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oportuno, comunicá-lo a este.
A psicanálise era então, primeiro e acima de tudo, uma arte interpretativa. Uma vez
que isso não solucionava o problema terapêutico, outro objetivo rapidamente surgiu à vista:
obrigar o paciente a confirmar a construção teórica do analista com sua própria memória.
Nesse esforço, a ênfase principal residiria nas resistências do paciente: a arte consistia então
em descobri-las tão rapidamente quanto possível, apontando-as ao paciente e induzindo-o pela
influência humana — era aqui que a sugestão, funcionando como ‘transferência’,
desempenhava seu papel, a abandonar suas resistências. Contudo, afirma Freud (1920),
tornou-se cada vez mais claro que o objetivo que fora estabelecido — que o inconsciente deve
tornar-se consciente — não era completamente atingível através desse método. O paciente não
pode recordar a totalidade do que nele se acha recalcado e o que não lhe é possível recordar
pode ser exatamente a parte essencial. Dessa maneira, ele não adquire nenhum sentimento de
convicção da correção da construção teórica que lhe foi comunicada. É obrigado a repetir o
material recalcado, como se fosse uma experiência contemporânea, em vez de, como o
médico preferiria ver, recordá-lo como algo pertencente ao passado. Assim Freud (1920,
p.31-32) afirma que,
[...] essas reproduções, que surgem com tal exatidão indesejada, sempre têm como
tema alguma parte da vida sexual infantil, isto é, do complexo de Édipo, e de seus
derivativos, e são invariavelmente atuadas (acted out) na esfera da transferência, da
relação do paciente com o médico. Quando as coisas atingem essa etapa, pode-se
dizer que a neurose primitiva foi então substituída por outra nova, pela ‘neurose de
transferência’. O médico não pode, via de regra, poupar ao paciente essa fasee do
tratamento. Deve fazê-lo re-experimentar alguma parte de sua vida esquecida, mas
deve também cuidar, por outro lado, que o paciente retenha certo grau de
alheamento, que lhe permitirá, a despeito de tudo, reconhecer que aquilo que parece
ser realidade é, na verdade, apenas reflexo de um passado esquecido. Se isso puder
ser conseguido com êxito, o sentimento de convicção do paciente será conquistado,
juntamente com o sucesso terapêutico que dele depende.
Em “Dois verbetes de enciclopédia” (1923), Freud assumiu a transferência como um
terreno precioso. Utilizada pelo analista, ela é na verdade “o mais poderoso adjuvante do
tratamento”. A partir daí, afirmam Roudinesco e Plon (1998, p. 768), foi o amor transferencial
que passou a reter toda atenção de Freud. E pontuam:
com esse termo, ele designou os casos em que o paciente, em geral uma mulher,
declara sua paixão pelo analista. Notando que não bastava mudar de analista que o
sentimento se repetiria, Freud sublinhou a absoluta necessidade de o analista
respeitar uma regra de abstinência, não apenas por razões éticas, mas, sobretudo para
que o objetivo da analise fosse perseguido. Nesses casos, com efeito, a resistência à
análise reveste-se da forma de um amor: o trabalho passa a ter como objetivo
encontrar as origens inconscientes dessa manifestação que invade a transferência.