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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
“JÚLIO DE MESQUITA FILHO”
Faculdade de Ciências e Letras
Campus de Araraquara - SP
ROGÉRIO ANTONIO MAURO
DESENVOLVIMENTO:
REALIDADE
OU
UTOPIA?
Um olhar crítico sobre a economia brasileira contemporânea à
luz do pensamento de Ruy Mauro Marini
A
RARAQUARA
SP
2009
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ROGÉRIO ANTONIO MAURO
DESENVOLVIMENTO:
REALIDADE
OU
UTOPIA?
Um olhar crítico sobre a economia brasileira contemporânea à
luz do pensamento de Ruy Mauro Marini
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa
de Pós Graduação em Economia da Faculdade de
Ciências e Letras Unesp/Araraquara, como
requisito para obtenção do título de Mestre em
Economia.
Linha de pesquisa: História do Pensamento
Econômico e Economia Política.
Orientador: Prof. Dr. Adilson Marques Gennari.
A
RARAQUARA
SP
2009
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TERMO DE APROVAÇÃO
ROGÉRIO ANTONIO MAURO
DESENVOLVIMENTO:
REALIDADE
OU
UTOPIA?
Um olhar crítico sobre a economia brasileira contemporânea à luz do
pensamento de Ruy Mauro Marini
Dissertação aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre no Curso de Pós-
Graduação em Economia, da Faculdade de Ciências e Letras Unesp/Araraquara, na data de
10/09/2009, pela seguinte banca examinadora:
Orientador: Prof. Dr. Adilson Marques Gennari
UNESP – FCLAr
Prof. Dr. Francisco Luiz Corsi [Membro Titular]
UNESP – FFC/Marília
Prof. Dr. Paulo Alves de Lima Filho [Membro Titular]
Universidade Federal do Vale do Jequitinhonha e Mucuri – UFJM
Araraquara, 10 de setembro de 2009.
Dedico esta pesquisa:
A todos os lutadores e lutadoras do povo, que em outros tempos ou
nos tempos de agora entregaram e entregam o melhor de suas vidas à
luta pela libertação dos domínios do capital e a conformação da
Grande Pátria Latino Americana, Justa, Soberana e Socialista.
Às minhas filhas Maria Eduarda e Ana Luiza, pela alegria,
inspiração; por fazerem de seu pai um sujeito mais humano e por
compartilharem desse momento mesmo sem ter toda dimensão de seu
significado.
AGRADECIMENTOS
À Karla, companheira de todos os momentos, pelo apoio, incentivo e por me acompanhar nos
bons e difíceis momentos que passamos juntos nesses últimos anos.
Aos meus pais Nilza e Gildo, pelos ensinamentos, valores, cuidado, vida e tudo mais.
À nona Ângela, pela disposição, força e pelo exemplo de encarar a vida.
Ao Gilmar, meu irmão, pela motivação, espírito de luta e sacrifício que me impulsionaram a
seguir adiante, especialmente, nas horas mais difíceis.
À minha irmã Vânia, ao Nilvo, Rodrigo, Fernando, Leonardo, Fernanda, Marisela, Claudinha,
Júnior, Flavinha, Camila, Caio, Merê, Ildinha, Ana Paula, Conceição, Olívia, Danilo... pela
companhia e apoio incondicional em todos os momentos.
Ao Prof. Adilson Gennari, pela paciência, companheirismo e pelas boas prosas críticas e
motivadoras, tornando-se além de um orientador, um amigo e uma referência.
A todos os companheiros e companheiras de luta e de jornada, no MST e em outros espaços,
lutadores e lutadoras do povo que acreditam e lutam por Outro Mundo Possível, livre da
exploração do homem pelo homem.
Aos meus colegas de mestrado, em especial, à Carol, Inaê, Sidnei e Cacildo pelos
ensinamentos, amizade e pela força.
Aos Professores Claus Germer e Roberta Traspadini pelas grandes descobertas políticas que
me proporcionaram em diversos momentos desta caminhada.
Ao Companheiro Adriano Campolina e demais amigos da Action Aid que me apoiaram com o
financiamento de uma bolsa de estudos, sem a qual teria sido impraticável esse Mestrado e
essa Pesquisa, a quem sou muito grato.
Enfim, a todas e todos, os meus mais sinceros agradecimentos.
RESUMO
Esta pesquisa de dissertação procurou fazer um resgate dos principais elementos teóricos que
formam o pensamento marxista de Ruy Mauro Marini sobre a dependência latino americana.
O primeiro passo foi contextualizar, compreender e explicitar suas principais categorias:
superexploração do trabalho, subimperialismo, dependência, generalização da lei do valor
etc.; segundo, utilizar essas categorias e o método dialético sugerido por Marini para analisar
a experiência da economia brasileira contemporânea, a partir de suas relações com a
economia mundial, baseada, sobretudo, em variáveis selecionadas do balanço de pagamentos.
Este exercício mostrou, de um lado, não apenas a validade, mas também a atualidade deste
instrumental teórico para análise de uma situação concreta, vivenciada na contemporaneidade,
por um dos principais países latino americanos; de outro, que o tão sonhado desenvolvimento
segue sendo muito mais uma utopia do que uma realidade no caso brasileiro.
Palavras-chave: desenvolvimento, subdesenvolvimento, dependência, superexploração do
trabalho, subimperialismo, mundialização, balanço de pagamentos.
ABSTRACT
This dissertation research has sought to do a rescue of the main theoretical elements that form
the Ruy Mauro Marini's Marxist thought on the Latin American dependence. The first step
was to contextualize, to understand and to make explicit their main categories:
superexploitation of the work, subimperialism, dependence, generalization of the law of
the value etc.; second, to use those categories and the dialectic method suggested by Marini
for analyzing the experience of the contemporary Brazilian economy, starting from their
relationships with the world economy, based, above all, in selected variables of the balance-
sheet of payments. This exercise has showed, of one side, not just the
validity, but also the present time of this theoretical instrumental for analysis of a concrete
situation, lived in the contemporaneity, for one of the main Latin American countries; of
other, that the so dreamed development follows being a lot one more utopia than a reality in
the Brazilian case.
Key-words: development, underdevelopment, dependence, superexploitation of the work,
subimperialism, mondialization, balance-sheet of payments.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
GRÁFICO 1: INFLAÇÃO ÍNDICE DE PREÇOS AO CONSUMIDOR -
IPCA (% AO ANO) ............................................................................................. 50
GRÁFICO 2: CONTA FINANCEIRA - BRASIL 1990-2008........................... 54
GRÁFICO 3: INVESTIMENTO DIRETO EXTERNO E INVESTIMENTO
EM CARTEIRA - BRASIL 1990-2008............................................................... 56
GRÁFICO 4: INVESTIMENTO DIRETO DE BRASILEIROS NO
EXTERIOR 1990-2008 ....................................................................................... 60
GRÁFICO 5: DÍVIDA TOTAL LÍQUIDA DO SETOR PÚBLICO (% PIB) .. 63
GRÁFICO 6: DÍVIDA INTERNA LIQUIDA DO SETOR BLICO -
BRASIL 1991-2009 (% PIB) ............................................................................... 64
GRÁFICO 7: DÍVIDA EXTERNA QUIDA DO SETOR PÚBLICO -
BRASIL 1991-2009 (% PIB) ............................................................................... 67
GRÁFICO 8: EXPORTAÇÕES, IMPORTAÇÕES E SALDO DA
BALANÇA COMERCIAL BRASILEIRA DE 1990-2008 (US$ MILHÕES) ... 70
GRÁFICO 9: ÍNDICE DE PREÇOS INTERNACIONAIS DE
COMMODITIES (GERAL) .................................................................................
71
GRÁFICO 10: MERCADO MUNDIAL DE COMMODITIES SÉRIE
HISTÓRICA 1880 - 2000 73
GRÁFICO 11: PRODUTO INTERNO BRUTO - PIB (VARIAÇÃO ANUAL
EM %) .................................................................................................................. 74
GRÁFICO 12: TAXA DE DESEMPREGO NA REGIÃO
METROPOLITANA DE SÃO PAULO (%) ....................................................... 80
FIGURA 1: ILHAS DE EFICIÊNCIA ................................................................
84
LISTA DE TABELAS
TABELA 1: CONTA FINANCEIRA, IDE, INVESTIMENTO DIRETO DE
BRASILEIROS E INVESTIMENTO EM CARTEIRA BRASIL 1990-2008
US$ (MILHÕES) ...................................................................................................... 53
TABELA 2: INDICADORES DA PARTICIPAÇÃO DO CAPITAL
ESTRANGEIRO NA ECONOMIA BRASILEIRA - 1995-1999
(PARTICIPAÇÃO %) .............................................................................................. 57
TABELA 3: TRANSAÇÕES CORRENTES - BRASIL 1990-2008 - US$
(MILHÕES) ............................................................................................................... 62
TABELA 4: EXPORTAÇÕES BRASILEIRAS POR INTENSIDADE
TECNOLÓGICA 1996-2007 (%) ............................................................................ 72
TABELA 5: SERVIÇOS E RENDAS – RENDAS – US$ (MILHÕES) ................ 76
TABELA 6: DISTRIBUIÇÃO FUNCIONAL DA RENDA, INDICADORES,
MÉDIAS ANUAIS - BRASIL 1980-1994 E 1995-2004 ......................................... 78
TABELA 7: DISTRIBUIÇÃO FUNCIONAL DA RENDA - BRASIL 1991-2004
(%) ............................................................................................................................. 79
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
BACEN – Banco Central do Brasil
BCB – Banco Central do Brasil
BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento
BIRD – Banco Mundial
CEPAL – Comissão Econômica para a América Latina
COPOM – Comitê de Política Monetária
EUA – Estados Unidos da América
FHC – Fernando Henrique Cardoso
FMI – Fundo Monetário Internacional
GATT – Acordo Geral de Tarifas e Comércio
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas
IDE – Investimento Direto Externo
ILPES – Instituto Latinoamericano de Planificación Economica y Social
IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
NAFTA – Tratado Norte Americano de Livre Comércio
OMC – Organização Mundial do Comércio
ONU – Organização das Nações Unidas
P&D – Pesquisa e Desenvolvimento
PIB – Produto Interno Bruto
PNAD – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio
RAIS – Relação Anual de Informações Sociais (Ministério do Trabalho)
SECEX – Secretaria de Comércio Exterior
SELIC – Sistema Especial de Liquidação e Custódia
UNCTAD – Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento
UNAM – Universidad Nacional Autónoma de México
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO .................................................................................................... 12
2 TRAJETÓRIA DO DEBATE LATINO AMERICANO ACERCA DO
SUBDESENVOLVIMENTO E DEPENDÊNCIA ................................................ 15
3 A DEPENDÊNCIA ECONÔMICA LATINO AMERICANA AOS OLHOS
DE MARINI ..............................................................................................................
26
3.1 A CONFIGURAÇÃO DA DIALÉTICA DA DEPENDÊNCIA ......................... 26
3.2 A GENERALIZAÇÃO DA LEI DO VALOR E DA SUPEREXPLORAÇÃO
DO TRABALHO NO MUNDO GLOBALIZADO . ..........................................
40
4 A ECONOMIA BRASILEIRA A PARTIR DOS ANOS 90 E SUA
INSERÇÃO INTERNACIONAL: Uma leitura a partir do balanço de
pagamentos e da relação capital/trabalho ............................................................. 48
4.1 RETOMADA DOS FLUXOS DE CAPITAIS EM DIREÇÃO À PERIFERIA . 52
4.1.1 O Desempenho da Conta Financeira .............................................................. 54
4.1.2 Investimentos em Carteira ............................................................................. 55
4.1.3 Investimento Direto Externo – IDE ............................................................... 56
4.1.4 Investimento Direto de Brasileiros no Exterior ............................................. 60
4.2 AS TRANSAÇÕES CORRENTES E O ENDIVIDAMENTO....................... 61
4.2.1 O Desempenho da Balança Comercial ............................................................. 69
4.2.2 Serviços e Rendas ............................................................................................. 75
4.3 CAPITAL X TRABALHO E DESIGUALDADES CRESCENTES................... 77
4.4 AS DIFERENCIAÇÕES REGIONAIS .............................................................. 83
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................... 86
REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 91
ANEXOS ................................................................................................................... 95
- 12 -
1 INTRODUÇÃO
O trabalho que ora se apresenta pretende resgatar os principais elementos do
importante debate sobre subdesenvolvimento e dependência realizado a partir do Informe
Econômico da América Latina de 1949, divulgado pela Comissão Econômica para a América
Latina (CEPAL). É importante lembrar que as comissões econômicas para os diversos
continentes, dentre as quais se destaca a CEPAL, foram uma criação dos próprios países
capitalistas desenvolvidos, por meio das Nações Unidas. A principal missão era difundir a
teoria do desenvolvimento econômico dos países ricos, como forma de explicar e justificar as
enormes desigualdades verificadas entre as nações, nas relações internacionais, causadoras de
grandes inquietações em muitos países no pós-segunda guerra mundial. Em meio a um
cenário de Guerra Fria, tais inquietações transformavam-se em verdadeira ameaça, à medida
que, a qualquer momento, poderia converter-se em luta contra o próprio sistema capitalista.
Apesar do restrito objetivo que orientou sua criação, a CEPAL acabou por
desempenhar importante papel para construção de uma teoria original do continente, com
grandes repercussões, tanto na academia, como no meio político. Em vez de ser mera difusora
do pensamento dos países ricos, se preocupou em aprofundar verdadeiro estudo do problema,
visando, não apenas explicar as causas do subdesenvolvimento latino americano, como
também, propor estratégias de superação. Neste trabalho, procurar-se-á fazer um breve resgate
dos pilares que sustentavam essa concepção, não no sentido de aprofundá-la, mas,
especialmente, para trazer presente as formulações que representam o ponto de partida, não
apenas de debates, mas, de realizações da maior importância para a América Latina.
É a partir da ousada contribuição cepalina que vão surgir e desenvolverem-se outras
importantes correntes de pensamento, que acabarão contribuindo, significativamente, para
fazer avançar a discussão para muito além das formulações originais dos chamados
desenvolvimentistas da CEPAL. Deste modo, surge, a chamada Teoria da Dependência.
Nesta, destacam-se duas grandes linhas de pensamento: uma de concepção marxista, que tem
como principais expressões: os brasileiros Ruy Mauro Marini,
1
Vânia Bambirra e Teotônio
1
Ruy Mauro Marini é um dos intelectuais marxistas mais importantes da América Latina da segunda metade do
séc. XX. Nasceu em Barbacena-MG, em 1932, formou-se em Administração de Empresas em 1957. Foi
- 13 -
dos Santos, além do norte americano AndGundher Frank, que se autodenomina, um latino-
americanista de coração; e outra, mais heterodoxa, representada principalmente nos trabalhos
do brasileiro Fernando Henrique Cardoso e do argentino Enzo Faletto.
2
A opção teórica do presente trabalho será pelas categorias e proposta metodológica
desenvolvida por Ruy Mauro Marini a partir de sua Dialética da Dependência. Isso se justifica
por diversos fatores: primeiro, pelo fato de ser considerada uma das construções teóricas mais
consistentes dentro do campo da leitura marxista da dependência e daí oferecerem uma
explicação mais completa sobre as leis e fundamentos que sustentam o processo da inserção
latino americana no capitalismo mundial; segundo, por acreditar que as principais categorias
desenvolvidas por Marini ainda tenham uma aplicabilidade evidente no atual estágio de
desenvolvimento do Brasil e da América Latina; terceiro, pelo fato de ser, no mínimo
desafiador recuperar e trazer à luz as idéias desse grande intelectual brasileiro, que apesar da
tamanha contribuição no desenvolvimento do pensamento latino americano, foi praticamente
banido ou condenado ao ostracismo em nossa academia.
A partir desse resgate teórico, o passo seguinte será o de juntar e analisar um
conjunto de dados relativos ao desempenho da economia brasileira na contemporaneidade.
Procurando, com isso, identificar qual o verdadeiro sentido de sua atual construção, se de fato
os brasileiros podem orgulhar-se de o Brasil estar finalmente trilhando pelos caminhos do
desenvolvimento, como tem sido tão propalado nos últimos tempos, ou se as amarras da
dependência econômica e do subdesenvolvimento continuam se reproduzindo em escala
ampliada, conforme indicava Marini.
Nota-se, portanto, que um objetivo central, é revisitar um período da história recente
da América Latina, marcado por importantes estudos que buscavam, efusivamente, a
compreensão dos limites, potencialidades e caminhos que pudessem conduzir as nações latino
americanas ao tão sonhado desenvolvimento. Todavia, é mister recordar que, no auge desses
debates essa importante construção teórica foi interrompida. Primeiro, pela violência,
repressão e censura das ditaduras militares instaladas em toda a América Latina, que com o
apoio e patrocínio do imperialismo norte-americano, nem um pouco interessado em discutir
saídas para as nações e para o povo latino americano e seu desenvolvimento; e segundo, pelas
ditaduras modernas do pensamento único, advindas com a implantação do neoliberalismo a
fundador da Universidade de Brasília (UNB), junto a Darcy Ribeiro, em 1963. Além de intelectual, foi militante,
preso, torturado e exilado durante a ditadura militar no Brasil. Viveu no Chile e México, onde militou e lecionou
na Universidade Nacional do México (UNAM). Faleceu em Brasília, em 1997. Seu pensamento é influenciado
por Marx, Lênin e Rosa Luxemburgo, além de outros marxistas como André Gunder Frank.
2
Sua principal obra é: Dependência e Desenvolvimento na América Latina.
- 14 -
partir dos anos 80 e 90, que cooptou inúmeros políticos e intelectuais em diversos países.
Entretanto, a realidade atual do continente é a prova viva de que a história continua viva. A
crise causada pelas políticas neoliberais, aliada às inúmeras derrotas eleitorais e políticas
sofridas pelas forças pró-neoliberalismo, em vários países, contribuíram para fazer emergir
forças sociais interessadas em levar adiante a luta por uma América Latina verdadeiramente
livre e soberana.
Assim, é passada a hora de retomar as reflexões sobre dependência e
desenvolvimento. É certo que muitas pessoas e organizações têm se empenhado nesta missão,
mas, infelizmente, nas ciências econômicas ainda são poucos os que vagam por esses
caminhos. Certamente, a retomada do debate exigirá esforço intelectual para voltar donde
parou, pois, acreditam-se, efetivamente, que as análises e teorias construídas nessa época não
podem ser consideradas apenas fatos do passado, como sugerem alguns, uma vez que, na
realidade atual, continuam sendo de grande relevância e influência no pensamento crítico em
diferentes países. Isto porque, grande parte dos problemas analisados em décadas anteriores
continua presente hoje, obviamente, que com conotações diferentes, exigindo dedicação e
empenho para reinterpretá-los.
Em vista de cumprir com esses objetivos, o primeiro capítulo será destinado a
contextualizar a trajetória do debate acerca do subdesenvolvimento e da dependência na
América Latina, tendo como ponto de partida, a CEPAL. O segundo capitulo começará com
uma abordagem detalhada da configuração histórica da chamada Dialética da Dependência de
Ruy Mauro Marini e terminará com uma exposição acerca da visão mariniana sobre os
processos de globalização em curso, com destaque para a generalização da lei do valor e da
superexploração do trabalho no sistema como um todo. No terceiro capítulo, procurar-se-á
selecionar alguns indicadores recentes da economia brasileira, sobretudo, do balanço de
pagamentos e da relação capital/trabalho a fim de analisá-los a luz da teoria mariniana,
verificando, com isso, a validade e atualidade desta teoria para o estudo de uma situação
concreta atual, vivenciada por um dos principais países latino americanos, o Brasil.
- 15 -
2 TRAJETÓRIA DO DEBATE LATINO AMERICANO ACERCA DO
SUBDESENVOLVIMENTO E DEPENDÊNCIA
A história do subdesenvolvimento latino-americano é a história do desenvolvimento
do capitalismo mundial. Seu estudo é indispensável para quem deseja compreender a
situação que enfrenta atualmente e as perspectivas que a ele se abrem (MARINI,
1998, pg.113).
A busca pelo tão propalado desenvolvimento tem sido a grande utopia perseguida
por todos os países da América Latina, principalmente, a partir do pós Segunda Guerra
Mundial. A emergência e generalização do conceito, bem como a transformação imediata do
mesmo na principal meta a ser atingida por todos os países estão intimamente relacionadas
com o contexto político, militar e econômico que emerge do conflito bélico em questão. O
aspecto mais importante é a emergência de um mundo dividido em dois grandes blocos: um
formado pelos países socialistas que se aglutinava em torno da União Soviética (URSS),
grande responsável pela vitória sobre a Alemanha nazista; e o outro formado pelos países
capitalistas, hegemonizado pelos Estados Unidos, que saíram da guerra não apenas como uma
potência econômica, mas, fundamentalmente, militar. Com a configuração desses blocos,
estava instalada a chamada “Guerra Fria”, que, nas décadas subseqüentes, determinaria a
conformação geopolítica do mundo.
No bloco capitalista, haviam muitos países recém saídos de processos de
descolonização e que se encontravam insatisfeitos com as enormes desigualdades que
caracterizavam as relações internacionais. A América Latina é um exemplo disso, uma vez
que, além de possuir vários estados nacionais consolidados, havia um processo de
industrialização em andamento e uma complexa estrutura de classes, com a burguesia
industrial fazendo parte do bloco no poder. Diante das crescentes tensões geradas por essa
insatisfação e da eminente ameaça comunista, os países capitalistas centrais viram-se
obrigados, de alguma forma, a justificar a existência de tais desigualdades e a posição
privilegiada que ocupavam no plano internacional. Ademais, era necessário apontar caminhos
que pudessem convencer os países subdesenvolvidos de que as possibilidades de progresso
- 16 -
estavam abertas para todos. Assim, surge o que se convencionou chamar de Teoria do
Desenvolvimento Econômico dos países ricos.
Segundo essa tradicional teoria, o desenvolvimento nada mais era do que a
transformação das estruturas econômicas a partir da organização dos três setores produtivos:
primário, secundário e terciário. Deste modo, a posição privilegiada que os países mais ricos
(desenvolvidos) possuíam, no contexto internacional, representava nada mais que um
fenômeno natural, dado pelo grau de evolução alcançado por esses países. Por esta lógica, o
conceito de subdesenvolvimento era praticamente idêntico, correspondendo simplesmente à
fase anterior deste mesmo processo, ou seja, uma situação pré-industrial. Em outras palavras,
constitui-se na ante-sala do desenvolvimento, e a superação desta fase viria, fatalmente, com a
estruturação dos três setores produtivos. Destacavam ainda, que o desenvolvimento
econômico pressupunha a modernização das estruturas econômicas, sociais e ideológicas.
Entretanto, enquanto isso não ocorresse, os países subdesenvolvidos teriam que conviver por
certo tempo com uma dualidade estrutural de modelos, que oporia setores modernos e
avançados a setores tradicionais e atrasados. Nesta fase, o processo seria profundamente
marcado pela existência de tensões, crises e descontentamentos. Por fim, como partiam do
princípio que desenvolvimento e subdesenvolvimento eram duas partes de um mesmo
processo, no plano metodológico, sustentou-se de que o que diferenciava os países entre si
eram apenas critérios quantitativos, medidos por meio de indicadores, como por exemplo:
PIB, grau de industrialização, renda per capita, índices educacionais, taxa de mortalidade etc.
A tradicional teoria do desenvolvimento dos países ricos foi amplamente difundida
pelo mundo, por meio das universidades, centros de pesquisa e pelos organismos
internacionais criados no pós-guerra, entre eles: o Fundo Monetário Internacional (FMI); o
Banco Mundial (BIRD); o Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT);
3
e, em especial,
pelas Nações Unidas (ONU), que foi encarregada de criar comissões regionais para difundir a
teoria do desenvolvimento nos diversos continentes. É neste contexto que ocorreu o
surgimento da Comissão Econômica para a América Latina – CEPAL que, nas décadas
subseqüentes, escreveu uma das mais importantes páginas na história econômica e política
latino americana, apesar do claro condicionamento de seu papel verificado a partir do objetivo
que orientou sua criação.
A principal razão para tal feito deve-se ao espírito crítico e ousado de seus
economistas, que acabaram por não aceitar o papel de meros difusores do pensamento dos
3
O GATT foi transformado, em 1995, na Organização Mundial do Comércio-OMC, que é um fórum permanente
para negociar regras multilaterais para o comércio internacional.
- 17 -
países ricos, preocupando-se em aprofundar o estudo da realidade latino americana, visando
explicar as causas de seu subdesenvolvimento. A consequência deste esforço foi a construção
de uma teoria original do continente com grandes repercussões tanto na academia como no
meio político. Entre os principais formuladores da CEPAL, destacaram-se o argentino Raúl
Prebisch, o brasileiro Celso Furtado e o chileno Aníbal Pinto, dentre outros.
4
O ponto de partida da análise cepalina foi à caracterização da economia
internacional a partir da existência de dois pólos constitutivos: centro e periferia. Os países
centrais eram compreendidos por aqueles, cujo grau de desenvolvimento capitalista tinha
atingido um patamar superior, correspondente a fase de industrialização. Por isso, eram
detentores de uma estrutura econômica considerada homogênea e diversificada. a periferia
era representada pelos países subdesenvolvidos, que ainda estavam estacionados na fase
anterior da pré-industrialização, almejando chegar ao desenvolvimento capitalista pleno. Esta
condição os faz possuidores de uma estrutura econômica heterogênea e especializada.
Seguindo a concepção cepalina, pode-se dizer que, se de um lado a estrutura
econômica de um país é homogênea e diversificada quando o progresso técnico chegou a
praticamente todos os setores da economia, permitindo desenvolver um conjunto de
atividades relevantes e viáveis, por outro lado, diz-se que uma economia é heterogênea e
especializada quando o progresso técnico ainda não se espalhou por todo o sistema e
encontra-se concentrado em apenas alguns setores da economia, especialmente, naqueles
voltados à exportação. É o caso geral dos países periféricos que convivem com situações de
profundos contrastes, dado que, ao mesmo tempo em que possuem algumas “ilhas” altamente
desenvolvidas, com modernas tecnologias e alta produtividade do trabalho, convivem com
amplos setores tradicionais atrasados, com pouco acesso ao progresso técnico e,
consequentemente, com baixa produtividade e pouco competitivos.
Possivelmente, uma das contribuições centrais dos economistas da CEPAL à Ciência
Econômica tenha sido a contraposição aos postulados teóricos neoclássicos de economia
internacional, baseados na chamada lei das vantagens comparativas
5
, dominantes na época,
segundo os quais, todo aumento de produtividade deveria, necessariamente, ser acompanhado
de diminuição dos preços, fazendo com que, mesmo os países produtores de produtos
primários - com baixo nível de desenvolvimento tecnológico e produtividade limitada -
4
A formação dos principais quadros da CEPAL era em geral keynesiana, com apreciável domínio da economia
política clássica, porém, com pouco domínio no campo do marxismo. (Marini, 1994).
5
Essa teoria postula que cada país deve especializar-se na produção daqueles bens em que possa obter maior
produtividade, a qual se encontra em geral, determinada pela fertilidade do solo, pela disponibilidade de recursos
naturais, etc. (MARINI, 1994).
- 18 -
fossem beneficiados com a queda dos preços dos produtos industrializados importados do
centro.
Os estudos realizados por Prebisch demonstraram exatamente o contrário do que se
apregoava. Sua minuciosa pesquisa verificou que a partir de 1870, nos países industrializados
e com maiores ganhos de produtividade, os preços das mercadorias seguiram forte tendência
de alta. Enquanto que, nos países primário-exportadores e com menores taxas de
produtividade, os preços haviam decrescido. Comprovava-se, assim, a existência de um
intercâmbio desigual com tendência à deterioração dos termos de troca. Em outras palavras, a
divisão internacional do trabalho não permitia que os frutos do progresso técnico fossem
distribuídos de maneira equitativa para todas as nações. Desta forma, para que um país da
periferia pudesse continuar importando do centro uma mesma quantidade de produtos
industrializados, precisaria dispor de uma quantidade sempre crescente de produtos primários,
resultando em uma transferência de renda da periferia para o centro. Para a CEPAL residia
a principal causa do subdesenvolvimento da periferia.
Para superar essa situação e buscar integrar-se ao rol dos países capitalistas
desenvolvidos havia um caminho a ser seguido: o da industrialização. O passo inicial desta
caminhada deveria ser, necessariamente, a substituição das importações. Ou seja, com a
modernização das estruturas econômicas do país ocorreria melhor alocação da força de
trabalho entre os setores produtivos, elevando naturalmente os salários e a renda da
população. Deste processo resultariam duas importantes consequências: o desenvolvimento
do mercado interno que impulsionaria ainda mais o crescimento; e a chamada endogeinização
do progresso técnico, indispensável para aumentar a produtividade do trabalho e a reprodução
ampliada do capital. Esses dois elementos eram considerados fundamentais para o
crescimento sustentado de qualquer nação.
Segundo Marini,
Para a CEPAL, a deterioração dos termos de troca se deve ao fato que o mercado
mundial confronta países industrializados a países de economia primário-
exportadora. Estes últimos, ao não desenvolver seu setor industrial ou
manufatureiro, não estão habilitados a produzir tecnologias e meios de capital
capazes de elevar a produtividade do trabalho. Paralelamente, a inexistência desse
setor limita a expansão da oferta de emprego, levando a que se registre no setor
primário uma força de trabalho excedente, que dificulta a elevação da produtividade
e reduz seu preço (o salário); isso redunda ainda na formação de mão-de-obra
excedente no setor de serviços, onde gera os mesmos efeitos. Seria essa a razão dos
baixos salários que se verificam nas economias subdesenvolvidas, os quais tanto
freiam o progresso técnico como não permitem a expansão e dinamização do
mercado interno.
Inversamente, os países desenvolvidos seriam aqueles que, com base em um setor
secundário expansivo e uma demanda dinâmica de mão-de-obra, ostentam salários
elevados, os quais induzem a introdução de inovações tecnológicas tendentes a
- 19 -
reduzir a participação do trabalho na produção e, por conseqüência, o impacto dos
salários nos custos. O ganho de produtividade daí resultante não seria transferido
imediatamente aos preços dos bens que esses países exportam, levando a que, no
comércio internacional, esses preços se mantenham em um nível elevado. Em
conseqüência, se favoreceria a transferência de riqueza da periferia subdesenvolvida
ao centro desenvolvido (MARINI, 1994, pg.05)
.
Portanto, o conceito de desenvolvimento econômico cepalino tenha no progresso
tecnológico a sua mola mestra. Dado que, a geração e multiplicação do excedente econômico
6
era conseqüência direta dos ganhos de produtividade que as novas tecnologias permitiam
gerar. Além do mais, eram esses ganhos que estimulavam os investimentos e ampliam a
capacidade produtiva do sistema econômico como um todo. Entretanto, seu conceito
pressupunha algo mais que o simples crescimento econômico, implicando, também, que os
frutos do progresso fossem distribuídos para toda a sociedade, especialmente, via aumento
salarial, que, por sua vez, acabava por se converter no principal estimulador das inovações
técnicas. Tinha-se assim, o ciclo virtuoso do desenvolvimento, que só poderia ser desatado via
um processo de industrialização.
A viabilização desse modelo de desenvolvimento econômico capitalista cepalino
tinha no Estado um fator fundamental. Mas, para isso, pressupunha um Estado atuante e
interventor, que orientasse, regulasse, planejasse e que estivesse situado acima da sociedade,
que fosse capaz de mover-se por uma racionalidade própria, atendendo aos interesses de
todos. Para os cepalinos, a política econômica e o planejamento de médio e longo prazo
constituíam-se nos instrumentos essenciais desta intervenção estatal.
Outra questão bastante debatida e de grande relevância, relacionava-se ao
financiamento da industrialização, que, na visão da CEPAL, caberia, fundamentalmente, à
poupança interna, sendo que o setor exportador da economia era o que deveria ser o grande
responsável por angariar os dólares necessários para a importação dos bens de capital.
Encontrava-se, aí, a causa fundamental da aliança da burguesia industrial com a burguesia
primário-exportadora e a razão de tanta relutância por parte dos cepalinos em pautar o tema
das reformas estruturais: como a reforma agrária, capaz de criar um ambiente econômico
favorável ao novo modelo em questão.
Pode-se afirmar que o desenvolvimentismo fomentado pela CEPAL impulsionou e
foi impulsionado pelo processo de industrialização substitutiva de importações, que se impôs
como necessidade aos países da América Latina, frente à crise do capitalismo mundial
iniciada em 1929 e que se prolongou até o desfecho da II Grande Guerra, convertendo-se,
6
Furtado, no livro Desenvolvimento e Subdesenvolvimento, esclarece que o conceito de excedente econômico é
baseado nos clássicos, principalmente na obra de John Stuart Mill, significando a diferença existente entre o
produto bruto e as necessidades de vida de todos aqueles ligados à produção.
- 20 -
assim, na ideologia da burguesia industrial latino-americana que acreditava na possibilidade e
viabilidade de um modelo capitalista autônomo, baseado, fundamentalmente, no crescimento
do mercado interno e na endogeinização do progresso técnico. Dito de outro modo, o
desenvolvimentismo foi uma importante interpretação no plano intelectual, que encontrou
atores interessados (burguesia industrial) em levá-la adiante, convertendo-a em projeto
político, com enorme impacto nos anos 50 e 60.
Todavia a implantação desse projeto em vários países da América Latina evidenciou
também seus limites, uma vez que a realidade encarregou-se de demonstrar que o caminho ao
tão sonhado desenvolvimento era mais longo do que se esperava. A industrialização por si
não resolvia todos os problemas tal qual se afirmava anteriormente, e os ganhos de
produtividade gerados pela incorporação do progresso técnico não haviam sido distribuídos
para todos. Ao contrário, o que se verificou foi a rápida formação de grupos monopólicos,
fruto da associação entre capitais locais e estrangeiros, promovendo maior concentração de
renda e riqueza e o consequente atrofiamento do mercado interno, gerando, entre outras
coisas, uma crise de realização da produção, dado o baixo poder aquisitivo dos consumidores
locais.
Outro limite verificado foi que, ao não desenvolver um setor produtor de bens de
capital, os países latinos americanos passaram a reproduzir em escala ampliada a sua
dependência tecnológica, com o agravante da insuficiência constante de divisas (dólares) para
a importação dessas novas tecnologias. Enfim, os problemas não paravam aí. O desemprego
também se ampliava, formando grandes cinturões de pobreza e miséria, margeando as grandes
cidades, onde se reproduzia rapidamente a marginalidade social.
Não surpreende, pois, que a década de 50 se caracterizasse por uma acentuada
agudização das lutas sociais. Estas tinham, como componentes novos, a emergência
do Campesinato como movimento social, uma classe operária renovada e
incrementada e o surgimento de um proletariado pobre nas cidades, que deu origem
a teorizações sobre a marginalidade urbana. Paralelamente, se adensava o tecido da
classe média urbana e se acelerava a salarização, levando a um rápido aumento de
uma massa de estudantes e jovens profissionais cada vez mais descontentes com a
falta de perspectivas que apresentava o tipo de desenvolvimento comandado pela
burguesia industrial. Esses fatores convergem, ao longo do período, para promover
convulsões e crises políticas, que começam com a radicalização da Revolução
Guatemalteca, no governo de Jacob Arbenz, e a Revolução Boliviana de 1952,
seguem com o suicídio de Getúlio Vargas no Brasil e a queda de Juan Domingo
Perón na Argentina, continuam com o Movimiento Ferrocarrilero no México e a
Revolução Venezuelana de 1958 e culminam, em 1959, com a Revolução Cubana
(MARINI, 1994, pg. 9-10).
A partir desses e de outros resultados que começavam a ser colhidos, bem como seus
consequentes tencionamentos, nos anos 60, a CEPAL foi obrigada a iniciar um processo de
retificação de alguns de seus principais postulados. O enfoque meramente desenvolvimentista
- 21 -
passo a passo cede espaço à preocupação com as políticas de distribuição de renda e as
necessárias reformas estruturais de base. Percebeu-se, inclusive, um processo de radicalização
política em algumas formulações. Por exemplo, em 1965, ao considerar a política exterior dos
Estados Unidos e a ação das empresas multinacionais como fatores negativos para o
desenvolvimento latino-americano, Celso Furtado chegou a falar da possibilidade de superar
as determinações estruturais mediante a prática de um socialismo de corte nacional, estatal e
terceiro mundista. Mas, a esta altura, o que se via era um continente conturbado e em
convulsão social, sacudido, sobretudo, pelos efeitos políticos da Revolução Cubana de 1959.
Abriu-se, neste período, como parte da reação da direita conservadora, o ciclo das ditaduras
militares na América Latina, que acabava por constituir-se em um golpe decisivo no
pensamento cepalino.
Para Marini, os principais limites das teorias cepalinas estavam relacionados,
sobretudo, ao seu vínculo umbilical com a teoria do desenvolvimento dos países centrais. Por
acreditar que desenvolvimento e subdesenvolvimento não são fenômenos qualitativamente
diferentes, os cepalinos imaginaram que, com uma política econômica adequada, que
estimulasse o processo de industrialização e com algumas correções no comércio
internacional, tornando-o mais justo, se resolviam naturalmente os problemas e se atingiria o
desenvolvimento capitalista. Isto é, para eles não estava em questão à crítica ao capitalismo,
mas a possibilidade de encontrar um caminho para as economias periféricas inserirem-se nele
a partir da óptica formal e universal da reprodução ampliada do capital (MARINI, 1994).
Entretanto, apesar de seus limites, pode-se afirmar que, com seu esquema
centro/periferia, a CEPAL deu grande contribuição. Principalmente, na crítica à teoria clássica
do comércio internacional, baseada no princípio das vantagens comparativas, superando,
sobremaneira, a teoria do desenvolvimento capitalista proposta pelos países ricos.
Outra importante contribuição dos cepalinos, que merece destaque, estava
relacionada ao fato de que suas elaborações acabaram por motivar e estimular,
consideravelmente, o estudo e o debate sobre as particularidades da realidade latino
americana, pois, era no calor dessas discussões, que surgiram e desenvolveram-se outras
linhas de pensamento, que tinham nos cepalinos um ponto de partida e uma referência. Com
isso, o debate avançava significativamente e, para muito, além das formulações
desenvolvimentistas da CEPAL.
Um desses avanços surgiu como resultado do próprio processo de debate, reflexão e
de autocrítica realizado no seio da CEPAL, que deu origem, no ano de 1962, ao Instituto
Latinoamericano de Planificación Econômica y Social - ILPES. Diferentemente da CEPAL,
- 22 -
que era dominada por economistas, o ILPES reunia cientistas sociais de várias áreas do
conhecimento, prezando, assim, pela multidisciplinaridade, considerada, por muitos,
indispensável para o entendimento de certos fenômenos relacionados às particularidades da
formação capitalista periférica latino americana.
No seio do ILPES, desenvolveram-se importantes estudos sobre a temática do
subdesenvolvimento e da dependência, dentre os quais podem destacar-se a conhecida obra
Dependência y Desarrollo em América Latina, de Fernando Henrique Cardoso e Enzo
Faletto.
7
Esta obra, de matriz weberiana, “recheada” com elementos marxistas, procurou
estabelecer nculos entre problemas internos e externos para a explicação da dependência.
Porém, talvez por adotar um viés mais sociológico, apresentava sérios limites do ponto de
vista da análise econômica.
Na verdade, o pensamento de Cardoso e Faletto estava muito mais relacionado a
uma idéia de interdependência. A tese principal era de que o atraso e subdesenvolvimento dos
países periféricos somente poderiam ser superados por uma espécie de desenvolvimento
integrado e internacionalizante, sendo que, em uma fase inicial, a discussão central para a
América Latina era integrar-se de qualquer modo ao Centro, mesmo que de forma dependente
e associada, para, num momento posterior, avançar a tal relação de interdependência
crescente
8
.
Ainda, consideram esses autores, que deveriam sair na frente às nações, que
primeiro percebessem que a interação do capital nacional com o capital internacional era o
principal caminho ao desenvolvimento, haja vista, nesta relação, existir muito mais a ganhar
do que a perder. Nota-se, desta forma, que não havia um distanciamento tão grande entre o
intelectual Cardoso desta época e o Cardoso Presidente do Brasil de 1994-2002, que
implantou as políticas neoliberais e promoveu a abertura econômica do País, inserindo o
Brasil no contexto da Globalização.
A reflexão marxista sobre a dependência colocou, em primeiro plano nas análises, a
reprodução do atraso e do subdesenvolvimento na formação sócio-econômica da América
Latina. Com isso, além da ampliação do leque dos problemas abordados, abriram-se novas
perspectivas na análise das particularidades do capitalismo periférico dependente, que, em
grande medida, significava um rompimento com as construções teóricas que predominavam
até então.
7
Essa obra circulou desde 1966 como material interno do ILPES, mas, só foi publicada em 1969, no México e
mais tarde, em quase todos os países do continente.
8
Sobre este assunto cf.: TRANSPADINI, R. A Teoria da (Inter) dependência de Fernando Henrique
Cardoso. Rio de Janeiro: Ed. Topbooks, 1999.
- 23 -
O sociólogo brasileiro Teothonio dos Santos foi um dos autores que contribuíram no
desenvolvimento desse novo plano teórico e metodológico. Suas principais contribuições
estavam relacionadas à crítica severa que empreendeu a teoria do desenvolvimento e suas
formulações sobre as diversas formas de dependência da periferia, apontando para a
necessária análise desta problemática (OSÓRIO, 2004).
A brasileira Vânia Bambirra, igualmente, foi uma das precursoras desta corrente
marxista. Contribuiu, de um lado, na crítica à tipologia proposta por Cardoso e Faletto, que
classificava os países em economias de enclave e economias com controle nacional sobre seu
processo produtivo, de outro lado, apresentando outra proposta de classificação baseada no
tipo de estrutura produtiva que os países possuíam no momento da integração monopólica,
ocorrida a partir do pós Segunda Guerra Mundial. Assim, em seu livro El Capitalismo
Dependiente latinoamericano
9
, a autora identificou claramente dois tipos de estruturas: a) as
diversificadas - que além do setor primário-exportador contavam com um setor secundário
(industrialização) em expansão; b) as primário-exportadoras - que no máximo tinham
indústrias artesanais (OSÓRIO, 2004).
Outro importante expoente da teoria da dependência marxista dessa época foi o
norte-americano André Gunder Frank
10
. Sua principal contribuição pode ser sintetizada em
sua conhecida fórmula do “Desenvolvimento do Subdesenvolvimento”, que atribui o atraso
ou o subdesenvolvimento dos países satélites (periferia) ao desenvolvimento da metrópole
(centro) que, por sua vez, utilizou-se de uma série de mecanismos para expropriar o excedente
econômico dos primeiros. Em outras palavras, tratou-se de um sistema capitalista mundial
formado por vários subsistemas (nações), articulado por uma divisão internacional do trabalho
que reproduzia laços de exploração e dependência. Para ele, a única via real de superação
desta situação era o Socialismo.
Marini ressalta que, as elaborações de Frank representaram uma contribuição da
maior importância para a corrente marxista da dependência, considerando, que, sua conhecida
fórmula do “desenvolvimento do subdesenvolvimento é impecável, como impecáveis são as
conclusões políticas a que ela conduz” (MARINI, 2000, pg.109). No entanto, conforme
destaca Osório, seu principal limite estava no fato de estar muito mais “apoiado em geniais
intuições que em uma bagagem teórica rigorosa” (OSÓRIO, 2004, pg. 137) que impedia
encontrar explicações precisas aos fundamentos dos problemas suscitados por ele próprio.
9
Esta obra foi publicada pela Editora SigloVeinteuno no México em 1974.
10
Uma de suas mais importantes obras foi: Capitalismo e Subdesenvolvimento na América Latina, publicado
originalmente em 1967 pela Monthly Review Press, em Nova Iorque.
- 24 -
Assim, o grande limite que persistiu nas elaborações marxistas da época encontrava-
se justamente no campo da economia política, que era um terreno pouco explorado pelo
marxismo latino americano até então. Avançar nesta matéria era condição necessária para
extrapolar o simples diagnóstico da existência do subdesenvolvimento latino americano e na
explicação de seus fundamentos mais importantes. Essa era a grande tarefa que desafiava os
pensadores marxistas da época.
A superação dessa e de outras carências teóricas, para a fundação do que poderíamos
chamar de uma verdadeira economia política da dependência, finalmente, ocorreu com a obra
do brasileiro Ruy Mauro Marini, particularmente, em seu livro Dialéctica de la
Dependencia
11
, lançado em 1973 conforme afirma Osório,
Marini termina por cerrar um círculo em la definición de las tendencias que rigen la
reproducción del capital em las economías dependientes, em el marco del desarrollo
del capitalismo como sistema mundial. Solo eso, pero tampoco menos. Por ello
afirmamos en outra parte que es Dd (Dialéctica de la Dependencia) la obra en donde
se formulan “las bases de la economía política de la dependência” y de uma “teoria
marxista de la dependência” (OSÓRIO, 2004, pg. 89).
Para Marini, a dependência dos países latino americanos, entendida como uma
relação de subordinação entre nações formalmente independentes, pode ser compreendida
em função da acumulação capitalista em escala mundial. Nesta, a divisão internacional do
trabalho exerce importante papel, sobretudo, na constante recriação dos mecanismos, que
possibilitam transferências de valor da periferia aos países mais desenvolvidos, que detêm o
controle sobre a geração de tecnologia. Assim, a partir do intercâmbio desigual estabelecido
(já diagnosticado pela CEPAL), reproduzem-se em escala ampliada as relações de
dependência.
Isso ocorre porque, para compensar as perdas sofridas nas relações internacionais e
aumentar a sua massa de valor, o capital latino americano recorre permanentemente a uma
dinâmica estrutural de violação do valor da força de trabalho, que Marini chamou de
superexploração. Esta por sua vez, tráz como consequência a crescente separação das esferas
da produção e da circulação, na medida em que ampla maioria da população é excluída do
processo de consumo daquilo que ela própria produz. A conseqüência direta é que o mercado
interno não se desenvolve como deveria, gestando uma crise de realização do capital, fazendo
com que grande parte das mercadorias produzidas não encontre consumidores em condições
de comprá-las.
Frente a esse quadro, o capital vê-se obrigado a buscar no mercado externo a solução
do problema. Entretanto, ao ampliar sua oferta de produtos primários e semimanufaturados no
11
Editado no México em 1973 pela Editora Era.
- 25 -
mercado mundial, a preços cada vez mais baixos, os países dependentes acabam por prestar
um serviço extra aos capitalistas centrais, ajudando-os a burlarem a tendência geral à
diminuição das taxas de lucro. Isso se deve ao fato de que, com suprimentos mais baratos, o
valor da força de trabalho tende a diminuir e, conforme foi demonstrado por Marx em o
Capital, esta diminuição implica, necessariamente, na redução do trabalho necessário
12
para
pagar os salários e, no aumento do trabalho excedente
13
, gerador de mais-valia relativa.
Desta forma, Marini chega à conclusão de que o fundamento mais importante do
subdesenvolvimento e da dependência latino americana encontra-se na superexploração do
trabalho, pois, diferentemente do que ocorreu no processo de industrialização dos países
centrais, na periferia o aparato produtivo e a esfera da circulação nascem e tendem a andar
separados.
Contraditoriamente, ao mesmo tempo em que a produção dos países dependentes
contribui para a mudança de qualidade do processo de acumulação mundial, verificada no
aumento da mais-valia relativa dos capitalistas do centro, condena seus próprios produtores
(trabalhadores) a condições cada vez mais desumanas. Isto ocorre, porque, a lei do valor da
força de trabalho é transgredida como forma de compensar as perdas sofridas pelos
capitalistas da periferia nas trocas internacionais. Eis a grande contradição deste modelo de
inserção dependente. Deste modo, se explica a reprodução de um capitalismo sui generis com
particularidades estruturais que bloqueiam sua possibilidade de alcançar o desenvolvimento.
O que não é sinônimo de uma tendência inexorável ao estancamento econômico dessas
economias. Ou seja, a economia dependente preserva sua capacidade de crescer, mas o faz
acentuando ao limite as contradições que lhe são próprias como modo de produção capitalista.
No capitulo seguinte serão retomadas e aprofundadas essas idéias.
12
Para Marx, o trabalho necessário corresponde ao tempo de trabalho que o trabalhador gasta durante sua
jornada, para produzir o equivalente ao valor de sua força de trabalho, que corresponde ao seu salário.
13
Trabalho excedente corresponde ao tempo de trabalho não pago ao trabalhador, durante o qual é produzida a
mais-valia que é apropriada pelo capitalista.
- 26 -
3 A DEPENDÊNCIA ECONÔMICA LATINO AMERICANA AOS OLHOS DE
MARINI
A dependência é entendida como uma relação de subordinação entre nações
formalmente independentes, em cujo âmbito as relações de produção das nações
subordinadas são modificadas ou recriadas para assegurar a reprodução ampliada da
dependência. O fruto da dependência pode assim significar mais dependência e
sua liquidação supõe necessariamente a supressão das relações de produção que ela
supõe. (MARINI, 2000, pg. 109).
3.1. A CONFIGURAÇÃO DA DIALÉTICA DA DEPENDÊNCIA
Desde a chegada de espanhóis e portugueses no século XVI, período marcado pela
expansão comercial européia, na fase mercantilista do capitalismo, que a América Latina
passara a ser regida pelas leis do capital internacional. Dito de outro modo é a partir deste
momento será o mercado internacional que determinará, fundamentalmente, as condições de
evolução do continente. Decorre daí o fato de não ser possível entender a realidade latino
americana estudando apenas a realidade local, tornando-se indispensável, portanto, analisar
em paralelo o cenário internacional, ou melhor, dizendo, as diferentes formas a partir das
quais a América Latina se insere neste cenário.
No princípio, a primeira forma de inserção foi como colônia da Espanha e de
Portugal. O continente foi dividido em grandes extensões de terra que, no Brasil, receberam o
nome de capitanias hereditárias e sesmarias. Nestas, foram implantadas as plantations, que
nada mais eram do que grandes áreas plantadas com a monocultura da cana de açúcar, a partir
da exploração do trabalho escravo, para abastecer a Metrópole. Assim, verifica-se que desde o
início da colonização a América Latina vai estar estreitamente vinculada ao mercado mundial,
contribuindo, inicialmente, para a circulação de mercadorias, pois, nasce como uma grande
empresa latifundiária exportadora, comandada e explorada de acordo com interesses externos
ao continente.
Além da referida participação no aumento do fluxo de mercadorias, o continente
latino-americano contribuiu para o desenvolvimento do capitalismo internacional no processo
- 27 -
denominado por Marx de acumulação primitiva do capital. A enorme quantidade de metais
preciosos e gêneros exóticos saqueados pelos europeus nos séculos XVI, XVII, e XVIII,
inclusive, com a descoberta do ouro brasileiro coincidindo com o auge manufatureiro inglês,
contribuiu decisivamente para a expansão dos meios de pagamento, que permitiram o
desenvolvimento do capital comercial e bancário na Europa, indispensável para o surgimento
da grande indústria. Neste contexto, a ruptura do monopólio colonial ibérico impôs-se como
uma necessidade para o avanço do capitalismo mundial sob a hegemonia da Inglaterra.
A Revolução Industrial Européia culminou com a independência política dos países
latino americanos nas primeiras décadas do século XIX. No entanto, longe de representar um
verdadeiro divisor de águas, que marcasse o início de um processo autônomo de
desenvolvimento, a exemplo do que ocorreu em inúmeras nações desenvolvidas, a
independência aqui não rompeu com a dependência econômica externa.
Assim, os novos países passaram a girar, inicialmente, em torno da metrópole
inglesa, que ofereceu créditos, visando escoar parte da produção de bens de consumo não
duráveis e equipamentos de indústria pesada para a implantação de infra-estrutura básica nos
novos países, especialmente: transportes, ferrovias, obras portuárias etc.
É também nesse contexto de “independência” da maioria dos países latino-
americanos que vai se aprofundou a divisão internacional do trabalho, determinando o
desenvolvimento posterior da região. Por esta divisão, coube aos países da América Latina
produzir e exportar produtos primários em troca da importação de produtos manufaturados de
consumo dos países centrais. Ou seja, a dependência configura-se como uma relação de
subordinação entre nações formalmente independentes. Neste caso, segundo Marini (2000), o
fruto da dependência não pode significar outra coisa que não seja mais dependência.
Essa nova divisão internacional do trabalho fez-se necessária ao desenvolvimento
capitalista, pois sem a disponibilidade de um grande volume de bens agrícolas de
subsistência, não teria sido possível a especialização de alguns países nas atividades
industriais. Grandes contingentes humanos precisavam ser transferidos do campo para a
cidade para responder a demanda por força de trabalho da indústria nascente. Se não fosse a
produção agrícola e mineral de outros países, o abastecimento de alimentos e matérias-primas
poderia estar comprometido. Desta forma, para utilizar o máximo de suas energias na
indústria, estes países passaram a utilizar o comércio exterior como mecanismo funcional e
fundamental para o abastecimento de suas necessidades básicas de sobrevivência. E, quanto
mais avançou este processo mais se ampliaram às demandas por alimentos e matérias-primas
dos países subordinados.
- 28 -
Marini destaca, ainda, que outra grande contribuição da América Latina ao
capitalismo mundial e, talvez a mais importante, está relacionada ao deslocamento do eixo de
acumulação nas economias industriais, da produção da mais-valia absoluta para a mais-valia
relativa. Em outras palavras, trata-se daquela fase em que o aumento da mais-valia deixa de
depender simplesmente do prolongamento da jornada de trabalho ou do aumento da
intensidade do mesmo, que constantemente leva a revolta dos trabalhadores, e passa a ser
beneficiada, sobretudo, pelos ganhos de produtividade.
Isso acontece, principalmente, porque os países subordinados passaram a produzir
um crescente volume de produtos primários a preços de produção cada vez mais baixos,
devido, entre outros fatores, aos ganhos de produtividade. Este barateamento dos chamados
meios de subsistência que chegavam aos países industriais levou, necessariamente, à
diminuição do valor da força de trabalho, sobre a qual os preços dos alimentos exerceram
papel decisivo. No entanto, uma queda no valor da força de trabalho significou, entre outras
coisas, que se diminuiu o tempo de trabalho necessário, durante o qual o operário produzia o
seu salário e reproduzia suas condições de vida. Conforme explicou Marx, a diminuição do
trabalho necessário leva necessariamente, ao aumento do trabalho excedente, que é aquele
tempo em que o operário produz a mais-valia. Dito de outro modo corresponde ao tempo de
produção que não se reverte para o trabalhador e que é apropriado pelo capitalista,
denominado por Marx, de exploração.
Em síntese, o barateamento dos alimentos traduziu-se em menores salários e maiores
lucros para os capitalistas dos países centrais, beneficiados por meio das relações econômicas
internacionais. Observou-se, ainda, que essas cotas extras de mais-valia proporcionadas pela
produção dos países dependentes e apropriadas pelos capitalistas dos países centrais era uma
fórmula encontrada por estes de compensar a chamada queda tendencial das taxas de lucros.
Segundo Marx, tal tendência à diminuição dos lucros no capitalismo deve-se
principalmente à disputa pelo mercado no interior do sistema, em que cada capitalista busca,
incessantemente, conquistar parte do espaço ocupado por seus concorrentes. O sucesso, neste
caso, depende, sobretudo, da capacidade que cada um tem de introduzir mudanças técnicas e
organizacionais que permitam elevar a produtividade do trabalho, diminuindo, desta forma, o
tempo de produção, e conseqüentemente, os preços das mercadorias.
A disputa de preços sempre foi uma arma crucial na concorrência. Mas, como se
observou, os preços dependiam da produtividade, que por sua vez, dependia das inovações
tecnológicas, demandantes em última instância, de investimentos. Assim, na medida em que a
concorrência forçava o capitalista a investir em progresso técnico, aconteciam dois fatos
- 29 -
importantes: primeiro, ele aumentava sua composição orgânica do capital, ou seja, a
proporção de capital constante (novas máquinas, equipamentos etc.) em relação ao capital
variável (força de trabalho); segundo, aumentava também o capital total aplicado (constante +
variável). Como o lucro do capitalista deriva da relação entre a mais-valia produzida e o
capital total aplicado, na medida em que este último aumenta, verifica-se a tendência à
diminuição das taxas de lucro. Isso ocorre, naturalmente, conforme o capitalismo se
desenvolve.
Cabe observar, porém, que esse fenômeno não acontece pela ação isolada de um ou
outro capitalista, mas, é resultado de um processo amplo de relações, em que todos estão
constantemente correndo atrás das inovações. A ironia da história, é que a própria corrida em
busca do aumento do lucro individual é que acaba conduzindo à diminuição das taxas de
lucros do conjunto dos capitais.
De volta à história, a partir de 1875 o capitalismo mundial passou por algumas
transformações que tiveram grande influência no continente. A primeira delas era que novas
potências surgiram e se projetaram para o exterior, em especial, a Alemanha e os Estados
Unidos. Estes últimos desenvolveram uma política própria para o continente americano, que
não raras vezes, iria chocar-se com os interesses ingleses. A partir de então, de forma
crescente, a tendência era o deslocamento das relações comerciais da América Latina com a
Potência do Norte. A segunda mudança relacionava-se ao surgimento dos monopólios a partir
do processo de concentração do capital nas unidades produtivas. Nesta fase, para o capital
continuar se desenvolvendo, precisava extrapolar as fronteiras nacionais. Iniciou-se assim a
corrida na busca de aplicação em outras partes do globo. Está-se diante da fase imperialista do
capital.
Para Lênin o imperialismo corresponde à fase superior do capitalismo, caracterizada
por ele a partir de cinco traços fundamentais:
1) a concentração da produção e do capital levada a um grau tão elevado de
desenvolvimento que criou os monopólios, os quais desempenham um papel
decisivo na vida econômica; 2) a fusão do capital bancário com o capital industrial
e a criação, baseada nesse “capital financeiro” da oligarquia financeira; 3) a
exportação de capitais, diferentemente da exportação de mercadorias, adquire uma
importância particularmente grande; 4) a formação de associações internacionais
monopolistas de capitalistas, que partilham o mundo entre si, e 5) o termo da
partilha territorial do mundo entre as potências capitalistas mais importantes. O
imperialismo é o capitalismo na fase de desenvolvimento em que ganhou corpo a
dominação dos monopólios e do capital financeiro, adquiriu marcada importância à
exportação de capitais, começou a partilha do mundo pelos trustes internacionais e
terminou a partilha de toda a terra entre os países capitalistas mais importantes.
(LÊNIN apud MARINI, 2000).
- 30 -
Como em todas as importantes mudanças de paradigma ocorridas na humanidade, a
passagem para essa fase superior e a consolidação do imperialismo não ocorreu de forma
tranqüila. Assim, as primeiras três décadas do século XX foram marcadas por duas grandes
crises: a Primeira Guerra Mundial, deflagrada em 1914, caracterizada como uma guerra pela
partilha colonial, e a grande crise econômica do capitalismo, que explodiu em 1929, levando a
completa desorganização do mercado mundial. Uma conseqüência importante destes eventos
foi à diminuição do comércio. Com isso, as exportações primárias dos países latinos
americanos passaram a enfrentar enormes dificuldades de se realizarem, o que, por sua vez,
afetou o padrão de vida das classes mais abastadas, dependentes das importações de
mercadorias dos países centrais. Contudo seus efeitos foram ainda mais avassaladores.
Para a América Latina, a crise representou a inviabilização da antiga forma de
vinculação ao sistema mundial como exportadora de produtos primários. Neste cenário, a
industrialização substitutiva de importações impôs-se como necessidade de sobrevivência.
Vários países latino-americanos aproveitaram a situação criada e lançaram-se nesta estratégia,
especialmente, àqueles que tinham amadurecido as condições objetivas para enfrentarem a
nova etapa. Tais condições consistiam fundamentalmente:
a) Na existência de uma base industrial mínima em alguns países que, mesmo
durante o período colonial, desenvolveram pequenas unidades artesanais, a maioria delas
organizadas por imigrantes. Essas experiências serviram de base para o posterior
desenvolvimento da indústria moderna;
b) No grande contingente populacional concentrado nas cidades, que representava
a existência de um exército de força de trabalho disposto a trabalhar na indústria nascente;
c) Na existência de uma poupança interna gerada pelas exportações primárias, de
posse dos donos de terras, mas que poderia muito bem ser transferida para a indústria através
do sistema bancário, já que o momento não era apropriado fazer novos investimentos no setor
primário que enfrentava inúmeras restrições;
d) No mercado interno não abastecido pelas importações, com uma classe rica
ansiosa por manter seus padrões de consumo, além da possibilidade de expansão deste
impulsionada pela crescente urbanização.
Brasil, Chile, Argentina e México eram os países do continente onde essas
condições estavam mais desenvolvidas, assim, foram os primeiros a se lançarem no processo
de industrialização.
Um fato que chamou atenção era que, diferentemente do que ocorreu na Europa e
em outros países industrializados, aqui esse processo aconteceu de forma pacífica, uma vez
- 31 -
que, até pelas condições criadas, o ambiente era propício para o estabelecimento de um pacto
de poder entre a nascente burguesia industrial e a burguesia primário-exportadora. Com isso,
O Estado que assim se estabelece é um estado de compromisso que reflete a
complementaridade objetiva que consolidava suas relações. Somente naqueles
países onde o setor exportador, controlado diretamente pelo capital estrangeiro, não
dispunha das condições necessárias para mudar sua orientação é que as tensões se
tornaram mais graves(
...).
(MARINI, 1998, pg. 119).
No entanto, o pacto firmado não excluiu a existência de divergências no interior da
coalizão dominante, principalmente, em temas como política cambial e de créditos. Mas,
apesar de haver conflitos de interesses, os principais fundamentos do poder eram preservados.
Vale lembrar que a não realização da reforma agrária no país era parte deste pacto político.
Mais uma diferença marcante em relação ao que ocorreu no processo de industrialização de
outras nações, em que as reformas estruturais, como a reforma agrária, eram vistas como
medidas necessárias para criar um ambiente econômico favorável à industrialização.
A Segunda Guerra Mundial (1939-45) e a conseqüente crise de comércio que a
acompanhava, também exerceram um papel decisivo para o desenvolvimento das economias
latino americanas, que, acabavam por criar condições necessárias à aceleração do processo
de industrialização naqueles países que haviam se lançado, e a motivação em outros, como
a Venezuela, para lançar-se nesta empreitada.
Historicamente e do ponto de vista do desenvolvimento das forças produtivas, esta
situação corresponde ao término da etapa da industrialização primária, substitutiva
de bens de consumo não duráveis, e a necessidade de implantar a indústria pesada,
produtora de bens intermediários, de consumo durável e de capital. A burguesia
industrial toma consciência desta situação, em princípio, pelo esgotamento relativo
que a expansão da indústria leve primária enfrenta no mercado interno... Somado às
dificuldades para importação de bens intermediários e equipamentos necessários(...).
(Ibidem, pg. 120)
Dadas essas condições, setores importantes da burguesia decidiram enfrentar a
segunda fase do processo de industrialização. Contudo, para dar esse passo à frente, rumo a
um projeto de desenvolvimento capitalista autônomo, nos moldes defendidos pela CEPAL,
tornava-se necessário o apenas romper a aliança com a burguesia primário-exportadora,
completamente dependente do mercado mundial, mas também enfrentar os trustes
internacionais ao qual a economia estava profundamente conectada. Porém, para fazer este
enfrentamento, a burguesia industrial precisava colocar em prática um novo pacto de poder
buscando o apoio das classes médias e do proletariado. Este pacto deu origem a uma nova
política, que ficou conhecida por “populismo”.
O discurso populista era por natureza nacionalista e estava centrado na necessidade
de promover a dinamização do mercado interno, que viria, por meio da distribuição de renda,
o que agradava a amplos setores da população. Sua concretização dar-se-ia por meio do
- 32 -
aumento dos salários e até mesmo pela realização da reforma agrária, que não interessava nem
um pouco à burguesia latifundiária, porém, agradava muito aos camponeses.
Em alguns países, como Brasil e Argentina, diversas políticas populistas chegaram a
ser efetivamente implementadas e, como consequência, levaram seus dirigentes a gozarem de
amplo prestígio popular. Entretanto, a estratégia burguesa de desenvolvimento autônomo
acabou sendo derrotada. Inúmeros fatores foram responsáveis por este fracasso, dentre os
quais se podem destacar: a insuficiência de divisas; a fragilidade do mercado interno; e o
assédio do capital estrangeiro.
As dificuldades enfrentadas quanto à obtenção de divisas, devem-se,
fundamentalmente, à dependência excessiva das exportações de produtos primários
tradicionais, sujeitos a secular tendência a deterioração dos termos de trocas, explicada por
Prebich e pela CEPAL. Se isto não bastasse, esta situação ainda era agravada: a) pelo
aparecimento de novos fornecedores; b) pelo surgimento de produtos artificiais, substitutos de
matérias-primas naturais, gerados pelo progresso técnico no pós-guerra; e c) pela não
realização da reforma agrária, mantendo-se intocadas as velhas estruturas produtivas que não
permitiam um maior desenvolvimento do setor agrícola.
Em relação aos limites do mercado interno, podem ser relacionados ao fato de que,
desde o início do processo de industrialização, a demanda por produtos manufaturados foi
puxada, substancialmente, pelo consumo das classes ricas, que correspondia a uma parcela
minoritária da população. Em contraposição, a grande maioria da população foi alijada do
consumo, devido, fundamentalmente, à superexploração do trabalho a que estava submetida.
Para Marini, reside exatamente aí, o fundamento econômico mais importante que sempre
sustentou e continuou sustentando a inserção da América Latina ao mercado mundial.
Entretanto,
Esta tesis no niega la existencia de superexplotación em las llamadas economías
centrales, sea de manera conyuntural, sea em tiempos de mayor duración. La
diferencia radica que em las economías dependientes esa modalidad de explotación
se encuentra em el centro de la acumulación. No es entonces ni conyuntural ni
tangencial a la lógica como estas sociedades se organizan. Yalcanza sentido em
tanto se analiza el capitalismo como sistema mundial, que reclama transferencias de
valores de las regiones periféricas al centro y que las primeras, como forma de
compensar dichas transferencias, terminan convertiendo parte del “fondo necessario
de consumo del obrero” em um “fondo de acumulación del capital”, dando paso a
uma forma particular de reproducción capitalista y a uma forma particular de
capitalismo, el dependiente. (OSÓRIO, 2004, pg. 92-93).
Tal situação deve-se, essencialmente, ao menor grau de desenvolvimento relativo
das forças produtivas da periferia em relação ao centro e, ao intercâmbio desigual igualmente
diagnosticado pela CEPAL. Ou seja, as classes dominantes crioulas sempre buscaram
- 33 -
compensar as perdas sofridas nas trocas no mercado mundial, esgotando ao máximo a força
de trabalho que, por sua vez, era duplamente explorada. Foi assim nos mais de 300 anos de
trabalho escravo e continuou sendo assim desde que o chamado trabalho “livre” foi instituído.
Em outras palavras, os países dependentes foram convocados a contribuírem para a mudança
de qualidade no processo de acumulação dos países centrais, mas fizeram-no, submetendo
seus trabalhadores a uma condição cada vez mais desumana.
Para Marini, a superexploração do trabalho pode ser verificada em diferentes
situações em que os trabalhadores podem estar submetidos, dentre as quais se destacavam:
a) o aumento da intensidade do trabalho sem alterar a jornada e o nível tecnológico
existente. Ou seja, era a arte de fazer o trabalhador produzir mais no mesmo tempo de
trabalho, esgotando-o ao máximo fisicamente;
b) o prolongamento da jornada de trabalho que, em geral, era muito utilizada no
campo, mas que apareceu também na indústria, na maioria das vezes sob o manto das horas
extras;
c) o rebaixamento dos salários a um nível inferior ao valor real de sua força de
trabalho, desrespeitando, com isso, as condições médias de subsistência dos trabalhadores e as
condições técnicas de produção. Esta é, sem dúvida, a forma mais utilizada nos países
dependentes latino-americanos.
Frente a essa situação, convêm ressaltar mais uma diferença marcante no
comportamento do Centro e da Periferia. Historicamente, nos países capitalistas
desenvolvidos, verificou-se uma tendência a que os salários pagos se mantivessem em um
patamar ao redor de seu valor, definido pelo tempo de trabalho socialmente necessário para
manter e reproduzir sua existência. Existe uma razão muito clara para que isto seja assim,
pois, para que o capital complete seu ciclo, depois de produzida, a mercadoria precisa passar
pela esfera da circulação, para se realizar, transformando-se novamente na forma dinheiro.
Logo, para o capitalista os salários pagos aos trabalhadores não são recursos perdidos, mas
uma condição para que se complete o ciclo do capital com a realização das mercadorias
produzidas. Para isso, é necessário, que os trabalhadores possam adquirir no mercado ao
menos uma parte do fruto de seu trabalho.
Deste modo, nos países centrais, os trabalhadores transformavam-se, na etapa
seguinte, em consumidores diretos dos produtos gerados na esfera da produção. Não havendo,
portanto, separação entre produção e circulação da mercadoria. O ciclo era completo. Já nas
economias dependentes segue-se outra lógica totalmente diferente. Como estas nasciam e
seguiam intimamente conectadas às economias centrais, eram crescentemente condicionadas a
- 34 -
produzirem para a metrópole, buscando constantemente a via das exportações. Com isso, o
desenvolvimento de seu mercado interno ficava relegado a segundo plano. Apesar disso,
havia um agravante, o fato de que uma parcela significativa do saldo das exportações era
constantemente utilizada pela classe dominante, para importar produtos de consumo de luxo,
que os ricos da periferia sempre buscaram aproximar seu padrão de vida ao dos ricos do
primeiro mundo.
Com relação ao referido assédio do capital estrangeiro, pode-se dizer que havia pelo
menos duas razões para sua ocorrência: a primeira estava ligada à abundância de recursos
disponíveis para aplicação, concentrados nas mãos das grandes companhias internacionais,
fruto do avanço da concentração do capital em escala mundial; a segunda, relacionada ao
aumento da oferta mundial de máquinas e equipamentos a partir do acelerado progresso
tecnológico do pós-guerra, visto que muitos desses equipamentos e quinas tornaram-se
obsoletos prematuramente nos países centrais, mesmo antes de serem completamente
amortizados. Daí, o interesse das companhias em exportá-los.
Se por um lado era explicito esse interesse do capital internacional em deslocar-se
em busca de novas fronteiras, de outro, a burguesia dos países periféricos não conseguia
resistir à tentação do lucro imediato, deixando-se seduzir pela possibilidade de aumentar sua
mais-valia, via ganhos extraordinários a partir da incorporação de novas tecnologias. Uma vez
compatibilizados os interesses, abriam-se caminhos para a livre circulação do capital
estrangeiro na América Latina, que chegava de diversas maneiras: através de empréstimos
públicos ou privados, financiamentos, investimentos em carteira, investimentos diretos etc.
Para Marini,
A entrada desses capitais, sob a forma de investimento direto e em associação, cada
vez mais, com empresas locais, constituía uma solução conveniente para as duas
partes: para o investidor estrangeiro, seu equipamento obsoleto produziria ali bens
similares àqueles que podia obter com um equipamento mais moderno em seu país
de origem, em virtude do preço mais baixo da mão-de-obra local; para a empresa
local, abria-se a possibilidade de alcançar com tal equipamento uma mais-valia
relativa de considerável importância.
Assim a burguesia industrial latino americana passa do ideal de um desenvolvimento
autônomo para uma integração efetiva com os capitais imperialistas e lugar a um
novo tipo de dependência, muito mais radical que a anterior. O mecanismo da
associação de capitais é a forma que consagra esta integração, que não
desnacionaliza definitivamente a burguesia local, como também, somada à
acentuação da dispensa de mão-de-obra que caracteriza o setor secundário latino
americano, consolida a prática abusiva de preços como meio de compensar a
redução concomitante do mercado. O desenvolvimento capitalista integrado acentua,
pois, o divórcio entre a burguesia e as massas populares, intensificando a
superexploração a que estão submetidas e negando-lhes o que representa sua
reivindicação mais elementar: o direito ao trabalho. (MARINI, 1998, pg. 123)
.
O abandono da estratégia de desenvolvimento autônomo e o divórcio da burguesia
com as massas populares, pondo fim às políticas populistas tanto no Brasil, como em outros
- 35 -
países da América Latina, contribuíram decisivamente para a implantação de regimes
tecnocráticos militares, instalados a partir de golpes de Estado com apoio explicito do
imperialismo norte-americano. Coube a este “Novo” Estado a função primordial de gerar o
chamado ambiente favorável aos investimentos estrangeiros, seja calando e sufocando
possíveis movimentos de resistência e suas lideranças por meio da repressão, ou, até mesmo,
oferecendo facilidades como forma de atração. Tais atrativos apareceram de diversas formas:
na construção de infra-estrutura, na isenção de impostos, na cessão de terrenos, na criação de
mercados cativos etc.
Nesse novo cenário, em vários países, os investimentos diretos estrangeiros foram
direcionados, em geral, para os principais setores da economia, especialmente, aqueles
voltados para a exportação, restando, às burguesias nacionais, apenas atividades secundárias
de exportação e a exploração do mercado interno. Com isso, a autonomia de um país que
tinha o capital estrangeiro controlando seus principais setores econômicos foi praticamente
nula. Mesmo naqueles, onde a burguesia nacional tinha o controle das principais atividades de
exportação, o grau de autonomia foi condicionado pela crescente dependência frente ao
mercado mundial. Uma vez que,
Diferentemente dos créditos externos antes utilizados e que correspondiam a
operações comerciais compensatórias, a função que agora assume o capital
estrangeiro na América Latina é a de retirar abertamente uma parte da mais-valia
gerada em cada economia nacional, o que incrementa a concentração do capital nas
economias centrais e alimenta o processo de expansão imperialista. (Ibidem, pg.
114).
Portanto, fica-se diante de uma nova divisão internacional do trabalho, que fez com
que alguns países da periferia, como Brasil, México, Argentina, Chile etc. deixassem de ser
apenas produtores de produtos primários para a exportação, passando a se dedicarem,
também, à produção industrial baseada na superexploração do trabalho. Entretanto, coube a
esses países a tarefa de desenvolver apenas etapas inferiores do processo de produção, visto
que as etapas superiores dos produtos de maior valor agregado (como a produção dos eletro-
eletrônicos, da robótica, da química fina, da biotecnologia etc.) e o devido controle das
tecnologias correspondentes, continuaram reservadas aos centros imperialistas. Segundo esta
divisão, ainda um grupo de países convertidos apenas em produtores primários de
mercadorias e em mero mercado consumidor para os produtos de seus vizinhos
industrializados.
Para Marini, esse processo de internacionalização do capital, que gerou uma nova
divisão internacional do trabalho muito mais complexa que a anterior, abriu espaço para o
- 36 -
surgimento daquilo que considerou ser verdadeiros centros subimperialistas na América
Latina. Sendo assim,
O subimperialismo corresponde à expressão perversa de um fenômeno resultante da
diferenciação da economia mundial, com base na internacionalização do capital, que
levou a superação da divisão simples do trabalho, expressa na relação centro-
periferia, tematizada pela CEPAL, em prol de um sistema muito mais complexo.
Nele, a difusão da indústria manufatureira, elevando a composição orgânica média
do capital, quer dizer, a relação entre meios de produção e força de trabalho,
lugar a sub-centros econômicos (e políticos), dotados de relativa autonomia, ainda
que permaneçam subordinados a dinâmica global imposta pelos grandes centros.
Como Brasil, países como a Argentina, Israel, Irã, Iraque e África do Sul assumem,
ou tem assumido, em certo momento de sua evolução recente, caráter
subimperialista.. (MARINI, 1993, pg. 6).
O subimperialismo é uma categoria central teoria de Marini. Por isso, julgou-se
conveniente explicitar um pouco mais sua compreensão acerca de seu importante significado.
Para ele, os progressos técnicos propiciados pela importação de tecnologias dos centros
imperialistas tornaram mais dinâmicas as indústrias locais, resultando em grande aumento de
sua produtividade. No entanto, apesar desses ganhos, os capitalistas não abriram mão da
superexploração do trabalho. Assim, o mercado interno continuou achatado e a consequência
imediata que se apresentou foi o problema da realização da produção, agravado a partir dos
aumentos de escalas. Ou seja, está-se diante de um sistema produtivo com enorme capacidade
de produção de mercadorias em escala (roupas, calçados, automóveis, eletrodomésticos, etc.),
mas estas são inacessíveis às grandes massas de desempregados e até mesmo aos próprios
operários que as fabricaram, submetidos à relação de superexploração.
Diante do grave problema de realização da produção verificado, a burguesia tratou
de buscar e construir várias saídas possíveis a fim de enfrentá-lo. A primeira foi colocar em
marcha uma política regressiva de distribuição de renda. Para tal, utilizou o mecanismo da
inflação e operou no sentido de promover uma transferência de renda da imensa maioria da
classe trabalhadora para os setores médios e altos, que possuíam condições de sustentar o
mercado. Como conseqüência, ampliou ainda mais a separação entre produção e consumo.
Tal política foi muito utilizada no Brasil durante o regime militar, quando os salários reais
recebidos pelos trabalhadores foram reduzidos em mais de 50% (Marini, 2000).
Um segundo recurso utilizado foi à intervenção direta do Estado, como comprador
de última instância ou por meio da política creditícia. Uma importante medida foi à ampliação
das subvenções aos produtores, como no caso da agricultura, por exemplo, que foi estimulada
a modernizar-se por meio da política de créditos para comprar máquinas e outros insumos
industriais da revolução verde. Ainda, na parte creditícia, recorreu-se também ao
financiamento do consumo de artigos de luxo. Outra frente foi transformar o próprio Estado
em um grande consumidor dos produtos industriais. Assim, foram planejadas grandes obras
- 37 -
(hidrelétricas, rodovias e obras públicas em geral) e desenvolvido a indústria bélica. Outro
exemplo de demanda estatal à indústria foi os grandes pedidos de jeeps, carros blindados,
caminhões etc. encomendados pelas forças armadas como forma de dar vazão à produção da
indústria automobilística.
A terceira saída encontrada e, por sinal a mais importante, foi a expansão para o
exterior como alternativa de realizar a produção não absorvida pelo mercado interno. Na
prática, foi o ressurgimento da velha política exportadora, agora aplicada à indústria, que
conseguiu ser competitiva no mercado internacional porque estava assentada sobre a
superexploração do trabalho. Foi nesse contexto, que se pôde falar da existência do
subimperialismo, situação em que os mais desenvolvidos da periferia são tutelados pelo
centro, aos quais estão associados para explorar os mais fracos. Um dos resultados mais
evidentes desta política foi a profunda alteração da pauta de exportações com a inclusão dos
produtos manufaturados (incluindo artigos de luxo) e semi-elaborados.
O caso brasileiro expressou bem o que representou essa política. Em 1964, quando a
ditadura militar instalou-se no Brasil, o saldo das exportações anual era na ordem de 1,4
bilhões de dólares. A pauta era composta por 85,4% de produtos primários; 8,0% de produtos
semi-elaborados; e, apenas, 6,2% de manufaturados. Vinte anos mais tarde, em 1984, quando
os militares deixaram o governo, o país exportava 27 bilhões de dólares por ano com uma
pauta profundamente alterada. Os produtos primários representavam apenas 32%; os semi-
elaborados 10,6%; e os manufaturados 56%. Nota-se que os números expressam a
agressividade da política comercial brasileira neste período. (MARINI, 1998).
Com efeito, a diferença do que acontece nos países capitalistas centrais, onde
a atividade econômica está sujeita à relação existente entre as taxas internas
de mais-valia e de investimento, nos países dependentes o mecanismo
econômico básico deriva da relação exportação-importação: ainda que se
obtenha no interior da economia, a mais-valia se realiza na esfera do
mercado externo mediante a atividade de exportação, e se traduz em receitas
que se aplicam, em sua maior parte, em importações. A diferença entre o
valor da exportação e das importações, isto é, o excedente aplicável, sofre,
pois a ação direta de fatores externos à economia nacional (idem, pg. 115).
Contudo, se de um lado essa política subimperialista conseguiu promover alterações
significativas na estrutura produtiva do País, por outro, trouxe como consequência o seu
endividamento externo, pois, a dívida externa brasileira, que em 1964 atingira a cifra de 2,5
bilhões de dólares, saltou para 102 bilhões de dólares no ano de 1984. Trata-se de números
realmente expressivos, afinal de contas, eram quase 100 bilhões de dólares de vida
- 38 -
acumulada em apenas 20 anos. A situação foi ainda mais grave, todavia, se considerar o fato
de que entre 1981 e 1984 o Brasil pagou a soma de 30,7 bilhões de dólares em juros
14
.
Deste modo, verifica-se, que,
O desenvolvimento industrial capitalista foi, na realidade, o que prolongou no Brasil
a vida do velho sistema semicolonial de exportação. Seu desenvolvimento, em lugar
de libertar o país do imperialismo, vinculou-o a este ainda mais estreitamente e
acabou por levá-lo à atual etapa subimperialista, que corresponde à impossibilidade
definitiva de um desenvolvimento capitalista autônom
o
. (MARINI, 2000, pg. 99-
100).
Não bastasse essa verdadeira sangria das riquezas produzidas no País pelo
pagamento de juros e amortizações devido ao pesado endividamento externo, outra
consequência importante, decorrente da desnacionalização das economias dependentes, diz
respeito à evasão de divisas por meio da exportação de lucros. Ou seja, era transferida
constantemente à metrópole (onde estão localizadas as matrizes das empresas instaladas na
periferia) uma parte significativa da mais-valia daqui extraída. Normalmente, apenas uma
pequena parte dessa permanece na economia nacional através dos impostos pagos ao Estado.
O destino do restante do capital quem definia era o próprio capitalista, podendo ele, a
depender da situação econômica e política do país, reter parte da mais-valia, visando
ampliação dos investimentos, para extrair ainda mais lucros no futuro, ou transferir
integralmente à matriz, que era o que normalmente acontecia em períodos de crise e
depressão.
Outra conseqüência não menos importante desse processo de abertura e associação
de capitais, estava relacionada à concentração econômica. Na medida em que
A brusca introdução de inovações em parques industriais caracterizados por um
parco desenvolvimento técnico levou a uma grande heterogeneidade tecnológica,
particularmente nos setores a que se dirigiu o investimento estrangeiro: o de bens de
consumo suntuários e o de bens de capital, agudizando as transferências internas de
mais-valia através dos preços de produção e acelerando o grau de concentração da
economia. (MARINI, 2000, pg. 273).
Sobre a parte destinada ao Estado referida anteriormente, observa-se, que era, na
maioria das vezes, disputada e redistribuída pela burguesia local, ansiosa pelo consumo de
produtos suntuários importados. Com isso, o excedente que poderia ser aplicado na economia
local nota-se ainda mais reduzido. Neste caso, a luta pela apropriação desta fatia transformou-
se, em última instância, na luta pelo controle político do Estado por diferentes grupos
políticos.
14
Dados oficiais do Banco Central do Brasil, organizados por Jubileu Sul Brasil. Disponível em:
http//www.Jubileubrasil.org.br . Acesso 15/08/2009.
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Portanto, com base no pensamento mariniano, pode-se afirmar que, em nome do
chamado desenvolvimento capitalista latino-americano, a burguesia crioula associada
reproduziu aqui as leis gerais que regem o sistema em seu conjunto, porém, acentuou-as ao
limite, gerando um sistema perfeitamente integrado ao mercado mundial, cujo fundamento
mais importante encontra-se na superexploração do trabalho, responsável pela manutenção e
reprodução de um modelo: a) concentrador de rendas e riquezas em um dos pólos do sistema
que é formado por uma minoria rica. Enquanto que, no outro extremo, um enorme contingente
de pessoas é condenado à pobreza e a marginalização, expressas no baixo nível de consumo e
na privação dos mais básicos direitos de qualquer cidadão. O desemprego em massa ao qual
estão submetidos aparece como uma necessidade para o “bomfuncionamento do modelo, à
medida que sua função é exercer pressão sobre o mercado de trabalho, que é condição
necessária para a manutenção da superexploração; b) vulnerável a fatores externos, tendo em
vista que essas economias produzem muito mais do que sua população pode consumir,
condicionando seu crescimento às altas e baixas do mercado internacional. Deste modo, o
controle sobre o crescimento impõe-se como uma necessidade nessas economias, pelo fato de
que qualquer aumento acima do previsto pode levar a desequilíbrios e graves problemas de
realização. Com isso, a saída encontrada pelo capitalismo dependente é colocar em prática
aquilo que aprendeu na sua relação com o império, buscando a qualquer custo a expansão
comercial ao exterior, mesmo que, para isso, seja necessário exercer seu poder subimperialista
sobre seus vizinhos mais pobres; c) com frágil mercado interno e que segue reproduzindo a
separação das esferas de produção e consumo, ao qual já nos referimos.
Por fim, vale destacar que a grande diferença existente na análise de Marini em
relação à CEPAL, foi que ele, ao analisar a história como processo, cujo motor é a luta de
classes, buscou uma explicação estrutural ao problema da dependência. Ou seja,
diferentemente dos cepalinos, ele não visualizou desenvolvimento e subdesenvolvimento
como duas partes de um mesmo processo, que se diferenciavam apenas quantitativamente.
Pelo contrário, considerou-os fenômenos qualitativamente diferentes, antagônicos e, ao
mesmo tempo, complementares entre si em uma relação dialética com o cenário internacional.
Assim, fica demonstrado que os países dependentes são extremamente funcionais ao
processo de acumulação do capitalismo mundial. Além de fornecedores das demandas dos
países centrais, especialmente, de matérias-primas e alimentos, contribuem decisivamente
para que esses países desloquem seu eixo de acumulação da mais-valia absoluta para a mais-
valia relativa, significando que sua acumulação passa a depender mais do aumento da
capacidade produtiva do trabalho social, do que simplesmente da exploração do trabalhador.
- 40 -
Contraditoriamente, essa mesma produção social que contribui para a mudança qualitativa nos
países centrais, está assentada, aqui, em uma maior exploração dos trabalhadores.
3.2. A GENERALIZAÇÃO DA LEI DO VALOR E DA SUPEREXPLORAÇÃO DO
TRABALHO NO MUNDO GLOBALIZADO
Los procesos que permiten la transferência de valores de unas a otras regiones y
economias varían em el tiempo. Si em la etapa colonial ello era posible por vias
preferentemente políticas (las colonias entregando tributos e impuestos a las
metrópolis, o sufriendo de despojos de riquezas y metales preciosos por la simple
condición colonial), posteriormente tal processo tiende a descansar de manera
predominante em mecanismos econômicos (deterioro em los términos de
intercambio o intercambio desigual, pago de regalias, transferências por el
monopólio de conocimientos, intereses de la deuda, etcétera). (OSÓRIO, 2004, pg.
72).
No período do pós-guerra, iniciado em 1945, o capitalismo experimentou um de
seus ciclos mais virtuosos de crescimento econômico. Nestes verdadeiros “anos dourados”
para os capitalistas, ocorreu um processo sem igual de acumulação de capital dinheiro em
mãos das grandes corporações transnacionais, fundos de pensão e fundos de aplicação
financeira.
Contudo, passada a euforia dos anos gloriosos, a partir de meados dos anos 60, a
economia mundial começa a dar evidentes demonstrações de perda do seu dinamismo,
expresso na diminuição das taxas de lucros. O agravamento desta situação viria com a alta dos
preços do petróleo, verificada no início dos anos 70, quando a crise capitalista já era evidente.
As décadas de 70 e 80, também, foram marcadas por um aumento substancial na
competitividade industrial, puxado, sobretudo, pelas indústrias japonesas e alemãs, que
recuperadas dos efeitos da guerra, passam a ditar o ritmo do processo de acumulação. Este
acirramento da concorrência acabou por levar Estados Unidos e Europa a adotarem,
paulatinamente, uma postura defensiva, acentuando o protecionismo de suas economias. De
certa forma, a filosofia econômica dominante do mundo socialista também não era diferente.
Assim, diante de um mercado mundial fragmentado e protecionista, bloqueavam-se
crescentemente as possibilidades de circulação de mercadorias e capitais.
A América Latina vivia semelhante situação, com claras evidências da crise que
estava por vir. Após ver sua economia experimentar um período virtuoso, com o recebimento
- 41 -
de expressivos investimentos estrangeiros em seu parque industrial, especialmente nos setores
produtores de bens suntuários e de capital, a região deparou-se com rios problemas de
realização de sua produção. Produção esta que havia se ampliado consideravelmente em
função dos ganhos de produtividade, gerados pela importação de tecnologias que vieram junto
com o capital estrangeiro. Suas dificuldades de realização podem ser explicadas, em grande
medida, pela sobreposição de dois fenômenos perfeitamente interligados e interdependentes: a
superexploração do trabalho e a concentração de renda, responsáveis por limitar e condicionar
o desenvolvimento do seu mercado interno.
Portanto, a contradição era evidente e sua superação pressupunha naturalmente a
abertura e ampliação dos campos de investimento para o capital estrangeiro que, além da
enorme liquidez que dispunha, era motivado, também, por uma tendência à expansão dos
mercados, puxados pelo acelerado desenvolvimento das forças produtivas e,
conseqüentemente, pelos salários, apesar da superexploração. Segundo Marini,
Em economia, as grandes mudanças são frutos de calamidades naturais ou sociais. A guerra,
claro. As calamidades, também. O capitalismo acrescentou uma que lhe é peculiar: as crises
periódicas. Em qualquer de suas formas essas catástrofes provocam a centralização dos meios
de trabalho, eliminando de passagem os menos eficientes e reduzem a força de trabalho
mediante a destruição ou a expulsão das atividades produtivas, ao mesmo tempo que
promovem o emprego mais intensivo e/ou extensivo da fração trabalhadora que permanece
em atividade. Tende a aumentar, em conseqüência, a parte do ingresso que corresponde aos
proprietários de meios de produção, o que em princípio favorece a elevação das taxas de
investimento (ainda que também o consumo suntuário e a especulação), assim como a
concentrar a produção em grandes unidades econômicas, o que agudiza a competição e
incentiva a introdução de inovações técnicas (MARINI, 2000, pg. 275-276).
Nota-se que a crise capitalista, iniciada em meados dos anos 60, não constituiu uma
exceção. Pelo contrário, ela é parte do jogo e das regras do capitalismo, conforme indicou
Marini. Sua superação passou necessariamente por processos de fusões e aquisições de ativos,
acordos tecnológicos entre empresas etc., que significaram a agudização da centralização de
capitais em mãos dos mais fortes. Contudo, este processo de centralização acabou por
traduzir-se na canalização de vultosos recursos financeiros em novos investimentos
produtivos e, fundamentalmente, para o desenvolvimento de novas tecnologias. Sendo que
estas foram indispensáveis para alterar as condições de competitividade e, com isso, gerarem,
como prêmio, os chamados lucros extraordinários para as empresas inovadoras. Desta forma,
criaram-se as condições para um amplo processo de reestruturação do capitalismo mundial,
tendo em vista um novo ciclo de acumulação. Este processo
Desatou uma formidável revolução tecnológica, particularmente nos ramos de
microeletrônica e de informática, de telecomunicações, de biotecnologia e de novos
materiais, assim como na produção de energia e na indústria aeroespacial. Isto
implicou em mudanças substanciais nos níveis de emprego e de remuneração, assim
como nos modos de organização e gestão do capital e da força de trabalho.(Ibidem,
pg. 277).
- 42 -
Desse modo, entra-se em um novo ciclo de acumulação de capital que,
diferentemente dos anteriores, foi capaz de combinar perfeitamente o crescimento econômico
com desemprego, mesmo que, para isso, fosse necessário enfrentar e quebrar a resistência do
movimento operário em todo o mundo. Assim, ficaram marcadas as memoráveis batalhas
entre o governo de Margareth Thatcher e os mineiros ingleses no final dos anos 70 e início
dos 80. Mas estas não se constituíram em nenhuma particularidade à inglesa. Repetiram-se e
espalharam-se, ano após ano, para diversas outras partes do mundo, haja vista o desfecho de
tais enfrentamentos significou uma profunda derrota da classe trabalhadora, que, a partir de
então, entra em uma fase de enorme refluxo, com o sindicalismo em crise, passando
gradativamente da luta de classes às parcerias com o capital, administrando e negociando
perdas gradativas.
Cabe observar, também, que o progresso técnico verificado nesse período, em
especial, na área das chamadas tecnologias da informação, representou uma condição objetiva
fundamental para a instalação do novo ciclo de acumulação baseado na Mundialização do
capital, pois, sem elas, seria impensável tamanha mobilidade para o capital entrar e sair,
investir e desinvestir, em todos os rincões do planeta. Além do que, tais tecnologias foram
igualmente indispensáveis para a ocorrência de uma maior interação das firmas, que passaram
crescentemente a recorrer a processos de terceirização ou subcontratação de empresas
prestadoras de serviços, que, em geral, reproduziam relações de trabalho precarizadas,
fragilizando ainda mais os trabalhadores enquanto classe. Por fim, outra medida importante,
que passou a ser adotada, foi a chamada flexibilização, que nada mais é do que o
procedimento em que o operário se viu-se obrigado a abrir mão de direitos trabalhistas
conquistados em troca da manutenção de seu emprego.
Nesse cenário, outro importante campo que se abriu ao capital transnacional estava
relacionado ao deslocamento da produção industrial para outras partes do mundo,
principalmente, para países que ofereciam, entre outras coisas, salários mais baixos e,
consequentemente, maiores possibilidades de lucro. A deslocalização da produção foi uma
estratégia empresarial, especialmente, das firmas ligadas diretamente à produção em si,
sobretudo, naquelas que se utilizavam trabalho intensivo e recursos naturais. Tal mecanismo
consistia-se em realocar as atividades, ou pelo menos parte delas, em outras regiões ou países,
em vista de maior competitividade no comércio internacional. Com isso, o capital ganhou
total liberdade para colocar em concorrência os diferentes salários pagos aos trabalhadores de
qualquer parte do mundo.
- 43 -
Vale ressaltar que esses processos de deslocamento da produção industrial ou pelo
menos, de parte dela, para outros países de fora da Tríade, levou diversos analistas a extraírem
conclusões equivocadas em suas análises. Tais equívocos, na maioria dos casos, estavam
relacionados à ilusão de acreditar que, com esta medida e nos marcos da chamada
Globalização, abrir-se-iam as portas do desenvolvimento para todos, diminuindo, assim, as
distâncias que separavam Norte e Sul. Entretanto, Marini chamou atenção para o que
considera “dois trunfos” que os países desenvolvidos conservam em suas mãos:
O primeiro é sua imensa superioridade em matéria de pesquisa e desenvolvimento,
que é o que torna possível a inovação técnica. Temos ali um verdadeiro monopólio
tecnológico, que agrava a condição dependente dos demais países. O segundo é o
controle que exercem na transferência de atividades industriais sobre países mais
atrasados, tanto por sua capacidade tecnológica como de investimento, que atua de
duas maneiras: uma, transferindo prioritariamente a estes últimos indústrias menos
intensivas em conhecimento; outra, dispersando entre diferentes nações as etapas da
produção das mercadorias, de maneira que impeça o surgimento de economias
nacionalmente integradas. (MARINI, 2000, pg. 282)
Marini destacou, ainda, que esses dois privilégios que têm os centros desenvolvidos
incidiam diretamente na divisão internacional do trabalho em nível da produção, pois, eles
ofereciam a garantia do abastecimento crescente dos insumos básicos que os países centrais
necessitavam, para suprir suas demandas de produção, na medida em que obtinham ganhos de
produtividade. Uma conseqüência direta desta estratégia estava relacionada ao “regresso de
países (...) à forma simples de divisão internacional do trabalho que privava no século XIX e
que implicava na troca de bens primários por bens manufaturados” (idem) ainda que, agora,
isso ocorra sob métodos de produção plenamente capitalistas. O autor via com preocupações,
por exemplo, o peso relativo que os produtos primários e semimanufaturados têm na pauta de
exportações de países como Chile e Brasil, apesar deste último tratar-se da maior economia
industrial da Região. Portanto, a nova economia globalizada que vimos emergir no final do
século XX, traz em seu seio relações de dependência que se imaginava ter desaparecido ainda
no século XIX.
Outro aspecto importante está relacionado ao fato de que as mudanças tecnológicas
processadas nas últimas décadas tornaram mais acentuadas a incidência do conhecimento
sobre os processos produtivos. Para exemplificar, citando Reich, Marini observou que em
1984 o custo de um computador compunha-se em 80% para seu hardware (a máquina em si)
e 20% para seu software (sistema operacional e programas), sendo que em 1990 essa
proporção havia se invertido. Isso significava que uma parte cada vez menor do valor da
mercadoria corresponde à fabricação do equipamento em si, podendo esta ser deslocada para
qualquer lugar, de preferência onde se pratiquem salários mais baixos. O “X” da questão
estava em manter total controle sobre o conhecimento tecnológico que concebe e que alimenta
- 44 -
estas máquinas. Daí a estratégia dos países desenvolvidos de investir pesadamente na
educação em todos os seus níveis, para formar, cada vez mais, quadros altamente
qualificados, até como forma de compensar a diminuição na oferta de trabalho direto na
produção. Deste modo, reproduzem-se em escala crescente os desníveis em matéria de
conhecimento e capacitação técnica entre diferentes países. Esta mudança coloca-se
Frente ao projeto de uma nova divisão internacional do trabalho, que operaria ao
nível da própria força de trabalho e não, como antes, através da posição ocupada no
mercado mundial pela economia nacional onde o trabalhador atua. Tratar-se-ia agora
da participação dos trabalhadores num verdadeiro exército industrial globalizado em
processo de constituição, em função do grau de educação, cultura e qualificação
produtiva de cada um. (ibidem, pg. 281)
.
As profundas mudanças tecnológicas oriundas das últimas décadas e o novo impulso
industrial ocorrido a partir dos processos de deslocalização, também, impactaram
decisivamente nas relações econômicas internacionais. Merece especial destaque as
transformações pelas quais passou o comércio mundial nesse período, a começar por seu
fabuloso crescimento. Marini destacou que, segundo dados da Academia Nacional de
Ciências dos Estados Unidos, somente na década de 80, o aumento global do comércio foi da
ordem de 50%.
Nesse aspecto, vale ressaltar que o comércio intrafirmas é cada vez mais
significativo no montante geral. Isso ocorre, fundamentalmente, devido aos processos de
terceirização e deslocamento de fábricas para outros países e regiões, onde as grandes
empresas buscam a maioria dos componentes que necessitam para seu produto final. Com
isso, uma parte cada vez menor do valor da mercadoria final é gerada ou acrescentada pela
própria empresa fabricante que lhe empresta a marca, sendo que o restante, que em geral é a
maior parte, corresponde ao trabalho incorporado por outros trabalhadores de centenas de
firmas diferentes e localizado, igualmente, em diferentes países. Tais processos somente se
tornaram possíveis graças à “crescente homogeneização em matéria de capital constante fixo
e circulante” e ao alto grau de estandardização na produção de peças e componentes (Marini,
2000). Assim,
Uma vez posto em marcha, este processo colocou a supressão das barreiras que
fragmentavam o mercado mundial e colocavam obstáculos ao fluxo da reprodução
de capital. Abriu-se, assim, uma nova fase na produção e circulação de mercadorias,
caracterizada pela tendência ao pleno restabelecimento da lei do valor. (ibidem, pg.
285)
.
Todavia, essa nova fase do capitalismo mundial, com liberdade crescente à
circulação das mercadorias e com mercados cada vez mais amplos para serem atendidos,
conduziu a intensificação da competição entre os grandes grupos econômicos, e a
sobrevivência neste tipo de embate requer o esforço permanente em busca dos sonhados
- 45 -
lucros extraordinários, perseguidos por todos os capitalistas. A busca e o desenvolvimento de
inovações tecnológicas sempre se constituíram em armas decisivas para se atingir este
objetivo, porém, o alto custo para consegui-las e a dificuldade crescente para manter
monopólios tecnológicos por longos períodos, no mundo atual, acabam por desestimulá-las.
Isso força as empresas a recorrerem paralelamente a outras medidas, como a diminuição dos
custos de circulação, dispensando a formação de estoques, por meio do sistema Just-in-time,
bem como a já referida terceirização.
Os processos de deslocalização e terceirização da produção que, como foi dito,
foram gerados pelas próprias necessidades impostas pela competição, conduziram de uma
forma ou de outra, a difusão tecnológica necessária a homogeneização dos processos e a
estandardização das mercadorias. Este fato, aliado aos avanços obtidos no campo das
telecomunicações, contribuiu para o maior conhecimento dos processos produtivos e suas
condições, bem como o estabelecimento de preços relativos em todo o mundo. Com isso,
caminhou-se a passos largos para o nivelamento dos valores, pelo menos, naqueles setores
produtivos de maior integração, na perspectiva de suprimir cada vez mais as diferenças
nacionais que afetavam a lei do valor.
Por outro lado, a crescente internacionalização dos processos produtivos, a partir da
difusão de uma indústria que, além de poupadora de trabalho, colocou em competição os
salários pagos em diferentes países, conduziu, necessariamente, a intensificação da exploração
dos trabalhadores que permaneceram em atividade. Sendo que, para isso, podiam recorrer aos
aumentos da jornada ou da intensificação do trabalho, ou simplesmente desrespeitar o valor
real da força de trabalho, pagando salários cada vez menores. “Deste modo se generaliza a
todo o sistema, inclusive aos centros avançados, o que era uma marca distintiva (ainda que
não privativa) da economia dependente: a superexploração generalizada do trabalho”
(MARINI, 2000, pg. 291).
Assim, em pleno final do século XX, enquanto o fabuloso avanço das forças
produtivas abriu perspectivas ilimitadas ao crescimento da produção, milhares de pessoas
foram condenadas ao completo descaso e a pauperização, por se tornarem excedentes de um
sistema, que, para manter suas taxas de lucro (contrarestando a sua queda tendencial), recorria
a superexploração do trabalho, tendo o desemprego e a exclusão como ferramentas.
Por fim, constata-se que as políticas neoliberais que derrubaram as barreiras
nacionais que impediam a livre circulação de capitais e mercadorias, apesar de sua base
ideológica comum, produziram resultados distintos em diferentes regiões e países onde foram
implementadas. Na Ásia, por exemplo, em países como a China e Coréia do Sul, o
- 46 -
neoliberalismo encontrou pela frente Estados atuantes, que souberam proteger suas
economias, condicionando sua abertura com políticas industriais de longo prazo, participação
direta nos setores produtivos, controle sobre o sistema financeiro etc., fixando metas e
promovendo o desenvolvimento tecnológico. Estratégias estas que, com o passar dos anos,
garantiu-lhes uma inserção diferenciada no mercado mundial.
Na contramão desta história, as classes dominantes latino americanas demonstraram
toda sua incompetência a frente do aparelho do Estado, para defender suas economias,
deixando cada vez mais nítido que
A ameaça de desindustrialização que se abate sobre a região, os atrasos que
apresenta o sistema educacional e a insuficiência das políticas científicas e
tecnológicas, somados à falta de políticas centradas no desenvolvimento econômico
- colocam a América Latina na ante-sala de uma situação caracterizada pela
exclusão de amplos contingentes populacionais em relação às atividades produtivas,
pela degradação do trabalho e pela deterioração dos padrões salariais e de consumo.
(ibidem, pg. 293).
Marini destacava ainda que
A globalização é algo ainda em marcha. Em sua fase atual ela combina traços
inerentes à industrialização do capital com processos de regionalização, em cujo
marco se pode avançar para a especialização produtiva de cada país de maneira
consensual. Perfila-se assim a formação de grandes unidades econômicas, melhor
equipadas para enfrentar a globalização, além de apresentarem a vantagem de
precisamente por apontar para a superação do velho Estado nacional facilitar o
resgate das especificidades étnicas e culturais, assim como das autonomias locais
.
(ibidem, pg. 294).
Neste contexto, “a integração econômica da América Latina é pré-requisito
indispensável para nossa integração à economia mundial”. Pois, somente assim, se evitará a
dominação fácil de cada país em separado. Mas, para isso, será necessário repensar as
estruturas produtivas de cada país, visto que somente se pode integrar aquilo que é
complementar, implicando, necessariamente, na destruição de certos setores menos
produtivos, em determinados países, em prol de outros, mais competitivos e com tecnologias
de ponta (MARINI, 2005).
Outro aspecto importante é que, a integração, não pode ser de “competência
exclusiva dos governos e da burguesia” que a transformam em “mera negociação, destinada
tão-somente a garantir áreas de inversão e mercados”. Ao contrário, precisa se transformar em
um “grande projeto político e cultural” do conjunto das forças populares que vêem nela não só
a unificação de suas demandas, como também, o instrumento para alcançá-las (MARINI,
2005). Ou seja,
Chegamos aquele ponto em que nossa sobrevivência como brasileiros, mexicanos,
chilenos, venezuelanos depende de nossa aptidão para construir novas
superestruturas políticas e jurídicas, dotadas da capacidade de negociação,
resistência e pressão indispensável para ter efetiva presença ante os Super-Estados
que existem ou estão emergindo na Europa, Ásia e na mesma América (MARINI,
1993, pg. 12).
- 47 -
Portanto, para Marini, não se pode esperar das classes dominantes a iniciativa no
sentido de reverter a dependência latino americana. Pelo contrário, trata-se de uma bandeira
que somente a classe trabalhadora poderá carregar. Mas, para isso, esta precisará se colocar
firmemente no terreno da luta pela democratização do Estado, tirando das mãos da burguesia
a condução dos rumos da economia, e sobre novas bases, com uma “mobilização lúcida e
perseverante”, estabelecer um novo projeto de desenvolvimento econômico. Somente com
políticas públicas adequadas, com instrumentos de democracia direta, participação popular e
vigilância cidadã, os povos latinos americanos construirão “condições adequadas para ganhar
um lugar ao sol no mundo do século XXI”. Para ele, mais do que nunca, a questão econômica
transformou-se em questão política, em que a “luta contra a dependência não pode se
divorciar da luta pela democracia”. (ibidem, pg.293-294).
Sendo que,
Tudo reside em conseguir uma organização da produção que permita o pleno
aproveitamento do excedente criado, isto é, que aumente a capacidade de emprego e
produção dentro do sistema, elevando os veis de salário e de consumo. Como isto
não é possível no marco do sistema capitalista, não resta ao povo brasileiro senão
um caminho: o exercício de uma política operária, de luta pelo socialismo. (ibidem,
pg.102).
- 48 -
4 A ECONOMIA BRASILEIRA A PARTIR DOS ANOS 90 E SUA INSERÇÃO
INTERNACIONAL: uma leitura a partir do balanço de pagamentos e da relação
capital/trabalho
A globalização corresponde a uma nova fase do capitalismo, em que, pelo
desenvolvimento redobrado das forças produtivas e sua difusão em escala planetária,
o mercado mundial chega a sua maturidade, expressa na vigência cada vez mais
acentuada da lei do valor. Neste contexto a ascensão do neoliberalismo não é um
acidente, mas a alavanca por excelência de que se valem os grandes centros
capitalistas para solapar as fronteiras nacionais a fim de liberar o caminho para a
circulação de suas mercadorias e capitais. (MARINI, 2005, pg.293).
A inserção do Brasil, na chamada Mundialização do capital, ocorreu, sobretudo, a
partir dos anos 90, no contexto da implantação do modelo econômico neoliberal. Um marco
neste processo foi a realização, nos Estados Unidos, em 1989, de uma famosa reunião,
envolvendo organismos internacionais, políticos, intelectuais e empresários latinos
americanos, que ficou mundialmente conhecida como o “Consenso de Washington”. Nesta, o
ideário neoliberal é transformado em uma espécie de receituário comum, para a promoção do
chamado ajuste estrutural de todos os países da América Latina. Este, por sua vez, consistia
em um conjunto de reformas econômicas, cujo principal objetivo era romper com toda e
qualquer barreira que impedisse a livre entrada e saída de capitais e mercadorias.
Dentre as várias políticas propostas, destacavam-se: a) as políticas antiinflacionárias;
b) a abertura comercial; c) a reforma tributária para reduzir o déficit público; d) a
liberalização financeira; e) as privatizações; f) a reforma da previdência; g) a reforma
trabalhista. Medidas estas que eram consideradas necessárias para se criar um ambiente
interno favorável, seguro e rentável aos investimentos e aplicações de um capital
transnacional ávido por valorização, concentrado em mãos de grandes empresas, seguradoras,
fundos de pensão etc. Aos países seguidores do receituário em questão, estava reservado
como prêmio, o ingresso a um novo ciclo virtuoso de suas economias. Assim, a busca pelo
crescimento econômico exigia rápida abertura e ingresso do país à globalização.
Para Marini,
Impõe-se, assim, uma política de reconversão econômica funcional aos objetivos dos
grandes centros capitalistas. Neste marco, nos colocam a obrigação de abastecer
- 49 -
esses centros com matérias primas e manufaturas de segunda e terceira classe, às
custas do desmonte de nossas estruturas produtivas e de nossos próprios mercados
internos, pouco se importando com que isso implique dar as costas à satisfação das
necessidades mais elementares da população. Paralelamente, nos obrigam à prática
de uma política de privatizações, que transfere nossas empresas – criadas com
fundos públicos, fundos que têm sido formados pelos nossos povos com enorme
sacrifício - a preços ínfimos para as mãos dos grandes grupos, estrangeiros em sua
maioria. Ao Estado fica pouco mais que a função de reprimir as massas para garantir
a consecução desses objetivos. (MARINI, 2005, p. 230).
Este processo no Brasil começou a ser implementado a partir do Governo de
Fernando Collor de Melo em 1990. Sobretudo, por meio de sua nova Política Industrial e de
Comercio Exterior (PICE) e de seu Plano Nacional de Desestatização (PND), que marcaram o
rompimento do modelo de política econômica nacional apoiada no Estado como grande
indutor do crescimento. Mas o impulso decisivo ocorreu mesmo durante os dois governos do
Presidente Fernando Henrique Cardoso - FHC (1995-2002), responsável por aplicar boa parte
do receituário neoliberal.
O modelo de reestruturação de FHC partia de três pressupostos e/ou objetivos
básicos: a) a busca da estabilidade econômica - considerada necessária para ampliar o nível de
renda e restaurar os mecanismos de crédito, que por sua vez estimulariam o investimento
privado nacional; b) a ampliação do investimento direto externo propiciada pelas novas
oportunidades de negócios, oferecidas pelo novo ambiente econômico criado; c) o aumento da
produtividade e da competitividade no mercado externo, a partir do acesso a novas
tecnologias e insumos importados, que transformaria o Brasil em uma verdadeira plataforma
exportadora (Franco, 1998). Em síntese, na visão dos economistas neoliberais, caberia às
empresas transnacionais o importante papel de reintegrar competitivamente o Brasil no
mercado internacional.
Para se atingir esses objetivos, elegeu-se como prioridade o controle inflacionário,
considerado o principal sustentáculo da estabilidade econômica e, portanto, indispensável à
criação de um ambiente favorável aos negócios. O Plano Real
15
, lançado em 1994, foi o
grande responsável por desferir o ataque fulminante à inflação, conforme evidencia o Gráfico
1.
15
O Plano Real foi lançado em 1994, ainda no Governo do Presidente Itamar Franco, que sucedeu Fernando
Collor após este ter sofrido processo de impeachment. A responsabilidade pelo mesmo estava a cargo de seu
Ministério da Fazenda, que era ocupado por Fernando Henrique Cardoso. Certamente, sua condução posterior a
Presidência da República tem relação direta com o plano em questão.
- 50 -
GRÁFICO 1: INFLAÇÃO – ÍNDICE DE PREÇOS AO CONSUMIDOR - IPCA (% AO ANO)
Fonte: IPEADATA. Disponível em:
Http://www.ipeadata.gov.br/ipeaweb.dll/ipeadata?SessionID=525795435&Tick=1248572475578&VAR_FUNC
AO=Ser_Ind%28%29&Mod=M. Acesso em 22/07/2009.
A aplicação dessa receita antiinflacionária foi projetada apenas para uma fase inicial.
No entanto, acabou sendo mantida por um longo período, gerando um problema, que se
convencionou chamar de “armadilha do real”. Assim, qualquer aumento verificado no nível
de renda, era imediatamente direcionado para fora do País, aumentando as importações
(estimuladas pela sobrevalorização cambial) e, consequentemente, o déficit nas transações
correntes. Com isso, o equilíbrio das contas externas passava a depender da entrada incessante
de capitais estrangeiros, criando uma verdadeira ciranda financeira, com sérias implicações ao
desenvolvimento do País, como se verá mais adiante.
Em certa medida, pode-se afirmar que uma parte importante dos objetivos
estabelecidos foi realmente alcançada. Porém, nem tudo aconteceu exatamente como estava
previsto nos planos. A estabilidade de preços de fato estimulou o consumo como se previa.
No entanto, este estímulo, como foi dito, acabou se dirigindo especialmente à importação
de mercadorias. Já o investimento privado nacional e até mesmo o investimento direto externo
(em uma fase inicial) não se concretizaram como o previsto, já que eram desestimulados pelas
altas taxas de juros e, de alguma maneira, pela própria “farra dos importados” que atingia de
maneira desigual os diferentes setores produtivos.
- 51 -
As mudanças nessa política somente vieram com a crise cambial enfrentada pelo
Brasil a partir do ano de 1999
16
. Com o capital financeiro internacional em rápida fuga do
País e diante das ameaças da volta da inflação, o Governo viu-se obrigado a mexer na receita
inicial, sem, contudo, alterar os fundamentos de sua política econômica neoliberal. As novas
negociações e os novos empréstimos do FMI acabaram por impor alterações tanto nas
políticas como nas metas a serem cumpridas, dentre as quais se destacavam: a adoção do
regime de câmbio flutuante que levou a progressiva desvalorização do real; as baixas metas
de inflação que acabaram condicionando a política monetária ao cumprimento destas,
resultando na manutenção de altas taxas de juros; a meta de 4,25% de superávit primário, cujo
objetivo era gerar receitas para pagamento de juros; a obtenção de saldos positivos na balança
comercial etc.
O Governo do Presidente Lula (2002-2006 e 2006- 2010 ainda em curso), não
abandonou os objetivos estabelecidos por seu antecessor, apostando em um modelo
semelhante. A comprovação desta continuidade pode ser percebida, desde o inicio, na clara
sintonia existente entre as diversas áreas de governo, em vista de uma agressiva política
exportadora. Com destaque, à política econômica, através das medidas cambiais, creditícias e
outras; à política agrícola, por meio de incentivos ao agronegócio exportador, por meio da
manutenção de pesados subsídios da sociedade brasileira ao setor, fundamentalmente, pela
Lei Kandir, que isenta as exportações agrícolas do pagamento de ICMS; e a própria política
externa brasileira.
Para Marini,
A irracionalidade do desenvolvimento capitalista no Brasil deriva precisamente da
impossibilidade em que se encontra para controlar seu processo tecnológico, já que a
tecnologia é para ele um produto de importação, estando esta incorporação
condicionada por fatores aleatórios como a posição da balança comercial e os
movimentos externos de capitais; e das circunstâncias particulares que o país deve
enfrentar para, repetindo o que fizeram os sistemas mais antigos, buscar no exterior
a solução para o problema do mercado. (MARINI, 2000, pg. 98).
Deste modo, busca-se ampliar a qualquer custo o mercado externo para o Brasil. Em
outras palavras, é a reprodução em escala ampliada da velha política que procura
desesperadamente realizar a produção sem alterar a estrutura interna de produção e
distribuição, sem desenvolver o mercado interno e sem questionar as leis impostas pelo
capitalismo mundial. Dado que
16
Antecederam a crise brasileira de 1999, à crise mexicana de 1994; da Ásia em 1997; e da Rússia em 1998. A
crise argentina de 2001 também fez parte deste ciclo de crises internacionais gerado pelo modelo econômico em
questão.
- 52 -
A política externa visa, centralmente, ampliar mercado para os produtos brasileiros
no exterior. Seu carro chefe é a luta contra o protecionismo agrícola dos países
centrais. O G20,
17
organizado pelo estado brasileiro e por outros estados da periferia
na reunião de Cancun da OMC em outubro de 2003, visa exatamente suspender tal
protecionismo. O discurso que o governo Lula aciona para legitimar a reivindicação
do G20 é um discurso neoliberal que planteia a verdadeira abertura dos mercados e
concentra a luta no protecionismo agrícola. Abdica, simultaneamente, de lutar por
novas regras de comércio internacional que favoreçam e protejam os países menos
desenvolvidos, luta que não teria nada a ver com liberdade do comércio, e abdica
também de lutar pela melhoria da posição da economia brasileira na divisão
internacional do trabalho, aceitando nossa condição de vendedor de soja, algodão,
sapato e similares. (BOITO, 2004, pg. 4)
Feito essas considerações iniciais sobre como se desenrolou esse processo no Brasil,
a exposição que se segue procurará analisar alguns dados recentes do desempenho da
economia brasileira em sua relação com o mundo, visando diagnosticar as possíveis
transformações ocorridas ou ainda em curso, para, com isso, tentar identificar as tendências
atuais de nosso desenvolvimento.
4.1. RETOMADA DOS FLUXOS DE CAPITAIS EM DIREÇÃO À PERIFERIA
Uma marca distintiva das transformações pela qual passou o capitalismo mundial
nos últimos anos foi, certamente, a retomada dos fluxos de capitais em direção à periferia.
Segundo o Banco Mundial, os chamados países em desenvolvimento, que, na década de 80,
recebiam uma média de US$ 81,0 bilhões por ano, na forma de fluxo líquido de capitais,
passaram a receber uma média de US$ 252,0 bilhões anuais entre os anos de 1990-97 e US$
264,8 bilhões/ano nos anos de 1998-99 (BANCO MUNDIAL, 2001).
A América Latina e Caribe, igualmente, ampliaram significativamente sua
participação nesses fluxos. De uma média de US$ 15,0 bilhões anuais nos anos 80, passaram
para US$ 74,4 bilhões/ano, no período de 1990-97 e US$ 118,4 bilhões nos anos de 1998 e
1999 (idem). O Brasil, em se tratando de uma das principais economias do continente, recebeu
uma fatia importante do montante destes fluxos, conforme evidencia a tabela 1 a seguir.
Antes, porém, de proceder a uma análise mais detalhada quanto à participação do
Brasil nesses fluxos internacionais de capital, é mister observar que são várias as razões que
justificam e fundamentam a retomada desses fluxos. Dentre as quais, se podem destacar:
17
G20 é um grupo de 20 países, sobretudo, exportadores agrícolas, que lutam por mais acesso a mercados e pelo
fim dos subsídios à agricultura dos países ricos (EUA e EU). Sua formação ocorreu às vésperas da Reunião
Ministerial da OMC, realizada em Cancún - México, no ano de 2003. É liderado por Brasil e Índia.
- 53 -
a) a crise capitalista iniciada a partir de meados da década de 60, que levou a
redução das taxas de lucro, forçando o capital a buscar novas fronteiras para investimento;
b) o excesso de liquidez em mãos de grandes empresas transnacionais, fundos de
pensão e de investimento, em consequência de um longo e ininterrupto processo de
acumulação pela qual passou o capitalismo mundial desde o Pós-Guerra;
c) a abertura financeira e comercial dos países da periferia a partir da implementação
das políticas neoliberais que desregulamentaram e flexibilizaram legislações e normas a fim
de garantir total liberdade ao capital;
d) os altos juros oferecidos por países da periferia como forma de atrair capital, em
vista de equilibrar seus balanços de pagamentos;
e) os planos de desestatização de importantes setores da economia, levados a cabo
pelos governos neoliberais que predominaram nos anos 90;
f) o acirramento da concorrência na indústria nos marcos da Globalização que abriu
caminhos à concentração e centralização de capitais, via processos de fusões e aquisições de
empresas em todo o mundo.
Feitas essas breves considerações, a tabela 1 apresenta dados referentes à
participação brasileira nos fluxos internacionais de capital, a partir dos anos 90.
TABELA 1 - CONTA FINANCEIRA, IDE, INVESTIMENTO DIRETO DE BRASILEIROS E
INVESTIMENTO EM CARTEIRA – BRASIL 1990-2008 – US$ (MILHÕES)
Séries Anuais Conta
Financeira
IDE
(saldo)
Investimento
Direto de
brasileiros
Investimento
em Carteira
(saldo)
Outros
Investimentos (*)
1990 4.591,30
988,80
625,20
578,87
3.753,03
1991 162,72
1.102,20
1.033,80
3.808,02
-3.735,30
1992 9.910,44
2.061,00
163,10
14.465,59
-6.481,85
1993 10.411,94
1.290,90
813,00
12.929,10
-2.716,60
1994 8.518,27
2.149,90
891,20
54.046,80
-43.556,50
1995 28.743,76
4.405,12
1.533,77
10.372,16
16.200,03
1996 33.514,24
10.791,68
1.103,08
22.021,66
672,96
1997 25.407,74
18.992,93
1.314,54
10.907,93
-4.832,57
1998 29.381,22
28.855,60
3.025,17
18.582,20
-14.285,49
1999 16.981,41
28.578,42
2.403,69
3.542,36
-13.620,03
2000 19.053,29
32.779,23
3.234,18
8.650,77
-18.202,02
2001 27.088,23
22.457,35
2.848,77
872,12
2.767,31
2002 7.571,46
16.590,20
3.067,28
-4.797,42
-1.061,86
2003 4.612,75
10.143,52
1.986,41
5.128,75
-10.437,99
2004 -7.894,60
18.145,88
11.093,73
-3.995,56
-10.805,95
2005 -10.126,80
15.066,29
4.031,54
6.655,32
-27.520,98
2006 15.429,84
18.822,20
29.331,10
9.075,60
15.688,09
2007 88.329,73
34.584,90
29.563,49
48.104,28
13.131,39
2008 31.895,38
45.060,28
34.091,65
-766,92
6.471,39
FONTE: O autor (2009).
NOTA: Os dados foram extraídos de: IPEADATA. Disponível em www.ipeadata.org.br Acesso em 15/08/2009.
(*) Esta conta registra créditos comerciais, empréstimos, moeda e depósitos, outros ativos e passivos e operações
de regularização
.
- 54 -
4.1.1 O Desempenho da Conta Financeira
Um primeiro aspecto a ser observado na leitura dos dados da tabela 1 está
relacionado ao expressivo saldo obtido na conta financeira, em especial, a partir do ano de
1995. Registra-se, aí, uma mudança realmente importante em relação à década anterior,
quando os fluxos eram inversos, já que diante do risco de insolvência, o País havia sido
condicionado a exportar capital como parte do pagamento de seu endividamento externo.
Conta Financeira
-20.000,00
0,00
20.000,00
40.000,00
60.000,00
80.000,00
100.000,00
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
Conta Financeira
GRÁFICO 2 - CONTA FINANCEIRA, BRASIL 1990-2008
FONTE: O autor (2009).
NOTA: Os dados organizados pelo autor foram extraídos de: IPEADATA. Disponível em:
Http://www.ipeadata.gov.br/ipeaweb.dll/ipeadata?SessionID=525795435&Tick=1248572475578&VAR_FUNC
AO=Ser_Ind%28%29&Mod=M. Acesso em 22/07/2009.
O Gráfico 2 evidencia claramente essa tendência. Após um inicio de década com
fluxos pouco expressivos, que refletiam a realidade enfrentada nos anos anteriores, verificou-
se um considerável aumento entre os anos de 1995 e 2001 a partir da implantação das
políticas de cunho neoliberal e sua consequente abertura econômica, promovida pelo Governo
do Presidente FHC. A forte tendência de queda que se observou a partir de 2002, pode ser
atribuída, em maior ou menor escala, aos seguintes fatores: a) à retração dos investimentos em
carteira, em conseqüência da crise cambial de 1999; b) à diminuição da oferta e o relativo
- 55 -
esgotamento das principais empresas estatais para serem privatizadas; c) às eleições
presidenciais de 2002, pelo suposto “risco” que representava aos investidores, à eleição de um
ex-operário à Presidência da República; d) aos crescentes investimentos diretos de brasileiros
no exterior; e) aos expressivos montantes anotados na conta Outros Investimentos
18
.
4.1.2 Investimentos em Carteira
A conta investimento em carteira do balanço de pagamentos registra basicamente, o
capital aplicado em ações e as aplicações em títulos de renda fixa, tanto de estrangeiros,
quanto de brasileiros. São em geral, capitais de curto prazo, que entram e saem de um país
com enorme facilidade, tendo como principais atrativos: os juros altos, a lucratividade das
empresas e a segurança do investimento.
Assim, ao observar os dados da tabela 1, nota-se a expressividade dos valores
verificados entre o ano de 1992 e 1998. Sendo que, em cinco, dos sete anos compreendidos
neste período, a carteira ultrapassou o investimento direto externo, com destaque para o ano
de 1994, que, não por acaso, foi, justamente, o ano do lançamento do Plano Real.
O Gráfico 3 expressa bem a brutal queda nesta categoria de investimento registrada
a partir do ano de 1999, culminando com a instalação da crise cambial e financeira do Brasil,
que afetou, sobretudo, a segurança deste tipo de aplicação. Ao primeiro sinal do aumento do
risco, ocorreu o que alguns economistas classificam como efeito “manada”, com a rápida fuga
de grande parte deste capital volátil. Esse fenômeno havia se verificado nas crises
financeiras que antecederam à brasileira, no México, Rússia, Ásia etc.
Sua recuperação começa a ser ensaiada em 2005, mas, somente em 2007 seu valor
torna-se realmente expressivo, possivelmente, influenciado pela crise financeira mundial
originada nos sub-primes norte-americanos e que atinge diretamente o Centro do sistema.
Porém, mais uma vez, nota-se a volatilidade deste tipo de capital. Do mesmo jeito e com a
mesma rapidez com que se “refugiou” aqui em 2007, em busca de rendimentos e segurança,
desapareceu em 2008.
18
Na conta denominada “Outros Investimentos” estão os créditos comerciais de curto e longo prazos,
empréstimos e financiamentos, incluindo os créditos e empréstimos do FMI, moeda e depósitos e outros ativos e
passivos de curto e longo prazos.
- 56 -
-10000
0
10000
20000
30000
40000
50000
60000
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
IDE
Carteira
GRÁFICO 3: INVESTIMENTO DIRETO EXTERNO E INVESTIMENTO EM CARTEIRA - BRASIL 1990-
2008
FONTE: O autor (2009).
NOTA: Os dados organizados pelo autor foram extraídos de: IPEADATA. Disponível em:
Http://www.ipeadata.gov.br/ipeaweb.dll/ipeadata?SessionID=525795435&Tick=1248572475578&VAR_FUNC
AO=Ser_Ind%28%29&Mod=M. Acesso em 22/07/2009.
4.1.3 Investimento Direto Externo – IDE
No que tange ao IDE direcionado ao Brasil, cabe observar, conforme o gráfico 3,
que após um fraco desempenho inicial, passou a crescer significativamente a partir da
segunda metade da década de 90. Atingindo entre 1996 e 2001 uma média anual de US$ 23,7
bilhões. Com isso, a participação brasileira nos fluxos mundiais, no período, aumentou para
2,9%, contra 1% entre 1990-95. (HIRATUKA, 2005). Contudo, entre 2001 e 2003, o IDE
enfrentou uma trajetória descendente, vindo a iniciar um processo de lenta recuperação
somente a partir de 2004, para atingir seu auge em 2007 e 2008.
Os valores alcançados pelo IDE a partir do processo de abertura dos anos 90 foram
efetivamente expressivos, sobretudo, quando comparados ao desempenho registrado em
décadas anteriores. Entretanto, seus efeitos econômicos, tanto na produção, quanto no nível de
emprego, não foram assim tão evidentes e expressivos como as cifras parecem sugerir. Isto
- 57 -
porque, acompanhando uma tendência mundial, a maioria absoluta destes capitais foi
destinada às aquisições e fusões de empresas. Segundo Laplane e Sarti (1997) apenas entre
5% a 10% do IDE foi efetivamente destinado à criação/implantação de novas empresas no
País. Ou seja, parece claro que a prioridade do capital externo foi para a compra de ativos
instalados, não significando, desta maneira, a ampliação da capacidade produtiva nacional,
que tais processos resultam apenas em mera transferência de propriedade, seja pela via das
privatizações ou pela simples desnacionalização do capital privado nacional. Assim,
Em contraste com as décadas anteriores, portanto, quando a instalação de filiais ou
construção de novas plantas constituíam a forma usual de conquista de mercados, as
fusões e aquisições transfronteiriças constituem agora o principal instrumento de
penetração em novos mercados e de consolidação do market share global das
empresas transnacionais... Além disso, as privatizações européias e latino
americanas abriram caminho para a formação de consórcios nacionais e
internacionais de empresas atuantes em áreas afins, elevando o número e o montante
de aquisições por meio dessa nova modalidade de associação. Os setores de
telecomunicações, serviços de utilidade pública, eletroeletrônico, financeiro e, mais
recentemente, o de refino e distribuição de petróleo são os que registram o maior
valor das transações dessa modalidade efetivadas internacionalmente. (MIRANDA e
MARTINS, 2000, pg. 76).
Com isso, além de não se sentir o impacto desses investimentos sobre a produção e o
emprego, e pouco ou nada alterar na qualidade de inserção no mercado mundial, deparou-se
frente a um quadro de desnacionalização da economia jamais visto até então. A tabela 2, a
seguir, evidencia claramente que a reestruturação da indústria brasileira e da economia como
um todo, no âmbito da Mundialização do capital, significou, antes de qualquer coisa, a
entrega de uma parte importante de nossa economia ao controle do capital estrangeiro.
TABELA 2: INDICADORES DA PARTICIPAÇÃO DO CAPITAL ESTRANGEIRO NA ECONOMIA
BRASILEIRA - 1995-1999 (PARTICIPAÇÃO %)
Especificação 1995
1996
1997
1998
1999
Valor Bruto da Produção 13,5 15,5
18,3 20,8
24,6
Exportações do Agronegócio 20,2 18,8
31,8 30,2
-
Vendas das Grandes Empresas 33,3 34,1
36,3 43,5
44,7
Vendas do Setor Industrial 52,2 53,9
55,5 58,5
60,6
Vendas do Setor de Serviços 9,1
10,2
11,4 38,2
39,0
FONTE: Gonçalves (2000).
Com base nas informações trazidas pela tabela acima, desvelou-se que, em todos os
quesitos citados, o capital estrangeiro ampliou consideravelmente sua participação no período
analisado. No ano de 1995, a participação estrangeira, no valor bruto da produção era de
13,5%, saltando para 24,6% cinco anos depois, em 1999. Nas exportações do agronegócio,
sua participação aumentou de 20,2% para 30,2% em apenas quatro anos, de 1995-98. No
quesito vendas das grandes empresas, passou de 33,3% para 44,7% de 1995-99. Às vendas do
- 58 -
setor industrial, seguiram trajetória semelhante, alcançando 60,6% em 1999, contra os 52,2%
de 1995. Entretanto, o que realmente chamou atenção, foi o expressivo aumento da
desnacionalização no setor de serviços. Neste, a participação externa sobre as vendas saltou
de 9,1% para 39,0% no espaço de cinco anos, refletindo, sobretudo, as privatizações das
empresas de energia e telecomunicações executadas no período.
Um exemplo concreto de como o processo de privatizações contribuiu para a
desnacionalização do setor de serviços pode ser visto no anexo 1, que relacionou as 10
maiores empresas de telecomunicações, por vendas, que atuam no Brasil, no ano de 2008
19
.
Verificou-se que apenas três empresas brasileiras constam nesta lista, contra sete de capital
estrangeiro. Além do fato de que todas, sem exceção, são privadas, retirando por completo o
setor público deste segmento. Todavia esta não é uma realidade apenas nos serviços e nas
telecomunicações. Em importantes segmentos industriais, é notável e, ao mesmo tempo
preocupante, o processo de desnacionalização. Na indústria automotiva, por exemplo, que é
importantíssima na produção, no emprego e na composição do PIB, dentre as 20 maiores
empresas, classificadas por suas vendas em 2008, constaram apenas duas de capital nacional e
18 estrangeiras (EXAME, 2009).
No segmento de eletroeletrônicos, símbolo da indústria moderna, tinha apenas uma
empresa de capital nacional, e ocupando a décima posição entre as 10 maiores em vendas em
2008. Na igualmente importante indústria digital, a realidade também não é muito diferente,
são apenas quatro brasileiras entre as 10 primeiras, sendo que, as três deres do ramo são
todas de capital estrangeiro (idem).
Em outro importante segmento do ponto de vista da agregação de valor, a indústria
química e petroquímica, apareceram seis empresas brasileiras entre as 20 que mais vendem.
Neste caso, com destaque fato de que entre as três líderes, duas são de capital nacional. Na
indústria farmacêutica, têm quatro entre as 10 maiores. Entretanto, nas sete primeiras posições
não constava nenhuma brasileira (idem).
Portanto, está-se diante de indicadores inequívocos do grau de desnacionalização a
que tem sido submetida a economia. Em muitos casos, a maior participação do capital
estrangeiro pode trazer certos benefícios ao mundo da produção, traduzindo-se, inclusive, em
desenvolvimento. Isso ocorre, sobretudo, quando se verificam processos de apropriação
tecnológica, que é crucial para diminuir a distância que separa a periferia dos países centrais.
19
As informações foram organizadas pelo autor (2009) a partir de dados extraídos do Portal Exame –
Melhores e Maiores. Disponível em: http://mm.portalexame.abril.com.br/. Acesso em 15/07/2009.
- 59 -
A experiência asiática, por exemplo, demonstra a possibilidade de que juntamente com as
subsidiárias estrangeiras possam ir investimentos e estímulos para a P&D.
Todavia, no caso brasileiro são poucos os sinais que apontam nessa perspectiva. O
estudo realizado por Hiratuka (2005), que pesquisou as subsidiárias norte-americanas
instaladas no Brasil, demonstrou que o país continuou sendo muito mais importante para o
capital estrangeiro como um mercado para suas mercadorias do que propriamente como um
centro tecnológico, tendo em vista os baixos níveis de investimento em P&D (0,97% do PIB
no ano 2000), e o Estado seguir sendo o principal financiador (56% do total) (HIRATUKA,
2005, pg. 105). No entanto, é preciso notar, igualmente, que a desnacionalização da economia
traz consigo importantes comprometimentos em relação ao futuro, sendo um dos principais,
está à evasão de divisas por meio das remessas de lucros e dividendos das subsidiárias
estrangeiras.
No entanto, essas remessas significam exportação quida de capital, que nada mais
é, do que, mais-valia produzida e extraída da economia interna para alimentar a volúpia da
acumulação do capitalismo mundial. Tais remessas condicionam o Estado e a política
econômica de duas maneiras: forçam a manter sempre “polpudas” reservas em moeda
estrangeira, para atenderem a crescente demanda de dólares, para deixarem o País; ao mesmo
tempo em que causam desequilíbrios crescentes na balança de serviços, ampliando a
dependência em relação à entrada de capitais, para garantirem o equilíbrio externo.
Dados do Banco Central revelaram a gravidade da situação. Entre 1994 e maio de
2004, as empresas estrangeiras enviaram para seus países de origem nada menos que US$ 46
bilhões na forma de lucros e dividendos. No entanto, esses valores continuaram crescendo.
Em período mais recente, entre 2003 e 2006, essas remessas triplicaram se comparadas ao
período imediatamente anterior (1999-2002), sendo remetido um montante de US$ 37,8
bilhões. Contudo, neste mesmo período, o ingresso de investimentos externos foi na ordem de
US$ 62,1 bilhões (CRUZ, N. H e NAKAGAWA, F., 2007).
Ou seja, chegou-se a uma
situação em que, para cada US$ 10 que entraram no país, US$ 6 foram embora sob a forma de
lucros e dividendos. Contudo, este quadro ainda poderá se agravar no futuro à medida que
avança e se consolida a desnacionalização.
Várias foram as razões que explicaram esse aumento: a primeira e mais importante,
obviamente, relacionou-se à maior participação das transnacionais na economia brasileira,
que, em dezembro de 2004, possuíam 142,4 bilhões de dólares investidos no Brasil, contra
112,3 bilhões de dólares registrados em dezembro de 2003; divulgados pelo Jornal Folha de
São Paulo em 22 de junho de 2005; a segunda razão, foram as mudanças cambiais verificadas,
- 60 -
neste caso, a desvalorização do dólar frente ao real; e a terceira, relacionou-se ao aumento da
lucratividade das empresas. Com relação a esta última, um exemplo concreto, que mostra
como as empresas aumentam facilmente seu lucro pode ser constatado no aumento de tarifas
dos serviços públicos ocorrido nos últimos anos. Com destaque, à energia e a telefonia, que
foram setores muito atingidos pelas privatizações. Segundo o IBGE (2004), em 1996, uma
família gastava em média 12,98% de seu orçamento pagando tarifas públicas. Em 2003, esse
índice havia aumentado para 16,81%, ocorrendo um processo de transferência de renda das
famílias brasileiras para as transnacionais via aumento de tarifas.
4.1.4 Investimento Direto de Brasileiros no Exterior
Outro dado bastante significativo que a tabela 1 revelou, está relacionado à
tendência de aumento no investimento direto de empresas brasileiras no exterior a partir de
2004. O gráfico 4 registrou claramente este movimento, com destaque ao salto no montante
desses investimentos entre os anos de 2006 e 2008. Inclusive, é mister observar que, no ano
de 2006, as empresas brasileiras investiram US$ 29,3 bilhões no exterior, superando em mais
de US$ 10 bilhões o IDE aplicado no Brasil. Em 2008, os brasileiros investiram a marca
histórica de US$ 34 bilhões fora do País.
Investimento Direto de Brasileiros
0
5000
10000
15000
20000
25000
30000
35000
40000
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
Investimento Direto
de Brasileiros
GRÁFICO 4: INVESTIMENTO DIRETO DE BRASILEIROS NO EXTERIOR (1990-2008)
FONTE: O autor (2009).
NOTA: Os dados organizados pelo autor foram extraídos de: IPEADATA. Disponível em:
Http://www.ipeadata.gov.br/ipeaweb.dll/ipeadata?SessionID=525795435&Tick=1248572475578&VAR_FUNC
AO=Ser_Ind%28%29&Mod=M. Acesso em 22/07/2009.
- 61 -
Segundo dados do Banco Central do Brasil BCB - os montantes gerais das
declarações de capitais brasileiros no exterior, também, deram um salto significativo. Em
2001, US$ 68,6 bilhões foram declarados, contra US$ 155,2 bilhões em 2007. Destes, US$
75,4 bilhões correspondiam a investimento direto; US$ 28,5 bilhões a empréstimos
intercompanhias; US$ 22,5 bilhões a depósitos; e US$ 22,1 bilhões a investimentos em
carteira; respondendo por 95,7% dos registros totais. Sobre o montante geral de recursos, US$
32,0 bilhões foram declarados por 15.289 pessoas físicas e US$ 123,2 bilhões por apenas
1816 pessoas jurídicas.
A leitura que se pode fazer desses dados está relacionada, de um lado, ao processo
de concentração e centralização de capital ocorrido nos últimos anos na economia brasileira,
porque, como foi destacado por Miranda e Martins (2000), as privatizações realizadas no
Brasil, nos anos 90, abriram caminhos para a formação de poderosos consórcios de empresas
nacionais (e estrangeiras) que se aproveitaram do momento e da oportunidade para ampliarem
e consolidarem seu processo de acumulação. A compra de ativos de empresas lucrativas,
viáveis e competitivas no mercado internacional, por preços desvalorizados, revelou-se um
excelente negócio e a garantia do lucro certo.
De outro lado, a abertura comercial e financeira e a conseqüente ampliação do
comércio mundial no período em questão, propiciaram maiores possibilidades de ganhos para
certos segmentos econômicos. Com destaque para as commodities agrícolas e industriais
como se verá mais a frente.
4.2 AS TRANSAÇÕES CORRENTES E O ENDIVIDAMENTO
A tabela 3 a seguir evidenciou a partir de dados oficiais, um fenômeno ao qual
fora referido e que se transformou em uma das principais marcas geradas pela política
econômica do Plano Real e pelo processo de abertura comercial ocorrido na economia
brasileira nos anos 90: o brutal desequilíbrio nas transações correntes.
Depois de apresentar pequenos saldos negativos na primeira metade da década de
90, chegando, inclusive, a registrar um superávit no ano de 1992, notou-se que imediatamente
após o lançamento e consolidação do Plano Real, no período que vai de 1995 a 2001 as
transações correntes brasileiras tornaram-se altamente deficitárias, atingindo níveis jamais
vistos. As cifras negativas, que chegaram a ultrapassar a casa dos US$ 30 bilhões nos anos de
- 62 -
1997 e 1998, somente iniciaram um processo de reversão a partir de 2002, invertendo o sinal
entre os anos de 2003 a 2007.
TABELA 3: TRANSAÇÕES CORRENTES - BRASIL 1990-2008 - US$ (MILHÕES)
Séries
Anuais
Transações Correntes
(saldo)
Balança
Comercial
Serviços e Rendas
(saldo)
Exportações Importações
1990 -3.783,72 10.752,39 -15.369,12 31.413,75 20.661,36
1991 -1.407,45 10.579,96 -13.542,84 31.620,43 21.040,47
1992 6.108,83 15.238,89 -11.336,18 35.792,98 20.554,09
1993 -675,88 13.298,76 -15.577,05 38.554,76 25.256,00
1994 -1.811,22 10.466,47 -14.691,76 43.545,16 33.078,69
1995 -18.383,71 -3.465,61 -18.540,51 46.506,28 49.971,89
1996 -23.502,08 -5.599,04 -20.349,51 47.746,72 53.345,76
1997 -30.452,25 -6.752,88 -25.522,27 52.994,34 59.747,22
1998 -33.415,89 -6.574,50 -28.299,39 51.139,86 57.714,36
1999 -25.334,77 -1.198,86 -25.825,30 48.011,44 49.210,31
2000 -24.224,52 -697,74 -25.047,84 55.085,59 55.783,34
2001 -23.214,52 2.650,46 -27.502,52 58.222,64 55.572,17
2002 -7.636,62 13.121,29 -23.147,74 60.361,78 47.240,48
2003 4.177,28 24.793,92 -23.483,22 73.084,14 48.290,21
2004 11.679,23 33.640,54 -25.197,65 96.475,23 62.834,69
2005 13.984,65 44.702,87 -34.275,99 118.308,38 73.605,50
2006 13.642,60 46.456,62 -37.120,35 137.807,47 91.350,84
2007 1.550,72 40.031,62 -42.509,89 160.649,07 120.617,44
2008 -28.299,52 24.745,80 -57.233,50 197.942,44 173.196,63
FONTE: O autor (2009).
NOTA: Os dados organizados pelo autor foram extraídos de: IPEADATA. Disponível em:
Http://www.ipeadata.gov.br/ipeaweb.dll/ipeadata?SessionID=525795435&Tick=1248572475578&VAR_FUNC
AO=Ser_Ind%28%29&Mod=M. Acesso em 22/07/2009.
Além disso, segundo a tabela, verificou-se que tais desequilíbrios pós-real foram
puxados, fundamentalmente, por dois fatores chaves: pelo expressivo aumento das
importações, que se mantiveram por vários anos em níveis superiores ao valor exportado,
tornando negativo o saldo da balança comercial de 1995 a 2000; singularmente, pelo
crescente desequilíbrio na balança de serviços e rendas, explicado, sobretudo, pelo pagamento
dos altos juros que atraiam os capitais externos.
A reversão desses desequilíbrios correntes iniciada em 2002, e que se consolida
entre os anos de 2003 a 2007, baseou-se, fundamentalmente, na recuperação dos saldos
positivos da balança comercial, devido ao rápido crescimento das exportações e a estagnação
temporária das importações, após a desvalorização cambial imposta pela crise de 1999.
Entretanto, diante dos desequilíbrios nas transações correntes, a partir dos déficits
comerciais e de serviços, o fechamento do balanço de pagamentos e o conseqüente equilíbrio
externo da economia somente poderiam ser garantidos pela entrada ininterrupta de capitais
externos. Fossem, aqueles destinados a investimento direto externo (IDE), ou por aqueles
especulativos de curto prazo, em carteira, atraídos, particularmente, pelas altas taxas de juros
oferecidas pelos tulos brasileiros, ou por possibilidades de ganhos no mercado de ações. De
- 63 -
qualquer forma, a conseqüência imediata deste processo foi o ingresso a um novo ciclo de
endividamento público tanto externo, quanto interno.
O Gráfico 5 mostra a escalada crescente na qual a dívida total líquida do Setor
Público ingressou a partir do ano de 1995. Destacou-se que, em dezembro de 1994, ela
correspondia a 30,0% do PIB. Chegou a 56,9%, em setembro de 2002 (seu ponto mais alto) e
de para se verificou uma queda, chegando ao final de 2008, em 38,8% do PIB. Esta
queda foi explicada pela diminuição do endividamento externo em função do acúmulo de
reservas internacionais, devido aos fortes saldos comerciais obtidos no período recente.
GRÁFICO 5: DÍVIDA TOTAL LÍQUIDA DO SETOR PÚBLICO (% PIB)
FONTE: IPEADATA. Disponível em:
http//www.ipeadata.gov.br/ipeaweb.dll/ipeadata?sessionid=525795435&tick=1248572475578&var_funcao=ser_
ind%28%29&mod=m. Acesso em 25/07/2009.
O aumento no endividamento público nos anos 90 foi puxado, principalmente, pelo
espetacular crescimento da dívida interna, conforme evidencia o Gráfico 6, a seguir. para
se ter a real dimensão desta situação, em 1994, o montante desta vida era de R$ 108,80
bilhões, que correspondia na época a 21,32% do PIB. Ao final de 2008, esta mesma dívida
era na ordem de R$ 1,48 trilhão, significando nada menos que 49,89% do PIB.
- 64 -
GRÁFICO 6: DÍVIDA INTERNA LIQUIDA DO SETOR PÚBLICO - BRASIL 1991-2009 (% PIB)
Fonte 1: IPEADATA. Disponível em:
http://www.ipeadata.gov.br/ipeaweb.dll/ipeadata?SessionID=1022886801&Tick=1249166931484&VAR_FUNC
AO=Qua_Itens%281401616534%29&Mod=M. Acesso em 22/07/2009.
A chamada dívida interna está relacionada aos empréstimos que são tomados pelo
governo no interior do país, em moeda nacional, por meio da emissão de títulos públicos.
Contudo, o fato destes empréstimos serem em moeda nacional não significa dizer que todos
os credores sejam nacionais. Uma parte, com certeza é. Mas outra parte, certamente
expressiva, é formada por credores estrangeiros atraídos pelas altas taxas de juros que
remuneram os títulos brasileiros e pelo estímulo oferecido pelo governo, isentando de imposto
de renda, os investidores que compram títulos da dívida interna. É necessário lembrar que é
sobre esses títulos que incide a taxa de juros SELIC
20
, definida pelo Conselho de Política
Monetária (COPOM) que durante esses últimos anos, sobretudo, de 1995 para cá, esteve
quase sempre na casa dos dois dígitos.
20
Sistema Especial de Liquidação e Custódia – SELIC – Depositário central dos títulos emitidos pelo Tesouro
Nacional e pelo Banco Central do Brasil. Processa a emissão, resgate e o pagamento de juros referentes a estes
títulos.
- 65 -
Portanto, a dívida interna representa, hoje, o mesmo mecanismo perverso da dívida
externa, pois, além de ser uma forma de transferência de renda do conjunto da sociedade aos
setores mais abastados, conduz, necessariamente, a evasão das riquezas nacionais, devido ao
pagamento de uma das maiores taxas de juros do mundo, que faz com que esta dívida siga
crescendo assustadoramente.
Diferentemente do endividamento interno, a dívida externa brasileira não é um
problema assim tão recente. Seu crescimento ocorreu, principalmente, durante os governos
militares, que basearam seu projeto de desenvolvimento na forte participação do capital
externo, com pesados empréstimos a taxas de juros flutuantes. Ademais, desde que os EUA
aumentaram de forma unilateral as taxas de juros que incidiram sobre esta dívida, no início
dos anos 80, que o Brasil entrou em uma “ciranda” financeira sem fim. Ano após ano, fora
obrigado a exportar volumes crescentes de capital, na forma de juros e amortizações,
condicionando sua produção a gerar saldos comerciais positivos, além de impor arrocho fiscal
sobre os gastos governamentais, que atingiram diretamente as classes sociais mais pobres.
Como resultado desse processo, de 1979 a 2002, o Brasil pagou na forma de juros e
dividendos referentes a esta dívida, uma quantia de US$ 158 bilhões a mais do que tomou
emprestado. Mas, apesar disso, o montante da dívida multiplicou em quase cinco vezes.
Somente durante o governo do Presidente José Sarney (1985-89) foi desembolsado US$ 67,2
bilhões para o pagamento de juros e, mesmo assim, no último ano do governo, em 1989, o
valor total da dívida estava em US$ 115,5 bilhões, com as exportações atingindo US$ 34,3
bilhões neste mesmo ano
21
.
No período seguinte, que correspondeu aos governos de Fernando Collor e Itamar
Franco (1990-94), a situação não foi diferente, aumentavam-se as exportações, o Brasil
continuava pagando a dívida e, mesmo assim, o saldo devedor não parava de crescer. Mesmo
depois de ter sido pago nada menos que US$ 80,2 bilhões no período, em 1994 a dívida
atingiu a cifra de US$ 148,2 bilhões, sendo que, neste mesmo ano, as exportações já eram da
ordem de US$ 43,5 bilhões
22
.
Nos oito anos do governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC), a história repetiu-
se. As exportações continuaram crescendo. Atingiram US$ 69,3 bilhões em 2002. Entretanto,
apesar desse crescimento fabuloso, que contribuiu para o pagamento da incrível soma de US$
102,4 bilhões de dólares em juros (valor equivalente a 45% do total da dívida), não foi
21
Tratam-se de dados oficiais do BACEN, organizados pelo Jubileu Sul Brasil. Disponível em:
http://www.jubileubrasil.org.br. Acesso 15/07/2009.
22
Idem.
- 66 -
possível fazer a vida parar de crescer, chegando ao final de 2002 em US$ 227,6 bilhões de
dólares
23
.
Em resumo, somente do governo Sarney ao governo FHC (1985-2002), o Brasil
pagou, aproximadamente, US$ 250 bilhões na forma de juros, e mais US$ 385,7 bilhões em
amortizações da dívida. Ou seja, no intervalo de apenas 17 anos, foi enviada para fora do País
a fabulosa quantia de US$ 635,7 bilhões de dólares e, mesmo assim, o país continuou
endividado. É importante dizer, que nesse mesmo período, as exportações geraram um
superávit comercial de US$ 143,4 bilhões de dólares, que se transformaram em divisas para o
pagamento das dívidas
24
.
No entanto, a situação foi ainda mais grave quando se consideram os desembolsos
para pagamento de juros sobre o total da dívida pública brasileira, que além da externa, inclui
também a dívida interna, em franca ascensão. Segundo levantamento feito pelo Jornal Estado
de São Paulo, no primeiro mandato de FHC (1995-98), o Brasil pagou R$ 197,4 bilhões em
juros; no segundo mandato de FHC (1999-2002), os juros pagos atingiram R$ 268,3 bilhões;
e, no governo Lula (apenas de 2003 a 2005) havia sido pagos R$ 299,4 bilhões, segundo
informe divulgado pelo Jornal Folha de São Paulo de 13 de novembro de 2005. Os números
evidenciam o efeito “bola de neve”, que implica em sacrifícios crescentes para seguir
pagando.
Diante desses números astronômicos, é absolutamente normal que se faça a seguinte
pergunta: de onde veio tanto dinheiro para pagar essa fatura? Uma parcela significativa o
Brasil pagou com sua descapitalização, consumindo uma parte substantiva do patrimônio
público acumulado durante décadas. Isto ocorreu através da conhecida política de
privatizações de grandes e lucrativas empresas estatais, levada a cabo, principalmente, pelo
governo neoliberal de FHC. Outra parcela de recursos teve origem na política de superávit
primário
25
imposta pelo FMI
26
, justamente com o intuito de gerar saldos que garantiram o
pagamento dos “compromissos” internacionais do País. Em outras palavras, o superávit
primário significou sacrificar o conjunto da população brasileira, que paga impostos, cortando
despesas em áreas de fundamental importância como: habitação, saneamento, investimentos
em infraestrutura, reforma agrária, agricultura etc., para destinar esses recursos aos credores
23
Idem.
24
Idem.
25
O Superávit Primário corresponde ao saldo positivo resultante da diferença entre o que o governo arrecada,
cobrando impostos da população em geral, e o que o governo gasta para atender esta população através dos
gastos sociais (serviços públicos) ou de investimentos.
26
A meta imposta pelo FMI a partir do Governo de FHC foi de 3,75% do PIB ao ano. No entanto, depois do
“socorro” de US$ 30 bilhões acordado por FHC com o Fundo, em 2002, com a anuência dos candidatos a
Presidência da República, a meta passou a ser de 4,25%.
- 67 -
dessas dívidas. para exemplificar, em 2003, o superávit federal somou R$ 48,3 bilhões de
reais, respondendo por aproximadamente 47% do custo da dívida. No ano de 2004, a União,
os Estados e os Municípios fizeram juntos um mega superávit de R$ 81 bilhões de
reais,
27
mesmo assim, insuficientes para pagar a totalidade dos juros e amortizações.
Para Marini,
Os acordos referentes ao pagamento dos serviços da dívida externa e aos
empréstimos e financiamentos, particularmente os realizados com o FMI e o Banco
Mundial, aprisionam nossos governos, fixando em detalhes, por longos períodos, a
política orçamentária, os planos de inversão, as verbas sociais, os veis da taxa de
juros. Ao assinarem os acordos, os governos latino americanos renunciam a
qualquer pretensão de independência na formulação de sua políticas e passam a
dispor de um grau de autonomia praticamente nulo. (MARINI, 2005, pg. 230).
Por fim, a parte que o se conseguiu gerar no interior da economia, quer pelo
arrocho fiscal, quer pela descapitalização referida, foi viabilizado a partir de novos
processos de endividamento, fazendo uso da famosa arte de pagar uma dívida por meio de
outra dívida. É neste contexto que se insere a dívida interna a qual já nos referimos.
GRÁFICO 7: DÍVIDA EXTERNA LÍQUIDA DO SETOR PÚBLICO - BRASIL 1991-2009 (% PIB)
FONTE 2: IPEADATA. Disponível em:
http://www.ipeadata.gov.br/ipeaweb.dll/ipeadata?SessionID=1022886801&Tick=1249166931484&VAR_FUNC
AO=Qua_Itens%281401616534%29&Mod=M. Acesso em 22/07/2009.
27
Jubileu Sul Brasil, disponíveis em: www.Jubileubrasil.org.br
- 68 -
O gráfico 7 evidenciou um fenômeno muito comentado e comemorado nos últimos
tempos, sobretudo, pelo governo brasileiro. Refere-se ao fato de a dívida externa,
supostamente, ter deixado de significar o grande problema que foi nas últimas décadas para o
desenvolvimento brasileiro. Verificou-se, que após importante queda desta em relação ao PIB,
no início da década de 90, o País ingressou em novo ciclo de endividamento a partir do
segundo semestre de 1998, reflexo da crise que estava se instalando, da fuga de capitais e da
conseqüente perda de reservas internacionais. Em meados de 2002, em meio à nova crise
cambial e aos novos acordos com o FMI, a dívida atingiu 16,3% do PIB, o pico do período
Pós-Real. A partir de então, inicia uma trajetória descendente, que se acentua a partir de 2005.
Entre agosto e setembro deste mesmo ano, atinge saldo zero, ingressando a partir de então na
lista de países credores externos líquidos.
Contudo, antes de qualquer comemoração, faz-se necessário uma análise mais
apurada do fenômeno em questão. Havia pelo menos dois aspectos a considerar: primeiro essa
transformação de país devedor a país credor externo líquido explicou-se, não pelo fato de o
Brasil ter quitado todas suas obrigações externas, mas, fundamentalmente, por ter acumulado
um montante de reservas internacionais
28
(em moeda estrangeira) superior ao valor devido.
Isto ocorreu graças a uma conjuntura internacional extremamente favorável ao comércio,
propiciando expressivos saldos comerciais nos últimos anos, especialmente, a partir de
2002
29
. Entretanto, dada a instabilidade e vulnerabilidade do modelo econômico, esta situação
pode se alterar completamente e num ritmo mais acelerado do que se imagina. Afinal de
contas, a realidade mostrou, aqui e em outros lugares, que, em um cenário de crise e fuga
de capitais, as reservas esvaem-se rapidamente, podendo de credor passar novamente a
devedor. Aliás,
A rigor, o crescimento das reservas está intimamente relacionado com a mudança na
natureza dos fluxos acentuação do caráter de curto prazo ou volátil e constitui
um pedágio pago pelos países subdesenvolvidos para se inserirem na globalização.
A acumulação de reservas dá origem a um mecanismo triangular. A atração de
capital pelos emergentes deve-se em grande medida ao diferencial de taxa de juros.
Uma absorção financeira superior à real implica formação de reservas e sua
aplicação a uma taxa de juros inferior à da captação. A diferença de remuneração
constitui uma transferência adicional de renda equivalente a um pedágio cobrado dos
emergentes. Do ponto de vista doméstico, a política de esterilização origem ao
chamado déficit quase-fiscal, que decorre do diferencial entre taxa de juros obtida na
aplicação de reservas e aquela paga aos detentores de títulos públicos. (CARNEIRO,
R. 2002, pg. 248).
28
Segundo o BACEN, em dezembro de 2006 as reservas eram da ordem de US$ 85,84 bilhões; em dezembro de
2007, US$ 180,33 bilhões; em dezembro de 2008, US$ 193,78 bilhões; e em julho de 2009 atingiram US$
210,98 bilhões.
29
Cf. tabela 3.
- 69 -
O segundo aspecto a ser destacado, se relaciona ao fato de o governo brasileiro ter
atuado nos últimos anos no sentido de resgatar do mercado determinados títulos da dívida
externa, fazendo uso das polpudas reservas internacionais, referidas. Mas o fez, lançando,
ao mesmo tempo, no mercado, novos títulos de vida interna. Na prática, trocou um
problema por outro. Uma dívida velha por outra nova. Ou, dito de outro modo, uma dívida
externa por uma interna, sobre a qual incidiu uma das maiores taxas de juros do mundo
(CARNEIRO, M. L. F., 2006).
Por acreditar que o problema da dívida atrapalha o desenvolvimento e que, além do
mais, boa parte dela além de injusta, é ilegal, que inúmeros movimentos sociais, organizações
não governamentais (ONGs), pastorais sociais e sindicatos, reunidos em torno da Rede
Jubileu Sul Brasil, têm buscado por meio de campanhas públicas de informação e denúncia,
sensibilizar a sociedade e o governo para que promovam uma verdadeira auditoria cidadã
30
nas dívidas externa e interna. Isso se justifica, porque, segundo estudos realizados por esta
rede, somando-se todos os empréstimos externos tomados pelo Brasil ao longo dos anos em
que a dívida fora formada, aplicando-se sobre esses uma taxa de juros de 6% ao ano (mesmo
assim, acima dos padrões internacionais vigentes) e subtraindo-se os pagamentos feitos pelo
país até o final do ano de 2004, o resultado foi que o Brasil, ao invés de devedor seria credor,
naquela data, de um montante aproximado de US$ 161,12 bilhões, conforme dados
organizados pelo Jubileu Sul Brasil de 2005. No entanto, apesar de existirem importantes
questionamentos, dúvidas, contestações etc. o problema da dívida continua se constituindo na
atualidade em verdadeira “sangria” de recursos públicos e mais-valia produzida no interior do
País.
4.2.1 O Desempenho da Balança Comercial
No que tange à balança comercial brasileira, ressalta-se que seu fraco desempenho, a
partir da metade da década de 90, deve-se, fundamentalmente, a dois fatores: à chamada
âncora cambial, que tinha como principal objetivo o controle inflacionário e o processo de
abertura comercial implementado. Neste cenário, as importações viram-se duplamente
30
Um exemplo recente da viabilidade legal e política deste procedimento pode ser visto a partir da experiência
do Equador, que conseguiu diminuir significativamente sua dívida a partir da auditoria realizada entre 2008 e
2009.
- 70 -
estimuladas, de um lado, pela diminuição gradativa das tarifas de importação
31
e, de outro,
pela sobrevalorização do real em relação ao dólar, responsável por gerar o que se
convencionou chamar de “farra” dos importados.
Os números referentes às importações (tabela 3) mostram exatamente esta tendência,
pois, entre 1990 a 1994, o Brasil importou uma média de US$ 24 bilhões anuais, passando
para uma média anual de US$ 54,4 bilhões entre 1995 a 2001. Ou seja, o montante de
importações mais do que dobrou, a partir da adoção das políticas neoliberais.
-50.000,00
0,00
50.000,00
100.000,00
150.000,00
200.000,00
250.000,00
1990 1992 1994 1996 1998 2000 2002 2004 2006 2008
Exportações
Importações
Balança
Comercial
GRÁFICO 8: EXPORTAÇÕES, IMPORTAÇÕES E SALDO DA BALANÇA COMERCIAL BRASILEIRA
DE 1990-2008 (US$ MILHÕES).
FONTE: IPEADATA. Disponível em:
http://www.ipeadata.gov.br/ipeaweb.dll/ipeadata?SessionID=1022886801&Tick=1249166931484&VAR_FUNC
AO=Qua_Itens%281401616534%29&Mod=M. Acesso em 22/07/2009.
Pelo lado das exportações, notou-se que o desempenho não foi o mesmo. Apesar de
sua trajetória ascendente ao longo da década, nem de longe, sua taxa de crescimento
acompanhava o ritmo acelerado das importações. Mesmo contando com importantes
estímulos trazidos pela abertura comercial e pelo aumento nos fluxos mundiais de comércio,
verificados no período, as exportações sofriam forte impacto negativo da sobrevalorização
cambial. Os resultados não poderiam ser outros, senão os ficits comerciais registrados entre
1995 e 2000.
31
Segundo GONÇALVES (2006, pg. 210) essas tarifas de importação que significavam 20,9% em média, no
período que vai de 1980 e 1994, passaram a 12,8% no período de 1995 a 2004.
- 71 -
No entanto, a partir de 2001, a situação inverteu-se. As exportações passaram a
crescer mais que as importações, acelerando esse ritmo de crescimento a partir de 2003. Com
isso, os crescentes saldos na balança comercial começaram a aparecer, contribuindo
decisivamente para fazer frente aos expressivos déficits em serviços, assegurando, desta
forma, o equilíbrio e posteriores superávits nas transações correntes, em especial, no período
de 2003 a 2007.
Esse boom das exportações ocorrido após 2003 pode ser explicado, em grande
medida, pela desvalorização cambial ocorrida após a crise de 1999, não pela agressiva
política exportadora do Presidente Lula e suas relações externas, mas também, por uma
conjunção de outros importantes fatores, dentre eles:
a) O crescimento espetacular do comércio mundial, que, segundo as Nações
Unidas, aumentaram em 16,3% em 2003 e 18,5% em 2004 às exportações mundiais (FOLHA
de SÃO PAULO, 2005);
GRÁFICO 9: ÍNDICE DE PREÇOS INTERNACIONAIS DE COMMODITIES (GERAL)
FONTE: IPEADATA. Disponível em:
http://www.ipeadata.gov.br/ipeaweb.dll/ipeadata?SessionID=525795435&Tick=1248572475578&VAR_FUNC
AO=Ser_Ind%28%29&Mod=M. Acesso em 25/07/2009.
b)
A elevação dos preços das commodities de grande relevância na pauta
brasileira de exportações: nota-se de acordo com o Gráfico 9, que já a partir de 2002 ocorrera
uma tendência clara de aumento crescente dos preços internacionais das commodities,
atingindo seu pico em meados de 2008. A partir daí, inicia-se uma trajetória de descenso,
- 72 -
chegando a níveis mais próximos da média histórica, certamente, sob influência da atual
crise financeira internacional iniciada no mercado de sub-primes norte-americanos.
c) O fraco desempenho do mercado interno, que aumenta a propensão a exportar,
devido a dificuldade de realização da produção no interior da economia, em função dos altos
índices de desemprego e a superexploração do trabalho, já diagnosticado por Marini.
Portanto, infelizmente, não se deparou com nenhuma grande mudança estrutural na
pauta de exportações brasileira, que possa explicar este salto e, mais do que isso, que pudesse
trazer sinalizações quanto à possibilidade de um crescimento sustentado, pelo contrário, o que
se revelou foram apenas razões conjunturais que, além de não oferecer garantias, colocam
sérias advertências com relação ao futuro.
Um estudo mais aprofundado acerca do recente desempenho da balança comercial
brasileira demonstrou, porém, outras questões preocupantes. Um aspecto está relacionado à
crescente perda de espaço dos produtos industrializados em relação aos não industriais na
pauta de exportações do período recente. A tabela 4 revela, por exemplo, que, no ano 2000, os
produtos industrializados representavam 83,4% do valor exportado contra 16,6% de produtos
primários. Ao passo que, em 2007, os industrializados haviam encolhido sua participação para
75,9% da pauta, enquanto que os produtos primários aumentavam sua fatia relativa para
24,1%.
Com isso, chegou-se a uma situação tal, que, no ano de 2007, mais de dois terços da
pauta exportada eram formados por produtos primários ou industrializados de baixa densidade
tecnológica. Enquanto que os produtos de alta densidade tecnológica, que no ano 2000
chegaram a representar 12,4%, passaram a apenas 5,9% em 2007 (tabela 4). A situação,
contudo, ainda é agravada, se se considerar que na pauta de importações a situação se inverte,
com grande participação relativa de industrializados e de média e alta densidade tecnológica.
TABELA 4: EXPORTAÇÕES BRASILEIRAS POR INTENSIDADE TECNOLÓGICA 1996-2007 (%)
FONTE: O autor (2009)
Nota: Dados organizados pelo autor extraídos de SECEX/MDIC (2009).
Séries
Anuais
Produtos
Industriais
Alta
Tecnologia
Média-Alta
Tecnologia
Média-Baixa
Tecnologia
Baixa
Tecnologia
Não
Industriais
1996 83,6 4,3 22,8 20,5 36,0 16,4
1997 80,4 5,0 24,7 18,4 32,3 19,6
1998 80,6 6,3 25,4 17,3 31,6 18,4
1999 81,8 8,6 22,6 17,7 32,9 18,2
2000 83,4 12,4 23,1 18,6 29,3 16,6
2001 82,0 12,0 21,2 17,1 31,7 18,0
2002 80,6 9,8 21,4 17,6 31,7 19,4
2003 80,1 7,0 22,8 18,3 31,9 19,9
2004 80,0 6,9 23,1 19,5 30,5 20,0
2005 79,5 7,4 24,4 19,2 28,4 20,5
2006 77,6 6,5 23,5 19,8 27,8 22,4
2007 75,9 5,9 22,7 19,9 27,5 24,1
- 73 -
Tais fenômenos revelam estar em curso um processo de reprimarização das
exportações brasileiras, podendo confirmar, inclusive, a preocupação de Marini quanto aos
perigos da desindustrialização e do regresso da América Latina à condição primário-
exportadora, acrescentando-se, ainda, o fato de que a especialização produtiva em produtos de
baixa agregação de valor não conduz a nenhum caminho que leve ao desenvolvimento,
conforme já fora suficientemente alertado e diagnosticado pela CEPAL.
Para Osório (2004),
Há terminado por tomar forma em América Latina um nuevo patrón de reproducción
del capital, que em sus líneas generales puede caracterizarse como un modelo
exportador. Sin embargo, esta nueva economía presenta diferencias com el modelo
exportador que América Latina conoció em el siglo XIX y a comienzos del siglo
XX. Por ello caracterizamos la nueva economia como um patrón exportador de
especialización produtiva, que enfatiza el abandono del proyecto de
industrialización diversificada, pero que deja abierta la idea de economías que
pueden seguir industrializándose, solo que em rubros específicos. También permite
comprender que la reinserción internacional puede sustentarse em rubros agrícolas o
mineros, no solo industriales, y que, em qualquier caso, acentua la vocación
exportadora. (OSÓRIO, 2004, pg. 101).
O Gráfico 10 revelou o perigo para qualquer país, basear sua estratégia comercial no
mercado de commodities. A série histórica de 1880 a 2000 confirmava as teses levantadas
pela CEPAL mais de cinqüenta anos, quanto à ocorrência, no longo prazo, da deterioração
dos preços e dos termos de troca destes produtos no mercado internacional.
GRÁFICO 10: MERCADO MUNDIAL DE COMMODITIES – SÉRIE HISTÓRICA 1880 - 2000
FONTE: CEPAL (2000)
- 74 -
Um último aspecto importante, que envolve a questão comercial e que merece uma
reflexão, está em se estabelecer um paralelo entre os fluxos de comércio e o tema do
crescimento econômico, pois, diferentemente do que muitos acreditam e propagam, os
números parecem não revelar uma relação assim tão direta entre essas duas variáveis tão
importantes ao mundo e à análise econômica.
Logo, ficou demonstrado, ao longo do trabalho que durante os anos 90 e 2000
32
os
fluxos de comércio aumentaram ano após ano, fazendo os governos de plantão comemorar
seus resultados com as exportações batendo vários records seguidos. Apesar disso, o que se
observou foi que a variação do PIB real não seguiu a mesma trajetória, com crescimento de
pífios 2,4% ao ano para o período de 1995 a 2004, inferior, inclusive, aos 2,5% ao ano
registrado entre 1980 a 1994 (GONÇALVES, R., 2006) período que incluiu a chamada
década perdida.
Outra demonstração desse fenômeno pôde ser vista no Gráfico 11 que apresentou
uma série histórica que vai de 1901 a 2006 referentes ao crescimento do PIB anual em
porcentagem. Nesta, observou-se, sobretudo, que o crescimento econômico verificado nos
anos 90 e 2000, ficaram bem abaixo da média histórica alcançada até então. É mister lembrar
que as décadas em questão foram marcadas, fundamentalmente, pela implantação das
políticas neoliberais e pela abertura financeira e comercial.
GRÁFICO 11: PRODUTO INTERNO BRUTO - PIB (VARIAÇÃO ANUAL EM %)
FONTE: IPEADATA. Disponível em:
http://www.ipeadata.gov.br/ipeaweb.dll/ipeadata?SessionID=525795435&Tick=1248572475578&VAR_FUNC
AO=Ser_Ind%28%29&Mod=M
. – Acesso em 24/07/2009.
32
Cf. Tabela 3.
- 75 -
Aliás, esse processo de abertura tem se revelado, cada vez mais, uma via de mão
dupla, e os fluxos comerciais demonstraram claramente isso. O crescimento das exportações
foi quase sempre acompanhado de perto pelo aumento das importações e vice-versa. O fato de
estes fluxos crescerem sistematicamente, sem, com isso, fazer deslanchar o crescimento
econômico, pode ser revelador de outro fenômeno levantado por Marini e também por
outros autores, que dizem respeito à crescente importância que o comércio intrafirmas
adquire, a partir dos processos de deslocalização e terceirização da produção no contexto da
Mundialização do Capital.
Essa realidade está presente em quase todos os países latino americanos. Porém, os
exemplos mais esclarecedores apareceram, principalmente, no México
33
e nos países Centro
Americanos, onde foi significativa a instalação das chamadas firmas maquiladoras. Estas
receberam de outras empresas e países praticamente todos os componentes prontos, efetuando
apenas a montagem dos produtos no país hospedeiro, mandando-os embora logo em seguida
na forma de produto acabado. Em geral, fizeram isso utilizando trabalho pouco qualificado e,
normalmente, precarizado.
Tais operações maquiladoras geraram fluxos de importação e exportação, causando
boa impressão aos analistas desavisados, sem, contudo, alterar substancialmente a estrutura
produtiva e a riqueza do país receptor, transformado apenas, em uma plataforma de montagem
de produtos. É deste modo que, uma exportação que aparentemente é de alto valor agregado,
pode ser apenas uma simples operação de montagem, intensiva em trabalho simples, que
pouco contribui ao crescimento econômico.
4.2.2 Serviços e Rendas
tempos que a balança de Serviços e Rendas têm se mostrado a grande vilã do
balanço de pagamentos brasileiro. A década de 90 iniciou com déficit negativo médio da
ordem de US$ 14 bilhões anuais nos primeiros cinco anos, de 1990 a 1994. Após o Plano
Real e o processo de abertura, esses desequilíbrios agravaram-se, atingindo uma média US$
24 bilhões ao ano entre 1995 a 2004, ajudando a gerar os déficits das transações correntes que
perduraram entre 1995 e 2002. Entretanto, no período mais recente, de 2005 a 2008 o que
33
Sobretudo, por sua proximidade dos EUA e por sua participação ao NAFTA.
- 76 -
era grave ficou ainda pior, com saldos negativos da ordem de US$ 42,8 bilhões anuais,
atingindo seu pico no ano de 2008, com desequilíbrio superior a US$ 57 bilhões (tabela 3).
Dentre as várias contas que compunham a balança de serviços e rendas, uma foi
considerada crucial para explicar a maior parte desses vultosos saldos negativos. Tratou-se da
conta “rendas de investimentos”. Nesta, registraram-se as rendas provenientes de
investimentos diretos, em carteira e outros investimentos. A tabela 5 comprovou a afirmação
anterior. Mostrou como, de fato, o saldo negativo nas chamadas rendas de investimentos
explicaram em grande medida os desequilíbrios em todo o período.
TABELA 5: SERVIÇOS E RENDAS – RENDAS – US$ (MILHÕES)
FONTE: IPEADATA. Disponível em:
http://www.ipeadata.gov.br/ipeaweb.dll/ipeadata?SessionID=525795435&Tick=1248572475578&VAR_FUNC
AO=Ser_Ind%28%29&Mod=M. – Acesso em 24/07/2009.
Chamou a atenção, igualmente, o salto ocorrido a partir de 1995 nas rendas
provenientes dos investimentos em carteira. De uma média anual de US$ 561 milhões ao ano
entre 1990 a 1994, passou para uma média superior US$ 8,5 bilhões ao ano no período
posterior (tabela 5). O sinal negativo, na tabela acima, indica grande saída de capitais na
forma de remuneração dos investimentos de estrangeiros. O que explicou este expressivo
aumento foi a política de juros altos que compunha o arcabouço institucional que sustentou o
Séries Anuais Renda de
Investimentos
Renda de
Investimentos
Diretos
Renda de
Investimentos
em Carteira
Renda de
Outros
Investimentos
1990 -11.612,49 -1.896,74 -385,05 -9.330,70
1991 -9.650,99 -1.088,64 -342,65 -8.219,70
1992 -8.001,39 -862,16 -476,03 -6.663,20
1993 -10.210,40 -2.815,63 -688,65 -6.706,10
1994 -8.903,30 -4.333,97 -918,24 -3.651,08
1995 -10.897,59 -2.545,36 -3.949,04 -4.403,18
1996 -11.608,79 -2.194,17 -4.191,43 -5.223,18
1997 -14.926,12 -4.581,25 -5.635,12 -4.709,73
1998 -18.292,07 -5.584,806 -6.949,72 -5.757,54
1999 -18.990,42 -3.663,76 -7.709,80 -7.616,85
2000 -17.965,00 -3.238,87 -8.544,99 -6.181,13
2001 -19.838,29 -4.638,23 -9.620,75 -5.579,31
2002 -18.292,31 -4.982,91 -8.384,42 -4.924,97
2003 -18.660,69 -5.097,65 -8.743,27 -4.819,76
2004 -20.701,13 -5.789,04 -10.415,49 -4.496,59
2005 -26.181,42 -10.302,33 -11.778,27 -4.100,82
2006 -27.657,24 -12.826,35 -11.027,95 -3.802,92
2007 -29.739,52 -17.489,46 -7.065,42 -5.184,64
2008 -41.106,65 -26.774,96 -8.436,42 -5.895,26
- 77 -
Plano Real e que tinha por objetivo principal a atração de capitais. Tratam-se, sobretudo, de
capitais de curto prazo, que entram e saem do país com muita facilidade.
Outro dado importante relacionou-se à renda dos investimentos diretos. Depois de
altas e baixas e crescimentos relativamente modestos durante os anos 90, a partir de 2001, sua
trajetória passou a ser ascendente, atingindo saldos muito expressivos, principalmente, na
segunda metade da década. No período compreendido entre 2005 e 2008, seu saldo atingiu a
expressiva cifra média de US$ 16,9 bilhões anuais, com pico de US$ 26, 77 bilhões em 2008.
Em resumo, somente entre 2000 e 2008 acumulou-se um saldo negativo de US$ 91,1 bilhões
nesta conta.
Esses crescentes saldos negativos provenientes de investimentos diretos
significaram, fundamentalmente, mais-valia extraída na economia interna por investidores
estrangeiros, que foi remetida para fora do país na forma de lucros e dividendos,
representando, entre outras coisas, uma consequência do processo de desnacionalização ao
qual a economia brasileira foi submetida pela ordem neoliberal. As privatizações que sequer
renderam aos cofres públicos o valor que lhe era de direito, hoje, acabam pesando
negativamente nos desequilíbrios crescentes nos serviços e nas transações correntes do
balanço de pagamentos.
4.3 CAPITAL X TRABALHO E DESIGUALDADES CRESCENTES
O fraco desempenho da economia brasileira verificado nas últimas décadas, com o
PIB crescendo a taxas médias na casa dos 2% ao ano, contra os 5,9% de média, do século
passado, traz graves consequências à economia como um todo, afetando a renda dos
trabalhadores e também dos capitalistas, ou, pelo menos, de grande parte destes. Todavia, a
realidade tem insistido cotidianamente em demonstrar que, tanto os ganhos quanto os
prejuízos gerados advindos dos processos produtivos, foram quase sempre distribuídos de
maneira desigual, com desvantagem ao trabalho que, no confronto com o capital, tem
historicamente levado a pior. A Tabela 6 evidenciou uma amostra deste problema.
Observou-se, que, apesar de ter havido diminuição das taxas de lucro, tanto do
capital produtivo (de 8,2% para 5,6%), e em menor proporção, do capital financeiro (de
22,4% para 19,4%), no período de 1995-2004, relativo a 1980-1994, o capital em geral
- 78 -
abocanhou uma parcela da renda antes destinada ao trabalho, visto que, a participação do
salário na renda caiu de 49,5% para 47,8% nos períodos analisados.
Chamou atenção, também, a retração do rendimento médio real do trabalho
principal, que havia sido negativa no período anterior (1980-1994) e continuou seguindo a
mesma tendência de 1995-2004, indicando a transferência de renda do trabalho ao capital.
TABELA 6: DISTRIBUIÇÃO FUNCIONAL DA RENDA, INDICADORES, MÉDIAS ANUAIS - BRASIL
1980-1994 E 1995-2004
FONTE: GONÇALVES, R. (2006, pg. 216)
Outro aspecto importante a destacar foi que, o período Pós-Real, marcado pela
abertura e liberalização de mercados, abriu caminhos para que o capital financeiro continuasse
tendo melhor desempenho e lucratividade frente ao capital produtivo. Fato este verificado
desde os anos 80, mas que, nos anos 90, em especial, após 1998, contou com um impulso
importante, crescendo a taxas médias superiores aos 20 pontos percentuais, com pico de
26,8% no ano de 2001 (tabela 7). Só para exemplificar, entre 1995 e 2004, as receitas dos seis
grandes bancos brasileiros (Bradesco, Banco do Brasil, Banespa, Itaú, Safra e Unibanco)
passaram de R$ 4,9 bilhões para R$ 19,2 bilhões. Isto é, aumentaram em quatro vezes seus
faturamentos. Neste mesmo período, os bancários tiveram uma queda salarial de 8%.
34
Para o capital produtivo, os números mostraram que a liberalização teve um efeito
ainda mais perverso do que a chamada década perdida. As baixas taxas de lucros verificadas
ao longo da década de 90 mantiveram-se pelo menos até o ano de 2002, esboçando reação
somente nos anos de 2003 e 2004, quando atingiram taxas de 12,4% e 11,3%
respectivamente. Como essas foram calculadas com base no lucro das 500 maiores empresas,
não foi difícil inferir que esta recuperação esteve intimamente relacionada ao desempenho das
exportações.
Todavia, ao analisar o desempenho destes capitais, é preciso tomar certos cuidados. O
principal deles é o de não esquecer que se está trabalhando com a média. Esta, certamente,
ajuda esclarecer muitos aspectos. Porém, também, esconde, por detrás dela, certas diferenças
34
PACS, 2005.
INDICADORES MÉDIA
1980-1994
MÉDIA
1995-2004
Taxa de Lucro do Capital Financeiro 22,4 19,4
Taxa de Lucro do Capital Produtivo 8,2 5,6
Variação do Rendimento Médio Real do Trabalho Principal -0,1 -0,7
Participação dos Salários na Renda 49,5 47,8
- 79 -
importantes; por exemplo: o fato de o capital produtivo ter tido na média um mau
desempenho, não pode ser generalizado ao ponto de se afirmar que todos os investimentos
neste campo tenham sido mal sucedidos, porque, conforme ficou demonstrado ao longo do
trabalho, a abertura econômica afetou de forma diferenciada os diversos segmentos do setor
produtivo. Certamente, muitos perderam e, por isso, foram penalizados, perdendo participação
no mercado, ou, até mesmo, sendo banido dele. No entanto, outros se deram bem.
Aproveitaram o momento para ampliar participação no mercado e, consequentemente,
aumentar faturamento. Destaca-se, por exemplo, às empresas transnacionais que aumentaram
sua participação nas vendas das 500 maiores empresas, de 30,8% no período de 1980-1994,
para 41,3% entre 1995-2004, segundo análise de Gonçalves, R. (2006, pg.216) a partir de
dados da revista Exame (2004).
Contudo, apesar dessas diferenciações, o fraco desempenho médio do setor produtivo,
aliado ao “processo de reestruturação produtiva das empresas privadas e públicas através
da reorganização dos seus processos de produção, com a introdução de novos métodos de
gestão do trabalho e de novas tecnologias, teve implicações devastadoras sobre o mercado de
trabalho” (FILGUEIRAS, 2006, pg. 187).
A Tabela 7 mostrou que os trabalhadores foram duplamente penalizados: de um lado
pelo aumento do desemprego; de outro, pela queda dos rendimentos. Verificou-se que a taxa
de desemprego, medida pela PNAD, saltou da casa dos 6% registrada na primeira metade da
década, para índices superiores aos 9% a partir de 1998.
TABELA 7: DISTRIBUIÇÃO FUNCIONAL DA RENDA - BRASIL 1991-2004 (%)
Indicadores
Ano
Taxa de
Lucro
Capital
Produtivo
Taxa de
Lucro
Capital
Financeiro
Taxa
Desemprego
(PNAD)
Rendimento
Médio Real do
Trabalho
(PNAD)
Participação dos
Salários na
Renda
1991 -3,6 8,9 - - 51,9
1992 0,4 12,1 6,5 - 53,9
1993 3,1 14,1 6,2 7,9 56,5
1994 10,7 12,9 6,2 13,6 51,7
1995 6,1 11,4 6,1 13,6 49,2
1996 5,0 13,4 7,0 2,7 49,1
1997 4,4 13,1 7,8 -1,1 47,4
1998 3,5 19,5 9,0 -0,9 48,2
1999 -1,3 23,2 9,6 -0,7 48,5
2000 7,9 21,5 9,5 -0,6 48,2
2001 5,4 26,8 9,4 -0,6 47,5
2002 0,8 20,8 9,2 -2,5 46,3
2003 12,4 21,5 9,7 -7,6 45,3
2004 11,3 22,4 9,0 0,0 -
FONTE: GONÇALVES, R. (2006, pg. 234).
- 80 -
Com o desemprego em alta, as condições para o arrocho salarial e o aumento da
exploração foram criadas. Assim, a partir de 1997 registrou-se importante retração no
rendimento médio do Trabalho, igualmente medido pela PNAD. Durante sete anos
consecutivos (1997-2003), as taxas foram negativas. Verificou-se que, mesmo em anos
considerados bons para o capital, como o de 2003, por exemplo, em que os capitais
produtivos e financeiros lucraram 12,4% e 21,5%, respectivamente, os trabalhadores
perderam, sofrendo uma redução da ordem de 7,6 em seus rendimentos. Em 2004,
igualmente, os lucros continuaram em alta enquanto o rendimento dos trabalhadores foi nulo.
Uma conseqüência direta deste processo foi a redução da participação dos salários na
renda. Após uma presença superior a casa dos 50% na média dos primeiros cinco anos e
sofrer várias perdas sucessivas ao longo da década de 90, chegando em 2003 com apenas
45,3%.
Segundo Pochmann (1999), durante os anos 90, foram abertos, no Brasil, anualmente,
951.400 postos de trabalho. Em contrapartida, ingressou no mercado uma média anual de
1.417.100 pessoas. Assim, 465.700 pessoas ficaram desempregadas anualmente, isso sem
contar os que perderam o emprego nesse período em virtude, principalmente, dos processos
de reestruturação produtiva.
O Gráfico 12 mostrou esta escalada crescente do desemprego na principal Região
Metropolitana do País, São Paulo, em praticamente toda a década de 90 e na primeira metade
dos anos 2000.
GRÁFICO 12: TAXA DE DESEMPREGO NA REGIÃO METROPOLITANA DE SÃO PAULO (%)
FONTE: IPEADATA. Disponível em:
http://www.ipeadata.gov.br/ipeaweb.dll/ipeadata?SessionID=525795435&Tick=1248572475578&VAR_FUNC
AO=Ser_Ind%28%29&Mod=M. Acesso em 22/07/2009.
- 81 -
Nas demais regiões, a situação não foi diferente. Pesquisas do DIEESE, feitas em
cinco das principais regiões metropolitanas do país, mostraram, igualmente, números
alarmantes, dignos de períodos de depressão econômica. Na região metropolitana de São
Paulo, que, em 1997 havia 16% da população economicamente ativa desempregada, passou
para 20% em 2003, atingindo mais de 1,5 milhões de trabalhadores. Neste mesmo período,
em Salvador, a taxa de desempregados passou de 22% para 28%; em Belo Horizonte, de 13%
para 20%, em Porto Alegre, de 13% para 17%; e no Distrito Federal passou de 18% para 23%
(FBO, 2004).
Como alertava Marini, o aumento do desemprego contribuiu decisivamente para
aumentar a exploração do trabalho. Isto se percebeu na queda verificada nos salários reais no
período, na diminuição da participação dos salários na renda e na perda de qualidade do
emprego a partir de relações de trabalho crescentemente precarizadas.
Uma demonstração clara desse processo pôde ser observada a partir das mudanças
ocorridas no mercado de trabalho industrial nos anos 90. Segundo informações da RAIS
(Relação Anual de Informações Sociais) do Ministério do Trabalho, houve uma expansão do
emprego na economia como um todo de 1990 a 1999 da ordem de 10,2%. Porém, neste
mesmo período, a participação do emprego da indústria de transformação caiu de 23,5% em
1990 para 18,4% em 1999, representando uma perda de 13% do total de vínculos
empregatícios neste ramo, significando uma piora na qualidade do emprego, dada a destruição
de postos de trabalho onde predomina a carteira assinada.
Esse fato, também foi comprovado pela Pesquisa Mensal de Emprego do IBGE que
mostrou uma queda de 28% no mero de trabalhadores com carteira assinada entre 1990-98
(FEIJÓ e CARVALHO, 2002. pg. 73-74). Assim,
Junto com o desemprego e como produto de uma ampla desregulação do mercado de
trabalho efetivada na prática pelas empresas e por diversos instrumentos jurídicos
emanados dos sucessivos governos -, veio um processo generalizado de precarização
das condições de trabalho – formas de contratação instáveis que contornam ou
burlam a legislação trabalhista, prolongamento da jornada de trabalho, redução dos
rendimentos e demais benefícios, flexibilização de direitos trabalhistas e ampliação
da informalidade – tudo isso, enfraquecendo e deslocando mais ainda a ação sindical
para um comportamento defensivo (FILGUEIRAS, 2006, pf. 188).
Alguns economistas calculam que seja necessário um crescimento anual de 3,5% ao
ano, para o país apenas manter o nível atual de empregos, incorporando os novos que entram
no mercado todo ano. De acordo com o professor Carlos Ivan Simonsen Leal, da Unicamp
(1999), para que realmente se ataque o desemprego no país, é necessário um crescimento da
ordem de pelo menos 6% ao ano.
- 82 -
Desse modo, enquanto um crescimento de tal magnitude não vislumbre no
horizonte, a sustentação política do modelo econômico em curso, segue dependendo,
fundamentalmente, da manutenção da chamada “ordem” social, que se traduz no controle dos
grandes contingentes de pobres, desempregados e subempregados que vão se acumulando no
entorno das grandes e pequenas cidades.
Para isso, as classes dominantes constantemente recorrem a algumas fórmulas
clássicas de controle, tal como, a violência associada ao medo criado por ela própria é uma
delas. E outra, são as políticas sociais e compensatórias, cada vez mais, focalizadas, voltada a
atender apenas a parcela mais pobre dentre os pobres.
O crescimento da violência no país é evidente. Multiplicam-se, quadrilhas, grupos
de extermínio etc. que, não raras às vezes, são organizadas e comandadas pelas próprias
forças oficiais. Quando não o são, de qualquer maneira, acabam por cumprir uma função
importante para a manutenção da “ordem”, controlando os pobres e impedindo que estes se
organizem, por isso são toleradas. Isso explica, por exemplo, por que não se encontra uma
solução para a violência e o tráfico de drogas nos morros do Rio e de outras grandes cidades.
Segundo o IBGE (2004), entre 1980 e 2000, a taxa de mortalidade por homicídio
cresceu 130%. Neste mesmo período, contabilizou-se cerca de dois milhões de mortes por
causas externas, o equivalente a uma grande cidade ou um estado do país. As chamadas
causas externas incluem além dos homicídios, acidentes, suicídios e outras causas o
naturais. Destes, 82,2% eram homens. Somente na década de 90, contabilizaram-se 369.101
pessoas mortas, vítimas de homicídios. Tem-se ainda, uma população carcerária de 330.642
pessoas, equivalendo a um índice de 173 presos para 100 mil habitantes (IBGE, 2004).
Fica-se, portanto, diante de uma guerra civil disfarçada, em que a eliminação física
faz parte da disputa do jogo. Seria até desnecessário dizer que as populações pobres e negras
são as maiores vítimas desta violência. Segundo pesquisas recentes, uma das questões que
mais preocupa e assusta a população, junto com o desemprego, é a violência.
Outra medida importante para o “controle” do problema social relaciona-se às
chamadas políticas compensatórias, por isso, desde o governo Sarney, passando por Collor,
Itamar, FHC, e, agora, com Lula, vêm multiplicando-se a implementação desse tipo de
políticas, que assumem diferentes nomes, formas e valores para cada período. Porém, sejam
elas: bolsa escola, auxílio gás, auxílio leite, bolsa família etc., o fato é que elas têm apenas um
efeito paliativo, não se constituindo em uma solução real do problema. Dado que,
A lógica neoliberal é a de reduzir os recursos para as políticas sociais universais,
transferindo-os para o pagamento dos juros da dívida pública. As políticas sociais
- 83 -
focalizadas aparecem nesse contexto como instrumento político desse objetivo. Em
síntese, as políticas sociais devem ser restritas, dirigidas seletivamente apenas para
os mais pobres entre os pobres (FILGUEIRAS, 2006, pg. 202).
A forma principal adotada pelo atual governo foi à chamada bolsa família, que
atende, hoje, mais de 10 milhões de famílias, cuja meta é atingir todas as famílias que ainda se
encontram abaixo da chamada linha da pobreza, calculadas em 11,4 milhões pelo IBGE
(2005). Trata-se de mais uma política assistencialista, que, como outras, mantêm a população
desorganizada e desinformada. Ao analisar essa política, alguns críticos apontam, inclusive,
para o ressurgimento de uma espécie de novo populismo no Brasil, porém, desprovido de um
projeto nacional. É certo, porém, que políticas desta natureza conferem enorme potencial
eleitoral para seus executores.
4.4 AS DIFERENCIAÇÕES REGIONAIS
Um aspecto importante, relativo às desigualdades, diz respeito às diferenças que o
modelo econômico reproduz no próprio desenvolvimento regional. Enquanto em algumas
regiões do país concentram a grande maioria dos investimentos produtivos e em infra-
estrutura, outras regiões são condenadas ao descaso. Assim, pode-se dizer que dentro do
mesmo país encontram-se algumas ilhas altamente desenvolvidas, com várias características
de um país central e amplas regiões convivendo com a extrema pobreza e altamente
dependentes das políticas compensatórias. Dito de outro modo, são o desenvolvimento e o
subdesenvolvimento convivendo lado a lado.
Nas últimas décadas, em função da clara especialização produtiva voltada à
exportação, tais diferenças acentuaram-se em função do grau de participação de cada região
na pauta exportadora. Só para se ter uma idéia do real significado dessa concentração,
segundo dados da SECEX/MINC, sobre o valor total exportado em 2006, o Estado de São
Paulo teve participação de 33,70%; Minas Gerais, 10,23%; Rio de Janeiro, 8,23%; Rio
Grande do Sul, 8,23%; Paraná, 6,63%.
Com isso, percebeu-se, que apenas uma região do País, a Sudeste, respondeu
sozinha por mais da metade da pauta exportada, participando com 56,7% do valor total.
Porém, se junto com o Sudeste, incluíssem os Estados do Rio Grande do Sul e Paraná a
participação sobre o valor total das exportações aumentaria para 70,5% (SECEX/MINC).
- 84 -
Contudo, um problema adicional é que as grandes empresas respondem por nada
menos que 91,41% do valor exportado e, juntando as médias empresas, o valor aumenta para
98,1%.
35
O fato é que essas grandes e médias empresas não estão instaladas em toda parte.
Assim, quando se refere aos estados, na verdade, não se está referindo aos estados como um
todo, mas de apenas alguns poucos locais, onde se concentram as chamadas “ilhas de
eficiência”, segundo a Revista Veja que é uma das expressões de marketing deste grande
capital. Exemplo disto é retratado na figura 1.
35
As pequenas e micro-empresas respondem por irrisório 1,7% do valor exportados e as pessoas físicas por
0,15%.
FIGURA 1: ILHAS DE EFICIÊNCIA
FONTE: LIMA, J. G. Os Tigres Brasileiros. In: VEJA on-line
- Economia e Negócios - Edição 1801, 7 de maio de 2003.
Disponível em:
http://veja.abril.com.br/070503/p_102.html
.
- 85 -
A figura 1 indica onde estão localizadas, no Território, as tais “ilhas” competitivas
internacionalmente, bem como sua especialidade produtiva. Na Região Sul, os destaques são
para a indústria calçadista de Novo Hamburgo – RS; para a indústria agropecuária do entorno
de Concórdia - SC; para a indústria de softwares de Joinvile, também no Estado de Santa
Catarina. No Sudeste, destacam-se, principalmente, as indústrias de automóvel do ABC
Paulista; de aviões de São José dos Campos SP; e a exploração petrolífera no Rio de
Janeiro. No Centro-Oeste, o destaque fica para a Região de Rio Verde, que é grande produtora
de grãos e pecuária e uma espécie de símbolo do agronegócio brasileiro; por fim, no Nordeste,
sobressai Salvador - BA, pela importância do turismo na atração de dólares e a Região de
Petrolina, no Estado de Pernambuco, que se especializou nos últimos anos, na produção de
frutas tropicais irrigadas para a exportação.
- 86 -
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Do complexo processo de mundialização do capital, verifica-se emergir um mundo
cada vez mais desregulamentado, liberalizado e crescentemente dominado e dirigido pelos
interesses e estratégias financeiras das grandes empresas transnacionais dominantes das
principais cadeias da produção global. Em última instância, são elas que definem os processos
de reorganização do mundo econômico, definindo, assim, as possibilidades que se abrem ou
não às nações e seus povos.
Nesse contexto, o processo de reorganização produtiva levado a cabo, conduziu a
crescente integração da indústria e do comércio de diversas partes do mundo, criando
verdadeiras redes de produção global. Entretanto, observou-se estar diante de uma integração
profundamente assimétrica e desigual. Na medida em que a estrutura industrial do mundo
manteve-se altamente concentrada em termos geográficos e duramente controlada por meio
do cerceamento do conhecimento e da tecnologia, que acaba por reforçar o caráter dualista da
sociedade.
Além do mais, continuaram sendo poucas as sociedades e os setores (ou classes
sociais) dentro destas que usufruíram dos verdadeiros benefícios da industrialização, uma vez
que a grande parte da população mundial e seus respectivos países reservaram-se apenas o
papel de coadjuvantes dos processos centrais de acumulação em escala global, especialmente,
como produtores de crescentes quantidades de produtos primários, ou semimanufaturados de
baixo valor agregado para enfrentarem o desigual mundo da troca e abastecer as demandas do
mundo desenvolvido.
A importância da Obra de Marini esteve, justamente, em oferecer as chaves que
ajudaram a desvendar esta realidade. Seu conceito de dependência, fundamentado na
superexploração do trabalho, como condição primordial para o capital dos países
subordinados compensarem as perdas sofridas nas relações internacionais, contribuiu,
decisivamente, para evidenciar os limites e condicionantes que impediram esses países de
alcançarem o tão sonhado desenvolvimento.
O método seguido por Marini de procurar entender a realidade de um país (Brasil)
ou de uma região (América Latina) não de forma isolada, mas a partir de uma relação
- 87 -
dialética com o cenário internacional, repleta de antagonismos e complementaridades,
revelou-se crucial no entendimento de que o subdesenvolvimento não é a ante-sala do
desenvolvimento, mas que, pelo contrário, constituiu-se em um fenômeno qualitativamente
diferente, antagônico e, ao mesmo tempo, complementar.
Nesse ponto, inclusive, residiu um dos grandes erros da CEPAL, que acreditou que
apenas com boas intenções, política econômica correta, planejamento e industrialização,
pudessem levar a América Latina a superar a etapa” do subdesenvolvimento. mais tarde,
alguns, que, como Celso Furtado, percebeu que não se tratava de uma mera questão de
números mais ou menos favoráveis, mas de uma condicionante criada pelo próprio
desenvolvimento do capitalismo mundial, por meio de uma ferramenta chamada divisão
internacional do trabalho, que gerou e reproduziu, em escala ampliada, relações de
dependência e subordinação. Dito de outro modo, os países capitalistas desenvolvidos não
seriam o que são sem a existência dos subdesenvolvidos, dependentes ou subordinados, que,
historicamente, foram e continuam sendo funcionais aos seus processos de acumulação, por
isso não se pode esperar que essas condicionantes se rompam nos marcos do atual modelo que
a reproduz, conforme já alertava Marini.
Seguindo a orientação de Marini, a análise da inserção brasileira na era da
mundialização do capital a partir dos anos 90, realizada ao longo deste trabalho, esteve
baseada, fundamentalmente, na interpretação das relações externas do Brasil, oriundas das
principais variáveis que compunha o balanço de pagamentos. Dentre as quais se destacaram:
os fluxos de capitais, direcionados mais ao investimento direto externo e ao investimento em
carteira; as transações correntes, lançando um olhar sobre a balança comercial (com destaque
às exportações), e à balança de serviços e rendas. Observou-se que a escolha destas e de
outras variáveis que direta ou indiretamente relacionaram-se com o balanço de pagamentos,
como no caso da dívida pública, foi com o sentido de corroborar com uma análise dialética da
economia interna a partir de suas relações com o mercado externo em vista de identificar as
tendências para as quais apontam o desenvolvimento brasileiro.
A abertura do Brasil aos fluxos internacionais de capital, advindos da liberalização,
propiciou importante aumento do investimento direto externo (IDE), fato este muito
comemorado por todas as equipes econômicas dos governos de plantão. No entanto, a entrada
deste capital acabou contribuindo para uma profunda reestruturação da indústria, baseada,
fundamentalmente, em dois processos: de um lado, na centralização do capital, via
desestatização, fusões e aquisições de empresas já instaladas; de outro, na desnacionalização
de importantes segmentos produtivos.
- 88 -
O primeiro processo implicou, sobretudo, na pouca alteração da estrutura produtiva
montada, uma vez que, diferentemente de décadas anteriores, quando o capital externo que
chegava ao Brasil promovia implantação de fábricas - por isso chegavam a ser disputadas por
cidades e estados em função dos empregos e da economia que geravam - neste período, mais
do que alterações produtivas, predominaram as simples mudanças de propriedade. Assim,
além do IDE não impulsionar a geração de novos empregos, como se previu, pouco ou nada
alterou a qualidade da inserção brasileira no mercado mundial.
O segundo processo, de desnacionalização, também, teve suas implicações. De um
lado, reduziu o espaço de atuação do Poder Público no âmbito da produção, perdendo
capacidade de investimento e de intervenção no mercado via empresas estatais que deixaram
de existir; de outro, representou um comprometimento futuro quanto às remessas de lucros e
dividendos ao exterior, que teve aumentado significativamente nos últimos anos, pesando,
sobremaneira, nos crescentes desequilíbrios nos serviços e nas transações correntes.
Ao analisar as exportações brasileiras, percebeu-se estar em curso um processo de
reconversão econômica, baseado na especialização produtiva em commodities agrícolas e
industriais de baixo valor agregado, voltados, fundamentalmente, ao mercado externo. Outra
tendência, que se associa a esta primeira, apontou para à possibilidade e risco da
desindustrialização, com perda de espaço relativo, justamente, em setores de alta tecnologia.
Tais processos representaram uma volta ao passado, que em décadas anteriores, o esforço
foi canalizado no sentido de percorrer o caminho contrário, porque, como alertavam os
cepalinos, uma estratégia baseada em produtos primários e de baixo valor agregado,
submetidos a sucessivas perdas de valor no longo prazo, dificilmente conduziriam qualquer
país a melhorar a sua condição econômica.
Outro grave problema diagnosticado diz respeito ao aumento da vulnerabilidade da
economia. Foram vários os indicadores que apontaram nesta perspectiva. Primeiro: a
dependência financeira. As experiências dos anos 80 e 90 mostraram que, neste aspecto, a
fragilidade é tamanha, que, praticamente, quem ditou o ritmo do crescimento interno foram os
fluxos internacionais de capital. Assim, quando, por algum motivo ou risco, os especuladores
optam pela segurança, mantendo suas aplicações nos países centrais, a periferia se vê obrigada
a se contrair ao máximo, para exportar capital, em quantidade e prazos determinados (anos
80). Mas, quando a situação muda e tem excesso de liquidez fora, faz-se todo e qualquer
tipo de ajuste necessário para recebê-la da melhor forma e com a melhor remuneração e
garantias possíveis (anos 90). Deste modo, percebe-se a dificuldade de se ter ciclos próprios
- 89 -
de crescimento, com base em decisões soberanas, não condicionadas excessivamente às altas
e baixas do cenário externo e à “boa vontade” dos investidores.
Outro aspecto que se fica vulnerável relaciona-se ao brutal e crescente desequilíbrio
na Balança de Serviços e Rendas. No último ano (2008), o déficit atingiu US$ 57,2 bilhões. O
mais grave é que as contas que mais pesam neste déficit não apresentam nenhuma perspectiva
de reversão tão cedo, sobretudo, os custos com juros e amortizações da dívida pública
(superior a R$ 1 trilhão) e as remessas de lucros, dividendos e rendas que avançam junto com
os processos de desnacionalização.
Esse desequilíbrio em serviços e rendas evidencia outra vulnerabilidade importante,
na medida em que traz como consequência, a excessiva dependência em relação às
exportações, porque, em caso de não se gerar vultosos saldos comerciais, compromete-se o
equilíbrio externo da economia, criando-se, deste modo, uma política inexorável para
incrementar o valor exportado, valendo-se: de subsídios do conjunto da sociedade aos setores
exportadores (via isenção de impostos da Lei Kandir), da agressividade das relações externas
pela liberalização do comércio (G20); do uso do poder subimperialista nas negociações com
os países vizinhos; à flexibilização de normas e códigos ambientais etc. Mas, apesar disso,
continua-se dependente da existência de um cenário externo favorável, que se controla, que é
instável, podendo-se alterar a qualquer momento.
Também, vulnerabilidade devido a dependência tecnológica. O país continua
pagando caro pela decisão da burguesia brasileira de preferir ser a sócia menor do capital
transnacional a construir um caminho de desenvolvimento mais soberano, desenvolvendo um
setor produtor de tecnologias e bens de capital. O mais grave, é que não se sinais de
reversão. A crença de que a maior participação das transnacionais na economia poderia gerar
interiorização de processos tecnológicos se mostrou falaciosa. Além do mais, faz parte da
estratégia de deslocalização da produção destas empresas o controle absoluto do
conhecimento e da P&D.
Os indicadores referentes à relação capital x trabalho analisados, remeteram, mais
uma vez, aos ensinamentos da dialética da dependência do Professor Marini. Percebeu-se que
durante este novo ciclo do capital (pós 90), com claro favorecimento do capital financeiro
frente ao produtivo, ocorreu um processo de transferência de renda dos trabalhadores aos
capitalistas. O desemprego aumentou, os salários perderam participação na renda em geral e o
rendimento real médio dos trabalhadores caiu, inclusive, em anos que o capital, tanto
financeiro, quanto produtivo, obteve excelentes resultados. O que dizer deste fenômeno senão
reconhecer a aplicabilidade evidente do conceito de superexploração do trabalho.
- 90 -
Em resumo, a experiência brasileira recente, em especial, dos anos 90 para cá,
verificada a partir de variáveis selecionadas do balanço de pagamentos, indicaram que o
ingresso à mundialização e a liberalização da economia representou uma nova ofensiva
imperialista de recolonização do país. O principal ataque foi no sentido de derrubar barreiras
que impediam o livre fluxo de capitais e mercadorias, visando, desta forma, não apenas
ampliar o espaço econômico do capital, mas, sobretudo, facilitar o saque de riquezas, seja
pelo mecanismo dos juros fáceis das dívidas interna e externa, seja pela extração direta de
mais-valia, remetida na forma de lucros e rendas.
Por fim, desvelou-se não apenas a validade, mas, também a atualidade das principais
categorias e do método de Ruy Mauro Marini para o estudo da atual situação brasileira. Ao
longo do trabalho, verificou-se que dependência, superexploração do trabalho,
subimperialismo etc., o são coisas do passado, mas realidades que continuam presentes no
cotidiano. O estudo revelou, ainda, a partir dos indicadores selecionados e da teoria em
questão, que o tão sonhado desenvolvimento segue sendo muito mais uma utopia do que uma
realidade no caso brasileiro. Mudaram-se as terminologias. Em lugar de país subdesenvolvido
ou dependente, impôs-se o conceito de país em desenvolvimento, mas a realidade parece não
ter se alterado com a profundeza necessária para justificar a mudança das palavras.
- 91 -
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- 95 -
ANEXOS
- 96 -
ANEXO 1
QUADRO: TELECOMUNICAÇÕES - 10 MAIORES EMPRESAS POR VENDAS – BRASIL 2008
(MILHÕES)
FONTE: O Autor (2009). Os dados foram extraídos do Portal Exame – Melhores e Maiores. Disponível em:
http://mm.portalexame.abril.com.br/. Acesso em 15/07/2009.
Razão Social Nome Tipo Controle Indicador
Telecomunicações de São Paulo
S.A. - Telesp
Telefônica Privada Espanhol 9.652,9
Telemar Norte Leste S/A Telemar Privada Brasileiro 9.141,0
Vivo S.A Vivo Privada Luso-Espanhol 8.823,6
Brasil Telecom S/A Brasil Telecom Privada Brasileiro 6.393,1
Tim Celular S.A. Tim Celular Privada Italiano 6.206,3
Claro S/A Claro Privada Mexicano 5.657,5
Empresa Brasileira de
Telecomunicações S.A.
Embratel Privada Mexicano 5.590,8
Tnl Pcs S.A. Oi Privada Brasileiro 3.320,3
Tim Nordeste S.A Tim-Ne Privada Italiano 2.257,4
Americel S/A Americel Privada Mexicano 1.925,6
- 97 -
ANEXO 2:
QUADRO: AUTO-INDÚSTRIAS – 20 MAIORES EMPRESAS POR VENDAS – BRASIL 2008 (milhões).
FONTE: O Autor (2009). Os dados foram extraídos do Portal Exame – Melhores e Maiores. Disponível em:
http://mm.portalexame.abril.com.br/. Acesso em 15/07/2009.
Razão Social Nome Tipo Controle Indicador
Volkswagen do Brasil
Ind.Veiculos
Automotores Ltda
Volkswagen Privada Alemão 14.414,3
Fiat Automóveis S/A Fiat Privada Italiano 11.452,0
General Motors do
Brasil Ltda.
General Motors Privada Americano 10.731,5
Ford Motor Company
Brasil Ltda
Ford Privada Americano 6.128,5
Mercedes-Benz do
Brasil Ltda
Mercedes-Benz Privada Alemão 6.111,9
Embraer - Empresa
Brasileira de
Aeronáutica S.A
Embraer Privada Brasileiro 4.765,3
Moto Honda da
Amazônia Ltda.
Moto Honda Privada Japonês 3.903,6
Toyota do Brasil Ltda Toyota Privada Japonês 3.848,1
Honda Automóveis do
Brasil Ltda
Honda Automóveis Privada Japonês 3.521,2
Peugeot Citroën do
Brasil Automóveis Ltda
Peugeot Citroën Privada Francês 3.341,3
Renault do Brasil S.A. Renault Privada Francês 2.704,5
Cnh Latin América
Ltda
Case New Holland Privada Italiano 2.213,5
Robert Bosch Ltda. Robert Bosch Privada Alemão 2.164,1
Volvo do Brasil
Veículos Ltda.
Volvo Privada Sueco 2.087,2
Mmc Automotores do
Brasil Ltda
Mitsubishi Motors Privada Brasileiro 2.023,8
Pirelli Pneus Ltda Pirelli Pneus Privada Italiano 1.732,0
Goodyear do Brasil
Produtos de Borracha
Ltda
Goodyear Privada Americano 1.465,5
Caterpillar Brasil Ltda. Caterpillar Privada Americano 1.154,6
Eaton Ltda. Eaton Privada Americano 1.103,8
Delphi Automotive
Systems do Brasil Ltda.
Delphi Privada Americano 1.034,7
- 98 -
ANEXO 3
QUADRO: ELETROELETRÔNICOS: 10 MAIORES EMPRESAS POR VENDAS – BRASIL 2008 (milhões).
FONTE: O Autor (2009). Os dados foram extraídos do Portal Exame – Melhores e Maiores. Disponível em:
http://mm.portalexame.abril.com.br/. Acesso em 15/07/2009.
Razão Social Nome Tipo Controle Indicador
Whirlpool S.A Whirlpool Privada Americano 2.991,2
Nokia do Brasil
Tecnologia Ltda
Nokia Privada Finlandês 2.468,7
Samsung Eletrônica da
Amazônia Ltda
Samsung Privada Coreano 2.218,7
Siemens Ltda. Siemens Privada Alemão 1.501,7
Electrolux do Brasil
S.A.
Electrolux Privada Sueco 1.413,3
Lg Eletrocnics da
Amazonia Ltda
Lg-Am Privada Coreano 1.018,7
Alcatel- Lucent Brasil
S.A
Alcatel Privada Francês 701,6
Motorola Industrial
Ltda
Motorola Privada Americano 670,6
Ericsson
Telecomunicações S.A.
Ericsson
Telecomunicações
Privada Sueco 657,9
Semp Toshiba
Amazonas S.A.
Semp Toshiba-
Am
Privada Brasileiro 510,0
- 99 -
ANEXO 4
QUADRO: INDÚSTRIA DIGITAL: 10 MAIORES EMPRESAS POR VENDAS – BRASIL 2008 (milhões)
FONTE: O Autor (2009). Os dados foram extraídos do Portal Exame – Melhores e Maiores. Disponível em:
http://mm.portalexame.abril.com.br/. Acesso em 15/07/2009.
Razão Social Nome Tipo Controle Indicador
Hewlett-Packard Brasil Ltda Hp Privada Americano 2.031,3
Ibm Brasil Indústria de
Máquinas e Serviços Ltda.
Ibm Privada Americano 1.954,0
Lg Electronics de São Paulo
Ltda
Lg Privada Coreano 1.574,8
Positivo Informática S/A Positivo Privada Brasileiro 987,1
Serviço Federal de
Processamento de Dados -
Serpro
Serpro Estatal Brasileiro 616,0
Itautec S/A Itautec Privada Brasileiro 610,4
Google Inc Google Privada Americano 500,0
Sap Brasil Ltda Sap Privada Alemão 458,7
Videolar S.A Videolar Privada Brasileiro 458,2
Oracle do Brasil Sistemas Ltda. Oracle Privada Americano 377,1
- 100 -
ANEXO 5
QUADRO: INDÚSTRIA QUÍMICA E PETROQUÍMICA: 20 MAIORES EMPRESAS EM VENDAS – Brasil
2008 (milhões)
FONTE: O Autor (2009). Os dados foram extraídos do Portal Exame – Melhores e Maiores. Disponível em:
http://mm.portalexame.abril.com.br/. Acesso em 15/07/2009.
Razão Social Nome Tipo Controle
Indicador
Braskem S.A Braskem Privada Brasileiro 7.161,6
Alberto Pasqualini - Refap
S/A
Refap Estatal Brasileiro 5.948,2
Bunge Fertilizantes S.A.
Bunge
Fertilizantes
Privada Holandês 3.650,0
Basf S.A. Basf Privada Alemão 2.390,4
Bayer S/A Bayer Privada Alemão 1.671,9
Quattor Químicos Básicos
S/A
Quattor
Químicos
Privada Brasileiro 1.646,5
Fertilizantes Heringer S.A. Heringer Privada Brasileiro 1.603,7
Syngenta Proteção de
Cultivos Ltda
Syngenta Privada Suíço 1.483,8
Du Pont do Brasil S.A. Du Pont Privada Americano 1.462,2
Dow Brasil S.A. Dow Privada Americano 1.459,3
Yara Brasil Fertilizantes
S.A.
Yara Privada Norueguês 1.351,9
White Martins Gases
Industriais Ltda
White Martins-
Se
Privada Americano 1.284,6
Mosaic Fertilizantes do
Brasil S.A
Mosaic Privada Americano 1.271,8
Rhodia Poliamiada e
Especialidades Ltda
Rhodia Privada Francês 1.203,1
Quattor Petroquímica S.A. Quattor Privada Brasileiro 1.057,1
Dow Brasil Sudeste
Industrial Ltda.
Dow Brasil
Sudeste
Privada Americano 1.017,0
Ultrafértil S.A. Ultrafértil Privada Brasileiro 975,3
Monsanto do Brasil Ltda. Monsanto Privada Americano 954,8
Lanxess Elastômeros do
Brasil S/A
Lanxess Privada Alemão 886,3
3 M do Brasil Ltda. 3 M Privada Americano 880,1
- 101 -
ANEXO 6
QUADRO: INDÚSTRIA FARMACÊUTICA - 10 MAIORES EMPRESAS POR VENDAS – BRASIL 2008
(milhões).
FONTE: O Autor (2009). Os dados foram extraídos do Portal Exame – Melhores e Maiores. Disponível em:
http://mm.portalexame.abril.com.br/. Acesso em 15/07/2009.
Razão Social Nome Tipo Controle Indicador
Sanofi-Aventis
Farmacêutica Ltda
Sanofi-Aventis Privada Francês 1.228,9
Novartis Biocências S/A Novartis Privada Suíço 1.115,5
Produtos Roche Químicos
e Farmacêuticos S.A.
Roche Privada Canadense 734,8
Laboratórios Pfizer Ltda Pfizer Privada Americano 666,1
Astra Zeneca do Brasil
Ltda
Astra Zeneca Privada Anglo-Sueco 584,4
Eli Lilly do Brasil Ltda. Lilly Privada Americano 545,2
Aché Laboratórios
Farmacêuticos S.A.
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