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SUEIDA SOARES PERALTA
As representações de uma professora sobre si mesma,
sobre leitura e avaliação num trabalho de formação
docente
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
São Paulo
2007
Tese apresentada à Banca Examinadora
da Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo, para Qualificação ao título de
Doutor em Lingüística Aplicada e Estudos
da Linguagem sob a orientação da Profª.
Dra. Mara Sophia Zanotto.
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Banca Examinadora
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No meio do caminho
No meio d o caminho tin ha uma pedra
tinha u m a pedra no me io do caminho
tinha u ma p edra
no mei o do caminho tin ha uma pedra .
Nunca m e esquecerei d e sse acontec imento
na vi da de minha s r e tinas tão fatig a das.
Nunca me esquecerei q ue no meio d o ca m inho
tinha u ma p edra
Tinha uma pedra no meio do ca minho
no mei o do caminho tin ha uma pedra .
Carlo s Drummond de A n drade
Autorizo, exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a
reprodução total ou parcial desta tese por processos de
fotocopiadoras ou eletrônicos.
DEDICATÓRIA
A meu eterno amore companheiro de lutas, de respeito
mútuo, de desenvolvimento intelectual e humano; cúmplice de
todas as horas: Antonio Sérgio (Sé), nestes 25 anos de vida.
A meus filhos queridos: Caio e Thaísa, razão de meu viver,
amar, lutar e pensar nos filhos de outras pessoas.
À minha mãe, Onofra Aparecida Soares, exemplo de
perseverança, que me ensinou a não calar diante das injustiças
dos homens.
À minha sogra Marta Sciarini Peralta, pelo exemplo de
paciência e carinho.
Aos meus irmãos queridos Jorge José Soares (deficiente),
Marta Soares Ribeiro e Eva Soares (Quinca), pelo carinho.
A todos os professores da rede pública, os verdadeiros
heróis anônimos da educação, que contribuem para o
desenvolvimento da sociedade, mesmo em condições adversas
e das limitações.
Agradecimento especial
A Deus por ter me dado a vida, a saúde e forças para
eu chegar até aqui.
À minha querida família por ter me apoiado e entendido minha
dedicação,
angústia, alegria, sofrimento, em especial a meu marido
Antonio Sérgio e
meus filhos Caio e Thaísa, pela força, carinho, incentivo,
partilha e amor.
À participante da pesquisa Profa. Alzira (nome fictício), porque
aprendi muito com esse ser humano - Alzira - ao admirá-la e ao
conviver com ela nos dois anos em que estivemos juntas,
colaborativamente:
A minha atividade docente é parte de meu ser, cidadã, que procura
agir conscientemente, apesar das limitações que enfrento: minhas,
no grupo, na instituição escolar (Alzira, 2005).
Faço minhas suas palavras auto-avaliativas para expressar o
que ela representou para mim neste processo de formação
docente:
(...) Alzira é danada....olha, que maravilha! (E6)
Agradecimentos
À profa. Dra. Elisabeth Brait, sensível, humana, por sua
compreensão dos momentos em que fragilizei na caminhada e por
acreditar e defender que o aluno, no processo de ensino-
aprendizagem, se emancipa como indivíduo, numa visão bakhtiniana.
À minha orientadora, Profa. Dra. Mara Sophia Zanotto, por ter me
acolhido, ter me orientado nesta difícil pesquisa e por ter me
apontado novos caminhos para eu ser e me constituir como uma
verdadeira pesquisadora ao tentar superar as representações
limitadas de mim mesma como sujeito.
À Profa. Dra. Angela Cavenagh Lessa, com quem aprendi o valor da
colaboração, em todos os momentos, pelas preciosas observações
sobre o trabalho e as contribuições e nova oportunidade de pensar.
À Profa. Dra. Helena Nagamine Brandão, meiga e doce, por ter
propiciado, num momento de tensão entre pesquisador e pesquisa,
meu crescimento como pesquisadora, de maneira mais humana.
À Profa. Dra. Dieli Vesaro Palma, por ter emprestado seu olhar de
pesquisadora e gestora, desde a primeira Banca de Qualificação,
para que este trabalho tivesse chegado com a qualidade que
merecia.
À Profa. Dra. Regina Helena Pires de Brito, por ter me dado
oportunidade de tornar-me uma pesquisadora com um olhar mais
rico.
À Profa. Dra. Solange de Castro, por ter me emprestado seus ricos
conhecimentos sobre representações de professor.
À Profa. Dra. Fernanda Coelho Liberali, com quem voltei a sonhar
como educadora, pelas críticas e contribuições.
À Profa. Dra. Maria Inês Batista Campos, por ter sido mais que uma
professora, ter sido minha interlocutora, ter comigo partilhado a
aprendizagem, contribuindo com meu crescimento intelectual.
À Profa. Dra. Tânia Romero, por acreditar em meus ideais e me
apoiar nesta caminhada, colaborativamente.
À uma pessoa especial, Profa. Dra. Vilma Lemos, que se tornou
amiga, por ter me apontado o caminho das pedras, cedido seu
material e livros e me encorajado para a concretude da pesquisa.
À Profa. Dra. Maria Antonieta Alba Celani, minha mestre inspiradora
no fazer pedagógico, no conhecimento e na disciplina.
À Profa. Dra. Isabel Cappelletti, da Pós-Graduação em Educação, da
PUC-SP, por ter tantas vezes me estendido seu ombro amigo e por
acreditar que algum potencial, como ser aluno, eu tenho.
À Profa. Solange Ferrari de Lima, minha coordenadora do Curso de
Secretariado Executivo do Unifieo, amiga, companheira, parceira,
que, nos momentos difíceis, fez com que eu me reerguesse como
fênix das cinzas.
Ao Prof. Dr. Adail Sobral, mestre dos mestres, por valorizar que o
conhecimento do homem se entrelaça com o conhecimento científico,
quando, então, torna-se um ser pensante e se materializa
divinamente.
À Profa. Dra. Cleomar Azevedo, do Unifieo, por ter comigo partilhado
horas de sua jornada, encontrado sempre uma brechinha para me
ouvir e estender-me a mão.
Ao Prof. Dr. Roberto Paiva, mestre, amigo, humano por ter se valido
de esforços para que eu chegasse até aqui.
À Profa. Dra. Sandra Regina Nunes, do Unifieo, que se dispôs
sempre a ler o meu material e apontar novas possibilidades.
Ao Ricardo Dall´Àntônia, revisor incomparável, solidário e dedicado.
Ao Dr. Ricardo Domingues, pela disposição com que me acolheu.
Ao Prof. Marco Antonio Palermo Moretto, pela atenção e
desprendimento.
À funcionária Márcia Ferreira Martins, do LAEL, pelo carinho, apoio,
incentivo e por acreditar que todos os alunos podem crescer quando
realizam uma pesquisa.
À funcionária Maria Lúcia Reis, do LAEL, que me orientou nas
questões administrativas.
À Maria Clara Machado (Pichú), pela transcrição dos dados.
Ao dirigentes do Unifieo, especialmente, Dra. Ma. Célia Soares
Hungria de Lucca, por ser sensível, humana, ter me incentivado e
pela bolsa parcial até 2003.
Aos colegas do Unifieo, principalmente, os dos Cursos de
Comunicação Social, Educação Física e Secretariado Executivo, por
terem vibrado por mim, acompanhado cada passo, neste estudo.
À Sandra Regina Ramos C. de Bulhões Carvalho, por me ajudar a
digitar parte deste trabalho, a qualquer momento, quando precisei.
À diretoria, coordenação e professores da escola pública, onde esta
pesquisa foi realizada.
A todos os meus alunos do Unifieo, que me acompanharam neste
trabalho, torcendo por mim.
Aos demais professores e colegas do LAEL-PUC, berço em que me
formei, obrigada.
A todas as crianças sem pai, que vivem em internatos, nas guerras,
mas que podem sonhar com uma sociedade mais justa e solidária.
Àqueles que, de forma direta ou indireta, contribuíram para
elaboração desta pesquisa.
RESUMO
Este trabalho tem por objetivos identificar as representações que
uma professora de Geografia constrói sobre si mesma, sobre leitura e
avaliação e verificar como a mudança da prática de leitura em sala de aula
desencadeou uma mudança dessas representações. Busca discutir as
representações da professora que emergem durante o processo de
formação docente e a aplicação de novas ferramentas pedagógicas - o
protocolo verbal em grupo (Zanotto, 1997, 2005) e o revoicing (O´Connor
& Michaels, 1996)- em aulas de leitura, de uma escola estadual da Grande
SP. Teoricamente, a pesquisa está embasada na perspectiva sócio-
histórica (Vygotsky, 1934/2000). Parte ainda da concepção de leitura como
processo social tal como proposta por Bloome (1993) e do conceito de
representação, nos termos de Spink (2003,1993ҡ2004), Freire e Lessa
(2003) e Magalhães (2004), e a noção de representação mental negativa
(Sato 1993ҡ 2004). Trata-se de uma pesquisa etnográfica de cunho
colaborativo, definida como a que possibilita a negociação entre a
professora participante da pesquisa, os alunos e a
pesquisadora/formadora, num processo recíproco de aprendizagem. Os
dados foram coletados em 2005 e são relativos à demanda da professora -
sua dificuldade na prática de leitura de textos específicos de Geografia. A
análise dos dados foi realizada segundo a proposta de Bronckart (1999)
sobre os conteúdos temáticos, ligados às representações. Os resultados
apontam que a problematização das representações da professora durante
o trabalho contribuiu para a reversão de sua prática tradicional de leitura
e avaliação, com menos domínio dos turnos na interação e a participação
mais efetiva dos alunos nas aulas de Geografia, desencadeando um
processo de mudança das representações da professora com relação a si
mesma como profissional. Além disso, o trabalho resultou numa inovação:
o uso do protocolo verbal em grupo que é um instrumento de pesquisa ¬-
também como instrumento de avaliação.
Palavras chave: professora de Geografia representação social leitura
avaliação novas ferramentas pedagógicas
ABSTRACT
The present work aims to identify the representations that a
geography teacher constructs about herself and to verify how the change
on the practice of reading unchains a change in these representations. It
seeks to discuss the representations of this teacher during a teacher's
education work and the use of new didactic resources ¬- the verbal
protocol in group or thinking aloud (Zanotto, 1997; 2005) and revoicing
(O'Connor & Michaels, 1996) in reading classes of a São Paulo State
school. Theoretically, the research is based in the social-historical
perspective (Vygotsky, 1934/2000). It also adopts the conception of
reading as a social process as proposed by Bloome (1993) and the
concept of representation according to Spink (2003, 1993/2004), Freire &
Lessa (2003) and Magalhães (2004), as well as the notion of negative
mental representation (Sato 1993/2004). It is an ethnographic research of
a collaborative kind, defined as one that makes possible the negotiation
among the teacher participating of the research, the pupils and the
Sumário
Introdução 1
Capítulo I – Linguagem e Formação
de Professor 9
1.1 A linguagem como ação 10
1.2 Representações 12
1.3 Teoria sócio-interacionista 22
1.4 Mediação 23
Capítulo IV – Análise e discussão dos dados 71
4.1 Encontros 1 e 2: Demanda da professora 74
4.2 Encontros 3 e 4: Prática de leitura e o pensar alto
em grupo e revoicing 83
4.3 Aula 1 - 8ªC 92
4.4 Encontro 5: sessão reflexiva sobre aula 1 99
4.5 Aula 2 - 8ªA 104
4.6 Encontro 6: A questão da avaliação 112
4.7 Representações da professora sobre si mesma,
sobre sua prática de leitura e avaliação 123
Considerações finais 131
Referências Bibliográficas 141
Anexo A: O êxodo rural 148
Anexo B: Canadá: sociedade multicultural e potência econômica 150
Anexo C: Quadros demonstrativos das sessões
reflexivas no HTPC 2004 152
Anexo D Projeto de ação Escola Pública 2004 156
Introdução
Esta pesquisa é um estudo de caso, decorrente de um trabalho
de formação docente contínua, desenvolvido pela autora junto a uma
professora de Geografia de uma escola da Rede Pública Estadual de
São Paulo. Nesse trabalho de formação docente, foram realizados
encontros em que se discutiram temas como leitura em sala de aula,
avaliação e práticas pedagógicas. Além disso, tendo em vista o
objetivo do trabalho de formação, a professora, em sala de aula,
buscou aplicar novas ferramentas pedagógicas - o protocolo verbal
em grupo e o revozeamento (explicadas no capítulo II) - que também
foram abordadas nas reuniões.
Durante as referidas discussões, emergiram representações
que a participante construía sobre si mesma como profissional e
sobre sua prática de leitura em sala de aula, bem como sobre
avaliação. Isso porque, de um lado, a pesquisadora verificou que,
desde o início, as falas da participante sobre leitura em sala de aula
e avaliação tinham caráter negativo e dependiam da maneira como a
participante construía sua imagem de si mesma como profissional,
que era igualmente negativa, e, do outro, porque vários estudos
(citados a seguir) já têm demonstrado que a mudança das práticas
educacionais (ou trabalho, no dizer de Sato 1993/2004) passa pelo
2
plano das representações de professores sobre si mesmos como
profissionais.
Dentre os trabalhos sobre representações realizados no LAEL
destacam-se, por exemplo, Castro (2004), Horikawa (2002) e Freire &
Lessa (2003). Em suas buscas, as pesquisadoras mostram que é por
meio do estudo de representações sociais (doravante RS) de
professores, propiciado pela mediação da linguagem, que se podem
abrir novos caminhos que orientem os profissionais da educação a
agir voltados para uma postura crítica com relação às suas próprias
atividades. Esse processo se dá, segundo estudiosos de
representações como Celani & Magalhães (2002), Freire & Lessa
(2003), Lane (1993/2004), Sá (1993/2004), Sato (1993/2004), Spink
(2003, 1993/2004) e outros, por meio do questionamento do chamado
conhecimento prático, isto é, o "senso comum" (cf. exp. Spink, 2003)
de suas RS. É por meio de questionamento propiciado pela reflexão
sobre o fazer pedagógico do professor que se podem tornar "visíveis"
aspectos até então "invisíveis". A formação docente é um dos
caminhos para o processo de conscientização da realidade pelo
professor, já que o instiga a uma atuação como agente de mudança
em seu contexto profissional (Celani, 2003), levando-o à atualização
das RS (isto é, sua reconstituição e modificação a partir da tomada
de consciência sobre elas; cf. Sá, 1993/2004 e Leme, 1993/2004).
Sendo a escola, com toda sua complexidade, reconhecida por
Freire (1968/2006), Giroux (1997), Magalhães (1996, 2004), Liberali
(1999, 2003), e outros autores com quem dialogo, como um palco
político de conflitos e de contradições, instrumento de reprodução de
idéias, é que a formação docente, em espaço escolar, carece de ser
incentivada.
Segundo esses autores, deve-se criar um ambiente em que a
prática pedagógica possa ser questionada e problematizada, em que
o "senso comum" possa ser trazido à superfície e transformado de
alguma medida. Imbuída então deste compromisso como
3
pesquisadora e formadora, destaco que, para que esta pesquisa
pudesse ser realizada, foi necessário minha familiarização com o
contexto a fim de poder facilitar uma ação crítica colaborativa por
meio de uma mediação segura. Em minhas ações, procurei
considerar a realidade da escola e a necessidade da professora
participante. Esse processo foi possível porque me vali da reflexão e
da negociação (Magalhães, 2002, 2005) por meio da linguagem.
Aliás, destaco que esse é um ponto fundamental em pesquisa
etnográfica de cunho colaborativo, onde o diálogo, que se dá pela
ação da linguagem, é um processo de interação social porque, no
dizer de Magalhães (2002), por exemplo, cria tensões/conflitos.
Dessa forma, o trabalho de formação com a Profa. Alzira (nome
fictício) se realizou uma vez por semana, durante o segundo
semestre de 2005, durante seu horário vago (janela) para conversas
sobre as teorias e os textos e, posterior aplicação de novas
ferramentas pedagógicas o protocolo verbal em grupo (pensar alto)
e o revozeamento. Na escolha dos textos teóricos (Rojo, 1999;
Zanotto, 1997, 2005; O`Connor & Michaels, 1996 e Saul, 1999).
Nesses encontros, busquei privilegiar os que estivessem mais
próximos da realidade da professora e que pudessem orientá-la em
sua prática docente.
Destaco que a necessidade de trabalhar com as representações
de Alzira surgiu em campo, no âmbito do trabalho de formação,
quando a professora associou seu desempenho profissional à
imagem que fazia de si mesma, revelando assim as representações
que tinha sobre si e sobre a prática de leitura em sala de aula e
avaliação. As representações sociais de Alzira fizeram aflorar
aspectos negativos com relação a si própria, por exemplo, a imagem
de carrasca (sic) que ela mesma atribuía a si, numa clara
manifestação de tensão entre sua prática e a negação do que não
considerava justo, por exemplo, ao dar punição a alunos que
4
atrapalhassem as aulas de leitura, enquanto lia em voz alta, durante
seu trabalho (Sato, 1993/2004).
Quanto às pesquisas realizadas na PUC-SP que contribuíram
para a área de Lingüística Aplicada, destaco ainda como relevantes
para este estudo aquelas que trabalharam com a teoria do protocolo
verbal em grupo o pensar alto e foram orientadas pela Profa. Dra.
Mara Sophia Zanotto (coordenadora do Grupo de Estudos e
Indeterminação da Metáfora GEIM ): Nardi (1999); Queiroz (2002);
Moretto (2002); Ferling, (2005), Lemos (2005), Silva (2005) e outros.
O trabalho apresentado aqui é uma pesquisa etnográfica de
cunho colaborativo, realizada junto a uma professora de uma escola
pública da Grande-SP, num processo de formação docente. Pode
assim ser considerada inovadora porque contribuiu para a melhoria
de ação em sala de aula da participante tanto através da análise das
representações sociais, que afloraram durante o trabalho
colaborativo de formação, como da aplicação voluntária pela
participante do protocolo verbal em grupo pensar alto - e do
revozeamento (explicados no capítulo 2, que trata da leitura) como
novas ferramentas didáticas em sua prática de leitura em sala de
aula.
Os dados foram coletados no âmbito de um trabalho de ação
colaborativa voltado para identificar as necessidades de formação da
referida professora, com vistas a construir colaborativamente (isto é,
a partir de uma ação conjunta da professora e da pesquisadora) uma
modificação que atendesse às necessidades profissionais da
professora. Esta pesquisa etnográfica de cunho colaborativo buscou
criar condições para levar a professora a refletir e ver com novos
olhos sua prática nas aulas de Geografia para propor, num complexo
contexto de atuação profissional, acesso a novas alternativas de
ação didático-pedagógica o protocolo verbal em grupo (pensar alto)
e o revozeamento baseadas na concepção do professor como um
5
mediador que dá voz ao aluno e a legitima, na construção dos
sentidos em grupo.
As necessidades da professora foram entendidas, como se
poderá perceber, não em termos do agir profissional geral da
professora (algo demasiado amplo para um curto processo de
formação), mas dentro da realidade da professora, considerando sua
prática de leitura e avaliação em sala de aula, com vistas à melhoria
de sua atuação e visando ao desenvolvimento de um novo olhar dela
com relação a si própria para atender à necessidade de mudança
daquilo que lhe causava um grande sofrimento mental e, portanto,
uma representação negativa de si mesma e de seu desempenho
profissional.
No referido trabalho de formação, houve encontros da
pesquisadora com a referida professora e a observação de aulas por
ela dadas e gravadas com sua autorização. Nesses encontros de
formação, levando também em conta a observação de aulas, a
pesquisadora percebeu que afloraram as representações negativas
que a professora construía sobre si mesma como profissional e sobre
sua prática de leitura em sala de aula e a avaliação. A pesquisadora
percebeu ainda que a questão da leitura em sala de aula foi um
gatilho para que as representações mais gerais sobre o agir
profissional emergissem.
A professora, com base nas suas representações negativas
sobre seu papel, mostrou interesse em aplicar as novas ferramentas
pedagógicas protocolo verbal em grupo e revozeamento - tendo em
vista encontrar nova saída para suas aflições em sala de aula. Em
outras palavras, a mudança em que a professora tinha interesse
envolvia em primeiro lugar uma insatisfação com a imagem que ela
fazia sobre si mesma como profissional, e essas representações
estavam vinculadas com, e incidiam sobre, as representações do
papel da leitura em sua prática profissional. A questão da avaliação
surgiu de uma observação da própria professora, que afirmou punir
6
com nota aluno que atrapalhasse as aulas de leitura e que não se
enquadrasse nas regras de leitura em sala de aula, o que não
poderia deixar de chamar a atenção da pesquisadora.
A pesquisa pretende identificar as representações que uma
professora de Geografia constrói sobre si mesma, sobre leitura e
avaliação e verificar como a mudança dessa professora e de suas
representações desencadeia um início de mudança em sua prática
pedagógica de leitura em sala de aula. Com esse fim, analisa os
dados a partir das seguintes questões:
1. Quais as representações que a professora constrói sobre si
mesma, sobre sua prática de leitura e avaliação durante um
trabalho de formação e que relações há entre a prática e as
representações da professora sobre si mesma?
2. De que maneira, ao longo do processo, a mudança da prática
da professora e de suas representações sobre leitura e
avaliação leva a um início de mudança das representações da
professora sobre si mesma?
Tendo em vista os objetivos da pesquisa, organizei o trabalho
em quatro capítulos, que descrevo a seguir. Antes, contudo, cabe
uma explicação: optei por apresentar primeiro o capítulo sobre
linguagem e formação docente, porque, como se poderá perceber, as
questões abordadas na pesquisa são principalmente de formação do
professor no tocante à aplicação de novas ferramentas pedagógicas
protocolo verbal em grupo e revozeamento - em sua prática
profissional de leitura e de avaliação, e não sobre a leitura ou a
avaliação como objetos fora do trabalho de formação: só no trabalho
de formação essas questões fazem sentido nesta pesquisa.
No Capítulo 1, apresento uma discussão sobre linguagem e
formação docente , abordando principalmente a questão das
7
representações que medeiam a atividade social do homem
(Magalhães, 2000 e outros, bem como Bronckart, 1999), a teoria
sócio-interacionista (Vygotsky, 1934-2000), num processo discursivo
no qual as realidades se (re)constroem. Como se sabe, vários
autores mostram que a transformação da prática docente passa pela
reflexão crítica sobre as representações que o sujeito tem dessa
prática. Nesse sentido, considero ainda autores e pesquisadores da
LA (já citados e outros) que me ajudam a discutir o tema e a refletir
sobre novas práticas de leitura em sala de aula no evento social de
leitura bem como no tocante à avaliação, no âmbito da prática
profissional mais ampla do professor, envolvendo as representações
que faz sobre si mesmo.
O segundo capítulo traz uma discussão sobre leitura,
considerando basicamente duas concepções: a leitura tradicional e a
leitura como processo social (Bloome, op. cit.), recorrendo à
contribuição de pesquisadores como O´Connor & Michaels, 1996;
Zanotto, 1997, 2005; Rojo, 1999; Queiroz, 2002 e Lemos, 2005,
Silva, 2005, entre outros. Além disso, discute a avaliação tradicional
e a formativa (Hadji, 2001). O enfoque seguido é o da leitura como
prática social, envolvendo o papel do professor e a avaliação, tendo
em vista o desenvolvimento cognitivo do aluno com vistas a ajudá-lo
a construir novos sentidos à realidade social.
No terceiro capítulo, é relatada a metodologia que orientou esta
pesquisa, apresentando o quadro da pesquisa etnográfica de cunho
colaborativo como possibilidade de realização deste estudo
investigativo. Liberali (2000, 20003, 2004), Magalhães (2004, 2005) e
outros autores ali considerados fundamentam esse caminho
investigativo.
No quarto capítulo, apresenta-se a análise dos dados coletados
nos encontros de formação e nas aulas nas 8
as
A e C. Por fim, em
minhas conclusões, procuro destacar as contribuições da pesquisa e
8
reconhecer as limitações percebidas, assim como discorrer sobre
futuros encaminhamentos.
Capítulo I
Linguagem e Formação de Professor
Pensar a formação docente significa
tomá-la como um continuum e entender
que ela é também autoformação(...).
Palma Filho et al., 2003
Neste capítulo, apresento os pressupostos teóricos sobre
a formação de professores a fim de arrolar elementos para a
interpretação das representações que a professora de Geografia
participante do trabalho de formação, desta pesquisa, faz
sobre si mesma, sobre sua prática de leitura e sobre a avaliação.
Primeiramente abordo o conceito de linguagem de acordo com Giroux
(1997) e Pennycook (1990). Passo em seguida a tratar das
representações, abordando mais detidamente idéias de Bronckart
(1999),de Celani & Magalhães, 2002, de Freire e Lessa (2003) e de Magalhães
(2004), Lane (2004); Spink ( 2003, 2004) e Sato (2004).
As propostas de Bronckart sobre representações, no âmbito de sua
concepção sóciodiscursiva, são compatíveis com a concepção de
linguagem e de leitura, de cunho interacionista, seguida no trabalho;
sua concepção de representação fornece o ponto de união entre uma concepção
etnográfica e uma concepção discursiva de representação. Os autores a que
recorri em termos da noção de representação se concentram em concepções
mais gerais de representação, ao passo que a proposta de Bronckart atende à
necessidade, surgida dos próprios dados do trabalho de
10
formação, de uma maneira produtiva de vincular em termos discursivos
os temas que afloraram no referido trabalho às representações tal como
entendidas pelos vários autores a que recorri.
Focalizo então a teoria socio-interacionista de Vygotsky (1934/2000,
2003), abordando a mediação, a formação de conceitos e a ZPD (Zona proximal
de desenvolvimento). Por fim, faço considerações sobre o atual
contexto da educação, de cunho neoliberal (Noronha, 1998 e Maciel &
Shigunov Neto, 2004) e a formação crítica (Schön, 2000; Zeichner, 2003
entre outros).
1.2 A linguagem como ação
A linguagem é considerada uma ferramenta importante para a
problematização, compreensão e modificação dos contextos educacionais
envolvidos numa ação comunicativa. Enquanto ferramenta (o que não lhe dá um
caráter mecânico),a linguagem ajuda a promover uma reflexão sobre a realidade
social, com vistas à transformação da sociedade.
Segundo Giroux (1997: 34), a falta de conscientização dos modos como a
linguagem está estruturada tem levado alguns educadores a se valerem
de uma linguagem castradora que impede o próprio educador de examinar
de maneira crítica as questões ideológicas que estão escamoteadas no
discurso. O escamoteamento será desvelado pela problematização da prática de
ensino. A problematização permite aos professores terem condições de refletir
sobre suas ações e compreender o significado da prática de sala de aula para
transformá-la. Dessa reflexão nascerá uma nova forma de o professor
compreender a linguagem para eliminar a opressão e renovar
democraticamente o fazer pedagógico.
11
Segundo Vygotsky (1934/2000), a linguagem é o sistema simbólico que
constitui a base da vida expressiva dos grupos humanos. Pela
linguagem, o sujeito pode libertar-se da lógica tradicional e
instaurar um novo discurso que assenta na concepção dialética. Nesse
sentido, cabe destacar que a linguagem, embora possa ser também meio
de coerção usado para promover mais obediência do que análise crítica,
conforme salienta Giroux (1997:36), pode também promover o
questionamento e a reflexão sobre a lógica imposta de mecanismos
lingüísticos mais poderosos e de influência mais sutil a fim de
encaminhar para novos modos de pensar, além de elaborar um modelo
democrático de aprender e de libertar as consciências (Perez Gómez,
1992).
O fato de ter sido realizado um trabalho de formação pela linguagem
mostrou que a necessidade da professora
participante da pesquisa incidia principalmente sobre sua própria
insatisfação com os recursos de que dispunha. Assim, foi partindo da
necessidade real da professora (dificuldade em trabalhar com leitura
devido a problemas de formação) que esta pesquisa se desenvolveu e
alcançou alguns resultados positivos. Tendo havido respeito à
necessidade que emergiu durante o trabalho de formação, não é,
portanto, uma pesquisa imposta pelo olhar da pesquisadora à professora
participante da pesquisa. Em conseqüência, prevaleceu a interação
social (dialógica) que favoreceu a troca de experiências e a partilha
de conhecimento da professora formadora e com a professora colaboradora pela
linguagem (Vygotsky, op. cit.), criando-se oportunidades para a análise, a
reflexão e o começo da transformação.
Por isso, entendo, à luz de Pennycook (1990), que, nós, lingüistas
aplicados, não podemos estar
alienados dos fatos reais de opressão, de injustiça que acontecem à
nossa volta, fingindo não enxergá-los, não admiti-los. A ignorância
desses fatos põe em risco nosso compromisso como estudiosos da
Lingüística Aplicada (LA) (por estarmos envolvidos com a linguagem e a
12
educação). Voltar as costas para os acontecimentos importaria
confessar nossa desatenção social e política como cidadãos, já que a
LA atravessa esses fatos sociais. Cabe ao lingüista aplicado assumir
seu papel de sujeito histórico/social. A cultura da linguagem
entendida como individual e biológica tem inibido e anulado o espaço
para uma cultura social, que considera os sujeitos em constante
interação, permeada que é pelas relações de poder.
Na formação do professor, podemos recorrer a sugestões de novos
modos de pensar o mundo para compreendê-lo, para transformá-lo, por meio da
linguagem, cujo fio condutor é social. É sabido que a tarefa não é
simples, dado que a linguagem é lugar de conflito, de confronto ideológico
(Brandão, 1995:12), não podendo estar desvinculada, portanto das condições
sócio-históricas.
1.3 Representações
Nesta seção, discuto o conceito de representações, considerando que
um dos objetivos desta pesquisa é investigar as representações de uma
professora de Geografia sobre si mesma, sobre sua prática de leitura e
avaliação. Para tanto, pauto-me nas idéias de Bronckart (1999) para o
suporte teórico no levantamento dos conteúdos temáticos e em Celani &
Magalhães (2002); Freire e Lessa (2003); Lane (1993/2004); Sá
(1993/2004); Spink (2003, 1993/2004); Sato (1993/2004) e outros para o
suporte teórico das representações. Primeiro, abordo o conceito de
representação, considerando os estudiosos da Lingüística Aplicada e da
Psicologia Social e, segundo, as idéias de Bronckart (Op. cit.).
A representação social (RS) é um ato do pensamento por meio do qual o
sujeito se relaciona com um objeto, decorrente de sua convivência. Tem
trazido novas perspectivas para o estudo que envolve os indivíduos nas
construções das próprias realidades sociais no âmbito da vida
cotidiana. Para Lane (2004:59), que parte de Moscovici, Durkheim e
13
Jodelet, nas representações, pode-se detectar os valores, a ideologia
e as contradições, enfim aspectos fundamentais para a compreensão do
comportamento social. Ela enfatiza que o interesse acadêmico para o
tema surgiu desde 1960 até os dias de hoje. Hoje, há uma tendência
científica em se considerar a integração entre os aspectos afetivos e
simbólicos. Lane (Op. cit., p. 60) diz que há um intercâmbio entre
intersubjetividade e o coletivo na construção de um saber que não se
dá apenas como processo cognitivo (Piaget), mas que contém aspectos
inconscientes (Freud), emocionais e afetivos tanto na produção como na
reprodução das representações sociais. Dessa forma, há uma
necessidade conceitual de, como já se falou, integrar aspectos mentais
e afetivos e avançar para uma concepção do ser humano essencialmente
social (ibidem).
Seguindo essa linha de pensamento, Lane (op. cit.) fala a respeito das
estratégias metodológicas que têm sido usadas para abordagem do
conceito de RS entrevistas abertas, semi-estruturadas, questionários
abertos e fechados, até escalas como as de ´diferencial semântico´
(op. cit.: 64). Ela ressalta a contribuição de seu grupo da PUC, que
apontou que as emoções e afetos emergiram como mediações
significativas quanto ao pensamento e linguagem, por um lado, e os
processos grupais, por outro. Nesse sentido, as emoções e os afetos
possibilitam conhecer a consciência, a atividade e a identidade de
indivíduos situados socio-historicamente, através da análise
dialética. Lane argumenta que tanto o estudo cognitivista de RS como a
questão metodológica permitem desenvolver estudos referentes ao
psiquismo humano visando à compreensão de como e por que os indivíduos
agem e pensam de determinada forma num determinado contexto.
Consistente com esse pensamento, Spink (2004) lembra que é só no
contexto social que o conhecimento (ancorado na esfera cognitiva) pode
ser analisado, já que é dentro do contexto que o conhecimento prático
(RS), ou senso comum, emerge, circula e se transforma. Segundo
afirma, estudo das RS em situações complexas aproxima-se das
14
etnografias ou da pesquisa participante em antropologia. A
pesquisadora discorre sobre trabalhos de estudiosos, dentre os quais
pode-se destacar o de Jodelet que foi realizado numa base comunitária
rural da França. A intenção de Spink é mostrar a importância de um
contexto real para a concretização de uma pesquisa. O contexto real
pode elucidar as condições de produção e de atualização das RS; seu
funcionamento e suas funções, eficácia e transformações (op. cit.:
94). Spink argumenta, citando Moscovici, que as RS são resultado de um
diálogo aberto entre os indivíduos, durante o qual emergem as RS
individuais, lembrando que é através do diálogo externo ou interno que
o pesquisador tem acesso às RS. Nessa direção, pesquisas sobre RS
devem se voltar a situações sociais e naturais e complexas, sendo,
pois, um requisito imprescindível para o acesso as condições de
produção dessas representações e característica de uma pesquisa
qualitativa.
À luz das propostas de Spink (2003), as representações emergem de dois
pontos de vista: no primeiro, como conhecimento prático (senso comum) para a
compreensão do mundo e para a comunicação; no segundo, como
construções com caráter expressivo e como elaborações de sujeitos
sociais sobre o objeto social valorizado. A relação entre homem x
mundo x objeto constitui-se em estruturas cognitivas afetivas nas
interações sociais com o cotidiano. Nessa perspectiva, deve-se levar
em conta o contexto que é influenciado pela ideologia, instrumento de
dominação, pois envolve a questão dos interesses e do poder.
Spink (2003), apoiada em Jodelet, afirma que as representações são
estruturas estruturantes, isto é, são formas construídas que surgem
nas respostas individuais do homem que se manifestam, tendo em vista
as tendências de afiliação estruturadas socialmente. Dessa forma, as
estruturas estruturadas revelam o poder de criação e de transformação
da realidade social (Spink, op. cit. p. 121), desde que se considere
a articulação afetiva, mental e social ligada à linguagem e às
relações sociais que influenciam as representações sociais e a
15
realidade. Ou seja, deve-se levar em conta o contexto em que essas
representações estão engendradas para lograr compreendê-lo.
De acordo com Spink (op. cit.) para compreender o contexto, importa
considerar a questão da estrutura sócio-histórico-cultural. Para tanto, há que
levar em conta a perspectiva temporal, que reúne desde a interação e o
processo de socialização até o domínio das memórias coletivas. Nesse último
item é que se pode considerar o imaginário social, entendido, à luz de Spink,
como um universo imaginário no qual se podem ativar estruturas de
crenças, considerando o que julgamos como (in)válido. Esse conteúdo do
imaginário social forma os núcleos mais estáveis das representações
(Spink, op. cit. p. 122). Essa estudiosa, apoiada em Vygotsky, afirma
que o indivíduo é sempre uma entidade social, ou seja, um símbolo
vivo do grupo que ele representa. As representações emergem no espaço
da interação, no discurso.
Quanto ao senso comum, deve-se interpretá-lo como conhecimento
legítimo e motor das transformações sociais, desde que situado num
novo horizonte. Em outras palavras, lançar um novo olhar sobre o senso
comum permite a percepção da realidade e das contradições sociais a
elas inerentes. Nessa perspectiva, as representações podem ser
entendidas como processo na orientação da ação e da linguagem,
considerando os mecanismos cognitivos e afetivos. O senso comum
envolve, como já se disse anteriormente, o conhecimento prático,
aprisionado (Spink, op. cit.) nos chavões de reprodução de
re-apresentações e envolvido numa cadeia de significados construída na
realidade social. Nesse sentido, o senso comum é capaz de criar
efetivamente a realidade social. Considerando as idéias de Spink (op.
cit.), é relevante ressaltar a posição de Freire e Lessa (2003) que
entendem representações como
maneiras socialmente construídas de perceber, configurar,
negociar, significar, compartilhar e/ou redimensionar fenômenos
pela linguagem e veiculadas por escolhas lexicais e/ou simbólicas
16
expressivas que dão margem ao reconhecimento de um repertório
que identifica o indivíduo e sua relação sócio-histórica com o meio,
com o outro e consigo mesmo. (Freire e Lessa, op.cit.p.174).
A noção de representação considerada por Freire e Lessa (op. cit.)
procura dimensionar a importância da linguagem como mediadora das
construções de representação pelo indivíduo em suas relações consigo
e com o outro, dentro de um contexto sócio-histórico. Pelas
relações sociais, será possível a (re) interpretação dos diferentes e
variados repertórios como conceitos para a construção de sentido.
_________
3 C o m o i m agi n á ri o s o c i a l , à l u z d e S p ink, c ompreen d o um u n i v e r s o imaginário n o qual s e podem a t i v a r
estruturas de crenças, cons iderando o que julgamos como (i n )válido
Magalhães (2004:66) considera as representações
uma cadeia de significações construídas nas constantes
negociações entre os participantes das interações e as
compreensões, expectativas, intenções, valores e crenças,
´verdades`, referentes a teorias do mundo físico; a normas,
valores e símbolos do mundo social e as expectativas do agente
sobre si mesmo enquanto sujeito em um contexto particular (isto é,
significações sobre seu saber, saber fazer e poder para agir) que
a todo momento, são colocadas para avaliação, desconstruídas e
revistas (op. cit. 2004:66).
Segundo Magalhães (2004), pode-se dizer que as
representações estão no cotidiano, dentro de contextos
17
sócio-históricos e culturais e fazem parte das relações interpessoais.
Estão determinadas em alguns componentes - opiniões, atitudes,
estereótipos, construídos no coletivo - e pela partilha do
conhecimento sobre as formas de pensar, sentir e agir.
Esse modo de ver as representações propicia um conjunto de
interpretações ou símbolos ou, ao contrário, geram controvérsias e
polêmicas diante das necessidades sociais. Pode-se assim dizer que as
representações sociais são as já estabelecidas socialmente e estão no
senso comum, já foram cristalizadas ou se renovam de acordo com os
interesses e necessidades dos grupos sociais, motivados pelos
contextos socio-político-ideológicos.
As representações podem ser reproduzidas pela linguagem que se vai
estabelecendo entre os povos, graças à prática social, aos
significados gerados dentro de um contexto em que ocorre a negociação.
Nesse aspecto, quando há reflexão do professor sobre sua ação e as
representações, há também condições de reversão de determinadas
maneiras de pensar, sentir e agir sobre o fazer pedagógico.
Ao elaborar o quadro do interacionismo sóciodiscursivo, Bronckart
(1999) se pauta em Vygotsky (1934 / 1985), Habermas (1987) e Ricoeur
(1986). O autor, partindo das posições desses estudiosos, considera as
condutas humanas como ações significativas estruturadas socialmente. O
contexto para Bronckart é o espaço da atividade nas formações sociais,
e nele são construídas as ações. É no quadro dessas ações que se
elaboram as capacidades mentais e a consciência do ser humano.
É nesse terreno fértil que Bronckart aborda o estudo da linguagem e
suas dimensões discursivas e textuais. Não vou apresentar toda a
abordagem de Bronckart, detendo-me em vez disso em idéias que são
relevantes como construto teórico para a análise dos dados, já que a
análise, como já foi dito, procura identificar as representações
através do levantamento dos conteúdos temáticos em que se manifestam.
18
Em conseqüência, importa considerar os fatos da linguagem como marcas
do dizer do individuo, aqui consideradas como representações
contextualizadas. Segundo Bronckart, as dimensões psicossociais são
acolhidas pelo interacionismo, mas para isso é necessário fazer
empréstimos de áreas como a lingüística e a sociologia e tentar
identificar os modos como a atividade de linguagem (exercida pelo ser
humano) se constitui socialmente (recorrendo ao agir comunicativo de
Habermas).
Falando da atividade, ele salienta que é mediante as organizações
funcionais de comportamento dos organismos vivos que os indivíduos
podem construir representações sobre o ambiente em que vivem. A
cooperação dos indivíduos em determinada atividade é regulada e
mediada pelo agir comunicativo, sendo nessa cooperação ativa que
emergem as representações, que se transformam continuamente, sobre
todos os aspectos da realidade.
Nessa abordagem, a linguagem humana se apresenta como uma produção
interativa dos agentes. Para Bronckart (1997), a partir de Habermas,
há três mundos representados por meio das relações interpessoais que
favorecem o surgimento das representações configuradoras do agir dos
homens através da mediação nas atividades sociais do
ser humano. Nesse aspecto, ele se propõe a estudar o processo no qual
se constroem os mundos objetivo, social e subjetivo. Assim, as pessoas
se constituem socialmente pelas ações estabelecidas, associadas aos
três mundos para formarem pontos de vista sobre a realidade.
Para Bronckart, o mundo objetivo é caracterizado pelos conhecimentos
coletivos acumulados no curso da existência do ser humano, e esses
conhecimentos são representados por signos. Ao pensar sobre uma
determinada ação, o indivíduo se vale de seus conhecimentos de mundo,
19
que estão armazenados em sua memória na forma de representações.
O mundo social, por sua vez, é organizado mediante tarefas
(compreendidas pelo autor como atividades) realizadas por e entre os
agentes de um mesmo grupo. Dessa maneira, as ações vão sendo
avaliadas, permitindo sua aceitação no contexto em que ocorrem. O
mundo social seria o regulador das modalidades de acesso dos
indivíduos aos objetos do meio, condicionando as formas de
estruturação do mundo objetivo e subjetivo.
O mundo subjetivo é organizado pelas experiências e representações de
cada agente. Nesse sentido, os signos aí produzidos acabam
determinando as características que cada agente manifesta porque
estabelece o lugar, a posição do enunciador e destinatário e o
objetivo.
Para o autor, os três mundos são organizados em torno de
representações do homem por meio da linguagem e de acordo com os
interesses de cada agente socialmente, de acordo com sua história
social. A linguagem é a mediação entre os agentes e o mundo,
favorecendo o entendimento e as relações interpessoais.
Bronckart sustenta que é pelo agir comunicativo que se constituem os
mundos representados e que esse agir é também o instrumento pelo qual
as ações são delimitadas. Ao falar sobre língua e textos, o autor
novamente toma como base as idéias de Saussure para destacar que uma
língua natural só pode ser apreendida através de produções verbais
efetivas que assumem diversos aspectos.
Ele sublinha que a noção de texto em suas propostas pode ser aplicada
a toda e qualquer forma de linguagem situada, oral ou escrita. Pode
designar toda unidade de produção de linguagem que veicule uma
mensagem completamente organizada e que produza efeitos sobre o
20
destinatário. Para esclarecer alguma confusão a respeito da
terminologia relativa à sua noção de texto, ele afirma:
chamamos de texto toda unidade de produção de linguagem
situada, acabada e auto suficiente (do ponto de vista da ação ou
da comunicação). Na medida em que todo texto se inscreve,
necessariamente em um conjunto de textos ou em um gênero,
adotamos a expressão gênero de texto em vez de gênero de
discurso (op. cit..: 75).
O autor justifica essa posição ao dizer que os gêneros textuais são
múltiplos e infinitos. Ele propõe ainda a expressão tipo de
discurso, em vez de tipo textual, e afirma que os discursos são
mobilizados pelo texto. A situação de ação de linguagem é vital para
abordar a linguagem interna ou afetiva e as representações sociais
sobre os três mundos. A linguagem externa caracteriza os mundos
formais. O que é uma situação de ação de linguagem? É o que designa as
propriedades dos mundos formais (físico, social e subjetivo) que podem
influenciar a produção dos textos.
Para formular metodologicamente hipóteses acerca de representações
especificas contidas em textos, são aspectos relevantes a escolha do
texto, o tipo de discurso, as seqüências textuais, os mecanismos de
contextualização e os mecanismos enunciativos que compõem o gênero do
texto escolhido. Em sua ação enunciativa, o agente deve mobilizar
algumas de suas representações sobre os mundos: de um lado, as
representações são requeridas nos contextos de produção textual e, de
outro, as representações sociais dos três mundos são requeridas na
forma de temas ou referentes.
21
A definição de conteúdo temático do autor, que importa especificamente
para este trabalho, é: um conjunto das informações que nele são
explicitamente apresentadas, isto é, que são traduzidas no texto pelas
unidades declarativas da língua natural utilizada (Bronckart, op.
cit.: 97). Nesse aspecto, ele considera que as representações sociais,
presentes na memória do homem, são as informações do conteúdo
temático. Ele lembra que, no ato da elocução, deve haver uma
reestruturação da produção textual, de acordo com uma dada lógica e
hierarquia. A organização do texto deve respeitar os planos do texto e
as seqüências que organizam esses conteúdos.
Dentre esses mecanismos, as formas das avaliações formuladas sobre
aspectos dos conteúdos temáticos, e que remetem a representações, são
denominadas modalizações. Das várias classificações existentes,
Bronckart conserva quatro categorias:
x
- As modalizações lógicas são os julgamentos sobre o valor de
verdade
das proposições enunciadas, que são apresentadas como certas,
possíveis, prováveis, improváveis, etc.
x
- As modalizações deônticas avaliam o que é enunciado à luz dos
valores sociais, apresentando os fatos enunciados como bons, maus,
estranhos, na visão de quem avalia.
x
- As modalizações apreciativas traduzem um julgamento mais
subjetivo;
apresentam fatos enunciados como bons, maus, estranhos, na visão
da
instância que avalia.
x - As modalizações pragmáticas introduzem um julgamento sobre uma
das
22
fontes da responsabilidade de um personagem em relação ao
processo de
que é agente, principalmente sobre a capacidade de ação (o poder
fazer), a interação (o querer fazer) e as razões (o deve fazer).
Ao analisar as representações da Profa. Alzira, a partir dos
conteúdos temáticos identificados, tentaremos verificar de que maneira
as várias formas de organização dos conteúdos temáticos revelam as
avaliações de si e do mundo que constituem as representações
1.3 Teoria sócio-interacionista
Nesta seção, abordo a teoria sócio-interacionista (Vygotsky, 1934/2000).
Essa teoria apresenta uma nova forma de tratar os problemas da educação,
entre os quais o analfabetismo, as diferenças culturais e sociais de que o
homem se vale para atuar na sociedade, à luz do materialismo sócio-histórico.
Vygotsky trata da relação do homem com o meio ambiente e do trabalho com o
homem e a natureza. Aborda ainda o uso dos instrumentos, as relações entre
pensamento e linguagem, a questão da mediação simbólica, as relações entre
desenvolvimento e aprendizagem e os processos de aprendizagem no espaço
escolar.
Ao abordar o materialismo dialético, Vygotsky se apóia em Marx e Engels
com vistas a compreender a relação homem-ambiente físico e social, o trabalho
como meio fundamental de relacionar o homem e a natureza e suas
conseqüências psicológicas. Objetivava ainda analisar a natureza das relações
entre o uso de instrumentos e o desenvolvimento da linguagem para
compreender esta última. Desse modo, procurava estudar as formas de
organização dos processos mentais dos indivíduos considerados a partir do
processo histórico cultural. Nessa perspectiva, suas principais idéias
concentraram-se na abordagem do homem-sociedade a partir da ZPD (Zona
Proximal de Desenvolvimento), discutida adiante.
23
Vygotsky (op. cit.) acreditava que a relação social resulta da interação
dialética entre o homem e seu meio sociocultural, no qual está inserido. Nesse
aspecto, a linguagem é o meio pelo qual há apropriação do conhecimento na
busca da compreensão das relações entre os interactantes no dia a dia. Em
outras palavras, a capacidade do homem de transformar e se transformar por
meio de relações produzidas numa determinada cultura. Os aspectos referentes
a essa relação homem e seu meio sociocultural se integrariam para Vygotsky
pelas funções psicológicas superiores e a base biológica.
As funções psicológicas superiores consistem no funcionamento
psicológico tipicamente humano. São construídas no contexto cultural e social,
fazem parte da natureza humana e dependem da mediação pelo signo para que
ocorram e estabeleçam as relações entre o processo de comunicação e o
pensamento. A função de fundo biológico se refere à atividade psíquica que
cada homem traz ao nascer, podendo sofrer mutações. Na atividade humana,
deparamos com a mediação dos seres humanos entre si e deles com o mundo.
Vygotsky considerava a linguagem o signo mediador no processo do
pensamento, sendo, portanto, fundamental em comportamentos sociais sob a
perspectiva sócio-histórica. Considerava ainda que a consciência humana
decorre desse processo sócio-histórico em que o desenvolvimento mental do
indivíduo se dá.
Na análise de dados desta pesquisa, serão aplicadas noções de conceitos
de mediação, de ZPD e de formação de conceitos científico e cotidiano, dado
que não somente a professora colaboradora, Alzira, como também alguns alunos
desempenharam funções de pares mais experientes em salas de aula. Essa
interação contribuiu para a construção do conhecimento.
Na próxima seção, apresento as noções de mediação, ZPD e formação de
conceitos, importantes para o processo de ensino-aprendizagem do ser humano.
1.4 Mediação
24
A mediação passa a ser uma das características importantes do trabalho,
uma vez que é pela linguagem que o homem se relaciona com o mundo e com os
outros homens em torno de atividades práticas e conscientes. Nesse aspecto, as
funções psicológicas superiores (FPS) se desenvolvem por meio de signos e
instrumentos que ajudam no desenvolvimento histórico dos interesses e
necessidades culturais. Já as funções psicológicas elementares são biológicas e
instintivas. No primeiro caso, podem implicar mudanças, controlar os processos
e auxiliar em ações concretas. No segundo, podem influenciar a mente, o
próprio comportamento e de outros, auxiliar no processo cognitivo e também na
memória e atenção.
Assim, o homem faz uso do sistema de signos, como instrumento de
mediação, sendo a linguagem o mediador por excelência pois ela carrega em si
os conceitos generalizados pela cultura humana (Rego, 1996:42). No processo
de mediação, o sujeito é ativo em seu desenvolvimento e o contexto é
fundamental. O indivíduo se constrói pela mediação, ou seja, participa da
atividade social, sendo a comunicação entre os indivíduos o estabelecimento de
significados compartilhados. Em suma, a linguagem é um sistema de signos que
possibilita não só a organização do pensamento como também o intercâmbio
social entre os homens.
Por essa razão, Vygotsky afirma que os processos de funcionamento
mental do homem são fornecidos pela cultura, valendo-se da mediação
simbólica, que é fundamental, por ser através dos instrumentos e signos que os
processos de funcionamento psicológico são fornecidos pela cultura. Nessa
linha de raciocínio, ele considera que o desenvolvimento do pensamento é
determinado pela linguagem, isto é, pelos instrumentos éticos do pensamento e
pela experiência sociocultural da criança (Op. cit., 2000:62). Em outras
palavras, Vygotsky (Id.) aponta a linguagem como ferramenta psicológica para a
formação do ser humano que está estreitamente relacionado ao contexto
sociocultural, por meio da dialética. Esse processo é uma forma normal de
provocar rupturas e desequilíbrios para que o ser humano possa desenvolver
constantemente do ponto de vista cognitivo.
Segundo Rego (1996), a mediação caracteriza a relação do homem com o
mundo e com os outros homens. Há distintamente dois elementos básicos,
responsáveis pelo processo de mediação: o instrumento, cuja função é regular
25
as ações sobre os objetos, e o signo, regulador das ações sobre o psiquismo
do indivíduo. Vygotsky considerou a função mediadora presente nos
instrumentos que provocam mudanças externas. A esse respeito observa
Daniels (2003:27) que as ferramentas e os signos são os instrumentospelos
quais as interações entre sujeito e objeto são mediadas. Nesse sentido, as
ferramentas e os signos são usados de acordo com o contexto e o
desenvolvimento. O uso das ferramentas recria e reorganiza toda a estrutura do
comportamento humano.
A psicologia vygotskiana considera ainda que a verdadeira essência do
comportamento humano, que é complexo, se dá a partir da fala, como um tipo de
atividade psicológica e social importante nas interações sociais do ser humano.
Dessa forma, pode-se concluir que a aprendizagem e o desenvolvimento são
processos mediados pelo professor ao fazer o outro evoluir por meio da
compreensão. Essa teoria se destaca por levar em conta uma relação que
obviamente existe entre o desenvolvimento e o aprendizado: o primeiro cria as
potencialidades e o segundo as realiza.
Nas palavras de Daniels (2003:31), a maneira como indivíduos ou grupos
usam os artefatos [termo que inclui ferramentas e linguagem] realmente
transforma o modelo dos contextos que existem, num dado momento, num
cenário particular. O autor vê na relação entre o indivíduo e o social uma
questão complexa. E uma provável saída para essa complexidade seria levar
em conta níveis de explanação sem redução ou direção de um outro, residindo
num modelo de relações dialéticas. Consistente com esse posicionamento, Nardi
(1999), ao discutir a mediação, à luz de Vygostsky, ressalta que o
trabalho/atividade é a chave para a compreensão da relação entre consciência e
mundo objetivo. A única maneira de o homem desenvolver o conhecimento da
realidade é através da interação com o mundo material e outros seres humanos
em atividades de trabalho, nas quais faz uso de instrumentos por ele fabricados
(op. cit.: 26).
Concordo com Nardi ao considerar que os seres humanos, ao se valerem
dos sistemas de signos como processos mediadores, organizam o pensamento
nas interações sociais. Segundo ela, o papel da linguagem é primordial na
atividade humana partilhada socialmente, pois torna possível ao homem
transformar-se e, ao mesmo tempo, desenvolver novas maneiras de atuar no
26
mundo. A esse respeito, Daniels (2003) afirma que o processo de mediação
está no cerne da compreensão do intervir no processo de aprendizagem em
desenvolvimento humano. Desse modo, a mediação caracteriza a relação dos
indivíduos entre si e os modos como agem sobre fatores socioculturais ao sofrer
a ação e manter a motivação como motor do processo de ensino-aprendizagem,
num determinado espaço discursivo. A mediação foi um instrumento importante
na formação da professora Alzira.
Na próxima seção abordo um outro conceito importante discutido por
Vygotsky: a Zona Proximal de Desenvolvimento.
1.5 ZPD Zona Proximal de Desenvolvimento
Discuto o conceito de ZPD (Zona Proximal de Desenvolvimento) que
caracteriza o desenvolvimento mental, por ser importante na formação da
professora e no desenvolvimento dos seus alunos em sala de aula. Essa
discussão oferece elementos que vão ser considerados na análise de dados,
embora não usados diretamente no tratamento dos dados. Em suas
investigações psicológicas, Vygotsky considerou que o desenvolvimento mental
da criança poderia se dar pela cooperação entre os pares. Segundo ele, a
discrepância entre a idade mental real que uma criança tem e o nível que ela
atinge ao resolver problemas com o auxílio de outra pessoa mais experiente
indica a ZPD em tarefa realmente complexa. Nesse sentido, a aprendizagem é
mediada pelo outro, que pode tanto acerelá-la como retardá-la.
Partindo do materialismo dialético, Vygotsky considerava as mutáveis
condições sociais que envolvem o comportamento humano. As relações sociais
acontecem com pares mais experientes, que desempenham um fator
desencadeador significativo para o desenvolvimento cognitivo do ser humano.
Quando ocorre o processo de internalização do conhecimento construído
paulatinamente ao longo do processo de interação social, criam-se condições
para que a estrutura do pensamento do sujeito vá se consolidando de forma
edificante.
27
Vygotsky distinguiu o conceito cotidiano do científico. Para ele, ao haver a
apropriação de um novo conceito, há igualmente fusão entre o conhecimento
cotidiano e o científico, ou seja, quando, ao explicar um conceito científico
(sistematizado), se vale de um conceito cotidiano (conhecimento acumulado), o
professor cria condições de compreensão.
A ZPD, nesse caso, é uma ponte entre o conhecimento científico e a
experiência de cada indivíduo em sua trajetória, de vida com a finalidade de
desenvolver suas funções psicológicas, em consonância com o contexto sócio-
cultural e o processo em desenvolvimento em que o agente estiver inserido.
Quando o conhecimento é compartilhado entre os indivíduos menos experientes
e os mais experientes, criam-se condições de interação social e de
compreensão. A ZPD é uma ligação entre duas situações diferentes no
desenvolvimento humano e pode ser uma solução para o desenvolvimento do
conhecimento e de novos significados ao desencadear, de maneira gradativa,
funções psicológicas consolidadas
Para Vygotsky, se a criança for capaz de experienciar algo hoje em
cooperação, será capaz amanhã de realizar sozinha uma atividade. Assim, a
ZPD permite o acesso ao desenvolvimento pelo diálogo, atingindo o que estiver
em processo de mutação. A esse respeito, Hedegaard (2002:224, in Daniels)
acredita que, se o professor tiver consciência dos estágios de desenvolvimento
das crianças será capaz de se orientar para alcançar o objetivo determinado.
De acordo com Vygotsky (2003:113),
A ZPD define aquelas funções que ainda não amadureceram,
mas que estão presentemente em estado embrionário. Essas
funções poderiam ser chamadas de brotos ou flores do
desenvolvimento, ao invés de frutos do desenvolvimento. O
nível de desenvolvimento real caracteriza o desenvolvimento
mental retrospectivamente, enquanto a ZPD caracteriza o
desenvolvimento mental prospectivamente.
28
Nesta pesquisa sobre as representações da professora sobre si mesma,
sobre leitura e avaliação, fica corroborada, como se vai ver, o pensamento de
Nardi (1999) quando salienta que, em contextos de aprendizagem, o diálogo é
importante porque instiga o uso de estratégias de leitura, no momento da
interação. Não só o professor como também os alunos criam estratégias de
envolvimento pela partilha social, favorecendo oportunidades para a
aprendizagem dos demais participantes e a exteriorização dos processos
mentais envolvidos.
Na próxima seção, abordo o processo de formação de conceitos, pois é por
meio dele que a professora e os alunos participantes da pesquisa conseguiram
organizar o pensamento e compreender a realidade social.
1.6 Formação de conceitos
Segundo Vygotsky (1934/2000), as condições sóciohistóricas não podem
ser desconsideradas no processo de ensino-aprendizagem e de
desenvolvimento, uma vez que permitem explicar a relação entre o pensamento
e a linguagem que se vai construindo, contribuindo, assim para o
desenvolvimento intelectual do ser humano. Nesse sentido, a interrelação entre
aprendizagem e desenvolvimento se dá porque o ser humano é dotado da
capacidade de usar a linguagem como instrumento.
A aprendizagem precede o desenvolvimento intelectual. Nesse aspecto, as
condições sócio-históricas são fatores preponderantes para a sua construção. A
interação lingüística entre professor e aluno acaba influenciando o processo de
ensino-aprendizagem, pois, dessa forma, o professor estimula o
desenvolvimento intelectual do aluno, encorajando-o a novas formas de
conhecimento, desde que assuma o papel de mediador.
Com base em Vygotsky, é possível considerar que o conhecimento como
conceito cientifico é o conhecimento adquirido pela criança na escola. A esse
respeito, observo que as relações sociais favorecem o processo de
29
internalização das informações geradas que influenciam o desenvolvimento
mental, considerado como papel determinante na conscientização pelo aprendiz
de seus processos cognitivos. A linguagem, nessa visão vygotskiana, é uma
ferramenta de mediação dos conhecimentos acumulados durante a vida que
propicia que o aprendiz revisite e reorganize o conhecimento de acordo com a
situação que estiver em processamento.
O agir comunicativo do aluno estimula a revisitação de conhecimentos já
adquiridos (conceitos cotidianos), permitindo alterá-los diante de novas
situações sociais, por meio de intervenções ou de alternativas que se
apresentem ou se criem de maneira crítica. Em outras palavras, trata-se do
conceito cotidiano, adquirido em experiências no dia a dia da criança pelo seu
processo mental.
Segundo Vygotsky (op. cit.), importa proporcionar um ambiente acolhedor,
que crie condições de o aluno pensar, ousar, experimentar e imaginar sempre
novas situações. Esse encorajamento, como me parece apropriado chamá-lo,
pode servir de desencadeador para que o aluno se constitua como sujeito que é
nas várias ações.
Concordo com Baquero (1998), que segue as idéias de Vygotsky, ao afirmar
que os
conceitos científicos encontram-se na encruzilhada dos
processos de desenvolvimentos espontâneos e daquelas
introduzidas pela ação pedagógica. Revelam simultaneamente
as modalidades de construção subjetivas e as regulações da
cultura, de acordo com contextos socioculturais. Baquero
(op. cit. p. 89)
Pode-se concluir que as contribuições das teorias de Vygotsky foram
fundamentais parapara este estudo com uma professora e os alunos
participantes. Considerando o que até agora se afirmou, acredito que ambos os
papéis puderam ser repensados e analisados criticamente pela linguagem.
30
Na próxima seção, abordo a formação do professor como eixo para o
exercício da prática em sala de aula, dependendo de seu papel como educador.
1.7 Formação de professor
Os estudiosos antes mencionados com quem estabeleci interlocução têm
enfatizado a necessidade de mudanças na área educacional, sobretudo no que
diz respeito à formação contínua de professores. Muito embora esteja havendo
esforços dos órgãos oficiais para oferecer programas de capacitação, parece
que ainda são muito acanhados e não suficientes para dar conta do problema de
formação contínua dos professores. Quando os há, contam apenas com
orientações prescritivas realizadas por profissionais alheios à escola,
desconectados do contexto real. Dessa forma, acabam ficando aquém das reais
necessidades do professorado, além de serem, quase sempre, idealizados de
cima para baixo. Essa realidade acaba por potencializar uma participação
mínima do professor em dar uma resposta ao aluno com problemas no processo
de ensino-aprendizagem.
O desenvolvimento de um trabalho d formação é relevante para a
conscientização dos profissionais da educação que buscam formação. Nesse
sentido, precisa ser sistematizado, contemplar objetivos bem definidos,
estratégias e ferramentas adequadas ao contexto, visando levá-los à sua ação,
por meio de intervenção que esteja voltada ao universo prático dos professores.
Segundo (Liberali, 2002, 2004), esse processo reflexivo gera oportunidades de
os professores repensarem suas ações para modificá-las.
Consciente de que a formação docente propicia um processo de
conscientização da realidade, os professores são estimulados a uma atuação
como agentes de mudança em seus contextos profissionais (Celani, 2003). No
entanto, para haver encorajamento dos professores à busca de conhecimento e
à socialização de experiências entre si, cabe aos órgãos oficiais, dentre esses,
a escola, organizar, estimular e criar uma estrutura de trabalho de formação a
31
fim de que os saberes reflexivos e pertinentes se construam por meio de
desenvolvimento de atividades formativas em interações sociais.
A formação docente, vinculada a uma concepção de apoio que considere
premissas bem definidas e que estejam em consonância com a diversidade, a
escola e os professores que atuam na escola, encaminha para que haja a
emancipação profissional e a consolidação da autonomia docente no fazer
educacional e no crescer profissional. Esforços, nesse sentido, podem
desencadear trabalhos formativos, como esse aqui considerado, que orientem os
professores no processo de colaboração e que contribuam para a desconstrução
de representações tradicionais pelas interações sociais compartilhadas com
seus pares.
Na visão de Magalhães (2004:85), quando há o processo reflexivo sobre
situações complexas e difíceis, criam-se condições para que os professores
(re)pensem suas ações e possam agir colaborativamente com colegas (ou no
caso desta pesquisa, com a formadora) e os alunos. O apoio, segundo defende
Parrila (2004), contribui para a formação de um agente crítico na sociedade
mais ampla, aumentando sua percepção sobre a capacidade de aprendizagem e
sobre sua prática. Com um novo sentido dado à sua própria ação pedagógica, o
profissional competente atua refletindo na ação, criando uma nova realidade
(Perez Gómez, 1992), pelo diálogo sobre a realidade e sua complexidade.
A esse respeito, Brzezinski (2001:78/79) afirma que, na essência, a
dimensão pedagógica da escola reflexiva e emancipatória está na formação
continuada do professor que se realiza no locus de trabalho, por meio do
processo reflexivo, que facilita a conquista da autonomia e da emancipação do
grupo e imprime qualidade ao conhecimento escolar. Não há dúvida de que a
linguagem é uma ferramenta necessária para a compreensão e a transformação
dos contextos escolares (Magalhães, op. cit.: 73) e também de representações
contraditórias. Para provocar e manter experiências e práticas inovadoras são
necessárias estratégias que incorporem a reflexão e a ação.
Nos próximos capítulos, apresento as questões de leitura e avaliação, a
metodologia e a análise dos dados.
Capítulo II
Questões centrais da pesquisa: Leitura e avaliação
a criticidade, enquanto emblema da cidadania e valor atitudinal, é
trabalhada ideologicamente por aqueles que detêm o poder
econômico e político. [...] Daí que a presença de sujeitos críticos e,
por extensão, de leitores críticos seja incômoda, seja tomada como
um risco aos detentores do poder (Silva, 1998).
O objetivo deste capítulo é discutir as principais teorias e práticas sobre leitura e avaliação,
isto é, a tradicional e o que o GEIM (Grupo de Estudos e Indeterminação da Metáfora) propõe.
Essa discussão pretende buscar suporte teórico a fim de contribuir para que a prática de leitura
em sala de aula possa ser repensada por uma professora de Geografia. Por meio do
questionamento da prática, ou seja, das representações sobre a prática permite, segundo Sato
(1993/2004), a reflexão sobre o trabalho realizado com vistas a atualizar as representações
sociais sobre essa prática, identificando elementos que não se mostram sem reflexão e que por
assim dizer ficam invisíveis. Esse processo de repensar a prática de leitura em sala de aula se
dará por meio da reflexão sobre o trabalho realizado com vistas a atualizar (reformular) as
representações sociais (RS) sobre a prática, identificando elementos que não se mostram sem
reflexão e que, por assim dizer, ficam invisíveis.
Inicialmente, faço considerações de caráter geral a respeito de leitura à luz de Soares
(1988), Silva (1998) e Zanotto (1997, 2005). Em seguida, vou me deter em três paradigmas
com os quais se busca pensar a leitura: (1) o paradigma da leitura tradicional, levando em
conta a crítica de Kleiman (2001) e Lodi (2003), (2) o paradigma cognitivista, com a abordagem
dos três modelos: o modelo ascendente (bottom-up) considerando a visão de Kleiman (2001) e
Lodi (2003), o modelo descendente (top-down), de acordo com Smith (1991) e o modelo
interativo, tal como discutido por Kleiman (2001); (3) o paradigma da leitura como processo
social proposto por Bloome (1993) e Maybin & Moss (1993).
Destaco as contribuições de estudiosos que propõem práticas pedagógicas coerentes com
a teoria da leitura como processo social, que é a base de minha proposta, abordando nesse
sentido o protocolo verbal em grupo, proposto por Zanotto (1997, 2005) e o revozeamento, nos
termos de O´Connor e Michaels (1996). Em seguida, faço uma comparação do papel do
professor e do aluno no paradigma tradicional e no paradigma da leitura como processo social.
Por fim, abordo uma importante questão, a avaliação de leitura; o que me levou a dar destaque
33
a esse tópico foi o fato de, durante o projeto de formação docente, a professora em formação
declarar que punia aluno que atrapalhasse a leitura em sala de aula.
Segundo Soares (1988), à luz do cognitivismo, a construção da leitura é, portanto, ativa,
dado que o leitor constrói sentidos de acordo com seu momento, com seu repertório cultural,
suas vivências na interação face a face etc. Cada leitura pode construir um novo texto,
resultado dessa interação. Para a autora, a produção de leitura se constrói levando em
consideração o lugar social e histórico no qual o leitor interage com o texto. Nessa perspectiva,
a leitura pode ser considerada um processo político que implica levar em conta quem forma os
leitores: os alfabetizadores, os professores, os bibliotecários que assumem um papel político
comprometido ou não com a transformação social, a depender de sua formação e engajamento
político e social etc.
Essa reflexão leva em última análise a perceber a necessidade de processos de formação
docente em espaços criados para essa finalidade, a fim de favorecer a problematização do
papel do professor para que este o revisite e reflita sobre sua prática com vistas a mudá-la. A
inexistência de um trabalho de formação reflexivo perpetua a formação de leitores incapazes
de produzir qualquer outra leitura que não a proposta pelos profissionais mencionados ou a
que é imposta pelo professor ou autor do livro didático como autoridades interpretativas. Na
interação do leitor com o texto emerge o sentido, construído colaborativamente, isto é, com a
participação do leitor e do autor e do leitor consigo mesmo. Isso torna indeterminados os
significados de um texto, pois cada parceiro da interação contribui com uma idéia específica na
construção de sentidos (Zanotto, 1997, 2005). Essa indeterminação implica uma série de tipos
diferenciados de ambigüidade e indefinições semânticas, como a generalização, a vagueza, a
metáfora, a polissemia, etc. Falar de construção de sentido implica assumir a posição de que a
indeterminação é parte integrante das interações sociais (Bloome, 1993 e Zanotto, op. cit.).
Assim, conscientizar os professores sobre a importância da leitura e da própria formação
reflexiva sobre a leitura em espaços criados para esse fim contribui para superar as
“contradições da realidade” (Silva, 1998:15) e consolidar os ideais democráticos de uma
sociedade pluralista. Como exemplos de contradição da realidade, podem-se considerar,
dentre os muitos disponíveis, ações nefastas praticadas por políticos e mais tarde negadas, ou
seja, um processo em que se tenta contradizer a própria realidade dos fatos. A possibilidade de
os alunos perceberem criticamente essa e tantas outras contradições contribui para o exercício
34
da cidadania e a transformação da sociedade. E essa percepção passa pela adequada
formação crítica e reflexiva do professor.
Por isso, considero a formação docente, nos termos aqui propostos, necessária para a
problematização das ações em sala de aula e para a transformação da própria realidade.
Segundo Silva, 1988, essa formação esbarra em vontade política das autoridades
governamentais e educacionais para tentar reverter ações da sala de aula que inibem a
formação de leitores críticos. Para ele, essa prática é autoritária, porque cerceia novas ações e
novos sentidos da realidade e da vida social, bem como uma renovação das práticas de leitura.
A incapacidade de ler com eficácia, herança imposta aos nossos alunos, é fruto de um contexto
neoliberal (como será explicado no II capítulo), e isso talvez explique porque na sociedade
mais “ledores” do que leitores críticos.
Para Silva, por outro lado, cabe aos educadores assumir um novo papel na educação
brasileira e romper a cadeia que aniquila comportamentos questionadores, ceifa conquistas e
sonhos e torna-se injusta e desumana. Entendendo que o homem é o artífice da história e que
a leitura é um caminho de transformação, cabe aos professores formarem seres humanos que
desenvolvam seus papéis em prol da transformação da sociedade.
Para compreender o papel do professor que trabalha com leitura, em qualquer área do
conhecimento, é importante abordar as concepções de leitura mais comuns e outras que
possam orientar o trabalho de formação em nova abordagem, o que passo a fazer a seguir.
2.1 Leitura na concepção tradicional
Na prática de leitura tradicional, o aluno em voz alta, o professor também em voz alta
(enquanto o aluno ouve passivamente) e controla a interação, dominando os turnos. Sem um
trabalho didático com a linguagem, que insira o aluno no processo social, essa atividade perde
o sentido, uma vez que enfoca somente o que é decodificado do texto escrito. Conforme alerta
Kleiman (2001), o processamento da leitura, nesse quadro, pode ficar comprometido, porque o
sentido alcançado é único, estático, sem possibilidades de variação e, portanto, malogrado.
Esse processo agrava ou produz o desinteresse pela leitura, visto que não cria leitores
proficientes.
35
Assim, a prática tradicional de leitura não passa de um instrumento opressor das mentes
e das consciências e o processo interacional desejável entre autor, leitor, outros leitores e texto
(e entre textos) não ocorre. Nessa perspectiva, predomina o caráter prescritivo, já que o
significado da leitura torna-se mecânico, caracterizando uma leitura unívoca, fechada no texto,
quando não na “versão” do professor, como “autoridade interpretativa”, tomada como a
verdade.
Segundo Freire (1968/2006), o processo mecânico transforma os educandos em
recipientes a serem “enchidos” pelo professor com conteúdos absolutizados por sua narração
de autoridade do saber. Os conteúdos, “despejados” sobre o aluno, são dados de forma
mecânica, e os alunos os recebem passivamente, memorizam, repetem. Como diz Freire (op.
cit.), essa condição caracteriza a concepção bancária porque o aluno recebe o depósito,
guarda-o e arquiva-o. Logo, deixa de ser sujeito pensante que atua na sociedade. O que gera
sofrimento pela impotência do homem frente ao estado de coisas que não são explicadas na
realidade. Esse aspecto mostra a manipulação da consciência, desencadeando o processo de
alienação.
Lodi (2003) cf. também Kato (1985/1996) e Kleiman (2001) afirma que a leitura
tradicional é um processo de percepção e de decodificação do texto no qual ao leitor caberia
apenas processar o significado das partes das informações visuais (lingüísticas) para a
construção do sentido do escrito, como se o texto não fosse uma unidade. Isso, naturalmente,
não contribui para que o leitor seja o senhor no processo de ler, tão habituado fica ele a
receber o que lhe impõem, além de fragmentar o texto e, portanto, seus sentidos possíveis.
De acordo com Lodi, numa tal prática o conhecimento prévio dos leitores pouco interfere na
compreensão da leitura, que a informação escrita flui do texto para o leitor, sem haver
espaço para a participação deste, o que ao texto uma visão estática. A concepção
tradicional de leitura centraliza uma única maneira de ler o texto e uma única interpretação a
ser alcançada: a voz autorizada do autor do texto ou do professor, não engajando o leitor na
atividade de interação.
Diante dessa situação, repito, é imperioso criar espaços de formação docente para que
haja o entendimento do papel político do professor, que deve estar voltado para o
desenvolvimento de uma prática mediadora, muito mais enriquecedora para as partes
envolvidas numa prática interativa como é o ato de ler.
O papel do professor, no modelo tradicional de leitura, pode ser o de controlador ou
modelo, isto é, o professor é quem determina o que a fazer, além de ele mesmo atribuir ao
texto sentidos unívocos e transparentes: é ele quem detém o conhecimento pela simples
reprodução do conteúdo do texto, fixando-se numa única leitura. Nessa visão, a educação
36
acaba sendo entendida como um ato de depositar, conforme falei, ou transferir
conhecimento e o papel do professor acaba por refletir os ideais da classe dominante,
favorecendo a continuidade da opressão ao fazer predominar a “voz” do professor como
autoridade interpretativa, agente social de conformismo, tornando o aluno receptáculo passivo.
Ao agir como o intérprete autorizado do texto, o professor não ratifica o aluno como
parceiro autorizado na aventura de ler, e se sobrepõe a ele. Por isso, não a conscientização
de que múltiplas leituras podem ocorrer e são enriquecedoras – nem da parte do aluno nem do
próprio professor. Assim, na prática tradicional de leitura, o professor não oportunidade para
que o aluno intervenha, construa outras leituras, além daquela privilegiada pelo professor a
partir do núcleo, considerado estável, do texto.
Ratifica-se, por esse modelo tradicional de leitura, a configuração em que o professor é o
centro, agente principal e responsável pelo processo de ensino-aprendizagem. Como diz Freire
(op. cit.: 68), “o educador é o que opta e prescreve sua opção, os educandos, os que seguem a
prescrição”, considerando que as atividades centralizam-se em sua capacidade de autoridade
do saber. Em outras palavras, o professor é quem deve dar a palavra final sobre a
interpretação do texto, ele é o sujeito, o aluno, mero objeto.
Nessa concepção, o aluno porque o professor determinou que o faça e porque será
cobrado pela atividade. A criatividade do aprendiz é tolhida, pois ele deve se submeter ao
processo de ensino-aprendizagem de maneira alienada, ou seja, tem de ser “dócil” e passivo,
pois não lhe é permitido questionar a ordem vigente nem algum de seus aspectos; o aluno tem
de acatar a visão do professor como sendo a única possível, o que, além de não criar leitores,
ratifica a desigualdade das posições sociais.
O papel do aluno será, portanto, o de um pseudo leitor “passivo e disposto a aceitar a
contradição e a incoerência”, segundo observa Kleiman (2001:20). O leitor constrói sua
interpretação de acordo com a decodificação do texto determinada pelo autor ou pelo
professor. Por lhe faltarem condições, ele não avalia diretamente a leitura feita do ponto de
vista de seu desenvolvimento intelectual, limitando-se a realizar as tarefas propostas nos
termos impostos pelo professor, ele mesmo, como foi dito, praticamente incapaz de uma
percepção crítica.
Como salienta Kleiman (op. cit.), as dificuldades e a passividade apresentadas pelo aluno
são problemas não levados em consideração pelo professor, e apenas a leitura literal do aluno
é que é ratificada. O aluno leitor adota a leitura como sinônimo de recepção passiva de
verdades e conteúdos estabilizados. Esse comportamento mantém o aluno incapaz de
questionar e avançar em sua leitura, o que acaba por gerar problemas de compreensão e de
desenvolvimento de seu senso crítico.
37
As construções do aluno, que vão além do texto, podem ser enriquecedoras, porque
propiciam trocas nos eventos sociais de leitura, respeito aos demais participantes, etc. Não é
demais lembrar, quanto a isso, que todo texto tem um núcleo estável de sentido a que todo
leitor proficiente deve chegar; a riqueza dos sentidos está nas trocas que transcendem esse
primeiro passo, que é afinal a base dessas trocas.
2.2 Paradigma cognitivo
O paradigma cognitivo se concentra nas operações que o leitor realiza quando seja
bem sucedido na leitura do texto ou não. basicamente três propostas de caráter cognitivo
no âmbito desse paradigma, que podemos considerar: a que se centra no texto ao qual é
“exposto” o leitor e a que este “reage”, o modelo ascendente; a que acentua a atividade leitora,
conferindo maior visibilidade ao leitor e à sua ação, o modelo descendente; e a que, tomando o
texto e a atividade do leitor na perspectiva de uma prática interativa, busca integrá-los na
atividade de leitura, o “modelo” interativo. Vou apresentá-los nessa ordem, para, na próxima
seção, passar a uma nova forma de pensar a leitura, a da leitura como processo social. Minha
apresentação tem como objetivo reunir argumentos para mostrar que esta última proposta
serve melhor ao objetivo de exame do papel do professor e do aluno, e da relação entre eles e
o texto e consigo mesmos.
2.2.1 Modelo ascendente
O modelo ascendente (bottom-up), pensado por Gough (1972) e Kolers (1975),
considera a leitura como sendo linear e indutiva no processamento das informações visuais,
lingüísticas e composicionais, indo da palavra para sentença ou das partes menores para as
maiores. (Kato, 1985/1996). Nesse modelo, o leitor decodifica os elementos componentes,
começando pelas letras, combinando com as frases. Ele procura os significados dentro do
texto. Quando surge algum problema de compreensão, o leitor pára a leitura e relê a palavra ou
período, novamente, para atingir o significado. Segundo Kato (op. cit.), no modelo ascendente,
o leitor constrói o significado com base no texto, valendo-se de pouca leitura nas entrelinhas,
não tirando conclusões precipitadas. Mas é vagaroso e pouco fluente ao extrair as idéias do
texto.
Lodi (2003) mostra que no modelo ascendente, a concepção de leitura é um processo de
percepção e de decodificação das informações processadas. Nessa concepção, cabe ao leitor
processar o significado das partes das informações visuais (lingüísticas) para a construção do
38
sentido do escrito. Nesse modelo, “o conhecimento prévio dos leitores pouco interfere na
compreensão da leitura, que a informação escrita flui do texto para o leitor” (op.cit., p. 4),
como foi indicado. Para esse fim, são ativados os conhecimentos lingüísticos e as regras
gramaticais da língua armazenados na memória e o leitor lê nos termos de seu domínio
aquisitivo do vocabulário.
Abordo no próximo item, o modelo descendente, que valoriza mais o conhecimento
prévio do leitor, durante a leitura.
2.2.2 Modelo descendente
No modelo descendente (Smith, 19711991), o foco é o leitor, que segundo Smith pode
reconstruir e recriar o sentido das informações contidas no texto. O autor (op. cit.) considera o
processamento de informações armazenadas ao longo da vida, como um processo seletivo;
essa seletividade depende naturalmente da experiência de leitura. O autor salienta que o
entendimento vocálico e o conhecimento prévio ajudam durante o processamento da leitura.
Para Smith (op. cit.), o processamento das informações começa pela memória de curto
prazo. A memória de curto prazo é reversível e temporária, mantém vivo um traço da memória
por um período de tempo limitado. Na memória de curto prazo, são armazenadas informações
que o leitor pode processar para nova compreensão.
39
2.2.3 Modelo Interativo
Para abordar a leitura como interação, Kleiman (2001) baseia-se em psicólogos da
educação
1
que vêem a leitura como um processo interativo. o desvendamento do texto
pelo leitor, que percebe os vários níveis "ou fontes de informação que interagem entre si"
(ibidem, p. 38) quando o leitor se vale de conhecimentos ortográficos, sintático-semânticos,
pragmáticos, enciclopédicos para ter acesso ao texto. Segundo salienta a autora, no modelo
interativo cada nível de conhecimento pode servir de input para outro vel, tendo em vista a
apreensão do significado.
A relação que se estabelece entre leitor e texto é importante porque determina maneiras de
leitura diferentes e porque encaminha para a resolução do problema de interpretação do texto.
Dessa forma, estabelece um equilíbrio entre a informação que o leitor deveria dominar e a que
o texto deveria trazer. No modelo interativo, não uma única leitura, porque o sujeito interage
com as idéias do autor. Kleiman (op. cit.) trata da relação entre o locutor e o interlocutor através
do texto e da determinação de ambos pelo contexto. Observa que o professor se insere no
processo, visando aos objetivos da leitura a serem alcançados e à compreensão da leitura pelo
aluno.
O modelo interativo é a interação entre o top-down e o bottom-up que ocorrem
simultaneamente, já que os dados necessários para usar esquemas são acessíveis, através do
processamento bottom-up. O top-down facilita sua compreensão quando eles são consistentes
com a experiência prévia do leitor. Segundo Kleiman (2001), no processo de interação, as
práticas histórico-sociais são as que vão dar resultado a esse processo. A ênfase desse
modelo, conforme lembra Moita Lopes (1996), é o ensino e o desenvolvimento nos alunos de
uma consciência crítica de que a linguagem reflete as r
40
processa e aquela que o texto procura trazer (op. cit.: 39). Nesse sentido, inexiste uma leitura
única, porque cada indivíduo traz sua experiência anterior e a aplica ao texto. O leitor, ao
familiarizar-se com as pistas e marcas lingüísticas que há no texto, tem condições de identificar
a opinião do autor e o que ele quis dizer. Dessa forma, leitores proficientes são aqueles que
conseguiriam reconstruir as idéias do autor e suas intenções.
Segundo Kleiman, na prática de leitura em sala de aula, compete ao professor favorecer
a participação do aluno ao encorajá-lo no processo de leitura. Nesse aspecto, a ação do
professor é constitutiva por fornecer condições para que a interlocução se estabeleça. Para a
estudiosa, as perguntas que o professor propõe, como uma espécie de guia de leitura,
constituem estratégias de leitura porque ajudam na monitoração da compreensão e do
estabelecimento de objetivos no processamento da leitura.
Nessa perspectiva, o professor duas contribuições importantes na prática de leitura:
de um lado, a interação leitor texto, leitor com outros leitores propriamente dita, e, do outro, a
quebra da passividade do aluno. É porém importante que o professor não seja o único
interlocutor do aluno e crie condições de interação entre todos os envolvidos (a classe).
2.3 Leitura como processo social
Bloome (1993), ao abordar a leitura como evento social, busca ir além da ênfase no
processo cognitivo, em que decodificação de símbolos impressos no texto para a obtenção
do sentido. A ênfase recai assim na relação entre as pessoas envolvidas no evento de leitura.
Essa relação é considerada um processo social porque as pessoas trocam informações entre
si, expõem suas emoções, controlam a leitura um do outro, adquirem status ou posições
sociais, privilégios sociais etc., que se refletem no processo de leitura. O objetivo da leitura
nesses termos também se altera, passando a ser o engajamento das pessoas nos vários
papéis que afloram na interação face a face.
O estudioso observa que a discussão em torno da leitura como processo social é baseada
em pesquisas em alguns campos do conhecimento, tais como a sociolingüística, a etnografia
da comunicação, estudos sobre a interação face a face e o desenvolvimento da linguagem na
criança. Como ponto central nessa forma de entender a leitura, estão as relações interpessoais
estabelecidas visando à construção de sentido no evento de leitura. Seguindo Bloome (op. cit.),
entendo a leitura como processo social em que condições de o leitor processar as
informações na interação face a face com outros leitores e também de forma solitária, não mais
se prendendo tão somente à intenção do autor, à voz do professor, às informações veiculadas
pelo texto etc.
41
Essa perspectiva da leitura contribui para o desenvolvimento intelectual das pessoas que
participam dos eventos de leitura. alguns aspectos importantes que colaboram para que
isso ocorra: o contexto social que estrutura o evento da leitura, as habilidades cognitivas que
as pessoas envolvidas desenvolvem e a experiência social que trocam com os outros
participantes numa situação específica.
Segundo Bloome, a leitura como evento social, na visão construtivista, sugere que os
participantes construam o sentido do texto em interação social entre o leitor com outros leitores.
Assim, num evento social interativo, o sentido é negociado entre os participantes mediante a
linguagem, num determinado contexto, o que evidentemente altera por completo a prática
leitora.
Bloome (op. cit.) salienta que a construção de sentido se realiza pela negociação criada no
contexto da interação face a face. Pontua que cada leitor age, nesse evento social, de acordo
com seus valores, ideologia e cultura na interação. Posso observar, ampliando a idéia de
Bloome (op, cit.), que o professor é um elo do grupo, tendo como papel o de mediador,
mediante a criação de um espaço para a participação dos alunos. A importância da leitura
como processo social está nas relações sociais criadas, quando uns aprendem, se orientam ou
mudam as identidades sociais, dependendo do engajamento nas atividades durante o evento.
A meu ver, a contribuição de Bloome é mostrar que a leitura como prática social contribui
para que o aprendiz cresça intelectualmente mediante as relações sociais criadas na e pela
integração dos participantes.
Avaliando as contribuições de Bloome (1993) para a área da Lingüística Aplicada, Nardi
(1999:36) alega que o estudo de Bloome
“apresenta avanço em relação a Vygotsky ao prever não apenas um indivíduo
mais experiente tentando construir `andaimes´de apoio aos aprendizes (tentando
transformar habilidades e instigar habilidades nos aprendizes), mas vários
indivíduos com diferentes bagagens cognitivas, agindo e reagindo uns aos outros,
fazendo uso da linguagem falada, alternando-se no processo de apoiar e de ser
apoiado, durante a leitura colaborativa de um texto, a socioconstrução dos
significados”.
Assim como Bloome (1993), Maybin & Moss (1993), também fundamentadas nas propostas
de Vygotsky sobre a construção do conhecimento na interação social, consideram que a
conversa sobre textos pode mostrar como se dá o processo de leitura estabelecido pela
42
interação entre os participantes e também de forma solitária, visando ao desenvolvimento
intelectual do aluno.
Segundo as autoras, as leituras são construídas, constatadas e negociadas por meio de
conversas que ajudam a estruturar o público legítimo do texto e a posição dos agentes. Essas
pesquisadoras analisaram conversas de crianças sobre diferentes tipos de texto mostrando
como as leituras podem ser definidas pela organização social e as relações entre os leitores.
A interação social entre os envolvidos é estimulada pelas experiências e intervenções
construídas colaborativamente na busca do significado. As relações sociais favorecem um
43
2.4.1 Protocolo verbal em grupo (pensar alto)
As concepções defendidas pelo GEIM se articulam com as idéias de Bloome (op. cit.) e
Maybin & Moss (1993). O grupo GEIM atua desde 1995 na pesquisa voltada para a melhoria do
ensino de leitura. O grupo partiu da perspectiva de que o processo de leitura envolve uma rede
de sentidos a ser investigada empiricamente. A multiplicidade de leituras, gerada pela
complexidade das subjetividades dos leitores, começou a ganhar espaço, considerando-se que
um texto permite várias leituras e essa variedade é decorrente de vários fatores (Zanotto, 2002
a 2004 projeto integrado). Nessa direção, pesquisas orientadas com esse novo compromisso
investigativo têm sido desenvolvidas pela Profa. Dra. Mara Sophia Zanotto (cf. ainda Nardi,
1999; Queiroz, 2002; Moretto, 2003; Ferling, 2005; Lemos, 2005; Silva, 2005 entre outros), cujo
enfoque é o protocolo verbal em grupo. O protocolo verbal em grupo pode ser definido como
registro verbal e possibilita o acesso aos pensamentos e às impressões à medida que o texto é
lido. Para realização desta tarefa, os participantes, coletiva ou individualmente, pensam alto
com o fluxo da consciência sobre a leitura de um texto.
Ao fazer considerações a respeito do trabalho de Bloome, Zanotto reconhece que a
contribuição do estudioso (op. cit.) é bastante significativa no que se refere à leitura como
processo social. Consistente com Bloome, a pesquisadora propõe uma prática coerente com
esse enfoque, considerando a leitura como prática social em grupo. O objetivo é permitir a
troca dos diferentes pontos de vista individuais, de maneira coletiva. O protocolo verbal em
grupo, como ferramenta didática (usada como instrumento nesta pesquisa), promove a
interação social, pois possibilita aos alunos “partilhar, negociar, construir e avaliar diferentes
leituras” (Zanotto, op. cit. p. 3) na discussão, com a interferência do professor como mediador e
não como autoridade interpretativa. Nesse aspecto, a experiência dos leitores é acolhida,
respeitando-se sua subjetividade.
A interação face a face se dá entre o professor e os alunos, e os alunos com outros alunos.
O engajamento dos envolvidos cresce com a discussão do que é interpretado em eventos de
leitura, porque exposição do que pensam, do que sentem no calor da troca de informações
e de idéias, de acordo com a especificidade de cada participante na interação.
Conforme salientam Zanotto & Palma (2003), quando participação do professor, ele
coordena e discute com o objetivo de mediar a interação em curso. Nesse aspecto, o professor,
segundo observa Zanotto (2005), deve dispor-se a ouvir as diferentes vozes dos alunos,
legitimá-las e dividir com eles sua autoridade interpretativa que passa assim a ser negociada
em vez de imposta – ao mediar a discussão da leitura.
44
A prática consiste no seguinte: cada participante recebe uma cópia do texto, que é lido
silenciosamente e, depois, participa livremente da discussão em grupo sobre o texto e a leitura
realizada. Posso salientar que os significados construídos coletivamente possibilitam a
construção do conhecimento e, dependendo de como o professor medeia a discussão da
leitura, colabora também para a formação de seres críticos. A criticidade pode ser estimulada a
partir do momento em que os alunos podem concordar ou não com o texto, com o autor, com
os outros participantes etc.
Conforme observa Zanotto (2005), surgem diferentes significados durante a discussão do
texto, havendo uma indeterminação na leitura desencadeada pela colaboração entre os
participantes. A indeterminação de sentido ocorre, segundo Bloome (1993:98), quando os
“significados são negociados e reconstruídos à medida em que as pessoas continuam a
interagir”. O protocolo verbal em grupo, de um lado, propicia uma construção mais rica de
sentidos por permitir uma reflexão entre os participantes, apreciados uns pelos outros,
permitindo a socialização dos sentidos que cada um constrói. De outro lado, também há
limitações, pois, às vezes, nem todos os participantes têm oportunidade de falar devido a
interferências de pares ou impedimentos de tomadas de turno ou, ainda, à falta de condições
propícias para uma interação mais rica entre os envolvidos.
A prática social de leitura pelo pensar alto em grupo é uma possibilidade de interação social
entre os envolvidos, visto que contribui com a partilha do conhecimento e com a troca de
experiência e compreensão. O evento social de leitura é um espaço em que os alunos têm voz,
são ouvidos, ouvem, partilham conhecimento e constroem colaborativamente o sentido.
O pensar alto em grupo permite ao professor dar voz ao aluno e, conseqüentemente, criar
espaço para sua subjetividade manifestar-se. Essa voz, como afirma Baquero (1998), precisa
ser legitimada. Nesse espaço social de discussão, o aluno sai da passividade e, o mais
importante, é ouvido.
O uso dessa ferramenta pedagógica possibilita a negociação ao dar importância ao evento
social de leitura, num processo de leitura participativa, quando o individual e o coletivo se
defrontam e se entrelaçam. Na prática de leitura como processo social, a interação face a face
se dá entre o professor, os alunos e outros alunos, de modo natural.
2.4.2 Revozeamento (revoicing)
Ao discutirem sobre a ferramenta pedagógica do revozeamento (revoicing, em inglês),
O´Connor & Michaels (1996) mostram pesquisa com crianças, na prática discursiva. O
45
revozeamento é uma estratégia que visa à reformulação da voz do aluno, quando o
professor pode se valer dessa estratégia para alinhá-lo com outro participante e com as
contribuições dos demais participantes. O professor também pode valer-se da orquestração
que é uma estratégia didática para propiciar aos alunos, no grupo de discussão, troca de
experiência que ocorre em sala de aula.
As estudiosas destacam que a capacidade de abstração cognitiva da criança é complexa,
podendo ser desenvolvida em sala de aula pelo professor. Para as estudiosas, a socialização
da linguagem é a base para a interação social, cuja responsabilidade cabe ao professor ao
estimular a participação dos alunos. As condições criadas pelo professor permitem que a
criança traga para o contexto da sala de aula também sua responsabilidade.
Dessa forma, os alunos, ao mesmo tempo em que interagem, podem praticar o exercício do
pensamento na troca de experiências com o outro. As habilidades desenvolvidas pelas
crianças requerem atenção e engajamento social pela linguagem em sala de aula, durante o
processo de ensino-aprendizagem.
As estudiosas consideram as contribuições de Vygotsky e de alguns de seus seguidores
para abordar a complexidade do pensamento a partir de experiência com alunos no contexto
social. Elas defendem que, quando o aluno se posiciona pela sua voz no processo ensino-
aprendizagem, ele se engaja numa proposta de ação dentro de um grupo social. Quando o
professor assume seu papel de maestro, a orquestração se estabelece no grupo de discussão
e os alunos podem se posicionar em relação ao outro e ao conteúdo que estiver sendo
trabalhado.
Assim, o envolvimento dos alunos é vital, pois favorece seu desenvolvimento intelectual e
promove sua autonomia para construir leituras e se posicionar. O papel do professor também é
fundamental, pois ele cria oportunidade para o aluno poder argumentar, dentro do grupo de
discussão, ao encorajá-lo a ouvir o outro e a posicionar-se. O sucesso do grupo de discussão é
favorecido pela interação face a face, a criatividade e a amizade que são estabelecidas pelo
revozeamento e orquestração do professor.
O´Connor & Michaels (op. cit.) salientam que, nesse ambiente, cada aluno tem condições
de dizer o que pensa. Além disso, problemas referentes ao processo de ensino-aprendizagem
podem ser discutidos em grupo. Dessa forma, o reconhecimento da complexidade que
surge no grupo, estabelecendo a socialização, através da orquestração. O professor deve
alinhar os estudantes para que ocorra o desenvolvimento intelectual. Ao engajar os alunos,
através do processo social da linguagem, o professor orquestra e possibilita que eles alcancem
os objetivos e participem, num mesmo processo.
46
À luz das pesquisadoras, ao destacarem a noção de participant framework (citando
Goffman, 1974, 1981 e Goodwin, 1990) ou estrutura participativa, pode-se dizer que essa
estrutura permite ao grupo de discussão, mediado pelo professor: 1) partilhar conhecimentos
que envolvam explicação, troca, considerando-se o conhecimento prévio; 2) assumir papéis
sociais e responsabilidades e, o mais importante, 3) ter o exercício da voz no grupo social. O
participant framework é um processo no qual, os alunos ao interagirem, agem uns com os
outros, numa prática colaborativa. Nesse processo, o professor intencionalmente pode criar
animação, quando revozeia a voz do aluno, cria alinhamentos entre os participantes e abre
espaço na sala de aula. É uma maneira de engajar os alunos nas atividades acadêmicas pela
aliança ou oposição na interação em sala de aula.
Nesse aspecto, o papel do professor ao orquestrar a discussão em grupo, consiste em
encorajar a participação dos alunos (Perrenoud, 1999) a questionarem e a refutarem outros
pontos de vista pela conversa que vai se estabelecendo na interação social. Nessa
perspectiva, o professor, como mediador, revozeia os alunos, estimulando-os às várias formas
de participação pelo pensar alto (como vai ser explicado no próximo item) ao acolher as
múltiplas leituras.
Ao se valer do revozeamento, o professor estimula os alunos a superarem empecilhos no
processo social de leitura e dá-lhes voz. O papel do professor ganha sentido nessa nova forma
de atuação com a prática da leitura e da avaliação, uma vez que passa de detentor do
conhecimento a mediador que estimula o desenvolvimento intelectual do aprendiz.
O trabalho com o revozeamento realizado pelo professor envolve a responsabilidade do
aluno durante a conversa estabelecida e lhe possibilita contribuir para o processo de ensino-
aprendizagem. Quando o professor revozeia os alunos, ele permite a presença de outros
discursos e a clarificação do conteúdo no grupo de discussão. Quando procede assim, o
professor uma voz maior ao aluno (give a bigger voice), permitindo que ele exponha seu
pensamento, interaja com o grupo e auto-regule sua aprendizagem pela linguagem.
Considerando as idéias dos estudiosos sobre a leitura como processo social, abordo a
seguir o papel do professor e do aluno e a avaliação. O papel do professor na leitura
participativa é, como vimos, o de mediador, pois ele orquestra (O´Connor & Michaels, 1996) a
discussão em grupo, encorajando os alunos (Perrenoud, 1999) a questionarem e a refutarem
outros pontos de vista pela conversa que vai se estabelecendo na interação social.
Pela mediação, o professor repensa sua prática e, ao refletir sobre ela, consegue
dimensionar o seu papel político de educador no exercício pedagógico, visando à
transformação da sociedade. Ao dimensionar seu papel político, será capaz de analisar
incoerências e contradições e fazer reflexões acerca das relações sociais de domínio e
47
submissão, minimizando-as em sua atuação. Como mediador, passa a entender o aluno
como partícipe do processo ensino-aprendizagem.
Considero que os professores, para bem desempenhar o papel de intelectuais
transformadores, na posição de Giroux (1997) ou mediadores, como os estou considerando,
precisam desenvolver a consciência crítica desse papel, em ações, pela linguagem, para
transformar as condições em que trabalham. Na concepção da leitura como prática social, o
aluno é um ser ativo que age e interage com os seus pares e os textos numa relação dialógica
e aberta, durante a discussão de textos, nas várias situações de comunicação.
O leitor ativo tem condições de usar eficientemente seu conhecimento prévio para o
processamento das informações. Ele pode regular sua leitura na abordagem do texto. A
flexibilidade do leitor ativo apresenta algumas características que podem ser consideradas
relevantes: conscientização do porque lê, reflexão e intenção, isto é, ele é capaz de
compreender o que leu, recorrendo, quando necessário, a procedimentos para facilitar o texto
inteligível. Segundo Kleiman (op. cit.), quando objetivos de leitura e o leitor pode formular
hipóteses, ele aciona, como estratégia, a metacognição, que pressupõe reflexão e controle
consciente sobre seu conhecimento, sobre sua própria capacidade.
Ao desenvolver este estudo em colaboração com uma professora de Geografia, esta
pesquisa teve como objetivo desenvolver conjuntamente a prática social de leitura em sala de
aula, à luz dos pesquisadores citados, para possibilitar a construção colaborativa dos múltiplos
olhares, dos múltiplos sentidos dos leitores, durante o exercício pedagógico dessa professora.
Na próxima seção, abordo a avaliação, aspecto importante do processo de ensino-
aprendizagem de leitura, bem como do conhecimento prático (RS, explicado no capítulo I) da
professora sobre sua ação em sala de aula e sua reflexão sobre a ação avaliativa. Essa
abordagem se faz necessária considerando que a Profa. Alzira disse, num dos encontros
iniciais, que punia aluno que atrapalhasse a aula. Por isso, a discussão sobre a avaliação de
leitura torna-se imprescindível neste trabalho.
2.5 A avaliação de leitura
A avaliação de leitura tal como tem sido praticada,de modo geral, não satisfaz aos
anseios pedagógicos e sociais, porque fomenta o medo, a angústia e o desânimo, culminando,
muitas vezes, na exclusão do aluno da escola. necessidade de se buscar uma nova forma
de avaliar, que traga novas visões para o processo de ensino-aprendizagem.
48
Apesar de serem necessárias e estimularem reflexões que colaboram para mudanças
no processo pedagógico em andamento, as intervenções (por exemplo, reflexões e propostas
que permitam ao professor olhar com novos olhos sua prática em processo de formação
docente) não se repetem com a freqüência esperada, devido à pouca importância atribuída aos
atos de avaliar durante o processo de ensino-aprendizagem. Às vezes, confunde-se avaliação
com promoção automática do aluno, o que provoca descrédito do papel de educador (e
automaticamente de avaliador) em sua prática cotidiana. A quem interessa esse tipo de
descrédito reinante, principalmente, no ensino público? Por que isso acontece?
Luckezi (2002) argumenta que todo ato avaliativo, após avaliação diagnóstica, requer
uma tomada de decisão favorecedora de mudança no processo de ensino-aprendizagem.
Nem sempre é o que acontece, uma vez que o cotidiano pedagógico pode abortar o estado
de mudança. Parece valer a xima do comodismo, fruto de um contexto neoliberal (cf.
capítulo I), num faz-de-conta avaliativo, com a reprodução da ideologia dominante.
Para esse autor, as notas e os conceitos atribuídos aos resultados do que o aluno
aprende devem representar seu aprendizado e não a cultura vigente, isto é, a máxima, por
exemplo, da nota vermelha. Não poderiam, portanto, ser um fim em si, como se costuma ver
e praticar no âmbito educacional, tanto da parte do professor, quanto do aluno, mas deveria
sinalizar uma prática p-ativa a favor de ambos e que fosse processual em vez de girar
simplesmente em torno de uma nota.
Feitas essas considerações sobre avaliação, abordo a concepção de avaliação
tradicional e formativa, o que se faz necessário porque, durante a realização do trabalho, as
representações da professora sobre avaliação emergiram.
2.5.1 Avaliação tradicional
A avaliação, sob o ponto de vista tradicional, restringe-se a uma ação não-participativa,
mas antes prescritiva e autoritária. A representação dessa prática em vigor espelha uma
ideologia da classe dominante que nos é imposta. Nessa concepção, os fatos são passados
como verdades absolutas, para que não surjam conflitos, e, pelo contrário, para que se aceitem
as várias situações de injustiça e desigualdade social como naturais. As ações sociais
decorrentes desse processo legitimam uma situação assombrosa, que tudo é considerado
normal e aavaliação é praticada para fins de controle.
49
Hadji (2001) - bem como Luckezi (2002) - lembra a questão da lógica do absurdo de a
nota estar assentada numa visão objetivista, que impregna o processo de ensino-
aprendizagem, em forma de representações inadequadas e isola ou arrefece o aprender,
aprisionando o aluno nas amarras do sistema.
Nesses moldes, no processo de ensino-aprendizagem, o procedimento avaliativo
colabora para a estratificação social pela negação ou falta de conhecimento do próprio
docente. Sendo assim, ratifica-se uma avaliação sorrateira, que o avaliador conhece, bem
como o insucesso de aquisição de conhecimento do aluno em detrimento de uma ação
dissociada de um construto social que pode variar, segundo Hadji (2001), de acordo com o
contexto social.
Nesses moldes, no processo de ensino-aprendizagem, o procedimento avaliativo colabora para
a estratificação social pela negação ou falta de conhecimento do próprio docente. Sendo
assim, ratifica-se uma avaliação sorrateira, que o avaliador conhece, bem como o insucesso
de aquisição de conhecimento do aluno devido em última análise a uma ação dissociada de um
construto social que pode variar, segundo Hadji (2001), de acordo com o contexto social.
Todavia, quando os procedimentos de avaliação não ficam claros aos alunos, à direção,
e às vezes nem ao próprio professor, porque estabelecidos de cima para baixo, encerra-se
neles forte arraigamento à concepção tradicional, muito embora alguns gestores e professores
tenham tendências inovadoras. Nesse ponto, Hoffmann (2003) esclarece que o caráter seletivo
e burocrático que continua a prevalecer na avaliação educacional precisa urgentemente de
uma intervenção pedagógica que leve à necessária tomada de consciência por educadores e
leigos sobre os problemas decorrentes de uma avaliação tradicional.
Parece que a responsabilidade pelas expressivas estatísticas de abandono, de evasão, de
repetência e da discriminação se assenta em alguns fatores, dentre eles a formação precária
do professor, o qual também é refém, como o aluno, de um sistema dominante autoritário e
acaba por reproduzir a ótica vigente por não ter consciência da ideologia da classe dominante,
chegando ao ponto de confundir avaliação com método de imposição de disciplina em sala de
aula.
2.5.2 Avaliação formativa
50
Na avaliação formativa, os sujeitos estão contextualizados historicamente com vistas
às transformações sociais, porque uma problematização da realidade, exigindo uma
reformulação do conhecimento. A participação crítica gera dialogicidade, co-responsabilidade
de maneira dialética. Logo, uma interação social em que sujeito e objeto se fundem no
fazer-ser, no saber-fazer, com vistas a uma (re) significação social.
Segundo Hadji (2001), a avaliação deve ser posta a serviço das atividades consideradas
intrínsecas: avaliar e aprender. Se assim for, tem-se a avaliação formativa. A avaliação
formativa considera o aluno no processo de ensino-aprendizagem, contribuindo para a sua
auto-regulação. O autor, entretanto, observa que se faz premente compreender primeiro o
significado da avaliação processual com suas implicações e alcance.
Hadji (2001) desmistifica a idéia de que a avaliação formativa contribui para transformar
os estudantes em bons alunos. Seria uma ilusão ambiciosa, porque faz parte do senso
comum e não reside na forma externa da atividade de avaliação. Logo, fala-se de avaliação
prognóstica, que permite um ajuste recíproco do aprendiz e do programa de estudos (idem). De
onde se pode concluir que a avaliação formativa deve ser corretiva e cumulativa, porque se
refere a tarefas socialmente significativas. Se esse tipo de avaliação estiver a serviço do aluno
contribui para que ele tenha autonomia no processo de ensino-aprendizagem, sendo capaz de
auto-regulação de seu aprender. Para isso, devem ser criados mecanismos que insiram o
aluno, como sujeito participativo, dando-lhe condições de ter tornar-se sujeito do processo.
Consistente com a posição de Hadji (op. cit.), Saul (1999), influenciada pelas idéias de
Freire e Perrenoud, trata da avaliação, enfatizando que o educador deve ser curioso e sabedor
da complexidade dessa prática pedagógica e ser ousado para uma ação concreta. Nesse
aspecto, a avaliação formativa contribui para a (re) conceptualização de uma nova maneira de
aprender e de ensinar.
Mas, conforme alerta Romão (2001), a avaliação enquanto tema não é sequer
problematizada, pois não uma cultura nesse sentido. Logo, complexidade ao se falar em
avaliação e descaso de alguns ao tratá-la. Portanto, é relevante a construção de espaços para
reflexão, nos quais se poderão discutir sobre as novas tendências de avaliação em prol de um
ensino libertador. Romão (2001:17) é defensor da idéia de que uma teoria ganha
legitimidade no interior de uma reflexão ou pesquisa concreta que permita a construção de
mecanismos e instrumentos transformadores (ibidem). É por meio de atos reflexivos que se
amadurecem questões referentes à prática pedagógica.
No caso desta pesquisa, a leitura e a discussão do texto de Saul (1999), no trabalho de
formação, foi a base para a busca de uma leitura crítica da realidade, pela consciência crítica
51
da professora, da reflexão sobre suas representações de avaliação punitiva, possibilitando-
lhe atualização de sua prática em favor da autonomia do aluno como leitor crítico.
Nos próximos capítulos, apresento a metodologia e a análise dos dados para responder
às questões de pesquisa.
Capítulo III
Metodologia de pesquisa
Neste capítulo, apresento a metodologia de pesquisa adotada para o desenvolvimento
de um trabalho de formação junto a uma professora de Geografia. Para realizá-lo, como foi
dito, partiu-se da questão Quais são as necessidades da professora no seu fazer
pedagógico?”
O capítulo está organizado de acordo com as seções a seguir, que vão do geral para o
particular:
3.1 Pesquisa etnográfica de cunho colaborativo
3.2 Participantes
3.3 Contexto da pesquisa
3.4 Procedimentos de coleta de dados
3.4.1 Encontros de formação
3.4.2 Aulas 1 e 2
3.4.3 Gravação em áudio de aulas
3.5 Procedimento de transcrição dos dados
3.6 Metodologia de análise dos dados
3.7 Questões de Confiabilidade
Apresento mais uma vez as perguntas de pesquisa, que busco responder no capítulo IV,
dedicado à análise dos dados obtidos:
1) Quais as representações que a professora constrói sobre si mesma, sobre sua prática
de leitura e avaliação durante um trabalho de formação e que relações há entre a prática
e as representações da professora sobre si mesma?
2) De que maneira, ao longo do processo, a mudança da prática da professora e de suas
representações sobre leitura e avaliação leva a um início de mudança das
representações da professora sobre si mesma?
53
Essas perguntas possibilitaram investigar as representações da Profa. Alzira quanto
aos seguintes temas:
. Representações de si mesma (Profa. Alzira)
. Representações de sua prática de leitura
. Representações de sua prática de avaliação
Além disso, os dados arrolados a esse respeito serão a base para identificar, embora
sumariamente, de que maneira ocorre a atualização das representações de si mesma, de sua
prática de leitura e de sua prática de avaliação.
3.1 Pesquisa etnográfica de cunho colaborativo
Na pesquisa etnográfica, os dados não são pré-determinados, estanques, mas são
desenvolvidos: primeiro, a partir do trabalho em campo e segundo, ao introduzir os atores
sociais e com uma participação ativa e dinâmica no processo modificador das estruturas
sociais.
De acordo com Anderson (1989), Moita Lopes (1994) e outros, a etnografia é também
conhecida como pesquisa social, observação participante, pesquisa interpretativista ou
analítica. Compreende uma análise pela observação direta e por um período de tempo,
conforme o convívio de um grupo de pessoas.
Observa Moita Lopes (1994:334): o que o pesquisador deseja é entender os significados
construídos pelos participantes do contexto social de modo a poder compreendê-lo. O objeto
da etnografia envolve assim um conjunto de ações produzidas em eventos sociais, fatos e
contextos para que seja percebido e interpretado pelo pesquisador. No entanto, observa
Erickson, 2003, que o papel do pesquisador vai um pouco além da compreensão, quando atua
com observações e perguntas, o que gera diferentes fontes e dados que poderiam passar
desapercebidos.
Este tipo de pesquisa permite uma constante reflexão sobre o universo pesquisado pelo
investigador e permite a compreensão das nuances da particularidade na construção local da
interação cotidiana como ambiente de aprendizagem (Erickson, 2003:11). Em outras palavras,
para a compreensão do que é construído em sala de aula, seja como participante, seja como
observador.
54
Entretanto, como meu compromisso de pesquisadora/formadora não se restringiu
apenas ao entendimento de ações dos participantes, mas também transformá-las, busquei
apoio na pesquisa colaborativa (Liberali, 2002; Magalhães, 2002, 2004).
Trata-se de uma pesquisa em conjunto com uma professora de Geografia e a
pesquisadora/formadora, com a participação de alunos em sala de aula, num espaço social de
uma escola pública. Os participantes puderam questionar suas ações e serem questionados,
visando à compreensão dos papéis e à distribuição de poder.
Nessa perspectiva, segundo Magalhães (2004),
“o conceito de colaboração pressupõe, assim, que todos os agentes
tenham voz para colocar suas experiências, compreensões e suas
concordâncias e discordâncias em relação ao discurso de outros
participantes e ao seu próprio”. (Magalhães, (op. cit. :75).
Na colaboração, a questão do poder pode ser compreendida como uma troca mútua entre
os participantes, isto é, um esforço para tentar diminuir a distância entre os conhecimentos
construídos, seja pela professora colaboradora seja pela pesquisadora (Magalhães, 2002). Em
outras palavras, a pesquisa de cunho colaborativo acaba por se constituir num caráter
problematizador das representações que envolvem a prática pedagógica.
Numa pesquisa de cunho colaborativo, deve-se ter oportunidades de estranhamento, o
que significa agir no sentido de possibilitar que ambos os envolvidos possam questionar,
expandir, compreender e se posicionarem a respeito do que foi posto em negociação
(Magalhães, 2002, 2004). Segundo Cole & Knowles (1993), em pesquisas etnográficas de
cunho colaborativo, a negociação estabelecida favorece uma análise crítica da prática
educacional e favorece ainda a mutualidade entre a pesquisadora formadora e a professora
colaboradora (ibidem).
A esse respeito, eles pontuam:
“a colaboração como fim em si mesmo é contraproducente. É mais
provável haver colaborações verdadeiras quando não se pretende
alcançar o mesmo envolvimento em todos os aspectos da
pesquisa mas, em vez disso, o envolvimento negociado e decidido
por acordo mútuo, no qual se respeitam as capacidades e as
55
necessidades em termos de tempo de processamento. (Cole &
Knowles, 1993:486) (tradução minha).
21
As oportunidades criadas nos encontros de formação, durante a realização da pesquisa,
possibilitam que as ações tanto da pesquisadora quanto da professora colaboradora se dêem
de maneira consciente e reflexiva com suas capacidades de transformação da prática
pedagógica.
Ao trilhar o caminho metodológico da etnografia de cunho colaborativo, foi possível criar
conjuntamente condições para que os envolvidos nesta pesquisa - eu (pesquisadora
formadora), Alzira (professora colaboradora) - pudessem conjuntamente refletir sobre as
práticas pedagógicas, durante os encontros e as duas vivências em sala de aula, para
compreendê-las, possibilitar a construção de nova prática de leitura em aulas de Geografia e
permitir aos alunos compreender a leitura. Nos encontros de formação que se estenderam às
salas de aula, a Profa. Alzira e eu procuramos criar um ambiente de colaboração para que:
a) a professora de Geografia pudesse:
x refletir sobre suas ações e a complexidade da sala de aula (Cole & Knowles,
1993:476);
x articular a prática e as teorias (ibidem);
x compreender que existem novas formas de agir em aulas de leitura, em
Geografia;
x refletir sobre a avaliação de leitura realizada e sobre uma nova forma de avaliar
(formativa) e
x refletir sobre seu papel e a importância de se buscar formação contínua e
b) a pesquisadora formadora pudesse:
x reconhecer a importância do contexto de ação;
x ter menos controle (Cole & Knowles, op. cit. p.477);
2 Collaboration for collaboration´s sake seems counter-productive. True collaborations is more likely to result when the aim is not for equal involvement in
56
x ser menos ansiosa durante a realização da pesquisa, que o processo de
formação contínua é gradual;
x não ter um papel passivo (ibidem) ou solitário;
x interagir com a professora colaboradora, intervindo, quando necessário, como
par mais experiente (Vygotsky, 1934/2000; Cole & Knowles, op. cit. e Magalhães,
2004),
x compreender o desenvolvimento da professora (Cole & Knowles, op. cit. p. 479);
x Trocar experiências com a professora colaboradora;
x ser mediadora nas discussões sobre a prática de leitura da professora na sessão
reflexiva (Magalhães, 2005, no prelo);
x compreender meu papel como pesquisadora e formadora e
x amadurecer.
A pesquisa etnográfica de cunho colaborativo é uma escolha que se apresenta como
válida, para este estudo, na medida em que os envolvidos aceitem correr riscos em prol de seu
desenvolvimento intelectual e como sujeitos que são (Mattos, 2005).
Evidencia-se que este tipo de pesquisa pode ser o gerador desse espaço reflexivo tanto
para a crítica quanto para a negociação, ao propiciar reflexões e transformações e encaminhar
para a organização e a reconstrução de práticas que possam conduzir a novas compreensões,
a novas re-significações da prática pedagógica, quando
“o investigador, através do diálogo com os participantes, procura
construir uma explicação destas compreensões de todos os participantes
e possíveis contradições entre intenções e ações. Procura, ainda, levar
os participantes a relacionarem suas escolhas e ações a seus objetivos e
intenções, a tornarem-se auto-conscientes quanto ao resultado
transformador ou opressor de sua prática e à necessidade de transformá-
la ou não para atingirem seus objetivos”. (Magalhães,1994:74).
3.2 Participantes
Os participantes desta pesquisa são uma professora de Geografia, como focal, alunos
da 8ªA e 8ªC e uma pesquisadora formadora.
57
Professora colaboradora (Alzira)
Apresentação por ela própria em forma de depoimento, em nosso último encontro de
formação, antes de despedir-me dela e agradecer sua colaboração na pesquisa:
Eu sou Alzira. Trabalho com educação desde os 16 anos. Comecei com recreação
infantil. Ao ler Paulo Freire, eu disse: vou ser professora. Fiz magistério. Dou aula 19 anos,
em escola pública. Nesta escola mesmo. Tenho experiência em escola particular, tendo
trabalhado em uma cooperativa, com idéias bem alternativas. Entrei na Universidade São
Paulo, em 1987. Fiquei na Geografia da USP seis anos, porque fiquei grávida. Fiz Licenciatura
Plena dois anos. Eu queria defender uma tese. Daí foi bom eu passar no concurso da
prefeitura de C... porque eu me certifiquei de que eu gosto mesmo de trabalhar com criança,
mesmo com alfabetização (eu me identifico muito com o construtivismo, apesar de ter sofrido
muito todos os anos). Infelizmente, as pessoas não sabem lidar com essa questão da
disciplina, da produção do saber. Acham que dar aula é ficar todo mundo quietinho, né? E a
gente sabe que não é nada disso. A qualidade da aula independe disso. É lógico que tem hora
que é preciso haver silêncio... leitura silenciosa. Mas acho que é muito difícil, muito conflitante.
A gente sofre muito quando você acredita nessa concepção do saber”.
Pesquisadora
Sou formada em Letras pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, desde
1980 e em Pedagogia pelas Faculdades Carlos Pasqualle. Tenho experiência tanto em
escola pública como também particular, seja no ensino médio seja no ensino superior. Sou
concursada do Ministério da Educação, como Técnica em Assuntos Educacionais
(atualmente afastada). Meu mestrado sobre avaliação
58
Alunos da 8ªA e 8ª C
Ao todo, havia 42 alunos nas salas. Aqueles que participaram na realização das atividades
foram identificados por nomes fictícios. As classes são mistas, tendo mais meninas que
meninos. A faixa etária varia de 14 a 17 anos.
3.3 Contexto da Pesquisa
Esta pesquisa realizou-se em uma escola pública da Grande São Paulo (nome mantido
em sigilo), situada às margens de uma Rodovia que liga a cidade de São Paulo ao interior.
Essa escola tem uma diretora, uma vice-diretora, um coordenador pedagógico,
aproximadamente 40 professores, 900 alunos. Essa escola pública atende desde o ensino
fundamental a partir da 5
a
. série, à tarde, até o ensino médio, manhã e noite, funcionando nos
três turnos. A maioria dos alunos reside, segundo o coordenador, em bairros próximos à
escola, que tem acesso facilitado por conduções que servem ao município e municípios
vizinhos. Todavia, esse desenho está mudando um pouco, devido à atual situação econômica
do país, pois diminuiu o número de alunos à noite, que não têm condições financeiras para o
transporte. É uma escola com várias salas de aula, distribuídas em 2 andares, sala de vídeo
(onde as reuniões de Horário deTrabalho Pedagógico Coletivo, HTPC acontecem), secretaria,
diretoria, pátio, banheiros, cantina, quadra e área externa com algumas árvores e matos nas
extremidades, além de um estacionamento para carros de professores. As janelas de vidro, da
parte inferior do prédio, são gradeadas, bem como a porta de entrada principal. A opção por
esta escola pública se deve ao fato de eu ter sido professora da rede e ter um conhecimento
direto, mais tarde objeto de reflexão, acerca de algumas necessidades de formação.
O desenho desta pesquisa teve seu início em 2004, quando procurei a direção que me
caminhou ao Coordenador, Prof. Mauro (nome fictício), para expor-lhe minhas intenções de
realização da pesquisa, concomitante a um trabalho de formação. Após ter mantido contato
com o Coordenador, ele levou a proposta ao grupo de professores que participavam do HTPC,
às terças e às quintas-feiras. Os professores concordaram em participar. No primeiro encontro,
levei o termo de compromisso por escrito ao Coordenador que o submeteu à análise dos
professores. No segundo encontro, como os professores haviam concordado em participar
da pesquisa, perguntei-lhes sobre a assinatura do documento. Alguns, ressabiados,
59
responderam que não assinariam, tendo em vista que desconfiavam de que eu fosse uma
“espiã” da Secretária da Educação. Apesar de contra-argumentar não teve jeito. Assim,
infelizmente, não pude contar com esse compromisso por escrito. As reuniões aconteciam às
3as. feiras (dia da semana em que se reuniam mais professores). Selecionava alguns textos de
temáticas variadas, retirados de revistas, jornais, livros didáticos, poemas para as atividades de
leitura, discussão e reflexão, de acordo com as necessidades que iam surgindo durante essas
sessões no HTPC. A finalidade foi promover condições de troca de conhecimento e de
experiência com um grupo de onze professores por meio da interação social e lhes propiciar
reflexões sobre a prática pedagógica. No começo, apliquei um excerto do capítulo de Paulo
Freire, intitulado Educação Bancária, como suporte para reflexão inicial. No entanto, uma parte
dos professores deixou de lê-lo, devido ao excesso de trabalho, à carga horária dobrada, à
participação em cursos como Teia do saber, aos sábados, à família, a tarefas escolares, etc,
conforme alegaram. Geralmente, os encontros reflexivos se realizavam na hora de almoço, das
12:10 às 13h. Muitas vezes, a participação dos professores se dava entre uma garfada e outra
(a metáfora usada intencionalmente por mim é para caracterizar a concomitância entre a hora
do almoço e à dos encontros em HTPC). Além disso, como o grupo era heterogêneo com
freqüência instável, a finalidade que tinha inicialmente se restringiu aos poucos que
compareciam, no horário acima combinado.
Assim tomei a decisão de restringir as atividades de leitura ao próprio espaço do HTPC
porque textos muito longos não seriam apropriados dado o tempo-relógio de que eu e os
professores dispúnhamos para as discussões e conversa sobre texto (Maybin & Moss, 1993):
uma vez por semana/50 minutos.
Entre uma sessão reflexiva e outra, recorri a Liberali (2002, 2003) e a Magalhães (2002,
2004) que me alertaram sobre a importância das necessidades reais do contexto situacional as
quais deveriam ser levadas em consideração para a construção de sentido dos textos
discutidos por todos os participantes, incluindo-me como pesquisadora e formadora. Durante
esse fazer, surgiram dificuldades e necessidades do grupo que precisavam ser ouvidas, para
depois promover um trabalho de reflexão da prática pedagógica pelas discussões. Senti que eu
também precisava refletir sobre o próprio contexto da escola pública, sobre o próprio HTPC e
sobre meu papel de formadora e pesquisadora. Também constatei que os professores
precisavam passar, nas condições atuais, por um processo de sensibilização, pois nesse
cenário da escola, conforme expõe Garcia (2003), prevalece uma racionalidade instrumental
com suas contradições e ambigüidades.
Os encontros, em 2004, serviram-me como experiência, enquanto pesquisadora-
formadora, pois tive uma postura mais solidária (ou passiva, no dizer de Cole & Knowles, 1993)
60
do que par mais experiente naquele contexto, além de ter perdido parte das gravações em
áudio, o que, de certa maneira, prejudicou a coleta de dados. Sendo assim, voltei a campo, em
2005, para fazer nova coleta de dados, que complementou a anterior, servindo para que eu
avaliasse o trabalho de formação contínua e minha atuação como formadora.
Quando de meu retorno à escola, em agosto de 2005, conversei com os professores que
haviam trabalhado comigo em 2004. Desses profissionais, apenas duas professoras Keila
(nome fictício, de português, e Alzira (nome fictício), da área de Geografia, manifestaram
interesse na continuidade da pesquisa e no trabalho de formação docente.
Após ter estado com as professoras, no encontro seguinte, a Profa. Keila, que começara
seu mestrado, alegou que não disporia mais de tempo para continuar no projeto. Logo, o
trabalho ficou restrito a Profa. Alzira e a mim. Creio que o fato de a Profa. Alzira ter continuado
a participar do trabalho de formação se deveu a importância que ela sempre creditou a busca
de conhecimento. Mostrou esse interesse quando interagia comigo e com os pares, além de
buscar curso de capacitação aos sábados: Teia do saber.
Contudo, ao iniciar o trabalho com essa professora, perguntei-lhe sobre suas
dificuldades na prática pedagógica. Ela externou que seu grande problema era trabalhar com
leitura de textos de sua área e avaliar a compreensão de seus alunos. Assim, ficou acertado
que o trabalho de formação docente seria realizado no período da tarde, em dias e horários a
combinar, enfocando a prática da leitura e a avaliação.
3.4 Procedimentos de coleta de dados
A partir das marcas do dizer (Bronckart, 1999) de Alzira, participante da pesquisa, fiz o
levantamento das principais representações que emergiram sobre o pensar, o sentir e o agir
da professora nas conversas que tivemos. Os procedimentos de coleta de dados, descritos a
seguir, foram:
x 6 encontros de formação e
x duas aulas, designadas por aula 1 e aula 2
61
3.4.1 Encontros de formação
Foram seis encontros com a professora colaborada, objetivando criar um espaço para
a reflexão da professora de Geografia, por meio de reflexão sobre sua prática pedagógica,
envolvendo seus alunos em eventos de leitura. As discussões foram gravadas com a
permissão da professora participante. Serviram como ferramenta representada pela troca
com o outro (Magalhães, 2004:83) na sessão reflexiva, num processo de formação docente
contínua, mediante a relação entre a teoria estudada, as trocas havidas, com ou sem
estranhamento na prática de leitura em sala de aula. Meu papel foi discutir com a professora
os textos teóricos que pudessem ajudá-la na prática de leitura em sala de aula e em seu
desenvolvimento profissional.
Saliento que as conversas, durante os encontros de formação, foram estimuladas pela
minha experiência de vida, de professora, de pesquisadora e de formadora e pela experiência
de vida e de docência da professora colaboradora, mediadas pela negociação, pela
colaboração e pela parceria que formamos ao longo de um ano e meio juntas, principalmente
no segundo semestre de 2005, quando o trabalho se restringiu a nós e aos alunos da
professora, em sala de aula.
A professora de Geografia e eu planejamos aos poucos as atividades que seriam
realizadas, conforme o desenrolar dos acontecimentos. Ressalto que não houve uma
regularidade nas atividades de coleta de dados, devido à viagem dos alunos, à semana
cultural, à paralisação dos professores, a feriados, ao Saresp (exame aplicado aos alunos do
ensino fundamental pelas autoridades governamentais), ao conselho de classe e às atividades
pedagógicas inadiáveis da professora colaboradora. A seguir, apresento o quadro 1 dos
encontros de formação:
62
Quadro 1 – Encontros de formação
Dias Objetivos Material
usado
Códigos de
identificação
referentes
aos
encontros
16/ago Verificar a possibilidade de
continuar com a pesquisa
com a Profa.
A
lzira,
levantando dados sobre
suas necessidades na
prática pedagógica.
E1
25/ago refletir em conjunto sobre
o papel do professor e
disponibilizar material
teórico de acordo com a
real necessidade da
professora
E2
1º./set refletir sobre os textos
teóricos com a professora
colaboradora
Textos: A
concepção de
leitor e produtor
de textos nos
PCNs: Ler é
melhor que
estudar, de
Roxane Rojo
(1999). Teoria
sobre protocolo
verbal, com base
no grupo GEIM e
em pesquisa de
Queiroz (2002) e
Lemos (2005).
E3
22/set trocar conhecimento com a
professora sobre a
ferramenta pedagógica do
pensar alto em grupo
revozeamento e
orquestração, de
O´Connor &
Michaels (1996).
E4
13/out refletir sobre os resultados
da aula observada na 8ªC
em sessão reflexiva com
a professora e
estabelecer,
colaborativamente, novas
estratégias para uso do
pensar alto em grupo na
8
a
A
Reflexão sobre a
transcrição da
aula do dia 23/set
com a
professora,
quando se
aplicou o pensar
alto em grupo em
grupo
E5
17/nov Refletir sobre os textos de
Saul (1999) e Queiróz
(2002), assim como sobre
Capítulo de tese
sobre protocolo
63
a aula da 8ªA e uma
experiência de aplicação
do pensar alto em grupo,
por iniciativa da própria
professora com um colega.
verbal, de
Queiroz (2002) e
texto sobre
avaliação, de
Saul (1999)
E6
Encontros 1 e 2: Demanda da professora
Nos encontros em 16 e 25 de agosto/2005, verifiquei com a professora colaboradora
quais seriam suas dificuldades em sala de aula, visando subsidiar nossas discussões e o
processo de ensino-aprendizagem. Foi quando a professora relatou sobre as dificuldades do
trabalho com leitura em classe. Esclareço que a escolha do texto de Rojo (1999) foi intencional,
pois, como a professora conhecia algumas idéias dessa pesquisadora, pensei em um texto
(A concepção de leitura e produtor de textos nos PCNs: Ler é melhor que estudar) que pudesse
ajudá-la a refletir sobre suas aulas de leitura. A escolha desse texto visava mostrar, num
primeiro momento, à professora a importância de ler e, num segundo, trabalhar com as idéias
dessa pesquisadora, com as quais se identificara quando assistiu ao vídeo exibido na escola.
Esclareci-lhe também que nossos encontros de formação seriam realizados com leitura e
discussão de textos teóricos.
Encontros 3 e 4 Prática de leitura e pensar alto em grupo e revoicing
Nos encontros em 1
o
. e 22 de setembro, reunimos-nos novamente para abordar as
idéias de Rojo. A professora manifestou estar interessada nessa discussão. Foi possível saber
como ela trabalha a leitura na prática pelos seus relatos verbais e resgatar a percepção de si
mesma, da leitura e avaliação. Além disso, também foram abordados o protocolo verbal em
grupo, o revozeamento e a orquestração.
64
Encontro 5: sessão reflexiva sobre aula 1
Nesse encontro de formação, levei a gravação em áudio e a transcrição da aula sobre
protocolo verbal aplicado em 23 de setembro na 8ª. C. O objetivo desse encontro foi possibilitar
que Alzira refletisse sobre os resultados da prática de leitura em 23 de setembro na 8ªC. Com
base nos registros sonoro e escrito, retomei as idéias de Rojo sobre leitura e as idéias de
Zanotto (1997, 2005); Queiroz (2002) e Lemos (2005) sobre protocolo verbal em grupo e às de
Connor & Michaels (1996) sobre revozeamento e orquestração. Nesse encontro, foi possível
pensar, de maneira colaborativa, novas estratégias para uso do protocolo verbal em grupo na
aula 2 - 8ªA – para a prática de leitura.
Encontro 6: avaliação com discussão da aula
No último encontro em 17 de novembro, foi discutido o texto de Saul (1999) sobre
avaliação. Com base nesse texto, abordei com Alzira a questão da compreensão, da
pluralidade e da construção de sentidos de texto. Ela mostrou estar mais atenta em sua prática
pedagógica do dia a dia. Valorizou o trabalho conjunto que tivemos pela interação e o diálogo
(Vygotsky, 1934/2000, 2003) ou conversa sobre texto (Maybin & Moss, 1993).
3.4.2 Aulas 1 e 2
Durante essas aulas, foram aplicadas as ferramentas pedagógicas do pensar alto em
grupo e do revoicing em duas salas de aula da 8ª. série, do período diurno: 8ª C e A. Nessa
ordem, denominadas aula 1 e aula 2.
Aula 1 - 8ªC
65
Em 23 de setembro, por minha sugestão, antes da tentativa de aplicação das
ferramentas pedagógicas do pensar alto em grupo e do revozeamento, visando motivar os
alunos, foram usadas transparências para a leitura de textos de linguagem não-verbal (gráficos,
mapas) relacionados à aula de Geografia.
Aula 2 - 8ªA
Em 19 de outubro, houve a tentativa de aplicação do pensar alto em grupo e do
revozeamento na 8
a
A. Havia 24 alunos do total de 33 matriculados. Os textos trabalhados se
diversificaram um pouco dos aplicados na 8
a
C, pois, segundo a argumentação da professora
colaboradora, a 8ªA estava um pouco mais adiantada que a 8ªC.
Quadro 2 – Aulas 1 e 2
Dias Objetivos Material usado Códigos de
identificação
referentes à
prática de
leitura em
sala de aula
23/set
8ªC
Idem
Buscar uma nova
prática de leitura em
sala de aula com o
pensar alto em grupo
Linguagem não
verbal:
1) Tira da Mafalda -
2)Gráfico êxodo
rural dos EUA - e
Linguagem verbal:
3) O êxodo rural
A1
19/out
8ªA
Buscar uma nova
prática de leitura em
sala de aula com o
pensar alto em grupo e
o rvozeamento
Linguagem não
verbal:
1) Tira da Mafalda
2) Mapa do Canadá
- e
Linguagem verbal:
3) Canadá:
sociedade
multicultural e
potência econômica
A2
66
3.5 Gravação em áudio das aulas
O protocolo verbal em grupo e o uso do revoicing serviram de ferramentas pedagógicas
nesta pesquisa. Convém contudo lembrar que eles vêm sendo usados tanto como instrumentos
de pesquisa quanto como instrumentos pedagógicos pelo GEIM (Grupo de Estudos e
Indeterminação da Metáfora), da PUC-SP. Para a aplicação do protocolo verbal e do revoicing
como ferramenta pedagógica em aula de leitura de texto de Geografia, a Profa. Alzira escolheu
duas classes de 8ª. série, A e C, do período diurno. A justificativa da professora foi que a 8
a
A
tinha aproveitamento melhor das aulas e a 8
a
C não.
Ficou combinado que às 5as. feiras, sempre na última aula (horário vago da professora
colaboradora), teríamos os encontros de formação e num outro dia, previamente agendado, a
professora colaboradora aplicaria os protocolos verbais em grupo e o revoicing nas duas
8
as.
séries. Eu estaria presente nas salas de aula para fazer as gravações em áudio e também
para fazer a observação participante. Sendo assim, a seguir trago a tentativa de aplicação do
protocolo verbal em grupo na 8ªC e 8ªA com gravação em áudio da discussão geral, após a
conversa sobre texto em pequenos grupos.
A idéia inicial foi o pensar alto colaborativamente em grupo, mas, na verdade, ocorreu
uma conversa sobre texto (Maybyn & Moss, 1993). Assim como em outras pesquisas, dentre
elas a de Queiroz (2002) e Lemos (2005), neste estudo, a opção pelo protocolo verbal em
grupo e pelo revozeamento, como ferramentas pedagógicas, foi para tentar uma nova prática
de leitura de textos de Geografia pela professora colaboradora.
A opção por esse tipo de instrumento metodológico foi no sentido de colaborar com ela
em suas aulas de leitura de textos da área, visando trabalhar com a compreensão de textos da
área de Geografia com seus alunos. A pesquisadora pôde gravar as aulas com a tentativa de
aplicação do protocolo verbal em grupo e transcrevê-las para a reflexão de Alzira sobre sua
prática pedagógica, em sessão reflexiva.
Para que esse trabalho de formação fosse realizado, foi necessário prover a professora de
material teórico que lhe possibilitasse conhecer a ferramenta pedagógica do protocolo verbal
em grupo e do revozeamento como instrumentos didáticos a serem aplicados em sua sala de
aula. Assim, levei-lhe xerox de material sobre protocolo verbal em grupo para que ela também
se familiarizasse com esse recurso didático e conversei com ela sobre a teoria do
revozeamento para que se valesse deles como um meio de levar seus alunos a construírem
sentidos de texto em grupo em eventos de leitura de texto de Geografia. Além disso, esclareci
67
a professora sobre os procedimentos dessa ferramenta, sua finalidade, enquanto instrumento
didático para os eventos de leitura.
Meu objetivo foi propiciar condições para questionamentos e problematização da prática
pedagógica que encaminhassem para a criação de uma nova visão dessa educadora. Esse
acordo resultou numa troca de conhecimento entre os participantes da pesquisa, no espaço
escolar.
De acordo com Magalhães (2004:60), a escola é um espaço cultural, social e político e
não apenas como um local de transmissão de conhecimentos e desvinculado do contexto
particular de ação e da sociedade mais ampla. Logo favorece um ambiente colaborativo para
reflexões do fazer pedagógico
Ressalto que fui observadora participante e que, colaborativamente, com a Profa. Alzira
discutimos sobre esse instrumento didático, nos encontros de formação. Também procedi à
gravação em áudio da discussão geral e não do protocolo.
A observação participante, dentro da etnografia, permite ao pesquisador interagir com a
situação estudada, quando por ela é afetado ou afetando-a. Essa técnica também permite o
registro de ações que são (re) criados no cotidiano escolar, aproximando o pesquisador da
complexidade da realidade. Em outras palavras, a observação participante é um meio para que
o pesquisador reconstrua as ações e as interações sociais e atribua-lhes sentido, visando à
compreensão dos achados e à descoberta de outros. Além disso, segundo Erickson (2003), a
observação participante pode gerar insights significativos das cenas cotidianas da sala aula.
3.6 Procedimento de transcrição dos dados
Foram transcritos os seis encontros de formação e as duas aulas com aplicação de
novas ferramentas pedagógicas. O processo de transcrição seguiu a ortografia do sistema
lingüístico, exceção de termos como carrasca e expressões como:
- Pesq. = Pesquisadora
- Alzira = nome fictício da professora participante da pesquisa
... = pensamento inacabado ou interrompido
___ = grifo para as declarações da Profa. Alzira que considerei relevantes
para a análise declarativa e/ou pausa alongada; tom descendente
68
? = interrogativa, tom ascendente
Ao transcrever os dados, amparei-me em Marcushi (2003:9) para quem não existe a
melhor transcrição, todas são mais ou menos boa. Ela deve ser limpa e legível, sem
sobrecarga de símbolos complicados.
3.7 Metodologia de análise dos dados:
Os dados foram analisados e interpretados conforme o construto teórico que orienta esta
pesquisa (Vygotsky, 1934/2000, 2003; Freire,1968/2006; Kleiman, 2000, 2001; Bloome, 1993;
Lane, 2004; Magalhães, 2002, 2003, 2004, 2005; Maybin & Moss, 1993; Lane, 1993;2004;
Sato, 2004; Spink, 2003, 1993;2004; O´Connor & Michaels, 1996; Sato 1993/2004; Zanotto,
1997, 2005 e Bronckart, 1999), objetivando responder às perguntas de pesquisa
mencionadas.
Primeiro, reuni todos os dados coletados nos encontros de formação e nas aulas 1 e 2
com a tentativa de aplicação dos protocolos verbais em grupo e o uso do revoicing e da
orquestração. Depois, transcrevi as gravações de forma a colher as discussões havidas,
respeitando cada etapa do trabalho de formação docente e das aulas observadas.
Depois, fiz uma leitura geral para ver os temas recorrentes nos dados e levei em
consideração as representações que a professora tinha de si, sobre leitura e avaliação que
emergiram como dados relevantes para análise. No quadro 3 a seguir, apresento os
procedimentos para a análise:
Quadro 3 – Metodologia de análise dos dados
Instrumento Metodologia de análise
. seis encontros de formação
e
. duas aulas de leitura em
classes diferentes de 8ª série.
a) análise dos encontros de
formação
- conversas entre mim e
a professora e
69
- sessão reflexiva
b) Aulas na 8ªC e 8ªA
- tentativa de aplicação do
pensar alto em grupo, do
revoicing e orquestração
c) as representações que
emergiram
Considerando as perguntas de pesquisa, os encontros de formação com as ações da
professora colaboradora nas aulas observadas, através de sessão reflexiva, busquei captar as
principais representações da professora sobre si mesma, sobre leitura e avaliação que
emergiram. Os dados foram interpretados com base na teoria da leitura como processo social,
de práticas pedagógicas coerentes com esse modelo e na teoria das representações, conforme
já discutido no capítulo teórico.
3.8 Questões de Confiabilidade
Foram tomadas providências para que eu, pesquisadora, colocasse a par do trabalho a
direção da escola pública, o coordenador pedagógico, os professores participantes do HTPC. O
objetivo foi mostrar o que pretendia desenvolver com os professores e depois com a
professora, além de esclarecer como esse estudo se realizaria.
Quando de meu retorno em agosto de 2005, o primeiro passo foi detalhar o projeto de
pesquisa, junto à coordenação e aos professores, expondo os objetivos do trabalho de
formação e da pesquisa. Como somente a professora Alzira continuaria no projeto, levei-lhe o
termo de compromisso de ética. A professora argumentou que não precisava assinar, tendo em
vista que eu havia realizado um trabalho de formação, em 2004. Como a direção, a
coordenação e a professora estavam cientes da pesquisa e do trabalho de formação, o
trabalho foi iniciado, que existia confiança (ação essencial em pesquisas etnográficas de
cunho colaborativo). Além disso, foram negociados com a professora dia, horário, temas dos
encontros, dos textos que foram aplicados nas salas de aula, etc.
70
Com relação à coleta de dados e aos instrumentos usados, vali-me de diferentes
instrumentos (conversas, discussão de texto, gravação dos encontros, das aulas, observação
participante) o que contribuiu para o trabalho de análise. A participação em Seminários de
Orientação foi imprescindível porque houve questionamentos dos pares, sugestões e novas
orientações para o desenvolvimento da pesquisa. Ainda, por meio de interação social na
academia, nas Bancas de Qualificação, pude ter contribuições valiosas de alguns professores
pesquisadores, da PUC SP e do Unifieo. Meus próprios pares mais experientes, (doutores e
doutorandos) puderam comigo compartilhar seus olhares e seu vivido acadêmico para o
desenvolvimento da pesquisa. Também expus o trabalho à discussão dos pares no IV INPLA
(Intercâmbio de Pesquisas em Lingüística Aplicada). Tanto em discussão com pares, com
pesquisadores, com as Bancas de Qualificação, quanto em seminários de orientação, a troca
de experiências, as sugestões de minha orientadora e os diferentes olhares contribuíram para
as reflexões e a triangulação dos dados.
No próximo capítulo e último, apresento a Análise dos dados.
Capítulo IV
Análise dos dados
Neste capítulo, apresento a análise dos dados relativos aos encontros de formação e à
prática em sala de aula da professora de Geografia que é o sujeito de pesquisa deste trabalho
em termos das representações que ela faz sobre si mesma, sobre a prática de leitura em sala
de aula e sobre o papel da avaliação no processo de ensino-aprendizagem.
As representações são analisadas em termos de três temas ou conteúdos temáticos
(Bronckart, 1999) verbalizados de várias maneiras pela própria professora no curso de nossa
interlocução: a visão da professora sobre si mesma como profissional em seu contexto de
atuação, sua concepção da leitura em sala de aula no âmbito do processo de ensino-
aprendizagem e sua visão sobre a natureza e o papel da avaliação nesse processo. A análise
é complementada por quadros-resumo que buscam organizar as representações em termos de
seus conteúdos temáticos a fim de dar uma visão de conjunto aos dados considerados.
A análise busca responder à seguinte pergunta de pesquisa:
Quais são as representações que a professora constrói sobre si mesma, sobre sua prática
de leitura e avaliação durante um trabalho de formação?
Subsidiariamente, examina alguns elementos relativos à questão abaixo, que tem
relação direta com a primeira, dado que incide sobre o que talvez seja possível chamar de o
”resultado” do trabalho de formação, ainda que este tenha sido restrito tanto em termos de
tempo como de uso de recursos de melhoria da prática da professora:
De que maneira, ao longo do processo, a mudança da prática da professora e de suas
representações sobre leitura e avaliação leva a um início de mudança das representações
da professora sobre si mesma?
As representações de Alzira sobre seu papel de professora emergiram com muita força
nos dados, redirecionando a pesquisa para a compreensão das múltiplas representações
envolvidas em sua prática. O trabalho colaborativo entre mim e a professora teve como objetivo
criar condições para que surgisse o processo de reflexão sobre as ações em sala de aula,
diante da aplicação das novas ferramentas pedagógicas nas aulas de Geografia, com vistas à
72
modificação da prática da professora colaboradora. Durante o desenvolvimento da pesquisa,
fui percebendo que Alzira tinha insatisfação com as representações que fazia de si própria (“me
sinto mal”, “eu me sinto um lixo”, “uma carrasca”, etc.) como profissional, na prática de leitura e
avaliação, seja por não fazer uso de outras alternativas pedagógicas, por desconhecimento
e/ou porque, como se em suas falas, mesmo insatisfeita, não julgava haver condições para
uma nova opção.
Considerando o que os dados apresentam, foram analisados os 3 temas que remetem às
representações da professora sobre si mesma (como ela se vê e vê o contexto em que
trabalha), sobre sua prática de leitura e sobre sua prática de avaliação, que afloraram como
foi dito durante o trabalho de formação docente, realizado em seis encontros de formação,
com uma sessão reflexiva e a observação participante de duas aulas.
Durante os dois primeiros encontros com a professora, observei que a demanda para a
qual eu me voltei inicialmente, quando entrei em campo a avaliação cedeu lugar à real
74
revelando-se uma nova pessoa, conforme os dados mostraram. A seguir procedo à análise e,
após, apresento quadros resumo, considerando os conteúdos temáticos (Bronckart, 1999) por
ela verbalizados.
4.1 Encontros 1 e 2: Demanda da professora
No encontro 1, Alzira fez menção a um vídeo da pesquisadora Roxane Rojo, da PUC-SP,
trabalhado na escola. Como a professora demonstrara conhecer o trabalho de Rojo e tendo eu
um texto sobre leitura dessa pesquisadora, fiquei de levar-lhe. Tive como preocupação oferecer
um material sobre o assunto de seu interesse e, ao mesmo tempo, ajudá-la em sua prática,
partindo de suas necessidades reais.
Dessa forma, o foco, que era avaliação, passa à leitura, conforme explicado
anteriormente. Tentava entender o que a professora estava precisando para ajudá-la a
melhorar suas atividades em sala de aula. Para isso, começamos a discutir em termos gerais o
papel do professor e da escola, conforme se pode verificar a seguir
*
:
Recorte 1
1 Alzira: Porque você tem todo um compromisso com a maioria do grupo...a gente acaba
excluindo mesmo né ... a gente acaba não conseguindo, acaba deixando...não é
porque a gente quer...
2 Pesq.: Mas qual é o papel da escola? Não é inserir o aluno no processo? Como fica esse
campo?
3 Alzira: que vira uma neurose.
Eu penso assim...a gente tem que incluir. A escola não quer
incluir. me sinto uma neurótica porque eu quero incluir, mas o mundo todo parece
que tá contra mim.
4 Pesq.: Mas a inclusão fica só no discurso?
5 Alzira: O mundo vai muito rápido
... a gente não acompanha. Nós..professores... não sei se é
falta de capacitação...de repente, até falta desse trabalho coletivo.
*
* Destaco em itálico e sublinhadas as marcas discursivas consideradas mais relevantes para a análise.
75
6 Pesq.: Da troca?
7 Alzira: Leitura
. Professor não gosta de ler.(E1)
Nesse recorte, Alzira revela que não consegue a inclusão de alunos que não
acompanham as aulas de Geografia, por ter compromisso com a maioria do grupo,
compromisso que ela indica como justificativa da exclusão. Além disso, ela avalia que essa
impossibilidade de incluí-los se deve à falta de capacitação para lidar com os alunos em
defasagem no processo de ensino-aprendizagem e o fato de não conhecer outras alternativas
didático-pedagógicas. Nesse caso, a heterogeneidade do saber dos alunos (uns sabem mais,
outros menos) mostra ser algo com que ela não sabe lidar bem. O confronto entre o que ela
sabe que deve ser feito e os obstáculos da realidade, como a própria escola (turno 3) entre
outras coisas. O sofrimento mental de Alzira revela que não se sente preparada para sua
prática de sala de aula, mostrando assim a necessidade de buscar novas alternativas
pedagógicas. Ela se sente dividida entre o que sabe fazer e o que poderia fazer como
professora, como vemos no turno 3:
que vira uma neurose.
Eu penso assim...a gente tem que incluir.... a
escola não quer incluir. me sinto uma neurótica
porque eu quero incluir,
mas o mundo todo parece que tá contra mim
.
A fala de Alzira revela o sofrimento, que a faz ficar abalada emocionalmente, e que,
provavelmente, é representativo de que ela tem uma certa consciência de que precisa mudar
sua prática; logo, de que precisa buscar alternativas pedagógicas. O sofrimento em que está
vem também de pensar que é preciso incluir os alunos, mas não apoio institucional em seu
contexto de trabalho para torná-la apta a isso. O contexto desfavorável da sala de aula vivido
por Alzira a faz construir uma representação negativa sobre si mesma, que revela uma
insatisfação com seu atual papel, ainda que sem saber que novo papel buscar: “Só que vira
uma neurose...” e “Aí me sinto uma neurótica” (turno 3).
Teria sido muito interessante se, naquele momento, eu perguntasse a Alzira o que ela
quis dizer com “A escola não quer incluir” ou “o mundo todo parece que contra mim”. A
“escola” e o “mundo” constituem metáforas ontológicas (cf. Lakoff & Johnson 1980/2002)
76
altamente indeterminadas (Zanotto & Moura, 2002)
,
podendo significar inúmeras coisas
nesse contexto.
Na minha interpretação, com os dados que tenho à disposição, entendo que a escola
termo generalizante que pode envolver direção, coordenação, colegas, HTPC, etc. – não
favorece e não suporte ao professor para uma ação de inclusão, dentro da própria sala de
aula (como o indica vagamente Alzira).
No turno 5, Alzira deixa mais clara e explícita a falta de conhecimento sobre sua prática
quando afirma:
O mundo vai muito rápido... a gente não acompanha. Nós..professores...
não sei se é falta de capacitação
...de repente, até falta desse trabalho
coletivo.
No turno 5, ela volta a usar uma expressão indeterminada: “O mundo vai muito rápido...
a gente não acompanha”, sobre a qual eu poderia ter pedido esclarecimento, perguntando o
que pretendia dizer com a palavra “mundo”. Mas o que posso inferir dessa afirmação é que as
novas teorias sobre ensino-aprendizagem aparecem e ela se sente despreparada para
acompanhar, tendo em vista a falta de conhecimento de novas ferramentas pedagógicas, bem
como de um trabalho no nível do coletivo de professores. Mas ela ainda assim tenta, porque
participa da Teia do saber, de encontros, etc. Nesse sentido, ela própria levanta a hipótese de
um trabalho coletivo no HTPC. Mas quando pergunto se ela se refere à falta de troca entre os
pares, ela não responde diretamente, acrescentando contudo, em termos mais gerais, que o
professor não gosta de ler (turno 7).
Em todas essas afirmações, as representações da professora são negativas e fazem
parte de um universo no qual se sente incluída e, de certa forma, partilhando essas mesmas
representações:
- o professor não tem capacitação (turno 5);
- o professor não gosta de ler (turno 7) e
- o professor não tem suporte num trabalho coletivo (turno 5).
É interessante observar que, diferentemente do uso que faz acerca de como se sente,
no turno 3 (Aí... me sinto uma neurótica), as representações no turno 7 não são expressas em
77
1ª. pessoa do singular, mas em 3ª. pessoa do singular, referindo-se à classe dos professores
da rede pública. em: “Nós... professores...não sei se é falta de capacitação...de repente, até
falta desse trabalho coletivo”, na 1ª. pessoa do plural, o termo professor como sujeito
genérico para designar a classe dos professores. Castro (1993/2004:153), citando Foucault diz
que “os lugares constituem-se inteiramente pela permanência da ordem social, na atividade e
na presença de poder”. Segundo a pesquisadora, a estratégia espacial se relaciona à
identidade dos papéis sociais que temos na sociedade. Assim, é preciso compreender Alzira
professora e seu universo e a representação dicotomizada dela professora com relação à
categoria a que pertence. É possível dizer que a produção da subjetividade dupla (Alzira e a
categoria de professores) se unifica com a expressão individual, ou seja, ela, como professora,
também se inclui no universo do professorado, mas, ao usar esse recurso, acaba por acentuar
seu desconforto fugindo dele como algo pessoal e atribuindo-o à condição geral da categoria.
Com base em Sato (op. cit.), pode-se dizer que as representações de Alzira que
afloraram até aqui caracterizam seu contexto de trabalho, que é penoso por não haver
capacitação, trabalho coletivo, etc. e por ser marcado por outros obstáculos: “o mundo todo
parece que contra mim” (cf. Recorte 1, turno 3 acima). A falta de novas ferramentas acaba
por limitar sua atuação dentro de um contexto de trabalho complexo e forçado, que escapa ao
seu controle, o que gera desconforto, sofrimento, desumanidade e limitação.
Como ela fala nesse momento do tema da leitura, dou continuidade à nossa conversa
perguntando se ela trabalha com leitura, como se pode ver no turno 1, do recorte 2:
Recorte 2
1 Pesq.: a senhora trabalha com leitura, né, professora?
2 Alzira: o tempo todo... aliás... tô num sofrimento terrível...
3 Pesq.: por quê?
4 Alzira: porque, no último planejamento, passaram um vídeo da... ela se chama Rojo... eu não
pude vir. Pedi pro Márcio (coordenador). Gente do céu!! Ela fez umas críticas. Falei, ela
falando comigo. (risos). Porque tem texto que é assim...começo a ler e aí eles ficam
quietinhos... Eu avalio. Aluno que atrapalhou tá perdendo nota. Eu faço isso...Você tem
que garantir a leitura.. (risos). Entendeu? Eu me sinto uma carrasca... (E1)
5 Pesq.: Nossa! Professora!
78
Nesse momento, começa a surgir a demanda de leitura de que falei. Observo também
que, em minha intervenção, expresso uma avaliação que não contribui para a reflexão da
participante ao me dirigir a ela com o termo “professora”. Considero ter sido inadequada essa
avaliação e tenho procurado evitá-la. Assim, em meu papel, deveria ter procurado auxiliar a
professora a produzir o entrelaçamento entre a teoria e a prática para ajudá-la a perceber as
causas de seu sofrimento. A exclamação em nada ajudou a professora; ao contrário, pode até
ter funcionado como censura às suas limitações (Sato, op. cit.) e ao seu sofrimento “terrível”.
No turno 2, ao dizer que está “num sofrimento terrível”, é possível inferir que a vivência de
Alzira é penosa porque o trabalho causa-lhe sofrimento mental e é desumano. Sato (op. cit.)
entende que, quando a vivência é penosa e desumana causa sofrimento mental, como é
possível ver pela linguagem de que Alzira se vale para expressar seus sentimentos (rec. 1 e 2).
O sofrimento é causado porque, conforme turno 4, rec. 2, passaram um vídeo da Profa. Rojo,
no último planejamento da escola, no qual essa pesquisadora fez umas críticas que Alzira
sentiu serem dirigidas aos professores que agiam como ela, referindo-se à sua prática de
leitura.: “Falei, ela tá falando comigo”.
Nesse momento, o vídeo de Rojo e a interação comigo, no trabalho de formação,
permitem à professora estabelecer uma relação de oposição entre as idéias propostas por Rojo
e a sua prática. Alzira entra em conflito, visto que começa a familiarizar-se com seu agir, o que
a leva pensar sobre seu fazer, sobre si mesma (sofrimento, neurose, etc.) e sobre a questão de
sua prática de leitura (que envolve leitura em voz alta, punição, etc.). Esse aspecto é forte, visto
que é o momento em que Alzira melhor ilustra pelo sentir revelado e pela linguagem usada
(recorte 2) as representações negativas (já citadas) que tem sobre si e sobre seu fazer
pedagógico.
Pode-se observar nos conteúdos temáticos da professora, com muita clareza, a
representação que faz sobre si mesma (“Eu sou um lixo”, “eu me sinto mal”, etc.); a força
emocional com que ela se exprime se deve a esse momento específico de avaliação de sua
prática e da reflexão sobre seu trabalho, que lhe causa sofrimento, gerando tensão e, ao
mesmo tempo, familiaridade com seu papel tradicional como educadora no processo de
ensino-aprendizagem. Para Sato (op. cit.:197), “a familiaridade é um processo de aproximação
gradativa com o trabalho, possibilitado mediante a construção de um conhecimento específico
dos próprios trabalhadores”. O conhecimento específico de Alzira é quando se auto-avalia
negativamente. Dessa maneira, é possível a Alzira relatar sua experiência, que se associa,
como fica claro, ao sofrimento. Esse momento ocorre quando ela percebe que avalia seus
alunos durante a leitura, numa representação tradicional da leitura e da avaliação que ela
passa a ver como negativa.
79
A apresentação do vídeo na escola foi um gatilho para Alzira começar a estranhar a sua
prática e a pensar sobre sua representação habitual de leitura (ler em voz alta, avaliar
negativamente o aluno e a si própria) de textos específicos de Geografia ao desabafar com a
pesquisadora sobre seu trabalho em sala de aula. O vídeo foi tão importante na vida da
professora que ela se expressa com uma interjeição Gente do céu !.
O contato com estudiosos mostra que a professora não tem poder sobre seu trabalho,
fazendo-a entrar em conflito e repensar sua ação de punir com nota aluno que atrapalha a
aula: ela se caracteriza como “carrasca”. A representação negativa de Alzira (carrasca) a faz
questionar o modelo punitivo que adota nas aulas de leitura de Geografia e a própria validade
de seu conhecimento prático. A representação negativa de Alzira é coerente com sua reflexão
sobre a prática porque sinaliza a necessidade de atualizar esta última com novas ferramentas
pedagógicas que lhe permitam ter poder sobre essa prática para reverter o modelo tradicional
de leitura e avaliação e assim, seu papel no processo de ensino-apredizagem. O poder que
aqui enfoco é o da noção foucaultiana, que se constitui como produtor e organizador de ação
de outros seres (de saberes, discursos, prazeres) e não como controlador de forças. Em outras
palavras, o conceito de poder, nos termos de Foucault, é o de algo que incita, incentiva, faz
falar, não aquele que proíbe, inibe, reprime, faz calar e ouvir.
Eu, na minha condição de formadora, avalio o que ela diz com uma expressão “nossa”
(turno 2), sem contudo oferecer à professora condições de conhecer e refletir sobre o seu papel
e sobre a prática de leitura a fim de que haja um avanço em sua atuação. A leitura, que é
importante, não é instrumento para deixar os alunos quietos. Pelo contrário, deveria ser uma
prática que desse voz ao aluno e a legitimasse (Baquero, 1998). No entanto, a prática da
professora consistia em procurar silenciar o aluno, usando a avaliação punitiva.
Dessa forma, vou descobrindo que Alzira, nas falas em que se reveloam os conteúdos
temáticos vinculados com as representações que faz de si mesma, realmente sofre (eu me
senti muito mal; entrei nessa neurose, etc., turno 5, rec. 3), após ter tido contato com as
idéias de Rojo (no deo passado na escola) sobre ensino de leitura, sinalizando que ela
precisa de colaboração de um formador que a ajude a descobrir novos caminhos, e que seja
um formador que atue como mediador, colaborador, de um processo que pertence a ela
professora.
Quando Alzira diz, no turno 4 do recorte 2, que aplica punição a aluno (Eu avalio... aluno
que atrapalhou está perdendo nota) que atrapalha a aula durante leitura em que ela para a
classe em voz alta, destaca-se mais uma vez sua necessidade de ter acesso ao que faz em
seu contexto de trabalho por meio do conhecimento crítico desse seu fazer: a leitura em voz
alta, o ato de silenciar o aluno (mantendo-o numa situação de passividade) e aplicação de
80
punição como controle momentâneo da situação, como medida para os alunos ficarem
quietos, conforme destaco no recorte a seguir.
Recorte 3
1 Alzira: Meu irmão disse que os alunos estão decodificando.
2 Pesq.: Então, você usa nota até como medida pra eles ficarem quietos?
3 Alzira: É. No caso da leitura, eu tava fazendo isso.
4 Pesq.: Mas será que não existem outras formas de avaliar?
5 Alzira: Existe... Então ela (Rojo) tava falando pra mim. Eu me senti muito mal.
Porque, ao
mesmo tempo que eu acho extremamente importante a leitura, entrei nessa neurose.
Entendeu? Agora, não faço mais isso. Eu vi que não tá certo. Não adianta. Eu seleciono
o texto. Às vezes, eu leio..
A 8
a
.A, eles lêem...levantam dúvidas...discutem as idéias...pra
depois partir pro entendimento do texto.
6 Pesq.: Como assim, professora?
7 Alzira: Eu leio um texto com eles....” “se eu deixar eles lerem sozinhos, eu dedico uma aula”
e
“tem grupo que você o texto e eles sabem é... parece que tem mais facilidade pra
entender” (E1).
Conforme suas falas nos turnos 1 - Meu irmão disse que os alunos estão decodificando; 5
- entrei nessa neurose. Entendeu? Agora, não faço mais isso. Eu vi que não certo. Não
adianta. Eu seleciono o texto. Às vezes, eu leio... e 7 Eu leio um texto com eles....” “se eu
deixar eles lerem sozinhos, eu dedico uma aula”) apontam aspectos que merecem ser
destacados: o domínio da leitura e do conhecimento pela professora; o ensino como
transmissão e a manutenção de alunos passivos. Kleiman (2001) observa que essa prática
tradicional da leitura em voz alta pelo professor, vai aos poucos aniquilando a voz do aluno e
contribuindo para a sua passividade e seu fracasso no processo de ensino-aprendizagem.
O fato de a professora ter essa postura profissional a faz reproduzir a RS e a prática
tradicional de leitura (leitura em voz alta, punir aluno que “atrapalha” a aula, etc.) ao centralizar
o processo da leitura. O que se pode captar é que uma das razões é a falta de formação nas
escolas que perpetua esse tipo de prática de leitura em sala de aula.
No entanto, quando estudiosos são discutidos porque apontam novos caminhos para a
mudança da prática,surge a oportunidade de os professores conhecerem sua prática, refletir
sobre ela, tendo como conseqüência a diminuição do sofrimento mental por meio da mudança
de seu fazer. No caso de Alzira, a situação-problema que aparece durante o trabalho de
formação mobiliza-a a querer buscar novas alternati
81
guinada em sua prática, repensando seu papel a fim de sair da neurose e do sofrimento em
que se encontra.
Quando a situação-problema, em sala de aula, foge ao controle num determinado
momento, emergem as representações negativas sobre seu papel. Para Sato (op. cit.: 197), “o
controle sobre o trabalho é um dos aspectos já identificados em vários outros estudos como um
dos principais requisitos para que o trabalho seja saudável” e para a redução da insatisfação
mental. Talvez pela falta de controle da situação surgida em sala de aula, Alzira sofre, fica
neurótica (turno 5, rec. 3), sente-se mal (turno 5, rec. 3), sente-se carrasca (turno 4, rec. 2) e
quando se defronta com estudiosos, entra em conflito consigo mesma, diante de sua prática
cotidiana. Continuando nosso diálogo, vou percebendo que a professora está precisando de
orientação para seu trabalho, conforme se vê no próximo recorte:
Recorte 4
1 Pesq.: Então, na verdade, tá precisando de uma orientação para leitura?
2 Alzira: Para a prática da leitura.
3 Pesq.: Na semana que vem vou trazer algum texto sobre leitura...(E1)
No encontro que mantive com a professora, observei que a demanda que eu havia
planejado inicialmente, quando entrei em campo a avaliação cedeu lugar à real
necessidade da professora participante da pesquisa a leitura, conforme se evidencia em sua
fala: para a prática da leitura. (turno 2). Diante disso, como pesquisadora, mudo minha
intenção, tendo em vista diminuir suas aflições e pressão com as quais se depara dentro de
seu complexo contexto de trabalho. Tanto que pergunto como trabalha com a questão da
linguagem e a leitura, conforme se poder ver no recorte 5, a seguir:
Recorte 5
1 Pesq.: E a linguagem? Você trabalha com a Leitura? Como você faz? Você
adequa a linguagem para passar os conceitos?
2 Alzira: Então é assim... logo no primeiro encontro, coloco os objetivos
, só não
ponho as estratégias.
3 Pesq.: Você faz isso Alzira?
4 Alzira: se eu não tomar cuidado com a linguagem, não vão me entender..
82
5 Pesq. : porque a linguagem é um instrumento.
6 Alzira: à noite, tive de baixar a bola.
7 Pesq. ; você põe o texto na lousa?
8 Alzira: Quando não ponho, rodo no mimeógrafo.
9 Pesq.: Aí... você entra na questão da leitura, né... Alzira?
10 Alzira: De novo.
11 Pesq.; Eu trouxe o texto de Roxane Rojo sobre leitura. (E2)
No diálogo que vamos mantendo durante o trabalho de formação, pergunto a Alzira a
respeito da linguagem e da leitura. Quero saber se ela adapta a linguagem para desenvolver os
conceitos de Geografia. Ela explica, no turno 2, que tem preocupação em explicitar os objetivos
a que se propôs. No turno 4, mostra que tem cuidado com a linguagem para os alunos a
entenderem. A preocupação da professora com a linguagem a faz adotar outra postura no
período noturno (turno em que também aula), de acordo com a metáfora que expressa: à
noite, tive de baixar a bola...” (turno 6). Sobre esse aspecto, observo que as representações de
linguagem (turno 4: se eu não tomar cuidado com a linguagem, não vão me entender) exigem
dela um cuidado específico ao dar aula, dependendo do grupo, porque ela se preocupa em
fazer adequação para que os alunos a compreendam.
Quando ela se refere ao período noturno, nenhum comentário faço para tentar saber por
que ela baixa a bola, mudando de tema e perdendo a oportunidade de propiciar à professora
saber por que ela recua e empreende ações adaptativas (Sato, 1993/2004) àquele período. No
caso de Alzira, parece que está tentando, de algum modo, encontrar uma saída para o período
noturno. Segundo Sato, as ações adaptativas são práticas criadas no cotidiano capazes de
mudar o trabalho prescrito nos termos das necessidades concretas.
Quando lhe pergunto se usa a lousa para pôr algum texto, Alzira responde que, quando
não a usa: rodo no mimeógrafo.. . (turno 8), o que parece ser um procedimento rotineiro na
rede pública até os dias atuais. O uso desse equipamento obsoleto ainda se constitui como
recurso didático na rede pública e, no caso, como recurso da professora, o que também
contribui para despertar seu desconforto e seu sofrimento. As condições de trabalho que lhe
são impostas são limitadas, o que limita o controle da situação devido à falta de estrutura
didática.
83
4.2 Encontros 3 e 4: Prática de leitura e o pensar alto em grupo e revoicing
Nos encontros 3 e 4, a professora expressou que as idéias de Rojo a estavam ajudando
muito a refletir sobre sua prática por meio do conhecimento que lhe foi apresentado. Na
ocasião expus-lhe uma nova ferramenta pedagógica: o protocolo verbal em grupo (o pensar
alto), tendo como apoio inicial as idéias de Zanotto (1997, 2005), Queiroz (2002) e Lemos,
(2005), explicando-lhe os procedimentos para aplicação. Em seguida, abordei a ferramenta do
revozeamento ou revoicing , segundo O´Connor & Michaels (1996). A professora além de ter
me ouvido, expôs seu pensamento sobre os temas enfocados, interagindo comigo.
Recorte 6
1 Alzira: Engraçado, as coisas vão acontecendo, ao aparecerem pessoas (eu) e textos (Rojo) na
hora certa, não sei se porque a gente se interessa por determinado assunto.., mas
depois que fala que “ler é melhor do que estudar....”(E3)
2 Pesq.: e a Roxane Rojo, o que você achou?
3 Alzira: a leitura?... ler faz a gente pensar...ler é melhor que estudar.
você começa tudo... eu
tenho que pensar em leitura... estratégias para instigar o aluno a ler.
4 Pesq.: E isso tava faltando?
5 Alzira: Tava faltando. E vai ficar faltando por algum tempo. Até eu
conseguir achar uma saída
.
6 Pesq.: eu acho que esta sua angústia é significativa, mas fácil de ser resolvida,
se você
entender o que é leitura e pra que serve. O que é ler? O que dizia Paulo Freire “Nós
lemos o mundo”. Então.. a leitura do mundo está introspectada em cada um de nós.
Então.. nós temos de fazer uma adequação dessa leitura, que o aluno possui para o
conhecimento...ah! do ensino.
7 Alzira: quando fala que é fácil de ser resolvido, acho que é. Mas quando entra em contato
com o aluno... (E3)
A fala da professora Alzira (no turno 1) mostra a importância de ela ter acesso ao texto de
Rojo que lhe entreguei. A oportunidade gerada durante o trabalho de formação leva Alzira a
verbalizar que o surgimento de pessoas e textos na hora certa (turno 1) é importante. Esse
fator a motiva a valorizar a busca de conhecimento que a ajudará em seu fazer pedagógico,
minimizando seu sofrimento. A formação que acontece de maneira colaborativa comigo sinaliza
para a professora perspectiva de transformação de si própria e de sua prática de leitura
tradicional.
84
No turno 3, ao dizer “a leitura... ler faz a gente pensar... ler é melhor que estudar”, ela
retoma as idéias centrais do texto, ao perguntar-lhe sua opinião sobre o texto de Rojo (turno 2).
Essa fala, em tom reflexivo, evidencia que ela assumiu conscientemente as idéias sobre leitura
que o texto de Rojo veicula. Isso a leva a pensar na importância da leitura e na necessidade de
pensar em “estratégias para instigar o aluno a ler” (turno 3).
Eu interpreto essa fala de Alzira como a saída que ela para seu problema ao trabalhar
com leitura, percebendo a necessidade de mudar a prática. Ao dizer-lhe que a angústia é
significativa, mas fácil de ser resolvida, turno 6, tento minimizar seu sofrimento, mas reconheço
que a angústia fácil de ser resolvida a que me referi não é tão fácil assim, dado o contexto
complexo em que Alzira trabalha.
Alzira responde, no turno 7, concordando, inicialmente, que é fácil de ser resolvido, porém
termina com um significativo “mas”: mas quando entra em contato com o aluno... . Posso
entender essa fala final como se ela quisesse dizer que ao entrar em contato com o aluno na
prática, a realidade é muito diferente da teoria e, pode-se inferir, não é tão fácil assim de ser
resolvido o conflito. Faltam condições à professora para que ela ganhe conhecimento e,
conseqüentemente, gerenciamento da situação, visto que esses são requisitos para Alzira sair
da neurose e sofrimento em que se encontra.
A conversa entre mim e a professora transcorre sobre a leitura de Rojo. Do texto dessa
pesquisadora, destaco três aspectos importantes: a escola não contribui para a formação de
leitores e escritores proficientes; os PCNs são um avanço em vários aspectos e o professor
deveria historicizar o processo de leitura. Ao discutir tais aspectos, Rojo propõe ainda que se
considerem as forças que atravessam o momento situacional.
Diante da leitura que fez, Alzira pôde olhar com novos olhos para a sua prática de leitura,
a partir das idéias de Rojo. A partir desse fator, teve de reconhecer que lhe faltavam
ferramentas pedagógicas para o ensino de leitura de textos de Geografia como saída para
atualizar suas representações de modelo de leitura em vigor (tradicional), conforme expressa
metaforicamente, no turno 5 (achar uma saída). A saída para a professora se constitui num
poder sobre seu trabalho que ela ainda não tem, visando executar seu trabalho sem tanta
exacerbação de sofrimento.
A vontade de atualizar suas representações é forte, ficando visível no turno 3, ao dizer que
precisa de “estratégias para instigar o aluno a ler”. Essa vontade se caracteriza por querer
encontrar estratégias para motivar o aluno a ler e, concomitantemente, trabalhar com a prática
de leitura de forma mais consciente, menos sofrida, alterando assim as representações
negativas que elicitou em sua fala. No recorte a seguir, é possível perceber que a professora
85
vai se tranqüilizando por saber que outras pessoas (pesquisadores) estão se preocupando
com o processo de ensino-aprendizagem.
Recorte 7
1 Pesq.: Esse texto (Roxane) te ajudou em alguma coisa, Alzira?
2 Alzira: ajudou. quando alguém que está estudando sério como essa autora, eu me sinto
mais calma... Tem mais gente pensando sobre isso... Se eu tivesse mais acesso...com
certeza o HTPC é ótimo lugar para isso. No HTPC, recado da Direção / Coordenação.
A gente fica muito sozinha, não conversa com ninguém. É utópica a
interdisciplinaridade)
3 Pesq.: O HTPC poderia ser na prática de ação X reflexão.
4 Alzira: Se não tiver isso, não adianta. (E3)
Pode-se constatar aqui que o gatilho foi o vídeo e que se acentuou com a leitura do texto
de Rojo (1999) sobre “Ler é melhor que estudar”. A partir disso, Alzira passar a refletir sobre
seu fazer pedagógico.
As afirmações no turno 2 “ajudou... quando alguém que está estudando sério como
essa autora, eu me sinto mais calma... Tem mais gente pensando sobre isso” permitem inferir
que a professora externa que se tivesse mais acesso a novos conhecimentos, certamente não
ficaria sozinha, sem trocar conhecimento com seus pares, por exemplo, no HTPC. Tranqüiliza-
se ao saber que estudiosos estão trabalhando com essa situação-problema (leitura nas
escolas). Afimroleamaamr5(s)0.599D8.199(a)00.09785sz03(e)0.10275816(e)0.200607(nd8(s)0.190.700o)0.202.9l0.0978568( )0.200607(r)0.206(a)00.09f.30091(s4295s.202.9l0.0976147(TPC)0.u(TPC)0.u(9l0.09761C)0.u(9l0.097699l0.097696147(TPC)0.u(TPCC)00.09f.30091(s4.097699l0.19816(h)0.200607(a)C)00.0r27(a)(e)0.10275(ama)0.0.3amamtC)00.09f(i)0..19816(h)02f(i)0..z.19o)-183( )9l0.130.390.199995(a)0p91(s4295s.2-183( )9l0g(s4295s.2-183( )9l073(o)-0.4980i(.)-0.391427)0.200s(9l0.097699l0200303(a)]TJ9f.30s)0.6990.19816(h)0..213(m)-ã3(refletir1(Al)2.2926.19816(h)501003(i)-soar )-77.1993(é )-77.i(./8568(s)-5ia00.0r27(a)(e)0.10275(ama27(a)(e)0.5ia00.0r27(a-6.592786(a)(e)0.5i6(a)(e)0.5i6(a)(e)0.5i6(a)(e)0.5i6(.4980i(.)-0.39142a27(a)(e)0.0200303(a)-0.39142a2589l0.0994.(3(oç88)0.5i6(a)t07(3p0.2-u09( )-4s373(u09l97699l0tsJ9f.30s)009((sJ9f.30s)001e(a)]TJ.t10s)(o)0.200s)(o)0.200s)ã.200s)(o)00.5i6(a)(ã3(re3ama)0.36.592786(a)(e)A0)(e)A0)(eo)0.200s)(o592786(a)()0.7009(a)1b93.29610)2.402s96(a)(e)0.5i6(.4980i(.)-0.39142s)(o)0.3.29610(o)0.20060607(o)0.24980i(.)-0.39142s)(o)0.3.29610(o)0.222.4c)-0.398767(e(a)(e02s607(0.0996147(. )]TJ17.2453 TLT*[-)-2.79871(te)0.296ü)036(a)((. )].29610(o)0.200603oa27(a4(a)0.200607( )-48.2TJ.t10s)(298844( )2.40247( )2.442s)(o)0.3.9l0.097699l0200303(a)]TJ9f.30s)0.6990.19816(h)0(a)1b93.2816(h)0.20é.19816L0s)0.6990c0607(816(h)0.20é.19816L0s)0.69907(e)(-676(e)303(o)0.100311(s)0.)(r)5(o)0.100311(s)065714(te)0.200607.19816(h)e4(te)0.200nd)5.300096676(e)303(o)0607.198s)0.10030i66666666s)0.10030iba)0.100.10275(a(pas)-5(sar )-7(s)-5(o)]TJ.10030iba9s.24980i(.“ã11(s)00.100.102ilç)-5(o)]TJ0.1aH22rl.29610)-330.19816(o)D18aa(pa )-3.200sc3.19816L0ssr.4980i(.)-3300.102il)(o)0.3.29seso
86
seja, a não-troca com os pares, poderia ser minimizado se o HTPC fosse um espaço voltado
para a troca de experiência e aquisição de conhecimento, de acordo com o objetivo com que
foi criado.
No encontro 4, a seguir, procuro abordar uma nova ferramenta pedagógica que possa
tornar menos sofrido o trabalho de Alzira em sala de aula, na aula de leitura de texto específico
de Geografia. Sendo assim, explico-lhe os procedimentos para a aplicação do protocolo verbal
em grupo (pensar alto), depois o revoicing (ou revozeamento).
Recorte 8
1 Pesq. “o protocolo é você dividir os alunos em grupo, né”. E nessa divisão, você pede para
eles lerem ”olha.. vocês lerão silenciosamente”, depois cada aluno deve expor o que
compreendeu do que leu”. “o que entendeu. Ele é levado a recorrer à memória dele”.
(E4)
2 Alzira: “a 8ªC, não sei se.. trabalhando antes, eles têm uma certa resistência para ler mapa e
imagem. A 8ªA, eles mexem muito com isso... Sabe, eles me desenharam. A 8ªA é mais
fácil isso”.
3 Pesq.: Alzira, Texto didático é complexo Geografia, Ciência, História, mas nada que não possa
levá-los a uma reflexão. O que eles precisavam é... Alzira, é questão mesmo de
procedimento... Que procedimento eles têm que ter para leitura de texto, etc. Eu pensei
aqui que nós poderíamos, além de trabalhar a questão do protocolo verbal...aí você
elege o texto, né? Veja se você concorda:
1º) Distribuir o texto para os participantes;
2º) Pedir que leiam em silêncio e, então;
3º) Abrir a discussão no grupo e
4º) então, cada um pode falar livremente sobre o texto...
4 Pesq. Tá... tudo bem?...
5 Alzira: tá...
(E4).
No turno 1, converso com a professora sobre a estratégia do protocolo verbal, ao que ela
sinaliza as dificuldades que apresenta a 8ªC quando está diante de linguagem não-verbal
(mapa, imagem, turno 2), em contraste com a 8ªA, que parece ter mais facilidade. Apesar de
meu interesse em abordar com a professora novos conhecimentos que a levem a melhorar sua
prática e diminuir seu sofrimento, não o faço partindo de seu conhecimento cotidiano
(Vygotsky, 1934/2000), isto é, de suas representações sobre a prática de ensino de leitura
(leitura em voz alta, punição a aluno que atrapalha a aula, etc.). A aproximação por mim
pretendida deveria ser gradativa para permitir à professora refletir sobre seu conhecimento
prático (RS).
Eu tinha em mente que os alunos da 8ª. série pudessem ler os textos de Geografia com a
colaboração da professora e também, colaborativamente, construíssem o sentido em grupo:
87
uma co-construção. Mas, por não ter segurança de que a professora havia apreendido o
conhecimento científico, tento saber a posição de Alzira, no turno 4. À primeira vista, a resposta
de Alzira (tá, no turno 5) indica concordância comigo, como normalmente faz um aluno, apenas
para salvaguardar a face sem implicar seu real entendimento acerca da construção do
conhecimento científico.
Ao continuar nossas conversas, durante os encontros de formação, aproveito a
oportunidade para falar sobre o revozeamento (O´Connor & Michaels, 1996), conforme o
recorte 9, a seguir:
Recorte 9
1 Pesq.: O revozeamento permite você pegar o que um aluno disse e jogar para outro. É como
se fosse o maestro da classe. Você estivesse orquestrando a classe para a construção
de sentidos. Então...eu como professora também sempre que vem alguma dúvida, eu
tento me colocar
nessa orquestração. Quando você orquestra, você permite a interação social entre
todos. Aí você garante uma melhor adesão, interação. (E4)
2 Alzira: mas para a gente fazer essa orquestração.. depende de todo um processo...de todo um
trabalho.
3 Pesq.: agora... como eles constroem sentido? Você acredita nesse tipo de atividade que você
já experienciou? Como eles constroem sentido pra área de Geografia?
4 Alzira: como eles contextualizam?
5 Pesq.: construir sentido?
6 Alzira: o que é “construir sentido”?
7 Pesq.: construir sentido é você ler e entender o que leu, atribuindo significado. você constrói o
sentido...porque é isso que vai levar os alunos à compreensão.
8 Alzira: claro... então.. essa é minha labuta.(E4).
No turno 2, “mas para a gente fazer essa orquestração.. depende de todo um
processo...de todo um trabalho”, é possível inferir que a professora mostra certa apreensão ao
se deparar com o conhecimento novo sobre o uso do revoicing. A inquietude que parece sentir
é compreensível, tendo em vista que as representações de leitura ( leitura em voz alta, punição
a aluno que atrapalha a aula) que domina não lhe são cômodas, que fazem parte de seu
cotidiano e a fazem sofrer. Eu, no entanto, nem interajo com a professora, pois estou mais
preocupada em aproximá-la de outros temas e agora percebo como teria sido importante
dialogar com ela sobre sua apreensão diante do entrelaçamento entre o seu conhecimento
prático (RS) e o novo, ali presente, numa co-construção.
88
O conhecimento científico que tento construir com a Profa. Alzira ficou muito teórico
para ela “construir sentido é você ler e entender o que leu, atribuindo significado, você constrói
o sentido”, que parece entender o que eu quis dizer quando falo em levar os alunos à
compreensão “porque é isso que vai levar os alunos à compreensão” (turno 7). Mas, ao falar
sobre a construção de sentido, tento esclarecer que temos de inovar com novas formas de
ensinar leitura que possam fazer sentido para o aluno e para ela, como professora, em busca
de novo sentido para as aulas de leitura de Geografia.
No turno 8, ao afirmar claro... então.. essa é minha labuta, a professora consegue
compreender o que lhe digo, deixando entrever que, para Alzira, estava claro o que tentara
construir como conhecimento científico, o que não sinaliza que o tivesse compreendido.
Percebe-se que o conhecimento prático (RS) do processo de ensino-aprendizagem de leitura
revela a necessidade de a professora saber sobre o conhecimento que essendo construído,
conforme mostra o turno 6, o que é “construir sentido”?
Como formadora, deveria ter explicado de outra forma à professora o conceito de
construção de sentido, que está ligada ao fato de o leitor se basear no contexto e no seu
conhecimento prévio, constituído-se como uma atividade social e dialógica que supõe a
linguagem e não como ocorreu no turno 7: “construir sentido é você ler e entender o que leu,
atribuindo significado”. A explicação dada fica superficial, parecendo apenas retomar o saber
presumido da professora sem introduzir melhor a nova perspectiva de que pretendo que ela se
aproprie. Adiante, contudo (Recorte 10, turno 3), ao ser mais específica em termos práticos,
desenvolvo um pouco mais a questão.
Quando Alzira menciona que a compreensão de alunos deve acontecer - e esse é seu
compromisso como professora - vale-se de uma expressão que reafirma seu cotidiano no
trabalho “então...essa é minha labuta” (turno 8). Ao dar seqüência no processo de interação,
pergunto-lhe, no turno 1, do recorte 10, se sua labuta é
Recorte 10
1 Pesq.: em todas as classes, ou só na 8ª C?
2 Alzira: todas. que é assim...tem grupo que você o texto e eles sabem é
... parece que
tem mais facilidade pra entender.
3 Pesq.: eles, na verdade, acabam se valendo de pistas...então o que importa? Primeiro é o
aluno ler em um momento, sem ficar preso a uma única leitura .... então... eles podem
construir maneiras de pensar a respeito do texto e do mundo... esse processo se
pela interação, através da linguagem.
4 Alzira: mas acho que dá pra fazer isso... (E4).
89
Considerando o recorte 10, vê-se que o conhecimento sobre novas ferramentas
pedagógicas teve em Alzira um efeito positivo, como quando ela se posiciona no turno 4 e diz
“mas acho que pra fazer isso...” (E4). De qualquer forma, hoje, olhando os dados, acredito
que eu deveria ter sido mais clara em minha explicação, fazendo um entrelaçamento entre o
conhecimento cotidiano (Vygotsky, 1934/2000) da professora e o novo saber que vem do
acesso a novas ferramentas.
Quando Alzira diz “tem grupo que você o texto e eles sabem” (turno 2), é possível
notar que, dependendo da sala, ela deve centralizar a leitura, sinalizando que precisa refletir
sobre seu papel de educadora para mudar sua forma de atuar. Não dou importância a essa fala
da professora, porque estou mais preocupada em que ela apreenda o conhecimento científico
do que em partir de seu conhecimento cotidiano e contribuir para uma reflexão sobre a prática
pedagógica.
No turno 3, considero que o aluno, ao valer-se de pistas, consegue entender o texto,
logo construir sentido, o que não é verdade, que estou considerando que os alunos, daquela
escola pública, sejam leitores proficientes. Ao que Alzira parece concordar “mas acho que
pra fazer isso....”(turno 4). Perco a oportunidade de perguntar como ela faria para ajudar o
aluno a construir sentido do texto. Mas, para inferir que a professora mostra disposição em
tentar buscar novas alternativas para as aulas de leitura, revelando que é uma profissional
engajada com as questões da educação.
Em seguida, vou conversando com ela sobre o conceito científico de protocolo verbal e
revoicing (O´Connor & Michaels, 1996), como se vê a seguir:
Recorte 11
Pesq.; Nós podemos bolar algumas atividades. A princípio, vamos fazer o protocolo verbal em
grupo. Qual o papel do professor, nesse caso? Ele ter de mediar a discussão, sem
bloquear ou impor regras que possam comprometer as idéias. Essas regras elas
deverão ser faladas para todos em um momento. Depois, além disso...há o pensar alto
do grupo em que todos participam pra ver se conseguiram construir sentido. Daí, você
pode se valer da técnica do revozeamento. Essa técnica de revozeamento permite você
pegar o que um aluno disse e jogar para outro. É como se fosse o maestro da classe.
Você estivesse orquestrando a classe para a construção de sentidos... Eu como
professora também sempre que vem alguma dúvida de meu aluno... eu tento me
colocar nessa orquestração. Quando você orquestra, você permite a interação social
entre todos. Aí você garante uma melhor adesão, interação. (E4).
90
Digo-lhe que, em minha experiência docente, adoto o revoicing para ajudar os alunos
em sala de aula na construção do conhecimento. Mas um aspecto relevante é quando chamo a
atenção para um resultado significativo com a aplicação dessas ferramentas: a interação social.
A professora parece me ouvir atentamente, o que não significa que isso a tenha levado a
construir o conhecimento científico (Vygotsky, op. cit.) e refletir sobre seu conhecimento prático
(RS) do processo de ensino-aprendizagem da leitura (voz alta, decodificação, centralização do
processo). Tanto que a provoco a participar da conversa para manter a interação comigo e ela,
para a construção de novas possibilidades de atuação na prática, conforme se no recorte
12, a seguir:
Recorte 12
1 Pesq.: já fez debate?
2 Alzira: eu faço em grupos maiores.
3 Pesq.: podemos trabalhar com eles...a princípio, charge, para mostrar a importância de
trabalhar a imagem verbal, para que possam se interessar...um ou outro aluno pode se
valer de uma pista e a pista ajuda na inferência para a construção de sentido e
chegar à compreensão. Você entendeu?
4 Alzira: Hoje... eu dei EUA pra interpretar as questões...Uma aluna não
entendeu a pergunta.
5 Pesq.: O que você fez? Como você direciona para avaliar isso?
6 Alzira: Se eu deixar ler sozinho, eu me dedico, uma aula...Eu leio o enunciado... eu não li
página por página (didático) .. Não adianta você estar interferindo toda hora na questão
da leitura. Ler um trechinho... você não se concentra.
7 Pesq.: você estava fragmentando?
8 Alzira: Parei com isso. Eu concordei com ela (Rojo) e decidi mudar. o que faço? Eu leio,
explico e ajudo eles a estudarem o mapa... Conforme eu vou explicando, foram
anotando a resposta. Setor primário, secundário e terciário. Eu saí de um lixo de
novo...
9 Pesq.: Você vai de grupo em grupo?
10 Alzira: Sim, conforme vou explicando (...).(E4).
Conforme o turno 4 “Hoje... eu dei EUA pra interpretar as questões. Um aluna não
entendeu a pergunta”, a professora fala de sua experiência em sala de aula, tentando inteirar-
me de sua prática. Aqui, novamente, não intervenho para saber por que a aluna não entendeu
a pergunta que fizera. Ao ser indagada por mim como faz para avaliar (turno 5), ela salienta
novamente que para a classe: “Se eu deixar ler soz
91
No entanto, nesse mesmo turno, pode-se captar que o conhecimento prático (RS) do
processo de ensino-aprendizagem da leitura (voz alta, decodificação, controle da interação) é
tão forte que Alzira acaba sendo contraditória em sua fala ao negar: “Não adianta você estar
interferindo toda hora na questão da leitura... Ler um trechinho você não se concentra.”
Diante disso, vão ficando evidenciadas as representações sociais a respeito de sua
prática tradicional de leitura (voz alta, decodificação, domínio do processo), que ainda não a
levam a novos olhos sobre sua prática. No turno 7, quando pergunto se ela estava
fragmentando a leitura, Alzira responde, no turno 8 “Parei com isso. Eu concordei com ela
(Rojo) e decidi mudar...”.
Novamente, é possível observar uma contradição, pois afirma, nesse mesmo turno: “Aí o
que faço? Eu leio, explico e ajudo eles a estudarem o mapa”. Conforme observa Spink (2003),
o senso comum permite a percepção das representações sociais que estão na realidade e as
contradições a elas pertencentes. Não é o caso de Alzira, que não consegue ainda perceber as
contradições em sua fala o que vai evidenciando que o conhecimento prático (RS) de leitura a
impede de perceber que sua prática de leitura tradicional está aprisionada.
O fato de a professora concordar com Rojo não significa que alterou sua prática, porque
Alzira continua acreditando que, se ela dominar a interação, seu aluno aprende. A fala da
professora aponta um momento em que entra em conflito consigo própria, ao dizer
metaforicamente, no turno 8 “Eu saí de um lixo de novo (risos)”, afirmando uma
representação negativa sobre si mesma e mostrando a penosidade do trabalho que lhe causa
sofrimento mental (Sato, op. cit.).
Como pesquisadora/formadora não faço nenhum comentário a respeito dessa metáfora
(Eu saí de um lixo de novo), que a leve a uma tomada de consciência sobre sua prática para
mudá-la. Nesse momento, engano-me, pois, em meu papel de formadora/pesquisadora,
deveria ter intervindo para levá-la ao conhecimento de sua prática em sala de aula. Isso me
leva a afirmar que, possivelmente, a não-mediação da professora em sala de aula vai
alimentando uma postura passiva do aluno e uma postura centralizadora sua durante as aulas
de leitura e permanência de seu estado de sofrimento.
No recorte 13, a seguir, vou tentando convencer a professora de que outros
caminhos para a prática de leitura:
Recorte 13
92
1 Pesq.: Ao invés de você ficar presa, sugestão, a essas questões do livro, por que você não
faz paráfrase? ... Um caminho para eles não copiarem... vale tentar uma outra prática.
Já tentou?
2 Alzira: então.. mas eu acho que tem uma outra questão que é mais importante.. ainda..
em
relação à leitura.. pode até achar que estou errada.. mas que eu acho que a gente tem
que resgatar.. você vai me dizer assim... mas não importam os meios? às vezes os
alunos não lêem.. eu acho que alguma coisa a gente tem que fazer para o aluno
ler...instigá-lo.. cobrar...se for necessário... acho que alguma coisa a gente tem que
fazer... (E4)
A fala da professora, conforme se observa no turno 2, revela sua preocupação em levar
o aluno a ler e isso parece incomodá-la “mas que eu acho que a gente tem que resgatar ... e às
vezes os alunos não lêem.. eu acho que alguma coisa a gente tem que fazer para o aluno
ler...instigá-lo”.
Observo que, na verdade, a professora não sabe como substituir a prática tradicional de
leitura quando os alunos não lêem, que ela em voz alta. Eu, na minha condição de
pesquisadora e formadora, tento sugerir-lhe que caminhe sozinha, sem o livro didático, mas
não intervenho além desse ponto, apenas discuto com ela o porquê de sua prática. Deixo de
oferecer-lhe condições para que ela entrelace o conhecimento que domina com o novo
conhecimento em discussão: o protocolo verbal em grupo e o revozeamento (revoicing).
No turno 2, é possível ver que a professora toma consciência de que precisa fazer alguma
coisa para reverter a situação de seus alunos que não lêem. Proponho-lhe então tentar uma
outra prática, pois a professora precisa fazer alguma coisa para levar os alunos a lerem. Assim
ficou combinado que no dia 23 de setembro, ela aplicaria as novas ferramentas na aula de
leitura de texto específico de Geografia.
4.3 Aula 1 - 8ªC
Na aula da 8ªC, em 23 de setembro, conforme combinado no último encontro entre mim e
a Profa. Alzira, ela aplicaria o pensar alto em grupo e o revoicing. Havia 17 alunos do total de
25 matriculados. Ela inicia falando da linguagem, destacando a área de Geografia. Nesse
sentido, a linguagem pode ser entendida como ferramenta entre os envolvidos numa interação,
voltada à auto-reflexão dos participantes na comunicação (Magalhães, 2000).
O uso do pensar alto em grupo teve como objetivo que a professora tentasse uma nova
prática de leitura com a participação dos alunos. A professora solicita aos alunos que se dirijam
à sala de vídeo no 2º andar e explica para a classe o porquê de minha presença.
93
Recorte 14
Alzira: Quando eu a convidei para vir aqui, eu vejo algumas diferenças para trabalhar com
texto... Ela sempre vem às feiras...mesmo sendo Geografia, vocês estarão
trabalhando com linguagem, leitura de texto, produção de texto, leitura de imagem de
gráfico... Tudo isso é linguagem.... Então... assim,.. pode pensar alguma coisa que não
conseguindo fazer.., ou perceber alguma coisa que conseguindo fazer e ela pode
perceber pra melhorar o trabalho. (A1)
Nesse recorte, é notória a importância que a professora ao meu papel de formadora e
às questões que vínhamos discutindo durante os encontros de formação. Ela valoriza o papel
da linguagem, tentando mostrar ao aluno que a Geografia também é uma linguagem: mesmo
sendo Geografia, vocês estarão trabalhando com linguagem, leitura de texto, produção de
texto, leitura de imagem de gráfico. Tudo isso é linguagem.
Alzira vai tomando consciência de que é preciso buscar formação contínua e estar aberta
a novas alternativas, conforme diz: “Então assim, pode pensar alguma coisa que não
conseguindo fazer, ou perceber alguma coisa que conseguindo fazer e ela pode perceber
pra melhorar o trabalho”. (rec.14).
Nesse momento, a professora projeta as transparências para a leitura. Optou por
apresentar a da Mafalda primeiro, porque tratava de assunto referente ao Fundo Monetário
Internacional (FMI) de forma bem-humorada. Depois, abriu a discussão para que a classe
interpretasse o que a tirinha trazia sobre a Mafalda.
94
Em sala de aula, dando instrução:
Recorte 15
1 Alzira: Vocês vão ler e falar para...é difícil abandonar isso...acho que eu tenho mania de ler
para eles... e aí, depois, vocês vão conversar pra ver o que entenderam. Então, vamos
lá.
2 Alzira: Presidente é o que manda??? Representante da Nação. Só que a mãe dela responde...
Por que vocês acham que a mãe dela responde? Vocês acham que a mãe dela foi
esperta? Por quê? (SA1)
3 Um aluno da classe: Foi... Porque o presidente tem que obedecer o Fundo Monetário
Nacional.
4 Alzira: É ...porque toda a Nação tem que buscar dinheiro no FMI? É isso?
5 Alguns alunos: É.
Nesse recorte, é possível verificar que Alzira instrução aos alunos para ler a tirinha.
Considerando as discussões sobre a leitura de Rojo (1999), é possível observar que a
professora entra em conflito sobre a prática tradicional e a nova prática, conforme se pode
notar nesse recorte: “é difícil abandonar isso...acho que eu tenho mania de ler para eles...“
(turno 1), dirigindo-se a mim.
Ao interpretar a fala da professora, posso perceber quão significativa foi a apropriação
de estudiosos (Rojo, 1999; Zanotto, 1997, 2005; O´Connor & Michaels, 1996) que apontam
novos rumos para a lida diária do cotidiano escolar, mas ainda não a ponto de dar-lhe
segurança para “apropriação de novas significações” (Magalhães, 2004:69) para a sua prática
em sala de aula.
Ao se dar o diálogo entre Alzira e os alunos, durante a exposição da transparência da
tirinha da Mafalda, nos turnos 2 e 4, observa-se que o conhecimento prático (RS) tradicional de
leitura (voz alta, manejo das ações em aula, domínio na interação, etc.) faz Alzira manter os
turnos, sob seu domínio, mediante perguntas fechadas, sem esperar os alunos construírem o
sentido do texto por si mesmos.
Em seguida, ela apresenta o gráfico População urbana e rural nos EUA (1900-1990),
nova instrução e continua a aula para que, então, leiam o gráfico:
95
Recorte 16
1 Alzira: Leiam o gráfico. Prestem atenção. Vejam na horizontal, temos o quê?
2 Alguns alunos da classe: A população rural.
3 Alzira: Mas o que acontece com a população urbana?
96
4 Alguns alunos da classe: Aumentando.
5 Alzira: A gente vai complementar a leitura com o texto escrito O êxodo rural. Certo? (A1)
Alzira solicita a participação oral dos alunos. Nesse recorte, nota-se que a professora não
se aprofunda nas questões relacionadas aos dados sobre a população dos EUA. Alzira
também não explica a justificativa a respeito do próprio gráfico, isto é, as linhas em negrito, as
pontilhadas, os dados numéricos e a relação entre o período de 1900 até 1990, além da
exploração do título e da fonte. Assim, não uma preparação do aluno para o entendimento
do texto específico.
No turno 3, por exemplo, “Mas o que acontece com a população urbana?”, é possível
observar que Alzira não leva os alunos a uma leitura significativa que envolva a compreensão.
Em seguida, anuncia “A gente vai complementar a leitura com o texto escrito O êxodo rural.
Certo?”(turno 5). Posso observar que o aluno percebe quanto a leitura é mecânica, não
precisando pensar sobre o assunto. Esse fator remete ao conhecimento prático (RS)
tradicional tanto do professor detentor do conhecimento quanto do aluno passivo, sem
nenhuma iniciativa.
Novamente, conforme se pode verificar, não existe o diálogo frutífero, pois a aula é
conduzida mecanicamente, limitando a possibilidade de o aluno superar o modelo tradicional
de leitura. Nas palavras de Kleiman (2000),
quando lemos porque outra pessoa nos manda ler, como acontece
freqüentemente na escola, estamos apenas exercendo atividades
mecânicas que pouco têm a ver com significado e sentido. Aliás, essa
leitura desmotivada não conduz à aprendizagem(...) (Kleiman, op. cit. p.,
35).
Em seguida, os alunos são separados em quatro grupos de quatro elementos (sendo um
grupo com mais um aluno). Eles ouviram a explicação sobre os procedimentos para a vivência
do pensar alto em grupo e receberam o texto escrito sobre Êxodo rural para leitura silenciosa.
Em seguida, conversaram espontaneamente entre si, conforme orientação recebida em grupo.
A duração do evento de leitura foi de 20 minutos, após o que se abriu a discussão com todos
os grupos. Essa discussão foi gravada e transcrita para análise dos dados e para
conhecimento e reflexão da professora, posteriormente, em sessão reflexiva.
Recorte 17
97
1 Alzira: Que vocês entenderam? De que região está falando?
2 João: Região Rural.
3 Alzira: De que lugar no mundo?
4 Ana: Brasil e EUA.
5 Alzira: Que mais que fala no texto? Que tá falando?
6 Pedro: Das integrações urbanas. É isso?
7 Alzira: É... que mais? Que outras informações há no texto?
8 Lucas: Que a população rural diminuiu.
Posso observar que em sua prática tradicional de leitura (voz alta, domínio dos turnos,
centralização do conhecimento, manejo das ações em aula, etc.), a professora não está
preocupada com o entendimento de leitura e sim com dar conta do material que tem em mãos,
independentemente da qualidade do conteúdo apresentado. Repetem-se os mesmos
procedimentos adotados para a discussão da tirinha da Mafalda e do gráfico de minutos antes,
ou seja, pergunta e resposta do aluno, num processo mecânico, o que não leva o aluno a ser
um leitor que interaja com o texto numa co-construção.
A professora não estava conseguindo pôr em prática as novas ferramentas pedagógicas
pensar alto em grupo (Zanotto, 1997, 2005) e revozeamento (O´Connor & Michaels, 1996) -
um conhecimento novo, evidenciando que o conhecimento prático (RS) (voz alta, domínio dos
turnos, centralização do conhecimento, manejo das ações em aula, pergunta e resposta como
depósito, etc.), prevalecera em aula na 8ªC, ou seja, aula com alunos dóceis, passivos (Freire,
98
recursos didáticos e os temas escolhidos para discussão nas aulas têm papel central no
processo de ensino-aprendizagem (...)”.
É muito difícil uma professora 19 anos atuando rever completamente sua própria
postura de vida, da escola e quebrar esse vínculo com uma representação significativa do que
é ensino-aprendizagem. É difícil, neste momento, mas a professora busca algo diferente para
as aulas de leitura.
Alguns alunos pareceram prestar atenção e até tentaram participar da aula, mesmo que
de forma acanhada, com pergunta e resposta. Com relação ao texto sobre êxodo rural, é
possível verificar que Alzira não contribuiu para levar os alunos a uma interação com as idéias
de outros alunos, que monopolizou a leitura e as perguntas foram muito incisivas. Nesse
aspecto, conclui-se que ela contribuiu para que os alunos se mantivessem numa condição dócil
(Freire, 2006), de assujeitamento, e não fossem leitores participativos e nem otimizassem sua
própria aprendizagem (Castro, 2004).
Com base em Celani & Magalhães (2002), posso observar que as representações de
leitura tradicional evidenciam o senso comum no processo de ensino-aprendizagem como a
transmissão do conhecimento.
Recorte 18
1 Alzira: Vocês se valeram de alguma informação?
2 Alguns alunos: Imagens.
3 Alzira: O que tirou da informação nova? O texto (gráfico) foi difícil?
4 Aluno Ênio: Foi o texto mais fácil da minha vida. O texto que mais amei foi esse. (A1).
Nessa atividade de leitura, observei que não houve o pensar alto em grupo, tendo em
vista que o conhecimento prático (RS) dominou o cenário. Alzira centralizou a atividade de
leitura, os alunos se defrontaram, como de costume, com o estilo tradicional de aula, ou seja, “o
papel central de transmitir conhecimento” (Castro, op. cit.) mesmo com acesso a um novo
recurso pedagógico àquela realidade: as transparências e leitura em grupo.
É possível reconhecer que embora esse recurso tivesse despertado a atenção dos alunos,
foi pouco para a compreensão dos textos de Geografia e a co-construção de sentido. Essa
observação é pertinente, pois os alunos não respondem às pergunta da professora. Exceto,
quando pergunta se os alunos gostaram daquela aula, conforme mostra resposta do aluno
99
Ênio, no turno 4, sobre a transparência da flipeta (da Mafalda) e o gráfico: ”Foi o texto mais
fácil da minha vida. O texto que mais amei foi esse” (A1).
Nesse caso, o fato de a professora ter usado um instrumento novo (retroprojetor) não
garantiu a compreensão da leitura. Talvez, tenha-se de levar em consideração a tentativa de
Alzira de modificar uma rotina, sua atuação, usando um recurso didático novo naquele contexto
de trabalho para mlrl.2(considerl)0.399372(aBd2dnã39999(a)0..399372u13oT4d200607(a)0.200607(q)8( )97.401213(m)0c,401é.200620l07(i)0.501516( )-76.l(s)0.398767(0620l07(i)(5 )-313.599(p2ã3(m)0c,401é.2.39999(i)0.599373(i)0.60182(a)0.59937524u4i)0..609159( ).-8(d)0.39999(e3(i)0.60182(a)0.59932(a)0.”85(t)0.600596(i)0)0473(i)0.60182(a)0.599) )-8(a)04d0e
100
interferindo muito...” (turno 2); “porque eu não estou sabendo mediar...(turno 4); “então essa
neurose ...”(turno 4). Nesse aspecto, posso observar que as declarações de Alzira são a
própria realidade social, reflexo de sua atividade cotidiana (Lane, 2004), com as quais a
professora se identifica. Ela vai revelando que está tendo um outro olhar sobre sua prática
costumeira. Parece que a ausência de consciência (familiaridade) sobre seu trabalho a impede
de construir um novo conhecimento e, conseqüentemente, superar as RS que tem de si e de
sua prática de leitura e avaliação.
Lido e ouvido o registro da transcrição da aula na 8ªC, a professora, na sessão reflexiva,
teve a oportunidade de rever sua própria prática cotidiana, refletir sobre ela e se posicionar,
justificando-se que precisava ficar mais atenta à sua ação, conforme se observa no turno 2: “eu
falei pra você que eu tenho que tomar muito cuidado comigo...”. O fato de a Profa. Alzira ter
tido um novo olhar para suas representações calcadas no senso comum permitiu-lhe uma
primeira percepção da realidade e das contradições a ela pertencentes (Spink, 2003).
A interferência que faz, nas aulas de leitura, não colabora para que o aluno seja sujeito
no processo: “são temas que eu gosto de trabalhar...( turno 2) ... eu acho que caio mesmo
nesse erro de estar... muitas vezes... interferindo muito...”. Mas como o aluno pode ser sujeito
se a prática da professora está aprisionada e aprisiona a participação do aluno? Para Spink
(2003), o aprisionamento está presente nas representações que criam a realidade social. Um
novo olhar sobre um outro existente permite reflexões e mudanças.
No turno 4, quando diz “então essa neurose ...”, Alzira deixa evidente que a tensão
vivida por ela (não conseguir mediar, ficar presa ao modelo tradicional de leitura) é sinal de que
ainda não tem consciência e poder para gerenciar sua prática, o que, novamente, causa-lhe
sofrimento. O sofrimento de Alzira se deve ainda à falta de poder (na concepção foulcaltiana)
sobre o trabalho, não permitindo que mudasse as prescrições do processo de ensino-
aprendizagem a que sempre recorreu. Nesse aspecto, “a limitação do poder sobre o trabalho
faz com que ele seja visto como complicado, problemático e ruim demais” (Sato,
1993/2004:199). É possível dizer que o sofrimento mental sentido por Alzira lhe é causado
porque sua prática calcada no senso comum não atinge seus alunos (vocabulário restrito,
101
subjetivo (já explicado anteriormente), dos limites impostos pelo trabalho e de interfaces
trabalhador-trabalho em que se experiencia maior ou menor conforto” (op. cit.: 198). A
familiaridade com o trabalho gera condições de o trabalhador lidar com os problemas que
aparecem. Não era esse o caso de Alzira que ainda não tinha consciência de sua prática, antes
da sessão reflexiva.
Comento com a professora o fato de ela perguntar e os alunos responderem
mecanicamente não caracteriza o processo de mediação, isto é, o intercâmbio entre o que ela
sabe sobre Geografia e o que o aluno precisa aprender, conforme se pode observar no turno 3.
Nesse caso, o discurso predominante é o da professora e as idéias do autor do texto didático, o
que vai impedindo o aluno de avançar.
A sessão reflexiva permitiu o confronto entre o conhecimento prático (RS) e o novo e
levou-a a perceber que realmente não havia mediado a leitura. Segundo Sato (2004), o fato de
Alzira ter se familiarizado com sua prática (RS) possibilitou-lhe aproximação de sua ação e
conhecimento de seu limite subjetivo.
Para justificar sua postura centralizadora, a professora argumenta que a
responsabilidade também cabe à escola, que tem falhado: “a escola também tem seu papel.. a
escola também falha...” (turno 4). Alzira tem razão ao afirmar isso, porque, enquanto instituição,
a escola deveria contribuir para que os professores conhecessem o trabalho desenvolvido e
refletissem sobre a inexistência do poder e a falta de controle para as situações-problema.
Esse fator propiciaria mudança da prescrição que lhes é imposta e, conseqüentemente, das RS
calcadas no senso comum (Celani & Magalhães, 2002).
A respeito dessa afirmação, perco a oportunidade de perguntar à Alzira porque a escola
tem seu papel e falha. Aqui, ocorre uma metáfora ontológica (Lakoff & Johnson, 1980/2002)
que parece indicar que a escola se desvia de sua responsabilidade ao não dar condições aos
professores, dentro do contexto de trabalho, que promova a interação do aluno nas aulas de
leitura e melhor preparação da professora para mediar a aula.
Diante dos dados colhidos na 8ªC, mostrados à professora para que refletisse sobre
suas RS em seu contexto cotidiano, sugeri que fizesse nova aplicação das ferramentas
didáticas - o pensar alto em grupo e o revozeamento - em outra classe: a 8ªA. A professora,
por uns instantes, refletiu e concordou comigo, dando a entender que a 8ªA é uma classe com
que interage melhor. O entrelaçamento entre o conhecimento prático (RS) e as novas
ferramentas pedagógicas é motivo de apreensão, porque Alzira me solicita-me que faça
algumas sugestões durante a aula: “você poderia estar dando um toque para mim na aula”.
(turno 4).
102
Posso observar que o pedido que faz visava criar ações adaptativas (Sato, op. cit.)
para atuar de forma segura, diante de uma nova ferramenta pedagógica. Nesse encontro,
Alzira pôde refletir sobre as RS de sua prática de leitura na 8ªC. Foi possível a negociação, de
maneira colaborativa, de novas estratégias para o uso do pensar alto em grupo para a prática
da leitura na 8ªA.
Minha tentativa de despertar a consciência de Alzira sobre a mediação de que ela
poderia valer-se nas aulas foi relevante na medida em que ensejei que conhecesse sua própria
prática e refletisse sobre a importância de ter poder sobre seu trabalho, visando a uma postura
mediadora nas aulas de Geografia. Após me ouvir, a professora aceita aplicar novamente o
protocolo verbal em grupo e tenta se desculpar, dizendo que interfere, criando obstáculo para a
superação das representações tradicionais de sua prática de leitura. Quando interfere, a
professora, na verdade, sente-se insegura diante do novo que lhe possa trazer situações não
previstas, para as quais não tem controle e poder em virtude de suas limitações subjetivas.
Em outras palavras, a relação social estabelecida entre homem e mundo e homem com
outro homem pode mudar a natureza das relações sociais. A relação social significa que as
construções e a gênese das funções psicológicas superiores se efetivam, sendo mediadas pelo
signo (Vygotsky, 1934/2000). Esse processo regula a ação humana, de acordo com o contexto
sócio-histórico, contribuindo para o desenvolvimento do homem. Na análise desse recorte, o
conhecimento e a reflexão sobre as representações tradicionais de prática de leitura da
professora contribuíram para que ela se conscientizasse de seu papel político como educadora
e arriscasse nova tentativa de aplicação do pensar alto na 8ªA.
No recorte 19, emergem as representações tradicionais do ensino de leitura,
considerando dois aspectos: o primeiro, parece que a aprendizagem não aconteceu na ZPD,
na 8ªC, pois deixou de ocorrer o desenvolvimento real dos alunos, quando ela reconhece: “mas
eu acho assim... praticamente não lêem (alunos)”, turno 4; segundo, durante a sessão reflexiva,
o domínio dos turnos (eu acho que caio mesmo nesse erro de estar... muitas vezes...
interferindo muito..., turno 2), não dando espaço para a voz dos alunos durante a aula de
leitura e justificando suas limitações e a falta de controle da situação.
No turno 4,”os adolescentes hoje... eles têm um vocabulário cada vez mais restrito... não
estou culpando eles...”, Alzira se desculpa novamente pela sua forma tradicional de atuar,
transferindo para o aluno a responsabilidade do insucesso no ato de ler. Mas a inquietude que
revela por agir, segundo suas RS, se constitui, em suas palavras, numa neurose: “então essa
neurose”. Novamente, a professora traz à tona seu sofrimento, que a situação foge-lhe de
controle.
103
A reflexão sobre as RS da prática de leitura leva a professora a entrar em conflito
consigo mesma. A tensão da professora (Magalhães, 2004) é significativa, pois, à medida que
houve o confronto de suas ões pela interação comigo e com os estudiosos criaram-se
condições para que captasse o significado penoso de seu trabalho (Sato,op. cit.), para
compreendê-lo e superá-lo. Vejamos:
Recorte 20
1 Pesq.: por que você não experimenta fazer isso na 8ªA?
2 Alzira: mas também.. para a gente garantir essa mediação
com mais eficiência.. a gente
tem que ver o grau de dificuldade do aluno.. acho que está muito relacionada.. eu acho
que a 8
A
C é muito difícil
.. tem muita dificuldade .. não só para escrever.. mas o contexto
cultural..
3 Pesq.: eu acredito... Alzira... que na 8
ª
A nós precisamos ter a intenção... de mediar
... cada vez
que você entrar na classe você entra com essa intenção... na verdade... essa
mediação é a ponte... lembra quando eu falei pra você?
4 Alzira: mas... depende de todo um processo... de todo um trabalho...
então é assim... se a
gente vai levar um texto lá.. um tema... ele tem que ter continuidade de algo que está
cem por cento trabalhado...
5 Pesq.: tem que pensar assim.. escolher um texto.. o que você pensou para a
8ªA?
6 Alzira: porque é assim... a gente entrou agora em Canadá... então vou ter que mudar... porque
eles estão entrando em Canadá agora... se eu trouxer Canadá...
7 Pesq.: então... não serão aqueles mesmos textos?
8 Alzira: então... se forem aqueles textos... eu vou estar quebrando nosso
conteúdo... eu não vejo problema nisso... também... tá?
9 Pesq.: não dá para você fazer uma ponte?
10 Alzira: dá... claro que dá... porque o Canadá é vizinho dos Estados Unidos...até a coisa do
mapa...densidade demográfica... (E5)
No turno 2: “daí tem coisa que você está falando que eu não sei fazer...”, é possível
perceber que os conceitos parecem teóricos demais para a professora, que não sabe como
aplicá-los, conforme se nota. Eu, como formadora, deixei de contribuir para que a professora
entrelaçasse o conhecimento de seu domínio (cotidiano) e o científico.
As representações emergem sinalizando certa resistência em trabalhar na 8ªC, classe que
Alzira considera difícil, conforme dissera, nesse mesmo turno: “a 8
A
C é muito difícil.. tem muita
dificuldade ...”. Faltam novas ferramentas. Ela salienta a dificuldade por que está passando
para construir o conhecimento novo.
104
Observo que a Profa. Alzira não respondeu se aceitaria ou não repetir a aplicação do
protocolo verbal em grupo na 8ªA. Volto a insistir numa nova tentativa de trabalho, turno 9,
dizendo-lhe que é preciso fazer uma ponte entre o conhecimento que sabe e o que o aluno
precisa aprender nas aulas de leitura, (turno 3: eu acredito... Alzira... que na 8
ª
A nós
precisamos ter a intenção... de mediar....).
Tento convencê-la de que deveria aplicar novamente o uso do pensar alto em grupo na
8ªA, após nós duas termos refletido sobre os dados relativos às RS sobre leitura na C
(denominada Aula 1). Alzira reconsidera a possibilidade de realização da atividade na 8ªA se
for sobre o Canadá. Insisto com a professora, dizendo-lhe que ela poderia fazer um intercâmbio
com esse conteúdo, com o que ela termina concordando: “dá... claro que dá... porque o
Canadá é vizinho dos Estados Unidos...até a coisa do mapa...densidade demográfica...” (turno
10). Em seguida, ficou combinado que a transparência da tirinha da Mafalda se repetiria. A
Profa. Alzira ficou de selecionar os outros dois textos que tivessem ligação com o conteúdo
programático em desenvolvimento para aquela série.
Seria muita ingenuidade de minha parte acreditar que a professora colaboradora pudesse
superar as representações sobre sua prática tradicional de leitura e sobre si mesma na 8ªC de
uma hora para outra, sem um processo de reflexão sobre suas RS, e que contribuíssem para
que os alunos participassem, para que suas vozes fossem ouvidas, compartilhadas, ou
tivessem ressonância no grupo.
Isso se explica por ter Alzira centralizado a leitura durante a aula, pois houve o predomínio
de sua voz, pela falta de interação com seus alunos e a falta de conhecimento de outras
possibilidades didáticas em seu contexto de trabalho. Durante a sessão reflexiva, emergiram
mais claramente as representações de Alzira sobre si mesma e sobre leitura, apontando a
necessidade de ela olhar para sua prática com outros olhos e mudá-la.
4.5 Aula 2 - 8ªA
Em 19 de outubro, na aula, após o intervalo, dirijo-me à 8ªA, onde havia 24 alunos
presentes de 33 matriculados, para nova tentativa de aplicação do pensar alto em grupo. Os
textos trabalhados se diversificaram um pouco dos aplicados na 8ªC, pois, segundo a
argumentação de Alzira, a 8ªA estava um pouco mais adiantada que a 8ªC. Na 8ªA, ao
contrário, a professora trabalhou com um texto de linguagem não verbal (mapa) e um texto de
linguagem verbal sobre o tema (Canadá), retirados do livro didático, exceto a tirinha da
105
Mafalda, trabalhada na 8ªC. Foi solicitado aos alunos que se dirigissem à sala de vídeo
no 2º. andar da escola. A professora explica para a classe o porquê de minha presença.
Recorte 21
Alzira: a Sueida tem dado algumas sugestões...para melhorar esse trabalho com leitura... pra
vocês estarem aprendendo mais...e... quanto mais independente de mim...esse
processo de leitura... melhor para vocês.. e para a gente também depois... .Ela sempre
vem às 5
as
feiras” Acho que seria ótimo...ela pode estar contribuindo com a minha forma
de tá trabalhando com texto de Geografia...(A2)).
Em sua fala à 8ªA, a Profa. Alzira reafirmou a necessidade de buscar novas ações em
benefício do processo de ensino-aprendizagem de leitura, valorizando o fato de poder
participar do trabalho de formação em serviço:
a Sueida tem dado algumas sugestões...para melhorar esse trabalho com
leitura... Ela sempre vem às 5
as
feiras....acho que seria ótimo...ela pode
estar contribuindo com a minha forma de trabalhando com texto de
Geografia...(A2).
Como se pode observar, a colaboração em propiciar o entrelaçamento entre o o
conhecimento cotidiano e o teórico (Vygotsky, 1934/2000) e a possibilidade de a professora
libertar-se de representações sociais aprisionadas reafirmam essa necessidade a seus alunos:
melhorar esse trabalho com leitura... pra vocês estarem aprendendo
mais...e quanto mais independente de mim...esse processo de leitura...
melhor para vocês... e para a gente também depois. Acho que seria
ótimo...ela pode estar contribuindo com a minha forma de trabalhando
com texto de Geografia...(A2).
Na análise desse encontro, vai ficando evidenciada a oportunidade que Alzira tem de
conhecer melhor seu trabalho e de ter gerenciamento de sua prática em sala de aula, dando
importância à participação no trabalho de formação docente com vistas a uma solução para
libertar-se do sofrimento mental que sente, ter poder sobre suas ações e estimular o
desenvolvimento cognitivo de seus alunos, conforme mostra o recorte 21.
Os textos trabalhados foram a tirinha da Mafalda (linguagem não-verbal), o mapa
Densidade demográfica no Canadá (linguagem não-verbal) e o texto escrito Canadá:
sociedade multicultural e potência econômica (linguagem verbal). Segundo a professora, a 8
a
A
106
estaria mais adiantada em termos de conteúdo. Alguns procedimentos adotados na 8ªC
se repetiram: a exposição das transparências por ordem - primeiro, a da Mafalda, depois a
transparência com o mapa do Canadá. Em seguida, os alunos foram separados em grupos.
Depois de colocar a transparência da tirinha da Mafalda
10
, a professora explica os quadrinhos,
conforme segue:
Em sala de aula, dando instrução:
Recorte 22
1 Alzira: Vocês vão ler 1º... aí, depois, vocês vão conversar pra ver o que entenderam. Então,
vamos lá.
2 Alzira: espera...gente.. silêncio...vamos ouvir o Fábio...por favor.. começa de
novo... Fábio...
3 Fábio: fundos internacionais que empresta dinheiro para os países..
4 Alzira: alguém mais quer falar? fala um de cada vez...alguém mais quer falar? vocês
entenderam a leitura que o Fábio fez? e o que o Breno falou? vocês concordam com
ele?
5 Xisto: claro...
6 Jane: eu concordo...
7 Alzira: você não ouviu.. Gilda?
8 Gilda: não...
9 Alzira: fala de novo.. Fábio.. porque a Gilda não conseguiu ouvir.
10 Fábio: (???) depende do fundo internacional que empresta dinheiro...
11 Alzira: entendeu? então.. quem representa quem aí.. Fábio?
12 Fábio: representa o Brasil.
13 Alzira: a Mafalda?
14 Alguns alunos: a Mafalda....
15 Alzira: vocês conseguem estabelecer alguma relação disso que está aí... nessas tirinhas... com
a situação do Brasil e dos países desenvolvidos? sim.. né? vocês conseguem fazer a
relação disso que ela falou com os Estados Unidos da América?... Com o que a gente
estudou no terceiro bimestre? vocês conseguem?
16 Sérgio: e o que tem a ver o Fundo Monetário Internacional?
17 Yuri: que os Estados Unidos têm poder...
18 Alzira: você concorda, Flávia... que os Estados Unidos têm um certo poder sobre o FMI? Por
que vocês concordam?
19 Flávia: sim.
20 Alzira: certo? alguém mais quer dar opinião?
107
21 Alzira: fala mais alto...
22 Zeus: ...(???) dos países subdesenvolvidos de serem comandados por eles... através do FMI
... (A2).
Diferentemente de como procedera na 8ªC, Alzira, nesse momento, com o controle da
situação, abriu espaço para a discussão dos alunos sobre o entendimento do conteúdo das
transparências. Essa condição desencadeada pela pesquisadora ocorreu durante a sessão
reflexiva. É possível reconhecer como a professora atua diferente em sala de aula, no turno 4
por exemplo, quando pede a colaboração da classe para que o aluno Fábio possa ser ouvido e
____________
10 vide figura no item 4.3
medeia a discussão de leitura, no turno 11: “entendeu? então.. quem representa quem aí...,
Fábio?”
Por meio de perguntas e da participação dos alunos, relacionou-se o assunto sobre o FMI,
constante na tirinha da Mafalda, com a matéria de Geografia, conforme turno 15: “vocês
conseguem estabelecer alguma relação disso que está aí... nessas tirinhas... com a situação
do Brasil e dos países desenvolvidos? Sim..., né? vocês conseguem fazer a relação disso que
ela falou com os Estados Unidos da América? Com o que a gente estudou no terceiro
bimestre? vocês conseguem?”.
Alzira deu ênfase ao conteúdo trabalhado, chamando a atenção dos alunos participantes
para a questão do subdesenvolvimento - característica de países pobres - e do poder dos EUA,
na fala da personagem Mafalda com a mãe. Nesse aspecto, a professora chama a atenção
para o pensamento figurado de Mafalda, que representa o Brasil, conforme disse o aluno
Fábio, no turno 12: “representa o Brasil”. Alzira estimula os alunos a estabelecer relação com
os conteúdos estudados no terceiro bimestre, conforme turno 15: “vocês conseguem
estabelecer alguma relação disso que está aí... nessas tirinhas... com a situação do Brasil e
dos países desenvolvidos? sim... né? vocês conseguem fazer a relação disso que ela falou
com os Estados Unidos da América? ... Com o que a gente estudou no terceiro bimestre?
vocês conseguem?”.
Em seguida, no turno 16, o aluno Sérgio participa perguntando se tinha relação com o
FMI: “e o que tem a ver o Fundo Monetário Internacional?”. Nesse caso, a pergunta de Sérgio é
que leva a resposta de Yuri, no turno 17: “que os Estados Unidos têm poder...”. A resposta de
Yuri leva a professora a revozeá-lo, no turno 18: “você concorda, Flávia... que os Estados
Unidos têm um certo poder sobre o FMI? Por que vocês concordam?” .
108
Diante disso, é possível notar que não houve dificuldade para o entendimento do
conteúdo de Geografia, que já fazia parte do conhecimento prévio dos alunos. Alzira conseguiu
acionar esse conhecimento, gerando compreensão de sentido, tendo em vista a tentativa de
transgredir as representações sociais (Sato, op. cit.) sobre sua prática tradicional, orquestrando
o diálogo, conforme a orientação que eu lhe dera, ou seja, ela está tentando pôr em prática o
conhecimento científico (Vygotsky, 1934/2000) que havíamos discutido juntas.
No entanto, quando a aluna Flávia, no turno 19, responde que sim, a professora responde
no turno 20, questionando “certo? alguém mais quer dar opinião?”, e transfere o turno para
outra participação de aluno. No caso da aluna Flávia (turno 19), a professora perde a
oportunidade de levar a aluna a participar da discussão da leitura, de maneira interativa, tendo
em vista o conteúdo de Geografia trabalhado. Ela poderia ter solicitado a justificativa de
posição da aluna.
Nos demais turnos, Alzira cria mecanismos didáticos para os alunos participarem da
discussão da leitura e trocarem conhecimento. As perguntas que faz, por exemplo, no turno 15,
são mediadoras:
“vocês conseguem estabelecer alguma relação disso que está aí...
nessas tirinhas... com a situação do Brasil e dos países desenvolvidos?
sim..., né? vocês conseguem fazer a relação disso que ela falou com os
Estados Unidos da América? Com o que a gente estudou no terceiro
bimestre? vocês conseguem?” (exceção do caso da aluna Flávia).
Posso observar que a atuação da professora colabora para a construção do conhecimento
dos alunos porque ela adota um novo comportamento ao estruturar melhor seu trabalho com
leitura. Ela também está mais segura da situação de sala de aula por ter poder sobre sua
atuação. Aos poucos, a professora vai saindo de seu sofrimento físico e mental ao tentar
transgredir as RS convencionais de sua prática que a faziam sofrer e agravavam sua auto-
estima negativa.
Ao observar o diálogo que mantém quando a segunda transparência é projetada (mapa
do Canadá), posso perceber que a professora atua de forma igual, isto é, reafirma ter o
controle da situação, mostrando-se mais segura e que está superando sua limitação:
Recorte 23
1 Alzira: bem... prestem atenção ao título do mapa... observem o que vocês aprenderam sobre o
Canadá e o que dá para visualizar bem aí no mapa...olhem bem o mapa...oi?
2 Beto: (???) densidade demográfica do Canadá...
109
3 Alzira: ele está dizendo...o Beto está dizendo que isso é a (???) no Canadá..ele está
dizendo que...
4 Beto: tem mais população...
5 Alzira: ele está dizendo que essa população do Canadá está concentrada mais próxima dos
Estados Unidos da América.. e que está ao sul...e o Guto falou...o que você disse?
6 Guto: que a maioria da população está perto...
7 Alzira: da fronteira...
8 Guto: dos Estados Unidos...perto das cidades desenvolvidas...
9 Alzira: além disso... além dessa questão de estar perto do Estado da América mais
desenvolvido... tem uma outra questão importante que faz com que eles estejam mais
ao sul...alguém lembra?
10 Yuri: ??? pela integração do Nafta..
11 Alzira: pela integração do Nafta... tem outra explicação? (A2)
Nesse recorte, observo que a professora completa a resposta no lugar dos alunos Guto,
no turno 7, “da fronteira...” e Yuri, no turno 11. Nesse momento, Alzira ajuda os alunos a
abstraírem o conhecimento, quando se vale do revozeamento nos turnos 3 e 5, criando simetria
para a interação do grupo. Assim, vai ficando evidente que a professora garante a voz dos
demais alunos e, ao mesmo tempo, valoriza o conhecimento prévio durante a discussão da
leitura realizada pela co-construção de sentido do texto.
É possível observar a professora atuando como mediadora do grupo de alunos, isto é,
produtora da fala com o objetivo de ajudar os aprendizes no entendimento do conhecimento
científico sobre os EUA, Canadá, Nafta e FMI. A atuação da professora indica que ela está
superando as representações sociais de si mesma (sentir-se lixo, mal, etc.) e do modelo
tradicional de leitura (voz alta, decodificação, domínio dos turnos). Esse fator permite-lhe
gerenciar a discussão da leitura com a participação e integração dos alunos, dando-lhes voz e
dominando menos os turnos.
Com relação ao texto de linguagem verbal “Canadá: sociedade multicultural e potência
econômica” (anexo B), a professora seqüência ao trabalho de leitura. Primeiro, entrega a
cópia do texto a cada aluno, depois instrução para que eles o leiam em silêncio para, então,
conversar sobre texto. Terminada essa etapa, os alunos são instruídos a pensarem alto em
grupo, conforme segue, no recorte 24:
Recorte 24
110
1 Alzira: a gente vai começar a discussão assim... ou aquele pensar alto que eu falei...que é
mais importante... o importante não é o que eu vou falar... mas vão falar o que
entenderam... daí um fala e o outro completa.. está bom? enquanto o colega estiver
falando... procurem escutar...(...).
Prestem atenção para ver se vocês querem completar a informação dele ou questionar a
informação dele... fala de novo por favor...Breno?
2 Breno: Canadá ele é ??? não foi só explorar o Canadá mas fazer um país desenvolvido..
3 Sérgio: mas aqui foi diferente.. procuravam explorar..???
4 Alzira: alguém discorda do que eles falaram? quando ele fala do tempo... de explorar a mão de
obra... em que momento que foi... essa tecnologia que ele fala.. que momento que foi?
alguém quer completar?
5 Jairo: quando eles estavam começando a formar o Canadá...
6 Alzira: ...formação do Canadá.. e como se chama esse processo... você lembra?
7 Jairo: colonização...
8 Alzira: colonização de povoamento.. alguém mais quer completar isso? como você pensa
isso... Fábio? a questão da tecnologia...na época da colonização...da exploração...
9 Fábio: nessa época os (ingleses) tinham uma tecnologia avançada se comparada com outros
países... e eles usaram dessa tecnologia para criarem as embarcações...???
...edifícios...depois teve a Revolução Industrial e os ingleses foram os primeiros que
sofreram... e logo trouxeram para o Canadá também... e o Canadá desenvolveu mais
rapidamente do que os países aqui da América Latina...por esse motivo... que aqui
demorou para chegar... as máquinas.. porque nossos colonizadores eram Portugal e a
Espanha que não estavam tão interessados na Revolução Industrial como os ingleses
e franceses...
10 Alzira: foram os primeiros a estabelecer limites de fronteiras...estado nacional.. se achavam os
civilizados do mundo.. mais alguma coisa? alguma dúvida? então... o objetivo era
mostrar as diferentes linguagens...a gente queria que vocês percebessem a relação
entre as três linguagens que a gente trabalhou....primeiro, a Mafalda...as tirinhas... que
fala de um tema importante... que é a relação... hoje.. do mundo globalizado neoliberal
entre o presidente e o Banco Mundial...(A2).
O pensar alto em grupo foi um instrumento para que os alunos acionassem o que
haviam compreendido do texto e discutissem livremente a leitura que fizeram (Zanotto, 1997,
2005). Alzira, num novo comportamento, enfatiza, no turno 1, que os alunos terão importância e
não ela:
a gente vai começar a discussão assim... ou aquele pensar alto que eu
falei...que é mais importante... o importante não é o que eu vou falar... mas
vão falar o que entenderam... daí um fala e o outro completa.. está bom?
enquanto o colega estiver falando... procurem escutar...,
Com o novo comportamento, ela estabelece um clima de diálogo para que todos tenham
voz e haja interação durante a discussão de leitura, procedimento importante para a construção
de sentido do texto (Zanotto, ibidem).
111
De acordo com os turnos, Alzira revozeia (O`Connor & Michaels, 1996) os alunos, não
centralizando nela a leitura. Por exemplo, “alguém discorda do que eles falaram? quando ele
fala do tempo... de explorar a mão de obra... em que momento que foi... essa tecnologia que
ele fala.. que momento que foi? alguém quer completar?” (turno 4) e “...formação do Canadá.. e
como se chama esse processo... você lembra?” (turno 6). Esse aspecto é indicador de que
Alzira está buscando ser sujeito na situação da sala de aula e está gerando condições de os
alunos terem autonomia e responsabilidade no desenvolvimento e na otimização em seu
processo de aprendizagem (Castro, 2004).
Quando o aluno Fábio termina de se posicionar, Alzira completa suas informações, com
novos dados. Fica claro, como mostram os turnos, que a professora faz referência ao aluno
Sérgio, no turno 4, e também ao aluno Jairo, no turno 6, formação do Canadá..., revozeando
esses alunos e abrindo para a participação de outros na discussão que se vai estabelecendo.
Ao assim agir, a professora cria um clima agradável na sala de aula porque os envolvidos se
tornam sujeitos ativos, na interação face a face, deixando de ser objetos.
Ao revozear os alunos, Alzira se vale de mecanismos lingüísticos usados
intencionalmente (Lemos, 2005) a fim de motivá-los no processo de discussão da leitura. Ao se
valer de perguntas para estimular a construção de sentido do texto pelos alunos, a professora
procurou que eles esclarecessem as afirmações que fizeram acerca das discussões de leitura,
conforme turno 10, em interação com o aluno Fábio:
foram os primeiros a estabelecer limites de fronteiras...estado nacional.. se
achavam os civilizados do mundo.. mais alguma coisa? alguma dúvida?
então... o objetivo era mostrar as diferentes linguagens...a gente queria
que vocês percebessem a relação entre as três linguagens que a gente
trabalhou....primeiro, a Mafalda...as tirinhas... que fala de um tema
importante... que é a relação... hoje.. do mundo globalizado neoliberal entre
o presidente e o Banco Mundial...(A2),
Segundo Lemos (2005), o uso de perguntas é um mecanismo de revoicing de que o
professor se vale, antes de mais nada, para legitimar a voz dos alunos ao estimular e encorajá-
los na participação coletiva, ajudando-os no desenvolvimento de suas operações cognitivas.
Ao ter-se valido da ferramenta do revoicing, Alzira vai conseguindo dominar menos os
turnos nas aulas de leitura e auto-regular-se, sendo sujeito e não objeto em seu contexto de
trabalho. (Sato, op. cit.). Um exemplo de que conseguira apreender o conhecimento científico
do revoicing e pensar alto em grupo desenvolvido durante o trabalho de formação docente
quando abre a discussão com todos os grupos. Os alunos são animados (O´Connor &
Michaels, 1996) para o ambiente participativo que a professora criou na sala de aula, ou seja, o
112
da liberdade de expressão do pensamento e das trocas sociais, segundo se evidencia no
turno 8 (colonização de povoamento.. alguém mais quer completar isso? como você pensa
isso... Fábio? a questão da tecnologia...na época da colonização...da exploração...). Ao assim
ter agido, Alzira deu voz aos alunos, responsabilidade e reformulação das idéias, num processo
de interação, em que houve a troca e o respeito mútuos e o avanço na prática de leitura.
Como observadora, pude constatar que nenhum aluno quis dominar o discurso nem
tampouco se valeu de algum sinal de isolamento. Ao contrário, criou-se uma cadeia
colaborativa entre os alunos, pois um ia dando seqüência ao que o outro dizia (conforme por
exemplo turnos 7 e 9), completando as idéias. O processo de interação na 8ªA foi propiciado
pela professora, que criou uma rede interativa para que os alunos participassem, construíssem
o conhecimento e o compreendessem coletivamente.
Ao rever as RS de sua prática de leitura convencional, em sessão reflexiva, Alzira teve
uma ação consciente na 8ªA, o que possibilitou que os alunos tivessem voz e fossem ouvidos,
revozeando as vozes de alguns alunos (como eu disse), tendo sido animadora (O´Connor &
Michaels, op. cit.) da discussão de leitura que se instalou no ambiente de sala de aula,
mostrando que a professora está superando o conhecimento prático (RS) que tinha. Segundo
O´Connor & Michaels, o professor, quando propicia a participação dos alunos em grupo,
promove a interação social e a responsabilidade de cada um.
A nova forma de atuar permitiu que Alzira revisitasse seu papel e valorizasse a leitura que
os alunos fizeram, bem como a participação que tiveram no grupo geral de discussão. Esse
aspecto mostra que passou a entender o aluno como parceiro e também a entender seu
comportamento como mediadora nas aulas de leitura de Geografia.
Apesar de não colocar em prática, literalmente, o pensar alto em grupo, essa ferramenta
funcionou como gatilho para que houvesse a discussão de leitura em sala de aula, mediada
pela professora. Essa condição livrou-a de monopolizar a leitura e de voltar-se somente para
um trabalho prescritivo do livro didático. Abriu espaço para a criação de uma estrutura
participativa (O´Connor & Michaels, op. cit.) entre os alunos que assumiram o papel de agentes
do processo de ensino-aprendizagem no evento social da leitura. A seguir, analiso o último
encontro de formação.
4.6 Encontro 6: a questão da avaliação
113
Em 17 de novembro, a professora e eu conversamos sobre um trabalho desenvolvido
por ela e um colega. Esse trabalho foi para a exposição num evento denominado Terras
Paulistas. Discutimos ainda o texto de Saul (1999) sobre avaliação, conforme mostra o recorte
25 a seguir:
Recorte 25
1 Alzira: eu falei.. a Alzira é danada.. olha, que maravilha... porque é assim.. na avaliação... eu
não quero que eles vão na exposição pensando na nota.. eu não quero obrigá-los a
isso.. mesmo porque vai ter que pagar o ônibus...e a exposição Terras Paulistas.. é
continuidade de um projeto nosso.. então..., se eles não se sentirem motivados.. a gente
vai ter que reavaliar o nosso trabalho.. se foi bom..
2 Pesq.: essa escola vai discutir?
3 Alzira: que eu saiba.. sim..
4 Pesq.: e vocês fizeram um trabalho só?
5 Alzira: não sei.. deve ter tido outras escolas.. eu não ouvi ninguém comentar nada.. eu sei
que nosso projeto foi para o DE ??? (Diretoria de Ensino) ...o pessoal gostou... o
Antenor descobriu que estava tendo a exposição Terras Paulistas... de outras cidades
de São Paulo... e ele falou.. e se a gente fizer um ??? eu disse... está no final do
ano... está tudo corrido.. teve um monte de feriado...não sei o quê..
6 Alzira: é cultura... daí veio com aquela história de historiador... que eu acho que está certo,
não?
7 Pesq.: sim...mas...
8 Alzira: então a gente está tentando mostrar para eles que eu não quero colocar prova...
relatório..
9 Pesq.: você está se baseando em quem? no que você está se baseando?
10 Alzira: esse pensar alto é com a sua participação...é lógico...você que ensinou...
11 Pesq.: então... é o pensar alto... quando eu falo em pensar alto é a professora (cito nome) ...
que trabalha com protocolo..
12 Alzira: daí eu coloquei assim... a avaliação se dará a partir da observação.. dos discursos
formais e informais decorrentes das percepções que os alunos terão dos elementos ???
relacionados com os temas desenvolvidos no projeto in loco... que é o que nós fizemos
no município . .a avaliação final se dará no pensar alto... em sala... como atividade.. (...).
O turno 1 (a exposição Terras Paulistas... é continuidade de um projeto nosso.. então...,
se eles não se sentirem motivados... a gente vai ter que reavaliar o nosso trabalho... se foi
bom...) e o turno 5
eu sei que nosso projeto foi para o DE ??? (Diretoria de Ensino) ...o
pessoal gostou... o Antenor descobriu que estava tendo a exposição Terras
Paulistas... de outras cidades de São Paulo... e ele falou.. e se a gente
114
fizer um ??? eu disse... está no final do ano... está tudo corrido.. teve
um monte de feriado...
mostram que o “nosso” se refere a ela e ao Prof. Antenor. Mostram também que o acesso ao
conhecimento prático de Alzira sobre sua prática de ensino, em sessão reflexiva, permitiram
que compartilhasse com seu par (Prof. Antenor) a teoria do pensar alto em grupo (turno 10).
No turno 12 “daí eu coloquei assim... a avaliação se dará a partir da observação... dos
discursos formais e informais decorrentes das percepções que os alunos terão dos elementos
??? relacionados com os temas desenvolvidos no projeto in loco... que é o que nós fizemos no
município . .a avaliação final se dará no pensar alto... em sala... como atividade”, é possível
verificar que o pensar alto, como ferramenta pedagógica, além de poder ser usada em
atividades de leitura, etc. , nesse momento, também pôde ser aplicada como instrumento
pedagógico de avaliação. A professora mostra que conseguiu apreender uma nova didática
para suas aulas. Ela está conseguindo ter controle e poder sobre si mesma ao superar as RS
de sofrimento que a afetavam. Fica claro que seu contexto de trabalho é saudável e não mais
penoso.
Naquilo que faz -- atuar com nova ferramenta pedagógica - Alzira vai revelando uma nova
pessoa. Posso observar que ela se vale de declarações, no turno 1, como “Alzira é danada -
olha, que maravilha...” para expressar seu sentimento, atualmente, como professora numa
nova modalidade de trabalho com os alunos em suas aulas, superando as prescrições de
avaliação convencional que a faziam sofrer:
“Porque tem texto que é assim... começo a ler e eles ficam quietinhos...
Eu avalio. Aluno que atrapalhou perdendo nota. Eu faço isso...Você
tem que garantir a leitura.. (risos). Entendeu? Eu me sinto uma carrasca... ,
turno 4, recorte 2”.
Segundo a teoria de RS à luz de Celani & Magalhães (2002); Lane (1993/2004); Spink,
2003, 1993/2004; Sá (1993/2004) e Sato (1993/2004) e outros, é coerente essa prática, porque
revela que Alzira, ao participar de um trabalho de formação docente e usar, na prática, o
pensar alto em grupo como mecanismo novo de avaliação, consegue ser sujeito da situação e
se auto-avaliar positivamente. A valorização sinaliza que ela atualizou a representaçãonegativa
(cf. Spink, 1993/2004:94); Lane, 1993/2004; Sato, 1993/2004) que tinha de si, revelando seu
sofrimento “Me sinto um lixo, me sinto mal, me sinto uma carrasca”, nos primeiros encontros.
Nesse momento, mostra uma mudança da representação de si mesma: Eu falei...a Alzira é
danada...(turno 1).
115
A mudança verificada pode indicar que o trabalho de formação docente teve reflexos
positivos sobre sua auto-estima e, conseqüentemente, sobre sua forma de atuar na 8ªA.
Também pode indicar que se desenvolveu como pessoa humana.
Recorte 26
1 Pesq.: mas, por outro lado, a questão do discurso oral?
2 Alzira: ah... sim... mudou...
3 Pesq.: tem mudado... você até falou em pensar alto...
4 Alzira: é...lá na praça ... em Aldeia... quando a gente sentou e discutiu (Prof. Antenor) o que é
pensar alto... foi muito legal... lá na praça... (E6).
Ao ser multiplicadora, conforme turno 10, rec. 25 (esse pensar alto é com a sua
participação...é lógico...você que ensinou...) e turno 4, rec. 26 (é...lá na praça ... em aldeia...
quando a gente sentou e discutiu (Prof. Antenor) o que é pensar alto... foi muito legal... na
praça...), ela vai tentando sair da solidão e revelando sua autonomia diante de uma nova
ferramenta pedagógica e da parceria que estabelece com seu colega. Segundo Celani
(2004:49), “a visão docente abre-se às incertezas e riscos que devem ser enfrentados para
suscitar inovações no processo ensino-aprendizagem”. O avanço da professora indica que ela
é um novo ser. Um ser, nesse momento, com auto-estima elevada.
Parece evidente o avanço da professora que, de início, considerava utópica a
interdisciplinaridade (recorte 7, turno 2) e agora a pratica, conforme indicam os turnos 5 e 12.
Vai ainda ficando notório que ela está tentando superar as representações tradicionais de
leitura e de avaliação em atividades concernentes à sua disciplina.
Antes, a situação de trabalho, que lhe fugia ao controle (não saber gerir a complexidade
da sala de aula), a fazia sentir-se objeto situação e não sujeito em situação de trabalho.
Procuro explicar-lhe que o pensar alto é uma idéia defendida pelo grupo GEIM, coordenado
pela Profa. Dra. Mara Sophia Zanotto, da PUC, no turno 11 do recorte 25: ”então... é o pensar
alto... quando eu falo em pensar alto é a professora (cito nome da pesquisadora)... que
trabalha com protocolo...”. Meu interesse é divulgar essa importante ferramenta pedagógica
como nova opção didática para professores de qualquer área do conhecimento, em prol da
melhoria do ensino.
Tento saber a respeito da última aula na 8ªA e se ela está conseguindo mediar,
conforme recorte 27 a seguir:
116
Recorte 27
1 Pesq.: como você está vendo essa questão da construção dos sentidos..
por exemplo.. no caso desse trabalho desenvolvido com os alunos?
qual a diferença entre uma classe e outra?
2 Alzira: a 8
ª
C... eu acho que eles estão conseguindo construir sentido...mas eles precisam mais
da minha ajuda do que a 8ª A...
3 Pesq.: da sua mediação?
4 Alzira: isso... eu falho nisso... na mediação..
5 Pesq.: por que você acha isso?
6 Alzira: porque muitas vezes...chega uma hora...a 8
ªA
A ainda está mais entrosada... mas a 8 C..
por exemplo... que eles são mais apáticos...quando eu vejo... eu estou fazendo o
texto coletivo meio que sozinha... então não é intervenção... é interferência... e eu
acho que não é positivo...
7 Pesq.: teria que haver a mediação...
8 Alzira: como aquela aula que a gente teve (na 8
ª
A) .. aquilo lá acho que funcionou.. porque, eu
acho assim.. eu consegui falar de forma diferente, ou seja, um pouquinho melhor... eu
me policiei mais.. entendeu? eu me policiei mais.. na 8
ª
B eu me policio mais... também.
(E6).
No turno 4, ela diz: “isso... eu falho nisso... na mediação...”, Alzira salienta que falha na
mediação (observe-se que ela incorporou esse termo), mesmo após a segunda vivência na 8ª.
A. Tento saber por que a professora diz que falha. Ao justificar, ela afirma que numa das salas
entrosamento e na outra (8ªC) não, porque os alunos são apáticos (turno 6). Insisto em
dizer à professora, no turno 7, que teria que haver a mediação... Alzira revela que seu trabalho
não lhe causa sofrimento. Ao deixar de sofrer, ela consegue ser sujeito da situação, mas
ainda não em grau suficiente.
A esse respeito, ela lembra da importância da mediação que houve na prática de leitura
na aula 2 (8ªA), turno 8, recorte 27 (como aquela aula que a gente teve na 8
ª
A .. aquilo acho
que funcionou.. porque, eu acho assim.. eu consegui falar de forma diferente, ou seja, um
pouquinho melhor... eu me policiei mais...), quando trabalhou com o pensar alto em gruc0 c9 5rm942.301(s)0.bal.50875alto
117
1 Pesq.: com relação à avaliação que você faz... porque na 8ªC, você
disse... eu quero que eles leiam... dá para você pensar uma avaliação
mais formativa do que punitiva?
2 Alzira: então...assim... não sei se é punitiva assim... porque, quando você um texto...como
a gente faz aqui.. eu não estou punindo...estou estimulando a leitura... o que acontece
comigo é que tem aula que a leitura dá certo.. e tem aula que a leitura não certo... aí
eu passo para o outro lado.. não gosto... porque eu fico preocupada com a leitura...(E5).
3 Alzira: agora.. quando você trabalha com um grupo que gosta de ler...como
esse grupo...é diferente...você não tem que dar punição... (E5)
4 Pesq.: e o que você acha de superar também a punição...na outra sala?
5 Alzira: ...eu vou fazer o possível...lógico... estou repensando com outros professores
também... tem professores que acham que cometem as mesmas falhas que eu...
precisa melhorar...(E5).
No turno 2, ao dizer: “tem aula que a leitura não certo... eu passo para o outro
lado...”, a professora reafirma as representações que estão em seu cotidiano, ou seja, o outro
lado parece constituir-se para ela uma saída, por faltar-lhe ainda controle sobre seu
conhecimento prático (RS) na 8ªC, que exige outras formas de abordagem que ela não
consegue encontrar.
Para Spink (2003), as representações são a maneira como os membros pertencentes a
determinado universo expressam a sua realidade e a interpretam. No caso de Alzira, ao achar
que não está punindo e está estimulando a leitura (turno 2), ela passa a considerar a questão
da punição (aí eu passo para o outro lado)e diz não gostar e ficar preocupada com a situação.
Essa postura é condizente com sua forma de agir, uma vez que seu trabalho não lhe
condições de atualizar as representações de avaliação punitiva para o aluno participar das
discussões de leitura e crescer intelectualmente. Por isso, seria necessário conhecer melhor
esses alunos, saber quem são esses seres humanos com os quais está trabalhando para
refletir sobre a complexidade da sala de aula e também sobre seu papel como educadora.
Olhando os dados, verifico que eu poderia ter perguntado à professora o que é passar
para o outro lado, mas perco a oportunidade de levá-la a conhecer a representação de si
mesma, da prática de leitura e avaliação e atualizá-las. Quando sugiro à professora que supere
suas RS de leitura tradicional, ela diz que repensará a maneira como trabalha para desenvolver
seu fazer pedagógico, estando disposta a mudanças, conforme turno 5: “eu vou fazer o
possível...lógico”.
No turno 5, Alzira, de um lado, para tentar justificar sua atuação, recorre a seu universo:
“estou repensando como outros professores também...” (turno 5), permitindo inferir que, ao citar
a classe a que pertence professores vê-se inserida no grupo, o que sugere identificação
118
relativa com o modelo tradicional que adota para trabalhar. Nesse aspecto, as entidades de
classe (sindicato da categoria, etc.) poderiam promover condições para haver um novo olhar
sobre o trabalho que os professores exercem a fim de ganharem conhecimento sobre seu limite
subjetivo e sobre os limites impostos aos trabalhadores (Sato, op. cit.) para ajudá-los a refletir
sobre a situação de trabalho e compreendê-la para uma nova atuação.
Na discussão de avaliação com base no texto de Saul (1999), é possível ver (recorte 29 a
seguir) que Alzira incorpora as idéias veiculadas pelo texto ao expor sua posição:
Recorte 29
1 Alzira: mas isso é de verdade... porque assim... eu concordo com aquele texto...
2 Pesq.: da Saul?
3 Alzira:
é... tem uma parte que ela fala da avaliação... da avaliação e acho que essa coisa de
você pensar alto... de avaliar a partir da observação... isso é audacioso... no trabalho
que fizemos na Aldeia... com os japoneses... nós vimos que isso... assim... é
fundamental... (E6)
A postura da professora vai revelando como as idéias de Saul sobre avaliação a
ajudaram a entender as RS de avaliação tradicional, refletir sobre elas, o que contribuiu na
aplicação de novas ferramentas pedagógicas na prática pedagógica, conforme indica o recorte
30, a seguir:
Recorte 30
1 Alzira: então... eu acho que você tem que avalia
119
Recorte 31
1 Alzira: então é assim... eu acho que hoje... você avaliar diferente é você ser ousada... eu acho
que é...(E6)
2 Pesq.: como se faria essa ousadia... como é ser ousada? como você entende isso?
3 Alzira: É você acreditar mais no processo deles...
4 Pesq.: dos alunos?
5 Alzira: processo de aprendizagem dos alunos...
6 Pesq.: acreditar em que sentido, Alzira? na resposta que eles darão?... na atuação deles em
sala?...
7 Alzira: tudo... porque assim... na medida em que você coloca um tema... simplesmente você
joga o tema.. joga a discussão e pensa assim... eles vão absorver de alguma forma... e
eu acho que daí você joga meio no escuro... você propõe o tema... propõe a
discussão... propõe os conceitos... e você deixa livre para cada um absorver à sua
maneira....
8 Pesq.: perfeito.. daí você oportuniza a compreensão?..
9 Alzira: é.. eu acho que isso é ser ousado.. e ser ousado .. também.. é você levar
esse trabalho para a comunidade interna.. mas mesmo para os próprios
colegas.. não só em sala..
O turno 7, rec. 31,
tudo... porque assim... na medida em que você coloca um tema...
simplesmente você joga o tema.. joga a discussão e pensa assim... eles
vão absorver de alguma forma... e eu acho que daí você joga meio no
escuro... você propõe o tema... propõe a discussão... propõe os
conceitos... e você deixa livre para cada um absorver à sua maneira....
mostra claramente que a professora quis dizer que a construção de sentido em leitura é plural
(Zanotto, 1997, 2005). Nessa direção, a interpretação da leitura depende de cada aluno, de
acordo com seu conhecimento prévio. Concordo com ela, ainda nesse turno, quando se vale
de um verbo metaforizado jogar (você joga o tema.. joga a discussão... você joga meio no
escuro..., no turno 7) para dizer que, às vezes, joga “no escuro” está ligado ao fato de cada um
(aluno) absorver à sua maneira o conhecimento.
Quanto ao fato de favorecer a compreensão do conhecimento, a professora diz que esse
trabalho é ousado e nele a possibilidade de poder compartilhar com seus colegas de
profissão os conhecimentos adquiridos. É possível inferir que a ação de dividir o conhecimento
120
com os colegas é uma ousadia, que parece não ser essa a intenção das autoridades
educacionais.
Recorte 32
1 Pesq.: resultar em A, B, C, D.. você não consegue mensurar tudo aquilo que o aluno aprende...
2 Alzira: avaliação não é medida... de jeito nenhum...
3 Pesq.: tem que ser qualitativa... ela é qualitativa e formativa.. então...nesse aspecto... é
audacioso.. (E6)
No turno 1, quando diz: “então é assim... eu acho que hoje... você avaliar diferente é você
ser ousada... eu acho que é...” (E6), é possível perceber uma nova forma de pensar de Alzira
em sala de aula, considerando o processo dos alunos, pois a avaliação diferente constitui-se
para ela numa ousadia, turno 3, rec. 31, você acreditar mais no processo deles..). Quando
usa o advérbio hoje, mostra que está tentando mudar ao colocar em prática uma nova forma de
avaliar, exercendo seu papel como professora e sujeito da situação.
No turno 3, rec. 32, “tem que ser qualitativa... ela é qualitativa e formativa.. então...nesse
aspecto...é audacioso...”, vou tentando mostrar à professora que a ousadia a que ela se refere
tem a ver com a prática de uma avaliação formativa, procurando sintetizar a leitura e a posição
da professora dentro de seu contexto de trabalho. Também observo que a nota não deve ser a
única forma de avaliar no processo ensino-aprendizagem, conforme turno 1 (resultar em A, B,
C, D.. você não consegue mensurar tudo aquilo que o aluno aprende....). Pontuo que outros
fatores devem ser considerados: o aluno, o contexto de aprendizagem, o situacional, etc...
Nessa perspectiva, considerando os pressupostos vygostykianos, vou estabelecendo relações
entre os conhecimentos construídos nos encontros de formação sobre leitura e, agora,
avaliação, trazendo idéias que lhe possibilitem refletir sobre sua prática.
Alzira vai tomando consciência de que a avaliação não é medida, turno 2, ficando implícito
seu conhecimento de que a avaliação deve ser formativa. No recorte seguinte, a professora
descreve seu trabalho com o Prof. Antenor:
Recorte 33
1 Pesq.: você leva em consideração... tudo... e a função dela (avaliação)...na verdade tem uma
série de funções... compromisso com a educação democrática... de incluir o aluno... o
121
que é incluir, Alzira?... você inclui por meio das atividades... e a avaliação ou vai
incluir ou vai excluir...
2 Alzira: com certeza... ah... quando a gente começou a dar nota nos trabalhos... ele (Antenor)
falou assim... ah, como a gente vai dar nota? olha.. ele (aluno) não fez isso... mas ele
fez isso daqui.. daí você percebe que é muito difícil você não valorizar o que o aluno
tentou... por exemplo... o Enri... ele não fez cartaz...não fez nada... mas na hora de
montar a exposição ele foi um dos que mais ajudou... então... ele assim... ??? isso aqui
tem que colocar junto com a maquete... professora... isso daqui é do município...não sei
o que... daí eu e o Antenor fechamos... ele (aluno) não fez o trabalho mas ele
participou... porque ele foi lá... ajudou... então ele vai ter um conceito também...
entendeu? (E6).
Ao mencionar a atividade em campo que realizou conjuntamente com o Prof. Antenor
(turno 2), é evidente que Alzira está mais atenta ao processo e não ao produto, tanto que
descreve como procedeu à avaliação da atividade em conjunto. O trabalho em parceria
constituiu-se para ela em algo muito importante, pois vê, nessa atividade em conjunto com o
Prof. Antenor, a oportunidade de experiência, de troca e de superação de seu sofrimento.
No turno 1, vou conversando com a professora e resgatando o que ela havia conversado
comigo no primeiro encontro (recorte 1), quando discutiu inclusão e exclusão e dizendo-lhe o
compromisso com a educação democrática... (de incluir o aluno... o que é incluir, Alzira?... você
inclui por meio das atividades... e a avaliação ou vai incluir ou vai excluir....) para que tenha
conhecimento sobre seu trabalho e conhecimento de sua limitação subjetiva para diminuir seu
sofrimento.
No turno 2, ao dizer:
com certeza... ah... quando a gente começou a dar nota nos trabalhos...
ele (Antenor) falou assim... ah, como a gente vai dar nota? olha.. ele
(aluno) não fez isso... mas ele fez isso daqui.. daí você percebe que é
muito difícil você não valorizar o que o aluno tentou...,
a professora concorda com o que é dito e relata o trabalho que realizou em parceira com o
Prof. Antenor. Ela vai mostrando que está tentando atualizar a representação punitiva de
avaliação, tanto que já começa a valorizar mais a participação do aluno nas atividades.
Recorte 34
1 Alzira: discutíamos.. fundamentávamos as notas.. primeira vez que eu consegui ???
2 Pesq.: você conseguiu fazer um trabalho em parceria com um colega?
122
3 Alzira: é... porque a gente trabalha sempre sozinha... então com um professor..
mesmo sendo da área.. não consegue fazer um trabalho do começo ao
fim.. e eu acho que foi interessante...
123
3 Alzira: assim.. essa coisa do medo de errar na avaliação.. muitas vezes esse medo de errar
na avaliação... essa coisa do conteúdo.. baseada na necessidade de fazê-los melhorar
o vocabulário...de fazê-los aprender alguma coisa de Geografia...(E6)
Ao revelar que peca ao avaliar (turno 1) e comete injustiça, sente medo de errar (turno 3:
muitas vezes esse medo de errar na avaliação... essa coisa do conteúdo.. baseada na
necessidade de fazê-los melhorar o vocabulário...de fazê-los aprender alguma coisa de
Geografia...) leva-a a uma RS de culpa. Culpa de os alunos não aprenderem conceitos de
Geografia. A RS de culpa se justifica porque Alzira não tem poder sobre sua prática, o que
acarreta esse sentimento psíquico negativo.
A representação do medo, em geral, se manifesta quando estamos em situação de
estresse, de algo muito forte que nos ameaça e faz recuar. O medo que a professora revela
vem da consciência de seu papel de educadora de que algo não vai bem no processo de
ensino-aprendizagem. A professora vai mostrando que está se familiarizando com seu papel,
tendo em vista a atualização de seu conhecimento prático (RS) de avaliação para não errar, ou
seja, deixar de usar a avaliação prescritiva.
A seguir, apresento um resumo das grandes representações encontradas, considerando
os conteúdos temáticos (Bronckart, 1999).
4.7 Representações da professora sobre si mesma, sobre leitura e sobre avaliação
As representações de Alzira sobre si mesma, sobre leitura e avaliação afloraram e
puderam ser interpretadas pela pesquisadora, a partir das declarações da professora durante o
trabalho de formação docente. Apresento as representações que se referem aos contextos dos
encontros de formação, das práticas das salas de aula (8ªA e 8ªC) e da sessão reflexiva.
Podem ser verificadas nos Quadro 1, ilustradas por exemplos de si própria, de sua prática de
leitura e avaliação.
Quadro 1– Representações de si mesma (Profa. Alzira) e de sua prática de leitura
e avaliação
Conteúdo temático Exemplos
124
O sofrimento da professora
Professora
. entra numa neurose (turno, 3 rec. 1 e
turno 4, rec. 19)
. sente-se neurótica (turno 3 , rec. 1 ).
. está num sofrimento terrível (turno 2 ,
rec. 2).
. sente-se uma carrasca (turno 4 ,rec. 2 ).
. sente-se muito mal (turno 5 , rec. 3).
. O mundo todo parece está contra ela
125
condições de acompanhar o programa e porque lhe faltam novas ferramentas didáticas
voltadas para um contexto de trabalho complexo.
O trabalho de formação docente, promovido durante a realização desta pesquisa,
possibilitou-lhe um outro olhar sobre as RS de si mesma e sobre o trabalho que realiza, tendo
em vista a reflexão sobre seu papel de professora. A imagem que a professora constrói de si,
caracterizada por declarações de desabafo, é negativa porque ela não tem poder sobre suas
ações, o que, de algum modo, é coerente com seu sofrimento. Não ter poder e controle sobre
suas ações estimula-a a buscar novas alternativas pedagógicas com vistas a gerenciar suas
ações e as de seus alunos. Sua limitação, oriunda de um modelo prescritivo de ensino, também
leva-a a ter consciência de que o conhecimento de Geografia é importante.
Parece que um novo olhar ou atualização das representações sobre si mesma, sobre sua
prática de leitura e avaliação, dentro do contexto da sala de aula, constitui-se para ela num
desafio: “Então essa é minha labuta” (E4) e, quando não consegue, como professora, superar
a complexidade da sala de aula, sofre. Segundo Sato (2004), quando a vivência no trabalho é
penosa gera sofrimento. O sofrimento que Alzira sente é a cobrança que faz de si própria por
não ter o poder da situação, devido à sua limitação.
A dupla jornada de trabalho, considerando as duas escolas em que trabalha,
sobrecarrega-a e não raro a esgota. Mas, ao mesmo tempo, é prova contundente da carga que
tem sobre suas costas e que denota o quanto está engajada profissionalmente. Apesar da
complexidade do contexto das salas de aula em que Alzira atua ao buscar formação, ela
procura, ao mesmo tempo, novas possibilidades para reverter seu sofrimento,
conseqüentemente, suas RS negativas. Nesse sentido, mostra que a adversidade que
enfrenta, em seu contexto de trabalho, coloca-a numa situação de enfrentamento com a
situação, o que a faz não renunciar ao que é - educadora esforçando-se, nesse momento
(durante o trabalho de formação), a atualizar as RS negativas de si mesma para RS positivas.
A atuação docente, numa representação tradicional de leitura e avaliação inibe a
participação do aluno, na 8ªC, cuja voz não é ouvida, compartilhada, nem tem ressonância no
grupo de forma ativa. Esse fator se deve à centralização da professora durante a aula de
leitura. O comportamento centralizador pode ser superado desde que o aluno se posicione e
participe do processo de leitura de maneira interativa.
Nesse aspecto, o aprendizado vivenciado pelo aluno depende de um novo papel do
professor o de mediador -, que colabora para o desenvolvimento do aluno, por meio de
ferramenta pedagógica específica e intencional. No caso desta pesquisa, se a professora, na
8ªC, tivesse entendido o aluno como parceiro, seria possível uma prática libertadora para o
crescimento profissional (Lemos, 2005:99) e para o desenvolvimento dos alunos.
126
No quadro n
o
. 2, é possível ver que a Profa. Alzira atualiza as representações sociais
(Spink, 1993/2004; Lane, 1993/2004 e Sato, 1993/2004) sobre si mesma, tentando fazê-lo
também com suas representações sobre a prática de leitura e avaliação.
Quadro 2– Atualização das Representações de si mesma e
tentativa de atualização de sua prática de leitura e avaliação
Conteúdo temático Exemplos
Atualização das representações de si
mesma e tentativa de atualização de sua
prática de leitura e avaliação
. formadora pode pensar, perceber e
melhorar o trabalho (A1, rec. 14)
. Hora certa para aprender com pessoas e
textos (turno 1, rec. 6)
. ler faz pensar... (turno 3 , rec. 6)
. ler é melhor que estudar (turno turno 1,
rec. 6)
. sente-se mais calma (turno 2, rec.7).
. professora deve ter cuidado consigo
própria (turno 2, rec. 19)
. professora revozeia os alunos ( vide
rec.23,24).
. professora medeia a discussão de leitura
(vide rec. 22, 23, 24)
.professora adquire conhecimento
científico
(vide rec. 24 e 25)
. professora repensa (turno 5, rec. 28)
. professora resgata sonhos (rec. 34 e 35).
.professora se auto-avalia positivamente
(turno 1, rec. 25)
. professora se policia (turno 8, rec. 27)
. avaliação diferente é ousadia (turno
1,rec.31 )
. avaliação não é medida (turno 2, rec. 32)
127
. medo de errar na avaliação (turno 3, rec.
36).
Em sessão reflexiva, na qual houve o confronto da professora com suas representações
de linguagem a respeito de suas ações nas aulas de leitura, consciente de seu papel de
educadora, é possível dizer que Alzira procurou atualizar as RS do modelo de leitura e
avaliação tradicional na 8ªA. Nessa classe, a professora criou um clima favorável, graças a
alguns requisitos para ter autocontrole na sala de aula, segundo Sato (2004): poder e limite
subjetivo. Posso observar que esse fator contribuiu para que a professora elevasse sua auto-
estima.
Ao se esforçar para reverter a representação tradicional de leitura e avaliação, a
professora levou os alunos a se sentirem estimulados e participarem da discussão da leitura,
encaminhando para a compreensão da construção de sentidos de texto específico de
Geografia. Pode-se verificar que a posição da professora caracterizou a prática de leitura
mediadora em que os alunos, em igualdade de condição, dispostos a participar, foram
estimulados a interagir, tiveram voz e foram ouvidos no grupo social a que pertencem.
A professora procurou animar e encorajar (O´Connor & Michaels, 1996) os alunos a
externar o pensamento para levá-los à construção de sentido dos textos geográficos lidos e
discutidos, contribuindo para o desenvolvimento cognitivo ao ter se valido do revoicing
(O´Connor & Michaels, op. cit.).
Durante o pensar alto em grupo (Zanotto, 1997, 2005), a professora incentiva os alunos,
mediante a interação social, a (re)pensar o conceito lido e debatido de Geografia e os anima no
participant framework (quadro ou estrutura participativa)(O`Connor & Michaels, 1996). A
consciência de seu papel como educadora a faz desdobrar-se em sala de aula ao ter dado voz
aos alunos e legitimá-la, ratificando o que observara Schön (2000): quando as intervenções
pedagógicas, ainda em desenvolvimento no caso da professora, criam condições para o
exercício do espírito crítico, reflexão sobre nossas ações, pois nos tornamos “sujeitos com
mais saber e ainda agentes mais ativos na/da história educacional” (Freire e Lessa, 2003:184).
Outro dado significativo foi a troca, com seu colega Antenor, a respeito do pensar alto em
grupo como nova forma de avaliar, num momento interdisciplinar da escola pública, fazendo
com que, num curto espaço de tempo, Alzira também fosse multiplicadora de um novo sentido
para ela e para o ensino. Esse fato revela que, com a autonomia e o poder que tem, nesse
momento, usando uma nova ferramenta, transcede as aulas de leitura e a aplica a outras
128
situações didático pedagógicas, como mecanismo inovador de avaliação. Esse aspecto
encaminha para a concepção de ZPD, de Vygotsky, pois, pela interação, houve a construção
do conhecimento, contextualizada pela linguagem e também autonomia e otimização do
processo de ensino-aprendizagem.
Apresento a seguir as considerações finais, tratando dos limites percebidos e tentando
apontar as contribuições e possibilidades para futuras pesquisas.
Considerações Finais
Teria o bicho-da-seda sido poupado das
aflições que acompanham as dores das
mudanças? Mário Sérgio Cortella
Nesta parte, procuro mostrar a que respostas às questões de pesquisa
foi possível chegar, tendo como parâmetro a discussão dos dados analisados
em termos das propostas teóricas sobre formação, leitura, avaliação,
representações, e levando em conta, naturalmente, a experiência que foi o
trabalho de formação colaborativo. Além disso, discuto o que considero
limitações da pesquisa base para aprofundar-me no exame do objeto da
pesquisa, bem como em suas eventuais contribuições para a área da
Lingüística Aplicada.
Recordo que as questões de pesquisa foram as seguintes:
1) Quais as representações que a professora constrói sobre si mesma,
sobre sua prática de leitura e avaliação durante um trabalho de
formação e que relações entre a prática e as representações da
professora sobre si mesma?
2) De que maneira, ao longo do processo, a mudança da prática da
professora e de suas representações sobre leitura e avaliação leva a
um início de mudança das representações da professora sobre si
mesma?
Para tentar responder a essas questões, considero importante resgatar
brevemente o histórico de como se chegou às representações da Profa. Alzira.
Em 2004, quando a Profa. Alzira fez parte do grupo de professores que
participou das sessões reflexivas, pude notar que ela se desdobrava para
comparecer aos encontros de formação, chegando, às vezes, atrasada de
outra escola (dupla jornada) e sem almoço. Pude inferir que esse aspecto
132
revelou que Alzira não é uma profissional acomodada. Ao contrário, ter
participado à época das sessões reflexivas no HTPC, no horário das 12h às
13h e, aos sábados, na Teia do saber, equilibrando o tempo para buscar
formação, evidenciou seu compromisso de professora mobilizada por mudança
em sua ação.
A colaboração iniciada pela formadora em 2004 se efetivou em 2005,
tendo em vista, primeiro, a disposição da professora Alzira em continuar
participando do processo de formação contínua; segundo, a boa vontade da
pesquisadora formadora; terceiro, a troca de experiências
(pesquisadora/formadora, e professora, professora/alunos e alunos/alunos);
quarto, o hiato entre um encontro e outro; quinto, as discussões do material
teórico e, sexto, a reflexão sobre as ações de sala de aula e dos encontros de
formação ajudaram Alzira a revitalizar sua prática e atualizá-la.
Lembro que fui com uma agenda, para realizar a pesquisa, planejando
avaliação nos encontros iniciais com Alzira. No entanto, segura de suas
aflições, revelou-me sua demanda: a prática de leitura de texto específico de
Geografia. Como os encontros ficaram restritos a ela e a mim, foi-me possível
pensar como pesquisadora e formadora no que se poderia fazer para diminuir
suas dificuldades em sala de aula quanto a leitura e avaliação.
Outro fator que também favoreceu no processo de revisão do ensino de
leitura e avaliação foi a colaboração mútua entre a professora colaboradora e a
pesquisadora formadora. A co-colaboração foi possível pelo espaço de
formação criado pela professora formadora em conjunto com a professora.
Assim foram construídas condições do conhecimento crítico. Importa assinalar
que o grande mérito desta pesquisa foi ter colaborado com uma professora
partindo de sua necessidade real: a mudança de prática pedagógica de leitura
e de avaliação.
133
entanto, algumas vezes, para preservar a face, deixou de intervir, por meio de
questionamento, para que refletisse sobre algumas declarações, conforme
apontado na análise de dados, perdendo assim de levá-la a repensar suas
ações e suas práticas discursivas. Mesmo assim ressalto que houve a
instauração de um espaço reflexivo-colaborativo, observando que a leitura e a
avaliação constituíram-se fatores importantes para a própria professora e sua
prática.
Aliás, lembro que, apesar de os encontros ficarem restritos a ela e a
mim, foi-me possível pensar como pesquisadora e como formadora sobre o
que se poderia fazer para atender às suas necessidades, diminuindo, como
disse e reafirmo, suas dificuldades em sala de aula com leitura. Com o avanço
do trabalho, fui percebendo que as representações de Alzira se relacionavam
consigo mesma como profissional e com sua prática de leitura e avaliação, não
estando portanto desvinculadas de suas ações em sala de aula.
Durante os encontros de formação, por meio da colab
134
pois se manteve apenas na condição de ouvinte. A professora transmitiu uma
versão: a autorizada pelo texto didático e a sua própria. Dessa forma, o
processo de leitura se reduziu a um produto acabado.
No entanto, como já havia destacado no subitem 4.4, a autoconfrontação
da professora com sua prática na C, permitiu que Alzira, na 8ªA (classe que
era diferente para a professora), ao contrário, criasse um ambiente
colaborativo, favorecendo a interlocução entre ela e os alunos. Ela valeu-se da
mediação do revozeamento (O´Connor & Michaels, 1996) e também da
orquestração nessa aula de leitura, dando chance aos alunos de falarem e de
serem ouvidos.
Verifiquei que a atuação tradicional cedeu lugar a uma atuação
mediadora na 8ªA. Embora Alzira tenha se valido de sua voz, ela procura
alternar mais os turnos. Sua voz foi uma ponte para que os alunos, com suas
vozes se fizessem sujeitos, se construíssem e negociassem o sentido do texto
(Zanotto, 1997, 2005), por meio da discussão da leitura. Ao encorajá-los, Alzira
favoreceu a criação de uma estrutura participativa (O´Connors & Michaels, op.
cit.), mostrando que o construto teórico (Rojo, 1999; Zanotto, op. cit. e
O`Connor & Michaels, op. cit.) nos encontros de formação, lhe fizera também
sentido. Dessa forma a tentativa de aplicação do protocolo verbal (pensar alto)
em grupo e do revozeamento auxiliou a professora a mudar sua ação em sala
de aula, mesmo que parcialmente, dando novo sentido ao ensino de leitura em
Geografia e valorizando e revozeando a voz do aluno pelo processo reflexivo
que se instaurou nos encontros de formação.
De um lado, observações de estudiosos quanto à limitação do uso do
protocolo verbal em grupo, conforme apontaram algumas pesquisas, dentre
elas a de Lemos (2005). Nesta pesquisa, as turmas não eram grandes, mas a
pouca experiência da professora com essa nova ferramenta inviabilizou seu
uso. Mas, por outro lado, favoreceu a reflexão da professora sobre as aulas de
leitura, pois ela conseguiu assumir, ao menos em larga medida, um novo papel
em sala de aula como mediadora ao revozear os alunos, dar-lhes voz e permitir
que a leitura fosse socializada por todos. Favoreceu também que a professora,
pela sua autonomia e otimização do processo de aprendizagem, transcendesse
o limite do pensar alto em grupo e inovasse ao aplicá-lo como mecanismo de
avaliação em atividade externa à escola, por exemplo, quando participou, junto
135
com um colega e alunos, do evento Terras Paulistas, no Sesc/SP. Assim, o uso
dessa ferramenta didática, em nova situação pedagógica, é também uma
grande contribuição para a área da LA, para futuras pesquisas, pesquisadores
e educadores em geral.
Não dúvida também de que o trabalho de formação docente
contribuiu para observar que a linguagem empregada por Alzira (Eu sou lixo,
me sinto mal, me sinto uma carrasca, sou neurótica, etc.) permite identificar
seu sofrimento mental causado pela limitação subjetiva, pela redução ou
inexistência de poder e pela falta de controle, por meio de suas representações
sociais. Nesse caso, é possível dizer que o trabalho, em sala de aula com
leitura e avaliação, passa a ser visto como forçado e desumano.
Sato (2004) lembra, todavia, que quando ação adaptativa para
situações de trabalho que fujam ao controle do trabalhador é porque ele está
buscando ser sujeito. Para ser mais clara, no caso desta pesquisa, quando
Alzira titubeia entre dar “punição a aluno que atrapalha a aula” e “sentir-se
mal”, “carrasca”, etc. sinaliza que está procurando alterar seu próprio
comportamento. Essa busca pode ser uma saída de autoconformação, isto é,
um ajuste à prática de leitura em sala de aula e atualização de representações
(Spink, 1993/2004, Lane, 1993/2004, Sá, 1993/2004, Leme, 1993/2004 e Sato,
1993/2004) de suas representações sociais de ensino.
Conforme havia destacado na análise dos dados, as ações
adaptativas (Sato, op. cit.) são práticas socialmente construídas que dependem
do contexto situacional em que atua o trabalhador. A tentativa de transgredir
uma prática convencional de leitura ou de avaliação, por meio de ações
adaptativas, pode ocasionar danos à saúde. Embora sinalize que Alzira esteja
tentando encontrar uma saída para o problema devido à impossibilidade de
exercer legitimamente o controle da situação e ser sujeito em seu trabalho
docente realizado, possibilita que mecanismos sejam criados (pelo
autoconhecimento da ação, pela reflexão sobre a situação e pela aplicação de
novas ferramentas pedagógicas). Essas medidas são necessárias para que o
trabalhador possa ter poder (noção foulcaltiana) sobre seu trabalho com vistas
a estruturar sua prática. Neste trabalho de formação docente, foram criadas
condições para que a professora fosse “sujeito” da situação, ao ser
considerada pessoa e não objeto de um sistema educacional comprometido.
136
Nesse aspecto, percebe-se o simbólico (RS) ao dar condições à
professora de se estruturar em seu trabalho docente, ou seja, pelo
autoconhecimento e pela reflexão sobre sua ação, a fim de pudesse
empreender atualização de suas RS (ibidem) sobre si mesma e sobre sua
prática. Segundo Sato (op. cit.), ao estruturá-las, o simbólico participa na
construção e na adoção de práticas no trabalho, ou seja, em tipos de
relacionamento trabalhador trabalho, as quais têm um conteúdo temático
significativo. O simbólico não está à parte das organizações, no caso, da
escola, mas faz parte dela, estruturando visões sobre ela.
As RS podem nortear os parâmetros para uma nova prática, podendo
apontar quando os contextos de trabalho são vividos como positivos ou
negativos, denunciando pontos, a partir dos quais as mudanças podem ocorrer.
Para isso, de se ter participação, disposição em desencadear e manter um
processo de negociação pela linguagem. No entanto, para que houvesse
concretização nesse sentido, houve necessidade de se criar espaço de
trabalho que fosse flexível (horário de janela da professora, entre uma aula e
outra), favorecendo perspectivas de mudanças no contexto de trabalho seja
pela participação da professora, dos alunos e da formadora, seja pela
negociação estabelecida pela linguagem. Posso dizer, com todas as letras,
que o trabalho de formação docente em serviço propiciou movimento.
Movimento que atualizou a auto-estima da professora que, a partir desse
momento, consegue dimensionar suas ações pedagógicas, dentro de
contextos de trabalho complexos que a faziam sofrer e que, agora, a fazem
sentir-se melhor Alzira, é danada... que maravilha! e até resgatar sonhos,
conforme sua declaração no último encontro de formação.
Assumi a negociação (processo em que os acordos para a interação do
grupo são desejados) como ferramenta a qual, algumas vezes, foi envolvida
por questionamentos, encaminhando para que houvesse compreensão das
teorias e a transformação das ações (Cole & Knowles, 1993). Além disso,
também acredito ter contribuído para quebrar com a cultura do silêncio e do
isolamento da professora colaboradora.
A mediação se deu pela linguagem, o que permitiu não a troca de
conhecimento entre os envolvidos como também momentos de reflexão que
facilitaram a mudança do fazer pedagógico da professora em aulas de leitura
137
de Geografia. Acredito ainda que esta pesquisa contribuiu para o estreitamento
do fosso na formação contínua vivida por professores em serviço, que se deu
por meio de seu desenvolvimento do “conhecimento na ação”, aqui também
aceita como práticas do educador, de uma forma que promove a cidadania do
formador e do professor em formação.
Com relação à metodologia adotada - metodologia etnográfica de cunho
colaborativo na pesquisa sobre representações de uma pessoa, conforme
Spink (1993:93/2004:94), posso dizer que está coerente com a realizada no
contexto social de que me vali para o conhecimento prático (RS) (Spink, op.
cit.) ser analisado e atualizado (Sá, 1993/2004, Leme, 1993/2004 e Sato,
1993/2004). Saliento que mergulhei no contexto do trabalho da professora não
para saber sobre suas necessidades: os encontros de formação e as duas
vivências da professora em sala de aula como também para compreender as
representações que emergiram, contribuindo para que houvesse uma re-
significação da prática de leitura de textos de Geografia. A professora pôde não
apenas rever sua prática como também tentar mudá-la e mudar a si própria
também.
Quanto a mim mesma como pesquisadora e formadora, pude rever meu
papel de forma amadurecida e compreendê-lo, verificando que eu poderia ter
promovido mais o confronto entre as idéias que surgiram. Saliento que pude
refletir sobre minha própria formação contínua como docente e o meu papel de
pesquisadora/formadora. Posso acrescentar que aprendi a compreender no
outro desde o sofrimento e um simples gesto de ternura a avidez, troca de
conhecimento e auto-avaliação positiva da professora, durante os encontros de
formação. Isso fez que eu também melhorasse minha prática, num processo
crítico de auto-reflexão, onde o outro, como cúmplice, ou melhor, aliado,
colaborou para promover a própria colaboração como eixo do processo
reflexivo, de forma mútua entre os participantes.
Observo ainda que a pesquisa mostrou que a colaboração de uma
pesquisa é construída quando o ato de doação, de dedicação e de amor.
Mostrou ainda que, sem a “colaboração” (entendida aqui como troca de
experiências entre os participantes de uma interação), não se tece o hoje para
poder olhar o ontem e melhorar o amanhã. Sem a “colaboração”, somos reféns
da solidão, da mesmice e do aniquilamento, que nos aprisionam (Spink, 2003)
138
em representações perversas. Com a colaboração, caminhos nos são
mostrados e desafios nos são lançados. Com a colaboração, conseguimos
crescer, alterar o presente e idealizar o futuro de forma consciente,
contribuindo para que outros se emancipem, tanto como nós, num processo de
mútuas realizações.
Ao considerar essa posição, esta pesquisa procurou valorizar a
experiência da professora participante, por meio de problematização e reflexão
das RS negativas de si própria e da prática de leitura e avaliação (calcadas no
senso comum) e da discussão de teóricos e praticantes da formação. Em
nenhum momento houve a tentativa de impor novos modelos de
enquadramento, o que incorreria em um praticismo em que a teoria ocupa um
lugar secundário, ou nenhum, na construção e na análise da prática ou, de
outro, em um foco excessivo na transmissão da teoria isolada da prática,
criticada por Magalhães (op. cit. p. 62).
Esta pesquisa ainda uma contribuição por ajudar a entender a
situação do professor hoje diante da questão da inclusão declarada e da
exclusão oficialmente disfarçada, que mostra um ângulo dos recursos
pedagógicos usados que os propositores não viram ou não destacaram, tendo
eu aplicado esses
recursos de modo inovador, embora não tenha explorado tudo o que seria
possível explorar. Acredito que possa desdobrar-se em outras futuras a partir
de dados observados, como é o caso da resistência da professora em trabalhar
na 8ªC, classe em que tinha dificuldade de dar aula, classe que não gostava de
ler, segundo a professora. Como é possível trabalhar com a leitura sem usar o
recurso da punição em classes consideradas “difíceis”? Em outras palavras,
como é possível motivar essas classes? E por que a professora teve de rever
sua atuação no período noturno? Esses apontamentos mereceriam uma
investigação mais profunda para verificar a representação da professora na
8ªC e entre um período e outro. Esses estudos poderão avançar naquilo que
poderia ter realizado.
No tocante às limitações, algo afirmado por Sobral (2005) que me faz
pensar em como superá-las, não em termos acadêmicos em geral como de
minha prática de professora e formadora. Segundo o autor (p. 116),
139
Assim, se a natureza do objeto revela as fragilidades da teoria ou do
método, sua incapacidade de dar conta desse objeto, é ético o
pesquisador que se empenha em promover, se necessário, revisões
da teoria, ou que a abandona caso ela não sirva a esse objeto,
bem como aquele que recorre a exteriores teóricos que o
possam ajudar a dar conta (e dar contas) do objeto (Grifei)
O trabalho de formação e a pesquisa me levaram a alterar meus
objetivos, fundados no que eu pensava ser as necessidades da professora e
recorrer a exteriores teóricos que me permitissem dar continuidade ao trabalho
e à pesquisa e isso me levou a ver minhas perspectivas com outros olhos, a
atualizar minhas representações.
Acredito assim que ter criado condições de reflexão, inclusive para mim
mesma, propiciou à professora colaboradora a oportunidade de ao menos
debruçar-se criticamente sobre a historicidade que sempre sustentou e
perpetuou representações educativas conservadoras, assim como de verificar
que outras opções de trabalho, numa concepção sociointeracionista
(Vygotsky, op. cit.), mais rica produtiva do que as tradicionais, que permitem
nossa própria transformação e a transformação da sociedade.
Como pesquisadora e formadora na área de LA, acredito no
desenvolvimento do professor e no desenvolvimento cognitivo dos alunos,
principalmente, daqueles que precisam da leitura como processo social para
libertação das consciências. Por isso, para ilustrar menciono Geraldi (1995),
para quem a leitura
(...) não são mãos amarradas se o fossem, a leitura seria
reconhecimento de sentidos e não produção de sentidos; não
são mãos livres que produzem o seu bordado apenas com os
fios que trazem nas veias de sua história se o fossem, a
leitura seria outro bordado que se sobrepõe ao bordado que
se lê, ocultando-o, apagando-o, substituindo-o. São mãos
carregadas de fios, que retomam e tomam os fios (...)
A presente pesquisa reafirmou minha concepção de leitura como
processo social, conforme visto por Bloome (op. cit.), Maybin & Moss (1993),
140
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