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Na análise de William Hinton (2004, p. 54), a contradição entre o povo chinês, de
um lado, e os latifundiários, burguesia compradora e o imperialismo, de outro, foram
resolvidas pela revolução de 1949. Mas novas contradições sociais e políticas emergiram para
o primeiro plano, com a demarcação de pontos de vista do proletariado e da burguesia. Nos
anos 1930 e 1940, Mao, dirigindo as áreas libertadas, entendia que a revolução burguesa e o
capitalismo não eram soluções viáveis ou convenientes para a grave situação da China. Só o
socialismo salvaria a China.
Nesse mesmo período, Liu Shaoqi, com uma tática defensiva, dirigia o partido nas
áreas submetidas ao governo do Guomidang. A partir de 1949, no novo Estado, em razão das
novas contradições principais na China, desenvolveu-se um processo político em que se
constituíram dois quartéis generais de duas classes, o proletariado e a burguesia. Mao era o
líder do campo socialista. Liu beneficiava-se de sua atuação política no passado, contando
com o apoio da burguesia de Shangai e quadros da Liga da Juventude desta cidade, para, no
interior do partido e do Estado, defender o caminho capitalista
54
.
Apesar da importância da análise e do próprio testemunho de William Hinton,
com sua longa vivência na China e acompanhamento direto dos acontecimentos chineses, é
preciso lembrar que, para o próprio Mao, o seu ‘sucessor’ seria Liu, que era o presidente da
República, até a sua queda e de sua equipe na Revolução Cultural
55
. É preciso reconhecer que,
nas circunstâncias dos anos 1950 e 1960, foi um exagero, uma grave inconsistência maoísta, a
caracterização das posições lideradas por Liu Shaoqi como o quartel-general da burguesia.
54
“Nos partidos comunistas, denomina-se ‘linha política burguesa’ uma linha que se opõe objetivamente às transformações
possíveis que permitiriam reduzir o lugar ocupado pelos elementos capitalistas ou burgueses na base econômica ou na
superestrutura. Quando predomina a ação de tal linha, presencia-se à consolidação (que poderia ser evitada) das formas
capitalistas da divisão do trabalho e gestão de empresas, assim como de posições da burguesia. Esta última é constituída não
apenas pelos antigos capitalistas, proprietários de terra etc, mas também por quadros técnicos e administradores, que tiram
partido de suas funções para fazer escapar do controle dos trabalhadores o uso dos meios de produção e de investimentos”.
(BETTELHEIM, 1979a, p. 8, nota nº 3).
55
Liu Shaoqi manteve-se como o número dois na hierarquia do PCCh até 1966, quando foi rebaixado para o oitavo lugar. O
novo escolhido para ser o sucessor de Mao foi o general Lin Biao, originário da Longa Marcha, competente comandante de
campo na guerra contra o Japão e o Guomidang, ministro da Defesa e um dos principais líderes da Revolução Cultural. Lin
tinha gloriosos serviços prestados: no início da última guerra civil, o ataque nacionalista resultou na tomada das sedes do
PCCh em Yenan e Kalgan e controle de todas principais cidades e ferrovias, mas a partir da batalha do nordeste, comandada
por Lin Biao, os comunistas passaram ao contra-ataque. Para complicar as análises que caracterizam a luta interna no PCCh
como disputa entre burgueses e proletários, revolucionários e traidores, marxistas e revisionistas pró-soviéticos, houve a
campanha, depois da obscura morte de Biao (morto com a família em fuga, quando o seu avião foi, supostamente, abatido na
Mongólia, durante a fuga para a União Soviética), contra as idéias de extrema-esquerda de Lin Biao e as idéias feudais de
Confundiu (tudo numa mesma campanha). Com o esvaziamento da radicalização política da Revolução Cultural, com a volta
ao poder dos velhos quadros polarizados pelo moderado e intocado primeiro-ministro Zhu Enlai, o grupo do general Lin Biao
teria, no desespero, tentado um golpe para assassinar o presidente Mao, e empalmar o poder. Em benefício da complexidade
dos acontecimentos chineses, ressalve-se, ainda, que Biao, um dos críticos mais intransigentes do chamado revisionismo
soviético, teria tentado fugir exatamente para Moscou. Quanto a Liu Shaoqi, o novo período da China, sob o comando de
Deng Xiaoping, trouxe a sua (de Liu) reabilitação póstuma no PCCh e a publicação de seus escritos e discursos,
considerando-o como mais uma vítima do agora propalado desvario de extrema-esquerda de Mao.