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Universidade Estadual Paulista - UNESP
“Júlio de Mesquita Filho” - Instituto de Artes
Pós-Graduação em Artes
Mestrado
Desenvolvimento Estético:
Entre as Expectativas do Professor e
as Possibilidades dos Alunos
Maristela Sanches Rodrigues
São Paulo – 2008
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UNESP
Universidade Estadual Paulista
“Júlio de Mesquita Filho”
Instituto de Artes
Pós-Graduação em Artes
Mestrado
Desenvolvimento Estético:
Entre as Expectativas do Professor e
as Possibilidades dos Alunos
Maristela Sanches Rodrigues
Dissertação submetida à UNESP como
requisito parcial exigido pelo Programa
de Pós-Graduação em Artes, área de
concentração em Artes Visuais, linha de
pesquisa Ensino e Aprendizagem da
Arte, sob a orientação da Prof
a
. Dr
a
.
Rejane Galvão Coutinho, para obtenção
do título de Mestre em Artes.
São Paulo – 2008
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Ficha Catalográfica
RODRIGUES, Maristela Sanches
Desenvolvimento Estético: Entre as Expectativas
do Professor e as Possibilidades dos Alunos.
São Paulo, 2008 – 252 páginas.
Dissertação - Mestrado – Instituto de Artes da
Universidade Estadual Paulista - UNESP.
Orientadora: Dra. Rejane Galvão Coutinho
1. Desenvolvimento Estético; 2.Experiência
Estética; 3.Curadoria Educativa; 4.Ensino da Arte
Aos meus pais queridos:
Jair Rodrigues (
Jair Rodrigues (Jair Rodrigues (
Jair Rodrigues (
in memorian
in memorianin memorian
in memorian
)
))
)
Maria Eliza Sanches Rodrigues
Maria Eliza Sanches RodriguesMaria Eliza Sanches Rodrigues
Maria Eliza Sanches Rodrigues
Por todo o amor, pela dedicação, pelo exemplo, pelo estímulo, por serem bem maiores,
fortes, belos e sonhadores do que todas as adversidades e por sempre acreditarem em
mim e me apoiarem é que pude chegar aaqui. Levo-os guardados no mais fundo do meu
coração pela eternidade...
Agradecimentos
AgradecimentosAgradecimentos
Agradecimentos
A minha orientadora, Profa. Dra. Rejane Galvão Coutinho, que soube com muita
diplomacia e cuidado conduzir o meu olhar, a minha escrita e que, acima de tudo, teve
sempre um imenso respeito pela minha maneira de ver e direcionar a pesquisa,
levando-me a refletir, maturar, inquietar, desconstruir e recomeçar. Obrigada pela
paciência, pelo carinho e pela compreensão com os 550 km que nos distanciavam
fisicamente, você nunca me deixou sentir que eles fossem negativos para minha
pesquisa.
À querida mestra, Profa. Dra. Mirian Celeste Martins, pessoa que me abriu as
portas da Unesp - aceitando-me como aluna especial - e me mostrou um novo sentido
para a mediação da arte. A você, Mirian, todo o meu carinho, respeito e gratidão!
À vida, que tem me ensinado o valor da luta por aquilo em que acredito e sonho.
Todos os procedimentos são sagrados quando internamente necessários”.(Wassily
Kandinsky – Do espiritual na arte)
Ao meu marido Juan, o amor da minha vida, por acreditar em mim desde os tempos em
que sonhávamos com os oceanos nos mares do sul e por compreender a minha ausência
nas tantas horas em que tive que me exilar. Ah, obrigada pelos Delikets.
“Quem pode
querer ser feliz se não for por amor?”
Aos meus filhos, Patrícia, Marina e Eduardo que desde o primeiro instante de suas
existências representam a força que me impulsiona, o amor que eu nem sonhava existir
e que nutre a minha vida e minha alma. Obrigada por vocês existirem, por serem tão
especiais e por compreenderem o ser humano que há em mim. Amo muito vocês!
Aos amigos Cláudio
e
Iara que, incondicionalmente, estiveram ao meu lado nesta
caminhada de tantos obstáculos. Vocês me fizeram acreditar que eu podia estar aqui.
À amiga Ana Maria Schultze, que tantas e repetidas vezes ouviu e discutiu
pacientemente a minha proposta de pesquisa – ao vivo, ao fone, ao email - e me ajudou
a pensar sobre ela, além de me acolher com carinho em sua casa em Sampa.
Às pessoas queridas – minha mãe,
, ,
, minha tia Badu
e
a
Maria Inez – que cuidaram com
carinho dos meus filhos quando eu precisava viajar para São Paulo.
Ao Grupo Mediação Arte-Cultura-Público por me inspirar, instigar e me mover a
querer mais, obrigada a cada um de vocês do Grupo”: Ana, Celina, Cláudio, Lídice,
Lurdinha, Maria Lúcia, Mirian, Olga, Pio, Rita e Solange. Vocês fizeram a
diferença!
A outras pessoas queridas que em meio a este percurso de mestrado me inspiraram,
acolheram, influenciaram, ajudaram, socorreram, enfim, estiveram comigo direta ou
indiretamente de forma construtiva: Valéria Alencar, Christiane Coutinho Orloski,
Ana Cândida Magalhães, Janete Ruzza e
Amélia Garcia.
Aos meus alunos da 1
a
série e da 8
a
série, por me proporcionarem toda esta riqueza
de informações sobre como compreendem a arte.
Às escolas e à faculdade, meus locais de trabalho Colégio Coopere,
, ,
, Colégio Fef
Teen
e
Unijales - que compreenderam a minha ausência em muitos momentos, sem o
que esta dissertação não seria possível.
Eu quase que nada não sei. Mas desconfio de muita coisa.
Na vida, o que aprendemos mesmo é a sempre fazer maiores perguntas.
Mire veja: o mais importante e bonito do mundo é isto: que as pessoas não estão
sempre iguais, mas que elas vão sempre mudando.
O correr da vida embrulha tudo. A vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí
afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem.
Viver é muito perigoso... Porque aprender a viver é que é o viver mesmo...
Travessia perigosa, mas é a da vida. Sertão que se alteia e abaixa... O mais
difícil não é um ser bom e proceder honesto, dificultoso mesmo, é um saber
definido o que quer, e ter o poder de ir até o rabo da palavra.
Guimarães Rosa
Guimarães RosaGuimarães Rosa
Guimarães Rosa
Resumo
Esta dissertação se propõe a compreender o desenvolvimento estético dos meus
alunos da 1
a
e da 8
a
séries do Ensino Fundamental em uma Cooperativa de Ensino
na cidade de Fernandópolis, interior do Estado de São Paulo. O desenvolvimento
estético é abordado aqui como uma possibilidade da qual o professor dispõe para
identificar as diferentes formas de compreensão que os alunos têm da arte, além de
permitir-lhe adequar suas propostas pedagógicas às potencialidades e limites dos
alunos.
Sendo o desenvolvimento estético um processo que depende da qualidade das
experiências que os sujeitos têm com a arte, a minha formação estética resultante
de experiências e histórias com a arte – foi também motivo de reflexão nesta
pesquisa, uma vez que é determinante para a minha atuação em sala de aula e para
a minha relação com a arte e que se reflete na formação estética dos meus alunos.
A leitura de imagem foi utilizada como método para avaliar o desenvolvimento
estético dos alunos e dois instrumentos distintos uma entrevista e uma avaliação
escrita foram elaborados para que eles pudessem falar sobre as imagens.
Diferentes tipos de perguntas e imagens foram testados nestes instrumentos, com a
finalidade de identificar aqueles que se adéquam melhor à avaliação do
desenvolvimento estético dos alunos e ao mesmo tempo à estimulação desse
desenvolvimento. Além disso, também fiz uma leitura de imagens visando identificar
as minhas formas pessoais de compreensão da arte, o que ampliou o meu olhar
sobre as falas dos alunos.
O conceito de curadoria educativa veio contribuir para a reflexão sobre as
escolhas que faço como professora e para a consciência da influência delas sobre o
desenvolvimento estético dos alunos, para a ampliação de seus repertórios e para a
sua formação estética.
As duas turmas apresentaram formas distintas de compreensão da arte e
revelaram em suas falas as referências e preferências que constituem seu repertório
e os valores que norteiam sua leitura das imagens e sua compreensão da arte. A
análise da minha leitura de imagem, somada às reflexões sobre minha formação
estética, permitiram-me tomar consciência da responsabilidade que na interação
entre o desenvolvimento estético do professor, sua formação estética e aquilo que
ele propõe para seus alunos na escola.
Esta pesquisa pode contribuir para que outros professores de arte, em seus
contextos específicos e singulares de trabalho, possam compreender o
desenvolvimento estético de seus alunos como forma de aproximação entre suas
expectativas pedagógicas e as possibilidades e necessidades estéticas destes
alunos.
PALAVRAS-CHAVE: Desenvolvimento estético; Experiência estética; Curadoria
Educativa; Ensino da arte.
GRANDE ÁREA: Letras, Lingüística e Artes
ÁREA: Artes
Abstract
This research intends to understand the aesthetic development of my students
from first and eighth grade of Basic Formation in a school from Fernandópolis, São
Paulo. The aesthetic development is treated here as a possibility that a teacher has
to identify different forms of comprehension that students have of art, and also permit
the teacher to adapt his pedagogical propose to students possibilities and limits.
As the aesthetic development is a process that depends of the quality of the
persons experiences with arts, in this research my aesthetic formation was also
analyzed, considering my experiences and histories with art, once it determinate my
teaching in classroom and my relationship with art and this is going to influence my
student aesthetic formation.
An image reading was used as a method to evaluate the aesthetic development of
students and two different instruments an interview and a questionnaire was
prepared for them to talk about the images. Different kind of questions and images
were tested in this instrument, intending to identify those which better adapts to
evaluate students aesthetic development and as the same time stimulates this
development. On top of that, I also made an image reading trying to identify my own
personal forms of art comprehension, what gave me other points of views of students
talk about images.
The concept of educative guardianship came to help reflecting about chooses that I
make as a teacher and to notice the influence of them in the students aesthetic
formation, to increase students repertory and their aesthetic formation.
Both grades demonstrated different form of art comprehension and they revealed in
their speech their references and preferences that constitutes their repertory and
their values that orientates there image reading and their art comprehension. My
image reading analyze, added to reflections about my aesthetic formation allowed
me to notice the responsibility that exists in the relationship between teachers
aesthetic development, his aesthetic formation and what he propose for his students.
This research can contribute to other art teachers, in their specific and singular
contexts of work, to understand the aesthetic development of their students as a form
to approximate their pedagogical expectation to the aesthetic possibilities and
necessities of these students.
KEY-WORDS: Aesthetic development; Aesthetic experiences; Educative
guardianship; Art teaching.
GREAT AREA: Languages, Linguistics and Arts
AREA: Arts
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO___________________________________________________
1
CAPÍTULO I FORMAÇÃO ESTÉTICA: reflexões de quem aprende e ensina
arte ___________________________________________________________
7
Histórias de vida e arte _______________________________________
8
Experiências estéticas _______________________________________
18
CAPÍTULO II DESENVOLVIMENTO ESTÉTICO: a busca da compreensão e
do sentido da arte ________________________________________________
31
O conceito de desenvolvimento estético _________________________
32
Michael Parsons e a compreensão da arte _______________________
46
Abigail Housen e o desenvolvimento da resposta estética ___________
57
Maria Helena Wagner Rossi e as imagens que falam ______________
68
Teresinha Sueli Franz e a compreensão crítica da arte______________
78
A confluência destes quatro autores ___________________________
86
CAPÍTULO III A PROFESSORA E SEU CONTEXTO: pesquisa, curadoria e
autoria _________________________________________________________
93
O contexto do qual se está falando______________________________
94
A escolha das imagens: um exercício de curadoria educativa ________
99
Instrumentos para avaliar o desenvolvimento estético ______________
118
CAPÍTULO IV – CONVERSAS COM A 1ª SÉRIE________________________
130
O que dizem as crianças ao olharem para a arte? _________________
131
Panorama das entrevistas_____________________________________
162
CAPÍTULO V – O OLHAR DA 8ª SÉRIE
______________________________
170
Como se encontram os adolescentes com a arte _________________
171
Considerando algumas leituras particulares ______________________
190
Um panorama das análises____________________________________
197
CAPÍTULO VI – A COMPREENSÃO DA ARTE PELA PROFESSORA ______
212
É um Van Gogh! ___________________________________________
215
É como se fosse um “Discóbulo de Miron...” _____________________
219
CONSIDERAÇÕES FINAIS_________________________________________
222
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS__________________________________
227
ANEXOS_______________________________________________________
233
Introdução
IntroduçãoIntrodução
Introdução
Agora que o podemos crer no que acreditávamos nem dizer o que dizíamos, agora que nossos
saberes não se sustentam sobre a realidade nem nossas palavras sobre a verdade, talvez seja a
hora de aprender um novo tipo de honestidade: o tipo de honestidade que se exige para habitar com
a maior dignidade possível um mundo caracterizado pelo caráter plural da verdade, pelo caráter
construído da realidade e pelo caráter poético e político da linguagem.
Jorge Larrosa
Nem sempre fazemos escolhas conscientes, mas estamos sempre fazendo
escolhas e penso que somente o tempo e a experiência, aliados à coragem e ao
discernimento dos quais eles nos revestem é que conseguem lapidar nossa
consciência oculta entre tantos afetos, emoções e histórias.
Venho escrevendo alguns anos uma história com a arte e com a educação
que amadurece devagar e comporta conflitos, contradições e um grande desejo em
acertar. Sei, no entanto, que não caminho único, melhor ou mais cil, mas que
todo caminho se constrói na medida em que tomamos em nossas mãos as rédeas
que definem sua direção e seu sentido dentro da nossa história.
Acredito que a arte e a educação sejam os caminhos mais efetivos e afetivos
para a minha compreensão e intervenção no mundo e é nessa crença que me
fortaleço para continuar sendo arte-educadora, mesmo que a princípio eu nem
sequer imaginasse o que representaria essa escolha em minha vida.
Esta pesquisa revela parte dessa história, desse caminho, das reflexões, da
tomada de consciência e do olhar que venho aos poucos construindo e ampliando a
cerca da arte e da educação. Revela também a inquietude diante daquilo que
precisa ser melhor compreendido para que possa ser transformado e aprimorado.
Ensinar arte em uma cidade do interior do Estado de São Paulo é uma condição
diante de minha escolha profissional. Buscar continuamente ampliar minha formação
constitui-se em ideologia e desafio.
Neste contexto, propus-me a pesquisar o desenvolvimento estético dos meus
alunos do Ensino Fundamental I para entender o modo como compreendem a arte
visando aproximar minhas expectativas de professora das suas possibilidades como
alunos. O desenvolvimento estético é um processo por meio do qual a compreensão
que os sujeitos têm da arte vai se tornando cada vez mais estruturada e complexa
em função da qualidade de suas experiências com a arte.
É desafiador para o professor desenvolver em sala de aula um ambiente
acolhedor das mais distintas preferências e referências artísticas e ao mesmo tempo
provocador/propositor de experiências significativas com a arte para um grupo
diverso de alunos. Dentre os muitos saberes envolvidos no processo de mediação
da arte na escola, o desenvolvimento estético se apresentou para mim como um
caminho viável de acesso aos conhecimentos sobre a arte que os alunos trazem
consigo, a fim de tomá-los como ponto de partida para a vivência de novas
experiências e para a construção de novos conhecimentos em arte.
Foi assim que elaborei instrumentos – entrevista e avaliação escrita – para
considerar o desenvolvimento estético dos alunos por meio da leitura de imagens
que é um fazer presente no trabalho do arte-educador que se fundamenta na
Proposta Triangular. Em consonância com as reflexões suscitadas pela pesquisa,
compreendi que também seria importante que eu me dispusesse a fazer uma leitura
de imagens para compreender o meu desenvolvimento estético e suas implicações
em minha prática docente.
Minha própria experiência com a arte permeia todo o percurso da pesquisa.
Sendo assim, no Capítulo I desta dissertação discorro sobre minha formação
artística e estética definida por experiências que remontam à infância e às
peculiaridades da minha vida no interior. Essa retomada histórica representou o
ponto de partida para uma reflexão maior sobre meu próprio desenvolvimento
estético e sobre minha atuação como mediadora de experiências com arte na escola
e conseqüentemente para uma aproximação com o desenvolvimento estético dos
meus alunos.
Compreender como se constituíram meus repertórios e preferências,
proporcionou-me uma visão esclarecedora sobre algumas das escolhas que fiz,
sobre os conceitos que as fundamentam e sobre sua importância na formação
estética dos meus alunos. Como professora ou como aluna, percebi que “conceitos”
são internalizados e transformados em experiências se refletidos e confrontados
com nossa prática e com nossas convicções, caso contrário, somam-se a outras
tantas vivências que temos e para as quais não encontramos sentido ou
aplicabilidade. Deste pensar, refletir e questionar surgiram várias questões que
colocaram à prova muitos dos meus conceitos e convicções de professora de arte
tais como:
O que me faz ser a educadora que sou?
De onde vêm meu gosto e minhas referências na arte e na educação?
O que me faz querer buscar novas possibilidades de aprender e ensinar arte?
O que os alunos pensam sobre a arte e como formam seus conceitos?
Como não julgar seus conceitos ou impor-lhes meus próprios conceitos?
Como a aula de arte pode contribuir para o possível avanço no
desenvolvimento estético dos alunos ao longo dos anos de escolaridade?
É possível vivenciar experiências significativas com a arte na escola?
Que tipo de arte estou privilegiando na escola?
Essas e outras tantas reflexões somadas às leituras me fizeram perceber que
não é possível dissociar o conceito de desenvolvimento estético do conceito de
experiência estética e assim, ainda no capítulo I, discuto os conceitos de experiência
segundo John Dewey e Jorge Larrosa, problematizando a questão à luz das idéias
desses autores e da minha realidade de professora.
No Capítulo II apresento uma revisão bibliográfica das pesquisas que tratam da
questão do desenvolvimento estético. A partir dessa revisão selecionei quatro
autores para fundamentar teoricamente a minha pesquisa, são eles: Michael
Parsons, Abigail Housen, Maria Helena Wagner Rossi e Teresinha Sueli Franz. A
compreensão das idéias desses autores, bem como das semelhanças e contrastes
em seus contextos e abordagens de pesquisa, foi fundamental para o recorte de
minha pesquisa e para a direção que tomou o meu olhar quando me deparei com as
leituras de imagens dos meus alunos.
Como afirmei inicialmente, o tempo todo estamos fazendo escolhas e nesta
pesquisa elas se estenderam para além da fundamentação teórica e são
apresentadas e discutidas no Capítulo III. Trata-se de escolhas metodológicas,
escolhas de escola e ries, escolhas de imagens, escolhas de instrumentos de
avaliação, enfim recortes que se tornaram necessários dentro do contexto em que
trabalho e que acabaram por refletir meu pensar e meu fazer pedagógico. Este
capítulo aborda também tais escolhas como um exercício de curadoria educativa
praticado pelo professor em seu dia-a-dia.
Os capítulos IV, V e VI trazem as análises e considerações das leituras de
imagens feitas, respectivamente pelos alunos da rie, pelos alunos da série e
por mim mesma, com o intuito de compreender o desenvolvimento estético revelado
em suas falas ao lerem as imagens. Enquanto falam, os sujeitos revelam formas de
compreensão da arte, fazem interpretações, expõe recursos dos quais dispõem para
dar sentido ao que vêem.
Captar as sutilezas e a riqueza de informações contidas no que dizem os alunos,
demanda do professor uma escuta e um olhar apurados que consigam desnudar as
palavras e chegar até a estrutura do pensamento.
Ao encerrar a dissertação aponto algumas formas de compreensão do
desenvolvimento estético dos meus alunos reveladas pela pesquisa e menciono
também possibilidades de como fazer essa avaliação na escola. Aponto para outras
questões que continuam a me inquietar e a me impulsionar para seguir fazendo da
minha prática, objeto de reflexão, estudo e pesquisa para que a professora que eu
desejo e acredito ser, possa ser!
(...) o professor tem o direito (e o dever) de conhecer o desenvolvimento
estético do seu aluno assim como o tem de outros tipos de
desenvolvimento: motor, cognitivo, emocional, social, moral, gico-
matemático, lingüístico ou gráfico-plástico. E a especificidade do
conhecimento estético merece ser conhecida e tratada com o mesmo rigor
que as outras formas de conhecimento. (ROSSI, 2003, p.11)
Capítulo I
Capítulo ICapítulo I
Capítulo I
Formação Estética
Formação Estética Formação Estética
Formação Estética
Reflexões de quem aprende e ensina arte
A formação verdadeira consiste em dispor de discernimento, e este só se alcança
se se conhece a lógica que rege internamente os diversos processos humanos.
Alfonso López Quintás
Histórias e vivências com a arte
Quando me ponho a vasculhar a memória buscando os primeiros e mais
significativos encontros com a arte, percebo que minha família e a cidade onde
cresci foram as referências mais marcantes na determinação de minhas escolhas,
na formação do meu gosto, na escrita da minha história de vida permeada pela arte.
Na família os meus pais foram a minha grande referência, pois cada um
apreciava determinadas linguagens artísticas e assim, desde a infância tive contato
com música, pintura, teatro, cinema e literatura. Desde pequena tomei gosto pelos
livros, mas eu não gostava apenas de lê-los, gostava de cultivá-los, de sentir seus
cheiros, de encapá-los, de escrever neles o meu nome, o ano e o local da compra
para me lembrar sempre da história de cada um.
Como não havia livraria na minha cidade, meu pai e eu fazíamos pedidos pelo
correio ou ele me trazia livros de São Paulo. Em nossas viagens de férias, as visitas
às livrarias eram certas e em nossa casa havia sempre um cantinho calmo e
aconchegante para a leitura.
Minha mãe mantinha na grande estante de livros uma preciosidade chamada
“Gênios da Pintura” que eu folheava para ver as imagens, embora não me
interessasse pelos textos. Lembro-me de ter arrancado de um dos livros – escondido
de minha mãe - todas as imagens de Wassily Kandinsky, como se fosse possível, ao
trazê-lo para mais perto de mim, incorporar a sua arte, o seu estilo. De certa forma, a
idéia funcionou!
Minha mãe era professora de artes, mas nunca me deu aulas na escola. Exerceu
a docência em um período no qual os principais objetivos do ensino de arte eram a
livre produção artística e a técnica.
Independente desse período ou de ela não ter sido minha professora, ela foi, sem
dúvida, a minha primeira arte-educadora no campo das artes visuais, pois trazia
para casa muitos trabalhos de alunos para avaliar, espalhava-os pela mesa e eu
acompanhava tudo de perto. Lembro-me dos mosaicos, dos vitrais e das letras
decoradas e lembro-me também de produzirmos artesanato em casa - pintura em
gesso e envelhecimento de quadros.
As paredes da minha casa eram decoradas com quadros. No corredor dos
quartos havia uma série de reproduções de obras de arte, dentre as quais: Monalisa,
de Leonardo da Vinci, O Beijo, de Gustave Klimt, Mulher com Turbante, de
Johannes Vermeer, Crucificação, de Salvador Dali, As Taitianas, de Paul Gauguim e
outros que se apagaram da memória. Na minha sala havia quadros de pintores
locais Tito Montenegro e Bira Toricelli conhecidos por meu pai através de um
fotógrafo e escritor local, amigo da família, Wilson Granella.
Além da decoração, o estilo arquitetônico da nossa casa também se constitui
hoje, parte do meu repertório e das minhas preferências. A construção foi feita em
estilo rústico, com tijolos a vista, lampiões iluminando a fachada e não havia portão,
como numa fazenda. Entretanto, apesar deste gosto pelo rústico e pela arte local,
meus pais valorizavam muito aquilo que vinha de fora da nossa cidade,
preferencialmente de São Paulo para onde viajávamos todos os anos.
Dessas viagens trazíamos muitas fotografias e desde cedo eu me interessei por
elas, comecei a cuidar da câmera e a organizar os álbuns e então, a fotografia
passou também a constituir parte do meu repertório artístico.
Quando voltávamos das viagens para o interior, meu pai dizia que estávamos
voltando para o sertão. Hoje vejo o quanto esse olhar dos meus pais sobre a capital
impregnou o meu olhar. Cresci acreditando que cultura havia na cidade de São
Paulo e foi preciso um longo caminho para que eu pudesse enxergar e assumir que
gostava das coisas do interior, das coisas rústicas, simples e bonitas, do sotaque
forte, da fala regional, da música verdadeiramente caipira que conta com tanta
poesia os “causos” da gente do interior.
Não posso deixar de me lembrar também das influências de minhas bisavós e
tias. Costureiras, crocheteiras, cozinheiras e jardineiras. Sem que soubéssemos,
elas também participavam da minha formação estética. Além disso, minha mãe nos
dava, a mim e a minha irmã, liberdade para rearranjarmos a decoração da casa e
pegamos gosto por isto.
Experimentando um pouco de tudo aquilo que me foi esteticamente legado:
artesanato, decoração, pintura, moda e paisagismo, descobri no desenho a minha
forma de produção artística preferida, a linguagem visual com a qual mais me
identifico. Gosto de pesquisar, pensar e criar linhas, formas e texturas, encanto-me
com grafismos indígenas e aborígenes. Meus desenhos passam por essas
influências. Não me identifico muito com tintas, mas sou apaixonada por todo tipo de
lápis, os que escrevem, os que desenham, os que pintam, os que registram
pensamentos, sentimentos, movimentos...
Todos os ensinamentos informais a mim transmitidos de um jeito simples e
carinhoso foram compondo minhas primeiras experiências estéticas sem que eu
mesma tivesse consciência disso, foram definindo parte do que hoje eu sou como
pessoa e como arte-educadora, pois como descreve Coutinho:
Carregamos nossas vivências em nossa memória, mas elas podem
compor uma história e tornarem-se experiências no momento em que nos
dispomos a refletir, a relacionar e a tecer nossas singularidades. Carregamos
vestígios comuns ao nosso meio, ao nosso contexto, à nossa época, mas a
recepção e o acolhimento dessas vivências passam por filtros de forte teor
afetivo e cognitivo que os singularizam. Somos de uma mesma família, temos
as mesmas influências estéticas, passamos por situações educacionais
semelhantes; entretanto, desenvolvemos um gosto particular pela arte, por
exemplo, diferente de um irmão ou irmã. Os legados comuns nos unem, os
singulares nos identificam. (2004, p.145)
Das aulas de artes na escola primária não me recordo de muita coisa, a não ser
de algumas ampliações e reduções de desenhos, da confecção de lembranças para
o dia das mães e de um relaxamento que antecedeu uma aula de teatro. Na
verdade, minhas melhores lembranças da escola básica são as aulas de matemática
e língua portuguesa, lembro-me de gostar das aulas, gostar das professoras e de
aprender.
Do ensino médio, era apaixonada pelas aulas de literatura, por me deliciar com
os poemas, estilos, histórias e trechos de livros contados pelos professores. Essas
aulas eram realmente significativas para mim.
Amigos também tiveram grande contribuição na minha história com a literatura e
com a música, com eles conheci, partilhei e desfrutei de Fernando Pessoa, Ernest
Hemingway, Roberto Freire, Gabriel García Marques, Carlos Drumond de Andrade,
Jack Kerouac, The Beatles, Raul Seixas e tantos outros.
A música teve um lugar especial em minha formação e acredito que isso se deva,
em grande parte, a minha formação em conservatório musical, onde estudei piano
por 10 anos e depois violão. Aprendi a ouvir, a perceber ritmos, harmonias e
melodias e gostava de tocar piano de olhos fechados, pois percebia que sem a visão
eu podia ouvir melhor.
Ao término do ensino dio, ingressei no curso de oceanografia e fui para o Rio
Grande do Sul, muito longe das minhas raízes. O mais interessante foi descobrir que
as pessoas que buscavam esse curso tinham também histórias significativas com a
arte. Havia todo ano uma mostra de artes dos alunos da oceanografia e sei que
ainda e neste ínterim, eu e alguns amigos formamos uma banda de rock, a
“Bellum Navis”.
Ao terminar este curso eu sabia que não queria seguir trabalhando na área e
comecei a trilhar outro caminho. De volta a São Paulo e ao interior, comecei a
lecionar matemática e desenho geométrico e, inesperadamente, me ofereceram
algumas aulas de educação artística. Eu não tinha graduação nesta área e me
convidaram simplesmente porque eu tinha habilidades manuais.
Quando olho pra trás, vejo que o que eu considero hoje uma imprudência e um
descaso com a disciplina de artes, foi o que acabou por me levar aonde eu queria
chegar e que até então não tinha consciência.
Fui lecionar em Minas Gerais e foi que, em contato com revistas pedagógicas
no intervalo das aulas, comecei a perceber que havia uma nova proposta para o
ensino da arte, diferente daquela que eu estava seguindo e, por sinal, bastante
semelhante àquela através da qual eu havia aprendido.
Isto se deu por volta de 1994 e a partir de então, passei a assinar revistas que
traziam matérias sobre arte-educação em que encontrava indicações bibliográficas
pelas quais fui me interessando. Ao longo da década de 90, em especial na segunda
metade, entrei com contato com livros de autores como João Francisco Duarte Jr.,
Ana Angélica Albano Moreira, Florence de Mèredieu, Paulo de Tarso Cheida Sans,
Sueli Ferreira, Viktor Lowenfeld, Ana Mae Barbosa, Analice Dutra Pillar e Edith
Derdyk.
Comecei a freqüentar cursos, encontros e seminários sobre o ensino da arte na
cidade de São Paulo estava de volta à cidade que eu havia aprendido a admirar
tanto e da qual estava distante havia tempos. Pude ouvir em 1998, no Sesc Pompéia
I Congresso Latino-Americano de Arte-Educação Inclusiva a fala da professora
Ana Mae Barbosa, que me fez perceber a responsabilidade e a grandiosidade do
trabalho ao que estava me dispondo.
Nessa ocasião, eu havia lido algo sobre a Metodologia Triangular,
desenvolvida pela professora Ana Mae, que prefere hoje designar como Proposta
Triangular, pois, segundo ela mesma, metodologia é construção de cada professor
em sua sala de aula (1998b, p.33).
Tanto quanto naquele momento, é hoje imprescindível a s arte-educadores
brasileiros, termos conhecimento da Proposta Triangular, refletirmos sobre sua
interação, aplicação e funcionalidade em nossa prática docente, pois a consciência
das nossas escolhas teórico-metodológicas é que nos torna mais reflexivos,
autênticos e produtivos.
A Proposta Triangular foi sistematizada e testada no Museu de Arte
Contemporânea da USP, entre os anos de 1987 e 1993, por meio da leitura dos
originais das obras de arte. Entre 1989 e 1992 ela foi experimentada nas escolas da
rede municipal da cidade de São Paulo, por meio da leitura de reproduções das
obras e de visitas aos originais no museu. Nesse período a prefeitura de São Paulo
contava com Paulo Freire como Secretário de Educação do Município e a
experiência com a Proposta Triangular foi conduzida inicialmente pela professora
Ana Mae e, posteriormente, por Regina Machado e Christina Rizzi.
Ainda em 1989, iniciou-se uma pesquisa com a Proposta Triangular nas 5
as
séries
das escolas da rede pública e privada do município de Porto Alegre, no Estado do
Rio Grande do Sul, pesquisa essa, financiada pela Fundação Iochpe e coordenada
pelas professoras Analice Dutra Pillar e Denyse Vieira. a experiência se deu por
intermédio de vídeo para a leitura das obras de arte.
Para um melhor entendimento da Proposta Triangular, utilizo-me de palavras da
professora Ana Mae Barbosa:
A Proposta Triangular deriva de uma dupla triangulação. A primeira é de
natureza epistemológica, ao designar os componentes do
ensino/aprendizagem por três ações mentalmente e sensorialmente
básicas, quais sejam: criação (fazer artístico), leitura da obra de arte e
contextualização. A segunda triangulação está na gênese da própria
sistematização, originada em uma tríplice influência, na deglutição de três
outras abordagens epistemológicas: as Escuelas al Aire Libre mexicanas, o
Critical Studies inglês e o Movimento de Apreciação Estética aliado ao
DBAE (Discipline Based Art Education) americano. (1998b, 33-34)
Para compreender a Proposta Triangular é preciso atentarmos para a própria
imposição de imagens que o mundo contemporâneo nos faz, exigindo de nós um
preparo para a compreensão crítica dessas imagens, visto que aprendemos com
elas consciente ou inconscientemente (BARBOSA, 1998a, p.34). Portanto, apenas o
fazer artístico, predominante no ensino da arte no Brasil por muito tempo, não é
suficiente para a formação visual dos indivíduos. Além dele, faz-se necessária a
leitura desse mundo visual.
Contudo, ler também não basta, é preciso fazer uma leitura consciente e crítica
das imagens e para tanto, é preciso contextualizar essa leitura. Segundo Ana Mae,
esta contextualização pode ser histórica, social, psicológica, antropológica,
geográfica, ecológica, biológica etc, pois contextualizar é estabelecer relações, é
trabalhar interdisciplinarmente. (BARBOSA, 1998b, p.37)
Contextualizar é levar em conta não apenas o contexto da obra e de seu autor,
mas também o contexto daquele que lê, pois conforme Paulo Freire (1982 apud
PILLAR, 2001, p.14):
(...) ler é adentrar textos, compreendendo-os na sua relação dialética com os
seus contextos e o nosso contexto. O contexto do escritor e o contexto do
leitor. Ao ler eu preciso estar informando-me do contexto social, político,
ideológico, histórico do autor. Eu tenho de situar o autor num determinado
tempo.(...) Quando eu leio um autor eu preciso ir me inteirando do contexto
dele, em que aquele texto se constitui. Mas agora eu preciso também de um
outro esforço: de como relacionar o texto com o meu contexto. O meu
contexto histórico, social, político não é o do autor. O que preciso é ter clara
esta relação entre o contexto do autor e o contexto do leitor.
Ler, contextualizar e produzir devem ser, portanto, os três eixos condutores do
ensino/aprendizagem da arte. Contudo, houve inicialmente, uma interpretação sobre
essa produção artística como releitura de obras de arte, que também foram
compreendidas por alguns arte-educadores dentre os quais me incluo - como
cópias de obras de arte.
Analice Dutra Pillar (2001, p.18), afirma que no ensino da arte, a leitura tem sido
concebida como algo mais teórico e a releitura, um fazer a partir de uma obra,
contudo, a idéia de releitura deve envolver recriação, reconstrução, uma nova
contextualização da obra a partir da realidade de quem a relê e não uma mera cópia,
pois assim, estaríamos voltando ao tecnicismo
1
e desenvolvendo apenas habilidades
manuais de reprodução de imagens e não levando os indivíduos a pensarem, a
imaginarem, a desenvolverem suas formas próprias de expressão.
A esta altura da minha história de vida e em meio a estes novos conhecimentos a
respeito da arte-educação eu, que era mãe de três filhos, resolvi cursar uma
especialização em Psicopedagogia em uma cidade vizinha. Deste curso originou-se
um grande interesse pelo desenho infantil, o qual foi tema da minha monografia
nesta especialização e de alguns mini-cursos que ministrei em Fernandópolis e nas
cidades vizinhas.
Estes mini-cursos visavam ampliar o olhar dos professores para as possibilidades
de compreensão e de produção do desenho em sala de aula. Eu lhes propunha que
retomassem a prática do desenho na escola, mas tomando o desenho como forma
de expressão do aluno e como uma linguagem a ser desenvolvida e não apenas
utilizada como ilustração de textos ou como desenho livre.
1
Este termo se refere ao tipo de ensino da arte vigente no Brasil entre os anos de 1970 e 1980,
caracterizado por apresentar proposição temática, transmissão de técnicas expressivas e livre-
expressão.Ver Tese de Erinaldo Alves do Nascimento, Mudanças nos nomes da arte na educação:
Qual infância? Qual ensino? Quem é o bom sujeito docente? São Paulo, ECA/USP, 2005
(orientação de Ana Mae Barbosa).
Paralelamente, eu experimentava em minhas aulas um trabalho comprometido
com o desenvolvimento do grafismo infantil com crianças até a rie do ensino
fundamental.
Ao término dessa especialização, finalmente fui cursar Educação Artística, mas
devo dizer que aquilo que eu havia lido até então sobre arte e educação era muito
mais do que o curso de educação artística exigia ou me proporcionava.
Concluído o curso, continuei lendo, buscando, querendo aprender mais para
ensinar melhor e sabia que a oceanografia havia legado a mim um gosto muito forte
pela pesquisa. Foi então que procurei o Instituto de Artes da Unesp na cidade de
São Paulo e dei início a uma nova etapa da minha formação.
Devo admitir que o fato de morar no interior não é exatamente um elemento
facilitador desse processo todo, mas é por outro lado, determinante para que eu não
me acomode, pois fui acostumada, desde pequena, a buscar o que eu queria além
das fronteiras da minha realidade.
O que me move? Este gosto cultivado pela arte ao longo dos anos de minha vida
e de minha formação como pessoa e como profissional. Move-me o gosto pela
pesquisa, a crença na educação formal como umas das maneiras de democratizar o
acesso aos bens culturais da humanidade. Move-me a crença de que a arte nos faz
mais humanos e ao mesmo tempo mais reflexivos, conscientes e críticos. Move-me,
acima de tudo, o desejo de que meus alunos possam desenvolver suas
potencialidades artísticas, que possam compreender a arte e que ela possa ser para
eles, um meio de expressão e de compreensão de suas próprias vidas e do mundo.
Esse revirar de lembranças para remover a poeira do tempo e refletir sobre
minhas próprias histórias de formação constitui-se numa importante tomada de
consciência, num exercício de compreensão das minhas referências e da percepção
de como elas me constituem.
Nesse processo, afeto e cognição se mesclam para reconstituir histórias e isso
requer um apuramento do olhar, um rearranjo das emoções que vão se lapidando à
medida que trazem à tona as razões de nossas escolhas. É nesta tomada de
consciência sobre nossa formação estética/artística que cultivamos o
reconhecimento e o valor por nossa própria identidade como sujeitos que se
dispõem a formar outros sujeitos.
As histórias pessoais de vida nos fazem compreender, refletir e assumir aquilo
que nos é significativo, aquilo que nos toca, que compõe nossas referências,
preferências e repertórios. Como educadores sabemos que a aprendizagem
significativa deve passar pelas referências pessoais de cada aluno, deve fazer
sentido dentro dele para que o novo conhecimento seja incorporado.
Como professores não seria diferente, pois também aprendemos a partir daquilo
que nos é significativo e em determinado instante de nossa história, diante da
responsabilidade que assumimos na profissão que escolhemos, chega o momento
de tomarmos conhecimento das nossas aprendizagens e escolhas para que
possamos ser conscientes e responsáveis pelo que propomos em sala de aula.
Coutinho destaca a importância desse processo de apropriação de sua história
de vida como um método auto-biográfico na formação de educadores, à medida que
lhes permite ampliar sua capacidade de autonomia, de iniciativa e de consciência de
suas decisões. A autora afirma também que:
... a proposta é enfocar as experiências que resultaram em conhecimentos
acerca da arte e da cultura na vida de cada um, procurando situá-las no
contexto em que aconteceram, buscando desvelar as concepções artísticas
e estéticas implícitas nos procedimentos de aprendizagem, tecendo
relações com a história do ensino de arte no Brasil e ampliando assim os
conhecimentos sobre si mesmo e sobre a sua formação. (2004, p.151)
Experiências estéticas
O retorno ao meio universitário – desde o ingresso como aluna especial da Profa.
Dra. Mirian Celeste Martins, na disciplina Mediação Arte/Público: possibilidades e
limites na formação de fruidores/leitores dos signos artísticos – colocou-me em
contato com novas leituras e discussões que ativaram reflexões sobre minhas
vivências com a arte até então.
Apesar dos contatos permanentes com variadas linguagens artísticas desde a
infância, foi quando me tornei arte-educadora que comecei a freqüentar
regularmente exposições de arte em São Paulo.
Minhas visitas às exposições se caracterizavam por um lado pela satisfação do
meu desejo e prazer pela arte, e por outro, por uma enorme ansiedade e
preocupação em absorver a maior quantidade possível de informações para
transmiti-las aos meus alunos no interior do estado de São Paulo.
Assim, dados relativos às obras e aos artistas expostos em longos textos de
parede, nos folders, catálogos e encartes dos museus e instituições culturais eram
devorados por mim, no desejo de ampliar meu repertório, de estar bem informada e
atualizada. Não vejo e nem acredito que fosse uma postura errada, ela foi sim, a
postura possível naquele momento, com as referências e conhecimentos que eu
trazia em minha bagagem pessoal.
Contudo, ficavam evidentes nessa forma de encontro com a arte, os conceitos
de ensino/aprendizagem e de cultura cultivados por mim aentão conceitos de
ensino/aprendizagem voltados para a transmissão de conhecimentos e conceito de
cultura com referência apenas à alta cultura, aquela que havia na capital.
Algum tempo seria ainda necessário até que eu pudesse reestruturar esses
conceitos, repensá-los e reorganizá-los em minha prática, aliás, acabei por entender
que o processo de formação é contínuo, que minha prática e minhas referências
estão constantemente em construção e que nunca estarão acabadas, prontas ou
terminadas. Percebi também que a reflexão e o desejo por mudança são
absolutamente internos e pessoais, pois de nada adianta ler bons textos ou ouvir
brilhantes palestrantes se não nos dispomos a nos questionar, a colocar nossas
convicções à prova e a aceitar que as coisas podem ser diferentes.
Assim, a professora que inicialmente acreditava que seus alunos do interior não
tinham contato com a arte e com a cultura, pôde descobrir – literalmente – que todos
estão em contato com a cultura, pois somos seres culturais, nos identificamos ou
nos diferenciamos pela diversidade cultural. Percebeu também que uma de suas
funções como arte-educadora é estimular os alunos a tomarem consciência de suas
identidades culturais, a valorizá-las e ampliá-las, conhecendo e tendo experiências
com outras possibilidades de arte e cultura, além daquelas com as quais eles
convivem.
O conceito fundamental para esse processo de reflexão e mudança que vivenciei
foi o conceito de “experiência” e o contato com ele se deu por intermédio de dois
autores, primeiramente John Dewey
2
e em seguida Jorge Larrosa
3
.
2
John Dewey (E.U.A. 1859 1952): é filósofo e escreveu, dentre outros livros, Art as Experience e
embora tenha tido influência sobre educadores brasileiros da primeira metade do século XX
especialmente no período conhecido como Escola Nova – chegou até os arte-educadores de hoje por
meio das pesquisas da Profa. Dra. Ana Mae Barbosa, segundo a qual, Dewey é importante não
porque é um clássico, mas porque antecipa inúmeros dilemas da condição pós-moderna. (John
Dewey e o ensino da arte no Brasil. São Paulo: Cortez. 2002, p. 9)
3
Jorge Larrosa é doutor em pedagogia pela Universidade de Barcelona, Espanha, onde atualmente
é professor titular de filosofia da educação. Publicou diversos artigos em periódicos brasileiros e tem
alguns livros traduzidos como o: Imagens do outro (Vozes, 1998), Pedagogia profana (Autêntica,
1999) e Linguagem e educação depois de Babel (Autêntica, 2004). O texto que utilizo como
referência nesta dissertação - Experiência e Paixão - faz parte deste último livro.
Embora cada um desses teóricos defina experiência a seu modo e com suas
palavras, penso que se referem, na essência, à mesma idéia, ou seja, definem
experiência como uma vivência que se diferencia ou que vai além das vivências e
dos acontecimentos comuns do nosso dia-a-dia aos quais pouco nos atemos, que
pouco nos tocam, atingem ou nos transformam. A experiência traz para dentro de
nós aquilo que até então era externo e distante.
Dewey refere-se à experiência segundo suas definições como uma experiência e
aqui me apropriarei de sua grafia em itálico sempre que me referir a sua concepção
de experiência. No entanto, quando a palavra experiência não estiver italizada,
posso estar me referindo à experiência segundo Larrosa ou a uma experiência
qualquer, o que deixarei sempre especificado.
Dewey me fez pensar sobre minhas experiências com a arte e também sobre
minhas experiências com o ensino e a aprendizagem da arte, pois afirma que:
As coisas são experienciadas, mas não de modo tal que se componham
em uma experiência. distração e dispersão; o que observamos e o que
pensamos, o que desejamos e o que alcançamos, permanecem
desirmanados um do outro. Pomos nossas mãos no arado e voltamo-nos
para trás; começamos e logo nos detemos, não porque a experiência haja
alcançado o fim em vista do qual foi iniciada, mas por causa de
interrupções estranhas ou por letargia interna. (1974, p. 89)
Segundo o autor, uma experiência caracteriza-se por apresentar fluxo,
continuidade, unidade, movimento, consumação, padecimento e qualidade estética.
O fluxo ou a continuidade de uma experiência caracterizam-se pelo livre fluir do
pensamento e da emoção, sem interrupções ou dissipação de energia; pelo “ir e vir”
constante na busca daquilo a que uma experiência se destina. Contudo, uma
experiência não é fragmentada em aspectos racionais, emocionais ou outros
aspectos, pois uma experiência apresenta unidade, ou seja, todos os aspectos que a
constituem se inter-relacionam nesta constituição.
Se pensarmos que a aprendizagem pode ou deve se constituir em uma
experiência, ocorre-nos que aprender também deve envolver movimento, fluxo e
continuidade. Aprender é estar em movimento. Não em movimento linear,
seqüencial, retilíneo, mas em movimento multidirecional, complexo e múltiplo,
composto por um constante olhar para frente e para trás, de um lado para o outro,
para dentro e para fora e para que esse movimento seja viável, é preciso criar
condições e dar tempo a ele. Além disso, embora todas as partes de um indivíduo
emoção, cognição, histórias, referências, vivências e preferências estejam
envolvidas e movimentadas pelo processo de aprendizagem, elas não estão
isoladas ou armazenadas em compartimentos, ao contrário, é a inter-relação entre
elas que unidade e sentido a uma experiência de aprendizagem, pois os
indivíduos, assim como uma experiência, são um todo.
O movimento ou o fluxo contínuo de uma experiência deve levar, segundo
Dewey, a uma consumação, a uma transformação da energia inicial envolvida na
experiência, o que é diferente de uma conclusão, pois na conclusão o resultado é o
objetivo e na consumação o resultado é parte do processo que não cessa, mas se
completa e se integra no sujeito da experiência.
Uma experiência deve também caracterizar-se pelo padecimento doloroso ou
prazeroso – que envolve reconstrução e reorganização interna, envolve um rearranjo
consciente ao longo da experiência daquilo que existia anteriormente e que não será
mais o mesmo quando a experiência se consumar. Segundo Dewey (1974, p.93),
poucas experiências estéticas intensas que sejam completamente prazerosas.
Finalmente, para completar o conceito de experiência de Dewey, é preciso saber
que ela deve ter qualidade estética. Na verdade, toda experiência que pretenda se
constituir em uma experiência é dotada de qualidade estética, pois é ela que
sentido à experiência, seja ela prática, intelectual ou artística.
Segundo Dewey (1974, p. 97), o estético não é um intruso na experiência (...) ele
é o desenvolvimento clarificado e intensificado de traços que pertencem a toda
experiência normalmente completa. A qualidade estética é integradora de toda
experiência, ela compõe o todo e não permite que as partes se separem.
Essas questões envolvendo uma experiência ecoaram em tantas outras alvo de
minhas inquietações. Passei a me perguntar qual é o lugar de uma experiência com
a arte em minha vida e em minha prática docente? Quando eu vivenciei uma
experiência? Minhas experiências com a arte constituem-se em uma experiência? É
possível ter sempre uma experiência quando estamos em contato com a arte? Como
possibilitar/viabilizar/motivar uma experiência com a arte para meus alunos em sala
de aula? Por que nossas experiências do cotidiano não se constituem todas em uma
experiência?
E então, clarificando essas questões, encontrei sentido nestas palavras:
Os inimigos do estético não são nem o prático nem o intelectual. São o
monótono; a lassidão dos fins indefinidos; a submissão à convenção nos
procedimentos práticos e intelectuais. Abstinência gida, submissão pela
força, tensão por um lado e dissipação, incoerência e indulgência sem
objetivo, por outro, o desvios, em sentidos opostos, da unidade da
experiência. (DEWEY, 1974, p.93)
Percebi o quanto tais palavras tinham profunda relação com as minhas
experiências com a arte: o monótono, a submissão à convenção nos procedimentos
práticos e intelectuais, tensão por um lado e dissipação por outro. E surgiram novas
questões: horas e horas diante de textos que descreviam obras, biografias, estilos,
escolas, mas onde estava a arte? O que era e onde estava ela, afinal? Que distância
eu mantinha da arte quando a reduzia a textos explicativos?
Larrosa afirma que informação não é experiência, que precisam ser separadas.
Afirma também que a obsessão contemporânea pela informação nos impede de
vivenciar experiências e que ter informação não significa ter “sabedoria”, o
significa ser tocado ou ser transformado pela experiência, pois:
A experiência é o que nos passa, ou o que nos acontece, ou o que nos
toca. Não o que passa ou o que acontece, ou o que toca, mas o que nos
passa, o que nos acontece ou nos toca. A cada dia passam muitas coisas,
porém ao mesmo tempo, quase nada nos passa. (...) Nunca se passaram
tantas coisas, mas a experiência é cada vez mais rara. (2004, p.154)
A experiência a qual Larrosa se refere deve, assim como a experiência de
Dewey, ser integradora do ser como um todo, pois quando as coisas nos passam,
nos tocam e nos acontecem é porque são permeadas por qualidades estéticas,
porque fazem sentido como em uma experiência.
Entretanto, a ansiedade por obter informações e transmiti-las aos meus alunos,
não só me impedia de ter uma experiência, como também me impossibilitava de ver
como seria viabilizar uma experiência aos meus alunos com a arte.
Segundo Larrosa, não é a busca desenfreada e excessiva pela informação
que nos impede de viver experiências ou que destrói as experiências que
poderíamos viver, mas também o excesso de opinião que deriva das informações
obtidas. Afirma ainda que durante toda a nossa educação formal, somos levados a
receber informações e a opinar de forma pessoal e crítica sobre elas, mas essa
opinião acaba por reduzir-se a ser contra ou a favor.
(...) convertemo-nos em sujeitos competentes para responder como devem
ser as perguntas dos professores que cada vez mais se assemelham a
comprovações de informações e a pesquisas de opinião. Diga-me o que
você sabe, diga-me com que informação conta e exponha à continuação,
sua opinião... (2004, p.157)
São questões, a meu ver, absolutamente pertinentes e fundamentais para a
prática docente, pois vão de encontro aos paradigmas educacionais
contemporâneos de professor como mediador e não informante e ao conceito de
construção do conhecimento – e não de transmissão e absorção de informações.
Ponho-me então a pensar: e o professor de arte, o que tem feito com todas as
informações sobre a arte e com as propostas de metodologias de ensino da arte que
lhes são apresentadas ou impostas? Ele é contra ou a favor? Ele experimenta,
vivencia, nega, testa ou negligencia? No que ele acredita, se na escola pública ele
deve agir de determinada maneira, pois o estão capacitando para isto com vistas ao
que o sistema educacional do país determina, ou se na rede privada ele deve agir de
outra forma porque a escola visa o vestibular? Quais o as escolhas que ele está
preparado para fazer conscientemente? Quais são suas concepções a respeito de
aprendizagem, arte, experiência e conhecimento? Como filtrar na sua formação
aquilo que precisa ser deixado de lado, aquilo que não faz mais sentido? E como
gerar autonomia, ser crítico e consciente? Como driblar um mundo no qual a
informação e a opinião se sobrepõem à experiência? Estas são questões que me
inquietam.
Revendo então, a minha história com a arte e seu ensino, posso perceber que
sempre houve de minha parte uma supervalorização da informação e das opiniões
que dela resultavam. Essa preocupação chegava a me exaurir, pois eu buscava
classificar obras, enquadrá-las em estilos, movimentos, dissecar seus elementos até
que não sobrasse cor, forma ou linha que não tivesse sido analisada.
Neste sentido, como diria Larrosa, não havia lugar para a experiência ou como
diria Dewey, eu estava apenas reconhecendo a arte, mas não a percebendo e
uma diferença considerável entre reconhecimento e percepção. O reconhecimento
não permite que a percepção se desenvolva, ele imediatamente identifica e rotula.
Dewey afirma que:
O reconhecimento é a percepção detida antes que tenha oportunidade de
desenvolver-se livremente. No reconhecimento o princípio de um ato de
percepção. Mas não é permitido a esse começo pôr-se a serviço do
desenvolvimento de uma percepção plena da coisa reconhecida. É detido
no ponto em que será posto a serviço de qualquer outro propósito... (1974,
p.XV)
Penso que o reconhecimento tinha para Dewey o mesmo sentido que o excesso
de opinião tem para Larrosa, ou seja, ambos impedem que a experiência siga seu
fluxo, pois esbarra em idéias ou conceitos pré-existentes.
Acredito que um professor deve ser um sabedor daquilo que eu buscava nas
obras, mas que ele precisa também e tanto quanto, estar aberto à experiência
estética. Assim, passei a me conter diante dos textos nas exposições, buscando um
diálogo com as obras de arte, deixando que aquilo que eu sabia sobre arte e
todos sabem alguma coisa me apontasse o caminho a percorrer. Aproveitei para
experienciar, a exercitar leituras pessoais e a encontrar meus próprios significados
para a arte, uns mais coerentes e pertinentes, outros nem tanto, mas eram os meus
significados possíveis.
...para perceber, um espectador precisa criar sua própria experiência. E
sua criação tem de incluir conexões comparáveis àquelas que o produtor
original sentiu. (...) Sem um ato de recriação, o objeto não será percebido
como obra de arte. O artista selecionou, simplificou, clarificou, abreviou e
condensou de acordo com seu desejo. O espectador tem de percorrer tais
operações de acordo com seu ponto de vista próprio e seu próprio
interesse. (DEWEY, 1974, p.103)
Os textos nas exposições passaram a ser, então, um complemento para a minha
experiência e não mais a única e grande verdade sobre a arte. Esse processo
constitui-se também em parte da minha formação como arte-educadora e, como tal,
é permanente e contínuo.
É de se imaginar que antes dessas reflexões e ampliações das minhas
possibilidades com a arte, que aquilo que eu propunha sobre a arte aos meus alunos
na escola era o que eu propunha a mim mesma, ou seja, uma postura formal, sem
espaço para a experiência e sem espaço para a interação. Eu lhes fornecia as
informações e as respostas às perguntas que eu considerava importantes. Na
verdade, eu me preocupava com o resultado de uma aula e não com a consumação
de uma experiência.
Devo acrescentar ainda que o conceito de arte que eu trazia internalizado e que
trabalhava em sala de aula, incluía apenas artistas renomados e grandes gênios
imortalizados pela história da arte. Artistas que eram criaturas praticamente
sobrenaturais, distantes do mundo das pessoas comuns - sem dom nem talento
para a arte - viviam numa espécie de Olimpo, portanto, a arte como eu a via, estava
muito distante de mim mesma e de meus alunos. Obviamente, esta crença
determinou também a minha forma de ver os meus alunos e cheguei a acreditar que
seria mesmo difícil conseguir progressos consideráveis com alunos que não
demonstrassem o dom inato para a arte.
Hoje concordo com Dewey quando ele afirma que não temos que viajar até o fim
da terra, nem retroceder muitos milênios no tempo para encontrar povos para os
quais tudo aquilo que intensifica o sentido da vida imediata é objeto de intensa
admiração. (1974, p. 8)
Estudar mais sobre a arte popular ou a arte de povos africanos e indígenas ou
olhar mais para o meu entorno, fez-me ver que a arte não está apenas e nem
necessariamente nas paredes dos museus, ela pode estar no corpo, na roupa, no
muro, na praça, na rua, no parque, nos rituais e nos objetos neles envolvidos.
Na verdade, essa forma sacralizada de ver a arte a meu ver, fruto do excesso
de valorização da informação – é que acabou por impedir que eu tivesse uma
experiência com a arte e ainda que pudesse ver que meus alunos podem ter suas
próprias experiências com a arte.
Dewey aborda essa questão sob o ponto de vista da segregação da arte, do
distanciamento que criamos entre nós e ela que era na origem tão próxima da vida
das pessoas. Segundo ele, há razões históricas para a segregação da arte.
A maior parte dos museus da Europa são, entre outras coisas,
comemorações da ascensão do nacionalismo e do imperialismo; por
exemplo, os saques de Napoleão, acumulados no Louvre. Estes são
testemunhos da conexão entre a segregação da arte e o nacionalismo e o
militarismo. (...) O crescimento do capitalismo tem sido uma poderosa
influência no desenvolvimento do museu, como um abrigo próprio das
obras de arte, e no avanço da idéia de que elas são coisas à parte da vida
comum. Os novos ricos, que o um importante produto do capitalismo,
sentem-se especialmente impelidos a rodear-se de obras de arte, que
sendo raras, são caras. (1949, p. 9-10).
Como se pode perceber, nossas crenças têm origem em nossa própria cultura,
mas nem sempre a consciência da forma de pensar e agir. Isso comprova que o
que existe na vida, na maior parte do tempo, são experiências comuns, nas quais a
maneira de agir se baseia em idéias que não condizem com aquilo que desejamos,
mas que acabam por fazer parte de nosso repertório por falta de reflexão ou
ampliação do olhar para as relações no mundo.
É evidente que a existência de museus representa também uma forma de
preservação da arte e da cultura, mas que isso não nos leve a crer que apenas os
museus são guardiões da arte, pois as condições que criam o abismo entre o
produtor e o consumidor na sociedade moderna operam para criar também uma
separação entre a experiência comum e a experiência estética. (DEWEY, 1949, p.
11)
Desse modo, visitar museus para conhecer a arte que está é um direito dos
alunos, mas cabe ao professor conscientizá-los de que a arte se origina de
atividades humanas comuns, permeadas por qualidade estética que lhes confere o
caráter de uma experiência.
A postura do professor perante o conhecimento tem grande influência sobre o
olhar do aluno, sendo assim, tão importante quanto o professor dominar os
conteúdos de sua disciplina é ele se dispor a transformar a experiência da
aprendizagem sua e do aluno – em uma experiência, ou seja, em algo significativo
para ambos. Não tenho, contudo, uma visão idealista acerca desta questão, a ponto
de acreditar que todas as nossas experiências possam se constituir em uma
experiência, mas também não tenho porque acreditar que devemos nos manter tão
distantes dela.
Possibilitar ao aluno sair da passividade e experimentar a interação com a arte,
quer seja apreciando, criando ou contextualizando, é possibilitar que ele construa o
seu conhecimento, que se torne consciente do que faz e do que e tal qual o
artista, realize operações como perceber, identificar, selecionar, experimentar,
classificar, distinguir, ordenar, simplificar, equilibrar, compor e abstrair, pois para que
a obra de arte seja percebida como tal, essa recriação é imprescindível. (DEWEY,
1974, p.103). O aluno perceberá que a arte o é sentimento e emoção, que ela
requer uma sincronia entre o fazer, o pensar, o sentir, o intuir, o expressar, o
construir, o reconstruir, o experimentar, o imaginar...Poderá perceber também que
os processos de criação envolvem experimentações, incertezas, sucessos e
fracassos no desenvolvimento de uma poética pessoal, ou seja, de um modo
pessoal, único e intransferível de criar. Este é o padecimento de que nos fala
Dewey, é o estar por inteiro em uma experiência de maneira a perceber o que vai
sendo construído e reconstruído a todo momento.
Assim como o aluno, o professor também pode construir o seu fazer
artístico/pedagógico à medida que o vivencia. Ele pode programar, prever, estudar,
experimentar, analisar, selecionar, flexibilizar e muitas vezes suportar a frustração,
pois deverá estar claro em sua mente que a experiência constitui-se de um material
cheio de incertezas, movendo-se em direção a sua consumação através de uma
série de variados incidentes. (DEWEY, 1974, p. 95).
Embora as incertezas sejam parte do processo e sua superação também,
sabemos que impedimentos da mesma forma são possíveis e na docência, muitas
vezes, a falta de tempo e o excesso de trabalho, constituem-se em impedimentos ou
em fatores destruidores da experiência, como aponta Larrosa (2004, p. 157-158).
Nosso fazer não se resume ao que acontece em sala de aula ou na escola,
levamos muitas tarefas para serem cumpridas em casa, se queremos manter a
qualidade de nosso trabalho. Quer seja preparando aulas e atividades ou corrigindo
trabalhos e avaliações, quer seja lendo, estudando e pesquisando, o tempo não tem
sido nosso aliado.
Entramos neste roldão da busca por informação e atualização a que se referiu
Larrosa e imprimimos nossas vidas uma velocidade que, além de nos impedir de
vivenciar experiências, nos tornam insensíveis e mecanizados diante do que nos
rodeia.
Esse sujeito da formação permanente e acelerada, da constante
atualização, da reciclagem sem fim, é um sujeito que usa o tempo como
um valor ou como uma mercadoria, um sujeito que não pode perder tempo,
que tem sempre de aproveitar o tempo porque não pode ser que fique
defasado em alguma coisa, não pode ser que não possa seguir o passo
veloz do que passa, não pode ser que fique para trás, e por isso mesmo,
por essa obsessão por seguir o curso acelerado do tempo, já não tem
tempo. E na escola o currículo se organiza em pacotes cada vez mais
numerosos e mais curtos. Com o quê, também em educação, estamos
sempre acelerados e nada nos acontece. (LARROSA, 2004, p.158)
O excesso de trabalho, de informação, de opinião e de falta de tempo são
aspectos da nossa realidade com os quais convivemos diariamente, mas sobre os
quais dificilmente nos questionamos. Voltamos então àquela falta de sintonia entre o
que fazemos e o que desejamos, entre o que pensamos e o que fazemos (Dewey) e
então, nada nos passa, nada nos toca e nada nos acontece (Larrosa).
O que nos resta? O que podemos modificar? O que nos cabe? Até onde
devemos, podemos ou queremos ir? Não tenho respostas para essas questões,
trago sim, reflexões tecidas ao longo de um caminhar no qual tenho tentado tornar-
me consciente do que me cabe e das possibilidades de determinar a direção que
desejo dar à minha história.
Isso sim eu acredito que podemos fazer, definir o que queremos para nossas
vidas como pessoas e como educadores. O restante será sempre um grande
desafio. Encontrar o equilíbrio no qual possamos corresponder eficazmente às
demandas do mundo contemporâneo, mas não em detrimento das nossas
demandas internas e humanas.
A experiência, a possibilidade de que algo nos passe ou nos aconteça ou
nos toque, requer um gesto de interrupção, um gesto que é quase
impossível nos tempos que correm: requer parar para pensar, para olhar,
parar para escutar, pensar mais devagar, olhar mais devagar e escutar
mais devagar; parar para sentir, sentir mais devagar, demorar-se nos
detalhes, suspender a opinião, suspender o juízo, suspender a vontade,
suspender o automatismo da ação, cultivar a atenção e a delicadeza, abrir
os olhos e os ouvidos, falar sobre o que nos acontece, aprender a lentidão,
escutar os outros, cultivar a arte do encontro, calar muito, ter paciência e
dar-se tempo e espaço. (LARROSA, 2004, p.160)
Capítulo II
Capítulo IICapítulo II
Capítulo II
Desenvolvimento Estético
Desenvolvimento EstéticoDesenvolvimento Estético
Desenvolvimento Estético
A busca da compreensão e do sentido da arte
Para mim ela não faz nenhum sentido, mas em todas as imagens existe algum sentido. O que eu
entendo nela é apenas o que eu vejo...
Aluna da 8
a
série
Pelo jeito quem inventou deve ter uma cabeça, deve ter um cérebro assim de criança, de humano,
assim de verdade...
Aluno da 1
a
série
O conceito de desenvolvimento estético
Histórias e experiências com a arte vão dando forma a nossa maneira pessoal de
compreendê-la e esta, por sua vez, vai ganhando novas dimensões na medida em
que as próprias histórias e experiências nos transformam.
A compreensão do desenvolvimento estético passa pela percepção dessas
transformações que as histórias e experiências determinam e dentre as quais
encontram-se as escolhas dos autores que podem ampliar o nosso pensamento
sobre aquilo que desejamos pesquisar.
A escolha de um referencial teórico é algo difícil e delicado, pois aquele que
pesquisa, identifica-se com as idéias do autor, bem como com sua forma de expor
estas idéias, mas requer que haja uma distinção entre a realidade de quem pesquisa
e a realidade do autor, para que a pesquisa seja uma forma de reflexão sobre a
realidade que se busca compreender e não uma reprodução de outras realidades.
Assim, percebi que as idéias de Parsons, Housen, Rossi e Franz impregnaram
meu pensamento, minha fala e minha escrita de forma a se complementarem,
mesclando-se às minhas idéias e me permitindo compreender o desenvolvimento
estético sob diferentes pontos de vista, compondo ou construindo minha maneira de
ver e pensar sobre o assunto, onde todos contribuíram de alguma forma.
Neste capítulo, apresento brevemente as especificidades das pesquisas de cada
autor e faço uma pequena reflexão sobre os pontos para os quais elas convergem e
divergem a respeito do desenvolvimento da compreensão que as pessoas têm sobre
a arte.
O desenvolvimento estético é um processo pelo qual as pessoas passam ao
longo de suas vidas e que lhes confere diferentes níveis de compreensão da arte
através da produção e/ou da apreciação e por se tratar de um processo, ocorre
através de uma sucessão de mudanças às quais os teóricos denominam de estágios
ou níveis – fases ou etapas com características intrínsecas.
Contudo, os estudiosos concordam que ao contrário de outros tipos de
desenvolvimento, o estético não atinge os níveis mais avançados sem que se
tenham experiências significativas com a arte, ele pode estagnar em níveis iniciais e
aí permanecer por toda a vida do indivíduo, caso não seja estimulado.
Neste fato reside, então, a importância do conceito de desenvolvimento estético,
bem como o de experiência estética para o arte-educador, pois cabe a ele na escola,
propiciar condições para a vivência de experiências estéticas significativas que
possibilitem a construção do conhecimento em arte e o avanço do desenvolvimento
estético dos alunos.
Segundo Abigail Housen, James Mark Baldwin (EUA, 1861-1934) considerado
por muitos o pai da Epistemologia (ROSSI, 2003, p. 20) foi quem inventou a
perspectiva desenvolvimentista (HOUSEN, 2000, p.153). Desde então, diversos
autores trabalharam com a idéia de desenvolvimento por estágios em diversas
áreas: Jean Piaget (estágios do desenvolvimento cognitivo), Lawrence Kohlberg
(estágios do entendimento moral), Jane Loevinger (estágios do ego), James Fowler
(estágios da fé), George Henry Luquet (estágios do desenho infantil), Claire Golomb
(estágios do desenvolvimento escultórico) e Emilia Ferreiro (estágios da
alfabetização). (ROSSI, 2003, p. 20)
No tocante ao desenvolvimento estético, Viktor Lowenfeld (Áustria, EUA) e W.
Lambert Brittain (EUA), estudiosos do desenvolvimento gráfico infantil, já falavam em
1947 sobre desenvolvimento estético em seu livro O desenvolvimento da
capacidade criadora
4
.
Segundo Lowenfeld e Brittain, o desenvolvimento estético não pode ser separado
do desenvolvimento da capacidade criadora (1977, p. 369), e mais, afirmavam que
devemos selecionar as obras que vamos mostrar aos jovens para que elas tenham
significado para eles, pois conheciam o fato de as crianças reagirem
diferentemente aos trabalhos artísticos, segundo os níveis de desenvolvimento em
que se encontrem. (1977, p. 396)
No ano de 1983, Abigail Housen (EUA) apresenta em sua tese de doutorado The
eye of the beholder: measuring aesthetic development
5
não traduzida para o
português uma classificação dos estágios da compreensão estética. Em 2000,
Housen apresenta um texto com retrospectiva e análise de sua pesquisa sobre o
desenvolvimento estético iniciada no final da cada de 1970, no livro editado em
Portugal, Educação Estética e Artística Abordagens Transdisciplinares. Neste
texto, Housen faz uma breve descrição de outros autores que abordam o tema do
desenvolvimento estético (2000, p.153).
Michael Parsons (EUA) publica em inglês, 1987, e em português, 1992, o livro
Compreender a arte, em que apresenta sua extensa pesquisa na qual mostra que há
uma gradação do desenvolvimento estético. Em 1997 e 1998, dois textos
6
desse
4
1947: 1ª edição em inglês - 1972: edição em castelhano – 1977: edição em português.
5
O olho do espectador: mensurando o desenvolvimento estético tradução de Maria Helena Wagner
Rossi (2003).
6
PARSONS, Michael J. A arte como modelo de compreensão. In: Arte & Educação em Revista.
Porto Alegre, v.4, n.3, p.61-69, out. 1997.
PARSONS, Michael J. Mudando direções na arte-educação contemporânea. A compreensão e o
prazer da arte. V Encontro, São Paulo. SESC/Vila Mariana, 1998.
autor, publicados em português, tratam também do desenvolvimento estético e em
2000 outro texto
7
aborda a questão da compreensão da arte.
Maria Helena Wagner Rossi (Brasil), desde 1995 preocupa-se com as questões
do desenvolvimento estético fundamentando-se nos pressupostos de Parsons e
Housen. Em 1995 apresenta um texto intitulado A compreensão das imagens na
arte, no qual aborda o estudo de Parsons. Em 2001, trata do desenvolvimento
estético a partir de Housen e em 2003 publica o livro Imagens que falam,
apresentando sua pesquisa de doutorado que investiga o desenvolvimento estético
no contexto brasileiro.
Segundo Rossi, Michael Parsons, Abigail Housen, Norman Freeman e Howard
Gardner são os teóricos do desenvolvimento estético mais conhecidos (2003, p.20).
Teresinha Sueli Franz (Brasil), em 2003, publica o livro Educação para uma
compreensão crítica da arte, também resultado de pesquisa de doutorado, em que
investiga as concepções dos estudantes a respeito da pintura Primeira Missa no
Brasil, de Victor Meireles e se utiliza da classificação dos diferentes níveis de
compreensão da arte proposta por Verónica B. Mansilla e Howard Gardner.
Além desses autores estrangeiros e brasileiros que pesquisam diretamente a
questão do desenvolvimento estético, é importante mencionar mais três brasileiras
que fazem referência ao desenvolvimento estético em seus textos e/ou livros e que
representam também importantes fontes de pesquisa sobre o desenvolvimento
estético para nós, arte-educadores brasileiros, que muitas vezes nos vemos
privados da leitura dessa bibliografia estrangeira pelas dificuldades de acesso.
7
PARSONS, Michael J. Dos repertórios às ferramentas: idéias como ferramentas para a
compreensão das obras de arte. In: FRÓIS, João Pedro (org). Educação estética e artística
Abordagens Transdisciplinares. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2000, p. 169-189.
Assim, no ano de 2000, Mirian Celeste Martins apresentou em seu texto mimeo
para o Curso de Formação de Monitores da exposição Brasil +500 Mostra do
Redescobrimento, um quadro comparativo das pesquisas de Parsons e Housen com
pontos em comum entre as teorias desses autores, segundo a visão de Martins.
Em 2002, no livro organizado por Ana Mae Barbosa Inquietações e mudanças
no ensino da arte Maria Christina de Souza Rizzi apresenta um histórico sobre
Caminhos Metodológicos para o ensino da arte e ao se referir à leitura de obras de
arte como parte da Proposta Triangular, faz uma síntese das idéias de Parsons para
os estágios de desenvolvimento estético.
Finalmente, em 2003, Rosa Iavelberg, em seu livro Para gostar de aprender arte
Sala de aula e formação de professores, apresenta uma síntese dos estágios de
desenvolvimento estético segundo Housen a partir de tradução de Denise
Grinspun, 2000.
Esse brevíssimo apanhado bibliográfico não tem de forma alguma a pretensão de
esgotar as referências bibliográficas sobre o desenvolvimento estético, mas sim, de
fornecer uma visão geral das pesquisas e idéias sobre o tema publicados no Brasil e
nos permite perceber que o interesse pelo processo de desenvolvimento estético se
intensificou no final do século XX e início do século XXI, coincidindo com outros
conceitos e paradigmas emergentes no ensino da arte no exterior e no Brasil
Critical Studies in Art and Design Education (Inglaterra, década de 70), DBAE
(Ensino da Arte Baseado em Disciplinas EUA, década de 80), Proposta Triangular,
PCNs, mediação cultural, cultura visual, interculturalidade e democratização da arte
e da cultura (Brasil, a partir da década de 1990). (NASCIMENTO, 2005)
Particularmente, meu primeiro contato com o conceito de desenvolvimento
estético se deu no primeiro semestre de 2003 enquanto fui aluna especial na
disciplina Mediação Arte-Público. Nesse momento, soube da existência do conceito
e de alguns teóricos que o pesquisaram - Michael Parsons, Abigail Housen e Maria
Helena Wagner Rossi. No segundo
semestre do mesmo ano, quando me preparei
para o concurso público de professores do Estado de São Paulo, li o texto de Maria
Helena Wagner Rossi A compreensão do desenvolvimento estético no livro de
Analice Dutra Pillar (org.) – A educação do olhar no ensino das artes (2001).
No ano de 2005, quando elaborei um projeto de pesquisa para o mestrado, minha
proposta era estudar a mediação da arte na escola por meio de alguns pressupostos
teóricos envolvidos nesse processo e o desenvolvimento estético se configurava
como um deles.
Uma vez aluna regular do mestrado, a pesquisa começou a se desenhar e senti a
necessidade de elaborar um instrumento através do qual pudesse identificar,
compreender e conhecer o desenvolvimento estético dos meus alunos.
Paralelamente, retomei leituras anteriores e busquei outras referências.
Ao aplicar tais instrumentos de avaliação do desenvolvimento estético, fiquei
surpresa com a quantidade e a riqueza de informações a respeito de como os
alunos compreendiam a arte. Percebi que não os conhecia esteticamente, pois não
havia desenvolvido uma escuta atenta e individual de suas falas, percebi que muitas
de minhas escolhas e propostas até então haviam sido equivocadas, pois não se
adequavam as suas possibilidades de compreensão da arte, percebi então, que era
preciso adentrar aquele universo e fazer um recorte na pesquisa: o desenvolvimento
estético passou então, a ser o foco de minhas preocupações.
Na verdade, quanto mais eu lia sobre o assunto e mais analisava as respostas
dos meus alunos, mais questões surgiam e maiores eram as minhas dúvidas e
indagações, pois aquilo que a priori me parecia uma simples classificação,
apresentou-se como um complexo conjunto de idéias implícitas em falas e escritas
que precisavam ser descobertas, reveladas e desvendadas.
Minha grande dificuldade foi fugir da idéia tentadora, simplista e reducionista de
encaixar meus alunos em classificações e descobri na análise de suas leituras
aquilo que Parsons afirmava:
...os estádios são aglomerados de idéias, e não propriedades desta ou
daquela pessoa. (...) Descrever um estádio não é descrever uma pessoa,
mas um conjunto de idéias. As pessoas servem-se dessas idéias para
compreenderem a pintura. (...) Nem as pessoas são estádios, nem os
estádios rótulos para as pessoas. As pessoas servem-se, isso sim, dos
estádios de um ou mais estádios para compreender a pintura. (1992,
p.27)
O ato de apenas classificar o pensamento estético dos alunos me permitiria tão
somente encaixá-los nos estágios pesquisados pelos teóricos e confirmar que suas
propostas poderiam ser comprovadas também em meu contexto, contudo, a idéia de
aprendizagem significativa paradigma da educação contemporânea exige de
nós, educadores, um olhar voltado para o contexto de nossos alunos de forma a
possibilitar que eles construam seus conhecimentos a partir de referências pessoais,
a partir daquilo que lhes faz sentido. Assim, rotular alunos segundo uma
classificação sem saber a partir de que referências eles constroem seus
pensamentos sobre a arte, não me daria os subsídios necessários para adequar
minhas propostas pedagógicas a uma aprendizagem significativa.
Portanto, mais do que identificar as características de cada estágio presentes nas
falas dos alunos era preciso “ouvir” atentamente o que cada um deles me dizia sobre
eles mesmos e sobre suas maneiras de compreender as imagens a partir das
individualidades, especificidades, referências, histórias e repertórios trazidos por
suas leituras. E isso não estava escrito nas teorias, mas sim, nas palavras dos meus
alunos e essa era a minha pesquisa, a minha busca, o meu padecimento nesta
experiência.
Segundo Housen (2000, p. 152), existe uma progressão do desenvolvimento da
compreensão estética, representada pelos estágios, mas é preciso entender que
esta progressão não significa um abandono das idéias de um estágio para então
pensar conforme o estágio seguinte.
Em verdade, idéias como preferência, tema, realismo, beleza, expressividade,
estilo, forma e juízo presentes quando se fala de arte são idéias que surgem ao
longo de todo o desenvolvimento estético, mas de forma cada vez mais elaborada.
Os estágios representam, portanto, um avanço na complexidade das estruturas
para compreender a arte e não uma seqüência definida de idéias diferentes sobre
ela. O que se altera, ou melhor, o que se amplia com o avanço do desenvolvimento,
é a forma de ver tais idéias, são os significados atribuídos a elas e é o sentido que
se vai construindo para a arte num processo no qual a forma de pensar ou as
estruturas de pensamento caminham para a autonomia.
Desse modo, uma criança pequena ou qualquer outra pessoa sem vivências
significativas com a arte - às quais Housen chama de principiantes (2000, p. 148) -
têm sobre o tema de uma obra de arte, uma idéia de “coisa” concreta, como se as
figuras representadas fossem objetos verdadeiros e não representações. Os
principiantes têm um olhar superficial e rápido sobre as imagens e ao mesmo tempo
são estimulados pelo que vêem e põem-se a narrar histórias que vão além da
imagem trazendo à tona suas referências pessoais.
Por sua vez, as pessoas que pensam tendo por base estruturas um pouco mais
elaboradas, como no estágio, vêem o tema segundo critérios aprendidos e mais
definidos – como realismo, beleza, utilidade e habilidade – com um olhar mais
demorado, menos superficial. Elas se utilizam das referências e valores próprios da
sua cultura e de seu repertório pessoal para olhar e dar significado às imagens de
forma mais pertinente e ampliada artística e esteticamente.
Pesquisar o desenvolvimento estético dos alunos suscitou em mim o desejo de
compreender também meu próprio desenvolvimento estético e resolvi, então, seguir
a sugestão de Parsons em seu livro e analisar minhas reações estéticas para
identificar minha forma pessoal de apreciação da arte através da leitura de imagem.
Esse exercício aclarou o conceito de desenvolvimento estético que eu tinha a
partir das leituras e das falas dos alunos e também aguçou a minha percepção de
que a nossa fala traduz, sem que tenhamos necessariamente consciência, a nossa
forma de compreender a arte, traduz aquilo que guia o olhar sobre uma imagem,
aquilo que é relevante e significativo para nós, aquilo que flui sem esforço ou que
requer raciocínio, aquilo que desperta prazer ou que causa repulsa ao olhar a arte,
ou seja, revela de forma condensada tudo aquilo que aprendemos em nossas
experiências com a arte.
Nossas referências, preferências e repertórios são, então, expostos por nossas
falas e um olhar crítico sobre eles permite-nos tomar consciência das próprias
possibilidades e limitações como leitores, apreciadores da arte.
Para o alívio de quem é arte-educador e precisa conviver com, reconhecer e
superar deficiências de todo tipo de experiências significativas, de formação
consistente e de acesso às diversas formas de arte Housen afirma que se
propiciarmos uma vivência artística construtiva aos alunos, mesmo que estejamos
no mesmo nível estético que eles, conseguiremos produzir mudança de Estádio
significativa. (2000, p.166)
E o que quer dizer, afinal, esta vivência artística construtiva, a qual também me
referi anteriormente como “experiência estética significativa”? Entendo que seja uma
vivência que permite construir conhecimento em arte tendo o educador como
mediador da experiência. É a possibilidade de pensar, de refletir sobre a arte, o que
vai ao encontro da visão construtivista de educação segundo Lev Semenovich
Vigotski ou ainda do método desenvolvido por Housen em sua pesquisa e
denominado VTS (Visual Thinking Strategies) Estratégias do Pensamento Visual.
(2000, p.160)
Cabe acrescentar que Housen afirma em sua metodologia que uma abordagem
construtivista e de desenvolvimento é o melhor guia para a apreciação estética.
(2000, p. 149)
Essas reflexões afloradas pela pesquisa sobre o pensamento estético das
crianças gerou outra inquietação em mim. Pensei que se as crianças pequenas com
as que trabalho – em torno de sete anos não conseguem fazer determinados tipos
de leituras mais elaboradas da arte, então não seria possível adotar a Proposta
Triangular segundo meu entendimento em sua totalidade pois não faria sentido
para elas a contextualização da arte.
Essas crianças, não conseguem compreender os significados de uma obra de
arte a partir de seu contexto de criação, não têm toda a noção das dimensões
culturais, sociais e históricas envolvidas na criação da arte e necessárias para uma
compreensão mais ampla. Elas nem mesmo têm noções exatas e claras dessas
dimensões dentro do contexto em que vivem. Então, que tipo de conhecimento em
arte poderia trabalhar com crianças pequenas na escola? A produção pautada na
livre-expressão como pregava o ensino de arte modernista? Este nós sabemos
que sozinho não possibilita o avanço do desenvolvimento estético. Um ensino
técnico? Mas que sentido faz a técnica pela técnica em arte? Isso também já
aprendemos que não é produtivo.
Foi então que percebi que o conceito que eu havia formado sobre a
contextualização da arte era bastante restrito ao modo de ver e compreender dos
adultos e que era, portanto, amplo demais para a compreensão daquelas crianças.
Compreendi que contextualizar a arte na escola com elas o significa
necessariamente compreender a obra em seu contexto original ou compreendê-la
em nosso contexto contemporâneo de adultos. Contextualizar com crianças significa
trazer a obra para o universo delas. Temos que compreender que a contextualização
possível a elas está ligada ao seu universo infantil.
Sendo assim, se deixarmos que as crianças falem sobre arte na escola, veremos
que elas têm o que dizer e se estivermos atentos as suas falas poderemos
compreender o ponto de vista que adotam para falar. Elas contarão histórias usando
a imaginação, descreverão experiências tecendo relações com fatos vivenciados e
filmes que assistiram, por exemplo.
São leituras possíveis que elas fazem da arte, leituras contextualizadas com suas
realidades, leituras que muitas vezes nós educadores ignoramos e no lugar da qual
colocamos nossas longas histórias sobre estilos, artistas, épocas e movimentos.
Ana Mae Barbosa afirma que a contextualização pode ser histórica, social,
psicológica, antropológica, geográfica, ecológica, biológica etc. (1998, p.37-38).
Afirma ainda que contextualizar é estabelecer relações e que o conhecimento e o
entendimento são mais facilmente efetivados se contextualizados pelo aprendiz, o
que me faz acreditar que quando a criança estabelece relações entre a arte e sua
realidade, está contextualizando.
Contudo, para que a leitura das crianças tenha espaço nas aulas de artes é
preciso que o professor aprenda a ouvi-las e a prestar atenção no que dizem. Sobre
esta questão Housen afirma que:
Os professores estão muitas vezes habituados a ser a fonte de informação,
e para aqueles que falam o tempo todo e que fazem avaliação das
respostas dos alunos, este método, direta ou implicitamente, pode tornar-
se muito difícil. (2000, p.163)
É claro que ao longo da escolaridade as crianças devem aprender o que temos
para lhes ensinar sobre arte, mas isto não deve se dar no momento em que nós
queremos, mas no momento em que elas estão preparadas para aprender em
relação ao seu desenvolvimento e nem pode ser sob a forma de transmissão de
informações, pois todo conhecimento precisa ser construído para que possa fazer
sentido para quem aprende.
Portanto, não é suficiente ter contato com a arte, é preciso que este contato se
configure numa experiência verdadeira, significativa. Se isso não fosse verdadeiro,
grande parte das pessoas inclusive os arte-educadores pensaria em arte com
total autonomia, como acontece com o último estágio do desenvolvimento estético.
Uma prova de que isso não acontece é apontada por Housen quando ela extrai
algumas conclusões de sua investigação sobre o desenvolvimento estético e dentre
elas afirma que:
A maioria dos adultos entrevistados raramente obtém uma pontuação acima
do Estádio II. Nos nossos estudos, professores de ensino geral situam-se
com grande freqüência em Estádios bastante semelhantes aos de seus
alunos.
Ao medir a resposta estética de crianças, dos seus professores, profissionais
de museu e de centenas de adultos, o fator individual mais importante que
prediz o vel de desenvolvimento estético parece ser a quantidade de tempo
que despenderam a observar a arte. (2000, p.165-166)
Penso então que se os alunos precisam de contato com a arte para desenvolver-
se esteticamente, se precisam construir conceitos durante este contato, mas que
esta construção tem que se adequar às possibilidades que seu desenvolvimento
estético indica, que se adequar o momento de introduzir informações mais
sistematizadas nas aulas de arte às demandas de cada aluno, às necessidades ou
interesse que ele demonstre, aos quais o professor estará atento, afinal:
toda uma série de perspectivas acerca da pintura que as crianças não
dominam e que são de grande importância. Por este motivo, muitas
qualidades estéticas relevantes são-lhes inacessíveis, e a sua experiência da
arte não possui a riqueza da dos adultos. O desenvolvimento estético
consiste precisamente na aquisição destas perspectivas. Só atingimos os
últimos estágios através de uma educação em que sejamos freqüentemente
confrontados com obras de arte e pensemos acerca delas. (PARSONS,
1992, p.44)
A seguir apresentarei as pesquisas e principais idéias de quatro autores
Parsons, Housen, Rossi e Franz que fundamentaram e/ou influenciaram minha
compreensão e visão sobre o desenvolvimento estético. Trata-se de uma síntese de
suas idéias que, a meu ver, são fundamentais para que se compreenda melhor o
processo de desenvolvimento estético e sua complexidade.
Abordarei os estágios definidos por cada um deles em suas pesquisas e
exemplificarei alguns deles com falas dos meus alunos ou a minha própria fala.
Gostaria, no entanto, de esclarecer que utilizarei trechos das falas para exemplificar
idéias ou formas de pensar de determinados estágios e que isso o significa que
estou afirmando que estejamos “neste ou naquele estágio”, pois repetindo o que
afirma Parsons sobre os estágios: nem as pessoas são estádios, nem os estádios
rótulos para as pessoas. As pessoas servem-se, isso sim, dos estádios de um ou
mais estádios – para compreender a pintura. (1992, p.27, grifo nosso)
Assim sendo, haverá exemplos de falas de uma mesma pessoa em mais de um
estágio, demonstrando que nosso pensamento pode transitar por diferentes formas
de pensar, mesmo quando uma delas predomina, bem como aponta Rossi:
Não é coerente afirmar que um aluno “está” em um determinado nível. De
acordo com o conhecimento aqui construído, é mais adequado dizer que os
alunos utilizam um ou mais conjuntos de idéias (níveis) para interpretar e
julgar as obras. (2003, p. 124)
Finalmente, preciso informar que os alunos serão identificados por siglas a fim de
preservar suas identidades. Quando se tratar das minhas falas, a identificação será
direta.
Michael Parsons e a compreensão da arte
Michael J. Parsons é conhecido por seus estudos sobre a Educação Estética e
Artística na área das artes visuais. Leciona no Departamento de Arte Educação da
Universidade do Ohio, E.U.A., desde 1987. Publicou no ano de 1987 o livro How we
Understand Art: a Cognitive Development Account of Aesthetic Judgment
Compreender a Arte: uma Abordagem à Experiência Estética do Ponto de Vista do
Desenvolvimento Cognitivo, tradução para o português de Ana Luísa Faria, 1992, e
em 1993 Parsons publicou com Gene Bloker, Aesthetics and Education.
A pesquisa que originou o primeiro livro foi feita na cidade de Salt Lake e seus
arredores ao longo de 10 anos, envolvendo mais de 300 entrevistas realizadas com
pessoas de diversas idades de crianças pré-escolares a professores universitários
de artes – que não representavam nenhuma população específica.
No entanto, alguns entrevistados foram escolhidos por conveniência: filhos dos
entrevistadores e amigos, e alguns entrevistados da escola pré-primária (estágios
iniciais do desenvolvimento estético) alunos de escolas primárias, preparatórias e
secundárias (estágios intermediários) professores universitários de artes (estágios
mais avançados). A entrevista era individual sendo a maioria gravada e transcrita.
Parsons conduziu a maior parte delas e as demais foram realizadas por uma colega
e por vários estudantes. Era uma entrevista semi-estruturada, tendo-se em mente
que alguns aspectos deveriam ser abordados. Havia algumas perguntas para iniciar
a conversa e procurava-se explorar tudo o que fosse dito de relevante, sendo que a
maior parte das perguntas era feita para esclarecer o que havia sido dito, mas sem
sugerir respostas. Havia uma lista-padrão de perguntas sobre os diferentes aspectos
a serem abordados na pesquisa (1992, p.35):
Descreva-me este quadro.
De que é que trata? Acha que é um bom assunto para um quadro?
Que sentimentos encontra neste quadro?
E as cores? São bem escolhidas?
E a forma (coisas que se repetem)? E a textura?
Foi difícil fazer este quadro? Quais terão sido as dificuldades?
É um bom quadro? Por quê?
Alguns exemplos de perguntas e observações “sondas” (1992, p.35):
Você disse que X. O que quer dizer com isso?
Pode dar-me um exemplo
Pode desenvolver melhor essa idéia?
Em que parte do quadro é que vê isso?
As entrevistas foram feitas a partir de vários quadros e desenhos diferentes em
função do que interessava à pesquisa, mas em seu livro Parsons cita apenas as
interpretações de oito desses quadros, por ter que abordar todos os estágios. As
imagens de cujas interpretações o livro trata a maior parte reproduções a cores e
grandes – são (1992, p.34):
o Guernica, Picasso, Museu do Prado, Madri, 1936.
o Cabeça de Mulher Chorando com Mãos (um dos estudos preparatórios para Guernica),
Picasso, Museu do Prado, Madri.
o Lo mismo, gravura da série Os Desastres da Guerra, Goya, Pomona College, Califórnia.
o A Menina e o Cão (reprodução muito divulgada do canto inferior esquerdo da tela Le
Déjeuner dês Canotiers), Renoir, The Phillips Gallery, Washington, 1881.
o Into the World Came a Soul Called Ida, Albright, Art Institute of Chicago, 1930.
o Cabeça de Homem (por vezes chamada Senecio), Klee, Kunstmuseum, Basileia, 1922.
o Le Grand Cirque, Chagall, Kunstmuseum, Basileia, 1927.
o Dempsey and Firpo, Bellows, Whitney Museum of American Art, Nova Iorque, 1924.
Com essa pesquisa, Parsons visava compreender o melhor possível o que as
pessoas pensam sobre os quadros, pois segundo ele, aquilo que pensamos sobre a
arte nem sempre é dito de forma explícita e a pesquisa procurou explicitar tais
pensamentos. Assim, afirma que:
O objetivo fundamental deste esboço de desenvolvimento estético é
contribuir para que nos compreendamos melhor uns aos outros quando
falamos sobre arte. Espero, em particular, que a minha obra ajude os
professores e os pais, e outras pessoas que lidam diariamente com crianças
e jovens. Nela procuro lhes fornecer um quadro para interpretarem as
afirmações dos outros, e para assim poderem dar uma resposta mais
inteligente a essas afirmações. (1992, p.33)
Parsons concluiu que era possível organizar o desenvolvimento estético em
estágios que representam conjuntos de idéias das quais as pessoas sempre se
utilizam para compreender e falar sobre a arte. Tais idéias são utilizadas por todos
os estágios com um grau crescente de complexidade e autonomia, mas em cada
estágio ênfase em determinado tipo de idéia. Assim, a relação entre idéia
predominante e estágio fica assim:
Preferência: 1
o
estágio
Tema: 2
o
estágio
Expressividade: 3
o
estágio
Forma e estilo: 4
o
estágio
Juízo: 5
o
estágio
Uma pessoa se utiliza ao mesmo tempo das idéias de vários estágios para
compreender a arte. Parsons (2000), afirma que a complexidade do
desenvolvimento das artes está no fato de que as diversas capacidades ou idéias se
desenvolvem ao mesmo tempo, ou seja, de que o desenvolvimento não ocorre de
forma linear, seguindo uma seqüência rígida, mas que se desenrola sob múltiplos
aspectos:
Este modelo multifacetado afasta a impressão um produto do modelo
linear de que tem de haver uma determinada seqüência para que estas
diferentes idéias ocorram, que, por exemplo, a idéia de expressão se
desenvolve antes da idéia de estilo ou vice-versa, ou que a idéia de
representação antecede o estado de espírito consciente do artista. Não é
necessário haver seqüência regular deste gênero, porque uma criança
pode desenvolver aptidões para usar estas idéias em simultâneo, embora
cada uma delas a níveis diferentes de sofisticação. (2000, p. 189)
Portanto, as pessoas desenvolvem inicialmente muitas idéias para compreender
a arte e essas idéias, ao longo do desenvolvimento estético, vão se cruzando e
levam a muitas formas de compreensão, segundo arranjos diversos entre si.
(PARSONS, 2000.p 188)
Exemplificando, um indivíduo pode utilizar-se inicialmente da idéia de tema para
compreender a arte, relacionando a arte com as coisas do mundo que ela
representa, mas em determinado momento essa idéia se cruza com a idéia de
expressividade que também já existia, mas era compreendida superficialmente.
É esse arranjo que permite à pessoa compreender a arte de um modo mais
complexo, mais sofisticado, permite compreender que a arte não serve apenas para
representar as coisas do mundo, mas que a representação das coisas do mundo
serve para expressar idéias e sentimentos.
Ou ainda, o sujeito une a idéia que tinha de expressão com a idéia de estilo e
passa a compreender que a expressividade da obra não está apenas no tema, mas
que pode também ser definida pelo estilo, ou seja, o estilo pode ser expressivo.
À medida que as pessoas têm oportunidade de conviver com outras pessoas e
conversar sobre arte, elas vão percebendo também que estas outras pessoas
podem construir formas diferentes de compreender a arte.
Parsons acredita que essa compreensão da diversidade de interpretações que a
arte permite vivenciar é fundamental para a sociedade pluralista contemporânea em
que vivemos. Ou seja:
Este tipo de compreensão é caracterizado pela noção de que as opiniões das
pessoas, incluindo nossas próprias, são interpretações, não puras verdades;
de que as interpretações das pessoas são influenciadas pela história de cada
uma delas, especialmente por seu background cultural; e que, portanto, bons
motivos existem para que haja mais de uma interpretação. (1997, p.62).
Parsons aborda o desenvolvimento estético sob dois aspectos: o estético, define
uma interpretação cada vez mais pertinente do ponto de vista estético, e o
psicológico, que define a capacidade que as pessoas desenvolvem de assumir
outros pontos de vista que não apenas o seu.
Para que se possa ter uma visão geral dos cinco estágios descritos por Parsons
em sua pesquisa, segue uma síntese dos mesmos. Apenas para reforçar, lembro
que ao utilizar as falas dos meus alunos e minha própria fala como exemplo nos
estágios, não pretendo enquadrá-las neles, mas utilizá-las para exemplificar o tipo
de idéia que é predominante naquele estágio e que aparece nas falas, mesmo que o
tipo de pensamento predominante do sujeito não corresponda àquele estágio. Afirmo
isso, pois identificar a forma que o sujeito está utilizando predominantemente para
pensar a arte é um processo complexo que não envolve apenas algumas falas
isoladas e que será abordado na análise dos dados, capítulo IV.
Acrescento também que para que o leitor possa acompanhar e ter uma melhor
compreensão das falas dos sujeitos, apresentarei as imagens sobre as quais eles
falam e utilizarei ao final de cada fala entre parênteses, a sigla que identifica os
sujeitos e um número referente à imagem sobre a qual se está falando.
Finalmente, gostaria de esclarecer que a reflexão sobre a curadoria das imagens
será apresentada no próximo capítulo.
1
o
estágio: preferência
Este estágio refere-se ao pensamento que as crianças pequenas – aquelas
que ainda não tiveram muito contato com arte têm sobre a arte ou às
pessoas de diversas idades que também não tenham tido experiências
significativas com a arte.
Esses indivíduos sentem forte atração pela cor; gostam da maioria dos
quadros; fazem associações livres ligadas ao tema; não diferenciam o gosto
do julgamento, ou seja, se gostam de um quadro ele é bom, se não gostam,
ele é ruim; não distinguem aspectos esteticamente relevantes dos
irrelevantes, por exemplo, um quadro é bom se retratar algo que “eu”
goste.
Neste estágio não consciência de que outras pessoas podem ter outra
opinião sobre a arte, pois esses sujeitos compreendem apenas a sua própria
experiência. Exemplos:
Imagens apresentadas para a 1
a
série
1 2 3
Bom, aqui parece que é a Austrália, mas é... parece que o as crianças
brincando de ciranda, aqui é uma igreja, várias casas, aqui são... (LC-2,1)
Criança falando livremente sobre uma imagem e associando-a a
qualquer tema de seu repertório pessoal, por exemplo, a Austrália.
É por que eu gosto de brincar e eu estou vendo essas crianças brincar e eu
gosto de cachorro. (LR-1)
Criança explicando o motivo pelo qual gosta de uma imagem e este
motivo tem relação com preferências pessoais. O gosto pela imagem
deve-se ao gosto pelo que ela representa e não por ela mesma.
Eu gosto desta aqui por que tem rosa e rosa é a minha cor favorita. (LR-2)
Criança explicando o motivo pelo qual gosta mais de uma imagem do
que de outra e este motivo relaciona-se a sua preferência por certa cor.
2
o
estágio: tema
A compreensão que se tem da arte neste estágio está relacionada ao
tema, à representação de alguma coisa; os quadros abstratos não têm tanto
sentido; o tema é avaliado segundo sua beleza e seu realismo; a habilidade, a
paciência e o trabalho meticuloso são valorizados; o distinção entre
juízo estético e juízo moral, ou seja, se o tema de um quadro não é
moralmente agradável, o quadro é ruim; distinção entre os aspectos
esteticamente relevantes dos irrelevantes, por exemplo, um quadro é bom por
que tem um animal e animais são bonitos e não por que eu prefiro quadros
com animais.
Neste estágio, ocorre o reconhecimento do ponto de vista dos outros, o
que “eu” vejo em um quadro não é necessariamente o que os outros vêem,
mas “eu” não sou ainda capaz de compreender o que os outros vêem.
Exemplos:
1ª série
1 2 3
Eu gostei do cavalo, parece de verdade, a criancinha... (US-2)
Criança exemplificando aquilo de que gostou em uma imagem e
relaciona seu gosto com o realismo da imagem.
É difícil desenhar (...) Esses quadradinhos pequenininhos. (BZ-3)
Criança explicando o motivo pelo qual considera uma imagem melhor do
que a outra e esse motivo tem relação com a habilidade necessária para
executar a pintura.
É porque aqui tem a família unida e aqui não tem família unida. (LR-3)
Criança explicando o motivo pelo qual prefere o tema de uma imagem ao
da outra e esse motivo envolve questão de valores.
Para mim não, mas eu tenho medo dos outros. (...) Alguém escolher qualquer
um, né? Pode, alguém pode escolher esse. (LN-3)
Criança justificando a sua preferência por uma imagem, mas
reconhecendo que outras pessoas podem escolher a de que menos
gostou.
Imagens apresentadas para a 8
a
série
4 5 6 7 8
Esta imagem parece que foi feita por uma criança, por causa da deformidade
e simplicidade das imagens. (LN-4)
Jovem falando livremente sobre uma imagem e associando a falta de
realismo a imagens criadas por crianças como se deformar ou
simplificar fosse exclusividade das criações infantis.
Essa imagem parece ser feita por crianças. O estilo dos desejos
8
dessa
imagem é muito infantil. Mas se prestarmos atenção, veremos que a pessoa
que fez pensou sobre perspectiva e planos. (BC-4)
Jovem falando livremente sobre uma imagem e também associando a
falta de realismo às criações infantis. Refere-se também à perspectiva e
aos planos como contrapontos às características infantis da imagem.
3
o
estágio: expressividade
Neste estágio as pessoas se interessam de maneira especial,
predominantemente pela expressividade do quadro, pela experiência que ele
pode proporcionar, pelos sentimentos e emoções que pode despertar; o que
importa é a verdade dos sentimentos, pois a beleza, o realismo e a mestria
são agora secundários; uma ampliação nas possibilidades de apreciação
de outros tipos de obras e não apenas as realistas; distinção entre
julgamento estético e julgamento moral, ou seja, um quadro pode ser bom
mesmo retratando um tema moralmente indesejável, como a guerra.
Ocorre uma compreensão da subjetividade das obras, ou seja, dos
sentimentos, emoções e significados presentes nela, pois surge uma nova
consciência da interioridade das experiências dos outros e da nossa própria
experiência. Exemplos:
8
Provavelmente este aluno quisesse dizer “desenho” e não “desejo”, mas mantive sua escrita
original, apesar do estranhamento que gera.
8
a
série
4 5 6 7 8
Essa imagem é uma fotografia, por ela estar querendo mostrar tristeza,
pobreza, ela está em preto e branco. Nela, tem um homem - parece pobre -
no fundo e ele está sozinho dando a idéia de solidão. (FD-7)
Jovem que fala livremente de uma imagem e relaciona suas cores e tema
com os sentimentos que ela desperta nele, captando emoções e
significados na obra.
Posso dizer que esta imagem me remete a um lugar bonito, aconchegante,
que nos transmite paz, harmonia e que nos faz refletir sobre tudo, esta retrata
fielmente a filosofia do interior: lugar bonito, calmo, não-luxuoso, porém, cheio
de energias boas para remeter a todos. (VN-4)
Jovem descreve livremente os sentimentos que a imagem lhe desperta,
busca a subjetividade nela implícita.
Imagens apresentadas para a Professora
9 10
Ela me transmite essa solidão mesmo ou um momento de estar para
pensar, de estar para tomada de decisões, de beber alguma coisa para
descontrair ou até para sair de onde se está e fazer algo diferente.(9)
Descrevo nesse trecho os sentimentos que a imagem suscita em mim e
busco seus significados.
4
o
estágio: forma e estilo
O interesse pela forma e o estilo como meios de expressão tornam-se
predominante neste estágio; elementos como textura, cor, espaço e estilo são
valorizados e analisados; as obras são agora relacionadas entre si, pois elas
são ligadas a uma tradição; o significado dos quadros é mais social do que
individual, o que o grupo diz sobre uma obra é muito mais do que o que
alguém sozinho conseguiria apreender sobre ela; vê-se a crítica de arte como
guia para a percepção; o juízo estético é racional e objetivo.
Aqui, o ponto de vista da tradição, dos especialistas é adotado, o que é
mais complexo do que captar os sentimentos e expressões do artista, pois
exige que passemos a dialogar com um contexto muito maior, tanto da obra
quanto do artista. Essa forma de compreensão permite ao indivíduo assumir
várias interpretações para uma mesma obra. Exemplos:
Professora
9 10
Bem, quando eu olhei para ela, a primeira coisa que me veio à mente foi: “É
um Van Gogh”. Na verdade, não pelo estilo da pintura, porque na verdade
também isto aqui está me parecendo mais um desenho, um crayon, mas pela
fisionomia mesmo da pessoa. Perfil, a barba meio ruiva, uma expressão meio
carrancuda. Eu acho que deve ser um Van Gogh mesmo por causa da
expressão forte desse rosto, essa coisa introspectiva (...) Eu vejo muitas
pinceladas, muitas pinceladas não, muitos riscos, muitos traços mesmo que
me parecem ser de crayon pela própria textura, me parece que é. o não
preenchimento total de alguns espaços.
Nesse trecho eu demonstro uma preocupação em relacionar obra ao seu
autor por meio do estilo, da expressividade, do tema e dos elementos
visuais que ela apresenta.
5
o
estágio: juízo
A tônica do pensamento no último estágio do desenvolvimento estético,
segundo Parsons, é o questionamento daquilo que é consagrado, é o
julgamento de conceitos e valores construídos pela tradição; é o
questionamento das influências que determinam nosso juízo; o diálogo é a
base para a formação de nossas opiniões, pois nos permite avaliar e
comparar o que pensamos com o que os outros pensam; os juízos são
discutíveis, mas são pessoais, pois existe autonomia de pensamento.
O interesse é em transcender os valores da cultura em função da
capacidade de questionar aquilo que é aceito pela tradição.
Como não há em minha pesquisa exemplos de falas cuja estrutura remeta
a este estágio, apresentarei um exemplo da pesquisa de Parsons (1992,
p.162).
Tenho muitos heróis. E alguns dos meus velhos heróis não o tão
heróicos como eram estou sempre a modificar a minha opinião. Em relação
a Picasso, por exemplo, mudei de opinião uma série de vezes. Houve uma
altura em que eu achava que ele não sabia desenhar. Depois disso, passei
por várias fases: a de pensar “Oh! Ele é um deus!”, a de dizer “Estou farto de
Picasso”, e a seguir “Espera aí! Picasso não era uma pessoa, era muitas
pessoas numa , era toda a gente, e nunca é demais olhar para os quadros
dele.” Aconteceu-me o mesmo em relação a uma quantidade de artistas: ora
se valorizam ora se desvalorizam, tanto na minha opinião como cultural e
historicamente. (Henry)
Abigail Housen e o desenvolvimento da resposta estética
O interesse de Abigail Housen pela resposta estética – termo utilizado pela
autora para referir-se à compreensão que as pessoas têm da arte, ou seja, ao seu
desenvolvimento estético remonta à década de 70 e sua pesquisa totalizou mais
de 6000 entrevistas realizadas em 15 culturas incluindo populações americanas e do
leste europeu. Os participantes apresentam idades, situação sócio-econômica, etnia
e nível educacional diversos. (HOUSEN, 2000, p. 164)
Em sua investigação, a autora procurou esclarecer três questões:
Primeira: “Qual é a natureza da resposta estética?”. Segunda: “Como se
pode estudar ou quantificar da melhor maneira esta resposta?”. E terceira: “O
fato de se estudar uma resposta estética pode ajudar-nos a ensiná-la ou
desenvolvê-la mais eficazmente?”. (2000, p. 147)
A pesquisa iniciou-se com a coleta e a quantificação das respostas estéticas e,
posteriormente, com a elaboração de novas abordagens educacionais para
desenvolver esta resposta. Para essa elaboração dois tipos de grupos de pesquisa
eram mantidos, um grupo de controle, no qual aplicava-se uma metodologia
tradicional para ensino da arte e outro grupo experimental, no qual aplicava-se o
método proposto pela autora e seus colaboradores.
As hipóteses de que Housen (2000, p.148-149) partiu no início de sua pesquisa
foram:
O observador inexperiente é importante indicação para a compreensão da
experiência estética, pois não passou por uma educação visual.
Olhar para a compreensão concreta que as pessoas têm da arte e não para a
que se orienta por abstrações como estilo, perspectiva, iconografia,
expressividade, histórias biográficas ou culturais, típicas de especialistas.
Procurar estruturas de compreensão que se manifestam em seqüência,
iniciando pelo observador principiante.
A abordagem construtivista é a melhor forma de apreciação estética, pois
permite ao observador construir ativamente sua aprendizagem e evoluir.
Obter respostas estéticas espontâneas, sem a interferência dos pesquisadores
durante as entrevistas.
Seu método de pesquisa baseou-se em uma entrevista não orientada
denominada de “Entrevista de Desenvolvimento Estético”, por meio da técnica do
“fluxo da consciência”, na qual o entrevistado fala livremente e sua fala é registrada,
transcrita e analisada.
O indivíduo responde a uma única pergunta inicial “O que aqui?” ou no
máximo a mais uma pergunta “Há mais alguma coisa?”. Trata-se, na verdade, do
registro do pensamento do indivíduo em voz alta, pois o entrevistador não interfere
sobre a fala.
Após analisadas, as respostas são comparadas com os níveis de compreensão
estética presentes no “Manual de Codificação do Desenvolvimento Estético”
9
. Este
manual utiliza-se de uma classificação ampla para identificar as pessoas por suas
classes de pensamentos preferências, observações, associações, comparações e
avaliações – e outra classificação mais restrita, para identificar dentro das classes de
pensamentos, os raciocínios específicos de cada observador.
Assim, as pessoas têm seus pensamentos comparados com as idéias que
caracterizam os diversos estágios da compreensão estética apresentados por
9
Neste manual, Housen resumiu todos os pensamentos obtidos em suas amostras originais de
entrevistas. Ele foi elaborado com o intuito de representar um conjunto de estágios, desde o
principiante até o especialista e divide-se em Domínios de Pensamento – que identifica amplas
classes de pensamentos – e Categorias que representam diferenças qualitativas dentro das classes
de pensamentos. (HOUSEN, 2000, p.151)
Housen no Manual de Codificação e estes estágios representam, segundo a autora,
uma progressão no desenvolvimento da compreensão estética. (2000, p.152)
No entanto, para que esta progressão se dê, a autora acredita que seja
necessário conceber um currículo para o ensino da arte que propicie o
desenvolvimento de respostas estéticas cada vez mais elaboradas abordagem
construtivista. Para isso, ela propõe, dentre outras coisas, que se crie um ambiente
de descoberta de grupo, no qual:
(...)
o professor mantém a discussão centrada na produção artística, sem
transmitir informação, parafraseia comentários dos alunos sem avaliar as
suas respostas, associa diversas observações sem oferecer qualquer outra
informação e assegura-se de que todas as crianças têm oportunidade de
falar. (2000, p.160)
A autora destaca dois aspectos importantes de sua abordagem de ensino que
são a seleção de imagens e a seleção de perguntas e afirma que ambas devem ser
criteriosas.
Tratarei da seleção de imagens no próximo capítulo, quando discuto a curadoria.
Por hora abordarei a seleção de perguntas e citarei um exemplo de situação que,
segundo a autora, visa produzir o desenvolvimento do Estágio I para o Estágio II por
intermédio de apenas duas perguntas feitas ao observador: primeira, “O que você vê
aqui?”; segunda “O que é que você vê que o faz ver isso?”.
A primeira pergunta é dirigida aos observadores do Estágio I que se caracterizam
por identificar figuras soltas na imagem e a partir delas criar narrativas. Com esta
pergunta, portanto, todos os indivíduos estariam aptos a falar sobre a imagem, pois
ela foca aquilo que é a especialidade deles, descrever o que vêem.
a segunda pergunta tem por finalidade fazer com que o observador volte a
olhar mais detalhadamente para a imagem, coisa que ele não faz no Estágio I. Além
de olhar mais detidamente, o indivíduo teque encontrar na imagem, argumentos
para sustentar o que afirmou na primeira reposta.
Nessa busca por argumentos, o observador perceberá certas contradições no
que disse, ficará confuso e buscará novas formas de explicar e compreender o que
vê. Os próprios colegas estarão pensando junto com ele e o professor estará
mediando esta experiência para que ela resulte em um processo de
desenvolvimento, pois segundo Housen:
Assim, o aluno tem tempo para praticar pensar de uma nova maneira que
não é inteiramente habitual e que, no entanto, não está fora do seu alcance.
Ao olhar de novo, reconstruindo e desenvolvendo novas hipóteses, o aluno
aprende que a experiência estética é uma experiência aberta, sujeita a
múltiplas interpretações. Ele compreende pela experiência que não faz mal
cometer erros, que quanto mais se olha mais se vê, que não há mal nenhum
em mudar de opinião e que é divertido envolver-se neste tipo de resolução de
problemas. (2000, p.162)
Portanto, para Housen, as perguntas que devemos fazer aos alunos devem ter o
cuidado de levar em conta o tipo de pensamento que eles têm sobre a arte naquele
momento de seu desenvolvimento. Além disso, pode ser também bastante
produtivo, propor a eles que falem sobre o que pensa um colega que tem um ponto
de vista diverso do seu.
Uma síntese dos estágios apresentados por Housen é apresentada a seguir para
que se possa ter uma visão geral de como pensam observadores de principiantes
a especialistas segundo sua pesquisa. Os observadores de cada estágio são
nomeados pelo tipo de ação mental que caracteriza sua leitura da arte naquele
momento.
Estágio I: narrativo
Refere-se aos observadores narrativos, aos contadores de histórias que
fazem leituras concretas sobre a obra “Aqui é isso...“, “Ali é aquilo...” em
meio à narrativa e a partir de associações pessoais e do uso da imaginação.
Sua interpretação é imediata, não analisam detalhes e nem observam com
atenção, pois têm poucas experiências com a arte.
Embora a narrativa tenha por base a imagem, ela não é muito coerente e
nem se relaciona diretamente com a imagem, é mais espontânea. Esses
observadores parecem entrar na obra e fazer parte da cena, julgam a obra
em função daquilo que sabem e gostam e a questão que ecoa neles é “o
que?”. Exemplos:
1ª série
1 2 3
(...) É que teve um filme que mostra uma guerra e um moço, ele tava tentando
morrer nessa guerra e ele não conseguiu morrer dque ele podia andar, até
porque ele está com esse pedaço de pau aqui porque é a bandeira, porque o
cavalo... (LC-2)
Criança explicando o motivo pelo qual gosta da imagem e o faz
associando a imagem a um filme e narrando a sua história.
E que eu gosto de passear no cavalo lá no sítio do meu avô. (LR-2)
Criança explicando o motivo pelo qual gosta de uma imagem e o faz
associando a imagem com lembranças pessoais, portanto, a imagem
serve apenas como um disparo para as lembranças e passa então a
representar a realidade concreta.
Não gostei não! (...) O jeito das pessoas, não gostei nem um pouco! (...)
Parece assim que eles o fantasmas, que estão quebrados, ossos, parece
fantasma! (US-3)
Criança respondendo se gostou de uma imagem e depois justificando
sua resposta. Como o tema não lhe agrada, ao contrário, assusta-lhe, a
criança não gosta da imagem, ou seja, olha para ela como se fosse a
realidade concreta com fantasmas. Seu juízo sobre a imagem revela seu
descontentamento com o tema.
Estágio II: construtivo
Os observadores construtivos são assim identificados, pois começam a
construir estruturas para olhar a obra, utilizando-se de ferramentas como sua
própria percepção e conhecimento do mundo natural, bem como dos valores
aprendidos em seu mundo social e moral para compreender a arte.
O julgamento que fazem da obra está relacionado àquilo que pensam que
a obra “deve ser” – realista, e com temas adequados – e caso ela não
corresponda a essa expectativa, que é cultural, não é tida como uma boa
obra.
Outros critérios para julgar uma obra são a habilidade, a aptidão e o
esforço do artista, bem como a utilidade da obra. Para tanto, a olham
atentamente e voltam a olhar outras tantas vezes.
Aos poucos o observador vai se distanciando da obra e buscando
compreender as intenções do artista com base nas informações que extrai
dela mesma – como foi feita e por que foi feita daquela forma. Sendo assim, a
questão básica para esse observador é “como?”.
1ª série
1 2 3
Porque eu achei que esse cavalo ficou gordo. (CL-2)
Criança explicando o motivo pelo qual disse que a pintura merecia um
mau elogio, ou seja, a forma do cavalo foge as suas referências do
mundo natural.
8
a
série
4 5 6 7 8
Bem, pode-se dizer que é uma imagem muito estranha sem sentido algum,
choca pelas cores e formas sinuosas, pelos tamanhos “esquisitos” e “a
viagem que o pintor faz”, parece que junta lugares diferentes em apenas um.
(GV-4)
Jovem falando livremente sobre uma imagem e não encontrando sentido
nela, pois está representada de forma diferente daquela que suas
referências consideram correta.
É uma imagem estranha, com cadeira entrando na parede e cilindros perto de
cadeiras, não faço a mínima idéia do que essa imagem quer dizer. (LN-6)
Jovem falando livremente sobre uma imagem e o encontrando
significado nela, pois as formas estão fora de lugar,
descontextualizadas, fogem da maneira com que ele está acostumado a
vê-las.
Essa imagem eu penso ser do impressionismo, pois nas nuvens tem luz e não
tem contorno, mas tem uma coisa que quebra essa idéia: o contorno da casa.
Essa imagem mostra um sítio de noite e os bois estão desenhados de uma
forma um pouco diferente do que eles são no real. Nessa imagem não tem
muita proporção, pois a árvore mede três vezes a medida da casa. (FD-4)
Jovem falando livremente sobre uma imagem e mostrando que suas
idéias ainda são conflituosas, quer classificá-la segundo seus
conhecimentos formais, mas como vê uma incoerência entre a imagem e
o estilo que ela poderia representar, retoma uma descrição segundo
critérios com referências no mundo real. Isso me indica que ainda
prevalecem em seu pensamento as estruturas de compreensão da arte
segundo o estágio II, pois ele utiliza valores do mundo natural como o
realismo e a proporção
para analisar a imagem.
Estágio III: classificativo
Estes observadores apresentam uma postura de análise e crítica diante
das obras, como fazem os especialistas. Sua intenção é identificar a obra
segundo critérios como estilo, escola, tempo, lugar e proveniência, pois
acreditam que desta forma compreende-se seu significado e sua mensagem.
Assim, a partir de referências e repertório pessoal, buscam sinais ou pistas
na obra para poder classificá-la e suas perguntas básicas são, então, “quem e
por quê?”.
Professora
9 10
Uma fotografia. Eu me lembro que é uma das pranchas que a gente recebeu
no curso da 27ª. Bienal, mas não me lembro de ter lido nada sobre ela. A
fotografia é um pouco desfocada e tem alguns pingos que me fazem entender
que a lente da câmera estava molhada... (10)
Ao falar livremente sobre a imagem eu imediatamente procuro identificar
a linguagem utilizada e identifico-a em meio ao meu repertório, mas
como só conheço sua origem, passo a analisá-la formalmente.
As cores eu acho que combinam muito com esta questão expressionista,
existe um predomínio de tons mais escuros, pode ser de azul, pode ser de
marrom, preto, mais existe também luz, principalmente no rosto dele, nos
cabelos. Existe uma luz que ele joga com um amarelo, um branco. (...) Acho
que é isso que eu poderia dizer dessa imagem, eu gosto da forma como ela é
desenhada, pintada, eu gosto do tema introspectivo, de alguém, eu acho que
ela deixa bem aberto essa... algo para gente imaginar mesmo, pra onde ele
olha ou pra quem ele olha, o que ele pensa, o que ele faz aqui... eu acho que
é bem isso... é isso! (9)
Ao longo da leitura da imagem eu oscilo entre uma análise mais formal e
a busca de significados, enfim, procuro compreender a obra buscando
nela sinais que me permitam analisá-la, classificá-la, interpretá-la e
descrevê-la segundo critérios formais que constituem parte do meu
repertório.
Estágio IV: interpretativo
Leitores interpretativos deixam que o significado da obra de arte se
manifeste através de sentimentos e intuições. Buscam um contato pessoal
com a obra explorando linhas, formas e cores até que o significado se revele
lentamente.
Sabem que uma obra de arte é passível de ser reinterpretada e, portanto,
a cada vez que a apreciam encontram novos significados, fazem novas
comparações e vivenciam uma nova experiência. Assim como a arte, sabem
que eles próprios como sujeitos, também mudam e sua questão fundamental
é “quando?”, no sentido de quando surgem os sentimentos, as emoções.
Professora
9 10
O significado desta imagem para mim – isso é bem mais difícil poderia ser
uma foto de autor, um fotógrafo capta um momento de alguém numa atividade
que gosta que faz bem. É mais interessante olhar esta imagem porque eu não
tenho referência nenhuma do autor ou das suas intenções, é mais instigante
do que olhar a imagem do Van Gogh, por outro lado, é mais difícil encontrar
um sentido pra mim. (...) Uma praia, um céu escuro, alguém num skate, uma
pista improvisada, o que isso pode? O que isso significa pra mim? É um
contraste, é como se a imagem dele representasse algo mais animador, algo
mais alegre do que este céu. Este céu é triste, esse céu me parece carregado
e a atividade que ele exerce, esse andar de skate, estar empinando o skate, é
algo que contrasta com esse medo, com essa coisa fechada do céu, ele me
parece que está aberto, ele está aberto a utilizar um pedaço de calçada
talvez... Ele veio para se divertir, se distrair com o seu skate, ele tem um corpo
bonito, o movimento que o corpo dele faz é muito bonito, agora chegou a me
lembrar um pouco o “Discóbulo de Miron”, então ele faz um movimento muito
bonito com o corpo, ao mesmo tempo que você vê parte do corpo de frente, de
perfil, você parte de costas, então é muito bonito. A imagem dele está
quase centralizada na fotografia e parece que os tons foram combinados, os
tons da roupa dele com os tons do concreto dessa pista, com os tons das
rochas, que são todos tons meio acinzentados ou esverdeados e que
contrastam com o azul do céu, da água, que por sua vez também é meio
acinzentado. (10)
Ao descrever o que vejo na imagem vou buscando significados internos,
vou encontrando identificações com referências pessoais as quais vão
me permitindo criar um sentido pessoal para a imagem.
Estágio V: re-criativo
Os observadores deste estágio fazem uma combinação entre apreciação
pessoal e apreciação a partir de conhecimentos instituídos no mundo da arte.
Possuem uma longa história de contemplação e reflexão sobre a arte e
sabem que os significados de uma obra são construídos com o tempo e com
a busca contínua de elementos que permitam compreendê-la de forma ampla.
Assim, mesclam as questões “o que, como, quem, por que e quando?” em
suas leituras da arte.
Como não há em minha pesquisa exemplos de falas cuja estrutura remeta
a esse estágio, utilizarei um exemplo dado por Housen (2000, p. 155-156).
Eu acho que seria interessante...sentar-me e observar Picasso fazer isso
porque...tem-se a fantasia de que era isto...isto...muito contínuo, fácil, seguro,
espontâneo...criação de todas estas formas que uma pessoa salta para a
outra...pergunto-me...se foi tão fácil para ele...pareceu-me sempre que ele
sabia exatamente o que estava a fazer. Seria interessante... ter estado...
(não identificado pela autora).
Para finalizar, devo acrescentar que Martins (2000) apresenta em seu texto para
o Curso de Formação de Monitores da Brasil +500 Mostra do Redescobrimento,
um quadro comparativo entre os estágios de Parsons e Housen no qual aponta para
uma inversão entre o 3
o
e o 4
o
estágio, ou seja, segundo Martins, o 3
o
estágio de
Parsons tem como idéia predominante a “expressão”, para Housen esse estágio
caracteriza os observadores “classificadores”. No 4
o
estágio Parsons acredita que a
idéia dominante seja “estilo e forma”, que corresponde ao 3
o
estágio de Housen e
esta atribui o 4
o
estágio aos observadores interpretativos, que correspondem ao 3
o
estágio de Parsons. Para Martins, a inversão que ocorre nesses dois estágios indica
que a seqüência de Parsons vai de uma orientação mais afetiva (3) para um enfoque
mais formal (4), enquanto que a seqüência de Housen apresenta uma compreensão
intelectual (3) que precede a experiência afetiva (4)
10
. (2000, p.11)
Essa é, contudo, uma questão que mereceria um maior aprofundamento, mas
não é o objetivo desta pesquisa.
10
Quizá lo más importante es que existe uma discrepância real em lãs secuencias de etapas
referidas. La secuencia de Parsons precede desde uma orientación afectiva (etapa 3) a um enfoque
más formal (etapa 4). Mientras que La secuencia de Housen presenta la compresión intelectual
(etapa 3) em tanto que precedente a la experiencia afectiva (etapa 4).(PARISER, 1988 apude
GARDNER, 1994, p. 41)
Maria Helena Wagner Rossi e as imagens que falam
Maria Helena Wagner Rossi realizou sua pesquisa de doutorado durante três
anos em escolas da cidade de Caxias do Sul (RS, Brasil) e buscou compreender o
desenvolvimento estético de crianças e de adolescentes brasileiros em seus
contextos pessoais de vida. Algumas das importantes reflexões e questões
levantadas por Rossi em sua pesquisa e são:
O que o aluno vê numa imagem?
O que enfatiza quando analisa uma imagem?
Como a interpreta?
Que perguntas faz frente a ela?
Que critérios usa no julgamento dela?
O que diferencia a leitura de cada aluno?
Quais são os pressupostos trazidos por cada aluno?
Como é, realmente, a leitura do aluno no contexto brasileiro?
Pode-se impor uma leitura?
Estamos abordando a imagem de forma adequada na escola?
Estamos respeitando o modo de construção do conhecimento da arte, pelo aluno,
através da leitura?
Estamos usando estratégias adequadas para promover a alfabetização estética?
Conhecemos as possibilidades das leituras que propomos em sala de aula?
Conhecemos as limitações das leituras que propomos?
Que tipo de leitura devemos e podemos proporcionar ao aluno, nos diferentes
níveis e contextos de escolarização?
A pesquisa envolveu 168 estudantes da educação básica dos quais a metade
eram alunos familiarizados com a arte instituída alunos de escolas particulares,
com professor especialista, ensino contemporâneo de arte e acesso à arte, TV a
cabo, cinema etc e a outra metade, alunos não-familiarizados com a arte instituída
de escolas públicas, com professor não especialista, ensino baseado na livre-
expressão, sem acesso à arte, TV a cabo, com visitas esporádicas ao cinema etc.
Rossi realizou, primeiramente, entrevistas com estrutura básica que eram feitas
para que o aluno interpretasse e julgasse as imagens e, posteriormente, a entrevista
se voltava para questões gerais sobre estética, como Parsons (1992) e Freeman &
Sanger (1995). As entrevistas eram realizadas de modo a deixar os alunos à
vontade, descontraídos para que pudessem expor suas idéias espontaneamente.
Assim, as perguntas com cunho interpretativo que davam início à leitura das
imagens eram:
Você pode falar sobre esta imagem?
O que você pensa quando olha para essa figura?
Você pode falar o que está pensando sobre cada imagem. Pode perguntar, se você quiser.
Não há resposta certa ou errada.
Você vai olhar algumas imagens e vai dizer o que passa pela sua cabeça, o que você pensa
quando olha para elas.
A seguir vinham as perguntas de julgamento:
Esta imagem é boa ou ruim? Por quê?
O que você acha disto?
Você acha isto bom? Por quê?
Você gosta desta imagem?
Como você pode julgar esta obra?
Qual delas é a melhor? E a pior? Por quê?
Rossi ampliou, atualizou e trouxe para o contexto brasileiro os estudos de
Parsons e outros teóricos do desenvolvimento estético de maneira que sua seleção
de imagens para a leitura dos alunos foi mais abrangente do que a dos demais
teóricos, pois procurava investigar também questões intrínsecas às imagens da
cultura visual, contemporâneas aos alunos, pois, como afirma Parsons, uma
entrevista pode servir de plataforma, como uma via para a criança pensar um pouco
melhor com o entrevistador do que se pensasse só por si. (2000, p.181)
Assim, foram selecionadas duas pinturas, uma fotografia, uma instalação, uma
imagem publicitária e uma instalação interativa eletrônica. Estas cinco imagens, bem
como os motivos de suas escolhas são:
Sem Título n
o
96. Cindy Sherman, 1981. Fotografia: a escolha se deu com a intenção
de saber se a interpretação da fotografia é diferente, visto que o senso comum não a
considera como arte e de saber se o realismo, próprio da fotografia, é valorizado ou
depreciado?
Broadway Boogie Woogre. Piet Mondrian, 1942. Pintura abstrata: foi escolhida para
confirmar a hipótese extraída de pesquisa anterior da autora, de que as crianças
tendem a interpretar obras abstratas como objetos concretos.
É um homem, Sem Título Parte II. Anish Kapoor, 1989-90. Instalação: selecionada com
o objetivo de verificar se alunos interpretam a fotografia de uma instalação como a
interpretariam pessoalmente, pois a maioria dos alunos brasileiros dificilmente tem
acesso a esse tipo de obra.
Revista Claudia, n.9, ano 36, 1997. Imagem publicitária: a imagem foi escolhida, pois a
autora acredita que a compreensão da publicidade pode desenvolver um olhar crítico
sobre as idéias da mídia.
Trans-e: my body, my blood. Diana Domingues, 1998. Instalação interativa eletrônica:
selecionada para que se pudesse entender o que diferencia a compreensão gerada na
interpretação de imagens fixas, daquela advinda da instalação eletrônica. (ROSSI,
2003, p. 29)
Outras duas pinturas foram acrescentadas em algumas entrevistas: O Nascimento de
Vênus, Sandro Botticelli, c. 1484 e Guernica, de Pablo Picasso, 1937.
Em sua pesquisa, Rossi utilizou-se de uma classificação da compreensão
estética baseada em três tipos de relações possíveis no encontro entre o observador
e a imagem, segundo alguns teóricos do desenvolvimento estético: Parsons,
Freeman, Sanger e Gardner. (2003, p.37)
Contudo, em função dos resultados da pesquisa, Rossi subdividiu a relação
imagem-mundo em: tipo I, tipo II e tipo III. No quadro a seguir é possível visualizar
estas relações, bem como o que as caracteriza:
Tipos de
Relações
Alguns
Aspectos
Relação
Imagem
Mundo Tipo I
Relação
Imagem-
Mundo Tipo II
Relação
Imagem-
Mundo Tipo III
Relação
Imagem-
Artista
Relação
Imagem-
Leitor
Principal
característica
deste tipo de
relação
Aluno acredita
que o artista se
submete
totalmente à
representação
da realidade,
que não tem
autonomia e faz
obras porque
quer, mas para
mostrar a
realidade que se
apresenta a ele
para que ele a
retrate.
Aluno reconhece
a autonomia do
artista para
escolher o que
quer
representar,
mas terá de
representá-lo tal
qual a realidade.
Aluno pensa que
o artista
transfere
sentimentos
para a obra,
mas estes
sentimentos são
ainda parte do
mundo interior
do artista, por
este motivo
ainda trata-se de
uma relação
imagem-mundo.
Aluno abandona
referências ao
mundo concreto
ou interior do
artista e tenta
“descobrir” a
intenção do artista
e o significado da
obra que são
definidos pelo
artista. Para ele o
artista é autônomo
e livre de
influências
culturais.
Aluno percebe
que é ele quem
interpreta um
quadro,
independente-
mente da intenção
do artista.
Fase típica
deste tipo de
leitura
Alunos das
séries iniciais (6-
9 anos) em
função de
fatores
cognitivos.
Pode estender-
se até 5
a
e 6
a
séries (11-12
anos), se não há
familiaridade
com a arte.
Se há
familiaridade
com a arte, o
reconhecimento
das intenções
do artista pode
acontecer antes.
Alunos das
séries iniciais e
início da
adolescência ou
na adolescência
em alunos sem
familiaridade
com arte.
Alunos na pré-
adolescência
(meados do E.
Fundamental).
Pode estender-
se até a idade
adulta em
pessoas sem
familiaridade
com a arte.
Ao final do E.
Fundamental
alunos com
familiaridade
com a arte
deixam a idéia
de transferência
dos sentimentos
do artista para a
obra.
Alunos no início
da adolescência,
fase em que ele
assume a
existência
intelectual do
artista e “decifra”
suas intenções.
Pode surgir a
partir da 5
a
série.
Alunos com o
pensamento
formal (11-12 a
14-15 anos), o
que determina a
capacidade de
refletir sobre seus
próprios
pensamentos,
segundo Jean
Piaget (1995,
p.111).
Interpretação
Aluno não
percebe que
interpreta
imagens de
forma pessoal.
Aluno não
percebe que
interpreta
imagens de
forma pessoal,
que os
sentimentos que
vê nas obras de
arte são leituras
pessoais e não
necessariamen-
te sentimentos
do artista.
Não sabe que o
artista tem
domínio sobre
sua produção e
tem intenções
de
comunicação.
Aluno não sabe
que interpreta,
pensa que só
decifra
significados.
Percebe que os
sentimentos são
atributos da
imagem e não
mais do artista.
Sabe que o artista
tem intenções e
que pode ser livre
das determinações
do mundo físico
ou psicológico.
Aluno tem
consciência de sua
própria
interpretação e
deixa de buscar o
significado pela
concretude da
imagem ou pela
intenção do
artista.
Constrói os
significados da
obra e percebe
que eles são o
encontro da obra
com leitor. A
intenção do artista
pode ser mais uma
visão sobre a obra.
Julgamento
Aluno julga
imagem como
algo real, com
seus conceitos e
preconceitos.
Aluno julga sem
diferenciar o
triste, o ruim e o
feio.
O julgamento
estético
desvincula-se do
moral, não há
fusão entre feio,
triste e ruim.
Pode não gostar
do quadro, mas
achá-lo bom, pois
satisfez o artista
(o aluno deve
decifrar)
O julgamento é
pessoal
Com o intuito de facilitar o entendimento, Rossi simplificou essa classificação de
cinco relações e obteve três níveis de desenvolvimento estético agrupando as
relações com qualidades semelhantes.
A seguir apresento uma síntese destes níveis exemplificando-os novamente com
as falas obtidas da minha pesquisa:
Nível I
Este nível abrange as relações imagem-mundo de tipos I e II, pois ambas se
caracterizam pelo pensamento concreto (PIAGET,1995, p. 82). O tema da imagem é
exatamente o que ela está representando e sua interpretação tende à narrativa;
nesse nível habilidade cognitiva para ver o que está presente na obra enquanto as
crianças da Educação Infantil descrevem o que não estão vendo - mas a leitura não
vai muito além disso, é sempre uma leitura referencial/literal, a partir de seus
esquemas anteriores; o leitor não tem ainda consciência da intencionalidade e da
autonomia do artista; julga a obra segundo as qualidades do tema e os critérios de
julgamento são: cor, tema, realismo, maestria do artista e utilidade da obra.
Exemplos:
1ª série
1 2 3
Porque não dá pra ver, dá pra ver direito, mas eu não entendi. (AJ-3)
Criança explicando o motivo pelo qual o gosta da imagem e
demonstra dificuldade em entender uma imagem cujas formas fogem ao
seu repertório.
É porque está mais desenhada e também é porque aqui tem mais coisas e eu
gosto mais, e aqui eu acho que está muito mais desenhado do que este. (LR-
2)
Criança explicando o motivo pelo qual prefere a imagem 2 a 1 e deixa
claro que sua escolha tem relação com o fato da imagem preferida ter
mais “coisas” de que ela gosta, além de valorizar o realismo da imagem
quando diz que está mais bem desenhada.
O jeito das pessoas, não gostei nem um pouco! (...) Parece assim que eles
são fantasmas, que estão quebrados, ossos, parece fantasma! (US-3)
Criança justifica o fato de não ter gostado da imagem e percebe-se que
seu julgamento estético está vinculado ao julgamento do tema do qual
não gosta e por isso não gosta da imagem.
Eu acho um monte de terra. (...) É, e aqui eu acho o mar. (ID-1,2)
Criança foi convidada a falar o que achava das imagens 1 e 2 e
respondeu dirigindo-se às coisas” representadas nelas. O que ela acha
da imagem é o que ela vê de concreto.
Nível II
Este nível representa a transição entre as relações mais ingênuas e as mais
sofisticadas, portanto, tem características da relação imagem-mundo tipos II e III
(ingênua/realística, mais voltada ao pensamento concreto) e da relação imagem-
artista (complexa e mentalística, mais voltada para as habilidades do pensamento
formal); o aluno ainda não está de posse total do pensamento formal, por isso
mantém vínculo com o concreto; a imagem pode mostrar um sentimento, que é algo
abstrato, mas ele vem de algo concreto, que é o artista, assim, a obra é triste se o
artista estava triste quando a fez; ainda não distinção entre julgamento moral e
estético; aos poucos o realismo fotográfico vai sendo desvalorizado em nome da
expressividade (mais usada no nível III); a criatividade também pode ser valorizada.
8
a
série
4 5 6 7 8
Um olhar sombrio, como se tivesse raiva do mundo, observando o que a
humanidade fez com suas vidas e a que ponto pôde chegar. (TH-5)
Este pode ser um exemplo do nível II de Rossi, caso o sentimento ao
qual o aluno se refere seja o que o artista estava sentindo no momento
da produção e o aluno acredite que ele o tenha representado na obra
11
.
Eu acho que ele não pode fazer um quadro triste quando está alegre e nem
fazer um quadro alegre quando está triste, porque o quadro é um pouquinho
do autor. Pelo que sei (e gosto de observar as coisas), nós fizemos conforme
nós estamos nos sentindo, senão as coisas não ficam direito. (Taciana 15
anos)
12
.
Nível III
Este nível compreende a relação imagem-artista e a imagem-leitor, pois embora a
segunda seja mais complexa, ambas têm em comum dois aspectos: dependem do
pensamento abstrato e reconhecem a subjetividade e a intencionalidade do artista e
do leitor; os significados não são mais buscados no mundo concreto (como no Nível
I), nem no mundo interior do autor (como no nível II) e sim na subjetividade presente
no momento da apreciação; primeiramente, esta subjetividade está no artista (I-A), e
depois no leitor (I-L); no primeiro momento do nível III o aluno responsabiliza o
artista pelo significado e pela qualidade da obra, mas no segundo momento do nível
III o aluno toma consciência do papel de sua própria subjetividade na busca de
11
Segundo Rossi, o nível II pode ser desvelado na leitura estética através de perguntas que
investiguem se o aluno acredita que o artista deposita seus sentimentos na obra e que ela retrata seu
estado de espírito. Segundo a autora, as perguntas adequadas a este tipo de investigação seriam:
Um artista triste pode pintar um quadro alegre? E um alegre, pode pintar um quadro triste? Por quê?
Ou ainda: Os sentimentos do artista determinam a qualidade da obra? Como não há em minha
avaliação perguntas deste cunho, possivelmente não fique claro nas palavras dos alunos se eles
fazem ou não este tipo de leitura (informações pessoais fornecidas por Rossi, em janeiro de 2009).
12
Optei por citar também um exemplo do pensamento estético de nível II da pesquisa de Rossi
(2003, p. 46).
significados e qualidade da obra; a leitura mais sofisticada na Educação Básica,
parece ser esta que traz uma dialética entre os significados atribuídos pelo artista e
os significados atribuídos pelo leitor; a interpretação revela o sentido
abstrato/subjetivo; o julgamento prioriza a expressividade, a obra deve ter uma
mensagem, uma idéia, fazer refletir; o nível III deve sua existência ao pensamento
formal, à familiaridade com arte e à discussão estética.
8
a
série
4 5 6 7 8
Pra mim ela não faz nenhum sentido, mas em todas as imagens existe algum
sentido. O que eu entendo nela é apenas o que eu vejo: um homem bem lá no
fundo, com uma porta aberta na frente dele e com um retrato de casamento
pregado na parede. Pensando melhor, ela pode me dizer que esse homem
agora está viúvo, por ele estar sozinho e pelo retrato na parede. (BC-7)
Aqui parece haver um movimento em direção à compreensão de que na
imagem sempre um sentido, mas como ele é definido pelo artista,
posso não conseguir compreendê-lo. Por outro lado, quando continua
olhando a imagem, percebe que pode encontrar um sentido pessoal, ou
seja, este pode ser um período de transição entre atribuir os
significados da imagem totalmente ao artista e/ou assumir que eu
também posso encontrar um significado nela que faz sentido para mim,
independente do que o artista quis dizer.
Professora
9 10
Acho que o que mais faz sentido pra mim ao olhar esta imagem é isso, esse
contraste do escuro com o claro, o claro representado pelo rapaz, mas a
claridade está no que ele faz, está nessa alegria de estar se movendo e agora
me parece que ele está se movendo como as ondas se movem. Então, o mar
se move, ele se move, o mar... As ondas fazem vários movimentos, ele
também, ele ergue o skate como que uma onda que está se aproximando, que
vai desaguar na praia, é muito bonito. É como se fosse um “Discóbulo de
Miron” contemporâneo, fotográfico. Eu não consigo encontrar nenhuma
relação ou, por exemplo, eu fico pensando, seque... eu não consigo tentar
entender o que o artista quis dizer, os significados pra mim, eu encontrei
alguns, do próprio contraste, do movimento. Agora, eu fico tentando entender
também no contexto do autor, eu o conheço o contexto do autor, nem me
lembro quem é o autor, mas o que o autor poderia... eu vejo poesia, eu vejo
poesia nisso como intenção do autor. Capturar um momento, um momento
singular de alguém a beira-mar. (10)
Deixo claro que há significados na obra encontrados por mim que,
portanto, são fruto da minha subjetividade, mas também deixo claro que
os significados definidos pelo artista, pela sua intencionalidade que
busco compreender, mas me faltam informações, então, retomo a
interpretar segundo os sentidos pessoais que encontro na imagem.
E ela me transmite essa coisa introspectiva do Van Gogh, uma certa tristeza,
uma certa angústia com a existência, solidão, alguém que se senta à mesa de
um bar sem companhia – na verdade eu não estou cogitando que possa existir
para além da imagem uma companhia, porque eu acredito que estou
entendendo que seja o Van Gogh e que, portanto, é alguém solitário. Porque
que ele se pintaria assim de perfil? Eu nunca tinha prestado atenção neste
retrato dele, na verdade todos que eu conheço são frontais ou no máximo de
¾. (9)
Comento o modo como estou compreendendo a imagem, ou seja, tenho
consciência de que faço uma leitura pessoal, do que interpreto dela, mas
ao mesmo tempo paro para pensar no motivo que teria levado o artista a
pintar assim, ou seja, busco também o sentido que a imagem teve para o
pintor (eu acreditava que seria um auto-retrato de Van Gogh, mas era um
retrato de Van Gogh criado pelo Henri de Toulouse-Lautrec).
Uma das conclusões importantes a que Rossi chegou é a de que nos níveis mais
elementares da leitura estética, uma maior correlação com os fatores cognitivos.
E, quanto maior é o nível de complexidade e sofisticação da leitura, menos
determinantes se tornam os fatores cognitivos. (2003, p.130)
Na verdade, as leituras mais sofisticadas prevêem um desenvolvimento
cognitivo avançado, ao passo que as leituras menos sofisticadas podem tanto ser
relacionadas com fatores cognitivos, ou seja, com um desenvolvimento cognitivo que
ainda não atingiu níveis avançados, como pode também ser relacionada à falta de
vivências significativas com a arte, pois podemos encontrar adultos fazendo leituras
pouco sofisticadas e isso não é certamente determinado por seu desenvolvimento
cognitivo, pois já atingiram o pensamento abstrato.
Assim, o que determina as diferenças encontradas no desenvolvimento estético
de pessoas com um mesmo nível de desenvolvimento cognitivo é a familiaridade
com a discussão estética e a interação com imagens diversas. Rossi afirma que,
tanto Piaget quanto Vygotsky permitem deduzir que tais diferenças se devam ao
meio adulto (familiar, escolar, social). (2003, p.130)
Teresinha Franz e a compreensão crítica da arte
Teresinha Sueli Franz realizou uma pesquisa de doutorado na qual procurou
identificar problemas e qualidades na compreensão da arte pelos sujeitos a fim de
inferir estratégias didáticas que desenvolvessem essa compreensão a níveis
elevados. Para isso, precisou identificar os níveis de compreensão da arte em que
esses sujeitos se encontravam.
A abordagem que Franz adotou em sua pesquisa foi a do Ensino para
Compreensão (EpC), um conceito sistematizado durante seis anos por um grupo de
pesquisadores da Escola de Graduados de Educação de Harvard, constituído por
docentes e universitários que tomaram por referência teórica os seguintes autores:
David Perkins, Howard Gardner e Victor Perrone. Essa abordagem foi também
adotada por Fernando Hernández
13
no currículo espanhol.
O Ensino para Compreensão visa partir da realidade do aluno para levá-lo à
compreensão do mundo e da arte e requer que alunos e professores aprofundem
suas leituras das imagens de modo a não reduzirem-nas apenas a informações
sobre datas, estilos, lugares, artistas, mas para que reflitam sobre aspectos culturais,
sociais, políticos, econômicos e religiosos.
Esta é uma abordagem cultural da arte e segundo ela a obra é mediadora dos
significados sobre o tempo e o espaço nos quais ela foi criada e apenas a
experiência pessoal do sujeito não permite que ele encontre significados coerentes e
complexos na obra. Assim:
13
Fernando Hernández é doutor em psicologia e professor de História da Educação Artística e
Psicologia da Arte na Universidade de Barcelona, Espanha. mais de 20 anos se dedica a lutar
pela inserção dos projetos didáticos na escola. Foi orientador de Teresinha Franz em sua tese de
doutorado.
Olhar para as obras artísticas como elementos da cultura visual é
reconhecer que estas refletem formas de pensamento da cultura na qual se
produzem, o que implica a necessidade de olhar além do que aparece no
meramente visual: “É um olhar na vida da sociedade representada nestes
objetos. Essa perspectiva de olhar a produção artística é um olhar cultural”.
(HERNÁNDEZ, 2000a:53 apud FRANZ, 2003, p.132)
A abordagem cultural abrange, portanto, diferentes âmbitos, ou seja, diferentes
aspectos a serem abordados na leitura da imagem, e o professor pode optar por dar
ênfase a um ou mais deles em cada leitura, consciente de que a leitura ideal
abrange todos estes âmbitos:
Histórico–Antropológico: olhar para todo o modo de vida das pessoas representadas no quadro
ou envolvidas nesta produção;
Estético-Artístico: olhar sobre a cultura estética na qual a obra se insere;
Crítico-Social: olhar reflexivo sobre a sociedade (a do próprio intérprete ou a representada na
obra);
Pedagógico: olhar de quem pensa em como ensinar, em como e o que aprender com a obra;
Biográfico: olhar que relaciona a vida pessoal do intérprete e a obra.
Franz optou por trabalhar com a leitura de uma única imagem, a Primeira Missa
do Brasil, de Victor Meireles, c. 1859/1860. Sua escolha teve desde motivos de
identificação e história pessoais, pois a autora é natural do Estado de Santa
Catarina, assim como o artista, e tido contato com essa imagem desde a infância,
quanto outros motivos, como: trata-se de uma imagem que se popularizou no Brasil
através de selos, moedas e livros de História; historicamente não retrata um fato
real, mas uma imagem idealizada; transmite a idéia de que é facilmente
compreensível; não é bem vista pelos olhos daqueles que preferem o modernismo
às pinturas históricas, como as escolas.
É exatamente por ser uma imagem idealizada e representar interesses de uma
época, que a Primeira Missa do Brasil se transforma em um bom objeto de
investigação para uma compreensão crítica.
Franz utilizou-se de entrevistas para investigar a compreensão dos sujeitos sobre
essa obra de arte e seus entrevistados foram:
Alunos e professores da graduação em Educação Artística do Centro de Artes da UDESC,
Florianópolis;
Profissionais do Museu Victor Meireles, Florianópolis;
Profissionais do Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro;
Índios pataxós em Coroa Vermelha, Bahia.
As perguntas feitas aos entrevistados deixam evidentes os objetivos da entrevista,
ou seja, Franz não procurava apenas saber como as pessoas falavam sobre a
imagem, ela buscava também identificar todo o conhecimento que as pessoas
pudessem ter sobre a imagem. Assim, as entrevistas procuravam evidenciar:
Diferentes âmbitos de compreensão;
Diferentes níveis de compreensão;
Conhecimentos base;
Habilidades de transferência;
Estratégias didáticas para uma educação para a compreensão.
As perguntas eram específicas para cada grupo em função das especificidades de
suas atividades ou trabalho sendo que, para os índios as perguntas não tinham a
intenção de investigar níveis de compreensão da arte, mas de conhecer o olhar
deles sobre sua história e sobre a Primeira Missa do Brasil. Portanto, as perguntas
das entrevistas eram:
Alunos da UDESC:
1. Que vemos nesta pintura? Podes me dizer que história conta?
2. fizeste algum estudo sobre esta obra especificamente? O que sabes sobre o autor, título, lugar
e época em que foi produzida?
3. Podes me falar dos sentimentos que tens em relação a ela?
4. Por que terá Victor Meireles escolhido este tema e por que ele pintou este quadro assim desta
maneira?
5. Que significado ela tem para ti?
6. Podes me dizer como os pintores do século XIX pintavam suas visões sobre a história do Brasil?
7. Que relação vês entre estas imagens (Première Messe em Kabylie e Primeira Missa do Brasil)?
8. Mudou a tua opinião sobre esta pintura ao longo desta entrevista?
9. Em que momento aprendeste mais?
10. Se te pedissem para fazer uma breve palestra sobre esta pintura, o que dirias sobre ela agora?
Professores da UDESC:
1. Que significado esta pintura tem para ti?
2. Podes me dizer o que o artista tentou representar nesta pintura?
3. Na tua opinião, ela é uma boa pintura?
4. O que tens a me dizer sobre o significado que ela teve para os brasileiros na época em que foi
produzida?
5. Teria este fato (Descobrimento do Brasil) acontecido assim como está representado?
6. Por que o artista pintou este quadro assim desta maneira?
7. Utilizarias esta pintura num contexto de ensino? Achas que ela é importante para ser utilizada com
alunos como objeto de estudos? Em que contexto de estudo a utilizarias?
Educadores de Museus:
1. O que significa esta pintura dentro do acervo do Museu Nacional de Belas Artes?
2. Ela pode ser utilizada em estudos com crianças?
3. Você já mediou estudos entre a pintura e o público escolar aqui no museu? Como foi esta
experiência?
Índios pataxós:
1. Como é a tua vida aqui na aldeia?
2. O que é este trabalho de resgate cultural que vocês estão fazendo?
3. Como era a sua vida antes de vir morar aqui na aldeia?
4. Diz a história que aqui neste espaço aconteceu há 500 anos o descobrimento do Brasil, o que você
me diz sobre isto?
5. Vou lhe mostrar a imagem de uma pintura que para nós, os brancos, representa uma questão que
envolve o indígena brasileiro. O que tem você a me dizer sobre isso?
6. Já viu essa imagem antes?
A partir das análises das entrevistas, Franz chegou a quatro diferentes níveis de
compreensão da arte, segundo classificação de Gardner e Mansilla (1999 apud
Franz, 2003).
Apresentarei a seguir uma síntese dos níveis de compreensão pesquisados por
Franz e utilizarei dois tipos de exemplos: primeiro, um exemplo da pesquisa da
autora, visto que seu trabalho é especificamente dirigido para a compreensão da
Primeira Missa do Brasil depois, utilizarei um exemplo de minha pesquisa, embora
haja diferenças consideráveis entre o tipo de perguntas feitas nas minhas entrevistas
e nas dela. Em minha pesquisa nem todas as perguntas eram direcionadas para a
observação dos diversos âmbitos aos quais as perguntas de Franz se direcionavam
e embora estes âmbitos possam se manifestar em qualquer entrevista, desde que
façam parte do repertório do entrevistado, o tipo de pergunta que se faz tem relação
com a resposta, como discutirei no próximo capítulo. Assim:
Nível I: Compreensão Ingênua
Neste nível faltam conhecimentos das disciplinas; prevalecem concepções
intuitivas e míticas; não se relaciona aprendizado escolar com a vida; não se
além do que a imagem mostra; a interpretação pessoal o é explorada,
mas sim a interpretação por tentativas e erros; não se considera o contexto
da obra; não se questiona o conhecimento; acredita-se que para conhecer a
arte não é necessário nenhum tipo de conhecimento especial.
Não sei por que ele pintou, deve ser pela vivência dele, ou da imaginação.
Resposta analisada sob o âmbito da compreensão estético/artística.
1
a
série
Parece uma família de zumbis. (...) Por que tem esses zumbis todo
destroçado, o osso assim, tem bicho morto e pessoas e uma noite de lua
cheia. (CL)
Criança falando o que acha da imagem primeiramente, e depois
explicando o motivo pelo qual não gosta dela. Percebe-se que ela não
faz a menor idéia do contexto da imagem e que sua leitura tem relação
direta com aquilo que ela intui ser a partir de suas referências.
Nível II: Compreensão de Principiante
Neste nível uma mistura de um pouco de conhecimento prévio com a
intuição, prevalecendo esta última; dificuldade em utilizar os conhecimentos
que tem para interpretar a obra; contextualizações simples são feitas;
dificuldade de falar sobre a obra para além do que o título sugere; falta de
compreensão de que a imagem é uma representação e não a vida real.
Eu lembro dela desde a escola, pequeno. Foi num livro de história, na 4
a
ou 5
a
série. Era ilustração, por isso eu tenho com ela uma relação de história.
Resposta analisada sob o âmbito da compreensão pedagógica.
8
a
série
Vejo uma imagem abstrata, com cores quentes, o que deve representar
alguma coisa, imagem com formas geométricas, com cores vermelha e preta.
Jovem mistura um pouco de conhecimento (imagem abstrata) com
intuição (deve representar alguma coisa).
Nível III: Compreensão de Aprendiz
Neste nível uma boa quantidade de conhecimentos prévios sobre arte;
mais criticidade e ceticismo em relação ao que se vê; falta ainda autonomia;
começa a relacionar aprendizado escolar com a vida, desde que apoiados por
um mediador; percebe que na arte também somos guiados por interesses
pessoais; não considera pontos de vista alternativos; a obra como algo
complexo, com explicações que vão além dela mesma; não se vêem como
público, embora seja sensível a diferentes públicos.
O referencial histórico é muito forte neste momento (...) o registro religioso. A
arte a serviço de um poder da igreja, desta instituição européia, sobre a nudez
e espontaneidade do índio.
Resposta analisada sob o âmbito da compreensão histórico/pedagógica.
Professora
Bem, quando eu olhei para ela, a primeira coisa que me veio à mente foi “É
um Van Gogh”. Na verdade, não pelo estilo da pintura porque na verdade
também isto aqui está me parecendo mais um desenho, um crayon, mas pela
fisionomia mesmo da pessoa. Perfil, a barba meio ruiva, um a expressão meio
carrancuda. Eu acho que deve ser um Van Gogh mesmo por causa dessa
expressão forte desse rosto, essa coisa introspectiva, ele olha pro lado, ao
mesmo tempo me lembrou a obra do Degas, “Absinto”, acho que é o nome,
onde tem aquelas duas pessoas sentadas num bar.
Demonstro certo conhecimento prévio sobre a arte e ao mesmo tempo
fico argumentando e tentando me convencer daquilo que digo.
Nível IV: Compreensão de Especialista
Neste nível utiliza-se conhecimentos prévios para interpretar fora do senso
comum e cria-se associações e interpretações coerentes com os
conhecimentos; alto grau de conhecimento prévio e específico sobre as
obras; conhecimento dos significados públicos das obras; reconhecimento e
justificativa das falhas de interpretação; reconhecimento de que o
conhecimento é construído e discutível; auto-crítica sobre o que ou lê;
identificação de objetivos essenciais e importância para sua vida e das
pessoas; o conhecimento da obra é usado para generalizar e interpretar
outras obras; consciência da influência das imagens sobre nossa maneira de
ver e de sentir; sabe-se que ser livre é ter consciência do quanto somos
condicionados pelas visões de mundo; sabe-se que pode haver posições
pessoais sobre o mundo; há domínio e estilo, embora saiba-se ouvir os
outros; falhas de conhecimento prévio são preenchidas com informações
retiradas do próprio contexto da obra; desafio a conceitos e teorias; relaciona-
se os vários âmbitos de forma crítica; associação de opiniões de especialistas
com suas próprias.
É uma história de morte cultural, de ideologia imposta. Lembra a confusão que
sempre foi a de nossa identidade cultural e a nossa identidade como artistas.
Resposta analisada sob o âmbito da compreensão crítico/social.
Este quadro não foi feito pela vontade de um pintor. Está dentro de um plano
mais geral, de um país recém criado. Descobriram a Carta (...) certidão de
nascimento do Brasil. A “Primeira Missa do Brasil” é o retrato para a carteira
de identidade, um resumo do Brasil.
Resposta analisada sob o âmbito da compreensão
histórico/antropológico.
Não há neste nível, exemplos a serem citados na minha pesquisa, por este
motivo utilizei dois exemplos da autora.
A confluência destes quatro autores
Estudando o desenvolvimento estético a partir destes quatro autores Parsons,
Housen, Rossi e Franz – senti o desejo e a necessidade de compará-los, de
perceber como dialogam entre si, como divergem ou harmonizam em seus
pensamentos e teorias, enfim, senti vontade de desenvolver um olhar próprio, crítico
e talvez até político sobre suas pesquisas e é sobre esta vontade um tanto
pretensiosa de que falarei agora.
A leitura isolada de cada autor por si despertou questões, conflitos,
desarranjos e desconstruções internos em mim e foram muitos os momentos em que
senti uma forte tentação por trabalhar com apenas um deles ou no máximo dois, um
estrangeiro e um brasileiro, para simplificar as coisas. Contudo, como eu havia
feito leituras e anotações de textos dos quatro autores, pude perceber que havia
uma complementaridade em suas idéias e que, respeitadas as diferenças existentes
entre suas pesquisas e teorias, poderia ser enriquecedor para o meu olhar, um
encontro entre eles.
Tenho consciência de que essa escolha traz riscos, aliás, como todas as
escolhas. Risco de ser simplista, reducionista e superficial na leitura de suas teorias,
risco de não diferenciar e respeitar aquilo que identifica a pesquisa de cada um,
risco de tirar conclusões errôneas ou distorcidas sobre o que dizem em função de
estar lidando com várias idéias ao mesmo tempo, mas resolvi assumir os riscos, pois
percebi que o momento de escrever uma dissertação é o momento de me confrontar
comigo mesma e com os autores, é o momento de refletir sobre minhas escolhas e
usufruir delas de forma consciente.
Até esta parte do texto eu procurei descrever a pesquisa de cada autor
respeitando as características intrínsecas a cada uma delas e buscando nelas,
diversos aspectos que foram fundamentais para as minhas próprias escolhas e para
a minha compreensão do desenvolvimento estético.
Com o intuito de melhor organizar os meus pensamentos e de facilitar a minha
compreensão das diferentes pesquisas, elaborei um quadro comparativo em
anexo no qual identifico características de cada pesquisa. Assim é possível
visualizar as diferenças e semelhanças entre suas metodologias, abordagens,
contextos, estágios, perguntas e imagens utilizadas.
Os quatro autores têm por preocupação comum a melhoria da qualidade do
ensino da arte partindo da compreensão de como os sujeitos a interpretam. Parsons,
Rossi e Franz trabalharam diretamente com o público envolvido em processos de
ensino e aprendizagem da arte, quer seja em escola de educação básica ou
superior, quer seja em museus.
A entrevista foi a metodologia utilizada por todos e os tipos de perguntas feitas
aos entrevistados estavam diretamente ligadas ao que cada autor buscava conhecer
através de sua pesquisa e isto eu denominei de “abordagem”, ou seja, é a direção
do olhar, é o recorte ou a ênfase que cada um a determinado aspecto na leitura
da imagem. Assim, Parsons faz perguntas direcionadas para a compreensão da
interpretação estética que os indivíduos fazem da imagem. Por isso, pergunta: Acha
que é um bom assunto para um quadro? ou Foi difícil fazer este quadro? A primeira
pergunta direciona a resposta do observador para o tema da imagem e com ela
Parsons verifica em que nível se a relação desse observador com o tema. Com a
segunda pergunta, Parsons averigua se a mestria ou a habilidade é um aspecto
valorizado pelo observador, pois essa informação fornece indícios de como ele
pensa. Além do olhar sobre o aspecto estético, as respostas dos sujeitos forneceram
a Parsons um aspecto psicológico referente à maior ou menor capacidade que os
sujeitos têm de assumir o ponto de vista das outras pessoas.
Rossi elaborou perguntas direcionadas à interpretação e ao julgamento das
imagens pelo observador a fim de compreender o tipo de relação que ele estabelece
a partir dessa imagem. Assim, perguntava:
O que você pensa quando olha para essa
figura? ou Qual delas é a melhor? E a pior? Por quê? A primeira pergunta leva a
uma resposta interpretativa, a segunda, leva ao julgamento da imagem e ambas
revelam à pesquisadora se o observador relaciona a imagem com o mundo, com o
artista ou com ele próprio, que é a sua abordagem sobre a leitura das imagens.
Franz é dos quatro autores, a que elaborou a maior quantidade de perguntas e as
especificou de acordo com o público entrevistado, pois sua proposta era investigar a
compreensão que as pessoas têm das imagens sob diversos âmbitos, portanto,
perguntou: O que sabes sobre o autor, título, lugar e época em que foi produzida?
ou Podes me dizer como os pintores do século XIX pintavam suas visões sobre a
história do Brasil? A primeira pergunta conduz a uma resposta sob o âmbito da
compreensão estético/artístico da imagem, a segunda, enfoca o âmbito
histórico/antropológico.
Housen foi a pesquisadora que fez o menor número de perguntas nas
entrevistas, pois acredita que uma única pergunta O que aqui? permite
chegar a respostas mais espontâneas e que explicitam melhor e de forma mais
neutra, o modo de pensar dos observadores. em sua entrevista no máximo mais
uma pergunta que é: mais alguma coisa? A autora percebeu que as respostas
dos sujeitos demonstram seus conhecimentos e que estes podem variar de
conhecimentos pessoais, gerais a estéticos.
Particularmente, interessei-me por testar a metodologia de entrevista de Housen
em uma das turmas com que trabalhei e devo dizer que mesmo a simples pergunta
O que aqui? me pareceu conduzir o olhar do observador, mas essa questão se
abordada no próximo capítulo.
Era consenso entre os pesquisadores que, uma vez feita a pergunta, o
entrevistador deveria interferir o mínimo possível na fala do entrevistado para que as
respostas não fossem tendenciosas.
Parsons trabalhou com diversas imagens, mas apresentou em seu livro a leitura
de oito delas, sendo todas pinturas figurativas dos culos XIX ou XX. Housen
utilizou no doutorado três pinturas do século XX, sendo uma delas abstrata, em
seu texto de 2000, mostra-nos as leituras de uma imagem de Picasso. Franz, por
motivos que foram abordados, trabalhou com uma única imagem, uma pintura
histórica. Finalmente Rossi foi quem mais diversificou a sua seleção tanto em termos
de linguagens como em estilo, mas todas do século XX.
Retomarei essa questão da curadoria de imagens no próximo capítulo, discutindo
até que ponto essa escolha é importante para quem deseja identificar o nível de
pensamento estético dos sujeitos.
Quanto aos estágios ou níveis de desenvolvimento estético, o quadro a seguir
nos mostra os resultados a que cada teórico chegou com suas pesquisas.
Relembrando o que foi dito anteriormente, podemos visualizar neste quadro
que Parsons nomeia os estágios pelas idéias que predominam nas falas dos
indivíduos em cada estágio; Housen nome à ação que os sujeitos o capazes
de realizar em cada estágio; Rossi denomina os níveis de I, II e III, mas dentro
destes três níveis cinco diferentes tipos de relações que os sujeitos estabelecem
para as imagens; Franz nomeia os níveis de acordo com o maior ou menor
conhecimento que os sujeitos apresentam sobre os cinco âmbitos de compreensão
de uma imagem apresentados pela autora.
Teóricos
Estágios/
Níveis
Parsons
Housen
Rossi
Franz
1
O
Estágio/Nível
Preferência
Narrativo
Nível I
Ingênuo
2
O
Estágio/Nível
Tema
Construtivo
Nível II
Principiante
3
O
Estágio/Nível
Expressão
Classificador
Nível III
Aprendiz
4
O
Estágio/Nível
Estilo/Forma
Interpretativo
_______
Especialista
5
O
Estágio/Nível
Juízo
Re-Criativo
_______
_______
Quadro comparativo dos estágios/níveis de desenvolvimento estético segundo os quatro teóricos
No quadro seguinte é possível observar que procurei estabelecer uma
correspondência entre os estágios dos quatro autores tomando por referência os
estágios de Parsons e a partir deles verificando as semelhanças com os estágios
dos demais teóricos.
Contudo, essa correspondência foi feita, levando em conta aspectos gerais e o
as especificidades de cada estágio. Sendo assim, o quadro é apenas uma
proposição daquilo que o meu olhar conseguiu identificar como possíveis
semelhanças e correspondências entre os estágios desses autores, não perdendo
de vista que eles adotam abordagens distintas para analisar as respostas de seus
sujeitos e que, portanto, seria impossível estabelecer uma total equivalência entre
estes estágios.
Demais
Teóricos
Parsons
Housen
Rossi
14
Franz
Preferência
Narrativo
Ingênuo
Tema
Construtivo
Nível I-Nível II
Ingênuo/Principiante
Expressão
Classificador
Nível II-Nível III
Principiante/Aprendiz
Estilo/Forma
Interpretativo
Aprendiz
Juízo
Re-criativo
Especialista
Quadro de correspondência entre os estágios/níveis de desenvolvimento estético
tomando Parsons como referência
Para concluir meu pensamento, vejo como principal ponto de confluência ou
como objetivo comum às pesquisas dos teóricos que adotei como referenciais para o
estudo do desenvolvimento estético, o interesse em propor caminhos ou
metodologias que promovam o avanço da compreensão que as pessoas têm da
arte.
Além disso, é consenso entre esses autores que esse avanço no
desenvolvimento estético está diretamente relacionado às experiências que o sujeito
tem com a arte, ou seja, um sujeito pode ter atingido o máximo de seu
desenvolvimento cognitivo, o máximo de sua consciência sobre o ponto de vista dos
outros ou o máximo de sua consciência sobre a participação de sua subjetividade na
interpretação de uma obra de arte, mas se ele não for confrontado com a arte de
14
O nível I de Rossi é comparável ao estágio de Parsons, pois o Estágio deste autor é próprio
de crianças com o pensamento pré-operatório, que não corresponde ao pensamento dos estudantes
entrevistados por Rossi. Na classificação de Rossi o possíveis equivalências com o e com o
estágios dos outros autores, pois sua pesquisa se deteve a analisar o pensamento estético de
estudantes da educação básica (informações verbais fornecidas por ROSSI, por ocasião da defesa
desta dissertação em São Paulo, em dezembro de 2008).
forma a refletir sobre ela e construir conhecimentos e significados para ela, ele vai
ter o seu desenvolvimento estético estagnado a níveis pouco elaborados.
Aqui entra duplamente o trabalho da arte-educação, pois cabe aos professores
de artes tentarem criar na escola condições para que a experiência estética ocorra e
para que o conhecimento em arte seja fruto da construção ativa de cada aluno a
partir de seu encontro com a arte.
Capítulo III
Capítulo IIICapítulo III
Capítulo III
A Professora e seu Contexto:
A Professora e seu Contexto:A Professora e seu Contexto:
A Professora e seu Contexto:
pesquisa, curadoria e autoria
Hoje, depois de anos de experimentação, estou convencida de que metodologia é construção de cada
professor em sua sala de aula...
Ana Mae Barbosa
O contexto do qual se está falando
Atuo como professora de artes na educação básica desde o ano de 1994 (desde
a 1
a
rie do ensino fundamental I até a 2
a
rie do ensino médio) e no ensino
superior desde o corrente ano e neste momento estou apenas na rede particular de
ensino.
Esta pesquisa foi realizada em uma das duas escolas de educação básica em
que trabalho uma cooperativa e a escolha por ela se deu em função da não
utilização de material apostilado, portanto, nessa escola organizo meu planejamento,
seleciono conteúdos, faço planos de aulas. Isso confere ao meu trabalho um caráter
autoral mais intenso, mas também uma responsabilidade maior sobre minhas
escolhas metodológicas, pedagógicas e ideológicas. Sinto que essas escolhas
revestem o meu trabalho de um aspecto de investigação e de criação próprios, pois
para definir conteúdos, objetivos e metodologias preciso pesquisar, estudar,
selecionar, escolher, comparar, definir, conhecer, experimentar, refletir, criticar,
enfim, envolver-me de forma mais profunda com o processo de ensino-
aprendizagem da arte – o meu próprio e o dos meus alunos.
Houve um tempo em que pensei se queria mesmo ser professora de artes ou ser
artista. Tenho impressão de que muitos professores de artes também passam por
esse questionamento. Mas me dei conta de que o importante é o processo de
criação, ele é fundamental na minha vida e no meu trabalho, pois me faz sentir viva,
pensante e pulsante e, afinal, criar não é uma exclusividade dos artistas.
Esta pesquisa reforçou essa visão e também meu sentimento de autoria, de
criação, de reflexão, de autonomia e ao mesmo tempo de consciência de que não há
autonomia plena, pois estamos sempre defendendo e divulgando idéias com as
quais nos identificamos, idéias que traduzem nossos pensamentos, idéias que
explicam nossas inquietações, embora nem sempre as tenhamos escolhido em
pleno domínio de nossa consciência.
A cooperativa na qual esta pesquisa foi feita, é uma das quatro escolas
particulares da cidade de Fernandópolis noroeste paulista, a 550km da capital
que conta com cerca de setenta mil habitantes. A cooperativa nasceu do desejo de
alguns pais em fundar uma escola que não trabalhasse com material apostilado no
ensino fundamental – apenas o ensino médio é apostilado – por estarem mais
preocupados com a formação geral de seus filhos e não apenas com a aquisição de
conteúdos.
A clientela da escola inclui alunos de diversos níveis sócio-econômicos, mas
fundamentalmente, de classe média. O contato dos alunos com a arte se dá
fundamentalmente na escola, através das aulas de artes ou de outras disciplinas
que se utilizam da linguagem artística para trabalhar seus conteúdos, como é o caso
de História. O contato se também na cidade através de cinema, teatro, shows,
exposições de artistas locais e regionais e em casa com a família através de objetos
de arte, livros, CDs, DVDs e, eventualmente, em viagens. Contudo, percebo que
embora muitos alunos viajem habitualmente em suas férias, nessas viagens não são
incluídas – na maioria dos casos – visitas a museus, exposições ou espetáculos.
A escola acaba, portanto, tendo uma grande responsabilidade sobre o contato
deles com a arte e a cultura, sobretudo com a arte que está fora de sua cidade, de
sua casa e de suas vidas. É através da escola, por exemplo, que eles visitam a
Bienal de São Paulo, museus, cidades históricas e exposições diversas, geralmente
no Estado de São Paulo e de Minas Gerais.
A disciplina de artes possui nessa escola uma sala-ambiente a qual chamamos
de “Sala de Artes”. A sala possui três mesas grandes (cerca de 2 a 3 metros cada
uma com oito ou dez lugares a serem ocupados em cada mesa), quatro prateleiras
que utilizamos para guardar os materiais e para a secagem de trabalhos de arte,
varais, tanque, lousa e uma prateleira com livros e revistas de artes. Esses livros e
revistas ficavam na biblioteca da escola, mas começaram a desaparecer e então
optamos por mantê-los na sala de artes, assim eu mesma faço com os alunos o
controle da saída do material. Quando não estou na escola eles procuram alguém
responsável coordenadora, secretária ou serventes para abrir a sala de artes e
registrar a saída de livros ou revistas.
A formação do acervo de artes se dá das mais diversas maneiras: a escola
adquire livros, os pais doam livros, eu dôo livros e revistas que tenho em duplicata
na minha biblioteca pessoal, a escola recebe alguns exemplares gratuitos das
editoras e assim vamos ampliando nossas possibilidades de pesquisa. Os vídeos,
cd-room ou dvd que utilizo pertencem a mim e eu os levo para a escola quando vou
utilizá-los. Professores e alunos têm acesso na escola a TV, vídeo e DVD. Há
apenas um computador disponível para os professores utilizarem em aula sem
data-show mas os alunos não têm acesso pessoal a ele. Entretanto, a grande
maioria dos professores e alunos possue computadores ou notebooks pessoais.
O material de artes é solicitado ao aluno em uma lista no início do ano que divide-
se em individual e coletivo. Tintas, canetinhas, cola colorida, pincéis, paleta, avental
e outros, são materiais individuais por serem mais caros e utilizados em grande
quantidade (são mantidos em caixas individuais); os papéis são coletivos para que
possamos ter diversas qualidades e cores, são coletivos também o giz de cera,
lantejoula, glitter, argila, madeiras, sucatas, lãs, barbantes, linhas, agulhas, botões,
arames, lixas, tecidos e alguns outros materiais. na sala de artes, contudo, uma
reserva de todos os materiais com a finalidade de atender às crianças quando não
os trazem ou para quando terminam.
A cooperativa optou por trabalhar nas duas primeiras séries do ensino médio
apenas com a história da arte para atender a demanda dos vestibulares.
Infelizmente, ainda não conseguimos conscientizar os pais da necessidade da
continuação do ensino de artes e não apenas de história da arte durante todo o
ensino médio. Em conseqüência disso, os alunos que se interessam direta ou
indiretamente pelas áreas artísticas, terminam o ensino médio defasados. Alguns se
deslocam para cidades vizinhas que oferecem cursos livres, voltados para os
vestibulares de algumas universidades públicas com provas específicas para os
cursos de arquitetura, moda e design.
Desde o ano de 2003 eu leciono artes nessa escola e nesse período, foi
necessário fazer vários ajustes no planejamento de artes, pois a proposta de
trabalho anterior era de um ensino tecnicista. Além disso, foi em 2003 que freqüentei
como aluna especial, as aulas do Programa de Pós-Graduação em Artes do Instituto
de Artes da UNESP e em seguida passei a fazer parte do Grupo de Pesquisa
coordenado pela Profa. Dra. Mirian Celeste Martins o Grupo Mediação
Arte/Cultura/Público
15
. Isso tudo disparou em mim um turbilhão de reflexões,
dúvidas, inseguranças e desejo de melhor compreender aquilo que fundamenta a
minha prática.
Inicialmente, tive uma preocupação maior com as séries finais do ensino
fundamental II que a partir do ensino médio estudariam História da Arte. Meu
15
O Grupo Mediação Arte/Cultura/Público, registrado no CNPq, foi criado em agosto de 2003 sob a
coordenação da Profa. Dra. Mirian Celeste Martins com alunos e ex-alunos da Pós-Graduação do
Instituto de Artes da UNESP e reunia-se mensalmente para discutir e pesquisar questões
relacionadas à mediação, à curadoria educativa, dentre outros temas afins de interesse do grupo.
Atualmente, o grupo não está mais vinculado à UNESP e nem registrado no CNPq.
grande desafio foi a 8
a
série, pois os alunos apresentavam uma grande resistência
ao novo estilo de aula, visto que estavam habituados apenas com o fazer artístico e
tinham um vínculo afetivo com a professora anterior desde a 1
a
série do ensino
fundamental I.
Foi preciso desconstruir o conceito de aula de arte que eles traziam, introduzir
textos e imagens que lhes ampliasse o olhar e a sensibilidade para a arte,
especialmente para a arte contemporânea que era a grande deflagradora de
discussões e a origem de falas do tipo: Isso é arte? Eu não gosto de nada disso!
Como alguém pode chamar isso de arte? Isso é muito feio! A gente não vai fazer
nada nesta aula? A gente vai ficar lendo textos o ano inteiro? Porque você vai dar
avaliação escrita? O que você vai pedir nesta avaliação? O nome desta matéria não
é Educação Artística? Porque chamar de Artes? Quando vamos pintar?
Apesar da resistência e da falta que sentiram da professora anterior, era uma boa
turma, com alunos críticos, interessados e que davam retorno àquilo que lhes
propunha. Infelizmente, tive apenas um ano para trabalhar com eles na perspectiva
da Proposta Triangular, contudo, essa turma me proporcionou grande alegria
quando, no último ano deles na escola e já não tendo mais aulas de História da Arte,
visitamos a 27
a
Bienal de Artes em o Paulo. Nesta ocasião, eles demonstraram
muito interesse, interagiram com as obras, entre eles e com o educador que nos
acompanhou, discutiram, opinaram, encaminharam a leitura de algumas obras para
seus contextos pessoais e para o contexto sócio-político brasileiro e do mundo.
Enfim, penso que boa parte deles tem grande chance de dar continuidade à busca
do prazer estético e do conhecimento em arte por conta própria, de visitar
exposições e de ser mais flexível e aberta em seus conceitos de arte.
Foi da necessidade de adequação, do confronto com alunos formados a partir de
outras metodologias e principalmente do prazer de poder pensar, buscar e
desenvolver eu mesma formas pessoais de ensinar arte nessa escola a partir de
tudo quanto eu vinha estudando, que surgiu em mim o desejo de escolher essa
escola como local de pesquisa. Em seguida optei por pesquisar as turmas da 1
a
e da
8
a
séries do Ensino Fundamental, pois com elas meu trabalho o se restringia
apenas à História da Arte. Além disso, havia a possibilidade de observar momentos
distintos e distantes – tratando-se do ensino fundamental do desenvolvimento
estético. Cabe acrescentar que leciono para essa 8
a
série desde a 3
a
série e que é
na 1
a
série do fundamental I que os alunos começam a ter aulas de artes com
professor especialista, antes disso não havia contato formal com a arte.
Foram elaborados dois instrumentos distintos para avaliar o desenvolvimento
estético dos alunos e a seguir tratarei das questões envolvidas nessas elaborações.
A escolha das imagens: um exercício de curadoria educativa
A leitura de imagem foi a forma que escolhi para avaliar o desenvolvimento
estético dos alunos, pois é uma prática que necessariamente acontece nas aulas de
artes quando adotamos a Proposta Triangular e não requer outros recursos além
das imagens. Além disso, não os arte-educadores, mas professores de outras
áreas têm se conscientizado da importância de trabalhar com imagens em função do
mundo imagético que cerca nossos alunos e nós mesmos. Ana Mae Barbosa
apontava para essa questão em seu livro A imagem no ensino da arte (1998, p.34),
no qual fala sobre o cotidiano cada vez mais dominado pela imagem e sobre a
necessidade da alfabetização para a leitura da imagem.
Inicialmente, pensei em fazer uma avaliação escrita para as duas turmas, mas
após conversar com a professora da série, confirmei minha suspeita de que as
crianças ainda não escreviam com fluência e que liam devagar, então, optei por uma
entrevista. com a série não haveria problemas com a escrita, logo, optei pela
avaliação escrita.
Escolhidas a escola e as turmas e definidos os instrumentos, restava selecionar
as imagens e optei por trabalhar o método comparativo, desenvolvido por Feldman e
apresentado por Barbosa (1998, p.43), que sempre me pareceu estimulador e
facilitador no processo de ensinar/aprender com imagens. Além disso, imagens
distintas me permitiriam direcionar o olhar do aluno para diferentes questões a
serem avaliadas.
Todo professor em seu dia-a-dia seleciona, elege, separa, combina, escolhe e faz
recortes a respeito de vários aspectos de sua prática, como os conteúdos: imagens,
textos, autores, filmes, elaboração de avaliações, questões, enfim, ele decide o que
vai levar para a sala de aula, pois é o autor de suas aulas e como afirma Martins:
Seleção é dizer sim e não, sempre é ênfase e exclusão. Combinação é
recorte. Todo recorte é comprometido com um ponto de vista que se elege,
exercendo a força de uma idéia, de um conteúdo que é desejo explorar ou
de uma temática possível de desencadear um trabalho junto aos alunos.
Selecionar e combinar são, então, uma interpretação do professor-
pesquisador. (2003, p.8)
Essa autoria é, a meu ver, ampliada quando a escola não adota material didático
livro ou apostila
por outro lado, ela requer um professor mais consciente e
reflexivo quanto as suas escolhas, pois delas resultará parte da formação
artística/estética dos seus alunos.
Assim, consciente ou não de suas escolhas, o professor revela por meio delas os
critérios que utiliza, bem como os conceitos que fundamentam sua seleção e age
como um curador desenvolvendo/criando curadorias em sua prática escolar.
Segundo o Novo Dicionário de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, curadoria é
o cargo, poder ou função de curador que é, por sua vez, a pessoa que tem a função
de zelar pelos bens e pelos interesses de outrem. Portanto, segundo essa acepção
o professor é um curador na medida em que tem responsabilidade sobre os
interesses ou direitos de seus alunos à formação artística e estética de qualidade.
O termo curadoria educativa é uma apropriação feita pela área de arte-educação
de um termo utilizado correntemente em museus. Foi introduzido em nosso meio por
Luís Guilherme Vergara em sua apresentação no congresso da ANPAP
Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas – em 1996, fazendo
referência à curadoria em exposições de arte. Foi a partir do texto nos anais do
congresso que entrei em contato pela primeira vez com o conceito de curadoria
educativa e isso se deu por ocasião da disciplina Mediação arte/público ministrada
pela Profa. Dra. Mirian Celeste Martins.
Posteriormente, integrando o Grupo de Pesquisa Mediação Arte/Cultura/Público,
tive a oportunidade de participar de uma pesquisa sobre curadoria educativa na qual
investigamos as escolhas de imagens e objetos feitas por professores de artes e de
história dentro de suas realidades e possibilidades.
Vergara utiliza o termo curadoria educativa ao referir-se aos esforços feitos em
museus norte-americanos para ampliar o conceito de curadoria a fim de que ela
possa contribuir para a construção de uma consciência do olhar para a arte
contemporânea por intermédio da experiência estética. (1996, p. 242-244)
Para Vergara, uma curadoria educativa tem por objetivo explorar a potência da
arte como veículo de ação cultural. Ainda, tornar a arte acessível a um público
diversificado é torná-la ativa culturalmente. (1996, p. 243)
A professora Ana Mae Barbosa em artigo à Revista Museu, comenta sobre alguns
termos utilizados no setor educativo de museus que lhe parecem reveladores de
preconceitos. Barbosa apresentou seu ponto de vista a respeito do uso indiscriminado
do termo curadoria educativa:
Curadoria Educativa não é propriamente preconceituoso, mas é usado para
dissimular o preconceito. É um meio artificial de tentar conseguir a
mesma importância para a educação que para a curadoria de obras de arte.
Para mim a importância é a mesma, mas não é assim que a elite que
comanda os museus pensa. Daí o artifício “curadoria educativa” muito
usado por quem organiza cursos, seminários, etc. e quer ser importante. Em
primeiro lugar seria interessante analisar porque no Brasil as instituições
procuram dar “nomes fantasia”, como dizem os farmacêuticos, à Educação.
(2008)
Embora a questão possa gerar polêmicas como a apontada por Ana Mae, nesta
pesquisa adoto a ampliação que Martins fez da idéia de curadoria educativa como
ativação cultural da arte, trazendo-a para o campo da educação. Nesse sentido, a
autora afirma que:
Ativar culturalmente é fazer circular, é dar acesso, aproximar. É impulsionar
a potencialidade de obras e artistas submersos nos livros, nos museus, nos
sites, nas reproduções esquecidas que fazem parte de nosso acervo de
professores, para além daquelas sempre escolhidas. (2003, p.8)
Assim, a curadoria educativa além de ser a ativação cultural da arte, é um
processo de pesquisa e de autoria do professor no qual ele precisa tomar
consciência de suas escolhas para poder ampliá-las e transformá-las, tendo em
mente que tais escolhas influem na formação do repertório dos alunos e na
construção de um olhar consciente de que eles integram uma cultura e de que são
capazes de reconhecer, apreciar e respeitar outras culturas.
Segundo pesquisa do Grupo Mediação Arte/Cultura/Público, os critérios de
seleção de imagens que os professores pesquisados utilizaram representavam em
geral: suas preferências; a necessidade de adequação ao que desejavam trabalhar;
a importância histórica da imagem; a dificuldade dos professores em relação à
qualidade e à disponibilidade de imagens. (2005, p.35)
Como aponta a mesma pesquisa, o professor em geral tem dificuldade em
selecionar e/ou utilizar imagens tendo como critério e/ou fim a própria arte como
linguagem, como conhecimento, como forma de expressão imbuída de informações
e significados.
A escolha das imagens para esta pesquisa foi feita com o claro objetivo de
compreender o desenvolvimento estético dos alunos e não de promovê-lo, embora
saiba que uma possibilidade não descarta a outra. Levei em conta o repertório dos
alunos das séries iniciais e, finalmente, estive consciente de que minhas escolhas
passavam também por minhas referências, preferências e repertórios pessoais.
Assim, optei por fazer duas seleções distintas de imagens com a finalidade de
testar o resultado que essas curadorias teriam sobre a leitura e a compreensão da
arte pelos alunos.
Para a 1
a
série utilizei imagens de pinturas modernas e acadêmicas figurativas,
pois parti do pressuposto de que imagens abstratas, imagens de obras
tridimensionais ou de outras linguagens que não fossem a pintura, levantariam
outras questões durante a leitura das crianças que fugiriam do meu foco na pesquisa
com a 1
a
série.
Além disso, fundamentada nas idéias de Philip Yenawine que utiliza a
metodologia de Abigail Housen, imaginei que essas crianças, como principiantes na
leitura de obras de arte, gostariam de falar sobre “coisas concretas” nas imagens.
Segundo o autor:
Decidimos concentrar as lições iniciais em obras em que o artista
representa intencionalmente narrativas. O nosso raciocínio relaciona-se
com as descobertas de Housen sobre o padrão básico de pensamento
empregue por pessoas na fase inicial de observação – descobrindo histórias
de uma forma ou outra nos dados visuais da obra de arte. Esta decisão
permite aos observadores fazer o que eles querem naturalmente fazer e
também representa as intenções do artista. (...) primeiro selecionamos
obras com imensos objetos, pessoas e interações familiares, de modo que,
à medida que começam com as estratégias de pensamento visual, os
observadores descrevam o que vêem à sua própria maneira... (2000, p.198)
para a 8
a
série, optei pelo oposto, pois acreditava que eles teriam avançado
em seu desenvolvimento estético, que não estariam mais fazendo narrativas a partir
das imagens e que teriam ampliado seu repertório artístico então, eu poderia utilizar
imagens de obras de arte em linguagens e estilos diversos como: pintura, escultura,
fotografia e instalação, figurativas ou abstratas, modernas ou contemporâneas.
Veremos a seguir as curadorias para esta pesquisa:
Imagens para a 1
a
série
Na entrevista com a 1
a
série foram utilizadas três imagens, uma delas do pintor
Diego Velázquez e duas do pintor brasileiro Candido Portinari. A opção por duas
imagens de um mesmo pintor baseou-se na adequação das imagens ao que eu
buscava na entrevista e também a certa ideologia que cultivo de introduzir artistas
nacionais com freqüência na sala de aula, pois a partir de minha experiência tenho
observado que em geral as crianças entram para a 1
a
série já tendo ouvido falar, por
exemplo, de Leonardo da Vinci e Michelangelo, mas dificilmente conhecem um
artista brasileiro.
Iniciava a entrevista com duas imagens que eram mostradas primeiro e a terceira
a finalizava, pois tinha a função de esclarecer possíveis dúvidas.
As entrevistas foram individuais e serão detalhadas mais à frente, mas é
importante esclarecer que ao entrevistar as crianças eu pressupunha que elas
estivessem utilizando idéias do 1
o
ou do 2
o
estágio em suas leituras de obras de
arte, segundo Parsons ou Housen. Assim, as imagens utilizadas foram:
Imagem 1:
Ronda infantil
16
(Candido Portinari, 1932. Óleo sobre tela, 39 cm x 47 cm.
Coleção Particular, São Paulo, Brasil).
A escolha desta imagem se deu em função de seu tema e de seu estilo. Busquei
um tema que imaginei agradar às crianças, que é a brincadeira de roda, pois faz
16
Fonte da imagem apresentada às crianças: Pinacoteca Caras, 32,3 cm x 26,38 cm.
Fonte da imagem 1 neste texto:
http://www.portinari.org.br/ppsite/homepage/janelao/janelaObras.asp
parte do universo das brincadeiras infantis. Pensei que elas se identificariam com as
próprias crianças da imagem e com a brincadeira, com isso eu estaria possibilitando
que elas desenvolvessem narrativas a partir de um tema familiar – idéia do 1
o
estágio ou também poderia estar me certificando de que o tema é uma idéia
importante em suas leituras – idéia do 2
o
estágio
17
.
Quanto ao estilo, acreditei que por se tratar de uma obra modernista ela pudesse
incomodar um pouco pelo fato de não apresentar um realismo fotográfico, caso as
crianças já estivessem buscando o realismo nas imagens – idéia do 2
o
estágio.
Imagem 2:
Balthasar Carlos a cavalo
18
(Diego Velázquez, 1635-1636. Óleo sobre tela, 209
cm x 173 cm. Museu do Prado, Madri, Espanha).
17
Para a escolha destas imagens tomei basicamente como referência as classificações de Parsons e
Housen.
18
Fonte da imagem 2 neste texto:
http://gallery.euroweb.hu/html/v/velazque/1636-40/index.html
Fonte da imagem apresentada às crianças: Pinacoteca Caras, 27 cm x 32,3 cm.
A escolha da imagem 2 teve a mesma intenção da imagem 1, ou seja, acreditei
que o tema possibilitaria narrativas e agradaria às crianças por trazer uma criança e
um animal retratados. Quanto ao estilo, pensei que, por ser acadêmico poderia
agradar mais do que a imagem 1 para aquelas crianças que prezam o realismo
fotográfico
19
– idéia do 2
o
estágio.
19
Realismo fotográfico é aquele no qual a imagem deve representar algo com a máxima precisão
exemplo: os cinco dedos da mão têm que ser cópias fiéis do real. Já o realismo esquemático é aquele
no qual é suficiente que uma imagem apresente apenas um esquema básico do que ela representa
exemplo: uma mão com cinco dedos.
Imagem 3:
Retirantes
20
(Candido Portinari, 1944. Óleo sobre tela, 190 cm x 180 cm. Museu
de Arte de São Paulo, São Paulo, Brasil).
A imagem 3 foi escolhida para me certificar de que o tema é uma idéia importante
para as crianças assim como o realismo, portanto, imaginei que elas não gostariam
dessa imagem por tratar de um tema não agradável e por não ser acadêmica, por
20
Fonte da imagem 3 neste texto:
http://www.portinari.org.br/ppsite/homepage/janelao/janelaObras.asp#
Fonte da imagem apresentada às crianças: Pinacoteca Caras, 26,3 cm x 28 cm.
não ter um realismo fotográfico. Parti da idéia de que seria menos realista, de que
teria mais deformações do que a imagem 1.
Imagens para a 8
a
série
Com a 8
a
série, eu parti do pressuposto de que eles estariam utilizando idéias do
2
o
estágio segundo Parsons e Housen não apenas por sua faixa etária, mas
também por terem mais tempo de vivência com imagens de arte na escola do que a
1
a
série.
A avaliação da série também foi individual e será mais detalhada à frente, mas
cabe esclarecer aqui que foi formulada com cinco imagens em diferentes linguagens
e estilos e com apenas uma pergunta para cada imagem, sendo que havia dois tipos
de perguntas diferentes, metade da turma respondia a uma e metade à outra. Assim,
as imagens utilizadas na avaliação escrita da 8
a
série foram:
Imagem 1
Bois
21
(José Antonio da Silva, s/d. Óleo sobre tela)
22
A escolha de uma pintura naïf figurativa tinha por objetivo verificar se os alunos
valorizam o realismo nas imagens idéia do 2
o
estágio visto que por ser naïf ela
apresenta desenhos simples
23
e ao mesmo tempo possibilita narrativas idéia do 1
o
estágio.
A escolha desse pintor naïf tem relação com sua origem, pois Silva é de Armando
Sales, cidade próxima a São José do Rio Preto, a 120 km de Fernandópolis e,
embora tenha se tornado conhecido internacionalmente, muitas pessoas dessa
região não ouvem falar nele e nem no museu criado para ele em o José do Rio
21
Fonte da imagem 1 neste texto e na avaliação dos alunos:
http://www.triplov.com/romildo/silva/pages/silva_bois_2.htm
22
Não foram encontradas na internet informações referentes às dimensões desta obra.
23
Simples no sentido de não ter compromisso com regras acadêmicas proporção, perspectiva,
claro-escuro - embora os artistas naïf possam fazer uso destas regras, adquiridas em aprendizado
informal.
Preto. Sempre que possível apresento imagens de suas obras para os alunos
conhecerem mais a arte regional.
Imagem 2
S/T
24
(Amilcar de Castro, s/d.)
25
Uma imagem moderna abstrata pode não agradar tanto quanto uma figurativa,
pois o aluno pode encontrar dificuldade em compreender o seu sentido, se utiliza
idéias do 2
o
estágio procurando por um tema que faça sentido na imagem.
24
Fonte da imagem 2 neste texto e na avaliação dos alunos:
http://paulorickardo.atspace.com/imnfluencias_e_inspiracoes.htm
25
Não foram encontradas na internet informações referentes às dimensões reais desta obra, há
apenas as dimensões no computador que estão nas referências bibliográficas.
Imagem 3
Jogo Fenotípico
26
(José Rufino, 1996, cadeiras e cilindros de gesso)
Uma instalação é uma linguagem da arte contemporânea e como tal, requer um
olhar mais reflexivo, requer que o aluno observe bastante para interpretá-la, para
encontrar sentido nela. Se o aluno buscar interpretar a imagem com idéias do 2
o
estágio, provavelmente tedificuldades, pois o conteúdo requer ao mesmo tempo
maior abstração e outros conhecimentos contextuais. Outro aspecto relativo à
escolha dessa imagem é saber se os alunos a identificam como uma obra
tridimensional, pois imagino que poucos tenham visto uma instalação ao vivo.
Imagem 4: fotografia
26
Fonte da imagem 3 neste texto e na avaliação dos alunos:
http://www.itaucultural.org.br
Pomedore
27
(Cristiano Mascaro, Santa Catarina, 1991, matriz-negativo, Coleção
do Artista)
Essa imagem foi escolhida para perceber se a leitura da imagem fotográfica é
diferenciada das demais, se o seu realismo facilita a interpretação do aluno, se ele
diferencia esta linguagem das demais e se considera a fotografia como arte, pois
essa é uma questão que trabalhamos mais profundamente na 8ª série.
Imagem 5: escultura abstrata
Cantoneiras
28
(Franz Weissmann, 1975, MAM, São Paulo, Parque do Ibirapuera)
27
Fonte da imagem 4 neste texto e na avaliação dos alunos:
http://www.itaucultural.org.br
28
Fonte da imagem abaixo e da avaliação dos alunos:
http://esculturasemsaopaulo.blogspot.com/2007/10/cantoneiras-franz-weissmann-knittelfeld.html
A escultura abstrata levanta a questão da forma tridimensional vista por meio de
uma fotografia também e é interessante observar se os alunos se dão conta disso.
Além disso, trata-se de uma obra abstrata como a imagem 2 e, portanto, imagino
que seus significados sejam mais difíceis de serem associados a temas, como
poderão fazer os alunos que por ventura estiverem pensando como no 2
o
estágio.
Imagens para a professora
Martins afirma que é importante o professor se deixar capturar pela obra de arte
antes de expô-la aos alunos, pois assim saberá como abordá-la, quais questões
levantar, enfim, como dialogar com a obra. (2003, p.9)
Partindo desse princípio, resolvi que também gostaria de avaliar o meu
desenvolvimento estético, embora sem dúvida alguma, olhar para si mesmo seja
muito mais difícil do que olhar para o outro, pois nos falta o distanciamento
necessário, um discernimento mais racional do que emocional. Contudo, apostei na
viabilidade de conseguir me avaliar com alguma objetividade.
Entretanto, pensei que não seria bom utilizar as mesmas imagens que utilizei
para os alunos, pois eu havia pensado bastante sobre elas, havia coletado mais
informações sobre os artistas, ou seja, eu já teria outro olhar sobre as mesmas.
Pedi ao meu filho de 12 anos que escolhesse duas imagens no meu acervo
pessoal. Mostrei-lhe todos os locais onde havia imagens livros, caixas, pastas,
catálogos e pranchas e lhe pedi apenas que não me dissesse nada sobre elas,
nem sobre os motivos da sua escolha, pedi também que cobrisse qualquer possível
informação que as acompanhasse.
Ele me entregou primeiro a imagem 1 e então gravei minha fala em MP3. Em
seguida, fiz a leitura da imagem 2, gravando-a também e ao final transcrevi as duas
gravações.
Como não escolhi as imagens, não apresentarei justificativas para suas escolhas.
Imagem 1: pintura
Retrato de Vincent van Gogh
29
(Henri de Toulouse-Lautrec, 1887, Pastel sobre
29
Fonte da imagem 1 neste texto:
http://www.languedoc-france.info/041104_art.htm
Fonte da imagem observada: VENEZIA, Mike (texto e ilustrações). Henri de Toulouse-Lautrec.
São Paulo: Editora Moderna, 12,8 cm x 15 cm, 1997. Coleção Mestres das Artes
Carvão, 54x45 cm. Museu Van Gogh, Amsterdã).
Imagem 2: fotografia de vídeo
Seqüência da Tempestade
30
(Shaun Gladwell, 2000, Still
31
de vídeo digital,
Edição de 4, Sherman Galleries, Sidney, Austrália. Videografia: Tesha Noble,).
30
Fonte da imagem 2 neste texto:
http://www.nga.gov.au/homesweethome/Default.cfm?WORKID=1&Audio=32k&ViewID=2
Fonte da imagem observada: Prancha da 27
a
Bienal de São Paulo: Como Viver Junto: material
educativo. São Paulo: Fundação Bienal, 2006)
Esta obra é uma performance filmada. A imagem que observei era a fotografia de
parte do filme.
Instrumentos para avaliar o desenvolvimento estético
Como foi mencionado, optei por elaborar dois instrumentos distintos uma
entrevista e uma avaliação escrita para a leitura de imagens a fim de analisar
como os alunos compreendem a arte. Essa opção se deu tanto por uma questão de
31
Still é a fotografia individual de um filme usada para cartaz, segundo o Novo Dicionário Ilustrado,
Inglês-Português, da Editora Melhoramentos, São Paulo, 1998.
adequação à faixa etária dos alunos quanto pelo desejo de comparar resultados
obtidos a partir de diferentes instrumentos de avaliação.
Antes das avaliações houve uma conversa com os pais em reunião pedagógica,
na qual eu expliquei a eles o que pretendia com minha pesquisa e lhes pedi
autorização por escrito para gravar a fala de seus filhos, bem como para utilizar os
dados obtidos nas entrevistas e avaliações escritas em minha dissertação,
garantindo-lhes sigilo em relação à identidade dos alunos.
A entrevista gravada em MP3 e transcrita pareceu-me mais adequada às
crianças de 1
a
série, pois apesar de estarem alfabetizadas, não escrevem ainda com
total fluência, portanto, escrever poderia tornar-se cansativo para elas e
comprometer os resultados. Outra razão para a escolha é que, como afirmei, eu
esperava que as crianças estivessem transitando entre as idéias do 1
o
e do 2
o
estágio do desenvolvimento estético e que, portanto, gostariam de falar sobre os
temas das imagens ou de narrar histórias sobre elas, o que seria mais viável em
forma de entrevista.
na 8
a
rie não haveria problemas com a escrita e eu supunha também que
eles não estariam mais narrando histórias a partir das imagens, portanto, a avaliação
escrita poderia ser um bom instrumento a ser testado.
Tanto as entrevistas quanto as avaliações constituíram-se em importantes
instrumentos de registro do pensamento estético dos alunos e a partir deles é que
me foi possível “escutar”, refletir, analisar, compreender, identificar, comparar e
construir um olhar mais apurado sobre uma realidade que até então, parecia-me
familiar, mas que me surpreendeu.
Registrar a fala dos alunos disponibilizou-me uma rica fonte de informações e
material de pesquisa para que eu pudesse me aprofundar na compreensão estética
dos alunos. Como afirma Madalena Freire: (...) escrever, registrar, refletir não é
fácil... muito medo, provoca dores e até pesadelos. A escrita compromete. Obriga
o distanciamento do produtor com seu produto. Rompe a anestesia do cotidiano
alienante. (2003, p. 44)
A seguir, tratarei especificamente de cada instrumento de avaliação:
A entrevista com a 1
a
série
A entrevista representou para mim um exercício “vivo” de pensar sobre como
pensam os meus alunos sobre arte e exigiu uma escuta e um olhar muito mais
aguçados e sensíveis do que o habitual. Para os alunos, percebi que alguns
gostaram muito de falar sobre as imagens, outros se intimidaram, ficaram
apreensivos com o gravador ou desconfiaram que fosse uma “prova”.
Foi a primeira vez que conversei com eles individualmente e sozinhos e penso
que isso justifica as reações diversas. Acredito também que a situação de certa
forma artificial deve ter influenciado a fala de algumas crianças que podem até ter
dado respostas supondo que seriam as esperadas por mim. De qualquer maneira,
procurei manter um ambiente propício para preservar a subjetividade de cada aluno.
A 1
a
série contava na ocasião com 24 alunos e todos, exceto uma aluna que fez
sete anos em 2006, completaram sete anos em 2007, quando os entrevistei.
As entrevistas foram feitas durante o período de aulas, pela manhã e como a
primeira aula do dia era a de artes, chamei uma colega para me substituir na aula
enquanto os entrevistava individualmente. Ao término da primeira aula contei com a
colaboração da professora do horário seguinte para continuar entrevistando as
demais crianças.
Iniciamos por volta das 7h40 e terminamos às 10h30, ou seja, foram necessárias
quase três horas para entrevistar as 24 crianças, embora eu sempre tivesse que
esperar cerca de um minuto entre uma entrevista e outra, pois a sala de artes, onde
era feita a entrevista, fica distante da sala da 1
a
série onde as crianças estavam.
Não é possível falar em tempo médio de entrevista, pois isso dependia de cada
criança, de como a conversa fluia e do encaminhamento que tinha que dar para
poder obter as respostas necessárias à avaliação de seu desenvolvimento estético.
A entrevista foi semi-estruturada, ou seja, havia algumas perguntas que eu tinha
em mente para fazer às crianças a fim de compreender o que elas pensavam sobre
as imagens, mas nem sempre era possível ou necessário fazer todas as perguntas,
pois muitas vezes as crianças traziam informações suficientes em algumas
respostas.
Da mesma forma, nem todas as perguntas foram previamente pensadas ou feitas
na seqüência em que eu as havia imaginado, pois o encaminhamento da conversa
dependia fundamentalmente do retorno que as crianças me davam. A primeira
pergunta, contudo, foi invariavelmente a mesma para todas as crianças e, na
verdade, não se tratava de uma pergunta, mas de uma proposição.
Logo que as crianças chegavam para a entrevista, duas imagens estavam
dispostas sobre a mesa e iniciávamos nossa conversa. A seguir eu lhes apresentava
uma terceira imagem e continuávamos conversando.
Algumas crianças falavam muito, contavam histórias, perguntavam, enfim,
interagiam bastante com as imagens e comigo. Outras, no entanto, falavam pouco,
emitiam respostas insuficientes para a minha compreensão ou eram extremamente
objetivas em suas respostas e, portanto, determinavam mais rapidamente o final ou
o resultado da entrevista.
Chamo de resultado o momento em que conseguia obter informações que
considerava suficientes sobre os aspectos que pretendia identificar nas falas das
crianças, como: narrativas e associações a partir da imagem, relação com o tema,
com o realismo e com as cores das imagens, bem como suas preferências e os
critérios que as definem.
Em muitos momentos as falas das crianças contrariavam as minhas expectativas
iniciais, ou seja, aquilo que eu esperava que elas fossem falar ou achar das imagens
e é nesse sentido que percebo a entrevista individual como fundamental para saber
como cada criança compreende a arte, pois aquilo que elas dizem individualmente é
impossível de ser dito em sua totalidade no coletivo por vários motivos, dentre eles a
inibição de algumas crianças. Também é impossível para o professor captar em sua
totalidade tudo o que as crianças falam em sala de aula, primeiramente porque ele é
apenas uma pessoa ouvindo muitas outras falarem e depois porque se ele não tem
prática nesse tipo de avaliação, muito do que as crianças falam passa despercebido,
pois pode parecer sem importância. Contudo, nada é sem importância, tudo o que
as crianças dizem tem fundamento em sua percepção e observação e exige que o
professor esteja atento às entrelinhas das conversas.
Nem sempre cheguei ao que chamei de resultado de forma clara e rápida então,
algumas vezes tentei de diversas maneiras “cercar” a criança para que me
esclarecesse melhor suas idéias tomando cuidado, contudo, para não direcionar sua
resposta.
Pode parecer que obter rapidamente o resultado esperado seja o ideal e isso é o
que mais se deseja nesta etapa da pesquisa, mas devo confessar que as entrevistas
que mais me deram prazer foram aquelas nas quais as crianças mais se envolveram
com as imagens, nas quais trouxeram suas referências por meio de histórias,
sentimentos, imaginação, desejos e preferências. Portanto, embora o objetivo da
entrevista seja o de identificar o pensamento estético da criança, é verdadeiramente
apaixonante ouvi-las falar sobre as imagens.
As questões básicas que nortearam as entrevistas foram oito, o que pode parecer
pouco prático ou viável se pensarmos em transcrição e análise, no entanto, para
mim, esse também foi um processo de aprendizagem e eu estava evitando que ao
chegar à análise das entrevistas, o resultado das falas das crianças não fossem
esclarecedoras do que eu buscava.
Intrigava-me pensar que Housen fazia apenas uma ou no máximo duas
perguntas aos seus entrevistados, mas ocorreu-me que quando seu método de
entrevista foi desenvolvido, a autora possuía uma base de dados que lhe permitia
concluir que a pergunta “O que aqui?”, levaria às respostas que buscava para
compreender a resposta estética de seus entrevistados.
Após uma primeira análise das entrevistas, conclui realmente que nem todas as
perguntas seriam necessárias e poderia então, ter considerado essa primeira
experiência como piloto e ter elaborado uma nova entrevista com menos perguntas,
mas minha opção foi outra. Mantive a entrevista da 1
a
rie exatamente como havia
acontecido com toda a riqueza de detalhes surgidos pela conversa prolongada
através das oito questões e, posteriormente, com a 8
a
série, testei a quantidade e o
tipo de perguntas a serem feitas.
Assim, as perguntas feitas para a 8
a
série assumiram outro caráter em função de
algumas hipóteses que eu já havia levantado com a entrevista da 1
a
série.
Vale acrescentar ainda, que uma entrevista se concretiza durante o processo, por
mais que pensemos e nos organizemos anteriormente, pois à medida que as
crianças falam e criam suas interpretações para as imagens, o entrevistador também
está definindo uma maneira pessoal de compreender o pensamento que fundamenta
as falas.
Assim, as oito questões e proposições feitas na entrevista com a 1
a
série foram
divididas em grupos segundo o aspecto que buscavam investigar: preferência, tema,
realismo e cor. Pode-se notar que esses aspectos coincidem com as idéias que
Parsons atribui ao pensamento estético dos sujeitos e sendo assim, algumas das
perguntas que utilizei 4, 5, 6 e 8 assemelham-se às perguntas de Parsons, as
demais originaram-se das minhas inquietações, dúvidas e suspeitas.
Ao iniciar a entrevista fiz uma proposição às crianças visando deixá-las falar
livremente sobre as imagens, o que abria um leque de possibilidades para a
continuação da conversa.
Parsons inicia sua entrevista com a seguinte frase: Descreva-me este quadro. No
entanto, supus que nem todas as crianças da 1
a
rie compreenderiam essa
proposição, talvez me perguntassem o que significa descrever e então achei que
não seria uma boa questão para começar.
Além disso, penso que quando pedimos para alguém descrever uma imagem,
vamos obter como resposta aquilo que a pessoa consegue ver na imagem e aquilo
que ela consegue ver está diretamente relacionado com seu estágio de
desenvolvimento estético, com a idéia predominante em sua leitura nesse momento.
Portanto, acredito que ela responderá a esta questão como quem responde à
pergunta O que você está vendo? Essa foi, como mencionei, a pergunta quase
exclusiva das entrevistas de Housen e por meio da qual a autora acredita que as
pessoas falam espontaneamente.
Rossi também enfatizou esta questão quando afirmou que:
(...) para compreender o pensamento do aluno, era mais profícuo deixá-lo
falar livremente, mesmo que ele começasse o diálogo pelo julgamento (...)
O aluno pode revelar seu pensamento mais espontaneamente do que
levado a seguir um roteiro preestabelecido, enfatizando a análise formal, o
que pode distraí-lo e fazê-lo perder-se entre ‘linhas, pinceladas e texturas’,
levando-o a rumos que não lhe possibilitem uma interpretação. (2003, p.30-
31)
As perguntas ou proposições básicas que encaminharam a entrevista com a 1
a
série bem como as justificativas de suas escolhas foram:
1
a
: Eu gostaria que você olhasse a imagem 1 e a imagem 2 e que me
dissesse o que você acha delas. Deixar a criança falar livremente sobre as
imagens para que mostre o que realmente pensa sem que eu direcione o seu olhar.
2
a
: Você gosta desta imagem? Identificar a preferência da criança, o que lhe
agrada ou não para entender como está pensando, o que busca nas imagens.
3
a
: O que você gosta nesta imagem? ou O que você não gosta nesta
imagem? Investigar os critérios que a criança utiliza para suas
escolhas/preferências.
A 2
a
e a 3
a
questões pertencem a um mesmo grupo de questões que busca
conhecer a preferência da criança, ou seja, a idéia que prevalece em seu
pensamento. Imaginei que suas preferências pudessem estar associadas aos temas
das imagens, quer fosse por despertarem narrativas ou associações pessoais - 1
o
estágio quer fosse por representarem o realismo, a mestria e a beleza, que
representam outros tipos de critérios definidos para a leitura - 2
o
estágio
32
.
32
Para a elaboração destas perguntas utilizei a classificação de Parsons.
4
a
: Qual é o assunto desta imagem? Informar como a criança interpreta a
imagem, o que vê nela, considerando que esta maneira de ver pode ser algo que
apenas ela vê – 1
o
estágio – ou pode ser algo que todos vêem – 2
o
estágio.
5
a
: Você acha que este é um bom assunto pra se pintar um quadro? Levar ao
julgamento do tema e perceber se a criança distingue julgamento estético do
julgamento moral.
A 4
a
e a 5
a
questões estão em um mesmo grupo de questões e são responsáveis
por me fornecerem informações sobre o tema da imagem quer seja por meio de sua
identificação/interpretação, quer seja de seu julgamento. Se a criança não apresenta
critérios bem definidos para olhar o tema, ela pode estar se guiando ainda por suas
preferências pessoais - 1
o
estágio.
6
a
: Você acha que este desenho foi bem feito? Revelar se o realismo é ou não
um critério importante no julgamento da imagem e se o realismo que a criança exige
da imagem é esquemático ou fotográfico.
7
a
: Tem alguma imagem que parece ser mais de verdade? Essa questão não
existia a priori e foi incorporada às entrevistas depois que uma das crianças utilizou
a expressão “parece de verdade” que me pareceu ser mais próxima ao modo de
falar das crianças.
A 6
a
e a 7
a
questões foram úteis, portanto, para minha investigação sobre o
realismo das imagens, ou seja, eu procurava saber se este era um critério
analisado pelas crianças - o 2
o
estágio.
8
a
: Você gosta das cores desta imagem? Investigar se a relação da criança
com a cor tem caráter pessoal 1
o
estágio ou se tem relação com o realismo 2
o
estágio.
Essas foram, portanto, as oito questões básicas que norteavam a conversa com a
1
a
série, vamos agora à 8
a
série.
A avaliação escrita com a 8
a
série
Como expliquei anteriormente, a avaliação da 8
a
série tomou outra direção no
que diz respeito ao tipo de imagens e perguntas, pois meu objetivo era comparar os
resultados obtidos por meio de dois instrumentos com suas especificidades.
A 8
a
rie conta com 25 alunos, sendo que um aluno tem 16 anos, duas alunas
completam 15 anos em 2008 e os demais têm ou completam 14 anos em 2008.
A avaliação escrita proposta a eles foi aplicada durante o período de aula e na
sala de aula convencional para que pudesse ser respondida individualmente e não
na sala de artes onde eles sentam-se em grupos.
A aula tem a duração de 50 minutos e nenhum aluno entregou a avaliação antes
de 30 minutos e houve alunos que se estenderam além dos 50 minutos, visto que se
tratava da última aula da manhã.
Estive presente o tempo todo na sala de aula e ao lhes entregar as avaliações
pedi apenas para que não se comunicassem entre eles e para que não me
perguntassem nada, pois já havia conversado anteriormente sobre minha pesquisa.
Durante a avaliação alguns alunos tentaram fazer perguntas, mas eu reforçava o
pedido inicial para que respondessem aquilo que estavam pensando e não aquilo
que eles imaginavam que eu estivesse esperando..
Utilizei um tipo de pergunta em 12 avaliações e outro, em 13 avaliações –
totalizando os 25 alunos. Havia, portanto, duas perguntas, mas cada aluno
respondia a apenas uma delas. Ao organizá-las para ser entregues eu as
dispunha alternadamente de maneira a espalhar pela sala os dois tipos de perguntas
sem saber qual delas cada aluno responderia.
Eu parti do pressuposto de que os alunos da 8
a
série estariam pensando segundo
idéias típicas do 2
o
estágio, mas não descartei a possibilidade de começarem a
apresentar idéias do 3
o
estágio.
Assim, as duas perguntas feitas aos alunos da 8
a
série foram:
1
a
: O que você vê nesta imagem?
Essa pergunta tinha o objetivo claro de testar a teoria de Housen no meu
contexto, pois a entrevista da 1
a
série me fez perceber que para muitos alunos, a
pergunta inicial lhes deixava falar livremente, e era altamente reveladora de sua
forma de pensar.
Housen utiliza a pergunta O que vê aqui? por acreditar que ela interfere o mínimo
possível na leitura que o sujeito faz e afirma que:
A resposta estética tem primeiro que ser estudada na sua forma natural, tão
inalterada quanto possível. Decidi intervir o menos possível. Em vez de
alterar aquilo que procurava observar com formulários e questionários, o
desafio consiste em captar a resposta estética, tanto quanto possível no seu
estado natural, à medida que ocorre sem ser orientada nem perturbada.
(2000, p.150)
Contudo, eu suspeitava que a pergunta O que você vê nesta imagem? conduziria
a uma resposta apenas descritiva daquilo que se concretamente na imagem. Eu
não sabia até que ponto a interpretação que os alunos fariam a partir dessa única
pergunta, seria reveladora do seu pensamento estético, pois eles poderiam apenas
procurar descrever a imagem como fazem, por exemplo, quando o professor de
biologia pede para descreverem as organelas de uma célula.
Parte da minha suspeita deve-se ao fato de que nesta escola todos os
professores m reforçado bastante com os alunos as diferenças entre descrever,
interpretar, citar, diferenciar, exemplificar, comparar, relacionar, analisar etc.
Foi dessa dúvida, portanto, que surgiu a segunda pergunta:
2
a
: O que você pode dizer sobre esta imagem?
É uma pergunta, que a meu ver, direciona menos ainda o olhar do aluno, pois ele
pode responder o que quiser ou o que souber sobre a imagem.
A leitura da professora
Em minha leitura, optei por responder a pergunta que me pareceu dentre todas –
considerando 1
a
e 8
a
séries – a mais frutífera, que foi: O que você pode dizer sobre
esta imagem?
Quando fiz a leitura das duas imagens, eu havia lido as respostas da 8
a
série e
a priori havia gostado mais das respostas a essa pergunta, mas é uma questão para
o próximo capítulo no qual apresentarei a análise dos resultados das avaliações.
Para finalizar, informo que no anexo 2 duas entrevistas com a 1
a
série
transcritas na íntegra e no anexo 3 há as duas leituras feitas por mim, transcritas na
íntegra. Há também algumas leituras feitas pela 8ª série no corpo do texto do
capítulo V.
Optei por manter as falas e as escritas dos alunos na sua forma original, mesmo
contendo erros ortográficos ou gramaticais.
Capítulo IV
Capítulo IVCapítulo IV
Capítulo IV
Conversas com a
Conversas com a Conversas com a
Conversas com a
1ª série
1ª série 1ª série
1ª série
Trata-se de capacitar a resposta estética à medida que ela ocorre naturalmente a cada nível de
desenvolvimento e criar um ambiente para experimentar olhar para a arte de um modo novo e mais
rico. Se nós educadores, teóricos e investigadores proporcionarmos esse ambiente (...) o aluno irá
surpreender-nos com a sua energia, empenho e capacidade de se desenvolver, porque esta é a mais
humana das respostas, a resposta à arte...
Abigail Housen
O que dizem as crianças ao olharem para a arte?
A análise das respostas dos alunos à entrevista e à avaliação escrita busca
compreender o pensamento estético nelas implícito para poder adequar o trabalho
em artes na escola às possibilidades de leitura dos alunos, bem como estimular
leituras cada vez mais significativas do ponto de vista pessoal do aluno e da arte.
As diferentes formas de pensar ou agir, bem como os critérios evidenciados nas
leituras de imagens feitas pelos alunos puderam ser organizadas de forma a permitir
uma visualização abrangente do processo.
Este capítulo visa analisar as falas das crianças da 1ª série na leitura das
imagens, os resultados das escolhas feitas para esta pesquisa e as marcas ou
impressões do trabalho docente na formação dos alunos, evidenciadas pela leitura
das imagens.
As crianças da 1
a
série foram em geral receptivas às entrevistas e suas falas me
surpreenderam sob vários aspectos, algumas quanto à desenvoltura, outras pelo
vocabulário ou conceitos que traziam nas leituras, mas acredito que nada me foi tão
marcante quanto a reação das crianças à terceira imagem – Os retirantes, de
Portinari. Foi nessa leitura que eu pude perceber a inadequação de muitas de
minhas propostas para crianças pequenas, por meio das palavras ditas por eles
diante da imagem que eu percebi que jamais havia dado tanto espaço e tempo para
que eles falassem sobre a arte, jamais a voz deles tinha recebido tanta atenção
exclusiva e individual de minha parte. Ainda teria que desenvolver muito minha
postura de escuta atenta e sensível em minha prática docente.
Houve um processo de assimilação e compreensão daquilo que eu ouvia, lia e
relia enquanto as entrevistas aconteciam e após suas análises. Perceber o processo
de compreensão estética do aluno durante as entrevistas ou nas transcrições destas
é também um processo de aprendizagem para o professor e como tal, envolve
mudanças no seu olhar, na sua escuta e na sua sensibilidade, requer que ele
desenvolva uma forma pessoal de pensar, de agir, de se envolver e de se fazer
presente de forma sutil e significativa.
Nem sempre aquilo que buscamos na fala dos alunos está evidente, muitas
vezes precisei me perguntar O que ele está me dizendo com isto? Que tipo de
pensamento por detrás destas palavras? O que faz sentido para este aluno?
Onde ele busca estes significados?
Identificar preferências, referências, intenções, significados, valores e repertórios
no que as crianças dizem requer uma busca cuidadosa das pistas que elas deixam
entrever por meio do que dizem, mas requer um distanciamento em alguns
momentos, para que a escuta de quem analisa não se torne por demais teórica ou
por demais simplificada, mas que se permita construir enquanto percebe.
Essa é uma atitude de investigação diante do que os alunos falam, possibilitando
a chance de compreender como eles pensam e de construir um currículo que torne a
aprendizagem da arte mais significativa para eles e o ensino da arte mais autêntico
para nós.
As palavras conduzidas pelo pensamento dos alunos, seguidamente soavam-me
como os exemplos descritos pelos teóricos em suas pesquisas. Eu ouvia Parsons,
Housen, Rossi e Franz e precisei aprender a ouvir a mim mesma, a minha intuição,
as minhas dúvidas e inseguranças. Não foi fácil!
Na análise que se segue, as imagens acompanharão as páginas nas que se faz
referência a elas a fim de facilitar a compreensão do que dizem os alunos.
Como mencionei anteriormente, o pensar e o agir das crianças durante a leitura
das imagens puderam ser agrupados segundo aspectos semelhantes apresentados,
aspectos estes que foram se definindo diante da minha percepção e os quais
apresento a seguir.
Vamos dar início à entrevista!
As crianças apresentaram reações diversas à entrevista. A maioria delas
começou a falar apenas depois da minha primeira proposição diante das imagens e
apenas uma delas começou a falar antes de mim. Esta criança foi CL que ao chegar
à sala de artes, olhou as duas imagens sobre a mesa e disse: Se foi você que pintou
eu vou fazer um mau elogio. Quando lhe perguntei o motivo do mau elogio ela
afirmou que era por que o cavalo da imagem 2 estava gordo. Fiquei perplexa!
Algumas crianças fizeram silêncio mesmo depois da primeira proposição e outras
ainda depois da segunda. Elas olhavam para as imagens, talvez pensando no que
responder, buscando sentido para o que viam ou ainda pensando no que eu
esperava que elas respondessem. A falta de hábito em serem ouvidas
individualmente pode ter levado a esse silêncio inicial. Então, eu aguardava e
quando percebia que havia muita dificuldade voltava a perguntar.
Houve crianças que ficaram muito à vontade para falar, outras nem tanto e
aquelas que falavam mediante a minha intervenção, elas ficavam esperando a
próxima pergunta. Essas crianças foram as que normalmente deram respostas
rápidas ou incompletas do ponto de vista da minha compreensão e então, eu tinha
que abordá-las novamente para poder entender o que diziam.
É um comportamento que me parece próprio de quem não tem o hábito de ter
esse tipo de conversa ou de quem tem vergonha ou receio de ser entrevistado. Os
professores podem criar meios que possibilitem tempo e espaço para que as
crianças se expressem.
Para começo de conversa...
Como a primeira proposição envolvia as imagens 1 e 2, observei que as crianças
comportaram-se de formas diferenciadas sobre a escolha da imagem pela qual
começavam a falar. A maioria delas começou falando da imagem 1, acredito que
pela própria seqüência numérica. Outras tantas começaram falando das duas
imagens ao mesmo tempo, o que também faz sentido visto que elas foram
apresentadas juntas. Uma minoria começou falando da imagem 2, acredito que
também pela questão da ordem numérica.
As observações podem parecer sem importância, mas podem nos mostrar se a
criança está condicionada a responder sempre segundo aquilo que lhe é ensinado
ou segundo aquilo que ela mesma deseja ou que lhe agrada. Penso que a escola
cumpre o triste fim de tirar das crianças o gosto de falarem o que têm vontade ou o
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que precisam falar e treina-as para dizerem o que julga necessário.
É a vez das crianças perguntarem!
As crianças também perguntavam durante a entrevista e suas perguntas tinham
os mais diversos objetivos. Houve criança que me interrogou antes de responder a
primeira proposição, perguntando: É para dizer qual é a mais bonita? (LM), É prova?
(FL), Como assim? (LD), Posso falar primeiro da imagem 2? (LN).
Essas perguntas podem indicar que a criança precisa ou deseja que eu direcione
o seu olhar para que ela possa começar a falar com segurança ou para que ela
responda aquilo que pensa que eu espero. Podem também indicar o que elas
entendem ou não com a minha proposição ou podem trazer consigo o receio de
alguns “fantasmas escolares” como a “prova”.
Em outros momentos da entrevista surgiram perguntas: O que é isso? (LD
referindo-se à criança no colo da mãe na imagem 3; LN apontando para a
trouxa de roupa na cabeça da mulher na imagem 3; LN apontando para o brinquedo
no chão da imagem 1; LN referindo-se aos pássaros na imagem 3) e Como assim?
(LN tem esta dúvida após eu lhe perguntar sobre o assunto da imagem 1).
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Perguntas como esta última de LN me levam a refletir sobre o uso que fiz de
alguns termos durante a entrevista. Não acredito que devamos reduzir ou simplificar
nosso vocabulário ao falarmos com as crianças, mas devemos ter a preocupação de
nos fazer entender.
O importante é estar atento às perguntas que as crianças fazem, é diferenciar
aquelas que requerem resposta imediata do professor daquelas que podem ser
devolvidas ao aluno como forma de fazê-lo refletir mais sobre sua dúvida e de lhe
propiciar a oportunidade de construir sua própria compreensão do que vê.
Por exemplo, LN pergunta se a criança da imagem 2 é um anjo ou um menino e
eu devolvo-lhe a pergunta dizendo: O que você acha que pode ser? Nesse momento
ele volta à imagem e começa a argumentar sobre as possibilidades que imagina.
Esse exercício desenvolve na criança o hábito de olhar mais detida e
detalhadamente para as imagens na busca de sua compreensão, o que não é
próprio das pessoas com pouca vivência com a arte, mas que pode e deve ser
estimulado.
Com CL aconteceu o seguinte:
- Eu gostei, por exemplo desse, dela (aponta para a figura humana da imagem 2), mas eu não
entendi o que era isso (aponta para o bastão na mão do menino da imagem 2).
- Isso o quê?
- Que ela está segurando.
-
O que você imagina que seja?
- Ah, eu achei que ela está segurando um pau.
- E por que será que ele está segurando um pau?
- Ah, eu vou saber?
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A última fala de CL me deu a impressão de que ela esperava que eu soubesse o
porquê do menino ter um pau na mão, pois ela não tinha como saber. É interessante
e importante pensar se ela acredita que o professor deva ter resposta para tudo, se
ela acredita que a função do pau na mão do menino não possa ser imaginada por
ela, se ela pensa que existe uma resposta certa, se o pau na mão do menino não se
encaixa naquilo que ela imagina para a imagem, enfim, as perguntas aparentemente
simples que as crianças fazem, podem nos fornecer dados para compreender a
forma como pensam.
O que vemos nas imagens?
A maioria das crianças descreve poucas figuras das imagens e todas soltas, sem
conexão entre si o que também é comum aos leitores com pouca experiência, pois
não se fixam na imagem tempo suficiente para perceberem tais conexões,
descrevem normalmente aquilo que conseguem ver por identificação com figuras do
seu repertório ou por que lhes chama a atenção por ter uma cor preferida, por ser
diferente ou assustador.
Algumas crianças fizeram uma observação um pouco mais atenta das imagens
descrevendo-as com mais detalhes e algumas crianças interligaram as figuras que
descreviam na imagem. Vejamos alguns exemplos:
- Ahã, na imagem 1 eu vejo aqui umas criancinhas brincando e aqui é um navio. Na imagem 2 eu
estou vendo um menininho montado num cavalo. (LR descrevendo as imagens 1 e 2 com poucos
elementos e nem sempre conectando-os, embora associe o menino ao cavalo e as crianças entre si)
- Oi IS, tudo bom? A professora quer que você dê uma olhadinha na imagem 1 e na imagem 2 e eu quero que você me diga
o que você acha delas.
- Eu acho um monte de terra... (IS descrevendo as duas imagens e encontrando uma semelhança
entre elas)
- (...) E o que tem na imagem 1?
- Tem um monte de criancinha e umas casas. (IS descrevendo a imagem 1 com figuras soltas)
-
Essa imagem 1 fala do quê?
- De umas crianças brincando na rua em frente de uma igrejinha, com um cachorro olhando e um
cara com... (CL interliga as figuras ao afirmar que as crianças brincam na rua e que esta fica de frente
para a igreja, diz também que o cachorro está olhando a cena e assim por diante)
- E por que parecem zumbis?
- (...) Porque a cara, tem caveira, essas roupas tudo mal feitas, tem bicho morto e morcego.
- (...) Porque tem esses zumbis todo destroçado, o osso assim, tem bicho morto e pessoas e
uma noite de lua cheia. (CL descrevendo vários elementos da imagem 3 em diferentes momentos)
- Bom, aqui parece que é a Austrália, mas é... parece que são as crianças brincando de ciranda,
aqui é uma igreja, várias casas, aqui são... (LC descrevendo a imagem 1 sem conectar as figuras que
descreve)
Como o objetivo desta pesquisa era compreender o desenvolvimento estético,
não houve preocupação em trabalhar com as respostas simplificadas ou reduzidas
das crianças, mas cabe acrescentar que apesar de elas serem principiantes, o
professor pode estimular o olhar mais atento e detalhado das imagens, propondo
desafios para que a criança tenha que voltar à imagem, olhar atentamente e buscar
elementos para explicar, exemplificar ou argumentar suas respostas.
Conectar as figuras de uma imagem é um bom começo para uma compreensão
mais pertinente e para uma maior capacidade de concentração e atenção diante das
imagens, não nos esquecendo, contudo, das possibilidades e dos limites intrínsecos
ao desenvolvimento cognitivo de cada criança e de cada faixa etária.
Imagens ativam referências e repertórios!
Afirmei anteriormente que nada havia sido tão marcante para mim quanto a
leitura que as crianças fizeram da imagem 3 e esclarecerei essa afirmação.
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Ao escolher a imagem 3, eu tinha por objetivo testar se o tema e o realismo
eram critérios predominantes nas leituras das crianças da 1
a
série, pois imaginei que
o tema fosse desagradável para elas e que a falta de realismo as incomodasse.
O que eu o imaginei é que a compreensão que elas teriam da imagem
pudesse passar tão longe daquilo que eu vejo na imagem. Talvez eu não tenha
estado atenta às referências e repertórios dessas crianças o suficiente para
perceber que elas estavam vendo exatamente aquilo que lhes era possível ver,
aquilo que fazia sentido dentro do seu mundo de criança.
Isso me fez pensar no que eu espero dos meus alunos, no quanto minhas
expectativas têm relação com a minha maneira de ver e o com a deles, percebi
que andei distante deles e quiçá tenha acreditado que o ideal fosse que eles vissem
como eu via, como se fosse possível que tivessem como referência toda a minha
vivência e o as suas próprias experiências. Como posso querer que as crianças
vejam com os meus olhos?
Ao olharem para a imagem 3, as crianças fizeram as mais variadas
interpretações: família de zumbis, caveiras, zumbis destroçados com ossos, ossos
de pessoas, roupa mal feita, bicho morto, morcegos e noite de lua cheia (CL);
cemitério no pólo norte, família pobre (LC); pessoas esquisitas (LS); família unida
(LR); fantasmas quebrados, ossos (US); homem cheio de machucados (ID); mortos
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e vivos (LM); monte de pessoas (JT); eles estão tirando foto em (AM); um monte
de mortos, parece que está tudo quebrado (JM); pirata (LH referindo-se ao homem à
esquerda); pessoas, pobres (AV); escravidão (MR); homem que parece um zumbi,
uma família de zumbis andando (LD); um monte de gente perdida (LN); parece um
Halloween, isso aqui é uma múmia ou uma caveira, heim? (FL aponta para o homem
da esquerda), esse rei aqui do Mortal Combat (FL referindo-se à mulher com o bebê
no colo).
Foram respostas altamente reveladoras, mostraram-me o quão distante eu
estava do repertório dos meus alunos quando imaginei que eles veriam apenas
tristeza e miséria na imagem 3. Eu estava impregnada de uma leitura que tinha
como referência fundamental o que eu imaginava ser a intenção do artista. Eis que
então me pergunto: o que eu via nos Retirantes de Portinari? Será que estou
conseguindo realmente me despir daquele velho hábito de ler os longos textos nas
paredes das exposições de arte? Ou será que agora, ao invés de buscá-los nas
paredes eu os busco em meus registros internos de professora conteudista? Com
qual experiência estética eu me permito vivenciar diante desta imagem e de tantas
outras? Agora vejo que a experiência de olhar para os Retirantes que as crianças
tiveram foi muito mais orgânica e autêntica do que a minha, pois elas trouxeram a
imagem para as suas vidas, elas encontraram um sentido pessoal para o que viam,
enquanto eu havia reduzido o meu olhar àquilo que o histórico da imagem e do
artista me informam.
Não quero com isso ser ingênua ou simplista e dizer que o conhecimento sobre a
obra e o artista não sejam importantes ou que não ajudem a ver a obra. Franz
aponta para a necessidade de uma leitura crítica, múltipla. O que desejo é que esta
leitura de cunho histórico e biográfico não seja a única e nem a primeira impressão
que possamos ter sobre as obras. Desejo que o reconhecimento apontado por
Dewey não nos impeça de experienciar outros encontros.
Em suas leituras, a grande maioria das crianças recorreu à imaginação para falar
sobre a imagem e podem tê-lo feito porque a imagem realmente suscitou-lhes tais
interpretações associativas ou porque buscaram trazer para uma realidade mais
próxima delas uma imagem difícil de entender.
Elas associaram bastante a imagem à morte quando falaram em caveiras,
múmias, mortos, fantasmas e zumbis e se olharmos para a imagem, veremos que
ela é impregnada de símbolos que remetem a esse universo, como os ossos no
chão e as pessoas cadavéricas. Por outro lado, vejo que algumas crianças fizeram
associações entre a obra e o universo de imagens da cultura visual na qual estão
inseridas, que se constitui a partir de desenho animado, de games, de histórias em
quadrinhos e de filmes diversos, inclusive e provavelmente, de filmes de terror.
Exemplo disso é a associação da imagem 3 com o Rei do Mortal Combat um
game.
O importante é perceber que o que faz sentido para as crianças na imagem é
aquilo que elas conseguem relacionar com suas referências, pois como afirma John
Berger: A maneira como vemos as coisas é afetada pelo que sabemos ou pelo que
acreditamos. (...) Nunca olhamos para uma coisa apenas; estamos sempre olhando
para a relação entre as coisas e nós mesmos. (1999, p.10-11)
Houve uma criança que associou a imagem a um cemitério no pólo norte em
função da quantidade de branco neve na imagem; outra disse que as pessoas
da imagem estariam em pé para tirar fotografia, ou seja, pessoas juntas, em e
olhando para a frente só podem estar posando para fotografias.
O que quer que as crianças digam, se olharmos para as imagens sob a óptica
delas, veremos que tudo faz sentido, que tudo o que elas dizem é possível de ser
imaginado e aceito como interpretação da imagem no contexto que elas percebem.
É desejável que com o tempo essas crianças ampliem suas possibilidades de
leitura e interpretação das imagens, mas como crianças pequenas e principiantes no
mundo da arte, esse é um exercício de percepção, de afirmação de suas referências
e repertórios e, principalmente, é uma forma de expressarem suas idéias sobre a
arte e isso deve ser respeitado.
Algumas crianças associaram as figuras a pessoas quebradas e machucadas e o
que pode ter causado essa leitura foi a representação da figura humana, com
músculos expostos e formas geometrizadas.
Há uma criança que vê uma família unida nessa imagem, trazendo valores
morais como referência em sua leitura e é tão forte este olhar sobre o valor da
família que esta foi a imagem com o assunto mais importante das três, pois
considera que família unida é importante. Nas imagens 1 e 2 ela afirmou gostar de
brincar de roda e de gostar de andar a cavalo no tio do avô, mas nem essas
brincadeiras foram mais importantes do que a família unida. De fato, Parsons afirma
que muitas vezes fundimos numa única noção o belo e o moralmente bom e isso
acontece nos primeiros estágios do desenvolvimento estético. (1992, p.62)
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As duas primeiras imagens também ativaram algumas referências das crianças,
vejamos um exemplo: FL afirmou que as imagens 1 e 2 pareciam de outro tempo,
pois na imagem 1 não havia asfalto e na imagem 2 havia véu e alguém andando a
cavalo. A lógica de FL é absolutamente coerente com o seu tempo e com a sua
cultura, pois hoje as ruas das cidades são geralmente asfaltadas, as pessoas não
usam véus e não saem a andar a cavalo. O que talvez ele não tenha percebido ou
não tenha tido importância para ele é que o menino anda a cavalo nas montanhas, o
que não é de todo uma atividade de outro tempo, considerando a região onde esta
criança mora, mas o que importa é o olhar contextualizado historicamente que a
criança demonstra.
O que as crianças sabem dizer sobre a arte?
Utilizando termos próprios do universo artístico ou outros termos e expressões
aproximados, algumas crianças trouxeram para a conversa conceitos da arte. Essa
fala requer uma escuta atenta para saber se há necessidade de ampliar os conceitos
ou até mesmo de desconstruí-los, mas para isso, é preciso primeiro identificar o que
as crianças já sabem sobre aquilo que estão falando.
No contexto de sala de aula, a criança que aplica esses conceitos em sua leitura
de imagem contribui enormemente para a construção coletiva do conhecimento em
arte. Housen afirma que expor o aluno aos pensamentos dos seus pares, (...) pode
acelerar as transições da sua própria maneira de pensar. A autora defende a idéia
de se criar um ambiente de descoberta de grupo com tempo suficiente para que o
aluno tenha muitas oportunidades para procurar construir significado de uma
maneira e depois de outra. (2000, p.159-160)
Alguns dos conceitos levantados pelas crianças foram:
o Imagem que parece “de verdade”: US
- É? E na imagem 2, o que você acha, você gostou também?
- Eu gostei do cavalo, parece de verdade, a criancinha...
- O cavalo e a criancinha parecem de verdade?
- Ahã.
- Qual das duas parece mais de verdade para você? (Refiro-me às imagens 1 e 2)
- A mais de verdade pra mim acho que é essa, a dois.
- É? E por que você acha que ela parece mais de verdade?
- Por causa do modo de desenhar, o cavalo...
- Como é o modo de desenhar que parece mais de verdade?
- Acho que é o tipo de cérebro, ele tem aquelas idéias que tem que desenhar, mas parece tão
igual na vida real.
- É?
- Eu gostei, eu acabei de ver essa montanha de terra.
US utiliza a expressão “parece de verdade” para falar do realismo da imagem e
deixa claro que para ele o realismo tem a ver com o “modo de desenhar” e que este
depende do “tipo de cérebro”.
A idéia de US abre espaço para uma boa conversa em sala de aula, pois poderia
ser trabalhada no seguinte sentido: se um desenho realista depende do modo de
desenhar e se o modo de desenhar depende do tipo de cérebro da pessoa, pode-se
ponderar que cada pessoa tem um tipo de rebro, então, não haveria um único
modo de desenhar e desenhar realisticamente é só uma das possibilidades do
desenho. A partir desta idéia poder-se-ia trabalhar com diferentes modos e estilos de
desenhos.
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Desta forma estaríamos construindo um olhar mais amplo para as possibilidades
da arte, diferente daquele que acredita apenas no “dom do artista”. Contudo, esse
tipo de insight pode não ocorrer ao professor se ele desconhecer o pensamento
estético dos alunos ou se ele não estiver atento às falas das crianças, daí a
importância de registrar o que elas falam para poder refletir posteriormente e
planejar a continuidade dos trabalhos.
É interessante observar na fala de US que ao final, diz que acabou de ver algo
que não vira antes, ou seja, a nossa conversa fez com que ele voltasse a olhar para
a imagem na tentativa de justificar sua opinião e diante desse novo olhar, descobre
mais elementos.
o Cores realistas/Cores misturadas: US
- Agora, me fala uma coisa, o que você acha das cores da imagem 1?
- Da imagem 1? As cores eu acho que são misturadas.
- Ah! O que é misturado, US?
- Estas cores dessas crianças, o modo, as casas.
- (...)
- Quais cores você prefere, da imagem 1 ou da imagem 2?
- Da imagem 1. Dois, dois.
- Da imagem 2? E por quê? Você sabe?
- Sei, porque as cores são mais realistas.
- As cores ou os desenhos?
- As cores são mais realistas, a cor da roupa, o ouro.
- E aqui, o que não é tão realista nas cores da imagem 1?
- O que não é realista? Acho que as crianças.
- O que não é realista nelas?
- (Aponta)
- A cor?
- A cor da pele.
- E o desenho?
- O desenho? Eu acho que é chão.
- O chão da imagem 1? O que ele tem ele?
- Eu acho assim que ele é muito escuro.
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O que é uma cor realista e o que é uma cor misturada para US? Se elas são
diferentes posso pensar que para ele as cores realistas não podem ser misturas?
Recorri às imagens para tentar entender seus comentários e percebi que as duas
imagens apresentam misturas de cores, mas na imagem 2 a mistura serve para criar
claros e escuros, que acabam por conferir maior realismo à imagem. na imagem
1, o uma utilização única ou lógica da cor e da luz. A cor na imagem 2 ajuda a
manter os contornos nítidos das formas o que não acontece com a imagem 1
onde a mistura desordenada das cores acaba por reforçar a falta de realismo da
imagem. Acredito também que o predomínio de tons terrosos na imagem 1 confunde
mais a criança, pois torna mais difícil a discriminação visual e isto me parece
evidente quando ele diz que o chão é muito escuro.
Finalmente, quando ele aponta para a cor da pele das crianças da imagem 1
como não sendo realista, ele está tomando como referência a cor da sua pele que é
clara, embora na imagem também haja crianças com pele clara.
o Desenho de quadro/Desenho pintado: FL
- Por que o cavalo parece de outro tempo?
- Porque ele parece!
- É? E aqui, esta pessoa parece de outro tempo? (Aponto a imagem 2)
- Quadro.
- Parece de um quadro, é? Como é que é a pessoa que parece de quadro?
- Oh.... (Aponta a imagem 1)
- Essas pessoas aqui da imagem 1 parecem de quadro?
- Parecem.
- E aqui também? (Aponto a imagem 2)
- Ahã.
- Mas elas são parecidas ou elas são diferentes entre si?
- Essa daqui é parecida, essa daqui é diferente.
- A imagem 2 parece com o quê?
- Com desenho de quadro.
- Ah, e aqui a imagem 1 não parece desenho de quadro?
- Parece desenho pintado mesmo.
- Ah, entendi, entendi. Qual delas parece mais de verdade, FL?
- Essa.
- A imagem 2?
- É.
- (...)
- Me fala uma coisa, FL, qual das duas você acha que está mais bem desenhada ou as duas estão bem desenhadas?
- Essa aqui está mais desenhada.
- A imagem 2?
- Eu acho essa.
- Por que você acha que ela está mais bem desenhada?
- Parece que esse daqui ó....
- A imagem 1?
- Parece que alguém fez esse daqui, esse aqui parece que foi de uma criança que fez essa.
- A imagem 1?
- Ahã. E essa daqui já parece que foi de uma, um adulto.
- A imagem 2 parece que foi um adulto que fez e a imagem 1 parece que foi uma criança?
- Ahã.
- Então você acha que as crianças desenham, mas não parece tão de verdade? E os adultos... (Ele me interrompeu)
- Não, não é isso! É por que, eu sei por que é isso por que aqui ó, está um pouquinho mal pintado
(Aponta a 1).
- Ah, entendi!
- E aqui ó, está muito pintado.
- Ah, entendi, as crianças não pintam tão bem quanto os adultos, é isso?
- Eu acho que é.
- É? É isso que você acha?
- (Acena que sim)
FL afirma que a imagem 2 parece desenho de quadro e que ela parece mais de
verdade do que a imagem 1 que, por sua vez, parece desenho pintado mesmo.
Parece-me que o conceito de quadro que esta criança tem envolve apenas
imagens realistas. Mas o que seria este “desenho pintado mesmo”? E os quadros
também não são pintados?
Na seqüência ele complementa dizendo que a imagem 2 parece ter sido feita por
um adulto e a imagem 1 por uma criança, ou seja, adultos fazem quadros realistas,
já crianças pintam quadros não realistas. Fica claro que FL acredita que adultos
1 2 3
pintam bem, ou seja, realisticamente e crianças não pintam bem, ou seja, não
pintam realisticamente. Esta é uma idéia a ser compreendida pelo professor, pois
revela a valorização do modelo adulto pela criança.
Na verdade, há uma fase
tanto no desenvolvimento do grafismo quanto no
desenvolvimento estético
na qual o sujeito passa a valorizar os padrões definidos
por sua cultura. Iavelberg denomina o desenho nesta fase de desenho de
apropriação e afirma que o desenho de apropriação revela um aprendiz interessado
nos modelos de desenho da cultura, por este motivo apropria-se deles através de
cópias. (2003, p.97)
No desenvolvimento estético esta fase corresponde ao estágio no qual os
padrões de beleza definidos culturalmente e até biologicamente é que são referência
para a leitura da obra de arte.
o Fotografia/Pintura: JM
- É? As duas são bem desenhadas, JM?
- Esta. (Aponta a imagem 2)
- A imagem 2 está?
- Essa aqui é uma fotografia, não é?
- A imagem 2 você acha que é uma fotografia? E a imagem 1 é o quê?
- Uma pintura.
- Uma pintura. Por que você acha que a imagem 2 é uma fotografia e a imagem 1 é uma pintura?
- A 1 porque dá pra saber que é, né?
- Como é que dá pra saber que é? Me explica.
- Ah, parece que ele está pintando aqui...
- Como? Fala de novo.
- Tem um tom de tinta.
- Ah, tem um tom de tinta! Aqui não tem um tom de tinta? (Aponto a 2)
- É aqui parece mais fotografia.
- Fotografia?
- É.
- Qual delas parece mais de verdade?
- (Aponta a 2)
- Será que é por isso que essa aqui parece mais com fotografia?
- (Silêncio).
- Essa não é tão bem desenhada? (Aponto a imagem 1)
- (Acena que sim)
- Essa é mais bem desenhada, é isso? (Aponto a imagem 2)
- (Acena que sim)
A fala de JM parece-me trazer a idéia de fotografia como representação fiel da
realidade, mas não necessariamente ela tem consciência disso, pois quando
perguntei a ela se a imagem 2 parecia fotografia por que era “mais de verdade”, ela
parou para pensar, ou seja, pode ser que ela não tenha pensado sobre isso, mas
tenha essa idéia internalizada.
Essa é uma concepção a ser trabalhada pelo professor no sentido de desmistificar a
idéia de fotografia como representação fiel da realidade que permeia o senso comum.
o Arte /Pintura moderna: CL
- E você gosta de desenhos mais parecidos com o real?
- Eu gosto de arte moderna.
- Você gosta? O que é arte moderna?
- É uma coisa assim meio rabiscada, mas aí sai...
- Alguma destas duas é arte moderna ou não? (Refiro-me às imagens 1 e 2)
- Não por que aqui mostra...
- Mostra o quê?
- Tem um pouquinho de arte moderna.
- Então me explica o que é arte moderna aí.
- Arte moderna é, por exemplo, estes trenzinhos aqui, você faz uma rabisqueira e no fim fica
lindo.
- Ah, e como fica lindo se é rabisqueira? Você não disse pra mim que gosta que seja parecido com o real? Rabisqueira
parece com o real?
- Não, mas assim: você pega uma coisa e vai fazendo assim ó, vai fazendo tipo uma arte
moderna. (Vai mostrando na imagem)
- Ah, entendi.
CL traz o conceito de arte moderna em sua leitura e me permite perceber como
ela o define. Arte moderna para ela está associada à “rabisqueira”, mas mesmo
sendo rabisqueira “no fim fica lindo”.
1 2 3
Identifico duas informações importantes nas palavras de CL: primeiro, que é
preciso ampliar o conceito de arte moderna para que ela possa compreender a
“rabisqueira” dentro do contexto modernista, depois, que ela já demonstra uma
aceitação da “rabisqueira”, pois afirma que “no fim fica lindo”. Em contraponto,
muitos alunos que chegam a esta escola apenas no ensino médio, ou seja, já
adolescentes, e não têm a menor compreensão ou tolerância com a arte moderna,
imagine com a contemporânea!
Contudo, certo mistério a ser desvendado por CL, pois se é rabisqueira como
é que ao final acabe ficando lindo, o que é necessário para que isso aconteça, que
conhecimentos são necessários em arte para que uma rabisqueira fique linda ou
ainda, qual é o conceito de beleza que CL traz em sua fala? Como o aluno e o
professor podem ressignificar seus conceitos de beleza na contemporaneidade?
Quem fez estas imagens?
Quando as crianças são pequenas ou quando têm pouca vivência com a arte,
elas têm uma consciência superficial da existência do artista, pois na verdade, a
obra é para ela como um fragmento vivo do mundo e funciona como uma ativação
de suas lembranças e gostos, elas não as vêem como representações e, portanto, a
figura do artista não é ainda fruto de uma consciência intelectual. Essas crianças
têm ainda um pensamento egocêntrico, centrado em suas próprias experiências,
típico do estágio pré-operatório – segundo Jean Piaget
33
ou da transição dele para
o próximo estágio – operatório concreto.
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Jean Piaget
nasceu em Neuchâtel, Suiça no dia 9 de agosto de 1896 e faleceu em Genebra em 17
de setembro de 1980. Estudou a evolução do pensamento até a adolescência, procurando entender
os mecanismos mentais que o indivíduo utiliza para captar o mundo. Como epistemólogo, investigou
o processo de construção do conhecimento e nos últimos anos de sua vida centrou seus estudos no
pensamento lógico-matemático.
No entanto, algumas crianças referiram-se a alguém que teria produzido as
imagens, mas nenhuma delas utilizou o termo “artista” para definir esse alguém. Os
exemplos a seguir ilustram este momento:
- Você acha que esta imagem parece de verdade? (Refiro-me à imagem 3)
- (Acena que não)
- Não? Porque ela não parece de verdade?
- Por que eles fizeram e depois eles fabricaram essas e depois eles pintaram, depois eles estavam
presos aqui pra vir e me mostrar a pintura.
- Entendi. Eles quem?
- Os homens da fábrica.
- Os homens da fábrica? Ah, entendi!
Em sua fala MN atribui aos “homens da fábrica” a produção da imagem 3 e seu
raciocínio segue provavelmente a lógica de que na fábrica se fabrica várias “coisas”,
inclusive os quadros, ela deve imaginar. É interessante também perceber que ela
afirma que os homens da fábrica é que trouxeram a imagem para mostrar a ela e
que eles “estavam presos aqui”, ou seja, as figuras da imagem podem representar
os homens da fábrica, pois enquanto ela falava, apontava para a imagem.
Vejamos o que disse outra criança:
- Qual parece mais de verdade, US?
- A mais de verdade é a 2, porque a cara da criança parece cara de criança mesmo.
- E você acha que uma imagem para ser boa tem que ser mais parecida com a verdade?
- Não, depende do jeito que desenha, como a cabeça imagina.
- Ah...
- Pelo jeito quem inventou deve ter uma cabeça, deve ter um cérebro assim de criança, de
humano assim de verdade.
- Quem pintou a imagem 2?
- É.
- E quem pintou a imagem 3?
- Pobre.
algumas informações na fala de US: as imagens não precisam ser parecidas
com o real para serem boas, pois isso depende do jeito que se desenha e de como a
cabeça imagina, ou seja, ele tem consciência de que jeitos diferentes de
desenhar dependendo da imaginação de cada pessoa e, ao mesmo tempo, ele
deixa evidente a sua admiração pelas pessoas que fazem imagens como a 2, elas
são pessoas com um cérebro assim de criança de humano assim de verdade. Será
que para ele o cérebro de criança tem relação com a imaginação? O que será um
cérebro de humano assim de verdade? Será alguém que consegue captar e
representar o que é humano com perfeição em uma imagem?
Embora tenha consciência de que as pessoas são diferentes e que, portanto,
diferentes pinturas que também podem ser boas, ele não esconde que sua
predileção é pelas imagens realistas.
E você, o que pensa sobre as imagens?
Assim como as crianças anteriores deixaram claro que sabem que existe alguém
que produz as imagens, algumas crianças demonstraram saber que outras pessoas
podem ter opiniões diferentes das delas, embora isso o signifique
necessariamente que concordem com elas ou que as compreendam.
Vejamos o que dizem neste sentido algumas crianças:
- Então, qual é o assunto desta imagem? (Refiro-me à imagem 3)
- Hum, o que eu tinha falado mesmo? Um monte de gente perdida.
- Ah, e esse não é um bom assunto pra pintar um quadro ou pode ser?
- É, pode ser.
- Nesse caso aqui, você acha que ficou bom?
- É, fica, né, legal.
- Fica melhor que a imagem 2?
- Pra mim não, mas eu tenho medo dos outros.
- E você acha que alguém pode gostar mais da imagem 3?
- Alguém escolhe qualquer um, né? Pode, alguém pode escolher esse.
- É? E se alguém escolher esse e achar esse mais bonito, você acha que vai achar mais bonito por quê?
- Ah, ai...
- Não sabe?
- Isso daí está difícil!
- Então está bom.
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É interessante observar que ela tem consciência de que os outros podem ter
outra opinião a respeito da imagem, mas ela não consegue explicar porque, pois na
verdade sua referência são os seus próprios critérios e não os dos outros, ela é
ainda pequena para entender os motivos dos outros, é suficiente saber que eles
existem.
Isso é difícil de fazer!
O gosto, a valorização ou a admiração por uma imagem vem às vezes do
reconhecimento do grau de dificuldade em executá-la, da habilidade e da mestria
necessárias a quem a produz. Nas crianças, noto que a admiração vem daquilo que
pessoalmente elas experimentaram de alguma maneira e acham difícil de ser
produzido. Vejamos:
- O que você acha do desenho da imagem 3, foi bem feito?
- Foi.
- Foi? Se a gente comparar a imagem 2 com a imagem 3, em qual você acha que o desenho foi mais bem feito?
- Deu mais trabalho?
- É, que você acha que está mais bem feito.
- Esse. (Aponta a 3)
- Da imagem 3? Por que você acha que na imagem 3 deu mais trabalho?
- É difícil de desenhar.
- Esse desenho da imagem 3 você acha mais difícil do que o da imagem 2?
- Ahã.
- E se comparar com a imagem 1, qual dos três desenhos é mais difícil?
- (Aponta para a imagem 3)
- Porque é difícil desenhar, BZ, o que é difícil desenhar aqui? (Aponto a imagem 3)
- Os corpos.
- Ah, os corpos são difíceis! O corpo aqui da imagem 2 não é difícil?
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- (Acena que não)
- Nem da imagem 1?
- (Acena que não)
- O que é mais difícil no corpo da imagem 3?
- Aqui. (Aponta para riscos e formas geométricas nas roupas de algumas figuras)
- O que tem aí? O que você acha difícil aí?
- Esses quadradinhos pequenininhos.
- Ah, então tem detalhes muito pequenininhos que são difíceis de desenhar!
- Tem.
BZ avaliou a imagem 3 com base na dificuldade de execução do desenho e
certamente suas experiências pessoais com a produção de desenhos interferiu na
determinação ou valorização desse critério.
Vejamos o que diz BN:
- Certo. Você acha que este desenho está bem feito, BN? (Refiro-me à imagem 3)
- Está. (Meio indeciso)
- Está bem feito?
- Ele é bem difícil de fazer.
- É? Porque você acha que é difícil? Mostre uma parte para mim que você acha que é difícil.
- Aqui é difícil ó, tudo é difícil.
- Ah, tudo é difícil, desde a esquerda até a direita tudo é difícil!
- É, tudo isso daí é difícil.
- O que você acha que é difícil? Imagine você pintando, em que você acha que teria dificuldade?
- Nesse daqui.
- Nesse aqui? Por quê? O que é difícil fazer nele?
- Ah, é muito difícil copiar a mulher, o homem...
- Ah, entendi.
BN reconhece uma dificuldade em realizar a imagem 3, especialmente se tiver
que copiá-la, pois provavelmente deve ter passado pela experiência de copiar
alguma imagem e sabe avaliar e dizer que é difícil. Entendo também que a figura
humana é sempre um desafio no desenho.
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Não estou entendendo nada!
A imagem 3 foi a grande deflagradora de dúvidas e algumas crianças
explicitaram sua dificuldade em compreendê-la, dando as mais diversas justificativas
como veremos a seguir:
CL:
- Bom então, o que você me fala desta imagem aqui, CL? (Mostrei a imagem 3)
- Essa?
- É. O que você acha dela?
- É que eu não estou entendendo muita coisa.
- Não?
- Parece uma família de zumbis.
LC:
- Vou te mostrar agora a imagem 3. O que você acha dela?
- Eu acho boa, que o pra entender muito bem, por causa assim, por que ela é muito
branca e não dá pra entender.
- Certo, mas você acha ela boa?
- Acho.
- O que é bom nela?
- Bom, parece assim bem que é um cemitério, que está no pólo norte, que é uma família
pobre.
- Esse assunto é um assunto legal pra uma pintura?
- (Fica em dúvida)
- Mais ou menos?
- É.
(...)
- Ah, você prefere o assunto da imagem 2. E o que você acha das cores da imagem 3?
- É assim ó, branco! O que dá pra entender com o branco? Só tem a cor branca.
- Tem muito branco, você acha?
- Tem.
- E aí está confuso. Como é que você acha que está o desenho desta imagem 3?
- Aí está bom ó!
- Está bem feito?
- Está bem feito.
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AJ:
- Bom, então eu vou te mostrar uma terceira imagem. O que você acha dessa imagem 3?
- (Silêncio)
- Gosta ou não?
- (Acena que não e tem expressão de espanto)
- Não?
- Não.
- Por que você não gosta?
- Por que não dá pra ver, dá pra ver direito, mas eu não entendi.
(...)
- Você acha que o desenho aí está bem feito? (Refiro-me à imagem 3)
- Está.
- Está? Igual àquelas outras duas? (Refiro-me às imagens 1 e 2)
- Ahã.
- Em qual delas o desenho é mais bem feito ou as três são iguais?
- Mais bem feito? (Silêncio e depois aponta a 2)
LS:
- Está bom! Agora olha essa aqui, a imagem 3. O que você acha desta imagem?
- Não estou entendendo nada.
- Não? O que você está conseguindo ver aí? O que você vê?
- Hum, pessoas.
- Pessoas? Hum...
- Esquisitas.
- Porque elas são esquisitas?
- Não sei.
- O que tem de esquisito nelas? Você consegue me dizer o que tem de esquisito nelas?
- (silêncio)
- Você acha que elas estão bem desenhadas?
- Ainda não.
O que significa não entender uma imagem? Significa não encontrar um sentido
para ela? Ou significa não compreendê-la dentro de seu contexto de criação?
Quando é que uma imagem não faz sentido para alguém? Quando este alguém
ainda não conhece os códigos do mundo da arte?
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A meu ver, uma imagem não faz sentido para alguém quando não encontra
dentro desta pessoa recursos com os quais possa minimamente dar significado ao
que vê. Mas o que um aluno que não entende uma imagem? Podemos ajudá-lo a
ver? Podemos ajudá-lo a construir um significado pessoal para a imagem?
O pido momento de uma entrevista me fez perceber que o simples voltar a
olhar a imagem pode dar novo sentido a ela, pode permitir uma identificação mais
detalhada de elementos que juntos permitem, no mínimo, que o pensamento se
estenda um pouco mais adiante do que no primeiro olhar.
Percebo que as crianças com pouca experiência com leitura de imagem têm mais
dificuldade de manter a atenção voltada por muito tempo em uma imagem, mas se
esta experiência passa a fazer parte de seu cotidiano, ela desenvolve essa
habilidade e torna-se cada vez mais perceptiva.
Parsons afirma que mesmo uma entrevista pode servir como uma via para a
criança pensar melhor com o entrevistador do que se pensasse por si. (2000,
p.181)
Mesmo não tendo esse objetivo durante as entrevistas, em vários momentos nos
quais eu precisei que a criança explicasse melhor o que havia dito, ela voltou a olhar
para a imagem e conseguiu ver o que o havia visto ou conseguiu ressignificar o
que havia sido interpretado. O importante é a conversa, é o espaço e o tempo
para que a criança possa expor sua forma de pensar e sentir diante da arte, se nós,
como educadores estivermos abertos a ouvi-las e tivermos um conhecimento sico
sobre como se desenvolve seu pensamento estético, então poderemos caminhar de
forma mais produtiva em nossas leituras de imagens na escola, pois como afirma
Parsons:
Falar sobre pintura é proveitoso para as crianças: pode levá-las a refletir
sobre aquilo que não compreenderam. Discutir as obras de arte é
provavelmente a coisa mais útil que podemos fazer com as crianças, além
de lhes darmos materiais com que possam pintar. A nossa falha mais
comum consiste em sermos demasiado pouco exigentes no que toca à
compreensão da arte, e em evitarmos a discussão neste domínio. (1992, p.
50)
Quem conta uma história revira a memória!
Housen (apud ROSSI, 2001, p. 26), atribui aos leitores iniciantes a característica
de narrarem histórias a partir das imagens que vêem e eu pude vivenciar esta
experiência com LC. Esta foi uma das mais imaginativas e empolgantes entrevistas,
pois esta criança se envolveu de tal forma com sua história que a minha presença
ou as minhas falas que algumas vezes a interrompiam, eram secundárias. Ela queria
contar sua história, queria que eu entendesse e acreditasse na ligação da imagem
com sua história. Eu pediria agora ao leitor que se dirigisse ao anexo 2 para ler na
íntegra a entrevista com essa criança para poder compreender o que é um leitor
narrativo.
A impressão que para quem assiste a esta leitura é de que a imagem é
apenas uma inspiração, pois o entusiasmo vem da lembrança, daquilo que se quer
contar e assume outra direção, a direção da imaginação e da memória. No primeiro
estágio, não distinguimos entre o prazer daquilo que vemos e o prazer daquilo que
recordamos; e essa indistinção torna a nossa fruição ainda mais intensa
(PARSONS, 1992, p. 50).
Referindo-se aos leitores principiantes, que ela denomina de narrativos, Housen
afirma que:
O leitor do primeiro estágio lida com a obra como se ela fosse algo vivo. As
suas observações caracterizam as figuras e formas como se estivessem em
movimento. Ele se comporta como um narrador de um filme, oscilando entre
ser um observador, ou um participante. (...) É comum este leitor relacionar
algum detalhe visto na obra, com acontecimentos ou experiências do
passado. Ele conta histórias que iniciam pelo quadro, mas que às vezes,
seguem um curso independente da imagem. (2001, p. 26)
Há crianças que não narram histórias, mas fazem breves associações da imagem
com suas recordações e seus gostos pessoais o que também caracteriza o mesmo
tipo de pensamento da criança que narra histórias, ou seja, eles utilizam a imagem
como ponto de partida para falar de seu universo pessoal. Vejamos os exemplos:
FL:
- O que mais você está vendo além da caveira? (Eu pergunto sobre a imagem 3)
- Esse rei aqui do Mortal Combat.
- Esse aqui do meio? Esse aqui é o rei do Mortal Combat?
- Ahã. Sai até raio quase.
LD:
- Qual é o assunto da imagem 3?
- Eu acho que o assunto das três são uma família de zumbis andando.
CL:
- Você gosta destas imagens? (refiro-me às imagens 1 e 2)
- Gosto.
- Das duas?
- Eu até pinto tela.
(...)
- E você acha que esse é um tema legal para uma pintura? (refiro-me à imagem 1)
- Hum, acho.
- E essa imagem aqui? (Aponto para a imagem 2)
- Eu já pintei uma parecida, sabia?
Quando pergunto a CL se gosta das duas imagens, ela me responde que até faz
pintura em tela, como quem me diz que gosta de pintura, ou seja, de toda pintura,
por que também realiza as suas. Depois pergunto se acha o tema da imagem 2 um
bom tema e ela me responde “Eu pintei uma parecida, sabia?” Ou seja, é claro
que ela gosta, pois se até pintou uma parecida. CL associa minhas perguntas
sobre as imagens com sua experiência no fazer artístico.
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1 2 3
Os leitores com pouca experiência com a arte fazem interpretações rápidas e
superficiais daquilo que vêem, por isso não relacionam as partes ao buscar entender
a imagem e a tiram do foco de sua leitura para acionar a imaginação.
Afinal, isso dá medo ou é engraçado?
Nesta busca por referências pessoais que levem à compreensão da imagem é
que percebemos o teor da subjetividade da leitura. Cada criança traz para a
conversa o seu mundo e isso gera uma grande diversidade de interpretações. Não
interpretação certa nem errada, sim, aquelas que são mais pertinentes, mais
coerentes com a imagem, enfim, mais amplas e complexas e estas são construídas
ao longo de uma história de experiências significativas com a arte.
Prova disso esnos extremos que encontrei na leitura da imagem 3 que suscita
medo, admiração, divertimento, comoção, pavor, enfim, as mais diversas e
contraditórias emoções como podemos ver a seguir:
US:
- Não? O que você não gostou nessa imagem, US? (Refiro-me à imagem 3)
- O jeito das pessoas, não gostei nem um pouco!
- Qual é o jeito das pessoas que não te agrada?
- Parece assim que eles são fantasmas, que estão quebrados, ossos, parece fantasma!
- Então qual é o assunto dessa imagem 3?
- Fantasmas.
- Fantasmas? Você acha este um bom assunto de pintar?
- Pro medo é, mas pro bem, não!
FL:
- É? Então está bom. Bom, eu vou te mostrar agora, FL, uma terceira imagem.
- Nossa, que tanto de imagem! (Eu fui pegar a imagem 3 e outras apareceram).
- É, mas são só estas três que você vai ver. O que você acha dessa, FL?
- Parece um Halloween!
- Um Halloween? O que tem aí que parece um Halloween?
- Isso aqui é uma múmia ou uma caveira, heim? (Aponta para o homem da esquerda)
- Aí do lado esquerdo, uma múmia ou uma caveira? Qual você acha que é o assunto então, o Halloween?
- Parece que é.
- É? Você gosta desse assunto? Você acha que é um bom assunto pra pintar um quadro?
- (Acena que não)
- Não? Você levaria esta imagem para sua casa?
- Levaria. (Risos).
- Levaria? Por que, se você acha que ela não é um bom assunto pra pintar, por que você levaria ela para sua casa?
- Porque ele é muito engraçado.
- Ah, ele é engraçado? O que tem de engraçado aqui?
- As caveiras-múmias...
É uma pintura ou é de verdade?
Várias crianças interpretaram as imagens como se fossem algo real, concreto,
vivo, uma extensão de seu mundo natural e não uma representação dele. Esta
também é uma leitura própria de principiantes. Vejamos:
LR:
- E aqui na imagem 2, o que você gosta?
- É que eu gosto de passear no cavalo lá no sítio do meu avô.
MN:
- Eu queria que você visse a imagem 1 e a imagem 2 e que você me dissesse o que acha delas, MN.
- Eu acho esse daqui um cavalo com um príncipe, eu gostei desse. (Refere-se à 2)
ID:
- A professora quer que você uma olhadinha na imagem 1 e na imagem 2 e eu quero que você me diga o que acha
delas.
- Eu acho um monte de terra.
O que essas crianças acham sobre as imagens é algo concreto, elas respondem
a minha pergunta como se estivessem olhando para uma cena real e extraindo dela
aquilo que consideram importante ou aquilo que lhes chama atenção.
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1 2 3
Panorama das entrevistas
Para encerrar as reflexões sobre as entrevistas com a 1
a
rie, farei uma análise
dos dados obtidos por meio dos gráficos. Os dados possibilitam uma visão das
possíveis relações existentes entre os diferentes critérios definidos nas leituras das
imagens pelas crianças. Esses critérios tiveram como referência as pesquisas dos
teóricos que adotei e tornaram-se evidentes nas leituras, pois as questões reveladas
se direcionavam para eles.
Os gráficos do grupo 1, na gina seguinte, nos permitem visualizar os
percentuais com que os diferentes critérios utilizados na leitura apareceram em cada
uma das imagens separadamente. o gráfico do grupo 2, nos mostra as
tendências que os diferentes critérios assumem para as três imagens ao mesmo
tempo. Com isso, temos uma visão de como os critérios se definiram na leitura de
cada imagem e como variaram de uma imagem para a outra.
Quero reforçar, contudo, que esse tipo de análise é válido para que se tenha uma
visão geral do que aconteceu na leitura das imagens e uma idéia dos efeitos das
perguntas feitas às crianças. Não aqui uma intenção de estabelecer padrões de
pensamento, mas de perceber a direção que tomou a fala da maioria das crianças
neste estudo específico, que serve inclusive para que se possam planejar atividades
futuras nas quais a interação dessas diferentes formas de pensamento possa levar
ao crescimento da turma. Acredito que a visão do todo possa contribuir para o
avanço das partes, pois o conhecimento também se constrói coletivamente.
Esclareço que ao incluir essa análise na pesquisa, não perdi de vista que estou
trabalhando com a subjetividade e a individualidade dos sujeitos envolvidos e que
são elas que definem o caráter qualitativo da pesquisa, pois se assim não fosse, eu
não teria opt
ado por entrevistas individuais e não teria até este momento da análise,
focado individualmente as falas das crianças.
Comparação entre os critérios de análise de cada imagem pelas crianças
0%
20%
40%
60%
80%
100%
90,9%
86,4%
Percentual de crianças
Critérios de análise
Imagem 1
Gosta da imagem
Acha o desenho bom
Acha o assunto bom
Gosta das cores
0%
20%
40%
60%
80%
100%
100,0%
100,0%
Critérios de análise
Percentual de crianças
Imagem 2
Gosta da imagem
Acha o desenho bom
Acha o assunto bom
Gosta das cores
0%
20%
40%
60%
80%
100%
52,2%
72,7%
Percentual de crianças
Critérios de análise
Imagem 3
Gosta da imagem
Acha o desenho bom
Acha o assunto bom
Gosta das cores
ado por entrevistas individuais e não teria até este momento da análise,
focado individualmente as falas das crianças.
Grupo 1:
Comparação entre os critérios de análise de cada imagem pelas crianças
86,4%
18,8%
77,8%
76,2%
Critérios de análise
Imagem 1
Acha o desenho bom
Acha o desenho realista
Gosta das cores
100,0%
93,8%
100,0% 100,0%
Critérios de análise
Imagem 2
Acha o desenho bom
Acha o desenho realista
Gosta das cores
72,7%
6,3%
66,7%
57,9%
Critérios de análise
Imagem 3
Acha o desenho bom
Acha o desenho realista
Gosta das cores
ado por entrevistas individuais e não teria até este momento da análise,
Comparação entre os critérios de análise de cada imagem pelas crianças
Observando a variação percentual entre os diferentes critérios de leitura nas
imagens 1 e 3, podemos notar que o único critério contrastante foi o realismo da
imagem. Já na imagem 2 não há contrastes acentuados.
Para compreender os resultados é importante nos reportarmos às perguntas
feitas às crianças na entrevista. Quando investiguei a opinião delas a respeito do
realismo das imagens eu fiz a seguinte pergunta: Tem alguma imagem que parece
ser mais de verdade? Essa é uma pergunta comparativa e, portanto, direciona para
a escolha de uma das imagens e a imagem 2 é indubitavelmente a mais realista
delas. Isto explica que o critério do realismo seja contrastante nos dados das
imagens 1 e 3 que são imagens modernistas com forte acento expressionista.
Cabe aqui ponderar que se a pergunta não se direcionasse para uma escolha
comparativa, será que aconteceria com esse critério o mesmo que aconteceu com
os demais, ou seja, não haveria uma grande variação em seu percentual?
Se observarmos a variação dos demais critérios dentro do gráfico de uma mesma
imagem veremos que ela é pequena a maior delas acontece na imagem 3 com
cerca de 20% de diferença entre o critério de maior e o de menor valor o que
indica que as crianças dessa turma julgam os critérios de uma mesma imagem com
uma certa constância. Podemos então afirmar que não critério algum que se
destaque e possa ser o predominante na leitura das imagens.
Os dados revelam um aspecto apontado por Parsons em sua pesquisa: quanto
menor a criança, menor a distinção que ela faz entre gostar e julgar, ou seja,
gostamos daquilo que consideramos bom e consideramos bom aquilo de que
gostamos. (1992, p.138)
O autor afirma ainda que algumas crianças relutam em pensar que as imagens
não sejam boas e mesmo quando preferem o realismo como aconteceu com a
imagem 2 tendem a encontrar desculpas para os quadros que não estão de
acordo com os seus critérios. (1992, p.68)
Rossi também observou esse aspecto em sua pesquisa e afirma que a criança
emite um juízo positivo para qualquer imagem. Aponta também que estas respostas
mostram uma característica do pensamento pré-operacional a centração, onde a
criança prioriza um elemento qualquer de uma totalidade. (2003, p.78)
A pesquisa da autora revelou que se há pelo menos um elemento na imagem que
agrade a criança, é suficiente para que ela a julgue como boa, pois não tem ainda a
noção da totalidade da imagem e nem da hierarquia dos elementos nela.
Continuando a observar os gráficos do grupo 1, mas agora comparando um
mesmo critério ao longo das três imagens, podemos notar que o critério que teve
maior diferença percentual foi o gosto, ou seja, todas as crianças gostaram da
imagem 2, mas pouco mais da metade gostou da imagem 3. O próximo critério a
apresentar grande diferença foi a cor e novamente todas as crianças gostaram das
cores da imagem 2 e pouco mais da metade gostou das cores da imagem 3.
No entanto, se observarmos o critério do desenho, veremos que ele sofreu pouca
variação de uma imagem para outra e esse dado me fez refletir sobre a pergunta
que levou a esse resultado: “Você acha que este desenho foi bem feito?
O que será um desenho bem feito para as crianças da 1
a
série? O que será que
elas entenderam com a pergunta? Será que a pergunta foi adequada? Vejamos o
que disse LC em momentos distintos da entrevista:
Falando sobre as imagens 1 e 2:
- E me fala uma coisa, o desenho.
- Eu acho melhor este.
- O da imagem 2?
- (Acena que sim)
- Melhor do que da imagem 1? O que tem na imagem1 que não está tão bem desenhado?
- Por exemplo, aqui ó, sabe o pé?
- Sei.
- Parece que ele está meio torto assim. Então se fosse outra pessoa podia fazer ele assim, ó,
rodando.
- Entendi.
Falando sobre a imagem 3
- (...) Como é que você acha que está o desenho desta imagem 3?
- Aí está bom ó!
- Está bem feito?
- Está bem feito.
- Dá para ver direitinho cada um? O que está desenhado aí?
- Tem uma criança, outra criança, um marido, uma mulher e um...
A criança afirma que o desenho da imagem 1 não está bem feito e justifica
apontando para os pés tortos, mas o faz quando está comparando esta imagem com
a imagem 2. No entanto, quando pergunto sobre o desenho da imagem 3 ela me diz
que está bem feito, sendo que havia dito anteriormente que não dava para entender
a imagem, pois tinha muito branco.
Portanto, a pouca variação dos percentuais do critério que julga o desenho me
parece resultar muito mais do tipo de pergunta que foi feita do que de uma
valorização maior para esse critério na leitura, ou seja, não acredito que as crianças
tenham julgado predominantemente o desenho de forma positiva por realmente
terem-no considerado o que havia de melhor nas três imagens.
Passando para o gráfico do grupo 2 na página seguinte, temos uma visão das
tendências percentuais das três imagens juntas e dele podemos extrair algumas
reflexões, uma delas é o que havíamos observado nos gráficos do grupo 1, mas
que aqui fica mais evidente: a imagem 2 apresentou a menor variação entre os
_________________________________________________________________
1 2 3
critérios e as imagens 1 e 3 tiveram um resultado bastante semelhante, exceto no
que diz
respeito ao critério do gosto.
Esse gráfico nos permite também visualizar que houve uma nítida separação das
linhas relativas a cada imagem, não havendo sobreposição entre elas e ficando a
imagem 2 com os maiores percentuais de aceitação pelas criança
com os menores.
Comparação entre os critérios nas três imagens
Imagem 1 Imagem 2 Imagem 3
90,0%
100,0%
0%
20%
40%
60%
80%
100%
120%
Percentual com que os critérios aparecem
Gosto Desenho Realismo Assunto Core
critérios e as imagens 1 e 3 tiveram um resultado bastante semelhante, exceto no
respeito ao critério do gosto.
Esse gráfico nos permite também visualizar que houve uma nítida separação das
linhas relativas a cada imagem, não havendo sobreposição entre elas e ficando a
imagem 2 com os maiores percentuais de aceitação pelas criança
Grupo 2
Comparação entre os critérios nas três imagens
Imagem 1 Imagem 2 Imagem 3
90,0%
86,4%
18,8%
77,8%
76,2%
100,0%
100,0%
93,8%
100,0% 100,0%
52,2%
72,7%
6,3%
66,7%
57,9%
Gosto Desenho Realismo Assunto Core
Critérios nas leituras de imagens
critérios e as imagens 1 e 3 tiveram um resultado bastante semelhante, exceto no
Esse gráfico nos permite também visualizar que houve uma nítida separação das
linhas relativas a cada imagem, não havendo sobreposição entre elas e ficando a
imagem 2 com os maiores percentuais de aceitação pelas criança
s e a imagem 3
Imagem 1 Imagem 2 Imagem 3
Gosto Desenho Realismo Assunto Core
s
Imagem 1
Imagem 2
Imagem 3
O que podemos concluir com esses dados e com a análise individual do que
disseram as crianças? Podemos concluir que as crianças preferem imagens realistas
ou que não houve variação tão grande a ponto de dizermos que o julgamento da
imagem 3 não foi bom? E assim sendo, podemos dizer que neste caso específico,
as crianças tendem a aceitar as imagens de forma geral apresentando apenas
pequenas variações em seu julgamento?
Acredito que essas perguntas em si apontam para algo importante sobre a
compreensão do pensamento estético das crianças: nas aulas de arte com esta
turma, tenho que estar atenta ao fato de que, se elas tendem a aceitar as imagens
em geral é porque ainda baseiam suas leituras em critérios exclusivamente pessoais
e que é preciso trabalhar com elas a fim de ampliar seu olhar, no sentido de buscar
outros critérios que enriqueçam suas leituras. Critérios estéticos, culturais, históricos,
biográficos, sociais ou outros tantos como nos aponta Franz quando sugere uma
compreensão crítica da arte.
O primeiro passo na busca da construção desse olhar me parece ser conseguir
fazer com que as crianças observem por mais tempo e mais atentamente as
imagens, é desafiá-las para que justifiquem o que vêem, para que argumentem
sobre suas respostas, assim, elas voltarão a olhar muitas vezes para a imagem e
poderão buscar novos sentidos, novos critérios, novas formas de compreensão.
Entre piratas, caveiras, escravos, fantasmas, zumbis e reis, entre a arte moderna,
a fotografia, o desenho de quadro e o realismo, a imaginação destes alunos de uma
1
a
série no interior do Estado de São Paulo os leva até o Pólo Norte, a Austrália e ao
sítio do avô na busca pela compreensão das imagens, na tentativa de contextualizá-
la dentro de seu mundo globalizado.
A arte ativa a imaginação e possibilita o encontro da realidade com o sonho, do
antigo com o novo, do interior com a capital, do acadêmico com o contemporâneo,
da criança com o artista.
Capítulo V
Capítulo VCapítulo V
Capítulo V
O olhar da 8ª série
O olhar da 8ª série O olhar da 8ª série
O olhar da 8ª série
... nem tudo o que lemos está escrito. Podemos ler mapas, diagramas, relógios,
raios X, notas musicais e passos de dança. A leitura abarca também o metafórico
e o abstrato como, por exemplo: mãos, rostos, céu, mar, estrelas, clima e até
intenções.
Maria Helena W. Rossi
Como se encontram os adolescentes com a arte?
Será que uma avaliação escrita deixa os alunos mais à vontade para se
expressar? Se que uma única pergunta deixa alguns aspectos da leitura sem
esclarecimentos? Será que escrever é mais trabalhoso do que falar e isso pode
influenciar a leitura dos alunos da série? Embora individual, será que a escrita
restringe mais do que a entrevista? Será que por ser escrita, a avaliação propicia
maior facilidade para os alunos dizerem que não entendem ou não encontram
significados nas imagens?
Diante de todas estas questões avalio que o fato de haver apenas uma pergunta
para cada imagem, somado ao fato de ser uma avaliação escrita, tornou a avaliação
da série mais objetiva. Sua análise também foi menos trabalhosa para mim, pois
durante o processo era possível visualizar as respostas de todos os alunos a uma
mesma imagem, bem como as respostas de um único aluno a todas as imagens,
uma vez montada uma tabela com os dados coletados – como na p. 191.
Mas, ao contrário da constante interação com as crianças como aconteceu com
a avaliação da rie com as entrevistas, durante a avaliação com a série não
havia muito que fazer além de esperá-los responder ao questionário. De início, os
alunos fizeram perguntas na tentativa de esclarecer dúvidas, mas em seguida
compreenderam que eu não as responderia, pois era importante saber o que eles
pensavam sozinhos a respeito daquelas imagens e esse era o desafio do
instrumento de avaliação.
As marcas pessoais de como lêem as imagens, de como as compreendem e de
como escrevem sobre elas ficaram registradas nas palavras escritas pelos alunos da
série e assim como aconteceu com a 1ª série, foi possível identificar nas palavras
dos alunos, grupos de idéias, pensamentos e reações semelhantes entre eles em
relação às imagens. Pode-se perceber idéias partilhadas por muitos deles, idéias
exclusivas de alguns, idéias que já eram esperadas e idéias surpreendentes. É
importante esclarecer que no caso da série, as perguntas não eram direcionadas
para critério algum e que, portanto, esses grupos que surgiram são mais amplos e
diversificados.
Gostaria de registrar que a individualidade também nas avaliações escritas foi
mais uma vez responsável pela riqueza de informações suscitadas na leitura das
imagens, bem como pela minha percepção das possibilidades e subjetividades de
cada aluno.
As idéias da rie foram agrupadas segundo a direção que tomou a
interpretação que os alunos fizeram das imagens (lembranças pessoais,
sentimentos, significados, descrição e outros), segundo o julgamento que fizeram
das mesmas, segundo a utilização de conceitos da arte nas leituras, segundo a
referência que fizeram ao artista e segundo o interesse pelo modo como a obra foi
feita (técnica) e pelo local onde ela se encontra.
Apresentarei a seguir estes agrupamentos de idéias apontados pelas respostas
aos dois tipos de perguntas feitas aos alunos O que você nesta imagem? e O
que você pode dizer sobre esta imagem? e mais adiante tratarei das
especificidades das respostas a cada pergunta. Ao final das respostas, há sempre a
identificação dos alunos, bem como o número da imagem à qual se referem.
Lembranças que vêm e vão!
Alguns alunos associaram as imagens a lembranças pessoais, o que representa
uma das possibilidades de nos relacionarmos com as imagens, de buscarmos o
sentido delas, pois lembranças carregam sentimentos, emoções e nos permitem
falar de nós mesmos, daquilo que elegemos para guardar na memória e que vai ser
ativado pelas imagens como uma forma de identificação singular.
As lembranças dos alunos passaram por temas como família, filmes, objetos,
lugares e outros, como podemos ver a seguir:
Eu vejo várias coisas, essa casa me lembra um filme que eu assisti que se chama “Paixão sem
limites”. Os bois,o sei por que, mas me lembram o carnaval de Recife. Essa árvore com pássaros,
a Amazônia. Essa imagem me lembra também a chácara que minha avó e meu avô moraram 20
anos. Isso me lembra paz, família, amor. (TM/4)
A imagem me lembra um aparelho de televisor. (JL/5)
Alguns até parecem que estão flutuando na água. Essa obra até me lembra o Titanic no filme, na
hora que o navio afunda. (CP/6)
Essa imagem me dá um pouco de medo, pois me lembra uma cena de um filme de terror chamado
“O Chamado”. (IS/7)
Me lembra um dos primeiros aviões da história
.
(JL/8)
E a imaginação viaja...
Imaginar lugares, histórias, situações, fatos e pessoas foram possibilidades de
leituras que a série fez das imagens. Algumas dessas relações eram bastante
pertinentes, outras nem tanto, mas também traduzem a busca de significados a
partir de referências pessoais, dos sentidos possíveis de serem encontrados por
cada um. São exemplos disto:
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Esta imagem pode estar retratando um sítio onde o pintor(a) tenha passado sua infância e
tenha saudades, de um lugar onde ele(a) tenha vontade de viver ou até mesmo uma coisa imaginária.
(RN/4)
(...) eu acho que a intenção do pintor era formas geométricas. Ele começou a pintura, não gostou,
e começou de novo em cima dela
.
(VA/5)
É como se algo atingisse as cadeiras (que antes estavam certas) e as jogasse para lados
diferentes, as destruindo e as confundindo com os meios que se interagem. (GV/6)
(...) um homem em pé pensando na vida, sozinho. De fato ele era casado e largou-se da mulher
ou a mulher largou-se dele, e agora ele está sozinho em sua casa, pensativo. (VC/7)
(...) o chapas de ferro que aparentam ser pessoas dançando, uma dependendo do equilíbrio da
outra. (IL/8)
Sentimentos, sensações e emoções falam de nós e por nós
Revelando os sentimentos, as sensações e as emoções que as imagens
despertaram, os alunos demonstraram que têm consciência de que a obra lhes
afeta de alguma maneira, de que pode lhes fazer sentir e experimentar diferentes
emoções. É interessante notar, contudo, que eles não se dão conta de que os
sentimentos estão neles, que são parte de sua subjetividade. Eles acreditam que as
imagens é que contêm os sentimentos que estão experimentando, como vemos nos
casos abaixo:
Posso dizer que esta imagem (...) nos transmite paz, harmonia e que nos faz refletir sobre tudo,
esta retrata fielmente a filosofia do interior: lugar bonito, calmo, não-luxuoso, porém, cheio de
energias boas para remeter a todos. (VN/4)
A mistura de cores também traz uma sensação de tradicional e elegante. (CP/5)
Um olhar sombrio, como se tivesse raiva do mundo, observando o que a humanidade fez com
suas vidas e a que ponto puderam chegar. (TH/5)
Essa imagem é uma fotografia, por ela estar querendo mostrar tristeza, pobreza, ela está em preto
e branco. (FD/7)
Essa imagem, por seu formato e sua cor, ela traz um sentimento de modernidade. (CP/8)
4 5 6 7 8
É interessante pensar que a modernidade possa ser um sentimento, ou que
possa ser traduzida por um sentimento ou que seu conceito se concretize por meio
de um sentimento.
Qual será o significado, o sentido ou a mensagem de uma imagem?
Pra mim ela não faz nenhum sentido, mas em todas as imagens existe algum sentido... (BC/7)
Vários alunos fizeram referência aos termos “significado”, “sentido” e “mensagem
na tentativa de dar sentido às imagens, de entender o que nem sempre lhes era
compreensível, de buscar nela, no artista ou neles mesmos uma forma de traduzir
as obras. Este é mais um aspecto que demonstra consciência por parte dos alunos e
agora de que as imagens m um significado, o qual ainda pensam que deve ser
apenas “encontrado” e que o pode ser criado, portanto, quando não o
desvelam muitas vezes dizem que para eles a imagem não têm sentido ou que é
preciso analisá-la para encontrá-lo. Vejamos alguns exemplos:
Que ela é uma imagem que se você olha por olhar ela não vai significar nada, por isso que nós
temos que analisar muito bem... (IL/4)
Essa imagem não me remete a absolutamente nada. Não gosto de imagens assim, pois para mim
a arte tem que ser entendida por várias pessoas. Não gosto de imagens assim, não consigo entendê-
las nem decifrá-las, não me remetem a nada. (IS/5)
É possível perceber que para esse aluno, o julgamento da obra está relacionado
diretamente à sua capacidade de encontrar/decifrar seu sentido.
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Talvez isso signifique mais para o pintor do que apenas um quadrado com um triângulo e outras
formas dentro. Talvez para ele as cores também tenham algum significado. Mas para mim, eu
consigo a relacionar com um formato de televisão. (RN/5)
No relato acima, aluno demonstra ter noção de que o significado dado à obra
pelo artista e que o significado que ele próprio pode dar à obra, contudo, parece-
me que seu desejo ainda é o de encontrar na obra o significado que o artista lhe
conferiu, embora “só consiga” encontrar um significado pessoal.
Se compararmos essa imagem com a da página anterior, veremos que a outra é uma imagem
“exata”, pois sabemos o que ela nos mostra. Já essa imagem não tem sentido visível... (BC/5)
Essa última fala nos faz refletir sobre o que é o sentido visível de uma imagem.
Será o sentido ligado à identificação de formas familiares ou figurativas, como na
imagem 4 que o aluno cita? Onde está o sentido de uma imagem? Estará nela
mesma, no artista ou em nós? Estará na relação que estabelecemos com ela a partir
do que vemos, sentimos, lembramos, imaginamos, criamos, sabemos e intuímos?
Como se constrói esse sentido? O que é mais significativo para nós e que nos afeta
o olhar e a percepção? Como nos deixamos tocar pela obra de maneira a acolhê-la
e sermos acolhidos por ela?
Adoro instalações, nunca as vi de perto e nem estive em nenhuma, mas adoraria poder dizer que
visitei várias. (...) Não entendi o que o artista quis dizer com essa instalação, mas gostei muito.
(IS/6)
É interessante observar que o mesmo aluno que disse não gostar de imagens
que não entende quando se referia à imagem 5 Essa imagem não me remete a
absolutamente nada. Não gosto de imagens assim, pois para mim a arte tem que ser
entendida por várias pessoas. Não gosto de imagens assim, não consigo entendê-
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las nem decifrá-las, não me remetem a nada agora com a imagem 6 afirma que
não entende, mas gosta pelo fato de ser uma instalação. O que essa fala revela?
Uma preferência por determinada linguagem artística ou uma curiosidade diante do
desconhecido?
Esse tipo de imagem (instalação) me chama muito atenção, pois eu gosto muito na arte, de coisas
e objetos diferentes, que realmente você não consegue entender. Como disse Celso Favaretto: “A
arte moderna é um belo horror”. (BC/6)
Essa fala traz vários elementos para serem pensados, primeiro que o aluno
também afirma gostar daquilo que não entende por ser diferente a imagem, ou seja,
parece-me novamente um interesse ou uma curiosidade por aquilo que não se
conhece ou por aquilo que se deseja conhecer, pois a curiosidade foi instigada.
Segundo, o aluno cita Celso Favaretto conhecido por ele através do vídeo “Isto é
arte?”, de uma palestra proferida por este autor no Itaú Cultural e que eu lhes
apresentei quando começamos a falar sobre arte contemporânea. A citação me faz
pensar que o aluno se apropria da fala de um especialista que lhe parecia adequada
para argumentar sobre seu gosto por uma obra que não consegue entender, embora
lhe agrade. Depois me faz pensar no quanto os alunos são propensos a dizer aos
professores aquilo que sabem que eles querem ouvir e em quantas vezes tive
essa impressão.
O que vemos nas imagens?
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A grande maioria dos alunos descreveu aquilo que estava vendo nas imagens,
pois a percepção do que está representado é uma forma inicial de compreensão da
imagem. Segundo Dewey, no reconhecimento o começo de um ato de
percepção. (1949, p. XV)
Em que momento começamos a conectar as várias partes da imagem para dar
sentido ao todo, visto que inicialmente identificamos partes isoladas? A descrição
dos elementos de uma imagem tem relação com a necessidade de identificação do
tema com algo concreto, reconhecível, familiar, compreensível e essa identificação é
a própria busca do sentido da imagem. Vejamos os exemplos de descrições feitas
pelos alunos nas quais, ao contrário da série, eles conectam as partes para
compreender o todo:
A imagem apresenta um sítio com uma pequena casinha, dois touros, uma árvore com um
pássaro, um céu muito limpo sem poluição, apenas com nuvens, um grande espaço vago atrás da
casa e da árvore, apenas com uma estrada, e esse espaço é separado do outro onde outros
componentes. Que é separado por uma pequena cerquinha. O lugar no momento tem pessoas na
janela da casa, no terreiro não tem ninguém além dos dois touros. (SM/4)
Um quadrado, um triângulo e um retângulo onde todos estão contornados de preto e o quadrado
está sobreposto as outras figuras e o quadrado e o retângulo o brancos e o triângulo é vermelho.
(CL/5)
Vejo algumas cadeiras marrons em uma sala vazia, algumas delas com cilindros brancos em cima
outros embaixo, algumas com pedaços quebrados, caídas ou encostadas. (VT/6)
Vejo uma casa antiga, com quadros na parede, várias portas e com um homem no fundo, vindo
para o corredor da casa. (CB/7)
Placas de metais dobradas em um ângulo de 90
o
e parafusadas umas nas outras. (AM/8)
Nessas falas é possível perceber que as partes das imagens se interligam de
maneira a constituir um todo compreensível, um todo com significado para o aluno.
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Esta imagem é infantil! Esta imagem é imprecisa!
Alguns alunos se manifestaram em relação à pintura naïf qualificando-a como
infantil, quer seja pelas cores, pela falta de proporção ou de perspectiva. Outros se
referiram à imagem 5 apontando também para a falta de perspectiva, de proporção e
de precisão nas linhas. A meu ver, esses alunos já apresentam alguns critérios para
compreenderem e julgarem essas imagens, cujos elementos constitutivos para eles
são as cores, a proporção, a exatidão e a perspectiva.
A afirmação de que a imagem 4 é infantil pode estar ligada à própria
adolescência, uma fase de superação da infância e de conquista da idade adulta,
neste caso, dos valores da arte adulta que para eles são importantes.
Esta imagem parece que foi feita por uma criança, por causa da deformidade e simplicidade das
imagens. (LN/4)
Bem, pode-se dizer que é uma imagem muito estranha, sem sentido algum, choca pelas cores e
formas sinuosas, pelos tamanhos “esquisitos”... (GV/4)
Essa imagem mostra figuras geométricas, mas que não estão representadas fielmente, ou seja,
geralmente nessas figuras não tem linhas tortas, são exatas e nessa imagem as linhas são um pouco
tortas. (CP/5)
(...) não apresenta proporção, perspectiva, nada. São apenas “rabiscos” sem sentido. (TG/5)
O contorno não é certo, as cores foram meio que “borradas” na pintura. (JL/5)
As imagens sob julgamento
Imagens bonitas, esquisitas, criativas, sem sentido! Gostar ou não gostar das
imagens, associar o gosto a sua compreensão ou à falta dela, ao seu realismo ou à
falta dele são formas de expressar um pensamento que julga, que analisa, que
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avalia segundo critérios próprios que deverão se definir e se ampliar na experiência
com a arte.
Alguns alunos da 8ª série procederam desta forma em suas leituras:
Muito bonita, o verde contracenando com o azul. Ela tem um charme especial. (AT/4)
É uma imagem básica, com poucas cores, sem sentido, porém bonita. (TG/5)
Achei bem legal, e criativa também! (VA/6)
(...) acho, na minha opinião que estas duas imagens não são belas artes, mas sim, um belo horror.
(VN/8)
É bonita, se vista com bons olhos. (TG/7)
É interessante pensar sobre o que diz o último aluno: a imagem é bonita, mas
existe uma condição para que o seja, ela precisa ser vista com bons olhos. Essa fala
pode representar a consciência de que nem todos fazem o mesmo julgamento das
imagens, pois nem todos as olham com os mesmos e bons olhos.
Falando de arte com nomes próprios
Conceitos ou expressões próprios do campo da arte fazem parte do vocabulário
ou
do repertório de alguns alunos da série que os empregam em suas leituras,
assim como o fizeram as crianças da 1ª série, mas com os adolescentes nota-se que
eles percebem que o fazem, pois inclusive citações de falas de artistas e
especialistas da área. Contudo, o uso de termos próprios à arte não é uma garantia
de que os alunos saibam exatamente do que estão falando ou de que tenham
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construído conceitos ao invés de apenas repetir palavras, portanto, o professor
precisa estar atento para poder identificar o que precisa ser reconstruído, corrigido
ou ampliado. Vejamos alguns destes conceitos, termos ou expressões surgidos nas
falas dos alunos:
o Impressionismo
Essa imagem eu penso ser do impressionismo, pois nas nuvens tem luz e não tem contorno, mas
tem uma coisa que quebra essa idéia: o contorno da casa. (FD/4)
o Arte modernizada
Vejo fotografias de uma arte moderna...(VT/8)
Esta pintura nos mostra o momento onde a pintura está “modernizada”, onde o é mais
necessário o retrato fiel da realidade. E isto fica fácil de perceber, ao reparar na imagem desta
chácara. (RF/4)
Esta imagem retrata basicamente, o que é a arte que vivemos hoje. (...) A “nossa” arte é algo
totalmente sem um único estilo, ela retrata tudo o que o autor pensa, tudo o que a sociedade está
passando e etc.
o Imagem abstrata
Uma pintura abstrata, só consegui enxergar um triângulo vermelho e um retângulo. (VT/5)
Vejo uma imagem abstrata, com cores quentes... (LD/5)
Uma imagem totalmente abstrata. (TM/6)
o Instalação
A leitura de uma instalação torna-se difícil a partir de fotografias, que foi o recurso
utilizado nesta avaliação e é o que eu normalmente utilizo. A imagem plana vista por
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alunos que nunca visitaram uma instalação não esclarece bem o conceito e isso
ficou claro para mim nesta avaliação.
Vejo uma instalação feita por um artista. (AN/6)
Adoro instalações... Não entendi o que o artista quis dizer com essa instalação, mas gostei muito.
(IS/6)
Vejo uma instalação sem nexo, mas que não sei bem o porquê gostei muito. (IS/8)
Vejo duas imagens que foram tiradas de diferentes ângulos, uma instalação em um parque...
(LD/8)
Esse tipo de imagem (instalação) me chama muito atenção... (BC/8)
(...) não entendi muito bem o que esta instalação quer mostrar. (PL/8)
Esta instalação nos mostra que apenas uma coisa, existe diferentes pontos de vista. (RF/8)
São fotos de uma instalação meio cubista... (TG/8)
Essa imagem parece uma instalação, mas para ver que não é por causa das cadeiras
atravessando a parede e o chão. Mas isso continua podendo ser uma instalação, pois o artista pode
ter cortado partes das cadeiras para dar a idéia de que estão atravessando a parede. (FD/6)
Parece ser uma fotografia de uma instalação feita com cadeiras e cilindros brancos... (TG/6)
(...) pedaços de madeiras que mesmo quebradas param em pé, uma coisa de louco”. Essa
imagem seria uma montagem. (CB/6)
É uma montagem bem criativa, onde o autor mistura a cor escura das cadeiras com o estúdio
amarelo e cones brancos. (JL/6)
A utilização do conceito de instalação apenas para as imagens 6 e 8 demonstrou que os
alunos têm noção de que se trata de obras que se concretizam, que se constroem ou que
são “montadas” no espaço, porém, a imagem fotográfica dificulta a distinção entre elas.
o Fotografia
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O termo “fotografia” foi utilizado quase que exclusivamente para a imagem 7,
exceto no caso do aluno que referiu-se adequadamente à imagem 6 como sendo a
fotografia de uma instalação e em um exemplo citado abaixo para a imagem 8.
Parece-me que não dificuldade em identificar uma fotografia dentre outras
imagens de arte. Esse fato pode ter relação com a familiaridade que os alunos têm
com a imagem fotográfica em função de seu acesso às câmeras digitais e de seus
celulares. Vejamos os exemplos:
Essa imagem é uma fotografia... (FD/7)
Parece ser uma fotografia de dentro de uma casa com um homem ao fundo, toda em PB. (TG/7)
Essa imagem é uma fotografia de um objeto estranho que está no Ibirapuera. (FD/8)
Esta é uma fotografia. A fotografia, ao surgir dentro da história humana, ela teve como principal
objetivo, retratar a realidade, com isso nasceu o mito da objetividade da fotografia, que ela não sofria
da subjetividade do homem. Ao retratar a realidade fielmente, os pintores pensavam que a arte
(pintura) estava acabada, só que com isso a pintura apenas se modificou. (RF/7)
O aluno RF traz em sua fala não apenas o conceito de fotografia, mas também
um pouco da história e da contribuição da técnica para a modernização da arte.
Toca ainda na questão do “mito da objetividade” que acompanhou a fotografia por
muito tempo. Estas foram questões trabalhadas em aula, mas é interessante notar
que apenas ele as trouxe para a leitura da fotografia.
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o Escultura/estátua
Uma escultura bizarra que é vermelha e que tem vários retângulos... (CL/8)
Esta imagem faz a comparação entre uma estátua vista de diferentes ângulos. (LN/8)
o
Perspectiva, Proporção e Planos
Os termos “perspectiva, proporção e planos” foram utilizados de forma pertinente
para comentar o realismo ou a falta dele nas imagens. Demonstram, que os alunos
sabem que esses recursos são importantes para se obter realismo nas imagens.
Mas se prestarmos atenção, veremos que a pessoa que fez pensou sobre perspectiva e planos.
(BC/4)
...ela não tem muita perspectiva nem proporção. (TG/4)
Lembra algum símbolo, não apresenta proporção, perspectiva, nada. (TG/5)
Vejo que é uma imagem em perspectiva, um corredor, com várias portas, retratos pendurados na
parede, e um homem ao fundo na entrada de uma porta. (LD/7)
o Citações
Confesso que me surpreendi com o fato dos alunos usarem citações de autores
que estudamos e discutimos em aula e até esperava que eles fizessem uso de
alguns conceitos ou idéias, mas a citação literal me surpreendeu, pois eles não as
fazem normalmente em aula nem nas avaliações.
Pode-se dizer que a utilização das citações teve alguma coerência na medida em
que demonstrou um esforço do aluno em fortalecer a argumentação de suas
respostas, embora possa também, como mencionei, ter sido feita no sentido de
corresponder àquilo que o aluno imaginava agradar a professora ou ao que se
espera dele.
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Dois autores foram citados diretamente e nominalmente – Celso Favaretto e
George Braque e um indiretamente e não nominalmente Arlindo Machado a
partir do texto Fotografia: Visão do Fotógrafo ou Visão do Real no qual o autor fala
sobre o mito da objetividade da fotografia, mencionado anteriormente. As citações
foram feitas nos seguintes contextos das leituras:
“Na arte só há uma coisa que importa: aquilo que não se pode explicar.” George Braque. O que eu
tenho para dizer dessa imagem é isso! (BC/6)
Esse tipo de imagem (instalação) me chama muito atenção, pois eu gosto muito na arte, de coisas
e objetos diferentes, que realmente você não consegue entender. Como disse Celso Favaretto: “A
arte moderna é um belo horror”. (BC/8)
Posso dizer que estas duas imagens mostram pilares metálicos que a formam, acho na minha
opinião que estas duas imagens não são belas artes, mas sim, um belo horror. (VN/8)
Vejo duas imagens que foram tiradas de diferentes ângulos, uma instalação em um parque, e é
uma arte que como diz Celso Favaretto: “A arte contemporânea é um belo horror”. (LD/8)
Para concluir, gostaria de reforçar que é a escuta do professor que vai discernir
quais os conceitos que são utilizados de forma pertinente daqueles que precisam ser
revistos ou reelaborados pelos alunos. Aquilo que os alunos dizem ou escrevem
representa para o professor um instrumento de avaliação do próprio aluno e de suas
próprias aulas.
Artista? Pintor? Autor?
Com a série houve uma única vez em que uma criança mencionou alguém que
teria criado as imagens e este alguém seria “os homens da fábrica”. Com a série,
no entanto, a figura do artista é freqüente nas falas e na maioria das vezes ele é
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citado no sentido de buscar compreender sua intenção com a obra que criou ou com
o significado que lhe atribuiu.
A idéia da figura do artista, do pintor ou do autor amadurece na medida em que
ocorre o avanço na leitura da imagem, no desenvolvimento estético, pois as pessoas
leigas não consideram em suas leituras as relações entre a obra e o autor. Com o
exercício e a familiaridade com o campo da arte, passa-se a ter consciência plena
de quem é o sujeito conhecido socialmente e culturalmente como “artista”. Contudo,
outro passo a ser dado no processo de leitura e ele se refere à consciência de
que o significado da obra é criado por quem a vê, embora o artista possa ter um
objetivo, uma intenção, um significado para sua obra, é o público que vai recriá-la
através de sua interpretação, de um processo de ressignificação.
Através de uma vivência artística significativa o sujeito vai se dando conta
também de que sua interpretação pode mudar, pode ampliar-se e de que o
significado que o artista atribui à obra passa a ser apenas mais uma informação
sobre ela e então, ao invés de tentar descobrir os significados dados pelo artista, ele
busca criá-los e recriá-los.
Cabe ao professor, consciente do desenvolvimento que ocorre na leitura da
imagem, propiciar condições para que o aluno construa esta consciência através da
experiência estética, ampliando assim suas possibilidades de compreensão da arte.
Vejamos como alguns alunos se referiram ao artista, ao pintor, ao autor, enfim, a
quem produz as imagens:
Bem, pode-se dizer que é uma imagem muito estranha, sem sentido algum, choca pelas cores e
formas sinuosas, pelos tamanhos “esquisitos” e “a viagem que o pintor faz”, parece que junta lugares
diferentes em apenas um. (GV/4)
Talvez isso signifique mais para o pintor do que apenas um quadrado com um triângulo e outras
formas dentro. Talvez para ele as cores também tenham algum significado. Mas para mim, eu
consigo a relacionar com um formato de televisão. (RN/5)
Eu vejo uma pintura, com cores preta, branco e vermelho, e eu acho que a intenção do pintor era
formas geométricas. (VA/5)
Mas isso continua podendo ser uma instalação, pois o artista pode ter cortado partes das cadeiras
para dar a idéia de que estão atravessando a parede. (FD/6)
É uma montagem bem criativa, onde o autor mistura a cor escura das cadeiras com o estúdio
amarelo e cones brancos. (JL/6)
O artista usa as cores pretas (nas cadeiras) e a cor branca (no cilindro) onde causa contraste.
(SM/6)
Vejo uma imagem que para mim retrata tristeza, por dois motivos: a cor e por o artista ter
retratado um homem só. (AN/7)
A genialidade de um artista, ao mostrar que duas coisas de aparências diferentes podem formar
uma bela obra de arte... (TH/8)
A imagem vista de diferentes ângulos retrata coisas diferentes, fazendo as pessoas pensarem
sobre e o artista usa a cor vermelha para chamar atenção no meio da grama verde. (SM/8)
Esta imagem foi feita para que nós ao vermos ela, pensássemos no que o autor estava pensando
ao criar algo tão diferente dos padrões de beleza. Esta é uma imagem recente. (RF/5)
As falas desses alunos demonstram que eles conhecem a figura do artista e que
lhe atribuem a responsabilidade pelo significado da obra, pelas escolhas que faz,
pela intenção que tem, pela criatividade e pela genialidade. Alguns ignoram a
autonomia, a expressão, a poética pessoal e os desejos que movem o artista e
pensam que ele cria pensando apenas no público. Ampliar o olhar desses alunos
seria possibilitar-lhes perceber que são eles que atribuem significados à obra, seria
propiciar o encontro deles diretamente com a obra, sem a idéia de que o artista deve
necessariamente estar entre eles.
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Como foi feita esta obra?
As imagens 6 e 8 foram as que mais instigaram a curiosidade em relação à
técnica e ao material de que são feitas. A imagem 6 é realmente instigante neste
sentido e pode levar a se imaginar como aquelas cadeiras estão “entrandono chão
ou nas paredes. Por sua vez, a imagem 8 desperta curiosidade pela montagem e
equilíbrio da peças. Os alunos que apontaram para essas questões foram:
Placas de metais dobradas em um ângulo de 90
o
e parafusadas umas nas outras. (AM/8)
Vejo uma montagem,
aparentemente feita de ferro ou aço, de cor vermelha... (RN/8)
Uma imagem totalmente abstrata. Eu acho que obteve a ajuda do computador. (TM/6)
A última fala me faz pensar na facilidade que essa geração informatizada tem em
manipular imagens no computador e que esta se torna uma forma de compreender
imagens que não parecem possíveis de serem executadas concretamente.
Onde fica esta obra?
A leitura da imagem 8 foi a única que levou os alunos a tecerem comentários
sobre o local onde a obra se encontra e penso que esta observação tem relação
com a fotografia que foi feita revelando aspectos do entorno da obra, mostrando o
parque e as pessoas.
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Alguns alunos deduziram ou emitiram palpites que esse local poderia ser o
Parque Ibirapuera em São Paulo, provavelmente por conhecerem o local
pessoalmente, pela televisão ou pela internet.
Vejamos o que dizem os alunos:
Que compôs bem ao ar livre e bem no meio de um parque. (CP)
... acho que está exposta no Ibirapuera. (CL)
Vejo uma montagem, aparentemente feita de ferro ou aço, de cor vermelha em uma praça ou
qualquer outro lugar gramado e onde as pessoas possam olhar. (RN)
Não sei por que, mas me lembrou o parque do Ibirapuera em São Paulo. Pessoas em um
domingo, caminhando, conversando e essa obra no meio como se fosse um objeto de análise, uns
olham e outros passam como se nem existisse. (TM)
Eu vejo três pedaços de os da cor vermelha, um bem próximo do outro, achei legal, mas não
consegui encontrar o “objetivo” dela. E nem o porquê dela estar em parque, e se isso tem a ver com o
objetivo dela. (VA)
Ela é um pouco sem sentido e eu penso que a intenção dela é só mostrar coisas que estão no
Ibirapuera. (FD)
Ela provavelmente está localizada em uma praça. (JL)
_________________________________________________________________________________
4 5 6 7 8
Considerando algumas leituras particulares
Como se pode notar até aqui, muitas vezes uma frase aparentemente simples
escrita pelo aluno, exige do professor um olhar aguçado e atento às entrelinhas, ao
subtexto, às referências, preferências e repertórios explicitados ou implícitos em
suas palavras.
Após a análise por agrupamento de aspectos da leitura, optei por fazer uma
análise individual das respostas dadas por quatro alunos dasérie com o intuito de
mostrar o estilo pessoal de leitura de imagem e de escrita que eles revelam quando
falam da arte e expressam sua compreensão sobre ela.
A escolha dos quatro alunos se deu por perceber que suas respostas se
diferenciaram das respostas da maioria dos colegas e por compreender que são
alunos que podem colaborar bastante com a leitura de imagens coletiva em sala de
aula para a ampliação do olhar dos colegas, pois apontam para algumas idéias
importantes de serem trabalhadas em termos de desenvolvimento estético. Housen
denomina a leitura coletiva de ambiente de descoberta de grupo e afirma que o
aluno fica exposto ao pensamento de seus pares, o que pode acelerar as transições
da sua própria maneira de pensar. (2000, p. 159-160)
Assim, na tabela da página seguinte as respostas dos quatro alunos são
encontradas na íntegra e podem ser acompanhadas juntamente com a análise que
será feita para que se tenha uma melhor compreensão do que é dito.
Avaliações da 8ª série:
TH: responde à pergunta O que você vê nesta imagem?
RF, BC e GV: respondem à pergunta O que você pode dizer sobre esta imagem?
Ima-
gens
Alu-
nos
Pintura Naïf
Pintura Abstrata
Instalação
Fotografia
Escultura Abstrata
TH
Uma paisagem de
sertão em uma noite
de luar, bela, calma e
tranqüila, e muito
bonita, com um
significado por trás,
de como são opostas
as diferenças e como
elas podem se unir e
formar uma bela
paisagem.
Um olhar sombrio,
como se tivesse raiva
do mundo,
observando o que a
humanidade fez com
suas vidas e a que
ponto puderam
chegar.
“Uma desordem
ordenada”, como se
as coisas estivessem
se fundindo em uma
só, mas elas são
completamente
diferentes, mesmo
assim ficam juntas e
quase ocupam o
mesmo espaço.
“O fim do túnel”,
como se aqui
pudéssemos chegar
à liberdade, mas que
sempre tem alguém
entrando, num
mundo sombrio e de
sofrimento
A genialidade de um
artista, ao mostrar
que duas coisas de
aparências diferentes
podem formar uma
bela obra de arte,
como na sociedade,
pois podemos deixar
as diferenças de lado
e formar um mundo
melhor.
RF
Esta pintura nos
mostra o momento
onde a pintura está
“modernizada”, onde
não é mais
necessário o retrato
fiel da realidade. E
isto fica fácil de
perceber, ao reparar
na imagem desta
chácara.
Esta imagem foi feita
para que nós ao
vermos ela,
pensássemos no que
o autor estava
pensando ao criar
algo tão diferente dos
padrões de beleza.
Esta é uma imagem
recente.
Esta imagem retrata
basicamente, o que é
a arte que vivemos
hoje. Ela é uma
construção de
cadeiras, e tubos. A
“nossa” arte é algo
totalmente sem um
único estilo, ela
retrata tudo o que o
autor pensa, tudo o
que a sociedade está
passando e etc.
Esta é uma fotografia. A
fotografia, ao surgir
dentro da história
humana, ela teve como
principal objetivo,
retratar a realidade, com
isso nasceu o mito da
objetividade da
fotografia, que ela não
sofria da subjetividade
do homem. Ao retratar a
realidade fielmente, os
pintores pensavam que
a arte (pintura) estava
acabada, que com
isso a pintura apenas se
modificou.
Esta instalação nos
mostra que apenas
uma coisa, existe
diferentes pontos de
vista. Isso é como os
problemas em
nossas vidas, cada
pessoa vê, e encara
o problema de
diferentes maneiras.
BC
Essa imagem parece
ser feita por crianças.
O estilo dos desejos
dessa imagem é
muito infantil. Mas se
prestarmos atenção,
veremos que a
pessoa que fez
pensou sobre
perspectiva e planos.
Se compararmos
essa imagem com a
da página anterior,
veremos que a outra
é uma imagem
“exata”, pois
sabemos o que ela
nos mostra. essa
imagem não tem
sentido visível, pois o
pintor pode até
retratar símbolos de
alguma tribo.
“Na arte só há uma
coisa que importa:
aquilo que não se
pode explicar.”
George Braque. O
que eu tenho para
dizer dessa imagem
é isso!
Pra mim ela não faz
nenhum sentido, mas
em todas as imagens
existe algum sentido. O
que eu entendo nela é
apenas o que eu vejo:
um homem bem lá no
fundo, com uma porta
aberta na frente dele e
com um retrato de
casamento pregado na
parede. Pensando
melhor, ela pode me
dizer que esse homem
agora está viúvo, por ele
estar sozinho e pelo
retrato na parede.
Esse tipo de imagem
(instalação) me
chama muito
atenção, pois eu
gosto muito na arte,
de coisas e objetos
diferentes, que
realmente você não
consegue entender.
Como disse Celso
Favaretto: “A arte
moderna é um belo
horror”.
GV
Bem, pode-se dizer
que é uma imagem
muito estranha, sem
sentido algum, choca
pelas cores e formas
sinuosas, pelos
tamanhos
“esquisitos” e “a
viagem que o pintor
faz”, parece que
junta lugares
diferentes em apenas
um.
É uma imagem
simples e simples,
posso dizer que até
uma criança de sete
anos poderia fazer
algo assim; claro que
sua percepção não
seria a mesma de um
adulto, mas
conseguiria
reproduzi-la
fielmente.
É como se algo
atingisse as cadeiras
(que antes estavam
certas) e as jogasse
para lados diferentes,
as destruindo e as
confundindo com os
meios que se
interagem. Uma
imagem muito boa de
se discutir e refletir.
Parece algo diferente
de ser visto e
compreendido, os
tons se assemelham,
temas tristes e
algo fantasmagórico,
um ser indefinido a
frente deixa um
ponto de exclamação
na imagem.
Parecem ser “objetos
anti-tanque”,
utilizados para barrá-
los, ou ainda restos
de construções, que
por algum motivo
caíram ao chão.
TH:
Ao contrário da grande maioria dos colegas que respondeu à pergunta “O que
você nesta imagem?” utilizando-se basicamente da descrição do que viam
concretamente, este aluno buscou significados em todas as imagens. Ele falou em
significado, em sentimentos, falou no artista e utilizou as imagens para expor
pensamentos e ideologias. Mesmo diante de imagens abstratas que normalmente
trazem maior dificuldade para a busca de significados, TH teve a mesma postura de
interpretação.
Da imagem 8 que também é abstrata, ele extrai um significado que se aplica,
segundo ele, para a sociedade. É claro que lhe faltam informações sobre o
abstracionismo, seu contexto e objetivos, mas é um conhecimento que pode ir se
construindo ao longo de um convívio significativo com esse tipo de imagem, pois na
verdade, todos nós começamos buscando figuras em imagens abstratas, até
entendermos que o abstracionismo em si é um discurso sobre os próprios elementos
da arte.
A compreensão – consciente ou não – que TH tem de que é ele quem
significado à obra é que já representa um importante passo no avanço do seu
desenvolvimento estético e deve ser estimulado na leitura de todos os demais.
Inicialmente eles acharão que o significado é dado pelo artista e com a contínua
experiência de leitura é que perceberão que o significado é criado por eles e que
cada novo encontro com uma obra de arte apresenta a possibilidade de novas
comparações, intuições e experiências. (HOUSEN, 2000, p,155)
RF:
Respondendo à pergunta “O que você pode dizer sobre esta imagem?”, RF
utilizou-se na leitura de conhecimentos adquiridos em aula. Pode-se pensar, como
comentei anteriormente, que ele o fez com o intuito de “agradar”, mas percebo que
ele aplicou os conceitos de forma pertinente e que neste sentido pode contribuir
muito com a construção coletiva de conhecimentos sobre as imagens, levando o
grupo a perceber que os conceitos estudados a partir de certas imagens podem ser
encontrados ou reconstruídos a partir de novas imagens. O importante é que eles
percebam que a imagem traz informações e que eles podem aprender com ela.
Quando RF faz a leitura da fotografia, fica claro que seu olhar se dirige para a
contextualização histórica da linguagem fotográfica, o que é uma possibilidade
importante de leitura mais abrangente do que aquelas que apenas descrevem o que
há de concreto na imagem.
BC:
Este aluno me chamou a atenção, pois fez várias tentativas de interpretar as
imagens e quando encontrava dificuldade, utilizava o recurso da citação para
argumentar sobre sua dificuldade.
Por exemplo, na dificuldade de encontrar um sentido para a imagem 6, ou seja,
na dificuldade de compreendê-la, ele justifica-se com uma citação. Pode-se pensar
que o aluno “fugiu” de interpretar a imagem e ainda utilizou-se do aval de um artista
para fazê-lo. Porém, percebo que ele estava buscando um significado, que ele não
reduziu sua leitura à descrição do que via, mas sim, que esta foi sua possibilidade
de olhar para aquela imagem e de dar sentido à ela.
na leitura da imagem 7 um movimento em busca do significado e quando
parece que a interpretação vai se restringir à descrição do que o aluno está vendo,
um olhar mais detalhado, renovado e apurado consegue conferir significado à
imagem.
É muito significativa a primeira frase desta resposta: Pra mim ela não faz nenhum
sentido, mas em todas as imagens existe um sentido, pois reforça a idéia de que ele
busca significados, pois sabe que eles existem, mas nem sempre consegue
encontrá-los.
na resposta outra informação muito importante para o professor: a
necessidade de conseguir que o aluno demore-se a olhar a imagem, que volte a ela
muitas vezes para justificar e ampliar sua leitura. Esse é um exercício a ser feito
durante a leitura de imagens: a provocação, o desafio para que se olhe mais e mais
profundamente.
Na resposta de BC à imagem 4, ele demonstra que ao olhar para uma imagem
traz consigo algumas expectativas ou alguns critérios que considera importantes em
uma imagem.
Novamente vemos a importância de “prestar atenção” à imagem e que também a
utilização de recursos como perspectiva e planos representa para BC uma
possibilidade de tornar uma imagem menos infantil ou “mais realista”. Como já
mencionei, essa idéia relacionada à imagem 4 foi recorrente entre os alunos e foi
utilizada porque eles a consideraram “desproporcional”, “deformada” e “esquisita”.
Para encerrar as análises individuais, trago algumas idéias do aluno GV que
mesclou em sua leitura a busca pelo realismo e pelo significado nas imagens.
GV:
Em sua resposta à imagem naïf ele mostra que ela o o agrada, pois suas
cores, formas e tamanhos o seguem os padrões que ele tem definido para uma
boa imagem. Com este mesmo sentido, ele fala sobre a imagem 5 e revela mais
uma vez que valoriza a cnica e, segundo sua avaliação, como essa imagem não
possui dificuldades técnicas para ser produzida, até uma criança a faria mas em
seguida se conta de que uma criança poderia reproduzi-la, mas não
necessariamente seria capaz de pensar e criar algo desse tipo, ou seja, apesar de
não valorizar esta classe de imagem por considerá-la de fácil execução, ele tem
consciência de que para produzir arte é preciso mais do que técnica. Este pode ser
um primeiro passo rumo à ampliação do olhar e do repertório de GV rumo à busca
de outros critérios para interpretar e julgar as imagens.
Foram inúmeras às vezes em que me deparei com a seguinte fala dentro e fora
da sala de aula, com alunos, colegas de trabalho e pais: Isto é arte? Mas auma
criança faz isto!
Percebo que essa fala traz implícitos alguns conceitos e entendimentos de arte,
dentre eles, o entendimento de que a habilidade e a técnica, a mestria e a
dificuldade de execução de uma obra é que lhe conferem valor e status de arte e,
conseqüentemente, o entendimento de que as crianças não dominam ainda tais
técnicas ou habilidades. Essa é uma visão que se coaduna com o início do
desenvolvimento estético dos indivíduos, pois em determinado momento eles
desejam que as imagens retratem coisas do seu meio cultural, biológico ou social e
que o façam fielmente utilizando-se de técnicas específicas de representação que
foram adquiridas por meio de estudo ou por um “dom inato”.
Segundo Machotka
34
, o realismo passa a ser um critério na leitura das obras
quando o sujeito atinge as operações concretas por volta dos seis anos, segundo
o desenvolvimento cognitivo de Piaget pois então, ele consegue fazer
comparações entre várias formas dentro de uma mesma imagem e entre elas e o
mundo real. O autor afirma ainda que a importância desse critério é crescente até a
adolescência.
Então, porque pais, professores e adolescentes, valorizam tanto o critério do
realismo? Segundo Rossi:
(...) o desenvolvimento estético continua durante toda a vida. Isso não quer
dizer, porém, que todos os adultos alcançam os estágios mais elevados.
Existem adultos em todos os estágios. Apesar de existir uma forte
correlação entre idade e estágio, o que mais favorece o desenvolvimento
estético, segundo Housen, é a familiaridade com a arte. (2003, p. 23)
Daí decorre que pessoas leigas e sem estímulo para a arte seguem utilizando
sempre os mesmos critérios para a leitura das imagens. Sem refletir, questionar,
buscar e confrontar-se com a arte o sujeito não se desenvolve esteticamente, não
amplia seu olhar nem seu repertório que é reduzido a imagens que permitem uma
rápida e fácil interpretação. Este deveria ser um dos objetivos do ensino da arte na
escola, ampliar o olhar e as possibilidades de leitura dos alunos, mas para isso é
preciso que se tenha conhecimento sobre o desenvolvimento estético a fim de poder
estimular o seu avanço sem, contudo, ignorar as possibilidades do aluno em cada
momento deste desenvolvimento.
34
1966 apud PARSONS, 1992, p. 65.
Um panorama das análises
A análise do desenvolvimento estético dos alunos realizada a aqui será
ampliada pela análise dos dados percentuais obtidos com suas respostas e
expressos em gráficos, esclarecendo mais uma vez que este tipo de análise vem
somar-se às anteriores com o intuito de ampliar o olhar sobre o desenvolvimento
estético.
Os dados obtidos permitiram-me fazer a análise em duas direções: na direção da
compreensão do desenvolvimento estético dos alunos e na direção do entendimento
da contribuição que cada tipo de imagem e de pergunta pôde dar para a
compreensão do desenvolvimento estético dos alunos ou para estimulá-los a fazer
uma leitura mais rica.
As idéias expressas nos gráficos são as mesmas que estavam sendo analisadas
até o momento, ou seja: lembranças pessoais; uso da imaginação;
sentimentos/sensações/emoções; significados/sentido/mensagem; descrição das
imagens; realismo; julgamento; conceitos de arte; artista/pintor/autor; técnica. A idéia
sobre o local onde se encontra a obra foi excluída desta análise, pois diz respeito
apenas à imagem 8 e o possível motivo de sua aparição já foi discutido.
A elaboração dos gráficos deu-se através de um processo no qual minhas
reflexões suscitavam novas questões as quais eu buscava compreender de outra
forma e, assim, fui construindo os gráficos e apresento aqui a maioria deles como
forma de acompanhar o meu pensamento enquanto tentava entender o
desenvolvimento estético dos alunos.
Dentre as reflexões iniciais sobre o instrumento de avaliação da 8ª rie estava a
preocupação em entender se diferentes perguntas e imagens podem levar a
respostas qualitativamente distintas e os gráficos a seguir
algumas questões neste sentido, pois fornecem uma visão geral das idéias
reveladas na leitura de cada imagem a partir das duas perguntas.
Pergunta 1: O que você vê nesta imagem?
0%
20%
40%
60%
80%
100%
30,8%
23%
23%
Percentual de alunos
Aspectos presentes na leitura das imagens
0%
20%
40%
60%
80%
100%
15,4%
7,7%
15,4%
Percentual de alunos
Aspectos presentes na leitura das imagens
0%
20%
40%
60%
80%
100%
7,7%
23%
0%
Percentual de
alunos
Aspectos presentes na leitura das imagens
0%
20%
40%
60%
80%
100%
30,8%
23%
30,8%
Percentual de alunos
Aspectos presentes na leitura das imagens
0%
20%
40%
60%
80%
100%
0%
7,7%
7,7%
Percentual de alunos
Aspectos presentes na leitura das imagens
respostas qualitativamente distintas e os gráficos a seguir
grupo 1
algumas questões neste sentido, pois fornecem uma visão geral das idéias
reveladas na leitura de cada imagem a partir das duas perguntas.
Grupo 1: Perguntas/Imagens/Idéias
Pergunta 1: O que você vê nesta imagem?
23%
7,7%
84,6%
7,7%
0% 0% 0% 0%
Aspectos presentes na leitura das imagens
Pintura Naïf
Lembranças pessoais
Imaginação
Sentimentos/sensações/emoções
Significados/sentido/mensagem
Descrição da imagem
Realismo
Julgamento
Conceitos da arte
Artista/pintor/autor
Técnica
15,4%
30,8%
69,2%
7,7%
15,4% 15,4%
23%
0%
Aspectos presentes na leitura das imagens
Pintura Abstrata
Lembranças pessoais
Imaginação
Sentimentos/sensações/emoções
Significados/sentido/mensagem
Descrição da imagem
Realismo
Julgamento
Conceitos da arte
Artista/pintor/autor
Técnica
0%
7,7%
77%
0%
30,8% 30,8%
15,4%
7,7%
Aspectos presentes na leitura das imagens
Instalação
Lembranças pessoais
Imaginação
Sentimentos/sensações/emoções
Significados/sentido/mensagem
Descrição da imagem
Realismo
Julgamento
Conceitos da arte
Artista/pintor/autor
Técnica
30,8%
0%
77%
0% 0%
15,4%
7,7%
0%
Aspectos presentes na leitura das imagens
Fotografia
Lembranças pessoais
Imaginação
Sentimentos/sensações/emoções
Significados/sentido/mensagem
Descrição da imagem
Realismo
Julgamento
Conceitos da arte
Artista/pintor/autor
Técnica
7,7%
38,5%
46,2%
0%
30,8%
38,5%
7,7%
15,4%
Aspectos presentes na leitura das imagens
Escultura Abstrata
Lembranças pessoais
Imaginação
Sentimentos/sensações/emoções
Significados/sentido/mensagem
Descrição da imagem
Realismo
Julgamento
Conceitos da arte
Artista/pintor/autor
Técnica
grupo 1
apontam para
algumas questões neste sentido, pois fornecem uma visão geral das idéias
reveladas na leitura de cada imagem a partir das duas perguntas.
Lembranças pessoais
Imaginação
Sentimentos/sensações/emoções
Significados/sentido/mensagem
Descrição da imagem
Realismo
Julgamento
Conceitos da arte
Artista/pintor/autor
Técnica
Lembranças pessoais
Imaginação
Sentimentos/sensações/emoções
Significados/sentido/mensagem
Descrição da imagem
Realismo
Julgamento
Conceitos da arte
Artista/pintor/autor
Técnica
Lembranças pessoais
Imaginação
Sentimentos/sensações/emoções
Significados/sentido/mensagem
Descrição da imagem
Realismo
Julgamento
Conceitos da arte
Artista/pintor/autor
Técnica
Lembranças pessoais
Imaginação
Sentimentos/sensações/emoções
Significados/sentido/mensagem
Descrição da imagem
Realismo
Julgamento
Conceitos da arte
Artista/pintor/autor
Técnica
Lembranças pessoais
Imaginação
Sentimentos/sensações/emoções
Significados/sentido/mensagem
Descrição da imagem
Realismo
Julgamento
Conceitos da arte
Artista/pintor/autor
Técnica
Pergunta 2:
Nestes gráficos, podemos observar a maior ou menor ênfase dada às idéias na
leitura das imagens a partir dos dois tipos de pergunta. Por exemplo, na pergunta 1
O que você nesta imagem?
a descrição da imagem
; na pergunta dois
0%
20%
40%
60%
80%
100%
0%
16,7%
16,7%
Percentual de alunos
Aspectos presentes na leitura das imagens
0%
20%
40%
60%
80%
100%
41,7%
0%
0%
Percentual de alunos
Aspectos presentes na leitura das imagens
0%
20%
40%
60%
80%
100%
0%
25%
0%
Percentual de alunos
Aspectos presentes na leitura das imagens
0%
20%
40%
60%
80%
100%
0%
25%
33,3%
Percentual de alunos
Aspectos presentes na leitura das imagens
0%
20%
40%
60%
80%
100%
8,3% 8,3%
0%
Percentual de alunos
Aspectos presentes na leitura das imagens
Pergunta 2:
O que você pode dizer sobre esta imagem?
Nestes gráficos, podemos observar a maior ou menor ênfase dada às idéias na
leitura das imagens a partir dos dois tipos de pergunta. Por exemplo, na pergunta 1
O que você nesta imagem?
a idéia
predominante na leitura da pintura naïf foi
; na pergunta dois
O que vo pode dizer sobre esta
16,7%
16,7%
33,3%
41,7%
8,3%
16,7%
8,3%
0%
Aspectos presentes na leitura das imagens
Pintura Naïf
Lembranças pessoais
Imaginação
Sentimentos/sensações/emoções
Significados/sentido/mensagem
Descrição da imagem
Realismo
Julgamento
Conceitos da arte
Artista/pintor/autor
Técnica
0%
50%
41,7%
33,3%
8,3%
16,7% 16,7%
0%
Aspectos presentes na leitura das imagens
Pintura Abstrata
Lembranças pessoais
Imaginação
Sentimentos/sensações/emoções
Significados/sentido/mensagem
Descrição da imagem
Realismo
Julgamento
Conceitos da arte
Artista/pintor/autor
Técnica
0%
41,7%
58,3%
0%
33,3%
41,7% 41,7%
0%
Aspectos presentes na leitura das imagens
Instalação
Lembranças pessoais
Imaginação
Sentimentos/sensações/emoções
Significados/sentido/mensagem
Descrição da imagem
Realismo
Julgamento
Conceitos da arte
Artista/pintor/autor
Técnica
33,3%
33,3%
25%
0%
16,7%
25%
0% 0%
Aspectos presentes na leitura das imagens
Fotografia
Lembranças pessoais
Imaginação
Sentimentos/sensações/emoções
Significados/sentido/mensagem
Descrição da imagem
Realismo
Julgamento
Conceitos da arte
Artista/pintor/autor
Técnica
0%
41,7%
0% 0%
25%
58,3%
8,3%
0%
Aspectos presentes na leitura das imagens
Escultura Abstrata
Lembranças pessoais
Imaginação
Sentimentos/sensações/emoções
Significados/sentido/mensagem
Descrição da imagem
Realismo
Julgamento
Conceitos da arte
Artista/pintor/autor
Técnica
O que você pode dizer sobre esta imagem?
Nestes gráficos, podemos observar a maior ou menor ênfase dada às idéias na
leitura das imagens a partir dos dois tipos de pergunta. Por exemplo, na pergunta 1
predominante na leitura da pintura naïf foi
O que vo pode dizer sobre esta
Lembranças pessoais
Imaginação
Sentimentos/sensações/emoções
Significados/sentido/mensagem
Descrição da imagem
Realismo
Julgamento
Conceitos da arte
Artista/pintor/autor
Técnica
Lembranças pessoais
Imaginação
Sentimentos/sensações/emoções
Significados/sentido/mensagem
Descrição da imagem
Realismo
Julgamento
Conceitos da arte
Artista/pintor/autor
Técnica
Lembranças pessoais
Imaginação
Sentimentos/sensações/emoções
Significados/sentido/mensagem
Descrição da imagem
Realismo
Julgamento
Conceitos da arte
Artista/pintor/autor
Técnica
Lembranças pessoais
Imaginação
Sentimentos/sensações/emoções
Significados/sentido/mensagem
Descrição da imagem
Realismo
Julgamento
Conceitos da arte
Artista/pintor/autor
Técnica
Lembranças pessoais
Imaginação
Sentimentos/sensações/emoções
Significados/sentido/mensagem
Descrição da imagem
Realismo
Julgamento
Conceitos da arte
Artista/pintor/autor
Técnica
imagem? a idéia predominante para a mesma imagem foi a observação sobre o
realismo
35
.
A partir desses gráficos foi possível perceber que nas respostas à pergunta 1, o
percentual de alunos que se refere a cada idéia é menor do que nas respostas à
pergunta 2. O mesmo não acontece se pensarmos qualitativamente, ou seja, a
variedade de idéias abordadas na leitura através da pergunta 1 é maior para a
maioria das imagens do que na pergunta 2. Com essas informações me vi tentada
a pensar que a pergunta 1 propiciou respostas mais diversificadas do que a
pergunta 2, mas ao reler as respostas , dei-me conta de que o resultado se devia a
poucos alunos, ou seja, apenas poucos dos que responderam à pergunta 1,
abordaram diferentes aspectos em sua leitura, portanto, não cabe aqui uma
generalização, pois ela não resulta da maioria do grupo, mas sim das
especificidades das respostas de alguns alunos.
Para uma melhor visualização da relação entre o tipo de pergunta feita e o tipo de
idéia revelada, elaborei os gráficos do grupo 2 na página seguinte nos quais é
possível perceber o maior ou menor predomínio dessas idéias com as duas
perguntas, independente do tipo de imagem.
Os gráficos do grupo 2 foram obtidos por meio das médias aritméticas dos dados
do grupo 1 e mostram que da pergunta 1 os alunos utilizaram predominantemente
(37%) a descrição das imagens e que da pergunta 2 os alunos utilizaram
predominantemente (20%) a relação com o significado/sentido/mensagem das
imagens.
35
Faz-se necessário esclarecer que a idéia que identifiquei como “realismo” diz respeito ao momento
no qual os alunos se referiam às imagens pela sua falta de proporção, perspectiva e outras
características que conferem maior realismo às imagens. Foi o termo mais apropriado que encontrei
para essa idéia, mas ele não define necessariamente que a busca pelo realismo era a intenção dos
alunos, pois eles não fizeram uso desse termo.
A importância dessa informação está na possibilidade de se pensar em uma
forma adequada de abordar o al
as idéias que tem sobre a arte, sem a mediação do professor, mas buscando revelar
o seu modo de pensar, pois assim poderemos identificar como se encontra o seu
desenvolvimento estético.
Pergunta 2:
Os gráficos do grupo 2 apontam ainda para outras questões importantes: no
primeiro gráfico, da relação pergunta 1
37%
1,2%
8%
10,5%
6%
Relação: Pergunta 1
8%
10%
17,3%
8,2%
Relação: Pergunta 2
A importância dessa informação está na possibilidade de se pensar em uma
forma adequada de abordar o al
uno quando se deseja que ele fale livremente sobre
as idéias que tem sobre a arte, sem a mediação do professor, mas buscando revelar
o seu modo de pensar, pois assim poderemos identificar como se encontra o seu
desenvolvimento estético.
Grupo 2: Relação Pergunta – Idéia
Pergunta 1: O que você vê nesta imagem?
Pergunta 2:
O que você pode dizer sobre esta imagem?
Os gráficos do grupo 2 apontam ainda para outras questões importantes: no
primeiro gráfico, da relação pergunta 1
idéias, é possível ver que as três idéias
9%
9%
8%
9%
37%
6%
2,3%
Relação: Pergunta 1
- Idéias
Lembranças Pessoais
Imaginação
Sentimentos/Sensações/Emoções
Significados/Sentido/Mensagem
Descrição
Realismo
Julgamento
Conceitos de Arte
Artista/Pintor/Autor
Técnica
5,5%
8,2%
5,5%
20%
17,3%
8,2%
Relação: Pergunta 2
- Idéias
Lembranças Pessoais
Imaginação
Sentimentos/Sensações/Emoçõe
s
Significados/Sentido/Mensagem
Descrição
Realismo
Julgamento
Conceitos de Arte
Artista/Pintor/Autor
Técnica
A importância dessa informação está na possibilidade de se pensar em uma
uno quando se deseja que ele fale livremente sobre
as idéias que tem sobre a arte, sem a mediação do professor, mas buscando revelar
o seu modo de pensar, pois assim poderemos identificar como se encontra o seu
O que você pode dizer sobre esta imagem?
Os gráficos do grupo 2 apontam ainda para outras questões importantes: no
idéias, é possível ver que as três idéias
Lembranças Pessoais
Sentimentos/Sensações/Emoções
Significados/Sentido/Mensagem
Conceitos de Arte
Artista/Pintor/Autor
Lembranças Pessoais
Sentimentos/Sensações/Emoçõe
Significados/Sentido/Mensagem
Conceitos de Arte
Artista/Pintor/Autor
mais utilizadas pelos alunos na compreensão das imagens foram: descrição
(primeiro lugar), conceitos de arte (segundo lugar) e
significados/sentidos/mensagem, imaginação e lembranças pessoais (terceiro lugar).
No gráfico da relação pergunta 2– idéias, pode-se perceber que as três idéias mais
utilizadas foram: significados/sentido/mensagem (primeiro lugar), descrição
(segundo lugar) e conceitos da arte (terceiro lugar).
Algumas questões surgiram da análise destes gráficos: será que é o tipo de
pergunta que determina a idéia que o aluno revela ou será que este resultado se
deve ao seu desenvolvimento estético? Será que o tipo de pergunta conduz o olhar
para certas observações e reflexões? Ou será mesmo, como indaguei
anteriormente, que o tipo de imagem é que determina a qualidade e a diversidade
das idéias reveladas na leitura?
Essas questões levaram-me a um terceiro grupo de gráficos o grupo 3 na
página seguinte no qual podemos ver as dias percentuais das idéias reveladas
por meio das duas perguntas sem especificá-las. O gráfico desloca o meu olhar das
diferenças entre as perguntas para ter como foco as idéias reveladas e ele mostra
que as idéias que mais surgem nas leituras dos alunos desta 8ª série são:
1º lugar: descrição
2º lugar: significados/sentidos/mensagem
3º lugar: conceitos de arte
Grupo 3
Afinal, a descrição é a idéia predominante na leitura dos alunos da 8ª série
porque ela é a primeira e mais acessível possibilidade de leitura que as pessoas
fazem das imagens ou porque ela é a principal forma de compreensão da arte que
os alunos revelam?
4,8%
9%
13,9%
Grupo 3
: Idéias
abordadas na leitura das imagens
Afinal, a descrição é a idéia predominante na leitura dos alunos da 8ª série
porque ela é a primeira e mais acessível possibilidade de leitura que as pessoas
fazem das imagens ou porque ela é a principal forma de compreensão da arte que
7,2%
8,5%
27,2%
6,9%
1,3%
Média entre as Perguntas 1 e 2
Lembranças Pessoais
Imaginação
Sentimentos/Sensações/Emoções
Significados/Sentido/Mensagem
Descrição
Realismo
Julgamento
Conceitos de Arte
Artista/Pintor/Autor
Técnica
abordadas na leitura das imagens
Afinal, a descrição é a idéia predominante na leitura dos alunos da 8ª série
porque ela é a primeira e mais acessível possibilidade de leitura que as pessoas
fazem das imagens ou porque ela é a principal forma de compreensão da arte que
6,7%
14,5%
Parsons afirma que ao longo do desenvolvimento estético, os sujeitos vão
lançando mão de ferramentas distintas para elaborar sua compreensão da arte.
O uso de ferramentas depende não tanto das características da criança
como da cultura em que a criança nasceu. As ferramentas são criações
sociais que são proporcionadas pela sociedade para o uso das crianças. O
desenvolvimento consiste na capacidade crescente da criança para as usar.
(2000, p.174)
Estas ferramentas seriam as diferentes idéias reveladas pelos sujeitos – como as
que observei nas leituras da 8ª série – que combinadas de formas distintas permitem
uma maior ou menor complexidade de leitura. Parsons chama de ferramentas às
idéias que os sujeitos se utilizam para compreender a arte, idéias como: estilo,
expressão, habilidade ou beleza, por exemplo. O autor afirma ainda que os
momentos mais criativos da compreensão ou produção da arte são aqueles nos
quais usamos duas ferramentas em conjunto para um propósito em vez de uma só.
(2000, p. 177)
Penso então, que mais importante do que saber o motivo pelo qual a descrição é
a idéia ou ferramenta predominante nas leituras destes alunos, é saber que suas
leituras apontam para a utilização de outras idéias para interpretar as imagens e
acredito que devidamente desafiados, eles podem ampliar suas possibilidades de
leitura combinando tais idéias e expandindo sua compreensão para idéias ainda
mais elaboradas.
O que realmente interessa nas respostas dos alunos é, portanto, a sua qualidade,
o nível de pensamento estético revelado por algumas idéias e essa visão levou-me
aos gráficos do grupo 4 nas duas páginas seguintes nos quais as idéias são o
foco central.
Pergunta 1: O que você vê nesta imagem?
0%
20%
40%
60%
80%
100%
30,8%
15,4%
7,7%
30,8%
0%
Percentual de alunos
Lembranças Pessoais
0%
20%
40%
60%
80%
100%
7,7%
30,8%
7,7%
0%
38,5%
Percentual de alunos
Significados/Sentido/Mensage
m
0%
20%
40%
60%
80%
100%
0%
15,4%
30,8%
0%
30,8%
Percentual de alunos
Julgamento
Grupo 4: Idéias/Imagens/Perguntas
Pergunta 1: O que você vê nesta imagem?
0%
20%
40%
60%
80%
100%
23%
7,7%
23% 23%
7,7%
Percentual de alunos
Imaginação
0%
20%
40%
60%
80%
100%
Percentual de alunos
Sentimentos/Sensações/
0%
20%
40%
60%
80%
100%
84,6%
69,2%
77%
77%
46,2%
Percentual de alunos
Descrição da Imagem
0%
20%
40%
60%
80%
100%
Percentual de alunos
30,8%
0%
20%
40%
60%
80%
100%
0%
15,4%
30,8%
15,4%
38,4%
Percentual de alunos
Conceitos de Arte
0%
20%
40%
60%
80%
100%
Percentual de alunos
Artista/Pintor/Autor
0%
20%
40%
60%
80%
100%
0% 0%
7,7%
0%
15,4%
Percentual de alunos
Técnica
0%
20%
40%
60%
80%
100%
23%
15,4%
0%
30,8%
7,7%
Sentimentos/Sensações/
Emoções
0%
20%
40%
60%
80%
100%
7,7%
7,7%
0% 0%
0%
Realismo
0%
20%
40%
60%
80%
100%
0%
23%
15,4%
7,7%
7,7%
Artista/Pintor/Autor
Pergunta 2: O que você pode dizer sobre esta imagem?
0%
20%
40%
60%
80%
100%
0%
41,7%
0% 0%
8,3%
Percentual de alunos
Lembranças Pessoais
0%
20%
40%
60%
80%
100%
16,7%
50%
41,7%
33,3%
41,7%
Percentual de alunos
Significados/Sentido/
Mensagem
0%
20%
40%
60%
80%
100%
8,3% 8,3%
33,3%
16,7%
25%
Percentual de alunos
Julgamento
Pergunta 2: O que você pode dizer sobre esta imagem?
8,3%
0%
20%
40%
60%
80%
100%
16,7%
0%
25%
25%
8,3%
Percentual de alunos
Imaginação
0%
20%
40%
60%
80%
100%
Percentual de alunos
Sentimentos/Sensações/
41,7%
0%
20%
40%
60%
80%
100%
33,3%
41,7%
58,3%
25%
0%
Percentual de alunos
Descrição da Imagem
0%
20%
40%
60%
80%
100%
Percentual de alunos
25%
0%
20%
40%
60%
80%
100%
16,7%
16,7%
41,7%
25%
58,3%
Percentual de alunos
Conceitos de Arte
0%
20%
40%
60%
80%
100%
Percentual de alunos
Artista/Pintor/Autor
0%
20%
40%
60%
80%
100%
0% 0% 0% 0% 0%
Percentual de alunos
Técnica
Pergunta 2: O que você pode dizer sobre esta imagem?
0%
20%
40%
60%
80%
100%
16,7%
0% 0%
33,3%
0%
Sentimentos/Sensações/
Emoções
0%
20%
40%
60%
80%
100%
41,7%
33,3%
0% 0% 0%
Realismo
0%
20%
40%
60%
80%
100%
8,3%
16,7%
41,7%
0%
8,3%
Artista/Pintor/Autor
Os gráficos do grupo 4 permitem visualizar, por exemplo, que idéias que são
abordadas na maior parte das imagens, independente do tipo de pergunta, enquanto
que outras restringem-se a algumas imagens, o que me fez voltar a pensar sobre a
contribuição das imagens para a qualidade da resposta do aluno, para o despertar
de idéias mais elaboradas sobre a arte.
Mas o que seriam idéias mais elaboradas sobre a arte para uma 8ª série? Seriam
idéias que ultrapassam a descrição e o reconhecimento inicial da imagem, idéias
como significados/sentido/mensagem que revelam que o aluno sabe que as imagens
têm um significado e buscam encontrá-lo ou criá-lo; idéias como
sentimentos/sensações/emoções que revelam que o aluno identifica que a obra
desperta nele algum tipo de emoção ou sentimento; idéias como artista/pintor/autor,
que revelam maior consciência intelectual sobre a figura do autor da imagem. Cabe
esclarecer que quando os alunos citam o artista, eles o fazem normalmente para
falar de suas intenções, o artista faz parte dos seus argumentos interpretativos.
(ROSSI, 2003, p. 48)
A observação atenta do grupo 4 nos permite ver também que, embora discreta,
alguma relação entre os diferentes tipos de imagens e os diferentes tipos de
idéias. Por exemplo, na pergunta 1 a pintura naïf obteve maiores percentuais por
quatro vezes lembranças, imaginação, descrição e realismo. O mesmo aconteceu
com a escultura abstrata que também obteve maiores percentuais por quatro vezes
significados, julgamento, conceitos e técnica. A fotografia foi a seguinte, obtendo
maiores percentuais três vezes – lembranças, imaginação e sentimentos.
Fiquei surpresa com o resultado da escultura abstrata, pois como percebi desde
a primeira leitura que fiz das falas dos alunos, com a pergunta 1 eles tinham uma
tendência maior a descrever as imagens e eu imaginei que a pintura naïf e a
fotografia, como imagens figurativas, seriam ideais para este tipo de leitura.
Contudo, após olhar os dados de todos os gráficos e de reler as respostas dos
alunos a algumas imagens, ocorreu-me que a escultura abstrata também era
propícia à descrição assim como a pintura naïf e a fotografia, apesar de ser abstrata,
pois possuía duas características peculiares: a primeira é que ela retrata algo além
da obra, ou seja, retrata o entorno e as pessoas nele, o que pode despertar mais a
curiosidade bem como fornecer mais elementos para serem descritos, a segunda é
que por ela ser tridimensional e por possibilitar a visão de ângulos diferentes, ela cria
um número maior de possibilidades de ser vista e descrita lembrando aqui que na
avaliação dos alunos havia duas imagens desta escultura, cada uma fotografada de
um ângulo diferente e havia também uma explicação de que se tratava da mesma
obra.
Não estou aqui querendo generalizar e dizer que isso aconteceria com outras
imagens com essas características. Estou sim, afirmando que fiz essa constatação
em meus dados e que ela me levou a refletir sobre o quanto é importante que o
professor pense no tipo de reprodução que vai levar para a sala de aula, pensar no
quanto os dados que a reprodução fornece além da obra, interferem na leitura da
imagem e até mesmo pensar no quanto o fato do entorno ser mostrado possibilita
ampliar a compreensão que o aluno tem, por exemplo, de arte pública. Aproveito
para trazer a fala de dois alunos que abordaram tais questões em suas leituras da
imagem 8:
Não sei por que, mas me lembrou o parque do Ibirapuera em São Paulo. Pessoas em um
domingo, caminhando, conversando e essa obra no meio como se fosse um objeto de análise, uns
olham e outros passam como se nem existisse. (TM)
Eu vejo três pedaços de os da cor vermelha, um bem próximo do outro, achei legal, mas não
consegui encontrar o “objetivo” dela. E nem o porquê dela estar em parque, e se isso tem a ver com o
objetivo dela. (VA)
Ainda com a pergunta 1, percebi que a pintura abstrata foi a imagem menos
citada e eu esperava que ela fosse difícil de ser interpretada, talvez por conter
menos elementos ou talvez por ser difícil de ser compreendida pelos alunos. Pus-me
então a pensar no que eu mesma diria sobre esta imagem e percebi que o que
diferenciava a minha leitura da dos alunos era o fato de eu ter mais informações
sobre o autor da obra e sobre suas idéias. Não estou justificando a leitura que os
alunos fizeram da pintura abstrata, estou apenas dizendo que esta é realmente uma
imagem que requer uma visão mais ampla sobre seu contexto para que se possa
encontrar nela um sentido com o qual nós possamos nos identificar para além
daquilo que vemos.
Ao olhar para os dados da pergunta 2 percebi que havia acontecido exatamente
o contrário da pergunta 1, ou seja, a escultura abstrata e a pintura naïf foram as
imagens às quais os alunos menos se referiram e isso faz sentido dentro do
raciocínio de que elas permitem fazer mais descrição e a pergunta 2 o direciona
para a descrição.
Por outro lado, a instalação foi a imagem com os maiores percentuais por quatro
vezes imaginação, descrição, julgamento e artista. Esse dado pode estar
relacionado à pergunta 2 que é mais aberta, mas também à instalação que é uma
imagem que desafia os alunos a pensarem, pois se nas imagens abstratas como a
5 e a 8 eles têm dificuldade em encontrar um significado exatamente por serem
abstratas, na imagem da instalação elementos que eles conseguem identificar
cadeiras e cilindros além de perceberem que a obra é construída, montada e que
se define em um ambiente. Cilindros sobre e sob cadeiras, cadeiras “entrando” na
parede e no chão e nada mais, enfim, uma situação a ser compreendida,
símbolos a serem identificados e decodificados.
Embora a qualidade da resposta dos alunos tenha sido determinada pelo seu
nível de desenvolvimento estético, perguntas mais abertas como a pergunta 2
possibilitaram que eles estabelecessem relações com a imagem para além do
reconhecimento e descrição iniciais e imagens mais instigadoras, como a instalação,
despertaram para uma leitura mais rica em diferentes idéias.
Posso afirmar ainda que nos dados obtidos com a 8ª série as idéias de descrição,
significados/sentido/mensagem e conceitos de arte, foram as mais freqüentes nas
duas perguntas, mudando apenas a ordem da freqüência ou da importância que foi
dada a elas.
Cinco imagens com linguagens ou estilos diferentes foram apresentadas aos
alunos e dois tipos de perguntas foram feitas para dois grupos aleatórios para que
pudessem falar o que desejassem sobre as imagens e a idéia predominante em
suas leituras foi a descrição (27,2%). Além de ser uma forma inicial de
reconhecimento, a descrição é uma das principais formas de compreensão da
imagem por parte desses alunos, ou seja, uma boa parcela deles busca no tema das
imagens, figuras ou elementos que lhes permitam dar sentido ao que vêem. O
exemplo do aluno VN, referindo-se à pintura abstrata, ilustra bem o que estou
dizendo:
Posso dizer que esta imagem para mim não representa nada, pois o consigo nela identificar
nenhum aspecto que me remete a um objeto. Por isso digo que esta imagem para mim não é nada.
Além da descrição os alunos também falaram sobre os significados, sentidos ou
mensagem das obras, o que revela uma forma um pouco mais elaborada de olhar
para a imagem, pois o se resume apenas ao que é concreto e visível. O aluno
sabe que um sentido na imagem e que para buscá-lo, compreendê-lo ou
construí-lo, é preciso que ele se movimente.
A última idéia mais freqüente na leitura dos alunos foi a referência em suas falas
a alguns conceitos relacionados ao universo da arte e que entenderam que eram
apropriados ou pertinentes às imagens. Embora uma questão discutida, é
importante acrescentar que esse dado me fez refletir sobre o quanto os meus alunos
estariam apenas “repetindo” vocábulos apropriados à arte, mas sem sentido para
eles em função de uma grande valorização que eu estaria dando a esses termos em
aula. Os alunos têm direito a conhecer e se utilizar de termos próprios ao universo
artístico, mas desde que os conceitos façam sentido para eles e desde que não
pensem que fazer uma leitura de imagem seja tão somente aplicar vocabulários
aprendidos e apreendidos sobre aquilo que se está vendo.
Essa preocupação me ocorreu em função da minha própria história, das minhas
primeiras e muitas experiências em museus e exposições nas quais havia uma
supervalorização do aprendizado de conceitos e pouca experiência estética. Assim
como as falas dos alunos revelam ao professor suas formas de pensamento, gostos,
preferências e repertórios, revelam também as crenças e a influência do professor
na construção da compreensão das imagens e do mundo que o aluno faz na escola
e que leva para a sua vida como referência estética.
Capítulo VI
Capítulo VICapítulo VI
Capítulo VI
A compreensão da arte
A compreensão da arte A compreensão da arte
A compreensão da arte
pela professora
pela professorapela professora
pela professora
Pois para pensar fundo (...) é preciso estar sozinho. Porque entregar-se a pensar é uma grande
emoção, e se tem coragem de pensar na frente de “outrem” quando a confiança é grande a ponto
de não haver constrangimento em usar, se necessário, a palavra “outrem”. Além do mais exige-se
muito de quem nos assiste pensar: que tenha coração grande, amor, carinho, e a experiência de
também se ter dado ao pensar. Exige-se tanto de quem ouve as palavras e os silêncios como se
exigiria para sentir. Não, não é verdade. Para sentir exige-se mais.
Clarice Lispector
É difícil lançar um olhar sobre s mesmos sem o vício de vermos sempre a
mesma imagem, de termos idéias formadas em nossa mente sobre como somos,
como pensamos, como agimos, sobre o que sabemos e o que esperamos e sobre
como driblar a nós mesmos. É difícil ver a si mesma!
Resisti muito a fazer esta análise das minhas leituras das imagens. E por quê?
Pela própria dificuldade da qual eu tinha consciência, dificuldade de manter um
distanciamento que me permitisse olhar para o que escrevi com a mesma
objetividade que olhei para o que meus alunos escreveram ou disseram. Mas será
que é essa a compreensão que devo ter sobre a minha própria leitura?
Ao ler as imagens, eu sabia por que e para quê o estava fazendo e isto que
ser levado em conta. Senti o peso e a responsabilidade em assumir o lugar da
professora Quem se que vai ler o que eu escrevi? Por certo que essa
preocupação diminui de certa forma a espontaneidade, pois me faz usar mais a
razão, me faz querer mostrar o que sei, justificar o que não sei, enfim, é difícil para
mim como professora ver expostas nas leituras de imagens as minhas palavras, as
minhas idéias, as minhas limitações e inseguranças. Diante dos alunos ainda
mantemos aquele status tradicional de detentoras de grande parte do saber que eles
buscam ou que nós queremos que eles busquem mas diante de nós mesmas e
da possibilidade de nossos pares nos lerem/ouvirem, tornamo-nos inseguras,
tímidas, quase amedrontadas.
Foi assim que me senti, o que me fez pensar no quanto os meus alunos também
se sentiram testados, avaliados, julgados em seus saberes e ignorâncias, o quanto
tentaram responder aquilo que pensavam que eu queria ouvir, o quanto foram ou
não espontâneos, o quanto fizeram como eu, pensando no que dizer, tentando dizer
tudo o que sabe.
Enfim, não acredito na espontaneidade total dos alunos e muito menos na minha,
mas mesmo sabendo que tive algum controle sobre meu pensamento enquanto
falava, tenho consciência de que falei tudo o que me vinha à mente e é aí que penso
residir a possibilidade de fazer a auto-análise da minha compreensão sobre a arte.
Apesar da dificuldade, dispor-me a ler as imagens e analisar essa leitura indica
certa coragem em me deparar com o inesperado, em me olhar no espelho e não me
reconhecer como a professora de artes da forma que me apresento aos alunos.
Apesar do padecimento no sentido da dor continuo achando que esse é um
exercício de auto-conhecimento imprescindível ao professor, pois escancara a forma
como ele compreende a arte, forma esta da qual nem sempre ele tem consciência, a
qual se dará aos poucos por meio da reflexão sobre sua experiência.
Optei por analisar as leituras das imagens separadamente, pois embora o que
elas revelam seja bastante semelhante, cada imagem suscitou em mim desejos,
dúvidas, sentimentos e pensamentos distintos.
É um Van Gogh!
Este foi o meu primeiro pensamento ao olhar para a obra de Toulouse-Lautrec: É
um Van Gogh. Assim iniciei minha leitura, buscando identificar o artista pela própria
imagem da pessoa retratada e depois pelo seu estilo, dos sentimentos que eu
identificava e das cores que reconhecia como expressionistas. Em vários momentos
fiz esse movimento em busca de justificar que a imagem havia sido criada por Van
Gogh. Não me ocorreu que o fato de Van Gogh estar retratado não significaria
necessariamente que a obra fosse um auto-retrato, que poderia ter sido retratado
por outro artista, como o foi.
De qualquer forma, durante a leitura da imagem percebo que passei por vários
momentos nos quais apontei diferentes aspectos e procurei dizer tudo aquilo que me
era possível, nem sempre de forma ordenada ou organizada, pois embora tivesse
consciência de que queria fazê-lo, fui desenvolvendo meu pensamento segundo
aquilo que o meu olhar percebia ou percebendo à medida em que meu pensamento
se desenvolvia .
Assim, para melhor compreender como se estruturou essa leitura, identifiquei
categorias de pensamento na minha fala que são apresentadas a seguir:
Classificação
Este questionamento surgiu logo no início, como relatei, e em outros
momentos da leitura nos quais me ative a classificar a obra através da identificação
do artista, do estilo, das cores ou de sua comparação com outras obras. Esta é uma
forma de interpretar as imagens, uma forma de identificar e de buscar reconhecer e
relacionar o que se com aquilo que se sabe. Pergunto-me então: o quão
importante é para mim esse tipo de leitura, o quanto ainda estou presa aos “textos
nas paredes das exposições” a ponto de não me permitir outras formas de olhar
para a arte.
Algumas falas que explicitam este tipo de leitura são:
Eu acho que deve ser um Van Gogh mesmo por causa dessa expressão forte
desse rosto, essa coisa introspectiva, ele olha pro lado, ao mesmo tempo me
lembrou a obra do Degas, “Absinto” acho que é o nome, onde tem aquelas duas
pessoas sentadas num bar.
As cores eu acho que combinam muito com esta questão expressionista, existe
um predomínio de tons mais escuros, pode ser de azul, pode ser de marrom, preto,
mais existe também luz, principalmente no rosto dele, nos cabelos.
Leitura formal e interpretação
A identificação e descrição de alguns elementos visuais presentes na imagem e a
tentativa de compreender a técnica utilizada pelo artista fizeram parte da leitura e
também constituem formas de compreensão do que se está vendo, pois à medida
que identifico figuras, elementos e técnicas, vou dando sentido à imagem, vou
construindo a minha compreensão sobre ela. Vejamos exemplos disto:
Bom, ele está sentado a uma mesa, sozinho, parece que com paletó, um lenço ou
uma gravata, não sei, o cabelo para trás, e sobre a mesa tem um copo, atrás parece
que tem uma espécie de uma bancada e depois da bancada uma, algo que poderia
ser uma janela ou um armário, talvez, esse fundo, esse último plano, ele é
geometrizado, quando eu olhei, à primeira vista parecia simplesmente algo abstrato,
algo geométrico, mas agora olhando, eu acho que pode ser o balcão de um bar.
Eu vejo muitas pinceladas, muitas pinceladas não, muitos riscos, muitos traços
mesmo que me parecem ser de crayon pela própria textura, me parece que é, o não
preenchimento total de alguns espaços.
Existe uma luz que ele joga com um amarelo, um branco. No balcão existem
também algumas partes com luz...
Sobre a mesa também pra ver algumas manchas amarelas que iluminam.
Agora, o copo é absolutamente genial, como ele consegue dar transparência ao
copo e fazer a gente entender que aquilo é luz, que aquilo é líquido.
... na verdade também isto aqui está me parecendo mais um desenho, um
crayon...
Subjetividade
Ao analisar essa leitura de imagem tive uma compreensão clara de como
projetamos na obra aquilo que somos, sentimos ou pensamos, do quanto nossa
interpretação parte de nós mesmos, de nossas subjetividades ou de nossos
conhecimentos que podem ser ativados pela própria imagem e que podem também
incluir informações sobre o artista. A obra está ali para me dizer aquilo que eu
mesma sou capaz de dizer, de sentir, de pensar e de intuir. A obra está aberta aos
meus sentimentos e pensamentos naquele momento e, por isso mesmo, a cada
leitura de uma mesma obra fazemos interpretações distintas, mudamos de idéia,
temos outros sentimentos, priorizamos certos pensamentos que darão outra direção
ao nosso olhar.
Nas falas abaixo pude perceber o quanto de mim havia nessa leitura, o quanto a
obra permitiu que eu me visse naquele instante, que expressasse sentimentos
latentes aos quais nem sempre tinha acesso direto. Na leitura, falei da solidão no ato
de escrever uma dissertação, do momento de encontro com seus próprios
pensamentos e crenças, de confrontá-los em silêncio com o que outras pessoas
também pensaram, de estar parcialmente isolada do mundo para dedicar-se à
escrita e à reflexão, de desejar estar em outro lugar e de fazer outras coisas.
E ela me transmite essa coisa introspectiva do Van Gogh, uma certa tristeza, uma
certa angústia com a existência, solidão, alguém que se senta à mesa de um bar
sem companhia...
Ela me transmite essa solidão mesmo ou um momento de estar para pensar,
de estar para tomada de decisões, beber alguma coisa para descontrair ou até
para sair de onde se está e fazer algo diferente.
Na verdade, cada forma de ler uma imagem é uma forma de falarmos um pouco
de nós, quer seja do que sentimos, pensamos, sabemos, ignoramos ou priorizamos,
é uma forma de construir significados que venham ao encontro da nossa realidade
pessoal.
Percebo que toda leitura é uma forma de expressão do leitor e é significativa a
afirmação de Analice Dutra Pillar quando diz que: ... a leitura depende do que está
em frente e atrás dos nossos olhos. E ainda: ...a leitura de uma obra de arte é uma
aventura em que cognição e sensibilidade se interpenetram na busca de
significados. (2001, p. 12 e 17)
É como se fosse um “Discóbulo de Miron”
Uma fotografia.
Eu me lembro que é uma das pranchas que a gente recebeu no curso da 27ª
Bienal, mas não me lembro de ter lido nada sobre ela.
Inicio a leitura da segunda imagem novamente classificando-a, lembrando da sua
origem e afirmando que não li nada sobre ela, como quem se justifica por não
conhecer bem a obra. Uma cobrança, talvez...
Por não conhecê-la, pus-me a descrevê-la, ao contrário da imagem 1 sobre a
qual falei da possibilidade de ser uma obra de Van Gogh. Durante a própria leitura
da imagem 2, há um momento em que digo:
É mais interessante olhar esta imagem porque eu não tenho referência nenhuma
do autor ou das suas intenções, é mais instigante do que olhar a imagem do Van
Gogh, por outro lado, é mais difícil encontrar um sentido pra mim.
Essa fala me leva a considerar que: olhar para aquilo que não é familiar move
mais o pensamento, leva a buscar outras formas de compreensão e de significação
para as quais eu, talvez como professora, sinta-me mais insegura, pois me deparo
com o desconhecido. Este é o grande desafio da experiência segundo Dewey e
Larossa é nos lançarmos para a vivência do inesperado, do não planejado, do
inusitado, do inexplicável, enfim, nos lançarmos em direção ao que está por vir.
Percebi que nessa leitura, prevaleceu a minha subjetividade, prevaleceu uma
busca não tão didática ou formal pelo sentido da imagem. Precisei me desprender
das possibilidades que uma leitura formal determina e buscar em outras fontes a
chave para a minha compreensão da obra.
As falas abaixo ilustram esta busca de significados por meios diversos:
O significado desta imagem para mim isso é bem mais difícil poderia ser
uma foto de autor, um fotógrafo capta um momento de alguém numa atividade que
gosta, que faz bem.
Acho que o que mais faz sentido pra mim ao olhar esta imagem é isso, esse
contraste do escuro com o claro, o claro representado pelo rapaz, mas a claridade
está no que ele faz, está nessa alegria de estar se movendo e agora me parece que
ele está se movendo como as ondas se movem. Então, o mar se move, ele se move,
o mar ... As ondas fazem vários movimentos, ele também, ele ergue o skate como
que uma onda que está se aproximando, que vai desaguar na praia, é muito bonito.
É como se fosse um “Discóbulo de Miron” contemporâneo, fotográfico.
A natureza se move, a natureza se move toda, o mar, o céu, o homem, as rochas
não, as rochas permanecem... elas são fixas, elas o a base, a sustentação assim
como essa plataforma de concreto sobre a qual ele está. A gente precisa de um
chão concreto pra pisar, não dá pra ficar pisando ou caminhando sobre as águas.
Eu não consigo encontrar nenhuma relação ou, por exemplo, eu fico pensando,
será que... eu não consigo tentar entender o que o artista quis dizer, os significados
pra mim, eu encontrei alguns, do próprio contraste, do movimento. Agora, eu fico
tentando entender também no contexto do autor, eu não conheço o contexto do
autor, nem me lembro quem é o autor, mas o que o autor poderia... eu vejo poesia,
eu vejo poesia nisso como intenção do autor. Capturar um momento, um momento
singular de alguém a beira-mar.
Deparei-me com a poesia: ...eu vejo poesia nisso como intenção do autor
mas
será que a poesia era do autor ou eu estava criando a minha própria
interpretação poética da imagem? Quanto me fizeram falta outros conhecimentos
sobre a obra? O que eles poderiam acrescentar a minha leitura? Quanto a
preocupação com significados mais formais limitou minha apreciação da imagem? O
que significa ...tentar entender o que o artista quis dizer? Como é possível permitir-
se ter uma experiência estética? Como a professora que em mim pode ter um
encontro pessoal com a arte sem se preocupar com o que sabe ou com o que
deveria saber? De onde vem a insegurança naquilo que estou vendo, sentindo,
percebendo? Afinal, de onde vem o sentido das imagens, pergunto-me novamente?
Vêm das intenções do artista, da obra, do contexto, da história, das cores e
pinceladas, dos estilos e movimentos? Como encontramos significado naquilo que
vemos? Como nos permitimos ser tocados pelo que vemos a ponto de encontrar
sentido? Como se constrói esse sentido? Onde está o sentido de uma imagem?
O sentido está em quem vê, em quem olha, aprecia, percebe, procura, lembra e
sente. O sentido tem origem nos muitos saberes que nos constituem, os quais
acionamos segundo nosso desejo, disponibilidade ou necessidade.
Se olhar para a imagem 2 foi mais prazeroso, se me fez sentir que fazia uma
leitura mais rica em significados pessoais, é preciso ainda refletir nas tantas vezes
em que me refiro à intenção do artista nas leituras e nas tantas vezes nas quais o
condicionamento do olhar para uma leitura formal me distanciou da experiência
estética. O que a busca pela intenção do artista representa? Mais uma possibilidade
de compreensão da imagem ou um dever de professora? Essas e tantas outras
reflexões incomodam, surpreendem, instigam, mas se movem na direção da
coerência entre aquilo em que acredito e aquilo que faço.
Na leitura da imagem 2 também poderia categorizar meu pensamento, mas
penso que seria repetitivo fazê-lo, pois foi possível até aqui perceber os
mecanismos, ferramentas ou idéias de que me utilizo para compreender uma
imagem, basta considerar que cada imagem tem suas especificidades.
A busca do significado das imagens é um tanto complexa, pois ativa muitas
referências, aponta para preferências e une diversas formas de ver em uma única
que acaba por dar sentido à imagem de uma forma, no meu caso, nada linear,
provavelmente porque eu esteja continuamente construindo uma forma pessoal de
encontro com a arte.
Considerações
ConsideraçõesConsiderações
Considerações
finais
finais finais
finais
vemos aquilo que olhamos. Olhar é um ato de escolha. Como resultado dessa escolha, aquilo que
vemos é trazido para o âmbito do nosso alcance ainda que não necessariamente ao alcance da mão.
Tocar alguma coisa é situar-se em relação a ela.
John Berger
Inúmeras questões e reflexões povoaram o meu pensamento ao longo deste
percurso de pesquisa e me levaram a buscar outros caminhos, a pensar em novas
possibilidades e a fazer experimentações e descobertas singulares. Uma
transformação vivenciada por meio do confronto, do embate, da resistência e da
consciência, envolvendo erros e acertos. Esta dissertação se originou de um
processo de construção que vivenciei como professora e como pesquisadora e por
este motivo não teve a intenção de ocultar dúvidas e falhas, mas sim, de vivenciá-las
e apresentá-las como parte de um problema de pesquisa, assim como acontece em
meu dia-a-dia de educadora.
Neste processo, minha percepção de outrora abriu espaço para um olhar
renovado, uma escuta aguçada e um fazer ampliado continuamente por meio da
construção da minha identidade de arte-educadora cuja origem remonta à infância e
às primeiras experiências e influências estéticas. Quantos conhecimentos foram
construídos desde a menina que convivia com a arte em sua casa até a professora
que hoje sou e que escolheu buscar novas formas de ensinar e aprender arte? Qual
é a realidade na qual me insiro dentro do contexto brasileiro de ensino de arte
contemporâneo? Quais paradigmas norteiam minhas ações e constituem por opção
consciente o meu fazer pedagógico? Como se definiu o olhar que volto hoje para a
arte, por meio da menina do interior que aprendeu a dar significado a sua vida por
meio da arte ou da professora que aprendeu a dar significado à arte por sua
história? Quão longo é o caminho que separa Fernandópolis de São Paulo? De que
maneira esse caminho foi se transformando na consciência que trago hoje sobre o
valor que há nas pessoas e em sua cultura exatamente no lugar onde elas estão?
A compreensão dos conceitos de “experiência estética” e “desenvolvimento
estético” por intermédio desta pesquisa ampliou a percepção que eu trazia sobre
algumas dimensões do aprender e ensinar arte: a dimensão da professora
também como fruidora em processo de aprendizagem - a dimensão do aluno – como
sujeito com histórias pessoais que direcionam o seu olhar para arte – a dimensão da
arte ampliando nossas possibilidades de encontro com o conhecimento e com a
vida.
O processo de desenvolvimento estético pelo qual todos passamos nos provê de
pensamentos/idéias que nos habilitam a interpretar e a dar significado à arte de
diferentes formas, processo este que se estrutura e torna-se mais complexo na
medida em que nossas experiências são enriquecedoras, estimuladoras e
desafiadoras de nosso pensamento estético. Foi o acesso a estas formas de
pensamento, de interpretação e de compreensão da arte pelos alunos que eu
busquei quando lhes propus uma leitura de imagens, quando elaborei perguntas e
selecionei imagens para que pudessem falar sobre elas.
As entrevistas com as crianças da série abriram espaço para falas reveladoras
e ricas em informações sobre suas formas pessoais de se relacionarem com as
imagens. Por outro lado, a grande quantidade de perguntas gerou um trabalho de
transcrição e análise bastante exaustivo e muitas vezes redundante, pois a primeira
proposição feita às crianças Eu gostaria que você falasse o que acha dessas
imagens permitia compreender seu pensamento. A leitura de imagens feita por
meio da escrita pelos alunos da série foi, por sua vez, mais direta e objetiva por
apresentar uma única pergunta, o que, conseqüentemente, facilitou o processo de
análise.
Com esses dois instrumentos de avaliação do desenvolvimento estético dos
alunos pude perceber que perguntas abertas como O que você pode dizer sobre
esta imagem? revela de forma mais clara e direta o pensamento estético dos
alunos. Percebi que qualquer imagem pode servir para identificar o nível deste
desenvolvimento estético, pois independente do que estão vendo, os alunos
interpretam as imagens segundo as suas possibilidades. Contudo, notei que há
imagens que instigam leituras mais ampliadas e por esse motivo são desejáveis,
pois no dia-a-dia do professor, ele pode associar em uma mesma atividade de
leitura, a identificação do desenvolvimento estético dos alunos e o estímulo ao seu
avanço, ele pode utilizar imagens como fonte de conhecimentos a serem
construídos em arte e como estímulo e desafio ao pensamento estético dos alunos.
Todo momento de escolha para o professor é um momento de autoria, de criação
e de recriação no qual suas limitações e possibilidades, definidas por referências,
preferências, repertórios e acessos, precisam sempre ser analisadas e reavaliadas,
uma vez que ele também é um sujeito em desenvolvimento contínuo.
Afinal, nesta pesquisa, o que diferenciou a leitura das crianças da série da
leitura dos adolescentes da 8ª série? O que mudou em sua maneira de compreender
a arte nos anos de ensino fundamental? Até que ponto as aulas de arte na escola
propiciou-lhes encontros mais significativos com a arte? Por que caminhos se deram
estes encontros? Onde se vê os passos da professora neste caminhar?
A série encanta ao falar sobre arte porque usa a imaginação e nos permite
viajar em histórias e fantasias do seu mundo, mas as crianças falam da arte sem ter
certeza do que ela representa, julgando-a a partir de critérios exclusivamente
pessoais e tendo consciência superficial da existência ou do papel do artista ou de
que a obra de arte transcende a realidade concreta do mundo real. os alunos da
8
a
série demonstram fazer uma leitura um pouco mais ampliada e criteriosa, pois são
capazes de olhar para o conjunto de uma imagem, referir-se à figura do artista
demonstrando total consciência intelectual, buscar os significados das imagens e
dos sentimentos que elas suscitam e julgá-las com critérios mais pertinentes –
sentimentos, mensagem, técnicas, mestria e não simplesmente porque elas
retratam um tema alegre ou uma cor preferida.
Acredito que parte deste crescimento tenha relação com as experiências com
arte que os alunos têm tido na escola e com o trabalho que venho tentando
desenvolver junto a eles o qual, apesar das muitas mudanças pelas quais tem
passado ao longo dos últimos anos, caracteriza-se pelo meu compromisso com o
estudo, a pesquisa e a reflexão sobre o ensinar e o aprender arte na escola. Penso,
contudo, que esta pesquisa representa um marco em meu trabalho na medida em
que me permitiu conhecer vias de acesso ao pensamento estético dos alunos para
que a partir dele eu possa adequar minhas propostas a suas possibilidades e
necessidades. Permitiu-me também refletir sobre a minha própria história com a arte
como deflagradora das minhas escolhas, posturas, ideologias e formas de
compreensão da arte.
Contudo, conhecer o desenvolvimento estético dos alunos representa apenas o
início de uma proposta de ensino da arte na escola que deve apontar para
estratégias que visem o avanço desse desenvolvimento, que primem pela qualidade
das experiências estéticas, pela construção ativa do conhecimento em arte e,
principalmente, para a busca da autonomia desses alunos ao se relacionarem com a
arte fora da escola.
Mas este já é outro problema de pesquisa...
Referências
Referências Referências
Referências Bibliogr
BibliogrBibliogr
Bibliográficas
áficasáficas
áficas
Para tornarmo-nos impregnados de um assunto, temos primeiramente de submergir nele.
(...) receptividade não é passividade.
John Dewey
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Anexos
Anexos Anexos
Anexos
Todos os procedimentos são sagrados quando internamente necessários
.
Wassily Kandinsky
Anexo 1
Quadro comparativo das pesquisas dos teóricos do desenvolvimento estético
Teórico
Pesquisa
PARSONS
HOUSEN
ROSSI
FRANZ
Público/
Contexto
Público de crianças
pré-escolares, da
escola primária,
secundária e
professores
universitários de artes
em Salt Lake City
(E.U.A.) e arredores;
10 anos de pesquisa;
mais de 300
entrevistas. O 1
o
estágio para Parsons é
característico das
crianças pré-escolares,
que não atingiram
ainda o estágio das
operações concretas.
36
Populações
americanas e do leste
europeu (Rússia,
Kasaquistão à
Lituânia); 15 culturas
diferentes; 25 anos
37
de pesquisa; mais de
6000 entrevistas.
cerca de 10 anos
38
,
Housen e
colaboradores
iniciaram um estudo de
apoio ao
desenvolvimento
estético com
observadores
principiantes nas
cidades de Boston,
Minneapolis, San
Antonio, Sâo
Petresburgo e Vilnius
(E.U.A.). O 1
o
estágio
para Housen é
coerente com o
pensamento concreto
e no estágio com o
pensamento formal.
39
Alunos de escolas da
cidade de Caxias do
Sul (RS-Brasil):
metade dos alunos de
escolas particulares
(alunos familiarizados
com a arte instituída,
com professor
especialista, ensino
contemporâneo de
arte e acesso à arte,
TV a cabo, cinema
etc.) e metade dos
alunos de escolas
públicas (alunos não-
familiarizados com a
arte instituída, com
professor não
especialista, ensino
baseado na livre-
expressão, sem
acesso à arte, TV a
cabo, cinema etc.); 3
anos de pesquisa;
168 alunos
entrevistados.
Alunos e professores
da graduação em
Educação Artística
do Centro de Artes
da UDESC
Universidade do
estado de Santa
Catarina,
Florianópolis (SC-
Brasil); Profissionais
do Museu Vitor
Meireles,
Florianópolis;
Profissionais do
Museu Nacional de
Belas Artes, Rio de
Janeiro (RJ); Índios
Pataxós em Coroa
Vermelha, Bahia
(BA).
Metodologia
Entrevistas semi-
estruturadas,
individuais, gravadas
(a maioria) e
transcritas.
perguntas que dão
início à conversa sobre
os tópicos que se
desejava discutir e há
também perguntas
“sondas” que serviam
para esclarecer
dúvidas dos
entrevistadores sobre
as falas dos
entrevistados
Entrevista não
orientada - Entrevista
de Desenvolvimento
Estético - através da
técnica do fluxo da
consciência fala
livre é gravada,
transcrita e analisada.
apenas duas
perguntas e o
entrevistador não
interfere sobre a fala.
Depois de analisadas,
as respostas são
comparadas com os
níveis de
compreensão estética
presentes no Manual
de Codificação do
Desenvolvimento
Estético.
Entrevistas com
estrutura básica
apenas nas perguntas
iniciais e nas de
julgamento. As
perguntas eram feitas
inicialmente para
esgotar a
interpretação e o
julgamento e então, a
discussão se voltava
para questões gerais
sobre estética, como
Parsons (1992) e
Freeman & Sanger
(1995). A conversa
era informal para
deixar os alunos
descontraídos.
Pesquisa qualitativa
interpretativa através
de entrevistas semi-
estruturadas para os
alunos, professores e
profissionais dos
museus e
entrevista/conversa
informal com os
índios Pataxós.
Entrevistas gravadas,
transcritas e
analisadas.
36
ROSSI, Maria Helena Wagner. A compreensão do desenvolvimento estético. In: PILLAR, Analice Dutra. A
educação do olhar no ensino das artes. Ed. Porto Alegre: Editora Mediação, 2001, p. 34.
37
Fonte: HOUSEN, Abigail. O olhar do observador: investigação, teoria e prática. In FRÓIS, João Pedro (ccord.).
Educação Estética e Artística – Abordagens Transdisciplinares. Lisboa, Portugal: Fundação Calouste
Gulbenkian, 2000, p. 147.
38
Ibid., 2000, p. 159.
39
ROSSI, Maria Helena Wagner. A compreensão do desenvolvimento estético. In: PILLAR, Analice Dutra. A
educação do olhar no ensino das artes. Ed. Porto Alegre: Editora Mediação, 2001, p. 34.
Imagens
Guernica, Picasso,
1936; Cabeça de
Mulher; Chorando com
Mãos, Picasso; Lo
mismo, Goya, século
XIX; A Menina e o
Cão, Renoir, 1881; Into
the World Came a Soul
Called Ida, Albright,
1930; Cabeça de
Homem, Klee, 1922;
Le Grand Cirque,
Chagall, 1927;
Dempsey and Firpo,
Bellows, 1924. Todas
são pinturas
figurativas, duas
imagens do século XIX
e seis imagens do
século XX.
40
As obras utilizadas
em sua tese de
doutorado
41
foram:
Stuart Davis:
Combination Concrete
(abstrata); Picasso: O
Retorno de Magritte;
Picasso: As
Banhistas. Em seu
texto de 2000,
Housen exemplifica
os estágios com
leituras da obra de
Picasso: Mulher no
Espelho. pinturas
figurativas e abstratas
e todas são do século
XX.
Obras de arte: Sem
título n
o
96, Cindy
Sherman, 1981
(fotografia); Broadway
Boogie Woogie, Piet
Mondrian, 1942
(pintura); Rua de
Erradias, Lasar
Segall, 1926-56
(pintura); É um
Homem, Anish
Kapoor, 1989-90
(instalação)/ Imagem
Publicitária: fonte
revista Claudia, n.9,
ano 36, 1997/ Trans-
e: my body, my blood,
Diana Domingues,
1998 (instalação
interativa eletrônica).
Única imagem:
Primeira Missa no
Brasil, Victor Meireles
de Lima, 1860. A
escolha
fundamentou-se no
valor da imagem:
obra que trata de
contexto nacional,
embora com uma
visão idealizada da
nossa História;
imagem popularizada
através de selos,
moedas, capas de
cadernos e livros de
História do Brasil;
contato com obra
acadêmica, visto que
na escola privilegiam
arte moderna.
Abordagem
de cada
estágio/
nível
Cada estágio é
abordado sob dois
aspectos: o estético –
cor, tema, beleza,
habilidade, realismo,
expressão, forma,
estilo, juízo e o
psicológico os
estágios se
desenvolvem à medida
que os sujeitos
desenvolvem sua
capacidade de assumir
o ponto de vista dos
outros. A designação
que o autor confere a
cada estágio tem
relação com as idéias
estéticas
predominantes
apresentadas pelos
sujeitos.
Cada estágio é
abordado sob o ponto
de vista das ações
que o sujeito realiza
nele – narrar histórias,
construir estrutura
para olhar, analisar,
buscar significados e
recriar/refletir com
autonomia e estas
ações são
determinadas
inicialmente por
conhecimentos
pessoais, seguidas
por conhecimentos
gerais e, finalmente,
por conhecimentos
estéticos. A autora
designa os estágios
pelas ações
realizadas pelos
sujeitos.
Cada estágio é
abordado a partir das
relações que os
sujeitos fazem da
imagem com o
mundo, o artista ou o
leitor. A classificação
da autora
42
é uma
adaptação da Rede
de Intencionalidades
de Freeman e Sanger
(1995), e da
seqüência de
concepções no
desenvolvimento da
compreensão da arte,
definida por Parsons
(1997). Assim, a
designação que cada
estágio apresenta
está ligada aos tipos
de relações
estabelecidas pelos
sujeitos.
Cada estágio é
abordado a partir do
maior ou menor
entendimento que o
sujeito apresenta de
cinco âmbitos de
compreensão da arte
e da cultura visual:
1.histórico/
antropológico; 2.
estético/ artístico; 3.
crítico/social; 4.
pedagógico; 5.
biográfico. Assim, a
designação de cada
estágio está ligada a
nível de
compreensão dos
âmbitos acima
citados
Estágios/
Níveis
1
o
: Preferência;
2
o
:
Tema;
3º: Expressão;
4
o
: Forma/Estilo;
5
o
: Juízo.
1
o
: Narrativo;
2
o
: Construtivo;
3º: Classificador;
4
o
: Interpretativo;
5
o
: Re-criativo.
1
o
: Nível I;
2
o
: Nível II;
3º: Nível III.
1
o
: Ingênuo;
2
o
: Principiante;
3º: Aprendiz;
4
o
: Especialista;
Perguntas
Descreva-me este
quadro./ De que é que
trata? Acha que é um
bom assunto para um
quadro?/ Que
sentimentos encontra
neste quadro?/ E as
cores? São bem
escolhidas?/ E a
forma (coisas que se
Na tese de
doutorado
43
pedia-se
para selecionar a
imagem de maior e a
de menor preferência
e depois a fala era
livre, sem
intervenções do
entrevistador. Fazia–
se no máximo
A pergunta inicial era
uma variação destas
perguntas: Vopode
falar sobre esta
imagem?/ O que você
pensa quando olha
para essa figura?/
Você pode falar o que
está pensando sobre
cada imagem. Pode
Alunos da UDESC: Que
vemos nesta pintura?
Podes me dizer que história
conta?/Já fizeste algum
estudo sobre esta obra
especificamente? O que
sabes sobre o autor, título,
lugar e época em que foi
produzida?/Podes me falar
dos sentimentos que tens
em relação a ela?/Por que
terá Victor Meireles
40
Estas são as oito imagens de cuja leitura trata o livro de Parsons, porém sua pesquisa utilizou várias outras
imagens.
41
Fonte: MARTINS, Mirian Celeste. Procurando brechas de acesso para o encontro sensível com a arte: tarefas
da mediação. São Paulo: Brasil +500, 2000, p. 8. (Texto mimeo para o Curso de Formação de Monitores)
42
ROSSI, Maria Helena Wagner. Imagens que falam. Porto Alegre: Editora Mediação, 2003, p. 38.
43
Ibid., p. 8.
Perguntas
repetem)? E a
textura?/ Foi difícil
fazer este quadro?
Quais terão sido as
dificuldades?/ É um
bom quadro? Por
quê? Havia perguntas
para “sondar”: Você
disse que X. O que
quer dizer com isso?/
Pode dar-me um
exemplo?/ Pode
desenvolver melhor
essa idéia? Em que
parte do quadro é que
vê isso?
comentários do tipo:
O que você está
olhando agora?/ Isso
é tudo?
No texto de 2000,
duas perguntas
apenas: O que
aqui? Há mais alguma
coisa?
perguntar, se você
quiser. Não
resposta certa ou
errada. / Você vai
olhar algumas
imagens e vai dizer o
que passa pela sua
cabeça, o que você
pensa quando olha
para elas. A seguir as
perguntas de
julgamento: Esta
imagem é boa ou
ruim? Por quê?/ O
que você acha disto?/
Você acha isto bom?
Por quê?/ Vogosta
desta imagem?/
Como você pode
julgar esta obra?/
Qual delas é a
melhor? E a pior? Por
quê?
escolhido este tema e por
que ele pintou este quadro
assim desta maneira?/Que
significado ela tem para ti?
Podes me dizer como os
pintores do século XIX
pintavam suas visões sobre
a história do Brasil?Que
relação s entre estas
imagens (Première Messe
em Kabylie e Primeira
Missa do Brasil)?/Mudou a
tua opinião sobre esta
pintura ao longo desta
entrevista?/Em que
momento aprendeste
mais?/Se te pedissem para
fazer uma breve palestra
sobre esta pintura, o que
dirias sobre ela agora?
Professores da UDESC:
Que significado esta pintura
tem para ti?/Podes me
dizer o que o artista tentou
representar nesta
pintura?/Na tua opinião, ela
é uma boa pintura?/O que
tens a me dizer sobre o
significado que ela teve
para os brasileiros na
época em que foi
produzida?/Teria este fato
(Descobrimento do Brasil)
acontecido assim como
está representado?/Por que
o artista pintou este quadro
assim desta
maneira?/Utilizarias esta
pintura num contexto de
ensino? Achas que ela é
importante para ser
utilizada com alunos, como
objeto de estudos? Em que
contexto de estudo a
utilizarias? Educadores de
Museus: O que significa
esta pintura dentro do
acervo do Museu Nacional
de Belas Artes?/Ela pode
ser utilizada em estudos
com crianças?/Você
mediou estudos entre a
pintura e o público escolar
aqui no museu? Como foi
esta experiência? Índios
pataxós: Como é a tua vida
aqui na aldeia?/O que é
este trabalho de resgate
cultural que vocês estão
fazendo?/Como era a sua
vida antes de vir morar aqui
na aldeia?/Diz a história
que aqui neste espaço
aconteceu 500 anos o
descobrimento do Brasil, o
que você me diz sobre
isto?/Vou lhe mostrar a
imagem de uma pintura que
para nós, os brancos,
representa uma questão
que envolve o indígena
brasileiro. O que tem você
a me dizer sobre isso?/Já
viu essa imagem antes?
Anexo 2: Entrevistas com a 1ª série
Entrevista com LC
- A professora queria que você falasse sobre essas imagens, a imagem 1 e a imagem 2, que você olhasse pra elas e me
dissesse o que você acha delas.
- Bom, aqui parece que é a Austrália, mas é, parece que são as crianças brincando de ciranda,
aqui é uma igreja, várias casas, aqui são...
- E porque parece a Austrália, LC?
- Por que a Austrália é bem, um lugar bem sólido, com bastante terra, vários lugares que tem terra na
Austrália.
- É? De onde você conhece a Austrália? Você já foi para a Austrália? Fotografia?
- Eu não, só que eu já vi muito em desenho.
- Ah, e você gosta da Austrália?
- (Acena positivamente)
- Você acha que esta é uma pintura legal?
- Eu acho.
- É? O que ela tem de legal?
- Ela tem cores e aqui pra (aponta para o fundo) ainda vai ter vários matos. Aqui parece que aqui
tem alguma coisa a ver com aqui.
- A imagem 1 tem alguma coisa a ver com a imagem 2?
- Ahã, por que esse mato aqui pode estar representando esta imagem aqui.
- Ah, deixa eu ver se estou entendendo, você quer dizer que esta imagem aqui é o fundo lá daquela? (a imagem 1 é o fundo
da imagem 2)
- É.
- É? E você gosta dessa aqui? (Refiro-me à imagem 2).
- Gosto.
- O que você gosta nela?
- É que teve um filme que mostra uma guerra e um moço, ele tava tentando morrer nessa guerra e
ele não conseguiu morrer daí... Que ele podia andar, até porque ele está com esse pedaço de pau
aqui porque é a bandeira, porque o cavalo...
- Ah, entendi! E aí no filme, como é que era?
- O filme ele tinha que amputar a perna (na entrevista a criança disse “ampuletar a perna”), só que ele
não queria, daí ele foi pra uma guerra, que ele ia perder uma perna, pra tentar se matar, mas ele
não se matou.
- Não? Que bom!
- Não, ele ficou na frente de um monte de cara que tinha tiro e eles passaram lá e a hora que os
caras foram pegar ele, uma pessoa lá do time dele...
- Nossa! Me fala uma coisa, o que é legal nessa imagem 2?
- Eu gosto do cavalo, eu gosto dessas imagens.
- Que imagens?
- Do céu, do cavalo, da floresta
- Está bem pintado?
- Está.
- E aquela (a imagem 1), está bem pintada também?
- Está.
- E o que você acha das cores delas?
- Eu acho que essa daqui dá pra ver
- A imagem 2?
1 2 3
- É. Essa daqui pra você ver, por exemplo, esse marrom aqui ó, vai confundir com esse marrom,
entendeu? (Ele pega a imagem 1 e leva para o fundo da sala e coloca na frente do armário que
também é marrom e eu peço pra ele chegar perto de mim para que eu possa enxergar, ele continua
falando sem parar)
- Entendi, o marrom da imagem se confunde com o marrom do armário se levar lá longe?
- É.
- Agora, esse aqui não? (Mostro imagem 2)
- Esse aqui não.
- O que você achou das cores da imagem 1?
- Ah, elas estão meio, sabe, misturadas, não estão, não está destacado que nem esta (a 2).
- Ah, essa aqui dá pra ver direitinho!
- Essa aqui está destacada.
- Hum, então as cores da imagem 2 são melhores que da imagem 1?
- (Acena que sim)
- E me fala uma coisa, o desenho?
- Eu acho melhor este.
- O da imagem 2?
- (Acena que sim)
- Melhor do que da imagem 1? O que tem na img1 que não está tão bem desenhado?
- Por exemplo, aqui ó, sabe o pé?
- Sei.
- Parece que ele está meio torto assim. Então se fosse outra pessoa podia fazer ele assim, ó,
rodando.
- Entendi.
- E essa pessoa está de fora pra quê?
- O que você acha que esta pessoa está fazendo?
- Não sei.
- Pois é, né! O que será? Então você prefere esta do que esta? (Prefere imagem 2 a imagem 1)
- É.
- Deixa eu te mostrar uma outra imagem pra você me dizer o que você acha. Vou mostrar agora a número 3. O que você
acha dessa?
- Eu acho boa, só que não pra entender muito bem, por causa assim, por que ela é muito branca e
não dá pra entender.
- Certo, mas você acha ela boa?
- Acho.
- O que é bom nela?
- Bom, parece assim bem que é um cemitério, que está lá no pólo norte, que é uma família pobre.
- Esse é um assunto legal pra uma pintura?
- (Fica em dúvida)
- Mais ou menos?
- É.
- Os outros dois assuntos, são melhores ou não?
- (Aponta para a imagem 2)
- Ah, você prefere o assunto da imagem 2. E o que você acha das cores da imagem 3?
- É assim ó, branco! O que dá pra entender com o branco? Só tem a cor branca.
- Tem muito branco, você acha?
- Tem.
- E aí está confuso. Como é que você acha que está o desenho desta imagem 3?
- Aí está bom ó!
- Está bem feito?
1 2 3
- Está bem feito.
- Dá pra ver direitinho cada um? O que está desenhado aí?
- Tem uma criança, outra criança, um marido, uma mulher e um... (Eu o interrompi)
- O que não está legal aí então é a cor?
- A cor.
- E você acha... (Ele me interrompeu)
- E aqui nos pés também ele não podia ter deixado assim desse branco, podia ter pintado tudo de
marrom.
- Ah, igual a cor da pele da gente?
- É.
- Entendi. E o assunto também não é muito legal, tirando aquela montanha lá do fundo?
- É.
- É isso?
- (Acena que sim)
- Então está jóia. Obrigada, tá!
Entrevista com LR
- Oi LR, vamos conversar? Eu gostaria que você olhasse estas duas imagens, a imagem 1 e a imagem 2 e me dissesse o
que você acha delas, pode ser?
- Ahã, na imagem 1 eu vejo aqui umas criancinhas brincando e aqui é um navio. Na imagem 2 eu
estou vendo um menininho montado num cavalo.
- Me fala uma coisa, você gosta das duas imagens?
- Ahã.
- Gosta? Das duas?
- Ahã.
- Tem alguma que você prefere?
- Eu prefiro esta. (Aponta para a imagem 1)
- Me fala uma coisa, por que você gosta da imagem 1?
- Porque eu gosto dessa imagem?
- É.
- É por que eu gosto de brincar e eu estou vendo estas crianças brincar e eu gosto de cachorro.
- Então você gosta de brincar de roda e gosta de cachorro?
- É, gosto.
- E aqui na imagem 2, o que você gosta?
- E que eu gosto de passear no cavalo lá no sítio do meu avô.
- Ah, que gostoso! Me fala uma coisa, você gosta das cores da imagem 1?
- Gosto.
- E das cores da imagem 2?
- Também.
- Tem alguma que você gosta mais?
- Eu gosto desta aqui porque tem rosa e rosa é a minha cor favorita (Aponta para o lenço no pescoço
do menino na imagem 2).
- Ah, legal, então você acha que aqui as cores estão melhores?
- Ahã.
- Mas você gosta daquelas cores também? (Da imagem 1)
- Gosto.
- E o desenho, você acha que esta imagem está bem desenhada e esta aqui também?
- Ahã.
1 2 3
- Tem alguma que você prefere, que você acha que está melhor desenhada?
- É aqui a 2.
- A imagem 2 é melhor desenhada? Como é que você sabe?
- É por que está mais desenhada e também é por que aqui tem mais coisas e eu gosto mais, e aqui
eu acho que está muito mais desenhado do que este. (Do que a imagem 1)
- Aqui tem mais detalhes, é isto?
- Ahã.
- Qual é o assunto da imagem 1?
- Brincadeiras.
- Brincadeiras. E o assunto da imagem 2?
- Cavalo.
- Cavalo. Você acha que o assunto da imagem 1 é bom?
- Ahã.
- E o assunto da imagem 2, é um bom assunto pra pintar?
- É.
- E você acha então que o desenho dessa aqui está um pouco melhor? (Da imagem 2)
- (Acena que sim)
- As cores aqui também porque tem a cor que você prefere.
- É.
- Mas os dois assuntos são bons? É isso?
- Ahã.
- Então deixa eu mostrar uma terceira imagem pra você, LR. O que você acha dessa imagem 3?
- Nossa!
- Nossa?
- (Silêncio)
- Você não sabe o que é? Olhe, o que você está vendo?
- Um nenezinho no colo de uma mãe, essas duas crianças, o velhinho.
- Qual você acha que é o assunto dessa imagem?
- Família.
- Família? Hum... Você acha que este é um bom assunto pra uma pintura?
- É.
- Então esta pintura é boa?
- É.
- Você gosta das cores?
- Eu gosto.
- Gosta? Que cores você vê aí?
- Vermelho, preto, branco...
- E o desenho, você acha que ela é bem desenhada?
- (Acena que não)
- Não? Qual que é melhor desenhada, ela ou a imagem 2?
- Ela ou a 2?
- É.
- A 2.
- E cores, qual delas tem cores melhores?
- Esta. (Aponta para a imagem 2)
- Mas você gosta das cores da imagem 3?
- (Acena que sim)
- Gosta? E o assunto?
- Eu acho que aqui (aponta a imagem 3) é mais importante do que aqui (aponta a imagem 2).
- O assunto é mais importante?
1 2 3
- É por que aqui tem a família unida e aqui não tem família unida.
- Ah, entendi! E que tipo de família é essa aqui? Onde vive esta família?
- Não sei.
- Dá uma olhadinha no que tem em volta deles. Onde parece que eles estão?
- Osso.
- Osso?
- Ahã.
- Onde será que eles estão?
- (Silêncio)
- Que família você imagina que é esta?
- Uma família, essa eu não sei.
- Não sabe? Então deixa eu entender, das três imagens, qual que você acha que tem as cores mais bonitas?
- (Aponta a imagem 2)
- A imagem 2. Qual você acha que está mais bem desenhada?
- (Aponta a imagem 2)
- A 2. Qual você acha que tem o assunto mais legal?
- (Aponta a imagem 2)
- A dois.
- Ahã.
- E qual tem o assunto mais importante?
- (Aponta a imagem 3)
- Hum, tem alguma delas que é mais triste ou não?
- (Aponta a imagem 3)
- A imagem 3?
- Essa aqui por que o velhinho ele é um monte de osso, ele morreu.
- Ah, o velhinho morreu? Por isso é que tem esse monte de ossos? Então essa imagem 3 é mais triste?
- (Acena que sim)
- É? Mesmo assim você gosta dela?
- Ahã.
- Gosta?
- Que é da família unida e eu gosto de família unida.
- Ah, isso é importante. Então está jóia. Peça para o próximo coleguinha vir. Obrigada.
Entrevista com US
- Fala para mim US, olha para essas imagens e me diz o que você acha delas. Olha, tem a imagem 1 e tem a imagem 2, o
que você acha delas?
- A imagem 1, eu acho ela assim meio atraente.
- O que é meio atraente nela, o que é bonito?
- O fundo, as casas, a igrejinha, as crianças brincando de roda.
- Você gosta de brincar de roda?
- Não, mas eu sei.
- É? E na imagem 2, o que você acha, você gostou também?
- Eu gostei, do cavalo, parede de verdade, a criancinha...
- O cavalo e a criancinha parecem de verdade?
- Ahã.
- Qual da duas parece mais de verdade para você?
- A mais de verdade para mim acho que é essa, a 2.
- É? E porque você acha que ela parece mais de verdade?
- Por causa do modo de desenhar, o cavalo...
1 2 3
- Como é o modo de desenhar que parece mais de verdade?
- Acho que é o tipo de cérebro, ele tem aquelas idéias que tem que desenhar, mas parece tão igual
na vida real.
- É?
- Eu gostei, eu acabei de ver essa montanha de terra.
- No fundo da imagem 2?
- Ahã. Gostei muito, parece de verdade mesmo.
- Agora, me fala uma coisa, o que você acha das cores da imagem 1?
- Da imagem 1? As cores eu acho que são misturadas.
- Ah! O que é misturado, US?
- São cores dessas crianças, o modo, as casas.
- As cores são misturadas! E na imagem 2?
- A imagem 2? O azul do céu, aqui pra tampar essa parte aqui do cavalo.
- Onde está a perna da criança?
- É.
- Quais cores você prefere, da imagem 1 ou da imagem 2?
- Da imagem 1. Dois, dois.
- Da imagem 2? E por quê? Você sabe?
- Sei, por que as cores são mais realistas.
- As cores ou os desenhos?
- As cores são mais realistas, a cor da roupa, o ouro.
- E aqui, o que não é tão realista nas cores da imagem 1?
- O que não é realista? Acho que as crianças.
- O que não é realista nelas?
- (Aponta para a pele)
- A cor?
- A cor da pele.
- E o desenho?
- O desenho? Eu acho que é chão.
- O chão da imagem 1? O que ele tem ele?
- Eu acho assim que ele é muito escuro.
- Ah, tá! E na imagem 2?
- A imagem 2, o que eu gostei, o que eu não gostei?
- É, isso!
- O que eu não gostei foi tampar algumas coisas, eu não gostei é do troço aqui, no fundo das árvores.
- Aí nesse chão? (Aponta na imagem 2)
- Ahã, parece que está inundado.
- É? Não está tão de verdade assim?
- É não está tão de verdade.
- Está um pouco confuso?
- Ahã.
- Bom, se tivesse que escolher entre a imagem 1 e a imagem 2, qual que você preferiria?
- Preferia a 2.
- Você gosta mais das cores da imagem 2?
- Gosto.
- Ela é mais bem desenhada ou não?
- É.
- Ela parece mais de verdade?
- Parece.
- E qual assunto você acha mais interessante para pintar, o da imagem 1 ou da imagem 2?
1 2 3
- Mais interessante é do 1.
- Mas você pintaria diferente, se pudesse?
- Se pudesse eu pintaria.
- O que você faria de diferente?
- As crianças, o fundo...
- Você modificaria algumas coisas?
- É.
- Para ficar como?
- Mais bonito, mais assim mais claro, eu ia botar uma graminha.
- Ah, entendi, entendi!
- E eu iria colocar esse menininho aqui na roda porque ela está triste.
- Ele está ali sozinho, né? Bom, agora eu vou te mostrar uma terceira imagem para ver o que você acha dela.
- Não gostei não!
- Não? O que você não gostou nessa imagem, US?
- O jeito das pessoas, não gostei nem um pouco!
- Qual é o jeito das pessoas que não te agrada?
- Parece assim que eles são fantasmas, que estão quebrados, ossos, parece fantasma!
- Então qual é o assunto dessa imagem 3?
- Fantasmas.
- Fantasmas? Você acha este um bom assunto de pintar?
- Pro medo é, mas pro bem, não!
- Não? O que você acha das cores, US?
- As cores eu não gostei muito.
- O que você não gostou nas cores dessa imagem?
- Esses tracinhos...
- Esses tracinhos aqui na roupa? (Aponta para os riscos na camisa do homem da direita)
- Ahã, parece que ficou dobrado.
- Bom, você acha que este desenho parece um desenho de verdade?
- Não.
- Se a gente for comparar o desenho da imagem 2 e da imagem 3, qual desenho é melhor?
- (Aponta para 2)
- Da imagem 2?
- Da dois.
- Qual assunto é melhor?
- Da dois.
- E as cores?
- Da dois.
- Também? E se a gente comparar as três, qual é o assunto melhor?
- O assunto melhor ainda é a 2.
- A dois? As cores melhores?
- A dois.
- E o assunto mais legal?
- O assunto mais legal? A 2 também.
- Qual parece mais de verdade, US?
- A mais de verdade é a 2, porque a cara da crianças parece cara de criança mesmo.
- E você acha que uma imagem para ser boa tem que ser mais parecida com a verdade?
- Não, depende do jeito que desenha como a cabeça imagina.
- Ah...
- Pelo jeito quem inventou deve ter uma cabeça, deve ter um cérebro assim de criança, de humano
assim de verdade.
1 2 3
- Quem pintou a imagem 2?
- Ahã.
- E quem pintou a imagem 3?
- Pobre.
- É? Aí você disse apra mim que não precisa ser só parecido com, parecido de verdade, que pode ter outras idéias!
- Ahã.
- Então esse aqui pode ser um quadro bom também ou não? O da imagem 3?
- O 3? Pode ser um quadro bom, mas eu não gostei.
- Ah, entendo! Pode ser bom, mas você não gosta.
- Ahã.
- Então tá! Obrigada, peça para vir o próximo, tá?
1 2 3
Anexo 3: Leitura de imagem da professora
Está aqui a imagem. Bem, quando eu olhei para ela, a primeira coisa que me veio à mente foi É
um Van Gogh”. Na verdade, não pelo estilo da pintura porque na verdade também isto aqui está me
parecendo mais um desenho, um crayon, mas pela fisionomia mesmo da pessoa. Perfil, a barba meio
ruiva, um a expressão meio carrancuda. Eu acho que deve ser um Van Gogh mesmo por causa
dessa expressão forte desse rosto, essa coisa introspectiva, ele olha pro lado, ao mesmo tempo me
lembrou a obra do Degas, “Absinto” acho que é o nome, onde tem aquelas duas pessoas sentadas
num bar.
Bom, ele está sentado a uma mesa, sozinho, parece que com paletó, um lenço ou uma gravata,
não sei, o cabelo para trás, e sobre a mesa tem um copo, atrás parece que tem uma espécie de uma
bancada e depois da bancada uma , algo que poderia ser uma janela ou um armário, talvez, esse
fundo, esse último plano, ele é geometrizado, quando eu olhei, à primeira vista parecia simplesmente
algo abstrato, algo geométrico, mas agora olhando, eu acho que pode ser o balcão de um bar.
Eu vejo muitas pinceladas, muitas pinceladas não, muitos riscos, muitos traços mesmo que me
parecem ser de crayon pela própria textura, me parece que é, o não preenchimento total de alguns
espaços.
E ela me transmite essa coisa introspectiva do Van Gogh, uma certa tristeza, uma certa angústia
com a existência, solidão, alguém que se senta à mesa de um bar sem companhia na verdade eu
não estou cogitando que possa existir para além da imagem uma companhia, porque eu acredito que
já estou entendendo que seja o Van Gogh e que portanto, é alguém solitário.
Porque que ele se pintaria assim de perfil? Eu nunca tinha prestado atenção neste retrato dele, na
verdade todos que eu conheço são frontais ou no máximo ¾.
Ela me transmite essa solidão mesmo ou um momento de estar só para pensar, de estar para
tomada de decisões, beber alguma coisa para descontrair ou até para sair de onde se está e fazer
algo diferente.
As cores eu acho que combinam muito com esta questão expressionista, existe um predomínio de
tons mais escuros, pode ser de azul, pode ser de marrom, preto, mais existe também luz,
principalmente no rosto dele, nos cabelos. Existe uma luz que ele joga com um amarelo, um branco.
No balcão existem também algumas partes com luz, existe uma forma arredondada abaixo do balcão
que me faz pensar que isso realmente seja um balcão e que esses sejam os pilares de sustentação,
alguma coisa assim.
Sobre a mesa também pra ver algumas manchas amarelas que iluminam. Agora, o copo é
absolutamente genial, como ele consegue dar transparência ao copo e fazer a gente entender que
aquilo é luz, que aquilo é líquido.
Acho que é isso que eu poderia dizer dessa imagem, eu gosto da forma como ela é desenhada,
pintada, eu gosto do tema introspectivo, de alguém, eu acho que ela deixa bem aberto essa... algo
para gente imaginar mesmo, pra onde ele olha ou pra quem ele olha, o que ele pensa, o que ele faz
aqui... eu acho que é bem isso..é isso
Uma fotografia.
Eu me lembro que é uma das pranchas que a gente recebeu no curso da 27ª. Bienal, mas não me
lembro de ter lido nada sobre ela.
A fotografia é um pouco desfocada e tem alguns pingos que me fazem entender que a lente da
câmera estava molhada. Tem uma praia, um céu bem fechado, um céu cinza que vai clareando. No
horizonte ele é bem cinza, depois ele toma uma tonalidade azul claro, depois ele vai ficando branco,
esbranquiçado como se a luz do sol estivesse próxima, iluminando melhor aquela parte.
Aqui em primeiro plano tem um rapaz, um moço negro, com o cabelo acho que raspado e ele está
sobre uma... não sei se é uma pista de skate porque não tem uma rampa, tem uma quebra aqui do
lado esquerdo, mas acho que o... não me parece que seja uma pista de skate não, parece que é
algo utilizado de improviso.
O corpo dele, boa parte do corpo dele esde perfil, mas o tronco na parte superior está girando,
então ele mostra parte das costas pra gente, mas ele não está virado para gente.
Acho interessante o efeito das gotas de água da fotografia, as gotas de água na lente porque me
faz pensar que pode pensar que podem ser gotas de água da chuva também que esse céu parece
que está anunciando.
Os tons são tons muito próximos, que a roupa dele tem um tom esverdeado, ele usa a calça bem
de “mano” e tem uma parte da calça, eu não sei se é um bolso que aponta para alguma coisa
vermelha ou é realmente um detalhe da calça.
Aqui do lado direito em cima tem alguma coisa que remete a uma vegetação, uma coisa assim...
existem pedras próximas à praia.
O significado desta imagem para mim – isso já é bem mais difícil poderia ser uma foto de autor,
um fotógrafo capta um momento de alguém numa atividade que gosta, que faz bem.
É mais interessante olhar esta imagem porque eu não tenho referência nenhuma do autor ou das
suas intenções, é mais instigante do que olhar a imagem do Van Gogh, por outro lado, é mais difícil
encontrar um sentido pra mim.
Uma praia, um céu escuro, alguém num skate, uma pista improvisada, o que isso pode? O que
isso significa pra mim? É um contraste, é como se a imagem dele representasse algo mais animador,
algo mais alegre do que este céu. Este céu é triste, esse céu me parece carregado e a atividade que
ele exerce, esse andar de skate, estar empinando o skate, é algo que contrasta com esse medo, com
essa coisa fechada do céu, ele me parece que está aberto, ele esaberto a utilizar um pedaço de
calçada talvez... Ele veio para se divertir, se distrair com o seu skate, ele tem um corpo bonito, o
movimento que o corpo dele faz é muito bonito, agora chegou a me lembrar um pouco o “Discóbulo
de Miron”, então ele faz um movimento muito bonito com o corpo, ao mesmo tempo que você
parte do corpo de frente, de perfil, você parte de costas, então é muito bonito. A imagem dele está
quase centralizada na fotografia e parece que os tons foram combinados, os tons da roupa dele com
os tons do concreto dessa pista, com os tons das rochas, que são todos tons meio acinzentados ou
esverdeados e que contrastam com o azul do céu, da água, que por sua vez também é meio
acinzentado.
A imagem é toda, é meio nebulosa, pra perceber que ela não é uma imagem nítida, é como se
ela tivesse sido feita com uma câmera digital e quando ela foi ampliada, pra perceber os pixels,
a imagem retalhadinha.
Acho que o que mais faz sentido pra mim ao olhar esta imagem é isso, esse contraste do escuro
com o claro, o claro representado pelo rapaz, mas a claridade está no que ele faz, esnessa alegria
de estar se movendo e agora me parece que ele está se movendo como as ondas se movem. Então,
o mar se move, ele se move, o mar ... As ondas fazem vários movimentos, ele também, ele ergue o
skate como que uma onda que esse aproximando, que vai desaguar na praia, é muito bonito. É
como se fosse um “Discóbulo de Miron” contemporâneo, fotográfico.
Eu não consigo encontrar nenhuma relação ou, por exemplo, eu fico pensando, será que... eu não
consigo de tentar entender o que o artista quis dizer, os significados pra mim, eu já encontrei alguns,
do próprio contraste, do movimento. Agora, eu fico tentando entender também no contexto do autor,
eu não conheço o contexto do autor, nem me lembro quem é o autor, mas o que o autor poderia... eu
vejo poesia, eu vejo poesia nisso como intenção do autor. Capturar um momento, um momento
singular de alguém a beira-mar.
Outra coisa me ocorre, existe a parte seca da imagem e a parte úmida e a parte seca está entre
os dois planos úmidos, então eu tenho o plano da lente, umedecido pelas gotículas de água e ao
fundo tem o plano do mar e ao mesmo tempo do céu que está carregado de nuvens, que têm muita
água e o que é seco entre estes dois campos úmidos, que é exatamente o que tem a cor
diferenciada, os tons de verde ou cinza.
Me parece que esse é um olhar mesmo de um fotógrafo sobre uma cena que poderia passar
desapercebida pelo olhar de qualquer pessoa, mas que para um olhar sensível, é fonte de inspiração,
é fonte de uma imagem..
Eu gosto muito deste movimento do corpo, esse movimento do corpo em balanço com o
movimento das ondas e parece que entra em movimento com esse céu também que se agita pra
fazer chover. Por outro lado as gotículas de água na lente o estáticas, estáticas como a própria
forma sobre a qual ele está com o skate.
A natureza se move, a natureza se move toda, o mar, o céu, o homem, as rochas o, as rochas
permanecem... elas são fixas, elas são a base, a sustentação assim como essa plataforma de
concreto sobre a qual ele está. A gente precisa de um chão concreto pra pisar, não pra ficar
pisando ou caminhando sobre as águas. A gente precisa de estabilidade e estabilidade é o que esse
céu não passa e que na verdade nem ele passa, o rapaz está num momento em que ele inclina o
skate, é um momento de instabilidade, um momento em que ele provavelmente voltar ao chão,
mas ainda não voltou. É algo suspenso e é isso que o fotógrafo captura, esse instante de vida
suspenso no ar, assim como essa chuva suspensa no ar.
É isso!
Anexo 4: avaliação escrita da 8ª série
Atividade de Leitura de Imagem
Disciplina de Artes – 8ª série – Data:____/____/______
Nome do aluno:________________________________________
1. Observe a imagem.
O que você pode dizer sobre esta imagem?
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2. Observe a imagem.
O que você pode dizer sobre esta imagem?
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_________________________________________________________________
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_________________________________________________________
3. Observe a imagem.
O que você pode dizer sobre esta imagem?
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_________________________________________________________________
_________________________________________________________
4. Observe a imagem.
O que você pode dizer sobre esta imagem?
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_________________________________________________________________
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_________________________________________________________________
_________________________________________________________
5. Observe as imagens e saiba que as duas retratam o mesmo objeto, mas visto
de diferentes ângulos.
O que você pode dizer sobre estas imagens?
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___________________________________________________________________
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__________________________________________________________
Ando devagar
Porque já tive pressa
E levo esse sorriso
Porque já chorei demais
Hoje me sinto mais forte,
Mais feliz, quem sabe,
Eu só levo a certeza
De que muito pouco eu sei,
Nada sei
Conhecer as manhas
E as manhãs
O sabor das massas
E das maçãs
É preciso amor
Prá poder pulsar
É preciso paz prá poder sorrir
E é preciso chuva para florir
(...)
Cada um de nós compõe
A sua própria história
E cada ser em si
Carrega o dom de ser capaz
De ser feliz
Renato Teixeira
Renato Teixeira Renato Teixeira
Renato Teixeira e
Almir Sater
Almir SaterAlmir Sater
Almir Sater
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