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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE PSICOLOGIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA
MESTRADO EM PSICOLOGIA SOCIAL E DA PERSONALIDADE
LETÍCIA HORN OLIVEIRA
AS POLÍTICAS PÚBLICAS E AS PRÁTICAS
SOCIOEDUCATIVAS VOLTADAS À CRIANÇA
E AO ADOLESCENTE
Prof. Dr. Pedrinho Arcides Guareschi
Orientador
Porto Alegre, janeiro de 2007.
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE PSICOLOGIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA
MESTRADO EM PSICOLOGIA SOCIAL E DA PERSONALIDADE
AS POLÍTICAS PÚBLICAS E AS PRÁTICAS SOCIOEDUCATIVAS
VOLTADAS À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE
Dissertação apresentada à Banca Examinadora
no Programa de Pós-Graduação em Psicologia da
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande
do Sul, como requisito parcial para a obtenção do
grau de Mestre em Psicologia Social e da
Personalidade.
Letícia Horn Oliveira
Professor orientador: Dr. Pedrinho Arcides Guareschi
Porto Alegre, janeiro de 2007.
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação ( CIP )
O48p Oliveira, Letícia Horn
As políticas públicas e as práticas socioeducativas voltadas à
criança e ao adolescente / Letícia Horn Oliveira. – Porto Alegre,
2007.
111 f.
Diss. (Mestrado em Psicologia Social e da Personalidade)
Fac. de Psicologia, PUCRS.
Orientação: Dr. Pedrinho Arcides Guareschi.
1. Psicologia Social. 2. Sociologia Educacional. 3. Políticas
Públicas. 4. Crianças – Aspectos Sociais. 5. Adolescentes Aspectos
Sociais. I. Guareschi, Pedrinho Arcides.
CDD 301.1
.
Ficha Catalográfica elaborada por
Vanessa Pinent
CRB 10/1297
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE PSICOLOGIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA
MESTRADO EM PSICOLOGIA SOCIAL E DA PERSONALIDADE
A Comissão Examinadora aprova a Dissertação de Mestrado
como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Psicologia Social e da
Personalidade, pelo Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Psicologia da
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
AS POLÍTICAS PÚBLICAS E AS PRÁTICAS SOCIOEDUCATIVAS
VOLTADAS À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE
Elaborada por
Letícia Horn Oliveira
COMISSÃO EXAMINADORA:
Prof. Dr. Pedrinho Arcides Guareschi
(Orientador/ Presidente – PUCRS)
Profa. Dra. Helena Beatriz Kochenborger Scarparo
(PUCRS)
Profa.Dra.Lílian Rodrigues Cruz
(UNISC)
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À minha família querida, Pai, Mãe, Tine, que se dispôs a sonhar e se aventurar ao meu lado,
dando amor e apoio incondicional e compreendendo meus momentos de “ausência”.
Às crianças e adolescentes que, nesses quatro anos de atividade profissional, me ensinaram e
ensinam, a cada dia, sobre a força revolucionária do afeto e a sobre a resistência às
intempéries da vida.
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AGRADECIMENTOS
Ao mestre querido, Pedrinho Guareschi, pelas muitas discussões e aprendizado constante
sempre acompanhadas por “rodadas de chimarrão acaloradas”. Pessoa que nas suas relações
sabe dar o devido valor ao significado da palavra vínculo. Muito obrigada!
Ao grupo de leitura e grupo de pesquisa pelo aprendizado mútuo.
Aos colegas de mestrado Marcos, Roberta, Viviane e Janaína, pelas trocas e demonstração de
amizade.
Ao amigo Warley, pela revisão acurada deste trabalho.
Ao Dani querido, parceiro constante e testemunha de todos os momentos desta caminhada e
cujo companheirismo foi fundamental.
À amiga Jaque, pelos muitos diálogos e por seu exemplo de trabalhadora social.
À amiga Patrícia, grande incentivadora que sonhou comigo este mestrado desde o tempo da
graduação. Exemplo de pessoa e de pesquisadora.Muito, muito obrigada!
À Zeila, colega e amiga, pela capacidade de compreender os momentos de cada um.
Aos amigos da “turma”, pelos momentos alegres e de descontração nos fins-de-semana.
Aos educadores e amigos do Centro Social pela partilha na crença de que “um outro mundo é
possível”.
Aos participantes desta pesquisa, pela disponibilidade e confiança depositada neste estudo.
À CAPES, pela concessão da bolsa que possibilitou a realização deste mestrado.
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SUMÁRIO
Página
APRESENTAÇÃO ................................................................................................................. 8
ADENTRANDO NO MUNDO DA PESQUISA......................................................................8
OS DOIS ARTIGOS................................................................................................................10
1. ARTIGO 1: AS POLÍTICAS PÚBLICAS E AS PRÁTICAS SOCIOEDUCATIVAS
VOLTADAS À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE: PRESSUPOSTOS TEÓRICOS..12
RESUMO.................................................................................................................................12
ABSTRACT.............................................................................................................................12
POLÍTICAS PÚBLICAS E EDUCAÇÃO SOCIAL: CAMINHOS POSSÍVEIS...................13
REFLEXÕES SOBRE AS PRÁTICAS ADVINDAS DO ECA: O ESTATUTO DA
CRIANÇA E DO ADOLESCENTE.......................................................................................19
PRÁTICAS SOCIAIS E PSICOLOGIA..................................................................................26
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.....................................................................................29
2.ARTIGO 2: SASE: REPRESENTAÇÕES, CONTRADIÇÕES E DESAFIOS............30
RESUMO.................................................................................................................................31
ABSTRACT.............................................................................................................................31
CONTEXTUALIZANDO O PROGRAMA SASE.................................................................35
REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DO SASE............................................................................41
CONTRADIÇÕES ENTRE O PROJETO E A PRÁTICA......................................................47
DESAFIOS QUE O SASE APRESENTA...............................................................................55
UMA REFLEXÃO PARA FINALIZAR NOSSA DISCUSSÃO............................................62
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.....................................................................................65
CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................................66
ANEXOS.................................................................................................................................68
1 - APROVAÇÃO DO COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA..............................................69
2 - TRANSCRIÇÃO DAS ENTREVISTAS REALIZADAS.................................................72
3 - LETRA DAS MÚSICAS: “RAP DAS CRIANÇAS DO SASE” E “RAP: O CAMINHO É
O SASE”................................................................................................................................109
7
"Eu sou um intelectual que não tem medo de ser amoroso, eu amo as gentes e
amo o mundo. E é porque amo as pessoas e amo o mundo, que eu brigo para
que a justiça social se implante antes da caridade”. Paulo Freire
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APRESENTAÇÃO
Adentrando no mundo da pesquisa
A viagem em que embarquei, ingressando no mestrado, teve seu início, na verdade,
em 1999, quando comecei a me aproximar do mundo da pesquisa. Acreditava que assim
poderia entender um pouco melhor muitos questionamentos pessoais sobre a sociedade em
que vivemos. Adentrei, durante a graduação em psicologia, em estudos em grupos de
pesquisa na PUCRS e UFRGS sobre infância e violência, movimentos sociais, imigração,
trabalho e desemprego, dentre outros assuntos. E quanto mais estudava, mais me dava conta
da complexidade que é a vida e o ser humano.
Chegando a hora de enfrentar um programa de mestrado, vieram à tona numerosas
temáticas a abordar e uma certeza, a de que deveria ser um tema relacionado à prática social
cotidiana. Emergiu a idéia de que o tema deveria servir de referência e espelho, não só à
minha própria prática enquanto profissional, mas também, de que teria de ser um trabalho que
não viesse a preencher prateleiras de biblioteca e sim que pudesse, numa singela tentativa, ter
um papel transformador.
Esta dissertação de mestrado é oriunda de uma tentativa de compreender, então, a
dinâmica de um programa social voltado ao atendimento de crianças e adolescentes em
situação de vulnerabilidade social, como se vê na ação do SASE (Serviço de Apoio
Socioeducativo). Há cerca de quatro anos, atuo junto a esse programa social, primeiramente
como estagiária de psicologia comunitária e, após o fim da graduação, efetivando minha
atuação como psicóloga social.
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Minha experiência em três organizações não-governamentais com três programas de
SASE me possibilitou vislumbrar a importância deles e ao mesmo tempo observar seus
desafios. Através dessa vivência institucional, acompanhei o ingresso e o desligamento de
muitas crianças e adolescentes. Percebe-se que é de praxe as instituições de atendimento à
infância e adolescência concentrarem suas ações no atendimento, por vezes desprezando a
análise e produção de indicadores que venham a subsidiar os gestores das políticas públicas,
bem como qualificar os serviços prestados pelas instituições. Lembro-me de um fato ocorrido
quando da última troca de governo na gestão municipal da cidade de Porto Alegre. Uma das
irmãs religiosas que fazia parte da coordenação do SASE em uma das instituições em que eu
atuava olhou para mim apreensiva e disse: - Meu Deus, agora vão acabar com o serviço e o
que será dessas crianças? O desabafo era uma clara alusão às mudanças que ocorrem nas
políticas públicas a cada vez que um governo diferente é eleito. Na ocasião o fato ocorrido
me deu a certeza de que deveria estudar a temática.
Freire (1999) fala da prática tomada como curiosidade, uma prática que desperta
horizontes de possibilidades. Foi com certeza a experiência prática e as trocas cotidianas que
me fizeram adentrar na temática deste estudo.
As pessoas então fazem de seus discursos um panorama do que é possível
fazer. Não se limitam apenas àquilo que deve ser feito. As pessoas
descobrem com a prática as suas possibilidades. Mesmo dentro dos limites
analisados, as pessoas organizam esforços para viabilizar o que está sendo
difícil de ser feito. Penso que esse processo amadurece politicamente os
intelectuais e os grupos populares. Penso que nesse processo as pessoas não
se limitam a discutir sobre conteúdos, mas as pessoas discutem sobre as
dimensões e os momentos da prática. (FREIRE, 1999, p.41)
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Uma primeira constatação, logo no início deste trabalho, foi a de que faltam estudos
ou publicações sobre o programa SASE e suas práticas cotidianas enquanto um fenômeno
1
Freire, P.; Nogueira, A. (1999). Que fazer: teoria e prática em educação popular. (5º ed.) Petrópolis,
RJ: Vozes
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social. Foram encontrados poucos documentos e registros, sendo estes produzidos para fins
burocráticos: projetos e textos informativos de circulação interna nos órgãos municipais. A
análise de documentos, entrevistas e observações das práticas cotidianas constituíram,
portanto, os instrumentos metodológicos para esta pesquisa.
É difícil compreender a efetividade de políticas públicas voltadas à criança e ao
adolescente, assim como para outros públicos de abordagem, sem que perpasse por um
processo educativo. Temos numerosas atividades sociais no país, realizadas em sua grande
maioria por organizações não-governamentais. Essas tentam, através de suas atividades
educativas, resgatar a dignidade dos chamados no senso comum de “excluídos”.
Os dois artigos
Paulo Freire, um dos autores com cujas idéias trabalhei nesta pesquisa, escreve em
seus textos que teoria e prática são momentos indissociáveis de um mesmo processo. Sendo
assim, tornou-se um desafio escrever esta dissertação dividindo-a entre dois artigos. Uma
sensação de esvaziamento somente compreendida pelo saber científico e necessidade de
produção acadêmica.
No primeiro artigo, procuramos trazer uma compreensão teórica acerca das políticas
públicas e as práticas educativas voltadas à criança e ao adolescente, problematizando
questões em torno do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) e as práticas sociais
exercidas pela psicologia. No segundo artigo, trazemos à discussão o programa SASE
(Serviço de Apoio Socioeducativo), que vem ao encontro das políticas sociais advindas do
ECA, mais especificamente no que concerne à proteção integral.
Foi a partir de Paulo Freire que, para muitos de nós, a educação surgiu como um
espaço vital, como uma alternativa de atividade política e, cada vez mais, a educação social
entra na tônica das discussões junto às políticas públicas.
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ARTIGO 1
AS POLÍTICAS PÚBLICAS E AS PRÁTICAS SOCIOEDUCATIVAS VOLTADAS À
CRIANÇA E AO ADOLESCENTE: PRESSUPOSTOS TEÓRICOS
THE DIRECTED PRACTICAL PUBLIC POLITICS AND THE
EDUCATIVESOCIAL ONES TO THE CHILD AND THE ADOLESCENT:
ESTIMATED THEORETICIANS
Letícia Horn Oliveira*
Pedrinho Arcides Guareschi**
Afiliação institucional: Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
Endereço: Av. Ipiranga, 6681 – Partenon – Porto Alegre/RS – CEP: 90.619-900
Endereço eletrônico: leticiaholiveira@yahoo.com.br – guares[email protected]
Financiamento: CAPES
*Psicóloga, mestranda em Psicologia Social e da Personalidade pela PUCRS
**Professor pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da PUCRS, coordenador do
Grupo de Pesquisa Ideologia, Comunicação e Representações Sociais.
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AS POLÍTICAS PÚBLICAS E AS PRÁTICAS SOCIOEDUCATIVAS VOLTADAS À
CRIANÇA E AO ADOLESCENTE: PRESSUPOSTOS TEÓRICOS
Resumo: Frente a uma sociedade cada vez mais desigual e injusta na garantia dos direitos
sociais, políticas públicas são criadas na tentativa de apaziguar conflitos, mesmo que de
maneira residual. Este trabalho tem como propósito trazer subsídio teórico sobre as políticas
públicas voltadas à criança e ao adolescente, discutindo questões relacionadas ao ECA
(Estatuto da Criança e do Adolescente) e à educação social como prática de libertação. Ao
final, intenta trazer um questionamento sobre o papel da psicologia frente às práticas sociais.
Palavras-chave: políticas públicas, ECA, educação social, práticas psicológicas.
THE DIRECTED PRACTICAL PUBLIC POLITICS AND THE
EDUCATIVESOCIAL ONES TO THE CHILD AND THE ADOLESCENT:
ESTIMATED THEORETICIANS
Abstract: Front to a society each more different and unjust time in the guarantee of the social
rights, public politics is created in the attempt to calm conflicts, exactly that in residual way.
This work has as intention to bring theoretical subsidy on the public politics directed to the
child and the adolescent, arguing questions related to the ECA (Statute of the Child and the
Adolescent) and to the social education as practical of release. To the end, it intends to bring
a questioning on the paper of psychology front to practical the social ones.
Key words: public politics, ECA, social education, practical psychological.
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AS POLÍTICAS PÚBLICAS E AS PRÁTICAS SOCIOEDUCATIVAS VOLTADAS À
CRIANÇA E AO ADOLESCENTE: PRESSUPOSTOS TEÓRICOS
“O saber começa com a consciência do saber pouco. É sabendo pouco que uma pessoa se
prepara para saber mais...O homem, como um ser histórico, inserido num permanente
movimento de procura, faz e refaz constantemente o seu saber” (Paulo Freire)
O desenvolvimento econômico e social do Brasil ainda não conseguiu inovar nos
modos de assistência à população, seja na saúde ou na educação. A prevenção é uma palavra
muito bonita, mas relegada a um canto escondido de nossa consciência. Quantos governos já
tentaram inovar na construção de políticas públicas autênticas. Os investimentos em saúde e
educação são escassos, enquanto os bancos financeiros crescem em lucratividade. Na
educação formal, continuamos repetindo os mesmos modelos educacionais. E como é difícil
mudá-los. Os jovens estão enfadados de reproduzir tais modelos. Há fronteiras difíceis de
ultrapassar, parecendo realmente instransponíveis aos nossos olhos e atos concretos.
As entidades não-governamentais, frente à precariedade do Estado no gerenciamento
social, vêm assumindo importante papel na execução das políticas públicas no país nas áreas
de saúde, educação, esporte e cultura. Diante de uma sociedade violenta, dominada por
narcotráficos, corrupções políticas, desemprego e miséria, as entidades fazem o papel de
retaguarda a grande parte da população que tem suas “vidas desperdiçadas”, como bem diria
Bauman (2005),ou seja, excluídas socialmente.
A proposta deste artigo é tríplice: a) discutir as políticas públicas voltadas para
crianças e adolescentes e, ao mesmo tempo, a questão da educação social como prática de
educação libertadora; b) discutir os pressupostos teóricos subjacentes ao ECA (Estatuto da
Criança e do Adolescente) como uma das tentativas de construção de uma política pública
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reconhecida como uma das mais inovadoras e desafiadoras; c) Finalmente, trazer um
questionamento sobre o papel da psicologia nas práticas sociais.
Políticas públicas e educação social: caminhos possíveis
Muitos dos serviços prestados por entidades de assistência social são pensados como
uma forma de combate e enfrentamento a “todos os desdobramentos e conseqüências da
questão social que é visível em relação à violência doméstica, à dependência química, às
vítimas de situação de risco, da prostituição infantil e da moradia nas ruas”. (GUIMARÃES,
2002, p.78)
A ação socioeducativa realizada em muitas entidades sociais contempla uma série de
atividades cujo objetivo é fornecer apoio, acolhida, espaços de convivência, reflexão e
participação, fortalecimento do vínculo familiar, convivência comunitária e construção de
projetos.
É importante diferenciar o termo socioeducativo, aqui utilizado, do conceito sobre
“medidas socioeducativas” previsto no Estatuto da Criança e Adolescente (ECA), as quais
dizem respeito às medidas destinadas aos adolescentes em conflito com a lei.(ANDRADE,
2000)
A conjugação de educação e proteção social na efetivação da ação socioeducativa,
dirigida a crianças e jovens em diferentes recantos deste país, está prevista no Estatuto da
Criança e do Adolescente e na Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional. Deve ser
praticada pela escola e por organizações sociais a fim de possibilitar o desenvolvimento pleno
de crianças e jovens.(ANDRADE, 2000)
O desafio atual de inserir as ações socioeducativas no escopo da política pública da
proteção social, por meio da implementação do Sistema Único de Assistência Social, tem
15
mobilizado setores governamentais e da sociedade civil, como o Colegiado Nacional dos
Gestores Municipais da Assistência Social. (ANDRADE, 2000)
Quando se escreve sobre política social voltada à educação e seus benefícios é de
praxe colocar-se a frase: “esta política tem como pressuposto o resgate da cidadania...” Mas
de fato, o que é educar para a cidadania?
Ser cidadão é ser sujeito de sua própria história e da história de sua comunidade, de
sua cidade, Estado, de sua nação e de seu mundo. É também todo o homem e mulher, sem
discriminação de idade, religião, raça, cultura, igualado pela sua condição de ser humano.
(BALESTRERI, 1992)
Guareschi (2004) traz a importância de uma prática educativa cujo modelo seja
libertador (dialogal ou dialógico) em que as pessoas sejam sujeito de seu saber e através do
diálogo possam buscar alternativas aos problemas. Dessa maneira é que o processo educativo
pode promover a emergência do que há de interno nas pessoas, através da reflexão e do
crescimento em consciência e responsabilidade.
O eixo da Educação Libertadora é a busca da construção de novas relações, tendo em
vista a construção de sujeitos históricos. Fazer opção pela Educação Libertadora é
comprometer-se com a transformação social, através de um projeto político-pedagógico de
resistência ao modelo vigente em nossa sociedade. Em nível de sistema escolar, é
proporcionar espaço de discussão, reflexão e participação de todos, direta ou indiretamente
envolvidos no processo.
Balestreri (1992) coloca cinco princípios de como estabelecer uma educação cidadã: o
primeiro seria educar para o reconhecimento dos direitos e deveres que carregamos dentro de
nós; o segundo seria educar para o respeito às individualidades de cada um combatendo
qualquer tipo de preconceito, discriminação ou privilégio; o terceiro seria educar cada um
para acreditar em si mesmo, na sua capacidade como agente de transformação da realidade
16
social em que convive; o quarto seria educar para um ser fraterno sem com isso abandonar o
que é de singular de cada um; o quinto seria um educar para ser um lutador pacífico contra
qualquer tipo de injustiça ou sistema que negue a alguém o direito de ser cidadão.
O autor coloca, ainda, que esse é um programa que não se pode cumprir em nível
discursivo, isto é, dicotomizar entre discurso e prática é negar qualquer possibilidade
educativa. Falar em dicotomia entre discurso e prática quer dizer que não podemos educar
para o respeito aquelas pessoas a quem não respeitamos, nem falar de fraternidade aos que
reprimimos. Da mesma maneira, estamos sendo hipócritas quando pregamos participação a
quem calamos.
Educar para a cidadania está relacionado ao tipo de metodologia do fazer pedagógico
e à forma como estabelecemos as relações interpessoais com os alunos. A cidadania precisa
ser vivenciada por todo educador que se pretenda cidadão.
É preciso discutir e questionar o mito de que as mudanças sociais dependem da
Escola. O saber e a forma como ele é produzido ajuda a explicitar o horizonte e o caminho da
sociedade que queremos construir. (BARCELOS, 1992)
No pensamento de Freire (1997), a educação é intrinsecamente relacionada no ser
humano à relação com o mundo. O autor apresenta uma constante preocupação sobre o papel
e a responsabilidade ética do educador enquanto alguém que desempenha uma função muito
diferente da de um treinador do educando no desenvolvimento de suas destrezas. Dada a
omissão criminosa do Estado, as comunidades populares se vêem obrigadas a construir
espaços educativos muitas vezes sob condições precárias. Tentam buscar soluções e
alternativas para dar conta de algo que deveria ser de direito de todos e legitimado, abraçado
pelo Estado.
A educação popular é uma prática política por se tratar da organização, mobilização e
capacitação das classes populares. Paulo Freire expressa que não há separação entre ato e
17
saber, ou seja entre pensamento e ação. Segundo ele “os grupos populares são perfeitamente
capazes de apreender a significação do discurso teórico” só o que não compreendem é
quando a linguagem desse discurso é complexa.( FREIRE, 1999, p.37)
Partindo da perspectiva de uma pedagogia crítica, é papel dos educadores levantar
questões tais que levem a uma consciência sobre que valores, sociedade e partindo de que
modelo educacional se pode construir algo que nos qualifique como humanos.(BUTTURA,
2005)
Para a existência de uma prática educativa autêntica é necessário formação científica
séria e uma clareza política dos educadores. O afeto deve ser misturado à capacidade técnica
a serviço da mudança. (FREIRE, 1996)
Ao se tratar de processo educativo, partimos do princípio de que o ser humano é um
ser que está sempre em processo inconcluso e dinâmico, por isso nunca teremos a obra
acabada. Dessa maneira, também o projeto político-pedagógico é um processo permanente.
Estar inacabado não quer dizer que não tenha que ter um plano, estratégia, diretriz. Buttura
(2005) coloca que, mesmo de forma não tão dita, por trás de todo processo educativo há uma
ideologia ou seja, uma concepção “teórico-metodológica que orienta a formação das pessoas
e, conseqüentemente, define a qualidade de suas relações” (p.81). Por isso é que se pode dizer
que um projeto pedagógico é também um projeto político.
Segundo Gadotti e Romão (2001), o projeto envolve um princípio de valores e
vivências cotidianas, envolve criação, transformação entre o que existe e o que há por fazer.
É uma articulação de saberes já construídos com novos saberes produzidos.
Quando exercitamos o conhecimento como prática de libertação, possibilitamos o
surgimento de sujeitos conscientes do lugar que ocupam no meio onde convivem, seja sua
escola, comunidade, sociedade como um todo para que, agindo nesse meio, possam modificá-
lo. A importância da consciência crítica se ao darmo-nos conta de que, quanto mais
18
percebemos o alcance do nosso pensar e agir, mais responsabilidade assumimos. Essa
liberdade e autonomia só deve ser possível pautada por uma ética entre educador e educando
através de uma ação crítico-reflexiva.A ética nesse sentido se refere a um respeito entre o
enunciado e o praticado na relação educador e educando. É quando o conhecimento consegue
superar o nível da consciência ingênua que ele se torna práxis, libertação. É nessa hora que as
verdadeiras transformações ocorrem. (BUTTURA, 2005)
O pensamento pedagógico de Paulo Freire está colado a um projeto social e político,
político-pedagógico cujo conteúdo é a libertação. Ele colocava em seus registros que a
educação, para ser transformadora, deve ser capaz de transformar as condições de opressão e
enraizar-se na cultura dos povos. Para ele, a problematização supõe uma ação transformadora
e o conhecimento deve se constituir numa ferramenta para intervir no mundo. Criticou a
noção de “sala de aula” que ainda hoje vigora em muitas instituições educacionais no país,
percebendo que espaço escolar é muito maior que o da escola. Temos diferentes espaços de
formação tais como mídia (rádio, TV, internet etc.) e espaços tais como igrejas, sindicatos,
empresas, ONGS e espaço familiar. A educação tornou-se comunitária, virtual, multicultural
e ecológica e a escola estendeu-se para a cidade e o planeta. A pedagogia da autonomia é
fundada na ética, no respeito à dignidade e à própria autonomia do educando (FREIRE,1996)
Uma das tarefas mais importantes da tarefa educativo-crítica é propiciar as
condições em que os educandos em suas relações consigo mesmo e em suas
relações uns com os outros e todos com o professor ou a professora ensaiam
a experiência profunda de assumir-se. Assumir-se como ser social e
histórico,como ser pensante, comunicante, transformador, criador,
realizador de sonhos, capaz de ter raiva, porque capaz de amar. Assumir-se
como sujeito porque capaz de assumir-se como objeto.A assunção de nós
mesmos não significa a exclusão dos outros.É a “outredade” do “não eu”, ou
do tu, que me faz assumir a radicalidade do meu eu (p.47)
A prática educativa libertadora se recusa ao ensino bancário. À escola cabe o dever de
“não só respeitar os saberes com que os educandos, sobretudo os das classes populares,
chegam a ela – saberes socialmente construídos na prática comunitária – mas também,
19
discutir a razão de ser de alguns desses saberes em relação com o ensino dos conteúdos”
(FREIRE, 1996, p.33)
O saber é associado a uma comunidade e a seu contexto, mas os saberes variam. As
formações sociais produzem diferentes tipos de saberes. É através do contexto que o saber
deriva sua lógica e racionalidade. O saber pode ser visto como forma dinâmica que emerge
continuamente. O saber é “sempre obra de uma comunidade humana e, portanto, deve ser
entendido no plural” (JOVCHELOVITCH, 2002, p. 16).
Após essas reflexões sobre pressupostos teóricos das políticas públicas e educação,
gostaríamos de particularizar uma discussão sobre o ECA (Estatuto da Criança e
Adolescente) reconhecido como uma das mais importantes tentativas de construir alicerse
para uma política pública realista e crítica, com respeito a infância e adolescência.
Reflexão sobre as práticas advindas do ECA: O Estatuto da Criança e do Adolescente
O ECA teve o seu desdobramento a partir da Constituição de 1988. Com apoio no
Estatuto, as crianças e adolescentes passaram a ser vistas como sujeitos em situação peculiar
de desenvolvimento e pessoas portadoras de direitos. Tem proporcionado um novo modelo à
política educacional no que diz respeito à responsabilidade dos pais ou responsáveis, da
escola e da sociedade no que concerne à garantia de direitos à escolarização de crianças e
adolescentes.(LEAL, 2006)
O ECA contém diretrizes para a política pública voltada à criança e ao adolescente.
Não há dúvidas sobre os avanços advindos da criação do Estatuto. Porém, tem suas
contradições no sentido de que há uma compreensão compensatória no referente às crianças e
adolescentes considerados pobres, pois acabam sendo compreendidos como carentes e em
situação de risco. Os fins protetores da lei devem ser para todas as crianças, porém apenas as
crianças pobres acabam no Conselho Tutelar, vítimas de maus-tratos, violência e negligência.
20
Muitas vezes, a solução é a abrigagem ou um tutelamento que acaba indo de contramão à
emancipação do sujeito (CRUZ, 2005). De nada adianta as crianças terem um programa de
proteção, se as suas respectivas famílias continuam em situação de risco.
Demo (1995) faz críticas ao ECA no sentido de que a política é voltada para a
cidadania assistida, não resolve um problema crucial que é o da pobreza. Torna as políticas
sociais setoriais voltando-se para a prática apenas da educação e assistência. O ECA
fundamenta questões relativas a direitos econômicos, sociais e culturais. Os direitos da
criança são prioridade absoluta no estatuto, mas a assistência de garantia material às famílias
não. O autor defende a garantia e o direito ao desenvolvimento integral da criança e do
adolescente e não apenas propor proteção assistencial.
Há uma discussão da família no contexto da vida social frente à situação de
sofrimento e abandono de milhares de crianças e adolescentes em todo o mundo. Os
programas de orientação e apoio sociofamiliar vêm ao encontro dessa questão na tentativa de
enfrentamento ao mal-estar infanto-juvenil. O Estatuto da Criança e do Adolescente prevê
esses programas, que têm como objetivo principal garantir o direito à convivência familiar e
comunitária.
Sob o rótulo de programas de apoio sociofamiliar estão sendo veiculadas as
mais diversas propostas, relacionadas aos mais diversos setores da sociedade
civil, do Estado e de organismos internacionais. Essas propostas têm sido
inplementadas , à medida que recursos lhes são destinados, sem que haja um
debate aprofundado acerca de suas ambigüidades, senão de suas
contradições, no campo do ideário de defesa dos direitos sociais. Muitas
vezes no bojo dessa diversidade de proposições e sob a égide de um
discurso “homogêneo” de justiça e cidadania, os programas de apoio
sociofamiliar trazem embutidos princípios assistencialistas e normatizadores
da vida familiar que imaginávamos ultrapassados.(MIOTO, 2006, p. 44)
Muitas vezes, o que ocorre com as famílias na prática social é a penalização delas
pelas instituições que deveriam promovê-las. Apesar de a família ser considerada, pela
Constituição Federal, a base de tudo, tem se verificado uma queda na qualidade de vida das
famílias brasileiras. Afora a questão semântica ainda utilizada ao se relacionar a famílias com
21
problemas como “desestruturadas” relacionando-se as que “falharam no desempenho das
funções de cuidado e proteção de seus membros” (MIOTO, 2006,p.54)
A família, enquanto vista como esfera privada, acaba derivando uma organização de
serviços públicos voltada basicamente para indivíduos-problema tais como a criança, o
adolescente, a mulher e o idoso partindo de situações específicas (violência, maus-tratos,
exploração, abandono, etc.) A abordagem para solucionar esses problemas, na maioria das
vezes, é também individual. Ao não se trabalhar o todo no social, as ações concentram-se
sempre no limite. Há uma tendência histórica nas áreas judiciárias, social ou saúde de
centralização de recursos nas questões mais cruéis relacionadas à infância e juventude
(trabalho infantil, violência doméstica, prostituição). Nesse sentido, é necessário cada vez
mais investimentos em programas que levem à sustentabilidade das famílias para que não
precisem chegar ao ponto de vivenciar situações-limite (MIOTO, 2006)
Há uma permeabilidade no respeito aos limites do Estado com as famílias
consideradas pobres. São, normalmente, consideradas “desestruturadas” e mais facilmente
visitadas, por um assistente social, para verificar suspeitas de violência doméstica ou mesmo
educação inadequada. Um dos pilares da construção dos processos de assistência às famílias é
o de que elas devem ser capazes de proteger e cuidar de seus membros. As que não
conseguem são consideradas, historicamente, incapazes e por isso merecedoras de ajuda
pública. Servem de “pano de fundo” também , para a organização das políticas e serviços
sociais.
No âmbito das propostas políticas relacionadas às famílias, a idéia da
falência e incapacidade também está presente. Ela pode ser observada
através da tônica de muitos programas destinados à solução dos problemas
da infância no Brasil. Estes colocam o destino dos recursos financeiros
atrelado a determinada condição relacionada às crianças e, muitas vezes, a
uma única criança. Com isso podemos efetuar a seguinte leitura: Não são os
pais que necessitam de recursos para cuidarem de seus filhos, mas são os
filhos que necessitam de recursos , uma vez que seus pais são incapazes de
protegê-los e educá-los. (MIOTO, 2006, p.54)
22
A proteção integral da infância e da juventude deve passar por revisões fundamentais.
É necessária portanto, uma mudança na organização da assistência às famílias. Não há como
separar proteção das famílias, nos seus mais diversos arranjos, da proteção aos direitos
individuais e sociais de crianças e adolescentes. Dessa forma, as famílias têm o direito de ser
assistidas nos seus direitos fundamentais para que possam desenvolver suas tarefas de
proteção e socialização das novas gerações.
A política para a infância e a adolescência proposta pelo Estatuto da Criança e do
Adolescente assim como as outras políticas sociais propostas a partir da Constituição de
1988, trabalham sob a perspectiva da descentralização. Dessa maneira transfere para os
municípios grande parte da responsabilidade pelas políticas sociais. Através da
municipalização, a sociedade pode ter maior controle sobre as políticas sociais. Uma questão
adversa à municipalização da assistência é que os gestores sendo, na sua maioria, privados e
filantrópicos, não detêm apropriação nessa discussão tornando-se difícil assimilar a idéia de
que, mesmo as instituições que atendem crianças e adolescentes sejam filantrópicas, devem
estar sujeitas ao controle social. (MENDES & MATOS, 2006)
O processo de municipalização institui os Conselhos Municipais de Direito da Criança
e do Adolescente (responsáveis por formular políticas sociais na área da infância e da
juventude) e os Conselhos Tutelares. Com a criação dos Conselhos Tutelares é transferida
para a sociedade a responsabilidade pela fiscalização do cumprimento dos direitos da criança
e do adolescente. São órgãos compostos por representantes da comunidade que são
escolhidos a cada três anos. Mas cada município tem autonomia na gestão dos seus
Conselhos. Os Conselhos aplicam medidas de proteção que envolvem “encaminhamentos aos
serviços sociais, aplicação de advertência aos responsáveis, requisição de atendimentos e,
como último recurso, inclusão em abrigo (...) também representam junto ao Ministério
Público o descumprimento dessas medidas” (MENDES & MATOS, 2006 , p. 248).
23
Mas o que se observa nas práticas cotidianas dos Conselhos Tutelares é uma atuação
mais para o controle da conduta dos indivíduos, como a cobrança dos deveres de seus
usuários, do que para a defesa dos direitos, o que é garantido pelo ECA. Outro ponto crítico é
a formação escolar dos conselheiros, escolhidos muito mais pela política do que pela
capacidade técnica de executar proteção ao público alvo de seu trabalho, o que acaba gerando
práticas que se distanciam dos pressupostos do ECA. Uma solução para esse problema seria
viabilizar a capacitação continuada para esses trabalhadores e assessoria técnica. Mas o mais
importante num conselheiro, com certeza, é seu compromisso ético como agente político e
implementador de projetos na sua comunidade. O funcionamento do Conselho Tutelar está
atrelado ao Poder Executivo Municipal que é responsável pela infra-estrutura, funcionários e
a oferta de políticas sociais.(MENDES & MATOS, 2006)
Até agora, vimos a questão do ECA e sua repercussão nas políticas públicas. Mas é
inegável que, por trás da construção do Estatuto, há toda uma preocupação acerca do que
fazer diante de um mundo que cada vez mais produz desigualdades sociais que, por
conseqüência atinge negativamente a vida de crianças e adolescentes. Os processos de
exclusão na nossa sociedade são inerentes à lógica de um mundo neoliberal. É visível que as
políticas de inclusão (inserção social) são estratégias para integrar os excluídos ao sistema
que os exclui mantendo sob controle as tensões sociais decorrentes do desemprego e da falta
de perspectivas de um futuro. (RIBEIRO, 2006)
Há uma classe autoritária em nosso país que opta por acomodar os conflitos,
armando-se contra a violência por meio de seguranças privados, criando suas próprias
“comunidades” através de condomínios fechados. Bauman (2003) nos faz pensar nos muitos
significados da palavra comunidade entre eles o de uma comunidade individualista em que
indivíduos bem-aventurados criam pequenas cidadelas particulares na tentativa de escapar à
violência de um sistema criados por eles próprios.
24
Parece cada vez mais claro que o conforto de uma existência segura precisa ser
procurado por outros meios. A sociedade não oferece mais segurança, isso agora é papel de
cada indivíduo. Dessa maneira a defesa do lugar é sempre local, do bairro, mas chamado de
assunto comunitário pela associação de moradores. Encontram-se aí os condomínios
fechados. O abrigo que procuram chamam de “comunidade”, designando um lugar
seguro.(BAUMAN, 2003)
No Brasil, ao invés de investirmos mais em políticas governamentais que eliminem a
pobreza e propiciem dignidade às pessoas, é feito um alto investimento em indústria privada
de segurança. Para muitos, a solução é construir mais prisões ou mesmo instituir a pena de
morte. Ainda são idéias privatizar e militarizar o espaço público. Na pior das hipóteses e
tremendamente terrível alguns dizem: “Não tem solução, melhor acabar com a população das
favelas, todos marginais”. Soluções fatídicas e inescrupulosas. Afinal não há espaço para
todos no sistema em que vivemos, não há espaço para o “refugo humano” na expressão de
Bauman (2005) se dirigindo aos que não se encaixam na sociedade da informação, no mundo
que aí está.
Nesse sentido, Ribeiro (2006) alerta para a postura autoritária da classe dominante que
opta por acomodar os conflitos armando-se contra a violência sem a menor intenção de
procurar a essência e causa das tensões sociais tanto em relação ao ser humano quanto em
relação ao meio ambiente e manutenção da vida na Terra.
Nesse contexto a educação social está indissociável da exclusão. Tanto vista pela
lógica da política pública quanto através da iniciativa de instituições e/ou organizações
sociais, a educação social está voltada, pelo menos em princípio, para a formação e resgate da
cidadania. Traz uma visão crítica, mesmo que na superfície, da sociedade que produz as
condições materiais e sociais que levam a condição de vulnerabilidade e exclusão social à
adultos, jovens e crianças. Tem sua referência na Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS),
25
n. 8.742/1993, e no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), n. 8.069/1990 (RIBEIRO,
2006)
O educador social pode ser definido tanto como um militante nas políticas sociais, ou
como um funcionário que busca um trabalho assalariado, o que acaba dificultando o
estabelecimento de limites entre os diferentes educadores sociais que também podem ser
chamados de educadores populares ou de educão não - formal. Seu trabalho está dirigido
na maior parte das situações para indivíduos não integrados a instituições maiores, como a
família, escola e trabalho. Partindo de uma leitura mais socioistórica, a imagem do educador
social veio para substituir figuras de caráter mais repressivo e assistencial que a precederam.
(RIBEIRO, 2006)
Há que se ter cuidado para não se cair no discurso das instituições sociais de cunho
educacional como locais de confinamento de crianças e jovens, cuja missão implícita não é
educar e sim ter um papel de custódia e controle. Dessa maneira evitando que acessem ao
crime e incomodem as pessoas de bem. Solução residual para problemas complexos.
(BAUMAN, 2005)
As ações que buscam integração e ressocialização realizadas por instituições como
escola, abrigos e entidades assistenciais podem, muitas vezes, funcionar como dispositivo de
camuflagem dos problemas, sendo que as políticas de inserção se limitam a atender os
excluídos, predominando assim “propostas de assistência com componentes de moralização,
culpabilização e tutela” (NASCIMENTO & RIBEIRO, 2002, p.25)
A verdadeira educação social, uma educação pautada na busca da consciência social e
autonomia, deve ser potencializadora de alternativas a crianças e adolescentes
proporcionando seu protagonismo e apresentando novos caminhos e perspectivas de vida.
Finalmente, por estarmos num curso de psicologia perguntamo-nos o que teria a
psicologia a ver com as práticas sociais.
26
Práticas sociais e psicologia
O psicólogo social deve ser capaz nos trabalhos que realiza, dentro de uma leitura
social crítica, de proporcionar espaços de criticidade e dialogicidade. Dessa maneira não se
cooptando à lógica individual-liberalista que busca o encaixe dos indivíduos em estruturas
pré-estabelecidas. (GUARESCHI, 2002)
Quando se fala em abandono de crianças e adolescentes, não podemos nos restringir a
um olhar para os pais somente, mas para famílias e populações abandonadas pelo país, por
políticas públicas e práticas tecnicistas de muitos especialistas da área da infância e da
juventude. As macro e micropolíticas têm uma dimensão ético-política que atravessa os
vínculos familiares e que acaba num discurso científico e neutro. Isso ocorre quando essas
políticas são distanciadas da realidade e o foco é dado apenas no indivíduo(AYRES, 2002)
Nesse sentido, o psicólogo tem de ter um olhar para o todo compreendendo o
indivíduo como um ser socioistórico. Assim sendo, não pode haver um olhar neutro e sim um
olhar crítico sobre a realidade. Por isso, numa situação em que uma criança está trabalhando
ao invés de estudar, o profissional não pode entrar numa espécie de culpabilização e
responsabilização punitiva da família e sim, em conjunto, construir estratégias de superação e
conscientização.
Normalmente, é solicitado ao psicólogo, pelas instituições, uma demanda endereçada
ao profissional para exercer uma função de perito do individual, assumindo uma postura
pretensamente neutra, de forma a desvendar “mistérios, desejos e verdades intrínsecas ao
sujeito”. É uma demanda acolhida pela psicologia de uma forma geral e não apenas em
instituições como Juizado e remete tanto ao período do Código de Menores, quanto no
período pós implantação do ECA. (NASCIMENTO, 2002, p.205)
Cruz (1995) reflete sobre as práticas psicológicas direcionadas ao campo da infância
como práticas com concepções naturalistas do conhecimento, calcadas na objetividade e
27
neutralidade. Dessa maneira o discurso científico acaba produzindo “subjetividades
desqualificadas – famílias incompetentes e negligentes – colocando os sujeitos em uma
posição de tutela em relação ao conhecimento dos especialistas” (p.75).Há a tentativa de
construir uma infância que seja ideal, ou pelo menos desejável.
Partindo da concepção naturalista do conhecimento as famílias consideradas pelo
discurso científico como negligentes e incompetentes, ao sentirem-se incapazes de prover as
necessidades de seus filhos acabam precisando da tutela ou da assistência dos chamados
saberes científicos. Para haver compreensão dos problemas oriundos da área da infância é
necessário “integralidade de olhares e escutas, pois estes decorem da miséria de suas famílias
e do fracasso das políticas públicas de educação, saúde, trabalho, moradia e saneamento
básico” (CRUZ, 2005, p.76)
Guimarães (2002) atenta para a questão de que na área clínica de psicologia, o SUS
não disponibiliza quase nenhum atendimento. Para que as pessoas não fiquem excluídas
desses serviços, algumas clínicas disponibilizam atendimentos a custos mais acessíveis.
O modelo psicossocial crê que “as pessoas de uma determinada comunidade são os
principais protagonistas de seus saberes, de sua produção, de suas vicissitudes e da criação de
instrumentos capazes de auxiliar o desenvolvimento de sua realidade”(PEREIRA, 2001,
p.171)
Freitas (citado por CAMPOS, 2000) coloca que a psicologia social comunitária
privilegia o trabalho com grupos populares e colabora para a “formação da consciência crítica
e para a construção de uma identidade social e individual orientadas para preceitos
eticamente humanos nas pessoas e seu cotidiano” (p.73)
O psicólogo pode participar de diversas atividades dentro das entidades assistenciais,
tais como atendimento psicossocial a crianças, adolescentes, adultos e idosos, dentre outras.
Porém o que se vê na prática é que “em 28% das entidades que possuem esse profissional,
28
13% são remunerados, 14% são voluntários e 01% atuam como remunerado e voluntário,
portanto 72% das entidades não possuem atendimento psicológico”(GUIMARÃES, 2002,
p.73).
Há muito espaço para ser conquistado pela psicologia junto às políticas públicas tanto
em nível de formação acadêmica quanto profissional. Uma das questões importantes do
profissional da psicologia é que ele possa fazer as pessoas crescerem em consciência de
forma a se tornarem mais livres e responsáveis. A consciência leva à liberdade e assim à
responsabilidade. (GUARESCHI, 2004)
Encaminhamo-nos, então, para uma consideração final a respeito do que foi discutido
neste artigo. É mister atentar ao risco que se corre em criar um processo de acomodação
social na construção de políticas públicas apaziguantes do conflito. Não é à toa que os
movimentos sociais no país se encontram cada vez mais diluídos e em práticas sociais
individuais numa sociedade em que o que mais vale é “cada um por si e eu comigo mesmo”.
Fazer opção pela Educação Libertadora é comprometer-se com a transformação
social, através de um projeto político-pedagógico de resistência ao modelo vigente em nossa
sociedade. Em nível de sistema educacional e políticas públicas, é proporcionar espaço de
discussão, reflexão e participação de todos, direta ou indiretamente envolvidos no processo.
29
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31
SASE: REPRESENTAÇÕES, CONTRADIÇÕES E DESAFIOS
SASE: REPRESENTATIONS, CONTRADICTIONS AND CHALLENGES
Letícia Horn Oliveira*
Pedrinho Arcides Guareschi**
Afiliação institucional: Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
Endereço: Av. Ipiranga, 6681 – Partenon – Porto Alegre/RS – CEP: 90.619-900
Endereço eletrônico: leticiaholiveira@yahoo.com.br – guares[email protected]
Financiamento: CAPES
*Psicóloga, mestranda em Psicologia Social e da Personalidade pela PUCRS
**Professor pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da PUCRS, coordenador do
Grupo de Pesquisa Ideologia, Comunicação e Representações Sociais.
32
SASE: REPRESENTAÇÕES, CONTRADIÇÕES E DESAFIOS
Resumo: A proposta deste artigo é trazer os resultados de uma investigação realizada junto
ao Serviço de Apoio Socioeducativo (SASE). O estudo teve como propósito investigar as
representações, as contradições e os desafios da prática socioeducativa enquanto uma política
pública voltada a crianças e adolescentes na cidade de Porto Alegre. Para a coleta dos dados,
fez-se a análise de documentos relativos ao projeto do SASE; realizou-se entrevistas com
representante da FASC, com famílias, com educadores e com coordenações de SASE; e
observações participantes de um programa de SASE. Os resultados mostraram que existem
contradições entre o discurso presente nos documentos do SASE e suas práticas concretas
cotidianas. Por outro lado, a representação social do SASE é positiva para a comunidade,
sendo uma política pública que favorece a proteção e o protagonismo social de crianças e
adolescentes. Os desafios apresentados pelo SASE neste estudo devem ser enfrentados para
que o Serviço venha a ter,de fato, uma função socioeducativa libertadora e comprometida
com o social.
Palavras-chave: SASE (Serviço de Apoio Socioeducativo), Políticas Públicas e Educação
Social
SASE: REPRESENTATIONS, CONTRADICTIONS AND CHALLENGES
Abstract:The proposal of this article is to bring the results of an inquiry carried through next
to the Service of Educativesocial Support (SASE). The study it had as intention to investigate
the representations, the contradictions and the challenges of the practical educativesocial
while one public politics directed the children and adolescents in the city of Porto Alegre. For
the collection of the data, it became relative document analysis to the project of the SASE;
one became fullfilled interviews with representative of the FASC, families, educators and
coordination of SASE; e participant comments of one SASE program. The results had shown
that contradictions between the present speech in documents of the daily concrete practical
SASE exist and its. On the other hand, the social representation of the SASE is positive for
the community, being one public politics that favors the protection and the social
protagonism of children and adolescents. The challenges presented for the SASE in this study
must be faced so that the Service comes to have, in fact, a liberating and compromised
educativesocial function with the social one.
Key-words: SASE (Service of Educativesocial Support), Public Politics and Social
Education
33
SASE: REPRESENTAÇÕES, CONTRADIÇÕES E DESAFIOS
Este artigo apresenta os resultados empíricos da investigação que realizamos sobre as
práticas socioeducativas, mais especificamente sobre o programa SASE (Serviço de Apoio
Socioeducativo em Meio Aberto). Essa discussão se faz relevante devido ao SASE ser uma
política pública, um serviço voltado ao público infanto-juvenil, realizado em diversas
comunidades da cidade de Porto Alegre. É um serviço pouco estudado e realizado na sua
maioria por entidades não governamentais conveniadas com o poder público municipal. São
espaços de produção de saberes e conquistas populares.
As questões problematizantes que levaram a esta investigação e às quais pensamos
ter conseguido algumas respostas iniciais foram: qual a representação social do SASE
enquanto política pública na comunidade; quais as contradições entre o projeto e sua prática
cotidiana; quais os desafios de uma educação popular libertadora; finalmente, qual a
repercussão do SASE na vida das crianças, adolescentes e famílias.
A fim de coletar informações para a realização deste estudo empírico foram
entrevistados cinco representantes de famílias com filhos matriculados no SASE, quatro
educadores sociais de SASE, um coordenador de SASE, uma representante da CRB
(Coordenação da Rede Básica da Fundação de Assistência Social e Cidadania) e um
representante do Fórum de SASE (organização da sociedade civil) e também coordenador de
SASE, totalizando doze entrevistas. As entrevistas foram semi-estruturadas de forma a dar
liberdade ao discurso dos participantes. Foram ainda analisados os documentos relativos ao
“projeto” do SASE bem como observação - participante de um serviço de SASE conveniado
à FASC, que atende noventa crianças e adolescentes.
34
A partir da análise temática das entrevistas realizadas, chegamos a três grandes temas
com os quais trabalharemos neste texto. Eles se constituem nos achados de nossa
investigação: a) Representações sociais do SASE na comunidade b) As contradições entre o
projeto e a prática; c) Desafios que o SASE apresenta.
Por meio de uma discussão entre o projeto e sua prática, pretendemos trazer
elucidações acerca dessas temáticas. Acreditamos na importância central do discurso na
construção da vida social. Uma preocupação com o discurso em si mesmo através de uma
linguagem vista como construtiva e construída, sendo o discurso uma forma de ação. A
medida em que discutimos cada questão de análise, realizamos inserções dodiscurso” dos
entrevistados neste estudo. (JOVCHELOVITCH e BAUER, 2002).
O objetivo geral do SASE segundo o “projeto” do qual foi constituído é garantir em
consonância com o ECA e a LOAS, o atendimento em Regime de Apoio Socioeducativo em
Meio Aberto, às crianças e adolescentes com direitos ameaçados ou violados, visando à
proteção integral e exercício efetivo da cidadania.
O projeto do SASE foi elaborado por equipe técnica da Fundação de Assistência
Social e Cidadania (FASC) na cidade de Porto Alegre, tendo sua origem em suas lutas
populares. Neste estudo foram analisadas versões do projeto escrito no ano de 1997 pela
extinta FESC (Fundação de Educação Social e Comunitária), reescrito em 1999 e em 2004
coletados junto à Coordenação da Rede Básica (CRB) / Equipe da Infância e Juventude da
FASC.São documentos que visam a normatizar as práticas do Serviço de Apoio
Socioeducativo e que servem de referência na aplicação dos serviços. Desde sua construção e
reedições posteriores o projeto do SASE não apresentou grandes mudanças, tendo pequenas
alterações.
35
Começaremos então pela contextualização do programa SASE na cidade de Porto
Alegre.
Contextualizando o Programa SASE
A Rede de Assistência Social da cidade de Porto Alegre envolve programas e serviços
realizados pela Fundação de Assistência Social e Cidadania (FASC), órgão responsável pelas
políticas sociais do município. A FASC desenvolve a supervisão das atividades executadas
por entidades não-governamentais conveniadas, com vistas a proporcionar atendimento
integral às demandas dos grupos sociais em situação de risco. A Rede está dividida em duas
estruturas denominadas de Rede Básica e Rede de Serviços Especializados.(WAISELFISZ,
2004)
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e a Lei Orgânica da Assistência Social
(LOAS) surgem para contemplar e legitimar a necessidade de implantação de serviços que
atendam crianças e adolescentes, de sete a quatorze anos, no turno inverso ao da escola,
assegurando-lhes proteção e apoio para o desenvolvimento em conjunto com a família, escola
e comunidade na perspectiva da intercomplementariedade de propósitos e ações. Em 1995,
constituiu-se, no município de Porto Alegre, uma parceria entre governo municipal e
organizações não-governamentais para execução do Projeto “Extraclasse”. Inicialmente
voltado para o público de sete a doze anos, foi ampliado para o atendimento até os quatorze
anos. Para iniciar a execução do Serviço de Apoio Socioeducativo, na Rede Conveniada,
constituiu-se uma comissão (Fundação de Educação Social e Comunitária/ Assessoria
Técnica, Lar São José, Círculo de Pais e Mestres São Francisco, Ordem Sagrada Imaculada
Coração de Maria e Casa de Nazaré) a qual tinha como objetivo elaborar subsídio teórico
para implantação do referido serviço. Um serviço que tivesse uma diretriz para além do
reforço escolar, significando um serviço de proteção integral. (Projeto SASE,1997)
36
Em 1998, os recursos financeiros do Orçamento Municipal de Porto Alegre para
subvenções sociais passaram a compor o Orçamento do Fundo Municipal de Assistência
Social e as renovações deram-se a partir das deliberações do Conselho Municipal de
Assistência Social em consonância com o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do
Adolescente. Ou seja, a ampliação de convênios ocorre a partir da priorização deste serviço
no Orçamento Participativo. Nesse ano, ainda, houve a avaliação das instituições para
conveniamento, do Serviço de Apoio Socioeducativo, nas regiões Nordeste, Glória e
Extremo-Sul, totalizando quarenta e três convênios. Nos anos subseqüentes, novos convênios
foram realizados. (Projeto SASE,1999)
No ano de 2006, conforme dados colhidos junto a assessoria técnica da FASC, havia
em torno de oitenta SASES em regime de convênio, mais os centros regionais de assistência
social (rede própria) contando com dez programas de SASE. Como todos os serviços foram
crescendo em Porto Alegre via O.P (Orçamento Participativo),as demandas de SASE também
se deram via O.P, através da demanda de assistência de cada região e priorização de cada
região. Dessa maneira o há ampliação de serviços de SASE via índices de vulnerabilidade
ou vazios de atendimento. A partir da atual administração municipal, o programa SASE se
transformou numa ação do programa “Bem-me-quer” (que é um programa do governo) que
tem como foco a proteção e o atendimento à família: “Com esse novo modelo, o objetivo é
que se possa olhar a cidade como um todo e não só por regiões. Mas esse modelo já está no
segundo ano de gestão e as demandas ainda ficam vinculadas às demandas do O.P. No
interior do Estado se dá muito mais sobre rede conveniada. São poucos os municípios que
têm condições de manter o SASE próprio”.(S.representante da CRB/ FASC)
A LOAS (Lei Orgânica da Assistência Social) pressupõe Estado e sociedade civil
numa relação de execução de políticas públicas(ainda que a responsabilidade seja de um
comando único que é do gestor da política de assistência social do município), até porque, o
37
conveniamento recebe recursos públicos. O convênio pressupõe que a entidade passe a
executar uma política pública, pois recebe recursos do Estado: “Não pode ser cobrado dos
usuários, é uma política pra quem dela precisar. Entre conveniados e próprios deve haver
em torno de noventa (Porto Alegre). O nosso mapeamento se dá em cima da CMDCA
(Conselho Municipal dos Direitos da Criança e o Adolescente), aqueles que não são
conveniados não temos acesso, mas 90% dos SASES são conveniados” (S. representante
CRB/FASC)
Até o ano de 2003 existia um projeto para serviços próprios e outro para os serviços
conveniados
2
. Existiam dois projetos com duas coordenações diferentes.Ainda que as
diretrizes gerais fossem as mesmas, a metodologia era diferenciada. Ao final de 2003, com o
novo reordenamento institucional da FASC, viu-se a necessidade de constituir um projeto
único. Mas ainda existem diferenças consideráveis, pois os serviços de SASE nas entidades
conveniadas já existiam antes desse reordenamento e o seu funcionamento está atrelado à
questão dos recursos: “Por exemplo, nos serviços próprios a FASC tem serviços técnicos, de
educação física, pedagogos e vários oficineiros culturais... No serviço conveniado, tem um
educador social como referência e outras atividades como complementares e esse é um
diferencial bastante importante... A gente vem pensando numa avaliação mais profunda do
programa SASE...Por não haver um monitoramento e acompanhamento sistemático do
programa (SASE) como um todo no que diz respeito a impacto e efetividade, a gente não tem
2
Serviços conveniados são aqueles que recebem uma verba da Fasc para executar o programa SASE. Na sua
estrutura funcional devem ter necessariamente uma equipe composta por um coordenador, um educador por
turno (para grupos de até 25 crianças), oficineiros culturais, pessoal de apoio para secretaria, monitoria, cozinha
e serviços gerais. Nos serviços próprios (centros regionais próprios da Fasc) a equipe de SASE é
multidisciplinar dispondo de pedagogo, assistente social, psicólogo (a), professor(a) de educação física,
técnico(a) em cultura ou oficineiro(a) cultural, instrutor (a) ou oficineiro(a) de trabalho educativo e pessoal de
apoio para secretaria, monitoria, cozinha e serviços gerais, além de estagiários nas áreas afins
.
38
como dizer qual modelo é melhor, a gente faz observações a partir da questão empírica que
se faz”(S. representante CRB/ FASC)
Enquanto política pública o SASE possui práticas diferenciadas a começar por sua
execução. Na rede própria da FASC, na qual se encontra a minoria dos serviços de SASE o
atendimento é em caráter multidisciplinar (pedagogo, psicólogo, assistente social, educador
físico, dentre outros). Na rede conveniada, em que se encontram a maioria dos serviços de
SASE os atendimentos com psicólogo se restringem a entidades que possuem mantenedora
que lhes dê subsídios, pois o convênio com a política pública não cobre atendimento em
caráter multidisciplinar.
A heterogeneidade da rede conveniada acaba interferindo na heterogeneidade do
programa. Por exemplo, as entidades menores com menos acesso a recursos só conseguem
garantir alguns educadores e oficinas culturais voluntárias; já as entidades maiores que tem
outras fontes de recurso, como as religiosas, conseguem garantir maior número de atividades:
“Isso é a realidade...Nos espaços próprios da FASC há uma equipe multidisciplinar com
técnicos e psicóloga, pedagogo. Nos espaços conveniados o mínimo exigido é um educador
social de nível médio e as oficinas podem se dar de modo complementar(...)Como as
entidades conveniam serviços, elas acabam tendo que dar conta de uma estrutura para
aquele serviço então a gestão se dá de forma pontual sem ter muita articulação com outros.
O que já é diferente nos serviços próprios onde os técnicos são os mesmos que atendem as
famílias.Então, não tem uniformidade na execução”( S. representante CRB/ FASC)
Segundo Guimarães (2002), a proposta da assistência social, enquanto política pública
e tendo o seu funcionamento em rede, pressupõe conceber o serviço como uma forma de
enfrentamento às questões sociais estando integrado tanto às políticas, como a própria
comunidade e na relação com as outras entidades. A LOAS pressupõe a assistência como um
direito público que necessita de entidades que a realizem e conselhos municipais que a
39
fiscalizem. Seu propósito é romper com as instituições meramente filantrópicas e particulares
que têm histórico de realizar um atendimento espontâneo e isolado. Segundo os propósitos
das LOAS, os beneficiários são todas as pessoas que possuem algum tipo de dificuldade para
manter a si e sua família (artigo 3º LOAS).
As entidades sociais em geral se caracterizam por atendimento diversificado,
atendendo a criança e o adolescente ao mesmo tempo em que atendem a família. Isso é sinal
de que elas compreendem os segmentos de forma isolada e demonstram a necessidade de um
atendimento integrado, contemplando todos os membros do núcleo de origem
(GUIMARÃES, 2002).
Neste estudo nos atemos à Rede de Assistência Básica que abrange os serviços que
tem em seu propósito estar presentes em todas as comunidades. São nove centros regionais e
treze módulos que realizam os atendimentos prioritários e dão a cobertura geográfica às
populações atendidas, de forma a descentralizar os serviços sociais no nível municipal. A
Rede Básica abrange os serviços de apoio à família e o Serviço de Apoio Socioeducativo em
Meio Aberto e Trabalho Educativo (público adolescente).
O SASE voltado a crianças e adolescentes de sete a quatorze anos engloba, no seu
projeto, acompanhamento psicológico, social e pedagógico em turno alternado ao da escola,
propiciando proteção integral, além de contribuir para o desenvolvimento afetivo e social. O
Trabalho Educativo voltado a adolescentes de quatorze a dezoito anos também é contemplado
pelo Programa de Atendimento Socioeducativo em Meio Aberto, mas não é foco central neste
estudo.
O projeto do SASE é definido por equipe técnica da FASC e tem etapas
metodológicas que são o ingresso, acolhimento, conhecimento, acompanhamento, vínculo,
participação, construção coletiva e desligamento.
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O SASE, no seu projeto tem alguns objetivos específicos direcionados às crianças e
adolescentes: proporcionar conteúdos e vivências que levem em conta o exercício de sua
iniciativa, de sua liberdade, de sua participação e de sua capacidade de comprometimento
(responsabilidade) consigo mesmo e com os outros, no resgate e construção da consciência
crítica de sua realidade pessoal e social; contribuir na construção de um projeto de vida, que
respeite a sua trajetória histórico-cultural e resgate a capacidade de sonhar e a identidade
pessoal e comunitária das crianças e adolescentes; possibilitar o confronto de argumentos e
favorecer o desenvolvimento cognitivo e o aprendizado da convivência e da colaboração
entre os diferentes grupos etários; contribuir para o ingresso, retorno, permanência e sucesso
na escola, mantendo vínculo e articulação contínua com a rede formal de ensino; inserir as
crianças, adolescentes e suas famílias em programas e serviços da Rede de Atendimento.
Com as famílias tem como objetivo estimular o envolvimento,a integração e a
participação da família nas ações do Serviço de Apoio Socioeducativo, para que esta, como
principal agente de proteção, atue no sentido de resguardar e garantir os direitos fundamentais
das crianças e adolescentes.
Nas rotinas do SASE, segundo o projeto, são consideradas como importantes
atividades assistemáticas tais como: passeios e visitas com caráter educativo, cultural e
recreativo; vivências fora da Instituição, em espetáculos culturais, museus, praças, parques,
feiras, exposições, entre outros, garantindo além da integração, o conhecimento e acesso a
outros espaços de aprendizagem e lazer.
No SASE em que este estudo foi realizado as crianças e adolescentes freqüentam
oficinas sistemáticas tais como: oficina de hip-hop, oficina de artes, oficina de dança gaúcha,
oficina pedagógica, informática, esporte e recreação. As oficinas são divididas entre os dias
da semana, de segunda a sexta. O SASE trabalha nos turnos matutinos e vespertinos. As
crianças e adolescentes freqüentam o Serviço no turno inverso ao da escola. São cinco
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educadores acompanhando o SASE e eles se revezam entre os turnos de atendimento. As
crianças e adolescentes tem acompanhamento psicológico uma vez por semana na própria
instituição, assim como acompanhamento das situações familiares junto ao serviço social da
instituição (nesse caso desde que inseridas em programas sociais, cuja a responsabilidade
pelo acompanhamento seja da assistente social da instituição). Sempre que possível,
freqüentam atividades assistemáticas fora da instituição tais como: passeio ao zoológico,
museu, parque aquático, teatro, entre outros.
Começaremos agora a discutir o primeiro eixo de análise deste estudo, trazendo
questões relativas à representação social do SASE para a comunidade.
Representações sociais do SASE
As representações sociais (RS) buscam os modos de conhecimento que surgem e se
legitimam na conversação interpessoal cotidiana e objetivam compreender e controlar a
realidade social (saberes, senso comum, explicações populares). As representações sociais
funcionam como mediações, pois não se centram nem em indivíduos isolados, nem numa
estrutura, como um espaço abstrato, são processos de mediação(MOSCOVICI, 2003).
A representação “é uma estrutura de mediação entre o sujeito-outro, sujeito-objeto”
(JOVCHELOVITCH, 2002 p.6). Sendo assim, ela se constitui enquanto um trabalho de ação
comunicativa que liga sujeitos a outros sujeitos e ao objeto-mundo. O trabalho comunicativo
da representação produz símbolos objetivando a capacidade de dar sentido e significar. A
representação é construída por diversas dimensões como a epistemológica, ontológica,
histórica, social, cultural e psicológica.
Na psicologia social de Moscovici (2003, p.28) é “através dos intercâmbios
comunicativos que as representações sociais são estruturadas e transformadas”. O poder da
representação reside na habilidade de significar, dar sentido, e perpetuar-se, permanecer na
cultura. Nossas mentes são efeitos de condicionamentos anteriores que são impostos por
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representações, linguagem e cultura. Nós só podemos ver o que “as convenções subjacentes
nos permitem ver e nós permanecemos inconscientes dessas convenções” (p.35).
A finalidade de todas as representações é tornar familiar algo não-familiar. A
dinâmica das relações é uma dinâmica de familiarização em que os “objetos, pessoas e
acontecimentos são percebidos e compreendidos em relação a prévios encontros e
paradigmas” (MOSCOVICI, 2003, p.55). As representações sociais podem ser
compreendidas como “um conhecimento do senso comum, socialmente construído e
socialmente compartilhado”(...)estruturas simbólicas contraditórias, móveis,
mutáveis”(GUARESCHI, 2003,p.14)
Moscovici (2003) refere ainda que a representação social é sempre uma produção
grupal, não podendo assim ser reduzida às formulações individuais.Em linhas gerais, fazer
parte de um grupo significa compartilhar com ele representações sociais que orientam
atitudes, comportamentos e opiniões. Neste sentido propõe que as representações são
construções sociais compartilhadas. Assim, em pesquisas empíricas, aquilo que define um
grupo social a ser investigado seriam as representações por eles compartilhadas, ou seja,
aquilo que só será apreendido no final do trabalho.
A proposta levantada por esta categoria questionando o que é o SASE para cada um
foi tentar compreender como os participantes do estudo percebem o SASE no seu todo.
O SASE aqui é visto como um espaço de socialização tanto para os educandos quanto
para as famílias:“É um espaço que todas as crianças deveriam ter, independente de ser
excluída ou não...É um trabalho de socialização importantíssimo, porque é um espaço que a
criança dentro da sala de aula na escola não tem”( C. educadora de SASE e também
professora de escola pública). Aqui a questão da exclusão é questionada, no sentido de que o
43
espaço do SASE deveria ser um espaço de todas as crianças e não condicionado a uma
situação de exclusão social.
O SASE também é visto como um último recurso de resgate da criança e adolescente,
como um serviço que vem a superar a negligência de outras instituições sociais, tais como a
família e a escola.“Tem que trabalhar o que a escola e a família não trabalham. Se o SASE
não enxergar essa criança ninguém mais enxerga.” (R. educadora de SASE.)
O SASE é visto como um espaço de escuta, que cria vínculo:“A gente vê que é no
SASE o lugar que eles mais têm freqüência na chamada, porque aqui dentro a gente escuta
eles, deixamos que eles sejam crianças e adolescentes, porque em casa não tem esse espaço
de escuta, lazer e carinho”.( S.educadora de SASE)
Ainda dentro da perspectiva do vínculo, o que diferencia o SASE de outras
instituições: “O vínculo é a base de tudo. Esse é eixo central da diferença do SASE pra
escola, é o vínculo que o trabalho de SASE proporciona entre o educador e aluno. Se a gente
hoje parasse pra perguntar às crianças o que elas preferem, escola ou SASE? A resposta
unânime seria: o SASE. Hoje uma escola integral não superaria o trabalho do SASE e a
importância que o Serviço tem” (L. representante da coordenação do Fórum de SASE e
coordenador de SASE)
Pelas famílias, é visto como uma porta de acesso para outros serviços e
oportunidades:“Eu tô aprendendo com eles aqui, através do T.(filho) posso conversar com a
psicóloga(...)Agora tô fazendo curso de informática aqui no Centro Social (S.Mãe de um
educando de SASE). Ainda dentro dessa perspectiva:”A gente percebe que nas reuniões os
pais querem conversar com a gente, alguns dizem:- dá uma olhada no fulano que eu não
tenho tempo de cobrar o tema (escola) essas coisas...” ( C. educadora de SASE)
Graças à configuração do serviço de SASE e ao grau de envolvimento com crianças e
adolescentes, o educador tem de ter uma atitude para além do profissional, alguém
44
comprometido com a causa social:“Hoje em dia ninguém quer abraçar essa causa. Primeiro
porque mesmo com convênio, o salário é pouco, a incomodação é grande, só lida com
tristeza, com problema, é a questão da doação. Para trabalhar aqui tem que realmente te
identificar. Por isso é o que eu dizia que um professor daqui trabalha em qualquer lugar,
mas um professor de escola particular não. Tu tens que estar muito preparado
psicologicamente e internamente bem resolvido, pois tu vai lidar com problemas. Como é
que tu vai dizer pra uma criança não fumar se tu fuma? Como é que tu vai dizer para uma
mãe que sofre violência que ela tem que procurar recursos e se ajudar, se tu vives violência?
Hoje não se faz uma avaliação com o funcionário para ver se ele está bem, tu é julgado só
pelas tuas ações, mas não há uma avaliação do que está acontecendo com esse
funcionário.(M. educador de SASE)
O SASE é visto como um espaço de proteção pelas famílias: “(...)ajudar as famílias,
as crianças a não ficar na rua e não ter problemas com drogas. O SASE ajuda muito nesse
sentido”( A. Pai de dois educandos de SASE)...“A gente percebe que as crianças podem
faltar ( os pais deixam) à escola, a tudo, menos ao SASE (...)” ( C. educadora de SASE)
Ainda na perspectiva da proteção:“Pra mim é uma creche em meio turno, para as
mães que têm que trabalhar ter onde deixar as crianças. Antes de a M.(filha) entrar aqui ela
ficava sozinha em casa e quase colocou fogo dentro de casa. Por mais que eu pedisse pra ela
ficar em casa, às vezes ela saía e ficava na casa de vizinhas, mentia. Hoje ela é caprichosa,
mais cuidadosa. Nem creche tem psicóloga e aqui tem, é muito bom(...)aqui tem apoio
psicológico porque muitas crianças que tão aqui não é só por questão financeira e sim
emocional também. Porque muitos pais são drogados , outros cadeieiros ( cadeia), outros
vagabundos mesmo. Tem crianças que tem problemas piores que dos meus filhos”.(E. Mãe de
dois educandos de SASE)
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Para as famílias, a instituição “escola” não é solidária à política de trabalho do
SASE:A professora do A.(filho) acha que eu deveria tirar ele do SASE porque no entender
dela ele não tá progredindo e sim regredindo, porque ele bagunça mais e não aprende nada
e vai à escola só pra bagunçar, só quer colocar apelido. Já com o A. ( filho) nunca tive
problema no colégio em relação a isso porque foi depois que ele entrou pro SASE que
começou a melhorar na escola né.” (C.Mãe de dois educandos de SASE)
Assim também coloca uma mãe: “A professora da M. sempre reclama que ela dorme
na sala de aula pois fica muito cansada do SASE. Eu não concordo porque pelo que eu saiba
as atividades do SASE nos dias da semana são leves. Além do mais eu tenho uma vizinha que
a filha dela não tá em programa e fica dormindo até 11h00min da manhã, só vai pra escola à
tarde, não cria rotina nenhuma, nem para alimentação(E.Mãe de dois educandos de SASE)
Há um preconceito das escolas em relação ao SASE: “Um terço percebe como uma
má influência para as crianças, dizendo: ah, naquele SASE só tem maloqueiro, só aprendem
coisa ruim lá. Em algumas escolas, principalmente na do meu filho a professora não aceita,
por ela ele não tava aqui, porque ela diz que ele é mal influenciado. Mas não é má influência
do SASE e sim dos coleguinhas. Na semana passada teve dois dias que ele disse que ía pro
SASE mas ficou passeando de ônibus pelo Leopoldina (bairro).A má influência é dentro de
casa e não do programa , o SASE tá aí pra incentivar, a gente é bem recebido e a ajuda
chega até a criança (E.Mãe de dois educandos de SASE)
O SASE é para proteção e não para prevenção e isso é percebido como negativo: “A
maioria dos que vêm procurar o SASE e que estão fora dos critérios buscam a prevenção e o
SASE não é pra prevenção e sim proteção. E aí vem aquela pergunta:- eu preciso deixar
acontecer um problema com a criança pra ela poder entrar no SASE?”( R.coordenador de
SASE.)...“Eu acho que cada SASE deveria ter uma equipe para trabalhar a família. Hoje se
trabalha a conseqüência e não a causa e isso , muitas vezes, é tapar o sol com a peneira.”
46
(R. coordenador de SASE). Aqui a prevenção é entendida no sentido de que todas as crianças
deveriam ter direito a freqüentar um espaço como o SASE no turno inverso ao da escola e
não apenas crianças em situação de risco social, tais como: miséria, violência doméstica,
negligência e trabalho infantil.
Há falta de compreensão de algumas famílias em relação ao SASE como um serviço
de proteção:“Eu acho que a maioria das famílias valoriza muito isso daqui, nas reuniões de
pais a gente tem uma boa participação, mas tem alguns pais que as crianças estão aqui
somente porque foram encaminhadas pelo Conselho Tutelar então os pais não percebem isso
aqui como um serviço de proteção pro seu filho. Preferem que eles estejam nas ruas pedindo,
pois assim estarão ganhando e levando dinheiro para casa(...)Agora, tem famílias que não
aceitam que tu chames pra conversar, que é perda de tempo.As famílias que a gente tem
dificuldade pra trabalhar são as que mais precisam estar aqui(...)Porque aqui muita gente
procura e nem todos que procuram têm necessidade de estar aqui, mesmo assim eles
procuram porque acham importante, porque tem uma preocupação de que o filho vai fazer
algo errado no turno inverso ao da escola ficando na rua ou em casa, então eu acho que a
comunidade valoriza... Por outro lado, tem gente que percebe assim:- ah o SASE só atende
filho de marginal...Isso acontece porque não conseguem enxergar o trabalho que é feito:- ah
porque meu filho não tá aí então vou me revoltar, eu trabalho e meu filho não tá aí. e o filho
do bandido tá aí... Não entendem que o trabalho do SASE é justamente pra essas crianças. Se
o pai tá preso, o que vai ser dessa criança?Dizem:- porque não aceitam meu filho( normal)e
de marginal sim?( R. educadora de SASE)
Há um desconhecimento do serviço de SASE na sociedade e nos espaços
institucionais:“Eu acho que não tem hoje em dia alguém preocupado em saber como é o
SASE e divulgar esse trabalho. Material específico pro SASE não existe. Há pouca gente
preocupada em estudar isso. As pessoas na universidade não conhecem muito a educação
47
social(...)Conhecer as crianças e sua realidade é uma coisa nova, o afeto é diferente.
(S.educadora de SASE)... “Eu acho que há uma desinformação na escola sobre o que é o
SASE e o que é que o SASE exige. Porque a maioria das pessoas não conhece o serviço nem
mesmo na Secretaria da Educação, pois quando eu fiz entrevista pra entrar no magistério
com a psicóloga ano passado,ela não sabia o que era o SASE. Com várias pessoas que eu
falei não sabem o que é SASE(C.educadora de SASE e professora de escola pública)
Há um consenso de que a idade de atendimento das crianças e adolescentes do SASE
deveria ser ampliada:“Eu acho que o projeto do governo é bem interessante. Mas o problema
é que não tem seguimento, pára nos 14 anos. Talvez em uma das idades que ele mais precisa,
acaba sendo desassistido. Acho que se fosse até os 18 anos teria um resultado muito
maior.(G.educador de SASE). Assim também acrescenta uma mãe:“Na verdade eu acho que
tinha que ampliar a idade de ficar no SASE até os 18 porque aí os meninos íam pro quartel e
as meninas iam trabalhar né”.( N.Mãe de quatro educandos de SASE)
Ainda sobre a questão da permanência até os quatorze anos de idade:”Se a criança
sai e fica pelas ruas é um prato cheio pros traficantes. Mas, se no tempo que ela ficou
conseguimos plantar uma semente, já é alguma coisa.Seria sim interessante que o SASE
fosse até os 16 anos, pois depois dessa idade o jovem já pode começar a pensar em trabalho,
em se profissionalizar”.( R. coordenador de SASE)
Analisando o projeto escrito do SASE e sua prática cotidiana foram observadas
algumas contradições entre discurso e prática.
Contradições entre o projeto e a prática
O projeto do SASE tem como objetivo conceber o papel de educador como integrante
do processo, com função articuladora e mediadora, a fim de ajudar a criança e adolescente na
construção da autonomia. Também tem como objetivo garantir aos educadores espaços e
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instrumentais para formação continuada na perspectiva da evolução de cada profissional
enquanto pessoa humana, capaz de relações saudáveis, promotoras de desenvolvimento e
emancipação, superando o mero ativismo na construção da práxis. Realizar estudos e
pesquisas na área de apoio socioeducativo, em articulação com outras instituições,
produzindo conhecimento e elaborando propostas alternativas de atendimento à infância e
adolescência ( Projeto SASE, 1997,1999,2004). Mas o que se vê na prática é uma contradição
entre o discurso do projeto e a prática: “Eu acho que as capacitações aos educadores são
muito pobres”(M. educador de SASE). Dessa maneira verifica-se pouco investimento em
aperfeiçoamento de pessoal de SASE. A entidade que tem condições e vontade política para
tal desenvolve capacitações, mas com verbas externas, de mantenedoras. Na observação
realizada do Serviço se verificou pouca articulação entre as entidades de SASE. As
discussões para melhoria do atendimento se dão dentro da instituição e pouco material escrito
é produzido acerca disso. Para a existência de uma prática educativa autêntica é necessário
formação científica séria e uma clareza política dos educadores. O afeto deve ser misturado à
capacidade técnica a serviço da mudança. (FREIRE, 1996)
O acompanhamento escolar das crianças e adolescentes do SASE, segundo o projeto,
deve ser de quatro horas mensais concretizando-se por meio de visitas às escolas
freqüentadas pelos participantes do serviço. Isso se faz necessário pois é um material
importante para ser discutido nas reuniões da Rede de Atendimento da região a fim de somar
esforços e definir em conjunto estratégias para a superação das dificuldades das crianças,dos
adolescentes e de suas famílias no processo de desenvolvimento. Além disso, é preciso
sistematicamente ter dados sobre a freqüência dos usuários, especialmente em situações de
evasão da escola ou do SASE. A intenção do acompanhamento é proporcionar mais atenção à
criança e ao adolescente no seu processo de aprendizagem, influenciando e alterando sua
auto-estima e competências escolar: “A idéia é que o SASE trabalhe vinculado à escola, pois
49
proteção integral pressupõe isso, e que a presença no SASE seja temporária...o SASE é um
programa de proteção enquanto a escola é um direito assegurado no sentido de garantia de
desenvolvimento(...)A criança em situação de vulnerabilidade social vem de uma família em
vulnerabilidade social que não reconhece o papel da escola como um todo(...)Tem criança
que prefere ficar o dia todo no SASE ao invés de ir pra escola” (S.representante da
CRB/FASC)
Para haver proteção integral é necessário que a rede esteja integrada, principalmente a
rede escolar, mas na prática o que se observa é uma dificuldade na comunicação escola-
SASE, uma resistência à própria metodologia do SASE e por vezes, um processo de
culpabilização do serviço pelo fracasso escolar de crianças. Essa questão está bem clara na
fala de uma educadora :(...) a escola tradicional tem uma cultura de não se envolver com a
criança...(...)No SASE a gente se envolve e muito com o problema da criança, eu já fui
procurada na escola em que trabalho por psicóloga e psicopedagoga do SASE do Centro
Vida ( SASE da rede própria da FASC) e a psicóloga achou ótimo quando eu disse que era
educadora de SASE porque sabe que já estou acostumada com o ambiente. Eu vejo que as
professoras de escola tem a mania de dizer que a maioria das crianças de SASE têm índice
alto de reprovação, porque ficam lá no SASE brincando e não fazem o tema, o que não é
verdade” (C.educadora de SASE e também professora de escola pública da rede estadual de
ensino). De fato o que se pôde perceber na observação do SASE é que as crianças repetem de
ano por uma questão sociofamiliar complicada, por situações que o(a) professor(a) de escola
não está capacitado(a) para enfrentar. É um caminho fácil, mas sem resultado, colocar no
serviço de SASE ou na escola a culpa pelo fracasso escolar de um educando. Na verdade o
processo de culpabilização é por si algo que inviabiliza o processo dialógico (FREIRE,
1996). Por isso, a necessidade de maior diálogo entre a escola e SASE se faz presente para
que, numa ação conjunta, somem esforços na luta pela dignidade das crianças e adolescentes.
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Uma das regras para que a criança ou adolescente freqüente o SASE é a freqüência
escolar, ou seja, a matrícula na escola é condição básica para a participação no SASE:“A
escola é o lugar que ele (criança e adolescente) tem que ir porque senão o Conselho
(Tutelar) vai cobrar a família, mas ele vai de corpo presente só. Aqui a gente procura ter um
acompanhamento muito forte na questão escolar, não só no tema, mas no boletim também e
saber realmente se está indo na escola e se não, o porquê não, e tentar estar cada vez mais ir
detectando o porquê daquilo ali... Muitas vezes são crianças com baixa auto-estima, forte
necessidade de chamar a atenção, acabam sendo os mais bagunceiros, que mais incomodam,
são as crianças que mais precisam estar aqui.(M. educador de SASE)
Na observação do serviço de SASE também foi verificado situações em que as
crianças ficam às vezes mais de uma semana sem comparecer à escola. Algumas já repetentes
por excesso de faltas já na metade do ano. Em razão de o SASE ser um serviço de proteção
ocorre uma espécie de “fazer de conta que a criança está indo na escola, pois melhor estar no
SASE em um turno do que estar nas ruas o dia inteiro”. Muitas vezes cabe ao SASE
comunicar ao Conselho Tutelar de que a criança está infreqüente na escola para que o
Conselho intervenha junto à família. Assim coloca um pai: “Acho que deveria ter
comunicação para ver se eles tão indo ou na escola. Por exemplo, meu filho falta à escola
mas vem ao SASE. Prefere o SASE do que a escola. Ele faz que vai no colégio e quando vejo
ele tá em casa, aí converso com ele e tenho que levar pela mão. Aí depois pensam que são os
pais que não querem levar os filhos. Esses dias estavam falando na TV que criança tem que
ir para a escola. Falta comunicação da escola”( A.Pai de dois educandos de SASE).Ocorrem
situações , inclusive de os pais só deixarem os filhos irem ao SASE se tiverem certeza de que
foram para a escola no outro turno.Poder participar do SASE é para algumas crianças e
adolescentes uma premiação por bom comportamento escolar, tal é a dissociação entre os
dois tipos de instituição. Nessa questão é possível arriscar dizer que o SASE representa uma
51
política de proteção integral como preconiza o ECA. O Estatuto da Criança e do Adolescente
(2001) dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente. Para atender ao que prevê
o ECA, cabe as entidades de atendimento planejar e executar programas destinados a crianças
e adolescentes, visando à proteção integral.
No SASE em que foi realizado este estudo, é prática da coordenação encaminhar uma
ficha de freqüência das crianças e adolescentes matriculadas no SASE para a escola. Essa
atitude tem o intuito de estabelecer uma comunicação SASE- escola e assegurar que a criança
está freqüente no sistema escolar. Mas foi constatado que retorno do seu preenchimento pelas
escolas é mínimo.
A prática educativa libertadora se recusa ao ensino bancário. À escola cabe o dever de
“não só respeitar os saberes com que os educandos, sobretudo os das classes populares,
chegam a ela – saberes socialmente construídos na prática comunitária – mas também,
discutir a razão de ser de alguns desses saberes em relação com o ensino dos conteúdos”
(FREIRE, 1996,p.33) Quando isso não acontece, é inevitável que os alunos acabem se
desinteressando pelos estudos na escola. No SASE se observa uma aproximação com o
pensamento de Paulo Freire principalmente no que concerne a vinculação dos saberes
comunitários com as práticas cotidianas no Serviço. A aproximação com os assuntos da
comunidade é facilitada pela própria relação de vínculo educador-aluno.
O SASE é um serviço que tem como prioridade atender a criança e o adolescente por
algum tempo, até que a problemática apresentada no ingresso do educando cesse. Mas nem
sempre os critérios são respeitados e a conseqüência é que os usuários acabam ficando mais
tempo no serviço do que o previsto.
Os critérios de ingresso (segundo o projeto do SASE) exigem que as crianças e
adolescentes estejam na faixa etária dos sete aos quatorze anos, matriculadas em escolas da
rede pública de ensino do município de Porto Alegre e da região de abrangência de cada
52
Unidade Operacional. Ainda, que estejam em situação de ameaça ou violação de direitos
fundamentais, em situação de rua/na rua, vítimas de abuso e exploração sexual, inseridos
precoce e indevidamente no trabalho de âmbito doméstico, vítimas de violação de direitos
(violências institucionais, massivas ou sistemáticas) cujas famílias vivem em situação de
extrema pobreza e/ou exclusão social, excluídas dos serviços públicos, por discriminação ou
negligência. As situações são encaminhadas pelo Conselho Tutelar, Ministério Público e
Juizado da Infância e da Juventude, Serviço de Assistência Social e procura espontânea de
pais ou responsáveis.Assim coloca um coordenador de SASE:“Por exemplo, a coordenação
de um SASE onde não tenha assistente social e nem psicólogo, detectou que a criança
precisa de um acompanhamento psicológico...Ela encaminha para um órgão que trabalha
com isso.. Aí a família precisa conseguir vale - transporte pra tudo isso, pra conseguir
atendimento, entrar em fila para o atendimento psicológico. Por isso que a gente entende
que, ás vezes, as entidades não trabalham como deveriam ou acabam deixando o problema
como está. Tem gente que diz:- ah, fica difícil desligar tal criança da entidade. Mas será que
é difícil desligar ou é melhor trabalhar com quem a gente já conhece, que já tem vínculo, do
que todo ano fazer a reciclagem e analisar as situações das crianças e adolescentes. Avaliar
se continuam em situação de critério de SASE ou não e pegar um monte de problema novo. E
por que acontece isso? Porque tu não consegue dar conta de tudo, o teu salário não condiz.
Trabalhar no amor? Claro que tem que trabalhar no amor, mas o amor não enche barriga e
a maioria das pessoas que trabalham nas entidades tem famílias para sustentar”(L.
representante da coordenação do Fórum de SASE e coordenador de SASE)
Os critérios de ingresso não são respeitados em todos os espaços de SASE, o que
contraria o projeto:“Aqui as crianças só entram no SASE após ter sido feita a visita
(domiciliar). Em algumas entidades a visita é feita depois, aí é difícil avaliar(critério de
ingresso). Na outra entidade que trabalho há dificuldade também em relação ao espaço
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físico, são poucas peças, é sala de SASE e cozinha (...)Eu vejo que a gente faz uma avaliação
aqui das crianças, tem fila de espera grande e quando a gente vê que a vulnerabilidade foi
superada a gente dá vaga para outras crianças. Mas eu vejo que no outro SASE não é assim,
as crianças vão ficando sem muito critério... No início e no meio do ano há aqui uma
avaliação de cada caso e lá também... O problema é que lá a gente trabalha muito com
voluntários, aí não se pode exigir demais né... Nessa outra entidade que eu estou eu já
trabalhei lá um tempo atrás e saí por teimosia da coordenadora em aceitar idéias. Acabei
voltando por insistência dela e também porque uma educadora saiu de lá e falou na frente
das crianças que lá só tinha um monte de demônios, aí não dá né.(S.educadora de dois SASE
conveniados)
Algumas crianças e adolescentes são encaminhadas para freqüentar o SASE pelo
serviço de assistência social da região como um pré-requisito para que os responsáveis
recebam bolsa-auxílio. A assistência entende que a partir do momento que os filhos forem
assistidos por um serviço de proteção, a família terá condições de busca do auto-sustento:
“Às vezes as crianças não entendem o SASE como uma rede de proteção, até porque muitas
famílias estão no programa do governo(bolsas) né. E o que é que acontece?Elas colocam
uma imposição para a criança que para que a mãe receba aquela bolsa do governo, bolsa
escola e bolsa família, o filho tem que vir para o SASE. O que acontece é que a criança vem
forçada, a mãe obriga a mentir que não veio porque não pôde, quando na verdade não era
isso. Na verdade a criança foi com ela catar algo na rua ou ficou ajudando os irmãos
menores e a gente acaba sabendo a verdade pela criança... Eu acho positivo quando a
criança vê o SASE como um benefício pra ela e o lado negativo é quando ela vê pra ela como
uma imposição. Porque, às vezes, tu pensa que a criança estar dentro do SASE é proteção,
mas, ás vezes, é de vigilância a função. A criança diz:- eu só to aqui porque minha mãe
precisa receber a bolsa( C.educadora de SASE e professora de escola pública)
54
Estão previstos no projeto visitas domiciliares às famílias tanto na situação de
ingresso de novas crianças e adolescentes quanto na situação de seu desligamento. O
problema é que a verba de convênio, como apontado nas questões anteriormente
apresentadas, não oferece recursos para esse tipo de atividade. Conseqüentemente, o
atendimento também fica prejudicado:“ (...) A gente faz visita nas invasões, se expõe a
situações e não ganha insalubridade por isso ou difícil acesso. Sabemos que tem órgãos na
prefeitura, mesmo na Fasc , nas redes próprias (SASE) onde os profissionais ganham muito
mais e fazem menos do que as entidades ( conveniadas)fazem a nível de prestação de serviço
à comunidade. No final sempre estoura no mais fraco, na criança que tá em casa, que não tá
conseguindo vaga porque já estão todas ocupadas no SASE”( R. coordenador de SASE).
Outra questão apontada é uma espécie de “barganha” que alguns serviços
conveniados, principalmente se não há mantenedora subsidiadora, realizam com a
comunidade:“Muitas vezes quando o SASE é só conveniado depende muito da comunidade
onde ele está instalado aí tem que contentar a comunidade para poder receber ajuda, e
muitas vezes esse agradar a comunidade é feito através do privilegiar a matrícula de
crianças da comunidade no SASE, nem que não sejam critério. Aqui a gente tem a opção de
não fazer essa troca com a comunidade pois temos mantenedora . Então, podemos manter
crianças que realmente sejam critério, mas a gente sabe que tem muitos SASES que vivem
através da barganha. Se a entidade não consegue com projetos, de algum lugar tem que tirar
dinheiro pra sobreviver. Afora os baixíssimos salários, salário mínimo para um educador de
SASE. Como é que tu vai exigir qualificação dessa pessoa no atendimento às crianças e
adolescentes? Aqui na entidade, graças à mantenedora a gente pode exigir qualidade dos
educadores pois se pode pagar um salário condizente. Ma se é uma política pública deveria
ser igualitário pra todos( R. coordenador de SASE).Essa“barganha”é muitas vezes necessária
para se garantir a sobrevivência do Serviço nas comunidades.
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Umas das condições colocadas pelo projeto é que cada serviço de SASE atenda a um
mínimo de vinte e cinco alunos por turma:“Na verdade é por metro quadrado a medida que
se faz para alocar o numero de crianças. Aqui nós atendemos quinze por sala(...)eu
preferiria ter mais uma sala e mais um educador porque o tipo de trabalho que faz no SASE
exige atenção a cada criança. Cada criança é um caso... Eu sei que tem SASES que
trabalham vinte e cinco crianças por sala e eu não acho isso muito produtivo.De repente o
que tá faltando em casa pra criança e que tá faltando na escola, que é atenção, vai faltar
também no SASE com muitas crianças por sala.O ideal seriam oito a dez crianças para cada
educador, para que pudesse dar uma atenção especial a cada criança. Claro que na prática
isso é inviável por uma série de questões(...)Eu até acho que a FASC tinha que fazer uma
maior fiscalização. Claro que aí tem o seguinte: se tu trabalha em parceria não teria que ter
um órgão fiscalizando. Mas eu acredito que deveria ter alguém olhando quantos tu atende
dentro da sala.Essa avaliação é feita uma vez por ano.Mas não existe uma cobrança mais
severa. A FASC colabora, quando a gente tem que recorrer ao jurídico ela apóia, pois
respeita a meta de crianças por convênio né.(R.coordenador de SASE )
As questões relacionadas ao SASE até agora nos levam a pensar nos seus desafios
enquanto política pública, assunto que iremos discutir daqui para frente.
Desafios que o SASE apresenta
Como descrito no projeto, para a Rede Conveniada os instrumentos avaliativos são
utilizados anualmente no acompanhamento da execução do SASE e para indicar a
continuidade do atendimento à criança e ao adolescente, por meio da renovação do convênio
na instituição. Os indicadores e parâmetros fazem referência à adequação do Espaço Físico-
Estrutura Física, aos recursos Pedagógicos e Humanos, à Metodologia, à Rotina de
Atividades Diárias, ao Público atendido, à Alimentação, à Intercomplementariedade de ações
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entre instituições tais como a Família, a Escola e o Serviço de Apoio Socioeducativo e
Interfaces. A Avaliação deve ser sistemática e contínua e deve contar com a participação
efetiva de todos os envolvidos: pais, crianças, adolescentes, técnicos e educadores sociais,
comunidade.
No processo de avaliação se faz necessária a construção de indicadores que devem ser
em dois eixos, segundo o projeto: o de efetividade das ações que sinaliza o vigor do serviço
desenvolvido, a sua força política enquanto instrumento de transformação social; e o de
impacto e alcance social dos Serviços que se refere aos resultados e aos efeitos da ação
desenvolvida no Serviço de Apoio Socioeducativo.
Na prática, a avaliação não ocorre como o esperado, a começar pela questão do
projeto escrito de SASE que não é discutido a fundo com os educadores. Por mais que se diga
da importância de o educador social ter uma prática pedagógico-política a falha começa na
falta de participação nas políticas públicas:“O projeto do SASE eu tive contato através de
uma oficina no SASE com as normas e público alvo, mas vendo assim geral, não funciona.
Sobre o nosso público as atividades propostas tem a ver com o projeto, mas a maioria dos
programas não tem uma avaliação, fiscalização, assim como tudo no Brasil tem um projeto
lindo, maravilhoso, mas nem sempre o projeto é aplicado corretamente né... A gente tenta,
mas 100% nunca se alcança... Quando tá tudo bem parece que não precisa melhorar né” (R.
educadora de SASE)
Outra questão levantada pelos educadores é com relação à instabilidade na assessoria
técnica do SASE realizada pela FASC devido à troca freqüente de pessoal:“O problema é
que as pessoas na FASC trocam muito e muitas vezes as pessoas vinham aqui aprender com
a gente ao invés de ensinar.Às vezes chegava a aqui perguntando:- ah, mas como é que
funciona, como é que vocês fazem?Então toda a vez que mudava a gestão era a mesma coisa,
mudava a gestão que coordenava o SASE na FASC. Também tinha situações que a gente
57
esperava virem aqui pra trazer alguma solução... As pessoas que estão na cabeça sabem
muito menos que o pessoal que tá na base, na ponta trabalhando. Então no dia- a- dia a
gente tem que tentar resolver os problemas e não esperar que alguém venha e resolva(R.
educadora de SASE.)
Outro desafio encontrado pelo SASE é a questão do número de metas que não
contempla a demanda de crianças e adolescentes: “É de extrema importância (o SASE) até
porque o poder público não dá conta de fazer. As entidades civis estão cumprindo um papel
que deveria ser do poder público né.É um serviço (o SASE) extremamente necessário.
Deveriam ter mais SASES até pela quantidade de crianças que estão na lista de espera(...)Eu
acho o SASE um serviço extremamente necessário( R. coordenador de SASE). Ainda nessa
perspectiva: “Cada vez mais tu sente isso pela procura... Às vezes tu vê crianças que
precisam estar aqui, mas não tem como atender por falta de espaço e não adianta lotar a
sala de crianças, senão vira depósito, o educador não consegue trabalhar e pelo recurso
financeiro repassado não teria como. Falta investimentos na entidade, profissional” (R.
educadora de SASE)
Muitas vezes, a constatação dos Serviços de Apoio Socioeducativo é de que os
problemas “são empurrados com a barriga” e a intenção de transformação social, proteção e
educação integral de crianças e adolescentes fica comprometida por falta de apoio tanto da
família quanto da rede de apoio social:“Tem coisas que ficam só no papel, por exemplo, se
tem uma criança agredida, a gente se propõe a conversar com a mãe, levar pro Conselho,
essas coisas e às vezes empurra com a barriga porque depende de agentes externos né...
Pára ali e ninguém faz nada por ti, não tem mais o que fazer né e isso gera impotência...Às
vezes tu chama o pai, mãe, te expõe e pára por ali, pois ninguém mais assume, aí acaba
dificultando o trabalho... Chegou ao ponto de a gente receber bilhete de Conselheiro
(Tutelar) dizendo que pai de fulano (criança) é perigoso porque é traficante e tem medo de se
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envolver com ele, aí realmente a coisa não sai do pape... Mas o nosso trabalho a gente faz, a
rede é falha(C.educadora de SASE)
Acompanhando reuniões de educadores no SASE através da observação participante
percebemos que um dos desafios mais difíceis de superar é conseguir lidar com a própria
impotência profissional. Quando um adolescente se aproxima dos quatorze anos há uma
apreensão geral nos profissionais de SASE pela sensação de que haverá um desamparo
àquela criança ou adolescente com sua saída do serviço: “Hoje eu vejo que a gente perde
mais as meninas do que os meninos porque eu sou educador da turma dos adolescentes e eu
vejo que muitos deles saem com 14 anos e ficam desassistidos, as meninas
engravidam...Temos um menino que está preso por ser cúmplice num homicídio... Temos
mais de quatro meninas que são mães e às vezes a gente pergunta onde deixou a desejar e
isso me chateia bastante... Após a gente refletir se dá conta de que, na verdade, as meninas
vêem na gravidez uma forma de se sentirem importantes, vêem naquele menino- homem uma
figura de carinho e proteção que não tiveram, então a gente acaba aí encontrando uma
resposta, mas não concorda com isso...Mas a gente faz o que pode. Por outro lado já tive
alunos que chegaram:- bah sor (professor) não te escutei e olha o que deu,tive de
experimentar do erro pra me dar conta.Só que esse erro ocasionou uma criança né, e tomara
Deus que não seja mais uma criança de SASE né...Tudo leva a crer que daqui a alguns anos
os filhos delas entrem para o SASE”(M.educador de SASE). Nessa última frase: “ ... tomara
Deus que não seja mais uma criança de SASE...”, aparece uma desqualificação do próprio
trabalho do educador, uma idéia fatalista da história de vida de adolescentes com gravidez
precoce.
Outro desafio apresentado está relacionado à falta de participação política das
entidades sociais:“Percebe-se uma falta de engajamento político das entidades, pois mais da
metade delas não freqüentam reuniões dos fóruns representativos tais como, a Comissão
59
Regional de Assistência Social(CRAS) e o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do
Adolescente (CMDCA)” (L. representante da coordenação do Fórum de SASE e coordenador
de SASE)
A sensação de impotência é apaziguada por situações em que o trabalho em conjunto
consegue superar:“(...)Mas muitos alunos a gente vê um resultado satisfatório, muitos voltam
pra cá através dos cursos de informática, artesanato, padaria ( na entidade há outros
serviços à comunidade). Na verdade o projeto(SASE) é novo, tem só sete anos. Então, as
crianças que entraram com sete anos de idade estão saindo agora, apesar de muitas saírem
antes. Mas as crianças que ficaram um bom tempo aqui nós temos visto um bom resultado”
(M.educador de SASE)
Os educadores de SASE são denominados “educadores sociais” por seu caráter
instrutivo, mediador e de envolvimento humano com os educandos. Os educadores se
envolvem com as problemáticas das crianças e adolescentes na tentativa de minimizar ou
mesmo reverter suas vulnerabilidades sociais através das atividades propostas pelo
Serviço:“(...)O SASE é o que mais requer do educador ele estar bem, pois as crianças se
espelham em ti, como uma figura de um pai, um amigo. Por isso os profissionais do SASE
tem que estar muito bem integrados e a coordenação tem que estar sempre em cima,
apoiando e ajudando. Porque, muitas vezes, os educadores cansam, a gente nada contra a
maré... Às vezes tem alguns pepinos e tu não quer mandar aquela criança embora, pois
estará assinando um atestado de incompetência pois não tá conseguindo lidar com aquela
criança... Às vezes tu fica sozinho nessa, falta às vezes respaldo. Eu já enfrentei muita coisa
aqui dentro... do melhor ao pior... e estou sempre buscando evoluir meu método de
trabalho.Tem várias formas de abordar e chamar a atenção de uma criança. As crianças
pedem limite. Para hoje em dia falar de educação tem que se viver ela primeiro (M.educador
de SASE)
60
Segundo o projeto, o acompanhamento das famílias deve ser parte fundamental no
processo de atendimento a crianças e adolescentes do SASE. A participação das famílias
através de atividades sistemáticas permite que os fatores de risco que motivaram o ingresso
de crianças e adolescentes sejam trabalhados. As entrevistas individuais e familiares, as
reuniões de grupo e as visitas domiciliares são instrumentos que viabilizam o
acompanhamento e compõem a estrutura metodológica do programa. Proporcionam um
espaço de escuta que possibilita compreender os significados simbólicos que as
famílias/sujeitos estão atribuindo ao trabalho, garantindo que cada grupo familiar tenha
respeitada a sua singularidade. Os atendimentos familiares da mesma forma que os
individuais são aqueles realizados com os responsáveis e demais membros do grupo, com o
objetivo de conhecer e intervir nas dinâmicas familiares, visando a melhor relação entre seus
membros. Tal atendimento é realizado toda vez que a família ou o profissional sente a
necessidade do contato entre o conjunto de pessoas da família.
A reunião com as famílias deve ocorrer com freqüência mínima mensal. Nestes
momentos, todos terão possibilidade de expor-se à mudança no processo de compreender o
que está acontecendo, oportunizando a troca de informações que possibilite a descoberta de
significados comuns. Os educadores devem ampliar sua compreensão das diferentes formas
de ver as famílias respeitando suas funções e responsabilidades diante das crianças e
adolescentes e suas possibilidades de ação:“Em alguns casos o SASE pode intervir e em
outros não vai resolver o problema da família. Se o problema da família é violência
doméstica contra a criança tu tem que conversar com a família, encaminhar para conselho
tutelar. Se o problema é de miserabilidade como que o SASE vai resolver o problema da
miséria...? Bom, nessa entidade a gente ainda tem cursos profissionalizantes que a gente
pode oferecer para as famílias, mas a maioria das entidades não tem, tem o SASE e pronto e
é um serviço de proteção...Muitas vezes se fala :- o SASE não é um depósito de crianças em
61
que as crianças vem só pra comer... Mas num caso de miserabilidade o que tu vai fazer?O
SASE não vai dar conta disso tudo, então é aí que tem muita falha do poder público quando
fala em parceria... Não tem como trabalhar o SASE sem trabalhar a família e parceria fica
aonde?(...)” (R. coordenador de SASE)
A idéia básica do convênio é: o poder público apóia o serviço com determinada
quantia, mas a instituição também tem a contrapartida: “Está tudo no projeto, tamanho de
salas, essas coisas, que são lei...O valor para cada instituição vai variar conforme as
metas(...)Só que a verba de convênio não contempla todas as necessidades pra se fazer um
bom serviço. Hoje, por exemplo, tem psicólogas no programa e isso o convênio não
contempla mas é muito necessário, assim como psicopedagogo. Outro detalhe é a questão da
meta de vinte e cinco educandos por educador, só que se vê na prática que é muita gente.
Por exemplo aqui na P. C ( entidade social) nós temos espaço físico mas falta verba para
investir no SASE. Já as instituições que possuem mantenedora conseguem equilibrar as
necessidades, contratar uma psicóloga. Só que isso é negativo, pois o ideal seria que o
próprio convênio garantisse isso e não dependesse da mantenedora. Assim como na Zona
Norte tem atendimento psicológico aqui na Zona Sul também precisa. Então a coisa não é
justa , não é integrado entende. De repente chega um momento em que tu não consegue mais
dar conta, que as exigências dos educandos mudam”(L. representante da coordenação do
Fórum de SASE e coordenador de SASE)
Os educadores de SASE ficam submetidos às regras do convênio e isso interfere
diretamente na qualidade do atendimento como demonstra um educador:“Para as entidades
que dependem só de convênio a limitação é grande. Aqui pelo menos temos acesso a
materiais, aqui o material que se compra é da melhor qualidade, mas é uma pena que só as
privadas tenham essa condição... Ou pode mesmo ser às vezes só um jogo de beleza, mostrar
62
quem pode mais(...) Muitas vezes a gente podia até dividir o que a gente tem com mais
entidades e até adotar mais entidades ampliando esse mercado” (M. educador de SASE)
Uma reflexão para finalizar nossa discussão
No meio da caminhada desta pesquisa, deparamo-nos com um movimento da
sociedade civil organizada e que veio de encontro à problemática levantada por esta pesquisa.
Através de um coordenador de SASE conhecemos o Fórum do SASE, uma organização da
sociedade civil, um espaço de debate onde as entidades sociais não-governamentais
conveniadas procuram tecer parâmetros e questionar as políticas públicas junto ao público
infanto-juvenil. Uma espécie de “oposição saudável” (expressão utilizada pelo representante
do Fórum) que visa a tentar pensar junto alguns princípios para a dinâmica social da criança e
do adolescente em Porto Alegre. Esse Fórum é, na verdade, uma ramificação do Fórum da
Criança e Adolescente. Surgiu em 1997 com o intuito de abarcar as iniciativas da sociedade
civil organizada e tem suas ramificações nos serviços de SASE, Trabalho Educativo,
Educação Infantil, discussões acerca do Trabalho Infantil e os PPD´S (Pessoas Portadoras de
Deficiência), com a diferença que nesse último participa também o poder público nas
discussões.
É um espaço para reivindicar situações que ocorrem com o convênio e o projeto de
SASE já que este serviço não é um projeto de lei e tem sua renovação anualmente.Os
coordenadores do Fórum de SASE se reúnem com os coordenadores de SASE ou seus
representantes e estudam as cláusulas do convênio. Também vêem se existe alguma
adaptação a ser feita e passam essa solicitação de adaptação ou exclusão de uma cláusula ou
até acrescentam algo novo, para mostrar ao governo e procurar obter mais verbas.Uma das
conquistas do ano de 2006 foi o pagamento de décimo terceiro (verba extra) para as entidades
conveniadas, o que vem a contribuir para pagamento de salário de funcionários.
63
Quem participa das reuniões do Fórum são, basicamente, os coordenadores de
instituições. Mas o Fórum abre a discussão junto aos educadores duas vezes por ano através
de capacitações organizadas pelas próprias entidades conveniadas, cedendo oficineiros para
realizar atividades. É uma proposta democrática e inovadora dentro das políticas sociais. Os
coordenadores do Fórum não recebem para exercer este trabalho e o Fórum não recebe
qualquer verba pública. A FASC apenas cede um espaço para as reuniões. Assim coloca um
dos coordenadores:“A sociedade civil tá dando conta do que o poder público não tá
conseguindo e é papel do poder público(...)Se está ruim com as entidades, pior sem elas. Se
as entidades parassem de atender, quantas crianças ficariam sem atendimento no
município?”( L. representante da coordenação de SASE e coordenador de SASE)
Como toda política pública que dependa do poder público para execução, há entraves
na comunicação e nem sempre as propostas são bem acolhidas. Todas as resoluções tomadas
pelo Fórum são levadas ao poder público. Uma das questões reivindicadas pelo Fórum é a
questão do atendimento em equipe multidisciplinar. Só contam com o serviço de psicologia
entidades que tenham algum tipo de mantenedora; caso contrário, as situações das crianças e
adolescentes são encaminhadas à rede pública de atendimento e o tempo que leva nas filas de
espera acaba agravando as situações:”O que a experiência mostra é que sair da comunidade
para ser atendido em outro lugar não dá certo. Tu pode dar vale-transporte e até
disponibilizar um carro, não funciona na prática. A experiência mostra que o profissional
tem que estar no local (comunidade) participando das atividades. O vínculo é a base de
tudo(...)”?( L. representante da coordenação de SASE e coordenador de SASE)
Uma das questões levantadas pelo Fórum é a de que falta engajamento político das
instituições, porque muitas não se dispõem a participar das reuniões do Fórum: “A gente nem
consegue conhecer, mas ao mesmo tempo está representando elas (as entidades sociais) nas
lutas.Eu só tive esse espaço pra participar do Fórum porque a instituição P.C. percebeu
64
como algo importante, é uma consciência adquirida. (L. representante da coordenação do
Fórum de SASE e coordenador de um programa de SASE)
O maior objetivo do Fórum hoje é tornar o SASE e Trabalho Educativo projetos de
lei: “Se o SASE e outros programas de atendimento parassem um dia de trabalhar, todas
essas crianças iriam para as sinaleiras, aí talvez o poder público e a mídia dariam mais
importância né.Nós fizemos entrevistas com crianças da comunidade e muitas delas disseram
que seu ideal de vida era ser traficante, pois o traficante dá proteção, tem poder, dá ajuda,
alimento.Garantir direitos básicos é essencial. (L. representante da coordenação do Fórum
de SASE e coordenador de um programa de SASE)
É inegável que o projeto de SASE é uma política pública inovadora em sua proposta
de educação social libertadora, tendo uma representação social positiva para a comunidade e
para as numerosas crianças e adolescentes que freqüentam o serviço, mas ainda tem muitas
caminhos a percorrer. Há contradições entre o projeto e a prática e entre o poder público e a
rede conveniada. Se é uma política pública deveria ser igualitária para todos, mas sua
contradição começa na diferença que há em relação às equipes e infra-estrutura, na rede
própria e rede conveniada da FASC.
Enfim, esperamos com os achados da pesquisa vir a contribuir para a melhoria e
divulgação desses serviços com a certeza de que esta é apenas uma reflexão tentando
compreender o fenômeno em questão.
65
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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manual prático. Petrópolis: Vozes.
Freire, P. (1996). Pedagogia da autonomia: sabres necessários à prática educativa. São Paulo:
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Fundação de Educação Social e Comunitária (1997 a.) Rede de Atendimento à criança e ao
adolescente. Programa de atendimento sócio – educativo em meio-aberto. Serviço de Apoio
Sócio – Educativo (documento multicopiado)
Fundação de Educação Social e Comunitária(1999). Proposta para o Serviço de Apoio
Sócio-Educativo em Meio Aberto. Janeiro de 1999
Fundação de Educação Social e Comunitária (2004). Proposta para o Serviço de Apoio
Sócio-Educativo em Meio Aberto.Data de finalização da proposta: Abril de 1999
Guareschi, P. (2003). Os construtores da informação: meios de comunicação, ideologia e
ética. Petrópolis: Vozes, 2003, 2º ed.
Guareschi, P. (2004) A. Psicologia social crítica como prática de libertação. Porto Alegre:
EDIPUCRS
Guimarães, G.T. D. et al.(2002). Entidades assistenciais: rede de serviços para a constituição
de uma política de assistência social. Porto Alegre: EDIPUCRS, 237 p.
Jovchelovitch, S. (2002). Psicologia Social: saber, comunidade e cultura. Trabalho preparado
para o IX Encontro Regional Sul da ABRAPSO, Santa Catarina, Brasil, novembro de
Departamento de Psicologia Social: LSE, 22 pág. (mimeo)
Moscovici, S. (2003). Representações sociais: investigações em psicologia social. Editado
em inglês por Gerard Duveen: traduzido do inglês por Pedrinho A. Guareschi. Petrópolis:
Vozes
66
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Encerrando uma caminhada no que se refere a esta pesquisa pretendo tecer aqui
algumas considerações finais, certa de que para mim esta caminhada não acabou.
A experiência deste trabalho se apresentou como um desafio para mim por se tratar
também de uma das minhas práticas profissionais. Serviu e serve como uma autocrítica à
minha prática cotidiana e uma crítica à formação acadêmica que nós do mundo “psi”
recebemos nas faculdades de psicologia e ao preparo técnico do profissional de psicologia
para atuar junto às políticas públicas. Nota-se que as instituições onde os psicólogos atuam
não são consideradas como espaço sociopolítico pelo saber científico, o que leva,
inevitavelmente, a práticas individualizantes.
Por vezes, somos chamados a atuar em instituições cujo funcionamento tem um viés
político-ideológico, o qual ignoramos. Discutir políticas públicas deveria estar intrínseco à
formação profissional. Busquei respostas a meus questionamentos junto a pesquisas na
educação, no serviço social e na sociologia, disciplinas transversais que deram respaldo a este
estudo.
Espero, com este trabalho, poder contribuir junto à construção de conhecimento
referente às políticas públicas e às práticas socioeducativas. Podemos dizer que o SASE vem
ao encontro de uma educação social libertadora, mas é um serviço que tem muito ainda a
evoluir enquanto política pública, tanto no seu funcionamento quanto em relação a sua
67
abrangência. O número de metas de atendimento do SASE, hoje, não contempla toda a
demanda existente de crianças e adolescentes que precisariam ser assistidas na cidade de
Porto Alegre.
Partindo do pressuposto de que as representações sociais nem sempre se manifestam
pelo discurso e sim por sinais simbólicos (saberes socialmente construídos)
3
reflito aqui uma
última questão. No SASE em que foram realizadas as observações participantes, uma oficina
em especial chamou a atenção: a oficina de Hip-Hop. Nessa, além da dança, as crianças e
adolescentes aprendem a construir letras de músicas que sejam para si significativas. Duas
dessas produções se encontram em anexo a esta dissertação (Rap das crianças do SASE e
Rap: o caminho é o SASE). Considerei importante o registro da produção dessas crianças e
adolescentes neste trabalho nem que seja através deste elemento simbólico: o Rap. Não
poderia deixar de dar espaço às produções das crianças e adolescentes sobre o Programa
SASE, pois afinal, foi pensando nelas que construímos este estudo.
3
Guareschi, P. (2003). Os construtores da informação: meios de comunicação, ideologia e ética.
Petrópolis: Vozes, 2º ed.
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ANEXOS
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ANEXO I – APROVAÇÃO DO COMITÊ DE ÉTICA
70
71
72
ANEXO 2 – TRANSCRIÇÃO DAS ENTREVISTAS
Os nomes foram trocados de maneira a respeitar a identidade dos entrevistados.
Entrevista 1: “Joana” (nome fictício) – representante do corpo técnico da Coordenação da
Rede Básica (CRB ) da FASC (Fundação de Assistência Social e Cidadania) da cidade de
Porto Alegre. Data: 2/05/06
Ent: Oi Joana. Meu nome é Letícia e eu estou aqui para conversamos sobre o programa
SASE. Em que momento se deu a criação do SASE?
J: Foi um programa criado a partir de um programa anterior que era o extra-classe, primeiro
programa destinado à criança que a FASC teve e que se chamava Girassol. Dava conta num
primeiro momento das crianças em situação de rua. Eu penso que o programa tenha se
constituído em 1997 com projeto próprio, com outras diretrizes. Deixa de ser um programa
extra-classe pra ser um programa de atendimento no turno inverso da escola, mas com outros
objetivos para além do reforço escolar: avaliar a questão da proteção integral como um todo,
com outros objetivos e metodologia.
Ent: Quem é responsável pela coordenação do programa SASE?
J: Fica vinculado à equipe infância-juventude da FASC. Enquanto direção técnica a
responsabilidade é dessa equipe né, fica localizada dentro da coordenação da rede básica.
Enquanto acompanhamento cotidiano a responsabilidade é dos coordenadores regionais. A
equipe tem o papel maior de dar a diretriz técnica do programa e subsidiar os supervisores
regionais na condução do programa, que acontece em toda a cidade. O programa acontece nas
dezesseis regiões do Orçamento Participativo de forma a descentralizar. Até o ano passado
essa equipe era responsável pela regionalização e também pela supervisão programática. A
supervisão está passando por um reordenamento. A questão programática vai permanecer
com o supervisor regional e essa equipe de infância vai ser subsidiadora dos supervisores
regionais, no que diz respeito as perspectiva teóricas e metodológicas do programa.
Ent: Como se deu a criação do projeto, dos regulamentos, normas?
J: Na verdade é um programa que foi escrito por uma equipe, várias pessoas já passaram por
essa equipe e ele vem sendo reavaliado constantemente no que diz respeito à questão
metodológica, já teve várias reescritas quanto a objetivos e outras questões. Tem um
diferencial que até 2003 existia um projeto para os serviços próprios e um projeto para os
serviços conveniados e assim estava constituída a instituição. Existiam dois projetos com
duas coordenações diferentes. Ainda que as diretrizes gerais fossem as mesmas a
metodologia era diferenciada. Ao final de 2003 com o novo reordenamento institucional da
FASC se viu a necessidade de se constituir um projeto único. Mas há ainda diferenças
consideráveis, pois os programas já existiam antes desse reordenamento e como o
funcionamento está amarrado à questão dos recursos ele ainda se mantém com esses
diferenciais. Por exemplo, nos serviços próprios a FASC tem serviços técnicos, de educação
física, pedagogos e vários oficineiros culturais. No serviço conveniado tem um educador
73
social como referencia e outras atividades como complementares, esse é um diferencial
bastante importante. A gente vem pensando numa avaliação mais profunda do programa. Por
não ter um monitoramento e acompanhamento sistemático do programa como um todo no
que diz respeito a impacto e efetividade, a gente não tem como dizer:- bom, esse modelo é
melhor. Mas a gente tem observações a partir da questão empírica que se faz.
Ent: O que seria serviço próprio e serviço conveniado?
J: Serviços conveniados são aqueles conveniados para executar o programa. No serviço
conveniado temos um educador e um coordenador e oficinas para complementar a atividade.
Nos próprios a equipe é multidisciplinar, não tem um educador de referência e sim vários
educadores.
Ent: Bom, falando da minha prática... Eu trabalho num espaço que é conveniado, mas que
temos quatro educadores de referência...
J: Mas de uma forma geral essa não é a regra nos serviços conveniados. É que na verdade a
heterogeneidade da rede conveniada acaba interferindo na heterogeneidade do programa. Por
exemplo, aquelas entidades menores com menos acesso a recursos só conseguem garantir uns
educadores e algumas oficinas culturais voluntárias. As entidades maiores que tem outras
fontes de recursos, religiosas de uma maneira geral, que não contam exclusivamente com
recursos da FASC conseguem garantir maior numero de atividades. Isso se dá em termos de
realidade. Mas no projeto no termo de convênio está previsto um educador 20 horas em cada
turno de convênio.
Ent: Quais seriam então os propósitos, objetivos do SASE?
J: Bom, em primeiro lugar a proteção da criança a titulo de contribuir para a superação da
vulnerabilidade que originou o ingresso dessa criança. Questões de socialização, garantia de
direitos, desenvolvimento da criança.
Ent: E sobre os critérios de ingresso junto ao programa, quais seriam os critérios?
J: Bom, por ser um programa que visa a proteção social os critérios são de vulnerabilidade
social entre eles: violência doméstica trabalho infantil, drogadição, alcoolismo, exploração
sexual, negligência. Toda uma questão que leve a criança ou o adolescente ao trabalho social
Ent: E qual a relação do SASE com o trabalho educativo?
J: Bom, o Trabalho educativo é um outro programa voltado pra uma faixa diferenciada que
vai de 14 a 18 anos. A perspectiva pra além da proteção é dar capacitação profissional. A
criança saída do SASE, então não sendo superada a sua vulnerabilidade, pode vir a freqüentar
esse programa.
Ent: E como é avaliada a efetivação do programa SASE junto à população atendida?
J: Até hoje a avaliação que a gente tem é só da execução, a gente não tem uma avaliação de
impacto do programa. Tem como diretriz pra esse ano a gente conseguir construir um
monitoramento das ações do programa.
Ent: O que seria a avaliação da execução?
J: No final do ano todos os serviços passam por uma avaliação. Se o serviço cumpriu como os
objetivos e fez o que estava previsto, se realizou como esta escrito o projeto, se as condições
de instalações físicas estão adequadas, como é constituído o corpo de educadores.
Ent: Há diferença na gestão de locais mantidos apenas pela prefeitura e locais conveniados?
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J: Na gestão sim e na execução também. Até 2003 a FASC era constituída por duas
coordenações. A rede básica era responsável pelos serviços próprios em meio aberto e a
CAT (Coordenação de assessoria técnica) era responsável pelos serviços conveniados e isso
acabou gerando diferenças inclusive na origem do projeto. Então, há diferença nas equipes.
Nos espaços próprios há uma equipe multidisciplinar com técnicos e psicóloga, pedagogo.
Nos conveniados o mínimo exigido é um educador social de nível médio e as oficinas podem
se dar de modo complementar. Uma outra questão é a própria questão da coordenação. Como
as entidades conveniam serviço, elas acabam tendo que dar conta de uma estrutura pra aquele
serviço. Então, a gestão do serviço se dá de forma pontual sem ter muita articulação com
outros, o que já é diferente nos serviços próprios onde os técnicos são os mesmos que
atendem as famílias. Então, não tem uniformidade na execução. Os serviços conveniados tem
a exigência de um coordenador pra cada serviço, que vai ser o gestor. Já no serviço próprio
não existe a presença do coordenador porque isso prescinde de uma legislação especifica.
Então, a gente instituiu o que se chama de referência que é um técnico da equipe no sentido
do planejamento das ações e articulação com demais programas.
Ent:Tu falas que na rede própria tem acesso maior à equipe multidisciplinar. Todos técnicos
como o psicólogo ficam dentro do serviço?
J: Na verdade na rede própria os SASES ficam dentro dos Centros Regionais que são
responsáveis por vários programas da rede básica. Na verdade os técnicos contam com apoio
a mais, ficam dentro dos centros mas não são exclusivos do programa SASE. Depende da
condição de RH de cada centro regional.
Ent: E como é vista a relação do SASE com a escola, principalmente em situações que o
SASE é dentro da escola?
J: Bom, a escola é fundamental pro desenvolvimento da criança então se entende que ela é de
extrema importância. Então, a idéia é de que o SASE trabalhe vinculado à escola pois
proteção integral pressupõe isso e que a presença no SASE também seja temporária. O SASE
é um programa de proteção enquanto a escola é um direito assegurado no sentido de garantia
de desenvolvimento. No entanto, não se percebe a possibilidade de realizar esse laço triplo
com as escolas no sentido de poder constituir essa proteção integral. Primeiro, porque existe
um processo de as escolas não enxergarem um compromisso de ajudar a superar a
vulnerabilidade. É como se a escola só tivesse o objetivo de reproduzir a educação, salvo
algumas escolas que o fazem. Ainda acontecem situações de forma velada como expulsão de
alunos problemas, ou fazendo tratamento diferenciado onde a criança acaba perdendo a
vontade de ir pra escola, que é o que eu chamo de exclusão velada. Fora que a criança em
situação de vulnerabilidade social vem de uma família em vulnerabilidade social que não
reconhece o papel da escola como um todo, não fortalece isso, não tem compreensão da
importância. A outra questão é a forma como está ainda constituída a Escola, que não são
atrativas para crianças, principalmente pra essas crianças... Então tem crianças que preferem
ficar o dia todo no SASE ao invés de ir pra escola, até porque no SASE elas podem participar
de várias atividades. Com relação às escolas que tem SASE, essas se definem como a minoria
e elas tem situações dissociadas. O SASE não está como algo complementar e sim é um
braço anexo da escola e eu acredito que os públicos são diferentes, na verdade essas escolas
são particulares, a escola é paga e o SASE não.
Ent: Qual seria a relação do SASE com os outros programas socais?
J: É como se o SASE fizesse uma retaguarda para outros programas ou vice-versa. A
dificuldade é do ponto de vista do acesso... Hoje, ainda que se tenha rede bastante ampla com
mais de cinco mil atendimentos de SASE na cidade, a gente ainda tem um numero muito
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grande de famílias sendo atendidas, então não dá conta. A dificuldade é de acesso, cada
família tem 4 ou 5 crianças. Com o SASE podem ter uma vulnerabilidade a superar. Na
verdade a gente sabe que não adianta trabalhar a criança sem trabalhar a família e não adianta
trabalhar a família sem criar outras possibilidades pra criança.A tendência é a política de
assistência social ter centralidade na família e não na criança. O que é que aconteceu a partir
do ECA? Se desenvolveu uma rede imensa pra infância e juventude, então, com a questão da
criança, se investia mais nesse público do que na família. Com o SUAS isso melhorou, o Peti
garante a entrada da criança no programa, mas agora o Bolsa Família também pode garantir
a entrada das crianças em práticas socioeducativas. A grande questão é que as entidades de
SASE não dão conta do número de famílias atendidas pelo Bolsa família.
Ent:Como se dá esse mapeamento do SASE? Quantos SASES temos em POA?
J: Entidades tem em torno de 80 conveniadas mais os centros regionais. Centro, Ilhas e
Humaitá Navegantes não tem rede própria pois o centro regional não tem espaço pra SASE e
trabalho educativo. Como todos os serviços foram crescendo em POA via O.P ( orçamento
participativo),as demandas de SASE se deram via O.P. Então isso se deu com a demanda de
assistência de cada região e priorização de cada região. Então não existe ampliação via
índices de vulnerabilidade ou vazios de atendimento. Hoje o programa SASE se transforma
numa ação do programa Bem-me-quer (que é um programa do governo), que é um programa
que tem como foco a proteção e o atendimento à família. Com esse novo modelo o objetivo é
que se possa olhar a cidade como um todo e não só por regiões . Mas esse modelo já está no
segundo ano de gestão e as demandas ainda ficam vinculadas as demandas do O.P . No
interior do estado se dá muito mais sobre rede conveniada. São poucos os municípios que tem
condições de manter o SASE próprio.A LOAS pressupõe Estado e sociedade civil numa
relação de execução de políticas públicas ainda que a responsabilidade seja de um comando
único que é do gestor da política de assistência social do município.Até porque o
conveniamento recebe recursos públicos. O convênio pressupõe que a entidade passa a
executar uma política pública pois recebe recursos do estado.Não pode ser cobrado dos
usuários, é uma política pra quem dela precisar.Entre conveniados e próprios deve ter em
torno de 90. O nosso mapeamento se dá em cima da CMDCA, aqueles que não são
conveniados não temos acesso, mas 90% dos SASES são conveniados.Os pressupostos legais
e referenciais do projeto de SASE são o ECA e LOAS.
Ent: Bom Joana, eu gostaria de te agradecer pela nossa conversa e me coloco a disposição
para conversarmos mais sobre o projeto.
J: Eu acho importante esse teu estudo pois temos muito pouca coisa escrita sobre o SASE a
nível de pesquisa e isso pode vir a contribuir para o nosso trabalho.
Entrevista 2: “Carla” (nome fictício) – educadora de SASE. Data: 21/07/06
Ent: Boa tarde. Então a gente vai conversar um pouco sobre o SASE.Há quanto tempo tu
trabalhas no SASE?
C: Há quatro anos, desde 2002 nesta e única instituição.
Ent: E tu já tiveste contato com as normas e regulamentos do SASE? E como se dá na
prática?
C: Já, inclusive quando a gente entrou em 2002 e agente fez um... Nós elaboramos um plano
pedagógico pro SASE, metas pra atingir... Mas sobre os critérios nunca vi, o que a gente
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recebe são os critérios do SASE, quais crianças vão entrar e porque vão participar do
SASE...Mas o plano de estruturação do SASE , do projeto, de como ele foi elaborado, por
quem, quando, isso nunca tive contato...Aqui nós elaboramos na instituição porque aqui tinha
o plano pedagógico da instituição. Em 2002 elaboramos o plano pedagógico do SASE, qual
era o objetivo que agente tinha com a criança através do atendimento do SASE
Ent: E como tu observas esse plano na prática?
C: Aqui eu vejo que a gente tem um objetivo completamente diferente do que outras
instituições têm quando a gente se encontra. Por exemplo, quando a gente se encontra pra
fazer uma atividade, quando tem encontro de educadores de SASE o que é que a gente
observa? Que às vezes as pessoas parecem que batem uma concorrência. Parece que às vezes
a maior preocupação não é com a criança que tá ali, e sim com a concorrência com a
instituição que faz melhor e aparece mais, é uma disputa mesmo. Quando eu entrei aqui
praticamente fui largada de páraquedas. Eu fiz magistério e estava praticamente há 20 anos
fora da área e não tinha idéia do que era o objetivo de SASE. Levei uns dois anos pra me
acostumar, eu estava num ritmo de escola. Quando eu entrei não foi me apresentado objetivo,
projeto. Tanto que tivemos de sentar e elaborar algo. Antes de abrir o SASE aqui tinha uma
espécie de projeto só para saber quanto era a demanda de crianças e de serviço para só então
ser implantado. Por isso na época entrou qualquer criança. No inicio o interesse era a
quantidade de pessoas. De início dávamos atividades que pareciam de escola, de aula. Depois
vimos que o objetivo não era esse e sim atividades recreativas, pedagógicas.
Ent: E na tua opinião quem deveria ter te apresentado o projeto?
C: Eu acredito que a pessoa que me contratou, assim como acontece nas empresas.
Ent: E até hoje tu nunca tiveste contato com o projeto?
C: Não. O que a gente recebe no final do ano é um material da FASC que a gente deve
responder sobre as atividades que realizou durante o ano.
Ent: Então pra ti o que é o SASE?
C: O SASE pra mim é um espaço que todas as crianças deveriam ter independente de ser
excluída ou não. O termo excluído é ridículo, pois quando tu utilizas ele já tá excluindo.
Porque na verdade o SASE é um trabalho de socialização importantíssimo, porque é um
espaço que a criança dentro da sala de aula na escola não tem... E não é por ser uma criança
que mora em vila, que é pobre ou carente de antigamente, que não tem acesso a nada. É
excluída, então precisa de um ambiente de proteção, de espaço onde vai se desenvolver...
Muitas crianças tem um lar, uma família, mas não tem muitas coisas em casa e que também
precisariam do SASE. O SASE então pra mim desenvolve o aspecto social, moral. Então
seria um serviço necessário para qualquer público.Claro que as crianças que a gente trabalha
não têm nem a parte material e moral né, elas são carentes de tudo. Há as crianças que têm a
parte material, mas não a moral. A gente sempre pensa que a criança de vila que tem talvez
uma mãe envolvida na prostituição, pai traficante vai seguir o mesmo caminho. Mas eu vejo
isso de forma relativa. Claro que há uma influência do meio. Mas eu noto que as crianças da
escola pública em que dou aula são mais carentes que as daqui. As crianças que eu dou aula
não são tidas como crianças em vulnerabilidade social, mas são mais carentes que as daqui.
As crianças em situação de vulnerabilidade social têm muito mais experiência de vida que as
da escola. Dentro da minha sala eu não tenho público de SASE. A criança que está na rua é
muito mais criativa do que uma criança de apartamento. Então, para a criança de
apartamento, qualquer coisa que tu fizeres de atividade ela vai aceitar. Já a criança de SASE
não, ela te exige mais porque o convite da rua é muito melhor que dentro de um lugar. Então
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o SASE como instituição exige que nós educadores estejamos sempre muito bem preparados
para ter mais atividades. Então eu vejo o SASE como algo que tem que estar sempre
atualizado. Não junto, mas à frente do que estão esperando de ti e é um trabalho que
realmente traz as crianças de volta pra pensar no outro, pra ver que as coisas realmente não
precisam ter aquele ciclo vicioso repetindo o que aconteceu com os pais deles e etc. Eles
vêem que podem mudar isso, é só querer, não é fácil, mas eles podem. O SASE preenche um
espaço em que a criança teria a cabeça voltada para outra coisa. Dentro de um apartamento o
que é que ela vai fazer? Olhar TV, videogame, olhar pela janela... Mas uma criança dentro de
uma vila na rua tem muito mais probabilidade de se envolver com um marginal, traficante e
assaltante. Então claro que, pra ela estando num SASE onde ela vai desenvolver algumas
coisas, talvez ela descubra nela um dom que nem sabia que tinha, tipo jogar bola, dançar,
cantar, só que pára por aí. Por isso eu acho que o trabalho do SASE não é completo porque
ele pára.
Ent:Como assim?
C: O trabalho do SASE é dos 7 aos 14 anos. Se viessem todas de creche seria muito melhor
pois é onde elas desenvolveriam muitas coisas que depois é mais difícil de absorver, como
respeito ao próximo, senso de justiça... Só que o trabalho do SASE vai até os 14 anos e eu
acho que todas as crianças aproveitam. Só que a fase mais perigosa que observei nisso é dos
14 aos 18. Mesmo tendo trabalho educativo que contempla essa idade, seu número é menor, a
quantidade ( metas de atendimento) é menor que do SASE. Então às vezes sai 30 crianças de
uma turma de SASE e entra 10 no educativo e as outras 20 fazem o que?Espera até chegar
aos 16,17 e 18 anos pra entrar num Pró-jovem porque vão receber uma bolsa? Mas o que é
acontece até lá? Pode ver que as meninas engravidam nessa faixa etária dos 14... 15...os
meninos vão se envolvendo com traficantes, roubo... Tem aquela tendência...influência do
meio...Por mais que no SASE a gente tenha aquelas crianças que nunca querem fazer nada
de atividade... Apesar disso não deixam de vir no SASE por quê? Por que há algo que
interessa a elas, o espaço, as pessoas... E o espaço é que ela está longe de uma influência ruim
para ela, está pensando... Tem gente que acha que a criança não pensa, mas ela pensa sim.
Ent:Tu disseste que vocês construíram um projeto próprio pra entidade... Tu vês a dificuldade
de colocar na prática aquilo que está no papel?
C:Sim, principalmente no início, necessita equipe, sem isso é impossível e estavam os três
(educadores)iniciais bem perdidos, Às vezes a gente diverge, tem coisas que ficam só no
papel. Exemplo,se tem uma criança agredida, a gente se propõe a conversar com a mãe, levar
pro conselho, essas coisas e às vezes empurra com a barriga porque depende de agentes
externos né. Pára ali e ninguém faz nada por ti, não tem mais o que fazer né e isso gera
impotência. Às vezes tu chama o pai, mãe, te expõe a pára por ali, pois ninguém mais
assume, aí acaba dificultando o trabalho. Chegou ao ponto de a gente receber bilhete de
conselheiro dizendo que pai de fulano (criança) é perigoso porque é traficante e tem medo de
se envolver com ele. Aí realmente a coisa não sai do papel, mas o nosso trabalho a gente faz,
a rede é falha.
Ent:Que problemática tu mais identifica entre as crianças e adolescentes que estão no SASE?
C: Sexualidade fora da ordem... O lugar onde elas dormem, tudo junto no mesmo quarto. Às
vezes, eu vejo que tem criança pulando etapas. Outra coisa, é que as crianças e adolescentes
não tem boa vinculação com os pais. Os pais falam:- meu filho não é adolescente e sim
aborrescente, como se aquilo, aquela pessoa incomodasse. Aí quando crescem, viram adultos
e querem falar com os pais e os hábitos de adolescência aparecem. Outra questão é a
violência né, agressão em casa, falta de compreensão, desorganização das famílias, mãe com
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um filho de cada pai, tráfico, dificuldade de aproveitar coisas que as outras crianças estão
aproveitando.
Ent:E tu percebes que as crianças entendem o porquê estão aqui?
C: Alguns entendem, mas abertamente eles não dizem.
Ent: Tu achas que é bom que as crianças estejam aqui por esses critérios?
C: Mais ou menos, tem os dois lados... Às vezes as crianças não entendem o SASE como
uma rede de proteção, até porque muitas famílias estão no programa do governo né e o que é
que acontece? Elas colocam uma imposição para a criança que para que a mãe receba aquela
bolsa do governo, bolsa escola, família o filho tem que vir para o SASE, o que é que
acontece? A criança vem forçada, a mãe obriga a mentir, que não veio porque não pôde
quando na verdade não era isso. A criança foi com ela catar algo na rua ou ficou ajudando os
irmãos menores e a gente acaba sabendo a verdade pela criança... Eu acho positivo quando a
criança vê o SASE como um benefício pra ela e o lado negativo é quando ela vê pra ela como
uma imposição. Porque às vezes tu pensa que a criança estar dentro do SASE é proteção,
mas, às vezes, é de vigilância a função. A criança diz: - eu só to aqui porque minha mãe
precisa receber a bolsa.
Ent: Como tu percebes a relação do SASE com a escola, família e comunidade?
C: Bom, vou começar com a escola. A escola tem medo de tudo que seja relacionado a
Conselho Tutelar. Essa semana mesmo fui fazer trabalho numa escola sobre o Conselho
Tutelar e ECA, que era a semana do aniversário do ECA, e a minha surpresa foi que a escola
não tava fazendo nenhum trabalho sobre isso. Trabalham muito pouco com o ECA. Eu acho
que há uma desinformação na escola sobre o que é o SASE e o que é que o SASE exige,
porque a maioria das pessoas não conhece o SASE, nem mesmo na secretaria da
educação.Pois, quando eu fiz entrevista pra entrar no magistério com a psicóloga ela não
sabia o que era SASE, com varias pessoas que eu falei não sabem o que é SASE. Quando a
gente fala que trabalha com Conselho Tutelar aí é um pânico geral, as pessoas têm medo. Na
escola que eu trabalho o Conselho já foi lá fazer uma palestra, mas eu acho que a maneira
como foi explicado... Não sei dizer se é medo ou se é desinteresse total por não querer se
envolver, porque a escola tradicional tem uma cultura de não se envolver com a criança...
Ent:Isso é uma norma?
C: Olha não tá escrito em lugar nenhum, mas na prática é assim. Então, dentro da escola tu
não podes te envolver com a criança, tu é pago pra ir lá e dar aula e passar conteúdo.
Resolver problemas é com direção e orientação. A criança incomodou, manda pra direção
porque o problema não é teu...Diferente do SASE que a gente se envolve e muito com o
problema da criança. Eu já fui procurada por psicóloga e psicopedagoga do SASE porque
tenho alunos que estão em SASE no Centro Vida e a psicóloga achou ótimo quando eu disse
que era educadora de SASE porque sabe que já estou acostumada com o ambiente. Eu vejo
que as professoras de escola tem a mania de dizer assim: - criança de SASE roda, a maioria
das crianças de SASE tem índice alto de reprovação porque ficam lá no SASE brincando e
não fazem o tema, o que não é verdade.
Entrevista 3: “Milton” (nome fictício) – educador de SASE. Data: 21/07/06
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Ent: Há quanto tempo tu trabalhas no SASE?
M: Há 4 anos e 8 meses.
Ent:E antes de estar aqui tu trabalhaste em outra instituição?
M: Eu era monitor de jardinagem num projeto social numa casa lar que trabalhava com
crianças abandonadas.
Ent:Tu já tiveste contato com as normas e regulamentos do SASE?
M: Sim, é bem semelhante ao da entidade. Mas a gente vê que na prática é bem diferente, não
é executado da mesma maneira. Talvez até por falta de capacitação no trabalho. Eu vejo
assim, um professor de SASE dá aula em qualquer lugar mas um professor de escola não.
Não é todo mundo que tem preparo para trabalhar com o lado mais humano, o lado do
inventar, do criar, do resgatar é mais importante. Eu acho que muitas vezes se improvisa um
educador pra essa área por ser querido ou ter paciência. Na verdade uma pessoa mal
preparada pode trazer mais malefícios. Eu acho que o projeto do governo é bem interessante.
Mas o problema é que não tem seguimento, pára nos 14 anos. Talvez em uma das idades que
ele mais precisa, acaba sendo desassistido. Acho que se fosse até os 18 anos teria um
resultado muito maior. As entidades que dependem só de convênio a limitação é grande. Aqui
pelo menos temos acesso a materiais, aqui o material que se compra é da melhor qualidade.
Mas é uma pena que só as privadas tenham essa condição ou pode mesmo ser às vezes só um
jogo de beleza, mostrar quem pode mais. Se faz para ostentar, quantidade de obras essas
coisas. Muitas vezes a gente podia até dividir o que a gente tem com mais entidades e até
adotar mais entidades ampliando esse mercado. Eu acho que as capacitações aos educadores
são muito pobres.
Ent:Que problemáticas tu mais identifica entre as crianças que freqüentam o SASE?
M: Carências, violência, eu sou o segundo educador masculino aqui dentro, trabalho com
atividade de educação física. Sou o único educador que vem aqui todos os dias e justamente a
figura masculina. Na situação deles normalmente é a figura mais violenta né, questão do pai,
padastro e aqui a gente consegue ter uma relação bem diferente da que eles vivem. A gente
busca fazer um trabalho de desfazer a noção que eles têm de que o homem é aquele que
maltrata né. Então a gente tem cada vez mais um trabalho de carinho, de toque, de relação e
de cada vez mais aproximar essas crianças. Eu tenho o hábito de dar carinho, dar beijo e volta
e meia escuto: -ah, homem que dá beijo é boiola... Eu vi que deu certo quando os alunos que
eu tinha mais machistas entraram na onda sabe... Começaram a demonstrar afeto também.
Outro problema é a criança deixar de ser criança para virar adulto, assumindo
responsabilidades de adulto. Perderam sua infância trabalhando, com responsabilidade de
casa, perdem o brilho de ser criança. Como eu sou o educador que mais tempo trabalha aqui
nos dois turnos sempre pude ter um raio-x dos dois turnos e acredito que me tornei uma
referência pra eles... Hoje eu vejo que a gente perde mais as meninas do que os meninos
porque eu sou educador da turma dos adolescentes e eu vejo que muitos deles saem com 14
anos e ficam desasssistidos. As meninas engravidam... Temos um menino que está preso por
ser cúmplice num homicídio. Temos mais de quatro meninas que são mães e às vezes a gente
pergunta: -onde deixou a desejar? E isso me chateia bastante... Após a gente refletir se dá
conta de que na verdade as meninas vêem na gravidez uma forma de se sentirem importantes,
vêem naquele menino-homem uma figura de carinho e proteção que não tiveram... Então a
gente acaba aí encontrando uma resposta, mas não concorda com isso...Mas agente faz o que
pode. Por outro lado já tive alunos que chegaram: - bah "sor" não te escutei e olha o que
deu,tive de experimentar do erro pra me dar conta...Só que esse erro ocasionou uma criança
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né... E tomara Deus que não seja mais uma criança de SASE né...Tudo leva a crer que daqui a
alguns anos os filhos delas entrem para o SASE.
Ent:Como tu percebes a relação do SASE com a escola, família e comunidade?
M: Eu acho que há duas situações. Aquela família que é um pouco mais estruturada, que os
pais vêm ao SASE justamente como uma forma de ajuda ,de melhora pra essa família, que
são famílias que também vão ver como o filho está na escola... E por outro lado tem aquela
família que não tem interesse nem pelo SASE nem pela escola. Quanto à escola, eu vejo que
a gente tem que correr atrás, ela é parceira desde que a gente procure ela, não é uma parceira
que procura agente. Muitas vezes a gente encontra dificuldades na comunicação, a gente vê
que tem crianças que precisariam de uma atenção maior e isso não existe, os professores
estão lá pra dar aula e não para o lado humano. É difícil ver alguém que trabalhe realmente
com o lado humano sabe... A gente tem que abraçar escutar, conversar.
Ent:E tu não vês isso no professor de escola?
M: Com certeza não. A gente vê só o professor preocupado com conteúdo, as crianças com
pilhas de tema que não conseguem dar conta, um monte de conta pra fazer e o olhar sobre as
crianças não há. Aqui a gente tem turmas de 15 a 20 e não é fácil dar conta, mas chegar só
passando a matéria não dá. A gente vê que é no SASE o lugar que eles mais tem freqüência
na chamada porque aqui dentro a gente escuta eles, deixamos que eles sejam crianças,
adolescentes, porque em casa não tem esse espaço de escuta, lazer e carinho. Em casa é a mãe
reclamando do pai, o filho tendo que buscar irmão na escola e assumir responsabilidades da
casa e ele em si fica desassistido. A escola é o lugar que ele tem que ir porque senão o
Conselho vai cobrar a família, mas ele vai de corpo presente só. Aqui a gente procura ter um
acompanhamento muito forte na questão escolar. Não só no tema, mas no boletim também e
saber realmente se está indo na escola e, se não, o porquê não e tentar estar cada vez mais
detectando o porquê daquilo ali. Muitas vezes são crianças com baixa auto-estima, forte
necessidade de chamar a atenção, acabam sendo os mais bagunceiros, que mais incomodam,
são as crianças que mais precisam estar aqui.
Ent: E como tu vês a relação do SASE com a comunidade?
M: Olha, eu fico imaginando essa comunidade sem essa obra aqui. Quando eu cheguei aqui
há 4 anos já estava praticamente pronta , apesar da invasões. Mas é uma comunidade que não
tem uma praça, não tem campo de futebol, área de lazer, o que leva cada vez mais as crianças
estarem na rua, subindo lomba abaixo, lomba acima, pelas bocas de fumo.Mas se não tivesse
essa entidade a situação seria muito pior do que é...Ainda acho que tem muito o que fazer, a
gente já chamou muitas comunidades aqui, não só a S. mas J. P. e outras ocupações. Talvez
se tivesse em cada comunidade uma creche já seria grande coisa. Como é que tu vai cobrar
que a mãe trabalhe se não tem onde deixar a criança né?O problema é que quando tem
reunião do O.P (orçamento participativo) a maioria dos projetos votados são para
urbanização. O povo, até por uma questão de ignorância, vota para asfaltar a rua ao invés de
construir uma creche. Fora que nunca é priorizado um espaço de lazer pras crianças, como
um esporte uma praça. É priorizado saneamento, habitação, mas as crianças não querem ficar
trancados dentro de casa. Mas na rua não encontram muitas opções. Se tu não tem uma praça
pra sentar, conversar, tu vai sentar em cima do meio fio, aí muita coisa acontece...Eu acho
que as pessoas deveriam ter uma consciência maior, pedir mais SASES e não é tão fácil pois,
para ter um SASE, a instituição já tem que ter um trabalho com crianças para a partir daí
solicitar convênio. No caso aqui as coordenadoras já tinham há dois anos um trabalho com
crianças. Hoje em dia ninguém quer abraçar essa causa, primeiro porque mesmo com
convênio o salário é pouco, a incomodação é grande, só lida com tristeza, com problema, é a
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questão da doação. Para trabalhar aqui tem que realmente te identificar. Por isso é o que eu
dizia, que um professor daqui trabalha em qualquer lugar, mas um professor de escola
particular não. Tu tens que estar muito preparado psicologicamente e internamente bem
resolvido, pois tu vai lidar com problemas. Como é que tu vai dizer pra uma criança não
fumar se tu fuma. Como é que tu vai dizer para uma mãe que sofre violência, que ela tem que
procurar recursos e se ajudar, se tu vives violência. Hoje não se faz uma avaliação com o
funcionário pra ver se ele está bem, tu é julgado só pelas tuas ações. Mas não há uma
avaliação do que está acontecendo com esse funcionário e tem que na prática lidar com
muitos problemas.
Ent: E quem tu achas que deveria fazer essa avaliação?
M: A FASC. Só que hoje ela faz uma avaliação mais direcionada aos coordenadores, ao
trabalho institucional e problemas pedagógicos, mas avaliação direta dos funcionários é
responsabilidade da entidade e muitas vezes o coordenador tem muita coisa pra abraçar. Eu
acho que o SASE é o que mais requer do educador ele estar bem, pois as crianças se
espelham em ti, como uma figura de um pai, um amigo. Por isso, os profissionais do SASE
tem que estar muito bem integrados e a coordenação tem estar sempre em cima apoiando e
ajudando. Porque muitas vezes os educadores cansam, a gente nada contra a maré. Às vezes
tem alguns pepinos e tu não quer mandar aquela criança embora, pois estará assinando um
atestado de incompetência, pois não tá conseguindo lidar com aquela criança. Às vezes tu fica
sozinho nessa, falta às vezes respaldo. Eu já enfrentei muita coisa aqui dentro, do melhor ao
pior, estou sempre buscando evoluir meu método de trabalho. Tem várias formas de abordar e
chamar a atenção de uma criança. As crianças pedem limite. Para hoje em dia falar de
educação tem que se viver ela primeiro. Eu sou da área da educação física e na educação
física hoje tem muito pouco de educação social e sim muito mais da estética. Hoje a gente vê
nos concursos públicos para professores, muitos preocupados em ter aquele emprego, mas se
a criança na sala de aula não compreendeu o conteúdo problema dela né, falta identificação.
Ent:E tu percebeste mudanças nas crianças e adolescentes nesse período que estão no SASE?
M: Com certeza... Quando eu comecei aqui implantei o grupo de dança gaúcha numa
comunidade pobre como essa, onde a idéia era funk, rap. Olhar pra trás e ver que deu certo é
muito bom, são quatro anos de trabalho, esse grupo é forte, cada ano que passa se renova.
Hoje eu tenho dois alunos que não estão mais no SASE mas vem pra cá no dia da dança
gaúcha só pra ensaiar, eles pediram e a entidade acolheu. A gente sair um pouco da cultura do
funk acho que já é uma boa melhora. Aqui essa é a única entidade da região que trabalha com
dança gaúcha... A gente é gaúcho e não valoriza nossa cultura, apesar de eu achar que o hip
hop é muito interessante e faz um bom trabalho, mas acho que a gente tem que trabalhar mais
nossa raiz cultural.
Ent: E em geral de comportamento, vida o que tu percebeste de mudanças?
M: Bom a gente tem um menino que tá preso por envolvimento em assassinato e roubo, com
as meninas o problema de gravidez. Mas muitos alunos a gente vê um resultado satisfatório,
muitos voltam pra cá através dos cursos de informática, artesanato, padaria. Na verdade o
projeto é novo, tem só sete anos. Então, as crianças que entraram com 7 estão saindo agora,
apesar de muitas saírem antes. Mas as crianças que ficaram um bom tempo aqui nós temos
visto um bom resultado.
Ent:Por quanto tempo as crianças ficam aqui no SASE?
M: A principio com 7 a 14 anos, mas elas podem entrar com 7 e ficar só 4 meses. Vai
depender da situação que fez com que entrassem. Por exemplo, se uma criança é vitima de
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abuso não pode ficar sem atendimento. Enquanto não se trata a situação não se pode deixar
de acompanhar a criança. Não adianta tirar o abusador de casa e não tratar essa criança. Ou
situações de vulnerabilidade na família em que as crianças entram por situação de miséria,
mas daqui a pouco a família se organiza e as crianças saem. O SASE serve para ajudar a
superar vulnerabilidades
Ent:E como tu vês a relação de SASE com outros SASES ?
M: Há uma reunião mensal da rede, da qual participam os coordenadores. Para os educadores
há dois seminários anualmente onde ocorre uma rápida conversa, forma de ver o outro
colega, outro trabalho, mas de troca, parceria não há. Cada um trabalha com seu público da
sua maneira.
Ent: E como se dá a relação do SASE com o Conselho Tutelar?
M:Eu vejo que prioriza muito os casos que o Conselho Tutelar encaminha para cá, embora eu
veja que os casos que a gente encaminha pro Conselho Tutelar não vêm a resposta na mesma
velocidade com que a gente absorve os casos.
Ent:Como tu percebes o SASE enquanto política pública, é necessário? Está bem a sua
configuração?
M: Bom nessa entrevista eu falei muito da importância do educador né. Eu vejo que o projeto
tem muitas coisas boas, mas tem coisas que tem que ser melhoradas como o incentivo para
mais entidades, a comunidade tem que exigir mais. Tem que ter uma preparação melhor para
os profissionais que trabalham nesse ramo, preparar o lado humano. Melhorar condições de
trabalho, salários, essas coisas... É um trabalho muito desgastante. A maioria das entidades
tem um educador para cada turno, pois o SASE te absorve muita energia, não é fácil...
maiores recursos e infra-estrutura de trabalho, com 40 numa sala é impossível!E algumas
entidades atendem assim.
Entrevista 4: “Raquel” ( nome fictício) – educadora de SASE. Data: 21/07/06
Ent: Bom dia, estou realizando uma pesquisa sobre o SASE e tenho algumas perguntas para
te fazer.Há quanto tempo tu trabalhas no SASE?
R:Mais ou menos seis anos... Na verdade eu comecei a trabalhar na entidade instrutora de
datilografia e como eu tenho magistério e tinha essa vaga na entidade eu assumi, saiu uma
pessoa e eu acabei ficando.
Ent:Mas em que momento tu assumiu o SASE como educadora aqui dentro?
R:Pra me adaptar levei quase um ano, era uma realidade muito nova... eu não era de Porto
Alegre e graças a Deus hoje me considero uma vencedora. No início era difícil até pela
equipe de trabalho que não fechava muito bem.
Ent:E desde que tu entraste até este momento tu já tiveste contato com as normas e
regulamentos do projeto do SASE?
R:Já
Ent:E como foi esse contato com as normas na prática?
R:O projeto eu tive contato através de uma oficina no SASE com as normas e público alvo,
mas vendo assim geral não funciona. Sobre o nosso público, as atividades propostas tem a ver
com o projeto, mas a maioria dos programas não tem uma avaliação, fiscalização. Assim
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como tudo no Brasil, tem um projeto lindo, maravilhoso, mas nem sempre o projeto é
aplicado corretamente né... A gente tenta, mas 100% nunca se alcança... quando tá tudo bem
parece que não precisa melhorar né.
Ent:E quem que deu essa oficina pra vocês?
R: A Fasc promoveu... Mas o problema é que as pessoas na FASC trocam muito e muitas
vezes as pessoas vinham aqui aprender com a gente ao invés de ensinar.Às vezes chegava a
aqui: -ah mas como é que funciona, como é que vocês fazem? Então, toda a vez que mudava
a gestão era a mesma coisa, mudava a gestão que coordenava o SASE na FASC. Também
tinha situações que a gente esperava virem aqui pra trazer alguma solução... As pessoas que
estão na cabeça sabem muito menos que o pessoal que tá na base, na ponta trabalhando.
Então no dia-a-dia a gente tem que tentar resolver os problemas e não esperar que alguém
venha e resolva.
Ent:E vocês chegam a trabalhar o projeto, as normas e regulamentos com a coordenação aqui
da instituição?
R:Sim
Ent:E isso é feito em que momento?
R:Nas reuniões, sobre horários, sobre oficinas, oficina do tema, reuniões com os pais.
Ent:Quando tu falas do projeto que seria muito bonito realizá-lo, mas na prática... O que é
que tu percebe que este SASE desta instituição faz nesse sentido e o que poderia ser feito na
tua opinião?
R:Eu acho que a gente tem melhorado muito... Quando eu falei foi no geral, das entidades no
geral. Antigamente a gente não vinha fazendo isso. Até o público alvo não era o público alvo
do SASE. Se for ver, hoje todos estão dentro do regulamento, todos estão dentro do projeto.
O problema que acontece em muitas entidades é que as pessoas querem abraçar o mundo com
duas mãos. Às vezes tu vê entidades que não tem condições de atender a todas as crianças,
então acabam superlotando. É um acumulo de pessoas e aí não atendem bem... Como é que tu
vai atender se tu não tem espaços pra atender ou condições pra atender...?Claro que tem mais
SASES que são bons, talvez eu nem conheça todos.
Ent:Há uma articulação dos SASES entre si?
R:Tem. A gente sempre tem reuniões, seminários, oficinas em que há troca de idéias, mas é
pouco ainda.
Ent:Em que espaço isso ocorre?
R:Às vezes é uma vez por mês, agora a cada três meses.Quem propõe alguns desses
encontros é a Fasc. Eu já consegui e dei idéias nesses encontros. A importância desses
encontros é pra saber o que fazer em determinados momentos, como lidar com agressividade,
por exemplo. É muito melhor do que uma palestra.
Ent:Que problemáticas tu mais identifica entre as crianças e adolescentes que freqüentam o
serviço?
R:Conscientização de alguns pais, trabalhar com as crianças não é difícil, o difícil é trabalhar
com as famílias, se as crianças estão aqui é porque as famílias têm problemas.
Ent:E que problemas?
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R:Conflito social, fome, violência, abuso. A principal coisa é a questão da mendicância, é um
problema, é difícil trabalhar com a família... A gente diz pro pai que não deve bater, mas ele
devolve dizendo que apanhou na infância e não deu nada, isso é muito complicado.
Ent:E tu acreditas que as crianças sabem ou reconhecem porque estão aqui?
R:Eu acho que sim.
Ent:Em que sentido?
R: Pelo que eles falam, não sei se realmente os pais falam, mas pra mim eles sentem.
Ninguém chegou e disse: - ah, tu tá aqui porque apanha ou passa fome, mas eles sentem, eles
sabem que precisam de ajuda.
Ent:E como tu percebes a relação do SASE com a escola, a família e a comunidade?
R:Bom, em relação à escola... A gente cobra o tema e algumas crianças melhoraram muito.Eu
percebo que os pais recorrem à gente quando tem algum problema na escola, só que nem
sempre a escola percebe e valoriza isso. Porque nós tínhamos uma ficha pra mandar pra
escola para avaliar se a criança estava irregular e regular. Antes tinha que colocar a
porcentagem das crianças que vinham e não vinham aí reclamaram( a escola) então
resolvemos mudar, colocar só regular e irregular. Aí tem professor que acha que não é função
dele e manda pra secretaria, aí a secretaria devolve para a professora e ficam pipocando. Pra
mim parece que é bom que a criança fique irregular e ninguém se importa com isso na escola,
porque é menos uma criança pra ir pra escola e incomodar. Dá essa impressão, quanto menos
criança ir melhor pro professor, falta colaboração maior. Tem coisas que a gente trabalha na
hora do tema aqui que eu vejo que se a escola tivesse menos alunos na sala poderia trabalhar
melhor, por exemplo o afeto na sala de aula.
Ent:Tu vês diferença no educador do SASE e educador da escola?
R:Acho que sim, o educador do SASE trabalha mais com o coração e educador da escola
mais com conteúdo. Deveria ter uma parte de cada, um pouco de emoção e afeto e um pouco
conteúdo, mas geralmente estão focados só no conteúdo. Tem que vencer todo o conteúdo da
secretaria da educação então não sobra espaço pro afeto, para um olhar diferente para a
criança.
Ent:E como o SASE trabalha essa questão do coração?
R:Bom, eu vou falar por mim. Tem que trabalhar o planejado para a oficina, mas teve um dia
que não trabalhei porque a turma tava tão agitada... Aí eu tive que ficar mais ou menos uma
hora trabalhando a questão do respeito, valorização deles, da família, tem que trabalhar o que
a escola e a família não trabalham. Se o SASE não enxergar essa criança ninguém mais
enxerga. Às vezes tu tem que chamar a atenção porque nem tudo é festa, tem que dar carinho,
ouvir.
Ent:E como tu vês a relação do SASE com a família?
R:Eu acho que a maioria das famílias valoriza muito isso daqui, nas reuniões de pais a gente
tem uma boa participação... Mas tem alguns pais que as crianças estão aqui somente porque
foram encaminhadas pelo conselho tutelar... Então os pais não percebem isso aqui como um
serviço de proteção pro seu filho, preferem que eles estejam nas ruas pedindo, pois assim
estarão ganhando e levando dinheiro para casa. A gente percebe que as crianças podem faltar
à escola, a tudo, menos ao SASE.
Ent:E tu percebes isso da criança ou dos pais?
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R:Da criança e dos pais. A gente percebe que nas reuniões os pais querem conversar com a
gente, alguns dizem: - dá uma olhada no fulano que eu não tenho tempo de cobrar o tema,
essas coisas...Agora tem famílias que não aceitam que tu chames pra conversar, que é perda
de tempo.As famílias que a gente tem dificuldade pra trabalhar são as que mais precisam
estar aqui
Ent:E tu achas que hoje o SASE esta trabalhando bem com a família?
R:Eu acho que sim. A gente tem feito trabalhos também com a psicologia, com os pais em
forma de oficina, trabalhar sexualidade, não só reunião informativa. A psicóloga chama a
família pra conversar. Não basta trabalhar só a criança.
Ent:E como tu percebes a relação do SASE com a comunidade?
R:A gente tem muita procura pro SASE, uma fila de espera enorme, então é uma entidade
que acolhe... Porque aqui muita gente procura e nem todos que procuram têm necessidade de
estar aqui. Mesmo assim eles procuram porque acham importante, porque tem uma
preocupação de que o filho vai fazer algo errado no turno inverso ao da escola ficando na rua
ou em casa, então eu acho que a comunidade valoriza... Por outro lado, tem gente que
percebe assim: - ah o SASE só atende filho de marginal...Isso acontece porque não
conseguem enxergar o trabalho que é feito: - ah porque meu filho não tá aí então vou me
revoltar, eu trabalho e meu filho não tá aí e o filho do bandido tá aí... Não entendem que o
trabalho do SASE é justamente pra essas crianças. Se o pai tá preso, o que vai ser dessa
criança?Dizem:- porque não aceitam meu filho e de marginal sim?
Ent:E tu percebes alguma mudança na vida dessas crianças desde que estão no SASE?
R:Bom, a gente tem exemplo de criança que não abria a boca nem pra dizer o próprio nome,
isso que já estavam na escola e a escola dizia que outro colega tinha que responder a chamada
por ele porque o aluno não respondia. Não era só timidez, era medo de falar e hoje já está
fazendo, já apresenta, já quer um papel ( teatro) que tenha mais falas, é uma construção. Tem
muitos que entraram aqui com 8 já estão com 12 e são uma lição de vida pra gente ,
valorizam o que a gente faz, estão procurando cursos pra fazer, futebol e eram crianças antes
reprimidas...As pessoas olhavam e achavam que elas não tinham a menor chance de vida e
hoje a gente percebe isso..tem mais sucesso do que insucesso..A gente não consegue resgatar
todos mas a gente tenta.
Ent:E esse não consegue resgatar é o que?
R:Resgatar valores, vontade de querer crescer e mudar... Também o apoio da família que é
difícil e às vezes não se tem esse apoio, mas a criança consegue por si só vencer e isso é mais
importante ainda, pois tu percebe que o teu trabalho foi muito forte em cima dessa criança.
Ent:E quando teve insucesso o que ocorreu?
R:Tivemos casos de crianças que saíram e engravidaram, de coisas que a gente pensa:- puxa
como aconteceu? Quando ela sai do atendimento é uma fase que tem que vencer... Quando
aqui a gente tenta proteger mas quando tem 14 anos e sai da entidade falta um trabalho
continuado...não há continuidade.
Ent:E por quanto tempo essas crianças ficam no SASE?
R:Até estabilizar a família, não tem que entrar com 7 e sair com 14. Quando a gente percebe
que a família conseguiu superar sua problemática e a criança não está mais em risco, ela sai
para dar vaga para outras crianças... Mas é conversado para a família,tentar mostrar o lado
bom, que se ela não tá aqui é porque conseguiu superar a vulnerabilidade, necessidades.
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Ent:Então a criança pode ser desligada pela entidade?
R:Sim, pode ficar seis meses como sete anos, vai depender da situação.
Ent:E quem faz o trabalho de ajuda, retaguarda com as famílias?
R:Nós temos assistente social da entidade e outras da região, também tem a psicóloga aqui,
acho que é um conjunto de redes e ações.
Ent:Então pra finalizar. Partindo do pressuposto de que o SASE é uma política publica, como
tu vês o SASE hoje e que sugestões tu terias pra mudanças, se acha que tem que mudar ou
não?
R:Eu acho o SASE extremamente necessário. Já tem projetos de a escola trabalhar de forma
integral. Só que de que maneira a escola vai trabalhar o que o SASE trabalha hoje, se nem no
seu turno formal consegue trabalhar direito?Eu acho ótimo a escola querer fazer isso, mas é
algo que está longe de ser alcançado. Então tem que valorizar mais as entidades que tem esse
serviço. O recurso passado é muito pouco, principalmente para os educadores. Eu acho que
tem que aumentar a fiscalização desses serviços, mas uma fiscalização rigorosa e o que não tá
certo tentar mudar. Porque muitas vezes o coordenador vê que tá errado e tenta se impor e às
vezes acaba deixando pra não se incomodar. Acho que falta uma pessoa que fiscalize.
Ent:E de onde seria essa pessoa de fora que fiscaliza?
R:Acho que até da Fasc...O problema é que hoje tem uma pessoa só pra fiscalizar várias
entidades. Eu acho o SASE um serviço extremamente necessário. Cada vez mais tu sente isso
pela procura. Às vezes tu vê crianças que precisam estar aqui, mas não tem como atender por
falta de espaço e não adianta lotar a sala de crianças, senão vira depósito, o educador não
consegue trabalhar e pelo recurso financeiro repassado não teria como. Falta investimentos na
entidade, profissional.
Entrevista 5: “Sandra” (nome fictício) – educadora de SASE. Data: 21/07/06
Ent:Há quanto tempo tu trabalhas no programa SASE?
S:6 anos
Ent:Mas nesta instituição?
S:Estou nesta instituição há quatro meses.
Ent:E antes em qual SASE tu trabalhavas?
S:Eu trabalhava na Gov R.B. e V. F. também.
Ent:E esses SASES eram conveniados?
S:Sim, pela Fasc. No que eu trabalho à tarde está conveniado há seis meses. Antes sobrevivia
de ajudas, doações do Lions club e a partir do convênio retiraram a ajuda.
Ent:E nesse período todo tu já tiveste contato com as normas, regulamentos do SASE?
S:Tive contato, mas não me detive a ler todo, dei uma lida no projeto da Fasc.
Ent:E tu já tiveste alguma oficina sobre o projeto?
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S:Não
Ent:E como tu o observas na prática?
S:Vejo muita dificuldade em executá-lo, principalmente na prestação de contas. A parte
pedagógica é difícil também porque chega na hora e não tem material para utilizar.
Ent:Por quê?
S:Ou tu te detém a fazer uma linha como a escola ou recreacionista ou tu mescla como ocorre
aqui, mas onde eu trabalhava era só tu pra fazer de tudo em pouco, então tinha que dar aula
de tudo, de dança, de teatro. Na outra entidade eu trabalho com 31 crianças sozinha a tarde,
então tem essa diferenças daqui, assim como tem entidades que trabalham todas as idades
numa sala só.
Ent:Quais as diferenças que tu observa no daqui e no outro?
S:Diferença até na administração, a de lá não se preocupa com a parte pedagógica então tu te
vira conforme pode né. Outra diferença é o jeito das crianças também , são carentes demais
principalmente da figura de pai, não querem ir pra escola, fogem da escola, pra ir pro
SASE.... Lá também não tem almoço. Nós temos lá 40 metas e atendemos a 60 crianças por
vontade da escola.
Ent:E quanto à coordenação?
S:O daqui nos dá toda a base para o trabalho. Lá tu não tem, te vira pra fazer... Já é a terceira
coordenadora que passa lá porque a dirigente da associação de moradores tem medo de
perder o poder. Outra é que lá ninguém tem formação acadêmica, só segundo grau, eu só que
estudo pedagogia e me formo o ano que vem na Ulbra... A remuneração lá também é
diferenciada, uma só de carteira assinada e outros autônomos, como eu. Quanto ao projeto eu
acho que era importante a coordenação, quando a gente começa a trabalhar, apresentar o
projeto. Pela prática a gente sabe quais são os critérios para as crianças estarem aqui.
Ent:Que problemáticas tu mais identifica entre as crianças que freqüentam o SASE?
S:Falta de carinho é enorme. Se eles chegam brabos, irritados tu pode ter certeza que algo
aconteceu em casa, o único lugar que eles podem explodir é aqui é no SASE.Eles sabem que
aqui alguém vai ouvir eles. Dentro do SASE em si, às vezes a gente vê briga, moram perto,
trazem brigas da rua pra cá. Outra questão é a sexualidade aflorada, principalmente no SASE
da tarde e aí penso: será que não é porque estão juntos com os grandes também? Mas tu vê na
rua assim, 7 e 8 anos querendo namorar. As mães às vezes não conversam direito com as
filhas. Uma vez vieram duas crianças desesperadas dizendo que estavam grávidas porque
tinham menstruado porque a mãe havia dito que se elas menstruassem iriam engravidar...
Então ela chorava (uma das meninas) cada vez que chegava perto dos guris. Tem aquela
menina que a mãe não deixa se arrumar muito, pois tem medo que alguém pegue na rua... As
condições de moradia também são precárias.Os pais não conversam muito em casa, a família
às vezes não entende qual é o trabalho, são resistentes. Aqui as crianças só entram no SASE
após ter sido feita a visita. Em algumas entidades a visita é feita depois, aí é difícil avaliar. Na
outra entidade que trabalho há dificuldade também em relação ao espaço físico, são poucas
peças, é sala de SASE e cozinha.
Ent:Como tu percebes a relação do SASE com a escola, com a família e com a comunidade?
S:Com a família eu percebo que eles não têm grande preocupação, sabem que o filho tá bem
e aí não precisam vir mais. Vem no começo e depois desaparecem. Eu vejo que a família não
está muito preocupada com o filho. Com a escola eu vejo que ela está meio querendo se
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enciumar, eu vejo que as crianças querem mais saber do SASE do que da escola. Já foi feito
reunião de rede como uma escola que foi proposta por ela mesma, veio o pessoal do SAE
conversar com a gente. Às vezes tem crianças que faltam turno no SASE porque tem
laboratório de reforço na escola, então essa comunicação é importante pra saber se realmente
está tendo alguma atividade na escola e não está faltando. A questão é que a família passa
uma responsabilidade que é sua para as instituições. Com a comunidade eu vejo que há uma
grande lista de espera pelo SASE. Na outra entidade a coordenadora superlota de crianças e o
que adianta? A gente chega lá e as crianças estão todas sentadas sem poder se locomover
muito. Aqui eu sinto que através das reuniões com os educadores a gente tenta se ajudar. Eu
acho o SASE um programa muito importante ainda mais com a violência que tá por aí. A
gente já teve casos de crianças que estão no programa PETI, mas mesmo assim encontramos
no fim de semana pedindo dinheiro na rua. A principio eu acredito que a comunidade dá
importância ao SASE
Ent:Que mudanças tu percebes na vida das crianças desde que entraram no SASE?
S:Várias, desde crianças me dizendo que o pai e a mãe usam droga e que ela não quer isso pra
ela. Mas vejo que tem crianças com muita dificuldade de mudar, a situação familiar não
ajuda. Teve um que me dizia que traficar ganhava dinheiro mais fácil, então eu disse pra ele
fazer um curso de administração de empresas que pelo menos faria aquilo de forma
inteligente (risos) Por mais que a gente mostra que a realidade possa ser diferente não é fácil
para eles chegar em casa e ver a mãe bêbada atirada num sofá...Tem crianças que vão pro
SASE comer e vão embora.
Ent:E como tu vês a relação do SASE com a família?
S:Bom, quem trabalha é a assistente social. Às vezes nem é falta de material e sim
necessidade de escuta. Às vezes vem procurar para saber o que fazer com os filhos. Às vezes
a família não vem até ti, mas vejo que há mudanças no conceito da família. Às vezes os pais
não vêm nas reuniões quando chamados, acham que é baboseira.
Ent:E quanto tempo essas crianças ficam no SASE?
S:Depende, eu vejo que as meninas saem antes porque as mães vêem que elas já estão
grandes o suficiente para cuidar da casa. Eu vejo que a gente faz uma avaliação aqui das
crianças, tem fila de espera grande e quando a gente vê que a vulnerabilidade foi superada a
gente dá vaga para outras crianças, mas eu vejo que no outro SASE não é assim, as crianças
vão ficando sem muito critério. No inicio e meio do ano aqui há uma avaliação de cada caso.
Lá também o problema é que a gente trabalha muito com voluntários, aí não se pode exigir
demais né... Nessa outra entidade que eu estou eu já trabalhei lá um tempo atrás e saí por
teimosia da coordenadora em aceitar idéias, acabei voltando por insistência dela e também
porque uma educadora saiu de lá e falou na frente das crianças que lá só tinha um monte de
demônios, aí não dá né...
Ent:Como tu percebes o SASE como uma política pública e a necessidade de sua existência?
S:Eu acho que pelo próprio fato de entidades estarem buscando convênios é porque há
necessidade... Onde no futuro as mães poderão dizer: - meu filho além de freqüentar a escola
tinha um espaço à tarde onde aprendia coisas diferentes e não ficava na rua.Eu vejo o SASE
como uma política pública não só na parte da educação, mas assistencial também, pois temos
o apoio de assistente social e outros profissionais que trabalham também com a família né. A
Fasc valoriza mais o trabalho agora. Hoje a gente sabe que a política tá apoiando. E está cada
vez mais claro que aqui não é um extra classe, não é uma continuação da escola, a proposta é
outra.
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Ent:Pra ti qual o objetivo do SASE?
S:Bom, acho que um deles é erradicar o trabalho infantil, mas o maior objetivo é formar
cidadãos conscientes de sua realidade, seu país, que podem fazer um mundo melhor, dar voz
à criança, que ela não é um simples marionete que alguém manipula...Eu acho que não tem
hoje em dia alguém preocupado em saber como é o SASE e divulgar esse trabalho. Material
específico pro SASE não existe. Há pouca gente preocupada em estudar isso. As pessoas na
universidade não conhecem muito a educação social. Até a escola, também é uma coisa nova
para ela. Conhecer as crianças e sua realidade é uma coisa nova, o afeto é diferente.
Ent:Bom Sandra, muita obrigada pela entrevista
Entrevista 6: “Alexandre” (nome fictício) – pai de duas crianças matriculadas no SASE. Data:
02/08/06
Ent:Bom dia, quantos filhos tens aqui no SASE?
A:Dois filhos, uma com 13 anos e outro com 10 anos.
Ent:Há quanto tempo eles estão aqui na instituição?
A:Tem uns 4 a 5 anos já.
Ent:E o que fez eles ingressarem?
A:Eu trabalhava fora e minha esposa também aí eles não tinham onde ficar. Eu trouxe eles
aqui através de uma vizinha. Eles ficavam muito na rua...
Ent:E o que acontecia?
A:Eles saiam por aí né, no campo, tinha uma lagoa onde eles iam também, era perigoso.
Ent:E tu tens percebido mudanças neles desde que estão aqui?
A:Minha filha tá adolescente e não pára quieta. Mas antes era muito explosiva e já é mais
calma agora , não responde tanto. O L. ( filho)também está mais calmo.
Ent:Como a comunidade percebe o SASE?
A:Acham o SASE uma coisa muito boa, da minha parte eu nunca tinha visto isso, depois da
escola ter um lugar para as crianças ficarem. Nunca ouvi queixa.
Ent:E pra que serve o SASE?
A:Pra ajudar as famílias, as crianças a não ficar na rua e não ter problemas com drogas. O
SASE ajuda muito nesse sentido.
Ent:E tu acha que a comunidade mudou com a vinda do SASE?
A:Bom, da minha parte mudou bastante. Mas não sou muito de tá conversando com as
pessoas, só converso quando venho nas reuniões.
Ent:E o SASE tem alguma participação junto às famílias?
A:Tem, ajuda psicologicamente a gente. Ajuda no que eles não têm em casa, os pais
trabalham e tem problemas. Tem as reuniões com os educadores uma vez por mês.
Ent:O que se debate nessas reuniões?
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A:De tudo, sobre comportamento das crianças, higiene, colégio.
Ent:E essas reuniões são importantes?
A:Muito, porque os educadores podem ajudar a gente.
Ent:E a interação do SASE com a escola como é?
A:Não sei bem como é ...Acho que deveria ter comunicação para ver se eles tão indo ou na
escola. Por exemplo, meu filho falta à escola mas vem ao SASE. Prefere o SASE do que a
escola. Ele faz que vai no colégio e quando vejo ele tá em casa, aí converso com ele e tenho
que levar pela mão. Aí depois pensam que são os pais que não querem levar os filhos. Esses
dias estavam falando na TV que criança tem que ir para a escola. Falta comunicação da
escola.
Entrevista 7: “Cíntia” (nome fictício) – mãe de duas crianças matriculadas no SASE. Data:
02/08/06
Ent: Tu tens quantos filhos no SASE?
C:Dois, o A. de 10 anos e o And. de 8 anos.
Ent:Há quanto tempo eles estudam aqui?
C:A. há três anos e And. há um ano.
Ent:Qual foi o motivo que fez os dois ingressarem?
C:Não tinha com quem deixar e ficavam em casa sozinhos...O A. pulava a janela e ía pra rua.
Meu marido trabalhava à noite e de dia ficava em casa, mas dormia. Então o guri ficava
sozinho.
Ent:E o que ele fazia na rua?
C:Ele saía pra andar de bicicleta e jogar bola, mas eu tinha medo que se machucasse.
Ent:Tu tens percebido mudanças neles desde que estão aqui?
C:O A. mudou muito. No inicio ele era bem avoado e não dava bola pra nada, não estudava.
Depois que ele começou a participar das atividades aqui criou mais juízo, mudou pra melhor.
Eles adoram o SASE. O And. entrou pelo mesmo motivo.
Ent:E como a comunidade percebe o SASE?
C:Pra mim é bom e eu acho que pra comunidade também, saber que teu filho tá sendo bem
cuidado e fazendo algo mais, estudando , trocando com colegas da comunidade e aprendendo
a respeitar o outro.
Ent:E pra que serve o SASE?
C:É uma ajuda a mais, pra não deixar meus filhos na rua. No SASE se faz muita coisa como
ensino, educação.
Ent:E tu percebes que a comunidade mudou por causa do SASE?
C:Com certeza, só de não estarem na rua no meio das drogas já é uma mudança muito
positiva porque se eles não estivessem aqui estariam na rua, assistindo ou fazendo coisa
errada.
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Ent:Tu achas que faltam mais serviços assim?
C:Muito, se falta... Tem muita criança que não teve esse privilégio. Assim como trabalho
educativo acho que tem poucas vagas para os adolescentes.
Ent:E o SASE tem alguma participação junto às famílias?
C:Chama para dar um retorno do que tá acontecendo com o filho, essas coisa... Tem reuniões
e encontros, tem a noite cultural onde as crianças mostram as atividades que fazem aqui para
a comunidade e eu acho isso muito importante. Os pais participam, na verdade os pais vêm
mais nas noites culturais do que na reunião de pais.
Ent:E porque tu achas que eles vêm mais nas noites culturais do que na reunião de pais?
C:Eu acho que é porque eles não sabem o que será dito na reunião e se será dito sempre as
mesmas coisas, acho que é isso ou é desinteresse total mesmo.
Ent:Tu achas que o SASE deveria fazer mais trabalhos junto às famílias?
C:Eu acho que é sempre bom mais, mas eu não teria nesse momento algo para sugerir.
Ent:E como é a relação do SASE com a escola?
C:Bom, a professora do And. acha que eu deveria tirar ele do SASE porque no entender dela
ele não tá progredindo e sim regredindo porque ele bagunça mais e não aprende nada, que vai
à escola só pra bagunçar, só quer colocar apelido. Já com o A. nunca tive problema no
colégio em relação a isso porque foi depois que ele entrou pro SASE que começou a melhorar
na escola né.
Ent:E tu concordas que o SASE possa estar prejudicando o And.?
C:Não, porque quando eu preciso vir aqui conversar com alguém e receber orientação eu
venho e converso com a R. que é educadora do And. e ela sempre tenta ajudar ele. Eu
discordo da professora da escola devido ao jeito dela ensinar. Por exemplo, a educadora daqui
identificou um erro da professora na escola numa correção do caderno do And. e acho que ela
não gostou muito né.
Entrevista 8:Elisa” (nome fictício)– mãe de duas crianças matriculadas no SASE. Data:
9/08/06
Ent:Há quanto tempo seus filhos estudam nesta instituição?
E: Bom, a M.(filha) há mais de dois anos, ela tem 10 anos de idade. O P.(filho) está há alguns
meses, tem 7 anos.
Ent:Qual foi o motivo para eles ingressarem aqui no SASE?
E:Primeiro pelas condições financeiras que não é muito boa, nem o psicológico não é muito
bom.Financeiros, ambos desempregados, tanto eu como meu marido, e o psicológico porque
nós dois somos descoordenados. Nosso modo de viver em casa é muito grotesco e isso afeta
psicologicamente as crianças, principalmente os mais velhos. O pequeno de 6 anos olha pra
mim e manda eu parar de falar palavrão, porque eu falo muito palavrão, então ele me
corrige.Ele acaba me dando um limite eu me dou conta na hora que tô errando pra caramba.
O pequeno tá na creche V. A.
Ent:E tu percebes mudanças nas crianças nesse período que estão no SASE?
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E: No P. não. No meu ponto de vista ele tá mais preguiçoso, só quer saber do fla-flu que tem
no SASE, na hora do tema tem preguiça de fazer. Em relação à M. mudou bastante porque ela
era uma criança muito estúpida, não era amigável, pelo menos em casa... Quando chegou
aqui na entidade tava muito empolgada pois ia conhecer amigos, começou com teatro, aula de
dança... Mas ela ora se interessa por uma atividade, ora não, tem problema na relação com os
meninos. Mas no geral ela mudou 100%, ficou mais minha amiga, ela chega em casa
contando o que aprendeu.
Ent:E como a comunidade no entorno percebe o SASE?
E:Um terço percebe como uma má influência para as crianças, dizendo: - ah, naquele SASE
só tem maloqueiro, só aprendem coisa ruim lá. Em algumas escolas, principalmente na do
meu filho, a professora não aceita. Por ela ele não tava aqui, porque ela diz que ele é mal
influenciado. Mas não é má influência do SASE e sim dos coleguinhas. Na semana passada
teve dois dias que ele disse que ía pro SASE mas ficou passeando de ônibus pelo Leopoldina.
A má influência é de dentro de casa e não do programa. O SASE tá aí pra incentivar, a gente
é bem recebido e a ajuda chega até a criança
Ent:Quando tu falas em falta de condição psicológica o que tu queres dizer com isso?
E:Olha, ficando em casa tem a influência da TV que ora traz coisa boa, ora não. Por exemplo,
desenho de lutinha, olham na TV e querem sair dando soco na rua, eu não gosto disso. Ontem
tive diálogo com as crianças e conversei sério com eles, que eu me viro pra tentar dar
educação. Às vezes falta comida... Aprontaram pra mim e eu falei pra eles que se
continuarem aprontando vou tirar eles do SASE. Os professores daqui vieram se queixar dela
(M.) que tá respondendo pra professor, teve ato de racismo com um coleguinha que eu achei
errado da parte da M. Conversei, ela tomou suspensão. Dentro de casa ela é tranqüila, mas na
rua me apronta. Na verdade falei que ia tirar do SASE só para amedrontá-los, o P. entrou em
desespero e disse:- mãe não faz isso, eu gosto de ir lá. Pô... vem bilhete da escola, bilhete do
SASE... Eu disse pra eles que qualquer dia vou embora e deixá-los só com o pai aí a M.
puxou os dois menores pro quarto e resolveu conversar com eles sobre isso, pra mudarem o
comportamento e fizeram um trato... Só sei que o P. pegou e foi tomar banho sozinho, a M.
dividiu os lápis de cor dela e ajudou a fazer o tema dele, coisa que nunca faz. Naquele dia
mesmo jantaram, comeram arroz e feijão e tomaram um copo de café cada um, que era o que
tinha. Me agradeceram pela janta e foram deitar, não houve gritos, ignorância, nem nada.Mas
depois de tudo isso fiquei com aquele peso na consciência de quem falou demais...
Principalmente de eu ter dito que iria embora mas depois pensei - quem sabe um susto - e
valeu pois a M. foi uma que disse que iria mudar. Me pediu que eu a levasse até a porta do
SASE, mas pedi a ela que parasse com discriminação dentro do SASE e aí eu disse pra ela: -
tu não é melhor que ninguém, tu não nasceu no bairro, tu nasceu na vila e a educação e
higiene prevalecem em primeiro lugar. A M. tem um problema com o masculino, preconceito
contra homem. Domingo ela brigou feio com uma vizinha de 8 anos e eu odeio baixaria. O
A.(marido) não é companheiro não me ajuda, fica fumando maconha, não procura emprego e
ao mesmo tempo não deixa eu procurar qualquer emprego tem muito ciúme.
Ent:Tu falaste que tem pessoas que na comunidade dizem que aqui tem um bando de
maloqueiro, onde tu escutas isso?
E:Sempre que eu vou na assistente social daqui tem umas mães esperando na fila e eu ouço
uns comentários sabe... Tipo: - ah meu filho tá ali, mas só tem marginalzinho, vou falar com
o professor e eles dizem pra mim esperar que vão resolver. Eu já cansei de tirar as dores pelo
programa (SASE) eu sempre digo: - olha meus filhos tão aqui dentro e até agora não
aconteceu nada. Tem uma ex - aluna daqui que segundo a mãe entrou em paranóia, ela ficou
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aqui pouco tempo e começou a ficar rebelde com a mãe. Mas eu conheço aquela mãe, é uma
pessoa ignorante e sei que ali o problema era ela e não o programa e disse pra eu tirar os
meus filhos. Que a B. pegou e foi pro Leopoldina e tava dormindo no meio de um monte de
drogados, mas o problema é em casa... Mas eu defendi minha posição pois sei que o SASE é
bom pra minha filha. Tanto é que agora a M. tá suspensa e tá em casa sem fazer nada,
olhando TV e dormindo.
Ent:E pra ti para que serve o SASE?
E:Pra mim é uma creche em meio turno, para as mães que tem que trabalhar ter onde deixar
as crianças. Antes de a M. entrar aqui ela ficava sozinha em casa e quase colocou fogo dentro
de casa. Por mais que eu pedisse pra ela ficar em casa, às vezes ela saía e ficava na casa de
vizinhas, mentia. Hoje ela é caprichosa, mais cuidadosa. Nem creche tem psicóloga e aqui
tem, é muito bom.
Ent:Tu achas que a comunidade mudou depois que entrou o SASE?
E:Cem por cento, porque é onde as pessoas podem recorrer não só ao SASE, mas também à
assistente social, psicóloga, porque antes as pessoas não conheciam esses serviços. Ali na
minha comunidade tem muita gente ignorante no sentido de desconhecimento. O que eu tento
passar pras pessoas é que o programa é uma ajuda muito grande.
Ent:E o SASE tem alguma participação junto às famílias e de que forma?
E:Bom, a psicóloga, aqui tem apoio psicológico porque muitas crianças que tão aqui não é só
por questão financeira e sim emocional também. Porque muitos pais são drogados , outros
“cadeieiros” (cadeia), outros vagabundos mesmo. Tem crianças que tem problemas piores
que dos meus filhos. Por exemplo, os filhos da N.(entrevistada), os quatro tão aqui e ela
levava os quatro pequeninho pra ver o pai na cadeia. Eu achava uma judiaria isso, acho
errado, martirizando as crianças. Eu nunca fui naquele lugar, deve ser horrível, mas eu tiro
por base o que vejo nos filmes e novelas, é frio, sombrio. Eles contavam que foram na cadeia
ver o pai e convidavam meu filho. A mãe deles é minha vizinha. Ela apanhava muito desse
homem dentro de casa e aquilo me enojava. Eu dei graças a Deus quando ela veio buscar
ajuda do SASE. Meu marido diz que eu tenho que cuidar dos meus filhos e não me preocupar
com o filho dos outros, mas eu sou assim. Nós moramos em frente uma da outra. As crianças
delas chegam da escola e vão direto pra minha casa, eu até ajudo a botá-los de castigo quando
precisa, ajudo a N. Esse programa pra mim é uma mão na roda porque eu não tive isso aqui
quando era criança. Quando eu vim morar na região nordeste era tudo chão batido eu moro
aqui há 31 anos. Antes eu aceitava o sofrimento, achava que a vida era isso mesmo, agora não
aceito mais, não quero isso pros meus filhos não, por isso que eles tão aqui... quem faz a vida
é a gente.
Ent:E como o SASE chama as famílias pra conversar?
E:Uma vez por mês tem reuniões, onde os pais são chamados pra conversar, sobre o
calendário. É um lugar onde podemos reclamar sobre alguma criança também. A
comunicação se dá muito pela agenda. Meu marido reclama que a gente tem que ir lá e ouvir
sempre a mesma coisa. Ele só vem na reunião se eu o pressiono muito.
Ent:Como se dá a relação do SASE com a escola?
E:Olha não é bem recebido... A professora da M. sempre reclama que ela dorme na sala de
aula pois fica muito cansada do SASE. Eu não concordo porque pelo que eu saiba as
atividades do SASE nos dias da semana são leves. Além do mais eu tenho uma vizinha que a
filha dela não tá em programa e fica dormindo até 11:00hs da manhã, só vai pra escola a
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tarde, não cria rotina nenhuma nem para alimentação. A professora pediu para eu ajudar mais
a M. nos temas. E eu não sei matemática, apesar de vender Avon quem faz as contas pra mim
é minha cunhada. Até peço desculpa pra professora R. por causa da minha escrita. Meu
marido terminou o 1º grau mas eu sinto que eu tenho muito mais capacidade de entendimento
do que ele, de interpretar as coisas do que ele. Eu tenho a 2º série incompleta, mas eu vejo
televisão, eu escuto rádio, eu tenho vontade mas eu sou preguiçosa...(risos) e acho que nisso
os filhos puxaram a mim, tem preguiça de copiar a matéria.
Ent:Tu achas que a escola em geral não vê com bons olhos o SASE?
E:Não no meu ponto de vista, principalmente pelo cansaço das crianças. Converso com as
crianças que elas estão aqui porque precisam, pelo psicológico, pela educação enfim.
Ent:Tu acha que é muito pra criança ter atividade em dois turnos?
E:Não, às vezes eu faço ela faltar um dia ou dois, mas depois justifico com a prof. R. ou S.
Às vezes ela tá cansada muita dor de estômago e enjôo. Já levei no médico pra fazer exames
pra ver se é stress dela. Mas se ficasse em casa eu também ia dar atividade pra ela fazer né,
tipo lavar a louça, arrumar cama, eu prefiro ela de cabeça ocupada, prefiro ela no
programa.Ontem ela recebeu suspensão e disse: - Graças a Deus vou ficar em casa... Aí
chegou em casa e eu botei ela pra arrumar casa, mal e porcamente cuida dos irmãos quando
chega e quer descansar. Fiz isso pra mostrar pra ela que ela não pode ficar desrespeitando
professor na escola. Às vezes ela diz: - mas mãe eu quero brincar eu ainda sou criança! Aí eu
digo:- olha-te no espelho e vê se tu ainda é criança! Eu digo pra ela:- vai brincar sim, mas no
sábado! Porque nos últimos dois meses pra cá durante a semana é só castigo e peço então pra
ela analisar o comportamento dela.
Ent:Tu achas que suspensão resolve?
E:Não sei te dizer, porque a M. tá crescendo e ficando uma criança muito franca e sincera e
isso prejudica a ela própria. Na franqueza e sinceridade dela tá sendo mal criada, grossa e isso
pra mim tá estragando ela, então semana que vem ela vai vir e dialogar contigo. O pai não
senta pra dialogar não fala nada, pois ele acaba dormindo de manhã também... (pausa) E
ontem teve um atrack da polícia lá na minha sogra que eu chamo o antro da perdição e o
A.(marido) tava fumando maconha na frente da casa, que bonito né... Ele saiu correndo pra
dentro da casa da minha sogra desesperado (isso tudo é o que me contaram né) e atirou a
maconha atrás do sofá... E a polícia entrou já revirando tudo, fez uma limpa e segurou ele
pelo cangote ameaçando ele aí o sobrinho dele apareceu falando dos direitos, que a policia
não podia entrar na casa sem um mandato. Aí quando cheguei fui já falando: - bonito né, ao
invés de sair a procura de trabalho, ir na Seasa procurar alimento ou catar lixo, fica aí
fumando maconha, tu não tem vergonha mesmo. Aí a mãe dele já se meteu dizendo que eu
tava brigando com ele...Mas quem paga conta de casa e põe comida sou eu e a mãe dele fica
acobertando ele. A M. não viu a polícia mas ouviu nossa discussão depois. Ele me acusou de
não estar trabalhando fixo aí a M. respondeu: - a mãe não tá trabalhando porque tu fica
escolhendo trabalho pra minha mãe, tu não dá exemplo pra mãe... Aí ele mandou ela calar a
boca e eu a defendi. Muitas vezes ele vem na reunião de pais chapado...Quando ele usa
drogas fica que nem uma criança , dias atrás tava brincando com uma arma pra se aparecer.O
que estraga as crianças são as discussões na frente delas. Eu já disse pra ele que vou marcar
um horário pra ele conversar com a psicóloga.
Entrevista 9: “Nadir” (nome fictício) – mãe de quatro crianças matriculadas no SASE. Data:
09/08/06
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Ent:Quantos filhos tu tens matriculados aqui no SASE?
N:Quatro filhos
Ent:E idades?
N:13,11,8 e 9
Ent:Há quantos anos eles estudam aqui?
N:A F. e a Fran. vão fazer 5 anos, o Ad. 3 anos e B. vai fazer 2 anos
Ent:Então tu conheces bastante o SASE né?
N:Pô... Se conheço...
Ent:E o que fez eles ingressarem no SASE?
N:Como eu sou sozinha deixava eles sozinhos em casa para poder ir trabalhar, não tinha
quem cuidasse deles... Fui procurar a assistente social e pedir ajuda porque era muito
perigoso eles ficarem em casa.
Ent:Tu cuidava deles sozinha por quê?
N: Há sete anos atrás meu marido foi preso (assassinato) e eu fiquei sozinha para cuidar deles
né e eu que sustentava tudo, comprar roupa, comida, calçado. Aí uma vizinha me disse que
tinha o SASE né aí vim ver como era e expliquei pra assistente social como era a minha
situação, a forma como eu vivia né. Era uma época em que a vila que eu moro era muito
violenta e eu não tinha condições de pagar creche e nem outra pessoa para cuidar deles.
Ent:E desde que eles estão no SASE tu tens percebido mudanças neles?
N:Ah, bastante...Se tornaram pessoas mais educadas.No colégio também são mais
responsáveis em levantar de manhã, em vir pro SASE. Me contam as atividades que vão
realizar... Pra eles é uma coisa boa... Às vezes nem preciso acordar eles, às vezes eles
dormem até arrumados com a roupa pra vir no SASE.
Ent:E como a comunidade percebe o SASE?
N:Olha... Eu tenho quatro vizinhas que tem filhos aqui e todas acham bom porque assim as
crianças não ficam na rua, não tão trabalhando na rua e pelo o que a gente comenta quando a
gente se encontra é que o SASE é um lugar bom. Aqui as crianças aprendem coisas que a
gente jamais teria condições de pagar e aprendem várias atividades boas.
Ent:E pra que serve o SASE?
N:Pra tudo né, pra serem educados em casa porque na rua aprendem coisas que não deve.
Ent:E o que eles aprendem no SASE?
N:Ah, aprendem varias atividades como hip hop, dança gaúcha, pintura, artesanato... Várias
coisas boas.
Ent:E tu achas que a comunidade mudou depois que foi criado o SASE?
N:Com certeza! São menos crianças nas ruas, tem outros SASES também, tem várias
coleguinhas das minhas gurias que tão em outros SASES também né. Então elas comentam
uma com a outra o que tem lá e o que tem aqui.
Ent:Antes do SASE como era?
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N:Ah era aquela violência né, crianças na rua e crianças trabalhando, juntando coisas pra
vender, muita criança na rua e agora pelo que eu vejo não tem muita criança na rua.
Ent:E o SASE tem alguma participação junto às famílias?
N:Olha, tem as reuniões mensais onde a gente discute o que as crianças fazem aqui, os
educadores perguntam se a gente tá satisfeito com o trabalho.
Ent:E tu achas importante essas reuniões?
N:Eu acho que sim porque se a gente tá enfrentando alguma dificuldade com a criança ali a
gente tem o espaço pra conversar, eles dão orientação pra gente né. Pra mim deveria ter até
mais reuniões.
Ent:Tu achas que o número reuniões é pouco?
N:É porque às vezes a gente tem um problema e não sabe como resolver e nas reuniões a
gente se une pra resolver né. Por exemplo, às vezes surge uma briga entre as crianças, não
dentro do SASE, mas na rua existe essa briga e aí tu não conhece a mãe de fulano, nunca
viu... Com as minhas crianças já aconteceu isso, nem conheço o guri... Estuda lá na escola
dos meus filhos mas tava levando pro mal caminho aí meu guri chegou e disse:-mãe tal
fulano tá me convidando pra pular o muro e ir embora ou ir pro centro e eu não conhecia a
mãe do guri. Como que eu ia conversar com ela né? Aí meu filho disse:- mas mãe ele estuda
no SASE comigo... E eu nunca vi essa mãe em reunião e venho a todas as reuniões do SASE
né e também não a vi no colégio né...Então, a reunião facilita se encontrar né. Às vezes
acontece coisas com os filhos da gente que a gente nem fica sabendo e quando sabe tem só a
versão dos filhos né, a versão dos outros e gente não fica sabendo.
Ent:E a relação do SASE com a escola como é?
N:Aí eu já não sei né porque eu não sei se os educadores vão até a escola onde as crianças
estudam porque o que eu fazia era pegar um papel de freqüência das crianças, não sei se
alguém daqui vai na escola.
Ent:E como a escola vê o SASE?
N:Olha, pra mim a escola vê que é um lugar bom e que ajuda nos trabalhos porque as
crianças trazem temas né. Aí quando chegam em casa já estão com o tema feito né e
direitinho e a noite eles podem brincar um pouquinho na rua até a hora de dormir. Pra mim
as professoras já perguntaram se eles tavam no SASE porque eles tão mais adiantados que os
outros colegas.
Ent:E a escola acha que é por causa do SASE?
N:Sim, porque se tão em casa não fazem os temas, são bem irresponsáveis e aqui no SASE
pelos menos eles tem uma hora pra fazer o tema e depois brincam né e chegam em casa com
o tema pronto.
Ent:E tu achas que deveria ter mais SASES?
N:Ah, eu acho. Porque tem muita criança na rua, na minha vila mesmo tem muita criança que
não tem condições de ficar em casa porque a mãe trabalha. Às vezes se eu tô trabalhando
alguma vizinha me pede pra cuidar do filho dela pequeno né. Tem muita criança ainda em
lista de espera no SASE, tem muita criança na rua também.
Ent:E depois que acaba o período de SASE que é até os 14 anos como fica?
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N:Bom até os 18 anos tem que ficar com os pais né... Aí tem que arrumar alguma atividade
pra eles. Na verdade eu acho que tinha que ampliar a idade de ficar no SASE até os 18 porque
aí os meninos iam pro quartel e as meninas iam trabalhar né. Na minha família, sobrinha já
aconteceu de ter ficado no SASE e com 14 anos ter que sair aí não tem nada pra fazer, às
vezes vai trabalhar com o pai. Fora que tem muita menina na rua que com 14 anos já é mãe
né, já jogada na rua. Eu mesma já amparei uma em casa com 14 anos porque o pai botou pra
rua né, porque descobriu a gravidez e dei um apoio pra ela. Mas agora ela arrumou um
“servicinho” em casa de família e foi trabalhar com 14 anos, a mãe não quis mais sustentar
ela né. Se não tem uma pessoa queapoio é muito difícil.
Entrevista 10: “Solange” (nome fictício) – mãe de duas crianças matriculadas em SASE.
Data: 9/08/06
Ent:Tu tens quantos filhos estudando no SASE?
S:Dois. O T. aqui e o L. no SASE N. M.
Ent:Há quanto tempo o T. está aqui neste SASE?
S:Há dois anos
Ent:E ele já fez parte de outro SASE?
S:Já, no SASE N. M., lá ele ficou três anos e meio.
Ent:E por que ele saiu de lá?
S:Porque lá ele tava se tornando uma criança muito agressiva, não queria aceitar os
professores, quebrava as mesas e cadeiras, brigava muito com os colegas. Aí o coordenador
do SASE o seu M. pediu pra ele sair. Ficou uma semana em casa, mas não deu muito certo, já
não quis ir pra escola ficava só na rua. Aí vim aqui nesse SASE procurar vaga e conversei
com seu C. Aí ele conversou com seu M. (do SASE N. M.) e se acertaram pro T. ficar aqui aí
consegui vaga pra ele à tarde e aí mudei o turno dele na escola M. e B. Aí a professora da
escola colaborou em fazer essa experiência de trocar ele de turno.
Ent:E tu percebeste mudanças nele estando nesse SASE?
S:Aqui as turmas são por idades e os professores têm mais paciência com ele aqui
Ent:E o L. continua lá?
S:Sim, mas de um ano pra cá ele tem ficado mais agressivo e na escola também. Brigava
muito com o T. aí lá na escola encaminharam pra psicóloga fora pra ver se melhorava o
comportamento. Mas a recém começou o tratamento. Ele esperou dois anos na fila e só
entrou porque entrei no critério de família carente, toda sexta-feira ele vai e disse que
gostando.
Ent:Que idade os dois tem?
S:O T. 9 e o L. 10. Na escola falaram que os dois precisam de psicóloga né até eu, porque não
sou de conversar muito. Meus filhos mais velhos quando estudavam no Chico Mendes
também foram encaminhados, mas ficaram pouco tempo. Diziam que não precisavam se
tratar porque não eram loucos, tinham preconceito com psicólogo.
Ent:Qual o motivo de ingresso deles no SASE?
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S:Na época eu participava do programa NASF e tavam saindo da creche V. A. e íam começar
a ir na escola. Aí no turno inverso não tinha onde deixar eles né, a creche era turno integral.
Ent:E tu tem percebido mudanças neles nesse período que tão no SASE?
S:O L. participa de tudo que é passeio. Estão bem mais calmos. O L. não pode faltar o SASE,
adora. O T. às vezes é preguiçoso. Se fica em casa o irmão põe pra capinar. E é bom o L. e o
T. estarem em SASES diferentes, pois os dois brigam muito.
Ent:E pra ti como a comunidade percebe o SASE?
S:Eu acho que muito bem, pois as mães têm que trabalhar fora, essas coisas...
Ent:Pra que serve o SASE?
S:Pra ter contato com outras crianças, ter um local para ficar quando não tão na escola.
Ent:Tu achas que a comunidade mudou depois da vinda do SASE?
S:Acho que sim, mas pra quem tem sorte de conseguir vaga né, pois são poucas vagas. Eu
acho que deveria ter mais SASES. Eu só consegui pelo acompanhamento do conselho tutelar.
Ent:E quando acaba o período de SASE como fica?
S:Eu gostaria que eles fossem daí para outros programas como agente jovem e trabalho
educativo. Mas infelizmente o meu filho mais velho o F. não quer ir, insisto pra ele se
inscrever no C. V. (instituição), mas não vai, disse que só quer trabalhar, mas é difícil
conseguir.
Ent:E o SASE tem alguma participação junto às famílias?
S:Tem os dias de reuniões com os pais onde a gente pode expor algum problema que esteja
acontecendo. Mas infelizmente algumas famílias não comparecem né...
Ent:E a quantidade dessas reuniões é suficiente?
S:Acho que sim, até porque tem as reuniões individuais com a psicóloga né.
Ent:E como é a relação do SASE com a escola, é boa?
S:Acho que sim. No caso do T. quando ele tava agressivo eu expliquei que ele vinha pro
SASE. As professoras sempre dizem que aqui é muito bom e que tem vários alunos que
estudam aqui da escola M. e B.Eu tô aprendendo com eles aqui, através do T. posso
conversar com a psicóloga. Agora tô fazendo curso de informática aqui no Centro Social.
Entrevista 11: “Roberto” - coordenador de instituição com convênio de SASE. Data:30/08/06
Ent:Como se dão as oficinas,metodologia do SASE?
R:Bom, as oficinas são divididas em três educadores de referência do SASE, um que cuida
mais da parte artística, um da pedagógica e outro recreação. Essas oficinas tem que estar
sempre ligadas ao tema escolhido no mês. Fora isso tem as oficinas de informática e o hip
hop, teatro e dança gaúcha.
Ent:E a parte pedagógica como funciona?
R:A parte pedagógica é trabalhada nas oficinas, todo mundo trabalhando a mesma coisa de
formas diferentes. Cada turma tem duas vezes por semana uma oficina especificamente
pedagógica onde os temas são trabalhados de forma específica com um educador específico.
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Ent:E quando não há comprometimento das crianças com as tarefas, brigas etc.? Há algum
tipo de controle por parte dos educadores, limites?
R:Em algumas situações, se não interfere na oficina. a criança não vai ser obrigada a
participar. Mas tem situações que atrapalha no desenvolvimento da turma toda...Bom, aí a
gente procura fazer com que a criança participe. A oficina também tem que ser atrativa o
suficiente para que as crianças queiram participar né...A gente procura falar com a criança,
explicar...Em último caso a gente também chama a mãe e um responsável pra conversar.
Ent:E como tu percebe o trabalho dos educadores hoje?
R:Não cem por cento porque também tem uma questão, trabalhar com o SASE não é fácil...
Chega uma hora em que o educador se esgota. Não é só se envolver com tema, conteúdo,
cada um se envolve com problemas diferentes dos alunos, situações que surgem no meio do
processo. Não é justo eu dizer que não está satisfatório mas não é ainda como deveria ser.
Uma é pela questão de própria postura do educador e eu não posso estar todo o tempo na sala
olhando, e outra é pela própria questão das questões de vulnerabilidade das crianças...
Quando tu pensas que venceu uma etapa surgem mas coisas, não é fácil..Não tem como
deixar de cobrar do educador e ao mesmo tempo também tem que saber ponderar as
situações. Se o educador é comprometido ele pode ate fazer errado achando que tá fazendo
certo.
Ent:Como tu percebe a relação do SASE com a escola, família e comunidade?
R:Eu percebo que existe desinformação em relação aos três (escola, família, comunidade)do
que é o SASE e pra que serve,algumas vezes isso atrapalha bastante. A falta de informação só
não atrapalha quando as famílias vem ao SASE querendo vaga de SASE sem saber o que é o
programa. Seus critérios então realmente falam o que tem que falar... Se a família sabe quais
são os critérios vai acabar direcionando a entrevista de ingresso, e às vezes numa entrevista
ou mesmo numa visita só, é difícil avaliar se a família é critério ou não de ingresso.A escola,
principalmente, tem muita desinformação de pra que é que serve o SASE
Ent:Que problemas tu identifica entre o SASE e a escola?
R:Muitos professores acham que SASE é reforço escolar...
Ent:Há uma parceria?
R:Há, mas não como deveria... Na verdade para acontecer a parceria as escolas deveriam
participar mais das reuniões de rede, da rede de atendimento à criança e ao adolescente.
Poucas participam e é nessas reuniões que reúnem todos os serviços de atendimento à criança
e ao adolescente da região e aí acontece a troca. Se sabe o que cada um precisa para se fazer
um trabalho integrado.
Ent:E há situações em que a criança não vai pra escola e vem pro SASE?
R:Acontece...
Ent:E por que acontece?
R:Porque o SASE tem que ser atrativo e a escola na maioria das vezes não é. Ele não deixa de
ser um modo de educar a criança mas não é aquela educação escolar, formal. Na verdade a
palavra não é bem “formal” porque o SASE também tem a função de formar o individuo e a
escola muitas vezes deixa a desejar, os professores são professores e não educadores, os
professores tem que passar conteúdo e deu.Não interessa de onde a criança veio ou os
problemas que ela tem em casa, se a criança apanha ou não, se tem que trabalhar...O SASE já
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não, ele conhece a criança, procura conhecer a família.Na comunidade, com os pais, a gente
procura esclarecer o máximo possível pra que serve o SASE, o porquê as crianças estão aqui.
Nós sabemos que 98% é por causa da família os problemas.
Ent:Bom e se o problema tá na família, qual a intervenção do SASE com a família?
R:Em alguns casos o SASE pode intervir e em outros não vai resolver o problema da família.
Se o problema da família é violência doméstica contra a criança tu tem que conversar com a
família, encaminhar para Conselho Tutelar. Se o problema é de miserabilidade, como que o
SASE vai resolver o problema da miséria...? Bom, nessa entidade a gente ainda tem cursos
profissionalizantes que a gente pode oferecer para as famílias, mas a maioria das entidades
não tem, tem o SASE e pronto e é um serviço de proteção...Muitas vezes se fala : o SASE
não é um depósito de crianças em que as crianças vem só pra comer... Mas num caso de
miserabilidade o que tu vai fazer?O SASE não vai dar conta disso tudo, então é aí que tá
muita falha do poder público quando fala em parceria... Não tem como trabalhar o SASE sem
trabalhar a família e a parceria fica aonde?
Ent:Bom, aqui vocês ainda tem apoio do atendimento do serviço social, atendimento
psicológico, mas isso não é uma regra né?
R:Não, de maneira nenhuma...
Ent:E como ficam os serviços que não tem esse acompanhamento?
R:Bom, aí o SASE resume-se ao que veio, para o que foi criado, aí vai depender de como os
coordenadores e educadores vão fazer para lidar com isso.Se vão simplesmente transformar o
SASE numa escola diferente ou se só vão atender num turno crianças e pronto, pelo menos
estão num espaço de proteção. Porque o SASE não é um reformatório e às vezes os
educadores se frustram com isso também... Porque acabam tendo consciência de que não vão
resolver todos os problemas. É claro que a gente tenta resolver e se frustra quando não
consegue, mas não dá pra dar conta de tudo, tem que seguir adiante.
Ent:E a família, há participação delas em reuniões?
R:Teria que haver mais participação e isso é generalizado. A gente vê em reuniões do fórum
do SASE quando se aborda o tema...Se criam estratégias para fazer com que as famílias
participem das reuniões e encontros mensais aqui...As justificativas das famílias são várias
pra não vir, algumas são compreensíveis e outras nem tanto, algumas falta vontade mesmo.
Até porque muitas famílias estão com crianças aqui obrigadas pela bolsa Peti. Para
continuarem ganhando a bolsa as crianças tem que freqüentar o serviço de SASE né...E a
gente vê que não é muito “interessante” até porque elas são cobradas por isso. De alguma
forma se as crianças não vem elas são cobradas do porquê a criança não tá vindo... E isso não
interessa muito à família. Com essas famílias é mais difícil de se trabalhar. Quando se
percebe que o educador tá percebendo problemas, levando para o Conselho Tutelar, a família
começa a se esquivar. Seria muito mais cômodo pra família só mandar a criança pra escola e
SASE e não ter que se comprometer. Então, às vezes, a família esconde o problema, preciona
a criança para que ela não conte nada aqui.
Ent:E a comunidade no entorno como percebe o SASE, colabora?
R:Na medida do possível sim. A comunidade aqui no entorno continua sendo uma
comunidade carente. O SASE não foi criado pra atender a comunidade e sim a região
nordeste e o que acontece? Muitas vezes a comunidade não entende isso, acha que o SASE
tem que atender as crianças da comunidade a qual pertence. Só que muitas das crianças da
comunidade aqui não são critério de SASE. Não que não necessite pois entra em toda aquela
101
questão da proteção e da prevenção. A maioria dos que vem procurar o SASE e que estão
fora dos critérios buscam a prevenção e o SASE não é pra prevenção e sim proteção. E aí
vem aquela pergunta: - eu preciso deixar acontecer um problema com a criança pra ela poder
entrar no SASE?
Ent:Por quanto tempo elas ficam no SASE?
R:Vai depender de cada caso, de meses a anos.É aquela coisa assim, como é que tu vai
resolver a miserabilidade da família? Por exemplo uma criança que entrou com 7 anos no
SASE e família é miserável, o SASE vai resolver isso como?
Ent:Qual a principal característica das famílias que acabam ficando aqui mais tempo?
R:Na verdade é a miserabilidade e o que acompanha ela. Por exemplo uma criança de Peti
que é trabalho infantil, a família coloca pra trabalhar, mendigar. Lá pelas tantas acaba o
período da bolsa e assistente social por mais que se esforçasse não conseguiu com a família
vencer o problema. Lá pelas tantas a gente se dá conta de que se as crianças forem para casa
vão continuar trabalhando. Então, o maior fator é a miserabilidade. Depois tem a questão do
local onde a família mora, que é a violência massiva, do entorno, que também não depende
da família. Se tu mora num local de risco, de tráfico de drogas, armas e o pai trabalha e a mãe
também, mas renda não é suficiente para cuidar de três filhos e as crianças vão ficar na rua?
O fato de a mãe trabalhar ou o pai trabalhar não é critério de ingresso mas isso vai depender
do local onde moram. De repente vai entrar com 7, sair com 14 e entrar pro trabalho
educativo. Se a criança sai e fica pelas ruas é um prato cheio pros traficantes. Mas se no
tempo que ela ficou aqui conseguimos plantar uma semente, já é alguma coisa.Seria sim
interessante que o SASE fosse até os 16 anos, pois depois dessa idade o jovem já pode
começar a pensar em trabalho, em se profissionalizar.
Ent:É possível, a criança entrar no SASE um tempo e superada a vulnerabilidade, saindo
daqui, e o problema retornando mais tarde, o seu retorno?
R:Sim, pode ser feita uma reavaliação de cada caso.
Ent:Como é a relação do SASE com o Conselho Tutelar?
R:Bom, vou falar pelo Conselho Tutelar da nossa região... Agora tá mais calmo...Mas o que é
que acontecia...? Os Conselheiros tutelares tem um grande poder nas mãos e muitas vezes é
muito maior do que a competência que eles tem, a formação que eles tem ( apenas segundo
grau) e eles tem uma responsabilidade muito grande, tem até voz de prisão dependendo da
situação e a formação deles não tem nada a ver...Porque o conselheiro é eleito pela
comunidade...Eu acho que para ser eleito tinha que já ter uma experiência de trabalho com
crianças, no mínimo. Na prática a gente vê, pelos acompanhamentos de Conselho de atuação
do Conselho Tutelar. Quando entrei na coordenação, muitos encaminhamentos realizados
pelo Conselho para cá não eram critério de SASE. Lá pelas tantas o Conselho Tutelar pegava
a situação de uma família na mão, não sabia o que fazer e oferecia a entrada no SASE como
se fosse um prêmio e aí vinha a criança com encaminhamento do Conselho e o que se
notou?Que haviam situações de procura espontânea da comunidade, que eram mais graves do
que as situações de encaminhamento do Conselho. Teoricamente, encaminhamento de
Conselho deveria ser irrecusável né.Faziam uma espécie de requerimento de SASE quando
na verdade eles tem é que solicitar uma avaliação de situação encaminhada. Por exemplo, há
dois anos atrás encaminhei uma relação para o Conselho de critérios de ingresso no SASE,
pois haviam conselheiros novos. Os conselheiros novos me ligaram agradecendo pois
facilitou o trabalho deles. Já os conselheiros antigos não gostaram porque interpretaram como
se estivesse dizendo pra eles o que eles tinham que fazer. Uma vez tive que acionar o
102
departamento jurídico da Fasc devido a uma situação em que o Conselho tava requerindo
vaga e fazendo ameaças... Que eu era obrigado a aceitar tal criança no SASE e o SASE não
tinha vaga. Eu não tava questionando com ele se era critério ou não aquela criança entrar... E
o que é que acontece , tu acaba transformando o SASE num depósito sem ter qualidade no
atendimento, não é simplesmente colocar para dentro.
Ent:Tu acha que o trabalho se dá em parceria?
R: Olha, não dá pra generalizar, mas deveria ser uma relação harmoniosa pois os dois devem
trabalhar juntos.
Ent:Quando se faz o desligamento é obrigatório passar pelo Conselho?
R:Não. Se a gente constata que a criança ainda precisa de proteção e o responsável tá tirando
a criança do SASE aí a gente encaminha pro conselho, pois a vulnerabilidade não foi ainda
superada...
Ent: No convênio do SASE se sugere que deva ter 25 crianças por sala, como isso se dá na
prática?
R: Na verdade é por metro quadrado a medida que se faz para alocar o número de crianças,
não saberia te dizer esse cálculo agora.Aqui nós atendemos 15 por sala.
Ent:Tu acha que se tivesse mais espaço físico poderia se atender mais crianças?
R:Eu não acho, eu preferiria ter mais uma sala e mais um educador, porque o tipo de trabalho
que faz no SASE exige atenção a cada criança. Cada criança é um caso... Eu sei que tem
SASES que trabalham 25 crianças por sala e eu não acho isso muito produtivo.De repente o
que tá faltando em casa pra criança, que tá faltando na escola, que é atenção, vai faltar
também no SASE com muitas crianças por sala.O ideal seriam 8 a 10 crianças para cada
educador, para que pudesse dar uma atenção especial a cada criança. Claro que na prática isso
é inviável por uma série de questões.
Ent:Às vezes a gente escreve um projeto na teoria para depois experimentar na prática... Na
experiência de vocês, já foi cobrado pela Fasc o fato de vocês estarem atendendo menos
crianças do que o sugerido?
R: Não, nunca nos foi cobrado até pela questão da metragem da sala, a gente tá dentro do
critério. O que é cobrado pela Fasc são as metas de atendimento que neste SASE são 80,
porque a gente recebe do convênio com a Fasc para atender 80. Eu até acho que a FASC
tinha que fazer uma maior fiscalização. Claro que aí tem o seguinte: se tu trabalha em
parceria não teria que ter um órgão fiscalizando... Mas eu acredito que deveria ter alguém
olhando quantos tu atende dentro da sala.Essa avaliação é feita uma vez por ano.Mas não
existe uma cobrança mais severa. A Fasc colabora, quando a gente tem que recorrer ao
jurídico ela apóia, pois respeita a meta de crianças por convênio né.
Ent: Como tu percebe o SASE enquanto política pública, é necessário? Está adequada a sua
configuração?
R: Acho que sim...É de extrema importância até porque o poder público não dá conta de
fazer. As entidades civis estão cumprindo um papel que deveria ser do poder público né.É um
serviço (SASE) extremamente necessário. Deveriam ter mais SASES até pela quantidade de
crianças que estão na lista de espera.
Ent:Quantas crianças estão na lista de espera deste SASE hoje?
103
R:Em torno de 90 crianças dentro dos critérios fora as que estão fora de critério.Isso não
contando as que não procuraram e que não estão na lista de espera. Essa demanda reprimida é
a que a gente tem registro, a gente sabe que tem muito mais crianças e não se tem
registro.Essas que estão na lista de espera são as que tiveram encaminhamento e não temos
vagas. Tem muitas crianças que moram nas invasões, não tem endereço, estão expostas a
miserabilidade e violência e a mãe não vem procurar.É difícil até pra fazer uma visita.Tem
crianças que precisam e os pais não procuraram o SASE né.
Ent:E como tu vê a relação do SASE com os outros SASES?
R:As reuniões com os outros SASES da região são mensais e a relação com os outros
coordenadores é boa.A comunicação é tranqüila também. Tanto é que em situações de um
coordenador precisar de vagas, a família necessita e não tem mais vaga , um SASE entra em
contato com outro solicitando vaga ou fazendo transferência.
Ent:Por que acontece situações de trocar uma criança para outro SASE?
R:Às vezes é na rematrícula, o horário da escola não combina com o horário do SASE. Às
vezes situações de mudança de endereço da família. O problema é que, normalmente, todos
os SASES tem uma lista de espera.
Ent:E a relação com o Fórum de SASE como se dá?O que é o fórum do SASE pra ti?
R:O Fórum é a organização da sociedade civil.São as entidades que são conveniadas que se
organizam. É um espaço para reivindicar situações que ocorrem com o convênio de SASE ,
como o SASE não é um projeto de lei né.O Fórum senta com os coordenadores de SASE,
representantes e estudam as cláusulas do convênio , vêem se tem alguma adaptação a ser feita
e passam essa solicitação de adaptação ou exclusão de uma cláusula ou até acrescentar algo
para o governo né, para ter mais verbas. Agora conseguimos aprovar o décimo terceiro. A
partir desse ano os SASES passam a receber décimo terceiro, o que ajuda muito para pagar
salário de funcionários, reformas e isso é uma conquista do Fórum.
Ent:E tu acha que tem participação das entidades?
R:Não como deveriam participar, mas participam.
Ent:E os educadores participam também?
R:É mais para a coordenação. Mas o Fórum também proporciona para as entidades
capacitações , duas vezes por ano há capacitação para os educadores.
Ent: E quem faz as capacitações?
R:É uma organização do Fórum com as entidades que indicam oficineiros e se organizam
num espaço determinado.
Ent:E ninguém ganha pra organizar isso?
R:Não, é um trabalho voluntário. Até porque o Fórum não tem fundos. É uma proposta
democrática. Que eu saiba o governo oferece o espaço paras as reuniões do Fórum... mesmo
não podendo participar das reuniões
Ent:E como fica essa questão de a Fasc não poder participar das reuniões, mas disponibilizar
o espaço?
R:Se for ver pelo lado democrático, é democracia. Se for ver pelo lado ditatorial poderiam
dizer: nós somos governos e estamos dando o dinheiro, se vocês querem se organizar, se
organizem. A sociedade civil áa dando conta do que o poder público não tá conseguindo e é
104
papel do poder público. O que está se fazendo na questão do trabalho educativo, do SASE ,
por exemplo são coisas que o poder público deveria dar conta. Se está ruim com as entidades,
pior sem elas. Se as entidades parassem de atender, quantas crianças ficariam sem
atendimento no município?
Ent:Quem criou o SASE?
R:Não sei quem criou o SASE. Eu sei que surgiu no governo do PT.
Ent:Pra ti o que é o SASE?
R:Proteção, serviço de proteção.
Ent:Na tua opinião o que falta hoje pro SASE?
R:Paralelo a ele eu acho que deveria ter um SASE para família, algum órgão que trabalhasse
a família.
Ent:Mas o Programa Família e Peti não dão conta disso?
R:Sim o Peti trabalha com a família e uma das cláusulas é que as crianças estejam no SASE,
aí tu sabe que essa família tá sendo trabalhada ...Só que na prática é muito difícil acompanhar
a família. Seria assim: toda criança que tá no SASE, provavelmente é por causa da família
que ela tá ali, então a família teria que ter um acompanhamento mais de perto.
Ent:Quem tu acha que deveria fazer esse trabalho?
R:Assistente social que fizesse a triagem e o acompanhamento. Por exemplo, aqui na
entidade a gente tem assistente social mas ela não é designada para isso. Ela é designada para
o programa Peti e são 40 famílias, então ela tem que dar conta de 40 famílias. Por exemplo,
as crianças que estão aqui por outros motivos que não trabalho infantil (bolsa Peti) a
assistente social não tem obrigação de acompanhar. Também é importante o trabalho do
psicólogo no auxílio ao entendimento nessas famílias. Eu acho que cada SASE deveria ter
uma equipe para trabalhar a família. Hoje se trabalha a conseqüência e não a causa e isso,
muitas vezes, é tapar o sol com a peneira.
Ent:Tu acha que o SASE funciona como política pública?
R:Na verdade, a coordenação de um SASE , onde não tem assistente social nem psicólogo,
detectou que a criança precisa de um acompanhamento psicológico...Ela encaminha para um
órgão que trabalha com isso... Aí a família precisa conseguir vale-transporte pra tudo isso, pra
conseguir atendimento, entrar em fila para o atendimento psicológico. Por isso que a gente
entende que às vezes as entidades não trabalham como deveriam, acabam deixando o
problema como está. Tem gente que diz: - ah, fica difícil desligar tal criança da entidade. Mas
será que é difícil desligar ou é melhor trabalhar com quem a gente já conhece, que já tem
vínculo? Do que todo ano fazer a reciclagem e analisar as situações das crianças e
adolescentes, se continuam em situação de critério de SASE ou não e pegar um monte de
problema novo. E por que acontece isso? Porque tu não consegue dar conta de tudo, o teu
salário não condiz . Trabalhar no amor? Claro que tem que trabalhar no amor, mas o amor
não enche barriga e a maioria das pessoas que trabalham nas entidades tem famílias para
sustentar. Outra situação é que a gente faz visita nas invasões, se expõe a situações e não
ganha insalubridade por isso ou difícil acesso. Sabemos que tem órgãos na prefeitura, mesmo
na Fasc, nas redes próprias onde os profissionais ganham muito mais e fazem menos do que
as entidades fazem a nível de prestação de serviço à comunidade. No final sempre estoura no
mais fraco, na criança que tá em casa, que não tá conseguindo vaga porque já estão todas
ocupadas no SASE. Muitas vezes quando o SASE é só conveniado depende muito da
105
comunidade onde ele está instalado, aí tem que contentar a comunidade para poder receber
ajuda, e muitas vezes esse agradar a comunidade é feito através do privilegiar a matrícula de
crianças da comunidade no SASE, nem que não sejam critério. Aqui a gente tem a opção de
não fazer essa troca com a comunidade pois temos mantenedora. Então, podemos manter
crianças que realmente sejam critério , mas a gente sabe que tem muitos SASES que vivem
através da barganha. Se a entidade não consegue com projetos, de algum lugar tem que tirar
dinheiro pra sobreviver. Afora os baixíssimos salários, salário mínimo para um educador de
SASE. Como é que tu vai exigir qualificação dessa pessoa no atendimento às crianças e
adolescentes? Aqui na entidade, graças à mantenedora a gente pode exigir qualidade dos
educadores pois se pode pagar um salário condizente. Ma se é uma política pública deveria
ser igualitário pra todos.
Ent: Bom, eu quero te agradecer a entrevista e me colocar a disposição para qualquer dúvida.
Obrigada.
Entrevista 12: “Luís” (nome fictício) – Representante da coordenação do Fórum de SASE e
coordenador de um programa de SASE. Data:5/09/06
Ent:Qual teu papel aqui na instituição?
L:Meu nome é “Luís”.Assumi na P. C. em 2003. Entrei como coordenador pedagógico do
SASE, eu trabalhava praticamente com os educadores. Em 2004 me convidaram para
coordenar toda a instituição. Trabalho num setor muito amplo,que tem SASE ,cursos, grupos
de geração de renda, telecentro.
Ent:A P. C. é uma ong?
L:Sim, sustentada exclusivamente por convênios assinados com a prefeitura, poder público
em geral, alguma parceria com empresas e doações, só. Não há nenhuma mantenedora fixa.
Quem colabora mais com a casa já há algum tempo é o Adolescente Aprendiz, que tem mais
ou menos duzentos adolescentes, um projeto da Caixa Econômica Federal que acaba
ajudando a pagar custos gerais como funcionários. Mas os programas SASE e Trabalho
Educativo a gente consegue se sustentar com a verba que vem do poder público. Na
instituição também tem educação infantil e 70 pessoas no grupo de idosos. São atendidos por
dia mais ou menos entre crianças e adolescentes 650 pessoas e a estrutura é muito pequena, a
gente tem um projeto de reformular a casa. Ela foi sendo toda emendada na sua estrutura
física para poder atender a toda essa população. Aqui nessa comunidade precisava também
ter outra instituição. Só a P. C. não dá conta de tudo, a gente nunca dá conta.No SASE por
exemplo, hoje a gente está com 84 alunos sendo que a meta de convênio é 60 e tem 114 na
lista de espera e é sempre assim.Aqui as condições de vida são muito complicadas, violência
doméstica principalmente. Comida: há casos em que a refeição principal é feita aqui na P.C.,
famílias totalmente desestruturadas, alto índice de natalidade, adolescentes grávidas de 13, 14
anos. A adolescente ganha respeito por estar grávida. Num casebre pequeno dormindo 7, 8
pessoas juntas. A sugestão do tráfico aqui é um problema sério também. Esse ano perdemos 3
adolescentes do trabalho educativo pro tráfico, cumprindo pena socioeducativa. Então é uma
concorrência um pouco desleal porque “isso rende muito”.
Ent:E o que é o Fórum da Criança e do Adolescente?
L: Bom, com o Estatuto da Criança e do Adolescente criado em 1990 algumas coisas foram
se reestruturando, assim como é o SUAS hoje. Em 1988 é colocado na Constituição Federal
que a criança é prioridade absoluta. Porto Alegre é um pouco referência na política pública.
106
Quando surgiu a idéia de escola integral já existia em Porto Alegre o SASE que não era
escola mas oferecia oficinas.Eu não tenho aqui a data de quando se fez o convênio com a
Fasc. Instituições já faziam um trabalho extra-classe e ofereciam oficinas diversas, é claro
que não era uma proposta tão organizada como é hoje.Hoje estamos trabalhando em cima de
propostas metodológicas mas antes já existiam atividades e a prefeitura incentivou com
convênios. O Fórum partiu de organizações da sociedade civil que quiseram se organizar para
discutir também a priorização da criança e Adolescente pelo ECA. Nada mais é do que um
espaço de debate onde a sociedade civil organizada tenta ver alguns parâmetros e ao mesmo
tempo tenta ser uma oposição, mas não aquela oposição que se entenda como sempre
querendo combater, mas uma oposição saudável de tentar pensar junto alguns princípios para
a dinâmica social da criança e do adolescente em POA. Então assim surge o SASE. Tem um
Fórum maior que é o da Criança e Adolescente que é a sociedade civil organizada que
gerencia esse fórum, as Ongs. Surgiu em 1997 e tem suas ramificações com o intuito de
abarcar todos os trabalhos que são feitos. No início tudo era discutido junto, aí se percebeu
que separando por segmentos, como SASE e Trabalho Educativo poderia se tornar um
trabalho melhor. As ramificações então são educação infantil, o SASE, o Trabalho Infantil e
os PPD´S, só que esses tem uma diferença que aqui (PPD) participa o poder público nas
discussões. É a única ramificação que engloba o poder público também, o PPD. O resto é só a
sociedade civil. Quisemos deixar uma coisa bem distinta para não perder a identidade.
Ent:E como fica a supervisão dos trabalhos na prática pela rede pública, já que ela
supervisiona os serviços conveniados?
L:Bom, eu entrei nesse trabalho em 1998 e já existia SASE em convênio. A idéia básica do
convênio é: o poder público apóia o serviço com determinada quantia mas a instituição
também tem a contrapartida. Está tudo no projeto, tamanho de salas, essas coisas, que são
lei...O valor para cada instituição vai variar conforme as metas. Tudo tem que ter nota fiscal
na prestação de contas. Se há erro na prestação de contas tranca toda a instituição. Já teve
instituições com problemas sérios em relação a isso.Só que a verba de convênio não
contempla todas as necessidades pra se fazer um bom serviço. Hoje, por exemplo, tem
psicólogas no programa e isso o convênio não contempla mas é muito necessário, assim
como psicopedagogo. Outro detalhe é a questão da meta de 25 educandos por educador, só
que se vê na prática que é muita gente. Por exemplo aqui na P. C. nós temos espaço físico
mas falta verba para investir no SASE. Já as instituições que possuem mantenedora
conseguem equilibrar as necessidades, contratar uma psicóloga. Só que isso é negativo pois o
ideal seria que o próprio convênio garantisse isso e não dependesse da mantenedora. Assim
como na Zona Norte tem atendimento psicológico aqui na Zona Sul também precisa. Então a
coisa não é justa , não é integrado entende. De repente chega um momento em que tu não
consegue mais dar conta, que as exigências dos educandos mudam.
Ent:E o que é construído no fórum é levado ao poder público?
L:Claro. O fórum é um espaço de debate onde a sociedade civil a partir dos convênios que se
tem discute a política da criança e do adolescente. Mas ali não se discute só poder público e
sim todas as atividades concernentes à criança e o adolescente. Nós defendemos a política da
criança e do adolescente e tudo que vem pra apoiar e debater nessa discussão é bem vindo. A
partir da metade do ano passado para cá deu uma pausa, o poder público não nos recebeu
mais para discussão. Nós discutimos cláusula por cláusula do convênio tanto nas instituições
como no grande fórum nós trazíamos um pouco do que nós tínhamos lido. Instituições que
não entendiam algumas cláusulas foi explicado. Desde repasses defasados até a questão mais
pedagógica. Agora se voltou novamente essa discussão e semana que vem dia 19 (outubro)
estaremos discutindo novamente com o poder público para ver o que é possível mudar, o que
107
seria importante modificar. Uma questão é a dos 25 por turma que é muita gente. Então a
gente tá querendo ver o que o poder público pode esta aprimorando e desenvolvendo e o que
é que as instituições podem melhorar também. Hoje conseguimos dar conta aqui graças aos
voluntários que fazem oficinas diversas e diminui o número de crianças por turma. Mas pela
questão do contrato se nós diminuirmos o número de crianças por turma vai ficar muita
criança na rua sem atendimento então não dá né...E se o Conselho Tutelar encaminhar um
hoje a tarde a gente vai trazer aqui pra dentro. O módulo Partenon encaminha, o SASE
Travessia encaminha, o PAIF encaminha. É muito encaminhamento fora a própria
comunidade que fica na espera né. Aumentando a meta aqui nós poderemos pro ano que vem
contratar uma psicóloga para fazer a supervisão né.E tem entidades que tem menos
infraestrutura ainda, então realmente o trabalho fica penoso. O único serviço especializado
que temos aqui é de assistente social. Para outros profissionais a gente faz encaminhamento
para a rede pública. A gente fez parceria com o Hospital Psiquiátrico São Pedro, com
clínicas. Só que o que a experiência mostra é que sair da comunidade para ser atendido em
outro lugar não dá certo. Tu pode dar vale-transporte e até disponibilizar um carro, não
funciona na prática. Fora aquele tabu de que psicólogo é pra louco né, com os adolescentes a
gente teve que fazer todo um trabalho de conscientização. Os adolescentes testam os adultos
o tempo todo. Era uma psicóloga que vinha voluntária de uma clínica e fazia um trabalho
com eles, foi uma boa experiência. A experiência mostra que o profissional tem que estar no
local, participando das atividades. O vínculo é a base de tudo. Esse é eixo central da diferença
do SASE pra escola, é o vínculo que o trabalho de SASE proporciona entre o educador e
aluno. Se a gente hoje parasse pra perguntar às crianças o que elas preferem, escola ou
SASE? A resposta unânime seria: o SASE. Hoje uma escola integral não superaria o trabalho
do SASE e a importância que o SASE tem. Teve uma eleição em que o deputado Vieira da
Cunha defendeu a idéia de escola integral. Em primeiro lugar, há um paradoxo nisso tudo
porque o país não tem estrutura para gerenciar escolas em tempo integral. Não há vagas para
todos estudarem, muito menos estudar o dia inteiro né.Mesmo que existissem escolas
integrais não teria estrutura para se fazer o trabalho que hoje se faz no SASE junto às
famílias. Então, é muito amplo esse trabalho. A instituição dá conta de muitas questões que o
convênio não dá conta.Fora a questão de que quando se fala em cortes de gastos públicos
onde ele primeiro se dá é na assistência social.
Ent:Até o fato de assumir o fórum, é uma questão voluntária né?
L: Exatamente. No momento eu faço a coordenação do SASE e do Trabalho Educativo. No
Fórum eu sou uma das ramificações do Fórum da Criança e do Adolescente mas o Fórum
possui uma coordenação oficial. Do Fórum do SASE e Trabalho Educativo eu sou
coordenador, mas voluntário. A nossa participação é importante. Na última reunião que
tivemos no Fórum conversamos sobre a importância de se fazer uma reunião só com os
dirigentes das instituições para explicar melhor a função desses fóruns, porque às vezes os
coordenadores reclamam:- puxa meu educador tá saindo de novo da instituição, não trabalha
mais... Não dão a importância devida né.Isso é um problema, o engajamento político das
instituições é pouco e das pessoas que trabalham dentro menos ainda.O pessoal não se dá
conta de que é através dessas discussões que se ampliam convênios.Hoje temos em torno de
106 instituições de SASE, e trabalho educativo umas 64. Temos uma lista de todas as
instituições, mas várias nunca apareceram nas reuniões do Fórum. A gente nem consegue
conhecer, mas ao mesmo tempo está representando elas nas lutas.Eu só tive esse espaço pra
participar do Fórum porque a instituição P. C. percebeu como algo importante, é uma
consciência adquirida. A reunião do Fórum é na rua Voluntários nº 1513 e ocorre
mensalmente. O Fórum do SASE é bimestral. Então, na verdade, tem uma reunião por mês de
SASE da coordenação, somos mais ou menos três pessoas. No início do ano oito pessoas
108
deram o nome e acabou em três no final, três instituições contando comigo e nos meses que
tem os Fóruns são duas reuniões, aí com as instituições e educadores. Esse ano fizemos o
primeiro seminário de educadores de SASE e foi muito bom. O Fórum tem como objetivo
tornar o SASE e Trabalho Educativo projetos de lei. Se o SASE e outros programas de
atendimento parassem um de trabalhar , todas essas crianças iriam para as sinaleiras, aí talvez
o poder público e a mídia dariam mais importância né.Nós fizemos entrevistas com crianças
da comunidade e muitas delas disseram que seu ideal de vida era ser traficante, pois o
traficante dá proteção, tem poder, dá ajuda, alimento.Garantir direitos básicos é essencial.
Ent: Mas falando um pouco mais sobre o SASE, como tu vês a prática?
L: Bem, eu vejo que o SASE ajuda no reforço escolar, mas não pode assumir o papel da
escola. Aqui nós trabalhamos com oficinas que trabalham a parte lúdica como música,
números, jogos para trabalhar dificuldades escolares.Percebemos a falta de professores nas
escolas. Há uma legião de adolescentes analfabetos e a única alternativa são as práticas
socioeducativas: música, artesanato, teatro. Fazemos também torneios esportivos com a
Lomba do Pinheiro e Partenon. Se a criança é prioridade no ECA e na Constituição Federal
porque não se investe mais? É dever federal.
109
ANEXO 3 – LETRA DAS MÚSICAS: “RAP DAS CRIANÇAS DO SASE” e “ RAP: O
CAMINHO É O SASE”
Rap das Crianças do SASE
Eu sou uma criança
que vou lá pro “Centro Social”
pra fazer atividade
conhecer outras crianças
e fazer a amizade
Construir a paz
Com o educador
Na rua ou no SASE
Não importa
Aonde for
Somos todos cidadãos
Cantando numa voz
Uma única canção
Agradeço ao Senhor
Ter me dado este dom
Continuando nesta rima
Seguindo a auto-estima
Produzir na oficina
Um trabalho objetivo
Não faço inimigos
E respeito a amizade
Na oficina de teatro e também no hip-hop
Na dança gaúcha a tradição já dá um toque
Tem oficina de montão
E trabalho pedagógico
Criança em plena evolução
Refrão
Crianças incluídas no SASE (2x)
Tirando as excluídas das ruas da cidade
Autores: alunos e educador da oficina de Hip-Hop do SASE
110
Rap: o caminho é o SASE
Faço a minha rima
Deixo pra julgar
Mando a mensagem
Pra você acreditar
Faço parte da vila
Passo de louco
Pra louco
Sou mais um louco
Mais só um pouco
Nascido e criado
Aqui deste lado
Sou mais um negro
Com o destino
Totalmente traçado
Não tô errado
Faço o certo
Não venha me julgar
Mensagem errada
Não quero escutar
Pedra, cocaína
Baseado deixa de lado
Um maluco veio me condenar
Disse que pra cantar rap
Tenho que me chapar
Não é o meu lado
Ficar embaçado.
Troco errado
Eu deixo de lado
Troco errado, meu
Fica embaçado
Deixo de lado
Quem canta chapado
Se tornar drogado
A escola e o SASE, meu
Estão ao seu lado
Chegou a minha hora
Agora eu vou falar
Neguinho da vila
Sangue tipo (A)
Mandando a mensagem certa
Não deixo me abater
Faço o meu som contaminar
Batendo na sua cabeça
Fazendo estremecer
Sempre falando a verdade
Nunca deixando para traz
111
A rima mando o som certo
Pra você nunca jamais se esquecer
Não adianta a cocaína
É só correria e tiroteio
Aí criança sai do meio
Vai pra escola
Participar do recreio
Brincadeira, vôlei, futebol
Manhã ou tarde
Não ficar nas ruas da vida
Aprendendo as viagens
Que às vezes não tem fim
Existe sim um bom caminho
Pois este rap eu não canto sozinho
Autor: J. (12 anos) aluno de SASE – música produzida na oficina de Hip – Hop.
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