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jamais de existência extramental. Existem apenas as substâncias singulares e criadas
imediatamente pela onipotência divina. Deus as conhece enquanto singulares. Ora, a
escolástica preconizava a criação mediata, ou seja, Deus cria as coisas por meio das
essências ou modelos universais localizados em seu intelecto. A criação imediata põe
fim ao exemplarismo e mesmo às relações reais entre os singulares por meio dos
universais, por exemplo, como só existem as realidades individuais, que são
realidades discretas e absolutas, desaparece a relação entre João e Pedro por meio do
universal homem ou essência comum, condição da própria existência de ambos e de
todos os indivíduos dessa espécie
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. Segundo Ockham, Deus poderia destruir a
essência de um indivíduo sem que isso afete a essência do outro.
Esta relação problemática entre singular e universal, muito discutida na
tradição, encontrava sua solução em um recurso chamado princípio de individuação,
o qual Ockham tem a intenção de atacar em suas críticas ao universal. Apresentou-se
a questão de saber se a individuação, isto é, o fato de ser um indivíduo, quer dizer,
um ser uno em si mesmo e distinto dos outros, provém da matéria ou da forma
substancial. Esta questão se apresenta com o fim de explicar como uma espécie pode
comportar indivíduos múltiplos, quer dizer, comportar seres ao mesmo tempo
idênticos, pois têm todos a mesma natureza, e distintos, uma vez que um não é o
outro. A tradição aristotélico-tomista admitia ser a matéria o princípio da
individuação. Com efeito, a forma, por si mesma, é universal [assim, a razão, que faz
o homem, nada tem por si de individual; uma razão que não seja mais do que razão
formaria por si só uma espécie]. Ao contrário, recebendo a forma, a matéria, por estar
dotada de quantidade, quer dizer de dimensões e, por conseguinte, de finitude, limita
e restringe a forma, determina-a, e, portanto, a individualiza.
Nota-se claramente que o princípio procura explicar a realização de uma
mesma essência em múltiplos indivíduos singulares e distintos. Para Ockham, no
entanto, isso é um erro monumental, pois a essência de um indivíduo não se distingue
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Ockham, Philosophical Writings, p. 20.