvio de finalidade no Brasil
No Brasil, a adoção da teoria do desvio de poder foi bem mais tardia do que
no continente europeu.
Ainda que no final do século XIX a Lei n. 221, de 20 de novembro de
1894 fizesse expressa referência ao excesso de poder como causa de
invalidade de “medida administrativa tomada em virtude de uma faculdade
ou poder discricionário”, não houve, como ocorrera na Itália apenas cinco
anos antes, a percepção da oportunidade que se abria ao controle dos atos
administrativos, através da utilização da teoria já então consagrada no
direito administrativo francês
47
.
Assim, nas primeiras décadas do século XX, pouco se falou da teoria com a
justificativa do receio de que o Poder Judiciário invadisse o campo de atuação da
Administração Pública, ao analisar a compatibilidade do ato administrativo à
finalidade legal.
Talvez, o fato de França e Itália terem desenvolvido o controle da finalidade
do ato administrativo na jurisdição contenciosa-adminsitrativa tenha facilitado na
45
CASTRO, 1976, op. cit., p. 96.
46
Cf. Oreste apud CRETELLA JUNIOR, op. cit., p.81
47
MELLO, 2002, op. cit., p. 46.
estruturação da teoria do desvio de poder. Ao contrário do Brasil, que não adota tal
órgão na jurisdição, não houve inicial identificação para importação dessas iias.
Ademais, existiu quem afirmasse que tal teoria apenas fosse possível e viável em
países que contemplassem a jurisdição administrativa.
Themístocles Cavalcanti ensinava que:
Em nosso regime, somente a própria autoridade administrativa, dentro de
sua competência legal, pode corrigir os vícios dos atos administrativos que
decorrem do motivo determinante do ato, da sua justiça, oportunidade. Esta
não é tolerável entre nós a doutrina francesa, salvo para os efeitos
criminais, aplicada quando o funcionário age dolosamente, usando de meios
não admitidos pela lei, deformando, quanto aos seus fins e modo de
proceder, uma atribuição legal
48
Foi então, em 1941, com a obra de Seabra Fagundes, O controle dos atos
administrativos pelo Poder Judiciário, que a figura passou a ser tratada como motivo
de invalidação dos atos administrativos:
A atividade administrativa sendo condicionada pela lei à obtenção de
determinados resultados, não pode a Administração Pública deles desviar,
demandando resultados diversos dos visados pelo legislador. Os atos
administrativos devem procurar atingir as conseqüências que a lei teve em
vista quando autorizou a sua prática, sob pena de nulidade. Tratando, por
exemplo, de desapropriação, a Carta Constitucional a permite para atender
à necessidade ou utilidade pública. Decretada a expropriação de um imóvel
no interesse direto de pessoa privada, o ato será invalido por falta de
finalidade legal. Terá havido aí desvio de finalidade, ou seja, o que os
franceses chamam de detournement de pouvoir
49
.
Ademais, foi também Seabra Fagundes quem configurou como relator do
leading-case sobre o tema, ao invalidar o ato administrativo praticado no exercício
de competência discricionária em violação à finalidade legal.
A decisão foi proferida no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte. Trata-
se de mandado de segurança impetrado contra decisão administrativa que indeferira
requerimento de empresa de ônibus que desejava prestar o serviço de transporte
num determinado horário, em prejuízo de outra empresa, beneficiada pelo ato
administrativo impugnado.
Seabra Fagundes em seu voto afirmava que:
48
CAVALCANTI, Themístocles. Tratado de direito administrativo. 2. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1948.
v. II, pp. 294-25
49
FAGUNDES, Seabra. O controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário. Rio de Janeiro: Freitas
Bastos, 1941.
O ato administrativo que fixou honorários para as viagens de ida e vinda do
terceiro ônibus do impetrante (10h e 22h), se depreende do exame conjunto
das peças do processo, apesar de praticado no exercício de legítima
competência (C. de Trânsito, arts. 56, parágrafo 2º e 57, c) e de ter objetivo
lícito (coordenação dos transportes coletivos entre São José de Mipibu e
esta Capital), peça por desvio de finalidade, pois longe de visar, como seria
de supor, o exclusivo interesse público a um bom serviço de comunicações,
o que teve em mira foi cercear a atividade do impetrante favorecendo o seu
concorrente
50
.
Numa perspectiva geral sobre a origem do desvio de poder no Brasil, esses
eram os pontos principais a serem mencionados. Posteriormente, mais se falará
sobre a legislação e jurisprudência, embora já fique elucidado que além da lei
221/1894, há também a Lei n. 1522/51 e a Lei n. 4717/65.
5.5. Direito Comparado: sistema de base romanística x ings
Os sistemas administrativos de base romanística são conjuntos de direitos
que se inspiram no direito romano, ou seja, estruturam seus institutos tendo como
base o direito privado romano, o deixando de realizar adaptações oriundas do
decurso temporal, motivadas por fatores de natureza histórico-social.
Tanto o direito francês como o direito italiano constituem dois modelos de
direito comparado, trata-se de sub-sistemas com excelente doutrina e
sistematização.
A contribuição da França para o direito administrativo comparado é das mais
relevantes. Em primeiro lugar, cumpre não esquecer que a França é o berço do
direito administrativo. “Ato de nascimento do direito administrativo é geralmente
considerado com a Lei 28 pluviôse do ano 8 (1800), que, pela primeira vez, deu à
Administração francesa uma organização juridicamente garantida e exteriormente
obrigatória”
51
.
Além disso, foi na França que se inaugurou a primeira cátedra de direito
administrativo, na Universidade de Paris, em 1828, atraindo atenção dos juristas do
50
RDA 14-69
51
CRETELLA JR., José. Direito administrativo comparado. São Paulo: J. Bushatsky : EDUSP, 1972.p. 79
mundo todo.
Em contrapartida, não se pode deixar de mencionar a contribuição do
Conselho de Estado Francês na estruturação do direito administrativo, elaboração
da jurisprudência e de pareceres.
Ocorre que “[...] o sistema administrativo de base romanística sofre de um
grande defeito insanável de origem, que é o da predominância do privado sobre o
público, que é conhecido dos romanistas o fato de terem sido os latinos “gigantes
do direito privado e pigmeus do direito público”
52
.
Por sua vez, o direito inglês é denominado de sistema do common law. Esta
expressão designa o direito não-escrito de um país que tem como bases o costume,
o uso e as decisões dos Tribunais de Justiça.
Acontece que este sistema constituiu obstáculo ao desenvolvimento de um
direito administrativo autônomo, por não ser compatível aos princípios fundamentais
do sistema, nem ao procedimento por ele seguido. Da mesma forma que o direito de
base romanística, o direito inglês tem fortes bases privatistas.
No direito inglês não tratamento, por exemplo, distinto entre os poderes
atribuídos a um funcionário, em virtude de lei, e aqueles que possui um patrão para
com os empregados, em virtude de um contrato de trabalho.
Na Inglaterra, embora haja submissão da Administração ao direito, não
existe um Direito Administrativo. Lá, a Administração é regida pelo direito privado,
ela obedece ao direito como qualquer cidadão britânico no que diz respeito aos atos,
contratos e responsabilidade contratual.
Sendo assim, não existe na Inglaterra o Administrative Law, o Direito
Administrativo do Brasil. Para estudar o desvio de poder nesses países, dever-se
analisar o desvio de poder por interesse privado e financeiro.
5.5.1. França
Particularmente, a aplicação do desvio de poder na França cabe ao juiz
administrativo, verdadeiro criador desse direito pretoriano. o há, em toda
52
CRETELLA JÚNIOR, 1972, op. cit., p.72.
legislação francesa, qualquer referência expressa ao desvio de poder, como forma
de nulidade do ato administrativo. Entretanto, sob tal fundamento se sucedem, no
Conselho de Estado, recursos contenciosos, moldados na jurisprudência,
constituindo-se a teoria do desvio de poder em um dos limites mais eficazes aos
abusos do Poder Executivo.
Entre os autores franceses, a teoria encontra-se bem desenvolvida e aceita.
Consideram eles que o desvio de finalidade recai sobre o fim, sendo que não basta
o confronto da regra de direito de elementos objetivos, tais como, competência,
forma e o conteúdo do ato.
Em razão do trabalho da jurisprudência, desenvolveu-se o pensamento no
ordenamento francês que se deve apreciar o poder discricionário em maior
profundidade.
Contudo, embora o desvio de poder tenha sido uma das principais criações
do direito francês, entende-se que seu apogeu ocorreu há 30 anos e que atualmente
se encontra em declínio.
Isso se em virtude, primeiramente, de que era princípio absoluto dos
poderes de polícia no interesse puramente financeiro da Administração ou
de seus concessionários, o que constituía desvio de poder e acarretava a
anulação do ato; e a segunda razão reside no fato de que existe, na França,
outro meio de alcançar o mesmo resultado para a anulação do ato: o
controle dos motivos
53
.
Assim, o Estado francês anula por defeito ou inexatidão dos motivos,
decisões que ele teria com base no desvio de poder.
Por fim, no que tange ao direito positivo, o no ordenamento francês
qualquer previsão a respeito do détournement de pouvoir.
5.5.2. Itália
Na Itália, o excesso de poder surge no âmbito administrativo com a Lei de 2
de junho de 1889, ao mencionar no art. 24 as funções do Consiglio di Stato,
atribuindo-lhe a competência para julgar os recursos administrativos nos casos de
53
WALINE, Marcel.Doit Administratif. 9. ed. Paris: Éditions Sirey, 1963. p. 487-488
incompetência, excesso de poder e violação à lei.
A particularidade do excesso de poder italiano reside no fato de que este
não se limita ao desvio de finalidade, abrange outros vícios relativos ao ato
administrativo, em especial aqueles que decorrem de competência discricionária;
como, por exemplo, inexistência dos pressupostos de fato invocados, erro e fato,
ilogicidade manifesta, injustiça manifesta, dentre outros.
Enfim,
[...] embora as decisões do Conselho de Estado italiano não tenham tido a
repercussão de seu congênere gaulês, neste setor, a verdade é que, dentro
do próprio direito em que repercutiram, com base na realidade, tiveram o
mérito de incentivar a doutrina que, nos compêndios de ordem geral e nas
monografias especializadas, deu o maior dos realces a esta conquista do
mundo administrativo, contra a arbitrariedade dos governantes
54
.
5.5.3. Portugal
“Em Portugal, a recepção do desvio de poder encontrou um clima propício,
não por parte da doutrina, como também por parte da jurisprudência, acabando
por incorporar-se ao direito positivo
55
”.
No direito português, a doutrina e a jurisprudência adotam a nulidade pelo
desvio de poder, mesmo quando a autoridade deixa de executar o fim legal e
procura alcançar outro objetivo de interesse público. “Diferentemente do direito
Italiano e Francês, para os quais o fim legal do ato administrativo constitui violão
da competência, a autoridade administrativa deve orientar-se na execução material
da lei pelo próprio propósito final das facultas agendi, que lhe foi conferida
56
”.
Enfim, consagra, pois, a doutrina do desvio de poder como o “[...] vício que
afeta o ato administrativo praticado no exercício de poderes discricionários, quando
estes hajam sido usados com fim diverso daquele para que a lei os conferiu
57
.
54
CRETELLA JÚNIOR, 1997, op. cit., p.144.
55
CAETANO, Marcelo. Manual de direito administrativo. 4. ed. Coimbra: Almedina, 1956. p. 238.
56
MAJADAS, 2004, op. cit., p. 114.
57
CAETANO, Marcelo. Manual de direito administrativo. 6. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 1963 p. 261.
5.5.4. Outros países
Considerando o desvio de poder em outros países, primeiramente, na
Espanha, entre os possíveis recursos do contencioso-administrativo está o desvio de
poder, que surge quando o administrador faz uso do poder que exerce para fim
diferente do estabelecido pelas letras da lei.
Nos países latino-americanos, a doutrina é favorável ao instituto do desvio
de poder, mas há divergência no que diz respeito à possibilidade de admiti-lo no
campo da jurisprudência.
No direito argentino, condiciona-se a validade dos atos administrativos ao
respeito à finalidade legal. Dessa forma, assim como no direito brasileiro, haverá
desvio de poder quando a aplicação da competência for para fim diverso ou
estranho ao estabelecido em lei.
Porém,
[...] os Tribunais argentinos mostram-se relutantes em admitir o recurso do
desvio de poder, como proteção jurisdicional contra abusos dos agentes
administrativos, não obstante existir no direito argentino um recurso
genérico: o da inconstitucionalidade, verdadeiro instrumento de defesa
jurisdicional das garantias individuais e coletivas estabelecidas pela
Constituição
58
.
Por sua vez, o direito uruguaio considera também o fim como elemento
essencial do ato administrativo. Entretanto, o ato não deverá apresentar qualquer
outro vício, pois, se for o caso, não caberá investigar o desvio de poder, por supor
ato inobjetável entre os demais aspectos.
Na Colômbia, admite-se a existência do desvio de poder configurando-se na
hipótese em que o ato possui fim diverso do previsto na norma, ou seja, quando o
ato está em descompasso com o fim.
Assim,
[...] enquanto a teoria do desvio de poder apresenta semelhanças no Direito
brasileiro, português, argentino e uruguaio, pois, tanto a jurisprudência
quanto a doutrina adotam a nulidade em caso de desvio de poder, mesmo
quando a autoridade, embora deixando de executar o fim legal, procure
atingir outro objetivo de interesse público; diferentemente do Direito italiano,
francês e espanhol, para os quais o fim legal do ato administrativo constitui
58
BIELSA, Rafael. Estúdios de Derecho Púbilco. Buenos Aires: Editorial Depalma. 1950. v. I. p. 32
vinculação da competência
59
.
5.5.5. Inglaterra
Sistema do common law é o direito inglês, em vigor na Inglaterra, no País
de Gales e em toda a commonwealth, bem como, com maiores ou menores
alterações, nos países de língua inglesa Irlanda do Norte, Irlanda do Sul,
Nova Zelândia, Canadá (com exceção da Província de Quebec), Terranova,
Antilhas (na maior parte), Estados Unidos (com pequenas exceções no
Estado da Lousiânia, de influência francesa), Índia, Paquistão,
Bangladesch, Ceilão, Birmânia e Malásia
60
.
Trata-se de direito não-escrito, baseado nos usos, costumes e decisões dos
Tribunais de Justiça.
Ao julgar, o magistrado basear-se-á nos precedentes judiciários, não
levando em consideração a legitimidade ou fundamento legal dos precedentes. O
direito inglês é, sobretudo, a soma das regras desde o século XIII, decisões
proferidas pelos juízes das Cortes Reais Inglesas.
Voltando ao common law em si, diz-se que este se divide em direito inglês
propriamente dito e direito norte-americano. Acontece que, embora ambos façam
parte do mesmo sistema, há entre eles diferenças marcantes.
Ensina Cretella Júnior que:
Profundas, no entanto, são as diferenças entre o direito inglês e o direito
norte-americano, aproximando-se este, sob muitos aspectos, do sistema de
base romanística. Em suma, trazendo a marca originária da common law,
que se reflete em toda a estrutura do direito norte-americano, empregando a
nomenclatura inglesa e institutos ingleses, os norte-americanos criaram um
tipo de direito intermédio que, no que se refere às fontes, se aproxima do
sistema de base romanística e, em especial, do direito francês, mas no que
concerne ao espírito se aproxima do direito originário common law
61
.
Feita a ressalva, entende-se que o sistema jurídico anglo-americano foi, em
verdade, obstáculo ao desenvolvimento de um direito administrativo autônomo,
tendo em vista que se choca aos princípios do sistema o reconhecimento de
disciplina independente.
59
MAJADAS, 2004, op. cit., p. 111.
60
CRETELLA JÚNIOR, 1997, op. cit., p.162.
61
Ibid., p.162.
Por terem como princípios bases o rule of law (império da lei), da judicial
supremacy (supremacia legal) e do due process of law (devido processo legal),
na Inglaterra recusa em reconhecer império do direito administrativo, porém, sem
dúvida ele existe tanto nos Estados Unidos como na Inglaterra.
Na realidade,
[...] o regime jurídico-administrativo, no sistema common law, caracteriza-se
por alguns traços que o contrapõem aos sistemas de base romanística, a
saber: base mais jurisprudencial do que doutrinária; menos doutrina; relação
de emprego público equivalente à do direito do trabalho ou do direito
comum; prevalecimento do princípio da execução titulada, repelindo-se o
princípio da auto-executoriedade, apenas admitindo por exceção (summary
power); irresponsabilidade do Estado consubstanciada no brocardo “o rei
não pode errar”, responsabilidade do agente público equiparada ao
empregado de direito privado
62
.
Sobre o desvio de poder por interesse privado, no direito ings raros são os
casos em virtude da própria conduta íntegra e corretíssima dos funcionários
ingleses, e, também, pela dificuldade dos litigantes na prova da acusação, pois a
eles cabem o ônus. Em contrapartida, existe decisão Short versus Poole Corporation
de 1926 em que a Corte admitiu que “[...] a autoridade administrativa não devia agir
de má-fé, nem obedecer a móveis desonestos”
63
.
Por fim, quando se fala no desvio de poder por interesse financeiro, em que
há perseguição do fim legal diverso daquele delegado ao funcionário, observa-se ser
mais comum. Foi o caso, por exemplo, [...] funcionário que se utiliza de poderes de
que dispunha para o fim de proporcionar recursos para seus serviços
64
.
5.5.6. Estados Unidos da América
O sistema americano possui características muito diferentes do sistema
continental da Europa, que torna difícil uma aproximação comparativa ao controle de
62
CRETELLA JÚNIOR, 1997, op. cit., p. 173
63
TIXIER, Gilbert. Le controle judiciaire de l’Administration Anglaise (contentieux de la legalité), Paris,
Librarie Dalloz, 1954.p. 89.
64
Decisão Wilts versus United Dairies Ltda (1922), a Câmara dos Lordes julgou que o Fiscal de abastecimento
agira ilegalmente, impondo o acréscimo de dois pences por galão a todo distribuidor de leite que solicitasse
licença para comprar o produto proveniente de região diversa daquela em que ele operava. No caso em tela, o
funcionário detentor de poder visava assegurar a distribuição eqüitativa de leite.
legalidade da ação administrativa do Estado.
A distinção inicia-se pelo fato de que a influência romanística foi raríssima e
que no sistema anglo-americano os princípios jurídicos foram elaborados pelos
Tribunais quando da apreciação dos cases. Assim, a fonte principal do sistema
anglo-saxônico é o case law e não a lei elaborada pelo legislador.
Dessa forma, é pela análise de precedentes que os juristas io analisar o
caso proposto e, posteriormente, de forma indutiva, io resolver o problema.
Ademais, o sistema alia-se ao common law, ou seja, isola-se da inflncia externa.
O desvio de poder não é, assim, um princípio estranho ao direito americano.
“Embora o se apresente, como no sistema francês ou italiano, através de um
conceito processual específico e submetido a uma jurisdição administrativa
autônoma, ele constitui um pressuposto de ilegalidade da ação administrativa
65
.”
O fato de a doutrina norte-americana não ter importado de outros climas o
instituto do desvio de poder, remédio eficiente contra o abuso das
autoridades administrativas, de modo algum significa a ausência, naquele
sistema, de medidas rigorosas que impeçam qualquer afastamento de
finalidade, quando o administrador se desvia do fim colimado
66
.
5.6. Desvio de poder no Brasil
O desvio de poder no Brasil, ao contrário do que ocorreu no direito franco-
italiano, tem sua origem na doutrina e, posteriormente, na área jurisprudencial.
5.6.1. Na doutrina
Uma das primeiras obras de Direito Administrativo no Brasil data de 1857, de
Vicente Pereira do Rego, publicada em Recife. Mais tarde, em 1959, Prudêncio
Giraldes Tavares Veiga Cabral, publicou “O Direito Administrativo Brasileiro”.
Porém, observa-se que não houve menção a respeito do desvio de poder,
65
TÁCITO, Caio. Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 1975. p. 96.
66
CRETELLA JÚNIOR, 1997, op. cit., p. 179.
uma vez que as obras foram impressas antes do marco inicial do instituto ou bem
próximo aos primeiros passos franceses.
Ademais, esclarece Cretella nior que a demora, no período imperial, da
troca de informações entre os países, bem como o atraso nas publicações,
dificultavam a repercussão das últimas descobertas:
Levando-se em conta o moroso trabalho de impressão na época imperial,
bem como a tardia repercussão entre nós das conquistas científicas
européias, no mundo jurídico, é compreensível que mesmo espírito lúcido,
conhecedores embora das últimas descobertas do mundo de direito, não as
expusessem em suas obras, que objetivavam transmitir aos nossos
estudantes as teorias pacíficas em outros centros mais adiantados do
mundo jurídico
67
.
Os primeiros tratadistas da república, por viverem um período em que a
teoria do excesso de poder se desenvolvia na França com as obras de Leon Aucoc
e Henri Berthélemy, foram influenciados por ela.
Em meados do século XX, os autores passaram a fazer maior referência ao
desvio de poder, contudo o assunto não atingiu um desenvolvimento sistemático de
forma rigorosa como se conseguiu em alguns países do continente europeu.
Para Caio Tácito, “[...] o assunto carece, em nosso meio, de estudo
meticuloso e sistemático, à altura de sua fundamental importância nas relações entre
a Administração e o Judiciário
68
.”
Ademais, embora alguns autores aceitassem a teoria do desvio de poder,
outros já a mencionavam de forma tímida como Brandão Cavalcanti. Segundo o
autor, “[...] por mais que seja o tema, a sua aplicação não é sem perigo, porque tira à
Administração o meio de que dispõe para ajuizar da convenncia, da oportunidade,
da necessidade da medida na aplicação da norma legal
69
.
Em oposição, a melhor doutrina, Seabra Fagundes, O. A. Bandeira de Mello,
Vitor Nunes Leal aceitavam a teoria no direito pátrio, por defender que “[...] ao
administrador não lhe é lícito desviar-se dos fins do ato administrativo, e tal se
verifica quando pratica ato de sua competência, tendo em vista objetivo diverso do
legalmente considerado como próprio de sua atribuição
70
”.
67
CRETELLA JÚNIOR, 1997, op. cit., p.184
68
TÁCITO, 1951, op. cit., p. 62.
69
CAVALCANTI, Themistocles Brandão. Tratado de Direito Administrativo. 3. ed. Rio-São Paulo: Liv. Freitas
Bastos. v. IV, 1956. p. 495.
70
MELLO, Oswaldo Aranha Bandeira de. Princípios gerais de direito administrativo. Rio de Janeiro: Forense.
v. I, 1969. p. 430-431.
Hely Lopes Meireles também aceita o desvio de poder e define como “[...]
violação ideogica da lei, ou por outras palavras, violação moral da lei, colimando o
administrador público fins não queridos pelo legislador, ou utilizando motivos e meios
imorais para a prática de ato administrativo aparentemente legal
71
”.
Sendo assim, “[...] a doutrina brasileira acolhe, de modo geral, o princípio de
que o elemento fim é condição sine qua non para a legalidade do ato administrativo,
constituindo mesmo barreira irremovível ao poder discricionário à Administração
72
”.
Caso editado de maneira estranha ao fim legal, caberá ao Poder Judiciário ou à
própria Administração desfazê-lo com o fundamento na ilegalidade do ato
administrativo.
5.6.2. No direito positivo
Do ponto de vista legislativo, o ordenamento jurídico pátrio é mais rico que o
francês.
Efetivamente, não se pode dizer que até 1965 houve no Brasil texto de lei
que explicitamente tratasse do desvio de poder. Porém, de maneira implícita, é
possível salientar que alguns textos legais aceitaram a teoria, embora nenhum deles
aceitasse de maneira definitiva a posição por ela.
A primeira lei a tratar a respeito do desvio de poder foi editada em 1894, Lei
n. 221. Para Cretella Júnior, “[...] obrigatória é a referência à Lei tendo em vista ser
texto legal básico que tanta discussão suscitou e continua suscitando entre os
especialistas mais categorizados
73
.”
Preceitua o parágrafo do artigo 13 da referida lei:
Verificando a autoridade judiciária que o ato de resolução em questão é
ilegal, o anulará em todo ou em parte, para o fim de assegurar o direito do
autor:
a) considerando ilegais os atos ou decisões administrativas em razão da
não-aplicação ou indevida aplicação do direito vigente, a autoridade
judiciária fundar-se-á em razões jurídicas, abstendo-se de apreciar o
merecimento de atos administrativos, sob o ponto de vista de sua
conveniência ou oportunidade;
71
MEIRELES. Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 20 ed. São Paulo: Malheiros, 1995. p. 96.
72
CRETELLA JÚNIOR, 1997, op. cit., p. 190.
73
Ibid., p. 192.
b) a medida administrativa tomada em virtude de uma faculdade ou poder
discricionário somente será havida por ilegal em razão da incompetência da
autoridade respectiva ou do excesso de poder.
Com a Lei n. 221, de 1894, art. 13, o que o legislador buscou consignar os
casos e o processo, segundo o qual se podia dar a legítima intervenção do judiciário
nos atos dos dois outros poderes, sem haver ofensa das faculdades destes, uma vez
que até aquele momento, nada havia de positivo nas leis pátrias a respeito.
Para Seabra Fagundes,
[...] nessa lei, na sua ousada concepção de controle do Poder Judiciário
sobre os atos administrativos, estão as raízes, pode-se dizer, de todo o
sistema brasileiro de proteção dos direitos públicos subjetivos do indivíduo.
Nos seus autores, se de louvar sempre a superioridade com que,
elaborando-a enfrentaram um dos mais delicados problemas do regime
constitucional brasileiro
74
.
Outra lei à qual cabe menção é a Lei n. 1.522, de 26 de dezembro de 1951,
que alude em seu art. 28 o desvio de poder para sujeitar o agente que praticou o ato
à destituição do cargo, sem prejuízo das sanções penais cabíveis.
também de se fazer referência à Lei n. 4.717, de 29 de Junho de 1965,
que disciplina a ação popular. Algumas hipóteses de nulidade dos atos
administrativos o arroladas e faz-se expressa menção ao desvio de finalidade no
artigo , alínea e. A seguir, no parágrafo único do mesmo artigo define que: o
desvio de finalidade se verifica quando o agente pratica ato visando a fim diverso
daquele previsto, explicita ou implicitamente, na regra de competência”.
Por fim, como foi anteriormente mencionado, cabe lembrar que a Lei n.
8.429/92 possui real relação com o desvio de poder
, tendo em vista que o desvio de
poder é uma das figuras centrais de improbidade, alcançando tanto as hipóteses
gerais como as casuísticas.
Pode, pois, o desvio de poder se configurar nos casos dos artigos , 10 e
11: enriquecimento ilícito, lesão ao erário ou agressão aos princípios da
Administração Pública, respectivamente da referida lei.
Contudo, não se pode afirmar que todo desvio de poder é improbidade
administrativa, mas, normalmente, uma modalidade de desvio de poder
acentuadamente grave, nas suas formas mais agressivas.
74
FAGUNDES, Seabra. Conceito de mérito no direito administrativo. Revista de Direito Administrativo. Rio de
Janeiro, 1949, v. 23. p. 14.
Conclui-se, então, que no Brasil embasamento legislativo à aplicação da
teoria do desvio de poder, sendo, entretanto, de se lamentar que sejam raros os
casos de atos administrativos invalidados por força de tal vício, embora muito
freqüentes os casos na Administração Pública.
Bandeira de Mello, ilustre doutrinador, descreve com brilhantismo a
realidade que o país vive:
Os casos de desvio de poder no País são incontáveis e parecem assentar-
se na concepção ingênua, até mesmo primitiva, de que as autoridade,
sobretudo as investidas em cargos políticos, são como que donos dos
poderes públicos enquanto titularizam ditos cargos. Assim, são corriqueiras
e feitas de público, ameaças de utilização da própria competência para
retaliar adversários políticos ou opositores que, no uso regular de
competências públicas em outras esferas (como estaduais ou municipais)
ou como cidadãos resistem às orientações políticas do Governo Federal as
quais, muitas vezes, padecem de ilegitimidade gritante ou escandalizam
pela tolice, sobretudo nos dias que correm
75
.
Feito isso, passa-se a análise do último ponto quanto à teoria do desvio de
poder.
5.6.3. Na jurisprudência
O direito brasileiro não admite o instituto do contencioso administrativo, por
vigorar, na verdade, o sistema judiciarista, da jurisdição una. Não há, como na
França,
o Conselho de Estado Francês com funções judicantes em matéria
administrativa. Assim, no Brasil, a Administração não julga, porque a justiça
administrativa é realizada até a última instância pelos Tribunais.
“Nem por isso, entretanto, está ausente do sistema brasileiro copiosa e
importante jurisprudência constituída de decisões de órgãos do Poder Judiciário
76
.”
Na jurisprudência pátria, é possível dizer que o desvio de poder demonstra-
se geralmente por motivos de natureza religiosa, social, favorecimento e de
vingança. São, indubitavelmente, razões suficientes para a anulação do ato
administrativo.
75
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Discricionariedade e controle judicial. 2. ed. 3 tr. São Paulo:
Malheiros. 2001. p. 68.
76
CRETELLA JÚNIOR, 1997, op. cit., p.199.
Pela análise dos precedentes dos tribunais, é na área administrativa que
mais freqúentemente incide o desvio de poder.
Em primeiro lugar, “[...] o campo é reservado ao poder de polícia e, dentro
deste, o que fornece mais exemplos de desvio de finalidade é o instituto da
desapropriação
77
”. No mesmo sentido, ocorreu na França, Itália, Espanha e
Portugal.
Em segundo lugar, “[...] no terreno do funcionalismo público inspirado, não
no interesse público, mas em motivos particulares, apresentam-se punições, leves,
médias e graves, que podem culminar com o afastamento do funcionário mediante a
demissão simples, ou a demissão a bem do serviço público
78
.”
No Superior Tribunal de Justiça não grande mero de precedentes que
cuidam do desvio de poder, senão 10 arrestos.
O primeiro precedente do STJ que merece destaque reconheceu a
existência de desvio de poder por parte de vereadores do município de
Suzano, no Estado de o Paulo, que realizaram viagem ao Japão às
expensas do município, sem que se tivesse demonstrado qual o interesse
público real que poderia ter ensejado a despesa
79
.
No caso em tela, o Tribunal reconheceu, pela análise do fundamento fático,
que os vereadores se beneficiaram com o ato, além de lesar os cofres da
Municipalidade e não agirem conforme a lei. Ademais, o demonstraram a
existência de previsão de verba orçamentária destinada para viagem ao exterior nem
mesmo hipótese de desempenho de missão de caráter cultural ou interesse do
Município, como prevê a Lei Orgânica do Município.
Logo, reconheceu-se o abuso de poder e o desvio de finalidade, sendo o ato
nulo praticado por agente público que realiza despesas sem a devida previsão
orçamentária.
Em 1991, houve outro importante exemplo sobre o entendimento a respeito
do desvio de poder.
Questionou-se se houve ou não o desvio de finalidade em recepção
oferecida pela
R. M. C. de M., no Palácio da Alvorada, no dia 05.07.91, a cem senhoras da
sociedade brasiliense, com recursos públicos, para agradecer e
77
CRETELLA JÚNIOR, 1997, op. cit., p. 255.
78
Ibid., p. 255.
79
ANDRADE, 2004, op. cit., p. 14.
homenagear aquelas pessoas por sua colaboração com atividades
assistenciais do Governo Federal e, especialmente, da Legião Brasileira de
Assistência, da qual era Presidente
80
.
Segundo o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, não houve desvio
de finalidade porque:
A primeira dama tem o direito de realizar recepções na residência oficial do
Governo com recursos públicos para receber senhoras da sociedade, sem
cometer excessos ou abusos, que no caso concreto, não houve. As
despesas, de pequena monta, na hipótese, foram normalmente custeadas
pela administração do palácio do Planalto, dentro da dotação orçamentária
própria (...) Não houve o desvio de finalidade, pelo fato de a
homenagem ter sido extensiva a uma amiga sua e colaboradora na
Presidência da República e na LBA. (...) Em princípio, é legal e legítimo o
uso de residência oficial do Presidente da República, pela Primeira Dama,
para promover recepções a pessoas da sociedade, custeadas pelos cofres
públicos, caso não haja desvio de finalidade que, no caso em debate não
houve
81
.
Ademais, o Superior Tribunal de Justiça alegou que cabia ao autor a prova
do desvio de poder, sendo que não houve demonstrado qualquer violação a
dispositivo legal pela ré.
“Porém, em outro precedente, o mesmo Tribunal entendeu que os réus
teriam que comprovar a finalidade pública de viagem e em outro que a prova caberia
ao autor
82
.”
Também é interessante lembrar o considerado leading-case do STJ no tema
em desvio de finalidade. O terceiro exemplo fala a respeito de Município do Estado
de São Paulo onde tramitava projeto para aumento de remuneração dos vereadores.
Contudo, após a eleição municipal, como a maioria não se reelegeu, votou-se
substitutivo ao projeto originário, reduzindo a remuneração dos vereadores.
O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo anulou o ato sob o argumento
de desvio de finalidade, cuja decisão foi confirmada pelo STJ:
O desvio de poder pode ser aferido pela ilegalidade explícita (frontal ofensa
ao texto da lei) ou por censurável comportamento do agente, valendo-se de
competência própria para atingir finalidade alheia àquela abonada pelo
interesse público, em seu maior grau de compreensão e amplitude. A
análise da motivação do ato administrativo, revelando um mau uso da
competência e finalidade despojada de superior interesse público, defluindo
80
ANDRADE, 2004, op. cit., p. 15.
81
STJ. Resp 77.779-DF, Rel. Min Garcia Vieira, DJU 12-04-99.
82
Respectivamente: Resp 52.082-SP e Resp 77.779-DF
o vício constitutivo, o ato aflige a moralidade administrativa, merecendo
inafastável desfazimento. No caso, embora guardando aparência de
regularidade, ressaltando o desvio de finalidade, revestindo-se de
ilegalidade deve ser anulada a Resolução concessiva do aumento de
remuneração
83
Para o Tribunal, a redução da remuneração dos vereadores da legislatura
posterior configurou atitude de mesquinha competição, uma vez que os vereadores
não eleitos tomaram ciência de que não se beneficiariam mais com o projeto.
Embora o ato editado pela Câmara dos Vereadores fosse legal e regular, havia
influência política e não visava à economia em nome do interesse coletivo. Havia,
portanto, vício nos motivos do ato.
“Sobre a aplicação de penalidades aos servidores públicos, o STJ entendeu
ter havido desvio de finalidade quando o servidor foi punido criminalmente por um
determinado fato e, com base nesse mesmo fato, punido na esfera penal,
pretendeu-se extrair mau comportamento para licenciá-lo
84
:”
Fundado na convivência do serviço, com base apenas na circunstância de
estar o recorrente classificado na categoria de ‘mau comportamento’, cuja
indissociabilidade da infração penal de que adveio sua condenação é
reconhecida tanto pela Administração, quanto pelo aresto fustigado – o
licenciamento sob censura revela-se, no mínimo, ato destituído de
motivação apta a legitimar a exclusão do militar em questão do serviço ativo
da Aeronáutica e o seu conseqüente desligamento da organização a que
estava vinculado. [...] Procede, a meu ver, o argumento da sentença
segundo o qual a indigitada medida administrativa revestiu-se de inolvidável
‘desvio de poder’ para atingir finalidade alheia. [...] Foi na linha dessa
doutrina que considerou o Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo
constituir abuso de poder a remoção de servidor público sem justificativa
das razões de ordem pública para providência
85
.
Em sede de desapropriação, o Superior Tribunal de Justiça entendeu que a
destinação do imóvel para outra finalidade, que não aquela descrita no ato
expropriatório, importa em desvio de finalidade, a gerar direito de indenização ao
particular:
Entendo que assiste razão aos recorrentes, eis que o imóvel teve sua
finalidade desviada, uma vez que o objetivo da desapropriação – construção
de quadra poliesportiva não foi atingido. não desvio de finalidade
quando o bem desapropriado para um fim público passe a ser usado para
outro fim público [...]. No caso em exame, a destinação do imóvel para
depósito de veículo para DETRAN não atende ao preceito expropriatório da
83
STJ. Resp 21.156-0SP, Rel Min. Milton Luiz Pereira, DJU 10-10-94
84
ANDRADE, 2004, op. cit., p. 19.
85
RT, 664/63.
finalidade pública, eis que, embora faça o órgão parte da administração
pública, o depósito não gera benefícios para a comunidade local da mesma
ordem caso tivesse sido erigida a quadra de esportes. Não impressiona o
fato de ter-se destinado, anos depois da desapropriação e após o
ajuizamento da ação, grande parte da área da Fazenda Pública de São
Paulo, visando a instalação de Delegacia de Ensino, eis que patente o
receio da Municipalidade quanto ao resultado deste processo
86
.
Nesse precedente, o Ministro Peçanha Martins foi voto vencido ao entender
que se o bem foi utilizado para fim público qualquer, mesmo que não o consignado
em ato expropriatório, o se trata de retrocessão. Para ele, bastava a prova da
utilização do bem expropriado em iniciativas e serviços de natureza pública.
Sendo assim, o Poder Judiciário adota o exame dos motivos do ato
administrativo. Contudo, larga é a discussão sobre o ato administrativo viciado ser
anulado por qualquer razão ou fundamento, seja o vício no elemento finalidade,
motivo ou competência.
E, para ma maior efetividade da legalidade, principalmente no que tange ao
desvio de poder, faz-se mister que o Judiciário, com maior freqüência e
menos inibição, parta para o exame dos motivos do ato, ou seja, se os
motivos alegados existem e se são aptos ou idôneos à edição do ato
administrativo. E, dentro desse exame administrativo, a função jurisdicional
deverá entrar no âmago do poder discricionário, para perquirir se a
finalidade que pautou a edição do ato administrativo foi aquela mesma
finalidade normativa em razão da qual o poder discricionário foi conferido ao
administrador
87
.
86
STJ, Resp 43.651-SP, Rel. Min. Eliana Calmon, DJU 05-06-2000.
87
ANDRADE, 2004, op. cit., p. 21.
6 RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL DO ESTADO
6.1. Introdução
“Responsabilidade é noção categorial, no campo do direito, peculiar a todos
os setores da atividade humana.”
1
Segundo Élcio Trujillo,
[...] de todos os seus significados, fundados nas mais diferentes doutrinas,
aquele que mais imune tem se colocado às críticas é o que adota a noção
de responsabilidade como aspecto da realidade social. Este instituto não é
exclusivo da vida jurídica, mas antes, vincula-se a todos os campos da
atuação social
2
.
Portanto, responsável é, em princípio, o homem ou entidade por ele criada
para agir. Sua ação penetra não o mundo físico, mas também o moral,
religioso, social, político, econômico e jurídico. Em todos eles normas
que limitam a ação humana, restringindo-a. Transpostas, desencadeiam a
aplicação de sanções. Responde-se de algum modo, material, moral ou
espiritualmente, pelos prejuízos causados pela violação normativa
3
.
Yussef Said Cahali define responsabilidade do Estado como “[...] obrigação
legal que lhe é imposta de ressarcir os danos causados por suas atividades a
terceiros
4
”.
Ao tratar do tema, inevitável remeter às três funções do poder estatal:
administrativa, jurisdicional e legislativa.
Observa Maria Sylvia Zanella di Pietro que, quando se trata de dano
resultante de comportamento do Executivo, do Legislativo ou do Judiciário, a
responsabilidade é do Estado, pessoa jurídica; por isso é equivocado falar-se em
responsabilidade da Administração Pública, já que esta não tem personalidade
jurídica, não é titular de direitos e obrigações na ordem civil.
A atividade lesiva da Administração Pública advém do descumprimento de
um contrato ou da infração das obrigações gerais que todos devem respeito,
1
STERMAN, Sonia. Responsabilidade do Estado. Movimentos multitudinários: saques, depredações, fatos de
guerra, revoluções e atos terroristas. Revista editora dos Tribunais, 1992. p. 12
2
TRUJILLO, Élcio. Responsabilidade do Estado pelo ato lícito. Dissertação (Mestrado em Direito) - Faculdade
de História, Direito e Serviço Social. Universidade Estadual Paulista. Unesp. Franca. 1995. p. 34.
3
Ibdem.
4
CAHALI, Yussef Said. Responsabilidade civil do Estado.o Paulo: Revista dos Tribunais, 1982. p.1
referentes ao patrimônio alheio.
Tal responsabilidade é eminentemente civil, portanto, de ordem pecuniária.
Entende-se, pois, que esta responsabilidade patrimonial decorre de atos jurídicos,
ilícitos, ações ou omissões do Poder Público.
Configurar-se-á a responsabilidade desde que haja dano causado a terceiro
por comportamento omissivo ou comissivo do Estado. Ainda que o ato seja lícito, se
causar dano ao indivíduo, impondo-lhe ônus maior que o suportado aos demais
membros da sociedade, o Estado responderá civilmente.
Enfim, “[...] a responsabilidade extracontratual do Estado corresponde à
obrigação de reparar danos causados a terceiros em decorrência de
comportamentos comissivos ou omissivos, materiais ou jurídicos, lícitos ou ilícitos,
imputáveis aos agentes públicos
5
.”
Numa perspectiva histórica, o tema recebeu tratamento distinto conforme o
tempo e o espaço, sendo certo que se relacionou intimamente com o regime político
e sua base filosófica.
Fato é que o tema, a responsabilidade das pessoas jurídicas de direito
público, demonstra-se recente, cerca de pouco mais que cem anos. Tem sua origem
ligada ao Direito Administrativo, por obra do Tribunal de Conflitos Francês, na notória
decisão do caso Blanco, de 1873.
Ao longo de sua evolução, conheceu períodos de irresponsabilidade,
passando para a responsabilidade subjetiva, vinculada à culpa, sendo que ainda
hoje é aceita em várias hipóteses; evoluindo para a teoria da responsabilidade
objetiva, aplicável conforme requisitos variáveis de um sistema para outro, segundo
normas do direito positivo.
A teoria da irresponsabilidade prevaleceu na época dos estados
absolutistas. Entendia-se que o rei era o Estado, sendo que possuía autoridade
incontestável perante o súdito. Ademais, por ele exercer a tutela do direito, não
poderia agir contra ele
6
. Assim, esta teoria negava a responsabilidade do Estado,
pela reparação dos danos causados aos particulares, pois, se atribuísse
responsabilidade ao Estado, estaria colocando-o no mesmo nível do súdito, sendo
um desrespeito a sua soberania.
Com o tempo, essa teoria passou a ser combatida por condições óbvias: se
5
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 562.
6
The king can do no wrong.
o Estado deve tutelar o direito, o pode este deixar de responder por atos que
causem danos a terceiros.
Tanto os Estados Unidos, quanto a Inglaterra, abandonaram a teoria da
irresponsabilidade, por meio do Federal Tort Claim Acta, de 1946, e Crown
Proceeding Act, de 1947, respectivamente. Contudo, sofre limitações esta
responsabilidade, não se aplicando aos entes locais nem às empresas estatais.
Outra importante teoria é a da culpa civil ou da responsabilidade subjetiva.
Segundo esta teoria, o Estado é responsável desde que demonstrada a culpa.
Nesta segunda fase da evolução histórica do instituto, a questão se põe
parcialmente sobre o terreno civilístico; para deduzir uma responsabilidade
pecuniária do Poder Público, faz-se remissão aos princípios da
responsabilidade por fato de terceiro (patrão, amo ou comitente/preponente,
representado, mandante)
7
.
Num primeiro momento, para fins de responsabilidade, os atos distinguiam-
se em atos de império e de gestão, admitindo-se em relação aos últimos a
responsabilidade e, em relação àqueles, negando-a.
O Estado desempenhava duas classes de funções: essenciais ou
necessárias, caracterizando-se por assegurar a existência do Poder Público
relativas à manutenção da ordem constitucional e jurídica e, sendo ele soberano, em
contrapartida, havia as denominadas facultativas ou contingentes, que satisfaziam
necessidades locais, de progresso, bem-estar, sendo o Poder Público gestor de
interesses coletivos.
Ao par disso, os primeiros atos seriam aqueles praticados pela
Administração com prerrogativas, privilégios de autoridade, impostos unilateral e,
coercitivamente, ao particular, independentemente de autorização judicial, os quais
eram regidos por um direito especial, exorbitante do direito comum, porque os
particulares não podem praticar atos semelhantes.
Os segundos seriam praticados pela Administração em situação de
igualdade com os particulares, para a conservação e desenvolvimento do
patrimônio público e para a gestão de seus serviços; como não difere a
posição da Administração e a do particular, aplica-se a ambos o direito
comum
8
.
7
CAHALI, Yussef Said. Responsabilidade Civil do Estado. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 20.
8
DI PIETRO, 2005, op cit., p.564.
Entretanto, houve severa oposição a essa teoria, em virtude da
impossibilidade de se dividir a personalidade do Estado, tanto pela dificuldade,
quanto pela divisão de suas atividades em atos de gestão e na prestação de
serviços públicos.
Cretella Júnior entende que:
[...] embora apresentando inegável progresso em relação à teoria anterior, a
teoria dos atos de gestão (com culpa evidente do funcionário) de modo
algum é satisfatória em face dos princípios que informam os sistemas
jurídicos, porque para aquele que sofre o dano não interessa a natureza do
ato, se é de império ou de gestão. Se o Estado é o guardião do Direito,
como deixar desamparado o cidadão que sofreu prejuízo do próprio
Estado?.
9
Abandonou-se, atualmente, esta distinção entre os atos de império e de
gestão, contudo, ainda hoje, há autores que continuam apegados à doutrina civilista,
aceitando a responsabilidade do Estado desde que demonstrada a culpa.
As teorias publicistas da responsabilidade do Estado dividem-se em: teoria
da culpa do serviço ou da culpa administrativa e teoria do risco, que se subdivide em
risco administrativo e risco integral.
A primeira delas, teoria da culpa do serviço ou da culpa administrativa,
representou o ponto de transição entre as idéias civilistas e a doutrina
publicista da responsabilidade do Estado. Utilizaram-se, porém, noções
provenientes do direito privado para estabelecer os seus fundamentos,
confrontando a relação servidor público - Estado, com a relação
empregador-empregado, ampliando contudo, a noção de culpa
10
.
Dessa forma, desvinculo-se a responsabilidade do Estado da idéia de culpa
do funcionário, passando-se a considerar a culpa do servidor público. Realizou-se
distinção entre a culpa individual do funcionário, sendo certo que quando
configurada, ele responderia individualmente por ela; já, quando o fosse possível
identificar a culpa do funcionário, haveria a culpa anônima do serviço público, e,
portanto, a responsabilidade do Estado, pelo mal funcionamento, atraso ou omissão
do serviço.
Para a teoria do risco administrativo, constitui condição de adminissibilidade
da obrigação estatal o estabelecimento do vínculo etiológico entre a atuação
administrativa e o evento lesivo, devendo, tanto o comportamento tido por
9
CRETELLA JÚNIOR, José. O Estado e a obrigação de indenizar. São Paulo: Saraiva, 1980. p. 70.
10
TRUJILLO, 1995, op. cit., p. 68.
gerador do dano, quanto o próprio dano alegado, apresentar características
tais que os tornem aptos a desencadear a obrigação estatal
11
.
Segundo Maria Sylvia,
[...] essa doutrina baseia-se no princípio da igualdade dos ônus dos
encargos sociais: assim como os benefícios decorrentes da atuação estatal
repartem-se por todos, também os prejuízos sofridos por alguns membros
da sociedade devem ser repartidos. Quando uma pessoa sofre um ônus
maior do que o suportado pelas demais, rompe-se o equibrio que
necessariamente deve haver entre os encargos sociais; para restabelecer
esse equilíbrio, o Estado deve indenizar o prejudicado, utilizando recursos
do erário público
12
.
Substitui-se, pois, a noção de culpa pela de nexo de causalidade entre o
ato-funcionamento do serviço público e o dano-prejuízo sofrido pelo administrado. É,
assim, denominada teoria do risco, por se entender que a atividade estatal gera risco
de dano e é objetiva, pela própria característica de que para estar configurada a
responsabilidade, basta o nexo causal entre o ato estatal e o dano suportado pelo
particular.
A teoria do risco divide-se em: risco administrativo e risco integral, sendo
que aquela admite as causas excludentes da responsabilidade do Estado,
culpa de terceiros e força maior, enquanto esta, não. Entretanto,
entendimento diverso da doutrina, ao afirmar-se que não há como delimitar
o contorno das modalidades de risco administrativo, de risco integral e
mesmo do acidente administrativo. Nesse terreno, extremamente movediço,
rótulos iguais para designar coisas diferentes, e rótulos diferentes para
designar coisas iguais
13
.
No mesmo sentido, Cahali argumenta que
[...] a distinção entre o risco administrativo e risco integral não é ali
estabelecida em função de uma distinção conceitual ou ontológica entre as
duas modalidades pretendidas de risco, mas simplesmente em função das
conseqüências a uma ou outra modalidade: o risco administrativo é
qualificado pelo seu efeito de permitir a contraprova de excludente de
responsabilidade, efeito que se pretende seria inadmissível se qualificado
como risco integral, sem que nada seja enunciado quanto à base ou
natureza da distinção
14
.
11
FREITAS, Marisa Helena D’Arbo Alves. Responsabilidade do Estado pelos danos às vítimas de crime. Tese
(Doutorado em Direito) – Faculdade de História, Direito e Serviço Social. Universidade Estadual Paulista.
Unesp. Franca, 2001. p.87.
12
DI PIETRO, 2005, op. cit., p. 265.
13
ZANCANER, Weida. Da responsabilidade extracontratual da Administração Pública. São Paulo, Ed. RT,
1981, p. 95.
14
CAHALI, 1996, op. cit., p. 40.
Sendo assim, vê-se que as divergências são terminológicas, ao entender
que a responsabilidade é, portanto, objetiva, em que se prima por observar se houve
o nexo causal entre o ato, funcionamento do serviço público e o dano, prejuízo
suportado pelo particular.
6.2. Responsabilidade Objetiva do Estado
Historicamente, observa-se que as Constituições pátrias, desde 1946,
adotaram um posicionamento de responsabilização objetiva do Estado. Nesse
sentido, o se cogitou a irresponsabilidade estatal no ordenamento jurídico, sendo
aceita a responsabilidade como princípio geral e fundamental.
Identificou-se, mesmo nas Constituições anteriores, uma certa solidariedade
estatal dos atos dos agentes da Administração Pública. Entretanto, até então a
responsabilidade era relacionada à culpa. Necessário se fazia demonstrar
imprudência, negligência ou imperícia do agente público e o ato por ele praticado.
Dispunha o Código Civil de 1916 em seu artigo 15:
As pessoas jurídicas de direito público são civilmente responsáveis por
atos de seus representantes que nessa qualidade causem danos a
terceiros procedendo de modo contrário ao Direito ou faltando a dever
prescrito em lei, salvo o direito regressivo contra os causadores do dano.
Acontece que a demonstração de culpa pela vítima revelava-se de difícil
demonstração tendo em vista a sua inferioridade desta com relação ao Estado,
chegando, muitas vezes, a ficar sem a indenização pela condição de desigualdade
entre as partes.
Em razão disso, a Constituição de 1946 adota a responsabilidade objetiva
do Estado, desconsiderando a necessidade da inquirição de culpa. O artigo 194
prescrevia que “as pessoas jurídicas de direito público interno o civilmente
responsável pelo dano que os seus funcionários, nessa qualidade causem a
terceiros”.
Assim,
[...] a partir da Constituição de 1946, a responsabilidade civil do Estado
Brasileiro passou a ser objetiva, com base na teoria do risco administrativo,
onde não se cogita da culpa, mas, tão somente, da relação de causalidade.
Provado que o dano sofrido pelo particular é conseqüência da atividade
administrativa, desnecessário se perquirir a ocorrência de culpa do
funcionário ou, mesmo, de falta anônima de serviço. O dever de indenizar
da Administração opor-se por força do dispositivo constitucional que
consagrou o princípio da igualdade dos indivíduos diante dos encargos
públicos
15
.
Por sua vez, o art. 37, § , da Constituição Federal de 1988, prevê
expressamente:
As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras
de serviço blico responderão pelos danos causados que seus agentes,
nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurados o direito de regresso
contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
Portanto, no mesmo sentido das Constituições anteriores, manteve-se a
responsabilidade objetiva do Estado, sob a modalidade de risco administrativo e
também se estabeleceu a responsabilidade subjetiva do funcionário.
Em suma, apenas as pessoas de direito público União, Estados, Distrito
Federal, Municípios, Terririos e autarquias possuem responsabilidade objetiva.
as pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços blicos
entidades da administração indireta que executem atividade econômica de natureza
privada sociedades de economia mista e empresas blicas não se aplicaa
regra constitucional, mas a responsabilidade subjetiva de direito civil, quando não
desempenharem serviço público.
Ademais, deverá haver o dano causado a terceiros em decorrência da
prestação de serviço público, isto é, o nexo de causa e efeito. E, ainda, o dano
deverá ser causado por agente das aludidas pessoas jurídicas, o que abrange todas
as categorias: agentes políticos, administrativos ou particulares em colaboração com
a Administração, sem interessar o título sobre o qual prestam serviço. Por fim, os
agentes deverão agir nessa qualidade, ou seja, deverá agir, causar o dano, em
nome do exercício de suas funções.
15
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 4. ed. São Paulo: Malheros. 2003., p 242.
6.3. Causas excludentes e atenuantes da responsabilidade
Aponta a doutrina que a responsabilidade do Estado poderá ser atenuada
quando a atividade estatal não for causa única do evento danoso. Estando aliada a
outras circunstâncias. Identificam-se, no tema em tela, basicamente, duas formas de
excludente da responsabilidade do Estado: força maior e culpa da vítima.
A força maior é o acontecimento exterior, independentemente de vontade
humana, fato imprevisível, estranho à vontade do homem, acidente cuja causa é
conhecida, mas que se apresenta com um caráter de irresistibilidade.
São, portanto, fenômenos da natureza terremotos, ciclones, maremotos,
tempestades, que dentre outros fatos que apresentam característica de
inevitabilidade diante das possibilidades técnicas, está alheio à vontade do sujeito a
quem se pretende atribuir responsabilidade do dano causado.
Distingue-se, por outro lado, do caso fortuito, pois, neste o dano é
decorrente de ato humano, e, assim, admite seja configurada a falha da
Administração. Portanto, são elementos distintos por terem fontes geradoras
diversas.
No caso de motivo de força maior aliado à omissão do Poder público na
realização do serviço, o Estado será responsabilizado por não ter tomado as
condutas necesrias para que se evitasse o dano a terceiro. É o caso, por
exemplo, de quando as chuvas provocam enchentes na cidade, inundando
casas e destruindo objetos, o Estado responderá se ficar demonstrado que
a realização de determinados serviços de limpeza dos rios ou dos bueiros e
galerias de água pluviais teria sido suficiente para impedir a enchente
16
.
Porém, neste caso, entende-se que a responsabilidade não é objetiva,
porque decorrente do mau funcionamento do serviço público; a omissão na
prestação do serviço tem levado à aplicação da teoria da culpa do serviço
público (faute du service); é a culpa anônima, não individualizada; o dano
não decorreu de atuação de agente público, mas de omissão do poder
público
17
.
Pode-se dizer que, da mesma forma, ficará caracterizada a omissão do
Estado quando se tratar de ato de terceiros, como no caso de danos causados por
multidão ou por delinqüentes, tendo em vista a manifestação do mau funcionamento,
não funcionamento ou funcionamento tardio, sendo suficiente para justificar a sua
16
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 3. ed. São Paulo: Atlas, 1992. p. 362.
17
Ibdem.
responsabilidade.
Num segundo momento, a culpa da vítima também exclui a
responsabilidade do Estado. Contudo, é necessário apreciar se esta culpa se revela
de maneira total ou parcial. Se total, o Estado não responderá, em contrapartida, se
a culpa for parcial, atenua-se a sua responsabilidade ao repartir com a vítima.
6.4. Responsabilidade por Atos Legislativos e Judiciais
Quando se fala em responsabilidade do Estado, entende-se a dimensão nos
três tipos de funções pelas quais se reparte o poder estatal: a administrativa, a
jurisdicional e a legislativa.
“A função legislativa representa, sem dúvida, a mais profunda manifestação
política do organismo estatal, posto que, através dela, opera-se o fenômeno da
criação do Direito, entendendo-se como tal o conjunto de regras jurídicas que
organizam e disciplinam a vida da coletividade e do próprio Estado
18
.
Via de regra, com relação aos atos legislativos prevalece a
irresponsabilidade.
A lei, em sentido material, ato legislativo típico, não pode causar prejuízo a
ninguém enquanto norma genérica, abstrata e impessoal; seus efeitos,
positivos ou negativos, dependem da sua efetiva incidência sobre o caso
concreto, quando, então, passível de reparação será o ato jurídico ou
administrativo que ensejou a aplicação da norma, jamais a lei em tese. A lei
absolutamente genérica nada mais que simples interesse pode contrariar. A
eventual lesão de direito subjetivo decorrerá diretamente da aplicação da lei
e apenas indiretamente dela
19
.
Com relação às leis inconstitucionais, a responsabilização do Estado
depende de prévia manifestação de vício pelo Supremo Tribunal Federal. Por essa
manifestação confirma que o dano foi causado por ato emitido contra a lei, ou seja,
fora do exercício de competências constitucionais.
quanto às leis de efeitos concretos, que atingem pessoas determinadas,
haverá responsabilidade por elas fugirem às características de generalidade e
18
CAVALIERI FILHO, Sérgio Cavalieri. Programa de responsabilidade civil. 6. ed. São Paulo: Malheiros,
2005. p. 286.
19
Ibid., p. 286.
abstração, elementos inerentes aos atos normativos. Tais indivíduos acabam
suportando ônus não compartilhado por outros membros da sociedade.
Na realidade, a lei de efeito concreto, embora promulgada pelo Legislativo,
com obediência ao processo de elaboração das leis, constitui, quanto ao
conteúdo, verdadeiro ato administrativo, gerando, portanto, os mesmos
efeitos que este quando cause prejuízo ao administrado,
independentemente de considerações sobre a constitucionalidade ou não
20
.
Por fim, Cretella Júnior entende que haverá respgnsabilidade do Estado
mesmo em se tratando de leis constitucionais quando, embora com o intuito de
editar normas gerais e abstratas, o poder Legislativo acaba atingindo diretamente
um grupo delimitado de pessoas.
Sobre a responsabilidade do Estado por atos jurisdicionais, o assunto não é
pacífico, havendo divergências doutrinárias.
Primeiramente, existem os adeptos da tese de irresponsabilidade os quais
fundamentam seu posicionamento com base na independência da Magistratura,
prerrogativa de caráter absoluto. Entendem serem os juízes não responsáveis pelos
danos que suas decisões erradas possam causar. Somente em casos de revisão ou
rescisão da sentença haveria possibilidade de ressarcimento do prejuízo infligido por
uma sentença ilegal.
O Supremo Tribunal Federal entende que
[...] o Estado não é civilmente responsável pelos atos do Judiciário, salvo
casos declarados em lei. Por exemplo, no caso de demora da decisão de
uma causa, o juiz responderá civilmente quando incorrer em fraude, dolo ou
sem justo motivo, omitir ou retardar medidas que deve ordenar de ofício ou
a requerimento da parte
21
.
Contra o entendimento da irresponsabilidade repousam os seguintes
argumentos: o Judiciário o é um super poder colocado sobre os outros; soberano
é o Estado como um todo, como entidade titular máxima do poder político, sendo
que os três poderes exercem atribuições em seu nome; ademais, ainda que
soberano, este se subordina à lei, sem abdicar à sua soberania; e, por fim, a
independência do juiz não implica na irresponsabilidade do Estado.
20
DI PIETRO, 1992, op. cit., p. 363.
21
RTJ 39/190, 56/273, 59/782, 94/423.
6.5. Reparação do dano e Ação Regressiva
A reparação de danos causados a terceiros pode se dar diretamente na
esfera administrativa, caso haja acordo entre o ente público e a pessoa lesada.
Trata-se de situação em que a Administração reconhece desde logo sua
responsabilidade e ajusta o valor da indenização.
Não sendo resolvida a questão na via administrativa, o prejudicado poderá
acionar o Poder Judiciário, ingressando com a ação de indenização contra a pessoa
jurídica que causou o dano.
Dispõe o art. 37, § 6º, CF:
As pessoas de direito público e as de direito privado prestadora de serviços
públicos responderão pelos danos que seus agentes causarem a terceiros,
assegurando o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo
ou culpa.
Assim, claro é o dispositivo, ao afirmar que quem responde pelo dano é a
pessoa jurídica causadora do dano, a qual tem o direito de regresso contra o seu
agente, desde que tenha agido com dolo ou culpa.
A ação poderá ser proposta diretamente contra o agente público, quando
demonstrado sua culpa ou dolo, ou, contra o ente responsável, quando incidia
responsabilidade objetiva, que dispensa a prova subjetiva, ou, ainda, contra os dois.
O prazo prescricional que visa obter indenização por danos causados a
terceiros por agentes de pessoas jurídicas de direito público ou pessoas jurídicas de
direito privado prestadoras de serviços públicos é de cinco anos, conforme o art. ,
Lei n. 9.494/97.
Em contrapartida, quem defenda que o prazo é de 3 anos, através de
interpretação normativo-sistemática do art. 206, §, V, do Código Civil
22
.
Sendo assim, a Constituição Federal prevê em seu artigo 37, § , o dever
de indenizar do Estado aqueles que sofram prejuízo com a conduta dos agentes
públicos. Da mesma forma, assegura o direito de regresso contra o agente
responsável pelos danos, nos casos de dolo ou culpa.
Haverá, pois, direito de regresso do Estado de cobrar do agente público a
22
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 15. ed. Rio de Janeiro: Lúmen
Júris, 2004. p. 473-474.
quantia que ele pagou a terceiro lesado em razão do ato culposo ou doloso do
agente. Será imprescindível a ação de regresso nos casos em que dano ao
erário, conforme o art. 37, § 5º, CF.
Ocorre que, existe discussão acerca da necessidade ou não da
denunciação da lide ao agente nas ações em que o Estado é processado pelo
particular.
De acordo com o art. 70, III do Código de Processo Civil:
A denunciação à lide é obrigatória: (...)
III àquele que estiver obrigado, pela lei ou pelo contrato, a indenizar, em
ação regressiva, o prejuízo do que perder a demanda.
Sobre o tema, identificam-se três posições doutrinárias:
Primeiramente, existem aqueles que o admitem a denunciação por
entenderem que implicaria misturar na mesma ação a responsabilidade objetiva do
Estado com a responsabilidade subjetiva do agente (culpa). Assim, determina-se
que se ajuíze ação de regresso com base no art. 122, § 2º, da Lei 8.112/90
23
.
Há, ainda, quem entenda que a denunciação da lide é facultativa. No caso,
a leitura do comando legal art. 70, III, CPC não é obrigatória e, sim, uma
faculdade do Poder Público. Portanto, caso o Estado não deseje promover a
denunciação, poderá, posteriormente, exercer seu direito de regresso contra o
servidor em uma ação autônoma.
Tal entendimento é o da Primeira Seção do STJ que vem firmando
entendimento jurisprudencial nesse sentido:
A denunciação da lide ao agente do Estado em ação fundada na
responsabilidade prevista no artigo 37, § 6º, CF não é obrigatória, vez que a
primeira relação jurídica funda-se na culpa objetiva e a segunda na culpa
subjetiva, fundamento novo não constante da lide originária
24
.
Por último, aqueles que entendem que a denunciação é obrigatória, sob
pena de não ser possível, posteriormente, exercer o direito de regresso, com
fundamento no próprio artigo 70, III, CPC.
Enfim, embora a divergência doutrinária exista, acompanha-se o
entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça, sendo facultativa a
23
Art. 122, parágrafo, Lei n. 8.112/90: “tratando-se de dano causado a terceiros, responderá o servidor perante
a Fazenda Pública, em ação regressiva”, afasta qualquer denunciação à lide ou litisconsórcio.
24
Resp 313.886.
denunciação da lide no caso de ação regressiva.
6.6. Responsabilidade Penal do agente público
Nas palavras de Bandeira de Mello,
[...] responsabilidade criminal consiste na aplicação de medidas coercitivas
genéricas, legalmente cominadas, contra a pessoasica ou natural, a fim de
manter a ordem social, preservando-a por suas violações, de caráter
intimidativo e repressivo, que obrigam, pela sua exemplaridade e rigor, o
respeito ao direito. É o dever de cada membro da sociedade co-participar
para a harmonia das relações jurídico-sociais dos indivíduos
25
.
Ao falar de responsabilidade penal do agente público, está se referindo à
prática de ato definido como crime funcional. Será ato criminoso praticado contra o
Estado em que o agente público irá suportar pena prevista em lei, por ato comissivo
ou omissivo no exercício de seu cargo.
Por outro lado, existem atos que o particular pode praticar que configuram
como crimes específicos contra a Administração Pública, tais como de corrupção
ativa, desacato ou usurpação de cargo ou função pública e, ainda, de contrabando.
A doutrina faz uma distinção entre crimes funcionais próprios e impróprios.
De uma maneira simples, os crimes funcionais próprios seriam aquele que
necessariamente devem ser praticados pelo funcionário público por haver previsão
no tipo pena, caso contrário haverá atipicidade e não existirá crime. Por sua vez, os
crimes funcionais impróprios que podem ser praticados tanto pelo funcionário público
como pelo particular. A diferença, entretanto, encontra-se no fato de que, se
praticado pelo funcionário público, apesar de não alterar a tipicidade, cria-se uma
configuração especial do delito.
A responsabilidade criminal pela prática de ilícito penal por parte do agente
público encontra previo no Código Penal.
Uma vez condenado pela prática de ilícito penal, o funcionário público
enfrentará também conseqüências civis e administrativas tendo em vista a
25
MELLO, Oswaldo Aranha Bandeira de. Princípios gerais de direito administrativo. Rio de Janeiro: Forense,
1969. v. 02. Das pessoas. p. 487-488.
independência das esferas preconizada pelo ordenamento jurídico. Assim sendo,
ainda que absolvido criminalmente, poderá ser responsabilizado civil e
administrativamente, salvo nos casos em que se decidiu pela inexistência do fato
delituoso ou autoria.
Contudo, em havendo ação penal em andamento, afigura-se conveniente
aguardar-se o desfecho do processo criminal, sustando-se a instância administrativa,
em casos de falta disciplinar a que corresponde crime definido pela Lei Penal, pelos
motivos anteriormente mencionados. Embora não haja proibição legal do
processamento concomitante para apuração de ambas as responsabilidades.
Concluindo,
[...] para efeitos penais, considera-se funcionário público quem, embora
transitoriamente ou sem remuneração exerça cargo, emprego ou função
pública. Ainda, equipara-se a funcionário público quem exerce cargo,
emprego ou função em entidade paraestatal, e quem trabalha para empresa
prestadora de serviço contratada ou conveniada para execução de atividade
típica da Administração Pública
26
.
26
Art. 327, parágrafo , CP.
CONCLUSÃO
A teoria do desvio de poder é uma das mais importantes construções
teóricas do Direito Administrativo, fundada no controle do exercício dos poderes
administrativos dentro da finalidade pública para a qual se instruiu aos agentes
públicos.
A partir de sua criação pela jurisprudência e doutrina francesa, a teoria
passou a ser adotada praticamente por todos os países do sistema romano-
germânico. Entretanto, destaca-se que a dificuldade do controle jurisdicional do
desvio de poder reside na prova da ocorrência do desvio.
Em geral, como visto, o desvio de finalidade decorre da intenção viciada do
agente detentor de competência discricionária. “[...] Em tais casos, é preciso analisar
o móvel do agente, tarefa árdua porque quanto mais grave for o desvio, mais
dissimulado será o agente
1
.”
Tendo em vista essa problemática de comprovação do desvio de poder,
houve o declínio da teoria do desvio de poder no âmbito do próprio Conselho de
Estado Francês. Assim, atualmente, o desvio de poder é raramente utilizado nas
decisões de anulação, desempenhando, portanto, papel subsidiário.
Porém, entende-se que a aplicabilidade da teoria é de vital importância no
controle dos atos administrativos. Observa-se grande mérito na teoria do desvio de
poder pela noção do interesse público como centro da legalidade administrativa.
Assim, ao dar um caráter atual à teoria do desvio de poder relacionado-a à
improbidade administrativa se traz à tona uma nova óptica à sua aplicabilidade.
A lei de improbidade administrativa constitui-se um modelo de controle
repressivo, sendo instrumento eficaz para coibir o mau exercício das funções
públicas e o chamado desvio de poder, alçado à categoria de improbidade diante
das penalidades que comina aos agentes públicos.
Entende-se que o desvio de poder é uma das figuras centrais da
improbidade. A sua formação se dá no seio das três modalidades da Lei n. 8.429/92.
Há, pois, muitos tipos de desvio de poder, na medida em que interfere no
1
MELLO, Rafael Munhoz de. O desvio de poder. Revista de direito administrativo. Rio de Janeiro, 228: 31-66,
Abr/Jun. 2002. p. 59.
reconhecimento da ilegalidade substancial, am de emprestar conteúdo à
imoralidade e pessoalidade administrativa.
Na valoração do desvio de poder, haverá de se considerar: valores, normas
e atores envolvidos.
Admite-se que nem todo desvio de poder é considerado improbidade, mas,
normalmente, se configura.
Portanto, conclui-se que a teoria do desvio de poder possui relevância e
merece destaque maior entre os estudos jurídicos.
No mesmo sentido, deve ela ganhar força nas decisões do Judiciário como
fundamento de controle dos atos administrativos.
Casos de imoralidade jurídica são vários no cotidiano nacional, verificável
pelo contraste entre os motivos internos do agente administrativo e as finalidades
contidas explicita ou implicitamente na norma legal.
Necessário se faz que os órgãos que controlam a legitimidade dos atos da
Administração apreciem com cautela, em especial, a Magistratura, e passem a
utilizar mais a teoria dando-a um caráter atual relacionando-a à própria Lei de
Improbidade Administrativa.
Poucos foram os julgados de corrupção encontrados que aliaram o desvio
de poder na sua fundamentação. Carece, assim, de maior atenção para que haja
maior efetividade da legalidade, principalmente no que tange essa teoria estudada.
Faz-se mister que o Judiciário, com maior freqüência e menos inibição, parta
para o exame dos motivos do ato, ou seja, se os motivos alegados existem e se são
aptos ou idôneos à edição do ato administrativo.
Dessa forma, esse poder irá se mostrar mais presente ao examinar a
completa legalidade do ato administrativo, não apenas apreciando questões formais
ou sua legalidade extrínseca, sob temor de apreciar o mérito administrativo.
Ao utilizar a teoria do desvio de poder, estará prestigiando o que mais
valioso na doutrina administrativa, além de exercer melhor controle dos atos
administrativo.
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JULGADOS
Responsabilidade civil do Estado. Morte de filho menor em creche municipal.
Desnecessidade da cogitação de licitude ou ilicitude do fato de culpa dos
funcionários. Suficiência do nexo de causalidade entre o fato lesivo e a atitude da
referida creche. Aplicação da teoria do risco administrativo. Verba devida pelo
Município. (RT, 780:348).
Indenização. Acidente de trânsito. Evento ocasionado por buraco na via pública sem
a devida sinalização. Inexistência de culpa da vítima. Verba devida em face do
princípio da teoria do risco administrativo. Intelincia do art. 37, § 6, da CF. (RT
747:285).
Responsabilidade civil. Metrô. Danos morais e materiais. Tentativa de assalto, com
resultado morte, nas dependências de estação. Dever de entidade zelar pela
segurança dos seus usuários. Indenização devida, além das despesas de luto e
funeral (TJSP Ap. 67.754-5-SP, mara de Direito Privado, Rel. Jovino de Sylos
Neto, j. 26-3-2001).
DESVIO DE PODER.No que concerne à competência, à finalidade e à forma, o ato
discricionário está o sujeito aos textos legais como qualquer outro. O ato que,
encobrindo fins de interesse público, deixe à mostra finalidades pessoais, poderá
cair na apreciação do Poder Judiciário, não obstante originário do exercício de
competência livre. O fim legal dos atos da administração pode vir expresso ou
apenas subentendido na lei. O direito que resulta não da letra da lei, mas do seu
espírito, exsurgindo implicitamente do texto, também pode apresentar liquidez e
certeza que se exigem para concessão do mandado de segurança”. (TJ RN, em
RDA, vol. 14, p. 52).
DESVIO DE PODER.É nulo o ato de Interventor Federal que demite funcionário do
Estado não para atender a interesses públicos, mas para atender a móveis de
vingança pessoal (STF, em RDA, vol. 9, p. 173).
DESVIO DE PODER. “O poder de exonerar e nomear não é dado aos
administradores para que satisfaçam a interesses particulares ou simpatias
ideológicas ou paritárias. Devem visar ao interesse público” (TA SP, em RDA, vol.
70, pp. 172-174).
DESVIO DE PODER. “É nula a demissão de funcionários sem que tenha sido
apontada, expressamente, a sua falta funcional” (TJ-SP, em RDA, vol. 113, p. 143).
DESVIO DE PODER. “É nulo o ato administrativo expropriatório que não se
fundamente em interesse público” (TJ-PE, em RT, vol. 129, p. 704).
DESVIO DE PODER. “O fato da não-utilização da coisa expropriada não caracteriza,
por si , independentemente das circunstâncias, desvio do fim da desapropriação”
(STF, em RDA, vol. 77, p. 238).
DESVIO DE PODER. “Desde que as terras desapropriadas tenham destino
diferente, a finalidade da desapropriação foi desvirtuada, devendo o desapropriante
devolve-las ao seu dono, ou indenizá-lo” (STF, em RDA, vol. 48, p. 231).
DESVIO DE PODER. Se o expropriante, além das obras mencionadas em lei, inclui
outra, não ocorre em desvio de finalidade” (TJ-SP, em RT, vol. 409, p. 228)
DESVIO DE PODER. “Ocorre desvio de poder ou finalidade, dando causa à
retrocessão, quando o expropriante aliena o bem, ou cede o uso, por qualquer título,
a instituição privada, ainda que tenha fins sociais” (STF, em RDA, vol. 138, p. 134).
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