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R. faz uma relação direta entre o caboclo e o morador da Zona Leste de Manaus, ou
mais precisamente o pobre, morador da cidade que não freqüenta os mesmos lugares que os
barés, estes os autênticos cidadãos manauaras, ou de classe média. A associação entre
caboclos e os moradores da Zona Leste nos revela uma outra variação para se entender a
representação de caboclos no ambiente urbano:
Falando de caboclos e barés, você falou também ribeirinhos, qual seria a
diferença entre o nordestino, o baiano talvez?
Eu acho aquilo que eu te falei antes, eu acho que, por exemplo, o nordestino tem
mais esse negócio de provar para todo mundo que ele é bom, para o pessoal do sul,
falam assim: “ah, o pessoal lá do norte”, mas quando eles falam “pessoal do norte”
eles não estão se remetendo necessariamente aos nortistas, estão se referindo aos
nordestinos... eu não sei, o nortista ele fica meio que, não vou dizer despercebido,
não é no sentido pejorativo que eu estou falando, mas o nordestino é mais cobrado,
ele aparece mais também... o apelo que se tem do nordeste, até mesmo em função da
cultura, dessas bandas de axé que vão na mídia, o Boi não é uma coisa divulgada,
então fica meio que apagado. Quando o cara lá de baixo fala que o nortista é isso,
nortista aquilo, não está se referindo ao nordestino, e o nordestino, a grande maioria
da população é negra, então você tem que trabalhar o tempo inteiro com essas
variáveis, do cara ser negro, do cara ser nordestino, então ele tem que estar sempre
pronto, o nortista não, ele tem aqui uma riqueza imensa, vem todo mundo para cá,
mamar, então ele está na dele e fala: “olha, vocês estão usando, estão abusando e eu
quero retorno”, você vê muita gente aqui vendendo, alugando o seu espaço para que
pessoas de fora vão trabalhar e ganhar dinheiro e ele ganha o aluguel, eu acho isso...
então, por exemplo, os nossos funcionários aqui, uma reclamação que eu tenho, eles
chegam, “cara eu tô morrendo de fome”, vem andando lá da Cidade Nova, sem
comer três dias direito, a gente faz, dá uma cesta básica, dá um salário mínimo e dá
roupa, dá não sei o quê, enfim, de repente, um final de semana, não aparece! Aí
chega no outro dia como se nada tivesse acontecido, ah dona R. foi isso, foi aquilo,
aí começa um final de semana sim, outro não, daqui a pouco outro...
[...]
Eu estou dizendo que é o que eu percebo, isso falando das pessoas que eu convivo
aqui, o nordestino tem uma diferença, ele sabe que se ele não trabalhar e juntar
aquilo ali, ele vai ter seca e ele vai passar fome, e ele já passou e não quer fazer isso
de novo, e o nortista não, ele sabe que se o negócio apertar, ele vai para a beira do
rio, joga lá um anzolzinho, ele vai comer peixe. No nordeste não tem isso, então se o
cara não fizer aquele trabalho da formiguinha, de juntar no inverno, no caso o nosso
seria no sertão, na época do verão mesmo, ele não vai ter o que comer. Eu acho que
o nortista não, ele está acostumado, por exemplo, com esse esforço, essa invasão que
se tem de pessoas de fora, ocupando os cargos, eu acho isso um absurdo, outra
crítica que eu tenho, você não vê aqui grandes empresas amazonenses, você não vê,
tem várias, lógico, mas a grande maioria é de fora, o cara vem, pega um incentivo do
governo, monta uma empresa aqui, traz toda a parte da diretoria lá de baixo. O chão
de fábrica é amazonense. Os cargos intermediários são amazonenses, mas ele está
acostumado a isso porque ele tem o dele, ele tem a qualidade de vida dele, o peixe.
Isso é diferente do nordestino. O nordestino não, pode observar, [...] Então tem isso,
você pode ver um amazonense progredindo assim, pode ver, mas tem muita
influência do cara que é o pai dele, que é um político, que é um cara influente, que
herdou uma herança, é difícil você ver um amazonense que batalhou, teve que
construir um patrimônio desse, porque também tem um outro detalhe: aqui, como eu
te falei antes, é muito rico, então tem famílias que são ricas, sei lá, tinha-se muito
patrimônio, muita terra e foi vendido, como tem muita gente de fora você vende, é