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UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA
INSTITUTO DE ECONOMIA
CÉSAR RICARDO LEITE PIORSKI
DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL EM EXTREMA
POBREZA: O CASO DOS TERRITÓRIOS RURAIS DOS LENÇÓIS
MARANHENSES/MUNIM
UBERLÂNDIA-MG
2008
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CÉSAR RICARDO LEITE PIORSKI
DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL EM EXTREMA
POBREZA: O CASO DO TERRITÓRIO RURAL DOS LENÇOIS
MARANHENSES/MUNIM
Dissertação de mestrado apresentada ao programa
de Pós-Graduação em Economia da Universidade
Federal de Uberlândia como requisito parcial para a
obtenção do título de mestre em economia.
Área de Concentração: DESENVOLVIMENTO
TERRITORIAL
Orientador: Prof Dr ANTONIO CÉSAR ORTEGA
UBERLÂNDIA-MG
2008
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CÉSAR RICARDO LEITE PIORSKI
DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL EM EXTREMA POBREZA: O CASO DO
TERRITÓRIO RURAL DOS LENÇOIS MARANHENSES/MUNIM
Dissertação de mestrado apresentada ao programa
de Pós-Graduação em Economia da Universidade
Federal de Uberlândia como requisito parcial para a
obtenção do título de mestre em economia.
Área de Concentração: DESENVOLVIMENTO
TERRITORIAL
Uberlândia, 10 de Julho de 2008
Banca Examinadora
Prof Dr Antonio César Ortega (IE-UFU)
Prof Dr Newton Narciso Gomes Júnior (UNB)
(membro)
Prof Dr Carlos Alves do Nascimento (IE-UFU)
(membro)
______________________________________________________________________
Prof Dr Carlos Alves do Nascimento (IE-UFU)
Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Economia—IE/UFU
Aos meus pais, Francisco e Theresinha
Piorski, a minha irmã Daniela Piorski, pelo
apoio, confiança e carinho incondicionais.
AGRADECIMENTOS
Na condição de simpatizante das vantagens comparativas não poderia deixar de
registrar a contribuição de alguns parentes e amigos cuja grandeza de espirito contribuiu
de maneira singnificativa para a minha prosperidade intelectual, que se manifesta no
presente trabalho. Dessa forma, expresso a mais profunda gratidão aos seguintes
citados.
As minhas tias, Deny, Dilma, Lucilene e Lígia, cuja contribuição foi
significativa mesmo antes deste sonho vir a tornar-se realidade. Aos meus primos,
Maurício Lima e Mauro Lima, pela disponibilidade e prontidão nas pesquisas de campo
além da sempre e festiva acolhida a cada regresso.
As minhas primas, Iacy Leite—pelo incansável apoio sempre prestado na “base
Brasília” além da torcida e incentivo a cada etapa. A Laurene Leite, pelo empenho,
solidariedade e preocupação com a minha “causa” que viabilizou sobremaneira a
realização de toda esta jornada.
Ao professores, Dr Antonio César Ortega—a quem coube a árdua tarefa de me
orientar, e cuja significativa dotação de simplicidade e inteligência tornou esta
caminhada mais leve—Dr Niemeyer Almeida Filho, pela primeira acolhida ainda como
aluno especial. Dr Henrique Dantas Neder, pela incansável disponibilidade e amizade
ao longo destes anos. Dr Carlos Alves do Nascimento, pela significativa contribuição
oferecida na disciplina Agricultura Brasileira e Agroindustrialização.
A secretária do Instituto de Economia, Vaine Aparecida B. Lemos, pela
prontidão, empenho e competência nos assuntos burocráticos além da grande amizade e
apoio doados ao longo destes anos.
Aos colegas da turma de 2006, assim como alguns da turma de 2005, como,
por exemplo, Michele Borges (Dona Chelis) e Elemar Sebastião Junior.
Registro também meus agradecimentos ao meu primo e docente Dr Waldenor
Barros Morais Filho, pela grande contribuição e apoio nos momentos inciais desta
jornada.
Por fim e não menos importante, manifesto minha admiração e afeto a Karine
Obalhe, que como amiga e depois para além disso, pelo companheirismo, incentivo e
apoio que sempre tornaram as horas críticas mais leves.
Aos supracitados, meu sincero agradecimento e a certeza que a luz de Adonay
os acompanharão todos os dias de suas vidas. Shalom!
De tudo ficam três coisas: a certeza que estamos
começando, a certeza que é preciso continuar.
E a certeza que podemos ser interrompidos antes de
começar a caminhar.
Fazer da interrupção um novo caminho, da queda
um passo da dança, do medo uma escola, do sonho
uma ponte, da procura um encontro.
E assim terá valido a pena”.
(Fernando Pessoa)
RESUMO
O Presente trabalho tem como objetivo analisar a estratégia de Desenvolvimento
Territorial Rural levada a cabo pelo MDA/SDT no Território Rural dos Lençois
Maranhenses. Para isso, utilizamos como critério de análise a conceituação teórica sob a
qual repousa tal estratégia de desenvolvimento, qual seja, a idéia de capital social e
território. Mediante pesquisa de campo, realizada por meio de entrevistas com distintos
atores beneficiados diretamente com tal política e com atores beneficiados com a
atividade turística, constatou-se que o sentimento de pertencimento dos atores sociais do
Território Rural os Lençois Maranhenses/Munim—um conceito basilar na manifestação
do capital social—ocorre por meio da inclusão nas atividades turisticas. Dessa forma,
levantamos a hipótese que para o caso em questão, as possibilidades de êxito de tal
política, na forma como ela está desenhada, são diminutas, em virtude de se
desconsiderar, no diagnóstico que antecede a implementação da mesma política uma
dimensão do capital social que pode ser complementada com a teoria dos sitios.
ABSTRACT
The current work aims to analyze the strategy of territorial Rural Development carried
out by MDA/SDT in the Território Rural dos Lençois Maranhenses. To do this, we use
as criteria for examining the theoretical concepts on which rests this development
strategy, that is, the idea of social capital and territory. Upon search the field, we held
through interviews with different benefited actors directly with this policy and with
benefited actors from the tourist activity, it was found that the sense of belonging of
social actors of the Território Rural dos Lençois Maranhenses/Munim - a basic concept
in the manifestation of the capital - occurs through the inclusion of them in tourist
activities. Thus, we raise the hypothesis that for the case, the chances of success of such
a policy, the way it is designed, are small, due to disregard, for the diagnosis before the
implementation of that policy in a dimension of capital social which can be
complemented with the theory of sites.
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 01 – Municípios urbanos e rurais de acordo com critérios..............................59
FIGURA 02 – Municípios esvaientes, letárgicos e atraentes..........................................61
FIGURA 03 – Organograma do CONSAD....................................................................79
FIGURA 04 – Municípios do Maranhão com Cinpra implantado.................................97
FIGURA 05 – Território rural dos Lençois Maranhenses............................................106
FIGURA 06 – Receitas correntes Axixá......................................................................112
FIGURA 07 – Receitas correntes Bacabeira................................................................114
FIGURA 08 – Receitas correntes Barreirinhas............................................................116
FIGURA 09 – Receitas correntes Cachoeira Grande...................................................117
FIGURA 10 – Receitas correntes Icatú........................................................................119
FIGURA 11 – Receitas correntes Morros.....................................................................120
FIGURA 12 – Receitas Correntes Paulino Neves.........................................................121
FIGURA 13 – Receitas correntes Presidente Juscelino.................................................123
LISTA DE TABELAS
TABELA I – Conceito Teórico de Woolcock.................................................................38
TABELA II – PEA Rural................................................................................................64
TABELA III – Classificação FAO/Incra dos estabelecimentos agrícolas.....................68
TABELA IV – Programas estruturantes por município..................................................81
TABELA V – Território rural dos Lençóis Maranhenses...............................................87
FIGURA VI – Municípios do Maranhão com CINPRA implantado..............................98
TABELA VII – Consórcios Intermunicipais de Produção e Abastecimento no
Maranhão.......................................................................................................................115
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...............................................................................................................01
CAPÍTULO I – TRANSFORMAÇÕES CONTEMPORÂNEAS E ALTERAÇÕES
METODOLÓGICAS.......................................................................................................08
1 – Introdução......................................................................................................08
2 – Transformações Contemporâneas.................................................................09
2.1 – Transformações Externas...............................................................09
2.2 – Transformações Internas................................................................13
3 – Transformações metodológicas: Capital Social e Sítios...............................19
3. 1 – Capital Social: ...............................................................................29
3.2 – Sítios................................................................................................42
CAPÍTULO II: O RURAL COMO ELEMENTO DE UMA POLÍTICA DE
DESENVOLVIMENTO..................................................................................................45
2.1 – Dicotomia Rural Urbano: elemento basilar de uma política de
Desenvolvimento Rural. .....................................................................................45
2.2 – O Novo Rural ............................................................................................55
2.2.1 – Caracterização e Tendências da Rede Urbana do Brasil:
..................................................................................................................56
2.2.2 – Rurbano.......................................................................................63
2.2.3 – A Agricultura Familiar.................................................................66
2.3 – Políticas Públicas para o (Novo) Rural.....................................................69
2.3.1 – Pronaf .........................................................................................70
2.3.2 – Consads.......................................................................................74
2.3.3 – Territórios Rurais .......................................................................83
2.3.4 – Políticas Estaduais.......................................................................91
2.3.4.1 – Consórcio Intermunicipal de Abastecimento...............92
2.3.4.2 – PRODIM .....................................................................99
CAPÍTULO III: TERRITÓRIO RURAL DOS LENÇOIS MARANHENSES/
MUNIM.........................................................................................................................103
3.1 – Caracterização do Território....................................................................103
3.2 – Políticas Públicas para o Território Rural dos Lençóis
Maranhenses......................................................................................................125
3.2.1 – Plano Maior de Turismo...........................................................126
3.2.2 – Política de Desenvolvimento Territorial Rural.........................134
3.3 – Paradoxos da cooperação.........................................................................141
3.4 – Territórios da Cidadania...........................................................................151
CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................157
REFERÊNCIAS............................................................................................................161
ANEXO I.......................................................................................................................177
INTRODUÇÃO
O objeto de estudo que se convencionou chamar Desenvolvimento
Economico teve sua origem em contextos distintos na América Latina e Europa
Ocidental ainda nos anos 1930. Tanto lá como cá, a ênfase geral deste novo ramo da
ciência econômica residia na busca do entendimento das causas da grande assimetria na
geração de riqueza entre os distintos países.
Na América Latina, a preocupação com a temática do (sub)desenvolvimento
se deu em decorrência da crise nas relações de trocas que lançou a região numa crise de
balanço de pagamentos e declínio do poder de compra internacional. Na busca de
solução para tal problema, iniciou-se um processo de “pensar” a América Latina e sua
condição economicamente atrasada, neste contexto, ganham espaço as idéias do
economista argentino Raul Prebisch, que, embora de formação neoclássicam
diagnosticou o problema da Argentina e demais países da região como de ordem
estrutural, ocasionado pelo descompasso entre o baixo valor das exportações, baseadas
em produtos primários e o alto valor das importações baseada em produtos com maior
valor agregado. As idéias de Prebisch posteriormente ficaram conhecidas como teoria
do Estruturalismo e rapidamente ganhou vários simpatizantes, como foi o caso de Celso
Furtado no Brasil e G.Myrdal na Europa Ocidental, apenas para citar dois expoentes
mais importantes.
A contribuição de Myrdal reside na tese da causação circular. Para ele, havia
um forte descompasso tecnológico entre os países mais avançados e os mais atrasados
economicamente; esse fator gerava um ciclo virtuoso para os primeiros, e um círculo
vicioso para os segundos. Ainda de acordo com Myrdal, esse descompasso somente
agravaria a distancia entre paises avançados e atrasados, visto que o ritmo de
acumulação nos primeiros seria sempre maior.
Da mesma forma, alguns economistas na Europa Ocidental também passam
a se preocupar com a temática do (sub)desenvolvimento. Motivados pela implantação
do Plano Marshall na Europa, descolonização de parte do continente africano,
emergência da guerra fria, atraso econômico crônico dos países do terceiro mundo,
alguns economistas europeus, americanos e britânicos passaram a desenvolver uma
estrutura teórica capaz de auxliar os governos das regiões mais atrasadas a
desenvolverem políticas que poderiam romper não só com tal atraso, mas também
desestimula-las a adotarem o ideal socialista. Tal escola, que aqui chamaremos de
Ocidental, teve como principais representantes Rosenstein, Lewis, Nurkse, Hirschman,
Rostow e Myint.
Por se constituir um corpo bastante extenso de pesquisadores, as
contribuições da Escola Ocidental foram muito diversificadas; porém, sempre foi
mantido um padrão de recomendação política, qual seja promover a industrialização e
aumentar a renda per capita. Dessa maneira, a Teoria do Desenvolvimento Econômico
consagrou-se na literatura economica como sinônimo de industrialização.
As idéias supracitadas influenciaram sobremaneira muitos programas de
governo, sobretudo na América Latina, onde se verifica uma forte estratégia de
industrialização por substituição das importações. O avanço de tais idéias é favorecido
pelo momento histórico conhecido como os trinta anos gloriosos, caracterizado por uma
expressiva taxa de crescimento econômico, sobretudo nos países já industrializados.
O que se segue então é uma articulação virtuosa entre crescimento
econômico e consumo de massa que passam a se reforçar mutuamente. Porém, a grande
viabilidade deste arcabouço passa a ser garantida pelo Estado, que passa a ser
caracterizado como “Estado Providência”, e cujo caráter de proteção social viabiliza a
acumulação de capital por um lado, e, por outro, a própria valorização dos salários.
Todo este arcabouco econômico-institucional lançou ao mundo um modelo
de produção concentrado no espaço, gerando com isso áreas densamente povoadas e
outras fracamente povoadas. A esse fenômeno, Ohmae (1995) denomina
“desenvolvimento tipo zebra”.
Porém, com o processo de retomada da hegemonia americana, descrito em
Tavares (2001), esse modelo de produção começa a ser alterado gradativamente.
Consequentemente, não apenas as bases de acumulação começam a ser alteradas, mas
também a própria configuração produtiva no espaço, que deixa de ser concentrada e
passa a ser dispersa no mesmo.
Dessa maneira, assite-se não apenas a emergência de novos atores sociais,
como também algumas áreas geográficas até então marginalizadas do processo de
acumulação capitalista passam a apresentar um novo dinamismo.
Por outro lado, a constatação da persistência do fenômeno da pobreza,
sobretudo nas áreas rurais, chamou a atenção para o fato de que o advento da
industrialização, conforme preconizado pela teoria do desenvolvimento econômico, não
necessariamente implicou melhorias significativas nas condições de boa parte da
população. Nesse sentido, ganham força projetos de pesquisas cujo objeto de estudo
centra-se na compreensão da pobreza e sua superação em áreas rurais.
Em paralelo e idependentemente de tais projetos, algumas transformações já
se faziam sentir, sobretudo na Austria e posteriormente na Itália, com o caso da grande
prosperidade da região da Terceira Itália, que posteriormente consolidou-se como
paradigmático na literatura acerca do desenvolvimento, justamente em função desta ser
uma região outrora pobre e que sua superação da pobreza ocorre por meio de um
esforço coletivo da propria comunidade.
O Estudo de caso da Terceira Itália serviu para o levantamento de algumas
hipóteses acerca da superação da condição de atraso. Dentre as hipóteses mais
importantes, cita-se o caso da capacidade de organização e articulação da sociedade
civil junto ao Estado, a fim de fazer valer suas demandas. A essa capacidade,
convencionou-se o entendimento de capital social.
A idéia de capital social mostrou-se teoricamente promissora e, após os anos
1980, ganhou o apoio de importantes instituições, como é o caso da FAO, Banco
Mundial e ONU, que passam a prescrever o incentivo a esta forma de organização em
suas estratégias de desenvolvimento.
Face a essas transformações, autores como Almeida Filho & Bonente (2008)
argumentam que há uma nova economia do desenvolvimento. De fato, o fenômeno de o
desenvolvimento deixa de se resumir apenas à dimensão econômica e adquire um
aspecto interdisciplinar. Por isso mesmo, falar em desenvolvimento nos dias de hoje, é
raciocinar de maneira pluridisciplinar – principalmente no intermeio de geografia,
sociologia e economia – ainda que o diálogo entre as distintas ciências não seja de todo
facilitado.
Nesse sentido, na direção da multidisciplinaridade e da preocupação com a
superação da pobreza é que se estabelece o tema do desenvolvimento territorial rural,
uma estratégia de combate a pobreza voltada para as áreas mais deprimidas.
No Brasil, essa estratégia tem início com o governo Fernando Henrique
Cardoso (1995-2003), cujo mote repousava no incentivo ao desenvolvimento autônomo
e endógeno, promovido pela propria comunidade. É assim, na tentativa promover uma
melhor atriculação entre sociedade civil e Estado, que se assiste a implantação dos
Fórum de Desenvolvimento Local Integrado e Sustentado, popularmente conhecidos
como DLIS, que constituíram, por assim dizer, a primeira experiência brasileira de
articulação entre a sociedade civil e o Estado nesse contexto.
Posteriormente, com o advento do primeiro governo Lula (2003-2007) a
estratégia de desenvolvimento territorial rural tem continuidade, no entanto com
algumas alterações que, apesar de sutis apresentam sensíveis modificações junto a essa
estratégia. A primeira delas, construída com base na experiência de DLIS, constitui no
incentivo da formação de consórcios de segurança alimentar e desenvolvimento local,
popularmente conhecido como CONSADs, que serviriam de base para um
“reordenamento territorial”, configurado na identificação de áreas em extrema pobreza.
Tais áreas viriam a constituir aquilo que se conhece hoje como Territórios Rurais.
Assim, o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) por meio de sua
Secretaria de Desenvolvimento Territorial (SDT) implantam nestes territorios uma
estratégia de combate à pobreza nos moldes da experiência internacional, qual seja,
baseada no conceito de capital social e território.
Dessa forma, com base no exposto, o presente trabalho tem como objetivo
avaliar a estratégia de desenvolvimento territorial rural levada a cabo pelo MDA/SDT
no Território Rural dos Lençois Maranhenses/Munim, localizado no Estado do
Maranhão, no sentido de entender se poderá esta política promover a emancipação
econômica dos distintos atores no referido território.
O presente trabalho divide-se em três partes, que tecnicamente podemos
chamar de capítulos. Na primeira parte, caracterizada por uma discussão teórica mais
acentuada, tentamos chamar a atenção para o fato de que duas das idéias-força desta
estratégia de desenvolvimento, qual seja a noção de território e de capital social,
poderão ser complementadas com a idéia de sitios, uma teoria ainda pouco referenciada
na literatura acerca deste tema e que, a nosso ver, poderá trazer importantes
contribuições.
No entanto, antes de apresentar a teoria dos sitios e sua articulação com o
capital social – que somente ficará bem clara no capítulo III – fez-se necessária uma
contextualização de como a idéia de capital social e território inaugura uma metodologia
de análise que está para além da ótica unicamente econômica. Para isso, mostramos
como as tranformações econômicas, políticas e culturais, que denominamos
transformações contemporâneas, inauguram uma nova forma de apreensão da realidade,
a que chamamos de transformações metodológicas.
Na segunda parte, ou segundo capítulo, dando continuidade à compreensão
das transformações contemporâneas; estamos interessados em compreender de que
maneira tais transformações afetaram o meio rural e a própria ruralidade.
A justificativa para tal repousa no próprio foco da estratégia de
desenvolvimento levada a cabo pelo MDA/SDT e voltado para o combate da pobreza
rural. Por isso mesmo, apresentamos e discutimos neste mesmo capítulo algumas
políticas públicas que foram construídas face a essa nova ruralidade. Objetivamos, com
isso, construir subsídios para nosso último capítulo, que trata do estudo de caso em
questão.
Por fim, na terceira parte ou terceiro capítulo, utilizando como elemento
subjacente de análise as discussões do capítulo I e II, apresentaremos o relato de nossa
pesquisa de campo realizada nos meses de Dezembro de 2006 a Janeiro de 2007 e
Janeiro de 2008 no Território Rural dos Lençois Maranhenses. Na ocasião, realizamos
entrevistas junto a atores sociais que, de alguma maneira, foram beneficiados
diretamente com algum programa levado a cabo pelo MDA/SDT naquele território.
Ressalta-se que a metodologia de pesquisa baseada em questionários e
gravação mecânica foi amplamente rejeitada pelos atores. Dessa forma, a fim de evitar
maiores transtornos, optamos pela aplicação do questionário na forma de “bate-papo”,
tomando nota dos principais pontos levantados. Por outro lado, convém registrar que a
disponibilidade dos entrevistados somente tornou-se possível mediante a ajuda de um
antigo morador local, cuja presença deixava os entrevistados mais confiantes e
dispostos a conversar.
Porém, antes de tratar do relato da pesquisa de campo, faz-se necessário
uma introdução com a caracterização do Território, assim como faremos uma referência
ao programa Plano Maior de Turismo, aplicado neste mesmo território no ano de 1999.
A justificativa para tal repousa no fato de que este programa tem uma lógica totalmente
distinta daquela implantada pela estratégia de desenvolvimento territorial rural e vem
influenciando sobremaneira a percepção dos atores acerca daquilo que se considera
inclusão ou pertencimento.
CAPÍTULO I – TRANSFORMAÇÕES CONTEMPORÂNEAS E
ALTERAÇÕES METODOLÓGICAS
1 – Introdução
O presente capítulo tem como objetivo argumentar que tanto o capital social
quanto o território, aportes bastante utilizados para analisar as políticas de
desenvolvimento de base local, poderão ter seu alcance teórico e metodológico
favorecido mediante a sua articulação com a teoria dos sitios, ainda pouco utilizada.
Por isto, sugerimos que tanto a noção de capital social quanto a de território
precisam ser articuladas com a teoria dos sítios que, se trabalhada com devido cuidado,
poderá servir como elemento explicativo de criação do capital social. Ademais, a teoria
dos sítios foge a formas de institucionalidade estritamente econômicas – como ocorre na
maioria dos conceitos de capital social – dando margem para interpretações de distintas
formas de relações sociais que não necessariamente monetárias econômicas, daí haver
uma grande contribuição para o entendimento de formas alternativas de organização
econômica, tais como a própria informalidade e a economia solidária. Isso posto, nosso
esquema metodológico para o estudo de caso concreto
1
parte da teoria dos sítios como
elemento estruturante do capital social e, por conseguinte, do território. Só então é que
teremos condições de avaliar como uma política de desenvolvimento territorial rural –
levada a cabo pela SDT (Secretaria de Desenvolvimento Territorial) – manifestará seus
limites e potencialidades.
1
A ser realizado no capítulo 3
A fim de que possamos atingir o objetivo proposto neste capítulo, dividimos
o presente em três seções além desta introdução. Na segunda seção, faremos uma
descrição das transformações contemporâneas e suas implicações científico
metodológica que alteram sobremaneira a idéia de território e ruralidade. Tal descrição
justifica-se pela necessidade de se compreender não só porque o debate acerca do
território nunca foi um marco na ciência econômica assim como tais transformações
chegam a alterar a base metodológica para a apreensão das mesmas. Na terceira seção
faremos um esboço de tais transformações metodológicas, onde discutiremos a noção
bastante controversa de capital social e introduziremos a teoria dos sítios. A justificativa
para tal repousa na tentativa de construção de um elemento estruturante das nossas
considerações acerca de uma melhor apreensão do caso concreto, a ser tratado no
capítulo III.
2.2 – Transformações Internas
A segunda metade da década de 1970 e início dos 1980 caracterizaram-se
por ser uma época de profundas transformações econômicas, sociais e, sobretudo,
(geo)políticas, não apenas no contexto externo, mas também no contexto interno.
No plano econômico internacional, assiste-se ao esgotamento de um modo
de acumulação baseado na produção em larga escala, centralização produtiva e consumo
de massa, também conhecido como fordismo. Convém ressaltar que o processo
produtivo de tal modelo caracterizava-se primordialmente numa produção em larga
escala, favorecida por uma planta industrial concentrada no espaço e cuja implantação
ocorre por meio de uma lógica exógena de investimento. Dito de outra forma, pelo
menos em tese, a dinamização econômica de um espaço geograficamente definido
2
dar-
se-ia, sobretudo, por uma lógica de atuação baseada na necessidade de valorização do
capital, em segundo plano favorecida pelas vantagens comparativas ou nos termos de
Harvey (2005, p. 40):
A acumulação de capital sempre foi uma questão profundamente geográfica.
Sem possibilidades inerentes à expansão geográfica, à reorganização espacial
e ao desenvolvimento geográfico desigual, o capitalismo teria há muito
cessado de funcionar como sistema econômico-político
Decerto que a lógica produtiva deste modelo foi a grande responsável pela
configuração espacial presente na economia global até pelo menos meados da década de
1980. Isso explica não apenas a configuração espacial do globo, mas também o próprio
movimento migratório da humanidade que, por sua vez, desemboca na formação de
grandes centros de atração e repulsão – Perroux (1977) – além de metrópoles e
megalópole – Fujita et al(2002) – e, com isso, a formação de territórios econômicos no
sentido de Haesbaert (2006), assim como uma tendência a um desenvolvimento
desigual do espaço, no sentido de Harvey (2004). Também característico deste modelo
era o papel desempenhado pela agricultura, cuja tarefa principal consistia em liberar
mão-de-obra do campo para a cidade assim como fornecer bens de primeira necessidade
mais baratos para a grande massa operária, favorecendo com isso a com isso a
valorização do capital.
Não à toa, a necessidade de valorização do capital propiciada por este modo
de acumulação muito influenciou as políticas de investimentos nos mais diversos países,
sobretudo os mais atrasados economicamente. É assim que se assiste na década de 1960
um grande avanço de um subcampo da ciência econômica conhecido como economia
regional, cuja materialização era apoiada num processo de planejamento estatal
centralizado e altista em relação às demandas sociais. Esse tipo de planejamento é
2
A exemplo daquilo que a ciência regional definiu como região.
denominado na literatura sobre estudos territoriais como top down (de cima para baixo),
caracterizado por uma forte centralização produtiva e institucional, cuja lógica de
operação baseava-se na formação de pólos de crescimento como vias de
desenvolvimento das regiões mais atrasadas. O denotar por meio deste tipo de
planejamento objetivava, acima de tudo, superar as desigualdades entre as regiões
3
.
Se, por um lado, esse modelo de planejamento viabilizava o enfrentamento
da desigualdade, verificando-se resultados imediatos na geração de emprego e renda,
por outro, justamente por depender de investimentos exógenos, não foi capaz de
fomentar um processo de desenvolvimento auto-sustentado. O fator subjacente a esta
incapacidade reside numa desconsideração teórica conscientemente deixada de lado
pelos teóricos da economia regional, qual seja, a articulação entre tempo e espaço
4
,
sendo que tais teóricos concentraram suas teorias apenas na dimensão espaço.
Em termos técnicos, essa forma de organização da produção impedia o
surgimento de uma rede de pequenas empresas em seu entorno, visto que, justamente
em função do tamanho da planta produtiva ser nada desprezível, o espaço a servir de
base para esta planta passaria a apresentar características de um enclave econômico.
Uma vez presente tal característica, duas são as conseqüências imediatas. A primeira é
uma alteração no movimento migratório populacional que, nos termos de Perroux
(1977), é responsável por uma configuração espacial de repulsão e atração de mão-de-
obra, cujo corolário é uma alteração nada desprezível no mercado de trabalho. A
segunda conseqüência apóia-se na constatação de que tal organização da produção, não
3
Convém ressaltar que a preocupação com a diminuição das desigualdades entre as regiões ocorre em
função de fatores ideológicos – haja vista a existência da guerra fria e toda a sua influencia no resto do
globo – como fatores técnicos, tais como necessidade de produção em larga escala, existência de
vantagem comparativa.
4
A necessidade de se articular espaço e tempo, para uma determinada perspectiva teórica, vêm ganhando
nova força na literatura acerca do desenvolvimento territorial, o leitores interessados poderão consultar
Marx (1988), Harvey (2005) Santos (1985)
raro, promove um desligamento entre o sistema produtivo local e o próprio pólo. Dito
de outra forma, impede o surgimento de uma “rede” ou conjunto de pequenas empresas.
Do exposto, infere-se que tal modelo de acumulação por não possui uma
estreita conexão entre as dimensões espaço-tempo e possui um sério limitante à própria
expansão da acumulação, de modo que, no sentido de Marx (1988), uma diminuição no
giro do capital favorece a acumulação de mais valia, por isso mesmo, interessa ao
capitalista reduzir ao máximo esse tempo de giro. Não a toa, somente com o
esgotamento deste modelo é que tal convergência é aproximada, graças à revolução nas
telecomunicações e nos meios de transporte
5
.
Não é de estranhar que alterações na base produtiva tenham impactos
significativos sobre a própria espacialidade humana. Autores de formação marxista,
cujo parâmetro de análise estabelece a acumulação de capital como motor do
desenvolvimento capitalista, apontam uma causalidade entre acumulação e espaço
geograficamente definido. Nesse sentido, Harvey (2005), com base no Manifesto
Comunista de Marx e Engels, argumenta que a acumulação de capital é um processo
geográfico. De outro modo, o que favorece esta ser um processo geográfico é
justamente a contínua “revolução” que ocorre em duas indústrias principais, quais
sejam: a dos transportes e das telecomunicações. O elemento fundamental nesta
dinâmica é que ambas as indústrias são “vendedoras de lugar”, pois possibilitam a
diminuição da distância entre tempo e espaço – via diminuição do tempo de giro do
capital – o que estimula o processo de acumulação.
Ressalta-se que a diminuição no tempo de giro do capital traz consigo
profundas transformações na própria relação entre classes, pois ao se alterar a natureza
do trabalho, altera-se, por conseguinte, a própria “natureza” humana e, ao mesmo tempo
5
De notar que tal óbice a acumulação é um fator limitante criado pelo próprio capital. Uma vez
configurada a crise, o próprio capital irá superar tais barreiras, consolidando sua acumulação em outras
bases.
em que se inauguram novas atividades econômicas, também emergem novos atores
sociais. É sob esse pano de fundo que poderemos assistir transformações significativas
não apenas no surgimento e desaparecimento de territórios como também na própria
natureza das atividades econômicas, como é o caso das “novas” atividades rurais
6
.
Uma vez estabelecida a (re)evolução das telecomunicações e dos
transportes, o capital rompe a suas próprias amarras – uma vez que aqueles fatores
possibilitaram a diminuição no tempo de giro de capita – e espraia-se rumo à conquista
de novos mercados; o que se observa então é uma expansão geográfica da acumulação,
que redunda não apenas na configuração espacial, mas também na própria dinâmica
econômica.
2.2 – Transformações Externas
Face às transformações estruturantes citadas anteriormente, assiste-se, no
plano político externo internacional, a retomada da hegemonia
7
norte-americana, levada
a cabo pela diplomacia do dólar forte que suscitou transformações significativas não
apenas na geopolítica e geoeconomia mundial, mas também no plano do próprio papel
do Estado em relação à economia. Para Fiori (2001), a retomada da hegemonia norte-
americana fundamenta-se na percepção por parte da ciência política americana de que a
ausência de uma liderança global favoreceria a instabilidade entre as diversas nações,
prejudicando assim não apenas o comércio, mas também a própria pax mundial. Por
estes motivos, os EUA sentiram-se incentivados a não medir esforços na construção de
tal ideal e, por meio de um ato político, elevaram subitamente as taxas de juros
6
O fenômeno das novas atividades rurais assim como o surgimento do Novo Rural, que deve ser
entendido como espaço e não como setor, será tratado no próximo capítulo.
7
Com a reafirmação da hegemonia norte americana, os EUA tornam-se o maior devedor mundial e, sua
macroeconomia passa a ser apoiada na grande absorção de produtos manufaturados internacionais,
proveniente, sobretudo dos conhecidos “tigres asiáticos”.
domésticas para um patamar superior ao praticado na city londrina. O resultado de tal
ato refletiu-se num grande influxo de capitais para a economia norte americana, que
rapidamente passou à posição de maior devedor líquido mundial, porém, sustentado
com um financiamento contínuo do resto do mundo. Dito de outra forma, os EUA ao
romperem com os limites auto-impostos pelo próprio capital, conseguiram implantar o
sonho não realizado do antigo império romano, qual seja; “que todos os povos vivam
sob uma só lei, mas que esta seja romana”. É assim, com a lei da financeirização, que os
EUA conseguem enquadrar em seu sistema político e econômico as maiores potências
mundiais capazes de fazer uma contra posição a sua hegemonia – Japão e Europa , pois,
[...] Todos tiveram claro de 1979 a 1981, que não deviam alinhar-se, mas
apesar disso todos foram sendo submetidos. Todos os países desenvolvidos
do mundo, quaisquer que sejam seus governos – socialistas, social-
democratas, conservadores, etc – estão praticamente alinhados em termos de
política cambial, política de taxa de juros, política monetária e política fiscal.
O resultado deste movimento é que o espectro das taxas de crescimento, das
taxas de câmbio e de juros passou a se concêntrico ao desempenho destas
variáveis no âmbito da economia americana (TAVARES, 1997, p 35)
A consolidação da hegemonia financeira americana acarretou alguns custos
nada desprezíveis. Com o aumento das taxas de juros interna, tanto a economia
americana quanto a economia mundial passaram por um processo recessivo, porém,
uma vez dissipado o choque, observa-se que a nova dinâmica de funcionamento da
economia mundial ocorre sob uma lógica de crescimento da economia americana a uma
taxa superior a do crescimento da economia mundial. Tal fato exige dos americanos um
compromisso com o crescimento a qualquer custo e, dessa forma, assiste-se ao
expediente do crédito de curto praz – com sua conseqüente imediata, qual seja, a dívida
crescente – como elemento de sustentação do crescimento.
A necessidade de se estabelecer uma trajetória dinâmica não explosiva da
dívida, exigiu alterações drásticas no papel do Estado, que ocorre a partir de alterações
orçamentárias e fiscais e redunda no esgotamento do “Welfare state
8
, caracterizado por
uma ampla assistência social ao trabalhador, intervenções estatais de caráter anti-cíclico
assim como uma divisão de poder tripartite entre o Estado, trabalhadores e capital –
com o fito de favorecer o processo de acumulação capitalista. A dimensão exata de tal
alteração é bem exposta por Tavares:
[...] Os EUA praticamente estancaram o gasto em bens e serviços de utilidade
pública, aumentaram o dispêndio no setor de armamentos e cortaram
compensatoriamente os gastos com o welfare. Em síntese, trocaram despesas
de capital social básico e bem-estar social por armas e fizeram uma
redistribuição de rendas em favor dos ricos. Além disso, reduziram a carga
tributária sobre a classe média e praticamente eliminaram a incidência de
impostos e juros pagos aos bancos para a compra de consumo durável
(TAVARES, 1997, p. 38)
A nosso ver, fundamentado nos objetivos a que se propõe este trabalho, o
esgotamento do welfare representa o ponto crucial para o entendimento das
transformações sociais que viriam a influenciar não só os regimes políticos como
também as políticas econômicas na América Latina e sobretudo no Brasil
9
, visto que tal
esgotamento favorece a emergência de novos atores sociais e políticos assim como
inaugura uma nova articulação de poder, caracterizado principalmente pelo avanço do
processo de descentralização política, principalmente no Brasil, inaugurado com a
constituição de 1988.
Na América Latina, a onda anti-comunista patrocinada pelos EUA, ainda
nos anos 1960, suscitou uma série de regimes políticos autoritários e centralizadores; o
Brasil não foi exceção. Denotar que se por um lado tais regimes favoreceram a criação
extraordinária de riqueza, como foi o caso do Chile e principalmente Brasil, de outro
8
Estado de bem estar social, também conhecido como Estado providência, caracterizado por um alto grau
de assitência social assim como um favorecimento a acumulação baseado num modelo tripartite entre
trabalhadores, estado e capitalistas..
9
Aqui surge um ponto polêmico, pois para a grande maioria dos autores brasileiros, nunca houve um
welfare no Brasil. A exceção a este pensamento ocorre em Draibe (1980). Porém, não entraremos no
mérito deste debate, ressaltamos apenas que as transformações ocorridas no papel do Estado também
afetaram a nossa realidade, independente da orientação ideológica ou política do mesmo. Mesmo porque,
a crise fiscal e da dívida impõe ajustes drásticos no gasto público.
patrocinaram um “isolamento” de suas economias frente ao resto do mundo, é algo
próximo daquilo que Reis (2002) caracteriza como de link. Ou seja, uma desconexão da
dinâmica econômica local com as demais. A conseqüência imediata de tal de link foi a
manifestação com um atraso de mais de uma década, das transformações já
consolidadas na tríade – EUA, Japão e Europa.
2.2 – Transformações Internas
As implicações da existência de um regime autoritário e centralizador não
foram nada modestas – pelo menos no caso do Brasil – e ainda hoje moldam os limites e
possibilidades de nossa trajetória de desenvolvimento futura.
A primeira delas recai sobre a própria estratégia de desenvolvimento que,
ainda, sob influencia do modo de acumulação “fordista” caracterizou-se por uma
industrialização de grande planta
10
, assim como uma intensificação do papel da
agricultura, na medida em que se implanta no país sem mais demora o pacote
tecnológico conhecido como Revolução Verde, provocando assim um “choque de
produtividade” no campo e uma liberação excepcional da mão-de-obra rumo aos centros
urbanos. Soma-se a isso, o fato que havia a consolidação do processo de planejamento
conhecido como “de cima para baixo” onde é desconsiderada a participação social.
Ademais, tal mecanismo de planejamento – compatível com o modelo
centralizador e autoritário –, apesar de buscar a diminuição das desigualdades regionais
não teve outra conseqüência senão o aumento das disparidades regionais, haja vista o
caso da SUDENE
11
, em que baseadas na concepção de espaço inauguradas por Perroux
(1977), promoveu o desenvolvimento concentrado apenas da cidade de Recife,
10
A exemplo, cita-se o caso da industria automobilística.
11
Superintendência para o Desenvolvimento do Nordeste
tornando-a um grande centro de atração levando a exaustão o espaço urbano
favorecendo o surgimento de deseconomias de aglomeração, corroborando de antemão
aquilo que somente posteriormente Fujita et al (2002) iria constatar na sua geografia
econômica.
A segunda grande conseqüência do modelo centralizador e autoritário
reflete-se na própria política interna da federação, pois dada a existência de uma forte
centralização fiscal, o maior apoio a este modelo era proveniente dos estados mais
pobres da federação, cuja justificativa apoiava-se numa “divisão” dos recebimentos
tributários. A persistência deste modus operandis deixou como herança uma forte
relação clientelista em tais estados, caracterizando ainda hoje, aquilo que Putnam (2000)
chamou de “sistema vertical” de relações, definido pela existência de patrono e clientes
onde não há cooperação e predomina o oportunismo
12
.
Para os demais estados da nação, este modelo adquiria um caráter
proibitivo, na medida em que a destinação de recursos ocorria de forma “engessada”, ou
seja, sem levar em consideração as demandas sociais da sociedade civil. Como
contrapartida a este modelo, ganha força movimentos “descentralizadores” tanto por
parte da direita como pelos adeptos da esquerda, conforme aponta Ortega (2008, p 12):
Tanto no âmbito acadêmico, como nas agências multilaterais, foi sendo
construído, nas últimas décadas, um aparente consenso em torno da
descentralização da ação pública viabilizada pela adoção de políticas que
fossem capazes de representar a centelha detonadora do desenvolvimento
[...]Para a direita política, a partir de seu diagnóstico da crise de
governabilidade das democracias, é preciso reduzir a participação pública do
Estado. Assim, a descentralização das instâncias decisórias e administrativas
surge como alternativa necessária para a superação da crise, pois conferiria
maior autonomia local aos projetos de desenvolvimento, sem que o Estado
central tivesse que aportar volumosas somas de recursos. [...]De outro lado,
forças de uma “nova esquerda”, como define Fiori (1995), também reivindica
a descentralização do poder. Para essa esquerda, esse é o caminho para
desativar a burocratização do ‘welfare state’ e aprofundar a participação
cidadã nas estruturas e processos democráticos, aumentando a visibilidade e
o controle dos sistemas decisórios.
12
Decerto, não a toa verifica-se que nos estados mais pobres da federação em sua maioria no Norte e
Nordeste predominam relações clientelistas fomentadoras de oligarquias e obliteradoras de capital social.
Decerto, a consolidação do movimento descentralizador – tanto político-
administrativo quanto fiscal – ocorre no Brasil com a constituição de 1988, porém, tal
consolidação ainda esperou quase uma década para que fosse de fato implantada, o
motivo repousava na própria crise dos anos 1980, que em muito justificou a manutenção
da centralização tanto política quanto fiscal.
Uma vez superada a crise econômica – me isso ocorreu com o controle da
inflação em 1994 – as políticas descentralizadoras voltam a ocupar a agenda das
políticas públicas, apesar de que em alguns casos estas estão presente desde a
constituinte, como é o caso do SUS e do sistema de educação.
É assim que se assiste no Brasil, nos anos 2000 uma proliferação no número
de conselhos populares tanto de caráter deliberativo quanto consultivo participativo,
assim como uma nova política de reordenamento territorial que vem a consubstanciar-se
numa “estratégia” de desenvolvimento para os territórios rurais. Desnecessário informar
que a lógica subjacente a tal reordenamento repousa em duas idéias força, qual seja, a
própria noção de território – cujo cerne da discussão é fundamentado nas
transformações contemporâneas – e capital social, fundamentando a necessidade da
“construção” social de uma participação cívica.
Argumentamos que ambos os conceito necessitam de melhores
considerações a fim de se tornarem ferramentas de análise mais completas. Na próxima
seção, discutiremos ambas as noções e acrescentaremos a noção de sítios, a nosso ver,
um elemento teórico importante na complementação de tais conceitos.
3 – Transformações metodológicas: Capital Social e Sítios
Como já apontado, a crise econômica dos anos 1970, também conhecida
como crise da era de ouro, teve como principal conseqüência uma reconfiguração
espacial não apenas da produção capitalista
13
, mas também da própria organização da
produção. Tais transformações suscitam dois grandes debates, o primeiro relaciona-se a
própria estrutura produtiva onde ganham força as idéias acerca dos Novos Distritos
Industriais (NDIs), corolários imediatos de um novo regime de acumulação. O segundo,
complementar ao primeiro, refere-se à própria reconfiguração espacial, onde ganha
força a discussão acerca do território e sua desterritorialização. Abordaremos a seguir as
principais características deste duplo debate.
Veiga (1999, p. 01) aponta que a primeira grande experiência de
enfrentamento a este novo paradigma ocorreu na Áustria, sendo também lá que se
verificou uma nova experiência de desenvolvimento.
Como logo no início dos anos 1970 a Áustria foi duramente castigada pela
crise do padrão de crescimento da “era de ouro”, foi por lá que primeiro se
experimentou propostas de reestruturação industrial discutidas no âmbito das
organizações internacionais que acabaram convergindo para a idéia central de
promover o “desenvolvimento local”.
13
Pois vemos surgir no cenário produtivo mundial áreas antes desconhecidas, ao mesmo tempo em que
assistimos perder importância regiões já consolidadas em determinados segmentos de produção. A
exemplo, cita-se o caso de Detroid nos EUA que deixou de ser conhecida pela sua ligação com a indústria
automobilística.
Ainda de acordo com Veiga (1999, p. 02), a principal característica desta
nova forma de desenvolvimento é a busca de utilização dos recursos característicos de
cada região.
A principal diferença entre os “conceitos” de 1981 e de 1991 foi que o último
não visa diretamente a redução das disparidades regionais de padrão de vida,
nem a criação/atração de novas empresas em áreas menos favorecidas
mediante incentivos financeiros. O texto de 1991 procura, ao contrário,
definir com clareza o potencial de cada região para um desenvolvimento
“endógeno”, dando origem, no âmbito federal, ao “Programa para o
Desenvolvimento Regional Endógeno (FER).
A Experiência da Áustria chamou a atenção da OCDE que, após uma
análise inicial, tratou de usar tal “política” como complemento às ações de
desenvolvimento regional e não como uma política autônoma ou independente. A razão
para isso reside na preocupação, por parte da OCDE, que gera a falta de uma
coordenação eficaz do processo possa comprometer de todo os esforços locais.
Também nos anos 1970, a Itália assistia ao surgimento de uma nova forma
de organização produtiva que mais tarde viria a tornar-se paradigmática. A região da
Emilia Romagna, outrora pobre e institucionalmente ineficiente, por meio de uma
articulação entre diversos segmentos sociais, como é o caso dos sindicatos, partido
políticos e outras organizações sociais, não apenas conseguiu superar a condição do
atraso, como também foi capaz de atrair e manter investimentos caracterizando assim
um desenvolvimento sustentado.
O caso da Terceira Itália chama a atenção pelo fato de que diferentemente
de outras experiências, até mesmo da austríaca, a superação do atraso ocorre por meio
de uma construção social em que os diferentes segmentos sociais articulam-se em prol
do bem comum. É neste âmbito que ganha força a discussão acerca do papel e
importância do capital social, um conceito teórico tributário em grande parte aos
sociólogos que, em linhas gerais, deve ser entendido como a capacidade de organização
da sociedade.
O conceito de capital social constitui hoje uma condição indissociável do
estudo do desenvolvimento de regiões deprimidas, até mesmo as agências multilaterais
– Banco Mundial, FAO, ONU – que lhe fazem uso quando da necessidade de
promoção da superação do atraso. Porém, sua precisão e utilidade ainda é tema de muito
debate, não sendo ainda estabelecido um consenso na literatura quanto a sua eficácia e
eficiência.
Por outro lado, autores como Piore & Sabel (1984), analisando o caso da
Terceira Itália chegam a argumentar que o fenômeno ali observado tratava-se de uma
característica mais geral das transformações capitalistas e não apenas um caso
particular, inaugurando assim a terminologia conhecida como “especialização flexível”,
conceito este que inaugura um importante debate dentro da economia, geografia e
sociologia. De acordo com Haesbaert (2006, p 27), a nova configuração espacial que
surge com o advento da “especialização flexível”, cujo cerne é a nova territorialidade,
suscita um grande debate que adentra não apenas no campo dos economistas, mas
também dos geógrafos e sociólogos. É assim que Haesbaert identifica tal debate
argumentando que
Muitos sociólogos e antropólogos, que há varias décadas ignoravam ou
criticavam leituras geográficas ou sobre a territorialidade humana,
redescobrem a importância da dimensão espacial da sociedade – agora,
porém, notadamente a fim de diagnosticar a polêmica desterritorialização
“moderna” – ou “pós-moderna” do mundo. Como se aí, também não
houvesse sempre, conjugadas, a destruição e produção de novos territórios,
tanto aqueles mais abertos e flexíveis quanto aqueles mais fechados e
segregadores.
Decerto, tal característica – ainda que sob um ponto de vista
diametralmente oposto – também é considerada por Bagnasco (1999, p. 35), porém, este
chama a atenção para o fato que não podemos “generalizar” com base no caso da
Terceira Itália, pois ali encontravam-se condições específicas que favoreceram a criação
de uma atmosfera favorável não só a multiplicação das pequenas empresas como
também a própria superação dos dilemas de ação coletiva, pois
Se questionarmos os fatores que contribuíram para a multiplicação das
pequenas empresas ao longo das últimas décadas do século XX, devemos em
primeiro lugar enfatizar as razões que prevalecem em geral e, somente
depois, os particularismos das nações e regiões que, antes, ou melhor que as
outras, souberam se aproveitar destas oportunidades . Entre esses fatores
gerais, podemos citar os fatores culturais. [...] no final dos anos de 1960 ,
outros fatores desempenharam um papel significativo, como a radicalização
das relações capital-trabalho nas grandes bricas e, em conseqüência a busca
de condições mais flexíveis de uso da mão-de-obra nas pequenas unidades.
Dentre os fatores particulares de cada região, Bagnasco (1999, p. 37),
baseando sua análise apenas na Tereira Itália identifica cinco aspectos favoráveis ao
desenvolvimento daquela região, os quais são:
a) O desenvolvimento das regiões que sediam ummero muito grande de
pequenas empresas ocorreu sem que uma política econômica previsse
programas especiais para essas regiões.
b) [...] existem inúmeras leis que podemos considerar direta ou indiretamente
favoráveis à pequena empresa. Para citar apenas um exemplo, as leis
favoráveis ao artesanato são desse tipo.
c) Podemos considerar outros aspectos da política governamental como os
fatores favoráveis a implantação das menores empresas; por exemplo, em
períodos determinados, a política cambial pode ter estimulado as pequenas
empresas de alguns setores, mas de nenhuma maneira foi responsável por
propiciar esta forma de desenvolvimento.
d) Os poderes locais, em particular os governos regionais, elaboraram formas
de incentivo para promover a pequena indústria. Apesar disso, sabemos que
em geral os poderes locais intervieram num momento em que o crescimento
já tinha sido iniciado.
e) Enfim, as condições positivas mencionadas até então foram, em geral,
válidas para o conjunto do território nacional. Podemos, então, questionar-
nos sobre o fato que, no seu perímetro, algumas regiões, mais que as outras,
tornaram-se regiões onde as pequenas empresas predominaram. É nesse nível
que entra em consideração os particularismos sociais e culturais.
O particularismo de Bagnasco (1999) em relação a Piore & Sabel (1984)
reside no fato que estes últimos, correlacionam o crescimento das regiões motivado por
transformações na lógica de acumulação, dessa forma, mostram, mas não demonstram
de que forma ocorre o processo de desenvolvimento das regiões antes deprimidas, ao
passo que Bagnasco (1999) considera além das transformações na lógica de acumulação
as especificidades culturais
14
de cada região, fator este que poderá favorecer ou obliterar
as vias de desenvolvimento de cada região.
É assim, partindo da interação de aspectos econômicos e culturais, para não
dizer econômico e político, que um conjunto de autores, tais como Becattinni (1999),
Bagnasco (1999), Sforzi (1999) e principalmente Reis (2000) invalidam a análise de
correntes mais arautas da globalização, como foi o caso de Fukuyama (1992) e Ohmae
(1995) que encaram esta como um processo irreversível e incontestável.
Porém, a existência de um padrão de especialização flexível como
paradigma de produção e crescimento não constitui um ponto comum dentro da
literatura. Autores como Markusen (1995) contestam veementemente que o modelo de
“especialização flexível”, conhecidos como Novos Distritos Industriais Marshallianos
(NDIs), típico da Terceira Itália venha a se constituir um novo padrão de produção.
Muito pelo contrário, seu estudo aponta que tais distritos constituem mais como uma
exceção do que a regra, mesmo em países em desenvolvimento, e aponta que mesmo os
países menos desenvolvidos podem manter áreas de atração e retenção de investimento
por meio de outras formas de Distritos que não necessariamente os Marshallianos.
Decerto, a análise de Markusen (1995) não deixa de ser pertinente, embora
não apreenda uma dimensão significativa da realidade. Isto assim o é pela própria
metodologia de pesquisa utilizada pela autora, cuja argumentação orienta-se no sentido
14
Culturais não no sentido folclórico mas no sentido das crenças, costumes e regras de relacionamento.
de uma alternativa analítica ao próprio conceito de Distrito Industrial Marshalliano na
sua vertente Italiana. Para isso, ela propõe que se trabalhe com uma definição mais
ampla de Distrito Industrial, sendo que um “Distrito Industrial é uma área espacialmente
delimitada, com uma nova orientação de atividade econômica de exportação e
especialização definida, seja ela relacionada à base de recursos naturais, ou a certo tipos
de indústrias ou serviços” (MARKUSEN, 1995, p 14).
A proposta de Markusen, ainda que de forma não intencional, permanece
em boa parte presa aos pressupostos da economia regional, qual seja uma análise
baseada na noção de espaço. Daí nossa argumentação de que a mesma apesar de
pertinente não apreende uma dimensão significativa da realidade, pois tomar como
parâmetro básico de análise a dimensão espacial é fazer uma leitura incompleta da
realidade, em que está presente apenas uma parte da materialidade do processo e não
seus demais elementos condicionantes. É neste sentido que argumentamos porque
alguns autores mostram, ainda, que não demonstram o processo de desenvolvimento de
determinadas regiões.
Por outro lado, Markusen reconhece uma dimensão política quanto à
capacidade de um distrito ser exitoso ou lastimosa frente ao processo de globalização,
Ressalta-se também, para além das peculiaridades de cada caso, a sua maior
resistência ou vulnerabilidade aos desafios de uma economia cada vez mais
globalizada. Nesse aspecto, distritos muito bem sucedidos em um
determinado momento podem deixar de sê-lo a longo-prazo. Fundamental
para o seu sucesso ou fracasso é a presença ou a ausência de relações de
poder fortes e, ao mesmo tempo, desbalanceadas internas ou externas aos
limites do distrito (MARKUSEN, 1999, p 15).
Porém, a utilização da dimensão política – apesar de constituir-se um
elemento importante – em pouco altera a argumentação de Markusen. Isso ocorre pelo
fato que não está claro para esta autora em que grau hierárquico a dimensão política fica
estabelecida, se ela antepõe, sobrepõe ou é concomitante a materialidade.
De outra maneira, Markusen argumenta uma incongruência, metodológica
nas pesquisas relacionadas aos Novos Distritos Industriais Marshallianos:
“Um problema decorrente da linha de pesquisa usualmente adotada na
literatura sobre os NDIs: o estudo intensivo de casos particulares, tomados
sem a consideração da sua inserção na moldura mais ampla de uma economia
de caráter global. É por certo proveitosa a pesquisa sobre o que explica seu
variado sucesso. Contudo, uma vez escrutinados, há que ter uma visão
comparativa de sua performance no âmbito de uma amostra mais ampla e
representativa da variedade de casos possíveis de se encontrar
(MARKUSEN, 1995, p 34)
Decerto, ainda que de forma não intencional, autores como Lipietz &
Leborgne (1994) parecem levar a cabo a proposta metodológica de Markusen e também
relativizam o padrão de especialização flexível como um modelo hegemônico já
consolidado e “aceito” pelas mais distintas economias, como foi o caso do fordismo no
pós-Segunda Guerra. Para estes autores, com base na teoria da regulação, claro está que
o antigo modelo de acumulação exige uma nova alteração nas bases de produção que
por sua vez engendra alterações no modo de regulação e com isso no próprio modelo de
desenvolvimento. Porém, o que não está claro ainda é em que sentido ocorrerá tal
alteração.
A proposta analítica destes autores procura lançar luz a este questionamento.
Para eles, a intensa revolução tecnológica já foi capaz de alterar profundamente a
divisão internacional do trabalho
15
, no entanto, o que se observa nesta nova
configuração é que certos territórios
16
estão sendo mais exitosos que outros. A
explicação para estas dinâmicas divergentes reside naquilo que Lipietz & Leborgne
(1994, p. 235) consideram como:
15
Neste ponto, Leborgne & Lipietz (1994) possuem uma argumentação muito próxima a de Harvey
(2006) conforme será mostrado nos parágrafos posteriores.
16
O conceito de território utilizado por tais autores é no sentido físico (nações, regiões).
A herança do passado dos territórios evidentemente, mas através do prisma
constituído pela formação de um bloco social territorial, o qual, pelas lutas e
pelos compromissos que o definem, vai pesar sobre conjunto dos atores e
determinar o destino do território. A formação destes blocos está atualmente
em curso: de momento só é possível falar de ‘projetos políticos-culturais’
com vista à constituição desses blocos, e de práticas dos atores tendentes a
realizá-los.
A idéia de bloco social passa então a constituir um significativo parâmetro
de análise, visto que é dela que surge a noção de “flexibilidade defensiva” e
“flexibilidade ofensiva”, conceito estes que servem como hipótese na explicação da
diversidade de territórios existentes.
Assim como a flexibilidade dos equipamentos, das relações de trabalho e das
relações entre empresas, pode ser alvo de diferentes interpretações, assim
também as políticas e os projetos territoriais conduzidos em nome da
flexibilidade correspondem a blocos sociais em formação totalmente
diferentes. Para simplificar, distinguiremos os discursos e as práticas das
‘flexibilidade ofensiva’ e da ‘ flexibilidade defensiva. (LIPIETZ &
LEBORGNE, 1994, p 235)
A grande desvantagem da análise de Lipietz e Leborgne (1994) é que esta
não trata dos territórios deprimidos, ou seja, apesar de ser um referencial teórico
robusto, não há considerações sobre áreas cuja dinâmica capitalista ainda não penetrou,
e por isso mesmo as relações salariais
17
e com isso a própria distribuição de renda, não
segue a mesma base de um regime do regime de acumulação hegemônico.
Por um outra via, Reis (2000) também se dedica a analisar o fenômeno das
transformações contemporâneas, levando em consideração uma “moldura mais ampla”
18
, e seus desdobramentos sobre a “formação” ou alteração na dinâmica econômica e
social dos territórios. No entanto, a “moldura mais ampla” para Reis é constituída de
17
No caso do Brasil, de acordo com Ramos (1999) o salário mínimo, como uma política de Estado é
responsável pela significativa melhora na distribuição de renda dos municípios de caráter rural, ao passo
que na ausência daquele, a distribuição de renda teria atingido um patamar desfavorável aos
trabalhadores. Dessa forma, parece não existir nestes municípios um caráter de “flexibilização ofensiva”
ou “flexibilização defensiva”.
18
Nos termos de Markusen (1995)
três grandes universos
19
, qual sejam: o da própria globalização, o da não globalização e
o das trajetórias inesperadas.
O universo da globalização é constituído, em linhas gerais, por uma
triadização da economia
20
, aumento do fluxo de comércio, predomínio da
financeirização
21
, homogeneização cultural. De outra maneira, o universo das trajetórias
inesperadas “é aquele que sem ser excluído ou localmente não sistêmico, é tão universal
como a globalização, mas parte de conceitos próprios e tem capacidade para criar suas
próprias trajetórias” Reis (2000, p.106). Já o universo da não globalização é assentado
em dois aspectos principais, quais sejam: a própria exclusão, gerada pelo processo de
globalização e um conjunto de práticas assentadas numa economia de base moral e não
sistêmica. Ressalta-se que este segundo aspecto condiciona as vias da formação de uma
institucionalidade autônoma, fato este que invalida uma análise de referencial
neoclássico, posto que considerações morais limitam a racionalidade do “homo
economicus” sendo substituído pelo “homo situs
22
Aquilo que Lipietz & Leborgne (1994) identificaram como “flexibilização
defensiva” e “flexibilização ofensiva” aproxima-se muito, sem, portanto substituir,
aquilo que Reis (2000) identifica como o “mundo” da globalização e o “mundo” das
trajetórias inesperadas. Dito de outra forma, são nomenclaturas distintas para um
mesmo fenômeno: atrair e manter investimentos. Por isso mesmo, a grande contribuição
de Reis (2000) foi considerar não apenas aquelas unidades territoriais que estão
ganhando ou mantendo-se no e com o processo de globalização – como fez Markusen
19
A justificativa de Reis para o uso de tais dimensões repousa na tentativa de se fazer uma análise mais
completa da realidade. Diferentemente das análises hegemônicas, que tratam da realidade com base
apenas no universo da globalização.
20
Triadização da economia refere-se ao fato que o grande fluxo de comércio intra e inter empresas e a
própria homogeneização cultural concentra-se entre EUA, Japão, União Européia.
21
Convém ressaltar que para os autores de formação Regulacionista este é o elemento que distingue a
atual etapa do capitalismo de todas as outras.
22
O Conceito de “Homo Situs” é proveniente da Sociologia Econômica que trabalha a questão do
simbolismo
(1995), Lipietz & Leiborgne (1994) – mas também aquelas que não fazem parte deste
processo e por isso mesmo buscam alternativas diversas de melhor neutralizar a
externalidade negativa gerada pela globalização.
A proposta analítica de Reis (2000), não deixa de ser pertinente, mas para
que seja exitosa, exige uma apreensão da realidade que está para além das formas
convencionais
23
, ou seja, necessita que se considerem dimensões outras que não apenas
uma materialidade existente determinada por uma relação capital trabalho ou
“construída” pelo próprio “homo” a partir de sua habilidade em conseguir a cooperação
dos outros de forma a promover o bem comum, para não dizer “social skill”.
A nosso ver, o primeiro passo para uma apreensão da realidade que esteja
para além das teorias convencionais
24
passa por uma melhor compreensão da dimensão
espaço tempo. A razão disso decorre do fato de que as teorias ditas convencionais não
aprofundaram muito tal temática, além de raramente tratarem tais dimensões de forma
conjunta.
A discussão acerca do espaço foi muito bem conduzida pelos economistas –
principalmente aqueles de formação em economia regional – e também pelos geógrafos,
sobretudo aqueles de formação em geografia humana. Decerto, autores como Althusser
chegaram a criticar veementemente a noção de espaço com que trabalham os
economistas da localização
25
, destacando que esta é insuficiente para apreender a
complexidade existente. Na realidade, a grande preocupação de Althusser seria tentar
encontrar uma lei do valor para o espaço, tal qual existe na economia mercantil de troca.
23
Por formas convencionais devemos entender as já consagradas teorias do comercio internacional, a
teoria econômica regional além da própria geografia humana e econômica.
24
A razão disso decorre do fato que conforme já apontado por vários autores, às teorias convencionais
não estão sendo capazes de apreender as transformações existentes de forma significativa.
25
Economistas da localização devem ser entendido como o conjunto de economistas que contribuíram
para a economia regional com as teorias da localização, estamos nos referindo a Weber, Isard, Von
Thunem.
De outra forma, os economistas de formação matemática, apreendem o
espaço numa perspectiva geométrica
26
, por isso mesmo consideram o espaço como o
conteúdo de um plano. Considerar o espaço como conteúdo de um plano poderia
facilitar um diálogo com os geógrafos – principalmente àqueles de formação humana –
na medida em que se estabelece que não há espaço vazio.
Os geógrafos, por sua vez, consideram o espaço num sentido físico,
consideração esta responsável por uma divisão dentro da própria geografia que inaugura
um novo ramo, a saber, o da geografia humana. Uma vez mais, temos um espaço como
conteúdo de um plano, o que permitiria um diálogo com os economistas, não fosse um
pequeno inconveniente, o conteúdo do plano a que se referem os geógrafos humanos
possui várias dimensões
27
é assim que se inaugura uma discussão acerca do território.
A discussão acerca do território por um lado dificulta
28
um diálogo com os
economistas – visto que estes nunca tiveram por objeto de estudo o território – mas por
outro favorece uma discussão com os sociólogos, notadamente os antropólogos.
Definir território não é tarefa das mais simples, isto ocorre em parte pela
própria falta de diálogo entre as diferentes disciplinas tais como sociologia, psicologia,
biologia, que tratam, cada uma a seu modo, do próprio conceito de território. No
entanto, “não pensemos que essa polissemia acaba quando adentramos na seara da
geografia. Ela é bem visível no verbete do dicionário Le mots de la Geographie,
organizado por Roger Brunet e outros. Ele reúne nada menos que seis definições para
território” Haesbaert(2006, p. 39).
26
Também conhecida como Euclidiana.
27
Para não dizer muitos outros planos.
28
De notar que geógrafos como Milton Santos tentou estabelecer esse diálogo, partindo do conceito de
“território usado”, que concede um sentido econômico ao território, no entanto, tal tentativa acabou se
revelando de mão única, visto que não encontrou eco entre os economistas.
3.1 – Capital Social
A teoria do capital social – que, grosso modo, deve ser entendida como a
capacidade de organização e mobilização da sociedade – ganhou popularidade
29
com o
trabalho de Putnam (2000) ao analisar o extraordinário caso de sucesso da Terceira
Itália, chegando a exercer influencia considerável sob agencias multilaterais, como foi o
caso do Banco Mundial. Porém, até o presente momento tal teoria mostra-se longe de
ser consenso entre as diversas disciplinas que se propõem utilizá-la, dando margem a
uma série de interpretações se não equivocadas, no mínimo apressadas.
Autores como Bourdieu (2007), Coleman (1988), Abramovay (2000),
Woolcock (1998) Granovetter (2003) Moyano
30
(1999) e até mesmo agências
multilaterais como é o caso da ONU, FAO também o utilizam como referencial teórico
na explicação ou descrição quanto às possibilidades de desenvolvimento de qualquer
empreendimento humano, seja ele uma empresa, uma associação ou até mesmo o
próprio indivíduo
31
.
Para Bourdieu (2007) o capital social fundamenta-se numa rede de relações
institucionalizadas onde predomina o reconhecimento mútuo. Dessa forma, infere-se
que o capital social aproxima-se a uma “confederação de interesses” visto que favorece
apenas aqueles que dele se apóiam, dando a aquele um caráter oportunista. Em face de
tal diapasão, não está claro como se cria ou se mantém o capital social e mais uma vez
corre-se o risco de mostrar, mas não demonstrar como pode ocorrer a superação do
atraso das regiões deprimidas.
29
Ressalta-se que a popularidade de tal trabalho tem seu mérito por influenciar agencias multilaterais
como foi o caso do Banco Mundial.
30
Moyano faz uma resenha do modelo síntese de Woolcock (1998).
31
Neste caso fazemos referencia a Coleman (1988), que analisa a importância do capital social na criação
do capital humano.
Para Moyano (1999), a noção de capital social está presente – ainda que de
maneira muito vaga – mesmo nos economistas clássicos, como é o caso de Smith
32
,
Hume e até mesmo Marshall
33
, que não raro chamavam atenção para a necessidade da
existência de normas de cooperação como elementos capazes de favorecer a eficiência
do mercado. Por outro lado, as tradições sociológicas de Weber e Durkheim também
fazem jus a tal conceito com a diferença que para esta tradição as forças sociais
possuem um caráter mais autônomo que nas considerações dos economistas clássicos.
Dessa forma, inaugura-se uma tradição de análise que aponta para uma visão
sobresocializada – referente à análise dos sociólogos – ou subsocializada – referente a
análise dos economistas –, do homem. Tradição esta que por um lado obliterou
34
o
conceito de capital social, por isso mesmo comprometeu a capacidade de apreensão da
realidade de maneira mais significativa, e por outro
35
o superestimou
36
. Assim, “a única
coisa que poderíamos dizer com certeza é que o capital social é uma noção polissêmica,
que encerra múltiplas dimensões da vida social, dimensões que, na prática se apresenta
combinada de diferentes formas segundo os contextos situacionais” Moyano (1999, p,
13, tradução nossa).
Para Moyano (1999), a polissemia da noção
37
de capital social suscita
algumas debilidades teóricas, que se não prejudicam o debate; no mínimo, o torna
difuso. A primeira debilidade teórica apontada por Moyano reside na própria múltipla
32
Neste caso, a referencia é ao livro Teoria dos Sentimentos Morais, publicado antes da conhecida A
Riqueza das Nações.
33
Denotar que o próprio conceito de Distrito Industrial defendido por Marshall está presente a noção de
capital social, pois a “atmosfera” a qual se refere Marshall não é outra coisa senão uma institucionalidade
que surge de uma externalidade positiva.
34
Visto que com advento da revolução marginalista os economistas passaram a desconsiderar por
completo a noção de capital social assinalada pelos seus patrícios.
35
Tributa-se tal fenômeno aos sociólogos.
36
Convém ressaltar que tal tradição de análise é duramente criticada por Coleman (1988), conforme
veremos mais adiante.
37
Diferentemente de Moyano, preferimos utilizar o termo “noção” ao invés de “conceito” justamente pelo
fato de não haver um conceito uniforme de capital social, com isso pretende-se evitar discussões
semânticas.
funcionalidade atribuída ao termo, pois com este, intenta-se explicar muitas coisas. Por
isso mesmo – e esta é apontada como a segunda debilidade teórica – observa-se uma
diversidade de recomendações para as políticas de desenvolvimento que, não raro,
resultam em resultados contraditórios. De outra forma – e aqui se encontra a terceira
debilidade teórica – a analogia que se faz do capital social com o capital financeiro ou
físico, ou seja, como algo que pode ser maximizado e com isso quanto maior o grau de
“acumulação” de capital social melhor para a sociedade, deve ser vista com muito
cuidado, pois há casos em que a presença de um alto grau de capital social pode se
mostrar prejudicial para determinada comunidade.
Independente de suas debilidades teóricas – ou talvez por isso mesmo – e
caráter polissêmico, a noção de capital social cada vez mais suscita debate entre as
diferentes disciplinas
38
, e ao mesmo tempo vem ganhando significativas contribuições.
39
Em sua vertente norte americana, o capital social está associado ao
fortalecimento da democracia. Para os autores dessa formação, o capital social deve ser
entendido como o produto da “combinação entre compromisso cívico, comunidade e
liberdades individuais resultaria o capital social, base da democracia liberal norte-
americana” (MILANI, 2003, p. 05).
A mesma crítica também pode ser estendida a autores como Putnam
(2000), que deixou por despercebida tal questão – ainda que não fosse esse o objetivo
principal do seu trabalho. Ademais, a leitura de Putnam aponta para um viés
determinista dos atores sociais, na medida em que não explica o que ocorre em
situações onde não há uma raiz cívica, como aconteceu no caso da Terceira Itália.
Fukuyama (1995), orientado pelo entendimento do capital social de
Coleman e talvez influenciado pela perspectiva teórica da Nova Economia Institucional,
38
Ainda que a hegemonia do debate ainda estabelece-se na seara dos sociólogos e economistas,
respectivamente.
39
Em grande parte favorecida pelos avanços da Nova Sociologia Econômica.
argumenta que a confiança constitui uma condição sine qua non para a diminuição dos
custos de transação do sistema econômico e com isso o favorecimento do seu
desenvolvimento. Para isso, ele compara dois casos que beiram o extremo – EUA e
Taiwan – como exemplos capazes de corroborar sua hipótese. Na sua argumentação, em
virtude do baixo grau de confiança existente em Taiwan
40
, prevalece a prática do
nepotismo que, por sua vez, influencia o desempenho dos negócios. Dessa forma, para
sociedades onde prevalecem as características de Taiwan, há a predominância de
pequenos negócios, ao passo que, nos EUA há uma predominância das grandes
corporações justamente em virtude do alto grau de confiança, fato este que se não
oblitera pelo menos torna desnecessário o nepotismo.
Decerto, a relação de confiança é, por assim dizer, a principal dimensão do
capital social. No entanto, assim como na estatística correlação não quer dizer
causalidade, também na teoria do capital social confiança não quer dizer reciprocidade
– uma outra dimensão não menos importante do capital social. Sem atentar para isso,
Fukuyama conclui que em países subdesenvolvidos, onde a relação de confiança é
muito baixa – e com isso também o capital social –, não há possibilidades de
crescimento das empresas nacionais para além de suas fronteiras. Em outras palavras,
um país subdesenvolvido não consegue “fomentar” o surgimento e desenvolvimento de
empresas transnacionais justamente porque as relações de confiança por serem débeis,
obliteram a implantação de uma tecnocracia dentro das empresas, elemento este que
passa a ser substituído pelas relações familiares, nem sempre aptas a enfrentar os
ditames que a concorrência exige.
Por outro lado, autores como Fellmeth (1996), incitado o debate por meio da
argumentação de Fukuyama (1995), contesta a hipótese que o nível de confiança seja
40
Convém ressaltar que a falta de confiança a que se refere Fukuyama é relacionada a não credibilidade
das instituições típicas de uma sociedade mercantil.
um elemento explicativo na diminuição dos custos de transação de um sistema
econômico. Ademais, Fellmeth argumenta que a “confiança social” não possui impacto
algum sobre o desenvolvimento dos EUA, e não explica também o fenômeno do
desenvolvimento de Taiwan, conforme argumentou Fukuyama.
Rather, the rule of law has kept transaction costs low and trust unnecessary in
the United Sates. Trust is not important in any state’s economy. The real
reason why private business have not formed large corporations without state
in Taiwan, I argue, is not a lack of trust but a lack of rule of law
(FELLMETH, 1996, p. 152)
Por isso mesmo,
To deduce, as Fukuyama does, that because American form Bible study
groups and literary clubs they can trust each other in their economic relations
is absurd. Rather, without knowing it he has ignored the important
differences between voluntary organizations, of which there are no less than
four types: (i) altruistic charity organizations, (ii) riskless self-benefitting
hobby oranisations such as coral societies, (iii) low-risk self benefiting
business or special interest organisations such as Automobile
Manufacturers´s Association or labour union, and (iv) High risk self-
benefitting organizations like partnerships and corporations.
When voluntary organization are disaggregated in this way it becomes clear
that individual behavior in the first three categories of activity is likely to be
considerably different form that in the fourth. The motives ostensibly
accompanying participation in an altruistic organization (selflessness,
generosity, etc.) are diametrically the opposite of those involved in
participation in a business organization (desire for personal gain). Most Peace
Corps volunteers might conceivably joint out of ‘non rational
habit’(1995a:90), but they certainly do not form corporations that way. In
fact, participants active in altruistic organizations may be even the type of
people least likely to engage in the creation of corporations or similar
business-oriented activities. As for categories (ii) and (iii), participanting in
an organizations where there is something to gain and little to lose requires
very little trust, but where it does require trust individuals have a good
incentive (and little disincentive) to co-operate. In contrast, participation in
business organizations is riskly and correspondingly high possible gains
(FELLMETH, 1996 p. 157-158)
Todo o trabalho de Fellmeth é dedicado à tentativa de provar que a
confiança
41
não constitui um elemento necessário para o desenvolvimento do sistema
econômico mercantil. Mais que confiança em sociedades – e ele toma o caso do EUA
como referência – onde o conjunto de regras e lei instituídas prevalece, observa-se um
maior dinamismo econômico.
41
Leia-se Capital Social.
O argumento de Fellmeth chama atenção pela conclusão paradoxal a que ele
chega. Por um lado, sua perspectiva crítica conduz o leitor ao entendimento de que o
capital social não influencia o desenvolvimento do sistema econômico, sendo aquele
substituído pela eficiência das instituições que fazem prevalecer a lei. Dessa forma, sua
análise aproxima-se muito dos argumentos da Nova Economia Institucional.
Por outro lado, ao argumentar que o mecanismo de confiança social
manifesta-se de forma distinta, conforme a natureza da identidade entre os partícipes,
acaba aproximando-se da teoria dos sítios, ainda que não seja essa sua intenção. O que
resulta daí é um modelo teoricamente fálico, na medida em que não está construída a
maneira como ocorre a articulação entre o “nível micro”, qual seja, os indivíduos
agregados em associações e o “nível macro”, entendido como o papel desempenhado
pelas instituições. Dessa forma, o argumento de Fellmeth que não é a confiança e sim a
força das instituições
42
em aplicar e fazer prevalecer na lei o elemento fundamental do
desenvolvimento, além de não gerar uma hipótese forte também contribui para ofuscar o
debate acerca do capital social.
De outra maneira, a grande contribuição para o debate acerca do capital
social ocorre a partir do projeto de pesquisa da Nova Sociologia Econômica,
notadamente com o artigo clássico de Granovetter (1985) que, influenciado por Polanyi
(1980), desenvolve o conceito de “embeddedness” que, literalmente, pode ser entendido
como enraizamento
43
. Por isso mesmo, “as relações sociais, mais do que os dispositivos
42
O perigo do argumento de Fellmeth pode ser aplicado ao fenômeno das exorbitantes taxas de juros
verificadas no Brasil. A fim de explicar porque no Brasil as taxas de juros são tão altas, um grupo de
economistas elaborou a proposta LARIDA ao argumentar que a falta de colaterais – leia-se a não
existência de uma legislação mais enérgica – tornava os juros mais altos justamente para compensar o
risco de perda. Dessa forma, uma vez que a legislação fosse mais enérgica e se fizesse valer, haveria
espaço para uma queda das taxas de juros e com isso inaugurar um ciclo virtuoso de investimentos.
Posteriormente, Holland (xxxx) testou tal hipótese, verificando um resultado totalmente distinto daquele
preconizado pela proposta LARIDA. Para Holland, o alto nível da dívida publica e não a força da
legislação é o principal responsável pela exorbitância da taxa de juros no Brasil.
43
Embora o próprio Granovetter se refira a tal termo como incrustação.
institucionais ou a moral generalizada, são as principais responsáveis pela produção de
confiança na vida econômica”. Granovetter ( 2003, p.80).
O conceito de “embeddeness” é suficientemente forte para que se
reconsidere a proposta teórica e empírica acerca do comportamento humano quando
inserido numa coletividade. A proposta de Granovetter é romper com a noção
atomizada do “homos”, tão presente não só na argumentação neoclássica como também
nas considerações sociológicas clássicas. Dito de outra forma, o rompimento da herança
intelectual legada aos economistas e sociólogos na concepção sobressocializada e
subsocializada do homem, parece agora encontrar um elo com a proposta do
“embeddendess”. Ao utilizar o conceito de “enraizamento”, Granovetter critica a Nova
Economia Institucional, mais precisamente a hipótese de Williamson (1989), na qual os
custos de transação determinam a forma organizacional. Assim, os desenhos de
empresas hierarquicamente estruturadas ou empresas mais horizontais não são outra
coisa senão a melhor forma de organização face aos custos de transação enfrentados.
Ademais, os elementos constituintes dos custos de transação para Williamson residem
em dois aspectos principais, qual seja; i) o grau de confiança no futuro; ii) freqüência
das interações entre os atores – que podem ser empresas ou indivíduos. Dessa forma, a
maneira de organização de uma empresa não deixa de refletir outra coisa senão uma
tentativa de superação dos dilemas de ação coletiva
44
.
Ora, uma vez que sob esse prisma seja aplicado o conceito de
“embeddeness”, a conclusão que se chega é “que as relações sociais entre empresas são
mais importantes e a autoridade no interior das empresas menos, na manutenção da
44
Williamson não faz referencia a esse termo, muito pelo contrario, prefere não tratar este aspecto,
substituindo-o engenhosamente por uma concepção de homem quedada ao oportunismo, de maneira que
as instituições não são outra coisa senão a tentativa de limitar o oportunismo. Dessa maneira, Williamson
atenta demasiada preocupação ao papel e propósito da hierarquia nas formas de mercados.
ordem da vida econômica do que aquilo que supõe a linha de pensamento baseada nos
‘mercados e hierarquias’” (GRANOVETTER, 2003 p. 91)
Para Granovetter, o mais importante a considerar não é a forma das
organizações, mas sim a natureza dessas relações. No entanto, as formulações acerca da
natureza das relações apesar de necessariamente implicarem considerações a respeito da
formação histórica dos atores assim como seu referencial simbólico, não podem ser
resumidas a uma visão antropológica, sob pena de se manter o rompimento entre a visão
subsocializada e sobressocializada do homem.
Decerto, a ênfase mais geral de Granovetter reside na preocupação em
demonstrar que não se pode desprezar a estrutura social, de modo que ela não pode ser
tratada de maneira “exógena”, conforme estabelece o referencial neoclássico ou os
novos economistas institucionais. Porém, mesmo considerando a questão do
enraizamento como elemento condicionante das estruturas sociais, Granovetter não
aprofunda sua análise de modo a esclarecer como ocorre tal incrustação. No entanto, sua
argumentação, favorece o entendimento acerca da natureza das relações sociais, fato
este que contribui de forma positiva para o entendimento do funcionamento das relações
baseadas no capital social.
Outro autor que, de maneira bastante engenhosa, contribuiu com o debate
acerca do tema capital social foi Woolcock (1998) que, propondo um modelo síntese no
qual ele articula as contribuições dos teóricos do “enfoque dos grupos étnicos” e o
“enfoque do institucionalismo histórico” – ambos os campos provenientes da sociologia
do desenvolvimento –, consegue avançar no entendimento quanto à funcionalidade do
capital social. Denotar que para o primeiro enfoque teórico, já está presente o conceito
de “embeddeness” ao passo que para o segundo, trabalha-se o conceito de autonomia,
dessa forma, tudo o que Woolcock faz é unir tais conceitos num único corpo teórico
pretendendo com isso articular as dimensões macro e micro dos atores
45
. A partir da
noção de “embeddeness”, geram-se duas importantes disjuntivas; i) as instituições
econômicas somente podem ser explicadas a partir das relações sociais nas quais estão
inseridas; ii) os benefícios proporcionados pelo enraizamento sempre é acompanhado de
custos e o cálculo do custo e benefício é sempre alterado conforme a natureza do
processo de desenvolvimento. É justamente o questionamento quanto aos custos ou
benefícios do enraizamento que gera uma dificuldade teórica, prontamente
complementada pelo conceito de “autonomia”. O que se segue de então constitui um
melhor entendimento acerca do capital social, qual seja: para que constitua um fator
positivo para o desenvolvimento de uma comunidade, o capital social dever ter como
base não apenas o enraizamento, mas também a autonomia.
Ressalta-se que a proposta engenhosa de Woolcock encontrou sérias
limitações quando aplicada ao fenômeno concreto. Por isso mesmo, seu “modelo
síntese
46
” teve que passar por sérias alterações a fim de tornar factível uma interpretação
do caso concreto, tudo isso se justifica após a constatação que as dinâmicas de
comportamento no nível micro diferem daquelas existentes no nível macro
47
. Woolcock
argumenta que tanto o conceito de autonomia quanto o de “embeddeness” carecem de
um aprofundamento. Dessa forma, Woolcock inaugura quatro conceitos que passam a
ser aplicado tanto em nível micro quanto ao nível macro.
A tabela I abaixo ilustra a alteração conceitual sugerida por Woolcock
45
Convém ressaltar que essa dimensão macro e micro refere-se a relação entre Estado x Sociedade Civil e
as relações entre os atores, respectivamente.
46
O modelo síntese de Woolcock consolidou-se como um modelo completo, capaz de ser aplicado a
dinâmicas de desenvolvimento que estejam baseadas não apenas na dimensão econômica.
47
Dito em outras palavras, a natureza das relações entre os atores diferem da natureza das relações entre
Estado e Sociedade Civil.
TABELA I – Conceito Teórico de Woolcock
NÍVEL MICRO NÍVEL MACRO
Enraizamento
Integração Sinergia
Autonomia
Linkage Integridade Organizacional
FONTE: Elaboração própria a partir de Woolcock (1988)
No nível micro, o conceito de Integração deve ser entendido como a relação
entre os membros da comunidade, ao passo que o conceito de Linkage leva em
consideração o compromisso dos indivíduos com as instituições da sociedade civil. No
nível macro, o conceito de Sinergia deve ser entendida como a articulação cooperativa
entre as diferentes instituições públicas e privadas. Linkage refere-se ao compromisso
dos indivíduos com as instituições da sociedade civil e Integridade Organizacional deve
se compreendida como a eficiência das organizações, tanto públicas quanto privadas.
De posse da base conceitual acima, Woolcock consegue desenvolver um
esquema analítico satisfatório, fundamentado no argumento que a natureza do capital
sociale com isso sua contribuição positiva ou negativa para o desenvolvimento – irá
depender de como as dimensões
48
acima estarão articuladas. Dessa forma, como caso
concreto, recorre-se a análise dos “dilemas de desenvolvimento” que surgem a partir da
forma como este é planejado. Assim, Woolcock analisa os processos top-down –
planejamento efetuado de cima para baixo, e os processos bottom-up – planejamento
efetuado de baixo para cima
49
. A grande inovação de Woolcock é considerar então em
48
Ressalta-se mais uma vez que as dimensões são: Linkage, Integridade Organizacional; Sinergia e
Integração.
49
A referencia que se faz ao termo “de baixo para cima” e “de cima para baixo” refere-se à origem do
processo, se sociedade civil ou Estado, respectivamente.
seu modelo de análise tanto a dimensão micro – Linkage e Integração, quanto à
dimensão macro – Integridade Organizacional e Sinergia.
Nos casos em que o processo de planejamento é feito “de baixo para cima”
é fundamental que a comunidade possua além de um alto grau de Integração, um
compromisso dos indivíduos com as instituições – Linkage. Assim, uma comunidade
que possua um alto grau de integração, mas um baixo grau de Linkage, padecerá do
fenômeno conhecido como “familismo amoral”. Por outro lado, caso tanto o grau de
Linkage quanto o grau de Integração sejam alto, a comunidade encontrará
oportunidades de automia.
Ao analisar o processo de planejamento “de cima para baixo”, Woolcock
dar ênfase as relações entre Estado e Sociedade Civil, daí a importância atribuída as
dimensões Sinergia – no nível micro e Integridade Organizacional – no nível macro.
Nos casos em que tanto a Sinergia quanto a Integridade Organizacional sejam baixas, o
que se observa é a anarquia generalizada. Por outro lado, a cooperação surge nos casos
em que tanto o grau de Integridade Organizacional quanto a Sinergia sejam altos.
De posse dos quatros conceitos inaugurados por Woolcock, tudo o que se
deve fazer é articulá-los numa matriz e “ler” o resultado. Isso posto, mostra que tal
modelo apresenta – pelo menos em tese –, dezesseis trajetórias possíveis quanto a
organização da sociedade e seu impacto sobre a natureza do desenvolvimento. No
entanto, julgamos ser justamente esta uma das limitações teóricas de Woolcock, na
medida em que há em seu modelo síntese um viés determinista, visto que mostra apenas
como os atores já estão organizados e como ocorre sua interação, sem demonstrar, no
entanto como eles se organizam e como reagem – por meio de sua percepção cognitiva
– a intervenções exógenas
50
.
50
Tal assertiva é de fundamental importância. Tomando-se o exemplo da classe trabalhadora, verifica-se
que enquanto na maioria dos países a reivindicação salarial é pressionada por meio do mecanismo de
Em uma perspectiva, Colleman (1988) tenta levar em consideração a
estrutura social na análise da ação racional e justifica o conceito de capital social como
elemento teórico capaz de permitir tal empreendimento. Na realidade, o grande objetivo
de Colleman é tentar mostrar como o capital social pode influenciar na criação do
capital humano.
Do ponto de vista teórico, Colleman compartilha a mesma insatisfação que
Woolcock ao discordar tanto da visão econômica quanto sociológica acerca da ação
social. Para ele um dos grandes problemas relacionados à visão sociológica da ação
social é que “o ator não possui ‘motor de ação’. O ator é moldado pelo ambiente, mas
não há motivação da ação que dê ao ator propósito ou direção”. Colleman (1988, p.96).
Da mesma maneira, ao apontar falha na visão econômica – que caracteriza o
ator como alguém possuidor de objetivos próprios e por isso mesmo age de forma
independente – chama atenção que “as ações do indivíduo são moldadas,
redirecionadas, restritas pelo contexto social, normas, confiança interpessoal, rede de
contatos, organização social são importantes não apenas na sociedade, mas também na
economia” (COLLEMAN, 1988, p. 96).
De posse desse referencial crítico, Colleman argumenta que a ação
propositada quando inserida num contexto social particular é capaz de influir não
apenas sobre o comportamento do indivíduo, mas também na própria forma da
organização social. Assim, a abertura da “caixa preta
51
” é feita por meio de uma chave
engenhosa, qual seja somar a noção de capital social – que se manifesta por meio da
greve, no Japão (logo após a segunda guerra) tal reivindicação era pressionada por meio do aumento
intencional da produtividade. Ademais, a teoria neoclássica postula que o aumento de um imposto
diminui o incentivo ao gasto. No entanto, conforme analise de Levitt & Dubnner (2005) a fim de
incentivar os pais a não se atrasarem na busca dos seus filhos, uma escola instituiu uma multa para os pais
que chegassem mais que trinta minutos após o termino das aulas, o que se verificou não foi outra coisa
senão o aumento considerável no número de pais atrasados. Dito de outra forma, o imposto serviu como
um incentivo ao atraso e não ao contrário.
51
O termo “caixa preta” refere-se à exogeneidade das instituições, tal qual sustenta o referencial
neoclássico.
mudança nas relações entre as pessoas – à noção de capital humano – cuja manifestação
ocorre nas habilidades e capacidades adquiridas de forma a facilitar suas ações.
Decerto, a noção de capital social trabalhada por Colleman assenta-se no
sentido funcional
52
, normas e sanções assim como canais de informação, constituem
fontes de capital social e existem como forma de limitar as ações com externalidade
negativas e incentivar aquelas com externalidade positiva. Ora, nesse aspecto, a análise
de Colleman não avança muito, pois mesmo tentando evitar o surgimento dos dilemas
de ação coletiva, ao considerar a ação racional
53
inserida num contexto social, não
consegue romper com a tradição da “caixa preta” permanecendo assim o caráter
exógeno das instituições
54
.
Pelo exposto, afere-se que a noção de capital social, a depender do
referencial em que se apóie, possui conotações distintas tanto em termos metodológicos
quanto em considerações empíricas. Dessa forma, qualquer trabalho que leve em
consideração a noção de capital social, deverá atentar de antemão para a raiz
metodológica do mesmo, evitando aquilo a que Moyano (1999) referiu-se como um
conceito que se utiliza para denominar inúmeras coisas. Posto isto, argumentamos que
tal problema poderá ser minimizado utilizando o sítio como elemento teórico, assim, o
capital social passaria a adquirir um aspecto institucional, ao passo que o sitio serviria
de elemento estruturante desta institucionalidade.
52
Sentido funcional deve ser entendido como recursos que os indivíduos utilizam como instrumento para
atingir seus objetivos.
53
Quanto a isso Colleman tem o aval de Granovetter (2003).
54
Na realidade a análise de Colleman não se distancia muito daquela preconizada por Gary Backer, onde
mesmo levando em consideração o aspecto institucional, o faz desconsiderando a historicidade.
3.2 – Sítios
Em face dessa polissemia acerca do território
55
--que não raro dificulta o
diálogo entre as distintas disciplinas – alguns economistas vêm defendendo a tese que
“a análise econômica, para melhorar seu poder de interpretação, requer uma abertura
fundamentada nas outras ciências e sobre fatos incompatíveis com a concepção
restritiva de seu núcleo duro constituído pela teoria do mercado” Zaoual (2006, p 81).
Denotar que pela perspectiva metodológica acima referida, o diálogo entre
economistas, geógrafos e antropólogos torna-se factível. Pela ótica dos economistas, o
diálogo estabelece-se por meio da teoria dos sítios simbólicos, que conforme Zaoual:
[...] a teoria dos sítios simbólicos de pertencimento traz um modo de
decifrar esses arranjos complexos, partindo de baixo. Ela foi
construída em reação aos fracassos dos modelos de economia e de
gestão transpostos de um espaço para outro sem que fosse tomada a
precaução de um real esforço de adaptação ao local (ZAOUAL, 2006,
p. 82)
Por outro lado, o conceito de sitio simbólico está para além da noção de
território ou espaço, ele comporta-se muito mais como um “contínuo” cognitivo –
estabelecido por meio de crenças, hábitos, etc – do que necessariamente uma fronteira
espacial bem delimitada, conforme aponta Zaoual (2006):
55
Que a depender do objeto de estudo atinge um caráter quase que inconclusivo.
[...] o sitio é antes de tudo um imaginário social moldado pelas
contingências e pela trajetória da vida comum dos atores
considerados. [...] o sítio supõe também cumplicidade e proximidade.
[...] De fato, trata-se de uma entidade imaterial que impregna o
conjunto dos comportamentos e das materialidades visíveis do local.
[...] Em suma, o sítio é um vínculo cognitivo entre o ator e seu
entorno. O sítio é o húmus do homo situs, o homem da situação. Isso
perfigura o “caráter local” dos acontecimentos econômicos e
corrobora a tese segundo o qual as regularidades econômicas são
construções socialmente situadas (ZAOUAL, 2006, p. 88)
Para os adeptos da teoria do sítio simbólico, o grande erro da teoria
econômica convencional está em não se considerar o papel das entidades social em seu
escopo de análise, pois, conforme Zaoual (2006, p. 84) argumenta:
[...] a experiência intelectual da economia do desenvolvimento ensina
que o reducionismo econômico do pensamento global dos fenômenos
econômicos apresentam sérias lacunas. Isso se verifica no percurso
dos países do Sul, devido aos fracassos da prática do transplante dos
modelos econômicos. As entidades sociais (culturas locais,
convenções, regras, etc.) que a análise econômica padrão não leva em
consideração em seu raciocínio contrariam significativamente as
predições das teorias e dos modelos que têm inspirado as práticas do
desenvolvimento nos países pobres.
A perspectiva do sítio simbólico – em função dos elementos citados acima –
inaugura uma perspectiva promissora acerca do desenvolvimento. Justamente por levar
em consideração o papel desempenhado pelas entidades sociais assim como a idéia de
que “todo agente se comporta em função do sistema de representações que ele tem de
sua situação e de suas relações com os outros” (ZAOUAL, 2006, p.87), fundamentam a
noção de desenvolvimento endógeno.
O interessante a notar é o fato que a perspectiva de desenvolvimento
endógeno para que seja sustentável necessita que o ambiente na qual se insira, seja
favorável à inovação. Assim, a perspectiva de desenvolvimento – adotada pela teoria
dos sítios – é comparável em sentido de Schumpeter
56
(1982) e próxima à de Sen
57
(1999) sem, no entanto se pautar em ambas.
Por este mesmo diapasão teórico, o desenvolvimento – que não
necessariamente se traduz em capitalismo – adquire um aspecto indeterminado
58
. Cada
“sitio”, apresenta uma trajetória de desenvolvimento possível. Em última instância, o
fator que irá influenciar a trajetória de cada sítio não é outro senão as formas como os
atores irão reagir ao “modelo econômico transposto” ou ao estímulo recebido de fora do
seu sitio. Dessa forma, a simples cooperação entre os agentes não necessariamente
implica um “desenvolvimento”, muito pelo contrário, poderá ser justamente uma
“cooperação” entre os agentes um elemento obliterador do mesmo. É nessa perspectiva
que criticamos a euforia indiscriminada quanto ao uso do capital social como uma
disjuntiva capaz de fomentar o desenvolvimento de determinada localidade.
56
A noção de desenvolvimento apontada no trabalho de Schumpeter (1982) encara a dinâmica da
economia no sentido das inovações tecnológicas ou “destruição criadora”.
57
A perspectiva de Sen (1999) aborda o desenvolvimento como uma “expansão” das capacidades
humanas. Embora, pela teoria dos sítios, não se possa assumir o conceito de capacidades como universal.
58
De outra forma, haverá tantas experiências de desenvolvimento quantos sítios existentes.
CAPÍTULO II – O RURAL COMO ELEMENTO DE UMA POLÍTICA DE
DESENVOLVIMENTO
O presente capítulo tem como objetivo discutir a importância do rural para o
processo de desenvolvimento. Assim, uma melhor compreensão do mesmo é de
fundamental importância para que se elaborem políticas públicas mais eficientes. A fim
de atingir nosso objetivo, dividimos o presente capítulo em quatro seções. Na primeira,
abordamos o debate teórico acerca do conceito de rural e como este é tratado pelos
economistas. Na segunda seção, apresentamos o fenômeno do novo rural, assim como
as pesquisas que identificam tal fenômeno. Na terceira seção, apresentamos as
principais políticas públicas elaboradas sob a influencia das transformações presentes no
rural. Por fim, na quarta seção, faremos uma breve consideração final.
2.1 – Dicotomia Rural Urbano: elemento basilar de uma política de
desenvolvimento Rural
A dicotomia rural urbano sempre esteve presente na tradição teórica dos
economistas, Quesnay (1982) assim como para Losch (1954) e Von Thunen (1856) o
rural sempre se apresenta como um “resíduo” do urbano, fato este que, não raro concede
a aquele um caráter setorial. Não à toa, as políticas públicas influenciadas por tais
modelos, concentram-se na especificidade da agricultura, que em geral resume-se a
produção de alimentos. De outra forma, trabalhos de inspiração marxista, como é o caso
de Rotta (1997) relativizam o papel do rural e não o restringe apenas a produção de
alimentos. Ademais, o papel e a funcionalidade do rural se alteram conforme o estágio
de acumulação do capital, por isso mesmo, o rural é muito mais uma questão de espaço
do que necessariamente de setor.
A tradicional separação entre urbano e rural, resumindo este último à
produção de alimentos e fornecimento de mão-de-obra para a cidade, tem um forte
apelo no trabalho de Von Thunen (1856), que na ocasião considerou uma cidade
“isolada” e um fazendeiro, responsável pelo abastecimento de tal cidade. Partindo
dessas duas suposições, Von Thunen tenta então responder a duas questões básicas,
ambas ligadas a natureza da alocação do espaço. A primeira questão esta relacionada ao
fato de como as terras – zona rural – em torno da cidade deveriam ser alocadas de modo
a minimizar os custos de transporte e de produção de alimentos a fim de abastecer a
cidade. A segunda questão refere-se ao modo de alocação da terra na hipótese de livre
concorrência entre colonos e proprietários de terra. Para a primeira questão, a resposta
de Von Thunen estabelece que cada colono – ao decidir pela utilização da terra próxima
ou distante da cidade – enfrenta um trade off entre o custo do aluguel e o custo de
transporte, de modo que este se estabelecerá no ponto em que haverá um equilíbrio
entre tais custos. Dessa forma, o que Von Thunen conclui é que o entorno da cidade
seria formado por anéis concêntricos de produção. Ademais, para este autor esta
configuração surge da hipótese que os fazendeiros buscam minimizar o custo de
transporte e produção. Para a segunda questão, Von Thunen se convence de que mesmo
sob condição de concorrência entre colonos e proprietários de terra, a alocação ainda
sim seria eficiente. Dito de outra forma há um conjunto de anéis concêntricos e este
resultado não planejado ainda sim é eficiente.
O modelo de Von Thunen inspirou profundamente os posteriores trabalhos
no campo da economia urbana
59
como foi o caso de Alonso (1964) que utilizou o
mesmo arcabouço modelar de Thunen, mas estava interessado em entender a dinâmica
urbana, para isso ele substituiu o conceito de fazendeiro pelo de trabalhador assim como
substituiu o conceito de cidade pelo de região comercial central. A conclusão de Alonso
foi a mesma de Thunen, qual seja o espaço seria alocado de forma eficiente formando
uma geometria concêntrica.
O exemplo de Alonso foi propositadamente citado como forma de chamar a
atenção para o fato que, no modelo de Von Thunen o rural não apresenta uma
funcionalidade própria, muito pelo contrario, este pode ser substituído por qualquer
coisa
60
que venha a circundar a cidade. Ora, sob este diapasão, o rural não tem
funcionalidade e “entra” no modelo como uma variável simples, que pode ser
adicionada ou retirada sem prejuízo de predição do modelo. Dessa forma, mesmo
considerando o elemento espaço
61
em suas análises, os economistas urbanos não se
preocuparam em atentar para a funcionalidade do rural e, com isso, suas contribuições
repousam no entendimento das economias de aglomerações, cujo teor é profundamente
analisado pelos geógrafos econômicos
62
. Somente assim o rural pode adquirir alguma
funcionalidade, pois suas forcas centrípetas seriam menores que suas forcas centrífugas,
que são influenciadas pela cidade.
59
Denotar que a essa altura o elemento rural foi totalmente suprimido.
60
Um economista de espírito malicioso, poderia utilizar o modelo de Von Thunen como forma de
explicar como se distribui a violência numa aglomeração urbana, o resultado seria o mesmo, qual seja, ela
se distribuiria de forma concêntrica e eficiente.
61
Ressalta-se de antemão que o grande avanço da economia urbana e regional ocorreu em função do
descontentamento de um grupo de autores com a economia neoclássica que não levava em consideração o
espaço em suas analises.
62
Ressalta-se que por geógrafo econômico devemos entender os economistas que se dedicam ao estudo
de como e porque determinada atividade situa-se em determinado espaço.
Em linhas gerais isso é tudo o que pode ser extraído de um modelo com
espírito Von Thunen, desnecessário dizer que face as transformações contemporâneas
tais modelos não captam bem a realidade a que se propõe.
Outra forma de tratar o rural é estabelecida por meio dos modelos de
desenvolvimento a dois setores. Decerto, modelos como o de Singer (1953) ao
considerarem o mecanismo de desenvolvimento econômico, dividem a economia em
dois setores
63
, sendo que para o setor primário a preocupação recai sobre a capacidade
de produção de alimentos e para o setor secundário estamos preocupados na capacidade
de taxa de absorção dessa população liberada do campo. Assim, rural e urbano são
elementos concomitantes de um mesmo processo.
O modelo de Singer, não está interessado em entender onde ocorrerá a
atividade agrícola, mas sim como esta deve funcionar para que seja capaz de
“alimentar” o processo de desenvolvimento como um todo. Dessa forma, o rural deve
ser capaz de garantir uma oferta de alimentos a uma taxa maior ou igual a taxa de
crescimento da população – urbana neste caso – ademais, deverá ser capaz de “liberar”
mão-de-obra para servir as industrias urbanas a uma taxa não inferior à capacidade de
absorção do centro urbano. Em linhas gerais, o que esse modelo persegue é um aumento
na relação entre população urbana e população rural, com o denominador a decrescer e
o numerador a aumentar. A lógica de tal argumentação repousa no fato que as
economias ditas desenvolvidas apresentam tal relação num patamar muito alto sendo
que uma relação muito baixa aplica-se as economias subdesenvolvidas. Por isso mesmo,
para que o processo de desenvolvimento tenha condições de se perpetuar para mais de
um período, deverá incentivar por um lado a produção de alimentos e liberação de mão-
de-obra e por outro deverá criar as condições de absorção do excedente liberado do
63
Primário e secundário, correspondendo respectivamente a: Agricultura e Industria .
campo para a cidade e isto se dá por meio de uma melhoria na infra-estrutura urbana,
mediante um aumento na disponibilidade de serviços.
Para o caso do Brasil, onde a Lei de Terras de 1856 se encarregou de
privatizar sobremaneira boa parte do território nacional, a hipótese de Von Thunen –
que estabelece uma alocação eficiente do espaço mediante a livre concorrência entre
colonos e proprietários de terra – não teria utilidade alguma. Por isso mesmo, coube a
revolução verde – responsável pelo aumento de produtividade no campo – cumprir o
papel de elemento estruturante da condicionalidade exigida no modelo de Singer. O que
se observou então foi um intenso êxodo do campo para a cidade que “coincidiu” com o
processo de aceleração da industrialização brasileira, fato este que para um observador
mais afoito levaria a proclamar a veracidade da hipótese de Castells, qual seja,uma
completa urbanização da sociedade. As conseqüências da revolução verde para a
geografia rural serão apresentadas mais adiante, no entanto, ressalta-se de antemão o
fato que esta foi responsável pelo surgimento de duas subformas de rural, o rural dos
CAIs (Complexos Agro-Industriais) e o rural da pluriatividade, característico das
regiões mais pobres, conforme apresenta Nascimento (2005).
De outra maneira, o tratamento do rural dado por Marx (1988) distancia-se
dos analisados até então. Apesar de argumentar – no seu capítulo acerca da acumulação
primitiva – que o rural e o urbano são dois lados de um mesmo processo, a
singularidade de Marx reside no fato que para este autor o rural não é tratado
simplesmente como espaço ou setor mas – acima de tudo – como classe, nesse aspecto,
o rural seria o local do conservador, do atraso, de lenta transformação
64
. Ademais, sua
funcionalidade restringia-se ao fornecimento de mão-de-obra e alimentos para a cidade,
64
Se comparado ao dinamismo da cidade impulsionada pela indústria.
funções estas que atuam diretamente sobre a mais-valia
65
, viabilizando assim a
acumulação capitalista. Por isso mesmo, para Marx, o rural tem como função maior
viabilizar a acumulação capitalista. O referencial de análise marxista influenciou muitos
trabalhos acerca de como a acumulação de capital é viabilizada pelo rural, contribuindo
dessa forma para melhor compreendermos a dinâmica entre campo e cidade. Dentre os
trabalhos mais importantes, de orientação marxista, podemos citar como exemplo,
Lênin (1982) Kautsky (1980) e até mesmo Graziano da Silva (1997), que baseado no
referencial marxista intuiu e comprovou empiricamente uma alteração no papel do rural,
sendo que este a partir dos anos 1990 passa a incorporar atividades típicas da cidade,
conforme será discutido na próxima seção.
A grande contribuição de Kautsky (1980) reside – além da responsável
discussão acerca da questão agrária, cujo cerne repousa nas condições de viabilidade da
pequena agricultura familiar – na identificação de dois momentos distintos do
desenvolvimento capitalista na cidade com considerável influência sobre o campo. O
primeiro destes movimentos refere-se a união entre industria e agricultura, coadunação
esta favorecida e influenciada pela própria concorrência inter-capitalista externa
66
. Ora,
tal concorrência tem dois efeitos diretos sobre a agricultura. O primeiro é o surgimento
da concorrência entre produtos da indústria e os da agricultura – de baixo valor
agregado. Por isso mesmo, o camponês é forçado a atuar no setor industrial como forma
de compensar a grande perda incorrida na renda da terra ou na própria atividade
agrícola, o que se percebe em Kautsky (1980).
O segundo efeito – decorrente do primeiro – é uma nova configuração
geográfica do rural, que conta agora com o sistema de arrendamento. Dessa forma, o
65
A liberação de mão-de-obra para a cidade a uma taxa superior a que o sistema produtivo é capaz de
absorver é responsável pelo aumento do exército industrial de reserva o que pressiona os salários para
baixo. Essa tendência é reforçada pela diminuição no preço dos alimentos, que torna a condição de
subsistência do trabalhador mais barata, refletindo-se assim nos baixos salários.
66
Na conjuntura da época, Kautsky referiu-se a essa concorrência como de “além-mar”.
objetivo do camponês passa a ser a busca da compensação da baixa renda territorial face
ao lucro industrial crescente (KAUTSKY, 1980).
De outra maneira, se num primeiro momento há uma união entre indústria e
agricultura, num segundo momento há a substituição desta por aquela. Apesar de estar
preocupado em discutir a viabilidade da pequena unidade produtiva e, por isso mesmo,
decretar a morte da pequena unidade produtiva
67
, Kautsky lança luz acerca da dinâmica
não dual e sim recíproca entre campo e cidade, fato este que nos serve de base para o
entendimento das transformações ocorridas no meio rural brasileiro a partir dos anos
1990.
Ainda na esteira marxista, uma excelente abordagem da natureza rural
urbano é encontrada em Rotta (1997), cuja argumentação parte da hipótese que há duas
formas distintas de oposição entre espaço rural e urbano. Para este autor, a primeira
separação entre urbano e rural surge com o desenvolvimento da economia mercantil,
que força a ampliação do espaço de circulação. A segunda separação, decorrente da
primeira, reside na própria especialização espacial com base na troca de mercadorias.
Nesse aspecto, as cidades são consideradas como o espaço econômico da circulação das
mercadorias, ao passo que o rural assume o papel de espaço de produção das
mercadorias.
Rotta (1997) ilustra que tal processo assume um caráter de lei econômica e,
independente da escala, a complementaridade entre rural e urbano está sempre presente.
Para provar isso, tal autor utiliza como exemplo o fenômeno da expansão ultramarina,
onde as colônias justamente por funcionarem como espaço de produção atuam como um
setor rural ao passo que as metrópoles, por serem o espaço de circulação de capital
67
A nosso ver tal hipótese não foi corroborada pelos fatos, pelo menos no caso do Brasil. Uma excelente
análise acerca da “sobrevivência” da pequena unidade familiar pode ser encontrada em Nascimento
(2005). Da mesma forma, uma outra referência exemplar pode ser consultada em Abramovay(2003).
atuam como a cidade. Nesse sentido, a dicotomia urbano e rural é identificada por meio
da identificação de espaços de produção e circulação.
Por outro lado, trabalhos como o de Blanc (1998) tentam chamar a atenção
– da mesma forma que fizemos nos parágrafos anteriores – para a dificuldade de se
conceituar o rural. Por isso mesmo, Blanc argumenta que não há um conceito de rural e
sim um conjunto de abordagens acerca do mesmo. Para este autor, as distintas
abordagens do conceito de rural podem ser agrupadas em três grupos principais: a) O
rural conceituado a partir da abordagem espacial; b) O rural conceituado a partir da
abordagem Territorial; c) O rural conceituado a partir da ótica construtivista.
Pela abordagem espacial, considera-se o espaço como um conjunto de
pontos dotados de atributos e separados por uma distância. Por esses pressupostos, a
questão crucial que surge é tentar responder como ocorrerá a ocupação do espaço pelos
agentes otimizadores. Dessa forma, o rural está integrado ao urbano e ao mesmo tempo
depende dele. Esta abordagem a análise é conduzida pelo entendimento das forcas de
atração e repulsão, cujo cerne encontra-se no entendimento das economias de escala,
custos de transporte e concorrência fundiária.
Já na abordagem territorial, o espaço é entendido como um conjunto de
entidades que apresentam uma forte estruturação interna. Tal pressuposto serve de
orientação para tentar entender as diferenças de performance alcançada pelos distintos
territórios. Nesse aspecto, o rural surge como um espaço de fraca estruturação interna –
justificada por uma baixa aglomeração
68
humana – fato este que dificulta a formação de
um território. Isto assim o é pela simples característica do rural não ser um local
favorável a circulação da informação e produção de confiança, dois elementos
fundamentais para uma estruturação interna forte.
68
A questão da aglomeração aqui adquire um aspecto distinto daquela defendida pela Nova Geografia
Econômica. Aqui, a aglomeração ou dispersão assumem um caráter social e não técnico.
Pela abordagem construtivista, o espaço é apreendido como representação
social e por isso mesmo a noção de rural aparece como um elemento de distintas
representações sociais. Por essa ótica não há uma consideração acerca dos elementos
geográficos e nem tampouco dos fatores organizacionais. Tal abordagem aproxima-se
do rural enquanto categoria sociológica, por isso mesmo podemos afirmar que
o rural se constrói socialmente e, como construção social, está sujeito a
mudança. Assim, experimentou sucessivos processos de construção,
desconstrução ou reconstrução/ reinvenção.
De outro lado, há o rural do pós-produtivismo, com possibilidades de
configurações novas ainda em construção: sua revitalização sócio-
demográfica, sua revalorização simbólico cultural, sua diversificação
produtiva e ocupacional, suas trocas intensas com âmbitos produtivos,
comerciais e sócio-culturais nacionais e internacionais (FERREIRA, 1999,
p.01)
Abramovay (2000) argumenta que o conceito de rural está longe de ser
consenso na literatura e até mesmo no próprio ordenamento territorial tanto da Europa
quanto dos EUA, porém ressalta que “existe uma notável convergência na literatura
internacional em torno de três aspectos básicos sobre o meio rural: a relação com a
natureza, a importância das áreas não densamente povoadas e a dependência do sistema
urbano (ABRAMOVAY, 2000 p. 06).
Decerto, somente a partir da melhor compreensão do meio rural com base
na articulação entre as três dimensões acima é que podemos pensar nos limites e
possibilidades de um desenvolvimento rural, pois, conforme argumenta Abramovay:
Como definir o meio rural de maneira a levar em conta tanto a sua
especificidade (isto é, sem encarar seu desenvolvimento como sinônimo de
urbanização), como os fatores que determinam sua dinâmica (isto é, sua
relação com as cidades)? Os impactos políticos da resposta a esta pergunta
teórica e metodológica são óbvios: se o meio rural for apenas a expressão,
sempre minguada, do que vai restando das concentrações urbanas, ele se
credencia, no máximo, a receber políticas sociais que compensem sua
inevitável decadência e pobreza. Se, ao contrário as regiões rurais tiverem a
capacidade de preencher funções necessárias a seus próprios habitantes e
também às cidades – mas que estas próprias não podem produzir – então a
noção de desenvolvimento poderá ser aplicada ao meio rural
(ABRAMOVAY, 2000 p.3)
Nos parágrafos anteriores, abordamos as distintas percepções acerca da
funcionalidade e delimitação do meio rural fato este que a depender do diapasão
metodológico suscita inúmeras controvérsias. Por outro lado, Abramovay (2000), ao
tentar apreender o meio rural por meio das três dimensões acima citadas
69
, parece
articular coerentemente – ainda que de forma não intencional – algumas das distintas
percepções do meio rural anteriormente revisadas. Isso posto, extraímos aquilo que seria
um enunciado mais geral acerca do processo de desenvolvimento rural: o
desenvolvimento rural é passível de manifestação endógena nos limites geográficos em
que há uma significativa relação com o núcleo urbano – sem no entanto atrelar-se ou
subordinar-se a este: há uma significativa sustentabilidade ecológica assim como uma
densidade populacional relativamente crescente. Logo, o desenvolvimento rural não é
uma quimera acessível a todos os territórios deprimidos, para que isso aconteça é
necessária uma escala mínima
70
de miséria a partir da qual é possível pensar em
estratégias de desenvolvimento
71
, da mesma maneira. Para magnitudes situadas abaixo
dessa escala mínima parece prevalecer o “postulado” de Sem, cujo teor estabelece que
“ em situações de adversidade e privações persistente, as vítimas não continuam
pesarosas e queixosas o tempo todo, e pode faltar-lhes inclusive a motivação para
desejar uma mudança radical das circunstâncias ”. (SEN, 2002, p. 36)
Nos casos em que prevalece o “postulado” de Sen, a centelha capaz de
acender o processo de desenvolvimento parece não existir. Sendo assim, a participação
direta do Estado como agente promotor – ou incentivador – do desenvolvimento adquire
69
São elas: Relação com a natureza; dependência do sistema urbano; densidade populacional.
70
O leitor que se sentir desconfortável com a argumentação de caráter qualitativo, poderá modelar uma
equação diferencial a fim de compreender a partir de qual valor (Dens pop, fluxo econômico externo, etc)
há um comportamento convergente ao equilíbrio positivo, se for o caso.
71
Denotar que aqui parece haver o surgimento de um paradoxo, visto que o Desenvolvimento Territorial
Rural é considerado uma estratégia de combate a pobreza das regiões rurais.
um caráter crucial, para não dizer imprescindível. É nesse sentido que surge a
necessidade de um arcabouço institucional de caráter intermunicipal – conhecido como
consórcios sócio-produitvos – que visam assegurar uma escala mínima de miséria a
partir da qual se espera a manifestação da centelha do desenvolvimento.
Nesse sentido, julgamos oportuna a tipologia adotada por Schejtman y
Berdegué (2000), na qual os territórios rurais podem ser classificados de acordo com
seu grau de “transformação” produtiva e institucional.
Territórios Tipo I: Son aquellos que han avanzado en su transformación
productiva y han logrado um desarrollo institucional que ha permitido grados
razonables de concertación e inclusión social. [...]
Territorios Tipo II: Son aquellos en que si bien existen procesos
significativos de crecimiento econômico, éstos tienen un débil impacto sobre
el desarrollo local y, en particular, sobre las oportunidades para los sectores
pobres. [...]
Territorios Tipo III: Son aquellos que se caracterizan por una
institucionalidad robusta, que con frecuencia se expressa en una identidad
cultural fuerte, pero que carecen de opciones económicas endógenas capaces
de sustentar procesos sostenidos de superación de la pobreza rural. [...]
Territorios Tipo IV: Se trata de territorios en franco processo de
desestruturacción social (SCHEJTMAN e BERDEGUÉ, 2000, p .36-37)
Conforme poderemos observar nas próximas seções, a política de
Desenvolvimento Territorial Rural, levada a cabo pelo Ministério do Desenvolvimento
Agrário (MDA) sob a responsabilidade da Secretaria de Desenvolvimento Territorial
(SDT) parece desconsiderar nas suas diretrizes políticas
72
para os Territorios Rurais o
diferente estágio de “atraso” em que os mesmos se encontram. No entanto,
curiosamente, a tipologia de Schejtman y Berdegué parece ser adotada pelo Ministério
da Integração Nacional, cujo recorte territorial situa-se a uma escala acima daquela
verificada no MDA e objetiva a implantação da agroindústria de agricultura familiar,
conforme será abordado em seções posteriores.
72
Quando do levantamento com o fito de identificar as áreas que podem ser transformadas em Territorios
Rurais, a SDT estabelece uma escala de prioridade de implantação. Porém, tal escala refere-se apenas a
condição de pobreza ou situação de vulnerabilidade do conjunto de municípios que irão compor o
Território Rural, sem, no entanto, estabelecer diretrizes políticas distintas para cada um destes.
Porém, antes de adentrarmos na discussão acerca das políticas púbicas para
o meio rural brasileiro, apresentaremos na próxima seção o fenômeno do Novo Rural
cujo entendimento tem influenciado no desenho de políticas públicas para o meio rural.
2.2 – O Novo Rural
As transformações contemporâneas
73
internas e externas ensejaram
alterações substanciais no papel e propósito da agricultura e com isso na própria
caracterização do rural, pois se antes
74
a agricultura tinha como papel principal liberar
mão-de-obra para as cidades, aumentar a oferta de alimentos e matéria-prima para a
agroindústria em expansão, assim como complementar a demanda por bens e serviços
urbanos. Atualmente, em face do seu processo de industrialização favorecido pela
Revolução Verde , tem um papel mais restrito e por isso mesmo insuficiente – na
maioria dos casos – para ser considerada sinônimo de rural.
Decerto, tanto na Europa – no caso do programa LEADER – quanto nos
EUA, persistem programas voltados para essa nova ruralidade, em que o setor
agropecuário adquire um caráter assessório e não único e a demanda pelo meio rural
dar-se por necessidades outras que não a produção de alimentos, dessa forma, assiste-se
ao surgimento de novos atores sociais.
73
Discutidas no capítulo I.
74
Refere-se ao período compreendido até meados da década de 1970.
No mundo rural dos países desenvolvidos esse novo paradigma “pós
industrial” tem um ator social já consolidado: o part-time farmer que
podemos traduzir por agricultores em tempo parcial. A sua característica
fundamental é que ele não é mais somente um agricultor ou um pecuarista:
ele combina atividades agropecuárias com outras atividades não-agrícolas,
dentro ou fora de seu estabelecimento, tanto nos ramos tradicionais urbano-
industriais, como nas novas atividades que vem se desenvolvendo no meio
rural, como lazer, turismo, conservação da natureza, moradia e prestação de
serviços pessoais. Em resumo, o part-time não é mais um fazendeiro
especializado, mas um trabalhador autônomo que combina diversas formas
de ocupação (assalariadas ou não).Essa é a sua característica nova: uma
pluriatividade que combina atividades agrícolas e não-agrícolas
(GRAZIANO DA SILVA, 1997, p. 04)
No Brasil, as transformações do meio rural ocorreram a partir dos anos
1980, porém a identificação de tal fenômeno somente foi possível a partir de 1995, por
meio de um conjunto coincidente de pesquisas de distinto matiz metodológico e teórico,
que influenciadas pelo debate internacional, levaram a cabo a tarefa de identificar o
perfil do rural no Brasil. Nesse sentido, podemos classificar três referenciais acerca da
identificação do novo rural, são eles: a) “Caracterização e Tendências da Rede Urbana
do Brasil” (IPEA/IBGE/NESUR); b) Projeto Rurbano (UNICAMP); c) Pesquisa sobre a
agricultura familiar (FAO/INCRA).
2.2.1 – Caracterização e Tendências da Rede Urbana do Brasil
O estudo “Caracterização e Tendências da Rede Urbana do Brasil” levado a
cabo pelo IPEA/IBGE/NESUR influenciou pesquisadores de renomados, como é o
caso de José Eli da Veiga. Na realidade, o grande mérito desse estudo repousa na
identificação do papel desempenhado pelos centros urbanos no Brasil que, apesar de
contemplarem apenas 101 – cento e um dos 5.052 – municípios acolhem mais da
metade da população brasileira. A grande funcionalidade desses centros reside na
assimetria no fluxo de serviços e pessoas sobre os municípios menores.
Veiga argumenta – em linhas gerais – que a percepção acerca do processo
de intensa urbanização do Brasil não passa de uma falácia, pois o critério adotado é de
caráter legislativo, atendendo a uma exigência administrativa que tende a considerar
“urbano todo domicilio que estiver no interior dos perímetros das cidades e vilas, isto é
as sedes dos municípios e distritos” (VEIGA, 2002, p. 28). Denotar ainda que tal
ordenamento territorial e com isso o surgimento das cidades foi construído da “noite
para o dia”, conforme argumenta Veiga (2002, p. 28):
[...] o Decreto Lei 311/38 fez com que todas as sedes municipais existentes
virassem cidades, independentemente de quaisquer características estruturais
ou funcionais. Foram consideradas urbanas todas essas sedes, mesmo que não
passassem de ínfimos vilarejos ou povoados. Para futuras cidades seria
exigida a existência de pelo menos 200 casas, e para futuras vilas (sede de
distrito), um mínimo de 30 moradias. Mas todas as localidades que àquela
data eram cabeça de município, passaram a ser consideradas urbanas, mesmo
que sua dimensão fosse muito inferior ao requisito mínimo fixado para as
novas.
A grande problemática de tal decreto é que além de suas conclusões não
refletir a realidade – pois ele gera um paradoxo fenomenal onde municípios de baixa
densidade populacional são classificados como urbano – também dificulta a construção
de políticas públicas voltadas para as áreas mais deprimidas ou em extrema pobreza
75
.
A fim de superar os entraves metodológicos que dificultam a apreensão da
verdadeira dimensão territorial dos distintos municípios, Veiga (2002) sugere uma
metodologia que seja capaz de superar a abordagem de cunho legal, de modo que rural e
urbano não sejam entendidos a partir de sua oposição.
75
A título de exemplo, considera-se o caso do município de Luis Domingues, localizado no Estado do
Maranhão, de acordo com critério do IBGE este município é considerado urbano. Pelo critério de Jose Eli
da Veiga – como uma densidade demográfica de apenas 13 hab/km2 – considera-se como rural. Claro
está que uma política publica voltada para as áreas urbanas pouco ou nenhum efeito teria sobre este
município, visto que a própria densidade populacional já constitui um fator de entrave para a
“aglomeração” mínima capaz de garantir sua sustentabilidade.
Na realidade, o que Veiga tenta fazer é fugir do vício metodológico que leva
em consideração o critério da densidade populacional menor que 60 hab/km como
indicador de não urbanização. Nesse sentido, “o que mais revelaria a posição de uma
localidade numa escala contínua entre um máximo rural e um máximo urbano seria um
índice de artificialização dos ecossistemas” (VEIGA, 2002, p. 23).
Porém, Veiga argumenta que mesmo o grau de artificialização do
ecossistema, para o caso do Brasil, não resolveria muito o problema, pois corre-se o
risco de um viés de classificação, haja vista o caso do cerrado. Dessa forma, Veiga
sugere como metodologia uma análise de cluster
76
a fim de que se possa melhorar a
classificação daquilo que realmente possa se considerar urbano e rural.
Levando em consideração apenas os estratos populacionais e sua relação
com as áreas em que se localizam, Veiga observou que ao contrario do que se
acreditava, uma densidade populacional de 60 hab/km é insuficiente para considerar-
mos uma aglomeração como urbana. Muito pelo contrario, o que se observa é que
somente a partir de uma densidade populacional acima de 80 hab/km é que podemos
considerar um aglomerado como urbano. A conclusão que se segue – ao adotar este
novo critério de urbano – é um percentual de municípios urbano muito maior do que o
estabelecido pelo IBGE
77
, dito de outra forma, “o Brasil é menos urbano do que se
calcula” Veiga (2002).
Decerto, utilizando o critério de Veiga, levantamos os dados para o Estado
do Maranhão e o comparamos com o critério adotado pelo IBGE. Apesar de não existir
uma diferença significativa neste caso – pois em ambos os aspectos o Maranhão é
eminentemente um Estado rural – ainda sim pode-se constatar que a metodologia de Eli
76
A Análise de Cluster é uma técnica estatística pertencente a família das análise de agrupamento, onde
as variáveis são agrupadas de acordo com o grau de semelhança – quer dizer, aproximação. Para maiores
detalhes ver Manly(2005).
77
Daí a anedota “Cidades Imaginárias” titulo do livro de José Eli da Veiga.
da Veiga apreende uma urbanização muito menor do que aquela preconizada pelo
IBGE. A Figura 1 ilustra tal classificação.
FIGURA 01 - Municipios urbanos e rurais de acordo com critérios distintos
FONTE: Elaboração do autor com base no Censo 2000 e Arcviews
Na figura I, o mapa esquerdo ilustra a classificação do IBGE e os
aglomerados considerados urbanos são ilustrados na cor amarela, sendo todo o restante
considerado como município rural. Conforme podemos observar, quarenta de um total
de duzentos e dezessete municípios
78
são classificados como urbano. Por outro lado, o
mapa localizado a direita, representa a classificação proposta por Eli da Veiga. Da
mesma forma que no anterior, os aglomerados urbanos são representados na cor
amarela, observa-se então, que de um total de duzentos e dezessete municípios apenas
78
Este é o numero total de municípios do Estado do Maranhão.
quatro são considerados urbanos. Por isso mesmo, podemos afirmar que o Estado do
Maranhão é mais rural do que se imagina.
Além da classificação rural e urbana, Veiga (2002) interessado em
compreender a dinâmica de tais municípios considera o aspecto populacional – em
termos de fluxo – por este critério, classifica os municípios em três grandes categorias,
são eles: a) Os esvaientes – que apresentaram forte queda populacional; b) letárgicos –
que apesar de apresentarem perda relativa da população em termos absolutos possuem
uma taxa de crescimento populacional próximo ao do estado; c) atraentes – que tiveram
crescimento populacional superior ao do seu Estado. Uma vez mais, efetuamos o
levantamento para os dados do Estado do Maranhão, os resultados podem ser
observados na Figura 02, onde se constata que a maioria dos municípios maranhenses
além de rurais são classificados como letárgicos ou atraentes.
FIGURA 02 – Muncípios esvaientes, letárgicos e atraentes
FONTE: Elaboração do autor com base no Arcview e dados do Censo IBGE 1991 e 2000.
Na figura II, os municípios classificados como letárgicos são representados
pela cor vermelha, aqueles classificados como atraentes são representados na cor rosa,
ao passo que os esvaientes estão representados pela cor vermelha escuro. Em termos
percentuais os municípios classificados como atraentes representam 42% (quarenta e
dois), já aqueles classificados como letárgicos constituem 35% (trinta e cinco), dentre os
esvaientes, 21% estão nessa condição. Dessa forma, podemos constatar que para o
Estado do Maranhão, predomina uma dinâmica municipal do tipo atraente, em termos
populacionais, ou seja, um percentual significativo dos municípios maranhenses
apresentou uma relativa perda populacional, mas ainda assim tal perda é próxima àquela
observada no Estado como um todo.
Convém ressaltar que para o conjunto de municípios que integram o
Território Rural dos Lençóis Maranhenses
79
observa-se uma dinâmica
predominantemente letárgica, a exceção é verificada nos municípios de Barreirinhas e
Santo Amaro, classificados como atraentes. Sob esse aspecto, levantamos a hipótese
que tal dinâmica é verificada em decorrência do fato que Barreirinhas concentra a maior
parte dos serviços de turismo
80
, fato este que além de tornar a economia mais dinâmica,
constitui um elemento de atratividade para a população dos municípios adjacentes. No
caso do município de Santo Amaro, a atratividade decorre do fato desta cidade está
localizada no entorno de Barreirinhas e por isso mesmo atende a demanda desta por
meio da oferta de produtos não intensos em serviços, como exemplo cita-se a fabricação
de tijolos, extração de palha
81
dentre outros.
Para os demais municípios pertencentes ao Território Rural dos Lençóis
Maranhenses e que foram classificados como letárgicos, levantamos a hipótese que as
perdas relativas de população a uma taxa muito próxima daquela verificada no Estado,
ocorre em função do papel significativo exercido pelos benefícios sociais do governo,
tais como a aposentadoria rural. Dito de outra forma, não temos atração, mas deixou-se
de ter expulsão.
Justificamos tal argumento pelo fato que de acordo com dados do Atlas de
Desenvolvimento Humano (2000) a taxa de fecundidade de tais municípios é da ordem
79
São eles: Axixá; Bacabeira; Barreirinhas; Cachoeira Grande; H de Campos; Icatú; Morros; Paulino
Neves; Pres Juscelino; Primeira Cruz; Rosário; Santo Amaro do MA.
80
Rede de Hotéis e agências de turismo.
81
Convém ressaltar que tais atividades são desempenhadas em grande parte pelos pescadores quando do
período inconveniente para a pesca, ocasionado pela estação das chuvas, vento, etc. Ressalta-se também
que neste caso, constata-se a manifestação do fenômeno da pluriatividade de sobrevivência.
de 5.4, ao passo que a do Estado do Maranhão é da ordem de 3,28. Nesse aspecto o
incentivo a permanecer no município de origem somente justifica-se pela existência de
um “seguro” financeiro que atue na forma de desincentivo a migração.
A tipologia de Veiga facilita o entendimento acerca do impacto das
transformações contemporâneas não apenas sob a ruralidade, mas também sob a própria
dinâmica dos municípios. No entanto, ainda não conseguiu compreender melhor quais
os fatores responsáveis pela manifestação de uma dinâmica atraente. Apesar disso,
Veiga levanta algumas hipóteses tais como a presença nestes municípios de um forte
capital social, a existência de prefeituras pró-ativas, além das políticas de transferências
de renda.
2.2.2 – Rurbano
O projeto Rurbano – termo inaugurado por Gilberto Freire – em geral é
entendido como sinônimo do grupo de pesquisa liderado pelo professor Graziano da
Silva, do Insitituto de Economia da Unicamp.
Na realidade o grande cerne do projeto Rurbano, partiu da hipótese
inicialmente levantada por Graziano da Silva de que é possível apreender as
transformações – se assim ocorrerem – do meio rural por meio das PNADs (Pesquisa
Nacional por Amostragem Domiciliar) como uma proxy
82
das transformações mais de
fundo da dinâmica rural.
De fato, a hipótese inicial de Graziano da Silva (2002) pôde ser aceita
mediante um minucioso levantamento das PNADs no período compreendido entre os
anos 1980 a 1999. Neste intervalo, pode-se constatar uma alteração substancial na
82
Isto é, aproximação.
dinâmica rural do país, elemento este que atesta um rural caracterizado por: a) uma
agropecuária moderna; b) um conjunto de atividades não-agrícolas; c) novas atividades
agropecuárias.
É nesse sentido que o projeto Rurbano argumenta que o rural não pode ser
entendido como sinônimo de agrícola, pois seu meio comporta atividades econômicas
83
outras que não exclusivamente agrícolas. Decerto, a primeira grande conclusão
84
do
Projeto Rurbano é que o emprego agrícola vem caindo consideravelmente. Conforme a
tabela abaixo – adaptada de Graziano da Silva & Grossi (1997, p. 02)
TABELA II – PEA rural
Regiões PEA Rural Ocupada Pessoas (x 1.000) Tx. cres 92-97 (%)
Nordeste
Total
Agrícola
Não Agrícola
7.043
5.308
1.735
-0.8
-1.1
0
São Paulo
Total
Agrícola
Não Agrícola
980
454
526
-0.7
-5.9*
+5.9*
Sudeste ( menos SP)
Total
Agrícola
Não Agrícola
2.285
1.543
742
-0.3
-1.8*
+3.5*
Sul
Total
Agrícola
Não Agrícola
2.830
2.066
764
-2.3*
-4.1*
+3.9*
Centro Oeste e TO
Total
Agrícola
Não Agrícola
1.006
686
320
-0.1
-2.8*
+7.2*
Nível de significância de 5%
FONTE: Projeto RURBANO.
83
Convém ressaltar que o termo atividade econômica é entendido aqui como qualquer atividade que
envolva ganhos pecuniários.
84
Referente a conclusão geral da Fase I do Projeto.
Porém, ressalta-se que o emprego agrícola decresceu apenas nas regiões
mais desenvolvidas como é o caso da Região Sudeste – excluindo-se SP – no qual o
emprego não agrícola aumentou em 3.5% no período de 1992 a 1997. No entanto, para
a Região Nordeste, observa-se um decréscimo do emprego na atividade agrícola -1.7%
não compensado por um aumento da participação Não agrícola (0%). O decréscimo do
emprego agrícola – e o conseqüente aumento do emprego não agrícola nas áreas rurais –
manifesta o fenômeno da pluriatividade, que deve ser entendida como “famílias que
conciliam, entre seus membros, atividades agrícolas e não agrícolas” (NASCIMENTO,
2005 p. 01).
Convém ressaltar que o fenômeno da pluriatividade não tem origem única,
podendo em alguns casos ser resultante de uma modificação estrutural da economia,
como foi o caso das transformações agropecuárias no Brasil favorecida pela adoção da
Revolução Verde, e em outros casos resultante de políticas públicas que a encaram
como um seguro social, como foi o caso União Européia com sua Política Agrícola
Comum.
No caso do Brasil, a adoção daquele padrão tecnológico, teve como
conseqüência uma distribuição desigual da atividade agropecuária, sendo esta mais
desenvolvida na região Sul e menos na região Nordeste. Porém em ambos os casos são
patentes o fenômeno da pluriatividade, ainda que sua manifestação tenha uma origem
distinta, pois no primeiro caso ela se manifesta como uma “degeneração” da pequena
propriedade face ao desenvolvimento da grande agricultura. No segundo caso, sua
funcionalidade decorre justamente da própria condição do atraso, numa espécie de
resiliência as precárias condições materiais.
A partir dessa compreensão, argumentamos que há territórios, notadamente
na região Nordeste, nos quais a dinâmica do novo rural ainda não se manifestou de
forma completa Isso não quer dizer que uma ou outra característica do Novo Rural não
esteja presente. O que ocorre é o fato que, por tais características se apresentarem de
forma isolada, não constituem condição suficiente e necessária para caracterizar como
tributária a uma “nova ruralidade”.
Na literatura em geral esses territórios são denominados deprimidos, para
efeito de nosso estudo, consideramos tais territórios em condição de “armadilha de
pobreza”
85
objeto do nosso estudo.
2.2.3 – A Agricultura Familiar
Kautsky (1982), ao tratar da questão agrária estava interessado, sobretudo, a
entender as condições de viabilidade da pequena produção agrícola, nesse sentido, não
raro associa-se a figura do camponês ao pequeno estabelecimento agrícola. De outra
forma, à medida que ocorriam alterações estruturais na dinâmica econômica do campo,
também se alterava a forma de referência à pequena atividade agrícola, que muita das
vezes associava-se a figura do lavrador e ao próprio agricultor de subsistência.
Decerto, o conceito de agricultura familiar ainda não é um consenso na
literatura. Autores como Buanain (2006, p.15) argumentam que a agricultura familiar
inclui tanto “famílias que vivem e exploram minifúndios em condições de extrema
pobreza como produtores inseridos no moderno agronegócio”. Ademais, para este autor,
85
A opção por tal nomenclatura repousa no fato que, a nosso ver, o termo deprimido denota a existência
de forças que atuam de modo contrário à dinâmica do mesmo, ou seja, informa uma condição estrutural.
Decerto, isso é perfeitamente aplicável em localidades onde estão presente fatores de atração e repulsão
onde o primeiro elemento dinamiza-se com base no segundo – isso é perfeitamente perceptível nas
sociedades agrícolas historicamente mais desenvolvidas, como é o caso da Européia.
Por outro lado, o termo “armadilha de pobreza” denota uma condição material centrada no elemento
humano.
a agricultura familiar é um ramo frágil do agronegócio brasileiro. Assim, sua
funcionalidade consiste em alguns casos, a servir de apoio a cadeia agroindustrial e, em
outros casos, seria ela – a agricultura familiar – a base para a dinamização desse mesmo
sistema agroindustrial. Apesar de pertinente, a argumentação de Buanain ainda assim
relaciona o rural como sinônimo de agropecuário.
Em 1996 foi realizado pela FAO/INCRA, um estudo sobre o perfil da
agricultura familiar no Brasil. Por este estudo, ficou estabelecido – ainda sem esgotar a
controvérsia acerca daquilo que devemos entender por agricultura familiar – os
elementos suficientes para caracterizar uma agricultura familiar, podem ser
identificados na seguinte passagem:
[...] no estudo FAO/INCRA (1996:4) ficou definido que a agricultura
familiar estaria referenciada com base na gestão da unidade produtiva
com as seguintes características: (i) os investimentos realizados são
feitos por indivíduos que mantêm entre si laços de sangue ou de
casamento; (ii) a destinação majoritária do tempo de trabalho familiar
deve se dar no estabelecimento; (iii) a propriedade familiar dos meios
de produção (embora nem sempre da terra). (ORTEGA, 2005, p. 04)
O estudo da FAO/INCRA, a partir deste critério, segmentou os agricultores
de acordo com sua condição de renda, classificando-os como: a) Capitalizados – que
passaram a ser representados pela letra A; b) Em processo de capitalização –
representados pela letra B; c) em processo de descapitalização – representados pela letra
C; d) Descapitalizados – representados pela letra D. A tabela II ilustra a tal
classificação, nela podemos observar que os agricultores descapitalizados representam
39.4% dos estabelecimentos agrícolas e ocupam 8.9% da área total destinada a este
setor, ao passo que os agricultores capitalizados constituem apenas 8.4% e ocupam
apenas 6.8% da área total destinada ao setor. Porém, em termos de Valor Bruto da
Produção
86
(VBP), observa-se que os agricultores capitalizados são responsáveis por
19,2% da mesma, ao passo que os descapitalizados respondem por apenas 4,1%.
TABELA III – Classificação Fao/Incra dos estabelecimentos agrícolas
Tipo % Estabelec % da Área % VBP
Capitalizados (A)
8,4 6,8 19,2
Em Capitalização (B)
20,4 9,6 11,1
Em Descapitalização (C)
16.9 5.2 1.9
Descapitalizados (D)
39.4 8.9 4.1
FONTE: Adaptado de FAO/INCRA (2000, p. 41).
Ainda de acordo com os dados da tabela II, desnecessário informar que a
tomar como referencia a relação entre o VBP e a área total, como uma aproximação da
produtividade, observa-se uma predominância desta para o conjunto de agricultores
capitalizados. Isto significa, em outros termos, que os conjuntos de agricultores
descapitalizados podem ser caracterizados não só pela sua diminuta produtividade, mas
também pela pequena margem de acumulação.
O importante desta classificação decorre do fato de sua influência sobre as
políticas públicas voltada para o pequeno agricultor ou agricultor familiar. Não a toa, tal
pesquisa veio a influenciar no desenho de um Programa de Fortalecimento da
Agricultura Familiar (PRONAF)
87
, que representa a primeira política deste âmbito para
o setor agrícola.
86
O valor bruto da produção (VBP) é a receita bruta de cada produto sendo esta o resultado da
multiplicação do seu preço médio estadual pela respectiva estimativa de produção de cada município.
Convém ressaltar que o agregado VBP padece do problema da dupla contagem, justamente por isso,
devemos ser cautelosos quanto as ilações feitas a partir deste.
87
O PRONAF será discutido posteriormente, ao tratarmos das políticas públicas voltadas para o novo
rural
Porém, convém ressaltar que mesmo levando em consideração a pertinência
da classificação sugerida pela FAO/INCRA, ainda assim prevalece uma lógica setorial
do agrícola. Conforme veremos na subseção 2.3.1, tal pressuposto chegou a distorcer
sobremaneira a própria funcionalidade do PRONAF.
2.3 – Políticas Públicas para o (Novo) Rural
De maneira geral, podemos afirmar que as transformações contemporâneas,
alem de impactarem a dinâmica econômica e territorial das distintas localidades,
também suscitou alguns programas de pesquisas – como foi o caso dos abordados na
seção anterior – fato este responsável por um conjunto de políticas publicas ligadas a
nova ruralidade. Na presente seção faremos um resumo daquilo que consideramos como
as principais políticas públicas influenciadas não apenas pelas transformações
contemporâneas como também pelo conjunto de pesquisas abordados anteriormente.
2.3.1 – Pronaf
No ano de 1996, o governo Fernando Henrique Cardoso, criou o Programa
Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar, doravante PRONAF. Com o
advento do governo Lula – que reclama para si a titularidade de republicano – o
PRONAF passou por algumas transformações no sentido não apenas de aperfeiçoar os
canais de créditos existentes como também ampliou o número de beneficiários e
montante de recursos para o crédito disponível. A título de exemplo, no ano de 1999 o
volume de crédito disponibilizado pelo PRONAF era da ordem de R$ 3 bilhões, ao
passo que no governo Lula, no ano de 2005 esse volume atingia a ordem de R$ 9
bilhões, dito de outra forma, uma variação percentual positiva da ordem de 200% .
De maneira legal, seu surgimento deu-se por meio do decreto nº. 1.946 de
28 de Junho de 1996, cuja finalidade é expressa no Artigo 1º :
Art. 1° Fica criado o Programa Nacional de Fortalecimento da
Agricultura Familiar - PRONAF, com a finalidade de promover o
desenvolvimento sustentável do segmento rural constituído pelos
agricultores familiares, de modo a propiciar-lhes o aumento da
capacidade produtiva, a geração de empregos e a melhoria de renda.
Da mesma forma, no artigo e parágrafo 2º, são estabelecidas as
diretrizes de tal programa:
§2° As ações do Programa orientar-se-ão pelas seguintes diretrizes:
a) melhorar a qualidade de vida no segmento da agricultura familiar,
mediante promoção do desenvolvimento rural de forma sustentada,
aumento de sua capacidade produtiva e abertura de novas
oportunidades de emprego e renda; b) proporcionar o aprimoramento
das tecnologias empregadas, mediante estímulos à pesquisa,
desenvolvimento e difusão de técnicas adequadas à agricultura
familiar, com vistas ao aumento da produtividade do trabalho agrícola,
conjugado com a proteção do meio ambiente; c) fomentar o
aprimoramento profissional do agricultor familiar, proporcionando-lhe
novos padrões tecnológicos e gerenciais; d) adequar e implantar a
infra-estrutura física e social necessária ao melhor desempenho
produtivo dos agricultores familiares, fortalecendo os serviços de
apoio à implementação de seus projetos, à obtenção de financiamento
em volume suficiente e oportuno dentro do calendário agrícola e o seu
acesso e permanência no mercado, em condições competitivas; e)
atuar em função das demandas estabelecidas nos níveis municipal,
estadual e federal pelos agricultores familiares e suas organizações; f)
agilizar os processos administrativos, de modo a permitir que os
benefícios proporcionados pelo Programa sejam rapidamente
absorvidos pelos agricultores familiares e suas organizações; g) buscar
a participação dos agricultores familiares e de seus representantes nas
decisões e iniciativas do Programa; h) promover parcerias entre os
poderes públicos e o setor privado para o desenvolvimento das ações
previstas, como forma de se obter apoio e fomentar processos
autenticamente participativos e descentralizados; i) estimular e
potencializar as experiências de desenvolvimento, que estejam sendo
executadas pelos agricultores familiares e suas organizações, nas áreas
de educação, formação, pesquisas e produção, entre outras.
O financiamento de tal programa é realizado por meio de um “arranjo”
financeiro constituído por recursos provenientes do Fundo de Amparo ao Trabalhador
(FAT), fundos constitucionais (FC) e recursos do Tesouro Nacional, além das
exigibilidades do Manual de Crédito Rural (MCR) do Banco Central. Todo esse arranjo
é controlado pelo Sistema Nacional de Crédito Rural (SNCR). Ortega (2008)
Apesar de o arranjo financeiro parecer robusto, o financiamento para o
PRONAF – pelo menos em seus primeiros anos – ocorreu de maneira significativa por
meio de recursos oriundo do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) ao passo que as
transferências provenientes dos fundos constitucionais sempre representaram uma
parcela diminuta dos recursos, já os recursos provenientes do MCR, representaram uma
parcela quase que insignificante.
Quando de sua formulação inicial, o PRONAF era constituído de três
linhas de ação, são elas: a) Pronaf Capacitação; b) Pronaf Crédito; c) Pronaf Infra-
estrutura e serviços.
O Pronaf Capacitação “objetiva habilitar os agricultores familiares e ainda
os técnicos para que possam levantar as demandas dos agricultores e suas organizações,
compatibilizando-as com as prioridades e ações dos governos municipal, estadual e
federal” (ORTEGA, 2008, p. 04).
Já o Pronaf Crédito,
Tem como objetivo apoiar financeiramente as atividades
agropecuárias e não-agropecuárias exploradas pelos agricultores e
suas associações. A lógica de liberação de recursos é diferente daquela
descrita nas duas modalidades supracitadas, tendo um viés mais
convencional e sendo feita diretamente entre o Banco e o demandante
do crédito (Op. Cit.)
O Pronaf Infra-estrutura e serviços objetiva a implantação, ampliação e a
modernização de uma Infra-Estrutura capaz de viabilizar a existência da agricultura
familiar. A grande funcionalidade desta modalidade reside no fato que ela incentiva e
reforça o mecanismo de descentralização orçamentária, pois apesar dos municípios
demandarem e receberem os recursos, o mérito de cada projeto vincula-se a existência
de parcerias entre as distintas entidades e o poder público, fato este que tem como
conseqüência indireta novas formas de governanca, que a depender das condições
analisadas no capítulo I, poderão influenciar a formação de capital social.
Com base nas diretrizes estabelecidas no artigo 2º, do Decreto 1.941 de 22
de Junho de 1996, podemos inferir que o PRONAF constitui-se de um programa com
forte apelo à inclusão social de um segmento agrícola, em grande parte marginalizado
das benesses do desenvolvimento – tais como, acesso a tecnologia, crédito e
participação nas decisões políticas. Porém, por se tratar de um programa de foco amplo,
suas vicissitudes se manifestam na sua própria elaboração. Haja vista o fato que tal
programa transgride dois princípios considerados fundamentais no êxito de uma política
pública, qual seja: a) foco; b) Incentivos adversos.
Por meio das diretrizes apresentadas no artigo 2º, podemos constatar o
amplo foco deste programa, uma vez que aquilo que se deva entender por agricultura
familiar não constitui um ponto pacífico na literatura, fato este que pode dar margens a
distintas interpretações e, conforme abordaremos mais a frente, uma ampla assimetria
na distribuição de recursos.
Por outro lado, em decorrência do amplo foco, tal programa poderá
contribuir sobremaneira para uma melhoria na condição do agricultor já capitalizado,
isso poderá ocorrer em função do incentivo adverso, na medida em que tal grupo
justamente por possuir um considerável know-how em matéria de crédito e tecnologia,
estará mais propenso a demandar os recursos disponibilizados pelo programa.
Uma análise acerca dos primeiros anos de funcionamento do PRONAF
realizado por Corrêa & Cabral (2001, p. 909) constatam que:
Teoricamente a proposta do Pronaf visava facilitar o acesso do
agricultor familiar ao crédito, democratizando o acesso e tendo uma
perspectiva distinta da lógica concentradora. Não é o que os dados têm
demonstrado.O que se verifica é que prevaleceu essencialmente a
mesma lógica de liberação do modelo pretérito e que foram
estipuladas normas específicas que dificultam a tomada do crédito
pelos produtores familiares menos integrados, principalmente no que
tange às garantias exigidas.
Da mesma forma, trabalhos como o de Nascimento (2005, p. 22) reveste-se
de argumentações no mesmo sentido e apontam que:
[...] o PRONAF reproduz, na prática o caráter excludente do modelo
agrícola especificamente capitalista vigente nas décadas que o
precederam. Capitalista, porque permanece incentivando o uso de
tecnologia da “revolução verde”, dando prosseguimento ao processo
histórico de proletarização do “campesinato”. Excludente, porque
dentro do próprio universo de “agricultores familiares” somente uma
parcela menor é beneficiada pelos recursos do Programa.
Em face da constatação por meio das vicissitudes manifestas quando da
operacionalização do PRONAF, este vem passando por algumas alterações que
objetivam diminuir as assimetrias no acesso e distribuição de recursos. Nesse aspecto,
convém ressaltar que mesmo após alterações, estudos como o de Silva, Corrêa & Neder
(2007, p.146), ao fazerem uma comparação acerca do acesso aos recursos ao Pronaf
Crédito e Infra-Estrutura entre os municípios da região Nordeste e Sul, apontam que no
caso da distribuição de recursos do Pronaf Crédito “quem puxa a captação são os
agricultores que já tem grau de integração com a própria rede bancária”.
Restringindo a análise apenas a Região Nordeste, neste mesmo estudo,
Silva, Corrêa & Neder (2007, p. 143), concluem que:
Na Região Nordeste, então, a distribuição dos recursos do PRONAF
apresenta dois extremos: de um lado, os municípios de maior IDR,
liberando grande parte de seus recursos do PRONAF Crédito às
categorias mais necessitadas e recebendo PRONAF Infra-estrutura. De
outro, os de menor IDR, que não estão direcionando seus recursos do
PRONAF Crédito aos agricultores mais carentes.
Conforme ressaltado anteriormente, o PRONAF por constituir-se de um
programa de amplo foco, traz em seu bojo uma inconsistência estrutural, por isso
mesmo, argumentamos que ainda que se amplie o conjunto de beneficiários – conforme
vem trabalhando o governo Lula – ainda sim as vias de pavimentação rumo a um
desenvolvimento sustentável do segmento rural não serão manifestas.
Outrossim, subsidiados pelas considerações teóricas presente no Capítulo I,
argumentamos que uma melhor focalização de tal programa não passa pela perspectiva
do agricultor ser ou não capitalizado, mas sim em decorrência em qual território ele se
encontra, dessa forma, a tipologia Schejtman y Berdegué (2000) parece ser promissora.
Já no que diz respeito aos incentivos adversos, seus efeitos não podem prescindir da
relação intrínseca existente entre a moeda e o território
88
.
2.3.2 – Consads
No primeiro mandato do governo Fernando Henrique Cardoso (1995-1999)
foi inaugurada no Brasil a estratégia de combate a pobreza rural por meio de uma
abordagem territorial.
Nesse âmbito, a estratégia desenvolvida pelo programa Comunidade Ativa
buscando atender – dentre outras coisas – as demandas dos atores sociais pela
88
A temática da relação existente e necessária entre território e moeda foge ao escopo deste trabalho. No
entanto ela é de fundamental importância para o melhor entendimento acerca da funcionalidade ou não de
determinados mecanismos de crédito. Nesse sentido, excelentes contribuições vem dos teóricos pós-
Keynesianos, tais como Wray (2003).
descentralização política, favoreceu o Planos Municipais de Desenvolvimento Integrado
e Sustentável (PMDLIS), nesse aspecto, a estratégia de desenvolvimento territorial era
entendida como sinônimo de local.
Da mesma maneira, os Planos Municipais de Desenvolvimento Integrado e
Sustentável (PMDLIS) objetivavam um desenvolvimento endógeno a partir das
potencialidades locais. Dessa forma, uma vez identificada as potencialidades locais e
organizada a sociedade civil, as vias de desenvolvimento seriam pavimentadas única e
exclusivamente por meio dos atores sociais, cuja interação com o poder público
ocorreria mediante a esteira dos conselhos e fóruns. De acordo com Jesus (2005, p. 59)
Na lógica desse programa, o Estado fomentaria e criaria o ambiente
institucional que promoveria ações para o desenvolvimento do
território, enquanto se esperava que a sociedade civil local se
articulasse para promover as ações do desenvolvimento, num círculo
virtuoso.
Por meio dessa interação, e face às dificuldades encontradas, ficava cada
vez mais evidente que, a superação das condições de atraso exigia uma escala de
cooperação que ultrapassava a esfera municipal. Nesse sentido, começava a ganhar
força a idéia do arranjo institucional nos moldes de um consórcio.
Na realidade, essa forma de arranjo é cada vez mais utilizada como
elemento de superação dos problemas locais, a titulo de exemplo, atualmente no
segundo mandato do governo Lula, oito ministérios valem-se de tal arranjo como forma
de superação dos problemas locais, são eles: a) Ministério do Desenvolvimento Agrário
(MDA); b) Ministério da Integração Regional (MIR); c) Ministério do Meio Ambiente
(MMA); d) Ministério da Fazenda (MF); e) Ministério do Trabalho; f) Ministério da
Saúde (MS); g) Ministério do Desenvolvimento Agrário; h) Ministério do
Desenvolvimento Social (MDS).
No entanto, convém ressaltar que apesar da semelhança, um Consórcio
Intermunicipal (CI), não deve ser entendido strito senso.
Os consórcios Intermunicipais clássicos, portanto, restringem-se à associação de
pessoas jurídicas públicas municipais. Todavia, na atualidade torna-se mais freqüente a
formação de consórcios mistos formados por entes públicos e privados. No rigor técnico do
direito administrativo tais associações não constituem consórcios e sim
[...] acordos de programa, definidos como o ato administrativo
complexo em que duas ou mais entidades , sendo uma delas, ao
menos, entidade administrativa pública, acordam entre si a
constituição de uma relação jurídica de mútua cooperação , para
realização de uma atividade de interesse de todas, sob a coordenação
de uma delas (PENNA 2003 apud MOREIRA NETO 2000, p. 185-
186)
Assim, o Instituto Brasileiro de Administração Municipal (IBAM) –
atendendo a solicitação da Secretaria Executiva do Comunidade Solidária – realizou o
“Estudo de Localização Territorial de Potenciais Consórcios de Desenvolvimento
Local” . O objetivo da Secretaria Executiva da Comunidade Solidária seria efetuar uma
avaliação crítica do DLIS, esta resultou numa proposta conhecida como CONDELIS,
que em decorrência do fim do governo Fernando Henrique Cardoso, não pôde ser
implantada.
Com o advento do primeiro governo Lula (2003-2007), a estratégia de
desenvolvimento territorial rural tem continuidade, no entanto, seu caráter principal não
mais repousa no combate a pobreza e sim no combate a fome e insegurança alimentar.
Convém ressaltar que, a alteração apesar de sutil transformou por completo
o desenho e propósito das políticas públicas sociais até então em vigor, visto que ela
passa de focalizada a universal, fato este que parece informar a preocupação do governo
Lula em “restaurar” o Welfare State., com a distinção que no caso desse novo welfare, a
figura do trabalhador dar lugar àqueles que se encontram abaixo da linha de pobreza .
A ausência histórica de uma política de segurança alimentar e nutricional no
Brasil aliada a um nível salarial aos moldes da Lei de Ferro de David Ricardo,
contribuiu ao longo do tempo para que em 2003 a vulnerabilidade a fome atingisse
27,8% da população brasileira – de acordo com os autores do PFZ mediante cálculo
realizado com base na Pesquisa Nacional por Amostragem Domiciliar (PNAD) de 1999.
Ademais, a justificativa para a prioridade no combate a fome ocorria também pela
constatação que a fome é ao mesmo tempo a causa e conseqüência da pobreza, fato este
em convergência com nossa hipótese de armadilha de pobreza.
Nesse contexto, o governo Lula criou o Programa Fome Zero (PFZ) uma
política publica de caráter universal assentada em cinco eixos de ação, a saber: a)
modelo operacional; b) gestão participativa dos beneficiários; c) articulação com a
sociedade civil; d) efetivação da coordenação intersetorial; e) compromisso de Estado.
Takagi et al (2007). Para fins do presente estudo, trataremos apenas do eixo referente ao
modelo operacional, haja vista ser neste em que se enquadra o CONSAD.
No que diz respeito ao modelo operacional do PFZ, este é composto por
dois importantes elementos. O primeiro refere-se ao conjunto de ações classificadas
como políticas estruturais; específicas e locais. O segundo reporta a prioridade dada à
implantação territorial do Programa.
Em relação ao primeiro elemento, Takagi et al (2007, p. 171), apontam que
tais políticas foram esquematizadas em três níveis de ação simultâneos:
[...] as políticas estruturais voltadas para combater as causas da fome,
como o aumento da renda familiar, a universalização dos direitos
sociais e do acesso à alimentação de qualidade e da diminuição da
desigualdade de renda; as políticas específicas de segurança alimentar
e nutricional que englobam também ações emergenciais, mas não se
resumem a esta; e as políticas locais, com ações diferenciadas
conforme o tamanho do município.
É assim, no âmbito das políticas ditas estruturais do PFZ, que surgem os
Consórcios de Segurança Alimentar e Desenvolvimento Local (CONSADs). Na
realidade os CONSADS nasceram como uma reformulação do CONDELIS. Por isso
mesmo, nos termos do MDS (2007, p.10)
O grupo alvo de municípios trabalhados abrange aqueles que
integravam o Programa Comunidade Ativa e o Programa Comunidade
Solidária, e que possuíam Plano de Desenvolvimento Local Integrado
e Sustentável – PMDLIS – àquela ocasião, totalizando 1258
municípios em todo o território nacional.
De acordo com o MDS (2007) os CONSADS podem ser entendidos como
[...] organizações territoriais, institucionalmente formalizadas, com
um número definido de municípios que se agrupam para desenvolver
ações, diagnósticos e projetos de segurança alimentar e nutricional e
desenvolvimento local, gerando trabalho e renda. Constituem-se como
associações civis sem fins lucrativos, formadas por 1/3 de
representantes do poder público e 2/3 de representantes da sociedade
civil de cada municípios participante.
Para Mendonça & Ortega (2007, p. 113), os CONSADs constituem-se:
[...] num espaço de cooperação entre poder público e a sociedade civil
voltado para o fomento, o apoio logístico e a canalização de recursos
para as iniciativas territoriais, projetos e ações estruturante, visando a
geração de emprego e renda com a garantia de segurança alimentar e
desenvolvimento local.
Os objetivos do CONSAD, conforme aponta Mendonça (2005) apud Franca
(2003 a) são:
-Formação de Capital Social
-Formação de Capital Humano Local
-Agregação de valor nas cadeias produtivas sub-regionais
-Modernização do setor público local
Ainda de acordo com o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS)
atualmente – em Janeiro de 2008 – estão implantados 40 CONSADs constituídos por
576 municípios
89
.
Para que a cooperação entre o poder público e a sociedade civil ocorra de
forma a atender ao objetivo a que se propõe os CONSADs, a organização interna deste
contempla um nível decisório de caráter centralizado, porém flexível. Dessa forma, de
acordo com Penna (2003), a estrutura interna do consórcio nos moldes do CONSAD
deverá contemplar: a) Fórum; b) Conselho Fiscal; c) Conselho CONSAD /Secretaria
Executiva; d) Programas e Parceria.
O Fórum é a instância máxima deliberativa responsável pelas decisões
políticas, onde participam majoritariamente a sociedade civil além do poder público e
“terá atribuições semelhantes a do Fórum de Desenvolvimento Local no nível
municipal, tratando, porém de articular instituições e agentes atuantes segundo a ótica e
escala microrregional”. PENNA (2003, p. 20)
O Conselho Fiscal surge do próprio fórum e tem como função fiscalizar as
finanças e contabilidade deste. A composição deste conselho é feita por membros que
integram o Fórum CONSAD e os representantes dos municípios que integram o
consórcio
90
.
O Conselho CONSAD, “desempenhará papel de articulação com parceiros
potenciais públicos ou privados (locais, regionais, nacionais ou internacionais) visando
a implementação da Agenda de Ações Prioritárias e do Plano de Segurança Alimentar e
de Desenvolvimento Microrregional” (Ibid, p.20).
89
Convém ressaltar que para o Estado do Maranhão, tal política atinge 25% dos municípios.
90
No caso dos representantes do município associado, estes são indicados pela Câmara Municipal.
A figura 3 ilustra o organograma sugerido por Penna (2003) para a
organização dos CONSADS
FIGURA 03 – Organograma do consad
FÓRUM CONSAD
CONSELHO FISCAL
CONSELHO CONSAD
PROGRAMAS E AÇÕES DESENVOLVIDAS
FONTE: Penna (2003).
Para a identificação dos potenciais CONSADS utilizou-se, em sua primeira
etapa a já existente base de dados do Programa Comunidade Ativa. Num segundo
momento, uma vez efetuada a análise do banco de dados anterior, definiu-se os critérios
de seleção dos potenciais consórcios; Na terceira etapa além de ser realizada a seleção
dos potenciais CONSADS também foi elaborada os perfis de caracterização.
Dessa forma, de acordo com Penna (2003, p.33) “o principal critério de
localização de potenciais CONSADS foi a identificação de microrregiões com maior
número de municípios detentores de PMDLIS”
Indicadores selecionados para caracterização dos perfis dos potenciais
CONSADs: a) PMDLIS; b) População; c) IDH-M; d) Programas Estruturantes; e)
Conselhos Municipais e Consórcios Intermunicipais; f) Eixos de Desenvolvimento.
Tomando como referencia os indicadores acima, a tabela abaixo resume a escolha do
CONSAD dos Lençóis Maranhenses.
Tabela IV – Programas estruturantes por município
Programas Estruturantes
Município DLIS PRMI PETI PRONAF PNMT PNRA
Eixo de Desenvolvimento
PMDLIS
Água Doce do
MA
Não Sim Não Não Não N. Inf
Araioses
CA Não Sim Sim Sim Não Turismo ecológico
Barreirinhas
CA Não Sim Sim Sim Sim Turismo
Humberto de
Campos
CA Não Sim Sim Sim Não Agroindústria
Magalhães de
Almeida
CA Não Sim Sim Não Sim Agropec
Santa Quitéria
CA Não Sim Sim Não Não Agricultura
Paulino Neves
CA Não Sim Sim Sim Sim Agroturismo
Primeira Cruz
Não Sim Sim Sim Não Não Informado
Santana do MA
Não Sim Sim Não Não Não Informado
Santo Amaro do
MA
Não Sim Sim Sim Não Não Informado
São Bernardo
CA Não Sim Sim Não Não Agropec. e Artesanato
Tutoia
CA Não Sim Sim Sim Sim Turismo
FONTE: Adaptado pelo autor a partir de Penna (2003).
A estratégia de formação do CONSAD partiu, num primeiro momento da
articulação de municípios que, no ano de 2002, já possuíam Fórum de DLIS em sua
sede. Do ponto de vista espacial, utilizou-se o critério da identidade territorial, levando
em consideração a divisão microrregional
91
do IBGE.
Uma avaliação preliminar dos CONSADs foi realizada, pela FAO mediante
um programa de estudos cujo objetivo era contribuir para a formulação de nove Planos
de Ação de CONSADS e melhor articular as demais instâncias do governo a fim de
facilitar o suporte ao Projeto Fome Zero. Por este estudo, Ortega (2005) classificou sete
críticas a formulação inicial do CONSAD.
A primeira crítica remonta a o critério de seleção dos municípios. Conforme
apontado em parágrafos anteriores, a prioridade de seleção dos municípios para compor
os CONSADS repousava na existência de PMDLIS. Por este critério, esperava-se a
existência de um capital social forte e, como corolário, um maior grau de integração ou
homogeneidade entre os municípios participantes. A maior crítica que se faz, reside no
fato que o critério da pré-existência de fóruns de DLIS não é suficiente como indicador
de homogeneidade. Ademais, mesmo com a presença de fóruns DLIS, constatou-se que
importantes segmentos sociais não possuem representação nos CONSAD e, justamente
por isso, projetos que irão compor o Plano de Ação não contemplam as necessidades
daqueles afetados pela insegurança alimentar. Assim, tais planos reproduzem apenas as
necessidades daqueles já incluídos. Essa é a que poderíamos considerar como segunda
crítica.
A terceira crítica repousa no importante papel que assume os governos
estaduais para o êxito do CONSAD, tamanha dependência decorre da ausência de uma
instância capaz de articular as ações dos diversos níveis de governo. Dessa forma, a
melhor maneira de superar tal problema seria na busca do apoio direto dos governos
estaduais. A quarta crítica, decorrente da terceira, fundamenta-se na necessidade de um
91
Denotar que de acordo com Penna (2003) o critério de microrregiao não pode ser considerado o único,
pois a depender das circunstâncias qualquer outro recorte que seja compatível com a lógica do
Desenvolvimento Local poderá ser utilizado na constituição do CONSAD.
arranjo horizontal, de modo que as ações dos governos, estaduais e federal sejam
ampliadas e implantadas de forma coordenada.
A quinta, repousa na própria dificuldade conjuntural de implementação dos
CONSADS. Pressionado pelo término do ciclo orçamentário – ações coincidentes com
o ano fiscal – o MDS empreendeu esforços que comprometeram a qualidade dos
resultados. A titulo de exemplo, cita-se o caso da implementação de projetos não
relacionados diretamente a segurança alimentar.
A sexta crítica direciona-se a organização interna do CONSAD, pois, o
poder público, apesar de minoritário, possui uma influência marcante dentro do mesmo.
Dessa forma, constata-se um viés – que atende aos interesses das prefeituras – quando
da aprovação dos temas,
A votação para a aprovação de qualquer projeto passou a ser realizada
por um representante de cada município. Desvirtua-se, assim, o caráter
originário do Programa, que visa à construção de um pacto territorial
com vistas à segurança alimentar e desenvolvimento local mediante
ações sinérgicas entre os municípios membros.
Ortega (2005, p. 25)
A ausência de uma elevada organização social constitui aquilo que
poderíamos classificar como a sétima crítica. Para Ortega (2005) o êxito do CONSAD
repousa numa elevada organização social, porém o que se verifica na maioria dos casos
é justamente o contrario, dito de outra forma um baixo capital social.
2.3.3– Territórios Rurais
Conforme apontado na seção anterior, a estratégia de desenvolvimento
territorial foi inaugurada no governo Fernando Henrique Cardoso (1994-1998) e (1999-
2002) como uma política de combate à pobreza rural. Nessa perspectiva, a elaboração e
implementação das distintas políticas públicas passaram a ter um caráter conciliar. Por
esse mecanismo, objetivava o governo FHC atender as demandas por descentralização
justificada das agências multilaterais, qual seja, a diminuição da participação do Estado
fomentada pela crise de governabilidade das democracias, sobretudo, Latinas.
Nesse sentido, o grande avanço – para a estratégia de desenvolvimento rural
– ocorre com a criação, mediante o Decreto nº. 3.992 de 30 de Outubro de 2001 do
Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (CNDRS).
Art. 1
o
O Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável
– CNDRS, órgão colegiado integrante da estrutura regimental do
Ministério do Desenvolvimento Agrário, tem por finalidade elaborar e
propor o Plano Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável –
PNDRS, com base nos objetivos e nas metas dos programas que
promovem o acesso à terra, o fortalecimento da agricultura familiar e
a diversificação das economias rurais cabendo-lhe: I - coordenar,
articular e propor a adequação das políticas públicas federais às
necessidades de desenvolvimento rural sustentável, especialmente
pela reforma agrária, pelo fortalecimento da agricultura familiar e pela
diversificação das economias rurais; II - acompanhar o desempenho
dos programas que integram o PNDRS; III - acompanhar a
elaboração e execução dos programas que promovem o acesso à terra;
IV - acompanhar o cumprimento dos objetivos e das metas dos
programas de fortalecimento da agricultura familiar; V - propor
políticas de desenvolvimento rural que estimulem: a) a diversificação
das atividades econômicas locais, especialmente pela diversificação
dos sistemas produtivos do setor agropecuário; b) a participação local
no processo de Zoneamento Ecológico-Econômico; c) o surgimento
de articulações locais participativas, tanto municipais quanto
intermunicipais; d) a valorização da biodiversidade, aproveitamento
da biomassa e adoção de biotecnologias baseadas no princípio da
precaução; e) a redução das desigualdades de renda, gênero, etnia e
idade; VI - estimular e orientar a criação de Conselhos Estaduais e
Municipais de Desenvolvimento Rural Sustentável, constituídos pelos
Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios, em seu âmbito de
atuação; VII - promover estudos de avaliação dos Programas que
integram o PNDRS e propor redirecionamentos; VIII - aprovar o seu
regimento interno, que disporá, também, sobre as atribuições, a
composição e o funcionamento das Câmaras Técnicas que integram
sua estrutura; IX - exercer outras competências e atribuições que lhe
forem cometidas.
De outra maneira, a partir do primeiro governo Lula (2003-2006) percebe-se
um aprofundamento da política desenvolvimento territorial. No entanto, as demandas
por descentralização são atendidas mediante a justificativa da nova esquerda, qual seja,
uma maior participação do cidadão nas decisões públicas assim como uma
desburocratização do Welfare State. Ortega (2007). Nesse sentido, a primeira grande
alteração ocorre com a revogação do Decreto nº 3.992 de 30 de Outubro de 2001,
substituído pelo Decreto nº. 4.854 de 8 de Outubro de 2003 que, em linhas gerais altera
a funcionalidade do CNDRS, que passa a se chamar CONDRAF
Art. 1
o
O Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável -
CONDRAF, órgão colegiado integrante da estrutura básica do
Ministério do Desenvolvimento Agrário, tem por finalidade propor
diretrizes para a formulação e a implementação de políticas públicas
ativas, constituindo-se em espaço de concertação e articulação entre os
diferentes níveis de governo e as organizações da sociedade civil, para
o desenvolvimento rural sustentável, a reforma agrária e a agricultura
familiar
.
Em concomitância com as alterações acima mencionadas, o governo Lula
também criou a Secretaria do Desenvolvimento Territorial (SDT) com a missão de
“apoiar a organização e o fortalecimento institucional dos atores sociais locais na gestão
participativa do desenvolvimento sustentável dos territórios rurais e promover a
implementação e integração de políticas públicas” SDT
92
(2008) .
Da mesma forma, alterações substanciais foram feitas na linha de crédito do
Pronaf Infra-estrutura, que deixou de ser direcionada para o município isolado e passa a
priorizar os projetos capazes de dinamizar o conjunto de municípios constituintes dos
territórios rurais.
92
Disponível em: <www.mda.gov.br/sdt: . Acesso em: 23/01/2008
Uma vez estabelecidas tais alterações institucionais, o governo Lula
viabilizava a implantação da Política de Desenvolvimento Rural Sustentável dos
Territórios. A fim de que possa cumprir a sua missão, a SDT utiliza como estratégia de
atuação o enfoque territorial.
Nos termos do MDA/SDT (2005, p. 28), o território é entendido como:
Um espaço físico, geograficamente definido, geralmente contínuo
compreendendo cidades e campos caracterizados por critérios
multidimensionais, tais como o ambiente, a economia, a sociedade, a
cultura a política e as instituições, e uma população com grupos
sociais relativamente distintos, que se relacionam interna e
externamente por meio de processos específicos, onde se pode
distinguir um ou mais elementos que indicam identidade e coesão
social, cultural e territorial.
Ibid (2005), o território rural é definido como:
Territórios, conforme item anterior, onde os critérios
multidimensionais que os caracterizam, bem como elementos mais
marcantes que facilitam a coesão social, cultural e territorial
apresentam explicita ou implicitamente a predominância de elementos
rurais. Nesses territórios incluem-se os espaços urbanizados que
compreendem pequenas e médias cidades, vilas e povoados. Ibid
(2005, p.28)
Do ponto de vista operacional, o território pode ser compreendido como um
consórcio intermunicipal. Assim, da mesma forma que na identificação dos potenciais
CONSADS o ordenamento territorial para a identificação dos potenciais territórios
rurais também se apóia na identificação das microrregiões rurais, entendendo estas
como microrregiões “que apresentam densidade demográfica menor do que 80 hab por
km e população média por município até 50.000,00 hab”. (SDT 2005, p. 8). Por este
critério, foram identificados no Estado do Maranhão oito territórios que totalizam 120
municípios e uma população total de 2.546,973. A tabela IV abaixo informa os
territórios e seus respectivos municípios partícipes.
Tabela V – Território Rural dos Lençois Maranhenses
TERRITÓRIO MUNICÍPIOS
Baixo Parnaíba
Água Doce;Anapurus; Araioses; Belágua; Brejo; Buriti;
Chapadinha; Magalhães de Almeida; Mata Roma
Milagres do MA; Sta Quitéria; Santana; São B Rio Preto;
São Bernardo; Urbano Santos ;Tutoia
Cocais
Afonso Cunha ; Aldeias Altas; Buriti Bravo; Caxias; Codó
Coelho Neto; Coroatá; Dq Bacelar; Fortuna; Lagoa da Mata;
Matões; Parnarama; Peritoró; S.J do Sóter;
Senador A. Costa; Timbiras; Timon
Lençóis
Axixá; Bacabeira; Barreirinhas; Cachoeira Grande; H de
Campos; Icatú; Morros; Paulino Neves; Pres Juscelino;
Primeira Cruz; Rosário; Santo Amaro do MA.
Vale do Itapecuru
Anajatuba; Catanhede; Itapec Mirim; Matões do Norte;
Miranda do Norte; Nina Rodrigues; Pirapemas; Pres Vargas;
Sta Rita; Vargem Grande.
Baixada Ocidental**
Alcântara; Apicum Açu; Bequimao; Cajapió; Cedral;
Central; Cururupu; Guimarães; Mirinzal; Pinheiro; Porto
Rico; Pres Sarney; Santa Helena; Serrano do MA;
Turilândia.
FONTE: www.mda.gov.br/sdt. Acesso em: 19 Ajn. 2007
** Ainda não homologado
De acordo com as metas estabelecidas pela SDT, a política de
desenvolvimento territorial contempla um horizonte de 32 anos, com isso, ao longo
desse período espera-se que a implantação de políticas e instrumentos de apoio alcance
450 territórios, já identificados como potenciais. Na fase de sua implantação,
institucionalizada no PPA (2004-2007), a SDT tem como meta a implementação
93
de
190 territórios abrangendo 2.600 municípios. Porém, em janeiro de 2008, conforme
dados extraídos do portal da SDT, estão implantados apenas 180 territórios
contemplando 2.382 municípios. Dito de outra forma, para o triênio 2004-2007
cumpriu-se 95% da meta relativa a territórios e 90% relativa a municípios.
Nos termos da SDT, a política de desenvolvimento territorial justifica-se por
pelo menos quatro aspectos. O primeiro deles repousa na própria transformação ou
“nascimento de uma outra ruralidade”, para utilizar os termos de Eli da Veiga, na
medida em que o rural não mais se resume ao agrícola, sendo sua característica muito
mais relacionada ao espaço do que necessariamente ao setor. O segundo, repousa na
constatação que o município não constitui uma escala ideal de planejamento, sobretudo
aqueles de menor porte
94
. O terceiro aspecto, refere-se ao próprio avanço do processo de
descentralização, tanto pela ótica da direita política quanto pelo diapasão da esquerda. O
quarto aspecto baseia-se numa proposta centrada nas pessoas na medida em que assume
o cidadão como principal ator, nesse sentido, o território é encarado como a unidade que
melhor dimensiona os laços de proximidades entre as pessoas.
Dessa forma, em concordância com os aspectos acima, o conceito de
desenvolvimento territorial levado a cabo pela SDT, caracteriza-se pelo seu caráter
multidimensional, abrangendo as dimensões econômicas, ambiental, político-
institucional e sociocultural.
93
Relativo a ações e investimentos.
94
Uma excelente abordagem quanto as dificuldades dos pequenos municípios na fase de globalização é
encontrada em Graziano (1997)
Nesse sentido, a dimensão econômica busca a eficiência por meio da
geração de emprego e renda com base em ativos locais. As considerações quanto ao
aspecto sociocultural busca uma maior equidade social graças a participação do cidadão
na estrutura do poder. A dimensão ambiental respeita o princípio da sustentabilidade e
dessa forma considera o meio ambiente também um ativo do desenvolvimento. O
caráter Político-institucional atenta para a importância das institucionalidade territoriais
de modo que elas atuem como um facilitador dos pactos territoriais.
Uma vez compreendido o desenvolvimento num caráter multidimensional, a
SDT busca alcançar por meio de sua estratégia de desenvolvimento territorial, o
fortalecimento da gestão social; fortalecimento das redes sociais de cooperação; uma
melhor articulação das políticas públicas assim como uma dinamização econômica dos
mesmos.
A fim de que as metas sejam atingidas, a SDT utiliza dois grandes
instrumentos de planejamento e gestão territorial, são eles: o Plano Territorial de
Desenvolvimento Rural Sustentável (PTDRS) e os projetos específicos de cada
território, cujo direcionamento contempla aqueles ligados a infra-estrutura e serviços;
capacitação; cooperação horizontal e institucional; apoio às entidades associativas e
cooperativas.
De acordo com a SDT (2007a) para que as ações a fim de garantir um
processo de identificação em projetos considerados prioritários ocorra “ de baixo para
cima” (bottom up) os mesmos contam com algumas instâncias de apoio ao
desenvolvimento sustentável, dentre as quais podemos destacar: a) Colegiados
Territoriais; b) Colegiado Estadual; c) Delegacia do MDA; d) SDT.
Os Colegiados Territoriais (CODETER) são compostos pelo Plenário;
Núcleo Consultivo e Núcleo Técnico. No plenário são indicados os projetos a serem
apoiados assim como são indicados os proponentes dos projetos considerados
prioritários. Ao Núcleo Diretivo cabe, dentre outras responsabilidades, negociar com os
proponentes indicados no plenário a implantação e gestão de projetos levando em
consideração a participação dos beneficiários e colegiado, além de acompanhar a
tramitação dos projetos territoriais. Dentre as atribuições que cabem ao Núcleo Técnico,
ressalta-se a assessoria ao Núcleo Diretivo acerca do trâmite dos projetos territoriais;
instruir os membros do Plenário e do Núcleo Diretivo em caso de dúvidas assim como
“manter o Consultor Territorial informado sobre o processo de definição e elaboração
dos projetos territoriais” SDT (2007a, p. 5).
O Colegiado Estadual tem dentre suas principais atribuições deliberar sobre
os projetos encaminhados pelos Colegiados Territoriais além de encaminhar a SDT os
resultados de tal deliberação. Emitir pareceres em relação aos projetos recebidos dos
Colegiados Territoriais.
A Delegacia do MDA, a fim de operacionalizar melhor suas atribuições,
articula em seu âmbito quatro atores, são eles: a) Delegado; b) Consultoria de Projetos;
c) Consultor Territorial. Cabe a delegado a função de participar ou acompanhar as
reuniões do Conselho Estadual de Desenvolvimento Territorial quando estas tratarem de
homologação e análise de projetos territoriais, assim como analisa-los, encaminhando
parecer para a SDT e a Secretaria Executiva dos Conselhos Estaduais de
Desenvolvimento Territorial. Por meio do Consultor Territorial a Delegacia do MDA
“emitir parecer sobre os projetos territoriais após indicação do Colegiado Territorial”
(SDT 2007a, p. 6) e
acompanhar a tramitação dos projetos territoriais, assegurando o
cumprimento das orientações e prazos estabelecidos pela SDT” ibid (2007,p.6). Os
consultores territoriais têm como responsabilidade de orientar e assessorar na
elaboração de projetos dos territórios como forma de apoio ao Núcleo Técnico e
Diretivo.
De acordo com SDT (2007ª, p. 07) na condição de uma instância de apoio
ao desenvolvimento sustentável, cabe a SDT:
Encaminhar os projetos territoriais aprovados ao agente financeiro;
acompanhar a implantação e gestão dos projetos; Informar as
Delegacias do MDA, CEDRS e colegiados territoriais, a relação de
projetos homologados e encaminhados ao agente financeiro;
Assegurar os recursos orçamentários e financeiros para apoio aos
projetos conforme os limites definidos para os Estados; Apoiar a
capacitação dos executores na aplicação dos recursos e na gestão dos
empreendimentos.
SDT (2007a, p.7)
Em paralelo a política de recorte territorial, levada a cabo pelo MDA, o
Ministério da Integração, por meio do Decreto nº 6.047 de 22 de Fevereiro de 2007
instituiu a Política Nacional de Desenvolvimento Regional (PNDR), por meio desta
política objetiva-se a redução das desigualdades de nível de vida entre as regiões
brasileiras; promoção de equidade no acesso as oportunidades do desenvolvimento; c)
ser orientadora dos programas e ações federais no território nacional. SDT (2007b, p.1).
Nesse aspecto, um critério de recorte territorial utilizado por tal política refere-se ao
critério das mesorregiões.
Para as mesorregiões, o Ministério da Integração Nacional utilizou como
recorte de classificação o critério da dinâmica econômica, sendo tais subrregioes
classificadas como espaço de alta renda, espaços dinâmicos, espaços estagnados e
espaços de baixa renda. O critério de classificação de tais espaços surgiu em decorrência
do cruzamento entre duas variáveis: rendimento domiciliar médio e crescimento do PIB
per capita.
2.3.4
Políticas Estaduais
Conforme exposto nos parágrafos anteriores, as políticas públicas de âmbito
federal voltadas para o desenvolvimento das áreas mais marginalizadas do processo de
desenvolvimento na última década, direcionaram em sua maior parte, esforços para o
fortalecimento da agricultura familiar. Ainda que tais esforços tenham se intensificado
quase no início desta década, algumas iniciativas de âmbito municipal já eram
registradas no país. A título de exemplo, cita-se o caso dos Consórcios Intermunicipais e
políticas de âmbito estadual no combate a pobreza rural.
Dessa forma, registra-se em 1997 uma iniciativa pioneira de combate a
insegurança alimentar, capitaneada pela Prefeitura Municipal de São Luís, no Estado do
Maranhão, na formação de um Consórcio Intermunicipal de Produção e Abastecimento
(CINPRA). Por outro lado, no âmbito estadual, assiste-se a implantação do Programa de
Desenvolvimento Integrado do Maranhão (PRODIM), que em linhas gerais, trata-se de
um programa de combate a pobreza rural. Abordaremos a seguir ambas as experiências.
2.3.4.1 – Consórcio Intermunicipal de Abastecimento
Em 1997 assumiu o governo municipal o então hoje governador do Estado
do Maranhão, Jackson Lago. Na ocasião, a constatação inicial de sua equipe de governo
era que a ilha de São Luís
95
, apesar de ter um caráter rural, importava da região Sudeste
95
A ilha de São Luis não é o mesmo que município de São Luis. A ilha de São Luís compreende um
conjunto de municípios formado por: São Luís, Paço do Lumiar, São José de Ribamar.
80% dos alimentos e cereais hortifrutigranjeiros. Tamanha importação tinha como
origem uma diminuição na área agricultável da ilha decorrente do crescente êxodo rural
verificado nos municípios vizinhos, o que leva a uma maior demanda pelo espaço
urbano, manifestado na forma de palafitas, favelas e especulação imobiliária.
Nesse sentido, a fim de diminuir a condição de dependência alimentar e
evitar uma expansão da miséria, a Prefeitura Municipal de São Luis (PMSL) – quem
mais sentia os efeitos do incessante êxodo rural – buscou articular junto a 14 municípios
vizinhos uma estratégia de produção de alimentos e geração de renda, de modo a fixar o
homem no campo. Partindo de um recorte territorial no estilo cidade pólo e cidades
polarizadas, formatava-se então o CINPRA.
De acordo com informações obtidas dos técnicos do consórcio, o processo
de articulação não foi fácil e ocorreu em duas grandes etapas. Na primeira, por iniciativa
da PMSL, houve um ciclo de palestras no sentido de sensibilizar os prefeitos dos
municípios vizinhos quanto às vantagens de um consórcio de produção de alimentos,
nessa etapa, o principal obstáculo superado foi de ordem política, haja vista que a
Prefeitura de São Luís tinha como partido governante o PDT e os demais municípios
iam do PSDB até o PMDB. Uma vez finda a sensibilização intermunicipal, teve início a
segunda fase, caracterizada como sensibilização intramunicipal, onde os prefeitos que
assumiram o compromisso na fase anterior tiveram como responsabilidade sensibilizar a
câmara municipal e os demais atores acerca das vantagens de um consórcio de produção
intermunicipal.
Assim, uma vez assumida pareceria entre câmara municipal e os demais
atores junto a prefeitura municipal, começou-se a tratar da forma de financiamento de
tal consórcio. Nesse aspecto, cada prefeito enviou a câmara municipal um projeto de lei
solicitando uma autorização para alocar 0.5% do Fundo de Participação do Município
no referido consórcio.
Dessa forma, em 13 de Outubro de 1997, estava criado o CINPRA – com
sede na capital São Luís – que de acordo com o informativo CINPRA (2003, p. 02) tem
como objetivo:
Unir forças; Juntar estruturas; Planejar em Comum; Produzir mais e
melhor; Aumentar a Segurança alimentar; Aumentar a renda e a
qualidade de vida da população; Diversificar a Produção; Substituir as
importações; Organizar uma economia exportadora; Fixar o homem
no campo.
O CINPRA tem como missão:
Viabilizar a municipalização da agricultura, tornando universal à
massa de produtores o acesso a terra e recursos tecnológicos,
educacionais, organizacionais e financeiros em quantidade e qualidade
suficientes à sua inserção competitiva nos mercados de agronegócio.
Ibid (2003, p.02)
Do ponto de vista operacional, a organização interna de tal consórcio, é
composta pelo Conselho de Prefeitos, que abriga um presidente e um vice-presidente e
reúne-se a cada três meses e dentre suas atribuições ressalta-se o gerenciamento dos
recursos financeiros do consórcio; Um conselho fiscal; Uma secretaria executiva, com
reuniões mensais, que trabalha em conjunto com o fórum de secretários de agricultura
das prefeituras participantes do consórcio e tem a função de pesquisar, estudar e
planejar ações com a finalidade de dotar cada secretaria do máximo de capital social;
Um grupo executivo, com a função de implementar as decisões tomadas, este grupo é
formado por técnicos sendo a maior parte destes cedidos pela Secretaria Municipal de
Agricultura e Abastecimento de São Luis e, um menor percentual pertence ao quadro de
funcionários do próprio consórcio. Por fim, na base da organização está o fórum
permanente dos secretários de agricultura.
Apesar de sua organização interna simples e flexível, a péssima condição da
administração municipal em que se encontravam alguns municípios, exigira do
CINPRA um esforço extra, no sentido de tornar viável tal organização. A título de
exemplo, cita-se o caso do município de Vitória do Mearim, que o CINPRA teve de
intervir ajudando a implantar e implementar uma secretaria municipal de agricultura e
abastecimento.
Uma vez superada tamanhas dificuldades o CINPRA realizou convênios
com diversas instituições, como é o caso da EMBRAPA, cuja participação repousa no
desenvolvimento de pesquisas para a melhoria da produtividade das hortaliças e
tubérculos, principalmente a mandioca, cuja produtividade do Estado era de seis
toneladas por hectare, ao passo que no Brasil essa média é de 45 toneladas por hectare.
Também merece destaque as parcerias realizadas com o Serviço Brasileiro de Apoio a
Micro e Pequena Empresa (SEBRAE) e com Consórcios Intermunicipais de outros
estados, como é o caso do Piauí, Universidade Estadual do Maranhão (UEMA).
A implantação e implementação de programas e projetos constituem um dos
pontos fortes do CINPRA, haja vista o fato que para além das ações direcionadas a
agricultura familiar, registra-se algumas cujo foco repousa no incentivo a formação de
capital social. Caldas (2003) aponta alguns projetos considerados relevantes para o bom
desempenho do CINPRA, a saber: Projeto Mandioca, cujo objetivo esta voltado para a
pesquisa, validação, demonstração e transferência de tecnologia no plantio da mandioca;
b) Projeto Cabrita, que tem como objetivo educar a população para o manejo de cabras;
c) Projeto Hortaliças cujo foco é a disseminação dos conhecimentos sobre hortaliças; d)
Projeto Fruticultura, voltado para pesquisa e promoção do acesso do agricultor a
materiais genéticos básicos; e) Projeto Flores Tropicais, direcionado a pesquisa com
objetivo de implantar uma nova cadeia produtiva no Estado do Maranhão; f) Casa
Familiar Rural, trata-se de um programa com o objetivo de profissionalizar – no setor
agrícola – e incentivar a cultura empreendedora entre os jovens, a fim de fixá-los a terra.
Para Trindade (2000, p. 13) a experiência do CINPRA apresenta alguns
aspectos inovadores, tais como:
Constituição de um fundo a ser utilizado por todos os municípios do
Consórcio; Facilitação do acesso dos pequenos municípios a
informações técnicas, com repasse de tecnologia e a formação de uma
rede que envolve prefeituras, centro de pesquisas e instituições de
crédito; Aproximação entre os pequenos e médios produtores e os
centros de pesquisa, como a EMBRAPA, ampliando a utilização
social da capacidade cientifica de tais centros; Mobilização de
recursos das prefeituras para dinamizar o desenvolvimento de toda a
região [...]
Por outro lado, num estudo realizado por Bastos & Giannocaro (2005)
aponta para a existência de algumas dificuldades que prejudicam a ação do consórcio,
tais como a inconstância, por parte dos municípios quanto ao repasse da quota parte de
0.5% do Fundo de Participação Municipal para financiar os consórcios. Por tal estudo,
os autores constataram que alguns municípios apresentam uma contribuição aleatória,
isto é, pagam e deixam de pagar quando bem entendem. Nesse aspecto, o município
mais problemático é a própria capital São Luís.
De acordo com Bastos & Giannocaro (2005), a principal vulnerabilidade do
consórcio reside na descontinuidade política, onde as prioridades de um governo
anterior dificilmente convergem ou são mantidas por um novo governo. De fato, parece
ser esta a causa da “inadimplência” da capital São Luis, haja vista o fato que o prefeito
fundador – Jackson Lago – afastou-se para concorrer às eleições para governador, seu
vice, não nutre muita simpatia por este tipo de cooperação.
A fim de contornar o problema do financiamento, o CINPRA vêm
recorrendo a linhas de financiamento de diferentes bancos estatais, cita-se o caso de um
empréstimo feito junto ao BNDES para financiar o projeto da castanha de cajú, de
acordo com os técnicos do consórcio, é com esse mecanismo que o CINPRA vem
adquirindo uma sobrevida.
Apesar das dificuldades apontadas, a idéia do CINPRA disseminou-se e
influenciou diversos municípios por todo o Estado do Maranhão, de modo que
atualmente registram-se quatro Consórcios Intermunicipais espelhados no CINPRA. A
tabela IV ilustra os municípios partícipes, a data de homologação e o nome dos
Consórcios Intermunicipais voltados para a produção e abastecimento no Maranhão. A
figura 4 localiza tais municípios no mapa do Maranhão, nesta, os municípios que
aderiram a idéia de um CINPRA estão representados na cor amarela. Atualmente tais
consórcios iniciaram um processo de articulação de modo a criar a Confederação dos
Consórcios Intermunicipais de Produção e Abastecimento do Estado do Maranhão.
FIGURA 04 – Municípios do Mranhao com CINPRA implantado
FONTE: Elaboração do autor por meio o arcview com base no Censo 2000.
Tabela VI – Consórcios intermunicipais de produção e abastecimento no maranhão
CONSÓRCIO MUNICÍPIOS INICIATIVA DATA DA
CRIAÇÃO
São Luis
São Luis, Anapurus, Chapadinha, Coroatá,
Humberto de Campos, Morros, Icatú, Axixá,
Presidente Juscelino, Rosário, Santa Rita, Paço
do Lumiar, Pirapemas, Catanhede, Matões do
Norte, Vitória do Mearim, Viana, São João
Batista.
Local
13/10/1997
Centro Sul
Barra do Corda, Fernando Falcão, Formosa da
Serra Negra, Grajaú, Jenipapo das Vieiras,
Arame.
Local
26/04/2001
Cocais e arnaíba
Timon, Matões, Parnarama, Lagoa do Mato,
Passagem Franca, São João do Sóter.
Local
18/06/2001
Médio Mearim
Pedreiras, Lima Campos, Peritoró, São Luis
Gonzaga, Trizidela do Vale, Igarapé Grande,
Esperantinópolis, São Roberto, São Raimundo
do Doca Bezerra, Joselândia, Porção de
Pedras.
Local
19/06/2001
Vales do Pindaré
e Grajaú
Alto Alegre do Pindaré, Santa Luzia, Monção,
Vitória do Mearim, Igarapé do Meio.
Local
22/02/2002
Região
Tocantina
Imperatriz, João Lisboa, Amarante do MA,
São Francisco do Brejão, Sitio Novo, Montes
Altos, Lajeado Novo, Ribamar Fiquene,
Campestre do Maranhão, Estreito, Carolina,
Davinópolis, Buritirama.
Local
22/02/2002
FONTE: Elaboração do autor.
2.3.4.2 - PRODIM
Desde o ano de 1986, o governo do Estado do Maranhão vem promovendo
políticas públicas com o objetivo de reduzir a pobreza rural. Dessa forma, merece
destaque o Projeto de Apoio aos Pequenos Produtores Rurais (PAPP) que teve início em
1986 e deu-se por concluído em 1992. No entanto, tal desenho de política pública teve
continuidade com a inauguração do Projeto de Apoio as Pequenas Comunidades Rurais
(PCPR) que teve início em 1993 no ano de 1998 deu origem ao Programa de Combate
a Pobreza Rural (PCPR) popularmente conhecido como Comunidade Viva, que no ano
de 2004 deu-se por concluído e, na avaliação do próprio governo
96
, a grande conquista
de tais programas reside numa melhora, ainda que modesta no Índice de
Desenvolvimento Humano (IDH) do Estado.
Assim, dando continuidade aos projetos acima citados, no ano de 2005 tem
início o Programa de Desenvolvimento Integrado do Maranhão (PRODIM) cujo foco
principal reside no combate a pobreza rural, por meio do fortalecimento da agricultura
familiar. Denotar que tal projeto, teve início no fim do governo José Reinaldo Tavares
(2002-2006) fato este que comprometeu sua implementação, dessa forma, o governo
que o sucedeu, qual seja o governo Jackson Lago (2007- ), alterou sua estrutura
visando potencializar seus resultados. Dessa forma, o PRODIM passou a ser articulado
com as demais políticas públicas do Estado assim como passou a priorizar as regiões
mais marginalizadas.
96
Ver www.ma.gov.br/seagro
Por isso mesmo, o PRODIM passou a ter como foco as comunidades rurais
com até 5.000 habitantes com prioridade para as comunidades quilombolas,
quebradeiras de coco, pescadores artesanais, indígenas e cujas diretrizes repousam na
integração setorial e espacial da localidade, com uma participação ativa da sociedade
civil organizada além de capacitação técnica com o objetivo de empreender com
eficiência. Seus subprojetos contemplam ações de apoio a infra-estrutura, saúde,
educação, saneamento básico e preservação ambiental.
Na realidade, tanto o PRODIM quanto os demais projetos que o
antecederam, constituem um projeto financiado pelo Banco Mundial, dessa forma,
longe de ser um atendimento as demandas da sociedade, tais projetos constituíam muito
mais uma fonte de captação de recursos do que necessariamente um programa de caráter
inovador no combate a pobreza rural.
O PRODIM está orçado em US$ 40 milhões, sendo que deste orçamento, o
Banco Mundial financia 75%, US$ 30 milhões, o Estado do Maranhão participa como
uma contrapartida de 15%, totalizando US$ 6,4 milhões, e as comunidades beneficiadas
também estão sujeitas a uma contrapartida de 10% totalizando US$ 3,4 milhões. Todo
esse recurso será alocado em subprojetos distribuídos da seguinte forma: 90% ou US$
36 milhões contemplam subprojetos comunitários ao passo que US$ 2 milhões são
destinados ao desenvolvimento institucional e US$ 1 milhão é direcionado a avaliação e
monitoria do programa.
A nosso ver, o ponto forte do PRODIM repousa numa base de utilização do
capital social no sentido proposto no capítulo I, qual seja, um capital social
complementado com a “teoria dos sítios” em que a identidade entre os atores constitui o
mote de sua associação, nestes termos, isso é verificado nas comunidades quilombolas,
quebradeiras de coco, pescadores artesanais, que possuem um caráter associativo
anterior as disponibilidades de recursos por programas do governo
97
.
Porém, apesar de parecer promissor, o PRODIM apresenta algumas
limitações
98
que podem comprometer o objetivo a que se propõe. Em primeiro lugar,
cita-se o fato que tal programa constitui uma linha de financiamento do Banco Mundial
e, por isso mesmo, clama por um processo de descentralização aos moldes da direita,
fato este que conforme abordado em parágrafos anteriores, aponta mais para uma
diminuição da responsabilidade estatal do que necessariamente um compromisso para
com a superação da armadilha de pobreza
99
.
Em segundo lugar, ressalta-se o fato que por se tratar de um programa de
combate a pobreza rural que possui dentre suas diretrizes a promoção da integração
entre as distintas localidades, o conceito de rural adotado é de caráter setorial. Decerto,
conforme vimos na seção 1.2.3 deste capítulo, tanto pelo critério do IBGE – rural
setorial – quanto pelo critério alternativo – Zé Eli da Veiga – o Estado do Maranhão é
predominantemente rural, o que não comprometeria sobremodo tal programa.
De outra forma, conforme exposto na seção 1.1 deste capítulo, com base na
nova geografia econômica, a inexistência de uma cidade pólo e polarizadas – conforme
ocorre atualmente nos Território Rural dos Lençóis Maranhenses – dificulta a formação
de aglomerações sustentáveis do ponto de vista humano, impedindo assim que a
integração contribua para o fortalecimento e emancipação das localidades.
Na realidade, dado o contexto em que se insere, o máximo que se pode
esperar com a integração das comunidades pobres é uma homogeneização nos preços
97
Este é um ponto de suma importância, pois conforme poderemos observar no capítulo III, a depender
da natureza da associação – e com isso da identidade dos atores – algumas políticas públicas podem até
mesmo incentivar o comportamento oportunista.
98
Pelo menos do ponto de vista teórico.
99
Aqui surge um ponto de suma importância, visto que em condições de armadilha de pobreza, a
participação direta do Estado é uma condição sine qua non para superar tal condição.
dos fatores de produção – conforme conclui a teoria econômica regional – elemento este
de pouca valia num ambiente em que as localidades são desprovidas de uma dinâmica
econômica.
Por fim, convém ressaltar que em virtude do fato de ser um programa de
implantação recente, ainda não há possibilidade de uma avaliação do mesmo, de modo
que as ressalvas que fizemos parágrafo acima valem como uma advertência ex-ante
fundamentada no arcabouço teórico neste trabalho tratado.
CAPÍTULO III TERRITÓRIO RURAL DOS LENÇOIS
MARANHENSES/MUNIM
O presente capítulo tem como objetivo analisar a política de
desenvolvimento territorial levada a cabo pela SDT no Território Rural dos Lençóis
Maranhenses. Para isso, dividimos o mesmo em três seções. Na primeira seção faremos
uma caracterização geral do território, que passa a ser entendido como o conjunto
formado pelos seus doze municípios constituintes, por isso mesmo, faremos uma breve
apresentação dos municípios que o constitui. Na segunda seção, apresentaremos as
principais políticas públicas presentes neste território. Neste aspecto, optamos por
apresentar uma política publica estadual – configurada no Plano Maior de Turismo do
Maranhão – e outra de âmbito federal – presente no Plano de Desenvolvimento
Territorial Sustentável dos Lençóis Maranhenses/Munim. Tal justificativa assenta-se no
fato destas serem as duas grandes políticas que exercem profunda influência na
dinâmica econômica e social da Região dos Lençois Maranhenses Munim e
consequentemente sobre o Território Rural dos Lençois Maranhenses.
Por fim, na terceira seção apresentaremos o relato de nossa pesquisa de
campo.
3.1 – Caracterização do Território
A colonização do Estado do Maranhão deu-se por meio das vias litorânea e
sertaneja. Esta foi responsável pela ocupação do interior e centro maranhense, ao passo
que aquela, favoreceu a ocupação de grande parte da costa litorânea do Estado. Em
virtude de sua posição geográfica, cujo limite ao norte e leste é o Oceano Atlântico, boa
parte da mesorregião norte do Maranhão foi palco de incursões de franceses e
portugueses, que na tentativa de adentrar o novo território, favoreceram a colonização
desta região, não à toa, registra-se nessa mesorregião alguns dos municípios mais
antigos do Estado.
A mesorregião Norte do Maranhão é constituída por sessenta municípios e
cinco microrregiões – Aglomeração urbana de São Luís, Baixada Maranhense,
Itapecuru Mirim, Lençóis Maranhenses, Litoral Ocidental, Maranhense, Rosário – que a
exceção da Aglomeração urbana de São Luis, sofre com o fenômeno da pobreza,
corroborada num baixo IDH.
No ano de 1999, a então governadora do Estado do Maranhão, Roseana
Sarney, empreende a reforma administrativa do Estado que dentre outros objetivos,
visava diminuir as desigualdades microrregionais presentes no mesmo. Dessa maneira,
por meio da Lei nº 7.356 de 29 de Dezembro de 1998 ficam criadas as gerencias de
desenvolvimento regional
100
pertencentes ao quadro da administração direta e, que na
prática funcionaria como um reordenamento territorial. No entanto, na administração do
governador José Reinaldo Tavares mais uma reforma administrativa é feita e, dessa
forma, por meio da Lei nº 7.844 de 31 de Janeiro de 2003, as gerências de
desenvolvimento regional passam a ter um escopo maior de atuação, sendo
relacionadas, na maioria dos casos, como sinônimas das microrregiões a que
pertencem
101
e não mais as cidades pólos. A sutileza desta nova reforma está expressa
no artigo 55 da referida lei, onde se pode constatar um aumento do caráter centralizador
100
Na ocasião foram criadas dezoito gerencias de desenvolvimento regional, são elas - de São Luís;
Itapecurú - Mirim; Rosário; Santa Inês; Zé Doca; Imperatriz; Açailândia; Pinheiro; Caxias; Codó;
Bacabal;Pedreiras; Presidente Dutra; Barra do Corda; São João dos Patos; Balsas; Viana; Chapadinha
101
Maiores informações acerca alteração dos nomes das regionais poderá ser verificado no anexo I.
por parte do governador estadual quanto aos rumos do planejamento para o
desenvolvimento, pois :
Art. 55. As Gerências de Articulação e Desenvolvimento das Regiões são
órgãos da administração direta, instalados em municípios, cuja escolha está
baseada em parâmetros e indicadores socioeconômicos que favorecerão o
crescimento e o desenvolvimento sustentável da região, como extensão
governamental na execução de políticas públicas, através do apoio das
Gerências de Estado, dirigidas pelos Gerentes de Articulação e
Desenvolvimento Regionais, diretamente subordinados ao Governador, com
competências e atribuições definidas em cada área de atuação da
Administração Pública Estadual.
Por tal reforma, a então gerencia de Rosário, passa a ser denominada de
Gerência de Articulação e Desenvolvimento da Região do Munim e Lençóis, ainda que
sua sede administrativa permanecesse na cidade de Rosário. Assim, a “Regional de
Rosário” passa a ser popularmente conhecida como região dos Lençóis Maranhenses/
Munim, classificação esta que viria posteriormente a influenciar a denominação do
Território Rural dos Lençóis Maranhenses/Munim.
Homologado em 14 de Outubro de 2003 e constituído por doze municípios
– identificados na figura 4 pela cor amarela e classificados como de baixo dinamismo
econômico, sendo classificado com aquilo que Ortega (2008) denomina como território
deprimido – o Território Rural dos Lençóis Maranhenses, localizado na mesorregião
Norte do Estado do Maranhão e nas microrregiões de Rosário e Lençóis Maranhenses,
possui uma superfície de 14.374,9 km2, na qual vivem aproximadamente 201.580
habitantes que apresentam um baixo nível de desenvolvimento humano e anos de
escolaridade assim como um alto nível de pobreza. Seus municípios constituintes são
caracterizados como rurais – tanto pelo critério do IBGE quanto pelo critério de Veiga –
com um insignificante nível de pluriatividade e forte insegurança alimentar.
O acesso a este território – tanto para quem parte da ilha de São Luís quanto
para quem vem no sentido Sul-Norte – ocorre por meio da BR 135, que no município de
Bacabeira dá lugar a MA 110 até o município de Axixá, onde o acesso ocorre por meio
da BR-402. Em alguns casos o acesso a certos municípios ocorre somente pelas vias
fluviais ou mediante veículos tracionados.
FIGURA 05 – Território rural dos Lençois Maranhenses
FONTE: Elaboração do autor com base no Arcviews
De acordo com o Plano de Desenvolvimento Territorial dos Lençóis
Maranhenses PDTRS (2005, p.15), as características geográficas da micro região de
Rosário e dos Lençóis Maranhenses correspondem respectivamente a
[...] a área de extensas chapadas interpostas entre a ilha de São de Luís e o
continente, tendo o seu povoamento ocorrido com o fluxo econômico. A
atividade econômica tem sua base no setor primário e é diversificada.
[...]A micro região dos Lençóis Maranhenses [...] constituía baixada litorânea
oriental do estado. Corresponde ao litoral retilíneo, arenoso e recoberto por
um ecossistema de dunas, que corresponde aos Lençóis Maranhenses.
Apresenta solos de baixa fertilidade que sustenta uma agricultura familiar
tradicional de produção de alimentos básico, com ênfase na produção de
mandioca e de caju, extrativismo de frutas nativas e artesanato.
Quanto ao solo,
O território é formado por uma estrutura geológica com característica das
Microrregiões Lençóis Maranhenses e Munim, constituída por depósitos de
aluviões marinhos, depósitos eólicos, grupo barreiras,formação Itapecuru,
aluviões flúvio-marinhos, caracterizado pelos lençóis maranhenses, litorais
em rias e superfície maranhense com testemunho,formado por areias, dunas e
formações argilosas, que aparecem ao longo do litoral e avançam em direção
ao continente, apresentando um relevo constituído por dunas de areias alvas,
com predominância do tipo ondulado e plano.
Os tipos de solos encontrados com maior predominância no território são
areias quartzosas marinhas e dunas, areias quartzosas, solos indiscriminados
de mangues, gleissolos, plintossolos e solos aluviais, com limitações e baixa
capacidade produtiva para o uso agrícola, com exceção dos plintossolos,
solos aluviais e gleissolos que apresentam melhor fertilidade e são mais
utilizados (ibdem, p.19)
De acordo com o Atlas dos Territórios (2005), o índice de risco de erosão
(RE) – risco de degradação das terras pela erosão hídrica do solo – é da ordem de 9.2. Já
o índice de fertilidade do solo (FS) – a capacidade natural do solo de fornecer nutrientes
as plantas – atinge um patamar de 3.5, ao passo que as condições de enraizamento (CE)
– que mede a capacidade de desenvolvimento radicular das plantas – atinge um patamar
de 3.2.
A partir dos indicadores acima, observa-se que o solo predominante no
Território Rural dos Lençóis Maranhenses/Munim, é de baixa qualidade, fato
responsável pela manifestação de um potencial agrícola desfavorável. Não à toa,
conforme abordaremos mais adiante, a cultura de mandioca, de baixa produtividade
constitui o principal produto agrícola produzido. Por isso mesmo, constata-se que a
superação da insegurança alimentar
102
presente neste território constitui um problema
crucial e cuja resolução está para além da simples emancipação política dos cidadãos
exigindo assim uma participação direta do Estado no sentido de fornecer uma infra-
estrutura física e institucional capaz de criar no território uma dotação mínima de
“vantagens comparativas
103
”.
No que se refere ao clima, ressalta-se que a temperatura média nos
municípios constituintes do Território Rural dos Lençóis registra uma média de 29º C,
com uma umidade relativa do ar
104
em média de 95%. De acordo com o diagnostico do
território presente no Plano de Desenvolvimento Territorial dos Lençóis Maranhenses
(PDTRS) “as culturas e as criações encontram um clima ameno e compatível com o
desenvolvimento e produção das culturas de grão fibras vegetais e notadamente criação
de pequeno porte” PDTRS (2005, p. 19). Da mesma maneira, tal território apresenta
uma “precipitação pluviométrica velocidade dos ventos e umidade relativa que
favorecem sobremaneira a introdução de fruticultura e culturas irrigadas” ibid (2005,
p.19).
Apesar de apresentar uma vantagem naturalmesmo com baixo potencial
agrícola –quanto à exploração de atividades de fruticultura e criação de animais,
ressalta-se que as lavouras temporárias e de baixíssima produtividade ainda respondem
significativamente pela produção agrícola dos municípios constituintes do território em
questão. De acordo com dados extraídos do IBGE e IPEA
105
, o conjunto de municipios
constituintes do Teritório Rural dos Lençois Maranhenses/Munim, produzem
102
Por Insegurança Alimentar entendemos a ausência do direito a alimentação, ou seja, é uma condição
em que o acesso aos alimentos é irregular ou insuficiente. De outra forma, a segurança alimentar deve ser
entendida como uma combinação regular e estável de quatro dimensoes, qual seja, a dimensão da
quantidade, da qualidade, da regularidade e da dignidade. Para maiores detalhes acerca das políticas de
segurança alimentar ver Takagi et al (2007).
103
Nesse sentido, uma escala de intervenção e planejamento no sentido de List (1982), para quem as
vantagens comparativas podem ser criadas, teria uma contribuição mais efetiva.
104
Dados disponibilizados pelo Laboratório de Geoprocessamento da Universidade Estadual do
Maranhão (UEMA).
105
Disponível em: <www.ibge.gov.br>. Acesso em: 23 fev. 2008.
anualmente 15.000 (quinze mil toneladas) de mandioca, 3.000 (três mil toneladas) de
milho, aproximadamente 2.000 (dois mil toneladas) de feijão e 4.300 (quatro mil e
trezentos toneladas) de arroz.
Importatante ressaltar que no caso da mandioca, assim como nas demais
culturas, apesar do grande volume produzido o valor bruto da produção ainda é muito
baixo. Neste caso, uma vez mais, apresenta-se uma relação direta e positiva entre
quantidade produzida e valor bruto da produção – o que nos informa acerca da baixa
produtividade agrícola e com isso uma baixa capacidade de geração de excedentes.
No que diz respeito às lavouras permanentes, como é o caso do cultivo da
Banana e Abacaxi, o mesmo padrão das lavouras temporárias se repete e podemos
constatar que tais lavouras ainda se encontram num nível bastante incipiente.
Do ponto de vista ambiental, uma grande riqueza deste território reside no
grande potencial hidrográfico, que contempla quatro bacias, totalizando uma extensão
de 1.560 km e ocupam uma área de 81.850 km
2
. Nesse sentido merecem destaque as
bacias do Periá com 5.000km
2
e 70 km de extensão, bacia do Itapecuru – considerada
uma das mais importantes do Estado – com 54.300 km
2
e 1.090 km de extensão, a bacia
do Preguiça com 6.750 km
2
e 125 km de extensão e por fim a bacia do Munim com
15.800 km
2
e 275 km de extensão. Soma-se a isso, o fato que muitos municípios
pertencentes ao Território Rural dos Lençóis Maranhenses fazem limite com o oceano
atlântico, favorecendo assim a atividade pesqueira, fato este que aumenta o estoque
potencial de oferta de mariscos e peixes.
Outra grande riqueza deste território reside no Parque dos Lençóis
Maranhenses – que se divide em pequenos e grandes lençóis – constituídos por um
conjunto de dunas em forma de lençóis e que ocupam uma área de 155.000 hectares e
circundam grande parte dos municípios. O Parque dos Lençóis Maranhenses vem sendo
utilizado como principal base de atividade turística do território, sendo seu acesso
favorecido pela navegabilidade do Rio Preguiças.
Por outro lado, o Território Rural dos Lençóis Maranhenses apresenta uma
forte presença de comunidades quilombolas, que estão concentradas em poucos
municípios, como é o caso de Rosário, Icatú e Presidente Juscelino. Os demais
municípios contam, em sua maioria, apenas com as associações de pescadores
artesanais como forma de cooperação entre os indivíduos.
Do ponto de vista geomorfológico, o referido território apresenta como
principais formações:
a) Litoral em “Rias” – corresponde à porção ocidental, onde “rias” afogadas
foram convertidas em planícies aluviais e são molduradas externamente por
pontões lodosas e ilhas que se formam pelam ação das marés. b) Golfão
Maranhense – Área Resultante do Intenso trabalho de erosão fluvial do
quartenário antigo, posteriormente colmatada,originando uma paisagem de
planícies fluviais, ilhas, lagoas e rios divagantes. Constitui o coletor principal
sistema hidrográfico do maranhão. c) Lençóis Maranhenses – Corresponde a
faixa litorânea e sublitorânea da porção oriental, constituída por restingas,
campos de deflação e duna. E grande a ocorrência de recursos minerais,
tendo como destaque minerais não-metálicos, com a exploração econômica
de cerâmicas (argilas), ou seja, telhas, tijolos, etc, e pedras (pedreiras). O
centro produtor é o município de Rosário, onde se situam em bons números
de empresas cerâmicas e de exploração da pedra brita. PDTR (2005, p. 25)
Por outro lado, apesar de toda essa riqueza, tanto geomorfológica quanto
hidrográfica, o Território Rural dos Lençóis Maranhenses, convive com o fenômeno da
pobreza expressa não apenas na falta de saneamento e infra-estrutura, mas também na
própria atividade econômica, de base primária caracterizada pela agricultura de
subsistência, praticada em propriedades com tamanho médio de 10 hectares
106
.Soma-se
a isso o fato que as poucas atividades industriais exercidas neste território são de base
exploratória de grande impacto sobre o meio-ambiente, como é o caso da indústria de
ferro gusa e pedra brita, presentes nos municipios de Bacabeira e Rosário.
106
A título de exemplo, 97% dos estabelecimentos rurais presentes no território, possuem menos de 10
hectares.
No que se refere a saúde pública, observa-se um quadro típico da pobreza,
prevalecendo a manifestação de um conjunto de doenças típicas das péssimas condições
de moradia tais como, Leishimaniose
107
, Malária, Hansieniese, Tuberculose,
Desidratação e Pneumonia, conforme afirmado pelos atores participantes na elaboração
do Plano de Desenvolvimento Territorial dos Lençóis Maranhenses/Munim (2005, p.54)
onde atestam que “os programas de cunho preventivo carecem de uma visão mais
sistêmica para o alcance dos resultados mais eficazes”. Ainda de acordo com o
diagnóstico deste documento, na área de saúde há uma grande dificuldade na
contratação de médicos e enfermeiros que ocorre em função do baixo poder aquisitivo
dos municípios de modo que todo o serviço de saúde publica é voltado para a o
tratamento das doenças já mencionadas assim como na aplicação de curativos.
No que se segue, apresentaremos de forma suscinta os municípios
constituintes do Território Rural dos Lençóis Maranhenses e suas características mais
importantes.
a) Axixá:
O município de Axixá dista 44 km da capital, é banhado pelo rio Munim e
teve sua homologação no ano de 1937. Pertencente a mesorregião Norte do Maranhão e
a microrregião de Rosário, possui uma população de 10.142 dez mil cento e quarenta e
dois habitantes distribuída numa área de 199,8 km
2
, o que da uma densidade
populacional da ordem de aproximadamente 50 hab/km. Apesar de sua proximidade
com a capital, este município sofre com o fenômeno da pobreza, que atinge
aproximadamente 77% dos seus habitantes – de acordo com dados extraídos do Censo
2000 – da mesma forma, a concentração de renda é relativamente alta, sendo registrado
107
De acordo com informações colhidas junto a médica veterinária da prefeitura, a cidade de
Barreirinhas vem registrando um aumento considerável no número de casos desta doença.
neste município um índice de gini
108
da ordem de 0.57 e um Índice de Desenvolvimento
Humano Municipal IDH-M de 0.61. Por isso mesmo, tal município apresenta uma
media de escolaridade baixíssima, de apenas quatro anos, enquanto que no Estado essa
média é da ordem de oito anos.
Infelizmente, apenas 10% da população têm acesso a água encanada, no
entanto, 80% da mesma são beneficiadas com a energia elétrica, da mesma maneira,
99.5% do lixo tem destino outro que não a coleta. Com uma frota de apenas 47
automóveis, 6 caminhões e 217 motocicletas, o município de Axixá – assim como os
demais do território – tem na atividade de moto táxi uma expressiva fonte de
complementação da renda familiar.
Do ponto de vista cultural, o município de Axixá destaca-se pela exímia
manifestação folclórica do Bumba Meu Boi, no qual o “bumba-meu-boi de Axixá” é
considerado um dos mais animados e glamurosos.
Da mesma forma que todo município pobre e de pequeno porte, Axixá
mantém a maior parte de sua receita municipal proveniente de transferências do governo
federal e estadual conforme pode ser observado na figura 06.
108
O Índice de Gini é uma medida de concentração muito utilizada no estudo sobre as desigualdades. Sua
escala varia de zero a um. Quanto mais próximo de um, mais concentrada ou mais desigual é a
distribuição da variável.
FIGURA 06 – Receitas correntes Axixá
Rec_Trib Rec_Contrib
Rec_Patrim Rec_Agropec
Rec_Indust Rec_Serv
Rec_Transf_Corr
FONTE: Elaboração do autor com base nos dados do FINBRA.
b) Bacabeira:
A homologação do município de Bacabeira ocorreu no ano de 1997.
Cortado pela MA-006, tal município dista 49 km da capital e pertence a mesorregião
Norte e a microrregião de Rosário. Com uma população de aproximadamente
10.000,00 (dez mil habitantes) distribuídos numa superfície de 650 km2 sua densidade
demográfica é considerada baixa, de apenas 16 hab/km, o que o caracteriza como um
município eminentemente rural. As condições de educação de seus habitantes são
consideradas precárias, visto que o analfabetismo atinge 36% da população e, aqueles
considerados alfabetizados a média de estudos é de apenas 3 anos. Nesse mesmo
sentido, apenas 17% da população tem acesso a água encanada, mas 80% da população
possui acesso a energia elétrica e destes, 60% possuem televisão.
O principal entrave deste município reside na pobreza, pois 78% de seus
habitantes são classificados como pobres e a concentração de renda apresenta um índice
de gini da ordem de 0.54.
Diferentemente de Axixá, o município de Bacabeira não possui nenhuma
manifestação cultural que o caracterize. Na realidade, por estar situados as margens da
rodovia sua funcionalidade apóia-se na oferta de numa precária rede de serviços aos
transeuntes, que compram produtos agrícolas estacionais – tais como milho, manga,
pequi – vendidos as margens da rodovia. Porém, convém ressaltar que em seu
perímetro, situam-se empresas que se dedicam a extração de ferro gusa. Por isso
mesmo, apesar de contar com a maior parte de suas receitas provenientes de
transferências federais e estaduais, Bacabeira é um dos poucos municípios do Território
Rural dos Lençóis Maranhenses/Munim que possui um percentual razoável de
arrecadação tributária e receitas de contribuições, conforme pode ser observado na
figura 07.
FIGURA 07 – Receitas correntes bacabeira
Rec_Trib Rec_Contrib
Rec_Patrim Rec_Agropec
Rec_Indust Rec_Serv
Rec_Transf_Corr
FONTE: Elaboração do autor com base nos dados do FINBRA.
c) Barreirinhas
O município de Barreirinhas configura-se com um dos mais antigos do
Maranhão, sendo fundado em 1871. Distante 165 km da capital, esse município
pertence a mesorregião Norte e a microrregião dos Lençóis Maranhenses. Banhado pelo
Rio Preguiças – principal base de exploração econômica – e com uma população de
aproximadamente 40.000,00 habitantes distribuídos numa superfície de 2.291 km2 sua
densidade demográfica é de aproximadamente 17,5 hab/km. O nível de escolaridade de
seus habitantes é considerado preocupante, visto que o analfabetismo atinge 51% da
população em idade ativa e, daqueles que são alfabetizados a escolaridade média é de
apenas dois anos.
As condições de vida dos moradores também não são das melhores. Pois,
apenas 17% da população possui acesso a água encanada, soma-se a isso o fato que a
pobreza atinge 82% dos habitantes e a concentração de renda é registrada num Índice de
Gini de 0.64%.
Dotado de um considerável estoque de recursos naturais – presente em todos
os municípios da microrregião dos Lençóis Maranhenses – Barreirinhas vem
explorando a atividade turística como fonte de emprego e renda para seus habitantes.
Decerto, a atividade turística vem alterando de forma positiva as condições de vida de
parte da população. Ao longo dos últimos dez anos Barreirinhas vêm atraindo um
grande número de empresários e jovens de municípios vizinhos que chegam a cidade
com a intenção de explorar a atividade turística mediante a oferta de serviços e mão-de-
obra. Dessa forma tal município vem se consolidando como uma cidade pólo e,
conforme podemos observar pela figura 3, mediante a classificação de Eli da Veiga, este
município classifica-se como atraente.
Em geral, o município de Barreirinhas é entendido como Lençóis
Maranhenses, de modo que aquele é utilizado como sinônimo deste. No entanto,
convém ressaltar que o parque dos Lençóis Maranhenses – recurso natural transformado
em atividade turística – circunda vários municípios da microrregião dos Lençóis
Maranhenses, que o utilizam como atividade turística. Por isso mesmo, Barreirinhas
vêm se tornando o portal dos Lençóis em função de sua localização geográfica
privilegiada e de uma infra-estrutura considerada razoável em comparação com os
demais municípios desta microrregião. A frota registrada deste município é composta
por 164 automóveis, 26 caminhões, 91 caminhonetes e 337 motocicletas.
No entanto, o desenvolvimento da atividade turística ainda não repercutiu de
forma positiva nas receitas municipais, conforme pode ser observado na figura 08, da
mesma forma que nos demais municípios, as transferências correntes constituem a
maior parte das receitas do município, já os tributos constituem a menor parcela de
arrecadação.
FIGURA 08 - Receitas correntes Barreirinhas
Rec_Trib Rec_Contrib
Rec_Patrim Rec_Agropec
Rec_Indust Rec_Serv
Rec_Transf_Corr
FONTE: Elaboração do autor com base em dados do FINBRA.
d) Cachoeira Grande:
Da mesma forma que Bacabeira, Cachoeira Grande é um município recente,
sendo fundado em 1997 e está localizado a 51 km da capital. Situado na mesorregião
Norte e na microrregião de Rosário, seus sete mil habitantes ocupam uma área de 696
km2. Com uma taxa de analfabetismo atingido 50% da população e daqueles
alfabetizados a média de estudos é de apenas dois anos, Cachoeira Grande sofre com o
flagelo da pobreza, que atinge aproximadamente 89% da população. No que diz respeito
as condições de bem estar da população, os indicadores são ainda mais desanimadores,
pois somente 4% da população possui acesso a água encanada e 43% possui acesso a
energia elétrica, destes, apenas 23% possuem televisão.
Do ponto de vista cultural, Cachoeira Grande não se destaca e nem possui
alguma identidade cultural, suas manifestações nesse sentido resume-se apenas à
festejos triviais, tais como a comemoração do dia do santo padroeiro. No que diz
respeito a frota, há uma predominância das motocicletas, que também são utilizadas
como meio de renda, com a atividade do moto táxi. De acordo com dados do IBGE, este
município possui uma frota registrada de 19 automóveis, 2 caminhões e 43
motocicletas.
Por outro lado, da mesma forma que os demais municípios, Cachoeira
Grande depende quase que exclusivamente das receitas de transferências correntes para
manter suas atividades, conforme pode ser observado na figura 09.
FIGURA 09 - Receitas correntes Cachoeira Grande
Rec_Trib Rec_Contrib
Rec_Patrim Rec_Agropec
Rec_Indust Rec_Serv
Rec_Transf_Corr
FONTE: Elaboração do autor com base nos dados do FINBRA.
e) Humberto de Campos:
Fundado em 1859 e pertencente ao quadro de municípios mais antigos do
Estado do Maranhão, Humberto de Campos pertence a mesorregião Norte e a
microrregião dos Lençóis Maranhenses, e possui a grande vantagem de ser um
município litorâneo.
Com uma população de 21.000 habitantes ocupando uma superfície de
2.424 km2, este município apresenta uma das mais baixas densidades demográficas
registrada no Estado, apenas 8 hab/km. A pobreza castiga 85% dos habitantes e o
analfabetismo 35%, dentre os alfabetizados, a média de estudo é de quase três anos.
Com apenas 3% da população tendo acesso a água encanada e 65% com
acesso a energia elétrica, os aparelhos de televisão estão presente em 29% dos
domicílios, neste contexto, a concentração de renda registrada no índice de gini é de
0.56.
A atividade econômica responsável pela subsistência da maior parte da
população de Humberto de Campos, é a pesca e a agricultura familiar.
f) Icatú:
Pertencente a mesorregião Norte e a microrregião de Rosário, o município
de Icatú foi fundado no ano de 1688 e, da mesma forma que Humberto de Campos e
Barreirinhas, enquadra-se na categoria de municípios mais antigos do Estado do
Maranhão. Apesar de sua longevidade, suas condições econômicas pouco evoluíram ao
longo do tempo. Com uma superfície de 1.546,6 km2 que abriga 21.480 habitantes, o
município de Icatú possui uma concentração de renda de 0.62, sendo a pobreza uma
característica comum a 85% da população. Ademais, para este município registra-se que
aproximadamente 90% das crianças vivem em famílias cuja renda domiciliar não
ultrapassa ½ salário mínimo, de acordo com dados do Atlas de Desenvolvimento
Humano (2000).
Por se tratar de um município litorâneo, a principal fonte de subsistência da
população provém da pesca, em sua maioria artesanal, o que não impede que este
município possua registrada uma frota de 31 automóveis, 6 caminhões e 140
motocicletas que são utilizadas em sua maioria como fonte de renda na forma de moto
táxi.
Do ponto de vista fiscal, Icatú pode ser considerado como o município mais
problemático do Território Rural dos Lençóis Maranhenses, pois, conforme pode ser
observado na figura 10, as receitas de transferências correntes constituem quase que
exclusivamente a principal fonte de renda municipal.
FIGURA 10 - Receitas correntes Icatú
Rec_Trib Rec_Contrib
Rec_Patrim Rec_Agropec
Rec_Indust Rec_Serv
Rec_Transf_Corr
FONTE: Elaboração do autor com base nos dados do FINBRA.
g) Morros:
O município de Morros foi fundado no ano de 1935 e pertence a
mesorregião norte e microrregião de Rosário, com uma população de aproximadamente
14.500,00 habitantes 48% são analfabetos e 83% são classificados como pobres e
somente 9% possuem acesso a água encanada.
Morros possui uma forte manifestação cultural, cujo expoente maior é o
“bumba-meu-boi de morros”, que não raro rivaliza com o “bumba-meu-boi” de Axixá.
A brincadeira de bumba-meu-boi constitui um elo de ligação entre os moradores da
cidade, visto que em seus ensaios e apresentações a população não apenas se organiza
como fortalece seus laços de identidade. Denotar que a principal motivação para a
brincadeira do bumba-meu-boi provém da zona rural. Apesar de ser bastante forte a
expressão cultural do bumba-meu-boi, não possuímos elementos suficientes para
caracterizá-la como uma fonte de capital social.
Morros é um município cuja dinâmica demográfica pode ser classificada
como letárgico, suspeita-se que este município ainda não se tornou esvaiente em função
do importante papel que desempenha os benefícios sociais e aposentadorias rurais.
No quesito fiscal, o município de Morros apresenta uma situação melhor
que Icatú, porem não tão distinta dos demais municípios do Território Rural dos
Lençóis. Conforme pode ser observado na figura 11, as tranferências correntes
constituem a principal fonte de receita deste município, sendo seguida pela receita
tributária e, receita de serviços.
FIGURA 11 - Receitas correntes Morros
Rec_Trib Rec_Contrib
Rec_Patrim Rec_Agropec
Rec_Indust Rec_Serv
Rec_Transf_Corr
FONTE: Elaboração do autor com base nos dados do FINBRA.
h) Paulino Neves:
Pertencente a microrregião dos Lençóis Maranhenses e a mesorregião do
Norte, o município de Paulino Neves foi fundado no ano de 1997 e hoje conta com uma
população 11.500,00 habitantes cuja média de anos de estudo não chega a dois e
registra-se um analfabetismo que atinge 56% daqueles em idade ativa. A pobreza é uma
realidade para 86% da população e as condições de habitação deixam muito a desejar,
pois apenas 2% da população têm acesso a água encanada.
O município de Paulino Neves beneficia-se com o crescimento de
Barreirinhas, ainda que o potencial turístico não seja de todo explorado por este
município, atividades assessorias começam a ser desenvolvidas, tais como a fabricação
de tijolos de argila e extração de palha. Essa nova fonte de renda manifesta-se como
uma pluriatividade, visto que em função da sazonalidade ela é desenvolvida por
pescadores no período da piracema.
Paulino Neves é beneficiado com sua posição geográfica litorânea, fato este
que diminui a condição de vulnerabilidade alimentar.
Do ponto de vista fiscal, o município de Paulino Neves registra um
percentual muito baixo de receitas de impostos, sendo que o grande volume de sua
“arrecadação” é proveniente das transferências correntes, conforme pode ser observado
na figura 12.
Figura 12 – Receitas correntes Paulino Neves
Rec_Trib Rec_Contrib
Rec_Patrim Rec_Agropec
Rec_Indust Rec_Serv
Rec_Transf_Corr
FONTE: Elaboração do autor com base nos dados do FINBRA.
i) Presidente Juscelino:
A tomar como base o nome e ano de sua fundação, 1964, podemos afirmar
que o município de Presidente Juscelino configura-se naquilo que o economista José Eli
da Veiga considera como “entulho varguista”, qual seja, uma ordenação territorial
viabilizada mediante decreto.
Pertencente a mesorregião do Norte a microrregião de Rosário, sua
população de aproximadamente 10.000,00 habitantes ocupa uma superfície de 459 km2.
Com uma média de estudos de pouco mais de dois anos, 88% da população encontra-se
na linha de pobreza e 53% não sabem sequer escrever o próprio nome, ou seja, são
analfabetos. Soma-se a isso, o fato que apenas 7% da população possui água encanada e
nem mesmo a metade da população tem acesso a energia elétrica.
Banhado pelo rio Munim, o município de Presidente Juscelino vale-se da
pesca, em sua maioria artesanal, como fonte de alimentos e renda de seus moradores.
Do ponto de vista cultural, Presidente Juscelino abriga uma forte influência da etnia
negra, sendo registrado doze áreas de quilombolas, a titulo de exemplo cita-se a
comunidade do Piqui, São Benedito e São Lourenço.
Apesar de sua tradição, o município de Presidente Juscelino depende das
transferências correntes para manter suas atividades, da mesma forma que os demais
municípios do Território Rural dos Lençóis, a receita tributária ainda que existente
apresenta-se de forma quase que insignificante, conforme pode ser constatado na figura
13.
FIGURA 13 - Receitas correntes Presidente Juscelino
Rec_Trib Rec_Contrib
Rec_Patrim Rec_Agropec
Rec_Indust Rec_Serv
Rec_Transf_Corr
FONTE: Elaboração do autor com base nos dados do FINBRA.
j) Primeira Cruz:
Povoado colonizado pelos franceses, Primeira Cruz recebeu este nome em
função de ser o local onde os frades capuchinos franceses fincaram a primeira cruz em
terras maranhenses.
Com uma precária rede de saneamento básico onde apenas 2% da população
tem acesso a água encanada, o município de Primeira Cruz foi criado no ano de 1947 e
de acordo com o último Censo (2000) sua população atualmente é de pouco mais de
10.000,00 habitantes, onde dentre aqueles em idade ativa 40% não sabem ler nem
escrever e 82% vivem em condição de pobreza. Pertencente a mesorregião Norte e a
microrregião dos Lençóis Maranhenses, este município apresenta uma situação
fundiária delicada, haja vista o fato que dos 1.434 estabelecimentos agrícola 855, ou
seja, 60% estão na condição de ocupantes.
A situação fiscal deste município não constitui novidade, sendo uma vez
mais as receitas de transferências correntes a grande responsável pela manutenção das
atividades deste município. Depois de Icatú este município parece ser o mais
problemático quanto a capacidade de arrecadação tributaria.
h) Rosário:
Fundado no ano de 1835 e distante 47 km da capital, o município de Rosário
pertence a mesorregião Norte e a microrregião de Rosário, de acordo com dados do
Censo 2000 (IBGE) a população é da ordem de banhado pelo Rio Itapecuru – um dos
principais do Estado – e cortado pela ferrovia São Luís-Teresina, tal município já foi
considerado relativamente próspero e, atualmente a pobreza atinge 76% da população e
o analfabetismo 33,5%. No que diz respeito às condições de bem-estar, cita-se o caso
que somente 33% da população possui acesso a água encanada.
A principal atividade econômica de Rosário reside no artesanato de argila,
presente nas diversas olarias espalhadas pela cidade, cuja qualidade é reconhecida
dentro do Estado. Apesar das atividades artesanais em argila constituírem um forte
elemento de “idéia guia” para Rosário, chama a atenção o fato que dentre os municípios
constituintes do Território Rural dos Lençóis Maranhense, Rosário é o único que
apresentas problemas fundiários ainda não resolvidos. De acordo com dados da SDT
(2007), são 73 famílias ainda acampadas ao passo que para os demais municípios não há
tal problema.
i) Santo Amaro:
O município de Santo Amaro possui uma população de apenas 9.602
habitantes que ocupam uma área de 1.253 km2. Pertencente a mesorregião Norte e a
microrregião dos Lençóis Maranhenses, este município foi criado em 1997.
Considerado – antes de 1997 – um povoado relativamente próspero, Santo Amaro do
Maranhão atualmente convive com um estado de pobreza que atinge 92% da população,
cuja média de estudos atinge pouco mais de dois anos, fato este que se revela numa taxa
de analfabetismo de 45%, em relação as condições de bem-estar, registra-se que o
principal problema reside na falta de saneamento básico, pois apenas 1,3% da população
possui acesso a água encanada.
Os dados das receitas municipais referente ao município de Santo Amaro
não estão disponibilizados pelo FINBRA, no entanto, a julgar pelo tamanho e condição
socioeconômica do município, podemos argumentar que seu padrão de receitas não
difere dos demais apresentados, onde as transferências correntes constituem a base de
sustentação orçamentária do município.
3.2 – Políticas Públicas para o Território Rural dos Lençóis Maranhenses
Em coadunancia com as diretrizes da política social do governo Lula, o
Território Rural dos Lençóis Maranhenses/Munim vem sendo beneficiado por um
conjunto de políticas que visam não apenas a construção de uma rede de segurança
alimentar como é o caso dos CONSADs
109
, mas também no fortalecimento de uma rede
de segurança social, como é o caso das aposentadorias rurais, programas como o Bolsa
Família e recentemente a implantação dos Territórios da Cidadania, além de outros
destinados a inclusão social.
Por outro lado, em decorrência do Territorio Rural dos Lençois
Maranhenses/Munim ser constituído por um conjunto de municipios em condição de
extrema pobreza, não raro se confunde – ao se tratar de políticas públicas – as políticas
públicas decorrentes do atendimento pelas demandas de descentralização “desde baixo”,
109
Convém ressaltar que a política do CONSAD não se aplica ao Território Rural dos Lençóis
Maranhenses, mas sim a alguns municípios que deste participam.
e aqui estão incluídos os repasses constitucionais, daquelas orientadas para o território,
em que prevalece o incentivo a cooperação tomando a emancipação do cidadão como
objeto de tais politicas.
Nesse sentido, a fim de evitar uma “dupla contagem”, tomaremos como
objeto de análise, apenas aquelas políticas cuja elaboração foi influenciada pela
metodologia dos territórios enquanto instrumento de planejamento, independente de sua
conceituação metodológica. O motivo para tal justifica-se no argumento que estamos
interessados em compreender melhor como os distintos atores do Território Rural dos
Lençois Maranhenses, assimilam e ao mesmo tempo reagem aos incentivos para a
construção do capital social, ou seja, o desenvolvimento de aspecto maior que apenas
econômico, que, conforme explicitado no capítulo I, permeia a política de
desenvolvimento territorial rural levada a cabo pelo MDA/SDT. Em última instância, o
que tentaremos aprender é a capacidade desses territórios em promover endogenamente
seu desenvolvimento, superando sua condição de território deprimido.
No que se segue, apresentaremos a politica estadual do Plano Maior de
Turismo, levada a cabo pelo governo do Estado do Maranhão ao fim da década de 1990,
portanto, bem antes da implantacao do Territorio Rural dos Lencois Maranhenses, mas
já sob os efeitos das trasnformações contemporâneas, conforme abordado no capítulo I.
Posteriormente, abordaremos a política de Desenvolvimento Territorial Rural, levada a
cabo pelo MDA/SDT e implantada neste territorio a partir do ano de 2003.
3.2.1 – Plano Maior de Turismo
No âmbito estadual, alguns municípios partícipes do Território Rural dos
Lençóis Maranhense – como é o caso de Barreirinhas, Paulino Neves, Humberto de
Campos, Santo Amaro e Primeira Cruz – participam do Plano Maior de Turismo, um
programa criado pelo governo do Estado do Maranhão ainda no governo Roseana
Sarney (1999-2002) que objetiva o desenvolvimento do turismo sustentável dentro do
estado. Para isso, a sub-gerencia de turismo, contratou a empresa Market System
110
para
ajudar na elaboração e implantação do mesmo. Dessa forma, de acordo com orientações
da referida empresa, o plano é composto de três fases. A fase I – que contempla o
diagnóstico e as estratégias – compreendeu o período entre maio e outubro de 1999. A
fase II – caracterizada pelo plano operacional – estendeu-se de outubro de 1999 a
janeiro de 2000. Já a fase III – caracterizada pela implantação – ocorreu a partir de
Janeiro de 2000 e contempla um conjunto de programas, programas e ações que
deveriam se estender até o ano de 2010.
Convém ressaltar que, ainda na fase I o Estado do Maranhão foi “dividido”
– numa espécie de reordenamento territorial – em cinco pólos turísticos, merecendo
destaque o pólo turístico de Barreirinhas cujo mote seria a exploração turística do
Parque dos Lençóis Maranhenses. Da mesma maneira, mais três pólos de turismo foram
criados, são eles: Pólo do Delta das Américas; Pólo de turismo São Luis-Alcântara;
Pólo de Turismo Floresta dos Guarás; Pólo de turismo Chapada das Mesas.
Na realidade, a divisão do territorio geográfico do Estado do Maranhão em
Pólos de Turismo, partiu do diagnóstico que a atividade de turismo ecológico constitui a
verdadeira vocação econômica do estado.
110
Esta empresa tem sede em Barcelona e possui uma filial no Brasil.
Por isso mesmo, constata-se que o Plano Maior constitui um programa de
planejamento do sentido de cima para baixo, sem a participação direta da comunidade,
cuja justificativa – de acordo com técnicos do Serviço Brasileiro de Apoio a Micro e
Pequena Empresa (SEBRAE) entrevistados em nossa pesquisa de campo – repousa na
própria natureza da exploração da idéia guia, visto que o turismo é uma atividade que é
vendida fora do local em que ocorre.
De outro modo, com a implantação do Plano Maior de Turismo do
Maranhão, as cidades de Barreirinhas, Humberto de Campos, Paulino Neves, Santo
Amaro e Primeira Cruz, passaram a receber investimentos significativos tanto em infra-
estrutura física quanto na própria melhoria das condições de acesso ao município. É
nesse contexto que é reformada a MA402 – que tem inicio no municipio de Presidente
Juscelino e termina no municipio de Barreirinhas – dando assim acesso ao parque dos
lençóis Maranhenses e que se observa uma grande leva de investimentos privados na
região, cita-se o caso da implantação de redes de resorts, chalés e hotéis que se
concentraram na cidade de Barreirinhas.
A partir dessa leva de investimentos privados, a economia da região passou
a tomar um relativo impulso, boa parte dos moradores destes municípios passaram a se
dedicar ao fornecimento de serviços a atividade turística como principal fonte de renda,
muitos deles transformaram suas casas em pensões e hospedarias, outros passaram a
atuar como guias turísticos
111
ao passo que uma minoria passou a atuar como agentes de
turismo, buscando parcerias com grandes empresas tais como a CVC e Taguatur.
Ressalta-se ainda que a grande maioria dos moradores de Barreirinhas cuja principal
111
Convém ressaltar que talvez este seja o setor menos promissor a ser explorados pelos moradores da
região, em virtude da grande maioria dos turistas serem de outros países – sobretudo – Europeus, a
demanda por tal serviço ocorre em função da necessidade de um tradutor ou alguém que possa explicar os
Lençóis Maranhenses na própria língua pátria do turista, fato este que num contexto onde a média de
estudos não ultrapassa 4 anos, oblitera a exploração desta oportunidade.
fonte de renda advém do turismo dedicam-se a guiar as veículos tracionados nas dunas,
além de guiar lanchas.
No caso dos comandantes de lanchas – com a presença cada vez maior de
empresas de grande porte ditando os rumos dos serviços – estes perceberam que em
pouco tempo seriam substituídos por comandantes mais experientes ou mais
“inteligentes” vindos de outros estados. A fim de preservar seus empregos, tais
comandantes reuniram-se e conseguiram um acordo junto a Capitania dos Portos do
Maranhão, em que o serviço turístico de navegação no Rio Preguiças requer que o
habilitado seja “nativo”. Conforme depoimento coletado na nossa pesquisa de campo
temos:
[...] esse rio não é fácil de andar, ele tem muita armadilha, tem redemoinho,
tem raiz de planta que se ingata no motor é um choro só.., tem banco de areia
que pode rachar o casco, por isso é que o cabra pra andar aqui tem que
conhecer bem. Mas o sinhô sabe como é né...essas coisas de hoje parece que
são feita pelo capeta, é tudo esse tal de computador que faz....e não é que esse
danado não esquece de nada......e essas empresas de fora são tudo cheia de
frescura...nao pode isso....nao pode aquilo....tem que andar cheiroso...tem que
escovar os dentes....aí macho....a gente logo viu que esse negocio aqui dá um
dinheirinho mas logo logo os outro de fora é que iam ganhar...daí nós nos
reunimo e fizemo pressão, daí a capitania dos portos disse que só pode guiar
lancha com turista se for de nossa associação e na nossa associação só entra
quem é de casa, quem cresceu nadando aqui no rio...que conhece bem o rio e
que é pobre como nós (Entrevistado 01)
No caso dos demais municípios – Primeira Cruz, Humberto de Campos,
Paulino Neves, Santo Amaro – em que não houve um investimento privado
significativo, o desenvolvimento do turismo favoreceu a atividade artesanal, em que a
exploração do buriti
112
passou a ser uma boa fonte de renda para os cidadãos. A
exploração da atividade de artesanato de buriti foi favorecida pelo fato de ser uma
tradição nestes municípios, ainda que nunca tivessem sido exploradas em escala
predominantemente comercial, nesse sentido, foi necessário um sério esforço de
112
Uma palmeira muito comum na região, donde se extrai a palha e após a secagem ao sol desta se extrai
a fibra, que é utilizada como matéria-prima na construção de sandálias, cestos dentre outros artefatos.
orientação para a produção de caráter comercial. De acordo com depoimento colhido
em nossa pesquisa de campo, o analista do SEBRAE aponta:
Com o crescimento da atividade turística, nós sempre soubemos que o
artesanato poderia atuar como uma boa fonte de renda para os moradores,
pois a atividade artesanal do buriti sempre foi muito forte – diria até que é
tradicional, passando de mãe para filha – mas se por um lado havia
oportunidade por outro havia uma grande ameaça, pois as artesãs sempre
trabalharam de forma isolada, em geral trabalhavam por encomenda e
conheciam bem quem ia usar a peça, em geral um doutor, uma comadre ou
alguém que elas consideram importante.
Nosso grande desafio era sensibilizar as artesãs para importância de trabalhar
na forma de associação – pois somente assim haveria viabilidade econômica
– e a produzir para uma pessoa que elas jamais iam saber quem era. Não foi
um trabalho fácil, mas acredito que avançamos muito nesse aspecto. Isso não
quer dizer que superamos todos obstáculos, mas tenho a mais absoluta
certeza, no dia em que o SEBRAE deixar de atuar junto a elas tudo se desfaz,
falo isso com conhecimento de causa, pois já aconteceu isso aqui conosco,
atuamos numa comunidade que foi o maior sucesso, mas uma vez encerrado
nosso projeto elas não conseguiram caminhar sozinhas e tudo se desfez
(Entrevistado 02)
No entanto, se por um lado o desenvolvimento da atividade turística veio a
favorecer e empolgar boa parte da população, também há aqueles que não concordam
ou não vêem benefícios com a atividade turística, conforme entrevista realizada temos:
Esse negócio de turismo é bom, mas não pra gente, só é bom pra esses barão
de fora...pode ver....esse hotéis bunito são tudo deles...o povo daqui mesmo
trabalha é de garçom, motorista...servente....esse tipo de trabalho...onde se
ganha pouco e o grosso mesmo vai para o patrão de fora..é só o povo de fora
que ganha, o prefeito também pensa tipo eu. Olha aí....ta vendo...é assim o
dia todo....essas lancha ficam indo e vindo e lá se foi nossa pesca...pois o
barulho do motor assuta os peixe....e agora depois desse negócio de
turismo...a gente só pode pescar a noite...pois os peixe voltam a noite...
[...] e o cumpadinho ta pensando que esses hotéis compram nosso
peixe?...compra que nada...so compram peixe da água salgada...que é mais
caro pra ir buscar...e quando compram ainda é muita frescura....o peixe tem
que ser assim...assado...como se eu pudesse dizer pro peixe como ele tem que
se vestir pra eu pescar....
[...] mas ta bom...quem acha que trabalhar pra turista é bom...que
trabalhe...eu vejo mais vantagem na minha vida como sempre foi mesmo.
(Entrevistado 3)
De fato, a impressão que temos pelo depoimento acima parece ser a mesma
predominante num determinado segmento da população, inclusive o prefeito da cidade
de Barreirinhas, cuja opiniao aponta que a atividade turística não chega a favorecer
sobremaneira o município e seus moradores, haja vista os maiores investimentos serem
realizados por grupos externos ao municipio.
No entanto, convém ressaltar que a percepção dos entrevistados refere-se ao
momento em que realizamos este trabalho, com o Territorio Rural dos Lencois
Maranhenses/Munim já homologado, portanto, advertimos desde já que por meio dessas
percepções mesmo que influenciadas pela existência de distintas politicas de
desenvolvimento dentro do territorio podemos avaliar o sentimento de pertencimento,
tão crucial a construção e fortalecimento do capital social.
A exploração da atividade turística favorecida pelo Plano Maior de fato
exerceu impacto significativo nos municípios a que se destina, ainda que o grosso dos
investimentos tenham se concentrado em Barreirinhas. Por isso mesmo, pelo menos em
termos teóricos poderíamos esperar como consequencia a formação de um cenário ideal
para a criação de um entorno de desenvolvimento, pois a cidade de Barreirinhas
passando a exercer o papel de cidade pólo ao passo que as adjacentes exercendo o papel
de polarizada, parece se adequar as condicoes hipotéticas do modelo da nova geografia
econômica, onde da interação das forças centrípetas e centrífugas teriamos a
estabilidade ou instabilidade da aglomeração humana, conforme abordado no capítulo I.
Verificar a existência ou não de uma dependência espacial constituiria um
subsídio de grande valia, pois somente assim poderiamos de fato compreender a
natureza do rural
113
presente no Territorio em estudo, se um rural na forma de resíduo,
conforme apontam os economistas clássicos, ou um novo rural, conforme sugerem as
113
A esse ponto o leitor poderá questionar acerca da importância de se tratar da natureza do rural ao
mesmo tempo em que se discute a politica pública do Plano Maior de Turismo. Advertimos que
abordagem se justifica pelo fato que para o conjunto de municipios constituintes tanto do Plano Maior
quanto do Territorio Rural dos Lencois Maranhenses/Munim, são classificados como municipios rurais,
tanto pelo criterio do IBGE quanto pelo critério de Veiga e que o Plano Maior de Turismo, contribuiu
para alterar a urbanização de alguns municipios, cujo efeito sobre a noção de desenvolvimento será
esclarecido mais a frente. Para maiores detalhes acerca deste critério o leitor poderá consultar o capítulo
II.
pesquisas do RURBANO, pois, ao compreender a natureza do rural, estariamos mais
próximos da compreensão do sitio predominante naquele territorio, ou melhor, da
natureza sob a qual se assenta a reunião coperativa dos homens. Zaoual (2006). E assim
uma importante lacuna teórica poderia ser preenchida, na medida em que teriamos
condições de articular a dimensão tempo espaço, resultando numa materialidade bem
próxima a noção de território sugerida pelos geógrafos humanos, que de maneira
grosseira e em linhas gerais aqui entendemos como um espaço delimitado que comporta
o elemento humano.
Por ora, acrescentamos que a natureza do rural presente no Territorio Rural
dos Lençois Maranhenses/Munim não pode ser caracterizada como Rurbano ou de uma
nova ruralidade, face ao baixo índice de pluriatividade registrado. Nem tampouco
podemos considerá-lo como resíduo, tal qual preconiza a economia urbana e os modelos
de Thunem abordados no capítulo II, haja vista não apenas o baixo grau de urbanização
das cidades constituintes deste território, como também a condição de insegurança
alimentar ali verificada, ou seja, inexiste um “cinturão verde”, conforme podemos
esperar dos modelos de Thunem.
Isso posto, surge uma questão no mínimo inusitada, pois a este ponto parece
estar claro que o rural aqui, não pode ser considerado como um mero viabilizador da
urbanização – não raro confundida com industrialização. Dessa forma, modelos de dois
setores, tal qual o de Singer (1953) para quem a funcionalidade do rural repousa na
liberação de mão-de-obra e produção de alimentos apresentado no capítulo II, parecem
estar fora de cogitação.
Assim, do ponto de vista metodológico, poderiamos considerar a natureza
do rural presente no Territorio dos Lencois Maranhenses como próxima a abordagem
Marxista, apresentada no capítulo II, qual seja, um rural entendido como classe, pois
para Marx, justamente por abrigar em seu seio a classe dos proprietários de terras o rural
passaria a ser entendido como o local do atraso, do conservador.
O conservadorismo que se atribui ao rural decorre do próprio processo de
urbanização, em que há o surgimento da figura do industrial, cujos valores e anseios
diferem daqueles existentes no mundo rural. Nesse sentido, o conflito de classe que se
estabelece entre proprietários rurais e industriais urbanos, tem como pano de fundo, por
um lado a luta pela manutenção da ordem estabelecida, qual seja a ordem feudal, e
por outro a superação desta mesma ordem, que se manifesta no progresso capitalista.
De fato, talvez esta abordagem – para nosso caso em estudo – poderia
constituir uma aproximação elucidativa, não fosse uma problemática. Apesar do
crescimento da cidade de Barreirinhas favorecida pelo exógeno investimento do Plano
Maior de Turismo o rural não atua como elemento de viabilização da “urbanizacao” ou
“industrialização”, pelos motivos já afirmados acima e pela propria natureza da
acumulação ali presente, assentada no setor de serviços.
Por isso mesmo, argumentamos que no estudo em questão, optamos pela
definição de um rural próximo ao de Rotta (1997), para quem o rural pode ser entendido
como o espaço de produção e o urbano como espaço de circulação do capital.
Ademais, considerar o rural como espaço de produção e o urbano como
espaço de circulação favorece uma análise futura quando estivermos interessados em
compreender o vínculo que se estabelece entre moeda e território como fator
potencializador ou limitante de uma economia em bases solidárias. Apesar de
promissora, a exploração da atividade turística por concentrar-se apenas no eixo
Barreirinhas, Primeira Cruz, Santo Amaro, Humberto de Campos, suscita uma questão
crucial, o que fazer com os demais municípios da microrregião de Rosário e
Mesorregião Norte que posteriormente vieram a constituir o Território Rural dos
Lençóis Maranhenses/Munim?
A essa altura, chegamos ao mesmo questionamento de Benko & Lipietz
(1992), apresentado no capítulo I, para quem preocupa a questão de o que fazer com as
regiões que perdem? Ademais, no contexto do presente estudo a grande questão
suscitada é “o que fazer com os municípios que não ganham?”
Nesse sentido, é que ganha força a política do desenvolvimento territorial
levada a cabo pelo MDA/SDT, cujas bases repousam na noção de que o Estado ao
induzir a constituição de arranjos institucionais que se manifestam numa estrutura de
governança territorial incentivem uma manifestação endógena e autônoma de um
processo mais dinâmico.
Convém ressaltar que antes da implantação da política de desenvolvimento
territorial rural, boa parte dos municipios constituintes do território em estudo já
participava da política de segurança alimentar baseada em consórcios intermunicipais,
como é o caso do CONSAD. De fato, na realidade a experiência prévia do CONSAD na
região, favoreceu não apenas a seleção como a identificação dos municipios com
necessidades de intervenção aos moldes de uma política de desenvolvimento territorial
rural.
3.2.2 –
Política de Desenvolvimento Territorial Rural
Em 14 de Outubro de 2003, foi homologado o Território Rural dos Lençois
Maranhenses/Munim, no entanto, muito antes desta data um intenso esforço de
conscientização e mobilização dos atores pertencentes aos municipios selecionados para
fazer parte da política de Desenvolvimento Territorial Rural do governo federal.
De maneira geral, podemos afirmar que tal política é implantada em três
fases, que culminam com a construção do Plano de Desenvolvimento Rural Sustentável,
considerado o documento que irá guiar as ações da SDT na localidade em questão.
Na primeira, fase é feito o levantamento dos dados primários e secundários
cujo objetivo consiste em “dar um panorama geral do ambiente social e econômico do
Território e identificar a visão dos principais atores com relação às dificuldades,
potencialidades e visão do futuro para o Território”. MDA/SDT (2006, p. 3)
Na segunda fase ou segundo eixo, é feita a análise dos sistemas produtivos,
esta fase tem como objetivo analisar os três principais componentes do sistema
produtivo; analisar o ambiente institucional de apoio ao sistema produtivo do território e
identificar os fatores externos e internos que impactam sobre esse sistema produtivo
territorial. (MDA/SDT 2006).
Na terceira fase ou terceiro eixo são analisados os projetos financiados pelo
PROINF ou de projetos considerados relevantes para o território. Uma vez articulado
todos os eixos acima, tem inicio a construção do Plano de Desenvolvimento Territorial
Sustentável que conta com a participação do poder público e sociedade civil,
representada pelo colegiado do desenvolvimento territorial na figura da Comissão de
Instalação das Ações Territoriais (CIAT).
O Plano de Desenvolvimento Territorial é constituído por programas e
projetos que contemplam as dimensões econômica, social e ambiental. No caso do
PDTRS dos Lençóis Maranhenses, sua construção ocorreu pelos meios referidos acima
além da existência de uma organização facilitadora, ETHOS – Assessoria, Consultoria e
Capacitação em Desenvolvimento Local Sustentável, cuja participação parte de uma
demanda dos próprios atores.
Em primeiro lugar foi realizada uma oficina territorial em que se apresentou
o Programa de Desenvolvimento Territorial aos representantes do poder público e
sociedade civil com o objetivo de melhor articular estes atores para participar da criação
da Comissão de Instalação de Ações Territoriais (CIAT).
Num segundo momento foram desenvolvidas jornadas e oficinas territoriais
com o objetivo de melhor apreender a realidade dos municípios constituintes do
território. Assim, foi possível identificar a premissa básica do planejamento estratégico,
qual seja : definir “onde estamos e aonde queremos estar” num horizonte próximo,
dessa maneira foi construída a visão de futuro do Território Rural dos Lençóis
Maranhenses/Munim, que mais uma vez foi realizada pelo CIAT e contou com a
moderação da ETHOS, conforme o PMDTR 2005, p.61) a Visão de Futuro do
Território Rural dos Lençóis Maranhense caracteriza-se da seguinte forma:
O Território Lençóis Maranhenses/Munim é referência no Estado do
Maranhão no desenvolvimento sustentável da Agricultura Familiar com
ênfase na criação de pequenos e médios animais, na apicultura, horticultura,
fruticultura, pesca artesanal, extrativismo, piscicultura e na verticalização da
produção, onde a comercialização e a aquisição dos insumos é feita de forma
organizada através das cooperativas dos produtores. A sustentabilidade das
atividades produtivas é fruto de um eficiente processo de capacitação, serviço
de assistência técnica e pesquisa, com a introdução de tecnologias adaptadas
que favorecem um convívio equilibrado com os ecossistemas. As riquezas
naturais e culturais do Território são fontes de desenvolvimento do
ecoturismo que possibilitam a geração de trabalho e renda com ênfase para os
jovens através da produção artesanal, artístico cultural, e também como
agentes sócio-ambientais. As políticas públicas executadas são referendadas
por um processo permanente de participação dos atores
Uma vez identificada visão de futuro – e seguindo as diretrizes do
MDA/SDT – os atores deram inicio a compreensão da relação sistema e ambiente. Um
sistema deve ser entendido como um “conjunto de partes integrantes e interdependentes
que, conjuntamente formam um todo unitário com determinado objetivo e efetuando
uma função” PMDTRS(2005, p. 64). Já o ambiente, deve ser entendido como “um
conjunto de fatores que dentro de um limite específico se possa conceber como tendo
alguma influência sobre a operação do sistema” (Ibid, 2005, p.64)
De acordo com a orientação metodológica do MDA/SDT, da inter-relação
entre sistema e ambiente é que os atores melhor identificam as oportunidades e ameaças
assim como as potencialidades e estrangulamentos. Nesse sentido, as diretrizes do
PMDTRS quanto a esse aspecto identificam como potencialidades: uma extensa área
litorânea além de uma significativa extensão de mares e rios que favorecem a
exploração da pesca artesanal e piscicultura; uma boa reserva que favorece a atividade
extrativa tanto vegetal quanto mineral; favorecimento da atividade de irrigação em
virtude do potencial agrícola; tradição no cultivo de mandioca, milho arroz e feijão;
aptidão do solo para a produção de mamona e posterior fabricação de biodiesel;
abundância de mão-de-obra.
No que diz respeito aos pontos de estrangulamento, na análise do sistema,
os atores identificaram um manejo inadequado do ecossistema; uma assistência técnica
deficiente além de ausência de tecnologias de produção satisfatórias; pesca de natureza
predatória; dificuldade de acesso ao crédito; falta de qualificação profissional;
exploração imobiliária através de grupos provenientes de fora em detrimento de
empreendedores locais; Frágil organização para a produção e organização de produtos
oriundos da agricultura familiar (PMDTRS, 2005, p.66) .
Quanto a identificação das oportunidades, na análise do sistema, os atores
elencaram: atuação de varias instituições/entidades e programas no território com
possibilidade de parcerias (CIMPRA, IICA, SEBRAE, Gerências Regionais,
EMBRAPA, SDT/MDA,CONAB, CAFs, PRONAF, PRODIM e outros);existência de
programas governamentais de apoio à geração de trabalho e renda e combate à pobreza
(CONSAD/MDS);recursos do programa PRONAF/SDT/MDA para melhoria da infra-
estrutura de apoio e beneficiamento da produção; Proximidade de grandes mercados
consumidores (São Luís, Parnaíba, Teresina e Fortaleza) com infra-estrutura de
estradas,ferrovias e portuária para exportação de produtos do território e mercado
regional; existência de credito aos agricultores familiares (PRONAF/MDA,
CONSAD/MDS, Credito Fundiário e outros), conforme vê-se em PMDTRS (2005)
Em relação as ameaças, mencionadas na identificação do ambiente o
PDTRS Lençóis Maranhenses registra que foram identificada pelos atores as seguintes:
desenvolvimento de atividades não integradas; não inclusão da população no processo
de desenvolvimento do turismo; mudanças nas políticas públicas que venham dificultar
a inclusão dos menos favorecidos no processo de desenvolvimento do território; não
incentivo a produção de produtos em escala para exportação; não existência de um
programa de erradicação do analfabetismo juvenil; Falta de capacitação profissional nas
diversas áreas da produção (PMDTRS, 2005)
Em verdade, a proposta de construção de um Programa de Desenvolvimento
Territorial Rural Sustentável não deixa de ser uma forma de planejamento estratégico,
disciplina esta pertencente ao campo da ciência da administração de empresas que
adquiriu uma imensa popularidade nos anos de 1990, mas vem caindo em desuso ao
final da última década.
Desde então, a escola do planejamento estratégico, cujo principal
representante é Henri Mintzberg e Bruce Ahlstrand
114
, permaneceu com o prestígio em
baixa. De outro modo, dentro da própria escola de planejamento estratégico uma
114
O leitor interessado em aprofundar este tema poderá consultar a obra Safári de Estratégia, Editora
Bookman, 2000.
vertente que vem ganhando bastante prestígio é o planejamento de cenários, que tem
como principal representante Pierre Wack.
A escola do planejamento estratégico tem como ferramenta de análise a
matriz SWOT – que representa as iniciais de Strenght, Weakness, Oportunity, Threaten
– onde se analisa os pontos fortes e fracos ameaças e oportunidades, nada muito
diferente daquilo que preconiza o documento da SDT e conforme foi apontado acima já
está presente no Plano de Desenvolvimento Territorial Rural Sustentável dos Lençóis
Maranhenses.
A exposição acima foi propositalmente abordada com o objetivo de chamar
atenção para um fato curioso, qual seja, a viabilidade de um planejamento estratégico
como “centelha detonadora do processo de desenvolvimento”. A julgar por este critério,
a idéia de um planejamento estratégico para um território – em condições de extrema
pobreza – considerando-o como um organismo vivo, muito próximo da abordagem
construtivista já mencionada no capítulo II, parece desconsiderar , a contribuição
marxista – para quem as condições econômicas materiais são determinadas e
determinam o movimento histórico
115
.
Na realidade, a desconsideração das condições iniciais – ou condições
históricas – nos remete a uma lacuna teórica que pode resultar numa “armadilha”
metodológica.
Conforme tratamos no capítulo I, a desconsideração da variável tempo na
análise economica, principalmente pelos economistas da ciência regional, conduziu a
resultados e conclusões que face as transformações contemporâneas em pouco nos ajuda
a compreender as trajetórias atual das distintas regiões ou territórios e ao mesmo tempo
pouco contribui para uma compreensão do fenômeno do desenvolvimento endógeno
115
A sutileza dessa abordagem justifica-se pela propria abordagem teórica da corrente marxista que
fizemos anteriormente e ao mesmo tempo pela própria conveniência desta corrente em explicar algumas
condições históricas.
entendido por uma dinâmica “desde baixo”. Ao contrário, conforme analisamos no
capítulo I, os modelos da economia regional parecem assentar-se num primeiro
momento na exogeneidade atemporal, onde a centelha detonadora do desenvolvimento
pode ser facilmente detonada mediante a implantação de uma indústria que funcione
como força motriz
116
, sendo toda a dinâmica econômica subsequente uma mera derivada
daquela.
Isso posto, chegamos então a curiosidade sobre o fato de que para o nosso
caso em estudo quem assume o papel atemporal e exógeno da industria motriz? Claro
está que este, justamente pela sua desconsideração temporal, parece ser assumido pelo
instrumento de planejamento estratégico.
Pois bem, mediante tais considerações, quais implicações podemos esperar
para o nosso caso em estudo?
Em primeiro lugar, considerar um planejamento estratégico
117
como
istrumento de apoio a construção de uma nova realidade é desconsiderar a hipótese do
determinismo histórico
118
, onde as condições materiais iniciais influenciam
sobremaneira sua trajetória futura. Curiosamente a implicação do determinismo
histórico encontra eco nos economistas matemáticos, onde ao considerar a variável
tempo em suas análises econômicas possuem duas conclusões gerais, a primeira refere-
se ao fato que se consideramos a condição inicial então existe uma única trajetória
esperada, ao passo que se desconsideramos uma condição inicial entao a variável
116
Advertimos que não estamos desconsiderando as contribuições da economia regional e sim
contextualizando sua aplicação para nosso caso em estudo.
117
Na realidade a essência do planejamento estratégico é diagnosticar onde estamos e de posse do
mesmo, definir aonde queremos chegar.
118
A justificativa para este argumento reside no fato que estamos inserindo a variável tempo em nossa
análise.
assume “infinitas” trajetórias possíveis. A história tem demonstrado que para o segundo
caso
119
o resultado tem sido outro.
Em segundo lugar também não podemos considerar o capital social como
elemento base de coesão social e ou incentivo de cooperação, a justificativa para isso
pode ser dada pelos filósofos existencialistas. Em verdade, a grande contribuição da
filosofia materialista, advém do fato que ao mesmo tempo em que relativizam o
determinismo histórico também salientam que o fato mais importante é entender como o
indivíduo absorve e compreende a realidade, processo este que a depender do momento
histórico possui distintas conotações – e este caso aproxima-se muito da teoria dos
sítios, conforme já abordada no capítulo I – nesse sentido, o processo detonador da
centelha de desenvolvimento pode ficar ainda mais obscurecido e por isso mesmo, o
termo desenvolvimento endógeno pode não caber de forma adequada e o termo
intervenção estatal direta parece ser o substituto mais próximo.
3.3 – Paradoxos da cooperação
Com base nas considerações realizadas nas duas subseções anteriores,
procuramos apreender em nossa pesquisa de campo o elemento indutor de coesão e ou
cooperação entre os indivíduos assim como de que forma tais indivíduos vem
assimilando tais transformações e ao mesmo tempo reagindo as mesmas.
De acordo com as conclusões obtidas na oficina realizada pelo
CODETER/CIAT no ano de 2005, o Território Rural dos Lençóis Maranhenses
apresentava em sua dimensão econômica projetos na área de Financiamento de Culturas
119
Ressalta-se que os economistas regionais sempre fizeram isso.
tradicionais por meio do PRONAF-B e financiamento para a produção do caju e
financiamentos pelo PRONAF A e C. Ainda de acordo com o documento elaborado a
partir daquela oficina, registra-se que os resultados esperados seria a subsistência das
famílias e melhoria da qualidade de vida. De acordo com o que constatamos em nossa
pesquisa de campo, ambas as atividades ainda estão em fase de implantação. No
entanto, em entrevista com uma agricultora beneficiada com tal programa colhemos o
seguinte depoimento:
é...as coisas aqui tão ficando mior, agora com essas prantinha no fundo do
quintal a horta vai ajudar na renda ...inda ta no começo mas eu acho que
vai ser bom, peguei esse recurso aí que o sinhô falou mas não é fácil não a
gente tem de dar conta de tudo e eu não entendo muito bem disso, mas que
ajuda isso ajuda, miora tudo.Aqui é assim, um vai ajudando o outro um da
dica pro outro e assim vai e tem vez que nos tudo erra (Entrevistado 04)
De fato, com base no depoimento acima, podemos observar que a percepção
do entrevistado 4 é coerente com algumas das demandas levantadas ainda na fase de
diagnóstico, onde foi identificada como ameaça ao ambiente a falta de acesso ao crédito
e a falta de assistência técnica.
Por esse mesmo diapasão, ainda na dimensão econômica, veirificou-se que
há projetos voltados para a criação de pequenos animais, cujas atividades desenvolvidas
contemplam a implantação de projetos de caprinocultura em algumas comunidades de
Rosário e Barreirinhas, além da implantação e incentivo para a criação de galinhas
caipiras em todos os municípios, assim como atividades voltadas para aqüicultura.
Nesse sentido, há projetos na área de piscicultura e desenvolvimento da pesca artesanal,
viabilizados mediante a cooperação entre Brasil e Espanha, com atividades voltadas
para o treinamento da mão de obra dos pescadores.
Em pesquisa de campo, visitamos a sede deste projeto de cooperação
programa, no entanto, constatamos que o referido programa nunca funcionou, apenas foi
implantado, de acordo com entrevista colhida junto aos responsáveis pela segurança do
prédio, colhemos o seguinte depoimento:
Ah cabra, isso aí desde que inaugurou nunca funcionou e olhe que foi uma
festa só, veio gente de fora, o povo daqui tudo animado um foguetel só, era
tanta coisa boa que dava até vontade de ser pescador....hoje o sinhô pode ver
isso aí....tudo fechado....as sala de aula tudo fechada, tudo empoeirado.....sei
la o que aconteceu.....só sei que nunca funcionou....(risos) mas te certo né...a
gente divia se espantar era se tivesse funcionando né (Entrevistado 05)
Uma vez mais, pode-se constatar que a demanda por qualificação da mão-
de-obra que se dedica a pesca artesanal foi parcialmente atendida, na medida em que foi
implantado um centro de capacitação para os pescadores artesanais. Porém, a falta de
continuidade das ações, conforme podemos verificar, pode levar a um descompromisso
por parte do ator social, refletindo sobremaneira no próprio sentido de pertencimento,
tão fundamental ao conceito de capital social e base para uma politica de
desenvolvimento inclusiva.
De outra forma, em entrevista de campo realizada junto aos atores podemos
constatar que por um lado as linhas do PRONAF estão sendo utilizadas de forma
irregular ou deficiente. Por meio de uma amostragem aleatória dentro do município de
Barreirinhas identificamos seis projetos de pisciculturas, sendo que três estão
localizados na zona urbana do município de Barreirinhas e outros três estão localizados
em povoados do municipio. A visita aos projetos localizados no perímetro urbano foi
relativamente fácil e a recepção dos atores também foi amistosa, desde que não fosse
gravada.
Entretanto, pudemos anotar as seguintes declarações de alguns beneficiários
do projeto:
[...] é..meu negocio nunca foi peixe não, como o sinhô pode ver eu vivo é de
vender verdura e carne, mas, passou um pessoal aqui, uns dotor né...e disse
que esse negócio de peixe da dinheiro comu o quê...aí a genti animou
né....então eles fizeram quase tudo...e hoje o tanque taí...mas tem muito
problema né......eu não sei desse negocio de peixe criado em tanque
não....tem dia que acho que eles estão com fome e dou pão, aí vem um e diz
que pão não presta e manda eu dar farinha.....e por aí vai.....e a gente vai
tentando de tudo né....nao sei como é o certo... (Entrevistado 06)
Da mesma forma:
É...o dinheiro do tanque veio do banco....mas lá os homi falaram que é um tal
de PRONAF, é a mesma coisa os dotô falaram que da dinheiro e a gente foi
tentar né....mas eu não pudia fazer isso sozinho, daí eu fiz com o “bilton” mas
o danado do bilton me passou a perna, pois eu não recebi o dinheiro todo não
ele ficou com uma parte. Outro dia o marquinho passou aqui e disse “rapaz
tão dizendo que tem cento e cinqüenta reais pra ti la no banco é pra esses teu
tanque aí”....entao eu fui....e tinha mesmo....mas o dinheiro não da ne....tô
devendo e não sei como vai ser, o bilton não esta nem aí.....acho que ele
comprou foi uma bicicleta bonita......acho ne.....nao to dizendo que ele fez
isso.. (Entrevistado 6)
Questionado acerca dos benefícios do PRONAF, o mesmo entrevistado
responde:
Se eu faria isso de novo? Sei não moço...esse negócio não dar resultado
não...demora demais pro dinheiro ser liberado, mas o bom é tem vez que eu
vendo aqui mesmo na minha vendinha, o pessoal parece que ta gostando dos
peixe do tanque, mas o ruim é que eu não entendo, falta um dotô pra dizer
como se cria esses peixes, do mesmo jeito que os dotô falaram que a gente
podia pegar dinheiro no banco fazendo uns tanque de peixe (Entrevistado 6).
Em relação aos projetos de financiamento e incentivo a cultura da castanha
de caju, tivemos contato com o principal representante dos produtores do povoado de
“mata fome”, cujo depoimento é transcrito a seguir:
Isso, a gente tem um projeto de castanha de caju, pegamo o dinheiro no
banco e montamo quase tudo, o resto a gente já tinha. Mas olhe, não ventile
por aí não, mas esse nosso projeto ta com muito problema, tamo devendo
dinheiro no banco, o banco não libera o dinheiro enquanto a gente não se
acertar, a gente ta tentando fazer um acordo, mas não dá.... eles não
aceitam....a gente já fez a proposta de devolver a máquina de beneficiar a
castanha mas eles não aceitam e agora a briga ta é na justiça. Na verdade essa
maquina foi a desgraça de tudo, pois ela não serve de nada......a gente comprô
ela porque o banco disse que era pra comprar ela....e depois a gente viu que
ela não serve direito para o beneficiamento (Entrevistado 7).
Em relação a familiaridade com a atividade da castanha de cajú, ressalta o
entrevistado que:
Sim, eu sempre trabalhei com isso, sempre me deu um dinheirinho, e o que
eu produzo o senhor pode ver aqui, tô vendendo pra turista e não é por nada
não, a minha castanha todo mundo gosta. Mas como o senhor vê, não da pra
confiar só na castanha não, a gente também tem que se virar pro lado do
artesanato sabe, é isso que sai mesmo, mas não quero largar a castanha não.
Essa produção que o senhor ta vendo aí é só minha, não tem nada haver com
associação não (Entrevistado 7).
Assim, quando questionado acerca dos benefícios de uma cooperação o
entrevistado é contundente:
Ah, esse negocio de cooperar é muito difícil, pra organizar uma cooperativa
então, é mais difícil ainda, sai muito caro, uma vez a gente tentou, mas na
hora que viu a conta, ninguém quis, e tem também que cada um sabe
trabalhar de um jeito, se criou fazendo as coisas daquele jeito e se for pra
fazer de um jeito só ninguém quer.
Isso não quer dizer que a gente não se reúne não,a gente se organiza na forma
de associação, é muito mais barato, e o povo participa mais, mas tem o
problema que a nossa associação ta com uma briguinha ne, o senhor sabe, um
quer mandar mais do que outro, um só quer puxar a rede pro seu lado, e aí o
outro pensa que ta ganhando menos dinheiro acusa o outro de ficar usando a
associação pra outras coisas, mas essas coisas a gente resolve e segue em
frente (Entrevistado 7).
De acordo com o depoimento colhido acima, constata-se a primeira grande
assimetria entre as ameaças e oportunidades, identificadas na análise do sistema e
tratada em parágrafos anteriores. Conforme consta no PMDTRS (2005, p.66), uma das
grandes ameaças identificadas pelos atores referia-se justamente a falta de acesso ao
crédito e a dificuldade de organização não apenas da produção quanto da
comercialização da produção. Neste caso a assimetria de acesso ao crédito PRONAF
identificada por Silva, Neder & Correa (2007) e tratada no capítulo II, chama atenção
para um fato curioso, pois no caso em estudo, claro está que houve uma facilidade de
organização quanto a captação do recurso. Pom, a mesma facilidade não se verifica
quanto a organização e comercialização da produção. Uma vez mais, constata-se que
apesar de tratada a ameaça
120
, esta não foi capaz de se transformar em oportunidade.
120
Ressalta-se uma vez mais que a dificuldade de acesso ao crédito foi identificada pelos atore sociais na
oficina CIAT como um elemento de ameaça ao sistema.
Outra questão curiosa que surge, advém da propria dificuldade em organizar
um processo cooperativo. De acordo com o depoimento do entrevistado 7, as razões
para isso parecem estar presentes nos altos custos de transação de uma atividade
cooperativa, neste caso, a Teoria dos Custos de Transação (TCT), parece nos auxiliar
sobremaneira quanto a esta dificuldade, pois de acordo com mesma a configuração de
uma empresa – se integrada verticalmente, horizontalmente ou pulverizada – responde a
uma lógica de custo benefício de se recorrer ao mercado a fim de realizar suas
operações.
No caso em estudo, parece estar claro que a melhor forma de organização,
com base na Teoria dos Custos de Transação – cujo tratamento teórico foi realizado no
capítulo I – é a produção individual, pois os custos de organizar e manter uma
cooperação supera os ganhos financeiros que seriam obtidos com a propria atividade. A
primeira vista, por meio de uma simples consulta ao Cadastro Geral de Empregados e
Desempregados (CAGED) refente aos anos 2004-2006, podemos observar uma alta
participação do setor informal grau de informalidade
121
presente nas atividades e
transações economicas deste território
122
. Isso posto, parece ser este o grande motivo
pela qual a organização em forma cooperada não se manifesta de forma preponderante,
de modo que uma vez oferecida a infra-estrutura mínima, e aqui está incluso não apenas
a infra-estrutura material como tambem a institucional, aumentaria o grau de confiança
e capacidade de articulacao dos atores, estaria assim resolvido o problema da “centelha
de desenvolvimento”.
121
Para um maior entendimento da diferença existente entre setor informal e informalidade assim como
uma estimativa do grau de informalidade dos Estados do MA e MG, obtidos a partir da PNAD 2006 o
leitor poderá acessar www.piorski.blog.uol.com.br
122
A constatação do auto grau de informalidade por meio do CAGED surge na propria dificuldade em se
encontrar dados referentes aquele territorio. Como o CAGED contempla apenas as ativiades formais, a
não significância estatistica dos registros encontrados apontam para um alto grau de informalidade das
atividades econômica.
Porém, a realidade que constatamos está longe de corroborar não apenas a
nossa ilação acima quanto a própria premissa da TCT. Vejamos, de acordo com o
depoimento do entrevistado 7, há uma clara demonstração que o principal fator
obliterante da cooperação não constitui apenas um alto custo de transação, mas, também
uma indisposição por parte dos atores para isso, o que fica patente, no argumento de
que “cada um sabe trabalhar de um jeito, se criou fazendo as coisas daquele jeito e se
for pra trabalhar de um jeito só, ninguém quer”. (Entrevistado 7).
Da mesma maneira, podemos argumentar, com base no depoimento do
entrevistado 5 assim como nas proprias constatações empíricas realizada pela nossa
pesquisa de campo, que as demandas realizadas pelos atores junto aos órgãos públicos,
principalmente no que diz respeito ao fornecimento de infra-estutura, vêm sendo
claramente atendidas, ainda que não em sua totalidade. Ao contrário, a resposta dos
atores ao atendimento de tais demandas ainda não foi capaz de se transformar em
oportunidades. Diante disso, uma vez mais chegamos a um ponto inusitado, pois a
noção de capital social trabalhada pelo MDA/SDT parece ainda não ter sido assimilada
pelos atores sociais, fato este que reforça nosso argumento realizado no capítulo I que
esta noção de capital social pode ser complementada com o uso da teoria dos sitios.
Neste ponto, parece estar claro que o referencial teórico da TCT pouco nos
ajuda a entender a dificuldade de cooperação existente naquele território. Face a essa
dificuldade uma metodologia alternativa sob a qual poderíamos nos apoiar reside na
teoria da incrustação de Granovetter (1985), apresentada no capítulo I, para quem “as
relações sociais, mais do que os dispositivos institucionais ou a moral generalizada, são
as principais responsáveis pela produção de confiança na vida econômica” Granovetter
(2003, p.80).
Decerto, recorrendo a fundamentação teórica da Nova Sociologia
Econômica, notadamente as considerações de Granovetter (1985), parecemos viabilizar
nossa investigação rumo ao entendimento da natureza das relações sociais. Porém uma
vez seguindo este caminho corremos o risco de voltar a propria noção de capital social
levada a cabo pelo MDA/SDT e preocuparmos apenas com o fortalecimento das
relações sociais como elemento indutor do capital social. A fim de evitar tal
desemboque, é que argumentamos no sentido de subjacente a teoria da incrustação, nos
apoiar-mos na teoria dos sitios como forma de melhor compreender a natureza que
permeia essas relações sociais e com isso responderiamos a questão do que realmente
devemos entender por “pertencimento”, a base do capital social.
Conforme já exposto no capítulo I, a teoria do sitios, defendida por Zaoual
(2006), parte da noção do homo situs, que deve ser entendido como um “homem
concreto que combina vários imperativos ao mesmo tempo. Devido ao peso do sitio em
seu comportamento, o homo situs tem ética, identidade e racionalidade que ele constrói
in situ”. Zaoual (2006, p. 50). Ou seja, é necessario compreender como se dá a
construção dos valores em cada localidade, tambem convém ressaltar que esta
construção de valores assume um aspecto semelhante ao poder simbólico, trabalhado
por Bordieu (2007).
Pois bem, face a este referencial teórico e fundamentado nos depoimentos
colhidos e ao mesmo tempo com base na identificação dos pontos de ameaças e
oportunidades do Território Rural dos Lençois Maranhenses, podemos identificar que a
noção de pertencimento, e com isso a propria natureza das relações sociais nesta
localidade está assentada na necessidade de inclusão na atividade de turismo.
Dito de outra forma, o sentimento de inclusão e com isso a própria sensação
de pertencimento, somente é despertado quando se encontra associado de alguma
maneira a atividade do turismo. Salvo em comunidades quilombolas e indígenas, esta
parece ser a regra. Dessa forma, parece estar esclarecido o motivo pelo qual apesar do
atendimento as demandas dos agentes estas não são capazes de se transformarem em
oportunidades.
A prova disso, parece ficar esclarecida num outro projeto, que surge com a
participação da comunidade articulada com instituições de caráter privado e público, é o
plano de turismo do município que reúne diversas prefeituras em torno da idéia guia de
exploração da atividade turística, em parceria com projetos de extensão do Centro de
Ensino Universitário do Maranhão (CEUMA), cujas atividades a serem desenvolvidas
são: O desenvolvimento do Plano de Turismo do município de Santo Amaro do
Maranhão; implantação de dois centros de artesanatos no território, por meio de parceria
com a SDT/CIAT e capacitação dos artesãos. Tais atividades têm como resultados
esperados o fortalecimento e organização da gestão associativa, fortalecer o intercâmbio
entre os artesãos do território e, disciplinar as atividades turísticas no município de
Santo Amaro.
Afora essas iniciativas, as demais políticas públicas presentes no Território
Rural dos Lençois Maranhenses pertencem ao campo da assistência social, naquilo que
podemos considerar como políticas passivas, neste caso, verificam-se ações prioritárias
na dimensão de saúde e educação, bens estes considerados universais.
Em relação a saúde, cita-se o programa compre local que contempla
distribuição de alimentos a escolas, creches e hospitais. Em nossa pesquisa de campo,
procuramos conversar com pessoas que conhecem ou sejam beneficiadas com tal
programa, constatamos que em média os beneficiários estão satisfeitos com estes
programas, alegando que as “vezes falta alimento mas não é como antigamente que só
deus sabia quando ia ter merenda ou não.” Padilha (dona de casa, 28 anos)
Em relação à educação, merece destaque o programa de Alfabetização de
jovens e adultos e o programa educação no campo. Em relação ao primeiro, constata-se
que se trata de uma reivindicação presente no próprio PDTRS e cujos resultados tem
sido apontados como satisfatórios por alguns participantes. Quanto ao segundo projeto,
constatamos um maior empenho dos jovens, embora não estejamos em condições de
apontar as causas para isso. De acordo com alguns especialistas, tamanha satisfação
decorre da própria pedagogia de alternância, que já demonstrou resultados satisfatórios
na experiência dos Consórcios Intermunicipais de Produção e Abastecimento
(CINPRA).
Do exposto até então, convém ressaltar que a visão de futuro do Território
Rural dos Lençóis Maranhenses para que seja alcançada necessita superar algumas
limitações intrínsecas ao processo de percepção da realidade por meio dos atores em sua
condição de existência. Da mesma forma, não apenas a limitação cognitiva faz-se
presente como também a própria capacidade do Estado enquanto instituição em levar a
cabo um empreendimento desta magnitude por um período considerável de tempo.
Nesse sentido, concordamos com Ortega & Almeida Filho (2006) para quem este
processo de desenvolvimento não atenta para questões mais de fundo do Estado
capitalista, onde o favorecimento do processo de acumulação adquire uma condição sine
qua non.
Outro aspecto importante reside no próprio elemento de identidade que
motiva a cooperação. Podemos observar que entre aqueles que estão inseridos na
atividade do turismo e dela se beneficiam há uma consciência de organização e
cooperação maior do que entre aqueles que não se beneficiam dela diretamente,
conforme podemos observar nas entrevistas citadas.
De fato, a reivindicação de tornar o turismo uma atividade acessível a todos
já estava presente na construção do PDTRS-Lençois Maranhenses/Munim. Aqui, um
aspecto angular da teoria do capital social parece ser corroborado, pois o sentimento de
pertencimento parece adquirir uma importância crucial. A grande resultante disso é um
padrão de comportamento intrigante.
O padrão de comportamento intrigante presente no Território Rural dos
Lençóis Maranhenses/Munim, ocorre mediante a existência de dois tipos de atores. Os
primeiros, podemos classificar como aqueles que se beneficiam diretamente da
atividade do turismo que dita os rumos de sua qualidade de vida. Por outro lado, no
segundo grupo de atores, podemos classificar aqueles que por um motivo ou outros não
se beneficiam da atividade turística e possuem sua qualidade de vida determinada
predominantemente por políticas publicas de caráter passivo.
Para este segundo grupo, parece haver uma emulação de caráter pecuniário
com o primeiro grupo. Dessa forma, o sentimento de inclusão deste grupo ocorre
mediante a posse de símbolos de riqueza, tais como geladeiras, motos, bicicletas,
televisores
123
, assim partes das políticas ditas passivas sofrem com a má utilização dos
recursos. Denotar que esse sentimento de emulação é tão forte que chega a se manifestar
na própria dificuldade de cooperação entre os atores, conforme nos leva a crer alguns
depoimentos tomados.
Por isso mesmo, enquanto que a cooperação e ou associação para o primeiro
grupo constitui uma forma de manter ou ampliar seu poder econômico, para o segundo
grupo tal forma apresenta-se como um óbice. Por isso mesmo, levantamos a hipótese
que neste caso, o capital social pode funcionar como um bom mecanismo de
123
A titulo de exemplo, em reportagem veiculada pelo Jornal Pequeno do Maranhão, há o registro que no
município considerado o mais miserável do estado, há famílias que possuem radio e televisão mas não
possuem filtro ou geladeira.
distribuição de renda entre os já incluídos, ao passo que pouco parece ajudar para a
inclusão, nas condições do nosso estudo.
Atento as dificuldades de se promover o desenvolvimento endógeno, e
talvez em concordância com a hipótese de que os programas passivos possam apresentar
resultados mais imediatos, o governo federal inaugurou no dia 25 de Fevereiro de 2008
o programa Território da Cidadania.
3.4 – Territórios da Cidadania
Este programa de caráter social é levado a cabo pelo MDA/SDT com o
objetivo de reduzir a pobreza rural por meio de uma estratégia de desenvolvimento rural
sustentável, algo não muito distinto do já implementado Programa de Desenvolvimento
Territorial Rural. Com um orçamento de R$ 11 bilhões para ser aplicado nacionalmente,
prioriza os municipios que se encontra em estado de extrema pobreza, com um baixo
nível de IDH.
O Território da Cidadania dos Lençóis Maranhenses/Munin (MA), com
14.374,90 quilômetros quadrados, é formado pelos municípios de Axixá,
Bacabeira, Barreirinhas, Cachoeira Grande, Humberto de Campos, Icatu,
Morros, Paulino Neves, Presidente Juscelino, Primeira Cruz, Rosário e Santo
Amaro do Maranhão.
Com 201.574 habitantes, dos quais 130.534 (64,76%) vivem na área rural, o
IDH médio do território é 0,57. O Território da Cidadania de Lençóis
Maranhenses/Munin tem 9.616 agricultores familiares, 7.842 famílias
assentadas, 5.727 pescadores e uma comunidade quilombola (MDS, acesso
em 23/02)
Em verdade, a essencia deste programa consiste num conjunto de ações – ao
todo são cerca de 135 – nas mais diversas áreas, tais como saúde, educação, cidadania.
A grande inovacao desta política consiste no seu bem delimitado foco, pois prioriza nos
já selecionados Territorios Rurais, a identidade cultural – como é o caso das
comunidades quilombolas, indígenas além dos agricultores familiares – cujas ações
direcionam-se a melhoria da infra-estrutura em que vive tais populações.
Outra grande peculiaridade deste programa reside não apenas na articulação
de suas ações com aquelas presentes em outros ministérios, mas também no próprio
aumento do grau de assistência social ofertado pelo governo. Conforme estabelecido
pelo MDA/SDT (2008), tal programa pode ser entendido a partir do ponto de vista que:
[...] não basta financiar a construção de um laticinio em uma região
desprovida de eletricidade suficiente para fazer funcionar os equipamentos ou
de estradas para escoar a produção.É necessário, antes, suprir a região com a
eletrificação e as estradas. Por essa razão, o programa envolve 15
ministérios[...]
Serão desenvolvidas ações combinando os financiamentos do Programa
Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) com a
ampliação da assistência técnica; a construção de estradas com a ampliação
do Programa Luz para Todos; a recuperação da infra-estrutura dos
assentamentos com a ampliação do Bolsa Família; a implantação de Centros
de Referência da Assistência Social (CRAS) com a ampliação dos programas
de Saúde da Família, Farmácia Popular e Brasil Sorridente; e a construção de
escola com obras de saneamento básico e a construção de cisternas
Na realidade, do ponto de vista teórico, o grande avanço deste programa
encontra-se na identificação da participação direta do Estado como elemento
estruturante de uma emancipação cidadã.
Da mesma maneira, se consideramos o fato que numa política dita
participativa – que constitui a essência do planejamento de baixo para cima – leva em
consideração os anseios da comunidade em territórios deprimidos, ainda não há registro
em nosso caso
124
de que maneira isso pode ocorrer sem a participação do Estado.
Reconhecendo esta dificuldade, o programa dos Territórios da Cidadania
busca enfrentar esta questão, a prova para isso está presente na propria estrutura desta
124
Tomamos como justificativa desta argumentação a própria dificuldade que se manifestou na
experiência do Desenvolvimento Local Integrado e Sustentado, no governo Fernando Henrique Cardoso.
política que não prescinde de uma participação direta do Estado; constroi um arranjo
instititucional que envolve quinze ministérios; alavanca 135 ações;
Por isso mesmo, autores como Ortega (2008) reconhece neste programa
avanços significativos, pois agora:
Constitui-se um arranjo horizontal em nível de governo federal para articular
as diferentes ações.
E, por sua vez, com a criação dos Comitês de Articulação Estaduais, que
ajuda a intermediar as relações entre o Comitê Gestor Nacional e os
Colegiados Territoriais, pretende-se fortalecer a coordenação vertica
(ORTEGA, 2008, p. 171)
Porém, ainda para este autor, mesmo com tais inovações alguns limites são
impostos a este programa,
[...] apesar dessa ampliação, não se pode esperar com isso uma facilitação na
gestão local do Programa. A presença de membros de diferentes esferas de
poder e de segmentos sociais, por si só já implica em dificuldades em se
obter consenso. Mais dificil, ainda, será o exercício da gestão dos colegiados
em função da ampliação das ações que passam a ser dirigidas a ele. Um
desafio, entretanto, que requer superação (ORTEGA, 2008, p. 171)
No entanto, para fins do nosso estudo, estamos interessados em
compreender em que medida tais ações serão capazes de favorecer ou não o incentivo a
cooperação dos atores.
A julgar pelo conjunto de ações acima citadas e com base nas reivindicações
proprostas pelos atores na elaboração do PDTRS/Lençois Maranhenses Munim, parece
estar claro que o programa Território da Cidadania atende as reivindicações ali
propostas, no entanto, uma vez mais estamos presos na relação “atendimento das
reivindicações e incapacidade de gerar oportunidade”.
Com base na hipótese por nós levantada que para o caso do Território Rural
dos Lençois Maranhenses/Munim, a construção e fortalecimento do capital social em
sua dimensão de “pertencimento”, ocorre mediante uma inclusão na atividade do
turismo. Decerto, parece não restar dúvidas que a melhoria nas condições de infra-
estrutura e assistência social ainda que implementadas de forma passiva, contribui
sobremaneira para a melhoria das condições de vida material da população, pois com
base num simples entendimento da “engenharia” de construção de um índice de
desigualdade como é o caso de Gini e Theil, já aponta nesse sentido. Porém, a questão
que surge uma vez mais é, serão estas ações capazes de detonar a centelha de
desenvolvimento?
No entanto, ressalta-se que por se tratar de um programa cujo foco assenta-
se primordialmente nas comunidades indígenas e quilombolas, onde o sentido de
pertencimento está baseado em simbolos distintos daqueles de uma sociedade onde as
trocas monetárias já se encontram mais desenvolvidas, os resultados poderão parecer
promissores
125
. Porém, ainda assim, a pergunta quanto ao mecanismo detonador do
processo de desenvolvimento permanece sem resposta para este caso.
Nesse sentido, o que podemos esperar do programa Territórios da Cidadania
para o caso do Território Rural dos Lencois Maranhenses/Munim, será uma melhoria
nas condições materiais da população de todo o território e principalmente das
comunidades quilombolas, haja vista o alto grau de probreza registrado entre estes. No
entanto, tal melhoria de condições materiais não necessariamente poderá ser transformar
em oportunidades, isso ocorre neste caso por dois motivos: o primeiro está relacionado
ao próprio simbolismo de pertencimento, que no caso dos quilombolas fundamenta-se
na identidade cultural ao passo que para os demais atores fundamenta-se na inclusão
sócio-financeira alcançada mediante a participação nas atividades do turismo
126
; o
segundo, decorrente do primeiro, refere-se ao fato que ainda que seja exitoso o
programa entre as comunidades quilombolas, dado o pequeno contingente destas em
relação as demais classes, as benesses do “desenvolvimento” endógeno não será
125
Uma interessante exposição quanto as dificuldades de cooperação em sociedades de trocas mais
desenvolvida é apresentada por Robert Putnam .em seu livro Bowling Alone.
126
Convém ressaltar que esta é a percepção dos atores.
transmitido as demais classes. Dito de outra forma, o processo de desenvolvimento não
é sustentavel do ponto de vista de manutenção do crescimento.
Diante do exposto parece surgir uma problemática, pois ao considerarmos o
fato que o Programa Territórios da Cidadania possui uma maior penetração junto aos
atores mais homogêneos, isto é, entre aqueles com fortes vínculos sociais ou culturais,
como é o caso das comunidades quilombolas
127
, corremos o risco de ficar preso ao
ponto de argumentação no qual somente fazem sentido as políticas públicas fortemente
focadas, para não dizer segmentadas, como é o caso daquelas sugeridas pelas agências
multilaterais e, consequentemente seriamos obrigados a abandonar a idéia de
viabilidade das políticas públicas ditas universais.
Pois bem, uma vez descartada a viabilidade das políticas públicas ditas
universais, obrigatoriamente, por coesão de raciocínio, seriamos forçados a descartar o
entendimento do desenvolvimento como “igualdade de oportunidades”, conforme
sugere Sen (1999). Atentar para o fato que as mesmas agências multilaterais que
sugerem uma maior focalização e com isso o abandono das politicas ditas universais,
também entendem o desenvolvimento como “igualdade de oportunidades”.
Face a este paradoxo, como saímos desta incongruência? Argumentamos
que os laços de identidade ou homogeneidade podem melhor ser apreendidos mediante
a teoria dos sitios, onde o que nos interessa é a percepção do ator face ao meio em que
vive e como ele assimila e reage a tais estímulos externos. È nesse sentido que devemos
entender o conceito de idéia guia, como uma síntese da percepção coletiva.
127
Uma interessante questão que surge neste ponto está relacionada a própria discussão acerca de
territorio, pois uma vez que consideramos cada etnia ou gênero ou cultura – como é o caso dos
quilombolas – como fator delimitante de um território poderiamos explorar a interconexão destes com os
demais territórios. Nesse aspecto a tipologia de Reis (2000) discutida no capitulo I, seria de grande valia
ao nos ajudar compreender a natureza “economica” de tais territorios.
Ressalta-se que para o caso das comunidades quilombolas situadas no Território Rural dos Lençois
Maranhenses/Munim a classificação seria voltada para um “mundo da não globalização”, assim, ainda
que tomassemos esta comunidade como unidade territorial ainda sim permaneceriamos presos as mesmas
conclusões desenvolvidas até entao. Dito de outra forma, o enfrentamento da pobreza rural teria os
mesmos percalços daquele enfrentado pelos demais conjuntos de atores.
Assim, a teoria dos sítios ao subsidiar a identificação da idéia guia contribui
sobremaneira para evitar-mos a armadilha teórica que nos deparamos acima. Dessa
forma, o entendimento do desenvolvimento como liberdade, assentado no indivíduo e a
necessidade de políticas ditas universais assume uma interdependência significativa,
onde uma não pode prescindir da outra.
Por isso mesmo, com base em nossa reflexão teórica, podemos argumentar
que o Programa Territórios da Cidadania para o caso em estudo do Território Rural dos
Lençois Maranhenses/Munim apesar de contribuir sobremaneira para a melhoria das
condições materiais da população ainda assim não constitui um elemento detonador da
centelha do desenvolvimento, dito de outra forma pode até mesmo representar uma
sueperação da pobreza, sem que necessariamente se alcance o desenvolvimento
endógeno.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As transformações ocorridas a partir da década de 1970, em sua grande
maioria, imputadas à crise do modo fordista
128
de acumulação e, por isso mesmo
amplificada pelo colapso do welfare state, engendrou alterações não apenas na própria
reconfiguração espacial do globo terrestre mas também foi responsável pela emergência
de novos atores sociais. A fim de apreender melhor tais transformações assiste-se a
alterações substanciais não apenas no referencial metodológico de apreensão da
realidade concreta, mas também nas próprias considerações políticas acerca da
economia.
Da mesma maneira, as transformações da base produtiva, responsável por
uma reconfiguração economico espacial trouxeram a tona novas formas de organização
da produção e com isso suscitou a necessidade de se compreender as novas dinâmicas
de desenvolvimento. Por isso mesmo, a principal questão que guia o estudo do
desenvolvimento não mais repousa em perguntar porque algumas nações são ricas e
outras pobres, tal qual preconizava a Teoria do Desenvolvimento Econômico, e sim
porque localidades com dotação de recursos semelhantes possuem trajetórias de
desenvolvimento distintas.
Decerto, as novas dinâmicas de desenvolvimento favorecem a emergência
de novos atores sociais, que passam então a exigir representatividade e participação
política. Assiste-se assim a uma nova metodologia de planejamento do desenvolvimento
conhecido como modelo “bottom-up”. Tal estratégia exige que se compreenda de
antemão, a natureza cooperativa dos atores. Conforme exposto, a noção de capital
128
Convém ressaltar que estamos cientes do perigo em se afirmar a crise do modo fordista, visto que para
um grande conjunto de autores, o que se assiste não é outra coisa senão um aprofundamento do modelo
anterior. No entanto, optamos por esta afirmação visto que para os propósitos do presente trabalho, não é
crucial compreender a natureza da acumulação e sim sua influência sobre o modo concreto.
social converge a uma polissemia. Apesar das contribuições de Woolcock (1988) não
está claro como se cria o capital social, por isso mesmo, não podemos afirmar
categoricamente como, porque e se de fato ocorre a natureza cooperativa entre os
diferentes atores em condições distintas.
Nesse sentido é que surgem propostas teóricas oriundas dos mais distintos
ramos da ciência, como é o caso da economia, sociologia e geografia. É sob esse
conjunto de propostas teóricas dispersas, que se inagura a seara do Desenvolvimento
Territorial Rural.
Contribuições como a de Haesbaert (2006), Putnam (2000), Reis (2000)
constituem a base conceitual daquilo que podemos entender como estratégia de
desenvolvimento territorial. Denotar que tal base repousa na articulação conceitual entre
território e capital social.
Apoiado na discussão acerca da natureza e papel do capital social, assim
como na própria dificuldade em se compreender a natureza do territorio, argumentamos
que a noção de capital social poderá ser complementada com a idéia de sitios, ainda
pouco divulgada na literatura sobre o assunto. A justificativa para tal repousa na idéia
que face a interdisciplinaridade que constitui o objeto de estudo, “desenvolvimento
territorial”, a idéia de sitios quando utilizada em suporte a de capital social permite uma
melhor compreensão da natureza de um território, favorecendo com isso um diálogo
entre os diversos ramos da ciência que dão conta desta problemática.
Uma vez apresentada a articulação conceitual entre território, capital social
e sitio, avançamos então rumo a compreensão da segunda dimensão da estratégia de
desenvolvimento territorial, qual seja a dimensão rural. Nesta, estamos interessados em
compreender de que maneira as transformações contemporâneas afetaram a natureza e
papel do rural. A justificativa para tal, repousa na própria importância que o rural
sempre desempenhou como elemento de suporte ao desenvolvimento capitalista.
Dessa maneira, o que se verifica é uma profunda alteração na natureza e
papel do rural, pois se no passado, a indústria tensionava com a agricultura no sentido
de retirar-lhe as condições de sua acumulação, hoje se funde a ela no sentido de
acumular numa nova base.
Da mesma forma , o rural que antes era tratado pelos sociólogos como o
lugar do atraso – haja vista as considerações de Marx e Weber – e pelos economistas
como resíduo do urbano – haja vista as considerações de Von Thunen e Alonso – hoje é
entendido como um espaço cuja demanda maior provém de atores do assim entendido
meio urbano, nesse sentido, justifica-se o argumento do surgimento de uma nova
ruralidade, não oposta a urbana e não resumida a uma classe social, mas sim a um
conjunto delas.
Face a tais manifestações, diversas políticas públicas de combate a pobreza
rural foram formuladas levando em consideração tais transformações. Nesse aspecto,
assiste-se no Brasil a um instigante debate com grandes contribuições acerca do
entendimento deste novo rural ou desta nova ruralidade, conforme se pôde constatar nas
linhas de pesquisa do Rurbano, Abramovay e José Eli da Veiga.
Decerto, o desenho de uma política pública destinada a combater a pobreza
rural e que leve em consideração apenas o aspecto espacial não constitui grande valia
senão considerar presente em tais espaços, o elemento humano – conforme fizeram os
geógrafos ao tratar do território
129
. Nesse contexto, a partir do entendimento que a
organização dos atores favorece a emancipação dos mesmos e levando em consideração
as novas especificidades do rural, é que surgem no Brasil a partir da segunda metade da
129
Maiores detalhes a esse respeito, consultar o capítulo I
década de 1990 políticas publicas de recorte territorial. Assim, registram-se políticas
tais como o PRONAF, Territórios Rurais, CONSADS, Consórcios Intermunicipais,
Programas de Integração.
Apesar de tais políticas fundamentarem suas ações num referencial teórico
articulado entre território e capital social, algumas dificuldades de êxito puderam ser
identificadas na literatura acerca do assunto, pois a heterogeneidade dos atores assim
como o próprio contexto em que se implementam tais políticas parece responder
crucialmente para os resultados obtidos. A esse ponto, a justificativa teórica do capítulo
I já começa a ser percebida.
Por isso mesmo, uma vez apresentado o papel e propósito do rural
avançamos então rumo a o estudo de caso concreto, que se estabeleceu no Território
Rural dos Lençois Maranhenses/Munim, caracterizado como um território deprimido.
Em entrevista colhida junto a distintos atores beneficiados diretamente com as políticas
do MDA/SDT, podemos constatar que apesar das reivindicações estabelecidas pelos
distintos atores junto ao Estado serem atendidas, as mesmas não vêm se transformando
em oportunidades de melhoria das condições materiais. Neste aspecto, parece estar claro
que a noção de capital social da forma como vem sendo trabalhada pela SDT no
Território Rural dos Lençois Maranhenses/Munim não constitui elemento suficiente
para a emancipação dos atores.
Argumentamos que a fragilidade do capital social, para o caso em questão,
encontra-se no próprio sentido de pertencimento, que ainda não está fortemente
estabelecido entre aqueles atores. A nosso ver e apoiados na teoria dos sitios, a
justificativa para tal repousa na idéia que o sentimento de inclusão e com isso de
pertencimento, para o caso em estudo, ocorrre mediante a participação nas atividades de
turismo.
Dessa forma, a emancipação do território em questão poderá ser favorecida
por uma participação direta e contínua do Estado, respeitando o sentimento de inclusão,
que para este caso passa pela exploração da idéia guia da atividade turística.
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ANEXO I
De acordo com a Lei nº 7.844 de 31 de Janeiro de 2003, a classificação das gerencias
regionais passam a ser
DENOMINACAO ANTIGA DENOMINACAO ATUAL
Gerência Regional de São Luís
Gerência de Artic e Desenvolvimento da Região Metropolitana
Gerência Regional de Rosário
Gerência de Artic e Desenvolvimento da Região do Munim e Lençóis
Maranhenses
Gerência Regional de Chapadinha
Gerência de Artic Desenvolvimento da Região do Baixo Parnaíba
Gerência Regional de Caxias
Gerência de Artic Desenvolvimento da Região do Leste Maranhense
Gerência Regional de Codó
Gerência de Arti e Desenvolvimento da Região dos Cocais
Gerência Regional de Itapecuru-
Mirim
Gerência de Artic e Desenvolvimento da Região do Itapecuru
Gerência Regional de Pinheiro
Gerência de Artic e Desenvolvimento da Região da Baixada
Maranhense
Gerência Regional de Viana
Gerência de Artic e Desenvolvimento da Região dos Lagos
Maranhenses
Gerência Regional de Zé Doca
Gerência de Artic e Desenvolvimento da Região do Alto Turí
Gerência Regional de Santa Inês
Gerência de Artic e Desenvolvimento da Região do Pinda
Gerência Regional de Imperatriz
Gerência de Artic e Desenvolvimento da Região do Tocantins
Gerência Regional de Açailândia
Gerência de Artic e Desenvolvimento da Região da Pré-Amazônia
Maranhense
Gerência Regional de Balsas
Gerência de Artic e Desenvolvimento da Região do Cerrado
Maranhense
Gerência Regional de Bacabal
Gerência de Artic e Desenvolvimento da Região do Médio Mearim
Gerência Regional de Pedreiras
Gerência de Artic e Desenvolvimento da Região de Pedreiras
Gerência Regional de Barra do Corda
Gerência de Artic e Desenvolvimento da Região do Centro
Maranhense
Gerência Regional de Pres.Dutra
Gerência de Artic e Desenvolvimento da Região de Presidente Dutra
Gerência Regional de S J dos Patos
Gerência de Artice Desenvolvimento da Região do Sertão Maranhense
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