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As Praças de Cultura no governo Djalma Maranhão (1960-1964)
ISA PAULA ZACARIAS RIBEIRO
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA – MESTRADO
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: HISTÓRIA E ESPAÇOS
LINHA DE PESQUISA: CULTURA, PODER E REPRESENTAÇÕES ESPACIAIS
AS PRAÇAS DE CULTURA NO GOVERNO DJALMA MARANHÃO (1960-1964)
ISA PAULA ZACARIAS RIBEIRO
NATAL, SETEMBRO DE 2008.
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ISA PAULA ZACARIAS RIBEIRO
AS PRAÇAS DE CULTURA NO GOVERNO DJALMA MARANHÃO
Dissertação apresentada como requisito parcial para
obtenção do grau de Mestre no Curso de Pós-Graduação em
História, Área de Concentração em História e Espaços,
Linha de Pesquisa “Cultura, Poder e Representações
Espaciais”, da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte, sob a orientação da Profa. Drª. Flávia de Sá Pedreira.
NATAL, SETEMBRO DE 2008.
Catalogação da Publicação na Fonte. Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
Biblioteca Setorial Especializada do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes (CCHLA).
NNBSE-CCHLA.
Ribeiro, Isa Paula Zacarias.
As praças de cultura no governo Djalma Maranhão / Isa Paula Zacarias
Ribeiro. - Natal, RN, 2008.
121 f.
Orientadora: Profª
Drª. Flávia de Sá Pedreira.
Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal do Rio Gran-
de do Norte. Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Programa de Pós-
Graduação em História. Área de Concentração: História e Espaços. Linha de
Pesquisa II : Cultura, Poder e Representações Espaciais”.
1. Natal (RN) – História (1956-1964) – Dissertação. 2. Cultura popular -
Dissertação. 3. Praça de cultura – Dissertação. 4. Natal (RN) – Política, 1956 –
1964 – Dissertação. I. Pedreira, Flávia de Sá. II. Universidade Federal do Rio
Grande do Norte. III. Título.
RN/BSE-CCHLA CDU 94(813.2) “1956-1964”
ISA PAULA ZACARIAS RIBEIRO
AS PRAÇAS DE CULTURA NO GOVERNO DJALMA MARANHÃO (1960-1964)
Dissertação aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre no Curso de
Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, pela comissão
formada pelos professores:
__________________________________________
Profa. Dra. Flávia de Sá Pedreira
(Orientadora)
__________________________________________
Prof. Dr. Antonio Torres Montenegro
(Examinador Externo)
__________________________________________
Prof. Dr. Raimundo Nonato Araújo da Rocha
(Examinador Interno)
__________________________________________
Prof. Dr. Almir de Carvalho Bueno
(Suplente)
Natal, _________de setembro de 2008.
Resumo
Este trabalho tem como objetivo analisar a apropriação do espaço pelo poder público.
Entre os anos 1956 e 1964, a cidade de Natal foi administrada pelo prefeito Djalma
Maranhão, liderança política marcada pelas bandeiras nacionalistas do período que eram a
luta contra o imperialismo e a emancipação do povo através do que se denominou cultura
popular. O termo ganhou uma conotação política ao mesmo tempo em que era entendido
como a mais pura manifestação do povo brasileiro. O momento político significou também
um novo olhar sobre a cidade, na medida em que o anseio de progresso, de industrialização e
de reformas sociais propagado pela política em âmbito nacional, refletiu diretamente nas
transformações no seu espaço físico. Dentro dessa orientação nacionalista, a prefeitura
empreendeu ões sistematizadas frente às novas necessidades urbanas que surgiam ao
mesmo tempo em que transformou algumas praças da cidade em espaços culturais,
denominados praças de cultura. Esses espaços eram destinados à promoção da cultura popular
ao mesmo tempo em que era um espaço estratégico de produção e recepção dos valores
defendidos por Djalma Maranhão. Nesse sentido, procuramos responder qual foi o
posicionamento do prefeito frente às demandas urbanas que surgiam e como as praças de
cultura foram sendo incorporadas ao cotidiano da cidade, atribuindo novos sentidos à praça
pública. Para a construção deste trabalho recorremos às fontes orais e aos periódicos, os
jornais A República e Folha da Tarde, como principais recursos metodológicos.
Palavras-chave: cultura popular, praça de cultura, Natal.
Resumé
Le présent texte vise à analiser la apropriation de l'espace par le pouvoir publique. Entre les
années 1956 et 1964, la ville brésilien de Natal a été administré par le maire Djalma
Maranhao, dirigeants politiques marquées par des idées nationalistes, comme la lutte contre
l'impérialisme et l'émancipation du peuple a travers de ce que l'on appelle « culture
populaire ». Le terme a acquis une connotation politique, en même temps dans ce qui était
considéré comme la plus pure manifestation du peuple brésilien. La dynamique politique
signifie aussi un nouveau regard sur la ville, enquant que le désir de progrès, de
industrialisation et de réformes sociales propagée dans la politique nationale brésilienne,
directement traduit par des changements dans son espace physique. Dans cette orientation
nationaliste, la ville a entrepris des actions systématiques à l'encontre des nouveaux besoins
urbains qui se posent en même temps que tourné certains places de la ville à espaces
culturelles, appelée « places de la culture ». Ces espaces sont destinés à la promotion de la
culture populaire en même temps il a été un domaine stratégique de la production et la
réception des valeurs défendues par Djalma Maranhao. En ce sens, nous avons demandé
répondre quelle a été la position du maire face à la besoins urbaines qu'ils se posaient et
comme les places de la culture sont intégré à la vie quotidienne de la ville de Natal, donnant
une nouvelle signification à la place publique. Pour la construction de ce travail, nous
utilisons les sources orales et de revues, de journaux et de A República et Folha da Tarde,
comme le principal ressources méthodologiques.
Mot-clés : Culture populaire, place de culture, Natal
Agradecimentos
Este trabalho representa um esforço imenso de perseverança frente a muitos
obstáculos. Representa o amor que tenho pela vida por mais atropelada que ela me apresente.
Representa um trabalho ao mesmo tempo pessoal e coletivo. Pessoal pela escolha em estudar
história e coletivo, porque desde a graduação muitas pessoas estiveram comigo, alimentando
esse amor pela vida, me ajudando, me incentivando, compartilhando momentos da minha vida
pessoal e acadêmica.
Agradeço primeiramente a minha família, meus pais, irmãos e cunhadas que estão
dedicados a me fazer feliz.
A Paulo de Tarso Correa de Melo, Sanderson Negreiros, Nísia Bezerra, Seu Cornélio,
Moacyr de Góes e especialmente, Mailde Galvão, pelos depoimentos concedidos, pela
documentação cedida, pela infinita generosidade.
Aos professores do PPGH, especialmente a professora Flávia de Pedreira, minha
orientadora, pelas orientações, conversas informais e compreensão e amizade nascente. E a
Nonato, professor e amigo, pelas orientações, amizade e apoio.
Aos amigos da academia e da vida: Michelle Pascoal, a Adriana Patrício, que me
ensinou a gostar de Certeau no grupo de estudo e grande companheira de viagem, Fabiano
Viana, amigo que nunca deixarei de sentir falta.
A Syl, carioca marrenta que esteve do meu lado no momento mais crítico da minha
vida. Elson e Jesi, pela amizade e carinho dedicados, pelas conversas sem sentido no msn,
risadas, reclamações, lamentações, orientações, reencontros. Gilmar, pelas conversas acerca
de nossos trabalhos e amizade e a Eva sempre tão doce e amável. Aos demais colegas do
mestrado pelo companheirismo e diálogo.
A DJ, Sandrinho, Vani, Léo, Lourdes, Karlinha, Raquel, Thaisa amigos queridos
sempre presentes em minha vida.
As minhas “chefinhas” Sandra por compreender minhas ausências e a Cristiane pela
normatização do trabalho e pela amizade construída nesses dois anos de Ministério Público.
Lista de Figuras
FIGURA 01- Foto do Ginásio Municipal, atual ginásio Djalma Maranhão...........................85
FIGURA 02- Foto da Inauguração da I Praça de cultura.....................................................98
FIGURA 03- Foto da loja de livros na I Praça de Cultura.....................................................98
FIGURA 04- Foto da Biblioteca Popular Monteiro Lobato.................................................101
FIGURA 05- Foto da Biblioteca Popular Castro Alves.......................................................101
FIGURA 06- Foto da Galeria de Arte..................................................................................108
FIGURA 07- Foto da exposição do artista Chico Santeiro no interior da Galeria de Arte..108
FIGURA 08- Foto do interior da Galeria de Arte................................................................109
Lista de Abreviaturas
ABC – Argentina, Brasil e Chile
ANL – Aliança Nacional Libertadora
AP – Ação Popular
CASOL – Companhia de Água e Esgoto
CEF – Caixa Econômica Federal
CEPAL – Comissão Econômica para a América Latina
CNBB – Confederação Nacional dos Bispos do Brasil
COSERN – Companhia de Serviços Elétricos do Rio Grande do Norte
CPC – Centro Popular de Cultura
DDC – Diretoria de Documentação e Cultura
DDC – Departamento de Difusão e Cultura
DDI – Departamento de Documentação e Informação
DFC – Departamento de Formação de Cultura
EUA – Estados Unidos
FUNDHAP – Fundação de Habitação Popular
IAA – Instituto do Açúcar e do Álcool
IBESP – Instituto Brasileiro de Economia, Sociologia e Política
ISEB – Instituto Superior de Estudos Brasileiros
MCP – Movimento de Cultura Popular
MEB – Movimento de Educação de Base
ONU – Organização das Nações Unidas
PCB – Partido Comunista Brasileiro
PP – Partido Popular
PSD – Partido Social Democrata
PSP – Partido Social Progressista
PSB – Partido Socialista Brasileiro
PTB – Partido Trabalhista Brasileiro
PTN – Partido Trabalhista Nacional
SECERN – Serviço Cooperativo de Educação do Rio Grande do Norte
SUDENE – Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste
TELERN – Telefonia do Rio Grande do Norte
UDN – União Democrática Nacional
UNE – União Nacional dos Estudantes
UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro
UFRN – Universidade Federal do Rio Grande do Norte
USP – Universidade de São Paulo
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO
10
2 1960: MCP, DE NOCHÃO..., CULTURA POPULAR E PRAÇAS DE
CULTURA
19
21. DJALMA MARANHÃO E A POLÍTICA NO RIO GRANDE DO NORTE
25
2.2. ALIANÇA PARA O PROGRESSO E O NACIONALISMO POPULISTA NO
RIO GRANDE DO NORTE
35
2.3. CULTURA POPULAR NO MCP E NA CAMPANHA DE NO CHÃO
TAMBÉM SE APRENDE A LER
39
2.4 O ISEB E OS MOVIMENTOS POPULARES
44
2.5 O INÍCIO: MOVIMENTO DE CULTURA POPULAR
51
3 AS TRANSFORMAÇÕES URBANÍSTICAS NO ESPAÇO FÍSICO DA
CIDADE NAS ADMINISTRAÇÕES DE DJALMA MARANHÃO
55
3.1 HISTÓRIA, ESPAÇO E CIDADE
56
3.2 O URBANO EM NATAL
62
3.3 AS INTERVENÇÕES URBANÍSTICAS NA CIDADE DE NATAL NO
GOVERNO DJALMA MARANHÃO
64
3.3.1 A Reforma administrativa da Prefeitura de Natal
65
3.3.2 As intervenções urbanísticas
67
4 AS PRAÇAS DE CULTURA NO GOVERNO DJALMA MARANHÃO
76
4.1 LUGARES DA CIDADE: A PRAÇA COMO EXPRESSÃO DO ESPAÇO
URBANO
78
4.2 OS ESPAÇOS DE LAZER E CULTURA NO GOVERNO DJALMA
MARANHÃO
84
4.2.1 Os espaços culturais
86
4.2.2 A democratização da cultura
89
4.3 A PRAÇA DE CULTURA COMO REALIZAÇÃO DE UM TEMPO-ESPAÇO
DETERMINADO
95
4.3.1 I Praça de Cultura
97
4.3.2 As Bibliotecas Populares
99
4.33 Praça de Cultura André de Albuquerque
103
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
111
REFERÊNCIAS
112
1 INTRODUÇÃO
Este trabalho é um estudo sobre apropriação do espaço pelo poder público. Entre os
anos 1956 e 1964, a cidade de Natal foi administrada pelo prefeito Djalma Maranhão, que na
época representava a maior liderança política fora dos quadros das oligarquias que dirigiam o
poder estadual. A trajetória política do prefeito foi marcada por sua passagem pelo Partido
Comunista e por partidos de base nacionalista. O nacionalismo defendido por Djalma
Maranhão consistia na luta contra o imperialismo e na emancipação do povo através do que se
denominou cultura popular.
Dentro dessa orientação nacionalista, a prefeitura empreendeu ações sistematizadas
frente às novas necessidades urbanas que surgiam ao mesmo tempo em que promoveu um
movimento popular, a campanha De no Chão Também se Aprende a Ler, e incorporou ao
cotidiano da cidade espaços culturais, transformando algumas praças em praças de cultura.
Nesse sentido, qual foi o posicionamento do prefeito frente às demandas urbanas que surgiam
e como as praças de cultura foram sendo incorporadas ao cotidiano da cidade, atribuindo
novos sentidos à praça pública?
O marco de sua administração foi a campanha de erradicação do analfabetismo De
no Chão Também se Aprende a Ler, inspirada no Movimento de Cultura Popular (MCP) de
Pernambuco, fundado em 1960. Em 1961, a Prefeitura fez um convênio com o MCP e
auxiliares de Djalma Maranhão foram a Recife conhecer o Movimento. Tendo como
referência o MCP e o método Paulo Freire, a Prefeitura criou o Livro de Leitura De no
Chão Também se Aprende a Ler, e optou pela instalação de Praças de Cultura, da Galeria de
Arte e das Bibliotecas Populares.
Nas duas administrações de Djalma Maranhão, as ações culturais do município quase
sempre aconteceram em função da Campanha, entretanto, ocuparam em certos momentos
espaços específicos, como as praças.
As praças de cultura surgiram dentro do contexto dos movimentos de cultura popular
nos primeiros anos da década de 1960 no Brasil. Os movimentos de cultura popular
utilizavam-se de instrumentos e métodos próprios de trabalho. A alfabetização de jovens e
adultos e as praças de cultura eram caminhos para se chegar ao público. As praças de cultura
funcionavam como centros de recreação e educação, localizados em bairros populares.
Em Natal, as praças de cultura eram lugares destinados à diversão e ao lazer da
população. Segundo Góes:
As praças constituíam-se de parque infantil, visando atrair a infância; um
campo de esportes: basquete, voleibol, futebol de salão, com a finalidade de
congregar a juventude, um telefone público, de interesse geral, e uma
biblioteca, como base fundamental.
1
A primeira experiência de Praça de Cultura foi no segundo semestre de 1961. Durante
uma semana uma praça da cidade foi ocupada com barracas para a feira de livros, de discos e
artes plásticas, artesanato, publicações, noite de autógrafos, entre ouras atividades.
2
Em 1962,
foram instaladas as praças de cultura de caráter permanente. As praças eram administradas
pela Diretoria de Documentação e Cultura (DDC), dirigida por Mailde Galvão. Neste ano
foram instaladas em dez praças da cidade, parques infantis e quadras de esportes. Estas praças
posteriormente seriam transformadas em praças de cultura.
Como praças de cultura estiveram em funcionamento até o fim do governo quatro
praças nos seguintes bairros: a praça de cultura periódica, na Praça Kennedy, na Cidade Alta,
e as permanentes, nas Quintas, nas Rocas e na Cidade Alta. Estas praças contavam com
postos de empréstimos de livros, chamados Bibliotecas Populares, e recebiam nomes de
escritores nacionais: Biblioteca Popular Castro Alves (Quintas); Biblioteca Popular Monteiro
Lobato (Rocas); e Biblioteca Popular José de Alencar (Praça André de Albuquerque – Cidade
Alta). A Praça André de Albuquerque foi em 1963 modificada ganhando uma Galeria de Arte,
uma Concha Acústica e uma Biblioteca Popular, mesas de leitura ao ar livre, tela para
projeção de filmes e passou a Praça de Cultura André de Albuquerque.
A literatura produzida referente à administração municipal de Djalma Maranhão
esteve dedicada às análises sobre a campanha De no Chão Também se Aprende a Ler,
movimento popular promovido pela prefeitura, cuja finalidade era erradicar o problema do
analfabetismo em Natal. Outro tema bastante recorrente são as análises sobre a ditadura
militar, em que Djalma Maranhão e seus assessores foram presos e destituídos de seus cargos.
Não temos conhecimento sobre estudos que versem sobre as praças de cultura
especificamente. Os trabalhos produzidos são de diversas origens: memorialistas, produções
comemorativas, biográficas e acadêmicas sendo estes últimos produções de sociólogos,
cientistas políticos, historiadores e pedagogos.
1
GÓES, Moacyr de. 2 livros de Djalma Maranhão no exílio. Natal: Artprint, 2000, p.143.
2
Id. Ibid. p.100.
Entre os trabalhos produzidos dentro da universidade, encontramos rias análises
específicas sobre a Campanha De no Chão Também se Aprende a Ler e investigações que
se dedicaram a campanhas populares diversas ocorridas nos anos de 1960. No tocante aos
trabalhos que enfocam particularmente a Campanha merecem destaque o de Góes (1980),
Germano (1982), Silva (1999), Carvalho (2000) e Moura (2002)
3
.
O professor Moacyr de Góes (chefe de gabinete na primeira administração e secretário
da Educação na segunda) foi um dos idealizadores da campanha. Em De Pé no Chão Também
se Aprende a Ler (1961-1964): uma escola democrática, o autor trata da política em Natal e
no Rio Grande do Norte a partir dos anos 1930, o surgimento do cafeísmo até 1960, com
Djalma Maranhão na política, os movimentos de educação e a Campanha, suas origens,
objetivos, características e término.
O primeiro trabalho acadêmico, na UFRN, a estudar a Campanha foi produzido pelo
professor José Willington Germano em sua dissertação de Mestrado, Lendo e Aprendendo: a
campanha De no chão. Na obra o autor tece uma discussão sobre política e educação na
década de 60, inserindo a campanha De no Chão dentro desse contexto. Discute a política
no Rio Grande do Norte, as eleições de 1960 para o governo estadual e municipal, a
campanha De no Chão, suas origens, objetivos, organização, desenvolvimento, além de
uma discussão sobre as bases conceptuais da campanha.
A pedagoga Maria da Guia de Souza Silva em sua dissertação de Mestrado Djalma
Maranhão ou Semeador de Utopias de Transformação Social (1999) faz um estudo
biográfico sobre Djalma Maranhão, reconstituindo aspectos da trajetória do homem público,
enfatizando a sua atuação como esportista, jornalista, sobretudo, sua militância política como
prefeito de Natal (1956-1959/1960-1964).
A tese de Doutorado da professora Maria Elizete Guimarães Carvalho Memórias da
Campanha De no Chão...1961-1964 O Testemunho dos Participantes (2000) –, trabalha
com o depoimento dos organizadores, professores, alunos e da comunidade da Vila de Ponta
Negra, atores importantes da Campanha.
3
GÓES, Moacyr. De no chão também se aprende a ler (1961-1964): uma escola democrática. 2.ed. São
Paulo: Cortez, 1991.
GERMANO, José. Willington. Lendo e aprendendo: a campanha de pé no chão. São Paulo: Autores Associados;
Cortez, 1982. (Coleção teoria e práticas sociais).
SILVA, Maria da Guia de Souza. Djalma Maranhão ou semeador de utopias da transformação social. 1999.
Dissertação (Mestrado em Educação) – UFRN, Natal, [1999].
CARVALHO, Maria Elizete Carvalho. Memórias da campanha de no chão ...1961-1964: o testemunho dos
participantes. 2000. Tese (Doutorado) – UFRN, Natal,[2000].
MOURA, Francisca Zuilma Rocha de. Mensageiros da transformação: a educação popular no Rio Grande do
Norte (1960-1964). 2002. Monografia (Graduação em História) Departamento de História - Universidade
Federal do Rio Grande do Norte. Natal,[2002].
Francisca Zuilma de Moura, em sua monografia de conclusão do curso de História da
UFRN intitulada Mensageiros da Transformação: a educação popular no Rio Grande do
Norte - 1960-1964 (2002) faz um estudo comparativo acerca dos três movimentos de
educação popular desenvolvidos no Rio Grande do Norte na década de 1960, a saber: De
no Chão Também se Aprende a Ler, o MEB (Movimento de Educação de Base) e As 40 horas
de Angicos – Método Paulo Freire.
Existem também os trabalhos que se dedicam a estudar os movimentos de educação
popular na década de 1960 em geral. Ao estudar esses movimentos, tais trabalhos analisam
também a campanha De no Chão. Podemos destacar três trabalhos com essas
características: Educação Popular e Educação de Adultos
4
de autoria da professora Vanilda
Paiva (1987), que trata das origens, da estrutura do movimento, das atividades; Estudantes e
Política: estudo de um movimento (RN: 1960-1969)
5
escrito por Justina Iva (1989) que
analisa, entre outros assuntos, do envolvimento dos estudantes secundaristas e universitários
na campanha De no Chão e a participação de Djalma Maranhão junto aos estudantes nas
lutas nacionalistas do período; Cultura e Educação Popular: memórias dos anos 60, de
Osmar Fávero (1983)
6
. Neste último, o autor reúne uma série de documentos elaborados sobre
cultura e educação popular dos vários movimentos populares, entre eles o De no Chão
Também se Aprende a Ler.
No tocante aos estudos produzidos fora da academia, encontramos trabalhos de
pessoas próximas a Djalma Maranhão ou que fizeram parte de seu governo e as suas
memórias. Destacamos os trabalhos de Marcos Maranhão (filho do ex-prefeito), Mailde Pinto
Galvão (diretora da DDC da prefeitura de Natal na segunda administração de Djalma
Maranhão) e do professor Moacyr de Góes.
Marcos Maranhão
7
, filho do ex-prefeito, reuniu em Discursos Parlamentares alguns
pronunciamentos de Djalma Maranhão quando este era deputado federal, mostrando assim
posição política como líder da Frente Nacionalista no Estado.
Mailde Pinto Galvão, que durante a segunda administração foi titular da Diretoria de
Documentação e Cultura realizou trabalho voltado às atividades culturais articulado com o De
Pé no Chão Também se Aprende a Ler, escreveu 1964: Aconteceu em Abril. Neste trabalho, a
4
PAIVA, Vanilda Pereira. Educação popular e educação de adultos: contribuição à história da educação
brasileira. 5.ed. São Paulo: Edições Loyola, 1987.
5
SILVA, Justina Iva de Araújo. Estudantes e política: estudo de um movimento (RN 1960-1969). São Paulo:
Cortez, 1989.
6
FÁVERO, Osmar (Org.). Cultura popular e educação popular: memória dos anos 60. Rio de Janeiro: Edições
Graal, 1983.
7
MARANHÃO, Marcos. Pensamento político: discursos parlamentares. Natal: CERN, 1985.
autora reconstitui os acontecimentos do dia de abril, quando o regime militar foi decretado,
no qual foi envolvida, sendo presa e interrogada, enfatizando os acontecimentos na prefeitura,
as prisões e a figura de Djalma Maranhão nesse processo.
8
O outro livro de Góes foi publicado durante a comemoração dos 400 anos da cidade
de Natal, em 2000, e é intitulado 2 Livros de Djalma Maranhão no Exílio
9
. O livro é
introduzido com um panorama geral no Brasil e no Rio Grande do Norte a partir dos anos
1930, com uma análise genérica sobre alguns discursos proferidos por Djalma Maranhão e
com memórias pessoais do próprio autor do volume. Após essa introdução, a obra dividi-se
em duas partes. Na primeira, A Campanha De no Chão Também se Aprende a Ler, Góes
registra memórias pessoais de Djalma Maranhão sobre a campanha. Na segunda Memórias
de 64 Góes transcreve os escritos de Djalma Maranhão sobre a política brasileira, a
administração municipal em Natal, manifestos e poesia. As memórias também estão reunidas
em Cartas de um Exilado, em que estão registradas as cartas de Djalma Maranhão enviadas
do exílio a parentes e amigos.
Em relação às produções mais recentes, fazemos referência aos trabalhos
monográficos na área de história Prefeitura e classes populares: um estudo sobre as
administrações populares de Djalma Maranhão (1956-1959/1960-1964)
10
, de minha autoria
(2004), que traz uma análise sobre a primeira administração do prefeito. Destacamos também
os trabalhos desenvolvidos pela base de pesquisa Cultura, Política e Educação, coordenada
pelo professor Dr. José Willington Germano, do Departamento de Ciências Sociais da UFRN
e os trabalhos desenvolvidos pelo grupo de pesquisa História da Cidade e do Urbanismo, do
Departamento de Arquitetura, da mesma universidade, dirigidos pela professora Dra. Ângela
Lúcia Ferreira. Esses trabalhos trazem novas perspectivas abordando novos temas
relacionados à cidade de Natal, nos anos 1960.
O interesse pelo tema inicialmente foi a forte referência que Djalma Maranhão teve
para o movimento estudantil aqui do Rio Grande do Norte na década de 1990. Na graduação
meu trabalho monográfico foi um estudo comparativo entre as suas administrações. No intuito
de dar continuidade a pesquisa, buscamos um tema que estivesse dentro da proposta do
Programa de Pós-Graduação em História, da UFRN, cuja área de concentração é História e
Espaços. Sendo assim, optamos por estudar as praças de cultura, um projeto político cultural
8
GALVÃO, Mailde Pinto. 1964: aconteceu em abril. 2.ed. Natal: EDUFRN, 2004.
9
GÓES, Moacyr. 2 livros de Djalma Maranhão no exílio.
10
RIBEIRO, Isa Paula Z. Prefeitura e classes populares: um estudo sobre as administrações municipais de
Djalma Maranhão (1956-1959/1960-1964). 2003. Monografia (Graduação em História – UFRN). Natal. [2003].
da prefeitura dos anos 1960 que se apropriou do espaço público. Nesse sentido, são categorias
importantes ao tema: representação, espaço, cultura popular.
A noção de representação aqui é entendida como em diferentes lugares e momentos
uma realidade social é construída e pensada, construção determinada por interesses de grupos,
percepções do social, que não são neutras, produzem estratégias e práticas, sejam sociais,
escolares, políticas, etc. Para Chartier, “as lutas de representações têm tanta importância como
as lutas econômicas para compreender os mecanismos pelos quais um grupo impõe, ou tenta
se impor, a sua concepção do mundo social, os valores que são os seus, e o seu domínio”. A
orientação política de Djalma Maranhão implicava em práticas espaciais, intervenções no
espaço público que expressavam na sua materialidade valores e intenções.
11
Partimos do pressuposto que todo espaço é construído. Sendo o espaço uma das
categorias mais interdisciplinares quando se torna objeto de estudo de historiadores,
geógrafos, arquitetos, antropólogos, sicos, não podemos afirmar que exista um conceito
absoluto de espaço. É preciso perceber os sentidos que o espaço ganha, conforme o tempo e o
lugar. A praça pública se confunde com a própria origem da cidade. Concordamos com a
antropóloga Coradine quando afirma que a praça surge no cenário urbano de acordo com o
imaginário de cada época, correspondendo “as imagens e representações que são construídas a
partir de diferentes discursos, usos, olhares, que imprimem a cada praça de cada cidade em diferentes
épocas, diferentes significados”.
12
Em nossas leituras sobre as praças, tendo como referência Mumford, Bakthin, Burke,
Sennett, Segawa, Magalhães e Menjot,
13
percebemos que a praça em diferentes momentos e
lugares apresentou uma diversidade de usos e sentidos.
A prefeitura de Natal ao transformar
três praças da cidade em praças de cultura atribuiu a esses locais novos usos e sentidos,
transformando a praça, local de reuniões informais, de passagem, em espaços culturais
dinâmicos e de convergência de um número significativo de pessoas.
11
CHARTIER, Roger. A História Cultural: entre práticas e representações. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,
1988. p.16-17.
12
CORADINE, Lisabete. Praça XV: espaço e sociabilidade. Florianópolis/SC: Letras Contemporâneas,
1995.p.14.
13
MUMFORD, Lewis. A cidade na história: suas origens, transformações e perspectivas. 4.ed. São Paulo:
Martins Fontes, 2004; BAKHTIN, Mikhail. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de
François Rebelais. 3.ed. São Paulo: UNB; BURKE, Peter. A cultura popular na Idade Moderna. São Paulo:
Companhia das Letras, 1989; SEGAWA, Hugo. Ao amor do público: jardins no Brasil. São Paulo: Nobel, 1996;
SENNET, Richard. O declínio do homem público: as tiranias da intimidade. São Paulo: Companhia das Letras,
1988; MAGALHÃES, Luiz Otávio de. A cidade grega e os modos urbanos da política. In: CARVALHO,
Margarida Maria de (org.). As cidades no tempo. Franca, UNESP, São Paulo, Olho d’Água, 2005.
MENJOT, Denis e BOUCHEREON, Patrick. O florescimento das cidades: o século XIII na história do mundo
urbano. In: Op.cit.
Buscamos referências nos historiadores Michel de Certeau e Roger Chartier quando
problematizam a cultura como uma categoria plural, por isso de difícil definição. Os
movimentos de cultura popular, inclusive o De no Chão Também se Aprende a Ler, vão
imprimir novos significados ao termo, e as práticas desses movimentos vão refletir seus
valores e idéias. As praças de cultura eram espaços específicos de promoção da cultura
popular, ali convergiam às idéias da campanha De no Chão Também se Aprende a Ler e
do grupo que junto como o prefeito Djalma Maranhão coordenava os projetos da Prefeitura.
Concordamos com Chartier quando se propõe a pensar as diferentes formas de apropriação,
entendida como conjunto de práticas que confere a um espaço, da cultura popular por
diferentes grupos sociais e não tentar enquadrá-la dentro de modelos interpretativos.
14
Concebemos, então, a praça de cultura como um espaço estratégico e de instrução. Ao
se apropriar da praça e transformá-la em praça de cultura, a prefeitura transformou o lugar e
ali imprimiu signos, intenções. Espaço de instrução, pois todas as atividades aconteciam
articuladas a Campanha De Pé no Chão Também se Aprende a Ler.
Para a construção desse trabalho recorremos às fontes primárias como os jornais
Folha da Tarde, de propriedade de Djalma Maranhão e o jornal A República
15
; e o Livro de
Leitura da Campanha; e a documentação produzida pelo movimento: relatórios sobre as
bibliotecas e fotografias do arquivo da Diretoria de Documentação e Cultura.
Optamos também pelo método de História Oral, entrevistando pessoas que foram
responsáveis pelos trabalhos desenvolvidos nas praças de cultura, ex-assessores do Prefeito
Djalma Maranhão e pessoas que mantinham um vínculo de amizade com o prefeito.
A história oral é baseada na memória que é sempre uma reconstrução psíquica e
intelectual, uma representação do passado visto sobre o olhar do presente e do meio social. A
memória, como lembrança subjetiva e selecionada dos acontecimentos, pode ser individual ou
coletiva, mas para a história oral a memória individual tem sentido em função de sua
inscrição no conjunto social das demais memórias.
Essa representação seletiva do passado, nunca é aquele do indivíduo somente, mas
dele inserido num contexto familiar, social, nacional. O sociólogo Maurice Halbwachs foi um
dos primeiros pesquisadores a estudar a categoria memória, a partir de uma análise
sociológica, na década de 1920. Para ele, as memórias são construídas por grupos sociais.
“São indivíduos que lembram no sentido literal, físico, mas são os grupos que determinam o
14
CHARTIER, Roger. Cultura Popular: revisitando um conceito historiográfico. Estudos Históricos, Rio de
Janeiro, vol.8, nº 16, 1995, p.179-192; e CERTEAU, Michel. A cultura no plural. Campinas: Papirus, 1995.
15
O jornal A República foi fundado em 1889 e foi nessa época o órgão de divulgação do Partido Republicano e
do Governo do Estado. Cf. RIBEIRO, Isa Paula Z. et al. Catálogo do periódico A República em pesquisa no
IGHRN .Monografia – Especialização em Arquivo, História e Memória. Natal, 2005.
que é memorável, e também como será lembrado”, ou seja, o depoimento da testemunha
tem sentido em relação a um grupo do qual faz parte, porque pressupõe um evento real vivido
outrora em comum.
16
Uma das vantagens da história oral deriva justamente do que a historiadora Alberti
chamou de “fascínio do vivido”. A experiência do entrevistado torna o passado mais concreto,
sendo por isso atraente na divulgação do conhecimento. Dessa forma, a peculiaridade do
documento de história oral não está no ineditismo de alguma informação ou no
preenchimento de lacunas, mas de toda uma postura em relação à história e às configurações
socioculturais, que privilegia a recuperação do vivido conforme concebido por quem viveu.
17
Dentro das possibilidades do uso da história oral, a história política se insere nessa
perspectiva, no estudo das diferentes formas de articulação e estratégias de atores e grupos, na
reconstituição de redes de relação, formas de socialização e canais de ingresso na carreira,
investigação de estilos políticos específicos a indivíduos e grupos.
18
A dissertação está estruturada em três capítulos. O primeiro discutirá o processo de
transformações ocorridas na região Nordeste, em particular nos estados de Pernambuco e Rio
Grande do Norte, no que diz respeito ao momento político específico do final dos anos 1950 e
dos primeiros anos da década de 1960 e o surgimento de movimentos de educação e cultura.
Nesse sentido, procuramos responder as seguintes questões: que circunstâncias favoreceram o
surgimento dos movimentos de educação e cultura popular? Por que tais movimentos
cresceram com tanta força na Região Nordeste, com o Movimento de Cultura Popular – MCP
e a campanha De Pé no Chão Também se Aprende a Ler? Como esses movimentos
conceberam a cultura popular? E quais foram suas principais influências?
No segundo capítulo veremos como a prefeitura se posicionou frente às novas
demandas urbanas que surgiam. A segunda metade da década de 1950, a política nacional
desenvolvimentista do governo federal dirigiu um novo olhar sobre as cidades brasileiras. Os
anseios de modernização e progresso refletiram nas transformações no espaço físico da cidade
que também precisou se modernizar.
No terceiro capítulo abordaremos como os espaços culturais foram incorporados pelo
poder público ao cotidiano da cidade, denominados praças de cultura. A praça ao ser
transformada em praça de cultura adquiriu um novo sentido, constituindo-se em um espaço de
diversão, de promoção das tradições populares, em um espaço de instrução na medida em que
16
HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo: Centauro, 2006. p.14.
17
ALBERTI, Verena. Ouvir e contar: textos em história oral. Rio de Janeiro: FGV, 2004. p.16.
18
Id. Ibid .p.24-25. Cf. CAMARGO, Aspásia. História oral e política. In: MORAES, Marieta (Org.). História
Oral. Rio de Janeiro: Diadorim, 1994.
era uma extensão das atividades da campanha De no Chão Também se Aprende a Ler e
estratégico, onde Djalma Maranhão e o grupo que estava em torno dele puderam expressar
visualmente na materialidade daquele espaço suas orientações e intenções políticas.
2 1960: MCP, DE PÉ NO CHÃO..., CULTURA POPULAR E PRAÇAS DE CULTURA
Neste capítulo colocaremos em questão o processo de transformações ocorridas na
região Nordeste, em particular nos estados de Pernambuco e Rio Grande do Norte, no que diz
respeito ao momento político específico do final dos anos 1950 e dos primeiros anos da
década de 1960 e o surgimento de movimentos de educação e cultura popular surgidos nesse
período dando origem a espaços específicos de convergência de idéias e práticas desses
movimentos, como as praças de cultura.
A problemática em torno do que se denominou cultura popular norteou as discussões
da época, trazidas por tais movimentos, que em sua maioria, eram liderados por intelectuais
diretamente ligados a grupos políticos considerados de esquerda ou progressista. Foi através
do que se chamou de arte engajada que esses movimentos deram à expressão cultura popular
uma conotação política, a cultura como instrumento de conscientização política e social do
povo, e não apenas como expressão de arte.
19
Foi também a partir desses movimentos que
espaços culturais foram criados ou ganharam novos usos. Espaços de produção e de recepção
de idéias e de práticas que envolviam a discussão em torno da nação, através do que se
chamou cultura popular.
Sendo assim, abordaremos algumas questões: que circunstâncias favoreceram o
surgimento dos movimentos de educação e cultura popular? Por que tais movimentos
cresceram com tanta força na Região Nordeste, com o Movimento de Cultura Popular – MCP
e a campanha De Pé no Chão Também se Aprende a Ler? Achamos importante nesse capítulo
abordarmos os dois movimentos, pois foram semelhantes em suas práticas, financiados pelo
poder público, e o MCP foi inspiração para as ações da Prefeitura de Natal. A praça de cultura
foi um exemplo disso.
A problemática da cultura popular foi o eixo central na discussão sobre o nacional.
Nesse momento, o povo passou a ser sujeito e a nação seria soberana a partir da
conscientização das classes populares e da sua participação na transformação da sociedade. A
cultura popular seria o instrumento para a transformação social. Como esses movimentos
conceberam a cultura popular? E quais foram suas principais influências?
A década de 1960 foi um período bastante peculiar na história do país. Momento de
reivindicações nos campos político, econômico e educacional. Momento marcado por grande
19
Cf. HOLANDA, Heloísa Buarque. Impressões da viagem: CPC, vanguarda e desbunde (1960-1970). São
Paulo: Brasiliense, 1980.
criatividade e questionamentos, de mobilizações e desejo de mudanças. De crítica à política
dominante. Esse período também foi um momento de transformações no mundo. Nesta época
teve início uma grande revolução comportamental como o surgimento do feminismo e os
movimentos civis em favor dos negros e homossexuais. O Papa João XXIII abriu o Concílio
Vaticano II trazendo mudanças significativas para a Igreja Católica. Surgiram movimentos de
comportamento como os hippies, que protestavam contrários à Guerra Fria, à Guerra do
Vietnã e ao racionalismo. Esse movimento foi também chamado de contracultura. Ocorreu
também a Revolução Cubana na América Latina, levando Fidel Castro ao poder.
Entretanto, a vontade de mudança foi vivenciada intensamente desde os anos 1950. Os
anseios de modernização, progresso e industrialização refletiram nas mudanças sociais,
culturais e políticas do período. O design arrojado e o concretismo, nas artes plásticas, foram
a marca desse período. Além da abertura política que favoreceu toda essa efervescência
cultural, a historiadora Velloso acrescenta ainda que a formação de um público urbano e a
emergência de uma cultura de massa contribuíram de forma significativa para a rica produção
cultural daquele momento. “Entramos no tempo cultural acelerado, onde os signos se
multiplicam voando ao consumo imediato”. Começam a ter grande circulação gibis,
fotonovelas, os programas de auditório das rádios tornaram-se mais concorridos, as
chanchadas da Atlântida tinham público certo.
20
No final da década surgiram as manifestações que posteriormente tomariam forma nos
movimentos da Bossa Nova, Cinema Novo, Teatro do Oprimido e música de protesto.
Buscavam-se novas formas de expressão artística com o objetivo de integrar cultura,
modernidade e desenvolvimento.
21
Na educação, o fim do governo de Juscelino Kubitschek foi marcado pelo debate em
torno da Lei de Dirtrizes e Bases da Educação Nacional, nos órgãos educacionais, sindicais,
meios estudantis, na imprensa. Transformações no espaço físico da cidade, demonstravam o
incremento de inovações tecnológicas e as novas tendências urbanísticas e a arquitetura de
Brasília foi um exemplo disso. Vivia-se também um momento marcado caracterizado por uma
política nacional populista caracterizada pela valorização do povo e de sua cultura no
desenvolvimento da nação, ao mesmo tempo, em que uma política de compromisso atendia
aos interesses dos diversos setores da sociedade.
Segundo Ianni, a expressão populismo tem sido designada para diversos fenômenos
históricos e tanto nos países europeus, americanos, asiáticos e africanos em que ocorreram
20
VELLOSO, Mônica. A dupla face de Jano: romantismo e populismo. In: GOMES, Ângela da Castro Gomes
(org.). O Brasil de JK. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2002. p.173-174.
21
Id. Ibid. p.173.
movimentos de massas, partidos políticos e governos, os estudiosos de sociologia, política,
economia e história denominam de populistas.
22
Na América Latina, o populismo começou a
ser estudado nos anos de 1950. No Brasil, os estudos mais sistemáticos em relação ao
conceito foram dos cientistas sociais da USP, nas décadas de 1970 e 1980, como Francisco
Weffort, Octavio Ianni, entre outros.
23
O termo populismo passou a ser recorrente após 1945 e em diferentes momentos da
política brasileira ganhou diversas conotações, servindo para designar manipulação da
população pelo poder público, como um tipo específico de poder ou como a participação das
massas no processo político. Nesse sentido, Weffort que o caracteriza como um fenômeno
urbano ressalta que o populismo foi um fenômeno político que assumiu diversas facetas e
estas foram freqüentemente contraditórias, apresentando dessa forma o populismo como
tendo um caráter ambíguo, constituindo a um tempo manipulação e satisfação das classes
populares.
Foi a partir de 1955, com o governo de Juscelino Kubistchek e com os governos
posteriores de Jânio Quadros e João Goulart, que se tentou incutir no povo brasileiro uma
mentalidade desenvolvimentista, de consciência da defasagem sociocultural em relação aos
países desenvolvidos. A necessidade de participação de intelectuais nesse processo se tornou
uma das questões mais enfatizadas.
24
Nesse contexto tomou força a utopia nacionalista, em que a industrialização e a
tecnologia eram as metas do governo. A sociedade comprometia-se com a nação, o progresso
e o desenvolvimento industrial. O nacionalismo forneceu a trama da vida política.
25
Mesmo a
esquerda, que após o Estado Novo, apresentou suas lutas políticas voltadas para as reformas
institucionais, na defesa do nacionalismo, aliando-se a setores da burguesia nacional,
distanciou-se das tradições teóricas e práticas marxistas.
26
Com o nacional
desenvolvimentismo, os governos populistas conseguiriam conciliar os interesses da
burguesia nacional com a política de participação do povo no crescimento da nação. O
nacionalismo acabou favorecendo a continuidade de uma política populista voltada aos
22
IANNI, Octávio. A formação do estado populista na América Latina. 2.ed. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1991.p.18.
23
Cf. WEFFORT, Francisco C. O populismo na política brasileira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986; IANNI,
Octávio. O colapso do populismo no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978; ______. A formação
do estado populista na América Latina.; DEBERT, Guita Grin. Ideologia e populismo: A. de Barros, M. Arraes,
C. Lacerda, L. Brizola. São Paulo: T.A. Queiróz, 1979.
24
FÁVERO, Osmar (Org.). Cultura popular e educação popular: memória dos anos 60. p.249.
25
VELLOSO, Mônica. A dupla face de Jano: romantismo e populismo. IN: GOMES, Ângela de Castro Gomes
(Org.). O Brasil de JK. p.174.
26
IANNI, Otávio. O colapso do populismo no Brasil. p.92-93.
interesses de vários setores da sociedade, pois deu ao populismo um instrumento de
mobilização popular através do apelo a símbolos nacionais.
O desenvolvimento trouxe aumento do poder aquisitivo das camadas populares,
aumentando dessa forma o consumo. Essa nova situação não era bem vista por alguns setores
intelectuais, pois sendo o povo assediado pela mídia acabava por reproduzir valores culturais
que não eram os seus, perdendo-se assim, a consciência de seu papel na construção da nação.
A cultura era associada à conscientização, nunca ao lazer e à diversão.
27
E foi também através
da arquitetura e feiras industriais que se buscava reparar o atraso técnico.
Na região Nordeste, esse discurso foi direcionado à criação da SUDENE
(Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste) em 1959, que tinha por finalidade a
intervenção planejada do Estado na região, com o propósito de transformar o Nordeste em
pólo produtivo, integrando-o à economia nacional e ao desenvolvimento do Centro-sul do
país. Foi nessa região que os vários movimentos de cultura popular se desenvolveram.
Destacamos o Movimento de Cultura Popular (MCP), vinculado a Prefeitura de Recife,
criado em 1960, cronologicamente o mais antigo; e a campanha De no Chão Também se
Aprende a Ler, da Prefeitura de Natal, criada em 1961.
28
Os movimentos de educação e cultura popular surgiram com toda força nessa região,
que vivia um intenso processo de lutas, com a organização dos trabalhadores rurais. Segundo
Conceição Góes,
Nessa região, em acelerada movimentação política, pela primeira vez os
conflitos trabalhistas na zona rural não eram vistos sob uma ótica messiânica
ou em rebeldias individuais. Eram tratados de forma organizada através das
Ligas Camponesas e dos sindicatos rurais fundados pela Igreja Católica e
comunistas.
29
Alguns acontecimentos também foram importantes, marcando um novo momento de
participação política dos trabalhadores rurais: a I Conferência de Trabalhadores Cea e
27
VELLOSO, Mônica. A dupla face de Jano: romantismo e populismo. In: GOMES, Ângela de Castro Gomes
(Org.). O Brasil de JK . p.183.
28
Fora do Nordeste, temos o Centro Popular de Cultura (CPC) da União Nacional dos Estudantes (UNE), no Rio
de Janeiro, criado em 1961. O CPC esteve em várias partes do país, inclusive em Natal, através da UNE volante,
onde desenvolveu atividades junto ao De no Chão Também se Aprende a Ler. Movimento de Educação de
Base (MEB), iniciativa da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e reconhecido pelo governo
federal (1961).
29
GÓES, Maria Conceição Pinto de. A aposta de Luíz Ignácio Maranhão Filho: cristãos e comunistas na
construção da utopia. Rio de Janeiro: Editora UFRJ / Revan, 1999. p.32.
Paraíba, em 1953; Congresso de Salvação do Nordeste, idealizado pelo Partido Comunista
Brasileiro (PCB), em 1955, e a realização de congressos estaduais de trabalhadores rurais em
vários estados nordestinos. As Ligas Camponesas se estenderam por toda a região, durante 05
anos, conseguindo avançar em questões como a reforma agrária, com a bandeira “Reforma
Agrária na Lei ou na marra”, na ocasião do I Congresso Nacional de lavradores em Belo
Horizonte, no ano de 1961.
30
Sem poder econômico, porém, a região crescia politicamente com a vitória das forças
progressistas nas eleições municipais em Recife, com a vitória da Frente de Recife tendo
como representante Miguel Arraes, e em Natal com a vitória do nacionalista Djalma
Maranhão, para exercer seu segundo mandato na Prefeitura.
Ambos os governos promoveram movimentos populares, o MCP e a campanha De
no chão Também se Aprende a Ler e estiveram em constante diálogo, os movimentos
possuíam práticas semelhantes e as praças de cultura foram um trabalho desenvolvido
primeiramente pelo MCP.
Importante assinalar também que o momento político vivido nesses dois estados
favoreceu o surgimento do MCP e do De no Chão Também se Aprende a Ler. Como nos
mostra Paiva, tanto em Pernambuco como no Rio Grande do Norte ocorreram fenômenos
semelhantes. Os candidatos favoráveis à industrialização e a uma política de reformas
venciam as eleições para o governo do estado. Candidatos de esquerda, nacionalistas, eram
eleitos prefeitos das capitais e incluíam em seus projetos de governo programas de ampliação
da rede escolar e o combate ao analfabetismo. A política da Frente Nacionalista, a partir de
1960, visava à conquista dos governos estaduais pelos prefeitos, o que foi conseguido em
Pernambuco em 1962.
31
Em Pernambuco a disputa eleitoral para o Governo estadual contou com forte apelo
popular, com a orientação de firmas especializadas em propaganda eleitoral e por meio de
alianças políticas entre a Frente de Recife e a União Democrática Nacional (UDN) , em 1958,
processo semelhante ao ocorrido no Rio Grande do Norte. Acrescenta Paiva:
A mesma aliança que elegera Cid Sampaio em 1958 conduziu à Prefeitura de
Recife seu cunhado, Miguel Arraes, em 1960; no Rio Grande do Norte, na
mesma campanha em que se elegeu Aluízio Alves, foi conduzido Djalma
Maranhão à Prefeitura de Natal.
32
30
SILVA, Justina Iva de Araújo. Estudantes e política: estudo de um movimento (RN 1960-1969). p.54.
31
PAIVA, Vanilda. Paulo Freire e o nacionalismo-desenvolvimentista. São Paulo: Graal, 1980. p.21.
32
PAIVA, Vanilda. Paulo Freire e o nacionalismo desenvolvimentista. p.22-23.
Importante destacar também a relação existente entre Djalma Maranhão e os dois
políticos mais expoentes da esquerda pernambucana, Miguel Arraes e Pelópidas Silveira
Governador de Pernambuco. De acordo com Germano, foi com Miguel Arraes e Pelópidas
Silveira que Djalma Maranhão fez seus primeiros contatos políticos fora do estado. “Era o
início de um intercâmbio, de uma cooperação que iria se verificar, sobretudo, através do
Movimento de Cultura Popular e a campanha De Pé no Chão.
33
A trajetória e práticas políticas dos prefeitos Arraes e Maranhão também foram
igualmente favoráveis a essa aproximação. Miguel Arraes de Alencar iniciou sua trajetória
política quando assumiu o cargo de Secretário da Fazenda, no Governo de Barbosa Lima
Sobrinho, em 1948. A aproximação com o então Governador de Pernambuco aconteceu
quando Miguel Arraes era funcionário do Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA). Barbosa
Lima Sobrinho era presidente do Instituto e nomeou Arraes Delegado Regional do IAA.
Em 1950, elegeu-se deputado estadual, reeleito em 1958, tendo se afastado em 1959
para assumir a Secretaria da Fazenda do Governo Cid Sampaio. Em 1960 foi eleito Prefeito
de Recife pela Frente de Recife, com o apoio de comunistas, socialistas e trabalhistas. E em
1962, elegeu-se governador do estado. Sua administração popular foi marcada pela promoção
do MCP e pelo apoio a organização dos trabalhadores rurais. Com o Golpe de 1964, foi preso,
mandado para exílio na Argélia, sendo anistiado em 1982.
34
De acordo com Souza, especialista em História de Pernambuco, a proposta do governo
João Goulart foi defendida no âmbito estadual por Miguel Arraes. Apresentando um governo
com o apoio e articulação das classes populares, setores progressistas e nacionalistas, fruto da
formação da Frente de Recife.
35
Em relação ao Prefeito Djalma Maranhão, líder da Frente Nacionalista em Natal,
também apresentou um governo que contava com forte aceitação por parte da população, com
campanhas populares e propostas de cunho nacionalistas.
33
GERMANO, José Willington. Lendo e aprendendo: a campanha de pé no chão. p.83.
34
DEBERT,Guita Grin. Ideologia e populismo. p.69-73.
35
SOUZA, Kelma Fabíola Beltrão. A abordagem sobre a cultura popular utilizada no movimento de cultura
popular de Pernambuco. In: Alaic, 2002, Santa Cruz de La Sierra. Anais do Alaic, 2002. Disponível em:
http://www.eca.usp.br Acesso em 05/02/2007.
2.1 DJALMA MARANHÃO E A POLÍTICA NO RIO GRANDE DO NORTE
Filho da aristocracia local, neto do senhor de engenho Felismino de Albuquerque
Maranhão e de Cândida Filomena Albuquerque Maranhão, morou até 1927, na fazenda São
Pedro, entre os municípios de Lajes e Pedra Preta, quando se mudou com seus pais, o
fazendeiro Luiz Ignácio Maranhão e Salomé Maranhão, e irmãos para Natal.
36
Djalma Maranhão, alguns anos depois, iniciou sua trajetória política com 14 anos de
idade. Foi para São Paulo, alistou-se no Exército e participou da Revolução de 1932, na qual
foi preso e expulso do exército. “Nunca se soube como, nem por que, em 1932, Djalma
Maranhão, [...], entrou em casa e avisou a todos: Vou alistar-me nas forças revolucionárias,
vou pra São Paulo, vou embora”.
37
O momento político do início dos anos 1930, a repercussão da revolução em Natal, as
agitações políticas, podem ter influenciado a ida de Djalma Maranhão para São Paulo. A
década de 1930 foi rica em possibilidades para os jovens das camadas dias urbanas que
despertavam para a política, embora fossem ligados às oligarquias por laços de parentesco,
dificilmente teriam acesso ao espaço público, que estava ocupado pelos filhos dos
proprietários de terra, dos altos comerciantes de exportação e importação e dos financistas
com suas práticas tradicionais.
38
Afirma Góes que as oligarquias que dominavam os setores mais importantes da
economia (sal, açúcar e algodão) estavam à frente do poder, organizando as diversas
instâncias que compõem o Estado, indicando desde o servente ao chefe mais graduado, ou de
qualquer outra ocupação pública, para ocupação dos cargos nas repartições.
39
Provavelmente foi em São Paulo que Djalma Maranhão teve os primeiros contatos
com a Aliança Nacional Libertadora (ANL) e com o Partido Comunista Brasileiro (PCB).
Dessa forma, quando Maranhão voltou para Natal, em 1937
40
, passou a exercer a militância
36
GÓES, Maria Conceição Pinto de. A aposta de Luíz Ignácio Maranhão Filho: cristãos e comunistas na
construção da utopia.. p.32.
37
Id. Ibid. p.44.
38
Id. Ibid. p.35.
39
GÓES, Maria Conceição Pinto de. A aposta de Luíz Ignácio Maranhão Filho: cristãos e comunistas na
construção da utopia. p. .35.
40
Não é possível afirmar com exatidão que Djalma Maranhão retornou a Natal em 1937. Os trabalhos que o
analisam afirmam que em 1937 ele estava em Natal. É também a partir de 1937 que encontramos os seus
primeiros escritos. Assim sendo, tudo leva a crer que essa foi a data de seu retorno.
política, inicialmente, através do jornalismo, trabalho iniciado quando esteve no Rio de
Janeiro onde atuou em diversos jornais.
41
Nesse período existiam 37 jornais na cidade de Natal, desde os jornais dos centros
acadêmicos estudantis, literários, políticos, religiosos, desportistas e até humorísticos.
42
Góes
ressalta que a maioria dos intelectuais e políticos que se destacaram nas décadas posteriores,
teve seu aprendizado nesses jornais e especialmente no jornal A República, jornal oficial do
Estado e o mais antigo da cidade, criado em 1889. Foram colaboradores desse jornal: Aluizio
Alves, Djalma Maranhão, Luíz Ignácio Maranhão Filho, Raimundo Nonato Fernandes, José
Arruda Câmara, Veríssimo de Melo, José Cândido Filho, Câmara Cascudo entre outros.
43
Djalma Maranhão como jornalista trabalhou e colaborou em vários jornais norte-rio-
grandenses, atuando em diversas funções e escrevendo sobre os mais diversos temas.
Assumiu as funções de repórter, revisor, secretário e redator. Entre os jornais em que ele
atuou pode-se destacar: o jornal do Grêmio Literário Antônio Glicério e o jornal Gazeta
(1937); e Expressão (1938), ambos da cidade de Macau; a Revista Juriti (1938), onde
assinaria nesse mesmo ano, o artigo Literatura de Vanguarda; Revista Novidades (1939),
além de criar o semanário esportivo O Atleta (1938-1939)
44
destinado aos segmentos
esportivos, com o objetivo de divulgar, incentivar e organizar as práticas esportivas.
A partir de 1939 tornou-se repórter e revisor do jornal A República. Nesse mesmo ano,
a 18 de setembro, deixou A República e participou da fundação do jornal O Diário, que
posteriormente, em 1945, foi vendido aos Diários Associados. A de maio Djalma
Maranhão adquiriu junto com Rui Moreira Paiva, o controle do Diário. O jornal seguiu seu
destino: a 26 de janeiro de 1945 passava aos Diários e Rádios Associados e, a 03 de março de
1947, intitulava-se Diário de Natal.
45
A principal razão para Djalma Maranhão ter ido trabalhar no Diário foi a necessidade
que tinha de expor suas idéias, o que n’A República era extremamente difícil na medida em
que o jornal era controlado pelo governo do estado. Foi a partir dessa liberdade que ele pode
escrever no Diário suas idéias sobre a II Guerra Mundial e sua posição contrária em relação à
participação brasileira no conflito.
46
Nesse período também foi correspondente do Associated
41
GALVÃO, Cláudio (Org.) Esquina da Tavares de Lira com a Dr. Barata, centro convergente e irradiante da
vida natalense. Natal: Sebo Vermelho, 2004. p.17.
42
Cf. MELO, Manoel Rodrigues de. Dicionário da Imprensa no Rio Grande do Norte, 1907-1987. São Paulo:
Cortez; Natal: Fundação José Augusto, 1987.
43
GÓES, Maria Conceição Pinto. Op.cit. p. 44-45.
44
SILVA, Maria da Guia de Souza. Djalma Maranhão ou semeador de utopias da transformação social. p.52.
45
GALVÃO, Cláudio. Esquina da Tavares de Lira com a Dr. Barata, centro convergente e irradiante da vida
natalense. p.17-18.
46
SILVA, Maria da Guia de Souza. Djalma Maranhão ou semeador de utopias da transformação social. p.52.
Russ (1943) e nessa mesma época foi criado o jornal O Monitor Comercial que Djalma
Maranhão dirigiu até 1950, noticiando o movimento de carga e descarga dos navios no porto
de Natal.
47
Em 1945, fundou o jornal A Liberdade
48
, mesmo ano em que aderiu ao cafeísmo.
49
Em 1950, Maranhão ainda estava ligado ao Diário e escrevia a crônica De Natal para Oeste,
publicados aos domingos em O Mossoroense.
50
Entretanto, foi no Jornal de Natal e na Folha da Tarde que Djalma Maranhão pode
expressar suas idéias com plena independência. Nesses jornais ele atuava como diretor e
podia imprimir seu pensamento não apenas nos seus textos, mas na própria concepção que
norteava os jornais. Essa independência conquistada nesses jornais estava relacionada aos
objetivos políticos desses órgãos de divulgação. O Jornal de Natal (outubro de 1950 até início
dos anos de 1960), de propriedade de Café Filho, foi fundado com o intuito de publicar
atividades desenvolvidas por lideranças vinculadas ao PSP. O Folha da Tarde (abril de 1959
a março de 1964) era um jornal do próprio Djalma Maranhão que tinha três objetivos básicos:
divulgar as ações que ele realizava à frente da Prefeitura de Natal, discutir temas nacionalistas
e destinar espaços na imprensa para que o movimento estudantil da época pudesse se
expressar.
No tocante à política partidária propriamente dita, a trajetória de Djalma Maranhão
apresentou muitas peculiaridades. Foi militante do PCB, junto com seu irmão Luís Ignácio
Maranhão, até o fim do Estado Novo
51
. Com a redemocratização do país, em 1946, a
legalidade constitucional foi retomada. Assim, eleições presidenciais foram realizadas, foi
elaborada uma nova Constituição e foram criados partidos políticos nacionais fortes
52
. Essa
nova configuração partidária nacional influenciou fortemente a política no Rio Grande do
Norte.
Nesse sentido, os partidos nacionais que passaram a ter lideranças no Rio Grande do
Norte foram a União Democrática Nacional (UDN) e o Partido Social Democrata (PSD).
Aqui no estado a UDN e o PSD surgiram a partir de uma ruptura no antigo PP (Partido
Popular)
53
. Assim, passaram a fazer parte da UDN norte-rio-grandense os membros do PP que
faziam oposição a Getúlio Vargas, eram eles: Dinarte Mariz, Juvenal Lamartine, José Augusto
47
GALVÃO, Cláudio. Op.cit. p.17.
48
Id. Ibid. p.18.
49
Cafeísmo era o nome dado a corrente política liderada por Café Filho.
50
GALVÃO, Cláudio. Op.cit. p.18.
51
Vale à pena recordar que durante todo o Estado Novo o PCB esteve na clandestinidade e foi duramente
perseguido por Vargas.
52
Até 1946 os partidos eram nitidamente estaduais.
53
O Partido Popular surgiu em 1932, em oposição às interventoras no governo Vargas. Sobre o período ver:
SPINELLI, José Antônio. A reação da oligarquia potiguar ao modelo centralizador de Vargas: 1930/1935.
1989. Dissertação – UNICAMP. São Paulo. [1989].
Bezerra de Medeiros, a família Rosado
54
e Aluízio Alves
55
. o PSD era representado por
membros do antigo PP que foram interventores ou eram ligados a eles. As principais
lideranças do PSD eram: Theodorico Bezerra, Georgino Avelino e Dioclécio Duarte.
Paralelamente ao PSD e a UDN existiam partidos com uma menor expressão, esse era o caso
do Partido Social Progressista (PSP). Liderado por Café Filho, que era considerado uma
terceira força política no Rio Grande do Norte, o PSP não pertencia às forças políticas
oligárquicas que dominavam a política estadual. As oligarquias se dividiam entre a UDN e o
PSD.
Nesse contexto de mudanças na estruturação dos partidos, que caracterizou a segunda
metade dos anos 1940 e os anos 1950, Djalma Maranhão também mudou. Após 16 anos de
militância no PCB
56
, Maranhão passou a militar no cafeísmo. Segundo Góes, era no cafeísmo
que estavam “agrupadas as forças progressistas do Rio Grande do Norte, sob a bandeira da
luta contra o Estado Novo e o fascismo.” E acrescenta, “o fenômeno típico das lutas das
camadas médias urbanas contra as oligarquias da República Velha, no Rio Grande do Norte,
se chama cafeísmo.”
57
.
A observação de Goés é parcialmente verdadeira. Isso porque, no Estado, os grupos de
esquerda que na época apresentavam como principal bandeira de luta a adoção por parte do
estado de uma política nacionalista não eram apenas os cafeístas. A esquerda estava dividida
entre o PCB (comunistas) e o PSP (cafeístas independentes)
58
. Entretanto, os comunistas
naquele momento tinham uma expressão política bem inferior ao cafeísmo.
59
O cafeísmo no Rio Grande do Norte atingiu seu auge quando Café Filho assumiu a
vice-presidência da República. Todavia, o distanciamento de Café Filho, em virtude das novas
funções, provocou um impacto negativo no PSP que perdeu sua grande liderança local. Para
suprir a ausência de Ca Filho, Djalma Maranhão tornou-se o der local do PSP. A escolha
54
Cf. FELIPE, José Lacerda Alves. A (re)invenção do lugar: os Rosados e o “País de Mossoró”. João Pessoa:
Grafiset, 2001.
55
Posteriormente a família Rosado, em 1951, e Aluízio Alves, em 1960, romperam com a UDN.
56
Djalma foi expulso do partido por ter acusado a direção de desonesta. Após sair do partido, reafirmou sua
postura marxista-leninista e o compromisso com os trabalhadores, numa carta publicada no jornal A República
de 24 de abril de 1946 intitulado: Carta Aberta ao Povo e ao Proletariado do Rio Grande do Norte.
57
GÓES, Moacyr de. De Pé no Chão Também se Aprende a Ler: uma escola democrática. p.15.
58
“Independentes ou progressistas eram aqueles queo se filiavam aos partidos socialistas ou comunistas, mas
apoiavam as mudanças estruturais da cidade”. (GÒES, Maria. Conceição. A aposta de Luíz Ignácio Maranhão
Filho: cristãos e comunistas na construção da utopia. p.113).
59
A ascendência ideológica do cafeísmo sobre a classe operária e setores da pequena burguesia e da classe
média, [...] [limitava] a capacidade de penetração ideológica e organizativa dos comunistas, obrigando-os as
alianças com cafeístas, nas quais em geral se colocavam como força subordinada. (SPINELLI, José Antônio. A
reação da oligarquia potiguar ao modelo centralizador de Vargas: 1930/1935. p.65).
de Djalma Maranhão como liderança do PSP não foi um acaso, ele e Café Filho tinham
interesses comuns e eram as duas grandes lideranças da esquerda norte-riograndense.
O governo Vargas, iniciado em 1951, foi marcado por fortes crises políticas, que
desembocaram no suicídio do presidente em 1954. Diante do suicídio, Café Filho assumiu a
presidência da República e passou a exercer grande influência sobre os partidos no Rio
Grande do Norte. Assim, conseguiu, por exemplo, unir, em 1954, o PSD e a UDN, compondo
uma única chapa para o Senado: Georgino Avelino (PSD) e Dinarte Mariz (UDN). Nessa
mesma eleição o PSP não concorreu ao senado, mas conseguiu eleger Djalma Maranhão
Deputado Estadual.
Entretanto, nas eleições para governador do estado, em 1955, a aliança PSD/UDN não
foi ratificada e cada partido apresentou candidatos próprios. O PSD indicou Jocelyn Vilar e a
UDN Dinarte Mariz. Diante das candidaturas, as esquerdas também se dividiram: o PCB
apoiou o PSD; o PSP, liderado por Djalma Maranhão, apoiou a UDN. O apoio do PSP a UDN
estava vinculado a um acordo político que previa que o Prefeito de Natal seria do PSP
60
.
Eleito governador, Dinarte Mariz cumpriu o acordo e nomeou Djalma Maranhão
61
. Dois
motivos favoreceram a nomeação de Djalma Maranhão:
Em primeiro lugar, a nível [sic] nacional a UDN apoiava Café Filho membro
do PSP; em segundo lugar, a nível [sic] local, a candidatura de Dinarte Mariz
era de oposição ao governo Sylvio Pedroza, que pertencia ao PSD e a vel
[sic] nacional apoiava a candidatura de Juscelino e Jango (PSD/PTB) contra
o candidato da UDN.
62
A vitória da UDN, com Dinarte Mariz, em 1955, não significava o pleno domínio do
partido no estado, tendo em vista que o PSD continuava muito forte. Essa foi “a primeira e
única vez que os udenistas governaram o Rio Grande do Norte.”
63
O PSD tinha eleito o
governador antes de Dinarte Mariz e elegeu os governadores depois de Dinarte Mariz. Nesse
sentido, “O PSD elegeu [...] José Augusto Varela 1947, Jerônimo Dix-Sept Rosado 1950
e Aluízio Alves – 1960”.
64
60
Até 1960 o havia eleição para prefeito de Natal. O cargo era ocupado por indicação do governador do
estado.
61
Para assumir a Prefeitura de Natal Djalma Maranhão licenciou-se da cadeira de deputado estadual para a qual
havia sido eleito.
62
GERMANO, José Willington. Lendo e aprendendo: a campanha de pé no chão. p.68.
63
TRINDADE, Sérgio Luíz Bezerra. Uma síntese da abertura política no Rio Grande do Norte. Natal:
Departamento Estadual de Imprensa, [s.d]. p.20
64
GERMANO, José Willington. Op.cit. p.47.
É importante destacar também que entre a UDN e o PSD não existia uma oposição
ideológica. Assim é reveladora a análise de Germano. Segundo o autor, a disputa entre PSD e
UDN era “um confronto entre frações da oligarquia agrária e, por conseguinte os partidos
eram simples expressões nominais, através dos quais os setores oligárquicos se organizavam
para a disputa do poder”
65
, na busca de preservar a situação vigente.
Por não apresentarem oposições ideológicas, as alianças da UDN e do PSD com a
esquerda eram sempre circunstanciais. Dessa forma, Djalma Maranhão, em momentos
diferentes, aliou-se a um ou a outro partido. Em 1956, aliou-se a UDN e apoiou a candidatura
Dinarte Mariz para o governo do estado; em 1960 fez alianças com o PSD e apoiou Aluízio
Alves para o mesmo cargo. Apesar da origem oligárquica dos dois partidos e dos dois
candidatos, eles representavam as forças progressistas do Estado nos momentos específicos
em que Djalma Maranhão estabeleceu as alianças.
Em 1956, quando Djalma Maranhão foi indicado Prefeito de Natal, existiram muitas
resistências, tanto da própria UDN, quanto do PSD e da Igreja Católica. Esses setores
contestavam a indicação de Maranhão com o argumento de que ele tinha uma origem na
militância comunista. Eugênio Sales, na época bispo da Arquidiocese de Natal, firmou sua
posição contrária alegando que Maranhão era marxista-leninista e que nessa condição já havia
inclusive sido preso durante a sua juventude.
66
.
Góes demonstra como o PSD, partido que havia feito oposição a Dinarte Mariz,
protestou contra a indicação de Djalma Maranhão: no dia de sua posse, a primeira página do
jornal do PSD é ocupada, toda ela, por anúncio fúnebre: encimada por uma grande cruz, em
negrito, a informação do Infausto Acontecimento: um comunista fora nomeado para a
prefeitura de Natal.”
67
A nomeação de Djalma Maranhão por Dinarte Mariz mostrava-se realmente
contraditória. Isso porque Dinarte Mariz era uma das lideranças da oligarquia algodoeira-
pecuária do Estado, sendo anticomunista, tendo combatido os revolucionários de 1935 na
região do Seridó, enquanto Djalma Maranhão além de ter sido um revolucionário em 1935, se
identificava com a causa popular
68
.
Mesmo colocados ideologicamente em campos opostos, Djalma Maranhão e Dinarte
Mariz conseguiram manter a aliança política, fixada em 1956 até 1959. Nesse ano Djalma
65
Id. Ibid. p.48.
66
Memória sumária do Palácio Felipe Camarão apud Id. Ibid. p.69.
67
GÓES, Moacyr. De Pé no Chão Também se Aprende a Ler: uma escola democrática. p.19.
68
GERMANO, José Willington. Op.cit. p.69.
Maranhão renunciou ao cargo de prefeito e assumiu uma cadeira na Câmara Federal, da qual
era 1º suplente desde a eleição de 1958, pela legenda do Partido Trabalhista Nacional (PTN).
Djalma Maranhão assumiu a prefeitura em 1956, mas durante o período em que esteve
no exercício do poder se licenciou do cargo algumas vezes, tanto para concorrer a cargos
eletivos quanto para participar de decisões importantes na Assembléia Legislativa, onde tinha
um mandato parlamentar. Em uma dessas vezes, em 1958, concorreu a uma cadeira na
Câmara Federal pela legenda do PTN. A candidatura pelo PTN ocorreu porque nessa época
Maranhão rompeu com o PSP, por não concordar com as diretrizes fornecidas nacionalmente
pelo paulista Adhemar de Barros, principal líder do partido.
Rompido com o PSP Djalma Maranhão recebeu uma proposta de filiação ao Partido
Trabalhista Brasileiro (PTB), feita por Luís Gonzaga dos Santos que na época era presidente
local do partido. Todavia, Maranhão não aceitou a proposta e preferiu o PTN, que surgia
como uma nova agremiação política no Estado.
69
Essa mudança de Djalma para o PTN não significou o rompimento dele com o
governador Dinarte Mariz. A aliança entre Djalma Maranhão e Dinarte Mariz só terminou,
quando Maranhão deixou o cargo de prefeito da capital e assumiu a cadeira na mara
Federal em julho de 1959 e permanecendo no cargo a 05 de novembro de 1960, quando
tomou posse como primeiro prefeito eleito de Natal.
A eleição de 1960 para prefeito de Natal só foi possível por causa da aprovação de um
projeto de lei, de âmbito federal, que garantia autonomia administrativa e política para as
capitais. Até então o prefeito das capitais era cargo de confiança dos governadores dos
estados.
Quando assumiu sua primeira administração, em 1956, Djalma Maranhão era
deputado estadual, eleito em 1954. Quando necessário, licenciava-se do executivo municipal
para assumir sua cadeira na Assembléia Legislativa, onde respondia a liderança de Dinarte
Mariz. Diversas vezes deixou a prefeitura para assumir o legislativo. Em uma dessas ocasiões,
no final de 1958, Djalma Maranhão pretendia votar uma emenda constitucional que daria
autonomia administrativa à cidade de Natal, seguindo preceito constitucional de 1946.
A Constituição Federal de 1946 assegurou a autonomia política, administrativa e
financeira dos municípios brasileiros, porém, cabia aos estados a criação de dispositivos para
garantir a eleição dos prefeitos. O projeto de lei de autonomia administrativa de Natal foi
desarquivado por Djalma Maranhão que tomou para si a autoria do projeto. Nessa empreitada,
69
A opção pelo PTN foi porque este partido, na época, apesar de ser pouco conhecido no Nordeste do Brasil, era
uma força em São Paulo e em outros estados no sul do país. Nesse sentido, naquele momento o partido que
representava os trabalhadores e o nacionalismo e que crescia como força política, era o PTN.
conseguiu por unanimidade a aprovação da lei, garantindo a realização das primeiras eleições
diretas para a Prefeitura do Natal, junto à eleição para governador e vice-governador do
Estado em 03.10.60. Segundo Ticiano Duarte (chefe de gabinete da Prefeitura de Natal em
1960)
70
, esse projeto foi aprovado por unanimidade, o que indica que os próprios deputados
que faziam oposição a Dinarte Mariz apoiaram a iniciativa.
Entretanto, Duarte enfatiza que um dos fatores que estimulou Djalma Maranhão a lutar
pela autonomia administrativa de Natal foi a sua não eleição para deputado Federal no pleito
de 1958. Naquela época Maranhão era prefeito da capital, mas era um cargo de confiança do
governador, não tendo autonomia de suas decisões. Dinarte Mariz, usando de seus poderes,
determinou que fossem liberados vários ônibus, que faziam o transporte de passageiros na
capital, para o interior para atender a outros chefes políticos. Maranhão se viu prejudicado
com a decisão, pois
Alegava que não foi eleito porque tiraram os ônibus da cidade no dia e
houve uma abstenção que prejudicou muito ele [...] o compromisso do
governo era que não retirassem os ônibus da cidade, pois ele não tinha
estrutura para conduzir os eleitores as urnas e se os serviços de transporte
tivessem funcionado normalmente, ele teria uma boa votação. [Diante disso]
“Djalma [afirmou]: Nenhum governador vai mais nomear o prefeito de
Natal”.
71
A aprovação da ementa que garantia eleições diretas para prefeito de Natal
impossibilitou que Djalma Maranhão ficasse no cargo até as eleições. Isso porque a lei não
explicitava que o prefeito da cidade deixaria de ser nomeado pelo governador apenas quando
ocorresse a primeira eleição. Como a lei não estabelecia claramente quem deveria ser o
prefeito até as eleições, a Câmara de Vereadores entendeu que quem assumiria a Prefeitura até
a eleição seria o seu presidente. Entretanto, o governo do estado continuou nomeando o
prefeito. Assim, Djalma continuou prefeito e nas suas ausências assumiam o cargo, por
nomeação de Dinarte Mariz, Moacyr de Góes ou Roberto Furtado (chefe de gabinete e
Secretário de Negócios Internos e Jurídicos, respectivamente). Diante da atitude do governo
do Estado a Câmara de Vereadores recorreu ao Supremo Tribunal Federal que julgou o
processo favoravelmente aos vereadores, ou seja, assumiria a prefeitura o Presidente da
Câmara, na época o vereador José Pinto Freire, até que fosse eleito o primeiro prefeito. Dessa
forma, Djalma Maranhão teve seu mandato na prefeitura interrompido e passou a exercer
70
Ticiano Duarte em entrevista concedida à autora em 21 maio 2003.
71
Ticiano Duarte em entrevista concedida a autora em 21 maio 2003.
cadeira de deputado federal até novembro de 1960, quando se licenciou do cargo para
concorrer às eleições diretas para prefeito de Natal.
Djalma Maranhão se candidatou com o apoio político dos grupos que estiveram a
frente do Jornal de Natal e do Folha da Tarde. Sua candidatura fazia oposição a Dinarte
Mariz, ainda no governo do Estado, e estabeleceu uma aliança política com Aluízio Alves,
então dissidente da UDN. Nessa nova aliança, Djalma Maranhão e Aluízio Alves formaram a
coligação vitoriosa Cruzada da Esperança. Assim, Djalma Maranhão tornou-se o primeiro
prefeito eleito de Natal, em 1960, com uma expressiva vantagem de votos: 21.947 votos,
contra 11.228 votos do candidato da UDN. Enquanto isso, Aluízio Alves foi eleito para o
governo do Estado com 121.076 votos, contra 98.195 votos obtidos por Djalma Marinho,
candidato da UDN e, conseqüentemente, de Dinarte Mariz.
72
Na sua primeira administração (1956-1959) adotou políticas voltadas para o ensino
público, para o desenvolvimento de práticas culturais e para obras de infra-estrutura urbana.
Tendo uma administração que consideramos ter sido uma gestão participativa, na medida em
que a população se envolvia nas ações empreendidas pela Prefeitura, Djalma Maranhão
adotou uma série de medidas que contavam com a participação da população: campanhas de
arborização, de calçamento de ruas e calçadas, de doação de livros.
Nesse sentido, em 1956, a Prefeitura realizou uma reforma administrativa com o
objetivo de regularizar e dinamizar os serviços da Prefeitura; criou o Programa de Escolinhas
Municipais. As Escolinhas funcionavam em espaços cedidos à Prefeitura por moradores,
clubes de futebol, escolas de samba, sindicatos. Entretanto, as intervenções no espaço físico
da cidade que tiveram destaque nessa primeira administração, refletiram um processo de
transformações que aconteciam em âmbito nacional em várias capitais brasileiras, motivados
pelos anseios de progresso e industrialização propagados pelo Governo Federal. As ações da
prefeitura direcionadas a obras de infra-estrutura urbana: calçamento de ruas e calçadas,
asfaltamento de avenidas, reforma e construção de passeios públicos, ampliação e reforma de
galerias de águas pluviais nos bairros, construção de novos mercados públicos, lavanderia
pública; construção de espaços de lazer e cultura, etc.
73
demonstravam que a cidade crescia
vagarosamente e precisava se modernizar.
Na segunda administração (1960/1964), o Prefeito buscou dar continuidade às
políticas desenvolvidas no governo anterior. Dialogando com os representantes de Comitês de
Bairros e ainda durante a campanha eleitoral, educação e cultura são escolhidas como metas
72
Jornal Diário de Natal, Natal, 08 jun. 1960.
73
Mailde Galvão em entrevista concedida a autora em 19 de maio de 2003 e em 17 de outubro de 2006.
para a futura administração Djalma Maranhão. Priorizou, dessa forma, ações de assistência a
população, como a construção e o equipamento de vários mercados e feiras públicas, as
frentes de calçamento, a abertura de estradas de barro, a construção de quadras de esportes,
parques infantis, praças de cultura, de bibliotecas populares e a campanha De no Chão
Também se Aprende a Ler que deu direcionamento aos outros trabalhos da Prefeitura.
O Programa Educacional das Escolinhas Municipais, iniciado em 1956, foi ampliado
com a campanha de educação popular De no Chão Também se Aprende a Ler. De acordo
com Silva, houve estrategicamente a decisão de privilegiar a criação de cursos de
alfabetização para crianças e adultos.
74
O Programa Educacional aconteceria integrado às
atividades culturais. Essas atividades se dariam no Museu de Arte Popular, em eventos como
Feira de Livros e nas atividades e bibliotecas das Praças de Cultura.
A trajetória política de Djalma Maranhão, iniciada nos anos de 1930 e consolidada nos
anos de 1960, foi marcada pelas lutas nacionalistas do período. Passou por partidos que
representavam os setores populares e defendiam o nacionalismo. Nesse sentido, Djalma
passou pelo PCB, PSP, PTB, PTN e o PSB, partidos que possuíam um discurso progressista.
Entretanto, foi graças às alianças junto às forças oligárquicas da política local, que Djalma
Maranhão pôde chegar à prefeitura de Natal.
2.2 ALIANÇA PARA O PROGRESSO E O NACIONALISMO POPULISTA NO RIO
GRANDE DO NORTE
A Revolução Cubana de 1959 e a movimentação política no Nordeste como as Ligas
Camponesas e a vitória de Arraes e Maranhão para as Prefeituras de Recife e Natal,
respectivamente, eram justificativas suficientes para que o governo norte-americano, através
da Aliança para o Progresso, interferisse na política econômica do Brasil.
Com o fim da II Guerra Mundial, as grandes potências, Estados Unidos e União
Soviética, deram início a uma disputa pelo poder em escala mundial, conhecida como Guerra
Fria, que se caracterizou pela disputa por áreas de influência em todo o mundo. De encontro à
atuação soviética que apoiou a Revolução Socialista em Cuba (1959), o Presidente dos
Estados Unidos, John Kennedy, lançou, em 13 de maio de 1961, no encontro Extraordinário
do Conselho Econômico e Social Inter-Americano, em Punta del Este, no Uruguai, o
programa de desenvolvimento chamado Aliança Para o Progresso, criado com a finalidade de
74
SILVA, Maria da Guia Souza. Djalma Maranhão ou semeador de utopias da transformação social. p.97.
oferecer ajuda financeira norte-americana aos países da América Latina para a realização de
reformas e para impedir o avanço do socialismo para outros países. Segundo Bandeira,
As verbas da Aliança Para o Progresso, a fim de pretensamente promover
certa melhoria nos padrões de vida da população nordestina, constituíram
apenas um dos instrumentos com que o imperialismo norte-americano jogou
para conter ou esmagar qualquer revolução.
75
Além das Ligas Camponesas, a vitória eleitoral das Frentes Nacionalistas com a
participação das forças de esquerda também era considerada ameaçadora para os Estados
Unidos. Demonstrava a radicalização da vida política na região Nordeste. As prefeituras das
capitais Recife e Natal haviam sido conquistadas pelos nacionalistas Miguel Arraes e
Djalma Maranhão, respectivamente e o governo norte-americano deveria tratar naquele
momento de impedir a chegada deles aos governos estaduais.
Segundo Paiva, o financiamento de candidatos antinacionalistas não era suficiente,
dever-se-ia fortalecer os políticos, que a autora chamou de receptivos. E Aluízio Alves era um
deles. A autora acrescenta que Aluízio Alves conjugava características ideais:
Por um lado, ele era capaz de controlar os impulsos de radicalização das
classes populares através da prática de uma política ultramanipulatória e
suficientemente ambicioso e conservador para não representar um perigo
potencial de evolução para a esquerda. Por outro, embora aliado a algumas
oligarquias tradicionais, ele representava a vitória de uma política de
incentivo à industrialização no [Rio Grande do Norte]. Tratava-se, pois, de
ajudar um governo “favorável ao progresso.
76
O governo norte-americano pretendia investir nos estados administrados por
governadores receptivos ao programa, que fossem considerados confiáveis. Com isso, tentou
excluir o estado de Pernambuco, governado por Miguel Arraes, de qualquer auxílio.
77
Enquanto os outros estados da região Nordeste enviaram projetos relativos aos setores
de educação, saúde, agricultura, industrialização, habitação popular, telecomunicações,
75
BANDEIRA, Moniz. A presença dos Estados Unidos no Brasil. 2.ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
1978. p.447.
76
PAIVA, Vanilda. Paulo Freire e o nacional desenvolvimentismo. p.23.
77
MONIZ, Bandeira. A presença dos Estados Unidos no Brasil. p.446.
segurança pública, etc., no Rio Grande do Norte nenhum setor da administração estadual
elaborou projetos e isso acarretou a ida de Aluízio Alves aos Estados Unidos a fim de
conversar diretamente com o presidente John Kennedy. Justificava-se o governador, alegando
que o apoio a Djalma Maranhão devia-se ao crédito que os comunistas depositavam em seu
projeto de combate à pobreza e ao desenvolvimento do Rio Grande do Norte.
78
Os interesses americanos e do governador Aluízio Alves eram convergentes no que diz
respeito ao tipo de programa que seria executado: os programas de impacto que se
concentravam em áreas como saúde e educação, mostrando dessa forma, à população o
interesse norte-americano e do governo estadual pelo seu bem-estar. Um dos programas foi
As 40 horas de Angicos, primeira experiência do método Paulo Freire.
79
.
Além da concessão de empréstimos, os Estados Unidos exportavam estratégias de
ação para resolver as tensões sociais da região. Segundo Silva,
O relatório de uma missão da Aliança Para Progresso que esteve no
Nordeste, no final do ano de 1961, recomendava um programa-impacto, de
caráter estritamente assistencialista, cujo objetivo era o de esvaziar
politicamente as Ligas Camponesas e solapar a liderança das forças
populares emergentes no Nordeste; e esvaziar demograficamente a região,
para fazer baixar as pressões agrárias e urbanas.
80
Os acordos entre Aluízio Alves e a Aliança para o Progresso favoreceram a realização
dos programas do governo e seu fortalecimento político. Implementou um programa com
forte presença do capital estrangeiro, associado aos grandes interesses urbanos e rurais. Com
tais investimentos e os recursos vindos da SUDENE criaram-se a Companhia de Serviços
Elétricos do Rio Grande do Norte (COSERN); a companhia de Água e Esgoto (CASOL); a
Companhia Telefônica do Rio Grande do Norte (TELERN); a Fundação de Habitação Popular
(FUNDHAP) e o Serviço Cooperativo de Educação do Rio Grande do Norte (SECERN).
Outra conseqüência da Guerra Fria para o estado foi a construção, pelos americanos, da
Barreira do Inferno: base militar para lançamento de foguetes, pois a conquista do espaço
sideral também era importante na disputa entre Estados Unidos e União Soviética.
Ao mesmo tempo, havia uma oposição nacionalista liderada pelo prefeito Djalma
Maranhão que durante toda a sua administração fez oposição aos acordos entre o governo do
78
TRINDADE, Sérgio Luiz Bezerra. Aluízio Alves: populismo e modernização no Rio Grande do Norte. Natal:
Sebo Vermelho, 2004. p. 200-201.
79
Id. Ibid.; Cf. CALAZANS, Fernandes, TERRA, Antônia. 40 horas de esperança: o método Paulo Freire,
política e pedagogia na experiência de Angicos. São Paulo: Editora Ática, 1994.
80
SILVA, Justina Ivã de Araújo. Estudantes e política: estudo de um movimento (RN 1960-1969). p.56.
estado e a Aliança Para o Progresso. Nesse período, o nacionalismo estava relacionado à luta
contra o imperialismo norte-americano e contra o latifúndio. Discursando na Câmara Federal,
em 1959, na ocasião exercendo o mandato de deputado federal, discorreu sobre a exploração
mineral no Rio Grande do Norte pela empresa norte americana Wahchang Corporation:
Queremos aqui fazer uma acusação das mais graves para este país, onde não
se toma conhecimento dos assuntos que realmente interessam a
sobrevivência da nacionalidade. [...] A gravidade não es somente nesta
espoliação, mas no fato de estar a Wahchang burlando o fisco nacional. Ela
não se conforma somente em explorar o trabalhador nacional, pagando-lhe
vilmente o salário mínimo [...]. Acontece que tanto o fisco federal, como o
estadual e municipal estão sendo lesados ostensivamente pela Wahchang.
[...] É desta maneira que os nossos amigos da América do Norte estão
ajudando o desenvolvimento econômico do Brasil: tirando tudo, por todos os
lados e por todos os meios.
81
Germano sintetiza o nacionalismo no Rio Grande do Norte, nos anos 1960 como sendo
o combate ao imperialismo, principalmente dos EUA, o reconhecimento da existência de uma
relação de dominação entre nações, a condenação da remessa de lucros para o exterior, que
conjuntamente favorecem o subdesenvolvimento do país e a exploração do povo, tornando-se
necessário romper esses laços de dominação, através de um processo de libertação .
82
A trajetória política de Djalma Maranhão dava às ações de sua administração e ao
desenvolvimento da Campanha De no Chão Também se Aprende a Ler uma orientação
nacionalista. A campanha de educação promovida pela prefeitura não contava com o apoio do
governo estadual e nem com os recursos da Aliança para o Progresso. Segundo Moacyr de
Góes, a oposição frente à Aliança para o Progresso ganhava um espaço político maior, e o
prefeito Djalma Maranhão, com o objetivo de diferenciar o seu governo do de Aluízio Alves,
denominou a última fase da campanha de Escola Brasileira com Dinheiro Brasileiro.
83
A educação popular, promovida pelos movimentos populares, e em Natal pela
prefeitura, através da campanha De no Chão Também se Aprende a Ler, estava
caracterizada pelo nacionalismo populista do período, identificada com uma linguagem de
consenso da existência de uma cultura nacional, caracterizada pelos valores, pelas tradições e
81
Discurso do então Deputado Federal Djalma Maranhão, na Câmara Federal, em 15 de outubro de 1959,
intitulado Industrialização do Tungstênio do Rio Grande do Norte. In: MARANHÃO, Marcos (org.).
Pensamento político: discursos parlamentares. p.10-24.
82
GERMANO, José Willington. Lendo e aprendendo: a campanha de pé no chão. p.80.
83
Id. Ibid. p.79.
pela criação cultural do povo. De acordo com Góes, a Campanha centrou “sua catequese no
nacionalismo, no voto popular, nas denúncias ao latifúndio, ao imperialismo e ao
colonialismo colonial.”
84
No caso do MCP, podemos considerar que a defesa da nação, de uma cultura nacional
também eram os temas centrais do discurso do movimento. O MCP e o De no Chão
Também se Aprende a Ler o somente tinham o mesmo embasamento, tanto que o livro de
leitura/adulto da Campanha foi uma adaptação do livro do MCP às peculiaridades da
realidade da cidade de Natal, realizada por uma equipe de trabalho sob a coordenação da
professora Maria Diva de Salete Lucena,
85
como também tiveram formas de organização
parecidas, frutos de um mesmo projeto de educação e cultura.
Segundo Germano Coelho, um dos fundadores do MCP:
O MCP pensou que indo buscar as raízes da cultura brasileira onde elas se
encontravam, no meio do povo, nós estaríamos concorrendo para o
desenvolvimento de uma cultura mais autenticamente nacional [...] A arte
popular brasileira está enraizada no nosso povo, nas camadas populares. A
importância grande do povo, das camadas populares, quando se fala de arte,
é que elas estão, exatamente, como guardiãs das tradições autênticas do
país.
86
Foi então, nessa conjuntura que os movimentos de cultura popular foram sendo
criados. Diversos grupos formados por intelectuais, estudantes universitários e secundaristas,
pessoas ligadas ao Partido Comunista, marxistas, cristãos, trabalhadores das cidades e do
campo, organizados em entidades civis como a Igreja Católica e a União Nacional dos
Estudantes (UNE) ou financiados pelo poder público, iniciaram um movimento de
contestação a realidade vivida pelo país. Vários grupos se reuniram em movimentos de
cultura popular reivindicando melhores condições de trabalho no meio rural e no meio
urbano, lutavam pela reforma agrária, por melhores condições de vida no Nordeste, atrasado
economicamente em relação ao Centro-Sul do país, criticavam a política de entrada de capital
estrangeiro, levantando assim a bandeira em prol do nacionalismo.
84
GÓES, Moacyr de. De pé no chão também se aprende a ler: uma escola democrática. p.158.
85
GERMANO, José Willington. Lendo e aprendendo: a campanha de pé no chão. p.145.
86
Germano Coelho em entrevista realizada em 06 de dezembro de 1976. In: MAURÍCIO, Ivan; CIRANO,
Marcos; ALMEIDA, Ricardo de. Arte Popular e dominação popular o caso de Pernambuco – 1961/77. Recife:
editora Alternativa, 1978. p.22-33.
2.3 CULTURA POPULAR NO MCP E NA CAMPANHA DE NO CHÃO TAMBÉM SE
APRENDE A LER
A expressão cultura popular apareceu no Brasil com um novo sentido, dentro dos
grupos e movimentos populares que foram sendo criados no início da década. Não foi uma
invenção original, pois em outros países da Europa, o debate em torno da cultura popular e o
acesso ao povo aos bens culturaisacontecia e da China a Cuba, nos países socialistas vivia-
se a Revolução Cultural.
87
Cultura é uma categoria de difícil definição. As muitas definições da cultura e da
cultura popular não dão conta do universo de práticas, de usos, de representações da cultura
em geral. Por isso, colocamos aqui as contribuições de Chartier para o estudo da cultura
popular. Para o autor, o importante é o estudo de como a cultura popular é apropriada, porque
na prática ela é usada ou apropriada por diferentes grupos sociais.
88
Também em Certeau
buscamos nosso referencial quando o autor trata a cultura no plural. Segundo o autor as
formas populares de cultura, desde as práticas do cotidiano até as formas de consumo cultural,
podem ser pensadas como táticas produtoras de sentido, muitas vezes diferente do sentido
visado pelos produtores.
89
Chartier revisita o conceito de cultura popular reduzindo as inúmeras definições do
termo a dois modelos de descrição e interpretação. O primeiro, “a cultura popular definida
como um sistema simbólico, autônomo e coerente, que funciona segundo uma lógica alheia e
irredutível à cultura letrada”, ou seja, a cultura popular se configura num mundo a parte,
independente, encerrado em si mesmo. O segundo modelo define a cultura popular pela sua
distância de legitimidade cultural da qual é privada. O segundo, preocupado em lembrar a
existência das relações de dominação que organizam o mundo social, percebe a cultura
popular em suas dependências e carências em relação à cultura dominante.
90
Esses modelos têm sido fundamento para todos os modelos cronológicos que adotam
uma idade do ouro da cultura popular. A periodização clássica remete a primeira metade do
século XVII. A filósofa Chauí quando trata da cultura popular em diferentes momentos
87
FÁVERO, Osmar. Cultura popular e educação popular: memória dos anos 60. p.7.
88
CHARTIER, Roger. A cultura popular: revisitando um conceito historiográfico. Estudos Históricos. p.179-
190.
89
Ver CERTEAU, Michel. A cultura no plural. Campinas/SP: Papirus, 1995.
90
CHARTIER, Roger. Op.cit. 179-180.
históricos nos mostra que o termo, em princípio, estava ligado a outros dois: Civilização e
História.
91
Foi a partir do século XVII que a cultura articulou-se ao termo civilização, que estava
ligado a idéia de progresso. No Iluminismo, cultura e civilização estavam relacionadas de
maneiras opostas. Para alguns ilustrados a cultura era concebida como prática social estava
relacionada à subjetividade, à imaginação e ao indivíduo. E para outros, a cultura era
parâmetro de civilidade, meio de avaliar o grau de desenvolvimento e progresso de uma
sociedade.
Posteriormente os românticos deram à cultura uma definição do popular. O
racionalismo do Iluminismo seria quebrado pela afirmação da alma popular, da imaginação,
da simplicidade e pureza populares.
92
Os românticos buscaram o popular na poesia, nas
baladas, nos provérbios, na religião, nos ritos, nos costumes, nos festivais. Delimitaram-se
com o romantismo os traços da cultura popular:
Primitivismo, ou seja, a cultura popular é retomada e a preservação das
tradições que seriam perdidas pelo povo; comunitarismo, a criação popular é
sempre coletiva e anônima, pois é manifestação espontânea da natureza e do
espírito do povo; e o purismo, que é o povo por excelência, que o foi
contaminado pelos hábitos da vida urbana.
93
Chartier critica essa periodização clássica, os modelos cronológicos, porque para o
autor, o verdadeiro problema é considerar, para cada época, como se elaboram as relações
entre as formas que são impostas e sua recepção, pois “os modelos culturais dominantes não
anulam o espaço próprio da sua criação, que pode ser resistente ou não.” Nesse sentido, existe
um espaço entre normas e regras, entre o que é visado e o que é vivido, um espaço onde
podem insinuar reformulações e deturpações.
94
O mesmo se dá com o termo popular. Como a cultura,
91
CHAUÍ, Marilena. Conformismo e resistência: aspectos da cultura popular no Brasil. 6.ed. São Paulo:
Brasiliense, 1994. p.16-17.
92
CHAUÍ, Marilena. Conformismo e resistência: aspectos da cultura popular no Brasil. P.16-17.
93
Id. Ibid. p.19.
94
CHARTIER, Roger. A cultura popular: revisitando um conceito historiográfico. Estudos Históricos. p.181-
182.
Ele qualifica, antes de mais nada, um tipo de relação, um modo de utilizar
objetos ou normas que circulam na sociedade, mas que são recebidos,
compreendidos e manipulados de diversas maneiras, ou seja, existem
modalidades diferenciadas pelas quais os ‘populares’ são apropriados.
95
Nesse momento, o popular aparece idealizado como matriz da nacionalidade
brasileira, como a essência da cultura nacional, porém, encontra-se precisando de cuidados e
seria missão da intelectualidade nacional a missão de conscientizar o povo brasileiro. Essa
idealização do povo e da cultura norteou as práticas desses movimentos, no caso de Natal, na
própria intervenção do espaço público, ao transformar a praça em um local de promoção do
que era concebido como cultura popular, imprimindo neste espaço intenções e signos.
Souza ao tratar da abordagem da cultura popular utilizada no MCP, afirma que estava
muito relacionada a uma visão romântica sobre cultura, a cultura popular estava relacionada à
pureza, à homogeneidade, à autenticidade.
96
O MCP definiu cultura popular como uma forma específica de exprimir uma produção
cultural, voltada para as massas com o fim de elevar o nível de consciência social e dos que
integram o movimento popular. Como afirma Germano Coelho:
A gente sempre tratou a cultura como um instrumento de emancipação do
nosso povo. A cultura no seu sentido mais amplo, envolvendo a ciência –por
conseqüência da educação envolvendo a técnica, envolvendo a arte. E
sabíamos que, desde que o nosso povo evoluísse nesses campos da cultura,
ele deixaria de ser oprimido dentro do país. Inclusive porque ele defende o
valor altamente importante para o desenvolvimento nacional, que são as
raízes da cultura brasileira. Então, eles não são carentes, eles não
necessitam apenas aprender.. O MCP indo buscar as raízes da cultura
brasileira no meio do povo, estava concorrendo para o desenvolvimento de
uma cultura autenticamente nacional.
97
No caso da campanha De no Chão Também se Aprende a Ler, numa
tentativa de conceituação, o termo cultura popular era definido como a forma de
95
Id. Ibid. p.184.
96
SOUZA, Kelma Fabíola Beltrão de. A abordagem sobre a cultura popular utilizada no Movimento de Cultura
Popular de Pernambuco. Disponível no site: HTTP://www.eca.usp.br
97
Germano Coelho em entrevista realizada em 06 de dezembro de 1976. In: MAURÍCIO, Ivan; CIRANO,
Marcos; ALMEIDA, Ricardo de. Arte Popular e dominação popular o caso de Pernambuco 1961/77. p.22-
33.
Compreensão mais profunda da situação de dominação externa a que está
submetido o Brasil, desde o descobrimento até os dias atuais. Dominação
que se tem sofrido historicamente, mudanças que ora acentuam, ou atenuam
o seu caráter, mas que fundamentalmente persiste, envolvendo todo o
complexo político-econômico-cultural do Brasil.
98
Segundo esse documento, elaborado pelo De no Chão... e apresentado pelo
professor Geniberto Campos em ocasião do I Encontro de Alfabetização e Cultura Popular,
realizado em Recife, em 1963, encontro que reuniu os vários movimentos populares do
período, evento apoiado pelo Ministério da Educação e Cultura, o povo brasileiro passou a
consumir um outro tipo de cultura, uma “cultura alienígena.” Essa cultura alienígena imposta
pela elite dominante tinha a função de manter o povo preso a um esquema de pensamento e
atitudes que se traduzissem na aceitação passiva da dominação externa e no respeito e
admiração ao povo dominador.
Germano destaca que em 1963 todo um grupo vinculado à Ação Popular (AP) e que
era formado pela liderança estudantil que conhecia a UNE estava trabalhando na Secretaria de
Educação, Cultura e Saúde da prefeitura de Natal. Para o autor, a presença da AP na
Prefeitura de Natal foi importante na formulação das bases teórico-metodológicas da
Campanha a partir de 1963, momento em que o documento foi produzido.
Os meios utilizados no processo de submissão cultural do povo brasileiro, afirma o
documento da Campanha, são principalmente os da propaganda para padronizar atitudes e
produzir hábitos novos, reflexos condicionais e conceitos estranhos na mentalidade do povo,
submetendo-o a um processo de massificação. Dessa forma, gradativamente slogans políticos,
idéias, gostos artísticos, hábitos, atitudes e valores iriam fazer parte do cotidiano.
Para o De Pé no Chão Também se Aprende a Ler a conscientização dessa situação
de dependência do povo traria a emergência da cultura popular:
A nossa luta interna de libertação liga-se profundamente a cultura popular,
que assume, no primeiro momento, o sentido de desalienação de nossa
cultura, sobrepondo aos valores culturais estranhos, os nossos valores, os
criados e elaborados aqui. Essa é a tarefa fundamental da cultura popular,
sobrepor a nossa cultura às culturas estrangeiras, sem perder de vista,
evidentemente, o sentido universal, permitindo o processo de aculturação,
mas que haja predomínio da cultura brasileira. Num segundo momento, a
cultura popular assume um caráter de luta, com o intuito de forma uma
98
GÓES, Moacyr. 2 livros de Djalma Maranhão no exílio. p.139.
autêntica cultura nacional, promovendo a integração do homem brasileiro no
processo de libertação econômico social e político-cultural do povo.
99
Esse processo de libertação levaria o homem a assumir o papel de sujeito da própria
criação cultural, seu receptor e criador de expressões culturais. A cultura popular foi
concebida pelo De no Chão Também se Aprende a Ler como um meio político, de
conscientização das massas, ao mesmo tempo em que foi concebida como criação cultural
autêntica, livre e autônoma do povo brasileiro.
Embora pareça em princípio paradoxal, a cultura popular tem papel de
instrumento de revolução econômico-social, mas em última instância, a
afirmação e vitória desta revolução é que irá possibilitar o surgimento das
mais autênticas criações populares, livres das alienações que se processam
no político e econômico.
100
Quando olhamos os movimentos populares da década de 1960 e as interpretações e
usos da cultura popular por esses movimentos percebemos uma visão romântica de que a
cultura popular é pura e autêntica, ao mesmo tempo em que a coloca numa posição contrária,
de dependência em relação à cultura dominante. É a nosso ver uma mistura dos dois modelos
interpretativos pelos quais Chartier insere as interpretações da cultura popular a partir de
marcos cronológicos, ou seja, a cultura popular concebida em sua autonomia simbólica e, a
cultura popular concebida em sua carência em relação a cultura dominante.
Ao mesmo tempo em que trata a cultura popular como algo singular, uma autêntica
cultura vinda do povo que é preciso resgatar e preservar, ganha o termo um sentido de luta
política, sendo a cultura popular instrumento de libertação do povo, de transformação social e
de desenvolvimento da nação.
2.4 O ISEB E OS MOVIMENTOS POPULARES
Os anos 1950, no Brasil, na perspectiva da produção intelectual, foram marcados por
novas concepções de trabalho e de interpretações sobre a realidade brasileira. Até a década de
99
GÓES, Moacyr. 2 livros de Djalma Maranhão no exílio. p. 140.
100
GÓES, Moacyr. 2 Livros de Djalma Maranhão no exílio. p. 140.
1930, no campo da historiografia, essa produção acontecia fora da academia. Com a criação
da Faculdade de Filosofia da USP, em 1934, teve início uma nova etapa dessa produção. E
nas décadas seguintes essa produção universitária começou a delinear-se, ganhando
características próprias, cada historiador com suas formulações teóricas, influências e
métodos, distanciando-se da perspectiva mitológica, bandeirista, tipificadora dos Institutos
Históricos.
101
Quase ao mesmo tempo, surgiam instituições, sem vínculos acadêmicos, preocupadas
em discutir a realidade brasileira e em exercer influência sobre os centros de poder no que diz
respeito à definição de uma política econômica voltada para o desenvolvimento. Uma delas
foi o Instituto Superior de Estudos Brasileiros - ISEB, que procurou legitimar sua ação
política pelo saber e, posteriormente, teve forte influência nos movimentos populares surgidos
na década de 1960, pois influenciou a intelectualidade nacional que promoveu os movimentos
em prol da cultura popular.
O ISEB foi uma instituição pública criada no governo de João Café Filho em 14 de
julho de 1955, pelo Decreto nº 57.608 e suas atividades foram encerradas no dia 13 de abril de
1963, por meio do Decreto 53.884. A origem do ISEB se confunde com a trajetória de
intelectuais que se agruparam, a partir de 1949, e divulgavam suas idéias num suplemento
cultural na quinta página do Jornal do Commércio, no Rio de Janeiro. A divulgação do
suplemento motivou encontros mensais de intelectuais no Parque Nacional de Itatiaia, a partir
de 1952. O espaço fora cedido por um dos participantes, Rômulo Almeida, que na época era
membro da Assessoria Econômica do presidente Getúlio Vargas e chefe de gabinete do
ministro da agricultura. Esse grupo de intelectuais foi denominado de Grupo Itatiaia.
102
O Grupo Itatiaia era formado por paulistas e cariocas. Os paulistas eram filósofos e
juristas como Roland Corbisier, Miguel Realle, Almeida Salles, Paulo Edemar de Souza
Queiroz, todos vindos do Integralismo. Da parte carioca formavam o Grupo Itatiaia: Hélio
Jaguaribe, Rômulo de Almeida, Ottolmy da Costa Strauch, Ignácio Rangel, José Ribeiro de
Lira, Israel Klabin, Cid Carvalho, Fábio Breves, Heitor Lima Rocha, Alberto Guerreiro
Ramos, Cândido Mendes de Almeida e Moacir Félix.
103
Alguns intelectuais do Grupo exerciam funções públicas e mantinham relações
políticas com o governo. Rômulo Almeida, Ignácio Rangel e Alberto Guerreiro Ramos, por
101
Cf. MOTTA, Carlos Guilherme. Ideologia da cultura brasileira: 1933-1974. 5.ed. São Paulo: Ática, 1985.
102
PEREIRA, Alexandro Eugênio. Organização, estrutura e trajetória do ISEB. In: TOLEDO, Caio Navarro.
Intelectuais e política no Brasil: a experiência do ISEB. Rio de Janeiro: Revan, 2005.p.254.
103
PECAUT, Daniel. Intelectuais e política no Brasil: entre o povo e a nação. São Paulo: Ática, 1990.p.110.
PEREIRA, Alexandro Eugênio. Organização, estrutura e trajetória do ISEB. In: TOLEDO, Caio Navarro de.
Op.cit. p.254.
exemplo, fizeram parte da assessoria econômica do presidente Getúlio Vargas. Roland
Corbisier, em 1954, atuou na Assessoria Técnica de Educação e Cultura do MEC. Hélio
Jaguaribe foi responsável por alguns projetos do Ministério da Educação e posteriormente
assumiu a pasta da cultura, no segundo governo Vargas.
104
O grupo teve uma curta duração, pois em 1953, os cariocas do Itatiaia fundaram um
instituto particular, o IBESP (Instituto Brasileiro de Economia, Sociologia e Política). Hélio
Jaguaribe tornou-se seu secretário geral e, em 1955, Juvenal Osório Gomes e Nelson Werneck
Sodré juntaram-se ao grupo. Dos paulistas apenas Roland Cosbisier entrou no IBESP.
105
Os
recursos provenientes para o Instituto vinham de Hélio Jaguaribe.
106
De 1953 a 1956
publicaram cinco números da Revista Cadernos do Nosso Tempo, com o objetivo de divulgar
as idéias de seus intelectuais fundadores. Tinham um objetivo: “assumir uma liderança na
política nacional por seus próprios meios.”
Com poucos recursos, o objetivo era transformar o IBESP em uma instituição pública.
A proposta inicial seria a instalação no Brasil de um centro de estudos e pesquisas, dotado de
liberdade para produzir e veicular idéias. Em 1955, o IBESP transformou-se em ISEB,
instituição vinculada ao Ministério da Educação e Cultura. No ISEB esteve a maioria dos
membros do IBESP e seu principal nome foi Hélio Jaguaribe. No Instituto foram criados os
departamentos de Filosofia, História, Economia, Sociologia e Ciências Políticas, colocados
respectivamente, sob a responsabilidade de Álvaro Pinto, Cândido Mendes, Ewaldo Correia
Lima, Guerreiro Ramos e Hélio Jaguaribe. Foi instituído um Conselho Tutelar, no qual faziam
parte: Anísio Teixeira, Ernesto Luiz de Oliveira Júnior, Hélio Burgos Cabral, Hélio Jaguaribe,
José Augusto de Macedo Soares, Nelson Werneck Sodré, Roberto Campos e Roland
Corbisier.
107
Até 1958 o ISEB conservou-se como um Centro de Estudos a serviço da criação
de uma síntese nacional-desenvolvimentista.
108
Entretanto, o Instituto era constituído por
intelectuais que seguiam as mais diversas correntes filosóficas. Havia os que defendiam o
projeto desenvolvimentista do governo, mas por outro lado existia dentro do Instituto uma
intelectualidade que se contrapunha a esse projeto, pensando o país a partir da necessidade de
mudanças sociais. Como nos sugere Pecaut, o ISEB tornou-se símbolo da síntese nacional-
104
PEREIRA, Alexandro Eugênio. Organização, estrutura e trajetória do ISEB. In: TOLEDO, Caio Navarro de.
Intelectuais e política no Brasil: a experiência do ISEB p.255.
105
PECAUT, Daniel. Intelectuais e política no Brasil: entre o povo e a nação. p.110.
106
PEREIRA, Alexandro Eugênio. Organização, estrutura e trajetória do ISEB. In: TOLEDO, Caio Navarro.
Op.cit. p.255.
107
Id. Ibid.
108
PECAUT, Daniel. Op.cit. p.110.
desenvolvimentista, depois da síntese nacional-populista e, depois, da síntese nacional-
marxista.
109
Nesse sentido, o ISEB foi um dos centros mais importantes de elaboração da ideologia
nacional-desenvolvimentista, que marcou o processo político brasileiro do início da década de
1950 até a queda do governo constitucional de João Goulart em 1964. Segundo Abreu, a
ideologia nacional-desenvolvimentista trouxe ao populismo um instrumento de mobilização
popular, por meio da manipulação e do apelo a símbolos nacionais, conseguindo manter uma
política que atendesse aos interesses econômicos dos diversos setores da sociedade - agrário,
exportador-importador, financeiro, industrial, e ao mesmo tempo, o nacionalismo, através do
apelo à colaboração das classes populares em prol do desenvolvimento da nação, permitiu
certa participação das massas urbanas na renda nacional e no processo político.
110
A autora enfatiza ainda, que o ISEB apesar de ter desenvolvido a ideologia nacional
desenvolvimentista, não participou diretamente do governo de Juscelino Kubitschek, pois as
mudanças estruturais na economia do país, decorrentes do processo de industrialização
crescente, resultaram na ampla intervenção do Estado na economia, acarretando a necessidade
de profissionais de diversas áreas dentro do aparelho do Estado. Economistas, sociólogos e
técnicos da administração passaram a atuar no interior das estruturas do executivo. Além do
ISEB, outras instituições foram criadas, como a Fundação Getúlio Vargas, as Faculdades de
Economia, a vinda da CEPAL (Comissão Econômica para América Latina), órgão da ONU,
que promoveu cursos voltados para área econômica, entre outros. A importância desses
técnicos, vindo dessas instituições, não se restringia a elaboração de planos, mas à própria
reorganização do aparelho estatal, a introdução de novos métodos de trabalho
111
.
Em conseqüência, a influência dos intelectuais do ISEB diminuía, na medida em que
seus integrantes estavam preocupados com questões sociológicas, históricas e filosóficas,
políticas e culturais e nem todos dominavam o saber técnico. A preocupação do ISEB estava
no plano ideológico.
112
Dentro da Instituição, existiam os intelectuais que continuaram a
tradição de 1930 Roland Cosbisier, Guerreiro Ramos e Cândido Mendes; os filósofos de
formação Álvaro Vieira Pinto; os economistas Roberto Campos e Ignácio Rangel; o
militar-historiador Nelson Werneck Sodré e o cientista político Hélio Jaguaribe.
113
109
PECAUT, Daniel. Intelectuais e política no Brasil: entre o povo e a nação. p.107.
110
ABREU, Alzira Alves. A ação política dos intelectuais do ISEB. In: TOLEDO, Caio Navarro (org.).
Intelectuais e política no Brasil: a experiência do ISEB. p.98.
111
Id. Ibid. p.99.
112
Cf. TOLEDO, Caio Navarro. ISEB: fábrica de ideologias. 2.ed. São Paulo: Ática, 1982.
113
PECAUT, Daniel. Intelectuais e política no Brasil: entre o povo e a nação. p.111.
Apresentavam carreiras políticas distintas: Corbisier saiu do integralismo, Álvaro
Viera Pinto e Guerreiro Ramos estiveram também no integralismo, Nelson W. Sodré
colaborou na Revista Cultura Política durante o Estado Novo e inseriu-se na corrente
nacionalista do exército, sendo o intelectual de destaque no Partido Comunista. E Hélio
Jaguaribe apoiava o projeto desenvolvimentista.
114
Para Pecaut essas divergências e disputas
internas favoreceram a evolução da instituição. Enquanto Hélio Jaguaribe colocava a
necessidade de investimentos estrangeiros, Roland Corbisier e Guerreiro Ramos se dedicavam
a exercer suas influências sobre as organizações nacionalistas e sobre a opinião progressista,
organizando cursos para sindicatos, projetos para Frente Parlamentar Nacionalista, para
militares nacionalistas.
115
Em 1960, os isebianos passavam por uma nova etapa se aproximando das
organizações de esquerda que lutavam pelas Reformas de Base, influenciaram partidos
políticos como o PC, deputados da Frente Parlamentar Nacionalista, a esquerda católica da
AP, líderes sindicais e estudantis, os movimentos populares CPC (Centro Popular de Cultura),
MCP, ampliando seu horizonte de interesse: as lutas parlamentares, a luta dos trabalhadores, a
situação social no campo, setores industriais, manifestações culturais. Os jovens que
ingressaram no ISEB, em 1960, levados por Vieira Pinto e Nelson Werneck Sodré eram de
esquerda e alguns militavam no PCB e todos eram provenientes da Faculdade Nacional de
Filosofia (UFRJ), na época considerada um “antro” de universitários comunistas.
116
Todavia,
mesmo nessa fase, o ISEB não assumiu posições radicais, tanto os intelectuais do nacional-
desenvolvimentismo como os do “último ISEB” defendiam uma aliança entre trabalhadores e
burguesia nacional, cada qual com suas considerações, e o poder do estado via processo
eleitoral.
Segundo Ortiz, os isebianos ao construírem uma nova teoria para o Brasil retomaram a
temática da cultura brasileira, imprimindo outros rumos ao debate.
117
O conceito de cultura foi
analisado pela intelectualidade isebiana dentro de uma ótica sociológica e filosófica,
principalmente a partir de Hegel, Marx, Sartre e Balandier. Novas categorias como
transplantação cultural, cultura alienada substituíram categorias como aculturação, por
exemplo. Estabeleceram uma filiação em uma corrente distinta a da representada por Silvio
Romero e Gilberto Freyre que apresentavam uma perspectiva antropológica. A raça e o meio
não eram mais questões centrais para se pensar a problemática da cultura brasileira.
114
Id. Ibid.
115
Id. Ibid. p.111-112.
116
RUFINO, Joel. O Ultimo ISEB. In: TOLEDO, Caio Navarro de. Intelectuais e política no Brasil: a
experiência do ISEB. p.72.
117
ORTIZ, Renato. Cultura brasileira e identidade nacional. São Paulo: Brasiliense, 1985. p 45.
Para os intelectuais do ISEB, a cultura seria um vir a ser. Temas como projeto social
se tornaram fundamentais. A cultura seria um elemento de transformação social. E os
intelectuais seriam os responsáveis para a elaboração de uma ideologia de desenvolvimento e
viabilizar o projeto de transformação social. Ortiz, escrevendo sobre o assunto, na década de
1980, faz uma crítica a leitura dos isebianos:
A leitura dos isebianos nos traz um misto de sentimento de atualidade e
passado sem que muitas vezes saibamos nos situar de maneira segura no
tempo. Quando, nos jornais, nas discussões políticas ou acadêmicas,
deparamos com conceitos como cultura alienada, colonialismo, autenticidade
cultural, agimos com uma naturalidade espantosa, esquecendo-nos de que
eles foram forjados por uma intelligentsia do ISEB.
118
A influência do ISEB no plano cultural foi muito significativa. Todos esses conceitos
políticos e filosóficos elaborados na cada anterior passam a construir categorias de
apreensão e compreensão da realidade brasileira. Os movimentos de cultura popular
realizaram a sua maneira os ideais políticos tratados teoricamente pelo ISEB.
Essa influência se justifica porque dentro desses movimentos, as figuras mais
representativas estavam direta ou indiretamente relacionados ao ISEB. Por exemplo, Carlos
Estevam Martins, dirigente do (CPC) da União Nacional dos Estudantes (UNE), foi assistente
de Álvaro Vieira Pinto e trabalhava no ISEB no momento em que assumiu a direção do CPC.
Outro exemplo foi Paulo Freire, um dos fundadores do MCP e criador do Método de
Alfabetização Paulo Freire, no qual os conceitos de cultura e de popular orientavam
diretamente seu método de alfabetização.
119
Podemos considerar também a influência indireta do ISEB na campanha De no
Chão Também se Aprende a Ler, que foi inspirada no MCP e estiveram em constante diálogo
em todo período de suas existências. Nesse sentido, a cartilha de alfabetização seguia as
orientações da cartilha do MCP, baseada no Método Paulo Freire, e as praças de cultura,
criação do MCP, foram adaptadas à realidade da cidade do Natal.
Vejamos a apresentação do Livro de Leitura De No Chão Também Se Aprende A
Ler, escrita por Moacyr de Góes em 1963:
118
ORTIZ, Renato. Cultura brasileira e identidade nacional. p.48.
119
Id. Ibid.
Este “Livro de Leitura para Adultos da Campanha De no Chão Também
se Aprende a Ler” não é um trabalho original; é uma adaptação, às condições
locais do Rio G. do Norte do “Livro de Leitura para Adultos” do Movimento
de Cultura Popular do Recife. Acreditamos, então, o certo é que
aproveitamos esta experiência válida e apliquemo-la entre nós. Se o MCP e
a “Campanha De no Chão” têm o mesmo embasamento, a autenticidade
de uma cultura popular e se propõem ao mesmo fim o de libertação
popular, através da educação ganhamos tempo, aproveitando o livro das
professoras Norma Porto Carreiro Coelho e Josina Lopes Godoy numa
adaptação da Professora Maria Diva da Salete Lucena, supervisionando um
trabalho de equipe.
120
Ainda no Livro de Leitura, reconhecemos essa influência nas lições. Os temas
colocavam sempre o povo como o sujeito principal. A conscientização do povo através da
educação e da cultura faria do país uma verdadeira nação. Temas como O voto é do povo; O
pão é do povo; O bambelô é o ritmo do povo; O povo luta pela lei; O samba também é ritmo
do povo; A operário luta pelo pão de sua família; Um salário é a defesa da família do
operário; Um bom prefeito luta pela causa do seu povo; Um povo analfabeto é um povo sem
liberdade; Acabando-se com o analfabetismo eleva-se o nível da cultura popular; Em Natal,
como em Recife, cultura é movimento popular; Um povo sem cultura é um povo pobre; A
música de um povo é parte de sua cultura; entre outros, preenchiam todo o Livro de
Leitura.
121
Podemos perceber essa influência na fala dos idealizadores da campanha De no
Chão Também se Aprende a Ler, no vocabulário usado por eles. Na ocasião do encerramento
da I Praça de Cultura, discursava Moacyr de Góes, na época Secretário de Educação e Cultura
do Município:
que se fazer a integração popular no processo cultural brasileiro, sob
pena de continuar a alienação do homem e seu conseqüente alheamento às
magnas questões do nacionalismo. [...] São terminados os tempos de
transplantação cultural, isto é, de colonialismo em sua mais ampla acepção.
[...] Acreditamos que só através da educação e da cultura poderemos libertar
o homem brasileiro de sua alienação e o povo brasileiro de sua servidão.
122
120
Trecho do texto de abertura do Livro de Leitura da Campanha de no chão Também se Aprende a Ler.
1963.
121
Livro de Leitura De Pé no Chão Também se Aprende a Ler, 1963.
122
GERMANO, José Willington. Lendo e aprendendo: a campanha de pé no chão. p.135.
Uma série de conceitos foi integrada nas peças teatrais, na música, no cinema, nas
cartilhas escolares, nas práticas desses movimentos, ultrapassando também o terreno da
cultura popular. Mas esses conceitos devem ser lidos dentro de limites bem precisos de um
determinado momento histórico. As transformações conceituais não devem ser entendidas
desvinculadas das transformações políticas da sociedade.
2.5 O INÍCIO: MOVIMENTO DE CULTURA POPULAR (MCP)
O Movimento de Cultura Popular de Recife teve forte influência sobre a campanha De
no Chão Também se Aprende a Ler, por isso achamos importante explanarmos sobre a
origem do movimento. O Movimento de Cultura Popular surgiu em 1960. No mesmo ano foi
eleito o prefeito da capital pernambucana Miguel Arraes. Segundo Germano Coelho, um dos
fundadores do MCP, o recém-eleito prefeito de Recife convidou um grupo de pessoas com o
objetivo de estabelecer um plano de educação para crianças e adolescentes carentes da
cidade.
123
Nessa época, Recife não possuía uma rede municipal de educação. Em 1960, o
déficit no ensino atingira cerca de 40 mil crianças sem escolas no Recife. Eram propostas do
prefeito um programa de educação popular, promoção do folclore e arte popular e a efetivação
de reformas que levassem a transformação da ordem social.
124
O MCP foi fundado em 13 de maio de 1960, no Arraial do Bom Jesus, em Casa
Amarela, Recife. Além de Germano Coelho, participaram da fundação, constituindo o
Conselho de Direção: Paulo Freire, Paulo Rosas, Abelardo da Hora, Anita Paes Barreto,
Norma Porto C. Coelho, Geraldo Vieira, Reinaldo Pessoa, Giselda Fonseca, Maria Antônia
MacDowel, Arnaldo Marques, Aluízio Falcão.
125
Esse grupo de educadores que exercia seus
cargos voluntariamente sem remuneração já desenvolvia atividades em conjunto na
comunidade de Camaragibe e atividades da Juventude Católica.
126
Segundo o artista plástico Abelardo da Hora, desde 1949, ele tinha a intenção de
formar um movimento cultural, e que teria sugerido ao então governador Barbosa Lima. Mas
123
COELHO. Germano. Paulo Freire e o Movimento de Cultura Popular. In: ROSAS, Paulo (Org.). Paulo
Freire: educação e transformação. Pernambuco: Editora Universitária da UFPE, 2002. P.435.
124
SCHELLING, Vivian. A presença do povo na cultura brasileira: ensaio sobre o pensamento de Mário de
Andrade e Paulo Freire. Campinas: Ed. Da UNICAMP, 1990. p.256-257.
125
COELHO. Germano. Paulo Freire e o Movimento de Cultura Popular. In: ROSAS, Paulo (Org.). Paulo
Freire: educação e transformação. p.435; SOUZA, Kelma Fabíola Beltrão de. A abordagem sobre a cultura
popular utilizada no Movimento de Cultura Popular de Pernambuco. Disponível no site: HTTP://www.eca.usp.br
126
Entrevista com Abelardo da Hora (acervo do Memorial do MCP) apud Id. Ibid.
somente em 1960, com Miguel Arraes na Prefeitura de Recife, que o movimento seria criado.
Abelardo da Hora colocou em seu depoimento que Miguel Arraes o chamou, esclarecendo
suas intenções de apoiar “um amplo movimento cultural e sugerindo acrescentar um setor de
educação para jovens e adultos”.
127
A estrutura do MCP foi composta por três departamentos: Formação de Cultura
(DFC); Documentação e Informação (DDI) e Difusão e Cultura (DDC). Este último era
dividido por dez setores: Pesquisa (Paulo Freire); Ensino (Anita Paes Barreto); Artes Plásticas
e Artesanato (Abelardo da Hora); Música, Dança e Canto (Mário Câncio); Cinema, Rádio,
Televisão e Empresa; Teatro (Luiz Mendonça); Saúde; Cultura Brasileira; Bem-estar
Coletivo(Geraldo Vieira); Esportes (Reinaldo Pessoa).
128
Silva nos mostra que esse movimento recebeu influências de obras e autores,
principalmente franceses. Escreve a autora: seu nome foi herdado do movimento francês
Peuple et culture e em grande parte seu espírito”. O principal ideólogo do MCP foi Germano
Coelho, intelectual bastante marcado pela influência do pensamento francês: Boimondeau,
Peuple et Culture, Libret, Dumazedier, Mouneir, Freinet, Mautain, entre outros.
129
Uma
pluralidade de possibilidades favoreceram o surgimento do MCP. As preocupações dos
educadores, o momento político, as diretrizes políticas do Prefeito Miguel Arraes.
Originalmente o MCP voltou-se para a prática pedagógica de programas educacionais
de base. O ensino básico incluía português, matemática, higiene, história, geografia e política.
As disciplinas eram relacionadas com a formação de uma “consciência sobre a problemática
brasileira”. Com o crescimento do Movimento, outras práticas foram sendo adotadas. Peças
de teatro, centros de cultura popular, música, filmes, canções e danças populares, artes visuais
e artesanatos foram instrumentos, meios utilizados para vincular o MCP à população e ao
processo de mobilização política.
Com recursos do poder público, o MCP desenvolveu um plano de ação, definindo as
diretrizes gerais para o trabalho, que eram as seguintes:
Fornecimento de meios absolutamente indispensáveis à formação e ao
exercício da consciência social capaz de compreensão adequada das
condições de vida a que se encontram submetidas às massas populares;
127
Id. Ibid.
128
CUNHA, Luiz Antônio; GÓES, Moacyr de. Golpe na educação. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1991. p.17.
129
SILVA, Maria Betânia. Refletindo sobre o Movimento de Cultura Popular: espaço para arte? Revista Digital
Art&. Ano IV, n. 06, out. 2006. Disponível no site: http://www.revista.art.br. Acessado em 03/02/07.
Desenvolvimento da consciência popular no sentido de aprofundar sua
compreensão teórica da realidade social e da necessidade prática de sua
transformação;
Desenvolvimento da vida cultural das organizações populares no sentido
de incrementar suas atividades culturais internas e suas manifestações
culturais voltadas para a comunidade;
Elevação do sentido social das manifestações culturais comunitárias de
caráter tradicional;
Transformação, de negativa em positiva, da relação entre meios indiretos
e meios diretos, adotados pelo presente plano para a concretização de
suas diretrizes.
130
Essas diretrizes seriam a linha condutora para o trabalho do MCP. Paulo Freire, que
integrava a equipe de pesquisa, foi um dos principais participantes e organizadores
educacionais do Movimento.
A apresentação da peça “Julgamento em novo sol”, encenada em 1962 pelo Teatro de
Cultura do MCP, escrita por Germano Coelho, nos mostra as intenções do MCP de estimular
a energia criativa inerente às massas populares e suas organizações e dar incentivos para a
emergência, o florescimento e o crescimento das fontes de produção de cultura popular.
131
:
O Movimento de Cultura Popular não é apenas uma arma de combate contra
o analfabetismo. Não é somente um meio de educação integral do homem,
como pessoa e como membro da comunidade. Nem é só, tão pouco, uma
instituição destinada a promover a melhoria das condições materiais do
povo, através da formação profissional e da educação cooperativista. É
muito mais, e acima de tudo, instrumento do nível cultural do povo.
132
Para colocar em prática as diretrizes do movimento foram criados espaços específicos
para que a produção da cultura popular florescesse. Esses espaços eram chamados de praças
de cultura, parques de cultura e núcleos de cultura. De acordo com a documentação do MCP
havia diferenças entre Praças de Cultura e Parques de Cultura. As praças de cultura se
caracterizavam por serem espaços culturais de arte, cinema, teatro, etc.; e os parques eram
espaços exclusivos para a recreação, sem um trabalho sistematizado.
As primeiras experiências de praças de cultura se deram em Recife, posteriormente
foram implementadas em Natal e Belo Horizonte. Foram espaços criados por movimentos
130
Plano de Ação do MCP. In: FÁVERO, Osmar. Cultura popular e educação popular: memória dos anos 1960.
p.92-93.
131
Id. Ibid. p.266.
132
Id. Ibid. p.92-93.
populares para a promoção da cultura popular, destinados à população, mas também foram
espaços específicos de produção e recepção das práticas, idéias e valores desses movimentos.
3 AS TRANSFORMAÇÕES NO ESPAÇO FÍSICO DA CIDADE NAS
ADMINISTRAÇÕES DE DJALMA MARANHÃO
No primeiro capítulo discorremos sobre como conjuntura política dos anos 1950 e
1960 foi favorável ao surgimento, no Nordeste, de movimentos populares, promovidos pelo
poder público, que deram origem a espaços de produção e recepção das idéias propostas por
estes movimentos em torno da cultura popular, chamados praças de cultura. O momento
político da época significou também um novo olhar sobre a cidade, na medida em que esta
precisou modificar-se de forma a atender aos anseios políticos de uma elite desejosa por
industrialização.
Se num período anterior as intervenções urbanísticas significaram a preocupação de
uma elite dirigente em tornar a cidade um signo de modernidade, destacando a forte influência
dos grandes centros urbanos europeus e nacionais, nos anos 1950 e início dos anos 1960, as
intervenções significaram legitimação da ação política no espaço.
Propomos, desta forma, um olhar sobre a cidade a partir das intervenções em Natal,
durante as duas administrações de Djalma Maranhão, analisando qual foi o posicionamento do
prefeito frente às novas necessidades urbanas que surgiam. Djalma Maranhão esteve durante
as suas duas administrações em sintonia com os anseios do progresso, de industrialização e de
desenvolvimentismo econômico, das reformas sociais levado pela política em âmbito
nacional.
Na prática, essa política nas administrações Djalma Maranhão se desenvolveu a partir
de ações sistematizadas de promoção de campanhas populares para calçamento de ruas,
calçadas, das ruas do centro e de áreas mais afastadas, campanhas de arborização de passeios
públicos, de criação de órgãos especializados para assuntos relativos a aspectos urbanísticos
da cidade, introdução de inovações tecnológicas e de uma série de medidas visando estruturar
e modernizar a cidade visando à industrialização.
Faremos uma breve explanação sobre o desenvolvimento dos estudos sobre a cidade,
para em seguida focalizarmos a atenção no caso específico da cidade de Natal.
3.1 HISTÓRIA, ESPAÇO E CIDADE
Até o século XIX, a especificidade da ciência histórica era o tempo. A historiografia
apresentava o espaço como categoria secundaria, aparecendo como um dado, um lugar fixo,
imóvel onde os acontecimentos se desenrolavam. O espaço era objeto de outra disciplina a
geografia.
O iluminismo foi o primeiro movimento que pensou a história como ciência,
rompendo com a história como gênero literário, inaugurando a literatura como gênero
específico de ficção. A proposta iluminista era atribuir à história os mesmos métodos usados
para a matemática, a física e a geometria, no intuito de romper com as explicações teológicas
sobre homem e natureza que predominavam naquele período, dotando dessa forma, a história
de leis gerais.
133
Foi no iluminismo que se propagou a idéia de espaço fixo, o espaço como
natureza.
Como resposta aos pressupostos iluministas, veio a Escola Romântica, do início do
século XIX, influenciada pela Revolução Francesa, o romantismo apresentava uma visão
bucólica, de retorno à origem, de ressacralização do mundo. Contrários à separação natureza e
homem, propuseram a convivência entre ciência e arte, ciência e religião, trataram de
problemas subjetivos, individuais e sexuais. Nesse sentido, o historiador teria um
compromisso com os motivos, com as sensações e com os sentimentos, enquanto o
Iluminismo apresentou o homem como um ser da razão. Michelet foi o grande nome da
historiografia romântica. No romantismo o espaço ainda fixo ganhava uma dimensão
subjetiva, sagrada, divinizada.
134
A historiografia alemã do século XIX, segundo Wehling, foi uma continuação do
projeto iluminista de tornar a história uma ciência, se distanciando do romantismo. O
historiador alemão Rank foi o responsável pela criação de um método próprio da história,
abolindo a dimensão ficcional e qualquer subjetividade do autor. Nesse sentido, o fato
histórico teria uma realidade em si mesmo, independente de quem lesse, da linguagem e da
subjetividade do autor. O fato histórico estaria registrado no documento e para a escola
metódica seria o documento oficial. Esse movimento que pretendeu tornar a história ciência
foi o historicismo, que afirmava o tempo como dimensão essencial da disciplina que investiga
o passado das sociedades humanas. A Escola Metódica adotou a nação e a civilização como
133
Cf. CASSIER, Ernest. A filosofia do iluminismo. Campinas/SP: Ed. da UNICAMP, 1992.
134
PAZ, Francisco Moraes. Na poética da história: a realização da utopia nacional oitocentista. Curitiba: Editora
da UFPR, 1996.
sujeitos da história, representados pelo Estado.
135
A política era o campo principal dos
acontecimentos .
O interesse dos historiadores pelo espaço foi justificado por Harvey a partir das
transformações mundiais do século XIX que mudaram o pensamento do homem e levaram os
historiadores a considerar o espaço nas suas análises.Com a redução das barreiras espaciais,
aumenta muito mais a nossa sensibilidade ao que os espaços do mundo contêm”.
136
Essas
novas características começam a nortear as ciências humanas no início do século XX e dentro
desta perspectiva destacamos a historiografia produzida pelos historiadores ligados à Revista
dos Annales (criada em 1929, na França) que se preocuparam com a dimensão espacial
inicialmente influenciados pela geografia humana de Paul Vidal de La Blache.
Os fundadores da Revista foram os historiadores Lucien Febvre, especialista no século
XVI e o medievalista Marc Bloch. O núcleo central era formado, além destes por Fernand
Braudel, Georges Duby, Jacques Le Goff e Emmanuel Le Roy Ladurie. Próximos deste centro
estavam os historiadores marxistas Ernest Larousse, Pierre Vilar, Maurice Agulhon e Michel
Vouvelle.
137
As idéias e diretrizes da Revista eram a substituição da narrativa dos
acontecimentos políticos por uma história problema e a colaboração de outras disciplinas
como a geografia, a sociologia, a psicologia, a economia, a lingüística, a antropologia social e
outras.
Febvre, ainda quando era aluno de uma escola de ensino superior, a Escola Normal
Superior, em Paris, teve como um de seus professores o geógrafo Vidal de La Blache. A
geografia vidaliana, influenciada pelo debate entre geógrafos e sociólogos durante século XIX
e início do XX, sobre as formas de apreensão do espaço, trabalhou o conceito de região
“como único espaço legítimo onde concebe a articulação entre as solicitações do meio natural
e a ação voluntária dos grupos humanos.”
138
Dentro dessa concepção, várias monografias e
teses regionais foram escritas, dando um novo olhar à geografia, na qual a ênfase era a análise
do conjunto de relações entre o homem e o meio social. Febvre ao introduzir a geografia em
seus escritos afirmava que apenas essa restrição espacial, a região, garantiria a validade dos
dados reunidos na pesquisa. Para ele, com o acúmulo de estudos localizados poderia surgir
uma problemática pertinente para a análise dos fatos sociais.
139
135
WEHLING, Arno. A invenção da história: estudos sobre historicismo. Rio de Janeiro: Editora Gama Filho,
1994.
136
HARVEY, David. Condição pós-moderna. São Paulo: Loyola, 1989. p. 265
137
BURKE, Peter. A Escola dos Annales (1929-1989): a Revolução Francesa da historiografia. São
Paulo:Fundação Editora da UNESP, 1997.p .11.
138
CHARTIER, Roger. A beira da falésia. a história entre incertezas e inquietudes, Porto Alegre: Ed.
Universidade/UFRGS, 2002. p.208.
139
CHARTIER, Roger. A beira da falésia. p.216.
Bloch optou por especializar-se em História Medieval, interessou-se também pela
geografia, entretanto, sua grande influência foi no campo da sociologia com Émile
Durkheim.
140
Posteriormente, Fernand Braudel e os historiadores franceses influenciados por
ele, preocuparam-se com o espaço. Os geógrafos La Blache e Frederich Ratzel, os
historiadores Febvre e Henri Pirenne (medievalista) foram suas maiores influências.
141
Em sua obra O Mediterrâneo e Felipe II, Braudel mostra o espaço como estrutura
onde as ações humanas se desenrolam, “a verdadeira matéria do estudo é a história do homem
em relação ao meio”, uma espécie de geo-história. Mas Braudel enfatiza: “meu grande
problema, o único problema a resolver, é demonstrar que o tempo avança com diferentes
velocidades.”
142
O tempo continuava sendo a categoria fundamental da ciência histórica e o espaço, um
dado, onde as ações aconteciam. Especialmente, a partir dos anos 1960, vêm se afirmando
novas abordagens teóricas, novas perspectivas de estudo sobre o espaço. Novas abordagens
passam a tratar o espaço como algo mutável em permanente construção. Nesse sentido
fazemos referências a Michel de Certeau, pois apresenta uma nova forma de escrita,
estudando o espaço através das práticas cotidianas. Procura no estudo do cotidiano perceber
como os espaços são pensados e lidos, trabalha a noção do espaço enquanto lugar de práticas
que só é possível de ser apreendido visto de baixo, de dentro do social.
143
A discussão sobre o espaço desdobra-se sobre a questão da cidade. Os estudos sobre as
cidades datam do século XIX e estas aparecem como local onde se desenrolam os processos
sociais, econômicos e políticos. Com o acelerado crescimento das cidades e o surgimento de
problemas de moradia, condições de vida, diferentes áreas do conhecimento tornaram a
cidade objeto do saber. Nascia também uma ciência que se propôs pensar e planejar a cidade,
140
Cf. BURKE, Peter. A Escola dos Annales (1929-1989): a Revolução Francesa da historiografia. p. 216.
141
Id. Ibid. p.50-51.
142
Id. Ibid. p.48-52.
143
Cf. CERTEAU, Michel. A invenção do cotidiano: 1.artes de fazer. Petrópolis/RJ: Vozes, 1994. III Parte:
Práticas de Espaço. p.169-217. Estudos interdisciplinares sobre o aspecto simbólico e disciplinar do espaço em
FOULCAULT, Michel. Microfísica do poder. 3.ed. Rio de Janeiro. Ed. Graal, 1981; DELEUZE, Gilles e
GUATTARI, Félix, Mil Platôs: Capitalismo e Esquizofrenia, Vol 5, Rio de Janeiro, Ed. José Olympio, s/d. que
trabalha com a noção de liso e estriado, “o espaço liso não pára de ser traduzido, transvertido num espaço
estriado; o espaço estriado é constantemente revertido, devolvido a um espaço liso”; análise de Sennet sobre as
várias conotações que a dimensão pública adquire ao longo dos séculos queo estar relacionadas as mudanças
no espaço público. (SENNET, Richard. O declínio do homem público: as tiranias da intimidade.); a análise
antropológica de Magnani, que trabalha a noção de pedaço para analisar a importância dos espaços de lazer nos
bairros populares. Magnani José Guilherme Cantor. Festa do Pedaço: cultura popular e lazer na cidade. 3.ed.
São Paulo: Editora Hucitec, 2003.
o urbanismo.
144
A cidade seria transformada, no início do século XX em objeto de saber e
intervenção. Palavras ou expressões como urbanismo, city playning ou ciência da cidade
começaram a ser utilizadas na França, na Inglaterra e nos Estados Unidos. Esses países
instauraram uma nova prática administrativa no que concerne à questão da cidade: leis, planos
de organização e embelezamento das cidades que influenciaram, posteriormente, o urbanismo
nos países da América Latina.
145
No campo da história essa perspectiva se apresenta nos primeiros estudos sobre as
cidades. O historiador Ronald Raminelli, ao fazer uma análise sobre a produção da
historiografia que tem como tema o urbano, nos mostra que no fim do século XIX e início do
XX, historiadores se preocupavam em produzir uma história das cidades. Para o autor,
Fustel de Coulanges pode ser considerado o primeiro historiador moderno a se dedicar ao
estudo da cidade. Os estudos procuravam compreender as funções assumidas e suas formas de
ordenamento levando em consideração aspectos econômicos e políticos.
146
Os estudos sobre as cidades, do final do século XIX até os anos 1960, cada campo
disciplinar pretendeu construir uma ciência das cidades que teria como objeto o espaço urbano
e as relações (sociais, econômicas, culturais, etc.) nele inscritas, entretanto, o espaço urbano
aparecia apenas como cenário dos processos sociais.
147
A partir dos 1960, vêm se afirmando novas abordagens teóricas, novas perspectivas de
estudo sobre o espaço e sobre a história das cidades. Buscam-se diferentes compreensões
sobre o espaço urbano e das relações humanas, aumentando as possibilidades do campo de
investigação do historiador. Assim a história passou a buscar a construção do espaço no
tempo, o movimento de construção no qual os homens são os sujeitos desta história.
No Brasil, a organização do espaço público durante o século XIX e início do XX,
acompanhou os modelos europeus, as transformações urbanas foram um reflexo das
transformações ocorridas na Europa, apesar da distância e da defasagem cultural. Essas
mudanças coincidiram com a Proclamação da República, e com novo regime político veio
também a necessidade de modernizar o país. A cidade seria a representação de um país
144
BRESCIANI, Maria Stella. As sete portas da cidade Espaço e Debates, São Paulo, Ano XI. 34, 1991
(Cidade e História) apud SANTIAGO, Carla Ferreti. O lugar de morar: estado, igreja e moradores na produção
da habitação popular em Belo Horizonte (O Bairro Dom Cabral, 1959/1981). 1999. Dissertação (Mestrado em
História) - Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas - UFMG, [1999]. Disponível em:
http://hdl.handle.net/1843/VCSA-6UZM9G. (www.bibliotecadigital.ufmg.br). Acessado em 05/02/08.
145
Cf. RIBEIRO, Luíz César de Queiróz. Transferências, empréstimos e traduções na formação do urbanismo no
Brasil. In: PECHMAN, Robert e _______. Cidade, povo e nação: gênese do urbanismo brasileiro. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 1996.
146
RAMINELLI, Ronald. História urbana. In: CARDOSO, Ciro Flamarion, VAINFAS, Ronaldo (orgs.).
Domínios da história: ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1997.
147
Id. Ibid.
moderno, e para isso seria necessário criar outra imagem da cidade. Nesse período as cidades
brasileiras apresentavam uma conjuntura caracterizada pelo alto índice populacional, um
incipiente processo de industrialização, serviços públicos precários, crise habitacional. A
aglomeração dos centros urbanos tornava-os ambientes insalubres, endêmicos e inseguros.
Nesse sentido, nos primeiros anos do século XX, as cidades brasileiras emergiam
como espaço privilegiado de ação do poder público e as intervenções públicas foram de cunho
higienista. A representação da cidade como um espaço sujo e insalubre, condições favorecidas
pelo traçado urbano remanescente do período colonial ruas estreitas, becos, vielas e
sobrados construídos sem recuos frontais e laterais, com vários andares, dificultando a
penetração dos raios solares e das correntes de ar era apontado como perigo maior para a
saúde. Tais condições eram vistas como fatores de propagação de doenças e disseminação de
epidemias. A cidade colonial estava associada à insalubridade nas representações das elites
políticas e letradas.
A idéia de modernidade seria a solução para a superação dos resquícios da estrutura
colonial nas cidades. Nesse sentido, as intervenções visavam criar uma nova imagem da
cidade conforme os modelos estéticos europeus, as elites desejavam materializar os símbolos
da distinção à sua nova condição. A modernização tornou-se o princípio organizador das
intervenções. A cidade que mais se destacou, nessa experiência de intervenção no Brasil foi a
cidade do Rio de Janeiro, seguindo-se São Paulo, Fortaleza, Salvador, Belém.
148
Os médicos-
higienistas, investigando sobre os agentes causadores de epidemias, inventaram os problemas
urbanos e a cidade passou a ser objeto de investigação de intervenção médica, dando à cidade
a forma de um corpo humano, com funções orgânicas.
149
O historiador Pechman
150
fala em um saber sobre a cidade que se tornou referencial na
articulação de um pacto entre os grupos dominantes, que teve a cidade como base. Dessa
forma, esse pacto urbano, de que trata o autor, enquadrou “novos e velhos grupos citadinos à
dinâmica de uma cidade em transformação e que introniza os princípios higienistas como uma
norma de comportamento social”.
151
No âmbito local, buscamos referências em Giovana Oliveria (1997) e Joanilson Soares
(1999), sociólogos, que escreveram suas dissertações na década de 1990 e tiveram como
148
Ver SEGAWA, Hugo. Ao amor do público: Jardins do Brasil.
149
PECHMAN, Robert Moses. O urbano fora do lugar? Transferências e traduções das idéias urbanísticas nos
anos 20. In: ______. RIBEIRO, Luíz César de Queiróz. Cidade, povo e nação: gênese do urbanismo brasileiro.
p.331-332.
150
Professor do Instituto de Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional/UFRJ
151
PECHMAN, Robert. O urbano fora do lugar? Transferências e traduções das idéias urbanísticas nos anos 20.
In: ________ e RIBEIRO, Luiz César de Queiroz (orgs.). Cidade, povo e nação. p.331.
objeto de análise a cidade de Natal do início do século XX. São referências também os
trabalhos dos historiadores Raimundo Arrais (2006) e Alenuska Andrade (2006) e da arquiteta
Ângela Ferreira (2006).
152
No Nordeste, o processo de urbanização esteve condicionado à herança agro-
exportadora de sua economia e no Rio Grande do Norte a constituição de uma rede urbana
teria sido impulsionada pela atividade criatória. O sociólogo Soares, em sua leitura sobre a
cidade de Natal do início do século XX afirma que:
A economia sempre manteve frágeis vinculações com o setor de mercado
externo, contribuindo para que os núcleos urbanos não apresentassem uma
maior expressividade ao longo de suas trajetórias, incluindo-se, nessa
constatação, até a capital do estado, a qual, até o século passado, sobressaía-
se mais como um centro administrativo do que entreposto comercial.
153
3.2 O URBANO EM NATAL
No início do século XX, Natal era uma capital isolada. Informa-nos Arrais: “Ao sul, a
capital estava isolada por uma cadeia de dunas, por trás das quais se estendiam os tabuleiros
arenosos e incultos, interrompidos por alguns vales férteis ao longo dos rios”.
154
No fim do
século XIX eram 21 morros de areia circundando a cidade.
155
Natal, desde a sua constituição
em 1599 e ao longo de três séculos manteve características de cidades coloniais.
No final do século XIX a cidade resumia-se aos bairros da Cidade Alta e da Ribeira e
até o início do século XX o estado continuou cortado por caminhos de carro de boi. A
152
OLIVEIRA, Giovana Paiva. A elite política e as transformações no espaço urbano: Natal-1889-1913. 1997.
Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) - Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, UFRN, Natal,
[1997]; e SOARES, Joanilson Azevedo. Fragmentos do passado - uma releitura do urbano em Natal na década
de 20. 1999. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) – Centro de Ciências, Humanas, Letras e Artes, UFRN,
Natal, [1999]; FERREIRA, Ângela Lúcia e DANTAS, George (orgs.). Surge et ambula: a construção de uma
cidade moderna (Natal, 1980-1940). Natal: EDUFRN, 2006; ANDRADE, Alenuska. À luz da modernização a
modernidade da luz: a introdução da energia elétrica em Natal. In: _______. Op.cit. p.87-106. Versão revisada e
reduzida da monografia de graduação no curso de História da UFRN intitulada “A alma da cidade: a energia
elétrica em Natal (1905-1920)”.
153
SOARES, Joanilson. Op.cit. p.36.
154
ARRAIS, Raimundo. A capital do Rio Grande do Norte no início do século XX. In: FERREIRA, Angêla
Lúcia e DANTAS, George (Orgs.). Surge et Ambula: a construção de uma cidade moderna (Natal, 1890-1940).
p.121.
155
Id. Ibid.
ferrovia, criada em 1883, tinha pouco mais de 120 km, ligando Natal à cidade de Nova Cruz;
com a Estrada de Ferro Central do Brasil, inaugurada em 1906, chegou a Ceará-mirim,
atingindo Lages, em 1914.
156
Foi no período republicano que Natal ganhou ações efetivas em seu espaço físico.
Com a República, a capital tornou-se cenário de um país civilizado e por isso a necessidade de
intervenção. O momento representou a ascensão de uma elite política, ligada à produção
açucareira do litoral, que teve como principal nome o dico Pedro Velho de Albuquerque
Maranhão.
157
Essa elite política, do início do século XX, representada pela oligarquia Albuquerque
Maranhão, dominou o poder estadual por mais de 20 anos e foi, sobretudo, no Governo
Alberto Maranhão (1900 a 1904 e 1908 a 1912) que nasceu o anseio de transformar Natal
numa cidade moderna, com a execução de melhoramentos urbanos e a introdução de
inovações técnicas. O projeto era equipar a cidade com elementos idealizados para uma
cidade moderna, regular e higiênica. Com a finalidade de modernizar o espaço projetou-se a
construção da Cidade Nova
158
com todas as características do urbanismo influenciado pelos
paradigmas higienistas do início do século passado.
159
Nesse período, no ano de 1911, foi
criado o bairro do Alecrim, local constituído por roçados e casas de taipa, onde existia um
cemitério público desde 1856, uma praça, Pedro II.
160
Essas intervenções se caracterizaram pelo alargamento de avenidas, por grandes
demolições, construções de parques e jardins, pela reforma e construção de passeios públicos,
por posturas que regulamentavam as construções e seu aspecto externo, com o objetivo maior
de eliminar os cortiços, afastar os mendigos, prostitutas e vagabundos dos grandes centros,
161
pela limpeza de ruas, becos, praças e residências, reforma estética das ruas, calçadas, fachadas
e muros, alinhamentos e calçamentos de ruas, encanamento de água e esgoto, iluminação à
gás acetileno, depois elétrica, bondes, sistema de telefonia, escolas, hospitais, cadeia pública,
bancos, teatro, cinema, reconstruções e construções de novos edifícios.
162
156
Id. Ibid. p. 122-123.
157
Cf. SPINELLI. José Antônio. Da Oligarquia Maranhão à política do Seridó: o Rio Grande do Norte na
Velha República. Natal: CCHLA, 1992. (Coleção Humanas Letras, 5).
158
Local onde hoje se localizam os bairros de Petrópolis e Tirol.
159
ANDRADE, Alenuska. À luz da modernização a modernidade da luz: a introdução da energia elétrica em
Natal. In: FERREIRA, Angêla Lúcia e DANTAS, George (Orgs.). Op.cit. p.87-106.
160
O bairro do Alecrim teve seu perfil delineado a partir de 1929, na administração do Prefeito Omar O’Grady,
com a elaboração do Plano de Sistematização para expansão urbana da cidade pelo arquiteto italiano Giacomo
Palumbo. Sob a influência da cultura americana, desenhou um traçado de ruas e avenidas largas, registradas com
números de 01 a 12. Em 1941, durante a II Guerra Mundial, com a instalação da Base Naval, o bairro teve
acelerado processo de urbanização e aumento populacional.
161
OLIVEIRA, Giovana Paiva. A elite política e as transformações no espaço urbano: Natal-1889-1913.p.57
162
Id. Ibid. p.17.
Em Natal, nos informa Ferreira et al., nas década de 1930 e 1940, ressoavam vários
fundamentos do urbanismo influenciado pelos princípios e técnicas sanitárias do século XIX e
do início do século XX. Em 1935, foi elaborado um Plano Geral de Obras pelo escritório
Saturnino de Brito e que foi executado em parte até 1939, de acordo com os princípios
sanitaristas de Brito
163
que consistiam num saneamento pensado de maneira a conciliar
projetos de água e esgotos, a outras dimensões da cidade, tais como o sistema viário, os
edifícios públicos, as habitações, sem esquecer os elementos estéticos, sociais, econômicos e
técnicos. O Plano Geral de Obras propunha melhorias para as redes de água e esgotos e
expansão da cidade de Natal. Foram construídas estações elevatórias, casas de guardas e de
bombas, reservatórios de água, construção do edifício de Repartição de Saneamento, estação
para a estrada de ferro, aeroporto, o Grande Hotel, etc.
164
Ressaltamos na década de 1940, a criação de novos bairros, locais já habitados, porém,
oficializados como bairros no governo municipal de Sylvio Piza Pedroza. Os bairros que
foram oficialmente criados são: Nova Descoberta, Ponta Negra, Lagoa Seca, Petrópolis, Tirol,
Ribeira, Rocas, Santos Reis e Quintas.
165
3.3 AS INTERVENÇÕES URBANÍSTICAS NA CIDADE DE NATAL NAS
ADMINISTRAÇÕES MUNICIPAIS DE DJALMA MARANHÃO (1956-1959 / 1960-1964)
Na década de 1940, observa-se, de maneira geral, o intenso crescimento sico e
populacional das cidades brasileiras, considerado à época problema urbano. Para Pechman os
problemas urbanos foram inventados pelos médicos-higienistas, com suas investigações sobre
os agentes causadores de epidemias, pois a cidade apesar de apresentar desde a sua
163
Francisco Rodrigues Saturnino de Brito (Campos, 1864 — Pelotas, 1929) foi o engenheiro sanitarista
brasileiro, que realizou alguns dos mais importantes estudos de saneamento básico e urbanismo em várias
cidades do país, sendo considerado o pioneiro da Engenharia Sanitária e Ambiental no Brasil. Escreveu diversas
obras técnicas de saneamento que foram adotadas na França, Inglaterra e Estados Unidos. Suas obras completas
foram editadas, após o seu falecimento, pelo Instituto Nacional do Livro na Imprensa Nacional, e incluem, entre
outros volumes, o "Saneamento de Santos", o "Saneamento de Campos", o "Saneamento de Pelotas e Rio
Grande", o "Saneamento de Recife", "o Saneamento de Natal", "Controle de Enchentes" e o famoso livro "Le
Tracé Sanitaire des Villes", editado na França.Foi fundador do Escritório Saturnino de Brito - que funcionou até
1978 quando da morte de seu filho e continuador da sua obra Francisco Rodrigues Saturnino de Brito Filho.
164
FERREIRA , Ângela Lúcia et al. A paisagem criada pelo saneamento: propostas para Natal dos anos 1930.
In: _________ e DANTAS, George (orgs.). Surge et ambula: A construção de uma cidade moderna: Natal
(1890-1940). p.215-233.
165
http://www.natal.rn.gov.br/semurb/bairros.php.
constituição problemas referentes à infra-estrutura, não era tematizada como questão.
166
Após
a II Guerra Mundial, a consolidação desses problemas acarretou a necessidade de intervenção
do espaço sico, fazendo surgir, o planejamento urbano como forma de legitimação da ação
política sobre o espaço físico da cidade.
167
No campo político, com o fim do Estado Novo em 1945 e o início do processo de
redemocratização política, o país passou por um período de mudanças político-
administrativas. Após a morte de Vargas e a eleição de Juscelino Kubitschek, as mudanças
tornaram-se mais abrangentes. A política nacional-desenvolvimentista, adotada pelo novo
presidente, fez emergir a necessidade de modernizar a cidade como subsídio ao processo de
industrialização.
168
A noção de desenvolvimento estava na possível reordenação da economia,
apoiada na ação efetiva do Estado, no cenário então concebido pelo Plano de Metas, do
governo de Juscelino Kubitschek. E o nacionalismo forneceria o referencial político para um
projeto que seria sustentado pelo governo, conhecido sobre o lema “50 anos em 5.
”169
No âmbito das cidades, os anseios do progresso, industrialização e
desenvolvimentismo econômico acarretaram propostas que objetivavam solucionar os novos
problemas urbanos que surgiram na década de 1940, dando origem a novas formas de
intervenções no espaço físico das capitais brasileiras, instituindo a prática do planejamento
urbano como meio de legitimação das ações públicas.
170
Nesse sentido, qual foi o posicionamento do Prefeito Djalma Maranhão frente às
novas necessidades urbanas (o crescimento físico e populacional, o anseio de industrialização
por parte das elites políticas, a ação do mercado imobiliário) que surgiam? Djalma Maranhão
em suas duas administrações (1956-1959 e 1960-1964) demonstrou, a nosso ver, preocupação
com a questão urbanística, exemplo disso foram os programas de pavimentação, a instalação
de novos mercados públicos, o embelezamento e arborização de praças, a construção de um
Bosque Municipal (1956), a criação de um novo Código de Obras do Município (1956) e a
166
PECHMAN, Robert Moses, PECHMAN, Robert. O urbano fora do lugar? Transferências e traduções das
idéias urbanísticas nos anos 20. In: ________ e RIBEIRO, Luiz César de Queiroz (orgs.). Cidade, povo e nação.
p.331.
167
DANTAS, Caroline et al. Uma cidade sem planos? Gestão e ações públicas em Natal (1939-1967). In:
FERREIRA, Ângela Lúcia e DANTAS, George (orgs.). Surge et ambula: a construção de uma cidade moderna,
Natal (1989-1940). p. 257.
168
Id. Ibid. p. 259.
169
JAGUARIBE, Hélio. O ISEB e o desenvolvimento nacional. In: TOLEDO, Caio Navarro de (org.).
Intelectuais e política no Brasil. p.31-32. Cf. MANTEGA, Guido. A economia política brasileira. 8.ed.
Petrópolis: Editora Vozes, Petrópolis, 1995. Capítulo 01: O nacional-desenvolvimentismo.
170
DANTAS, Caroline et al. Uma cidade sem planos? Gestão e ações públicas em Natal (1939-1967). In:
FERREIRA, Ângela Lúcia e DANTAS, George (orgs.). Surge et ambula: a construção de uma cidade moderna,
Natal (1989-1940). p. 257.
Criação do Conselho Municipal de Planejamento e Urbanismo (Lei n. 672, de 24 de janeiro
de 1957).
171
Dentro do propósito nacional de estruturar e mordenizar a cidade visando a
industrialização, o Prefeito adotou uma série de medidas com o intuito de expandir a infra-
estrutura existente para outros bairros através de políticas habitacionais, abertura de ruas e
avenidas, criação de espaços de lazer, etc.
3.3.1 Reforma Administrativa da Prefeitura de Natal
Para a realização das ações da Prefeitura, primeiramente houve a necessidade de
reorganizar os seus serviços. Uma das primeiras medidas adotadas por Djalma Maranhão foi a
reforma administrativa do Município
172
com o objetivo de regularizar os serviços da
Prefeitura. De acordo com o depoimento do advogado Roberto Furtado, na época Secretário
de Negócios Internos e Jurídicos, até 1956 a Prefeitura não possuía uma organização
administrativa e dos serviços prestados à população.
Até aquela época existia uma estrutura formal de trabalho no município, mas
ela era pouco eficiente, existiam os órgãos, mas não existia a estrutura para o
funcionamento dos mesmos. Existia um gabinete, mas não existia um
gabinete que atendesse, por exemplo, os ofícios do prefeito.
173
Formalmente a estrutura era pequena e na prática não funcionava. A Prefeitura estava
montada apenas com uma secretaria, a de Negócios Internos e Jurídicos, como único órgão
centralizador de todas as atividades. A essa Secretaria estavam subordinadas quatro diretorias:
Obras, Finanças, Saúde e Assistência
174
, Documentação e Cultura.
171
Essas iniciativas serviram como base para a elaboração, em 1967, do Plano Urbanístico e de
Desenvolvimento de Natal, de autoria do arquiteto Jorge Wilheim, momento em que a institucionalização do
planejamento urbano em Natal. (DANTAS, Caroline et al. Uma cidade sem planos? Gestão e ações públicas em
Natal (1939-1967). In: FERREIRA, Ângela Lúcia e DANTAS, George (orgs.). Op.cit. p.257).
172
cf. RIBERIO, Isa Paula Z. Prefeitura e classes populares: um estudo sobre as administrações municipais de
Djalma Maranhão (1956-1959/1960-1964).
173
Roberto Furtado em entrevista concedida à autora em 19 de maio de 2003.
174
A saúde pública, era de competência do Estado, a Prefeitura tinha um programa exclusivo para atendimento
de funcionários. Para tanto o poder municipal contava em seu quadro funcional com um médico: O Dr. Luiz
Antônio dos Santos Lima. A ele competia prestar assistência aos servidores municipais e suas famílias no âmbito
de sua especialização. (Roberto Furtado em entrevista concedida à autora em 19 maio 2003; DIÁRIO DO
MUNICÍPIO, Natal, 10 ago. 1956).
Através do Decreto Municipal 329, de 25 de janeiro de 1956
175
, Djalma Maranhão
adotou a Reforma Administrativa, com a implementação das seguintes medidas: manutenção
da Secretaria de Negócios Internos e Jurídicos; criação de duas novas secretarias: a de
Viação e Obras e a de Finanças; criação da chefia de gabinete, com status de secretaria;
estruturação e fornecimento para condições de funcionamento das diretorias existentes;
criação de sete diretorias subordinadas a Secretaria de Negócios Internos: diretoria de
Expediente, diretoria de Pessoal, diretoria do Teatro Carlos Gomes, diretoria do Arquivo e a
diretoria da Consultoria Jurídica. Com as medidas adotadas o prefeito passou a contar com
quatro auxiliares diretos: os secretários de Negócios Internos e Jurídicos, de Finanças, de
Viação e Obras e o Chefe de Gabinete.
No ano seguinte foi acrescentada à estrutura administrativa da Prefeitura a Diretoria de
Ensino Municipal, por meio da Lei nº 648, de 08 de janeiro de 1957, que ficaria subordinada a
Secretaria de Negócios Internos e Jurídicos e contaria em sua estrutura com um Diretor e um
Assessor Técnico Municipal. O Ensino Público Municipal inicialmente foi efetivado em um
Programa de Escolinhas
176
.
3.3.2 As intervenções urbanísticas
As intervenções urbanísticas na cidade de Natal demonstravam que o Prefeito estava
atualizado com os meios administrativos e com as preocupações urbanísticas do período.
Djalma Maranhão elaborou uma ação sistematizada sobre o espaço físico da cidade. Os
175
DIÁRIO DO MUNICÍPIO, Natal, 27 de jul.; 01,05 e 10 de ago. 1956
176
O Programa de Escolinhas foi idealizado pelo prefeito Djalma Maranhão e o seu Chefe de Gabinete, na
época, Moacyr de Góes. A primeira fase do ensino municipal de alfabetização data da primeira administração de
Djalma Maranhão (1956-1959) e foi retomada logo em 1961[...]. [Para o funcionamento das escolinhas] a
Prefeitura utiliza salas cedidas pela comunidade, gratuitamente, e instala uma classe de alfabetização. As
despesas da Prefeitura são um pequeno pro labore para a “professorinha”; material didático doado aos alunos;
toscas carteiras fabricadas na carpintaria municipal e utensílios para servir a merenda que é fornecida pelo
UNICEF. Salas, água e energia elétrica são contribuições de sindicatos, igrejas, clubes, associações de bairros,
de folclore e até residências particulares e cinemas que abrigam essas classes de alfabetização. (GÓES, Moacyr.
De no chão também se aprende a ler (1961-1964): uma escola democrática. p.70). Logo no início do
programa as escolinhas foram instaladas nas seguintes localidades: Rua Jundiás, 128 (Carrasco); Rua São Jorge
(Sede do Rio Grande Futebol Clube Rocas); Rua Santo Antônio (Sede do Irapuan Futebol Clube Quintas);
Rua dos Paianazes (Sede da União dos Servidores Públicos do RN Alecrim); Rua Mário Lira (Sede dos
Imperadores do Samba Quintas); Rua São José, 266 (Sede de amplificadores São José Quintas); Av.4 (Sede
da Amplificadora Cruzeiro do Sul Bairro da Conceição); Bairro de Nova Descoberta; Rua Lucas Bicalho, 98
(Rocas); Rua dosa Canindés, 1318 (Alecrim); rua Cel. Estevam, 1722 (Alecrim); Rua da Lua, 33 (Sede dos
Arrumadores das Docas do Forto (Rocas); rua Presidente Mascarenhas, 668 (Alecrim); rua 25 de março, 65
(Quintas); rua Cel. Estevam, 1637 (Alecrim) e Localidade de Pium. (A REPÚBLICA, Natal, 23 jun. 1957).
Diários dos Municípios, publicados no Jornal A República demonstram que parte do
orçamento da Prefeitura era destinado à pavimentação e emplacamento de ruas, além de
outras obras mais amplas de urbanização, tais como, a criação do Bosque Municipal, a
instalação de novos Mercados Públicos, a construção de galerias pluviais nos bairros da
Ribeira, de Petrópolis e do Tirol, para evitar o alagamento de vias públicas, o calçamento de
ruas e avenidas, o embelezamento e arborização das praças.
De cunho social esses programas visavam o desenvolvimento econômico da capital,
incluindo o desenvolvimento dos bairros populares. Na primeira administração, a prefeitura
não possuía autonomia administrativa e financeira, o que dificultava a tomada de qualquer
iniciativa sem o aval do governo do Estado. O planejamento e a implementação de obras em
longo prazo, por exemplo, por parte da Prefeitura, era extremamente difícil. Tal situação
aparecia como um obstáculo às ações da Prefeitura na medida em que as obras exigiam
recursos indisponíveis no município.
Todavia, Maranhão em seu primeiro governo procurou sintonizar seu discurso,
nitidamente favorável ao nacionalismo, às ações possíveis de serem realizadas. Nesse sentido,
promoveu campanhas populares, levando a participação da população nos programas de
pavimentação, calçamento de ruas e calçadas e de arborização, no programa de educação,
incentivo ao turismo local, etc.
Até 1956, não houve por parte da Prefeitura de Natal ações efetivas em relação ao
turismo na capital. Djalma Maranhão, apontando para as belezas naturais da cidade e
incentivando a prática do turismo, criou, nesse mesmo ano, o Conselho Municipal de Turismo
e, com o apoio do governo do Estado, sob a liderança de Dinarte Mariz, realizou as obras do
Aeroporto Augusto Severo, sendo inaugurado em 1959 e o Bosque Municipal de Natal, num
convênio entre a Prefeitura e o Ministério da Agricultura. Ainda foram realizados projetos de
um hotel de 15 pavimentos, do Palácio das Secretarias do Governo e um plano de um novo
traçado urbanístico para Natal.
177
À época divulgou-se a intenção da construção da Via
Costeira que seria um forte atrativo turístico.
Em depoimento, Roberto Furtado nos relatou:
Djalma fez o projeto da rodovia do contorno, incluindo a Via Costeira. A
rodovia do Contorno iria pela Via Costeira, voltava por Ponta Negra,
passando também pela Base Naval. “Hoje essa avenida sai na Estrada de
177
DANTAS, Caroline et al. Uma cidade sem planos? Gestão e ações públicas em Natal (1939-1967). In:
FERREIRA, Ângela Lúcia e DANTAS, George (orgs.). Surge et ambula: a construção de uma cidade moderna:
Natal (1890-1940). p.265.
Ferro, vem beirando o rio e passa pelo Salesiano”. O projeto de Djalma era
passar em frente, beirando o rio até encontrar outra avenida para fazer a
circulação toda de Natal. E na gestão Djalma iniciou a Via Costeira ao
farol. Era uma estrada de barro. Abriu a partir da Via Costeira, o projeto era
fazer Ponta Negra como é hoje, mas o projeto não foi viabilizado, então,
abriu para o lado de Mãe-Luíza, subindo até o farol, fazendo o circuito.
178
Dentro do propósito de sua política nacionalista, Djalma Maranhão adotou medidas
que refletiam o pensamento político da época, em âmbito nacional, de desenvolvimento do
país objetivando torná-lo um país industrializado. Nesse sentido, observa-se a intenção do
prefeito de estruturar e modernizar a cidade com vistas à industrialização, expandindo a infra-
estrutura da cidade para toda área urbana bairros das Rocas, Petrópolis, Alecrim, Tirol e
localidades mais afastadas do centro como Ponta Negra e Parnamirim por isso a abertura de
ruas, calçamento do sistema viário, melhorias de passeios públicos, arborização de praças,
construção de quadras para a prática de esportes, parques infantis, introdução de iluminação
pública, construção de novos mercados públicos, de novos cemitérios, postos médicos, etc.
Como nos mostra a matéria do Jornal A República, trazendo a seguinte notícia:
“Planificação Administrativa - O município caminha por uma estrada previamente traçada
Planos do Prefeito Djalma Maranhão. Hoje não se compreende um governo sem
planejamento. Uma administração que age às tontas não é governo, é desgoverno.” E dentro
dos planos da Prefeitura, uma série de obras foi sendo executada durante a primeira
administração, como a construção dos Mercados das Rocas e Parnamirim, construção do
Bosque Municipal (atual Cidade da Criança), na Lagoa Manoel Felipe, da lavanderia no
Bairro das Quintas, pavimentação da estrada de Parnamirim, em colaboração com a Base
Áerea e o Departamento Nacional de Estradas e Rodagem, pavimentação de ruas próximas à
Base Naval e a Vila da Marinha, execução da Planta Cadastral da cidade, emplacamento de
ruas e avenidas, construção de galerias pluviais nos bairros da Ribeira, Petrópolis e Tirol,
embelezamento de praças e logradouros públicos, instalação da Guarda Municipal, do posto
médico no Bairro de Ponta Negra, conclusão da Estrada da Redinha.
179
O programa de pavimentação elaborado e executado pela administração de Djalma
Maranhão teve forte repercussão na imprensa local, que fazia referências ao “Plano Djalma
Maranhão”: Vinte e Três ruas (nominalmente citadas estão sendo calçadas) - O “plano Djalma
Maranhão”, significando que o “Proprietário a Pedra e a Prefeitura mão-de-obra”, está
francamente vitorioso. Intitulado Proprietário a pedra, a Prefeitura mão-de-obra foi
178
Roberto Furtado em entrevista concedida à autora em 13 de maio de 2003.
179
Jornal A República, Natal, 01 jul. 1956.
considerado uma grande inovação nos métodos de trabalho da prefeitura e contou com forte
participação da população. Através desse programa, a prefeitura conseguiu pavimentar, em
curto prazo, várias ruas de Natal. O Jornal A República noticia a matéria com seguinte
pergunta: “O que é o plano Djalma Maranhão?” E prossegue:
Isso não são apenas palavras. Mais uma vez nesta página, provamos
com fatos. Vamos citar as ruas que já estão pavimentadas e as áreas
onde os serviços se encontram em andamento e quem não acreditar,
quem for com São Tomé, que vá ver, olhe e nos confirme.
Ruas de pavimentação concluída: 1) Laranjeira; 2) Alexandrino de
Alencar (trecho entre a Amaro Barreto e a Cel. Estevam); 3)
Upanema; 4) Mário Negócio (trecho iniciado na Av.3); 5) Dr. João
Chaves; 6)Uma rua projetada ainda sem nome, próximo a Av. Café
Filho; 7) Íris; 8) Manoel Dantas.
Ruas onde o calçamento foi reposto, em conseqüência de serviços: 9)
Expedicionário José Varela; 10) Frei Miguelinho
Ruas que estão sendo pavimentadas: 11) Um trecho da 25 de
Dezembro; 12) Praça João Tibúrcio; 13) Danilo; 14) Borborema; 15)
Coronel Estevam (trecho entre Alexandrino de Alencar e Av. 1); 16)
Paratis (Av. 12);17) Hermes da Fonseca; 18) Deodoro (subida do
Baldo); 19) Clementino Câmara; 20) Painazes (Av. 10); 21) Rodrigues
Alves (trecho entre Jundiaí e a Apodi).
180
Como o próprio programa sugere, os recursos para a pavimentação das ruas eram
obtidos pela parceria entre prefeitura e moradores. A prefeitura financiava a mão-de-obra e o
material para fixação das pedras no solo, o morador custeava a compra das pedras. Nos
lugares mais pobres, onde os moradores não tinham recursos, nem prefeitura tinha orçamento
para as obras, as ruas eram pavimentadas com barro. Seguiu-se a revisão da nomenclatura das
ruas e a introdução de uma nova sinalização.
Segundo o depoimento de Roberto Furtado, na época Secretário de Negócios Internos
e Jurídicos da Prefeitura, Djalma Maranhão iniciou, na primeira administração, várias obras
de pavimentação e abertura de ruas e avenidas, pois a cidade era asfaltada na parte que se
chamava pista, ou seja, “aquele espaço na Avenida Hermes da Fonseca, do aeroporto [em
Parnamirim] até perto da Praça Pedro Velho. Era o único asfalto”.
181
Na década de 1940, foi
construída a primeira estrada de asfalto de Natal, a Parnamirim Road, um empreendimento
norte-americano e ficou conhecida popularmente por “pista”.
182
180
Id. Ibid.
181
Roberto Furtado em entrevista concedida à autora em 13 de maio de 2003.
182
CASCUDO, Luis da Câmara. História da cidade de Natal. Natal: IHGRN, 1999. p.423-424. PEDREIRA,
Flávia de Sá. Chiclete eu misturo com banana: carnaval e cotidiano de guerra em Natal: 1920-1945. Natal:
Outras intervenções foram realizadas, como a construção e iluminação de logradouros,
a iluminação de ruas e praças públicas, como por exemplo, as praças Pe. João Maria, João
Tibúrcio, Carlos Gomes, Gentil Ferreira, e outras. A primeira administração de Djalma
Maranhão priorizou projetos de assistência à população e contou com a participação desta, o
que, aliado ao momento político do período, contribuiu para a sua eleição para o segundo
mandato com Prefeito da cidade de Natal.
Em Natal, esse período também foi marcado pela consolidação de inovações
tecnológicas e pela emergência de um mercado imobiliário. Juntamente com a pavimentação
de ruas e avenidas, construção e reforma de passeios públicos e outros empreendimentos
vieram a ampliação da rede elétrica, do sistema viário com a introdução de ônibus elétricos,
do sistema de telefonia, com os primeiros telefones públicos. Essas mudanças impulsionaram
atividades no cenário urbano como a atividade turística, consistia em atrativos para a
indústria, consolidação de novos bairros, valorização do solo urbano, normalização da
habitação e a intensificação do mercado imobiliário.
À questão habitacional, Djalma Maranhão designou uma comissão coordenada pelo
engenheiro Antônio Tejo e pelo arquiteto Arialdo Pinto, com a finalidade de elaborar um
novo código de obras para o município de Natal. Informava a imprensa local:
A atual lei que regula as construções de nossa cidade, data do ano de 1904,
por conseguinte completamente desatualizada, isto é, sem atender às
necessidades do progresso arquitetônico de uma cidade moderna como é
Natal. Tanto é, que, as atuais construções que se erguem na metrópole
potiguar, não se enquadram em absoluto, nas normas arquitetônicas adotadas
nos grandes centros. O que se vê, portanto, são verdadeiros monstrengos
surgindo no panorama urbanístico da cidade.
183
Segundo Dantas et al, a emergência do mercado imobiliário em Natal, beneficiou tanto
a iniciativa privada quanto os cofres públicos municipais, pois a maioria das terras existentes
era de propriedade da Prefeitura. “O momento de intensificação dos loteamentos em Natal
coincide com o período de realizações a cargo da administração municipal para onde era
revertida a arrecadação obtida pela venda e aforamento dos terrenos do município”. Com a
EDUFRN, 2005.p.166-167.
183
Jornal A República, Natal, 20 jul. 1957.
autorização da Prefeitura disseminaram-se loteamentos por toda a cidade de Natal,
acarretando a criação de novos bairros, muitas vezes sem infra-estrutura adequada.
184
Alguns loteamentos eram comercializados pela própria prefeitura e o bairro de Mãe
Luíza
185
foi um exemplo dessa valorização e intensificação do mercado imobiliário. A
propaganda da prefeitura fazia referência ao bairro como a cidade-satélite: “Nasce uma cidade
entre Natal e Ponta Negra Mãe Luíza Cidade Satélite Plante seu dinheiro comprando à
vista ou à prazo. Informações: Prefeitura. Mais uma iniciativa do Prefeito Djalma
Maranhão.”
186
De acordo com a imprensa local a venda dos lotes seria destinada a construção
do Estádio Olímpico e do Mercado das Rocas.
187
Em 1960, dois projetos de lei de autoria de Djalma Maranhão foram apresentados à
Câmara Federal pelo mesmo
188
. O primeiro sobre a construção de uma Rodoviária e na época
o Congresso Nacional autorizou o crédito de 10 milhões de cruzeiros, através do
Departamento Nacional de Estradas de Rodagem. Natal não possuía uma Rodoviária e em sua
justificativa Djalma Maranhão explicita que com o aumento populacional após a II Guerra
Mundial, o setor de transporte fora o que mais crescera. O outro Projeto junto ao Ministério
da Agricultura, através do serviço florestal, seria para a fixação de dunas e morros
circundantes da cidade de Natal
189
É válido ressaltar que, apesar do acelerado crescimento físico da cidade e de seu
processo de urbanização, não houve ações efetivas no sentido de promover, orientar e
controlar a expansão da cidade por parte da Prefeitura. Ainda estava em vigor o Plano Geral
de Sistematização de 1929, legislação restrita ao traçado urbano da cidade. Entretanto, Djalma
Maranhão incentivou a criação de um Conselho Municipal de Planejamento e Urbanismo, que
seria um órgão consultivo da administração municipal, composto por profissionais
especializados, tendo como finalidade a elaboração e a regulamentação de uma legislação que
privilegiasse os aspectos urbanísticos da cidade, dando a Natal uma identidade urbanística
própria.
190
De acordo com Dantas et al,
184
DANTAS, Caroline et al. Uma cidade sem planos? Gestão e ações públicas em Natal (1939-1967). In:
FERREIRA, Ângela Lúcia e DANTAS, George (orgs.). Surge et ambula: a construção de uma cidade moderna:
Natal (1890-1940). Dantas, p.266.
185
Mãe Luíza foi oficializado como bairro em 1958, pela Lei 794, de 23 de janeiro, na administração
municipal de Djalma Maranhão.
186
Jornal A República, Natal, 11 fev.1958.
187
Jornal Folha da Tarde, Natal, 06 abr. 1961.
188
Na época Djalma Maranhão assumiu sua cadeira na Câmara Federal como Deputado.
189
Jornal A República, Natal, 04 e 05 jan. 1960.
190
DANTAS, Caroline et al. Uma cidade sem planos? Gestão e ações públicas em Natal (1939-1967). In:
FERREIRA, Ângela Lúcia e DANTAS, George (orgs.). Surge et ambula: a construção de uma cidade moderna:
Natal (1890-1940). p.266.
A atuação desse Conselho deveria ser pautada no ideário de cidade-jardim
propugnado por Ebenezer Howard
191
, incorporando questões sociais
imbricadas na concepção de vizinhança na descentralização urbana, no
direito à habitação, na existência de espaços verdes, entre outros.
192
Djalma Maranhão tomou posse pela segunda vez, agora como Prefeito eleito, no dia
05 de novembro de 1960. A vinculação do prefeito Djalma Maranhão aos setores populares
era evidente na sua primeira administração, mas essa vinculação foi ampliada na segunda
gestão. A segunda administração foi caracterizada pelo apoio às mobilizações populares e
pelo desenvolvimento de práticas voltadas a esses setores.
As ações de melhoramentos na
estrutura física da cidade foram continuadas nessa segunda gestão e constituíram-se em
programas de pavimentação e asfaltamento de ruas e avenidas, calçamento das calçadas,
reforma e arborização de passeios públicos e praças, melhoria do transporte público,
ampliação da rede elétrica, entre outras ações.
No início do mandato uma nova reformulação administrativa da Prefeitura foi
realizada, porém, a equipe de assessores permaneceu a mesma. O secretariado da Prefeitura
foi constituído por: Ticiano Duarte Chefe de Gabinete; Moacyr de Góes Secretaria de
Educação e Cultura; Roberto Brandão Furtado (Secretaria de Negócios Internos e Jurídicos);
Ernani Silveira (Secretaria de Viação e Obras).
193
Posteriormente, houve uma modificação na nomenclatura das secretarias: a Secretaria
de Educação e Cultura passou a denominar-se Secretaria de Educação, Cultura e Saúde; a
Secretaria de Negócios Internos e Jurídicos passou a Secretaria de Justiça, Comércio e
Agricultura. Ao longo da administração, Nathanis Von Sohsten Junior substituiria Ticiano
Duarte na Chefia de Gabinete e Wilson Miranda assumiria a Secretaria de Viação e Obras.
194
A primeira questão imposta à prefeitura foi a de resolver o problema do déficit
orçamentário, elaborando um programa de ação que se diferenciasse dos meios tradicionais da
administração municipal. Para contornar a crise fiscal foi criado um Código Tributário do
Município, elaborado e aprovado pela Câmara Municipal, excluindo do pagamento de
impostos algumas categorias: pequenos comerciantes, artífices, e algumas instituições.
195
191
O inglês Ebenezer Howard (1850-1928) foi o urbanista que criou o conceito de cidade-jardim.
192
DANTAS, Caroline et al. Uma cidade sem planos? Gestão e ões públicas em Natal (1939-1967). In:
FERREIRA, Ângela Lúcia e DANTAS, George (orgs.). Op.cit. p.280.
193
Jornal Folha da Tarde, Natal, 04 nov. 1960.
194
GERMANO, José Willington. Lendo e aprendendo: a campanha de pé no chão. p.86-87.
195
Jornal Folha da tarde, Natal, 09 abr. 1962.
Além do Código Tributário do Município, Lei 1.113 de 02 de janeiro de 1961, foi
organizado o Cadastro Fiscal da Prefeitura e o aumento da alíquota de imposto de indústrias e
profissões. Essas medidas concorreram para a superação do déficit orçamentário, sendo
possível ainda em 1962 a conclusão de alguns empreendimentos como a construção do Centro
de Formação de Professores, o asfaltamento e iluminação a vapor de mercúrio e fluorescentes
das ruas João Pessoa e Ulisses Caldas e Avenida Rio Branco, localizadas no centro da cidade;
realizações iniciadas em 1962 e concluídas em 1963: Galeria de Arte, Mercado das Rocas,
Palácio dos Esportes, Estação Rodoviária, construção de quadras de esporte e parques
infantis, reestruturação de praças públicas, etc.
196
Alguns projetos referentes às intervenções urbanísticas merecem destaque: as
campanhas de calçamento de ruas e calçadas, a desapropriação dos Bairros de Brasília
Teimosa e Mãe Luíza, o programa de habitação e o programa de quadras de esportes e
parques infantis nas praças da cidade.
Nessa segunda gestão, as obras de calçamento saíram das ruas mais próximas ao
centro da cidade e foram para o subúrbio. A campanha O calçamento marcha para o
subúrbio iria abranger bairros mais afastados, entretanto, vale salientar que, em 1960,
Carrasco (atual bairro de Dix-sept Rosado), Quintas, Santos Reis e Rocas ainda eram bairros
distantes do centro da cidade. Essa segunda gestão também era noticiada pela imprensa como
a “Era do Asfalto” e a primeira rua asfaltada foi a João Pessoa, seguindo-se a Ulisses Caldas e
Av. Rio Branco.
197
Outra campanha foi a Faça a sua calçada e pague em doze prestações. O programa,
realizado através da Secretaria de Viação e Obras Secção de Pavimentação e de Galerias
funcionava da seguinte forma, uma comissão designada por Djalma Maranhão selecionava as
firmas para a construção das calçadas, após contratados os serviços, o morador assinava 12
promissórias avaliadas pela Prefeitura em favor da referida firma e que seriam descontadas no
banco da capital. Pela existência do meio fio em algumas ruas, existiam dois tipos de
propostas: a da calçada com meio fio e o da calçada sem meio fio.
198
Através do decreto assinado em 15 de junho de 1962
199
, que declarava de utilidade
pública e interesse social os terrenos localizados em Brasília Teimosa e Mãe Luíza, Djalma
Maranhão desapropriou a área regularizando a situação dos moradores com relação a
ocupação dos terrenos. Amparado pela Constituição Federal, pelos dispositivos da Lei
196
GERMANO, José Willington. Op.cit. p.88-89.
197
Jornal Folha da Tarde, Natal, 31 out. 1961.
198
Jornal Folha da Tarde, Natal, 16 jan. 1961.
199
Jornal Folha da Tarde, Natal, 15 jun. 1962.
Orgânica do Município e de Lei Federal de Desapropriação, declarou através desse decreto
que os lotes seriam entregues às famílias de reconhecido estado de pobreza (artigo 3º) e que
os terrenos seriam entregues em caráter de usufruto, não podendo ser negociados, mas
transmitidos de pais para filhos.
200
O Programa de Habitação, segundo Germano, consistia na construção de casas
populares destinadas aos funcionários municipais. O primeiro conjunto [de dez casas] foi
construído no Bairro das Quintas, com recursos da prefeitura, sendo as casas sorteadas entre
os funcionários inscritos, constando estas com três quartos, sala única, copa, cozinha,
instalações sanitárias, quintal e jardim.
201
As duas administrações de Djalma Maranhão, dentro de uma política nacionalista,
foram marcadas por ações voltadas aos setores populares e ações que transformaram o espaço
físico da cidade. Essas iniciativas, a nosso ver, não se configuraram em ações planejadas, mas
iniciativas que demonstravam que o prefeito esteve em sintonia com as novas necessidades
urbanas e com os anseios de progresso e de industrialização propagados pelo governo em
âmbito nacional.
200
GERMANO, Willington. Lendo e aprendendo: a campanha de no chão. p.90-91; DANTAS, Ana Caroline
et ali. Uma cidade sem planos? Gestão e ações públicas em Natal (1939-1967). In: FERREIRA, Ângela Lúcia e
DANTAS, George (Orgs.). Surge et Ambula: a construção de uma cidade moderna (Natal, 1890-1940). p.269.
201
GERMANO, José Willington. Lendo e aprendendo: a campanha de PE no chão. p.91.
4 AS PRAÇAS DE CULTURA NO GOVERNO DJALMA MARANHÃO (1960-1964)
As intervenções no espaço físico da cidade de Natal na primeira administração Djalma
Maranhão refletiram os anseios políticos do momento de modernizar com vias ao progresso e
à industrialização. A questão do nacional pertinente em toda trajetória política do Prefeito
norteou suas diretrizes, seus projetos e ações ao longo de suas administrações municipais e
como Deputado Federal, como líder da Frente Nacionalista do Estado do Rio Grande do
Norte. O nacionalismo defendido por Djalma Maranhão consistia na luta contra o
imperialismo e na emancipação do povo através da cultura popular. Como o próprio
documento da Campanha sugere, a cultura popular era um instrumento de luta, de
emancipação política, ao mesmo tempo, que era a criação do povo, as práticas do dia-a-dia, a
autêntica cultura nacional.
Dentro dessa concepção, espaços públicos da cidade de Natal foram criados, outros
foram ressignificados, transformando-se em espaços de lazer ou em espaços culturais, de
promoção da cultura popular. Neste capítulo analisaremos como a Prefeitura incorporou ao
cotidiano da cidade, espaços de lazer e recreação e os espaços culturais, como as praças de
cultura.
Os espaços públicos de lazer criados na administração Djalma Maranhão eram
destinados à prática esportiva e à recreação infantil. Em várias praças da cidade a prefeitura
construiu quadras de esporte e parques infantis e novas praças foram criadas com o mesmo
objetivo. O objetivo seria, posteriormente, transformar essas praças em praças de cultura.
A Praça de Cultura visava democratizar a cultura nos bairros. O trabalho desenvolvido
na praça de cultura acontecia articulado à campanha de educação popular De no Chão
Também se Aprende a Ler, mas ocupava espaços específicos, fora do ambiente dos
Acampamentos
202
. Acontecia na praça pública. Foi uma idéia trazida do Movimento de
Cultura Popular de Recife e implantada em Natal, a partir de 1961. A Diretoria de
Documentação e Cultura, da Secretaria Municipal de Educação, dirigida por Mailde Pinto
ficou à frente desse projeto.
Em Natal esteve em funcionamento quatro praças de cultura até o fim do governo
Djalma Maranhão. A primeira, localizada na praça Kennedy, no Bairro de Cidade Alta, era
denominada praça de cultura periódica , pois funcionava em eventos promovidos pela
202
Os Acampamentos Escolares eram os espaços físicos que substituíam o prédio escolar.
prefeitura. Em 1962, vieram as praças de cultura permanente, uma no Bairro das Rocas e a
outra no Bairro das Quintas. E por último, em 1963, foi instalada uma praça de cultura na
praça André de Albuquerque, no Bairro da Cidade Alta. Esta última seria referência para as
próximas praças que seriam construídas. Nesse espaço, foram instalados uma concha acústica,
biblioteca, e galeria de arte. O que caracterizava essas três praças era a presença de uma
biblioteca, os demais equipamentos eram diferenciados em cada uma das praças. E uma série
de atividades voltadas para o teatro, artes, cinema, política eram executadas naquele ambiente.
A praça no seu transcurso histórico se apresenta como expressão singular da cidade,
do espaço urbano, confundindo-se com a origem da cidade. Em suas diferentes funções, usos,
apropriações através de tempos e espaços distintos, em sua materialidade podemos ver
representadas intenções, signos, interesses e uma série de práticas que lhe são conferidas.
Segundo a historiadora Ferreti, estudar o a produção do espaço urbano implica olhar
os lugares, pois a cidade se apresenta com uma diversidade de lugares, fruto de diferentes
olhares, usos, discursos, apropriações e interesses. Por um lado, o uso do espaço pelos que
detém o poder, lugares que o uso e as funções são determinados pelos interesses de
proprietários, administradores e urbanistas; por outro, práticas que se impõem sobre o sentido
original de determinado espaço.
203
Consideramos novamente as contribuições de Certeau que
conceitua o espaço como um lugar praticado, como elaboração individual e coletiva e nesse
sentido propõe a análise da cidade a partir do meio, de dentro, dos seus infinitos lugares.
204
Se nos propomos olhar os lugares, olhamos para a praça, sintoma da cidade, espaço
público, lugar da cultura, das manifestações populares, políticas, de reunião informal de
pessoas. Em nossas leituras sobre a cidade, tentando encontrar a praça nesses textos,
percebemos que este espaço, público por excelência, em diferentes épocas e lugares, era um
local importante na vida cotidiana da cidade. Foi na praça que o primeiro equipamento
público se estabeleceu: o Palácio do Governo, e se instalou também o poder político:
administração pública, igreja, polícia e cultura carnavalesca.
203
FERRETI, Carla Santiago. O lugar de morar: Estado, Igreja e Moradores na produção da Habitação popular
em Belo Horizonte (O bairro Dom Cabral, 1959/1981). 1999. Dissertação (Mestrado em História) - Faculdade de
Filosofia e Ciências Humanas – UFMG, Belo Horizonte, [1999].
204
CERTEAU, Michel. A invenção do cotidiano: 1.artes de fazer.
4.1 LUGARES DA CIDADE: PRAÇA EXPRESSÃO DO ESPAÇO URBANO
Sem pretensão de construir uma história geral sobre as praças, mas perceber como a
praça surgiu no processo de urbanização, como um lugar de realização de um tempo e um
espaço determinado, adquirindo diferentes significados, funções e usos nos remetemos à pólis
grega, onde encontramos a ágora, ou praça de mercado, como passou a ser chamada a partir
do século V. Lewis Mumford, na década de 1960, escreveu A cidade na História, em que
tratou da história das formas e funções da cidade através dos tempos e do desenvolvimento do
homem como ser político, econômico, religioso, cultural e sexual, nos mostra a ágora como
um local de reunião entre cidadãos, tendo sido o centro dinâmico da cidade grega. O autor
afirma que na aldeia existiu um lugar semelhante, um local de encontro, “possivelmente sob
uma árvore sagrada ou junto de uma fonte, deve ter existido por muito tempo na aldeia uma
área suficientemente grande para danças ou jogos de aldeias pudessem ser realizados”.
205
As
funções da ágora foram sendo introduzidas na cidade, porém enfatiza que a ágora em seu
estado primitivo era o lugar da palavra, ponto de encontro comunal, local de assembléia.
Mumford nos dá informações sobre as características físicas da ágora:
O antigo ágora tinha uma forma amorfa e irregular. Se era situado numa
praça aberta (...) poderia ser pouco mais que o alargamento da rua principal,
uma Rua Larga. (...) Antes de mais nada, o ágora é um espaço aberto de
propriedade pública, que pode ser ocupado para finalidades públicas, mas
não necessariamente fechado. Muitas vezes edifícios adjacentes são lançados
de forma irregular, aqui um templo, alia estátua de um herói ou uma fonte;
ou talvez, numa fileira, um grupo de oficinas de artífices, abertas para o
transeunte; enquanto que, no meio, as barracas ou cobertas temporárias
indicariam talvez o dia da feira, quando o camponês levava seu alho, suas
verduras ou azeitonas para a cidade e comprava um pote ou mandava
consertar seus sapatos pelo sapateiro.
206
Foi no século VII que as funções da ágora começaram a se expandir. O motivo foi a
introdução de moedas cunhadas de ouro e prata como meio de troca. Essas funções
econômicas na ágora fizeram com que, no século XI, as funções políticas ficassem em
segundo plano. A ágora com o tempo tornou-se um espaço indiscriminado, templos,
205
MUMFORD, Lewis. A cidade na história: suas origens, transformações e perspectivas. 4.ed. São Paulo:
Martis Fontes, 2004. p.166-167.
206
MUMFORD, Lewis. Op.cit. p.167.
santuários se misturavam às oficinas, camponeses, carpinteiros eram vistos ali dividindo o
espaço com um filósofo fazendo uma pausa “como Platão deve tantas vezes ter pausado, para
ver um oleiro ou carpinteiro a trabalhar diante de sua loja aberta (...)”.
207
A função social do espaço aberto seguiu-se nos países latinos: plaza, campo, grand-
place, segundo Mumford, descendem da ágora, pois
É no espaço aberto dos cafés e restaurantes em volta, que os encontros
conversas, discussões face a face, bem como os encontros fortuitos têm
lugar, não formalizados, mesmo quando habituais. Até os próprios esportes e
funções dramáticas da ágora ainda eram realizados no mercado, ao fim da
Idade Média, na Europa setenrional, e foram seguidos, no século XVII por
exibições militares. Em Élida, o ágora era, na verdade, chamado de
Hipódromo; corridas de cavalo semelhantes àquelas que outrora tiveram
lugar ali, ainda se realizavam anualmente no famoso Pálio, de Siena, tendo
seu ponto culminante na piazza diante do Paço Municipal. Como o ágora
combinava tantas funções urbanas importantes direito, governo, comércio,
indústria, religião, sociabilidade, - [...] tornou-se o elemento mais distintivo
da cidade.
208
Discussões mais recentes nos mostram as múltiplas funções da ágora. Segundo o
historiador Magalhães, a ágora poderia não ser um território específico, mas uma atividade
humana, porém, não sendo exclusiva do homem, pois os deuses supostamente também se
reuniam na ágora.
209
A reunião na ágora sinalizava também para uma cultura acurada, se
destacando nas paisagens homéricas, como um espaço público de reunião. Palco de querelas
individuais, local de ação jurídica, palco para a transação de sentenças, espaço público para
demonstrar virtudes e fama, ambiente para a mercantilização, para inflamar a ação política,
local para comerciantes - “homens que se afastam das verdadeiras virtudes urbanas”. Com o
crescimento das relações econômicas, a ágora passou a ser designada como praça de mercado,
local de concentração de comerciantes, de artesãos, de trabalhadores, de assalariados, de
tabernas, de oficinas e de butiques de barbeiros.
210
Discordando de Mumford, Magalhães afirma que a presença de atividades econômicas
na ágora sempre existiu, não somente a partir do século V quando se passou à praça de
mercado, entretanto, os textos anteriores a esse período, deixavam em segundo plano os
207
MUMFORD, Lewis. A cidade na história: suas origens, transformações e perspectivas. p.167.
208
Id. Ibid.
209
MAGALHÃES, Luiz Otávio de. A cidade grega e os modos urbanos da política. In: CARVALHO,
Margarida Maria de (org.). As cidades no tempo.p.38
210
Id. Ibid. p.37-44.
comerciantes, artesãos, trabalhadores e todos que desempenhavam atividades relacionadas ao
comércio, atividade que o caracterizava a cultura grega. Esses textos enalteciam a ágora
como um local de reuniões e decisões políticas.
211
Entrando no período medieval, destacamos o trabalho do russo Mikhail Bakhtin,
crítico literário e semiólogo, escrita no final dos anos 1970, tendo como objetivo a análise da
obra do crítico literário do século XVI, François Rebelais. Bakhtin ao fazer uma leitura das
obras de Rebelais – Pantagruel e Gargântua nos mostra o cotidiano da praça medieval e no
Renascimento. O interesse do autor é em relação à cultura cômica popular desse período, seus
gêneros literários, o vocabulário, as formas de ritos e espetáculos, as obras cômicas que
Rebelais conhecia muito bem, pois conhecia o ambiente das praças e das feiras, local onde
essa cultura cômica popular estava presente.
212
O cenário das manifestações da cultura popular da Idade Média e do Renascimento,
marcada pelo riso, pela subversão de valores oficiais, foi a praça pública, que ao final desse
período “era o ponto de convergência de tudo que não era oficial, de certa forma gozava de
um direito de 'extraterritorialidade', no mundo da ordem e da ideologia oficiais, e o povo
tinha sempre a última palavra”.
213
Ao contrário dos textos clássicos da antiguidade onde o
povo estava em segundo plano, Bakhtin em seu texto nos mostra Rebelais falando do povo e
de suas manifestações populares.
Segundo Bakhtin, a praça no fim da Idade Média e no Renascimento era o palco do
não oficial, o mundo da feira e o mundo das festas, da cultura carnavalesca. Rebelais conhecia
muito bem o ambiente, conhecia o vocabulário das feiras, os freqüentadores: comerciantes,
saltimbancos, comerciantes de drogas, camelôs, charlatães, vendedores de romances, ciganos,
estrangeiros. O oficial, as regras de polidez, de etiquetas e de hierarquias dos palácios, das
igrejas eram transgredidas na praça pública, local onde “nitidamente [as práticas cotidianas]
se diferenciavam das práticas da Igreja, da arte, dos tribunais, das instruções públicas, da
língua falada pelas classes dominantes (aristocracia, nobreza, alto e médio clero), da literatura
oficial.
214
Nesse período a cultura teatral e a literatura medieval estavam intimamente ligadas à
praça pública. Os espetáculos de rua, folguedos estudantis, os bailes públicos aconteciam
211
MAGALHÃES, Luiz Otávio de. A cidade grega e os modos urbanos da política. In: CARVALHO,
Margarida Maria de (org.). As cidades no tempo. p.38.
212
BAKHTIN, Mikhail. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de François
Rebelais.p.133-135.
213
Id. Ibid. p.132.
214
BAKHTIN, Mikhail. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de François Rebelais.
p.133.
nesse espaço. A praça pública foi no fim da Idade Média e no Renascimento um mundo único
e coeso onde todas as tomadas de palavra possuíam alguma coisa em comum, pois estavam
impregnadas do mesmo ambiente de liberdade, franqueza e familiaridade. A vida na praça era
permeada pelo universo do riso, do escárnio, da festa, numa dinâmica distinta da cultura
religiosa ou oficial. Para Bakhtin, a cultura popular tinha espaço próprio.
Outras análises, posteriores a Bakhtin, mostram outros aspectos da praça no período
medieval. O arquiteto Hugo Segawa
215
, na década de 1990, dedicou-se ao estudo das
formações das praças, parques e dos jardins públicos no Brasil, que seguiram os modelos
europeus. Em capítulo especial sobre as praças, o autor afirma que o espaço aberto era uma
regalia nesse período. As piazzas italianas abrigavam rituais de natureza variadas, religiosos
ou seculares como casamentos e funerais, comemorações, torneios, corridas, encenações
teatrais. Na Espanha, a plaza mayor medieval estava deslocada do centro urbano, era o local
onde estavam o comércio, as feiras e as festas públicas. Citando Paul Zucker
216
sugeriu a
leitura funcional das praças na Idade Média, classificando-as em praças de mercado; praças de
entrada da cidade; adro da igreja; praças agrupadas (praças distintas como a de mercado e da
igreja, especialmente relacionadas na trama urbana).
217
Estudos mais recentes, do início deste século, destacam o papel da praça de mercado,
pois foi em torno da praça que se organizaram as cidades medievais. Para Menjot e
Bouchereon, historiadores dedicados a história medieval, a praça de mercado constituía o
coração da cidade e um lugar privilegiado de reunião, além das funções de produção e de
troca.
218
O centro das atividades da municipalidade era o Paço Municipal, edifício localizado
em torno da praça de mercado. No Paço Municipal aconteciam as reuniões do prefeito, a
administração da Justiça, os banquetes, bailes e ainda servia como casa de espetáculos.
219
Buscamos referência também em Peter Burke, em seu estudo sobre a cultura popular
na Europa moderna ou como a historiografia denomina de início do período moderno, de
1500 a 1800. Burke nos mostra os espaços públicos das manifestações da cultura popular que
são as tavernas, as pontes, as feiras, a própria Igreja com os mistérios e as festas de padroeiros
e as praças.
215
Hugo Segawa é arquiteto e professor da Faculdade de Urbanismo da USP.
216
Paul Zucker, alemão, foi arquiteto e historiador da arte
217
SEGAWA, Hugo. Ao amor do público: jardins no Brasil. p.32.
218
MENJOT, Denis e BOUCHEREON, Patrick. O florescimento das cidades: o século XIII na história do mundo
urbano. In: CARVALHO, Margarida Maria de (org.). As cidades no tempo. p. 27-28.
219
MUMFORD, Lewis. A cidade na história: suas origens, transformações e perspectivas. p.298.
Nos países mediterrânicos, o centro efetivo da cultura popular era a piazza.
Havia apresentações de bonecos na praça de mercado de Sevilhano no século
XVII, enquanto em Madri podia-se assistir a peças, corridas e torneios na
Plaza Mayor, ou ouvir baladas [...]. Em Florença, a Piazza Signoria era o
local dos espetáculos oficiais, a Piazza San Crocce o local das corridas de
búfalos, touradas e futebol, e a Piazza San Martinho era o local dos cantores
de estórias. Em Veneza, era na Piazza San Marco que os principais
charlatães montavam seus estrados, soltavam suas piadas e vendiam seus
remédios.
220
Essa cultura de praça se estendia a Paris como sendo a place, centro de espetáculos
públicos de execuções, fogueiras de São João. Burke chama esses artistas populares de
profissionais das diversões: malabaristas, saltimbancos, charlatães, curandeiros, acrobatas, “o
malandro alegre”, artistas itinerantes, os artistas amadores como os contadores de estórias,
músicos, poetas, pintores populares, adivinhos.
221
Entretanto, esse cenário da praça como um espaço da cultura popular começou a
mudar a partir da segunda metade do século XVII, principalmente em Londres e Paris. As
praças passaram a ser reestruturadas através de um novo princípio: o do planejamento das
praças. Estas assumiram uma nova função diferente das praças renascentistas e medievais.
Retornando a Segawa, este fala em descongestionamento da cidade medieval. As
praças não seriam mais um espaço público, aberto para a população em geral, cenário do riso,
da resistência, do não oficial, mas se transformaria neste momento em praças monumentais,
imponentes, uma área aberta com estátuas, fontes e mastros, um modelo de espaço público
admirado pelos viajantes. São as places royales de Paris, as plazas mayores de Madri,
modelos que se estenderam por toda a Europa e América.
222
Entrando no campo da sociologia, numa outra perspectiva, Richard Sennett (1974) ao
escrever sobre o declínio da vida pública, fala das praças monumentais do início do século
XVIII, em contraste às praças medievais e renascentistas que eram zonas de livre circulação.
Buscando o exemplo de Paris, Sennett nos mostra que:
As praças monumentais do século XVIII, ao reestruturarem a aglomeração
populacional da cidade, reestruturaram também a função da massa, porque
mudou a liberdade com que as pessoas poderiam se reunir. A reunião se
220
BURKE, Peter. A cultura popular na Idade Moderna.p.134.
221
Id. Ibid. p.116-134.
222
SEGAWA, Hugo. Ao amor ao público: jardins no Brasil. p.34-37.
tornou uma atividade especializada que acontecia em três locais: no café, no
parque para pedestres e no teatro.
223
Em Londres, as reformas objetivavam afastar os vendedores, acrobatas, floristas,
artistas de rua, pois as praças deveriam ser preenchidas por árvores e arbustos, a exemplo de
Paris, se transformando num espaço de beleza e admiração. Em Londres e Paris, a
reestruturação da densidade populacional por meio do planejamento de praças refreou a
própria praça como lugar central de uso múltiplo, de reunião e observação”. Sennett
acrescenta que o antigo local de encontro, a praça de uso múltiplo, estava sendo consumido
pelo espaço como monumento a si mesmo em Paris e como um museu da natureza em
Londres.
224
Essas reformas acabaram por modificar a relação entre indivíduos, entre estranhos no
espaço público, é o que Sennett discute: o empobrecimento, o declínio da vida pública na
sociedade industrial. Esse reordenamento do espaço público levou à ampliação da esfera
privada, à família, por exemplo. As pessoas não se conhecem, vivem isoladas, apesar da
aglomeração de pessoas nas cidades, nos grandes centros.
No Brasil, a organização do espaço público acompanhou os modelos europeus, como a
construção da Praça da República no Rio de Janeiro, por exemplo, os jardins botânicos
espalhados pelo país (Salvador, Pernambuco, Ouro Preto, São Paulo Curitiba, Belém), durante
os séculos XIX e XX.
225
4.2 OS ESPAÇOS DE LAZER E CULTURA NO GOVERNO DJALMA MARANHÃO
A inserção das praças nas ações da Prefeitura nos anos 1960 se deu através de ações
que tinham como objetivo levar aos bairros populares espaços de lazer construindo praças
constituídas de quadras para a prática de esporte e parques infantis, e espaços culturais,
destinados a promoção da cultura popular, chamados de praças de cultura.
Dentro das ações de intervenção na cidade, em 1961, deu-se início à construção de
quadras e parques infantis em várias praças da cidade e a construção de novas praças. A
223
SENNET, Richard. O declínio do homem público: as tiranias da intimidade. p.74-78.
224
Id. Ibid.
225
Cf. SEGAWA, Hugo. Ao amor do público: jardins do Brasil.
primeira praça a sofrer intervenção foi a Praça Pedro Velho, localizada no bairro de
Petrópolis, que ganhou um parque infantil para recreação de crianças. Durante todo esse ano,
a Prefeitura construiu quadras para a prática do esporte amador, na época os torneios de
basquetebol, vôlei e futebol de salão, organizados pela ligas de bairros reivindicavam maior
apoio do poder público. Vale ressaltar a ligação do Prefeito Djalma Maranhão com esporte
local, tendo sido professor de Educação Física do Atheneu e fundador do semanário esportivo
o Atleta” (1938-1939) e do clube de futebol “Atlético”
226
, destinado aos segmentos
esportivos.
As primeiras quadras concluídas foram a da Praça Augusto Leite, no Bairro do Tirol;
na Praça João Galvão, no Bairro de Petrópolis, nos Bairros de Lagoa Seca e das Rocas. Em
setembro de 1961, foi construída a Praça Deodoro, localizada nos fundos do Estádio Juvenal
Lamartine. No Bairro das Rocas, localizada à Rua Hildebrando de Góes cruzamento com a
Rua São João, foi construída outra quadra de esporte e na ocasião da inauguração foi
realizado um torneio de basquetebol com a participação dos clubes do Vasco da Gama, Rio
Negro e Nacional.
227
No período compreendido entre 1940 e 1960, surgiram vários clubes de futebol em
Natal, o que trazia a necessidade de espaços para a prática esportiva. Durante esse período
foram fundados: a Associação Cultural Desportiva Potiguar (1945); Potiguar Esporte Clube
(1946); Rancing Esporte Club, das Rocas (1949); Fluminense Futebol Clube, do Alecrim
(1949); piranga Futebol Clube, de Lagoa Seca (1951); Flamengo Sport Club, de Petrópolis
(1953); Arsenal Sport Club (1953); o Palmeiras Futebol Clube (1954), das Rocas; o
Portuguesa Sport Club, de Lagoa Nova (1954); Calouros Abecedistas Futebol Clube, nas
Quintas (1956); Associação da CEF (1960); Treze da Vila Sport Club, de Dix-sept Rosado
(1961); Monamy Futebol Clube, das Rocas (1964); Associação Clube Desportiva Estrela do
Mar, de Petrópolis (1964).
228
A construção de espaços de lazer para a prática esportiva era
uma reivindicação antiga do esporte amador, bem como as iniciativas da prefeitura em relação
a questão urbana eram uma resposta às demandas da própria sociedade.
Em 1962, a intervenção e a construção de novas praças continuaram. De 16 de janeiro
a 14 de junho, informa o jornal Folha da Tarde, foram construídos quadras e parques na Vila
do Ipase, no Bairro do Tirol; no Bairro de Dix-sept Rosado; no Bairro da Redinha; na
Bernardo Vieira; a Praça Padre João Maria foi remodelada “situando-a entre um dos mais
226
GÓES, Moacyr. De Pé no Chão Também se Aprende a Ler. p.15. O clube foi fundado em 1939.
227
Jornal Folha da Tarde, Natal, 13 set. 1961.
228
Os clubes mais antigos foram fundados em 1915: ABC, América e Alecrim. http://www.fnf.org.br. Acessado
em 11/07/08.
modernos passeios de nossa capital”; construção da Praça de Desportos e do parque infantil,
no Bairro de Dix-sept Rosado), construção da praça Tomaz Araújo, no bairro da Cidade alta,
quadra do Hospital Colônia; parques infantis, localizados junto às quadras nos bairros de
Nova Descoberta, na Praça João Galvão, no Bairro de Petrópolis; no Bairro das Quintas, na
Vila de Sargentos do Exército, restauração da Praça Augusto Severo e a construção do Palácio
dos Esportes na Praça Pedro Velho.
229
FIGURA 01- Ginásio municipal na época de sua construção. Atual Ginásio Djalma
Maranhão, localizado na Praça Pedro Velho, no bairro de Petrópolis.
Fonte: Foto disponível em http://www.dhnet.org.br.
4.2.1 Os espaços culturais
As atividades culturais do município eram organizadas pela Diretoria de
Documentação e Cultura (DDC)
230
. Dentro da organização administrativa da prefeitura essa
Diretoria estava subordinada à Secretaria de Educação, Cultura e Saúde do Município. A
DDC foi reestruturada na reforma administrativa de 1956 e passou a ser coordenada pelo
jornalista Sandoval Wanderley. Posteriormente assumiu a coordenação da Diretoria a
bibliotecária Zila Mamede e na segunda gestão ficou a cargo da funcionária pública Mailde
Galvão, que foi convidada por Djalma Maranhão para assumir a função.
229
Jornal Folha da Tarde, Natal, 14 jan. a 16 jun. 1962.
230
Mailde Galvão em entrevista concedida à autora em 14 de maio de 2003.
Mailde Galvão era funcionaria pública federal nesse período, porém circulava entre os
amigos de Djalma Maranhão:
Conversávamos quando nos encontrávamos e eu trabalhava no correio, era
funcionária pública federal. Eu vivia sempre no grupo que com ele
trabalhava (Conceição Góes, irmã de Mailde Galvão, nessa época, era
esposa de Moacyr de Góes, Secretário da Educação do município). Natal era
uma cidade muito pequena que nós poderíamos chamar de província. E um
grupo de intelectuais, pintores e os que viviam ligados a cultura, a leitura,
trocando livros, vivíamos sempre juntos. Eu vivia nesse grupo e Djalma logo
na primeira administração me convidou para ir trabalhar, mas eu não quis.
Eu não queria me envolver com política, mas na sua segunda administração,
um dia ele foi em casa me procurar e me convidou para assumir a
Diretoria de Documentação e Cultura, pois ele queria fazer um plano cultural
integrado a Pé no chão, a campanha de alfabetização.
231
A DDC, na primeira gestão de Djalma Maranhão funcionou no mesmo local onde hoje
funciona o Teatro Sandoval Wanderley, na av. Presidente Bandeira, no bairro do Alecrim, o
antigo Teatro do Povo, inaugurado na primeira administração. Ali também funcionaram o
Museu de Arte Popular Câmara Cascudo e uma discoteca. Em 1960, a DDC passou a
funcionar no Bairro da Ribeira, na av. Duque de Caxias, numa casa alugada, de propriedade
do médico Januário Cicco, onde estavam também o gabinete do secretário, as diretorias de
Saúde e Administração.
232
Segundo Galvão as propostas e projetos apresentados por ela a Djalma Maranhão
deveriam ser esteticamente apreciadas pelo artista plástico Newton Navarro, que era o criador
da parte artística e em relação aos Festivais de Folclore, recorria-se ao conhecimento estético
de Câmara Cascudo.
233
Em entrevista concedida a Silva, Galvão relatou o primeiro contato que teve com
Câmara Cascudo:
Eu fui à casa de Cascudo acompanhada por Newton Navarro logo que
assumi. Ele me deu uma aula do que era Folclore, o que era Cultura Popular,
além de oferecer algumas sugestões do que precisava ser feito e externar
algumas cobranças de coisas que deviam ser realizadas pelas instituições e,
no entanto, não eram feitas. Ele nos estimulava e sempre se colocou à
231
Mailde Galvão em entrevista concedida à autora em 14 de maio de 2003.
232
GALVÃO. Mailde. 1964: Aconteceu em abril. p.117.
233
SILVA, Maria da Guia de Souza. Djalma Maranhão ou semeador de utopias da transformação social. p.98.
disposição. Nunca realizamos um evento cultural que antes não o
consultássemos. Foi absolutamente presente, nesses momentos, percebia-se a
sua alegria de ver o que estava sendo feito, principalmente no período de
Natal.
234
Silva ressalta que a relação do Prefeito Djalma Maranhão com o escritor Câmara
Cascudo se dava porque Cascudo “ressoava nos meios políticos e intelectuais como um nome
regional de projeção nacional” e do contato que o escritor já tinha com outros intelectuais sem
sair de Natal, atuando e publicando fora do Estado.
235
Na opinião de Melo, que na época era
assessor cultural da DDC, Câmara Cascudo tinha participação “no sentido de que na época,
ele era um ícone, um medalhão”. Uma autoridade maior intelectual no Estado. Cascudo
olhava com muita simpatia, porque era um trabalho de preservação do folclore, de valorização
da arte popular, de valorização de aspectos que eram interessantes para Cascudo, que na
época, já possuía o título de historiador da cidade do Natal.
236
Essa relação acontecia na primeira administração. No desenvolvimento das ações
culturais Maranhão procurava democratizar a cultura, unindo em eventos públicos a elite
intelectual e o povo. Nesse sentido, em 1956,
Decide realizar uma programação cultural no histórico Forte dos Reis
Magos, cabendo ao escritor Câmara Cascudo o relato da História do Forte. O
folclorista Veríssimo de Melo apresentou a parte sobre a dança folclórica
Bambelô -. Dança típica dos pescadores da praia de Areia Preta localizada
nas proximidades desse Forte. Aos pescadores moradores dessa praia
caberia dançar o Bambelô.
237
A presença de intelectuais como Câmara Cascudo nas atividades culturais do
município nos leva a uma reflexão. A relação entre Djalma Maranhão e Cascudo, segundo
Melo, se justificava pela importância de Cascudo nos meios políticos e culturais e pela
simpatia de Cascudo em relação ao trabalho desenvolvido pela prefeitura com relação ao
folclore, haja vista ser Cascudo, naquela época, considerado um grande intelectual da
cidade e de âmbito nacional. Por outro lado, os posicionamentos políticos de Djalma ambos
eram distantes, o primeiro tendo sua trajetória política marcada pela passagem pelo Partido
234
Mailde Galvão em entrevista concedida à Maria da Guia de Souza Silva apud Id. Ibid.
235
Id. Ibid.
236
Paulo de Tarso Correia de Melo em entrevista concedida à autora em 20 de setembro de 2006.
237
SILVA, Maria da Guia de Souza. Djalma Maranhão ou semeador de utopias da transformação social . p.74.
Comunista e por partidos de base nacionalista e o segundo, apesar de sua de dedicação à
cultura popular, era um intelectual conservador, foi integralista e coordenador do movimento
no nordeste, foi também monarquista e manteve alguma proximidade com o movimento
Tradição Família e Propriedade e com militares influentes no regime de 64.
238
Entretanto, no prefácio da primeira 3ª edição da plaquete escrita por Djalma Maranhão
sobre Câmara Cascudo, Marcos Maranhão, filho de Djalma Maranhão, recordando-se de sua
infância descreve a relação de amizade entre o pai e Cascudo:
Falar sobre cascudo é evocar um nome tutelar de minha infância,
adolescência e idade adulta. Minha mãe, Dária Cavalcanti Maranhão fora
sua aluna no antigo Atheneu, (gola azul) fato sempre relembrado,
afetivamente, por Cascudo. Sua esposa, Dona Dhalia e minha mãe eram bem
relacionadas e unidas pela presença constante de Ana Maria, filha de
Cascudo, entre nós.
239
A relação de Djalma Maranhão com as esferas conservadoras da sociedade foi
evidente também na política, pois tanto em 1956 como em 1960, aliou-se às forças políticas
que dominavam o poder estadual, para chegar ao poder, como foi discutido no primeiro
capítulo. Essas relações revelam, a nosso ver, um político, ao contrário do que o “mito Djalma
Maranhão” traz, de um político revolucionário, mas de um político que se preocupou com a
preservação das tradições populares e com o progresso da cidade de Natal, com as reformas
sociais, com os problemas urbanos que lhe eram impostos.
Em relação ao artista plástico Newton Navarro, este era funcionário da DDC, sendo
um dos assessores de Mailde Galvão. Natalense, nascido em 1928, Newton Navarro, desde os
anos 1950, era um artista que se destacava na cidade de Natal, também era poeta e escritor,
foi o autor do painel da Galeria de Arte, construída em 1963, na praça André de
Albuquerque.
240
Nos moldes da organização do MCP, a diretoria ainda era composta por uma equipe
de trabalho que na época era: Mailde Pinto (Diretora) e Newton Navarro, Nísia Bezerra de
Medeiros e Paulo de Tarso Correia de Melo (Assessoria Cultural); Mônica Viveiros
238
Cf. RAMOS, Isabel Tebyriça (Bolsista de Iniciação Científica do Projeto Modernos Descobrimentos - PUC-
Rio). Câmara Cascudo e o pensamento conservador. Disponível em http:www.historiae
cultura.pro.br/modernosdescobrimentos. Acessado em 05/07/08.
239
MARANHÃO, Djalma. Cascudo: mestre do folclore brasileiro. 3.ed. Natal/RN: Sebo Vermelho, 1999.p.9.
240
Cf.. NAVARRO, Newton. Minha época, meu povo, minha geração (depoimento). In: SILVA, Marcos.
Câmara, Cascudo, Dona Nazaré de Souza & Cia.- Guerras do Alecrim. Natal: EDUFRN, 2007.p. 67-101.
(Secretaria Administrativa); Carlos Rios e Elifá Mamede (Setor de Biblioteca); Antônio
Campos e Silva (Setor de Pesquisa); Newton Navarro e Iaponi Araújo (Setor de Museologia);
e Glória Oliveira (Setor de Documentação Fotográfica e Hemeroteca).
241
A Diretoria apresentava como linha básica de suas atividades, levar cultura para a
população. A DDC coordenava o Coral e Banda da Cidade o Teatro do Povo, um trabalho de
preservação e catalogação dos grupos folclóricos, de assistência a estes grupos e de incentivo
à formação de grupos infantis, as praças de cultura, as bibliotecas, a galeria de arte e o museu
de arte popular. Com o objetivo de democratizar a cultura, às várias atividades coordenadas
pela DDC chamou-se de Programa de Democratização da Cultura nos Bairros.
242
4.2.2 A democratização da cultura
Silva afirma que nos primeiros anos da década de 1960, Natal esteve envolvida
permanentemente em atividades político-educativas-culturais organizadas pelo governo
Maranhão. As mudanças eram perceptíveis: a presença constante do povo nas praças e nas
ruas da cidade. Havia um clima de festa permanente. Em todos os lugares, no centro e nos
bairros os palanques eram armados para os espetáculos dos autos de folclore como os
fandangos e bambelô, além das festas juninas com barracas, quadrilhas, pastoril, as praças de
cultura com seus debates, feiras de livros, a galeria de arte com suas exposições.
243
Vários pontos da cidade se transformavam em espaços festivos, especialmente a
praça pública. Duarte nos relata:
Djalma Maranhão era muito preocupado com a cultura popular. A cidade se
embelezava com a decoração, com os grupos folclóricos que se exibiam em
praça pública. No carnaval ele fazia uma grande festa popular, o povo
brincando na rua e ele a frente das comemorações carnavalescas. Organizou
as lapinhas, os bambelôs, o Araruna que era uma dança muito popular e teve
muita projeção no seu governo. Todas! Os fandangos também. As quadrilhas
nordestinas no São João, tudo isso ele exibia em praça pública. Fazia esse
negócio de coral nas praças públicas, ali na Praça André de Albuquerque, e
as retretas com as bandas militares. Isso deu muita evidência no governo
dele. Djalma prestigiava muito a cultura popular.
244
241
Paulo de Tarso Correia de Melo em entrevista concedida à autora em 20 de setembro de 2006.
242
Paulo de Tarso Correia de Melo em entrevista concedida à autora em 20 de setembro de 2006.
243
SILVA, Maria da Guia de Souza. Djalma Maranhão ou semeador de utopias da transformação social. p.109.
244
Ticiano Duarte em entrevista concedida à autora em 21 de maio de 2003.
A cidade durante todo ano apresentava um calendário festivo que, em determinadas
datas, transformava as ruas dos bairros de Natal em espaços de festa, de dança, de literatura.
Djalma Maranhão tinha um interesse especial pelas manifestações culturais do povo
245
e,
sendo assim, procurou adotar medidas que conduzissem, por um lado, a democratização da
cultura com a preservação de tradições e manifestações populares da cidade; e, por outro, a
satisfação e o divertimento da população.
Ainda na primeira administração, a DDC sendo dirigida pelo jornalista Sandoval
Wanderley, foram organizados Festivais de Folclore e Feira de Livros, festividades populares
como as festas juninas, o natal, o carnaval e eventos semelhantes. Esses festejos eram
patrocinados pela prefeitura e realizados nos bairros populares da cidade, tais como, Alecrim,
Quintas, Ponta Negra, Rocas e Areia Preta.
A prefeitura fundou, em 1956, na residência de Luís da Câmara Cascudo, a sociedade
Araruna, destinada a reunir danças antigas e desaparecidas. Essa sociedade era A primeira
[...] desse gênero, no norte do Brasil, pois, entidade semelhante exist[ia] no Rio Grande do
Sul: O Grupo 35”. A prefeitura também doou o prédio que seria a sede da sociedade
Araruna.
246
O fundador do Grupo Araruna foi o agricultor Cornélio Campina da Silva, natural de
Portalegre/RN, que em 1929, mudou-se com a família de Areia Branca para Natal, aos 17
anos. Em Natal passou a trabalhar em uma firma na Rua Chile, no bairro da Ribeira e depois
como descarregador de carne nos navios americanos, no período da II Guerra.
247
Segundo Seu
Cornélio, como era conhecido, foi no ano de 1949, nos festejos de São João, depois da
quadrilha junina, ele colocava os familiares para dançar, “aquela dança que é de um
antepassado da minha família”.
245
Esse interesse era confirmado na década de 1940, época em que Djalma Maranhão foi Secretário de
Cultura da Prefeitura de Gentil Ferreira e presidente da Federação Carnavalesca de Natal, apoiando os festejos
momescos, promovendo concursos de música e premiações às agremiações carnavalescas e estando sempre
presente às manifestações populares de então. Cf. PEDREIRA, Flávia de Sá. Chiclete eu misturo com banana:
carnaval e cotidiano de guerra em Natal, 1920-1945. Natal: EDUFRN, 2005. ; e _______ (roteiro e direção). ...
de outros carnavais. Vídeo documentário VHS (12’57’’ duração). Natal: EDUFRN, 2005. DEH-CCHLA TV
Universitária – UFRN, 1996.
246
Jornal A República, 25 set. 1956.
247
Cornélio Campina da Silva em entrevista concedida à autora em 25 de outubro de 2006. Cf. PEDREIRA,
Flávia de Sá. Chiclete eu misturo com banana: carnaval e cotidiano de guerra em Natal, 1920-1945. p.111-
112.Seu Cornélio Campina da Silva faleceu em 2007, com 99 anos.
Eu fui o criador, fui eu que tive a lembrança de formar, porque aquela dança
é do antepassado da minha família. Então eu botei uma ciranda na roça,
quando tiveram a dança do São João, em 1949, quando eu botei a
quadrilha, eu lembrei da dança, quando terminava a quadrilha eu botava a
dança e dançava até meia noite. Porque aqui o que tinha de influência era
futebol e cinema, então eu botei a dança e vinha gente de São Gonçalo,
vinha gente de todo canto ao redor de Natal, até de Igapó.
248
Em depoimento, Seu Cornélio, como era conhecido, nos falou do interesse demara
Cascudo e do Prefeito Djalma Maranhão em conhecer a dança que atraía tanta gente. Relatou-
nos que foi Câmara Cascudo quem deu o nome Araruna à dança inventada por ele.
Foi no tempo que chegou aos ouvidos de Câmara Cascudo, de Djalma
Maranhão, que na época era presidente, era prefeito. Aí eles acharam a dança
muito boa. Aí Djalma me... Aí quando eu botei a dança apareceu um cidadão
da banda de Mossoró, que morava na Rua Chile e me chamou: “seu Cornélio
vou tomar conta de vocês e do grupo e vou botar o nome da sociedade” e
botou o nome de Cordelanas. Até ia muito bem, eu aceitei porque eu
precisava de ajuda também.chegou aos ouvidos de Câmara Cascudo, que
teve muito prazer de ter me acompanhado sempre e conversava muito
comigo, sempre ia lá mandava me chamar, tinha uma empregada, passava na
minha porta pra banda da outra rua que ela morava: “seu Cornélio meu
patrão mandou dizer que o senhor fosse conversar com ele” e eu ia.
Importante comecei a ficar com a dança, dancei parece que uns 5, ou 4 anos
ou 3, ajudava o pessoal e dançava mas o era sociedade, não era
reconhecida como sociedade, não era reconhecida como autoridade pública.
Luis da Câmara Cascudo soube e mandou me chamar, mandou uma
comitiva e conversou comigo e disse “Mestre...” e Djalma disse que ia gente
e haja gente botar nome, botar outro, disse Luís da Câmara Cascudo:
“mestre, o nome Araruna não serve pra botar o nome da sociedade? O nome
da dança? Então fica Araruna a bandeira da sociedade. Araruna sociedade de
danças antigas e semi desaparecidas”. Foi botada por Luís da Câmara
Cascudo.
249
Depois de criada a Sociedade Araruna, Seu Cornélio passou a fazer as apresentações
no bairro de Mãe Luíza, onde morava, construindo o próprio palanque. Até que em 1956,
Djalma Maranhão doou um terreno para a construção da sede da Sociedade, localizado no
Bairro das Rocas, na Rua Miramar cruzamento com a Rua Belo Horizonte, que ainda hoje
existe.
248
Cornélio Campina da Silva em entrevista concedida à autora em 25 de outubro de 2006.
249
Cornélio Campina da Silva em entrevista concedida à autora em 25 de outubro de 2006.
quando foi em 1956, Djalma dou um terreno, ele deu um terreno, eu
mandei arrumar material de tijolo e cimento, ele deu a apresentação no
teatro Alberto Maranhão. Aí eu fui fazer uma apresentação lá, pagando, aí eu
tinha que ir na véspera, mas eu não fui na spera fui no dia, a menina
pagando os ingressos deu pouco. O dinheiro que deu eu fui comprar
material pra fazer o prédio. E a dança ficou, ainda hoje quando me convida
eu vou, dançar num canto, dançar no outro, pago, pagam pra fazer as
apresentações, se for pra fora, pagam, o cachê, dão transporte e hospedagem,
se for aqui mesmo, eles pagam, eu faço a apresentação, e depois recebo o
pagamento.
250
No campo da literatura, os escritores locais ganhavam incentivo municipal através das
publicações de seus trabalhos, o que favoreceu a abertura de novas perspectivas para a
produção literária do Estado. Nesse sentido, podemos citar a publicação da plaquete,
intitulada Apresentação de Bambelô, de autoria do folclorista Veríssimo de Melo e a
publicação de autoria de Cascudo, por ocasião do 357º aniversário da fundação da cidade, de
um volume intitulado Onomástica da Cidade de Natal, dando informações históricas sobre os
nomes que batizam as avenidas, ruas, praças, travessas, bairros, etc.
251
. Em 1961, foi
publicada a plaquete Cascudo mestre do folclore brasileiro, de autoria de Djalma
Maranhão. Era nas Feiras de Livros, promovidas nas praças da cidade, que os escritores
publicavam suas obras.
Na praça Kennedy, “trecho da rua João Pessoa, compreendido entre a Rádio Nordeste
e o novo continente”
252
, trecho também chamado na época de o Grande Ponto, ou praça da
imprensa, localizada no centro da cidade, eram armadas barracas onde as lojas de livros da
cidade e os escritores ali expunham seus trabalhos. A primeira feira de livros de Natal foi
noticiada como um acontecimento revolucionário
253
, ocorrido na primeira semana de
dezembro de 1957, vendeu 1.120 livros.
254
Outra atividade cultural realizada durante a primeira administração de Maranhão foram
os Festivais de Folclore que reuniam os diversos grupos folclóricos e transformavam as praças e
ruas dos bairros de Natal em espaços dos festejos populares. Apresentavam-se os seguintes
grupos: Fandango, na rua dos Canindés, no Alecrim; Baianas, na rua São Geraldo nas Quintas;
Lapinha, no Bairro São Sebastião; Pastoril, em Lagoa Seca; Boi Calemba, na Lagoa Seca;
250
Cornélio Campina da Silva em entrevista concedida à autora em 25 de outubro de 2006.
251
Jornal A República, Natal, 25 set. 1956.
252
Jornal A República, Natal, 13 nov. 1957.
253
Jornal A República, Natal, 30 nov. 1957.
254
Jornal A República, Natal, 03-06 dez. 1957.
Chegança, no Bairro Boa Sorte (Morro Branco); Bambelô Aza Branca, no Alecrim; Chegança,
em Petrópolis, na rua do motor; Bambelô de Calizto, em Petrópolis; Pastoril, em Igapó;
Fandango, em Barreiro; Congos de Saiotes, acompanhado de rebeca, em Rego Moleiro; Congos
de Calçolas em Ponta Negra e Boi Calemba, de Ponta Negra.
255
Esses festivais demonstravam o interesse de Maranhão em estimular as tradições no
seio das populações menos abastadas. O calendário festivo também englobava o carnaval, os
festejos juninos e natalinos. Como os Festivais de Folclore, essas festas aconteciam em vários
bairros de Natal e atração principal eram os grupos folclóricos.
O carnaval era, na época, uma grande festa popular que acontecia nas ruas do centro
da cidade, durante três dias. A prefeitura financiava os clubes carnavalescos para a preparação
do carnaval. Destacamos o carnaval de 1958, no qual noticia o jornal A República como o
terceiro melhor do Brasil.
Os esforços desprendidos pelo Prefeito da capital, para que tivéssemos um
carnaval que excedesse toda e qualquer expectativa, estão plenamente
compensados diante da notícia que nossa reportagem colheu, de que rias
emissoras do sul do país, levantando uma estatística sobre animação do
tríduo momesco, considerou o carnaval natalense o terceiro melhor do
Brasil. O carnaval mais animado foi do Recife, e o segundo lugar, coube ao
Rio de Janeiro. O desfile dos blocos, a ornamentação pitoresca, a
distribuição de prêmios, a profusão de carros alegóricos, a vibração nos
clubes, a movimentação nas ruas, a iluminação feérica, tudo enfim, que
contribuiu para o êxito dos festejos momescos, alcançou dos estados do sul
através da cadeia formada por emissoras daquela parte com a Rádio
Nordeste.
256
Nas festas de São João, os bairros de Ponta Negra, Quintas, Alecrim, Rocas e Areia
Preta e no Canto do Mangue eram instalados palcos para a apresentação das danças populares
como os bambelôs, os congos, os cocos de roda, as capelinhas de melão e vários outros tipos
de folguedos, além das quadrilhas. E nas comemorações de Natal, os bairros da Cidade Alta,
Alecrim e Rocas eram ornamentados com árvores de natal e presépios.
e Na Negreiros em seu depoimento saudosista nos relata:
255
Jornal A República, Natal, 01 dez. 1957.
256
Jornal A República, Natal, 22 fev. 1958.
O que mais me saudade daquele tempo era o tempo natalino. Você não
pode calcular, nem imaginar. Então, para quem conheceu Natal no mês de
Natal, o ciclo natalino que Djalma fazia, realmente, era uma das coisas mais
bonitas. Eu não sei, Natal era envolvida numa atmosfera, numa época, que
ali na av. Rio Branco, todas as noites, aquela multidão indo e voltando na av.
Rio Branco. Cada esquina tinha um, não tem aquela famosa [trova]: Cada
esquina, Natal, capital, “Rio Grande do Norte, capital Natal. Cada esquina,
em cada rua, em cada esquina um poeta, em cada rua um jornal. Então ali na
av. Rio Branco eram 15 dias, um mês, à noite, aqueles grupos folclóricos se
apresentando. Uma das coisas mais bonitas que tinha era os pastoris. Pastoris
era o momento, era o êxtase da poesia ingênua e transcendente.
257
4.3 A PRAÇA DE CULTURA COMO REALIZAÇÃO DE UM TEMPO-ESPAÇO
DETERMINADO
As praças de cultura surgem no Movimento de Cultura Popular de Recife, idealizadas
pelo professor Paulo Rosas. A proposta das praças de cultura de acordo com a documentação
do MCP era a criação de espaços culturais de arte, cinema, teatro, etc. que estariam
localizados em bairros populares com o objetivo de reunir a população para atividades
educativas, culturais e recreativas.
258
Esses lugares apresentavam objetivos específicos, espaços determinados e um público
alvo, composto em sua maioria de estudantes e trabalhadores. Pretendiam “favorecer o
desenvolvimento da consciência crítica, através de debates políticos que, quando possível,
dever[iam] ser feitos com a participação dos núcleos populares; desenvolver a capacidade
cultural do povo através de: exposições de arte, teatro, programas de TV, cineclubes, clubes
de leitura, esportes, etc”.
259
Para que esses objetivos fossem atingidos eram desenvolvidas atividades que se
caracterizavam pela utilização de meios de comunicação como rádio, televisão, cinema,
teatro, imprensa, biblioteca, música popular e folclórica
260
As atividades eram realizadas com
o objetivo de instruir, de educar os freqüentadores na busca de uma consciência crítica.
Consideramos que a praça era um espaço estratégico e de instrução, na medida em que havia
o propósito de instruir os freqüentadores com valores e idéias defendidos pelo MCP.
257
Sanderson Negreiros em entrevista concedida à autora em 17 de outubro de 2006.
258
FÁVERO, Osmar (Org.). Cultura popular e educação popular: memória dos anos 60. Rio de Janeiro:
Edições Graal, 1983.p.231.
259
Id. Ibid.
260
Id. Ibid. p.236.
A equipe do MCP responsável pelo trabalho nas praças era constituída de animador de
debates, bibliotecário, recreador e do organizador de grupos que ficava encarregado do
planejamento das atividades.
261
Em 1963, existiam cinco praças de cultura em Recife e
estavam localizadas nos bairros Casa Amarela, Iputinga, Várzea, Beberibe e Torres. Em
Recife, de acordo com o Relatório do I Encontro Nacional de Alfabetização e Cultura Popular
(Recife 1963) nas praças de cultura foram desenvolvidas atividades junto com a população,
num trabalho integrado entre o MCP, agremiações, associações e instituições de
comunidade.
262
O MPC também desenvolveu atividades no campo das artes plásticas e do artesanato.
Para o MCP as artes plásticas podem contribuir na formação da consciência popular,
sufragando os elementos da cultura do povo, e preservar a cultura nacional contra a alienação
e o cosmopolitismo”, tendo ainda um papel complementar através da confecção de capas e
ilustrações de livros, cartazes, murais, cenários para o teatro, etc.
263
Realizou cursos de
desenho, pintura, gravura, cerâmica, fantoches, tapeçaria, tecelagem, promoveu feiras de
artesanato, manteve cooperativas de artesãos. Esses trabalhos eram divulgados na Galeria de
Arte do Recife.
264
As primeiras experiências de praças de cultura se deram em Recife,
posteriormente em Natal e Belo Horizonte.
Na segunda administração Djalma Maranhão, educação e cultura foram as metas
principais. Os trabalhos de urbanização iniciados na primeira gestão continuaram a ser
executados, mas foi no campo da educação e da cultura as iniciativas mais significativas. Em
1961 teve início a campanha de alfabetização De no Chão Também se Aprende a Ler
265
,
promovida pela prefeitura de Natal. Várias atividades aconteciam articuladas à campanha e
fora do espaço escolar. Acontecia na praça pública.
As praças de cultura em Natal eram de dois tipos: periódicas e permanentes. A praça
de cultura periódica funcionava apenas para eventos como Feira de Livros e Festivais de
Folclore e estava localizada na praça Kennedy, na Cidade Alta. Foi onde aconteceu a I Praça
de Cultura. As praças de cultura permanente eram três ao todo. As primeiras, inauguradas em
1962, estavam localizadas no bairro das Rocas e no Bairro das Quintas. A terceira, instalada
261
Id. Ibid.
262
COELHO. Germano. Paulo Freire e o Movimento de Cultura Popular. In: ROSAS, Paulo (Org.). Paulo
Freire: educação e transformação. p.435.
263
FÁVERO, Osmar. Cultura popular e educação popular: memórias dos anos 60. p.228.
264
Id. Ibid.
265
CF. GERMANO, José Willington. Lendo e aprendendo: a campanha de no chão.; SILVA, Maria da Guia
de Souza. Djalma Maranhão ou semeador de utopias da transformação social;CARVALHO, Maria Elizete
Carvalho. Memórias da campanha de no chão...1961-1964: o testemunho dos participantes.;MOURA,
Francisca Zuilma Rocha de. Mensageiros da transformação: a educação popular no Rio Grande do Norte (1960-
1964)..
em 1963, estava localizada na Praça André de Albuquerque. O que caracterizava uma praça
de cultura permanente eram seus equipamentos, especialmente a Biblioteca Popular, presente
nas três praças e as atividades organizadas pela DDC.
Em Natal, a primeira experiência de Praça de Cultura se deu em 1961. Assessores do
prefeito Djalma Maranhão foram a Recife para conhecer o trabalho do professor Paulo Rosas
e da equipe do MCP. Tendo como referência o MCP, a Prefeitura de Natal trouxe a idéia das
praças, da Galeria de Arte e das bibliotecas e adaptou a realidade da cidade.
266
4.3.1 I Praça de Cultura
Moacyr de Góes informa que a primeira experiência de Praça de Cultura foi no
segundo semestre de 1961. Durante uma semana, uma praça da cidade foi ocupada com
barracas para feira de livros, de discos e artes plásticas, artesanato, publicações, noite de
autógrafos [...]
267
. Foi Praça da Kennedy que essa experiência aconteceu. Nesta praça era
instalado o que se chamou de Praça de Cultura Periódica que funcionava apenas em eventos
maiores.
A Praça de Cultura aconteceu na primeira semana de outubro e sua programação
contou com a presença de escritores e artistas populares. A cada noite do evento era prestada
homenagem a um artista local, escritores lançavam seus livros em noite de autógrafos,
exposições das esculturas de Chico Santeiro e dos quadros dos pintores Newton Navarro e
Dorian Gray, apresentação do Coral da Cidade e apresentação dos grupos folclóricos. O
artista popular Chico Santeiro e o escritor Luís da Câmara Cascudo foram alguns dos
homenageados durante toda semana do evento que foi animado pelo Coral da Cidade sob a
regência do maestro Garibaldi Romano.
268
O Jornal Folha da Tarde trouxe toda a programação fazendo a cobertura completa do
evento. Estiveram presentes na Praça de Cultura o professor Paulo Freire, representante do
Prefeito de Recife, Miguel Arraes. e um dos dirigentes do MCP, o livreiro Luís Gonzaga
Dantas, o Secretário de Educação da Prefeitura, professor Moacyr de Góes e o Professor
Herly Parente, Diretor do primeiro Acampamento Escolar.
269
266
SILVA, Maria da Guia de Souza. Op.cit. ,p.97.
267
GÓES, Moacyr de. 2 livros de Djalma Maranhão no exílio. p.100.
268
Jornal Folha da Tarde, Natal, 02 out. 1961.
269
Jornal Folha da Tarde, Natal, 02 out. 1961.
Todas as noites escritores norte-riograndenses e de outros estados se revesaram
durante o evento. Na primeira noite estiveram presentes os escritores pernambucanos
Bandeira de Melo e Vanildo de Brito e o paraibano Jomar Matos foram apresentados pelo
crítico literário Vírginio Gama e Melo. No segundo dia do evento foi a vez do Monsenhor
Alves Landim Presidente da Academia Potiguar de Letras na época - , apresentando seu
livro Perene Arrebol, cuja apresentação foi feita pelo poeta Antídio Azevedo.
270
Outros escritores estiveram presentes como Newton Navarro, apresentando seu livro
intitulado Solitário Vento de Verão, segundo a matéria do jornal Folha da Tarde “um dos
mais brilhantes talentos da nova geração intelectual de nossa terra”; Jaime dos G. Wanderley
com seu livro de poemas sertanistas Macambira; o poeta Luis Rabelo com O caminho dos
mortos; e Francisco Amorim, autor de Eu conheci Seyson.
271
FIGURA 02 - I Praça de Cultura. O educador
Paulo Freire discursa ao lado do prefeito Djalma
Maranhão. Na primeira fila da esquerda para
direita: o vice-prefeito Luís Gonzaga dos
Santos, Zila Mamede, Moacyr de Góes, Paulo
Freire, Djalma Maranhão, Dária Maranhão
(esposa do prefeito) e o desembargador Wilson
Dantas.
Fonte: Foto do acervo da DDC. Arquivo
particular de Mailde Galvão.
FIGURA 03 I Praça de Cultura. Os livros
eram expostos nas lojas de livros.
Fonte: Foto do acervo da DDC. Arquivo
particular de Mailde Galvão.
270
Jornal Folha da Tarde, Natal, 02 out. 1961.
271
Jornal Folha da Tarde, Natal, 04-08 out. 1961.
Finalizando a semana da Praça de Cultura, um grupo de escritores do estado da
Paraíba ofereceu à Biblioteca Municipal diversos livros e revistas de autores paraibanos. A
entrega foi feita pelo jornalista e poeta Waldemar Dutra. A relação dos livros foi a seguinte:
Retratos da Vida, de José Leal; A religião e o progresso social, do Monsenhor Pedro Anísio;
Vultos da Paraíba e Medicina na Paraíba, de Oscar Castro; Idéias, pessoas e cousas, do
Padre Batista Medeiros; A Tragédia do Major e Quadras da minha infância, do Padre Luíz
Gonzaga Oliveira; Paralelo da instrutora, de Juarez Macedo; e Aspectos econômicos da
ocupação holandesa na Paraíba, de Cleandro Santa Cruz Costa. Em relação às revistas foram
entregues Revista da Universidade da Paraíba; Revista da Academia Paraibana de Letras;
Revista do Instituto Histórico Paraibano; Revista da Faculdade de Ciências Econômicas da
Paraíba e Revista Vida e Cultura; Revista Letras do Sertão.
272
Em 1962, foram instaladas as praças de cultura ditas de caráter permanente, pois
possuíam atividades diárias. Estavam localizadas nos bairros das Rocas e das Quintas. Essas
praças de cultura eram constituídas de quadras de esportes, parques e uma Biblioteca Popular.
A Praça de Cultura das Rocas localizada no cruzamento com a rua Hildebrando de Góes com
a rua São João, foi a primeira a ter instalada, no mês de maio, uma biblioteca, denominada
Biblioteca Popular Monteiro Lobato. A segunda, no Bairro das Quintas
273
, foi Biblioteca
Popular Castro Alves, instalada em junho.
Outro espaço cultural criado pela Prefeitura foi o Teatro do Povo, localizado no bairro
do Alecrim, com lotação para 200 pessoas. Foi uma iniciativa dos presidentes dos grêmios
teatrais de Natal (do Teatro Experimental de Amadores, do Teatro de Natal, do Grupo Cênico
Paulo de Tarso, do Teatro de Amadores Unidos, do Teatro de Cultura de Natal e do Teatro
Universitário), liderados por Clarice Palma, Sandoval Wanderley, Meira Pires, Sebastião
Carvalho e outros. O Teatro seria destinado a espetáculos de grupos amadores e os jograis
constituíam o ponto alto do movimento teatral da prefeitura.
274
4.3.2 Bibliotecas Populares
As Bibliotecas Populares construídas pela Prefeitura nas praças eram na verdade
postos de empréstimo de livros, barracas de madeira abertas diariamente à tarde, das 15 às 18
272
Jornal Folha da Tarde, Natal, 10 out. 1961,
273
Não conseguimos informações sobre a localização exata desta praça, nem nas pesquisas com os jornais e nem
nas entrevistas coletadas.
274
Jornal Folha da Tarde, Natal, 16 mar.1962.
horas, e à noite das 19 às 21horas.
275
Dentro da proposta de valorização do nacional e de
democratização da cultura essas bibliotecas receberam nomes de escritores nacionais. A
Biblioteca Popular das Rocas recebeu o nome de Monteiro Lobato, e a das Quintas, Biblioteca
Popular Castro Alves.
A organização das bibliotecas ficava por conta de Zila Mamede
276
, profissional
pioneira no Estado na organização de bibliotecas. Zila Mamede foi Diretora da DDC antes de
Mailde Pinto e foi ela quem organizou as bibliotecas populares e deixou seu irmão Elifá
Mamede, já falecido, responsável pelo setor de biblioteca da prefeitura. O trabalho nos postos
de empréstimos das Rocas e das Quintas não era realizado por bibliotecários, mas por
funcionários da prefeitura que recebiam uma formação básica de biblioteconomia.
277
O acervo das bibliotecas foi sendo constituído através de campanhas populares.
Transmitia-se a seguinte mensagem: O livro que está sobrando na sua estante é o livro que
está faltando nas mãos do povo. Uma caminhonete equipada com alto-falantes percorria as
ruas da cidade pedindo à população a doação de livros para compor o acervo das bibliotecas.
Obras de Graciliano Ramos, Carlos Drumond de Andrade, Geroge Eliot, Joseph Conrad,
Michael Gold, Robert Nathan, Vasco Patrolini, Saint Exupéry, Morris West, Jorge Amado,
Raquel de Queiroz, Castro Alves, Monteiro Lobato, entre outros, constituíam o acervo das
bibliotecas.
278
O escritor mais lido era Monteiro Lobato.
279
Cada uma delas contava com um acervo de aproximadamente 2000 livros, ou mais,
precisamente o posto Monteiro Lobato dispunha, em setembro de 1963 de um acervo de 1784
volumes, enquanto a Castro Alves contava, no mesmo período, de 2360 volumes em suas
estantes. Eram emprestados cerca de 80 a 120 livros diários, somando mensalmente uma
média de 3000 livros. O público em sua maioria era infanto-juvenil.
Paulo de Tarso descreve as Bibliotecas como barracões de madeira. E esses barracões
de madeira com acervo de livros eram ao lado de quadra de esportes.
280
275
GÓES, Moacyr. 2 Livros de Djalma Maranhão no exílio. p.150.
276
Zila Mamede, entre 1955 e 1956, cursou biblioteconomia no Rio de Janeiro e fez ainda uma especialização
nos Estados Unidos. No Rio Grande do Norte, O Curso de Graduação em Biblioteconomia foi criado pela
Resolução n.º 002/96 - CONSUNI, de 10 de maio de 1996.
277
Paulo de Tarso Correia de Melo em entrevista concedida à autora em 20 de setembro de 2006.
278
GALVÃO, Mailde. 1964: Aconteceu em abril. p.106 e 119.
279
GERMANO, Willington. Lendo e aprendendo: a campanha de pé no chão. p.118.
280
Paulo de Tarso Correia de Melo em entrevista concedida à autora em 20 de setembro de 2006.
FIGURA 04 – Biblioteca Popular Monteiro Lobato.
Fonte: Foto do acervo da DDC. Arquivo particular de Mailde Galvão.
FIGURA 05 – Biblioteca Popular Castro Alves. Na lateral da biblioteca estava o mural.
Fonte: Foto do acervo da DDC. Arquivo particular de Mailde Galvão.
Em 1963, na praça André de Albuquerque foi instalada a Biblioteca Popular José de
Alencar, entretanto, nesta o eram efetuados empréstimos de livros, havia em frente a
biblioteca mesas ao ar livre para a prática de leitura. Segundo Moacyr de Góes, as
homenagens prestadas a José de Alencar, Castro Alves e Monteiro Lobato, como patronos das
bibliotecas populares, tinham suas raízes nas lutas de emancipação da cultura do povo
brasileiro. José de Alencar, o nativismo; Castro Alves, o social; Monteiro Lobato, o
econômico. “Eram os alicerces do Plano de Democratização da Cultura ganhando
profundidade na consciência
281
do povo”.
281
GÓES, Moacyr de. 2 Livros de Djalma Maranhão no exílio. p.151.
Relatórios sobre os serviços da Prefeitura eram elaborados periodicamente. Os
relatórios sobre as Bibliotecas Populares nos mostram, através dos números de empréstimos
diários a circulação da população nesses locais.
Estatísticas das Bibliotecas Populares – Relatório
Posto de Empréstimo “Monteiro Lobato” – Bairro das Rocas
Inauguração: 1° de maio de 1962
Acervo inicial: 1600 livros
Período: de 1°.05.1962 a 30.09.1963
Empréstimo mensal: são emprestados cerca de 80 a 120 livros diários,
somando mensalmente uma dia de 3000 livros. No período de de maio
de 1962 até setembro de 1963, foram emprestados 50.450 livros.
Livros estragados: 148
Livros extraviados: 167
Livros adquiridos: 499
Acervo atual: 1784
Reivindicação: O posto de empréstimo continua em bom estado de
conservação, necessitando apenas de uma nova pintura.
Observação: as estatísticas referentes a novembro e dezembro a ao primeiro
trimestre de 1964 elevou-se para mais de 5000 livros. Natal, 23 de outubro de
1963.
Posto de Empréstimo “Castro Alves” – Bairro das Quintas
Inauguração: 23 de junho de 1962
Acervo inicial: 1600 livros
Período: 23.06.1962 a 30.09.1963
Empréstimo mensal: são emprestados cerca de 50 livros diários, somando uma
média de 2000 livros. No período de 23.06.1962 até setembro deste ano,
foram emprestados cerca de 28.000 livros.
Livros estragados: 243
Livros extraviados: 141
Acervo atual: 2360
Observação: verificou-se o mesmo fenômeno do Posto Monteiro Lobato. As
estatísticas referentes a novembro e dezembro a ao primeiro trimestre de 1964
demonstram que a média mensal de empréstimos também se elevou para mais
de 5000 livros.
282
Cada biblioteca contava com um jornal mural, afixado na parte externa das barracas.
Esses murais eram constituídos de recortes de jornais locais e do Rio de Janeiro, substituídos
dia sim dia não, o que possibilitava à população pobre acesso à leitura dos jornais. Na época
se colocava também uma televisão e havia também projeções de filmes nas quadras.
283
282
Id. Ibid. p.185-186.
283
Paulo de Tarso Correia de Melo em entrevista concedida à autora em 20 de setembro de 2006.
A estratégia da prefeitura para atrair a população era a divulgação dos concursos de
miss que na época tinham um apelo popular muito forte. Para atrair as pessoas para a
Biblioteca Paulo de Tarso afirma que usava-se de alguns artifícios:
E nessa época, a gente tinha que usar nesse mural uma espécie de artifício,
de coisas que fossem chamativas para o povo. Eu me lembro que na época
uma coisa muito, que tinha um apelo popular muito grande, era os concursos
de miss, e então, nós colocávamos no mural os concursos de miss, as miss,
porque tinha um apelo popular muito grande e as pessoas vinham ler o
jornal-mural interessadas no concurso de miss e a partir dali, digamos, se
interessavam de leituras mais importantes e etc. e tal, porque nesses
barracões havia um acervo de livros de alta cultura, tanto brasileira quanto
universal, ou de alto interesse cultural. E então se fazia isso. A idéia da praça
era a cultura chegar ao povo sem problema nenhum, haver acesso de
qualquer pessoa à cultura.
284
4.3.3 Praça de Cultura André de Albuquerque
A Praça de Cultura André de Albuquerque foi a última a ser criada pela Prefeitura em
1963, e passaria a ser considera uma praça modelo para as demais praças que viessem a ser
construídas. A Praça André de Albuquerque além de ser um ponto central e importante, pois
foi ali que se formou o primeiro núcleo de povoamento da cidade, tornou-se um centro
cultural expressivo na cidade.
A origem da Praça André de Albuquerque se confunde com a origem da cidade. Antes
de ser denominada Praça André de Albuquerque, era a Praça da Matriz. A mudança de nome
se deu em 1888, quando a Câmara Municipal de Natal mudou o nome da artéria chamada Rua
Grande ou Praça da Matriz, como era conhecida para Praça André de Albuquerque, em
homenagem ao líder da Revolução de 1817.
Traçando um quadro histórico da Praça André de Albuquerque perceberemos em
diferentes momentos, uma diversidade de práticas, idéias, apropriações, usos, olhares. Sendo
local marco de fundação da cidade, essa praça se configura como um espaço importante para
a história local. Foi em torno dessa praça que toda administração pública se organizou: o
Governo, a Justiça, Assembléia Legislativa, Erário Real e outras repartições públicas. Além
284
Paulo de Tarso Correia de Melo em entrevista concedida à autora em 20 de setembro de 2006.
da Igreja, que possuía poder e influência na cidade. Vejamos um pouco sobre a constituição
desses elementos.
Cascudo nos dá uma descrição dos limites da cidade de Natal à época de sua origem:
O alto elevado e firme procurado por Jerônimo d’Albuquerque em dezembro
de 1599 era o platô que se estende desde a praça André d’Albuquerque,
envolvendo Petrópolis e Tirol, até a praça Pedro Velho, avenidas até Hermes
da Fonseca. O cimo onde se construiu a primeira casa, termina, descendo, no
Baldo, prosseguindo, em terreno ondulado para Barro Vermelho, Lagoa
Seca, Refoles, orla do Potengi, zona de mangues e caranguejos velozes.
285
Onde hoje está localizada a antiga catedral, a atual está localizada na Av. Deodoro,
havia sido construída uma capelinha, que “presidia a praça, ruas, a cidade.” Foi a primeira
rua, chamada Rua Grande, depois passa a ser chamada Praça Matriz. Em volta ergueram-se os
prédios públicos da administração. A cadeia, com o Senado da Câmara no andar superior,
desde 1722, o sobrado do Governo; ao sul o edifício da Provedoria da Fazenda, depois o
Erário Real e a Delegacia Fiscal.
286
Cascudo, faz referência ao cronista inglês Henry Koster, que descreveu a cidade, no
início do século XIX, com uma praça (Praça Matriz) cercada de residências, todas com apenas
o pavimento térreo, com apenas três igrejas Igreja Matriz, Igreja do Rosário e Igreja de
Santo Antônio -, o Palácio do Governo, a Câmara e a prisão. Existiam três ruas que
desembocavam na praça e não havia ruas calçadas. O número de habitantes era de seiscentos
ou setecentos habitantes.
287
Com o advento da República, veio a preocupação de modernizar a
cidade e, em 1906, houve a primeira tentativa de ajardinamento da praça da Matriz, reforma
que só se concretizou em 1909.
Os prédios que foram construídos em torno da Praça André de Albuquerque deram à
praça um sentido político e religioso, pois naquele local por muitos anos foi o centro do poder
administrativo e religioso.
O primeiro prédio a ser erguido foi a Igreja Mariz, em 1614. Na verdade uma capela
que posteriormente foi destruída e construída um igreja em seu lugar. A administração pública
funcionava no prédio que hoje abriga a Pinacoteca do Estado. O antigo Palácio Potengi, no
século XIX, abrigou a Assembléia Legislativa, a Tesouraria, a Câmara Municipal e o Tribunal
285
CASCUDO, Luís da Câmara. História da cidade de Natal. Natal: RN Econômico, 1999. p.143.
286
Id. Ibid. p.143-144.
287
Id. Ibid.
do Júri e repartição dos correios. O local onde, desde 1897, funciona o Memorial Câmara
Cascudo, também localizado na área em torno da Praça André de Albuquerque, foi construído
para abrigar a Tesouraria da Fazenda em 1875, em substituição ao primeiro prédio do real
Erário edificado no final do século XVIII. Nos primeiros anos do século XX, funcionou como
Delegacia Fiscal e posteriormente como sede do Quartel da RM do Exército. Ao lado do
Palácio Potengi, localiza-se o Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte. O
prédio começou a ser construído em 1906, no governo de Tavares de Lira, para abrigar a
Instituição. Porém, na época, o Supremo Tribunal de Justiça não dispunha de uma sede
própria, então parte do prédio do Instituto foi cedido ao Tribunal de Justiça. As duas
instituições conviveram juntas, desde a inauguração do prédio, em meados de 1908, até maio
de 1926. Com as atividades desenvolvidas pelas duas instituições, o Instituto mudou-se para a
casa nº 577, na mesma Rua da Conceição, ficando lá até 1938, quando retornou ao prédio.
288
As intervenções no espaço físico da praça apresentavam intenções políticas, pois a
cada administração destruíam-se as intervenções anteriores. E com Djalma Maranhão não vai
ser diferente. A primeira intervenção feita na praça foi na administração de Augusto Tavares
de Lyra, quando foi colocado um calçamento de granito. Em 1917, em comemoração ao
centenário da Revolução de 1817, foram inaugurados dois monumentos em homenagem a
André de Albuquerque Maranhão e a Padre Miguelinho, dois personagens importantes
daquele evento.
289
Após 17 anos, veio uma nova reforma, na administração municipal de Miguel Brito,
em 1934, com a construção de 12 bancos de cimento. Na década seguinte, houve a Reforma
Joaquim Inácio de Carvalho, retirou-se o calçamento de granito, a praça recebeu um novo
ajardinamento, pavimento em paralelepípedo e um coreto, considerado uma inovação na
época. Em seguida, na prefeitura de Sylvio Pedroza (1946-1950), ergueu-se na praça
monumentos em homenagem à cidade: foi colocado o Pelourinho, quatro canhões e uma placa
de bronze. Com a introdução desses monumentos, o coreto foi destruído, o que provocou
protestos por parte dos habitantes e intelectuais.
290
Consideramos a reforma empreendida pela administração de Djalma Maranhão a mais
radical no sentido da mudança da paisagem. A praça André de Albuquerque dedicada a
monumentalização dos grandes heróis e acontecimentos históricos, se transformou num
espaço cultural, denominado praça de cultura, que atraía a população em geral. Com a
reforma, foram retirados os canhões, o pelourinho e os demais monumentos.
288
Cf. Nesi, Jeanny. Natal Monumental. Natal: Fundação José Augusto/IPHAN, 1994.
289
CF. SOUZA, Itamar de. Nova História de Natal. Natal: Diário de Natal, 2001.
290
SOUZA, Itamar de. Nova História de Natal.
Nesse sentido, a praça ganhou um novo significado ao ser transformada em praça de
cultura. Era principalmente nessa praça que aconteciam as atividades organizadas pela DDC.
Ali foram instaladas uma Biblioteca Popular denominada José de Alencar, uma Galeria de
Arte, próxima ao Tribunal de Justiça, Galeria de Arte Cândido Portinari, uma Concha
Acústica.
De acordo com Germano, a transformação da Praça André de Albuquerque em Praça
de Cultura deu uma nova dinâmica ao centro da cidade, que ganhou um espaço cultural
movimentado e acessível a toda a população. A Galeria de Arte foi inaugurada em 08 de
março de 1963, com uma mostra do pintor Francisco Brennand.
PROGRAMA DA GALERIA DE ARTE
08/03/63 Inauguração da galeria com exposição do pintor Francisco
Brennand;
20/03/63 Meninos de Recife – Desenhos de Abelardo da Hora
09/04/63 Exposição de pintura de Iaponi Araújo
15/04/63 Misèrere – Promoção do DDC da Secretaria de Educação e Cultura
do Município, durante a Semana Santa. A mostra reunia reproduções de
quadros célebres, todos inspirados na Paixão de Cristo e tinha como roteiros
legendas de Paul Claudel.
23/04/63 Mostra de artistas paraibanos
29/04/63 Exposição de arte popular, pela diretoria de Documentação e
Cultura do Município, a cargo de Newton Navarro
08/05/63 Exposição de pintura do Padre Eládio L’Eraistre Monteiro
26/05/63 Exposição da pintura de Tarcísio Maia
07/06/63 Salão de jovens pintores de Instituto de Educação, organizado pelo
Diretório Estudantil Professor Celestino Pimentel.
21/06/63 Motivos de São João (arte popular)
06/07/63 Exposição de fotografia das praias da cidade
29/07/63 Desenho e gravuras de Percy Lau
02/08/63Exposição de cerâmica de Lourdes Guilherme/
09/08/63 Exposição de foto-jornalismo de Última Hora (Nordeste)
15/08/63 Exposição de trabalhos da Campanha de Pé no Chão Uma
Profissão
20/08/63 Exposição de fotografias de Brasília
04/10/63 Exposição da Campanha De Pé No Chão
04/10/63 Exposição de pintura de Rubens Sampaio
16/10/63 Exposição de desenhos de Maria Santíssimo
25/10/63 Exposição de poesia ilustrada
291
Todos os dias a Galeria era aberta ao público natalense com mostras de arte popular,
com uma exposição permanente de Chico Santeiro, fotografia, desenho, cerâmica. Mailde
Pinto contava com o apoio de Newton Navarro e Iaponi Araújo, para manutenção da Galeria
291
GÓES, Moacyr. 2 Livros de Djalma Maranhão no exílio. p.145-146.
de Arte. Enquanto isso, na praça, diariamente acontecia uma programação cultural
diversificada com música popular e erudita, debates políticos, exibição de filmes, leitura de
textos selecionados “dentro do nosso plano de conscientização das massas através da Leitura”.
Esses debates em geral eram conduzidos por universitários.
292
O historiador potiguar Marcos Silva, em suas memórias, nos uma descrição da
Galeria de Arte:
Era um prédio de desenho conciso, com falsas colunas copiando o Palácio
da Alvorada (imagem de ousadia arquitetônica e sucesso de um estilo
político do final dos anos 50 e início da década seguinte), revestido de
azulejos pretos e amarelos, numa face, e com um mural de Newton Navarro,
na outra. [por dentro, piso de cerâmica industrial, vitrines para pequenas
esculturas e objetos artesanais, estandes para quadros]
293
292
GERMANO, Willinton. Lendo e aprendendo: a campanha de pé no chão. p.119.
293
SILVA, Marcos. Câmara Cascudo, Dona Nazaré de Souza e Cia. (Guerras do Alecrim). p.179.
FIGURA 06 – Galeria de Arte da praça de cultura André de Albuquerque.
Fonte: Foto disponível em http://www.natal.rn.gov.br/semurb
FIGURA 07 – Exposição permanente do artista Chico Santeiro.
Fonte:Foto do acervo da DDC. Arquivo particular de Mailde Galvão.
FIGURA 08 – Interior da Galeria de Arte.
Fonte: Foto do acervo da DDC. Arquivo particular de Mailde Galvão.
As atividades da praça aconteciam articuladas à campanha De Pé no Chão Também se
Aprende a Ler e apresentavam um caráter pedagógico. O setor de artes plásticas constava de
um Museu de Arte Popular com acervo de arte popular de todo o Brasil, e da Galeria de Arte
da praça André de Albuquerque. Na galeria havia uma exposição permanente de Chico
Santeiro, artista popular que trabalhava com escultura em madeira, exposições didáticas,
coordenadas por Newton Navarro.
Essas exposições apresentavam como temas as épocas ou os artistas famosos. Temas
como o impressionismo, sobre as festas populares, sobre Picasso e outros artistas, eram feitas
reproduções das obras. Periodicamente havia exposições de poesia ilustrada, a poesia na
medida em que ia sendo lida era feito a ilustração do poema por Newton Navarro. Na praça
André de Albuquerque, segundo Melo, era bastante movimentada. Diariamente apresentações
musicais, apresentações teatrais, conferências, havia um sistema de som em que eram
colocados programas musicais de difusão de discos, de música popular e música erudita,
brasileira e internacional. Era realizada diariamente a leitura de um noticiário do dia a dia da
Prefeitura. Era comunicado nos jornais pela assessoria de imprensa da prefeitura um noticiário
que era chamado “A Prefeitura dia-a-dia”.
294
294
Paulo de Tarso Correia de Melo em entrevista concedida à autora em 20 de setembro de 2006.
A Galeria de Arte também funcionava como passeio público que ligava dois lados da
praça, servindo de acesso a pontos de ônibus, passeio, proteção contra chuva e sol e variação
na paisagem (pinturas regionalistas, imagens abstratas, paisagens acadêmicas, etc.).
295
A intervenção da Prefeitura no espaço físico da cidade incorporou espaços públicos de
lazer e de cultura ao cotidiano da população de Natal. A praça pública ganhou novos sentidos
ao ser apropriada pela prefeitura e ser transformada em praça de cultura. Transformou a praça
André de Albuquerque num centro cultural dinâmico e conseguiu atrair a população para a
praça. Ao mesmo tempo em que pode imprimir nesse espaço, nas atividades propostas, em
seus equipamentos constitutivos, valores, signos e intenções, dentro do propósito nacionalista
de Djalma Maranhão e que norteou todas as ações da prefeitura. A campanha De no Chão
Também se Aprende a Ler e as praças de cultura existiram até abril de 1964, com o regime
militar, Djalma Maranhão foi preso e seus assessores foram exonerados dos cargos que
ocupavam na administração municipal. Djalma Maranhão passou a viver no exílio, no
Uruguai, onde veio a falecer em 1971.
295
SILVA, Marcos. Câmara Cascudo, Dona Nazaré de Souza e Cia. (Guerras do Alecrim). p.179.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O processo de transformações ocorridas na região Nordeste no que diz respeito ao
momento político do final da década de 1950 e dos primeiros anos da década de 1960,
favoreceram o surgimento de movimentos de cultura popular. Esses movimentos
congregaram experiências do período populista, caracterizado pela ideologia nacional-
desenvolvimentista. O pretenso desenvolvimentismo industrial dos anos 1950, os anseios de
modernização e progresso inspiraram muitos intelectuais brasileiros à criação de novas formas
de expressão artística. Esses intelectuais, de diferentes correntes de pensamento apresentavam
um objetivo comum de desenvolver a nação através do povo.
O que se denominou cultura popular norteou as discussões da época, trazidas pelos
movimentos de cultura popular que surgiam e que em sua maioria eram liderados por
intelectuais diretamente ligados a grupos políticos considerados de esquerda ou progressistas.
A expressão cultura popular ganhou uma conotação política, a cultura como instrumento de
conscientização política e social do povo, e não apenas como expressão de arte. O ISEB foi
fundamental nesse processo, pois influenciou os intelectuais brasileiros que participavam
desses movimentos, especialmente nos últimos anos de existência da Instituição, quando os
isebianos passaram a se envolver com as questões sociais vigentes, mantendo relações com
partidos políticos como o PC, os movimentos populares CPCs, MCP. Para os isebianos a
cultura seria um elemento de transformação social e os movimentos de cultura popular
praticaram a sua maneira os ideais políticos elaborados teoricamente pelo ISEB.
Em Natal, a prefeitura promoveu a campanha De no Chão Também se Aprende a
Ler, inspirada no Movimento de Cultura Popular de Recife. A organização e práticas desses
dois movimentos foram muito semelhantes e através do conhecimento do trabalho
desenvolvido pelo MCP foram implantadas em Natal as praças de cultura, as bibliotecas
populares e a galeria de arte.
A prefeitura de Natal transformou quatro praças da cidade em praças de cultura,
espaços de promoção da cultura popular. Existiram a praça de cultura periódica destinada a
eventos e as ditas permanentes, onde diariamente atividades eram organizadas para a
população. As praças dos bairros das Rocas e das Quintas eram constituídas de bibliotecas
populares e quadras de esporte e, a quarta praça de cultura foi instalada no centro da cidade,
na Praça André de Albuquerque, constituída de galeria de arte, biblioteca, concha acústica e
lanchonete. As atividades culturais do município contavam com a colaboração de intelectuais
da cidade como Newton Navarro e Câmara Cascudo.
Consideramos que a praça de cultura foi uma extensão das atividades desenvolvidas
pela campanha De no Chão Também se Aprende a Ler, pois as atividades realizadas na
praça apresentavam um caráter educativo, dentro do que era concebido como cultura popular
pelo movimento, ou seja, a cultura como veículo de conscientização e de transformação
social, ao mesmo tempo em que se buscava a preservação das tradições populares.
Dentro da orientação nacional desenvolvimentista do período, a cidade também se
modificou. Djalma Maranhão durante as duas administrações esteve em sintonia com as novas
questões urbanísticas do período. O desenvolvimentismo propagado pelo governo federal
influenciou outro olhar para as cidades brasileiras, pois era preciso modernizar, dotar a cidade
de infra-estrutura visando à industrialização. Nesse sentido, a prefeitura de Natal através de
ações sistematizadas adotou obras de pavimentação, calçamento de ruas e praças, reforma e
construção de passeios públicos, ações relativas à questão habitacional, ao mercado
imobiliário, obras de assistência à população como a criação de mercados e lavanderias
públicas, à atividade turística e iniciativas com relação à criação de órgãos especializados nas
questões urbanísticas. Essas iniciativas demonstram um posicionamento positivo frente às
novas demandas que surgiam, entretanto, essas iniciativas não foram suficientes para atender
o crescimento físico de Natal e os problemas decorrentes dessa expansão.
Por fim, consideramos que as relações do prefeito Djalma Maranhão com setores
conservadores da sociedade, e as ações desenvolvidas pela prefeitura não refletem, na prática,
o caráter “revolucionário” que a literatura local atribui a Djalma Maranhão. Demonstram um
político que esteve em sintonia com as questões políticas e sociais da época, de orientação
política voltada para defesa de reformas sociais.
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